O Livro dos Pais I

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0 LIVRO DOS PAIS

Col~o

HORIZONTE PEDAGOOICO

1 - POEMA PEDAG6GICO- Vol.

I

Anton Makarenko 2- POEMA PEDAGOGICO -Vol. II Anton Makarenko 3- POEMA PEDAG6GICO- Vol. III Anton Makarenko

4- As

BANDEIRAS NAS TORRES-

Vol. I

Anton Makarenk o

5- As

BANDEIRAS NAS TORRES---,-

Vol. II

Anton Makarenko

6-0 LIVRO DOS PAIS- Vol. I

Anton Makarenko 7-0 LIVRO DOS PAIS- Vol. II Anton Makarenko 8 - EDUCA~AO CONSTRUTIVA PARA CRIAN~AS- Vol. l

W. D. Wall 9 - EDUCA~AO CONSTRUTIVA PARA W. D. Wall

CRIAN~AS-

Vol. II

Anton Makarenko

0 LIVRO DOS PAIS (PRIMEIRO VOLUME)

LIVROS HORIZONTE

Titulo da versiio francesa : Le Livre des Parents 1.• Edic;:ao- 1976 2.• Edic;:iio - 1981 Cppyright by: Editions du Progres- Moscou Livros Horizon.te Traduriio de: M. Rodrigues Martins Capa de: Soares Rocha

Reservados os direitos de publicac;:iio total ou parcial para a lingua portuguesa por LIVROS HORIZONTE, LDA. R. das Chagas, 17, t.•-Dto.- 1200 LISBOA que reserva a propriedade sobre esta traduc;:ao

'•

Bscrevi 0 Livro dos Pais em cola­ cqm a minha mulher, Galina

bor~ao

Stakhievna Makarenko. A. MAKARENK

Avelino da Rosa Olivei;.~ l Neiva Afonso Oliuei:Ja

Bl BL IOTECA '------

A.velino da Rosct Oliveira

Neiva Afonso Oliveira

BIBLIOTECA

CAPITULO 1

. Talvez este livro seja uma impertinencia. Ao educa.rem os filhos, as pais de boje estao a educa.r aque:les que farao a bist6ria do nosso pals e, por conseqm!ncia, a hist6ria do mundo. Terei eu ombros suficienvemenve fortes para assumir o enorme peso de um assunto riio vasto? Terei eu o direito e serei suficientemente audaz para resolver 01.1, pelo menos, destrin9Jlr os seus pnincipa.is pro­ blemas? Por felicidade, nao se i:ne exige esta impercinencia. A nossa revo­ lu\;ao tern os seus grandes Livros, mas, mais ainda, tlem as suas gran­ des obra.s. Nos livros e nas obras da. revolu\;ao reside ja a pedagogia do bomem novo. Em cada pensammto, cada movimento, cada sopro da nossa vida ressoa a gl6ria do novo c~dad.ao do mundo. Sera poosfvel nao a ouvir, sera possivel nao saber como devemos educa.r OS nOSISOS filbos? Mas a nossa vida tem os seus dias de prosa, e nesta prosa formam­ -se complicados novelos de pequenos pormenores. 0 bomem. perde-se as V!ezes nas coisas pequenas da vida. Acontece por V'ezes aos pans procurarem no meio dalas a verdade, esquecendo-se de que rem amao a grande filosofia da 1'evol~. Ajuda.r os pans a ol.lmrem a sua voka, a reflecrirem, a abrirem os olbos, tal e 0 modesto objectivo desoo livro. A nossa juventnlde e um fen6meno mundial incompacivcl com quaJquer outro, cuja grandeza e cujo significado talvez sejamos incapazes de apreender. Quem a engendrou, a instruiu, a educou, a colo­ cou ao servi\;0 da revolli\;ao? Donde surgiram todos esses milb6es de ba.beis opecirios, de engenheiros, de pilotos, de meclnicos agrfcolas, de capitaes, de sabios? Teremos sido, na verdade, n6s, os velbos, que Cl'irunos e'Sita juventud·e? Mas se assim e, ·em qoo altura foi? Porque e que nao demos por isoo? Nao dnbamos n6s adquinido o hibito de

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vituperar, a prop6sito de tudo e de nada., as nossas escola:s e o nosso ensino superior? Nao achivamos n6s os nossos Comissariados da Ins­ trut;io Publica unicamente dignos de ret11imina~6es? A familia parecia estalar por todas as costuras, e entre nos 0 amor nao parecia exalar 0 hilito do zefiro, mas ins,inuar-se como uma COI1rente de ar. Eviden­ temente, faltava tempo: construia-se, lutava-se, voltava-se a construir, e ainda agora conninuamos a construir sem descer dos andwimes. Mas repare-se : nos fabulosos espa~os das oficina:s de Kramatorsk, nos pavilh6es infindaveis da Hbrica de tJracrores die Esvalinegrado, nas mina:s de Estalino, de Makeevka., de Gorlovka, e isw desde o primeiro, o segundo, o terceiro dia da sua cri~iio, oos avi5es, nos tanques, nos submarinos, nos laborat6rios, agarrados ao m:icrosc6pio, por cima das solidoes do Arctico, em todos os quadrantes, na.s cabinas das gruas, nas entradas e nas saidas, por toda a parte ha milh5es e milh5es de homens jovens, inovadores e imensamente interessantes. Sao modestos, as V'ezes de linguagem pmico requintada e com fre­ quencia de urn humor basrante me... e verdade. Mas sao os mestres da vida; tranquilos e seguros, sem urn olhar para tnl.s, sem histeria e sem pose, sem palavreados e sem lamentac;5es, a cadencias perfeitamente imprevistas, realizam a nossa obra. E se lhes mostrarem algum daqueles £en6menos que n6s pr6prios com~amos a esquecer, como por exemplo esta inscric;ao: Oficinas de constrttfiio m ecanica N. Pastukhov & C."- vereis entao que subtiJ ironia se lhes desprende dos gestos ! Sobre o pano de fundo de tal prodigio hist6rico, que esttranha absurchdade assurnem aos nossos olhos as «catastrofes» familiares, l1la5 qua.is fenecem OS sentimentOS paternos e a felicidade das maes, onde se afundam e se quebram os caracteres dos futuros cidadaos d.a U. R. S. S.! Nenhum naufragio de vida infantil, nenhum fracasso, !lJenp).JJ!la percentagem de refugo, mesmo expressa ern centeSiimos de unidade, deverao produzir-se entre nos ! Em certa:s famllias, todavia, as coisas nao correm hem. Raramente acontece a catastrore, as vezes e urn con­ fliro aberro, OU mais frequenuemente surdo : nao SO OS pais nao 0 veem, como nao diminguem qualquer dos sioois precursores. Recebi esta carta de uma mae: «Temos s6 urn fiilho, m'es ~ioologicas. Como muioos dos wus pares, acreditava que devia ex:isr.i r na llJaltUreza. uma especie die truque pedagogioo gt3.91S ao qual tudo deveria enoontrar-oo na mclhor dJas harmonias : o educador, a crian~ e os principia& - paz e felicidade, em suma, rudo pelo melhor no melhor da& mundos ! 0 f.i:lho, mesa, dirigillli-'Se grosseimmente mae. Depois de urn cur11:o momento de reflexao, o p.r:okssor ex:primiu a sua decisao nurn tom aoimado: - Fedia, insulmste a tua mae, e iSISO prova que nao tens 0 culto do ·nosoo JM familiasa ma educa~ao ja vem de longJe. Todo o trabalho educa.tivo deve voka.r ao prindpio, tendes de rever muitas ooisas :no seio da voosa famiJ.ia, reflectir sobre muitas coisas, e, arutes de Imcits nada, colocar-voo a v6s pr6prloo sob a lente do microoc6pipo. Mas quanto a forma de reagir timediatamemte depoiJS da falta, e impossivel decidir a quest:ao em geral: e um caso puramente individuail. :E preciso saber que homem sois v6s e como e que vos oomportrui's em familia. Pode ocontecer que v6s pr6prios tenhais sido grosseiros com a vossa mulher na pves~a dos fiJhoo. E, de resto, se isso aconteceu quando o vo~so filho niio estava em casa, o facto merece igual at~ao.

Sim, na educ~ao familiar, os tCruques devem ser resolutamente rejeicados. 0 crescimento e a educa~ao das crian9r em cima do corpo! Estas no fim, estas a esto~rar de fome, infeliz! - Esti bem, nao me acredi.oe, di9se displicentemente Kothia, dir:igindo-se para a porta. - Nao, espeu:a, cLetive-o eu. Quam.to tempo me fizest:e tu aqui per­ der com as tuaJS mentiraJS? Agora, vamos! -Mas onde?, exclamou Kolia, apavorado. -A tua casa, a casa da tua mae. -Ora essa! Nao querem hi ver? Ai i5'SO e que nao VO'lll. Para que? -Para que? Para voJta.res para casa. - Nao tenho qualquer necessidade de voltar para casa. Ocor11em­ -lhe muit:as vezes essas ideias? Zanguei-me: - Basta de falart:6rios ! Diz-me a morada! Nao queres? Bem : sen­ ta-oe e espera! Kolia niio deu a morada, mas voltou a tomM" lugar no cadeirao e ficou calado. Ao fim de um quarto de hora, su:biu para o aucom6vel e indicou docilmente onde deviamos ir. Abatido e aflito, precedeu-me atraves do espar;:oso patio de um novo clube operario, mas agora entregue a uma dor de crianr;:a, na qual tomavam parte acniva o nariz, as faces, as mru1gas do seu casa­ quinho preto e OUtrOS wspositivos pr6prios para acalmar OS nervos. Mal entrou numa pequena sala hmpinha, ornamentada com corci­ nas, flores e um tapete ucraniano ostentando os seus tons varieg1l!dos ao pe de uma cama branca, Kolia pr.ocipitou-se com quanta pernas tinha para cima de uma cadeira e, pois1lJUdo a cabe~a em cima da cama, pos-se a solu~, proferrodo palavraJS sem nexo, pelas quais expri­ mia a sua c6lera contra alguem, mas apertando fortemente o bone na mao. A mae, uma mulher nova de grandes olhos como ele e faces .vedon­ das, tirou-lhe o bone da mao, pendurou-o!lo cabide, e depois sorriu-me: - MaJS o que foi que e1e fez? Foi o senhor que o trouxe? Kolia inrerrompeu por um segundo os seus solur;:os para se ante­ cipar aos poosiveis embustes da m.inha pll!rte: - Ninguem me trouxe! Eu e qUJe o trouxe! Ele nao me latgava: vrunos vamos! Muito bem, agora fruLe, rpor favor ... Voltou a atirar-se para cima da cobelflta macia, mas ja nao chorava, por assim dizer, senao com metade da cara, enquooto com a ourtra escutava .0 que nos diziamos, a mae e eu.

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- Nao sei que fazer com ele, disse da, sem se precipitar. Ele nao era assun, mas a,esde que 101 pas~ar a1gu.m tempo a casa do meu irmao - tenho u.m irmao que e duector de u.m sovkhoze na regiao de Tchernigov - , transtormou-se na crian~a que o senhor ve. E nao pense sequer que ele sabe o que quer. Mas apl'en.deu: anda daqui para ali! Aprendeu a exigir toda a especie de caisas .. . Ja nao freque:nta a escola; no entanto ja estava no quarto ano. Em vez de estudar, passa o vempo a meter-se em cru;a das pessoas altamente colocadas, para as importu­ nar. Mas pergunte-lhe o que !he ±alta? Esta vest.ido, cal~ado, tern uma boa cama, e quanta- a alimenta~ao nao direi que na nossa mesa haja trinta e seis acepipes, mas nao sabe o que e ter fame. Podemos traz.er o que quise:rmos do restaurante do dube ou cozinhar ern casa nu.m fogao. Mas e melhor em casa do directo:r, naturalmente: apesar de tudo e o campo, e o sovkhoze e ao mesmo tempo uma explora~ao. Ko!ia tinha deixado de chorar, mas, sempre com a cabe~ em cima da cama, os seus pes ag.itavam-se debatixo da cadeira e via-se qUJe seguia de si para S:i a SU!a ·ideia, enquantO frernia de objec~oes as rnodestas Senten~ da mae. Esta espantava-me pelo seu noltivel opt'imismo. Resultava clara­ mente da sua narra~ao que nao tinha vida facil, com o filho, mas con­ formava-se com a sua so·rte e estava satisfeita, apesar de rudo. - Antigamente, era pior : noventa rublos, imagine! Mas recebo agora cento e vinte, e com as manhas livres ainda fa~o qualquer coisa aqui ou ali. Esrudo. Dentro de tres mes•es serei transferida pa~ra a biblio­ teca, onde ganharei cento e oitenta rublos. Ela sorria, uma quietude segi1fa nos oJ.hos. Nao se sentia nela a meno!f telllSao, nada que sugerisse qualquer excita~ao febril, uma falta de confian~a em s'i mesma: o optimismo enraizado no mais profunda da a:lma. No fundo radioso daquele car:icter, a absurda e insincera revolta do filho pareceu-me perfeiramente esomnha. Mas a mae nao via nisso nada de especial. - Deixe-o enfurecer-se um pouco! Faz-lhe bern! Disse-lhe: «Se nao estas bern comigo, vai procurar melhor. Se que:rc:s deixar a escola, faz como quiseres, meu amigo. Mas toma aten~ao: aqui, no nosso quarto, nada de discursos, nao quero ouvir mais nada. Vai procurar ourras pessoas que tenham o gosto de discuvir com urn palerma como tu.» Foi em casa do rio que o estragaram desta forma. Cinema todos OS dias! Mas eu, on de e que vou buscar dinheiro para 0 cinema? Senta-te, pega nu.m livro! Nao e nada, so rem· qUJe deixar paS&ar

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a fUria! Presentemente, apertece..Jhe ~r para a colonia. Tern amigos J.a, evidentemente! Koli.a esnava agora tranqwlo na sua. cadeira, observando com um olha!r artletnto e aiectuoso a m.imica an.i.mada e sorridente da m.iie. Ela notou esta ruten~ao e, abanrundo a cab~a, d:isse-llie com uuna expressao de cetnSura onde se misturava uma fingida carkia : - Olhe, veja, o senhoreco! Esta mal em ca:sa da m.iie! Nao tenho nada a dizer, vai procurar melhor, vai pedinchar por ai ... Kolia, encostando a cab~a as costas da cadeira, lan~u de bclo urn olhar malicioso : -Mae, porque e que dizes coisas des:s:as? Eu .niio pedincho na.da, e no regime soviel!ico posso exigiir. - Exigir o que?, pergnntou a miie a sonir. - Aquilo de que preciso, Ilespondeu e:Le com mais m.aJicia ~nda. Nao Vamos juil~rur quem e 0 culpado neste conflito. E dificil fazermo-nos juizes quando nem todas as circunstanaias nos sao conhe­ cidas. A mae e o fiJho tinham-me agradado 1igualmente. Sou grande admirador do optimismo e gosto muito destes peqUieiilOS en~, transportados de uma nal fe no poder sovieoico que se rectlS!am a acre­ ditar ate na propria mae. Esses garotos fazem muit:as palermices e causam aos velhos como nos muitos desgostos, illaJS sao sempre encan­ tadores! Sorriem amav:elmente a mae e tartamudeiam., ao apresentar­ -nos, a nos burocrrutas, wda uma enfiada de reivti00i~6es: - Mande-me para a coloilla.. - Mandt.•me prura a esco1a do rur, qtrero ser piloto. - Palavra de honra., vou trabalhar e estudar! E no entanto .. . No entanto as coisas oinham corrido mal para Kolia e para a mae. 1iinham-se combinado de tal maneira que as neces­ sidades do filho cresciam segundo uma curva especial que nada tinha a ver nem com a !uta da mae nem com os SleUS exitos e rus suas espe­ ran~. De quem era a CUJLpa? Nao do cio chrector, de modo nenhum. 0 :tempo que passou em casa do rio s6 vinha au.mentad.o o nov:elo das exigencias de crian~ mal-educrud'i!J que era Kolia. A escola do ar, a col6n:ia, are mesmo o cinema e u.ma boa alimen­ t~ao, sao excelentes coisas. E otodos OS ~tos podem nra.turalmente aspirar a ~sso. Mas e perfeitamente compreensfvc::tl que nao tem.os o direito de

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considerar como necessidades cada grupo de desejos que brotam espon­ taneamenne. Sa6a deixar campo livre a todas as fantasias isoladas, e, em tal dominio, so a lura individual e passive! contra todas as deplo­ rave.is consequencias que dai decorrem: a principal e a deprava~ao das personal.idades e a ruina das suas esperan~as. Tal e a velba. hllst6ria do ml.Hldo, porque os caprichos das necess..idades sao caprichos de tiranos. 0 comportamento de Kolia pode parecer a primeira vista o de um rapazinho sovietico, arrebatado pelo movimemo da historia ao poi11to de achar aborrecido o andamento do carro f.amiliar. 0 seu caso apre­ senta-se sob cores tao simpacicas, afinal, que nao podemos impedir­ -nos de desejar auxilia.r Kol:ia e sacisfazer os seus obscuros desejos. E 0 que muitos fazem. v ,i muitos destes rapazinhos assim S aJtisfeitos. Muito poucos se transformam em alguma coisa que valha a pena. As crian~as como KoEa sao antes de mais nada tirooos, quanto mais nao seja em pomo pequeno. Come~am por esmagar com as suas exigencias 0 pai e a mae, e depois vao exprimi-las, de no na garganta, ao repre­ sentante de qualquer insrimi~ao do Estado, s1egull.ndo entao com per­ severan~a a sua Ltnha de conduta, refo~~:~ada com tudo o que lhes cai ao alca:nce da mao: a queixa, as lagrimas, a comedia e 0 descaramento. Atras da fisionomia sovietica de Kolia e dos seus dons pueris de simulador ocu:Lta-se urn vazio moral, e nem o mais pequeno indicio daquela experiencia colecoiva que quaJ.quer cr.ians:a deve ter aos doze a:nos. Tal vazio forma-se sempre quando a crian~a vive desde os seus primeilfos anos numa farnili.a em que failit:am a unidade de vida, de costumes, de a:spira~6es, e o treino para as reac~6es colectivas. Em tais ca:sos as necess~idades da crian~a aumentam no mecanism() soLitir.io da imagina~ao, sem qua:lquer liga~ao com as necessidades dos outros. So na experiencia colectiva se pode desenvolver uma necessidade mom l­ mente valida. E evidente que aos doze anos numca tomara a forma de urn desejo claramente ddi.nido, porque as suas lfaizes mergulham., illio na miragem de liquidos reflexos da pura imagina~ao, mas no com­ plexo terreno de uma experienci.a colec:tiva ainda obscura, nas imagens enoveladas de pessoas mais ou menos pr6ximas, na percep~ao da en­ treajuda e da necessidade humanas, dos sentimerutos de dependencia, de obriga~ao, de responsabilidade, e mu.itos outros ai,nda. Eis porque uma boa organiza~ao da colecniv~dade familiar e ·u ma coisa tao importante para a primeira infancia. Esta colectividade nao exiiStia para Kolia, ele nao conhecia senao a companhia da mae. E por muito excelente pessoa que a mae fosse a sua exclusiva compatnhia 1

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nada podia dar de pDSJJtlvo. Arutes pelo cO!lltnirio, nada b.a de mais perigoso que a vizinhanc;:a pas~iva de urn homem born, porque cons­ tirui o meio mais favonl.vel ao cl.aenvolvimento do egoismo. E e jus­ tamente em tal ca.so que muitas boas pessoas perguntam perp.liexaJS: -Mas a quem saU. esta crian~?

Aliocha tern catorze anos. Ei-lo vermelho de c6lera., amuado: -Como, comprou lugares de. carruagem-cama? Niio vou! A m.iie olha par-a ele com urn ar espan.tado e severo: - Por que raziio e que niio vais em carruagem-cama? - E porque e que no a.no passado comprimos lugares deJuxo e este ano simplesmenve carruagem-carna? -No ano passado tinhamos mais dliinhciro ... - Dinheiro?, diz Aliocha com despnezo. Por causa do dinheiro? Eu sei II~:uito hem porque. Porque este ano vou tambem convosco. A mim podem-me 1eva.r de qualquer ma.neira! A mae diz friamente : - Acredita no que quiseres. Se nao ve a~ podes muito bern ficar. - Esras a ver? Esrra.s a ver?, diz A1iocha vriunfa.nte. Posso muito bern ficar! E voces ficam todos conteillJtes! NaturaJmenre! Ate podem tornar a vender o bilhete. E sempre o dinheiro! A mae encolhe os ombros e sai. Para que aU.nda. por cima matar a cabec;:a com estas hist6r:ias? Mas Nadia, a irma mais velha de Aliocha, niio e tao calma, e niio deixa nada para mais tarde. Nadia lembra-se dos alarmes da guerra civil, dos vag6es de mercadonitas, dos comboios evacuados, dns aloja­ menros ao acaso das cidades da zona da frente ; recorda-se dos dentes cerrados e da febril paixao da luta, da amarga incerteza do amanha e da fe entuJSiasta na v.it6r,ia. Nadia lan~ ao irmiio urn olhar sarcastico e Aliocha le, alem disso, na forma como ela morde os hibios, a sua reprovac;:iio. Ele sa.be que dentro de urn minuto a irma vai desencadear sobre de a forc;:a terri­ vel do seu irutoleravel desprezo de rapa11iga. Aliocha levanta-se da cadeira e p6e-se a carutM"olar para se dar ares. Mas em vao : uma breve e rensurdecedora «raj ada» inrerrompe-lhe a canc;:iio: - Entiio diz hi, meu ranhoso, vais-me expLicar desde h.a quanto tempo e que ga.nhasve 0 habito de v:iajar em carruagem de luxo?

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Aliocha passeia 0 olhar a volta e encO!litra urna fuga puete no facto de as na:es­ sidades do pai le da mae se tomarem automaticament'e as dos filhos. No que diz respeito ao pai, decorrem da extensao das suas responsa­ bilidades e de urn trabalho imenso, da importancia de que se reves.te

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o seu rtrabalho no Estado Sov;ietico. Mas quanto a Aliocha, nao se jus­ tificam por quail.qUJer ·expe.~:iencia !aboral colectiva, antes procedem da generosidade paterna: tais necessidades sao para ele apenas urn favor do pai. Uma famiEa destas nao e em prindpio mais do que a vdha, a velhissima monarquia paterna, urna especie de despoti!Smo esda­ recido. E~nos d'perada, sem dedara­ ~aO de guerra, de urn exercito :iJnimigo. E no entanto parecia que nao hav;ia no caso n.ada que recordasse a guerra. Stepane Denissovitt:h 1e1ntrou pacifica e nirnidamente no meu gabinetezinho, inclinou•se com a maior de1icadeza do mundo e, segu­ rando com as duas maos 0 bone a firenne de1e, d~se: - Esta muito ocupado, desculpe o inc6modo, tenho urn peqrumo 1hdido a fazer-lhe. Nero mesmo ao pronunciar a palavra «pequeno» Stepane Dellisso­ vitch teve urn srutil'io; COlltJinuava serio e reservado com um ar mais preocupado do que sombrio. Sentou-se numa cadeira a minha frente ,e pude observar melhor o seu rosto. Debaixo dos belos bigodes que lhe sombreavam a booa, OS labios tinham as vezes urn. trej,eUtO particularmente simpat'iCO, COmO se estivesse a churpar algum'Sar a nossa firenoo: -Aprovado. Mas a seg;tJ~ir parou de repente e disse, de olhos no chao : - Ja ouviram falar da altivez ruristocratica? Por favor, olhem para aquele senhor !

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E nurn gesto urn poucochinho t:eanral, Vet:kine apontou para o fillio. Este representante da casta nobiJiaria tllinha nurna mao as botinas e, com 13, outra, arranhava com a chibatinha a terra junto dos setl!S pes descalc;:os, enquanro observava o lugar ass,im esgravatado com o mesmo olhar ambfguo em que se combinavam dois pequenos cla:roes : urn do­ lente e perturbado, o outro malicioso e caustico. Era talvez nes.te ultlimo que se reflectia urn vislurnbre de caracter ·incontJestavelmente aristo­ crWt.ico. Stepane Denissovd,tch procurava, mas em viio, atravessar Vanka de lado a Lado com o .seu olhar colerico. Vanka continuava tiio r.esistente como o bwm. Stepane Denissovitch queixou-se-nos, enriio: -As mac;:iis ! Olhem, as mac;:iis, acha-as a seu gosto, apanhadas as escondidas no pomM do sovkhoze, mas nurn prato, na mesa de aJ.guem, nem as quer ver! Como aparentemenJte tlhe faltassem as palavras para qualiticar uma altitude tao revoltante para com as mac;:iis, Stepane Deruissovitch voltou a trespassar Vanka com o olhar. Vanka bamboleou a cabec;:a em diversos S'entidos, sem que se pudesse decifra:r o signi£icado daquele movimento, e disse : -Como se s.e ttaJtaSISe s6 de mac;:iis! Niio e de mac;:as qu1e se trata, mas em geral. . . Niio quero viver em casa deles. Stepane Denissov.itch virou-se de novo para n6s, para sublinhar a perversidade das palavras de Vanka, mas este ultimo prosseguiu : - Que tenho eu com as mac;:as deles? E com bombons? E com aquela coisa... balyk ! NiiSito, Vania, s.acudido por urn bmsco acesso de hilarjdade e des­ viwndo o ro9to rubo!!izaJdo, murmurou niio s·em algum embaJra:c;:o: -Balyk... A recordac;:ao deste de,Licioso aperitivo nao provocoo nele mais do que urn · acesso de riso passageiro tocado por urn amargo sarcasmo. E, virando para n6s a ponta Mmada daquele sarcasmo, declarou com uma en1t0ac;:iio verdadeiramenre reprovadora : - Em nossa casa, a mesa, nao ha nada disso, niio quero! Niio quero, e pronto! Por estas prulavras exprimilll:-se aparentemente a Sitla resoluc;:ao defi­ niriva, porque, ao pronu:ncia-las, Vanka ,emdi'reitou-se, chicoteou vigoro­ samente a perna com a chibata, como se niio fosse urn simples rami­ nho, mas urn pingallim, e olhollll para o p.ai Efectivamente, naquele momenro, havia na expressao da sua £isionomia algo de arisrocratico.

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Stepa:ne Denissovitch pa!iOCeu eslxx;:ar urn sorriso sob o seu bigode direiro, mas, arrepende.ndo-se, disse nurn tom displicenente do seu rosto, que no entanto era redondo, mns de contornos sem flexibilidade e cujas linhas pouco elasrica:s se imobUL!zavam n:uma mascatra rfgida. A sua grande test-a proeminen:te estava marcada por uma fileira de rugas paralelas de forma demasiadamente urui.forme, que s6 em conjunto se punham em movimenro, como que obed•ecendo a o1.1dens. Nikolai Nikolaievitch era o nosso director administrativo. Habitavamos, urn e outro, na mesma casa conSitrufda na periferi.a da cidade no tempo em que florescia entre n6s a moda das vivendas. A nossa compreendia qua.tro apo9entos, todos pertencentes a noosa orgrun:iz:a~ao. Na:s outras viviam Nikita Con:stantinovitch Lyssenko. o engenheiro-chefe, e Ivan Proknfievitch Pyjov, o chefe da contabili­ dade, urn dos meus velhos camaradas de servi~o com os quais o~ meus deS!tinos estavam ligados desde a epoca em que conhecera os Vetkine. Entre a:s paredes &a.quela vivenda decocria a nossa vida de famflia, sem segredos uns para os outros. Foi aJi que esclareci ddinitivamenre aos meus pr6prios olhos o problema do dinheiro na colootividade familiar. Deste ponto de vista, os meus vizinhos diferiam muito espe­ cialmente. Assim que conheci Nikola,i Nikolaievitch Babitch, fiquei impres­ sionado pelo ar de lenra. solid~ qure reinava na sua famflia. Tudo no seu apartamenrto a·ssentava em pes maci