O Escravo no Rio Grande do Sul - A Charqueada e a gênese do escravismo gaúcho
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O ESCRAVO NO RIO GRANDE

DO

A CHARQUEADA E A GÊNESE DO ESCRAVISMO

SUL

GAÚCHO

Mário José Maestri Filho

4

Mário José Maestri Filho é

gaúcho

e

professor

de

História. Leciona atualmente na Universidade San-

ta Úrsula e na Universidade

Federal do Rio de Janeiro. Tem-se dedicado ao estudo da escravidão brasileira e, secundariamente, da His-

tória

da

África

Negra

Pré-Colonial. Publicou, entre outros trabalhos, A Agricultura Africana nos Séculos XVI e XVII no Litoral Angolano (Porto Alegre, IFCH-UFRJ, 1978) e I910: A Revolta dos Marinheiros Negros (São Paulo, Global, 1982).

O Escravo no Rio Grande do Sul trata-se de uma tese defendida na «Université Catholique de Louvain», Bélgica, em maio de 1980. Participaram, neste então, da banca examinadora os professores doutores Frédéric Mauro, Eddy Stols, R. Aubert, Willy Bale Jean-Luc Vellut, tendo sido este último o orientador.

Nesta edição não foram reproduzidos Os, anexos, citações, comentários e bibliografia considerados desnecessários à compreensão geral.

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Membro

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Associação de Editoras Universitárias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina

MAESTRI

FILHO

e

MÁRIO

O ESCRAVO no RIO GRANDE DO SUL A CHARQUEADA | E A GENESE DO ESCRAVISMO GAÚCHO

1984 Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes Rua Paulino Chaves, 29]

90.000 Porto Alegre - RS

Editora da Universidade de Caxias do Sul Campus Universitário 95.100 Caxias do Sul - RS

Copyright, 1984 de

Mário José Maestn Filho

Capa:

A

=

«Os Peões» (Desenho de J.B.Debret)

ISBN 85-7061-003-3

Para Florence, Marina e Gregório, pelo amor.

Para

Carla Carboni e Romualdo P. de Oliveira, pela amizade.

SUMÁRIO Introdução — O Rio Grande do Sul Produto do Trabalho Livre: Rea-

lidade'ou;Mito!:. I

MEME

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podia to

DE, AA

MERO eee

11

,..................

17

A Ocupação Lusitana do Sul Brasileiro ........ccccccccccccc. Um Primeiro Ciclo Sulino: “A Faena dos Couros”

29

A Charqueada Gaicha 1. As Primeiras Charqueadas

54

A Escravidão e a Sociedade Colonial Brasileira 1. As Origens 2. Trabalho Escravo e Escravismo

3. O escravismo no Começo do Século XVIII

I.

. Os Primeiros Escravos Negros no Rio Grande do Sul . O Escravo Negro nas Bandeiras: Presente ou Ausente? . A Coroa Lusitana e o Comércio no Prata Os Percalços da Colônia do Sacramento e a Ocupação do Sul Brasileiro . Escravos na Colônia do Sacramento . O Avanço em Direção ao Sul e a Fundação de Rio Grande O Escravo e a Estância . O Escravo e a Pecuária

IN

o e.

2. A Localização das Charqueadas Gaúchas

3. O Processo Técnico-Produtivo segundo Louis Couty 4. A Evolução Histórica da Charqueada

IVA Charqueada elo Escravismo? 1. A Charqueada e o Escravismo 2. As Limitações Chaves

mi

E

so

74

da Charqueada Escravista e a Crítica de Antônio Gonçalves

3. A Charqueada: da Prática Artesanal à Indústria Manufatureira

4. O Plantel dos Escravos e a Charqueada

V.

O Escravono Rio Grande do Sul

1.O Tráfico Negreiro Sulino

.........cc.

2. A Nacionalidade do Escravo Gaúcho

95

3 O Contrabando de Escravos no Rio Grande do Sul 4. O Escravo e a Vida Produtiva Geral

Resistência do A Resistência A Resistência O Suicídio do

“A 1. 2. 3.

Escravo no Rio Grande do Sul do Escravo ao Escravismo Individual Escravo no Rio Grande do Sul

ir i.iiii.ii.i,n

112

4. O Justiçamento do Senhor 5. A Fuga do Escravo no Rio Grande do Sul 6. Os Quilombos Brasileiros 7. Quilombos no Rio Grande do Sul

8. As Principais Fontes para o Estudo dos Quilombos Gaúchos

9. 10. 11. 12. 13. 14.

O Quilombo do Negro Lucas, Quilombos e Charqueadas em O Arroio Quilombo, Afluente Os Quilombos de Rio Pardo Insurreições Escravas Uma Tentativa Insurrecional

15. Os

na Ilha dos Marinheiros Pelotas do Pelotas

dos Escravos Acontecimentos Servis de 1865

Minas

em Pelotas

Bibliografia Anexo Fotográfico

o

IA A

Exportação de trigo do Rio Grande e de Porto Alegre ...........

“Importação” de escravos segundo Antônio Gonçalves Chaves (1816-22). Saldo das Entradas e Saídas de Escravos (jan.de 1847-junho de 1858) pela “Barra de Rio Grande” Escravos “importados? noano de 1802 saem co sorea

Escravos “importados” nos três meses de abril a junho de 1803

Escravos “importados” no ano de 1802 - Ladinose Novos

cc. 46

....... 102

.......... 103

“Escravos novos que Manoel José de Faria diz ter apresentado na Intendência da Villa de Porto Alegre — 12 de julho de 1803”

Ingresso de escravos novos no Brasil (1831-50) ''

101

.....iccccrcoso. 109

“Para o Sul do Brasil a solução tinha aspecto diferente; não era bastante atirar naquelas terras os negros broncos dos resga-

tes da África que não poderiam realizar a obra transcendente

de fixar uma civilização, sendo eles pela sua própria natureza apenas instrumentos humanos de trabalho, incapazes de compreender o espirito civilizador de sua tarefa.

Felizmente para o bem da Humanidade, felizmente para honra de Portugal, felizmente para os destinos do Brasil, o minúsculo Reino-tinha dentro de seu povo a gente predestinada para tão augusta missão. Era do Arquipélago dos Açores que devia ser a sementeira para fixar a raça e o ideal lusitano no Sul do Brasil. Viamo-nos, assim, libertados, quer da mácula dos degredados, quer da chaga da escravatura, com todas as suas tristes e vergonhosas consegiiências. Podemos os descendentes dos casais regozijar-nos dos ancestrais de nossa raça, límpida nas suas origens. ”

GEN. JOÃO BORGES FORTES

Os Casais Açorianos. Presença Lusa na Formação Sul-Rio-Grandense.

INTRODUÇÃO O RIO GRANDE

DO SUL PRODUTO

DO TRABALHO LIVRE: REALIDADE OU MITO?

Um dos grandes problemas que tem enfrentado a historiografia brasileira é a critica do processo histórico de integração dos atuais territórios gaúchos ao resto do Pais. Principalmente no que se refere a realidade econômico-social desse processo, é grande a confusão. O conjunto dos historiadores que inicialmente estudaram essa realidade — apesar de não desconhecerem a significativa população de escravos que encontramos já nos primeiros anos do sul lusitano — caracterizaram-na como obra de homens livres, de aventureiros que, mistos de ladrões, comerciantes e guerreiros, estenderam os dominios lusitanos sobre territórios reivindicados, não sem razão, pela Coroa espanhola. Fernando Henrique Cardoso lembra essa contradição: “A importância relativamente pequena do escravo na organização do trabalho do Brasil Meridional tem sido acentuada por todos os autores que se preocuparam com o problema. A existência generalizada de escravos também tem sido res-

saltada, por outro lado, por quase todos.” (Cardoso, 1977, p.45). O representante mais digno dessa ocupação histórica dos nossos territórios,

para essa visão historiográfica é, sem lugar a duvidas,

Cristóvão Pereira de Abreu,

e seus companheiros. “Este preador é uma figura culminante da proto-história rio-grandense e do ciclo da preia ao gado. Em 1730 sobe para S. Paulo com uma tropa de oitocentas cabeças. Desce de novo ao sul, com um grupo de cento e trin-

ta camaradas — e de lá retorna, vitorioso, tangendo, à frente de seu clã de tropeiros, uma manada de 3 000 cavalgaduras.” (Viana, 1974, p. 28). Converge, portanto, grande parte de nossos historiadores, na visão do nosso

processo de formação histórica como o resultado do trabalho do homem europeu ou indigena. Descarta-se, então, a participação

livre,

e contribuição do traba-

lho escravo africano. Ninguém explicita melhor esta visão de nossa historiografia do que Manoelito de Ornellas. “O Rio Grande nascia do impulso desbravador de três correntes humanas, diferençadas nos seus propósitos mas semelhantes nas suas origens raciais.

E o lastro, em que se fundiam as correntes alienígenas, era o índio - o tape, no lito-

ral, o guarani, nas missões e o charrua, nos plainos da Banda Oriental. Pelo oeste

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e sul, ingressavam os espanhóis com os estandartes cristãos dos jesuítas. Pelo nordeste, os mamelucos de Piratininga e Laguna, impelidos, não mais pelo sonho do ouro e das esmeraldas, mas à procura dos rebanhos espanhóis e do índio traficável. Pelo litoral, os ilhéus, simples arroteadores da terra.” (Ornellas, 1976, p.5).Como podemos ver, o escravo negro é um ausente.

Esta visão será, no entanto, golpeada pelas primeiras tentativas de uma análise mais objetiva sobre a importância do escravo na formação do Rio Grande. Estes estudos basear-sedo nas fontes históricas setecentistas e nos poucos levantamentos demográficos dos tempos coloniais. Em uma primeira tentativa de recopilação geral desses documentos, Dante de Laytano — “O Negro no Rio Grande do Sul” (Laytano, 1957) — aponta o traço do escravo já nas primeiras páginas da história gaucha, sua importância nos primeiros “quadros estatísticos” do Sul e na vida econômico-social dos primeiros tempos.

Recentemente, apareceram dois outros importantes estudos que contribuem na derrubada da visão de uma origem “etnicamente” branca da sociedade sulina. De Claúdio Moreira Bento (1976) temos “O Negro e Descendentes na Sociedade do Rio Grande do Sul (1635-1975)” e o trabalho já citado de Fernando Henrique Cardoso. O primeiro, escrito no quadro do “Biênio da Colonização e Imigração” italo-germánica, é uma cuidadosa recopilação dos passos do “negro” no Sul. Sem uma abordagem metodológica e uma discussão do escravismo na sociedade gaúcha e brasileira é, muitas vezes, de um ecletismo profundo. A tese de Femando Henrique Cardoso — não discutiremos aqui muitas das conclusões a que chega — trata-se da melhor abordagem do escravismo gaúcho. O que

temos a lamentar nesse trabalho é a extensão do tema analisado e o fato de que se limita às fontes impressas existentes sobre o assunto. Uma análise da gênese, desenvolvimento e crise do escravismo gaúcho, ao nivel atual da historiografia sulina, parece-nos prematura. O limitar-se às fontes impressas, pode-nos levar a insuficiências fatuais bastante graves. O silêncio e o desprezo votado à historiografia dojescravismo é um fenômeno, digamos, histórico no Rio Grande do Sul À grande maioria dos papéis sobre o assunto jazem inéditos, dispersos ou perdidos. Até bem pouco tempo, eram simplesmente desprezados, e tidos como fontes de um domínio histórico secundário e algo “folclórico . Existe, portanto, um momento de recons-

trução fatual da história do escravismo gaúcho que, se não desenvolvido, pode-nos levar a generalizações incorretas, pois decorrentes de um material empírico insuficiente e muitas vezes enganoso. Esta reconstrução não poderá ser alcançada sem um paciente trabalho sobre documentos e fontes inéditos.A resistência do escravo sulino ao escravismo é um destes casos. Fora os estudos já apontados — aos quais nos referiremos mais detidamente no desenvolver do presente trabalho — muito pouco temos a destacar. De Nestor Ericks ksenen Guimarães (19 19 41) temos “O N egro no Rio Grande do Sul. Subsídios para a História da Escravidão no Brasil” e o aparecimento, em 1970, por primeira vez, de uma “História do Rio Grande do Sul” (Cesar, 1970) que coloca o “negro” em destaque entre os elementos formadores da etnia his tórica gaúcha. Também de Gui-

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lhermino Cesar temos, agora no Caderno de Sábado do Correio do Povo, cinco importantes artigos, ricos em material inédito, sobre a história do escravo sulino!.

Como podemos ver, a historiografia do escravo e do escravismo gaúcho e quase inexistente. E, grande parte dela, aborda o “negro” em geral, não procurando fazer a crítica de uma situação histórico-econômica específica e de um modo de produção. E o caso do historiador Dante de Laytano que mais detidamente se voltou sobre o assunto. Vivendo o “espírito afro-brasileiro "" dos anos trinta,

en-

focará seus escritos na perspectiva da construção de uma sociologia do “negro” gaúcho. São trabalhos de lingúística, folclore, história, etc. Vão se trata o escravo

como categoria histórica de primordial importância na análise de nossa formação. Estes trabalhos, pioneiros, não serão desenvolvidos por outros estudiosos. Na verdade, surgem, a maioria deles, a partir da procura da construção de uma “sociologia” brasileira; encontram-se distantes dos interesses e motivos tradicionais de nossa historiografia. Porém, temos que nos perguntar: a que se deve essa ausência do

escravo

em

nossa

historiografia?

Sobre esse fenômeno,

falaremos

com

mais vagar; adiantamos, entretanto, os dois eixos que, a nosso entender, são a ori gem desta realidade, Por um lado está a preocupação quase exclusiva com a história política das classes senhoriais que vicejou até poucos anos atrás; por outro, uma leitura ideológica do nosso passado. A própria existência de um escravismo gaúcho — como veremos no desenvolver desse trabalho — era já uma contradição 'com o mito da sociedade democrática sulina, construída no contexto da fazenda, em tomo da

“oda

do chimarrão”. Nossa historiografia tradicional não podia referir-se ao es-

cravo sem se referir ao “senhor-de-escravos” e este, simplesmente, não “existia ”"no quadro idílico delineado por ela. Se aceitamos a realidade, o peso significativo do escravo já nos primórdios de nossa história, somos obrigados a “historiar” a introdução da mão-de-obra escrava no Sul (o que até certo ponto já foi feito ) e, principalmente, tentar respondera algumas questões ainda não elucidadas a contento. Por exemplo: foi importante a

contribuição do escravo nos primeiros momentos da ocupação lusitana do Brasil Meridional? E se o foi:constituiu-se aqui, como em outras regiões, um regime social de produção baseado no trabalho escravo? Teríamos vivido, — em outras palavras — nos primeiros tempos de nossa formação histórica, um regime escravista?

A pergunta sobre a existência de um modo de produção escravista no Sul não parece dificil de ser respondida. Bastaria provar a significativa existência de escravos para comprovar a constituição de um regime social de produção baseado so-

bre o trabalho escravo. O problema não se apresenta em forma tão simples e talvez seja este o cerne do problema. Nem sempre onde existem escravos existe um re-

CESAR,

Guilhermino. Quilombo

e Sedição de Escravos. Caderno de Sábado do Correio

do Povo. Porto Alegre. 20.3.1976; Escravos de Meia Sisa e de Sisa Inteira. CS. do Correio do Povo. Porto Alegre. 27.3.1976; O Batuque Proibido. CS do Correio do Povo. Porto

Alegre. 3.4.1976; As Posturas e o Negro. CS do Correio do Povo . 10.4.1976; O Negro e a - Legislação do Império. Caderno de Sábado do Correio do Povo. Porto Alegre. 24.4.1976.

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gime social de produção escravista; nem sempre que existe este regime é ele a for-

ma de produção dominante”.

E necessário, inicialmente, definir o que entendemos por regime de produção escravista, Feito isso, delinearemos o que poderiamos chamar de “formas de produção gaúchas” dos primeiros tempos de nossa história, Isto é, os principais modos ou formas sociais de produção até o surgimento, ou não, de um modo

de produção

escravista no Sul. Definir se houve,

ou não, um modo de produção

escravista no Rio Grande do Sul é portanto um dos objetos fundament ais do nosso estudo. Outro seria estabelecer se foi ele hegemônico, o que escapa, no entanto,

dos quadros do presente trabalho. Para fazermos isso a contento , como veremos,

seria necessário realizar a própria crítica da formação social sulina. Algo prematuro, visto o nível atual de nossa historiografia econômico-social. Esta discussão levar-nos-ia ao problema da definição das diversas formas de trabalho “livre” que coexistiram' com

o trabalho escravo e suas origens, o que não é, definitivame nte, da

sistir diversos modos de produção; porém, temos um que é dominante e hegemônico. Este tenderá a organizar todos os outros em sua lógica, assumindo, assim, uma primazia econômica e ideológica. Os setores sociais dominantes que

“A

escravidão

é uma categoria social que, por si mesma, não indica um mod o

de produção. Como escravidão doméstica — forma exclusiva sob à qual exist iu em vários povos — sua

função

é improdutiva.

Mesmo

como

função

produtiva, a escravidão pode aparecer de maneira mais ou menos acidental e ser meramente acessória de relações de produção de tipo diferent e.” (GORENDER,

1978 p. 60).

Para a visão historiográfica que vê no escravismo brasileiro um modo de produção capitalista

— ainda que

“Incompleto”,

a Abolição

não apresenta problema histórico-teórico.

Trata-se do consequente rompimento de algumas travas que inibiam o pleno desen volvi-

mento capitalista da produção. Caso contrário, se compreendemos,na formação social brasileira pré-Abolição, a coexistência de diversos modos de produção e, entre eles, o escravismo

colonial como hegemônico a nível nacional, teremos que analis ar as formas sociais de produção que se estabelecem com o fim do escravismo e quais as hegemônicas.

14

O

Compreendemos como modo de produção escravista aquele em que o fundamental dos bens materiais produzidos pelo trabalho social realiza-se no quadro de uma organização social do trabalho em que se utiliza, como força fun damental de trabalho, o homem escravizado. O produtor direto (o escr avo) “defronta-se com os meios de produção que acionará como propriedade privada de um outr o ser humano (o senhor do escravo) que é também proprietário da totalidade do produto de seu trabalho (proprietário legal) e, no geral, dos meios de produç ão que o escravo acionard. Devemos salientar que, no quadro de uma formação social dada, podem sub-

neiti

alçada desse trabalho?.

Se organizam, a partir deste modo hegemônico, tendem a ser, neste quadro, as classes dominantes a nível geral. “O estudo de uma formação social — ressalta Jacob Gorender — deve começar pelo estudo do modo de produção que lhe serve de base material. As formações sociais podem conter um único modo de produção, o que lhes atribuirá homogeneidade estrutural. Porém conter, no entanto, vários modos de produção, 'dos quais o dominante determinará o caráter geral da formação social”, Comumente, os próprios modos de produção não são 'puros', mas encerram categorias insuficientemente desenvolvidas ou decadentes, que representam embriões ou sobrevivências de modos de produção diferentes. "' (Gorender, 1978, p. 25). A definição do lugar do escravo e do escravismo na história gaúcha é a definição do próprio processo de formação da sociedade sulina e sua integração ao resto do Pais. Restringimonos a procurar ajudar a definir o papel do escravo negro em nossa história e se houve (quando e onde) um regime social de produção escravista do Sul. Neste contexto, não analisaremos nem nos referiremos a regiões ou contextos econômico-sociais que não foram tocados ou influenciados diretamente pelo escravismo e que não foram determinantes para os primeiros momentos de nossa história. A região missioneira e os núcleos de colonização italo-germânica enquadram-se nestes casos. A critica do processo de nossa formação histórica é a sintese desses múltiplos processos em suas relações determinantes, ou seja, a reconstrução teórica do processo geral em suas determinantes fundamentais. Isolando o estudo do escravo e do escravismo não tentamos mais do que avançar na definição de um dos elementos — determinante — desse movimento geral. O estudo do escravismo no Rio Grande do Sul reduz-se ao estudo da escravidão “negra” (afro-brasileira). Ainda que a escravidão indígena tenha desempenhado papel fundamental nos primeiros anos da colonização do Brasil, este processo já estava em franca decadência e receberia seu golpe definitivo alguns anos de-

pois da fundação de Rio Grande. Isto não quer dizer que formas disfarçadas de escravidão indigena ou escravidão indígena de fato não tenham

existido em terras

gaúchas depois desta época. Registros de casos como estes são abundantes para

osdois primeiros séculos de nossa história e, a bem da verdade, ocorrem ainda no Brasil. João Machado Ferraz (1978), que efetuou o levantamento do primeiro livro de batizados de Rio Grande (1738-1753), fala-nos que encontrou a expressão de “india administrada” que era uma quase escravidão indígena. J. B. Hafkemeyer S. J. (1922, p. 163), quando da edição das “Memórias” de Antônio Gonçalves Chaves, escreve: “Aos horrores que conta St. Hilaire ajunta um dos membros do Conselho (Geral da província de 1832) um capítulo característico de um dos comandantes militares que como taes eram também comandantes dos índios. Conta S. Nicolau, 'onde estes infelizes são compelidos a vários trabalhos

de plantações, fabrico de hervas debaixo do abusivo pretexto de ser para Nossa

Senhora todo o rendimento de que não recebem um ceitil..”

15

À expansão lusitana em direção ao Sul, início da formação da sociedade gauúcha, esteve, principalmente nos seus primeiros anos, profun damente determinada e condicionada pela dinâmica da sociedade colonial, ou seja, pela rea lidade social hegemônica a nível nacional. Para definirmos o quadro gera l em que se dá o início da história do Rio Grande lusitano e o papel do escravo negro nela, é imprescindível começarmos pelo papel do escravismo no mundo colonial brasileiro, principalmente no início do século XVIII.

16

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A ESCRAVIDÃO 1.

E A SOCIEDADE

COLONIAL

BRASILEIRA

As Origens A impossibilidade dos lusitanos de, chegados ao Brasil, descobrirem as deseja-

das “minas” determinará a primeira reação diante da nova descoberta: o desinteresse. A carta de Américo Vespúcio a Pedro Soderini (Goulart, 1975, p. 47) define bem o profundo desprezo do mundo mercantil a tudo que não oferecesse lucros imediatos. Relatando a viagem às costas brasileiras, em 1501, escreve: “Se eu me propusesse a contar as coisas que vi nesta navegação não teria papel bastante, mas pode-se dizer que nela não encontramos nada de proveito, exceto infinitas árvores de pau brasil e de Canafístula.” A este lamento, agrega: “E havendo já bons dez meses que viajávamos, vendo que na terra não encontrávamos mina alguma, resolvemonos a deixá-la.” Era, porém, necessário ocupar as novas terras para

que elas não trocassem de

mãos; poder-se-ia, então, esquadrinhá-las detidamente. É nesse novo quadro — as donatarias

— que veremos se estruturar a organização social da produção

que por

três séculos domina nossa história: o escravismo colonial*. As imensas extensões de terras quase predestinadas à “cana-de-açúcar”, a madura experiência lusitana em plantações escravistas (Madeira, São Tomé, Açores e Cabo Verde) e um mercado

internacional em expansão, tudo isto será determinante: a ocupação econômica do “Novo Mundo” lusitano estruturar-se-á no contexto da plantagem da cana-de-açú-

car.

O açúcar, produto ligado por excelência à História do Brasil, ocupava, já no século XV, relevante importância na vida comercial de então. “Foram os Cruzados e árabes que tornaram conhecido na Europa o açúcar, primitivamente fabricado e *

Entendemos “Escravismo Colonial” no sentido adscrito por Jacob Gorender em seu trabalho já citado. Explicitase com esta categoria um modo de produção historicamente novo, com suas leis específicas e distinto a outras formas sociais de produção. Acompa-

nhamos metodologicamente, na maioria das vezes, este autor, sem a preocupação de o citar todas as vezes que o tizermos.

17

usado na Ásia. Na Idade Média, era um artigo caríssimo, escolhido para presentes

régios e como tal figurava nos próprios inventários monárquicos. Constitui um dos objetos do comércio das repúblicas italianas, que também iniciaram a cultura da cana-de-açúcar e o seu fabrico nas Ilhas de Rodes e Sicília, na bacia do Mediterrâneo.

a

Os árabes introduziram a indústria na Espanha. O Infante D. Henrique, com

sua preocupação dominante de intensificar o comércio, fez com que se iniciasse, na Madeira e em outras ilhas portuguesas, a cultura da cana. Com o restrito consumo existente na Europa, “onde era vendido como género medicinal nas farmácias”, não tardou que o desenvolvimento da produção acarretasse sua superprodução e baixa nos preços.” (Simonsen, 1977, p. 95). O consumo do açúcar torna-se então hábito das populações abastadas da Europa, determinando assim que essa mercadoria se transforme em um dos principais artigos do comércio internacional. O primeiro engenho introduzido no Nordeste, em 1534, foi o de Nossa Senhora da Ajuda, construído “por judeus 'fugidos à fúria religiosa da metrópole” e por

operários das ilhas de São Tomé e Madeira...” (Costa, em Chacon, 1973, p. 37). Imediatamente surgem outros e a produção do açúcar estende-se do Nordeste à distante Capitania de São Vicente. Luís de Góis escreve, em Santos, a 12 de maio de 1548: ”... só nesta capitania entre homens e mulheres e meninos há mais de seiscentas almas e de escravaria mais de três mil, e seis engenhos...” (Abreu, gapistrajá com 23 engenhos e, no, em Vamhagen, 1978, p. 168. V. 1). Em 1574, contamos em 1854, no fim do século, com 66 só no Nordeste, já teremos 100 unidades dedicadas a essa produção (Chacon, 1973, p. 38). A produção da cana-de-açúcar será tal que, segundo Pereira da Costa, “já no século XVI, partiam quarenta e cinco navios anuais de Pemnambuco,jabarrotados de açúcar e pau-brasil, os quais, após pagarem todos os impostos, ainda deixavam uma renda anual de 10 000 cruzados”. (Chacon, 1973, p. 38). A plantação e a produção do açúcar caracterizaram profundamente os últimos

50 anos do século XVI e toda a história colonial brasileira. As grandes fortunas, os

grandes senhores, a atividade econômica primordial de nossa terra dão-se em tomo deste produto. No século XVI, porém, dizer produção mercantil de açúcar é dizer plantação colonial e, esta, trabalho escravo. Antonil (1976, p. 89) sintetiza essa

realidade quando escreve, nos primeiros anos do século XVIII, que os escravos

eram as mãos e os pés do senhor do engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter en genho' corrente”. 2.

Trabalho Escravo e Escravismo

A utilização de escravos nas plantações coloniais da América foi explicada pela historiografia tradicional como devendo-se à absoluta impossibilidade do tra-

balhador europeu de ocupar-se como agricultor nessas regiões. Isto ou porque escasseava na Europa, a mão-de-obra necessária ou porque seria impossível vencer a barreira do clima. O europeu, principalmente o do Norte do continente, não re-

sistiria bem ao trabalho físico em regiões tropicais.

18

Pandiá Calógeras (1967, p. 24), por exemplo, afirma que: “O Brasil, não tendo ainda revelado haveres minerais, só podia ser colônia agrícola. Os portugueses, por demais escassos, não possuíam braços bastantes para o cultivo de suas fazendas nem

para a extração

mais

de

do pau-brasil.

tais dificuldades deveria ser

Saída única para

arrancar, por quaisquer meios, trabalhadores baratos do viveiro aparentemente inesgotável da população regional. A escravidão surgiu de tal necessidade econômica.” O próprio Portugal, ajunta Maurício Goulart (1975, p. 27), pequeno país de não 1500

000 habitantes,

nos

fins

do

século

XVI,

já tinha enviado, entre

1497 e 1527, “trezentas e vinte naus, conduzindo oitenta mil homens” para “as

Índias”,

O clima era, também, grave problema. Se bem que minimizando este empecilho no relativo ao português, devido a uma possível realidade específica a esse povo, Gilberto Freyre (1969, p. 14 e 20) afirma: “Por mais que Gregory insista

em negar ao clima tropical a tendência para produzir perse”

sobre o europeu do

Norte efeitos de degeneração... grande é a massa de evidências que parecem favorecer o ponto de vista contrário: o daqueles que pensam revelar o nórdico fraca ou nenhuma aclimatabilidade nos trópicos.”” E, ajunta páginas mais adiante: “Embora mais aproximado o português que qualquer colonizador europeu da América do clima e das condições tropicais, foi, ainda assim, uma rude mudança a que ele sofreu transportando-se ao Brasil. Dentro das novas circunstâncias de vida física, comprometeu-se a sua vida econômico e social.” As idéias acima esboçadas, parte integrante de nossa historiografia e assimiladas pela “consciência histórica nacional”, não podem mais ser aceitas como explicações histórico-científicas. O caráter longevo do escravismo no Brasil, mais de 300 anos como modo de produção dominante; a sua importância, tanto no que se refere à extensão territorial que abarcou, como ao número de escravos que organizou, assim como o papel que desempenhou a nível internacional, não permitem mais explicações impressionistas que resvalem a superfície fenomenal do problema analisado. Os argumentos até agora esboçados não resistem à crítica histórica. A pequena população portuguesa explicaria, talvez, a utilização da mão-de-obra indígena e africana.

Porém,

como

explicar o ''plantacionismo”

escravista francês ou inglês nas

Antilhas? E como justificar — comosalienta Eric Williams (1975, p. 13) —que nas colônias britânicas plantacionistas o “sucessor imediato do índio”'não tenha sido o negro mas sim o “branco pobre”.

A falta de mão-de-obra não era, segundo Simonsen, um problema exclusivamente portu-

guês. “Era a indústria açucareira a que apresentava as maiores probabilidades de sucesso é

que vinha sendo experimentada há várias dezenas de anos nas ilhas portuguesas. A sua im-

plantação demandava uma abundante mão-de-obra. Como obter imigração européia voluntária e suficiente para tais trabalhos, se esse continente, com pouco mais de 50 milhões de habitantes, estava no momento

absorvido pelas revoluções

comerciale

agrária,

do, em muitas de suas regiões, por guerras incessantes?” (SIMONSEN,

e assola-

1977, p. 126).

19

Esse autor aclara-nos sobre o problema da utilização do escravo na plantação. Esgotado nas colônias britânicas da América antilhana o “reservatório indígena”, os britânicos lançam mão da forma de trabalho que se delineava então como a hegemônica na Inglaterra: o trabalho assalariado livre. Este, entretanto, assumirá

nas colônias um outro significado que, caracteristicamente, contradirá a evolução que então vivia a metrópole. Devemos lembrar que, nessa época, esse era o braço trabalhador que os senhores das plantações podiam obter com maior facilidade. “Esses

trabalhadores

brancos

— escreve Eric Williams (1975, p.

14)

— com-

preendiam uma variedade de tipos. Alguns eram servos sob contrato (indentured servants), assim chamados porque, antes de partirem de sua terra natal, tinham assinado um contrato, reconhecido por lei, obrigando-os a prestar serviços, por um tempo estipulado, em troca da passagem. Outros ainda, conhecidos como 'Tesgatadores, combinavam com o comandante do navio para pagar a passagem na chegada ou após um tempo específico; se não o fizessem, eram vendidos pelo comandante a quem oferecesse o lance mais alto. Outros eram sentenciados, enviados por medida deliberada do Governo metropolitano para servir durante um período especificado. Este contrato inicialmente não “denotava inferioridade ou degradação”. Terminado o prazo de trabalho a que se havia comprometido como forma de retribuição pelos meios adiantados para a migração, o trabalhador recebia uma porção de terra ou ia tentar livremente a sorte. Mas, diante das necessidades crescentes da produção, fomentadas ao extremo pelo mercado internacional em expansão, o sistema perde o pouco que podia ter de canalização “natural”de mão-de-obra e a característica de trabalho assalariado sob longo contrato. “Quando a especulação comercial entrou em ação - escreve Eric Williams (1975, p.15) -, começaram a ocorrer abusos. Os raptos foram incentivados até certo ponto e se tornaram um negócio corriqueiro em cidade tais como Londres e Bristol. Os

adultos

eram

atraídos

com

bebidas,

as crianças

engabeladas

com

doces.

Os

raptores eram chamados espíritos”, definindo-se espírito” como “aquele que pega homens, mulheres e crianças e os vende num navio para serem transportados além-

mar”.”

Neste

contexto,

nasce

identidade

de interesses

que liga a Justiça britânica e

os plantadores das Antilhas britânicas. “Os sentenciados proporcionavam uma fonte segura de trabalhadores brancos, As severas leis feudais da Inglaterra reconhe-

ciam trezentos crimes capitais. ... Delitos para Os quais o castigo prescrito pela lei era a deportação compreendiam o furto de pano, a queima de medas de trigo, o aleijamento e matança de gado, o embaraço a funcionários aduaneiros na execu-

ção de seu dever, e a corrupção de funcionários.”(Williams, 1975, p. 16). E sempre se podia facilitar uma legislação já tão proclive à deportação. O envio de trabalhadores para as colônias torna-se um pingue negóci o. “.... uma hierarquia inteira, desde secretários da Corte e Juízes solenes até os diretores

de prisão e carcereiros, insistia =

re...»

em ter uma parcela nos lucros. A O

20

OR

O

DO

O

RT RR

ET RR

RO

E

RO

Os

negociantes e juízes tinham o hábito de forçar ro de criminosos que poderiam ser deportados para as que possuíam nas Indias Ocidentais. Aterrorizavam os a perspectiva de enforcamento e depois os induziam a

a lei para aumentar o númeplantações de cana-de-açúcar pequenos transgressores com solicitar a deportação. ”

(Williams, 1975, p. 19). O significativo nesse processo é que o trabalho, que tinha sido inicialmente uma forma de contrato “livre” entre o assalariado e o plantador (agenciador), termina assumindo as características de uma relação servil temporária. A nível das condições objetivas de trabalho, este

trabalhador encontrar-se-á, muitas

vezes, inferiorizado

ao próprio escravo. “Desde que tinham obrigação de servir por um período limitado — segundo escreve o mesmo autor —, o plantador tinha menos interesse em seu bem-estar do que nos dos negros que eram trabalhadores vitalícios e, portanto, “os pertences mais úteis” de uma plantação. Eddis encontrou os negros “quase em todos os casos, em circunstâncias mais confortáveis do que o miserável europeu, sobre quem o plantador rígido exerce uma severidade inflexível”.” (Williams, 1975,p. 22) O essencial na plantação colonial não era a “etnia” da mão-de-obra utilizada, mas sim o caráter das relações sociais que se estruturam. Na plantagem, como destaca Eric Williams, o trabalho foi “moreno, branco, e amarelo; católico, protestante

e pagão”. O essencial era o caráter “servil do trabalho”*. Não existe, portanto, nenhum indício de que o europeu, do Norte ou do Sul, não se adapte a qualquer forma de trabalho, sob qualquer clima. O ritmo da produção na plantação colonial trabalhando para o mercado inter-

nacional em expansão, era infernal. Tratava-se de relações de produção onde o valor capitalizado era extraído do trabalho excedente do produtor direto. Com a abundância de terras (principalmente nos primeiros tempos), o “capital trabalho”

era o fator determinante da produção. Levar o trabalhador a produzir o máximo

no minimo de tempo; desqualificar as condições de trabalho: reduzir ao mínimo a

retribuição do trabalhador (sob a forma em que ela fosse feita) era fonte de lucros

para o plantador”.

Compreendemos servidão como a relação social que impõe pela coação a obrigação de produção de sobretrabalho para o senhor. É claro que aqui se trata de uma servidão par-

cial, pois é sempre temporária. Porém, caracteriza-se bem, apesar desta temporariedade, a

dependência ao senhor, ao seu arbítrio, a impossibilidade de livre locomoção, a alienabili-

dade do vínculo contratual. Esta realidade já havia

nova qualidade

de riquezas cm

ao

sido conhecida na Antiguidade quando

escravismo

nome

do

modo

as relações mercantis dão

patriarcal. “Se Aristóteles condenava de vida

o apetite ilimitado

tradicional dos senhores, esse apetite tampouco

cra indiferente aos escravos. Deles não mais se exigia a quantidade de trabalho adequada à satisfação das necessidades do “ oikos ”, estabelecidas pelo costume, porém a exaustao

| total de suas encrgias. A ambição de riqueza como

fim em si corresponde a extorsão im-

piedosa do trabalho excedente. O que Marx destacou em * O Capital *: *... quando numa formação econômico-social predomina, não o valor de troca, mas o valor de uso, o sobre-

trabalho fica mais ou menos

circunscrito

pelo circulo das necessidades,

porém

do pró-

21

A substituição do trabalhador branco pelo africano nas plantações britânicas

se dará a partir de uma nova realidade histórico-econômica. A essência dos dois

tipos de trabalhe era, porém, no geral, a mesma (não devemos, no entanto, con-

fundir essa servidão temporária e pessoal com a escravidão). A crescente necessidade de trabalhadores na Inglaterra manufatureira; a possibilidade de, com o preço pago pelo trabalho temporário de um branco, comprar um escravo até a sua morte; o fato de que as diferenças raciais “tornavam mais fácil justificar e racionalizar a escravidão

negra”,

são, entre

outras,

as determinantes

dessa

substituição (Willi-

ams, 1975, p. 24). A “servidão” branca ajuda-nos a compreender que a escravidão

indígena e africana baseavam-se em um fato histórico preciso: a produção colonial era, em suas origens, incompatível com o trabalho assalariado livre. Efetivamente, não se tratava de uma opção entre duas formas de trabalho: o livre e o escravo. À superioridade do trabalhador livre sobre o escravo é incontestável; porém, para se optar, necessita-se que historicamente se tenha a possibilidade de utilizar os dois regimes de trabalho. A formação de um exército de trabalhadores livres na Europa será um longo processo histórico onde a dissociação do produtor direto dos meios de produção se dará de forma “natural”, gradativa e irreversível, O trabalhador é então compelido, “naturalmente”, a vender a sua força de trabalho a um preço que lhe obriga jornadas de trabalho extremamente longas e intensas. Esse processo já foi descrito

à exaustão pelos historiadores da Revolução Industrial. Na América, porém, passava-se de modo distinto. O trabalhador se dirigia para o Novo Mundo para melhorar seu nível de vida e fugir da miséria que a Europa lhe oferecia. Dificilmente aceitaria um ritmo de trabalho superior ou mesmo igual ao que tinha abandonado, pois aqui tinha a alternativa de viver como produtor independente na periferia da sociedade colonial. Na verdade, terra era O que não faltava. Esta ocupação da terra era, no entanto, “clandestina”, pois, desde cedo, a “centralização da propriedade fundiária, a “sesmaria”,

agiu como barreira intransponível para o produtor independente que quisesse estabelecer-se no Brasil e aqui refazer seu mundo anterior” (Figueira & Mendes,

em Benci, 1977, p. 71). Ou seja, estabelecer-se de pleno direito no mundo “oficial”. O certo é que “o metabolismo social que impede na Europa O acesso aos meios de produção por parte do produtor, e consequentemente o obriga a vender sua força de trabalho pelo salário, não se formou ainda nas colônias. A compulsão

ao trabalho toma-se, assim, o único modo de obter-se o trabalhador” (Figueira &

Mendes,

1977,

p. 20).

Isto é, era impossível,

através de uma relação plan-

prio caráter da produção não se origina uma necessidade ilimitada. Quando se trata de obter o valor de troca sob sua forma especifica de dinheiro, pela produção do ouro e da prata, encontramos, já na Antiguidade, um sobretrabalho horroroso. O trabalho força do até a morte é aqui a forma oficial do sobretrabalho. A este respeito, basta apenas ler Diodoro Sica. Não obstante, no mundo antigo trata-se de exceções.” (GORENDER, 1978, p.

22

|

|

tador/trabalhador-assalariado, chegar a uma produção significativa de trabalho excedente; a compulsão, ou melhor dito,a compulsão física (a servidão ou a escravidão) era a única alternativa. A plantação colonial da cana-de-açúcar, do algodão ou tabaco, assim como a mineração, adaptavam-se sem problema a esse trabalho compulsório. O processo, produtivo podia ser facilmente desmembrado em uma sucessão de atos simples e rotineiros, executados sob coação. A solução necessária para a colonização do

Brasil numa

ótica mercantilista, isto é, voltado

para a produção

de mercadorias

coloniais para o mercado internacional, será o escravismo. Ele será, em um primeiro momento, indígena e, mais tarde, essencialmente negro. Na América, o escravismo se encontra lado a lado com outras formas de produção e, muitas vezes, vivendo uma situação de subordinação a estas últimas; no Brasil se desenvolve, no entanto, com tal vitalidade que, por séculos, será a forma social de produção hegemônica. Penetrando todos os poros da sociedade, determinará e influenciará até mesmo aqueles setores produtivos que, por diversos

motivos, se adaptavam com dificuldades à realidade escravista. Escravos e senhores-de-escravos serão as categorias sociais centrais de nossa história pré-Abolição; a partir delas é que temos de analisar um grande período

de nosso passado.

3.

O Escravismo no Começo do Século XVIII

A escravidão dos primeiros aborígines americanos será quase imediata à chegada dos europeus ao Novo Mundo. Em 1504,a Espanha dá um importante passo nesse sentido, legitimando a '“escravidão dos Caraíbas por antropófagos e bestiais”. No Brasil, o primeiro apresamento de que temos notícia é o da nave “Bretoa” que, vinda, em 1511, à procura do desejado pau-brasil, não perde a oportunidade para escravizar mais de trinta indígenas (Malheiro, 1976, p. 155). A captura destes “brasis” caracteriza otimamente os motivos últimos do tráfico escravista euro-

peu: era um bom negócio. Será, no entanto, nas últimas décadas do século XVI que o indígena começa a ceder a primazia ao africano como mão-de-obra servil; esse processo se dará inicialmente nas capitanias mais ricas e, nas mais pobres, será, por séculos, uma tendência não totalmente objetivada. O Pe. Fernão Cardim (1978, p. 175), jesuíta chegado ao Brasil em 1583, escreve, dois anos mais tarde, da Bahia, um longo relatório para o seu superior; nas terras da Bahia, “cidade d'El-Rei, e a corte do Brasil”, tinhamos na época 36 engenhos e “três mil vizinhos portuguezes, oito mil índios cristãos, e três ou quatro mil escravos de Guiné...” Sobre

Pernambuco, centro da produção

açucareira, com 66 engenhos, afirma ter “passante de dois mil vizinhos entre villa e termo, e com

muita escravaria de Guiné, que serão perto de dois mil escravos:

os índios da terra são já poucos” (Cardim, 1978, p. 201).

O Pe. Cardim (1978, p. 240) subavalia o número de escravos africanos de Per-

nambuco, se tomamos como certa a apreciação do Pe. Anchieta. Este fala, para a

mesma região, de 10 000 escravos africanos. No entanto, o determinante é que aqui,

23

com

66

engenhos,

os

““índios

da terra já eram

poucos”'Referindo-se

aos enge-

nhos do Recôncavo, o Pe. Cardim (1978, p. 193) esclarece ainda mais. “Em cada um delles, de ordinário há seis, oito e mais fogos de brancos, e ao menos sessenta escravos, que se requerem para o serviço ordinário: mas os mais delles têm cento, e duzentos escravos de Guiné e da terra.” Maurício Goulart (1975, p. 100) coloca para “depois de meados do século XVII a substituição do índio pelo africano como fonte de mão-de-obra escrava. Pa-

rece-nos, no entanto, ter razão Jacob Gorender quando afirma que: “Ao que tudo

indica, O negro constituía, Já na primeira metade do século XVII, a força de traba-

lho fundamental

das regiões de economia plantacionista próspera, continuando o

índio o recurso preponderante ou quase único das regiões pobres, onde a produção

de lucrativos gêneros de exportação não vingara.” (Gorender, 1978, pe ris): Este adendo, o complementar do escravismo indígena, parece-nos tundamental. Até mesmo em pleno século XIX, com todas as leis sobre a matéria, a escravidão plena ou disfarçada do indígena continuava a ser uma prática não extraordinária. No próprio Rio Grande do Sul, escreve-nos Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 154)

na segunda década do século XIX: “Os roubos dos indiozinhos são abusos dos mais terríveis que praticam aqui. São levados a trabalhar como escravos, e se inutilizam para o povoamento do solo, visto como longe de suas terras não encontram mulheres com que se possam casar.” Sobre todo esse processo, Roberto Simonsen (1977, p. 132) afirma: “Com a evolução do trabalho dos engenhos, foi escasseando e se mostrando insuficiente a mão-de-obra indígena. Na segunda metade do século XVI, introduziram-se aos poucos os escravos africanos que orçariam, por volta de 1600, em cerca de 20 000.” | Mão-de-obra fundamental nas regiões de produção mercantil nos fins .do século XVI, o escravo africano ocupa um papel cada vez mais importante na economia colonial à medida que entramos no século XVII. No começo do século seguinte, já é o centro da grande produção colonial em todo o País. André João Antonil (1976, p. 89), que estuda a indústria açucareira no Brasil, dedica todo um capítulo ao: “Como se há de haver o senhor de engenho com seus escravos”, Para Antonil, escravidão já subentende escravidão africana,

“Por isso — escreve o economista setecentista —, é necessário comprar cada ano

algumas peças e reparti-las pelos partidos, roças, serrarias e barcas. E porque comu-

mente

são de nações diversas, e uns mais boçais que outros e de forças muito

diferentes, se há de fazer a repartição com reparo e escolha, e não às cegas. Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, de ca-

bo Verde e alguns de Moçambique, que vêm nas naus da India.” (Antonil, 1976,

p. 89). O comércio escravista em direção ao Brasil

se tinha sistematizado e tomado vulto, principalmente durante os últimos cingienta anos do século XVII. No período anterior, as disputas luso-holandesas e a ocu pação batava dos principais entrepostos escravistas lusitanos nas costas african as dificultara o bom desempenho desse comércio.

24

Desde

que em

“1553,

Dom

Cristóvão Tinoco, governador

da Ilha da Madei-

ra, comunicava ao rei de Portugal que, aos 4 de julho desse ano, “tinham vindo

surgir em Machico 3 navios ingleses ... (com a idéia)... de ir ao cabo de Gué, ou aos rios da Costa da Guiné” ” (Goulart, 1975, p. 59), ficara claro que outras nações desejavam participar também do lucrativo negócio negreiro. São os holandeses, primeiro que quaisquer outros, que darão duros golpes na estrutura africana do comércio negreiro português. Na procura dos apreciados produtos exóticos africanos e orientais, os lusitanos bordeiam ao longo da costa africana e criam nesta importantes centros de captação de escravos. Na “Costa do Ouro” teremos, por exemplo, o conhecido “Castelo de São Jorge da Mina”. Ele tinha sido fundado no século XV para controlar o co-

mércio do ouro e de escravos nesta região. Sua construção se inicia em 1482, quando Diogo de Azambuja parte para a Africa “com quinhentos homens-de-armas e

cem artífices, materiais de construção já aparelhados, mantimentos e munições”

(Capela, 1974, p. 97). Outro importante entreposto escravista lusitano é o porto de São Paulo de Luanda, nas costas dos atuais territórios da República Popular de Angola. Estas terras, pertencentes ao Manikongo, tinham sido ocupadas pelo português Paulo Dias de Novaes, em 1575, Do castelo de São Jorge da Mina, do porto de Mpimba, na foz do Zaire, de São

: y

Paulo de Luanda, de Benguela, também em territórios angolanos, etc., os portugueses retiravam o homem africano escravizado e o transportavam ao Novo Mundo, realizando supimpo negócio. Este ótimo negócio será cobiçado pelas principais nações comerciais de então. A primeira que disputará a hegemonia portuguesa do tráfico de escravos seráa Holanda. Aproveitando a guerra contra a Espanha e a união da coroa lusitana

e espanhola, atacará e tomará posse dos principais centros escravistas lusitanos

nas costas da África. E nesse contexto que o Castelo da Mina escapa, para sem-

pre,

das mãos lusitanas. Porém, o ataque

holandês

às possessões lusitanas não

se restringirá a esta localidade. A colônia americana, os territórios angolanos, etc.

serão também atacados. E assim que, em 1641, as tropas das Províncias Unidas se apresentam diante do porto de Luanda com um exército forte de 3 000 homens, entre eles, indígenas tapuias brasileiros. Os portugueses abandonam sem maior resistência a cidade no dia seguinte e se refugiam no interior da colônia africana (Boxer, 1973, p. 253). A “invasão” holandesa do Brasil e a ocupação dos principais entrepostos negreiros lusitanos na África desorganizam o tráfico e a introdução de africanos es-

cravizados no Brasil. Este comércio só retoma a sua antiga magnitude com a definitiva expulsão dos batavos de Angola (1648) e do Brasil (1654). Na verdade, os comerciantes das Províncias Unidas, arrinconados em Luanda,não alcançam nunca dominar

inteiramente

o comércio dos escravos. Os lusitanos, entrincheirados no

Bengo e, mais tarde, em Massangano, controlavam, apesar das crescentes dificuldades, os caminhos que levavam às principais feiras de escravos do interior. Com a falta do braço africano, renasce com redobrado vigor a caça aos “brasis”, na terceira década do século XVII. Apesar de todas as proibições, as bandeiras pau25

listas descem

sioneiras,

até as terras do “Continente

causando

uma

verdadeira

do Rio Grande” e outras regiões mis-

hecatombe

populacional

naquelas

regiões.

Com a “restauração” de Angola e do Brasil, o tráfico negreiro reassume sua antiga importância e, apesar dos percalços econômicos e políticos da coroa lusitana nos fins do século XVII, a introdução de escravos no Brasil não pára de crescer. O Brasil transformar-se-á, então, na mais importante colônia escravista européia. O escravo termina assumindo tal importância na vida da América portuguesa que o arcebispo da Bahia, informa à “Coroa, em 1702, que havia, então, em sua diocese, umas 90 000 almas, das quais a maioria era de negros escravos, “os brancos só servem de determinar aos escravos o que hão de fazer ou sejão seus senhores ou feitores dos seus senhores” ”. (Boxer, 1963, p. 24). Salientar o papel fundamental do trabalho escravo no mundo colonial do início do século XVIII é determinante para a compreensão do contexto em que se dá a expansão lusitana em direção ao Prata. O escravo, mais do que ninguém, vai, no século XVII e seguintes, penetrar e caracterizar profundamente todos os níveis da vida econômica e social da época. Não haverá atividade produtiva ou improduti-

va em que ele não esteja representado de algum modo; na grande maioria destas, será O “senhor” inconteste. Comprimido pela forte pressão exercida pelo trabalho escravo, o trabalhador livre se encontra arrinconado nesse mundo de escravos e senhores-de-escravos. Numa inversão ideológica que confunde a atividade, o produto, o agente objetivo e as relações sociais estabelecidas, o homem livre termina vendo toda atividade produtiva como própria e característica da condição servil. O trabalho produtivo desqualificado já pelas duras condições do trabalho escravo, se desqualifica ainda mais com essa identificação à condição escrava, Deparamo-nos, então, com o africano ou o afro-brasileiro escravizados nos duros trabalhos do campo, nas minas; carregando e descarregando as embarcações nos portos; pregoando produtos nas ruas e mercados; transportando, quase exclusivamente, todos os tipos de objetos; servindo nas residências senhoriais como cozinheiro, porteiro, mandalete, etc.” E isto não é tudo. Na necessidade um arte-

são, um

contratava

marceneiro, pedreiro, curtidor, ou até mesmo

o trabalho de um homem livre — um “*mestre””

tarefa, fora exceções, cabia ao escravo, sempre. A

de um artista, talvez se

transformação

— mas, a realização da

do artesão-livre em senhor-de-escravos ressalta bem a impor-

tância e peso do trabalho negro no mundo colonial. Chegando à Colônia, o artesão

“Nos

começos

da década dos 80 do século passado, Cout Y enumerou

as seguintes profis-

sões de escravos de uma bem administrada fazenda cafeeira de Campi nas: pedreiros, carpinteiros, ferreiros, carroceiros, tratadores de bois, tratadores de cavalos, mecânicos, matadores de formigas, jardineiros, cozinheiros da roça, tratadores de aves

carre

gadores de comida, consertadores de roupa, fabricantes de sabão, farinheiros, vigilantes diversos, pretos do cito, lavadores de café, escravos domésticos (cocheiros, arrumadeiras lavadeiras

depenseiros).” (GORENDER, 1978, p. 253).

26

alugava ou comprava imediatamente um escravo para lhe ajudar. A este seguiamse outros. Com o tempo, o profissional podia se afastar do trabalho produtivo direto e se dedicar à administração de seus antigos auxiliares. Com a morte do antigo artesão, o seu filho substituía-o, não como na Idade Média, na ciência do pai, mas sim na posse dos escravos. Agora era plenamente um senhor-de-escravos,voTollenare descreve tando ao trabalho o desprezo característico da sua classe. esse processo quando diz que: “Um mestre de obras, um imarcineiro, um carpinteiro, um ferreiro, um pedreiro, um chefe, enfim, de qualquer destas profissões, em lugar de assalariar operários livres, compra negros e osinstrui.”(Tollenare, p. 146). A expulsão do trabalhador livre do mercado de trabalho pode ser vislumbrada como parte de um processo essencialmente “ideológico”; sua base é, no entanto, em que se alcança determinada lucratividade com a econômica. No momento mão-de-obra escrava (determinada extração de trabalho excedente), é este parâmetro econômico que determina a captação do trabalhador assalariado. Este último, não exigindo uma “inversão inicial” como ocorre no caso do escravo”, podia receber uma remuneração superior à do escravo (comida, casa, vestimentas, etc); o relativamente baixo preço do escravo novo asfixia, no entanto, nos primeiros tempos,

esta

vantagem.

Claro está que, neste

contexto,

a mão-de-obra

“livre” é

sempre acessória, não podendo apresentar-se como uma alternativa global. Quando o preço do escravo começa a se elevar (principalmente depois do fim doTráfico), a visão ideológica do trabalho como atributo do escravo já está formada e o homem livre-pobre desorganizado para uma atividade produtiva assalariada. Estes e outros fatores se transformarão, então, em uma séria barreira para a plena incorporação do assalariado ao processo produtivo. Nesse momento, com o encarecimento do escravo, a remuneração do trabalhador livre tendia também a subir, o que, por outro lado, facilitava e preparava as modificações na estrutura do mundo do trabalho. O trabalho livre secundará o trabalho escravo, de algum modo, duzante toda a História do Brasil escravista; mas, aquele será sempre sobrepujado por este, enquanto se encontrar no mercado escravos a bom preço e meios para comprá-los. Como a escravidão indigena, o trabalhador livre se refugiará na periferia da produção mercantil colonial e nas atividades que, devido à sua essência, o trabalho escravo não podia desempenhar. Nascendo a riqueza do esforço do braço escravo, nada mais lógico do que medir a posição social de um indivíduo pelo número de escravos que tinha como

propriedade. O possuir ou não escravos (novos, crioulos ou ladinos) era o principal regulador da estratificação social do mundo escravista. Os grandes senho-

res possuem vastos “plantéis” trabalhando produtivamente no eito, nos engenhos, nas fazendas; nas residências, cercavam-se de uma vasta e, em todo sentido, improdutiva criadagem. Esta, porém, cumpre também uma função. São definidoras de

“status”; são os escravos de “representação”.

Ver: “Lei da inversão inicial de aquisição do escravo”

(GORENDER,

1978, p. 172-191).

27

A classe dos senhores-de-escravos não será homogênea. No vértice encontramos os grandes senhores-de-escravos; de acordo com o período histórico e a região do

País, serão os grandes mineradores, os senhores de extens as plantações, os charqueadores, etc. O que lhes caracteriza econômica, pol ítica e socialmente não é a atividade que exercem, mas sim o número de escravos que possuem. Seguindo esta graduação, chegaremos ao sopé da construção. Aqui não se tra ta mais do que de um

arremedo ideológico do mundo senhorial ; São as inúm eras famílias de livres-pobres (at

é mesmo escravos libertos) que adquirem, com grande esforço, um velho e já cansado escravo ou um “moleque” sem muita serventia. Proc uram, assim, entrar no mundo dos “senhores-de-escravos”. A propriedade de um escravo que nega a própria fun ção do trabalho servil:a

execução

de uma

tarefa produtiva, dava, no entanto, ao mundo. dos senhores-de-

escravos uma grande coesão. A ilusão de pertencer à classe dos senhores-de-escravos levava os livres-pobres a se identificarem aos, em última instância, responsá-

veis pela situação raiando a indigência em que se encontravam. Entre os grandes senhores-de-escravos e estes “arremedos” de escravistas, se estabelece uma falsa comunidade

de interesse que leva a organização social escravista a ser apo iada por. setores muito mais amplos do que os que objetivamente se privil egiavam com esta organização social.

28

na

j

e

S

H A OCUPAÇÃO 1.

LUSITANA

DO SUL BRASILEIRO

Um Primeiro Ciclo Sulino:“A Faena dos Couros”

O expansionismo mercantil lusitano em direção ao cobiçado contrabando do

Prata defronta, de imediato, os portugueses chegados a estas regiões com as importantes manadas de gado chucro que perambulavam pelos pampas uruguaios. Este gado teria tido duas origens. Por um lado, seria originário dos animais dispersos durante

o rápido

recuo

das reduções

diante

dos escravizadores

vicentinos (1635-

1641); por outro, dos animais introduzidos pelos espanhóis,-nos primeiros anos do século XVII, na ilha do Vascaíno, “en la margen izquierda del Rio Negro en la desembocadura del San Salvador.”” (Dotta e outros, 1972, p.15). A reprodução natural destes animais dará mais tarde origem às chamadas “vacarias”, que serão imediatamente vistas como uma possível fonte de renda. A própria existência destes rebanhos não esteve ausente na decisão de fundar-se a Colônia do Sacramento. “A preocupação da Coroa de manter a primazia no comércio de couros — nos esclarece Roberto Simonsen (1977, p. 172) —, aliada à de estender os seus domínios até o Prata, levaram-na, deliberadamente, a fundar a Colônia de Sacramento.” Constitui-se, então, o ciclo da “faena dos couros” ou, como diriam os espanhóis, o ciclo “corambrero”. Por muitos anos, a principal atividade econômica de uma ampla área destas regiões será a caça ao animal selvagem pelo seu couro, a sua língua e o seu sebo. A Colônia do Sacramento foi sempre um Ótimo e privilegiado ponto de partida para os luso-brasileiros dedicados a esta atividade. O padre espanhol Berardo de la

Vega, por exemplo, relatava,em 1694, a seu superior: “... por los tupis supo que los portugueses entran tierra adentro a hacer corambre en cantidad y que cada portugués mata cada dia ocho toros, y a veces, más, y los que están en el rio de Santa

Lucia cada uno suele matar a 20 y más toros, sucediéndose unos à otros los portugueses en esta tarea la mayor parte del afio. Que con caballos enlazam algunas vaca y toros, que acollarados con bueyes mansos los han Ilevado a su Colonia. Que

el Governador de la Colonia (Francisco Naper de Lancastre), según dichos tupíes

Junta corambre en nombre del Rey, y que tiene dos almacenes para cargar los na-

29

tierra conducir dicha corambre, y que el Gobernador, con un sacerdote y una com-

pafiia de soldados fue a fervorizarlos en el ejercicio de enlazar ganado, en cuya dili-

gencia dicen ser el más diestro.”” (em Pintos, 1967, p. 25). Esta atividade produtiva será praticada, no seral, tanto por espanhóis como por

lusitanos,com os mesmos meios e técnicas. H. Giberti (em Dotta, 1972, p. 24) nos

faz uma precisa descrição: “El procedimiento resulta peculiar: se reunia un grupo de hombres, muy buenos jinetes, un abundante número de perros, salían todos a la

campania y al toparse con vacunos cimarrones, los rodeaban ayudados por los per-

ros, corriendo tras ellos los herian en el garrón con un instrumento muy especial, el desjarretadero, compuesto de una filosa media luna atada al extremo de una cafia, seccionados los tendones del miembro posterior, el animal, imposibilitado de cor-

rer, caía al suelo. Terminada esta etapa, volvían los jinetes sobre sus pasos y mataban las reses, sacándoles cuero, sebo y lengua; el resto quedaba sin aprovechar, para alimento de fieras y perros salvajes que pululaban por la campafia. Otra forma de vaquear consistia en enlazar o bolear los animales para sacrificarlos después.” Manoelito de Ornellas baseia-se no relato de um outro religioso para descrever a mesma cena: “Surgem, então, os “cortadores” que usam lanças de taquara encimadas por uma lâmina na forma de “meialua” com que, em plena corrid a, no pampa, desgarronavam as reses ou cavalos, vibrando-lhes um golpe na perna traseira, 'con

tal destreza — diz o Padre Cattaneo — que lhe cortan el nervio sobre la juntura; la piema se encoje al instante, hasta que despues de haber cojeado alguns pasos, cae la bestia, sin poder enderezarse mas”. Conduziam, a gritos, a boiada para a volta acentuada de algum arroio forte e aí, “desgarronavam” as reses. Simões Lopes Neto informa que se chamavam cortadores” aos que desempenhavam este ofício. Em seguida, sangravam o animal, tirando-lhe apenas o couro, o sebo e a língua, e abandonavam o resto aos urubus e aos cachorros chimarrões.” Um outro viajante — ainda segundo Manoelito —, afirmava ter visto “um só homem matar, na jornada de um dia, mais de uma centena de touros” (Ornellas, 1976, p. 84). O historiador uruguaio Pedro Seoane (1928, p.92) diz o seguinte sobre estas jornadas e estes tempos: “Esta riqueza pecuaria atrajo hacia nuestro territorio tres clases de “negociantes”: los “faeneros”, los “piratas” Y los “portugueses”, a los cuales solían amenudo reunírseles otros de igual o parecida calafia, Ilamado los 'changadores”. Los 'faeneros”, es decir, los que se encargaban de realizar las tareas de sacrifício y despojo de los animales, venían, por lo genral, de la otra Banda”, con autorización del Cabildo de Buenos Aires, al que debian entreg ar la tercera parte de los beneficios. Se transladaban a nuestro t erritorio y se instal aban a la costa del mar o a orillas de los principales ríos y arroyos, a fin de hacer: más fácil el embarque y transporte de los productos. Durante mucho tiempo, las tareas de esta gente, las circunscribieron a la industria de la “corambre' o sea al sacrificio

de la res para utilizar los cueros, los que previo secado al sol, eran luego exportados... En cuanto a la carne, sólo tomaban la necessari a para el consumo y la demás la tiraban ... ”

30

e

víos que esperaba. Que ellos habían encontrado dicha embarcación, com los 2000 cueros hechos en el río de Santa Lucía; que los carriles entran muy adentro de

O couro, o sebo, a língua e a graxa eram os principais motivos desta atividade; a carne era desprezada. Isto não quer dizer que não se tenha procurado imediatamente uma

forma de comercialização

para as carnes, o que se enquadrava perfei-

tamente ao espírito mercantilista da época. Sabemos que, desde 1603 até 1654, embarcar-se-á, no porto de Buenos Aires, uma série de carregamentos de carnes salgadas (cecina) (Montoya, 1970, p. 13). Na Colônia do Sacramento, os lusitanos farão, também, algumas experiências com a exportação de cames conservadas. Ocorria, no pampa uruguaio, uma atividade congênere. “... a mediados del siglo XVIII, empezó una nueva industria para el Uruguay, por cierto muy productiva y fuente de ingentes ingresos durante mucho tiempo: la industria del tasajo. Ya no se tiraba la carne, sino que se le secaba, en una palabra, se le elaboraba y luego se le exportaba en forma de carne conservada. En los principios de esta industria, no existían establecimentos saladeriles, propiamente dicho, pues, no habían corrales de encierre, playas de matanza, galpones cubiertos para manipulación namiento de productos, etc... (Seoane, 1928, p. 92).

y estacio-

Até fins do século XVIII, porém, a dificuldade de transporte das carnes fará com que elas sejam subutilizados, tanto no referente à banda Oriental como aos futuros territórios do Rio Grande do Sul. A principal atividade produtiva dos tempos que se seguem à fundação da Colônia do Sacramento continuava sendo a caça ao couro. “No Brasil exportaram-se couros e peles durante todo o período colonial. Segundo Antonil, o couro em cabelo, valia, em 1710,50% do preço do boi.” (Simonsen, 1977, p. 168). Esta forma de atividade econômica estará quase inteiramente baseada no trabalho livre; o trabalho compulsório, em nenhum caso, adequava-se a ela. Os “faeneros” ou “corambreros” viviam belamente montados e fortemente armados: eram, portanto, senhores de seus destinos. O contato com os aborígines, as incursões lusitanas e espanholas que se esparramavam por um território sem dono se

interpenetrando a cada momento, tudo isto fazia destas expedições verdadeiras operações militares. A arma, a montaria, os horizontes abertos, por motivos óbvios, não se combinam com o homem escravizado. Por outro lado, este tipo de trabalho não exige a mão-de-obra escrava. A sua rentabilidade baseava-se na exploração predatória do gado reproduzido a partir das ótimas condições naturais de produção (campos vastíssimos que se adaptavam otimamente à proliferação natural dos rebanhos); não era proveniente da extração do sobretrabalho do produtor direto. Extração que, como já vimos, nos quadros coloniais lusitano significava trabalho escravo. Os motivos assinalados levarão à que a “faena dos couros” termine se constituindo em uma atividade envolvendo fundamentalmente o trabalhador livre. A escassez de braços lusitanos na região era suprida pelos abundantes indígenas acostumados a estas tarefas devido ao trabalho nas “estâncias” missioneiras, pelos “changadores”. E em

1729, diz Anibal Pinto (1967, p. 109) que

ór de la voz gida

al Cabildo

“changador'. de

“se documenta

la aparici-

Es conocida la carta de Francisco de Alzáybar diri-

Montevideo,

que

la consigna:

*... Servirá

de freno

a impedir

la extracción de dichas pieles por aquellos hombres que las introducen a los portu-

31

gueses, que generalmente llaman “changadores”, los cuales no tienen paraje seguro para su existencia, pues unas veces se hallan en la Colonia donde es su sagrado asilo y otras entran en la camparia con buen avíio de caballos y como ladrones de

aquellos campos hacen las faenas para los portugueses .”1º

* Uma outra notícia, também dos fins do século XVII, sobre os campos da Band a Oriental, dá-nos a possível origem social do “changador”. Este nome parece deri-

var-se da “palavra changar o carnear”. “... Proceden de un rigim iento de donde se desertaron, de un Navio en que navegaron de Marineros, o Polizones, de una cárcel

que quebrantaron, de una partida de Contrabandistas, de algún Pueblo Portugué s vayano, o finalmente de los mismos naturales de esta Campafia que vinieron al mundo viendo hacer esta vida a sus Padres y vecinos y que no les ensefiaron otras.” (Pintos, 1967, p. 112). Introduzido no ciclo do gado pelos jesuítas espanhóis, o indígena será também um outro manancial para o surgimento do tipo humano dos pampas: o “gaudério”, o “matreiro”, o “gaúcho”. Falando sobre as estâncias das missões, Simões

Lopes Neto (em Ornellas, 1976, p. 83) refere-se ao indígena campeiro. Diz-nos ele: “Nessas dilatadas e ferazes campanhas pastavam não menos de quinhentos mil animais bovinos, cavaleres e muares da mais correta estampa e aproveitáveis quali-

dades. Em cada estância havia um grande arranchamento, de quinze e mais casebres para alojamento do pessoal de trabalho, tirado dos próprios índios que vinham revezadamente fazer um certo tempo de destacamento.” Este aprendizado será a-

proveitado pelos empresários do couro, sejam eles espanhóis ou portugueses. Efetivamente, o espanhol pobre, o mestiço, o índio aculturado do meado do século XVlIIl,eram a principal mão-de-obra ocupada na caça ao couro, sebo e graxa. Sem possibilidade de ascenderem à propriedade da terra, perambulavam pelos pampas de um e outro lado do Uruguai; se se fixavam e construíam um miserável “rancho””, podiam ser obrigados a partir, de um momento a outro, com a chegada do proprietário legal ou seu “capataz”. Esse processo, em diferentes épocas, foi comum

aos atuais territórios da Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. Trabalhar para os comerciantes de Buenos Aires, da Colônia ou de Rio Grande era uma das pou-

cas oportunidades do “gaúcho” para obter o numerário necessário para a compra do

indispensável (aguardente, açúcar, sal, fumo, etc.). Pouco importava se estas opera-

ções eram legais ou não. A “courama”, por mais heróica que possa parecer a sua

prática, não deve, porém, ser

econômica-financeiras

10

Toda

documentação

analisada como ato de aventureiros. Eram operações

financiadas

cocva

por

“capitalistas”,

envolvendo

pedidos

de li-

conhecida, assim como a historiografia gaúcha e de expres-

são espanhola, convergem na indicação do ciclo da caça ao couro como produto do trabalh

o livre. Como veremos diversas vezes no desenvolvimento desto trabalho, quan do documentos se referem aos homens dedicados a estas atividades, falam semp re de indígenas, espa nhóis

ou portugueses.

Não conhecemos

nenhuma

referência

que

indique que

se

tenha utilizado escravos, sistematicamente, nesta atividade. No máximo, escr avos da Colónia do Sacramento podem ter ajudado no transporte c no tratamento dos anim ais abatidos (isto, porém, em forma cpisódica e acessória).

32

cenças,

impostos,

acordos

Essa

e contratos.

atividade

era regulada

pela lei, mas houve sempre uma violenta extração clandestina de couros. É sobre a economia

“corambrera”

estritamente

dos espanhóis que temos os melhores estu-

dos; a prática dos portugueses no mesmo terreno não era, no entanto, qualitati-

vamente distinta. Trabalhando para o mesmo mercado internacional, com os mesmos meios de produção e nível técnico, ocupando, muitas vezes,a mesma mão-

de-obra, lusitanos e espanhóis vão chegar a uma “homogeneidade” de hábitos e costumes que termina dando orígem ao “gaúcho”, tipo humano de duas frontei-

ras.

Anibal Barrios Pintos (1967, p. 97)

-

revela os meios necessários e a operação

complexa que constituía uma manobra “corambrera” ou uma “recogida” de gado. “El acta del Cabildo bonarense correspqndiente a la sesión del 31 de enero de 1719, establecía al respecto que para hacer una recogida de cuarenta o cincuenta mil cabezas de ganado vacuno se necesitaban “de 150 peones prácticos en estas

faenas, 1600 caballos, 10 canoas y 30 peones naturales de Santa Fé por ser únicamente los que son a propósito para los pasos de los ríos; 30 tercios de yerba, 6 de tabaco y una botija de aguardiente destinada para la gente del río”. Calculaban los capitanes Fernando Valdés y Juan de Illescas que esta recogida tendría una duración de tres meses, un mes más para llegar hasta el rio Uruguay con el ganado, mesy medio para cruzarlo, un mes para llegar al Paraná y otro para atraversarlo por los dos pasos que había en dicho río. Siempre, claro está, que no saliese otra tropa, por “ser muy corto el terreno de dichas campafias y hallarse ya muy menoscabadas de dicho ganado”.” A importância da “courama”, nos primeiros anos da ocupação lusitana do Sul, explicita-se no rígido controle das autoridades da obrigação de “'quintar”” os couros, Nos pedidos de licenças feitos às autoridades, sempre se reitera a intenção de se

pagar os direitos reais, os “quintos”. Esta literatura também

sugere que — como

no “corambre” — os “faeneros” lusitanos são, no geral, homens livres assalariados.

João da Távora, a quatro de dezembro de 1738, pede vênia à Comandância Mili-

tar do Rio Grande para realizar uma “faina de couros”, visto que a proibição que existia sobre este ato lhe impedia o único modo de poder “ocupar os peães seus devedores ...”!!. O coronel Cristóvão Pereira de Abreu propõe, a dois de janeiro de 1739, à mesma administração “correr”, às suas custas, um gado existente na “parte do Norte”. Pede em troca o direito de “desfrutar” dos touros que não prestem senão para a courama. Fazendo além desta uma outra proposição, coloca-se à disposi-

ção para entrar “logo a ajustar peões ...” (AAHRGS, v. 1, p. 78). Mais tarde, pedindo privilégios extraordinários, pois afirma não ter podido achar o gado, ajunta en-

11

pa Livro de Registro dos Atos dos Primeiros Comandantes Militares do presídio do Rio Gran-

de de São Pedro. 1737-1753. Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande d rande do Sul. Volume 1, Porto Alegre, 1975, p. 75.

33

contrar-se “em desembolso de mais de quatrocentos mil réis adiantad os aos ditos peães...” (AAHRGS, v. 1, p. 104). lratar-se-ia de “dezesseis peães castelhanos com seus cavalos”. Ter-se-ia ocupado

na operação

19 dias. Temos,

portanto,

no relativo aos salários,

23:529 réis por

peão montado, o que alcança a seis vezes o salário mensal de um trabalhador braçal

na região*?. Não sabemos se neste preço estariam incluídos a alimentação, arma. mento e outros gastos.

Com os elementos acima apontados, poderíamos dizer que todo o período da “courama”, que vai até a fixação do homem ao chão como criador, excluiria

a mão-de-obra escrava? Seria, portanto, a caça ao couro, como a tropeada, uma atividade etnicamente “branca”? O escravo esteve totalmente afastado da preia? Nesta época, não teriam sido introduzidos negros escravizados no Sul?

Inicialmente, não podemos confundir trabalho livre com trabalho branco. Este não é um período etnicamente europeu. O homem livre-pobre do Brasil colonial atraído por este tipo de atividade, podia ser de origem européia pura ou um mestiço de qualquer “pelagem”. O liberto, os mais variados tipos de mestiços terão nessa atividade um

papel

importante.

Mas o escravo, em que sentido pode-

mos compreender sua introdução em nossos territórios, nestas épocas? Como

já vimos, no começo

do século XVIII,

o escravo é parte determinante

do mundo colonial brasileiro. A ocupação do Sul se dá, não esqueçamos, condicionada e determinada pelas necessidades c realidades da sociedade colonial de então. O Sul é, principalmente nos primeiros tempos, uma extensão do Brasil colonial.

2.

Os Primeiros Escravos Negros no Rio Grande do Sul

O primeiro ciclo produtivo gaúcho — a “courama” — prescindiu da mão-deobra feitorizada. O escravo não foi, também, como veremos, utilizado privilegiadamente na 'tropeada”, nem apareceu, logicamente, como soldado na guar-

nição dos muros da Colônia do Sacramento ou nas margens do “Rio Grande”, Porém, aqueles que estudam com

atenção os documentos

setecentistas e os primei-

ros mapas estatísticos”, encontram o traço seguro da entrada do escravo africano no Rio Grande do Sul.

O escravo, lembremo-nos, encontrava-se, no começo do século XVIII, incrustado em todos os poros da sociedade colonial; não se podia imaginar esta sem o

!2

Sobre o salário de um “operário” podemos ler:

“.. faça assento a todos os índios e brancos que vieram na recondução do Capitão João de Távora para o serviço das obras deste novo estabelecimento, para todos os meses se

lhe passar mostra e se lhe pagar em dinheiro dois mil réis a cada um, e haverem de receber mantimentos diário pelo qual se lhe desconta outros dois mil réis com que completam

os quatro por que foram ajustados, exceto aqueles que tiverem ofícios, que se lhes arbitra-

rá maior salário conforme o seu préstimo e serviço...”. “Translado de uma portaria do Brigadeiro Comandante José da Silva Pais.” “Porto do Rio Grande de São Pedro, quatro de

dezembro de mil setecentos e trinta e sete anos.” (AAHRG S, V. 1,p. 53).

34

braço escravc. Como cozinheiro, carregador, artífice, pajem enfim, em quase todas as circunstâncias econômico-sociais, deparamo-nos. com o homem escravizado.

No Rio Grande do Sul não será diferente. Nos primeiros planos da ocupação do Sul, o soldado,

o comerciante, o “gaudério” e, mais tarde, o açorita. Sobre

estes vol-

tam-se todas as luzes de nossa historiografia; porém, se os desfocalizarmos, suas

imagens

se embaralham

e, por detrás

de seus nomes

ilustres, vislumbraremos

o

trabalhador de pele negra, carregando fardos, preparando alimentos, construindo

as primeiras igrejas, habitações, tornando, enfim, vivível a vida do senhor. Esses dois processos, aparentemente contraditórios, um regime de ocupação

militar e valorização territorial baseados no braço livre e a plena estruturação da sociedade colonial do século XVIII sobre o esforço do escravo, é a base da confusão que emaranhou, inicialmente, nossa historiografia. Quem se volta para os documentos, encontra o traço do “negro” já nos primeiros anos; quem se detém nos quartéis, na atividade econômica específica, nas “vacarias”, encontra o homem livre, seja O lusitano, o mestiço ou o indígena aculturado.

O escravo entrou em nossos territórios, definitivamente, ao lado dos primeiros lusitanos que chegaram ao Rio Grande do Sul. Entra, porém, comojá foi dito, nas bagagens destes últimos; ou, como seria melhor dito, carregando suas bagagens. Isso não foi, porém, suficiente para constituir de imediato um regime social de produção escravista; o comércio e o contrabando no Prata, a caça ao couro ou o comércio com os animais, baseavam-se, fundamentalmente, no trabalho livre

(secundado, em algum grau, pelo trabalho africano ou indígena). O “escravismo” gaúcho dos primeiros tempos foi um prolongamento do escravismo colonial brasileiro; vivia, no Sul, uma situação de neta dependência a outras formas de produção. Analisaremos a seguir, com mais vagar, a introdução de escravos africanos no Sul, já nos primeiros anos. Aqui, basta-nos ressaltar os resultados do levantamento de João Machado Ferraz. O primeiro livro de batizados de nosso Estado (julho de 1/38 — agosto 1753), apresenta o seguinte: “Dos 977 registros, exatamente 58 crianças eram filhos de pais negros, escravos ou forros: 101 tinham' mãe negra e pais incógnitos e 41 eram o produto do negro com o branco, perfazendo 200 pessoas, ou seja um quinto do total geral dos primeiros povoadores batizados eram portadores de sangue africano.” Estes dados devem, no entanto, ser tomados num sentido indicativo. Este levantamento, como diz Ferraz, refere-se ao “sangue africano”; confundem-se, portanto, filhos de libertos e de escravos. Lembremo-nos, também, da tradicional inferioridade da natalidade éscrava em relação à da população livre. O mesmo levantamento indica-nos algo sobre as origens dos escravos africanos, ainda que muito pouco. “Quando à sua origem, conseguimos apenas identificar es-

casso número de negros pertencentes à cultura banto e sudaneses (gêge-nagô),

com

predominância

de 2 por

1, daqueles sobre estes. São 39 de Angola,

16

de Benguela, 2 do Congo e 2 de Moçambique, perfazendo 59 bantos. Da cultura gege-nagô, somente 31 negros mina.” (Ferraz, 1978). Estes dados, caracteristica mente, correspondem aos que apresentaremos no capítulo dedicado ao comércio escravista no Rio Grande do Sul e à origem do escravo gaúcho, Os africanos e a-

35

fricanas de origem bantu parecem ter sido maioria no continente servil trazido para o Sul. Sobre a “categoria mina”, falaremos quando tratarmos da origem dos escravos gaúchos. Resta-nos, portanto, tentar quantificar e delinear esses primeiros passos dos escravos no Sul. Tempos de uma vida dura, porém não execrável. O escravo, nesta

época, chega, às vezes, até mesmo a viver como real companheiro e camarada

de seu senhor; deixa, então, de ser “escravo” na acepção da palavra para se transformar, objetivamente, em pajem, “escudeiro” ou guarda-costas de seu amo. Tem-

pos, para muitos, bons. Mais tarde, a plantação, a charqueada, o escravismo. 3.

O Escravo Negro nas Bandeiras: Presente ou Ausente? Algo se tem

discutido

sobre

a presença

de negros nas bandeiras

paulistas.

Para muitos, é com elas que entram os primeiros escravos no Sul.''E de afirmar-se

que a presença do Negro no Rio Grande do Sul tenha-se verificado em fins de 1635, quando irrompeu, nos vales dos rios Taquari e Jacuí, a bandeira de Raposo Tavares, composta de 120 portugueses e 1 000 índios tupis (Bento, 1976, p. 49)” Discussão de pouca transcendência. Se houve negros escravos nas bandeiras paulistas que saquearam as reduções sulinas, eram eles pouquíssimos. O escravo africano só começa a desempenhar um papel importante no mundo vicentino com o início da plantação sistemática de cana-de-açúcar! é. Muitos anos depois do saque das populações indígenas do Sul. Em parte, a caça ao índio aldeiado deveu-se à escassez e ao alto preço que o escravo africano alcançou com a desorganização do tráfico e comércio escravista português quando da guerra com as Províncias Unidas. Não devemos, também, esquecer a acertadíssima ponderação de Dante de Laytano tratando deste assunto: “Como encontrar as origens da entrada do negro no extremo sul do Brasil? Existiram ou não negros nas bandeiras paulistas que penetraram no Rio Grande? As palavras — “negro” e '“negra'| — significarão africano? O que nos garante? Qual a autoridade para isso nos asseverar? “A interpretação de que estas palavras significam ameríndios está evidente ”, escreve Alfredo Elis Júnior, referindo-se ao estudo da palavra “negro” e “negra” nos documentos da época bandeirante, em seu “Resumo da História de São Paulo” (Quinhentismo e Seiscentismo)*. Se há dúvida com a interpretação das palavras negro e negra, o que di-

zer do termo escravo? Escravo índio ou escravo africano? Quando nas peças, do-

cumentos, inventários e testamentos e atos encontramos apenas a palavra escravo? Taunay e Teschauer não fazem, como quase todos os historiadores do assunto. referência

13

36

à existência

de

africanos

nas bandeiras.

ver: QUEIROZ, Suely Robbles Reis de. Escravid ditora-MEC. Rio de Janeiro, 1977, p. 9-29.

go

O pesquisador poderá

NV

f

somente

a

:

egra em São Paulo. José Olímpio E=

== nad

o

usar documentos precisos, se está realmente

oMim

E

fusão reinante.” (Laytano, 1937, p. 29).

interessado em não aumentar à con-

Tradicionalmente, a historiografia brasileira aponta como integrantes das bandeiras escravistas a lusitanos e, principalmente, indígenas semi-escravizados ou não. Estes conheciam o terreno, os frutos da terra, as artes militares dos povos que 1am escravizar. A quase inexistência em São Paulo de escravos negros nesta época,

o alto preço destes, a abundância de escravos indígenas nestas regiões, assim CO-

mo a quase inexistência de referências diretas a africanos nas bandeiras dos primeiros anos do século XVII nos sugerem que os negros seriam pouquíssimos, caso existissem, nas bandeiras. Se estiveram presentes, terminaram como soldados De escravo não restaria mais do que ou guarda-costas dos chefes destas expedições. uma situação jurídica. Finalmente, parece-nos de pouca relevância a tarefa de defi-

nir, ao extremo, qual a etnia das mãos que entraram para a História ateando fogo nas “malocas” e reduções jesuíticas, arrebanhandc homens como gado e partindo.

Se escravos acompanharam os priméiros lusitanos que se aventuraram a estas terras; se algum africano naufragou em nossas costas, isto é de difícil registro e

de reduzido significado pois, casos fortuitos, não tiveram consequências duradouras. Será com a Colônia do Sacramento que o escravo negro toma importância para a nossa história.

4.

A Coroa Lusitana e o Comércio

no Prata

As rotas comerciais que ligavam a Espanha ao Novo Mundo parecem sempre, à primeira vista, profundamente inconsequentes; a maior parte da Colônia era abastecida indiretamente, o que encarecia os produtos e dificultava enorme-

mente o transporte. Estas rotas assumem profunda racionalidade, quando pensadas segundo a ótica mercantilista da época. Nas relações Espanha-América, não existia nada semelhante à liberdade de trocas; tratava-se de um comércio monopólico, altamente tributado pela Coroa, privilégio de algumas regiões e classes da Espanha. Tinha que ser, portanto, defendido com a mais estrita e meticulosa fiscalização. Surge, então, o regime de “flotas y galeones”. Este sistema não funcionará de modo uniforme e estável através dos anos. Sua regularidade dependerá de inúmeros fatores e, fundamentalmente, do auge e declínio espanhol. Baseava-se, em geral, no envio, duas vezes ao ano, de frotas oficiais. que saiam de portos fixos da Espanha (Cadiz e Sevilha) e chegavam

a portos fixos do continente americano. Todos os navios que não se encontrassem nessa frota, que não tivessem licenças especiais (mais tarde teremos os navios “re-

gistros”), eram infratores e, como tais, apreendidos. A cada região da Colônia correspondia uma parte da frota que distribuía, através de um porto certo, suas mercadorias. Estas chegavam, então, às diversas sub-regiões do Continente. No que se refere ao Prata, o caminho era extremamente longo. As mercadorias que aportavam nas costas atlânticas do istmo do Panamá eram desembarcados em “Portobelo” e “Nombre de Dios” e car+

37

regadas no lombo de mulas ou pelas águas do Chagres (no inve rno) até o Paciífico. Partiam, então, geralmente de Porto do Panamá, por mar, até o Peru, Dali, atravessavam os Andes, as terras do interior e chegavam, finalmente, a Buenos Aires. As mercadorias que partissem deste Porto faziam, também, em gera l, o caminho inverso. Era um sistema extremamente moroso, irritante e oneros o. O controle do comércio, porém (o que realmente interessava à coroa espanhola), se assegurava e facilitava enormemente. Consolidando essa rota, surge nas Américas, por outro lado, toda uma trama de interesses aborígines que se privil egiavam com essa regulamentação; mas, surge, também, um furibundo contrabando.

As mercadorias trazidas, sob os mais diversos artifício s e bandeiras, diretamente ao porto de Buenos Aires (e mais tarde de Mon tevidéu), eram significativamente mais baratas. As principais nações comerciais da épo ca, Portugal, Holanda, França e, principalmente, a Inglaterra, pressionavam, insistent emente, a realização do ato econômico ilegal; e encontravam, sempre, não é pre ciso dizer, associados entre

as autoridades e potentados espanhóis. Os produtos contraban deados não ficavam na região. Espalhavam-se pelo interior chegando até o Vic e-Reinado do Peru. De lá descia, então, a procurada prata. Para combater

essa atividade

tentou-se

diversas medidas. Em

1622, cria-se a aduana seca de Córdoba, mais tarde transferida par a Jujuy” (1695); outras ações também foram tentadas. Tudo sem muito resultado. Bue nos Aires vive com esse contrabando bons lucros, mas, muito logo, terá um não desejado e insistente sócio. Com o maior desplante, com armas e bagagens, chegam os portugueses e se plantam em frente de Buenos Aires, no outro lado do rio da Prata. Abrem seus cai-

xotes, apresentam suas mercadorias; entre elas, negros escrav os. É a Colônia do Sacramento!?, º

A chegada do governador do Rio de J aneiro, D. Manuel o, às terras continentais que se defrontam com a ilha de São Gabriel, a 20 de Lob janeiro de 1680, já foi tida como parte de um ato soberano de expansão territorial sobre terras em

litígio.

Que a Banda Oriental era parte do “quinhão” espanhol, é fato que não necessita grandes elocubrações; outros desígnios além da questão territorial influíram na fundação da Colônia. Terra era o que, efe tivamente, sobrava ao rei de Portugal. Pouco co

mpreenderemos desse processo se não defini rmos o contrabando institucionalizado como o objetivo fundamental da Colônia. As instruções que recebe D, Manuel Lobo, do Rei, comentadas por Rego Monteiro (1937, p. 40), falam bem claro: “A fim de tirar toda possibilidade de questões com os espanhóis, proibia o comércio, dizendo . porque minha intenção é soment e conservar as terras do domínio desta coroa tereis entendido que estas fortificações e povoações que se fizerem hão de ser só par a conservá-las e que nunca os castelha14

38

Ver: WILLIMAN

Ene

(h), José Claudio &

PONS, Carlos Panizza. La Band a Oriental en la Lulos Imperios. [Historia Uruguaya ): (1503-1810). Velo Montevideo , 1977, p. 35-8,

nos entendam que o fim de fazer-se é para abrir o comércio com eles.” No entan'

to”, comenta o autor, “no artigo 21, prevendo a impossibilidade dessa medida, regula o modo que ele poderia ser feito, estabelecendo as taxas de pagamento dos di-

reitos, quer de entrada quer de saída.”

O industrioso D. Francisco Naper de Lancastre que governa mais tarde a Colô-

nia, defende

os benefícios que trazia essa povoação, em carta de 10 de janeiro de

1694; deixa, então, mais do que claro, o motivo da estadia dos lusitanos no Prata. Tínhamos a courama, o gado vivo e o comércio. “Com o commercio dos castelhanos poderá por este porto entrar no nosso reino muita prata, como já sucedeo; e se agora está suspenso, com os apertos desse governador, amanhã poderá vir outro que mesmo o solicite, porque sempre são mais os que attendem à sua conveniência

que ao serviço de seus Reis.” (Monteiro, 1937, p. 118). 3.

Os Percalços da Colônia do Sacramento e a Ocupação do Sul Brasileiro

A fixação dos portugueses no Prata contrariava os interesses da coroa espanhola e dos comerciantes de Buenos Aires. Descoberta a chegada dos portugueses dias depois que aportaram, reúne o governador de Buenos Aires, D. José Garro, a Junta, a 8 de fevereiro de 1680, para analisar a situação. Abrem-se, imediatamente, discussões sobre a “propriedade” dos territórios. Estas a nada levam. D. José Garro reúne suas tropas, pede auxílio aos indígenas das reduções e ordena o ataque tomando a povoação (julho do mesmo ano). Começa o quase um século de disputas pela cidadela. No início do ano seguinte, Portugal toma conhecimento do sucedido e protesta energicamente, pois estavam em paz as duas coroas; os lusitanos falam em guerra e preparam os exércitos. Espanha julga melhor reconsiderar os fatos e castigar, formalmente, a D, José Garro. Em seguida, combina-se, sem maiores precisões, a devolução da Colônia aos portugueses. Duarte Teixeira Chaves recebe a incumbência de reconstruir a fortaleza e chega para isto à enseada, em janeiro de 1683. Duarte Teixeira passa a governança da Colônia, em meados do mesmo ano, ao ten.col. Cristóvão de Ornelas e Abreu; este será subsituído (janeiro de 1689) por D. Francisco Naper de Lancastre. Os nove anos de governo de Naper foram áureos tempos para a Colônia. A população se eleva, devido aos bons negócios, a mais de 1 000 habitantes; a indústria do couro toma verdadeira importância. Chega-se, até mesmo, a tentar a exportação de cames salgadas: “... iniciou, D. Francisco Naper. a título experimental, a remessa de carnes salgadas em pipas para o reino, tendo aproveitado a galera do mestre Pantaleão da Cruz, que partia para o Pôrto.

Naquela cidade, depois de terem levado mais de 4 meses Ge viagem, foram abertas

e examinadas as carnes e julgadas perfeitas...” (Monteiro, 1937, p. 127). Naper será substituído, em 1699, por Sebastião Veiga Cabral, que só abandona a cidadela quando do cerco espanhol; este governo foi, também, uma das melhores fases da Colônia. O “Tratado de Amizade” (1701) assinado com a Espanha permite à coroa lusitana consolidar posições no Prata: o tratado “Ofensivo e Defensivo”

subscrito com a Inglaterra reinicia a guerra. D, Alonso de Valdés Inclán, governador

39

de Buenos Aires, começa o cerco à praça portuguesa, em outubro de 1704;a 15 de

março do ano seguinte, os lusitanos evacuam suas tropas, A devolução da Colônia será novamente obra da diplomacia: o tratado de

Utrecht garante, em fevereiro de 1715, a posse da Colônia aos portugueses. Manuel

Gomes Barbosa recebe as ruínas da povoação e governa por sete anos; Antônio Pires de Vasconcelos será seu substituto. O período destes dois mestres-de-c ampo será Ótimo para os comerciantes e rendas lusitanas. “No plano econômico — diz-nos Guilhermino Cesar (1970, p. 87) —, tudo vai bem. O isolado bastião já começa a drenar grossas somas para a Provedoria Real , com os quintos provenientes do comércio de couro, sebo e carnes salgadas... Bast a dizer que “sob o impulso de Cristóvão Pereira, o comércio dos couros tomou 1ncremento enorme. Desde 1726 até 1734, a exportação anual variou entre 400 e 500 mil couros ... Em 1726, um comboio de dez embarcações, que chegara carregado de mercadorias, partiu da Praça para o Rio de Janeiro, transportando 400 592 couros secos e uma soma avultadíssima de prata, proveniente da venda de mercadorias.” A vida seguia, em Sacramento. Nesse ínterim, porém, ocorriam transformações fundamentais no mundo colonial brasileiro. Agora, O avanço em direção ao Sul não se dará mais somente em função do contrabando no Prata, da extração dos couros no pampa. Nos últimos anos do século XVII, descobrem-se as ardentemente esperadas minas auriferas. São as futuras “Minas Gerais”. A corrida em direção ao ouro será imediata. “A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se

por caminhos

tão ásperos como são os das minas, que

dificultosamente se poderá dar conta do número das pessoas que atualmente lá estão.” A alimentação se transforma em um sério problema. “E, a este respeito, de todas as partes do Brasil, se começou a enviar tudo o que dá a terra, com lucro: não somente grande, mas excessivo. E, não havendo nas minas outra moeda mais que o ouro em pó, o menos que se podia e dava por qualquer cousa eram oitavas.” (Antonil, 1976, p. 167e 170). As “vacarias” do Sul são agora valorizadas não somente pelo couro: o gado passa a valer como animal de carga, fonte de alimento. “A emulação provocada pelo alto preço do gado bovino nas zonas de mineração e as dificuldades decorrentes do fornecimento exclusivo proveniente da faixa de criação ligada à economia do açúcar, quando as catas se distendiam por longínquas áreas, trouxeram como conse-

quência a instalação de fazendas em Minas, Goiás e Mato Grosso e à procura do pa-

do da região sulina que os paulistas, aliás, visitavam desde o princípio do século XVII .” (Simonsen, 1977, p. 158).

Nos primeiros anos do novo século, começaram a descer, em direção do Sul, tropeiros vicentinos em busca do abundante gado; essa prática possibilita a fixação do homem,

as primeiras estâncias, os primeiros povoadores. Mais tarde, em

1737,

fundar-seá, oficialmente, na margem direita do “Rio Grande”, a primeira povoação

sulina; saltara-se um capítulo de nossa história. A ocupação do Sul, que se vinha dando em função da Colônia do Sacramento, independiza-se desta, toma uma razão em si, prepara os tempos em que a cidade-

40

la austral será um prolongamento, quase um apêndice, de uma ocupação que ela A própria havia determinado. os lusitanos Vejamos qual foi a importância do escravo nos primeiros temp nas margens do Prata. 6.

Escravos na Colônia do Sacramento

“Sabe-se hoje, graças à revelação de opulentes fontes arquivais, que O golfão do Prata, compreendidas as povoações que o margeavam, se constituiu num gigantesco mercado de mão-de-obra servil. Buenos Aires, Colônia do Sacramento e Mon-

“tevidéu, mercê de sua situação geográfica, tanto recebiam facilmente a carga dos navios negreiros como a distribuíam pela região. Os melhores mercados secundários — Salta, Chile, Bolívia, Alto Peru, Paraguai, sul do Mato Grosso, províncias de Correntes e Entre-Ríos, Campanha de Buenos Aires, Banda Oriental do Uruguai,

passaram até a ser abastecidos por companhias especializadas nesse ramos de atividade.” (Cesar, 1978. p. 19). O comércio de escravos no Prata, até a abolição da escravidão, foi sempre significativo. Na verdade, a função da Colônia do Sacramento muito deveu a essa atividade. Era, principalmente, com o escravo aíricano que os portugueses conseguiam a prata de Potosi, os couros, sebos, etc. Rego Monteiro (1937, p. 45) refere-se, em sua obra, diversas vezes, a um significativo número de escravos na povoação lusitana. Na própria expedição de Manuel Lobo, que contava com 200 homens de armas, teremos 60 escravos. “Dois padres

da companhia de Jesus acompanhavam a expedição, o Superior Manuel Pedroso e Manuel Álvares; e como capelão das tropas, o padre Antônio Durão da Mota, que servia de secretário da expedição. Nela iam alguns carpinteiros e pedreiros, 60 negros, sendo 48 escravos de D. Manuel Lobo, índios e oito mulheres índias; branca, só seguia a espôsa do Cap. Manuel Galvão.” Grande parte destes escravos destinava-se, sem lugar a dúvidas, à comercialização. Mas isso não ocorrerá. Tomada a colônia, 53 desses escravos serão transportados para Buenos Aires, como presas de guerra, e serão vendidos em “hasta públi-

ca a razão de 385 pesos cada um, fora três que ficaram, dois com Lobo e um com Jorge Soares, que eram já seus escravos”. (Monteiro, 1937, p. 88). Antes disto, já se havia

feito outras

capturas

de escravos

africanos

trazidos

pelos portugueses.

|O comércio com o homem escravizado era uma realidade cotidiana na Colônia. Ema Isola (1975, p. 56) assinala este fato com clareza. “Es dudoso que de los primeros viajes de exploración hechos por europeos o indianos (como Hernandarias), ni de las primeras fundaciones de pueblos, ni de las empresas de faeneros, hayan quedado negros radicados en la Banda Oriental. Lo que sí,en cambio, es seguro es que un copioso número de esclavos fue introducidopor los portugueses por la Colonia del Sacramento, desde su fundación en 1680, y destinados en su mayor

parte a ser enviados clandestinamente a Buenos Aires, comercio que se perpetuó ya cuando los lusitanos se establecfan en la Colonia como consecuencia de los

acuerdos diplomáticos, ya cuando hacían maniobras de conquista violando las tre-

guas o tratados de paz.”

41

Nessa situação, seria mesmo de estranhar que ali aportasse uma embarcação que não trouxesse seu “lastro” de homens de pele negra. Temos o regi stro dos dissabores de uma destas embarcações. “O ano de 1755 entrou com maus auspícios para a Colônia, pois chegando ao Prata a corveta 'Bacalhoeira”... e ent rando na noite de 11 de janeiro montou no Banco Inglês, salvando-se a tripulação em uma lancha, abandonando o navio e nele 27 negros que trazia.""(Monteiro, 193 7, p. 372). Os acidentes de navegação não eram raros na região; temos, por exempl o, notícias de uma grande tragédia marítima envolvendo um navio negreiro espanhol, na mesma época da chegada de Manuel Lobo ao Prata. Uma patrulha espanhola que, sabendo-se da possível chegada dos

lusitanos, é enviada à sua procura, relata-nos o seguin-

te: Advertido el governador del Puerto hizo apressar uno de los barcos del Rey em-

barcando armas de la gente que le navega algunos soldados con orden que rec onosiesse las costas del Rio hasta la boca, y que luego que viesse algunas emb arcaciones dadas fondo o navegando, volviesse a dar aviso: volvió diciendo haber hallado menos en las Islas de Maldonado las armas reales que en nombre de su Majestad sefialavan los firos de su posseción, sin mas novedad. que haber visto un nav io que navegava la vuelta del puerto con poca experiencia del rio al parecer, y fue assi porque el dia siguiente naufragó perdiendo 160 negros y dos espafioles escapando se con vida los demas esparioles y 40 negros. Este navio dijo que venia de la Cos ta

de Arda de hacer negros y que Ilevandolos a Cartagena no le haviam dexado los tem.

porales hacer su viaje obligandole a entrar en Pernambuco, y después en este Rio para su total ruina..” (Em Cortesão, 1954, p. 28). Os escravos serão, também, utilizados para os mais diversos fins.

A agricultu-

ra que floresce nas terras vizinhas aos muros da cidadela depende em grande med ida

do braço escravo. No “Extrato das perdas e rouvos que fizeram as Tropas inimigas

mandadas pelo Govemador de Buenos Aires, D. Miguel Salcedo à praça da nova

Colônia desde 29 de Julho de 1735 , athé o presente”, podemos encontrar a recl amação sobre “46 escravos pretos... no exercício de lavradores...” Foram avaliados

em 154$347, em média (Monteiro, 1937, p. 249).

Temos referências diretas da utilização do escravo nas mais variad as ocupações. Relatando-nos as “correrias e agressões dos espanhóis e indiada””, Rego Montei ro (1937, p. 180) diz que, em 1722, foram atacadas, nas “proximidades da Colôni a umas carretas pertencentes ao capitão Cristóvão Pereira de Abreu, que seus escravos traziam com frutos do país para o interior da Colônia”. Servindo, fundamentalmente, como “mercadorias”, ocupados nos mais diversos trabalhos, o escravo será um dos pilares da vida desta regi ão. Servirá, até mesmo, circunstancialmente, como soldado. Como era praxe no mundo colonial, os senho-

res não titubeavam em prometer a liberdade e armar seus esc ravos quando suas vidas e suas propriedades se encontravam em perigo, Nos anos sessenta, quando Cevallos prepara seu assalto à Colônia, che ga-se a organizar “companhias de ordenanças e outra de par dos e negros, libertos e escravos” (Monteiro, 1937, p. 377). Muitos destes escr avos, a quem se tinha prometido a liberdade (Monteiro, 1937, p. 382), preferem lu tar no lado opo sto. “En 1762 ... al estar sitiando la Colonia Don Pedro de Cevallo S.. con seguió la salida de gran nú-

42

mm = a a a

mero de negros

esclavosy su pasaje al campo espafiol, declarándolos líbres si se

acogían a él.”” (Isola, 1975, p. 57).

o

Os escravos introduzidos pela Colônia partirão para o Peru, Buenos Aires, “Uno de los destiChile, Paraguai, etc. Alguns poucos, porém, alise fixarão. nos de los esclavos que se introducián en el Plata era el de las tereas agropecuarias, habiendo en 1723 en el rincón sudoeste del país 13 estancias fundadas por portefios y santafecinos, a las que se agregaron contemporáneamente a la fundación de Montevideo otras de mayor organización.”” (Isola, 1975, p. 57). Com a fundação de Montevidéu, a Colônia terá ainda mais um mercado; este será, porém, de restritas proporções. Sacramento foi um mercado distribuidor de escravos, não os fixou, em forma geral, à região; é, porém, interessante reter essa primeira introdução da mão-de-obra negra no Sul. Ema Isola (1975, p. 57) aventura, até mesmo, a possibilidade de uma fixação do escravo fugido no próprio interior das terras uruguaias. “Cabe asimismo sefialar un fenómeno que — aunque escape a una rigurosa comprobación documentada — no dejó de tener cierta entidad en cuanto a la radicación definitiva del elemento negro, a saber, tanto aquella producida por filtraciones de esclavos y libertos hacia el interior del país buscando la libertad de los montes durante la dominación

portuguesa,

como

los que

huyeron

colectivamente

Colonia pasaba da manos portuguesas a las espafiolas o viceversa.”

7.

cada vez que

la

O Avanço em Direção ao Sul e a Fundação de Rio Grande

À mineração colocava a necessidade de alimentar a grossa escravaria transferida para os sertões paulistas; faltavam, também, animais para o transporte. Osgados

da Banda Oriental e dos “Campos de Viamão” podiam ajudar a abastecer esse novo mercado. Com ótimos lucros. “Toda esta campanha do Rio Grande — escreve Bartolomeu Paes, em 1720 — produz 'gados vacuns e cavalgaduras” em muita quantida-

de, sem mais utilidade para a real coroa de V. Majestade que alguma coitama fabri-

cada na mesma Colônia; e se não pode conseguir maiores conveniências com a saí-

da destes animais'por falta de caminho por terra”, que pela costa não permitem as

serranias, matas e baías do mar; e só terá lugar esta extração abrindo-se caminho

pelo interior do sertão...?.”!$

O problema era o transporte; até então, a ligação com a Colônia do Sacramento fazia-se por mar. Bartolomeu Paes pede, nessa oportunidade, licença para abrir uma

estrada até São Paulo. Esse caminho, porém, só será uma realidade no começo dos anos 30.

Já na segunda década do século XVIII, os primeiros animais começaram a che-

gar à vila

da Laguna.

O trecho Laguna-Sacramento, trilhado pelo litoral, não era

um problema; já tinha sido “descoberto”, possivelmente, pelos primeiros soldados que desertaram da cidadela austral. O “Roteiro” de Domingos da Filgueira (Cesar, 1970, p. 93) de 1703, já nos descreve, com segurança, toda a viagem. Será este o 15

«Garta de Bartholomeu Paes de Abreu a El-Rei” (em: GOULART,

1961, p. 206).

43

roteiro das primeiras tropas. A Colônia do Sacramento, por outro lado, resti. tuída em novembro de 1716, era um ótimo ponto de apoio para estas operações.

Chegados os animais à Laguna, eram embarcados ou transformados em carne salgada. Francisco Brito Peixoto diz que na povoação ter-se-ia feito “muita carniça de que tem ido muitas embarcações carregadas para a vila de Santos e Rio de Janeiro” (em Fortes, 1938, p. 222). Em agosto de 1722, temos a notícia da chegada

à Laguna

de “um grupo de castelhanos que, com Roque Zoria, procediam uma

numerosa tropa de gados, muar e vacum, em demanda dos novos mercados de São Paulo e Minas”. (Fortes, 1938, p. 218). Em Laguna, porém, estrangulava-se a rota.

O Sul estava dominado. João de Magalhães, por instruções de Francisco de Brito, inicia (1725), “oficialmente”, a povoação do Rio Grande, A ele seguem-se outros. O problema era fazer chegar, em grande quantidade, os animais ao mercado consumidor. Pelo litoral, a serra barrava o caminho; a ligação com São Paulo tinha que passar pelo sertão. Para realizar o plano de Paes de Abreu, será escolhido, em 1727, Francisco de Souza Faria. Este, que inicialmente encontra a oposição dos habitantes de Laguna, abre, em fevereiro do ano seguinte, “o primeiro rasgão na mata, próximo à barra do rio Araranguá, no sítio denominado dos Conventos”. (Fortes, 1938, p. 230). Corrigindo e melhorando o caminho de Souza Faria, sobe, em 1731, em direção a São Paulo, Cristóvão Pereira de Abreu, com outros tropeiros. Levavam em torno de 3 000 animais (Fortes, 1938, p. 232). Aberto o caminho para o mercado paulista, a ocupação efetiva dos territórios gaúchos será uma questão de tempo. Temos, já em 1735, ao “longo do velho caminho da Laguna ao Rio Grande, 27 estabelecimentos assinalando a radicação definitiva de seus donos, a transformação das invernadas em estâncias e a fixação da

indústria pastoril p. 237).

em substituição do comércio transitóriode tropas”. (Fortes,1938,

Laguna, deslocada pelo novo caminho, perde rapidamente importância. Muitos

dos seus povoadores resolvem ir, então, estabelecer-se mais ao sul, em terras gaúchas. Dentro em pouco, não só o Estreito estará ocupado; nos campos de Viamão e Gravataí encontraremos diversas estâncias, oficialmente estabelecidas. O escravo, como já vimos, não esteve presente na “courama”: não estará, também, na “tropeada”. O fundamental destas duas atividades estava assentado sobre o trabalho livre. Não encontraremos, no geral, um “escravo-changador”, nem, nestas épocas, um ““escravo-tropeiro”.

O tropeiro era um trabalhador livre e, frequentemente, um castelhano “transban-

deado”; todas as referências que encontramos sobre ele fazem-nos assim pensar. Cristóvão Pereira de Abreu, quando quer “correr” gado na “narte do Norte”, trata de conchavar gente para a dita diligência. Serão, como já vimos, “dezesseis peães castelhanos com seus cavalos” (AAHRGS, v. 1, p. 104). Também são castelhanos os acompanhantes de Roque Zoria que chegam a Laguna em 1722, trazendo “uma numerosa tropa de gado, muar e vacum” (Fortes, 1938, p. 218).

44

e

a

me

me

E

o É

Indígenas assimilados, castelhanos vagabundos, negros fugidos ou libertos, desertores da Colônia, serão os constituintes, em variada proporção, da classe gaudéria, gaúcha ou changadora. Ela será o eixo central da tropeada. A presença do escravo negro na tropeada não era, porém, impossível, em forma acessória. O esforço produtivo estava, entretanto, nitidamente assentado sobre o trabalho livre. O escravo pode, porém, aparecer na tropeada como “parte” desta última. Nestes casos, trata-se de escravos comprados em Sacramento e trazidos, legal ou ilegalmente, junto com os animais. Escrevendo sobre os bens de Custódio da Silva Pereira, morto em plena tropeada, Cristóvão Pereira de Abreu fala, desde os “Campos-dos-Pinhais”, em sete escravos que o finado trazia de Sacramento e que ele pensa ser melhor'“enviar”” pela costa (Fortes, 1937, p. 76). Cedo acabarão os rebanhos livres. A “estância” transforma-se em estabelecimento permanente, em local de criação e invernada de tropas. A presença dos escravos nas primeiras estâncias gaúchas ainda não foi Jetidamente estudada. Não exigindo, porém, a criação extensiva de gado abundante mão-de-obra, nem extração compulsória de trabalho excedente, será o trabalhador livre (o “peão”) que se ocupará, fundamentalmente, desta atividade; o escravo não era, entretanto, um ausente. 8.

O Escravo e a Estância

A presença de escravos negros nas primitivas “estâncias” gaúchas ainda não está definida. E é um problema deveras complexo. Não se trata, somente, de fixar a presença do africano nos primeiros estabelecimentos pastoris; trata-se, também, de definir a estrutura e a evolução histórica do que se chamou, genericamente, de “fazenda” ou “estância”. Trata-se de definir sua economia intema. Somente feito isso poderemos vislumbrar com claridade o papel que teve ali o escravo negro.

Lembremo-nos que, sob o nome de “fazenda”, podemos encontrar desde o esta-

belecimento

dedicado, exclusivamente, à criação animal, — e só possuidor de uma

pequena plantação para o consumo caseiro —, até a propriedade voltada priontariamente à plantação e com poucos animais. Se bem que a primeira seja, no século

XIX, largamente hegemônica, as combinações são variadas e variáveis. Obviamente, as necessidades de mão-de-obra e a importância do escravo em um e outro caso

(criação e plantação) são absolutamente distintas.

A realidade geográfica, as vinculações com os centros de economia mercantil, a ocupação e incorporação de territórios em distintos momentos históricos (Litoral, vale do Jacuí-Ibicuír, Missões) são outros elementos que nos obrigam a matizar e precisar toda afirmação relativa à fazenda gaúcha. Respostas definitivas sobre o papel do escravo nos pampas, principalmente nos últimos decênios do século XVIII, só serão alcançadas com a publicação e tratamento

sistemático dos papéis desta época,

principalmente

os inventários.

Com

estes elementos, poderemos ter uma idéia mais precisa sobre a posse de escravos e sobre a prática da agricultura, Efetivamente, a plantação, e principalmente a 45

plantação de trigo, muito nos aclarará sobre o porquê da significativa escr avaria que aparece nos mapas estatísticos do século XVIII e seguinte.

O trigo desempenhou importante papel na economia gaúcha antes que a maior rentabilidade da criação animal (menos mão-de-obra, menos implementos, menos riscos, etc) convertesse o agricultor em criador. Os dados que temos sobre a exportação de trigo do Rio Grande do Sul são sintomáticos:

Exportação de trigo no RS

milhares

Ano 1790 1793 1794 1795 1796 1797

Fontes:

alqueires

Ano

73

1798 1799 1800 1805 1807 1808

8 43 13 13 17

PORTO,

Aurélio. In: CARDOSO,

milhares

alqueires

Ano

13 22 59 137 133 201

1813 1816 1817 1818 1819 1820 1821

milhares

alqueires 342 227 109 55 112 100 119

F. H. ob. cit. p. 57-8; CHAVES, A. G. ob. cit. pp.

13440; SILVA, Elmar M. “Ligações externas da economia gaúc ha”. In: ANTONACCI

M.A.ob.cit.p.60.

A competição da produção européia parece ser outro fator da crise da pro-

dução

deste

produto no Sul. “Observamos,

porém, que

o crescimento da produ-

ção rio-grandense de trigo se deu no exato momento de crise de produção de cereais na Europa. No início do século XIX, os países europeus buscaram soluções para o problema através de uma reestruturação de produção nas próprias metrópoles e, muitos deles, em suas colônias. O mercado para a produção tritícola gaúcha estava se fechando, consequentemente, ocor reu uma desorganização da produção porque o sistema produtivo do Rio Grande não podia fazer frente

a um modo de produção mais desenvolvido e efetivamente ligado ao sistema capita-

lista internacional.” !”.

17

46

SILVA, Elmar Manique da. Liga ções Externas da Economia Gaúcha (17 36-1890). ob. cit. p. 61

oe

um

o

mm o aa

A abundância de mão-de-obra livre para as lides campeiras não era de estranhar.

“O grupo de vacaria era composto, geralmente, por homens com péssima reputação

— criminosos e proscritos. A dificuidade em obter terras — sua compra e domínio eram praticamente proibidos pelas leis das Indias — tinha gerado na sociedade colonial uma vasta classe de vagabundos. Os escravos índios e negros tinham desalojado o proletariado das ocupações na agricultura. Competir com eles importava na perda de casta, em manchar a honra espanhola. O negócio de gado, porém, era diferente. Era “sport”, não trabalho.” (Nichols, 1946, p. 51). Efetivamente, existia uma abundância relativa de braços livres que se ofereciam

para os trabalhos pastoris. Como explica Madaline Nichols, sem poder ascender

à propriedade da terra, o pastoreio va para o livre-pobre. A dificuldade blema só da América espanhola. O pecial, no Rio Grande do Sul. Fora

era uma das poucas atividades que se apresentado acesso à terra não era, efetivamente, um promesmo ocorria em quase todo o Brasil e, em esos lotes distribuídos nos quadros da polícia dos

“cazaes” e, mais tarde, da emigração européia, a estrutura fundamental da apropriação da terra no Sul foi a monopólica. Raro o viajante que, descrevendo nossos territórios, não se referiu à extensão das fazendas que visitava. Johan Loccok, que percorreu nossos territórios no início do século XIX (1813), diznos: “Cruzando São Gonçalo, encontraremos ao Norte, entre o Passo dos Negros e a Lagoa dos Patos, uma larga extensão de terras pantanosas, onde se acumula o sedimento dos séculos. Ali erguem-se muitas casas e importantes estabelecimentos, entre os quais a Fazenda de Pelotas que, ao que se diz, ocupava dez léguas quadradas.” E explica-nos a seguir: “O leitor terá ficado pasmado ou, talvez, incrédulo diante da notícia que lhe demos relativamente às dimensões

da Fazenda das Pelotas, e é certo que as extensões, registradas, de tazen-

das nesta parte do Continente Americano podem escassamente ser objeto de orgulho por parte de quem tem pouca dúvida acerca da verdade daquela consignação. Às menores propriedades têm quatro léguas quadradas, ou sejam, mais de vinte jeiras; as maiores atingem uma centena de léguas quadradas, que representam cerca de seiscentas mil jeiras. ” (Destacamos).Em: CESAR, G. “O latifúndio e o patriciado gaúcho”. CS. CP. 17.9.1977. Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 138), sete anos mais tarde, pode dizer: “Já

passei por três estâncias pertencentes ao Marechal Chagas, e, entre chácaras e estâncias possui ele oito na Província das Missões, calculando-se em 24 léguas a extensão do terreno que podem ocupar.”

A forma de apropriação territorial, a “lei de sesmarias”, já delineava nitidamen-

te a estrutura da propriedade fundiária no Brasil colonial. As terras eram concedidas pela Coroa, sem ônus, a quem ela julgasse digno dessa prebenda. Assim, os contemplados serão, geralmente, aqueles que tinham acesso à administração colonial. Estes eram, no Sul, os oficiais superiores e subalternos, os aventureiros e comerciantes bem sucedidos, os homens de posses. “A “fome de terra” dos novos proprietários parecia não ter limites. A lei não

era um problema caso se contasse, claro está, com boas relações na Administração. Magalhães (1940, p. 15) já descreve, em 1808, uma das origens das imensas propriedades sulinas: “Um homem que tinha a proteção tirava uma sesmaria em seu nome,

47

td

outra em nome do filho mais velho, outras em nome da filha e filho que ainda estavam no berço, e d'este modo há casa de quatro e mais sesmarias: este pernicioso abuso parece se deveria evitar.” O crescimento das propriedades dos grandes senhores fazia-se, também, em detrimento do pequeno proprietário. Falando da propriedade do marechal Chagas, acrescenta Saint-Hilaire (1974, p. 138): “Todas essas terras foram compradas, porém, a preços baixos e, a acreditar-se na voz do povo, foi o medo que por mais de uma vez obrigou os proprietários a vendê-las. Admitindo-se mesmo que nunca tenha sido empregada a coação, é preciso reconhecer-se ser escandaloso um comandante de província tornar-se, durante seu governo, possuidor de tamanha extensão de ter-

renos, enquanto deixava seus administrados em completo abandono.”

Ao livre-pobre, sem padrinhos, sem “cabedais”, sem relações, não lhe sobrava muito mais do que ocupar, a título precário, uma pequena nesga de campo sem dono, na periferia geográfica ou econômica da sociedade de então. Porém, esta “posse” lhe era, invariavelmente, disputada. É o mesmo Saint-Hilaire (1974, p. 169) que nos diz: “Mais frequentemente ainda sucede que um pobre agricultor, inteiramente estranho as demandas, estabelece-se em um terreno, com permissão do

comandante, e quando tem construída sua choupana e localizado seu gado, homens ricos de Porto Alegre e de outros lugares, obtêm títulos de sesmaria desse mesmo terreno e pretendem expulsar quem já labutou, substituindo-o por um administrador a fim de apurar rendimentos, sem constrangimentos.” Tudo isso levara a uma situação em que o livre-pobre dificilmente alcançava constituir-se como proprietário. Encontrava-se, então, na necessidade de estabelecer-se como “agregado” em terras alheias ou viver como vagabundo. “Os abarcadores, diz Gonçalves Chaves (1978, p. 94), possuem até 20 léguas de terreno e raras

vezes consentem a alguma família estabelecer-se em alguma parte de suas terras, e mesmo quando consentem, é sempre temporariamente e nunca por ajuste que deixe fixar a tamília por alguns anos.” Nestas condições, o que segue descrevendo Cha-

ves, era inevitável: “Há muitas famílias — pobres vagando de lugar em lugar segundo o favor e capricho dos proprietários de terras e sempre faltas de meios de obter algum terreno em que façam um estabelecimento permanente.” Os escravos negros, serão, também, mão-de-obra na fazenda. Os primeiros “cazaes* aqui chegados, os primeiros povoadores, muitas vezes, traziam alguns escravos. As referências, já para os primeiros anos da ocupação oficial do Sul, são abundantes. Sabemos, por exemplo, que a “Frota” de João de Magalhães (1725)

compunha-se

de 31

pessoas,

“sendo

a maior parte deste corpo, homens

pardos escravos” (em Cesar, 1970, p. 29). Manuel de Barros Pereira pede licença,

em novembro de 1/37, a Silva Pais, para “fazer uma estância na paragem chamada

o Salso”, promete povoá-la com “dois negros, cavalos e éguas” (AAHRGS,v. 1. p. 45). Dos primeiros “'cazaes” temos, também, informa ções precisas. Alguns chegar am com escravos e, caso se tenham dedicado à agricultu ra, sem duvida utilizaram nela a mão-de-obra negra. Inácia da Silva Amaral, que naufraga nos primeiros anos da fundação de Rio Grande, perde bens, o marido, mas escapa com a vida e uma escra48

va (AAHRGS, v.1, p. 58). Manuel Moreira Belo transfere-se, na mesma época, para

o Sul. Morre e deixa, segundo seu genro, “em total desamparo”, a sua mulher, quatro filhas e “algumas escravas” (AAHRGS, v.1,.p. 147). O que nos sugere que estes primeiros povoadores tinham os meios para comprar alguns escravos e trazêlos ao Sul. Com o enriquecimento, ainda que relativo, destes agricultores, eles sem dúvida se apressavam a comprar um ou mais escravos africanos para colocá-los a trabalhar a terra. Manoel Magalhães (1940, p. 7) lamenta-se, em 1808, do preço do escravo e louva os dias quando (“há vinte e cinco anos a esta parte”) “antes que para Montevidéu laborassem semelhantes negociações (o contrabando de escravos), se vendiam os escravos na América por metade do que hoje correm, e comprando-se quatro a dinheiro, o mesmo vendedor confiava outros quatros por tempo de um ano ao agricultor, o que era de uma grande vantagem, mas depois que a ambição dos homens fez laborar aquellas negociações clandestinas para os domínios espanhóis, jamais o pobre agricultor pôde conseguir um escravo fiado, além de terem subido cento por cento do antigo preço.” A utilização do escravo na agricultura gaúcha não cria, no entanto, as bases para uma plantação escravista. Os produtos plantados no Sul, cevada, milho, batatas, feijão, trigo, etc., definitivamente, não se adaptavam à grande plantação escravista. A baixa rentabilidade permitia aos agricultores mais felizes comprar, com muita economia, um ou mais escravos, mas era só. Não teremos a possibilidade de uma acumulação que permita a compra significativa de mão-de-obra negra e a constituição de plantações com dezenas de escravos. Na verdade, o trabalho escravo não chega nem mesmo a expulsar o trabalho livre da'agricultura (como na charqueada, na plantação de cana-de-açúcar, no cafezal, etc.). Os pequenos senhores-de-escravos da agricultura gaúcha e suas famílias deviam trabalhar, na maioria das vezes, lado a lado, sol a sol, com seus escravos. E, até a decadência desta agricultura, um setor significativo das explorações agrícolas gaúchas esteve totalmente calcado sobre o trabalho familiar. É sintomática a recomendação de Manoel Magalhães (1940, p. 12): “... parece acertado que todos os soldados filhos de agricultor devem se licenciar no tempo das plantações e colheitas, não só para ajudar seus pais e parentes, mas para ganharem com que se possam melhor tratar, e o serviço de trezentos ou quatrocentos homens licenciados n'aquelle tempo, por força deve adiantar muito a agricultura da capitania, ficando a cuidado dos chefes o mandar averiguar exactamente os que

são vadios e preguiçosos.” Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 179) diz-nos, nesse sentido, para as regiões de Santa Maria: “O dono da casa e seus filhos cuidam do gado e os negros tratam

da plantação; contudo, nesta região ninguém se envergonha de trabalhar. Os ho-

mens menos ricos possuem vacas de leite e cultivam a terra por suas próprias mãos.” (Destacamos).

49

9.

O Escravo e a Pecuária

À utilização do braço escravo nas primeiras fazendas de criação do Rio Grande do Sul está, definitivamente, comprovada. Como já vimos, a “Frota” de João Magalhães

que

vem

estabelecer-se

no Sul (1725)

e cria as primeiras

“estâncias”

gaúchas era constituída de “trinta e uma pessoas, “sendo a maior parte deste corpo, homens pardos escravos” (Cesar, 1970, p. 29). Manoel de Barros Pereira como também já vimos, pede licença para “fazer uma estância na paragem chamada o Salso” (1737); conta povoá-la com ““dois negros, cavalos e éguas” (AAHRGS v.l, p.45). São, também, inúmeras as referências a escravos nas estâncias para tempos posteriores; porém, elas devem ser criticadas com rigor. A fixação da presença de um escravo numa fazenda não indica que ele se dedicasse, necessariamente, às tarefas da pecuária. Se era uma fazenda mista (agropecuária), possivelmente o “negro” trabalharia na terra. Ainda que fosse uma estância dedicada à criação, ela geralmente não dispensava uma pequena exploração agrícola subsidiária. Nela seria ocupado, com prioridade, o escravo. Muitas vezes, nas estâncias de criação mais ricas, os escravos domésticos eram numerosos. À utilização prioritária do escravo da fazenda nas tarefas agrícolas sintetizase na observação de Saint-Hilaire (1974, p. 179): “O dono da casa e seus filhos cuidam do gado e os negros tratam da planta-

ção ... ”. Referia-se a uma fazenda das regiões de Santa Maria.!º

A precaução com que devemos reter toda referência relativa ao escravo na fazenda, não deve impedir-nos de reconhecer a existência, significativa, do “escravo campeiro”, ou da utilização do escravo, de acordo às necessidades, nas tarefas agrícolas e na prática pastoril. As referências diretas, aqui também, são inúmeras. A documentação apresentada por Guilhermino Cesar (1978, p. 46) sobre a “Estância da Música”, em Dom Pedrito (região tradicionalmente dedicada à pecuária) e, entre elas, as instruções ditadas por Jogo Vieira Braga a seu. capataz (1832), não nos deixam dúvidas sobre a existência de escravos campeiros nessa fazenda. O art. 45 destas instruções diz, por exemplo: “Dará huma muda de Roupa de algudão a cada hum dos Escravos que lá estão, advertindo que as tres mudas dos mais piquenos que vão são para os Moleques Claudino, Evaristo, e Moizés, e vão também 4 ponxes para serem dados aos negros Domingos. Pernambuco, José

Bolieiro, Manoel Aguiar, e Matheus Campeiro, sendo o deste forrado de beata.” Os anúncios de fuga de escravos dos jornais do Império, também apresentam inúmeros

casos de escravos campeiros.

bro de 1861.

“Rio Grande.

O Barão de Piratini dá quatrocentos

Echo

do Sul, 11

de setem-

mil réis a quem capturar

e

vier entregar-lhe na cidade de Pelotas o crioulo Zacharias, seu escravo, que fugiu |

1

;

E

) 4 e | “Saint-Hilaire, afir ma que: “No distrito de Santa Maria as terras são, em

geral, muito divididas,o que não impede de haver estâncias com 6 000 cabeças de gado;

meu hospedeiro possui 1 000 e não é um homem rico. Todo os proprietários cultivam a terra, ... . Tratavase de uma fazenda mista (ou de uma plantação de subsistência) e de

um hábito generalizado. (1974, p. 179).

50

na noite de 20 de agosto deste corrente ano, o qual é de estatura regular e com 25 anos de idade. Tem barba cerrada e com espinhas, é retinto e a cabeça pontuda para trás; no rosto tem um pequeno sinal de queimadura; as orelhas pequenas, fala bem e tem muita vivacidade; é bolieiro e bom campeiro. Levou uns arreios velhos e uma parelha de .cavalos malacaras bragados, ... também levou roupa consigo: dois

ponxes, uma japoneta de pano

azul, um jaleco preto de seda, uma calça de cache-

mira, cor clara, além de outras seis camisas finas, um par de botins novos de couro, etc. É de supor que tenha fugido em companhia do pardo Demétrio, escravo de D. Clara Maria da Silva e Cunha, que também fugia na mesma noite, talvez com projeto de irem para o Estado Oriental.” O próprio Auguste de Saint-Hilaire fala-nos longamente do escravo na fazenda. Utilizando privilegiadamente esta fonte, Fernando Henrique Cardoso (1977, p. 63)

acertadamente afirma: “Na estância assim organizada havia o problema da mão-de-

obra. Os autores afirmam, em geral, que se utilizava mão-de-obra livre. Não creio. firmado na documentação coeva, que a utilização do escravo nas fazendas de criação tenha sido tão restrita quanto se supõe. Os depoimentos de Saint-Hilaire sobre a presençe de negros na atividade criatória são constantes.” Apes.: de difícil, seria interessante procurar destacar com maior precisão queis as referências de Saint-Hilaire que nos indicam a utilização do escravo na criaçau, quais as que provam uma prática agrícola e quais as que sugerem uma ocupa-

ção doméstica. Algumas das observações de Saint-Hilaire, destacadas por Fernando

Henrique, sugerem-nos, sem engano, escravos dedicados à agricultura: “Adiante; na 'estância do Silvério”, empregavam-se 12 negros para cuidar do pomar.” Outras fa-

lam-nos, talvez, de um emprego doméstico do braço escravo: “Na estância que visita, registra que a areia da região obriga o estancieiro 'a pôr continuamente negros a desentulhar seu jardim”. Fernando Henrique (1974, p. 63-4) destaca, também,

observações de Saint-Hilaire que não nos provam nada, a não ser a existência de negros (talvez nem mesmo escravos) na fazenda: “Mais diante, pousa numa estância “cercada de algumas senzalas”. Descrevendo a Estância de José Bernardes diz que se compõe “como todas as outras, da casa do dono e algumas casas de negros”. ” “Na

região dos campos de Viamão dormiu numa estância qnde, ao lado da casinha mal construída, de pau-a-pique e barro, mas coberta de telhas, que era a do estancieiro, viam-se algumas casas de negros”.” “Em Tahim, que fora já ponto extremo da posse portuguesa, diz que passou 'em uma estância cujo proprietário está ausente, e onde

apenas encontrei um negro”.”

Esq

Algumas referências da obra de Saint-Hilaire destacadas por Fernando que (1974, p. 63), efetivamente, sugerem a utilização do escravo nas lides da ria: “Ainda em Rio Grande, reafirma a observação que fizera nos campos várias pastagens comportando uma imensidão de gado não exigem mão: tancieiros

grandes

despesas com

os escravos; como

acontece

|

Henripecuáde Viados es-

nas regiões de mine-

ração ou indústria açucareira”” Efetivamente, Saint-Hilaire já tinha afirmado “ ..nas

51

estâncias

desta

tão numerosos

de minérios.”

região

(Boa

escravos como

Vista), quase puramente acontece

nas regiões

pastoril, não são precisos

açucareiras

ou na exploração

Saint-Hilaire (1974, p. 109), observador preciso, ressalta a pouquíssima mãode-obra necessária à pecuária extensiva. Ressalta também o naturalista francês a quase exclusiva utilização da mão-de-obra ““livre”” nas tarefas pastoris quando nos aproximamos das regiões missioneiras. Logo que volta aos territórios gaúchos, vindo do país vizinho, diz-nos: “A cerca de meia légua do regato encontramos uma estância onde paramos... Tive grande alegria ao ver por fim algumas cabanas. Com efeito, não se pode dar outro nome às míseras moradas que compõem esta estância. Meia dúzia delas são habitadas por famílias indígenas que dei-

xaram recentemente Entre Rios.” Avançando um pouco, no Rincão de Sanclon,

(6 de fevereiro) vai afirmar: “Os estancieiros desta região, não tendo escravos, aproveitam a imigração dos índios para conseguir alguns que possam servir de peões. Os guaranis são, é voz geral, muito indicados para esse serviço. Montam bem, têm prazer nisso, e muitos sabem amansar cavalos. Sua docilidade é outra qualidade que os faz procurados para empregados das estâncias.”” Relata, também, o natura lista (1974, p. 134), a utilização de espanhóis como peões: “Aliás não são somente índios que se refugiam entre os portugueses. Enquanto estive em S. Borja vinham, todos os dias, homens brancos de Corrientes, de S. Roque e de outras aldeias de Entre-Rios apresentar-se ao Coronel Paulette e pedir-lhe permissão para procurar colocação nas estâncias portuguesas.” Dreys

(1961,

p.

130)

sintetiza a utilização da mão-de-obra

escrava,

índia e

“européia” na estância. “A estância é servida, ordinariamente por um capataz, e por “peões”, debaixo da direção daquele; às vezes os peões” são negros escravos, outras vezes e mais comumente são “índios” ou: gaúchos” assalariados; sua ocupação consiste em velar sobre os animais, contê-los nos limites da estância, reuni-los, guardá-los e apartá-los quando é mister.” Efetivamente, a fazenda dedicada à criação conheceu, em maior ou menor número (de acordo com a região geográfica e a época), um maior ou menor número de escravos dedicados às lides campeiras, mas ela não estava assentada sobre um modo de produção escravista. Isto não poderia ser distinto, “... a mercadoria — boi era obtida através de um: processo de produção quase exclusivamente natural, exigindo, em conseqiiência, apenas, um minimo de trabalho social, daí que não se extraísse trabalho excedente do peão; não havendo trabalho excedente a extrair, seria a bsurdo incorporar o escravo ao sistema produtivo...” (Freitas, 1978). A vida relativamente agradável do escravo da estância devia-se a esse fato, e não a uma pretensa bondade dos fazendeiros. Esses, se também fossem charqueadores, tinham um comportamento dist into com o escravo da fazenda e com o escravo da charqueada. “Ocioso dizer que não seria por espirito humanitário que o estancieiro se abstinha de explorar o escravo até a morte na produção pecuária. Sucede apenas que num proces so de produção eminentemente natural, isso sequeré possível. “(Freitas, 1978). 52

O fato de que encontramos escravos nas estâncias de criação pode nos levar a confusões. O historiador Décio Freitas, de certo modo, resolve esta dificuldade: “Não afirmo a inexistências de escravos nas estâncias. Admito, ao contrário, que em muitas estâncias havia muitos escravos, do mesmo modo que em muitas estâncias

os escravos eram poucos ou nenhuns.” | (Freitas, 1978). Efetivamente, podemos afirmar que, para a pecuária, o escravo era um fator de produção fortuito.

53

A CHARQUEADA GAÚCHA 1.

As Primeiras Charqueadas

Com a fundação do presídio de Rio Grande, o povoamento do Sul se acelera; logo mais, os açoritas, a fundação de Porto Alegre, a cultura do trigo. A vida não se

reduz mais ao litoral; a falta de terras empurra, lentamente, os novos estancieiros para o vale do Jacuí e à suas acolhedoras pastagens. A vida se organiza. As povoações crescem, lentamente. Em todo esse processo, o escravo. O colonizador, que trouxe seu “negro” se aferra fortemente a ele, coloca-o a trabalhar e, não raramen-

te, trabalha duramente ao seu lado. O açoriano que começa a juntar cabedais, apressa-se a comprar um ou dois escravos para aumentar suas plantações. Nas estâncias mais ricas podemos, também, encontrálo na cozinha, no pomar, na planta ção;

cuidando dos animais. Nas povoações, carregam volumes, fazem a feira, desempenham os mais variados ofícios. O “Mapa” de Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara dará 17 923 habitantes (1780) para o Rio Grande. Entre eles quase 30% são escravos (em Monteiro, 1979, p. 388). O escravo é parte da vida da Capitania, mas o escravismo sulino é um prolon-

gamento do escravismo colonial. O negro participa da vida produtiva, mas ela não está, como assalariado,

em outras capitanias, assentada centralmente O agregado, o colono, o indígena aculturado

sobre ele. O trabalhador encontram-se em desta-

que e são o eixo fundamental da tropeada, da fazenda. Até mesmo na plantação é significativa a mão-de-obra livre.

«

Será a charqueada, na última vintena do século XVIII, a responsável pela estruturação de um sólido regime social de produção escravista no Rio Grande do Sul, Centrando parte significativa do esforço produtivo do pampa sobre os ombros do “negro”, teremos, a partir deste momento, uma classe de senhores-deescravos, vivendo

do trabalho destes, acumulando riquezas, acumulando escravos.

Será a charqueada que possibilitará, por primeira vez, os meios necessários para uma

introdução significativa de “escravos novos” em nossos territórios. Por muito tempo, a historiografia gaúcha deu ao lusitano Pinto Martins a honra de ter introduzido a arte de charquear no Sul bra sileiro; essa atividade era, no entanto, já bastante difundida, há muitos anos, na América Meridional. Temos noticias,

54

por exemplo, que, já no início do século XVII, Buenos Aires exportava came salgada. “La primera exportación de carnes desde el puerto de Buenos Aires tuvo lugar enelafio

1603 y fue realizada em virtud de una Real Cédula del 20 de agosto de

1602 que habia autorizado la extracción de quinientos quintales de cecina, dos mil fanegas de harina y quinientas arrobas de sebo para los puertos del Brasil, Guinea y

“otras islas circunvecinas.” La cecina consistia en carne cortada en tiras delgadas y angostas y secada al sol con un poco de sal.” (Montoya, 1970, p. 12). Na própria Colônia do Sacramento, um século mais tarde, experimentar-se-ia, como já vimos, a produção de carne salgada. “Infatigável em tomar a Colônia

um elemento de utilidade a Portugal iniciou D. Francisco Naper, a título experimental, a remessa de carnes salgadas em pipas para o reino, tendo aproveitado a galera do mestre Pantaleão da Cruz, que partia para o Pôrto. Naquela cidade, depois

de terem levado mais de 4 meses de viagem, foram abertas e examinadas as carnes e julgadas perfeitas, o que levou o Governador do Rio a mandar pedir por carta de 7 de julho, permissão para continuar essa exportação, que custaria só um pouco de sal, pois as pipas da remessa poderiam ainda ser aproveitadas ...” (Monteiro, 1937, p. 127). Quatro anos mais tarde, em 1702, “Sebastião da Veiga Cabral renovou a experiência ... (e) ... mandou 18 pipas com essas cames, informando que a Colônia podia manter um fornecimento certo ...” (Monteiro, 1937, p. 141). No Rio Grande do Sul, charqueava-se antes mesmo da fundação do presídio de Rio Grande. “Lembremos apenas que muito perto do Atlântico, junto ao Quintão, existe, desde longa data, o sítio de “Charqueadas”, que tinha já esse nome, quando ali acampou Cristóvão Pereira em 1736 (um ano antes, portanto, da funda-

ção oficial do Rio Grande do Sul), à frente de um contingente de milicianos.” (Ce-

sar, Mais Carne, 1974). Paulo Xavier (1977, p. 5), que melhor estudou a charqueada gaúcha, diz: “Exatamente o local que em 1775, o marechal Kunck assinalou no mapa, então levantado da costa rio-grandense, como Charqueada Velha, foi a sede de primitiva charqueada (como comprovamos documentalmente) operada por Cristóvão Pereira, por volta de 1732 ... Ora este ponto escolhido não por acaso, ficava à margem do caminho que ligava Laguna a Colônia do Sacramento, de cujos arredores traziam os velhos tropeiros gado para abastecimento de “célula mater” rio-grandense.” Com a fundação da primeira povoação gaúcha, temos diversas referências ao ato de charquear. José da Costa faz um requerimento à Comandância, em dezembro de 1737, que é deferido. Nele fala-se da forma como se deve pagar os quintos do “couro ou xarque do que carregar a sua embarcação” (AAHRGS, v. 1, p. 46). Antônio José de Figueiroa, “tenente de dragões da Companhia do Coronel Diogo Osório Cardoso”, discute, dois anos mais tarde, sobre uma licença que lhe tinha permitido “charquear seiscentos novilhos” (AAHRSGS, v. 1, p. 103). Charquear não era, portanto, nenhum mistério para o homem sulino do século XVII e XVIII. Antes da chegada de Silva Paes, charqueava-se, tanto nos nossos territórios, como nos da Banda Oriental; estes acontecimentos estão, no entanto,

em grande parte, perdidos para a nossa historiografia.

55

A que se deve, então, o destaque dado, por tanto tempo, à Pinto Martins? A

primazia

ser compreendida

deve

do lusitano

em

ele, talvez, o

Foi

sentido.

outro

responsável pela introdução da técnica de charquear como ato industrial no Sul. Anteriormente, o charque era uma atividade. artesanal e de pouca significação econômica. Mesmo isto, como veremos a seguir, é discutível, O certo é que Pinto Martins foi o primeiro grande charqueador nas regiões do arroio Pelotas. Quando desta região

a história

Como que

o consumo

exportação

e/ou

carnear

deviam

os animais

abatiam

não

-

passa a identificar-se, para os contemporâneos, à história da Provincia. As primeiras carnes trabalhadas foram-no de forma extremamente

artesanal. elevados, os mesmos “cortadores”

eram

os mesmos,

seus

suas carnes,

preparar

cou-

ros. etc. Possivelmente, não existiam (como nos deixam entrever as primeiras descrições) instalações especiais. Uma prática continua do charquear deve, no entanto, ter levado a alguma sistematização da produção. E assim que teremos as “primeiras charqueadas”, estabelecimentos extremamente toscos.

Mais “refinadas” do que a indústria inicial, trabalhando possivelmente sobre o chão de terra batida, logo em seguida sobre couros estendidos, com instalações rudimentares, mas fixas, são elas indústrias ainda bastante acanhadas. “Os primeiros saladeiros, assim, seriam extremamente

simples e toscos, não passando, às vezes, de

meros telheiros circundados de varejões sustidos por estacas. O abate fazia-se em pleno campo, espostejando-se as reses pelas articulações. O transporte das mantas

era feito em mulas bruaqueiras.” (Machado, 1947, p. 131).

As descrições sobre as charqueadas do século XVIII são no entanto extremamente raras e imprecisas. Nesse sentido, torna-se difícil fazer afirmações peremptórias sobre a sua organização. A falta absoluta de estudos arqueológicos referentes a esse assunto dificultam ainda mais seu estudo; no entanto, alguns elementos

permitem-nos avançar algumas suposições sem medo de maiores erros. Mesmo com a evolução da indústria saladeiril nos pampas uruguaios e gaúchos, continuouse a praticar, nas regiões mais atrasadas, por muito tempo, uma salgação artesanal

que se devia assemelhar à dos primeiros tempos. Algumas descrições. mais precisas, ainda que não se referindo diretamente aos nossos territórios, permitem, também, delinear, com maior nitidez, como foram possivelmente estes primeiros tempos. Entre elas, destaca-se a ““Descripción de la Provincia del Río de la Plata (1772),

de Francisco Millau (1947, p. 47.50). Millau, oficial de marinha espanhol que parte para o Prata, em novembro de 1751, descreve, com alguma precisão, o que deveria ser a técnica “saladeiril” em

meado do século XVIII. “Las haciendas de Buenos Aires no dan el producto que parece debia corresponder a sua extensiones y al multiplic o de sus ganados.

porque éstos por su abundancia con dificultad se venden a precio infi mo, y que es corta la saca de cueros que podia dar la mayor utilidad mo

MO

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“La principal utilidad que dejan las matanzas del ganado uno, es el cuero, sebo, grasa y lenguas, y es de ningún provecho lo más de sus vac carnes. Alguna poca qhe se quisie comstrvar, se convierts en charqueo tasajo, esto és came seca O salada. Se hace el charque cortando primero la carne en tira s del mayor ancho y a delgadas que se puede, a modo de unos cord obanes. Se van poniendo algunas mw

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essa região se torna o centro da vida saladeiril da Província,

de ésas al lado unas de otras, sobre run gran cuero tendido en el suelo, hasta llenar todo su espacio, y se hecha sobre ellas por igual un polvo de sal. Se dispone así una segunda cama que lleva la misma porción de él, y se prosigue de este modo con otras, haciendo una pila de la altura que se quiere, y se cubre con otro cuero, poniéndole a encima bastante peso. Se mantiene así algunas horas, hasta que toda la carne acaba de despedir la aguaza que va saliendo de su propio jugo y de la sal.” “Conseguido esto — segue Millau em sua descrição —, se tienden luego esas tiras en cuerdas o palos a secar al sol, si no es fuerte y corre algún viento fresco, y de no a la sombra y aire sólo. Se continúa esta diligencia por algunos días, teniendo el cuidado de recogerlas en las noches, para librarlas del sereno, como de preservarlas, en cuanto se puede, de la humedad. Antes que se acaben de secar, y cuando

se conoce que la falta ya poco, se amontona otra vez en pila comprimiéndola con

algún peso, para que la mucha gordura que suelen tener, se reparta engrasando por todas partes la carne, que queda así más ségura para conservarse mejor; lo que hecho, se ponen a acabar de secar como antes. Beneticiado de ese este modo el charque, se guarda haciéndose de él algunos rollos a modo de tercios, para llevarlo a cualquer parte com más comodidad. La cecina, que se hace allí, sólo se diferencia de cesto en ser las tiras angostas y no muy delgadas, y ponerse desde luego con un poco de sal

que se les echa alrededor, a secar sin otra prevención. El tasajo se reduce a echar unos pedazos grandes de came y gruesos en salmuera, en que se dejan por un mes o mucho más; se sacan, y puesto a orear, se espera que se sequen bastante por fuera, y se ahuman después en chimenea u otros fuegos, con lo que quedan beneficiados como jamones, diferenciándose sólo en esto de la demás came salada. Esta dificilmente se conserva allí con seguridad, a menos que no se escojan para hacerla unos tiempos muy a propósito, que raras veces hay por razón de la excesiva humedad del país. Es regular que sólo se haga esta faena en algunos dias secos y ventosos del hibierno, porque en lo demás del afio es casualidad concurran todas las circunstancias que requiere, y aun se ha experimentado que es arriesgada en ellos.” A descrição de Millau sugere-nos que, desde o primeiro abate de animais pelo couro até as primeiras “charqueadas”, já se tinha avançado muito; estas últimas encontravam-se, no entanto, ainda ligadas umbilicalmente à pratica artesanal primitiva. O trabalhador, índio, escravo ou peão, possivelmente, desempenhava sucessi-

vamente, e com

sofrível perfeição, quase todos os atos do processo produtivo.

Articular-se-ia apenas uma divisão técnica do trabalho, Esse desenvolvimento da indústria charqueadora deve ter sido interrompido, abruptamente, com a ocupação espanhola do porto de Rio Grande, única saída ao mar da campanha. Só uma produção em grande escala podia permitir uma significativa racionalização do processo produtivo e do aproveitamnto da matéria-prima. Isso ocorrerá

com a retomada de Rio Grande e com o surgimento de um importante mercado

para as carnes gaúchas. Nesse contexto, a produção se organizará tomando um cu-

nho claramente manufatureiro; a matéria-prima será aproveitada a um nível nunca antes pensado. Comercializaremos, então, os diversos charques, o couro, o sebo, a graxa, o cabelo, a cinza, etc. Esta revolução técnico-produtiva, que trataremos à parte, se bem que possa ser esboçada em seus principais traços, não nos revela ainda todos os seus pormenores.

Sd

A articulação de uma importante indústria saladeiril em nossa capitania devese, no entanto, a fatos climáticos ocorridos em terras nordestinas: as secas de 1777,

1779 e 1792. Sendo, até então, “as oficinas ou salgadeiros” cearenses importantes

fornecedores de carne-seca para o mercado nacional e internacional, a escassez de gado a abater, determinada pela estiagem, termina levando a decadência a antiga

produção. Abre-se, então, um espaço para as cames gaúchas. exatamente em 1776 que finda a ocupação castelhana de Rio O mar e pacificando-se a campanha. O saque de milhares de nhol ajuda, também, a lançar nosso ciclo saladeiril. Será nesse contexto que emigra, para nossa capitania, o José Pinto Martins, que havia

Lembremo-nos que é Grande, libertando-se cabeças de gado espanegociante português

sido fabricante de carne-seca em Santa Cruz do Ara-

cati (Ceará) e que se estabelece nas imediações da atual cidade de Pelotas (Cesar, Mais Came,

1974). Simões Lopes Neto (Neto, nº. 2, 1911, p. 12), falando da char-

queada de José Pinto Martins, que afirma ter sido fundada em 1780, na margem direita do arroio Pelotas, diz ser a primeira estabelecida em Pelotas e ter passado a Manuel de Sá Araújo e, deste, a José Bento de Campos. Este autor segue informando: “... 'a charqueada”, (a primitiva) que a tanto se chamava na época, era uma apressada construção de galpões cobertos de palha, varaes para estender a carne desdobrada, salgada, e algum tacho de ferro para extração de parca gordura dos ossos por meio da fervura em água. O sal, do Reino. (Aveiro, Seiubal, Lisboa) só se empregava para — enxarque —, salgação da carne. À courama era ' estaqueada ', seca ao sol; (a 12. salgação de couros foi feita a título de experiência, por ordem da firma de Holland, Davis & Cia., (muito mais tarde Sinclair Robinson & Cia.?) na xarqueada de Manoel] Antônio Lopes, no Sacco da Mangueira, quazi enfrente à atual estação Junção, da Estrada de Ferro Costa do mar) o sebo, simplesmente lavado, posto ao tempo em varaes e depois socado, em

formas de madeira cubicas, produzindo pães” de pezo variável. A ossamenta, era amontoaus « queimada e esta * cinza * atirada para aterros ou servia, empilhada, para fazer mangueiras e cercas. Todas as outras partes do boi não tinham valor

comercial e eram atiradas fora.” Vencidas as dificyldades dos primeiros tempos e prosperando os negócios de

José

Pinto

Martins,

“aquele industriaiista teve necessidade

de aumentar o estabe-

lecimento (duma construção paupérrima), assim como o capital para girar, pelo que pouco depois constituiu a firma José Pinto Martins & C.O Dentro de breve espaço, no mesmo município, surgem outras charqueadas nos lugares chamados

Saco de Pelotas, Santa Bárbara, São Gonçalo e outros sítios ribeirinhos” (Neto,

n0.2, 1911, p. 6).

Um outro documento, possivelmenteb de Simõe s Lopes Neto, fala-nos, também, das primeiras charqueadas de Pelotas. As xarqueadas em seus inícios era m com-

postas de galpões de fácil construcção cobertos de palha, e de tendaes de madeira

Pelotas; mais tarde, obedecendo as exigências da hygiene e a facilidade de trans portes, convergiram todo s para as margens »

Onde se construiram com a necessária solide z,

extensos

luxosas

galpões

de alvenaria, casa para trabalhadores, habitações confortáveis e

para os proprietários e suas famílias, e todos os mais accessórios relacti-

etc. vos a essa indústria, taes como pedreiras, mangueiras, tendaes, . graxeiras, etc...1º A facilidade de transporte, efetivamente, irá determinar a localização das futuras charqueadas.

A primazia de José Pinto Martins como grande produtor de charque — como

já vimos — deve, no entanto, ser tomada num sentido indicativo e não absoluto. Segundo Albino Costa (1905, p. 6), que não indica suas fontes, em “documentos officiaes de 1776, Viamão e Rio Pardo apparecem exportando xarque em grande escala, valendo então .uma arroba 80 réis, uma vacca 800 réis, um novilho 1 000

réis”, PE a da

2.

A Localização das Charqueadas Gaúchas

A produção saladeiril, a nível indústrial, colocava o problema do transporte

dos animais au as charqueadas e dos produtos até os mercados consumidores. As charqueadas fixam-se, então, ao longo das lagoas dos Patos e Mirim, aproveitando o transporte fluvial, único condizente, na época, com a locomoção sistemática

de grandes cargas; a saída ao mar era feita, exclusivamente, pelo porto de Rio Grande.

Definido

o único

eixo

possível

de

transporte,

as charqueadas

localizam-se,

principalmente, nos trechos navegáveis dos principais tributários das lagoas de nosso litoral. Isso facilitava a aportagem das embarcações e a chegada das tropas a regiões menos inóspitas e alagadiças que as margens das lagoas. A localização e identificação exata das inúmeras charqueadas do ciclo escravista é ainda impossível. Sabemos, porém, que chegavam cames salgadas ao porto de Rio Grande até mesmo dos territórios uruguaios. “La Charqueada”, sobre o Cebollati, exportou, tradicionalmente, charque pelo nosso porto. . A pronunciada erosão das margens deste rio, tristemente, destruiu a maior parte das instalações charqueadoras que ali poderiam existir. Moradores da região apontam, no entanto, não longe da povoação, o local exato da “vieja” charqueada. Tijolos sobre as margens, algumas fundações, inúmeros ossos fossilizados, são os únicos vestígios da antiga atividade. Simões Lopes Neto (1911, nº. 3, p. 46) falanos de uma charqueada sobre esse rio, pertencente a Thomaz Campos.

Mais ao norte, temos outro importante pólo saladeiril: Jaguarão. Sérgio da Cos-

ta Franco referindo-se à fundação desta cidade, fala da “charqueada de José Perei-

19

Dados

sobre as charqueadas em Pelotas (histórico e estatisticas até 1903) Pacote nº 2 —

Arquivo e Museus. Sala da Lâmpada. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Parte deste documento (manuscrito) é o histórico das charqueadas pelotenses apresentado na “Re-

vista do 19 Centenário de Pelotas”.

59

ra da Fonseca, na Barra do Arroio dos Lagoges...”?º Diversos documentos do nosso

arquivo histórico

referem-se, em diferentes épocas,

a uma sistemática atividade

charqueadora nas duas margens daquele rio. Temos ainda hoje, não longe da cidade, um matadouro que substituiu uma antiga charqueada (Zeferino Lopes de Mou. ra). Sobre o! frontispício de uma construção (ver fotos) lemos como data 1848; diante desta encontramos os varais abandonados. Exatamente ao lado deste conjun-

to temos as ruínas das instalações de uma outra charqueada, com suas chaminés, canchas, capelinha, etc. Foi-nos impossível averiguar se alcançou a trabalhar com a

mão-de-obra escrava.

Nas margens do canal São Gonçalo, tínhamos, também, inúmeras charqueadas. Em Santa Izabel, a população indica com facilidade a localização de algumas ruí-

nas. Simões L. Neto apresenta como charqueadores (nº, 3:46), nessa região a Alexandre Silva; aos irmãos Jacintho, Manoel e João Gonçalves Lopes; a Ferreira; a Moyzés Araújo e Justino Correa. E nessa localidade que ocorre, em 1865, uma tentativa de sublevação na charqueada de Manoel Antônio Lopes. Três anos depois, em novembro de 1868, esta charqueada é oferecida à venda, em hasta públ ica, devido à execução destes bens em função de Duarte Souza e Krannichfeldt & Cia. A mais importante concentração de charqueadas ficava, no entanto, sobre o arroio Pelotas. A própria riqueza da cidade do mesmo nome, assim como seu crescimento, deve-se a essa atividade. Encontrando-se a pouquíssima distância do porto de Rio Grande, sendo o arroio Pelotas facilmente navegável, podendo receber tropas tanto das zonas ao sul do: Jacuí-Ibicuí como, até mesmo, do pampa uruguaio, Pelotas será o centro da atividade saladeiril gaúcha. Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 69) comenta neste sentido: “A região, há pouco descrita, que se estende entre o Rio Pelotas, o Rio São Gonçalo e a paróquia de S. Francisco pertence a xarqueadores e as casas mencionadas são as respectivas residências. Não podiam escolher melhor local, pois aí recebem, sem a mínima dificuldade, o gado criado nas gordas pastagens situadas ao sul do Jacuí e facilmente exportam a came seca e os couros através dos rios Pelotas e São Gonçalo.” O mesmo autor avança que em sua época existiria 18 charqueadas na “paróquia” e que se abatia, em média, 20 mil cabeças de gado por

ano (p. 74). Simões Lopes Neto publicou na “Revista do 10, Centenário de Pelotas” (no,3, p46), uma precisa e comentada “Notícia sobre a Fund ação das XARQUEADAS.”

Nela aponta as charqueadas da região. Sobre o arroio Pelotas teríamos:

Antônio Jozé de Oliveira Castro e Jozé Gonçalo, marjem dire ita, contruída em terreno arrendado, de frei Marcellino (V. na crônica de J.V. Pimenta a referência a este frade.) que o doou às suas sobrinhas Dorothéa Candida de Paiva e Mar ianna Eufrazia da Silveira; a sucessores dellas; pertence a Alfredo A. Braga. Retiro (Tal ias) (demolida).

20

60

EU NCO; s/d.

Sérgio da Costa.

Origens de Jaguarão,

Correio do Povo. (Dados

para 1811).

|

... Paulo Ferreira, m. d.;e passou a Jozé Joaquim Gonçalves, deste a seu filho Felis-

berto Jozé Gonçalves Braga, deste ao filho Alfredo Augusto Braga. Referem antigos que

por ocazião da grande enchente em 1828, a maior parte de que há memória neste lugar, uma tropa de gado de corte que estava encerrada, durante a noite saiu da mangueira, a nado. — Retiro — (demolida).

m. esquerda; passou ao filho João Simões Lopes

João Simões Lopes.

(visconde

da

Graça); deste a seus herdeiros. Quando a colera-morbus em 1865 assolou esta zona, esta xarqueada foi das que mais vítimas contou; além da espoza e uma filha do proprietário morreram mais de vinte pretos, escravos, que foram enterrados no próprio estabelecimenao centro dum grande laranjal;

to,

por muitos anos conservou-se cercado este pequeno

cemitério, com as suas cruzes de madeira. — Graça — (demolida).

Antônio Jozé de Azevedo Machado. (barão de Azevedo Machado) m. e. passou à seus herdeiros. — Palma - (demolida). Jeronymo de Freitas Ramos, m.d., passou ao filho de Francisco Jeronymo Coelho, deste a Custódio Gonçalves Pelchior; deste a herdeiros, destes ao coroncl Pedro L. R. Osorio. — Cotovelo — (demolida).

Vicente Lopes dos Santos, m. d. passou ao filho Lúcio Lopes dos Santos, deste a seu

irmão Evaristo Lopes dos Santos; hoje do coronel Pedro Osório. — Cotovelo — (demolida).

Domingos de Castro Antiqueira, (visconde de Jaguary) m. d. passou ao filho Jozé de

Castro Antiqucira, deste a Lconídio Antero da Silveira; deste ao coroncl Pedro Osório. Esta xarqueada foi a primeira onde sc fez — “xarque sistema platino” — c a firma, unica, pen-

samos, que encaminhou e manteve algum

tempo exportação do artigo para Havana. Os

carneadores e peães eram bascos francezes mandados vir de Montevideu; haviam ainda arjentinos e orientaes, alem de uns trinta escravos africanos, da xarqueada, alugados. Esta

iniciativa deveu-se à João Baptista Roux (avo materno do sr. dr. Ed. Berchon des Essarts) franccz. que

da revolução

fim

pelo

“farroupilha”

estava

cm

Jaguarão, com

sua família,

donde (1846) regressou para o Rio Grande, onde já rezidira. Relacionou-se então com o seu compatriota

Eugene

Salgues, c tendo

concertado

trabalharem juntos, vieram a Pelo-

tas c arrendaram esta xarqueada, constituíndo a firma de Salgues & Roux. Constata-se assim que foi J. B. Roux o “primeiro a empregar o braço livre num meio e numa cpoca por inteiro opostos à inovação”. Extinta a firma, J. B. Roux estabeleceu então — barraca de couros, etc — isto por 1852. E foi esta a primeira que houve na cidade. Em 1860 era vice-consul de França, onde faleceu em 1886. — Cascalho — (demolida). Dr. João Baptista de Figueiredo Mascarenhas e José Luiz de Lima, m. d. passou a

Antônio Teixeira Magalhães; pertence hoje ao coronel Pedro Osório. — Cascalho — (demolida). Manoel Antônio da Cruz, m. d. passou a Albino da Silva Fagunde, à Manocl Bernardino Soares, deste à Lvaristo Ferreira Nunes, à Gonçalves

& Silva, deste ao comendador

Possidonio M. da Cunha, hoje de Thomaz T. Brazil. Nesta existiu um grande e rico oratóno de que era capelão frei Marcelino

(já mencionado), que devia ser individuo de mereci-

mento, pois que tendo-se retirado para o Rio de Janeiro, antes da revolução dos Farrapos, lá chegou a ser D. Abade dos Bentos. Deste oratorio vieram, para a 1. Matriz “doadas por

d. Francisca Fagundes de Oliveira, e seu marido Manocl Antonio Pereira, muitas altaias E duma em 1846 encorporadas ao patrimônio pelo valor de 400S. — Cascalho — (demoida).

“Jozé Ignacio Bernardes, md. passou a Antonio da Cruz Secco, desde à Candiota

Irmão,

deste uo coronel Annibal

Antunes

Vista — (funciona).

Maciel; hoje do barão do Arroio Grande. — Boa

&

Vinhas, m.d. passou ao filho João Vinhas, deste a seu irmão Pedro Lobo Vinhas;

João

pertence a Jozé Bento de Campos (junior); hoje a herdeiros. — Costa — (funciona). a

;

E = Jozé Pinto Martins, em 1780; foi a a primei ra xarqueada estabelecida em Pelotas; m. d. passou a Manoel de Sá Araújo, deste à Jozé Bento de Campos (senior) deste a her-

deiros. A

5

W

“xarqueada. ......”, — Costa - (Demolida).

61 a

go”

a“ 4

di

Jozé Antonio Moreira

(barão de Butuhy) m.e. passou a seus herdeiros. — (demolida).

Boaventura Rodrigues Barcellos (12.); m.d. passou à Jozé Gonçalves Lopes, deste a

credores. (funciona) — Costa —

Boaventura Rodrigues Barcellos (24.) m. d. passou ao filho de igual nome, deste 4 Joaquim Guilherme da Costa, deste ao filho Domingos G. da Costa, a Arthur G. da Costa, a George Lawson, deste à Nunes & Irmão. Joaquim Jozé de Assumpção, m.e. passou ao filho barão de Jaráu, deste ao filho, dr, Joaquim Augusto de Assumpção. — Costa — (Demolida). Antonio Jozé Gonçalves Chaves, m.d. passou a seus filhos, dr. Antonio J.G. Chaves e João

guy.

M. Chaves; ao genro deste, Jacintho Antonio

Costa — (funciona).

Lopes; hoje é de João Tamborinde-

|

Ignacio Rodrigues Barcellos, m.d. passou a seus filhos Eleuthério, Boaventura e Luiz Teixcira Barcellos; a herdeiros. Areal — (demolida). Francisco e Joaquim “dos Moleques” (?) m.d passou a Cypriano Joaquim Rodrigues Barcellos, deste a L. [raeb, hoje Fraeb, Nieckcle &C. — Areal — (demolida).

Bernardino

Rodrigues

Barcellos,

m.

d. passou

deste a herdeiros. — Coqueiros — (demolida). Julio

Paulet

&

Daniel, mad.

passou

ao filho João Rodrigues Barcellos;

a Bernardino

Rodrigues

Barcellos: pertence hoje a Pedro Osorio &C. — Areal — (demolida), Domingos Jozé d'Almeida, m.d. passou a seus herdeiros. Foi Domi ngos J. d'Almeida o inve

ntor

— criticado e logo imitado das “tinas” de madeira (dijeridores) ainda hoje

cm UZo, € nas quaes se cozinha a ossamenta pela ação do vapor d'ág ua — produzido em um grande gerador (cilindro) que por tubos o comunica para ellas. — Costa — (dem olida).

Wencesláu Jozé Gomes, m.d. passou á Junius Brutus Cássio Compê. Pastoril Industrial Sul do Brasil, á Pedro Osorio & C., hoje d'Almeida, d'esteà de João M. Moreira. — Cost a — (funciona).

Jozé Maria e Manoel Bento da Fontoura

passo de Pelotas — (demolida).

m.e., passou a herdeiros. É aío antigo —

Antonio Jozé de Oliveira Castro. (comendador) m.e. (22,) passou a herdeiros; pertence ao conselheiro Francisco A. Maciel. Nesta houve também um estaleiro, que além de barcos pequenos construiu um de — barra-fóra-, o brique “S. Bart holomeu da Esperança”. — Castro — (funciona). Neves & Irmão, md. passou a Domingos Soares Barboza, deste á Antenor S. Barboza, pertence ao coronel Antero Cunha e outros. — Costa — (demolida).

João Gonçalves Lopes, m.d. passou a herdeiros. — Cost a — (demolida). Cypriano Rodrigues Barcellos, m.d. passou a seu genro Domingos Pint o de Figueiredo Mascarenhas e Vicente Jozé da Maia; à Jozé da Costa Bezerra, a Jacintho Antonio Lopes e Manoel Raphael Vieira da Cunha; pertence ao coronel Alberto R. Roza — Atoladouro — (demolida).

Manoel Soares da Silva, m.d. passou a seu genro Antonio J ozé da Silva Maia, deste a seu filho Bernardino Maia; depois de Felix A, Gonçalves . Este, em testamento legou esta propriedade a Jacintho Guedes que a vendeu a Companhia das Obras da Barra Geral deste Estado; ai tem

esta hoje instalada grande montajem para o serviço do transporte de pedra para as suas obras: trapiche, linha e desvios férr eos para e movimento dos trens, é um enorme 'transbordeur”, tudo em ativo funcionamento. O — livr Boca do Arroio — (demoli-

da).

Sobre o Rio São Gonçalo

João Jacintho de Mendonça, (12.) passou a sua viúva, d. Florinda, desta a Rasgado, deste ao conde Sebastião de Pinho; pertence aos filhos do barão Alv es ceição. E João Jacintho de Mendonça, (24,) Passou a seus filhos, destes á Honorio L. deste a Porphirio Honório da Silva, dep ois á Ataliba Borges: hoje do dr, Joaquim

sumpção. (funciona).

Manoel Baptista Teixeira, passou ao filho de igual nome, deste a Paulino

62

Joaquim da Con-

da Silva, A. de As-

Teixeira da

o Costa Leite, deste á Comp. Pastoril Industrial Sul do Brazil, pertence hoje a Pedro Osori &C. (funciona). Francisco Xavier de Faria (comendador)

passou

ao coronel Thomaz

,

Joze de Cam-

Maia, pos, deste a seus herdeiros, destes a Joaquim Rodrigues da Silva e Antonio da Silva | pertence a herdeiros deste. im João Alves de Bittencourt passou ao barão de Serro Alegre, deste ao filho Joaqu

da Silva Tavares (barão de Sta. Tecla); pertence ao filho, João da Silva lavares. (Foi aqui ncia a xarqueada de Jozé de Aguirar Peixoto (7) (v. a chronica ' de J.V.Pimenta em refere

xarqueaao ano de 1812. A data de 1819 consta do frontespicio da caza de rezidência da eiro da). Nesta dezembarcou, vinda de Mostardas no hiate “Argelino” a imagem do padro S. Francisco de Paula. (funciona).

Jozé Gonçalves da Silva Calheca, deste á Jozé Ignacio da Cunha, deste a seus herdei-

ros. Aí acha-se hoje o “Posto

Zootécnico” da Sociedade Agrícola Pastoril do Rio Grande

do Sul, sob os auspícios da Intendencia Municipal. — Figueira — (demolida). Manoel Jozé Rodrigues Valladares, passou ao filho de igual nome; aos herdeiros des-

te; pertence á Intendencia Municipal. (demolida). Manoel Francisco Moreira, passou á Felisberto Jozé Gonçalves Braga, deste ao vis-

conde da Graça, deste ao genro Alfredo A. Braga. (funciona). Heliodoro D'Azevedo Souza; passou ao syndicato Moreira

& Ca.; é hoje área urba-

na, loteada. Neste lugar ergue-se hoje a linha a linha férrea e estação Pelotas-Fluvial;a Fã brica de tecidos Pelotense e outras construções. (demolida).

No arroio Santa Barbara (m.d.): Jozé Vieira Vianna, passou á Viúva Viana

depois a Manoel Marques das Neves Lobo, deste ao visconde

te. (É onde hoje existe a Villa da Graça).

& Filhos,

da Graça, aos herdeiros des-

No arroio Fragata (m.d.) Antonio Raphael dos Anjos, onde é hoje rezidencia Ribas; (na m.e.) posteriormente, a de João Mendes Arruda. A lagoa do Fragata que ae fronteira, gora mal permite a navegação de canoa, era francamente utilizada pelos hiates e lanchões de carga da xarqueada Arruda. A última embarcação

de alguma parte que ai entrou foi o

hiate “Portimão” em 1880 para conduzir um gerador de vapor (cilindro) para xarquea-

da de João G. Lopes. (demolida).

Ahi por 1825-30 Joaquim Manoel Teixeira teve uma xarqueada no terreno onde atualmente está a chácara e palacete da snr2. baroneza de Três Serros. (O lugar chamouse mesmo

— Sotéa do Joaquim Manoel). Consta-nos outrossim, que no Laranjal, fronteira

à Lagoa dos Patos, no pontoiconhecido por — Picada do Leão — existia uma xarqueada.

Vestijios ainda aparecem”.

Simões Lopes Neto termina dizendo:

“Verifica-se pois que houve mais de quaren-

ta xarqueadas, em que umas duas centenas de firmas sucederam; houve um período em que trinta e muitas trabalharam simultaneamente; com o andar dos anos foram ellas sendo

reduzidas, a menos, até as onze que tantas são as que funcionam...” *

É

Igreja Matriz +

* a Ver contii nuação= àa página 114,

- Nas próprias margens da lagoa dos Patos e Mirim tivemos, posteriormente, diversas charqueadas. Um pequeno mapa que se encontra na mapoteca da Bibliote-

ca Rio-grandense fixa-nos a existência de uma no rincão do Bujuru, a 74 km de S. José do Norte. O mapa, de 1884, dá, para toda a propriedade, 7.462 hectares. No local, conhecido pelos habitantes da região como “Charqueada Velha” encontramos, parcialmente coberto pelas areias da região, a cancha charqueadora e, talvez, o único galpão charqueador ainda em pé em nosso Estado. Este, de telhas coloniais, pilares de tijolos e madeira e sem paredes, não apresenta outros traços de

63

piso que o de “'chão-batido”. A residência (ocupada) sofreu diversas reformas que

a descaracterizaram completamente. O pequeno porto encontra-se parcialmente entulhado e constitui, possivelmente, um ótimo local para um levantamento ar. queológico. Simões Lopes Neto assinala, para o “Bujuru”, uma charqueada pertencente a um “Aníbal” (n0,3:46),

Nas margens do Guaiba existiram, também, diversas charqueadas,; porém, muito mais importante eram as diversas instalações saladeiris que podemos encontrar no Jacuí. Sobre as primeiras, diz-nos Riopardense de Macedo (1968, p. 68) em seu estudo sobre as origens de Porto Alegre: “Mas, muito além das azenhas e dos moinhos de vento, outra atividade era desenvolvida em benefício do abastecimento urbano. As charqueadas, surgidas em 1780 em área que hoje compreende o município de Pelotas, por iniciativa do cearense José Pinto Martins, passam a se instalar nas proximidades de Porto Alegre. A primeira, em 1794, nas margens do Jacuí, na zona hoje ainda conhecida como Charqueada Velha, foi seguida logo depois por duas outras, uma no morro do Cristal e outra na Ponta do Dionísio.” Sobre as charqueadas do Jacuí, muitas são as referências. O próprio Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 196-7), quando de sua viagem de Porto Alegre a Rio Pardo, aponta a charqueada do “Curral Alto de S. João da Fortaleza” e diversas outras próximas ao rio Taquari. Ao longo desse também, diversas outras instalações. Arsêne Isabelle ao Rio Grande do Sul (1833-1834), detém-se sobre pois de deixar na nossa esquerda “Freguesia Nova”, “Taquari-guaçu”, rio de terceira ordem, passamos

afluente podíamos encontrar, (1946, p. 52), em sua viagem as charqueadas do Jacuí: “Devila situada na confluência do defronte das “Charqueadas”;

sobre mais de uma légua de extensão (na margem esquerda do J acuí) estão cons-

truidos muitos estabelecimentos do gênero dos ''saladeros” de Buenos Aires, mas melhor montados, aos quais juntaram a fundição de gorduras, quer dizer banhas propriamente” ditas, porque o sebo em ramo se empilha ainda nas barricas e nos couros e expede-se assim para os diversos portos do Brasil. Há nas “Charqueadas'

casas muito belas, solidamente construídas e cercadas de jardim; observei uma, sobretudo, que parecia um edifício público de tão ampla que era. Vê-se que estas usinas prosperam pela maneira por que são administradas e pela atividade reinante; havia então cinco navios carregando, podendo transportar de cinquenta a oitenta toneladas. Na época da extraordinária enchente que teve lugar em toda a província, em fins de 1833, a charqueada submergiu, causando grandes perdas; mas havia muito tempo que tal não acontecia: o terreno, por outro lado, é um pouco

mais elevado do que o dos arredores.” As charqueadas do Jacuí-Taquari formavam, junto com as de Pelotas e de Jaguarão, os três principais eixos saladeiris. Durante m uito tempo, apresentou-se a

Revolução Farroupilha, com a desordem econômica e a matança significativa de gados que a seguiu, como a responsável pela decadência da atividade nessa região. O coronel I. V. Pedernei A ras apresenta, em seu livro “Interesses Materiais da Província de S. Pedro do Sul

”, uma outra in terpretação. “O facto — diz-nos o autor (1872, p.61) — de ter coin charqueadas do Jacuy com a guerra civil da Província, que du cidido a extinção das rou cerca de 10 annos,

64

leva muita gente a pensar que a imigração da indústria para as margens do S. Ram

calo foi effeito da mesma guerra. É completo engano.” Pederneiras já havia dado antes:

A explicação, o corone

“Quaes as causas destes males que tão fatalmen-

te affectarão e affectão a porção mais importante, mais productora da Provincia?

É uma única — a difficuldade de comunicar com a barra — e esta provém da estreiteza, das sinuosidades e do pouco fundo do canal conhecido, na Lagoa dos Patos,

com o nome de Cangussú, De facto, sendo a carne secca genero que muito se deteriora com a baldeação, os charqueadores do Jacuhy tinhão que embarcal-a em navios de porte tal, que podessem seguidamente transpôr a barra e demandar os portos de seu destino. Ora os navios deste porte não podem calar menos de 14 palmos rasoavelmente, e o canal do Cangussú raras vezes tem este fundo.” Arsêne Isabelle (1946, p.75) já tinha comentado esta mesma dificuldade: “A navegação é fácil na * lagoa dos Patos”, porque mesmo os barcos muito carregados não tiram mais de dez pés de água. Aparecem, algumas vezes, barcos de duzentas toneladas, mas são forçados a esperar as altas marés para navegar sem obstácu-

los.”

Paulo Xavier, em seu artigo “Charqueadas do Vale do Jacuí” (Suplemento Rural do Correio do Povo. 7.9.1978, p. 5), sintetiza as origens históricas deste pólo charqueador. “Mas foi a partir de 1753, com a penetração dos demarcadores do Tratado de Madrid pelo vale do Jacuí logo seguidos de povoadores, até Rio Pardo, que começa uma nova área de charqueadas. Seu desenvolvimento e bons resultados

garantiram o enriquecimento dos estancieiros e a grandeza material de um centro urbano como Rio Pardo, além de outros menores como S. Amaro e Triunfo.” Esta situação de desenvolvimento, como já vimos, não renascerá nos anos

posteriores à Revolução Farroupilha. No mesmo artigo, Paulo Xavier apresenta dois documentos que falam com claridade desta situação de decadência. “Terminada a luta o governo distribuiu um questionário estatístico como de avalia-

ção dos estragos da guerra. A Câmara de Triunfo respondeu ao presidente da Pro-

víncia, dando-nos decisivas provas das alterações sofridas no. processo econômico. O Município de Triunfo — dizem os vereadores —, que outrora foi rico e florescente, tem, visivelmente, decaído porque, constituída sua maior riqueza na criação de gado e no estabelecimento de fábricas de charqueadas a peste aniquilou há anos aquele ...”* Este documento, que se encontra em nosso Arquivo Histórico, era datado de 31.8.1853, Um ano depois, a mesma câmara reafirma estas informações: ““A principal indústria deste município é a pastoril” — diziam neste documento, e ajuntavam: “A indústria que outrora tornou importante este município foi a da fábrica de charque, mas tendo Já infelizmente decaído há alguns anos, está hoje completa-

mente amesquinhada e parece condicionada a continuado regresso pelo distante em a se acham as fábricas da barra da Província, por onde devem exportar seus proutos. O fato de que o charque de Pelotas alcançava Rio Grande em poucas horas e o do Jacuí podia demorar até um mês, será uma das razões da decadência da atividade nessa região. Sofrendo o produto brasileiro — como veremos mais tarde —

dura concorrência do congênere uruguaio, uma desvan tagem como essa, era fatal. A

65

época do charque do Jacuí-Taquari deixa, porém, uma lembrança no topônimo da cidade de “Charqueadas”; ali podemos, ainda hoje, encontrar os restos fossilizados dos animais abatidos e pouquíssimas pedras e tijolos das antigas instalações. Es. tes foram aproveitados, há alguns anos, pelas populações marginalizadas, para a construção de algumas casas. Temos, também, para outras regiões, referências esparsas que nos indicam que, em uma outra época, teriam existido ali, uma ou mais Char queadas, Es. tas, no entanto, não desempenharam um importante papel como as acima analisadas (Rio Grande, Chasqueiro, Piratini, etc.)

3.

O Processo Técnico-Produtivo segundo Louis Couty

Chamado pelo Governo Imperial para dar um curso de Bio logia Industrial, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, chega, em 1878, ao Brasil, o cidadão francês

Louis Couty (1854-1884), que assumirá, logo após; a direção do laboratório de Fisiologia do Museu Nacional. A pedido do Governo, Cou ty empreende alguns estudos, entre eles: “Le maté et les conserves de viande. Rap port à S.E. le Ministre de

[Agriculture

et du Commerce sur la mission dans les provinces du Paraná, Rio Grande et les Etats du Sud, par le Docteur Lou is Couty. Rio de Janeiro, 1880,” Trata-se da melhor análise crítica que conhecemos sobre a charqueada escravista. Para escrever esse trabalho, Couty visita c estuda, det idamente, em

1880, nove charqueadas em Pelotas, duas na Argentina e cinco no Urugua i (Barreto, 1973, p. 381). Apesar de Couty se referir fundamentalmente às cha rqueadas de Pelotas e,

entre elas, possivelmente

às mais importantes, basearemo-nos, essencialmente, na

sua obra para fixar o nível técnico produtivo geral da cha rqueada gaúcha antes da Abolição. Isso porque as nossas charqueadas dessa época ou assemelhavam-se às oficinas de Pelotas ou trabalhavam a um nível já supera do pela indústria daquela cidade (Ver, mais adiante, a descrição de Nicolau Dreys). Resumindo parte do trabalho de Couty, teríamos o seguinte como processo técnico-produtivo: depois. de S a 20 dias de marcha, as tropas chegavam a Pelotas

para serem negociadas na “Tablada”: nessa vasta planície, a dois quilômetros da cidade,

eram examinadas pelos charqueadores e seus peões. Efetuadas as transações, os animais eram levados e guardados nas “mangu eiras” das charqueadas; no dia seguinte, iniciavam-se as operações propriamente dita s. | Destas grandes mangueiras, em pequenos grupos de 30 a 60 animais, a tropa passava para a “mangueira” de matança e, dali , em grupos ainda menores, para O

“curro ou brete”. Este, de reduzidas dimensões, tinha o piso inclinado e revestido de tijolos ou de madeira, o que desestabiliza o animal na direção ideal, Toda essa

movimentação era, possivelmente, feita, ade

O é em trabalhos congêneres,

por homens a cavalo, na mangueira, e/ou a “pt”, nos cos tados exteriores da “mangueira de matança” ou “brete Na extremidade

”.

do “brete”, o “ laçador”, sobre uma plataforma de madeira,

laçava pelas guampas um animal. 0 | aço, atado a uma polia manejada por dois ho-

66

mens, ou passando por uma roldana e atado a um cavalo montado ou a uma parelha de bois, arrastava o animal até o fim do “brete”. O animal encontrava-se, agora, sobre um pequeno vagão de madeira, com rodas de ferro, ao nível do solo: a “zorra”. O “matador”

trabalhador fazia esse tra-

ou “desnucador” (às vezes o mesmo

balho é o de laçador) abatia a besta atingindo-a com um estilete de ferro na nuca?!.

Levantando-se horizontalmente a “porteira” de saída do “brete”, o animal Havia pasa”. nch “ca a a par ado ort nsp tra era ” rra “zo a re sob que havia caído sado não mais de dois ou três minutos. A “zorra”, puxada por alguns trabalhadores, corria sobre trilhos de ferro. A “cancha” era o coração da charqueada, nela atuavam os mais destros trabalhadores. Tratava-se de um piso retangular de cimento alisado, não maior do que um salão de uns 30 metros quadrados; era levemente enclinado e contornado por pequenas canaletas. Todo o conjunto era protegido por um galpão aberto e coberto de telhas. Os trilhos da zorra, que passavam ao lado da cancha ou a cortavam pelo meio, possibilitava que os animais, retirados do veículo por dois homens ou pelo laço de um cavaleiro, caíssem diretamente sob as mãos dos 'charqueadores”.

Na “cancha”, o animal, que começa a ser trabalhado pela cabeça, perde imedia-

tamente o seu couro. É nesse momento que o “charqueador” poderá sangrá-lo com

um golpe no coração. Toda a operação dura alguns minutos. Passa-se à divisão do animal em diversos pedaços. Os quatro membros são retirados e suspendidos, em um galpão vizinho, sobre as “tendidas; as “mantas”, os “lombos”, as “costeletas” e os “pescoços” são, também, separados. A “manta” e os “membros” são levados para um galpão adjacente; a cabeças-as

vísceras, o tronco, etc. são retirados, rapidamente,

para fora da “cancha”. Em

minutos, o animal está em pedaços e recomeça-se a operação sobre um outro. É nes-

se ponto que se subdividem as operações. No galpão, as carnes dos membros são separadas dos ossos e divididas em dois pedaços. Junto com as outras, servirão de matéria-prima para o “charque”. Os ossos, as vísceras, a cabeça, o espinhaço, etc. serão utilizados na produção de “cinzas”, “sebo”, “praxa”, etc.

O início da produção direta do charque começa com o ato de charquear as

cames, ou seja, uniformizá-las em pedaços de igual espessura. Esse trabalho é feito

dependurando-se os pedaços de came pela metade, em barras de madeira. Nessa

posição, dois “charqueadores”, um de cada lado, retalham-na até que tome uma espessura regular (em torno de 1,5 cm). Em seguida, efetua-se diversas incisões

profundas

e paralelas, de 5 a 15 cm: é a “laniage”, que permitirá que o sal penetre,

mais profundamente, as carnes. Inicia-se, entao, a salgação. As carnes são transportadas para mesas especiais

onde serão recobertas e impregnadas de sal. A seguir, são levadas para as “pilhas”. 21

Na verdade a operação

: conhecida na campanha

como

'desnucar', caracteriza a ruptura

do feixe nervoso da medula ao nível do bulbo, impedindo a “transmissão de qualquer co-

mando muscular do animal.” (XAVIER,

Paulo, 1976, p. 22).

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il PT)

“Podendo conter uma pilha a cane de 100 bois, e uma outra a de 1 200, compre. ende-se que suas dimensões podem ser muito variáveis. Eis aqui, por exemplo.. as proporções de uma pilha de 200 bois, tomadas na charqueada do Sr. Rasg ade, em Pelotas: 5,50 m de comprimento, 3,50 m. de largura, 80 cm de altura nas bordas, 1,30 m, no meio.”" (Couty, 1880, p. 100). O processo de “empilhamento” era feito sob a proteção de galpões. As carnes, colocadas

umas

sobre as outras, recebiam

camadas intermediárias de sal. Os tra-

balhadores, caminhando sobre as “pilhas”, arrumavam as carnes com as mãos ou

instrumentos de ferro; se a pilha não fosse suficientemente alta ao ponto de permi-

tir uma boa compressão e secagem das carnes, colocava-se pesos de madeira ou pedra sobre elas. À carne

ficava empilhada

dois dias (em média) para ser, então, exposta, caso

isso fosse possível. Se o mau tempo conspirasse contra a operação, aumentava-se o

sal e as pilhas esperavam pelo bom tempo: com este, a came era retirada da pilha e passada pela salmoura (para perder as partículas mais grossas de sal). Somente. então, é colocada sobre os “varais” que eram longas varas de madeira que corriam paralelas a 150 cm do solo.

As cames, estendidas sobre os varais, ficarão prontas em questão de uns 5 ou 6 dias. À noite, para que não fossem atingidas pelo orvalho, eram empilhadas em pequenos montículos (“burras”) sobre os varais e recobertas. No dia seguinte. a face exposta ao sol será a que repousava, anteriormente, sobre o varal. Terminado esse passo, a came será separada e empilhada, esperando o definitivo embarque. O charque estava feito. O charque não constituía o único produto de uma charqueada. O couro,

por exemplo, era uma outra mercadoria de igual importância. Imediatamente após ser separado da carcaça do animal, começava a ser trabalhado por dois operá-

rios que o limpavam de toda partícula de carne ou graxa que ainda pudesse conter. Em seguida, era mergulhado por 24 horas em um “tanque” contendo uma salmoura já usada. para que,

Retirado

do tanque, era dobrado em dois, de tal forma que o pélo ficasse

o lado de fora; empilhado nas “barracas do couro”, recebia, como o charcamadas de sal. Em 5 ou 6 dias, estavam prontos para ser transportados

para os navios, onde eram novamente empilhados, e, novamente, recebiam novas camadas de sal.

Um outro subproduto era a cinza. Esta era produzida pela combustão dos ossos dos. animais que eram queimados nas caldeiras das “graxeiras”. Guardada, era vendida na Europa como adubo. Na verdade, pouca coisa se perdia em uma :

z

charqueada moderna.

;

I

As línguas podiam ser salgadas ou até transformadas em con-

servas. Com os “pés”, fazia-se óleo de “mocotó”, etc.

Certos ossos, a cabeça, o coração, algumas vísceras, etc. servia m para a produção das graxas” e dos “sebos”. Essa produção, feita nas gra xeiras (que, em geral, encon

travam-se algo afastadas do corpo central da ch arqueada ), era bastante complexa. . Utilizava-se caldeiras que forneciam o vapor que cozia, em grandes ou pe-

68

quenas

ra altu de ros met 5 a 4 ar anç alc iam pod as cub s Essa . itos detr s ele cubas, aqu

e conter os restos de 200 animais. Eram de madeira e reforçadas com ferro.

Como podemos ver, o processo técnico-produtivo de uma charqueada, que esboçamos em seus traços mais gerais, era extremamente complexo. Eram necessárias as lação mais variadas operações para a produção de diversas mercadorias. Da articu dessas operações, do aproveitamento exaustivo da matéria-prima dependiam a proà dutividade de um estabelecimento. Esse processo técnico-produtivo, assim como própria utilização intensiva da matéria-prima, não se estrutura de um dia para º de toda uma evolução histórica que se inicia, como Já outro; fora o produto vimos, com a própria chegada dos lusitanos às nossas terras. 4.

A Evolução Histórica da Charqueada

A evolução da charqueada, até o nível técnico-produtivo descrito por Couty, foi um processo extremamente lento; lembremo-nos que os primeiros animais caçados nos primórdios da Colônia do Sacramento foram abatidos a tiros! (Monteiro, 1937, p. 117). Os “cortadores”, com suas lanças em meia-lua, já constituíam uma importante evolução técnica em relação ao nível produtivo anterior. Paralelo à evolução histórica da charqueada gaúcha, corria a dos “saladeros uruguaios. Pedro Seoane (1928, p. 92) sintetiza-nos os primeiros tempos desta ati-

vidade na Banda Oriental. Primeiro se caçava o animal pelo couro, sebo e língua. Mais tarde, a carne começa a ter valor “ ... a mediados del siglo XVIII, empezó una nueva industria para el Uruguay, por cierto muy productiva y fuente de ingentes ingresos durante mucho tiempo: la industria del tasajo. Ya no se tiraba la carne, sino que se le salaba, se le secaba, en una palabra, se le elaboraba y luego se le exportaba En los principios de esta industria, no existían esta-

en forma de carne conservada.

blecimientos saladeriles, propiamente dicho, pues, no habían corrales de encierre, playas de matanza, galpones cobiertos para manipulación y estacionamiento de productos, etc., sino que todo se hacía en forma primitiva y a campo abierto, en lu-

gares donde la abundancia de haciendas y los medios de transporte facilitaban la obtención económica del producto; el ganado se cazaba, empleando con este fin, el sistema llamado de * manguera ”, que consistia en perseguirlo hasta encajonarlo en la orilla de algún arroyo o riachuelo, donde los * cortadores * que eran de una destreza probervial, los “desgarretaban”, empleando para ello una especia de media

luna enastada a lo largo de una caria tacuara . “Este sistema de trabajo ha hecho que, en muchas partes del país, quedaron recuerdos de esas empresas coloniales, pues, los nombres de los arroyos Pando, Solís, Maldonado, Garzón, Rocha, San Carlos, Povón, José Ignácio, Cufré, etc., etc., no son sino los nombres de los dueiios de faenas más o menos importantes de esa cpoca, quienes a manera de hombres célebres * legaron ? sus nombres a los parajes, en quese se establecieron. “En esta forma, se fué desarrolando la industria saladeril — si es que asi puede llamársele a lo que se hacia en esa época — hasta que mas tarde, allá por elafio 1755 S e formaliz| aron algunas de las exploraci|ones exisi tentes, seiialando una nueva etapa en la vida de esa clase de actividades.”

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O primeiro “saladero fotmalmente organizado”, no Rio da Prata, foi, no enta n-

to, o de Francisco Medina. E característico que seu empreendimento Seja contem-

porâneo ao de José Pinto Martins. Em 1787, Medina compra campos em Colla , nas cercanias da Colônia do Sacramento, e ali estabelece seu saladeiro. Montoya (1970

p. 25) descreve barro ellas, mesas en la

o estabelecimento. “Dos flamantes construcciones de Iadrillo y

con techo de tejuelas constituían el obraje para la salazón. En uma de que media 60 varas de largo por 13 de ancho y que estaba provista de ocho de piedra y diez tinas para la salmuera se elaboraban las carnes: mi entras que otra se efectuaban los trabajos de toneleria.

“El el puerto del Sauce, sobre el Río de la Plata, en la desembocadura del

arroyo Rosario se levantaban almacenes para guardar la sal y los barriles de carne.

“El personal de la estancia y del saladero incluía los peones,capat aces, toneleros, etc., y dieciséis negros esclavos, así discriminados: doce hombres cuyas edades

oscilaban entre los 30 y 40 afios, dos mujeres de 42 afios, y dos meno res, uno de ellos mulato, de 15 y 17 afios.

“La estancia contaba, em 1788, con una existencia de alrededor de 25,000 cabezas de ganado vacuno, 2.000 caballos mansos, y cien buyes.” O “charqueiro” histórico, no Rio Grande do Sul » foi, também , inicialmente, um ato extremamente artesanal, fortuito. Os animais eram abatidos em campo aberto, seus couros estaqueados em declive, a Ss carnes trat adas com pouquíssimo sal. Somente mais tarde, surgirão as primeir as instalações fixas, onde se trabalhará sobre o chão batido ou sobre couros curtid os. Os rústicos galpões cobertos de palha, os trabalhadores (peões, índios semi-e scravizados, escravos africanos) que podiam executar, sem dificuldades, todos os atos da produç ão, falam-nos do pouco desenvolvido que era o nível produtivo de então. A cam e, a língua, o couro, um pouco de sebo e de graxa, era tudo o que se aproveita va; o resto, ia fora. Com o começo da exportação sistemática do charque avoluma-se a produção ,cr iam-se mercados

seguros, pode-se aproveitar melhor a matéria-prima. Será nesse contexto que surgirão as primeiras “canchas” de tijolo, os primeiros caldeirões de ferro, etc. Com

a reconquista do porto de Rio Grande, com o afl uxo de tropas roubadas aos castelhanos??, a charqueada vai evoluir rap idamente. Saint-Hilaire (1974, p. 67), que visita

Pelotas em

1821, Já descreve os varais, o galpão d'água, o tanque da salmoura, » et etc. da cha rqueada de Gonçalves Chaves. Dezessete

anos mais tarde, Nicolau Dreys refere-se 22

Arsêne Isabelle (1946, p. 85) registra com lucidez o si gnificado que teve para a indústria saladeiril gaúcha as operações “militares” rio-granden ses na Banda Oriental. “Os brasil eiros roubaram da Banda Oriental, durante a ocu pação injusta do territ ório dessa república, por suas tropas, mais de 4 000 000 de cabeças de gado, que eles introduziram na provincia do

Rio Grande

como

o comprovam

os registros da fronteira. Eis, a esse respeito, dois

fatos curiosos: antes de 1817, a “Capitania Geral” do Rio Grande, pertencente ao Brasil, não tinha

senão

treze

estabelecimentos

saladeiros

(charqueadas"),

e agora ela possui

mais de 200!...”. Registre-se, também, o exagero na quantificação das char queadas gáuchas

em que cai Arsêne Isabelle.

70

queada gaúcha, permitindo que se aprecie o nível de desenvolvimento que ela já época em que alcançava, nos começos do século XIX. Tudo leva a crer que, na r se Dreys levantava o material para a sua “Notícia Descritiva”, o ato de charquea encontrava em plena revolução técnico-produtiva.

Segundo Dreys (1961, p. 133) ainda se matava o gado em forma extremamen-

te artesanal. “ ... na campanha de Montevidéu, e mesmo nas charqueadas límitrofes na província do Rio Grande, os peões montam a cavalo; um deles estimula o animal recolhido num curral aberto agitando ante seus olhos o * ponche colorado ', e quando o novilho exasperado lança-se afinal sobre o agressor e entra a persegui-lo, outro peão, armado de uma lança comprida, cujo ferro tem o feitio de meia lua, corde atrás ir para cai que logo o ndodona aban te, jarre o -lhe corta e boi re atrás do um camarada outro boi preliminarmente excitado pelos mesmos meios; entretanto, ou um negro escravo toma conta do animal caído, e sangra-o ... . Havia, também, outras formas rudimentares de matar os animais. “Em outras

charqueadas do Rio Grande, um peão a cavalo laça um novilho no curral; se o boi laçado corre sobre o cavaleiro, este corre adiante e sai com ele para o campo aberto; se o boi resiste, o peão arrasta-o, e em todos os casos chega um instante em que o boi faz força sobre o laço para se livrar; este instante é aproveitado por outro peão que lhe corta com a faca a articulação das pernas. Caindo, desembaraçam-lhe a cabeça do laço que a segurava e acabam de o matar.”:(Dreys, 1961, p. 134) Estes métodos, assistemáticos, começavam, no entanto, a ser ultrapassados. O mesmo processo descrito por Couty para o abate do animal já era conhecido. *... hoje em dia, nas charqueadas as mais bem organizadas, matam-se os bois por um método mais expedito, mais seguro e menos cruel. O gado fechado no curral é impelido na direção de dois corredores separados um do outro por uma espécie de esplanada levantada a sete ou oito palmos do solo; um peão, de pé em cima dela, lança no boi que aparece nesses corredores um laço cuja extremidade está atada, fo-

ra do recinto, num cabrestante posto em movimento por uma roda de * ferralho' (trinqueta) manejada por dois negros: quando o boi, puxado pelo laço, chega a encontrar-se com a cêrca contra a qual a cabeça se acha comprimida, uma pessoa (ordinariamente um capataz) que o espera exteriormente, introduz-lhe a ponta da faca nas primeiras clavículas cerebrais, donde resulta ficar o boi instantaneamente

privado de movimentos ...” (Dreys, 1961, p. 134). A única diferença era a substituição da zorra por um guindaste. “... nesse estado

— segue Dreys

—, um guindaste, rodando sobre seu eixo, eleva o animal asfi-

xiado para fora do curral por cima do cercado, e o transporta para debaixo de um

telheiro, sobre um lajedo disposto em segmento de esfera, onde se sangra, sem que,

graças à disposição bem entendida do lugar, a operação deixe depois quase vestígios nenhuns.”

As restantes operações assemelhavam-se às descritas por Couty. Remarque-se

que se aproveita já racionalmente o sal, utilizando-o reiteradas

vezes. “Retalhado

O boi, levam-se as * mantas ” (assim se chamam as partes musculares) para o * salgadeiro ”, e não há nada mais guarnecido de todos os lados, até mesmo no chão, de folhas de Butiá que escondem o hediondo da morte ... Depois de salgada, a carne

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empilha-se ali mesmo para se lhe extrair a umidade, a qual corre com o sal derretido e supéríluo num reservatório inferior onde se lançam subsequentemente as costelas, as línguas e as outras partes que se quer conservar na salmoira.” Dreys (1961, p. 135) descreve, também, os varais, as pilhas, a “corrida”, “Es. gotada que seja, a carne é levada do salgadeiro para os “ varais ”, assim se denomina

uma

grande extensão de terreno plantado de espeques arruados, de 4 a 5 palmos de

altura, atravessados por varas compridas em que se sustentam as * mantas” para secarem-se pela ação do sol e dos ventos; quando se receia alguma chuva repentina, o toque de uma campainha chama, para os varais, todos os negros da charqueada,

e cousa curiosa é ver como num instante a carne amontoada por porções nos mesmos varais se acha escondida debaixo de couros que não permitem o menor acesso às águas do céu. Estando a carne perfeitamente seca, é disposta em forma de

grandes cubos oblongos assentados num chão artificial, levantado de três a quatro palmos, para dar passagem ao ar; nesse estado, cobrem-na ainda de couro para esperar o embarque.”

O sebo, a graxa, o couro, eram também, aproveitados, porém, a um nível inferior ao dos últimos anos da charqueada escravista. “Os ossos, a cabeça e as extremidades

tutano,à

são

metidos

numa

caldeira

fervendo,

preparação da graxa que se encerra

para

servirem,

com

os miolos

e o

depois na bexiga e nos grossos in-

testinos para ser entregue ao comércio. O paritônio, o epiploon e outras partes cebáceas, são socadas para comporem uns pães de cebo grosseiros que se vendem nesse estado. O couro estaca-se no chão para secar, dando-se-lhe o competente declívio para deixar correr as águas; do modo de o estacar, dobrar e conservar depende seu preço no mercado. (Dreys, 1961, p. 135). O fim do charqueiro artesanal e o começo de uma prática “industrial” sistemática criam as condições para que os charqueadores tomem consciência de sua existência como uma classe específica, com objetivos e necessidades específicos. Isto permitirá, também, melhores condições institucionais para a prática desta ativida-

de. Um documento, datado de 1805, publicado por Walter Spalding (1943, p. 137)

em seu artigo “Pecuária, Charque e Charqueadores no Rio Grande do Sul”, explicitanos essa realidade. Esse documento é assinado por 15 charqueadores e comerciantes interessados neste artigo. “Senhores do Senado. Dizem os Comerciantes, e Fazendeiros interessados nas

Carnificinas de que abunda esta Província, e de que nela se faz o artigo principal,

o maior de todo o Comércio, que tendo a experiência de sucessivos, € continuados

annos mostrado, que sua perda eminente, irreparável, e sucessiva, que tem experi-

mentado os fatores, e contractantes das Carnes secas salgadas, que desta mesma Província se exportam, efetiva e anualmente para todos os Portos do Brasil compreendidos desde Ilha de Santa Catarina ou de Pernambuco, tem tido e continuam a ter sua principal origem na irregularidade, e multiplicidade, com que diaria, mensal, e anualmente se fabricam as mesmas Carnes, sem escolha de tempo de estação própria, e de suficientes gados, de que vem a resultar ser indivisível a profusão que nos

referidos Portos se ajunta do sobre-dito genero de Carne seca salgada, confundindose a sua boa com a pessima, e má qualidade, vindo por este modo à perder a boa es-

ja,

timação no preço, € à ruim a alcançá-lo tal, que huns e outros preçec vem a mais das vezes a não produzir rendimento. .........cccccccscstanacmeners qa

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mera providencia com as comunicações,. que parecerem adequadas, que nenhuma sepessoa de qualquer qualidade, foro ou condição que seja possa fabricar Carnes

ano. ... cada de julho a o janeir de ive inclus meses seis de prazo do fora as salgad cas

Desta Praça do Riodge, só se assignão para se principiar a charquear no princio. da Sa. pio de dezembro Os seguintes: o Fazendeiro FrancO. Marques Lxà. Franc Carvo. de Rodr. o Albin l Manoe Lima, Vieira José Braga. Va. o. Franc João Sunção. Cardoso da José Roiz Martinz. Antonio Roiz Barbosa. Nicolau Cosme do Reis. João ga. 1805. José Duarte Nunes. Thomaz Felis de Aquino. Carlos Cosme de Rs. Antonio de Sá Ar. Serafim da Sà. Ferra. Jozé Carneiro Geraldez. Reconheço verdadeiras catorze assignaturas acima, não incluindo neste número a de Serafim da Silva Ferio reira pr. não ter dela conhecimento. Porto Alegre, 24 de 7bro. de 1805 ... Anton Mel. de Jezuz . : Andre. (Gratis).”

73

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IV A CHARQUEA DA l.

E O ESCRAVISM O

A Charqueada e o Escravismo

Com a consolidação da produção saladeiril, nos últimos vinte anos do século XVIII, por primeira vez sc cstruturará no Sul um modo de pro dução efetivamente escravista. O escravo já havia sido empregado na plantação, mas não em form a exclusiva. Ao seu lado, podia trabaltrar seu dono, os filhos deste últi mo. Encontrávamos plantadores com mais de um escravo, outros sem nenhum. Os próprios produtos plantados no Sul, o trigo, a mandioca, o feijão, etc., não se adaptavam à plantação colonial. À pequena c média exploração ou a cultura de subsistência sempre foram preponderantes. Na fazenda não ocorria distinto. Ela conheceu, em maior ou menor número, escravos, mas não um modo de produção esqavista. A tropeada, assim como a inicial exploração das manadas sulinas, esteve também esse ncial mente assentada sobre a mão-de-obra livre.

A charqueada, nos quadros do Brasil colonial, trabalhará, porém como veremos, com a mão-de-obra negra. Atividade manufatureira de grande porte, trabalhando para um mercado em expansão, com instalações e capitais de giro relativamente significativos, oprimida pelas limitações de uma produção sazonal, vivia a charqueada da possibilidade de extração crescente de trabalho excedente. Efetivamente, o ritmo de produção dessa indústria era infernal. Herbert H. Smith, que visitou, em 1882, Pelotas, fala-nos da intensidade da atividade saladeiril “Há um não sei que de revoltante e ao mesmo tempo cativador nestes grandes matadouros; os trabalhadores negros, semi-nus, escorrendo sangue; Os animais que lutam, os soalhos e sarjetas correndo rubros, os feitores estólidos, vigiando imóveis sessenta

mortos por hora, os montes de cares frescas descorando, o vapor assobiando das caldeiras, a confusão, que entretanto é ordem; tudo isto combina-se para formar

uma pintura tão peregrina e hórrida quanto pode caber na imaginação. De toda esta carnificina derivou a riqueza de Pelotas...” (Em Cardoso, 1977: 136).

Apesar da impossibilidade de ascender à terra, o livre-pobre — como já vimos —

não tinha por que submeter a esse tipo de trabalho. Os hori zontes livres, o contrabando, a economia de subsistência, ou, até mesmo, a vida de vag abundo parecerlhes-iam muito mais promissores. O processo que enquadra , inexoravelmente, a 74

COLOcharqueada nos marcos da produção servil, era PRÓPRIO DA SOCIEDADE

NIAL. Não existia no “mercado” mão-de-obra livre que aceitasse submeter-se a essa única solurealidade. Assim sendo, o trabalho compulsório — a escravidão — era a ção para obter-se trabalhador. É extremamente difícil definir com precisão o caráter dos trabalhadores das primeiras charqueadas. Possivelmente, foram uma mescla de peões, escravos aíricanos e indígenas semi-escravizados. Com a estratificação da produção saladeiril, O problema desaparece. Todos os relatos e documentos convergem: O escravo africano era a mão-de-obra central nessa produção. O trabalho livre reduzia-se, frequentemente, às tarefas de administração e de controle e, mais tarde, às tarefas mais complexas (caldeiras, movimento de máquinas, etc.). O famoso Pinto Martins já tinha trabalhando em sua charqueada, “20 escravos distribuídos, segundo sua atividade, em campeiros, carneadores, salgadores, sebeiros, graxeiros e mais 14 com ofícios fora da área da charqueada” (Xavier, 1976). Es& situação não havia mudado quase cem anos depois. Couty (1880) falando das charqueadas pelotenses afirmava: “.... as boas charqueadas de Pelotas tem de 60a 90

escravos; todas possuem, por outro lado, alguns trabalhadores livres.”

A exigência de escravos para as charqueadas vai terminar, efetivamente, criando grandes concentrações de homens escravizados nas regiões que se dedicam privilegiadamente a essa atividade. São Francisco de Paula (futura Pelotas), terá, em

por exemplo (Camargo, 1868):

homens livres de todas as cores:

indígenas:

1814,

944

105

1.226

escravos:

Dezenove anos mais tarde, em 1833, um “Mappa de São Francisco de Paula, e seu termo”, já nos apresenta um significativo crescimento da massa escrava. 3599 180 1,136

brasileiros livres: índios: libertos:

escravos:

5.169?

Jaguarão, outro centro charqueador, não fica atrás. Um levantamento demográfico do mesmo ano dá-nos.

homens livres (brancos):

2.856

80 2:54. 1*º

homens livres (negros): escravos: 23 24

” A: AHRGS. Papéis da “Câmara Municipal de Pelotas”. Fardo, 1833.

AHRES,

s = e Papéis da “Câmara Municipal de Jaguarão”.

Fardo, 1833.

15

Estes escravos, concentrados principalmente nos pólos charqueadores, eram, também, diga-se de passagem, uma eterna preocupação para a classe senhorial. Não

era raro ler-se nos papéis da época o temor de que esses escravos, devido à proximidade em que se encontravam, pudessem insurrecionar-se. Sobre isso falaremos mais tarde. Neste contexto, não é necessário dizer que se forma, nestas regiões, rígidas sociedades escravocratas. Em Pelotas, Jaguarão, Rio Pardo, etc., teremos opulenta

classe de senhores-de-escravos vivendo, diretamente, do trabalho negro e comprometida com o escravismo. O nível de refinamento dos senhores das charqueadas aproximava-se dos seus “congéneres” sulinos norte-americanos. Ivete Massot (1974, p. 53) reconstitui-nos uma festa na charqueada da Graça, da família de Simões Lopes Neto. Estamos no mês de julho de 1865, o tempo é frio. A Charqueada prepara-se

para uma festa. Ao lado, corre tranquilo o Pelotas, via de transporte e comunicação entre as diversas unidades saladeiris. “As carretas que iam chegando

acomodavam-se em círculo. Estes eram os vizinhos que iam assistir o maravilhoso espetáculo, cooperando para a grandeza da festa com a apresentação de grupos regionalistas de cantores, poetas-improvisadores, sanfoneiros e dançadores. Quando o

Visconde via que já estavam todos os convivas acomodados em bancos e cadeiras que circundavam o campestre, pedia aos sanfoneiros para alegrarem o ambiente, e os jovens, de xiripás, longas cabeleiras presas com vinchas, ostentando a prataria das guaiacas, entravam no campo com formosas prendas, de bandós ou tranças enredi-

lhadas de flores, dando início às graciosas danças da Província. Nos intervalos das

danças, nos quais predominavam o Pericón e o Balaio, havia o desafio, dois-a-dois, acompanhados de gaita, com versos improvisados, brejeiros e trocistas, que provocavam aplausos, gritos, risos e uma algazarra feliz. Quando paravam os pajadores, romplam o espaço os sons magistrais da banda de música composta de 12 escravos, todos de uniforme de flanela vermelha e galões dourados.” Por mais de um século, a classe econômica relativamente mais dinâmica da Província, os charqueadores, vive da exploração direta do trabalho escravo. A partir da charqueada, por outro lado, constitui-se. toda uma trama de interesses econômico

«a charqueada

devia ser

abastecida; seus produtos vendidos, transportados,

etc.) A produção escravista toma, então, um caráter extremamente importante nessas regiões. Apesar disso, nossa historiografia quase desconhece o escravismo sulino e não assinala sua importância na nossa formação histórica, Grande parte desse desconhecimento deve-se a uma visão ideológica do nosso

passado. Como já vimos, negando-se o escravismo, nega-se o escravo e o senhor-de-

escravo.

Diluise

a contradição fundamental que rege toda uma etapa de nos-

sa história, e, assim, todo um rico passado de lutas sociais.

Criase,

então, lu-

gar para o mito da “democracia gaúcha”, da luta libertária dos farrapos, do “gaú-

cho”como célula “'mater”” de nossa formação regional. “Estudando a existência do gaúcho — escreve Jorge Salis Goulart (A Formação do Rio Grande do Sul. Globo, Porto Alegre, 1933. p. 37) — não descobrimos classes intransponíveis por qualquer preconceito ou interesse. Surge apenas, nessa época embrionária da nossa formação,

76

uma indiferenciação de classes sociais; como que se nota uma classe única, a dos gaúchos (igual sempre, quer se trate de ricos ou de pobres, pelo garbo dos gestos, pelo amor da guerra, pelo gosto das aventuras) constantemente preocupada com

galhardia do * perigo”, feliz na roda amistosa do * chimarrão |, entre relatos guer-

reiros ou façanhas de rodeio...” Parte desse desconhecimento se explica devido a essa visão apologética, mas não todo. O problema é mais complexo. A diluição do papel do charqueador em nossa historiografia deve-se, também, à impossibilidade que ele teve. como classe, de assumir uma posição claramente hegemônica, a nível regional. A situação econômico-social do charqueador, por exemplo, nunca se aproximou da dos senhores-

de- engenho ou da dos fazendeiros do café.

A charqueada foi próspera, mas viveu em uma crise permanente. Como veremos, o charqueador era homem de posses, expandia os seus negócios, mas sua em-

presa, a charqueada, nunca alcançou a elevar-se ao nível de grande empresa .Poderia-

mos dizer que a charqueada gaúcha vivia, estruturalmente, inibida. O charque podia ser a origem de uma grande fortuna, mas o processo de acumulação e reprodução ampliada interna a essa atividade era impossível acima de certo nivel. Esta talvez

seja a “tragédia” da classe charqueadora. Se a isso juntamos a séria concorrência que lhe fazia o “saladero” uruguaio mais produtivo, e o número relativamente limitado de charqueadas “modernas” (possivelmente nunca ultrapassaram a meia centena), podemos compreender a importância relativa da classe charqueadora e sua diluição

diante dos criadores, talvez não tão ricos, mas significativamente mais numerosos. Trataremos disto mais detidamente nas próximas páginas. Podemos, porém, avançar que essa “inibição” parece explicar-se a partir da “teoria do capitalismo incompleto”. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso

(1977, p. 184) faz, magistralmente, a crítica do escravismo gaúcho a partir dessa

ótica. Metodologicamente, esclarece-nos: “... o trabalho escravo numa economia capitalista (a escravidão moderna) apresenta-se como uma contradição em si mesmo quando o sistema capitalista em que ela se insere tende ao crescimento. As tensões criadas por este tipo de organização do trabalho não conduzem à supressão do sistema capitalista; colocam apenas o problema do término da escravidão como requisito para a formação plena do sistema mercantil-industrial capitalista. o desen-

volvimento das forças produtivas, nestas condições, coloca a possibilidade da supressão pura e simples do sistema escravista, que passa a apresentar-se como um obstáculo para o desenvolvimento do capitalismo”. Nesse sentido, a inibição da indústria charqueadora escravista gaúcha se expli-

caria pela sua impossibilidade de desenvolver-se (como modo de produção capitalista) trabalhando com a mão-de-obra escrava. O fato é que essa explicação nos coloca um problema teórico ainda mais grave, Para ter validade científica, teríamos que aceitar ter sido a charqueada regida por um modo de produção capitalista. À crítica da concepção de um regime de produção capitalista funcionando com

O trabalho negro já foi feita?*. A estrutra escravista da produção saladeiril gaúcha

25

Ver: GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. Ob. cit., cap. XV. Dualismo. integracionismo c outras interpretações. p. 302-317.

Ph

é um fato objetivo indiscutível; não se trata, portanto, de um “capitalismo incom-

pleto”. Sendo o escravismo hegemônico nesse complexo produtivo, e não podendo

ele “completar-se” plenamente devido às peculiaridades da charqueada, seria melhor falar de um “escravismo incompleto”.

A indústria do charque, como veremos, não se adequava, como a plantagem, ao trabalho escravo. Essa inadequação materializava-se somente devido à existência de uma produção congênere trabalhando com a mão-de-obra livre e competindo estrei-

tamente pelo mesmo mercado. Vejamos portanto a economia interna da charqueada.

2.

As Limitações da Charqueada Chaves.

Escravista.e a Crítica de Antônio Gonçalves

O estudo da economia política do escravismo é uma prática recente no Brasil; até algumas décadas atrás, pouco conhecíamos sobre o assunto. Nesse cont exto, não é difícil compreender o porquê da dificuldade de estruturar uma crítica histórica da produção saladeiril e do escravismo gaúcho. Isso, também, impediu a devida valoração da obra do lusitano Antônio

Gonçalves Chaves que, possivelmente, articulou

uma das primeiras críticas radicais do escravismo, no Brasil. O estudo da obra desse conhecido charqueador permitir-nos-á, melhor do que nada, explicitar as limit ações de uma charqueada trabalhando com a mão-de-obra negra. As cinco “Memórias Ecônomo-Políticas sobre a Administração Públi ca do Brasil”?º são já bem conhecidas da historiografia brasileira, tendo merecido três edições. Nessa obra, a “Terceira Memória”, o “Discurso — Escrito em 18] 7, demonstrando os terríveis inconvenientes do sistema de escravidão e necessidade absoluta em que estamos de vedar a introdução de mais escravos no Brasil “ não parece ter sido valorizada até agora em sua devida importância. Pode constituir, como já afirmamos, uma das primeiras críticas radicais do escravis mo no Brasil.

Nessa obra, melhor do que em qualquer outro libelo contra o trabalho negro ,

ataca-se a escravidão como sistema político econômico. O escravis mo é abordado, diriamos hoje, como modo de produção. A critica de Chaves ao trabalho escravo não se limita às piegas e hipócritas la-

mentações

26

que

então

lançava-se contra a interiorização do trabalho escravizado.

Memórias Ecônomo-Políticas, Sobre à administração pública do Brasi l. Cinco memórias. lã, Sobre a Necessidade de abolir os capitães-gerais : 22, Sobre as municipalidades, compre-

endendo a união do Brasil com Portugal: 34, Sobre a escravatura; 44, Sobre a distribuição das terras incultas; 54, Sobre a Província do Rio Grande de São Pedro em particular. 12.

edição: Rio de Janeiro, Silva Porto, 1823; 2a. edição: RIHGRGS nº. 6-7 (1922):3-185 , Com notas de J. B, Hafkemeyer; 34, edição: Porto Alegre, CUSG, 1978 . Fixação de texto Moacyr Domingues; pref. Sérgio da Costa Franco,

78

Estas, fundamentalmente, dedicavam-se a fustigar os “abusos” da violência exercida sobre os escravos, a resgatar em algo a “humanidade” do homem escravizado, reconhemas terminavam, sempre, inevitavelmente, implícita ou explicitamente, , cendo como economicamente inevitável a utilização do trabalho escravizado. Eram as r plina disci ar, aliz norm am urav proc que ” stas ormi “ref rsos nesse sentido, discu relações escravo-senhor e defender, assim o essencial: a manutenção do regime

escravista como forma social de produção. Estes

discursos,

clássicos

no

século

XVIII,

definem

a estrutura ideológica

viam alternão que riais senho es class das ivas objet ades ssid nece as e a desta époc uma ou-

, anuncia nativa ao escravismo. À crítica de Gonçalves Chaves, efetivamente do traa moni hege a e terra Ingla na trial Indus o luçã Revo da nto adve tra época: o

balho assalariado e das relações capitalistas de produção. A crítica de Jorge Benci S. J. (1977) e André João Antonil (1976), para citar Esses dois aus. ante marc plos exem são afia, riogr histo nossa de as ecid conh mais as

ibes contra o sofridiatr ntas viole am ntar leva I, XVII o sécul do tores do começo 62), que não faltam aos p. 7, (197 i Benc diz há, s hore “Sen vos. escra dos o ment

mais serve escravos com a ração quotidiana; mas esta é tão limitada e escassa, que para que não morram à fome do que para que sustentem à vida.” fazer Os senhoava cur pro só Ele . ano eng ao r leva deve nos não ci Ben de obra A s entre eles e seus ívei poss ções rela es hor mel às que m ere end pre com vos cra -es -de res ão. Nesse contexto, duç pro a para ões diç con es hor mel as iam der pon res cor , avos escr gênero huo do sen e “Qu o. idã rav esc a ndo ica tif jus e min ter que har ran est de é não e cativeiro, mano livre por natureza ... chegasse grande parte dele a cair na servidão ado orificando uns senhores e outros servos, foi sem dúvida um dos efeitos do pec ginal de nossos primeiros pais Adão e Eva... (1977, p. 41). Antonil era ainda mais “pragmático”: “Aos feitores de nenhuma maneira se deve consentir o dar couces, principalmente nas barrigas das mulheres que andam pejadas, nem dar com pau nos escravos, porque na cólera se não medem os golpes, como agree podem ferir mortalmente na cabeça a um escravo .. Pois, um escravo, A ga Antonil (1976, p. 84), “ ... vale muito dinheiro Para os dois sacerdotes, o castigo, a tortura, é um “dever” do senhor. “Prender

os fugitivos e os que brigaram com feridas ou se embebedaram, para que o senhor

os mande castigar como merecem, é diligência digna de louvor.” (Antonil, 1976, p. 84). Chaves volta-se contra o escravismo tomando este como “modo de produção. Não

quer reformar

abusos, melhorar

a sorte dos escravos, pregar O paternalismo.

Quer extirpar o trabalho negro, acabá-lo como organização social de trabalho. Sua

crítica não é “moral”, “humanitária”, é uma fria e arguta análise econômico-social,

Surge ele como um homem que, apesar de isolado do “mundo das idéias” de então,

soube apartar-se dos .eus interesses materiais imediatos e analisar as limitações es-

ra a que o escravismo levava a economia brasileira e, em especial, a indústria o charque.

19

A.

Antônio José Gonçalves Chaves, Abastado Escravista

Seria contraditório, a uma primeira vista, partir para a análise da obra de Chaves tomando como base sua situação de classe. Esse português de Vila Verde de Ou. ro, Comarca Chaves, era na realidade um abastado charqueador nas margens do ar-.

roio Pelotas. Era, portanto, um importante senhor-de-escravos. Gonçalves era homem de avultadas “fazendas” e destacado líder político de sua classe. Integrará o primeiro Conselho Geral da Província que se instala em dezem-

bro de 1828, e, alguns anos depois, será, também, vereador da câmara municipal da vila de Pelotas. Em 1835, será eleito deputado da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, obtendo 136 votos. Será o segundo deputado mais votado. Meses mais tarde, Chaves será eleito vice-presidente dessa Assembléia (Hafkemeyer, 1922). Não era, portanto, um “reformista sectário” que, marginalizado ou marginalizando-se de sua classe e sociedade, levanta contra ela suas idéias e teorias. Senhor-de-escravos, desempenhou em Pelotas, sociedade de senhores-de-escravos, destacado papel. É nessa região, como já vimos, que se encontravam as mais impor-

tantes charqueadas gaúchas e a mais refinada sociedade escravista.

Auguste de Saint-Hilaire (1974, p. 73) deixa-nos uma interessante descrição sobre a atividade charqueadora da região; hospedando-se na residência de Chaves, traça um marcante retrato do lusitano. Sobre as condições de trabalho nas char-

queadas, diz duras palavras: “Nas xarqueadas os negros são tratados com rudeza.” Acerca de Chaves, afirma ter ele começado como “'caixeiro” e que possuía na época fortuna em torno aos 600 mil francos. Chaves era, segundo o naturalista, “ho-

mem culto, sabendo o latim, o francês, com leituras de história natural”. Nada disso lhe livrava do hábito de falar “aos seus escravos com exagerada severidade”. (SaintHilaire, 1974, p.67e 73).

Saint-Hilaire

(1974,

p. 73) diz que Chaves,

tido como um

“dos xarquea-

dores mais humanos”, não deixava de tratar duramente seus escravos. E, então, que

descreve a situação de um “muleque” escravo: “Há sempre na sala um pequeno

negro de 10 a 12 anos. cuja função é ir chamar os outros escravos, servir água e prestar pequenos serviços caseiros. Não conheço criatura mais infeliz que essa criança.

Nunca se encostado chega-lhe dormir."'

assenta, jamais sorri, em tempo algum brinca! Passa a vida tristemente à parede e é frequentemente maltratado pelos filhos do dono. À noite O sono, e, quando não há ninguém na sala, cai de joelhos para poder Não devemos, no entanto, julgar mal Chaves: “Não é esta casa, ajun-

ta o naturalista francês, a única que usa esse impiedoso em outras.”

B.

sistema:

ele é frequente

Antônio José Gonçalves Chaves e o Escravismo. Chaves

tano diante

não era um

humanitário. Poderíamos

arriscar que

a posição do lusi-

da “miséria humana” do escravo acercar-se-ia da geral dos homens

“cultos” do seu tempo. Estes constatavam a violência das condições de vida e traba-

lho do escravo produtivo. Porém, viam essa situação como inevitável, e, racionali80

zando-a, absorviam-na como parte de uma ordem de coisas eterna e imutável. Algo como a doença, desagradável, indesejável, mas natural. Chaves (1978, p. 60) compreendia, porém, a escravidão como um sistema ecoar nômico prejudicial aos interesses materiais que defendia. E nesse sentido sua lapid

combater afirmação: “ ... esforçar-me-ei, portanto, quanto em mim estiver, por

de quano desassisado sistema da escravatura no Brasil; sem parar na óbvia reflexão to é escandaloso à religião de Jesus Cristo e natural, por ser isto um ponto reconhecido por todo o mundo. TRATAREI UNICAMENTE DE QUANTO E PREJUDICIAL AO ESTADO,” (Destacamos). parte Para o lusitano, a escravidão é um sistema social específico, e a violência, critiintegrante, necessária e inseparável desse sistema. Não aceita o escravismo, cando, hipocritamente, a violência necessária para a sua manutenção. Integra-a ao escravismo e, depois de assim o fazer, rejeita a essência mesmo do trabalho escravo como algo anacrônico, vencido pela modernidade de uma nova relação social

& produção: o trabalho assalariado.

Tudo isso parece simplismos, lembremo-nos, porém, que estamos em 1817,e o escravismo será defendido pelas principais autoridades políticas, religiosas e militares da Nação por ainda mais 70 anos. Referindo-se a Rainal que, partindo da premissa de que cada “nação euro-

péia tem seu modo particular de tratar os escravos”, afirmava que os portugueses faziam deles “instrumento de seus deboches”, Chaves (1978, p. 71) ressalva não saber “em que pode este escritor fundar a distinção destes tratamentos diversos ... e A relação senhor-escravo, segundo o autor, não era determinada pelas particularidades do “caráter nacional” daquele — escândalo, diria o nosso Gilberto Freyre — mas sim pelas “circunstâncias” em que se estabeleciam estas relações. O determinante são as próprias relações sociais e materiais de produção e, diante de situações semelhantes, encontraríamos, seja qual for a nacionalidade do senhor, semelhantes condições de tratamento do trabalhador negro. “Concedamos, sim, que nós trata-

mos mal os escravos — afirma Chaves —; mas tanto não cremos: que isso seja devido a nosso caráter nacional que não admitimos eles fossem MAIS BEM TRATADOS

POR OUTRA QUALQUER NAÇÃO QUE ESTIVESSE EM NOSSAS CIRCUNS-

TÂNCIAS ...” (Destacamos). A violência, no escravismo (o castigo, as condições de vida, etc.), integra-se, assim, como um elemento constituinte indispensável às próprias relações que regem o trabalho escravizado. Um século e meio mais tarde, Jacob Gorender (1978, p. 70) descreve esta situação. “O escravo é inimigo visceral do trabalho, uma vez

que neste se manifesta totalmente sua condição unilateral de coisa apropriada,

de instrumento animado. A reação ao trabalho é a reação da humanidade do escra-

vo à coisificação.” O castigo, “direito privado do senhor”, era então aplicado “no dia-a-dia comum, sem intermediação da autoridade pública, pois doutra forma, o funcionamento da economia escravista ficaria irremediavelmente emperrado.”*

Chaves (1978, p. 59) desqualifica o escravismo como forma social de produção

ideal para o Brasil de 1817; é, pois, consciente das profundas transformações econômico-sociais em que vivia o seu mundo. “Não posso — diz ele — de forma alguma

81

divisar a menor vantagem para as nações modernas por via da escravidão Entra, então, a criticar o escravismo a nível macro e micro-econômico. Destaca

que

uma

13 nas

das características 'anti-econômicas” do escravismo é à de

transformar o produtor direto em um mau trabalhador e em um “consumidor 1rresponsável”. “O escravo — diz um economista — consome o mais que pode e trabalha o menos que pode”.” A essa constatação — conhecida de todo senhor-de-escra-

vos — Chaves (1978, p. 60 e 61) não agrega uma explicação racista ou pueril. Para

o.charqueador, a falta de produtividade do trabalho escravo é produto das próprias relações sociais de produção. “E esta uma verdade que não precisa ser demonstrada:

o escravo, que por modo algum pode esperar prêmios do seu trabalho, interessa-se

em consumir e em não trabalhar. Tal é efetivamente a sua indigência corporal e espiritual que jamais pode ter faculdades para dirigir bem o trabalho de que é encarregado, mas ainda quando alguma entidade estranha lhe subministrasse idéias para este fim, ele, que não tem interesses por não esperar recompensa, não se aproveita

dela.” O escravismo, que impede a constituição de uma classe de trabalhadores capazes de uma vida produtiva complexa e responsável, impede, também, a própria re-

produção natural da mão-de-obra necessária à produção. Chaves, mais uma vez, vai à raiz do problema. Ao senhor-de-escravos, enquanto existissem escravos “novos”?7 a baixo preço no mercado, era antieconômico criar as condições que permitissem a reprodução natural do “plantel”. “O senhor — diz Chaves (1978, p. 61) — não quer que o escravo case porque o incomoda com isso e acontece também não ter fundos para comprar-lhes mulher, ao mesmo tempo que é inconciliável casá-lo fora de casa. Os senhores de grandes

fazendas, como lhes é FÁCIL OBTER ESCRAVOS ROBUSTOS POR POUCO DI-

NHEIRO, não tratam da tardia procriação, que não vale (segundo a frase de muitos) a pena de cuidar de crianças; e se chegam a consentir alguns casais, não prestam às ditas crianças os necessários socorros, pelo que morrem à míngua.” (Destacamos).

27

As condições e intensidade do trabalho no escravismo colonial brasileiro faziam com que o

escravo produtivo tivesse um periodo de “vida útil” extremamente baixo. Ele era, no geral, para um escravo assenzalado, algo em torno a 10 anos (para os primeiros 50 anos do século XIX). A substituição da mão-de-obra fazia-se com a compra incessante de escravos “novos”, isto é, recém-chegados da África. Este braço robusto, sadio, arrancado há pouco tempo do continente africano, era preferido, nas duras tarefas, aos escravos “ladinos” ou

“crioulos”, Ladinos eram os escravos nascidos no continente negro, mas já há

algum tempo no Brasil. Falavam, portanto, português e conheciam, geralmente, alguma profissão. Os escravos “crioulos”, como diz o nome, eram os nascidos no Brasil. O preço,

a saúde mais precária, assim como a maior facilidade para a fuga ou a revolta destes últimos, determinavam que os escravos “novos” fossem utilizados, preferencialmente, para O trabalho pesado, A dificuldade, o risco e o custo da “criação” de crianças para serem utili-

zadas mais tarde como escravos levavam

os senhores-de-escravos à optarem pela contínua

compra de escravos recém-chegados. Havia uma absoluta despreocupação com a infernal paç p mortalidade infantil da senzala,

.

82

gran da e Part es. Chav a enci conv não tas avis escr dos ico nôm eco ulo cálc Este deza de seu pensamento econômico foi compreender — ainda que algo confusamente — o infernal do comércio triangular escravista que, trocando na costa da África manufaturas de baixo valor por homens escravizados e estes por grandes quantida&s de produtos coloniais, deixava ao senhor-de escravos muita ilusão de riqueza, mas muito pouco do que era produzido em terras americanas. Referindo-se aos se-

Décio Freitas nhores-de-escravos da Bahia, no começo do século XIX, escreve com a (1976, p. 12): “A soberba categoria social dos senhores de engenho obtinha

do capital e venda das suas safras um magro lucro que mal chegava a 5% do valor século XVIII, do fins de s uguê port ta omis econ um u tato cons ndo segu , lucro esse dee vestuário “ de ordinárioé todo consumido e esgotado no trabamento, sustento cente da família dos proprietários e senhorios de engenho”.” limA dificuldade que o escravismo determinava à acumulação no Brasil será

pidamente explicitada. “Mais de duzentas embarcações, equipadas dos melhores sarinheiros, dão entrada nos diferentes portos do Brasil

destas desgraçadas

vítimas; e se calcularmos bem

anualmente, carregadas

a grande porção de cultivadores

opedos gêneros que trocamos por eles, construtores e outros artistas que podiam sem luiremos rar trabalho muito mais útil e adequado às nossas circunstâncias, conc hesitar que este comércio é para nós antes prejudicial do que útil.” (Chaves, 1978, p.61).

A escravatura também exigia, explicava Chaves (1978, p. 62), uma descomensurável força de controle. “Muitos homens vêm de Portugal com intuito de melhorar de fortuna no Brasil, mas sofrem cá o grande inconveniente dos recrutamentos, pela incessante necessidade em que sempre estamos de soldados, pois ainda quando não temos guerra com os estrangeiros nós a temos de fato com três quartos de nossa população.” Como sabemos, em todas as sociedades onde se vive um regime social baseado na extração de excedente e apropriação não-social deste, existe a negessidade de investir na organização de aparatos improdutivos que garantam, direta ou indireta-

mente, a manutenção e a reprodução das estruturas sociais vigentes e o bom funcionamento

do processo produtivo. Estes aparatos, OU corpos sociais, na sociedade

escravista do Império, serão os capitães-de-mato, os feitores, a Guarda Nacional,

as forças policiais, o Exército, etc. Estas estruturas intervirão, diretamente, no controle e organização da produção

ou servirão como garantia de defesa e manutenção do “status quo” quando este

entrar em crise. Para o primeiro caso, encontraremos uma verdadeira multidão de

feitores e capatazes; para o segundo, a Guarda Nacional e, menos frequentemente, O Exército. Essa divisão, no entanto, não é rígida. Teremos capitães-de-mato ou feitores participando de expedições contra escravos aquilombados; não é raro ver a Guarda Nacional caçando escravos fugidos.

No referente à manutenção do regime social e produtivo, o escravismo requeria forças coercitivas significativamente superiores às exigidas por um regime de traba-

lho assalariado. A só ilusão de que o produtor direto não recebe remuneração alguma por seu trabalho quando é escravo e que recebe a totalidade quando é assalaria-

do, determina que o trabalho assalariado gere relações sociais extremamente mais estáveis de que o trabalho escravizado. 83

O nosso charqueador (1978, p. 60) detém-se, também, sobre a impossibilidade do convívio entre o trabalhador livre e o escravo no processo produtivo. A identifi.

cação entre a sujeição pessoal e o ato produtivo é, certamente, apresentada como mais um subproduto da organização social escravista. “Como há de um homem livre associar-se na cultura da terra ou em outro qualquer ramo de trabalho com um

homem cativo, se imediatamente todo o mundo o considera o mais desgraçado de todos os homens com este labéu — “anda trabalhando junto com os negros” e mesmo todos têm para si que com isso perdem de sua dignidade e brio?” A inevitável desqualificação social do trabalho diante da sociedade impedia o ingresso substantivo de homens livres-pobres na produção. Esses, para o fazerem, teriam que se adaptar, no geral, ao rítmo produtivo e às condições de trabalho a que estava submetido o escravo. Embora suas remunerações pudessem ser superiores à que recebia o escravo (sob a forma de gastos de manutenção), pois, no seu caso, o senhor não era obrigado à “inversão inicial”, elas seriam ainda muito baixas. São as condições sociais do trabalhador hegemônico (o escravo) e esta remuneração insignificante, que se sintetizam na visão da perda da “dignidade e o brio” que teme o homem livre-pobre. O escravo não era somente um mau produtor. O próprio fato objetivo de ser escravo — ligado a um mesmo senhor — impedia-lhe a especialização técnica. Se bem

que o “escravo artífice”, trabalhando como “escravo-de-ganho”'2º ou “escravo-dealuguel”?? — tendia a minorar essa realidade, o escravismo dificultava a especialização do trabalhador. “Nada pode cooperar mais eficazmente para os trabalhos produtivos de uma nação do que a subdivisão do mesmo trabalho. No Brasil, aonde o alfaiate se muda para sapateiro; onde (digo) o escravo é ao mesmo tempo lacaio, boleeiro ou carpinteiro, visto que as precisões dos senhores são absolutas dispensadoras do gênio do escravo; como poderá haver subdivisão do trabalho”? (Chaves, 69) p. , 1978 C.

Antônio José Gonçalves Chaves e a Abolição

Para Chaves (1978, p. 62) é imprescindível a abolição da escravatura e a plena vigência do trabalho assalariado; mas, nessa pregação, não cai ele, como muitos futuros abolicionistas, na visão racista que acredita ser o escravo negro incapaz de 28

Escravos de “ganho” eram aqueles que os senhores dedicavam a uma ocupação qualquer,

exigindo-lhes uma renda monetária. Eles deviam procurar mercado para seus produtos ou serviços e tinham o direito de guardar o que ganhassem acima da quantia exigida pelo se-

nhor. Podiam

com 29

morar na casa senhorial ou não

a totalidade dos gastos com

va liberdade de locomoção.

e, muitas vezes, eram

obrigados a arcar

sua própria manu tenção, Geralmente, gozavam de relati-

Era bastante difundido, nos séculos XVIII e XIX, o hábito senhorial de viver de aluguel do

trabalho de alguns escravos. Assim,o senhor não explorava o trabalho do escravo, mas alu-

gava-o a outro senhor. Poderíamos encontrar, nestes casos, desde amas-de-leite até escra-

vos-novos trabalhando na mineração ou em obras públicas.

esor had bal tra do da vin a o ári ess nec É do. ria ala sransformar-se em trabalhador ass iais vi-

ose das relações soc trangeiro, mas, O fundamental, é uma radical metamorf muitas pessoas), se não gentes. “Como se há de passar no Brasil sem escravos (dizem

um ano, por , gue alu se em qu er hav de há mo co Mas ? ado cri por gue alu há quem se o um

mês

ou um

dia, se quem

assim poderia negociar seu trabalho se acha alugad

REMPTÓRIA LI. PE SE AIR NF CO e! dad rni ete a um por tes den cen des s seu com DOS NOS PREIA CR S TO AN QU S MO RE TE GO LO E S VO TI CA BERDADE AOS LMENTE UA AD GR E E AD RD BE LI L UA AD GR S CISARMOS; CONFIRA-SE-LHE E. (DestacaCI PÉ ES A DA TO DE S RE DO HA AL AB TR E TEREMOS CRIADOS mos). , Chaves será, tamcos íti pol os jet pro dos no pla No ão. liç abo à o ári ess E nec a pepõe pro não ia viv que em ade ied soc a ta con em o bém, um precursor. Tomand errupção total do trásugere a int remptória liberdade” que, possivelmente, desejava; . Sugere, também, 73) p. 8, 197 s, ave (Ch re” Liv tre Ven do i “Le de ma fico e uma for a liberdade para todos e s” ica róp ant fil es açõ oci ass por s ivo cat s “do o çã pa ci a eman anos. os oriundos de cativos quando completassem vinte e cinco é lutar por ves Cha de to en am ns pe do s ima últ s gen ori as r de en re mp co “Procurar

do Sul. de an Gr Rio l do cia -so ico nôm eco ão aç rm fo da ica lóg a pri pró na ar etr pen e no fato de a primeira tentativa, parece-nos fundamental centrar a anális

Para um earqu cha o, tud de es ant s, ade vid ati as mer inú de m me ho de sar ape , que Chaves era noeco des ida ess nec s sua , de ade vid ati ta ca des íti -cr ico tór o his açã sec dis a dor. Sera-d mou, que podeor nf co o que gic oló ide e co íti o pol nd mu ocr mi do as, tiv bje o-o mic . remos fixar e compreender o verdadeiro sentido do pensamento de Chaves ional e a mônico a nível nac ge he o ism rav esc um re ent e ent lat ão diç tra con A dafun pro a min ter a, ist rav esc dro qua te nes a cid nas atividade charqueadora, que, mente envolvida por ele, explicar-nos-á o que

parece inexplicável: um senhor-de-

escravos anti-escravista. Ao charqueador sul-brasileiro, o escravismo era, antes de tudo, um entrave à sua produção.

A produção saladeiril, definitivamente, não se enquadrava, como a plantagem, ao trabalho escravo. Tinha já uma limitante inicial: indústria sazonal, ocupava uma importante mão-de-obra que só era utilizada durante parte do ano (dezembro a fins de junho). A obrigação de calcular as necessidades do plantel escravista e, portanto, a aquisição de escravos, pelas exigências máximas dos momentos de auge produtivo era, também, uma outra limitante (isso levava a uma subutilização estrutural da mão-de-obra). À inadequação do trabalho compulsório a uma atividade que exigia uma cooperação complexa (a charqueada era uma verdadeira indústria manu

fatureira), completava o quadro crítico que constituía num contexto de trabalho escravista.

a indústria do charque

3.

A Charqueada: da Prática Artesanal à Indústria Manufatureira. As Limitações da Charqueada Escravista.

|

Já nos referimos à importante evolução das instalações e do ato produtivo da

indústria charqueadora. Resumindo, poderíamos dizer que essa evolução foi um

85

NRSE

É PES ali

Ê

l

lento processo no qual cada etapa era o ponto de partida de um novo avanço, É assim que saltaremos do chão batido ao “tapete de couro”, deste até as canchas de

tijolos e, finalmente, aos elegantes pisos de cimento alisado. Os “cortadores” serão

substituídos por tropeiros que levam os animais até refinados bretes, currais e mangueiras, onde são mortos e transportados, mecanicamente, até as canchas. Veremos, então, surgir, em plena vigência da escravatura no Brasil, o impressionante comple-

xo que significou a charqueada moderna, com suas “canchas”



E

E

Varais

,

LE

:

graxei-

ras”, “tanques”, “galpões”, “pilhas”, “bretes”, etc. A grande revolução técnica efetua-se, porém, ao nível da segmentação do ato produtivo direto. O surgimento do “desnucador”, dos “zorreiros”, dos “coleiros”, dos “charqueadores”, etc. será a objetivação do fim da antiga prática artesa2

E

nal. Esta, sob o calor da grande produção, desmembra-se num leque de práticas distintas e específicas que se identificarão com o seu executante. Esse processo de segmentação do trabalho, no Brasil, só terminará bem mais tarde, com a plena vigência das relações capitalistas de produção e trabalho assalariado; no que se refere ao Uruguai, em meados do século XIX, já tinha alcançado sua plenitude (daí, como veremos, parte da maior produtividade do “saladero” em relação à charqueada).

No apogeu deste processo, a cada especialização teremos uma remuneração distinta e poderemos encontrar, então, assalariados trabalhando por produção ou por jornada. Se bem que, nesse processo, um homem poderia, sem grande: dificuldade, desempenhar várias atividades, muitas delas requeriam uma prática e habilidade específicas, e, portanto, um longo aprendizado. Temos, então, em uma charqueada, entre outros, os capatazes (ou feitores), os sota-capatazes, os maquinistas, os foguistas, os laçadores, os desnucadores, os ZOIreiros, os coleiros, os carneadores,

os aguadeiros, os manteiros, os tripeiros,os machadeiros, os salgadores, os mergulha-

dores, os gancheadores, os tineiros, etc.

Sob o contexto da grande produção, o produtor direto pode, agora, automatizar o seu ato, praticá-lo à exaustão, viver todas as vantagens da cooperação complexa na produção. E esta ordenação do ato produtivo, exigida e permitida pela atividade'em grande escala, que definirá a combinação quantitativa ideal entre os diversos segmentos da produção. O saladeiro Cibilis, de Montevidéu, por exemplo, que matava, nas últimas déca-

das do século XIX, em média 700 à 800 animais por dia, trabalhava com um ““laçador e um matador; três homens para os vagões (zorras); dezesseis para esfolar os couros e Separar os membros; dois homens para separar as mantas e os lados; dois

homens para transportar os membros; quatro para retirar a carne; três homens para retirar os ossos e transportálos para a graxeira; dois homens para limpar os couros;

dois homens

para retirar o sebo e as vísceras, dois para cortá-las e separá-las; um

para abrir a came que esfriava nas “tendidas”; dois aproximadores de carne para O

86

no balcão para charquear; cinco homens para passar a came à salmoura, salgar e em-

pilhar; quatro para ressalgar e fazer a segunda pilha; um aproximador de sal; oito

homens para levar depois da segunda pilha, etc.” (Couty, 1880, p. 136). As diversas mercadorias passam, agora, a ser o resultado do trabalho de uma um deles, em uma funcada os, izad cial espe , anais artes s dore alha trab de coletividade suas ferramentas. ção (simples ou complexa), e no conhecimento e prática de Toda essa realidade leva-nos à “economia política” da indústria manufatureira, ução em sua préprod de a alist capit esso proc o mirá assu que ca ísti cter cara forma refinadas instalações as amos tenh que a aind m, poré , Aqui al. stri Indu o Revoluçã as relações sociais de , alho trab do ica técn ão divis lexa comp uma e charqueadoras da economia monetária, da ar apes , idos sent os s todo Em s. vista escra são produção o chare, idad abil cont nada refi sua de ou l iona rnac inte ado merc produção para O

sociais de ções rela As os. crav e-es or-d senh um , ição Abol a até será, ho queador gaúc produção não serão capitalistas, mas sim, escravistas. icotécn esso proc o SSE EDI IMP que ção radi cont uma era não e tant limi Esta imerprodutivo. Podia LIMITÁ-LO, INIBI-LO, mas não o abortava. A charqueada, iosa em relações sociais escravistas hegemônicas a nível nacional, tinha que func nar baseada no braço escravo e assim o fez por longo periodo. Esta limitante, a obrigatoriedade da utilização do trabalho escravizado, podia, . Pono entanto, ser minorada recorrendo-se a medidas paliativas e a subterfúgios mais dia-se “incentivar” o escravo ocupado nos setores que exigissem um trabalho habilidoso e maior produtividade com presentes e, até mesmo, com um salário monetário. Louis Couty, por exemplo, indica-nos que diversos charqueadores pagavam um “prêmio-peça” aos escravos carneadores que ultrapassassem suas “tarefas”. À tarefa era, geralmente, de 6 a 8 animais por dia, e o prêmio-animal

de 90 centési-

mos a um franco por unidade produzida além da tarefa. Podia-se, também, com limitantes, utilizar o trabalho assalariado como uma forma subsidiária. O mesmo autor (1880, p. 144). indica-nos que os charqueadores pelotenses, que trabalhavam em grande escala, possuíam de 60 a 90 escravos, mas confiavam “a operários livres as operações mais complicadas; e, é assim que, a instalação das cubas

desde

“cambacerês”

com

vapor sob pressão,

a maioria dos

operários empregados na fabricação do sebo e das graxas eram livres e 'alugados * geralmente a tanto por mês... Assim como tentou-se também contratar carneadores entre os homens livres...” Couty esclarece-nos, porém, que a combinação de assalariados e escravos, por motivos óbvios, determinava múltiplos inconvenientes,

Esta associação, no entanto, já fora tentada, em Pelotas, com trabalhado-

res livres vindos do Uruguai. O mesmo autor (1880, p. 145) afirma-nos que “foram também bascos que se tentou, há alguns anos, trazer a Pelotas; a tentativa alcançou um éxito muito incompleto; há muito tempo que não há mais nas char“queadas um só dos operários contratados.

Simões Lopes Neto (1911, nº. 2, p. 11) — como já vimos — esclarece-nos um pouco mais sobre esta tentativa de introdução de mão-de-obra livre nas charquea-

das. Falando da charqueada fundada por Domingos de Castro Antiqueira — Viscon-

de de Jaguarão — diz: “Esta xarqueada foi a primeira onde se fez — 'xarque sistema platino”.... Os carneadores e peães eram bascos francezes mandados vir de Monte: ,

déu; havia ainda arjentinos e orientaes, além de uns trinta escravos africanos, da xarqueada, alugados. Esta iniciativa deveu-se a João Baptista Roux, francez, que pelo fim da revolução

“farroupilha”

estava em J aguarão, com sua família, donde (1 846)

regressou para o Rio Grande onde já rezidira. Relacionou-se então com o seu compatriota Eugênes Salgues, e tendo concertado trabalharem juntos, vieram a Pelotas

e arrendaram esta xarqueada, constituindo a firma Salgues

& Roux. Constata-se

assim que foi J. B.Roux o * primeiro a empregar o braço livre num meio e numa época por inteiro oposto à inovação”. Extinta a firma, J. B. Roux estabelece u então — barraca de couros, etc. — isto por 1852. E foi esta a primeira que houve na cidade. Em 1860 era vice-consul da França, onde faleceu em 1886.” Podemos, portanto, sustentar que o escravismo, como já dissemos, não impe-

dia o desenvolvimento técnico-produtivo do trabalho; somente o inibia e, assim,

baixava à produtividade da charqueada. A produtividade numa economia monetária traduz-se, em última instância, por rentabilidade. A rentabilidade é, porém, um fator econômico-social. Podemos viver numa sociedade escravista de baixa produtividade e alcançarmos uma alta rentabilidade. Se todo o processo produtivo se executa utilizando centralmen te a mão-de-obra escrava, a produtividade média desta sociedade será a média da produtividade das empresas trabalhando com o trabalho escravo. Será, portanto, neste quadro que se estruturará | a rentabilidade e a taxa de lucro de cada ramo produtivo. O problema do charque era, porém, que o produtor gaúcho sofria a concorrência de uma indústria de maior produtividade e rentabilidade: os saladeiros platinos. Estes, trabalhando, em geral, com a mesma matéria-prima, com as mesmas instalações e a mesma técnica, utilizavam no entanto O traba lho assalariado.

E fundamental para o estudo da charqueada escravista gaúcha saber com exa-

tidão o te, com referem entanto,

momento em que o saladeiro uruguaio passa a trabalhar fundamentalmentrabalho assalariado. Os estudos uruguaios sobre esta realidade quase não se a este problema; os primeiros saladeiros da Banda Oriental contaram, no com trabalhadores livres e escravos africanos. Segundo Alfredo J. Montoya

(1970, p. 25), o saladeiro de Medina (1787) contava com “peones, capataces, toneleros, etc., y dieciséis negros escravos...”. Até a definitiva decadência é abolição do escravismo no Uruguai, os saladeiros destas regiões parecem ter trabalhado com um número maior ou menor de escravos. Segundo Ema Isola (p. 321), a “ley de abolición de la esclavitud (1842), tenía por fin el conchabo de los esclavos en el ejército: no tuvo con todo, el éxito esperado, ni aún en el departamento de Montevideo, por la ocultación que se hizo de los

esclavos o por su transporte clandestino a Río Grande del Sur, sobre todo de aquel-

les que trabajaban en el campo y salazón de carne.” O escravismo no Uruguai foi sempr e, no entanto, uma

relação social de produção dependente, não dominante.

Os escravos negros dedicavam-se, principalmente, às tarefas domésticas, não produtivas. Nesse contexto, o escravo, no saladeiro, deve ter, ao contrário do Rio Gran-

de do Sul, ocupado um papel complementar e não essencial, e isto, pos sivelmente, desde as primeiras décadas do século XIX, | Isto

se devia

a diversos

fatores.

assalariado na realização de um

Além

da maior

produtividade

ato idêntico ao praticado

Pac

88

por um

do trabalho

trabalhador

escravizado,

podia o saladeiro uruguaio lançar mão

de toda uma gama de re-

por jornamunerações, combinando, em ótimas condições, o pagamento por peça, da, por equipe, etc. Podia, também, praticar uma seleção constante da mão-de-obra,

vos óbum rejuvenescimento continuo dos trabalhadores, etc. Tudo isto, por moti dor. vios, não era permitido, na mesma escala e com a mesma facilidade, ao charquea Segundo Couty (1880, p. 133), “um charqueador tendo, por exemplo, oitenta

escravos e dez operários ou empregados livres (nós veremos quais), não matará mais

o, de que 200 a 250 bois, média diária, e mais seguidamente menos; ao contrári arará 600 a prep e te, lmen faci rá mata s ário oper 180 o tend Sul, do dor quea char um 200 animais.”” Baseando-nos nestes dados, a produtividade homem do trabalhador

do saladeiro seria superior em 55 % à do trabalhador da charqueada.

A utilização do trabalho assalariado influía, também, sobre a necessária

imo-

bilização de capitais e, portanto, sobre a taxa de lucro. O empresário platino não necessitava arcar com a pesada “inversão inicial” que significava a compra do plantel, nem mesmo com o sustento deste último nos momentos de desaceleração da produção. Neste último caso, tinha sempre a alternativa de valer-se do desemprego. Esta diferença fundamental explicanos porque teremos, para uma produção de modo geral igual, 32 charqueadas médias em Pelotas, e um númerc significativamente inferior de “saladeros” no Uruguai. Estes serão, no geral, maiores que as instalações gáuchas congéneres. O escravismo e a consequente “rigidez da mão-de-obra” escrava impedia a formação de grandes instalações, como as que podíamos encontrar no Uruguai. Ali, um saladeiro com 200 a 250 operários não era raro. Imaginar uma charqueada com as mesmas proporções, devido aos motivos já analisados, era impossível. Couty (1880, p. 127), analisando este fato, afirma-nos: “. nem um só dos charqueadores de Pelotas ultrapasssa uma matança de 20 000 cabeças por ano, enquanto que

os de Fray-Bento ou de Tuyu podem ir além de 120 000...”. O escravismo, na verdade, limitava o processo de centralização e concentração de capitais que, no Uruguai, permitia a constituição de grandes empresas e o consequente aumento da taxa geral de lucro deste ramo produtivo. Tudo isto agrava ainda mais o desnível entre o “saladeiro” e a charqueada no que se refere à divisão técnica do trabalho. Elevar ao máximo a divisão técnica na produção é, como já vimos, sinônimo de maior produtividade. Trabalhando em maior escala, com maior intensidade do trabalho, o saladeiro uruguaio alcançara uma divisão técnica na produção inimaginável ao charqueador escravista:“Esta superioridade do trabalho livre demonstra-se ainda por um outro fato: isto é, pela * maior divisão do trabalho " nos saladeiros do Sul (Uruguai). É assim que, em Pelotas, é o mesmo escravo que retira o couro de um boi, separa seus membros e suas vísceras, separa a carne dos ossos, e, em seguida, a charqueia e

a lanha... Ao contrário, no Sul, cada uma das operações mais impor-

tantes é confiada a operários especiais...” (Couty, 1880, p. 135). | Neste quadro, competindo charqueada e “saladero”, lado a lado, não é difícil imaginar a origem da aversão do nosso Gonçalves Chaves ao regime escravista.

Era esta a constatação objetiva da superioridade do trabalho assalariado sobre o es-

89

cravismo. Constatação permitida pela luta pelos mercados. Em 1817, porém, esta realidade, recém se esboçava, A desvantagem do charqueador gaúcho, nesta concorrência, foi sempre patente,

Uns afirmavam que isto se devia à política fiscal, outros, à melhor matéria-prima cis.

platina, mas todos convinham em que o produto brasileiro era sempre batido, momento da venda, até mesmo sobre o território nacional.

no

O ingresso do charque uruguaio no próprio território nacion al poderia, é claro, ter sido controlado se o poder imperial tivesse levantado uma efet iva barreira à entrada do charque platino no mercado brasileiro. Esta mercadoria, por ém, além de ser fundamental alimento para as classes livres-pobres, era uma das bases da alimentação

do escravo brasileiro. O protecionismo teria levado a um enca reci-

mento da produção dos produtos minerais, do açúcar,do café, etc. com conseqiiente queda geral da taxa de lucro da classe dos senhores-de-escrav os. Como estes outros segmentos senhoriais eram os hegemônicos ao nível nacional, não é de estranhar que o produto gaúcho não tenha sofrido uma especial.e efetiva pro teção, nem mesmo no que se refere ao mercado nacional. A maior rentabilidade do saladeiro pratense devia-se, em última instância, a um único fator: a utilização do trabalho assalariado. A compreensão das limitações do escravismo diante do trabalho assalariado era, também, facilitada pelo íntimo contato em que viviam nossos charqueadores com o mundo dos negócios do “Plata”. Se bem que as ligações de Gonçalves Chaves com a “Banda Oriental” ainda estejam para ser esboçadas, assim como a posição dos charqueadores, como classe, na Revolução Farroupilha, o próprio fato de inúmeros charqueadores terem transferido, sem grandes dificuldades, suas indústrias para a baía de Montevidéu, durante este último evento, já nos explicita a íntima comunhão existente entre essas duas regiões. Gonçalves Chaves, por sua vez, também irá transferir seus interesses para o Uruguai durante a conturbada década. E é lá que morre, sendo enterrado em 178.1 837, no cemitério de Montevidéu. “Morreu afogado na baía daquela cidade a 29.7.1837, juntamente com Felizardo Rodrigues Braga e outros, em virtude do naufrágio do pequeno barco que os conduzia ao Cerro, onde estava localizada a charqueada de Chaves. O naufrágio verificou-se na imediação da ilha dos Ratos, em conseqiuência do forte temporal que então se desencadeou.” (Barreto, 1973, p. 338). Esta

trágica morte

interrompe,

assim, abruptamente, a vida do ativo lusitano

que, apesar de viver, então, no Uruguai, manterá, até o fim de seus dias, íntimos laços econômico-políticos com o mundo sulino, Nesta época, por exemplo, ocupava-se de complicadas operações com o outro lado da fronteira; operações envolvendo, também, a comercialização de diversos escravos. Domingos José de Almei-

da escreve-lhe,

a 9.8.1837,

comunicando,

entre

outros

assuntos,

que:

“Talvez

que mui breve aí nos vejamos; e nesta data expeço minhas ordens para lhe irem os escravos se bem té-los tratados a 16 pesos uns por outros, e tanto no inverno co-

mo no verão.” (AAHRS,V.

90

2.CV 221,CV 222)

4.

O Plantel dos Escravos e a Charqueada Diante das dificuldades que o escravismo determinou à charqueada gaúcha, é

necessário

explicitar

O peso

do plantel

dos escravos

no

conjunto

das inversões

de do charqueador; principalmente, devido a ser esta inversão inicial de compra para escravos” própria e específica do modo de produção escravista e determinante sua economia

política. Nesse sentido, é determinante

o esclarecimento

de Jacob

Gorender: (1978, p. 189) “O correto é concluir que o capital-dinheiro aplicado na compra do escravo se transforma em “capital esterilizado”, em capital que não concorre para a produção e deixa de ser capital. Por conseguinte cabe-nos concluir também

que

à inversão

inicial de compra

do escravo somente

pode

ser re-

cuperada pelo escravista, à custa do sobretrabalho do escravo, do seu produto a excedente”. Ela constitui um desconto inevitável da renda ou do que se chamari de lucro do escravista.” Para O presente estudo, deveríamos contar com elementos empíricos que nos de permitissem acompanhar o preço dos escravos, das instalações e dos terrenos ecidas uma charqueada ao longo de várias décadas. A insuficiência das fontes conh anto, enqu por r, enta cont nos mos Deve . unda prof nto, enta no é, nio domí este sobre O aproximacom o material disponível; tenhamos, portanto, sempre presente, tivo e as limitações destes primeiros resultados. O material mais importante com que contamos é o edital publicado na Atalaia do Sul”, de 5 de novembro de 1868 (Jaguarão). Trata-se da venda pública de uma charqueada de Santa Izabel. O importante é que esta fonte nos define com claridade o capital total que um investidor deveria desembolsar — e sua composição— para apropriar-se de uma charqueada nas margens do São Gonçalo. “Editaes. O doutor Antonio José Guimarães Júnior juiz municipal e do commércio deste termo Faço saber aos que o presente edital virem que por este juizo tem de serem arrematados por quem mais der e maior lance offerecer, no dia 26 do corrente mez as 10 horas da manhã, na povoação de Santa Izabel, os bens que forão penhorados a Manoel Antonio Lopes e sua mulher por execução e por que lhe movem Duarte Souza, Krannichfeldt & Cia. cujos bens e sua avaliação são os seguintes: — Uma xarqueada com duas casa de moradia, graixeira, barraca de couros, galpão de xarquear, armazens, senzala, hospital, “casa de capataz e de caixeiros,

com todo o terreno respectivo por 18:000$ 000. rs. Um terreno contigio ao da mes-

ma xarqueada e próximo da povoação de Santa Izabel, por 2.0008$000 rs. Um escravo de nome João Cabinda, com 38 annos, por 1:3008$000 rs. Um dito de nome Damião, de nação, com 40 annos, por 1:300$000 rs.

91

Um dito de nome Clemente, pardo, com 40 annos, por 1:3008000 rs. Idem, Luiz, sapateiro, com 35 annos, por 1:0008000 rs. Idem, Francisco Mina, com 49 annos, por 1:000$ 000 rs.

Idem, Antonio, Carpinteiro, com 40 annos, por 1:2008000 rs.

Idem, Germano de nação, com 40 annos, por 1:0008$ 000 rs. Idem, Fabião, crioulo, com 30 annos de idade, por 1:100$000 rs.

Uma escrava de nome Honoria, crioula, com 22 annos por 1:2008000 rs.

Um escravo de nome Manoel Maceio cabra, com 48 annos, por 8008000 rs. Um dito de nome Raymundo, crioulo, com 41 annos por 8008000 rs. Idem de nome João Paty, com 40 annos de idade por 1:0008000 rs. Idem, Manoel, crioulo, com 34 annos, por 1:000$000 rs. Idem, Vicente, de nação, com 55 annós, por 4008000 rs.

Idem, Manoel Pinguinha, com 35 annos de idade, por 1:1008000 rs.

Idem, Rodolpho, de nação, com 50 annos por 4008000 rs.

Idem, Marcos, com 65 annos, por 2508000 rs. Idem, Antonio Braz, com 45 annos, por 5008000 rs. Idem, Balbina, parda, com 35 annos, por 1:200$ 000 rs.

Idem, Miguel, de nação, com 35 annos, por 1:1008000 rs. Idem, Antonio, de nação, com 32 annos, por 1:2008000 rs. Idem, Manoel Mina, com 50 annos, por 1:000$ 000 rs.

Dezenove cavallos a três mil réis cada um e todos por 578000 rs. Vinte e cinco éguas a dois mil réis cada uma e todas por 508 000 rs. Somando tudo em quarenta e um contos quinhentos e trinta e sete mil réis. Devendo os ditos bens serem arrematados por quem mais der e maior lance offerecer, no dia, hora e lugar acima indicados. E para que chegue a notícia de todos

mando ao porteiro que affixe o presente edital no lugar mais público, passando a respectiva certidão, e que se publique pela imprensa, Cidade de Jaguarão, 5 de novembro de 1868. Eu João da Silva Vieira Braga escrivão que o subscrevi — Antonio José Affonso Guimarães Junior. V.S.S. Ex-Causa . Affonso Guimarães Junior.” Temos a soma de 41.357$000 rs.?º que pode subdividir-se da seguinte maneira:

Instalações charqueadoras: (graxeira, barraca de couros, galpão de charquear, armazéns, senzalas, hospital) e residências ( capataz e dos caixeiros):

30

92

18:000$ 000 rs.

Existe uma pequena diferença entre nossa soma e à do edital (41:537$000 rs.) Pensamos

que se deve a uma inversão dos algarismos “5” e “7”,

Um terreno contígio a charqueada:

2:0008 000 rs. 21:2508000 rs.

2.2 escravos: 100 animais (cavalares):

10758000 rs. 41.3575000 rs.

total:

ão o peso do Devido à falta de especificação é difícil calcular com mais precis ainst , seja ou a, ead rqu cha da is gera ” ões laç sta “in às ção rela em os rav esc de plantel icont no rre “te O . ivo dut pro so ces pro o com ta dire o exã con com enos lações e terr tanto, para gúo”, por exemplo, pode tratar-se da “magueira grande ” (necessária, por assim o trataremos. ulo, cálc de to efei Para . os) gad che émrec s mai ani dos to ósi dep o às instalações proAs duas casas, por outro lado, não pertencem, em caso nenhum, dutivas. Descontamos 15 % sobre o primeiro valor (18:000$000 — 2:7005000 rs.) anuma tentativa de correção aproximativa. Os animais eram possivelmente empreg dos no movimento das tropas a abater; os incorporamos, portanto, ao complexo produtivo. Teríamos assim:

Terreno:

Instalações produtivas: Animais cavalares:

2-0008000 rs.

15:3008000 rs. 1075000 rs.

Total:

17.4075000 rs.

Escravos:

21.2505000 rs.

TOTAL GERAL:

38.6578000 rs.

Para os dados que temos e esta região, o capital “esterilizado” na compra de

escravos significaria quase 55% das inversões necessárias para a instalação de uma charqueada escravista em Santa Izabel. Somos obrigados, no entanto, a tecer algumas considerações em tomo destes números. Inicialmente, é necessário destacar que estamos em 1868, dezoito anos depois do fim do tráfico internacional de escravos. Os preços do escravo sobem, então, a níveis nunca antes alcançados. Porém, O que parece relativizar sobremaneira os resultados alcançados é o pequeno número de escravos que se encontra à venda. Uma charqueada “modema”, como já vimos, contava com 60 a 80

escravos; esta

não tem mais do que 21 escravos,

93

A declaração de Domingos José de Almeida, charqueador em Pelotas, sobre Os escravos que possuía e empregava na sua charqueada, apresenta-nos, por exemplo, um número superior de escravos: “Ilmo. Sr. Juiz Municipal e de Direito in. terino. Diz Domingos José de Almeida que, em virtude do disposto no Decreto de 21 de setembro de 1841, quer justificar perante V.Sa. em como antes e depois do movimento de 20 de setembro de 1835 possuía os oitenta e quatro escravos constantes da relação junta por ele firmada, e individualmente conhecidos pelos Capitães Joaquim da Costa Braga e Miguel Antonio de Magalhães, que oferece por testemunhas por o conhecimento que de tais escravos tiveram quando capatazes da charqueada do Suplicante...” (AAHRGS, v.3, 1978, cv.628). Neste documento, assinado em Alegrete, aos 24 de janeiro de 1843, encontra-se

escravos com suas respectivas ocupações. escravos e suas “profissões”. Esta síntese é a seguinte: “Recapitulação

Traz ele também

uma

a lista dos 84

síntese destes

24 carneadores

6 15 4 5

l 2 1 1 1 2 5 5 4 8

salgadores graxeiros e graxeiras campeiros tripeiros

marcineiro carpinteiros pedreiro boleeiro alfaiate carreteiros serventes marinheiros escravas do serviço da casa crias

84 Total”.

Deste número, temos que descontar as “8 crias” e as “4 escravas do serviço, da casa” por não estarem a serviço da charqueada. Teríamos 72 escravos produtivos. Se tomarmos como preço médio 1:000$000 réis por escravo produtivo”, esta charqueada, caso funcionasse ainda em 1868, teria investido em escravos a

soma de 72:000$000 rs!! Como as necessidades de instalações charqueadoras, sen-

zalas, bretes, etc., não sobem na mesma proporção que o crescimento da mão-deobra, o peso da inversão em escravos em relação às inversões gerais será, sem dúvida, significativamente

superior

ao

que

encontramos

em

Santa

Izabel.

Isto

aclara,

ainda mais, a desvantagem da charqueada gaúcha em relação ao saladeiro uruguaio. 31

94

Este não era o preço ** médio” de um escravo, e a

ofícios bem definidos.

Aqui ui,

ie

tratasc

“Se

d

j

Ge esciavos produ tivos

com

O ESCRAVO

1.

NO RIO GRANDE

DO SUL

O Tráfico Negreiro Sulino

O tráfico negreiro e a origem do escravo gaúcho são dois problemas ainda não tocados por nossa historiografia. “Os trabalhos históricos,com respeito ao tráfico de escravos — comenta Guilhermino Cesar (1978, p. 21) —, estão adiantados na Argentina... Mas, entre nós, os historiadores caminham a passo de cágado, nesse terreno.”” O mesmo historiador agrega imediatamente: “Em âmbito mais restrito, — o Rio Grande do Sul, — a indigência bibliográfica, nesta matéria, é total.”

Traçar um perfil do tráfico negreiro gaúcho, primeiro passo para a definição das origens do nosso escravo, é um trabalho que, à primeira vista, pode parecer relativamente

fácil. O local de entrada

do escravo africano no Sul, pode-se dizer

que foi único. Fora uma quantidade desprezível para esse estudo, todo escravo negro passou pelo porto de Rio Grande e foi ali registrado. O registro da entrada do escravo no Rio Grande foi sempre uma preocupação das autoridades

coloniais; o importante contrabando de negros nessa região assim

o exigia. Já em 1751, legislava-se nesse sentido: “...não possão passar negros dos Portos de Mar para terra que não sejão dos Domínios Portugueses: que se não dé despachos a Escravos para a Colônia do Sacramento, ou outros lugares vizinhos à Raya Portuguesa, sem que fiquem afiançados nas provedorias desta cidade do Rio de Janeiro, o Bahia relações dos Escravos, que naqueles lugares entrarão, com declaração dos que morrerão, ou faltarão para causa justa, ou por passarem por terras

dos mesmos Domínios Portugueses.” (em Laytano, 1957, p. 32). Mesmo depois da substituição da fiança pelo pagamento de direitos, os escra-

vos, uma das principais mercadorias de então, eram meticulosamente registrados pelos funcionários alfandegários. O registro do comércio negreiro legal, ou parte dele, deveria, portanto, encontra-se ainda inédito nos arquivos brasileiros, princi-

palmente nos do Rio de Janeiro. Até há pouco, em geral, não se buscava estes documentos pois partia-se do pressuposto de que eles teriam sido queimados. EfetiVamente, Ruy Barbosa, “ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e presidente do Tribunal do Tesouro Nacional”, será responsável pelo decreto 95

de 14.12.1890.Nele se determina a “queima e dest ruiçãodos ” “papéis, livros e do. cumentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relati vos ao elemento servil, matrículas dos Escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e

libertos sexagenários... ' (Leis, 1891). Com esse decreto teria terminado, acreditava-se, a possibilidade de reconstruir uma grande parte da história do escravismo brasileiro. Não se ventilou a possibilidade de que alguns destes documentos tivessem escapado às instruções do Ministro incendiário, principalmente tomando-se em conta a organização e meticulosidade dos funcionários da recém-inaugurada República. Na verdade, escaparam muitos.

"Os pesquisadores se perdem até hoje em conjecturar a resp eito das possíveis

razões de uma decisão tão catastrófica para

as pesquisas africanistas do Brasil. Pa-

ra alguns, o objetivo de R. Barbosa foi cortar pela raiz os pedidos de indeniza ção formulados pelos antigos proprietários de escravos, tirando-lhes toda possibilidade de fornecerem provas contábeis. Para outros, o ministro reagiu levado por uma convicção profunda e desejoso de eliminar da consciência da naçã o todos os vestigios daquele comércio infame. Todavia, em alguns portos do Nordeste e em alguns centros açucareiros da região da Mata, na Bahia, em Pernambuco e no Ceará, os arquivos municipais contêm milhares de livros de contabilidade dos escr avagistas locais.” (Ziegler, 1978, p. 88). Na verdade, não são somente os arquivos locais que possuem esses documentos. Eles se encontram, mais ou menos numerosos, em quase todos os arquivos do Brasil. São alguns documentos como estes (referentes a 1802 e 1803) que nos perm item algo conhecer do tráfico negreiro em direção aos nossos territórios. Entre eles, temos o listado completo dos escravos introduzidos em 1802, e regi strados no

“Almoxarifado da Real Fazenda da Villa do Rio Grande”? 2, Trata-se de 41 páginas,

em ótima caligrafia, que nos indicam a data de “apresentação” dos escravos; o nome do navio, do “mestre” e do proprietário das “peças”: o nome, a “nação” e a descrição geral dos homens escravizados. Temos também três meses do listado de 1803

(10 páginas).**

|

Estes documentos permitem, à primeira vista, uma quantificação precisa de, no mínimo, um ano desse tráfico. Isso, porém, é relativo. Podemos também en-

contrar, no mesmo arquivo: o manifesto de mais 209 escravos?* introduzidos no RS e apresentados na Intendência da Vila de Porto Alegre, por Manuel Jozé Ribeiro de Farias. Estes escravos não estão indicados na lista de Rio Grande e parte da documentação

se refere a uma

tardia legalização.

Isso nos sublinha o quão

relativa $, ao atual nível de conhecimento, toda afirmação sobre o tráfico negreiro e a origem do escravo gaúcho. 32 33

34

96

AHROS,

Antigo

Catálogo

da Fazenda.

“Guias Diversas

— 1802”.

deste listado em: MAESTRI FILHO, Mário José, 1978, p. 13-54.

AHRGS. Antigo Catálogo da Fazenda. “Guias Diversos — 1803".

AHRGS. Antigo Catálogo da Fazenda. “Guias Diversos — 1802".

Ver u edição completa

É extremamente prematura qualquer afirmação, aínda que geral, sobre o tráfico negreiro sulino. Algo, no entanto, é possível aventurar. Podemos, por

exemplo, crer que O tráfico negreiro em direção ao Rio Grande

do Sul sô tomará

verdadeira importância com o início da atividade saladeiril em grande escala. será ela que facilitará os “cabedais” necessários para a compra dos caros e robustos “escravos

novos”,

assim

como

de

escravos

“ladinos”,

possuidores

de uma

profissão. É fora de dúvida que o comércio escravista sulino é anterior a 1780; porém, antes desta data, os escravos eram trazidos, possivelmente, em pequenos grupos, por seus proprietários que aqui vinham se estabelecer ou por pequenos comerciantes. De 1763 a 1776, o porto de Rio Grande, por outro lado, encontrava-se em mãos espanholas.

Antes da indústria do charque, a não ser relativamente para a agricultura, como já vimos, não existia uma necessidade significativa da mão-de-obra escrava,

nem os fundos necessários para uma importação sistemática. Com a indústria do charque, teremos uma atividade produtiva que “consome”, sistematicamente, mãode-obra negra e cria inúmeras possibilidades colaterais de utilização do braço escravo.

Se é certo que a indústria do charque vai, em última instância, regular a introdução da mão-de-obra escrava no Rio Grande do Sul, podemos aventurar, também, que a Revolução Farroupilha não deve ter proporcionado bons tempos para os negreiros. À violência, desorganização e transferência de charqueadas para a baia de Montevidéu, não deve ter favorecido a introdução do “negro” no Sul. Tristemente, não temos ainda conhecimento de uma documentação geral que nos permita avançar mais

do que hipóteses de trabalho; os poucos documentos conhecidos, no en-

tanto, nos confirmam a desorganização do mundo escravista durante a Revolução

Farroupilha” *.

Com a pacificação do Rio Grande, nossa província reafirma-se como um grande centro escravista. Os dados assim indicam: em 1858, contamos com 70.880 escravos (quase 25% da população); dois anos mais tarde, em 1860, teremos 76 109 homens escravizados. Esta quantidade se manterá com pouca oscilação até 1863 (Maestri em Antonocci & outros, 1979, p. 43). Os listados de 1802 e 1803

dão-nos algumas indicações precisas no tocante à

organização do tráfico (ao menos para estes anos). Os escravos eram despachados, em grande maioria, desde o porto do Rio de Janeiro. Era, também, deste porto

que vinha a quase totalidade dos escravos “novos” destinada às duras tarefas produtivas. E assim que o resumo do listado de 1802, para os meses de abril a ju-

nho,

ua

(Maestri,

1978, p. 74):

Do Rio de Janeiro

35

...........

174 escravos;

E : : A Revoluçãon Farroupilha parece ter sido, efetivamente, uma péssima época para os senhores-de-escravos. Foi hábito o ataque às fazendas e charqueadas dos inimigos para liber-

tar e incorporar os escravos às tropas. Os escravos aproveitaram estes tempos

para fugir

97

d

dada

de Sta. COtARA!

da Bahia

sussa gs pa

2 escravos;

.....cccce asseas sas

13 escravos;

de Pernambuco

......ic...

. 40 Escravos,

Nos meses de abril a junho de 1803, cresce, no entanto, a porcentagem dos escravos trazidos desde a Bahia,

DO-RIO de JANGO. «posam sacras - 95 escravos; de Sta, Catarina ........cc.... 10 escravos: dá Bahia . quam ss seepça E aa 65 escravos; de Pernambuco ............ 38 escravos. é A proporção, no geral, porém, mantém-se. Tristemente, só temos para 1803, este trimestre. Não sabemos, portanto, se os outros trimestres acompanham 1802. Para o primeiro trimestre deste ano, temos (Maestri, 1978, p. 30-8): Do Rio de JancitO:, sv casais eim «. 161 escravos; Ge STA CA ADA aus sd a l escravo: da Bahia ..... E arcada pe oR o SR 21 escravos. Para os meses de julho a setembro de 1802,temos,(Maestri, 1978, p. 44): Do Rio de Janeiro. ............ 98 escravos: de Sta. Calarina sms ata RD 2 escravos ; da Bahia pelo lcio Rc aa 6 escravos. E, finalmente, para o último trimestre do ano, encontramos (Maestri, 1978, p. 29): Do Rio de Janeiro. ........... 242 escravos; de Sta. Catarina .......cc... -. 4 escravos; da BaniA E es RR 6 escravos; de Pernambuco. suas siesela a -. 1] escravos. Tivemos, portanto, neste ano, um total de: Do RiodeJanerio............ 675 escravos; de StasCatarihad rpegaa es ams -. 9 escravos; da Bahia a sp RD 46 escravos; de Pernambuco ............... 51 escravos. A grande totalidade dos escravos introduzidos nessa época vinha do Rio de Janeiro. A importância que este porto desempenhava no comércio escravista gaúcho devia-se à proximidade em que se encontrava de nossos territórios. As condições de viagem, os problemas de alimentação, o reabastecimento dos navios, as necessidades das escalas, etc, transformaram o Rio de Janeiro em um tradicional

abastecedor dos senhores-de-escravos gaúchos. Isto, porém, não deve ser absolutizado; a presença de escravos da “Costa” (minas; nagôs, haussás, etc.), será uma

constante nos documentos do século XIX. Os escravos eram transportados em escunas, bergantins, brigues e sumacas; viajavam em uma quantidade irregular. O “carregamento” máximo, em 1802, foio

do bergantim Águia Volante, no último trimestre deste ano; este navio transportou.

36

98

AHRGS. Antigo Catálogo da Fazenda. “Guias Diversos — 1803”.

na ocasião, 49 escravos (Maestri, 1978, p. 49). O único navio que se destaca pela quantidade de escravos transportados é o mesmo “Aguia Volante” que surge três vezes na lista do ano 1802, e transporta um total de 111 escravos (Maestri, 1978,

p. 13-54). Em julho do ano seguinte, o mesmo bergantim é responsável por um car| regamento de 20 escravos.?? Os 209 escravos apresentados na Intendência de Porto Alegre, aos quais já nos referimos, teriam sido, segundo os documentos, despachados para o Rio Grande no bergantim Tristão, do mestre Jozé Theodoro de Andrade e em uma só via8 em É 2.também interessante destacar o reduzido número de mulheres, em relação

ao de homens. Dos 781 escravos contabilizados para o ano de 1802, 496 são homens e apenas 242 mulheres; quase, exatamente, dois homens para cada mulher. Essa pro-

porção se mantém para Os escravos enviados para Porto Alegre de 1803.

e para O trimestre

Teríamos, tido em 1802, uma introdução total de 990 escravos. Os dados dos meses de abril a junho de 1803, os únicos que temos para este ano, indicam que talvez o tráfico de 1803 tenha-se mantido nos níveis do ano anterior (ver À tabelas 4,5,6€e 7). Antônio José Gonçalves Chaves (1978, p. 170) dá-nos também, em sua “Quin-

ta memória, precisos dados sobre a “importação” de sete anos: TABELA

2

“IMPORTAÇÃO” DE ESCRAVOS SEGUNDO ANTÔNIO GONÇALVES CHAVES (1816-1822) Ano 1816 1817 1818 1819 1829 1821 1822

Escravos 698 677 665 836 872 861 1548

“Mapa do Movimento da Barra do Rio Grande de São Pedro do Sul” de jaO neiro de 1847 a junho de 1858, do “Quadro Estatístico” de Eleutério Camargo

(1868), aponta-nos, também, um saldo positivo, até 1850. Depois deste ano, com

O fim do tráfico internacional, o Rio Grande do Sul transforma-se em um “exportador” de escravos. 3

“8

AHRGS. Antigo Catál, ogo da Fazenda. “Guias Diversos — 1803” .

Ibid. 1803.

99

TABELA 3

SALDO DAS ENTRADAS E SAÍDAS DE ESCRAVOS (jande 1847junho de 1858) pela “BARRA DO RIO GRANDE”. Ano 1847 1848 1849 1850 1851 1852 1853 1854 1855 1856 1857 2.

— — — — — —

Escravos 557 236 146 6 — 73 172 214 105 117 333 133

É] Si

A Nacionalidade do Escravo Gaúcho

Os documentos aos quais nos referimos trazem a “nacionalidade” do escravo introduzido em nossos territórios. Isso poderi: indicar que um grave problema da histo-

riografia gaúcha estaria para ser resolvido: a origem

do afro-gaúcho. Isto, porém.

é relativo. A “nacionalidade” sob a qual os escravos africanos chegados aos portos brasileiros eram registrados não define, na maioria das vezes, mais do que o porto em que foram embarcados na África ou a região de que provinham. Este problema agrava-se ainda mais se tomarmos em consideração que o zonhecimento dos euro-

peus sobre a África, durante o período do tráfico, era extremamente superficial.

Na realidade, o contato dos negreiros e europeus om o Continente Negro, nesta época,, foi extremamente superficial e no ultrapassou uma ocupação limitada a algumas regiões da costa africana. Ainda que a nacionalidade” do escravo tra-idu para o Sul não nos resolva o

problema da origem do afro-gaúcho, ela pode, ao menos, “enquadrá-lo””.Com o

avanço dos estudos das cor entes escravistas no continente africano, começa-se a ter uma idéia mais precisa dos principais povos que serviram, em épocas distintas, como fonte de “abastecimento” para o tráfico escravista africano. O estudo do ciclo dos grandes reinos escravizadores da África, das grandes correntes do comérc io

de escravos nesse continente e a “nacionalidade” com que eram registrados, po-

de levarnos à solução do problema. A complexidade deste estudo explicita-se no fato de que muitas correntes do comércio escravista africano traziam escravos

do coração do Continente Negro para serem vendidos na costa. Estes podiam ser

negociados e passar pelas mãos de vários intermediários antes de chegarem aos entrepostos escravistas lusitanos e europeus. Baseando-nos nos documentos que temos em mão, a origem dos escravos de 1802 e 1803, seria:

100

TABELA 4

Escravos “importados” no ano de 1802 (escrituração feita no Porto de Rio Grande de São Pedro).

“nacionalidade”

homens

Angola (1) (2) Benguela (3)

128 222

Congo Cabundá Crioulo Mina Mohumbe Quissama Rebolo Pardo/Mulato Manjolo Cassange Messambe

Cabra Songo Ganguela Negro/Escravo (4)

Total Geral (1) (2) (3)

27 7 24 26 ] ] 20 3 4 16 4

] 2. 5 ]

496

mulheres

55 116

3 20 9 6 13 4 3 3 a

total

295 339

30 7 44 35 3 7 33 7 7 19 4



] I 1

I 3 6 Ju

242

781

Tomar cm consideração: (3) Um benguela do sexo indefinido; (4) um “carpinteiro”; (1) 40 angolas de sexo indefinido; (2) Duas crianças computadas como ““crias”.

101

TABELA 5

Escravos “importados” nos 3 meses de abril a junho de 1803 (escrituração feita no porto de Rio Grande de São Pedro).

“Nacionalidade” Angola Benguela Congo Cabundá Crioula

2 4 4

M. 21 6

— = 7

Total 110! 15 2 4

= — =

— 2

2 = = ] 4

11 26 2 2 5 6 s 1 =

Total (1) (3)

123

47

208

Ladinos

40 135

Mina Mohumbe Quissama Rebolo Pardo/Mulato Manjolo Cassanje Messanbe

Cabra Songo Ganguela Ambaca Indefinido

33

Total

1

2? 3

20 2 2 5 6 = 11 —

2 ] ]

Novos Indeter.

102

H. 52 9

208

37 escravos do “Gentio de Angola” de sexo indefinido.

1 escravo

sob o nome Magumbe,

1 escrava com sua “cria” de sexo indeterminado.

6 — — =

4 l 1 Di 6

É interessante ressaltar o número de escravos “novos” em relação aos ' dinos”:

'la-

TABELA 6

Escravos “Importados” no ano de 1802 (escripturação feita no Porto de Rio Grande de São Pedro) ladinos e novos. Ladinos Novos Indeterminados

182 569 30

Total

181

TABELA 7 “Escravos novos que Manoel Jozé Ribeiro de Faria diz ter aprezentado na Intend?. da Villa de Porto Alegre — 12 de julho de 1803.” (Os escravos tinham sido introduzidos em 1802).

“nacionalidade”

Angola Benguela Congo Cabundá

Quissama Rebolo Manjolo Songo Ganguela Ambaca

Cassange

Total

homens 34 28 30

6

]

mulheres 1 28 8

]

total 45 56 38

7

33 3

— 12 a

l 45 3

— — —

2 1 1

2 ] 1

5

140

5

69

!

10

209

Estes dados que apresentamos são os primeiros elementos empíricos mais precisos com os quais conta a nossa historiografia para tentar definir a origem do escravo gaúcho; são eles, no entanto, extremamente parciais. Referem-se a dois 103

anos; O tráfico internacional e nacional gaúcho de escravos estendeu-se por quase 150 anos. Não nos parece, portanto, possível tentar qualquer generalização. necessário efetuar, neste domínio, uma procura sistemática dos documentos que se encontram ainda inéditos nos arquivos brasileiros e portugueses. Parece-nos possível, porém, aventurar que a grande maiori a dos escravos “novos” gaúchos era originária das terras “angolanas”, Nas tabelas 4, 3.e 7, Os africanos originários destas regiões são a grande maiori tas “angolanas” da Áfri. ca estiveram, efetivamente, durante toda a époa.ca Asdo cos tráfico internacional, devido à sua proximidade, em íntimas “relações” com o porto do Rio de Janeiro. Este Porto, devido aos fatores que já vimos, foi o tradicional abastecedor gaúcho de escravos novos. Os dados que nos apresenta João Machad o Ferraz (1978) apontam no mesmo sentido. Este autor diz o seguinte, falando dos registros do primeiro livro de batizados do Rio Grande do Sul: “Quanto à sua origem , conseguimos apenas identifi-

car escasso número

de negros pertencentes à cultura de banto e sudaneses (gêge-

nago), com predominância de 2 para 1, daquele sobre este s. São 39 de Angola, 16 de Benguela, 2 do Congo e 2 de Moçambique, perfazend o 59 bantos. De cultura gêge-nagô, somente 31 negros mina.” Como já dissemos, a “denominação” sob a qual os africa nos escravizados

eram registrados não é, muitas vezes, mais do que uma ind icação geral sobre suas origens ou etnias. E assim que sob o nome de: |

Angola: podemos talvez encontrar escravos provenientes do ant igo reino do Ndon-

go e periferia, ou seja, povos kimbundus. Pode, também, tratar-se de outros povos embarcados no porto de Luanda, Congo: podemos talvez encontrar escravos provenientes do antigo reino africano do Kongo e periferia, ou seja, povos kikongos. Este reino encontrava-s e ao sul do rio Zaire e foi, inicialmente, um importante centro negreiro lusita no. Quissama: podemos, talvez, encontrar homens escravizados proven ientes da província africana

de

“Quissama”

ao sul

do

rio Cuanza.

Os lusitanos realizaram,

nos primeiros anos da ocupação de Angola Central, inúmeras operações de caça ao homem nessas regiões. Benguela: Os lusitanos denominavam como “benguela”, possivelmente, os povos provenientes das regiões circunvizinhas ao porto de Benguela, no sul angolano. Tratam-se de povos ovibundus. Cabundá: Esta denominação é já menos comum.. Talvez seja a form a com que os portugueses se referiam a algum povo africano ambundus. Cassange: São, sem dúvidas, os escravos comprados na feira escravista africana de Kassange, no interior do litoral angolano.

Mina: São os escravos provenientes da “Costa da Mina”, ou seja, de disti ntos povos das costas do golfo da Guiné. Como muitos destes escravos eram provenientes do interior destas regiões africanas, esta Indicação, muitas vezes, não nos esclarece nada.

As outras designações que aparecem menos seguidamente

(Azntaca, Mohum-

be, etc.) designam regiões genéricas ou etnias africanas. Crioulo era o escravo nascido no Brasil.

104

3.

O Contrabando de Escravos no Rio Grande do Sul.

As dificuldades para o estudo e a quantificação da introdução do escravo no Rio Grande são várias; entre elas destaca-se O fato de que uma parte dos escravos

venchegados ou destinados às nossas terras era, efetivamente, contrabandeada e dida além-fronteiras. O contrabando de escravos, principalmente para a Banda Oriental, será uma

pela constante em toda a história do escravismo gaúcho. Por mar, pela lagoa Mirim, fronteira seca, as “peças” eram contrabandeadas e vendidas até mesmo na própria capital uruguaia. Esse comércio só vai ser interrompido com o fim da escravatura no Uruguai; se estabelece, então, uma “migração” em sentido contrário. São os iro. senhores trazendo suas “propriedades” para O “santuário” escravista brasile Aqui, por muitos anos, a escravatura será ainda uma instituição legal.

As

tentativas

da administração colonial ou imperial de coibir esse comér-

cio foram muitas; do outro lado da fronteira, a administração vizinha

fazia o mes-

mo. O contrabando do escravo não parece ter-se ressentido desse controle. Os interesses em jogo — que envolviam muitos dos próprios responsáveis pela repressão do comércio negreiro ilegal — eram mais fortes. Já são bem conhecidas as lamentações — exageradas — de Manoel Antonio de Magalhães, em 1808 (1940, p. 7). “Seja-me lícito, já que tenho fallado sobre os interesses do principe e dos povos n'esta capitania, tocar também sobre a rigorosa prohibição que deve haver para não passarem aos dominios hespanhoes, varios generos que prejudicam a nação em geral, sem fallarmosn'aquele que todo o mundo sabe, como são o dos artigos de guerra (...) jamais se deverá consentir á exportação ao dominio de toda a América portuguesa escravo algum, pois não só é enfraquecer as nossas colônias por engrossar quatro homens que n'ella comerciam, mas dar forças ao inimigo, ao mesmo tempo que todas as nossas capitanias se acham na maior necessidade d'elles, como é constante, e o alto galarim a que elles tem chegado com a exportação que há mais de vinte annos se faz para Montevidéo faz com que no decurso d este tempo por uma boa conta, passem de sessenta mil, que para alli se têm transportado, e não só faz que a pobreza jamais possa comprar um escravo, mas porque todos estes têm passado por contrabando, sem pagarem os competentes direitos a S.A.R. ... Todo o mundo sabe — continua lamentando-se o nosso autor — que ha vinte e cinco annos a esta parte, antes que para Montevidéo laborassem semelhantes negociações, se vendiam os escravos na América por metade do que hoje correm, e comprando-se quatro a dinheiro, o mesmo vendedor confiava outros quatro

por tempo de um anno ao agricultor...”. As considerações de Magalhães são importantes, ainda que ele exagere o volume do contrabando. Em 25 anos, teríamos tido mais de 60.000 escravos contrabandeados; mais de 2 000 por ano. Este número era, possivelmente, superior até mesmo a todos os escravos enviados para o Rio Grande nessa época. O importante é que, para o nosso autor, o contrabando — iniciado, segundo ele, em tomo do ano de 1780 — era o responsável pelo encarecimento do escravo. O comércio negreiro clandestino antecede, no entanto, a própria fundação da Colônia do Sacramento;

105

dar essa época para o seu começo (1870) é incorreto. Porém, o e

lhães pode ter explicação. Pensamos que, talvez, o autor do “Almanak” do com o início do encarecimento do escravo. Até te baixa rentabilidade da economia agrícola cravo a um preço “razoável” (chegava-se a vender

ngano

de Ma ga-

confu nda o início do con traban-

a época apontada, a relativa men.

gaúcha obrigava a venda do esa crédito: quatro à vista, quatro

a crédito). O começo da produção de charque a um nível sig nificativo — 1780 — deve ter enc

arecido o preço da mão-de-obra escrava, pois essa indúst ria “consumia” constantemente escravos “novos” robustos. A maior rentabilidade da Charqueada escravista desloca os setores escravistas de taxa de lucro inf erior e O preço do escravo

“inflaciona-se”,

Magalhães

acusa,

corretamente,

o momento da alta dos preços, mas indica, incorretamente, o contrabando como o principal responsável. Esta interpretação deverá, entretanto, ser confirmad a com a reunião de um material fatual que ainda não possuímos.

O contrabando deve

ter ajudado, em alguma medida, o aumento dos preços

dos escravos; é, efetivamente, em tomo da data apontada por Magalhães que ele sofre significativo acréscimo. Em 1777, tratado de Santo Ildefonso regulariza as relações Espanha-Portugal; a 12 de outubro de 1778,é pro mulgado o “Regulamento de Libre Comercio”, que facilita o tráfico negreiro no porto de Montevidéu (Montero,

1941, p. 230); em

1779, está apontada, como veremos a seguir, a chega-

da do primeiro navio português, nesta época, procurando O “refúgio” daquela cidade e trazendo, por “acaso”, negros escravos nos porões. Ess e não terá a significação apontada por Magalhães. O contrabando de escravos no Prata era extremamente antigo. Como essa atividade foi uma das causas da fundação da Colônia do Sacrament o

pação lusitana do Sul. Esse comércio

de porto comércio

já vimos, é da ocu.

precedeu a “fundação” de Rio Grande, e,

com esta, vai encontrar mais um sólido apoio. A ocupação espanhola da Banda O-

riental, por outro lado, cria mais um mercado para o comércio negreiro clandestino

Nesse sentido, diz M. M. Montero (1941, p. 224): “Si las primeras oducciones en el Uruguay se hicieron por vía legal o clandestina, es cosa que nointr podriamos determinar. De lo que no cabe dudas es que ei contrabando de esclavos fué intenso y practicado no solamente desde Colonia, en las épocas en que esta ciu-

dad

pertenció a Portugal, sino a través de las fronteras con Río Gra nde Y aún por

las costas desiertas de Maldonado, Canelones Y Rocha fren te a las cuales solían anclar los navíos ingleses y portugueses, desembarcando su mercancía” en lanchas; de aquellos puntos eran distribuídos en el país, incluso en el mismo Montevideo.””

A historiografia uruguaia registra diversos processos movidos por compra ou

captura de escravos contrabandeados, já nos primeiros anos da segunda metade do século XVIII. Os

negros eram trazidos em navios até à Colônia ou ao porto de Montevidéu. Nessa época já eram também introduzidos em maior número atrav és da fronteira.

106

“De las características del contrabando terrestre ejercido a través de las fronteras con Río Grande del Sur, da idea el parte elevado por don Cipriano de Melo al Gobermnador

de Montevideo,

Antonio Olaguer Feliú en

19 de Octubre

de

1792:

«Fl Tte. Comte. de los resguardos de este Rio da parte a V.S. de haber aprehendido en la noche del día de ayer acompafiado de los Representantes de Rentas y Tropas de auxilio que contiene la adjunta relación, el contrabando y reos que abajo se expresarán, con las circunstancias y sitios de sua aprehensión. “En la chacra de Antonio Cabafias junto a el Miguelete: 10. una negra ladina llamada Rosa; 2º un negro llamado Antonio ladino. En la de Juan Cruz en el mismo sitio; 30 un Manuel negrito ladino. En la chacra de Manuel Pexera en el arroyo de Toledo: 5º Negrito llamado Juan ladino con el reo Andres Lopez,, duerio de to6º un negro ladidos y del Tavaco. En un rancho junto al bafiado de la Chacarita; no Ilamado Jose Fernandez. Este lo han traido del Rio Grande (con seis cargas de tavaco) Manuel Morales y Morera (el famoso contrabandista que se burla de las partidas; y anda con una china portuguesa; el mismo que fue alcanzado por la partida de mi mando en la costa de la laguna o arroyo del Juncal) Bentura y Baltasar, llegaron del Río Grande ay siete días: se han vendido de las 6 cargas dos, que se aprehendieron la noche del día 10 del corriente y las cuatro estan en el bariado escondidas: han venido por la laguna embarcados en canoas; y según relación del negro, estuvieron a la vista de nuestro Corsario. Dicho negro, todas las noches lo escondían dentro del Bafiado y la 12. vez que durmió en el rancho fue la que avanzamos, y se aprehendió. “En la chacra de D. Franco Otero en el Arroyo de Toledo y dos cuadras del Rancho donde se prendió el contrabandista Andrés Lopez: 63 sesenta e tres rollos de tavaco negro del Brasil, retovado en cuero crudo; metido en la cocina, cobierto y cercado de quincha espesa.

“Nota. — El negrito ladino llamado Manuel, fue conducido con otros por el mismo contrabandista en otro viaje anterior que hizo al Rio Grande y vendido al que se le aprehendió, con la negrita. Todo lo arriba expuesto a excepción del negro José Fernandez es conducido del Rio Grande por contextes dicen los negros todos: con la noticia de ocurrido en su viaje por tierra del Rio Grande hasta hendidos y lo noticio a V. S. en cumplimiento de mi 1941, p. 226).

el preso Andres Lopez, segun sus paradas, transito y demas los sitios en que fueron apreobligación'*.”

O principal caminho de introdução dos escravos trazidos pelos comerciantes lusitanos era o próprio porto de Montevidéu. Com a regularização das relações Espanha-Portugal, com a transformação de Montevidéu em um grande centro distribuidor

de escravos, os portugueses tentam

insinuar-se através deste porto (coisa

que já tinham feito anteriormente). (“El 22 de Noviembro de 1779 el Administrador de la Aduana de Montevidéo

informa al Intendente de Ejército y R. Hacienda de Buenos Aires,el ya nombrado

Manuel Ignacio Fernández, que ha arribado a puerto la zumaca portuguesa * Nuestra Seriora de las Nieves” ; capitán Dn. Antonio Acosta. La embarcación, declara 107

Acosta, había salido de Río de Janeiro con destino a Río Gran de, per o en el trayec-

to un temporal la apartó del rumbo, poniendo en peligro las vidas Y obli gando a buscar refugio en Montevideo.” (Montero, 1941, Pp. 228). O Capitão “Acosta” não

sabe O que fazer com os 102 negros escravos que traz. Bue nos Aires é consultada e a falta de braços-escravos, assim como a necessidade de meios para pagar os

concertos

da embarcação,

serão os motivos invocados

para permitir

o desembar-

que e comercialização dos escravos (Montero, 1941, p. 228). “Antes de cumplirse el mes del arribo de la zumaca “Nuestra Sefiora de las Nieves ”, el mismo Capitán José Antonio de Costa, conducien do la zuma'ca Nra Sra. de la Guia y el Sor del Buen Jesus de Guapi”, entra en Montevideo “de arriba ba forzosa '. Habia

Pedro”; un

salido de la “la Barra

temporal

de la Villa de la Laguna pr. el Rio de san

le arrebata las anclas. La divina provindencia le permite

encontrar reparo em Montevideo donde consigue desembarcar y vender 17 esclavos que transporta.” (Montero, p. 228). A sumaca “Nossa Senhora do Rosário e São João Batista” chega, por sua vez, a 9 de outubro do ano segu inte, e vende 6 escravos. E assim por diante (Montero, 1941, p. 228ess). Esses desembarques semi-legais colocam-nos um problema: quantas embarcações partiam consignadas para o Rio Grande, mas procuravam, efetiv amente, Montevidéu? Quantos escravos eram introduzidos pelo porto de Rio Grande, mas terminavam em territórios espanhóis? Esses, como outros fatos, exigem-nos ext remo cuidado no tratamento de toda documentação referente ao tráfico sulino. Os escravos não foram somente contrabandeados do Rio Grande do Sul para o Uruguai. Com o advento da lei de 15 de dezembro de 1842, que abolia a escravatura no Uruguai, o tráfico clandestino recomeça em direção contrária. Essa é uma página quase desconhecida de nossa história: a escravidão ilegal de cidadãos uruguaios de origem africana. “La ley de abolición de la esclavitud, tenía por fin el, conchavo de los esclavos en el ejército; no tuvo con todo, el éxito esperado, ni aún ex el departamento de Montevideo, por la ocultación que se hizo de los esclavos o por su transporte clandestino a Rio Grande del Sur, sobre todo de aquellos que trabajaban en el campo y salazón de cames.”” (Isola, 1975, p. 321).

Este tráfico levava, também: crianças clandestinamente para serem vendidas no Brasil “... hacia 1846 un diario de la capital denunciaba en su editorial la reanudación del tráfico de esclavos en la persona de negros de corta edad que habían sido embarcados clandestinamente en Montevideo y vendidos en Brasil. Comprobada la veracidad de dichas acusaciones por el Cónsul uruguayo en Río de Janeiro

a principio de 1846, el mismo pgestionó la liberdad de tres mujeres enviadas de Mon-

tevideo para ser vendidas en el Brasil.” (Isola, 1975, p. 323),

Este processo de reescravização somente terminou com a abolição da escravatura no Brasil. Podemos encontrar, por exemplo, em nosso arquivo historico , um documento,

a do cidadão:

de

1861, que trata da investigação de um caso de escravização ilegal:

uruguaio José Porcinco Martins, de origem Kkonga. José Porcinco

será enviado ao Brasil para trabalhar como assalariado e terminará, aqui, sendo reduzido à escravidão. Este documento explicita, também, a dificuldade do negro-

108

livre de se incorporar, como assalariado, à produção, nos quadros de ea *. escravista” Tendo sido “legalmente” proibido, em 1831, o tráfico negreiro o comércio de escravos “novos” passa a ser uma atividade “ilegal”. ermitem,. porém, que esse tráfico continue sem tomar nenhuma É

a

assim

que

significativo

aumento

um

teremos

dos no Brasil, a partir deste ano (Betheel, 1976, p. 368). INGRESSO

Ano 1831 1832 1833 1834 1835 1836 1837 1838 1839 1840

DE ESCRAVOS NOVOS (1831 — 1850)

Escravos

1

4 35 40 42 20

138 116 233 749 745 966 209 256 182 796 TABELA

de

uma economia transatlântico, As autoridades medida de re-

escravos

introduzi-

NO BRASIL

Ano

Escravos

184] 1842 1843 1844 1845 1846 1847 1848 1849 1850

804 13 ER4ss 095 I9 849 22 453 19 324 50 [5 56 000 60 061 54 2200850

|

8

Esse tráfico “ilegal” continuará sem nenhum problema até 1850, quando então, sob as ameaças da Inglaterra, o Império tomará a definitiva decisão de reprimir o tráfico negreiro. Até essa época, segundo Antônio Carlos Machado (1947, p. 133), tínhamos, no Rio Grande do Sul, “três importantes valongos, no Albardão, no Estreito e no local onde hoje está o Porto Novo, defronte à ilha então chamada do Ladino, onde os navios negreiros, na calada da noite, despejavam a sua carga viva”, O fim do tráfico transatlântico não impedirá tentativas clandestinas de desem-

barque de escravos. No Rio Grande do Sul, não foi diferente. “Apesar de toda vigi-

lância — escreve Riopardense de Macedo —, continuava o desembarque de escravos no litoral do Rio Grande do Sul e o lugar preferido era a área de Tramandaí, possivelmente por ser pouco habitada e onde a distribuição seria feita com mais facilida-

de, sem chamar a atenção das autoridades. O mais importante desembarque ou, ao menos, o que mereceu maiores comentários,

foi o ocorrido no início do ano de

1852. Em correspondência de 27 de maio, o vice-cônsul

le Porto Alegre informava

ter sabido de uma carga de escravos lá desembarcada dois ou três meses antes e que o capitão ou agente do tráfico, prevendo a ação das autoridades, os distribui-

ra pela vizinhança, sendo que dezenove deles já tinham sido reconhecidos e apreendidos. 39

O

O

O

O

O

O

O

O

TT

O

O

TR

TR

TR

AHRGS. Correspondência Passiva. Papéis Judiciários. Fardo 1861.

109

“E diz, ainda, estar convencido de que os traficantes traziam sua carga de Santa

Catarina, ou de ilhas próximas de São Paulo, costeando o litoral em pequenas em. barcações. Menos de um ano depois, foi tentado novo desembarque impedido pelas aut oridades

locais,

cedo, 1977, p. 40). 4.

conforme

comunicado

de

22

de janeiro

de 1853.º(Ma-

O Escravoe a Vida Produtiva Geral

O escravo será empregado, muito cedo, na plantação, na.faz enda. Com o advento da charqueada, o escravismo gaúcho objetiva-se em ativid ade produtiva fundamental; a charqueada funciona, plenamente, em nítidos mar cos de uma organização social escravista da produção. O estudo da charqueada é, portanto, o centro de toda investigação sobre o escravismo gaú cho; ele não deve; porém, diluir a importância da mão -de-obra

escrava em inúmeras

outras

atividades

da sociedade. Os escravos estiveram, nos séculos XVIII e XIX, pre sentes em quase todos os segmentos produtivos da sociedade brasileira que viviam diretamente ligados à produção mercantil. No Rio Grande do Sul, não será distinto. A não ser nas regiões tardiamente incorporadas ao domínio lusita no (onde existia a mão-deobra indígena) e no espaço geo-econômico ocupado pelo imigrante ítalo-germânico (onde era proibida a utilização de escravos africanos), o esc ravo quase sempre se encontrava em destaque. Podemos dizer que habitava, com desigualdade, todos os poros da sociedade produtiva de então. Será, porém, nas pri ncipais aglomerações urbanas que assume papel determinante. Descrevendo sua passagem por Rio Grande, Saint-Hilaire assinala a importân

cia do tâneas de em barris, pridas...” problema

trabalho negro. Nos arredores da aglomeração não havia fon tes esponágua: era necessário cavar poços. Eram os “negros” que iam “buscála apanhando-a por meio de chifres de boi amarradosà ponta de varas com(Saint-Hilarie, 1974, p. 65). As areias trazidas pelo vento eram um outro para a região. Mais trabalho para os escravos. “Vi negros ocupados

em Jesentulhar os arredores das casas de seus donos, os qua is me informaram serem obrigados a repetir incessantemente esse trabalho para a proteç ão das casas.” (SaintHilaire, 197 4, p. 53) Os escravos ocupavam-se

das mais diversas tarefas caseiras; fato tão comum

que não era nem mesmo merecedor de comentário por parte de Saint-Hilaire. O escravo ganhava, também, alguns réis para os senhores. À verdura plantada nas imediações de Rio Grande era vendida no mercado. “Em uma das ruas de Rio

Grande existe um pequeno mercado (quitanda) onde negros, acocorado s, vendem hortaliças, tais como — couve, cebola, alface e laranjas.”(S aint-Hilaire, 1974, p.65). Na descrição de Rio Grande, o naturalista francês não se detém na atividade do porto, no transporte local de mercadorias, no auxílio das atividades do comércio, nas infinitas atividades desempenhadas, tradicion almente, pelo homem negro escravizado. A importância da população servil desta reg ião não nos deixa, no entanto, dúvidas sobre o papel que desempenha o braço escrav izado nas mais varia- das atividades. “Segundo me informou o vigário de Rio Grande — escreve Saint-Hilaire (1974, p. 66) — sua paróquia mede 60 léguas de comprimento por 20 de

110

1195 brancos, 1 388 branlargura; tendo (em 1819) 5 125 indivíduos, a saber: cas, 17 índios, 26 índias, 61 mulatos livres, 98 mulatos livres, 32 negros livres, 38 negros livres, 1 391 negros e mulatos escravos, 379 negras e mulatas escravas.” Em Porto Alegre, a situação não era distinta. Já tinha escrito Saint-Hilaire

(1974, p. 29): “Aqui, vêem-se pouquíssimos mulatos. A população compõe-se de

pretos escravos € de brancos, em número muito mais considerável...”. O transporte de mercadorias, uma atividade tradicional do escravo, não passa, nessa ocasião,

desapercebida a Saint-Hilaire (1974, p. 41). “A Rua da Praia, que é a única comercial, é extremamente movimentada. Nela se encontram numerosas pessoas a pé € a cavalo, marinheiros e muitos negros carregando volumes diversos.” Nada melhor para definir as diversas funções produtivas em que o escravo era ocupado do que os anúncios econômicos dos jornais do Império. Um levantamen-

to em sete anos dos jornais de Rio Grande (1859 a 1865) dos pedidos e oferecimenescravizado. Lemtos de trabalhadores define as variadas atividades do homem e bremo-nos que, para a época estudada, o tráfico já está há algum tempo abolido escasseia a mão-de-obra escrava. Encorntraremos, aqui e ali, oferecimento ou procura de homens livres para tradicionais atividades de escravos. As tarefas domésticas eram costumeiras profissões de escravos e escravas. lemos uma infinidade de ofertas e pedidos de cozinheiros, cozinheiras, pajens,amasde-leite, doceiras, etc. Diversos anúncios do jona! “Echo do Sul” de Rio Grande esclarecem-nos com perfeição: “Precisa-se. Alugar um moleque diligente e de conducta morigerada, para copeiro de uma caza de pequena família...” (14.5.1861); “Aluga-se. Uma mulata de boa conducta própria para cuidar de crianças e fazer algum

serviço de interior de uma caza; quem della precizar dirija-se a esta typographia” (6.2.1861); “Precisa-se. Alugar uma escrava que saiba cosinhar, lavar, engomar para tratar em frente ao mercado, nº. 135” (19.4.1859); “Ama de Leite. Aluga-se uma ama na rua do Pilo no. 78” (10.6.1859); “Annuncios. Aluga-se três escravos, sendo um perfeito cozinheiro de forno e fugão, um dito que cozinha, lava e faz regularmente todo o serviço de uma casa, uma perfeita cosinheira e doceira... ” (26.6.1859). (Destacamos). Tínhamos, também, escravos ocupados nas mais diversas artes artesanais. Podemos ler: “Vende-se um escravo bom pedreiro para ver e tratar, rua 16 de julho, nº, 5” (E.S., 4.9.1866); “Vende-se, na Rua Direita, nº. 86, 3 escravos superiores

alfaiates” (E. S., 17.9.1861); “Vende-se. Um escravo pardo, carpinteiro, na Rua Direita nO 91” (E.S., 25.8.1861); “Vende-se um preto crioulo perfeito serrador e

falqueijador...” (E. S., 1,1.1863).

Na verdade, procuravam-se ou ofereciam-se trabalhadores para as mais distintas

atividades. Temos oferecimento de : “escravos para vender quitanda” (E.S., 14.2. 1864); “canoeiro e salgador de peixe ( D.R.G., 7.2.1865); “campeiro e roceiro” (D. R.G., 7.2.1865); “oleiro”( D.R.G., 15.4.1865); “bom campeiro, charqueador, pedreiro e cozinheiro” (E.S., 20.5.1859); “para serviço de barraca de couros”

(D.R G., 1.3.1865). Seria, efetivamente, difícil enumerar todas as profissões posSiveis. Elas seguem variadas:

“criado de escriptório” (E.S., 29.9,1861);

no... para armarinho” (E. S., 27.2.1861);

“meni-

“oficial de calafete” (E.S., 17.5.1866);

“marinheiro e empalhador” ( D.R.G., 10.1.1866); “oficial de tanoeiro” (E.S,, 18.11.1861); “marinheiro (E. S..20.4.1861) etc. 111

VI

A RESISTÊNCIA DO ESCRAVO NO RIO GRANDE DO SUL l.

A Resistência do Escravo ao Escravismo

A organização econômico-social da Colônia e do Império assentou sobr e o escravo africano o mais significativo da produção dos bens materiais. No Sul, o negro escravizado foi incumbido das mais variadas atividades. Em dive rsas regiões, os trabalhos mais estafantes eramhes quase monopólio. Grande parte da produção das riquezas sulinas (e, durante certa época, parte significativa), dependeu da constância, produtividade e disciplina do trabalho escravo. Para que a produção compulsória, acumulação e reprodução de trabalho excedente se dessem na forma mais harmônica e significativa possível, o trabalho escravo e o escravo se enquadram em estritos marcos sociais, jurídicos e ideológicos. O escravismo

gaúcho,

modo

de produção

dominante

em

importantes regiões

do Rio Grande do Sul (imbricado pelo escravismo brasileiro, hegemônico a nível

nacional), determina, profundamente, nossa formação social. A legistação do Império e nossa legislação municipal, enquadram e definem os mecanismos que regiam o trabalho negro em nossos territórios.

“O escravo subordinado ao * poder' (potestas) do senhor, e além disto equiparado às ' coisas” por uma ficção da lei enquanto sujeito ao * domínio * de outrem,

constituído assim objeto de propriedade,

“não tem

personalidade, estado. É pois

privado de toda a capacidade civil”.” (Malheiro, 1976, p. 58). Para que o produto do trabalho do escravo pudesse ser apropriado “plenamente”, era necessário, naquele momento histórico, que ele próprio se transformasse em propriedade do seu senhor; e, como

tal, pudesse ser vendido, alugado, comprado, doado, embarga-

do, assegurado. Era um bem “móvel”. O escravo, como

“coisa” produtiva, tem que se ocupar das atividades que lhe

são votadas; entregar a totalidade (ao menos formalmente) dos frutos do seu trabalho; viver com o que seu senhor julgue bom lhe entregar. O ritmo e duração de sua jornada de trabalho é, também, arbítrio do seu amo. O escr avismo exigia. 112

efetivamente, que o escravo se transformasse em uma máquina, que alienasse ao máximo sua humanidade. O limite último desse processo era a perda da única capacidade humana valorada pelo senhor no escravo: a capacidade de trabalhar. A sociedade escravista criava as melhores condições para que o homem escravizado se transformasse, objetiva e subjetivamente, em escravo. Ele era apartado de toda vida ideológica que lhe sugerisse ou compelisse a um outro destino. À escravidão era apresentada como uma realidade imutável, alicerçada nas leis do mundo real e espiritual. Os cultos de origem africana eram reprimidos; a religião católica oficial pregava a legitimidade da escravidão, a obediência ao senhor, a inferioridade do homem negro. No Rio Grande

do Sul, como em todo o Brasil, a vida espiritual, social e pro-

dutiva do escravo era estritamente ra que houvesse

uma

controlada ou pelo senhor ou pelo Estado. Pa-

festa de escravos, era necessário uma licença”º. Para andar

na rua, depois do toque de recolher, também” !. Enfim, em pleno século XIX, quan-

do se “liberalizava” em algo a vida do escravo, o ato de morar, vender, trabalhar, viver, não só dependia da vontade do senhor, como, também, era estritamente nor-

malizado pelo Estado. O escravismo exigia do escravo profunda submissão; exigia que ele se julgasse inferior, destinado, por natureza, à escravidão; incapaz de uma vida distinta. Para alcançar isso, o senhor podia premiar ou castigar. Nos primeiros tempos da Colônia, o poder de vida ou morte do senhor sobre o escravo era objetivamente (ainda

que não juridicamente) absoluto. Nos séculos seguintes, determinações de ordem econômica, social e política restringem, em muitos casos, formalmente, esse poder. O amo teve, no entanto, sempre as melhores condições para submeter O escravo à escravidão. No entanto, o escravo sempre resistiu. A resistência do escravo ao escravismo foi o centro de nossa história social por mais de 300 anos. Entretanto, o desconhecimento sobre as lutas do escravo ne-

gro, era, até alguns anos, quase absoluto. Recém se começa a levantar o véu que extremamente

rica. Isso é verdade

para todo o Brasil. Isso

Posturas Municipais. Santo Antônio

da Patrulha. Aprovado

pela Lei Provincial nº 542,

essa realidade

cobre

é verdade para o Rio Grande do Sul. O desconhecimento sobre a resistência do escravo ao escravismo se deve a diversos motivos. Já nos referimos à displicência com que se tratou até alguns anos atrás

de 4 de maio de 1863. “Art. 22. É proibido

dentro das povoações e nas tabemase casas

de negócios fora das mesmas, o batuque de escravos; salvo havendo licença da autoridade

policial e do senhor de escravo, havendo as necessárias cautelas para se evitar barulho. O dono da casa ou encarregado, e quem encabeçar o divertimento sem a respectiva licença, admitindo escravos ou ébrios, serão multados em 4$000 rs. é na reincidência o dobro, 41

e dous dias de cadeia.” (em CESAR, O Batuque Proibido. 3.4.1976) Posturas Municipais, Cruz Alta. Aprovada pela Lei Provincial de 20 de muio de 1863. Nº 550. Polícia sobre escravos. art. 191. “Depois do toque de recolher, não poderá passear escravo

algum

4

).

e

oe

nas ruas das povoações

c estradas

contiguas

salvo

tendo licença expressa

ou em companhia de pessoa decente,” (em CESAR, As Posturas e o Negro.

113

os papéis referentes à história do escravismo. As fontes document ais escr itas não são abundantes. O fato de que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravi-

dão colonial não é, também, estranho a esse desconhecimento. Quan do se nossa historiografia “moderna” (Varnhagem), o escravismo é ainda a organarticula ização social vigente. Ela será

uma historiografia

de senhores-de-escravos.

O

vismo já era, então, a nível mundial, uma forma de organização definitivamenteescra anacrô-

nica. Era impossível realizar a defesa “ideológico-científica” desta realidade; neste contexto, escamoteia-se, consciente ou inconscientemente, a “questão” escravista, procurando-se, assim, escamotear a própria realidade. A visão do escravismo benigno, paternal; do escravo negro incapaz de uma resistência (objetivamente inferior); incapaz da luta (desnecessária) pela liber dade (e, portanto, não merecedor dela), impregnará essa primeira visão nacional do nosso passado. Eisto com certa facilidade. Como veremos a seguir, a visão do escravismo “paternalista” tinha, efetivamente, uma certa base objetiva. Digamos, era uma visão parcial de uma realidade global. A historiografia repub licana oficial, sem nenhuma contradição essencial com essas primeiras páginas de nossa his-

toriografia, permite que essa leitura ideológica chegue até nossos dias. A História,

como prática científica, nos descortina uma realidade diametralmente distinta. “À resistência do escravo à escravidão, como não podia deixar de ser, foi cotidiana e

atravessou, de ponta a ponta, nossa história determinando-a profundamente. No Sul, como no resto do País, a resistência do escravo se dá em distintos níveis.

Temos o ato isolado, consciente ou inconsciente; temos o coletivo, produto de um momento ou de estudada conspiração. A resistência está, porém, geralmente, determinada por tendências e circunstâncias estranhas à vontade imediata do escra-

vo. As crises políticas, as guerras e revoluções dos senhores significam desorganização do aparato repressivo. Os escravos aproveitam, sistematicamente, essas oportunidades. Modificações no mercado dos produtos coloniais causam tensões na economia escravista; os escravos são tocados e reagem a elas.

A resistência do escravo à escravidão é um fato histórico. Está também, determina as grandes tendências de nossa história. Só

determinada Ê, assume toda à

sua significação nesse mesmo quadro histórico. O nível de desconhecimento sobre o escravismo gaúcho obriga-nos, no entanto, a tentar uma abordagem geral,

quase a-histórica; a tentar delinear nada mais do que os traços gerais desse processo. Só feito esse trabalho é que poderemos partir para um tratamento específico e monográfico dos diferentes momentos desse conjunto. Antes de iniciarmos esta visão

panorâmica da resistência do escravo ao escravismo no Rio Grande, temos que fa-

zer uma ressalva. Sem esta, poderemos cair no mesmo

pouco. Iraçar um quadro parcial de uma realidade global. Se

concentramos

nossa

análise

na

oposição

do

pecado que apontamos há

escravo

ao

escravismo , SE des-

crevemos as diversas formas que assume este ato, teremos o quadro da sistemãtica insurgência do servo negro ao regime social que o oprimia. Isto nos leva, porém, a uma contradição histórico-teórica insolúvel. Como foi possível a continuidade € estabilidade da organização social escravista durante mais de 300 anos, se esteve

ela atravessada, do começo ao fim, por tendências desagregadoras tão profundas?

114

foi possível a estabilidade de uma organização social que sofria, cotidiana-

Como

mente, tão profunda oposição e nível interno de confrontação?

Para compreendermos esta realidade basta ter claro que a organização escravista não é, efetivamente, homogênea; que a relação senhor-escravo não é estática, nem linear. O escravismo nasce, como já vimos, de uma necessidade objetivo-material: da necessidade de valorizar os territórios novos a partir de uma produção intensiva de mercadorias coloniais. Nos quadros históricos de então, isto só era possivel com o escravismo. Se este nasce de uma realidade objetivoeconômica, não deixa, porém, de se estruturar e solidificar a nível de uma instituição jurídica. O escravo é propriedade particular do senhor; este emprega-o nas atividades e tarefas que julga ser necessário. Neste contexto, o mundo escravista assume uma realidade extremamente com-

plexa e heterogênea. O “ser escravo” é uma realidade jurídica, sua essência se define, porém, a nível econômico-produtivo. O escravo da plantação colonial, da igual dos trabalhos mais pesados e estafantes, era juridicamente mineração, ao pajem do grande senhor, à ama-de-leite da família abastada. Objetivamente, a situação era qualitativamente distinta. Entre os primeiros e o senhor estabelecida extração do sobream-se relações econômico-sociais precisas. A maximização trabalho destes escravos produtivos era a determinante central dessa realidade. Entre o senhor, seu pajem e seus criados domésticos se estabelecem relações de tipo diametralmente distinto. Aqui teremos um entrelaçamento de relações afetivo-patriarcais extremamente complexo: Em um caso, trata-se, digamos, do “escravo-proletário”; no outro do “escravo-doméstico”. Estes dois pólos, lembremo-nos, são dois extremos. Entre um e outro existe uma verdadeira infinidade de relações intermediárias. Destaque-se, por exemplo,

o escravo de uma família que realize tarefas produtivas e domésticas, alternadamente.

A realidade produtiva específica é, efetivamente, determinante. O escravo tra-

balhando, por exemplo, na fazenda de criação, vive no geral uma vida aprazível. Como já vimos, existe até mesmo a impossibilidade material de uma extração crescente de trabalho excedente. Se seu senhor é um pequeno proprietário que trabalha ao seu lado, as relações entre senhor e escravo podem evoluir no sentido de um es-

cravismo

tipicamente

patriarcal. A solidariedade

entre amo e senhor, neste

caso,

está, no geral, alicerçada em laços muito mais sólidos que o medo ao castigo. A situação deste escravo, por outro lado, era, no geral, significativamente superior à de muitos livres-pobres que viviam na mais profunda miséria e insegurança.

Não é necessário dizer que esta realidade heterogênea da classe escravaé deter-

minante para a solidez da formação social escravista colonial. Um escravo bem tra-

tado, bem alimentado, dificilmente era tentado por uma liberdade deveras “problemática”. No relativo ao “escravo-proletário”, o medo do castigo, a alienação objetiva de sua própria humanidade, o controle severo, eram elementos que solificavam a coesão do regime escravista. O até agora enunciado não nos deve levar, porém, a uma visão “economicista” da resistência escrava: esta não era apanágio, como veremos, do escravo brutalizaLIS

do pelas duras tarefas produtivas. O escrav o doméstico, o artesão, o negro cam. peiro, etc., também resistiram à escravidã o. Esta resistência era produto de fatores múltiplos

, tais como as condições de trabalho, o nível de cons ciência da Situaç ão escrava, O nível cultural do escravo, etc. Tudo isto enquadra do e determinado pe lo momento histórico vivido. Nesse sentido, só poderemos traçar o ver dadeiro quadro do escravismo brasileiro ou gaúcho quando definirmos, historicamen te, as inter-relações entre a passividade, a aceitação e a resistência ao escravismo. Desta síntese histórico-analítica, surgirá O escravo brasileiro em sua verdadeira dimensão. 2.

A Resistência Individual

O nível mais primário de oposição do escravo à sua situação era a oposição ao trabalho. O escravo, como já vimos, era.

péssimo trabalhador; trabalhava mal, sem vontade, a contragosto. Isso não era de estran har. “O escravo é inimigo visceral do trabalho, uma vez que neste se manifesta tot almente sua condição unilateral de coisa apropriada, de instrumento animado. A reação ao trabalho é a reação da humanidade do escravo à coisificação. O escrav o exterioriza sua revolta mais embrionária e indefinida na resistência passiva ao tra balho para o senhor. O que. aos olhos deste último, aparece como vício ou indoléência inata.” (Go render. 1978,

p. 70). A oposição do escravo ao trabalho como forma de resistência ao escravismo, tem sido, por sua atomização e processo “invisível”, sub estimada pelas ciências sociais modernas. A superioridade do trabalho ass alariado sobre o trabalho escravo só se dará devido a essa verdadeira guerra de guerrilhas do escravo ao trabalho. O castigo, a vigilância, o baixo nível técnic o do trabalho do escravo são subprodutos dessa realidade, que abre espaço para as formas mai s 'modernas” de organização social do trabalho. As outras formas de resistência individual do escravo ao esc ravismo eram a fuga, O justiçamento, o suicídio. Na maioria das vezes, O esc ravo podia não ter claro que seu ato significava um grito de rebeldia contra uma situação que lhe era insuportável. Para o senhor, porém, isso ficava claro. Essa triade,. o ato de sangue contra o amo, seu feitor ou sua família: a fuga e o sui cídio, foi eterna preocupação do mundo dos senhores, pois, em todos os casos, o senhor, ou a sua propriedade, eram duramente golpeados. 3.

O Suicídio do Escravo no Rio Grande do Sul

O suicídio do escravo foi uma constante preocupação para o senhor-de-escravos. Ás situações que levavam a este ato eram múltiplas: as duras condiç ões de vi-

da, a miséria afetiva, uma vida sem perspectivas,

etc. A tudo isso, temos que

ajuntar, fato pouco estudado, as concepções religiosas africana s. O suicídio entre os escravos era um fato colonial, não brasileiro. No Haiti e em Cuba, por exem-

plo, o senhor-de-escravos cortava a cabeça ao suicida. Nest e caso. quando o escra116

vo se reencarnasse na África, ele não poderia nem comer, nem ouvir (Goulart, 1972, p.

123).

|

o

=

No Rio Grande do Sul, o suicídio entre os escravos foi também um fato cotídiano. Tristemente, não temos ainda estudos quantitativos a este respeito. O endémico do ato suicida entre os escravos não escapava à consciência senhorial. Temos inúmeros registros destes atos de desespero nos jornais do Império e nas “falas” dos presidentes da Província. Os registros de suicídios de escravos não devem, no entanto, corresponder, nem de longe, à realidade. Como a escravatura era tida, pelos senhores, como uma instituição “normal” e perfeitamente suportável pelos '“broncos” escravos, O suicídio devia-se sempre ou a uma grave doença ou aos tratos de um “mau” senhor. Muitos senhores preferiam apresentar a morte do escravo como o produto de um acidente ou como o resultado de uma enfermidade. Quando o caso se tornava público, geralmente, “ignorava-se” o motivo que teria levado o homem negro a este ato.

A frequência do ato suicida entre a escravatura preocupava os senhores de escravos. Arnizaut Furtado (1882, p. 25) pôde escrever, nesse sentido, em 1869, falando da condição escrava: “... d'ahi também essa alluvião de suicídios de todo o gênero que esses infelizes buscão como remedio a seu penar, e cujo crime contra a natureza a sociedade é responsável...” Porém, o senhor-de-escravos procurava, geralmente, “ignorar” as causas deste ato: “Suicídio. Apareccu na manhã de hontem enforcado em casa do Senhor Domingos José da Silva Farias, comerciante desta praça, um escravo que exercia o mister de cosinheiro. Ignoramos o motivo que levou esse infeliz a tentar contra a propria existência, porque nos consta que, além de ter optimo tratamento, sahira nessa manhã satisfeitiíssimo da casa de seu senhor, fez as compras de comestíveis de que fora incumbido c no regresso cometeu

o delito que as leis divinas condenam,

mas que Deus na sua infinita misericórdia sabe

perdoar. Elle o tenha em seu seio.” (“icho do Sul”, 18.1.1862 - Destacamos).

O motivo podia ser, é claro, a doença ou, talvez, o não “direito” à doença. “Suicídio. Na segunda-feira suicidou-se asphixiando-sc

no poço da casa uma escrava do

St. José Vicente-Thibaut diretor do colégio S. Pedro. O motivo do suicídio foi o facto

della achar-se inteiramente corroida de doenças ocultas. O Sr. Thibaut havia comprado essa escrava há pouco mais de quinze dias n'um leilão onde lhe havia sido afiançado q'era

sã c jamais tinha sofrido senão d'um panarício. Muito embora esse desengano fosse muito

crucl tratou clle c sua escrava com todo o desvelo... A preta fora escrava do Sr. Dr. MeneZes que a mandou vender em leilão com a delcaração que não sofria senão d'um pana-

rício; a própria escrava declarou que seu ex-senhor a obrigara com amcaças de sova, se não fosse vendida, a declarar no leilão que não cra docnte.”(“Echo do Sul”, 19.2.1862).

Em outros casos,0 suicídio era uma forma de escapar ao castigo do senhor ou do Estado. “Tentativa de assassinato c suicídio. Hontem

de manhã deu-se uma cena de horror nesta

cidade, numa casa à rua do Carmo, do capitão de navio mercante Antônio E. da Rocha. Mandando a dona da casa dizer a um escravo que se achava descancando marmellos que

andasse com o seu trabalho, este enfureceu-se e deu uma facada na preta que lhe levara o recado, tentando depois ferir uma criança e em seguida a sua própria senhora. Não po-

117

dendo executar o seu nefando propósito por haver a senhora com ac riança fugido Para a rua, o monstro suicidou-se com uma facada no peito e um golp e no pescoço...”(“Echo do Sul”, 28.2.1862).

Os documentos que se prestam para o estudo do suicídio entr e OS escravos são inúmeros

, principalmente durante o século XIX. Temos os jornais do Império, temos as observações dos senhores (artigos, correspondências, memórias, etc.) e, principalmente, as investigações que, durante o Império,as autoridades judiciárias eram obrigadas a realizar. Estes últimos documentos encontram -se, abundantes, em nosso Arquivo Histórico e Arquivo Público. 4.

O Justiçamento do Senhor

O senhor-de-escravos temia, mais do que tudo, que o esc ravo levantasse seu braço armado contra sua pessoa, sua família. O Justiçamento do senhor, de sua família, de seus capatazes, era uma constante do mundo escravista. Algumas vezes, estes atos

de sangue serviam para permitir uma fuga.O conselheiro Joã o Capistrano Bandeira diz,

em 1877, sobre Minas Gerais: “À margem do ribeirão Capatinga, distante dez léguas da cidade da Formiga, ocorreu um fato lamentáve l, e ao mesmo

tempo horroroso. Do Curvelo, com direção à Província de São Paulo, eram conduzidos por cinco indivíduos 43 escravos, os quais tiveram de fazer pousada na fazen-

da Boa Esperança, próximo ao mencionado ribeirão. Alta noite, 8 esc ravos livraram-se da corrente em que vinham encadeados e assassinaram a 4 dos condutore s e a um escravo menor de 12 anos. Saquearam as canastras. Alguns foram presos.” (em Goulart, 1972, p. 138),

Outras vezes, tratava-se, possivelmente, de um ato incontido de revolta. José

Alípio Goulart

diz (1972,

p.

139),

por

exemplo:

“Dna.

Maria

Isabel Travassos

Dodgson, viúva do fazendeiro Tomas Butler Dodgson, foi assassinada no dia 12 de

julho de 1862, em sua fazenda denominada Arapucaia, com três facadas, por seu escravo Vitoriano, de nação, que veio a morrer posteriormente, na prisão, do ferimento recebido quando de sua captura. Dá-nos o informe José Norberto dos Santos, vice-presidente da Província do Rio de J aneiro, em seu Relatório de 8 de se-

tembro daquele ano.” Nos primeiros tempos da Colônia, o escravo “assassino” era barbaramente torturado e morto. Mais tarde, o Estado reserva para si, ao menos formalmente, o direi-

to de dar a morte ao homem escravizado. A lei do “Excepcional” de 10 de junho de 1835, era, efetivamente,

implicável. “Serão punidos com a pena de morte os es-

cravos ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente, ou fizerem qualquer outra grave ofensa física

a seu se

nhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes que em sua companhia morarem, ao administrador, feitor, e às suas mulheres que com elas viveram.” (em Ma-

lheiros, 1970, p. 43). Esta lei não parece ter impedido explosões individuais da cólera servil em nossa Província. Os relatórios dos presidentes da Província se referem, diversas vezes, a casos como estes. Podemos ler, por exemplo, no relatório do Dr. Esperidião, de 118

1864: “No distrito de Ireihy, termo do Rio Pardo, o crioulo Feliciano, de 16 anos

de idade, escravo de Luiz Machado, assassina barbaramente

a sua senhora, sendo

preso e€ processado.”” Na “Falla do 20, Vice-Presidente Joaquim Pedro Soares”,

de 1881, temos, também, o registro da morte de um agricultor nas mãos de um seu escravo. Este mesmo presidente relata-nos, no ano seguinte, a morte de um tenente-coronel, também por um escravo.

Aqui no Sul, o escravo também matava para fugir e, algumas vezes, alcançava o seu objetivo. No relatório do Dr. Espiridião (1864), podemos ler: “Nesta Ca-

ambos pital os portugueses Manuel Caetano de Caldas Quintela e seu irmão, padeiros, São barbaramente assassinados a golpes de achas de lenha, dentro de sua

casa e a desoras, pelos seus três escravos Delfino, Silvestre e Camillo, que com o favor da noite conseguem refugiar-se em lugar até hoje não sabido.”

Em nosso Arquivo Público, encontram-se depositados inúmeros processos com as investigações judiciais e policiais, julgamento e ata de execução de escravos acusados de crimes semelhantes Entre estes, destaca-se uma peça, em ótima caligrafia, sobre o julgamento de um escravo em Pelotas, e sua morte por enforcamento” (1848). As charqueadas, com suas péssimas condições de trabalho e vida, deviam ser o palco

contínuo

de

semelhantes

atos. Agregando-se

ali a situação de inúmeros

tipo de instrumentos cortantes para o trabalho da escravos armados de todo carne. Temos uma sintética notícia no.''Echo do Sul” (26.6.1866) falando de um caso como este: “De Pelotas — Escrevem-nos dali: O juri no sábado julgou o processo em que é réu o preto Machado, escravo do Sr. Domingos Soares Barboza, acusado por crime de homicídio, perpetrado na pessoa do capataz da charqueada daquele Sr. Foi acusado pela promotoria pública, e defendido pelo solicitador Sr. J. M. de Oliveira, nomeado ex-oficio pelo digno presidente do tribunal. O juri condenou o reú às penas do artigo 192 do código criminal grau máximo (morte).” O “Echo do Sul” ainda julga necessário agregar: “Foi justa a sentença do juri”. 5.

A Fuga do Escravo no Rio Grande do Sul A fuga do escravo, acontecimento cotidiano no mundo escravista, espera ainda

ser valorado por nossa historiografia como ato de rebelião. Trata-se, no entanto, da forma mais importante de oposição individual ativa ao escravismo.A fuga podia ser um ato definitivo ou temporário de libertação; uma forma de melhorar as con-

dições de vida ou, até mesmo, uma espécie de, “greve”.

Um escravo podia fugir para aquilombar-se no mato, nos ermos mais afastados da civilização e tentar ali reconstituir sua vida como produtor independente. Podia, embora fosse mais difícil, tentar passar por homem livre ou liberto em uma outra região. Uma outra forma de fuga, algo contraditório, porém bastante comum, era a do escravo que escapava para procurar um outro “senhor”. Este, o “acoutador”, não havendo arcado com o ônus da compra, tendo que respeitar esse “pacto” ilegal, permitiria, possivelmente, uma forma de vida mais fácil, menos dura, ao escravo. Este “pacto” era, muitas vezes, descoberto. 119

“João

de Pires Soares protesta na forma da lei e con tra a pessoa ou Pessoas que tiverem acoutado a sua escrava Maria, q' anda fug ida desde 27 de dezembro passado, acresc entando que por informações já sabe pouco mais ou menos quem seja essa pessoa e para não se poder chamar à ignorância, faz o presente annuncio. “(CEcho do Sul”, 18.1.1863).

O escravo podia procurar como de-ganho” que vivia só.

“acoutador” um negro liberto, um “escra vo.

O escravo podia fugir por alguns dias, para descan sar, vagabundear. Não se tratava, então, de um plano elabor posteriormente

castigado, sem

ado visando a definitiva libertação. Ainda que fosse dúvida, era atraente a idéia de passar algum tempo

longe de um trabalho estafante ou aborrecedor; de decidir, por alguns momentos, seus passos. Trata-se de uma forma de férias, de “gre ve” contra a escravidão. A fuga do escravo era sempre um prejuizo para o amo; a perda definitiva de um ou mais escravos podia ser um golpe sério nos “cabedais” dos senhores-deescravos, o início de sua ruína. Ainda que seu servo fosse recapturado, o tempo em que não trabalhara era um prejuízo definitivo. Esse pre juizo era acrescido com a gratificação a ser paga aos responsáveis pela recaptura. O senhor-de-escravos temia sobremaneira a fuga de sua mai s querida “ propriedade."" Para impedi-la, todas as precauções eram poucas. No trabalho, a vigilância de ver dadeiro exército de capatazes; à noite, o escravo

era proibido de peram-

bular pelas ruas, a não ser com a licença escrita ou na companhia do sen hor. As grossas paredes da senzala, suas pesadas portas, as pequenas e gradeadas janela s definiam bem o dormitório dos escravos assenzalados: uma prisão. E, sempre presente, a ameaça do bestial castigo, caso o escravo fujão fosse preso tentando escapu lir ou, mais tarde, por algum capitão-do-mato de profissão ou improvisado. Apesar de todos os perigos e ameaças, o escravo fugia. Fugia apr oveitando um descuido do capataz, a liberdade de movimentos que uma tarefa ou uma profissão

lhe facilitava. Fugia quando o mundo dos senhores se desorganizava com uma guerra, uma revolução; quando o senhor fechava os olhos. Na verdade, o escravo não perdia tempo, fugia sem olhar para trás, muitas vezes, sem saber para onde. No Sul, a fuga de escravos é tão velha como a fundação do Presídio Jes usMaria-José. “Ao terminar o ano de 1738, entre as cartas que o Gov ernador do Rio de Janeiro, de quem dependia a administração do sul do Brasil, “endereçava ao mestre de campo” André Ribeiro Coutinho, governador do Rio Grande e comandante das tropas, consta uma sobre “escravo fugido do capitão Fernando C. de Melo”...”” (Laytano, 1957, p. 30). Teremos escravos fugindo momentos antes da abolição da escravatura. A importância da fuga do escravo no Rio Grande do Sul explicita-se na quantidade de anúncios sobre estes fatos que aparece nos jornais do Império. Esses a-

núncios ofereciam recompensas pela captura, davam a descrição do escravo “fujão”, a roupa e bens que ele levava no momento da aventura. Em nosso Arquivo Histórico, temos, também, uma significativa correspondência dos delegados de polícia sobre escravos fugidos. Temos diversos levantamentos muni cipais (18481849) ordenados

120

pelo presidente da Província

que se referem, em grande parte,

, nesse nte ame tiv Efe ha: pil rou Far ção olu Rev a e ant dur os lid apu aos escravos esc evento (1835-1845), entre “farroupilhas” e “legalistas”, os escravos parecem

ter optado por suas pernas. O delegado de polícia da cidade de Rio Pardo envia, por exemplo, em 1849 Fardo 1849), ao Presidente da Província o seguinte ofício: “Em (AHRGS,

cumprimento

à Ordem de V, Exmo,

em officio circular de 4 de Outubro do anno

s de todos próximo findo, junto remetto a informação circunstanciada das pessoa Orienos Destrictos do Termo desta Cidade que tem escravos fugidos no Estado tal ou nas Provincias vizinhas cuja relação inclusa, contem o nome dos escravos e me ordenou. Exa. V. que ma for na s; ada mor suas de s cto tri Des e os, don de seus de 57 senhoa list uia Seg 9.” 184 de o eir Jan de 30 do Par Rio xa, V.E a rde Gua s Deu escravos. res-de-escravos que tinham perdido nada menos do que 132 O escravo, como já vimos, podia escapar “para uma outra região, para um quijão” podia “fu o il, Bras do o rest do rio trá con ao Sul, do nde Gra Rio No lombo. lart alcançar efetivamente a liberdade. No tocante às nossas terras, José Alípio Gou

(1972, p. 25) erra ao escrever: “E de salientar , nesse passo, que ão evadir-se não supunha o escravo pudesse modificar seu “status” social, adquirindo liberdade como simples decorrência de seu gesto aventuroso. Não. Impulsionava-o, tão somente, o imperativo de sobrevivência física, alimentado por pesada carga de revolta. Dessarte, no Brasil, o escravo fugia, fugia, sim porém sem maiores esperanças nem melhores perspectivas. Ao abandonar a casa de seu senhor, O calhambola não vislumbrava qualquer área ou espaço geográfico em o qual, transpondo-lhe a frontei“Estou ra política, pudesse despir a túnica ignóbil do servilhismo e proclamar: livre!”.” Aqui, o escravo procurava, sistematicamente, a fronteira castelhana, pois lá podia, sim, proclamar: “Estou livre!”

*.

“RJ derecho de asilo, de larga tradición hispánica — diz Ema Isola (1975, p. 265) —, fue extendido a los negros y mulatos esclavos por las Reales Cédulas de 1773 y del 14 de abril de 1789 (si bien hubo al respecto otras reales cédulas anteriores de extensión parcial del derecho de asilo negro) que establecian que los esclavos que entrasen a tierra espafiola fugados de tierras extranjeras quedando en liberdad.” Por isso, não era de estranhar que, de modo geral, o escravo gaúcho procurasse o abrigo de Entre Rios ou, mais amiúde, da Banda Oriental.

Nos anúncios que ofereciam gratificações e descreviam o escravo “fujão”, não é difícil encontrar anotado que se desconfiava que o escravo dirigia-se para a fronteira.

“2008000 de Gratificação. A D. Clara Maria da Silva Cunha, em Pelotas, fugio um escra-

vo, de côr parda, de nome Demetrio, com

25 annos de idade, assignalado de bexigas,

de estatura regular, cabelos crespos e bastante crescidos; é bom campeiro e muito esperto; supõe-se que tomou cho do Sul”, 1.9.1861).

Ao

aproximar-se

a direção de Dom

Pedrito, com destino à fronteira...”. (CE-

da fronteira, o quase-livre devia redobrar a atenção,

ois ali

ta extrema a vigilância. Mais de um escravo foi recapturado a um passo da liberdae,

“Na cadeia da cidade de Jaguarão foi recolhida uma escrava de nome Joaquina, de pro-

priedade de João Souza, residente na vila de Sant'Anna. O seu senhor pode procurá-la

121

e À entender-se

na mesma

tisfez a despesa da pessoa Rio Grande, 29.3.1867).

cidade com o Capitão Silvestre Nunes Gonçalves Vie ira, que agarrou-a

ao passar para o Estado Oriental”. Diário É

:

o

Muitas vezes, preso um escravo fugido, era necessári o encontrar seu senhor “Del. de Pol. de Rio Pardo. 1866. Acha-se pre zo na cadêa desta Cidade um criôlo de nome Bernardo que me foi remettido pelo Subdelegado de Pol icia da Fregue. sia de Santa Cruz, o qual escravo declaroume ser da propriedade do Commenda. dor Manoel Ferreira Porto, rezidente nesta Capital, e ter-se auzentado da Fazenda do mesmo a quatro mezes; rogo portanto a V.Ex, se digne averiguar se com effeito aquelle escravo é de propriedade do dito Commendador: os signaes delle constão de incluza nota. : a

SED

E

REAR

RO

Re

DR

o

OMG

ME

RR

RI

O

ET

O CR

O

AO

O TO

E

o

RS

“(Verso) Signaes característicos a que se refere o officio dest a data. Bernardo, Estatura regular; Côr preta: Rosto redondo com alguns signaes de bexiga: barba no queixo; olhos castanhos; Nariz um pouco chato; Boca regular: Grosso de corp o;

Tem

as costas cicatrizadas de castigo rigorozo; Idade 22 a 24 annos, mS. ou menos.

Rio Pardo 28 de Fevereiro de 1866,” Ainda que a maioria dos fugidos fosse de homens jovens, temos fujões velhos e, até mesmo, meninos. Luiz, que foge em 1864, tem “'SQ annos mais ou menos” (DRG 4.1.1865); Augusto, que escapa no ano anterior, tem “40 anos pouco mais ou menos” (H.S. 8.3.1863); Adão, “mulatinho”, que foge em 1863,é de “idade de 13 a 14 annos” (H.S. 2.1.1863) e, finalmente, temos o anúncio de “um criolo de 12 annos, fugido em 1859.” (H.S. 3.6.1859). A fuga, também, não era apanágio de nenhuma nacionalidade. Temos fujões “crioulos” como Martiniano (H.S. 5.4.1867); “cabindas”, como Luiz (DRG. 4.1. 1865); “nagôs” como André (H.S. 6.2.1861); “minas” como João (H'S7 2]5K 1861); moçambiques” como Antônio (H.S. 21.4.1863); “congos”” como Augusto (H.S. 8.3.1863). As profissões são, também, as mais variadas: temos “campeiros” (DRG. 11.11.1866); “calafetes” (DRG. 17.5.1866); “alfaiates” (DRG. 2.3.1866); “cozinheiros” (DRG. 1.12.1866); “pedreiros” (H.S. 21.11.1861); “marinheiros” (H.S. 26.2.1863); Os meios de

“marceneiros” (HS. 3. 1863); etc. fuga, eram, também, os mais variados. A grande

maioria,

sem

maior iniciativa ou possibilidade, fugia a pé. Outros eram mais comodistas, usavam transporte animal ou aquático.

“Rs. 50$000. Gratificação. Fugiu de bordo do hiate * Glória ”, no dia 12 de março, O es

cravo Antônio, de nação Moçambique e propriedade de José dos Santos Braga, o qual em principio do corrente mez desembarcou de uma canoa do mesmo hiate no lugar denominado, Areias Gordas... (“Echo do Sul, Rio Grande, 21.4.1 863).

“Fugiu.

menos

Na noite de 10 do corrente mez um escravo crioulo idade de 30 annos, mais ou

... esse escravo

embarcou

em

uma

canoa

provavelmente

com

o intuito

em algum navio, ou fluvial ou de barra fora...” (“Echo do Sul”, 21.7.1863).

d'embarcar

Em geral, a fuga era um ato individual. Alguns, no entanto, preferiam arriscar

a sorte em grupo,

122

“Fugiram

a Alexandre

Antonio, sendo

Jacintho

da Silva, os seguintes escravos: Dois negros de nomes

um grosso de corpo, de altura regular, e com

um

signal sobre um

dos

olhos; e outro mais baixo, também gordo, ambos de nação e já meio idosos. Uma crioula

de nome Joaquina magra e alta, a qual levou consigo uma filha de peito...” (“Echo do Sul, 9,4.1863).

Como podemos ver, a fuga era um fato cotidiano no mundo escravocrata. Não

era apanágio de um sexo, de uma idade, de uma origem ou ocupação específica.

reação à própria condição escrava. Fugia o cozinheiro (que era talvez

Era uma

bem tratado) ou o trabalhador da charqueada (sem dúvida maltratado). Para alcan-

como já çar a liberdade, o escravo fugia, furtivamente, se possível; se não, usava, vimos, a violência.

Na época que estudamos com mais atenção, a fuga para aquilombar-se já era

mais

rara. Os

cia. Alistar-se

lugares ermos e agrestes escasseavam

como

voluntário para ir combater

alcançar a liberdade) e a fronteira parecem “fujões” .“Fugiu... um

mulato

de nome

com

o povoamento

na Guerra

do Paraguai

da Provin-

(e assim

ter sido os objetivos principais dos

Candido, alto, .bonita figura... sabe ler e

escrever e por isso talvez se inculque de forro, para sentar praça em algum dos corpos de linha ou voluntários.” (“Echo do Sul”. 18.2.1866). Nesta época, as grandes povoações da Província começam também a ser procuradas como refúgio. O “crioulo” de nome Agostinho foge de seu amo mas não se afasta de Rio Grande. “... Sabe-se que esse crioulo anda homisiado por “zungus” da Rua Formosa, onde até hoje não tem penetrado a polidiversos cia.” (“Echo do Sul””,3.3.1866). A fuga podia dar, no entanto, origem a uma forma de resistência grupal à escravatura e à sociedade oficial. Quando os escravos fugiam e se reagrupavam em um quilombo, pequeno ou grande, criava-se um verdadeiro pólo em contradição com o mundo escravista. 6.

Os Quilombos Brasileiros

Por muito tempo, falar em “quilombo” foi falar na epopéia dos negros de Palmares. Bem ou mal, nossa historiografia havia registrado esses fatos épicos

envolvendo

escravos,

libertos, livres-pobres,

luso-brasileiros

e holandeses.

A

im-

portância que assumem os quilombos da “zona da Mata” da capitania de Pernambuco, no século XVII, não permitia desconhecimento. “A

floresta acolhedora

pavam

dos Palmares

serviu

de refúgio a milhares de negros que se esca-

dos canaviais, dos engenhos de açúcar, dos currais de gado, das senzalas das vilas

do litoral, em busca da liberdade e da segurança, subtraindo-se aos rigores da escravidão e às sombrias

perspectivas da guerra contra

da noite, embrenhando-se

beceiras'

os holandeses.

Os negros fugiam

no mato, mas, com o tempo, desciam novamente

na calada

para

as 'ca-

dos povoados, a fim de induzir outros escravos a acompanhá-los e raptar negras

e moleques para os Palmares. Em breve,o movimento de fuga era geral. A invasão holan-

desa afrouxava a disciplina de ferro da escravidão — e, por toda a parte, do sertão de Per-

nambuco,

da costa de Alagoas, do interior de Sergipe e da Bahia, novas colunas de negros

fugidos chegavam para engrossar a população do quilombo.” (Carneiro, 1966, p. 1).

123

ps

Essa visão da exclusividade do “Quilombo dos Palmares” termina retirando -0 todo contexto histórico; transformandoo em um misto de verdade e lenda. de Nos últimos anos, porém,o “quilombo””, como fato histórico, comeca a assumir q sua verdadeira esséncia. Abandona-se a visão épica da batalha exclusiva nas matas

pesnambucanas, e Se começa a compreendé-lo como .forma de resistência coe tiva ao escravismo que transcende esse estrito marco geográfico. Temos efe. tivamente ,

sob diversos nomes,

quilombos

através de toda a América escravis-

ta (Colômbia, Cuba, Uruguai, etc.) e, até mesmo, for a dela (São Tomé). No Brasil, já temos, hoje, ainda que incompleto, um inventário dos principais quilombos brasileiros. Estes pulularam, durante mais de 300 anos, no litoral e sertão do Bra. sil, de norte a sul.

Não é suficiente, porém, inventariar os quilombos brasileiros. Temos que analisar sua verdadeira essência, seu significado em nos sa história. Para isso, muito nos falta. Os estudos monográficos são raríssimos; sal vo engano, não existem trabalhos arqueológicos sobre povoações quilombolas. A fixação histórica é outra necessidade; nada mais perigoso do que uma análise a-histórica. Tem os, também, que co-

nhecer o “tipo”, a origem e a cultura do escravo que habitava um dad o quilombo; a organização social e econômica dessa concentração . Como vemos. o trabalho é titâni

co. Os estudos mais recentes se detém, não obstante, devido às dificulda des, em uma visão “externa” da agrupação libertária e suas relações com a sociedade “oficial”. Apesar destas limitantes, começamos a entrever o processo de gênese das concentrações quilombolas; suas determinantes essenciais.

O quilombo, como a insurreição, foi a forma mais conhecida de reação social contra a escravidão. A tentativa insurrecional não era, no entant o, comum.

Forma de rebelião que procura conquistar, com um só golpe, a liberdade efetiv a e destruir (ao menos em parte) a base da opressão, foi fato histórico relativament e incomum. As dificuldades para a sua organização e efetivação eram muitas. Os escravos eram originários de distintas regiões da Áfr ica. Falavam diferentes línguas, professavam diferentes religiões. Os engenh os, fazendas, as grandes concentrações de escravos estavam, geralmente, distantes umas das outras.À comunicação era difícil. Era necessário burlar a denúncia, a vigilâ ncia dos feitores, da polícia, dos padres. Era necessário chegar a uma visão da necessidade da organização coletiva, da fortaleza da classe escrava, das possibilidades do ato insurrecional. O próprio fato de que o escravo rural, pilar de qualquer con spiração deste tipo, encontrava-se, geralmente, esmagado pelo processo produt ivo e tivesse muito pouco tempo de lazer e de vida para dedicar-s e à construção de um plano como esse, tornava a insurreição fato extremamen te difícil.

A forma mais comum e mais característica de resistência ao escravismo foi a fuga e a posterior constituição de “quilombos”* 2, Fugindo o escravo do seu se42

124

“Quilombo”,

“mocambos”

luso-brasileiros às concentrações, pequenas » eram as formas sob as quais se referiam os ou grandes, de escravos fugidos. Estas palavras são de origem “angolana”, Quilom ou

concentração dos ex-escravos.

“mucambos”

bo é

» Portanto, uma denominação “exterior” à própria

nhor, sozinho ou em grupo,

podia procurar uma região afastada,

de difícil aces-

so, e ali, com outros companheiros e companheiras, fundar seu mundo. Vivia, então, como produtor independente, ou seja, amo, relativamente, do produto do seu

trabalho. Os quilombos poderão ser organizações sociais mais ou menos complexas,

praticar uma economia mais ou menos refinada. Eram, porém, um quisto na sociedade escravocrata. Todo quilombo questionava, efetivamente, a sociedade oficial. E isto em dis-

tintos níveis. Por um lado, rompia de fato a estrutura monopólica da terra quando a ocupava pela força. Esta própria ocupação terminava valorizando-a. A produção excedente dos quilombolas era, também, muitas vezes, vendida nas próprias aglomerações. O quilombo não pagava, é lógico, nenhum tipo de imposto e, não

raro, chegava a cobrálos dos fazendeiros da região, para não os importunar. Cons-

tituía,

objetivamente,

um outro “Estado”.

Outro

elemento

pesava

na desesta-

bilização da situação quilombola. U escravo era, não esqueçamos, valor. As concentrações de ex-escravos, principalmente se eram significativas, constituiam, assim,

um etemo atrativo para toda sorte de aventureiros à procura de um rápido enriquecimento. O quilombo rural opunha-se à sociedade oficial. Questionava o monopólio da terra, era constituído de “bens” de alto valor, valorizava os terrenos que ocupava,

entrava em choque

com

a administração e praticava, muitas vezes, a apropriação

de escravos, escravas e bens das fazendas mais próximas. A oposição fundamental entre o “quilombo” e o mundo “oficial” era, no entanto, “política”. A concentração de ex-escravos era um pólo libertário subvertendo a organização escravista.

Diante

dos

olhos dos escravos, levantava-se

uma

sociedade

onde

o homem vivia do seu trabalho, das suas plantações, da caça e de arapucas. Enquanto o último reduto não estivesse destruído, a chama da liberdade poderia alastrar-se queimando senzalas, plantações, fazendas e povoações. O quilombo tinha que ser arrasado. Existiram, portanto, em diversas épocas e em diversas regiões, diferentes “tipos” de quilombos. Eles eram condicionados por vários fatores que independiam da vontade do escravo. O terreno era uma primeira determinante. Uma região montanhosa, agreste, perto de uma concentração de escravos (fazenda, engenho,

etc.), facilitava a construção de uma concentração quilombola. O peso relativo e absoluto da população escrava, em uma região, era outra determinante. As crises políticas, econômicas e sociais, a homogeneidade racial, caracterizavam, também,

a formação de um quilombo. A “capital” de Ganga-Zumba, com mais de 5 000 escravos, só pode ser compreendida se vista no contexto da grande concentração de escravos precocemente aglutinada no Nordeste pelo ciclo de açúcar; da desorganização da sociedade lusitana determinada pela chegada dos holandeses e das próprias particularidades da região dos Palmares. Bastante distintos serão os quilombos que cercaram, por muito tempo, a cidade

do Rio de Janeiro; esta cidade foi, efetivamente, uma das maiores concentrações de

escravos africanos do Brasil. “No

decorrer

do primeiro quartel do século XIX,

125

tomou grande vulto a formação de quilombos no Rio de Janeiro. . Esses dgrupamentos de negros formavam-se nas Laranjeiras, às ma rgens da Lagoa Rodrigues de Freitas, nas faldas do Corcovado, em Santa Teresa, etc ... Uma... moradora nas Laranjeiras, relata que: * No decorrer das minhas incursões vim a saber que havia um núcleo de escravos fugidos não longe de minha habita ção. Descobri, ainda, que as cestas, ovos, aves e frutas que me eram vendidas, vinham dessa gente...'.” (Goulart, 1972, p. 230). 7.

Quilombos no Rio Grande do Sul

Nossa historiografia não se refere, especificamente, a quilombos no Rio Grande do Sul. Quando registra a existência de algum, é rapidamente, de passagem, sem maiores explicações ou comentários. O quilombo gaúcho, como outras formas de resistência do escravo no Brasil “ainda não obtiveram aquilo que Lucien Febyvre denominou lapidarmente de “direito à história”. Não apenas são mal conhecidas no geral sequer se faz idéia da frequência e intensidade com que se produz iram — senão que tratadas como episódios marginais do processo históric o brasileiro.” (Freitas, 1973, p. 11). À displicência, ajunta-se, no nosso caso, um falso raciocínio. O escravo gaúcho sempre teve a fronteira como raia de liberdade. Por qué, então, teria que se aqui lombar para alcançar a liberdade? Não teria sido mais fácil, e seguro, diri gir-se para Os territórios castelhanos? Não teriam todos ido para lá? Os motivos da formação dos quilombos gaúchos podem ter sido muitos. O desconhecimento dos caminhos até a fronteira, o controle das estradas e picada s, a pouca vontade de terminar como “peão” espanhol. Até mesmo o amor pela terra. O certo é que o escravo gaúcho, em maior ou menor número, fugiu para aquilombar-se nas faldas da serra, no fundo de uma floresta ou na volta de um longinquo arroio. Mas, como podemos conhecer nossos quilombos? Os documentos escritos que conhecemos sobre o escravismo gaúcho não são muitos. Existem, porém, outras fontes que nos podem ajudar. Um estudo sistemático destas fontes dar-nos-á ainda muitas surpresas. No entanto, a maior parte dos nossos quilombos, talvez, não tenha deixado rastros na documentação histórica conservada e esteja, portanto, perdida para a nossa historiografia. 8.

As Principais Fontes para o Estudo dos Quilombos Gaúchos A) À toponímia

A toponímia gaúcha pode ser uma importante fonte no estudo do escravismo

gaúcho. A partir dela, valendo-nos da tradição oral, da arqueologia, dos documentos

escritos, etc. poderemos, talvez, elucidar alguns pontos ainda obscuros de nossa

história. Muitos nomes, quase esquecidos, como o “paço dos Negros”, em Pelotas,

a “ilha do Ladino”, em Rio Grande, etc., talvez se originam de acontecimentos referentes ao escravismo que se perderam para a nossa memória histórica.

126

Isso é ainda mais verdadeiro para acidentes geográficos de regiões tardiamente ocupadas. Estas, caso tenham sido refúgio de um grupo de quilombolas, passaram,

muitas vezes, por falta de melhor denominação, a ser chamadas como, por exemplo: «() arroio onde está o Quilombo”, a “ilha onde está o Mocambo”. Generalizandose e simplificando-se, temos: “O arroio do Quilombo”, a “ilha do Mocambo”. Destruído e esquecido o agrupamento negro, ele continua registrado com

o nome

próprio desse acidente. Temos então o “arroio Quilombo”,a ilha Mocambo”. Esse processo é bastante comum no Brasil. E impressionante o número de arroios, ilhas, serras, com semelhantes

nomes.

Raramente

eles tiveram ou-

tra origem senão a descrita. No Rio Grande do Sul, por exemplo, temos cinco

arroios e uma ilha com o nome de “Quilombo”. Elas encontram-se, caracteristicade Pelotas, Candelária, Jaguamente, em regiões de tradição escravista ( municípios rão, Osório, Viamão, Santa Maria). A toponímia é, portanto, um ótimo ponto de partida para uma investigação

desta natureza. Encontrado um topônimo como este, temos que partir para uma pesquisa nos documentos da época (documentos escritos, relatos, tradição oral, etc.) até encontrarmos uma prova positiva da existência deste quilombo. Nesse sentido, um topônimo deve servir sempre de partida e não, isolado, como prova cabal da existência de um fato histórico. Não é impossível, apesar de difícil, que um topônimo como este tenha outra origem, que a descrita. B) Posturas Municipais, Leis, Decretos, etc.

Uma outra fonte para o nosso estudo são as posturas municipais e leis provinciais referentes ao escravismo. Neste caso, porém, temos que distingiiro que se origina das necessidades específicas e reais de uma região, do que foi copiado, por modismos ou imitação, de outra. As decisões das câmaras municipais, a correspondência destas últimas, os papéis dos delegados de polícia, da Guarda Nacional, são outras fontes riquíssimas para o nosso estudo. Não é necessário dizer que a correspondência dos presidentes da Província com o poder central, até agora não utilizada, pode nos ser, também, de extrema importância.

A primeira referência conhecida a quilombos no Rio Grande do Sul encontra-se nas atas da câmara de Porto Alegre. Na sessão de 31.2.1789, podemos ler”

“Nesta vereança se proveo a Estácio Dutra para Capitão de Mato do Distrito da

freguesia desta

vila e se passou edital sobre as rondas que o mesmo

devia fazer

pj noite.” Os escravos começam a ser um problema para a Vila. Essa referência Seguida por uma outra, da mesma câmara, de 18 de abril do mesmo ano. Nesta vereança se deferiu a vários requerimentos, e se mandou fazer hua marca F para marcar os escravos apanhados em quilombos, e assim mais um tronco para 6 Capitão do Mato segurar os escravos que forem apanhados em quilombos para neles se fazer a execução que a lei determina antes de entrar na cadeia. "(Anais do III Congresso Sul-rio-grandense de História e Geografia, V. 2, 1940, p. 203) 127

Mais do que as duas referências aos quilombos — a marca “FP” de “Tujão” eo castigo no tronco para os recapturados — parece-nos import antí ssima essa literatu. ra, pois já nos sugere a leitura que devemos fazer, no Sul, do vocábu lo “quilombo”. Não se referem, os vereadores, a um “ quilombo” ún ico, significativo, import ante: referem-se a quilombos genéricos. | O peso absoluto do escravo no Sul nunca foi elevado. No ssa Capitania, e mes. mo a província, povoou-se tardiamente. Não tinhamos, aqui, a verdadeira multi. dão de escravos

do Nordeste. Não tínhamos, também, a mesma pop ulação livre

é claro. O escravo

fujão

tinha a fronteira cómo

meta principal. O relevo do nosso pampa, geralmente, não oferecia regiões que pro tegessem, facilmente, grandes concentrações de escravos fugidos. O “Cima da Serr a”, é habitado, inicialmente, por ferozes “bugres” inimigos de todos que penetrass em em seus territórios. Cedo, começa-se a desbravar estas regiões, que são pas sagem para os tropeiros que se dirigem ao Norte.O qui

lombo gaúcho, por inúmeras determinantes, não se constitui de gran-

des concentrações de escravos. Tratava-se, quase sem pre, como veremos (e até onde alcançamos a ver) de pequenos grupos de escravos e escr avas. Não passariam, talvez, de duas ou trés dezenas de escravos, no máximo. A legislaç ão municipal, algo mais tardia, parece apoiar essa afirmativa. “No art. 20 do Código de Posturas da Cidade de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul — afirma José A. Goulart — (1972, p. 187), aprovado pela Lei Provincial no. 157, de 9 de agosto de 1848, lê-se que: “Por quilombo entender-se-í a reunião no mato ou em lugar oculto, de mais de três escravos”.” Em redor de Porto Alegre, nas ilhas do Guaíba, principalmente nos primeiros anos dessa cidade, deve ter havido várias concentrações de alguns punhados de escravos e escravas fugidos. Porém, não temos ainda referências diretas a elas. Não

temos,

também,

referências diretas a possíveis quilombos nas regiões ba-

nhadas pelo Jaguarão. No entanto, um dos seus pequenos afluentes leva o nom e de “Quilombo”.

À primeira

vista, pode-se

pensar

que se tratava de escravos fugidos

das charqueadas desta região. Pensamos que não. As primeiras charqueadas de Jaguarão, que datam dos primeiros anos do século XIX, dificilmente trabalharam, nos primeiros anos, com uma mão-de-obra africana significativa. A região, de fácil acesso, tomava difícil o homizio seguro de escravos, nessa época. O arroio Quilombo, deve, no entanto, ter dado guarida a escravos fugidos, isso, porém, em épocas mais recuadas, A consolidação lusitana nessa região (1801)

encontra já esse topônimo sendo usado correntemente, tanto por espanhóis como

por luso-brasileiros. Esta região talvez tenha sido palco de uma ocupação quilom-

bola em épocas ainda mais remotas. Estes terrenos “neutrais”” foram, durante muito tempo, terra de ninguém; uma fronteira” entre as possessões das duas coroas. Deve ter sido, portanto, lugar ideal para o refúgio de escravos espan hóis €

lusitanos, nos

últimos anos do século XVIIL Este é outro ponto de nossa história

que espera ainda uma elucidação e comprovação positiva.

128

9.

O Quilombo do Negro Lucas, na Ilha dos Marinheiros As

principais

aglomerações

urbanas

da Colônia

e do Império

foram

sempre

importantes concentrações de escravos. Muitas vezes, os negros fujões preferiam, como no Rio, ficar em suas imediações e ali fundar um pequeno quilombo. Iratava-se, possivelmente, de escravos “urbanos”, acostumados ou “conquistados ”

pela vida citadina. A vida rural lhes seria desconhecida ou pouco atraente. Perto das ilhas e povoações, apoiando-se na colaboração de negros libertos, livrespobres e escravos, viviam de pequenos roubos ou, principalmente, mantendo um

pequeno comércio com a população. É um caso como este, que nos relata o jornal

“0 Observador” de Rio Grande. A destruição do Quilombo do Negro Lucas, na ilha dos Marinheiros, vale, na edição de 9 de janeiro de 1833, uma primeira página. “Há mais de dez annos — diz o pequeno jornal — que se achava fugido, e embrenhado no mato da Ilha dos Marinheiros, um preto por nome Lucas, junto com muitos outros escravos fugidos, que ali se costumão acoutar desde largo tempo; este selvagem andava de contino armado de espingarda, espada, faca, e sahia de vez em quando a passear pela Ilha, ameaçando os moradores brancos, á quem se tornava ainda mais temivel pela grande protecção, que tinha dos pretos, e pardos forros, que ali residião: sete assassinatos sabe-se que havião sido por elle perpetrados; sendo as duas últimas victimas da sua ferocidade Antônio Vicente, pobre

pai de família, e um moço filho de um dos Delegados da mesma Ilha, Francisco Gonçalves d'Assumpção, há pouco por elle morto de um tiro, em occasião que diligenciada prendel-o.”

A ilha dos Marinheiros, de importantes dimensões, era, na época, coberta por significativa vegetação e matas. Praticava-se nela, já nessas épocas, a plantação de frutos e verduras, que eram trazidos e vendidosem Rio Grande. Saint-Hilaire (1974, p. 57), em sua passagem por Rio Grande, escreve: “Não estive na Ilha dos Marinheiros mas soube que ela tem 2 léguas e meia de comprimento. É em grande parte coberta de mata e é a fornecedora de lenha para os hospitais e quartéis. Possui ex-

celente fonte de água potável, cuja qualidade pude apreciar à mesa do major Mateus.” Protegido pelas matas, pelos negros libertos e escravos que lá viviam e traba-

lhavam,

bem armado

e sem medo, Lucas (e sua gente) parece ter vivido na Ilha,

por muito tempo, sem grande incomodação. Talvez, mais do que o fato de ser um escravo fugido, uma desavença ou insubmissão frontal às autoridades tenha precipitado a situação já extremamente instável em que se mantinha.

“Em O nosso Guardas assim se

consequência deste último attentado — segue o nosso jornal —, mandou muito benemérito Juiz de Paz que o sobredito Delegado, com quatro Nacionaes, se postasse de emboscada no mato, para o fim de o prenderem; executou, e no fim de dôze dias de diligencias, veio um pardo que andava

no mato á título de fugido, avisar aos Guardas Nacionaes, que o assassino havia

de vir de passeio na manhã de 19 do corrente, á casa de um preto escravo do Sr.

Justino

José

de Oliveira:

aproveitárão-se

então

desta occasião, e recolherão-se

á

129

dita casa, onde com effeito, pelas nove da manhã do dia assignalado, chegou o bar baro armado, segundo seu costume, junto com dou s outros pretos armados E

lança, e uma preta...” É sintomático que, conhecendo o refúgio de Lucas e sua gente — como veremos a seguir —, os guardas nacionais preferissem

armar uma emboscada

com

a ajuda de um alcagúete. Mais do que o refúgio, era, possivelm ente, a disposição dos quilombolas de lutarem pela liberdade, que os mantinham como homens livres, tão perto das forças repressivas. “aproximando-se á porta — segue o “Observador” — foi-lhe esta aberta pelos Guardas Nacionaes, que ali se achavão com o dito Delega do, e os quaes derão a voz de prezo: no mesmo instante o negro recuou, poz o Joe lho em terra, e com a maior rapidez desparou a espingarda para dentro da casa, de cujo tiro pouco faltou que matasse

e do mesmo

um

dos Guardas Nacionaes, avançando

depois sobre elles de espada,

tempo os outros dous de lança: os Guardas Nacionaes vendo-se em

iminente perigo, um delles desparou sobre elles um tiro, do qual cahio morto o Lucas, pondo-se os outros dous em apressada fuga.” Se Lucas morreu lutando ou, como já era possivelmente praxe, nem soube

de onde veio otiro que lhe prostrou, é coisa que nunca saberemos . Por interessante é que os outros escravos não foram capturados e que já se con ém, o hecia de antemão a localização do quilombo. Vejamos o que nos diz a seguir o mesmo jornal:

“No dia seguinte, passou o mesmo Delegado com alguns cidadãos a fazer exame

ao quilombo e nelle achárão uma grande casa, com varios repartimentos, alguns couros de vaca, quatro delles com a marca do Sr. Antonio José Affonso, muita carne, gracha, sebo, panellas de ferro, chocolateiras, garrafas, frascos, garrafões, uma lança, grande porção de lenha cortada, e amarrada, e muitas outras provisões: tendo-se dali evadido cinco pretos, e quatro pretas, que estavão debaixo das ordens do tal Lucas, o que consta pelo mesmo pardo, que lá andou á titulo de fugiclio

Tínhamos, portanto, uma pequena comunidade de seis homens e quatro mulheres com, possivelmente, um chefe político e militar. Dedicavam-se a uma atividade mercantil (preparavam couros, sebos, graxas, possivelmente charque; vendiam lenha, etc.) na qual, sem dúvida, contavam com a colaboração de intermediários

com o mundo ““oficial”..EÉ de destacar o fato que só se encontrou ““uma grande casa”

10. Quilombos e Charqueadas em Pelotas As charqueadas das margens do arroio Pelotas e suas imediações determinaram uma importante concentração de escravos. Em documentos dos primeiros decênios do século passado, fala-se sempre de 4a 5 milescravos para a “grande

Pelotas”. Se tentássemos um balanço da importância da escravatura para a região

quando se proclama a liberdade do último escravo em Pelotas, em 1884, veríamos que ela tinha se mantido invariável durante quase um século. “Dos cinco mil escravos que a cidade tivera, dois mil eram servidores domésticos ou trabalhadores do

130

porto e mil eram usados na agricultura. Os outros dois mil, segundo o presidente (da Província), trabalhavam nas charqueadas...” (Conrad, 1975, p. 253). Essa concentração de escravos, em grande parte escravos assenzalados, foi sempre

uma

preocupação

para

a classe

dos

senhores-de-escravos.

Temiam,

com

razão, a fuga, O quilombo, a insurreição. Temos, efetivamente, o registro de, ao menos, uma tentativa de insurreição servil na região (1848). É comum a exteriorização deste medo na correspondência oficial dos senhores-de-escravos. Um exemplo claro dessa realidade é a carta que a câmara municipal de Pelotas envia para a

presidência da Província, em

de escravos em Salvador da Bahia.

1835. Recém se sabia da importante insurreição

“Chegada á notícia da Câmara Municipal da Villa de São Francisco de Paula... os acontecimentos que ali occorrerão na noite de 24 para 25 do mez ultimamente findo... e posto que se abafasse a tempo aquella insurreição, com tudo pode ainda os seus effeitos causar dannos irreparáveis, por quanto, sendo esta Província ordinariamente o receptáculo dos escravos de má conduta que d'outras Provincias do Império vem a vender, principalmente depois que a do Maranhão deixou de os receber;

e sabendo esta Câmara Municipal pelas ditas cartas particulares, que se dirijem da reterida cidade de Bahia porção de escravos Nagôs, e açás para aqui serem vendidos, e já hé de acreditar que elles sejão dos implicados naquella insurreição, e os seus donos os subtraihdo á vingança das leis, ou queirão ver-se livres de escravos cujas... por vezes tem posto em prática crimes tão horrorozos; e sendo evidente que se taes escravos vieram, serão vendidos /a maior parte/ para as xarqueadas que existem neste Municipio, onde... contem de dous a tres mil captivos, quasi en contacto huns dos outros, pela proximidade em que se ação ditas xarqueadas, receando-se deste modo que elles venham emgrossar o número dos desmoralizados, e tentarem desordens...” (AHRGS. Câmara Municipal de Pelotas, 1835). Os escravos, segundo a câmara de Pelotas, deviam ser “requizitados

com segurança na Villa do Rio Grande afim de proceder-se aos necessários exames para serem reenviados, e entregues ás Authoridades d'aquella Provincia, se porventura

taes escravos forem dos sediciosos.”” Se a insurreição era a grande preocupação, a fuga era, também, temida pelos senhores. Apesar da estrita vigilância, do verdadeiro estabelecimento carcerário que era uma charqueada, a fuga do escravo charqueador não era rara. Frequentemente, temos notícias de escravos fugidos de um dos saladeiros de Pelotas. “Fugio. No sabado da Alleluia da xarqueada do Fallecido Joaquim Guilherme da Costa o escravo Deziderio, idade 30 anos mais ou menos...” (Diário do Rio Grande. 25.4. 1865); “Fugio a 8 dias da charqueada de canudos de João G. Lopes, O seu escravo

de nome Crispim de côr pardo escuro, representa ter 18 a 20 anos ...” (“Echo

do Sul”, Rio Grande, 29.1.1864); “Fugiu.

Barbosa,

um

escravo crioulo

Da xarqueada

de Domingos

Soares

de sua propriedade, de nome João, idade mais ou

menos 30 annos...” (*Hecho do Sul”, 22.5.1862): “2008000 DE GRATIFICA-

ÇÃO. Da Xarqueada do Sr. Joaquim Silva Tavares, (em Pelotas) desapareceram no dia 20 do corrente, 2 escravos da propriedade...” (“Hecho do Sul”, 24.1.1863).

Fugido de uma charqueada, o escravo podia procurar

“zungá” de

homizio

em algum

Pelotas. Isto, porém, devia ser raro. Tinha ele que contar com a pro131

teção:

de libertos

na cidade

e era, sem dúvida, muitíssimo arrisc7 ado, Nas imedia-

ções de Pelotas era impossível, pois não existia ali nenhum acidente geográf ico ou espessa mata que O protegesse. Para procurar um seguro refú Bio, O “fujão” tin ha que algo caminhar. Não muito.

11.

O Arroio Quilombo, Afluente do Pelotas

Até pouco tempo, existiam, nas cercanias de Pelota s, regiões relativamente desabitadas e de relevo sinuoso e ásperc. Efetivamente , à medida que avançamos pelas regiões a noroeste

do litoral gaúcho

da cidade

vai sendo

de Pelotas, o monótono

e desprotegido relevo

substituído por um significativo complexo de coxi.

lhões e serras: “O Dorsal do Canguçu”. Este sistema, a nossa “Serra dos Tapes”,

com sua rica vegetação,

era na região o melhor

“habitat” para a constituição de

concentrações quilombolas. De colonização relativamente recente. à região guarda ainda algo de sua realidade ecológica de uns dois século s atrás, Bem regada de arroios, com caça abundante e boas terras, nela tudo induzia O homem escravi-

zado a procurar ali a possibilidade de reconstruir uma vida. Suas primeiras ondulações não se encontram a mais de 40 quilômetros da atual Pelotas. Nessa região, encontramos um pequeno arroio, afluente na margem esquer da do Pelotas, chamado “Quilombo”: estas paragens devem ter sido, talvez já nos últimos anos do século XVIII, refúgio para um ou outro escravo fugido. Um pequeno quilombo, localizado nas margens desse arroio, deve ter dado à ele seu nome. À tradição oral da região aponta até mesmo o local exato (CA Ponte Velha” ou a “Ponte de Madeira”), onde se teria localizado a concentração quilombola. Nesse caso, porém, parece-nos necessário sermos extremamente prudentes. Existe aqui, possivelmente, a confusão entre um fato verídico (a existência do quilombo) e um elemento estranho ao próprio fato (um velho cemitério indígena; um velho acampamento, etc.). Temos,

entretanto,

diversas referências históricas

diretas sobre

quilombos na

região. Uma revista da cidade de Pelotas — “Princeza do Sul” — de 1952, por exemplo, fala dos quilombos da serra dos Tapes. Trata-se, pensamos, da ““transcrição” de documentos da câmara municipal de Pelotas. Não nos foi possível, porém, consultar estes papéis, pois parecem não estar à disposição dos! investigadores.

A “Princeza do Sul” dá informações referentes a escravos para os anos de 1832,1834 e 1835. Nesse primeiro ano, diz: “A Câmara receiosa pela existen-

cia de 4 mil escravos espalhados pelas xarqueadas existentes nos arredores da Vila, requeriam medidas policiais afim de resguardarem a população de possíveis atenta-

dos...”. O que não é, na verdade, novidade. Mais importante, porém, é a notícia so-

bre o ano de 1834. “Já no ano de 1834, Joaquim José Ribeiro, comand ante de uma ' partida para dar caça aos malfeitores, recebeu dinheiro pela captura de alguns e depois desse feito, no ano de 1835 reclama auxílio para sustentar os homens que vinham com eles, exercendo a vigilância na campanha, contra esses

perigosos elementos”.?” 132

Foi-nos possível encontrar, em nosso Arquivo Histórico, uma carta da câmara de São Francisco de Paula, de 1832, que focaliza os distintos problemas: mal-

feitores, escravos e segurança. “A Câmara Municipal da Villa de São Francisco de Paula tem a honra de levar á consideração de V. xa. que sendo esta Villa pela

«ua pozição sugeita ao geral tránzito do povo de toda a Fronteira, € onde diaria-

mente aparecem pessoas to numeroza escravatura. pod

no

ca

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desconhecidas, e malfeitores, além de ter em seu Destrirrr a ee ta aren nnce cs ........cccceee Re

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julga a Câmara Municipal devêr requerer a V. Ex. com urgência, vinte a trinta Guardas Municipaes Permanentes para esta Villa, cuja força, coadjuvada pelos cidadãos Guardas Nacionaes, se persuade a Camara ser sufficiente para manter =

a boa ordem...”**

Os vereadores não temiam somente “malfeitores” e escravos. Temiam, sobre-

maneira, que estrangeiros viessem “desencaminhar” a escravatura. ... não pode dei-

xar — escreve a Câmara, a 6 de ágosto de 1832 — de levar ao conhecimento de V. Exa. quanto seria perigozo a marcha dos Guardas Nacionaes deste Município para a Fronteira na prezente crize em que os do Estado Vizinho apenas fazendo a guer-

ra entre si, envião Emissários disfarçados para revoltarem a Escravatura, com a qual / sendo notícias verídicas / esperão reforçar suas debeis fileiras, sendo bem constante que o de Distrito desta Villa tem para mais de quatro mil escravos, quazi unidos segundo a posição das xarqueadas...” (Mesma referência). A vigilância sobre esses possíveis infiltrados era, no entanto, grande. Dois anos de Jaguarão escreve para os vereadores de São Frandepois, a câmara municipal cisco de Paula que, por sua vez, enviam cópia para a presidência da Província. “Ci-

dadões vereadores. A Câmara Municipal desta Villa resolveo em Sessão extraordinária de hoje dirigir-vos hum annuncio, que chegou ao conhecimento por pessoa fidedigna, a qual afirma o ter o General Rivera enviado para esta Província, emissários, com O fim de seduzirem a escravatura a huma sublevação.” (Mesma referência, 1834). Nas atas das sessões de 3 de dezembro de 1834, da camara municipal de São Francisco de Paula, podemos, no entanto, encontrar referência direta a “quilombolas” e à falta de meios da Câmara para combatê-los. “O Senhor Presidente manifestou á Camara que tendo recebido o officio que appresentava do Juiz de Paz do terceiro Districto, datado de tres de Novembro, em que pedia á Camara armamento para as pessoas que hião procurar os quilombolas, não convocou a Camara por conhecer que não tinha meios de satisfazer similhante re-

quisição...”?* Sem esses meios, a Câmara se volta para o presidente da Província.

A “Princeza do Sul” registra o pedido de verbas da Câmara. “Em 1835, a Cãmara solicitou verba ao Presidente da Província para dar combate aos * Quilomboq

*

x ur AHRGS. Papeis da câmara municipal de Pelotas. Fardo 1832. Lata 117.

Livro de Atas da Câmara Municipal de Pelotas. Sessão de 3 de dezembro

livro encontra-se nos arquivos da Biblioteca Pelotense.

de 1834. Este

133

las * perigosos escravos foragidos, que se atiravam

a pratica de roubo e do Crim e,

com esconderijo na Serra dos Tapes. A presidência da Província, à pôz a disp Osição da Câmara, a quantia anual de 2.400$000 réis, para a perseg uição e extinção dos núcleos fatídicos dos “Quilombolas”, que frequentemen te, forti ficavam-se com novos elementos foragidos e bem armados atacavam.” A carta da Câmara à presidência da Província não só pede ajuda material como sugere uma possível “aliança” entre escravos da cidade e os quilombolas. “A Camara Municipal desta Villa cumpre levar ao Conhecimento de V. Exa. que não

estando

em

suas

attribuições

tomar

medidas

fortes

para

a destruição

dos quilombolas refugiados na Serra dos Tapes, termo desta Villa, que ousada e tirannamente estão comettendo roubos, e assacinatos por aquellas imm ediações, cujos

moradores, aterrados com

similantes hostilidades, hão desemparado suas cazas, e

lavouras, em manifesto prejuízo d'agricultura, não obstante aos meios, que se tem empregado

pelas

Authoridades Policiaes,

sempre

infructuosos,

por

quanto,

os

Guardas Nacionaes que tem sido algumas vezes chamados, nada tem feito, em rasão d'essas deligencias se faz à vista dos escravos d'esses mesmos Guardas Naci onaes, que sem dúvida se comunicão com os quilombolas, e não tere m as mesmas Authoridades outra força disponivel de que lancem mão, porque os Perman entes desta Villa, em número da pratica, sagacidade, e “doze homens matreiros imediactas ordens devem

de dez, não são aptos para deligências, que dependem segredo...” Termina a Câmara sugerindo armar e financiar escolhidos pelo Juiz de Paz do terceiro Districto, a cujas estar, para, empregarem nas diligencias dos quilombolas,

mediante a gratificação do mesmo soldo que percebem os Permanentes desta Villa...” (AHRGS, P.C.M. de Pelotas. 1835. L. 117). A resposta da presidência da Província será imediata.

A revista de Pelotas afirma ter sido votada uma verba de 2.4008000 réis. Junto ao pedido da câmara de São Francisco de Paula, encontra-se a resposta, talvez produto do punho do próprio presidente da Província. “Responda-se que em virtude do artigo da Lei do orçamento Provincial se expede nesta data ordem à Thesouraria para ser posta a disposição da Camara a quantia de 1 cento e seis centos mil réis pr aextinção dos Quilombos do Município, e que no caso de não ser sufficiente esta quantia a que deverão representar com tempo para se lhe mandar maior somma. Enviese hoje mesmo a ordem a Thesouraria.”'(AHRGS.,P.C.M. de Pelotas. 1835, L.117). Talvez a soma apontada na “Princeza do Sul” seja o total, isto é, tenha sido votado mais tarde um complemento. São Francisco de Paula, logo que sabe da verba votada, escreve novamente à Presidência dando-lhe mais dados sobre a situação. Temos aqui interessante informação. ... dia a dia se augmentão os roubos, incendios, assacinatos perpetrados pelos quilombolas, que ousada, e astuciosamente tem aterrado os pacificos morado» res da Serra dos Tapes, e feito abandonar casas, e lavouras, tendo-se já perdido mui-

tas colheitas de milho,

e feijão, que

infalivelmente farão falta considerável...: €

apezar das diligências de dous Inspectores de Quarteirões da dita Serra, mediante as ordens do respectivo Juiz de Paz, que tem mandado algumas partidas de gente armada a concluir com similhantes salteadores, apenas se pode conseguir a toma:

134

dia de huma rapariga liberta, que os quilombolas havião roubado de casa de seu Pai,

matando a este nos Potreiros de São Lourenço; e de tres escravos que havião roubado de outras casas, ficando hum dos ditos quilombolas morto n'esse ataque, e os

mais conseguirão escapar-se em entranhando-se pelos mattos, talvez por não ser esta empreza determinada como devia: poucos dias depois aparecerão os mesmo

quilombolas em alguns lugares, cometendo attentados, chegando a sua ousadia a virem huma noite perto desta Villa onde roubarão huma taberna, e atacarão huma olaria, cujo capataz ficou gravemente ferido; e a cinco dias matarão um homem casado, e com família; e ferirão a outro que o acompanhava, isto a pouco mais

de duas legoas de distância desta Villa, ficando o morto na estrada com a cabeça

separada

do

corpo.

Por

todos

estes

motivos,

a Camara

para

animar

as pessoas

que em diferentes partidas andão na diligência de prenderem ou extinguir, na forma da lei, taes malévolos, tem promettido a gratificar com a quantia de quatrocentos mil reis a prisão, ou extinção do Chefe dos ditos quilombolas Manoel padeiro, e com duzentos mil reis por cada hum dos nove companheiros daquelle faccinoroso...” (AHRGS., P.C.M. de Pelotas. F. 1835, L. 117). O documento dá-nos o nome do chefe do quilombo: Manoel, escravo fugido de profissão padeiro, e indica que podia tratar-se de uma agrupação de mais ou menos 15 pessoas. Manoel, seus nove companheiros, os três escravos que “haviam” sido “roubados” e a “rapariga liberta”. Aqui, como em inúmeros outros quilombos através do Brasil, os quilombolas desciam afoitos de seus esconderijos pelo bem ou pelo mal, companheiras e companheiros que para conseguirem, fortalecessem e tornassem mais visível suas existências. A carta da Câmara termina afirmando a necessidade

de 20 homens “próprios para o matto” para permanece-

rem na serra dos Tapes. A última referência a toda essa situação vem na “Princeza do Sul”. “Em agosto do ano de 1835 — um mês após a carta da Câmara — foi abatido na Serra dos

Tapes, lugar ermo e tenebroso, quando resistia à prisão, o capitão tenente do terrível Manoel Pedreiro, de nome Antônio Cabundá. O Juiz de Paz, Boaventura Ignácio Barcelos, recebeu e entregou 2008000 réis, para a gratificação dos guardas da partida ”, que conseguiram matar o facinora. Louvores da Câmara receberam os

senhores: Antonio Soares de Paiva, Joaquim Luiz e Roberto Marques da Silva, pelos serviços prestados com

a arriscada profissão policial no interior do munici-

pio. A luta foi temerosa e acérba; as providencias deliberadas e os * Quilombolas ”,

sempre audaciosos, mancharam com sangue as vítimas de seus designios até que a Câmara, percebendo o perigo eminente com a intromissão dos “Nucas Raspadas” (? ), pelos suburbios da cidade, resolveu: Não só se valer dos serviços particulares

de

Partidas de colonos”, nos destritos como

reorganizar a política volante,

cujo

comandante perceberia a diária de 15280 réis e os camaradas 640 réis, cada um, além da gratificação pela prisão ou extinção dos malfeitores e criminosos, a saber pela cabeça do chefe, Manoel Padeiro**, 4008000 mil réis e pelos companheiros 100S000 réis cada uma.” as

O

“Princeza

do Sul”

fala de Manoel

Pedreiro.

135

Sem

dúvida, poderemos encontrar informa ções mais prec isas nos papéis avul. câmara de Pelotas

sos da (na Biblioteca Pelotense). A visão do fim do quilombo de Manuel Padeiro torna-se difícil, porém, co m a possível confusão que traz a Revolução Farroupilha que se inicia neste ano. Com ela, as fugas de escravos toma um caráter verdadeiramente endêmico. Os “farroupil has” assaltam as. fazendas e pro-

pricdades dos inimigos e libertam seus escravos caso est es aceitem lutar como soldados. Os soldad no entanto, participação

os do Império não fazem diferente. Os negros escravos devem ter, em grande número, procurado um refúgi o mais seguro que : em uma guerra de senhores. A fronteira e O aq uilombar-se deve ter

sido a alternativa mais frequente. Efetivamente, nos an cs posteriores à pacificação, teremos notícias de diversas expedições contra quil ombos, possivelmente formados durante o decênio revolucionário. A documenta ção sobre o período farroupilha, é lógico, é extremamente confusa. 12. Os Quilombos de

Rio Pardo

A comarca e o município de Rio Pardo foram, no século XIX, uma impo rtan-

te concentração de escravos. Uma

desenvolvida agricultura, um porto ativo, as char-

queadas do Jacuí empregavam considerável número de braços servis. Em 1780, por exemplo, o “Mapa do Tenente Córdoba” já nos indica que a freguesia de Rio Pardo teria (em Laytano. 1957. p. 35). Brancos Indios Pretos

dc as de

a DE

1317 438 619

Livres de todas as Cores:......lill 6 900 ECOS eds 818 ESCrIVOS E 2 429

Sobre a existência de possíveis quilombos na região, são diversas as indicações.

Temos, por exemplo, um arroio Quilombo neste município; mas, muito mais elucidativo

são os gastos feitos com a repressão militar a concentrações quilombolas

no município de Rio Pardo, que Guilhermino Cesar apresenta em seu artigo “Qui-

lombo e Sedição de Escravos”. Este autor revela o registro feito no “Mapa Estatis-

tico””, apenso ao livro de José dos Santos Pereira, as despesas do decênio 18471857, com a repressão aos quilombolas. “Pois aí, no referido 'Mapa Estatístico”

—=diz Guilhermino Cesar — (Cesar, Quilombo e Sedição de Escravos), figuram al-

gumas

parcelas

que

dizem

respeito

a Jornais

pagos a homens, empregados

destruição de quilombos no município de Rio Pardo”” 136

na

|

O livro só registra as somas, não nos dá indicações sobre a localização dos quilombolas. “Entre 1847 e 1848, foram gastos 2688000. De 1848 a 1849,

2408000. Em 1850, 463$280; em 1853, a despesa subia ao seu mais alto montante 1:3408 800. ... A repressão pode não ter sido violenta, mas o fato é que os diaristas” cortaram o mal pela raiz, tanto assim que nos anos imediatos não foi gasta nenhuma quantia com igual finalidade. Pelo menos, disso não ficou nenhuma memória nos balanços provinciais de que tenho conhecimento. Só em 1857 é que o poder público voltou a gastar por conta de tal rúbrica; despendeu então 3025420, em diárias, com os encarregados de reprimir os quilombos rio-pradenses.”

Cada gasto registrado pode significar uma ou mais expedições organizadas con-

que existiram, em maior ou menor número, por estes

quilombos

tra os pequenos

anos. Extinto um, meses mais tarde, podia surgir outro. Expedições como estas, geralmente, ferem marginalmente as concentrações quilombolas. Alguns escravos são presos, outros mortos. Os que conseguem fugir reagrupam-se em outra região. Mais do que a própria repressão militar, o que deve ter levado à extinção os quilombos destas paragens foi a paulatina colonização da região.

Temos somente informações diretas sobre as operações de 1847. A 4 de março

de 1847, o delegado de polícia Manoel Alves de Oliveira, de Rio Pardo, escreve ao presidente da Província dizendo: “Em cumprimento dos dois Officios que V.Ecia. se dignou dirigirme com dacta de 2 e 11 do mez passado presente, pelos quais me ordenou deprocasse ao Tene. Corl. Commde. do 90. Corpo de Cavalaria de Guardas Nacionaes, força sufficiente que pudesse me coadjurar a destruição de quilombos que existirão nas proximidades desta Cidade, e authorizou para ajustar

quatro homens que servissem de vaqueanos dessa força quando tivesse de sahir nessa deligencia, passei a dar logo as necessárias providências para que sem perda de tempo se lhe desse o devido andamento, e pude obter em resultado o que consta das Copias dos Officios e Auto que junto tenho a honra levar ao conhecimento de V. Excia, para que se digne determinar o que a respeito julgar necessário deixan-

do por enquanto de participar a V. Ex“l2. qual o ajuste, por que ahinda e não hou-

ve, em razão de terem esses vaqueanos seguido do lugar ahonde foi esta deligência effectuada para outros pontos aonde consta existirem outros quilombos, sem que

viessem a esta mesma Cidade; o que saptisfarei logo que tudo se tenha ultimado.”** Como vemos, trata-se de uma

expedição, já realizada, contra “quilombos”

próximos a Rio Pardo. O anexo é ainda mais elucidativo. “Illustrissimo Senhor. Conforme já se acha Vossa Senhoria sciente, regressou ontem a Partida de Cavallaria que, segundo sua ordem havia seguido sobre o Quilombo na Serra do Districto do Couto cujos pormenores são os seguintes. Depois de marchar trez dias na Serra a referida Partida, guiada pelo Capitão do Matto Pedro Rodrigues da Costa, a ponto de meio dia, colhendo em resulconseguido suprehender o dito Quilombo tado a aprehenção dos escravos constantes da relação inclusa; ficando mortos hum preto e huma preta no primeiro conflicto, em consequência de havêrem os aquilom46

AHRGS.

:

on

Papéis da Delegacia de Rio

Pardo,

Fardo

1847.

Sala

3.Maços por Localidade.

137

em diferentes trabalhos, mas obteve — se mai s o conveniente resultado de serem queimadas dous grandes Ranxos, que dava

além

indício

disso

serto

todo,

ou

de

grande

se não

sendo alli construidos aparte de vinte an nos, numero de escravos estabelecidos, estragando-se

grande

parte

dos

mantimentos

col

hidos. O mesmo Capitão do Matto, observou por vestigios, que muito alem daquelle, existia outro , estabelecimento de Negros, assegura que sobre ele se

consiguirá feliz resultado; em consequência do que, tenho feito aprestar houtra forte Partida, para quando Vos. sa Senhoria julgar convenientes seguir em perseguição de outros Quilombos na. quella parte. Deos Guarde a Vossa Senhoria. Quar tel do Commando de Nosso Corpo de Cavallaria de Guardas Nacionaes e Gu arnição de Rio Pardo primeiro de Março de mil oito centos quarenta e sete. Ilus trissimo Senhor Manoel Alves de Oliveira. Delegado de Policia interino des ta Cidade. Jozé Joaquim de Andrade de Neves

Tenente Coronel Commandante. Relação dos Escravos aq uilombados

que forão aprehendidos. Miguel — Escravo do Tene nte Coronel Manoel Pedroso de Albuquerque. Duarte — do Capitão Gaspar Pinto Ba ndeira. Benedicta — da finada Viuva Eduviges do Espirito Santo. Jozefa — de Donn a Anna de Faria em Porto Alegre. Victoria da fallecida Dona Rosaura, Ledornia de Dona Francisca Cardozo Andrade Neves. Conforme o Tabam Jozé Teixeira de Carbal ho.”(AHRGS. Mesma referência anterior). A expedição, que marcha 3 dias na Serra até localizar O quilom bo, prende dois escravos e quatro escravas. Os quilombolas, que lutam pela liberd ade, tiveram também duas baixas: “hum preto e huma preta”. O quilombo , seguindo as informações do documento, teria mais ou menos 20 anos, isto é, teria sido fundado por volta dos anos 1828. Aqui, como na ilha dos Marinheiros, teríamos uma espécie de vida comunitária. Dois “grandes Ranxos”, que eram habitados por 20 quilombolas. Como veremos com mais detalhes no próximo documento, esse não era o único quilombo da região. Os “vaqueanos” encontravam-se na Serra à procura de outro, quando o delegado de Rio Pardo escreve sua carta de 4 de março. Os escravos presos serão interrogados nos últimos dias de fevereiro . “Auto (copia) de Qualificação e interrogátorio feito ao Preto Miguel, escravo do Te-

nente Coronel Manoel Pedroso de Albuquerque, vindo do Quilombo

condusido, e outros

pela Força do Nosso Corpo de Cavalaria de Guardas Nacionaes ao mando do Sargento Pau-

lino Antonio de Souza, e quatro Vaquanos que o acompanharão. “Anno de Nascimento

de Nosso Senhor Jezús Chrusto de mil oito centos quarenta e

sette aos vinte e oito dias do mez de Fevereiro do dito anno nesta Cidade do Rio Pardo em a residencia do Juiz Municipal Suplente e Delegado de Policia - O Guarda-Mor Manoel

Alves de Oliveira, a onde eu Escrivão ao diante nomeado vim, e sendo ahi passou elle Juiz a fasêr as perguntas seguintes. o “Perguntou elle, Juiz, ao Escravo Miguel, como se chamava e se hêra fôrro ou captivo.

“Respondeu chamava-se Miguel, ser captivo do Tenente Coronel Manoel Pedroso de

Albuquerque.

“Perguntou-lhe mais a honde foi prezo e por que. Respondeu ter sido preso na Costa

da Serra Geral, Mato a dentro de quinze á vinte léguas, pôr andar fugido.

“Perguntou-lhe mais o mesmo Juiz; qual a maneira por que foi ter a esse Quilombo.

Respondeu

138

que

foi com

outros

seus parceiros por sua livre vontade.

Perguntou-lhe mais

a que tempo andava fugido a seu Senhor. Respondeu-lhe haver hum anno que tinha fugique existirão junto do. Perguntou-lhe o mesmo Juiz se sabia e conhecia quem, e quais os com elle, interrogado, no lugar honde foi preso se fôrros ou captivos. Respondeu que

existirão vinte pessõas sendo mulheres sette, e o restantes para o completo serem homens, mais elle Juiz, se elle interrogado

todos escravos. Perguntou-lhe

quelle lugar, mais alguma reunião de Escravos aquilombados. vêr aparecer fumassa na mesma Serra a que

sabia que houvesse por a-

Respondeu

que sabia pór

ser outra reunião, mais que elle os não

supõe

via. Perguntou-lhe mais elle Juiz, disendo-lhe falasse a verdade, pois que sabia de facto e de direito que junto ao lugar honde elle interrogado foi prezo com distancia mais ou menos de trez legoas, existia hum outro Quilombo com reunião de maior número de gente. Respondeu

que hera verdade existir esse Quilombo

mais«que elle não conhece a nenhum

dos que alli se achão. E por esta forma,etc. Capti“Interrogatorio feito ao Preto Duarte, Perguntou-lhe elle juiz se hêra forro ou

vo, como

se chamava e a que tempo

se achava no mato honde

pondeu chamar-se Duarte, ser escravo do Capitão que mato a cinco annos, pouco mais ou menoes, elle junto com outros fôra agarrado pela mesma o numero de companheiros que andavão com elle

tinha sido agarrado. Res-

Gaspar Pinto Bandeira, e que andava no tinha sido agarrado no Quilombo honde Força. Perguntou-lhe elle Juiz, se sabia no mato. Respondeu que entre homens

e mulheres, serem vinte e que todos erão captivos. Perguntou-lhe mais elle Juiz, se sabia havér outros Quilombos perto. Respondeu havêr outro, mais que não conhece negro ne-

e que nhum delle. E por esta forma houve elle Juiz, ao dito preto Duarte por interrogação,

vtec.

“Interrogatorio feito a preta Ledomia. Perguntou elle Juiz como sc chama se hera fórra ou captiva, a que tempo se achava no mato e a que senhor pertencia e onde foi

agarrada. Respondeu chama-se Ledornia sêr captiva de Dona Ledornia Cardozo, e que se achava no mato a hum anno e que tinha sido agarrada no Quilombo junto com os outros pela mesma força. Perguntou-lhe elle Juiz, se ella sabia quantas pessoas havião no mesmo

Quilombo e junto com ella, respondeu serem vinte entre homens e mulheres e que todos herão captivos.

'"“Perguntou-lhe elle Juiz se sabia haver outros Quilombos perto. Respondeu havêr ou-

tro perto, porém não conhecia negro algum dele. E por esta presente, etc.

“Interrogatorio feito a preta Jozefa. Perguntou-lhe elle Juiz como se chamava, se hera fôrra ou captiva, e a que tempo se achava no mato e honde tinha sido agarrada. Respondeu

chamava-se Jozefa, ser escrava da Viuva Dona Anna moradora em Porto Alegre, e que andava no mato a seis annos, e condusida de Porto Alegre para este Quilombo pelo Escravo

Ramão, do Capitão Gaspar Pinto Bandeira, o qual igualmente se achava fugido com ella

e no acto de ser preza pela mesma Escolta elle se escapoo. Perguntou-lhe elle Juiz, se sa-

bia haver outros Quilombos, e quantos herão os que andavão com ella. Respondeu que

herão vinte os seus companheiros entre homens e mulheres, e que sabia por houvir diser

a outros negros haver outro Quilombo perto, porém que não sabia o número nem o lugar e por estas forma, houve elle Juiz, etc.

“Interrogatorio

feito a negra Benedicta.

chamava se hera fôrra ou

agarrada.

Respondeu

Perguntou elle Juiz a dita negra como

se

captiva e a que tempo se achava no mato e honde tinha sido

chama-se

Benedicta,

nto Santo, e que fazia cinco annos

pouco

ser captiva dos herdeiros de Antonio

mais ou menos que andava

do Espi-

no matto, e que ti-

nha sido agarrada no Quilombo pela mesma Força que também forão agarrados os seus

companheiros... PerguntouJhe mais o mesmo Juiz, quantos herão os que tinhão sido agarrados com ella no Quilombo em que se achava; respondeu serem vinte entre homens e mulheres. Perguntoudhe elle Juiz se sabia de algum outro Quilombo e que porção de gente. Respondeu que tinha ouvido diser existir outro

Quilombo, porém, não sabia o lugar nem

o número de gente. E por esta forma houve elle etc. - “Interrogatorio feito á negra Victoria. Perguntou-lhe elle Juiz como se chamava se hêra fôrra ou captiva que tempo fazia que andava

no mato, honde tinha sido agarrada.

139

Respondeu chamar-se Victoria, hêra captiva de Dona Rosau ta, já fallecida e que fazia dezeceis annos que andava no matto e que tinha sido agarrad a pela mesma Escolta que tinha agarrado seus companheiros no Quilombo. Perguntou-lhe mais el le Juiz quantos herão

seus Companheiros que andavão com ella, respondeu serem v inte entre h omens e mulheres. Perguntou-lhe elle Juiz, se sabia que existia outro Quilo mbo pert o de onde se achavão. Respondeu que

sabia por houvir diser por seus compan heiros, haver h um Quilombo

perto porém que não sabia o número de pessoas nem o lugar. E por essa forma etc. perante

mim José Teixeira de Carvalho, Escrivão â Escrivy. Manoel Alves de Oliveira. Jos é Ponto Guedes Pastro. Joaquim Antonio Corrêa. Está Conforme .. O Tabeliam José Teixeira de Carvalho”.

Como vemos, tratava-se de um pequeno quilombo de vinte escravos, 13 homens e / mulheres, vivendo em dois grandes ranchos, no distrito do Couto, serra aden tro (três dias de marcha). O quilombo: se tinha formado pela aglutinação de escravos fugidos isoladamente — ou em duplas — e em épocas distintas. Miguel tinha fugido há um ano; Duarte há cinco anos: Ledôrnia há cinco anos; Jozefa, que tinha vindo de Porto Alegre com Ramão, tinha fugido há seis anos: Benedicta há cinco

anos e Victória, possivelmente veneranda senhora, encontrava-se nos montes há nada menos do que 16 anos. Todos os quilombolas presos afirmam saber da existência de um outro quilombo nas cercanias. Todos afirmam, também, desconhecer a exata localização deste último. Não é possível saber se isso era verdade ou se se tratava de uma tentativa de proteção dos companheiros fugidos e dos outros quilombolas. É difícil imaginar que, estando estes escravos há tanto tempo na região, não tivessem conhecimento dos outros fugidos. O certo é que ao menos duas outras entradas são tentadas ainda nestes dias, sem muitos resultados.

O delegado de polícia Manoel Alves d'Oliveira, enviando a conta dos gastos ao presidente da Província, em 29 de maio de 1847, ajunta que “nas últimas duas viagens que para o mesmo fim fizerão esses ajustados, (os práticos e o Capitão do Mato), nenhum resultado obtiverão apesar dos grandes deligencias que fizerão para obter, pois que os aquilombados se retirarão para o centro desses mattos em distancia de mais de trés léguas, e o tempo não deu mais lugar a que ahi mesmo forem perseguidos.” (AHRGS, Delegacia de Polícia de Rio Pardo, 1847). Se a sorte sorriu, nesta partida, para os quilombolas, as partidas de 1848, 1849 e 1853, sugeridas pelos gastos da Câmara Municipal, podem ter levado estes e outros quilombos a situações críticas. A destruição das colheitas, velha prática

dos lusitanos na África no combate aos africanos, terminava levando à morte

muitos daqueles que conseguiam escapar dos negreiros embranhando-se tos. Outro fato a destacar é a falta de referência a crianças nesse quilombo.

nos ma-

O número de mulheres sugere a possível existência de uma pequena população infantil. É-nos difícil saber se ela existiu, se alcançou a fugir ou se

- res dela se apoderaram, como era costume.

os capturado-

Estes são, até agora, os quilombos gaúchos que conhecemos. Sem dúvida, O

estudo sistemático de nossa documentação escrita e outras fontes nos revelará áinda inúmeros outros. No Dicionário Enciclopédico de Aurélio Porto temos à

140

referência a um quilombo que não alcançamos a encontrar documentação probatória. Podemos ler, nesta obra, que teria sido “descoberto no hoje município de Montenegro, um quilombo de pretos, munidos de armamento e munições, com o fim de defenderem a sua liberdade.” (Porto,

1936-1937).

13. Insurreições Escravas à escravatura menos frequente que forma de resistência A insurreição foi o quilombo. Os motivos que dificultavam esse ato, a organização conspirativa de uma quantidade significativa de escravos, como já vimos, eram muitos. Os escravos africanos eram originários de distintas regiões da África, falavam línguas distintas, professavam distintas religiões. O controle físico e ideológico, principalmente sobre o escravo assenzalado, era estrito. Durante o dia era vigiado pelos capatazes arma-

dos, durante a noite era encsrrado em verdadeiras prisões. Os poucos momentos de lazer aque tinha direito, eram estritamente controlados pelo senhor. Outra dificuldade era a dispersão da massa escrava. Os grandes engenhos, as grandes plantações de café, as “catas”, isoladas umas das outras, compartimentavam a massa escrava e dificultavam o contato e a planificação de atos deste tipo.

As tentativas insurrecionais — se tomamos esta palavra em um sentido lato — são bastante frequentes no Brasil. As mais conhecidas e melhor estudadas são, sem dúvida, as insurreições de Salvador da Bahia, nos começos do século XIX.

Fora estes e outros atos de maior envergadura, temos centenas de pequenos “'complôs”; a participação de escravos em movimentos plebeus, enfim, toda uma realidade quase desconhecida. A insurreição escrava ou seja, O plano conspirativo de 20 ou mais escravos para

alcançar a liberdade” ?, na maioria das vezes, abortava antes de sua realização. A he-

terogeneidade da massa escrava a que nos referimos, não era estranha a

este fato;

a delação não era, também, rara. Nesse caso, a repressão abatia-se sobre o escravo implacavelmente. Reprimida e desorganizada a tentativa libertária, ela era, geralmente, esquecida”” o mais rapidamente possível. Os senhores tinham — e não era de estranhar — verdadeiro ''pudor'” em se referir ou escrever sobre estes fatos. Temia-se, sem dúvida, o pânico, a propagação e propaganda destes acontecimentos entre a massa escrava. Procurava-se, não raramente, dar a idéia de “falso alarme””, “precipitação”, etc. O lacônico da documentação escrita, a confusão entre ocorrências verídicas e imaginárias, a despreocupação de nossa historiografia tradicional, tudo isso dificultou enormemente o estudo desta realidade. Em muitos casos, pode-se dizer que acontecimentos históricos de importância são completamente desconhecidos.

Nossa memória histórica sobre a insurreição escrava é, nesse sentido, extremamente pobre. O Rio Grande do Sul é um bom exemplo.

Ver verbete “Insurreição Escrava” (em MALHEIRO, 1976).

141

A. Insurreições Escravas no Rio Grande do Sul A historiografia gaúcha, em geral, desconhece a ocorrência de insurreições no

Sul. Os próprios autores que se voltaram mais detidamente ao estudo do “ne. gro no Rio Grande não se referem a casos como estes; se o fazem, é marginalmente. Dante de Laytano não fala de atos insurrecionais entre a escravatura: Cláudio Moreira Bento não aborda a reação do escravo contra a opre ssão; O caso de Femando Henrique Cardoso (1977, p. 140) é mais complexo. Esse autor. refe-

re-se a estes fatos em forma mais do que contraditória: “A liberdade desejadaé

impossível apresentava-se, pois, como mera necessidade subjetiva de afirmação, que

não encontrava condições para relizar-se concretamente.

É verdade

que houve

fugas, manumissões e reações. Umas e outras variando de intensidade conf orme as circunstâncias histórico-sociais exteriores ao regime escravocrata, como, por exem-

plo, as guerras platinas e a revolução Farroupilha. A liberdade, assim cons eguida ou outorgada não implicava em nenhum momento, porém, modificações na estrutura básica que definia as relações entre senhores e escravos; não abalava a propried ade servil e os mecanismos de sua manutenção.” A liberdade, para uma grande parcela da massa escrava, era muito mais do que

"mera necessidade subjetiva de afirmação”. Era condição objetiva de sobreviv ência. Não tendo estudado a documentação inédita, nem compreendido o pape l da fuga do escravo no contexto da resistência à escravidão, Fernando Henrique Cardoso não alcança a penetrar toda uma realidade extremamente rica da luta do escr avo contra

a escravidão.

A resistência do escravo ao escravismo,

contraditoriamente,

não é o centro de sua análise do escravismo gaúcho. Estudando esta realidade com uma ótica e categorias próprias ao modo de produção capitalista, não alca nça a distinguir as distintas formas que assumem a resistência escrava e a resistência proletária quando se opõem a regimes sociais distintos. Não é portanto, de estranhar que termine repertoriando, em uma simples nota de pé de página (p. 147), os dados

que reúne sobre possíveis insurreições de escravos no Sul. O que deveria ser o ponto de partida para desvelar um dos eixos centrais do escravismo gaúcho é aban-

donado e, simplesmente, registrado. As indicações indiretas sobre a ocorrência de diversas tentativas insurrecionais no Rio Grande do Sul, são abundantes. O próprio Nicolau Dreys (1961, p.168) já dizia: “O vago desejo de liberdade, de uma libe rdade nominal, pois que, saindo do cativeiro dos brancos, caem no cativeiro mais duro das misérias e dos vícios, atormenta o negro em todas as situações: escravo sem repugnância na sua ter-

ra, ele quer ser livre em todas as demais partes do mundo. Os negros do Rio Grande, seja qual for sua aparente resignação, justificada aliás pela suavidade de sua condição, não estão isentos do contágio: várias tentativas fizeram eles, em tempos

diferentes, para imprimir a toda a população negra um movimento insurrecional, mas

todos os projetos falharam, e não podiam deixar de falhar, à vista da imen sa

potência de repressão que está na circunstância de desenvolver à população branca

do país.” (Destacamos).

142

Nesse trecho, Dreys permite o conhecimento de duas realidades importantís-

simas do escravismo gaúcho: o conteúdo da autojustificativa

dos senhores (inca-

pacidade do africano ou afro-gaúcho de viver em liberdade; a pretensa existência de um escravismo africano; a pretensa suavidade da vida do escravo) e a existência, em distintas épocas, de tentativas insurrecionais de escravos no Sul. Aponta-nos, também, a repressão como a base destes fracassos. Escrevendo, em 1869, contra a escravatura, Arnizaut Furtado (1882, p. 25) volta a se referir a essa realidade. “D'ahí é que se tem originado as grandes insurreições que só a Providencia tem impedido; porque ella só poderia oppôr barreira a esse dique quando rompesse impetuoso...”. Estas referências gerais permitem-nos partir para uma pesquisa sobre insurreições de escravos no Sul com a quase certeza da existência de mais de uma tentativa como esta, em nossos atuais territórios. Os relatórios dos presidentes da Província são muito mais sugestivose diretos. Diversas vezes referem-se, rapidamente, ao mesmo assunto. Temos, também, algumas indicações na correspondência das câmaras municipais. Em 1838, por exemplo, o chefe de polícia escreve à câmara municipal de Porto Alegre para afirmar “que a tentativa de uma insurreição de escravos acaba de ser descoberta nessa cidade, sendo pois preciso, que a Câmara mande por na mais restrita execução as suas posturas relativas a ajuntamentos de escravos e pretos forros nas tabemas, algazarras e cantarolas pelas ruas da cidade, e outros fatos que lhes são prohibidos.”” (em Cardoso, 1977, p.147). O relatório de Miranda de Castro, de 1848, fala-nos, tâmbém, de uma tentativa insurrecional de escravos em Pelotas, o de Femando Leão (1859) afirma o mes-

mo para Piratini e Capivari. “Cabe aqui consignar — diz o relatório — dous factos de insurreição de escravos, que infelizmente terião lugar em alguns pontos da Província, se energicas providencias, tomadas á tempo, não os fizessem abortar, mesmo antes de se manifestarem. “A primeira tentativa era promovida em Capivary, Encruzilhada e Herval pelos desertores do Exército de Botelhos, e varios outros criminosos. “O movimento de forças para esses pontos, a actividade das autoridades poli-

ciaes respectivas, e do Commandante Superior do Rio Pardo, fez recuar esse criminosos do proposito em que estavão. Tempo depois a tranquilidade pública n'aquellas paragens estava completamente estabelecida, desaparecendo qualquer receio de perturbação. Um dos promotores desse levantamento, Feliciano Botelho, foi preso em Maio

no Termo

de Taquary,

devendo-se

essa importante

prisão á diligencias

do Delegado de Polícia José de Azambuja Villa Nova. “Já estava por assim dizer esquecida a tentativa dos Botelhos quando em Piratiny correo o boato de que se tramava outra insurreição. Fiz seguir para ali uma força de policia; as autoridades locaes porem com a actividade e zelo que desenvolve-

rão, e as providencias que tomarão, fizerão

desaparecer

os receios, que se tinhão

manifestado. “Alguns escravos comprometidos no plano de insurreição foram convenientemente corrigidos: toda as combinações se desfizerão e a confiança voltou ao animo dos habitantes de Piratiny.”

143

Como podemos ver, são duas ocorrências positivas env olvendo importantes regiões e um número significativo de escravos. Nas duas ocasiões, os envolvido s fo-

ram castigados, o que não nos deixa dúvida sobre a veracidade dos fatos. Na “Falla Dirigida a Assembléia Legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo Presidente Dr. Francisco Ignácio Marcandes. Homem de Mello

em a Sessão de 120 Legislatura” temos, também, a referência, sem maiores comentários, a três tentativas de insurreição. Estas teriam ocorrido em 1863, 1864 e 1865 .

Esta “falla” é de 1867. No relatório de 1864, o “Dr. Espiridião” refere-re também à tentativa de 1863, avançando ter ocorrido no segundo semestre do ano e em Porto Alegre. O Bacharel João Marcellino de Souza Gonzaga, também, fala, em

1865, de uma tentativa do mesmo gênero no começo do ano: “No princípio do cor-

rente anno houve em estremecimento geral proveniente de suspeita da existência de uma plano de insurreição servil...” Como podemos ver, temos nada menos do que indicações seguras de seis tentativas

insurrecionais,

durante

o século

XIX

(1838;

1848;

1859;

1863;

1864 e

1865). Um estudo mais detido possivelmente revelará outras. Não nos esqueçamos que todas estas tentativas de insurreição são posteriores às afirmações de Nicolau Dreys. A pouca loquacidade das informações dos presidentes da Província não nos indicaria, porém, serem estes atos problemas de somenos importância? Não se trataria de atos de indisciplina e inconformidade entre a escravatura e não de tentativas insurrecionais? O fato de que estas insurreições tenham abortado não nos mostraria a pouca importância que desempenharam em nossa história? Pensarmos que acompanhar a primeira visão que nos dá a documentação impressa, e não conferir a realidade objetiva, é um grave erro. Pensamos que despre-

zar o ato insurrecional, ou melhor, a tentativa insurrecional do escravo, porque ela abortou, é um erro ainda maior. Não podemos, se assim procedemos, apreender

a importância, as causas e a própria problemática que envolvia, e dificultava, este esforço libertário.

14. Uma Tentativa Insurrecional dos Escravos “Minas” em Pelotas O receio dos senhores-de-escravos pelotenses da concentração de escravos des-

tas regiões, principalmente às margens do arroio Pelotas, não era produto de temores imaginários. Os senhores temiam a fuga dos escravos; estes, como já vimos, ou se dirigiam para a fronteira ou formavam pequenos quilombos nas matas da região. Mas, mais do que a fuga, os escravistas pelotenses temiam uma insurreição servil. Os documentos

da época,

como já vimos diversos exemplos,

eram extre-

mamente claros: a eventualidade de um plano conspirativo entre os escravos sempre esteve presente para os charqueadores. Os acontecimentos de 1848 vinham, portanto, confirmar estes temores.

144

Este caso, devido

à sua amplitude,,

vai merecer

referência no

relatório do

presidente da Província, J. C. Miranda de Castro, à assembléia provincial. “O Juiz

de Direito da Camara do Rio Grande e o Delegado

de Polícia da Cidade de Pelotas

participaram recentemente ter havido denúncias, desde o princípio de janeiro deste ano, de um plano entre os negros da nação Mina existentes nesta última cidade e nas charqueadas e olarias que lhe são próximas, para uma insurreição; tomadas as provenientes precauções, e continuando as denúncias de que o dia 6 de fevereiro último era o aprazado para o rompimento; forçoso foi ao Delegado mandar prender os indigitados de estarem no plano. Até o dia 6 do mesmo mês constava oficialmente que mais de 30 dos referidos negros estavam presos. Não consta ainda terse descoberto ramificações.” Estas informações precisar-se-ão bastante mais com a publicação, pelo “O RioGrandense”; de Rio Grande (19.2.1848), da correspondência entre o “Comandante da là, Brigada do Exército e da Fronteira do Chuy”,o delegado de polícia de Pelotas e os resp onsáveis da Guarda Nacional.

O primeiro oficio é de 9.2.1848. Trata-se de carta enviada pelo Sr. José Vieira Vianna, delegado de polícia do município de Pelotas: “Ilmo Sr. Chega agora a minha notícia que grande número d'escravos do 20.districto deste termo se reunirão e seguirão ou seguem para a Serra dos Taipes, em número pouco mais ou menos de duzentos, por cujo motivo depreco a V.S. a força necessária e toda as providencias que julgar necessárias para acautellar, prevenir, e prender á minha ordem os fugidos, seductores, e implicados no facto, se elle existir n'aquelle districto, ou no do Serro da Buena, donde veio igual notícia, ainda que não official, merece com tudo ser attendida. — Deos Guarde a V.S. Pelotas 9 de fevereiro de 1848. — Ilm. Sr. Tenente coronel, Serafim Ignacio dos Anjos, chefe de legião da guarda nacional — José Vieira Vianna,” Tratava-se, portanto, de uma possível insurreição de 200 escravos no 20. distrito do município de Pelotas. Estes se tinham dirigido ou se dirigiam para a serra dos Tapes. Diante deste acontecimento, o delegado de polícia pede providências à Guarda Nacional. A resposta do Ten.-Coronel é imediata. No dia seguinte, pode Já escrever: “Ilmo. Sr. — em virtude do officio de V.S. de 9 do corrente em que me depreca força e providencias para prevenir e prender um grupo d* escravos que se achavão reunidos no 2º. districto d'este termo; mandei na mesma hora em que recebi o officio, ordem para reunirem os guardas nacionaes da costa da Serra nos pontos de Monte Bonito e Passo do Retiro, aonde amanhecerão do dia 9 para 10 mais de 100 homens reunidos e bem dispostos, e eu segui no mesmo dia 9 pela costa do Arroio de Pelotas acima a informar-me aonde existia tal reunião d'escravos, e não me

foi possível

o descobrir, nem consta que se tenhão evadido escravos dos char-

queadores d'aquella costa e todos estão acautellados. Dei as providencias para ser patrulhada a Costa por moradores da mesma que todos se prestão de muito bom gosto. No districto do serro da Buena, não ha movimento algum. Á vista disto, fiz retirar os guardas nacionaes para as suas casas, promptos a qualquer aviso. Remetto a V.S. um escravo de João Bittancourt que foi apanhado no Monte Bonito, que diz andar fugido ha dois mezes e que pertencia ao mesmo levantamento. — Deus Guarl45

de a V.S. cidade de Pelotas 10 de Fevereiro de 1848. — Ilmo. Sr. José Vieira Vian. na, delegado de policia do municipio de Pelotas. Serafim Ignacio dos Anjos, te. nente coronel commandante interino da legião.” O comandante interino da Guarda Nacional coloca, portanto, um pouco de ordem na confusão. Não existia concentração de escrav os na serra dos Tapes; escravos não tinham escapado das charqueadas do arro io Pelotas. O que havia, então, realmente, ocorrido?

Uma carta do mesmo

delegado de polícia

ao “Coman

dante da Cidade e Fronteira de Rio Grande” esclarece-nos: “lmo. e Exmo. Sr. — Por denuncias que tive —, diz o Delega do, de que havia um plano para a insurreição dos negros minas d'esta cidade e suas immediações, que devia apparecer no domingo passado, 6 do corrente mez, dei na vespera d'este dia todas as providencias ao meu alcance para atalhar este mal; e até hontem, das inda.

gações que fiz a respeito e pelas confissões dos neg ros presos e castigados, não passa-

va o plano dos referidos negros minas: mas de hontem para cá tem apparecido suspeltas de haver alliciadores do estado visinho; e um tropei o mesmo estado, noticia que passando em Arroio Mal ro proximamente chegado o, haverá dose dias, alli lhe cartificarão que os escravos d'este municipio se havião levantado, saqueado a cidade, e passado para os blancos, no sobredito estado

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Deos guarde a V. Exc. Pelotas, 11 de fevereiro de 1848, Ilmo. e Exm. Sr. brigadeiro SECR

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José Fernandes dos Santos Pereira, comandante da cidade e fronteira do Rio Grande. — José Vieira Vianna, delegado de polícia.” Nesta carta, mais preciso, o Delegado dá uma visão mai s objetiva da situação. O plano de insurreição referia-se aos “escravos minas” da cidade e imediações de Pelotas e devia objetivar-se a 6 de fevereiro. A 5 do mesmo mês , o Delegado prende alguns implicados e começa a desbaratar a conspiração. Os temores, fundados ou não, de haver aliciamento exterior e o medo ao agravamen to da situação,

possivelmente, levou-o a dar um caráter mais dramático aos fatos, exigindo, assi m, pronta resposta e mobilização da Guarda Nacional. O comandante interino da Guarda Nacional pode escrever, a 12 de fevereiro: “Ilmo. Sr. — Cumpre-me dar parte a V. S. que em virtude da requisição do Sr.

delegado de policia d'esta cidade, fiz reunir uma força de guarda s nacionaes no dis-

tricto da Serra no dia 9 a 10 d'este, afim de obstar e prender a uma porção d'escravos que elle dizia em número de dusentos, e não os encontrando, e nem indicios de desordem alguma, fiz disperçar a força no mesmo dia 10 a noite, como tudo verá dos officios que por cópia remetto a V.S. sob número 1 e 2. Tenho a satisfação de dizer a V.S. que com mais promptidão, não era possível fazer-se uma reu-

nião de cidadãos tão tem dispostos. Os sustos de

com a noticia do levantamento d'escravos minas, e outras noticias aterradoras, OS julgo todos terminados. Deos guarde a VS. — Comando inte rino da Legião de Pe-

lotas, 12 de fevereiro de 1848. — Ilmo Sr. Thomaz José de Campos, commandante

superior interino da Comarca do Rio Grande te coronel interino da legião de Pelotas”

— Serafim Ignacio dos Anjos, tenen-

Em carta de 15 do mesmo mês, o sr. Thomaz José de Campos, tenta colocar fim às divagações sobre o assunto. “Ilm, e Exm. Snr. — 146

Tendo visto inscrito no pe-

a V. Exc. pelo riodico ' Nova Epoca * nº. 152, d'essa cidade, um officio dirigido delegado de policia desta, no qual pede que V. Ecx. tome providencias, porque, existindo neste Municipio mais de 3:000 escravos e tantos elementos de desordem pela sua posição aberta, teme que a tentativa d'insurreição a que se refere, seja promovida por individuos do Estado visinho; cumpre-me dizer a V. Exc. que apesar de ter estado n'essa cidade, e ausente d'esta ha 12 dias, informado agora das occurrencias daqui a respeito, e pelas idéas que já tinha, não combino em parte com a do Sr. delegado; sendo induzido a crer que a tentativa dos escravos abrange somente os

da nação mina; e que o temor de haver alliciadores do Estado visinho não é bem fundado, e menos a existencia de elementos de desordem. .......cccccccco.

“Penso que medidas policiaes e de cautella são as que muito convém; e creio nocivas as aterradoras noticias que unicamente se fundão em vagas suspeitas; pois

que não me consta, haja policia, até agora, descoberto armamento algum, em suas pesquizas. Julgo achar-se já supplantado o levantamento dos escravos minas, como bem o disse o Sr. delegado; repetindo a V.Ecx. que todo o barulho occorrido de

preto so comprehendia OS G.esta Nação

da ai sacras ac nssojta e ani pelago ja o spasa aigcgio

“Deos Guarde a V. Exc. — Commando superior interino da guarda nacional da comarca do Rio Grande em Pelotas, 15 de fevereiro de 1848. Im. e Exm. Sr. José Fernandes dos Santos Pereira, brigadeiro e commandante da 12. brigada do exerci-

to e da fronteira do Chuy. Thomaz José de Campos.” Esta

correspondência

deixa entrever,

com

facilidade,

sérios

atritos entre

o

Delegado de Polícia e a Guarda Nacional. Estes acontecimentos terão, porém, repercussões provinciais. No mesmo jornal “O Rio-Grandense”, podemos ler, alguns dias mais tarde (20.4.1848), a visão da presidência da Província sobre Estes fatos. A publicação do “Expediente da Prezidencia da Provincia” do dia 17 de feve-

reiro, diz-nos: “Ao Exmo. Sr. commandante

das armas, ponderando

a necessidade

de reforçar a ala do 80. batalhão de caçadores que se acha na cidade de Pelotas em quanto não providenciar-se que um batalhão completo occupe aquelle ponto, ficando a cuidado da presidencia augmentar a guarnição, armando a G.N. daquelle municipio com a brevidade possível. Momo

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Ao Dr. juiz de direito da comarca do Rio Grande, que em 14 do corrente se officiára sobre os acontecimentos do dia 6, dos quaes nem uma informação official havia naquela data, e mandou-se pôr à sua disposição a canhoneira Caçapava. Hoje, torna-se a officiar sobre a conveniencia de persistir na sua comarca, e deixar de vir tomar assento na Assembléia Legislativa Provincial; e tendo-se sobre as referidas occurencias dado as providencias apontadas, e as que constão do officio dirigido ao Sr. Commandante das armas, de que se junta copia, só cabia agora accusarse

o recebimento do officio de 9 do corrente mez. Deplora-se que, sendo sabido das autoridades policiaes, já em principios de janeiro, a conspiração dos negros, de tão serio acontecimento não tivesse dado parte; e não podendo ellas contar com a

solução de tão grave feito, tomassem a responsabilidade sobre si; lastima-se ainda mais que depois de conhecido e manifestado o plano no dia 6, depois de ter aborta-

147

do a conspiração e de vencida a dificuldade, se diga que é pouca a força simulta. nea da 14. linha e de policia...”.

À presidência da Província tomara, portanto, a sério os aco ntecimentos. As forças militares da região serão reforçadas, procurando-se, assim, prever qualquer

possível desdobramento. No mesmo documento, mas relativo ao dia 18, podemos ainda ler: “A” directoria do arsenal de guerra, mandando encaixotar 200 armas de infantaria com o seu competente correamento para se remett erem para a cidade de Pelotas, a entregar ao coronel commandante superior da GN. da comarca do Rio Grande; e na sua auzencia ao official que as suas vezes fizer.”

Não nos foi possível encontrar mais informações sobre a tent ativa insur. recional dos escravos “minas” em Pelotas. O possível inquér ito aberto pelo Delegado de

Polícia sem dúvida nos daria muitas informações a mais sobre este importantíssimo acontecimento. Seria-nos fundamental conhecer as ramificações desta

tentativa libertária, ou seja, se nascida na cidade (co mo parece mais provável) chegou ou não a encontrar apoio nos arredores e, principal se se tratou de um plano mais elaborado ou de uma ten mente, nas charqueadas: tativa sem maior organização,

Estes fatos, permitem-nos vislumbrar, ainda que rapidamente, uma real idade histórica extremamente rica que estamos longe de conhecer. Os acontecimentos registrados no “Relatório” do bacharel João Marcelino de Souza Gonzaga, em 1865, são ainda mais significativos.

15.

Os Acontecimentos Servis de 1865

O

“Relatório” do bacharel João Marcelino (1865) é deveras interess ante. Nele não só se explicita a vontade de discrição com que a administração imperial queria tratar todo fato servil, como avança, ainda que negue, a possibilidade de um plano geral insurrecional servil, envolvendo vários municípios da Província. Isto é, definitivamente, novo em nossa história regional .

"Em geral é bom o estado actual da tranquilidade publica na Provincia. No principio do corrente anno houve um estremecimento gera l proveniente de suspeitas da existencia de um plano de insurreição servil. Não crei o que houvesse qualquer plano combinado, mas o certo é que em alguns termos da prov incia erão fundados os receios de qualquer tentativa deste crime, provocado por emissarios e agentes do

partido infenso ao Brasil no Estado Oriental, A imprensa da provincia deo vult o á esses receios, e algumas autoridades locaes bastante tam bém concorrerão para isso, ligando importancia e pondo ostensivamente em acção a policia

sem

haverem

factos serios que autorisassem qualquer procedimento

coercitivo.

“Ao passo que em alguns termos assim procedião as autoridades locaes, no termo o mais ameçado da cidade de Pelotas, o digno e intelligente delegado de policia o prestante cidadão José Rafael Vieira da Cunha, com todo o criterio e

descripção, tomou as medidas preventivas sem ostentação ou aparato de policia, e 148

conseguiu

desassombrar

a população

pela tranquilidade pública.”

daquella importante cidade de todo o receio

Fora a advertência e a exigência de discrição no tratamento destes casos, o re-

latório indica-nos elementos interessantes: os fatos diziam respeito a mais de um termo da Província (“em alguns termos”) e temia-se a participação e apoio de forças estrangeiras (“emissários e agentes do partido infenso ao Brasil”). Para me-

lhor compreendermos toda essa realidade, temos que analisar, rapidamente, a situação internacional envolvendo diretamente o Rio Grande do Sul e o “Estado Oriental”. No começo do ano de 1865, estávamos para viver os últimos acontecimentos que levariam ao sucesso a política intervencionista do Brasil no Uruguai. As tropas imperiais, e seus aliados orientais, cercavam Montevidéu: o governo “blanco” vi-

via seus últimos dias. Numa tentativa desesperada de reverter uma situação crítica, uma tropa de cavaleiros uruguaios ataca Jaguarão, a 27 de janeiro deste ano, sem

grandes resultados. São estes “blancos”, a quem o presidente da Província acusa de tentarem “desencaminhar” os escravos brasileiros. Acusação, diga-se de passagem, tradicional. Quase imediatamente ao ataque de Jaguarão, Montevidéu será entregue às tro-

pas que cercavam a cidade; em algum tempo mais, teremos o início da mais mortifera guerra que até agora envolveu o Brasil: a guerra do Paraguai (1865-1870). extremacomo se lamenta o Presidente, foram Os jornais da Província, mente prolixos sobre estes fatos. Eles, e a correspondência publicada das autoridades militares, darão uma visão bastante aproximada de toda esta realidade. A primeira informação diretamente ligada a estes acontecimentos é dada pelo Diário do Rio Grande, de 10. de fevereiro de 1865: “*O estafeta de Jaguarão—

diz este jornal —, chegou hontem de tarde, com cartas de 29 às 7 horas da noite. Os blancos atacaram de fato aquela cidade, mas não a penetraram, e foram repelidos com toda a energia, apezar da falta de recursos que se fazia sentir. A carta que em seguida apresentamos é escripta por pessoa fidedigna e dirigida a um comerciante desta praça. O inimigo retirou-se com direção a Bagé depois de 30 horas de resistencia, arrebanhando para mais de tres mil cavalos e muitos escravos, e saqueando todas as casa que encontravam. Uma carta porém de Arroio Grande noticia que o número de escravos arrebatados pelos vandalos subia a cem.” “À entrada de tropas uruguaias no Brasil, como era de se esperar, cria certo pánico. O presidente da Província, por exemplo, escreve ao conselheiro Henrique Rohan (Correspondência, 1865 - p. 10),'*Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra”, sobre estes fatos, em 31 do mesmo mês: “No dia 28, porém, recebo a participação que me fez o commandante da fronteira de Jaguarão (copia

n.4), de ter sido invadido o nosso território por uma força de — blancos —, que passara no passo da Armada, no rio Jaguarão, distante da cidade do mesmo nome quatro leguas; bem como que se suppunha que igualmente tivessem invadido o

nosso território pelos passos de S. Diogo e Centurião, cujas forças eram calculadas

em dous mil homens.”

149

Mais tarde, os exageros serão corrigidos. As tropas eram bastante inferiores aos dois mil homens que inicialmente se falava, o combate não tinha sido tão renhi. do. Os orientais, efetivamente, não tiveram mais do que “4 mortos e seis feridos”:os brasileiros perdem “um morto e cinco feridos” (Corre spondência, 1865, p. 13). Sobre os escravos, que se temia tivessem sido “a rrebanhados” às centenas, as notícias também eram exageradas. “Diz-se terem levado três mil cavallos e um número muito avultado de escravos — escreve em outra carta O Presidente da Província —, bem como diz-se terem sido rap tadas algumas mulheres. Creio, por

ém, haver muita exageração nessas notícias. Não havia pelas immediações das fronteiras

, na zona por elles percorrida, grande quantidade de cavallos, nem crescido número de escravos.” (Correspondência, 1865, p. 13).

A imprensa não fazia mais do

que refletir o estado de intrangúilidade que vi-

via a população. Algumas noticias são, no entanto, alarmist as ou imaginárias. “Cosnta-nos que S.Exc. o Sr. Presidente da Província, rece beu hontem parte official de Jaguarão, que confirma tudo quanto dicemos no Diario de hontem: com diferença porem que o inimigo tomou caminho de Santa Vito ria e não de Bagé. Consta-nos também que a maior parte dos escravos arrebatados tem fugido das fileiras blancas e procurados a casa de seus senhores (Diário do Rio Grande, 2.2.1865).” A primeira notícia que temos de problemas com a escravaria da Prov íncia é uma lacônica nota do “O Commercial” de Rio Grande (6 e 7 de fevereiro de 1865). Ela diz: “Prisão. Foi hontem recolhido a cadéa por ord em do Sr. delegado de polícia o escravo do Sr. Manoel Antoneo Lopes por nome Bom fim chefe dos sublevados de Santa Izabel.” Destes fatos não teremos mais informações. A única

coisa que saberemos, portanto, é que, no dia 5 de fevereiro, foi recolhido à prisão o escravo Bomfim, chefe de um distúrbio, em Santa Izabel. Talvez trab alhasse ele

na charqueada do citado Manoel Antoneo Lopes. Esta região, no canal de São Gonçalo, como já vimos, possuía diversas instalações saladeiris e, portanto, significativa concentração de escravos. O presidente da Província, quando recebeu notícias sobre O ataq ue a Jaguarão, pensou, sintomaticamente, nesta povoação. “As quatro horas da madrug ada de 29 sahio o vapor para Jaguarão. Expedi proprios em toda as direcções activando a reunião de forças. Mandei intimar a todos os xarqueadores residentes na povoação de

Santa Izabel (18 leguas distantes de Jaguarão), para nos hiates transportarem todos

os seus escravos para a margem opposta do rio S. Gonçalo.” (Correspondência, p. 10). 1865 , Os problemas, porém, não se restringiam somente a Santa Izabel. Um docu mento da Delegacia de Polícia de Jaguarão, com data de 7 de fevereir o do mesmo ano (AHRGS), avança-nos o seguinte: “Do segundo destricto da Freguesia do Arroio Grande, me forão remettidos oito escravos, sendo ali presos como suspeitos e coniventes na insurreição da escravatura, que devia ter luga r na occasião em que fosse invadida nossa fronteira pellas forças do Governo de Montevideo. Pelo depoimento do preto Florencio escravo de Marcos José da Porciunc ula que parece ser O

que se encarregou de fallar aos outros escravos e declara que foi convidado para 150

isso, pelo Oriental José Benito Varella, que muitos dias antes da invazãoo convida-

ra para que passasse para o Estado Oriental dizendo que seria esse início de gozar

á liberdade. “Me parece que, algum plano estava combinado, e que por qualquer circunstancias por ora desconhecida abortou! Continuo nas mais severas indagações, a ver se se pode descobrir os agentes de semelhante conspiração, porque tenho tido denuncia de alguns escravos moradores nesta Cidade como cumplices n'esse attentado e contra elles estou procedendo as indagações... Delegacia de Policia da Cidade de Jaguarão e seu Termo 7 de fevereiro de 1865. Nlmº. Exmà. Senº. D.Of João Marcelino de Souza Gonzaga Presidente desta Província.” O delegado de polícia informa, portanto, ao Presidente da Província a prisão de oito escravos no segundo distrito da freguesia do Arroio Grande por estarem envolvidos em um plano com possíveis ramificações na própria cidade de Jaguarão. Tudo teria sido preparado — segundo o Delegado — para o momento da invasão das fronteiras brasileiras. Um uruguaio, o cidadão José Benito Varella, era acusado de ser o mentor deste plano. O Delegado escreve dois dias depois que Bomfim é enviado de Santa Izabel para a prisão. Do citado José Benito Varella, teremos ainda notícias. No dia seguinte em que

o Delegado escreve sua carta, podemos ler no (Commercial de Rio Grande (8.2.1865): “Segue preso no vapor “ Guarany *, o oriental José Benito Varella, que foi remettido do Chasqueiro pelo respectivo sebdelegado do destricto, em consequencia de andar alliciando escravos para os ' brancos”. Se o Sr.Varella as-

sim procedia, é para admirar, porque sendo casado com uma senhora brasileira e tendo filhos e netos brasileiros... Talvez que o Sr. Varella esteje innocente, assim o cremos.” Tudo isso se complica ainda mais com a notícia de sucessos semelhantes no município de Piratini. E, também, o mesmo “Commercial” (8.2.1865) que nos

informa. “De Piratiny. Recebemos pelo correio vindo hontem uma carta com data de 4 do corrente que nos revela o seguinte: “Nós por aqui, estamos desde 29 do passado, em alarme, não por medo dos blancos, mas sim pela escravatura o emigrados que existem neste municipio. Ante-hontem appareceu a noticia de haverem convites entre os escravos para se sublevarem; isto foi descoberto e já se acham na cadêa 16 dos taes, entre elles o cabeça. O dia marcado dizem seria amanhã. Todas as famílias estão muito assustadas.” “Amanhã seguem para essa cidade, 7 emigrados que por aqui vagavão e trata-

se de prender todos oa mais que existem em grande numero, por se desconfiar muito dessa gente; poes consta até que parte dos convites forão feitos por elles mesmos.

“Nas indagações veremos o que sahe e te participarei”.” Teríamos, assim, 16 escravos presos em Piratini, acusados de prepararem uma

tentativa insurrecional. Eles teriam sido presos, possivelmente, no dia 2 de fevereiro e a insurreição estava marcada para o dia 5 do mesmo

més,ou seja, no dia (prová-

vel) dos acontecimentos de Santa Izabel. Fala-se, aqui, também, de um possível envolvimento “blanco”. No mesmo jornal (8.2.1865), temos informações mais detidas sobre este possível envolvimento. “Ultima-hora. Chegou hontem uma for-

151

ça conduzindo um número consideravel de presos, uns desertores do exercito e outros orientais matreiros, remettidos pelas autorida des de Piratiny,os quaes forão recolhidos a cadêa civil. Informão nos mais, que em Piratiny descobrio-se uma insurreição servil, pelo que forão presos escravos que forão castigados.” Estes urugualos serão imediatamente enviados para Porto Alegre, por navio. No dia 17 de fevereiro, o “Diário de Rio Grande” publica uma longa carta de seu

correspondente em Piratini. Ela, melhor do que nada, informa sobre os fatos e o estado de espírito dos senhores-de-escravos: “Piratiny, 10 de fevereiro... Esta noticia (invazão de Jaguarão) foi o toque de alarma, e todos se reuniram para irem em socorro dos jaguarenses. Por esse motivo vimos marchar no dia 31 do mez findo, trinta e oito guardas nacionais da companhia da infantaria d'esta villa, levando

á sua frente o respectivo capitão e alferes; o tenente não foi porque soffria n'essa

occasião um fortissimo ataque de choréa santi vite. A companhia chegou no mesm o dia á freguezia das Cacimbinhas com mais de sesseta praças não encontrou ali a

reunião de cavalleria que já estava além para o lado de Candiota aonde se foi encor porar ao Exm,. Coronel barão de Serro Alegre; e tendo

o Capitão

denuncia verbal

por um cidadão mui respeitavel de que vehementes indicios lhe faziam crêr estar

a desfechar sobre o municipio uma haitiada, retrocedeu, deu acertadas providencias, e a dous do corrente chegou com dez crioulos prezos, que foram unir-se a sete ori-

entaes que estavam na cadêa. A delegacia de policia, enterrogou aquelles e providenciou inergicamente, e o numero de escravos capturados é superior a trinta. A insurreição devia rebentar na noute de quatro do corrente, os insurgidos com divisa branca no chapéo, dariam saque a esta villa, reuniriam por persuação ou por força todos os seus parentes, e iriam engrossar as fileiras * branquilhas ”. As dili-

gencias continuam, porque faltam prender alguns dos compromettidos. Á 6 do

corrente a delegacia de policia remetteu para a cidade de Pelotas, oito desertores da infantaria de primeira linha e sete orientaes, entre estes foi um 10. sargento Ambrozio, que agora está reconhecido como o principal motor da projectada.insurreição, e por esso muito recommendamos á autoridade competente... Quando nos a-

chavamos sob a impressão dolorosa de sabermos ter sido polluida a nossa fronteira por uma horda de vandalos, o que não acontecia desde 1828; quando essa impressão se tornava afflictiva pela lembrança de que se pódem repetir tragedias iguaes ás de que foram actores bem celebres, Spartucus em Roma, e TossaintLouventure em São Domingos...”. Se são verídicas as informações que nos dá esta carta, tratava-se, possivelmente, de uma bem planejada e bem articulada tentativa insurrecional envolvendo diversas regiões do sudeste de nossa Província. Todos estes fatos, quase simultâneos, devem ter criado verdadeiro pânico entre os senhores-de-escravos. Os reflexos serão rapidamente sentidos. Parece que em algumas regiões ensaia-se verdadeiros

“pogrons” contra escravos ou libertos. “Escrevem-nos da villa de S. José do Norte, em data de hontem: * Continua a policia nas suas averiguações, e a castigar aos pre-

tinhos crioulos do 10. destricto, implicados como insolentes * capadocios ", amigos

da vadiação etc. “Entre os surrados figuram o celebre Man uel Cambão e Adão, de Mustardas; e Maximiano, escravo do Jeronymo Marinho Falcão”” (Diário de Rio”

Grande, 17.2.1865).

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152

Organizam-se patrulhas civis; espiões são vistos em todos os cantos. “Rio Grande. As patrulhas de particulares, a cavallo, de que se encarregou voluntariamente o Sr. Dezidério Antonio de Oliverira, principiam hoje a coadjuvarem a polícia”. (Diário de Rio Grande, 19.2.1865). O mesmo se faz em Cangussu. O correspondente do Diário de Rio Grande (15.3.1865) nesta cidade, que nos possibilita esta informação, teme até mesmo escrever sobre a possibilidade de uma insurreição servil: “.. Os moradores... desta villa, não tendo aqui uma força qualquer armada, que pozesse a coberto

suas vidas, honra

de suas famílias, e propriedade, de algum as-

salto de ladrões, assassinos, ou de algum attentado da parte de nossos AMIGOS (invertido) de côr BRANCA (invertido) ou dos blancos; de seu motu proprio e expontanea vontade, se reuniram e formaram uma companhia de voluntarios com

o fim unico de defender esta villa de alguma agressão... se apresentavam todas as

noutes dezoito homens, fazendo patrulha, é outros aquartelados e de prontidão. Esta medida era util e proveitosa em varios sentidos. 10. era um respeito que impunha, e em que as familias confiavam... 20. Impunha respeito aos taes pretinhos no caso de quererem — batucar — e tanto se receiavam que ninguém já via um passeador noturno d'esta laia”. O medo de “emissários” e espiões estrangeiros cresce, também, enormemente. “Consta-nos — escreve o Diário de Rio Grande (19.2.1865) — que temos nas provincia espiões do selvagem Lopez do Paraguay, e que ahi pelo Rio Grande vagueia um e de tantos, que tendo recebido d'aquelle tyrano porção de onças... Ão Sr. presidente da provincia e com especial á policia d'essa cidade recommendamos a descoberta d'esse filbusteiro... Olho vivo com elle.” No dia anterior, o mesmo jomal já tinha noticiado a descoberta — o que nos parece, neste momento, bastante improvável — de um uruguaio dentro de uma senzala! “Em Pelotas foi encontrado na noute de ante-hontem um “ oriental * dentro da senzala dos escravos da xarqueada do Sr. Heleodoro da Azevedo e Souza; que * não sabendo * como ali fora transportado, foi conduzido para a cadêa por “innocente”.” 2

39

O material até agora reunido

permitir-nos-ia supor, como já avançamos, a exis-

tência de um plano articulado por enviados do Uruguai, que deveria combinar o

ataque a Jaguarão e a insurreição servil em diversos pontos das regiões sudestes do Rio Grande do sul. A prisão de cidadãos uruguaios acusados destas atividades,

levar-nos-ia

a crer na verossimilhança

desta

suposição. Porém,

a possibilidade

de que as tentativas insurrecionais de Cacimbinhas, Sant Izabel e Arroio Grande tivessem sido a combinação de processos espontâneos não estaria descartada. O ataque de Jaguarão poderia ter criado entre a massa escrava a suposição de uma possível derrota das tropas brasileiras e incentivado à organização de fugas coletivas.

Isto, porém, não nos pareceo mais provável. A “proclamação” do General Basilio Munhoz, escrita ainda no Uruguai, robus-

tece a possibilidade de uma prévia articulação destas tentativas insurrecionais. “Proclamação. O general em chefe do exército da vanguarda da república oriental do Uruguai. Soldados! Vamos pisar o território que o Imperio do Brasil nos há usurpado, é necessário que com vosso valor e patriotismo reconquistemos seu “domínio, fazendo tremular nelle nossa bandeira, e DAR LIBERDADE AOS 153

DESGRAÇADOS HOMENS DE COR QUE GEMEM DEBAIXO DO JUGO DA ESCRAVIDÃO, QUE A HUMANIDADE REPROVA... Basilio Munhoz. Janeiro, 20 de 1865.” (Correspondência.1865, p. 13). Destacamos. Os acontecimentos do início do ano 1865, devem ser melhor analisados com uma documentação mais abundante. Um estudo da documentação Uruguaia refe. rente a estes fatos pode nos levar a reconstrução de um acontecimento talvez único da história do escravismo gaúcho. Nossos arquivos estaduais devem, também, guardar ainda toda uma série de documentos inéditos sobre esta e outras insurreições servis. Este estudo, sem lugar a dúvidas, recém-começa.

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o Estado da Capitania de São Pedro do RS. in: RIHGRGS. Nº. 79. Ano XIX. Porto Alegre. 1940. (p. 51-71). MELLO, Francisco Ignacio Marcondes Homem de. Falla dirigida à Assembléia Legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo Presidente Dr. Francisco... em a Segunda Sesão da 122, Legislatura... Porto Alegre. 1867.

MILLAU, Francisco. Descripcion

de la Provincia del Rio de la Plata. (1772). Coleccion Aus-

tral. Buenos Aires. 1947.

PIMENTEL,

Esperidião Eloy de Barros. Relatório apresentado pelo presidente da Província de

S. Pedro do Rio Grande do Sul. Dr. Esperidião... na 12. Sessão da 112. Legislatura da Assembléia Provincial. Porto Alegre. 1864. PIGALLTTA, F.c LOPEZ, D. Description du Royaume de Congo et des Contrées environnantes.

Traduzido

ao

francês c anotado

por BAL,

Willy. Editions

Nauwelaerts.

Louvain —

Paris. 1963. SAINT-HILAIR E, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul, (1820-1821). Ed. Itatiaia-EDUSP. Belo Horizonte-São Paulo. Coleção Reconquista do Brasil,10. 1974. É SOARES, Joaquim Pedro. Falla com que o Exmo. Snr. Dr. Joaquim... 2º. Vice-Presidente da Provincia, abrio

a 12, sessão da 192, Legislatura da Assembléia Provincial

no dia

7 de

março de 1881, Porto Alegre. 1881. SOARES, Joaquim Pedro. Relatório com que o Exmo, Snr. Dr. Joaquim... passou a administração da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exmo, Snr. Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos, a 27 de fevereiro de 1882. Porto Alegre. 1882.

SMITH, Hebert, H. Do Rio de Janeiro a Cuyabd. Melhoramentos. São Paulo. 1922.

SOUZA,

Francisco Ferreira de Souza. Descripção aViagem

sio Comemorativo do Bicentenário

do Rio Grande. in: Anais do Simpó-

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IGHMB. III Volume. Rio de Janeiro. 1979. (p. 231-266). TOLLENARE, LF. de Notas Dominicais, Salvador, Progresso, 1956.

8.

(1776-1976).

IHGB-

REVISTAS E JORNAIS Jornais

Atalaia do Sul. Jaguarão, 2º. semestre de 1868. A Voz do Escravo. Pelotas. 1881( nº.1a 13).

Correio do Povo. Caderno de Sábado do. Porto Alegre. Diversos trabalhos. (De Correio

do Povo.

Suplemento

Rural do. Porto Alegre. Diversos trabalhos. (De

1974 a 1979).

1974

à 1979).

Diário de Rio Grande. Rio Grande, 1º,e 20, semestre de 1865. Echo do Sul. Rio Grande. 1º. e 2º, semestre de 1859, 1860, 1861, 1862, 1863, 1864, 1866, 1867. O Observador. Rio Grande. 1º. e 2º. semestre de 1833. O Rio-Grandense. 1º.e 2º. semestre de 1848 e 1849.

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161

Revistas

LOPES NETO, Simões. Revista do 1º. Centenário de Pelotas. Pelotas. 1911.nº,2

do Sul. Pelotas. 1952. s/d.

9.

e 3. Princeza

FOTOGRAFIAS

Os desenhos de Debret sobre o Rio Grande do Sul foram, inicialmente, editados por: DEBREI, Jean Baptiste. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil. Edition Firmin Didot et Freres. Paris. 1834. Recentemente, 18 planchas referentes ao Rio Grande do Sul foram reprodu-

zidas por Painel Editora, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Esta reprodução contou com a apresentação de J. C. Paixão Cortes e biografia de J. B. Debret de Sérgio Milliet. Nesta apresenta-

ção

Paixão

Cortes

diz:

“Embora

alguns

tenham

posto

dúvida da estada de Debret no Rio

Grande do Sul, suas litografias, datadas de 1823 e 1825, nos asseguram, pela fideli dade de deta-

lhes e precisão no enfoque de típicas e preciosas cenas da época e da região, acrescida de grande autenticidade que, somente uma pessoa que tenha presenciado a esses momentos, de alta ca-

pacidade e observação e sensibilidade artística, teria possibilidade de deixá-los eternizados em traços.” CORTES,

J.C. Paixão. Notícia de Debret. Ob. cit. s/p.

As fotografias antigas das charqueadas do Rio Jaguarão, pertencem ao acervo fotog ráfico

do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

162

FOTOGRAFIA 1. “Imigração dos Guaicurus”. (1823-25). Temos aqui mostra da intimidade destes indígenas com o cavalo e o gado bovino. Esta habilidade do indígena gaúcho será utilizada

quando se necessitar mão-de-obra para as lides campeiras. Desenho de J.B.Debret. —eE vão — em

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2. “Índios Guaicurús Civilizados”. Ver foto anterior.

163

sa FOTOGRAFIA bret (1823-25)

3. Sugerindonos a utilização do escravo na tro peada, temos o desenho de De-

“Peão

Negro Escravo”. Trata-se de uma tropa de mula destinada, possivelmente,

a Sorocaba ou Minas Gerais. Desenho de ]. B. Debret .

FOTOGRAFIA

gena como

164

4. “Índios Charruas Civilizados” Temos aqui exem plo da integração do indimão-de-obra nas lides campestre s.

Desenho de J. B. Debret.

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5. “Os Peões”. Destaque-se o caráter mestiço dos peões retratados por Debret. A

figura cm pé retrata, talvez, um escravo.

(B) (C)

Possível embarcação utilizada no transporte do charque. Arroio Pelotas. Embarcações sendo carregadas, cais,

(D) (E)

Possivelmente Varais.

(A)

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chaque ou couro empilhado,

Possível

FOTOGRAFIA

uma

residência

outra

charqueada,

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charqueado.,

(G) Sino (H) Escravo estaqueando couro. (J)) Canaleta de evacuação. (L) Feitor com seu chicote. (M)

(N) (O)

Possivelmente o “monturo”

Graxeira. Guindaste.

6: Esta lâmina de Debret (1823-25) é um dos documentos de maior importân-

cia que conhecemos sobre as charqueadas de Pelotas dos: primeiros anos do século XIX. Remarque-se que ainda não se realizava a salga do couro; este era, ao contrário, estaqueado. A graxeira não possui, também, chaminé.

165

FOTOGRAFIA

7. Vistas

nante erosão das margens

das margens

do rio Cebollati,

Sô encontramos,

rados e semisubmersos

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Destaque-se

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deste rio. Nas fotos abaixo (p. 166 a 168), vemos o local exa to da

localização da charqueada que, segundo Charqueada”.

no

como

os informantes, dará nome

a este lugarejo — “La

vestígios, inúmeros ossos fossiliz ados e tijolos semi soter-

(ver as flechas), Foto do Autor

(FA).

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168

FOTOGRAFIA

8. “Vila dos Espiritos” (Jaguarão). Vemos aqui a travessia de uma tropa de ani-

mais, possivelmente destinada a uma charqueada. Gravura de J. B, Debret.

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FOTOGRAFIA

9. Serviço de drenagem no “baixio das Xarqueadas”

tográfico do IHGJ.

no rio Jaguarão, Acervo fo-

169

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FOTOGRAFIA 10.. “Vista Geral da Aarqueada do Coroncl Zeferino Lopes de Moura”, Margem esquerda

do rio Jaguarão. As construções 2 c 3 não existem mais. A construção 1 encontra-se intacta e possui, sobre seu frontispício, a data 1848. Os varais (4), inutilizados, não foram ainda arrancados. Acervo fotográfico

do IHGJ.

FOTOGRAFIA

nalada

na

foto

11. Construção assianterior

(1).

Vista

frontal. A flecha mostra a data, ile-

gível

nesta

foto.

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13. Vista dos varais abandonados da charqueada anteriormente

gem esquerda do rio Jaguarão.

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assinalada.

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14. Idem iniceeidia anterior. FA.

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FOTOGRAFIA 15, Vista da cancha da charqueada que se € ncontrava ao lado da do Cel, Zeferino. Margem esquerda do rio Jaguarão. FA.

172

ida na foto anterior. Marrefer da quea char da r quea char de ha canc da Vista 40. A AFI OGR FOT gem esquerda do Rio Jaguarão. FA. *

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FOTOGRAFIA

17. Idem fotografia anterior, FA,

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FOTOGRAFIA Zeferino. FA.

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do rio Jaguarão.

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19. Vista lateral do matadouro

Lopes de Moura”,

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Tirada nos terreno s próximos próxi àà charqueada do Cel.

que se substituiu à c harqueada do É “Cel. Zeferi ino

FOTOGRAFIA FA.

FOTOGRAFIA FA.

20. Foto tirada desde o canal São Gonçalo. Desembocadura do arroio Pelotas.

21. Construção do ciclo das charqueadas na margem esquerda

do arroio Pelotas.

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22. Idem da foto anterior.

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23. Remodelação de velha constru ção. Margem direita do arroio Pelotas

ximo da charqueda de Gonçalves Chaves). TA,

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FOTOGRAFIA

25. Vista de ruínas da antiga charqueada sobre a margem direita do aro:

Ao fundo (1) podemos vez as ruínas do reservatório de úgua da antiga Charqueada,

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26. Vista do reservatório assinalado na foto anterior. FA. | aj

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FOTOGRAFIA

27.

Cancha

do arroio Pelotas. TA,

178

da charqueada assinalada nas duas fotos anteriores. Margem direita

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FOTOGRAFIA 28. Ruínas do terminal da pedreira que trabalhou para as obras da barra do Porto de Rio Grande. FA.

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29. Estilete de ferro utilizado para “desnuc

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ais. Encontra-se exposto na residência de Antônio José Gonçalves Chaves, na margen 1 direita im do arroio Pelotas. FA

179

FOTOGRAFIA CANCHA DE

QULAR, charquear

30. CHAR.

Cancha de na margem

esquerda do Jaguarão, ao

lado

da antiga charquea-

da de Zeferino

Moura.

Lopes de

Os pequenos

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bos de ferro (1), destaca-

dos na foto, não pertencem ao conjunto. Foram colocados como “eoleiras”. A cancha foi utilizada para a prática de futebol de salão pelos ope-

“rários do matadouro que a

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se encontra ao lado, Assinalamos também dois

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do. Podemos ver, em primeiro plano, os alicer-

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encontra-se

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31. CANCHA DE CHARQU

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LAR. Outra vista do conjunto descrito na fotogra-

fia 15. (1) Tubos de ferro não pertencentes ao conjunto: (2) Trilh os da zorra; (3) Postes de cletricidade. FA.

180

FOTOGRAFIA

32. Foto antiga de uma mangueira, Não nos foi possível saber a época desta foto.

Ela pertence à coleção do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

FOTOGRAFIA 33, Cancha na margem direita do arroio Pelotas.

FA.

181

FOTOGRAFIA Destaque-se

34. “Empilhamento de

carnes”. Possivelmente na charqueada do Cel. Zeferino,

o vestimento de couro dos trabalhadores e o estrado de madeira das pilhas. Esta foto

foi tirada, possivelmente, nos primeiros anos do século. Não temos a data exata. Acervo fotográfico do IHGJ,

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35. Antiga foto da exposição das cames sobre os varais. Charqueada do coronel

Zeferino Lopes de Moura,

Margem esquerda

do rio Jaguarão.

Esta foto foi tirada possivelmente

nos primeiros anos do século. Não temos a data exata. Acervo fotográfico do IHGJ.

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36. Tanques de antiga charqueada. Margem

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FOTOGRAFIA 37. Tanque de antiga charqueada. Margem direita do arroio Pelotas. ; . FA. junto que foto anterior

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183

FOTOGRAFIA

38. Tanque

conjunto. FA,

de

antiga charqueada,

Margem

dircita

do arroio Pelotas.

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FOTOGRAFIA 39. Ruínas de construção de antiga charqueada. Margem direita do arroio Pelotas. Mesmo conjunto.FA.

184

FOTOGRAFIA

40. Detalhe

de um tanque. Antiga

char-

queada. Margem direita do arroio Pelotas. Mesmo con-

junto que as quatro últimas fotos. RA,

nque, FOTOGRAFIA 41. Ta . FA, Idem fotos anteriores

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43. lanques.

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FOTOGRAFIA 44. Tanques. Idem fotos anteriores. FA.

FOTOGRAFIA 45, Reservatório de água. Con-

junto visitado na margem direita do arroio Pelotas.

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FOTOGRAFIA

46. Cana-

lete de escoamento sobre o arroio Pelotas. Mesmo conjunto. FA.

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FOTOGRAFIA 47. Cuba em ferro. Encontravase abandonada, com: algu-

mas outras, junto às ruí-

nas visitadas em Jaguarão. Esta é a última que ainda se encontra no local e serve como “churrasqueira”. Margem es-

querda do rio Jaguarão. FA.

FOTOGRAFIA 48. Idem foto anterior. FA.

FOTOGRAFIA

49, Cons-

trução ou reforma da chaminé e reservatório de

água da charqueada

que

se encontrava ao lado da

do Cel. Zeferino. Ao canto dircito, varais. os JHGJ.

podemos Acervo

ver do

FOTOGRAFIA

50. Ruí-

nas das construções indicadas na foto anterior.

FA.

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FOTOGRAFIA 52. Idem foto anterior. O reserva-

tório encontra-se escondido pela árvore que Vemos num primeiro plano. FA.

FOTOGRAFIA 53, Vista frontal da residência de

Antônio José Gonçalves Chaves. Margem direita

do arroio Pelotas. to). No primeiro

(Foplano

vemos os antigos varais da charqueada. Estes não existem mais. Esta foto-

grafia, que não sabemos a data, encontra-se exposta na residência citada, A

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FOTOGRAFIA

54. Desenho da vista frontal da residência de Antônio Gonçalves Chaves. Margem

direita do arroio Pelotas. (Foto). Vemos no primeiro plano, à esquerda, a chaminé da charqueada. Os varais já foram arrancados. sta fotografia (possivelmente de 1956) encontra-se exposta na residência citada. FA.

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Gonçalves Chaves. É a mesma que vemos no desenho anterior. Não foi possível saber a data da construção desta chaminé. FA.

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FOTOGRAFIA

ção de Nicolau

56. Este desenho de Jean Baptiste Debret (1823-25) ilustra otimamentea

Dreys. Temos

aqui

descri-

“a lança comprida, cujo o ferro tem o feitio de meia lua”,

“os peões montados a cavalo” e “os negros escravos” tomando conta do animal caido. Trata-se possivelmente de um detalhe dec uma charqueada. No canto esquerdo, pode-se ver algo asseme-

“ lhando-se

aos varais.

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57. Detalhe e de de “ “Laçando o Boi”, té Pode-s-se e verve com mais claridade os possíveis

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FOTOGRAFIA 568. Instrumento utilizado para ajudar a movimentação do gado nos currais € bretes. Em algumas regiões do Rio Grande do Sul,chama-se atualmente de “'chocalho”. Encontra-se exposto na residência de Gonçalves Chaves. FA,

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59. Instrumentos utilizados nas charqueadas para ajudar a movimentação das carnes e couros. Encontram-se expostos na residência de Gonçalves Chaves. EA

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61.

Antiga residência

do ciclo das charqueadas na margem direita do Arroio ciotas. toi transformada cm colônia de férias de uma a indústria da cidade. Ver na foto se guin te a importante descaracterização da construção. F

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63, Fazendola na margem direita do arroio Pelotas. FA

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FOTOGRAFIA

64. Antiga residência do ciclo das charqueadas na margem direita do arroio Pe-

lotas. Encontra-se ao lado do conjunto fotografado. FA.

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FOTOGRAFIA

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65. Vista da mesma construção

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descrita da foto anterior. Foto tirada desde o

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FOTOGRAFIA

66. Constru-

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a invadir as margens do ar--

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FOTOGRAFIA 67, Pequena capcla anexa à charqueada

que se uncontrava ao lado da

do Cel.

Zeferino. FA.

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