O Ouro do Brasil [1 ed.]
 9789722721257

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lmprensa Nacion~Kasa da Moeda, S. A. Av. de Ant6nio Jose de Almeida 1000-042 Lisboa www.incrn.pt www.facebook.com/INCM.Livros [email protected] © Leo nor Freire. Costa, Maria Manuela Rocha e Rita Martins de ·Sousa

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Imprensa Nac1onal-Casa da Maeda

Tftulo: 0 Ouro do Brasil Autoras: Leonor Freire C~sta; Maria Manuela Rocha e Rita M tins d s Concepr;ao graftca: INCM ar e ousa D.esign da capa: INCM/Joao Tiago Marques T1ragem: 1000 exemplares J.d edi9ao: Julho de 2013 ISBN: 978-972!-27-2125-7 Dep6sito legal: 350 512/12 Edir;ao n." 1019133 (

4

I 1 r

INTRODU>, ob. cit.

22

16

Virgilio Noya Pinto, 0 Ouro Brasileiro ..., p. 228. Michel Morineau;-fncroyables Gazettes ..., nota 6, p. 123. 18 Ward Barrett, «World bullion flows, 1450-1800», in J.D. Tracy (ed), The Rise of Merchant Empires .. Long Distance Trade in the Early Modern World, 1350-1750, Cambridge, Cambrige University Press, 1990, pp. 224-254. 19 Virgilio NoyaPinto, 0 Ouro Brasileiro ... 20 «Rendimento que .produziu o quinto do ouro na Capitania de Minas Gerais»; :SNL, Colec~ao Pombalina, vol. 643, docs. n. 011 136, 146 e 147. 21 Ao inves propoe uma media anual de 108 g. Noya Pinto, 0 Ouro Brasileiro ..., pp. 69 e 71-75. 17

23

mineiras e, apesar da fragmentac;ao dos dados, formulou uma estimativa convincente do conjunto 22• A. Bahia, contudo, ficou de parte, pela insufici@ncia da documentac;ao encontrada. Estimou urn montante de produc;ao em tomo dos 877 000 kg ao Iongo de todo 0 seculo XVIII, computo superior ao proposto por Soetbeer (836 050 kg) e Von Eschwege (740 334 kg), mas inferior ao alvitrado por Calogeras (948 105 kg). Valores que pecam por defeito, como Noya Pinto nao deixou de recordar. A razao e ja conhecida e sempre evocada quando se atenta nos impostos sobre a produc;ao, pois onU.!-em os descaminhos. Contudo, neste caso, subavaliac;ao nao radicava apenas no contrabando. 0 proprio Noya Pinto di-lo, quando verificou que as remessas de ouro entradas em Lisboa somariam montantes superiores a produc;ao, em particular ate meados da decada de 1730. A discrepancia dever-se-ia, entao, a exclusao da Bahia, cuja produc;ao se desconhecia, mas seria zona que alcanc;aria os seus maiores niveis de atividade neste periodo. Donde, os dados sacados em registos fiscais sobre a produc;ao constituiriam apenas uma aproximac;ao aos quantitativos de metais preciosos a que a Europa acedera, pelo que a observac;ao das chegadas ao reino era uma tarefa essencial e complementar. Noya Pinto elege~-a:s cartas dos collSules sediados em Lisboa como eixo central da sua pesquisa. Pela primeira vez foi executada uma recolha exaustiva das informac;oes constantes da correspond@ncia ·consular· francesa sobre o ouro transportado nas frotas provenientes do Brasil, estendend~se o levantamento ao periodo que medeia entre 1697 e 1766 23• Enquanto Noya Pinto trabalhava a correspondencia consular, Michel Morineau privilegiava a imprensa economica holandesa. 0 intuito do seu trabalho era amplo, procurando atraves das remessas de prata e ouro americartos uma avaliac;ao do impacto

a

dos metais preciosos na economia europeia dos seculos xvn e xvm 24 • Tomou conhecimento da investigac;ao de Noya Pinto quando a sua estava avanc:;ada. Porem, a opc;ao fora sempre a de elaborar uma serie a partir das gaz~tas holandesas uma vez que a informac:;ao prestada pelas cartas dos consules - apenas disponivel para Portugal - nao so ignorava OS fluxos de prata como apresentava lacunas para o ouro. Empenhou-se, assim, na demonstrac:;ao das falhas da correspondencia consular atraves do confronto dos dados prestados por uma e outra fonte. Concluiu que, em muitas circunstancias, a informac:;ao se repetia, noutras verificavam-se diferenc:;as devidas a erros da responsabilidade dos consules na transcric;ao de valores OS quais Morineau pode assim corrigir. Constatou, porem, que a correspondencia diplomatica falava de algumas frotas nao evocadas em jomais holandeses. Nesses casos, Morineau nao li.esitou em recorrer as fontes diplomaticas de forma a preencher· as lacunas na serie. Justificou,esta decisao porque presumiu que qualquer dos fundos documentais estaria a consumir a mesma ·fonte de informac:;ao. A serie que facultou fica assim completa, .baseada sobretudo nos jomais holandeses mas preenchida, quando necessario, com · as noticias dadas pelos consules franceses 25 • Para o proposito deste capitulo, importa coligir referencias so]?re a credibilidade da informac;ao que estribou a construc:;ao das series disponiveis ate ao momento. Morineau suspeitou que a principal fonte de informac:;ao, quer dos gazeteiros, quer dos consules, estivesse nos proprios passageiros ou tripulac:;ao das frotas. Capitaes de navios e escrivaes seriam conhecedores das quantias exatas pois a eles cabia o registo das remessas a bordo. 0 que nao significa que os montantes ventilados fossem rigorosos. Os enganos e imprecisoes eram ate frequentes. De resto, era do inter~,sse da Coroa controlar a divulgac;ao, o que /

22

Idem, ibidem, p. 116. 23 Transcri~ao dos registos do ouro chegado a Lisboa segundo a correspondencia consular em Noya Pinto, 0 Duro Brasileiro ... , pp. 137-184.

24

Os

24 resultados desta investiga~ao de grande dimensao foram sendo publicados entre 1969 e 1976, voltando a ser republicados em 1985. Michel Morineau, Incroyables Gazettes ... 25 A serie e obtida atraves de cerca de 160 gazetas e 80 a 90 cartas de consules. Michel Morineau, Incroyables Gazettes ..., p. 125.

25

1

1' J

. I

chegou a interferir no que a cliplomacia pode noticiar. 0 consul De Morney foi fort;ado a desclizer-se: «... a relat;ao que tive a honra de vos enviar, da carga da frota do Brasil estava exagerada; ela e exacta em relat;ao as mercadorias, mas qu~to ao ouro, pessoas bern informadas asseguram-me que nao havia mais de 18 a 19 milhoes de libras, incluindo-se o que trazem tres navios que ainda nao chegaram» 26. Outro consul, em 1722, a prop6sito da frota da Bahia declarou: «... nao se pode saber nada, alem de que esta frota sehdo uma das mais ricas vinda daquela regiao, o conselho deste prindpe, sem duvida, deddiu a prop6sito impedir seu conhecimento as cortes estrangeiras, para faze-las ignorar a quantidade de ouro que Portugal retira cada vez mais de suas minas. [... ] E esta mesma pes~oa me assegurou que as riquezas desta frota, em barras e em ouro em p6, eram surpreendentes e que se ela nao tivesse visto a relat;ao nas maos do Rei, seu Senhor, nao tf1ria jamais acreclitado ... »27. Este ultimo caso ilustra que a livre circulat;ao de informat;ao nao era regra, obrigando os repres~ntantes de nat;5es estrangeiras em Portugal a fazer valer as suas redes de relat;oes pessoais para forjar uma ideia aproximada sobre o que chegava. 0 que nem sempre conseguiram, como atestam as expressoes que acompanharam muitas vezes a sua atividade epistolar: «nao se pode saber nada», «a quantidade permanece em segredo», «algum ouro de cuja quantidade nada se sabe» foram, em certas ocasioes, as Unicas notidas que puder'am enviar. Noutras drcunstancias, escudaram-se em expressoes como «estima-se», «assegura-se», ou «cerca de». Nao admira que Magalhaes Godinho tenha classificado como «ainda muito imperfeita» a visao proporcionada por estas cartas e que Morineau se tenha esfort;ado por confronta-la com as gazetas holandesas, manifestando a sua preferencia por esta ultima via. ·Na verdade, Morineau verificou que a imprensa da epoca nem sempre publicava nt1meros coincidentes com os constantes

!

'

das cartas dos consules, fomecendo por vezes montantes mais minuciosos. Presumiu, entao, a existencia de fontes alternativas de informat;ao, acessiveis ao jomalismo econ6mico e financeiro e desenhou os seus circuito.s possiveis. Julgou os valores menos precisos como resultantes de rum.ores achegada dos navios, relatos informais transmitidos oralmente por quem sabia da riqueza .transportada do Brasil. Ap6s estas primeiras informat;Oes reportadas pelos tripulantes, diz Morineau que. apareciam, por vezes, outros elementos mais completos, tais como «notas recligidas pelos capitaes dos navios», aos quais se juntavam ocasionalmente «dados oficiais impressos»: relac;5es das cargas que proporcionavam·nt1meros mais precisos, em contraposic;ao com as primeiras estimativas em cifras redondas 28• 0 autor nao cita qualquer documento que instrua este circuito ou que sugira ser ele regular ou determinado superiormente. Infere-o, apenas, apoiado na observac;ao das gazetas, que umas vezes inclicam nt1meros «redondos»,- noutras. transcrevem relat;5es das cargas vindas do Brasil, noutras, ainda, clivulgam os dois tipos de informac;ao. Face a esta cliversidad~ de conteUdos e respetivos graus de detalhe, Morineau conjecturou-que os primeiros se escudaram em rum.ores, comuns entre passageiros e tripulac;ao das frotas, enquanto a infoi'II).at;iio precisa teria origem oficial. Mas nao e,q,lica por que motivo sendo esta conhecida dos gazeteiros, escapara aos consules franceses. Valero estas suposic;oes para Morineau admitir que os peri6clicos econ6micos terao tido acesso a fontes com maior rigor, ao publicarem listas. das cargas provenientes da colonia. Contudo, sublinhe-se desde ja o equivoco de Morineau ao designar estas listas por «manife~tos oficiais» 29 • Trata-se de listagens dos produtos vindos nas frotas, que o proprio autor publica, relativa a £rota da Bahia de 1758, fac-simile do Mappa por sua vez ja public-ado por Boxer 30 • Mas estes Mappas nada

28

Idem, ibidem, p. 124. Idem, ibidem, p. 133 e nota-20 e pp. 137 e 138. 30 Charles Boxer, 0 Imperio Colonial Portugues (1415-1825), Lisboa, Edic;oes 70, 1981, figura 16 (s/p). 29

26 27

26

Virgilio Noya Pinto, 0 Duro Brasileiro ..., p. 142. Idem, ibidem, p. 148.

27

,;•

tern de semelhante aos Livros-de Manifestos. Morineau seguiu no engodo de Boxer ao >, Historia Mexicana, vol. xuv, n. 2 2, 1994, pp. 269-298. 31 A Casa da Moeda do Porto s6 foi autorizada a amoedar ouro entre 1712 e 1714, cessando depois a sua labora-;ao. Para uma aruilise desta oficina monetana, d. Rita Martins de Sousa, Moeda e Metais Preciosos ... , pp. 31-35. 32 0 Conselho Ultramarino foi favoravel a esta decisao como deinonstra a consulta datada de 11 de janeiro de 1736 (S. Sombra, Hist6ria Monetdria do Brasil Colonial, Rio de Janeiro, 1938, p. 169).

66

Rica amoedou apenas durante urn decenio, entre 1724 e 1734, e o total nao foi muito significativo, pois cifrou-se na ordem dos 27 contos; no entanto, foi esta oficina monetaria a que mais contribuiu para as chegadas a Lisboa durante o periodo no qual laborou. 0 seu encerramento explica por que razao se registou uma taxa de crescimento de 60% no Rio de Janeiro em 1735-1739 (totalizaram 12 578 contos). Aqui, o zenite das emissoes foi atingido entre 1740 a 1760, com valores compreendidos entre 28 000 contos e 32 000 contos. Nos anos 1795 a 1799 ainda se amoedaram cerca de 8000 contos, niveis ainda assim superiores aos registados no inicio do seculo. Na Bahia tambem se cunhou moeda do reino. Desconhecem-se series sobre essas emissoes, mas sabe-se que esta regiao foi responsavel por cerca de 20 % do total da moeda remetida do territ6rio brasileiro. Os valores ~gi_stados no quadro n.Q 2.4 referem-se a urn documento que indica-as-cunhagens para urn periodo restrito - entre 1 de janeiro de 1762 e 15 de setembro de 1767. Apontam para emissoes menores P.o que o Rio. No periodo 1762-1767 amoedaram-se cerca de-26-9.4 contos naquela oficina, contra cerca de 15 000 contos amoedados entre 1760-1765 nesta oficina. Em sintese, os Livros de Manifestos revelam que a Casada Moeda do-Rio de Janeiro foi o principal centro emissor da moeda portuguesa que constituiu os fluxos monetarios no sentido Brasil-Portugal. QUADRO N.• 2.4

Emissiies monetarlas. de moeda portuguesa de ouro nas Casas da Moeda do Brasil e remessas de moeda para ~isboa (em contos) 1720-1804 Perlodo

1720-1724 1725-1729 1730-1734 1735-1739 1740-1744 1745-1749 1750-1754 1755-1759 1760-1764 1765-1769

..... ..... ..... ..... ..... .. ; .. ..... ..... ..... .....

Casa da Moeda do Rio de Janeiro

.5127 4835 4992 12578 13108 14674 16106 15924 14999 12200

... ·

Lisboa .............. 'I' ................ Londres ................................... . Paris ........................... ····.······· Madrid ........................... _. ....... .

1760-1779

178().1799

18()().1807

2,2 7

1,8

6,4.

1,4 6,1 s.d. s.d.

3,5 3,3

3,8

2,9.

Fonte: Robert R.C. Allen, «The great divergence in european wages and prices from the middle ages to the first world war>>, Explorations in Economic History, 38, 2001 (recalculado em func;iio de os valores estarem indexados a 1745-1754). ·

Verifica-se que OS UJ.timos 20 anos do seculo XVIII iniciaram um periodo de perda de niveis de vida quer em Portugal, quer em Inglaterra e·"Espanha, sendo a info~ac;ao para a Franc;a menos significativa por estarem em falta os anos de 1800 em diante. Duas conclusoes sao de destacar: Portugal, no que respeitava ao trabalho -ul'bano nao qualificado, com remunerac;ao pr6xima ao jomal agricola, tinha os mais baixos salarios. Em segundo lugar, tornados como indicador .de produtividade, sa~ larios reais em queda sugerem a variac;ao negativa do produto real que parece. ser comum a outros casos nacionais. Mas a depreciac;ao dos niveis de vida foi mais critica em Portugal que na Gra-Bretanha, apontando para a contrac;ao da procura intema

que penalizaria em primeira instancia os bens transformados, condic;ao para desinvestimento na industria, ainda mais se os hens substituiveis tinham prec;os competitivos. Nao surpreende que, por exemplo, os exploradores da Real Fabrica da Covilha largassem o empreendimento na conjuntura de 1800 29 • Pouco se pode adiantar sobre a evoluc;ao do rendimento real do capital e da terra. As rendas das grandes casas nobiliarquicas depreciaram-se 30, mas nao houve desmobilizac;ao dos investidores nos principais. contratos do Estado 31 • Contudo, a prorrogac;ao dos prazos destes contratos, ao consolidar o grupo detentor deste neg6cio, conferia rigidez as negociac;oes e impedia uma atualizac;ao das receitas do Estado em pleno periodo de acrescimo da despesa 32•· Donde, em certos neg6cios que envolveram a persistente privatizac;ao das func;oes administrativas do Estado, OS lucrOS nao se terao depreciado a mesma taxa dos OUtrOS rendimentos, o que se conforma com condic;oes para a evicc;ap de capitais ate entao direcionados a investimento produtivo 33 • No entanto, e indesmentivel que nesta composic;ao dos rendimentos reais estao os efeitos de uma inflac;ao que tambem nao e estritamente- portuguesa. A evoluc;ao do indie~;~ geral de prec;os de hens de consumo corrente em Lisboa, representada no grafico n. 2 4.8 exibe uma inesperada estabilidade entre 1716 e 1776 (taxa de 0,5% ao am)), atendendo ao que se estima ter sido a evoluc;ao da oferta monetaria e, depois, a acentuada subida a uma taxa de 2,3 % ao ano, numa fase em que se verificou ter havido preferencia dos agentes em manter o ouro. em barra.

29

Nuno Madureira, Mercado e Privilegios ... , p. 407. Nuno Monteiro, 0 Crepusculo dos Grtmdes. A Casa e o Patrim6nio da Aristocracia em Portugal, 1750-1832, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2. • ed., Lisboa, 2003, pp. 326-330. 31 Nuno Madureira, Mercado e Privilegios ... , pp. 119 e 120. 32 Fernando Dores Costa, Crise Financeira, Divida Publica e Capitalistas (1796-1807), disserta~ao de mestrado, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1992, p. 212. 33 Nuno Madureira, Mercado e Privilegios ... , pp. 106 e 107. 30

Peter Lindert, «English population ... Cabaz de consumo anual mfnimo composto de trigo (42,1 %), legumes (6,9 %), carne de carneiro (14 %), ovos (2,2 %), azeite (5,3 %), galinha (5,9 %), vinho '(17,4 %) e carvao (6,1 %). 27 28

112

113

GRAFI:CO N.• 4.8

indice Geral de Pre~os em Lisboa (1700-1807) (cabaz): (indice 175o-1769) 300 ~----------------------------------------------

Fonte: A mesma do grafico 4.6.

A infla«;ao, como se sabe, nao foi fenom>, Revista de Hist6ria Econ6mica e Social, n.Q 7, 1981, pp. 29-80; Joaquim Romero Magalhaes, 0 Algarve Econ6mico ...; Rui Santos, Mercado ... 46 Se fossem contempladas as taxas de varia~o do produto nominal apemis entre 1776 e 1802 como base de estirnativa de fluxos de investimento, os montantes alcan~ariam a absurda percentagem de 22 % do Pffi por efeito da eleva~iio do pre~o dos factores. 119

que, nesse caso, os primeiros passos na difusao de inova~oes . tecnologicas na Gra-Bretanha ocorreram num. contexto de deprecia~ao dos sahirios reais. Os diferentes cenarios aqui apresentados confirmam que os tres primeiros quartcHs do seculo xvm, ~e aumento da oferta. de moeda, nao testemunharam tensoes inflacionistas. 0 investimento realizado tera sido suficiente para garantir crescimento real do produto a taxas superiores as da popula~ao, havendo sinais de ganhos de produtividade pelo comportamento dos salarios. A abundancia de meios monetarios, ·rom a velocidade da circula~ao a: descer, assina:la, ainda, ter havido entesouramento como op~ao dos detentores de moeda. Em suma, se a economia nao cresceu mais, nao foi por constrangimentos monetarios decorrentes da sua drenagem para o exterior. A estabiliza~ao do stock de moeda depois de 1780 coincide com infla~ao, simultaneamente importada e agravada por acrescimo da despesa publica, com repercussoes nefastas nos rendimentos reais do traba:lho e da terra. Se a infla~ao nao teve apenas uma componente monetaria, entao, o final do seculo sera bern revelador dos tetos de produtividade malthusianos. Por sua vez, verificou-se que os relativos custos superiores dos bens de capita~·contribuiriam para desincentivar a:ltera~ao nas fun~oes de produ~ao poupadoras de trabalho. A varia~ao comparada dos pre~os dos factores (capital e trabalho) ajuda a enquadrar a ·fr"Erca-"-d.ifusao de energia mecanizada que a historiografia atribui como causa das dificuldades de Portugal na viragem para 0 seculo XIX 47• A analise aqui rea:lizada das flutua~oes que fraturaram o seculo xvm admitiu uma inflexao, sim, mas apenas datavel do ultimo quartet da centUria, sobressaindo a continuidade do periodo pombalino relativamente as dtkadas anteriores. Uma observa~ao dos intervenientes nestas remessas de ouro, que permitiram a acumula~ao aqui descrita, vern no sentido de descortinar outras componentes dessa continuidade. '

47

CAPITULO

v

FLUXOS DE OURO E AGENTES: PERFIL SOCIAL E RENOVA>.

127

Ano

NUmero de deotinatarlos Mlnlmo

1751 1761

1824 1612

Valoreo (rels) Mmdmo

Ml!dla

6$400 25585$408 1710$576 24$000 74800$000 1981$929

..

Total

3 120 090$634 3194 868$996

Deds

la9 10 (valor em (valor em percentagem) peKentagem)

48,1 49,0

51,9 51,1

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

Nao se contradita, assim, antes se da suporte estatistico de que a explosao aurifera abriuas portas a muitos pequenos participantes nestes fluxos 13• Todavia, a distribui~ao das remessas descobre 0 aum~nto gradual dos valores medios. Se em 1721 a media das remessas andava em torno dos 740 mil reis, em 1761 ascendia a quase 2 Contos. 0 que permanece e a estrutura da distribui~ao das remessas, que exibe a mesma elevada concentra~ao em qualquer dos anos: o indice de Gini e de 0,66, com exce~ao de 1731 (0,68). A dimensao do universo em causa nao e indiferente diversidade s6cio-ocupacional dos agentes. A tardia. diferencia~ao social da atividade mercantil, sobejarnente discutida no trabalho de Jorge Pedreira, repercute-se nas indica~oes fornecidas nos Livros~de Manifestos, reveladoras das impredsas barreiras institucionais (formais ou informais) a partidpa~ao no comercio 14• Vale a pena sumariar o que se aprende sobre a sociologia dos reriietentes e-destfnatanos dos fluxos de ouro, pese embora tal indica~ao se estribe em 2639 observa~oes e seja inferida a partir de especifica~oes, aparentemente respeitantes a distin~ao social dos individuos (fun~5es militares, cargos ou titulos). Trata-se, portanto, de uma informa~ao circunscrita a urn quinto dos participantes e que, a exce~ao dos constituintes em companhias, omite todas as situa~oes que proporcionariam a justa delimita~ao dos que se identificariam como homens de neg6cio.

Considerando o interesse das ila~oes providenciadas por este subuniverso, foram criadas categorias que atentam n:a diversidade institucional e s6cio-ocupacional dos intervenientes, remetendo~se para a categoria generica de «estrangeiros» todos os antrop6nimos cuja grafia assegurou essa interpreta~ao (quadro n. 2 5.3)15• A cria~ao desta categoria conceptualmente diversa intenta reapreciar o efetivo significado do exclusivo colonial. QUADRO N.• 5.3

a ideia

a

Caracteriza~ao

social e institucional dos agentes do ouro (1721-1761) (Remetentes e dest!natarlos)

Igreja e institui~oes de assistencia ........ . e Fazenda •....................... Milicia .................................. . Offcios mecarucos ........................ . Nobreza titular ................ v"••••••••• Governo _............................... . Sociedades comerciais (companhias) ...... . Estrarigeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . ........... . Justi~a

Total de referencias

590 249 640 14 16 5 499 612 2 625

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

Profiss5es mecarucas, nobreza titular e «GovernO>> sao as categorias menos representadas, se bern que o valor incluso em «Governo>> deva ser lido com precau~ao. Haveria que coteja-lo com urn cadastro dos membros dos diferentes tribunais e secretarias, o qual esta por cumprir. Note-se, no entanto, que deste .pequeno grupo fazem parte duas figuras de relevo: o vice-rei Vasco Fernandes Cesar de Meneses e Alexandre de Gusmao. Este ultimo, alias, consta das amostras de 1721, 1731 e 1741, certificando que a sua participa~ao nao foi esporadica.

15

13 14

128

Jorge Borges de Macedo, A Situa~iio Economica .. . Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Negocio ..., pp. 112 e 113.

Todas as designac;;5es foram mantidas de acordo com o registo nos livros de manifestos (v. folha «Roll of names», do quadro 1v, http:// ghes.iseg.utl. pt/index.htm?no=551000100094). 129

Ora, se era conhecido o papel de Alexandre de Gusmao na altera-;ao do sistema fiscal na colonia, introdl,lzindo a capita-;ao e maneio, ignorava-se que os seus contactos no Brasil o tomaram parte ativa nas remessas de ouro. Talvez por isso, a sua perce-;ao sobre os meandros dos descaminhos do ouro tenha merecido o cn!dito de D. Joiio V e, apesar de todas as tensoes e vozes contrarias, os seus par~ceres e instru-;oes lograram a implementa-;ao e perpetua-;ao de uma poiemica reforma na 1 fiscalidade do ouro 16• Ja o numero de observa-;oes sobre «milicia» (sargento, sargento-mor, capitao-mor, tenente, coronel, alferes, etc.), perfazendo 24 % dos casos, parece significativo. Desvenda-se aqui a interven-;ao dos efetivos militares necessarios a territorializa-;ao do Estado na colonia. Contudo, nesta categoria esta incluida a designa-;ao de «capitiio», de impossivel distin-;ao entre o lugar de comando no navio e fun-;ao militar. E possivel, portanto, que, desta feita, a categoria contenha alguma sobreavalia-;ao. A abertura a participa-;ao de diferentes ocupa-;oes e institui-;oes estende-se a Igreja e institui-;6es de assistencia (22 %) e aos casos individualizados atraves de cargos na administra-;ao da· Fazenda ou de magistratura (desembargadores, doutores), compondo 9,4 % da amostra. Qualquer destas categorias recorda a documentada porosidade entre milicias, administra-;ao colonial e cmercio. Tenha-se como urn born exemplo Manuel Pereira do Lago, presente nos Livros de Manifestos e~ 1741 e 1751. Em 20 de junho de 1731 foi nomeado almoxarife da Fazenda da Colonia do Sacramento e no anode 1736 era capitao de urna das companhias da mesma pra-;a 17• Treze anos depois era provido no cargo de almoxarife da Fazenda qo Rio de Janeiro 18• Entretanto, a sua atividade

comercial e apreendida de forma clara na documenta-;ao fiscal. Foi recetor de ouro em Lisboa no anode 1741 e remetente no Rio de Janeiro em 1751, enviando remessas sobretudo para negociantes estrangeiros. Entre os seus correspondentes estao Jacob Subercrub, Diogo Combrebrum e Filipe Hoque!, figuras de relevo nos circuitos intemacionais que passaram por Lisboa. Uma hist6ria pessoal que atesta a tardia diferencia-;ao do grupo mercantil e as mwtiplas oportunidades exploradas pelos oficiais regios para incrementar 0 rendimento auferido nos ordenados com atividade comercial, ·providenciando exemplos de situa-;oes em que contrabando e corrup-;ao foram custos tolerados na constru-;ao do Estado no Antigo Regime 19• Nas paginas que Jorge Pedreira dedicou a esta questao colhem-se os casos de urn mestre de campo ~stabelecido no Para que mantinha ai casa de neg6cio; urn escrivao das exePI~O!!S que era ao mesmo tempo condutor de escravos para Minas Gerais; urn ouvidor em Piauf que acabou em Lisboa mantendo atividade comercial e fazendo emprestimos de dinheiro 20• _ Ja as categorias «companhias» e «estrangeiros» nao suscitam duvida quanto ao exclusivo, ou dominante, envolvimento na transa-;ao de mercadorias. 0 nfunero de observa-;oes respeitantes a antrop6nimos nao nacionais merece urn comentario mais alargado. Este nucleo de 612 registos acusa ,a atua-;ao das comunidades estrangeiras radicadas em Lisboa e no Porto na integra-;ao de circuitos europeus e coloniais. Nao esta em causa a conhecida segmenta-;ao social dos que intervieram nos mercados ~olonial e europeu, controlando os estrangeiros a liga~ao as pra-;as europ~ias e os nacionais os fluxos com ·a colonia 21 • A aten-;ao votada a essa segmenta-;ao

19

16

A. Gusmlio, Alexandre de Gusmiio e o Tratado de Madrid, Jaime Corteslio (ed.), Rio de Janeiro, Instituto Rio Branco, 1950. 17 P. Possamai, A Vida Cuotidiana na Colonia do Sacramento (1715-1735), Lisboa, Livros do Brasil, 2006. 18 AN(IT, Chancelaria de D. ]oiio V, t. 125, livro 80, fl. 181; t. 126, livro 92, fl. 389 v. 0 ; t. 125, livro 118, fl. 255 v. 0

130

Jacob van Klaverli!n, «Fiscalism, mercantilism and corruption>>, in D. C. Coleman (ed.), Revisions in Mercantilism. Debates in Economic History, London, Methuen, 1969; Ernst Pijning, Controlling Contraband: Mentality, Economy and. Society in Eighteenth-Century Rio de Janeiro, disserta~lio de doutoramento, Baltimore, 1997. 20 Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Neg6cio ..., p. 113. 21 Idem, ibidem, pp. 332 e 333.

131

,.

tern acreditado a eficacia dos instrumentos. formais de protec;ao do exclusivo colonial nacional, supondo pouco plausivel a participac;ao de casas estrangeiras nos fluxos do ouro. Ora, numa avaliac;ao deste problema, antes de mais, o quadro diplomatico herdado da Restaurac;ao deve ser lembrado 22 • Os tratados de alianc;a defensiva celebrados com a Inglaterra, Holanda e Franc;a contiveram clausulas permissivas a entrada de capitais estrangeiros nas rotas do Brasil. Os ingleses, de resto, obtiveram o privilegio de manter quatro agendas no Rio de Janeiro e Bahia 23• Por isso, as consequencias de longo prazo desta heranc;a explicariam a intenc;ao pombalina de «nacionalizac;ao» do controlo das transac;oes com o Brasil, alvejando os co~ssarios volantes, tidos como agentes preferenciais desses estrangeiros que havia decadas alcanc;avam--uma-parte dos efeitos gerados no comercio de. entreposto que caracterizava as relac;oes externas de Portugal 24• Sobre o papel destes negociantes de «idas e vindas» e dos interesses que melhor serviram se falara no proximo capitulo.

•.P

22 Jose Luis ca:i:ao-so, et. al., 0 'Iratado de Methuen (1703). Diplomacia, Guerra, Politica e Economia, Lisboa, Livros Horizonte, 2003; Edgar Prestage, The Diplomatic Relations of Portugal with France, England and Holland from 1640 to 1668, Watford,-V.oss & Michael, 1925. 23 Evaldo Cabral de Mello, 0 Neg6cio do Brasil. Portugal, os Pafses Baixos eo Nordeste, 1641-1669, Lisboa, CNCDP, 2001. 24 Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Neg6cio ... , p. 118. Para uma visao acerca das fun~oes dos comissanos volantes, v. ainda Kenneth Maxwell, 0 Marques de Pombal, Lisboa, Editorial Presen~a, 2001; idem, Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal 1750-1808, Cambridge, Cambridge University Press, 1973; Ray Flory, Bahian Society in the Mid-Colonial Period: the Sugar Planters, Tobacco Growers, Merchants and Artisans of Salvador and Reconcavo, 1680-1725, disserta~ao de doutoramento, University of Texas, Austin, 1978; Roqttinaldo Ferreira, «Dinamica do comercio intra-colonial: Geribita, panos asiaticos e guerra no trafico angolano de escravos», in Joao Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e M. F. Couvea (org.), 0 Antigo Regime nos Tr.6picos: a Dinamica Imperial Portuguesa (Seculos XVI-XVIII), Rio de Janeiro, Editora. Civiliza.;ao Brasileira, 2001, pp. 339-378.

132

lmporta para ja ter em conta que a intervenc;ao nas frotas brasileiras nao foi legalmente vedada aos estrangeiros. E certo que, uma vez encetado o ciclo do ouro, a inquietac;ao com o contrabando pediu o cerceio das margens de ac;ao diplomaticamente concedidas aos forasteiros. No reinado de D. Joao V, govemadores-gerais e capitaes-m6r receberam instruc;oes nesse sentido. Os tratados do seculo XVII, continuando em vigor, requeriam algum cuidado em nao ferir os privilegios sancionados, sendo recordados pelas comunidades estrangeiras perante as investidas da administrac;ao colonial que enveredava por uma «resistencia passiva» 25 • Este jogo dissimulado da administrac;ao portuguesa acabou por sortir resultados, banindo-se as casas estrangeiras, mas a contestac;ao deste desfecho nao demorou. A feitoria inglesa em Lisboa reagiu, o que acusa a sua preocupac;ao em ter no Brasil agentes da mesma nacionalidade 26• Protestos inconsequentes. Coagidos a prescindir de seus conterraneos como consignatarios na colonia, prosseguiriam todavia na expedic;ao de mercadorias nas frotas, faculdade legal, repita-se, nunca coartada. Nisto se distinguiu a observac;ao do exclusivo colonial portugues. do espanhol, onde o investimento direto de capitais estrangeiros nas transac;oes com as fndias requereu a intervenc;ao de testas de ferro ou processos de naturalizac;ao, mecanismo lento e mais exigente na sua concretizac;ao 27• ·A diferenc;a entre os dois regimes ibericos esta, pois, documentada nas frotas do ouro, onde se contam bastos exemplos de destinatarios estrangeiros. A ponderac;ao desta categoria nas relac;oes com a colonia e o seu significado para a integrac;ao

Ernest Pijning, Controlling Contraband :.., capitulo 1. Charles Boxer,. The Golden Age ... 27 Allan Christelow, «Great Britain and the trade from Cadiz and Lisbon to Spanish America and Brazil, 1759-1783», The Hispanic American Historical Review, vol. 27, 1947, pp. 2-29; Garda-Baquero Gonzalez, Cadiz y el Atlantica (1717-1778), Sevilla, Publicaciones de la Escuela de Estudios Hispano-Americanos de la Universidad de Sevilla, 1988; A. McFarlane~ Colombia before Independence. Economy, Society and Politics under Bourbon Rule, Cambridge, Cambridge Unive~:sity Press, 1993. 25

26

133

dos circuitos Europa-Brasil exige urn cruzamento entre a informa~ao coligida nos Livros de Manifestos e a documenta~ao da Alfand~ga de Lisboa 28 • Tomando o anode 1751 como a~ostra, reconhece-se que a sua representatividade nos fluxos europeus nao tern paralelo nos Livros de Manifestos. Cerca de 74% da receita do imposto do consulado deveu-se a negociantes forasteiros, os quais apenas perfizeram 28 % do total dos tributados (quadro n. 11 5.4) 29 • Se o's portugueses suplantaram em numero os estrangeiros, tal dominio apenas se explica pela frequencia com que reclamaram na alfandega «moleques» e «molequinhos» importados, unica mercadoria colonial que passava pela Alfiindega geral. Assim, atendendo ao tj_po de bens taxados, nao ha que duvidar que os estrangeiros controlaram as importa~oes europeias numa escala sem paralelo com a sua interven~ao no neg6cio colonial. QUADRO N. 0 5.4

Pela redu~ao do numero de casos entre 1731 e 1761 (quadro n.11 5.5), os Livros de Manifestos atestam ainda que essa presen~a teria conhecido obstaculos. Mas a constata~ao deste decrescimo em termos absolutos nao e suficiente para certificar a eficacia das medidas pombalinas de nacionaliza~ao do comercio colonial. QUADRO N. 0 5.5 Presen~a

de destinatArios estrangeiros nas frotas (1721-1761) Ano

1721.0 00. 00.. 00.• 0000000000. 000000. 0000000000. 0000000000.... 00000 1731. 0000. 0.. 00.. 00.. 00000000000:0. 000. 000000. 000000. 000. 00000000 1741. 0. 000. 000.. 0000. 00000000000000000000. 000000. 0000000000000000 1751. 00. 0.. 0000. 00000000. 0. 000000000000000000000. 000000.. 0. 000.. 0 1761.0 0. 000000. 0000. 00000..• 000000000. 0000000000000000000•·• 00. 000

N~ro

163 160 179 137 82

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

Impasto do Consulado (1751)- Alfiindega de Lisboa I

Nacionalidade

NUmero de agcntes

Estrangeiros .................... Portugueses .. , ................. Desconhecida ...................

395 963 36

Total. ..........

1394

Fonte:

ANm -

Imposto

Percentagem

. 28,3 69,1 2,6 100

(n!la)

37245$829 10393$138 2 929$009 50567$976

Percentagem

73,7 20,5 5,8 100

Alfdndega de Lisboa. Consulado. 1751.

29 As observac;oes aqui apresentadas sobre o envolvimento de negociantes estrangeiros no comercio colonial com o Brasil retomam amilise mais detalhada publicada noutro local [v. Leonor Freire Costa e Maria Manuela Rocha, «Nas margens do contrabando: estrangeiros e comissanos volantes no seculo xvm em Portugal>>, in Jorge Braga de Macedo et al. (org.), Nove Ensaios na Tradipio de forge Borges de Macedo, Lisboa, Tribuna da Hist6ria, 2009, pp. 55-82]. 9 2 ANm- Alfandega de Lisboa. Consulado .. 1751. Note-se que os bens coloniais, com entrada na Casa da india, nao fazem parte destes registos, com excec;ao dos escravos destinados ao consumo domestico.

134

0 confronto como total de destinatano~Jquadro n. 11 5.2), revela uma quebra a partir de 1741. Os 163 estrangeiros presentes nas. frotas em 172~ representavam 9,5% dos destinatarios; uma decada depois eram 7,7 %. A sua participa~ao subiu em 1741 (8,9 %), descendo para 7,5% em 1751 e quedando-se em 5% em 1761. E verdade que a maior quebra se registou depois de Pol,llbal, o que desvenda a eficacia relativa da a~ao do marques, mas a tendencia descen:dente era anterior 30 • ·A caracteriza~ao do universo envolvido nos fluxos de ouro pede ainda. que se avalie a fluidez deste grupo, problema ja analisado para a segunda metade· do seculo xvm durante o qual se manifestou uma elevada renova~ao apenas contrariada no ultimo quartel do seculo 31 • 0 escrutinio deste problema faz-se com uma primeira quantifica~ao dos casos que figuram em mais do que urn anode amostragem (quadro n. 11 5.6).

30

31

Kenrieth Maxwell, 0 Marques de Pombal ... Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Neg6cio ...

135

QUADRO N.• 5.6

NUmero de agentes

Continuidade dos intervenientes nos fluxos-de ouro (1721-1761) ·

Ano

1..................................................... 10.................................................... 20....................................................

7 471 81,0% 1214 13,2% 386 4,2% 30.................................................... 131 1,4% 40 . . . • . . . . . . . . . . . . . . • . • • • . • . . • . . . . . . • • . . • • • • • . . . . . . . . . 1--1:..:6:__-1-__;:0!::;;;2:..:.%=--

Total .. .. .. • . . .. . . . . .. .. . . .

9 218

100,0%

Fonte: ACML, Livros de· Manifestos.

Constata-se que 1747 individuos (19 %), permaneceram ativos por urn periodo igual ou superior a 10 anos. 0 apuramento da mancha de antroponimos que intercetam as amostras estima o que se designa por taxa de renovac;ao cujo valor elevado mostra a fluidez do universo em estudo 32 • Os resultados deste exerdcio (quadro n. 2 5.7) certificam que a proporc;ao dos individuos que aparecem pela primeira vez em cada urn dos anos oscila entre 76% a.86% (proporc;ao dos que entraram de novo em relac;ao,aoJotal de agentes de cada ano ).. QUADRO N.• 5.7 Renov~l.!l

d9 grupo de agentes do ouro NU!nero de agentes Renova~o

Ano

1721 ................ 1731 ................ 1741 ................

Total

Entraram

Pe1'!11811«er88I

Salram

2112 2675 2466

2312 1868

363 598·

1749 2077

0,86 0,76

32 A taxa de renova~ao e um ratio entre o nUm.ero de agentes que permanecem de decada para d1kada sobre o ·nUm.ero' total de agentes registados em cada ano [1 - (nUm.ero de intervenientes que permanecem + numero total de intervenientes)]

136

Entraram

Permaneceram

Salram

2385 2023

1853 1547

532 476

1934 1909

NUmero de intervenientes

NU!nero de anos de at!vldsde .

.

Renovat;io Total

1751 ................. 1761 ................

I

0,78 0,76

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

A fluidez do grupo, todavia, revela urn padrao distinto desde 1741, mantendo-se em volta dos 76%-78%, o que sugere que as transformac;oes organizativas, arrastadas pela fundac;ao de companhias privilegiadas na decada de 1750, nao constituem urn corte nesta estrutura. Se e sabido que a constituic;ao das companhias afligiram a feitoria inglesa, sobretudo aquando de urn projeto para o Rio de Janeiro semelhante ao que fora concretizado para as regioes nordestinas e para Estado do Maranhao e Para, esta comprovado pela historiografia sobre elites economicas da segunda metade do seculo XVIII que essas inovac;oes institucionais e organizativas iptentaram sobretudo interferir no grup9 mercantil nacional, pois foram concebidas para entregar os grandes negocios da res publica aos mais capitalizados, dotados de urn saber especializado 33 • Uma politica cujo corolario foi a consolidac;ao do poder economico de uma fac;ao, cU.mplice dos novos institutes reguladores da atividade economica. De algum modo, tais medidas de elitizac;ao do negocio colonial, complementares da distinc;ao juridica entre comercio por grosso e retalho e atribuic;ao a Junta do Comerdo dessas func;oes reguladoras, poderiam contrariar a fluidez do grupo aqui documentada, ·a qual, por sua vez, minimizava a probabilidade de reproduc;ao social do grupo. Contudo, e pesem embora as medidas do ministro de D. Jose, os indices de renovac;ao mantiv~ram-se elevados ate bern tarde. So nos ultimos 20 anos do seculo XVIII OS livros da Junta do Comercio

o

33 Nuno Madureira, Mercado e Privilegios ... ; Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Neg6cio ...

137

/

revelam que apenas 20 % dos registados nal constavam das matriculas anteriores. Significava uma redu~ao das taxas de renova~ao dos anos 60 e 70, que ainda atingiram os 50 %. Por isso, adquire especial significado a consolida~ao de urn nucleo que persiste no neg6cio por longos periodos: cerca de 15 % dos negociantes matriculados ficaram ativos durante 25 anos e quase 10% por mais de 30 anos 34• A fluidez e, portanto, uma caracteristica duradoura do grupo mercantile resistiu a uma matriz institucional destinada a contraria-la. Com maioria de razao, a ausencia de barreiras institucionais a entrada no comercio durante a primeira metade do seculo xvm empolaria essa caracteristica tal como a heterogeneidade ocupacional que acima se avaliou. Por isso, qualquer exercicio que busque aqui as origens da elite pombalina tera resultados pouco conclusivos. A questao, porerri, pode trazer diferente resposta se a analise for restringida aos que, por comodidade, se chamarao «elite» dos destinatarios des.te ouro, informando a hip6tese de ser nos escaloes superiores dos valores das remessas que se encontrarao vestigios de uma fase previa de acumula~ao e incremento da escala de neg6cio, condi~ao necessaria a gesta~ao de uma franfa social capaz de agarrar os grandes contratos do Estado.

2. DESTINATARlOS DAS MAIORES REMESSAS DE OURO

0 escalao considerado relevante para delimitar o grupo dos maiores destinatario~ de remessas de ouro fixou-se no patamar acima de 1,8 contos, decisao escorada nos resultados da estatistica descritiva realizada atras que acusou este minimo para as classes de valores mais elevados 35 • Admite-se que este patamar nao circunscrevera de forma extrema 0 universo a

Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Neg6cio ..., p. 135. Corresponde ao 10. 0 deci do ano de 1721, o qual varia entre 1836$000 e 14 798$400, v. anexo n. 2 3. 34

35

138

estudar, mas dara pertinen:cia adefini~ao destes recetores como uma «elite», ou minoria, que lidou com montantes substanciais de ouro. A maquia de 1,8 contos corresponderia a nove vezes a renda das maiores propriedades nas freguesias de Lisboa, mas seria apenas urn quarto do valor medio do patrim6nio de urn conjunto de individuos de diferentes extra~oes sociais da cidade de Lisboa 36 • Preenchendo esta condi~ao encontram-se 1906 agentes (nominais ou em companhias), que perfazem 19,9% do conjunto global da amostra, responsaveis pela rece~ao de 47,2 % do total de ouro chegado para os particulares durante os cinco anos considerados (quadro n. 11 5.8)37• QUADRO N.• S.8 Escalao superior dos·destinaJUios (nllmero e valor das remessas) (1721-1761) ·--·-·-· Valor das remessas (contos de ms)

Destirumlrloo Ano

Escaliio superior

Escaliio superior Total

NU.mero

Total

Nlimero

··ifalr->. Perc:entagem

Perc:entagem

Media

483

12,0 15,9 20,5 23,2 29,1

1834 3214 5692 4026 3877

1373. 1936 2325 . 2514

35,7 42,7 34,0 57,7 64,8

. 3,1 4,1 4,7 5,2 5,3

1906

19,9

18643

8802

47,2

4,7

1721 ......... 1731 ......... 1741 ......... 1751 ......... 1761 .........

1802 2177 2074 1876 1659

216 347 425

Total ...

9588

435

654

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

36

Jose Vicente Serrao, Os Campos e a Cidade. Configura¢o das Estruturas Fundiarias da Regiiio de'i:;isboa nos Finais do Antigo Regime, dissertar;ao de doutoramento, ISCTE, Lisboa, 2000, p. 51; Nuno Madureira, Inventarios. Aspectos do Consumo eda Vida ·Material em Lisboa em Fi!Ulis do Antigo Regime, dissertar;ao de mestrado, Lisboa, FCSH, 1989, quadro n.0 1.9, p. 61. 37 Em anexo fomece-se a listagem dos destinatarios integrados neste escalao superior (anexo n.0 4, «Destinatarios das maiores remessas :- 1721-1761»). Nesta listagem, a informar;ao eapresentada conforme a anotar;ao nos 'Livros de Manifestos, ou seja, nos casos em que a remessa se destinava a mais de urn individuo foi mantida essa aglutinar;ao.

139

• .P

A desagrega~ao anual desvenda altera~oes relevantes na representatividade deste escalao superiorde.recetores de ouro 38 • Seem 1721 o subgrupo perfez 12%, a· sua pondera~ao aumentou, atingindo 29,1 % em 1761. Conclui-se que a dimensao do universo dos que receberam maquias acima de 1,8 contos mais do que duplicou, assinalando uma eleva~ao progressiva da escala do neg6cio. 0 mesmo se comprova pelo valor medio das remessas: em 1721 fixou-se nos 3,1 contos e em 1751 nos 5,2 contos, sem grandes cliferen~as em 1761. Recorde-se que esta tendencia para uma crescente importancia do.grupo de recetores de maiores quantias coincide com a diminui~ao dos quantitativos globais destin'ados a particulares, como ficou demonstrado no capitulo m (v. grafico n.2 3.4). Com efeito, entre 1731 e 1741 M uma diminui~ao da propor~ao .das maquias deste escalao superior dos destinatarios (de 42,7 %, para 34 %) que reflete o alargamento do universo de participantes nesta decada. Donde, a importancia relativa dos valores aqui considerados come~a a subir, sem inflexao, a partir de 1741, atingindo 57,7% em 1751 e 64,8 %, em 1761. Em suma, sao varias as provas de que a escala das transa~Oes foi sendo incrementada e .de que a preponde..: . rancia econ6mica deste subgrupo se ampliou a partir de 1741.· E se esta tendeneiajp.dicia a gesta~ao de uma elite,. o periodo de Pombal podeni ser seu legatario, tanto mais se for verificada a redu~ao da fluidez neste subgrupo (quadro n.2 5.9). QUADRO N.• 5.9 Renova~.iio

do grupo de destinatarios do escal.iio superior N!lmero de destiruiblrios

1741 ................. 1751 ................ 1761 ................

Entraram

Pennaneceram

SaJram

413 426 473

360 361 398

53 65 75

348

282· 351

0,87 0,85 0,84

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

Com efeito, seem 1731 se encontram apenas 14 antrop6nimos ou companhias comuns a decada anterior, a mancha de coincidencia alarga-se: 65 casos de 1751 estiveram presentes em 1741 e 75 destinatarios registados em 1761 figuravam tambem nas listas de 1751. Nao obstante a elevada taxa de renova~ao tambeJ,n verificada neste subgrupo de destinatarios, houve urn nucleo de participantes nos fluxos do ouro que, nao s6 incrementou a escala do neg6cio colonial, como foi tendo maior continuidade nestes fluxos (quadro n. 2 5.10). QUADRO N.• 5.10

Continuidade dos

~estinatarlos

do escal.iio superior (1721-1761)

NUmero de anos de atividede

Nnmero de intervenlentes

1.. ..... ... .... .. .... .... ... ..... ... .. .... .... ... .. ... 1415 87,6% 10,,,,,,,, .. ,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, I , , , , , , , , , , . , . , . 165 10,2% 20.................................................... 30 1,9% 30.................................................... 5 0,3% 40 . . . . . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . .. . . . .. . . . 1---=1:--+---=0!,;;,0..:;%::___ Total ..................... ..

Total

Entraram

Permaneceram

Salram

1615

100,0%

208 335

321

14

194

Fonte: ACML, Livros de Manifestos.

0,96

38 Note-se que o total de individuos deste quadro difere do ntunero de intervenientes indicado atras (quadro n.2 5.1}, pois, como referido, apenas se consideram aqui os individuos que se apresentam como destinatanos.

140

Renova~o

Total

Renova~o

Ano

1721 ................ 1731 ................

NUmero de destinatarios

Ano

Se cerca de 88% dos destinatarios das remessas de maior valor aparecem apenas uma s6 vez nos 5 anos de amostragem, 10,2 % estiveram em atividade pelo menos 20 anos e 2,2 % 30 anos ou mais. Atendendo a que os dados se reportam a amostras com intervalos decenais, que reduzem a probabilidade de tais ocorrencias, estes indices de continuidade nos escaloes superiores tomam-se deveras significativos da consolida~ao de 141

urn nucleo de operadores. Nessa medida, todos as ana.Iises ate agora realizadas verificam que o periodo pombalino seguiu uma tendencia ja delineada nas decadas anteriores que se sumaria no crescente protagonismo de urn grupo restrito e no gradual fecho a entrada de novos elementos num escalao superior de transa~oes.

A confirma~ao da hipotese de que o consulado pombalino nao constitui uma rutura, antes o refor~o de uma tendencia, nao dispensa pesq:uisas prosopograficas, caminho para outros trabalhos. Aqui ensaiam-se alguns testes. A lista dos assinantes da polemica peti~ao que inaugurou a constitui~ao das companhias menopolistas serve de ponto de partida. A narrativa dos acontecimentos e conhecida. Em 1755, urn conjunto de signataries, apoiando-se nos conselhos do governador do Maranhao, Francisco Xavier de Mendon~a Furtado, irmao do marques de Pombal, enviou uma peti~ao onde se solicita a aprova~ao regia de uma companhia de comercio para a regiao do Grao-Para e Maranhao. A estes subscritores se opuseram outros que evocaram o seu direito de representa~ao pela Mesa do Bern Comum dos Homens de Negocio, constituindo Custodio Nogueira Braga como procurador. A oposi~ao detonou a repressao do ministro, que extinguiu a dita congrega~ao e formou a nova Junta do Comercio, com estatutos promulgados em alvara de 6 de dezembro de 1755. Nesta polemica peti~ao descobrem-se nomes de. negociantes que integraram o escalao superior dos destinatarios de ouro. Na verdade, se Custodio Nogueira Braga apenas figura nos registos de .1721, nao atingindo montante que o eleve a «elite» dos destinatarios, ja dois dos outros signataries preenchem este requisite. Manuel Inacio Pereira de Sousa faz parte dos destinatarios ern 1751 e Manuel Antonio Pereira ern 1761, ambos integrando o escalao superior. A explica~ao para a frente de opositores a companhia monopolista nao se encontrara nurna suposta fratura entre grandes e pequenos operadores, como julgou Antonio Carreira, pensando que se trataria da infanda rnentalidade de bufarinheiros, tipica nurn pais de negocios rnaioritariarnente retalhistas, da tenda, da 142

tabema 39• A oposi~ao melhor se justifica por diferentes niveis de confian~a em empresaS-q_ue-exigiam formas de gestao mais complexas, topico cornum na historia destes institutes ern todos os· contextos ternporais e sociais em que rnedrararn. A divisao do grupo rnercantil, gerada pelas cornpanhias pornbalinas; lembra sucessos recorrentes no espa~o colonial que demonstram a falta de coesao dos homens do comercio relativarnente as vantagens do monopolio e de sociedades anonimas. Assim aconteceu corn a Companhia Geral do Comercio do Brasil, criada no final da decada de 40 do seculo xvn, e voltaria a suceder com as cornpanhias envolvidas nos escravos no final do mesrno seculo. Nao se estranha, por isso, que, tal como na peti~ao figuram nornes dos rnaiores recetores de ouro, tarnbem muitos dos grandes negociantes da pra~a de Lisboa da decada de 70, protegidos_ d~ marques nao estejam entre os primeiros acionistas da CompaTihla do Grao-Para em 1755 e na de Pernambuco e Parafba, criada em 1759. Inclusa nos estatutos ficou, alias, a merce do habito da Ordem de Cristo, no intuito de atrair capitais im~bifi.z·ados, o que se refletiria na sociologia dos acionistas: mais de metade dos fundos das duas companhias nao ·pertencia aos homehs de negocio da pra~a de Lisboa, sendo comprovada a diversidade social dos acionistas, que incluiu uma participa~ao notoria do proprio rei 40• Neste contexto, de diversidade de interesses que impulsionaram a instituic;ao das companhias monopolistas, a identificac;ao dos recetores de ouro entre os seus acionistas oferece parcas pistas sobre a gestac;ao previa de interesses pactuantes

·--

...

39 Ant6nio Carreira, A Companhia Geral do Griio-Para e Maranhiio (0 Comercio Intercontinental Portugal-Africa-Brasil na Segunda Metade do Seculo XVIII), Sao Paulo, Companhia Editorial Nacionru, vols. 1 e u, 1988,

p. 56. 40

Pedreira, ob. cit., pp. 110 e 111. Sobre a hist6ria das companhias, v. Ant6nio Carreira, A Companhia Geral ...; R. F. Marcos, As Companhias Pombalinas: Contributo para a Hist6ria das Sociedades par Ac!(oes em Portugal, Coimbra, 1997. 143

.

I

com a politica pombalina. Ainda assim, ,entre os 144 acionistas da Companhia do Grao-Para, 37 (26:%)-figuraram na «elite» dos destinatarios do ouro, suportando 35 % do capital desta empresa 41 • Quanta a Companhia de Pernambuco\e Paraiba, dos portadores de 11 ou mais a~oes, 22 integram-se nos destinatarios das maiores quantias de ouro, sendo responsaveis por 16% do capital da empresa 42 • Margens de coincidencia nao negligenciaveis, que se reafirmam no facto de 17 acionistas das companhias figurarem entre OS maiores ~ecetores de ouro em anos anteriores a decada de 1750, sinal de-que urn grupo com uma dimensao significativa de neg6cios procedia da primeira metade do seculo 43• Quando o cotejo dos universos em estudo se estende aos 100 maiores negociantes da pra~a de Lisboano periodo pomba• lino e p6s-pombalino, a mancha de interce~ao inclui 37 casos 44 • No entanto, 20 deles apenas foram registados na amostra de 1761, e 5 nos anos de 1751 e 1761. Recente, portanto, a sua participa~ao em escalas de neg6cio consideraveis. Em boa verdade, s6 os restantes 12 names, cuja atividade remonta as decadas de 20, 30 e 40, dao indica~ao segura de uma continuidade entre a primeira e a segunda metade do seculo 45 •

41

Listagem de aCionistas em Ant6nio Carreira, A Companhia Geral

do Grao-Para e ..., vol. n, pp. 85-89). 42

Listagem de acionistas com mais de 10 a'>oes em Carreira, «A Companhia de Pernambuco e Paratba - alguns subsidios para o estudo da sua a'>ao, Revista de Hist6ria Economica e SoCial, n.Q 11, 1983, pp. 55-88. 43 Os 17 negociantes sao: Ant6nio de Castro Ribeiro, Ant6nio dos Santos Pinto, Bento Monso, Dfunaso Pereira, Domingos Luis da Costa, Estevao Jose de Almeida, Francisco Xavier de .Castro Morais, Joao de Castro Guimaraes, Joao Luis Serra, Jose Alvares de Mira, Jose Bezerra Seixas, Jose Rodrigues Bandeira Guadalupo, Jose Rodrigues Lisboa, Manuel dos Santos Pinto, Manuel Ferreira da Costa, Manuel Peixoto da Silva e Pedro Ant6nio Virgulino. 44 Lista dos 100 maiores negociante~ em Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Negocio ..., pp. 164-167. 45 Os 12 nomes em questao sao: Estevao Jose de Almeida, Dfunaso Pereira, Manuel Gomes Campos, Manuel Ferreira da Costa, Jose Alvares

144

0 intervalo temporal que separa os maiores da pra~a de Lisboa elencados por Jorge Pedreira, alguns com atividade confirmada apenas no ultimo quartel do seculo xvm, e o.s destinatarios de ouro dataveis da decada de 1720 ou de 1730 interfere certamente nestes apuramentos. A busca das origens da elite pombalina nos fluxos do ouro deve atender, entao, ao padrao de recrutamento destes negociantes. Ate porque e sabido que 22 % do grupo mercantil pombalino tinha pais negociantes. Veja-se o ilustrativo caso de Manuel Eleuterio de Castro 46• Seu pai, Joa~ de Castro Guimaraes, negociante, era filho de lavradores e natural de Guimaraes, e dai partiu para Lisboa ainda jovem. Sabe-se que na capital abriu loja de capela, mas as testemunhas do seu processo da habilita~ao a Ordem de Cristo identificam-no tamb~m como exportador regular de carrega~oes para o Bfasil. Os seus contactos envolviam gente de vulto. Uma das testemunhas foi Alberto Borchers, que teve posi~ao destacada nos registos da Alfandega de Lisboa em 1751 como importador de baetas. Mas contrariamente a Alberto Borchers, que figura nos fluxbs do ouro nos escaloes superiores apenas-em dais anos (1721 e 1741), Joao de Castro Guimaraes foi o destinatario de ouro com maior continuidade. 0 seu nome capta:..se em todas as amostras, figurando entre 1731 e 1761 na «elite» dos destinatarios. Aplicou capital em a~6es nas companhias. Comprou 10 a~oes na do Grao-Par~ e 12 na de Pernambuco. A sua descendencia teve condi~oes para assumir urn lugar proeminente entre a elite pombalina. Urn dos filhos, Manuel Eleuterio de Castro, figurou entre os 100 maiores da pra~a de Lisboa, deputado da Companhia de Grao-Para e Maranhao. Na sua habilita~ao' ao hcibito de Cristo, as testemunhas especificam que o pai, sendo capelista, passara a «pra~a». De origem rural, Joao de Castro Guimaraes veio a

de Mira, Joao Rodrigues Caldas, Domingos Dias da Silva, Jose Rodrigues Bandeira Guadalupo e Companhia, Policarpo Jose Machado, Estevao Martins Torres, Ant6nio dos Santos Pinto e Feliciano Velho Oldenberg. 46 ANTI, Habilitafoes do Santo Oficio, ma'>o 65; n. 2 1212. 145

tratar com os inaiores homens de neg6cios; a segunda gerac;ao, na elite pombalina, beneficiara certamente do capital social e economico acumulado nas carregac;6es que a primeira gerac;ao realizara «para as Americas». Assim juga-se que a acumulac;ao previa de capital no seio familiar para enquadrar o dinamismo do grupo pombalino precisa de mais estudos de caso. E certo que cerca de dois terc;os dos casos analisados por Jorge Pedreira tiveram uma extrac;ao sem qualquer relac;ao parental (excluindo a de tio-sobrinho) com a atividade mercantil. A maioria era composta por filhos de lavradores ou artifices, mostrando urn processo ascensional parecido com o de Joao de Castro Guimaraes. Saiam ainda cedo de casa dos seus pais, sobretudo naturais do Minho, e passavam a residir numa das duas maiores cidades do reino ou na colonia, onde eram acolhidos por uma rede familiar que os acompanhava nos primeiros passos da carreira mercantil. Como comissarios ou caixeiros, estantes no Brasil por periodos mais ou menos longos, iniciariam a atividade sem capitais proprios, estes acumulados depois no decurso da vida. Ou nao. Porque era precisamente nestas fases iniciais que a maioria das exclusoes ocorria e por isso a grand,e fluidez do grupo se devera a forte selec;ao incidente nesta etapa da carreira 47• Este perfil sociol6gico dos negociantes da segunda metade do seculo e em tudo identico ao da primeira metade. Uma prospec;ao, longe de exaustiva, pelos fundos das ordens militares e do Santo Oficio, sobre os maiores destinatarios do ouro, constatou a semelhanc;a. Antonio Rodrigues Souto 48 e Antonio da Costa Cardoso 49 sao disso bons exemplos. 0 primeiro era natural de Caminha, filho de soldado e neto de lavradores honrados, os quais - sublinhe-se - nao haviam sido jomaleiros, antes empregavam gente de fora. Da terra natal partiu para o Porto apos a morte dos pais. Foi recebido por urn tio, negociante, que lhe

manteve os estudos no Colegio da Companhia de Jesus. Veio a casar com urna viuva rica e a estabelecer-se com negocio de sobrado, comec;ando a «contratar com os Brasis». Chegou a tesoureiro da Camara depois de ter exercido como almotace. Por seu tumo, Antonio da Costa Cardoso, cujo parentesco com Manuel da Costa Cardoso se devera averiguar, sendo este ultimo elogiosamente citado no relatorio do marques do Lavradio, era natural da comarca de Vila Real e tinha avos que viviam de suas fazendas e de· «algum contrato com bestas». Saiu para o Porto para ser caixeiro de mercador, mas no momento em que se habilitou ao habito de Cristo tinha · ja duas moradas de casas e o seu patrimonio computava-se entre os 3,6 contos a 4 contos. Por constar entre-as-testemunhas do processo de Antonio Rodrigues Souto, identificando-se entao Costa Cardoso como capitao de ordenanc;as, sabe-se que ambos frequentaram o mesmo colegio de Jesuitas. Os dois figuram nos registos dos Livros de Manifestos. Rodrigues Souto, em 1731 e 1741, esteve no Rio de Janeiro, de onde enviou remessas, aparecendo tambem como destinatario em 1731 e procurador ertr-1741. Em 1751 e 1761, achava-se em Lisboa, indicado como recetor de remessas de ouro. Quanto a Antonio da Costa Cardoso, os registos do ouro nunca o dao como estante no Brasil. Aparece pela primeira vez em 1741 e apenas como procurador; em 1751 e destinatario e procurador de outros, recebendo vanas remessas de Manuel da Costa Cardoso, entre outros. 0 seu nome ainda figura em 1761 mas sao ja os seus herdeiros os destinatarios. Se neste ultimo caso nao ha vestigio de passagem pela colonia, a maioria foge a esta sitllac;ao. 0 Brasil fazia parte do percurso, fase necessaria a acumulac;ao ,de experiencia e capital, sendo vulgar o posterior retorno ao reino. 0 que forjou urn padrao especifico de--emigrac;ao 50• 0 enraizamento na colonia nao

50

47 48

49

146

Jorge Miguel Pedreira, Os Homens de Negocio ... , pp. 459-469. ANTI, Habilita~oes da Ordem de Cristo, letra A, ma~o 43; n. 2 12. ANTI, Habilita~, in Carla M. C. Almeida e M6nica Ribeiro de Oliveira (orgs.), Nomes e Numeros: Alternativas Metodol6gicas para a Hist6ria Economica e Social, Juiz de Fora, ed. UFJF, 2006, pp. 71-100. 53 A. C. Juca de Sampaio, «A fanulia Almeida Jordao na forma~ao ·da comunidade mercantil carioca (c. 1690-c. 1750)>>, in Carla Maria Carvalho de Almeida e Monica Ribeiro de Oliveira (org.), Nomes e Numeros. Alternatlva Metodol6gicas para a Hist6ria Economica e Social, Juiz de Fora, Editora da UFJF, 2006, pp. 51-70 (p. 62). 51

148

No essencial, as caracteristicas sociologicas do recrutamento do grupo mercantil do periodo pombalino estao evidentes na fase anterior. A analise prosopogratica, que, recorde-se, nao teve intenc;ao de ser exaustiva, sugere, todavia, algumas diferenc;as dignas 1 de nota no que se reporta a tres aspetos: a) frequencia com que sao referidos investimentos diretos nas atividades mineiras ou em bens de raiz nas colonias; b) escala das fortunas acumuladas; c) mobilidade no espac;o Atlantica. Quanto ao primeiro topico, a integrac;iio da distribuic;iio com outros sectores a montante, que pediram investimento direto na colonia, parece ter perdido atrac;iio, pais os casas mais tardios documentados par Jorge Pedreira atestam essa conclusao 54• Exemplos como os de Antonio Francisco Ferreira, que explorou minas e se projetou entre os maiores participantes nos fluxos de ouro nao figuram mais entre a elite pombalina 55• Foi de Barcelos, onde nasceu, para Lisboa e daqui seguiu para o Brasil, investindo na minerac;ao e acumulando patrimonio computado em 7 200 000 reis. Os seus avos viviam pqbremente da lavoura. Terminaram os dias a esmolas. A anedota sugere que o pectilio do neto pouco lhes valeu na pobreza, sendo que as remessas que manipulou se con~entraram nas cidades portuanas do reino, sinal da atividade comercial que integrou com. a minerac;ao. . A ctusencia de propriedade de bens de raiz na colonia entre os patrimonios dos grandes da prac;a de Lisboa distingue OS· homens de Pombal, nao so dos que acumularam fortuna no tempo da euforia mineira, como dos casas de negociantes estabeleddos em Londres estudados par David Hancock. Estes ultimos, com efeito, detinham patrimonios que integravam bens nas colonias de plantac;ao, seja porque a sua origem esteve na propriedade das plantac;oes, seja porque a hipoteca de bens de raiz serviu-lhes de colateral a creditos avultados concedidos a plantadores 56• Em Portugal, a reduc;ao da frequenda de casas

54

Jorge Miguel/Pedreira, Os Homens de Neg6cio ... ANTI, Habilitar;iies do Santo Oficio, mac;o 96, doc. 1748. 56 David Hancock, Citizens of ihe World: London Merchants and the Integration of the British Atlantic Community, New York, Cambridge University Press, 1997. 55

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de acumulac;ao de capital na integrac;ao da minerac;ao com a atividade mercantil pode ter explicac;ao na gradual diferenciac;ao entre grupos exclusivamente metropolitanos e coloniais. Uma segunda linha de distinc;ao do grupo proeminente nos fluxos do ouro remete para os valores indicados nas habilitac;oes da Ordem de Cristo como sinais de nobreza: Aqui se descortinam patamares de riqueza proximos dos mais modestos da amostra definida por Jorge Pedreira. Excecional o patrimonio de Domingos Ferreira de Andrade, de quem se diz ter 20 contos 57• Foi recetor de 4,2 contos de ouro em 1741 e 7,4 contos em 1751. As restantes fortunas nao sao tao elevadas. Oscilam entre urn minimo de 2 contos e urn maximo-de 12 contos 58• Por fim, a incursao pelos processos de habilitac;oes fala de uma elevada mobilidade entre Portugal e o Brasil. A ida e vinda entre as duas margens do Atlantico nao foi apenas uma etapa de urn trajeto de vida. Afigura-se urn dispositivo na gestao de negocios. Antonio Gonc;alves Chaves, que marca presenc;a continuada nos circuitos do ouro desde 1741 a 1761, sempre incluido nos maiores escaloes, viajou regularmente entre o reino e a colonia desde os tempos em que sai!a de Chaves. para Lisboa 59 • Tambem Bento Afonso, que vivia «limpamente e com born trato dos lucros das suas comissoes». Teve loja de capela mas tomou-se comissario para o Rio de Janeiro «para onde faz viagens» 60 • Outros processos, pela evocac;ao de testemunhas, robustecem essa ideia de que a mobilidade estruturou o grupo. Cosme da Costa Vale foi testemunha do reputado negociante Joao Ribeiro Fragoso, e quando e inquirido diz ter regressado

ANTI, Habilita~oes da Ordem de Cristo, letra D, mac;:o 13, n.g 32. Ainda assim, destacar-se-ia91 no universo social mineiro, onde muitos nao encontraram a fortuna almejada. V. o retrato de Minas Gerais, oferecido por Laura de Mello e Sousa, onde ~e' apresenta o outro lado da economia mineira atraves do esforc;:o e insucesso de pequenos garimpeiros. Laura de Mello e Souza, Desclassificados do Ouro. A Pobreza Mineira no Seculo XVIII, Rio de Janeiro, 2004 (1.1 ed., 1982). 59 ANTI, Habilita~oes do Santo Oficio, mac;:o 64, doc. 1304. 60 ANTI, Habilita~oes do Santo Oficio, mac;:o 10, doc. 148. 57 58

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ao reino na liltima frota que partira do Brasil. Cruzara•se na colonia com o habilitante havia tres anos 61 • Agostinho de Faria Monteiro pede habilitac;ao ao Santo Oficio em 1738, data em que vivia em Lisboa, apesar de ter residido no Brasil durante quatro anos 62• Uma das testemunhas no seu processo diz ter vindo do Rio na frota de 1738 depois de para la ter partido «Com comissao de fazendas». Em 1741, a sociedade de que fazia parte Faria Monteiro foi registada nos Livros de Manifestos como destinataria nos escaloes superiores. 0 cadastro aqui disponibilizado observa a func;ao desempenhada no sistema de relac;oes entre cada margem do Atlantico, pelo que da a medida da frequencia destas situac;oes em que se viajava nas frotas 63 • Os individuos que no mesmo ano sao simultaneamente emissores e destinatarios de ouro, sejam como proprietarios ou responsaveis pelo envio, sao disso urn indicio 64. Contam-se nesta situac;ao 2284 casos, ·isto-e1 25 %, urn conjunto relevante, mostrando a plasticidade das fronteiras geograficas do universo estudado, que, como tal, me~or se caracteriza como «atlantico» do que estritamente metrepolitano ou colonial. As deslocac;5es nas frotas, forma de gestao das trocas, foram extensivas a alguns dos grandes do tempo de Pombal, levando Nuno Madureira a acusar os seus antecedentes como comissarios volantes 65• Era assim tambem no Atlantico Norte,

ANTI, Habilit~oes do Santo Oficio, mac;:o 73, doc. 1347. ANTI, Habilita~oes do Santo Oficio, mac;:o 4, doc. 59. 63 V. quadro IV, folha -«Roll of names» - http://ghes.iseg.utl.pt/ ouro_brasil 64 Considerar que viajam nas frotas os .individuos registados nos livros de manifestos como emissores e em simultaneo como destinatirios segue a interpretac;:ao defendida por Russell-Wood [A. J. Russell-Wood, «Holy and unholy alliances: clerical participation in the flow of bullion from Brazil to Portugal during the reign of Dom Joao V (1706-1750)>>, The Hispanic American Historical Review, vol. 4, 2000, pp. 815-37 (p. 821)]. Apenas nalguns casos a situac;:ao de viagem na frota em que o ouro e transportado e indicada na fonte, com expressoes anexas ao antrop6nimo como «passageiro na frota>> ou «viaja na frota>>. 65 Nuno Madureira, Mercado e Privi!egios ..., pp..111-112. 61

62

151

''

mesmo que Pombal nao o tenha apreendido .enquanto esteve em Londres. Contrariando o preconceito sobre o comercio a comissao, estudos sobre economia colonial maritima norte-atlantica asseveram que nao raro os capitaes de navios tinham papel de relevo na gestao da distancia quando intervinham no despacho das cargas em representa~ao dos fretadores 66• Em virtude desta mobilidade, a acumula~ao de capital realizou-se num espa~o transatlantico e foi esta dimensao geogrMi.ca que informou as caracteristicas sociol6gicas do grupo de agentes coloniais da primeira metade Setecentos. Os dados aqui coligidos falam de uma tendencia gradual para o aumento da escala. Ai se descobrem as bases da gesta~ao de uma elite, que em parte pactuara com Pombal, mas nao desmente a pulveriza~ao do neg6cio colonial, ajustada a imagem divulgada na historiografia sobre as repercussoes da extra~ao aurifera 67• E na existencia desta tensao1 entre ausencia de barreiras institucionais a entrada no comercio colonial e condi~oes do mercado para a depura~ao de uma elite, que se devem procurar os factores de continuidade no neg6cio e ter esta condi~ao como necessaria a acurnula~ao de capital. Ede supor que a franquia da atividade mercantil, conformando urn universo sod"Eil~ente heterogeneo, dificultando a forma~ao de urn ethos espedfico, aurnentasse o risco das transa~oes e que este, por sua vez, ditasse a taxa. de insucesso, o mesmo e dizer, ditasse a elevada fluidez do grupo e limitada taxa de reprodu~ao social. Ha, portanto, que ponderar os efeitos da extensao do universo de participantes nos niveis de confian~a e procurar na dinamica organizativa outras explica~oes para a fluidez dos grupos sociais ligados ao trato colonial.

CAPiTULO

VI

GESTAO DA DISTANCIA E FORMAS DE AGENCIA

ae

66 Kenneth Morgan «Business networks in the british export trade to North America, 1750-1800>>, in J. McCusker and Kenneth Morgan.(eds.), The Early Modern Atlantic Economy, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 36-62. 67 Jorge Borges de Macedo, A Situar;iio Economica ...

152

As quantias de ouro entradas em Portugal precisaram da de instru~oes, ordens de encomenda, noticias, informa~ao sobre o mercado entre cada margem do Atlantica. A concretiza~ao das transa~oes pedia, na maioria das circunstancias, a delega~ao de competencias, cuja monitoriza~ao foi dificultada pela distancia/tempo das viagens. A confian~a seria, por isso, urn dos ativos fundamentais a sustentabilidade destes fluxos 1• Sistemas de confian~a e mecanismos de sele>, Annales, Histoire, Sciences Sociales, 2003, 53, pp. 581-603; Y. Gonzalez de

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transac;oes e eficacia dos mecanismos disciplinadores, a qual se aplica a metafora «capital social». Na historiografia do comercio internacional, OS sistemas de ·confianc;a sao· frequentemente referidos, mas predomina a idealizac;ao das comunidades mercantis como espac;os sociais onde imperava a probidade, a despeito de, aqui e ali, se documentarem atuac;oes com dolo, com a consequente subida dos custos de transac;ao. Nl:l Europa Moderna, como em qualquer tempo e espac;o, o mercado sofreu os prejuizos da inclusao de infratores 6• Nao se tern dado, p.orem, a devida atenc;ao a estas contingencias (olhadas como excec;ao e nao como regra) e associado o crescimento do mercado a urna probabilidade aumentada de risco de fraude. Ou seja, nao se tern colocado a possibilidade do alargamento do grupo de intervenientes nurn dado negocio ter sido acompanhado de «delapidac;ao» do capital social. Oeste enfoque decorre que- c-onfianc;a e reputac;ao positiva podem ser recursos desigualmente distribuidos nurn sistema de relac;oes inerentes a concretizac;ao das transac;oes: na ausencia de urn sistema de coac;ao publica·l!&az, a confianc;a requer urn elevado grau de coesao interna do grupo e acesso a informac;ao sobre cada urn dos individuos nele inserido. 0 periodo da euforia mineira permite avaliar o efeito do aumento de participantes no negocio no risco de fraude, 0

0

Lara, , European Review of Economic History, 2008, vol. 12, pp. 247-285. 6 David Hancock, •>, The Americas, xxxn, 2, 1975, pp. 282-291.

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mercadorias supostamente danificadas; transa~oes realizadas sem partilha de decisao; cobran~a de comissoes excessivas, que atingiam 10%. A confian~a rompera-se, pelo, que deu ordem de regresso ao irmao. Entretanto, preparara em Lisboa urn afilhado como caixeiro, que partiu para o Brasil com produtos que ai venderia a comissao. Uma vez instalado na colonia, ambicioso, queixou-se das poucas mercadorias expedidas, e procurou diversificar os seus pr6prios contactos para aumentar o patamar das transa~oes, o que aos poucos foi complicando as rela~oes com o padrinho. Por isso, Francisco Pinheiro foi coagido a refazer os seus contactos. Da vez seguinte foi urn sobrinho para o Brasil, acompanhado por urn mercador mais experimentado, mas a rela~ao entre estes dois, conflituosa, prejudicou o negocio. 0 sobrinho tomaria a Lisboa anos mais tarde; o outro correspondente acabaria preso por contrabando de ouro 10 • Esta hist6ria dispensa comentarios. E suficientemente elucidativa de problemas de agenda, que nao sao especificos do .seculo nem do espa~o colonial porttigues. Em todas as situa~oes___gtras sumariadas estiveram custos inerentes a uma rela~ao estabelecida a fim de uma das partes (o agente) representar os interesses de outra (o principal). Conhecida a recente preocupa~ao da historiografia brasileira em relativizar as hierarquias econ6micas entre pra~as de cada urn dos lados do Atlantico, nem por isso o conceito «problemas de agenda» deve ser descartado como operacional. Exemplos da iniciativa de negociantes de segunda gera~ao no Brasil sao conhecidos e evocados, com oportunidade, corr{provando que essa hierarquia nao teve sempre o capital e o risco dependente da metr6pole. Imido de Almeida Jordao, residente no Rio de Janeiro e tambem captado nos Livros de Manifestos, teve urn dos filhos a estudar em Coimbra, ficando este a assegurar a representa~ao da casa, uma vez estante em Lisboa 11 • Mas nao

10

11

Idem, ibidem, pp. 259~283. A. C. Juca de Sampaio, «A familia Almeida Jordiio ... >>, ob. cit.

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sao casas como este que inibem uma analise de problemas de agenda. 0 enfoque aqui realizado- centra-se nos recetores de ouro do reino, e apesar de alguns casas como o de Imido de Almeida Jordao, nao ha noticia de os negociantes do reino atuarem maioritariamente como comissarios dos seus corres. pondentes do Brasil. Ainda na decada de 1770, o marques de Lavradio via a pra.;a do Rio de Janeiro corporizada por comissarios 12• No seu relatorio associava este passivo ao escasso nmnero dos que haviam construido boa .iepu~ac;~o, sendo-por isso recorrente a ida dos proprietarios dos capitais a reconhecerem no Brasil o despacho das carrega.;oes. 0 comercio a comissao nao reduzia a probabilidade de problemas de agenda, comuns a qualquer situa.;ao em que a informa.;ao, em algum momenta, esteve assimetricamente distribuida, for.;ando a desloca.;ao a colonia para verifica.;ao de contas correntes. Esta solu.;ao Francisco Pinheiro nunca adotou. As vicissitudes com os seus correspondentes nao o persuadiram a embarcar. A informa.;ao que detinha foi sempre filtrada pelos seus .representantes no Brasil. 0 enquadramento desta experiencia, na sua possivel singularidade o.u,__ .talvez antes, no que revela de urn dado padrao organizativo; capta-se nas rela.;oes evocadas em cada remessa de ouro. Dos Livros. de Manifestos apreendem-se varias formas possiveis de gerir a dlstfutda ·que definem qtiatro modalidades de organiza.;ao do neg6cio. Uma indica a desloca.;ao do proprio a colonia sem mais referencias. Depreende-se que tera partido em viagem, realizado as suas opera.;oes por conta propria, e regressado a Portugal com o produto das transa.;oes. Uma outra situa.;ao documenta a possibilidade de destinatarios estantes em Lisboa obterem as suas remessas atraves de individuos que, como no caso anterior, viajaram nas frotas, remetendo/trazendo

12 «Relat6rio do marques de Lavradio em 1 de Junho de 1779», Revista do Instituto Hist6rico e Geografico Brasileiro, vol. IV, 1843, pp. 453 e 454.

ouro para varios destinatarios, incluindo para eles proprios viajantes que, como os demais, r~lamam as remessas na Casa da Maeda. Uma terceira modalidade refere-se a remetentes de ouro :- correspondentes, comissionistas - residentes na colonia, nao havendo indica.;ao de viagem nas frotas. Por ultimo, uma solu.;ao mais complexa conjuga as duas anteriores, verificando-se que ha destinatarios a receber remessas de varios remetentes, uns estantes no Brasil, outros a circular na £rota em que vern a remessa. Cada uma destas modalidades tinha vantagens e desvantagens na gestao da distancia, ou seja, na mitiga.;ao ou incremento de prob~emas de agenda. A primeira, por exemplo, implicava o custo de oportunidade de uma viajem longa e perigosa. Alem disso, caso a viagem fosse de ida e vinda na mesma £rota, as vendas seriam realizadas durante o periodo em que os navios estanciavam nos portos, justamente na fase em que a oferta de bens era mais elevada e, por conseguinte, mais reduzidas as margens de lucro. Mas esta modalidade permitia que as decisoes fossem tomadas exclusivamente pelo negociante, libertando-o de qualquer custo de agenda. A segunda modalidade, representada pela utilizac;ao exclusiva de comissarios voiantes, implicava a delega.;ao de competencias nul):l. agente temporariamente deslocado, o que minimizava as consequencias do enraizamento de correspondentes na colonia, o que parece ter incentivado comportamentos oportunistas, como dizem as cartas de Francisco Pinheiro. Contudo, o recurso a agentes apenas temporariamente presente's na colonia tambem inibia o alargamento dos contactos nos mercados do interior mineiro, vantagerri da terceira modalidade. Esta, ao contar exclusivamente com correspondentes residentes na colonia, invertia as vantagens e desvantagens presentes na situa.;ao anterior. Donde, a conjuga.;ao de viajantes e residentes no Brasil (quarta modalidade) aparenta ter os beneficios de qualquer das outras, admitindo que a regular desloca.;ao de uns acelerava a circula.;ao de informa.;ao e oferecia condi-;5es de monitoriza.;ao dos residentes. Assim, os Livros de Manifestos desvendam que muitos dos pares de Francisco Pinheiro nao seguiram a sua estra161

160

\

h!gia: partiram em viagens para a colonia e/ou recorreram a viajantes de reputa~ao positiva. Resta saber se este ativo detido por tais viajantes darla vantagem relativa aos que com eles se reladonaram.

2. A. ESTRUTURA DO GRUPO: REDES SOCIAlS

E CIRCULAf;AO DA INFORMAf;AO

A expansao do mercado em virtude do dinamismo da economia mineira, tal como a distanda/tempo que separou as instru~oes da sua execu~ao, tomaram o sistema permeavel a problemas de agenda atras documentados. A literatura economica sobre este custo de transac;ao reconhece que a probabilidade de ocorrerem atuac;oes com dolo advem de conflito de int~resses entre as partes da relac;ao e de informac;ao assimetrica, isto e, informa~ao nao repartida equitativamente entre OS contratantes 13 • Problemas de agenda sao causa de ineficiencia, porque necessariamente obrigam a diversificar recursos para monitoriza~ao ou para obtenc;ao de informa~ao sobre novos possiveis parceiros de indubitavel reputac;ao, num constante refazer de relac;oes que, se fossem duradouras, dispensavam esta adidonal afeta~ao de recursos 14 • I Jndependentemente da matriz jurfdica das Jiga~oes entre negodantes do reino e do Brasil, ,subjacente a cada remessa estiveram indicac;oes de compra e venda ououtras disposi~oes providendadas na esmagadora maioria das situac;oes por urn individuo distinto daquele que as executou. Existindo alguma margem de liberdade de dedsao para quem ·estava no local da transa~ao, seria possivel ao executante utilizar informa~ao nao partilhada e explora-la em beneficia proprio. Por isso, a

13

V. .nota 1. S. Knack e P. Keefer, «Does social capital have an economic pay-off? A cross-country investigation», The Quarterly Journal of Economics, 1997, november, pp. 1251-1288. 1

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~

gestao do coinercio a distancia, ou de qualquer outra atividade constrangida por assimetrias de informa~ao, beneficiaria com sistemas que promovessem a confian~a. E esta incrementar-se-ia · · com instituic;oes disciplinadoras. A intervenc;ao de dispositivos normativos tera sido irregularmente garantida nas relac;oes luso-brasileiras 15• A historiografia tern atendido a «desordem» dos sertOes diamantinos e auriferos que acompanhou a interioriza~ao da demografia colonial, resultado da lenta constru~ao da malha administrativa e judicial do Estado, inabil para impor a lei num extenso espac;o a ser rapidamente desbravado, com apenas urn tribunal da relac;ao na Bahia de Todos os Santos ate 1752 16• Na £alta de dispositivos publicos para assegurar a aplicac;ao de sanc;oes; merce de varios factores nao alheios a esta lenta territorializa>, in C. Calhoun, M. W. Meyer e W. R. Scott .(eds.), Structures. of Power and Constraints, Cambridge, Cambridge University Press, 1990, pp. 91-112; idem, , Journal of Law, Economics & Organization 1991, 7, special issue, pp. 7-23; idem, Foundations of Social Theory, Cambridge-Massachusetts and London, The Belknap Press of Harvard University Press, 1994. 18 Peter Mathias, , ob. cit.; Kenneth Morgan, , ob. cit.; Jacob Price, , ob. cit.

164

no capitulo anterior, compagina-se mal com uma presumida coesao interna. ' Problemas de agenda, contudo, nao foram restritos ao mercado colonial portugues, diga-se. Capitalistas da prar;a de Londres debateram-se com o pouco zelo dos correspondentes encarregados de gerir as suas plantar;oes nas Caraibas e expedir para Londres a produr;ao 19• Situar;oes como estas justificaram o contacto com outros agentes que pudessem viajar a fim de trazer informar;ao mais aturada da colonia. Estes casos tern sido pouco valorizados como representativos dos constrangimentos em que cresceu 0 COmercio intemacional no Seculo XVIII, pois mais se tern veiculado a ideia de que as relar;oes sociais, pelo simples facto de existirem, traduziam confianr;a. Mas, mais problematica q~e esta assun~ao previa na observar;ao de lar;os, tern sido a vulgarizar;ao do conceito de «redes» como sin6nimo de espar;os sociais coesos sem uma analise formalizada qa configura~ao das liga~oes que substanciam essas redes 20 • A analise de redes como metodologia (network analysis) mede o grau de coesao e a integrar;ao social do conjunto dos individuos envolvidos nos fluxos do ouro 21 • Em estudos que nao exploraram inteiramente esta metodologia, seguiu-se uma intuitiva associac;ao entre polarizar;ao de contactos e a reputa~ r;ao positiva dos agentes portadores deste atributo 22• Mas para esse indicador ser assim interpretado com propriedade, tera de se pressupor que oferecia urn recurso escasso no sistema de relar;oes onde se inseria, pois nisso radicaria a razao da sua acumular;ao de contactos. Donde, s6 uma avaliar;ao da estrutura de relar;oes numa rede social identificara os casos significativos deste atributo-e permitira outras ilar;oes sobre a

19 20

David Hancock, , ob. cit. A que nao escapou Avner Greif (A. Greif, ,

ob. cit.).

J. Scott, Social Network Analysis. A handbook, London, Sage Publications, Ltd., 1991; S. Wassermann e K. Faust, Social Network Analysis: methods and applications, Cambridge, Cambridge University Press, 1994. 22 David Hancock, , ob. cit. 21

165

1

eficacia de mecanismos informais de controlo social. Grafos-em que os nodos eshi.o integralmente ligados apontam para uma distribuic;ao equitativa de inforynac;ao. No caso em estudo, uma triade seria o grafo de dimensao minima necessaria: se A se relaciona com B e com C, estando B e C ig{talmente ligados entre si, admite-se que todos os pontos deste grafo terao acesso a mesma informac;ao (figura 6.1). Sea rede contivesse numerosos subgrafos com estas caracteristicas (cliques), revelaria condic;oes para atuar como urn mecanismo informal disciplinador, provendo urn «bern publico (informac;ao de todos sabre todos)» 23• Pelo contrario, a configurac;ao em «estrela», em que A polariza todas as relac;oes possiveis, mostra assimetria de informac;ao e repercute-se na baixa densidade da rede (figura 6.2). Nesse caso, no seu conjunto, a analise das redes indica baixo nivel de coesao. FIGURA 6.1 Configura~ao

em clique

FIGURA 6.2 Configura~ao

B

em estrela

C

~A/ D/~E

I 23 J. S. Coleman, «Rational action, social networks and the emergence of norms», in C. Calhoun, M. W. Meyer and W. R. Scott (eds.), Structures of Power and Constraints, Cambridge, Cambridge University Press, 1990, pp. 91-112.

166

0 exame da estrutura das redes relacionais dos intervenientes nos fluxos do ouro traz conclusees que importam sumariar. Uma media de 2,3 a 2,5 relac;oes por cada interveniente repercute-se na baixa densidade destas redes (a qual variou entre 0,04 e 0,06, para urn indicador que tern valores maximos de 1). Mais relevante, contudo, eo facto de a configurac;ao dominante ser em «estrela», assumindo o centro do grafo urn numero superior de relac;oes (grau) a qualquer dos pontos adjacentes que estao conectados apenas atraves do centro. Nestas circunstancias, individuos capazes de polarizar urn feixe consideravel de relac;oes podem canter atributos espedficos. E se baixa coesao e sin6nimo de baixo capital social, permite-se supor que os nodos com maior grau serao portadores de urn rectJ.rs_o _escasso no sistema: reputac;ao positiva. A identificac;ao dos 20 atores que em cada ana da amostra (1721, 1731, 1741, 1751 e 1761) concentrarg~ o maior numero de ligac;oes revela que de forma esmagadora~estamos perante individuos que viajavam nas frotas em que traziam remessas 24 • Dos 100 casas selecionados, apenas 1 surge como destinatario e 19 como emissores; os 80 restantes eram agentes volantes. A figura 6.3 ilustra a rede pessoal de urn destes negociantes. Se a fraca coesao do grupo e o predominio da configurac;ao em estrela confirmaram a hip6tese de que o alargamento do universo dos participantes criou redes relactonais amplas e pouco densas, sem numero significativo de cliques fechadas, nenhuma conjetura previu que· os individuos com o maior numero de ligac;oes, tambem centros de «estrelas», fossem agentes em transito entre o Brasil e Portugal, contribuindo para a larga conectividad.e- das redes em observac;ao que chegam a incluir subgrafos com 1444 individuos (caso do ano de 1731 representado na figura 6.4).

24

Anexo n. 0 5, «lntervenientes nos fluxos de ouro com maior centralidade (1721-1761)». 167

FIGURA 6.3 Rede. pessoal de Joio Ma.rfuis. Brito· .em 1741 Luis Nogm.ira de Abreu

cionar os individuos reputaveis, como interagia positivamente no seu prestigio, podendo servir na monitoriza~ao dos mercados coloniais e contribuir para mitigar os riscos de atua~ao dolosa de outros agentes radicados na .colonia: uma hip6tese a carecer verifica~ao.

3. FORMAS DE AGENCIA E DESEMPENHO ECON6MICO

FIGURA 6.4

• .P

Rede dos intervenientes nos fluxos de ouro - 1731

Conclui-se que a mobilidade foi urn mecanismo relevante nas chegadas de ouro ao reino. Importa porem indagar o que acrescentaria, ou qual o seu contributo efetivo em sistemas de baixo capital social. Sera que o ·desempenho econ6mico dos que optavam pelos servi~os destes agentes itinerantes foi comparativamente melhor? No caso de a resposta ser afirmativa, confirma-se a suposi~ao de que gozavam de boa reputa~ao. A mobilidade geografica, nessa condi~ao, tanto ajudaria a sele168

A quantidade de ouro manipulada por cada organiza~ao e passivel de indicar a sua eficiencia relativa, pelo que pode ser considerada uma variavel central para observar o impacto das diversas estrategias adotadas na gestao da distancia. Coloca-se a hip6tese do recurso aos agentes itinerantes polarizadores de rela~oes ter influenciado positivameilte o sucesso das organiza~oes (seja, o volume de ouro manipulado). 0 exerdcio realizado para yerifica~ao da hip6tese teve analise formalizada em outro trabalho 25• Considerou destinatarios registados em tres ou mais amostras, assegurando a sele~ao de negociantes com presen~a nao esporadica. Desejou-se tambem que a amostra incluisse diferentes formas de agenda no mercado colonial, isto e, que incluisse casos que operaram sempre sem qualquer liga~ao (no- 1 dos isolados) e casos que estiveram sempre em contacto com, no minimo, urn agente, de modo a testar se haveria diferentes resultados em fun~ao de modalidades organizativas 26 • Com este criterio foram identificados 115 destinatarios, em contacto com 350 remetentes, atraves de 320 remessas de ouro 27• Na totalidade, estes 115 destinatarios receberam 866 742$168 reis, cada urn deles marupulanuo uma media 7,5 contos de ouro,

Idem, ibidem. Uma vez que a hip6tese considera que o montante de ouro recebido (indicador da escala de negocio) possa ter sido influenciado pelas modalidades de gestao do negocio, houve que fazer incidir a sel~ao apenas sobre os destinatanos de ouro e nao sobre os ·emissores tambem. 27 Anexo n.u 6, is)

Ano

3 B7B400 5 79B400 3494 400

1751 1761 1761

1B BB5 72B 2162544 12 21B BBO 3046 400 2 720000 2110240 2092 BOO 2 263 200 3 251200 7 091200 2112 000 5 351230 3 751100 2 B03 200 6115 936 2099 926 4 696 6BO 3 B2B920 5 339 300 20594BB 406B 000 347B 400 2 30B224 2155120 2304000 7017600 6225 024 3 590400 26584 000

1761 1751 1751 1761 1741 1751 1761 1721 1751 1761 1751 1751 1761 1721 1741 1761 1751 1731 1761 '1721 1721 1731 1721 1761 1721 1721 1761 1751 1761

44BO 000 12 BOO 000 21B7168 2557760 2BBO 000 917B 290 23B0800 23BOBOO 3 020 BOO 2 716 000 2506175 2 700 BOO 3105 600 7285 600 1994 OBO 4 633 400

1761 1751 1721 1741 1731 1761 1731 1731 1741 1731 1741 1731 1731 1751 1741 1731

229

Nome

Simiio Gomes da Silva .................................. . Simiio Gomes da Silva e Companhia ..................... . Simiio Gomes da Silva e Companhia ..................... . Simao Gon~alves da Costa ............................... . Simiio Lopes Barbosa, padre ............................. . Sfrio Maria Vacarro, Francisco Maria Vacarro ............... . Teod6sio Borges de Andrade ............................. . Teod6sio dos Santos Chaves ..... , ....................... . Teod6sio Ribeiro ..............· .......................... . Terra Santa ............................................. . Terra Santa ............................................ .. Terra Santa ............................................. . Terra Santa ............................................ .. Tomas da Guerra ....................................... . Tomas da Rocha Pereira ................................. . Tomas da Rocha Pinto .................................. . Tomas da Rocha Pinto .................................. . Tomas Gon~alves Lima .................................. . Tomas Ramos da Fonseca................................ . Tomas Ribeiro de Sampaio............................... . Tomas Rodrigues de Brito, capitiio ....................... . Tomas Rodrigues de Brito, capitiio ............. , ......... . Tomas Tavares da Silva e Companhia ..................... . Tome da Silva .......................................... . Tome da Silva .......................................... ':'" Tome de Oliveira Pena e Companhia ..................... . Tome Marques de Oliveira ............................... . Tomsen Vetenal. ........................................ . Torquato Alvares de Carvalho............................ . Tribunal da Bula da Santa Cruzada ................... , .. .. Valentim Ribeiro da Silva ............................... .. Vasco Fernandes Cesara de Meneses, vice-rei e capitiio-geral do Estado do Brasil ................................ . Vasco Louren~o Veloso .................................. . Vasco Lourenc;:o Veloso .................................. . Vasco Louren~o Veloso (interessado no contrato do sal) .... . Ventura Carvalho dos Santos ............................ . Ventura Jose Fortuna .................................... . Ventura Luis da Costa .................................. . Verissimo da Silva Oliveira .............................. . Verissimo de Freitas, capitiio ............................. . Verissimo Dias de Carvalho .............................. . Verissimo Fernandes Tinoco ............................. . Vicente da Silva da Fonseca ............................. . Vicente Pedro ........................ ·................. .. Victorino Correia ....................................... .. Visconde de x .......................................... . Vitorino da Costa de Oliveira ............................ . x de Santo Ant6nio do Rio de Janeiro .................... .

230

Valor (reis)

,.

ANEXO N.0 5 Ano

1811200 9200 000 6400 000 2106 271 2632512 3655488 3072000 3072000 3 828 800 4720 000 15109 510 8000 000 12 800 000 2400 464 2667 360 2643200 3 l62 567 2400000 3200 000 29 950128 2585 600 14 665 440 3 840 000 4236 800 2464 000 5434112 3 200000 1801840 ,20633 600 6000000 4255 968

1751 1761 1751 1761 1741 1721 1731 1751 1731 1731 1741 1751 1761 1731 1751 1751 1761 1721 1761 1731 1731 1741 1761 1751 1761 1741 1751 1751 1731 1761 1731

3600000 3545 600 3 840000 3 919 990 4735175 4409 605 1984 000 2068 000 2365 200 13 644 800 5 237084 2056968 2565 280 2418200 2 998160 3558400 3 251200

1721 1741 1751 1751 1761 1761 1741 1741 1'7i1 1761 1761 1761 1731 1751 1761 1751 1751

Intervenientes nos fluxos de ouro c:om maior c:entralidade (1721-1761) Ano

Nome

Ant6nio dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Domingos Pires Monc;:iio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Manuel dos Santos Chaves, capitiio. . . . . . . . . . . . . . Simiio Lobo Guimariies.. . .. .. .. . . .. .. .. .. . . .. . . Ant6nio Alvares Montalegre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ant6nio Dias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ant6nio Ribeiro Guimariies .. .. . .. .. . .. .. .. .. . .. Francisco Gomes de Lemos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Francisco Lopes Vilas-Boas, mestre-de-campo e tenente-general da artilharia. 1721 Salvador Martins Gomes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Ant6nio de Brito Barros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Jose da Silva Costa, capitiio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Domingos Ferreira Pacheco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Ant6nio dos Reis ..................... _ . . .. . ... . . 1721 Mateus Lucas. . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Manuel da Silva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Miguel de Passos Dias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1721 Jose Alvares Viana, coronel ..................... · 1721 Jose Barreto, capitiio ........................ :. :1721 Manuel Gonc;:aives Leque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Joao Gomes da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Manuel Pinto da Cunha, sindico da Ordem Terceira de Sao Francisco. 1731 Joiio de Bastos Maia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Joiio Pinto Rodrigues. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Paulo Ferreira de Andrade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Gaspar Correia Fr6is . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Manuel da Silva Braga e Companhia . ., . . . . . . . . . 1731 Manuel dos Santos Pinto, tesoureiro da Bula e Companhia. 1731 Ant6nio Rodrigues de Freitas, cabo-de-esquadra. . . 1731 Joiio Alvares Andrelinho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 . Ant6nio da Fonseca .............. ·.. .. .. .. . . .. . . 1731 · Francisco Gomes de Lemos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Manuel da Silva Braga • .. . .. . .. .. . .. .. . .. . .. . .. 1731 Jose Alvares da Sj!ya. .. .. . .. .. .. . .. .. . . .. .. . .. . 1731 Manuel Ferreira Feital.. .......... : .. .. . .. .. . .. . 1731 Louren~ Antunes Viana .. . .. . .. .. . .. .. .. .. . .. . 1731 Iruicio de Almeida Jordao. . . . . . . .. . . . .. .. .. .. . .. 1731 Guilherme Nunes Frimte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1731 Joao Rodrigues Silva e Companhia . . . . . . . . . . . . . . 1731 Joao de Castro Guimaraes................ ... . . . . 1741 Ant6nio Rodrigues............................. 1741 Bernardo Pereira de Faria.. .. .. .. .. .. .. .. • . .. .. . 1741 Simad de Alvarenga Braga.. .. .. .. .. .. .. .. . .. .. . 1741 Faustino de Lima. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1741 Joao Martins Brito .. . • . . . .. .. .. .. .. . .. .. .. .. .. .

1721 1721 1721 1721 1721 1721 1721 1721 1721

Situar;iio

Liga¢es

nUmero

Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Emissor .... .. Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Emissor ..... .

13 16 16 16 17 17 17 17 17

Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Emissor ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... .

17 18 18 20 22 23 24 25 27 29 32 12 12

Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante .. : .. . Emissor ..... . Volante ..... .

13 13 13 15 15 15

Volante ..... . Volante ..... . Volante .... .. Volante ..... . Emissor ..... . Volante ..... . Volante ..... . Volante ..... . Emissor ..... . Emissor ..... . Volante ..... . Destinahlrio .. . Volante ..... . Volante .... .. Volante .... .. Volante ..... . Volante ..... .

16 16 17 17 18 21 21 22 23 34

40 22

9 13 13 14 15

231

Ano

Nome

Sltua1'4o

1741 Paulo Vicente Cristianiz ........................ 1741 Joao Ribeiro Fragoso e Companhia .............. 1741 Jose Ferreira de Brito........................... 1741 Domingos Rebelo Leite ......................... 1741 Matias Rodrigues Vieira ........................ 1741 Ant6nio de Araujo Pereira ...................... 1741 Faustino de Lima e Companhia ................. 1741 Joiio Gon~alves da Costa ....................... 1741 Jose Rodrigues Nunes, capitiio .................. 1741 Joiio Carneiro da Silva ........................ , 1741 Joiio Rodrigues Silva ........................... 1741 Louren~o da Cruz Ptnto ........................ 1741 Joiio de Bastos Maia .......... , ................ 1741 Francisco de Almeida Silva ........ , .. , , , ....... 1741 Manuel Pinto Viana ............................ 1751 Domingos Rebelo Leite ......................... 1751 Francisco de Almeida Silva ..................... 1751 Joiio Hopman ....... , ... , ....... , ............. 1751 Matias Rodrigues Vieira ........................ 1751 Manuel Ferreira Gomes ........................ 1751 Francisco Ferreira Guimariies ...... , ............ 1751 Manuel Ferreira da Cruz ..... , ................. 1751 Faustino de Lima ............ , ................. 1751 Manuel Carneiro Leao, capitiio .. ~ ............... 1751 Jose Rodrigues Nunes .......................... 1751 Manuel da Silva Braga ......................... 1751 Manuel Rodrigues Ferreira ..................... 1751 Gabriel Prynn, Ai\.i:Oruo. Lopes da Costa .......... 1751 Gabriel Prynn ..... : ........................... 1751 Joiio de Couto Pereira .......................... 1751 Manuel dos Santos Ptnto ....................... 1751 Manuel da Costa Cardoso ...................... 1751 Domingos de Paiva Ar'auca ~ .. : ................. 1751 Louren~o da Cruz Ptnto ........................ 1751 Joiio do Couto Pereira ........................... 1761 Manuel Francisco Coelho ....................... · 1761 Jose Rodrigues Nunes, capitao .................. 1761 Faustino de Lima .............................. 1761 Louren~o Fernandes Viana ...................... 1761 Manuel Correia da Silva, vigano ................ 1761 Marcos da Costa Falcao ......................... 1761 Bras Carneiro Leao............................. 1761 Manuel da Costa Freitas ......... -. ~ .......... , .. 1761 Domingos Marques, capitao ···················· 1761 Manuel Marinho de Barros e Companhia ........ 1761 Francisco Ferreira Guimariies e Companhia 1761 Manuel dos Santos Borges ...................... 1761 Manuel da Costa Mourao e Companhia .......... 1761 Antonio Rodrigues ............................. 1761 Manuel Rodrigues de Barros .................... 1761 Joiio da Costa Pinheiro ...........•............. 1761 Manuel da Costa Cardoso ... ·...................

......

--

232

Emissor ...... Volante ..... : Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ...... Volante ...... Emissor ...... -:Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Volante .. , ... Volante ...... Volante ....... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor., ..... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ...... Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Volante ..... ·. Volante ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ...... Volante ...... Volante ...... Emissor ......

Uga¢es nUmero

15 16 16 18 18 19 19 19 19 20 20 20 21 26 27 10

Ano

Nome

1761 ·Manuel Rodrigues Ferreira ... , .................. 1761 Manuel Barbosa dos Santos ..................... 1761 Gabriel Prynn, Antonio Lopes da Costa ...........

Situa~o

Uga¢es nUrnero

Volante ...... Volante ...... Volante ......

26 31 38

11 11 12 13 14 14 17 17 18 19 21 22 25 27 29 30 32 32 15 9 12 13 14

1A 14 15 15 16 16 18 18 19 21 21 22 26

233

ANEXO N. 0 6 Destinatarios com elevada continuidade no negcicio (1721-1761) Anos de activldade

Padr6es de aef:ncla

f----,--,--,--,---!-----,------';'====";"'------,-----1

lk-1tioar3rios

1721

1731

1741

1751

1761

1721

1731

Residente

Residente

Alexandre Felgueira de Carvalho

4 Amaro Antu.oes

Residente

Acleto Elias da Fonseca

Monito~o

Rcsidente

AntOnio Carneiro dos Santos

Emissor

ltinenincia

Emissor

Itineri.ncia

Emissor Emissor

1.732.400

Itineri.ncta

c

9.226.784

Itineri.ncia

c

7.780.080

B

3.574.576

Residente

A

Residente

Itinerincia

A

hinenincla

Residente

Monitoriza-;io

Residente

Monitoriza-rio Itinerio.cia

Itinenio.cia

Itinenincia

Monitoriz:alr!o Monitoriza-;io

Monitoriza.;:io

Monitorizay!o MorUtorizay!o ltineri.ncia

15 AntOnio Ferreira Guimaries

Residente

17 AntOnio Jos~ da Cunha

Residente ·

Residente

Emissor

Residente

hiner.incia

19 AntOnio Rebelo da Silva

lrinerincia

20 AntOnio Rodrigues FrOis

Jti.nen\ncia

AntOnio Rodrigues Souto

22 Baltasar Alvares Varro

ltiner.incia

J t

~-

IH

1721

24

Benjamim Mendes da Costa

25

Bento da Costa Couto

1731

1741

1751

lti.n~cia

W. 7

3 •

1.. R I.

1761

1721

1731

ltineri.o.cia

28

Cust6dio SimOes da Silva, alferes e capitao

29

David da Costa de Araujo

Itineri.ncia

J

Emissor

30 Domingos Dias Raposo Domingos Gonyalves Barreiros, coronel

32 ~mingos Pires Baodeim

Residente

Residente

33 o},mingos Rebelo Leite

35

~miogos SimOes da Silva I

.

Francisco Gomes Lisboa

40 Francisco Pires Moo-rio Francisco Ramalbo Roxo

16

B

II

10.184.600 5.338.768

A

2.421.280 6.538.484 7.9Q4.000

Emissor

c c

2.404.384

Residente

A

12.499.200

B

15.842.048

c

1.086.043

I

J

II

1751 Residente

1.350.400

ill!!. J. M.I I 7

Elll!iMt-

Cliteg. agenda

1741

N• . Iiga~aes

N•Jig. reiteradas

Quantia (reis)

1761

Residente

Itiner.incia

A

4.878.870

Itinenincia

A

2.224.000

Residente

B

6.658.939

Monitotizru;: