O direito da Guerra e Paz [2]
 8574293458, 8574294047

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llllllllllllllllllllllllll

Coleção Clássicos do Direito Internacional Coleção coordenada por Amo Dal Ri Júnior

Hugo

GROTIUS Volume 11

O DIREITO

DA GUERRAS DAPAZ (De Jure Belli ac Pacis) 2' Edição 'lYadução de Cito Mioranza

SBD-FFLCH-USP

llllllllllll1111 272932

2005

45ztq4 q Z/

a,xgo,{.P Título original: .Z)eJwe .BeZZÍac.l)acü(publicadoem 1625) Três volumes nos quais se explicam v.& O Direito de Natureza e das Gentes

.z.d

e tanibê l As CoisasPrincipais do Direito Público

© 2004, Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364 Caixa Postal 560 98700-000 - ljuí - RS

-- Brasil -Forte: (0 3332.0217 Fax: (0 5) 3332-0343 E-mail: [email protected] Http://www.unijui.ache.br/editora/ Zkíífar.'Gilmar Antonio Bedin EditorAdjunto:

3aeX Coesa

Responsabilidade Editorial, Gráfica eAdministrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; ljuí, RS, Brasil)

Ckzpa:Vilson Maurio Mantos J)nadem odefeana.'DAOLIVEIRA

I' Edição: 2ç)Q4 2' Edição: 2ç)Q5 Catalogação na Publicação:

Biblioteca Universitária Mano Osorio Marquei

UMjuÍ

Grotius, Huno O direito da guerra e da paz/ jugo Grotius ; trad. Cito Mioranza. 2. ed. ljuí : Ed. Unijuí, 2005. -- v.2 (Cole

çãoclássicosdo direito internacional/ coord.Amo Dal Ri Júnior)

ISBN Obra completa 85-7429-345-8 ISBN V 1: 85-7429-4039 ISBN V 11:85-7429-404-7 l.Direito internacional 2.Filosoíía - direito 3.Guerras

4.Soberanial.Mioranza, Cito ll.Título lll.Série CDU : 340. 12 341.1 Editora Unijuí aãiliad

Associação Brasileira

d as Editoras

Universitárias

/ Índice Geral VOLUME l AppFqRN'TAnAn param o DaIRiJúnior T \TTP

nn

T Tn A n

15

poxAn tónioMan uelHespanha

DEDICATORIA PROLEGOMENOS

33

LIVRO l...

67

1. 0 que é a guerra? O que é a paz?

69

11. Se às vezes a guerra pode ser justa

97

111.Divisão da guerra em pública e privada. Explicação da soberania ...

157

IV. Da guerra dos súditos contra os detentores do poder

231

V Quem faz a guerra de modo legítimo

271

LIVRO ll

277

1. Das causas da guerra e primeiramente da defesa de si mesmo e dos bens

279

11.Das coisas que pertencem aos homens em comum

307

111.Da aquisição original das coisas,

onde se trata do mar e dos rios .....

339

IV Do abandono presumido e da ocupação subseqüente que diferem do usucapião e da prescrição

363

V Da aquisição original do direito sobreas pessoas.'lYata-se do direito dos pais, do matrimonio, das comunidades do direito sobre os súditos e sobre os escravos .....

383

VI. Da aquisição derivada daquilo que é feito pelo homem, onde se trata da alienação da soberania e dos bens da soberania

429

VII. Da aquisição derivada que se define pela leia trata também das sucessões "ab intestato"

441

VIII. Das aquisiçõespopularmente ditas do /us genÉluJn (direito das gentes)

487

IX. Quando cessaa soberania ou a propriedade

513

X. Da obrigação que decorre da propriedade

531

XI. Das promessas

545

XII. Dos contratos

569

xnl. Do juramento

599

XIV Das promessas, dos contratos e dosjuramentos daqueles que detêm a soberania

631

r XVI Dos tratados (das alianças) e das g arantias

647

XVI. Da interpretação

677

XVII. Do dano causado injustamente

eda obrigaçãoquedissodecorre

711

XVIII. Do direito das embaixadas

725

XIX. Do direito de sepultura

747

VOLUME ll XX. Das penas .. ......

777

XXI. Da comunicação das penas

881

XXII. Das causasinjustas ......

921

XXIII. Das causas duvidosas .....

941

XXIV. Admoestaçõespara não empreender temerariamente uma guerra,

mesmo porjustas

causas ..........--

959

XXV Das causas de empreender uma guerra em favor dos outros

979

XXVI. Das causas justas pelas quais a guerra pode ser feita por aqueles que estão sob o domínio de outrem .

995

1011

LIVRO lll 1.Regras gerais do que é permitido na guerra, segundo

o direito de natureza. 'l-rata-setambém do dolo e da mentira

1013

/

11.Como, segundo o direito das gentes, os bens dos súditos

sãorequeridos para cobrir a dívida dossoberanos. 'l.bata-setambémdasrepresálias....

1053

111.Da guerra justa ou solene, segundo OJusgenúum (direito das gentes). trata-se também da declaração de guerra ...

1067

]lV.Do direito de matar osinimigos na guerra solene e de outras violências sobre o corpo . .-

V Da devastação e do saque .....

VI. Do direito deadquirir as coisastomadasna guerra VII. Do direito sobre os prisioneiros

VIII. Da soberania sobre os vencidos

1085 1115 1125 1171 1185

IX. Do postlimínio

1193

X. Advertências a respeito dascoisas que se fazem numa guerra injusta

1217

XI. Consideraçõesa respeito do direito de matar numa guerra justa

1227

XII. Consideraçõessobre a devastação e outras coisas similares ..

1267

XIII. Considerações sobre as coisas apreendidas

1287

XIV Consideraçõessobreosprisioneiros

1295

XV. Considerações sobre a conquista da soberania

1313

XVI. Considerações sobre as coisas que, segundo o direito

das gentes, são desprovidas de postlimínio XVII. Considerações sobre aqueles que são neutros na guerra

1327 1337

XVIII. Das coisas que, numa guerra pública, são feitas de modo privado

XIX. Da manutençãoda palavra entre inimigos

1347 1355

XX. Das convençõespúblicas pelas quais

termina a guerra, ondese trata dotratado depaz, da sorte, do combate combinado, da arbitragem, da capitulação,

dos reféns, dos penhores

1375

XXI. Das convenções durante a guerra, em que se trata da trégua, do livre trânsito, do resgate dos prisioneiros

1421

XXII. Das convenções dos poderes subalternos na guerra

1443

XXIII. Da palavra dada por cidadãos privados na guerra

1455

XXIV. Da palavra dada tacitamente ....

1465

XXV Conclusão com exortaçõesà boa-fé e à paz

1471

xx

DAS PENAS

Sumário i. Definição e origem da pena. 11.A pena se relaciona com a justiça expietiva e como.

111.A pena não é devida naturalmente a unia pessoadeternli nada, mas a pena pode ser exigida tacitamente pelo que é do direito

naturalpara

aquele

que não cometeu

faltas

se-

noeih an tes.

IV Entre oshonlens, a pena deve ser exigida em vista de algu-

ma utilidade,o quenão é a mesmacoisaconarelaçãoa Deus, por quê?

U Em quesentido a vingançaénaturalmente ilícita. VI. Tríplice utilidade da pena. VII. Apena tem por objeto a utilidade do dehnqüente e ela pode

ser exigida naturalmente para qualquerpessoa,embora com uma distinção.

VIII. Ela tem mesmopor objeto a utilidade daquelecontra quem a falta foi cometida; trata-se da vingança permiti-

dapelo direito das gentes.

IX. De igual modo,a utilidade de todos. X. O que a lei evangélica estabeleceu sobre esseassunto.

XI. Apresenta-se solução para o argumento tirado da misericórdia de Deus manifestada no Evangelho.

XII. Do quese corta rente aoarrepender-se. XIII. As divisões imperfeitas das penas são rejeitadas.

XIV. Eperigoso para as pessoasprivadas cristãs infligir unia pena, mesmo quando épermitido pelo direito das gentes. XV Ou de se esta tuír colho acusador de seu próprio mo vimento.

XVI. Ou deprocurar os cargos dejuízes criminalistas.

XVII. Explica-se por uma distinção, se as leis humanas que

permitem entregar à martepara punir conferemum direito ou não conferem senãoa simples impunidade. XVIII.

Os alas interiores não são puníveis entre os homens.

XIX. Nem os fitos exteriores que a fragilidade humana não pode evitar. XX. Nem os atou pelos quais a sociedade humana não élesada

nem direta, meDIindiretamente e por que razão. /' XXI. A opinião segundoa qualnão éjamaispernlitidl perdoar érejeitada.

XXII. Demonstra-se que isso é permitido antes mesmo que existisse

a }ei pe1lal.

XXIII. Nãa, contudo, sempre.

XXIV. Emesmo após o estabelecimento da leipenal.

XXV. Quais são, para assim agir, as razões intrínsecas pro fiáveis? XXVI. Quais são as extrínsecas?

XXVII. Refuta-se a opinião, segundo a qual não há nenhuma razão legítima para dispensar de uma leí, se não for aquela que se encontra contida à maneira de exceção

tácita

XXVIII. Apena deveserproporcionalao crime. XXIX. A respeito dasrazõesqueimpeliram para o mal; campa ração entre elas. XXX. Coillo também a respeito daquelas que deviam evitar o

ma}. Trata-se também da classificação dos manda mentes do Decálogo que dizem respeito ao próximo e ou

trascoisas. XXXI. Igualmente a aptidão do delinquente em uma ou outra situação; consideração diferenciada.

XXXII. A pena merecidapode ser estendidaa um mal maior que o ca usado pelo culpado,

por quê?

XXXIII. A opinião que defende uma proporçãoharlnõnica nas penas é rejeitada. XXXIVApena pode ser dimin uída por caridade, se uma caridade maior não se opõe a isso.

XXXV Colho a facilida de de cometer um crime leva a pum-lo e como o hábito da falta leva a punir ou retém a punição.

Uso da clemência na redução das penas.

xxxVll. O que os hebreus

e os romanos querem que se convide

re nas penas serelaciona com os artigos anteriores.

XXXVIII. A guerrapara punir. XXXIX. Explica-depor uJlla distinção se a guerra éjusto, quando tem por objeto punir crinaes que não começei'aJll

XL. Explica-se se reis e povos podem))fazer de modojusto a guerra para vingar injúrias cometidas contra o direito de natureza, eJllbora essas injúrias não se dirijam a eles, nem a seus súditos;rejeita-se

a opinião segundo a qual, de acor-

do com o direito natural, para innigir uma pena érequerido o direito de jurisdição. XLI. Deve-se distinguir

o direito de natureza dos costunaes ci-

vis geralmente aceitas.

XLll. E do direito divino voluntária que não é conhecidode todos. XLlll.

Deve- se, no direito de na tureza, separar as coisas maná

festasdaquelas quenãoosão. XLIV. Se a guerra pode sermovida por causa de crimes cometi dos con tra Deus.

XLV. Quaissão asidéias mais gerais a respeito de Deus e como

elas estão contidas nos priilleiros mandamentos do Decálogo.

Xl;VI. Aquelesquepor printeiro violam essasnoçõespodem serpunidos. Xl;Vll. Não ocorre omesmo com os outros, o que é demonstrado

atravésdaleihebraãca.

Xl;Vlll. As guerrasnão podemser feitas de modojusto contra aqueres que recusam abl'açar a religião cristã.

XLIX. Elas podem-n perfeitas de modojusto contra a queles que Lutam caIU crueldade os cristãos, somente por causa da

religião. L. Não contra aqueles que têm faldas opiniões sobre o sentido

da lei divina, o que é esclarecidopelas autoridades e por exemplos. LI. Elaspodem perfeitas de modojusto contra a queles que são

ímpios para com os deuses e que admitem serem estes divindades.

CAPITULOXX - DAS PENAS

1.Definição e origem da pena 1.Anteriormente, quando começamosa tratar das causas pelas quais as guerras são empreendidas, dissemos que os fatos são considerados de duas maneiras: como podendo ser reparados ou como podendo

ser punidos. Terminamos a primeira parte. Resta a segunda, que é relativa às penas. Essa matéria deve ser tratada com tanto mais cuida-

do que sua origem e sua natureza menos compreendidas deram lugar a

numerososerros.A pena, no sentido geral, é "um mal de passividade que é infligido por causa de um mal de atividade". Mesmo que alguns trabalhos sejam habitualmente

impostos a título de pena a certos indi-

víduos, essestrabalhos, contudo, são considerados somente enquanto penosose por issodevem ser relacionados com a passividade. Enquanto os inconvenientes que alguns sofrem por causa de uma doença conta-

giosa ou de um corpo mutilado ou de outras impurezas, dos quais há muitos exemplos na lei hebraica, como ser excluído das reuniões ou dos

empregos, não são propriamente penas, embora por causa de certa semelhança e de uma maneira abusiva sejam chamadas por essenome. 2. Entre as coisas que a própria natureza declara lícitas e não iníquas está, que aquele que fez o mal deve sofrer o mal, o que é uma lei muito antiga e que os filósofos chamam lei de Radamante, como o disse-

mos algures. Aisso se referem estas palavras de P]utarco [1] , no ]ivro sobre o .E:r:zq70.'"A justiça acompanha a Deus, ela pune aqueles que pe' cam contra a lei divina. Homens, nós todos fazemos uso dela natural-

mente contra todos os homens, como concidadãos."P]atão [2] disse

[1] Plutarco, Z)e

ubb (601 B)

[2] Platão, .Fu4xpÀro (9). O tradutor de Irineu (livro 111,cap. XIV) assim. traduziu

uas paXastas."Et Deus quidem, quemadmodumet vetus sermo est, initium et

medietates omnium qual sunt habens, recte perficit secundumnaturam

circumiens; huno autem semper consequitur justicia ultríx in eos qui deülciunt

elege divina.

782

H U GO GROTlus

'Ninguém, nem os deuses, nem os homens, aíh'mou que aquele que age

cominjustiça não deveser punido." Hierax [3] definia ajustiça por essa função, como sendo a mais nobre de suas partes, dizendo que "ela con-

siste em punir aqueles que por primeiro fizeram o mal a outrem" Hiérocles diz de[a que "remedio a ma]dade". Lactâncio [4] tem essas palavras que "não caem num pequeno erro aqueles que taxam de dure-

za e de maldade a severidade, seja humana, seja divina, pensando que deve ser dito criminoso aqueceque iní]ige uma pena aoscriminosos"]5] . 3. Quando dissemos que o caráter essencial da pena propriamen-

te assim denominada é ser a retribuição do crime, foi também observado porAgostinho

[6] que disse: "Toda pena, se justa, é uma punição do

pecado", o que se aplica mesmo às penas que são infligidas por Deus, embora às vezes no que a elas se refere, por causa da ignorância humana, segundo a expressão do mesmo escritor, "não se percebe a falta onde se percebe o castigo"

11.A pena se relaciona com a justiça expletiva e como 1.As opiniõessãocompartilhados na questãode saber sea pena pertence à justiça concessivaou à justiça expletiva. Alguns, de fato, porque aquele que cometeu uma falta mais grave é punido mais grave-

mente, porque aquele que cometeu uma falta menor é punido mais levemente e porque a pena é infligida como ao todo em sua parte, agregam as penas à justiça concessiva.

[3] Estobeu,9, 58 no fina]. [4] Caecilius

Firmianus

Lactantius

[séc. ]V d.C.], Z)e ]/a Z)el (17, 6).

[5] Pode'sere]atar aqui essaspalavras de Belisário, em Procópio ( Uanda#c.,1): '% primeh'a regra da justiça

será de innigir

uma pena aos assassinos." }scxesceu'

te-se Agatias, livro V. na passagemem que fala de Anatólio

[61Aurelius Augustinus [354-4301,ReÉracfaf/onumZ ór7(1, 9, 5).

783 CAPITULOXX - DAS PENAS

Demonstramos, porém, no começodessaobra (livro 1, cap. D, que o que estabelecem primeiramente por princípio, que a justiça concessiva

tem lugar todas as vezes que se trata de encontrar igualdade entre mais de dois extremos, não é verdade. E depois, se os mais culpados são

mais gravemente e os menos culpados mais levemente punidos, isso não ocorre senão como uma consequência e não é o que se tem primeira

e principalmente em vista. O que se considera primeira e principalmente é a igua]dade entre a fa]ta e a pena [7] .Apropósito de]a Horácio [8] disse: "Por que a razão não traz aqui seu peso e sua medida, a fim de

proporcionar as penas às fa]tas?" E em outro ]oca] [9] : "Tenhamos uma regra que inflige penas proporcionais. Quem merece um golpe de correia, não o dilacereis sob o açoite implacável."Alem divina que se encon-

tra no .DeuÉeron(im.fo(XXV. 2-3) e a NoveZZade Leão (cap. V) trataram da mesma coisa

tl\ Soneca tDe Ira, \1, 6b à\z'. "Será iníquo aquele que se irritar de água! modo contra agua/es gue cometeram cr7lnes deszkuaJS."Tácito, no livro 111de seus .4nJlaJes,

àiz. "Se a moderaçãodo príncipe, se os exe})lplosde vossosancestrais e os vossascolocaram limites aos remédios e aos castigos, quando as desordens e os

comes não os têm; se não há indiscrição ao crime, mas palavras aos atentados, podemosrefrear de tal maneira a não deixar impune a falta, sem que tenhamos de nos repreender

(livro

XXVIII)

por

demasiada

assim se exprime:

indulgência

'Z)eram

cu por

pedy}

demasiado

que os supll

rigor."

ÀnüaxLO

os náo áossen?

ma/ares que os de/lhos. "Um escoliasta de Horácio diz que 'be as menores Zz/éas

merecen} as maiores penas, ocorrerá que os grandes crimes âlcarãoimpunes ou gue seybm JhveJ2fados novos supi]

bs'l Na lei dos visigodos(livro

Xll, tít. 111,cap.

tà, hâ Q seg\l3xike:"Certas leis, não seguindo a diversidade que existe nas faltas,

nãa pronunciam punições distintas, idas misturam todos os crimes daqueles que se torlla}31culpados, os submetem a todosigualmente à aplicação de uma só }eí: a medida da pena não é ca]cuiada sobre aquela do crime. Uma violação da ]ei

consíderáve!ou de pouca importância nãc deve ser castigadapor igual repres' são, particularmente quando o Senhor prescreve em sua }ei que a medida dos golpes sc:/b propazc70 ]a/ âque/a da Éa/fa. "Ver neste capítulo, $ XXVlll e livro 111, cap. XI, $ 1.

[8] Quintas Horatius F[accus [65-08 a.C.], SaÉírne(111,77-9)

[9] Idem,SaÉírae(111,117-19)

e XXXll,

784 H UGO

GROTI

US

2. O segundo princípio que colocam não é mais verdadeiro, que todas as penas vêm do todo para a parte, o que pareceria por aquilo que será dito. Foi por nós demonstrado antes, que o verdadeiro emprego da

justiça concessivanão consistepropriamente numa tal igualdade, nem num ato do todo com relação à parte, mas no fato de ter consideração a uma aptidão que não contenha em si o direito estritamente dito, mas que dê ocasião de adquiri-lo. Embora, de fato, aquele que é punido deva

ter a aptidão ou merecer ser punido, isso, contudo, não se entende como seIhe acontecesse alguma coisa do que pede a justiça concessiva. Quan-

to aos que querem que a justiça expletiva, que chamam comumente comutativa, seja exercida em matéria de penas, não se explicam me-

lhor. Eles consideram esse negócio como se se devolvesse a um criminoso alguma coisa, assim como se costuma fazer nos contratos. Abusaram da locução popular, pela qual dizemos que a pena é devida ao delin-

qüente, o que é de todo impróprio, pois aquele a quem uma coisa é propriamente devida tem um direito contra a outra parte. Quando, porém, dizemos que uma pena é devida a alguéih, não queremos dizer outra coisa, a não ser que é justo que seja punido. 3. E verdade, contudo, que em matéria de penas se exerce principal e diretamente a justiça expletiva porque aquele que pune deve, para

punir legitimamente, ter o direito de punir; essedireito nascedo crime do culpado.Há ainda aqui outra coisa que seaproxima da natureza dos contratos [10]. Do mesmo modo que aque]e que vende, mesmo se não [10] Sérvio observa isso seguidamente. Nos comentários ao canto IV da E17efda,diz que "aqueles que cometem faltas que excedem a medida do crime, se colldenanl

a su'mesmosâ pena': No mesmolocal, diz que ".Z)ampareesf daóuéo /zberal'e, ande damnaólk

fu queque uofik. "No canto X, a propósito de "/uanfpeccaÉa",

diz "Juanr

,

is\o ê, "absolvant. Diximus lutem et !uo poenam; sed menus est hic peccatum;

nam peccatum solvitur poema.Qui ením crimíní tenetur obnoxius,poema eujn a pristina liberal obligatione. Contra, luo poellam, non procedia, quase poemasolvatur: Auctoritas tamen esta confundít ]icenter, mare quesoiet poli ve! a sequentequod praecedit, vei a praecedentí quod sequitur." \3ma.max\elxa

CAPÍTULO

m-

785 DAS PENAS

especifica nada, presume estar obrigado a todas as coisas que são da natureza da venda, assim também aquele que cometeu um crime pare'

ce se ter voluntariamente submetidoà pena porqueum crime grave não pode não ser punível, de modo que aquele que quer diretamente cometer uma falta quis também, por vias de consequência,incorrer na

pena. Nessesentido é que os imperadores [11] dizem a um indivíduo: "Tu te submetessetu mesmo a esta pena"]12] . Por isso também se diz daqueles que tramam um plano criminoso que eles merecemjá ser punidos, isto é, que voluntariamente aceitaram merecer uma pena [13] . Em Tácito [14] , se diz que a mu]her que tivesse tido comércio com um escravo teria consentido à sua própria escravidão porque isso havia sido estabelecido como pena contra tais mulheres. 4. Miguel de Efeso, comentando o quinto livro da ZZzZ'ua ./Ubânaco de Aristóteles,

diz [15]: "Há nisso, de a]gum modo, o fato de dar e de

receber, em que consiste a natureza dos contratos, pois aquele que rou-

bou objetos ou alguma outra coisa, dá por isso a punição que deve fode falar, freqüente na sagrada Escritura, dá a entender a mesmacoisa. Como diz Tertuliano(.De OraÉ]b]e, 7): 'H paJnvra ayüda, nas Escrituras, ó a Qxpl'essâo 6lgurada do delito porque a justiça exige punição, do mesmomodo que exige o

Pa amenfo de uma dirIJa."Jogo Crisóstomo (Oral. Z)e ferraemofu, (lue se encontra no tomo V), falando desse rico que é oposto a Lázaro e explicando a palavra CLneÀafle que se encontra nesse local no Evangelho, diz: ':4s pe/las /óe eram devidas. as dores ihe eram devidas." O mesmo axial ÇDePoenitentia, \l, 1, aà àiz que "os pecados são espécies de dívidas". fogos\àlik\o (.De LíberoArbitrio, 111,15, 44) diz: 'Por liso ó guq se /?ão mero/t'er o que det'q /nze/2doJ'usÉlç;a, e/e

) pagará sofrendopenas porque a palavra dívida pode ser tomada nos dois sentidos. Isso poderia, de fato, ser colocado da maneira seguinte: Se não devol-

ver fazendo o que deve, eie o devolverá sofrendo o que deve. tXt3 L. 34, Imperadores, Dig., De jure âscí. [12] Fí[on,

no final

do ]ivro ] da Hdn

de ]UoJk(ãs, diz:

'Zr2guanfo

pecar, correia para a pena [13] .L a u/f;, aod, .4d/agem

JuZ -/142Ü

[14] Caius Corne[ius Tacitus [55-120],.4nnaJes(X]1, 53) [15] Miguel

de Éfeso, .4c7»2sfofe/em,

.8fálba N)c.(V.

2)

vos

prestais

e/n

786 H UGO

GROTIUS

frer." O mesmo diz em seguida que "os anciãos chamavam contratos não somente as convençõesmútuas, mas também as proibições colocadas pelasleis'

111.A pena não é devida naturalmente a uma pessoa determinada, mas a pena pode ser exigida tacitamente pelo que é do direito natural para aquele que não cometeu faltas semelhantes 1. 0 sujeito desse direito, isto é, aquele a quem esse direito é devido, não é determinado pela própria natureza. Arazão diz, de fato, que uma má ação pode ser punida, mas não diz quem deve punir, a não ser que a natureza indique de modo suficiente e de todo conveniente que isso seja feito por aquele que é superior. Não mostra também que seja de todo necessário, a menos que a palavra superior não seja tomada nesse sentido, que aquele que agiu mal deva ser considerado como tendo-se por isso mesmo tornado inferior a qualquer um e tendo-se como que riscado do número dos humanos para se colocar entre a espécie dos

animais [16] que são submissos ao homem, como foi ensinado por alguns teó]ogos [17]. Demócrito [18] diz: "Ocorre naturalmente que o melhor comande o pior." Aristóte]es [19] diz que as coisas piores são

feitas para as coisasmelhores,tanto na natureza quanto na arte. 2. De onde a conseqüênciaque, ao menos, um criminoso não deve ser punido por aquele que é tão criminoso quanto ele, ao que se refere à máxima de Cristo: "Que aquele dentre vós que estiver sem pecado (que

[16] Moisés Maimânides diz algo de semelhante no comentário ao .DeuferonámJb.

cap.XXXlll. [17] Tomas, -Z21 Z quaesf. 6y. arf. ,Z e sobre isso, Cajetan.

[18] Estobeu 47, 19. [19] Aristóteles, PoZz'ta'aa(Vl1, 14).

787 CAPÍTULOXX - DAS PENAS

não cometeu pecadosemelhante, bem entendido), que atire a primeira pedra." Falou assim porque nesse século os costumes dosjudeus estavam muito corrompidos, a tal ponto que aqueles que queriam parecer

mais santos mergulhavam em adultérios e outros crimes similares, como sepode ver na Epístola aosRomanos.O que Cristo havia dito, o apóstolo o disse também: "Tu, homem, quem quer que sejas, que condenamos outros, tu te tornas inescusável, pois ao condena-los tu te condenama ti mesmo, porquanto fazes as mesmas coisas que condenas."A

passagem seguinte de Sêneca [20] está ]igada a isso: "A sentença não

pode ter alguma autoridade, quando aquele que condena mereceser condenado." E em outro ]oca] [21] : "Nós nos tornaremos mais tolerantes, se nos voltarmos para nós mesmos e dissermos: Nós não temos, também nós, feito alguma coisa seme]hante'P']22] Ambrósio diz na Hpo/og:fade -Daw [23] : "Que todo aque]e que quiser julgar o outro, que se

julgue primeiro a si mesmo e que não condene no outro os mínimos erros, quando ele próprio cometeu outros muito mais graves.

IV Entre os homens, a pena deve ser exigida em vista de alguma utilidade, o que não é a mesma coisa com relação a Deus, por quê? 1. Outra questão é relativa ao 6im proposto às penas. O que disse-

mos até o presente não mostra senão uma coisa, que não se comete injustiça contra os culpados se eles forem punidos. Não se segue,po'

[20] Lucius Annaeus Seneca [Ol? a.C.-65 d.C.], De J?emedlh Forfu fora/n (Vll, l)

[21] Idem, Z)e]ra (11,28, 8). [22] A isso se refez'emuma passagem de Ambrósio (Sereno.XX] sobre o Salmo Beafz ímmaculatí. vexsícuXo Miserationes tuas Dominei, cüaào na. Causa 111, Quaestio UZZ e uma passagem de Cassiodoro (VI, 21)

[23]Ambrósio,Hpo/og.Z)avl'd.,11,2

788 Hu GO

GROTI

US

rém, que todos devam ser de qualquer modo punidos. Isso não é tampouco verdade. Deus e os homens perdoam, de fato, a muitos culpados muitas

coisas e são geralmente elogiados por isso. A pa]avra de P]atão [24] é célebre: "Não é porque cometeu uma falta que se exige um castigo, pois o que foi realizado não pode se tornar não realizado, mas é como exem-

plo e para o futuro." Sêneca [25] o traduz assim: "0 sábio pune, não porque alguém pecou, mas para que não se peque mais; o passado é irrevogável, o futuro se previne." O mesmodiz em outra passagem [26] : 'Não puniremos porque se tem pecado, mas a íim de que não se peque mais; a pena nunca levará em consideração o passado, mas o futuro; não há ira, é a precaução." Em Tucídides [27], Diodoro assim se expres' sa, ao se dirigir aos atenienses a respeito de Mitridates: "Foi demons-. tudo a mim que eles são culpados em primeiro grau, mas não seria para mim uma razão de condenar à morte, se não encontrarmos nisso

vantagem para nós." 2. Isso é verdade, porém, com relação aos homens que punem. Um homem é de tal modo ligado pelo sangue a outro homem que não deve prejudica-lo, a menos que seja para produzir a]gum bem [28]. A coisa é outra no tocante a Deus, a quem P]atão [29] ap]ica ma] as máximas que acabam de ser citadas. As ações de Deus podem, de fato, ter

por fundamento seu direito de soberania absoluta, sobretudo quando

um mérito especial do homem vem sejuntar, sem se propor nenhum

[24] Platão, .De Z,eg7bus(IX, 2; XI) [25] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .De //a (l, lg) [26] Idem, .De Zra (11,31)

[27] 111,44. [28] Cassiodoro(-Z)e.4m/cJZla) diz que 'be uma mão Eazma/â ouirn por caso,agua/a ]ue foi ferida não fere por sua vez e não se levanta para se vingar". [29]

Gorilas

(81)

789 CAPÍTULO H - DASPENAS

fim além disso. Assim é que certos hebreus [30] exp]icam essa passa' gem de Salomão que se refere a essa matéria, cuja tradução é a seguinte: "Deus faz cada coisa para si mesmo e mesmo o mau para o mau dia.

Isso quer dizer que mesmo quando pune o ímpio, ele não o faz para

outro 6im que não o de punir. Caso contrário se recairia sempre no mesmo sentido, mesmo quando seguíssemosa interpretação mais comumente aceita, segundo a qual se deve dizer que Deus fez todas as

coisaspara ele mesmo, isto é, pelo direito de sua liberdade e de sua perfeição soberanas, sem procurar nem reparar nada fora dele mesmo.

Como se diz que Deus nasceu dele mesmo porque não nasceude alguém.As SagradasEscrituras testemunham certamente que os castigosinfligidos por Deus a certos grandescriminosos não tiveram outro objetivo, quando dizem que sente prazer em sua desgraça e que os ímpios

se tornam motivo de zombaria e derisão para Deus (-Deuferon(ímio XXy111, 63; /sal'ns1, 24; P2"0véz'ÓJbs1, 26). Mais, o último julgamento,

após o qual não há emenda a esperar, e mesmo nessa vida certas puniçõesinconspícuas como o endurecimento provam a verdade do que sustentamos contra Platão. 3. Quando o homem pune o homem, que é seu igual pela nature za, deve se propor algum fim. E isso mesmo que dizem os escolásticos [31] , que o espírito daquele que pune não deve se comprazer no mal de quem quer que seja. Antes deles, Platão havia observado, em Gorgias [32] , que aque-

les que punem alguém com a morte ou com o exílio ou com a multa não querem isso pura e simplesmente, mas em vista de algum bem.

[30] Moisés Maimânides, 22ú'ecÉ.Z)uõlfanÉ7um,livro 11,cap. Xlll; Rabb. Imm., .4c/ /bou XVI, 4:

[31] Tomas, /Z Z quaesf. /08 Silvestr., ]h verbo Whdafa.

[32] Gorgias (23).

790 H U GO

GROTIUS

Sêneca [33] disse também que se deve recorrer à vingança, vendo nisso

não uma alegria, mas um ato úti] [34] .Aristóte]es diz de modo semelhante, no livro Vll de seu 7}afado da -/lslZíhba,capítulo Xll, que certas

coisas são honestas pura e simplesmente, certas por causa de alguma necessidade e ele propõe o exemplo do último caso na aplicação das penas.

V. Em que sentido a vingança é naturalmente ilícita 1 . 0 que foi dito pe]o cómico [35], que "a dor de um inimigo

é para

o ofendido o remédio de sua dor" e Cícero]36] que diz que "a dor se adoça pela pena" e ainda P]utarco [37] que a tomou de Simonides "que é doce e não penoso para um espírito de alguma forma doente e irritado de Ihe oferecer para se curar os meios de se vingar"; isso convém pois, é verda-

de, à natureza que o homem tem de comum com os animais [38]. A cólera está, de fato, no homem como nos animais, assim que Eustátio [39] a define justamente: "Uma agitação violenta do sangue em torno do coração]40], produzida pelo desejoimoderado de torna-la semelhante a uma dor." Esse desejo é por ele mesmo de tal modo desprovido de razão

que muitas vezesse prende a coisasque não 6zeram mal algum, como aos filhotes do animal que causou um dano ou mesmo a objetos inani[33] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Z)e Ira (1, 33).

[34] Do mesmo filósofo há, no livro ll da mesma obra Z)e .ira, cap. Xll, o seguinte: Bu me vingarempoz'que é preciso e n.ãopor ressei3timento. [35] Publius Syrus [séc. ] a.C.], Se/]f. (294). [36] Marcus ']U]]ius Cicero [106-43 a.C.], .flo .cujo Cbecuha Oraílo (12, 35) [37] P[utarco [50?-125?], Aratus (1048 E). [38] Daí essa expressão de Homero(-6[hdal:V, 23): 'Z/ma ]ra de anima/ se/uarnm se

havia apoderado dele." l)o mesmos"Que excite ele mesmo sua coragem em seu grande coração!" Do mesmo- "Aquêles, doma tua grande alma!" [S9]

Em

Aristóteles,

.Óíl'ca

d .A/lbcâmaco(VI,

l).

[40] Daí, em Homero (JZüda IX, 678): '%pagar sua b'a.

CAPÍTULO H - DASPENAS

mados [41], como a pedra pe]a qua] se atingiu o cachorro. Ta] desejo considerado em si mesmo não convém à pal'y- razoável em que o o6cio é comandar às paixões [42] e por conseguinte não é conforme ao direito de natureza porque esse direito consiste nos princípios que nos ensina a

natureza razoável e social, considerada como tal. A razão sugere ao homem de nada fazer que prejudique outro homem, a não ser que seja em vista de algum bem. Somente na dor de um inimigo, considerado

assim isoladamente, não há bem algum, a não ser que um bem falso e imaginário, tal como aquele que se encontra nas riquezas supérfluas e em várias outras coisas da mesma natureza. 2. Por isso é nesse sentido que não somente os doutores cristãos

censuram a vingança nos homens, mas ainda os üi]ósofos[43], como Sêneca [44] que diz: "A vingança, palavra desumana, e que contudo a fazemos sinónimo de justiça. Não difere da injúria senão pela ordem do

tempo. Quem adia a ofensa peca, somente com um pouco mais de direito à escusa." Mesmo se acreditamos nisso, Máximo de Tiro [45] diz: 'Aquele que se vinga é mais injusto que aquele que por primeiro causou o impasse." Musonius [46] diz: "E coisa de um anima] se]vagem, não de

um homem, pensar como se poderá morder aquele que mordeu e preju-

dicar aquele que prejudicou." Em P]utarco [47], esseDion que fez pas-

[41] Sêneca(De

Zra

11, 26)

diz:

'temo

eJ'a izlsensafo

en

se irv7'ÉaJ' co/?6m

co )as

quc?

}ão merca/am sua cólera e qae nâo a sente/n./" Os brasileiros, homens selva gene, se vingam contra o ferro que os feriu, como se fosse uma pessoa

[42] Ver o que diz a respeito Sêneca,em .Deli'a (1, 5) [43] Platão, Gorilas; ver sobre isso Teodoi'eto,OuJ'af,(livro XX). [44] Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65d.C.], De .üa (11,32) [45] Max. ']yr., 22íss. XV]11, 9.

[46] Estobeu 19,16 [47] Plutarco,

.D/0/2 (979 A)

792

Huoo

GKOTiUS

sar a sabedoria platónica nas açõesda vida civil diz que "as leis autori-

zam a vingança, bem mais que a injustiça a que dá lugar, mas que o senso natural nos ensina que a injustiça e a vingança procedem uma e outra da mesma fraqueza"

3. E pois uma coisa que repugna à natureza do homem agindo sobre o homem, saciar-se da dor de outrem enquanto dor. Isso é verdade, que quanto menos um indivíduo é dotado de razão, mais é levado à

vingança. Juvena] [48] diz: "A vingança é uma felicidade mais doceque a mesma vida... Sim, para essesbrutos [49] que a menor causa basta

para exasperar; o mais leve motivo servede pretexto a seu furor. Não é isso porém o que te dirão Crisipo, nem Tales, esse gênio tão humano, nem o velho que habitava perto de Himeto, onde o mel é tão doce. Não,

mesmoem sua prisão cruel, jamais Sócratesquis compartilhar sua cicuta com o acusador que o fez bebê-la. Por suas sábias lições, por sua

feliz influência, a filosofia sabedissipar primeiro nossospreconceitose nos curar pouco a pouco de muitos vícios. Sim, a vingança é a alegria da fraqueza, ofato de uma alma estreita e pusilânime. Pois então, queres a prova? Observa a mulher, nenhum ser no mundo é mais sensível ao prazer de se vingar" ignorantes

[50] . No mesmo sentido, Lactâncio [51] diz: "Os

e os insensatos,

se recebem alguma injúria,

por um furor cego e irracional

se deixam levar

e se esforçam em devolver o mal que os

outros lhes fazem."

[48] Decimus Junius Juvena[is [60?'140], Sal/}ae (X]11, 180 e seguintes). [49] Soneca(Z)e /ra, 1, 13) diz: 'Z2ra,os está /os nlals aasc7'rel) sâo as cr7bnça$ os relhas, os doentes; todo ser fraco por natureza é impertinente [50] Terêncio, em J7ecyra (310-12) diz: "Oóserra as cr7anfas. 4 me/zor ofensa as :deixa iradas. Por quê? Porque o espírito que as governa 1lão tem Jlenhuma ?nergia. O mesmo ocorre com as mulheres; como as crianças, elas têm muito pouca razão. "Amiano

Marcelino(livro

XXVII)

fala assim da cólera: 't2s sáó2'0s

a definem como uma úlcera de longa duração e por vezesperpétua, tendo geralmente por princípio uma grande fraqueza de alma. Alegam como razão plausível que os doentes são mais irascíveis que aqueles que gozam de boa saúde. As mulheres, mais que os homens. Os velhos, mais que os jovens. Os infelizes, mais que aqueles que vivem na prosperidade [51] Caecilius

Firmianus

Lactantius

[séc. ]V d.C.], De ]z'n .Deu'(VI, 18, 22).

793 CAPÍTULO H - DASPENAS

4. E pois evidente que o homem não é legitimamente punido pelo

homem, quando não o é senão em vista da punição. Vejamos agora quais razões de utilidade tornam a pena legitima.

VI.Tríplice utilidade da pena 1.Aqui sereproduz a divisão das penasque seencontra em Platão,

no livro Gorg7as[52], e no fi]ósofo Taurus, nessapassagemqueAulus Gellius [53] reproduz ostermos. Essasdivisões sãotiradas do fim que se propõem. Toda a diferença está em que Platão indicou dois fins: a emenda e o exemplo, enquanto Taurus acrescenta um terceiro, a prote-

ção da dignidade ofendida [54] . Essa é assim definida por Clemente de

Alexandria [55]: "Uma retribuição domal que serelacionaà utilidade daquele que exige a pena." Aristóte]es [56] que deixa de lado a pena exemplar admite somente esseterceiro fim com a emenda e diz que a pena foi instituída "em favor daquele que exige o castigo para Ihe dar satisfação". P]utarco [57] não a omitiu tampouco, quando disse que "as penas que seguem imediatamente o crime, não somente reprimem para

o futuro a audácia de fazer mal, mas consolamno mais alto grau aqueles a quem se havia feito injúria". E propriamente essasatisfação que o mesmo Aristóteles

[58] re]aciona

à justiça

que ele mesmo chama de

comutativa.

[õ2] Platão, Go/ fas (80) [53] Aulus

Ge[[ius

[séc. ]] d.C.], Ai2)cães.4[fJcae (V, 14)

1541Jogo Crisóstomo. em seus comentários soba'ea Ed)úfo/n aos Go/:hfzos (XI, 32) também propõe essas três coisas: vouOeotcE,'ttpnptoc, KoXcEata,a correção, a satisfa

ção, o exemplo.

[55] ClemensAlexandrinus [150?-230?],PaedagoFus(1, 8, 70) [56] .RefáÜca(], ]O) [57] .De gera num.

whd. (548 E)

[58] .ÓÍ]'ca a .Aã'cÓjnaco(V. 7)

794 H U GO

GROTIUS

2. Essas coisas devem, porém, ser examinadas com mais detalhes. Diremos, pois, que nas penas seconsidera a utilidade daquele que cometeu a falta ou daquele que tinha interesse que a falta não fosse cometida ou indistintamente

de ambos.

Vll A pena tem por objeto a utilidade do delinquente e ela pode ser exigida naturalmente para qualquer pessoa, embora com uma distinção 1. Ao primeiro desses três Hlns .se refere a pena

que é chamada

pelos filósofos ora censura, ora punição, ora lição. Aquela que, segundo

ojurisconsulto Paulo [59], é estabelecidaem vista da emenda; "para tornar sábio", segundo P]atão]60] ; "que cura a alma", segundo Plutarco

[61]. Seu objetivo é de tornar melhor aquele que cometeu a falta, à maneira da medicina, que age pelos contrários. Como toda ação, sobre-

tudo aquela que se faz de propósito deliberado e à qual sevolta seguidamente, produz um certo pendor a repeti-la que, quando está fortalecida, é chamada hábito. Por essa razão deve-setirar o mais cedo possível dos vícios suas seduções, o que não pode se realizar melhor que fazendo perder o gosto de sua doçura, por meio de uma dor que se confere a elas por conseqüência [62] . Os p]atõnicos, no re]ato deApu]eio [63], pensam

[59] Z. 2ê Dzb, XZ}CTH ]9.

[60] Z)eZ,egvbus(X], 12) [61] .De gera num. vhd. (550 A, 559 F) [62] Sêneca(De

/zz, 1, 5) diz: 'Z)o /17es/?lo modo que expomos ao á)FO certo dardo de

que queremos corrlgu' as curvas e que o conlprimimos entre vários calltos. não para o romper, mas para endireita-lo, assim também corrigimos nossospenda

]'es wc2bdospe/n coafáoHbca e moral." O mesmo(.DeIra, 11, 27) acrescenta :Entre eles haverá bons magistrados, pais, professores, juízes, dos quais se

leve receber os castigos como o escalpelo, a dieta e todo e qualquer rigor salutar.

[63] Lucius Apu[eius [125-180],-De/Z/afone(11,17)

795 CAPÍTULOXX - DAS PENAS

que "não há suplício mais penoso e mais cruel para um culpado que obter a impunidade, sem ter ao menos que sofrer a repreensão dos homens". Em Tácito [64] há: "Quando a a]ma, corrompida e corruptora ao

mesmo tempo, alimenta ela própria o fogo que a devora, deve-se usar

para apagar essafebre remédios tão fortes quanto as paixões que a acen-deram.

2.Vale a pena ver pela correçãoque sefaz de bocaque a punição tende a esse fim é naturalmente permitida a toda pessoa de espírito sadio e que não é presa de vícios da mesma espécie ou simi]ares [65]. 'Repreender um amigo por uma falta que o merece é um ato que se cumpre sem ter a missão, mas que é úti] na vida" [66] .A respeito dos golpes e outras coisas que contêm a coação, a diferença entre as pessoas

às quais isso é ou não permitido [67], não é feito pe]a natureza (e não

poderiamesmosê-lo,a não ser que a razãorecomendeparticularmente aos pais de usar essedireito para com seus filhos, por causa da ligação

de afeto que os une a eles), mas é pelas leis que, para evitar rixas, restringiram essaparentela comum do gênero humano aos mais próximos afetivamente, como se pode ver tanto alhures quanto no código de Justiniano,

sob o título de -De Emendníünc? PropJhquarum

(IX, 15), ao

qual se referem essas palavras de Xenofonte [68] a seus so]dados: "Se bati em alguém para seu bem, devo ser punido como um pai que castiga

seusfilhos ou um mestre seusdiscípulos. E também para obem que os médicoscortam e queimam." Lactâncio [69] diz: "Deus nos manda ter [64] Caius Comelius Tacitus [55-120],.rân/7a/es (111,54) [65]

Tomas,

[66] ']u]]ius

ÍZ

Z

quaesÓ.

Maccius

[67] Ver Agostinho,

3&

P]autus

aJ«f. .g,

[254-184

Elzcü r7d)o/l(cap.

a.C.],

7}lhummus

(23).

72).

[68] Expeditio Cyri (V. 8, 18). [69]

Caecilius

19, 8)

Firmianus

Lactantius

[séc.

]V

d.C.],

Dzvlharum

/nsó

fuÉionum

(VI

796 H UGO

GROTIUS

sempre a mão sobre os alhos, isto é, de não perder ocasião alguma de

corrigi-los por um castigo continuado, quandofazem o mal, comreceio de que, ao demonstrar-lhes um amor inútil e uma excessiva indulgên-

cia, não cresçampara o mal e alimentados para osvícios.: 3. Essa espécie de punição não pode se estender até provocar a morte, a não ser da maneira que é chamada redutiva e que consiste em reconduzir proposições negativas à espécieque lhes é oposta. Do mesmo

modo que Crista (MarcosXIV. 21) disse que seria melhor para alguns, isto é, que não seria tão ruim para eles, de jamais ter nascido, assim também para espíritos que nada pode curar, seria melhor, isto é menos

ruim, morrer do que viver, quandoé certo que vivendo se tornarão piores. Dessaspessoasé que Sêneca [70] fala quando diz que às vezes é de interesse daqueles que perecem de perecer. Jâmb]ico [71] diz: "Como

é preferível queimar um abscessoque deixa-lo no estado em que está, assim também é melhor para um mau morrer que viver." P]utarco [72] diz de tal homemque "é prejudicial aosoutros, mas que é mais ainda a si próprio". Galeno, tendo dito que os homens são punidos de morte primeiramente para impedir o mal que poderiamfazer se vivesseme em seguida para desviar os outros do crime por temor da pena, acrescenta: "Em terceiro lugar, é mais vantajoso morrer para homens de alma tão corrompida porquanto não podem ser reconduzidos à saúde. 4. Há quem pense que é dessesque o apóstolo João (/úoãoV 16) fala quando diz que cometem pecados que conduzem à morte [73] . Como

as provas disso são sujeitas a engano, a caridade nos ordena de não

[70] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Z)e //a (1, 16)

[71] Protrept. (11). [721 .Z)egera num. u7hd (551 E)

[73] Jogo Crisóstomo os chama de pessoasatingidas por uma doença incurável (comentários à /7 0kzrzhólosXZZZ 9-- JZomEDa XXIX. '4). Juliano(.Oe Gonslanflb.

;tà diz qxxe"como há duas espéciesde faltas, umas que dão uma esperança de melhora e não eliminam de todo a cura, outras que são cometidas por pecado-

res que nada podecurar; para essaúltima categoria,as leis inventaram, como sanção,entregar à morte os culpados,não tanto para seu próprio bem, mas para Q bem de todos os outros.

CAPÍTULOm

- DAS PENAS

797

considerar temerariamente ninguém como desesperado,de modo que o castigo que teria esseHimpor motivo não pode ter lugar senão de modo extremamente raro.

Vllt. Ela tem mesmopor objeto a utilidade daquelecontra quem a falta foi cometida; trata-se da vingança permitida pelo direito das gentes 1. Autilidade daquele que tinha interesse a que a falta não fosse

cometida [74] consiste em impedir que, a seguir, não sofra nada de parecido da parte do mesmo indivíduo ou de outros. Au]us Ge]]ius [75] , segundo Taurus, descreve assim essa espécie: "Quando a dignidade e a

autoridade do homem ofendido devem ser protegidas, com receio que a impunidade não exponha ao desprezo o cidadão que recebeu uma injú-

ria e não atente contra sua honra." O que ele diz da autoridade lesada, deve-se entendê-lo também à liberdade de cada um ou de qualquer ou-

tro direito lesado. Lemos em Tácito [76] : "Que e]eassegure seu repouso

por uma justa vingança." Pode-seprover de três maneiras para que o

\

lesadonão sofra mais prejuízo da parte da mesma pessoa:primeiramente, se o delinqüente é eliminado; sem seguida, se os meios de prejudica-lo são desarraigados; enl«im,se pelo mal que teve de sofrer ele desiste de cometer faltas, o que tem uma estreita relação com a emen-

da, de que já falamos. Obtém-se que aquele que foi lesado não o seja mais por outros, por meio de uma punição que não seja qualquer, mas tendo lugar no grande dia, exposto aos olhares de todos e capaz de seJ:vir de exemplo.

[741Pode-sever até nos animais uma imagem disso.P]ínio(NnfurzZls .IZJkfar7a, Vlll, tSb escxew6 "0 leão se lança para pu11ír o aduitéüo." [75] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d.C.], Nocfes,4fÉlaaé?(V]1, 14, 9)

[76] Caius Corne[iusTacitus [55-120], ..{nJ?ages (X]V 61)

l

798 HU

GO GROtlUS

2. Se portanto a vingança, mesmo privada, é dirigida em vista desses fins e nos limites da equidade, não é ilícita, considerando somen-

te o direito de natureza nu, isto é, separadodas leis divinas ehumanas e das circunstâncias que não são necessárias à coisa, tanto se exercida por aquele mesmo que foi lesado, quanto por outro, porquanto é conforme à natureza que um homem seja ajudado por um homem. Nesse sentido é que pode ser admitido o pensamento de Cícero [77] , quando, após ter dito que o direito de natureza não é o que a opinião nos sugere, mas uma força nascida conosco;entre os exemplos disso ele coloca a vingança que ele opõe ao perdão. Para que não se tivesse dúvida algu-

ma sabre o alcance do sentido que queria dar à palavra, ele define a

vingança: "Uma ação pela qual, defendendo-se ou se vingando, rechaçamos de nós e dos nossos que devem nos ser caros a violência e o

ultraje e pela qual punimos as faltas." Numa discussão que Justino [78] extraiu de 'h'ogo Pompeu, M]itridates diz: "Todo homem saca da espada contra um salteador se não é por sua vida, ao menos para vingar sua morte." P]utarco [79] chama isso, na vida de Aratus, "a ]ei da

vingança 3. Apoiando-se sobre esse direito natura] [80] para se defender contra os filisteus, Sançãoprotesta que era inocente, sepor seuturno

fazia sofrer males aosfilisteus que antes o haviam feito sofrer da mesma forma (JuJkesXV. 3). Depois de ter levado a termo sua vingança, se

defende pela mesma razão, dizendo que fez a eles o que eles por primeiro [he haviam feito. Os de P]atea dizem em Tbcídides [81] : "Nós nos vinga[77] Marcus ']lu]]ius Cicero[106-43 a.C.], .De]nvenÉlbne(11,22, 65). [78] Livro XXXVl11, 4, 2. [79] .4rafus

(1048 D).

[80] Em Plutarco, Râmu]o diz a respeito de Tabus, morto pelos laurentinos, que 'be Ãau7bbrocadomorte pau'moda': O mesmo Plutarco diz a propósito dos habitan-

tes de Mantinéia que haviam sido maltratadospelos habitantes deAcaiá: ':Es'sesmaus tratos levavam em símesmos alguma equidadede vingança" Bdlsâr\n diz, em Procópio (Ua/2da/]c.,1, 16), que 'b ]hZ])n Jade pague/e que áoJ'lesado co11traaquele que ihe fez violência é natural".

[81]111,56.

CAPITU LOH - DASPENAS

799

mos com todo direito, usando dessa lei universal que autoriza a rechaçar

a força pela força." Em seu discurso contra Aristocrata, Demóstenes [82] diz que é uma ]ei comum entre os homens que nos seja permitido nos vingar daquele que nos arrebata pela força nossosbens. Jugurta, em Salústio [83], apóster dito que Aderba] havia atentado contra sua vida, acrescenta que o povo romano "não faria nada de honesto e de justo, se o impedisse de usar o direito das gentes", isto é, de se vingar. Aristides [84], o orador, diz que é aprovado pe]os poetas, pe]os autores de

leis, pelos provérbios, pelos oradores e por todos enfim, "que se faça

vingança contra aqueles que cometeram uma injúria por primeiro' Ambrósio [85] louva os Macabeus que, mesmo no dia de sábado, vingaram a morte de seus irmãos inocentes [86] . O mesmo [87] , respondendo

aos judeus que se queixam gravemente de que sua sinagoga havia sido incendiada

pelos cristãos, assim se exprime: "Se eu me colocasse sob o

ponto de vista do direito das gentes, diria quantas igrejas os judeus incendiaram na épocado império de Juliano." Nessapassagem,designa por direito das naçõeso fato de dar o troco [88]. Civi]is, em Tácito [89], não fa]a de outro sentido quando diz: "Que digna recompensa rece-

bi por meu trabalhos A morte de um irmão, a prisão, os gritos ferozes desse exército que queria ter minha cabeça e do que o direito das gentes pede que eu me vingue."

[82] Demóstenes, (2n /n A7kÉoa'.(610. [83] Caius Sa[[ustius Crispus [86-36 a.C.], De .BeiçoJugurfüiho (XX]1, 4)

[84] Oz'af.pro quaffuor 185] .Z)eO/Zczlk .ã47nlslroJ-un7 (1, 49, 196). Ver o mesmo, em seu discurso contra Símaco.

[86] Ver Josefo, Hn6 kü Jades Judaicas(X]]],

]), a respeito da vingança pe]a morte

cle Jogo. [87] Ed)ÚÉo#a .gg

[88] Assim é que Tito Lívio(1, 14, 1) diz: 'Zbmó os /aurenílbos aglbm de acordocom o jus gentium. [89] Caius

Corne[ius

Tacitus

[55-120],

H)bfar7be (]V, 32)

11

11

800

H UGO

GROTI

US

4. Como nos negócios que nos dizem respeito e pela afeição que

temos para com os nossos,estamos sujeitos a nos deixar corromper: logo que várias famílias se tiverem reunido num mesmo local, os juízes foram instituídos

e só a eles foi conferido o poder de vingar os ofendidos,

a liberdade que a natureza havia concedido aos outros se encontrou desde então supressa. Lucrécio [90] diz: "Como o ressentimento ]evava a vingança mais longe que as leis o permitem hoje, eles se aborreceram

com esse estado de violência e de anarquia." Em sua queixa contra Conon, Demóstenes [91] diz que "foi de consenso co]ocar a pena de cada

de[ito na ]ei, não pe]a có]era ou capricho do primeiro impu]so" [92].

[90] Tu[[ius Lucretius Carus [98-55 a.C.], Z)e Natura J?atum (V. 1148-50) [91]

,4dversus

Cano

]eJn (19)

[92] Em (2z'estes(491:511) de Eurípides, Tíndaro assim dec]ama contra Orestes: '7b

me ordenama discutir com eie sobre sabedoria?Se o que é bom e c que é mau

é evidente a todos os olhos, quem está mais desprovido de juízo que esse homem que não respeitou a justiça e que não respeitou a lei comum dos gregos? De fato, quando Agamemnon exilou $ua vida sob os golpes que }he

desferiu minha filha, anão detestável, e que eu jamais justificaria, Orestes devia prosseguir o morticínio e, por uma vingança !egítima, expulsar sua mãe

da casapaterna. Assim ele teria guardadoa moderaçãoem tai infortúnio, teria respeitado a }ei e os deveresde piedade. Agora, porém, ele caiu na mesma fatalidade

de sua mãe, pois, estando de pleno direito de julga-ia culpada, ele

próprio se tornou mais culpado, ao imolar sua mãe. Eu te perguntaria só isso, ÀÍeneiau: que a esposa de prestes o mate, que por $ua vez o 61ho mate sua mãe

e que a seguir aquele que nascerdela vingue a morte pela morte, ondese dele/á a cadaa dessesar])nes.p" Essasúltimas palavras, cheiasde bom senso, forneceram material para reflexão de filósofos e de oradores. Em sua dissertação sobre a questão de saber se se deve render injúria por injúria, Máximo de Hxo d\ü "Se aquele quefo{ vítima de injúria se vingar, o maipassará e saltará, por assim dizer, de um a outro; uma injúria sucederá a outra injúria. Se esse

direito, uma vez estabelecido,for permitido ao que sofreu o mal de se vingar contra aquele que o causou, seguindo-se, de novo, que a vingança passará de um a outro e isso seria justo, porquanto uma e outra parte são iguais. Se assim for, que alzeste, Júpiter? Queres que nasça para nós a justiça de uma ilÜúria?

(ande estai«eJnos.P Onde vai se deter o ma/7"Aristides diz em seu discurso sobre a paz\ "Qua! o grego que ficará se, para vingar aqueles que pereceram, os

sobreviventes devem perpetuamente sofrer os mesmasmales?" O mesmo Aristides formula um pensamentosemelhante no segundodiscurso que pro' nunciou após a batalha de Leuctres.

CAPÍTULO H - DAS PENAS

Quintiliano

[93] diz: "Retribuir

injúria

por injúria não é somente con'

trário à justiça, mas à paz. Há a lei, o tribunal, o juiz, a menos que se tenha vergonha de buscar a razão através das vias da justiça." Os imperadores Honório e Teodósio [94] disseram que "a autoridade dosjulga-

mentos, a proteçãode um direito público foram estabelecidospara que ninguém possasepermitir a vingança por si próprio". O rei Teodorico [95] diz: "A razão pe]a qual se imaginou

o respeito religioso das leis é

para que ninguém faça coisa alguma por sua mão e por seu próprio impulso. 5.A antiga liberdade natural subsiste,contudo, primeiramente nos lugares onde não há tribunais, como por exemplo, no mar. Pode-se

talvez referir aqui o que fez Caio Casar, sendo ainda um simples cida-

dão privado. Perseguiu com uma frota improvisada os piratas, pelos quais havia sido preso, pâs em fuga uma parte de seus navios, afundou outros e comoo procânsul negligenciasse castigar os piratas feitos prisioneiros, ele retornou ao mar e os fez crucificar [96] . Amesma coisa teria

lugar em locais desertos ou naqueles em que se vive à maneira de nâmades.Assim é que Nicolau Damasceno [97] re]ata que entres os umbros

[98], cadaum fazia justiça por suas próprias mãos. O que sefaz também hoje impunemente entre os moscovitas,depois que tenha decorrido

[93

Marcus

(Xlll,

Fabius

Quintilianus

[séc.

] d.C.],

Dec/amai/o/ies

]Unybres

ef JH2hores

n).

tq4À L 24, Nulií, Cod. í)e Judaeis.

[95] Cassiodoro(livro IV. á#)úfo/n lO) [96] Caius Velleius Patercu[us [séc. ] d.C.], Hlséor]h Rama/za(11,42) e Plutai'co [50? 125?], Causal' (708) [97] Em Estobeu,

.De -LeE2bus(]O,

70)

[98] Será que se fazia referência aos umbros que se encontravam na ltália? O mesmo costume era seguido em diversos lugares da Africa, segundo o testemunho de Leão o Africano (livro 11,nos capítulos em que trata de Teijeut e de Tefza, além de outras passagens).

802 H UGO

GROTIUS

certo tempo desde que se recorreu ao juiz. Os combates singulares que,

antes do cristianismo, estavam em uso entre as naçõesgermânicas [99] e que, em alguns países, ainda não caíram fora de uso, não têm outra

origem. Por isso é que, em Ve]]eius Patercu]us [100], os germânicos ficam espantadosao contemplar o conjunto da jurisdição romana, ao ver que a justiça punha fim às injúrias

e que as controvérsias

que se

costumava resolver pelas armas, terminavam pela lei.

6.A lei hebraica (.ZVií/nevosXXXV. 19)permite ao parente próxi mo de um homem morto levar à morte o assassino,fora doslugares de asilo. Os intérpretes hebreus observam com razão que o talião pode ser

exercido de uma maneira privada para vingar um morto, mas que por si, por exemplo, quando alguém foi ferido, não pode ser exercido senão pelo juiz porque a moderação é mais di6cil quando se trata de uma dor

que é própria de cada um]]O]].

Das palavras de Teoclimenes, citadas

na Od7isóvb de Homero [102] , resu]ta que semelhante costume de vin-

gar o assassinato em seu nome privado havia existido entre os mais antigos gregos. Os exemplos desse costume são sobretudo freqüentes entre aqueles que não têm juiz comum. SegundoAgostinho [103], é a partir disso que são chamadas justas as guerras que são feitas para

n 0 n 0 199] Procurando corrigir seus godos, o reil Teodorico assim se exorime em Cassiodoro

tl\ivlo \\\, Epístola 3Sà: "Renuzlcia a esses costumes abominavelmente inveterados. Que os negóciossejam tratados antes com as pala\ras do que com as armas." B na Epístola 24- "Por que recorreis ao combate singular?De que adianta ao homem ter flua língua, se é a mão armada que defellde sua causa?'

Era costumeentre os traconitas, no oriente, vingar, de qualquer maneira, a morte de seus parentes próximos.

[100] Caius Ve[[eius Patercu[us[séc.] d.C.], #Jkfar7bRomana(11,118). 1101]Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65d.C.], Z)e ( /emenólb(1, 203) [102] Odisséia (XV] 272) [103]

Aure[ius

Augustinus

[354-430],

Quaestiones in Heptateuchum

.4dnofafJonum

(N\, \aü

ih Job Zzóer

(VI,

q. lO)

803

CAPÍTULO H - DASPENAS

vingar injúrias. P]atão [104] aprova que se faça a guerra "até que fique les que estiveram em falta sejam forçados a dar satisfação por seu cas tifo às pessoas inofensivas contra quem fizeram o mal"

IX. De igual modo, a utilidade de todos 1. A utilidade de todos indistintamente, que era o terceiro fim, tem os mesmosaspectos que aquele que diz respeito ao lesado. De uma

parte trata-se de impedir que aquele que prejudicou a um sónão prejudique outros, o que tem lugar em fazer desaparecer ou enfraquecendo ou contendo-o de tal ihaneira que não possa prejudicar ou corrigindo-o.

Por outro lado, deve-seimpedir que outros indivíduos, instigados pela impunidade [105], não setornem prejudiciais aosoutros, o que se obtém por meio de suplícios que impressionam a vista, que os gregos chamam "nctpcE8et'rFCETct", os latinos designam de exemplos, e que são empregados para que a pena de um só seja objeto de temor de grande número, para que, pelo gênero do castigo, os outros possam ser intimidados,como falam as ]eis [106] , "para que os outros prevejam e temam o que lhes pode acontecer", como diz Demóstenes [107]. 2. O usufruto desse direito pertence também naturalmente

a cada

um. Assim é que P]utarco [108] diz que um homem de bem é designado magistrado pela natureza e mesmo magistrado perpétuo, pois o primei[104] Z)e .RePuÓ/}ca(V. 16)

[105] Políbio viu ]eõescrucificados para impedi-]os de devorar os homens, a fim de

que os outros, temendo castigo similar, fossem desencorajadosde causar a mesmo dano(Plínio, Àhfüra/]k .llhóor7b,Vl11, 16).

t\Q6ÃL. 7, Quoniam,Cod.ad LegeJ]]Façam; L. 1, Cod.,Ad lerem Julgamrepet. [107]

]h .Azedaram,

77.

[108] .f)raec.PoJ.(817 E, F). O mesmoautor diz, em Hdn de Pe/ópfdas,que 'b primeira e mais alltiga lei quer que aqueles que não estão eln condiçõesde se manter a si mesmos se submetem aos que podem trabalhar eâlcazmente para

sua manutenção". T. na. Vida de Filopemen' "Tomou consigoalguns de seus concidadãos,que não esperaram o momento âxado pelas leis, nem aquele, em

804

H U GO GROíiUS

ro passo é deferido pela própria lei de natureza ao que pratica a justiça.

Assim é que Cícero [109] prova, pe]o exemp]o de Nasica, que um sábio

não é nunca um homem privado. Assim é que Horácio [110] chama Lollius de "um cônsul não por um só ano" e que Eurípides diz em .ãoüJkenlb 7h.4uZldes [111] : "Aque]e que é superior pe]a sabedoria de sua

alma gera uma magistratura." Isso contudo sedeveentender num Estado, enquanto as leis desse Estado o comportem.

3. Demócrito [11.2]fa]a assim dessedireito natura]. Citarei suas palavras porque são notáveis. Primeiramente essa é sua opi dão com relação ao direito de matar os animais: "No que diz respei to ao fato de matar ou não matar os animais, a solução é essa: todo aqueleque tiver matado animais que fazem ou tentam fazer algum

que deviam)lser dados os sufrágios, mas que o seguiam para obedecer a essa !ei

de natureza, seguindoa qua! aquele que tem ]llaís autoridade deve comandar os que são me/]os coi?lidei'afaz)." Encontra-se algo de semelhante no mesmo historiador, ao í'mal da vida de T. Flaminius. O autor do Diálogo sobre as causas da corrupção da eloqüência diz, falando dos ot'odores: ':Elabora fossem subzp/es privados, }]ão erai]] certamente sem autoridade, porquanto governavam o povo e o sellado poz seus c'o/lse7Zose sua JJ?/7uâ?cua. " Jogo Crisóstomo, em seus comentários

à /7,8pJbfo/a

aos Go/ú]f]os

ZZZ /3, diz de Moisés:

'7Mes/ ]o a 2ées de

ter íêito partir o povo, elejá era um líder por seus méritos. Era portanto ullla insensata objeçãoa que ihe fazia essehebreu que !he dizia: Quem te eseabeie ceu sobre nós colho magistrado e juiz? Que a1ldas dizendo? Vês provas de fato e discutem sobre o }lolne? E colho se alguém, vendo um hábi! cirurgião que vem

en] seu socorro para fazer urna operaçãonum membro doentio de seu corpo, ihe pergu1ltasse: Quem te estabeleceu médico? suei)l te ordellou de fazer esta

operaçãoelll ]lliill?

E !nÍnha arte e tua doença,meu carolAssim também foi

a habilidade de Mloisés que o tornou tai, pois comandar não é somellte uma dignidade, mas uma arte e certamellte, a 11aaissub i111ede todas as artes." O mesmo escritor, no comentário à .%plüéo/aaos .87ZszosJZ?lao final, trata desse

mesmo assunto."Tua injustiça, tua crueldademe collstituem chefe e juiz. 1109] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], 7bsau/ande 22íspuéaÉ]'ol?es (]V. 23, 51) [110] Quintus Horatius F[accus [65-08 a.C.] Odarum seu CarminuJn l,ibü

39). lin]

ÍpÀJk ..4u].(374)

[112] Em Estobeu (44, 16-17)

{lN, 9

805 CAPÍTULOXX - DAS PENAS

mal é inocente,pelosimples princípio que é melhor ter feito que não ter feito." E logo acrescenta: "É de todo e sem distinção per' miudo matar tudo o que nos ofendeinjustamente Certamente não é inverossímil que os homens de bem tenham vivido na prática desse costume antes do di]úvio]113] , antes que Deus tivesse formulado sua vontade de converter os outros animais em alimento para os homens. Ele continua: "0 que escrevemos sobre as raposas e as serpentes venenosas parece dever ser praticado entre os homens." E acrescenta: "Aquele que matou um ladrão e um salteador, da maneira que tiver sido, por suas próprias mãos ou por sua ordem, ou por sua lnstigação é inocente." Sêneca]114] parece ter em vista essas passagens quando diz: "Se faço decepar uma cabeçaculpada..., meu semblante e minha alma não serãodiferentes de quando mata um réptil ou um animal venenoso"[115]. E

[113 Dicearco fala de alguns personagens que haviam conservado depois o antigo

costumee Jerânimo cita outros autores (lue o atestam (ao/IÉIa Jovlhla/ u ]] 11 13)

[lt4] Lucius Annaeus Seneca[Ol? a.C.-65 d.C.], Z)e/ra (1, 16, 5). t\\5À "Como }natalllos !ogo e sem demora as víboras, os escorpiõese todos os outros

allimais pre.judiciaispor seu ve]]eno,a]]tes que lias piqueil} ou quelias ataquem de alguma fauna, tomando assim nossas medidas para que não seja' mos atingidos por Jlenhum dano da natureza nlá que está neles, assim também éjusto que sejam punidos os homens que, tendo recebido uma natureza afável, por causa da foJlte de razão que os leva a viver em sociedade, passam

a um estado de crueldade digna dos allimais ferozes e adquüem interesse e

prazer en] prejudicar ao maior ]lúmero possível." Isso d\z Fq\ax, em De Spec/a/)óus Z,eglóus (11, 18). Cláudio de Nápoles, em Porfírio (Z)e ]io/] Esu Azlímalium. 'L4à. dÀz."Não há ninguém que, se possível, não mate uma serpente que encontrou, temendo que ele mesmo ou outro possa ser ferido.""'Jer

também o que segue, se houver interesse. No mesmolocal, ele diz pouca àepots. "Matamos a serpente e o escorpião, mesmo quando não somos atacados por eles, pa!'a que não causem dano a outros e exercemos essa vingança

/70Interesse do género bu/na/?o."O próprio Porfírio diz no livro 11: 'Hss/m colho temos alguma espécie de sociedade com os homens maus, mesmo cam aqueles que são levados por sua natureza e por sua maldade, como por uln vento violento. a fazer o mal a qualquer um, sem distinção, todosnós pensa' mos contudo que esseshomens podem ser legitimamente punidos par nós, assim também, não é fora de razão matar aqueles animais que são injustos

806

H U GO

GROTI

US

em outra passagem]116] : "As próprias víboras, as serpentes de água, todo réptil cuja mordida ou botes podem prejudicar, não os esmagaríamos se, como as outras espécies, se dispusessem ou pudessem cessar de

ser perigosos para nós e para todos. Assim não puniremos porque se pecou, mas para que nao se peque mais. 4. Como a informação do fato exige muitas vezes uma grande

diligência e a estimativa da pena muita prudência e equidadepara impedir que, cada um presumindo demais por si próprio, e os outros não compartilhando dessaopinião, não surjam rixas, pareceubom às comunidades legítimas de homens escolher aqueles que elas pensavam ser os melhores e os mais prudentes ou que esperavam dever sê-lo. O mesmo Demócrito [117] diz que "as ]eis não teriam impedido os homens de viver cada um de acordo com sua vontade, se um não fosse levado a ofender o outro, pois a inveja abre a via da sedição'

5. Do mesmo modo que isso se passa na vingança,.como dissemos há pouco, assim também nessapunição que tem por objetivo o exemplo,

subsistem vestígios e restos do antigo direito, nos lugares e entre as pessoas que não sãosubmetidas a tribunais determinados e, ainda, em certos casos de exceção.Assim é que nos costumes dos hebreus (.Deufev'onó/n/bXl11, 9), o hebreu que abandonasse a Deus e a lei de Deus ou que mostrasseo caminho dosfalsos cultos podia ser condenado imediatamente à morte por qua]quer homem [118]. Os hebreus chamam isso de "um julgamento de zelo" (/Macaóeus 11,24,26) que, dizem

per sua }tatureza, que são !evadosa prejudicar e são !evadospelo impulso de sua natureza a fazer o mai para o primeiro que !hes vier ao encontro." ?axece ser isso que Pitágoras quer, como se lê em Ovídio(/IZefamo/:doses,XVI 108): :Aãrmamos que os corpos que ameaçam nossa vida são entregues à morte sem crim e.

[116]Lucius Annaeus Seneca[O[? a.C.-65d.C.], De ]ra (11,31, 8). [117] Em Estobeu(38, 57) [118] Acrescente-se a passagem de Josefo(.4nÉzbüldndesandai'cas,X]1, 8), Moisés Maimênides em MZ7.{rÉl&os e 22ü'ecÉ.(livro 111,cap. 41).

807

CAPITULOXX - DAS PENAS

eles, foi exercido pela primeira vez por Finéias (.ZViímeros XXV. 7) e desde então se fixou em costume. Assim é que Matatias (/iMacaóeusll, 25) matou um certo judeu que se manchava com ritos gregos.Assim é relatado no livro popularmente dito o terceiro dosMacabeus que trezentos outros judeus foram mortos pelos de sua nação. Não foi sob outro pretexto que a lapidação foi decidida contra Estêvão (4ÉosdosHp(ásfa/os Vl1, 57) e cine foi feita uma conjuração

contra Paulo(Áfos

dosJpcásfc2Zos

XXl11, 13). Vários outros exemp]os dessa espécieexistem em Fí]on [119] e em Josefo.

6.Mais, entre muitos povos,o direito absoluto de punir, mesmo até matar, ficou para os donos sobre seus escravos e para os pais sobre seus filhos. Assim é que em Esparta foi permitido aos Eforos de conde-

nar à morte um cidadão, semjulgamento. Pelo que dissemos,pode-se compreender qual é o direito de natureza comrelação às penas e até que ponto se conservou.

X. O que a lei evangélica estabeleceu sobre esse assunto 1.Agora é preciso ver se a lei evangélica circunscreveu de manei-

11

ra mais estrita essaliberdade. Certamente, comodissemosem outro local (livro 11,cap. 1, $ X, 1) não é de se estranhar que certas coisas, permitidas pela natureza e pelas leis civis, sejam proibidas pela lei divina, lei perfeitíssima, que promete uma recompensa acima da natureza

[1

IJI [119]

Dele

essa

passagem,

do ]ivro

De

Sbcr7Elca/

Z/Z)us (11):

'7b/

achem

det'e

ser

punido comoinimigo público, sei]] c031sideraras relaçõesmais estreitas que se possa ter com ele; seus c013seihosdevem ser levados a conhecimento de

todas as pessoas que amam a piedade, a âm de que cada um agarra sem demorapara infligir o suplício a essehomem ímpio, com plena persuasão que

o aJ«dorde matar essecomem ó üm santa des(?/b. " Há outra passagemnão menos notáve] ao 6ina] do ]ivro .De]UonaJ«cuja(1,7).

111 l

808

H UGO GROTlus

humana. Para obter essarecompensanão é semrazão que se requer virtudes que ultrapassem os simples preceitos da natureza. Os castigos

[120] que não deixam após si infâmia, nem dano permanente e que são

necessáriosà razão da idade ou de qualquer outra qualidade, se são infligidos por aquelesa quem asleis humanas o permite, por exemplo pelo pai ou mãe, pelos tutores, mestres, aqueles que ensinam, nada têm que repugne aos preceitos evangélicos, como é dado de modo suficiente compreender segundo a própria natureza da coisa. Esses remédios das almas não são, de fato, menos inocentes que os medicamentos desagradáveis aos sentidos . 2. Deve-se decidir de outro modo no que concerne à vingança. Se

demonstramosanteriormente queela é ilícita, mesmonaturalmente, enquanto não tem outro objetivo senãoo de satisfazer o ressentimento do ofendido, por isso necessariamente não deve convir ao Evangelho. A lei hebraica não somente proíbe conservar ódio contra seu próximo, isto

é,contra o homem de sua nação (Z,eçdZzboXIX, 7), mas prescrevepres' tar a tais inimigos alguns serviços comuns (Êxodo XXl11, 4, 5). Por isso é que o nome de próximo, tendo sido estendido a todos os homens pelo Evangelho, é evidente que é exigido de nós não somente para que não prejudiquemos nossosinimigos, mas até que lhes façamos o bem, o que

é também formalmente prescrito em MaÉeusV.44. A lei, contudo, permitia aos hebreus de se vingar das injúrias mais graves, não por suas próprias mãos, mais recorrendo ao juiz. Cristo, porém, não nos permite a mesma coisa, o que resulta dessa oposição: "Entendestes que foi dito

olho por olho", depois acrescenta: "E eu vos digo..." Embora, de fato, as palavras que seguemtenham propriamente levado ao direito de rechaçar uma injúria e restrinjam ao menos também até certo ponto essa facul-

[120] Não repümir as faltas dos servos e dosfumos é um pecado (Lactâncio, Z)e Ira Z)eZ cap. 18, onde há muitas coisas a esse respeito).

809 CAPÍTULO m - DAS PENAS

dade, elas devem, no entanto, com maior razão, ser consideradas como

desaprovando a vingança, porquanto rejeitam a antiga permissão como

conveniente a uma épocamais imperfeita [121]: "Não que uma justa vingança sejauma coisa iníqua, mas porquea paciência prevalece sobre ela", como é dito nas OonsÉ7fuÉ70nes de C]emente [122] . 3. Tertuliano

[123] se exprime

desse modo sobre esse ponto: Cris-

ta nos ensina uma paciência na verdade bem nova, porquanto proíbe o que o Criador havia permitido dizendo olho por olho e dente por dente,

pois ele manda, ao contrário, apresentar até mesmo a outra face e, além da túnica, abandonar também o manto. Parece certamente que Cristo tenha acrescentado essespreceitos como um suplemento condor nle aos preceitos do Criador. Por isso é que se deve procurar antes de tudo se o preceito da paciência é formulado pelo Criador. Assim é que ele

prescreve, pela boca de Zacarias, que ninguém conserva a memória da maldade de seu irmão e mesmo de seu próximo e diz ainda: Que nin-

[121] O/JioJpara/áo que é, se assim se pode dizer, a justiça dos injustos. Agostinho (in .ETPosJfone Psa/m/ aUZZDcitado em C. Sed dlHbrenf/ae, causa 23, quaesf.

3 [122] Constitutiones

Apostolicae

(N\, zaà.

[123] .4dversus .l/arclone/;?(IV. 16). O mesmo diz, em seu livro sobre a PacJgnc/a

Crista, acrescentando a graça à ]ei. para estender e aperfeiçoar a lei, se serviu do preceito da paciência porque era a única coisa que havia faltado no do /]o e/]s bo da ./usf/ç;a."Jogo Crisóstomo, no comentário à Edlihfo/a aos Efésios IV. 13. aEtxma. "Ele diz a esse respeito: olho por olho, dente por dente, não

para reter as mãos do outro, }aãopal'a excitar as tuas, para proteger somente teus olhos, mas para salvar os olhos de ambos. Eu contudo me

perguntava: como a vingança é permitida, por que se censura aqueles que a e/n recon'em?" Pouco depois acrescenta: 'Z)eus perdoa aos que o senil)nenfo de uma injúria recebida os levou impetuosamente à wngança; ê por Isso que

ele diz olho por olho; mas em contrapartida, as vias das pessoascoléricas levam à morte. Se, enquallto era permitido arrancar olho por olho, o castigo

da pessoalevada pela cólera era tão grande, quanto mais não deveria ser eiatre aqueles que, tendo sofrido algum dano, têm a ordem de se expor a novas lnltlrlas7' \

810 H UGO

GROTIUS

guém remos em seu espírito a maldade de seu próximo. Aquele que prescreveu o esquecimento prescreveu com maior razão a paciência da

injúria. Mais, quando diz a mim a vingança que eu a exercerei,ensina por Isso mesmo a paciência com a qual se deve esperar essa vingança. Parece,pois, tanto mais incompatível que aquele que não somente proí-

be retribuir da mesmaforma, mas que proíbeainda a vingança e mesmo a lembrança e o pensamento da injúria, possa querer que se exija dente por dente, olho por olho, como revanche de uma injúria, quando está claro para nós que se Deus permitiu cobrar olho por olho e dente

por dente não tenha sido com o propósito de permitir uma segunda injúria, a título de talhão, porquanto já havia proibido e interdito a vingança, mas em vista de impedir a primeira injúria que também havia proibido opondo-a ao talião, a fim de que cada um, tendo em vista a permissão de uma segunda injúria, se abstivesse da primeira. Ele sabe,

de fato, que a violência é mais facilmente reprimida pela perspectiva do talhão que por uma promessa de vingança. Uma e outra tinham sua razão de ser para responder à natureza e à fé dos homens, a 6lm de que aquele que cresce em Deus esperassede Deus a vingança e que aquele que não tivesse tanta fé aprendesse as leis do talião.

4. Dono do sábado e da lei e de todas as vontades de seu Pai. Cristo revelou e explicou claramente a intenção dessa lei que tinha necessidadede interpretação, recomendando apresentar a outra face, a fim de extinguir tanto mais em nós o desejo de trocar injúria por injú-

ria, desejoque a lei havia queridoimpedir pelo talião e que certamente a profecia havia proibido de modomanifesto, vetando a lembrança da injúria e repassando o cuidado da vingança a Deus. Se, pois, Crista ordenou alguma coisa por um preceito que não é contrário aos pre' cedentes, mas que vem em seu apoio, não destruiu as regras de conduta

dadas pelo Criador. Enfim, se considerarmos a razão pela qual se pres' creve a paciência e uma paciência tão completa e perfeita, encontrare-

811 CAPÍTULO XX- DASPENAS

mos que ela não i;ena nenhuma força se não fosse proposta pelo Criador

que promete a vingança e se encarrega de fornecer o juiz. Por outro lado, se uma tão grande soma de paciência, consistindo não somente em hão devolver golpe por golpe, mas a estender a outra face, não somente a não responder à maledicência pela maledicência, mas mesmo em falar bem, e não somente reter sua túnica, mas dar a mais o manto, é imposta para mim por aquele que não deve me proibir, é verdadeiramente porque me prescreve a paciência. Ele não mostra a recompensa de seu preceito, quero dizer, o fruto de minha paciência que é a vingan-

ça, pois deveria ter-me permitido, se não a dá ele mesmo,ou deveria exercer por mim se não me permitiu fazê-lo eu mesmo, porquanto importa à regra que a injúria seja vingada. Toda iniqüidade é refreada pelo temor da vingança. Onde a liberdade estiver de todo desen6'eada, a

iniquidade, segura da impunidade, dominará por toda parte, vazando os dois olhos e quebrando todos os dentes.

5. Tertuliano, como veremos, pensa que a satisfação pelo talião não somente era vetada aos cristãos, mas que não era mesmo permitida aos hebreus como uma coisa isenta de vício e que o era somente para

prevenir um mal maior. Não há que duvidar que isso não sejaverdadeiro no que diz respeito a uma perseguiçãoprovinda do ódio, como isso resulta do que foi dito antes. Essa perseguição foi mesmo desaprovada por aqueles que, entre os hebreus, se distinguiam por sua sabedoria e que consideravam não somente os termos, mas o objetivo da lei, como nos informa

Fí[on [124] , no qua] os judeus de A]exandria

da infelicidade

de Flaccus, o perseguidor

falam assim

dos judeus: "Não temos pra

zer, Senhor,em procurar a vingança contra um inimigo, pois aprendemos das leis sagradas a ter compaixão dos homens" [125]. A isso se

[124] in .1?7accum (14)

[125] Ver Orígenes,Hdt'ersus OeJsum(V]1, 25)

812

H U GO

G'ROTIUS

refere o que Crista exigiu de nósindistintamente, de perdoar a todos aqueles que se tornaram culpados para conosco (MnÉeusVI, 14-15), isto

é, de não lhes fazer, nem de lhes desejar mal algum por ressentimento daquilo que nos causaram. Aquele que o faz, para falar com Claudiano [126], "é um ser crue] e que parece se arrogar a vingança das ]eis". A esse propósito Lactâncio [127] , ]embrando essa frase de Cícero [128] "0 primeiro

dever da justiça é de não prejudicar

ninguém, a menos de ter

sido provocado por alguma injúria", diz que um pensamento que era simples e verdadeiro foi corrompido pelo acréscimo de duas palavras. Ambrósio [129] diz que essa mesma pa]avra de Cícero não é apoiada na

autoridade do Evangelho.

6. Que dizer da vingança considerada não tanto enquanto se rede

re ao passado,mas enquantotem por objetivo tomar precauçõespara o futuro? Cristo quer seguramente que seja também posta de lado, pri melro se aque]e que nos ]esoudá testemunho de espírito penitente [130], como se podeverificar em Zuc;asXVll, EH3s/oslVI32, Cb/ossenseslll, 3, onde se trata de um perdão mais completo, isto é, um perdão que recoloca aquele que cometeu a falta no direito da antiga amizade. Disso se segue que não se deve exigir nada dele a título de pena. Mais, mesmo

se os sinais de tal arrependimento não existirem, Crista nos ensina pelo preceito de não abandonar sua túnica, que uma ofensa que não é muito consideráve[ deve ser desprezada. P]atão [131] também disse que não se

[126] C[audius C[audianus[séc. ]V d.C.], .Oe C0/7suJnfu ]i7a v] ]UnnJI) T%eodnl(224) [127]

Caeci[ius

Firmianus

Lactantius

[séc.

]V

d.C.],

Dur7hai«un?

]nsílfuÉlonum

(V],

18) [128] Marcas ']b]]ius Cicero [106-43 a.C.], Z)e O/HcJ]h(1, 7, 20) [129] Ambrósio [340?-397], Z)e O/HcT]s.4Zin/sfroru/n (1, 28, 131)

[130] Ver Moisés Maimõnides, citado pelo eruditíssimo Constantino, no livro .De Z)anão Z)afo (Vl11, 7) [131]

C22'fo (lO).

813 CAPÍTULO XX- DASPENAS

deve retribuir mal com mal, "mesmo se alguma coisa mais difícil de suportar nos ameaçasse". Esse pensamento se encontra igualmente em

Máximo de Tiro. Musonius dizia que não inventaria ou que não aconse-

lhava ninguém a intentar um "processode injúria", isto é uma ação para alguma injúria recebida, comoaquele que Crista indica sobo nome debofetada, pois é bem mais conveniente que tais ofensassejam perdoadas.

7. Seo fato de deixar passar a injúria despercebidatraz grande perigo, devemos nos contentar em tomar uma segurança que prejudique o menos possível. Mesmo entre os hebreus, o talhão não estava em uso, como Josefo [132] e outros doutores dos hebreus o observam, mas aquele que havia sido lesado tinha costume de receber, independentemente das despesasfeitas por ele, com relação às quais existe uma lei à

parte no ExodoXXI, 19 (que indica, de fato, uma restituição simples, não contendo nada de pena]) [133], uma mu]ta pecuniária a títu]o de ta[ião

[134] . ]sso se praticava

também

em Romã, como Favorinus

nos

informa a respeito em Au]us Ge]]ius [135]. Assim é que José, o pai putativo de Nosso Senhor Jesus, achando sua esposa culpada de adulté

rio, preferia se separar dela pe]o divórcio [136] do que ser a causa de

expâ-la ao desprezo.Diz-se que teria feito isso porqueera justo, isto é, homem de bem e sociáve]. Sobre issoAmbrósio [137] diz que a pessoa do

[132] Flávio Josefo 137?-100?i, ,4nílküldades Judaicas (IV. 8, 35) [133] Z,e/ dos v]) godos(V], 13). [134] Ver o mesmo Constantino, no citado cap. V]]], l [135] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d. C.], Àrocfes.4fücae (20, 1)

[136] Agostinho(Z)e ,4du/fer2hJi (b/4/ugl]i, 11,15) diz: ';Sq o que ó a op n ão ma ) verdadeira, não é permitido ao homem cristão matar sua esposa adúltera, mas somente despedi-la.

[137]Ambrósio, in J9sa/mum (;mZZZSerenomZ 5.

814

H UGO

Gxoíius

justo fica distante, não somente pela atrocidade da vingança, mas mes-

mo pe[a severidade da acusação]138].Lactâncio]139] havia dito também antes: "Não será permitido ao justo acusar alguém de um crime capita[." Justino [140], falando dos acusadoresdos cristãos, diz: "Não queremos que aqueles que nos caluniam sejam punidos. Sua maldade lhes basta, bem como sua ignorância das coisas boas.

8. Restam as penas que têm por objeto prover não ao interesse privado, mas ao bem público, seja suprimindo ou contendo aquele que prejudicou, de maneira que não prejudique mais ninguém, seja fazendo desistir os outros pela severidade do exemplo. Essas penas não foram abolidas por Cristo, como provámos aliás por esseargumento incontestável que, quando dava seus preceitos, declarava ao mesmo tempo que não estava abolindo nada da lei. Alei de Moisés que, em matéria dessas

coisas,devia subsistir enquanto o Estado subsistisse, mandava rigorosamente aos magistrados punir os homicidas e certos outros crimes

(Êxodo XXV. 14 e XXI, 14; Números XXXl11, 14, 37 e XXXV. 31; .Deuferonân bXXIX, 13 e XXIX, 13). Se os preceitos de Cristo puderam coexistir com a lei de Moisés, tendo-sepresente que ela iníligia suplícios mesmo capitais [141] , podem existir também com as ]eis humanas que imitam

nesse ponto a ]ei divina

[138] Ver Hincmar(.Z)e

[142]

.Oívoz.óo, ad inferro#aÍ]o

]en] V ]h á7he), (hn.

Z,aJco$ c'ousa

Z quaesóo 4, e sobre isso Panormit. Gailius(De Face PuóJlca, Vl11, 3). Acres-

cente-se o cânon .4causasf7(Do .4causaíl0/2óus, como é citado em Brocardo

[139] Caeci[ius Firmianus Lactantius]séc. ]V d.C.] , .22ívÚlai-um ]nsÉJfuÜonum(V], 10) [140] Apologeticus(1, 7). Do mesmo é esse texto: 'RUo gt/ez'e/ldo uos }.7hgaJ"do qt/e

quer que seja, como o ordenou o novo fundador da }ei." cxescenke-seo ({ue será dito a seguir, $ XV.

[141] Josefo e]ogia os fariseus por sua moderaçãoem punir. Disso decorrem as muitas exceçõesàs leis relativas às penas públicas. Disso decorre ainda o que é dito no Za/mud título ,lüefuóo/ü,que, ao ser indispensavelmente obrigado a condenar alguém à morte, é preciso fazê-lo sofrer o menos possível [142] Agostinho,

Quaesf. .Frango/lb.,

/Juro -C quaesüo

.X:

815 CAPÍTULO m -

DAS PENAS

XI. Apresenta-se solução para o argumento tirado da misericórdia de Deus manifestada no Evangelho 1. Há pessoas que, para defender a opinião contrária, colocam em evidência a soberana doçura de Deus na nova aliança que, por con' seguinte, deve ser seguida pelos homens e mesmo pelos magistrados, como representantes de Deus. Não negamos que isso não seja verdade

de algum modo, mas isso não vai tão longe quanto querem. A imensa misericórdia de Deus manifestada na nova aliança diz respeito especialmente às faltas cometidas contra a lei primitiva ou mesmo contra a lei de Moisés, antes do conhecimento do Evangelho(,4Éos dosHpásfo/os

XVl1, 36; Roldanas11, 25; .4fos Xl11, 381,17eõreus IX, 15). Para as faltas que se cometem depois, sobretudo sehouver obstinação, elas têm a ameaça de um julgamento muito mais severo do que aquele estabelecido pela lei de Moisés [143] (JZeõreus 11, 23; X, 29; MnfeusV. 21-22,

18). Não é somente na outra vida que Deus exerce seu castigo sobre esses tipos de faltas, mas muitas vezes mesmo nessa vida (/Go/:zhílos

XI, 3). O perdão dessas faltas não se obtém, a menos que o indivíduo

não setenha comoque punido a si mesmo[144], por uma profunda dor

(/(l;la/:zhÜos XI, 3; 27Go/:zÚÜos 11,7, 27). 2. Os mesmos insistem para que a impunidade seja ao menos concedida aos que são conduzidos pelo arrependimento. Para não dizer

que os homens têm muita dificuldade para constatar o verdadeiro arre-

pendimento e que todo culpado teria a impunidade de seus erros se

[143]João Crisóstomo diz a lesma coisa,tanto em seu discurso Hd.])abrem /üde/em, como em seu segundo discurso sobre o Jejum

[144] "0 pecador deve- antes do percíãq a:qp/ararseu estado'; diz Tertu]iano(De /)oenifenffa. 6). Ambrósio. no comentário sobre o Salmo X:XXr7Z Jogo Crisóstomo, no comentário sobre a / E#)ÊfoZaaos Ob/:húos(Hbmllfa XXVIII) e sobre JUafeus(.HbmiZlb XLl1, 3). Acrescente-se 17 G2/:húos Vl1, 9-10.

816

H UGO

GROTIUS

bastasse testemunhar um sinal qualquer de arrependimento, Deus mesmo não remete sempre toda a pena aos que se entregam ao arrepen

dimento, o que resulta ainda do exemplo de Davi. Do mesmo modo, pois, que Deus pede remeter a pena da lei, isto é, uma morte violenta ou prematura, não deixando de fazer o delinqüente soõ'er pelos males não pouco consideráveis, do mesmo modo pode também remeter no presente a pena de morte eterna [145] e até punir e]e mesmo o pecador por uma

morte prematura [146] ou ainda querer mesmo que assim seja punido pelo magistrado.

XII. Do que se corta rente ao arrepender-se 1. De outro lado, outros encontram aqui o que reconsiderar por' que na vida se suprime de vez o tempo para se arrepender. Eles sabem que os magistrados piedosos consideram muito isso e que ninguém é levado ao suplício sem que se tenha dado a ele o tempo para poder reco-

nhecer seus pecadose detesta-los seriamente. O exemplo do ladrão cru-

cificado com Cristo prova que um arrependimento semelhante por ser agradável a Deus, mesmoquê as obras, sustadas pela morte, não o sigam [147]. Se se diz que uma vida mais ]onga teria podido servir a um arrependimento mais sério, poderia ser respondido que indivíduos são encontrados às vezes, aosquais se poderia dizer com razão essas pala-

vras de Sêneca[1481:"0 único bem que te resta, nós o daremosa ti [145]

Synesius,

XÓpikfo/a 44.

[146] Jerânimo, em seu comentário sobre o profeta Naum (cap. ]), passagem citada

em (huna mZZZ quaesf7bá Agatias(V. 4), segundoPlatão [147]

Jerânimo

a Dâmaso,

citado

no cânon

.ü27paMu/2a

(S84

.De

/ba

fe/]Élb,

.D&áücÉzb

].

[148] Lucius Annaeus Seneca [Ol? a.C.-65 d.C.], .De ]ra (1, 16). De]e é também essa

passagemdo livro De .BeneálaÍz)(Vl1,20): 'iSaJ}dn v2'dacíum remédiopai'a gente desse tipo e o que pode ocorrer de melhor para aquele que não tornará

mais a ser e/e mesmo éí de se reÉímx "Do mesmo ainda: 'thm a mesma mão eu prestaria um serviço a todos; eu o prestaria a alguém desse tipo, pois para

tais pessoassair da vida é um remédio.

CAPITU LO XX -

imediatamente,

DAS PENAS

817

a morte." E também essas pa]avras do mesmo [149] : "A

6im de que cessem de ser maus, pelo único meio que possuem." 0 61óso-

fo Eusébio [150] havia dito a mesma coisa: "Porquanto e]es não podem de outro modo, a não ser dessa maneira se libertar dos laços de sua maldade, o meio que têm para dela escapar." 2. Essas coisas, pois, além daquelas que descrevemos no começo da obra [15 1], constituam

uma resposta aos que querem que os suplíci-

os, todos em geral ou os suplícios capitais, sejam proibidos sem exceção alguma aos cristãos. O apóstolo nos ensina o contrário, quando, tendo compreendido o uso da espadanas atribuições reais, como para exercer

a vingança divina, ele diz que se deve orar para que os reis setornem cristãos e que na qualidade de reis protejam os inocentes. Isso não pode (tal é a perversidade

de grande parte dos homens, mesmo após a propa'

Ração do Evangelho) ter

lugar se a audácia dos outros não é reprimida

pela morte de alguns, porquanto a inocência, no meio de tantos cada falsos e suplícios de culpados, não está ainda suficientemente em segurança. 3. Não seria, contudo, fora de propósito oferecer para imitar aos chefes cristãos, ao menos sob alguns aspectos, o exemplo do rei egípcio Sabacon [152], muito e]ogiado por sua piedade, pe]o qua] penas capitais

foram, com grande sucesso, mudadas em condenação ao trabalho, se Fundo o re]ato de Diodoro [153] . Estrabão [154] diz que a]gumas nações

[149] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], De Zra (1, 15) [150] Em Estobeu (46, 41).

[151]Livro 1,cap.]], {]X, 4 e cap.]]], $ 111, 2 [152] E mesmo o dos romanos, ao menos em grande parte, porquanto, desde a ]ei

.fb/clb, nenhum cidadão, entre eles, podia sel' punido de morte ou açoitado, a menos que fosse culpado de lesa majestade ou condenadopelo próprio povo. [153] Livro 1, 65 [154] Limo XI, 11, 8

818 H U GO GROTIUS

também, junto ao Cáucaso, "não infligiam a ninguém a pena de morte, qualquer que fosse a mais severa punição que merecesse". Não se deve tampouco desdenhar esta passagem de Quinti]iano sos podem sinceramente

[155] : "Se crimino-

modificar sua mente, e isso se observa às ve-

zes, é mais vantajoso para a sociedade,não se pode contesta-lo, conceder-]hes o perdão do que pum-]os." Ba]samon [156] observa que as ]eis

romanas que infligiam a pena de morte foram em sua maioria mudadas pelos últimos imperadores cristãos [157] por outros suplícios [158] ,

a fim de que para os condenadosa um castigo mais duro, o arrependimento fosse mais intenso e que uma pena de maior duração tivesse mais efeito como exemplo.

XIII. As divisões imperfeitas das penas são rejeitadas 1. Da enumeração que fizemos dos Bns da pena resulta que houve alguma omissão cometida pelo filósofo Taurus, de acordo com o qual

Aulus Gellius [159] fala assim: "Tem-se esperançaque o culpado se corrida por si mesmo sem ter necessidade de punição; teme-se, ao con-

trário, que não possa nem se corrigir, nem se emendar; não se tem nada a temer pela honra daquele que foi ofendidosa falta não é daquelas [155] hlarcus Fabius Quinti[ianus[séc.

] d.C.], De ]nsúfuÉlo/le (2mfar7b (X]], l)

[156] in Phot. Nomoc. (16, 5) [157] Ver o que será dito neste livro, cap. XXIV. $ XI. Ver em Nicetas (livro 1), a juramento de lsaac o Anjo. O mesmo diz que o reino de João Comneno passou

sem que ninguém fosse condenadoà morte. A respeito de Zenon, ver Malco e

Agostinho (É»;'sfo/a CLVlll e CLIX ad .4/arca.E/lnum Oomifem), passagens citadas no cânon CI.raumc'e/Zlb/les, causa mZZ quaesÉlbre capítulos seguin' tes. Ver também Jogo Cristóstomo, ..4dversusJudaeos(Vl11, 2), no local em que trata da pena de Caim [158] Que consistiam sobretudo a fazê-los trabalhar. Agostinho(@plüfo/a CLX) diz: 2ue seus membros conservados intactos sejam aplicados a qualquer obra tíÉü"Ver também a carta de Nectarius a Agostinho, de n.' CCI.

[159]Au[us Ge[[ius [séc.]] d.C.], MmfesHfÉ7cae (V]1, 14, 4).

819

CAPÍTULO H - DASPENAS

que tornam necessária a aplicação de um castigo rigoroso? Então, não

há motivo suficiente para infligir uma pena." Ele fala disso como se, quando um desses fins vem a faltar, o suplício deve ser supresso, en quanto que ao contrário é preciso que todos essesfins cessem para que não haja necessidade de pena. Omite a seguir esseülm que consiste em

impedir, eliminando um homem de uma vida que não pode se emendar, que cometa crimes mais numerosos ou mais graves. O que disse sobre

a ofensa contra a honra deveria ser estendido igualmente aos outros prejuízos que são temidos. 2. Sêneca [160] falou me]hor quando disse: "Em matéria de deli-

tos a punir, a lei persegue um tríplice objetivo, que o príncipe também

deveter em vista. Ela quer emendar aquelesque ela atinge ou tornar os outros melhores pelo exemp]o do castigo [161] ou que, desaparecidos os

maus, os outros vivam em maior segurança."Sefor entendido aqui por "osoutros", não só aquelesque já foram lesados,mas também aqueles que ainda podem ser lesados, se teria uma divisão completa, acrescen-

tando contudo à palavra "desaparecidos" as palavras "ou reprimidos" Osferros e tudo o que signiâca uma diminuição de forças se relaciona a isso. A divisão seguinte do mesmo Sêneca [162], em outro ]oca], é menos

perfeita: "E preciso que ele saiba e não deverá perder isso jamais de vista, em qualquer aplicação de penas, que se trata de corrigir os maus ou de suprima-los." Essas palavras de Quinti]iano de algum modo, imperfeitas:

[163] são ainda mais,

"Toda pena não tem tanto em vista o deli-

to, senão o exemplo. [160] Lucius Annaeus Seneca[Ol? a.C.-65 d.C.], Z)e (ye/?7enf/a(1, 21). [161] Fílon (/n Z,egaÉ/one, ]) propôs

também

esses dois objetivos:

':4 pe/ a col'r7ke

muitas vezes e emenda mesmo aquele que pecou; se isso leão ocorrer, ao menos o corrigem aqueles que tiveram conhecimento dela. Os suplícios de

outrem tornam, de fato, muitos homensmelhorespelo temor de um trata men to semelha1lte. [162] Lucius

Annaeus

Seneca [Ol? a.C.-65

[163] Mlarcus Fabius Quintilianus]séc. (274)

d.C.], .De ]ra (1,19, 7).

] d.C.] , .Dec/aloaüones .44aybres ef ]Ulhores

820

H UGO

GROTIUS

XIV E perigoso para as pessoasprivadas cristãs infligir uma pena, mesmo quando é permitido pelo direito das gentes Pode-se concluir coisas que foram ditas até o presente, como não

é seguro para um cristão, cidadão privado, punir para seu próprio bem ou pelo bem público, um homem mau, qua]quer que seja [164] , sobretu-

do com uma pena capital. Embora tenhamos dito que isso é às vezes permitido pe]o direito das gentes [165] . Por causa disso deve-se e]ogiar o

costume desses povos, entre os quais os indivíduos que se dispõem a se aventurar no mar se munem de comissõesdeliberadas pelo poder públi-

copara perseguir os piratas, seos encontrarem no mar, a 6im de poder fazer uso, existindo a ocasião,não como por sua própria autoridade, mas como tendo recebido a ordem do Estado.

XV Ou de se estatuir como acusador de seu próprio movimento Há relação entre isso e o que foi acatadoem muitos lugares, que não sejam admitidos às acusações dos crimes quaisq\ler cidadãos [166] ,

mas somente certos homens aos quais esse encargo foi imposto pelo poder público, a üim de que ninguém faça nada para esparglr o sangue de outrem, a não ser pela necessidade do dever. A isso se relaciona o cânon do sínodo de E]iberis [167] : "Se a]gum fie] se tornou delator e se

por sua delação alguém foi proscrito ou condenado à morte, foi definido que, mesmo no momento da morte não receba a comunhão."

[164] Ver diversas coisas ditas no ]ivro ], cap. 111,$ 111. [165] Ver o parágrafo V]]] deste capítu]o [166] Jogo Crisóstomo(Z)e Poe fe/2íla, Vl11, 2) escreve: 'g exce/e/2fq como o disse,

prevenir mesmo os processosprivados por transições amigáveis, a fim de levar aquele que se trata assim como amigo, ao objetivo que se propunha atingir com o processo.Quantoàs acusaçõesreferentes a criminosos,não diria que se deva relê-las trai)sigindo, mas que não se deve jamais começa-las. [167]

Concílio

de Eliberis,

cânon

73.

CAPITULO XX

821

- DAS PENAS

XVI. Ou de procurar os cargos de juízes criminalistas Compreende-se ao mesmo tempo pelo que foi dito antes que não é

muito aconselhável para um homem verdadeiramente cristão e não é mesmo de todo conveniente de se oferecer por sua própria vontade aos empregos púb[icos, tendo re]ação com a jurisdição crimina] [168] . Nem

sedevepensar e proclamar que éjusto que o direito de vida e de morte sobre esses concidadãos Ihe seja conferido como sendo o melhor de todos

e como se fosse uma espécie de divindade entre os homens. A advertência que Cristo nos dá (MafeusVll,

1), que é perigoso julgar os outros e

que devemos esperar de Deus, em casos semelhantes, o mesmo julga-

mento que nós pronunciamos contra os outros deve certamente ser também aplicado aqui.

XVH. Explica-se por uma distinção, se as leis humanas que permitem entregar à morte para punir conferem um direito ou não conferem senão a simples impunidade 1. Questão que não é ignóbil é aquela de saber se as leis humanas que permitem o assassinato de certos homens concedeaos assassinos

um verdadeiro direito mesmojunto a Deus ou somente a impunidade entre os homens. Aú]tima opinião é do agrado de Covarruvias [169] e de

Fortunius[170], cuja maneira de ver desagrada de ta] modo a Ferdinand Vasquez [171] que a chama de abomináve]. Não há dúvida, como o disse-

[168] Sobre a questão de saber se o sábio deve $e imiscuir nos negóciosdo Estado ver Soneca ÇDeOtío Sapíentisà

[169] Covarruvias, 4 doce /.Z cap. WZ n.'8. [170] Fortunius, [171]

F. Vasquez,

g oacéafus de u/f. /íne /egum ÍZ/af. ]]. /]'w'o

/K

(bníro

]Z7usÉn, cap.

}/ZZ7:

822 H UGO

GROTI

US

mos em outro ]oca]]172], que a lei não possa fazer ambas as coisas em casosdeterminados. Para saber o que ela quis, deve-sejulgar em parte

os termos da lei, em parte a matéria de que se trata. Se a lei concede alguma coisa ao ressentimento, ela suprime o castigo humano, não o crime, como isso ocorre com o marido que mata a esposa adúltera ou o adú[tero [173] 2. Se ela tem em vista o perigo de um mal futuro que produziria

a atualização da punição, deve ser considerada como que concedendo um direito e um poder público ao cidadão privado, de modo que essejá nao é mais uma pessoa privada. Desse tipo é a lei que se encontra no código de Justiniano,

sob a

=ubx\ca"Quando liceal unicuique sinejudice se vendicare,velpublica n deuoÉ70ne/n '; onde a permissão é dada a todo indivíduo

de subme-

ter ao suplício os soldados saqueadores. Dá essa razão que "é preferível

prevenir a tempo do que punir depois. Nós vos permitimos pois fazer

Justiça por vossas próprias mãos e como seria tarde demais punir na justiça, nós os castigamos antes por esse edito, a fim de que ninguém poupe um soldado contra o qual seria necessário se defender à mão armada,

como contra um salteador." A lei seguinte relativa

aos

desertores, que devem ser oprimidos, assim se exprime: "Que todos saibam que cada um tem o direito, para a tranqüilidade geral, de exercer a vingança pública contra ladrões públicos e desertores da milícia."A isso se refere também esta passagem de Tertuliano

[174]: "Contra os

criminosos de lesa-majestade e os inimigos públicos, todo homem é soldado"]175]

[172] Livro 11,cap. 1, $ XIVI cap. 111,$ 111,2.

[173] Ver Agostinho (Z)e alwfafe Z)e/),citado no cânon é?ulcumqz/e, causamZZ }uaest. 8, e cànon Inter cum, causa XXXlll, quaestio 2.

' '""'-'

[174] Quintus Septimius Florens Tertullianus [155-220?],Hpo/ogeZlbus (2). [175] Agatias(IV. 10) diz que 'háo sâo somente os generaJb de exónc/foe as outras

pestsoasem destaque que se interessam ou devem se interessar pelo bem 3nublico,mas que cada um pode e deve ser tocado pelos males que ocorrem no

Esf'Ü m qu. w',«. Za,«.f-do. qu ü/e dele;Ü;;;;;;';a;--pmsperm ' óem pzíó/lbo, segundo suas corças."Ver o que foi dito no $ 1X deste capítulo.

823 CAPÍTULO XX- DASPENAS

3. O direito de matar os exilados, chamados banidos, difere no

tocante à espécie dessasleis, porquanto a respeito dosbanidos uma sentença especial foi emitida precedentemente contra eles, enquanto que aqui um edito geral, apoiado sobre a evidência do fato [176], obtém a força de uma sentença pronunciada.

XVIII. Os fitos interiores não sáo puníveis entre os homens Vejamosagora setodos os aros viciados sãotais que possamser punidos pelos homens. Deve-se ter por certo que todos não são assim.

Primeiramente, de fato, os atou puramente internos, mesmo que por algum acidente, como pela confissãoque se fizesse, chegassemao conhecimento dos outros não podem ser punidos pelos homens, porque, como vimos alhures (cap. IV, $ 111),não é conforme à natureza humana que um direito ou uma obrigação nasça entre os homens de atou pura'

mente internos. Nesse sentido é que se deve aceitar o que dizem as leis romanas: "Ninguém merece ser punido por seu pensamento." Isso con-

tudo não coloca obstáculo a que os aros internos, enquanto exercem influência sobre os externos [177], não sejam tomados em consideração, não propriamente em si mesmos, mas fazendo-os entrar na estimativa

dos aros exteriores que, daí, recebem a qualidade de seu mérito.

[1'76] Quint;i]ia no(Dec/nmaÉlo/zes,CCLX) diz: '7?á ar])nes comeíldos conÉmo Ébfa do que são de ta] evidência que os olhos bastam para constata-los. [177] Nesse sentido, Sayrus, TZesaur (111,6)

824 H UGO

GROTI

US

X]X. Nem os atou exteriores que a fragilidade humana não pode evitar 1. Em segundolugar, os aios inevitáveis da natureza humana não podem ser punidos peloshomens. Embora não possa haver pecado que não seja cometido livremente, está contudo acima da condição humana se abster de modo absoluto e sempre de todo pecado. Por isso Sopater, Hiéroc]es [178], Sêneca [179], entre os fi]ósofos, Fí]on [180]

entre osjudeus, Tucídides [181] entre oshistoriadores, um grande número entre os cristãos ensinaram que pecar nasceu com o homem. Sêneca [182] diz: "Se fosse preciso punir toda natureza depravada e voltada ao ma], o castigo não excetuaria ninguém." Sopater [183] diz o seguinte: "Se alguém pune os homens como se pudessem ser isentos de todo pecado, excede a medida da correção que é segundo a natureza.

[178]

Hierocles,

]n .4ui:

(hr7n

[1791Marcus Annaeus Seneca[58 a.C.-32?d.C.], C0/7ÉrorersJae (11,4, 12) [180] Sobre Mloisés (111, 17). Pode-se acrescentar Aben-Esdras, sobre JÓ (V. 7) e o

rabino lsrael (cap. VIII) [181] 111,45 [182] Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65 d.C.], De Zra (11.31). ]sso é do mesmo

filósofo, no mesmo livro De Ira(1, 14): ':r\ao se e/]co/IÜ'a nJbguám que fen.ba o dTz'eféo de se aóso/ç,e]-a s] mesmo." No cap. IX, havia dito: 'adiro oaíras enfermidades dos maüais, há essa cegueü'a de espírito que !hes fornece não

somente uma necessidade de errar, Dias de se apelar a seus erros." X)epa\s,

no cap. XXVll: 'igomoslodos maus." No tratado .De CVemenüa(1, 4), diz Todos llós cometemos fritas, alguns mais, outros nlejlos; esses de modo premeditado, aquêles levados peia ocasião ou pela instigação dos maus; às rezes, pouco firmes em nossos sábios princípios, nós a contragosto e apesar

de tudo os sacri6caJnos.Não cometemossome11te faltas. mas as cometeremos até o âm dos séculos.Mlesmoessasalmas tão depuradas, que nada mais pode perturba-las, alem engana-ias, não chegaram ao estada de inocência a não ser abra Kás de mtzlías /a/fas. " Procópio(GofÉÜJc.,

111, 11) coloca isso num

discurso de Belisário: ':E'sfáac7na do comem e da ilafureza das caudasnáo cab' em ]enÃuma

/a/Éa."Ver

[183] Em Estobeu. 46. 59

também

o imperador

Basílio(Pai'eizeâ,

cap. 50)

825

CAPÍTULO XX- DASPENAS

Diodoro da Sicília [184] chama isso "ferir a fraqueza comum a todos os homens" e em outra passagem [185]: "Esquecer a fraqueza que é comum ao gênero humano." O mesmo Sopater que citei diz que "deve-se dissimular as pequenas faltas que ocorrem quase todos os dias'

2.Mais, pode-seduvidar seessasfaltas sãoapropriadamente ditas pecados,porquanto a liberdade que parecemter em particular, não a têm aoconsidera-las em geral. P]utarco [186] diz na Vida de Só]on:"A lei deve prescrever o que é comumente praticável, se quer punir um pequeno número de modo útil e não um grande número de modo inútil."

Há também certos pecados que sãoinevitáveis não simplesmente pela

natureza humana, mas para tal pessoae em tal caso,por causa do temperamento[187] que age sobre o espírito ou de um hábito inveterado.

Esse, no entanto, é punido não tanto por causa dele mesmo, mas por causa de uma falta que o precedeu [188] porque os remédios foram ne-

gligenciadosou essas doençasdo espírito foram voluntariamente provocadas.

XX. Nem os atos pelos quais a sociedade humana não é lesada nem direta, nem indiretamente e por que razão 1. Em terceiro lugar, não se deve punir os pecadosque não dizem respeito nem direta, nem indiretamente à sociedadehumana ou a outro homem. Arazão disso é que não há nenhum motivo pelo qual a punição [184] Livro li1, 21. Em /i]agme/?f.(Z:rc.XXVI, 1) diz que não se deve expor ao riso público a fragilidade da natureza humana [185] Livro XVl1, 38. [186] Plutarco,

Wdâ de S37on(90 A).

[187] Sêneca (Z)e Zra, 11, 18) diz: ';4s variedades dele/7doresp/'oyém dn mlsóura dos

elemeJatose os diversos caracteres são mais ou menos pron UJlciados,segun-

do fa/ ou qua/ e/emenfo predomina." Fala, além disso, do que provem da condição de nossa origem e do temperamento de nosso corpo (.Epl'sfo/a XI, 6). [188] Ver o cânon ]neór7breru/

f (&t causa .XV guaesf.

.Z.

826 HU

GO GROTIUS

de tais pecados não seja deixada a Deus que é de todo clarividente para

conhecê-los,muito justo para julga-los e muito poderosopara pum-los. Por isso é que tal punição seria estabelecida pelos homens totalmente sem utilidade

e por conseguinte de uma maneira defeituosa. Deve-se

excetuar as penas corretivas que têm por objeto tornar melhor aquele que pecou, mesmo se os outros poderiam não ter interesse nisso. Não devem ser punidos tampouco os atou opostos às virtudes dos quais a natureza repele toda coação, como a compaixão, a liberalidade,

o reco-

nhecimento.

trata a questão se o vício do ingrato deve perma' necerimpune e alega muitas razõespara explicar porque não deveser 2. Sêneca [189]

punido. Aquela principalmente que pode ser estendida a outros vícios similares, é que "o reconhecimento que é uma coisa muito honesta ces-

sa de ser honesta se é necessária". Isto quer dizer que ela perde seu grau superior de honestidade, como o indica o que se segue: "Não se elogiará mais um homem reconhecido do que aquele que faz um depósi-

to ou que paga uma dívida diante de coaçãojudicial." E mais: "Não há g[ória em ser reconhecido,

se há espaço seguro para a ingratidão"

[190]

Pode-se aplicar aos vícios dessa espécie essas palavras de Sêneca, pai,

em suas Goníroç-érsJbs:"Não pretendo que um culpado seja elogiado, mas que seja abso]vido."

[191]

[189]Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65d.C.], .DeBe/2eálcuJS (111,6, 7) [190] O mesmo Sêneca (-De BeneÁ7c)s,1, 1) diz: 'Wâo é pargo/lapso não pagam'

benefício por benefício, porquanto se é livre de se mostrar reconhecido. Sêneca, o pai, faz essa observação (Cona'overszae, V. 34): '7b nle dl2es que

não é preciso faze-io? O alcance disso,porém, é consideráve!, por isso não há sanção alguma-."

êKgos\ãxÍho (.Contra Petilianum,

\l, SSà. "Foí assim, pois, que

as !eis foram feitas contra vós; elas não vo$ forçam a fazer bem, mas vos

proíbem de fazer ma!." [191] Isso se encontra no ]ivro IX, Cb/7Érovers/a .gJ,havendo algo de similar no mesmo

\ixro,

Funil:"Plutarco,

Controversia

25

"A diferença

é grande

entre

repreender

e

na Hda de Oahon(480 A), diz: '7?á cercas Xa/óasgue se deve

considerar antes comoimperfeiçõesde alguma virtude do que como efeitos de vício.

CAPÍTULOm

827

- DAS PENAS

XX[. A opinião segundo a qual não é jamais permitido perdoar é rejeitada Deve-se tratar também se é permitido às vezes perdoar ou absol-

ver. Os estóicos, de fato, o negam [192], como se pode ver num fragmento de Stobaeus, com o títu]o de Mng7]sÉrado [193] , no discurso de Cícero

para Murena e no Him dos ]ivros de Sênecasobre a C]emência [194], mas se apoiam sobre razões fracas. Eles dizem: "0 perdão é a remissão de uma pena devida... Ora o sábio faz o que deve fazer.. ." Aqui a ilusão está escondida nessa palavra "devida". Se for entendido que aquele que

cometeu uma falta deve a pena, isto é, possa ser punido sem injustiça, não se seguirá que aquele que não pune faça o que não deve fazer. Se for entendido que a pena seja devida pelo sábio, isto é, que tenha devido ser

de modo absoluto infligida, diremos que isso não ocorre sempre e que

assim, nesse sentido, a pena pode não ser devida, mas somente ser lícita. Isso pode ser verdade tanto antes da lei penal, como apóso estabelecimento dessa lei.

XXII. Demonstra-se que isso é permitido antes mesmo que existisse a lei penal 1..Não se deve duvidar que antes do estabelecimento da lei penal

não pudesseocorrer a pena porque naturalmente aquele que cometeu uma falta se encontra na situação de podell ser licitamente punido. Não

[192] Diodoro da Sicília diz com razão, contrariamente à sua doutrina, que 'bpe2'chão

cípreáer7'ç,e/ â punção"(.f)'ag/ne/ f., .Exc.XXI, 8). Cipriano formulará esse pensamento

em nome dos cristãos(Z»]GfoJa

Z/C 16): '% douÉr7ha dos á/casados

e dos estóicos é toda diferente; eles dizem que todas as faltas são iguais e que

um homem sério não deve $e deüar facilmente dobrar. Ora, entre os cristãos e o$ filósofos, a distância é considerável."

[193] Estobeu, 46, 50 [194] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C:], .De C7emenÉ/a(11,7).

828

H UGO

GROTIUS

se segue por isso que a pena deva ser inf]igida [195] porque isso depende da conexão dos fins pelos quais a pena foi instituída com a própria pena.

Por isso éque seessesfins não sãopor elespróprios moralmente neles' vários ou sepor outro lado outros fins seapresentam não menos úteis ou necessários ou se os fins que são propostos para a punição podem se obter por outra via, parece então que não há nada que obrigue precisa-

mente a infligir a pena. Citemos comoexemplo do primeiro caso aquele de uma falta conhecida por muito poucas pessoas, sendo por conseguin-

te sua produção em público desnecessária ou seria mesmo prejudicial. A

isso se referem essaspalavras de Cícero [196] sobre um certo Zeuxis: 'Conduzido diante do juiz, não seria talvez necessárioque fossemanda-

do embora, mas não foi necessárioprocura-lo para aí o levar." Como exemplo do segundo caso, aquele do indivíduo que opõe à sua falta servi-

ços provenientes dele ou de seus pais que merecem ser recompensados.

Assim diz Sêneca [197] que "um beneficio posterior não deixa a injúria aparecer". Como exemplo do terceiro caso, aquele da pessoa que se cor

rigiu por simples palavras ou que deu verbalmente satisfação ao lesado,

de modo que não há mais necessidadede uma pena para obter esses 8ns 2. E uma parte da clemência que busca liberar da pena. E ela que o sábio hebreu tinha em vista quando disse: "A clemência convém

ao justo." Todapena, principalmente aquela mais rigorosa, tem alguma coisa que, considerada em si mesma, repugna não, é verdade, a justiça, mas a caridade, a razão sofre facilmente que disso se abstenha, contanto que uma caridade maior e mais justa não se oponha de modo [195] Juliano, em seu e]ogio a Eusébio, diz que mesmoque alguns tenham merecido ser maltratados e punidos, não é por isso absolutamente necessário que os

mesmos pereçam.

[196] Marcus Tu[[ius Cicero[106-43 a.C.], .EblsfuJaead é?uüfum .FFaZrem (1, 2, 2) [197] Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65d.C.], .De.Beneálcu]s (V], 6, 3).

CAPITULOm

- DAS PENAS

829

total. Há sobre esse ponto uma passagem bem a propósito de Sopater [198], quando diz: "Essa parte da justiça que tem por objetivo reduzir os

contratos à igualdade, rejeita de modo absoluto toda espéciede perdão, mas aquela que tem por objeto os crimes não recusa o semblante doce e

agradáve[ do perdão." Cícero [199] exprimiu assim a primeira parte desse pensamento: "A via do direito é tal em certas coisas, que o perdão

não encontra nenhum acesso."Dion de Prousa [200] fala da segunda

em seu discurso aos alexandrinos: "Faz parte de um bom governador perdoar." Segundo Favorinus [201], "o que se chama c]emência entre os

homens é um abrandamento do direito rigoroso, feito com propriedade'

XXIII. Não, contudo, sempre Essas três coisas podem ocorrer ou a pena deve de modo absoluto

ser infligida, como isso ocorre nos crimes mais hediondos [202] ; ou não deve de modo nenhum ser infligida,

como no caso em que o bem público

exige que seja deixada de lado, ou ainda que uma e outra sejam permi

tidas. disso se refere o que Sêneca [203] diz: "Ac]emência tem um livre arbítrio." O sábio então poupa, dizem os estóicos,ele não perdoa. Como se não nos fossepermitido chamar, com a fala popular que é mestra da linguagem, perdoar o que eles chamam de poupará Isso não é de estranhar, pois aqui como alhures, assim Cícero, Galieno e outros o observa-

[198] Estobeu, 46, 60

[199]Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], Ed)]kfuJaead uúfum .H-Rirem(1, 2, 3). [200]Dion de Prousa ou Dion Crisóstomo,Orat. XXXII. [201]Au[us Ge[[ius [séc.]] d.C.], .Azocfes .4fflcae(1, 3, 27). [202]Josefo(.4nÉ7guJdades JudaJbas,XVl1, 5, 5) diz que 'b pa/77c7'da wo/a Éa/2foa natureza quanto a sociedade humana, de modo que não rubi-io é pecar contra a natureza [203] Lucius Annaeus Seneca[O[? a.C.-65 d.C.], .De(;7emenílb(11,7, 3)

830

H u GO

Gnoti

us

ram, uma grande parte das discussões estóicas se reduz a disputas de pa[avras [204], o que deve ser evitado antes de tudo por um filósofo. Como o escritor de HerennJus [205] disse com a mais clara verdade: "E

um defeito levantar uma disputa por causada diversa significaçãodas palavras", o queAristóte]es [206] havia dito assim: "Deve-setomar cuidado para não discutir sobre as palavras."

XXIV. E mesmo após o estabelecimento da lei penal 1.A dificuldade parece ser maior depoisdo estabelecimento da lei penal porque o autor da lei é obrigado de alguma maneira por suas leis. Dissemos, porém, que isso é verdade enquanto o autor da lei é conside-

ratio comouma parte do Estado [207], não enquanto representa a pes' soa e a autoridade do próprio Estado. Nessa última qualidade, pode

mesmo abolir a lei por completo porque a natureza da lei humana é depender da vontade humana, não somente do ponto de vista da origem, mas sob aquele da duração. O autor da lei não deve contudo abolir a lei, se não for por uma razão provável, sob pena, se agisse de outra

forma, de pecar contra as regras da justiça governamental. 2. Do mesmo modo que pode abolir toda lei, assim também pode suprimir a força obrigatória com relação a certa pessoa ou a um fato particular, subsistindo a lei quanto aoresto. Como a exemplo do próprio Deus que, no testemunho de Lactâncio [208] , "não é despojado de todo

[204] Fora de qualquer ap]icação, comodiz o escoliastade Horário. Agostinho (Oon tra Acadenaicos,\], \\à àxz. "É vergonhosose deixar levar por disputas sobre uma questão de palavras, quando não se parou na discussãosobre as coisas. [205] Livro 11, 28, 45 [206] gZPÜ, 1, 18

[207] Ver o que foi dito acima no texto e nas notas, no cap- IV. $ Xll destelimo. [208] Caecilius

Firmianus

Lactantius

[séc. ]V d.C.], Z)e /I'a Def (19)

CAPÍTULO XX- DASPENAS

831

poder fazendo sua lei, mas possui a faculdade de perdoar". Agostinho [209] diz que "é permitido

ao imperador

revogar uma sentença [210],

absolver um criminoso condenado à morte e perdoa-lo". Como razão ele

dá que "aquele que tem o poder de impor leis não está submetido às [eis". Sêneca [211] quer que Nero refeita sobre este pensamento: "Nin-

guém pode matar apesar da lei; ninguém pode salvar, excito eu.: 3. Isso tampouco deve ser feito, a menos que haja uma razão

provável.Ainda que não sepossadeterminar de uma maneira precisa quais são as razões prováveis, deve-se, contudo, saber que essas razões

devem ser mais fortes depois da lei que aquelas que se tinha em vista antes da lei porque a autoridade da lei, que é útil manter, foi acrescentada às razões de punir.

XXV. Quais são, para assim agir, as razões intrínsecas prováveis? Quanto às razões que levam a livrar alguém da pena da lei, elas são intrínsecas ou extrínsecas. Há razão intrínseca quando, compara' da ao fato, a pena é, senão injusta, ao menos rigorosa.

XXVI. Quais são as extrínsecas? A razão extrínseca se origina de algum serviço ou alguma outra coisa que recomenda ou mesmo de uma grande esperança para o futuro. Essa espécie de razão bastará sobretudo se o motivo da lei vem a [209] é?uaesüo/les

Ue#ez:ü ef .AÃovl ZesÉamenÉ2' (Z:XV .De EafoJ.

[210] Símaco(livro 111,ábJbóo/a63) diz: 'Z/ma é de bafo,a cona)bâo dos maglsü'aços, cujas sentellças são suspeitas de corrupção, qua1ldo são menos rigorosas que

as leis; outra é a condição dos príncipes, a quem toca abrandar o rigor do

dlke2'éo."Amesma diferença entre o rei e o juiz se encontra em Temístio, C2raÉI'o r

[211] Lucius Annaeus Seneca [O[? a.C.-65 d.C.], Z)e C7e/nenf/a (1, 5)

832

H u co GROílUS

cessar, ao menos em particular,

no fato de que se trata. Ainda que baste

para manter a eficácia da lei que a razão geral subsista, sem ser combatida por uma razão contrária, contudo a cessação da razão, mesmo daquela que é particular, faz com que se possa mais facilmente isentar dessa lei e com menos prejuízo para sua autoridade [212] . Isso tem sobretudo lugar em matéria de delitos que se cometem

por ignorância, emboraa ignorância não sejaisenta de toda falta ou por uma fraqueza de espírito superável, na verdade, superável com diâculdade. Um soberano cristão deve levar essascircunstâncias em grande consideração, a fim de imitar a Deus que, na antiga aliança, quis que

um grande número de faltas dessanatureza fossemexpiadaspor meio de algumas vítimas e que, na nova aliança, testemunhou, por suas palavras e exemplos, que é fácil perdoa-las aos arrependidos. Jogo Crisóstomo [213] observa que Teodósio[214] foi levado a perdoar os ha-

bitantes de Antioquia por essaspalavras de Crista em Lucas: "Perdoai-os, meu Pai, porque não sabem o que fazem.

XXVII. Refuta-se a opinião, segundo a qual não há nenhuma razão legítima para dispensar de uma lei, se não for aquela que se encontra contida à maneira de exceçãotácita Vemos por isso quanto Ferdinand Vasquez [215] errou ao dizer que a causa legítima de dispensar, isto é, de desligar da lei, é somente

aquela a propósito da qual o autor da lei, consultado, dissesseque não

[212] Graciano(Causa

.C quaesÉlb » reuniu muitas coisas sobre esse assunto

[213] Z)e Sóafuls(,Eãom]/ib XX], 4).

[214] Ver a história em Zonaras. [215] Livro 1, cap. 46 (aonü'orers.)

833 CAPITU LO H -

DAS PENAS

era de sua intenção que a lei fosse observada. Ele não distinguiu, de

fato, entre a equidade, que interpreta a lei, e o abrandamento da lei. Por isso, em outro ]oca] [216], retoma Tomas e Sito a respeito do que dizem sobre a lei que cessaem particular, como se tivessem acreditado que a lei não encerra outra coisa senão o que está escrito, o que nunca chegou a passar pela cabeça deles. Tanto pois isso é verdade que todo

abrandamento da lei, que muitas vezespode ser concedidoou negado liwemente, deve estar relacionado com a equidade propriamente dita; esseabrandamento, contudo, que é devido em virtude da caridade ou

em virtude da justiça política, não pode se referir ao que está escrito somente. Uma coisa, de fato, é abolir a lei por uma causa provável ou

mesmourgente, outra coisa é declarar queum fato não existiu, desdeo começo,compreendido na intenção da lei.

Vimos o que se relaciona à isenção das penas. Vejamos o que diz respeito à sua aplicação.

XXVIII. A pena deve ser proporcional ao crime Parece, pelo que se disse antes, que nas penas duas coisas são consideradas: a razão por que e o fim pelo qual. .4razâopor que é o fato

de ter merecido. Oá7)npe/o gua/é a utilidade que se espera da pena. Ninguém deveser punido mais do que merece]217] .Aisso sereferem os versos que citamos antes de Horário ($ 11,2) e essaspalavras de Cícero [218] : "Há um ]imite para a punição, como para as outras coisas,

[216] Livro 1,cap. 26 e 46. [217] Os milaneses raciocinam judiciosamente sobre o assunto, num discurso que se encontra em Guichardin (livro XVll). Compare'se com o que foi dito no parágrafo ll deste capítulo e com o que será dito no livro 111,cap. XI, $ 1 [218] .qpisftzJae ad -Brufum(1, 15, 3).

834

H U GO

GROTIUS

e uma espécie de moderação." Por isso é que Papiniano [219] designa a

pena pelo nome de estimativa. Aristides [220] diz que é conforme à natureza humana que, em cada crime, haja um ponto que a vingança não

podeultrapassar. Em sua carta para osfilhos de Licurgo, Demóstenes [221] diz que a igua]dade na pena não deve ser considerada tão simplesmente como em matéria de pesos e medidas, mas que se deve pesar o propósito e o desejo do delinqüente.

As faltas são pois na proporção do

mérito, mais ou menos punidas, segundo a utilidade que se pretende com a punição.

XXIX. A respeito das razões que impeliram para o mal; comparaçãoentre elas 1. No mérito é preciso considerar a causa que impe]iu [222], a causa que teve de reter e a disposição da pessoa para uma e outra. N ão se é mau gratuitamente

e se encontrar alguém que goste da maldade

por si mesma,esseultrapassou o limite humano.A maior parte dos homens é levada a fazer o mal pelas paixões. "Quando o desejo foi concebido, gera o pecado" ( 7}bgo1, 15). Compreendo aqui sob o nome de dese-

jo esseimpulso quê leva a evitar o mal, impulso que é de todo natural e por conseguinte é o mais honesto dos desejos. Por isso é que as ações

injustas que sãocometidaspara evitar a morte, a prisão, a dor ou a pobreza extrema parecem ordinariamente escusáveis no mais alto grau.

[219] Z,. SaJ7cÓo,-Dib, De poen. dama?. [220]

ZeucÍr7ca

(1)

[221] E4 kfuJa 111,4. [222] João Crisóstomo(Z)e .Sfatul]s, X, 6) diz: 'modo pecado não merece a mesma

peida; deve-sepunir mais rigorosamente aqueles de que era mais fácil se co/zTÉín" Em seu segundo discurso, sobre a obscuridade do Antigo Testamen-

to, se serve dessepl'incípio para provar que um caluniador é pior que um libertino, um ladrão, um homicida.

CAPITU LO m -

835

DAS PENAS

2.Aisso se refere esta passagemde Demóstenes [223]: "É justo se irritar mais contra aqueles que, sendo ricos, são maus, do que contra aqueles que a miséria arrasta para o mal. Junto a juízes dotados de

humanidade, a necessidadeconcededireito ao perdão, enquanto que aqueles que são injustos na afluência de bens não têm nenhuma desculpa prováve]."Assim é que Po]íbio]224] desculpa os habitantes deAcárnia

que, pelo temor de um perigo que os ameaçava, não haviam cumprido as cláusulas de um tratado celebrado com os gregos contra os etolianos.

Aristóteles[225] diz: "Aincontinência é mais voluntária que a covardia.

Aquela tem por princípio o amor do prazer, essaa apreensãoda dor.A dor faz como que o homem sair de si mesmo [226], causando a destruição de sua natureza. O prazer não produz nada de semelhante, por isso

tem a]guma coisa de mais vo]untário" [227]. Há, no mesmo sentido, uma passagemnotáve] em Porfírio [228]. 3. Os outros desejos tendem a algum bem, real ou imaginário. Osbens reais, independentemente das virtudes e das açõesque produzem, que não conduzem ao pecado pois as virtudes andam de acordo

[223]

Orava'o ]]] Sfepáan

lm(1,

67).

[224] Livro IV. 30, 2 [225]

.ÓÉ/ba a .M'có/naco(111,

15).

[226] Ver uma beta comparaçãoentre o ]adrão e o adú]tero, no ]ivro dos ,fyol.éró/os

(VI, 30) [227] Fílon(Hd

Z)ecaJogum,

28) diz:

'nadas as paixões

da a/nza sâo sérT'as porque

!eram a alma para fora de seu estado natural e a enleiam, mas que a mais perigosa de todas é a ambição, pois as outras vêm, por assim dizer, de fora e entran} apesar de nós, ellquallto que, sozinha, a ambição tem sua fonte em nosso pz'ópz'io coração e parece depender soez'etudo de nossa vontade. [228] De HósÉzhenÉlb(111,18). Há uma passagem seme]hante em Marco Antonino, sobre sua vida(livro 11,10), onde compara entre elas a ira a ambição. Plutarco çVida de Râmuloi ç3XÜ"A causa que incita à ira torna mais desculpável aquele

que cedeua um movimento !naif irresistível e foi derrubadopor um golpe mais forte.

836

H UGO

GROTIUS

entre elas, são as coisas que dão prazer ou aquelas que servem para

procura-lo e que sãochamadasde úteis, comoa abundância de riquezas. Os bens imaginários,

que não são verdadeiramente

bens [229], são

a superioridade sobreos outros, enquanto ela estiver separada da virtude e da utilidade,

e a vingança. Esses bens são tanto mais vergonhosos

porquanto mais se afastam da natureza. Jogo (l João 11,16) exprime essestrês desejospor essaspalavras: "A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, o orgulho da vida." O primeiro

item, de fato,

compreende o desejo dos prazeres, o segundo a paixão de possuir e o terceiro, a perseguição da vanglória e o pendor à cólera. Fílon diz, na explicação do Decálogo ($ 28), que todos os males vêm "do desejo das riquezas, da glória ou do prazer". Lactâncio [230] diz: "A virtude consiste em reter a cólera, acalmar a ambição, põr um freio à sensualidade. Quase todas as coisas que são feitas de modo injusto e maldoso vêm

dessaspaixões." Isso ele repete também em outra passagem]231].

XXX. Comotambém a respeito daquelas que deviam evitar o mal. Trata-se também da classificação dos mandamentos do Decálogo que dizem respeito ao próximo e outras coisas 1.A injustiça é a causageral que develevar a afastar-sedocrime. 'lYatamos aqui, de fato, não de qualquer tipo de falta, mas daquelas cujo efeito não se limita à pessoa do culpado. A injustiça é tanto maior

[2291Sêneca(4pJkfuJam2 diz que 'bs desqbsnatural) fém u/lzZlm, mas aqueles que nasceram de falsas idéias que se fez sobre algo não têm 6im."'Vex 3aãa Crisóstomo, em suas reflexões morais nos comentários à Epl'sfo/n aos .Rama' nos VI, à 27 os Co/:z'nãosXI, 12, à .É»]86a/aaos E7Êlsjos1, 14. [230]

Caecilius

Firmianus

5 13) [231] Idem (V. 19, 4).

Lactantius

[séc. ]V

d.C.],

Z)zv7harum

ZnsÉ]'fuÉabnum

(VI,

CAPITULO

H-

DAS PENAS

837

quanto maior for o dano causadoa outrem. Por isso é que os delitos consumados ocupam o primeiro lugar e aqueles que, tendo-se estendido

até alguns atos mas não foram levados até o 6im, ocupam o segundo. Nestes últimos, há tanto mais criminalidade quanto mais longe tiver sido levado o ato. Em ambas as espécies é a injustiça que perturba a ordem comum e por conseguinte prejudica ao maior número, ultrapas' sando todas as outras injustiças. Em seguida vem aquela que atinge os

cidadãos privados. A maior aqui é aquela que se relaciona com a vida, depois aquela que se refere à família, cuja base é o casamento, enfim

aquela que tem relação com os objetos particulares, cuja posse é almejável, seja roubando diretamente alguém dessesobjetos, seja cau sando por dolo algum prejuízo a eles. 2. Essas mesmas coisas podem ser divididas com mais subtilidade,

mas Deus seguiu no Decálogo a ordem que temos indicado. Sob o nome

de "pai e mãe" que são os magistrados naturais, é justo compreender também os outros governantes,cuja autoridade mantém a sociedade humana. Depois vem a interdição do homicídio, em seguida a sançãodo casamento pela proibição dos adultérios, depois os roubos e as trapaças

e, em último lugar, os delitos que não foram consumados. De resto, entre as causas que levam a afastar-se disso, não se deve colocar somente a consideração da natureza do mal que se comete diretam ente, mas ainda aquela das consequências que pode verossimilmente ter, como

num incêndio ou na ruptura de uma represa, quando se deve ter em mente as perdas consideráveis e os mortos entre grande número de vítimas. 3. A injustiça que colocamos como causa geral se acrescenta às

vezesainda outro vício [232]: a fa]ta de respeito,por exemp]o,pe]os pais, a desumanidade para com seusparentes, a ingratidão para com [232] Ver uma notáve] passagemna vida de Lucius, em Xiphi]inus, segundoDion (l.XXI, 24)

838

H UGO

GROTIUS

seus benfeitores, vícios que aumentam o delito. Aperversidade se mos-

tra também maior, se houver sido cometida reiteradas vezes a falta [233] , porque os maus hábitos são piores que os atos. Pode-se ver por isso quanto é naturalmente justa essaprática dos persas, entre os quais a vida pregressa era, ao mesmo tempo que o delito, levada em consideração [234] . ]sso deve ocorrer, de fato, com re]ação aos que, não maus

por um lado, sedeixaram repentinamente surpreender peloatrativo do pecado, mas não com relação aos que mudaram todo seu gênero de vida.

Em relação a esseso próprio Deus diz, em Ezegme/Q(Vl11, 24), que não levará em conta sua vida anterior e aos quais se pode aplicar esta pas-

sagem de Tucídides [235]: "Merecem um duplo castigo, por se terem tornado maus, conquanto fossembons." O que expressou em outra pas' vagem [236] deste modo:"Porque era indigno de]es de se tornarem culpados."

4. Por isso os antigos cristãos, na regulamentação das penas dos cânones, quiseram com muita razão que não se considerasse a falta pura e simp]esmente

em si mesma [237], mas que se acrescentasse a

vida que havia precedido e aquela que havia seguido a falta, como se

[233] Diodaro da Sicília(.êkc., XX], 15): 'g prcÜr70 do áo/ e ]] lk710rar unlzz I'ez os

deveresda vida, lilás cah muitas vezeslias me$!nasfaltas é próprio de um espírito desgarrado. Mais ]iunlerosas são as faltas em que caímos,mas mete Gemas ser rigorosamente

punidos.'

[234]Asinius Pollio dizia que 'be deve/uZga/'um áon7empe/a n azarparte de sua concfuéae de seu gâlzo': Cícero, em seu discurso em favor de Sita, diz: ':Bin

todas as coisas,juízes, graves e importantes, para saber se alguém quis, pensou ou cometeu algo, deve'se julgar não pela própria acusação, mas pelos

costumes e peia conduta do acusado.

[235]Livro 1,86. [236]Livro 111,67. [237] Cânon XXV do Concílio de Ancira. João Crisóstomo,nos comentários à 27 Epístola aos Coríntios ll(.Homilia 'iN, üà üxzl "Para regular os limites da penitência. deve-se ter cuidado nãQ somente com a natureza dos crimes conside-

rados em si mesmos, mas ainda com a disposição e com os costumes dos pecador'es." O mesmo(Z)e Sacerdaflo, 11, 4) diz que 'ã pena nâa deve se/' proporcional somente à !medida dos delitos, mas que se deve ainda inquirir qual foi a intenção daquele que pecou

839 CAPÍTULOXX - DAS PENAS

podever no concílio deAncira e outros sínodos.Mais, uma lei estabelecida contra um vício (./?omanosVl1, 13) acrescenta a esse vício uma espécie de ma]dade especia]. E o que Agostinho [238] nos ensina nesses termos: "A ]ei que proíbe torna as fa]tas dup]amente

criminosas [239] , pois não

é um simples pecado cometer uma coisa que é não somente má, mas ainda proibida." Tácito]240] diz: "Se quiseres o que ainda não foi proibi-

do, podestemer que venha a ser proibido, mas sepassasimpunemente por cima do que é proibido, não há além disso nem temor, nem pudor."

XXXI. Igualmente a aptidão do delinqüente em uma ou outl'a situação; consideração diferenciada 1.A disposiçãoda pessoaem levar em consideraçãoas causas que levam a afastar-se ou a acolher as paixões que incitam deve ser examinada em seu temperamento, sua idade, seu sexo, sua educação, nas circunstâncias do ato. As crianças, as mulheres, os homens de espírito rude e aqueles que foram educados mal, conhecem menos as distinções

entre o justo e o injusto, o que é lícito e o que é ilícito. Aqueles em que prevalece a bílis estão inclinados à cólera; aqueles em que prevalece o sangue, são levados para os prazeres venéreos. Ajuventude tem propen'

são para isso, a velhice por aqui]o. Andrânico de Redes [241] diz: "Parece que a natureza traga alguma escusa aos fatos vergonhosos e que

torne o delito mais tolerável." O pensamentode um mal iminente sus[238] .De Hera -R.?/zkl'aZIa(26) [239] Jogo Crisóstomo(comentário

à .8Piüfo/a aos .Romanos, JZom27lbV. 4) diz com

razão\ "Ele !mostra}lão soluenté que o direito e a dignidade do judeu e do gregoestavam}lo mesmopé de igualdade,mas tambémque ojudeu era mais 3uipadoporque havia recebido a !ei." DeDoxsacxescenha:"De fato, aquele que

recebeumais instrução mereceser punido mais severamentequando violar a ie}

[240] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nnadas(111,54). [241] Mc.

V]], ]O(ou seja, in Pa/lap.brasa adM2kfoÉ.)

840

H uoo GROTIUS

cita o temor e o ressentimentode um mal recente e não abrandado acendea cólera, de maneira que dificilmente permite que a razão seja seguida.As faltas produzidas por essaspaixões são a justo título menos odiosas que aquelas que nascem do desejo do prazer. Esse prazer mexe

menos poderosamente, pode ser facilmente diferenciado e pode por ou'

tro lado encontrar de modo mais agradável sem injustiça de que se satisfazer [242]. Aristóte]es [243] diz que "a có]era e o ódio são mais naturais que o desejo das coisas que excedem a medida e que não são de

todo necessárias'

2. Deve-se, de fato, reter muito bem isso que, mais o julgamento do espírito que toma uma decisão é encravado, mais as causas que o ofuscam são naturais, menor é a falta. Aristóteles diz no mesmo livro [244] : "Sustentamos que é menos moderado aque]e que, não sendo so]i-

citado ou sendo solicitado levemente por impulso de concupiscência, busca prazeres excessivos ou foge de incómodos medíocres, do que aque

le que é instigado por uma violenta paixão. Por acasose deveria crer que o teria feito, se tivesse agido sob a influência

de algum impulso da

juventude ou soba impressão da dor produzida pela falta das coisas cuja ausência contrista a natureza?" A isso corresponde este verso de Antífanes[245]: "Se aque]eque é opu]entocometeuma açãomá]246], [242]

João

Crisóstomo(comentário

à .]bl'sfo]a

aos

Gá/abas

V. 3) diz:

"0

deseyb

dn

carne busca somente a coabitação e 3}ão a coiabaração com essa ou aquela muJZer "Tertuliano(,4d

Z:forem, 11,1) escreve: "QuaJléo á ciZÕb#paJ'afique/es

que }lão se casaram guardar a continência, tanto mais parecem desculpáveis quando zlão a guardam. Tanto é fácil para uJlla mulher se casar no Sellhor, o que está em nosso poder, tanto há mais culpabilidade em não observar o que se pode observar. l)e fato, quanto foi possível evitar uma falta, tanto maior é a culpabilidade daquele que se obstina em cometo-!a."Àclescenle-se $ã.algo

Antonino, no local há pouco indicado, em que se apoia na autoridade de Teofrasto

[243] Xfzca a NJcânaco

(V]1, 7).

[244] .éÉJba a Àübânaco

(V]).

[245] Estobeu, 2, 3. [246] Jogo Crisóstomo(Z)e

Proüdenüa,

]V in fine)

diz;

"Quando

encontrares

um

rico injusto, avarento, raptor, deplora sua sorte, porquanto sendo rico se torna mais culpadoainda de tais crimes e será punido com tanto maior rigor Dor eles.

CAPÍTULO

841

n - DAS PENAS

que achas que não teria feito se fosse pobre?" A regi)eito se pode ler muito em vários lugares das comédias, contra os amores dos velhos. E,

pois, segundo essas razões, que se deve estimar o mérito da falta, nos limites do qual a pena deve ocorrer.

XXXII. A pena merecida pode ser estendida a um mal maior que o causado pelo culpado;porquê? 1. Deve-se saber que aquilo que diziam os pitagóricos, que a justiça consiste no ta]ião [247], isto é, fazer sofrer nas penas um dano igua] ao que foi causado, não deve ser entendido como se aquele que prejudi-

coua outrem, compropósito deliberado e semas razõesque diminuem muito a falta, não devia sofrer senãotanto mal quanto havia causadoe não mais. Aprópria lei de Moisés (êxodo XXll, 1), que é o mais perfeito modelo de todas as leis, mostra que não é assim, porquanto quer que os

roubos sejam punidos pelo quádruplo ou quíntuplo. Em virtude da lei ateniense, o ladrão, independentemente da condenação ao dobro [248] , era mantido acorrentado durante alguns dias, como Demóstenes nos informa

em aDMira

7 nocraóo

[249]. Ambrósio

[250] diz: "As ]eis que-

rem que se faça devolver o que foi tomado a alguém, punindo corporalmente o indivíduo ou obrigando-o a devolver mais do que tomou, a fim de que a pena corporal ou a multa amedronte o ladrão ou o desvie dos

saques." Aristides [251] diz que "as ]eis permitem aos que pedem re[247] TcEUroncEOetcE, como diria Harmenopu](1, 2, 34). [248] Alusão a respeito é feita no HpocaJlbse (XV]11, 6): '2)evo/vei o dobro." Os

habitantes de Mineas. tendo arrancado com violência um tributo dos tebanos, sem ter direito algum, Hércules os obrigou a devolver aos tebanos o dobro do

valor dessetributo(Apolodoro, 11,4, 11). [249] in 71mocrafo (105). [250] .De OáZI'cu)k jMJh küa'um(111, 3, 21). [25t] .Leucóüca (11)

842

H

UGO GROTIUS

paraçãode alguma injúria, por vias dajustiça, exigir uma punição maior que o mal que se lhes havia feito." Falando do julgamento depois desta vida, Sêneca [252] diz que "nossos crimes ne]a são punidos de

uma maneira que ultrapassa sua grandeza' 2. Entre os indianos, como Estrabão [253] o observa, aque]e que tivesse mutilado alguém, além do talião, era submetido à amputação da mão. No livro GrandesMora kque leva em seu cabeçalho o nome de Aristóteles, lemos que "é justo que, se alguém vazou o olho a outro, não somente sofra o mesmo tratamento, mas alguma coisa a mais". Não é justo, de fato, como o demonstra com razão Fí]on [254], no ]oca] em que trata da pena do homicida, que o perigo do inocente seja igual ao do

culpado. Isso é o que se pode ainda julgar do que certos delitos não consumados [255] expõem a uma pena igua] ao ma] que se arquitetava fazer, o que é uma disposiçãoda lei hebraica (-Deufeu'onÓmJb XIX, 19) com re]ação ao fa]so testemlinho [256] e da ]ei romana sobre aque]e que

circulou comuma arma no intuito de matar um homem.A conseqüência disso é que uma pena maior corresponde aos crimes consumados, mas como não há nada de mais grave que a morte e que não pode ser dada duas vezes, como Fílon o observa na passagem citada, limita-se necessariamente a ela, acrescentando contudo algumas vezestormentos, segundo o que merece o crime.

[252]

Lucius

Annaeus

Seneca

[01? a.C.-65

d.C.],

J?creu;es

FuJ'ens

(750).

[253] Estrabão, XV. 1, 54. Nico]au Damascenoobservouque, entre alguns povos das Índias, o furto era punido com a morte(em Estobeu, 44, 4). [254]

Z)e .LeKlóus

Spec/aJlbus(11,

15)

[255] Plínio(Nafurzils JZjkfo a, V]11, 16) diz do ]eão: '7bncü, e/e oósema com u na sagacidade maravilhosa aquele que o feriu e vai procura-!o no meio da maior

multidão; mas e]e se contenta em derrubar e arrastar, sem ]he causar ferimentos, aquele que ihe atirou um dardo sem feri-lo. [256] E com referência ao que, para ganhar o dote, acusou falsamente sua esposa

de adúltera(Deuferonómlb XXl1, 19), como também com relação ao indivíduo que teria montado um processoinjusto contra alguém para se apropriar dos bens dele (.arado XXl1, 9).

CAPITULO H - DASPENAS

843

XXXIII. A opinião que defende uma proporção harmónica nas penas é rejeitada A grandeza da pena não é somente considerada pura e simplesmente, mas com relação ao paciente. A mesma multa que sobrecarrega

o pobre não onera o rico. A infâmia será para um homem vil um mal leve, mas um mal considerável para o homem de classe distinta. A lei romana faz uso muitas vezes dessetipo de diferença. Sobre essefundamento é que Bodin [257] instituiu sua proporção harmoniosa. Embora

contudona realidade a proporção do mérito e das penas seja aqui uma igualdade simples tal como existe nosnúmeros e assim como subsiste nos contratos a igualdade da mercadoria em relação aos escudos, mes-

mo que em certos lugares a mesma mercadoria ou os escudosvalham

mais e em outras menos. Deve-seconfessar que muitas vezes, na lei romana, isso não sefaz sem acepçãode pessoas,isto é, semter muito cuidado com as pessoas e as qualidades que não se relacionam com o fato, o que é um defeito de que a lei de Moisés está sempre muito afastada. Como dissemos, essa é a apreciação intrínseca da pena

XXXIV A pena pode ser diminuída por cal'idade, se uma cal'idade maior não se opõe a isso A caridade, porém, que temos para com aquele que é punido con-

duz ao menor grau da pena no limite prescrito, a menos que uma caridade mais justa não aconselhe agir de outra forma, por causa de uma razão extrínseca que, às vezes, é um grande perigo a temer da parte do delinqüente, mas consiste na maior parte do tempo na necessidade de

dar um exemplo. Ela surge ordinariamente de circunstâncias

[257] .De J?epuó]., livro VI, cap. últ

844

H UGO

GROTIUS

gerais que convidam a errar, as quais não podem ser reprimidas sem

remédios violentos. Os principais convites ao mal são o costume e a facilidade.

XXXV Como a facilidade de cometer um crime leva a pum-lo e como o hábito

da falta leva a punir ou retém a punição Por causa da facilidade, a lei divina dada aos hebreus pune mais gravemente o roubo numa pastagem que numa casa [258] . Justino [259] diz dos citas: "0 roubo é a seus olhos o maior dos crimes. Habituados

a

deixar seus rebanhos errando em liberdade pelos bosques, sobre que

bem poderiam contar, se o roubo ficasse impune?" Há alguma coisa similar

em ProõJe/nas de Aristóte]es

[260] : "Como o autor da lei sabia

que nesses ]ugares [26 1] os proprietários não podiam guardar seus bens,

ele lhes deu a lei como guardiã." O costume de um fato, mesmo que

elimine alguma coisa da falta ("não é semrazão, diz P]ínio [262], que perdoou um fato proibido, na verdade, mas não contudo inusitado") reclama todavia sob certos aspectos rigor na pena porque, como fala Saturnino

[263], "quando um grande número de pessoas se entrega à

desordem, é necessário um exemplo". Isso deverá ser praticado melhor

[258] Ver Moisés Maimõnides (Z)zPecf.,111,41). Cícero, em Pro Sexto .Rosc70 Hmer7ho (40, 116), diz que 'bs cremes co/lira os qua is Ó mais dJ7bz7de se precaver sáo

também aqueles que devem $er punidos mais rigorosamente". [259] 11,2, 6 [260] .F>'oó/emana(XXIX, 14)

[261] Nos banhos. Em Arenas, aqueles que roubavam nos banhos eram punidos de morte. se a coisa roubada valia mais de dez dracmas (Demóstenes, O/'a lo Contra Timocratem, 'L'LAà. Acrescer\e'se Lei 1, Dig., De füribus balnearibus [262] Caius Plinius Caecilius Secundus [62-114], .qplsfuJae (]V. 9)

[263] Z. /e 4Uf ZaCÍa,DUg.,De pOeJlb.

CAPITULO M - DAS PENAS

845

nos julgamentos e segundo as leis, tendo cuidado ao tempo em que as

leis foram feitas, ou osjulgamentos pronunciados,porque a utilidade da pena é considerada mais na generalidade as leis têm em vista, enquanto que o muito ou pouco de importância relativos da falta são apreciados pelos particulares.

XXXVI. Uso da clemência na I'eduçáo das penas 1.A segunda parte da clemência está compreendida no que dissemos, que, quando as razões maiores e urgentes vêm a cessar,devemos ser antes levados a diminuir a pena. Temos colocado a primeira parte

na dispensado castigo.Sêneca [264] diz: "Comoo equi]íbrio é difícil, se é preciso que um dos dois lados ganhe, que seja o da humanidade." Em

outra passagem [265] e]e diz: "Se o pode sem risco, que concedaperdão à pena, senão que a reduza." Em Diodoro da Sicí]ia [266], um rei do Evito é elogiado por ter infligido penas menos rigorosas do que as que havia merecido]267]. Capito]ino]268] diz de MlarcoAntonino: "Antonino

tinha essecostume de punir todos os crimes com uma pena inferior àquela pela qual eram ordinariamente condenados pelas leis." O orador

lseu [269] disse também que as ]eis, na verdade, devem ser feitas rígidas, mas que as penas devem ser infligidas mais suavemente que as leis [270]. Máxima de ]sócrates [271] é que "as penas devem ser iní]]igidas abaixo da medida da falta

[264].De (;7eJnenf7b (11,2). [265] De C7emenüa (XX)

[266]1, 70. [267] Justino 11, ao escrever aos hunos, diz: "Os /oma ]os éém o costume de nâo punir aqueles que os ofenderam, na proporção do tamanho da ofensa. [268] .,4nfan. PZJ7OS.(24).

[269] Em Estobeu, 48, 25 [270] Era o que dava a entender o imperador Henrique, quando tomou por símbolo um pêssego,com essa palavra ".Suóacrd'. Em Cassiodoro(XI, 40), o rei dizia: Se éperigoso para nós nos mostrarmos justos, há sempre para nós a garan tia de perdoar. [271] ,4d .Mbodem. (7).

846

H UGO

GROTI

US

2. Agostinho [272] adverte assim a respeito de seu dever o conde Marcelino: "Senti-me tomado por grande inquietude no temor que VossaAlteza pensasseque deviam ser castigadoscom toda a severidade das

leis, de maneira que sofressemum mal igual ao que haviam cometido. Por isso é que vos conjura por essas cartas, em nome da lei que tendes em Crista, em nome da misericórdia de Nosso Senhor mesmo, de não o fazer e de não permitir de qualquer modo que isso seja feito." Isso também é dele: "0 julgamento de Deus chegou a espantar até aqueles que são estabelecidos para punir os crimes, embora nesse cargo eles não ajam sob a influência de uma ira que lhes seja própria, mas como ministros das leis, não para vingar suas próprias injúrias, mas aquelas

que foram feitas aos outros, depois de tê-las examinado, como devem fazer osjuízes. Levou-os a pensar que a misericórdia de Deus lhes é necessária para seus próprios pecados e que não é faltar ao dever de seu

cargo ter alguma indulgência por aqueles sobre a vida e a morte dos quais a lei lhes confere um poder legítimo."

XXXVII. O que os hebreus e os romanos querem que se considere nas penas se relaciona com os artigos anteriores Esperamos que nada tenha sido omitido por nós que seja de natureza a contribuir eficazmente ao conhecimento dessa matéria, bastante difícil e obscura. Relatamos em seu lugar as quatro circunstâncias

que

Maimânide's [273] diz que se deve sobretudoconsiderar nas penas: o [2'72

.Ekzúfo/a

CL]X

que é citada

no cânon

ClFauJ?Jce//ienes,

causa

-XXZIZ

quaesÉlo

á

Se for do agrado, ver a carta de Macedonius ao mesmo Agostinho e a resposta

de Agostinho, n.' Ltll e LIV. Acrescente-seo que se diz a respeito de Teodósia

o Jovem, nos .Exc'ermos de Jogo de Antioquia, extraídos do manuscrito de Peiresc. Macedonius diz a Agostinho: ':a dever do sacerdote izlfercedez' em favor dos cüminosos.

[273] Moisés Maimânides, Du)ecf.(111,40). Compare'se com o cânon Saauf (!zgntzm, de homicídio. voluntário

ve} casuais.

847

CAPÍTULO H - DASPENAS

tamanho da falta, isto é, do dano, a freqüência de tais faltas, o grau da

concupiscência e a facilidade da execução. Não deixamos de falar das sete coisas que Saturnino [274] considera de uma maneira bastante confusa nas penas. A pessoa daquele que cometeu o crime se relaciona

sobretudo a essa capacidade que possui dejulgar sua ação.Apessoa do

ofendidocontribui àsvezesa levar ajulgar o tamanhoda falta. O local acrescenta ordinariamente

à injustiça

uma fa]ta particular

[275] ou se

refere mesmo à facilidade da execução.O tempo, se longo ou curto, aumenta ou diminui a liberdade do julgamento e às vezes mostra mes-

mo a depravação do espírito. A qualidade se refere em parte às espécies de desejos,em parte às razões que deviam evitar o crime. A quantidade deve também ser relacionada ao desejo. O acontecimento, às razões dissuasivas.

XXXVIII. A guerra para punir Mostramos antes, e a história nos ensina em múltiplos lugares, que guerras sãoempreendidas para punir. Na maioria dasvezes,essa causa está unida com aquela da reparação do dano, porquanto o mesmo

ato foi viciado e causou na realidade um prejuízo: duas qualidades de que nascem duas diversas obrigações. E bastante õ'eqüente que as guer-

ras não devem ser empreendidas por qualquer delito, pois as próprias

[274] Z. /a ,4uf Zaafa, DJr., De poenJS.

[275] Fílon(Z)e Zeglóus Specyb/)óus,1, 33) diz: 'AUo á a mesma coisa uo/fal' as mãos violentas contra seu pai ou contra um estranho, ii2juríar um magistrado ou um privado, cometer algo ilícito em !ocasprofano ou em !ocas sagrado, num dia de festa, numa assembléia, em sacriãcios públicos." Com Isso concorda IJlpiano

quando

comenta

a Z;eJ /)raefor

ealr['#. Ín á].nq .Ozk:, 22e ii]y'ur])k:

'%

injúria é mais atroz em razão da pessoa quando, por exemplo, é feita centra um magistrado, um ascendente, um patrão; em razão do tempo, se é feita no meio dos jogos e em presença do público. Importa muito que a iiÜúria tenha sido deita empresença do povo romano ou que tenha ocozüdoem localímlado.

11

1!

848

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GROTIUS

leis não ameaçam todas as faltas pela vingança correspondente que se

exerce sem perigo e não atinge senão os culpados. Com razão é que, como dissemos há pouco ($ XIX), Sopater diz que os delitos de pouca importância e vulgares devem ser dissimulados e não punidos.

XXXl:X. Explica-se por uma distinção se a guerra é justa, quando tem por objeto punir crimes que não começaram 1. Com relação ao que foi dito por Catão [276] em seu discurso aos habitantes de Redes, que não é justo que alguém seja punido pelo fato de ser acusado de ter querido fazer o mal, isso não estava deslocadona

passagem em que o dizia, porque nenhum decreto do povo de Rodei podia ser alegado e que não havia senão conjecturas de irresolução. Não se deve, porém, admitir essa proposição de uma maneira geral. Avonta-

de que atingiu até os atou exteriores, (dissemos antes ($ XVIII) que os aros interiores não são punidos pelos homens), é ordinariamente submetida aos castigos. Sêneca [277] diz em suas Gonfrovéz:s:üs."Os crimestambém, embora não sejam completamente consumados, são pu-

nidos." O outro Sêneca[278] diz: "Premeditar o crime éjá cometê-lo. Não são os desdobramentos das coisas,mas os propósitos que sãopuni-

[276] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d.C.], ]Uocfes,4ffzcae (V]1, 3, 38). [277] Marcus Annaeus Seneca [58 a.C.-32? d.C.], Ercerpóa (]V. 7). [278] Lucius

Annaeus

Seneca

[01? a.C.-65

d.C.],

Z)e ]ra (1, 3, 1). E no livro

-De

Bene8ciis (N. L4b.Q mesmaà\z. "Um bandido é tal,-mesmo que não tenha manchado suas mãos, pois ele se armou para matar e ele tem a vontade de despoybr e de assassznaz" Fílon, em De Zepóus SPec/aJlóus(11, 15) diz: '2)e-

ve:se observar comohomicidas, não somente os que matam, mas também aqueles que fazem aberta ou secretamente tudo o que podem para tirar a lida de alguém, mesma quando não tivessem ainda executado seu crime.

849

CAPITULOXX - DAS PENAS

dos pelas leis [279], diz Cícero em seu discurso para Mi]o [280]. Era uma 6'ase de Periandro [281] : "Castiga não somente os que pecam, mas

também aqueles que se dispõem a fazê-lo." Assim é que os romanos decidem que a guerra deve ser começada com o rei Perdeu, se não lhes der satisfação pelo propósito que havia tomado de preparar a guerra contra o povo romano, pois ele já havia reunido armas, soldados e uma bota. Isso mesmo é observado com razão no discurso aos habitantes de

Rodei, que se encontra em Tiro Lívio [282], que não é estabe]ecidopelos costumes, nem pelas leis de algum Estado que, aquele que quer que seu inimigo pereça, se nada tem feito para que isso ocorra, seja condenado a uma pena capital.

2. Todavontade perversa já manifestada por algum ato não dá lugar à pena. Se todas as faltas na verdade cometidas não são punidas,

muito menos devem ser aquelas que não têm sido senão imaginadas ou começadas. Em muitos casos ocorre o que diz Cícero [283] : "Não sei se é

suficiente que o ofensor se arrependa de sua ofensa."A lei dada aos hebreus não estabeleceu nada de especial contra a maioria dos delitos começadoscontra a piedade ou mesmo contra a vida do homem sem

[279] Valério Máximo (VI, 1, 8) diz de Cneius Sergius Si]o, condenadopor ter prometido escudosa uma matrona romana: '7\Uose co/oc'ouem questão o fato, mas a intenção e se tornou para ele mais pre$udicia! ter querido pecar do

que Ihe poderia servir não ter pecado. [280] Marcus [281]

Tu[[ius

Diógenes

Cicero [106-43

Laércio]séc.

]]]

a.C.], /

d.C.],

}/idas,

o 7b/Zzb .4nn/o ]]dZZone (7, 19) .Doaáz:Idas,

SeJlfenças

17usíres(1,7, 98). [282] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z]/}.óe Condlfa

(XL]1, 30).

[283]Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], .DeC2áZlcJJS (1, 11, 34).

dos ]Ü7(Ísoáos

850

H UGO

GROTI

US

premeditação porque o erro é fácil no que concerneàs coisas divinas que são ocultas a nossosolhares e porque o impulso da cólera não é indigno que seja perdoado.

3. De resto, atentar contra o leito matrimonial de outrem, no

meio de tão grande facilidade de se casar, ou maquinar uma fraude para se enriquecer às expensasde outrem, numa partilha tão igual das

fortunas, isso não deveria de qualquer maneira ser tolerado. Embora considerando o objetivo, isto é, o espírito da lei, essaspalavras "Tu não cobiçarás", que estão no Decálogo, tem abrangência muito maior (a lei queria, de fato, que todos fossem muito puros, mesmo de espírito [284]), essemesmo preceito, contudo, porquanto se refere ao exterior, ou seja, do preceito carnal, diz respeito aos impulsos da alma que se manifestam por um fato. Isso se vê abertamente no evangelista Marcos (X, 39) que exprimiu assim essemesmo preceito: "Não farás mal a ninguém" depois de terjá dito antes: "Não roubarás nada". Nesse mesmo sentido é que a palavra hebraica e a palavra grega se correspondem e são encontradas em Mquézbs (11,2) e em outros locais. 4. Os delitos começadosnão devem pois ser punidos com as armas, salvo se a coisa já não seja grave e que não se tenha chegado já ao

ponto que tal ato já tenha tido por consequênciaum mal certo, embora não aquele que se propunha, ou ao menos um grande perigo, de modo que a punição seja então ligada à necessidade de se premunir contra

um prejuízo futuro (de que tratamos no capítulo sobrea defesa)ou ainda que tenha por objeto a proteção da dignidade lesada ou ainda que seja destinada a prevenir um exemplo pernicioso.

[284] .João Crisóstomo,

no comentário

à EfzibÉo/a aos .Rama/?os .ZZt .23, e ao capítulo

Vll da mesma Epístola(HomíZlb Vll e XII), diz muitas coisas a respeito disso.

CAPITULOH

- DAS PENAS

851

Explica-se se reis e povos podem fazer de modo justo a guerra para vingar injúrias cometidas contra o direito de natureza, embora essas injúrias náo se dirijam a eles, nem a seus súditos;

rejeita-se a opinião segundo a qual, de acordo com o direito natural, para infligir uma pena é requerido o direito de jurisdição 1.Deve-sesaber também que osreis e aquelesque têm um poder igual ao dos reis têm o direito de infligir penas não somente por injúrias

cometidas contra eles ou seus súditos, mas também por aquelas que não os tocam particularmente e que violam em excessoo direito de natureza ou das gentes a respeito de quem quer que seja.Aliberdade de prover por castigos aos interesses da sociedadehumana que, no começo,como dissemos, pertencia aos privados, ficou, após o estabelecimento dos Estados e das jurisdições, para os poderes soberanos, não propriamente porque eles mandam nos outros, mas porque não obedecem a ninguém. A dependência, de fato, tirou essedireito dos outros. E mes-

mo é bem mais honesto vingar antes as injúrias feitas aosoutros que aquelas a nós mesmos, que se deve temer mais nas ofensas pessoais que o ressentimento não leve a ultrapassar os limites ou ao menos não corrompa

o espírito.

2. Aesse título é que Hércules foi celebrado pelos antigos: por ter

livrado deAnteu, de Busiris, de Diomedese de tiranos similares, regiões [285] que atravessou, como Sêneca [286] se exprime a respeito,

não conquistando, mas ]ibertando, como o dá a entender Líbias [287]

[285] E mares. Fí]on(Z)e Z gaÉlb/7e,11) diz: '2?ércuJes/)orou lorpas e mares, sus tentando combates, uns necessáriosl outros úteis aos homens, para suprimir o que podia ser morta! ou prejudícia! entre os homens e os animais.

[286] Lucius Annaeus Seneca[O[? a.C.-65d.C.], Z)e.BeneÉ7êúk (1, 1, 13)

[287] Oraéh11,16

852

Hu co GROTIUS

por esta frase: "Autor de grandes bens para os homens, ao punir os injustos." Diodoro da Sicí]ia [288] fala assim de]e: "Tornava os Estados felizes ao destruir oshomens injustos e os reis arrogantes." Em outro [ocal[289] disse: 'Percorreu o mundo punindo os iníquos." Dion de Prousa [290] diz o mesmo: "Ele punia os homens maus e destruía os reinos dos soberbos ou os transferia

a outros."Aristides

[291] diz que, tendo assim

tomado a si o interesse comum do gênero humano, ele havia merecido ser colocado na classe dos deuses. Teseu é elogiado igualmente por ter

feito desapareceros salteadoresSciron, Sinnis e Procusto. Eurípides [292] o ]eva a fa]ar assim dele mesmo em .Ás Sup#canÉes: "Foi por nu'

merosas façanhas que construí para mim um renome entre os gregos, por ter sempre sido o flagelo dos maus" [293] . Va]ério Máximo [294] diz o mesmo: "Pela coragem de sua alma e a força de seu braço,

suprimiu

tudo o que havia de monstros ou crimes. 3. Assim não duvidamos que as guerras não sejam justas contra

aqueles que não têm piedade para com seus pais, como eram os sogdianos, antes que Alexandre lhes tivesse feito esquecer essa ferocidade [295] ; contra aque]es que se nutrem de carne humana [296], uso que

[288]

iV 17.

[289]

V76

[290]

Dion Crisóstomoou de Prousa, OrnÉao 1, no final

[291] Pajla th enaica . [292] ,4s SupJlc'antes (340-42). [293] No mesmo local, ao arauto que diz '7bu paJ fe gerou com corçapara enErenóar

todo o mundo?",'teceu responde. "De força para enfrentar aqueles que come fe/n irÜusf/ç;as,Folk n(ásnáo foc'amosos que sâo bons."Plutarco, na vida desse personagem,

diz:

'Z/e /Jurou a Gz'écla de cruélk

fzFanos." E.ainda:

':Sem que

soâ'essema] algum, e]e se ]aJlçava contra os maus para o bem dos outros. [294] Livro V. cap. 3 (Ext. 3). [295] Plutarco,

Z)e Eorfun. .4/exandl

(328 C).

n n PV(] a abandonar 0 citas queAlexandre U xanor' Mogno r costume SLU a P [296] Era também dos os levou

CAPÍTULO H - DASPENAS

853

Hércules forçou os antigos gauleses a se abster, segundo relato de Diodoro

[297]; contra aque]es que exercem a pirataria. Sêneca[298] diz: "Se nãa

ataca minha pátria, mas oprime a sua; se, muito distante de meus concidadãos, são os seus que ele atormenta, tal depravação moral não fez senão romper tudo entre nós". Agostinho [299] diz: "E]es são de opi-

nião que se decretara o cometimento de crimes tais que, se algum Esta do da terra os decretasse ou tivesse decretado similares, o gênero hu

mano haveria de ordenar a destruição."Arespeito de tais bárbaros, de fato, que são animais selvagens antes que homens, se pode dizer com razão o que Aristóteles falou de mal sobre os persas que em nada eram inferiores aos gregos: que a guerra contra eles é natural. E o que lsócrates

[300] disse, que a guerra mais justa é aque]a que se move contra os animais ferozes e em seguida aquela que se move contra os homens que se assemelham aos animais ferozes

[297] Ver Dionísio de Halicarnasso(1, 38) narrando como Hércules fez desaparecer

essecostume e muitos outros, sem distinção para espalhar seus benefícios entre os gregos e os bárbaros. Plínio(.Ahfura/l) HJkÉor=a,XXX, 1) elogia os serviços não menos consideráveis prestados ao gênero humano pelos romanas. "Não se pode avaliar de modo suâciente quarto se deve aos romanos que

aniquilaram esses}310nstros,para os quais matar um homem era um ato muito religioso e devorar suas vítimas se constituía em alimento llluito saiu

óar" AcT-escente-se o que será dito neste mesmocapítu]o, parágrafo X].Vll Assim é que Justiniano proibiu aos chefes dos abasgos de transformar em eunucos os filhos de seus súditos. Procópio faz menção disso(GofÉÜJb., IV. 3)

e Zonaras na IZldade Leão Zsauro. Os incas, reis do Peru, reprimiram os povos vizinhos que não queriam acatar suas exortações para perder o costu

me de praticar o incesto, de permitir a união de homossexuais,de comer homens e de praticar outras abominações desse tipo; e eles construíram, dessa maneira, o império mais justo de que temos conhecimento, excetuan do-se a religião. [298] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Z)e .Bene#c2]s(V]1, 19, 9). [299] .De (]wlafe [300]

PanafüenaJca

Z)ez(V. ]) (66)

854

H UGO

GR OTI US

4. Até este ponto seguimos a opinião de ]nocêncio e outros [30 1] que dizem que se pode atacar pela guerra aqueles que pecam contra a natureza [302], opinião contra a qual se pronuncia Vitoria [303],Vasquez [304], Azor, M]o]ina e outros que parecem requerer para a justiça da guerra que aquele que a empreende seja lesado pessoalmente ou em seu Estado ou que tenha um direito de jurisdição sobre aquele que é atacado

pelas armas. Esses autores supõem, de fato, que o poder de punir é um

efeito próprio da jurisdição civil, enquanto nós pensamosque provém mesmo do direito natural, ponto sobre o qual dissemos alguma coisa no

começo do livro primeiro. Certamente, se a opinião daqueles com os quais estamos em desacordo é admitida, um inimigo não teria mais contra seu inimigo o direito de punir, mesmo depois que a guerra tivesse sido empreendida por qualquer motivo, não tendo relação com a pu' nição; direito, entretanto, que a maioria concede e que o uso de todas as

nações consuma, não somente depois que a guerra tenha terminado,

mas mesmo durante a duração da guerra. De nenhum modo em virtude de uma jurisdição civil, mas em virtude dessedireito natural que existiu antes da formação dos Estados e que está em vigor atualmente mesmo, nos lugares em que os homens vivem distribuídos em famílias e não em Estados.

XLI. Deve-se distinguir o direito de natureza dos costumes civis geralmente afeitos Deve-seter presente aqui algumas precauções.A primeira, de não tomar os costumes civis, embora tomados não sem razão entre muitos povos pelo direito de natureza. Tais eram mais ou menos aque-

[S01] [nnoc., Can. é?uodsuper ]zJi, De rolo.4rcü.; F]or., 3, pal'É. É#, .Zg / 5; Si]vestr.

in verbo Papa, $ 7. [302]

Ver

José

Aposta,

.De Pzocu/anda

t3Q3ÀRelect. 1, de Indís, n.' 40.

[304] 00/lira .]7/usfz (1, 24)

]ndarum

Sa.rufo(11,

4)

CAPÍTULO XX- DASPENAS

855

les que distinguiam os persas dos gregos, aos quais se pode referir a propósito esta passagem de P]utarco [305] : "Querer ]evar as nações bár-

baras a costumes mais requintados é um pretexto sobo qual se oculta a ambição do bem de outrem."

XLll. E do direito divino voluntário que não é conhecido detodos A segunda, de não contar desconsideradamente entre as coisas proibidas pela natureza aquelas de que não se está bastante seguro e que são antes interditas por uma lei da vontade divina. Nessa classe é

talvez permitido co]ocaras uniões carnais fora do casamento [306], a]gumas das quais são chamadas ihcestos, e a usura.

XLlll. Deve-se, no dii'eito de natureza,separadas coisas manifestas daquelas que náo o são 1.A terceira, de cuidadosamente distinguir entre os princípios gerais, como aquele de viver honestamente, isto é, seguindo a razão, e certos princípios próximos a isso, mas de tal modo evidentes que não

admitem nenhuma dúvida, como aquele de não subtrair a outrem seu bem. Entre as conseqüências, algumas são fáceis de conhecer, como no

casamento [307] a proibição do adu]tério [308] . Outras são mais diü[305] Poinpe/us (656 E) 1306]Astério, bispo de Amaséia, diz que 'blue/es que sá /'espeifam os I'egu/amenfos

]os legisladores do século deixam impune a iícenciosidadedo meretrícío Acrescente-seuma passagemde Jerânimo (.4cíOcea/2tzm), citada por nós no cap. VI $ IX.

t3Q'l\ L. 39, Si adulterium, $ fratres, Dig., Ad Lerem Julgam de Adult.

[308] Filou (rifa Josepá],9) atesta que o adultério é punido em toda parte; o adultério é uma coisanaturalmente vergonhosa,diz Ulpiano(Z,. 4g /Zroól'um, Dig., De verborumsigniílcatione lb. SegundoLactbncio (EpÍtomeDívinarum !nstitutionum. S4à."macular o casamentode outrem éfazer um ato condenado pe/o jus gentium(direito

das gentes) comum

856

H UGO

GROTIUS

leis, como aquela que infere que a vingança, não tendo outro objetivo que a dor de outrem, é viciada. Ocorre aqui, mais ou menos, como na matemática, onde se encontram certas noções primitivas ou que se apro' ximam das primitivas, certas demonstrações que são logo compreendidas e transmitem a convicção e outras que são efetivamente verdadei-

ras, mas não são evidentes para todos. 2. Do mesmo modo que com relação às leis civis, desculpamos aqueles que não tiveram conhecimento ou compreensão das leis, assim

também, a respeito dasleis da natureza, é justo que aquelesa quem a fraqueza do juízo ou a deficiência de educaçãosãoum obstácu]o [309] sejam desculpados (MnfeusX, 15; Lacas Xl1, 47-8). Do mesmo modo que a ignorância da lei, se é inevitável, suprime a falta, assim também

quando está unida a alguma negligência, diminui o delito. Por isso é queAristóte[es [310] compara os bárbaros que, educados com carência,

setornam culpadosdessestipos de faltas, aosque têm desejoscorrom pidos pela doença. Plutarco diz que "há certas doenças da alma que transtornam o homem de seu estado natural" 3. Deve-se acrescentar em último lugar, o que digo de uma vez para não ter de repeti-lo muitas vezes,que as guerras que são empreen' dadaspara punir são suspeitas de injustiça, a menos que os crimes nao sejam muito atrozes e manifestos ou que alguma outra causa não con-

corra ao mesmotempo. Mitridates [311] dizia dosromanos, talvez sem se afastar da verdade: "Não são as faltas dos reis que perseguem, mas seu poder e sua majestade.'

[309] Jerânimo(HdKarsus úov[h a/]um, 11,7} diz que 'fada nação guarda comou/na !ei de 1latureza os princípios nos quais foi educada [310] ÉÉ]'ca a McÓmaco(Vl1,

6).

[311] Justino (XXXVl11,6, 1).

CAPITULOH

- DAS PENAS

857

XL]V Sea guerra pode ser movida por causa de crimes cometidos conta'aDeus 1. A ordem da matéria nos conduziu aos delitos que se cometem

contra Deus. Pergunta-se, de fato, se a guerra pode ser empreendida para se vingar, o que Covarruvias [312] trata de modo bastante exten-

so.Esseautor, porém, seguindo a teoria dosoutros, pensa que o poder de punir não existe semuma jurisdição propriamente dita, opinião que já rejeitamos antes. Segue-se daí que, do mesmo modo que nos negócios da Igreja, os bispos são ditos "'qv Kcx0oÀtKTjvn nta'te a0oct", isto é, ter de

a[gum modo aceitado o cuidado da ]greja universa] [313], assim tam-

bém o cuidado geral da sociedadehumana incumbe também aosreis, independentemente do cuidado particular de seu Estado. A melhor razão em favor da opinião que nega que tais guerras sejam justas é aquela que Deus basta para punir as faltas que se cometem contra ele, de onde se tem o hábito de dizer que "pertence aos deuses vingar as injú rias feitas aos deuses" [314] e que "basta que o peUúrio tenha Deus por vingados"1315].

2. Deve'se saber, porém, que a mesma coisa pode ser dita igualmente dosoutros delitos. Sem dúvida alguma, Deus basta também para pum-los e contudo são legitimamente punidos pelos homens. Ninguém discorda disso.Alguns insistirão e dirão que outros delitos são punidos

[312] C-aP. /'bCC'atum, paJ«fe/Z / ]0. [313] Isso se encontra nas aonsú]uílb/?es(V], 14) que ]evam o nome de C]emente C\Dx\ax\oÇEpístulay;XX, 4b àiz. "Convém a todosnós zelar pelo beJ3}do corpo de toda a igreja, cujos membros estão espalhados por diversos países." b\z

também, falando da unidade da Igreja, que 'bá um só epl)copacão, do gua/ cada óíspo possuí' so#dn/:ümenfe uma parte': Exemplos desse zelo universal se encontram em toda parte em Cipriano e particularmente em sua célebre carta LXVll. Acrescente-se João Crisóstomo, no elogio de Santo Eustáquio.

[314] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nna]es(1, 73).

[315]Z. Z (bd /K ].

858

H UGO GROTI us

pelos homens enquanto que outros homens são lesados ou são postos em perigo por esses delitos. Deve-se observar, porém, contrariamente

a essa

objeção,que não são somente os delitos lesando diretamente os outros que sãopunidos pelos homens, mas também aqueles que lesam por via

de conseqüência,tais comoo suicídio,a união sexual com animais e alguns outros. 3..Areligião, embora por ela mesma sirva para obter o favor de Deus, não deixa de ter seus efeitos, e consideráveis, na sociedade huma-

na. Não é sem razão que Platão chama a religião de amparo do poder e das [eis e o víncu]o de uma discip]ina honesta. P]utarco [316] diz de modo semelhante que é "o cimento de toda sociedade e o fundamento da [egls[ação". Segundo Fí]on [317], "o cu]to de um só Deus [318] é a atra-

çãomais eficaz e o vínculo indissolúvel de uma amizade benevolente" Completamente o contrário é produzido pela impiedade: "Ail A primeira causa dos crimes para os mortais vacilantes é de não conhecer a natu-

reza de Deusa"[319]. Todafa]sa crença,diz P]utarco [320], sobreas coisas divinas é perniciosa, quando se junta a isso a perturbação da a[ma, é extrenaamente perniciosa. Há em Jâmb]ico [321] uma sentença [316] .4dversus (b/oóe/2 (1125 E) [317] De Àfonarchia Q, l) [318] O mesmo ààz(.DeFortitudine, 'l} que "a causa mais coilsideráve} e a maior da

co1lcórdíaé a crença num só Deus, da qua! decorre, como de uma fonte, uJlla amizade indissoiúve! que une as Rimas entre si". 3asetç}ÇContraAppio1lem, \l,

tqb à\z. "0 fato de ter unia mesma opinião com relação à divindade, sem ter além disso u111a malleil'a de viver e costu3nesdiferentes, faz surge' nas almas dos homens a mais bela das co1lcórdias.

[319] Si[ius [ta[icus

[séc. ] d.C.],

Pu )ica (]V. 792). Assim

também

Josefo (Cona'a

Hppf02 em, 11,35) dá comorazão por que muitos Estados eram mal policiados (Tue "os primeiros

!egisiadores

não tinham

conhecido

a verdadeira

natureza

cieDeus e não se haviam empenhadoem !evar a conhecímeilto o que podiam c'ompi«condore I'egtz/nl' segundo Jlssosuas /eÍs': Ver no mesmo local o que se

segue que e primoroso [320] De Supera Z]'one (164 E) [321] Protrept. 3.

859

CAPÍTULO n - DASPENAS

pitagórica: "0 conhecimento de Deus é uma virtude, uma sabedoria e

uma felicidade perfeita." Disso se infere como Crisipo [322] chamou a lei: a rainha das coisas divinas e humanas. SegundoAristóte]es

[323], a

primeira dentre as preocupaçõesde um governoé aquele que se relaciona às coisas divinas [324] e que, entre os romanos, a jurisprudência era o conhecimento das coisas divinas e humanas [325]. A arte de um

rei, para Fí]on [326], consiste "em cuidar dos negóciosparticulares, públicos e sagrados'

4. Todas essascoisas devem ser consideradas não somente num só Estado (como Côro diz, em Xenofonte [327], que seus súditos serão tanto mais agarrados a ele, quanto mais temerem a Deus), mas ainda na sociedade comum do gênero humano. Cícero [328] diz: "Suprima a piedade e banireis ao mesmo tempo do gênero humano a boa-fé e a paz e com isso a justiça, essa excelente virtude." O mesmo diz em outro

local [329]: "0 que torna justo é conhecerqual é a essênciado soberano mestre e senhor, qual sua intenção, qual sua vontade." Uma prova evidente disso é que Epicuro, tendo supresso a providência divina, nada deixou igua[mente da justiça, senão um nome vão [330], dizendo que [322] L2,Dig.1,3. [323] .F=bjyZzba(Vl1, 8) [324] Justino mártir, convidando os imperadores a zelar por essas coisas,.acrescen-

ta: ';Serácel'fameJ7fe um ze/oatzbno de um re/." Acrescente-se o que diz Covarruvias,

cap. ,f)ossessaC / ]a.

[325] L. 10, $2, Dig. l, l. [326] De creat. Mlagistr. [327] alva'lnsÉ7'f, (Vl11, 1, 28). [328] Marcus ']'u]hus Cicero[106-43 a.C.], De Natura .Deorum(1, 2, 3-4). [329] Idem, De .Ãb?lbüs(IV, 5, 11). [330] Em Sêneca(.Ê»&fo/a XCVl1, 15) se lê: ';Separemo'nosaguade Epfcu/o gue d)2 que nada éjusto por sua natureza e que se deve evitar o ma! porque, a seguir,

não se pode evitar o tentar,

860

H UGO

GROTIUS

ela surge somenteda convenção,que não dura além da duraçãodo interesse comum e que não é preciso se abster daquilo que poderia pre-

judicar a outrem, senão pelo único temor do castigo. Suas palavras

sobre essetema, que são seguramentenotáveis, se encontram em Diógenes Laércio [331] 5. Aristóteles também viu nesse vínculo, ele que, no livro V capí-

tulo XI, de seutratado da coisapública, diz do rei: "0 povotemera n:fenos,de fato, ser tratado injustamente por um príncipe que acredita ser religioso." Galeno, no livro IX dos preceitos de Hipócrates e de Platão,

depois de ter dito que se discute sobre o mundo e sobre a natureza divina muitas questões que não são de utilidade

alguma para os costu-

mes, reconhece que a questão da providência é da maior utilidade tanto

para as virtudes privadas quanto para as públicas. Homero também viu isso, ele que, nos cantos VI e IX da Oálssézb,opõe aos homens selva-

gens e injustos aqueles cujo coração é religioso. Assim é que Justino

[332], segundo']togus, e]ogia a justiça dos antigos judeus, misturada comre]igião [333]. Assim Estrabão [334] também diz dos mesmosjudeus que "eles eram verdadeiramente pessoas que praticavam a justiça e piedosos". Lactâncio [335] diz: "Se pois a piedade consiste em conhecer

[331]

Diógenes

Laét'cio

[séc.

]]]

d.C.],

UJdns,

DouÉr2has,

Se/zfe/?ç;as

dos FJ/(ãsoáos

/7usÉres(X, 150)

[332] Justino, XXXV], 2, 26 [333] Na Hdn de .4óraáo, Fí]on diz: 'í$er re/]É oso e am go dos À0/7]ens ó da prc@rla

natureza; no mesmoindivíduo se observa a piedade para com Deus e a justiça para com os homens. [334] XVI, 2, 37 [335]

Caecilius

14, 12)

Firmianus

Lactantius

[séc.

]V

d.C.],

DUv2harum

/nstítullbnum

(V.

CAPITU LO H

- DAS PENAS

a Deus, se o resultado desseconhecimento é de servi-lo, aquele que não pratica a religião de Deus ignora a justiça. Como, de fato, pode conhecê-

[a aque]e que ignora de onde e]a vem?" O mesmo diz a]hures [336] : "A justiça é o próprio da religião.:

6. A religião é mesmo de uma utilidade mais considerável nessa grande sociedadeque numa sociedade civil porque, numa sociedade civil, as leis e a fácil execução das leis a substituem, enquanto que, ao

contrário, nessagrande comunidade, a persecuçãodo direito é muito difícil, não podendo ser feito senão pelas armas e sendo as leis em pequeno número. Essas leis, a mais, não têm de maneira principal sua sanção senão pelo temor da divindade; por isso aqueles que pecam con-

tra o direito das gentes são ditos em toda parte que estão violando o direito divino. Não é sem razão, pois, que os imperadores disseram que corromper a re]igião é uma injúria que diz respeito a todos [337] .

Xl;W Quais sáo as idéias mais gel'ais a respeito de Deus e como elas estão contidas nos primeiros mandamentos do Decálogo 1. Para penetrar a fundo em toda essamatéria deve-seobservar que a verdadeira religião, que é comum a todas as idades, se apóia principalmente sobre quatro proposições:a primeira é que Deus existe e que é um só; a segunda, que Deus não é nada do que se vê, mas alguma coisa de mais elevado; a terceira, que Deus cuida das coisas

humanas eque pronuncia sobreelasjulgamentos muito justos; a quarta, que essemesmo Deus é o artífice de todas as coisas que estão fora dele. Essas quatro proposições são explicadas por outros tantos preceitos do Decálogo.

1336]Idem, .Z)eIra .Del(7, 13) 1337] .Z,. 4, Cod. .De áaereZlaTi.

861

862

H UG o

G R OT 1 1 S

2. No primeiro preceito a unidadede Deus é claramente estabelecida. No segundo, sua natureza invisível, pois é por causa dela que é proibido fazer imagens. Assim é que Antístenes [338] dizia: "Os olhos não o podem ver, ele não se parece a nenhuma coisa, o que faz com

que ninguém o possa conhecer por representação." Fí]on [339], do mesmo modo, dizia que "é uma coisa profana produzir pela pintura ou pela escultura a imagem daquele que é invisível". Diodoro de Sicí]ia [340] diz de Mloisés:"Não mandou fazer nenhum simu]acro [341] porque não

acreditava que Deus fosse de forma humana." Tácito [342] diz: "Os judeus não concebem Deus senão pelo pensamento e não reconhecem senão um só. Tratam de ímpios aqueles que, com matérias perecíveis,

fabricam deuses à semelhança do homem." P]utarco [343] dá por razão de Numa [344] ter feito tirar dos templos as imagens dos deuses, que 'Deus não pode ser concebido senão unicamente pelo pensamento". No terceiro preceito percebe-seo conhecimento e o cuidado das coisas humanas, mesmo dos pensamentos, pois esseé o fundamento dojuramen

to. Deus é, de fato, a própria testemunha do coração e se alguém engana é invocado como vingador, o que realça ao mesmo tempo a justiça e

[338] Citado por Clemente Alexandrino (.f)ro6repó. VI, 71). Sênecaparece ter-lhe repassado isso(JUafuJ'ages QuaesÜ0/7c?sVl1, 30): "0 áró/fr

o crlaaEaCo áu/ da

dor dessegrande todo, do qual ele é o centro; esseDeus, a mais elevada e melhor parte de sua obra, se furta a nossosolhos; ele não é visível senão ao pensamento. [339] O rei Agripa diz issoem Fílon [340] Excerpt. (do ]ivro X]).

[341] Dion(XXXVl1,

17) diz que '%m Jerusa/ém não Éínáam ]le 2áum sina/aa'o

porque acreditavam que Deus não pode ser visto, nem explicado por pala mas': Ver também Estrabão (XVI, 2, 35) [342] Caius Corne[ius

Tacitus

[55-120],

J?]sfar7be (V. 5).

[343] JUuma (65 C). [344] Sobreessainstituição de Numa, ver também Dionísio de Haiicarnasso

CAPITU LOH - DASPENAS

o poder de Deus. O quarto preceito faz ver a origem do mundo, da qual

Deusé o autor, em memória da qual o sábadofoi outrora instituído [345] e sancionado de uma maneira particu]al', acima de todos os outros

ritos. Se alguém havia pecado contra os outros ritos, a pena da lei era arbitrária,

como no que se relacionava com os alimentos proibidos; se

havia pecado contra o sábado, a pena era capital, porque a violação do

sábado, segundo sua instituição, continha uma negação da criação do

mundo por Deus. O mundo criado por Deus indica tacitamente sua bondade, bem como sua sabedoria, sua eternidade e seu poder. 3. Dessas noções especulativas

se passa às noções ativas, como

Deus deve ser honrado, amado, servido e que se deve a ele obedecer. Por

isso é queAristóte[es [346] disse que aque]e que nega que Deus deve ser

honrado ou que os pais devem ser amados deve ser combatido não por

argumentos, mas por um castigo. Diz também [347] que certas coisas sãohonestas aqui e que em outros lugares não o são,mas que honrar a Deus é algo próprio de todos os países. A verdade dessas noções que

chamamos especulativas pode ser demonstrada, sem dúvida alguma, mesmo com provas tiradas da natureza das coisas, entre as quais a mais forte é que os sentidos nos mostram que certas coisas são feitas. As coisas feitas nos conduzem de modo absoluto a alguma coisa que não

foi feita. Comotodos não captam essarazão e outras similares, basta que em todo tempo, em todos os países, à exceçãode número muito reduzido de pessoas, essas noções tenham sido percebidas tanto por aque

les que eram de uma inteligência demasiado pouco desligada para que-

[S45] O autor de .Raspas/as aos Oz'fodoxos(questão LXIX) assim se exprime: '7h/'a

que, pois, a }embrailça da criação do mundo fosse cojlservada entre os homens, Deus quis que o núJnero sete fosse distinguido dos outros números nas Esar7'furassagradas." Ver também o que precede. [346] gbpz'c.,1, 9.

[347] gbp/c.,11,4.

863

864

H UGO

GROTI

US

rer enganar, comopelos outros, muito esclarecidos para se deixar enganar. Esse acordo [348], numa tão grande variedade de leis e de opiniões sobre outros pontos, mostra de modo suficiente que a tradição veio desde os primeiros homens até nós e que.ela jamais foi solidamente refuta-

da, o que basta, mesmo sem outra prova, para estabelecer a fé. 4. Dion de Prousa [349] acrescentou as coisas que lembramos com relação a Deus, quando disse que há uma crença, isto é, uma convicção relativa a Deus que nasceu conosco, extraída bem entendido de

provas, e outra crença,adquirida, provinda da tradição. P]utarco [350]

a chama "uma antiga convicção mais certa que nenhum argumento que sepossa ter ou invocar; uma base comum dada à piedade."Aristóteles [351] diz que "todos os homens têm a crença de que há deuses". O mes-

mo pensamento se encontra em Platão, no livro das Leis [352]

[348]

'1brtu]ianc(,4drersus

]]aarc/o/lem,

], ]O) diz

que

'b senÉ])ne/7fo

]

[erJor

de u/lla

divindade é um dom que, desde o começo,foi feito à alma". Segundol)\oüoro da Sicília (]Q'ag7?1e f. XXlll, 11), há "u/na piedade nafta/a/'l Fílon, falando da poder de um só, diz que 'b acasonâoproduz obra áe fa com arie, ora, nada áá que seja feito com mais arte que o mundo; atesta, pois, que foi criado por um

obreiro muito hábi! e sobera1lamenteperfeito. A crellça que temosna exzs' fénc/a de Deus fem sua or7gumnisso." Tertuliano(.4dversus Marca'amem, l, \$à à\z. "Suste1ltamos que se deve conhecer a Deus primeiro pela natureza; que em seguida se deve reconhece-lopela doutrina. Pela natureza, isto é, por suas obras,'pe/a douÉrlha,ou se7b,peia pi"egaç;âo, " Cipriano, falando da vaidade dos ídolos, diz que 'g o aÚJnulodo cr7ne J2âoquerer /econàecel' o que não

se pode l&norar'l Juliano(.4d /7erac7z'um, VII) diz que 'todossomospersuad' dos, antes que tenha sido ensinado, que existe uma divindade, que se deve

orientar-se em díreçãoa eia, $e dirigir a ela; e creio que nossosespíritos se dirigem para Deus, comoos seres dotados de vista se voltam para a ]uz

[349] Dion de Prousa ou Dion Crisóstomo,OrnÉlbXll [350] ,4ma6ar2us (756 B) [351] .De Goe/o (1, 3) [352] .Z)e.LeW'Óas(X, 3)

CAPITULO m -

DAS PENAS

865

XIÀrl. Aqueles que por primeiro violam essas noções podem ser punidos 1. Por isso é que aqueles que rejeitam essas noçõesnão estão livres de falta, mesmo que tenham o espírito bastante rude de modo a não poder encontrar nem compreender as provas certas sobre as quais são fundadas; isso porque conduzem à honestidade e a opinião oposta não se apóia em nenhuma prova. Como tratamos dos castigos, ao me-

nos dos castigoshumanos, deve-sefazer aqui uma diferença entre as próprias noções e a maneira de se afastar delas. Essas noções de que

existe uma divindade (uma ou várias, colocoisso à parte) e que esta cuida das coisas dos homens são gerais em seu mais alto grau e absolutamente necessárias para o estabelecimento de uma religião, seja ver-

dadeira ou falsa. "Quem quer que se aproxime de Deus (isto é, quem quer que tenha religião, porqueentre oshebreusa religião é designada de acessoa Deus) deve crer que há um Deus e que ele vai recompensar aqueles que o servem" (J7eõreusXI, 6). 2. Cícero [353] diz de modo simi]ar: "Há n]ósofos, e os houve, que

acreditam que os deusesnão têm nenhum cuidado das coisashuma-

nas. Se sua opinião for verdadeira, que piedade pode haver, que moralidade, que religião? Todas essasvirtudes não devem ser pura e piedosamente oferecidas aos deuses para que eles as guardem, se algo é

concedido ao gênero humano pe]os deusesimortais." Epitecto [354] diz: "0 ponto principal

da piedade é de pensar bem dos deuses e de conside-

ra-los como existindo e administrando

todas as coisas justa e sabiamente.:

Eliano [355] diz que ninguém dentre os bárbaros caiu no ateísmo, mas

1353]Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], .De]Uafu/a.Deoruin(1, 2, 3) [354]

EJ7CÜZTI'd.,

31

[355] Uâr HISÍ.(11,31)

866

H UGO

GROTIUS

que todas a6rmam que há uma divindade e que ela cuida de nós [356]. Plutarco

[357] diz no ]ivro das noções gerais que se destrói a noção de

Deus, se for suprimida a providência, "pois não se deve conceber,nem entender que haja um Deus que seja somente imortal e feliz, mas se deve crer que ele ama os homens, que tem cuidado por eles e que lhes faz o bem." Lactâncio [358] diz: "Nenhum cu]to pode ser devido a Deus, se ele não faz nada por aquele que o serve. Não há nenhum temor a ter

por ele, se ele não se irrita contra aquele que não o serve." Na realidade,

seconsiderarmos o efeito moral, negar que Deus existe ou negar que Deus tenha cuidado dasaçõeshumanas, isso quer dizer exatamente a mesma coisa.

3. Por isso é que, por efeito de uma espécie de necessidade, essas duas noções têm sido conservadas junto a quase todos os povos que conhecemos

[359],

durante

já muitos

sécu]os.

Disso

provém

que

Pompânio [360] anexa ao direito das gentes a re]igião para com Deus e que, em Xenofonte [361], Sócrates diz que servir os deusesé uma lei que está em vigor junto a todos os homens, o que Cícero [362] afirma tam[356] Sêneca(Epistula XCV. 50) diz: "0 cu/fo a presta/' aos deuses ó pr7heJbamenfe

de crer em sua existência e, a seguir, de reconhecer sua majestade, sobretudo sua bondade, sem a qua! não há majestade. (1075 E). [357] Z)e Goma. Movi'É7üls [358] Caecilius Firmianus Lactantius]séc. ]V d.C.], De /ra Z)e/(6) [359] Sêneca(Ep&fuJn CXVll) diz: '% ex7sfénda dos densos se dada

e/ ü'e ouü'as razões, da opinião que, nesse ponto, é inata em todos os espíritos que, em

parte alguma, em llenhuma raça de homensé rejeitada fora de toda lei e de toda moral, até a não crer em deus qualquer." O mesma d\z, em De Bene6lciis (!V. 4à. "7bdos os mortais não teriam coJlcordadoem invocar diündades surdas e deuses ]hpofe/]fes.. ."Acrescente-se Platão(.oboé Fora, 12, e J)e Z;egzóuA

X, 3) e os belos pensamentosde Jâmblico, em De JIZJuferJlsH g:rpílorum, logo após o começo,onde diz que o conhecimento de Deus é próprio e natural do homem, como o pincho para um cavalo [360] L 2, Veluti, De Justa. et Jure. [361]

/emoraó. (]V, 4, 19)

[362] Marcus Tullius Cicero [106-43 a.C.], Z)e Nâfura Z)eoi-um(1, 16, 43); Z)e

InuenÜone(11,22, 65).

CAPITULOm

867

- DAS PENAS

bém,tanto no tratado .DeNaz?u.r,a Doaram,comono tratado .De Zn venóone. Dion de Prousa [363] diz que "é uma convicção que se encontra comumente no coração de todos os homens, tanto entre os bárbaros como entre os gregos, e que é necessária e natural para todos os seres dotados de razão." Pouco depois ele acrescenta que é "uma crença

muito sólida e eterna que se constata ter começadoe continuado sem

interrupção em todas as nações".Xenofonte[364],em OBanquefq diz que os gregos e os bárbaros estimavam que o presente e o futuro são conhecidos dos deuses.

4. Do mesmo modo, pois, que aqueles que por primeiro começam a destruir essas noçõessão reprimidos nos Estados bem constituídos, como [emos que ocorreu a Diagoras de Medose aos epicuristas [365], que foram expulsos das cidades amigas dos bons costumes, assim tam-

bém, penso que podem ser reprimidos em nome da sociedade humana

[366] que vio]am sem razão prováve]. O sofista Himerius, em sua peroração contra Epicuro [367], assim se exprime: "Quereis, pois, me punir por minhas doutrinas? Não mesmo, mas por vossa impiedade. E permitido ensinar doutrinas, mas não o é combater a piedade.:

Xl;Vll. Náo ocorre o mesmo com os outros.

o que é demonstrado através da lei hebraica 1.As outras noçõesnão sãoigualmente evidentes, como essas: que não há mais que um Deus; que Deus não é nada do que vemos, que

não é nem o mundo, nem o céu, nem o sol, nem o ar; que o mundo não [363] Dion de Prousa ou ])ion Crisóstomo,Oraílb X]].

[364]SymPosy'oll (]V 47). [365]

Eliano,

Uar HJkf.(]X,

12)

[366] O lídio Moxus fez afogar todos os habitantes da cidade de Crambe, da qua] se havia apoderado, porque eram ateus, não conheciam e não adoravam nenhuma

divindade(Nicolau

[367] Fócio, B2õ#ofü., cod. .g43.

Damasceno,

,Exaerpé.

Peúesc.)

868

H UGO

GROTA

US

existe desdetoda a eternidade, nem mesmosua matéria, mas que essas coisas foram feitas por Deus. Por isso vemos que, no decorrer dos tempos, o conhecimento dessas verdades foi obliterada e como extinta junto

a muitos povos, muito mais facilmente quanto menos as leis cuidavam em mantê-las, porquanto semelas podia aomenoshaver alguma religião. 2. A própria lei de Deus dada a essepovo reforçada em parte pelos profetas e pelos prodígios que havia visto e em parte pelotestemunho de

uma autoridade indubitável, tinha inculcado um conhecimento nem obscuronem incerto dessascoisas; ainda que ela deteste no mais alto grau os cultos dosfalsos deuses,não pune contudo de morte todos aqueles que estão convencidos dessa falta, mas somente aqueles cujos atou são acompanhados

de uma circunstância

particular,

como aquele que

por primeiro desviou os outros (Deuferon(âmloXl11, 16); a cidade que

começoua servir antes a deusesdesconhecidos(-DeufeT'on(anjo Xlll, 23); aquele que adora os astros, de modoque abandona toda a Lei e por conseguinte o culto do verdadeiro Deus (-Oeufa'onÓmJbXVl1,

2) (o que,

segundo Paulo (Romanos 1, 25), é adorar a criatura e não o criador [368] pois "ncEpct",aqui e algures, tem muitas vezes sentido exclusivo), essafalta foi durante algum tempo submetida a penas, mesmo entre os descendentes de Esaú, como se pode ver em JÓ(XXXI, 26-27); aquele ainda que tivesse votado seus filhos a Moloc, isto é, a Saturno (Levítico VV

'l\

3. Para os cananeus e os outros povos vizinhos

deles, caídos des-

de muito tempo em criminosas superstições, Deus não julgou que devessem ser punidos em seguida, mas somente quando tivessem comple[368] Fílon(lzl Z)ecn/ogo,13) diz de tais pessoas:'7?ãoutros e/n que a hp]edade Ha] além; não concedemhonras iguais a Deus e a suas obras, mas dão a essas últimas todas as honras que se pode imaginar,

não se dignam)do em coJlceder

a menor ]einbrança a essebem comum a todos; passam sob silêncio a única Bolsa de que se deviam ]eillbral', abandoi)ando-se assim, esses infelizes, a um

esguec/me/?fovo/u/?farTO. "Assim é que Moisés Maimõnides interpreta a pas'

vagemdo Z)euÉero/zó/??lo (Z)lFecr. 111,41)

CAPITU LO XX -

DAS PENAS

869

tado essafalta por grandes crimes (Gênesis XV 16). Do mesmo modo,a

respeito dos outros povos,ele dissimulou o tempo de ignorância com relação ao culto de falsas divindades (Ates XVl1, 38). Como foi dito com

razão por Fí]on [369], é que cada um considerasua re]igião comoa melhor porque sejulga na maior parte do tempo não pela razão, mas pela ligação que se tem por ela, pensamento do qual não se afasta muito essa passagem de Cícero [370] , que ninguém aprova outra seita de 6i]o-

sofia senão aquela que ele próprio segue.Acrescenta que a maioria se

encontra ligada antes de ter podidojulgar qual era o melhor partido a seguir.

4. Do mesmo modo pois que esses são desculpados e não devem certamente ser punidos pelos homens que, não tendo recebido nenhuma lei formulada por Deus, adoram as propriedades dos astros ou de outras coisas naturais ou os espíritos, seja nas imagens, seja nos seres animados como em outros objetos ou mesmo as almas daqueles que se distinguiram

pela virtude e pelos benefícios para com o gênero humano

ou certas inteligências descompromissadas com a matéria, sobretudo se eles próprios não inventaram

esses tipos de cultos e se eles não aban

donam por isso o cu]to do soberano Deus]371], assim também, se deve

contar entre os ímpios melhor que entre aquelesque estãono erro, aqueles que costumam prestar honras divinas aos maus gênios que conheceram como tais ou a nomes de vícios ou aos homens cuja vida foi repleta de crimes.

5. Não menos também, aqueles que derramam em honra dos deuses o sangue de homens inocentes, costume que Daria [372], rei dos

persas [373], e Ge]ão,tirano de Siracusa [374], forçaram os cartagineses [369] .De .LeFZf. ad CaJ'Un2(36).

[370],4c;ademJ'ca (11,3, 8) [371] Assim é que os judeus receberam em seu temp]o as vítimas oferecidas pe]os

reis do Egito, por Augusto e por Tibério. Josefoe Fílon nos inf'armam a respeito.

[372] O filho de Histapis, pai de Xerxes. Compare'secomoo que foi dito no $ X] 1373] Justino, livro XIX, l, lO [374] Plutarco, HpopÀíüegmafa

(175 A)

870

H U GO GROTIUS

a se abster; por essa imposição são e]ogtados. P]utarco [375] re]ata tam-

bém que certos bárbaros que honram os deuses com vítimas humanas

haviam estado a ponto de ser punidos pelos romanos, mas que, como eles se desculpassem argumentado com a antigüidade desse costume,

não sofreram mal algum, mas se limitaram somente a lhes proibir de não cometer nada semelhante no futuro.

XLVlll. As guerras náo podem ser feitas de modojusto contra aqueles que recusam abraçar a religião cristã 1. Que diremos dessas armas que são apontadas contra alguns povos, pela razão que eles não querem abraçar a religião cristã que lhes é proposta? Não questiono no momento se ela é proposta tal qual deve

ser e da maneira que deveser. Concordemosque seja assim: dizemos que há duas coisas a observar. Primeiro, é que a verdade da religião

cristã, enquanto acrescentamuitas coisasà religião natural e primitiva, não pode ser completamente demonstrada por argumentos naturais, mas se apóia na história tanto da ressurreição de Cristã como dos

milagres feitos por ele mesmo e pelos apóstolos, o que é uma coisa de fato, provada outrora, de modo que se trata de uma questão de fato e de

um fato já muito antigo. Disso resulta que essa doutrina pode com tanto maior dificuldade penetrar profundamente no espírito daqueles que ouvem dela falar pela primeira vez, a menos que intervenha algum

auxílio interior de Deus. Do mesmo modo que esses auxílios não são dados como recompensa de alguma obra aos que são concedidos, assim

também, seforem recusadosa alguns ou menosliberalmente concedidos, isso ocorre por causas não iníquas, é verdade, mas na maioria das vezes desconhecidas de todos e por conseguinte não passíveis de punição

[375] Idem, Ouaesf. .Ro/n., 83.

CAPÍTULO m -

DAS PENAS

871

pelojulgamento humano. Isso é que tem em vista um cânon do concílio de Toledo [376] : "0 santo sínodo ordena que no futuro não se fará violência a ninguém para ]evá-]o a crer [377] . Deus tem compaixão de quem

ele quer e ele endurece quem ele quer." De fato, é costume dos livros sagrados atribuir por causa a vontade divina aos efeitos cujas causas são ocu]tas [378]

2.A segunda coisa a observar é que Cristo, autor da nova lei, não quis em absoluto que ninguém fosse levado a receber sua lei pelas pe-

nas desta vida ou peãotemor dessaspenas [379]. Nessesentido é que essaspalavras de Tertuliano sãobem verdadeiras: "A lei nova não se vinga com a espada vingadora." Num livro antigo que traz o nome de GonsílfüÉlbnes C7emenÉlk[380], é dito de Cristo: "E]e deixou aos homens o livre poder de seu arbítrio, não os punindo por uma morte tem-

poral, mas chamando-os a prestar contas no outro mundo." Atanásio [381] se exprime assim: "0 S'enhor,sem exercer coaçãoalguma, mas

[376] 3ap. 5, de Judaeis, distinct. 45. [377] Josefo é do parecer que cada um deve servir a Deus livremente, sem ser coagido pela força.

[378] Sérvio observa, no começo do comentário ao canto 111da Eneida, que 'todas as

/fazesque não se vê a razão do que aco11tece e que não se pode julgar a respeito, tem-se o costume de dizer que isso pareceu bolll aa$ deuses".Barato faz a mesma observaçãosobre o ato Y cena 111de .EuJluco(875) [379] Gregário Nazianzeno(Opafl'o atum adsuinpfus esf a Paü'e) trata do assunto

e também Beda(.Hlsf. .Ebc:/eszasf. 1, 26). 1sidorodiz do rei Siseburg: "Qua'eJI do, ]lo início de seu reinado, converter osjudeus à fé cristã, mostrou às vezes zelo, lilás um zelo que }lão se coadunava com a ciência, pois ele constrangia, usando de sua autoridade, aqueles que ele devia !evar à fê pela persuasão. Rodericocopiou isso em sua história(11, 13). Osório e Mariana censuram pelo

mesmomotivo os reis que T'eivaramdepoisdele na Espinha. Ver esseúltimo (XXVI,14e XXVl1,5) [380] [381] Epístola aos Solitários.

872

H UGO

GROTI

US

deixando à vontade sua liberdade, dizia em geral a todos: Se alguém quer me seguir, e a seus apóstolos: Será que também vós quereis vos retirar?" [382] . Sobre a mesma passagem de Jogo, Crisóstomo [383] diz: ;Ele lhes pergunta se eles próprios querem também se retirar, o que é a

palavra de uma pessoaque afasta toda violência e toda obrigação." 3. Não há contradição com isso na parábola das bodas na qual se

obriga algumas pessoas a entrar, pois do mesmo modo que nessa mesma parábola, a palavra obrigar significa a insistência daquele que convida [384], de igua] modo se deve assim entender na explicação moral. Nesse sentido é que uma palavra de mesmo significado é tomada em Lucas (XXIV, 9) e não de outra forma em Mateus (XIV, 22), na epístola aos Gaiatas

(11, 14). Procópio

[385] nos informa

num

]ugar

da -/7Jlsfcír7b

Secaeta que a medida deJustiniano]386] , pela qual levou os samaritanos

por meio da violência e de ameaçasà religião cristã, foi censuradapor pessoas sá boas.Acrescenta que se seguiram inconvenientes

que podem

ser lidos nesse mesmo autor.

[382] Em Cipriano(.E»Jbfo/a LV. 7) há o seguinte: 'Uo/findo-se pai"a os ap(Ésfo/a e/e

lhes diz: Quereis {r? Observa1ldonisso a ]ei, em virtude da qual o home3n deixado em sua !iberdade e co:lstituído de posse de seu livre arbítrio, pode se

entregar à morte ou à salvação. [383]

Comentáriosao á'range/Zode Jogo,JZomibbXLVl1, 3

[384] Cipriano, em De ]do/oru/?z UnnJfaZe (14), fazendo alusão a essa passagem,diz

C)sdiscípulos deviam, por ordem de seu mestre e Deus, se espalhar pelo inundo, dal' os preceitos de Deus em vista da salvação, levar os hoillens do

erro das trevas pai'a o caminho da !uz e torllar visível o conhecimelltoda verdade aos cegos e aos ignoralltes. E para que sua demonstração não está cessedesprovida de força, para que seu testemunho em Crista não parecesse sem consistência, eles realizaram sua missão em meio a tormentos, torturas e muitos tipos de suplícios.

[385] HJkforla 4rcana (11) [386] Ver em CassiodoT'o(X,26) a carta de Teodahadeao mesmoJustiniano.

873

CAPÍTULO H - DASPENAS

XLIX. Elas podem ser feitas de modo justo contra aqueles que tratam com crueldade os cristãos, somente por causa da religião 1. Quanto aos que submetem a penas as pessoas que ensinam ou

professamo cristianismo e por essemotivo agemsem dúvida alguma contra a própria razão,porquanto nada há na disciplina cristã (considero-a aqui nela mesma e não enquanto alguma coisa de impuro se possa a ela misturar) que prejudique a sociedadehumana. Mais ainda, nada há que não Ihe seja vantajoso. A coisa é clara por si e aqueles que são estranhos a essa re]igião são forçados a reconhecê-]o. P]ínio [387] diz que os cristãos se empenham entre eles por um juramento

de não come-

ter roubos, saques, nem trair a pa]avra dada. Amiano [388] diz que nada é ensinado por essa religião que não seja justo e leve. Havia um dito popular: "Caius Seius é um homem debem; sótem um defeito, o de ser cristão" [389] . Não se deve admitir os pretextos que todas as novidades devem ser temidas, sobretudo as assembléias, pois nem se deve temer as doutrinas, embora novas, se todavia conduzem a tudo o que há de honesto e à obediência devida aos superiores, nem se deve suspeitar das assembleias de homens de bem e que não procuram se esconder,

[387] Caius P[inius Caeci[ius Secundus [62-114], .qp sfuJne (X, 96)

1388]Livro XXl1, 11, 5. O mesmohistoriador chama o cristianismo de uma religião franca e simples. Zósimo que também era pagão diz que 'b promessa da 7 edstã éa !ibertação de fode crime e de toda impiedade". Os pagãos o chamam,

em muitas passagens:uma seita que não faz mal a ninguém (Tertuliano, Scorplae, 1). Justino(.4po/ogeflaus, 11) diz: ':4yudamos e íraba/%amos maJk gue

todosos outros convoscopara a tranqtiílidade do império, eilsinalldo que é impossível de se furtar aos olhos de Deus, se1ldo!evado a fazer o nla!, raptor, traidor ou co1ltínuando a ser amigo da justiça; que, segundo o mérito de suas obras, cada u111será !evado à salvação ou ao castigo eterJlo." Àln6b\o {lV, a6à,

falando das assembléiasdos cristãos, diz: '2Vadnáá que Jãc}ibspúe a duma/cidade, a doçura, o pudor, a castidade, a liberalidade, a beneficência, o amor de todos os homens que reatain elltre si os }iames da fraternidade. [389] Quintus

Septimius

ÀhÉlones (4)

F[orens

Tertu[[ianus

[155-220?],

,4po/ogeÉ2aus (3) e .4d

874

H UGO GROTI us

a menos que a isso sejam forçados. Eu aplicaria aqui a propósito o que Fílon [390] lembra que Augusto havia dito sobre as assemb]éias dos

judeus: "Não são bacanais ou reuniões em vista de perturbar a paz, mas escolas de virtude."

2. Aqueles que maltratam tais pessoas, eles mesmos estão no caso de poder ser punidos justamente, o que é também a opinião de Tomas [391] . Por essacausa é que Constantino moveu guerra a Licínio [392] e que outros imperadores a moveram aos persas [393], embora essas guerras se liguem antes à defesa dos inocentes, defesa de que

trataremos também posteriormente (livro 11,cap. XXV. 6), do que à aplicação docastigo.

L. Não contra aqueles que têm falsas opiniões sobre o sentido da lei divina, o que é esclarecido pelas autor'idades e por exemplos 1. Agem com a maior iniqüidade aqueles que empregam os suplícios contra as pessoas que seguem a lei de Crista como verdadeira, mas

que duvidam ou erram em alguns pontos, seja fora da lei; seja que pareçamter na lei algum sentidoambíguo,e não explicadospelosantigos cristãos da mesma maneira. O que dissemos antes e o antigo exem-

[390] in .Z,egaÜoJ?e(40). Deve-se de igua] modo ver com e]oqtiência, no ]ivro Z)e Sbc17ZcanüZlus(12), como as sinagogas diferem dos mistérios do paganismo Ambas as passagens merecem ser lidas. Josefo ((bnÉra Hppl'amem, 11)diz algo

de semelhante.

[391]Tomas,11,2, 108. [392]Ver Zonaras(XV. ]). Um fato semelhantese encontra em Agostinho(/@zbfa/a Cb. "Maximíano, bispo de Vagões, pediu socorro a um imperador cristão contra os inimigos da Igreja, não tanto para se defender ele próprio, mas para defender a /.gl'eybque /Zí?era conálbda."Essapassagemé relatada em l:baga mZZZ quaestio 3. [393] Ver Menandro,

o Protelar

875

CAPITU LOH - DASPENAS

plo dos judeus o demonstram. Embora eles tivessem uma lei que era sancionada por castigos nessa vida, não submeteram jamais a penas os

saduceus que rejeitavam o dogma da ressurreição, dogma verdadeiro, seguramente, mas ensinado nessa lei, não sem obscuridade e sob uma capa de palavras ou de coisas.

2. Quedecidir se o erro for grosseiroe de natureza a poderfacilmente ser refutado diante de juízes justos pela autoridade sagrada ou pelo consenso dos anciãos? Deve-se pensar aqui quão grande é a força de

uma opinião enraizada e quanto o zelo de cadaum para que sua seita diminua a liberdade dojulgamento; mal comodiz Galeno,mais incuráve[ que qua[quer tipo de [epra. Orígenes [394] diz bem a propósito desse assunto que "cada um se despojará mais facilmente de todos os outros objetos aosquais estiver habituado, por maior que seja a afeiçãoque tenha por e]es, que das coisas que tocam os dogmas" [395]. Acrescente-se que o tamanho da falta depende do grau de luz e de outras disposições do espírito que não é dado aos homens penetrar. 3. Segundo Agostinho [396], o herege é só aque]e que, em vista de

alguma vantagem temporal e sobretudo para atrair sobre si a glória e a proeminência [397] cria ou segue opiniões fa]sas e novas. Escutemos Salviano [398] sobre os arianos: "São hereges, mas sem o saber; numa [394] OonÉm Ce/stzm (1, 52). [395] João Crisóstomo(comentário

à / .8pi'sfo/a aos Oo/:hfl'os J71J?bml»b Vl1, 7)

segue esta mâx\mü "Quando o hábito é aplicado às coisas de crença se torna bem mais inabaiáve}. De fato, não há nada que o homem mude mais diâJci] mente que o que é de domínio da religião.

[3961 No livro Z)e UÉ//]fafe Credendl (1). A passagemé citada em CousaXX7K guaesüo 3. Agostinho acrescenta que um herege e um homem que acredita em proposiçõesheréticas não parecem ser a mesma coisa. Ver o mesmo. na

.iãpJbfo/aCLXll. A heresia é definida como a loucura de um espírito muito abs\ànado (.[,. 2, Cod. De Summa [397] O autor

de Respostas

']:rinitate,

aos (2rfodoÃ-os(questão

}b IV) escreve: 'Z' certo que fodns

as seitas tiveram sua origem da paixão pela glória ou da inveja que agitou seus p/:íme? os ânforas. "Jogo Crisóstomo(.4d

Gaja as V 4) diz: ' 4 pa/xáo de

estar em primeiro plano é a mãe das heresias. [398] Sa[vianus [séc. V d.C.], Z)e Ouóer72aüone Z)el (V] 2).

876

H U GO

GROTIUS

palavra, são hereges entre nós, mas não o são entre eles, pois se julgam

de tal modo católicos que nos acusam a nós mesmos de heresia. O que são pois a nosso ver, nós o somos ao deles. Estamos certos que lnluriam

a geração divina, porquanto dizem que o Filho é inferior ao Pai. Eles estimam que nós ultrajanlos o Pai porque os cremos iguais. Averdade está de nosso lado, mas eles presumem que está do lado deles. Ahonra de Deus está entre nós, mas eles pensam que a honra da Divindade é o

que eles crêem . Faltam a seu dever, mas fazem consistir, nisso mesmo em que faltam, o maior dever da religião. Sãoímpios, mas nisso mesmo acreditam seguir a verdadeira piedade. Erram, pois, mas erram de boa

fé [399], não por ódio, mas com amor de Deus, acreditando honrar o Senhor e amá-lo. Embora não tenham a verdadeira fé, consideram contudo a que têm comoum amor perfeito a Deus e ninguém pode saber, a não ser o juiz [400] , como serão punidos por esse erro de falsa crença, no

dia do julgamento. Esperando, como acho,Deus os tolera pacientemen te porque vê que, se não acreditam de modo justo, erram todavia por um sentimento de crença piedosa. 4. Sobre os maniqueus, escutemos aquele que esteve muito tem-

po engajado em sua grosseira ignomínia, Agostinho [401] . "Esses que vos maltratam, não sabem com quanto esforçose encontra a verdade e [3991Agatias depois de ter falado das absurdas superstições dos alamanos (HlkÉor., ' 7), diz que aqueles que erram assim são mais dignos de piedade que de ódio

e que sua situação permite lhes concedero perdão porque não é voluntariamente que se desgarram, mas pelas falsas idéias que se fazem do bem pela qual suspiram e às quais se mantêm obstinadamente agarrados, quaisquer

que sejam [400] Jogo Crisóstomo(JÍomJba

con ra .4nafben?af

zanfes, 4) diz:

"0 /uZZ dos sócu.

]os, único que conhecea medida da ciência e a quantidade da fê, julgará sozinho sem perigo o que está oculto. De ondepoderemos saber, vos pergun' bo,em que termos aquele que erra se acusara ou se desculpará?nesse dia em que Deus julgar os segredos dos homens?Na verdade, seus juízos nãa podem

ser sondadose seus caminhos são impenetráveis. [401] aDMira .E». .4/an/cÜ.(2)

877 CAPITU LO XX -

DAS PENAS

com quanta dificuldade se busca refúgio contra os errosl Esses que lutam contra vós, não sabem quanto é raro e duro se meter, com a sereni-

dade de um espírito piedoso,acima dos fantasmas carnaisl Essesque vos combatem não sabem com qual dificuldade oolho do homem inferior é curado de maneira a poder contemplar seu sola Esses que vos seviciam não sabem quantos gemidos e suspiros são necessários para

adquirir algum conhecimento de DeusaEnfim, essesque vos maltratam não caíram num erro semelhante aos que vos vêem caídosl Para mim, não posso em absoluto vos maltratar, pois devo sustentar agora como me sustentaram a mim mesmo em outros tempos, e devo agir para convoscocom uma paciência tão grande como aquela com a qual agiram a meu favor meus parentes próximos quando, louco e obcecado, errava em vossa doutrina.

5. Atanásio ataca com energia a heresia ariana [402] em sua carta aos solitários, porque foi a primeira a fazer uso do poder dosjuízes contra os contraditores e porque aqueles que não havia podido induzir por palavras, se havia esforçado por atrai-los a ela pela violência, açoites e prisões. Ele diz: "Assim é que ela faz ver quanto ela própria não é piedosa e quanto não serve a Deus", tendo em vista, se não me engano, o que se ]ê na Epísto]a aos Gá]atas (]V.29) [403]. Hi]ário tem coisas

[402] Não é sem razão que detestamos essesintrodutores de tão mau exemp]o entre os cristãos. Ver seus alas de crueldade em Eusébio (Hfa ao/]sfanÉlni. l,

5, 38), no local em que fala de Honorico, e GofíúJC.(1, 13), a respeito de Amalarico, e ainda Vitor de Utica. Epifânio diz dos semi-arianos: 'Z7espezTeguem a queres que ensinam a verdade, não procuram convence-Jospor pala' rias, màs entregam os que pensam corretamente ao ódio, à guerra, à espada

Já causarama ruína não somentede uma cidade,mas de cidadese denumerosas ]'e#lões." Gregório, bispo de Romã, diz a respeito dessas pessoas ao

bispo de Constantinopla: 'Z' uma nova e zÍf 7pregaÇãoa gue J)npõéa /E a paulLadas!

[403] Sobre essapassagem,ver Jerânimo, citado em (hn. é?u secundam, causa XXlll,

qua est;io IV.

878

H UGO

GROTIUS

similares em seu discurso a Constâncio. Na Gália, já outrora, bispos foram condenados[404] pe]oju]gamento da ]greja por terem empregado a espada para punir os priscilianistas. No oriente, o sínodo que havia consentido que Bogomilo fosse queimado foi condenado. P]atão [405] disse com sabedoria que "a pena daquele que está no erro é de ser ins-

truído"]406].

[404] Sulpício Severo(11,

47) relata

que '7tíáa/o e IfácJ'o bsu)í7bam com veeménc2b,

pensa:ldo que o ma} podia ser sustido em seu início, mas mostraram pouco bclm senso ao recorrer aosjuízes seculares para fazer expulsar das cidades os

Àe2'agespar n]e o de s /as se/]Ée]ç'as e suas exec'rações'lPouco depois acrescenta. "Apresentaram-se como acusadoresos bispos Idácío e rácio, de quem 11ãocensurada o zelo em submeter os hereges, se não tivessem combatido

pela ânsia de vencer,mais do que deverian}ter feito. Para mím, minha opinião é que os acusadosme desagradamtanto qua11toos acusadores."B depois conta que Maninho, bispo de Touro, não cessavade convidar rácio a desistir de sua acusação, de pedir a Máximo de não derramar o sangue dessesinfelizes, dizendo-lhe que era mais que suficiente, depois de terem sido declarados hereges pela sentença dos bispos, que fossem expulsos das igrejas. Ver também o que se segue.

[405],4 .RePzÍÓJI'ca (1, 11). [406]

Soneca,

na

tragédia

J7brcuJes

-F'uz'ens(1244),

díz:

"Q rena

nunca

deu

o nome

de cr7h7eao erro?"Em seu livro .Oe/z'a(1, 14), escreve: ':r\UoÉazparée de tz/ ]

homem prudente odiar os que erram, casocolltrário deveria se odiar a si nlesJno. " Marco

Antonino(IX,

11) diz:

':hsÉruÍ

se puderes,

agueJes

guc? se

desgan'am; senão, !enlbra te que a ternura te foi dada para usá-la com eles. Os pr(br os deuses os suportam com 6er77ura."Jogo Crisóstomo(comentário à .gpJGfo/aaos .E7Zísios /V ]7

JZoml#a Xlll,

1) diz que não se deve punir, nem

mesmoacusar aquele que está na ignorância, mas que é justo de Ihe ensinar

o que ignora. Valentiniano é elogiadopor Amiano Marcelino (XXX, 9, 5) ç)a que "não perturbava ninguém, não ordenava que se adorasse tai ou qual coisa,não fazia curvar a cabeçade seus súditos por meio de !eis ameaçadoras

diante do que ele adorava, mas deixava cada uJnseguir pacíacamenteseu

culto, segundo sua consciência

879

CAPÍTULO H - DASPENAS

LI. Elas podem ser feitas de modojusto contra aqueles que são ímpios para com os deuses e que admitem serem estes divindades 1. Serão punidos mais justamente aqueles que sãoirreverentes e irre[igiosos em re]ação aos deuses em quem crêem [407] . Entre outras, essafoi uma razão alegada pela guerra do Peloponesoentre osatenienses e os ]acedemõnios [408] e e]a foi invocada por Fi]ipe da Macedõnia contra os habitantes da Fócia]409], cujo sacrilégio, segundo relato de Justino [410] , "merecia que as forças do universo se reunissem para ]hes exigir

expiação". Jerânimo [411] diz a propósito do capítulo V de Danie]: "Enquanto os vasos sagrados estiveram no templo de ídolos na Babilânia, o

Senhor não se irritou, pois parecia que tivessem, embora segundouma falsa opinião, consagrado ao culto divino o que pertencia a Deus, mas a partir do momento que profanam as coisas divinas com usos humanos, logo o castigo segue o sacrilégio."Agostinho

pensa que, se o império dos

romanos foi aumentado por Deus, é porque eles tinham em seu coração

uma re]igião, ainda que fa]sa. Comofa]a Lactâncio [412], porque e]es observavam o maior dever do homem, senão em realidade, pelo menos na intenção.

[407] Ver a respeito as bebaspassagens nos ]ivros V e V] de Ciri]o(OonZra Ju#anum).

Os anfictriões, sob instigação de cólon, moveram guerra aos cirreos porque

tinham entrado à força no templo de Delfos(Plutarco, Wdn de S37on,83 F). Pode-setambém punir legitimamente aqueles que se fazem passar falsamente por profetas(ver Agatias, livro V. 5) [408] Tucídides (1, 26) [409] Diodoro (XVI, 60)

[410] Vl11, 2, 6 [411] Oommenfa/fus ]zz .Fbopáefam Z)ande/(V])

[412]Caeci[iusFirmianus Lactantius [séc.]V d.C.], DuçdnaJ«um ]nsÉafuÉabnum (11,3 14)

880

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GROTluS

2. Dissemos antes (cap. Xlll, $ XII) que, quaisquer que sejam as

divindades que se crê comotais, o perjúrio cometidocontra elasé punido pela verdadeira divindade. Sêneca[413] diz: "]i punido por ter querido ultrajá-lo como Deus; sua consciência o obriga a uma reparação pe' na[.« ])o mesmo Sêneca [414] : "Num ]oca] é desse modo, em outro da-

quele modo, mas em qualquer lugar a pena é outra, é sempre diversa para os violadores das religiões." P]atão [415] tem como medida conde

nar à pena de morte osvioladores da religião.

[413] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Z)e Be/leác= b (Vl1, 7) [414] Idem, ])e .BeneElcuJS(111, 6) [415] Z)e Z,eEIZ,us(X, 15).

XXI

DA COMUNICACAO DAS PENAS

Sumário 1. Comoa pena passa para aqueles queparticiparam do delito. 11. Uma comunidade ou seus argumentosrespondem pelo deli-

to de um súdito, se dele vivei'aln ciência e não o proibiram, enquanto podiam e mesmo deviam proibi-lo. lll. l)o mesmo modo, pelo refúgio dado aos que cometeram em outro local o delito.

rVA menos que opunam ou o entreguem, o qüe é esclarecido

por exemplos. g. Os direitos dos suplicantes dizem respeito aosinfelizes, não aos culpados; com exceções.

71. Os suplicantes podent contudo serprotegidos, até que seu processo seja instaurado; segundo que lei a instrução deve ser feita .

V'll. Como os súditos participam dos delitos dos governantes ou do delito da comunidade, a queles que são membros dela; em que diferem a pena de uma comunidade da pena dos

privados.

VIII. Quanto tempo dura o direito da pena contra uma comunidade.

IX. Se a peJla passa sem comunicação do delito.

X. Distinção do que é causadodiretamente do que vem como decorrência.

XI. Distinção do que se faz por ocasiãodo crime com o que ocorre por ca usa do crime.

XII. Propriamente fiando, ninguém é punido de modojusto pelo delito de outrem

e por quê.

XIII. Os filhos não respondem pelos delitos de seus pais. XIV Responde-se aos aros de Deus com relação aos filhos dos culpados.

X\( Os outros parentes respondem menos ainda. XVI. Alguma coisa, contudo, pode ser recusada aos 8llhos e aos pais dos culpados que de outro modo poderiam ter; com exemplos.

XVII. Os súditos não podem propriamente ser punidos pelo delito do rei. XVIII. Nem osprivados quenão consentiram por causa do de' cito da comunidade.

XIX. Os herdeiros não estão sujeitos à pena como pena e porque. XX. São obrigados, contudo, se a pena passou para outro tipo de obrigação.

CAPÍTULO XXI -

DA COMUNICAÇÃO

883

DAS PENAS

1. Como a pena passa para aqueles

que participaram do delito 1. Todas as vezes que se trata da comunicação da pena, trata-se daqueles que são participantes do de]ito [1] ou de outros. Aqueles que sãoparticipantes no delito são punidos não tanto pelo delito de outrem, senão pelo deles. Pode-se conhecer quem são, de acordo com o que foi dito no capítulo XVll, $ VI sobre o prejuízo causado injustamente.

De

fato, a gente é cúmplice de um delito, quase da mesma maneira que se é responsável por um prejuízo. Não há, contudo, hoje, um delito em que

há obrigação de reparar um dano, mas somente quando sobreveio o acréscimode alguma maldade indigna, enquanto que uma falta, qualquer que seja, basta muitas vezes para impor a obrigação de reparar um dano causado.

2. Aqueles que ordenam um fato viciado [2], que concedemo consentimento que lhes é solicitado, que ajudam [3], que fornecem refúgio [4] ou que participam de qualquer outra maneira ao próprio crime, que

IJ lêrtultano? ern De #esurrecÉlbne Carne) (16), diz: "Os mlhlsü'os e os aií/np/)bes

de um crime têm a liberdade de se tornar talho ministros quantocúmplices Eles têm a livre disposiçãode sua vontadefrente aos outros e diante de si mesmos.Por isso devem ccmpartühar a falta com os autores do crime. a quem

px'estamvoluntariamente sua ajuda. [2] Agostinho(Sar/770 K Z)e sancÉ7k, IV) diz: 'íSau/o apeara?bva pejos /IJáos de fados

Ver algo semelhante em SerJ7?0 /(cap. 111),sobre o mesmo assunto.e Se//no [3] Fornecendo os meios. Znsilfuf/0/7/bus, -Deáurílh / Inferdum. Edita de Teodorico cap. 120. [4] Jerânimo, em seu livro Sobre as .f)aráóo/as,diz: ':r\Go ó some/;fe o ]acírüo que á )brigado, mas também aquele que, conhecendoo roubo. não o leva a conheci-

mento do proprietário para procurar a coisa roubada." 3oãa Cx\s6stomo(De Statuis, X]N. Sb esclen . "São responsáveis não somente os próprios perjuros, mas também aqueles que, conhecendofitos de peÜúrio, ajudam a oculta-los.

884

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GROTIUS

dão conse]ho [5] , e]oglam, aprovam [6], que sendo obrigados em virtude

do direito propriamente dito de proibir não proíbem]7] , que sendoobrigadosem virtude do mesmodireito de levar auxílio a quem sofre injúria e não o leva, aqueles que não dissuadem, enquanto devem dissuadir, aqueles que calam um fato que eram obrigados em virtude de qualquer direito de levar a conhecimento,todos essespodem ser punidos, se hou-

ver neles mesmosuma maldade tal que basta para fazer mereceruma pena, em conformidade com as coisas que foram tratadas há pouco

11

Uma comunidade ou seus governantes respondem pelo delito de um súdito, se dele tiveram ciência e não o proibiram, enquanto podiam e mesmo deviam proibi-lo 1. Acoisa se tornará mais clara através de exemplos. Uma comu-

nidade civil ou de outra natureza não é responsávelpelo ato dosprivados, se ela não contribuiu por sua ação própria ou por sua negligência. Agostinho [8] disse muito bem, de fato, que "uma coisa é a falta que

[5] Ver ])7sÉ/fEIÉianes e o edita de Teodorico, nos locais citados. Andocides.(Z)e .4/)sf,

94) diz que, segundo uma lei de Atenas, 'blue/e que deu o canse/bo de um crl)ne não deve ser menos punido que aquele que o executou com as pr.ópnas mãos .

Aristóteles(Z)e EÀeíor2ca,1,'7) diz: 'H coisa/?ão &er2asido reajJzadasem seu coJlselho

[6] Jogo Crisóstomo, em comentários à Ed)ÚZo/aaos J?onzanos/(,IZ0/22diaV. 1), diz

de Fílon e de Josefo que citaremos a seguir (pai'ágrafo XVII) [7] Jogo Crisóstomo(,adversas Judaeos, IV, 7) escreve: ':4ssJh é que, /7âo somente aqueles que cometeram um roubo, mas aqueles que, podendo impede-lo,não o ál2eram, são punidos ambos com a mesma pena. " O mesmo autor, em comentáli:'à /7 aos Gollhdos HZ7(Homüa XIV, 2), diz: 'Hsslh, fique/e que mpede que

se cuide de um doente é responsávelcomo se o tivesse ferido.

[8] Aut'e]ius Augustinus [354-430], é?uaesfzones ín .17epfafeucbu/n (111,26)

885 CAPITULOHI - DA COMUNICAÇÃO DASPENAS

cada um comete em particular num Estado, outra coisa aquela que é cometida em comum com um só espírito e uma só vontade no seio de

uma multidão reunida em vista de algum objetivo". Disso decorrem essas palavras na fórmula dos tratados: "Se for de6lnida a defecção por

uma de[iberaçãopública..." [9]. Oshabitantesde Locri, em Tiro Lívio [10], demonstram ao senado romano que a vontade pública não tinha tido qualquer envolvimento no crime de deserção. O mesmo re]ata [11]

que Zenon, implorando o favor dos magnetes diante de T. Quintius e dos embaixadoresque o acompanhavam,pedira chorando, diz Tiro Lívio, que "não se imputasse a toda uma cidade o erro de um só indivíduo, pois

cada um deve ser responsável por suas extravagâncias". Os habitantes de Rodes também, diante do senado, separam a causa pública da causa

dos privados, dizendo que "não há Estado que não tenha às vezes cidadãos perversos e sempre uma mu]tidão ignorante" [12] . Assim é que um

pai não responde tampouco pelo delito de seus filhos, nem um patrão por aquele de seu escravo, nem todos os demais superiores, a menos que

não subsista neles próprios algo de viciado. 2. Entre as coisas que podem tornar os superiores cúmplices de um crime há duas muito ú'eqüentes e que merecem ser cuidadosamente consideradas: o tolerância e a retração. Com relação à tolerância

191'1'ito Lívio, 1, 24, 8. João Crisóstomo (Z)eSZafui), 111,1) diz: 'H cidade não àav7b domadoparte no crime, mas que os autores eram estrangeiros, recém'chega ãos, que haviam feito tudo com $eine]-idadee com ignorância das leis, se3]}

premeditação.Não seria, portanto, justo que,peia ignorância de pequenonúmero de homelas, unia cidade tão grande fosse destruída e que os inocentes desse ar7he fossem pum'dos. "Amiano diz dos quados(XXX, 6, 2): 'Z7es aá12ma-

vam que nada havia sido tentado contra nós por deliberaçãopública dos chefes da nação. [10] Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z]/róe Go/zd/Za Q(XIX, 17)

lll] Idem, .4b Urbe Co/ dTfa(XXV. 31, 14) [12] Idem, .4ó z:/róe aondl&a(XLV.

23, 8)

886

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GROTIUS

deve-se colocar como máxima que aquele que sabe que um delito está para ser cometido, que pode impedi-lo, que é obrigado a fazê-lo e que não

o impede, se torna ele mesmo cu]pado. Cícero [13] escrevia em seu discurso contra Pisco: "Não há muita diferença, sobretudo no que diz respeito a um cônsul, entre o fato de perturbar a república por meio de leis perniciosas, de tramas criminosas e o de tolerar que os outros a pertur' bem." Brutus

escreveu a Cícero [14]: "Vós me tornais

responsáve],

po-

de-sedizer, da falta de outrem? Certamente, porquanto podia ser preve'

nida." "Cometeruma má açãoe não impedir aquelesque a cometemé a mesma coisa", diz Agapeto a Justiniano]15]. Arnóbio]16] diz: "Quem quer que tolere que o pecador peque, fornece forças à audácia." Salviano

[17] diz: "Aque]e nas mãos de quem está o poder de impedir, ordena, se não impedir que cometa." Com toda a verdade, Agostinho]18] diz: "Aquele

que evita se opor,quando puder, consente. 3. Assim é que aquele que, podendo subtrair

um escravo à prosti-

tuição, tolera que seja prostituído, é considerado pelas leis romanas como se ele próprio o estivesse prostituindo [19] . Se um escravo assassina, sabendo-o seu dono, obriga seu patrão pela totalidade, pois o próprio

dono é considerado como tendo assassinado]20] . Em virtude da lei Fabia, o dono é punido seum escravo, sabendo-o seu dono, desprezou o escravo do outro [21]

Íiãi

Íãarcus

Tu[[ius

Cicero [106-43 a.C.], in .Lucl'uJ72P]ionem

(5, 10)

[14] Idem, .©)zsfuJae ad Bruóu n (1, 4,5) [15] ParnJheé.

(28)

[161 Arnobius

[séc.

[17] Sa[vianus [18] Confira

.&

.g

Z)e

d.C.] , Z)zspuZaflones

[séc. V d.C.], Z)e Guie cánon

t\9Ã 1,. 7, ímperator, [20]

]]-]]]

Mola/.

/Z causa mZZ

[21] Paulo, Sente/lazão(V. 30, 2)

Àraflo/zes

] aóone Deu (V]1, 19)

quaesÉI'o 3.

Díg., Qui sine ma1lulniss. .4cf,

adversas

(IV.

32)

887 CAPITULOml - DA COMUN[CAÇAODAS PENAS

4. Como dissemos, deve-se ter, além do conhecimento do fato, o poder de impedir. Isso é o que dizem as leis que, quando se condena esse

conhecimento [22], se quer condenar ao mesmotempo a to]erância, de modo que é responsável pelo crime aquele que, tendo podido interpor impedimento, não o fez [23] e que esseconhecimento deve ser considera-

do comoacrescidoà vontade [24], isto é,acompanhadode um propósito deliberado. Por isso é que o dono não é obrigado se o escravo reclamou juridicamente sua liberdade, se não teve em conta as proibições de seu patrão [25], porque aque]e que tem conhecimento não é cu]pado, é verdade, se não puder impedir

[26] . Assim é que os pais são obrigados

em

razão dos delitos dos filhos, mas somente dos filhos que estão sob seu poder [27]. Por outro ]ado, mesmo que os tenham sob seu poder e que tivessem podido impedi-los, não serão obrigados, a menos que tenham tido conhecimento [28]. Essas duas coisas devem, de fato, concorrer juntas de igual modo, o conhecimento e a não-proibição, para que al guém seja obrigado em razão do fato de outrem. Isso deve, por semelhante razão, se aplicado aos súditos, pois isso provém da equidade nat.llrnl a

5. Próculo diz de modo magistral a propósito desseverso de Hesíodo [29] , "muitas vezes um povo é punido por um só homem que é iníquo": "Porque, podendoimpedir a maldade de um só, não a impede."

[22] Lei dosvisigodos, ]ivro V]]], tít. ]V. cap. X] e XXV]; e ainda, ]ivro ]X, tít. ], cap. ]

taRAL 45, Scientla, Ad !egem Aquiliam.

2.4ÀL. 1, $Haeclutem, Sifamil. furt. feciss.dic. [25À 1.. 4, in delíctás, De noxai. act.

t26ÀL. 50, Culpa, De Reg. Jur.; L !09, zluilum crimes eo tit.

Ci:iXL. 1, $ Qu! eam,in fine;i. Quid ergo, $1, 1, Non alia, Dig., Quinot. inf. t28À L

7, F'urtum, $ Quod si, Dig., Árb. fura. caesar.

[29] OP. ef Du'es (240)

888

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GROTI

US

Assim é que no exército dos gregos, onde o próprio Agamenon e os ou-

tros chefesestavam submetidos à assembléia comum, se podia dizer não sem razão: "Todas as loucuras dos reis, são os gregos que as supor' tam" [30]. Tocava a e]es, de fato, forçarAgamenon [31] a entregar ao sacerdote sua bilha. Assim é que se relata que, em seguida, a frota dos mesmos gregos foi queimada pela culpa e pelo furor somente de Ajax, filho de Oileus [32]. A esse respeito, Ovídio [33] diz: "Cu]pado de ter arrancado uma virgem do templo, atraiu sobre os gregos a pena que só ele havia merecido...", porque os outros não haviam impedido que a virgem sacerdotisa fosselevada. Há em Tiro Lívio [34] o seguinte: "Os parentes do rei Tabus maltratam os delegados dos laurentinos e como os laurentinos invocavam o direito das gentes, Tabus cedeu à influência e aos rogos dos seus. Por isso, fez recair sobre si mesmo o castigo deles."Aisso se refere propriamente essapa]avra de Sa]viano [35] sobre

[30] Quintus Horatius F[accus [65-08 a.C.], EpJs6uJae(1, 2, 14).

[31] Assim é que isso é exp]icado por Ciri]o(aDMira Ju/)a ]um, V). [32] Virgílio,

Ehelda

(1, 4). Eurípides,

em .4s H'02aJ2as (70), põe essas palavras

na

boca àe We\alba:"Qualldo a mão de.Ajax arrancou violentamente Cassandra de

teu salltuária... E Mínerva ]he dizia: Apesar disso,não ouviu nellhuma repõe ei7são,não ]«eceÓeucasÍli'o por paJ'fe dos gregos." Raciocinando sobre esse princípio, João Crisóstomo envolve todos os habitantes de Antioquia na acusação relativa às estátuas, em seu primeiro discurso sobre o assunto. Ele diz: "0 crime fo{ cometido por reduzido número e a acusaçãoé feita contra todos. Por causa deles, todos ]lós estamos agora tomados pelo medo e ]lós mesmos esse

ramos a punição daquilo que eles ousaram fazer. Se tívésselllas prevenido esse castigo, expulsando-os da cidade, e se tivésseJnos tratado essa parte doente c'omo co]]vÉím, esse fe 70r essa ]a longe de lias."Depois

acrescenta: '7'or c'ousa

disso mesJno,sofre teus castigos, suporta teus últimos suplícios porque zlão acorreste, porque leãoímpediste, porque não os retiveste ein sua loucura, porque não te expuseste ao perigo pela h031rado imperador. Não tomaste parte

no crime? Eu te elogio e te faço reverência, mas não impedíste para que se realizasse e isso já merece ser punido. [33] ]Ue6amorpÀoseon(XIV,

468)

[34] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.],.4ó Z]»óeG0/2d)'fa (1, 14, 1). [35] Sa[vianus

[séc. V d.C.], De GuberT2aÉlone Z)eu (V]1, 19)

889 CAPÍTULOml - DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

os reis: "Um poder que pelo poder considerável que tem pode impedir a[gum grande crime [36], o aprova de a]gum modo se, tendo conhecimento dessecrime premeditado, tolera que sejacometido." Em Tbcídides [37] se pode ]er: "Aque]e que pode impedir um crime é mais autor que o próprio autor." Assim é que em Tito Lívio [38], os veios e os ]atinos se

desculpamjunto aosromanospelofato deos inimigos dessesúltimos terem sido ajudados, sem que eles o soubessem, por alguns de seus

súditos.Ao contrário, a desculpade Truta, rainha dos ilírios, não é aceita porque ela dizia que não era ela, mas seus súditos que praticavam a pirataria, pois de fato e]a não os impedia de fazer isso [39] . Os habitantes de Scyros foram outrora condenados pelos anííctiões porque to[eravam que a]guns dos seus praticassem a pirataria [40]

6.As coisasque sãovisíveis, que sãofreqüentes, sãofacilmente presumidas como conhecidas, e a respeito Dion de Prousa [41] diz: "0 que é feito por muitos indivíduos não é necessariamente ignorado por ninguém." Po]íbio [42] censura severamente os etó]ios porque, não que renda parecer inimigos de Filipe, tinham contudo tolerado que alguns

136] Fílon(ib

.17accum, 5) diz: 'Hgtre/e que pode casÉilgal' cerfamenéepóde pro ó r Se

eie não impediu, deve ser consideradocomose tivessepermitido ou mesmo aprazado o gue se Éaz7a."Dion, na vida de Galba (Xiphilinus, LXIV. 2), diz: Basta aos simples privados não Cometer faltas. Compete aos que detêm o poder prestar também seus cuidados para que os outros não as cometam." Eqo

cânon IV do Concílio de Pestes,que se encontra nas capitulares de Cardoso CaXxo,Dclàe-selel: "leão está isento de cumplicidade aquele que neglÍgencía corrige' o que pode corrigir. Por isso, se torna sem dúvida alguma cúmplice do

pecado." Ver Nicetas Choniate, no livro sobre Andrânico(11,3) [37] Livro 1, 69.

[38] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], ..4bC&-Éé? Cb2dÉa(1, 30 e V], ]O)

[39]Políbio,11,8 [40] Plutarco,

Clmom (483 C).

[41] Dion Crisóstomoou de Prousa, Oz'aÉI'o /?Zodlbc'aXXX]

[42]Políbio,]V] 27

890

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GROTluS

dos seus cometessem abertamente contra ele fitos de hostilidade e ti-

nham cumuladode honras os principais dentre aquelesque haviam feito tais coisas.

111.Do mesmo modo, pelo refúgio dado aos que cometeram alhures o delito 1. Vamos à outra questão, relativa ao asilo dado contra as penas.

Como dissemos antes (cap. XX, $ VII), a todo indivíduo a quem nada de

semelhantese poderepreenderIhe é permitido naturalmente punir. Desde o estabelecimento dos Estados, convencionou-se, é verdade, que os delitos dos privados relativos propriamente

ao corpo do qual são mem-

bros seriam entregues a essespróprios Estados e a seus chefespara serem, segundo sua vontade, punidos ou dissimulados.

2. Um direito assim tão absoluto não lhes foi igualmente concedido, em matéria de delitos que interessam de alguma forma à sociedade

humana, delitos que os outros Estados ou seus chefestêm direito de perseguir, da mesma maneira que em cada Estado é dada uma ação popular em razão de certos delitos. Muito menos ainda têm eles esse poder absoluto a propósito dos delitos pelos quais outro Estado ou seu chefe é lesado em particular e em razão dos quais, por conseguinte, esse chefe ou esse Estado tem o direito de exigir um castigo em vista de sua dignidade ou de sua segurança, segundo o que dissemos antes (limo ll,

cap. XX, $ Vll). O Estado junto ao qual vive o culpado, ou seu chefe, não

deve, pois, impedir essedireito.

IV A menos que o punem ou o entreguem 1. Como os Estados não têm o costume de permitir que outro

]lstado avanceem armas para dentro de suasfronteiras para exercero direito de punir e que isso não é conveniente, segue-se que o Estado

891 CAPÍTULO XXI -

DA COMUNICAÇÃO

DAS PENAS

junto ao qual vive aquele que foi convencido de sua fa]ta [43] deve fazer

uma dessasduas coisas: serequerido, ele próprio punir o culpado segundo merece ou remetê-lo incondicionalmente

ao requerente. Esse é,

comefeito, de fato, o fato de entregar que seencontra muitas vezesna história [44] 2. Assim é que os outros israelitas

pedem aos benjaminitas

que

lhes entreguem os criminosos. Os íilisteus, aos hebreus, que lhes entre-

guem Sanção, como um homem que os havia prejudicado. Assim é que os lacedemânios moveram guerra aos messêniosporque não lhes entregaram certo assassino de ]acedemânios [45] e, em outra época,porque não haviam entregue aqueles que haviam violentado jovens enviadas a

uma cerimóniare]igiosa [46].Assim é que Catão(verlivro 1,cap.111,$ V 4) quis que César fosse entregue aos germânicos porque lhes havia movido'injustamente

a guerra. Assim é que os gauleses pediam que os

Fabius lhes fossem entregues porque haviam combatido contra eles [47]. Os romanos [48] pediram aos hérnicos para lhes entregar aqueles que haviam devastado seu território

e aos cartagineses de lhes entregar

[43] A instrução do negócio deve, de fato, preceder a extradição do culpado. Não convém entregar homens "sem conhecimento de causa". Plutarco. IZida de J?c5mu/o. Em Cambden (ano de 1585), o rei da Escóciadiz a Ehsabete que vai enviar para a Inglaterra o barão de Fernihurst e o próprio chanceler, contanto que se pudesse convencê-lospor provas claras e jurídicas de ter violado com premeditação a segurança prometida e de' ter sido cúmplices do assassinato. [44] Lucullus pediu Mitridates a Tigrana e, como essese recusou em entrega-lo, Ihe declarou guerra(Apiano, .4áfü/ídaf, .Be/Z,83, e Plutarco. l,lida de Z,uclzZTus. 505 D). Os romanos intimaram os alóbroges de lhes entregar os salgas (Apiano, .EkcerpÉ.legado/]um, XI). Ver Priscus(-EKcerpfa ZepaZlbnum,21) a respeito de um bispo que os romanos queriam entregar aos citas. O duque de Benevento foi entregue pelo rei de Gasconha a Ferdinando, rei de Castelã(Mariana, XX, l) [45] Pausânias, !V. 4

[46] Estrabão, Vl11, 4, 9.

[47] Plutarco, Hda de Cam]Zo(137 A); Apiano, .Errerpf. -Lapa/]b/]um(9) [48] Dionísio de Halicarnasso, Vl1, 64

892

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GROTIUS

Amilcar[49] , não o cé]ebre genera], mas outro que sublevava os gauleses.

Eles pediram também Aníbal [50] a seguir. De igua] modo, Jugurta pediu a entrega de Boccus,nessestermos que se encontram em Salústio [51] : "Tu nos entregarás, ao mesmo tempo da deplorável necessidade de

igualmente te perseguir, a ti mesmo e a ele, o mais celerado dentre os homens."Aqueles que tinham lançado mão dos delegados dos cartagineses

[52] e dos apo]oniatas [53] foram entregues pelos próprios romanos. Os

habitantes deAcaia pediram aoslacedemâniosque lhes fossementregues aqueles que haviam sitiada a povoação de Las, acrescentando que se não fossem entregues, o tratado seria considerado vio]ado [54] . Assim

é que os atenienses fizeram proclamar por um arauto que se alguém armasse emboscadas a Filipe e se refugiasse emAtenas

[55], "estaria

na situação de ter de ser entregue". Os habitantes de Beócia exigiram dos habitantes de Hipota que aqueles que haviam matado Phocus lhes fossem entregues [56]. 3. '1'udo isso, contudo, deve ser entendido como que um povo ou um rei não são obrigados estritamente a entregar, mas, como dissemos,

a entregar ou a punir. Lemos nessesentido que os eleanosmoveram guerra aos]acedemânios[57] porqueessesú]timos não haviam punido

[49] Tiün Liv us [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:/róeCh/?alia (XXXI, 11, 6). [50] Diodoro da Sicília, n'agmenf. (XXV, 5); Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó [/róe

Oondlfa (XXI, 6, 8). [51] Caius Sallustius Crispus [86-36 a.C.], .De -Be]/o Juguróá/ho (Cl1, 5) [52] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z]/róeCondlfa (XXXVl11, 42, 7); Valério Máxi-

mo,VI,6 [53]

Titus

Livius

[59 a.C.-17

d.C.],

Ed)i'f. (15).

[54] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:Zz.Ée Oondifa (XXXVl11, 31, 2)

[55] Diodoro, XV], 92. [56] Plutarco,

ArnrraÓ. .:4maÉ.(774)

[57] Pausânias, V], 2.

893 CAPÍTULOHI - DA COMUNICAÇÃO DAS PENAS

aqueles que haviam lançado injúrias aos eleanos, isto éÍ não os haviam

punido, nem haviam entregue os culpados. Isso, de fato, é uma obrigação alternativa.

4. .Algumas vezes, para satisfazer mais amplamente aqueles que rec[amam os cu]pados, a opção ]hes é dada [58]. Os ceritas, em Tito Lívio [59], apresentam queixa aosromanos de que "atravessando seu território com um exército ameaçador, os tarquínios que não lhes haviam pedido senão a passagem, haviam arrastado alguns habitantes dos campos, como cúmplices desses desastres, dos quais era acusada toda a nação. Esses, se forem reclamados, estão prontos a entrega-los

ou a pum-los, sefor requisitado seu suplício." 5. No segundo tratado dos cartagineses e dos romanos que se

encontra em Po]íbio [60] , há uma passagemordinariamente mal pontuada e mal traduzida: "Se isso não sefaz (não se sabede que se trata, pois há uma lacuna nas palavras precedentes),que cada um procure seu direito por sua autoridade privada. E quando alguém tiver agido

assim (isto é, comonão se tem feito justiça a ele), que o crime seja considerado como público." Esquino, em sua resposta à acusaçãode Demóstenes [61] sobre a embaixada ma] sucedida, re]ata que, quando

tratava da paz da Gréciajunto a li'ilipe da Macedânia,havia dito, entre outras coisas, que era justo que os Estados não fossem punidos pelos

crimes cometidos, mas que o fossem aqueles que se haviam tornado culpados e que não era necessário prejudicar em nada os Estados que

[58] Ver o tratado entre os reis da ]ng]aterra e da Dinamarca, citado em Pontanus De Mlarí ÇDíscuss.Híst., 1.,'2\)

[59] T[tus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó HTZ)eO0/2d)fa(V]1, 20, 6)

[60]111,24, 20 [61] Aeschines,

-De ma/e oó. ZeB: (117).

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US

haviam feito comparecer em justiça os acusados. Quintiliano diz em sua Declamação CCLV: "Acredito que esses se aproximam em muito dos trânsfugas,

pelos quais os trânsfugas são aco]hidos." [62]

6. Entre os males que surgem das discórdias dos Estados, Dion Crisóstomo [63] co]ocaigua]mente isso em seu discurso aoshabitantes de Nicomédia: "Que seja permitido aos que ofenderam um Estado de se

refugiar em outro. 7. Aqui se apresenta, a propósito daqueles que são entregues, a

questão de saber se aqueles que são entregues por seu Estado e que não

foram recebidos pelos outros, permanecem cidadãos. Publius Mutius Scaevola pensava que não permanecem como tais porque um povo teria

parecido haver rejeitado de seu seio aquele que teria entregue, como o teria feito ao interditar

a água e o fogo [64] . Brutus defende a opinião

contrária, e depois de]e Cícero [65]. Essa ú]tima opinião é também a mais verdadeira, não propriamente, contudo, pela razão que Cícero ale-

ga, que como uma doação,o fato de entregar não pode ser entendido sem uma aceitação. O ato da doação não tem perfeição senão em virtu-

de do consentimento das duas partes. O fato de entregar, do qual tratamos aqui, não é outra coisa que o de remeter um cidadão ao poder de outro povo para que essedecida a seurespeito o que bem entender. Essa

remessa não dá ou não tira nenhum direito. Ela suprime somente o [62] Zonaras, em .Bas#zo Po/:íh'ogei e#a(XVl1, 5, 50), diz: ':B7emandou pede' a

Cosroésde Ihe elltregar esserebelde que pretendia a realeza e que havia tomado as armas contra seu amo, convidando-oa não dar um exemploque poderia rasa/far em s /a pzzZpr7aperda. "Ver o que relata Chalcondyle(livro

X),

a respeito de piratas, aos quais se havia dado erroneamente refúgio na ilha de Lesbos.

[63] OmÜ XXXVIII. [64] .L u/ú., Dub, Z)e LegaÉaam.

[65] Marcus Tü[[ius Cicero [106-43a.C.], De Orafore (1, 40, 181; 11,32, 137); 7bpJca (8, 37); no .4. Caeazha(34, 98)

895 CAPÍTULOHI - DA COMUNICAÇÃO DASPENAS

obstáculo da execução.Por isso é que se o outro povo não faz uso do direito concedido, aquele que foi entregue estará na situação de poder ser punido por seu povo, o que aconteceu na pessoa de Clodius, entregue

aos corsos e não recebido por e]es [66], ou de não ser punido, como há

muitos delitos nos quais um e outro partidos podem ser tomados. O direito de cidadania, como os outros direitos e bens, não se perde por um simples fato, mas por um decreto ou um julgamento, a menos que alguma lei não queira que o fato passe por coisajulgada, o que não pode ser dito aqui. E é também dessa maneira que, se bens dados não foram recebidos, ficam para aquele a quem perteiícem. Se a rendição do culpa'

do foi recebida e se, em seguida, por alguma ocorrência, aquele que

havia sido entregue retornou entre os seus,não é mais cidadãosenão emvirtude de uma nova medida de favor. Nessesentido é que é verdade o que Modestino [67] afirmou a respeito daquele que foi entregue. 8. O que dissemos a respeito dos culpados a entregar ou punir não se relaciona somente com os indivíduos que foram sempre súditos daquele junto ao qual se encontram anualmente, mas mesmo aqueles

que, apóster cometido em outro local o crime, serefugiaram no país.

V Os direitos dos suplicantes dizem respeito aos infelizes, náo aos culpados; com exceções 1. 0s direitos tão cantados dos sup]icantes [68] e os.exemplosde asilos não põem obstáculo a isso. Não servem, de fato, senão para aqueles que são vítimas de um ódio imerecido e não para aqueles que come-

teram alguma coisa de prejudicial à sociedadehumana ou aosoutros homens. O lacedemânio Gylippus, em Diodoro de Sicí]ia [69], tratando [66] Valério Máximo, VI, 3. 81N L. 4, Eos qui, Dig., De captivis.

[68] Políbio e Malco, em .Ekcerp/a -Z.egaZ2bnl/m, as definem: 'Hs /els geraJmenfe invocadas em favor dos suplicantes. [69] Xl11, 29.

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Gnoíius

desse direito dos suplicantes, assim se exprime: "Aqueles que, na origem, fizeram leis em favor dos suplicantes estatuíram que se devia tratar com piedade os desafortunados, mas estatuíram também que se deveria punir aqueles que fazem o mal injustamente." E a seguir: "Se caídos em tal baixeza, sãojustamente convencidos de ter merecido por seus crimes e sua ambição que não acusam o acaso a respeito e que não chegam a usar o nome de suplicantes. Esse nome é reservado, entre os

homens, para aqueles cuja alma é pura, mas tiveram a sorte contra eles[70]. Quanto a esses,cuja vida não passade um tecido de injustiças, não conseguiram nenhum caminho praticável para abordar a piedade e nela encontrar refúgio." Menandro171] distinguiu perfeitamente entre essas duas coisas: a sorte adversa e a injustiça: "Há entre a injustiça e a infe]icidade

[72] essa diferença que o acaso faz essa e a vontade

faz aquela."As palavras seguintes de Demóstenes [73] não se afastam disso: "E justo ter piedade não dos maus entre os homens, mas daqueles

que são infelizes sem que tenham culpa disso." Cícero [74] traduz isso assim: "Deve-se ter piedade daqueles que estão na infelicidade por cau'

sa do acaso, não por causa de sua maldade." São palavras também de Antífanes

[75] "que o que se faz não vo]untariamente

é obra do acaso e

o que ocorre voluntariamente

é de desígnio premeditado". E estas pala-

['70] Um antigo orácu]o

em Eliano,

(transcrito

Uaz Hi)f.,

111, 44) diz:

'?l/alasée feu

amigo querendosocorrê-io;1lãocometessecrime algum, tua mão é mais pura do que já fora abates. [71] Estobeu, Ecrã. de ]Mor7óus(7)

[72] Fílon(Z)e Jud7ce,5) diz que 'ã co/npaúão nâo ó devida senão aos ináe/ires e qae aquele que faz o mal voluntariamente não é infeliz, mas injusto". hss\m ê (lue Marco Antonino quer que se examine o espírito dos outros para saber se agem por ignorância ou com propósito deliberado e para considerar ao mesmo tempo

as coesasque fém JJkzçãocom agua/a':Assim Totila distingue, em Procópio (Goffüzc.,111,9), entre o que se faz poT-ignorância ou por esquecimentoe o que se faz com pT'opósitodeliberado. [73] Zn HpáoÓum (1, 68).

[74] Marcus ']-u]]ius Cicero [106-43a.C.], De Znvenó/one (11,36, 109). [75] Orai. X]V

897

CAPITULOHI - DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

vras de Líbias [761:"Ninguém é infe]iz por um puro efeito de sua própria vontade." Assim é que na mais sábia das leis, os asilos estavam abertos para aqueles das mãos dos quais havia escapadouma arma que

havia matado um homem (Deu#eronÓmJbXIX, 1).Um refúgio era também dado aos escravos (-DeuferonÓmJbXXXl11,15), mas aqueles que compropósito deliberado tivessem matado um homem inocente, que tivessem perturbado o Estado, a própria santidade do altar de Deus, não havia proteção para eles (êxodo XXI, 14; /-Revê11,29; /7.ReJkXI, 13).Fí]on [77], ao exp]icar essa]ei, diz que "não há retração no templo para os profanos". Os antigos gregos não pensavam de outra forma. Conta-se que os ca]cidenses [78] não se haviam disposto a entregar Naup[ius aos habitantes daAcaia [79], mas se acrescenta que era por razão de ter-se ele desculpado suficientemente das coisas que Ihe haviam sido repreendidas pelos habitantes deAcaia. 2. Havia entre os atenienses um altar da misericórdia, do qual fizeram menção Cícero [80], Pausânias [81], Sérvio [82], mesmo Teóíilo em suas /nsüzfuÉJbnes[83] e que Papínio [84] descreve longamente. [76] Omf. XXX], lO. tl'i\ De Specialibus Legíbus Qx5à [78] Plutarco, Quaesf, Gz'aec.,32(298 D). [79] Pepino recebeu e não quis entregar os refugiados da Nêustria que fugiam da

tirania. ]sso se encontra em Fredegário, ]ÍJkíóe:z a de /lqp no, relativo ao ano 688. O imperador Luís o Piedoso também deu guarida aos que haviam fugida

da Igreja romana para procurar apoio junto a ele, comoaparecepor uma de suas ordenações,redigida no ano 817 e inserida no tomo ll dos Concílios da dália. Carlos o Calvo fez o mesmo com relação aos que se refugiavam junto a

?le, vindos do território de seu irmão Luís (Aymoinus, V. 34). A respeito de CegenaPatzinaca, que não foi entregue a Tirado que o exigia, ver Zonaras, em

História de Constantino Monomaco (XVl1, 26). Assim é que Osman não foi entregue a Eskisar pelo governador Inungino(Leunclavius, .Hzhf,abra., ll). Os portugueses

não entregaram

Albuquerque,

como relata Mariana

(XVI, 18).

[80] O esco]!asta atribui isso a Cícero, conforme consta em Publius Papinius Statius [69-125], TZeÓaJk (Xl1, 481)

[81]1, 17. [82]Comentárioà .êbevda VIII. 342 [83]Znsüfuüones 1. 21. [84] Pub[ius

Papinius

Statius

[69-125],

7ZeÓaJk (X]1, 483)

898

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GROTIUS

Para quem estava aberto? Escute-se o poeta: "Os infelizes o consagraram..." Logo a seguir acrescenta [85] que aí se reuniam: 'Vencidos na

guerra, exilados de sua pátria, fugitivos despojadosde seusreinos..."

Aristides [86] diz que é uma g]ória que pertencepropriamente aos atenienses [87] de "ter sido para todos os infe]izes que vinham a eles de

toda parte um refúgio e um consolo".E algures [88j: "A bondadeda república ateniense é a felicidade comum de todos os infelizes, de qual-

quer lugar que venham, pois é lá que encontram sua salvação". Em Xenofonte [89], Pátroc]es de F]iásio diz no discurso que dirigia aos atenienses: "Elogiava essacidade, quando ouvia dizer que todas as pes'

boasoprimidas ou ameaçadasde opressãosehaviam aí refugiado e aí haviam obtido auxílio." O mesmopensamento$eencontra na carta de Demóstenes [90] para o Êi]ho de Licurgo. Por isso é que Êdipo, refugian-

do-seem Colonum, na tragédia com essetítulo, se dá a conhecer assim

em Sófocles[91] : "A] de mim, fi]ho de Cecrops]Causei muitos ma]es, mas eu os causei, Deus é testemunha disso, sem querer e nenhum delesfoi voluntários" Teceuresponde:"Jamais me arrependerei de ter dado em qualquer épocahospitalidade a um estrangeiro comotu, Edipo. Lembro-me que sou um homeml" Do mesmo modo, os descendentes de Hércules, tendo-se refugiado em Arenas, o filho de Teseu, Demófones, assim se exprime: "Nossa pátria está sempre pronta a prestar socorro

[85] Idem, TZeóazb(X]1, 507). [86] Pa/7aÉÜen [87] Mariana estendeu o mesmo e]ogio aos aragoneses (XX, 12). Os gépidas prefe rem perecer todos que entregar lldigisal aosromanos ou aos lombardos (Go&óÃ/b.

IV, 27)

[88] Aristides,

.De Face,

11((2z:

Zeucír.,

])

[89] ]7is6. Graec. (V], 5, 45) [90] EP. 111,2. [91] .Óa]zboOo/on. (521). Ver toda a passagem que, de fato, merece ser ]ida.

899

CAPITULOur - DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

aos infelizes, quando sua causa é justa. Quantos perigos, de fato, já não enfrentou ela para a defesa de seus amigosl E agora veja uma nova luta

que se prepara." Tal era a conduta que Calístenes elo-grava particularmente nos atenienses,dizendo que "eleshaviam feito a guerra a Euristeu pelos filhos de Hércules [92], quando Euristeu oprimia a Grécia por sua

tirania." 3. Contra isso tem-se, a propósito doscriminosos, na mesma tragédia [93J: "Não temeria de modo algum ofender os deuses, se na justiça

persigo um homem que, embora tenha consciência de seus crimes, se refugia suplicante aospés dos altares dos deuses,não confiando na pro' teção das leis. Sempre é just(i que aquele que fez o mal, sofra as conse-

qüências." O mesmo poeta em lon [94J: "Não convém, de fato, que as

divindades sejam tocadaspor uma mão culpada, mas foi justo que os templos fossem abertos às pessoaspiedosas para protegê-las contra as

injúrias." O orador Licurgo re]ata [95] que certo Calístrato, quehavia cometido um crime capital, havia recebido por resposta do oráculo que

havia consultado que, se fossea Atenas, "ele obteria o que era conforme à [ei" [96] e que, na esperança de obter a impunidade,

se havia refugia-

do aos pés do mais santo dos altares que havia em Atenas [97], mas que

havia sido contudo condenado à morte por essacidade muito observante

[92] Ver Eurípides, 4s ]Ze/ác/Ides (329-32), e Apolodoro (11,8, 1)

[93] De uma incerta tragédia de Eurípides (.FPagme/]fa 1036),em Estobeu(46, 3). [94] Eurípides, ]o/] (1315 e seguintes). [95] ,4dversuÉ

Z,Coar

(93)

[96] Tácito, em .4nnales(111, 36), escreve; '%s orações dos sup/]banfes só sáo escuta '

ias pelos deuses quando justas. [97] Mariana (limo XXI) narra que em Portugal um camareiro chamado Ferdinanda havia sido arrancado do templo onde havia buscadaasilo e havia sido queimada por ter violentado uma filha de nobres. Ver também, sobre o asilo. o livro de célebre personagem, o padre Paulo, da sociedade dos Servitas

900

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de suas práticas religiosas e que assim a promessa do oráculo havia sido cumprida. Tácito [98] desaprova o costume acatado em sua época pelas cidades gregas de proteger os crimes doshomens, como se se tratasse de promover o culto dos deuses. Há no mesmo [99] que "na verda-

de os príncipes são como deuses, mas que os deuses não escutam as orações senão quando são justas'

4. Tais indivíduos devem, pois, ser punidos ou entregues ou certamente afastados. Assim é que, segundo o relato de Heródoto [100] , os

cumeenses, não querendo entregar o persa Pactias e não ousando relê-lo, Ihe permitiram partir para Mitilene. Os romanos exigiram do rei Demétrio de Farás que, vencido na guerra, se havia refugiado junto de ]iUipe, rei dos macedânios]lOl]

se entregasse. Perdeu, rei dos macedónios

[102], assim se exprime em sua justificativa a Márcio, falando daqueles que se dizia terem armado emboscadas a Eumenes [103] : "Para mim, logo depois do aviso que me destes que estavam na Macedânia, mandei

[98] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nna]es (111,60)

[99] Idem, .4/l/?ages(111, 36). [100] 1, 160 [lOl] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ..4b Z:Zz.óe Cond2fa (XX]1, 33, 3). [102] Apiano também o narra (.8rcerpf. Z%aézonum, 20). Há um fato semelhante na vida em latim de Temístocles(Cornelius Nepos, Z%emjsfoc7es,8): 'Zdlnefus,

rei dos moiossos, não o entregou, pois suplicava, aos atenienses e aos iacedem6níos que o reclamavam publicamente, e o advertiu a se controlar.

Por isso. mandou leva-io a Pidna. concedelado-lhe uma escolta su8icieilte. Assim é que, em Procópio(GoffüJC., 111,35), os gépidas mandam de volta o longobardo lldige. Acrescente-sea carta de Teuderico a 'l'rasamundo, tei dos vândalos, a respeito do refúgio concedido a Giselico (Cassiodoro, Uarl'ae,V. 43-44) e aquela que se encontra na vida do rei Luís. Assim é que o imperador Rodolfo ll mandou sair de seus Estados Cristóvão Sborowski, como o relato De Thou (livro LXXXlll, ano de 1585). Elisabete responde aos escocesesque

vai devolver Bothwel ou que vai expulsa-lo da Inglaterra. Cambdenrelata isso comoocorrido no ano de 1593. Ver Mariana(XIX, 6), sobre Alfonso, conde

de Gegion, condenadopelo rei da França e a quem foi recusado asilo na Espinha. [103] Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:ü.Ée GondJÉa (XL]1, 41, 8).

901 CAPÍTULOHI - DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

procura-los e lhes dei ordem de sair do reino e lhes proibi para sempre a aproximação de minhas 6'onteiras." Os samotrácios informam Evandro,

que havia armado emboscada a Eumenes, que "deveria se afastar do temp[o profanado por sua presença" [104] 5. De resto, esse direito de que falamos, de reclamar para punir aqueles que fugiram para fora do território não é praticado neste sécu-

lo, como nos últimos séculos, e na maior parte da Europa, a não ser em matéria somente daqueles crimes que atingem os negócios públicos ou

daquelesque têm ocaráter de um raro ato celerado.O costume seestabeleceu que os crimes menores sejam passadossobsilêncio por uma mútua dissimulação, a menos que, por cláusulas de um tratado, não haja um acordosobre a]guma coisa mais precisa [105]. Deve-sesaber também que os salteadores e piratas que cresceram tanto até tornar-se formidáveis podem ser recolhidos e certamente entregues, no tocante à pena, porque é do interesse do gênero humano que sejam afastados de seus crimes pela conülança da impunidade, se não podem sê-lo de outra forma e qualquer povo ou qualquer chefe de povo pode gerir esse interesse

VI. Os suplicantes podem contudo ser protegidos até que seu pi'ocesso seja instaurado; segundo

queleiainstrução deveserfeita 1. Deve-se observar também que, no intervalo da instrução sobre a justiça da causa, os suplicantes são protegidos. Assim é que Demófones

[106] disse ao enviado de Euristeu: "Setens a]guma queixa contra esses

[104] Idem, .4ó apõe Oo/ dl'Éa(X]iV. 5). [105] Como se pode ver no tratado dos suíços com os mi]aneses, re]atado por Simler.

Os tratados dos ingleses com os franceses estabelecemque os rebeldes e os fugitivos sejam entregues; aqueles com os burgúndios, que sejam expulsos. Cambden, ano de 1600. [106] Eut'ípides, ds JZe/ác/Ides(251 e seguintes)

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GROTA

US

estrangeiros, obterás justiça, mas não os arrancarás com violência daqui." Em outra tragédia [107] , Teceu disse a Creonte: "Creonte, ousaste

cometer um crime indigno de ti, de tua Tebase de teus antepassados. Tu entraste numa cidade que cultiva a justiça e a piedade, que faz todas as coisas segundo as normas da lei e sem levar em conta nossos costu-

mes, tu fazes o que queres e pensas que podes usar de todo tipo de violência. Essa cidade te pareceu sem homens ou tolerando o jugo e tu pouco te importasse comigo. Não íoi, porém, a cidade de Amphio que te

ensinou isso, pois seu costume não é de formar homens injustos e ela não te aprovará quando souber que invadisse o que pertence aos deuses,

o que pertencea mim e que tu tiraste infelizes suplicantes de um asilo sagrado. Para mim, se tivesse posto os pés na cidade de Labdacus, tivesse eu os direitos mais certos, os menos duvidosos, eu não teria tentado levantar a mão contra ninguém, sem o consentimento do senhor do território, lembrando-me do que convéma um hóspedenuma cidade estrangeira. Tu, porém, espalhas a vergonha e a infâmia sobre tua pátria que não o merece e se tua idade te tornou velho, não te deu o bom senso.

2. Se a culpa da qual são acusadosos suplicantes não é proibida pelo direito da natureza ou das gentes, a coisa deverá ser julgada segundo o direito civil do povo de onde vêm. E o que mostra perfeitamente Esqui[o

em .4s ,SupJlbanfes

[108] , onde o rei de Algas

se dirige

assim

à

tropa dos danaidas vindos do Egito: "Se osfilhos do Egito sustentam que, segundo a lei do país, seu parente próximo lhes conceda direitos sobre vós, quem ousaria contradizê-los? Deveis pois provar que eles não têm sobre vós, de acordo com as leis do país, nenhum direito legítimo."

[107] Sófocles, ]aEÜo ao/on.(911 e seguintes)

[108] Versos 387 e seguintes

CAPITULOHI

903

- DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

VII. Comoos súditos participam dos delitos dos governantes ou do delito da comunidade, aqueles que são membros dela; em que difere a pena de uma comunidade da pena dos privados 1. Vimos como a falta passa dos súditos, antigos ou recém-chegados, aos governantes. ])e modo recíproco, a falta passará do poder sobe-

rano aos súditos, se os súditos consentiram no crime ou se âlzeram, segundo a ordem ou o conselho do poder soberano, alguma coisa que não

pudessem fazer sem crime. Será melhor tratar esseassunto a seguir ($ XVII), quando for examinado o papel dos súditos. O delito se comunica mesmo entre o corpo inteiro e os privados porque, como diz Agostinho [109], na passagem citada anteriormente: "Lá onde se encontrar a universalidade, lá estão os privados. A universalidade não pode ser campos'

ta senãopor privados, pois são muitos privados reunidos ou considerados como um só todo, que fazem a universalidade." 2. A culpa é dos privados que consentiram, não dos que foram vencidos pelos suâ'ágios dos outros. As penas relacionadas aos privados são, de fato, distintas daquelas que se relacionam à universalidade. Do

mesmo modo que o castigo dos privados é de vez em quando a morte [110], assim também a morte de um Estado é de ser destruído, o que ocorre quando o corpo político é dissolvido, assunto que tratamos em outro local (capítulo IX, $ 4). Assim é que se o Estado vem a cessar dessa maneira, Modestino [111] disse com razão que o usuâ'uto se extingue, como se fosse pela morte. Os privados são reduzidos à escravidão,

a título de castigo, como o foram ostebanos sobAlexandre da Macedânia [112], à exceção daque]es que se haviam

pronunciado

contra a reso]ução

[109]Aure[ius Augustinus [354-430], é?uaesÉünes ]z2]?epfafeucü.[zm (111,26) [llO] Licurgo, .4dversus .Leocrafem(60). [111] .ü .2], S]' Ususárucfus,

[112] Plutarco, Aexnnder(670

.Dzb, Quomodo

E).

ususáz ..4mjé.

904

H

UGO GROTIUS

de abandonar sua aliança. Do mesmo modo um Estado sofre a escravi-

dão política quando é reduzido a província. Os privados perdem seus bens pelo confisco. De igual modo tira-se de um Estado as coisas que são

comuns a todos, as muralhas, os estaleiros, os navios de guerra, as armas, os elefantes, o tesouro do povo, as terras públicas.

3. Injusto, contudo, é que os privados, por causa do delito da universalidade cometido contra seu consentimento, percam as coisas que lhes pertencem como próprias, como o demonstra bem Libânio em seu discurso sobre a sedição deAntioquia. O mesmo aprova a conduta de Teodósio [113] que havia punido um de]ito comum pela interdição do

teatro, dosbanhos e do título de cidademetropolitana.

VIII. Quanto tempo dura o direito da pena conta'a uma comunidade 1. Aqui se apresenta uma bela questão, a de saber se uma pena pode sempre ser exigida pelo delito de uma universalidade. Parece po' der sê-lo, enquanto dura a universalidade, porque o mesmo corpo subsiste, ainda que as partes que o constituem se sucedam, como isso foi

demonstrado algures (cap. IX, $ 111,1). Deve-seobservar, porém, por outro lado, que, com relação à universalidade, certas coisas são ditas Ihe pertencer diretamente e por elas próprias, como o tesouro público,

as leis e outras coisassimilares, que certas outras não Ihe competem senão por derivação, as dos privados. Assim é que, de fato, dizemos ser sábia e corajosa uma universalidade que possui em seu seio um grande

número de membros que são tais [114]. Desse gênero é o mérito. Em [113] Jogo Crisóstomo (.DeSfafuls, XV]1, 2) diz sobre esseponto as mesmas coisas que Libânio. Marco Antonino, o filósofo, segundo testemunha Capitolino (25), havia tratado outrora da mesma maneira os mesmos habitantes de Antioquia

e Severo puniu os habitantes de Bizâncio tirando-lhes o teatro, os banhos, as

honras e seus ornamentos; quanto à cidade, ele a deu aos habitantes de Períntió. Ver Herodiano (111,6, 9), Zonaras (Xl1, 8) e o que dissemosacima. [114] Aristóteles, .f)b/z'tlaa(V]1,13)

CAPITULOHI

905

- DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

primeiro lugar o relacionado aosprivados, comotendo uma vontade que a própria universalidade não tem. Se aqueles pelos quais o mérito se

difunde sobre a universalidade vierem a faltar, o próprio mérito se extingue também e por conseguinte, com ele, a obrigação de sofrer o cas-

tigo que,já o dissemos,não pode existir sem o mérito. Libânio assim se exprime no citado discurso: "Penso, de fato, que te basta pelo castigo que ninguém daqueles que cometeram o crime sobreviva. 2. Deve-se pois aprovar a opinião deArriano

[115] que condena a

vingança de A[exandre sobre os persas [116] , quando, depois de muito tempo, os que haviam ofendido os gregos eram mortos. Esse o julga-

mento de Quinto Cúrcio [117] sobre a destruição dosbranquidas peão mesmoAlexandre: "Se essesrigores tivessem sido imaginados contra os

próprios autores da traição, se poderia considera-los comouma justa vingança e não como uma barbárie, mas foram então osdescendentes que expiaram a falta de seus ancestrais, homens que nunca haviam

visto Mileto, longe de ter podido entregar essacidade a Xerxes." Em outro [oca[ há um ju]gamento de Arriano [118] sobre o incêndio de Persépolis,em vingança daquilo que ospersas haviam feito a Atenas: "Alexandre não me parece ter agido nisso com sabedoria, pois não era o caso de se vingar verdadeiramente

desses persas, porquanto havia muito

tempo que haviam deixado de existir."

[115] Arrianus, -Erped. .4/exaJ2df(11, 14)

[116]Foi por isso queJu[iano,no e]ogioa Constância ((2raÉ.]], atribui a outro motivo a guerra que fez e diz: '7bdos sabe ]] que, aíó agu ;

e/ quina gue/:ra

reputada justa foi empreeiadÍda por tai motivo, como aquela dos gregos con-

tra os troianos ou aquela dcs macedónios contra os persas. Eles não buscavam a vingança de alguma injúria de velha data ou mesmocontra os }letos ou os filhos daqueles quer eram seus autores, mas atacavam aqueles que insuitavam os ãihos das pessoas de mérito e que as despojavaln da coroa [117]Vl1, 5, 35 [118] Expert. .4/exandTí(111, 18, 19)

906

H UGO

GROTIUS

3. Por isso não há quem não ria das pa]avras de Agátoc]es]119] que respondeu às queixas dos habitantes de ltaca, sobre danos que lhes

haviam sidocausados,que ossicilianoshaviam outrora suportadomais males da parte de Ulisses. Plutarco diz em seu livro contra Heródoto [120] que não era abso]utamente verossími] que os coríntios tivessem querido se vingar de uma injúria recebida da parte dos habitantes de íamos "desde três gerações".A defesa dessefato e de outros similares que podem ser lidos em Plutarco a propósito da tardia vingança da divindade é semfundamento. Uma coisaé, de fato, o direito de Deus e outra aquele dos homens, como isso se tornará mais claro logo mais. Se é justo que os descendentes colham honras e recompensas pelos méritos

de seus antepassados,não é justo por isso que sejam punidos pelas culpas dessesúltimos. Anatureza do beneficio é tal, de fato, que pode se aplicar sem injustiça a toda pessoa.Não é a mesma coisa para a pena.

IX. Se a pena passa sem comunicação do delito Dissemos de que maneiras a comunidade da pena provém da comunidade da culpa. Resta examinar se,quando não setomou parte na culpa, se pode ter parte na pena. Para que isso seja bem compreen' dido e para que coisasque sãoefetivamente diferentes não sejam confundidas por causa da semelhançadostermos, há algumas advertênciasafazer.

X. Distinção do que é causado diretamente do que vem como decorrência 1. Em primeiro lugar, uma coisaé o dano diretamente causado, outra coisa aquele que vem por vias de conseqüência. Chamo causado diretamente o dano que consiste no fato de tirar de alguém uma coisa [119] P[utarco, ]popÃíüeg7 [t20]

idem,

Z)e .]?êJ-odoíl'

aía (176 A) e De gera / u/n. t.7hd (557 B)

]Ua]lgn.(860

A).

907 CAPITULOml - DA COMUNICAÇÃODAS PENAS

da qual ele tem um direito próprio. Por via de conseqüência,o que por efeito de que alguém não tem o que poderia ter tido de outro modo, o que

ocorrequando a condiçãocessa,sema qual não havia o direito. Há um exemp[o disso em U]piano [12 1] : "Se em meu terreno abri um poço e se

disso resultou que os veios de água que deveriam chegar até ti tenham sido cortados, o jurista nega que tenha havido dano causado pelo vício

de minha obra, desde que 6izuso de meu direito." Em outro ]oca] [122] ele diz que há uma grande diferença entre so6'er um dano e ser impedi-

do de usar de um ganho que ainda serealizava. Ojurisconsulto Paulo [123] diz também que "é inverter a ordem das coisas dizer-se ricos antes de ter adquirido' 2. Assim é que, quando os bens dos pais são confiscados, os filhos

levam, é verdade, um prejuízo, mas que não é propriamente uma pena porque essesbens não deviam lhes pertencer se não fossem conservados

por seuspais até seu derradeiro suspiro. E o que foi muito bem observado porA]feno [124], quando diz que, por punição do pai, os 61hosperdem o que a eles seria transferido por ele, mas que o que lhes seria atribuído,

não vindo do pai, mas pela natureza dascoisasou de outra parte, per-

maneceintacto. Assim é que Cícero [125] escreveque os fi]hos de Temístocles haviam sido reduzidos à pobreza e que não acha injusto que os filhos de Lépido sofram o mesmo infortúnio. Ele diz que é um uso

antigo de todos os países.As ]eis romanas [126], todavia, que foram feitas a seguir trouxeram muitas modificações.Assim, quando pelo de-

L\2\3 L 24, ilumina, $ uit., De damão infecto. t\22ÀL. 26, Proculus, Dig., dicto loco. t\23ÀL 63, Premia,Dig-, Ad Lerem Faicid. ttZ4à L 3, Eum., Dig. De interdÍct. et releg. [125] EpJifu/ae

t\26À h

ac7.Brufum

(1, 15, ll

e 12, 2)

7, Cum ratio, Dig. De bonés damnat.

908

H UGO

GROTIUS

lido da maioria que, como nós dissemos alhures (livro 11, cap. V. $ XVII),

representa a pessoada universalidade, a universalidade seencontra em culpa e que a essetítulo ela perde o que dissemos, a liberdade políti-

ca, às muralhas e outras vantagens, os privados inocentes soõ'em também o prejuízo, mas somente nas coisas que não lhes pertencem senão por intermédio da universalidade.

XI. Distinção do que se faz por ocasião do crime com o que ocorre por causa do crime 1. Deve-se observar a mais que, às vezes,se leva alguém a supor'

tar um mal ou se o priva de algum bem por ocasião,é verdade,deum crime de outrem, mas sem que essecrime seja a causa próxima dessa ação, se for considerado somente o próprio direito que se tem de agir dessa forma. Assim, aquele que prometeu alguma coisa por ocasião da

dívida de outro, sobeum dano em virtude desseantigo provérbio [127]: "Responde por outro e o prejuízo não está longe", mas a causa próxima da obrigação é a própria promessa. Do mesmo modo que aquele que respondeu por um comprador não está propriamente obrigado em razão

da venda, mas de sua promessa, assim também aquele que respondeu pelo autor de um delito não está ligado à causa do delito, mas pelo efeito de seu envolvimento. Disso decorre que o mal que deve ser suportado

não toma sua medida no delito do outro, mas no poder que o próprio prometedor tinha de assumir o compromisso. 2. Segue-se,de acordo com a opinião que acreditamos ser a mais verdadeira, que ninguém podeser condenadoà morte em virtude de um compromisso contratado por outro porque estabelecemosque ninguém

tem sobre suavida um direito tal que a possatirar ele próprio ou se

[127] Estobeu, 3, 79

909

CAPÍTULO ml - DACOMUNICAÇÃO DASPENAS

deixar levar a permitir

que a tirem dele, embora os romanos e os gregos

tenham pensadode modo diverso sobreesseponto. Por isso, acreditaram que os responsáveis se obrigavam crimina]mente

[128] , como isso

seencontra num verso de Ausânio [129] e que isso resu]ta da história

muito conhecidade Damon e Pítias, e muitas vezespuniram com a morte os reféns, como o lembraremos em outro local (livro 111,cap. l\C $ 14). O que dissemos da vida deve ser estendido de igual modo aos mem-

bros, pois não foi dado direito ao homem sobre eles, a não ser em vista da conservação do corpo.

3. Se o exílio, se um prejuízo financeiro foram compreendidos na promessa e se a condição foi cumprida pelo delito do outro, o que respon'

de sofrerá o dano, o que, no entanto, falando com exatidão, não será uma pena com relação a ele. Ocorre aqui, mais ou menos, como ocorre com aqueles que gozam de algum direito cujo uso depende da vontade de outrem. Tal como é o direito precário com relação à propriedade da coisa e o direito dos privados com relação ao domínio eminente que tem

o Estado em vista da utilidade pública. Se alguém é despojado de alguma coisa semelhante por ocasião do delito de outrem, aquele que nos

despojanão exerce propriamente uma ato de punição e só faz usar o direito que tinha antes. Assim é que um delito, não podendo propria-

mente ser imputado a animais, quando um animal é morto como é [128i Isso aparece c]aramente nas pa]avras de Rubem a Jacó, seu pai(Génes2k XLl1, 37) e em Josefo(.4ní7gü/'dados

JudaJC'as,11, 3). Eutrópio(em

Ca/lgtzJa)

chama esses representantes de ctvTtyu)Cot,pessoasque colocam sua vida em lugar da de outro; Diodoro da Sicília(.Ekcerpf. .F)aJ>esc., os designa de patrocinadores da morte. João Crisóstomo, em comentário à Ed)ibÉa/aaos Gá/rifas /Z õ\z. "Do mesmo modo quando um homem foi condellado à morte, o inocente que se oferecea morrer por ele Qlivra do suplício-." hgastàx:hoÇEpistula tíX Ad !úacedoniumÜ

abselva

(Xne "ocorre por vezes que aquele

que foi causa da

morte de alguém é mais culpado que aquele mesmo que o !evou à morte, como,por exemplo, se alguém engana seu representante e essesofra por ele o suplíciç} derradeiro. [129]

ZeCÜJIOP.

(101)

910

H UGO

GROTIUS

prescrito pe[a [ei de Móisés [130] por ter servido a uma união carna] com o homem, isso não é verdadeiramente uma pena, mas um exercício da propriedade humana sobre o animal.

XII. Propriamente falando, ninguém é punido de modo justo pelo delito de outrem e por quê Postas essas distinções, diremos que nenhum homem inocente de um delito pode ser punido pelo delito de outrem. Averdadeira razão disso não é aque]a que a]ega o jurisconsu]to Pau]o [131], que os castigos

são estabelecidos pela correção dos homens, pois um exemplo pode, ao que parece, ser feito fora da pessoa do culpado, na pessoa contudo de alguém que ele mesmo o toque, como logo o diremos ($ XIV). E porque toda obrigação à pena vem do que se mereceu. O mérito é pessoal, como

tendo por princípio a vontade, que é o que se tem de mais próprio, daí ser ela chamada de "livre arbítrio"

XIII. Os filhos não respondem pelos delitos de seus pais [. Jerânimo

[132] diz que "nem as virtudes,

nem os vícios dos

pais são imputados aos íi]hos". Agostinho [133] diz: "Deus, a mais, seria

injusto se punisse um inocente". Dion Crisóstomo [134] , tendo dito em seu último discurso que, pela sanção penal acrescida pelos atenienses às leis de cólon, os descendentes eram votados ao suplício, fala assim da

1130] A esse respeito, ver Moisés Maimânides

[131]Livro XX, X];V]11,19. L\32À Epistuia 111, De morte Nepotiani. [133] 4pzbfuJa .705. [134] arado .LXXX

22Úeaé..DuÓJfanÉlum(111, 40)

CAPITULOUI

DA COMUrliCAÇÃ0 DAS PENAS

911

lei de Deus: "Essa não pune como a outra os filhos e os descendentes dos

culpados,mas cadaum é para ele próprio a causade sua própria infelicidade." A isso se refere o que foi dito comumente que "a culpa segue o indivíduo"

[135] . "Nós ordenámos, dizem os imperadores cristãos [136] ,

que a pena esteja onde houver culpa". E mais: "Que cada um âlque pois responsável por seus delitos e que o temor não vá mais longe do que onde se encontra o crime."

2. Fí]on [137] diz que é justo que as penas pertençam àqueles a quem pertencem as culpas, censurando assim o costume de certas na-

çõesque punhamde morte os filhos inocentesdostiranos ou dostraidores. Dionísio de Ha]icarnasso [138] a censura igualmente e demonstra que a razão que se toma por pretexto, que os 6llhos são considerados como devendo se assemelhar a seuspais, é iníqua porque isso é incerto

e que um temor incerto não deve bastar para dar a morte a alguém. Não sei quem ousou sugerir ao imperador cristão Arcádio [139] que aqueles, na pessoade quem os exemplos do crime paterno são temidos, devem perecer pelo suplício de seu pai. Amiano [140] re]ata que Êi]hos, bem pequenos ainda, foram condenados à morte "no temor de que se-

[135] Z. 4& D. .[t 4. [136] Z. .e4 SaJICÍmtZS, aOCÍ, De POenJi. [137] -De Spec/bJlbus Zepóus

(11, 30). O mesmo diz, em seu livro .De P7efafe (7): ':\Ua

sei se é possível imaginar uma instituição mais prejudicial que a de n.ãQpuna' )s maus porque eles }lasceram de pais virtuosos e de não honrar os home11s ie bensporque tiveram pais maus.A lei quejulga cada um segundosuas obras age de modo totalmente diverso; não elogia nem pune em consideração das wFfudes ou dos 1.7ü7bs dos menJóras da ÉamíCÜ."Josefa, classificando a condu-

ta contrária mantida por Alexandre, rei dos judeus, diz que era 'bma ]haJJeb'a de pun r quem excedessea medida da .bumanfdade': Júpiter Amon, diz Ovídio (i14efamorpóoseon,IV. 669), havia injustamente ordenado que Andrâmeda sofresse,sem tê-la merecido, a punição das palavras de sua mãe [138] Vl11, 80. .\3qÜ L 5, Quisquis, Cod., AdLegem [140] livro XXVl11, 2, 1

Julgam Majest.

912

H UGO GKOtlUS

guissem os exemplos de seus pais". O temor da vingança [141] , de onde

surgiu o provérbio grego"é louco aquele que, matando o pai, poupa os filhos", não é uma causa mais justa. 3. Segundo Sêneca [142] , "nada mais injusto que tornar a]guém

herdeiro do ódio que foi nutrido contra seu pai". Pausânias, general dos gregos, não fez mal algum aos filhos deAtagino que havia provocado os

tebanos a se entregar aos medos [143] , "dizendo que e]es não eram cu]pados de complâ em favor dos medos". Numa carta ao senado, Marco Antonino diz: "Por isso é que havereis de conceder o perdão aos filhos de

Avídio Cássio [144] (quehavia conspirado contra e]e),a seu genro e a sua esposa.Porque falar de perdão, se eles nada fizeram."

XIV Responde-se aos atos de Deus com relação aos filhos dos culpados 1. Deus, na verdade, na lei hebraica (Êxodo XX, 5) ameaça punir a impiedade dos pais em sua posteridade. Ele mesmo, porém, tem um direito absoluto de propriedade sobre nossos bens, como sobre nossa vida, como sendo um presente que ele pode tirar de cada um quando

quiser, sem nenhum problema, e a qualquer momento. Se ele, pois, arrebata por uma morte prematura e violenta os filhos de Acan (Josuó

[141] Vitoria, .Z)eJure .BeZZ2; n.' 38 [142] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .Z» ]ra (11,34)

[143] Heródoto, Caia'op.(1, 88) [144] Ver também Vulcatius, em Wdâ de.4v7'alas(12).Ju]iano elogia Constâncio por ter usado de semelhante humanidade e mostra que muitas vezes filhos virtuo

sos nasceram de pais perversos, do mesmo modo que as abelhas voam do

rochedo, que os figos provêm de uma árvore amarga, que a romã sai dos espinhos. As palavras seguintes são do mesmo autor: '7\©o quJsesfe enralçer

na punição do pai morto seu filho menor de idade e assim tua conduta, sempre inclinada para a ternura, é o testemunho de uma vb'tude pez$eíta.

913 CAPITULO ul

DA COhiUNTCAÇÃO DAS PENAS

Vl1, 24), de paul (/7Samue/XXI), de Jeroboão (l Reis XIV), deAcab (/7 .Re/kVl11,19-20), usa para com eles seu direito de propriedade, não um

direito de punição [145] e, pe]o mesmofato, pune mais gravemente os pais. Ou os pais sobrevivem, o que a lei divina tem sobretudo em vista e é por isso que a lei não estende essas ameaças além dos bisnetos

(êxodo XX, 5; XXV) [146] porque a vida humana pode seprolongar de maneira a vê-los e, nesse caso, é certo que os pais são punidos por um

tal espetáculo,mais aíllitivo para elesdo queo mal que possamsuportar em sua pessoa. Isso é o que exprime perfeitamente Crisóstomo [147],

como qual concordaP]utarco [148], dizendoque "não há suplício mais cruel do que ver pessoas que vêm de nós infelizes por nossa causa". Ou ainda os pais não vivem até lá e então é sempre um grande suplício para elesmorrer nessetemor. Tetu]iano [149]diz: "A insensibilidade do

povo havia obrigado a usar tais remédios, a fim de que ao menos se convencessem a obedecer à lei de Deus, no interesse de sua posteridade."L150]

2. Deve-se observar ao mesmo tempo que Deus jamais usa essa temível vingança a não ser contra crimes cometidos propriamente em vista do ultrajante,

como os falsos cultos, o perjúrio, os sacrilégios. Os

gregos não pensaram de outra forma. Os crimes que eles consideraram

como que ligando à posteridade e que elespróprios chamavam de cri-

[145] Esta é a opinião, de longe a mais verdadeira do rabino Simeon Barsema [146] Há exemp]os disso em Zamri e Jeú. [147] ]7omJba 29 (cap. 6), sobre Genes/i IX [148] .De Hera .Numih i Hhdlb&a(561 A) [149]

Quintus

Septimius

Florens

Tertu[[ianus

[155-220?],

,4dvprsus

.ãZa/cionem

(]].

15

llSO] Em Quinto Cúrcio(Vl11, 8, 18), Alexandre diz: '7\Uo era preclko que souóásselk ) que eu havia decidido a respeito deles para que vossa morte fosse mais cruel.

914

H U GO GxOTiUS

mes horríveis [151] são todos dessegênero. P]utarco disserta de modo eloqüente sobre esseassunto em seu livro sobre a vingança tardia da divindade [152]. Há em E]iano [153] o seguinte orácu]o de Delfos: "A

justiça divina persegueos autores doscrimes e não pode ser evitada, mesmo se tivessem sua origem em Júpiter. Ela está suspensa sobre a cabeça de todos aqueles que nascem deles e em sua casa um desastre

sucedea outro." l:ratava-se aí do sacrilégio [154], o que prova também a

história do Ouro de ZoJosaem Estrabão [155] eAu]us Ge]]ius [156]. Citamos antes autoridades semelhantes com relação ao perjúrio. Enfim, mesmo que Deus tenha feito essas ameaças, ele não usa sempre

contudo essedireito, sobretudosealguma virtude insigne brilhar nos filhos [157], como se pode ver em Ezequie/(XVlll)

e como Plutarco o

prova por alguns exemplos, no local mencionado.

3. Como, na nova aliança, os suplícios que esperam os ímpios após essavida são desvelados de uma maneira mais clara que outrora,

não há por essarazão nessa aliança nenhuma ameaça indo além da pessoa dos cu]pados [158], o que a profecia já citada de Ezequiel tem principalmente em vista, embora menos claramente, segundo o costu-

me dosprofetas.

Ver Plutarco, Wda de .f)ézicles(170A) e o que foi dito acima, neste livro, cap.

xm,$i.

[152] De gera Numinis Vindicta. [153] Uar J7hÉ. (111,43).

[154] Como diz Libânio: "Chs Já receberam seu casÉjlgo,outros nãa o /eceóeran] ainda, mas ninguém os livrará da pena; e diga não somente eles,mas também seus /l7Zos e agua/es que de/es váo / ascez" O mesmo Libânio diz algo de

similar' no discursoque Godefroi publicou.

iMI,is [156] .M)ates.4fÉüae(111,9). [157] Ou se fizeram uma declaração pública amaldiçoando o crime paterno, geme'

Ihante à que fez o imperador Andrânico Pa]eó]ogo,em Gregoras(livro V. cap. 81) [158] Tertuliano(De Monogamia, 7) escreve: 'y ava azeda comi'dape/os pais cessa

de irritar o$ dentes dos filhos, pois cada um há de morrer no delito que }he é próprio.

CAPITULO

915

HI - DA COlaUNICAÇAODAS PENAS

Não é permitido, porém, aos homens, imitar essecomportamento de Deus. O casonão é o mesmo porque, comojá dissemos, Deus tem um direito sobre a vida, abstração feita de toda consideração de culpa. Os homens não o têm, a não ser em razão de uma culpa grave e que seja própriadapessoa. 4. Por isso é que essa mesma lei divina (-Z)euÉeronÓmJbXXIV. 16)

proíbe punir com a morte os filhos pelos crimes de seus pais, como os

pais pe]os de seusfi]hos. Pode-se]er que reis piedosos]159] seguiram essa [ei, mesmo com re]ação a cu]pados de a]ta traição. Josefo [160] e Fí[on [161] e]oglam com veemência essa ]ei. ]sócrates [162] e]ogia tam-

bém uma ]ei egípcia simi]ar e Dionísio de Ha]icarnasso [163] uma ]ei

romana. P]atão [164] diz que "as vergonhas e as punições do pai não devem seguir nenhum dos fi]hos". O jurisconsu]to C]a]ístrato [165] exprime assim isso: "0 crime ou o castigo paternos não podem infligir Hllho nenhuma mancha."Acrescenta

ao

como razão que "cada um corre os

riscos do que faz e que ninguém é constituído sucessordo crime de outrem". Cícero [166] diz: "No Estado, se poderia to]erar que a]guém propusesse fazer uma lei pela qual o filho ou o neto fosse condenado, se

[159] Como Amasias (ll Reis XIV. 6). [160] ..4nf7kz]2'dadas anda 'cas(]V. 8, 39) [161]

Z)e .Z,eK7bus SpeabJlbus(11,

[t62]

.Busír2'des

29)

(lO)

t\63À Assim à\z eX6 "Era costuille próprio dos romanos isentar de toda pena os filhos

auybspais aqui'esses coinef dó crimes. "A lei dos visigodos tem a mesma disposição(livro

VI, tít. 1, cap. 8)

[164].4sZ)e/h(]X, 3). [165] .L .Z4 Clúnen, .Dib, De poenlk. [166] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], .De Natura .Deorun2(111,38, 90)

916

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US

o pai ou o avâ tivessem cometido algum crime?" Disso decorre que foi proibido pe]as [eis dos egípcios [167], dos gregos [168] e dos romanos [169] de entregar ao sup]ício de morte uma mu]her grávida [170] .

XV. Os outros parentes respondem menos ainda Se as leis humanas que levam os 6llhos a perecer pelos crimes dos pais são injustas, mais injusta seguramente é a ]ei dos persas [171] e dos macedónios, que votava também ao suplício a cabeça dos parentes

próximos [172], a fim de que aque]es que se tornassem cu]pados para com o rei perecessem com dor maior, segundo a expressão de Quinto

Cúrcio[173] .Amiano Marce]ino]174] escreveuque todas as]eis eram ultrapassadas pela crueldade dessalei.

XVI. Alguma coisa, contudo, pode serrecusada aosfilhos e aospais dos culpados que de outro modopoderiam ter Deve-se observar, contudo que se os filhos dos culpados de alta traição têm ou podem esperar alguma coisa sobre a qual eles não têm um direito próprio, mas que depende da vontade do povo ou do rei, essa

[167] Diodoro da Sicília(1, 77) [i68]

Plutarco,

.Z)e Hera

.Nilm2h

i

UJhdlbfa(552

D)

tt69À L. 18, ImperatorAd!'íanus; Díg., De statu homínum; L. 3, Praegnantis, Dig., l)e poenis. [170] Fí[on e]ogia essa disposição em seu ]ivro -De ]7uJna ]ifaÉe(18). [171] Daniel VI, 25i Justino, ]ivro X, 2

[172] Fílon (.DeZ,eglót/s Spec7a/lóus,11, 30) diz que é costume dos tiranos fazer morrer, com os condenados,as cinco famílias de parentes mais próximos. Ver Herodiano(livro 111)e um exemplo em Bizarro(Livro XIV) de como se agia em Milho, após a condenação à morte de Galgas.

[173]Vl11,8, 18 [174] Livro XXl11, 6, 81. E]e as chama de ]eis abomináveis. Ver também o ]V Concílio de Toledo.

CAPÍTULO XXI -

DA COMUNICAÇÃO

917

DAS PENAS

coisa pode lhes ser tirada, em virtude de uma espécie de direito de pro-

priedade,contanto, porém, que ao mesmotempo esseato volva para a punição daqueles que teriam cometido o delito. Relaciona-se a isso o fato de os descendentes de Antífanes,

condenado como traidor, terem sido

declarados "privados das honras", segundo o relato de P]utarco [175],

isto é, excluídos das dignidades [176], como em Romã os filhos dos prós'

critos o haviam sido por fila. Assim é que, na lei citada de Arcádio [177], essa disposição contra os filhos é tolerável:

"Que não recebam

nenhuma honra, nenhum cargo militar." No tocante à escravidão, foi explicado por nós em outro local (livro 11,cap. V. $ XXIX), como e até que ponto passa sem injustiça aos 6llhos.

XVII. Os súditos não podem propriamente serpunidos pelo delito do rei 1. 0 que dissemos sobre os 6llhos que podem ser castigados pelos delitos de seus pais pode ser aplicado do mesmo modo a um povo verda-

deiramente súdito (pois aquele que não é súdito podeser punido, como dissemos, em razão de sua falta, isto é, de sua negligência), se for ques-

tionado se esse povo pode ser castigado pelos crimes do rei ou dos governantes. Não procuraremos no momento se o consentimento do próprio povo veio se juntar a isso [178] ou se foi feito por ele outro ato

[175] Oraéorum HÉae (833 A)

[176] Encontra-se algo de semelhante em (bd. In guióusdam, Z)epoenlk. [177] livro 22, cap. IX, 47. [178] Fílon, em .Z)e,4óraàa/n (19), falando dos súditos do rei do Evito da época de

êbraão, ÕXz.'Toda a sua casafoi punida com ele porque ninguém se havia indignado com seu ato injusto, mas elogialldo-o, todos se haviam tornado comoque czímp/I'aes." Josefa,no local em que narra a profecia pronunciada conXxa3exaboão,diz "0 povo participará de seu castigo, será expulso dessa ;erra feliz e disperso entre os paísesalém do Eufrates; será exilado porque se tornou cúmplice da impiedade de seu rei."

918

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que seja por ele mesmo digno de pena, mas falamos da ligação íntima que provém da natureza desse corpo, cuja cabeça é o rei e no qual os

outros são membros. Deus, é verdade, por causa do pecado de Davi, cobriu o povo com uma peste, quanto inocente ele fosse, segundo julga-

mento mesmo de Davi, mas Deus tinha sobre suas vidas um direito absoluto. 2. Essa pena, contudo, não era do povo, mas de Dava, pois como o

diz um escritor cristão [179], "o sup]ício mais crue] para os reis que cometeram crimes é aquele que é infligido a seus povos". Isso ocorre, diz

o mesmo escritor, como no caso daquele que agrediu com a mão e é

castigado nas costasou é,como diz P]utarco [180] num tema simi]ar, como no caso do médico que, para curar a anca, queima o dedo do pé. Já

dissemos antes porque isso não é permitido aos homens.

XVIII. Nem os privados que não consentiram por causa do delito da comunidade Deve-se dizer a mesma coisa do mal que se faz sofrer aos privados com relação aos bens que lhes pertencem realmente, em razão do delito da universalidade, quando essesprivados não consentiram nisso.

XIX. Os herdeiros não estão sujeitos a pena como pena e por que Quanto ao herdeiro, a verdadeira razão pela qual é obrigado a outras dívidas [181] e não é obrigado a sujeitar-se ao castigo (como isso

foi escrito pe]ojurisconsu]to Pau]o [182]: "Se uma pena foi iní]igida a [179] é?uaesúo es ad Orfüodoxzbm (138), encontrado entre os escritos de Justino

mártir.

[180] .De Sem JVnm]n h Hhdl'cfa(559 F).

[181] Ver Moisés Maimânides, cap. V]], secção6, e a achara, no trai;ado Baba Kama (cap. X, l). l\82X L. 20, Sipoena, Dig., De poenis.

919

CAPÍTULO HI - DACOMUNICAÇÃO DASPENAS

alguém, foi acatado no direito positivo, que ela não passe aos herdeiros") é que o herdeiro representa a pessoado falecido, não no mérito e demérito, que são puramente

pessoais, mas nos bensr183],

aos quais estão liga-

das, por uma instituição tão antiga quanto a propriedade, as dívidas que provêm da desigualdade das coisas. Dion de Prousa [184] disse que o que os ancestrais deviam, seus descendentestambém o devem e que, de fato, não se pode dizer que a herança tenha sido repudiada por nós".

XX. São obrigados, contudo, se a pena passou para outro tipo de obrigação Disso se segue que, se além do crime pelo qual se merece a pena,

há alguma causa nova de obrigação, o que estava compreendido na pena pode ser desde então devido, ainda que não propriamente como pena. Assim é que, em tais lugares, após a sentença, em tais outros, após a 77f7kco/]fesÉaÉ7b,a cujas circunstâncias

é dada força de contrato,

a pena pecuniária será devida pelo herdeiro, bem como aquela que foi

estipulada numa convenção.Sobreveiodesdeentão, de fato, um novo objeto de dever.

[183] Ver o Vlll Concílio de Toledo, sobre o tema de Recceswinth; ver também o que

foi dito acima, neste livro, cap XIV. $ X. Não há ninguém que represente meinor o defunto que o herdeiro, comodiz Cícero, no lido -DeZ;e#Jbus(11,19,

[184] Dion Crisóstomoou de Prousa, OraÉao mXZ

XXll

DAS CAUSAS INJUSTAS

Sumário 1. Explica'se a diferença entre as causas}ustijlicativas e persuasorias. li. As guerras desprovidas de uln desses géneros de ca usas são

guerras de animais seivageils. 111.As guerras fun dadas sobre ca usaspersuasórias e não sobre causas justi$1cavas, são guerras de piratas.

IV. Há certas causas que tênna falsa aparência da justiça.

\{ Como seria um tenlorincerto. \a. A utilidade

sem a necessidade.

VII. O casamento recusado, em grandenúmero de mulheres.

\rlll. A ambiçãopor um territóüo ineihor. ]X. A descoberta de coisas ocupadas por outros. X. Que decidir, se os primeiros ocupantes são loucos?

raa num povo súdil;o UQ} é uma causa injusta S XI. O desejo de liberdade Xii. Como a vontade de governar os outros apesar deles, sob pretexto de seu bem.

XIII. De iguainlodo, o título de soberania uníversa! que alguns

atribuem ao imperador, título que éígualm'ente refutado. XIV. Outros, da igreja, o que também érefutado. XV De igual !nodo, a vontade de cumprir profecias sem um mandato de Deus. XVI. De igualmodo, a perseguição do que é devido não em vi. 'fu

de do direito estritaillente dito, mas de outra forma. XVII. Distinção da guerra cuja causa éinjusta e da quedaà qual

se !iga por outra parte alguma coisa viciada; efeitos de uma 7] e outra

923

CAPÍTULOHll - DAS CAUSASINJUSTAS

1. Diferença entre as causas justificativas e persuasórias 1. Dissemos antes (livro 11, cap. 1), quando nos dispúnhamos

a

tratar das causas, que umas são justiÊlcativas e outras tendem a acon-

selhar. Políbio, que por primeiro observou essa diferença, chama as primeiras de pretextos porque são aquelas que são alegadas publicamente, mas Tito Lívio as chama vez por outra de título. Ele chama as últimas pelo designativo gera] de causas [1]

2.Assim é que, na guerra deAlexandre contra Dado, o pretexto foi a vingança das injúrias que os persas haviam feito aos gregos. A causa foi a paixão da glória, do poder, das riquezas, à qual vinha se juntar uma grande esperançade facilmente ter sucesso,produzida pelas expedições de Xenofonte e de Agesilau. Assim é que o pretexto da segunda guerra púnica foi a controvérsia relativa a Sagonte.Acausa foi a indignação dos cartagineses, suscitada pelas cláusulas que os romanoslhes haviam extorquido durante sua má campanha e o encorajamento

11]Assim é que Plutarco fez a distinção em H'da de GaJóa(1062 D) e Dion. na história de César e de Pompeu (XLI), bem como Políbio, no local em que trata da

guerra dos romanos contra os ilírios(arcerpfa ZegaÉlbnum, 126). Essas razões justificativas poderiam corretamente ser chamadas, com Suetânio, de pretextos e os motivos de causas.De fato, assim ele se exprime, ao falar de Júlio César 3QÜ:"Talfoi o pretexto da guerra civil, mas acredita-se que ela tenha tido outras causas."Tucídides, poi' outro lado, fez a distinção entre o pretexto e a verdadeira

razão, como, por exemplo, no movimento dos atenienses contra a Sicília. o

pretexto foi o de prestar socorroaos habitantes de Egesta,mas no fundo a verdadeira razão era a de se apoderar da Sicília. Em seu discurso aos atenienses.

Hermocrates chama de pretexto a razão de prestar socorro aos aliados e de objetivo que havia sido proposto o propósito de se tornar dono da Sicília. Ambos os exemplos se encontram no livro VI de Tucídides.Apiano se serve também da palavra pretexto, em Guerra de .4Zi&r7dafes(57).Ele o emprega igualmente em sua história das guerras civis quando, falando da paz rompida entre atavio e Sexto Pompeu, diz que, entre as causas, algumas eram secretas e outras eram produzidas à luz do dia. Agatias(livro V. 12) chama de i6cçâoe cor dada o que os

outros chamam de pJ'efexfo.Opõea isso as causas,em sua história do huno Zanurgan: Acrescente-se a isso o que dissemos no cap. 1, $ 1 deste livro. Procót)io

diz que seria loucura não poder falar livremente, quando se tem por guia

justiça e por companhiaa utilidade(/lersla, 11,15).

924

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GROTIUS

que lhes davam seus bons sucessosna Espinha, o que foi observado por

Po[íbio [2] . Tucídides [3] estima de modo seme]hante que a verdadeira causa da guerra do Peloponeso havia sido o crescimento das forças dos

atenienses que faziam sombra aos lacedemânios. O pretexto, porém, teria sido a controvérsia

dos corcirenses, dos habitantes

de Potidéia e

outras razões. Confunde, no entanto, nessa passagem os nomes de cau-

sa e de pretexto [4]. A mesmadistinção se encontra no discursodos campanos aos romanos [5], quando dizem que combateram contra os

samnitas, aparentemente pelossidicinos,e na realidade para elespróprios, porque haviam visto "o incêndio que devorava os sidicinos, pres' tes a se alastrar até e]es". Tiro Lívio16] relembra igualmente queAntíoco

havia empreendido a guerra contra os romanos, aparentemente por causa do assassinato de Braquila, e de certas outras razões. Na realidade, porque havia concebido uma grande esperança pela queda dos cos-

tumes dosromanos.Plutarco observatambém que era semfundamen-

to que CícerorepreendiaAntânio de ter sido a causa da guerra civil, pois que César, decidido a fazer a guerra, havia tomadoAntânio somente como pretexto [7] .

[2] 111,6 [3] 1, 23 e seguintes, 56 e seguintes [4] Assim é que, no ]ivro V. 53, ao falar da guerra dos habitantes de Arras contra os

de Epidauro, chama causaso que pouco antes havia designado de pretextos; da mesma maneira que a palavra grega CLPXCEt e a palavra latina p/:üciblb, assim

comooutros termos similares, são equívocos,como observamosno cap. 1, $ 1 deste livro. Os escritores da história de Constantinopla se servem muitas vezes da palavra natpoKÀoa para exprimir o que os outros chamam de pretexto; isso, por alusão à história de Aquêles que aproveitou da ocasião da morte de Pátrocles

para retomar as armas. [5] Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Urbe Oo ?alfa (V]1, 30).

[6] Idem, .4ó Z:4.üe aoí2dlfa(XXXV],

6)

[l\ "Essas coisas deram a eie que tinha necessidade de pretexto uma espécie de aparência de direito e uma honrosa ocasiãopara fazer a guerra." Es\as paXawas se encontram na história de Plutarco(.4néon/us, 918 D). Há em Lucano(PZarsa#a

!, asar, o seg\3\x\te."Os destinas rompem todos os seus atrasos; a sorte trabalha para tornarjustos os movimentos do chefe e eie encontra causaspara justificar

seus erros.

CAPÍTULO Hll

-

925

DAS CAUSAS INJUSTAS

11.As guerras desprovidas de um desses gêneros de causas

sáo guerras de animais selvagens Há homens que se deixam arrastar para a guerra, sem serem levados a isso por nenhuma espécie dessascausas, ávidos de perigos,

comofala TácitoE8], por causados próprios perigos]9]. O vício desses homens ultrapassa

o limite

humano. Aristóte]es

[lO] o chama de "fero-

cidade". Sêneca [11] diz deles: "Posso dizer, isso não é crueldade, é fero-

cidade [12], o de se ter a]egria em torturar. Podemosdizer que é demência, pois há mais de um tipo e a mais caracterizada é aquela que chega até a massacrar e a dilacerar os homens." O seguinte pensamento de

Aristóteles, no livro ZZztma Mcó/naco [13] seaproxima perfeitamente dessaopinião: "De fato, deve ser considerado como realmente cruel aquele que, pela paixão de combater e de derramar sangue faz de seus amigos, inimigos." Dion de Prousa [14] diz: "Deixar-se arrastar sem causa para

as guerras e os combates é uma pura loucura que busca sua própria infe[icidade." O mesmo Sêneca [15] diz em sua carta XIV: "Ninguém derrama o sangue pelo sangue ou pelo menos essessão muito pouco numerosos.''

[81Caius Corne[ius Tacitus [55-120],.Hz)far7ae (11,41; V. 19). [9] Amiano(livro XXXI, 2, 22), falando dos alanos, diz: 'Z7es gostam dos perigos da guerra, tal3to quanto as pessoas pací8.casencontram prazer n.o ócio." [10] .Óflba a .Aübómaco(Vll,

l)

[11] Lucius Annaeus Seneca[O[? a.C.-65d.C.], Z)e Creme/zílb(11,7; 11,4). [12] Idem, De ]ra(11, 5). Falando de Apoloro e de Faláris, diz: 'ôssonâo é cólera, é ferocidade. [13] .éflba a N)'c(5maco (X, 7)

[t4]

OraÉÜ X\:XVZZ

llS] Lucius

Annaeus

Seneca [O[? a.C.-65 d.C.], .E»]sfuJae ad .Z)ucT7lum (X]VI 9)

926

H U GO GROTIUS

IH. As guerras fundadas sobre causas persuasórias e náo sobre causas justificativas, sáo guel'ras de piratas 1. A maioria daqueles que fazem a guerra tem causas que tendem a aconselhar, com ou sem causas justificativas. Há aqueles que sequer se preocupam com as causas justi6lcativas+ A respeito destes pode ser dito o que foi expresso pelos jurisconsultos romanos, que é predador aquele que, interrogado sobre a causa de sua posse,não alega

outra razão que o fato de sua própria posse[16]. Aristóte]es [17] diz daqueles que aconselham a guerra: "Muitas vezesnão se inquietam em saber se é justo reduzir à escravidão vizinhos que não fizeram o mal e aqueles que não cometem nenhuma injúria.' 2. Assim era Brennus [18] que dizia que tudo pertence aos mais fortes. Assim também Aníba], para quem, segundo Si]ius [19], "sua espada substituía o tratado e a justiça". Assim ainda Átila e aqueles na

bocade quem se encontram estas máximas: "Procuramos o êxito da guerra enão sua causa" [20] e "Essa bata]ha devefazer do vencidoum cu[pado" [21] e "No topo da fortuna a justiça está do ]ado da força" [22] . Aeles muito bem se aplica esta passagem de Agostinhol23l:

"Levar a

t\6Ã L 11,Pro haerede, $ uit. e leis seguintes, Dig., De haeredítatís petitíone. 'Tal {(À

a guerra dos bétulas contra os longobaT-dos, empreendida sem nenhum pretexto(em Procópio, GofÉüic., 11, 14). Em Tito Lívio(.4b [/}.óe aon(#fa, V 36, 5),

os gauleses dizem que '7euan seu db'eito conasuas a?'mase que fado pel-áenc'e aos homens corajosos

[17] .Refár7ca (1, 3) [18] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z]&.ÉeOonayfa (V] 36, 5)

[19] Caius Si[ius [ta[icus [séc. ] d.C.], .PunJba(X], 183). [20] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .17erctzJes .Fbrens (411 e seguintes). [21] Marcus Annaeus Lucanus [séc. ] d.C.], PZarsaZa (V]1, 260). [22] Caius Corne[ius Tacitus]55-120], .4nna]es Q(V] ]) [23] Aure[ius Augustinus [354-430], Z)e Ca'wúaéeZ)e/ (]V] 6)

927

CAPÍTULOmll - DASCAUSAS INJUSTAS

guerra aosvizinhos, de lá avançar sobre os outros, oprimir os povos que em nada vos inquietavam e isso pelo único desejo de reinar, poderia ser

outra coisasenão uma pirataria total?" Ve]]eius]24] diz de tais guerras que "são guerras que se empreende sem razão, mas de acordo com os interesses que ne]as pode haver". Lemos em Cícero [25] , em seu ]ivro

dosDeveres."Essa elevaçãoda alma que se mostra nos perigos e nos trabalhos, não somente não é virtude, se não for acompanhada de justiça, mas antes crue]dade que causa repu]sa a toda humanidade" [26]. Andrânico de Rodes]27] diz: "Aqueles que, em vista de sua maior vantagem tomam posse onde não devem tomar, essessão chamados perversos, ímpios, injustos,

como o são os tiranos [28] e os devastadores

de cidades."

IV. Há certas causas que têm

afalsa aparênciadajustiça Outros alegam causas quase justificativas que, ponderadas no peso da reta razão, são classificadas como injustas. Segundo a expres'

são de Tiro Lívio [29], trata-se então de saber, não quem tem mais

[24] Caius Ve[[eius Patercu[us [séc.] d.C.], .E]]bZar7a .Rama/za (11,3, 3). [25] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], Z)e (2í7]cu]s (1, 19, 62). [26] Agatias(11, 1) diz: 'Hque/es que, em vlkÉz do /Raro ou oócec'aços pe/o óüo, não tendo matívo justo algum para se queixar, invadem as terras de outrem, causando danos a quem não lhes fez mai algum; esseshomells são insoieJltes,

ce/arados." Menandro, o protetor, nos fornece um exemplo notável: ':Bz{/an, chefe dos avaros, sem ter motivo algum, pretexto nenhum, sem procurar nleszllo em lembrar uma causa, mesmo falsa, contra os romanos, rompeu seu tratado, sem pudor algum e ao modo dos bárbaros.

[27] Em Aristóteles,

.Óóca a .Mcón7aco(]V.

2)

[28] Fílon(De .Doca.]pgo, 26) escrevede modo primoroso: '%gue/esque se servanm ias forças dos bandidos, exercem suas depredações em cidades inteb'as, certos

=iaimpunidade porque se acham estar acima das !eis. Tais são oshomens de um espírito nada político, ávidos de dominação e de despotismo, autores de grandes

roubos, que decoram com belos nomes de autoridade e de poder regular o que sepodeüa chamar, com mais propriedade, um banditismo." Esta passagemes\â

perfeitamentede acordocom as citaçõesde Quinto Cúrcio, de Justino, de Sonecae de Agostinho que foram feitas no cap. 1, $ 1 deste livro.

[29] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4Zp[ü.óe Gondlfa(XX], 6, 2).

\

928

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GKOíi

US

direito, mas quem é mais forte. A maioria dosreis, diz P]utarco [30], se servem dos dois nomes de paz e guerra, como se servem de moedas, não

para o que é justo, mas para o que serve a seus interesses. Pode-se conhecer até certo ponto quais são as causas injustas pelas causas justas que explicamos até aqui. O que é direito serve, de fato, para fazer conhecer o que é torto. No interesse da clareza, indicaremos as princlpaisespecles.

V Como seria um temor incerto 1. Assim, dissemos antes (livro 11, cap. 1, $ XVII) que o temor que

se tivesse de uma potência vizinha não basta. Para que de fato a defesa seja justa, é preciso que seja necessária, e tal não é senão na condição de ser assegurada não somente pela potência, mas ainda pela intenção.

Digo ser assegurada de tal maneira que isso seja certo, dessa certeza que tem lugar em matéria de coisas morais. 2. Por isso é que não se deve de modo algum aprovar a opinião daqueles que querem que seja uma justa causa de guerra, se um vIzI-

nho que não está impedido por algum tratado erga uma fortaleza em seuterritório ou qualquer outra fortificação que poderia algum dia causar um dano. Contra esses temores se deve opor de seu lado fortiÊlcações

em seu próprio território e outros remédios semelhantes, se existirem, mas não recorrer às armas. As guerras dos romanos contra Filipe da

Macedânia[31], de Lisímaco contra Demétrio]32] foram pois injustas, se não houve outra causa. Essa passagem de Tácito [33] sobre os caucos

[30] P[utarco [50?-125?], P»70 (389 E) [31] Zonaras (IX, 15) [32] Pausânias (l, ]O) [33] Caius Corne[ius Tacitus [55-120] , Ge/manca (35)

CAPÍTULO Hll - DASCAUSAS INJUgAS

me agrada muito: "E a mais nobre das naçõesgermânicas, a única que

faz da justiça o sustentáculo de sua grandeza. Isentos de cupidez e ambição, tranqüilos e calmos em seu lugar, não provocam nenhuma guerra, não fazem rapinas, nem pirataria. A melhor prova de sua coragem e de suas forças é que, para gozar da proeminência, não precisam

ser injustos. Cada um tem contudo suas armas sempre prontas e, na necessidade,exércitos se reúnem. Têm muitos homens e cavalos e sua tranqüilidade

nada tira de seu renome.'

VI. A utilidade sem a necessidade A utilidade não dá tampouco o mesmodireito que a necessidade

VII. O casamento recusado, em grande número de mulheres De igual modo, quando a facilidade dos casamentos é grande, uma recusa de casamento não pode ser causa de guerra, como outrora

Hércu[es tomou essa razão contra Eurito, Dado contra os citas [34].

VIII. A ambição por um território melhor Não o pode tampouco o desejo de mudar de teritório para possuir

um solomasfecundo, depoisde ter abandonadoospântanos eas terras áridas. Tácito [35] diz que tal havia sido para os antigos germânicos a causa de fazer a guerra.

[34]Antonino Caracalacontra Artaban, rei dospartas. Ver Xiphi]inus (LXXV]]], l) [35] Caius Corne[iusTacitus [55-120],Hlkfo/:rae(]V, 73)

929

930

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GROTI

US

IX. A descoberta de coisas ocupadas por outros E igualmente iníquo reivindicar para si, a título de descoberta, coisas que são ocupadas por outro, mesmo se aquele que as ocupa fosse

um homem perverso, tendo maus sentimentos com relação a Deus, ou de espírito obtuso [36] , pois a descoberta não ocorre senão com re]ação a coisas que não pertencem a ninguém.

X. Que decidir se os primeiros ocupantes sãoloucos? 1.Para ter o direito de propriedade, não se requer qualidade moral, qualidade religiosa ou perfeição intelectual. Isso parece que só pode ser

defendido se houver alguns povos completamente desprovidos do uso da razão; nesse caso não têm direito de propriedade, mas que deve-se con-

ceder a eles somente, em virtude da caridade, as coisas necessárias para a vida [37] . O que dissemos em outro ]oca] (]ivro ]], cap. ]V. $ X) que o direito das gentes conserva a propriedade para as crianças e os loucos, se aplica aos povos com os quais.se tem um comércio recíproco de tratados. Os povos inteiramente privados de razão não são tomados como tais, se os houve, o que tenho razões para não acreditar.

2. Os gregos [38] erravam pois ao dizer que os bárbaros eram de algum modo naturalmente seus inimigos, por causa da diversidade de seuscostumes e talvez porque pareciam lhes ser inferiores em espírito. Para o que é preciso saber até que ponto a propriedade pode ser tirada por crimes graves e que levem a atentar contra a natureza ou a sociedade humana, é outra questão que tratamos há pouco (neste livro, cap

XX, $ 40), quando falamos do direito de punir. [36] Vitoria, De ]ndls, i'eJecf..Cn. ' 3,7. [37] Vitoria,

De .Be//a, n.'51

[38] Platão,

.Z)e .Repuó/lca(V.

ê Z 8 e ]lvro ZZ] n.' /8.

(XXXI, 29, 15); lsócrates,

16); Eurípides,

.]?á:uZ)a; Tifo Lívio,

Oraáfo Panafüen. (66).

HÓ Z:j}.óe Gond'fa

CAPITULO

Hll -

931 DAS CAUSAS INJUSTAS

XI. O desejo de liberdade num povo súdito é uma causa injusta A própria liberdade, seja doscidadãosprivados, seja dos Estados, isto é, a autonomia (como se fosseuma coisa que convém a todo tipo de pessoasnaturalmente e a qualquer tempo) não pode fornecer o direito de mover a guerra [39]. Quando se diz que a ]iberdade pertence por natureza aoshomens ou aospovos,isso deve ser entendido a respeito do

direito de natureza precedendotodo fato humano e da liberdade por isenção, não daquele que existe por incompatibilidade; quer dizer que naturalmente não se é escravo, mas que não se tem o direito de jamais vir a sê-]o [40], pois, nesse ú]timo sentido, ninguém nasceu ]ivre, ninguém escravo; é a sorte que colocou a seguir essesnomes sobre cada um. Note-se essas palavras deAristÓteles [41]: "A ]ei fez com que um fosselivre e outro escravo." Por isso é que aqueles que, por uma causa legítima, caíram numa escravidão pessoal ou política devem contentasse de sua condição, como o ensina o apóstolo Paulo (/(;br:zhÉ7bsVl1, 21):

"Tu foste chamado à servidão? Que isso não te atormente.:

XII. Como a vontade de governar os outros apesar' deles, sob pretexto de seu bem Não é menos iníquo querer submeter pelas armas certos indivíduos como sendo dignos de servir e pela condição daqueles que os filósofos chamam algumas vezes naturalmente

escravos. Se alguma coisa,

de fato, é útil a alguém, não me é permitido de a impor a ele, a seguir, pela força. Alivre escolha do que é útil e inútil deve ser deixada aos que

têm o uso da razão, a menos que outro tenha adquirido algum direito

[39] Ver o ]V Concí]io de To]edo e o que dissemos acima, no cap. ]V. $ X]V deste ]ivro

[40] h[arcus Annaeus Seneca [58 a.C.-32?d.C.], G0/7Érorerszae (111,21)

[41]Po/üc;a(1,3).

932

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GROTIUS

sobre eles. O caso das crianças é tota]mente outro [42] , pois não tendo elas próprias o direito de exercer seu livre arbítrio e de regular suas ações, a natureza concede o cuidado de guia-las ao primeiro

que queira

se encarregar de]as e que for capaz disso [43] .

XIII. De igual modo, o título de soberania universal que alguns atribuem ao imperador título que é igualmente refutado 1. Não perderia tempo em acrescentar que o título atribuído por

alguns ao imperador romano e segundoo qual ele teria direito de comandar os povos mais distantes, mesmo aqueles que são desconhecidos

até o presente, é ridícu]o, se Barto]o [44] , que por muito tempo foi considerado como o príncipe dosjurisconsultos, não tivesse ousado declarar herético aquele que o negasse. Funda-se no fato de o imperador se dar às vezes a qua]i6lcação de dono do mundo [45] e sobre que, nas Escritu

ras sagradas, esseimpério que os escritores posteriores chamam de .Ro/nanlb [46] é designado pe]o nome de "terra habitáve]"

[47] . De mes-

ma natureza são essasexpressões:"0 romano vitorioso possuíajá todo

o universo" [48], e muitas outras seme]hantes,empregadaspor sinédoque, por hipérbole ou por excelência. Por isso, nas mesmas Es-

[42] Vitoria,

.Z)e /}ldli,

seção ], n.' 24

[43] Abala, De Jui'e .BeZ/7; ]ivro ], cap. 2, n.' 29; Covarruvias, c'.peccafum, parte 2, $ 9, n.' 5 e seguintes lâ:4ÀAd Lerem 24, }iostes, Dig., De captivis.

[45] Z,. azzws7k.4d .LegeinJ?Zoc#am.Como no Concílio de Ca]cedânia, act. XI e XII. [46] Como também Atanásio, .Z@zkfu/a ad SoJlóa/Jos.Essa era apenas a sexta parte

do mundo conhecidode então t4]\ F]\on tDe Legatíone,2bescxese"Falo daspartes do mundo habitável, das mais importantes e das mais úteis, que se chama o mundo por excelência e que são !imitadas por dois rios, Q Eufrates e o Rede. [48] Tu[[ius

Petronius

Arbiter

[séc.

] d.C.] , SaÉÜ7coJ2 (119)

CAPITULOHll

crituras

Sagradas

o nome de "terra

933

- DAS CAUSASINJUSTAS

(.Lacas 11, 1), só a Judéia é classificada habitável"

[49] . Nesse sentido

também

é que se deve aceitar

sob a

antiga expressãodosjudeus que "a cidadede Jerusalém estavasituada no meio da terra", isto é, no meio da Judéia [50], da mesma maneira que Delfos, colocada no meio da Grécia, era chamada pela mesma razão "o umbigo do universo". Não há porque se deixar abalar pelos argumen-

tos de Dante [51], por meio dos quais se esforçaem provar que um direito similar pertenceao imperador porqueévantajosopara o gênero humano. As vantagens que alega sãocompensadas pelos inconvenientes que as acompanham. Do mesmo modo, de fato, que um navio pode

atingir uma dimensão tal que não possamais ser governado, assim também o número dos homens e a distância dos lugares podem ter proporções tão vastas que não suportam um só governo [52] . 2. Mlesmo concedendo que isso seja vantajoso, o direito de comandar não se segue, uma vez que esse direito não pode nascer a não ser de

um consensoou de umà punição [53]. O imperador romano não tem mais direito agora sobre todas as coisas que pertenceram outrora ao povo romano. Muitas coisas, de fato, que haviam sido adquiridas pela

guerra foram perdidas de igual modo pela guerra. Outras o foram por tratados, outras por desleixo passaram ao poder de outras naçõesou reis [54]. Certos Estados mesmo, outrora comp]etamente submissos,

[49] Jerânimo diz: ';4 palavra Zan'a, ]nesmo quando se acresc'e/7fao epi'fofo loja, deve se restringir à região de que se fala. [50] Informações a respeito, no ]ivro Guerras Judaicas(111, 3, 5) de F]ávio Josefo. [51] .De Mana/IM/a (11) [52] Aristóteles,

[53] Silvestr.,

Poli'É7ca(V]1,

4)

]J] verbo .Be/7um, parte

], n.' 21; Covarruvias,

]oca] citado,

n.' 9

[54] Um exemplo pode ser tomado na Espanta, ver Gomez, ]h / -F'uernZ,n.' â .De

actionibug, Pano mlh., in cap. Venerabíiem, coi. 9, De Eiectíone* àasan, in bege Canetas popuios, Cod., De Summa l:rínítate, NlenocX\us, Cona. 11,n.' 102, Cardeal Tuschus, /b'aaÉlc. Canelas, J4SI f Rex J:ilspanJ'ae;Du Moulin, bons. Paria, in prime. n.' 20, De Chasseneux, De Gloria Mlund{, parte V Consíderat. 2& hzaxltus. Institut. Mora!., livro ii, cap. 5, p. 2.

934

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GROTIUS

começaram a seguir a não ser dependentessenão em parte somente ou a não estar unidos senão por uma aliança desigual. Todas essasmanei-

ras de perder ou de modificar o direito de comandar têm lugar com

relação ao imperador romano, bem comocom relação às outras potências.

XIV Outros, o atribuem à Igreja o que também é refutado 1. Houve também pessoas que atribuíram

à Igreja esse direito de

comando, mesmo sobre os povos da parte do universo desconhecido até

o presente [55], embora o próprio apósto]oPau]o tenha dito abertamente que não havia o direito dejulgar aqueles que estão fora do cristianismo (/(.,ar7nf/bsV. 12): "Por que haveria eu de me preocupar em julgar

os de fora?" Quanto ao direito de julgar que pertenceu aosapóstolos, ainda que à sua maneira se referisse mesmo às coisas da terra, era contudo de natureza celestial, por assim dizer, e não terrestre, isto é, que não devia ser exercido por meio de armas e de açoites, mas pela palavra de Deus, expostade uma maneira geral e aplicada às circunstâncias particular'es, pela produção ou pela recusa dos selos da graça divina, segundo o bem que cada um requeria, enfim, mesmo por uma punição não natural, mas acima da própria natureza e por conseguinte prece' dendo de Deus, tal como foi mostrada na pessoa de Ananias, de Elimas, de Himeneu

e outros.

2. O próprio Cristo, de quem todo poder eclesiástico decorreu e

cuja vida é um modelo proposto para a Igreja, considerada como tal, negou que seu reino fosse deste mundo [56], isto é, fosse da natureza dos

[55] Vitoria, Z)e Zndls, re/ec?f.2] e seguinte; Aya]a, ]ivro ], cap. 29 [56] Jogo XV[11, 36; ver Pedra Damião,

J]w'o .rV .Hp/h#, q e Bernarda,

-E»])f. 22]

CAPITULOHll

935

- DAS CAUSAS INJUSTAS

outros reinos, acrescentando que, se fosse de outro modo, se serviria de

soldados, ao modo dos outros reis. Mlesmo que tivesse pretendido pedir

legiões, não teria pedido de homens, mas de anjos (MafeusXXVI, 53).

Tudo o que fez com autoridade, o fez não por um poder humano, mas por uma virtude divina, mesmo quando expulsou os mercadores do tem-

plo. O açoite, de fato, era então o símbolo, não o instrumento da cólera divina, como em outro local a saliva e o óleo eram um símbolo de cura e não remédio [57]. Agostinho [58] assim se exprime sobre a passagem citada de Jogo: "Escutai pois judeus e pagãos. Escutai circuncisos, escutai

incircuncisos, escutai todas as potências da terra. Não impeço vosso domínio neste mundo [59], meu reino não é deste mundo. Não temais com essetemor vão que tomou conta do velho Herodes, quando foi anun-

ciado a ele que Cristo havia nascido e que o levou a matar, mais cruel

em seu temor que em sua cólera, tantas crianças para que a morte chegassetambém a Cristo. Meu reino, disse Cristo, não é deste mundo. Que quereis mais? Aproximai-vos dessereino que não é deste mundo, entrai nele com fé e não sereis levados a crueldade alguma pelo temor.: 3. Paulo, entre outras coisas, proibiu ao bispo de castigar (/ Zlmófeo 111,2). "Comandar impondo uma doação",isto é, uma necessidade proveniente

do emprego da força humana compete aos reis, não aos

bispos, disse Crisóstomo [60] . O mesmo diz a]hures: "Não recebemos o

[57] Tostat exp]ica bem isso, em seus comentários a ]14afeus/X] [58] Aurelius Augustinus [354-4301, /n ZKange#uin Joãani2 k 7)-acéafus(CXV. 2) [59] Hilário de Arles diz que "C17kÉo/2áo ÉÍnáa v2)Jdopara hvad)

a g7óu9ade adiram,

mas para comunicar a sua; 1lão viera para se apoderar de um reino tenestre, mas para

dar o reino

ce.lesa;e.

[60] Suas palavras são extraídas do ]ivro Z)e Sacez'dolo(11, 3). '?\Uo é per?niílúh sobretudo aos sacerdotes cristãos, usar a força para corrigir os pecadores. Os juízes seculares exercem muito essepoder sobre aqueles que praticam o ma! e

que descobremterem violado as leis. Eles os constringem, de bom ou mau grado, a não viver na fantasia. Quallto a nós,porém, devemostrabalhar para tor[[ar melhores essaspessoas,persuadindo-assem força-ias.As leis não ]]os deram poder para reprimir os pecadores e mesmo que o tivessem dado, se!'ía

936

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GROTIUS

poder de desviar os homens do pecado pela autoridade de uma senten

ça", ou seja, com uma autoridade que encerra o direito de executar a sentença por mão real ou mão armada ou despojar de qualquer direito

humano [61]. O bispo, diz, deve cumprir seu dever "sem doação, mas persuadindo". Disso resulta suficientemente que os bispos, como tais, não têm nenhum direito de reinar sobre os homens segundo o uso humano. Jerõnimo, comparando o rei e o bispo, diz que "aquele comanda

aosque não o querem, esseaos que o querem"]62]. em vàa te1ltar exerce-!o,porquanto Deus coroa não aqueles que se abstêm de pecar por medo; mas aqueles que se abstêm voluntariamente. Devemos pois nas dar ao duro trabalho pa!-a incentivar essesdoentes a vir por própria conta pal'a serem curados pe/os cacei'dotes." Um pouco abaixo acrescenta: '%que/e

que está fora da fé não pode ser coagido,nem mesmo levado pelo medo a aóraça]« a vei'Jade. " O mesmo(comentando a -EoJ8fo/a aos .E73slos diz:

/n

ramos estabelecidospara instruir os homens,não pelo mando, nele Feio exercício do podem-, Somos colllo que conselheiros que persuadein. Aquele que dá um conselhodiz o que pensa que se deva fazer, não íbrça o ouvinte, mas }he deixa a !iberdade de escolher entre os conselhos que ihe são dados."Anhx6s\o (Z)e Cala ef .4óe4 11, 4) diz que 'b saceJ'dote cuJnWZ'eos deT'ares de seu c'arfa.

nuas /2ão exerc'e ]e/zÃu 2 a6o de podem''l Esta passagem é citada em a

UerÉum,

5], .Z)e/)oen]fe/]Élb, dlkí7hc'f, Z. Os pensamentos de João Crisóstomo são expôs'

Los\axnbém em. Act. Apost., liomíiia 111(4);Epist. ad 'atum, Homilia 1; Epist. l

ad I'hessaloll.,Homilia N; l)e Sace}«dcltió Qi, 3). [61] Aos reis e não à ]greja é que compete julgar os feudos(ChJ7.Nouló., Z)eJudlbz)h De Feudos,De Possessíoníbus;Can. Causam quae enter qui fiii{ sine ]egitimlb. De fato, os reis não reconhecemalguém superior, com relação às coisas temporais ÇCan.Per venerabiieJneode)a tít). "Crista quis que, como os imperadores cüstãcs têm necessidadedos papas comrelação à vida eterna, os papas seguem as leis dos imperadores no tocante às coisas temporais, de ta! modo que a anão espirÍtuai permanece separada dos empreendimentos temporais e que o servi dor de Deus não se i:lliscu{ nos negócios do século" ÇCan. Quoníam, distinct. X,

e (>J]. Ounl ad verem, dlkÉlbcf.XOllD. A isso não é estranho o que dissemosno livro 1, cap. 11,$ último, segundo o 82.' dos ditos cânones apostólicas, e o que dissemos nessa passagem, tanto no texto quanto nas notas

[62] O mesmo, em De Jb 'fará o Mepof]bJ]] (LX, 14), diz: '?MenosópennlÉldo ao bispo que ao rei. Este coJllandaos homens, gostem ou não; aquele não manda,

conquanto não se queira ihe obedecer;este se impõe pelo temor, aquele é suboz'aZz7ado. " Cassiodoro( Uarvbe,XI, 3), numa epístola aos bispos, diz: "Que o

bispo elasinede ta! modo que o juiz não possa eilcolltrar do que punir.", O imperador ]i'rederico 1, em Gunterius(.Lzkul:hus, VI, 362), diz do papa: "Que e/e governe sua igreja e que regule o espiritual, mas que nos deixe o império e as bszgl] as." Um bispo de Roschild, chamado Guilherme, tendo tentado impedir Suenon, rei da Dinamarca, que estava excomungado, de entrar na Igreja, interpondo o báculo pastor"al, comoos guardas do rei sacaram das espadas, ele cumpriu o dever de um bispo e ofereceuo pescoço.Acrescente-se o que disse mos no livro 1, cap. IVI $ V.

CAPITULOHll - DAS CAUSASINJUSTAS

937

4. Examinámos anteriormente, no capítulo das Penas, quanto é bastante para nosso tema, se os próprios reis podem tomar as armas, a título de punição, contra aqueles que rejeitam a religião cristã.

XV De igual modo, a vontade de cumprir profecias sem um mandato de Deus Daria também um aviso que não seria inútil, porque, comparan' do os fatos recentes com os acontecimentos antigos, prevejo um grande mal, se não se tomar cuidado. E que a esperança que se poderia conceber a respeito da explicação de algumas predições divinas, não confe-

rem um justo motivo de guerra [63]. A]ém de ser quaseimpossível interpretar com segurança os oráculos que ainda não se cumpriram, se não se tiver inspiração profética]64],

os tempos, mesmo coisas certas,

podem nos ser ocultados. Enfim, uma predição, sem um expresso manda-

[63] Ver a respeito de um certo Teodoro que vivia na épocado imperador Graciano Zósimo (IV. 13) eAmiano Marcelino (XXIX, 1, 8); com relação a João da Capadócia

ver Procópio(Pe/sl;c., 11,30) e Leunclavius(HJkf. 7brc., XVIII) [64] ])e fato, os ]ivros proféticos são fechados e como que se]ados até o tempo marcado para o cumprimento das profecias, de modo que não se pode entendê-las antes (Z)an e/, Xl1, 4, 8-9). A respeito dessapassagemde Daniel, Jerânimo à\z. "Se o profeta e11teJldeumas não compreendeu, que farão aqueles que se $actamde pe1letrar o sentido de um livro selado e até o tempo do cumprimento,

e/]ç'o/v7doen] /]uilleJ'asasoóscur7dades. " Procópio(Goffüia., 11, 1, 24) escreve: Acredito que está acima das forças do homem encontrar o sentido dos limos das sibilam a11têsdo acalltecimellto." I'ouço aba\xo ac escen\a "Não pode ocorrer que um ho!) em, quezn quer que seja,.compreenda antes do acontecímerlto os oráculos das sibilam,mas é preciso esperar até que os fatos estalido consu-

111ados e as palavras provadas por sua realização, o día marcado se torlle o intérprete certo dos oráculos." Grego as q\vro N) àiz. "Do mesmo modo que todas as predições são de interpretação muito diGici}porque são muito fechadas

ou comportam muitas explicações, assim também esse oráculo enganou a to-

dos e ao próprio imperador, enquanto vivo. Depois de sua morte, porém, o o/ãau/o se ]«eve/ou a su mesmo aos áo/nuns. " Teólogos muito audaciosos, tomai

cuidados E vós, políticos, guardei-vos dos teólogos por demais audaciosos. Sobre isso há uma passagem que mereceser lida, em De Thou (livro LXXIX, ano de 1583), a respeito de Jacques Brocard

938

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mento de Deus, não dá nenhum direito, pois muitas vezes Deus permite que o que predisse se execute por homens perversos ou se cumpra por mas açoes.

XVI. De igual modo,a perseguição do que é devido náo em virtude do direito estritamente dito, mas de outra forma Deve-se saber também que se se deve alguma coisa, não segundo

ajustiça propriamente dita, maspor efeito de uma outra virtude, como a liberalidade, o reconhecimento, a compaixão, a caridade, essa dívida, não podendoser quitado pela via judicial, não podetampouco ser exigida pelas armas. Não basta, para uma e outra dessasvias, que o que é pedido deva ser feito em virtude de uma razão moral, mas é preciso mais que haja em nós algum direito para pretendê-lo, direito que é às vezes dado pelas leis divinas e humanas, mesmo com relação a obriga-

çõesdas outras virtudes. Qliando isso ocorre, forma-se uma nova razão que já se relaciona com a justiça. Quando essa nova obrigação faltar, a guerra empreendida em decorrência dessa causa é injusta, como o foi aquela dos romanos contra o rei de Chipre, sob o pretexto que ele havia sido ingrato. Aquele que concedeu um benefício não tem nenhum direi-

to de exigir reconhecimento; se ocorrer o contrário, seria um contrato, não um benefício.

XVII. Distinção da guen'a cuja causa é injusta e daquela à qual se liga por outra parte alguma coisa viciada; efeitos de uma e outra 1. Deve-se observar também que ocorre muitas vezes que a causa da guerra é justa, mas que a execuçãose torna viciada pela intenção daque[e que a empreende [65], seja porque se determina antes e mais [65] Vitoria, .De Ju/e .Beib; /]. ' .g.

939

CAPITULO Hll - DH CAUSAS INIUSAS

particularmente emvista de algumaoutra coisaquenão é ilícita em si mesma, a não ser pela consideração de seu direito, como o desejo da glória[66] ou a]guma vantagem privada ou púb]ica que espera da guer-

ra, independentemente da razãojustificativa, sejaporque seencontra nela uma paixão de todo ilícita, como a alegria daqueleque secompraz na infelicidade de outrem, semter em vista o bem.Assim équeAristides [67] diz que os habitantes de Focéia tinham perecido com razão, mas que Filipe não havia agido bem ao destrua-los, pois não era pelo zelo pela

religião, como era seupretexto, mas para aumentar seuimpério. 2. Sa]ústio [68] diz: "0 único, o eterno motivo de mover guerra é um desejo imoderado de dominação e de riqueza." "0 ouro e as riquezas,

principais fontes das guerras", se diz em Tácito [69] e numa tragédia [701:"0 furor do ganho e os impu]sos da ira romperam a a]iança..." Pode-se também se referir com propriedade a esta passagem deAgosti-

nho [71] : "A inveja de prejudicar, a crue]dade da vingança, um espírito que com nada se satisfaz e implacável, a ferocidade da rebelião, a pai-

xão de dominar e outras coisas similares, isso é que comjustiça se recrimina nas guerras.

3. Essascoisas,a partir domomentoemquea causajustificativa não faltar, ainda que impliquem em pecado,não tornam contudo propriamente a guerra injusta. Por isso, a restituição dascoisastomadas numa ta] guerra não é devida [72] [66] É um dos vícios que se insinua no mais das vezes sob as aparências da virtude.

Agostinho ensina com razão, em De O]'vT'lateZ?e/(111,14), que '%íme/Zor se expor a sofrer uma punição por qualquer relaxamento do que buscar a glória por geme;Zanfes al'mas. " Rever a passagem de Agatias que citamos no parágrafo lll [67] De Soc/efafe (11) [68] Caius Sa[[ustius Crispus]86-36

a.C.] , Ep/kfuJa i]Zláiãr='da/lk(5).

[69] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .17hfarlbe(]V, 74). [70] Lucius [71] Aure[ius

Annaeus

Seneca [O[? a.C/-65

Augustinus

[354-430],

[72] Covarruvias, d. / ], n.'Z

d.C.], PZaeó,a

Cbnéra ]'ausfum

(548).

.4ZanJcÜaeum (XX]1,

74).

Cajetan., ZZ .g quaesf. 4q a/f. ]; Si]vest., in reróo

Be!!um, n.' 2, Summa Ang., ín verbo Be!!um, n.' 5, Summ. Ros., ib., n.' 3 e 8, tomas,

11, 2, quaest.

66, ad.

8.

XXlll

DASCAUSAS DUWDOSAS

Sumário 1. De onde procedem as causas para duüdar, en] matéria de coisas morais.

11.Nada deve perfeito contra a voz da consciência, embox'a errónea.

111.Ojulgalnento é dirigido de lado a outro por argumentos extraídos das coisas. ]lV Ou pela autoridade

USe houver dúvida de parte e outra eln llaatéria gra ve, se for o caso de escolher uma saída, deve-se escolher a mais segura. r!. Daíse segue que em caso semelhante épreciso abster-se da

guerra. Vil. Que pode ser estada por um colóquio ou diálogo.

7i!!. Ou por uma arbitragem. Subsiste aía questão do dever dos reis cristãos com relação às partes beligerantes. IX. Ou mesmopelo acaso.

X. Se o combateindivídua! pode ser permitido para evitar a guerra.

XI. Numa dúvida água!departe e outra, a condiçãodopossui' dor é a melhor.

X[[. Se um e outro não têm posse,numa dúvida igual, a coisa de ve ser

repartida.

Xill. Explica'se por várias distinções, se podeha ver uma guerra justa de parte e de outra.

CAPITULOmlll

- DAS CAUSAS DUVIDOSAS

943

1. De onde procedem as causas para duvidar, em matéria de coisas morais O que Aristóteles

[1] escreveu é verdade que em matéria de coi-

sas morais não se encontra a mesma certeza que nas ciências matemá-

ticas. Isso provém de que as ciências matemáticas separam inteiramente as figuras da matéria e de que as próprias figuras sãotais, na maior parte do tempo, que nada têm que se interponha entre e]as [2] . Assim é que entre o que é reto e o que é curvo nada há no meio. Nas coisas morais, as circunstâncias, mesmo as mínimas, diversificam a matéria e as formas de que se trata têm ordinariamente um meio [3] que tem alguma extensão, de modo que ora se aproxima mais de uma dasextremidades, ora mais da outra. Assim é que, de fato, entre o que deve ser feito e o que é proibido fazer, há um meio, o que é permitido. Essemeio está ora mais próximo de um dos lados, ora mais do outro. Disso resulta muitas vezes incerteza, como no crepúsculo ou na água fria que começa a esquentar. Por isso Aristóte]es [4] diz que "muitas

vezesé difícil julgar qual partido sedevepreferir". Andrânico de Rodei [5] , por seu ]ado, diz que "é difícil distinguir o que éverdadeiramente justo do que parece como tal'

11.Nada deve ser feito contra a voz da consciência, embora errónea 1. Deve-se em primeiro lugar ter presente isso, que mesmoquando uma coisa éjusta em si mesma, se é feita por uma pessoa que, tudo bem examinado, a considera como injusta, o ato é viciado. Isso, de fato, [1] Éóca a .McÓn7aco (1, 1) [2] No tocante a essas coisas, a mudança se faz "de uma extremidade oposta à outra"; quanto às outras, passa'se"por um meio'

[3] Ver JoãoCrisóstomo, em seuscomentáriossobrea -qpJGfo/n aos.E7Zn'os /K e Mlora] (.fiomilia

XN\, aà.

[4] .ÓÉ2baa ,Mbtjmaco(111,

1).

[5] .Óücaa ]VI'ctâmaco (1, 3).

944

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GROTI

US

é o que diz o apóstolo Paulo (.Eo/nanosXIV. 23) que "tudo o que não se faz segundo a fé é pecado". Nessa passagem, a fé significa o julgamento

que se tem de uma coisa [6]. Deus deu a facu]dade de julgar como guia para as ações humanas e quando não se dá atenção a ela o espírito se embrutece.

2. Ocorre muitas vezes que o juízo não mostra nada de certo e que hesita. Se essa hesitação não pode se dissipar depois de um atento

exame, deve-se então seguir o preceito de Cícero [7J:"Ordenam sabiamente aque]es que proíbem fazer uma coisa, quando duvidas [8] se e]a

éjusta ou injusta." Osmestreshebreus]9] dizem: "Abstém-tede uma coisa duvidosa". Isso, porém, não pode ocorrer quando se deve em abso-

luto fazer uma ou outra coisae que seduvida da equidade de uma e de outra [10], então, de fato, será permitido esco]her o que parece ser me-

nos iníquo. Sempre,quandoa escolhanão pode ser evitada, um mal menor reveste a forma de um bem. Aristóte]es [11] diz: "Nos ma]es, deve-se tomar os menores." E Cícero [12] : "Dos ma]es, o menor". "Na comparação dos ma]es, diz Quinti]iano

[13] , o mais ]eve toma o ]ugar de

um bem. [6] E ao que se refere o que é dito na mesma epístola de Pau]o, no mesmo capítu]o

Que cada um esteja plenamente persuadido en} seu espírito." B ainda. "Feliz daquele que não se colldena a si mesmo no que escolhe."ê-mbx6s\oàiz "que se chama conarazão pecado o que se faz gêm aprova-io em s{ próprio". ê os\àxüo segue essa ideia. Ambos são citados por Graciano, Zn adáó., cap. /4, c'al/saZ8

quaesÉ70 /. O seguintepensamentode Plutarco, em Hda de )no/ao/?(238C), nâo se afasta ni\à\in: "E preciso nãc somente que o que se faz seja honesto e justo, mas ainda que essaação parta de uma persuasão ãrme e ínabaiáve!, de tal modo que pareça que o que se realiza tenha sido feito porque se julgou no próprio espírito que devia ser feito. [7] Marcus ']'u]]ius Cicero [106-43 a.C.], Z)e Oá]cu]k (1, 9, 30)

[8] Plínio(livro l, .Ep])faia 19): ':N©o Eaç;as aqu 7o de gue duvidas. [9] Rabino Gamaliel, em Pirke, .4óoíü.(1, 16)

[10] Covarruvias, famaZ De maÉr7hon]o, pai'Ée.ZZcap. Z j .g n. ' g, [11] .#Élbaa NI'aÓmaCO (11,9) [12] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], De (2õH7c2)k (111,1, 3) [13] Marcus

Fabius

Quinti[ianus[30?-100?]

, Z)e ZnsÉlfuélome Oraéor2b(V]1,

4, 12).

CAPITULO

945

Hlll - DAS CAUSAS DUVIDOSAS

111.0 julgamento é dirigido de lado a outro por argumentos extraídos das coisas Na maioria das vezes, na realidade, nas coisas duvidosas, após

algum exame o espírito não está mais indeciso, mas se deixa conduzir

para tal ou qual partido por argumentosextraídos da coisaou pela opinião que tem dos outros homens [14] dando seu pa]pite sobre essa coisa [15]. Aqui que se torna verdadeiro

esse pensamento

de Hesíodo

[16] , que é a mais exce]ente das coisas saber raciocinar por si mesmo e

que o que vem imediatamente depois é de se deixar conduzir pela in fluência de outrem. Dos argumentos tomados da própria coisa se extraem causas, efeitos e outros acessórios.

IV Ou pela autoridade Para bem conhecer tudo isso é necessário uma certa prática e

habilidade [17]. Aqueles que não a têm são obrigados, para dar boa direção a seu julgamento ativo, a escutar os conselhos dos sábios. São

[14] Agostinho (Z)e Ordene,11,5, 16) diz: 'H v7aquí?seguimosé dupla, qua/ldo a obscuridade das coisasnos perturba; seguimos a razão ou a autoridade." Gabll.eX Vasquez explica isso(DuspuÉ. ZXZZ c'ap. 3, ]].' Zd. [15] Vasquez,

.Di]spüÉ. ZXZZ

cap.

3, n. ' ]a

Medina,

Z .8 quaesílo

/4.

[16] M.início, em Tito Lívio (XX]1, 29, 8), serviu-se dessa ídéia depois de um combate

lníeÀ\z."0 pri3neiro título para a glória é o de tomar para si próprio um bom partido, segundo a ocasião; o segundo, seguir os sábios conselhos que lias são dados; aquele, porém, que }lão sabe mandar neil} obedecercai no último grau da [ capacidade." Cícero disse o mesmo, em seu discurso para .4tz/o C7ué]cuo LS-t,84Ü\"Dá-se o título de ]lluito sábio ac que pensa por ele mesmo ao que é necessário e se coloca illlediatameilte junto a eie aquele que se conforma com as boas idábs de outrem." Sobre isso também esses versos de Hesíodo (C)p, of

pies, 293 e seg\iln\esà."Está à frente de todos os outros aquele que vê por sí mesmo o que é úti! ou não e que vê de longe tudo o que deve fazer. O segundo grau compete ao que soube obedecer aos bons conselhos.Aquele, porém, que não pode ele próprio dar conselhos e não escuta aqueles que es dão aos outros é um homem que não pode serür para nada. t\l\ ''gtkoüa, De Indis, reJect. 1, n.' 12, e De Jure Belli, i}.' 2i e 24.

946

H UGO

GROTI

US

verossímeis ou prováveis, segundoo testemunho deAristóte]es [18] , as coisas que assim parecem a todos ou ao maior número ou ao menos aos

sábios e, entre essesúltimos, a todos, a vários ou aos mais distintos. Por esse meio é que costumam julgar sobretudo os reis que não têm a capacidade de captar ou de examinar por si sós todos os detalhes da conhecimento humano. "0 comércio dos sábios torna um rei sábio" [19] .

Aristides [20] diz em seu discursoaoshabitantes de Rodei, sobre a concórdia, que do mesmo modo como nas questões de fato se tem por

verdadeiro o que é certificado pelo maior número de testemunhas e os mais dignos de fé, assim também entre diferentes opiniões, se deve seguir aquelas que se apóiam nas mais numerosas e eminentes autoridades. Assim é que os antigos romanos não empreendiam

guerras sem

ter consultado o colégio dos sacerdotes feciais instituído para esseefeito e que os imperadores

cristãos não as empreendiam

sem ter ouvido os

bispos, a ülm de que, se houvesse alguma coisa que pudesse lhes inspirar escrúpulos, não fossem advertidos a respeito.

V. Se houver dúvida de parte e outra em matéria grave, se for o caso de escolhem'uma saída, deve-se escolher a mais segura 1. Pode ocorrer, em muitas questõescontroversas, que argumen-

tos prováveis surjam de parte eoutra, sejaintrínsecos, seja tirados da autoridade dos outros. Quando isso ocorrer, se as coisas de que se trata são de pouca importância,

a escolha, para qualquer parte que seja feita,

parece poder estar isenta de vício. Se se trata de uma coisa de grande

importância, comoa pena capital de um homem, deve-seentão, por [18] gbplc.(1, 1). [i9] Au[us

Ge[[ius

[20] .Oe Cano.

[séc. ]] d.C.], Moelas ,4fÉlbae (X]11, 18)

Y

CAPÍTULO Hlll

-

947

DAS CAUSAS DUVIDOSAS

causa da diferença considerável que há entre as coisassobre as quais se

tem de escolher, preferir o partido mais seguro [21], como se diz comumente:"li melhor pecar por essedado"[22] . Por isso, é preferível absolver um culpado que condenar um inocente. 2. O autor de Pzoó7emas que levam o nome de Aristóte]es exprime

assim:

" eKaa'toa

Hpov

poa,À,ov

vct npoeÀot'ro

'tou

[23] se

oc7to\+/Tlq)lacEaOcEL

CoaooKo6tKet,TI tou oc8tKouvToaKa ay?lQ aaaOcttoao6tKet", em cujo texto se lê popularmente

por "ct8tKouvTod',

as palavras

"Fe czÕtKouvTod'

eé o

contrário que deve ocorrer. "Não há ninguém de nós que não goste mais de absolver alguém, ainda que culpado, do que condenar um inocente.: E acrescenta a seguir a razão que já demos: "A partir do momento em que se duvida, deve-seescolher o partido em que se cometa erro menor.' Antífones [24] diz: "Se é preciso se enganar, é mais honesto perdoar contra a justiça do que condenar injustamente. Num não há senão um erro, mas condenar um inocente é crime."

VI. Daí se segue que em caso semelhante é preciso abster-se da guerra A guerra é da mais alta importância, comosendoa fonte de onde decorrem ordinariamente

numerosos males, mesmo para os inocentes.

Por isso, quando as opiniões são condivididas, deve-se pender para a

[21] Amiano Marcelino(XXVl11, 1, 40) diz: '%s iras JlllpJacárelk são Soba/de .grande dureza de caráter; as iras que se deixam apaziguar são marca de grande mobi cidade de espírito e que essa disposição, como se deve fazer em questão de

coziammás, c/eveser p/eáerlda â dureza de caráfez "Vasquez explica isso na obra que citamos, cap. 4, n.' 21. [22] Publius

Terentius

[23] Seção29, n.' 13. [24] Orago .X=rV

Ater

[185-159

a.C.],

,4de/pôde

(174).

948

H

UGO Gxoiius

paz. Fabius é elogiadopor Si]ius ]ta]icus [25] por "observar com um espírito prudente o futuro, não tendo preferências pelo acasoe sendo avaro em tentar Marte". Há três meios pelos quais se pode evitar que as controvérsias não ecludam em guerra.

V.[l. Que pode ser evitada por um co]óquio ou diá]ogo 1. 0 primeiro é entrar em contato. Cícero [26] diz: "Como há

duas maneiras de esvaziar uma controvérsia, uma pela discussãoe a outra pela força, e como aquela é própria do homem e esta dos animais, não se deve recorrer à segunda senão quando não é possível fazer uso da

primeira." Terêncio [27] diz: "0 sábio deve tentar de tudo antes de recorrer às armas [28] . Quem sabe se não será feito sem a força?"Apo]ânio de Rodes [29] disse que "não se deve empregar ]ogo a força, antes de ter

feito tentativas peias pa]avras". E Eurípides [30] : "Obteria isso pe]a

palavra; se não posso, pela mão."A mesma queixa, em .4s .St2pZ7ba/2fes, sobreos Estados que omitissem essavia: "Vós, cidades,quando poderíeis evitar muitos males pela palavra, é pela carnificina que de preferência administrais

vossos negócios]" Aqui]es

diz em -ZZzgezz/n para .4tzDdes131] :

[25] Caius Si[ius [ta[icus [séc. ] d.C.], Punfca (1, 679) [26] Marcus Tu[[ius Cicero]106-43 a.C.], De O#ícízk(1, 2, 34); Vitoria, Z)e Jure

.Bei71.

n 28 [27]

Pub[ius

Terentius

Ater

[185-159

a.C.],

.©unucüus

(789)

[28] Dionísio de Halicarnasso(.Excerpía ZegaÉ7bnum)diz que 'hão se deve cüegaJ'a domar em a/ma4 a/2fes de óa' fenfado a vla raspa/arras':

Menelau, em Libânio

ÇDec].lh, àiz. "E mais convenientea um homem empregar primeiramente o meio das palavras do que correr de imediato para as armas." O (lue o cola a\z, em .17e/ena(1150 e seguintes) de Eurípides, é uma repreensão: 'ghse/]saéos

aqueles que, perseguindo a glória do valor guerreiro, esperam !oucalne1ltepõr õ)m pelas armas às divergências dos mortais. Se a coragem não pode se maná

testar senãopelo sanguederramado,a furiosa discórdiajamais abandonaráas cidades inquietas. [29] 111,185 [30] ,4s .Sup/lbanfes (347) [31] Zbá kenla íz] .4u/. (]017 e seguintes)

949 CAPITULO Hlll

-

DAS CAUSAS DUVIDOSAS

;Sese render a vossos desejos, não tendes mais necessidade de meu auxílio; há su6lciente salvação somente nisso e teria conservado ao mesmo tempo a afeição de um amigo; o exército não terá com que me censu-

rar, se uso a razão antes que a violência." Lemos em .4s Fen.fbznsde Eurípides

[32] : "A palavra triunfa sempre, como faria a espada inimi-

ga...", pensamento que Feneas desenvo]veassim em Tito Lívio [33] : "Para evitar de chegar à hostilidade, os homensfazem voluntariamente muitas concessõesque não obteriam pe]a força das armas" [34]. Mardânio, em Heródoto [35], recrimina nesseponto os gregos: "Não deveriam, porquanto falam a mesma língua, se servir de arautos e de embaixadores para tratar de suas controvérsias, em lugar de recorrer aos combates?:

2. Corio]ano diz, em Dionísio de Ha]icarnasso [36] : "Se alguém não cobiça o bem de outrem, mas reclama o que Ihe pertence e se, não o obtendo, declara a guerra, sua açãoé justa, segundo a opinião de todos.: No mesmo Dionísio de Ha]icarnasso [37], o rei Tu]]ius diz que "as coisas com as quais não se pode concordar pelas palavras, se resolvem pelas armas". Em Tácito [38], Vo]ogésio diz: "Pe]a equidade bem antes que com o sangue, pelas negociaçõesantes qüe com as armas é que eu quis

primeiramente conservar as conquistas de meus ancestrais." E o rei Teodorico [39] : "É úti] correr às armas, somente quando a justiça não pode mais encontrar lugar no espírito de nossosadversários." [32] ,ás Xenj

as (517)

[33] '1\tus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:4.BeGond]fa (XXXX 45, 4).

[34] Donato, comentando Z'unucüas(174), diz que 'g uma máxima de fado couÀe

lida que o que se defellde obstinadalnellte quandoa.lguémpretellde arras cá-!o à força, é concedido de bo11}grado em seguida ao que não pretende to má-lo com violência [35] Vl1, 9 [36] Vl11, 8. [37] 11,ll in cine. [38] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nna]es (XV. 2)

[39] Cassiodoro, Za/:üe(111, 1)

950

H UGO

GROTIUS

VIII. Ou por uma arbitragem. Subsiste aí a questão do dever dos reis cristãos com relação às partes beligerantes 1. 0 segundo meio, entre aqueles que não têm nenhum juiz comum, é o compromisso [40]. Tucídides [41] diz: "Ê um crime tratar como inimigo aquele que está pronto a aceitar um árbitro."Assim

é que

Adrasto eAníiaraus remeteram a julgamento de Erifiles sua controvérsia sobre o reino de Argos, segundo re]ato de Diodoro [42] . Três juízes

[40] Os grandes neg]igenciam gera]mente essa maneira de terminar uma divergBl\c\a.'aex CalLnes\agtus,Sobre a Reunião dos Reinos de Castelã e de PortugaZ Merece, no entanto, ser seguida pelos amigos da justiça e da paz. Foi o que fizeram grandes.reis e grandes povos, mencionados no texto. Acrescentemos

alguns outros. Árbitros foram chamadospara intermediar a querela entre Magnus, rei da Noruega, e Canuto, rei da Dinamat'ca, que disputavam entre si os dois reinosl do mesmo modo que Juliana, vendo que Severo disputava com ele o império, quis obter um interdito sobre sua posse.Magnus, rei da Suécia, foi convidado como árbitro entre os dois Ericos. reis da Dinamarca e da No-

ruega. Cinco espartanos, Critolaidas, Amonfareta, Hipsequidas, Anaxilas, Cleomenes, foram tomados como juízes entre os atenienses e os megarenses, com relação a Salamina, comoo relata Plutarco, na Hdn de SH7on. Num tratado entre os lacedemânios e os habitantes de Argos, que se encontra em T:ucídides 3\xro t=\D,à\z-se ({ue "consentem em fazer julgar suas divergências por árbÍíros, segundo o costume de seus antepassados'{ Pouco abaixo, diz-se que 'ge ocorressealguma divergência entre alguns de seus aliados, eles tomavam por árbiti'o uma cidade que !hes parecia {mparcia! entre as duas partes". Ambas as disposiçõesse encontram em Tucídides(livro V). Muitos povos fora do império romano pediram a Mlarco Antonino que fosse árbitro de suas divergências, a fim de evitar guerras. Aurelius Victor faz menção delas, bem como outros

autores. Em Procópio (Gofíül'c., 111,34), os tépidas dizem aos longobardos Estamos prontos a põr fim a nossas querelas,recorrendo a uma arbitragem; é

iníquo usar üolência contra aqueles que queremacatar a decisãode um juiz. No mesmohistoriador(Goféhc., IV. 24), Teudibaldo,rei dos francos, se declara disposto a tomar árbitros a respeito de disputas que ele tinha com os romanos. Ver em Políbio(.Ercerpfa ZegníloJlum, 4) o que outrora os romanos mandaram dizer a Filipe; segundo o mesmo Políbio, nos mesmos.Excerpfa(35), a cláusula

que se encontra no tratado de Antíoco. O rei da Inglaterra foi chamadocomo

árbitro a respeito da sucessãona Escória; o conde de Holstein, entre o rei da Dinamarca e seus irmãos, segundo relato de Pontanus(.llihf.

.Dan., Vll). Acres-

cente-se exemplosque se encontram em Mariana(livro XXIV. cap. XX; livro XXIX, cap. XXIII); em Paruta(limo

Vll e XI); em Bizarro(livro XID; em Crantzius

(]?lbí. Saxon., livro VI, cap. 15); acrescente-seainda o que diremos no livro lll, cap. XX, $ Xl;VI

[41] l 1, 85 [42] Diodoro da Sicília, ]V. 65

CAPITULOHlll

951

- DAS CAUSA DUVIDOSAS

lacedemânios foram escolhidos para se pronunciar sobreSalamina, en-

tre os atenienses e os megarenses que a reclamavam. No mesmo Tucídides [43], que acabamos de citar, os corcirenses fazem saber aos coríntios que estão prontos a impetrar sua causa por aquelascidades do Peloponeso sobre as quais existia um acordo. Aristides elogia também

Péricles pelo fato que, para que a guerra fosseevitada, teria querido "convocar árbitros para terminar

com as controvérsias".

]sócrates [44] ,

em seu discurso contra Ctesífon, louva Filipe da Macedânia pelo que estava pronto a se amparar, por causa de todas as controvérsias que tinha com os atenienses, "no julgamento de alguma cidade imparcial entre as duas partes 2. Assim é que outrora os ardeatinos

e os arianos

[45] e, depois

de[es,osnapo]itanos e os no]anos[46] recorreram para suas divergências à arbitragem do povo romano. Os samnitas, numa contestação com os romanos, apelam a seus amigos comuns. Ciro toma por árbitro entre e]e e o rei da Assíria, o rei das ]ndias [47] . Os cartagineses,

em

suas divergências com Masinissa, pedem juízes para evitar a guerra [48]. Os próprios romanos, em Tito Lívio [49], chamam seus a]iados comuns na divergência que têm com os samnitas. Flilipe da Macedânia,

em sua controvérsia com os gregos,diz que empregara a arbitragem dos povos em paz com uma e outra parte [50]. Pompeu deu árbitros

[43] 1, 28 [44] Melhor, Esquines, Adversas OfeszbbonÉem(83)

[45] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó Z]ã.Ée C2)mdl'fa (111,71) [46] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], Z)e O#icúk (], ]O, 33) [47] Xenofonte,

ala'opaedlb(11,

4, 8).

[48] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó [ã.óe Conc#óa (XL 17). [49] Idem, .4ó Z:ã.Ée aon(#fa(v]11, [50] Idem, ..4ó Z:ü.óe aondlfa(XXX]],

23) ]O, 5)

952

H UGO

Gnoíius

para regular suas â'onteiras aos partas e aos armênios que os estavam

pedindo [51]. P]utarco [52] diz que a principa] tarefa dos sacerdotes feciais romanos havia sido "de não permitir de chegar à guerra, antes

que fosse extinta toda esperançade obter uma arbitragem". Estrabão [53] diz a respeito dos druidas dos gau]eses: "Outrora eram árbitros, mesmo entre os beligerantes, e muitos vezes separaram os combatentes que avançavam uns contra os outros". O mesmo atesta que os sa' cerdotes cumpriam a mesma tarefa na ]béria [54] . 3. Os reis e os Estados cristãos são obrigados sobretudo a entrar

nessa via para evitar o emprego das armas [55]. Se, para evitar ser ju[gados por juízes estranhos à verdadeira re]igião [56] , certos árbitros

foram constituídos pelosjudeus e pelos cristãos e se isso foi prescrito por Paulo, quanto mais se devefazer para evitar um mal muito mais considerável, ou seja, a guerra?Assim é que Tertuliano, sustentando que o cristão não deveempunhar armas, argumenta em algum lugar a respeito de que sequer Ihe é permitido questionar, o que no entanto, segundo o que dissemos alhures (limo 1,cap. 11,$ 1X, 4), deve ser enten-

dido com certa reserva. 4. Tanto para essa causa como para outras, seria útil, seria mes-

mo de a]gum modo necessário [57] que haja certas assemb]éiasdas potências cristãs, onde as divergências de umas seriam eliminadas por

[51] Plutarco,

Poi22pea(637

C)

[52] Idem, .NÜJna(68 A).

[53] iV 4, 4 [54] Estrabão, X], 3, 6

[55] Gregoras(X, 4) diz, fa]andodo bú]garo A]exandre: '2\go á convenJeníea cz:ü' mãosde guerrearem uns contra os outros encarniçadamente, quando possuem os meios de chegar a um entendimento e que podem voltar suas forças em comum contra os ímpios.

[56] Vitoria, De Jure .Be/Ün.' 28. [57] Molha, 22íspuf. J(24 j dub. 4.n.'

72.

ua/2doihéeB Aegid. Reg., Z)eacém'bits supera., Dusp-J.Z,

T

953 CAPITULO RELI -

DAS CAUSAS DUVIDOSAS

aquelas que não teriam interesse no negócio e onde até medidas poderiam ser tomadas para forçar as partes a firmar a paz em condições justas [58] . Diodoro e Estrabão nos ensinam que ta] havia sido também outrora o uso dos druidas entre os gau]eses [59] . Lemos também que os

reis francos deixaram aos grandes de seu Estado o julgamento sobre a divisão do reino.

IX. Ou mesmo pelo acaso O terceiro meio [60] é a via da sorte [61]. Dion Crisóstomo [62] recomenda esse expediente na segunda de suas conversações".Zn

ZoJ«furtam"e, bem antes dele, Salomão no livro dos .l)rovéró/os XVl11,18.

X. Se o combate individual pode ser permitido para evitar a guerra 1. 0 combate individual é alguma coisa que se aproxima da sorte e parece que seu uso não deva em absoluto ser rejeitado, se dois adver

vários, cujas contendas arrastariam de outra forma povos inteiros a infortúnios consideráveis [63] estão dispostos a reso]ver entre si sua

[58] Ver um exemp]oem Cassiodoro(]ivro ]]], Ed)]b&1, 2, 3, 4) e em Gai]]ius (Z)e

.FacePuÓ#ca, 11,18, 12) [59] Os bispos ocuparam, nesse assunto, o ]ugar dos druidas e com um c]ireito melhor

fundado. Ver a carta dos bispos ao rei Luís, nas Capitulares de Carlos o Calvo e: com re]ação aos bispos da Espanta, Roderico de ']b]edo(livro Vll, cap. 3) [60] 'R)más, -ZZ].g quais [61] Ver Agostinho,

ü Põ] arf. 8 e sobre isso também

.Oe .Doc/27ha CZ/:üflana(1,

Cajetàn

28).

[62] OraÉlb ZX7r

[63] O autor da tragédia de Zeba]da(Eurípides, Hs -ó'enibz'as, 564) diz: '%edequem va/ $er rei de vós dois, mas cuidamem não destruir o reino." B\on, em Vida de Otão, ài$ "Mluíto mais conveniente e justo é que uma só pessoa mereça por todos que

um grande número por um só.

954

H UGO

GROTIUS

divergência pe[as armas, como fizeram outrora Hy]]us e Echemus [64] a propósito do Pe]oponeso, Hyperochsu e Phemius [65], a respeito da

região vizinho de Inachus, o etólio Pyrechme e o epeense Degmenus [66] , a respeito de E]ide, C]orbis e Orsua a respeito de ]ba [67] . Parece,

de fato, que embora isso não seja elogiável da parte dos próprios adversários, os Estados ao menos possam aceitar essepartido como sendo um

ma[ menor. Em Tiro Lívio [68], Menus se dirige assim a Tu]]us: "Encontremos algum meio de decidir qual deve comandar essesdois povos, sem que [hes custe muito sangue e carnificina."

Estrabão [69] diz que

isso havia sido um antigo costume dos gregos e em Virgí]io [70], Enéias

diz que teria sido justo que entre ele e Turnus as coisas tivessem terminado dessa maneira.

2. Agatias, em seu livro l, louva de fato muito esseuso entre os outros costumes dos antigos francos [71] . Reproduzo seus próprios termos porque são notáveis: "Se por acaso se levantam algumas divergências entre seus reis, não põem todos, na verdade, em campanha, como para se bater e resolver a contenda pelas armas, avançando uns contra os outros. Desde, porém, que as armas se encontram em presença umas das outras, despindo-se de sua ira, retornam à concórdia e persuadem [64] Heródoto, PoZrlnn.(]X, 26). [65] Plutarco,

é?aaesf.

Grnec.(297

B)

[66] Estrabão, V]11, 3, 33 [67] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó CZz.óe C0 2c#fa(XXV]11, 21, 6)

[68] Idem, .4b Z:&.óeaon(#fa(1, 23, 9) [69] Local citado(ver nota 66). [70]

Pub[ius

Vergi[ius

Maro

[71-19

a.C.],

Ene/da

(X],

115);

'ferva

focado

antes

a

7brnus enárenfzi' a morte. " Pela mesma razão, Antânio provocava Otávio para

um combate singular(Plutarco, Hda de.4nfónio, 944 E). [71] Ver a capitu]ar de Car]os o Ca]vo feita em Saint-Arnou]f e o tratado de Aix-]aChapelle.A mesma eqüidade reinava entre os longobardos.Ver Paulo Warnefrid, /?Jsfar7bZangoóardapum(1, 12; IV. 17; V. 40)

CAPITULOHall

955

- DAS CAUSAS DUVIDOSAS

seusreis a resolver suas diferenças de preferência pelas vias da justiça ou, se não o quiserem, de combater eles próprios entre eles em combate individual

e terminar

o negócio com seus próprios riscos e perigos, pen'

sande que não seria justo e bom ou que não conviria às instituições da pátria abalar ou fazer desmoronar a prosperidade pública por causa de

ressentimentos particulares. Logo, pois, dispersam seus exércitos e, com a paz restabelecida, passam em segurança uns junto aos outros, tendo desaparecido as causas dos infortúnios com as quais se haviam ameaçado. Tão grandes são nos súditos o cuidado da justiça e o amor à pátria quão grandes são nos reis o espírito de doçura e de condescendên-

cia para seus povosl?"

XI. Numa dúvida igual de parte e outra, a condição do possuidor é a melhor Embora em causa duvidosa as duas partes sejam igualmente obrigadas a procurar os meios para evitar a guerra, aquele contudo que pede é obrigado com maior razão do que aque]e que possui]72]. Que

numa causa igual a condição daquele que possui seja melhor é um princípio que convémnão somenteao direito civil, mas ainda ao direito natural

[73]. Demos, em outro ]oca] (livro 11, cap. V. $ XVIII),

a razão,

extraída dos Pzoó/e nas ditos deAristóteles. Aisso se deve ainda acrescentar que a guerra não pode ser licitamente feita por aquele que tem

consciência da justiça de sua causa, mas que não possui títulos sufi-

cientes para convencer o possuidor da injustiça de sua posse,porque não tem o direito de forçar o outro a se desfazer da posse.

[72] Ver Herrera, tomo ]] teSA1,. 128, in paú, Díg., De reg. jur.\ V\toda, De Jure Be11i,n.' 27e 30, 1nsüus, De Justítia, cap.29, dub. la, )xoxxna,Disp. 103, $1n segundo vero,LArGa,li, 2, seca. 3, disp. 53,n.'4.

956

H U GO

GROTI

US

XII. Se um e outro náo têm posse,

numa dúvida igual, a coisa deve ser repartida Quando o direito é duvidoso de parte e outra e nenhuma das partes tem posse ou possuem ambas de modo igual, deve ser considera-

da injusta aquela que recusa a partilha que Ihe é oferecida da coisa contestada [74].

XIII. Explica-se por várias distinções, se pode haver uma guerra justa de parte e de outra 1. Pol' aquilo que dissemos pode-se resolver essa questão que vá-

rios suscitaram, de saber se a guerra, com relação aos que são os principais autores, pode serjusta de ambos os ]ados [75] . Deve-sedistinguir,

de fato, as acepçõesvariadas da pa]avra justo [76]. Uma coisa é dita justa com relação à sua causa ou com relação a seus efeitos. Com relação à sua causa, dando à palavra justiça uma acepçãoespecial ou dando-lhe essa acepção geral pela qual se designa toda espécie de retidão. A

acepção especial se divide de novo naquela que diz respeito à ação e naquela que diz respeito ao agente, pois se diz às vezes do próprio agen-

te que age justamente, todas as vezes que não age injustamente, mesmo que aquilo que faz não seja justo, segundo a distinção que faz judiciosamente Aristóteles [77] entre "agir injustamente e fazer o que é

injusto'

tn4à barca, 11,2, quaestio 40, disp. 53, $a\n, YDelnstít.

Jur. 41, art. 7.

[75] Covarruvias, in cap. /bccafum, f 7q n. ' 6; A]ciat, /brados., .g .2.7;1i'u]gos.,Z)e Jusf.,

E Piccolom., /luto

l/Z Clw7. ,FIZz/a,cap. .gJ; Alberico

Gentili,

alvo

.C cap. 6.

[76]Assim é que Graciano((baga .XZ]quaesí7b.ZZZ] rosé a Eplbcopus,dO distingue entre uma sentença justa em sua causa,justa com relação ao outro e justa em consciencia. [77]

.ética

a .Mbó/naco(V.

]O) e .EeÉór7ca(1,

13)

CAPÍTULO Hall

- DAS CAUSA

957

DUVIDOSAS

2. Do ponto de vista da acepção especial e relacionada

à própria

coisa, a guerra não pode ser justa dos dois lados, tampouco num proces'

se, porque uma faculdade moral concernente dois contrários, como por exemplo, fazer e impedir de fazer não é dada pela própria natureza da coisa [78] . Pode muito bem ocorrer que a]gum dosbeligerantes não age injustamente, pois ninguém age injustamente, a menos que saiba que

comete uma coisa injusta; ora, muitos o ignoram. Assim é que se pode

impetrar justamente departe e outra, isto é,de boa-fé.Muitas coisas, de fato, tanto no direito quanto no fato de ondesurge o direito escapam ordinariamente

aos homens .

3. Na acepçãogeral chama-se habitualmente justo o que é des-

provido de toda culpa da parte do agente. Muitas coisassefazem sem direito e sem culpa alguma, por causa de uma ignorância inevitável. Há um exemplo disso na pessoa daqueles que não observam uma lei de

que ignoram a existência, sem que haja culpa de sua parte, depois que essa mesma lei foi promulgada e que um intervalo de tempo suficiente para conhecê-la decorreu. Assim é que pode ocorrer também no proces'

se que uma e outra parte não somente estejam isentas de injustiça, mas o estejam ainda de todo outro vício, sobretudo quando uma e outra partes ou uma das duas o jogue, não em seu nome, mas em nome de outrem, por exemplo, na qualidade de tutor, a quem convém não aban-

donar um direito, por incerto que seja.Assim Aristóte]es [79] diz que nos processosem que se contesta um ponto de direito, nenhum dos dois

adversários é desonesto,o que ele exprime pela palavra "mau" Quintiliano [80], em acordocome]e, diz que pode ocorrer que um

[78]Agostinho,De Clüfafe Z)e/(XV.5; X]X, 15);Covarruvias, c'ap.Pec'c'atum, / /O, n. '.a Vitoria, n. ' 32 Suarez, Z)e ZegTbus(111, 18); Alfonso de Castra, .De poíesÉ. /eF. Faena/. (l, l e 3).

[79] .RefÓÜc;a (111,17) [80] Marcus Fabius Quinti[ianus [séc.] d.C.], De ]nsfJfuúono (2mfar7a(11,1.7,31).

958

H UGO

GROTI

US

orador, isto é, um homem de bem, impetre indiferentemente o pró e o contra. Mais, Aristóte]es [81] aülrma que se pode dizer, num dup]o sen-

tido, que um juiz faz um julgamento justo, pois isso significa que julga precisamente como se deve, sem nenhuma ignorância ou segundo a opinião de seu espírito. E e]e diz em outro ]oca] [82] : "Se a]guém ju]gou

por ignorância, não agiu injustamente. 4. Quando, porém, se trata da guerra, é bem di8cil que a temeridade e a falta de caridade não tenham alguma parte por causa da gravidade da própria empresa que é de modo absoluto tal que, não contente

por causas prováveis, requer obviamente causas evidentes. 5. De resto, se entendermos a palavralusÉo com relação a certos efeitos de direito, é certo que nesse sentido a guerra pode ser justa de parte e de outra, como pareceria pelo que diremos mais a seguir (livro 111,cap. 111)sobre a guerra pública solene. Assim é que, de fato, uma sentença não tomada de acordo com o direito e uma posse sem direito têm certos efeitos de direito.

[81] gbPJa.(1, 13) [82] .Óllba a N)cámaco (V, 12)

XXlv

ADMOESIAÇOES LURA NAOEMPREENDER TEMERARIAMENTE UAM GUERRA.MESMO POR JUSTAS CAUSAS

Sumário r. Muitas vezesse deve moderar seu díreitopara evitar a guerra. 11. Principalmente

o direito

que se refere às penas

111.Sobretudo porparte de um reilesado. IVlüuitas vezes se deve renunciar à guerra, mesmo por solicitude de si e dos seus. V Regras de prudência relativas à escolha dos bens.

VI. Exemplo tirado de uma deliberaçãoentre o desejoda liberdade e o da pazpela qualpode ser evitada a destruição de um povo. VII. Aquele que não émuito mais forte deve se abster de exigir

punições. VIII. A guerra não deve ser empreendida, se não hou vernecessidade.

IX. Oupor umacausamuitoimportante comuma ocasiãomui tofavoráve]. X. Mlales das guerras postos diante dos olhos.

961 CAPÍTULOHIV - ADMOESTAÇÕESPARANÃO EMPREENDER TEMERARIAMEME UMA GUERRA MESMO PORLUSAS CAUSAS

1. Muitas vezes se deve moderar seu direito para evitara guerra 1. Embora pareça que não seja propriamente relacionado a essa

obra que tem por título o Dêle/Éo da Guen'a, desenvolver o que as ou-

tras virtudes prescrevemou aconselhamcomrelação à guerra, deve-se contudo, de modo rápido, prevenir um erro, a nlm de que não se imagine que, desde que o direito foi suÊlcientemente estabelecido, se deva logo ou

se possa mesmo sempre empreender a guerra. Ocorre, ao contrário, e de fato que na maioria das vezes, é mais honesto e mais conforme à

regra abrandar seu direito, pois foi dito antes, em seudevidolugarl que o cuidado mesmo de nossa vida pode ser honestamente abandonado pelo

interesse, enquanto estiver em nós, da vida e da salvação eterna do outro

[1] . ]sso convém sobretudo

aos cristãos

que, nisso, imitam

o exem-

plo tão perfeito de Cristo que quis morrer por nós, ímpios e inimigos que éramos ainda. Isso mesmo nos compromete bem mais a não perseguir o

que toca a nós ou o que nos é devido, atraindo sobre os outros, males tão consideráveis como aqueles que as guerras trazem consigo.

2. Aristóte]es e Po]íbio [2] nos advertem que a guerra não deve ser empreendida por uma causa qua]quer [3]. Hércu]es não foi e]ogiado pelos antigos por ter feito a guerra a Laomedon e a Augias porque não 11] Vitoria,

.De Jure -BeZÜ n.' 14 e 33

[2] Políbio, ]ivro ]V. 31, e AI'istÓte]es, J?Zef. ad.4/ex.(3). [3] Sêneca, em Suasor7ae(V. 8), diz: 'GáZlodisse que a gue/va dada ser einp2'ee/z' dadapara defender sua !iberdade, sua esposa,seus alhos, mas não para coisas zbúíeis e das qua ) não decora rla anão ,a/gum."Apolânio, em Filostrato( HÉa ,4po/7. gl)'an., 1, 38), disse algo mais ao rei da Babilânia. Acrescentou que 'hão í?ra

preciso disputar com os romanos em razão de alguns vilardos insigniâcantes que, por vezes, alguns privados possuem até maiores que esses,e que não se devia mesmo chegar à guerra por coisas mais importallees." 3oseío (Adversas Hpp/0/7em, 11, 37), falando de seus compatriotas, diz: 'Não fazem uso de sua

força para se engrandecer,!nas para manter suasleis; sofrem pacientelnezlte qualquer outro dano, mas quando se quer forçar a abandonar as !eis, e1ltão partimos para a guerra, mesmoalém de nossasforças, e a sustentamosaté o

fim

962

H UGO

GROTIOS

[he haviam pago o sa]ário de seu traba]ho [4] . Em seu discurso sobre a

guerra e sobrea paz,Dion de Prousa [5] diz que não se devebuscar somente "se uma ofensa foi recebida da parte daqueles aos quais se trata de fazer a guerra", mas também "de que conseqüência é o acidente"

11.Principalmente o direito que se refere às penas 1. Há muitas razões que nos impelem a deixar de lado as punições. Consideremos quantas coisas os pais dissimulam a seus filhos.

Há sobre esseponto uma dissertação de Cícero em Dion Cássio [6]. Sêneca [7] diz: "0 pai, a menos que os erros graves e repetidos não tenham vencido sua paciência, a menos que não encontre faltas maiores que aquelas que ele pune, se recusará a aprovar a prisão fatal."As

pa[avras de Finéias, re]atadas por Diodoro da Sicí]ia [8], não diferem

[4] Pausânias, V. 2

IS] Dion Crisóstomo,Oraf70mZZ [6] Dion Cássio [155?-235?],

]?JsfÓrva Boina ]a (XL]V.

32)

[7] Z)e (2e nenfla(1, 14).Augusto,tomandoassentojunto a um pai num tribuna] de família e tendo de julgar um filho surpreendido em flagrante delito de parricídio, diz: "Qae o á7%os(:/b exí/ado onde o pal qu;bez "Não votou nem pelo suplício do

sacocom serpentes,nem pela prisão, pensandonão sobrea sorte de quem deveria se pronunciar, mas no conselho em que tomava assento. Ele diz: 'Um paJ devervb se co] éen#ar co n a pe ]a ma k órandn. "Essas palavras são de Sêneca,

no mesmo livro, cap. 15. Terêncio, em .4JJdda(903), escreve: 'Paz'a uma grande

falta, basta para um paí uma pequena punição."Fqon ÇDeNob iítate, aà à\z. "Os

pais pronunciam as tristes palavras da deserdaçãoe expulsaln seus âihos de sua casa e de sua família, somente no caso eln que a perversidade dessesâllhos triunfou sobre esseamor i:censo e que ultrapassa fadas as coisas que a nature-

za co/ecoano coJ'anãodos pais. " Em seu discurso em favor de Ligário(.Fb'o

Ligaria, \ç), 3nb,Ctcexoà\z. "Perdoai-o,juízes! Ele cometeuuma falta, ele sucumbiu, eie não se deu conta. Se isso jamais !he tivesse acontecidolAssim é que se desculpa junto a um pai.

[8] iM 44

T

963 CAPITULOHIV

ADMOESAÇÕES PARANÃO EMPREENDERTEMERARIAMEWEUMA GUERRA F4ESMOPORIUSTAS CAUSAS

muito disso:"Um pai não se determinaria a punir seusfilhos, se pela enormidade de suas faltas não tivessem feito calar a ternura natural que os pais têm por seus 61hos." E as palavras de Andrânico de Rodei [9] : "Um pai não deserda jamais seu 6i]ho, se ele não Ihe dá motivo pelo excesso de sua má vida."

2. Quem quer que queira punir outra pessoa assume de algum modo o pape] de um mestre, isto é, de um pai]]O] . Isso é o que Agosti-

nho [11] tem em vista, quandose dirige ao condeMarcelino, dizendo: "Cumpre, juiz cristão, o dever de um bom pai." O imperador Juliana [12] e]ogia a máxima de Pittacus "que preferia o perdão ao castigo". Em

seu discurso sobre a sedição de Antioquia, Libânio diz que aquele que quer se assemelhar a Deus "deve ter mais prazer em perdoar do que em

punir 3. Há vezes em que as circunstâncias

das coisas são tais que não

somente é louvável se abster de seu direito, mas que é também uma obrigação [13], em razão dessa afeição que devemos aos homens, mes [9] ParaPÀr.(V]11,18) [10] Soneca(.6pikfuJa 88, 38) diz: 'Z c/e/nénc/a/eHa poupar o sa/7guedos outros, cornose fosse o próprio. Ela sabe que o hoine)n não deve abusar do homem Segundo Diodoro da Sicília(.f$zg7ne/zfa, XXI, 16). 'hâo se deF'epun»' sei72pre !odes os culpados, !nas some11teaqueles que 1lão se arrependem de seus maus

alas'l João Crisóstomo(De -SfafuJ's,VI, 3) diz: "Que todos agua/es gue são estranhos à nossa íé aprendam que o respeito que devemosa Crista é tão grande que se impõe a todo e qualquer poder. Honra teu amc, perdoa teus companheiros de escravidão, a âim de que eie !neslno te honre mais ainda e

que, no dia do juiga]nento, te mostre u]]] semblallte sereno e clelneJlte,!eJnóra ldo-se de faa ÓI'a/?duJ«a. " Graciano cita a passagem seguinte, extraída de fugas\ãxüio,ep11Causa XXlll, quaestio 4 "Essas duas classi8caçõesde que nos serümas, homem e pecador,31ãosão empregadas em vão porque, se é pecador, puJ?o'o,se Ó áo nem, Íem compaJ]ão de/e.r"Vertambém o que se segue e o que dissemosno cap. XX, $ Xll, XXVI e XXXVI. [11] @71kfu/a (;XXXZZ71 2.

[12] Orava IZ [13] Mo[ina,

H'acfaf.

/Z .De JusíJf., d]sp. ]03

Louca, D]kp. /51, /]. '/];

actibus supern, dísput. 31, dub. 7, n.' 107.

Aegid. Reg., Z)e

964

H UGO GROTlus

mo a nossos inimigos, seja que se a considere em si mesma, seja enquanto que a santa lei do Evangelho o exija. Assim, dissemos que há certos indivíduos para cuja salvação, mesmo que eles nos atacassem, deveríamos desejar a morte porque sabemos que eles são necessários ou

muito úteis à comunidadehumana. Se Cristo quer que certas coisas sejam sacrificadas para que não haja matéria para o processo, deve-se

crer com maior razão que ele quis que se renunciasse a coisas mais consideráveis, a 6im de que não se recorra à guerra que é infinitamente mais prejudicial que um processo. 4. Ambrósio [14] diz: "Um homem de bem ameniza a]guma coisa de seu direito, fazendo isso não somente por liberalidade, mas na maioria das vezes mesmo por um ato que volve em sua vantagem". Aristides aconselha aos Estados "fazer concessões e usar liberalidade de uma coisa de pouca importância".

se se trata

Acrescenta a razão: "Louvais en-

tre os homens privados aqueles que são de caráter fácil e que preferem sofrer

algum

prejuízo

do que reclamar."

Xenofonte

diz em sua -/ZJk6ór:za

(b'epa [15] : "Pertence aos sábios não empreender a guerra, mesmo por

causas graves." Em Fi]óstrato [16] ,Apo]ânio diz que "mesmo por pode: rogos motivos, não se deve recorrer à guerra'

llt. Sobretudo por parte de um rei lesado 1. Arespeito das penas, é primeiramente de nosso dever, senão como homens, ao menos como cristãos]17], perdoar de modo fácil e de

boa vontade o que foi cometido contra nós, do mesmo modo que Deus

[141Ambrósio [340?-397],Z)e (2#]aízkMJJ]kÉro/'uJn(11,21, 106). [15] H])f.

Graec. (V], 3, 5).

[16] Hfa Hpo//onb'

&aJlnens7k(1,

38).

[17] Teodósiofoi levado sobretudoa perdoar os habitantes de Antioquia o crime cometido contra ele pelas palavras de Crista que o bispo Flaviano Ihe citou ':]4eu paul pel'daa pol'que não saóein o que Xzzem." Jogo Crisóstomo narra o fato em De Sfafu2k (XXI, 4)

965 CAPÍTULOHIV-

ADMOEgAÇÕES PARANÃO EMPREENDER TEMERARIAMEmE UMA GUERRA,MESMO POR JUSTASCAUSAS

nos perdoa em Jesus Cristo. Ser isento de cólera contra os crimes em razão dos quais os culpados são submetidos à pena de morte é, diz Josefo

[18], "seaproximar da natureza divina" 2. Sêneca [19] diz do príncipe: "Que seja mais moderado em sua causa que naquela dos outros. Como, de fato, a generosidade consiste não em mostrar-se liberal com o bem de outrem, mas em dar o que se

tira de si mesmo, assim também chamo demente não o homem que tira proveito dos danos dos outros, mas aquele que, impelido pelos pró-

prios, não salta sob o aguilhão, que compreendeu que é das grandes

almas sofrer as injúrias no topo do poder e que nada é mais digno de g[ória que um príncipe que ofendemos e que não pune"]20] . Quinti]iano

[21] diz: "Aconse]haríamos a um príncipe a ambicionar antes a g]ória de ser homem que a ganância da vingança." Cícero [22] co]ocouem primeiro lugar elogios que confere a C. César que nada esquecia a não

ser as injúrias. Lívia, em sua alocuçãoaAugusto, que seencontra em Dion [23], diz que "o sentimento

da maioria é que os chefes de Estado

não devem punir senão os crimes cometidos contra o bem público, mas

que, com relação aos que se dirigem contra eles mesmos, devem dissimu[á-]os". Antonino o filósofo [24] diz em seu discurso ao senado

[18] ,4J]Ékü/Jades Judaicas(11, 6, 8).

[19] Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65d.C.], Z)e C7ene/]úa (1, 20). [20] Jogo Crisóstomo, no e]ogio da clemência(.De ]]aaiJsuefudlhe,in mne), diz: 'Z7a é o anais belo orllamenta de qualquer homem, mas sobretudo daqueles que estão no mais alto escaiãa do poder, pois, como o poder real permite tudo, controlar-se e tomar por guia das próprias anões a iei divina é o mais belo título

para a repuéaçâo e a gfãrib."Agostinho diz, em sua carta 199 ao conde Bonifácio

;Lembra-te de perdoar !ogo,se alguém te ofendeu e te pediu perdão. [21] M[arcusFabius Quinti[ianus[séc. ] d.C.], Z)e ]nsóóuÉlone(2rafaz:ü(V] 13, 6) [22] Marcus

Tu[[ius

Cicero [106-43 a.C.], .Fbo é?Ninfa Z ]gar7'0 (12, 35)

[23] Dion Cássio [155?-235?], [24] Em Vulcatius

Gallicanus,

J?lbfáüa

.Romana (L\( 19)

Héa .4w(iH Cnss/dl (12)

966

H U GO

GROTIUS

que "a vingança de uma ofensa pessoal não agrada jamais num impera-

dor e mesmo quando fosse mais justa, pareceria ainda mais rigorosa'

Ambrósio [25] diz, em sua carta a Teodósio:"Tu fizeste aoshabitantes de Antioquia

o sacrifício da injúria

que te haviam feito." No elogio do

mesmo Teodósio, Temístio [26] diz ao senado que "um bom rei deve ser

superior aosque setornaram culpadosde uma falta contra ele, não os prejudicando por sua vez, mas fazendo-lhes o bem' 3. Qua] é o homem magnânimo? Aristóte]es [27] nega que seja aquece que se ]embra das injúrias,

o que Cícero [28] exprime dessa

forma: "Nada é mais digno de um homem grande e ilustre que a facili-

dade de se deixar dobrar e a clemência." As Escrituras sagradas nos fornecem exemplos notáveis dessa eminente virtude em Mloisés (Núme-

ros XI, 12) e em Davi(ll

Samuel XVI, 7). Isso tem lugar sobretudo

quando temos nós mesmos a consciência de alguma culpa ou que a falta

cometida contra nós procedede alguma fraqueza humana e escusável ou quando parece su6cientemente que aquele que prejudicou se arrepende [29] . Cícero [30] diz: "Há um ]imite na vingança e na punição e

não sei se não seria suficiente que o agressor se arrependa de sua ofen-

sa" [31]. Sêneca [32] diz: "0 sábio perdoa muitas coisas; e]e sa]vará muitas almas doentes,mas que não são incuráveis." Estas são,para nos levar a nos abster da guerra, as razões que nascem da caridade que devemos ter ou que faríamos bem em exercer para com nossos próprios

inimigos. IZÕ] .qplbftz/a -XZ, (32). [26]

0m

ÉÓ XZX

[2V] .éf/ca a NI'aÓ/naco(]V,

8)

[28] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], De O/#aízk(1, 25, 88) [29] Dried.,

.De Zdberf. 6hrlkÉ.(11,

6).

[30] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], De OHcíü (1, 11, 34). [31] Procópio(banda/I'c.,

11, 16) diz que 'bm arrependTmenfo

u7hdo a tempo /eva as

pessoas ofendidas a perdoar os autores da ofensa

[32] Lucius Annaeus Seneca[01?a.C.-65d.C.], Z)e (;7einenflb(11,7, 4)

CAPÍTULOHIV - ADMOEgAÇÕES PARA NÃO EMPREENDER TEMERARIAMENTEUMA GUERRA MESMO PORJUSTASCAUSAS

967

IV Muitas vezes se deve renunciar à guerra, mesmo por solicitude de si e dos seus 1. Muitas vezes é em nosso próprio interesse e naquele dos nossos

[33] que devemos fazer de modoa não pegar em armas. Plutarco diz, na Hdn de Numa [34] , que depois que os sacerdotes feciais haviam decidi-

do que a guerra podia ser justamente empreendida, se consultava o senado para saber se era conveniente empreendê-]a [35]. Fa]a-se em

certa parábola de Cristo (-LacasXIV 31) de um rei que, tendo que se empenhar em campanha para combater outro rei, senta-se antes, como

fazem aqueles que deliberam com cuidado, para examinar ele mesmo se com dez mil homens que possui poderá fazer 6'ente a seu inimigo que

tem o dobro e que, vendo a desigualdade de forças, envia ao rei, antes

que entre em seuterritório, uma embaixada para tratar da paz. 2. Foi assim que os tuscu]anos [36] mereceram a paz com os romanos, suportando tudo e não recusando nada [37]. Há em Tácito [38] : "Procurou-se em vão um pretexto de guerra com os éduos; obriga-

dosa entregar dinheiro e armas, eles entregaram gratuitamente também víveres." Assim é que a rainha Amaza]onte [39] declarou aos em baixadores de Justianiano que ela não queria combater com as armas.

133]Procópio (Gaffüz'c.,11, 6) diz que os godostinham falado assim a Belisário Estando assim as coisas, o dever dos chefes de uma e outra das nações é de não sacrificar à sua própria glória a co1lservaçãode seus súditos, mas de preferir o que éjusto e Útil, 31ãosoineJ3te para eles,!nas também para seusinimigos. [34] .Numa (68 B)

[35] Em Tucídides(111, 44), Diodoro diz: ':]áes no que eu /'econáecessefoda a exfe/l

são de sua culpa, não os levaria à !norte por isso, salvo que isso fosse útil." [36] Ver Plutarco, Wda de Gaml7o(149). [37] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z:ã.Ée OondyÉa (V], 26). Um rei dos armênios

fez a mesma coisa na época de Severo. Herodiano faz menção disso(livro 111,9, 2)

[38] Caius Corne[ius Tacitus [55-120],HJbfar7be (1, 64) [39] Ver Procópio,Uandaih.(11,5) e Gafíü/c. (1, 3).

968

H UGO Gxoíius

3. Pode-setambém usar de convicção,como Estrabão [40] relembra que isso foi feito por Syrmus, rei dostribalienses, que impediu Alexandre o Grande de entrar na ilha de Peucen e ao mesmo tempo

Ihe rendeu homenagem com presentes para mostrar que o que fazia

estava inspirado num temor legítimo e em nada por ódio ou desprezo por sua pessoa.Podeser aplicado a qualquer outro povo o que Eurípides [41] disse dascidadesgregas:"Quando um Estado de]ibera sobrea guerra,

ninguém sonhemais em sua própria morte, mas cadaum afaste a infelicidade do outro, porque, se se tivesse diante dos olhos a morte depositando seu sufrágio, jamais o furor da guerra teria arruinado a Grécia." Em Tiro Lívio [42] se encontra o seguinte: "Se pensais em vossas forças, não esqueçais tão pouco da inconstância da sorte e as chances das bata[has." Em Tucídides [43] se pode ]er: "Antes de vos empenhar na guerra, pensai na enormidade de decepçõesque ela traz.

V. Regras de prudência relativas à escolha dos bens 1.Aqueles que deliberam o fazem em parte sobre os fins (não na

verdade sobreosâns últimos, massobreosfins subordinados),em par te sobre os meios que conduzem a eles.O Himé sempre algum bem ou ao menos o afastamento de um mal, o que pode estar em lugar de um bem.

Quanto aos meios que conduzem aqui ou acolá não são procurados por si mesmos, mas enquanto conduzem ao fim. Por isso é que, nas deliberações, se deve comparar

os fins entre si e a virtude efetiva que os meios

possuempara conduzir a essesfins. Comobem disse Aristóte]es [44],

[40] Vl1, 3, 8. [41] .4s Sup/Tcanfes(481 e seguintes). [42] Ttitus Livius. [59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z:/rZ)eGonc#fa (XXX, 30, 30) [43] 1, 78. [44] .De .4nÚna#tzm ]]ZoÜonc?(7)

'

T

969 CAPÍTULO mlV -

ADMOEgAÇÕES

PARA NÃO EMPREENDER TEMEMRIAMEmE

UMA GUERRA MESMO POR JUSTAS CAUSAS

"as proposições que ocorrem em alguma ação são de duas espécies:umas relativas

ao que é bom e as outras ao que é possível". Essa comparação

tem três regras. 2. A primeira é que, se a coisa de que ée trata parece, a julgar

moralmente, ter uma disposiçãoigual a produzir obem e o mal, não se deve se deter a não ser enquanto o bem que se espera contém razoavel-

mente mais bem e que o ma] não contém ma]. ]sso é o que Aristides [45] assim enuncia: "Quando o bem é menor que o mal, é melhor abandona-]o." Andrânico de Rodes [46] , descrevendo o homem magnânimo, diz

que não afrontaria os perigos por causas quaisquer, mas pelas mais consideráveis. 3.A segunda é que, se o bem e o mal que podem provir da coisa de

que se trata parecem ser iguais, não se deve se decidir em favor dessa coisa enquanto ela tiver mais disposição para produzir o bem que o mal. A terceira

é que, se o bem e o mal parecem desiguais

e que se a disposi-

ção das coisas não é menos desigual, deve-se definir-se pela coisa em que a disposição para produzir o bem é maior, comparada à disposição de produzir o mal, porque o mal não é por ele mesmo comparado ao bem

[47] ou, se o bem comparado ao ma] é mais considerável que a disposição da coisa para o mal, comparada a sua disposição ao bem.

4.Apresentamos essas idéias de uma maneira um pouco mais trabalhada, mas Cícero [48] tende ao mesmoobjetivo por uma via mais ao alcance de todos, quando diz que se deve evitar de se oferecer aos

[45]

oraí7'a De pape (D.

1461 Em Aristóteles,

ÉÍlca a NJcÓ/naco(IV. 4).

[47] Narses ap]ica sabiamente essa regra, em Procópio (GofÉüic.,lt, 18)

[48] Marcus Tullius Cicero [106-43a.C.], .DeO#icíís (1,24, 83).

970

H

UGO GROTIUS

perigos sem motivo, nada podendo ser mais insensato que isso e que, por essarazão, quando se trata de afrontar o$ perigos, se deve imitar a conduta dos médicos que dão remédios benignos aos que estão levemen-

te doentes, mas são forçados a aplicar tratamentos perigosos e duvido sos aos doentes mais graves. Por isso, ele diz que remediar a tempesta-

de é coisa de sábio, sobretudo seo bem que se poderia obter ao amenizar

a coisa é maior que o bem que provém da perturbação. 5. E em outro ]oca] [49] : "Nos encontros em que não se pode espe

rar nenhum sucessoconsiderável e ondeo menor mau acontecimento pode ser prejudicial, que necessidadehá de se abandonar temerariamente ao perigo?" Dion de Prousa [50] diz: "Que aqui]o que se so6'e seja injusto e indignos Se nos acontece alguma coisa de injusto, devemos nos

expor a inconvenientes por nosso zelo em combater?" E depois: "Ocorre como acontece com os fardos. Quando nos acabrunham de modo que não podemos mais suporta-los, procuramos rejeita-los. Pouco carregados e estando as coisas de tal modo que precisamos carregar esse peso ou fardos mais pesados ainda, nos arranjamos de modo a nos conformar

da manei'a mais camadapossíve]."Aristides [51] diz: "Quando o temor é maior que a esperança, não seria o momento de tomar precauções?:

VI. Exemplo tirado de uma deliberação entre o desejo da liberdade e o da paz pela qual pode ser evitada a destruição de um povo 1. Tomemos por exemp]o o que Tácito [52] re]ata sobre o que foi

posto outrora em deliberação entre as cidades da Gália: "0 que era preciso proferir, a liberdade ou a paz?" Deve-se entender a liberdade

[49] Idem, .]@ihfu/ne ad-4fflbuJn (X]11, 27)

[50] Dion Crisóstomo ou de Prousa, C2z'af/oZarsens, [51]

0raÉ70 SJbuJa (11).

152]Caius Corne[ius Tacitus [55-120],Hjkfo/:üe (]V. 67)

CAPÍTULOHIV - ADMOEgAÇÕES PARA NÃO EMPREENDER TEMERARIAMEME UMA GUERRA MESMOPOR JUSTASCAUSAS

971

política, isto é, o direito para a república de se governar a si mesma, direito que é pleno num Estado popular, temperado por um Estado aristocrático, sobretudo num Estado em que nenhum dos cidadãos é excluído dos cargos públicos. Quanto à paz, trata-se de uma paz tal que livra de uma guerra de extermínio, isto é, como Cícero [53] explica essa questão em termos gregos "que deveria trazer a ruína completa do Es-

tado". Quando, por exemplo, umajusta apreciação do futuro nada parece prever senão a destruição de todo um povo, como era a situação de

Jerusalém sitiada por Tiro. Ninguém ignora o que diria aqui Calão, que preferia morrer que obedecera um só.Aisso se refere também esse pensamento que "não é uma coragem difícil se subtrair pelas próprias

mãos da escravidão" [54] . E muitas outras proposiçõessemelhantes. 2. Areia razão sugere, porém, algo totalmente diverso, a saber, que a vida, que é o fundamento

de todos os bens temporais

e a ocasião

dos bens eternos, é de preço maior que a liberdade, seja que se considere

uma e outra num só homem, seja que se considere ambas em todo um povo Por isso o próprio Deus conta como um benefício não destruir os

homens, mas entrega-los à servidão (/7 CTÓz2Jbas Xl1, 7-8). Em outro local, ele aconselha aos hebreus, pela voz do profeta (JeremJbsXXVll, 13), a se entregarem

como escravos aos babilânios para evitar de mor-

rer de fome e de peste [55] . Por isso é que a conduta, ainda que elogiada pecos antigos [56], "que Sagonte sitiada pe]os cartagineses

sustentou

a guerra" não é para ser elogiada, nem as coisas que conduzem aisso 157].

l

lõa] Marcus

[lu[[ius

[54] Marcus

Annaeus

Cicero [106-43 a.C.], Ed kfu/ae ac/.4fÉ]cu/?] (]X, 112) Lucanus

[38-65],

.füarsaJla

(]V. 576)

[55] Em Guntherius (111,155), Guido Blandrate diz, num discurso aos milaneses: Quando estivermos em segura1lça,suportareinos tudo pela liberdade, mas nellhum homem de bojo senso ama a liberdade às expensas de sua saúde; expor'se a alba ruína certa que se pede evitar, não é amar a !iberdade, mas

seguir uma glória vã. [56] Marcus Annaeus Lucanus [38-65], .F'farsa/lb(111,350) [57] Aure[ius Augustinus [354-430],De Clwfafe Del (XX]1, 6)

972

H UGO

GROTIUS

3. O extermínio do povo, de fato, em semelhantes conjunturas deve ser tida em conta como o mais considerável dos ma]es. Cícero [58] traz como exemplo de um caso de necessidade a situação dos casilinenses

que foram coagidos a se entregar aAníbal, ainda que a essa necessidade

tenha ligado essa restrição: a menos que preferissem morrer de fome [59] . Sobre os tebanos que viveram na época deAlexandre da Macedânia há esse julgamento

de Diodoro da Sicí]ia [60] : "Obedecendo antes a ge-

nerosos sentimentos do que àsleis da razão, levaram sua pátria a cair no abismo." [61]

4. Em P]utarco [62] há um ju]gamento sobre esseCarão de que falamos e sobre Cipião que, depois da vitória de Farsala, não quiseram

ceder a César: "São dignos de censura por ter, sem utilidade, causado na Africa a perda de numerosos e bravos guerreiros." 5. Sobre o que falei da liberdade, quero que seja dito das outras coisasdesejáveis,sefor ocasode se temer um mal maior oposto.Como o diz com razãoAristides]63], costuma-se salvar o navio jogando mercadorias ao mar, não passageiros. [58] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], Z)e ]nre/]üo ]e (11,57, 171) [59] Essa fai a defesa de Anaxi]as que havia entregue a cidade de Bizâncio por causa

cla fome. Diz que os homens deviam combater contra os homens e não contra a natureza das coisas. Assim é que o relata Xenofonte (HJkf. Graec., 1, 3, 18)

Procópio(GofÉüic., IV. 12)diz que 'bs2zoJnens não e/og7bm a morte vo/unfáÜa, enquanto houver algu3na esperança que pareça maior que o perigo". [60] XVll,

]O

[61] O mesmo Diodoro da Sicí]ia (XV]]], ]O), fa]ando dos conselhos que haviam levado a empreender a guerra pelos atenienses, depois da morte de Alexandre, Xiz ([ue "da opinião de todos os homens distintos por suas !uzes, o povo de Arenas havia tomado uma resoluçãohonrosa, mas se havia enganadono obje' üvo de uéí#dadeque se pl puMBa'; de modo que aqueles que se haviam apres'

fado a haviam feito 'bem que nenhuma nocess/dadoúl'esse exlêfdo gué?se expusesseao perigo", ela, a mais, "desa81aros avisos que os infortúnios tão famosos dos tebanos deviam ter dado [62] Oíüo (1072 D) [63] Oral. P7af. (11)

973 CAPÍTULO HIV - ADMOESTAÇÕES PARA NÃO EMPREENDER TEMERARIAMENTE

UMA BERRA

MESMO POR JUSTAS CAUSAS

VII. Aquele que náo é muito mais forte deve se absterde exigirpunições Em matéria de castigos que se pretende infligir, deve-se também

sobretudo observar que a guerra não seja jamais empreendida a esse título contra aquele que é igual em força. Do mesmo modo que o juiz

civil, aquele que quer punir crimes pelas armas, deve ser bem mais forte que o outro. Não é somente a prudência ou a caridade pelos seus que exigem que se abstenha de uma guerra perigosa, mas muitas vezes

mesmo é a justiça, governamental bem entendido, que, em virtude da natureza mesma do governo, não obriga menos o superior a cuidar dos inferiores, que os inferiores a obedecer.De onde essaconde-qüênciaque foi ensinada com razão pe]os teó]ogos [64] que um rei que, por causas leves ou para infligir penas não necessárias e trazendo com elas um

grande perigo, empreende uma guerra, está obrigado para com seus súditos à reparação dos danos resultantes. Se não é contra os inimigos,

é todavia contra seus súditos que cometeuma verdadeira injustiça, envo[vendo-os por tais causas numa tão grave infe]icidade [65] . Tito Lívio [66] disse: "A guerra é justa quando necessária e as armas são inocentes quando não resta outra esperança senãonas armas." Ovídio, no livro Znsfos [67], deseja que se chegue a esseestado "que o so]dado não tome mais as armas senão para prevenir os combates"

[64]

Cajetan.,

ZZ .4 quaesÉÜ



a/'f.

8.

[65] Molha, H'aaf. .CDe Jusãóza,cap. 102

[66] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], ,4ó Z:rrÉeGond7fa(]V. ], ]O) [67] Pub[ius Ovidius Naso [43 a.C.-18 d.C.], .Zhsú(1, 715)

974

H u co GROTIUS

VIII. A guerra náo deve ser empreendida, se não houvernecessidade Aconteceraramente, portanto que a razão para fazer a guerra seja ta] que não se possa ou não se deva neg]igenciá-]a

[68] . ]sso ocorre

somente quando os direitos que se tem de responder, como fala Florus

[69], são mais cruéis que as armas. Sêneca [70] diz que "a gente se lança nos perigos quando se teme males iguais ficando inativos" ou mesmo infortúnios piores, idéia queAristides [71] desenvo]veu assim: "Se ficar em paz é se expor a uma condição pior que aquela em que a gente se encontra, deve-seentão, embora o futuro seja incerto, escolher

o partido do perigo." Tácito [72] diz que "é preferíve] uma guerra que uma paz miserável" e particu]armente,

como o diz o mesmo [73], "quando

a liberdade deve ser a consequência da audácia e que, vencidos, se deve Hlcar no que se era antes" ou, como fa]a Tito Lívio [74] , "quando a paz é

mais cruel que a escravidão do que á guerra na liberdade". Não, porém,

como se encontra em Cícero [75], se devesseaparentemente ocorrer que, sendo vencidos sejamos proscritos, ou que, vencedores, não se deixasse deserescravos.

IX. Ou por uma causa muito importante com uma ocasião muito favorável Outra oportunidade de guerra é quando aquele que a empreende, examinando as coisas como se deve, verifica que suas forças são iguais

a seu direito e que essedireito Ihe é de extrema importância. 'lVata-se [68] Sérvio, no comentário ao verso 758 do canto X da .Blleida, diz: "Os deuses deploram o vão furor das duas partes e os trabalhos tão exaustivos dos mortais p (lue "não há causa tão justa para que a guerra deva serfeíta nesse objetivo

[69] iY 12

[70] Lucius Annaeus Seneca[01?a.C.-65 d.C.], De (::/eme/7fza (1, 12, 5) [71]

Oraílb

De Face

(1)

[72] Caius Corne[ius Tacitus [55-120] , .4nnaJes (111,44) [73] Idem, Jãkfor7be (]V. 32). [74] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z]/róeCo/zdlfa (X, 16, 5)

[75] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], .%plkfuJae ad.4fÉ7auin(V]1, 7, 7)

975 CAPITULOmlV - ADMOEgAÇOES PARANAO EMPREENDERTEMERARIAMEWE UMA GUERRA,MESMO POR JUSTASCAUSAS

do que entendia Augusto [76] , dizendo que uma guerra não deveria ser empreendida senão quando fossedemonstrado que a esperança de ganhar pi'evalecia sobre o temor de perder. Não seria desproposital apli'

car aqui o que Cipião o africano e L. Emí]io Pau]o [77] diziam de uma batalha: "Não se deve combater, a menos de uma extrema necessidade [78] oü de uma ocasião muito favoráve]." ]sso poderá ocorrer sobretudo quando setem a esperança de poder chegar a bom termo em seu empreen'

ditnento com nenhum ou pouco perigo, pelo terror que se inspira ou pe[a grande fama [?9], como Dion [80] havia aconse]hadousar isso para livrar giracusa. Há nas cartas de Plínio [81]: "... E]e venceu pe]o terror..., que é a anaisgloriosa de todas as vitórias.:

X. Males das guerras postos diante dos olhos [. À gUérfa é uMa coisa crüe], diz i)]ütarco [82], e qüe ai'rasto com ê]a o cúmu]o das injúrias ê da inso]ência. Agostinho [83] disse com sabedoria: "Se quisesse falar coma ó ihdiVídüo o hei'êce dósnüiherósos

[76] Caius Suetoniüs

*nan(iui]]us

[69:125],

.4ugizsfus

(25)

[??] Ati[tis Ge[[iüs[éée. ii d.C.] ; Moüfês .4fÉltüe(X111, 8); Âiài.ê\]s Vá]ériüs Makihüs

[üée.i a;C.--séê.] ci:C.],Ratos ê Dvfos.iáemó/área (Vii, 2, Ê). [78] PIUtai.CO, çQda dos 6Facog(845

A); dià: 'i?\©o Ezzparfe

de uú

óo/n Mgtifüo, /]e/n

de {ih bom póiítíêo recofter aos gi'ílhões, se não fof ém e)itrema necessidade." Ehcotitra,sé um dito de A/laréianO;em ZOnàras(X111;25. 32): "t/m re/ ]ãd déré decorre âs arenas,eliqaâ 2áogoza de pàz. " SegundoAgostinho(Epj'sÉo/a ÕQ,4d

BonifacÍülnà, "de'ke-seentreter a paz cóh boã Vontade e nãb lbo+eb guerra senão por necessidade, a â)n de que Deus hos !iate dessa necessidade e elos coilsêtve ém pâ2 L[qA "C}]eâq despfeàahdo a rede, se defende »ói' muito téhbo ÉÓpéit) tertbt à\ie

íhsbíta e téétêzhtihhade alg\iih }hódópor isso queestá send:óforçado a se femdef" (Plíüio, Nafurajlg

.mkfaz:ü, Vl11, 16).

[80] Diodóro da Siéília) ]ivro XV], 17

lál] (]aiüs P[ihiüs Càéêi[iüsSécühdüs[ê2:1i4], Zplsfú/âe (11,?) 182] »da de CaüJ7o (i34 B). [83] Aurelius

Augustinus

[354;4301} ,De CXwfafe .Deí (X]X; 7);

976

H UGO

GROTIUS

e múltiplos desastres, das terríveis e duras necessidades dessesmales (ele fala dos que decorrem da guerra), além de que não poderia descre-

ver como a coisa o exige, comoesgotar uma tão ampla matéria? O sábio, dizem, fará guerras justas. Como se,lembrando que ele é homem, não estaria muito mais penetrado de dor que ser reduzido à necessidade de empreender

guerras justas, porquanto se não fossem justas, não as

faria e assim, para o sábio, não haveria guerras. De fato, é a iniquidade da parte adversária que dá ao sábio a ocasião de fazer guerras justas e mesmo necessárias. Essa iniquidade deve ser deplorada de toda manei-

ra pe]o homem [84] porque vem dos homens, mesmo que nenhuma necessidade de fazer a guerra proviesse dela. Por isso, quem quer que considere com dor males tão consideráveis, tão horríveis, cruéis, deve necessariamente confessar qué é uma catástrofe. Quanto ao que as suporta ou nelas pensa sem dor moral, está sem dúvida num estado ainda

mais miserável, porquanto parece estar feliz por ter perdido o sentimento humano." Em outro local, o mesmo diz [851:"Fazer a guerra parece ser uma felicidade para os maus, uma necessidadepara osbons."

SegundoMáximo de Tiro [86], "mesmoque fossetirado da guerra oque

[84] Num discurso que se encontra em Diodoro da Sicí]ia(X]11, 52), os ]acedemânios

alzenü "Considerandoportanto quaileosinfortúnios e crueldades as guerras encamíçadas trazem após sí, acreditamos dever levar a coi3hecimentoaqui ciarameilte a todos os deuses e a todos os homens que não se poderia mais ]lo

futuro, $em injustiça, nos imputar essascalamidades."T\u\arco, em Vida de Numa qlS Bb, escreve. "Sím, se poderá dizer que Romã aumentou considera veemente seu poder com as guerras. Questão que pediria urna longa resposta,

se eu quisesse collvencer esses homens que faze)n collsistir o poder de uln

Estado na riqueza, no luxo e o soberanoimpério, antes quena segurança púó#ca, na doçura, /7a moderação e na Jusf/ba."Em Procópio(/%reza., 11, 26), a

médico Estêvão diz a Cosroes,rei dos persas: "Gz'andere], enguanfa estás ocupado ein matanças, combates, cidades a dominar, podes conquistar talvez hein outros títulos, mas não parece que chegarias a conquistar o de home3nde

óem, /]o inefo dessaspreoctzpaçóês. "Acrescente-seuma notável passagemde Guichardin(livro [85] Aure[ius

XVI, ]h (2mf. .qpüc. Osz)n.).

Augustinus

[86] (2z.ado .XXX

] e 2

[354-430],

.De (Xwfafe

Z)ey (]V. 15)

977 CAPÍTULO HIV - ADMOESTAÇÕES PARA NÃO EMPREENDER TEMEMRIAMEWE

UMA GUERRA, MESMO POR LUSAS

CAUSAS

ela tem de injusto, a necessidademesma de a fazer é uma coisa lamen-

tável". O mesmo diz ainda: "E evidente que as pessoasde bem não fazem a guerra senãopor necessidadee que os homens injustos a fazem com alegria no coração.

2. Deve-se acrescentar a isso esse pensamento de Sêneca [87], que não pertence ao homem ser pródigo com o homem. Filisco advertia

Alexandre de procurar sem dúvida a glória, mas coma condiçãode não se tornar uma peste ou um grande í]age]o [88], entendendo com isso que o massacre de povos, que a desolação das cidades são obras da pes-

te, mas que nada é mais digno de um rei do que se preocupar com a salvação de todos que está contida na paz. Se, de acordo com a lei hebraica(NH/nerosXXXVI

.Z)eufeu'onÓ/nJO

XIX), aquele que, sem querer, tivesse matado um homem, devia fugir, se Deus

proibiu que seu templo fosse erguido por Davi(/az6zzüasXXVlll,

3), tido como homem que fizera guerras justas, pela razão que havia derramado muito sangue [89], se junto aos antigos gregos aque]es que haviam manchado suas mãos por um assassinato, mesmo sem culpa

[87] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Ed)]kfu/ae ad Z,ucíZfum(88, 30) [88] Eliano, ]ivro X]V] ]]

L89A"Ele não Ihe permitiu construir o temploporque havia feito muitas guerras e porque se havia manchado cola muito sangue, embora sangue inimigo." Es\as

palavras são de Josefo C4nízkü/dadasdada cas, Vl1, 4, 4) que possui várias outras passagensnessesentido. Plínio diz, depoisde ter relatado os combates üo à\\ada Cêsax ÇNaturaiis Historia, l?\l, aSà'."Por }nim, não consideraria colho

uma glória o fato de ter causado tantos males ao género humano, mesmo em caso de fa' sudó forçado a kso."Fílon, em Hda de .4Zoüás(1, 57), observa que

mesmo que seja permitido pelas leis matar inimigos, contudo qualquer um que

tenha matadoum homem,por maisjusto que seja, mesmosendopara se defender e sendo forçado a isso, parece culpado de alguma maneira, por causa desse parentesco comum que decorre de uma causa superior. Por isso, esses que matavam tinham necessidadede uma espéciede expiaçãopara se purificar

do crime que parecia terem cometido.

978

H U GO GROíiUS

de sua parte, tinham necessidade de expiação, muito mais, pois, sobre-

tudo se for cristão, não será a guerra uma coisafunesta e fatal e muito mais subsistirá a obrigação de envidar esforçospara evita-la, mesmo que ela não fosseinjusta? Sabe-seque entre os gregos que professavam o cristianismo foi por muito tempo observado o cânon em virtude do qua[ ficavam por um tempo afastados dos sacramentos [90] aque]es que

tivessem matado um inimigo numa guerra qua]quer [91].

[90] Durante três anos,segundoZonaras, }Tda de Mcé#orc,.]bcas (XV], 25, 23) [91] Basílio,

.4d.4mpÃl7.

(X, 13).

xxv

DASCAUSAS DEEMPREENDER AGUERRAEMFAVOR DOS OUTROS

Sumário 1.A guerra é empreendida de modo justa ein fa vor dos súditos. !i. Não deve, contudo,

ser empreendida

sempre.

111.Se uin súdito inocente pode ser entregue ao inimigo para evitar um perigo. Indo

mesmo modo, as guerras são empreendidas de }naneira

justa emfa vor de aliados iguais ou desiguais. E E em fa vor dos amigos.

rl. B!ainda em fa var de qualquer um y'll. Pode-secontudo recusar a guerra semincidir em culpa, se se teme por siinesmo ou atépela viga daquele que causa danos.

VIII. Explica'se por uma distinção,se a guerra éj:esta para defender os súditos de outrem.

IX. As alianças e o as milícias mercenárias são injustas, se nisso se enganasem distinção de causas.

X. E sem dúvida mau prestar serviço militar tendo em vista somente os sa quemou o soldo.

T

981

CAPITULOmV - DAS CAUSASDE EMPREENDERA GUERRAEM FAVOR DOSOUTROS

1.A guerra é empreendida de modo justo em favor dos súditos 1.Anteriormente, quando tratamos daqueles que fazem a guerra (livro 1,cap.V), foi dito e demonstrado que naturalmente cada indivíduo não é somente o vingador de seu próprio direito, mas que é também

daquele de outrem. Por isso é que as mesmas causas que são justas para aquele cujo interesse está em questão, sãojustas para aqueles que prestam auxílio aos outros. 2. O cuidado das pessoas que vos estão submissas é o primeiro

e

mais necessário de todos [1] , estando e]as sob o poder do chefe de famí]ia

ou submissas ao poder político, pois elas fazem como que parte daquele que governa [2], como o dissemos no mesmo ]oca]. Assim é que em favor

dos gabaonitas que se haviam submetido ao povo hebreu, esse povo tomou as armas sob o comando de Josué (JosuéX, 6). Cícero [3] diz aos

quirites: "Nossosancestrais fizeram muitas vezes a guerra para mercadores e donos de navios que haviam sido muito mal tratados." Em outro [ocal [4] : "Quantas guerras nossos ancestrais empreenderam por que ficavam sabendo que se havia feito injúrias a algum cidadão romano, que haviam aprisionado algum dono de navio ou despojado algum

mercadorl" Os próprios romanosque haviam recusadotomar asarmas para simples aliados, julgaram necessário toma-las pelos mesmos alia-

dos depois que foram entregues a eles, isto é, que se tornaram seus súditos. Os campanos dizem aos romanos: "Já que não quereis tomar a

justa defesa de nossosinteresses contra a violência e a injustiça, defendereis ao menos os vossos" [5] . F]orus [6] diz que a a]iança antes [1] Navarr., ]ivro XX]V. 18

[2] Procópio(Pera/c., 11,15) diz que não basta para ser justo não fazer ma] a nin guém, mas que é preciso ainda estar disposto a impedir que ninguém o faça aos

que nos foram confiados [3] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], Pro Z,eFeMnn bb (5, 11) [4] Idem, in varrem ,4cüo(V. 58, 149)

[5] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4b Z]j}.óo úondÉa(V]1, 31, 3) [6] Lucius Annaeus F[orus [séc.]] d.C.], .Z@Jfome de GesíísJ?omanorum(1, 16)

982

H UGO

GROTIUS

formada pelos campanosfoi tornada mais inviolável pelo abandono que 6lzeram de tudo o que ]hes pertencia. Tito Lívio [7] diz: "Não se pensava

que a honra permitisse trair povosque seentregavam."

11.Não deve, contudo, ser empreendida sempre Toda causa, embora justa, interessando a alguém, não obriga, contudo, sempre os governantes a fazer a guerra. Não são obrigados senão enquanto isso pode ser feito sem inconveniente para todos os sú-

ditos ou para o maior número. O dever do governante tem por objeto antes o todo que as partes e, quanto maior for um& parte, mais se aproxima da natureza do todo.

111.Se um súdito inocente pode ser entregue ao inimigo para evitar um perigo 1 . Por isso é que se um cidadão, ainda que inocente, é reclamado pelo inimigo para sua perda, não há dúvida que possa ser abandonado [8] , se é evidente que o

Estado é muito inferior em força que o inimigo

[9] . Ferdinand Vasquez [10] discorda dessa opinião. Se for considerado,

porém, não tanto suas palavras quanto seu pensamento, parece querer

dizer que tal cidadãonão deveser abandonadofacilmente, enquanto houver esperança que possa ser defendido. Ele cita também a história

[7] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4õ Z,ü.Ée aondlfa (V]1, 31) [8] Ver o conse]ho do patriarca Niçéforo dado a Migue] Langabe, com re]ação aos fugitivos a restituir ao chefe dos búlgaros, em vista da paz e onde se encontram essas palavras, em Zonaras (XV. 17, 20): 'Hcüamos gue é me/Zo/' que !zm pequeno número de homens sofra que uma imensa multidão.

ç$\Sa\n,De Justitia et Jure, !ivro V quaestio1, art. 7. [10]

Livro

[, Cbníro

]#usf.,

cap.

13

983

CAPITULOHV - DAS CAUSAS.DE EMPREENDER A GUERRAEM FAVOR DOSOUTROS

da infantaria itálica que, assegurada sobre sua própria salvação por

César,abandonou Pompeu, quando suas coisasnão estavam de todo perdidas, o que desaprova, não sem razão.

2. Um cidadão inocente pode mesmo ser entregue às mãos dos

inimigos para evitar a ruína do Estado,iminente semisso?E sobreisso que os eruditos discutem e sobreissotambém foi discutido outrora quando, por exemplo, Demóstenes propôs essa célebre fábula dos cães que os

lobos pediam às ovelhas que os entregassem, em nome da paz. Não somente Vasquez, mas esse Solo cuja opinião é acusada por Vasquez de

estar próxima à perHidia, negam que isso seja permitido. goto avança contudo que um tal cidadão está obrigado a se entregar ele próprio aos

inimigos. Vasqueznega também esseponto porque a natureza da sociedadecivil na qual cada um entrou em vista de seupróprio benefício naooexige. 3. Tudo o que disso se segue é que um cidadão não está obrigado

emvirtude de um direito propriamente dito e dissonão resulta que a caridade soõ'a por agir de outro modo. Há, de fato, muitos deveres, não

dejustiça propriamente dita, masde caridade,cujo cumprimento não é somente digno de louvor, o que Vasquez reconhece, mas que até não podem ser omitidos sem culpa. Tal parece ser, sem controvérsia, o dever de todo cidadão de preferir a salvação de um grande número de

pessoasinocentes do que sua própria vida. Em Zrecfézade Eurípides [11], Praxitéia

diz: "Se sabemos contar e distinguir

entre o mais e o

menos, a ruína de uma só família não prevalece sobre a ruína comum e

não pode sequer ser a e]a comparada" [12]. Assim é que Fócio [13] exor-

lil]

.lüugmenóa (362, 19-21).

[12] ':8inyusfa que a fo(/o se farte um acessórl'oda pa/'fe. " Esta passagemestá em

Fílon, Vida de Moisés (1, 59); há ainda aí outras coisasquevale mesmoa pena

ler [13] Diodoro da Sicília, ]ivro XV]1, 15

984

H UGO

GROTIUS

tava Demóstenes e os outros a sofrer eles próprios a morte, a exemplo

das fi[has de Leus e dosjacintidas [14], antes que deixar sua pátria exposta a um ma] irreparáve]. Cícero [15] diz: "Se, navegando em a]-

gum navio com meus amigos,acontecesseque um grande número de piratas, vindos de vários lugares, ameaçassemafundar o navio em caso de eu não me entregar, eu sozinho, a eles e que meus companheiros de

viagem preferissem morrer comigodo que me entregar aosinimigos, eu me atiraria eu mesmo ao mar para salvar os outros do que expor aqueles que me testemunharam tamanha afeição, não somente a uma

morte certa, mas até a um grande perigo por sua vida." O mesmo diz ainda [16] que "um homem de bem, sábio, obediente às ]eis e que não

ignora os deveres do cidadão, se preocupa mais pelo interesse de todos do que peãointeresse de um só ou do seu". Em Tito Lívio [17] se pode ]er

que foi dito, a respeito de certos molossenses:"Certamente, ouvi dizer muitas vezes que cidadãos morreram voluntariamente por sua pátria, mas esses homens são os primeiros que consideraram

como coisa justa

que sua pátria se sacrificasse por eles. 4. Isso posto, resta a dúvida de saber se esse cidadão pode também ser coagido ao que é obrigado a fazer. goto o nega com o exemplo do

rico que é obrigado pelo preceito da misericórdia a dar esmola ao pobre e que, entretanto, não pode ser coagidoa isso. Deve-se observar, contudo, que uma é a condição das partes entre elas, outra aquela dos supe'

dores, quando se os compara com seus súditos. O igual não pode coagir seu igual, se não for em razão do que Ihe é devido em virtude do direito

estritamente dito. O superior, porém, pode coagir mesmo para outras

[14] Ver Apolodoro, Bló/I'oÉüeca(111,15, 8). [15] Marcus Tu[!ius Cicero [106-43 a.C.], /}o Puó#o Sexto (20, 45) [16] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], .De /qnióus (111,19, 64)

[17] T[tus Livius [59 a.C.-17d.C.], ,4ó Z]i}.Ée Oamdlfa(X];X 26, 8).

Y CAPÍTULOmV - DAS CAUSASDE EMPREENDERAGUERRAEM FAVORDOS OUTROS

985

coisas que prescreve uma virtude qua]quer [18] porque esse direito está

compreendido no direito próprio do superior, enquanto superior. Assim é que, numa grande carestia de trigo, os cidadãos podem ser coagidos a

co[ocar em comum o que possuem [19] . Eis porque, em nossa questão controversa, parece mais verdadeiro dizer que ocidadão pode ser coagi-

do a fazer o que exige a caridade. Por isso, esse Fócio de que falei, mostrando um certo personagem de nome Nicocles, que era seu maior

amigo, dizia que tinham chegado a esseponto de infortúnio que, se A[exandre o exigisse, e]e mesmo votaria para que fosse entregue [20] .

IV Do mesmo modo, as guerras são empreendidas de maneira justa em favor de aliados iguais ou desiguais Imediatamente após os súditos vêm aqueles que estão no mesmo grau deles com relação à obrigação de os defender, os aliados no tratado em que essa cláusula foi incluída, tanto se eles se colocaram sob a tute-

la ou o patrocínio dosoutros, quanto setenham estipulado auxílio mútuo. Ambrósio [21] diz: "Aque]e que não afasta de seu a]iado uma injúria, se o puder, é tão culpado como o que a cometeu." Dissemos alhures

que tais convenções não podem seestender às guerras que não se apóiam

numa justa causa [22]. Essa é a razão pe]a qua] os ]acedemânios,

118]Assim é que entre os tucanos havia uma pena infligida aos pródigos; aos ingratos. entre os macedónios;aos ociosos,entre os mesmoslucanos e os atenienses Acrescente-se o que foi relatado no livro 1, cap. 1, $ 1X {'

[19] Lessius, Zíwo JZ cap. g daó. Z [20] Plutarco, PZoc, (749 C)

[21] Ambrosius [340?-397],Z)e O/Hcíz)MibikÉrorum (1, 36). t22À ?e S\nLlet ÇDeRepublica Helvetiorumà. "Quando o seJlhor move guerra a alguém, o vassalo é obrigado a ajuda-io, se souber que é justa ou se apenas duvida que o seja. Quando, porém, é abertamente incongruente, e vassalo deveajuda-lo pala se defender e não para atacar" (.DeFeudis, bvxa \l, cap. ZSb

9:86

H UGO

GROTIUS

antes de empreender a guerra contra os atenienses, deixaram todos os seus aliados juízes da justiça de sua causa [23], como também os roilna-

nos confiaram aos gregos o cuidado de se pronunciar sobre a guerra contra Nabos [24] . Acrescentemos isso para o momento, que um aliado não é tampouco obrigado a prestar socorro ao outro, se não houver ne-

nhuma esperançade um bom êxito. Uma aliança se contrata,'de fato, em vista do bem, não do mal. De resto, um aliado deve ser defendido

mesmo contra outro aliado de modosemelhante, a menos que, na primeira aliança, não se tenha acordadoalguma coisa de mais especial. Assim é que os atenienses puderam defender os corcirenses, se sua causa era justa, mesmo contra os coríntios, seus aliados mais antigos.

V E em favor dos amigos A causa que vem em terceiro ]ugar é aque]a dos amigos [25] , aos quais na verdade não se pi'ometeu ajuda, mas aosquais contudo se deve por uma espécie de respeito pela amizade que se tem por eles, se esse socorro pode ser fornecido faci]mente e seminconveniente]26] .Assim é queAbraão tomou as armas por Lot, seu parente, que os romanos ordenaram aos antiates de não exercer a pirataria contra os gregos, visto que eram parentes dositálicos. Os mesmos, muitas vezes,empreenderam guerras ou ameaçaram empreendê-las não somente em favor de

aliados aos quais isso era devido em virtude de um tratado, mas por amigos.

[23] Tucídides, livro 1, 119 e 125 [24] 11itus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z://óe Conduza(XXXIV. 22)

[25] Essessãoos termos deum antigo orácu]o(E]iano, Uar ]Zikf., 111.44): '7+esenfe. não prestassesocorroa um companheiroem perigo de morte; nada te direi, a não ser: sai do templo." [26] Vitoria,

Z)e ]narí$

parte

JZ n. '-7Z

Cajetan.,

]Z .g quaesÉlo

4, arf.

].

987 CAPITULOmV - DAS CAUSASDE EMPREENDERA GUERRAEM FAVOR DOSOIROS

VI. E ainda em favor de qualquer um A última causa e a que tem a mais ampla abrangência é a união doshomens entre si que basta mesmo só por ela para serem induzidos a prestar socorro [27] . Sêneca [28] diz: "Os homens nasceram para se

ajudar uns aosoutros." De mesmosentido é estepensamentol291: "0 sábio, todas as vezes que puder, corrigirá os desvios da sorte." Eurípides

diz em .4s Sup/lbanfes [30] : "Os rochedos oferecem asi]o aos animais selvagens, os altares aos escravos, as cidades às cidades oprimidas pelo

infortúnio." Ambrósio [31] diz ainda: "A força que defende os fracos é

plena justiça." Tratamos disso também no livro 1,cap. V $ 11.

VII. Pode-secontudo recusar a guel'ra sem incidir em culpa, se se teme por si mesmo ou até pela vida daquele que causa danos 1. Pergunta-se aqui se o homem é mesmo obrigado a defender outro homem, um povo outro povo, contra a injúria. P]atão [32] pensa que aquele que não rechaça a violência feita a outrem deve ser punido [33] , o que era também previsto pe]as ]eis dos egípcios [34] . Em primeiro lugar, porém, se o perigo é manifesto, pois se pode preferir

é certo que não se é obrigado,

sua vida e seus bens à vida e aos bens de outrem.

Assim é que se deveinterpretar, segundopenso, este pensamento de [27] Marcus 'rü]]ius Cicero[106-43 a.C.], De bJbus(111,19, 64); De (2übízk(]1. 5. tSà',L. 3, Ut vim, Dig., De Justitia et Jure.

[28]LuciusAnnaeusSeneca[01?a.C.-65d.C.];Z)e]/a (1,7) [29] Idem, De C7emeníab(11, 6) 130].4s Sup#canfes(267 e seguintes).

[31] Ambrosiüs [340?-397],De (2áZ7;cÍz) Mb2Jsüorum(1, 27, 129)

E32].DezeplBus(IX, 17). [33] Os hebreus também. Moisés de Cotzi, Praecepfo Jubenfe(LXXV]], Hera fe(CLXIV, CLXV)

[34] Diodoro,]ivro 1, 77.

LXXX) e

988

H UGO Gxoíius

Cícero [35] : "Aque]e que não toma a defesa de um homem que é oprimi-

do ou não resiste, se o puder, à injustiça que Ihe é feita, não é menos culpado que se abandonasse seus pais ou sua pátria ou seus aliados.: Dando a "se ele o puder" o significado de "com vantagem".

O mesmo diz

em outro ]oca] [36] que "se pode de a]gum modo ser dispensado sem censura de tomar a defesa dos homens". Nas ./ZJkfórvbsde Sa]ústio [37]

há o seguinte: "Todos aqueles que, numa situação próspera, são solicitados a tomar parte numa guerra devem considerar em primeiro lugar se lhes é possível conservar a paz; em seguida, se a guerra que se lhes propõe é legítima, segura, gloriosa ou desonrosa'

2. Não se deve desdenhar tampouco esta passagem de Sêneca [38] : "Levaria socorro ao que está exposto a perecer, mas sem querer eu mesmo perecer por ele, a menos que minha vida não resgate aquela de um grande homem ou seja o preço de uma grande coisa." Mlesmoassim não se é obrigado, se o oprimido não pode ser livrado senão pela morte do opressor]39] . Se aquele que é atacado puder preferir a vida do agressor

à sua própria, como dissemos alhures (livro 11,cap. 1, $ IX), não se incidirá em culpa ao crer e querer que o atacado assim também o deseje, sobretudo quando houver do lado do agressorum perigo maior de dano irreparável

e eterno.

[35] Marcus Tu[hus Cicero [106-43a.C.], Z)e (2áZlbízk (1, 7, 23) [36] Em Amiano Marcelino, XXX, 4, 7 [37]

Caius

Sa[[ustius

Crispus

[86-36

a.C.],

.EPi)fuja

]]/iÉürldaÉ7k

(1).

[38] A passagem se encontra em .De -BeneÉlcu))(11,15). Há outra seme]hante sobre

o mesmotema(l, 10): 'Zu deáendeHau«,a pessoa que o «,erec ao custo afó de

meu próprio sangue, e tomaria parte em seus riscos; quanto àque.laque não merece,se eu puder !ivrá-!a das mãos dos bandidos dando um grito, nãc me arrependeria de ter feito ressoar minha voz que trouxe a salvação a um ho mem."Ver

o que foi dito no livro 11, cap. 1, $ VIII.

[39] Lessius, ]lw'o ÍZ cap. 4, duó. 75.

T

989 CAPITULOmV - DAS CAUSASDE EMPREENDERA GUERRAEM FAVOR DOSOUTROS

VIII. Explica-se por uma distinção se a guerra é justa para defender os súditos de outrem 1 . Também é ponto controverso, aquele de saber se é uma causa justa de guerra, tomar as armas pelossúditos de outro, a íim de rechaçar deles a opressão daquele que os governa. Seguramente, desde o momen-

to em que as sociedades políticas foram estabelecidas, é certo que uma espécie de direito particular

foi destinado aos chefes de cada uma dessas

sociedades. Eurípides diz, em HerácZ/des]40] : 'Temos db'eito, no governo de nossa cidade,de exercer por nós mesmos uma justiça soberana."

As palavras seguintes demonstram a mesma coisa [41]: "Embe]ezai Espanta que foi vencida e nós cuidaremos de Micenas." Tucídides [42] colocou entre os atributos do poder soberano 10 auToõlKov o poder soberano dos julgamentos, não menos que 'to ocuzovopov Kcltvo czulozeXea,isto é,

o direito de fazer as leis e de criar magistrados. O verso seguinte não expressa outra coisa [43] : "Não é para e]e, mas para mim, que sobrevi-

eram o império do mar e o reino do tridente..." Este verso não difere do precedente [44] : "Se não fosseproibido a uma divindade destruir a obra deoutra" [45] . E em Eurípides [46] : "E costume dos deuses proibir de se opor ao que um dentre eles deseja."Aparentemente, como o explica com

razão Ambrósio [47], "é de medo que, usurpando a função uns dos

outros, não suscitam alguma guerra entre eles". Os coríntios, em

[40] nerzc#des(143 e seguintes). [41] Eurípides, .4s Rena bs(fragm.). [42] Livro V. 18

[43] Pub[ius Vergi[ius Mano [71-19 a.C.], E17eJda (1, 138) [44] Pub[ius

Ovidius

Nasci [43 a.C.-18 d.C.], Mefamarp

oseon (X]V. 784)

[45] Do mesmopoeta e mesmaobra (J14efamorpÁoseon, 111,336): '7\Uoépermzfido a um deus anular o que outro deus fez. [46] Jilzbá#h (1328 e seguintes).

[47] Ambrosius [340?-397],Z)e O#ic7)k.ã/lhJkÉrw'tzm (1, 13)

990

H ü êó Gi'ottl

s

Tucídides [48], pensam que é justo que "cada um puna os góüg" [49] Perseu, em seu discurso a Márció, declara que não se justificará dõ que fez contra os Dolopes: "Eu o âiz por meu direito próprio, porquanto

fa-

zem parte de meu reino, estavam sob meu domínio" [50] : Todas esgãs coisas ocorrem quando os súbitos são vêrdadeitaMehte culpados . Acres-

cente'se mesmo quando a causa é duvidosa. Em vista disto é qüe foi estabe[ecida essa distribuição dos impérios [51] 2. Esse direito da sociedade humana não sei'á excluído por isso,

quando a opressãoé nânifegta, se algum Büsíris, F'alarig, l)iómé(ho da 'lYácia exerce cobre sêüs súditos crueldades que não podem sêr aprova:

das por nenhum hometn justo. Assim é qué Constantino tohoü em armas contra Mlaxêncio e contra Licíniõ, que outros imperadores dos romanos as tomãrah oü ameaçaram toma-]as contra os persas [52], se nãa parassem de perseguir os ci'istãos pór causa da re]igiãó [5{3]

3. E Mais, ãindà que fossecohcedidó,Mesmono Casode ümâ extteha necessidade, que os súditos tiãó pudesÉeh tomar lêgitimãhen' te eh amas(ponto qüe vimos gepi'evogadõha dúvida poi' aqueles mes' mós qüe ássühifãm Comoobjêtivó défeüder o poder rêál); üãó gesegui' ria, cohtüdo, que óütros não p\idessem toma-lãs por eles. Plbdagas vozes

quê, nülná anão, ó obstáculo se órigiha da pessoa, hão dá eóiÉa,o qüe

[4ã] Livro V i, 48; [49] Agogtihho;

ém .De ZüZero

;? ó/É ió(11,

1, 2), diá:

'ÉÉa#eF

aáo de óondnde

Bazar

o

bem aos estfazlhós,mãs a justiça nâo pede qtzea gebté os puna '' SéÉundo Procópió(Banda/ló., 1; 5): 'g confie»/e/7feque cada üm exe«a o poder que /Ze toca como parte, Mas que hão o êkiha dü éiiidado pelos begócíos dog outros. [50] {titüs

LiViüs

[59 a.C.:17 d.ê:1; .4ó Urbe Co alfa (XLl1, 4i, i:i)

[5i] VitÕtiã, rê;eó]: De in ÍÜ a; ' .Íá [õ2] 1im exemplo seme]hahte existe na história de Pepíüó, ein F]'edegáfio (na final).

153]Vitotíã, ReJea#, Z)ó]Htlzb. :p..Za. ' ]3.

991 CAPÍTULOmV - DAS CAUSAS DEEMPREENDERA GUERRAEM FAVOR DOS OIROS

não é permitido a um podeser permitido a outro em seulugar, contando que o negócio seja tal que um possa ser útil a outro. Assim é que um tutor ou qualquer outro reclame pelo pupilo que não pode comparecer em pessoaperante a justiça, que um defensor, mesmo sem mandato, o pode por um ausente. O impedimento que se opõe a que um indivíduo

resista não vem de uma causa que fosse a mesma no súdito e no não súdito, mas de uma qualidade da pessoa que não passa a outras. 4. Assim é que Sêneca [54] estima que aque]e que nada tendo de

comum com minha nação atormente a sua, pode ser de minha parte objeto de hostilidades, como dissemos (livro 11,cap. XX, $ XL, 3), quan-

do se tratasse de penal a infligir. Essa coisa é muitas vezes unida à defesa dos inocentes. Sabemos, na verdade, pelas histórias antigas e novas que a ambição do bem de outrem procura essespretextos, mas se

os maus abusam de uma coisa, o direito não cessa nem por isso de existir. Os piratas navegam também, os salteadores também fazem uso daespada.

IX. As alianças e as milícias mercenárias são injustas, se nisso se enganamsem distinção de causas 1. Do mesmo modo como declaramos ilícitas as alianças de guer-

ra formadas com a intenção que o socorro seja prometido para qualquer

guerra, sem nenhuma distinção de causa [55], assim também nenhum gênero de vida é mais repreensível daquele desses indivíduos que, pres'

tando seus serviços a preço de dinheiro, fazem a guerra sem consideração da causa e para os quais "a justiça se encontra onde estiver o maior

[54] Lucius Annaeus Seneca [Ol? a.C.-65 d.C.], -De.Bebe/icízk(Vl1, 19, 9)

[55] Ver ainda sobre esseponto Simler.

992

H UGO GxOTiüS

sa[ário" [56] . ]sso é o que P]atão [57] prova em Tirteu. ]sso mesmo é o

que [emos que foi recriminado aos etó]ios por Fi]ipe]58] e aos arcadenses

por Dionísio de Mli[eto [59] , nestes termos: "Da guerra se faz um trá6co

e os males da Grécia são um lucro para os arcadensesque, sem se importar com a causa da guerra, tomam as armas ora por um partido, ora por outro." Coisa dep]oráve], como fa]aAntífanes [60] : "Um soldado

que, a fim de ganhar sua vida, ]ança mão da mortes" [61]. Dion de Prousa [62] diz: "Que há de mais necessário para nós ou de maior preço que a vida? E contudo, muitos a sacrificam para se encher de dinheiro.: 2. Vender sua vida é pouca coisa, se não vendessem também as dos outros que muitas vezes sãoinocentes [63], tornando-se muito supe

dores em infâmia ao carrasco,pois é pior matar sem causa do que matar comcausa [64].Antístenes [65] dizia mesmoque os carrascos são mais honestos que os tiranos, pois aqueles matam culpados e estes [56] Si[vestr.,

ib

ve/óo

.BeJTum, pa/f.

Z /

]q

cêrca Élbem.

[57]Z)eZeg2bus (1,5) [58] Titus Livius

[59] Filostrato,

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:rróe Gonc#fa (XXX]1, 34)

Hfae Sofá.(1,

22)

[60] Em Estobeu, ]ivro 53, 9.

[61] Sêneca, em Natura/es é?uaesúones(V] 18), disse: '2?asar'sq soó r7kco de üda, angariar

coisas

que contribuem

a abreüar

a üda."

T\au\o,el!:t

Bacchides

(traem:rl.

VII), escreve: ':4que/es gue vendem sua veda pe/o ouJ'o..." Guntherius (Za#u/:üus,Vl1, 511) fala dessas 'boa'fes a/usadas a preço de cizhàeíro.desses soldados que só têm em esta Qprémio militar que lhes era dado, acostumados a mudar de partido de acordo com o preço oferecido e a ter como inimigo aquele

que !hes ordenasse de combater o amo que lhes desse seu salário.

[62] Dion de Prousa ou Dion Crisóstomo,arado mZ7

163]Bellinus, -Z)e Re.4ã7lf., parteZZÉ#..gn.' 4. [64] Soneca,em Nafurajes uaesflbnes(V. 18), diz: ']:bmo chamar de ouü'zzmana/ra essa ânsia, essa necessidadede espalhar a destruição, de se !andar furiosa mente sobre desconhecidos.de se irritar sem ofensa, de devastar tudo em sua passagem e, como animal feroz, degolar sem odiar. [65] Em Estobeu, ]ivro 49, 47

CAPITULO HV -

993

DAS CAUSAS DE EMPREENDER A GUERRA EM FAVOR DOS OIROS

matam inocentes.Filipe, o antigo, da Macedânia,dizia dessetipo de gente que só ganha a vida carregando armas [66] : "A guerra é para e]es

apazea paz,aguerra. 3.Aguerra não está entre as profissões,ao contrário, é uma coisa tão horrível que só mesmo uma extrema necessidadeou a verdadeira caridade podem torna-la honesta, como se pode compreender segundo o

que foi dito por nós no último dos capítulos precedentes. Segundojuízo

deAgostinho [67],«cevararmas não éum debito,mas é um pecadofazer um serviço em vista do saque"

X. E sem dúvida mau prestei' serviço

militar tendo em vista somente

os saques ou o soldo Mesmo tendo em vista o soldo, se se tiver isso única e principal mente em vista, embora, por outro lado, seja de todo permitido receber

um soldo. O apóstolo Paulo (/ao/:zhÉ70slX,7) diz: "Quem é que faz a guerra a suas expensas?'

[66] Diodoro da Sicília, livro XV]]], lO. \

[67] -De 1.%róis .Dom

hi secundam

.aaafÉüaetzm,

citado

em

(huna

mZZZ

quaesÉz o ./

xxVI

DAS CAUSAS JUSTAS PELAS QUIS A GUERRA

PODESERFEllAPOR AQUELESQUE ESTÃO SOB / O DOMÍNIO DE OUTREM

Sumário 1. Quais pessoaspodem ser ditas estar sob o domínio de Querela.

11.Quefazerse essaspessoassãoconvocadasadarsua opinião ou se tiverem livre escolha. 111. Selhesfor

ordenadofazera

guerra

e se elasjulgarem

que a

causa da guerra éíiÜusta, não devem tomar em armas. IV Que decidir se estivesse na dúvida? U O que éfazerato

de cie221ência, poupar,

em seillelhante

}naí;é.

ria, ossú&tos queduüdam, sobo ónus de um tributo extraor dinário.

VI. Quandoas armas dos súditos sãojustas numa guerra in justa.

T

CAPITULOHVI - DASCAUSASJUSTAS PEUS QUAIS A GUERRAPODESER FEITAPOR AQUELESQUE EgÃO SOBO DOMÍNIO DE OUTREM

997

1. Quais pessoas podem ser ditas estar sob o domínio de outrem 'l:ratamos daqueles que são independentes. Há outras pessoas que estão colocadas na condição de obedecer, como os filhos de família,

osescravos,ossúditos,mesmooscidadãosconsideradosindividualmente, se comparados ao corpo do Estado.

11.Que fazer se essas pessoas sáo convocadas a dar sua opinião ou se tiverem lide escolha Quanto a essaspessoas,se são chamadas a deliberar ou lhes é

dada a livre escolhaentre a opçãode servir à guerra ou de ficar em casa, elas devem seguir as mesmas regras que aqueles que empreen'

dem guerras por sua própria vontade para eles mesmos ou para os outros [1]

111.Se lhes for ordenadofazer a guerl'a e se elas julgarem que a causa da guerra é injusta, náo devem tomar em armas 1. Se lhes é ordenado que sirvam às armas, o que ocorre geralmente, estando eles seguros de que a causa da guerra é injusta, devem

se abster de qua]quer forma [2] . Deve-seobedecerantes a Deus que aos homens. Não são somente os apóstolos (,4fos dos.4pcãsfcz/osV. 29) disse-

ram isso, mas também Sócrates [3] . Entre os mestres dos hebreus há

[1] Aegid. Reg.,.Deací2bussz/pera.,atZspaó. 3], ]]. '8(7. [2] Vitoria,

.De Jure -BeZ/l] n.' 22.

[3] Platão nos ensina isso em sua HpoáB2b(17). Como Apo]ânio que opunha a um

edita de Nero este verso de Sófocles: 'í/[ípifer lâo me àav7a dado a arde n (Filostrato, Héa HpaZ/on 7 nade ?s2i, IV, 38)

998

Hu

GO Gxorius

uma sentença]4] que aílrma que não se deve certamente obedecer a um

rei que manda a]guma coisa contrária à ]ei de Deus. Po]icarpo [5] , no leito de morte, diz o seguinte: "Aprendemos a prestar aos soberanos e aos poderes estabelecidos por Deus a honra que lhes é devida, contando que isso não venha a impedir nossa salvação." O apóstolo Paulo(.Ê7ãslüs V[, ]) diz: "Filhos, obedecei a vossos pais, segundo o Senhor [6] , pois isso é justo."A

respeito dessa passagem, Jerânimo [7] diz: "Para os fi]hos é

um pecadonão obedeceraos pais e porque os pais poderiam mandar alguma coisa contrária ao que deve ser, ele acrescentou segundo o Senhor." A propósito dos escravos acrescenta [8] : "Quando o dono segundo a carne manda algo diferente do que o dono segundo o espírito, não se

deve obedecer." O mesmo diz em outra passagem: "Não devem ter sub-

missão a seus mestres e pais, a não ser nas coisas que não são contrárias aos mandamentos de Deus." O mesmo apóstolo (.E7as7bsVI,8) havia dito também que cada um receberá a recompensa por suas obras, [4] Que Josefo(.4ní7#ü Jades Judaic'as, XV]1, 6, 3) atribui a e]es: '?\Uo áá gue se

maravilhar se acreditamos que os mandamentos que ÀÍoisés nos deixou por escrito, sob a inspiração e o ensiname]]to de Deus, mereciam $er ]naís respeitados que luas arde ]s."Acrescente-seo que o rabino Tanchuma, citado por Drúsio, sobre uma passagem dos Hfos (V. 29). lõ] Eusébio, ]Dhfoda

Zcc/eszbsüc'a(IV

[6] Jogo Crisóstomo

(comentário

23)

à .8p7'sfoJa aos ,E/3slos, Homi]ia

explica esta expressão "seguJ7do o Se lüo/':

'

recompensa

XX],

1) assim

que náo á pe

queda nos foiproposta se prestarmos a nossospaís o respeito que lhes é devido, mas devemos considera-ios como mestres, devemos respeita-!os em palavras e

anões,excito no caso em que houvesseprejuízo para a piedade." }Lssànlê que se

deve entender essaspalavras de Jerânimo: 'tbnÉzhua feu c'amil2áo,seguindo aspegadas feu pai "lYata-se de uma expressãodeclamatória, tomada do reitor Porcius Latro, e que se encontra em Sêneca(ao/IÉroverszbe,1, 8, 15). Do mesmo modo se deve explicar o que dizem Ambrósio(Z)e Hlgínfáafe), Agostinho(.81ozbfu/a XX..XVZZZ.4d Z,aefum), bem como o cânon IV do l Concílio de Nicéia, segundo a

tradução árabe [7] Sophronius Eusebius Hieronymus]331-420], ad Ephesios (N1., 4Õ

GommeJléarlum lh Eplsfu/am

[8] Jogo Crisóstomo(comentário à /.E»J8Éa/naos C];i:úÉ2bsV]1, 24

.F)aiz/I'

]Zom]ZlbX]X,4)

çhü "Limites foram impostos por Deus à obediência dos escravos. Foi-!hes pres-

crito até onde devemobserva-!ose !hes é proibido ultrapassa-!os.No caso em que o patrão não ordena nada que seja desaprovadopor Deus, devem se condor mar a suas ordens e obedecer mas nada além (ileso." Clemente de Alexandria

(Síromafa, IV. 19, 125) diz: 'H muJZer deç,eoóedecei-a seu marido em fado, falando da mãe de família, e nada deverá fazer que o desagrade, salvo se acreditar em alguma conseqiíênciacom relação à virtude e à salvação.

999 CAPÍTULO HVI -

DAS CAUSAS JUSTA

PEUS QUAIS A GUERRA PODE SER FEITA POR AQUELES QUE EgÃO

SOB O DOMÍNIO DE OUTREM

seja ele ]ivre, seja escravo. Tertu]iano [9], por seu turno, diz: "Foi-nos ordenado de modo suficiente, segundo o preceito do apóstolo, a sermos submissos com uma inteira obediência aos magistrados

[10] , aos prín-

cipes e aos poderes públicos, mas nos limites da disciplina cristã." No martirológio, o mártir Silvano diz: "Nós só menosprezamos as leis ro-

manas para guardar os mandamentosdivinos." Em Eurípides [11], Creonte diz: "Ajustiça não ordena que sejam executadas ordens supre' mas?" Antígono responde: "Não, quando são contrárias às leis e à justiça." Musonius

[12] assim se exprime: "Se a]guém desobedece a seu pai

ou ao magistrado [13] ou a seu mestre que ]he ordena coisasvergonhosas ou iníquas a fazer, não é desobediente, nem comete uma injustiça, nem peca.

2. Au]us Ge]]ius [14] nega que seja uma boa máxima a de dever obedecer a tudo o que um pai ordenou. Ele diz: "Que aconteceria, de

fato, se um pai ordena a seu filho trair sua pátria, matar sua mãe ou fazer uma ação vergonhosa ou infame? Aqui, a opção mais sábia e mais segura é um meio-termo. Deve-se em certos casos obedecer e desobede-

cer em outros." Sêneca [15] diz: "Não se deveobedecera todas as or'

[9] Quintus

Septimius

F[orens

Tertu[[ianus

[155-220?] , De ]do/aérea (15)

[10] Ver exemp]os notáveis, tanto de castigo quanto de elogios em / Saque/ XXll, 18-19. /.Re/s XVIII. 4, 13, /7J?e k 1, 10-14. Entre os cristãos, Manuel e Jorre se

recusaram a participar no assassinato da imperatriz(Nicetas,

Hdn de deixo,

cap. 17, filho de Manual Comneno) [11] .,4sFeno bs [1648]. [12] Estobeu, .4 .[JZ]erosPa/e/2f. JZonora ]d(79, 15) [13] Há entre os pagãos dois i]ustres exemp]os de personagens que não obedece

ram aos imperadores em matéria de coisas desonestas:o exemplo bastante conhecido de Papiniano e aquele de Helpídio, citados em Amiano (XXI, 6, 9) Severo não queria que fossem deixados impunes aqueles que haviam matado

um senador por ordem do próprio imperador (Ver Xiphilinus, LXXIV. 2) [14] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d.C.], Moafes,4óúcao (11,7)

[15] Marcus Annaeus Seneca[58 a.C. --32?d.C.], Gonfrovers!'ae(1, 1)

H U GO GKOilUS

dens." Quinti]iano [16] diz: "Os fi]hos não são obrigados a fazer tudo o que seus pais mandam. Há muitas coisas que não podem ser feitas. Se mandas teu filho formular uma opinião contrária à sua consciência, se

Ihe ordenas dar testemunho sobreuma coisaque ignora, ser de tal opinião no senado,seIhe ordenamincendiar o Capitólio, seapoderar da cidadela, então Ihe é permitido dizer: essas são coisas que não devem ser feitas." Sêneca [17] diz: "Não podemos ordenar de tudo, como o es

cravo não é obrigado a fazer tudo. O que Ihe for ordenadocontra a república, não poderá executa-la, pois suas mãos jamais se prestarão para o crime." Sopater diz: "Deve-se obedecer a um pai, se manda nos limites daquilo que é justo, está bem; se suas ordens saem do que é honesto, não convém Ihe obedecer."Foi feito passar outrora pelo ridícu[o Stratoc[es [18] que havia proposto antenas uma ]ei dizendo que tudo o que fosse do agrado do rei Demétrio ordenar, passaria por piedoso ao

o[har dos deuses,e porjusto entre oshomens [19]. P]ínio [20] diz que ;havia em algum lugar demonstrado que a execuçãode uma ordem iníqua era um crime." [21J 116] Marcus Fabius QuintilianusL30?-100?J , .Dec-/amaÉ]o]es Mnybrc?s ef Minores

(271). O mesmodiz, na mesmaobra (333),o seguinte: ':r\Uoáá necessidadede fazer tudo o que os país ordenam; de outra maneira, alada seria mais funesto que os beneHciosrecebidos, se nos reduzissem a uma completa escravidão."

[17] Lucius Annaeus Seneca[01?a.C.-65d.C.], Z)e .Be/2eálcu]k (111,20) [18] Esse era o bi]hete que Andrânico Comnenohavia exigido de Basí]io Camatero, pdo qxxa\"esse prometia nada fazer, quando fosse elevado ao patriarcado, a não

ser o que Andrõníco achassebom, sem excetuar as coisasmais criminosas e que se abateria ao co1ltrário de tudo o que não agradasse a Andrõnico. [19] Plutarco, [20] Caius [2]]

Hda de .DemóÉr70(900 A).

P[inius

Tertuliano

Caeci[ius

(Z)e .4nfma,

Secundus 40) diz:

[62-114],

'Hque7e

.qpJkfu/ae

que manda

(9, 14): .goikflz/a

reaeóe

ma/or

ad

pu/]lbão,

porquanto mesmo aquele que obedecenão é escusado." i)\z \antbêBrtÇDe Resurrectione Carris, tSà. "Entre os homens, o exercício mais perfeito da justiça vai até encontrar aqueles que não foram senão os mí11ístrasde uma ação para pum'ios ou recompensa-!os,bem como aqueles que se serviram de seu múnifávlb. "VeT' Gailius, Z)e Pac-ePuó/laa(livro

1, cap. IV. n.' 14)

r CAPÍTULO HVI

DAS CAUSASJUBAS PEUS QUAIS A GUERRAPODESER FEITAPOR AQUELESQUE ESTÃOSOB O DOMÍNIO DE OUTREM

3. As próprias leis civis que perdoam facilmente as faltas escusáveis são, na verdade, favoráveis aos que se encontram na necessidade

de obedecer,mas não em todas as coisas. Elas excetuam, de fato, as ações que trazem em si atrocidade ou crime [22] que, como fa]a Cícero [23] , sãoe]as próprias ce]eradas e criminosas. Sãoma]eücios dos quais

se deve fugir voluntariamente, não por causa de decisõesde jurisconsultos, mas por uma interpretação natural, comoo explica Ascânio.

4. Josefo [24] lembra que foi re]atado por Hecateu que os judeus que serviam sob Alexandre da Macedânia não haviam sido forçados por

golpes de açoite nem por outro qualquer mau tratamento a levar terra com os outros soldados para reconstruir o templo de Belus que estava

na Babilânia. Temos,porém, um exemplo mais próximo de nossotema na legião tebana, da qual falamos antes (livro 1,cap. 11,$ 1Xe cap. IV. $ VII) e nos soldados de Juliano, dos quais Ambrósio fala o seguinte: "0 imperador Juliano, embora fosseapóstata, teve contudo sob suas or dens soldados cristãos que, quando lhes dizia 'Marcham para o combate

pela defesa da coisa pública', Ihe obedeciam,mas quando lhes dizia Vo[tai vossas armas contra os cristãos' [25], reconheciam por chefe o

[22]

Z,. .r5Z

,4deo,

.22Ü:, .De I'eg. ./ur

[23] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], in marram,4aÉz o (1, 42, 108). [24] Flávio Josefo, Contra dp/o/ em(1, 22)

[251Juliano, de fato, não se abstevede qua]quervio]ência contra os cristãos,sobretudo quando achava que havia algum pretexto para os perseguir. Num escrito

üe 3e õlüma (~AdNepotianumà se \ê. "Juiiano, o assassino de um exército

i

cr7kÉão. "Agostinho(.Z)e Clw'fale Z)ell XVl11, 52) conta que se havia começadoa perseguir os cristãos em Antioquia por ordem sua e que um jovem foi torturado. Encontra-se, nos martirológios, santo IClí6io,escocês,e trinta e três compa' cheiros que Juliano mandou decapitar entre as cidades de Toul e Gand. Ver também Jogo de Antioquia, em .Excerpó./]eú'esc,Agostinho, em sua carta 50 a Bonifácio, citada por Graciano, ChagaXZ quaesóo 3, diz: 'í/uZzbno]bz'um nzlperador mãe!. Não foi um apóstata iníquo e inãle!? Os soldadoschstãos serviram um imperador ínãei, mas quando se tratava da causa de Crista, eles 1lão reco

nheciam senão aquele que está no céu e quando eie queria que adorassem os ídolos e que lhes queimassemincenso, eles preferiam a Deus.

H UGO

GROTIUS

imperador do céu." Lemos ainda a respeito que mensageiros, converti-

dosa Cristo, haviam escolhidomorrer antes que prestar a mão aos editor e aos julgamentos contra os cristãos.

5. Outro tanto se deverá dizer se alguém está persuadido que aqui[o que é ordenado é injusto [26] .A seus o]hos, essacoisa é tida como ilícita por todo o tempo até que não seja demovido do contrário, como isso resulta do que foi tratado anteriormente.

IV Que decidir se estiverem na dúvida? 1. Se duvidar que a coisa seja lícita ou não, deverá ficar na mação ou obedecer? A maioria é de opinião que deverá obedecer e que essas

palawas célebres "Não faças o que duvidas" não põem obstáculo porque

aquele que duvida teoricamente pode não duvidar na prática. De fato, ele pode crer, na dúvida, que se deve obedecer ao superior. Seguramen-

te, não se pode negar que essadistinção de um duplo julgamento não ocorre em muitas ações.As leis civis, não somente dos romanos, mas também dasoutras nações,concedemnão somente em semelhante cir cunstância a impunidade aos que obedecem[27], mas também recu[26] Vitoria,

.De Jui«e .Be//l; n.' 23

[27] João Crisóstomo(Z)e

Prou7denfza,

]ll)

diz:

'gl/UJfas urzes maglsüados

dará/n

punidos por ter feito morrer injustamente indivíduos, mas ninguém jamais perseguiu através da justiça

os carrascos que foram os ministros

dessas execu

iões, emprestando suas mãos para tanto. Nunca se pensou em procura-!cs. A

necessidade de obedecer no posto em que se encontravam bastava para desculpa-!os, em consideraçãoda autoridade daquele que lhes deu a ordem e da temor que devia ter aquele que era obrigado a obedecer."V\p\ax\o, segu3nàn

Censo,à\zl "0 escravo que obedeceuàs ordens de seu amo não se tornou culpado de falta alguma" ÇL 2, Dig., De Nora!. Act). "Não é obrigado a decidir

aquele que obedeceàs ordells de um pai ou de um patrão" ÇL. 4, Dig., De Rega.lú Ju/:zs).Ver Cujas, sobre essa última lei. Segundo Sêneca(.Z®lsó. 61, 3),

não há necessidadepara aquele que age por vontade própria". ucescenle-se a lei lombarda, livro 1, tít. IY cap. 2. Mitridates mandou de volta impunes os

libertos de Atílio que haviam sido cúmplices de uma conspiraçãocontra sua

vida e fez o mesmocomrelaçãoa amigosparticularesde seufilho que se revo[tara contra e]e(Apiano, J?e/7. ]1©fbrldaÉ.).Tibério Graco não foi punido pelo tratado celebrado com os numantinos porque havia cometido essa falta, obedecendoàs ordens de outrem(Plutarco, ber7us Graccüus, 827 A)

T

CAPÍTULO HVI

DAS CAUSASJUSTASPAUS QUAIS A GUERRAPODESER FEITAPOR AQUELESQUE ESTÃOSOB O DOMÍNIO DE OUTREM

1003

sam toda ação civil contra eles. Dizem que "o autor do dano é aquele que

manda fazer, mas não há culpa da parte daquele que está na necessidade de obedecer" [28] . "A necessidadede obedeceraospoderes serve de

escusa"e outras máximas similares. 2. O próprioAristóte]es]29] no livro de .EZztu,coloca, na verdade,

no número daqueles que cometem uma açãoinjusta, mas sem agir injustamente, o servidor do mestre que dá a ordem. E diz que aquele que é o princípio da ação é que age injustamente, entendendo-se que

num servidor a faculdade de deliberar não écompleta, comoo indica o provérbio [30]: "Aque]e que é coagidoa servir é privado da metade de seu va]or." E este pensamento seme]hante [31] : "Uma metade da razão é tirada por Júpiter a essa categoria de homens que ele votou à vida

servil." E estas palavras de que faz uso Fílon [321:"Nascido para a escravidão, tu não tens razão"]33]. E este pensamento de Tácito]34] : "Ao príncipe os deuses deram a soberana decisão de todas as coisas; obedeceré a única glória que foi deixada aossúditos." O mesmo escritor

[35] conta que o f]]ho de Pison foi perdoado por Tibério do crime de

:il8à

h

169, Damnum, Dig., Derem. jur:;L. 37, Liberhomo, l)ig., AdLegemAquiliam; L. 167, Non videtur, $ Quiiussu, Dig., De reg. jur.;Paulo, livro V. gene., tít. 22, $1, 2;Leis

livroil,

dos }ongobardos,

!ivro i, tít. 96, de termino

effosso;Leis

dos visigodos,

tít. 2, cap. 2;livro Vli!, tít.l, cap. 3, 4;!ivro Vil, tít. Vii, cap. 5.

[29] .Óüca a .A/lbómaco(V.

12).

[30] Longinub, -De .Suó/ím.(43) 131] Homero,

O(i)ssózb(XVl1,

322-23)

[32] Fílon, é?uod(202JZJb .Fbuóusbaba'(7). [33] Temístio(arado J:8)diz que os príncipes se asseme]ham à razão, os soldados à ira

[34] Caius Corne[ius Tacitus [55-120],,4nna]es(V], 14). [35] Idem, .4/7na7es(111, 17).

H UGO

GKOíiUS

guerra civil: "Eram as ordens de seu pai e um filho não poderia desobe-

decer." Sêneca [36] diz: "0 escravo não é o censor da ordem de seu pa' trão, mas o executor." 3. Especialmente nessa questão do serviço mi]itar, Agostinho137]

teve o mesmo pensamento. De fato, assim se exprime: 'IJm homem de bem, pois, que leva as armas sob um rei, mesmo sacrílego, pode legiti-

mamente fazer a guerra sob suas ordens, se, respeitando a ordem da

paz pública, está certo que aquilo que Ihe é ordenado não é contra o mandamento de Deus ou mesmoquando não estivessebem seguro.A iniquidade do comando torna então o rei criminoso e o dever de obedecer

justiÊlca o so]dado." E em outra passagem [38] : "0 so]dado que, obedecendo à autoridade sob a qual está legitimamente

colocado, mata um

homem, não é acusadode homicídio por nenhuma ]ei de seu país [39]. Ao contrário, se não o fizer, setorna culpado de desobediência e de rebe-

lião. Sepor ele mesmoe com sua própria autoridade o tivesse feito, teria

caído no crime de ter derramado sangue humano. Por isso, o que o tornaria passível de punição, se o tivesse feito sem ordem, o tornaria digno de punição se não o tivesse feito depois de ter recebido a ordem." Disso é que comumente se deduz essa opinião [40], segundo a qual, com

[36] Marcus Annaeus Seneca [58 a.C. --32? d.C.], GonÉroverszbe(111, 9). 137] Aure[ius Augustinus [354-430], OonZra .füusfum .4/an/cÃaeum (XX]1, 74)

[38] Idem, De O]'wÉafeZ)eu(1, 26). [39] O mesmo Agostinho, em Z)e Z/mero 4rózÉr2b(1, 4), diz: ';Se manai- um comem

caracteriza o homicida, pode-seàs vezesmatar sem crime, porque o soldado que mata um inimigo, ojuiz ou o executor das sentenças que levam à morte um

culpada, aquele que de suas mãos escapa uma rede involuntariamente ou por imprudência, não me parecem cometer crime, qualldo matam um homem; por /bso, não são chamadosÀom cujas." Graciano reproduz essapassagem em (huna XXiil,

quaestio V.

t4QÃSüvest., in verbo Beilum, parte 1, n.' 9, conc!. 4 Gaste.,in 1,. 5, Dig., i)e Justit.\ taxa, livro VI quaestio 1, art. 7, e quaestio3, art. 3,'g\\ax\a, De Jure Beili, n.' 32, Cavaxmwias, in cap. Peccatum, parte 11, $ 10.

1005 CAPÍTULOHVI - DAS CAUSASJUSTASPAUS QUAIS A GUERRAPODESERFEITAPOR AQUELESQUE ESMO SOB O DOMÍNIO DE OUTREM

relaçãoaossúditos, podehaver uma guerra justa de uma parte e de outra, isto é, ]ivre de injustiça. Aisso se refere esteverso [41] : "Qua] dos dois tomou as armas com maior justiça? Não é dado saber.. ." 4. Isso não deixa, contudo, de ter sua dificuldade. Nosso pompa' triota Adriano [42] , o último dos cisa]pinos que se tornou pontífice romano, defende a opinião contrária [43] . Essa pode ser sustentada, não precisamente pela razão que ele alega, mas por essarazão mais urgente que aquele que duvida teoricamente deve determinar seujulgamento na prática em favor da opção mais segura. A opção mais segura é de se

abster da guerra. Os essêniossão elogiadospor aquilo que juravam, entre outras coisas, "de não prejudicar ninguém, mesmose lhes fosse dada essa ordem" [44] . Ateu exemp]o, os pitagóricos, segundo testemu-

nho de Jâmblico [45], se abstinham da guerra por essarazão e acrescenta "que a guerra inspira e comanda assassinatos

5. Não se deve, por outro lado, obstar que há perigo de desobediência. Um e outro sendo incertos, porquanto se a guerra é injusta não há nenhuma desobediência a evitar, aquele dos dois que for o menor está isento de culpa. A desobediência, nas coisas dessa espécie, é por sua

natureza um mal menor que o homicídio, sobretudo de um grande número de inocentes

[46] . Os antigos

narram

que Mercúrio,

acusado do

assassinato de Argos, tendo-se defendido alegando que havia agido sob

a ordem de Júpiter, os deuses não ousaram, contudo, absolvê-lo.

[41] Marcus Annaeus Lucanus [38-65],Püarsa/lb (1, 126) [42] Adr.,

é?uaesf. QuodZ, ]ivro

]].

[43] Há exemp]osde autores que são dessaopinião em Lambert de Schafnaburg [44] F[ávio Josefo [37?-100?], Guerras Judaicas (11, 8, 7). [45] De H'fa /WÜag.

(186).

[46] Bald., .ZCCbns. J85; Sotus, De def, gecz memór, 3, quaesf. 2, ]h resp. ad.[

1006

H UGO

GROTIUS

Marcial [47] não descu]pa tampouco Potino, escudeiro de Ptolomeu,

quando diz: "A causa de Antânio é pior todavia que aquela de Potino; este último cometeu o crime por seu mestre, aquele por si mesmo." O que alguns alegam contra não é tampouco de grande peso [48] que, se issofosse admitido, a coisa pública estaria muitas vezesexposta a pere'

cer porque a maior parte do tempo não é vantajoso a não ser que as razões das deliberações sejam levadas a conhecimento do povo. Que isso

seja verdade, de fato, para o que diz respeito aos motivos que engajam

na guerra, isso não é verdade com relação a causas justiHlcativas, as quais devem ser claras e evidentes e, em decorrência, tais que possam e devam ser publicamente expostas.

6. O que foi dito das leis, de uma maneira talvez pouco distinta por Tertuliano [49], ocorre exatamente muito a propósito dessas]eis ou editas concernentes à guerra a fazer: "Um cidadão não obedece fielmen-

te à lei, senão conhecea natureza do que a lei pune. Nenhuma lei deve se limitar a ser só consciente de sua justiça, mas deve fazê-la conhecer aos que de quem ela espera o respeito. De resto, é suspeita a lei que não

quer ser examinada, é tirânica se domina sem ter sido examinada." Em Papínio [50], Aqui]es fa]a assim a U]isses que o incita à guerra: "Dá-me

a conhecerquais foram para os gregosas origens de uma tão grande guerra; gostaria de haurir daí justos ressentimentos." No mesmo [51] ,

Teceu assim se exprime: "lde com ardor, conüiai,vos rogo, numa tão

[47] Marcus Va[eriusMartia[is [40-104],@)i]gramm.(111,66, 5). [48] Vitoria, [49] Quintus

.De Jure .Beib] n.' 25 Septimius

F[orens

Tertu[ianus

[155-220?],

Nationes ($). [50] Pub[ius Papinius Statius]69-125],

[51] Idem, TZeZ)aJk (X]1, 648).

,4cü]Z/e/s(11, 47).

.4po/ogefiaus

(]V. 1)

CAPITULOHVI - DAS CAUSASJUSTA PEUS QUAIS A GUERRAPODESERFEITA PORAQUELESQUE EgÃO SOB O DOMÍNIO DE OUTREM

grande causal" Propércio [52] havia dito: "A causa da guerra quebra ou releva as forças no soldado. Se a causa não é justa, o sentimento da

honra faz tombar suas armas." Semelhante a isso, estas palavras do panegirista

[53] : "A boa consciência faz parte tanto da guerra como a

vitória não é um efeito da coragem mais do que da probidade."Assim

é

que certos homens eruditos interpretam a palawa ':jarek" que se lê em Génes7k (X]Vj14) [54], dando-]he o significado

que aqueles que assis-

tiamAbraão haviam sido, antes do combate,plenamente informados do fato, por ele mesmo, da justiça de suas armas. 7. E certo que as denúncias de guerras, como diremos um pouco mais adiante (livro 111,cap. 111,$ XI), eram ordinariamente feitas de modo transparente e com a causa expressa, a ülm de que todo o gênero humano, por assim dizer, pudesseconhecer a justiça da causa. E que a prudência, como observou tambémAristóte]es [55], é uma virtude pró

pria daquele que governa, mas a justiça é uma virtude do homem, enquanto homem. 8.Aopinião que dissemos ser deAdriano parece dever ser absolu-

tamente seguida,seo súdito não somenteduvida, maspersuadido por razões prováveis pende antes a pensar que a guerra é injusta [56] e principalmente se se trata de atacar os outros, não.de proteger os seus.

[52] Sextus Propertius [47?-16? a.C.], .E7eglbs(]V. 6, 51) [53] Nazar.,

Paneg)z

aonsfai?É7hi

(7).

[54] Em Josefo(.4nÉzgufdades anda cas,XV] 5, 3), Herodesse exprime assim num discurso aos judeus, após uma derrota na Arábia: 'Desqb vos mosíral' com quanta justiça empreendemosesta guerra, coagidos que fomos a fazê-!a pelos ultrajes de nossos inimigos. Se compreenderdes isso, será para vós um grande

encorajamento. para ousar.

[55]PoZz'Zlc;a (111,4). [56] Aegid. Reg., Z)eacílbus sz/pera., dlspuf. J], duó. â n. '85; Bannes, .Zt Z quaesflo 4q a]«í. ]; Mo]ina,

H'acfaf.

/Z atíspuf. ]/3.

1008

H UGO

GROTIUS

9. Há mesmo aparência que o carrasco que põe à morte um condenado deve ser, até certo ponto, instruído da qualidade do crime por ter

assistido à questão e à instrução ou pela confissão do culpado, a Êm de estar suficientemente seguro que merece morrer [57] e isso é observado

em muitos lugares. Alei hebraica (.DeuferonómioXVl1, 7) não tem em vista outra coisa quando quer que as testemunhas marchem diante do povo para apredejar aquele que foi condenado.

V. O que é fazer ato de clemência, poupar em semelhante matéria, os súditos que duvidam, sob o ânus de um tributo extraordinário 1. Se não sepuder satisfazer os ânimos dos súditos pela exposição

da causa, o dever de um bom magistrado será, muito certamente, de lhes impor tributos extraordinários, antes que o serviço mi]itar [58] ; sobretudo se não deve faltar, para levar as armas, outras pessoasque

um rei justo podeempregar à vontade não somentehonesta, mastambém perversa, do mesmo modo que Deus se serve do ministério sempre

pronto do diabo como dos ímpios, assim também está isento de falta aquele que, pressionado pela miséria, recebe dinheiro de um injusto

usurário. 2. Mais ainda, mesmo se não houver nenhuma dúvida sobre a causa da guerra, não parece contudo de todo justo que cristãos sejam forçados portar armas apesar deles, porquanto se abster do serviço mi-

[57] Por isso é que os ministros de Sau], mais conscienciososque Doeg, não quase

ram matar os sacrificadores que moravam em Nob (/ Saque/ XXl1, 7). E o terceiro dos oficiais mandadospor Acab não quis usar de nenhuma violência contra Ellas(/7Eeü

1, 13 e seguintes). Alguns carrascosconvertidos à religião

de Cristo renunciaram depois ao emprego,comouma tarefa perigosa.Ver o

Martirológio e Beda(.llhóo/:faEcc/esasÉfca,1,7) [58] Silvest.,

in verão .BeJyum, parte

.C n. ' a caca Élbem.

1009 CAPITULOHVI - DASCAUSASJUSTAS PAUS QUAIS AGUERRA PODESERFEITA PORAQUELESQUE ESTÃOSOB O DOMÍNIO DE OUTREM

litar, mesmo nos encontros em que é permitido servir, é de algum modo

um sinal de uma virtude mais perfeita que foi muito tempo exigida dos clérigos e dos penitentes e recomendada a todos os demais, de variadas

maneiras. Orígenes [59] assim responde a Celso,que objetava que os cristãos se recusavam ao serviço militar: "Aos que, estranhos à nossa fé, nos ordenam portar armas para a coisa pública e matar homens, responderemos assim: Aqueles que são sacerdotesde vossosídolos e os ílamíneos dos deuses que acreditais como tal conservam suas mãos puras para os sacrifícios, a íim de ser dignos de os oferecer a esses pretensos deuses com mãos inocentes e que não estejam manchadas por nenhum assassinato, o que dá na mesma, quando sobrevém alguma guerra esses sacerdotes não são convocados. Se isso não está despro

vido de razão, quanto mais não se deve, enquanto que os outros fazem a

guerra, considerar como portando armas à sua maneira, aqueles que, como sacerdotes e servidores de Deus, conservam na verdade suas mãos

puras, mas não deixam contudo de combater por suas oraçõesjunto a

Deus em favor daqueles que fazem a guerra por uma justa causa e daquele que reina legitimamente?"Nessa

passagem chama de "sacer-

dotes" a todos os cristãos, a exemplo dos escritores sagrados.

VI. Quandoas armas dos súditos sáojustas numa guerra injusta 1. Sou de opinião, de resto, que pode ocorrer mesmo que, numa guerra não somente duvidosa, mas também manifestamente injusta, a defesa dos súditos possa serjusta sob certos aspectos. Como o inimigo,

ainda que fazendo uma guerra justa, não tem verdadeiramente e em

[59] Orígenes [1 85?-254?], (]o/]íra CeJsu/n (Vl11, 73)

H UGO

GROTIUS

consciência o direito de matar súditos inocentes e, não tendo nenhuma parte na culpa da guerra, a menos que não seja para sua defesa necessário ou por vias de conseqüência e fora de seu desígnio, pois não mere-

cem ser punidos, segue-seque, se for constatado com certeza que o inimigo veio com a intenção de recusar de modo absoluto poupar, podendo-o, a vida dos súditos pertencentes ao inimigo, esses súditos podem Fe

defender em virtude do direito de natureza que não lhes foi subtraído pelo direito das gentes.

2. Não diríamos então que a guerra é justa dos dois lados, pois não é questão da guerra, mas de uma ação determinada e precisa. Essa

ação, embora por outro lado venha daquele que tem o direito de fazer a

guerra, é injusta e,por conseguinte,é rejeitada legitimamente.

l

REGRAS / GERME DO QUE E PERMITIDO NA GUERRA.SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA / TRAJA-SE LAMBEM DO DOLO E DA MENTIRA Sumário 1. Ordem dos assuntos.

li. Primeira regra:na guerra, as coisasnecessáriaspara Qobjetivo proposta são permitidas. lli. Segunda regra: Qdireito não é apreciado somente se colocado no começo da guerra, mas segundo as causas que possam surgir durante o curso da guerra. IV Terceira regra: certas coísaspodem ocorrer caldo consequên-

cias, e sem ilÜustíça, que não seriam permitidas em caso premeditado; a isso se acrescenta uma precaução a tomar.

WExplica-sepor distinçõeso que é permitido contra aqueles que fornecem coisas ao inimigo.

\rl. Se épermitido fazer uso do dolo na guerra. VII. O dolo, no ato negativo, não é deper siilícito. VIII. O dolo, no atopositivo, se distingue em dolo que ocorrepor alas de sig11ificação livre e em dolo que ocorreporatos que

têm uma significação comodeterminada por uma convenção; demonstra-se que o dolo da primeira espécie élícito.

IX. Indica-se a diBculdade da questão na segunda espécie. X. Todo emprego de um termo que se sabe quepode ser tomado em outro sentido não éilícito. XI. A natureza da menta'a ilícita consiste no que está em oposi ção ao direito de outrem.

XII. Demonstra-se também que élícíto usar de mentira com relação a criançaseiaucos. XIII. Colho também quando se engana com isso aquele a quem o discurso não se dirige e que é permitido

enganarinde-

pendentemente do discurso. XIVIE quando o discurso é dirigido ao que querserassim erga nado. XV E quando aquele que fala usa de um direito de superioüda de sobre unia pessoa que Ihe é submissa. XVI. Talvez também quando não podemos defender de outro modo a vida de um izlocente ou alguma outra coisa equivalente. XV.ll. Quais os autores quejulgaram que a !nentirapregada ao

inimigo élícita. XVIII. Isso não deve ser estendido às palavras que encerram uma promessa.

/

X]X. Nem aosjuramentos. XX. Econtudo mais generoso e convémmelhor à simplicidade cristã abster-se da mentira, mesmo com relação ao i11imigo, o que é esclarecídopor comparações.

XXI. Não nas éperlnítido compelir alguém ao quenos épermi

tido, mas não o é a eiQ. XXII. Epermitido contudo usar de um serviço voluntariamente oferecido.

CAPITULO 1- 0 QUE E PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

1. Ordem dos assuntos Vimos quais são os que fazem a guerra e por quais causas é per-

mitido guerrear. Resta examinar quais coisassãopermitidas na guerra [1], até que ponto e de que maneira se apresentam: o que é considerado

pura e simplesmente ou com relação a uma promessaprecedente. Pura

e simplesmente: segundo o direito de natureza em primeiro lugar, em seguida de acordo com o direito das gentes. Vejamos, pois, o que é per-

mitido pelo direito de natureza.

11.Primeira regra: na guerra, as coisas necessárias para o objetivo proposto são permitidas 1.Primeiramente, comojá o dissemosantes reiteradas vezes,as coisas que, em matéria de moral, conduzem a um üm recebem desse próprio 6m seu va]or intrínseco [2] . Por isso é que tudo o que é necessá rio, não de uma necessidadefísica, mas de uma necessidademoral para a persecução de algum direito, somos considerados como autoridades a coloca-lo em uso. Quero falar desse direito que é estritamente chamado

assim e que significa a faculdade de agir na única consideraçãoda sociedade. Por isso, como observamos em outro lugar (livro 11,cap. 1, $

111),se não possode outro modo salvar minha vida, me é permitido

[1] Agostinho diz muito bem em sua carta 70 ao conde Bonifácio: "Que possas, na própria guerra, se ainda é necessário que a faças, observar a boa íé e buscar a paz.f"E em sua carta 205: ':procura serpac#ícq mesmofazendo a guen'a."Sobre a justiça a ser observada na guerra, há um excelente discurso de Belisário a seus soldados, reproduzido em Procópio(Eanda#a, 1, 16). Orósio diz: 'Zss7ln é que se fazem as guerras civis, nos tempos e pelos princípios cristãos, quando

não àá melo de as ew'far"(livro Vl1, 21). O mesmo,falando de Teodósio(livro HI, ZSà,à\z. "Que sda mencionada, desdeo começoda fundação de Romã, uma só guerra que tenha sido empreendida tão justa e necessariamente e tenha terminado com felicidade tão proüdencia!, de modo que nem os combatesresui' tapam em grandes massacres, nem a ütória foi seguida de vingança sangrenta. [2] Vitoria,

.De Juz'e .Be/yl] n.' 15.

!016

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Gxoítus

repelir de toda forma de violência aquele que a ataca, mesmo que ele esteja isento de crime, porque essedireito não surge propriamente do

crime de outrem, mas do direito que a natureza me concedepara mim mesmo.

2. Mais ainda, posso,abstração feita de toda consideração-daculpa de outrem, pâr a mão sobre uma coisa pertencente a outro, quando

um perigo certo me ameaça [3]. Não posso, contudo, tornar-me dono dela, pois isso não tem nenhuma relação com esseülm, mas guarda-la até que haja garantia suficiente, conferida à minha segurança,.ponto que foi tratado por nós em outro local (livro 11,cap. 11, $ X). Assim é que

me pertence naturalmente o direito de arrancar do detentor de uma coisa minha que outro detém e se é muito difícil, uma outra coisa de mesmo valor, como também posso fazê-lo para obter o que me é devido. Nesses casos, a propriedade se segue também porque a igualdade lesa-

da não pode ser reparada de outra maneira [4] .

3.Assim é que quando a punição é justa, toda violência sem a qual não se pode chegar à pena é também justa. Do mesmo modo que tudo o que faz parte da pena, como o desgaste das coisas por incêndio ou

de outra forma, contanto que, bem entendido, esteja dentro de um justo limite e em relação com a ação culpada.

111.Segunda regra: o direito não é apreciado somente se colocado no começo da guerra, mas segundo as causas que possam

surgirdurante o curso daguerra Deve-se saber, em segundo lugar, que nosso direito não deve ser

apreciado colocando-seunicamente no começoda guerra, mas ainda segundo as causas que surgem a seguir, do mesmo modo que, nos proces' [3] Idem, De Jure .Be/Ü n.' 18, 39 e 55. [4] Silvest.,

in

verão

.Be/7um, pai'fe

Z ]].'

Z(4 verá. pr2)na

T

1017 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

sos, um direito novo é muitas vezesadquirido à parte após a .üíls confesfaZlo.Assim é que aqueles que sejuntam a meu agressor, sejam seus aliados, sejam seus súditos, estendem para mim o direito de me defender contra eles também. Assim é que aqueles que se mesclam numa guerra que é injusta, sobretudo se eles próprios podem e devem saber que é injusta, se obrigam a indenizar despesas e danos porque eles causam um dano por sua culpa. Assim é que aqueles que acedem a

uma guerra empreendida semrazão provável setornam eles próprios puníveis na proporção da injustiça contida em sua ação.Assim Platão [5] aprova a guerra "até que enfim aque]es que são culpados sejam coagidosa dar, por sua punição, satisfação aosinocentes aos quais fizeram mal'

L

IV Terceira regra: certas coisas podem ocorrer como conseqüências, e sem injustiça, que não seriam permitidas em caso premeditado; a isso se acrescenta uma precaução a tomar 1. Deve-se observar, em terceiro lugar, que muitas coisas vêm indiretamente e sem que aquele que age tenha p]anejado [6] se juntar ao direito que tem de agir sobre as quais não teria nenhum direito se fossem consideradas em si mesmas [7] . Exp]icamos em outro ]oca] (]ivro 11,cap. 1, $ IV) como isso ocorre na defesa de si mesmo. Assim é que,

para reaver o que nos pertence, se não for possível recuperar o justo valor, temos o direito de tomar um valor superior, sob a obrigação contudo de restituir o excedente.Assim é que um navio cheio de piratas ou que uma casa repleta de salteadores podem ser atacados a tiros de canhão, mesmo se no interior do mesmo navio ou da mesma casa houves[5] .De .Repuó#ca (V. 16)

[6] A respeito do assunto, ver Tomas, -rZ ], quaesf. ZmZZ

dísput. CXX!. [7] Vitoria, De Jure .Bei71.n.' 37

arf. 8; Molha, H'acf. .i&

!018

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GROTlus

se um pequeno número de crianças, de mulheres ou de outras pessoas

inocentes que ficariam por isso expostas ao perigo. Agostinho [8] diz:

"Não é culpado da morte de outrem aquele que cercou seu bem com uma muralha, se em conseqüênciado exercício de seu direito de levantar muros, alguém se feriu e morreu.: 2. Como já adver«Limosrepetidas vezes, o que é conforme ao direi-

to estritamente tomado não é sempre lícito em todas as suas partes. Muitas vezes o amor do próximo não permitiria que fizéssemos uso do

direito rigoroso. Por isso é que se deveria tomar cuidado de não dar lugar a nada do que ocorre e que se prevê que possaocorrer, mesmo contra nossa intenção, a menos que o bem para o que tende nossa ação

não seja mais considerável que o mal que nos acabrunha ou na igualda-

de do bem e do mal, a esperançado bem não seja muito maior que o temor do mal, o que é deixado à prudência julgar, mas de maneira a que sempre,na dúvida, se incline para a opçãoque é mais vantajosa a outrem que a si mesmo, como sendo a mais segura. Nosso excelente Mestre [9] diz: "Deixai crescer o joio, com receio de, querendo arranca-lo, não puxeis junto o bom trigo." Sêneca [10] diz: "Matar uma mu]tidão de homens e sem distinção é o poder do incêndio e do desmorona-

mento."Ahistória nos ensina com que séria penitência, sob as advertências de Ambrósio, Teodósioexpiou um tal excessode vingança. 3. Se Deus, às vezes,faz algo de semelhante, isso não deve ser tomado por nós como exemplo por causa desse direito absoluto de pro-

priedade que ele tem sobre nós, mas que não o concedeu a nós para exercê-lo um sobre o outro, como o assinalamos em outro local (livro ll, cap XXI, $ XIV). Esse mesmo Deus, contudo, mestre dos homens por seu próprio direito, poupa ordinariamente a generalidade dos maus, embora grande, em consideraçãode um pequeno número de pessoasde bem e testemunha por isso sua equidade enquanto juiz, como nos ensi[8] Aure[ius [9] .4/nfeus

Augustinus X]11,

[3sa -430],

29i Tomas,

.4c/ puó/.

.ZZ .g quaesf.

Ed)]bÉ. (154).

õ4, arf.

2.

[lO] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], Z)e (;7emenf b (1, 26, 5)

1019 CAPÍTULO 1- 0 QUE.É PERMITIDO NA GUERRA. SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

na claramente o diálogo de Abraço com Deus a respeito de Sodoma (GénesísXVl11, 23 e seguintes). Pode-se sem dúvida conhecer por essas

regras gerais a extensão do que é permitido naturalmente contra um

mimlgo.

V O que é permitido contra aqueles que fornecem coisas ao inimigo 1.Aquestão se apresenta ordinariamente também de saber o que

é permitido contra aqueles que não são inimigos ou não querem ser tidos como tais, mas que fornecem certas coisas aos inimigos. Sabemos

queoutrora ehá poucotambém sediscutiu vivamente sobreesseponto, alguns defendendo o rigor da guerra, outros a liberdade do comércio. 2. Deve-se distinguir primeiramente entre as próprias coisas. Há, de fato, coisas que têm uso somente na guerra, como as armas; há aquelas que não têm uso na guerra, como as que servem para o prazer;

há aquelas que têm uso tanto na guerra como fora dela, como o dinheiro, os víveres, os navios e as coisas que se encontram nos navios [11] .A

respeito da primeira espécie,a palavra de Amalasonte a Justianiano é verdadeira: que aquele que fornece aoinimigo coisasnecessáriasà guerra é do partido dos inimigos [12] . Asegunda espécienão comporta queixa. Assim é que Sêneca [1 3] diz que testemunhada reconhecimento a um tirano, se o serviço que Ihe prestasse não fosse capaz de aumentar

seu poder desastroso para todos [14] , nem afirma-]o, isto é, se pudesse ser prestado sem acarretar a ruína pública. Explicando isso, acrescen-

ta: "Dinheiro para pagar e manter sua escolta,não forneceria. Se desejasse mármores, ricas vestimentas, esseaparato de luxo não poderia em seu país prejudicar a ninguém, mas não Ihe daria armas, nem [11] Era o que os atenienses chamavam de Altopptlta, isto é, mercadorias cujo transporte era proibido, como cordame, odres, madeira, cera, piche. Ver o escoliasta que comenta .4s .Nut'ens(365) e OK CâKaJeúos(282) de Aristófanes.

[12] Procópio,em Gofíü c.(1, 3) [13] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .De .Bene#cízk (V]1, 20).

[14] Ver Paruta, ]ivro V]]

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GROTIUS

soldados. Se pedisse como presente um grande número de artistas cênicos e essas coisas que pudessem abrandar seu humor feroz, de boa von-

tade os ofereceria. Não Ihe enviaria nem trirremes, nem navios de guerra, mas barcos de lazer e de desfile e outras fantasias de reis que se movem sobre o mar." Segundo juízo de Ambrósio [15] , ser ]ibera] para com aquele que conspira contra a pátria não é uma liberalidade louvável. 3. Arespeito dessa terceira espécie de coisas que têm duplo uso,

se deveria distinguir o estado da guerra. Se não posso me defender senão interceptando as coisas que são enviadas, a necessidade como expu'

demosem outro local (livro 11,cap.11,$ VI) me dará o direito, mas sob o encargo de restituição, a menos que outra causa não sobrevenha [i61 . Se o transporte das coisas impediu a prossecução de meu direito e se aquele que efetuou essetransporte pôde sabê-lo, se, por exemplo, eu mantinha em praça forte sediada ou portos fechados e se a rendição ou a paz já eram esperadas, seria obrigado para comigo em razão do dano causado por sua fa]ta [17], como aque]e que fez sair da prisão um deve-

dor ou favoreceu sua fuga em meu dano. Os objetos, pertencendo-lhe, poderão também ser tom ados na medida do dano causado e a proprieda-

de dessas coisas poderá ser adquirida para a recuperação do que me é devido. Se ainda não me causou nenhum dano, mas quis causa-lo, teria o direito de força-lo pela retenção das coisas pertencentes

a eles, a me

dar garantias para o futuro por reféns, penhores ou de qualquer outra maneira. Se, enHlm,a injustiça de meu inimigo é de todo evidente con-

tra mim e se esseterceiro o fortifica em sua guerra cheia de iniquidade não,será mais desdeentão obrigado só civilmente à razão do dano, mas ainda criminalmente, comoaquele que subtrai um réu confessoconvicto ao juiz que vai condena-lo. Será então permitido estatuir a essetítulo

contra ele o que convém ao delito, segundo o que dissemos sobre as penas. Por isso, ele poderá até ser dessemodo despojado. [15] Ambrosius [340?-397],De Oz?7cvzs i14hlkÉra'um(1, 30, 144) t\6Ã Can., in C. lta quorumdam e C. Adliberandam

[17] Silvest.,h verãoXesÉlfuíl'o, pal'fe J, / ].2.

de Judaeis.

CAPÍTULO 1-

0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA. SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

!021

4. Por essas razões é que notificações públicas são oridinariamente

feitas pe[os be[igerantes aos outros povos [18], a Himde que sejam informados tanto da justiça da causa quanto da esperança provável que se

tem de fazer valer seu direito. [18] Ver exemp]os a respeito na ]iga dos príncipes cristãos contra .os egípcios, os sarracenas e outros (Can. ult. De transactionibus; Can. Signinicavit, De Judaeis, Extravagante Capíosus De Judaeis; Can. ], livro y Extravag. De Judaeisà. Fdt

publicado em italiano o livro do Consulado do Mar, onde foram reproduzidas as constituições dos imperadores da Grécia, da Alemanha, dos reis dos francos. da Espalha, da Síria, de Chipre, das ilhas Baleárias, dos venezianos,dosgenoveses NQ título CCLXXIV desse livro, trata-se desse tipo de questões e aqui vão

algumas decisõesapresentadas. Se um navio e sua carga pertencem aos inimigos, é claro que se tornam propriedade de quem deles se apodera. Se o navio pertence a pessoas de um país neutro e as mercadorias carregadas se destinam

aos inimigos, os beligerantes podem forçar o navio a levar essas mercadorias

para algum porto de sua jurisdição, mas pagandocontudoao donodo navio o preço do transporte. Se, ao contrário, o navio pertence aos inimigos e as mercadorias a pessoas de um país neutro, deve-setratar com elas com relação ao valor do navio ou, se os carregadores não querem tratar, podem ser forçados a vir com o navio para algum dos portos da jurisdição daquele que dele se apode rou e pagar a esseúltimo o preço devido pelo uso que fizeram do navio.'Quando

os holandesesestavam em guerra com a cidade de Lubeck e outras cidades situadas sobre o mar Báltico e soba-eo Elba, em 1438, foi julgado, numa cume rosa assembléia de Estados, que as mercadorias encontradas em algum navio

dos inimigos, não deviam ser apreendidasse parecesseque pertenciam a outros e isso passou depois a ser lei. O rei da Dinamarca pensou assim, pois no ano de 1597, enviou aos holandeses e a seus aliados, uma embaixada para reivindi-

car, em proveito de seus súditos, a liberdade de navegar e de carregar suas mercadorias para a Espalha, com a qual os holandeses mantinham então uma sangrenta guerra. Na F'lança, sempre foi permitido aos povos que estão em paz de comercializar mesmo com os inimigos da França e isso com tão pouca reserva que os próprios inimigos escondiam muitas vezesseus pertences sob o nome de outrem, como aparece por uma ordenação de 1543, cap. XLll, que foi reno-

vada naquela de 1584 e nas seguintes. Nessas ordenaçõesé lavrado de modo expressoque os amigos da Fiança poderão comercializar em tempos de guerra,

mas somente com seus próprios navios e com sua gente e transportar suas mercadorias para onde quiserem, contento que não sejam coisas necessárias à

guerra, com as quais poderiam ajudar os inimigos. Em tal caso,era permitido aos franceses se apoderar desse tipo de coisas e guarda-las, pagando o que valessem. Aqui há duas coisas a observar. A primeira é que, pelas leis da Fiança,

de que acabamos de falar, não se conHlscasequer o que serve para a guerra. A

outra, que as mercadorias de uso inócuo estão, com muito maior razão, ao abrigo do confisco. Não nego que por vezes se agiu diversamente entre os povos do norte, mas o uso foi variado e acomodadoàs circunstâncias dos tempos, antes que regulado sobre máximas perpétuas de eqüidade. Os ingleses, querendo, sob pretexto de suas guerras, impedir o comércio dos dinamarque-

ses, isso fez surgir, há muito tempo, entre essesdois povos,uma guerra que nãoterminou de modofeliz para os ingleses,pois os dinamarqueseslhes impuseram um tributo, chamado de juro dinamarquês, cujo nome subsistiu, mesmo

depois que a razão do tributo foi mudada, até Guilherme o Bastardo, que é

1022 H

UGO GROTIUS

5. De resto, descrevemosessaquestão no direito de natureza por que nada pudemos descobrir na história, onde pudesse parecer que hou verse alguma coisa de estabelecido sobre esseponto pelo direito voluntá o fundador da dinastia hoje reinante, comoo observouum historiador muito sério, De Thou, no ano de 1589. Elisabete,sábia rainha da Inglaterra, enviou em 1575 embaixadores para a Holanda(o cavaleiro Guilherme Winter e Robert

Beale, secretário do conselhoprivado) para representar às ProvínciasUnidas que a Inglaterra não podia suportar que tivessem sido detidos navios ingleses que se dirigiam para os portos da Espanha, durante o período mais feroz da guerra entre a Espanha e as Províncias Unidas. E o que relatam De Rende,em sua História das Províncias Unidas, ano de 1575, e o inglês Cambden, no ano seguinte. Quando a seguir os ingleses se tornaram inimigos da Espanta, eles

mesmosquiseram impedir as cidades da Alemanha de enviar para lá seus navios, em que agiam sem poder alegar um direito muito claro, comoaparece pelos escritos publicados de parte e outra e que merecem ser lidos por todos aqueles que quiserem se informar melhor sobre esse assunto. Deve-se obter

var que os próprios ingleses reconheciam,nos livros escritos em seu favor, que suas pretensões não eram muito bem fundadas, porquanto se servem dessas duas razões principais: a primeira, que as mercadorias que os navios alemães

transportavam para a Espanha eram coisas que serviam para a guerra; a outra, que isso não lhes era permitido por antigos tratados. Os holandesese

seus aliados selaram depois semelhante tratado com aqueles de Lubeck e seus

aliados, em 1613, pelo qual se comprometiamreciprocamentea não permitir que os súditos de seus inimigos comercializassem em seu país e a não ajudar seus inimigos com dinheiro ou com tropas, nem com navios. Depois, no ano de 1627, foi concordadoentre o rei da Suécia e aquele da Dinamarca que o rei da

Dinamarca impediria todo comérciocom a cidade de Dantzig, inimiga dos suecos, e que não deixaria mesmopassar pelo estreito de Sund nenhuma merca daria com destino a qualquer outro inimigo da Suécia; em troca, o rei da Dinamarca estipulava, por sua vez, algumas vantagens Essas são convenções particulares, das quais não se pode inferir nenhuma

regra geral que todos os povos devam seguir. Os alemães, por outro lado, disseram em seus escritos que os tratados que eram alegados não proibiam o

transporte de toda espéciede mercadoria, mas somente daquelas que já haviam sido levadas para a Inglaterra ou compradasnessereino. Não foram somente eles que se opuseram à interdição que a Inglaterra impunha de todo comércio com seus inimigos. Os poloneses se queixaram também, através de um embaixador enviado às pressas, que a Inglaterra violava o ./us .rendam,

querendolhes tirar a liberdade do comércio,sob pretexto da guerra que sustentava com a Espanha, como o relatam Cambden e De Rende,já citados, no

ano de 1597. Depois da paz de Vervins; a rainha Elisabete, continuando a guerra com a Espalha, pediu ao rei da trança permissão para vistoriar os navios francesesque iam para a Espanta para saber se não transportavam munições de guerra escondidas,mas isso foi recusado pelo motivo que poderia

facilitar a pilhagem e perturbar o comércio.No tratado que a Inglaterra fez com os holandeses e seus aliados, no ano de 1625, foi concordado que se pediria

às outras potências interessadas em abater a grandeza da Espanha de proibir todo comércio com os espanhóis e que, se o recusassem, os navios de seus países seriam vistoriados para saber se transportavam munições de guerra,

1023 CAPITULO

O QUE É PERMITIDO NA GUERRA. SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

rio das gentes [19] . Os próprios cartagineses se apoderaram outrora de romanos [20] que haviam ]evado víveres aos inimigos dos cartagineses.

Esses mesmos romanos, os mesmos cartagineses os renderam aos romanos que os rec]amavam. Como Demétrio [21] ocupava a Anca com

mas que, para as demais mercadorias, não seriam apreendidas, nem os navios

detidos, e não se causaria nenhum mal às pessoas dos povosneutros. No mesmoano, um navio de Hamburgo ia para a Espanta, carregadoem grande parte de munições de guerra, e os ingleses apreenderam essas munições, mas pagaram o valor das outras mercadorias. Os ingleses, querendo confiscar al

duns navios da França que iam para a Espanta, ouviram dos franceses a declaração que não aturariam isso. Tivemos, portanto, razão ao dizer que aqueles

que entram em guerra devemnotifica-lo aos Estados neutros e solicitar que não mantenham comérciocom o inimigo. Os próprios inglesesreconheceram isso e o praticaram. Tem-seexemplos disso em Cambden, para os anos de 1591 e 1598. Não se teve sempre, contudo, consideraçãopor essasnotificações, mas foi feita a distinção dos tempos, dos lugares e das causas. No ano de 1548, a cidade de Lubeck não julgou interessante concederàquela de Dantzig o pedido que Ihe fazia de não negociar com os habitantes de hlalmoe e de Memel, seus inimigos. Os holandeses fizeram o mesmo, no ano de 1551, quando a cidade de

Lubeck lhes pediu que não comercializassemcom a Dinamarca, com a qual

estavaem guerra. No ano de 1622,durante a guerra entre os suecose os dinamarqueses, o rei da Dinamarca pediu às cidades hanseáticas não manter nenhum comércio com a Suécia. Algumas dessas cidades aceitaram o pedido porque tinham necessidade da amizade do rei da Dinamarca, mas outras nada quiseram fazer. Na guerra entre a Suécia e o rei da Polânia, os holandeses nunca quiseram interromper seu comércio com os suecos,nem com ós polone' ses. Quando eles estavam em guerra com a Espanta, sempre entregaram pai'a a trança os navios que haviam sido tomados pelos holandeses e que iam para a Espanha ou dela voltavam. Ver o discurso de Louis Servin, então advogado do

rei, feito em 1592, a respeito do negócio dos habitantes de Hamburgo. Os próprios holandeses não quiseram permitir que os ingleses levassem mercadorias para Dunkerque, diante da qual possuíamuma frota. A cidade de Dantzig, em 1455, mandou dizer aos holandeses que não levassem nada para Kõnigsberg,

comoinforma GaspardSchutz, em sua .l?lbfóavb da /)rzissia.Ver Caber.,Decis X[N[[, n.' 2, e Seraütm de Frestas, em seu tratado Z)eJusto ]mpez:ü Z,uslfanou'um

ATbÉüo, onde cita diversos outros autores [19] Encontram-se muitas coisas sobre essa questão na história da Dinamarca do sábio Meursius (livro l e 11),onde se pode ver que os habitantes de Lubeck e o

imperador sustentam a liberdade de comércio e que os dinamarqueses são contra. Ver também Crantzius, UandaJlb.(XIV. 29); De Thou, com relação ao

ano de 1589, AsÉ. (XCVI, 15); Cahbden, em algumaspassagens,além das já citadas, com relação aos anos de 1589 e 1595, onde trata da disputa que teve lugar entre os ingleses e as cidades hanseáticas [20] Políbio, ]ivro 1, 83

[21] Plutarco, Den7eZr7us(904E)

1024

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Gxoilus

seu exército e se havia apoderadodas praças fortes próximas de Eleusis e de Ramnonte, propondo-se a fazer passar fome Arenas, ele fez enforcar o dono e o pi]oto de um navio que se dispunha a introduzir

trigo [22] e,

tendo dessa maneira espantado os outros, se apoderou da cidade.

VI. Se é permitido fazer uso do dolo na guerra 1. Para o que se refere ao meio de agir, a violência e o terror são sobretudo o próprio das guerras. Pergunta-se geralmente se é permiti-

do fazer uso do engano. Homero [23], na verdade, disse que se deve prejudicar um inimigo "sejapor dolo, seja por força aberta, secretamente ou em p]eno dia". ]sso é de Píndaro [24] : "E preciso põr tudo à obra para

destruir o poder de seu inimigo." Em Virgí]io [25] também encontram-se estas palavras: "Dolo ou coragem, qualquer coisa, quando se trata de um inimigo." O mesmo acrescenta [26] : "Ripheus, e]e o mais justo dos troianos, o mais rígido guardião das leis da equidadel" Pode-se [er que mesmo Só]on [27], tão cé]ebre por sua sabedoria, seguiu essa máxima. Si]ius [28] diz, fa]ando das operaçõesde Fábio Máximo: "Desde então, a coragem se acomodou no dolo.:

2. Em Homero, Ulisses é o exemplo de um homem sábio cheio de

fraudes contra o inimigo, de ondeLuciano [29] tira a regra que aque]es que enganam. o inimigo são dignos de ]ouvor. Xenofonte [30] disse que [22] O que Plutarco re]ata de Pompeu na história da guerra de Mitridates não difere

nl\lixo (bisa\ "Colaeou guardas para observar cs mercadores que passariam por Bósforo e matava os mercadores que nesse ponto eram surpreendidos." [23] Odlisézb (1, 296); Estobeu, 54, 46.

[24] Píndaro [518-438a.C.], ]sÉüm.(111,69). [25] Pub[ius Vergi[ius Mero [71-19 a.C.], Elleida (11,390). [26] Idem, .anel'da(11,426). [27] Plutarco,

So/on (82).

[28] Caius Si[ius [ta[icus [séc. ] d.C.], Pünlca (XV. 327) [29]

/üiZopseud.

(no

início)

130] .De OJ:zi InsÉIÉ.(1, 6, 29) e Z)e J?e .EbuesÉzy(5, 9)

1025 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

nada é mais útil na guerra que a fraude e Brasidas, em Tucídides [31],

diz que glorioso entre todos é o elogio que se obtém por seus estratagemas de guerra [32] . Em P]utarco [33] também, Agesi]au dec]ara que é

justo e lícito enganar seusinimigos. SegundoPo]íbio [34], as façanhas levadas a efeito pela força brutal na guerra devem ser estimadas menos que aquelas que são fruto da ocasião e da intriga e, segundo ele, Silius

[35] leva Corvino a dizer que "é preciso combater com astúcia [36], que

um golpecom a mão tem menos g]ória para um genera]".P]utarco [37] observa que "os severos laconienses, eles próprios haviam pensado as-

sim e que uma vítima maior era imolada por aquele que havia triunfa-

do pela fraude do que por aquele que havia triunfado pela força das armas". O mesmo [38] fez grande caso de Lisandro [39] que "sabia variar suas trapaças de guerra". Ele colocanos elogiosde Filopemen [40] que, formado na disciplina dos cretenses, havia mesclado essa sim-

ples e generosamaneira de fazer a guerra com as intrigas e velhacarias. E um pensamento de Amiano [41] que "todos os acontecimentos felizes das guerras devem ser elogiados, sem distinção de coragem ou

artifício' [31] Livro V. 9. [32] Assim é que se exprime Virgí]io na .Enelda(XI, 515) e Salústio que cita Sérvio. [33] dpopáÉüeg. (209 B)

[34] Livro IX, 12 [35] Caius Si[ius [ta[icus [séc. ] d.C.], .PunJba (V. 100) [36]



uma

passagem

seme]hante

de Maomé:

'Z/Za/óu

J7ud)'atum':

isto

é, '%

guerra pede gue se ayb com Érapafa'l Em Virgílio(Ellefda Xl1, 336), Malte leva em seu séquito 'bs c(í/Bense as bsidzbs'i A respeito, Sérvio observa que o poeta quer dar a entender que, não somente a coragem,mas também as trapaças são uma consequêncianecessária da guerra. [37] ]UarceJo (311 B).

[38] Plutarco, Zakandro(437 A).

[39] Plutarco o compara a Sila que, segundo Carbo, reunia em seu caráter o ]eão e a raposa. [40] Plutarco, .Füdopoemen(363

E)

[41] Amiano Marcelino, livro XVl1, 5, 6.

l

1026

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Gxotius

3. Os jurisconsu]tos romanos [42] chamam de um engano inocente aqueceque fosse tramado contra o inimigo. Em outro ]oca] [43],

dizem que não importa que se tenha escapadoao poder dos inimigos pela força ou pelas trapaças. Eustátio, comentando o canto XV da #üda, diz: "Um engano não é censurável,

tal é o estratagema."

Entre os teólo-

gos,Agostinho [44] diz: "Quando uma guerra justa é empreendida que se combata com força aberta ou usando de emboscadas, isso não inte-

ressa em nada à justiça." Crisóstomo [45] pensa que os imperadores que tivessem empregadoa surpresa para conquistar a vitória seriam sobremodo elogiados.

4. Não faltam, porém, autoridades que parecemaconselhar o contrário. Traremos alguns exemplosa seguir ($XX). A solução dessa questão depende do fato de saber se o dolo está, em geral sempre entre as

coisasmás, às quais se deveaplicar esta máxima: não se deve fazer o mal para alcançar o bem; ou se a soluçãoestá entre aquelas que, geralmente falando, e por sua natureza não contêm nada de mau e podem mesmo ser boas.

VII. O dolo, no ato negativo, não é de per si ilícito Deve-se observar, pois, que há um dolo que consiste no ato nega-

tivo e outro, num ato positivo. Estendo a palavra dolo mesmo às coisas

que consistem num ato negativo, seguindo nisso a autoridade de

[42] .L ], , f .Z -0Uk, Z)e .Do/o.

t43ÀL. 26, Níhi!, Dig., De captiüs. [44] Comentário ao Salmo V. versícu]o ".f)erres omne/': 'Zona coisa é men6Ü outra á ocu/Íar a veJ«Jade. "Passagemcitada em (;ousa mZZ quaesílb 2. Ainda Ages Linho, é?uaesÉlones ib JZepfafeucüu n(VI,

[45] João Crisóstomo, De Snce/dado(1, 8).

lO),(questão

X, Super Jogue.

1027

CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

Labeon[46] que re]aciona com o do]o, mas com o do]o inócuo, a dissimu-

lação que se usa para defender o que nos pertence ou o que pertence a outros. Sem dúvida a]guma, foi dito por Cícero [47] de uma maneira muito crua que "o Êlngimento e a dissimulação devem ser inteiramente banidas do comércio da vida". Como ninguém é obrigado a revelar aos

outros tudo o que sabe, nem tudo o que quer, segue-seque é permitido

dissimular certas coisasa certos indivíduos, isto é, de encobri-las e escondê-]as. Agostinho [48] diz: 'Pode-se esconder prudentemente

a ver:]

dade,usando a]guma dissimulação." Cícero]49] confessaele próprio em mais de um local que essa dissimulação é de todo necessária e inevitável [50] para aque]es sobretudo a quem a coisa púb]ica foi confiada. A história de Jeremias fornece a esserespeito um exemplo notável. Esse

.;1 l .l.. ll.

profeta, de fato, interrogado pelo rei sobre o fim do sítio, escondeprudentemente essefato aos grandes, sob o pedido do rei, alegando todavia que seu diálogo havia discorrido sobre outra coisa, o que contudo não 1...

era fa[so.Aisso pode ser igua]mente referido ofato em queAbraão [51] chama Sara sua irmã, isto é, de acordo com o modo de linguagem

usado então, sua parente consangüínea, dissimulando assim seu casamento [52] .

46ÀL 1, $Dolum malum, Díg., De Dolo Àfaio.

[47]Marcus Tu[[ius Cicero[106-43a.C.], ,DeOzZic7]s (111,15, 61). [48]Aure[ius Augustinus [354-430], Ob/lfz'a]Mendacum (]O); Tomas,.it .g quaesf. 40, art. 3, in resp. e quaest. 71, art. 7, S\\xest., ín verbo Be!!um, parte 1, n.' 9. [49] Marcus

Tu[[ius

Cicero [106-43

a.C.], .Fko M7one

(24, 65) e P7.0 Cn. P?a/laTO (6,

16)

[50] Ver Jogo Crisóstomo, De Sacerdoüo(1, 8). [51] 'Z7e quis esconder a verdade e nâo menfzF': diz Agostinho(quaesf]'odes .Eíep#afeucáum, .C .g6 0aaesÍI'o .X:t in Gei2c?slb), passagem transcrita

G abano em dieta causa XXll, quaestio lll. [521 Génesís, XX; Tomas, .ZZ .g guaesó. //q

arf. .Z ú resp.

]h por

1028

H U GO

GROTIUS

VIII. O dolo, no ato positivo, se distingue em dolo que ocorre por atou de significação livre e em dolo que ocorre por atou que têm uma significação como determinada por uma convenção; demonstra-se que o dolo da primeira espécie é lícito 1. 0 dolo que consiste num ato positivo se chama um Hinglmento, se ocorre nos ates, e uma mentira, se diz respeito às palavras. Alguns colocam essa diferença entre essasduas coisas,isto é, que as palawas, segundo seu dizer, são sinais dos pensamentos, o que não é o mesmo nos'

ates. Ao contrário, a verdade é que as palawas não significam nada, por sua própria natureza e independentemente da vontade dos homens, a menosque setrate de uma palavra confusa e inarticulada, como aquela que se faz ouvir na dor e que ela mesma se encaixa melhor sob a deno-

minação de ação que de palavra. Se for dito que a natureza do homem tem isso de particular sobre os outros seres animados, que pode fazer

conhecer aos outros as concepçõesde seu espírito e que as palavras foram inventadas para isso, está se dizendo seguramente a verdade. Deve-se acrescentar, porém, que uma comunicação similar não ocorre

por meio somente de palavras, mas também com o auxílio de gestos [53], como ocorre com os mudos [54]. Esses gestos podem ter por sua própria natureza alguma coisa de comum com o que se dá a entender

ou que seu significado seja somente arbitrário. Semelhantes a esses gestos são essescaracteres que não representam as palavras articula-

153]PIÍnio(NafuraJTh J?Jsforlb,VI, 30) diz dos etíopes: ':EMiTea7gans,a iynguagemÓ substituída por sinais de cabeçae por movimentos dos membros."'Vex Q c8non lbae iiyaternitati, De Spoilsaiibus. tS4àL 7, Labeo, $ ult., Dig-, De supei}. regata.

1029 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

das pe]a [íngua, segundo a expressão do jurisconsu]to

Pau]o [55], mas

as próprias coisas por alguma conveniência, comoos signoshieroglíficos, ou por um significado puramente arbitrário, como entre os chineses.

2. Deve-se, pois, trazer aqui outra distinção, semelhante àquela que empregamos para fazer desaparecer a ambigüidade na expressão delusgenãuin.

Dissemos, de fato, que se chama./usgenfluJn

(direito

das gentes), tanto o que foi aceito por cada nação, sem obrigação mú-

tua, quanto o que contém em si uma mútua obrigação.As palavras, pois, e os gestos,os sinais de que falamos, foram inventados para signi-

ficar certas coisascom uma mútua obrigação,o queAristóte]es [56] chamou de "um acordo comum". Não ocorre o mesmo com as outras coisas. Disso resulta que é permitido fazer uso das outras coisas, mes-

MOque se preveja que o outro deva conceber a respeito uma opinião falsa [57] . Fa]o do que é intrínseco, não do que é acidenta]. Assim, pois, deve-seco]ocar um exemp]o em que nenhum dano se siga [58] ou onde o próprio dano, tendo sido colocada de lado toda consideração de dolo, seja

lícito. 3. O exemplodo primeiro casoseencontra em Crista(.LucnsXXIVI 28) que, diante dos companheiros de caminho de Emaús, finge ir mais

longe, isto é, fez parecer que iria mais longe. A menos que se prefira dizer que ele teria querido ir mais longe, sob a condição todavia que não

seria detido por urgente solicitação. Do mesmo modo que se diz de Deus [55] Ele diz: ':r\©o ó a /ikui-a dns 7eÉrn8mas são as paJarras que /epresenfam que fazem ccm que contratemos alguma obrigação, enquanto se julgou convenien-

te estabelecerquea escritura teria a mesmaforça queas palavras formadase pro/zuncubdas pe/a i)água. " O jurisconsulto se expressou de uma maneira bem

filosófica ao dizer que se julgou conveniente,querendoindicar que tudo isso existe em virtude de uma convenção.Ver também -t. 3& .Abn /igtzra, Duk, .De Oblig. et act. [56] De /nÉerpr

(4).

[õ7] Ver Agostinho,

Z)e Z)ocÉr7ha CZTJ)flana(11, 24)

[581 Como no que fez Mico]

(/Samue],

XIX,

16)

1030

H UGO

Gnoíius

que quereria muitas coisas que não se realizam e que, em outro local, o

próprio Cristo (MarcosVI, 48) parecia querer ir adiante dos apóstolos que navegavam e, aparentemente,

não fosse insistentemente

instado a

subir no barco. Um segundo exemplo pode ser dado na pessoa de Paulo

(,4ÉosdosHp(isfoZosXVI, 3) que circuncidou Timóteo, sabendo perfeita-

mente que osjudeus aceitariam aquilo como seo preceito da circuncisão,que efetivamente havia sidojá abolido,devia ainda obrigar osdescendentes de lsrael e como se tal fossea opinião de Paulo e de Timóteo, embora contudo isso não fosse de modo algum a intenção de Paulo e que

quis somente proporcionar comisso a ele e a Timóteo a faculdade de viver mais familiarmente com osjudeus. De fato, a circuncisão (estando ab-rogada a lei divina que dizia respeito a ela) não significava mais, por um efeito da instituição, uma necessidade semelhante. O mal que o

erro podia produzir por um tempo, mas que se devia destruir em seguida, não era tão considerável quanto o bem para o qual Paulo tendia, a saber, a insinuação da verdade evangélica. Os Padres gregos chamam seguidas vezes esse fingimento

de "uma administração"

[59] . Há a seu

respeito um excelente pensamento de C]emente deA]exandria

[60] que,

falando do homem de bem, assim se exprime: "Faria certas coisas para

a utilidade do próximo que não faria para si mesmoe comuma primeira intenção." Tal foi, numa guerra, ação dos romanos que lançaram do Capitólio pão nos postos de vanguarda dos inimigos para que não acre-

ditassem que estavam pressionados pe]a fome [61] .

[59] No livro já citado De Sacel'doílb(1, 9), João Crisóstomo diz que é o nome que se deve dar e não o de oc7tclTTI, isto é, logro. O mesmo, no comentário à /Ed)]üfo/a aos

Coríntios iX 6, üz. "Não houve fraude nisso, mas uma espécie de condescendãncua e de pi'udenÉe ad)niz71kÉmçâo. " E nos comentários ao cap. IX, 20: ';r)ara

tornar semelhantesa ele aqueles que ele queria mudar, eie se tornou como eles, mas 11ãona realidade; ele fez as mesmas coisas que eles, mas não com a.

nJesmaihfe 2çâoe as mesmasalásposubões. " Pode-serelembrar aqui a loucura simulada de Dava [60] Strom. (V]1, 9). [61] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z]Zz.óe Gon(#fa (V. 48, 4)

CAPÍTULO 1-

0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

4. O exemplo do segundo caso está numa fuga simulada, tal como

a que Josué ordenou aos seus para se apoderar de Hai]62] e que os generais têm praticado seguidas vezes. Aqui supomos, segundo a justi-

ça da guerra, que o dano que é a seqüela desse fingimento é justo ou a fuga não tem nenhum significado de convenção, embora o inimigo a receba como um sinal de medo que o adversário não é obrigado a

disfarça-lo, usando nisso sua liberdade para ir e vir, mais ou menos depressa, com tal ou qual pose ou continência. O ato daqueles que são

vistos, em muitos lugares, ter-se servido das armas, das bandeiras, dos trajes, dos estandartes dos inimigos deve ser relacionado ao mesmo caso

5. Todas essas coisas, de fato, são de tal natureza que cada um pode fazer uso como Ihe parece melhor, mesmo contra o costume, por'

que, tendo sido introduzido pela vontade dos privados, não por uma espéciede consensocomum, semelhante costume não obriga ninguém.

IX. Indica a dificuldade da questão nasegundaespécie 1. 0 debate é mais grave a respeito dessessinais que, por assim dizer, estão no comércio dos homens e no falso uso dos quais consiste propriamente a mentira. Há muitas coisas, de fato, contra a mentira nas Escrituras Sagradas. "0 justo", isto é, o homem de bem, "detestara

toda palavra mentirosa(Provérbios, Xl11,5)." "Afasta de mim a mentira e toda palavra falsa" (Provérbios, XXX, 8). "Tu destruirás aqueles quefalam mentiras" (Salmo,5, 7). "Não uteis da mentira uns para com osoutros" (Colossenses,111,9). Essetambém é o partido queAgostinho sustenta com todo rigor. Mais, entre os filósofos e os poetas, há quem

[62]Josizá Vlll; Si]vest.,iz2t,ergo.Be/Ttzm, pai'ée.C/].' 8.

!032 H UGO

GROTIUS

parece condividir sua opinião. Este verso de Homero [63] é conhecido: "E odioso para mim como as portas do inferno aquele cujo pensamento encerra outra coisa que o que sua língua profere..." Sófoc]es [64] diz: "Não convém jamais enunciar coisas que não estão na verdade, mas se

a verdade traz para alguém uma ruína certa, deve-se perdoar essehomem se fizer o que não convém." Segundo C]eóbu]o [65], "quem quer que seja virtuoso do fundo da alma, odeia a mentira". Aristóte]es [66] disse: "Por si mesma a mentira é vergonhosa e censurável, a verdade é

belaelouvável." 2. Não faltam, contudo, autoridades em favor do outro partido. Este encontra primeiramente na$ Escrituras sagradas exemplos de personalidades que não foram objeto de qua]quer censura [67] . Acém disso,

tem a seu favor a opinião de antigos cristãos, de Orígenes, de Clemente, de Tertuliano,

de Lactâncio, de Crisóstomo, de Jerânimo, de Cassiano,

quase de todos mesmo, como o próprioAgostinho

[68] o confessa, de ta]

modo que, se ele é de opinião diferente, é reconhecendo contudo que "a questão é complexa, que é um assunto cheio de trevas, uma disputa sobre a qual as opiniões dos doutores se dividem". Estas são palavras dele.

3. Entre os Êllósofossão abertamente dessa opinião Sócrates e seus discípu[os, P]atão [69], Xenofonte [70] , Cícero também em a]guns

pontos, P]utarco [71] , Quinti]iano [72], os estóicos que co]ocam entre o [63] .ZZüda(]X, 312).

[64] -F]agm. Creus., em Estobeu 12, 4 [65] Melhor, Menandro, em Estobeu, 12, 16 [66] .úüca a Nicómaco (]V. 13).

[67] Irineu aprendeude um velho sacerdotee ensinouesta máxima: ':4que/as coisas que a Escritura !xão censura, mas simplesmente relata, não devemos co ?de/7á'Jas."A passagem se encontra no livro IV. 50

[68] Aure[ius Augustinus [354-430], Gon&ra.4Zendac um (1, 38). [69] Z)e .Repuó#ca (], ll e V).

[70] é?uaJ«fo Socrnf.(JMemoraÓ. IV 2, 16). [71] .De SÉozboJ-um a0/7ámcó,(1055

[72] Marcus Fabius Quinti[ianus

F)

[30?-100?], De ]nsüfaúone Oraóor7a (X]1, 1, 38).

1033 CAPÍTULO 1-

0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

número das virtudes do sábio aquela de saber mentir quando preciso e da maneira que é preciso. Aristóte]es [73] mesmo não parece se afastar disso em algumas passagens, pois a palawa "por si mesmo" que ele usa

e que citamos pode ser entendida de uma maneira geral, isto é, a coisa considerada, abstração feita das circunstâncias. Por isso, seu intérprete, Andrênico de Redes [74] , se exprime assim a respeito do médico que mente junto a um doente: "Ele engana, é verdade, mas não é um enganador." E acrescenta a razão: "Ele não tem o objetivo de enganar, mas de salvar o doente.

4. Quinti]iano

[75], de quem fa]ei, sustentando esse mesmo par'

tido, diz que a maioria das coisas sãode tal natureza que se tornam honestas ou desonestas, não tanto em razão dos fatos quanto em razão de seus motivos. Difi]o [76] diz: "A mentira dita em vista da própria conservaçãonão pode ter, segundo minha opinião, nenhum inconveniente."ANeoptolemo que, em Sófoc]es[77] ,faz essapergunta "A mentira não te parece vergonhosa?", Ulisses responde: "Não, se a salvação nascerda mentira." Pensamentos semelhantes a essessão citados por Pisandro e Eurípides. Leio também em Quintiliano [78]: "Às vezes é

permitido, mesmoao sábio, mentir." Eustátio, metropolita de Tessalânica, diz sobre o segundo canto da Odíssáb;"O sábio mentira

num casode urgência" [79] . Cita nessetrecho testemunhas extraídas deHeródoto e de lsócrates. [73] Épica a .Aã'cómico(V]1, 3; ]V, 8; 11,7; IV, 13). [74] ,4dM7'sfofe/em,

EÉülba

.Mc.(V.

[75] Marcus Fabius Quinti[ianus

8).

[30?-100?], Z)e ZnsZJfufzoneOrafar7b (Xl1, 1, 36).

[76] Estobeu, 12. 12. [77] .f:àifocf.(108 e seguintes).

[78] Marcus Fabius Quinti[ianus [30?-100?],De /nsfzfuf]o/ e Oraóor7a(11,17, 27). [79] "1n feJnpord', como fa]a Donato, no comentário de Hde/Face(IV. 3) de Terêncio

Alguns moralistas pensam que épermitido enganar propositadamente." Cíceto ÇPro Q. Ligaria, 5, LSbõàz. "Há mentüas honestas e caüdosas,

1034

H UGO

GROTIUS

X. Todo emprego de um termo que se sabe que pode ser tomado em outro sentido não é ilícito 1. Uma conciliação de opiniões tão diferentes poderia talvez re-

sultar da acepçãomais amp]a ou mais restrita da mentira [80]. Em

primeiro lugar, não tomamosaqui comomentira o que é dito de falso por aque]e que fa]a sem saber [81]. Assim é que dizer uma mentira e mentir são duas coisas apresentadas como distintas em Aulus Gellius

[82] . Façamos,porém, do que é enunciado cientemente, com um significado que não é conforme à concepção de nosso espírito, seja como pensa'

mento, seja comovontade. O que damos a entender primeira e imediatamente pelas palawas e outros sinais semelhantes, são as concepções do espírito. Por isso, não mente aquele que diz uma coisa falsa que acha verdadeira, mas mente aquele que diz uma coisa verdadeira sem dúvida, mas que ele pensa que é falsa. Afalsidade da declaração é que reque-

remos, para constituir a natureza comum da mentira. Segue-seque quando um termo ou quando uma frase tem diversos sentidos, isto é, admitem mais de um significado, seja de acordo com o uso popular, seja segundo a prática de uma arte, seja por alguma figura apropriada, então se a concepçãodo espírito está conforme a uma dessas significações, não há mentira, mesmo que se pense que aquele que escuta o deve

tomar num outro sentido [83] .

[80] Tomas, ]Z 2, quaesÉ. /]q

arf. .7,iz?I'esp.

t8t3 "Há somente a intenção culpada que torna a !íngua criminosa." E- "Ninguém deve ser condenadocomomentiroso, porque diz uma coisa íaisa pensando que fosse verdadeira, pois enquanto isso depende dele mesmo, não engana, mas é enganada. " Estas passagens são de Agostinho(De Hera)JS .aposto/Í Sennone .X:rE7Z7e .Encüld(#on de .õlde, cap. 18). São citadas por Graciano em t:hEzsa

XXll, quaestio 2. [82] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d.C.], MocÉes.4óáz'cae (X], ]]). [83] Assim é que Abraço falava de uma maneira ambígua a seus servos. Essa é a

opinião de Ambrósio que a aprova(Z)e.4óraÀam, 8) e Cuja opinião é seguidapor

Gracianoem CausamZ

quaesÉI'o .ZZ2a.

1035 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

2. Seguramente é verdade que o emprego de tal modo de fkllar não

deve ser aprovado. Pode, no entanto, se tornar honesto pelas causas acidentais, se por acasoisso pode servir para instruir aquele que nos foi confiado ou para evitar uma situação incómoda. O próprio Cristo deu

um exemplodo primeiro caso,quandodizia (úoâóXI, ll): "Lázaro,nosso amigo, dorme", o que os apóstolos aceitavam como se tivesse falado de um verdadeiro sono. Ele sabia o que ele mesmo havia dito da reconstrução do templo, referindo-se com isso a seu corpo (Joâo11,20-21), mas

osjudeus o tomaram comorelacionado ao templo propriamente dito. Assim é que, igualmente, quando prometia aos apóstolos doze assentos

escolhidos e próximos do rei(-Z)ficasXXl1, 30), a exemplo de Filarcas,

entre os hebreus. Em outra passagem(MafeusXXVI, 29), que beberiam com ele do vinho novo no reino de seu pai. Parece ter suficiente mente sabido que eles não o entendiam de outro modo do que algum reino desta vida, do qual estavam repletos de esperança(,4fos dosdp(isca/os1,6) até o momento em que Cristo estava prestes a subir ao céu. O mesmo, em outra passagem (MnZeusXl11, 13), se dirige ao povo pelas figuras de parábolas, a 6im de que aqueles que o escutavam não entendessem o que ele queria dizer, se não ülzessem a aplicação do espírito e a

docilidade que deveriam ter. Um exemplo do segundo caso pode ser tira-

do da história profana, na pessoa de L. Vitellius, a quem Narciso pedia

cominstância para explicar o enigma de suas palavras e de enunciar francamente seu pensamento [84] . Não conseguiu senão arrancar respostas ambíguas e suscetíveis de se prestar ao sentido que se pretendia

[84] Caius Corne[ius

Tacitus

[55-120],

H/znaJes (X], 34)

1036

H U G'O G R OTiUS

dar a e]as [85]. A isso se referem estas palavras dos hebreus [861:"Se alguém sabe se servir de uma linguagem de duplo sentido, está bem; se

não,quesecale 3. Pode ocorrer, ao contrário, que não somente não seja louvável,

mas que seja mesmocriminoso usar dessamaneira de falar. Quando, por exemplo, a g]ória de Deus [87] ou o amor devido ao próximo [88] ou o respeito para com um superior ou a natureza da coisa de que se trata exigem que o que é pensado pelo espírito seja colocado inteiramente a descoberto. Do mesmo modo que, nos contratos, dissemos (livro 11,cap. Xll, IX) que se deve explicar abertamente

o que a natureza do contrato

deve exigir. Nesse sentido é que pode ser recebido este pensamento de Cícero [89] que "se deve banir toda mentira dos negócios que se contra-

ta". Máxima tirada de uma antiga ]ei da Anca [90] que proíbe "mentir

Tlilil Ó ÚÉliÚl; Tácito(J7isfoz?ne, 111,3) escreve: 'Z7e se expressou de modo amÓJkuo

para poder em seguida explicar suas palavras, segundoas exigênciasde seu 2hferesse."Fala também(HikéoHae, 111,52) de 'ba/aptas arranubdas de éa/modo

que fosse possível, segundo o evento, de se subtrair à sorte contrária ou de colher a honra do sucesso. [86] ])eles também esta outra máxima: ':Fperm/lido se expressar da modo amólkuo para obter com l)se a/gum provelfo. "Esta máxima é citada pelo douto Manassés Benisrael, em sua Goncl7Jbf.Quaesf. XKX71Z João Crisóstomo(Z)e face/doÉab, L, qÜãxz. "É chamado com razão enganador aquele que se serve de tais ambigui-

dades para prejudicar a alguém, mas não aquele que as usa com propósito salutar. [87] Em 1'7dnde ]MoJS(gs(111, 21), de Fí]on, encontra-se: ':[2Üo que com reJnç;âoâs coisas que se referem à religião, aqueles mesmos que adquiriram o costume de

mentir em outras coisas, não podem se impedir de dizer a verdade.De fato, a verdade

é a companheira

de Deus."

fugas\àx\ktn (.Epístola

XXVlll,

Sà àiz.

'Uma

questãoé a de saber se um homem de bem podepor vezesmentir, outra aquela de dl2er se um esar2foz'saga«ado fere de me IÉIE"Ver o que será dito no parágra-

fo XV

l881Ésquilo, em Pro/nefeu(509), diz: 'Zu d)rTaaóerfame/zfe fado o que gosfarlbs de

ouvir; eu o diria em termos claros,sem embaralharmeu pensamentopor desvios; falaria coma é justo e carreto raiar a seus amigos.

E89]Marcus 'l-ullius Cicero [106-43 a.C.], Z)e Oá%lclÍs (111,15, 61). [90] Demóstenes, ib ZepÉzne/n (9).

CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDONA GUERRA,SEGUNDOO DIREITO DE NATUREZA

1037

no mercado". Nesses dois locais a palavra mentira parece ser tomada num sentido tão amplo que encerra até toda forma de falar obscura. Já excluímos isso, propriamente falando, da noção de mentira.

XI. A natureza da mentira ilícita consiste no que está em oposiçãoao direito de outrem 1. Para a noção geral da mentira é pois requerido que o que se diz, escreve, figurado por caracteres, expresso por gestos não possa ser compreendido de outro modo senão num sentido diferente do pensamen-

to daquele que assim se exprime. E necessário, porém, que uma signi-

ficaçãomais estreita da mentira, enquantoé naturalmente ilícita, acrescente alguma diferença própria a essanoção ampla demais. Essa diferença, se a coisa é bem considerada, não parece, ao menos seguindo a opinião comum das nações,poder ser outra que uma contradição com o direito existente e persistente daquele a quem o discurso ou o sinal são

dirigidos. E suficientemente constanteque ninguém mente para si mesmo, por mais mentiroso que seja seu falar. Entendo aqui por direi-

to, não um direito qualquer e não se ligando à coisa,masum direito próprio a essenegócioe que tenha relação comele. Esse direito outro não é que a ]iberdade de ju]gar [91] que os homens que fa]am entre si devem,como em virtude de uma espécie de pacto tácito, àqueles com quem eles dialogam. Nisso está, de fato, essa obrigação mútua e não outra que oshomens quiseram introduzir ao mesmo tempo que resolve-

ram seservir da linguagem e de sinais similares, pois semuma semelhante obrigação tal invenção teria sido vã.

[91] Disso decorre o ideia de que aquele que tira de alguém os meios de conhecer certas coisas é chamado pelos hebreus de homem que rouba o coração(Gâ2eslh

XXXI, 26-27);ver também Onkelose os Setenta.Ver ainda o rabino Dava.em seu livro EaJÜese o rabino Salomon, em seu comentário, e Aben-Ezra.

1038

H U GO

GROTIUS

2. Exigimos de uma parte que no tempo em que o discurso ocor-

re, esse direito subsiste e bica. Pode ocorrer que o direito tenha, na verdade, existido, mas que tenha sido supresso ou que seja supresso em

decorrência de outro direito superveniente, do mesmo modo que uma

dívida se extingue pela aceptilação ou pela falta da condição.Mais, é necessário que o direito que foi lesado seja aquele da pessoa com a qual

falamos, não outra, do mesmomodo que nos contratos a injustiça nasce

unicamente da violação do direito doscontratantes. Aisso, talvez, não faria mal fazer referência ao que P]atão [92] , em Simonides, ]iga à jus-

tiça o fato de dizer a verdade,comotambém as Escrituras Sagradas designam muitas vezes a mentira, aquela proibida, por uma testemu-

nha ou uma palavra contra o próximo.Além disso,o próprioAgostinho [93] co]ocaa vontade de enganar nos elementos constitutivos da natureza da mentira [94] . Cícero [95] também quer que a questão concernente

à verdade a dizerseja ligada aosfundamentos da justiça. 3. Do mesmo mêdo que o direito de que falamos parece poder ser anulado pelo consentimento expresso daquele com quem temos negócios (se alguém, por exemplo, declarou de antemão que diria coisas fal-

sas e que o outro o tenha permitido), assim também pode sê-lo por um consentimento tácito ou presumido em virtude de uma razão legítima ou ainda pela oposiçãode um direito de outrem bem mais considerável, segundo o juízo comum de todos. Essas coisas bem entendidas nos for' necerão muitas conseqüências que não serão pouco eficazes para conciliar as dissensões das opiniões indicadas anteriormente.

[92] Z)eJ?epuóJlca (1,5). [93] Aurebus [94] Lactâncio

Augustinus (D/v/harém

[354-430], /ns&ífuf

E77cá]rldon onum,

VI,

de .Pide (cap. 22). 18) diz também:

minta para enganar os outros ou para prejudica-ios. [95] Marcus Tullius Cacei'o[106-43 a.C.], ])e O/ clzk (l, 10, 31)

"Que êJe J'amais

1039 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

XII. Demonstra-setambémque é lícito usar de mentira com relação a crianças e loucos A primeira conseqüência é que, embora se diga alguma coisa que

tenha UM falso significado a uma criança ou a um demente, nisso não

há a falta da mentira. Parece, de fato, opinião comum de todos os homens que seja permitido que "a idade imprevidente das crianças seja enganada" [96]. Quinti]iano [97], fa]ando das crianças, diz: "Simu]a-

mosmuitas coisaspara sua utilidade." A razão mais próxima é que como a liberdade do julgamento não existe nas crianças e nos dementes, não se pode cometer ofensa contra eles em relação a essa liberdade.

XIII. Comotambém quando se engana com isso aquele a quem o discurso não se dirige e que é permitido enganar, independentemente do discurso 1.A segunda conseqüência é que todas as vezes que o discurso é

dirigido para aquele que não foi enganado,mesmoque um terceiro tire uma falsa conclusão disso, não há mentira alguma. Não há com relaçãoàquelesa quem é contada uma fábula e eles a compreendem ou aos quais se dirige um discurso figurado por ironia ou por hipérbole, figura que, segundo a expressão de Sêneca [98], chega à verdade pe]a mentira

[99] e que é definida por Quinti]iano [100] um exagero mentiroso. Não há com relação àquele que entende isso no momento porqüe não trata-

moscom ele e que, em decorrência, nenhuma obrigação existe em seu l

[96] Tulliug Lucretius Carus [98-55 a.C.}, De Nafizra .Ra'um (1, 939). [97] Marcus

Fabius

Quinti[ianus

[30?-100?], Z)e ]nsZJfuÉzone. Oraforva

(X]1, 1, 38).

[98] Lucius Annaeus Seneca[01? a.C.-65 d.C.], De .Bene#cízk (V]1, 23). [99] No mesmo

]oca], Soneca

diz:

':4Élr7na coesas bc írezk pai'a

chegar

a ao sas

críveis."

[100]Marcus Fabius Quinti[ianus [30?-100?] , .De]nsZI'fuÉlane(2rafaria (Xí1, 1, 38).

11

!040

H U GO GROTIUS

proveito. Mais ainda, se ele mesmo forma uma opinião tirada do que é dito não a ele mas a outro, deve imputa-la a ele mesmo e não a outrem. De fato, se quisermos julgar bem, a seu respeito o discurso não é um discurso, mas uma coisa que pode significar tudo o que se quiser. 2. Não cometeram fa]ta alguma Catão o censor [lOl] que prome'

te de modo fa]so auxí]io aos a]iados, ou F]accus [102] que contou a ou-

tros que uma cidade dos inimigos havia sido tomada de assalto por Emílio, ainda que os inimigos tenham sido enganados por isso. Plutarco [103] re]ata a]go seme]hante deAgesi]au. Nada, de fato, nessa circuns-

tância havia sido dito aos inimigos e o dano que se seguiu é alguma coisa vinda de fora e que, em si mesma, não é ilícito desejar e buscar. Crisóstomo e Jerânimo [104] re]acionaram

a essa espécie o discurso de

Paulo, pelo qual em Antioquia repreendeu Pedro como demasiado judaizante (GáZafas11,13). Pensam, de fato, que Pedro havia compre'

endido de modo suficiente que isso não era feito seriamente, mas somente para condescender à fraqueza dos assistentes.

XIV. E quando o discurso é dirigido ao que quer ser assim enganado 1. A terceira conseqüência é que todas as vezes que é certo que aquele a quem o discurso se dirige não se ofenderá com o insulto à

liberdade de seujulgamento e que, ao contrário, acatará de bom grado

[lOl]

Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó C4.óe Obndlfa

Q(XX]V.

12).

[102] App., Hzsp. (81). [103] .4gesí]au

(605 C).

[104] João Crisóstomo, em comentários à Ed)JGfo/aaos Gá/alas ZZ 3, e Jerânimo, .8pz)fu/ae

(CXV. 10). Acrescente'se

Cirilo

(.4drersus

Ju#anum,

livro

IX, no

final. Tertuliano não pensa muito diversamente(aonüa Marafonem, livro l e lll)

CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

por causa de alguma vantagem que obtenha com isso, mesmo quando

nãoé cometida uma mentira estritamente dita, isto é, injuriosa. Do mesmo modo que não cometeria roubo aquele que, segundo a presumi-

da vontade de um proprietário, consumisseuma coisade pouca importância pertencente a esseúltimo para Ihe proporcionar com isso um grande proveito. Nas coisas que estão nesse ponto certas, a vontade presumida é tida como expressa. Consta que não se faz injúria a ou-

trem com seu consentimento. Assim, pois, não parece cometer falta aquele que consola um amigo doente buscando Ihe fazer crer coisas que não são verdadeiras, como fez Aria a respeito de Paetus após a morte de

seu filho, história que se encontra nas cartas de P]ínio [105], ou que incentiva a coragem daquele que treme no combate,por meio de uma falsa notícia, a fim de que, estimulado por isso, busque a vitória e a salvação e que, sendo assim surpreso não seja preso, segundo a expres' são de Lucrécio [106] .

2. Demócrito [107] disse que "é preciso sempre usar uma ]inguagem verídica, quando é a opção mais vantajosa". Xenofonte [108] diz: "]i

permitido enganar seusamigos para seu bem." Clemente deAlexandria [109] permite também "servir-se da mentira à guisa de remédio". Máximo de 'Hro [110] diz: "0 médico

engana

o doente,

o genera]

o exército,

o

piloto os marinheiros e nisso não há mal." Proclus, em Platão, dá a razão: "0 que é vantajoso é melhor do que é verdadeiro." Tal é, em Xenofonte [111], essa notícia que os a]iados estavam a ponto de chegar e [105] Caius P[inius Caeci[ius Secundus [62-114], .qnkfuJae (111,16).

[106]Tu[[ius Lucretius Carus [98-55 a.C.], Z)eNafurn Rerum (1, 939). [107] Estobeu, 12, 13.

[108]Çrzubeda(1,6, 31). [109] Süomafa

(Vl1, 9, 53).

[no] Ompi'o mX (3) l\'L\X Socrat. (IN, 2, \l). "Agesilau, chegando na Beócia e sabendo que Pisandro havia sido vencidonum combatenavalpor Farnabaze e Conon, mandou dizer o colltrário a seus soldados e, apresentado'se coroado perante eles, ofereceu

sacrvHbüsse/e/]espor essa wfárlb"(Plutarco, Hda de.4gesz7au, 605 C)

1042

H UGO

GROTIUS

essa declaração de Tullius Hosti[ius [112] que era por sua ordem que o

exército albano sehavia retirado. Segundoa linguagem das histórias, a

mentira salutar do cânsu]Quinctius]113] que osinimigos estavam em fuga na outra ala e outros exemplos semelhantes dispersos entre os historiadores. considerável

Deve-se observar que o insulto ao juízo é tanto menos nesse caso porque é ordinariamente

momentâneo e que,

pouco depois, a verdade é descoberta.

XV. E quando aquele que fala usa de um direito de superioridade sobre uma pessoa que Ihe é submissa 1. A quarta conseqüência e que tem relação com a precedente ocorre todas as vezes que alguém que tem um direito dominante [114] sobre todos os direitos de outro faz uso desse direito para o bem particu-

lar ou púb]ico desse.P]atão [115] parece ter tido isso sobretudo em vis-

ta, quando aosque detêm o poderlhes permite mentir. Quando, de um lado, parece dar o mesmoprivilégio aos médicos [116] e do outro os tira deles, parece que essa distinção deva ser posta de modo que, no primeiro caso, tem em vista os médicos chamados em nome do Estado para essa procissão, e no segundo caso, aqueles que se arrogam esse titula

[112] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], HÓ Z]/róeConcífZa (1, 27, 8). [113] Idem, .4ZP Z:&.óe aoní#fa(11,

64, 6)

[114] No segundo canto da ]=íüda (73 e seguintes), Agamemnon, chefe dos gregas

üz'. "Antes, contudo,provaria os gregos,e isso me é legitimamente permitido, e !hes ordenada de fugir em sua bota armada de bronze."

[115]Z)eRepuó/lca(111,3) [116] João Crisóstomo(.De SacerdoÉ20, 1, 9) traz exemplos dos médicos.

1043 CAPÍTULO 1-

0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

em seu próprio nome. O mesmo Platão reconhece com razão que a

mentira não convémcontudo a Deus, ainda quetenha um direito supremo sobre os homens porque é um sinal de fraqueza recorrer a tais meios.

2. Um exemplotalvez de mentira inocente, aprovada até por Fílon [117],poderia ser dado na pessoade José [118] que, governando na qualidade de vice-rei, acusa seus irmãos por fingimentos e contra seu sentimento primeiro de serem espiões, em seguida ladrões. Na pessoa de Salomão (/.Re/k111, 25) que "deu uma prova da sabedoria que Deus Ihe

havia inspirado, quando, diante das mulheres que disputavam um bebê, proferiu palavras que exprimiam a vontade de cortar a criança em duas partes, enquanto que seu espírito estava muito afastado de tal vontade

e que queria atribuir o filho à sua verdadeira mãe". São palavras de Quinti[iaho [119] que "às vezes a uti]idade geral exige que mesmo coisasfalsas sejam sustentadas:

XVI. 'lblvez também quando náo podemos defender de outro

modoa vida de um inocente ou alguma outra coisa equivalente A quinta consequência pode ocorrer todas as vezes que a vida de

um inocenteou alguma coisa equivalente não pode ser salva de outro modo e que alguém não pode ser de outro modo levando a desistir de

[n71 De úoi]ep)];]28). [1181 Cassiodoro(Z)e

.4mJcuflb) diz: "G?banda, por um sáó/o álhgímenfo

de sever2da

de, ele difamada seus irmãos com uma acusaçãode espionagem.

[119]Marcus Fabius Quinti[ianus [30?-100?],Z)e]nsÉ7fuíloneC2rafar7a (11,17, 36)

::]

1044

H uoo GROTlus

executar uma ação má [120] . Esse foi o ato de Hipermnestre título, é ordinariamente

e]ogiado: "Nobremente

que, a esse

mentiroso [121] e vir-

gem i[ustre por todos os sécu]os" [122].

XVII. Quais os autores que julgaram que a mentira pregada ao inimigo é lícita 1. 0 que os sábios decidem em muitos lugares que é permitido ser-

vir-se de um discurso falso para com o inimigo se estende muito mais do que aqui]o que acabamos de dizer. Assim é que P]atão]123], Xenofonte]124],

[120] Agostinho (/h .f)saZmumV, 7), passagem reproduzida por Graciano em (:ousa

XXll, quaestio11,Nequis, 14.à:KE. "Há duas espéciesde mentira, nas quais não há gra[[de culpabilidade, mas que, ]]o entanto, 1]ãodeixam de constituir uma falta: quando mentimos para lisonjear ou para prestar serviço a nosso próxi mo. A ]neJltira de !isonja }lão é perigosa porque não erga:la ninguém. De fato, aquele a quen} é contada sabe que essamento'a fo{ dita par !ísonja. Quanto à segunda, é taJlto menos funesta que contém em s{ mesma alguma benevo /énczn." Tertuliano(De PudcuÉÜ, 19) coloca no plano das faltas diárias, às quais todos estamos sujeitos, as mentiras que são contadas por necessidade [121] Comentando isso, o esco]iasta diz 'bom decénc/a.De /aío, cí óe/o me/ í7rpe/a ./usí7ba." Semelhante é essepensamento de João Crisóstomo(De Poenifenflb,

Vl1, 5), a respeito de Raab: '2?e/amení#a.r -Ébgano/ou},ál-eZde uma pessoa que não traiu a religião, mas que se torna a guardiã da verdade" am,comase encontra em outras edições, 'tla rerdade7bap/'idade.r" Falando das parteiras do Egito, Agostinho(é?uaes#lb/?es in ]?ep aéeucüum, 11, início) diz: '0.ó.r Sen

tímento profu1ldo de humanidade! Oh piedosa mentira para salvar gente!" Jerânimo louva as mesmas parteiras e acredita que terão recompensas até mesmo eternas(Go«:«,enfada«,

ih Ezecü 'e/e«, P70pÁefa«,, XVll,

e Oo«:«,.

zh lsa bm Propáeíam, LVI) e também Ambrósio(.4d Syagnum, VI), como o

próprio Agostinho(.4d (]onsenüum, (hnÉra Mendacuum,cap. XV), variando aqui, como costuma, têm o mesmo pensamento. Tostato nega que nisso te nham pecado. Hesitam a respeito: Agostinho(@uaesÉaones super rodam, ll, L),'lamas de hqu\no (*SummaTheoJogica,111,2, quaestio CX, art. IV resp. ad 4, sobre o qual se pode consultar Cajetan. Ver, se agradar, Erasmo, em seu E2zcomium ]lZor7be,e o eruditíssimo Masius, sobre Josuó 11, 5. [122] Quintus Horatius F[accus [65-08 a.C.] Odarum seu Carminum

35)

[123] .De.Repuó/lba(11,21). [124] Z)e C]pz7ZnsdÉ.(1,6, 28) e ]Uelnorab. Soez(VI 2, 16)

]ibri ÇXX1,2

1045 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

Fílon [125] entre osjudeus, Crisóstomo [126] entre oscristãos, acres-

centam à regra que proíbe mentir a exceção:a menosque não seja contra os inimigos. Pode-selembrar aqui, a propósito, a mentira dos jabesitas sitiados que se encontra nas Escrituras Sagradas (/Snmue/ XI, 11) e um fato não dessemelhante do profeta E]iseu]127] e de Valério

Levino [128] que sevangloriava que Pirro havia sido morto por ele. 2. Uma passagemde Eustrato, metropolita de Nicéia, no sexto livro da .BÉ7cade P]atão [129] , se refere à terceira, à quarta e à quinta

observaçõesque acabamos de formular. "Aquele que delibera bem não diz a verdade em todos os casos.Pode ocorrer, de fato, que aquele que delibera de modo conveniente examine de que maneira mentira de pro-

pósitoao inimigo para o enganar ou ao amigo para preserva-lo do mal. As histórias estão cheias de exemplos desse tipo." Quinti]iano

[130] diz

também que se for preciso demover um bandido de matar um homem

ou se um inimigo deve ser enganado para a salvação da pátria, essa ação que, em outras conversas, seria censurável nos escravos, seria elogiável na própria pessoa do sábio.

[1251 Z)e MIÉraÜone .Abra.ban?(5). [126] De Sncerdoüa(1, 8), onde assim se exprime: 'iSa darem examinadas as açõês

dos mais célebres capitães, se poderá observar que a maioria de suas vitórias foram o efeito de alguma astúcia de guerra e que aqueles que assim agiram

foram mais elogiadosque aquelesqueforam vitoriososcom batalhas em campo aberto.

[127] /7Rel's V], 18. Há outro exemplosimi]ar do mesmoEliseu (/7Xelk Vlll, IO), segundo a correção dos Masoretas.

[128] SextusJulius Frontinüs [séc.] d.C.], ,Sfrafagemafa(11,4, 9) [129] ..4dA7bfofe/em .Bfüiba Mc.(V], [130] Marcus Fabius Quinti[ianus

9)

[30?-100?], .De ]nsüfuÉaone OraforTa (Xl1, 1, 39)

U

1046

H ÜGO

GROTIUS

3. Essas coisas não agradam à esco]a dos ú]timos sécu]os [131], tendo-se proposto de não seguir quase em tudo a não serAgostinho [132]

somente entre os antigos. A mesma escola admite, porém, interpretações tácitas tão afastadas de todo uso que pode ser posto em dúvida se

não é melhor admitir a mentira contra certas pessoas,em alguns den,

tre eles, pois não toca a mim determinar algo, do que excetuar tão indistintamente

da mentira essasinterpretações. Isso ocorre, por exem-

plo, quando dizem que "não sei" pode ser compreendido por "não sei para o dizer"; que "não tenho" pode ser entendido por "para te dar" e outras reservas semelhantes que repudiam o sentido comum e que, sendo admitidas, nada impede doravante que aquele que afirma uma coisa seja considerado como tendo negado essa mesma coisa, aquele que

a nega, como se a tivesse aÊlrmado. 4. De fato, é bem verdade que não há absolutamente nenhuma pa[avra que não possa ter um sentido ambíguo [133], porquanto todas,

além do significado que sechama de primeira noção,têm um outro de segunda [134] e que varia segundo as diferentes artes [135]. Com isso,

existem ainda outros significados expressospor metáfora ou figuras similares. Não aprovo mais o 6lngimento daqueles que, como se tivessem horror da palavra, não da coisa, chamam de gracejos discursos que

proferem comum semblante e um tom de todo sério. [131] Tomas, ,Sümma ZZeo/opta, ]Z 2, quaesélb .Z/g a/f. .Ze .3 Covarruvias, in cap, Quamvis, de Partis, in Vi, parte 1, $ 1, n.' 15 Sa\n, De Justitía, V, quaest. 6, art. 2, 'taXet., !ivro iV cap. 21 e iiwo À/,cap. 58, 1nssxus, livro 11, i)e Justitia,

cap. 42, dub. 9. [132] O abade Rupertus escrevea ú]tima opinião deste, com relação a esse ponto. [133] E o que sustenta Crisipo, em M)ates.4fÉlcae(]X, 12) de Au]us Ge]]ius. Sêneca, no \ixro De Beneficíis (31,S4à,à\z. "Há um grande número de coisassem nome

que designamoscom denominaçõesquenão lhes são próprias, mas quesão estranhas e adaptadas.

[134] Agostinho(.De .õ4ag7sÉro, V]1, 20) diz: ':N©oeJJconíramos sina/ quq a/ám dHS coisas que indica, não desperte a ídéia de sí mesmo.

[135] Ver o que foi observadono parágrafo X.

1047 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

Xylll. Isso não deve ser estendido às palavras que encerram uma promessa Deve-se saber, porém, que o que dissemos sobre a mentira deve

se relacionar a um discurso a6umativo e tal, de fato, que não prejudique a ninguém, a não ser a um inimigo público, e não a um discurso

que contenha uma promessa [136]. Comojá começamosa dizê-]o há pouco, por efeito da promessa, um direito especial e novo é conferido para aquele a quem a promessa é feita. Mostraremos que isso ocorre

mesmoentre inimigos, sem nenhuma distinção de hostilidade já existente, não somente nas promessas expressas, mas também nas tácitas,

comona pergunta de uma entrevista, quando sechegar a essa parte quetrata da palavra a manter na guerra.

XIX. Nem aos jul'cimentos Deve-setambém lembrar o que foi descrito precedentemente (livro 11,cap. XIII) sobre o juramento aÊumativo ou que reílete uma pro'

mesmaeque tem a força de excluir todas as exceçõesque poderiam ser tiradas da pessoacom a qual agimos porque o negócionão se passa somente com um homem, mas também com Deus, para com quem nos obrigamos pelo juramento, mesmo quando nenhum direito possa surgir em favor do homem. Nesse mesmo local dissemos igualmente que, no juramento, todas as interpretações de termos não completamente inusitados não são admitidas, como em outro discurso, para nos eximir

de mentira, mas que a verdade é absolutamente requerida, no sentido que o homem que escuta é levado, com boa-fé, a compreender, de modo

[136] Agesilau, juntamente com P]utarco(.4gesz7atz,600 D), fazem esta distinção: Violar os tratadas é desprezar os deuses.Fora disso, e1lganarQ inimigo com

palavras não é somentejusto, mas isso é até glorioso e proporciona algum prazer, além do proveio).

1048

H UGO GROTI us

que se deve detestar de todo a impiedade daqueles que não hesitam pretender que se pode enganar os homens com um juramento, como as crianças com dados.

XX. E contudo mais generoso e convém melhor à simplicidade cristã abster-se da mentira, mesmo com relação ao inimigo 1. Sabemos também que certos tipos de fraude que dissemos se-

rem naturalmente permitidos sãorejeitados por alguns povos ou alguns indivíduos. Isso não vem da opinião que sejam injustos, mas pro'

vém de uma notável grandezade alma e às vezesda confiançaem suas forças. Há em E]iano [137] essaspa]avras de Pitágoras que, por duas coisas, o homem se aproxima mais de Deus: dizendo sempre a verdade e fazendo o bem aos outros. Em Jâmb]ico [138] , a veracidade é dita ser o guia para todos os bens divinos e humanos. ParaAristóte]es [139], "o

homem magnânimo gosta de dizer a verdade e falar livremente". Segundo P[utarco[140],

"mentir

é servi]"]141].

Arriano]142],

falando de

Ptolomeu, diz que "lhe era mais vergonhoso mentir, sendo rei, do que

poderia ser para qua]quer outro". No mesmo autor [143], A]exan(he declarava que "um rei não deve dizer a seus súditos outra coisa senão a

[137] Uar .]íjkf. (X]1, 59) [138]

ProÉrePf.

(20).

[139]

.éfzca a NJcÓmaco(]V.

[i40] .De .Bduc. (ll [141]

No

livro

8).

C)

(2mnem

H

um .F:roótzm

Esse .Llóerum(21),

Fí]on

diz:

':Porisso

se fem

o costume de chamar de gente que não age comc}homens !ivres e pessoas.de espírito servil aqueles que são falsos e en.ganadores. [142] Erped. .4/exandí(], [143]

Expert.

.f]/exan#7'(V]1,

prefácio) 5)

!049 CAPÍTULO 1- 0 QUE É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

verdade". Mamertino [144] diz de Juliana: "Há em nosso príncipe uma estonteante concórdia entre o espírito e a língua. Ele sabe que a menti-

ra não é somente o vício de uma alma baixa e pequena, mas que é ainda

um vício servil. Verdadeiramente,comoé a miséria ou o temor que tornam os homens mentirosos, o príncipe que mente não conhecea elevação de sua sorte." Em P]utarco [145], e]ogios são feitos ao natura]

para Aristides: "Firme e constante em seus costumes, inabalável em seus princípios de justiça e que fugia da mentira, mesmo na brincadei-

ra." Probus [146] diz de Epaminondas que era "tão atenciosocom a verdadeque não mentia, mesmona brincadeira. 2. Isso deve seguramente ser tanto mais observado pelos cristãos

porque não somente a simplicidade lhes é ordenada, mas também porque lhes é proibido dizer palawas vãs e que lhes foi proposto como exemplo

aquele em cuja boca não se encontra engano. Lactâncio [147] diz: "Por isso, o viajante verídico e justo não dirá este verso de Lucílio: 'Não é de

meu estilo mentir a um homem amigo e conhecido.'Pensará, porém, que não é seu estilo mentir mesmo a um inimigo e a um desconhecido e

não se permitirá jamais dizer algo em que a língua, que é a intérprete da alma, esteja em desacordo com o sentimento e o pensamento." Tal é, em Filocteto de Sófocles,Neoptolemo, "acima de tudo por sua generosa retidão", comomuito bem observou Dion de Prousa [148], e que respon' de assim a U]isses [149] , que o instigava a usar artifícios: "Para mim,

[144] HpopàÉüeB:, Ju/lbn ] cap. 20. [145] Avsí7des (319 D). [146]

Corne[ius

Nepos

[séc.

] a.C.],

gpam]nomdas

[147] Caeci[ius Firmianus Lactantius]séc.

(3)

]V d.C.], Dul-haJ-um ]nsÉlfuÉ7bnum(V]

18)

[148] Dion Crisóstomoou Dion de Prousa, (2raúo1/7 [149] Sófocles, /%doca, (86)

H U GO

Gxoíius

filho de Laerte, os conselhos que tenho dificuldade em entender, teria

mais horror ainda em segui-los. Não nasci para visar aos artifícios, nem eu, nem aquele que, digamos, me deu a luz do dia, mas estou pronto para levar Filocteto empregandoa força e não a trapaça" [150]. Eurípides diz em RZesus [151]: "11Jm coração generosonão sabe dar furtivamente

a morte a seus inimigos.:

3. Assim é que A]exandre [152] dizia que não queria roubar a vitória. Po]íbio [153] re]ata que os habitantes de Acaia tinham horror de toda fraude feita contra os inimigos porque acreditavam que nãa havia vitória sólida senão a que (para exprimir esse pensamento com as

pa[avras de C[audiano[154]) "subjuga os inimigos após ter abatido também sua coragem". Assim foram os romanos até quase o íim da segunda guerra púnica. E]iano [155] diz: "Os romanos têm uma coragem que lhes é própria. Não procuram a vitória por meio da astúcia e de anima-. nuas." Disso decorre que quando Perdeu,rei da Macedânia [156], havia sido enganado por uma esperança de paz, os senadores idosos declara-

vam que não reconheciam os procedimentos romanos, que seus ances-

trais jamais haviam feito guerras para obter mais glória de sua astúcia

[150] Aquiles, do qual fala Hoi'ácio(Odarum seu Ch/mihum Zlór2; IV, 6, 13-17), diz

Não foi ele que se teria visto esconder-senos flancos do cavalo, voto impôs bor feito a Minerva, para surpreender os troianas no meio de suas festas insellsatas e a corte de Príamo no meio de danças,mas à iuz do dáa, terrível

para os rena'dos..."e o que se segue.Sobreissoo escoliastaobservaque Aquêlesnão havia jamais agido fraudulentameilte, mas tinha semprecom' saúdo aóerÉamenfecom conXlançaem seu va/or': Observem-se estas palavras "com conálançae/n seu Haja/' que estão perfeitamente de acordo com o

que dissemosno começodesteparágrafo, no texto [151] Ráesus (510 e seguintes). [152] Plutarco, .'Uexand?-e (683 D) [153] Livro XIII. 3 [154] Caludius Claudianus [155] Uar .ll])É. (Xl1, 33). [156] Titus Livius

[séc. ]V d.C.], Z)e Sexto

[59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:/rbe (bnd)fa

Oo/zsu/afu

/ío/]orl}

(XLl1, 47, 4-8)

(249)

CAPÍTULO 1- 0 QUE. É PERMITIDO NA GUERRA, SEGUNDO O DIREITO DE NATUREZA

!051

que de sua coragem, quejamais se haviam servido de trapaças púnicas,

nem das intrigas dos gregos, entre os quais enganar um inimigo pare' cia mais glorioso que triunfar pela força. Depois acrescentavam isso: "As vezes, no tempo presente, a fraude é mais proveitosa que a coragem, mas somente se crê definitivamente vencido aquele que é forçado confessar que a vitória obtida sobre ele é devida, não ao artifício e ao acaso,mas à superioridade das forças, numa guerra justa e legítima." Lemos em Tácito [157] que, mesmo mais tarde, "o povo romano não se

vingava de seusinimigos com a fraude e os complâs,mas abertamente ede mão armada."Assim eram ainda ostibarenos [158] que assina]avam até aosinimigos o local e o momento do combate.Mardonius, em Heródoto [159], re]ata isso também dos gregos de seu tempo.

XXI. Não nos é permitido compelir alguém ao que nos é permitido, mas náo o é a ele Isso se relaciona igualmente ao modo de agir; e que não é permi-

tido compelirou solicitar a alguém. uma coisa qualquer que Ihe é proibido fazer [160] . Que o que segue sirva de exemp]o: não é permitido a um

súdito matar seu rei, nem entregar praças fortes sem uma deliberação

pública, nem despojar concidadãos.Não é permitido, pois, incitar a isso um cidadão que permanece tal. Sempre, de fato, aquele que dá a outrem uma ocasião de pecar, peca também ele pi'óprio. Não há o que

replicar a não ser para aquele que compeleao crime um indivíduo com um ato semelhante, por exemplo, o assassinato de um inimigo é lícito.

[157] Caius Corne[iusTacitus [55-120], ,4nnaJes(11,88) 115810 escoliasta, no livro ll de Hpo/c5nib(1010). [159] Livro Vl1, 9

[160] E o que ensina também Moisés Maimõnides em ".fía/alof Zouóa/', cap. V. seção X

1052 H U GO

GROTIUS

Para ele é permitido, de fato, executar, mas não desse modo. Agostinho [161] diz com razão que não importa se comeres tu mesmo o crime ou se

queres que outro o cometa por ti.

XXII. E permitido contudousar de um serviço voluntariamente oferecido

De modo diverso é se alguém emprega para uma coisa que Ihe é

permitida o serviço de um homemque seoferecea ele voluntariamente e que peca sem que ele o compila. Provámos alhures, pelo exemplo do próprio Deus [162] , que isso não é iníquo. Ce]so [163] diz: "Recebemos

um trânsfuga pelodireito da guerra." Isto quer dizer que não écontra o direito da guerra admitir aquele que, abandonando o lado dos inimigos, esco[he o nosso [164].

[161]

-De 7Morlóus

Ecc/eslbe

aafáoJlbae(11,

57).

[162]Livro11,cap.XXV],$V [163]

.Z;. 5/,

7}ansnugam,

Z)/r.,

De .4cguÜ

rez

domJh.

[164] Por isso, não se é obrigado a entrega-los, salvo que não haja compromissopor

um tratado de paz, comofoi estipulado pelo tratado com Filipe, os etóliose Antíoco(Polívio, .Uraerpfa -LegaZ]'onum, IX, XXVlll e XXXV). Menandro, o Protetor, ensina a mesma coisa

11

COMO,SEGUNDO O DIREITO

DAS GENTES,OSBENS DOS SUDITOS SAO REQUERIDOS IRRA COBRIRA DIWDA DOS SOBERANOS.'TRAJA-SE / LAMBEM DAS REPRESALHS Sumário 1.Naturalmente nínguéin pode se apoderar do alheio, senão é h e} deito.

11.Foiintroduzido, contudo, pela direito das gentes que os bens e os fitos dos súditos sejam empenhados peia dívida do so-

berano. il!. Exemplo de apreensão de pessoas. ]lV E dos bens.

U Isso ocorre após uma negação da justiça e quando se deve

presumir a negação;demonstra-sequea coisajulgada não dánem tira, propHamenteílüando, o direito que se tem. VI.A vida não pode ser empenhada

VII. Distinção do queé de direito civílnesse assunto e do queé de direito das gentes.

1055 CAPÍTULO ll - SEGUNDO O DIREITO D6

1. Naturalmente

GENES. OS BENS DOS SÚDITOS SÃO REQUERIDOS PAM COBRIR DÍVIDAS. D6

REPRESÁLIA

ninguém pode

se apoderar do alheio, se náo é herdeiro 1. Passemos às coisas que provêm do direito das gentes. Elas se

relacionam em parte a toda e qualquer guerra, em parte a um certo tiPO de guerra. Comecemos pelas gerais. Segundo o direito de natureza,

ninguém é obrigado pelo fato de outrem, a não ser que ocorra nos bens. Foi estabelecido, de fato, ao mesmo tempo que a propriedade das coisas,

que os bens Ihe passariam com os encargos]l].

O imperador Zenon]2]

diz que é contrário à equidade natural que terceiros sejam importuna-

dascomasdívidas de outrem. De ondeos títulos no direito romano [3]: Que a esposa não seja acionada pelo marido, o marido pela esposa, o filho pelo pai, o pai e a mãe pelo filho. 2. O que deve uma instituição e os privados não o devem, como o

diz formalmente Ulpiano [4] , bem entendido, se a instituição tem bens, de outro modo, os privados são obrigados, não como privados, mas en-

quanto. fazem parte da instituição. Sêneca [5] diz: "Se a]guém empresta

dinheiro à minha pátria, não me sinto seu devedor. E um empenho que

não assumiria, nem mesmo para a quitação daria uma quota minha' [6]. E]e havia dito [7] : "Membro da nação, não pagaria em meu nome, mas em nome do país, dando minha contribuição." E,ainda: "Os privados poderiam dever, não como pessoalmente obrigados, mas como parti-

[1] Ver livro

11, cap. XX], $ X]X. Acrescente-se

a ]h /lfferzs,

de J?apforJóus;

De usuras.

1211 L ujlica, Cod., Ut nuilus ex ücanis. \:\ÀCod.,Ne uxor pro manto et ne â!!ius pro paire, tons titulis. ttà L. 7, Sicut, $ !, Dig., Quod cujusque unívers. ilumine.

[5] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], De J?ene#c7lk(VI, 20). l61Ver as Z,eJSSlc=Zzbnas,no final do livro 1, título [7] Lucius Annaeus

100

Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .De .Be/7e#cíz) (VI,

19)

1056

H UGO GROTIUS

cipando da obrigação do país..." Por isso, é particularmente estabeleci-

do pelodireito romano]8] que nenhum doshabitantes deuma povoação é obrigado pelas dívidas de outros habitantes da mesma. E em outro local [9] é prescrito que nenhuma herança responde pelas dívidas de outrem, mesmo públicas e, numa NoT'eZ/a de Justiniano

[lO] , as apre'

ensões são proibidas, isto é, as tomadas como penhor [11] , para as dívi-

das dos outros. Não se dá senão por que é contra a razão que um seja o devedor e que outro seja cobrado. As exaçõesdesse tipo são chamadas odiosas. O rei Teodorico, em Cassiodoro [12] , c]assi6ca de licença vergo-

nhosa o fato de empenhar outro por outrem.

11. Foi introduzido,

contudo, pelo direito

das gentes, que os bens e os fitos dos súditos sejam empenhados pela dívida do soberano 1. Mesmo que essascoisas sejam verdadeiras, contudo, pode ter sido introduzido pelo direito voluntário das gentes, e parece que foi introduzido, que todos os bens corporais ou incorporais daqueles que são súditos de uma tal sociedade ou de seu chefe, sejam obrigados e coagidos ao que devem fornecer a uma sociedade civil ou a seu chefe, seja que

eles tenham diretamente e por si mesmoscontratado essadívida, seja que eles se tenham também obrigado pela dívida de outro. Uma espécie

de necessidadeimpôs isso porque de outro modo uma grande l8ÃDicta leme unica, Cod., Ut nullus ex vicanis, livro XI. liçah 4, Nuilam, Cod., De Execut. et Exatianibus. [10] AZoreZ/a (Vl1, 52 e 134).

t\\À Cod. união, De injurias, in Vr. "0 recebimento de penhores que uma.maneira popular de se expressam' cáaloa de represa/)as."Mais exatamente se diria, como ocorre em cel'tos livros, "represa/lbd'. Esta palavra responde assim exatamen' te à palavra saxânica mfáenam, mas prevaleceu o uso da outra palavra. [12] Uar .Ê@Jif., ]ivro ]V.

1057 CAPÍTULO ll -

SEGUNDO O DIREÜO D6

GENES, OS BENS DOS SÚBITOS SÃO REQUERIDOS PARA COBRIR DÍVIDAS. D6

REPRESÃL16

permissividade seria conferida a eventuais injustiças, sabendo que os bens dos soberanos não podem muitas vezes ser tão facilmente apreen'

lidos, a não ser aqueles dos cidadãos privados que são em grande número. Esta regra se encontra, pois, entre aque]as que Justiniano [13] diz terem sido estabelecidas pelas nações, exigidas pelo uso e sob o império das necessidades humanas.

2. Essa regra, contudo, não repugna de tal modo o direito de natureza que não tenha podido ser introduzida pelo costume e por um

consensotácito, porquanto as cauçõestambém obrigam somente por seu consenso, sem outra razão [14] . Havia esperança que os membros

de uma mesma sociedade pudessem mais facilmente obter justiça de

uns e outros e providenciar à sua indenidade do que a estrangeiros, para com os quais se tem pouca consideração em muitos lugares. De-

pois, dessaobrigação, decorria uma vantagem comum para todos os povos,porquanto aquele que, anualmente, fosse incomodado, poderia, em outro tempo, encontrar aí a solução de seu problema. 3. Aintrodução desse costume não provém somente das guerras plenas [15] que os povos movem aos povos. As fórmulas das declarações mostram, de fato, o que é praticado nessas guerras: "Declaro a guerra aos povos dos antigos latinos e aos homens dos antigos latinos e a faço' [16]. E os termos da proposição: "Queriam,

ordenavam

que a guerra

[13] Znsdf. De Jure Naf. [14] Tomas, Sumia

7bea/ag7ca, /Z .Z quaesf. 4ê a/f. ]; Mo]ina, 22ísp. ].gO e ].2Z

Va\ell\Xa,Disp. 3, quaest. 6, n.' 3; ]gavarr., cap. 27, n.' 136. [15] O sábio Nico]au Damasceno distingue entre as guerras e essas espécies de

penhoras, quando sustenta que Herodes, a quem não era permitido mover guerra aos árabes, havia podido usar de penhoras para ter o que ]he deviam por um contrato. Em Josefo(.4nf7küidadesJudaüas, XVI, 10, 8) encontram-se estas paXawas: 'Tendo relatado que quinhentos talentos eram devidos a Herodes

e que existia um compromisso escrito, contendo que se essedinheiro não fosse entregue após o prazo expirado, era permitido a Herodes tomar o que pudesse; por fado o país dos árabes, até que estivessesatisfeito. Nicolau dizia que essa

expediçãonão era uma verdadeira expedição,mas uma justa execução,pela qua! ele ]neslno recolhia o que }he era devido.

[i6] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4b C/róe(;ond)fa(1, 32, 13).

1058

H U GO

GKOti

US

fosse declarada ao rei Fi]ipe e aos macedónios, seus súditos" [17] . Acém

dostermos da própria decisão:"0 povoromano resolveu mover guerra contra o povo de Hermundu]o e os homens de Hermundu]o" [18], fórmula tirada de Cincius, em sua obra sobre a .4rfe-/láZfar. E em outro local [19] : "Que seja inimigo, como os que estão em suas fileiras." Mesmo quando não se chegouainda a essaplenitude da guerra e que entre-

tanto se tem necessidadede recorrer a alguma via de fato para fazer valer seu direito, isto é, a uma guerra imperfeita, vemos que o mesmo

costume é observado.Agesi]au [20] dizia um dia a Farnabaz, súdito da rei dos persas: "Quando, Farnabaz, éramos amigos do rei, agíamos en-

tão como amigos a respeito do que serelacionava a ele.Agora que nos tornamos inimigos, agimos como inimigos. Por isso é que, como tu que-

res estar entre as coisasque pertencem ao rei, nós o levamoslegitimamente em tua pessoa.

111.Exemplo de apreensãode pessoas 1. Havia uma espécie dessa via de execução de que falo que os atenienses chamavam "av8poÀTlyta", a respeito da qual a lei ática se exprimia assim [21]: "Se a]guém morre por assassinato, que seja permitido aos parentes mais próximos e a seus amigos tomar algumas pessoas e guarda-las, até que se tenha feitojustiça

desse assassinato ou

que se tenha entregue os assassinos, mas que não seja permitido tomar

senão três homens e não mais." Vemos aqui que, para a dívida de um Estado, que é obrigado punir seus súditos quando prejudicarem a ou-

[17] Idem, .4ó Urbe aondyfa(XXX], 6, 1). [18] Au[us Ge[[ius [séc. ]] d.C.], ]Mocfes..4fúcae (XV], 4). [191 Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4b [ã.Ée Gondlfa (XXXV]11, 48, 9) [20] Plutarco, .4gesiZnu(602 D,E). [21]

Demóstenes,

.4drersus

M7sÉrocx

(82).

,'

1059 CAPRULO ll -

SEGUNDO O DIREü0 DE

GENES, OS BENS DOS SÚDITOS SÃO REQUERIDOS PAU

COBRIR DÍVIDAS. D6

REPRESÂIU

troa, uma espéciede direito incorporal dossúditos se encontra empe' nhado, a saber, a liberdade de ficar onde quiserem e de fazer o que quiserem, de modo que são colocadosna escravidão até que o Estado faça o que se propõe a fazer, isto é, punir o culpado. Ainda que os egípcios, como nos informa ])iodoro da Sicí]ia [22], sustentassem que o

corpoou a liberdade não deveriam ser obrigados por uma dívida, não há contudo nada nisso que repugne à natureza e o costume, não somente dos gregos, mas também das outras nações;prevaleceu o contrário. 2. Aristocrates, contemporâneo de Demóstenes, havia proposto que se decretasse que havia sido permitido tirar de qualquer lugar em

que se encontrasse aquele que tivesse matado Caridemo e que aquele que pusesse obstáculo fosse enumerado entre os inimigos. Demóstenes

encontra muitas coisas a dizer a respeito. Primeiro, que Aristocrates

nãodistinguiu entreum assassinatojusto e um assassinatoinjusto, conquanto possa também haver um justo. Em seguida, que não exige que antes justiça seja feita. Além disso, que queira tornar responsáveis,

não aqueles junto aos quais o assassinato foi cometido, mas aqueles que dão refúgio ao homicida. Estas são as palavras de Demóstenes: "A lei

concede a captura de três homens contra aqueles junto aos quais o assassinatoocorreu, se não dizerem justiça eles próprios, se não entregarem os criminosos. E esseos deixa ao abrigo de toda captura e não faz mesmo menção deles. Aqueles, porém, segundo o direito de todos os

homens, que querem que os fugitivos possam ser capturados,. deram refúgio ao culpado escondido no meio deles; sou levado a supor que ele

quer que sejam consideradoscomo inimigos, se não entregarem um suplicantes" A quarta recriminação é que Aristocrates compele a se-

guir a coisa a uma guerra aberta, enquanto que a lei se contenta pelacaptura. [22] Livro 1. 79

H UGO

GROTI

us

3. Aprimeira, a segunda e a quarta dessas repreensões.não são desprovidas de fundamento. Aterceira, porém, a menos que não seja restrita somente ao acontecimento de um assassinato cometido por aca' se ou em defesa própria, é antes formulada como ornamento oratório e

em vista de um argumento do que baseadana verdade e no direito. C) direito das gentes que quer que os suplicantes sejam acolhidos e prote-

gidos diz respeito, comovimos antes (livro 11,cap. XXI, $ 5), somente àqueles que cedem diante da má sorte, não diante do crime. 4. De resto, há paridade de direito entre aqueles junto aosquais o crime foi cometido e aqueles que recusam punir ou entregar o culpado.A pi'ópria lei que Demóstenes emprega recebeu do uso a interpretação que descrevo ou foi formulada de um a maneira mais precisa para evitar semelhantes sutilezas. Aquele que desse atenção às seguintes

palavras de Julius Pollux [23] não negaria a existência de uma dessas duas alternativas: "Ocorre a captura dos homens toda vez que não se obtém os assassinosque se refugiaram em algum lugar, quando foram reclamados. De fato, o direito prevê a captura de três homens em detrimento daqueles que se recusam a entregar o homicida." Harpocration

não fala de outra forma: "0 direito de captura de homens é aquelede se apoderar de alguns indivíduos numa cidade.Usava-sea tomada como penhor contra essa cidade que guardava um assassino e que não o en-

tregavaparaocastigo. 5. Um direito semelhante a esse é o direito de reter, para recupe'

rar um cidadãopresopor uma Injustiça manifesta, cidadãosdo Estado junto ao qual esseato foi cometido. Assim é que em Cartago alguns impediram

que Ariston, cidadão de Tiro, fosse preso, dando essa razão:

"Que a mesma coisa poderia acontecer aos cartagineses e a Tiro e nas

outras cidadesde comércioque freqüentam habitua]mente." [24] [23] Onomast. (V]11, 50). [24] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z:/PóeGo ldlfa (XXX]V 61, 13)

CAPÜULOll - SEGUNDOO DIREÜO D6 GENES, OS BENSDOS SÚDITOSSÃO REQUERIDOSPAM COBRIRDÍVIDAS.DB REPRESüIAS

ly E dos bens Outra espécie de execuçãoviolenta desse direito é a apreensão dosbens ou tomada de penhor entre os diversos povos [25], que os juris-

tas modernos [26] chamam de direito derepresália, os saxõese os ingleses, w7fÜerna/n e os franceses, entre os quais isso é ordinariamente obtido do rei, /efZres de /naJ"que. Essa via ocorre, como dizem os juristas, quando o direito

é negado.

y. Isso ocorre após uma negação da justiça e quando se deve presumir a negação;

demonstra-se que a coisa julgada náo dá nem th'a, propriamente falando, o direito que se tem 1. Esta negação é considerada

existir

não somente se um julga-

mento não pode ser obtido num tempo suÊlcientecontra um criminoso ou um devedor,mas mesmose, em matéria nada duvidosa (pois em matéria duvidosa a presunção é para aqueles que foram estabelecidos

juízes por autoridade pública), foi julgado de todo contra o direito. A autoridade daquele que julga não tem a mesma força com relação aos estrangeiros que a respeito dos súditos. Mesmo entre os súditos ela não extingue o que era verdadeiramente devido. "0 verdadeiro devedor, emborasejaabsolvidoda reclamação,fica contudo devedornaturalmente' [27], diz o jurisconsu]to Pau]o [28], e sobre a questão de saber se um credor que se tivesse apoderado, em virtude de uma sentença injusta,

de uma coisa que não pertencesse a seu devedor e que a teria levado

[25] EuÀoca,diz Demóstenes em seu discurso Pal'a a Coroa (13) e Aristóteles em peco ]o n/c0/2 (11). [26i

Bald.,

/ZZ

(hns.

58

Bart.,

-De represa.,

guaesf.

ó] ad fer/lum,

n.'

9,

[27] A isso se aplica o que diz Gai]ius (Z)e .f)ace Puó//ca, 11, 8, n.' 7) e Vasquez

(aonÉroH .i77usÉz, livro IV, cap.X, $ 41) .t8h L. 60, Julianus, Dig., De condict. index.

}062

H U GO GROíiUS

como Ihe sendo devida, não seria obrigado a restitui-la

ao devedor de-

pois do pagamento da dívida, mas Scaevola achava que deveria resti-

tui-]a [29] . Há essadiferença que os súditos não podem ]egitimamente impedir pela força a execuçãode uma sentença mesmo injusta ou perseguir seu direito pela força contra essa sentença, por causa do poder que tem sobre eles a autoridade superior, enquanto que os estrangeiros têm o direito de usar a via de fato, mas não lhes é permitido fazer uso a não ser para poder obter o que lhes é devido pela via da justiça. 2. Trata-se, pois, de uma coisa introduzida, senão pelo direito de natureza, ao menos pelo uso acatado em toda parte, que se possa, por seme[hante razão, apreender pessoas[30] ou bens mobi]iários dos súditos daque[e que não faz justiça [31]. Há um antigo exemp]o em Homero,

na 277üda[32], onde é re]atado que Nestor se tinha apoderado, em troca dos cavalos roubados a seu pai, de rebanhos de ovelhas e de bois pertencentes aos e]eanos, poda eÀctuvopevoa133] segundo a expressão do poeta,

[29]

Z,. ,r.g .Raso/:zbfuJn,

/

.Z, .Dzkl,

De D2)ÉraÉ,

pl]g72.,' ]nnocent.

e Panormit.,

áz CaJ?.

Plerique, De Imlnunítate Ecciesíad Sa\n, !ivro 111,quaest. 4, art. 5.

[30] Há um exemp]o em Amiano (]ivro XV]1, 2), em que Ju]iano retém a]guns francos até que os prisioneiros sejam postosem liberdade, em virtude de acor-

do celebrado.Acrescente-seo que diz Leão o Africano, livro 111,falando do monte Bem-Gualid [31] Jacob e Canib., Anchar. Dominic.

Franc. ]h (hn. .C Z)e ]np'ur7]s, ih 6 Fu]gosius

e

Salicetns, in Authent. Omnino, Cod., DeAction. et cbligat. !ac.13acab, De Beijo Visa, in Authent., Ut non âiant pigncrationeg, Si\xest., in verbo Repressaliad Bart., Ir2 H'acfafu de Regressa/)}b; Guido Papa, Quaesí]b 3Z Gailius, De .fbg7]0r,

ouse/'z ], n. ' 5; Vitoria, Z)eJure Belli, n.' 41; Covarruvias, iiz cap. /)eccafum, parteii,

$9.

[32]Zll'ada(X], 674) [S3] Nessesentido é que se pode encontrar puatcE,em arcerpÉa .Z.egaÉ]o/]uin, tirados cle Políbio(XXXVlll). onde fala dos habitantes da Acata contra os da Beócia, e Excerpf. CXXlll. Encontra-se também pDalcE(elvem Diodoro da Sicília(Exaerpfa, do manuscrito de Peiresc). Em outros locais, puatocKotTctWeÀÀetv é uma expres

são de que se serve em matéria de guerra, comoo diremos a seguir, cap. 111,$ Vll; essas são. de fato, coisas que se assemelham muito

1063 üphuto

ll -

SEGUNDO O DIREü0

DB GENES' OS BENS DOS SÚDITOS SÃO REQUERIDOS PAU

COBRIR DÍVIDA.

Da

REPRESÁln

em que Eustátio explica assim a palavra "poatcx":"0 que setoma em lugar de algum outro objeto que nos havia sido tirado." Depois segue,no relato, que foram convocadospor um edito para vir recuperar seu direito todos aqueles a quem era devida alguma coisa pelos eleanos, a 6im de que "ninguém fosse privado da porção que ]he era devida"134]. Há outro

exemplo na história romana, relativo aos navios dos romanos que Aristodemo, herdeiro dosTarquínios, havia retido em Cumes, em troca dos bens dos Tarquínios [35] . Dionísio de Ha]icarnasso [36] disse que

reteve os servidores, os animais de carga, o dinheiro. Em Aristóteles

[37],trata-se de um decretodoscartaginesessobre a apreensãodos navios dos estrangeiros E ta auÀ,clveXet,segundo sua expressão nessa passagem: "Se alguém tinha direito de os tomar."

yl. A vida não pode ser empenhada Talvez entre alguns povos se acreditasse que a vida dos súditos inocentesestá empenhada em semelhantes situações porque acreditavam provavelmente que um direito absoluto sobre sua própria vida pertence a cada homem e que esse direito podia ser transferido

ao Estado:

o que dissemos em outro local (livro 11, cap. XV. $ XVI e cap. XXI, $ XI)

não ser de todo sustentável, nem conforme à mais sã teologia. Poderia, contudo,ocorrer que aqueles que querem impedir pela força a recupera'

çãode um direito sejam mortos, não por plano premeditado, mas por acidente. Seisso está previsto, mostramos em outro local (limo 111,cap. 1, $ IV. 2) que em virtude da lei de caridade, deve-se antes colocar de

[34] Homero,..]Züda (X], 705)

[351Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], ,4b C/róeOondlfa(11,34, 4) [36] Livro Vl1, 12 [37] OeCOJ?O/njCOn (11).

!064

H uoo GROíiUS

lado a recuperaçãodo direito, porquanto em virtude dessalei, para os cristãos sobretudo, a vida de um homem deve ser de mais alto preço que

uma coisa que nos pertence, como foi demonstrado em outro local (liv. 11, cap. 1, $ Xll, Xlll).

VII. Distinção do que é de direito civil nesse assunto e do que é de dil'eito das gentes 1. De resto, não menos nessa matéria que nas outras, deve-se tomar cuidado de não confundir as coisas que são propriamente do direito das gentes e aquelas que são estabelecidas pelo direito civil ou pelas convenções dos povos.

2. Segundo o Jüs genÉ7uJn(direito das gentes), todos os súditos daquele que comete a injustiça, que são tais a título permanente, autóctones ou vindos de outros lugares, são submissos ao direito de represá-

lia. Não aqueles, porém, que se encontram em algum lugar de passa'

gem ou para passar pouco tempo aí. As represálias, de fato, foram introduzidas

a exemplo dos encargos que são impostos para o pagamen-

to das dívidas públicas e dos quais são isentos aqueles que não são submissos senão por um tempo às ]eis do país [38]. São excetuados todavia, pelo direito das gentes, do número dos súditos, os embaixadores (não aqueles que são enviados a nossos inimigos) e as coisas que lhes pertencem. 3. Pelo direito civil dos povos as mulheres e crianças são ordina-

riamente excetuadas e mesmo os objetos daqueles que se ocupam de estudos e daqueles que participam de feiras. Segundo o direito das gen-

tes, o direito de apreensão pertence a cada um, como em Arenas na AvõpoÀTlytct. Segundo o direito civil de muitos países, essedireito é ordi[38] Z)ec. O0/7s. 3í5Z Band.

livro 3, Z)e oa: assess

1065 CAPÜULO ll - SEGUNDO O DIREÜO D6

GENTES, OSBENS DOS SÚDITOS SÃO REQUERIDOS PARA COBRIR DÍVIDAS D6

REPRESÁLIAS

nariamente impetrado à autoridade soberana ou aosjuízes. Segundo o direito das nações, a propriedade das coisas capturadas é adquirida pelo

fato mesmoaté a liquidação da dívida e das despesas,sabendo-seque o eventual excedente deve ser restituído [39]. De acordo com o direito

civil, costuma-secitar os interessados para vender ou adjurar os per' tendespor autoridade pública para aquelesque têm interesse. Esses detalhese outros devem ser pedidos aos que tratam das leis civis e nomeadamente, nessa matéria, a Bartolo que escreveu sobre as repre' saltas.

4. Acrescentaria isso porque se relaciona a um abrandamento dessedireito bastante rigoroso por si mesmo, ou seja, que aqueles que, não pagando o que deviam [40] ou não fazendojustiça, deram ocasião às

represálias,sãoobrigados,em virtude do direito natural e pelopróprio direito divino, a reparar o dano [41] para com os outros que, por causa disso,sofreram algum prejuízo.

[39] Segundo re]ato de Gregoras (livro IX, 5), os venezianos seguiram essa regra de

eqüidadecom relação a alguns navios genovesesque haviam apreendidona &ülâüa. "Eles, porém, não tocaram em nada do carregamentodessesnavios apreendidos.A carga se compunha de trigo, centeio e de carnes salgadas de peixes pescadosnas baixios de Copaidese Meótides e no rio banais; canserva'nos caIU cuidado, nada tiraram, esperando o pagamento do que lhes era de'üdo para entregam- a carga integra.Imeilte. [40] Aeg. Regius, Z)e ac-f óus superu7,, dlsp. .Pí:rZ?]duó, Z /].' -Z.7Z

[411Em Hda de CI)non (483 C), P]utarco diz a i'espeito dos habitantes de Caros: 'H

maioria não queria contribuir comdinheiro, luas exigia que aqueles que pos'

r reparassem r Een a outros ou que os tivessem untado suisseln bens pez'tendendo

o

111

DAGUERRAJUSIA 0USOLENE,SEGUNDO OJUS GENTIUM (DIREITO DAS / GENTES). TRAJA SE LAMBEM DADECLARAÇAODFGUERRA

Sumário 1.A guerra solene do direito das gentes ocorre entre povos dize rentes. 11.Distinção entre um povo embora agindo injustamente e pi ratas e salteadores.

lll. IJma mudança pode, às vezes, sobrevir.

IV Pela natureza da guerra soleneé requerido que tenha por autor aquele que possui o soberano poder; como isso deve ser entendido.

U Uma declaração é também requerida. VI. Explica-se de modo distinto o que na declaração é d( natural e o que épróprio

direito

do direito das gentes.

vll. Há uma declaração condicional, outra pura e simples. VIII. Que coisas, nas declarações, são de direito civil e não do direito das gen tes.

IX. A guerra declarada a alguém é declarada ao mesmo tempo a seus súditos e a seus aliados, enquanto seguem seu par'

tido. C a em si mesmos esclareci X. Não enquantosãa conliderados

men tos por exemplos.

XI. Razãopeia qual a declaraçãoé exigidapara certos e oitos Xli. Esses efeitos não se encontram nas outras guerras.

Xili. Sea guerra, desdeque declarada,podeperfeita. XIV Se se deve declara-iaa quem violou o direito de embai xada â

1069 CAPÍTULO lll

DA GUERRA JUSTA OU SOLENE, SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES. TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

1.A guerra solene do direito das gentes ocorre entre povos diferentes 1. Começamosa dizer anteriormente (limo 1, cap. 111,$ 4) que os

bons autores conferiam muitas vezes a uma guerra a palavra justa, não em consideração da causa que a produz, nem, como isso ocorre às vezes,por causa da importância das operações que se fazem, mas por causa de certos efeitos de direito que Ihe são peculiares. Forma-se per'

feitamente uma idéia do que é essa guerra, segundo a definição de inimigos que se encontra nos jurisconsultos romanos: "São inimigos aqueles que nos declaram ou aos quais declaramos guerra em nome do Estado.Os outros sãoladrões ou piratas", diz Pompõnio [1] . U]piano [2] não fala de outro modo: "São inimigos aqueles a quem o povo romano declarou publicamente a guerra ou que eles mesmos a declararam ao povo

romano. Os outros são chamados de salteadoresou piratas. Por essa razão, aquele que é preso pelos sa]teadores não é escravo de]es [3] e o direito de postlimínio não Ihe é necessário. Aquele, porém, que preso pelosinimigos, por exemplo, pelos germânicos e os partas, é escravodos inimigos e recupera seu primeiro estado pelo direito de postlimínio." E Pau[o [4]: "Aque]es que são presospe]os piratas [5] ou sa]teadores ficam livres." Aisso se acrescenta este fragmento de U]piano [6] : "Nas discórdias civis, ainda que muitas vezes a república seja lesada por elas, não se combate para levar o Estado à ruína. Aqueles que passam para

t\À L !18, Hostes, De vero. signo. éZÀ L. 24, Hostes, Dig-, De captivis. [3] Disso trata o tema de Poenu/us, de P]auto, e .gunucüus, de Terêncio. Essa foi a sorte de Eumeu(OdZsséü,

XV. 402).

t4ÀL. 19, Postlímíníum, $2, Díg., De captivis. [5] Pompeu declarou livres pessoasque haviam sido aprisionadas por piratas (Apiano, Guerra de M]Éddafes, 96). Acrescente-se Herrera, tomo ll. \6\ L 21, Si quis íngenuam, $ 1, eodein tit.

1070

H UGO

GROTIUS

um ou outro lado não estão na condiçãodessesinimigos entre os quais há direito de catividade ou de postlimínio.

Isso porque se considerou que

fosse inútil para aqueles que tivessem sido presos, vendidos e libertados

a seguir, reclamar do príncipe uma condição de homens livres que não teriam perdido por nenhuma captividade." 2. Basta observar somente aqui que, sob o exemplo do povo roma-

no, se deve entender toda potência que tem o poder soberano num Esta-

do. Cícero [7] diz: "]nimigo é aque]e que tem um Estado, uma cúria, um tesouro público, o consenso e o acordo dos cidadãos e o poder, se a coisa

assim o comporta, de concluir tratados de paz e de aliança.

11.Distinção entre um povo embora agindo injustamente e piratas e salteadores 1. Uma república ou um Estado não cessam logo de ser o que são

se cometem alguma coisa injusta, mesmo em comum. Uma reunião de piratas ou de salteadores não é um Estado, mesmo que observem por acaso entre eles uma espécie de moderação, sem a qual nenhuma so-

ciedade poderia existir. Estes se associam para o crime [8], enquanto aqueles, mesmo que por vezes não sejam isentos de açõesculpadas, se associaram

contudo para gozar do direito

e tratam

com justiça

os es-

trangeiros, senão em tudo segundoo direito de natureza que mostramos alhures (livro 11,cap.XV) como em parte apagadojunto a muitos povos, ao menos segundo as convenções celebradas com cada um ou segundo os costumes. Assim é que o esco]iasta de ']lucídides [9] observa

[7] Marcus Tu[[ius Cicero]106-43 a.C.], Zn Mnraum .4nfon 'um Ornílones PZiZÜ)plcae

(IV,6, 14). [8] Procópio(banda.]z c., 11, 15) diz: ':Exmamu/óclão de üo Bens /eunidn sem /e mas que se reuniu.em vista da injustiça.

[9] Livro 1,5

1071 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES' TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

que os gregos, no tempo em que se considerava lícito exercer depreda-

çõesno mar, seabstinham de assassinatose pilhagens noturnas, bem como do rapto de bois dos lavradores. Estrabão [10] lembra que outros povos também, vivendo mesmo do saque, quando retomavam do mar,

enviavam aos proprietários para que resgatassem a preço razoável as coisas raptadas [11], se o quisessem. A esses povos se aplica também

essa passagem de Homero, na Odüsézn [12]: "Os homens ávidos de saque que percorrem os litorais estrangeiros, se os deuses lhes fizeram encontrar uma presa, se retiram depois de encher seus navios e retornam com seus barcos. Temem sem dúvida que os deuses se lembrem do que

éjustoedo queécriminoso."

/

2. Em matéria Úecoisasmorais, o principal passapela forma, comofoi dito muito bem por Cícero [131:"0 que contém as maiores partes e tem a maior extensão dá o nome à coisa inteira." Com isso concorda esta passagem de Galeno: "Os nomes se tiram do que predo-

mina numa mistura." O mesmo chama seguidamente isso "coisas de-

signadaspor sua parte mais nobre". Por isso foi dito muito cruamente pelo mesmo Cícero]14] que, quando o rei é injusto, quando os principais do Estado são injustos ou que é o próprio povo que o é, não é somente um

Estado defeituoso, mas que não há mesmo Estado. Corrigindo essa maneira de ver, Agostinho [15] diz: "Não diria que não é mais um povo

[10]Livro XI, 2, 12. 1111Esses povos são mencionados pelo gramático Saxon (livro XIV). Por essa razão,

Plutarco((Zmon, 483 C) faz notar que os habitantes de Citas se haviam tornado com o tempo sempre piores: 'Z)epois de se tareia ailÉikamenfe confenfado em piratear pelos mares, chegaram até a despojar os estrangeiros que navega-

vamjunto a eles em vista do comércio. [12] Odlsséla (XIV 85). [13] Marcus ']-u]]ius Cicero [106-43 a.C.], .De .fln/Zlus (V. ]O, 92). [14] Idem, .Z)e.Re .PuóZca(111), citado em De (#wéafe De/(11, 21) de Agostinho [15] Aure[ius Augustinus [354-430] , Z)e Clwfafe Z)ef (X]X, 24).

1072

H UGO

GROTIUS

ou que sua forma não é mais a de um Estado, tanto que subsiste uma

assembléia,qual seja,de grandenúmero de indivíduos racionais, unidos para participar em bom acordo a coisas a que se afeiçoam." Um corpo doente é contudo um corpo e um Estado, ainda que gravemente doente, é um Estado, enquanto subsistem leis, tribunais e as outras coisas necessárias para que os estrangeiros possam exigir que se devolva o que lhes é devido, como também os privados entre si. Dion Crisóstomo

[16] se exprime de uma maneira mais justa, quando diz que a ]ei, aque-

la sobretudoque constitui o direito dasgentes,estánum Estadocomoa alma no corpo humano e que, se supressa, de fato, não há mais Estado [17] . Aristides

[18], no discurso pe]o qua] exorta os habitantes de Rodei

à concórdia, demonstra que mesmo com a tirania podem existir leis

muito boas.Aristóteles diz, no livro V capítulo IX de seu 7}aóadodn (lb/ka -PúõZ/ca,que $e alguém estende demais o poder de pequeno número ou do povo, o Estado se tornará primeiramente defeituoso e finalmen-

te cessaria de existir. Vamos esclarecer isso com exemplos. 3. Ouvimos antes Ulpiano dizer que aqueles que sãopresos pelos bandidos não se tornam propriedade de seusraptores. O mesmo [19] diz que aqueles que são presospelosgermânicos perdem a liberdade. Entre os germânicos, contudo, os bandos de salteadores que agissem fora dos

limites de cada Estado não comportavam nenhuma infâmia. Sãopalavras de César [20] . Tácito [21] diz dos venéticos: "Percorrem, pratican-

[16] .8arysfüeniÉzca, Orava .XXTZZ t\l\

Clcerç} ÇEpÍstulae, V, \) à\z. "Nãa há leis, alem tribunais de justiça: nem qual

quer simulacro e vestígio de Estado." [18] Oraüo ad J?Zod.

[i9] .ü .g4,z)ubx/X

]s.

[20] Caias Ju[ius Cansar [[O1-44 a.C.], De .Be//o (hZ#co (V], 23) [21]

Caius

Corne[ius

Tacitus

[55-120],

.De Moruó

is Ger7na/7,

(46)

1073 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE, SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES.TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

do suas depredações, todas as florestas e montanhas entre os peucinos e osfenenses." O mesmo diz em outro ]oca] [22] que os catos, povo ilustre da Germânia, haviam praticado aros de banditismo.

No mesmo histo-

riador [23], os garamantes são classificados de nação fecunda em banditismo, no entanto, de nação. Os ilírios, sem distinção, tinham o costume de praticar no mar atou de pirataria

e, contudo, o triunfo foi

decretado por tê-]os vencido [24], mas não foi concedido a Pompeu por

ter submetido os piratas. Há, pois, diferença entre um povo, por mais "++

criminoso que seja, e aqueles que, não sendo um povo, se reúnem em 't-

vista do crime.

L.l

111.Uma mudança pode, às vezes, sobrevir IJma mudança pode, contudo, sobrevir, não somente nos cidadãos privados, como Jefté (Ju7eesX], 3), Arsace [25], Viriato [26] que, de chefes de bandidos se tornaram chefes de tropas regulares. Mlesmo nas

reuniões de homens, porém, como aqueles que não haviam sido senão bandidos e que, tendo abraçado outro gênero de vida, chegam a formar

11

um Estado [27]. Agostinho [28], fa]ando do banditismo, diz: "Se esse mal toma tais desdobramentos pela junção de homens perdidos que se

apodere de re-giões, que aí estabeleça moradas, que se torne dono de cidades, que subjugue povos, toma o nome de reino."

[22] Idem, .4nnaJes (X]1, 27). [23] Idem,

HJhfar:iae(]V]

50).

[24] Apiano, JLt]pz(9) [25] Justino, XL], 4 [26] Idem, XLIV. 2 [27] Os mamertinos oferecem um exemplo (Diodoro da Sicília e XXII) [28] Aure[ius Augustinus [354-430], De Clwfafe Z)eJ(]V] 4)

/

ag7nen fa, XXI

10

11

1074

H UGO GKOiiUS

IV Pela natureza da guerra solene é requerido que tenha por autor aquele que possui o soberano poder; como isso deve ser entendido Dissemos anteriormente (livro 1, cap. 111)quais são aqueles que possuem a soberania, de onde se pode deduzir que aqueles que não têm

a soberania senãoem parte fazem uma guerra legítima por essaparte e, com maior razão, aqueles que não são súditos, mas estão ligados por

uma a]iança desigua] [29].Assim é que aprendemos pe]a história que tudo o que convém a guerras, em suas variadas formas, havia sida observado entre os romanos e seus a]iados [30], embora inferiores na aliança, os volscos, os latinos, os espanhóis, os cartagineses.

V. Uma declaração é também requerida Para que a guerra seja legítima nesse sentido, não basta que seja feita de parte e outra entre os poderes soberanos. Torna-se necessário, como dissemos, que seja decretada publicamente e mesmo que seja de-

cretada publicamente de tal maneira que a declaraçãoseja feita por uma das partes à outra [31] . Disso provém que Enio [32] disse dessas guerras que são"combates anunciados". Cícero [33] diz, no 7}aÉadodos .Deveres '"A equidade que se deve observar na guerra foi muito religio-

samente consignada no direito fecial do povo romano. E permitido concluir desse direito que não há guerra justa a não ser aquela que é feita

[29] Como o duque da Lotaríngia, em Crantzius (Saxonic.,X]1, 13). A cidade de Stralsund declarou guerra a seus príncipes, os duques da Pomerânia. Ver o mesmo Crantzius (Mandada.,XIV, 35). 130] Cajetan.,

ZZ .g guaesf.



arf.

].

131]Josefo(.4nÉlkü/JadesJudo bas,XV. 5, 3) diz: 'g nU'usfofazer a guenu antes gue fenda suãodec/arado." Ver exemplos desse costume do Jüs gen&ÍuJnem Crantzius (SaxonJa,

XI, 5), em Oderborn(

Hda

de .BasTZdes, 111). Nicetas(livro

111 e V),

censura o turco Chliziastlan e o sérvio Neeman por terem agido de outro modo. 132]Confira-se CÍcero(Pro MureJla, 14, 30) e Aulus Gellius(.M2cfes ,4fÉJbae,XX, 9).

[33] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], Z)e O# aük (1, 11, 36).

1075 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES.TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

após ter reclamado o que vos pertence ou quando foi anunciada antes e

declarada." Um antigo escritor, em ]sidoro [34] , disse de uma maneira menos completa: "A guerra legitima é aquela que se faz em virtude de uma declaração pública, depois de ter pedido o que vos pertence ou para

repelir os homens." Assim é que Tito Lívio [35] disse, na definição da guerra legitima, que a guerra é feita abertamente e em virtude de uma deliberação pública. Depois de ter contado que os acarnanos haviam

ocupadoo território da Anca, diz: "Foi o princípio da animosidade.Depois, chegou-se a uma guerra em regra que as cidades declararam vo-

luntária e publicamente."E36]

yl. Explica-se de modo distinto o que na declaração é de direito natural e o que é próprio do direito das gentes 1. Para bem entender essas passagens e outras semelhantes, onde se trata da promulgação da guerra, deve-sedistinguir com cuidado o que é devido, segundo o direito de natureza, as coisas que não são

devidasnaturalmente, mas que são honestas,as coisas que são requeridas pelo direito das gentes para produzir efeitos próprios ao direito das gentes e as coisas que, além disso, provêm das instituições particulares de certos povosSegundo o direito natural, quando se trata de repelir uma agressão ou de punir aquele mesmo que se tornou culpado, nenhuma decla-

ração é requerida. E o que o éforo Sthenelaidas diz em Tucídides [37]: [34] .Bê7mo/c:gl'a(XV]]], ])

[35]Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó Z:/róeGondlfa(1, 27, 3). 136] Idem, ,4ó C/}.óe (;bndvfa Q(XXI,

14, 10).

[37] Em Tucídides(livro 111.56 e ]ivro 1, 86). O mesmo diz, em seu discurso aos habitantes de Plateias: 'iSagundo o dl)eito acatado em fadas as naçóé$ ópe/mi' üdorec;boçal'agua/e gue nos ataca comoJhJ)algo." Em Diodoro da Sicília (Zrcerpf.

Peirescl). F\an\tn\o :'toldava os deuses e os homens caldo testemunhas que a

guerra barlb sido começadape/o reJ': Acrescente-seo que diz Mariana(XIX 13). A respeito da guerra não'declarada, ver Dexippus (,Ercerpfa Z gaf onum)

!076

H UGO

GROTIUS

'Temos de discutir e abrir processo, porquanto fomos ofendidos por ou-

tra coisa que não por palavras." Latino, em Dionísio de Halicarnassso [38] , diz que "é norma] que aque]e que é atacado rechace aquele que o ataca". E]iano [39] diz, segundoP]atão, que "a guerra que é empreendida para rechaçar uma agressão não é declarada pelo arauto, mas pela natureza." Disso, Dion Crisóstomo, em seu discurso aos habitantes de

Nicomédia [40], sustenta que "a maioria das guerras é empreendida sem dec[aração". Não é por outra causa que Tito Lívio [41] recrimina Menippus, general deAntíoco, por ter matado alguns romanos sem que a guerra tivesse sido ainda declarada ou sem que tivessem sido informados que se chegaria até sacar a espada e derramar sangue, mostran-

do com isso mesmo que uma dessas duas circunstâncias teria podido bastar para justificar sua ação.A declaração da guerra não é mais necessária segundo o direito de natureza, se o proprietário quer põr as mãos sobre o que é seu. 2. Todas as vezes, porém, que se trata de se apoderar de uma coisa em lugar de outra ou da coisa do devedor para o pagamento de sua

dívida e, com maior razão ainda, se alguém quer tomar possedosbens daqueles que são súditos do devedor,uma intimação é requerida, pela qual será estabelecido que é impossível retomar de outra maneira o que

nospertence ou que nos é devido. Essedireito, de fato, não é primário, mas secundário e por sub-rogação, como o explicamos em outro local. Do mesmo modo também, antes que aquele que tem o poder soberano seja atacado em razão de uma dívida ou de um crime de súditos seus,é

[38] Livro 1, 58 [39] ZacÉ. (1)

[40] Oral2'0 mYmZZ [41] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ,4ó [ü.óe Oond7fa (XXXV. 51, 2)

1077 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES' TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

preciso que uma intimação ocorra que o constitua em falta, em virtude

da qual seja considerado causar o prejuízo ou ele mesmo cometer o crime, segundo o que foi tratado por nós antes. 3. Mesmo quando o direito de natureza não prescreve que uma semelhante intimação

tenha lugar é honesto e ]ouváve] fazê-]a [42], a

6lm de que, por exemplo, se abstenha de ofender ou que o crime se expie

pelo arrependimento e uma satisfação dada, segundo o que dissemos (livro lii, cap.XXlll, $ 7) sobre os meios a tentar para evitar a guerra. A

issoserefere também esteverso [43]: "Ninguém jamais tentou em primeiro lugar os extremos." E o preceito (-Z)euéa'onóm70XX, 10) que Deus

deu aos hebreus [44] de convidar à paz uma cidade antes de ataca-la, preceito que, tendo sido dado especialmente a esse povo, é confundido erroneamente por alguns com o direito das gentes. Essa paz não era, de

fato, uma paz qualquer, mas estava subordinada à condição de se tornar súdito e de pagar um tributo. Cito, penetrando no país dos armênios,

antes de fazer qualquer ato de hostilidade, enviou mensageirosao rei para reclamar o tributo e as tropas que Ihe devia em virtude do tratado: ''Pensandoque era agir com mais humanidade do que passar além sem nada avisar", como fala Xenofonte [45] nessahistória. De resto, a declaraçãoé necessária segundo o direito das gentes, em todos os casos, para

produzir essesefeitos particulares, não de parte e de outra, mas da parte de uma das duas partes. [42] Ver Mariana, XXV]1, 3 [43] Lucius Annaeus Seneca [01? a.C.-65 d.C.], .4ga/n/ eno (154) [44] Flávio Josefo(.4nÉiküidades J7isfódcas, 11, 2, 9) escreve: "0 senado os refere,

]nostrando'lhes que não se devia promover a guerra com seus compatriotas, antes de propor suas queixas num diálogo amigável e que também não eram

abrigados a usar desseprazo, porque a lei não permitia marchar com uln exército mesmo contra estrangeiros, qualquer que fosse a injúria perpetrada, sem lhes ter enviado embaixadores para tentar reconduzir os autores da ofensa a intenções mais cornetas.

[45] CJ.r7baedlb (11,4, 32)

!078 H U GO

GROTIUS

VII. Há uma declaração condicional, outra pura e simples 1. Essa declaração, porém, é condicional ou pura e simples. Condicional quando está agregada ao pedido das coisas que se reclama. O direito fecial compreendia, sob o nome de coisas rec]amadas [46], não somente a reivindicação em virtude do direito de propriedade, mas ainda a recuperação do que é devido por causa civil ou criminal, como bem

o exp]ica Sérvio [47] . De onde essaspa]avras nas fórmulas: "Ser devol-

vido, satisfeito, entregue." Nessasproposições,"ser entregue", comoo dissemos em outro local (livro 11, cap. 1, $ 1l e cap. XXI, $ IV), deve ser

entendido com essa reserva: a menos que aqueles que são intimados não prefiram punir e]es mesmos o cu]pado. P]ínio [48] atesta que essa

reclamação de coisas era chamada de reclamação em alta voz. Há uma dec[aração condicional

em Tito Lívio [49] : "E]es se farão justiça eles

mesmos, a qualquer preço, por essainjúria, se aqueles que a cometeram não fizerem reparação."

E em Tácito150] : "Se não entregarem

os

culpados ao suplício, ele levará a cabo um massacre geral." E esseantigo exemp]o, em -4s -Sup/7bqnfó?sde Eurípides

[51], onde Teceu dá ao

arauto as seguintes ordens, enviando-o ao tebano Creonte: "Teceu,que reina sobre as regiões vizinhas [52], rec]ama os mortos para ]hes dar [46] Ver Paruta, ,De ,Be/7o Grpr7a(1); Bizarro(livro

XXlll,

onde fala dos turcos),

Reinking(livro 11,classe111,cap. IV) [47] Comentário sobre a passagem da Ealefda, X, 14.

[48] Natura.]rs Hlkfo!:fa Q(X]i, 2, 12): 'Quando os arautos andados para a /nÉímaçâo aos inimigos, isto é, para recialnar ein alta voz a respeito das coisas levadas, um

de/esera chamadode portador de verbena." Falando da verbena(XXV. 9), escreve\ "E a planta que dissemos que os elnbaíxadores levavam diante deles,

quando se apz'escalaram aos Inimigos."Ver Sérvio, em seus comentários sobre os cantos IX e X da EJ7e/da. [49] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], ..áó [Zróe Oondl'fa (V]11, 23, 7).

[50] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nna]es(1, 48) [51] ..4s ,Sup/üanfes

(385).

[52] Uma semelhante declaração de guerra se encontra em .BaÉracúoinyomacáia

(135) e em Hmpái&ryon(205) de Plauto, no começo.Ver também Cromer, livra

XXI

!079 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES.TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

sepultura. Se isso for concedido, fará com que a nação dos erectidas se torne sua amiga. Se essepedido for atendido por ele, volta para casa. Se não fores obedecido,pronuncia então estas outras palavras: Que espe' rem logo as armas de minha juventude." Papínio [53] diz em seu recato do mesmo fato: "Exige piras para os gregos ou anuncia combates aos tebanos." Políbio154] chama isso de "denúncia de represálias" e os anti-

gosromanos de "fazer saber'

A denúncia pura e simples é aquela que se chama especialmente de declaração ou notificação pública e que ocorre quando a outra parte já praticou atou de hostilidade (é isso o que é chamado em ]sidoro [55] uma guerra feita para repelir os homens) ou ela própria cometeu faltas que merecem uma punição [56] . 2.As vezes a declaração pura e simples segue a declaração condi-

cional, embora não seja necessária,mas que se caracteriza como intensificativa.

])isso provém esta fórmu]a [57] : "Atento que esse povo é

injusto e que não faz justiça."

E esta outra [58] : "Os danos, os ]itígios,

as reparações[59] que o pai patrato do povo romano dos Quírites reclamou do pai patrato e do povo dos antigos latinos, reparações que se devia dar, fazer e quitar e que não foram dadas, nem feitas, nem quita-

das, creio que se deve reclama-las por uma guerra justa e legítima, nisso consinto e aprovo." E esta terceira fórmula: "Os povos dos antigos

[53] Publ us Papinius Statius [45-96], 7%eóals (X]1, 598).

[54] Livro IV. 53

[55] EZylno/og7'a (XV]]], ]). [56] Ver a respeito um exemp]o em Bembo (]ivro VID.

[57]Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó Z:rróeGo](#ía (1, 32) [58] Idem, .4b Z]&.óe aonde'fa(1,

32)

159]Compare:secom a fórmula grega de Dionísio de Halicarnasso eln Excerpta ZegaÜonuln (11)

1080

H uoo GROTlus

latinos agiram contra o povoromano dosQuirites e falhou com ele. O povo romano dos Quirites ordenou a guerra contra os antigos latinos. O

senadodo povo romano dosQuirites decidiu, consentiu, aprovou a guerra contra os antigos latinos. Em decorrência, eu e o povo romano declaramos a guerra ao povo dos antigos latinos e a começo." Nesse caso, como o disse, a declaração não é precisamente necessária, isso resulta

também de que seria regularmente feita à guarnição mais próxima, como julgaram os sacerdotes faciais que haviam sido consultados no negócio de Fi[ipe da Macedânia e depois naque]e de Antíoco [60], em lugar da primeira declaração que deveria ter sido feita ao que era ataca-

do pela guerra. Mais ainda, a declaraçãoda guerra contra Pirro foi feita a um só soldado de Pirro e isso no circo Flamínio, onde esse soldado havia recebido a ordem de comprar um lugar, pela forma como Sérvio [61] o re]ata em seus comentários à Eneida.

3. Isso é também uma prova da inutilidade dessaformalidade

porquemuitas vezesa guerra foi declaradade parte e outra, comoa guerra do Pe[oponesoo foi pe]oscorcirensese os coríntios [62], enquanto basta que seja declarada por uma das duas partes.

VIII. Que coisas, nas declarações, são de direito civile não do direito das gentes Pertencem ao costume e às instituições de alguns povos, não ao direito das gentes: o caduceu, entre os gregos [63] ; as p]antas sagradas

e a espada de madeira cor de sangue, entres os equícolas antes e, a seu 160] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z:4.Ée Gond7#a (XXX],

8, 3)

[61] Comentários à .Ehe/da(]X, 52) de Virgí]io. 162] Tucídides, livro 1, 9

[63] Com PIÍnio(JyaftzJ«aJJS J7z'sfor7a, XXIX, 3) se sabe a origem do caduceu,bem como com Sérvio, por seus comentários(IV. 242) à Ene/da VIII.

1081 CAPÍTULO 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES. TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

exemplo, entre os romanos; a renúncia à amizade e à aliança, se havia,

depoisde trinta dias solenesdesdeas rec]amações[64] ; o ]ançamento reiterado de um dardo e outras formalidades do mesmotipo, que não se deve confundir com aquelas que são propriamente

do direito das gentes.

Arnóbio [65] nos informa que, em seu tempo, uma grande parte dessas cerimónias não eram mais usadas e mesmo, na época de Varrão [66], algumas eram colocadasde lado. Aterceira guerra púnica foi declarada e começadaao mesmo tempo. Mecenas, em Dion [67], quer que a]gumas dessasformalidades sejam próprias de um Estado popular.

IX. A guerra declarada a alguém é declarada ao mesmo tempo a seus súditos e a seus aliados, enquanto seguemseu partido A guerra declarada para aquele que tem o poder soberano sobre um povo é considerada declarada ao mesmo tempo, não somente a todos

os seus súditos, mas a todos aqueles que poderão se juntar a ele na qualidade de aliados, como sendo uma dependência dele mesmo. Isso é o

que dizem os juristas modernos que, quando o príncipe foi desafiado, seusaderentes são desafiados [68]. Dec]arar a guerra, e]es chamam isso: desafiar, o que deve se entender dessa guerra mesmo que é feita contra aquele a quem foi declarada; é assim que a guerra, tendo sido declaradaaAntíoco, não pareceu conveniente que fossedeclarada sepa-

[64]Ver Sé;i;ia, comentário à Zne/da JiK õâ Amiano (X]X, 2, 6), com a nota do erudito Lindenborg sobre essa passagem.

[651Arnobius [séc.]]] d.C.], DuspufaüonesadversasNaf/pães (11,67) [66] Marcus

Terentius

Varro Reatinus

[116-27 a.C.], .De .[ahgua Z,aÉ/ha (]V)

[67] Ver Barbeyrac, na tradução francesa. U68Ã Bald., ad legein 2, Cod., De servis, ]].' 70.

!082 H UGO

GROTI

US

radamente aosetólios, porque essessehaviam abertamentejuntado a Antíoco. "Os etólios se declararam a guerra a si mesmos", diziam os sacerdotes feciais [69] .

X. Não enquanto são considerados em si mesmos Essa guerra, porém, tendo terminado, se em razão do auxílio fornecido um povo ou outro rei devam ser atacados para que os efeitos do direito das gentes tenham prosseguimento será necessária nova de-

claração. Então, de fato, não se consideraram mais como um acessório, mas como alguma coisa de principal. Por isso é que foi dito com razão

que a guerra de Man]io contra os ga]o-gregos [70] ou de Casar contra Ariovisto não havia sido legítima segundo o direito das gentes. Não

eram mais, de fato, atacadoscomoum acessóriode uma guerra de outro, mas eles o eram de modo principal. Por isso, do mesmo modo que

em vü'tude do direito das gentes era necessária uma declaração, assim

também em virtude do direito romano era necessáriauma ordem nova do povo romano. O que havia sido dito na proposição de fazer a guerra

contra Antíoco "Quereriam, ordenariam que a guerra fosse engajada com o reiAntíoco

e aque]es que seguissem seu partido" [71] e a fórmu]a

que foi observada na decisãotomada contra o rei Perdeu [72], isso pare'

ce dever ser entendido de todo o tempo em que a guerra haveria de existir com Antíoco ou Perdeu e daqueles que se imiscuiriam efetivamente nessa guerra.

169]Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó Z://óeGo/zdlfa(XXXV], 3, 11). [70] Ou a guerra dos companheirosde IJlisses contra os ciconianos que haviam outrora socorrido Príamo e dos quais fala Homero(Otíísséü, IX, 39); e sobre isso, Dídimo [71] Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó apõe Oondlfa (XXXV],

[72] Idem, .4ó CÜ.óe aon(#fa(XLl1,

31, 2)

1, 5)

1083 111- DA GUERRA JUSTA OU SOLENE. SEGUNDO O DIREITO DAS GENTES.TRATA-SE TAMBÉM DA DECLARAÇÃO DE GUERRA

xl. Razão pela qual a declaração é exigida para certos efeitos Quanto à razão pela qual as nações exigiram uma declaração para essa guerra que dissemos ser legítima em virtude do direito das

gentes,não foi aquela que a]egam a]guns autores [73] , a saber, que era preciso impedir de agir clandestinamente ou por dolo. Isso, de fato, se relaciona mais à superioridade das forças que ao direito. Assim é que se lê que certas nações davam a conhecer de antemão o dia e o lugar do combate [74] . Foi querido que fosse estabelecido de uma maneira certa

quea guerra é feita não comoum golpedeousadiaprivado, maspela vontade de um e de outro povo ou dos chefes do povo. Disso surgiram efeitos particulares que não ocorrem nem na guerra contra bandidos, nem naquela que faz um rei contra seus súditos. Por isso Sêneca [75] disse, fazendo uma distinção: "As guerras declaradas aos povos vizinhos ou feitas aos cidadãos...'

XII. Esses efeitos não se encontram nas outras guerras O que observam a]guns autores [76] e o que ensinam por exemplos, que mesmo em semelhantes guerras as coisas capturadas se tor-

nam propriedade daqueles que as tomaram, é verdade, mas com relação somente a uma das duas partes. Isso em virtude do direito natural,

não em virtude do direito voluntário das gentes, como sendo um direito

[73] Alberico Gentili, livro ], cap. 2.

[74] Como os romanos fizeram com re]ação a Porsenna, como o re]embra P]utarco em H'da de Pub#co/a(105 C). Os turcos acendemgrande número de fogos, dois dias antes do combate(Chalcocondylas, VII)

[75] Lucius Annaeus Seneca[ol? a.C.-17 d.C.], .Z)e]ra (111,2)

l76IAyala,livrol,cap.5

!084

H UGO

GROTIUS

que não provê senão aos interesses das nações e não ao interesse daqueles que estão sem nação ou que são uma parte da nação. Eles se enganam [77] igualmente

ao pensar que a guerra empreendida

para se de-

fender ou proteger seu bem não tem necessidade de uma declaração, pois ela tem realmente necessidade dela, não sem dúvida por considerar a coisa em si mesma, mas em vista dos efeitos de que começamosa falar e que explicaremos logo.

XIII. Se a guel'ra, desde que declarada, pode ser feita Não é tampouco verdade que não se possa começar as hostilidadeslogo após a guerra declarada, o que fizeram Cito contra os armênios, os romanos contra os cartagineses, assim como dissemos antes. A de-

claração não exige tempo algum após ela, em virtude do direito das gentes. Pode, contudo, ocorrer que, em virtude do direito natural, algum intervalo de tempo seja requerido, segundo a qualidade do negócio; por exemplo, quando objetos foram reclamados ou que uma punição foi pedida contra um culpado e que issonão tenha sido recusado.Então, de

fato, o tempo deve ser dado para que o que foi pedido possaser feito comodamente.

XIV Se se deve declara-la a quem violou o direito de embaixada Se é o próprio direito dos embaixadores que foi violado, não será

uma razão, contudo, para que não seja necessária uma declaração, em vista dos efeitos de que falo, mas basta que seja feita com segurança, isto é, por cartas. Do mesmo modo, a mais, porque as citações e denúncias são habitualmente feitas em lugares pouco seguros.

[77] Alberico

Gentili,

]ivro ]], cap. 2

lv

DO DIREITO

DE MArrAR OS INIMIGOS

NAGUERRASOLENE E DE OUTRASWOLENCHS CONTRAOCORPO

Sumário 1. Exposição gera! dos efeitos da guerra solene.

11.Apela vra "permitir" se distingue entre o que tem lugar íinpunemente, não todavia sem quehaja falta, e o queéísento de falta, mesmo se a abstenção desse fato fosse um ato de vii'rude; exemplos a respeito. !11. Os efeitos da guerra solene, considerados em sua generali dado, se relacionam ao que épermitído com impunidade. IV Por que tais efeitos foram introduzidos?

U Testemunhosrelativos a essesefeitos. rl. Em virtude desse dü'eito é que se mata e se Jnaltrata todos

a queres que estão nas fronteiras dos inimigos. Vlí. Que decidir, se ocorreram antes da guerra?

VIII. Os súditos dos inimigos são maltratados em qualquer lugar que seja, a menos que a !ei de um território estran' Beira ponha obstáculo.

IX. Esse düeito(3.e maltratar se estende mesmo contra crianças e m ulheres.

X. Mlesmocontra osprisioneiros e em qualquer tempo. XI. Mesmo contra aqueles que querem serender e quenão sao aceitas. XII.

Mlesmo

c\ ntra

U se renderam incondicional J â e aqueles que

mente. Xlli.

De modo erróneo esse direito é ligado a ou l;ras causas

como ao talhão, à obstinação da defesa XIV. Estende-se

também

contra

os reféns.

X\( Em virtude do direito das gentes,éproibído levar à morte alguém por en venenamen to.

XVT. Proibido também infectar de veneno as armas ou as águas.

XVIII. Não éproibido alterar as águasde outro modo. XVIII. Se é contra o direito das gentes serva'-se de assassinos; distingue-se. XIX. Se os estupros são contra o düeito das gentes.

1087 CAPÍTULO IV- DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLEN E E DE OUTRAS VIOLENCIAS CONTRA O CORPO

1.Exposição geral dos efeitos da guerra solene Apropósito

deste verso de Virgí]io]]]

"Então será permitido

lutar

com ódio e apoderar-se dos despojos", Sérvio Honorato, depois de ter feito se originar deAnco Márcio o direito fecial e mais antigamente dos equÍcolas, assim se exprime: "Se acontecesse que homens ou animais

fossemsubtraídos por alguma nação ao povo romano, o próprio pai patrato se punha a caminho com os sacerdotesfeciais, isto é, com os sacerdotes que presidem à conclusão dos tratados, e colocando-se junto

àsfronteiras, proclamava em alta voz o motivo da guerra. Com a recusa de restituir

os objetos raptados ou os autores da ofensa, lançava um

dardo que marcava o início das hostilidades. A partir desse momento era permitido apoderar-se dos bens, segundo o costume da guerra." Havia

dito antes que os anciãos chamavam o fato de causar dano, "apode-

rar-se", mesmo que não se fosse tornado de modo algum culpado de rapina. De igual modo,chamavam "restituição" o fato de dar uma satisfação. Somos informados por isso que há certos efeitos próprios de uma guerra declarada entre dois povos ou seus chefes [2], efeitos que não são uma conseqüência da natureza mesma da guerra, o que concorda muito bem com as passagens que citamos, antes, dos jurisconsultos romanos.

11.A palavra "permitir" se distingue entre o que tem lugar impunemente, náo todavia sem que haja falta, e o que é isento de falta, mesmo se a abstenção desse fato fosse um ato de virtude 1. Esta expressão "será permitido" que Virgílio usou, vemos até onde se estende. As vezes, de fato, se diz "permitido" o que é bom sob todos os aspectos e honesto, mesmo que se pudesse por acaso fazer algu-

[[] Pub[ius Vergi[ius

[2] Cràntzius,

Mare

Sexo/lib.(XI,

[71-19 a.C.], .EneJda (X, 14)

5)

1088 H UGO

GROTI

US

ma outra coisa de mais louvável. Reveste-se dessa característica esta passagem do apóstolo Paulo é7C;b/:zhÉüsVI, 12): "Todas as coisas (isto é

do tipo daquelas que havia começadoe das quais precisava continuar a

falar) me são permitidas, mas todas não sãovantajosas para mim." Assim é que épermitido contratar um casamento,masé mais louvável a castidade [3] do ce]ibato observada por um motivo piedoso, comoAgos-

tinho[4] o desenvo]ve para Po]]entius, seguindo o mesmo apóstolo. Tam-

bém é permitido casar de novo, mas é mais louvável se contentar com um só casamento, como C]emente de A]exandria [5] define com razão sobre esse assunto. Um esposo cristão pode licitamente

repudiar sua

esposa pagã, como pensou Agostinho [6] (aqui não é o ]ugar para exami-

[3]

Tertu[iano

(.4dversus

]Uarc

o/ em,

1, 29)

diz:

':AUo

Áá

assunto

a er7far

se a

pe/zi7Jssâoáor fl>ada."Ver sobre esseponto e sobre a liberdade de fugir numa perseguição o mesmo autor (.4d Uxorem, ]). Jerânimo (.4d ]7b/r]'d]um, ]n Z)e

Perpetua Virginitate, 'Z\] àiz. "Uma virgem tem vm mérito maior, porquallto

despreza uma coisa que poderia fazer sem pecar." D\z aXnüatAdversus Jovinianum, \, \2). "Foipor isso que Cristo prefere as virgens que fazem o que não /Zes áozarde/dado." Em outro local(.E» kfula adPam/naco/tzm, 48) diz ainda: As gra1ldes açõessão sempre deixadas à vontade daquele que as faz. A necessidade não !hes é imposta, para que sua volltade colha a recompensa." 3oão Crisóstomo, em comentários à / Co/:úf70s }77(J?bmi/la XIX, 2) demonstra que ã castidade é n2elhor". B no comeu\âx\o õ. Epístola aos Radianos Vl1, 6 ÇHomiiia

Xl1, 4à à\z. "Ele nos ameaçou de castigo, se não obedecêssemosa seus preceitos

e mostrou que o que ele ordeJlanão se refere ao número dessas coisas que se pode praticar ou não à volltade, como a virgindade e a l.enúncia voluntária aos

bens destemulldo, mas que se deverigorosamente cumprir." Bm seu segubào discurso sobre o jejum(.De Poe/l feJlíla, VI, 3), escreve: 'De kou a conf7bénc/a

virginal fora da are1la,deixou acima da }ei da luta, a 6m de que aquelesque praticam esta vü'tude mostrem com isso a grandeza de sua alma e que aqueles gae nâo a prnélbam gozem da 2hdlz.Cgêncyb do.Senáoz" E o que aplica logo após a renúncia aos bens deste mundo. Acrescente-se as citações que Graciano faz de Agostinho e de outros em (huna XZV quaesílb / 14] Z)e 4du/fer2h s aonyug])à

.4d Po/7e/7ZI'u/ZJ(1, 18)

[5] Em Süo/nafeo/z (111,12, 82) diz, entre outras coisas, a respeito do que contrai segundas núpcias: '?Uãopeca, na Herda(7qco/ a a a/]b ]ça d7r7ha,pois 2ão]zá !e{ que o proíba, mas não realiza o grau excelente de perfeição da vida evangé!ica l61 Z)e .4du/fer7hJk aonpug])b, .4d -f)o#e/zézu/n(livro 1, cap. Xlll

e XVlll

e ainda cap. l,

15). Muitas coisas a respeito Graciano transcreveu em Causa mZZZ

/

quaesÍ2b

1089 CAPÍTULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRA O CORPO

nar em quais circunstâncias isso é verdade), mas pode também conserva-la. Por isso, Agostinho acrescenta que "um e outro são na verdade

permitidos igualmente pela justiça que é diante do Senhor e que é a razão pela qual o Senhor não proibiu nenhum desses dois partidos, mas que um e outro não são vantajosos". U]piano [7] diz do vendedor a quem é permitido entornar o vinho, após a expiração do prazo assinalado: "Se

contudo podendo entor-ná-lo, não o faz, é realmente louvável." 2. Outras vezesuma coisa é dita permitida não porque ela pode ter lugar sem prejuízo da honestidade e das regras dos deveres, mas porque, entre os homens, e]a não está submetida a uma pena [8] . Assim

éque,entre muitos povos,é permitido freqüentar cortesãse que entre oslacedemânios e os egípcios era até permitido roubar. Há em Quintihano [9]: "Certas coisas não são naturalmente

louváveis, mas são concedidas

pelodireito. Na lei das Xll Tábuas, por exemplo, foi permitido que o corpodo devedor fosse dividido entre os credores." Esse significado da expressão "ser permitido"

é menos própria, como o observa bem Cícero

[i0], no ]ivro V das 7bsauJnnas, falando de Cinna: "Parece-me ao con-

trário infeliz, não somente porque fez essascoisas, mas porque se conduziu de maneira como Ihe fora permitido fazê-las, embora não seja

111L. 1, $Licet, Díg., De peric. et com. rei vend. l81Em sua exortação à castidade, Tertuliano diz que 'h pe/missão expõe a ma 'ar parte do tempo à tentação de viciar as regras do Evangelho". No mesmo \oca\

à\z. "'l'udo é permitido, mas tudo nãc é para a salvação."3oão C \s6stomoÇDe Poenitentla,'V\ll,

Sbesc ewe "Aquele que se nutria de ervas e de meiseivagem

diz com autoridade ac que tinha o costume de se ver serüdo junto a uma mesa esplêndidae rea!: Isso não te é permitido! E, no entanto, tudo parece ser permÍ' fado ao ruJ: " Segundo Columella(Z)e

Xe .Rusüaa, 1, 7), 'hão se deva se prova/ec'er

de tudo o que é pernlítido, pois os antigos pensavam que c direito levado ao exüemo á um gra ?depe/:Üo': Jerânimo(,4d Innoce11É2um, 1, 14) diz: "0 dúeífo !evado ao extremo é verdadeiramente uma grande maldade.

[9]Marcus Fabius Quinti[ianus [30?-100?],.De/nsÉlfuf/0/7eOraforua(111,6, 84). 1101Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], 7bscuJanaeDyspuóaÉlones (V. 19, 55)

1090

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GKOTiUS

permitido a ninguém pecar, mas somoslevados por um erro de lingua-

gem, pois dizemosque uma coisa é permitida porque a toleramos eH cada um." Esse significado é detectado, contudo, como menos próprio

quando o mesmo Cícero [11] se dirige assim aosjuízes, em favor de Rabirius Posthumus: "Deveis considerar o que é de vossa honra fazer e

não a extensão do que vos é permitido. Se procurais o que vos é permitido, podeis suprimir do Estado quem quereis." Assim é que todas as coisas são ditas permitidas aos reis porque são isentos das punições humanas, como o dissemos alhures (livro 1, cap. IV. $ 11).Claudiano

[12], porém, instruindo um rei ou um imperador, diz muito bem: "Que não seja o que te é permitido, mas o que será digno de ti ter feito que se oferece a tuas considerações." M]usonius [13] censura "os reis que têm o hábito

de dizer

Isso /ne ópennJfldo

e não Jkso ó digno de m.ím'{

3. Vemos que se opõe muitas vezes nesse sentido o que é permiti-

do e o que é preciso, como foi feito mais de uma vez por Sêneca [14], em

suas ConÉrovóyszbs. An\iano Marce]ino [15] diz: "Há coisasque não se deve fazer, mesmo se é permitido fazê-]as." P]ínio em suas Ca/'óas[16] .diz: "Deve-se evitar as coisas que não são honestas, não como sendo proibidas, mas como se fossem honestas." O próprio Cícero [17] diz, em

seu discurso para Bambo:"Há, de fato, alguma coisa que não se deve,

ltl]

Idem, Pro a .Raó r7c, Posfumo

[12] C[audius

C[audianus

(5, 11).

[séc. ]V d.C.], Z)e /y Cbulsu/nfu ]?bnor77 (267 e seguintes)

[t3] Estobeu, 48, 14

[14] Marcus Annaeus Seneca [ 58 a.C 32? d. C.], Gonfrovers ae (]V. 24), entre outras passagens. [15] Livro XXX, 8, 8. [16] Caius P[inius Caeci[ius Secundus [62-114], @ isfuJae (V. 13). [17] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43 a.C.], />o .LucT'o.Ba/bo OraÉÓ (3, 8)

1091 CAPÍTULO IV - DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRA O CORPO

embora seja permitida." O mesmo, em seu discurso para Mi]o [18], distingue "o que é lícito" à natureza, às leis "o que é permitido". declamação de Quintiliano

Numa

[19] , há que uma coisa é ter respeito às ]eis

civis e outra coisa ter respeito pela justiça.

lll. Os efeitos da guerra solene, considerados em sua generalidade, se relacionam ao que é permitido com impunidade Dessamaneira, pois, é permitido a um inimigo público prejudicar a seu inimigo, tanto em sua pessoaquanto em seus bens. Isso quer dizer que é permitido não somente àquele que faz a guerra por uma causa legítima e que prejudica no limite que dissemos no começo desse

livro (livro 111,cap. 1, $ 11)ser concedidopela natureza, mas é permitido dos dois lados e indistintamente, de modo que aquele que foi por acaso preso em outro território pode ser, por esse motivo, punido como homicida ou como ladrão e que a guerra não pode ser feita por um terceiro a

respeito dessefato. Lemos nesse sentido em Sa]ústio [20] : "... a quem

todasas coisasforam permitidas na vitória, pelo direito da guerra..

IV Por que tais efeitos foram introduzidos? A razão pela qual isso agradou às naçõesfoi a de que querer definir entre dois povossobreo direito da guerra seria perigosopara os outros povos que, por esse meio, se encontrariam implicados na guerra

de outrem. Assim é que os massilienses, na causa de César e de

[18] [dem,' Pro 7b2yo .4nJlib ]]Zz7ole(16,

43).

[19] Marcus Fabius Quinti[ianus [30?-100?] , Dec/an7aóones iUapbros ef ôlho/es (251) [20] Caius Sa[[ustius Crispus [86-36 a.C.], .4d pesarem, .De -RePuóJiaa (11,4, 1)

1092

H UGO

GROTI

US

Pompeu [21], diziam que não eram competentes nem bastante fortes

para decidir qual dosdois partidos tinha a causamais justa. Aseguir, é que, mesmo numa guerra legítima, não é possível conhecer pelos indí-

cios externos qual ojusto limite concedidopara se defender,recuperar seu bem ou infligir um castigo. Por isso pareceu mais vantajoso abandonar essaapreciação à consciência dosbeligerantes que apelar a arbi-

tragens estrangeiras. Os habitantes daAcaia, no discurso ao senado, reproduzido por Tito Lívio [22] , exc]amam: "A qua] propósito vêm colocar em discussão o que foi feito segundo as leis da guerra?" Independentemente desse efeito de permissão, isto é, de impunidade,

há ainda ou-

tro, a saber, um efeito de propriedade, sobre que falaremos mais tarde.

V l.bstemunhos relativos a esses efeitos 1. Essa permissão de prejudicar que começamos agora a tratar se estende em primeiro lugar às pessoas. Numerosos testemunhos exis-

tem a respeito nos bons autores. Há um provérbio grego, tirado de uma tragédia de Eurípides [23] : "Certamente, quem tiver matado seu inimigo é inocente." Por isso é que, segundo o costume antigo dos gregos, não

era permitido se banhar, beber e mais ainda celebrar sacrifícios com aqueles que tivessem matado fora da guerra. Com aqueles que tives-

sem matado na guerra, isso era permitido. Em muitos lugares, matar é chamado

de direito

da guerra.

M]arce]o diz em T]to Lívio

[24] : "Tudo o

que fiz contra os inimigos, o direito da guerra ojustifica." No mesmo

[21] Caius Ju[ius Caesar[[O1-44a.C.], Z)e.BagoClr7» (1, 35). [22] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4b Z]/róe C0/7d)Éa (XXXIX,

36, 12)

[23] áon (1334) [24] Titus

Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4b Z:/róe OondJ'Éa (XXVI,

31, 9).

1093 CAPÍTULO IV- DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRA O CORPO

historiador

[25], A]con diz aos sagontinos: "Penso que seria melhor so-

frer essetratamento que vos deixar massacrar,que ver tirar e arrastar diante de vós vossas mulheres e vossos filhos, vítimas do direito da guerra." O mesmo [26], depois de ter relatado alhures que os habitantes

deAstapa haviam sido mortos, acrescenta que isso foi feito pelo direito

da guerra. Cícero,falando para Dejotarus [27], diz: "Por que teria sido vossoinimigo porquanto podendo mata-lo como poderíeis tê-lo feito pela lei da guerra, se lembrava ao contrário que o havíeis feito rei, ele e seus

filhos?" E para M. Marce]o [28] : "Como nos tivésseis destinado todos

legitimamente à morte, segundoa lei da própria vitória, fomosconservadospor uma decisãode vossaclemência." César [29] faz compreender aoseduenses que "foram salvos por uma graça que lhes foi concedida, a

elesque poderia ter condenadoà morte pelo direito da guerra". Josefo [30] diz na guerra dos judeus: "É belo morrer na guerra, mas segundo o

direito da guerra, isto é, o vencedor vos tirando a vida." Papínio [31] diz: 'Nós não nos queixamos de que tenham sido mortos, pois essassão as leis da guerra [32] e as vicissitudes das armas."

[25] Id;m, .4ó apõe Cona)fa (XXI, 13, 8)

[26] Idem, .4b Z]i}.óeaondlfa(XXVl11, 23). [27] Marcus Tullius Cicero [106-43 a.C.], Pro J? ge De?bfaro (9, 25) [28] idem, .fbo ]t/ ]Ua/cei7o(4, 12) [29] Caius Julius Caesar [lO1-44 a.C.], De .Bebo GaZ/lco(Vl1, 41). [301 F[ávio Josefo [30?-100?], quer/'as Judaicas (111,8, 5) [31] Pub[ius Papinius Statius [45-96], TZeóa/s (X]1, 552). [32] Sérvio, no comentário

à Elle/da

/Z 538(.Ercerpí,

,Zh/dons.),

diz:

'2:boro /zavla

matado Ponto pelo direito da guerra, mas por que mata-lo à vista de seu pai?' Spartianus, em Wda de Severa(14), escreve: ':4/á]] pague/es que o ab'e/lo da

guerra levou.

1094

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GROTIUS

2. Surgem outras passagensàs vezesquando essesautores falam do direito da guerra, não entendem um direito que isente o ato de toda falta, mas uma impunidade, como a descrevi. Tácito [33] diz: "Em paz, cada um é tratado segundo seu mérito e suas obras. Uma vez a guerra iniciada, o inocente perenecom o criminoso." O mesmo [34] diz

em outro local: "A moral não lhes permitia honrar um tal assassinato. nem a lei da guerra de o punir." Não sedeveentender de outro modoo direito da guerra pelo qual os gregos se abstiveram com relação a Enéias

e a Antenor, como o re]embra Tifo Lívio [35], porque sempre haviam aconse[hado a paz. Sêneca [36] diz, na tragédia H'Dados."Tudo o que quis fazer é permitido ao vencedor." Em suas cartas [37] : "Os atou que se pagaria

com a cabeça se fossem clandestinos,

os preconizamos

come-

tidos em traje mi]itar" [38] . Cipriano [39] diz também: "0 homicídio, quando os privados o cometem, é um crime; chama-se virtude, quando é cometido por autoridade pública. Não é a consideração da inocuidade, mas a intensidade da crueldade que confere a impunidade aoscrimes." Depois: "As leis estão de acordo com os pecados e o que é autorizado pelo

poder público começaa ser ]ícito."Assim é que Lactâncio [40] diz que os

romanoshaviam feito [egitimamente injustiças. E Lucano [41] não disse em outro sentido: "0 crime sancionado. . ."

[33] Caius Corne[ius Tacitus (55-120],.4n/lajes(1, 48)

[34] Idem,J7hfanbe(111,51) [35] Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó [/róe Gondlfa (1, 1, 1) [36] Lucius

Annaeus

Seneca [01? a.C.-65

d.C.],

7}qoades (344)

137] Idem, .EbJsfuJaead Zuc Du/?i (XCV. 31).

[38] Confira-se quanto dito no livro 11,cap. 1, $ 1 [39] .1b])fujam (11,6)

[40] Caeci[ius Firmianus Lactantius]séc. ]V d.C.] , Duu2J2aJ«UJ?2 ZnsÉlfuÚo/lu/n(V] 4)

[41] Marcus Annaeus Lucanus [séc.] d.C.], .f)%arsa/la(1, 2)

9

1095 CAPÍTULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLENCIAS CONTRA O CORPO

yl. Em virtude desse direito é que se mata e se maltrata todos aqueles que estão nas fronteiras dos inimigos Essedireito de permissão se estende muito. Primeiramente, não compreende somente aqueles que, de fato, levam armas ou que são os súditos daquele que suscitou a guerra, mas mesmo todos aqueles que estãonas fronteiras dos inimigos, o que se torna evidente pela própria 6rmula que se encontra em Tito Lívio [42]: "Que seja inimigo, assim comotodos aqueles que estão nos lugares de sua jurisdição." A razão dissoé que se pode também apreender algo de mau de sua parte, o que

basta numa guerra contínua e geral para que ocorra o direito de que tratamos (livro 111,cap. 11,$ Vll). Ocorre diversamente nas represálias que, como dissemos, foram introduzidas

a exemplo dos encargos impos-

tos para pagar as dívidas do Estado. Por isso não se pode ficar maravi-

lhado se,o que é observado por Ba]do [43] , há muito mais permissão na guerra que no direito de represália. Do mesmo modo, o que acabo de

dizer não mostra diBculdade a respeito dos estrangeiros que entram nas terras do inimigo depois que a guerra foi declarada e que são captu' Fados.

VII. Que decidir se ocorl'eram antes da guerra? Para aqueles que aí estavam desde antes da guerra, parece que, segundo o direito das gentes, devem ser considerados do partido do ini-

migo,depoisda expiraçãode um curto intervalo detempo durante o qua[ teriam podido se retirar]44] .Assim é que, de fato, a ponto de sitiar

[42] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:&.óeOondlfa (XXXV]11, 48, 9)

t43ÀAd regem5, Dig., ])e Justitia. [441 Bembus, JDsf. (livro Vll). Cícero (P7a Zlkanb, 2, 4) se serve desse meio de defesa em favor' de Ligaria. Em Tito Lívio(ÁÓ C/róe Go ?dl'ía, XXV. 22, 11) há um exemplo sobre os cidadãos campanos. Há outros em Tucídides (livro l e V)

1096

H uco

GROTIUS

Epidama, os corcirenses davam primeiro aos estrangeiros a faculdade de se retirar, declarando-lhes que se, de outra maneira, seriam conside-

rados como inimigos [45].

VIII. Os súditos dos inimigos sáo maltratados em qua[quer [ugar que seja, a menos que a ]ei de um território estrangeiro ponha obstáculo 1. Quanto àqueles que são verdadeiramente

gos, isto é, que o são a título permanente,

os súditos dos inimi-

é permitido

por esse direito

das gentes prejudica-los em qualquer lugar que seja, se considerarmos sua pessoa. Quando a guerra é declarada a alguém, ela é ao mesmo tempo declarada aoshomens dessepovo, comoo mostramos antes (livro 111,cap. 111,$ Vl1, 2) na fórmula da declaração, bem como naquela da deliberação: "Quereriam, ordenariam que a guerra fosse declarada ao rei Fi[ipe e aos macedónios que estariam sob sua autoridade?" [46].

Aquele que é inimigo pode ser atacado em qualquer lugar que seja, segundo o direito das gentes. Eurípides [47] diz: "As ]eis da guerra per' mitem fazer o mal ao inimigo em toda parte em que for surpreendido." O jurisconsu[to Marciano [48] diz: "É permitido matar os trânsfugas em toda parte em que forem encontrados, como se fossem inimigos. 2. Podem, pois, impunemente, ser condenados à morte em seu

próprio território, no território inimigo, num território que não pertença a ninguém, no mar. A respeito, porém, do que não é permitido mata-los ou ataca-los num território neutro, esseprivilégio não vem de sua

[45] Tucídides (livro 1, 26) [46] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4b Z:rrÓeCo Jdlóa (XXX], 6, 1) [47]

.f$agme/7fa

(1076).

lç8Àh 3, in fine, Dig., Ad Lerem Cornelíam, de sícariís.

]

CAPÍTULO IV-DO

DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLENCIAS CONTRAO CORPO

própria pessoa, mas do direito daque]e que possui aí a soberania]49] . As

sociedadescivis puderam estabelecerque não será permitido usar de violência contra aqueles que se encontram num território determinado, a não ser tomando as vias da justiça, como o mencionamos, Eurípides [50] : "Se levantas

seguindo

alguma acusação contra esses hóspedes,

pedirás justiça, mas tu não os arrancarás daqui pela força." Onde os tribunais estiverem em vigor toma-se em consideração o que merecem

osindivíduos e secessade aplicar essedireito indistinto de prejudicar que dizemos ter sido introduzido

nas relações dos inimigos entre si. Tito

Lívio [51] re]ata que setetrirremes doscartagineses estavam num por' to do Estado comandado por Sifax que, nessa época,estava em paz com os cartagineses e os romanos, que Cipião aí havia chegado com duas trirremes e que teria podido ser destruído pelos cartagineses antes de entrar no porto, mas que um golpe de vento os jogou no porto antes que os cartagineses tivessem levantado âncoras; apesar disso, os cartagineses

nãotinham ousadotentar nada no porto do rei.

IX. Esse direito de maltratar se estende mesmo contra crianças e mulheres 1. De resto, para retornar a meu assunto, compreende-seaté ondese estende essa permissão pelo fato que o massacre das crianças e das mulheres ocorre também com impunidade e que está compreendido [49] Compare:secom o que será dito no cap- V], $ XXV], e A]berico Genti]e em HJspan. 4drocaf. (]ivro ], cap. V]), além de Wechner, Co/Jsl7.Fra/7con.(92) [50] J7erac/J'des (251).

[51] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó C//óe Cbndífa (XXV]11, 17, 12). Ver em

Chalcocondylas(livro IX) um fato semelhante dos venezianos que impediram que os gregos fizessem algum mal aos turcos, num porto sob a administração de Veneza.Ver o que se fez em Tunis com relação aos venezianos e aos turcos, em Bembus(]7Jif., em Bizarro

(Z)e

livT'o IV) e na SicÍlia, com relação aos pisamos e aos genoveses, .Be/7o .F'fsano).

Rostoch e Gripswald

Ver

também

Paulinus

(GofÉÜ.)

a respeito

de

1098

H UGO

GROTIUS

nesse direito da guerra. Não lembraria aqui que os hebreus condenaram à morte as mulheres e as crianças dos hesbonitas (-Deusa'om(anJO

11,34) e que o mesmo tratamento é ordenadocontra os cananeus (.DeuferonÓmJO XX, 16) e contra aqueles cuja causa estava ligada àque[a dos cananeus]52]

. Essas são obras de Deus, cujo poder sobre os ho-

mens é maior que aquele dos homens sobre os animais, como o descrevemos em outro local (livro 11,cap. XXI, $ XIV). O que é dito no salmo (SnJlno 137, 9), que será feliz aquele que esmagará contra as pedras os

filhos dosbabilânios, é mais próprio para fazer conhecero costume comum das nações.A isso se refere este verso de Homero [531:"... E os corpos dos filhos rasgados por sobre a terra, enquanto o feroz Marte subverte tudo. . .

2. Os habitantes da Tlráciaoutrora, depoisda tomada de Micalesso, condenaram também à morte as mulheres e as crianças, segundo o relato de Tucídides [54]. Arriano [55] re]ata a mesma coisa dos macedónios, quando tomaram bebas. Os romanos, depois da toma-

da de llurgo [56], cidade da Espanha, "massacraram sem distinção, mesmo as mulheres e as crianças", segundo pa]avras de Apiano [57].

[52] Como os ama]ecitas, de quem fa]a Josefo em .:lnt gú Jades Judaicas (VI, 7, 2),

na história de paul: '7bzpassar ao ála da espada,mesmo as mu/Barese as =ríanças, não pensando em cometer um ato de crueldade ou contrário à 1latu-

reza humana, primeiramente porque eram inimigos que ele tratava assim, [53] JZüdn(XXl1, 63). Severo(Xiphi]inus, LXXVI, 15) se serviu, contra oshabitantes

da Grã-Bretanha. dessasmesmaspa]avras tiradas de Homero (]»bda, VI, 58) Que o alho escolldido no seio de sua mãe não escapede seus cruéis destinos.

[54]Livro 1, 29 [55] Z)e .UrpedlÉ. ,4/exaJldr2'(1,

8)

[56] Cipião fez a mesma coisa depois de ter tomado Numância. Os soldadosde Juliana mataram as mulheres da cidade de Daciris, nela deixadaspelos ho-

mens (Zósimo. 111,15) O mesmo Juliana, tendo tomado a cidade de Majozamaltha, segundorelato de Amiano (XIV, 4, 25), agiu 'bensd)Élnçáo de sexo nem de idade e toda o que o ímpeto dos soldados encontrava em sua passagem, sua cólera degolava. [57] Hisp. (32)

1099 CAPÍTULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLENCIAS CONTRAO CORPO

Em Tácito [58] , se conta que o imperador

Germanicus havia devastado

pelo ferro e pelas chamas os povoados dos marsos, um povo da Germânia, e acrescenta-se que "nem o sexo, nem a idade encontraram

piedade'

-l'ito fez dilaceram, num espetáculo, pelos animais ferozes, as próprias

crianças e as mulheres dos judeus. Apesar disso, esses dois homens passam por terem sido de um caráter em nada cruel. Tanto isso é verdade que essa desumanidade se havia transformado em costume. Deve-se muito menos se espantar se velhos também são condenados à morte, como Príamo o foi por Pirro [59] .

X. Mesmo contra os prisioneiros e em qualquer tempo 1. 0s cativos não estão mesmo ao abrigo dessa permissão [60]

Pirro diz em Sêneca[61], segundoo costumeem vogaentão:"Nenhuma lei poupa o prisioneiro ou impede de pum-]o." Em Civis de Virgí]io [62] é

chamadaa lei da guerra, mesmocontra mulheres prisioneiras. Silo fala disso, de fato, assim: "Ao menos, porém, tivésseis matado a cativa pela lei da guerra." Quanto à passagem de Sêneca, se tratava de matar

umamulher que era Polixena. Daí esteversode Horário [631:"Como

[58] Caius Corne[ius Tacitus [55-120] , .4nna/es (1, 51)

[S9]Pub[iusVergi[ius Mare [71-19 a.C.], .Er2eidn (11,550) [60] Em ,4J]Élküidades JudnJcas(]X, 4, 3) de F]ávio Josefo,E]iseu dizia que 'bra legítimo matar os prisioneiros feitos pelo direita de guerra." Par Isso, Vtxg$ho

(.EheJ'dn, X, 524) apT-esenta um prisioneiro que suplica nessestermos: 'F'e/os deusesmanes de teu paí, peia esperança que dá fulo que surge, te suplico cojzsej'uaJ' essaw'dn a meu Éll/óoe a meu pai.r"Withikind conta que Otão mandou matar 70.000 eslavos que havia feito prisioneiros [61] Lucius Annaeus

Seneca [Ol? a.C.-65 d.C.],

i621 Pseudo Virgílio,

alr7s(447).

7}voades (342)

[63] Quintus Hoi ateusF]accus[65-08 a.C], áp )fujam (1, 16, 69).

'H

1100

H UGO

GROTIUS

podes vender um cativo, não o mates." Supõe, de fato, que é permitido e

Donato [64] pensa que os escravos são assim chamados porque foram conservados, "enquanto deveria tê-los matado, segundo o direito da guerra". Nessa passagem, as palavras "deveria tê-lo" são empregadas im-

propriamente e parecemcolocadaspor "teria sido permitido". Assim é que os prisioneiros de Epidamne foram mortos pelos corcirenses, se-

gundo o re]ato de ']lucídides [65] . Assim é que cinco mi] prisioneiros foram mortosporAníba] [66]. Em Hirtius [67], um centurião partidário de César se dirige assim a Cipião: "Rendo-te graças por me teres prome-

tido salvar a vida a mim, cativo pelo direito da guerra.: 2. O poder de matar tais escravos,isto é, os prisioneiros feitos na guerra, não é impedido por nenhum intervalo de tempo, por aquilo que diz respeito ao direito das gentes, mesmo quando é restrito, aqui mais, acolá menos,pelas leis dos Estados.

XI. Mesmo conta'aaqueles que querem se rendere que não são acentos Mais ainda, são encontrados em muitos lugares exemplos de sup[icantes condenados à morte. Como porAqui]es, em Homero [68] e em Virgílio [69] , o exemp]o de Magon e de ']lurnus. Vemos que esses trechos

são contados de modo a serem justificados ao mesmo tempo por esse

direito da guerra de que fa[ei. Agostinho [70], louvando os godosque

[64] .4de/pÃ., ato 2, cena 1 (128) [65] Livro 1, 30

[66] Apiano, ..4J2iba/(14);Dion, X].V]1, 48. [67] Au[us Hirtius [séc. ] a.C.], .Be/7umMaca ]um (45). [68] Z%da (XX, 463; XX], 74).

[69] Pub[ius Vergi[ius Maro [71-19 a.C.], EJ7e/da(X, 524; X]] 930)

[701Aure[ius Augustinus [354-430],.Z)eClwéafeDel (1, 2, 1)

CAPITULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS V10LENCIAS CONTRA O CORPO

haviam poupado os suplicantes e aqueles que se haviam refugiado nos

templos, diz: "Julgaram que aquilo que o direito da guerra lhes conferia poder de fazer, lhes era proibido." Aqueles que se rendem não são sempre aceitou, como, na batalha de Granito, acontece com os gregos que

estavam a serviço dos persas. Em Tácito [71], os habitantes de Uspes pediram graça pelas pessoas livres, mas "os vencedores rejeitaram essa

solicitação e acharam melhor que perecessempelo direito da guerra' Observe'se também nessa passagem o direito da guerra.

xll. Mesmo contra aqueles que se renderam incondicionalmente Mais ainda, pode-se ler que mesmo aqueles que foram acolhidos com mercê sem condição a]guma são condenados à morte [72] , como o foram pelos romanos os principais cidadãos de Pomécia [73], por Si]a os

samnitas,por Césarosnumidas [74] eo próprio Vercingetórix [75]. Era mesmoum costume quase perpétuo dos romanos, a respeito dos gene' reis inimigos de fazê-]os morrer no dia do triunfo [76] , tendo sido presos

ou que se tivessem rendido, como nos informam Cícero em sua quinta Venha [77] ; de igua] modo Tito Lívio [78] no ]ivro XV]]]; Tácito [79] no

[71] Caius Corne[ius Tacitus [55-120], .4nJla]es (X]1, 17) ['72]Ver De Thou(]ivro LXX, 17), nas questões da ]r]anda, ano de 1580

[73]Titus Livius [59 a.C.-17d.C.], .4ó Z:ik-óe Gondlfa(11,17, 6) [74] Dion, XL]11, 9. [75] Dion Cassius, XL, 14

[76] Fato semelhante se encontra na crónica de Reginon, no ano 905.

[77]Marcas Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], in Uerren7 Hcílo (V, 30, 77). 1781Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], ,4ó Z:/I'óe Gondléa G(XV],

[791 Caius Cornehus

Tácitos

[55-120],

.4/zna]es (X]1, 19)

13, 15).

1102

H UGO

Gxoíius

livro Xll dos ..'ínna7ese muitos outros. O mesmo Tácito]80] lembra que

Galba ordenou dizimar os suplicantes que havia recebido em graça e Cecina, tendo aceitado a rendição deAventicum, investiu contra Julius Alpinus, um dosprincipais da nação,comoautor da guerra; abandonou os demais à clemência ou aos rigores de Vite]]ius

[81] .

XIII. De modo erróneo esse direito éligado a outras causas, como ao talhão, à obstinação da defesa 1. 0s historiadores

às vezes costumam relatar o caso dos inimi-

gos mortos, prisioneiros, sobretudo, ou suplicantes, seja pelo talião, seja pe[a pertinácia na resistência [82] . Essas razões, porém, como 6lzemos

delas alhures a distinção(livro 11,cap.XXll, $ 1), sãomais determinantes que justificativas.

O talião justa e propriamente dito deve ser exercido

na mesma pessoaque se tornou culpada, assim comoisso pode sejulgar pelo que foi dito antes (livro 11,cap. XXI, $ XII) no tocante à comunicam

çãoda pena.A maior parte do tempo, ao contrário, em decorrênciada guerra, o que é chamado talião recai sobre aqueles que não se tornaram

de algum modo cu]pados do que se ]amenta. Diodoro da Sicí]ia [83] descreve assim o uso disso: "Não ignoravam, de fato, instruídos pelos próprios acontecimentosque a sorte doscombatentes sendoigual, uns e outros se vierem a levar desvantagem, deveriam se ater ao mesmotra-

tamento que elespróprios teriam dadosoâ'er aosvencidos."No mesma historiador iní[igindo

[84] , Fi]ome]o, genera] dos forenses, "forçou os inimigos, penas iguais [85], a se abster de castigos cruéis e excessivos'

[80] Idem,JÍJkíonhe(1,37). [81] [dem, ]J]sóoHae(1, 68) [82] Como Chalcocondylas, [83] Livro XIV. 46

]ivro V]]]

[84] Livro XVI, 31

185]Ver o mesmoDiodoro da Sicília a respeito de Spondius e Amilcar Barca ein Ecrcerp6a de Peiresc(.Ercerpía

de l>b'Éuf. ef lJTÉlls,l)

1103 CAPÍTULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRA O CORPO

2. Com relação ao que é uma ligação obstinada a seu parti.do, não

há ninguém que o julgue digno do suplício, como o respondem, em ProcÓPio186], os napolitanos a Belisário, o que ocorre sobretudo quando

essepartido foi destinado pela natureza ou foi escolhido por uma razão honesta. Mais ainda, é preciso de tal modo que nisso haja crime, como,

se considera como um crime abandonar seu posto, sobretudo em virtude do antigo direito militar

romano [87] que não admitia

nesse caso

quasenenhuma desculpa fundada sobre o temor ou sobre o perigo. Tito

Lívio [88] diz: "Abandonar seu posto, entre os romanos, é um cmme capital." Cada um usa, pois, em vista de seu próprio interesse, desse rigor extremo, quando ojulgar interessante e esserigor é justificado, junto aos homens, por esse direito das gentes que tratamos agora.

XIV Estende-se também contra os reféns O mesmo direito era também exercido sobre os reféns e não somente sobre aqueles que se haviam rendido eles mesmos nas mãos do

inimigo por uma espécie de convenção, mas ainda sobre aqueles que haviam sido entregues por outros. Duzentos e cinqüenta reféns foram mortos outrora pelos habitantes de Tessá]ia [89], pe]os romanos em

torno de 300 vo]scos auruncos [90]. É preciso observar, a mais, que havia mesmo o costume de dar Êllhoscomo reféns, como isso foi feito

pe[ospartos [91], o que ]emosfoi feito também por Simão,um dos

[86]GotÍÜfc.(1, 8) [87]Políbio,]ivro 1, 17 e ]ivx'oV], 37. [88] Titus Livius

[59 a.C.-17 d.C.], .4b C/}.óe O0/2dlfa (XX]V. 37 9)

189] P[utarco[50?-125?],

De C7ar7kMuJlbrl'óus(244

B)

[90]Dionísiode Halicarnasso,livro VI, 30 [911 Caius Corne[ius Tacitus [55-120] , ,4nJJzzJes (X]], ]O)

!104

H U GO

Gxotius

Macabeus (/Macabeus Xl11, 16), e mulheres, como o haviam feito os romanos da época de Porsenna e os germânicos, segundo o relato de Tácito [92] .

XV Em virtude do direito das gentes, é proibido levar à morte alguém por envenenamento 1. Como o direito das gentes permite, no sentido que explicamos, muitas coisas que são proibidas pelo direito de natureza, assim também proíbe certas coisas permitidas pelo direito de natureza. Aquele que é permitido matar, pouco importa que se dê a morte com a espada ou com o veneno, se for considerado o direito de natureza. Digo o direito de natureza, pois é seguramente mais generoso matar, deixando ao que

se vai matar a liberdade de se defender, mas não existe nenhuma obrigação de usar essa generosidade para com uma pessoa que mereceu morrer. O dü'eito das gentes aceito, contudo, desde muito tempo, senão por todos os povos, ao menos pelos mais civilizados, é que não seja per

miudo matar um inimigo pelo veneno.Esseacordounânime surgiu da consideração da utilidade comum para impedir que os perigos que começavam a ser freqüentes nas guerras não se estendessem demasiado. Ê crível que essa proibição tenha vindo dos reis, cuja vida é protegida contra as armas mais que a dos outros homens, mas o é menos que a dos outros contra o veneno, a menos que não seja proibida por um certo respeito peia [ei e pe]o temor da infâmia [93] . 2. Tito Lívio [94] , fa]ando de Perseu, chama isso de crimes c]andestinos. C]audiano [95], fazendo menção das emboscadas que Fabrício

recusou usar contra Pirro, diz que é uma sanção ímpia. Cícero [96], [92] Idem, HikÉo/:üe (]V. 8) 193] Os

senadores

dizem

a Pirro:

'7)a/a

/2ão nos

coór]

de lhJãmz a,

zzeunla colha"(Plutarco, /}arüus, 396 C) [94] Titus Livius [59 a.C.-17 d.C.], .4ó Z:/rZ)oGo }dlfa (XL]1, 18, 1) [95]

C[audius

C[audianus

[séc. ]V

d.C.],

.De .Be/To Gl7don

co (274)

[96] Marcus Tu[[ius Cicero [106-43a.C.], .DeC2#íc71k (111,22, 86).

se te acontecer

!105 CAPÍTULO IV-

DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRA O CORPO

ocupando-se da mesma história, o chama de crime. Importa, a exemplo de todos, que não se cometa alguma coisa de semelhante, dizem os cônsules romanos, numa carta a Pirro queAu]us Ge]]ius [97] re]ata como depoimento de CI. Quadrigarius.

Há, em Va]ério Máximo [98] , que "as

guerras devem ser feitas com as armas, não com os venenos". Tácito

[99]relembra que ochefe doscalos,prometendofazer perecerArminius pelo veneno, Tibério rejeitou essa oferta, tornando-se por essa ação

gloriosa igual aos antigos generais. Por isso é que aqueles que querem

que seja lícito matar um inimigo pe]o veneno [100], como Ba]do, baseando-seem Vegécio[lOl] , consideram o puro direito de natureza. Quanto ao dü'eito que toma sua origem da vontade das gentes, não Ihe dão atenção.

XVI. Proibido também infectar de veneno as armas ou as aguas 1. 0 fato de untar dardos de veneno e de dobrar as causas de morte difere um pouco de um envenenamento semelhante e se aproxi-

ma mais da força aberta. Ovídio o conta dos getas [102], Lucano dos partas [103], Si]ius de a]guns povos da Africa [104] e C]audiàno nomeadamente dos etíopes [105] . ]sso é contrário também ao direito das gen-

[97]Au[us Ge[[ius [séc.]] d.C.], ]MoaÉes .4ÉÉlcne (111,8) [98] Livro VI, 5, 1.

[99] CaiusCorne[iusTacitus [55-120], .4nnaJes(11,88). 11001 A respeitodos venezianos,ver Bembus,no final do livro ll. llol]

ll ao/?s., 188.

[102] Er .F)orlfa, 1, 2, 15. Plínio(XI,

35) diz dos citas:

"Os czfas Élhgem suas /Zecáas

cam veneno de víbora e de sangue huma110.Esta ação maifazeja, que não admite remédio algum, causa logo a morte, pelo mais leve contado."'Vet o suplemento de Helmold, cap. IV. a respeito dos sérvios.

[103]MarcusAnnaeus Lucanus [38-65],.füarsa7)b(V]11,304) [104]CaiusSi[ius [ta[icus [séc.] d.C.], PunJca(111,273) 11051 ClaudiusC[audianus [séc.]V d.C.], De Go/zsu/afuSÉIZicÜonJk (1, 351).

H UGO

GROTIUS

tes [106] não universa], mas de todas as nações européias e aquelas que

seaproximam das mais civilizadas da Europa. Isso foi muito bem observado por Sarisbéry [107] com estestermos: "Nunca li que alguma lei autorizasse o veneno, ainda que veja que os infiéis se serviram dele algumas vezes."Por isso, Si]ius [108] diz: "Desonrar o ferro pelo veneno." 2. Quanto ao fato de envenenar as fontes, o que não é escondido

ou não o fica por muito tempo, F]orus [109] diz que é não somente contra o costume dos ancestrais, mas ainda contra o preceito dos deu-

ses,como foi observadopor nós também em outro local (livro 11,cap. XIX, $ 1,2), porqueas regras do direito das genteseram ordinariamente atribuídas

à iniciativa

dos deuses. Não deve parecer espantoso que,

para diminuir os perigos, tais tipos de convençõestácitas tenham inter-

vindo entre osbeligerantes, porquanto foi concordadooutrora, no próprio seio de uma guerra entre os caldidianos e os eritreus, que "não seria permitido se servir de arma de ]ançamento" [110].

XVII. Náo é proibido alteram'as águas de outro modo De resto, não se deve decidir a mesma coisa relativamente ao fato de corromper sem veneno as águas [111], de maneira que não pos-

sam ser bebidas, o que Só]on e os anÊictiões[112], como se ]ê, haviam

[106] Foi por isso que na Odísséia (1, 263) 11o,HUhode Mermérides, recusa a Ulisses veneno para seus dardos: 'mamando z? a dos deuses llnopiaJS.

[107] Livro Vll, cap. 20. [108]

Ver nota

104.

[109] Livro 11,cap. 20. [110] Estrabão, ]ivro X, 1, 12. [111] Jogando netas cadáveres, amianto, como fez Belisário no cerco de Auximo (Procópio, GofÉüJa,11,27); cal, como fizeram os turcos em Diadibra(Nicetas, /ílhfdr:zb de Aeuko, irmão de lsaac, livro 1, 7). Há outros exemplosem Otão de Frisinga e em Guntherius(Zdku/:lhas) [112] Pausânias,

115

]ivro X, 37; Frontinus,

]ivro 111, 7, 6; Esquina, De ]Ua/e OÓ/fa Z%aé.

1107 CAPÍTULO IV - DO DIREITO DE MATAR OS INIMIGOS NA GUERRA SOLENE E DE OUTRAS VIOLÊNCIAS CONTRAI

CORPO

achado legítimo contra os bárbaros e o que Opiano, no livro IV de seu tratado sobre a pesca [113], ]embra como era usada em seu tempo. ]sso, de fato, deve ser considerado como desviar um rio ou cortar os veios de uma fonte [114], o que é permitido tanto pelo direito natural como pelo consenso.

Xylll. Seé contra o direito das gentes servir-se de assassinos 1. Pergunta-se geralmente se é permitido pelo direito das gentes matar um inimigo, enviando contra ele um assassino.Deve-se, porém,

necessariamentefazer uma distinção entre os assassinos.Aqueles que violam seus compromissos expressos ou tácitos, como os súditos para com seu rei, os vassalos para com seu senhor, os soldados para com aqueleao serviço de quem se encontram, aqueles que foram acolhidos

comosuplicantes ou como estrangeiros ou como refugiados para com aqueles que os acolheram ou se não estiverem ligados por nenhum com-

promisso, como Pepino [115], pai de Car]os Magno, que, segundo se conta,tendo atravessado o Reno, acompanhado de um só guarda, havia

matado seu inimigo em seu quarto. Po]íbio [116], chamando isso de 'uma audácia viril", conta que uma tentativa análoga havia sido dil:igida

peloetólio Teodorocontra Ptolomeu, rei do Egito. Tal étambém a empresa, elogiada pelos historiadores,

de Q. Mutius Scaevo]a [117] que e]e

mesmoajustifica nestestermos: "Inimigo, quis matar um inimigo." O

[tt3]

.Hà/I'euíÜ2'aa(]V.

[114] Ver

Prisão,

[115i Ver Paulo

em

687) .Ercerpfa

Warnefrid,

.Léassus, 543 B): ':E7eacumu/ou

a ilaaior parte de seus bens com o fogo e a guerra, aproveitando-sedas calamidades públicas enl seu próprio beneficio

1354

H UGO

GROTIUS

VI. Explica-se com uma distinção a que está obrigado aquele que prejudicou o inimigo sem ter recebido ordem para tanto Sealgum soldadoou qualquer outro, mesmonuma guerra justa, queimou edifícios dos inimigos, devastou seus campos e causou outros danos semelhantes, sem ter recebido ordem, acrescente-se sem que houvesse necessidade, nem justo motivo de o fazer, os teó]ogos [16] ensinam com insistência que é obrigado a reparar o dano causado. Acrescentei

com razão "sem que houvessejusto motivo de o fazer", o que foi omitido por eles, pois se houver algum motivo, seria talvez responsável diante

de seu Estado, do qual transgrediu asleis, mas não obrigado para com o inimigo, a quem não fez nenhuma injúria. O que um certo cartaginês

respondia aos romanos que pediam que Ihe entregassemAníbal não é diferente: "Penso que a questão é de saber, não se a empresa contra

Sagonte foi o resultado de uma vontade pública ou pessoal,mas sefoi legítima ou injusta. Somente a nós, de fato, per'tendeo direito de interrogar e de punir nosso concidadão se, por sua conta, transgrediu

nossas

ordens. Um só ponto resta a discutir convosco:era permitido pelo trata-

dofazerisso?

[t6]

Silvestr.,

/n

UerÓo .Be/7uJ??, paJ«le

/

Xlx

DAA(ANUTENÇAQ DA PALA\aU

ENTREINIMIGOS

Sumário 1.A manutenção da palavra é devida aos inimigos, quaisquer que sejam.

11.Refuta-se a opinião que nega que se deva manter a palavra com os bandidos e os tiranos.

111.Apresenta-se solução ao argumento de que tais pessoas merecem uma punição e mostra-se que isso não deve ser

levado em consideração, quando se tratou com elas como tais. IV O fato de que a promessa foi extorquida pelo temor não se

constitui em obstáculo,se a violêncianão foi feita àquele que prometeu. V Ou se um juramen to veio sejuntar, mesmo que diga respeito

somente aos homens, pode ser violado impunemen te con tra

uln bandido VI. As inesnlas coisas são aplicadas aosindivíduos rebeldes. VII. Descreve-se uma di6lculdade especial, relativa às promes sas citas aos súditos e extraída do domínio eminente.

?'l11. Mostra-se

que tais promessas

são a&r11aadas pelo jura

mento do Estado. iX. Ou se um terceiro se interpõe a quem se faça a promessa. X. De que maneira sepode efetuar a mudança do Estado poético. XI. A exceçãode violência não se aplacaà guerra solene do díreiLo das gentes.

XII. O que se deve entender de uma violência que o direito das gen tes reconh ece.

Xli!.

Que se deve manter a palavra mesmo para com os pér-

fidos. XIV. Não, se a condição viera 41altar,o que teria }ugarse um não cumprisse

uma parte

de suas con menções.

XV. Nem, se uma justa compensação se opõe.

XVI. Embora em virtude de outro contrato. XVII. Ou de um prejuízo causado. XVIII. E mesmo de uma pena. XIX. Coma essas coisas ocorrem na guerra.

1357 CAPÍTULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE.INIMIGOS

1. A manutenção da palavra é devida aos inimigos, quaisquer que sejam 1. Dissemos que o que é permitido e que a extensão do que é permitido na guerra sãoconsideradosem parte pura e simplesmentee em parte comrelação a uma promessaanterior. O primeiro ponto já foi analisado, resta o segundo, que é relativo à palavra dos inimigos entre si. Há uma passagem excelente de um cônsul romano, em Silius ltalicus [1] : "Perfeito é para o serviço das armas aquele que nada tem tanto a

peito comoguardar no meio das guerras a pa]avra jurada" [2] Em Éeu discurso sobreAgesilau, Xenofonte [3] diz que "não há nada de tão grande,nem de tão louvável em todas as pessoasseguramente, mas principalmente nos chefes de exércitos, que ser e passar por observantes da lealdade e da boa-fé." Em seu quarto discurso sobre Leuctres, Aristides [4] diz que "é sobretudo respeito à paz e às outras convenções públicas que se reconhecem os amigos da justiça". O mesmo disse Cícero [5] , em seu livro .DeãmZ)us."Não há ninguém que não elogie e não aprove esta

qualidade da alma, em virtude da qual nenhum fim interesseiro é perseguido, mas a palavra é mantida, mesmo contra o próprio interesse.

2.A palavra pública, comoé dito em Quinti]iano [6], pai, faz as tréguas entre os inimigos armados, guarda intactos os direitos das cidades que se renderam. Em outro local, no mesmo escritor [7], se diz

[1] raDIca, X]V. 169ss

l21 Em Apiano (Be//. CJrz7.,IV, 68), o filósofo Arquelau diz: 'Vós se/asfes vosso ralado por um juramento, vós vos destes as mãos. Isso tem força, mesmo contra inimigos."D\aê.ara à.aS\clNxa.ÇExcerpta Peiresc., De Virtutibus et Vitais.\Ü

elogia Cipião, o Africano, por essa virtude.

IS].4gesT7as, 111,5. [4] Z,eucÓÚca, ]V.

[5] .De ,ZQIII'ÓUS, V. 22,63 [6] .Dec/amaÉI'o/les,

267

[7] .Z)ec7amaÉ70/1es, 343

'H

1358 H UGO

GROTIUS

que "a boa-fé é o supremo vínculo das coisas humanas, que o mérito da

palavra mantida entre inimigos é uma coisa santa". Assim é que Ambrósio [8] diz também: "Consta que, mesmo na guerra, se deve guardar a palavra e a justiça." E Agostinho

[9] : "Quando a pa]avra é dada,

deve ser mantida mesmo para com um inimigo a quem se move guerra." Isso porque aqueles que são inimigos não deixam de ser homens. Todosos homens que chegaram ao uso da razão estão aptos a adquirir um direito em virtude de uma promessa. Em Tito Lívio [lO], Camilo

diz: "Entre ele eos faliscoshá uma sociedadeque a natureza criou." 3. E dessa comunidade de razão e de linguagem que nasce essa

obrigação de que falamos (livro 111,cap. 1, $ XVIII), proveniente.da promessa. Não se deve certamente pensar que, porque dissemos que, segundo opinião de grande número, é permitido ou isento de falta men-

tir ao inimigo, isso possa por uma razão igual se aplicar também à palavra dada.A obrigaçãode dizer a verdadevem de uma causaque foi anterior à guerra e pode por acasoser de algum modo anulada pela

guerra, mas a promessaconferepor ela mesmaum direito novo. Aristóteles

[11] viu essa diferença quando, ao tratar da veracidade, diz:

'Não falamos daquilo que é verídico nas convençõese no que se relaciona com a justiça e a injustiça; estas coisas dependem, de fato, de outra

virtude." 4. Pausânias [12] diz de Filipe da Macedõnia que "ninguém o chamará com razão um bom general, ele que costumava desprezar o juramento, violar em qualquer ocasião a palavra dada, a tal ponto que [8] -Oe(2ó]cu]k-4/Jni)Írorzzm, 1, 29,140. [9]

.ZipJsfo/a

Epístola

/ ac/ .BoJ?/7àc/um.

\26

[10] ,4Ó Z:/rÓeaon(#fa, V. 27,6 [11]. #Í]'ca a Àrlcó/naco, IV, 13 [12] .4rcaduc;.,V]11, 7

'rata

também

longamente

do

mesmo

assunto

na

1359 CAPITULO XiX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

nenhum homem faz menos caso da boa-fé." Va]ério Máximo [13] diz de Aníbal que "ele havia declarado a guerra ao povo romano e à ltália, mas

que a fazia com mais animosidade ainda contra a boa-fé, sentindo pra' zer somente nas mentiras e nos enganos, como se fossem excelentes meios de sucesso. Por isso, ele que, sem isso, teria deixado uma memó-

ria gloriosa de sua pessoa,deixa ao contrário duvidar se deve ser consi-

deradoo homem maior ou pior de seu tempo." Em Homero [14], os troianos, atormentados pela consciência,se acusam a si mesmos:"Clombatemos depois de ter violado a aliança sagrada e violado a palavra

dada sobjuramento, nossa guerra é um crime.

11.Refuta-se a opinião que nega que se deva manter a palavra

com os bandidos e os tiranos 1. Já dissemos anteriormente (livro 11,cap. Xlll, $ XV) que não se deve admitir este pensamento de Cícero [15] , que "não há sociedade

alguma entre nós e os tiranos, antes uma grande separação". E este [16]: "11Jmpirata não está no número dos inimigos públicos; com ele não deve haver nem boa-fé, nem juramento comum." Sêneca [17] diz também de um tirano: 'Violando as leis da sociedadehumana, rompeu

todos os laços que me ligavam a ele." Dessa fonte é que decorreu o erro de Miguel de Efeso, ao dizer que, pelo constante no livro V da .Ff/ca a Nlcómaco [18], não se comete adultério com a mulher de [13] Livro 11,6 [14] .ZZfbda, V]1, 351ss [15] De C2á7?azl), 111,6,32 [16] .De 0/n'cb), 111, 29,107 [17] Z)e .Be/meXI'cÍz:s, V]1, 19,8 [18] Miguel de Efeso, .4d MJlsfof.

Nicam.

!360 H UGO

GROTI

US

um tiranoÍ19], o que alguns doutores judeus]20], incidindo em geme Ihante erro, disseram também dos estrangeiros, cujos casamentoscon

lideram nulos. 2. Cneio Pompeu [21], contudo, terminou com tratados grande parte de sua guerra contra os piratas, prometendo-lhes a vida e moradas onde vivessem sem saquear. Tiranos também lhes deram por vezes

a liberdade, estipulando para eles a impunidade. Casar [22] escreveuno livro sobre a Guerra C#u77queos generais romanos tinham feito acordos com os bandidos e os fugitivos que se encontravam nas montanhas dos Pirineus.

Quem diria que, se tivesse sido estipulada alguma coisa

nesses tratados, alguma obrigação deles não haveria de decorrerá Gen-

te desse tipo, na verdade, não forma uma comunidade especíülcaque o /us genÉ7um introduziu

entre inimigos

numa

guerra

solene e plena.

Sendohomens, porém, elesformam uma comunidade de direito natural, como o aülrma com razão Porfírio, em seu tratado De non esu anJ[na/]u/n [23] , de onde nasce a obrigação de observar o que se prome' te. Assim é que Diodoro [24] lembra que a palavra dada foi mantida por

Lucullus para comApolõnio, chefe dosfugitivos. Dion [25] escreveque Augusto, para não faltar à palavra, pagou ao bandido Crocota, que tinha vindo ele próprio se apresentar, o prêmio que havia sido estipulado porsuacabeça.

1191Em Sêneca(ErcerpÉ. aonfroz, IV. 7), se pode ler: ':AUose deKpr7afrafa2' coJna ]m adultério o rata de corromper a esposade um tirano, do mesmo modo que náo ser7b ÁomlcJ'd/b mala/'

u/n f/Fado. "Ju]ius

C]arus(no

$ ]7o/n/c/d/um,

n. 56)

emitiu a opinião que uma mulher banida poderia cometer adultério impunemente. [20] O rabino Levi Ben-Gerson e o rabino Salomon em .4c/ Zev7É?cu/n .X:t /O. [21] Assim é que a perfídia de Didius para com os celtiberos que viviam de saquesfni criticada

[22]Z)e-Be//o0l't-7711 111,19 1231 Porfírio, Z)e,4Z)sz//7e/ f/a, 111.25 [24] Diodoro

da Sicília,

[25] Livro 56, cap. 43

in ,Ercerpfa

.f%of/}: XXXVI,

l

1361 CAPÍTULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

111.Apresenta-se solução ao argumento de que tais pessoas merecem uma punição e mostra-se que isso náo deve ser levado em consideração, quando se tratou com elas como tais 1.Vejamos, contudo, se não se pode alegar algo de mais específico

emfavor do que Cícerodisse. Em primeiro lugar, aquelesque sãomalfeitores de modo atroz e que não fazem parte de nenhum Estado, podem

serpunidos por quem quer que seja, se considerarmos o direito de natu-

reza, comoisso foi explicado em outro local (livro 11,cap. XX, $ Vlll). Aos que podem ser punidos até perder a vida, pode-se tirar deles tam-

bém seus bens e seus direitos, como perfeitamente o disse o próprio Cícero [26]: "Não é contra a natureza despojar, se se puder, aquele que

épermitido matar." O direito adquirido em virtude de uma promessa está entre os direitos. Pode-se também despojá-los a título de castigo. Respondo que isso seria verdade, se não tivesse sido tratado como um

malfeitor. Seassim foi tratado, como ta] [27], sedeve presumir que a remissão da pena está compreendida ao mesmotempo nesta convenção quanto à coisa de que se trata porque sempre, como o dissemos em

outro local (livro 11,cap. XVI, $ XII), é preciso dar uma interpretação que impeça que o ato fique sem efeito. 2. Não é sem fundamento que Nabos, em Tiro Lívio [28] , respon'

de a Quintius Flaminius que o repreendia por ser tirano: "Por esse apelativo, posso te responder que, tal como sou, sou o mesmo que era quando tu, Tullius Quintius, fizeste aliança comigo." E logo a seguir:

[26] De Oznclis, 111,6,32.

paz entre os príncipes e as ordens do império [28] ,4Ó C/rÓe ao/ldJ'fa, XXXIV. 31,12ss

1362

H UGO

GROTIUS

"Eu já tinha feito essascoisas,quaisquer que fossem,quando tu celebrante aliança comigo." E acrescenta:"Se tivesse mudado algo nesta aliança, seria obrigado a prestar contas de minha má-fé, mas comoés tu mesmo que mudaste, toca a ti ao contrário justificar a tua." Há uma passagem não dessemelhante num discurso de Péricles a seus concidadãos, em Tucídides [29] : "Vamos deixar as cidades a]iadas livres, se elas o eram quando a aliança foi celebrada."

IV O fato de que a promessa foi extorquida pelo temor não se constitui em obstáculo, se a violência náo foi feita àquele que prometeu Pode ser objetàdo a seguir o que dissemos em outro local (livro ll,

cap. XI, $ VII), que aquele que, por algum temor, deu ocasião à promes' sa, é obrigado a liberar o prometente porque causou um dano por injus-

tiça, isto é,por um ato em oposiçãocoma natureza da liberdade humana e com a natureza do próprio ato que devia ser livre. Como afirmamos que isso pode ocorrer em qualquer circunstância, de igual modo isso não se aplica a todas as promessas feitas aos bandidos. Para que aquele

a quem foi prometida alguma coisa seja obrigado a liberar o prometente, é necessário que tenha ele próprio dado ocasião a essa promessa por um

temor injusto. Se alguém, pois, para libertar dos grilhões um amigo, prometeu um preço, fica obrigado, pois ele não cometeu violência contra

aquele que se apresentou espontaneamente ao contrato.

V Ou se um juramento veio se juntar, mesmo que diga respeito somente aos homens, pode ser violado impunemente contra um bandido Acrescente-se que aquele que prometeu sob a pressão de um temor injusto poderá ser obrigado, se juntou à promessa a fé do juramen-

to. Por isso, como dissemosem outro local (livro 11,cap. Xlll, $XV), o [29] Livro 1, 144

1363 CAPITULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

homem está ligado não somente para com o homem, mas ainda com Deus, contra o qual não existe exceçãodeviolência. É verdade, contudo, que essevínculo por si só não engaja o herdeiro daquele que prometeu, porque as coisas que estão no comércio humano, em virtude da lei pri-

mitiva da propriedade, passam ao herdeiro, mas que essedireito adquirido por Deus não se encontra por ele mesmo entre essas coisas. Deve-

setambém reproduzir o que foi dito antes (livro 111,cap. IV $ X) que, se

alguémviola a palavra dada comou semjuramento a um bandido, não é passível de punição a esse título junto às outras nações, porque em ódio aosbandidos as naçõespreferem passar sob silêncio o que se comete contra eles, mesmo

ilicitamente.

VI. As mesmas coisas sáo aplicadas

aosindivíduos rebeldes

Que diremos das guerras dossúditos contra os reis e outros poderes superiores? Mostramos em outro local (livro 1, cap. IV) que mesmo quando a causa que teriam para tanto não fosse injusta em si, o direito

contudode agir pela força lhes falta. A injustiça da causaou a criminalidade da resistência podempor vezestambém ser tão grandes que possam ser punidas severamente. Se foi, contudo, tratado com eles

como desertores ou rebeldes, a punição não pode se opor à promessa, segundo o que acabamos de dizer. Apiedade dos antigos achava que era preciso manter a palavra mesmo com os escravos e se acreditava que os

lacedemânios não teriam atraído sobre si a cólera divina senãopor te rem matado os escravos de Tenaro contra a pa]avra dos tratados [30] .

Diodoro da Sicília [31] observa que a pa]avra dada aos escravos,no

[301 Aelianus,

Uaz HJkí., VI, 7

[311 Livro XI, 89

1364

H UGO GKOiiUS

templo dos deusesPalacianos,jamais havia sido violada por nenhum patrão. Quanto à exceçãode violência, poderia também ser tornada inútil pela interposição de um juramento, como o fez o tribuno do povo

Mlarco Pompânio [32] que, ]igado porjuramento, manteve o que havia

prometido, sob a pressão do temor, a Lucius Manlius.

VII. Descreve-se uma dificuldade especial, relativa às promessas feitas aos súditos e extraída do domínio eminente Além das diülculdades precedentes, há uma especial que faz nas-

cer tanto o direito de estabelecer a lei quanto o direito eminente de propriedade sobre os bens dos súditos, que compete ao Estado e é exercido em seu nome por aquele que possui o poder soberano. De fato, se esse

direito se estende sobre todas as coisas que pertencem aos súditos, por

que não se estenderia também sobre o direito que dá uma promessa feita na guerra? Se isso for concedido, todos os tipos de convenções simi-

lares parecem dever ser inúteis e,em decorrência, não haveria nenhuma esperança de terminar a guerra, a não ser pela vitória. Deve-se, porém, observar, ao contrário, que essedireito eminente não se exerce indistintamente, mas quando o pede a utilidade comum num governo

não senhoril, mas civil, mesmorégio. Na maioria dasvezesé vantajoso para o público que tais convençõessejam mantidas. A isso se refere o que foi dito há pouco (cap. XV), sobre a necessidade de manter o estado presente das coisas. Acrescente-se, que quando a circunstância

o exigir,

se faça uso dessedireito; uma compensação,contudo, deve ser feita, como será explicado a seguir, com mais detalhes.

l32X "0 tribullo jurou e manteve ápaiavra. Prestou contas à asselnbiéia sobre o !motivo de sua des:istência.Jamais outro havia telhado impor silêncio impu1le' neníe a uin ár7buno"(Sêneca, Z)e Beneálcylb, 111, 37)

1365 CAPÍTULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

ylll. Mostra-se que tais promessas são afirmadas pelo juramento do Estado 1.Além disso, as convenções podem ser sancionadas por um ju

ramento não somente pelo rei ou por um senado, mas também pelo próprio Estado. Assim é que Licurgo [33] fez os ]acedemõnios jurarem segundo suas ]eis, Só]on [34] os atenienses, e que ordenaram, a 6im de que o direito do juramento

não se extinguisse pela mudança das penso'

as, que o juramento fosse renovado a cada ano. Se isso ocorrer, de fato,

não haveria absolutamente necessidadede se afastar da promessa, mesmono interesse da utilidade pública, pois um Estado poderia re-

nunciar ao que Ihe pertence e ostermos podemser de tal modo claros que não admitem qualquer exceção.Valério Máximo [35] critica assim

Arenas:"Lê a lei que te mantém pelovínculo do juramentos" Os romã noschamavam de sagradas [36] aque]as ]eis peias quais o povo romano, comoCícero [37] o exp]ica em seu discurso em favor de Balbus, se sujeitava por força de juramento. 2. Há em Tito Lívio [38], uma discussão obscura em si mesma que se refere a essa matéria. Diz, seguindo a opinião de muitos intérpretes do direito, que os tribunos são invioláveis,

mas que não ocorre o

mesmo com os edis, os juízes, os decênviros, embora fosse agir contra o

direito de de atentar contra um deles.A causa da diferença é que os edis . e outros estavam protegidos somente pela lei. O que o povo teria ordena-

133] Plutarco, &yc'u/Fus, 57 E [34] Plutarco, So/on, 92 B [35] Livro V. 3 1361Ver Manúcio, 137] /}o

Z)e Zeglóus.

Zulu'o .Ba/Óo 02'aÉI'o, 16, 35

[38] .4ó Z]/róe aoní#fa,

111, 55, 6-7

1366 H UGO

GROTIUS

do em último lugar tinha força obrigatória. Enquanto uma lei durava.

contudo,o direito de agir contra ela não cabia a ninguém.A religião pública do povo romano protegia os tribunos, porquanto havia intervindo um juramento que não podia ser revogado por aqueles que haviam

jurado, semferir a religião. Dionísio de Ha]icarnasso [39] diz: "Tendo reunido a assembléia,Brutus propôsaosquirites tornar essemagistra-

do inviolável, não somenteem virtude da lei, mas também por um juramento. Foi aprovado por todos." Por essarazão, essalei é chamada sagrada. Por isso, os honestos desaprovaram a conduta de Tibério Graco [40], quando depôs Otávio do tribunato, dizendo que o poder de tribuno hauria do povo sua santidade e que não podia ser dirigido contra o povo.

Como dissemos, portanto, o Estado e o rei podem estar obrigados por juramento, mesmo na causa dos súditos.

IX. Ou se um terceiro se interpõe a quem se faça a promessa A promessaseria validamente feita a um terceiro que não foi o autor da violência. Não procuramos se há ou até que ponto há interesse, distinções que são sutilezas do direito romano. E naturalmente

do

interesse de todos os homens procurar o bem dos outros. Assim é que lemos que foi tirado de Fi]ipe [41] , pe]a paz que concluiu com os roma-

nos o direito de atacar os macedóniosque, na guerra, haviam desistido de apoia-]o]42]

[39] Livro VI, 89. [40] Ver o fato, detalhadamente relatado por Plutarco em

óerJus Grnccóus, 831 D

[41] Tito Lívio, .4ó [/róe (bndlfa, XXX]X, 23,6.

[42] Exemplo semelhante pode ser lido em Paruta (livro VI).

1367 CAPÍTULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

X. De que maneira se pode efetuar a mudança do Estado político Como provámos em outro local (livro 1, cap. 111,$ XVII), existem

por vezes Estados mistos. Do mesmo modo que se pode por meio de convençõespassar de Estado puro a um Estado puro, assim também se pode passar a um Estado misto, de forma que aqueles que haviam sido

súditos começam a possuir o poder soberano, ou ao menos uma parte dessepoder, com a faculdade mesmo de defender essa pane pela força.

XI. A exceção de violência não se aplica à guerra solene do direito das gentes 1.Para o que serefere à guerra solene,isto é,pública de parte e outra e declarada formalmente, do mesmo modo que tem outros efeitos

particulares de direito exterior, assim também tem aquele de tornar de

tal modoválidas as promessasfeitas nessaguerra, ou para a terminar, que não podem ser anuladas sob pretexto de uma violência injusta, malgrado aquele a quem as promessas foram feitas. Isso porque do mesmo modo que há várias coisas que passam por justas segundo o direito das gentes, embora não sejam sem algum defeito, assim tam-

bém essedireito autoriza a violência cometida de parte e outra numa guerra [43] . Se não tivesse havido acordo sobreesseponto, não se pode-

ria impor nem limites nem um 6im a tais guerras que sãoextremamen' te frequentes, o que é, contudo, do interesse do gênero humano que se cheguea um acordo. E é isso o que se pode entender por essedireito da guerra que Cícero [44] quer que seja observadoentre inimigos. Além disso,ele diz que o inimigo conserva alguns direitos na guerra, isto é, não somente direitos naturais, mas também certos direitos surgidos do consenso das nações. [43] Ver o mencionado autor do H'atado do Paz. [44] De O#iclls, 111,29, 107 e in UerreJn,4aÓo,]V. 55, 122

!368 H UGO

GROTI

US

2. Não se seguedisso, contudo, que aquele que extorquiu alguma coisa semelhante numa guerra injusta possa, com segurança de consciência e sem violar os deveres de um homem de bem, reter o que conseguir desse modo ou mesmo coagir o outro a manter seus compromissos com ou sem juramento. Isso permanece como algo injusto interior-

mente e até pela própria natureza da coisasessainjustiça interna do ato não pode ser eliminada senão por um consentimento novo e verdadeiramente

livre .

XII. O que se deve entender de uma violência que o direito das gentesreconhece De resto, ao dizer que a violência exercida numa guerra solene passa por justa, deve-se entender dessa violência que o direito das gen-

tes não desaprova [45]. Se foi extorquida alguma coisa por temor de uma violação ou por qualquer outro terror contra a palavra dada, seria mais verdadeiro dizer que a coisa se reduz aos termos do direito natural porque o direito das gentes não estende sua autoridade até a esse tipo de

temor.

XIII. Que se deve manter a palavra mesmo para com os pérfidos 1. Dissemos antes em nossa exposiçãogeral (livro 11,cap. Xlll, $

XV[), e Ambrósio [46] nos ensina igua]mente, que é preciso manter a palavra, mesmo para com os pérfidos, o que deve indubitavelmente

ser

estendido também aos inimigos pérfidos; isso aconteceucom os cartigneses, para com os quais os romanos mantiveram religiosamente [45] Assim é que g promessaextorquida a um embaixador prisioneiro não traz benefício a quem a extorquiu(Mariana, livro XXX, 12 e 19)

[46] Z)e0/?híz)M]/] kÉrorum,1, 29

1369 CAPÍTULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

a palawa. Aesse respeito Valério Máximo [47] diz: "0 senado não ]evou

em consideração com quem estava assumindo seus compromissos." E Salústio [48] : "... Ainda que os cartagineses tivessem muitas vezes, tan-

to na paz quanto durante as tréguas, cometido atrozes perfídias, nossos antepassados não aproveitaram

jamais a ocasião para imita-los. . .'

2. Apiano [49] diz a propósito dos lusitanos, violadores dos trata-

dos,que Sérgio Galba havia trucidado, depois de tê-los enganado com

um novotratado: "Vingando-sede uma perfídia por outra perfídia, imitava os bárbaros, contrariamente à dignidade romana." O mesmoGalba foi, em seguida, acusadoem razão dêssefato pelo tribuno do povo Libo.

Contandoessefato, Valério Máximo [50] diz: "A compaixão,não a equidade, conduziu esse negócio"; concordou-se, em consideração a seus alhos, pelo perdão que não se podia ser concedido a sua inocência. Catão

havia escrito em suas (2z:(gang [51] que, se não sefizesse referência a seus filhos e suas lágrimas, ele teria sido punido.

XIV Náo,sea condiçãovier a faltar o que teria lugar se um não cumprisse uma parte de suas convenções Deve-se saber ao mesmo tempo que pode ocorrer de duas manei-

ras que seesteja isento de perfídia e, contudo, semter cumprido o que foi prometido, a saber, por falta de condiçõese pela compensação.O prometedor não é verdadeiramente liberada por falta de condição, mas [47] Livro VI, 6,3 [48] Z)e aoJ4/uraúo e aatrZüae, LI, 6. [49] JiÍIW., 60. [50] Livro Vl11, 1,2 [51] Marcus Tullius Cicero, De Orafore, [ 53.228 e Brutas de Ciarís Oratoribus, 2Q 80.

!370

H UGO GKOíiUS

a ocorrência mostra que não existe nenhuma obrigação, porquanto não havia sido contratado senão sob condição. E preciso levar em conta o casoem que um doscontratantes não cumpriu por primeiro o que esta-

va obrigado a cumprir de sua parte. Cada um dos artigos de um só e mesmo contrato parecem estar contidos uns nos outros sob formas de condição, como se tivesse sido expresso. Eu faria isso, se a outra parte fizer o que prometeu. Por isso, ao responder aos a]banos [52], Tu]]us "toma os deuses por testemunhas

que aquele dentre os dois povos que

por primeiro tivesse recusadoo pedido dos delegados,deveria ver recair sobre sua cabeçatodas as ca]amidades da guerra". U]piano [53] escreve: "leão será considerado parte de uma sociedade aquele que renunciou a uma sociedade porque uma condição sob a qual a sociedade se formou

não está de acordo com sua opinião." Por isso é que todas as vezesque a intenção é outra, tem-se o costume de colocar em termos expressos que,

se alguma coisa é feita contra essa ou aquela parte do contrato, as outras não deixam de ter seusefeitos.

XV Nem, se uma justa compensação se opõe Indicamos em outro ]oca] [54] a origem da compensação,quando dissemos que, se não podemos obter de outra forma o que nos pertence ou que nos é devido daquele que detém o que nos pertence ou que é nosso

devedor, podemos tomar o valor de qualquer coisa que seja. Disso se

segue que podemosbem mais reter o que está em nossasmãos, seja corporal ou incorporal. O que prometemos poderia não ser cumprido, se

lõ21Tiro Lívio, HÓ [/róe ao/]d)fa,1, 22,7 t53À L

1, Si conveilerit,

[54] Livro

11, cap. Vll,

Dig., Pro socio. $ 11. Em Scorplae

(6), Tertuliano

escreve:

'Ninguém

abre

achar ruim que se faça uma justa compensação do bem ou do mal de parte e de ouvi'a.

1371 CAPITULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

o valor da promessa não excede a coisa que nos pertence, que se encon-

tra sem direito nas mãos de outrem. Sêneca,em seu glaíado dos.Bebe' áãbs [55], escreve: "Muitas

vezes o devedor é condenado em favor do

credor que Ihe tomou, a outro título, mais que o primeiro devia pelo empréstimo. Não é somente entre o credor e o devedor que o juiz intervém para dizer ao primeiro: Você Ihe emprestou dinheiro? E verdade? Você está de posse da propriedade dele sem tê-la comprado. Fazendo os cálculos, você é que se tornou devedor, de credor que você era.:

XVI. Embora em virtude de outro contrato Seria o mesmo se, aquele com o qual o negócio se passa, me deve mais 'ou tanto em virtude de outro contrato e que não posso obter isso de

outra forma. Na banca dos advogados, é verdade, como diz o mesmo

Sêneca[56] , certas açõessãoseparadas e a fórmu]a não é confundida. Essesexemplos, porém, como se diz no mesmo local, são determinados por leis especiais que é necessário seguir. Uma lei não se mistura com

outra lei. Deve-seir para onde se éconduzido.O direito dasgentes não reconhece essasdiferenças, quando não houver, bem entendido, outra esperança de obter o que nos é devido.

XVII. Ou de um prejuízo causado Dever-se-ia dizer a mesma coisa se aquele que pressiona pelo cumprimento

da promessa não contratou, mas causou um dano. Sêneca

[57] diz, no mesmo ]oca]: "0 agricu]tor não está mais obrigado, ainda

[55] Z)e .Be/?eá7cÍz), V], 4 [56] .Z)e.BeneÉlcJis,V], 6 e 7 [57] .De .Be/2e#czJb, V], 4.

1372

H UGO

GROTI

US

que seu arrendamento persista, para com o proprietário que pisoteou suas colheitas e cortou suas plantas. Não que esseúltimo tenha recebi-

do o que havia estipulado, mas porque tudo fez para nada receber." Mais adiante acrescenta outros exemplos: "Tu levaste seu rebanho, mataste seu escravo..." E depois [58] : "É permitido a mim pesar os bons

serviçose os erros de cadaum para comigo,para me pronunciar seme é devido mais do que devo.

XVIII. E mesmo de uma pena Enfim, o que é devido em conseqüência de uma pena pode ser compensado com o que foi prometido, o que é explicado no decorrer da mesma passagem [59] : "Ao serviço é devido reconhecimento,

à injúria a

reparação. Não Ihe devo reconhecimento, ele não me deve punição. Estamos quites um para com o outro." Mais adiante

[60] : "Fazendo a

comparação entre o beneficio e a injúria, deveria ver se não me é devida ainda alguma coisa.:

XIX. Como essas coisas ocorrem na guerra 1. Do mesmo modo que, se alguma convenção interveio entre litigantes, não se poderia, enquanto perdurar o processo, opor ao que foi prometido a ação que era objeto do litígio ou os danos e as despesas do

processo, assim também, enquanto perdurar a guerra, não se poderá compensar o que foi a causa da guerra ou tudo o que se executou ordina-

riamente de acordo com o direito das gentes da guerra. A natureza do

[58] De .Be/7eã'cÍzh, V], 6 [59] Z)e .BeneÉlcü),V], 5 [60] Z)o .Bene#cjz), V], 6

1373 CAPITULO XIX - DA MANUTENÇÃO DA PALAVRA ENTRE INIMIGOS

negócio,de fato, para que não se tenha agido em vão, mostra que a convenção foi feita colocando à parte as rixas da guerra. De outra forma, não haveria convenção alguma que não pudesse ser eludida. Talvez

não aplicaria aqui sem muito sentido este pensamento que se encontra

no mesmoSêneca]61] e quejá citei várias vezes:"Não admitiram(nossos antepassados)

nenhuma

desculpa, a íim de ensinar

aos homens que

devem a todo custo manter sua palavra. Seria melhor rejeitar pequeno

número de escusas mesmo fundadas que permitir a todos de inventar màs.' 2. Quais são, pois, as coisas que poderiam ser compensadas com

o que foi prometido? E aquilo que o outro deve, embora em virtude de outro contrato concluídodurante a guerra; secausaum danodurante o tempo da tréguas se ultrajou embaixadores ou se cometeu algum outro ato que o direito das gentes condena entre inimigos. 3. Deve-se observar, contudo, que a compensação se faça entre as mesmas pessoas e que o direito de algum terceiro não seja lesado, de modo que os bens dos súditos sejam considerados como incluídos segun

do o direito das gentes, naquilo que o Estado deve, como dissemos em outro local (livro 11,cap. 11,$ 11).

4. Acrescente-se ainda que é de um espírito generoso manter a palavra dos tratados, mesmo após ter recebido alguma agressão.A esse

títu[o é que o sábio indiano Jarcas [62] e]ogiavaum rei que, ]esadopor um vizinho seu aliado: "Não se afastou da palavra empenhada, dizendo

que havia prestado um juramento tão santo que jamais faria mal ao outro, mesmo depois de ter recebido uma agressão"

[61] Z)e .Be/?eálcul s, Vl1, 15

162]Filostrato, livro 111,6.

1374 H UGO

GKOiiUS

5. Quanto às questões que se apresentam ordinariamente

sobre

a palavra dada aos inimigos, elas podem ser quase todas resolvidas, se

forem aplicadas as regras referidas anteriormente (livro 11,cap. XI ss.), quando dissertamos sobre o efeito de todo tipo de promessas e em parti-

cular do juramento, do tratado edospatrocínios, do direito e da obrigação dos reis e da interpretação das coisas duvidosas. Para que o uso, contudo, do que foi dito antes seja mais manifesto e, se algum ponto controverso se apresenta ainda para que seja esclarecido, não haveria por que temer em recorrer a questões particulares mais freqüentes e mais afamadas.

xx / DAS CON\WNCOES PUBLICAS

PELAS QtJMS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRAIA DO TRAJADO DE IUZ, DA SORTE, DO COMBATE COUUi$412q

DAARBITRAGEM,DA CAPITULAÇÃO,DOS REFÉNS, bÓS PENHORES Sumário 1. Divisão das coi] venções entre inimigos, segundo 8 Ordem do

que va! se seguir.

11.Compete ao rei, num Estado monárquico, fazer a paz 111. Que decidirse o rei écriança, louco, prisioneiro, exilado.

IV Num Estado em que o poder é exercidopelos principais cidadãos ou pelo povo, o direito de fazer a paz compete á

pluralidade. V Como a soberania ou uma parte da soberania ou os bens do

reino podem ser validamente alienados em vista da paz. VI. Até que ponto um povo ou os sucessores são obrigados em virtude da paz feita por um rel. VII. Os bens dos súdítos podem ser cedidos pela paz em vista n n*P*'P-P :nlhTico.idas com o ónus da indenízação.

ll

çlil.

Que decidir quanto aos bensjápe!-ditos

na guerras

IX. Não se distinguem aqui as coisasadquiridas pelo direito das gentes da quedas adquiridas pelo direito civil.

X. Aos olhos dos estrangeiros,a utilidade pública passa por comprovada.

XI. Regra geral para a interpretação da paz.

Xli. Na dúvida, acredita-sequefoi concordadoqueas coisas piquem no estado em que estão; como isso deve ser entendido.

Xlli.

Que decidir, se foi concordado que todas as coisas sejam

restabeiecidasno estado em quese encontravam antes da guerra. XIV. Quando aqueles que, tendosidoindependentes,

se subme-

teram voluntariamente à dominação de alguém, não devem ser liberados. XV. Na dúvida, os danos causados pela guerra são considera dos temidos. XVI. Não é o mesmo para as coisas que eram devidas a priva

dos antes da guerra. XVII. Mesmo as punições merecidas pelo Estado antes da quer ra são, em caso de dúvida, consideradas reunidas. XVlli.

Que decidir quanto ao direito de punir que c#sprivados t;êm9 ]

XIX. O direito pretendido pelo Estado antes da guerra, mas que era contestado, se considera remado sem diâcuidade. XX. As coisas apreendidas devem ser restituídas após a paz. XXI. Algumas regras sobre a convenção de devolução das coisas

apreendidas duran te a guerra.

XXli. l)osfrutos. XXIII. Dos nomes dos países.

m7rDa referência

a uma convençãoprecedente

cl"ía íinpedíin entes.

e daquele

que

)ÇX v. .L)o prazo.

1.Na dúvida, a interpretação devepender contra aquele que ditou as condições.

r a guerra e romper a paz XXVII. Fornecer uma nova ca u sa para são coisas distintas. XXVlli.

Cama serompe a paz violando as condições essenciais de toda paz.

XXIX. Que decidir, se os aliados cometeraJn violênciasP XXX. Que decidir, se são súbitos e como se deve presumir seu procedimento é aprovado?

que

XXXI. Que decidir, se os súditos $e põem a serviço de outros

poderes?

XXXII. Que decidir, se os súditos foram prejudicados? Uma distinção éíeita. XXXIII.

Que decidir, se se prejudicou os aliados? Cabe igualmente uma distinção.

XXXIV: Como $e rompe a paz, agindo contra o que foi dito na paz7 XXXV Se épreciso distinguir entre os artigos da paz. XXXVI.

Que decidir, se uma pena foiacrescida?

VII. Que decidir, se a necessidadepõe um obstáculo?

XXXVIII. MesJnoque a pala vra tiver sido violada, a parte íno ce!] te pode conservar a paz. XXXIX.

Colmo se rompe a paz, violando o que é específico de ullla certa espécie de paz.

XL. O que recai sob a denominação de amizade. XLI. Se é agir contra a amizade acolher súdítos e exilados. XI,ll.

XLlll.

Como se termina a guerra por sorte.

Como, por um combate combinado e se élícito

XLIV. Se o fato dosreis obriga aqui ospovos.

XLV. Quem deve serconsiderado

vencedor.

XL;VI. Comose termina a guerra por uma arbitragem e que aqui se entende uma arbitragem sem apelo. XLVll. Na dúvida, os árbitros são considerados obrigados a se pronunciar segundo o direito. XLVlll.

Os árbitros não devem sepronunciarsobre

a posse.

XLIX Qual o efeito de uma submissãopura e simples. L. O dever do vencedorpara aqueles queassim se rendem. LI. Da submissão sab condição.

Lll. Pessoas que podem e devem ser dadas como reféns. Llll.

O direito que se possui sobre os reféns.

LIV Se é permitido

ao refém fugir.

[;V. Se se pode ]egitimamente reter um refém por outro súdito.

]:;VI. Aquele para quem foi dado um refém, vindo a morrer, o refém nlca livre.

LVll. Se um refém fica engajado quando o rei que deu o refém morreu. [.V]]]. Os reféns são por vezes obrigados de modo principal e que um não éresponsável do fato do outz.o. LIX. Qual é a obrigação a respeito dospenhores? LX. Quando se perde o direito de retira-ln.

Y

!379 CAPITULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE RETRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, 04 CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS, DOS PENHORES

1.Divisão das convençõesentre inimigos, segundo a ordem do que vai se seguir As convençõesque intervêm entre inimigos consistem numa pro' nessa expressa ou tácita. A promessa expressa é pública ou privada. A promessa pública se faz pelos poderes soberanos ou pelos poderes inferiores. Aquela que se faz por poderes soberanos põe 6m à guerra ou tem seu efeito durante a guerra. Entre as convenções que terminam

a guer-

ra sedistinguem aquelasque sãoprincipais e as que sãoacessórias.As principais $ão aquelas que terminam a guerra por seu ato próprio, como

ostratados, ou pelo consentimento dado de sereferir a alguma outra coisa, como a sorte, o êxito de um combate, a decisão de um árbitro. Dessas vias, a primeira depende puramente do acaso; as duas outras combinam o acaso com as forças do espírito ou do corpo ou com o Qxer' cicio do poder dado ao juiz.

11.Competeao rei, num Estado monárquico,fazer a paz Aos que fazem a guerra é que compete concluí' tratados que a terminem [1] , pois cada um é o dono de seus próprios interesses. Disso

sesegueque, numa guerra pública de parte e outra, essepoder perten' ce aos que têm o direito de exercer o poder soberano. Isso será, pois, a atribuição do reiE2] num Estado verdadeiramente monárquico, contanto que esserei tenha um direito em que não subsista impedimento.

111.Que decidir se o rei é criança,

louco,prisioneiro,exilado 1. 0 rei que está na idade em que não tem a maturidade [3] do

juízo (o que em alguns reinos é limitado pela lei e em outros deve ser estimado de acordo com conjecturas prováveis), o rei cuja inteligência [1] Ver livro 11,cap. XV. $ 111.

[2] Mariana, XX], ].

[3] VeT-]ivro ], cap. ]ll, $ XXIV.

1380 H UGO

GxOTiUS

está alterada não podeselar a paz.Deve-sedizer o mesmode um rei prisioneiro [4] , se contudo a autoridade real extrai sua origem do consenso do povo. Não é crível que a soberania tenha sido deferida pelo povo

em tal condição, de modo que possa ser exercida por uma pessoa que não fosselivre. Nessecaso,pois, não subsiste na verdade o direito inteiro da soberania [5], mas o exercício e a tutela do poder deverá estar na$ mãos do povo ou daquele a quem o povo delegou.

2. Seum rei, no entanto, mesmoprisioneiro, fez alguma convenção sobre as coisas que Ihe pertencem em particular, isso seria válido, a

exemplo do que diremos a respeito das convençõesprivadas. Se um rei está exilado, poderia se]ar a paz? [6] . Seguramente, se constar que não depende de ninguém, de outro modo, sua condição diferida pouco daquela de um rei prisioneiro, pois há também vastas prisões. Régu]o [7] recusou opinar no senado, dizendo que enquanto estivesse ligado por juramento

feito aos inimigos,

não era senador.

IV Num Estado em que o poder é exercido pelos principais cidadãos ou pelo povo, o direito de selar a paz compete à pluralidade No governo dos principais cidadãos ou do povo, o direito de tratar

pertencerá à maioria, ora ao conselhopúblico, ora aoscidadãos que têm o direito de sufrágio, segundo o costume, conforme o que dissemos em outro local (livro 11,cap. V. $ XVll). Por isso é que convenções assim [4] Ver Guichardin, livro XVI e XVlll,

onde só fala uma vez.

[5] Arumaeus em seu discurso sobre a Bu/a de Oui'o: "0 pa/aÉlbo Rodo.IHo áav7a :unido, por temor, para a Inglaterra. Henrique de Mogúncia havia sido violentamente expulso pelo eleitor de Travese, no entanto, leãoperderam por isso seus :lireites

de eleitores.

[6] Em .f)farsa/zb(V. 28 ss.), Lucano diz: ':EJ)gua/JfoCâm 7o agrava e/n .Ro/na. Romã

aí estava também."NexChassagBe,De Gloria Mundo,parte \Cconsid. 89. [7] Mal'cus ]\]]ius

Cicero, Z)e O/nc7Ji, 111,27,100.

1381 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINAA

GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ

DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

feitas obrigam mesmo aquelesque pensam de outra forma. Tiro Lívio [8] diz: "Quando as convenções de um tratado tiverem sido uma vez

estipuladas, até mesmo todos aqueles que antes não haviam concordado com elas devem defendo-las como boas e vantajosas." Segundo Dionísio de Halicarnasso

[9], "deve-se obedecer às coisas que a maioria decidir"

Apiano [10] diz: "Todos são obrigados a obedecera um decreto, sem admitir desculpa alguma." Plínio [11] diz que "todos devem observar o

que tiver sido resolvido pela grande maioria". A paz traz proveito mesmo para aqueles que ela obriga, se o quiserem.

V. Comoa soberania ou uma parte da soberania ou os bens do reino podem ser validamente alienados em vista da paz 1. Vejamos agora quais são as coisas que podem ser tema de um tratado [12] . Os reis, como são a maior parte hoje, que não possuem seu

reino em património, mas como a título de usufruto, não têm o poder de alienar a soberania por um tratado, nem em todo, nem em parte. Mais ainda, antes de receber a coroa tais fitos podem ser por uma lei pública declarados para o futuro inteiramente nulos, a ponto de não produzi-

rem sequerobrigação para os danos ou interesses.E provável que assim o quiseram os povos, com receio de que se fosse concedida uma ação ao contratante

para poder receber indenização, os bens dos súditos fos-

semtomados como dívida do rei e assim a precauçãotomada para impedir a alienação da soberania se tornasse inútil. [8] ,4b Urbe ao/]dlfa, XXl1, 20,6

[9] Livro XI, 56 [10] Livro VI (melhor, Políbio, V, 49) [11] .E]o])fujam,VI, 13 [12] Vasquez,

6b ]fro

]]7usfr.,

livro

livro 11, cap. VI, $ 111 e seguintes.

l

cap. 4, ondecita muitos deles,e cap. 5; ver

!382 H UGO

GROTIOS

2. Para que todo um Estado seja validamente

alienado é necessÉ

rio o consentimento de todo o povo, que pode ser dado por deputados da

partidos do povoque se chamam o/dons. Para que alguma porção d

um Estado sejaalienadavalidamente, énecessárioum duplo consenti mento: aquele do corpo e especialmente aquele da parte de que setrate como não podeladoser separada apesar dela do corpo ao qual está ligado Caso contrário, esta porção, sem o consentimento do povo, transferir;

validamente a outro a jurisdição sobre ela própria, num casode extre ma e inevitável necessidade,pois é provável que se tenha reservado est direito quando do estabelecimento da sociedade civil. 3. Nos Estados patrimoniais

nada impede que o rei aliene o rei

no. Pode, contudo, ocorrer que um tal rei não possa alienar algum: parte de seu império, no casoem que tivesse recebido seus Estados en propriedade, sobo encargo de não desmembrá-los. No tocante aos ben: chamados da Coroa, podem também ser incluídos no património do rei

de duas maneiras: separadamente ou junto com o próprio reino. Se ocorrer da segunda maneira, podem ser alienados, mas não sem o rei no; se da primeira, podem ser alienados, mesmo separadamente, 4. Com relação aosreis que não têm o reino em património (ve] livro 11,cap. VI, $ XIII), é difícil que o direito de alienar os bens do reine seja considerado como lhes sendo concedido, salvo que isso não pareça manifestamente pelos termos da lei fundamental

ou por um costume

que jamais tenha sido contradito.

VI. Até que ponto um povo ou os sucessores sáo obrigados em virtude da paz celebrada por um rei Dissemos em outro local (livro 11,cap. XIV. $ X e seguintes) a

e

que ponto o povo e ao mesmo tempo os sucessores são obrigados e virtude de uma promessa do rei, isto é, enquanto o poder de obrigar fi l

1383 CAPÍTULO XX- DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SE TRATA DOTRATADO DE PAZ, DA SORTE.DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO, DOS REFÉNS. DOS PENHORES

compreendido na soberania [13], o que não deve ser estendido ao infini-

to, nem restrito por limites demasiado estreitos [14] , mas entendido de

tal forma que aquilo que se apóia numa razão provável seja válido. Totalmente diverso será, se o rei é ao mesmo tempo o dono de seus sÚditos, tendo recebido um poder não somente civil mas despótico (ver livro 111,cap. Vlll,

$ 11) , como aqueles que reduzem à escravidão os que

foram vencidos na guerra. Ou se, não tendo de fato poder absoluto sobre

a pessoa,mas tem um poder sobre os súditos, como ocorria com o faraó

sobreas terras do Egito que havia comprado e outros que receberam estrangeirosem suaspróprias terras. Aqui o direito que orei tem, diferente daquele da soberania, pode tornar válido aquilo que, sem isso, não poderia subsistir pelo único direito da realeza.

yll. Os bens dos súditos podem ser cedidos pela paz em vista do interesse público, mas com o ónus da indenização 1. Pergunta-se ordinariamente também quais disposiçõespodem tomar, em vista da paz, sobre os bens dos privados, aqueles que são reis e que não têm outro direito sobre os bens dos súditos além do direito de rei? Dissemos em outro local que os bens dos súditos são colocados sob o

domínio eminente do Estado [1 5] , de ta] modo que o Estado ou aquele que representa o Estado pode usar desses bens e mesmo os destruir ou

os alienar, não somente num caso de necessidade extrema, mas tam' bém para a utilidade pública, à qual aqueles que se reuniram em sociedade civil devem ser considerados como que tendo querido sacrificar os interesses privados. [13] Vasquez, dict. cap. V. n. 9

[14] Ver Reinking, ]ivro ], c]asse 111,cap.V. n. 30. Ver também livro 11,cap.XIV, $ Vll e XII)

[15]Gail., Oós.BeZ1,11,57

1384

H UGO

GROTIUS

2. Deve-se acrescentar que, quando isso ocorre, o Estado é obrigado para com aqueles que perdem seu bem de indenizá-los com o di-

nheiro púb[ico [16], reparação púb]ica à qua] contribuirá também, se necessário, aquele que sofreu o dano. O Estado não pode ser eximido desseencargo se,por acaso,no momento presente, não tiver a possibilidade de o cumprir; mas todas as vezes que tiver os meios para tanto, a obrigação voltará como se tivesse sido mantida em suspenso.

VIII. Que decidir quanto aos bens já perdidos na guerra? Não admito sem distinção o que diz Ferdinand Vasquez [17], ou seja, que o Estado não deve tomar a seu encargo o dano causado duran-

te a guerra porque o direito da guerra permite causar outros danos semelhantes. Esse direito da guerra, como expusemosem outro local (livro

111, cap. VI, $ 11), diz respeito

a outros

povos e se relaciona

tam-

bém em parte aos inimigos entre si, mas não aos cidadãos entre si, porquanto estãoassociadoseéjusto que partilhem entre elesas perdas que sobrevêm por causa de sua associação [18]. Poderá, contudo, ser estabelecido pela lei civil que nenhuma ação seja movida contra o Estado em razão de uma coisa perdida na guerra, a ülm de que cada um defenda mais vigorosamente o que Ihe pertence.

IX. Não se distinguem aqui as coisas adquiridas pelo direito das gentes daquelas adquiridas pelo direito civil Há autores que colocam uma grande diferença entre as coisas que pertencem aoscidadãos pelo direito das gentes e aquelas que não possuem a não ser em virtude do direito civil, dando a essas um direito [16] Vasquez,]ivro ], cap.5, $ 151Rom.,Cona.310;Silvestr., /n Ueróo.Be/7um, 1,$ 43 [17] Cbnór /77usÉr., ]ivro ], cap. IV. no final

11.8À L. 52, Cum duobus,$ cuidam, Dig., Pro socio.

1385 CAPÍTULO XX- DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO, DOS REFENS.DOS PENHORES

mais absoluto ao rei e tal que possa despojar os proprietários sem com-

pensação e não lhes conferindo o mesmo direito sobre as outras. Está errado, pois a propriedade, de qualquer origem que provenha, tem sempre seus efeitos próprios, segundo o direito natural, e não se pode privar

ninguém, a não ser por razões ligadas essencialmente à propriedade ou que provenham de aros dos proprietários.

X. Aos olhos dos estrangeiros, a utilidade pública passa por comprovada Essa precaução de não alienar os bens dos privados serão para a

utilidade pública diz respeito ao rei e aos súditos, assim como aquela de indenizar o dano diz respeito ao Estado e aosindivíduos. Para os estrangeiros que contratam com o rei, o ato do rei lhes basta, não somente por causa da presunção que leva em consideração a dignidade da pessoa, mas também por causa do direito das gentes que tolera que os bens dos

súditos sejam empenhados por ates do rei(ver livro 111,cap. ll).

XI. Regra geral para a interpretação da paz 1. No tocante à interpretação das cláusulas da paz, deve-se observar o que estabelecemos antes (livro 11,cap. XVI, $ XII), ou seja, que

sedevetomar o que é mais favorável no sentido mais amplo, e dar ao que é mais desfavorável um significado bem mais restrito. Se considerarmos o mero direito de natureza, parece que essa máxima "Que cada um tenha o seu" formulada assim pelos gregos "eKaalov eeclv lct coco'tou",

esteja no lugar das coisas mais favoráveis e, por conseguinte, a inter pretaçãodas cláusulas ambíguas deve ter por resultado que aquele iãue tomoujustamente as armas obtenha aquilo por que as tomou e recupe re os danos e as despesas, mas não que ganhe alguma coisa por direito de punição, pois isso é odioso.

1386 H UGO GKOiiUS

2. Como não ocorre que se chegue à paz pela confissão de uma injustiça, deve-se nos tratados tomar a interpretação que torne mais

possivelmente igual a condiçãodas partes, com relação à justiça da guerra, o que se faz principalmente de duas maneiras; uma, concordando que as coisas cuja posse teria sido perturbada

pela guerra [19] se

esvaziem segundo a fórmula do antigo direito que cada um tinha sobre

elas (essas são as palavras de Menippus [20] no discurso em que fala

das diferentes espécies);a outra, concordandoque as coisasfiquem no estado em que estão, o que os gregos exprimem assim : "Que tenham o que têm."

XH Na dúvida, acredita-se que foi concordado que as coisas fiquem no estado em que estão; como isso deve ser entendido 1. Desses dois meios se prefere, na dúvida, o segundo porque é mais fácil e não traz mudanças. Daí a observaçãoque foi feita por 'h'ifonino

[21] , isto é, que a paz não dá direito de postlimínio

senão aos

prisioneiros dos quais se fez menção no tratado, como dissemos antes (nesse livro, cap. IX) e que Du Faur havia judiciosamente corrigido, como o provámos por razões evidentes. Por isso é que igualmente os trânsfugas não serão devolvidos, salvo que se tenha concordado a res-

peito. Acolhermos trânsfugas [22] pelo direito da guerra é o que nos é permitido por essedireito [23], isto é, admitir e contar entre nossos próprios cidadãos aquele que muda de lado. As demais coisas ficam, em

virtude de tal tratado, com aquele que as detém. [19] Ver Paruta, livro V. [20] Tiro Lívio, .4ó [/róe Cnz2dfa, XXXIV. 57.8. ZXX L. 12, in Bello, Dig., De captivis. 22À L. 51, Quallquam, Dig., l)e acquir. rer. dolnin.

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1387 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUER'RA.ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

2.A palavra manferé tomada não civilmente, masnaturalmente. Nas guerras, de fato, uma possede fato basta e não se pedeoutra. Para as terras [24], dissemos (livro 111,cap. VI, $ IV) que podem ser mantidas se foram fechadas por algumas obras de defesa,pois aqui nao

seconsidera uma permanência temporária, comoum acampamento. Demóstenes,em Ctesifonte [25], diz que Filipe se apressavaem tomar tantos lugares quantos pudesse, sabendo muito bem que, como a coisa era certa, após a paz negociada, ele ficaria com o que teria. Com relação às coisas incorporais

(ver livro 111,cap. Vll, $ IV), não podem ser pos'

puídas senão através das coisas às quais estão ligadas, como as posses

edificadas; ou das pessoasàs quais pertencem, contanto que não se trate de exercer esses direitos no território

que pertenceu aos inimigos.

XIII. Que decidir se foi concordado que todas as coisas sejam restabelecidas no estado em que se encontravam antes da guerra No que diz respeito a outro meio de acomodamento, pelo qual se restabelece a posse conturbada pela guerra, deve-se observar que se

leva em consideraçãoa última posseque existiu antes da guerra, de modo que contudo seja permitido, aosprivados de posses,agir najustiça por ação possessória ou por reivindicação

XIV Quando aqueles que, tendo sido independentes, se submeteram voluntariamente à dominação de alguém, não devem ser liberados Sealgum povolivre sesubmeteuvoluntariamente a um dosbeligerantes, a restituição não se estenderá a ele, pois ela não diz respeito senão às coisas feitas por efeito da violência, dotemor ou de uma agressão [24] Decius, tomo 111,Cona. 74 [25] Z)e oOU'OJ?a,26.

1388

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GxOTiUS

que não seja permitida senão contra um inimigo. Assim é que pela paz concluída com os gregos,os tebanos retiveram P]atéia [26], dizendo que "deviam esse lugar não à violência, à traição, mas à livre vontade daqueles a quem havia pertencido". Foi em virtude de semelhante direito que Niséia ficou com os atenienses. Tu]]ius Quinctius [27] usava da mesma distinção contra os habitantes de Etólia, dizendo: "Esta cláusula dizia respeito às cidades tomadas, mas as cidades da Tessália voluntariamente se colocaram sob nossa dominação."

XV Na dúvida, os danos causados pela guerra são considerados remidos Se nada mais foi concordado, deve-se supor, em todo tratado de paz, que se tenha definido que não possa ter lugar qualquer ação em razão dos danos causados na guerra; o que deve se entender mesmo em relação aos danos soü'idos por privados, pois esses são efeitos da guerra.

Na dúvida, de fato, presume-seque osbeligerantes quiseram que nem um nem outro fosse condenado como culpado de injustiça.

XVI. Náo é o mesmo para as coisas que eram devidas a cidadãosprivados antes da guerra As coisas que começaram a ser devidas a privados antes do come-

ço da guerra não devem, contudo, ser consideradas restituídas [28],

pois essascoisasnão foram adquiridas pelo direito da guerra, mas é somente a guerra que impede que o reembolso seja exigido. Por isso é

1261Passagem que se encontra em Tucídides, livro V. 17. Uma passagem semelhan-

te a havia precedido (livro 111,52): 'P7aÉÓ/b náo áo devo/wdaporque Áaójra/ fes da cidade se entregaram voluntariamente. [27] Tiro Lívio, .4ó Z:/róeOo/?d;#a,XXXl11, 13,12

l2SI Dec. Co/?s.61

1389 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINAL GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO, DOS REFÉNS. DOS PENHORES

que, supresso o impedimento, retomam sua força. Quanto ao direito existente antes da guerra, embora não deva ser considerado facilmente

tirado de quem quer que seja, porquanto foi sobretudo para manter cada um de posse de seus bens que as Repúblicas e os Estados foram estabelecidos, como o diz com razão Cícero [29], é preciso entender isso, contudo, a partir daquele direito que surge da desigualdade das coisas.

XVII. Mesmo as punições merecidas pelo Estado antes da guerra são, em caso de dúvida, consideradas remadas Não ocorre o mesmo com o direito de iní]igir castigos [30], pois esse direito, enquanto

se aplica entre os reis ou os povos, deve ser consi-

derado abandonado por temor que a paz não seja realmente paz, se deixar subsistir antigas causas de guerra. Por isso é que as próprias coisas que eram ignoradas serão compreendidas sob os termos gerais, como aconteceu com mercadores romanos que, segundo relato deApiano

[31], os próprios romanos não sabiam que haviam sido afogados pelos cartagineses. Dio.nísio de Ha]icarnasso [32] escreve:"As me]hores reconciliações são aquelas que abrandam a ira e apagam a lembrança das

ofensas." ]sócrates [33] diz que "na paz, não se deve recorrer aos crimes

anteriores

XVIII. Que decidir quanto ao direito de punir que os privados têm? No que diz respeito ao direito doscidadãos privados de infligir um castigo, a razão não é tão grande para que seja considerado remido, porque pode ser exercido por meio dos tribunais, sem recorrer à guerra.

[29] Z)e (2EZ7bz]s, 11, 21,73. [30] Gail., Z)enresíl), [31] PU/?J'Ca, 5.

[32] Livro 111,8 [33] P7aéalca, 7

cap. X]V. n. 7.

l 1390 H U GO

GKOtl

US

Como esse direito, contudo, não nos pertence da mesma maneira que aquele que nasce da desigualdade e como as penas têm sempre alguma coisa de odioso, uma leve conjectura de palavras bastará para que esse direito seja também considerado como reposto.

XIX. O direito pretendido pelo Estado antes da guerra, mas que era contestado, se considera remadosem dificuldade O que dissemos a respeito do direito existente antes da guerra que não deve facilmente ser considerado perdido, deve ser observado geralmente a respeito também do direito dos privados. Quanto ao direi-

to dosreis e dospovos,há mais facilidade para que alguma reposição seja considerada feita, se contudo os termos ou conjecturas não improváveis permitem crer que assim seja e sobretudose o direito de que se trata não era líquido, mas contestado.De fato, é benfazejo acreditar que houve a proposta de aniquilar as sementes da guerra. O mesmo Dionísio

de Halicarnasso [34] , há poucocitado, diz: "Não é precisopensar tanto em restabelecer a amizade no momentopresente, mas sim dispensar cuidados para não sermos novamente envolvidos numa guerra. Nós não vivemos em sociedadepara prolongar nossos males, mas para extirpá-los." Estasúltimas palawas sãopraticamente copiadasliteralmente de lsócrates [35], de seu discurso sobre a paz.

XX. As coisas apreendidas devem serrestituídas após a paz Consta de modo suficientemente claro que as coisas que foram tomadas depois da conclusão dos tratados devem ser devolvidas, pois o direito da guerra já não subsistia mais. 134] Livro 111,9. 135] Z)e Face, lO

1391 CAPiTUtO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE RETRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

Algumas regras sobre a convençãode devolução das coisas apreendidas durante a guerra Nos tratados [36] re]ativos à restituição das coisas apreendidas

na guerra, deve-seem primeiro lugar dar um sentido mais amplo às cláusulas que são recíprocas do que aquelas que favorecem somente uma das partes; em segundo lugar, aquelas que tratam dos homens são mais importantes que aquelas que tratam das coisas; e entre aquelas que são relativas às coisas, as que se referem às terras têm mais impor' tância que aquelas que se referem às coisasmobiliárias. Os artigos que tratam das coisas pertencentes ao público são preferidos aos relativos às coisas pertencentes aos privados e entre os artigos que tratam do que

pertence aos privados, aqueles que ordenam devolver as coisas que se possui a título lucrativo obrigam de modo mais incisivo que a devolução do que se possui a título oneroso, como as coisas adquh'idas por compra, por dote]37].

XX].l. Dos frutos Quando se concede a alguém uma coisa pela paz, concede-se também os frutos a partir

do tempo da concessão e não retroativamente,

o

que César Augusto [38] sustentava com razão contra Sexto Pompeu que, depois que Ihe haviam cedido Peloponeso, reclamava ao mesmo tempo para ele próprio os tributos que eram devidos de anos passados.

XXIII. Dos nomes dos países Os nomes dos países devem ser entendidos segundo o uso do tempo presente [39] , não tanto de acordo com o uso popular, mas segundo o das pessoas esclarecidas, pois tais negócios costumam ser tratados por pessoasesclarecidas. [36]Alc. V. resp. 17. [37] Marcus Tullius Cicero, Z)e (2/õcíz:s,11, 23,81. [38] Apiano, Z)e .Be/T.OIK, V. 77 [39] Ver Guichardin, livro V (]itígio entre franceses e espanhóis)

1392

H

UGO GROllUS

XXIV Da referência a uma convenção precedente e daquele que cria impedimentos Aqui estão ainda regras que são de uso frequente. Todas as vezes

que houver referência a algum tratado anterior ou antigo, todas as cláusulas e condições expressas no primeiro tratado devem ser tidas por acatadas. Deve-sereputar comofeito aquilo que alguém quis fazer, se foi impedido de fazê-lo por aque]e com quem estava em ]itígio [40].

XXV Do prazo Aquilo que alguns dizem, que o atraso comporta uma desculpa,

quando foi encerrado em limites restritos, não é verdade, salvo que uma necessidadeimprevista tenha sido a causa do impedimento [41]. Alguns cânones são favoráveis a essa desculpa, não é de estranhar, porquanto seu dever é de levar os cristãos às coisas que convêm à caridade fraternal. Mas nesta questão da interpretação dostratados, não procuramos o que é melhor, nem mesmo o que a religião e a bondade exigem de cada um. Procuramos sim aquilo a que se pode ser obrigado, o que está totalmente compreendido nesse direito que chamamos de exterior.

XXVI. Na dúvida, a interpretação deve pender contra aquele que ditou as condições Quando um sentido é ambíguo, é preferível que a interpretação se volte contra aquele que ditou as condições [42] , o que de ordinário está do [ado do mais poderoso. Aníba] [43] diz: "Compete ao que dá, não [40] Marcus Fabius Quintilianus, .Dea/amaüones, 343 [41] Ver Albert Argent [42] Plauto(Pera.,

586) escreve:

'H mercadoria

é fua,

a íl c'oinpí?fe

esfaóe/ecer

o

preço." Deste modo, geralmente fala por primeiro aquele que é mais poderoso,

mas quandose trata de pedir condições,entãoé o mais fraco que começaa

EaJazÕ Em guita(467 C), Plutarco escreve: 'Zbmpefe aos que p2'ec2)amde paz

falar primeiro. Ao vezlcedor, basta que se cale. [43] Tito Lívio, ,4ó Z:/rbe a0/7difa, XXX, 30,24.

1393 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE, DO COMBATE COM81NADO, DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO, DOS REFÉNS.DOS PENHORES

ao que pede, estabelecer as condições de paz." Precisamente do mesmo

modo que a interpretação se vo]ta contra o vendedor [44] .Aque]e que

não se expressoumais claramente tem, de fato, de se culpar a si próprio. Quanto à outra parte, pede com direito interpretar o que tinha vários sentidos, segundo aquele que Ihe era mais vantajoso. O que Aristóteles [45] disse tem re]ação com isso: "Quando a amizade é funda-

da no interesse, a utilidade daquele que recebe é a medida do que é devido.

XXVII. Fornecer uma nova causa para a guerra e romper a paz sáo coisas distintas A questão seguinte é também de uso quotidiano. 'l\'ata-se daque-

la de saber quando a paz é considerada rompida, o que os gregos chamam "7tapctanovotlpa". Não é a mesma coisa fornecer uma nova causa

à guerra e romper a paz, mas há uma grande diferença entre elas, tanto a respeito da pena em que deve incorrer o infrator, quanto com

relaçãoao que diz respeito às outras cláusulasdo tratado, ao descompromissoda palavra daquele contra o qual alguém se tornou culpado.A paz se rompe de três maneiras: agindo contra o que é essencial a toda paz, ou contra o que foi claramente expressona paz, ou contra o que se deve presumir da natureza de uma certa espéciede paz.

XXVIII. Como se rompe a paz violando as condições essenciais de toda paz Contra o que é essencial a toda paz: se for cometido

algum ato de

hostilidade à mão armada, quando, bem entendido, não há nenhuma causa nova para agir desse modo. Se for possível dar alguma razão

[44] .L Sg Referi'Óu8 Z)lb, De pacéÜ. [45] .éfl'ca a NI'cómico, V]11, 15

1394

H UGO

Gxoiius

plausível, seria melhor acreditar que uma injustiça foi cometida sem perfídia antes que com perfídia. Vale a pena relembrar estas palavras de Tucídides [46] : "Não sãoaqueles que rechaçam a força pela força que

rompem a paz, mas aquelesque por primeiro atacam os outros" [47]. Isto posto, é preciso ver da parte de quem e contra quem um ataque armado rompe a paz.

XXIX. Que decidir se os aliados cometeram violências? Sei que há autores que pensam que, se aqueles que foram aliados fazem qualquer coisa semelhante, a paz será rompida. Não nego que se

possa concordar que sim, de modo que, não que um se torne, propriamente falando, responsável do fato de outrem, mas que a paz não pareça plenamente selada e que não esteja sob condição, em parte sob a égide do poder e em parte casual. Entretanto não se deve acreditar que

a paz tenha sido feita dessa maneira, a menos que isso transpareça de modo manifesto. De fato, seria contra as normas e isso não convém ao voto comum daqueles que gelam a paz. Aqueles, pois, que cometeram esses atou de hostilidade, sem serem ajudados por outros, serão res-

[46] Livro 1, 123 1471Ver Amiano Marcelino que assim se exprime a respeito dos romanos, no início la \talo

mlX

(\, \).

"Retirando-se

de modo premeditado

para

leão serem

os

primeiros a atacar os adie!'safios e não serem acusadosde romperem a aliança, não se !andaram ao ataque senão no momeJlto extremo." B.m Proc6y\a ÇPersÍc., 11,3), os armênios dizem em seu discurso a Cosroé: 'Rompen] â paz náo aqueles que por primeiro í;amam eln armas, Dias fique.les que, }llesmo no período de vigor da aliança, são surpreeJldidos arfando ciladas a seus aliados." 'Eqomesma historiador

( Banda/ic., 11, 11), os mouros dizem: "Os qz/e ro/npe/n a paz nâo são

aqueles que, vítimas de injúrias e queixando se abertamente, se pastam do lado !o adversária do agressor,mas aqueles quelevam ameaçasà parte que desejam

por aliada, torna!\dc-se assim seguramente inimigos. Não são aqueles que, rompendo com uln aliado, não o fazem senão em próprio beneHcic,mas aqueles ]ue, tomalldo os bens alheios, reduzem os legítimos praprietáüos à necessidade i.e se exporem aos perigos da gue!'!a

1395 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINAA

GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ.

DA SORTE,DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS, DOS PENHORES

ponsáveis pela ruptura da paz e subsistirá o direito de mover guerra contra eles, não contra os outros. Disso é que os tebanos [48] por vezes acusavam os aliados dos lacedemânios.

XXX. Que decidir, se são súditos e como se deve presumir que seu procedimento é aprovado? Se súditos cometem algum ataque à mão armada, $emordem da autoridade pública, dever-se-áverificar se pode ser dito que a ação dessescidadãos privados é aprovada pelo Estado. Pode-se facilmente julgar pelo que dissemos antes (livro 11,cap. XXI, $ 1l e seguintes) que por isso

três coisas sãorequeridas: o conhecimento, o poder de punir e a negli-

gência de o fazer. Fatos manifestos ou notificados provam o conhecimento. O poder se presume, salvo que não apareça que houve revolta. A

expiração de um espaçode tempo como aquele que, em cada Estado, é ordinariamente tomado para punir os crimes, demonstra a negligência e semelhante negligência vale tanto quanto um decreto. Por isso não se deve entender de outro modo o que diz Agripa em Josefo [49], que o rei

dospartas considerava a paz rompida se seus súditos marchassem em armas contra os romanos .

XXXI. Que decidir, se os súditos se põe a serviço de outros poderes? Pergunta-se muitas vezes se isso ocorre igualmente quando os súditos de alguém não toma m suas próprias armas, mas se colocam a serviço dosoutros que fazem a guerra. Seguramente os ceritas, em Tlito [48] Pausânias, livro ]X, ]. [49] De .BeiçoJudaico, 11, 16,4

1396

H UGO

GROTIUS

Lívio [50], se justificam a]egando que os membros de sua nação não

tinham tomadoem armas em virtude de um ato da autoridade Pública A defesa dos habitantes de Redes [51] foi também a mesma. Parece mais verdadeiro dizer, contudo, que isso não é permitido, a não ser que pareça, por razões plausíveis, que se tem o direito de assim agir. Isso acontece por vezes em nossos dias, seguindo o antigo exemplo dos habi-

tantes da Etólia [52], para osquais era comoque um direito estabe]ecido "saquear o que fora saqueado". Tal era a força desse costume, diz Políbio [53], que, "se outros povos estão em guerra entre si, fossem e]es

amigos, aliados, nada impedia os etólios de se unirem a um ou a outro [ado, sem qua]quer decreto público a respeito [54], e de saquear a am-

bos". Sobre os mesmos, Tito Lívio [55] escreve: "Permitem a seus jovens de tomar partido contra seus aliados. A esse costume só falta a autorização do Estado. Exércitos contrapontos entre si possuem muitas vezes, cada um de]es, auxi]iares etó]ios." Outrora os etruscos [56] , recu-

sando auxílio aos veios, não impediam que seusjovens que quisessem partissem para essa guerra.

XXXII. Que decidir, se os súditos foram prejudicados? Uma distinção é feita 1. A paz deve ainda ser considerada rompida, não somente se for atacado todo o corpo do Estado, mas mesmo quando se atacasse à mão armada os súditos, bem entendido sem nova razão. Apaz é concluída 150] ,áó Z:ü-óeao/ldlfa, [51] Aulus

Gellius,

Vl1, 20,5

Àrocées .4fflcae, V], 3

[52] Tullius Maccius Plautus, 7}ucu/enfus, 567: 'Z'u gagueja o saque. [53] Livro XVl1, 4,5. Ver também o próprio em .Eraerpéa,n. 6 [54] Agatias (livro IV. 13) conta a mesma coisa dos hunos sabírios de seu tempo [55] .4Ó Z:XTÓc? ao/]dl'fa, XXX]1, 33,5 [561 Tito Lítio, .4ó Z:/2-óeCo/ dv a, V. 17,9.

1397 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO, DOS REFÉNS. DOS PENHORES

para que todos os súditos estejam em segurança. A paz é, de fato, um ato do Estado para o todo e para as partes Moais ainda, mesmo se houver uma nova razão, será permitido durante a paz defender-se a si e aos

E natural, como diz Cássio157], rechaçar as armas pelas armas. Por isso não é fácil acreditar que a isso se renuncie entre iguais. Não será, contudo, permitido vingar-se t)u recuperar pela violência as coisas

levadas, a não ser que, após decisão judicial, persista a recusa em res-

tituir, porquanto uma coisa comporta mora, outra não. 2. Se o malefício dos súditos continua de tal modo sem interrup' ção [58] e for de ta] modo contrário

ao direito natural,

que aquilo que

fazem, devem fazê-lo supostamente com a total desaprovação daqueles

que governam e que não se possa recorrer à justiça contra eles, como sãoos que exercem a pirataria, será permitido recuperar de suas mãos

osbens que tomaram, vingar-se deles, como se tivessem sido entregues.Por causa disso, porém, atacar com as armas outras pessoasque sãoinocentes é agir contra a paz-

XXXlll. Que decidir se se prejudicou os aliados? Cabeigualmente uma distinção. 1. Um ataque à mão armada contra aliados também rompe a paz [59] . Contra somente aqueles que foram compreendidos na paz, como mostramos quando examinámos (livro 11,cap. XVI, $ 13) a controvérsia de Sagunta. Os coríntios insistem sobre esse ponto no discurso que se

[57] Z. ],

Hh

vl] 22ib,

.De ü ef vl a/m

[58] Assim foi que Augusto se pronunciou contra Silas e em favor de Herodes (Flávio Josefo, .4nólküJdades Judaicas, XVI, 16)

[59] De Thou, ]ivro XV, ano de 1578. Algo a respeito se pode ver também em Haraeus, tomo ll da história de Brabante, comrelação ao ano de 1556

1398

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GROTIUS

encontra em Xenofonte, no livro #7sfór:ü Gz'e#a [60]: "Todos nós jura-

mos a todos vós." Se os próprios aliados não estiveram presentes no ato de firmar o tratado, mas outros os representaram, deve-se, no entanto,

decidir a mesma coisa, a partir do momento em que é suficiente que conste que esses associados ratificaram

a paz, pois enquanto perdurar a

incerteza de que quisessem ratifica-la são considerados como inimigos.

2. A causa dosoutros aliados, comotambém aquela dos indivíduos ligados pelo parentesco e afinidade que não são súditos, nem nomeados na paz, é separada [61] e um ataque contra eles não pode ser considerado como uma ruptura da paz. Entretanto, não se segue,como o dissemos antes (livro 11,cap. XVI, $ XIII), que a guerra não possa ser

movida por este motivo, mas esta guerra teria lugar em virtude de novacausa.

XXXIV Como se rompe a paz, agindo contra o quefoidito napaz? A paz se rompe também, comodissemos,fazendo alguma coisa de contrário do que foi dito na paz. Sob o termo vaza'compreende-se não

fazer o que se deve e no tempo devido.

XXXV. Se é preciso distinguir entre os artigos da paz Não admitiria tampouco aqui a diferença entre os artigos da paz que são de grande importância e aqueles que são de pouca importância.

Aqueles, de fato, que foram inseridos na paz devem parecer suficientemente importantes para serem observados.Abondade contudo, prin-

[601 J?Jb#.Graec.,V], 5,37 [61] Cep. Cons. 690; Dec. Cona. 531

1399 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SETRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

cipalmente a bondade cristã, perdoa facilmente leves faltas, sobretudo sehouver arrependimento, a ülm de que esta máxima [62] encontre sua aplicação: "Aquele que se arrepende de ter pecado é quase inocente." Mas para conferir mais garantias à paz, seria conveniente acrescentar aos artigos de menor importância

(ver livro 11, cap. XV. $ XV) que, se

algo for cometido contra eles, isso não venha a romper a paz [63], ou ainda que haja recurso a árbitros antes de permitir tomar em armas.

Isto estava estipulado no tratado do Peloponeso, como o relembra 'lUcídides [64] .

XXXVI. Que decidir, se uma pena foi acrescida? Estou plenamente convencido que isso parece ter sido concordado

dessaforma, se alguma pena especial foi acrescida [65]. Não que eu ignore que se possa contratar de maneira que a escolha caiba àquele contra quem uma agressão foi feita, de preferir a pena ou de renunciar à convenção, mas porque a natureza do negócio requer antes o que eu

disse. Nisso reside a verdade e isso foi já dito antes (livro 111,cap. XIX,

$ XIV). Além disso, foi provado pela autoridade da história que não rompe a paz aquele que descura por último os compromissos contratadospura e simplesmente, porquanto a isso não era obrigadosenão sob condição.

XXXVII. Que decidir se a necessidade põe um obstáculo? Seocorrer que alguma necessidadese torne causa para que uma das partes não execute o que foi prometido, por exemplo, se a coisa pereceu ou se foi roubada ou se algum acidente tornou o fato impossível, [62] Sêneca, .4ganJen /]o, 244 [63] Ver um notáve] exemp]o no tratado de paz entre Justiniano e Cosroé. Menandro o Protelar, menciona esse tratado (.8rcerp . Legal. Ro/n.)

[64] Livro V. 79 [65] Como nos pactos entre godos e francos. Ver Pi-ocópio,Gofóãic., 1, 12.

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a paz não deve ser considerada rompida. Como dissemos, não Costuma depender de uma condição casual. Mas a outra parte poderá escolher, se

prefere esperar, no caso em que houver alguma esperança que a promessa possa ser cumprida mais tarde ou então receber por estimativa a

coisa prometida ou ser desobrigadade outras cláusulas recíprocasou equivalentesàquela.

XXXVIII. Mesmo se a palavra tiver sido violada, a parte inocente pode conservar a paz Seguramente, mesmo depoisque a palavra foi violada, existe a liberdade para a parte inocente de conservar a paz, como fez Cipião depois de numerosas perfídias dos cartagineses (ver, neste livro, cap. XIX, $ Xlll e seguintes) porque ninguém se desliga de uma obrigação agindo contra essa obrigação. Se foi acrescido que a paz deva ser conside-

rada comorompida por tal fato, essacláusula deve ser qualificada como acrescida unicamente no interesse do inocente, se quiser dela se servir.

XXXIX. Como se rompe a paz, violando o que é específico de uma certa espécie de paz Em último lugar dissemos que a paz se rompe fazendo o que a natureza particular da guerra repudia.

XL. O que recai sob a denominaçãode amizade 1. Assim, as coisas que são contra a amizade rompem a paz con' tratada sob a condição de amizade, pois o que só o dever da amizade exigiria entre outras pessoasse torna aqui obrigação pela lei do tratado. Refiro a esse caso (mas de modo algum com referência a todo tipo de paz, pois há também tratados que não são feitos com o fim de selar a

1401 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITUUÇÃO, DOS REFÉNS. DOS PENHORES

amizade conjunta, como nos ensina Pompânio [66]) muitas coisas que, relativas às agressões feitas sem armas e aos ultrajes, são geralmente,

para osjurisconsultos, um assunto de dissertação. Veja-se especialmente

esta passagem de Cícero [67] : "Após a reconciliação, se alguma ofensa for cometida, não é mais vista como um efeito de negligência, mas como uma violação da amizade, nem como uma imprudência, mas como uma

perfídia." Aqui se deveainda, no entanto, tanto quanto possível,tirar da ação seu caráter odioso

2. Por isso é que, ainda que a injúria tenha sido feita a uma pessoaíntima ou submissa, não será considerada como feita contra aquele com quem a paz foi selada, salvo que não tenha sido feita aberta-

mente para insultar. As leis romanas [68] seguem esta equidade natu-

ral comrelação aosescravoscruelmente maltratados. O adultério ou o estupro deveriam ser imputados antes à paixão do que à inimizade. A usurpação do bem alheio seria motivo de acusaçãode nova cobiça, antes que de uma violação da palavra dada

3. Seguramente, ameaçasviolentas, sem que tenham sido prece' lidas de um novo motivo para fazê-las, são incompatíveis com a amiza' de. Referiria

a isso as fortalezas erguidas junto às fronteiras,

em vista

não de se defender, mas de prejudicar. Um recrutamento inusual de tropas, se parecer, por indícios suficientemente plausíveis, que esses preparativos não são feitos senão contra aquele com o qual a paz foi selada

y66ÀL. 5, Postiiminii, [67] Pro Cabia.(em

Díg., De captivisJerânimo, Jpo/CZgla adç'ersus Litros

RuÉ7n2,l, l)

VG8À L. l, Item si cui, Díg., De injur.; Instit., $ Servis, eodemtit.;Alex., Cona.11,n. 3.

1402 H

UGO GROtiUS

XLI. Se é agir contra a amizade acolher súditos e exilados 1. Não é contra a amizade [69] aco]her indivíduos isolados que querem passar de uma dominação a outra. Essa liberdade, de fato, não é somente natural, mas é ainda favorável, como o dissemos em outro

local (livro 11,cap. W $XXIV). Colocono mesmo patamar o asilo dado aos exilados. Nenhum direito é dado ao Estado contra os exilados, como

dissemos em outro local (ibidem, $ XXV), citando Eurípides. Com razão é que Perdeu, em Tito Lívio [70], diz: "Para que serve que o exílio esteja

disponível para alguém, se não há lugar no mundo para acolher o exila-

do?"Aristides, num discursoem Leuctres [71], designaofato "de levantar os que caem, direito comum dos homens; dar guarida aos exilados,

é também o direito comum dos homens'

2. Não é certamente permitido, como dissemosem outro local [72], aco]her cidades inteiras ou grandes massas de homens que fazem parte integrante de um Estado, nem aqueles que devem seu serviço ou seu trabalho de escravos em vü'tude de um juramento ou por outro

[69] cólon (Plutarco, So/on, 91 F) não deixava inscrever no álbum dos cidadãos senão aqueles que haviam sido rechaçados de sua pátria, condenadosa exiba perpétuo, ou aquelesque tivessem emigrado com toda a família para Atenas, a 6im de exercer uma atividade. Em Apiano (ZrcerpÉa Zegaflbnum, n. 25). Perseu

hz "Agi em conformidade com o direito comum dos homens, segundo o qual ç,cás recebes es /#ua/me/?íe exz7adosde ou/ras nações." Esse direito comum é

geralmente confirmado ou fortalecido por tratados. Ver o tratado de paz de Antíoco, em Políbio (Ercerpfa Z%af., n.'25) e em Tito Lívio; o tratado entre os romanos e os persas, em Menandro, o Protelar; ver também Simler. sobre as convenções dos suíços entre si. Estrabão (limo XVI, 2,14) atesta: "Os iaó/fan' ;es de Arádia, enquanto os reis da Síria guerreavam entre si, tiveram permis-

são de concederrefúgio aos fugitivos, mas sem poder rechaçá-los [70] HÓ 27/Óeao/]dJ'fa,XLl1, 41,7 [71] .LeucÓÜaa, l

[72] Livro 11,cap.V. $ XXIV. Ver também Bizarro, livro Xll

1403 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINAL GUERRA.'ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ, DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

motivo. Lembramos antes (livro 111,cap.Vll, $VIII) que, entre alguns povos, a mesma coisa foi introduzida pelolusgenüum

(direito das gen-

tes), com relação àqueles que se tornaram escravos em decorrência da guerra. Quanto à obrigação de entregar aqueles que, sem serem exila-

dos,fogem de uma pena legítima, já falamos em outro local (livro ll, cap. XXI, $ 111e seguintes).

XLll. Comose termina a guerra por sorte O êxito da guerra não pode semprelicitamente ser submetido à chance da sorte, mas somente todas as vezes que se trata de uma coisa

sobrea qual temosum pleno direito de propriedade.Um Estadoestátão rigidamente obrigado a defender a vida de seussúditos, seu pudor e outras coisas semelhantes e um rei a proteger o bem do Estado para poder omitir os meios que são mais naturais para a defesade si mesmo e dos outros. Entretanto, se, no final das contas, aquele que for envolvi-

do por uma guerra injusta for de tal maneira inferior que não possa alimentar qualquer esperançade resistir, pareceque possaoptar pelo caminho da sorte, a fim de escapar de um perigo certo através de um perigo incerto. Este, de fato, é, de dois males, o menor.

XLlll. Como,por um combate combinadoe se é lícito 1. Segue a questão muito debatida dos combates concordados

para pâr Rm à guerra, entre um número determinado de homens.Um só,por exemplo, de parte e outra, como entre Enéias e Ttirnus, Menelau e Pária. Dois contra dois, como entre os etólios e os eleanos [73] . T\'ês

[73] Pausânias, ]ivro V. 4,2

1404

H UGO

GROTIUS

contra três, como entre os Horácios romanos e os Curiáceos albanos

[74]. b'ezentos dos dois lados, como entre os lacedemânios e os argenses. 2. Se considerarmos somente o./usgenZlum externo, não há que duvidar que tais combatesnão sãopermitidos por essemesmo direito.

Essedireito, de fato, permite indistintamente a matança dosinimigos. Se a opinião dos antigos gregos, dos romanos e outras nações era verda-

deira, que cada um é dono absoluto de sua vida, a justiça interior não faria tampouco

oposição a esses tipos de combates. Dissemos já (livro ll,

cap. XIX, $ V e cap. XXI, $ 1), contudo, várias vezes que essa opinião está em oposição com a regarazão e os preceitos de Deus. Demonstramos em outro local (livro 11,cap. 1, $ Xll e seguintes), pela razão e pela

autoridade dosoráculos sagrados,que pecacontra o amor do próximo aquele que mata um homem para conservar bens que deles nem pode-

ria precisar. 3. Acrescentaremos agora que peca contra si mesmo e contra Deus aquele que estima tão poucosua vida que Deus Ihe concedeucomo um grande benefício. Se se trata de uma coisa que exija mover guerra, como seria a salvação de um grande número de inocentes, deve-seentão

empregar todas as forças. Fazer uso do combate concordado, como de um testemunho da boa causa ou como de um instrumento do julgamen-

to divino, é uma coisa vã e estranha à verdadeira piedade [75] . 4. Há uma só coisa que pode tornar um tal combate legítimo e justo, do lado somente de uma das partes. 'l)'ata-se do fato de se esperar de qualquer modo que, agindo de outra maneira, aquele que sustenta a

causa injusta seja vencedor a preço de uma grande matança de inocen-

[74] Tito Lívio, .4ó Z://óe Cb/7d)Éa, 1, 24 e seguintes

l7õl TomasdeAquino, 11,2, quaest. 95, art. 8; ibid., Cajetan.)

!405 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINAL

GUERRA,ONDE SE TRATA DOTRATADO DE PAZ

DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO, DOS REFÉNS, DOS PENHORES

tes [76] . Não há, de fato, nada a imputar ao que prefere combater por essemeio porque Ihe faz entrever uma esperança talvez mais provável. Mas é verdade também que certas coisasque não convém fazer não são comrazão aprovadas por outros, mas são permitidas para evitar males mais graves que, de outra forma, seriam inevitáveis. Assim é que em

muitos lugares, a usura e a prostituição feminina sãotoleradas. 5. Assim, pois, o que dissemos acima (livro 11,cap. XXlll, $ X), quando se tratava dos meios de prevenir a guerra, que se dois príncipes

entre os quais houver contestação pela coroa estão prestes a resolver entre eles sua divergência pelas armas, o povo podetolera-lo para evitar uma infelicidade maior, sem isso iminente [77] .A mesma coisa deveria ser dita quando se trata de põr 6im à guerra. Assim é que Cito provocou o rei da Assíria [78] . E também que, em Dionísio de Halicarnasso

[79] ,

Menus diz que não seria injusto seos príncipes dospovosresolvessem entre eles próprios suas diferenças pelas armas [80], se setratasse de seupoder ou de sua dignidade e não daquela de seus povos Assim também é que lemos que o imperador Herác]io [81] havia travado seu combate singular com o filho do Cosroés, rei da Pérsia. [76] Cajetan., na passagem mencionada. 1771Aegid. Regius, Z)i'sp. .7Z duó. 2, n. ]8.

[78] E que, bem antes, Halo provocou Euristeu. Ver Eurípides (.17erac/.,800 ss.). [79] Livro 111,12

também o que os historiadores contam das provocaçõesentre o imperador

Cardos V e o rei da Fiança,Francisco l.

[81] Ver Aymoinus, livro IV. cap. 21 e Fredegário, cap. 64.

1406

H UGO

GROTIUS

XLIV Se o fato dos reis obriga aqui os povos De resto, aqueles que remetem assim a decisão de sua controvérsia ao êxito de um combate podem, na verdade, se tiverem algum direito, se despojar a si mesmos, mas não podem conferir um direito à outra

parte que não o tem, ao menosnos Estadosque não sãopatrimoniais. Por isso é que, para que o acordo tenha efeito, é necessário que consiga

o consentimento do povo e daqueles, sejá nasceram, que têm um direito à sucessão. Nos feudos não â'ancos o próprio consentimento

do dono ou

senhor.

XI.V. Quem deve ser considerado vencedor 1. Muitas vezes, nos combates, pergunta-se qual dos dois deve ser considerado vencedor [82]. Não podem parecer vencidos senãoaque-

les que tiverem sucumbido ou foram postos em fuga. Assim, em Tito Lívio [83], retirar-se em suas fronteiras ou em suas praças fortes é o sina[ de ter sido vencido [84] .

2. Em três ilustres historiadores, Heródoto, Tucídides e Políbio, três controvérsias sãolevantadas no tocante à vitória. A primeira se refere ao combate, concordado. Prestando bem atenção, se poderá observar que em todos essescombates todos se retiram sem verdadeira vitória. Os argenses [85] não haviam sido postos em fuga por Otriades, mas ao sobrevir a noite eles se haviam retirado, persuadidos de que eram vencedores e com o plano de levar a notícia aos seus concidadãos. [82] Quintus Ennius(.4n/laJlum,

321) escreve: ':4que/e que conseguia/ a v/lcír7anâo

é o rencedoCa me]os gue o t'ei7c/doo /'ec'o/?áeç;a."Ver Scaligersobreesta expressão

de Festus,

"áerZzam

[83] .4ó Z://óeaonde'Éa,111,2,3 [84] E em Guichardin, ]ivro ]]. [85] Heródoto, ]ivro 1, 82

c/a:

CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE RETRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPtfUtAÇÃO,

1407

DOS REFÉNS. DOS PENHORES

Os corcirenses [86] também não haviam sido postos em fuga pelos coríntios, mas os coríntios, depois de ter combatido de modo despreocu pado, tendo percebido a poderosa frota dos atenienses, a eles se aliaram

semter feito uso de suas forças contra os atenienses. Quanto a Filipe da Macedõnia, na verdade ele sehavia apoderadode um navio de Atala, abandonado, mas segundo ele, teria posto em fuga a frota. Por isso é que, como observa Po]íbio [87], e]e se fazia passar por vencedor mais do que ele próprio se sentia ser.

3. Com relação ao fato de recolher osdespojos,de dar sepultura aos cadáveres [88] , de oferecer novo combate, coisas que podem ser en-

contradas em tais passagens e por vezes em Tito Lívio [89], a]egadas como sinais de vitória, nada podem por elas mesmas, mas só servem

em conjunto com outros indícios, para mostrar a fuga dos inimigos. Certamente, na dúvida, há mais razões de acreditar que aquele que abandona o local fugiu. Quando não houver fortes provas da vitória, a coisa ülca no estado em que se encontrava antes do combate e se faz necessário voltar à guerra ou a novas convenções

XLIVI.Comose termina a guerra por uma arbitragem e que aqui se entende uma arbitragem sem apelo 1. Prócu]o [90] nos ensina que há duas espéciesde arbitragem: uma, quando somos obrigados a obedecer, sendo a decisão justa ou in-

justa. Isso seobserva, diz ele,quando serecorre ao árbitro em virtude [86] Tucídides, ]ivro 1, 51 e 54.

[87] Livro XVI, ].

zã8z:ã=z.::duzíuí? HI les que haviam obtido a permissão de retirar seus mortos, eram vistos, segue do o costume. como se tivessem renunciado à vitória e aqueles que a haviam

solicitadonão tinham o direito de esculpir troféus." [89] ,4ó Z]&.óe (];am(#fa, XXIX [90] Z. 7

e XL.

Soez'efaóem, .Z)ib, Pro

soez'o

!408

H UGO GKOtiUS

de um compromisso. Aoutra,

quando se remete a questão a um homem

de bem. Temos um exemplo dessa última espécie na resposta de Celso [91] : "Se um ]iberto prometeu por juramento

tantos serviços quantos

seu patrão julgaria oportuno Ihe impor, a vontade do patrão não terá efeito se não íor justa." Mas esta interpretação do juramento, que pode ter sido introduzida pelas leis romanas, não convém à simplicidade das

palavras considerada em si mesma. O que, no entanto, permanece verdadeiro é que um árbitro pode ser tomado de uma ou de outra maneira,

seja somente como um mediador, como lemos que haviam sido os atenienses entre os habitantes de Rodei e Demétrio, seja como um juiz, a cuja sentença é necessário de qualquer modo obedecer. Esta é a espé-

cie de que tratamos aqui e sobre a qual já dissemos alguma coisa ante-

riormente, quando falávamos dos meios de evitar a guerra (livro ll, cap. XXlll, $ Vlll). 2. Ainda que a respeito desses árbitros aos quais se recorreu por compromisso,a lei civil possaestatuir eem certospaísestenha estatuído que se possa apelar de suas sentenças e que seja permitido reclamar de uma injustiça por eles cometida, isso, contudo, não pode ocorrer entre reis e povos [92] . Não há aqui poder superior que impeça ou que rompa o vínculo da promessa. Deve-se, pois, absolutamente ater-se ao que pro'

nunciaram, sejajusto ou injusto, de modo que se podemuito bem aplicar aqui estas palawas de Plínio [931:"Aque]e que alguém esco]heu para ser o juiz de sua causa, é dela o juiz soberano." Uma coisa, de fato, é procurar qual é o dever do árbitro, outra coisa qual a obrigação dos co-

prometentes.

t9\À 1'. 30, Si ]ibertus, Dig, De open. !ibera. [92] Mariana,

]ivro XX]X,

15; Bembus,

]ivro ]V. 62. Há diversos exemp]os

de trata-

dos feitos por meio de árbitros na história polonesa de Cromer, nos livros X,

XVI, XVlll, XXI, XXIV. XXVll, XXVIII. Há exemplostambémna história da Dinamarca de Pontanus, livro 11.Conferir com o que dissemosno livro 11,cap.

xxm, $ vm. [93] JUafuraJls

J7ikfor7b,

prefácio,

19.

1409 CAPÍTULO XX- DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DOTRATADO DE PAZ, DA SORTE,DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

Xl;Vll. Na dúvida, os árbitros são considerados obrigados ase pronunciarsegundo

o direito

1. Com relação ao dever do árbitro, deve-se considerar se foi escolhido na qualidade de juiz ou com um poder mais amplo, do qual Sêneca

[94] quer fazer uma espécie de atributo próprio do árbitro, quando diz: "A sorte de uma boa causa parece melhor diante dojuiz que junto a um árbitro porque os textos encerram o primeiro e Ihe põem limites que

não saberiaultrapassar, enquanto que o segundoé livre e nenhum vínculo acorrenta sua consciência. Pode cortar, pode acrescentar e regular a sentença, não segundo a lei as prescrições jurídicas, mas segundo o impulso da bondade e da piedade." Aristóte]es [95] diz também que é "e7ttetKed',isto é, parte de um homem justo e mediador, "preferir recorrer ao árbitro do que ao juiz". Como motivo, acrescenta que "o árbitro considera o que é justo, o juiz considera a lei; e, além do mais, o árbitro foi inventado para fazer valer a equidade" 2. Nessa passagem a equidade não signiâca propriamente, como

algures, essa parte da justiça que interpreta mais rigorosamente os termos gerais da lei, segundo o espírito de seu autor (porque ela é tam-

bém confiada ao juiz), mas exprime tudo o que é preferível fazer do que não fazer, mesmofora das regras da justiça propriamente dita. Do mesmo modo que tais árbitros são de uso freqüente entre privados e cidadãos de um mesmo Estado e que sejam especialmente recomendados aos cristãos pelo apóstolo Paulo, assim também, na dúvida, um poder tão grande não deve ser concedidoa eles.Em matéria de coisa duvidosa, de fato, seguimos o que representa o menor. Isso ocorre principalmente

entre aquelesque detêm o poder soberanoque, não tendo um juiz comum, devem procurar colocar o árbitro dentro das regras, às quais o ofício do juiz está geralmente sujeito. [94] .De.Be/?eÉlcu]b, 111,7,5

195].RefÓÜca, 1, 13

H UGO

GROTA

US

XLIVlll. Os árbitros náo devem se pronunciarsobre a posse Deve-se, contudo, observar que os árbitros escolhidos pelos povos ou pelos poderes soberanos devem pronunciar-se sobre a questão princi-

pa[ e não sobre a posse [96], pois os ju]gamentos sobre a posse são de

direito civil: o direito de posseseguea propriedade,segundoo direito das gentes. Por isso, enquanto se conhecea questão, não se deve inovar, tanto para não dar lugar a nenhum preconceito porque a recuperação é

diííci[. Tito Lívio]97] diz na história dosárbitros entre opovocartaginês e Mlassinissa: "Os legados não mudaram o direito de posse."

XLIX. Qual o efeito de uma submissão pura e simples 1. Há uma escolha de árbitro

de outro tipo, quando se remete ao

próprio inimigo o poder de dispor de si, o que é submissão pura, tornando objeto aquele que se entregou e deferindo o poder absoluto àquele em

proveito de quem a submissão ocorre. "Entregar tudo o que se refere à pessoa",dizem os gregos.Assim é que ]emos [98] que foi perguntado aos

habitantes da Etólia, no senado,se eles se entregavam à discrição do povo romano. Pode-se ver emApiano

[99] qual era, em torno do íina] da

segundaguerra púnica, o conselhode Lucius Cornelius Lentulus com relação à questão dos cartagineses: "Que os cartagineses se entreguem à nossa discrição, como os vencidos costumam fazer e como muitos o fizeram até agora. Nós chegaremos a seguir. Se lhes concedermos graça, por menor que seja, eles nos serão reconhecidos, porquanto não po-

[96] É o que dizia o Duque de Savóia, na disputa que teve com re]ação à Sa]úcia. Ver

De Series, na história de Henrique IV [97] .4ó Z]/}.óe aon(#óa, XL, 17,6 [98] Tiro Lívio,

.4ó Z]/rbe (;o/]c#fa, XXXV]1,

[99]PunJba,X]V 4

49,4

CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DOTRATADO DE FAZ. DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM, DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

derão dizer que existe entre nós um tratado. Isso faz grande diferença.

Secelebrarmos tratados com eles, para os romper eles terão sempre alguma razão para alegar contra alguma parte do tratado, como se fossemparte lesada. Como há muitas cláusulas suscetíveis de interpretação duvidosa, haverá sempre um modo de se equivocar. Mas quando lhes tivermos tirado as armas, como fazemos com aqueles que se entregam, depois de termos recebido a eles próprios sob nosso poder, haverão

decompreender então que nada têm dê próprio, haverão de se humilhar e tudo o que receberem de nós o receberão com prazer, como se fosse dado dos bens de outrem." 2. Deve-se também distinguir aqui que o vencido deve sofrer e que o vencedor pode fazer legitimamente, mesmo sem agredir nenhum

dever, o que Ihe é mais conveniente fazer. O vencido, depois de sua submissão, nada tem que não possa sofrer, pois se tornou súdito e se considerarmos o direito externo da guerra, está numa situação em que

tudo pode ser tirado dele, mesmo a vida, a liberdade pessoal,muito mais os bens, não somente os bens do Estado, mas ainda os dos cidadãos privados. Em outra passagem, Tiro Lívio [100] escreve: "Os habitantes de Etólia, tendo-se rendido, temiam ser vítimas de maus tratos.' Em outro local(livro

111,cap. Vlll, $ IV), citamos estas palavras: "Quando

tudo tiver sido entregue ao que é superior em forças, prevalece o direito do vencedor; depende de sua vontade decidir se pretende se apropriar de

seusbens ou se quer despeja-lostotalmente." Esta passagemde Tiro LíviollOl] serefere à mesmaideia: "Era antigo costume dosromanos não conceder a paz a um povo vencido, com o qual não estavam unidos por um tratado estabelecido sob iguais condições; além disso, que esse

povo não tivesse entregue todas as suas posses sagradas e profanas, [100] .4ó Z]/róe aonc#fa, XXXV]1, 7,1 [lO1] .4ó Z:i]-Bea0/7dyfa, XXV]11, 34,7

1412 H UGO

GROTIUS

transferido os reféns, rendido suas armas e recebido uma guarnição em suas cidades." Mlostramos também (livro 111,cap. XI, $ XVI) que mesmo aqueles que se renderam foram algumas vezes condenadosà morte de modo lícito.

L. O dever do vencedor para aqueles que assim se rendem 1. Por outro lado o vencedor,para nada fazer de injusto, deve primeiramente tomar cuidado de não matar nenhum indivíduo, salvo que não o tenha merecido por seu crime, como também de nada tirar a quem quer que seja, a não ser em decorrência dejusta punição. Mesmo dentro desses [imites é sempre honesto [102] pender, tanto quanto o permitir a segurança, para o lado da clemência e da liberalidade. Algumas vezes, de acordo com as circunstâncias, isso é necessário, segundo

a regra dos bons costumes. 2. Dissemos em outro local (livro 111,cap. XV. no final) que é dar um nobre fim à guerra todas as vezes que o perdão faz a acomodação.

Nicolau de Siracusa diz em Diodoro [1031:"E]es se entregaram com suas armas, confiando na clemência do vencedor. Por isso é que seria indigno que fossem enganados pela esperança de nossa bondade." Em seguida [104]: "Quem a]guma vez, dentre os gregos, pensou que fosse preciso punir com um suplício inevitável aqueles que se entregaram à c[emência do vencedor?"EmApiano [105], César Otávio, dirigindo-se a

[102] A respeito disso, ver um notáve] exemp]o, o de Ferdinando, rei de León, em Mariana(livro XI, 15). Convém relembrar aqui o que foi dito neste livro, cap

XI,$ XIVeXV.

[103] Livro Xl11, 21 [i04] Livro Xl11, 23 [105] .Be/7.C]v77.,V. 45

1413 CAPÍTULO XX- DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DOTRATADO DE PAZ. DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM, DA CAPITUUÇÃO, DOS REFÉNS, DOS PENHORES

Lúcio Antânio, que havia vindo se render, diz: "Se tivessesvindo para

concluir um tratado, verias que souvitorioso e estouofendido.Mas como agora te tendes à nossa discrição, tu, teus amigos e teu exército, vós todos desarmais minha ira. Vós me tirais mesmo a vantagem que estaríeis obrigados a me conceder numa negociação. Não devo olhar somente o que vós mereceis, mas devo ver ao mesmo tempo o que é conveniente que eu faça. E é isto que prefiro."

3. Encontra-se muitas vezes na história romana esta locução: "Remeter-se à fé e à clemência." Assim, Tito Lívio [106] diz: "Recebeu

com benevolência as delegações dos Estados vizinhos que vinham confiar suas cidades à sua fé..." Em outra passagem, onde se trata do rei da Pérsia [107] , se ]ê: "... Pau]o, exigindo que conülassem à fé e à clemência do povo romano suas pessoas e seus bens.. ." Torna-se necessário expli-

car que por essas palavras não se entende outra coisa senão uma submissão pura e simples. A palavra fé não significa outra coisa, nestas passagens, senão a própria probidade do vencedor, à qual o vencido se confia [108] 4. Há, em Po]íbio [109] e Tito Lívio [110] , uma cé]ebre história de

Fanéias, embaixador da Etólia, que em seu discurso ao cônsul Manius

sedeixou levar até dizer que (assim o traduz Tito Lívio) "os etóliosse entregavam a eles próprios e a seus bens à fé do povo romano".' Como, à

pergunta do cônsul, havia afirmado uma segunda vez isso, o cônsul tinha pedido que alguns instigadores da guerra Ihe fossem entregues

[l06] .,áÓ UTÓe Conde'óa, XXXVl1,

9, 7

[107] .4ó U/Z)e ao/]dléa, X]i\C 4, 7.

[1081Políbio (ErcerpÉa Legal. Gene.)diz que, entre os romanos, é a mesma coisa 'Be

confiar à fé de alguém e deixar o vencedorfazer de alguém o que bem el} tel) der [109]

.Excerpéa

Zegaf.,

n. 13

[110] .4ó Z:4.óeaondlfa, XXXVI, 28,1

14}4 H UGO GROTI us

sem demora. Fanéias teria respondido: "Nós não nos constituímos vossos escravos, mas nos entregamos à vossa boa fé." Teria acrescentado que o que fazia não estava de acordo com os costumes dos gregos. O cônsul teria respondido que não se preocupava em saber quais seriam os costumes gregos e que ele tinha, segundo os costumes romanos, o poder sobre aqueles que se haviam entregue por sua própria vontade. E ele teria ordenado acorrentar os embaixadores. No grego se lê: "Aqui se discute sobre o dever e a conveniência, desde que vos conÊiastes à nossa

fé." Por estas palawas se pode ver tudo o que pode ser feito impunemen-

te e sem violar o/usgenúum (direito das gentes), aquele de quem um povo se entregou à íé. Entretanto, o cônsul romano não usou desse po' der, mas libertou os embaixadores e permitiu ao conselho dos etólios

deliberar novamente. De igual modo se lê que o povo romano havia respondido aos fa]iscos [111], isto é, que bem sabia que não se tinham entregue ao poder, mas à fé dos romanos. Lemos ainda que os campa'

nos [112] não se haviam confiadoà fé por um tratado, mas por uma submissão. 5. Não seria fora de propósito trazer aqui esta passagem de Sêneca

[113] re]acionada ao dever daquele a quem a submissão foi feita: "A clemência tem seu livre arbítrio. Não julga segundo um texto, mas segundo o que é justo e bom. Tem o direito de absolver e de regular o litígio do modo que melhor convier." Acho que não importa que aquele que se entrega diga que se abandona à sabedoria, à moderaçãoe à mise-

ricórdia do outro. Todasestas palavras não são, de fato, senão abrandamentos de expressões.O fundo da questão permanece, isto é, o vencedor se torna dono.

1111]Valério Máximo, livro VI, 5,1 [112] Tiro Lívio, .4ó Z:/róeaondlfa, Vl11, 2,13 lllS] .De (;Fome/?üa,11, 7

1415 CAPiTUtO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ. DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO, DA ARBITRAGEM. DA CAPITUUÇAO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

LI. Da submissão sob condição Há, contudo, também submissões sob condição: a favor dos privados, em proveito de quem, por exemplo, se estipula a vida a salvo; ou

a liberdade das pessoas,ou mesmo certos bens; ou ainda a favor do corpo do Estado. Algumas dessas submissões podem mesmo revestir a

forma de uma soberania mista, de que falamos em outro local (livro l, cap. 111,$ XVll).

Lll. Pessoas que podem e devem ser dadas como reféns Os reféns e os penhores são acessórios dos tratados. Dissemos que os reféns se entregam por livre vontade ou por ordem daquele que tem a soberania [114] . O poder soberano, no governo civil, tem direito tanto sobre as ações dos súditos quanto sobre seus bens. O Estado, ou aquele que o governa, será obrigado a indenizar o refém ou seus paren' tes do dano que venha a soâ'er. Se forem muitos e que seja indiferente

para o Estado qual dentre eles tenha comorefém, pareceque se deva agir de modo que a questão seja resolvida por sorteio. O dono de um feudo não tem esse direito sobre um vassalo, a menos que essevassalo não seja também seu súdito. O obséquio e a obediência que Ihe deve não se estende, de fato, até esseponto.

Llll. O direito que se possui sobre os reféns Dissemos

(livro

111, cap. XI, $ XVIII)

que um refém

pode ser leva-

do à morte, segundo o direito das gentes externo, mas não segundo o direito interno, salvo que não venha se juntar de sua parte uma culpa que mereça essecastigo. Não se tornam tampouco escravos, mas ain'

11141 Ver nesselivro, cap.IV. $ XIV e tambémcap.XI, $ XVlll

1416 H UGO

GROTIOS

da, mesmo segundo o./usgenZlum (dh'eito das gentes), podem ter bens

e deixa-los a herdeiros, embora o direito romano [115] ordenasseque seus bens fossem atribuídos ao asco.

LIV Se é permitido ao refém fugir Pergunta-se se é permitido ao refém fugir. Certamente isso não Ihe é permitido

se, desde o começo ou a seguir, deu sua palawa para ter

mais liberdade. De outra forma, pareceque a intenção do Estadoque deu o refém não tenha obrigado seu súdito não fugir, mas a dar ao inimigo a faculdade de guarda-lo como quisesse. Assim é que pode ser

justi6cado o fato de C]é]ia [116]. Embora não tivesse cometido nenhuma falta, o Estado contudo não podia recebo-la e retê-la, pois que era refém

[117] . Por isso Porsenna [118] declara que "se não Ihe for entregue esse

refém, considerará o tratado comorompido." E a seguir: "Os romanos restituíram

esse penhor da paz, em virtude do tratado."

l;V. Se se pode legitimamente reter um refém por outro súdito A obrigação dos reféns é odiosa, tanto porque é inimiga da liberdade quanto porque se origina do fato de outrem. Por isso é que há

lugar aqui para uma interpretação estrita. Assim, reféns dados por uma causa não poderão ser retidos por outra. Isso deve ser entendido assim: se foi prometida alguma outra coisa, sem acrescentar a estipu-

t\\5Ã L. 31, Divus, Dig., Dejure fisci. [ii6] Tiro Lívio, ,4b [/róe Cb/ dlZa, 11,13 [117] Ver Plutarco, em Puó/lco/a, 107 A. A respeito deste verso de Virgílio "Hhclus

b ]a]«eÍ(#eJ7b2'upáls'; Sérvio diz que se trata dos 'q,7hcuJos do Éraóado':

[118]Tiro Lívo, .4b [/róe Canal']a,11,13, 8-9

1417 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA. ONDE SE TRATA DO TRATADO DE PAZ, DA SORTE, DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITULAÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

lação de reféns. Mas se a promessa já tiver sido violada em outra ques-

tão ou se uma dívida foi contratada, o refém poderá então ser retido, não como refém, mas segundo esse./tzsgenÉlum, em virtude do qual os

súditos podem ser detidos, sob ordem daqueles que os governam, por antro/eps/n (ver livro 111,cap. 11, $ 111).Entretanto,

haveria como im-

pedir que isso ocorra, acrescentando uma cláusula referente à restituição dosreféns, quando a coisa em razão da qual foram entregues tivesse chegado a termo.

].IVI.Aquele para quem foi dado um refém, vindo a morrer o refém fica livre Aquele que foi entregue como refém somente para resgatar outro

cativo ou refém fica livre com a morte deste, pois no momento em que

esseúltimo morrer, o direito de penhor se extingue em sua pessoa, como o disse Ulpiano a respeito de um prisioneiro. Por isso é que, do mesmo modo que na questão de U]piano [119] o resgate que tomou o lugar da pessoa não é devido, assim também aqui a pessoa que se tor-

nou o substituto da pessoanão 6lcará obrigada. Assim, Demétrio não pedia sem razão ao senadoromano ser libertado "após a morte deAntíoco,

porquanto fora entregue em seu lugar", segundorelato deApiano [120] . Segundo Trogo, Justino [121] diz que "Demétrio, refém em Romã, ao saber da morte de seu irmão Antíoco, se apresentou ao senado e que,

tendo vindo comorefém (prefiro, para que o discurso mantenha a ligação, ler: declarando que havia vindo como refém), estando seu irmão

ainda vivo, tendo agora falecido, não entendia a que título era detido ainda'

L\L9AL. 15, Sípatre, Dig., De captívis [120] .De .Be/T. SDU, 47

1121] Livro XXXIV. 3, 6

1418

H UGO GKOiiOS

LIVll. Se um refém fica enganadoquando o rei que deu o refém morreu A questão de saber se o refém é mantido ainda, após a morte do

rei que fez otratado, dependedo que expusemosem outro local (livro ll, cap. XVI, $ XVI): se o tratado deve ser considerado como pessoal ou real, pois os acessórios não podem fazer com que se afaste da regra na inter-

pretação das coisas principais e eles próprios devem seguir nisso a natureza.

l;Vlll. Os reféns são por vezes obrigados de modo principal e que um não é responsáveldofato do outro Deve-se acrescentar de leve que, por vezes, os reféns não são um

acessório de obrigação, mas são na realidade a parte principal, como quando alguém promete, em virtude de um contrato, um fato que não Ihe é próprio e que, sendo obrigado a danos e interesses, em caso de inexecução, os reféns se obrigam no lugar dele. Dissemos em outro local

(livro 11,cap. XV $ XVIII) que tal parece ter sido o sentido da questão de

Caudium. Não é somentedura, mas ainda iníqua, a opinião daqueles que pensam [122] que os reféns podem, mesmo sem seu consentimento,

ser obrigados do fato um do outro

LIX. Qual é a obrigação a respeito dos penhores? Os penhores têm certas coisas comuns com os reféns e certas coisas que lhes são próprias. O que têm de comum é que são retidos em

razão de qualquer outra dívida, salvo que a palavra dada ponha obstáculo. O que têm de próprio é que a cláusula que se refere a eles não é [122] A[berico Genti[i, livro ]], cap. 19

1419 CAPÍTULO XX - DAS CONVENÇÕES PÚBLICAS PELAS QUAIS SE TERMINA A GUERRA, ONDE SE TRATA DOTRATADO DE PAZ. DA SORTE. DO COMBATE COMBINADO. DA ARBITRAGEM. DA CAPITUUÇÃO. DOS REFÉNS. DOS PENHORES

tomada de uma maneira tão estrita como aquela relativa aosreféns, pois a matéria não é igualmente odiosa. As coisas, de fato, nasceram para serem possuídas, mas não os homens.

LX. Quandose perde o direito de retira-los Dissemos igualmente em outro local (livro 11,cap. IV. $ XV) que nenhum lapso de tempo pode impedir que o descompromisso do penhor

não ocorra, se for executado aquilo pelo qual o penhor foi dado. Um ato que tem uma causa antiga e conhecida não é considerado proceder de

uma causa nova. Por isso é que a mação do devedor é imputada ao antigo contrato, não a um abandono do direito, salvo que conjecturas certas não dêem lugar a outra interpretação, como se alguém, queren-

do retirar o penhor, tivesse sido impedido e tivesse passadoisso sob silêncio durante um tempo bastante longo para poder bastar a estabele-

cer a presunção de um consentimento.

XXI

DAS CON\WNÇOES DURANTE A GUERRA, EM QUE SE TRAJA DA TREGtH, DO LIVRE

TRÂNSITO,DO RESGATE DE PRISIONEIROS

Sumário 1. 0 que é a trégua e se esseintervalo é compreendidosob o nome de paz ou de guerra.

li. Origem da palavra. 111.Não énecessária nova declaração de guerra após a trégua IV Como se deve contar o tempo âlxado pela trégua. W Quando a trégua começa a obrigar.

VI. O que épermitido fazer durante a trégua.

VII. Se épermitido se retirar, reparar as muralhas e outras coisas similares. VIII. Distinção quanto aos locais que se pode ocupar.

IX. Se aquele que foi retido por força maior perto da fim da trégua pode retornar. X. Cláusulas específicas de uma trégua e questões que dela

decorrem geralmente. XI. Quando ascJáusulas de uma trégua são viola ias por uma das partes, a outra pode recomeçar a guerra.

XII. Que decidir se uilla pena foi acrescida?

XIII. Quando os aros depravados rompem a trégua

XIV Qua[interpretação se deve dar ao direito de livre trânsito concedido

fora do período

XV Que indivíduos

de trégua.

são compreendidos

sob o nome de soldados.

XVI. Como devem ser entendidas aspalavras ir, vir, voltar. XVII. Da extensão dessas palavras às pessoas.

XVill. Aosbens. XIX. Quem são aqueles que são compreendidos sob o desígnatívo

de séquito

e de gente.

XX. Se a concessãodo direito de livre trânsito se extingue com a morte. XXI. Que decidir, sefoidadoportanto

tempo quanto quilo que

o concedeu?

XXII. Se a segurança é devida, mesmofora do território. XXIII. Caráterfavorável daresgate dosprisioneiros. XXIV Explica'se por unia distinção se o resgate pode ser vetado por uma ]eã.

XX\C O direito sobre um prisioneiro pode ser cedido.

XXVI. Oresgatepodeser devidoa váriospor um só. XXVll,

Se a con venção pode serrescindida

porque se ignora va

as riquezas do prisioneiro.

XXVIII. Quais os bens do prisioneiro que passam ao que o prendeu. ê ] se o herdeiro deve o res XXIX. Explica'se por ima distinção gate.

r deve rta outro XXX. Se aquele que foi libertado para l. berrar retornar, estando morto esseoutro.

1423 CAPÍTULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE SE TRATA DATRÉGUA. DO LIVRE TRÂNSITO, DO RESGATEDE PRISIONEIROS

1.0 que é a trégua e se esse intervalo é compreendido sob o nome de paz ou de guerra 1. Certos comércios de guerra, para fa]ar como Virgí]io [1] e Tácito [2] , certos pactos, segundo Homero [3] , como a trégua, o ]ivre trânsito, o resgate de prisioneiros, são geralmente concedidos, mesmo no meio

da guerra, pelos poderes soberanos.A trégua é uma convençãopela

qual, durante a guerra, se deve abster-sepor um tempo de fitos de hostilidade. Digo durante a guerra porque, como Cícero [4] o diz nas

.HIZzblcas, entre a guerra e a paz não há meio.A guerra é a designação de um estado que pode existir mesmo sem produzir suas operações ex-

ternamente. Aristóte]es [5] diz: "Podeocorrer que um homem seja dotado de algum valor e que ele durma ou que leve uma vida sem ação." O

mesmo diz em outra passagem [6] que "a distância dos ]ugares não destrói a amizade, mas interrompe somente o uso". SegundoAndrânico de Redes [7] , "uma maneira de ser pode existir sem que haja atou exte-

riores". Eustrato diz, no livro Etica a Nicõmaco [8]: "0 hábito considerado com relação ao poder puro e simples de agir se chama ato, mas se for referido à ação ou à prática, se chama um poder, como a arte de medir num agrimensor que dorme." "Como Hermógenes [9], quando se cala, não é por isso um cantor menos exce]ente [lO] ; como esse ve]haco

deAlfenus, quando depôso instrumento de sua arte e fechou sualoja, não era menos sapateiro..."

[11].

[1] .Etze2da,X, 532

[2].4nna/es,X]V. 33 e .f?]sfol:zae, 111,61 [3] Mb(Ü, XX]1, 261. [4] in ]Uarcum ,4nfonium Oz'aÉlones.])nJZápplcae, Vl11, 1,4.

[5] .Óílcaa Nlb(5maco, 1, 3. [6] Idem, V]11, 6

[7] Pz/laPA/.,1,14 [8] Livro VI, ]. E9] Sêneca, em .De .BeneÉlaízk(IV.

21), onde escreve:

'ZJm /zonlem pode sez' e/oqüen-

te sem pz'onunciarpalavra [10] Na mesma passagem, Sêneca escreve ainda: 'bUo se deixa de ser a/lesão pou'

não ter às mãos os utensíliosda própria arte.

111] Quintus Horatius

Flaccus, SaÉlFae, 1, 3

1424

H UGO

GROTIUS

2.Assim, pois, comoo disseAu]us Ge]]ius]12], "a trégua não é a paz.A guerra subsiste de fato. O combate cessa."Lemos no panegírico de Latinus Pacatus [13] que "a trégua suspendia a guerra". Digo isso

para que saibamos que, se foi concordadoque uma coisa tenha seu efeito durante o tempo da guerra, essacoisa terá também seu efeito durante a trégua, salvo que não ocorra manifestamente que não era a situação que se tinha em vista, mas as próprias operações.Ao contrário, se foi dito algo relativo à paz, issonão ocorreria durante o tempo de trégua, embora Virgí]io [14] a tenha chamado de uma paz provisória,

Sérvio nessa passagem de uma paz temporária, como também o esco[iasta de Tucídides]15] de uma paz passageira a ponto de gerar a guerra, Varrão de a paz dos acampamentos, uma paz de poucos dias, todas locuções que não são definições, mas tipos de descrição e descriçõesfiguradas. Tal é também essa expressão de Varrão que, tendo dito

que a trégua era as férias das guerras, podia dizer também que era o sono da guerra. Assim, Papínio [16] chamou de paz as próprias férias do banco dos advogados e Aristóte]es [17] disse do sono que é o bem que acorrenta os sentidos; a seu exemplo, pode-semuito bem chamar a trégua de o vínculo que acorrenta a guerra. 3. Com re]ação à exp]icação de Varrão que Donato [18] segue igua[mente, Au]us Ge]]ius [19] reprova com razão que tenha acrescido "de poucos dias", mostrando que se tem o costume de conceder também

[12] Mo.cães .4tüc'ae,1,25 [13] /bnegyz2bum,

9.

[14] .Ehej'da, X], 133.

[15],4c/ZZuc7'dT'dem, 1, 40. [16] Publius Papinius Statius, Sl7uae,]V. 4, 40 [17] Z)e So n ]o ef Uglba,

]

L\8ÀAd Tereiatium Eunuchus, act. 1, scella 1, 6Q

[191]Vocées ,4fÉ]'c'ae, 1, 25.

2 1425 CAPÍTULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE SE TRATA DATRÉGUA, DO LIVRE TRANSITO. DO RESGATE DE PRISIONEIROS

a trégua por algumas horas. Eu acrescentaria que pode ser concedida mesmo por vinte, trinta, quarenta e mesmo por cem anos. Em Tito Lívio há exemplos que refutam também essadefinição dojurisconsulto Paulo [20] : "Há trégua quando se concorda de parte e outra de não se

atacar por poucotempo e pelo tempo presente. 4. Poderia, contudo, ocorrer que, se parecer que a razão unica e exclusivamente determinante ção dos aros de hostilidade,

de alguma convenção tenha sido a cessa-

nesse caso o que foi dito a respeito do tempo

da paz tem seuefeito durante a trégua, não pela força da palavra, mas por uma indução certa da intenção de que falamos em outro local (livro

11,cap.XVI, $ XX).

ll. Origem da palavra Parece que o nome ÍnducJbvem, não de jade uÉ7Jam,como o

quer Aulus Gellius, nem de ando/fu, isto é, /hÉrogressu,comoquis Opílio, mas de que jade, isto é, a partir de um tempo fixado, há oüum, "eKE(Etplcl",como o chamam os gregos. Parece, de fato, mesmo segundo

Aulus Gellius [21] e Opí]io, que os antigos escreviam com a letra f, nãa

a letra c, essa palavra que agora é empregadano plural, mas era indubitavelmente empregadaoutrora no singular. A antiga maneira de escrever foi JhdouÉ2b, pronunciada então oáíum: o/ílum, da palavra a/í]. que pronunciamos

agora uZI. como de .polz7a (ora escrevemos poema)

vem punho [22] e de .Roubo[que agora escrevemos poenus] vem pu.rz/cus.

Do mesmo modo que da palavra osízn,osúorum, derivamos o nome próprio de osÉlb,osüae [23], assim também de .índolüa, hdo üorum, t2QÀL 19, Postiiminium, Dig., De captivis. [21] ]Uoafes,4fücae, XIX, 8.

[22]Ver Servius, em seu comentário à ErleJda,X, 24,com relaçãoà palavra moerorum [23] E ainda de osfrea, osfreoru/n

].esultaram

osfrea, oslreae.

1426

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GROTIUS

derivamos .índoií7b,.íz7doJflbe, em seguida .íz2duÉza, do qual o plural. como disse, está em uso somente. Outrora, segundo a observação de

zulus Gellius, era também empregadano singu]ar. Donato [24] não se afasta muito dessaetimologia, quando quer que a palavra .índuczae venha do fato que a trégua dê repouso por alguns dias. A trégua é pois um repousona guerra, não é a paz. Por isso os historiadores [25] se exprimem com exatidão, quando relatam muitas vezes que a paz foi recusada, que uma trégua foi concordada.

111.Não é necessária nova declaração

deguerraapósatrégua Por isso é que não será necessária uma nova dec]aração [26], pois

o obstáculo temporário sendo levantado, o estado de guerra, que não se

havia extinto, mas abrandado, se reproduz de pleno direito externamente, como o direito de propriedade e o poder paterno na pessoa daque-

le que curou da loucura. Lemos, contudo, em Tito Lívio que, segundo opinião dos sacerdotes feciais, a guerra havia sido declarada na expiração

da trégua, mas é que os antigos romanos quiseram mostrar por essas precauçoes nao necessárias quanto amavam a paz e quão justas eram as razões que os levavam a tomar em armas. O próprio Tito Lívio [27] deu isso a entender: "Havia-se feito combate recentemente aos veios. perto de Nomenta e de Fidenes, depois concluído um armistício e não a

paz. Havia expirado e eles não haviam esperadoo 6lm para retomar as armas. Foram enviados a eles contudo os sacerdotes feciais. mas sua recla-mação, apresentada na forma ordenada de nossospais, não foi ouvida.

[24] .4d 7êrenflum

X'unucüus,

passagem

citada

125]Tiro Lívio. Plutarco. Justino [26] Angel.,

ib Z. .ZZ SI u/lus, J .Z, Z)ig., De pacÉlbl Mare. Laud.,

[27] ..4ó Z:4.Ée Cb/2dl'Éa. ]V. 30. 14

quaesó. .2g

1427 CAPÍTULO XXI

DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE SE TRATA DA TRÉGUA. DO LIVRE TRANSITO, DO RESGATE DE PRISIONEIROS

IV Comose deve contar o tempo fixado pela trégua 1. Tem-se o costume de conferir à trégua um tempo, contínuo como durante cem dias, ou com a designação de um termo, como até as calendas de março. Na primeira designação o cálculo do tempo deve ser feito contando os momentos, de fato, conforme a natureza, pois o cálculo

por dias civis vem das leis e dos costumes dos povos. Na noutra desig-

naçãolevanta-se geralmente uma dúvida sobre a questão de saber se, quando foi dito que a trégua duraria até um certo dia ou um certo mês ou um certo ano; esse dia, esse mês, esse ano são considerados excluídos ou compreendidos

[28].

2. Certamente há nas coisasnaturais duas espéciesde termos: na coisa, como a pele é o termo do corpo; fora da coisa, como o rio é o termo ou limite da terra. Os termos que são estabelecidos pela vontade

podemtambém ser conformes a uma ou a outra dessas duas maneiras. Ostermos que são estabelecidospela vontade podem também estar em conformidade entre si por essas duas maneiras. Parece, contudo, mais natural tomar um termo que faça parte da coisa [29] .Aristóte]es [30] diz: "Chamamos termo o que representa a extremidade de cada coisa.

Este uso não cria embaraço. "Se alguém disser que se faça alguma coisa durante o período que preceder sua morte, o próprio dia em que faleceu também é contado" [31]. Spurinna [32] havia predito a César

L28ÀL. 134, Anniculus, Dig., De vero. siga. [29] Baldus, Z)e SéafuZ/i, na palavra usque] Bartol., lh .L 35, /)afr0/2us, Z)/r., Z)e

Legatis, 111e in L. 12, Nuptae, Dig., De Senatoribus, }adküd\aconus,in C. Ebc7enas, Xlll, q. 1; Hieronymus de Monte, livro Z)e.Flnibus,cap 23 [30] .a4efaJ]bca,V. 17. t3\ÀL. 133, Si quis, Dig., De vero. sígn. [321 Caius Suetonius

'h'anqui]]us,

(hesai',

V. 81

1428 H UGO

GROTIUS

um perigo que não deveria passar dos idos de março. Interpelado no mesmo dia dos idos, disse que realmente o dia havia chegado,mas que

não havia ainda passado.Por isso é precisoaceitar de preferência esta interpretação, quando a prorrogação do tempo é em si mesma favorável, como na trégua que poupa sangue humano. 3. O dia a partir do qual uma certa medida de tempo é dita para começar não será compreendido na medida porque o efeito dessa prepo' lição é de separar e não de unir.

V Quando a trégua começa a obrigar Acrescentaria

brevemente que a trégua e tudo o que se asseme-

lha a ela obriga os contratantes a partir do momento em que o acordo foi concluído, mas que os súditos de parte e de outra começam a ser obrigados, quando a trégua recebeu a forma de lei, o que compreende

uma espéciede publicaçãoexterna. Essapublicaçãofeita, a trégua começa, é verdade, logo a ter efeito de obrigar os súditos, mas esseefeito, se a publicação foi feita num só local, não produz efeito ao mesmotempo em todos os locais da dominação. E preciso um tempo suficiente para levar ao conhecimento em cada localidade. Por isso é que, se no interva-

lo foi feita alguma coisacontra a trégua pelossúditos, estarão imunes das penas [33] . Entretanto,

os contratantes

não deverão se abster em

reparar os prejuízos [341.

l3SI BATE.,ad J,. O/n/lespopa//; Panormit., cap. 11, Cbnsr.,e ibid. Feliz., n. 7 [S4] Como a respeito de Scione, em 'lhcídides (IV, 122). O que Mariana relata (livra XXVl11, 7): o que os espanhóis fizeram na ltália não pode, portanto, ser apto' vago

CAPÍTULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA, EM QUE RETRATA DATRÉGUA. DO LIVRE TRANSITO. DO RESGATE DE PRISIONEIROS

yl. O que é permitido fazer durante a trégua 1. E dado a entender, pela própria definição, a extensão do que é

permitido durante a trégua e do que não é permitido. São, de fato, ilícitos todos os aros de hostilidade contra as pessoas ou contra as coisas,

isto é, tudo o que se comete comviolência contra o inimigo, pois tudo isso, durante o tempo da trégua, se comete contra o direito das gentes, segundo a expressão de Lúcio Emílio num discurso a seus soldados, em

Tito Lívio [35] . 2.As próprias coisaspertencentes aosinimigos que caíram em nossas mãos por algum acaso devem ser devolvidas, mesmo se ante'

dormente tivessem pertencido a nós porque, no que se relaciona ao direito externo, segundo o qual isso deve ser julgado, se tornaram pro'

priedade deles. Por isso o jurisconsulto Pau]o [36] diz que em tempo de trégua não há postlimínio porque o postlimínio exige um direito antece-

dentede tomar pela guerra, direito que não existe durante a trégua. 3. E permitido ir e voltar de parte e outra, mas com precauções que não levem a temer qualquer perigo. Aobservação foi feita por Sérvio

[37], sobre este verso de Virgílio: "Os latinos impunemente misturados...", onde relata também que Romã, sendo sitiada por Tarquínio,

uma trégua havia sido concluída entre Porsennae osromanos e que, como eram celebrados osjogos do circo na cidade, os chefes dos inimigos

haviam entrado e que lutaram no combate dos carros e foram coroados como vencedores .

[35] ,4b U)óe aolld)Éa, XL, 27, 9 ú& L. 19, $ 1, Dig, XLIX, !5.

[37] Sobre a E12eida,canto XI, 134

1430

Huno

Gp Oll us

VII. Se é permitido se retirar, reparar as muralhas e outras coisas similares Retirar-se no interior do país com seu exército (como se pode ler

em Tito Lívio [38] que Filipe assim havia agido) não é agir contra a trégua, tampouco ao reparar as muralhas, retirar soldados,salvo se houver alguma cláusula especia] a respeito [39]

VIII. Distinção quanto aos locais que se pode ocupar 1.Apoderar-se de lugares mantidos pelos inimigos, depois de ter

rompido as guarnições,é semdúvida violar a trégua. Tal aquisição,de fato, só pode ser legítima em virtude do direito da guerra. Deve-se dizer

a mesma coisa se súditos querem passar para o inimigo. Há um exemp[o em Tito Lívio [40] : "Os coroneus e os haliartas, cedendo a seu pen'

dor natural pelosreis, enviaram para a Macedõniaembaixadorespara pedir que forças fossemmandadas a eles para os proteger contra a insuportável tirania dostebanos. O rei respondeu a essesembaixadores que ele não podia, por causa da trégua celebrada com os romanos, enviar socorros." Em Tucídides [41], Brasidas recebeu durante o período da trégua a cidade de Menda que havia passado dos atenienses para os lacedemõnios. Como desculpa, se diz que ele próprio tinha algumas infrações a repreender

aos atenienses.

2. Seguramente é permitido se apoderar de postos abandonados, contanto que sejam verdadeiramente abandonados, isto é, com a inten'

ção que não sejam mais de quem haviam pertencido, mas não se estive-

[38] .4ó ZZróe(b/7dlía, XXXI, 38, 10 e Frontino, SÉrafeg-e/nata, 11,13, 8 [39] Como em Paruta, livro lll. [401',4b Z:4-ÉeaOJld7'ía,XLl1, 46, 9 [41] Livro IV] 123

CAPÍTULO

XXl- DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE RETRATADATRÉGUA,DO LIVRETRÂNSITO.

DO RESGATEDE PRISIONEIROS

'''''''

rem somentesem guarnição, seja que setenha deixadode guarda-los antes da trégua, seja depois da conclusão da trégua. Permanecendo o

direito de propriedadetorna, de fato, injusta a possedo outro. Com isso se refuta o ardil de Belisário contra os godos, quando sob tal pretexto se havia apoderado [42] , durante a trégua, de postos de onde haviam retirado as guarnições [43] .

IX. Se aquele que foi retido por força maior perto do fim da trégua pode retornar 1. Pergunta-se se aquele que, impedido por uma força maior de

seretirar, é surpreendido nas terras dosinimigos apósa expiração da trégua,tem o direito de retornar. Seconsiderarmoso direito das gentes externo, não duvido que esse indivíduo não esteja na mesma situação daquele que, tendo chegado em tempo de paz, é para seu azar surpreen'

dadono meio dos inimigos, tendo a guerra sido subitamente declarada. Observamos antes (livro 111,cap. IX, $ IV) que esseúltimo fica prisioneiro até a paz. Ajustiça interna não faz falta, porquanto os bens e as ações dos inimigos são recolhidos para a dívida do Estado e podem ser

tomados como pagamento. Esse indivíduo, portanto, não tem mais mo' tivo de se queixar do que tantas outras pessoas inocentes sobre as quais recaem os males da guerra. 2. Não se deve alegar o que se diz do caso de confisco relativo às

mercadorias [44], nem o que é contado em Cícero, em seu H'alado dn

Znvens;ão[45], de um navio de guerra levadopara um porto pela força dosventos e que o questor queria vendê-lo de acordo com a lei. Nesse [42] Procópio, Gofíüic., 11, 7 [43] Do porto, de Centoée]]e e Albano

lç4ÀL. 15, Caesar;L. 16, Interdum, $SI propter, Dig., De public.

[45].De]nç,enf]'o/]e,11,32, 98.

1432 H

UGO GROTIUS

caso,defato, a força maior libera de uma punição.Aqui, não se trata propriamente de uma pena, mas de um direito que não estava suspenso

senão por um certo tempo. Deixar partir um tal indivíduo é coisa que não admite nenhuma dúvida, seja isso feito por maior benevolência ou por maior generosidade, não importa.

X. Cláusulasespecíficasde uma trégua e questões que dela decorrem geralmente Há também certas coisasilícitas durante a trégua, por causado caráter especial da convenção. Se, por exemplo, a trégua foi consentida

somentepara dar sepultura aosmortos,nada há a mudar; de igual modo, se a trégua foi concedida aos sitiados unicamente para não lhes dar o assa]to [46] , não ]hes será permitido deixar entrar reforços e pro'

visões, pois tais tréguas, estando em proveito de uma das partes, não devem tornar durante esse período mas desfavorável a posição daquele que a concedeu. Por vezes se concorda também que não é permitido ir e vir. Por vezes, toma-se medidas em favor das pessoas, não dos bens [47]

e, neste caso, se para defender seus bens se prejudica as pessoas, nada

se comete contra a trégua, pois, comoé permitido defender seus bens, a segurança das pessoas deve ser relacionada ao que é principal, não ao que decorre como conseqüência de alguma outra coisa.

XI. Quandoas cláusulas de uma trégua são violadas por uma das partes, a outra pode ]'ecomeçara guerra Se o trato da trégua é rompido por uma das partes, duvida-se semrazão se a parte lesada não é livre de retomar as armas, mesmo sem declaração, pois os artigos de uma convenção são contidos na conven-

l461 Como isso foi concedido aos napolitanos por Totila, como se lê em Procópio

(GoffÜ]'c., 111,7).

[47] Ver C Slg]7]HcarTf,Z)eJudae s (/7Z)ecrefa.Ê,V, 6). Sobre as tréguas com exceção dos locais há exemplos em Procópio e em Menandro, o Protetor

CAPITULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE RETRATA DATRÉGUA. DO LIVRETRÃNSITO, DO RESGATEDE PRISIONEIROS

ção em forma de condição, como dissemos um pouco antes (neste livro,

cap. XIX, $ XIV e cap. XX, $ XXXVI). Pode-se,na verdade, encontrar na

história exemplos de quem teve paciência até o fim da trégua, mas pode-se ler também [48] que a guerra foi feita aos etruscos e outros

porque haviam agido contra a trégua. Essa contradição é uma prova que o direito é tal que dizemos que depende mais da vontade daquele que foi lesado usar desse direito ou não.

XII. Que decidir se uma pena foi acrescidas Consta que, se a execuçãoda pena concordada é requerida e que seisso for satisfeito por aquele que agiu contra a trégua, o direito não

existe mais para retomar guerra, pois foi satisfeita a pena para que o resto fique a salvo. Ao contrário, se a guerra é retomada, deve-se ser considerado comotendo renunciado à pena, porquanto a opçãoíoi dada.

XIII. Quando os atos de privados rompem a trégua Os fatos privados, contudo, não rompem a trégua, salvo se um ato público se Ihe acrescente; uma ordem, por exemplo, ou uma ratifi-

caçãoque é mesmo considerada como uma intervenção, se os delinquentes não forem punidos, nem entregues, se os bens não forem resta ruídos

XIV. Qual interpretação se deve dar ao direito de livre trânsito concedido fora do período detrégua O direito de ir e vir, fora da trégua, é uma espéciede privilégio. Por isso é que se deve seguir, em sua interpretação, o que é ensinado a propósito dos privilégios. Esse privilégio não é prejudicial a um terceiro, Í48]Fito Lív o HÓ ZI/rZ)e Chndlfa,IX, 41 e X, 37ss

1434 H uoo GROtiUS

nem extremamente oneroso ao que o conceder. Por isso se deve, íicanda dentro da propriedade dostermos, admitir uma interpretação mais ampla

que restrita e isso tanto mais se o benefício tem sido concedido àquele

que não o pedia, mas foi espontaneamente oferecido.Mais ainda se independentemente da utilidade privada, há algum interesse público que esteja ligado ao negócio.A interpretação estrita (ver livro 11,cap XVI, $ XII), mesmo aquela que comporta os termos, deve pois ser rejeitada, a menos que de outro modonão decorressealgum absurdo ou que conjecturas de todo prováveis da vontade conduzissem a isso. Mas aa contrário, a interpretação mais ampla deverá ter lugar, mesmo para além do que a propriedade dos termos comporte, para evitar um seme-

lhante absurdo ou para satisfazer a conjecturas muito urgentes.

XV Que indivíduos são compreendidos sob o nome de soldados De onde concluímos que o livre trânsito concedido aos soldados se estende não somente aos chefes intermediários, mas ainda aos generais

porque a propriedade da palavra admite essesignificado, embora haja também um mais restrito. Assim é que o bispo está compreendido sob a designação dos clérigos [49]. Mesmo os que são marinheiros de uma frota são considerados soldados, como todos aqueles que têm de modo cabal prestado o juramento [50] .

XVI. Como devem ser entendidas as palavrasir,vir,voltar 1. No ir também está estipulado o retorno e isso não pela força do termo, maspara evitar um absurdo.Um benefício não deve ser inútil. Um refúgio seguro deve ser entendido como:até que se tenha chegadoa .49A Can.

in

c., Cum

in

cuilctis,

$ Cum

vero.

De

3qÀ L. 1, $ 1, Dig., De bon. possess.ex test. mil.

eleGE.

CAPÍTULO XXl-DASCONVENÇÕES DURANTE AGUERRA. EM QUE SETRATA DATRÉGUA.DO LIVRETRÂNSITO, DO RESGATE DE PRISIONEIROS

'''':'''

um lugar seguro. Disso decorre porque a boa-fé de Alexandre [51] foi acusada [52] porquanto ordenou matar, no trajeto mesmo, aqueles a quem havia concedido o direito de ir embora

2. Quando foi permitido a alguém ir embora, não Ihe é permitido retornar. Aquele a quem foi concedido vir não poderá voltar e vice-versa. São, de fato, coisas diferentes e não há razão que obrigue a se afas-

tar dos termos, de modo que, contudo, mesmo quando o erro não dá direito, releva ao menosa pena, sehouver uma incluída. Também aquele a quem foi permitido vir, virá uma vez, não duas, salvo que o acréscimo do tempo dê lugar a outra conjectura.

XVII. Da extensão dessas palavras às pessoas O filho não segue o pai, a esposa o marido. 'l.bata-se de outra coisa

bem diferente no direito de permanência, pois temos costume de perma' tecer com nossa família, de viajar sem e]a [53] . Um ou dois servidores

serão, contudo, considerados compreendidos, embora não se faça men' ção deles, quando se tratar de uma pessoa que não poderia viajar sem tal acompanhamento, sem violar a conveniência. Também aquele que concedealguma coisa concedeo que é necessário para tanto [54] .A necessidade deve ser entendida aqui moralmente falando.

[51] Diodoro da Sicília, livro XVl1, 84.

[53] .L .g], Pena/f., .De Precar70. [54] .4óóas, ]h a é?uam slE., De Judne :s

1436 H UGO

GROTIUS

XVIII. Aos bens De igual modo, os bens não devem ser entendidos como todos e quaisquer bens, mas somente aquelesque costumeiramente se carrega numa viagem.

XIX. Quem são aqueles que são compreendidos sob o designativo de séquito e de gente Quando se faz menção do séquito não se deve entender aqueles cuja causa é mais odiosa que a da pessoa para a segurança da qual se provê. Tais são os piratas, os bandidos, os trânsfugas, os desertores. O nome de uma nação empregada para indicar as pessoas do séquito mos-

tra de modo suficiente que essafaculdade não se estende a outros

XX. Se a concessãodo direito de livre trânsito se extingue com a morte O direito de ir e vir emanando do poder não se extingue, na dúvida, pela morte daquele que o concedeu, segundo o que dissemos em outro local (livro 11, cap. XIV, $ XI, XII) sobre os beneHicios dos reis e de

outros governos.

XXI. Que decidir se foi dado por tanto tempo quanto quis o que o concedeu? Discute-segeralmente sobrea proposiçãoque foi assim formulada: "Por tanto tempo quanto eu quiser."Aopinião daqueles que pensam

que tal benefício subsiste, mesmo quando não intervém ato novo de

vontade, é a mais verdadeira porque, na dúvida, o que basta para pro'

duzir um efeito de direito é presumidodurar. Não é a mesmacoisa

1437 CAPÍTULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA, EM QUE SE TRATA DATRÉGUA. DO LIVRETRÂNSITO, DO RESGATE DE PRISIONEIROS

quando aquele que concedeu o bene6cio cessoude poder querer [55] , o que ocorre com a morte [56]. A pessoa, de fato, sendo supressa, esta presunção de duração deverá cair também, como o acidente se esvaece pelo aniquilamento da substância.

XXII. Se a segurança é devida, mesmo fora do território A segurança do lide trânsito é devida àquele a quem foi concedida. mesmo fora do território daquele que o concedeu, pois ela é dada para derrogar o direito da guerra que, por si mesmo, não está encerrado

num território, comofoi dito por nósem outro local (livro 111,cap.IV. $ v ll l )

XXIII. Caráter favorável do resgate dos prisioneiros O resgate dós prisioneiros goza de muito favor, sobretudo entre os cristãos a quem a lei divina (Mnfeus, XXV. 36 e 39) recomenda par'

ticularmente essetipo de misericórdia. "0 resgate dos prisioneiros é um grande e elevado dever de justiça", são palavras de Lactâncio [57] .

Resgatar os prisioneiros, sobretudo das mãos do inimigo bárbaro, é chamado porAmbrósio [58] de uma ]iberalidade muito grande e superior. Ele mesmo se justifica [59] , e]e com sua igreja, de ter partido os vasos da igreja, mesmo aqueles que haviam sido consagrados, para possibili-

ÍEiÍ'a;ã'li

ie gra

/osa, Z)e /escl:iPf.,

[57] Livro VI, 12

[58] .0e 0/ 'c)) Mlh strorum, 11,28, 71 [59] .DeOáZI'cul's ]]ãnzsÜ'ol-um,11,28.

h

UZ

1438 H UGO

GROTIUS

tar o resgate dos cativos [60]. Diz ele: "0 resgate dos prisioneiros é a ornamento dos sacramentos." Há vários outros pensamentos na mes-

ma linha.

XXIV Explica-se por uma distinção se o resgate pode ser vetado por uma lei 1. Sou levado por essasconsideraçõesa não ousar aprovar indistintamente as leis que proíbem que os prisioneiros sejam resgatados, como as que lemos existentes entre os romanos [61] . "Em nenhum Estado os prisioneiros sãomais desprezadosque no nosso", diz alguém no secado romano. Tito Lívio [62] diz que já desde a antigüidade o mesmo

Estado não havia sido por sua vez indulgente para com os prisioneiros. A ode de Horácio [63] sobre o tema é conhecida. Ele conclama pelo resgate dos prisioneiros: "Condições vergonhosas, um exemplo pernicioso a seguir, um dano acrescido a uma ação desonrosa." Mas o queAristóteles

[64] critica nas instituições dos lacedemâniosé geralmente criticado também nas romanas. E que tudo nisso se relaciona por demais diretamente às coisas da guerra, como se a salvação do Estado repousasse

160JAgostinho imitou esseato de Ambrósio, segundo relato de Possídio( Hía, 24).

que diz que tal ato havia sido executado contra o sentimento mundano de algumas pessoas.O bispo Deogratias imitou este exemplo na mesma Africa,

segundoo relato de Vectorde Utica (livro 1, 8). Hincmar narra. na vida de Remígio, que um vaso sagrado, que havia pertencido a este, foi cedido para

resgatar os prisioneiros feitos pelos normandos.Marc Adam relata, no capítulo XXXll

da Hzkfól:za á2:/es ásí7ba de .Bremen, semelhante ato de Rimberto.'arce-

bispo de Bremen. O VI Concílio universal aprovou isso e a decisãofoi incluída em (brasa XZZ guaesf one /7 Estes fatos devem ser conectados com o aue dissemos neste livro, cap. Y $ 11 [6i] Tito Lívio, .4ó [Õ.Üe aonde'fa, XX]1, 59, 2 [62] Idem, .4ó Z:/róe (bndlZa,

XXl1, 61, 1

[63] Odarum seu Ca/mJhu/n])ór71111,5, 14-16 [64] .r;kz#Uca, 11, 7 e Vl1, 13

1439 .? CAPÍTULO XXI -DAS

CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE SETRATA DATRÉGUA, DO LIVRETRÃNSITO.

DO RESUME DE PRISIONEIROS

sobre elas. Além disso, se apreciarmos a coisa segundo a norma da bondade, seria muitas vezes melhor que o direito perseguido pela guer-

ra fosseperdido, antes que deixar em tão cruel miséria [65] tão grande número de homens que, de fato, são parentes ou compatriotas. 2. Uma lei semelhante não parece justa, a menos que a necessl' dade não pareça de tal rigor para prevenir males maiores ou mais nu'

merosos, sem isso moralmente inevitáveis. Numa necessidade dessa natureza, como os próprios prisioneiros devem em virtude da lei da caridade suportar pacientemente sua sorte, isso pode lhes ser acrescido e pode ser ordenado aos outros de nada fazer que seja contrámo a isso, segundo o que escrevemos em outro local(livro 11,cap XXV. $ 111)sobre

o cidadão que é entregue para o bem público.

XXV. O direito sobre um prisioneiro pode ser cedido Aqueles que são presos na guerra não são escravos, é verdade, segundo nossoscostumes. Não duvido, contudo, que o direito de exigir do prisioneiro

o preço do resgate não possa ser transferido

a outro por

aquele que mantém o prisioneiro, pois a natureza tolera que mesmo as coisas incorporais sejam alienadas.

XXVI. O resgate pode ser devido a vários por um só O mesmo pode dever o resgate a vários se, mandado embora por um sem ter ainda pago seu resgate, foi preso por outro. São, de fato, dívidas diversas provenientes de causas diversas.

[65] Ver Zonaras, sobre o sério arrependimento do imperador Maurício, por ocasião de fato semelhante

1440

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GROítUS

XXVII. Se a convenção pode ser rescindida

porque se ignorava as riquezas do prisioneiro A convenção feita sobre o preço do resgate não pode ser rescindida

porque o prisioneiro é mais rico do que se acreditava, pois, segundo o direito das gentes externo, de que nos ocupamos, ninguém é forçado a completar o que, num contrato, prometeu menos do que o justo preço, se não houver suspeita de dolo, como pode ser entendido segundo o foi

explicado por nós antes (li;ro 11,cap. Xll, $ XXVI) a respeito dos contratos.

XXVIII. Quais os bens do prisioneiro que passam ao que o prendeu Do que dissemos que os prisioneiros não são mais nossos escravos, segue-se que não há mais lugar para essa aquisição universal que

em outro local dissemos ser um acessório da propriedade sobre a pes' soa. Quaisquer outros bens não serão pois exigidos daquele que se apo'

derou do prisioneiro, a não ser aqueles precisamente que tomou. Por isso é que se o prisioneiro carrega consigo algo escondido,isso não será cobrado porque isso não teria sido possuído. Assim é que o jurisconsulto

Paulo [66] respondeu, contra a opinião de Brutus e de Manilius, que aquele que tomou posse de um terreno não tomou posse do tesouro que está no terreno e de cuja existência não tem conhecimento. Porque aquele que não sabe não pode possuir. De onde decorre que uma coisa escondi-

da desse modo pode servir para pagar o preço do resgate, estando a propriedade dessa coisa como que retida.

.6GÀL. 3, Possideri, $ Neratius,

Dig. De acquir. possess.

1441 CAPÍTULO XXI - DAS CONVENÇÕES DURANTE A GUERRA. EM QUE SE TRATA DATRÉGUA. DO LIVRE TRÂNSITO, DO RESGATE DE PRISIONEIROS

Explica-se por uma distinção se o herdeiro deve oresgate 1 . Pergunta-se

também

habitualmente

se o resgate

concordado

e

não pago antes da morte é devido pelo herdeiro. Aresposta me parece fácil, dizendo que, se o cativo morreu na prisão, o resgate não é devido, pois na promessase encontrava a condiçãode que seria libertado. Um morto não é posto em liberdade. Se, ao contrário, morreu depois de ter

sido libertado, é devido. Tinha, de fato, já aproveitado daquilo pelo qual o resgate

havia sido prometido.

2. Confesso sem dificuldade que se pode também concordar de

outra maneira que o resgate seja devido pura e simplesmente a partir do momento mesmo do contrato e que o prisioneiro seja somente retido,

não mais como cativo pelo direito da guerra, mas como tendo-se consti-

tuído ele mesmo como penhor. De outro lado, a convençãopode também ser feita de modo que o pagamento do resgate tenha lugar se, num dia

determinado, aquele que foi feito prisioneiro vivo e em liberdade. Essas cláusulas, sendo menos naturais, não se presume que sejam concorda' das,salvo provas manifestas.

XXX. Se aquele que foi libertado para libertar outro deve retornar estando morto esse outro Propõe-se também a questão de saber se aquele que foi mandado de volta sob a condição que outro seria mandado de volta, deve retornar

à prisão, quando esseoutro suspendeu por sua morte o efeito da promessa. Dissemos em outro local (livro 11,cap. XI, $ XXll e cap. XV. $

XVI) que o fato de um terceiro gratuitamente prometido é cumprido suficientemente se não há nada de omisso da parte do prometente, mas que, nas promessas a título oneroso,o prometente é obrigado a dar um equivalente. Assim, pois, na questão proposta, aquele que teria sido

1442

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GKOii

US

mandado de volta não seria seguramente obrigado a voltar para a prisão, pois isso não foi estipulado e o favor da liberdade não tolera que isso seja considerado tacitamente concordado. Não deverá tampouco se beneficiar de sua liberdade, mas fornecerá a estimativa do que não pode

conseguir [67] . ]sso é, de fato, bem mais conforme à simp]icidade natu-

ra[ do que aqui]o que osintérpretes do direito romano]68] ensinam com relação à aÇão praescr7bÍ/s

verá)Jk e à ação pessoal por uma coisa dada

sob condição não cumprida.

[67] Foi o que não cumpriu Pau]o Ba]ioni que havia sido ]ibertado sob a condiçãode

pedir a libertação de Carvajali que morreu antes de ser libertado. Mariana critica Balioni(livro XXX, 21). Paruta (livro 11),no entanto, conta as circunstâncias do fato de modo um poucodiverso &8Ã L 5, Naturaiis, $ 1, De praescript. vero.;L 16, Uit., Dig., De child. ob causa dali.

XXll

DASCONVENÇOES DOS PODERES SUBALTERNOS

NAGUERRA

Sumário 1. Diferentes espécies de chefes de exército. n 11.Até queponto suas conTençõesobrigam o poder soberano

ill. Ou dão ocasião à obrigação. IV Que decidir, se fazem alguma coisa contra o que lhes éorde nado? Distinções acrescentadas.

U Se, em ta! caso, a outra parte é obrigada VI. O que podem os chefes de guerra ou os magistrados, com

relação a seus inferiores ou em seu fa vor. VII. Não compete aos generais 6lrmar a paz

VIII. Se podem fazer acordopor uma trégua; distingue-se. IX. Qual segurança para as pessoas, quais coisas podem ser concedidas por eles,

X. Taisconvençõesdevemserestritamenteinterpretadas epor

XI. Como deve serinterpretada general.

uma submissão aceita por um

XII. Colllo deve serinterpretada a cláusula "Se o rei ou opovo consentem nisso XIII. Como deve serinterpretada praça forte.

a promessa de entregar uma

1445 CAPÍTULO XXll - DAS CONVENÇÕES DOS PODERES SUBALTERNOS NA GUERRA

1. Diferentes espécies de chefes de exército Ulpiano [1] tem também co]ocadoentre asconvençõespúb]icasa seguinte espécie: "Todas as vezes que os chefes de guerra concordam alguma coisa entre si." Para nós, dissemos que segundo as convenções concluídas pelos poderes soberanos, teríamos de tratar daqueles que formam os poderes subalternos entre elas e com outros, seja que esses poderes subalternos toquem de perto os poderes soberanos, como os ge-

nerais ditos por excelência,a respeito dos quais se deve reter estas palavras de Tito Lívio]2] : "Reconhecemos por general aquele sob os auspícios

do qual se faz a guerra", seja que não se encontrem mais afastados e

que César distinguiu assim [3]: "Um é o pape] de um tenente, outro aquele de um general. Um deve agir segundo as ordens que recebe, outro deve deliberar livremente sobre o conjunto das operações."

11.Até que ponto suas convenções obrigam o poder soberano Há duas coisasa examinar a propósito de suaspromessas.Pergunta-se se elas obrigam o poder soberano ou se obrigam por si mes mas. Aprimeira questão deve ser decidida segundo o que dissemos em

outro local (livro 11,cap. XI, $ XII) [4]: somostambém obrigados por aquele que teríamos escolhido como ministro por nossa vontade, seja que essa vontade tenha sido especialmente expressa, seja que se deduza

da natureza mesma da delegação conferida. Aquele que confere uma faculdade dá o quanto está em si, bem como as coisas necessárias a esta

\:LÀL. 5, Conventíonum,

Dig., De pactos.

[2] HÓ Urbe aondlfa, ]v. 20, 6 [3] Goma.

]]](.De

BeZ/o Clv77i; 51)

l41Ver Cambden, sobre os fatos do ano de 1594, onde relata o julgamento do conde

de Mirando na questão Hawkins.

1446 H UGO

Gnoiius

faculdade, o que deve ser entendido de maneira ética em questões de moral. Os poderesinferiores ligam, pois, de duas maneiras por seu ato o poder soberano: fazendo o que é considerado de uma maneira plausível ser contido em sua missão ou agindo mesmo além dessa missão, em

virtude de um poder especial conhecido do público ou daqueles cujos interesses estão em questão.

IH. Ou dáo ocasião à obrigação Há ainda outras situações, nas quais o poder soberano se encon-

tra obrigado por um fato anterior de seusministros, não de tal modo que esse fato seja a causa propriamente dita da obrigação, mas que seja

a ocasião, e isso ocorre de duas maneiras: por um consentimento ou pela coisa mesma. O consentimento se manifesta pela ratificação não somente expressa, mas ainda tácita, isto é, quando o poder soberana soube o que se passou e que deixou fazer coisas que não podem verossi-

milmente ser relacionadas a outra causa. Expusemos em outro local (livro 11,cap. IV. $ V e cap. XV. $ XVII) como isto ocorre. Os poderes soberanos são obrigados pela coisa, nesse sentido que não devem se enriquecer às expensas de outrem, isto é, que devem executar o contra-

to de que querem retirar uma vantagem ou renunciar a essavantagem, princípio de equidade, tratado por nós em outro local (livro 11,cap. X, $ 11). Nessa medida e não além dela é que pode ser entendido o que foi

dito que, se algum ato foi executadopara produzir vantagens, é válido. Ao contrário, não podem ser eximidos da repreensão de injustiça, aque-

les que, contra as convenções, retêm o que não teriam sem essas convenções. Foi o que aconteceu quando o senado romano, segundo o relato

de Valério Máximo [5], não pede aprovar e não quis rescindir o que havia sidofeito por Cneius Domitius. Há muitos exemplossemelhantes na história. [5] Livro IX, 6, 3

1447 CAPÍTULO XXll - DAS CONVENÇÕES DOS PODERES SUBALTERNOS NA GUERRA

IV Que decidir se fazem alguma coisa contra o quelhes é ordenado? 1. Deve-se também acatar o que foi dito antes (limo 11,cap. XI, $ Xll e XIII), que aquele que encarregou alguém de conduza' um negócio se encontra obrigado, mesmo se aquele que recebeu seuspoderes agiu contra suas ordens secretas, contento que isso estej a dentro dos limites

de sua missão conhecida do público. O pretor romano se conformou com

razão a esta equidade na açãoinstitutória. De fato, tudo o que sefaz com o lhsüfornão obriga aquele que a propôs, mas não há obrigação a não ser que o contrato tenha sido celebrado em vista da coisa para a qual o íz2süforteria sido proposto. Quanto àquele, com relação ao qual se demonstrou publicamente que não havia mais porque contratar com ele, não será mais considerado como preposto [6] . Se esta declaração tiver sido realmente feita, mas não ao alcance de todos, apesar disso o

que a propôs é obrigado. As modalidades da missão conferida devem

também ser observadas,pois sealguém quis que o contrato fossefeito sob certa condição ou por intermédio de determinada pessoa, seria mui-

to justo que a cláusula, em base à qual o Insófor foi preposto, seja observada. 2.Aconseqüência disso é que os reis ou os povos podem ser obri-

gadosuns mais e outros menospelas convençõesde seusgenerais, se suas leis e suas instituições

são suficientemente

conhecidas. Se não se

estiver bem informado, deve-se seguir o que a conjectura sugere e con' sideral como permitido o que, sem isso as funções que fazem parte do emprego não podem ser convenientemente exercidas. 3. Se o poder subalterno

excedeu os limites do mandato, será ele

próprio obrigado, se não pode proporcionar o que prometeu, salvo que alguma lei suficientemente conhecida não o impeça também. Se um 16ÀL. 15, Cuicumque, $ Non tamen, Dig., De inst. act. Proscribere

e $ ProscHptum,

eodem tit.

L. 1}, Sed si, $De que e $

1448 H UGO

GROTIUS

doloveio sejuntar, isto é, sese prevaleceude um poder maior que não tinha, será obrigado pelo dano causado por sua falta e mesmo, em razão

do crime, a uma pena que corresponde ao crime. A razão do primeiro caso de responsabilidade,

os bens são enganados e se faltarem

os servi-

ços ou a liberdade do corpo, em razão do segundo, a pessoa o é também

ou seus bens ou ambos, segundo a gravidade do delito. Quanto ao que

dissemos do dolo, esse terá lugar mesmo no caso em que se tivesse protestado que não havia a intenção de se obrigar a si mesmo, pois a dívida do dano causado e aquela de uma justa pena estão unidas com o

delito por um vínculo não voluntário, mas natural.

V Se, em tal caso, a outra parte é obrigada Como o poder soberano ou seu ministro são sempre obrigados, é

também certo por essa razão que a outra parte é obrigada e que não pode ser dito que o contrato é falho. Acabamos de falar daqueles que detêm um posto intermediário, considerados com relação a seus supe' dores.

VI. O que podem os chefes de guerra ou os magistrados, com relação a seus inferiores ou em seu favor Vejamos também o que podem com relação a inferiores. Não pen-

so que seja duvidoso que um general não obrigue a seus soldados, um magistrado aos habitantes da cidade, dentro do limite dos atou que são geralmente comandados por eles. Fora isso tem-se necessidade do con-

sentimento. Por outro lado, a convençãodo general ou do magistrado será de proveito para inferiores nas coisas puramente úteis [7] . ]sso se

[7] AJc., livro Vlll,

cons. 40

1449 CAPÍTULO XXll - DAS CONVENÇÕES DOS PODERES SUBALTERNOS NA GUERRA

encontra, de fato, suficientemente compreendido em seupoder. Será de proveito sem exceçãonas coisas, às quais está ligado algum cargo, nos limites daquilo que é geralmente ordenado; fora desseslimites, será de proveito se a tiverem aceito. Tudo isso é conforme ao que expusemos em

outro local (livro 11,cap. XI, $ XVIII), segundo o direito natural, com relação à estipulação por um terceiro. As espécies seguintes tornarão mais claras essasgeneralidades.

VII. Não compete aos generais celebrar a paz Não compete ao chefe da guerra transigir sobre as causas da guerra e suas consequências [8] , pois terminar

a guerra não faz parte

da conduta da guerra e mesmo quando tivesse sido encarregado do comando com o maior poder, essepoder não deveria ser estendido além da condução dos negócios da guerra. Aresposta de Agesi]au [9] aos persas

foi que "o direito de decidir sobre a paz competia ao Estado". Salústio [10] escreve: "0 senado rescindiu a paz que A. Albinus havia celebrado

com o rei Jugurta sem ordem do senado." Em Tito Lívio [11] se ]ê: "Quem haveria de receber como válida uma paz que tivéssemos cele-

brado sem a autorização do senado, sem a ordem do povo romano/ Assim é que a decisãode Caudium, aquela de Numancia, não obrigaram o povo romano, como o expusemos em outro local (livro 11,cap. XV.

$ XVI, XVll). Por isso é que se tornam importantes estaspalavras de Postúmio [12] : "Se o povo pode ser obrigado sobre um ponto, o pode ser

Í81 Belisário diz a aos godos: 'bUo remos o poder de dispor dos negóc/osdc7)ópera

dor" (Procópio,Go tblc., 11,6) [9] Plutarco, .4gesl/as, 60] B) [10] De .Be/7o JugurfÁlno,

XXXIX,

3.

[11] ,4b C/rbe Oondiéa, XXXVl1, 19, 2 [12] Tito Lívio,

4b ZI/rbe Cb/2difa, IX, 9, 7

!450 H UGO

GROTIUS

em todos", ou seja, com relação a todas as coisas que não dizem respeito

à condução da guerra, o que demonstram as palavras que precedem a rendição, a promessa de abandonar ou de incendiar a cidade, de mudar

a forma do Estado.

VIII. Se podem fazer acordopor uma trégua Compete aos generais e não somente aos generais em chefe, mas

ainda aos generais de segundo escalão conceder uma trégua [13] aos que, bem entendido, atacam ou mantêm sitiados no que diz respeito a eles e suas tropas. Eles não obrigam os outros generais que lhes são iguais, o que faz ver a história de Fábio e de Marmelo,em Tito LívioF14]

IX. Qual segurança para as pessoas, quais coisas podem ser concedidas por eles 1. Não compete aos generais dispor das pessoas,dos soberanos. das terras conseguidas na guerra. Fundando-se nesse direito é que a Síria foi tirada de Tigrana, embora Lucullus a tivesse dado a e]a [15] Cipião [1 6] diz que não competia ao senado e ao povo romano julgar e ordenar o que era necessáriofazer de Sofonisba, que havia sido tomada na guerra e que assim também a liberdade não havia podido ser dada por Masanissa, sob o comando de quem havia sido tomada Vemos que algum direito é conferido aos que comandam sobre as

coisas que fazem parte do saque, não tanto em virtude de um direito

que lhes conferida seu poder [17], mas em virtude dos costumes de cada povo. Já falamos o bastante sobreeste assunto anteriormente [18]. [13] Ver

PáPuLa, livro

V

[14] .4b [//óe Cbndifa, XXIV. 19.

[15] Justino, livro XL. 2 [16] Tiro Lívio, .4b Z:rrÓeCbndl'za. XXX 14. 10

[17] Castrens.,De]us#.ef/ure, livro l

[18]Livro111, cap.VI,$XV

1451 CAPÍTULO XXll - D'AS CONVENÇÕES DOS PODERES SUBALTERNOS NA GUERRA

2. Não há impedimento ao poder dos chefes de concederas coisas

que não foram ainda conquistadas, pois na guerra a maioria das cidades e muitas vezes os homens se rendem sob a condição de ter a vida salva ou a liberdade ou os bens, condiçõessobre as quais, na maior parte do tempo, o negócio não permite que se peça a decisão do poder soberano. Pela mesma razão esse direito deve ser também dado aos generais que não comandam em chefe, na abrangência das coisas que

Ihe sãoconfiadas. Maharbal, enquanto Aníbal estava bastante afastado dele, havia prometido a alguns romanos que haviam escapado

do combate perto de 'l.'rasimeno, não somente de lhes poupar a vida ("Tqaao'qeptcta", como o relata muito concisamente Po]íbio [19]), mas, se entregassem suas armas, lhes permitiria de se retirarem, cada um com as vestes que trajava. Aníbal os deteve, alegando como razão que

"Maharbal não tinha poder para fazer isso sem consulta-lo, nem de prometer a pessoasque se rendiam que as protegeria ou as deixaria partir i[esas" [20] . Segue-sea opinião de Tito Lívio [21] sobre essefato: 'A promessa foi mantida porAníbal com a fé púnica. 3. Por isso, na questão de Rabirius, devemos entender Cícero comoum orador, não como um juiz. Ele sustenta que Saturnino, que o

cônsul Caio Mário havia feito sair do Capitólio sobsua palavra, tenha sido legitimamente morto por Rabirius. Ele diz: "Essa palavra, como poderia ter sido dada sem ordem do senado?" [22] . E]e trata a questão

comoseessapalawa estivesseligada somentea Mário. Entretanto Caio Mário tinha recebido do senado o poder de trabalhar para a conservação

[19] Limo 111,84-85.

[2010s falsos fugitivos de que se serviu Bajazet num fato semelhante contra os habitantes de Kratovo na Sérvia, segundoo relato de Leunclavius (livro VI), não era mais plausível. [21] .4ó Z]/róeaondlfa, XXl1, 6, 12 [22] Marcus ']h]]ius Cicero, .l)ro C .Raóirlb, 10, 28.

1452

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GROTI

US

do império e da majestade do povo romano. Quem pode negar que esse

poder, que era o mais elevado segundo os costumes romanos [23], não compreendesse o direito de conceder impunidade se, dessa forma, todo perigo fosse afastado da coisa pública?

X. Tais convenções devem ser estritamente interpretadas e por quê? De resto, nas convençõesdos generais, como tratam dos negócios de outrem, a interpretação

deve ser restrita tanto quanto a natureza do

contrato o permita, de modo que de um lado o poder soberano não seja

obrigado por seu ato além de sua intenção e que de outro lado não sofram dano algum ao fazer seu dever.

XI. Como deve ser interpretada uma submissão aceita por um general Assim, aquele que é acolhidopura e simplesmente à discrição de um general é considerado como sendo recebido sob a condição que a decisão sobre sua sorte deverá competir ao povo ou ao rei vencedor. Há um exemplo disso na pessoa de Gentius, rei da llíria, e de Perdeu, rei da

Macedânia,que se renderam, aque]ea Anicius]24] , essea Pau]o]25].

1231Ver Salústio em Z)e ao/Z/uraÉ70né? CaZl7lhae(XXX, 6). Em Ghichardin, livro VI, encontra-se um caso semelhante ao de Cícero, do qual se serviu Consalvus

contra o duque de Valentino. [24] Apiano, /7Z, 9 125] tito Lívio, ,4b Z:/róe an/ld)éa, XLV. 6

1453 CAPÍTULO XXll - DAS CONVENÇÕES DOS PODERES SUBALTERNOS NA GUERRA

XII. Como deve ser interpretada a cláusula "Se o rei ou o povo consentem nisso" Assim é que essareserva que podeser encontrada muitas vezes nas garantias asseguradas "Que isso seja tornado válido se o povo ro' mano o tiver ratificado", teria por efeito que, a ratificação não se se-

guindo, o general não seja obrigado a nada ele próprio, a menos que tenha retirado da convenção algum proveito.

XIII. Como deve ser interpretada a promessa de entregar uma praça forte Aqueles que prometeram entregar um praça forte podemtambém fazer partir a guarnição, como sabemos que os locrienses fizeram [26]

1261Tiro Lívio, ,4b Z:/róe (bndlÉa, XXIV

XXlll

IH IULAVRA DADA PORCIDADAOS

PRl\4ADOSNAGUERRA

Sumário 1. Refuta-se a opinião segundo a qual os privados não estão

vinculados pela palavra dada ao inimigo. 11.Mostra-se que estão vinculados mesmo para com um pirata e uln bandido e até que ponto.

1.[1.Um menor de idade não éneste casoexcetuado. IV Se o erro libera.

V Resolve-se a objeção tirada da utilidade pública.

VI.As coisasditas antesse aplicam à palavra dadaderetornar à prisão

VII. De não mais retornar eill determinado lugar, de não mais

empunhar armas VIII. De não fugir. IX. Um prisioneiro nãopode se entregara

outro.

X. Se os privados devem ser forçados por seus governantes a cumprir o que ha viam prometido.

e XI. Qualinterpretação â

se deve dar a convenções desse tipo

XII. Como se deve tomar as palavras vida, vestuário, chegada, socorro.

XIII. De quem se pode falar que voltou para o inimigo. XIV. Quais são os auxílios su6icientesnuma condição.

rendição feita sob

X\( O que diz respeito a unia execuçãonão se constitui em condição.

XVI. Dos reféns desse tios de con vencõe.

!457 CAPÍTULO XXlll - DA PALAVRA DADA POR CIDADÃOS PRIVADOS NA GUERRA

1.Refuta-se a opinião segundo a qual os privados não estão vinculados pela palavra dada ao inimigo Esta passagem de Cícero [1] é bastante discutida: "Se privados, coagidos pelas circunstâncias, prometeram alguma coisa ao inimigo, é

preciso que mantenham a palavra a respeito." Os privados, isto é, os soldados ou os cidadãos; isso nada importa à palavra dada. E surpreen'

dente que se tenha encontrado mestres em direito12] que tenham ensinado que as convençõesconcluídas pelo Estado com os inimigos empe' nham a palavra, mas que não ocorre o mesmo com aquelas feitas por privados. As pessoasprivadas, tendo direitos particulares que podem

comprometere osinimigos sendocapazesde adquirir um direito (ver neste livro, cap. XIX, $ 11), qual pode ser o obstáculo que impeça a obrigação?Acrescente-se a isso que se não for estabelecido, se dá ocasião

a matanças e se põe um entrave à liberdade. Se forem supressas as promessas dos privados, essas matanças não poderão muitas vezes ser

prevenidas e a liberdade não poderá ser obtida pelos prisioneiros.

11.Mostra-se que estão vinculados mesmo para com um pirata e um bandido e até que ponto Mais ainda, a palavra dada pelos privados obriga não somente para com esseinimigo que olusgenúum

(direito das gentes) reconhece,

mas ainda para com um bandido e um pirata, como dissemos antes (livro 11,cap. XI, $ Vll e livro 111,cap. XIX, $ V) a propósito da fé

pública. A diferença que existe é que, se um temor injusto, inspirado pela outra parte, levou a prometer, aquele que prometeu pode pedir [1] .DeOáZ?CJ}S, 1,13, 3 [2] Bartol.,

Eckiuln.

em .L

5; Ch;zvenflo/ztzm,

Z)/g,,

.Z)e pacfls;

Zazius,

em Hpo/og.

C;b/7Éra

1458

H uoo GROTIUS

para ser dispensadoou, se o outro não o quiser, se dispensar ele próprio,

o que não ocorre num temor procedentede uma guerra pública do /us genÉ7um[3]. Se um juramento foi feito, o que foi prometido deverá, sem

réplica, ser cumprido por aqueleque prometeu, sequiser evitar o crime do perjúrio. TH peÜúrio, porém, se foi cometido contra um inimigo público, é geralmente

punido pelos homens; se contra bandidos ou piratas, deve

ser passado sob silêncio, em ódio daqueles de cujo interesse se trata.

111.Um menor de idade não é neste caso excetuado Nessa questão da palavra privada, não excetuaremos tampouco o menor que está no estado de compreender o que faz. Os privilégios que

favorecem os menores existem em virtude do direito civil. Aqui, tratamos do ./us:genúum (direito das gentes) .

IV Se o erro libera Dissemos também em outro local (livro 11,cap. XI, $ VI), a propó-

sito do erro, que ele dá o direito de renunciar ao contrato, se o que foi

creditado por erro teve, na intenção do prometente, a força de uma condição.

V. Resolve-se a objeção tirada da utilidade pública 1. Até onde se estende o poder que têm os privados de prometer? A apreciação é mais difícil. SuÊcientemente certo é que o que é do públi-

co não pode ser alienado por um privado, pois isso não é permitido, mesmo aos comandantes de guerra, como provámos há pouco (cap. XXll,

$ VII); muito menos o será então a pessoas privadas. Mas a questão la] O[dr., (]0/7s,Z Covar]'uvias,Z)emafr7m.,paria JZ cap. J, / 4, n. .2]

1459 CAPÍTULO XXlll - DA PALAVRA DADA POR CIDADÃOS PRIVADOS NA GUERRA

pode ser posta com referência a suas ações e a seus bens porque estas coisas parecem também que não possam ser concedidas ao inimigo sem

algum prejuízo para sua parte. De onde decorre que semelhantes con-

venções podem parecer ilícitas aos cidadãos, por causa do direito supereminente

do Estado e aos soldados recrutados, por causa do jura-

mento que prestaram. 2. Deve-se saber que as convenções que tendem evitar a um mal

maior ou mais certo devem ser consideradas como mais úteis que pre'

judiciais, mesmopara o público, porque um mal menorreveste a natureza de um bem. "Entre os males, deve-se escolher os menores", como diz alguém emApiano [4]. Ademais, nem o compromisso somente, pelo qual não se abdica do poder que se tem sobre si mesmo e sobre seus

bens, nem a utilidade pública, sem a autoridade da lei, podem fazer com que o que foi cumprido (mesmo supondo que se tenha agido contra o dever) seja nulo e desprovido de todo efeito de direito.

3. Alei, é verdade, poderia tirar essepoder aossúditos perpétuos ou temporários, mas nem a lei o faz sempre, pois poupa os cidadãos, nem pode fazê-lo sempre, pois as leis humanas, como dissemos em outro local (livro 1, cap. IV. $ Vll, XXI e livro 11,cap. XIV, $ XII), não têm

aforça de obrigar senãoestiverem formuladas na medida da humanidade, mas não se impõem um encargo que repugna de todo à razão e à natureza. Por isso é que as leis e as ordens privadas que manifestam abertamente alguma coisa similar não devem passar por leis. Quanto

às leis gerais, devem ser recebidas com uma interpretação favorável que exclui os casos de extrema necessidade.

4. Se o ato que havia sido interditado por uma lei ou por uma ordem e que sehavia impedido de valer pôdeser proibido comjustiça, nesse casoo ato do privado será nulo, mas esseprivado poderia contudo ser punido porque prometeu uma coisa que não tinha o direito de prometer, sobretudo se o fez com juramento.

[4] PuJ21aa, 94

!460

H UGO GROtlUS

VI. As coisas ditas antes se aplicam à palavra dada de retornaràprisáo A promessade um prisioneiro deretornar à prisão é comrazão tolerada, pois não torna pior a condiçãodo prisioneiro. MarcusAttilius Regulus não agiu somentede maneira gloriosa, comoalguns pensam, mas fez ainda o que devia. Cícero [5] diz: "Regu]us não teve de contur-

bar por um perjúrio as condiçõesda guerra e asconvençõesentre inimigos." Isto não colocaobstáculo a]gum [6] porque "e]e sabia o que o bárbaro algoz Ihe haveria de preparar. Ele já sabia, quando estava prestes

a fazer a promessa, que isso poderia acontecer. Assim, de igual modo, dos dez prisioneiros (comoAulus Gel]ius [7] pelo menos conta o fato, seguindo antigos escritores), oito responderam que não podiam invocar o postlimínio

porque estavam sob juramento"

[8]

VII. De não mais retornar em determinado lugar, de náo mais empunhar armas 1.Alguns têm também o costume de prometer de não retornar em determinado local, de não mais empunhar armas contra aquele que os tem em poder. Há um exemp]o do primeiro casoem Tucídides [9], no

qual os habitantes de ltoma prometem aos lacedemânios sair do Peloponesoe nunca mais retornar. O segundocasoé frequente hoje. Há

um antigo exemp]oem Po]íbio [10], no qua] osnumidas sãomandados

[5] .De0áH7'c7]j, 111,29, 108 [6] Horário, Odarum seu (]a/]]] hum #ór7111,5, 49-50. [7] Mocfes,4fílc'ae, V], 18. 18]"Z)qurJO v7naf/']]igados por juramento], isto é, "capJÍI) mJhoreJ' comose exprl me Horácio (Odarum, 111,5, 42), falando de Regulus.

[9] Livro 1, 103 [10]Livro 1,78.

1461 CAPÍTULO XXlll - DA PALAVRA DADA POR CIDADÃOS PRIVADOS NA GUERRA

de volta porAmílcar,

sob a condição de que "nenhum deles empunhasse

armas hostis contra os cartagineses". Procópio [11] cita uma convenção semelhante, em sua história dos godos [12] 2. Algumas pessoas declaram essa convenção nula porque é contrária ao dever que se deve à pátria. Tudo o que é contrário ao dever não

é desde logo nulo, como dissemos antes (livro 11,cap. V. $ X). A seguir, não é mesmo contrário ao dever buscar a liberdade, prometendo o que

já estánas mãos do inimigo. Aporte da pátria não setorna, de fato, pior, porquanto deveconsiderar aquele que foi feito prisioneiro comoum homem perdido para ela, salvo que não se tenha libertado.

VIII. Denãofugir Alguns prometem também não fugir. Essapromessaos obriga, mesmo quando a tivessem feito estando acorrentado e isso, contrariamente à opinião de certos autores. Por esse meio a vida é geralmente

conservada ou se obtém uma vigilância um poucomais branda. Se o prisioneiro foi posto aosferros depois, será desimpedido de sua palavra, se não prometeu para não ser acorrentado.

IX. Um prisioneiro não pode se entregar a outro Pergunta-se de modo incorreto a propósito daquele que foi preso,

se podese render a outro. De fato, é por demais certo que ninguém pode,

por pacto próprio, tirar um direito adquirido a outro. Um direito foi adquirido por aquele que se apoderou do prisioneiro, em virtude do di

reito da guerra ou em parte por essedireito da guerra e em parte pela concessãodaquele que faz a guerra, segundo o que expusemos antes (livro 111,cap. VI, $ XXlll

e seguintes).

[11] GotÉüJC. 11,14, sobre os hérulos

[12] GoféÜJc., 111,36.

1462

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GROTIUS

X. Se os privados devem ser forçados por seus governantes a cumprir o que haviam prometido Há uma bela questão sobre os efeitos dos pactos. É de saber se os privados que sãonegligentes em cumprir sua promessa podem ser for-

çadospor seusgovernantesa cumpri-la. Melhor é dizer que podemser coagidos a isso, mas somente numa guerra solene, por causa do direito

das gentes, em virtude do qual os beligerantes são obrigados a se pres' tarjustiça um ao outro, a propósito mesmo dosfatos dosprivados, como, por exemplo, se os embaixadores dosinimigos tivessem sido insultados.

Assim é que Corne[ius Nepos,segundoo recato de Au]us Ge]]ius [13], havia escrito que vários senadoreseram da opinião [14] de mandar de volta, sob escolta, a Aníbal, aqueles dentre os dez prisioneiros que se recusavam a retornar.

XI. Qual interpretação se deve

dará convenções dessetipo Quanto à interpretação, deve-seobservar as regras já várias vezes referidas (livro 11, cap. XVI, $ 1l e neste livro, cap. XX, $ XXVI), de

não se afastar da propriedade das palavras, a não ser para evitar um

absurdo ou em virtude de alguma outra conjectura su6lcientemente certa da intenção e que, na dúvida, as palavras sejam interpretadas antes contra aquele que emana a lei.

[13] Moeres .4f/7bae, V], 18

[14] Já antes disso, o próprio senado romano havia obrigado aqueles que Pirro

havia mandadode volta sob condiçãode retornar para junto dele (Apiano, Excerpta Legal., x- Sà.

1463 CAPÍTULO XXlll - DA PALAVRA DADA POR CIDADÃOS PRIVADOS NA GUERRA

XII. Como se deve tomar as palavras vida, vestuário,chegada,socorro Aquele que estipulou a vida não tem ao mesmo tempo direito à liberdade. Sobo nome de vestuário, as armas não estão compreendidas, pois são coisas diferentes. Diz-se muito bem que um socorro chegou quando está ao alcance da vista, mesmo que não entre em ação, pois a própria presença tem seu efeito.

XIII. De quem se pode falar que voltou para o inimigo Não se deveria dizer, daquele que voltou clandestinamente para se retirar logo, que retornou para o inimigo, pois não se deve entender

que tenha retornado, senão quando se encontra de novo no poder dos inimigos. Uma interpretação contrária é, segundo Cícero [15], artifi-

ciosa,loucamente astuciosa, que reúne ela própria a fraude e o perjúrio. Ela é chamada por Aulus Ge]]ius [16] uma destreza â'audulenta, classificada de infâmia pelo censor.Aqueles que a tivessem empregado são classiÊlcados por ele de incapazes de testar e de odiosos.

XIV Quais são os auxílios suficientes numa rendição feita sob condição Os auxílios suHlcientesnas convençõesrelativas a uma submissão [17], que não deveria ocorrer se esses auxílios chegassem, devem

ser entendidos como auxílios que façam cessar o perigo.

[15] .De 0H71'clJ]s, 111,32, 113.

[16] ]Vocfes.4télcae,V], 18 [17] Em Procópio

(GoffÃJC., 111, 7, 12, 30 e 37), há quatro

exemplos

desse tipo de

convenção. Há outro em Agatias (livro 1, 12), sobre a cidade.de Lucca. Outro em

Bizarro (Hiió. Gente/7s.,X) e outros no mesmolivro (XVTll); e ainda na guerra

contra os mouros. Cromer (livro XI) relata outro semelhante.

1464

H UGO

GROTI

US

XV. O que diz respeito a uma execução não se constitui em condição Deve-setambém observar que, quando se concordou alguma cláusula relativa ao modo de execução,isso não introduz uma condição

na convenção,como sefossedito que se pagaria em determinado local que teria em seguida mudado de dono.

XVI. Dos reféns desse tipo de convenções A respeito dos reféns, deve-seobservar o que dissemos anteriormente (neste livro, cap. XX, $ 58) que, na maioria das vezes, são um acessório do ato principal, mas que, contudo, pode também ser concor-

dado que a obrigação seja disjuntiva, isto é, que seexecuteuma certa coisa ou que os reféns sejam retidos. Na dúvida, deve-seobservar o que é mais natural, isto é, que sejam considerados somente como um acessorio.

XXlv

IH l)ALAVRA DADA TACITAMENTE

Sumário i. Como a palavra se interpõe tacitamente.

11. Exemplo na pessoa daquele que pede a um povo ou a um rei para ser acolhido sob sua proteção.

111.Daquele quesolicita ou queconcedeuma entrevista. IV ilícito

contudo àquele, contando que não prejudique a seu

interlocutor

em seus negócios.

U Dos sinais mudos que significam alguma coisa, segundo o costura e.

VI. Da aprovação tácita da garantia. VII. Quando a pena é tacitamente perdoada.

1467 CAPÍTULO XXIV - DA PALAVRA DADA TACITAMENTE

1. Comoa palavra se interpõe tacitamente Foi dito não sem razão por Javo]enus [1] que há certas c]áusu]as com as quais se concorda pelo silêncio, o que se pratica tanto nas convenções públicas quanto nas privadas e nas mistas. A razão é que o consentimento, de qualquer maneira que seja indicado e aceito, tem a

virtude de transferir um direito. Há outros sinais de consentimento além das palavras e dos escritos, como já mostramos mais de uma vez

(livro 11, cap. IV. $ 1V e livro 111, cap. 1, $ Vlll). Alguns estão naturalmente incluídos no ato.

11.Exemplo na pessoa daquele que pede a um povo ou a um rei para seracolhido sob suaproteção Tomemosum exemplona pessoadaqueleque,vindo dosinimigos ou dos estrangeiros, se coloca sob a proteção de outro povo ou de um rei.

Não se pode duvidar que não se obrigue tacitamente a nada fazer contra o Estado onde pede asilo. Por isso é que não se deve imitar aqueles

que dizem que o fato de Zopiro [2] estava ao abrigo da recriminação. Sua fidelidade para com seu rei não escusa sua perfídia para com aque-

les junto aos quais se havia refugiado. A mesma coisa deve ser dita de Sextus,filho de Tarqüínio]3], que se havia retirado para Gabios. Virgílio [4] diz, a propósito de Sinon: "Ficamsabendo agora das emboscadas dos gregos e, pelo crime de um só, conhecei-os a todos.:

i:tX L. 51, Ea !ege, Dig, Locati. [2] Justino, ], lO, 15ss [3] Tiro'Lívio,

.4b Z:rróe (hndlfa,

[4] Elles'da, 11,65

1, 53, 5

1468 H UGO

GROTIUS

111.Daquele que solicita ou que concedeuma entrevista Assim é que aquele que solicita ou concedeuma entrevista promete tacitamente que isso não será prejudicial a seus interlocutores [5]. Tiro Lívio [6] declara que atentar contra os inimigos sob o pretexto de uma conferência é violar o./usgenúum. Acrescenta que a conferência violada, o havia sido perdidamente, pois é erróneo o que está escrito nessa passagem, per .idem. Cneius Domitius, por ter acorrentada Bituitus, rei dos avernos, que havia chamado simulando um colóquio e que o havia recebido como hóspede, torna-se merecedor desse julgamen-

to de Valério Máximo [7] : "Uma ambição de g]ória tamanha o tornou pérfido." Por isso não é de se maravilhar que o autor do oitavo limo da Guen'a dn Gá/)b de César [8], seja Hirtius, seja Oppius, re]atando um fato semelhante de Tullius Labienus, tenha acrescentado: "Julgou que sua infidelidade (a de Compus) podia ser punida sem nenhuma perfídia." A menos que esse seja o julgamento de Labienus e não aquele do escritor.

IV E lícito contudo àquele, contanto que não

prejudique a seu interlocutor em seus negócios Não se deve estender essa vontade tácita além do que eu disse,

pois contanto que os interlocutores não sofram mal algum, desviar o inimigo de seus projetos de guerra soba aparência de uma entrevista e, durante essetempo, por em execuçãoseus própios projetos, é isento de pera«adia e colocado no número das intrigas inocentes. Por isso é que aque[es que insistiam em dizer que o rei Perseu [9] havia sido enganado [5] Agatias (livro 11,14)critica comrazão o huno Ragnaris, por ter decididotrespas sar Narsete com um dardo, quando este se retirava de um colóquio [6] .4ó aPÕeaonde'za,XXXV]11, 25, 8. [7] Livro IX, 6, 3 [8] Caius Julius Caesar, De .BeiçoGaZüao,V]11, 23 [9] Tiro Lívio, .4b Z:/róeOondlfa, XL]1, 47

1469 CAPÍTULO XXIV - DA PALAVRA DADA TACITAMENTE

por uma esperança de paz, não tomavam tanto em consideração o que podem o direito e a boa-fé, mas o que é de um espírito elevado e da glória

militar, como isso poder ser suficientemente compreendido, segundo o que dissemos (livro 111,cap. 1, $ VI e seguintes) das intrigas de guerra.

Do mesmotipo íoi a astúcia com a qual Asdrúbal salvou seu exército dosbosquesdeAusetum e o estratagema como qual CipiãoAfricano, o Velho, descobriu a situação do acampamento de Scyphax. Ambos os casossão narrados por Tito Lívio [lO]. Lucius Sy]]a [11] imitou seu exemplo na guerra social, perto de lsernia, como podemos ler em H'ontino

[12]

y Dos sinais mudos que significam alguma coisa, segundo o costume Há também certos sinais mudos, mas significativos segundoo costume, como outrora as pequenas faixas e os ramos de oliveira; entre

os macedónios o ato de levantar as maças; entre os romanos, o escudo colocadosobre a cabeça [13], todos sinais empregados para indicar a súplice rendição [14] e que, por conseguinte, obrigam a depor as armas.

Quanto à questão de saber se aquele que dá a entender por sinais que aceita a submissão é obrigado e até que ponto o é, deve-se extrair a

[101 .4ó Z]/}üeC;a12(#Za, XXVI, 17 e XXX, 4 [11] E o ditador César contra os teucteres e os usipetas (Apiano, Erc'erpfa Zegaf., n. 16)

[12]Sfrafegemafa,1, 5, 17. [13]Apiano, .Be/T.(:]v77.,11,42

[14]

r n em súplicas rendem nnp depõem as armas poe

1470

H U GO GKOíiUS

solução do que foi dito antes (livro 111,cap. l\C $ Xll e cap. XI, $ XV). Em

nossosdias, as bandeiras brancas sãosinal tácito de uma entrevista solicitada [15] . Obrigam não menos que se fosse pedida de viva voz.

VI. Da aprovaçãotácita da garantia Até que ponto a garantia dada pelos generais deve ser considerada tacitamente aprovada pelo povo ou pelo rei? Isso também já o disse-

mos antes (livro 11,cap. XV. $ XVll e livro 111,cap. XXll, $ 111).Verifica-se quando o ato foi conhecido e que houve alguma coisa de feito ou de não feito, de que não se possa dar outro motivo, senão a vontade de

aprovaroacordo.

VII. Quando a pena é tacitamente perdoada A remissão da pena [16] não pode ser inferida somente da dissimulação, mas é necessário que intervenha um ato de natureza a de-

monstrar por elepróprio ou pela amizade, quandofosseum tratado de amizade, ou ainda uma estima por um mérito tal que, em sua consideração, os fatos anteriormente cometidos devem por direito ser considerados perdoados, tanto se essa estima tenha sido manifestada por pala-

vras, quanto por açõesque, segundo o costume, são destinadas a semelhante signiÊlcação.

[15] Entre os povos nórdicos, um fogo acesoé o sinal de pedido de entrevista. Jogo Magnus e outros relembram isso. Plínio(livro XV 30) diz do loureiro: ':r)7nnfa que traz a paz e que, mesmo no meio dos inimigos armados, quailda apresen' cada:é um shla} de tranqüílídade

[16] Políbio, em passagemconservadaem ExcerpÉaZegaÉlo/u/n (n. 122), trata a questão de saber se, quando se perdoou àquele próprio que cometeu o crime, se está sob obrigação de perdoar também àquele por cuja ordem o crime foi cometido. Não acho que seja assim, pois cada um é responsável por suas pró

prias faltas

xxv

CONCLUSÃO COM \ EXOlilAGOES / \

A BOA-FEE A IUZ

Sumário 1. Exortações para conservar a pala vra dada. 11.Na guerra, se deve sempre ter em vista a paz.

111.Ela deve ser mesmo abraçada quando seria desvantajosa, sobretudo para as cristãos. IV .[sso é úti! aos vencidos. \( E também ao vencedor.

rl. Epara a queles cujos negócios são duvidosos. VII. A paz feita deve ser observada religiosamente. vlll.

Votos e âlm da obra.

1473 CAPÍTULO XXV - CONCLUSÃO COM EXORTAÇÕESÀ BOA.FÉ E À PAZ

1.Exortações para conservar a palavra dada 1. Penso que posso terminar aqui, não que todas as coisas que poderiam ser ditas o tenham sido, mas porque foi dito o bastante para

lançar os fundamentos sobre os quais, se alguém quer projetar obras mais imponentes, longe de me tornar invejoso dele, teria mesmo meu reconhecimento. Somente, antes de me despedir doleitor, como quando tratava do projeto de empreender a guerra, acrescentei certas exortaçõespara evita-la, assim também, agora, acrescentaria um pequeno número de avisos que possam servir na guerra e depois da guerra, para

inspirar o cuidado pela boa-fé e pela paz. Da boa-fé,seguramente, tanto por outras razões, a fim de que a esperança da paz não seja perdida. Não é somente todo e qualquer Estado que é mantido pela boa-fé, como

diz Cícero [1], mas é também essa sociedademais ampla das nações. Comodiz com toda a verdadeAristóte]es [2], "suprima-a e todo comércio entre os homens será aniquilado' 2. Por isso é que o mesmo Cícero [3] diz comrazão que é criminoso violar a fé que é o vínculo da vida. Segundo a expressão de Sêneca [4],

"é o bem mais inviolável do coração humano". Os chefes supremos dos homens devem respeita-la tanto mais que pecam com mais impunidade

que os outros. Por isso, a boa-fé suprimida, serão semelhantes a ani-

mais ferozes[5] , cuja violência é para todos um objeto de horror. Ajustiça, no resto de suas partes, tem muitas vezes alguma coisa de obscu-

[1] .De (2áZ]'cais, 11,24, 84. [2] .Reza..4d TZeod., 1, 15.

[3] Pro a. .Rosc20 Concedo,6, 16. [4] .Hpjkfo/aLXXXV]11, 29 [5] Em Procópio (PersJC.,]], ]O), os embaixadores de Justiniano assim se dirigem a Cosxoê$ "Se não tivéssemos falado a ti pessoalmente, jamais teríamos acreditado, ó rei, que Cosroés, õlJho de Cabad, teria entrado nas terras dos romanos

armado, sem respeitar o juramento que acabara de fazer, ou seja, o que se consideraentre oshomens como o penhor mais certo e mais sagrado da palavra dada. Além disso, rompelldo os tratados que são o único recurso daqueles que, por causa de seu insucesso na guerra, não têm segurança para o futuro. Não seria isso. mudar a vida humana numa vida de a11imaisferozes?Se uma vez lias tratador é traída a confiança, torna-se uma 31ecessídade que as guerras sejam

eternas. E as guerras seja â3n têm este efeito, a de manter para sempre os h03neJls fora dos sentimentos

de sua }latureza.

1474

H UGO GKOíiUS

ro, mas o vínculo da boa-fé é por si mesmo manifesto e é precisamente por isso que a gente se serve dele também, a fim de extirpar dos negócios toda obscuridade.

3. Competemuito mais aosreis cultiva-la religiosamente,primeiro por causa de sua consciência, a seguir por causa de sua reputação, sobre a qual repousa a autoridade da realeza. Que não duvidem,

pois, que aqueles que lhes insinuam a arte de enganar não façam o mesmo que ensinam. A doutrina que torna o homem insociável com relação a outros homens (acrescente-se,e odiosa a Deus) não pode ser proveitosa por muito tempo.

11.Na guerra, se deve sempre ter em vista a paz Em segundolugar, em toda conduçãoda guerra, o espírito não pode ser mantido em repouso e confiante em Deus, a menos que não tenha sempre em vista a paz. De fato, foi dito com a mais transparente verdade por Salústio [6] que "os sábios fazem a guerra em vista da paz"

Com isso combina esta máxima deAgostinho [7] que "não se deve pro' curar a paz para se preparar para a guerra, mas fazer a guerra para ter a paz". O próprio Aristóte]es

[8] critica mais de uma vez as nações

que se propunham investidas guerreiras como se fosse seu objetivo su-

premo Aviolência, que domina sobretudo na guerra, tem alguma coisa que a aproxima do animal selvagem. Torna-se necessário empenhar-se com o maior cuidado para modera-la com a bondade, com receio de que,

imitando por demais os animais ferozes, desaprendamos o que é ser homem.

111.Ela deve ser mesmo abraçada quando seria desvantajosa, sobretudo para os cristãos Se uma paz suficientemente segura pode ser obtida perdoando os malfeitores,

os que causam danos e despesas, não é desvantajosa,

so-

bretudo entre os cristãos, a quem o Senhor legou a paz. Seu melhor [6] OraÉloac/ Chegar.(De Rep. 1, 6, 2) Ll\

Epístola

ad

Bonífatium,

[8] /)o/z'fica.fV]1, 2 e 14

\,

6.

1475 CAPITULO XXV - CONCLUSÃO COM EXORTAÇÕES À BOA-FÉ E À PAZ

intérprete (-Romanos,Xl1, 18) quer que sefaçao possível,tanto quanto estiver em nós, para buscarmos a paz comtodos oshomens. Faz parte de um homem de bem empreender a guerra com remorso e de não perseguir de boa vontade as últimas conseqüências,como lemos em Salústio [9] .

IV Isso é útil aos vencidos Somente isso, é verdade, deve ser suficiente, mas na maioria das

vezestambém a utilidade humana leva a isso. Em primeiro lugar, para aqueles que são menos fortes porque uma longa luta com o mais forte é

perigosa e, como acontece num navio, deve-seresgatar uma calamida-

de maior por algum sacrifício, pondo de lado a cólera e a esperança, enganosos conselheiros, como o diz muito bem ]:ito Lívio]lO] . Aristóteles

[11] enuncia ainda este pensamento [12]: "Ê preferíve] abandonar a]guma coisa de seus bens para aqueles que são mais fortes do que, vencidos

na guerra, perecer como que setem.

V E também ao vencedor Ela interessa também aos que são mais fortes porque, como o mesmoTito Lívio [13] diz com não menos verdade, a paz é vantajosa e gloriosa para aqueles que a dão na prosperidade de seus negócios e que

é melhor e mais segura que uma vitória esperada. Deve-se pensar, de fato, que Morte é acessível a todos. Aristóte]es

[14] diz: "Deve-se consi-

derar como na guerra ocorrem geralmente mudanças numerosas e imprevistas." Num discurso pela paz, em Diodoro [15], uma repreensão é dirigida aos que "exaltam a grandeza de suas ações, como se isso não l91 Melhor, Cícero, .6pJbfuJae, IV. 7.

[10].4b Z:/róeaondlfa, V]1, 40, 18. [11] .1?Zeé.ad.4/ex., 3

[12] Fílon, em Z)e ConsfJf. /)r/ncib. (13), se exprime do modo seguinte: ':4 paz, embo!'a com grandes desvantageJls,é mais útil que a guerra.

illiHKl: ll::ll;

[

1476 H

UGO GKOtiUS

fosse o costume da sorte da guerra, o de distribuir por turno favores" Deve-se temer sobretudo a audácia daqueles que estão desesperados [16], do mesmo modo que as mordidas dos animais moribundos que são

mais terríveis.

VI. E para aqueles cujos negócios são duvidosos Se os dois inimigos acreditam estar em iguais condições, é então,

segundo a opinião de César [17], o me]hor momento para tratar da paz, enquanto um e outro ainda têm confiançaneles mesmos.

VII. A paz feita deve ser observadareligiosamente Feita a paz, em quaisquer condições,deve ser plenamente observada por causa dessa santidade da fé, de que falamos, e se deve evitar com vigilância não somente a perfídia, mas também tudo o que exaspe' ra os espíritos. O que Cícero [18] disse das amizades privadas pode ser

aplicado muito bem a essas amizades públicas. Deve-se vigiar sobre

todascom o maior escrúpulo e coma maior fidelidade, mas principalmente sobre aquelas que foram reconduzidas da inimizade para a reconciliação.

VIII. Votos e fim da obra Que Deus, que só ele pode, grave essas coisas no coração daque-

les, nas mãos dos quais estão os destinos da cristandade. Que lhes dê

um espírito inteligente para captar o direito divino e humano e que cada um deles pense sempre que foi escolhido como ministro para go' vernar homens, seres tão caros a Deus]19] . [16] Plutarco(Manas, 432 C) escreve: 'Z'proa/)o, com eáeJfo,temer o esconder7Üb do

leão moribundo. [17] .De.Be//oalv7Ul:]]], IO [18] Em Jerânimo,

HpoJaF7a adie sus Za2)ros J?uÉlb l l, l.

[19] Foi isso que Crisóstomo, em seu sermão sobre a esmo]a [no início], disse: '0

homem, este ser de predileçãopara Deus.