O Camponês Polonês no Brasil

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Camponês Polonês n o Brasil", de

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Wachowicz ê obra referencial da

m aior im portância para a compreensão de Curitiba e do Paraná, dada a grande contribuição da etnia na construção da

RU Y CHRISTOVAM WACHOWICZ Professor — Titular do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná

nossa sociedade contemporânea. A grande maioria dos poloneses do nosso Estado era de agricultores Há mais de cem anos eles semearam nossos campos Desde então vêm colhendo os fru to s da terra. N em sempre a imigração tem as caracte­ rísticas douradas e bem sucedidas das pastas oficiais Este livro mostra q u e a imigração teve percalços E não fora m p ou cos Sublinha a fê que evitou o fracasso de toda a experiência im igratória A nossa Canaã estava um p o u co longe da bíblica promessa de "um a terra farta onde correrá leite e m el". Tinha lama caminhos tortu osos bugres antigos donos da terra, e doenças absoluta

ausência

de

e

infra-estrutura

Fonte primária de boa parte da pesquisa desenvolvida pelo professor Wachowicz ê livro raro, publicado em Varsóvia no entre-guerras

em

1937,

resultado da

coleta de depoim entos dos imigrantes efetivada

por

concurso

internacional

para a Am érica Latina sobre a experiên­

0 Camponês Polonês no Brasil

cia da terra nova L iv ro preservado pelos pais d o pesquisador e que conseguiu chegar a tt Curitiba — pelos correios ainda

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II

Guerra

M undial e da tragédia d o p ovo p olon ê s Outra fo n te d o trabalho são as cartas, originais dos imigrantes recém-chegados ao Brasil para seus amigos e parentes na Polônia. Os remanescentes desta corres­ pondência fora m publicados na Polônia. Vale p orta n to frisar que a história se faz do tecido das diversas fibras da mem ória /'o m u m Desde que devidamente valori­ zadas e preservadas. j"ã o i outra a intenção da Casa R om ário Mzrsins na sua linha e d ito ria l R eforça r c f- upação dos espaços culturais exises ’'o m ae lições da história. O ferecer '' ■Juiscrloret e ao p ú b lico intereslr j\

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Rafael Greca de Macedo Curitiba, 1981

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nossa sociedade contemporânea. A grande maioria dos poloneses do nosso Estado era de agricultores. Há mais de cem anos eles semearam nossos ca m p o i Desde então vêm colhendo os fru to s da terra. N em sempre a imigração tem as caracte­ rísticas douradas e bem sucedidas das pastas oficiais. Este livro mostra que a imigração teve percalços E não fora m pou cos Sublinha a fê que evitou o fracasso de toda a experiência im igratória A nossa Canaã estava um p ou co longe da bíblica promessa de "um a terra farta onde correrá leite e m el". Tinha lama, caminhos tortu osos bugres, antigos donos da terra, e doenças absoluta

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e

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Fonte primária de boa parte da pesquisa desenvolvida pelo professor Wachowicz ê livro raro, pubticado em Varsóvia, no entre-guerras

em

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APRESENTAÇÃO FICHA CATALOGRÁFICA

325.243808162 Wachowicz, Ruy Christovam, 1939 — O camW113

ponês polonês no Brasil. Curitiba, Fundação Cultural, Casa Romário Martins, 1981. 152 p.

1.

Paraná — Emigração e imigração.

2.

Poloneses no Paraná. I. Título.

Já se disse, neste recente e dinâmico processo de renovação conceituai e metológica da Historia, que estudar o passado só faz sentido quando ele está vivo, pre­ sente entre nós. E por outro lado, que o estudo fático, como um fim, somente leva a conhecimento de detalhes, e que portanto é preciso servir-se dele apenas como ponto de referência dentro de contextos mais amplos e mais profundamente significativos, de conjunturas e estruturas. Eis que estamos diante de uma obra que está incluída dentro de uma nova visão de História. E ainda, resultado amadurecido de uma pesquisa encetada com todo rigor científico durante longos anos, fundamentada em ampla e valiosissima documentação original e inédita. Não diria que coroa um trabalho de vida, pois isto podería lembrar carreira, a produção de Ruy Christovam Wachowicz é grande e muita coisa ainda está por vir, mas diria que com "O camponês polonês no Brasil” o autor poderia dar por cumprida muito bem uma importante etapa que se propôs desde seus primei­ ros passos como historiador, ou seja, compreender e fazer compreender o imigrante polonês, em especial no Paraná. E a partir de uma perspectiva científica. Assim é que se nota uma linha mestra continua, subjacente ao longo do tra­ balho, e mesmo quando o autor se serve da narração de casos não se pode e nem se consegue perder de vista, acompanhando perfeitamente suas intenções, que o que se busca são as permanências. Compreender o polonês no Brasil exige compreender não somente o processo de instalação do imigrante e sua luta pela nova vida, mas ainda as transforma­ ções vividas pelos seus descendentes, e mais, exige conhecer quem eram e sob que condições viviam os poloneses em suas regiões de origem, partilhadas entre potências estrangeiras. Dos "kom orniki” e “chalupniki” das aldeias polonesas da Silésia ou da G alícia aos colonos poloneses que na “Bryczka” chegavam para a missa em uma capela dos arredores de Curitiba, do interior do Paraná ou de outro pedaço de Brasil, há um longo caminho de lutas e de transformações que aqui é admiravel­ mente traçado e explicado por Ruy Christovam Wachowicz. Apoiado por bibliografia original, o autor delineia o quadro de origem, de onde partiram os poloneses para o Brasil, a começar pela apreciação da conjuntura internacional, ou seja, a situação da Europa e a situação da Polônia na Europa do Século X I X ; e para isto nos dá, condensadamente, uma visão interessante a partir de ângulos pouco conhecidos nos estudos de históna contemporânea.

CAPA — Carroças. Elemento cultural característico de imigração polonesa no Brasil. A da frente é puxada por três cavalos devido ao “estado pesado” da estrada. Atrás, carroça com toldo, para proteger-se da chuva. Foto de 1931, entre São João do Triunfo e Água Branca (Paraná).

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A descrição da vida do polonês sob bandeiras estranhas, da Rússia, Alemanha ou Áustria, destaca ainda uma vez a tenacidade desse povo na conservação de sua individualidade, de sua originalidade. Constitui o cerne deste trabalho o estudo que começa com a apresentação do camponês polonês do século X I X em sua terra, e das condições sob as quais foi iniciado o processo migratório. A grande aventura na busca de um destino liber-

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bertador em terras americanas começava pela decisão que se imagina difícil para um camponês, a de deixar sua terra; o camponês, secularmente apegado ao chão que cultiva; e que continuava com as incertezas trazidas por verdadeiras peripé­ cias em que um aldeão se via envolvido para conseguir viajar, e depois para atravessar aquele interminável oceano, e finalmente aqui chegar, ante a mata que deveria derrubar para fazer aquilo que seria seu. " Uma gleba de terras de sua propriedade, coberta de matas à sua disposição para sulcar-lhe o solo com o arado, era seu objetivo e seu sonho". E começava então um longo processo de transformação das "terras incultas em celeiros do Estado", e também de transformação do próprio imigrante bem como da sociedade que o recebia. Esperanças, desencantos, dificuldades reciprocas, pro­ blemas, falácias e estereótipos, tudo se mistura com receptividade, denodo, tra­ balho, determinação, realizações, fazendo do polonês um "tip o peculiar" do Pa­ raná, caracterizador da imigração européia; a "carroça polaca" que passa sob o pinheiro parece ser a marca inconfundível do Paraná. Em toda a extensão desse trajeto, o catolicismo e a polonidade tão intim a­ mente ligados, se evidenciam como definição fundamental das estruturas mentais, como definição de toda uma cultura, como elemento essencial para se compreen­ der o polonês de qualquer época, da Polônia ou do Brasil. Ao término da leitura deste livro — destinado a satisfazer tanto o especialista quanto o grande público — tenho certeza de que todos perceberão, concretamente, a importância do trabalho histórico para a comunidade.

Í NDI CE Apresentação Introdução

........................................................................

5

............................................................................

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CAPÍTULO I O

campesinato polonês no séculoX I X ................................ CAPÍTULO II

Conjuntura emigratória ....................................................... JA YM E A N T O N IO CARDOSO Departamento de História da Universidade Federal do Paraná

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36

CAPÍTULO I I I O espectro da proletarização ................................................

58

CAPÍTULO IV Da aldeia à colônia ................................................................

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CAPÍTULO V Estrutura econômica e social da comunidade de adoção . . .

85

CAPÍTULO V I A “ fé polonesa” .....................................................................

93

CAPÍTULO V II A “ paróquia polonesa” ..........................................................

106

CAPÍTULO X I I I Estruturas ocupacionais .......................................................

114

CAPÍTULO IX Falácias e estereótipos ..........................................................

127

CAPÍTULO X Fixação e integração na sociedade deadoção ..................... Conclusão .............................................................................. Bibliografia ............................................................................

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INTRODUÇÃO O presente estudo é uma tentativa de esclarecer algumas das características que contribuíram para a formação dos padrões de comportamento emergentes no imigrante polonês no Brasil, espe­ cialmente no Paraná, padrões estes manifestados desde que os pri­ meiros camponeses poloneses aportaram ao Brasil, até a época em que foi instalado o consulado polonês em Curitiba, em 1920, por efeito da restauração da Polônia como nação livre e soberana, após a Primeira Guerra Mundial. Os elementos básicos considerados foram caracterização da população camponesa que emigrou, o meio que o imigrante encontrou no Brasil e sua integração na sociedade de adoção. Já na Idade Média, a Europa feudal dividia-se em dois gran­ des blocos político-administrativos. O primeiro, um grupo de mo­ narquias, constituindo Estados territoriais formadores do núcleo básico do feudalismo europeu, compreendendo o papado, a França, a Inglaterra e o Sto. Império. As demais potências teriam entrado mais tardiamente na comunidade feudal e seus papéis políticomilitares seriam de menor importância do que as quatro ditas monarquias fundamentais formadoras do centro físico da Europa feudal católica, não deixando entretanto de enriquecer a civiliza­ ção com suas contribuições originais. Estas potências secundárias, localizadas na periferia do núcleo central, seriam os reinos ibéri­ cos, escandinavos, o reino siciliano e os países localizados a leste do Sto. Império, i.é., na Europa oriental: Hungria, Boêmia-Morávia e a Polônia. Dentro desta divisão, localiza-se a nação polonesa na periferia oriental dos grandes centros decisórios da Europa ocidental, o que lhe aufere uma situação geo-política típica de marginalização. Fa­ tores históricos tornaram esta nação a fronteira oriental do oci­ dente. Tem esta nação desempenhado durante vários séculos papel ativo e fundamental nos destinos da Europa, embora, nos últimos três séculos, deixasse de exercer influência política acentuada, por ter desaparecido, nos fins do século X V III, como nação livre e soberana. No início do século X IX , a Europa continuava grosso modo dividida em dois sistemas de organização econômica e social, 9

baseada ainda nos mesmos blocos constatados na Idade Média. As diferenças entre esses dois blocos não eram somente político-militares, mas abrangiam níveis de desenvolvimento, bem como con­ cepções de vida. Não estavam separados apenas por diferenças culturais, mas por diferenças de estágios de desenvolvimento econômico. A primeira era uma Europa nova, próspera e em cons­ tante desenvolvimento, a segunda era arcaica, muito estática, quase imóvel, controlada ainda por forças emergentes da Idade Média. Nela encontramos trágicos contrastes, como p. ex., a França e Inglaterra de um lado e as populações estáticas e feudalizadas da Europa centro-oriental, onde se situa a Polônia. Nesta Europa arcaica, encontramos populações fundamentalmente camponesas,1 isoladas ainda no seu habitat. Conservadoras ao extremo, resis­ tem às mudanças. Nos territórios poloneses, esta situação tende a perdurar por mais tempo, com a perda da independência polí­ tica nos fins do século X V III. As potências ocupantes de seu ter­ ritório — Prússia, Áustria e Rússia — tendem, por razões de Es­ tado, a manter sua população no mesmo nível intelectual e econô­ mico. As nacionalidades européias submetidas tendem a se con­ servar por mais tempo como integrantes da Europa arcaica, atra­ sada e de base agrícola. Entre a velha Europa ainda senhorial e a nova urbanizada e industrializante, existem séculos de evolução diferenciada. No início do século X IX , ainda são nítidas as duas Europas: elas não são contemporâneas, quanto ao grau de desen­ volvimento. ^ O regime senhorial polonês é abordado neste trabalho como um regime caracterizado por uma economia agrária, vigorante na Polônia numa época de pleno domínio da economia de mercado. Com efeito, ao lado das funções geo-políticas e históricas desem­ penhadas pela Polônia, sua evolução social, econômica e política era como que às avessas da ocorrida na Europa ocidental. O feu­ dalismo, que estava abalado no ocidente, persistia na Polônia sob forma de um acentuado regime senhorial. Nos séculos X V I I e X V III, a classe camponesa, as diversas modalidades de artesãos e mesmo os indivíduos urbanos dos pequenos e médios núcleos, de­ pendiam do nobre da região. Este regime, vigorante na Polônia numa época de pleno domínio do mercantilismo ocidental, influía desfavoravelmente sobre o sistema agrário vigorante no país, no sentido da opressão da pleble pela nobreza. A Polônia, em plena era mercantilista, era o paraíso da nobreza mas por isso não deixava e ser o infemus rusticorum. Este regime foi abolido somente após 'Neste trabalho não se entende por camponês o homem ainda ser ligado à gleba ou a um senhor. O camponês já é consumidor e direta indiretamente já está ligado à cidade. Já deixou de ser um rústico. r®servil. de propriedade e o dinheiro estão tomando o lugar da antiga resignaç

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a perda da independência do país. A Áustria o fez na Galícia, após os movimentos revolucionários de 1846 e 1848. Nos territórios prussianos, a mesma foi abolida gradualmente até meados do sé­ culo X IX , enquanto no Reino da Polônia (parte russa) o foi em 1864, após o movimento revolucionário de 1863. Desta forma, os imigrantes poloneses, aportados ao Brasil, provinham de uma socidade que havia passado há pouco tempo pela desagregação da economia agrária, baseada na servidão, e que estava em pleno processo de adaptação à economia de con­ corrência capitalista. Foi este camponês, que viveu o regime senhorial no limitado mundo de sua aldeia ou de sua região, ou o filho do mesmo, que emigrou para o Brasil, não suportando as campanhas sistemáticas que os governos estrangeiros realizavam para tirar-lhe a proprie­ dade da terra, as perseguições contra sua própria língua e cultu­ ra e o' sistema agrário caótico. Esses fatores facilitaram a emigra­ ção orientada para o Brasil, sobretudo daqueles camponeses que tinham fom e de terras. Os países que, no século X IX , faziam parte da Europa arcai­ ca, não eram mais nacionalistas do que aqueles que pertenciam à Europa industrial e desenvolvida. Porém, especificamente no caso polonês, ocorre um fenômeno típico. A ocupação por três potên­ cias vizinhas proporcionou o surgimento, em sua população, de um espírito nacionalista diferente do de outros países europeus. Pelo fato de seus territórios e populações serem tratados como regiões e populações de ocupação, o patriotismo polonês, funda­ mentado e alicerçado na sua polonidade, adquire uma conotação que caracteriza os nacionalismos dos países atrasados e arcaicos. Ele está repleto de desconfianças contínuas para com os estran­ geiros que têm interesses na Polônia, é fechado, quase impenetrá­ vel, dominado por sentimentos e ressentimentos. Aqueles que o possuem manifestam dificuldades em aceitar a premissa de que os contactos com países mais desenvolvidos e mais poderosos pos­ sam apresentar em seu relacionamento outro tipo de interesse por parte do mais forte, além do desejo de exploração e domínio, i.é ., de humilhação da parte do mais fraco. O objetivo prim or­ dial desse nacionalismo é, antes de tudo, a afirmação de sua exis­ tência e do principio de sua independência. O nacionalismo polonês significa pois, neste trabalho, o con­ junto de sentimentos patrióticos mais ligados a um amor próprio de povo ferido e humilhado, do que referente à defesa de interes­ ses nacionais propriamente ditos. A inteligentzia da nação temia a emigração para a América, ou mesmo a migração sazonal. Esta última, p.ex., era criticada pelas elites culturais, pois colocava o camponês em contacto com grupos de cultura alienígena, o que só poderia contribuir para o enfraquecimento da cultura nacional. Esse tipo de nacionalismo 11

não via o futuro com confiança e alegria mas conturbado, devido às experiências e ressentimentos do passado. O imperialista ocu­ pante já conseguia asfixiar a vida política da nação e dominar a economia, temendo-se agora pelo domínio cultural, único elo que ainda restava para impedir a despersonalização da nação. Foi dessa Europa arcaica e atrasada, que partiram os emigran­ tes camponeses em direção às terras brasileiras. Estes imigrantes carregavam consigo ressentimentos e estereótipos de sua terra de origem, os quais inevitavelmente vinham a manifestar-se na ter­ ra de adoção, sobretudo quando lá encontravam as mesmas na­ cionalidades, cujos governos os oprimiam em sua terra natal. No Brasil, esse nacionalismo polonês, chamado especificamente de polonidade, entrou em conflito com um nacionalismo crioulo, fun­ damentado aliás em bases análogas ao do polonês. N a oportuni­ dade em que o polonês ofereceu, no Brasil e mais especificamente no Paraná, sérias restrições aos desígnios das elites luso-brasileiras, estas manifestavam um nacionalismo brasileiro que poderia­ mos chamar de brasilidade, o qual manifestava-se nos moldes se­ melhantes ao da polonidade: necessitado de afirmação típica das sociedades atrasadas e arcaicas. Singularmente, na imigração po­ lonesa, os primeiros a manifestarem essa brasilidade, são os que faziam parte do clero luso-brasileiro. É nesse campo eclesiástico que os poloneses inicialmente manifestaram forte ameaça e con­ corrência para com as camadas dirigentes do país de adoção. No Brasil, os imigrantes poloneses encontraram também, pre­ dominando na sociedade, as formas arcaicas de vida. O Brasil novo apenas iniciava sua emergência, as formas arcaicas ainda predo­ minavam. As populações agrícolas locais, constituídas de escravos, ibertos e caboclos, eram bem diferentes das populações agrícolas européias. A população polonesa aportada ao Brasil, maciçamente camponesa, não poderia ser equiparada a estas populações agrímr.vL Poloneses, apesar de seu atraso com relação aos _ a ^ u^°Pa ocidental, sentiram sua superioridade técnica, atrrípnioc sa^síez em seu orgulho. Onde quer que as populações neçpç cp -natlvas brasileiras entrassem em concorrência, os polo­ neses se impuseram na agricultura. Entretanto, está emergindo um novo Brasil, moderno, urbano, industrializado, sobretudo a partir dos fins do século passado; a area da Grande Curitiba, da qual o polonês é importante partícipe, começou a adquirir novas características, como p. ex., a acelera­ ção da urbanização, industrialização e desenvolvimento do comér­ cio, etc. Nesta fase de mudança, quando se iniciou o desenvolvi­ mento do Brasil novo, o polonês e seu descendente demonstraram a sociedade de adoção, como era conservadora sua mentalidade e o quanto estavam apegados às formas de comportamento, prove­ nientes da Europa arcaica e atrasada. N o quadro urbano do pais de adoção, o imigrante polonês será superado na concorrência, 12

não só pelos luso-brasileiros, mas pelos componentes de outras nacionalidades também aqui aportadas, sobretudo os alemães e italianos. Nesta fase de transição do Brasil arcaico para o novo, i.é., na sua urbanização, evidenciou-se a menor adaptabilidade do imigrante polonês. O conceito que o meio de adoção formulou do imigrante polonês, partiu desse quadro urbano que lentamente impôs sua avaliação sobre o rural. Como a cidade acaba se im­ pondo sobre o campo na região do Paraná tradicional, é sua a ideologia racial que predominará na região. As conotações nega­ tivas e positivas atribuídas ao polonês serão portanto elaboradas pelo melting pot curitibano. O camponês polonês foi localizado no Brasil em terras devolutas, ou nas terras vendidas pelos grandes proprietários luso-brasileiros. Seu regime de propriedade é o homestead, como o deno­ minam os norte-americanos. A classe dos pequenos proprietários sobrevive, propiciando na região o surgimento de uma numerosa classe média agrícola, composta fundamentalmente pelos descen­ dentes de poloneses que repelem o latifúndio. Nas regiões de colo­ nização polonesa, é o latifúndio que se extingue e o homestead sai vitorioso. Entretanto, esta classe média agrícola, quando posterior­ mente muitos de seus membros abandonam o campo e dirigem-se à cidade, proletariza-se de preferência, e tem dificuldades em des­ vincular-se de seus padrões de comportamento arcaicos, não com­ patíveis com a vida urbana desenvolvida. O polonês ou seu descen­ dente, já estabelecido na cidade e fazsndo parte das classes médias ou superiores, vai envergonhar-se do comportamento de seus pa­ trícios proletários. O fato de dedicarem-se os imigrantes poloneses predominantemente à agricultura de subsistência, atividade esta considerada não essencial e mesmo algo depreciativa desde os tem­ pos coloniais, vai também levar os elementos de origem polonesa emergentes na sociedade brasileira, a manifestarem reticências quanto à origem polonesa, o que equivalia a admitir a procedência das mais baixas camadas sociais. Apesar de manifestarem-se excelentes agricultores para os pa­ drões brasileiros de então e de demonstrarem excepcionais dotes como artífices das mais diversas especializações, os imigrantes po­ loneses e seus descendentes, são atingidos por uma avaliação não muito positiva, dentro da ideologia racial do meio. Estão inseridos, junta mente com os grupos sociais e étnicos da sociedade de ado­ ção, num contínuo processo de transformação da sociedade e de relação de competição, centrada numa sociedade capitalista de ca­ racterísticas semi-industriais. Entretanto, colocar o problema da integração do polonês na sociedade paranaense, somente do ponto de vista da concorrência, seria simplificar em demasia a problemática. Fator importante desempenha nesta circunstância a mentalidade do próprio imi­ grante, i.é., o ethos dos aldeões poloneses, porque em última ins­ tância, este é o agente principal. 13

O estudo da formação dessa mentalidade nas aldeias polone­ sas, de sua transplantação para o Brasil e do papel desempenhado por ela na integração dessa corrent3 imigratória no Brasil, é o principal objetivo desta pesquisa. O ethos e a mentalidade do camponês formaram-se em séculos de duração, e sua compreensão depende do conhecimento das ori­ gens de sua afirmação nacional. Esta é a razão pela qual o pre­ sente estudo apresenta, na sua parte inicial, os fundamentos his­ tóricos da proposição levantada. Nas últimas décadas, vastas áreas pioneiras do Estado do Pa­ raná experimentaram um portentoso desenvolvimento agrícola, a ponto de transformar o Estado num dos maiores produtores do país. A região centro-sul do Estado, entretanto, vai apresentar pa­ radoxalmente uma situação inversa. Nas primeiras décadas do sé­ culo, a região era florescente. Extraía-se o mate e a madeira, e cultivava-se o solo. A dinâmica da vida econômica fazia nascer novas cidades e crescer as já existentes. A partir da década de 1930, a economia do mate entrou em crise, os pinhais se esgota­ ram e o solo, explorado irracionalmente, teve sua capacidade na­ tural esgotada. Transformou-se então a região centro-sul do Para­ ná em região problema. Passou a ser uma região de pequeno de­ senvolvimento e de acentuado atraso, em relação ao conjunto do Estado. Na década de 1960, os municípios componentes desta região começaram a receber assistência de órgãos ligados ao Ministério e à Secretaria da Agricultura, incumbidos de elevar e melhorar os padrões de comportamento das populações camponesas, bem como procurar despertá-las da letargia sócio-econômica em que se encontravam. Estas populações começaram a ser estimuladas a se organizarem em cooperativas, sindicatos rurais, organizações de associações de pais e mestres nas escolas, a receber campanhas de melhoria de higiene, de utilização racional do solo, etc. Nestas circunstâncias, ampliaram-se as evidências de certas peculiarida­ des das populações da região. Formadas basicamente por descen­ dentes de imigrantes poloneses e ucranianos, apresentaram comportamentos que as distinguiam das populações de outras áreas o Estado. Encontraram-se p. ex., dificuldades para que a comu­ nicação se estabelecesse entre os funcionários desses órgãos e vastos setores das populações rurais. Alguns ativistas sociais facilmente desanimavam em atingir seus objetivos e concluíam: Com esta gente não adianta lidar, ou en o a dúvida manifestada por um inspetor de ensino: Não sei porque existe tanta intriga, tanta encrenca neste nosso m eio rural.2

O D e b a t e fw í^ p ^oWt° n' A terra e 0 homem n« sul do Paarná. Irati, Ed

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Outro exemplo é a desconfiança e mesmo a repulsa por muitos colonos em contactar com indivíduos desconhecidos e aceitar-lhes os conselhos e sugestões, mesmo que seja para a melhoria de suas próprias condições de existência. Para se perceber o processo de transformação e relaciona­ mento do camponês, foram escolhidos para análise e interpretação os momentos cruciais de seu desenvolvimento, não só na Europa, como sobretudo por ocasião da fixação do grupo polonês no Brasil. A partir de tais conceitos, foi aplicado o modelo teórico dualista tanto para a sociedade polonesa como para a brasileira, que pro­ cura explicar a adaptação do imigrante polonês como um pro­ cesso no qual sua modernização fo i dificultada, nas primeiras dé­ cadas de fixação, pela sua mentalidade ainda arcaica e extrema­ mente ligada ao apego à terra. As técnicas utilizadas na pesquisa foram: a análise dessa hipó­ tese através da interpretação de fontes empíricas; a determinação de momentos típicos do processo adaptativo e a reconstrução das fases e situações mais significativas. Foram utilizadas, como fon­ tes essenciais: 1 — xeno bibliografia de cronistas e viajantes poloneses que visitaram o Brasil e deixaram uma vasta obra referente â imigração polonesa. Estes xeno cronistas poloneses agrupam-se principalmente na última década do século X IX . Essas obras permaneceram até há bem pouco tem­ po restritas aos usuários da língua polonesa, mas a pu­ blicação recente de vários desses cronistas pelos Anais da comunidade brasileiro-polonesa,3 traduzidos para o português, facilitaram sua utilização e a exploração de sua riqueza de observações. 2 — as memórias dos imigrantes. Existem duas publicações em polonês a respeito: a editada pouco antes do início da guerra em 1939,4 a qual foi pouco divulgada no Brasil, devido ao início do conflito bélico. Contém 27 memórias de imigrantes da América do Sul, sendo 20 do Brasil. Essas memórias, devido a objetividade de seu conteúdo, foram longamente utilizadas. Os imigrantes que as escre­ veram cobrem muitas vezes o período crítico da imigra­ ção para o Brasil, que é o período imediatamente poste­ rior à abolição da escravatura (1888) e que vai ser co­ nhecido na Polônia como “ febre brasileira” .* *A N A IS DA C O M U N ID A D E B R A S ILE IR O POLONESA. An. comun. brasil, pol. Superintendência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná. 1969 — . 8 v. Gratuita, Curitiba. ‘P A M IE N T N IK I emigrantów. Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instytut Gospodarstwa Spolecznego. Comps. 1939. 488 p.

3 __ histórias de vida. Foram utilizadas as publicadas pelos Anais da comunidade brcsileiro-polonesa e possuem o mesmo valor das memórias dos imigrantes. 4 — periódicos em língua polonesa, editados não só no Brasil, como também na Polônia. 5 — cartas dos imigrantes estabelecidos no Brasil aos seus familiares e conhecidos no Reino da Polônia (parte rus­ sa). Nos fins de 1890, as autoridades russas de Varsóvia instituiram censura à correspondência que pudesse esti­ mular a emigração da região. Eram milhares de cartas de invulgar valor histórico, que foram encontradas e tra­ balhadas pelo historiador W itold Kula. Porém, com o “ levante de Varsóvia” , ocorrido durante a guerra, o ar­ quivo foi incendiado e grande parte das cartas destruí­ das. As referentes ao Brasil, foram traduzidas e publi­ cadas pelos Anais da comunidade brasileiro-polonesa.1

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K.ULA,

1890-189111WarMawaS'n!rt!f emi ^ t6w * BrazyUl 1 Stanów Zje dno warszawa, Ludowa Spóldzielna Wydawnicza. 1973. 591 p.

U U V V V U '

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C A P IT U L O

I

O CAM PESINATO POLONÊS NO SÉCULO X IX

Após a perda da independência da Polônia (fins do século X V I I I ), seu território ficou dividido entre as três potências ocupantes: Prússia, Áustria e Rússia (mapa I ) . Todas as espe­ ranças dos nacionalistas poloneses, voltaram-se então para um possível auxílio da França, cuja revolução simbolizava a liberdade política e individual. Muitos dos refugiados poloneses se organi­ zaram no estrangeiro, nas chamadas Legiões Polonesas. Estas pas­ saram a participar das campanhas de Napoleão com o fito de atrair o dirigente francês para a causa polonesa. Porém Napoleão não estava interessado na solução do problema polonês. Utilizava o nacionalismo dos exilados para concretizar apenas seus próprios objetivos. Napoleão, apesar do apoio recebido dos refugiados po­ loneses, nada fazia em prol da causa que advogavam. Em 1806, a Prússia foi derrotada por Napoleão. Este permitiu que, de Berlim, os poloneses fizessem apelos ao recrutamento de soldados para uma futura libertação. Formaram um exército de 40.000 homens e entraram em Varsóvia. Napoleão mais uma vez negligenciou a questão polonesa. Criou apenas um paliativo: o Ducado de Varsó­ via. Sua Constituição igualava a nobreza à burguesia, mantendo entretanto, para a primeira, a preponderância na administração. A servidão foi abolida. A corrente moderada de Kosciuszko triun­ fou. Seus adeptos, mais conservadores que liberais, tolheram ao camponês o acesso à propriedade da terra que amanhava. Esta permaneceu propriedade absoluta do senhor. Como se isso não bastasse, os senhores obtiveram o direito de expulsar os campo­ neses de suas terras quando desejassem. Era um novo tipo de exploração, agora assalariado. A exploração do camponês deixava de ser senhorial, para se tom ar temporariamente capitalista. Napoleão utilizou-se da fidelidade dos poloneses, obrigando o Ducado a manter a duras penas um exército de 100 mil homens, o qual foi utilizado contra os espanhóis e posteriormente na cam­ panha da Rússia. Com a derrota de Napoleão, desmoronou tam­ bém o Ducado de Varsóvia. O Congresso de Viena confirmou a ocupação da Polônia. Do que restou do Ducado de Varsóvia, foi criado o Reino do Congresso (K rólestw o), pertencente à Rússia. 17

A população do Reino, como passou a ser conhecida a parte russa da Polônia, na primeira década do século X IX , era 75% campo­ nesa e apenas 25% urbana.12

A USTRI A

A servidão camponesa, abolida em 1807 pela oonstituição do Ducado de Varsóvia, foi restabelecida. A maioria dos camponeses vivia em minúsculas propriedades agrícolas e não conseguiam se­ quer ínfimos excedentes comerciáveis de sua produção. Não havia investimento de capital na agricultura. A mobilidade social era praticamente inexistente. Nas cidades, a situação era pouco me­ lhor, mas a evolução era muito lenta. No entanto, os efetivos da burguesia aumentavam lentamente, e a população operária, com­ posta de pequenos grupos ainda semi-ligados ao campo, não pas­ savam de embrião do proletariado.3 O desenvolvimento industrial, na região, não constituía um processo normal. Somente alguns setores eram estimulados por Moscou, de acordo com as necessidades da conjuntura do mer­ cado russo. Desenvolveu-se sobretudo a indústria têxtil em tom o das cidades de Lódz e Kalisz. Em Varsóvia, estabeleceram-se in­ dústrias de produtos químicos e alimentícios. Alguns setores manufatureiros entretanto, resistiram, para não perder suas caracte­ rísticas artesanais, não adotando o selfacting system. É o caso dos alfaiates e sapateiros, que se organizaram sob a forma de sweting system. Tal procedimento, em se rejeitar a automação, não pas­ sava de uma posição saudosista e conservadora nos moldes da mentalidade existente nas Corporações de Ofício. Seus artífices mantiveram as características conservadoras dos camponeses, como representantes que eram dos indivíduos emergentes da so­ ciedade aldeã. Este incipiente artesanato industrial provocou a aplicação, na região, de capitais estrangeiros, estimulados pelos russos; que, ao mesmo tempo procuraram afastar o capital polonês das indús­ trias. Por sua vez, o capital polonês, que conseguia ser aplicado na indústria, era originário do acúmulo dos grandes proprietários rurais. O surgimento da indústria desenvolveu uma nova classe: o proletariado. Reforçou inclusive a burguesia nacional, a qual vai desempenhar posteriormente o papel atribuído à grande burgue­ sia industrial e comercial do país. Esta classe, atrofiada que fora em seu desenvolvimento desde o sculo X V I pela nobreza, reto­ mava, embora ainda debilmente, seu desenvolvimento e por para­ doxal que possa parecer: sob domínio estrangeiro.

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iKalendarz, obserwatoryum astronomiczne warszawskie na rok zwyczajny. Ano V, Warszawa, 1861. p. 129. 2PORTAL, Roger. Os eslavos — povos e nações. Lisboa, Ed. Cosmos, 1968. p. 167.

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Os patriotas, ativistas políticos que desejavam a independên­ cia da Polônia, recrutavam-se entre a burguesia e parte da nobre­ za. Surgiram entidades e sociedades secretas, nos moldes da franco-maçonaria. As repressões russas às sociedades secretas acirra­ ram os ânimos, sobretudo após o fracassado movimento russo anti-tzarista dos decembristas, os quais estavam ligados às socie­ dades polonesas. O sucesso das revoluções liberais em 1830, na França e na Bélgica, aceleraram a insurreição. Quando o tzar, den­ tro do princípio da intervenção, triunfante no Congresso de Viena, resolveu auxiliar a contra-revolução nos países do ocidente, orde­ nou a mobilização do exército polonês com este objetivo, preci­ pitando a revolução ainda não suficientemente preparada. A re­ volta foi uma ilusão. Milhares de patriotas, vindos de todas as partes, obtiveram algumas vitórias, mas a nobreza conservadora, sabendo da inferioridade militar e temendo as reivindicações dos camponeses, opôs-se a uma mobilização geral das massas campo­ nesas, para que não fossem talvez obrigados a outorgar-lhes sua libertação dos laços senhoriais. Nestas circunstâncias, a derrota foi inevitável. O Reino perdia sua constituição, a qual fo i substi­ tuída por um Estatuto Orgânico. Este suprimia a Dieta e o exér­ cito polonês. Entretanto, os poloneses conseguiram ainda manter a língua própria na administração. Embora o Reino passasse a depender do Senado russo, na realidade passou, sem maiores for­ malidades, para o domínio pleno do tzar. A revolução de 1831, evi­ denciou a necessidade de união dos diversos grupos atuantes e a urgência em atrair os camponeses para a causa nacional. Tal fato só podería ocorrer com um programa de libertação camponesa. Desta forma, seria possível tirá-lo da opressão e, em conseqüência da passividade em que vivia. O grupo liberal, então considerado de esquerda, organizou-se em 1832 na Sociedade Democrática Polonesa, preparando na déca­ da de 1840, um levante contra os ocupantes. Porém os serviços de segurança das três zonas de ocupação detectaram a conspiração. Os prussianos prenderam os implicados na Posnânia e Pomerânia. As tropas austríacas entraram na cidade livre de Cracóvia, em fevereiro de 1846. No Reino, a repressão também fo i completa. Entretanto, pela primeira vez na História da Polônia, um movi­ mento revolucionário era conduzido diretamente para o campesi­ nato. Durante os meses de triunfo da revolução, os camponeses que empunhavam as armas receberam terras das propriedades do governo.3 Após a eliminação da revolução, o camponês começou a des­ pertar. Continuava a sublevar-se em todas as regiões da Galícia ocidental. Saqueava as residências da nobreza, ocupava aldeias, ele-

Polonia.A Varsovia,

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l

Esbozo de História de

giam seus chefes. Estes movimentos, obviamente, também foram sufocados pela força ou pela persuasão, porém a onipotência do poder da nobreza galiciana estava quebrada. O governo austríaco, surpreendido com as proporções do movimento camponês, foi obrigado a acalmar os ânimos, abolindo a servidão em 1848. As banalidades igualmente deixaram de existir. Nos períodos calmos de relacionamento da sociedade campo­ nesa com a sociedade que lhe é envolvente, as sociedades campo­ nesas tendem a se proteger contra as influências vindas do exte­ rior. Esta proteção o camponês a faz camuflada. Tolera as demons­ trações de poder por parte dos notáveis, aceita mediações para as soluções dos problemas surgidos com o senhorio. Nos casos difí­ ceis, o camponês normalmente apela para o rei. Confia que a rea­ leza possa endireitar os prejuízos que lhe causava o senhor.* No caso do campesinato polonês do século X IX , ele não tem a quem apelar. Seu rei é um imperador no qual ele não confia, nem o imperador (estrangeiro no caso), se interessa em verdade para solucionar seus problemas. Apela pois a escaramuças e mesmo até à revolta aberta, sem dispor de nenhuma visão do mundo que o cerca. De todas as nacionalidades que lutavam pela independência política na Europa, o problema polonês era o mais complexo. Sub­ jugado por três potências, as mais absolutistas do continente, os poloneses constituiram-se em importante matéria prima para as sublevações e revoluções. A tal ponto chegou o seu comportamen­ to, que o termo polonês passou a ser, na Europa do século X IX , sinônimo de revolucionário. A guerra da Criméia (1854-56), concluída com revezes para a política absolutista do tzar, enfraqueceu temporariamente a Rús­ sia. Moscou foi obrigada a realizar concessões no campo social do Reino do Congresso. O descontentamento e a agitação camponesa eram latentes. A própria burguesia urbana passou a estimular a libertação dos camponeses, pois via na sua liberdade um promis­ sor mercado de consumo para seus produtos industrialiazdos. A evolução do capitalismo industrial urbano tornava caduco o siste­ ma das obrigações senhoriais e colocava ambos os sistemas numa permanente contradição. Os estímulos vindos dos emigrados políticos levaram ao reini­ cio da criação de sociedades secretas. A insurreição na Itália, conduzida por Giuseppe Garibaldi, transformou-o em herói peran­ te a juventude polonesa. Mas, os revolucionários receberam um outro duro golpe quan­ do, em fins de 1862, muitos dos líderes foram presos pela repres­ são russa. Para enfraquecer os revolucionários, as autoridades ^MENDRAS, Henri. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro, Zahar Edi­ tores, 1978. p. 134.

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russas decidiram realizar um recrutamento forçado de todos os reservistas suspeitos de simpatias com os revolucionários e que estavam aptos a empunhar as armas. Esses acontecimentos deter­ minaram a antecipação da revolução de 1863. Foi uma insurreição essencialmente citadina, enquadra­ da pela pequena nobreza e padres, mas não pode apoiars e sobre os camponeses, cuja atitude de expectativa ou de participação, conform e as regiões, esteve dependente da influência local exercida pelos chefes.6 Embora o govemo revolucionário provisório tivesse por de­ creto concedido a terra em propriedade aos camponeses, a parti­ cipação dos mesmos em massa, na revolução, ocorreu apenas em alguns distritos do Reino. Em muitos casos, os próprios coman­ dantes revolucionários nobres recusaram-se a divulgar o decreto que tomava proprietários os camponeses, com o fito de impedir a mobilização camponesa. Continuava sendo evidente a supremacia do sentimento de classe sobre o sentimento nacionalista, por parte da nobreza. Os revolucionários, mais uma vez, contavam com o combinado auxílio da França, que acabou não vindo. O papa Pio IX ordenou orações pela Polônia, porém o auxílio tão desejado não veio de parte alguma. De qualquer forma, só com seus pró­ prios recursos e em desespero de causa, os revolucionários conse­ guiram manter o movimento por um ano e dez meses.® A revolução de 1863 foi a mais violenta e, em contrapartida, foi a mais duramente reprimida de todas as ocorridas pela inde­ pendência da Polônia. Após o malogro do movimento, ocorreu o que se convencionou chamar de diáspora do povo polonês. Os in­ divíduos mais ativos e competentes espalharam-se pelo mundo, sobretudo pelo imenso território do império russo. Estes inte­ lectuais contribuiram brilhantemente para o desenvolvimento eco­ nômico e cultural dos países que os acolheram e foram de grande utilidade prática para a Rússia à qual faltava pessoal qualificado? Cientistas e políticos poloneses estão ligados desde então a uma obra de gigantesca escala de estudos e observações geográfi­ cas, geológicas, arqueológicas, zoológicas etc. no mundo asiático, africano, oceânico, antártico e americano. O destino da “inteligentzia” polaca foi, assim, na ausência de um Estado que pudesse reuni-la integralmente, o de ficar intima­ mente ligada a toda uma vida internacional, sem p o r isso estar ausente da Pátria mutilada e submetida.* 6PORTAL, p. 362. SnrtuPiI W vH fZEiWtSKI,» , Józeí‘ DzieJe narodu bpólki Wydawníctwa Polskiego, 1931 d 141 7PORTAL, p. 363. »Id.

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polskiego. Chicago, Drukiem

Por outro lado, a repressão interna foi algo inusitado. O Reino do Congresso foi extinto. Em seu lugar, foi criado o território do Vístula, dividido em 10 governos administrativos. A Igreja Cató­ lica, por ter participado, com vários de seus membros no movi­ mento revolucionário, passou a ser abertamente perseguida. Russificou-se o ensino. Mas, para prevenir novos possíveis levantes ou revoluções, em todos os territórios ocupados pelos russos, ter­ minava o regime da servidão. O tzar imitando aos outros impera­ dores europeus, extinguiu tal regime no Território do Vístula (1864). No século X IX , estruturou-se um novo relacionamento entre os países americanos e a Europa. Quase todos os países latino-americanos, nas primeiras décadas do século, obtiveram sua inde­ pendência política. Desejosos de povoar seus espaços vazios, irão, juntamente com os Estados Unidos — este país em fase de rápida industrialização — desenvolver uma política imigratória. A conjun­ tura americana, favorável à imigração, vai encontrar na velha Eu­ ropa condições também altamente favoráveis para satisfazer suas necessidades de população. Dezenas de milhões de pessoas deslo­ caram-se da Europa para as terras promissoras do Novo Mundo. No século X IX , vários países da Europa ocidental encontraram-se num período de grande expansão industrial e urbanização. Relegava-se um sistema de vida tradicional, baseado na agricultura, para um de base industrial e urbana. O país pioneiro no fornecimento de emigrantes para a Amé­ rica, foi o vanguardeiro da industrialiazção, onde o fenômeno da revolução demográfica fo i também primeiramente sentido: a In­ glaterra. Nesta onda emigratória, de 1820 a 1919, saíram 10 milhões de pessoas das ilhas Britânicas. Estes milhões de súditos ingleses emigrados, contribuiram para o fortalecimento das características culturais anglo-saxãs dos Estados Unidos, bem como para o alicerçamento do império britânico no mundo, após as guerras napoleônicas. Paralelamente e inserida no caudal da emigração anglo-saxã, encontra-se a presença dos celtas irlandeses. As grandes crises de produção da batata — produto básico da agricultura da ilha — obrigou o irlandês a emigrar, notadamente após 1846. Os irlande­ ses já viviam uma estrutura agrária baseada no arrendamento da terra aos latifundiários ingleses, sofrendo segregações política e religiosa. Na segunda metade do século X IX , a população irlandesa bai­ xou de 8 milhões para 4,5 milhões de habitantes, como efeito desse movimento maciço de sua população. Assim como os irlandeses formavam importante afluente den­ tro da emigração britânica, os poloneses desempenharam no con23

tinente um papel equivalente. A comparação entre a emigração irlandesa e a polonesa, encontra um paralelismo digno de nota. Ambas as nações eram católicas e suportavam o domínio im­ perialista. que adotava o credo protestante. Enquanto a Irlanda estava subordinada política e economicamente a uma só nação — a Inglaterra anglicana — a Polônia encontrava-se tripartida entre a Alemanha luterana, a Rússia ortodoxa e a Áustria católica, as po­ tências dominantes procuravam eliminar o predomínio católico, tanto na Irlanda como na Polônia, através de campanhas oficiais sistemáticas. Ambas as nações tinham a base de sua economia ali­ cerçada na agricultura onde se destacavam, como produtos bá­ sicos a batata, o centeio e o trigo. Enquanto o irlandês era elimi­ nado como língua oficial em seus próprios domínios, o polonês o era também na parte do domínio alemão e russo. Por outro lado, as estruturas agrárias ineficientes obrigavam tanto o irlandês como o polonês a procurarem emprego nas cidades industrializa­ das da metrópole dominante. O grande movimento emigratório, iniciado nas ilhas britâni­ cas, atravessou o mar do Norte e foi atingir o continente: o Impé­ rio Alemão, a Ibéria, Escandinávia, Império Austro-Húngaro e os Bálcans. A guerra de 1914-18 surpreendeu esse movimento que é considerado o maior fenômeno de transumância já ocorrido na face do globo, atingindo as proximidades do Mar Negro (Galícia oriental), chegando até os territórios da Rússia propriamente ditos. Se não fosse a interrupção causada pela guerra, esse fluxo teria atingido as populações camponesas da Rússia." Os territórios habitados por poloneses sob domínio prussiano (Silésia, Pomerânia e Posnânia), sobretudo após a vitória prus­ siana sobre a França em 1870 e o surgimento do Im pério alemão, sofreram notável ação de despolonização. N o setor prussiano, a campanha de desnacionalização seguiu as linhas gerais da drang nach osten,lu ou seja, tomou forma diversa dos outros territórios ocupados. A Alemanha após 1870, continuava aplicando o princí­ pio da colonização alemã sistemática, nos territórios poloneses. A questão polonesa até 1870 era questão interna do governo da Prússia. Agora — como a unificação nacional — tornou-se um problema alemão. O dinâmico chanceler Bismarck — arauto da unidade alemã, denunciava à nação em discursos veementes o apregoado perigo polonês e fez do exterm ínio da nacionalidade poN ak l^ e ^ ^ l^ !c iP fT ffT v í:ZySlaWt KvvestJa emigracji w Polsce. iNaKiaaem Polskiego Towarzystwa Emigracyjnego, 1927. p. 20.

Warszawa,

populações^erm ânirac"ft«Cha para leste"- Desde os tempos medievos, as caminho mais lógico 'o seu desej ° de expansão, encontraram como bloqueado pelas Donúlarnp6^ ; ^ ° Camento para leste- ° rumo sul, estava Báltico. A solução lesteÇpra dallanas- ° oeste pelos franceses, o norte pelo na Idade Média! até Hhler a "chane naeh1' ^ eSde a criaçao do s to - Império sidadc, sempre existiu ’ & drang nach osten com maior ou menor inten-

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lonesa a condição da existência da Prússia.11 Já em 1861, em cor­ respondência particular, assim se manifestava: Batei nos polone­ ses a fim de que eles percam a vontade de viver. Pessoalmente me compadeço de sua situação, porém nós (os prussianos) quere­ mos existir e não nos resta outro remédio senão exterminá-los.12 Em 1872, ano do centenário da primeira divisão da Polônia, Bismarck convocou para Berlim uma reunião das três potências ocupantes da nação polonesa, com o fito de reforçar a ação con­ junta em prol da desnacionalização dos poloneses. A simples con­ vocação da reunião com tal finalidade já demonstra per si que Bismarck temia uma reação polonesa. O chanceler divisava no catolicismo, não somente alemão mas sobretudo o polonês, uma ameaça ao poder dos Hohenzollem. Era preciso eliminar o perigo da pequena, porém problemática, minoria polonesa, foco perma­ nente de inquietação, que levava à insegurança. Se por ventura os três setores da nação polonesa conseguissem coordenar seus mo­ vimentos em prol da independência, a potencialidade da Alemanha corria sério perigo. Os dados estatísticos de 1870, comprovam que o elemento germânico não havia progredido sobre os territórios de propriedade dos poloneses. Como este não era somente um problema alemão, Bismarck convocou todas as potências ocupan­ tes. Procuraria assim eliminar o problema através de um esforço comum dos interessados. A eliminação da cultura polonesa passou a ser uma das metas pela unidade cultural do império: a Kulturkampf. Passaram então a ser tomadas algumas medidas: 1 — uso obrigatório da língua alemã nas escolas normais e secundárias. 2 — a partir de 1876, uso obrigatório do alemão na adminis­ tração, magistratura etc. 3 — exclusividade para os alemães ocuparem cargos públi­ cos. 4 — substituição dos nomes poloneses na toponímia, ruas, praças etc. O processo de germanização atingiu a Igreja. Foram proibidos os sermões em polonês, bem como o ensino do catecismo nesta língua. A oposição levada a efeito, pela hierarquia católica polo­ nesa, resultou na prisão e exílio dos bispos. As congregações reli­ giosas foram proibidas, os conventos fechados e centenas de pa­ dres aprisionados. O governo sempre encontrava novos meios para enfraquecer a nacionalidade polonesa. Em 1885, expulsou da Ale­ manha todos os poloneses que não eram súditos alemães. São as u PORTAL, p. 364. 12S TA N ISLA W & ZYC H O W SK I, p. 126.

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expulsões prussiams, que atingiram 30 mil poloneses de outras regiões. Em 1887, ditaram-se disposições suplementares, que eli­ minaram totalmente a língua polonesa do ensino na Silésia, Pomerània e Posnânia.13 Nas escolas começou-se a açoitar barbaramente as crianças que não queriam falar e rezar em alemão( . . . ) os pais que saíssem em defesa dos filhos eram processados.14 À Comissão Colonizadora coube empreender luta contra a pre­ ponderância numérica no meio rural, principalmente na Posnânia e Pomerânia. Para tanto, era preciso afastar em massa os polone­ ses de suas propriedades agrícolas. Esta comissão iniciou as suas atividades com um fundo de 100 milhões de marcos. Cada ano, o Landtag aumentava esse fundo. A resistência de venda das pro­ priedades partiu sobretudo do pequeno proprietário. Enquanto os grandes proprietários e latifundiários poloneses vendiam 80 mil hectares sob pressão aos alemães, os camponeses só venderam mil hectares.15 Porém, a partir de 1885, os camponeses poloneses con­ seguiram recuperá-las em grande parte. Saliente-se que das terras compradas pela Comissão Colonizadora, apenas 1/4 era de proce­ dência polonesa. Entre os proprietários de terras, formou-se uma espécie de oposição teimosa à venda de terras, fosse qual fosse a oferta pelas suas propriedades. Na Posnânia e Pomerânia, sob pretexto de associação de clas­ se, formavam círculos agrícolas, associações de artesãos, caixas de mútuo auxilio que desempenharam também função de promo­ ver a solidariedade e a coesão em tom o do caráter nacional polo­ nês, face à discriminação. Outro lado desse processo foi a grande absorção dos pequenos proprietários das aldeias, pelos proprietários maiores ou latifun­ diários. As pequenas propriedades, situadas na periferia das maio­ res, sofriam rápido processo de absorção. Os pequenos proprietá­ rios, pressionados pelas circunstâncias, vendiam suas proprieda­ des, acarretando um aumento substancial da massa proletária rural, que trabalhava nos folwark (latifúndios). A concessão da propriedade para o aldeão, na região, fo i um processo penoso, iniciado apenas em 1808, acelerado após a revolução de 1848 e completando-se apenas na década de 1860. Esta transformação da estrutura agrária, como consequência da abolição da servidão, fortaleceu a um tipo de propriedade: os latifúndios ou folwark cujos donos passaram a ser proprietários das terras, ocupadas desde os tempos da servidão de gleba. Desaparecendo a servidão, o processo de absorção das pequenas propriedades, pelos folwark, tomou-se inevitável. Os aldeões — nesta nova conjuntura — pas­ saram a dispor somente de suas próprias forças para a sobrevi­ ,:,Id. 14Id. ,5Ibid., p. 137.

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vência. A proteção e o paternalismo do senhor da região havia desaparecido. Nestas circunstâncias, a situação lhes era desfavo­ rável. Impossibilitados de pagar os elevados impostos territoriais exigidos pelo governo prussiano, não lhes restava outra alternativa a não ser a venda dessas suas propriedades. Então vendiam-nas, mas a latifundiários poloneses. Por outro lado, os grandes pro­ prietários exploravam o camponês, pequeno proprietário, por oca­ sião do processo de compra, atribuindo-lhes um preço por acre, inferior aos das grandes propriedades.16 O processo de proletarização agrária do aldeão, nas regiões de domínio prussiano, tomou-se crítico. 41% da população agrícola, por volta de 1880, era constituída de proletários que não possuíam propriedades. A única opção para esse numeroso proletariado, era procurar emprego nos folioark. Nestas propriedades, o trabalho não durava por todo o ano. A maioria trabalhava só por ocasião das safras, ficando nos meses de inverno ociosa e sem poder ganhar para seu sustento. Na região da Posnânia, todo o comércio e o artesanato de es­ cala industrial estavam nas mãos de alemães e judeus. A popula­ ção polonesa caracterizava-se como fornecedora de mão de obra agrícola. A conjuntura agrária dessas regiões da Polônia, acresci­ das ao acelerado crescimento demográfico natural das populações polonesas, veio a impulsionar os indivíduos mais descontentes, a procurarem serviço nos outros territórios alemães, ou emigrar para além oceano. Estes movimentos de migração sazonal para outros territórios alemães, notadamente para a Westphalia, Reno, Hannover, Berlim etc., e em segundo plano os reemigrantes que voltavam da América — sobretudo do norte — provocavam o fra­ casso das atividades da Comissão de Colonização, criada com o fito de tirar a propriedade da terra das mãos polonesas. Tal se deve ao fato de que esses movimentos carreavam, para a região, capitais economizados e que revertiam na melhoria da situação do aldeão. Em conseqüência, a partir do ano de 1880, as pequenas propriedades cessaram de diminuir e ao contrário, passaram a aumentar, em detrimento dos folwark. O processo pois reinverteu-se: os camponeses, após seu retomo, adquiriam mais terras. Esta foi a principal razão pela qual fracassou o processo de afas­ tamento do polonês, da propriedade da terra. Os censos de 1870 e 1880 demonstraram que, apesar dos milhões de marcos emprega­ dos pelos alemães para tal fim, não ocorreu a progressão do do­ mínio da terra.17 A Pomerânia ocidental e a Posnânia continuavam regiões essencialmente agrícolas e suas indústrias eram insignificantes. Nestas regiões, a grande massa do povo era constituída de campo1BSZAWLESKI, p. 22.

17Id.

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neses com toda uma hierarquia campesina, solidamente estabele­ cida, tendo por base a propriedade agrícola. Ali, a resistência na­ cional polonesa alicerçava-se fundamentalmente na classe campe­ sina e, nas cidades, na pequena burguesia. A alta Silésia, com sub­ solo rico em minerais, teve oportunidade de desenvolver sólida in­ dústria e em conseqüência assistiu ao aparecimento de uma classe proletária polonesa numerosa. A pequena burguesia e a intelectua­ lidade era relativamente pouco numerosa. Porém, apesar do de­ senvolvimento da industrialização, a classe camponesa continuava a ser o esteio da polonidade. Desenvolvia-se uma resistência passiva contra as tentativas de assimilação linguística e cultural. Na Silésia, que era parte inte­ grante da própria Prússia, a Kulturkam pf também fracassou, apesar do fato deste território estar separado politicamente da Polônia, desde o século X IV . Na Silésia ocidental, que geograficamente estava mais aberta à influência germânica, também o movimento não foi vitorioso. Mesmo os grupos que assimilaram em parte a cultura alemã, nun­ ca sentiram-se alemães. Muitos deles podiam já não se sentirem poloneses, mas dificilmente optavam pelo germanismo. Ao se faze­ rem perguntas sobre sua nacionalidade, aos indivíduos que perde­ ram seus contactos com a cultura polonesa, respondiam que eram silesianos. Entretanto, os mesmos eram considerados poloneses, nas outras regiões da Polônia. O campesinato polonês, tanto sob domínio prussiano como sob os outros domínios, vivia num sistema social altamente hierarquLzado. Numa aldeia, as classes sociais eram nítidas e sua mobilireduzida- No cume da hierarquia aldeã do início do rioioc ’ encontravam' se as famílias dos kmiec, considerados P6 com? f randes proprietários, mas que não chegavam cín mcc ade.1.ros latifundiários. Eram pouco numerosos na Galíterí-aTnnf«Stiam TeTm número maior no Reino da Polônia e nas C o T ^ S anaS, kmiec nao P ° ssuia mais de 50 ha de terras, sua famílin pnedade> podia, com relativa tranqüilidade, manter do* fiihnc c Proporcionar um estudo mais prolongado a algum lhora/in residencia era mais espaçosa e de arquitetura metradicionai»; ^i?pnedadcs ,estavam protegidas da sub-divisão por filho herriavn stumes ® leis dos tempos medievais. Apenas um outras on,na^ Pr0pnedade Paterna- Os demais deviam encontrar social aldeã^n h P&ra gardlar a vida. Em seguida, na pirâmide regiões de ^ lãluPTíiki; chamados também, em outras mais cóm un^ dnikl- ° o s proprietários de terra esses eram os Suas DroDriprinrioram verdadeir°s proprietários de minifúndios, do que possuía nã° ultraPassavam a quinta parte c t e S E t r l6C' de form a que a* propriedades dos ampliar a p r o p r ie d a ^ a™™ 10 hectares- Sua maior ambição era P ade. A maioria possuía em tom o de 2 ou 3 28

hectares. Com tal propriedade, não era possível tirar da mesma o sustento de uma família. Para sobrevivência, alguns membros de sua família eram obrigados a empregarem-se como trabalhadores braçais nos folwark. A miséria e a fome freqüentemente os atingia. Na tentativa de melhorar sua situação, procuravam — quando possível — alugar qualquer pedaço de terra, para aumentar sua produção. Em seguida, vinham os komorniki. Estes não eram pro­ prietários. Arrendavam para o cultivo algum minifúndio. N o má­ ximo, possuíam alguma choupana própria. Tal qual os chalupiniki no inverno, os animais domésticos que possuíam eram recolhidos sob o mesmo teto ocupado pelos membros da família. O calor dos animais aqueciam-nos por ocasião dos rigorosos invernos. Era comum que, sob a mesma choupana, morassem duas ou três famí­ lias de kom orniki. Pinalmente, na base da pirâmide social aldeã, encontravam-se os parobki trabalhadores rurais que nada pos­ suíam a não ser a força de seu trabalho braçal, empregada nos latifúndios. Estas classes sociais aldeãs, quando reunidas, por exemplo na igreja, por ocasião da missa dominical, mantinham-se eqiiidistantes. Na frente, ao lado do altar, um ou outro latifundiário, se os houvesse na região, e os kmiec. Em seguida sentavam-se os zagrodniki e chalupniki e no fim da da igreja, de pé, encontra­ vam-se os k orm om ik i e o proletariado.18 A distância social entre o kmiec e as demais categorias aldeãs, era de fato muito acentuada e se manifestava em todas as ativida­ des da aldeia. As residências dos kmiec agrupavam-se no centro da aldeia enquanto os pequenos proprietários agrupavam-se na sua periferia. Na Alta Silésia, região que forneceu as primeiras levas de imi­ grantes para o Brasil, o consuetudinário regional estabelecia que aos kmiec cabia a responsabilidade de zelar pela velhice dos pro­ letários que trabalhavam entre os proprietários da aldeia. Os proletários rurais que não podiam mais exercer nenhuma ativi­ dade econômica rendosa, eram transportados em carrinhos de mão da propriedade de um kmiec para outro. Na residência de cada um, o aposentado ficava por três dias, recebendo pouso e alimenta­ ção, de preferência num canto da estrebaria. Na casa onde viesse a falecer, o proprietário era obrigado a custear os funerais.19 A distância social com os outros segmentos da população aldeã manifestava-se no traje e nas atividades de cunho social ou paroquial. As diretorias das associações religiosas estavam em suas mãos. 18KUTYM A, Manfred. Przeczyny wychodzstwa ze álaska opolskiego na przykldzie wsi Siolkowice w powiecie opolskim. Mimeografado. Opole, 23 e 24 out. 1969. Konferencja populama naukowa — 100 lat Polonii brazyliskiej. 1#Ibid., p. 8.

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o camponês polonês, sofrido e explorado outrora pela nobre­ za de sua própria nação, após a perda da independência, viu acres­ centar-se a exploração do ocupante. Este aldeão passou a ser um indivíduo socialmente mais arredio ainda. E. Banfield, citado por Henri Mendras.20 considera este comportamento arredio e quase anti-social, como uma das características fundamentais das clas­ ses camponesas. Seria esta atitude um produto da instrumentali­ zação dos valores familiares, existentes em sua sociedade. Esta moral prática, que orienta o comportamento cotidiano do campo­ nês, é qualificada de familiarismo moral. Uma das manifestações desse familiarismo moral no cotidiano é o seu comportamento arredio e desconfiado. O isolamento do grupo doméstico com o qual convive c a extrema miséria, comparada evidentemente com as condições de vida da sociedade envolvente, leva o camponês a considerar como um mal as influências que vêm de fora. Se algu­ ma influência da sociedade envolvente fo r benéfica, ele a considera uma mera casualidade. Nada além do mal, ou a exploração, pode ser esperado dos elementos pertencentes à sociedade envolvente. Henri Mendras considera esse comportamento do camponês como que envolto por um ethos pessimista e o qualifica de cinica­ mente racional. Entretanto, este posicionamento da mentalidade do camponês, conduz o mesmo nas relações com os notáveis e a sociedade envolvente, sem se deixar manobrar pelas ideologias exógenas. O contacto com pessoas de condição social superior à sua, era suficiente para que o camponês polonês os repelisse inti­ mamente e deixasse de confiar nas suas palavras. Qualquer pessoa bem trajada que aparecesse na aldeia era logo taxada de varsoviana ou de szlachdc ou seja, membro da nobreza. Nestas circuns­ tâncias, todo o entendimento entre as partes deixava de existir e toda a diferença social então se manifestava; mutatis mutandi, os camponeses eram também rotulados, pelas classes envolventes de tolos, estúpidos, massas ignorantes etc.21 O ano de 1864 é muito importante para a história do campo­ nês polonês do Território do Vistula. Deste ano, data o acesso definitivo do camponês à propriedade da terra que amanhava. Apesar da tragédia da revolução de 1863, a abolição das obriga­ ções^ para com os senhores veio trazer alguma melhoria ao cam­ ponês, proporcionando-lhes novas possibilidades de renda. Esta conquista foi introduzida pela mão alheia e inimiga muito mais rdiamente do que o nosso povo o faria se pudesse mandar-se a si mesmo. « Importantes setores das classes latifundiárias diminuíram ® ase de sua sustentação econômica. Muitos abandonaram a vi ^ m e n d r a s , p. 194. »Ib id gn ° 1 ^ migracyjny- Lwów, 1893, ano II, n.° 3. p. 27-28.

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rural e dirigiram-se às cidades, onde em aliança com a burguesia, ali existente, formaram os quadros de uma classe industrial polo­ nesa, já que não tinham condição de se imiscuir entre a classe política dirigente, quase monopolizada pelos russos. 0 acesso do camponês à terra que trabalhava, veio fortalecêlo economicamente. A eliminação das antigas corvéias e imposi­ ções senhoriais, agora capitalizadas a seu favor, permitiram-lhe melhorar sua situação econômica. Um reflexo dessa melhoria é a expansão das terras cujos proprietários são os camponeses. No período compreendido entre 1864 e 1899, os camponeses adquiri­ ram por suas próprias forças quase 9% a mais, do total das terras que possuíam anteriormente a 1863. 23 Este progresso do campesinato — embora não muito sensível — refletiu-se também no comportamento demográfico da popula­ ção. Num período de 27 anos (1863-1890), a população cresceu em 68,2%, enquanto a expansão das terras cultivadas no período de 1864-1899 ocorreu apenas em 9%. Constata-se portanto, que o crescimento demográfico, a partir de 1864, foi superior à expansão da terra cultivada. A indústria, que despontava em alguns centros ur­ banos, não era capaz de absorver todo o excedente de mão-de-obra do meio rural. O aproveitamento dessa mão-de-obra proveniente do excedente das populações rurais, não passava de 30%. Ocorre­ ram então três fenômenos importantes de repercussão no meio rural: 1 — o parcelamento excessivo das propriedades camponesas. 2 — o recurso à migração agrícola sazonal, notadamente para a Alemanha. 3 — o empobrecimento dos pequenos proprietários rurais, apesar da melhoria inicial que experimentaram logo após a abolição das obrigações senhoriais. A minifundização da propriedade agrícola, era propositadamente mantida pelo governo tzarista, para enfraquecer a possível resistência política do camponês polonês. A propriedade média do camponês do Reino atingia 2 a 5 ha, representando estas 39,2% das propriedades rurais, enquanto as que compreendiam de 5 a 20 ha representavam 33,1%. 23 Como resultado de tal ^conjuntura agrária, no início da década de 1890, o camponês polonês do Reino encontrava-se numa inimaginável miséria, i.é ., verdadeira misé­ ria e falta de esperança de libertar-se da opressão da mesma, no país” .2* 23SZAWLESKI, p. 47. -4Przeglad Emigracyjny. n.° 18-19. p. 192 e ss.

Segundo S. Klobukowski, no Reino existiam milhões de pe­ quenos agricultores e proletários que não encontravam o sufi­ ciente ganho, nem nas grandes propriedades nem na indústria; cada um deles estava mais ou menos na situação do indivíduo que sob o ponto de vista físico, desde a infância quase nunca está su­ ficientemente alimentado e sob outro ângulo, nunca está livre da preocupação de como amanhã alimentar a família e a si. Encon­ tra-se ele pois como no inferno de Dante; onde algo lhe sussurra constantemente: sempre permanecerás na miséria e estigmatiza­ do, jamais conseguirás uma melhor situação entre os homens de melhor ganho” .25 O homem não se alimentava suficientemente e sofria nesta situação. Servindo o exército por três anos consecuti­ vos, o jovem era desmobilizado, ficando com a obsessão proble­ mática de conseguir seu sustento de um dia para outro. S. Klobu­ kowski pergunta se: Estes são verdadeiramente seres humanos? Estes não são caricaturas de homens? Não serão seres doentes, não atingindo as características de verdadeiros seres hu­ manos? Que vantagem a nação tem deles? As conse­ quências disso são: impressionante mortalidade. Esta nós não vemos porque não nos preocupamos com este fato comum. Comprová-lo facilmente pode qualquer um que não entenda de estatística, perguntando a uma m u­ lher já idosa da aldeia: quantos filhos teve e quantos filhos ainda estão vivos? A resposta é uniform e: que os teve 6, 8 e até mais, porém com vida tem 2 ou até nenhum. ls Estatisticamente, assim S. Klobukowski apresenta a situação por mil habitantes: Anos

Nascimentos

óbitos

1861-68

42,2

30,4

1871 1872 1873

43,1 40,7 42,7

24,5 29,4 37f427

Nas últimas décadas do século X IX , o Reino transformou-se na parte da Polônia que mais se industrializou. A Rússia, ainda essencialmente rural, era um mercado consumidor ávido dos pro­ dutos do Reino, notadamente dos produtos têxteis.

As populações urbanas ingressavam nas últimas décadas do século X IX , em plena fase de expansão do regime de economia capitalista, que caracterizava todos os países modernizados da Eu­ ropa, apesar de conter no seu bojo um latente, porém explosivo problema social camponês e o advento da problemática surgida com o desenvolvimento do proletariado urbano. Nas primeiras décadas de ocupação austríaca na Galícia, a po­ lítica seguida pelo governo de Viena em nada diferia da que era seguida pelos outros governos de ocupação. O objetivo austríaco era inicialmente a germanização da população. Porém, ocorre o debilitamento do governo do Império Austríaco, resultado de uma política mal sucedida, onde sucessivas derrotas militares coloca­ ram em dificuldade o governo central. As inúmeras nacionalidades que compunham o heterogêneo império colocavam-no face a mui­ tas contradições. Os austríacos foram obrigados à renúncia de uma série de privilégios e a fazer às nacionalidades várias concessões. Foi assim que a Galícia obteve uma apreciável autonomia dentro da monarquia autro-húngara. O primeiro passo foi o abandono da política de germanização, por parte do governo central de Viena. Na administração e no ensino foi abandonada a língua alemã e reintroduzido o polonês, a partir de 1871; a autonomia adminis­ trativa foi tolerada em nível distrital. A Galícia continuava sendo uma região essencialmente agrí­ cola, porém num nível excessivamente baixo. O artesanato, a in­ dústria e o comércio estavam pouco desenvolvidos. É verdade que a abolição da servidão senhorial, e o acesso do camponês à pro­ priedade da terra desde 1848, veio melhorar sem dúvida sua si­ tuação econômica, trazendo consigo a melhoria das condições de estímulo ao trabalho. Porém a grande catástrofe da agricultura galiciana era a estrutura da propriedade agrícola. Uma reforma agrária já havia sido iniciada pelo governo austríaco, ainda no século X V III, porém a mesma só veio ampliar o número de mini­ fúndios. Se no Reino da Polônia o minifúndio tomava-se um pro­ blema que impedia o desenvolvimento da agricultura, na Galícia o mesmo tomou-se crucial. Em 1859, as propriedades cadastradas que possuíam menos de 2 ha, representavam 35,6% do total. O tempo entretanto não trabalhava para a melhoria da situação, pois em 1902 a porcentagem dessas propriedades verdadeiramente pul­ verizadas, atingia a 42,3%. 28 Outra calamidade era o parcelamento dos terrenos. Existiam em 1911, 19.340.341 parcelas de terrenos agrícolas cadastrados, porém segundo a opinião corrente eram na realidade muito mais, pois muitos não eram declarados, para fugir do pagamento dos

2»Id. 29Id. 27Id.

32

-•«LUDKIEWICZ, Z. Kwestja rolna w Galicji. Citado por SZAW LESR I, p. 46.

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impostos. Se o número de proprietários ultrapassava um milhão, conclui-se que um proprietário tem suas terras espalhadas em de­ zenas de parcelas. Estas pequenas parcelas caracterizavam-se apre­ sentando faixas estreitas e compridas como nos primórdios me­ dievais do país. A população os chamava de “ cordões". Esta es­ trutura dificultava com freqüência inclusive o acesso do proprie­ tário até o lote. Era comum ter que passar por terrenos alheios até que pudesse chegar à sua propriedade. Este caótico parcela­ mento da propriedade dava ensejo ao surgimento de inúmeros de­ sentendimentos e atritos entre os camponeses. As intrigas entre vizinhos eram múltiplas, causadas pela demarcação da divisa, pela posse de um pé de árvore frutífera localizada na divisa, pela inde­ nização de estragos feitos por animais etc. etc. Só no ano de 1903, os processos jurídicos tratando de questiúnculas agrícolas, atin­ giam na Galícia a cifra astronômica de 555.873, o que comparado com as cifras da Boêmia, dá 5,5 vezes mais. 29*3 1 Estes litígios, que podem parecer uma ridícula usura, levam freqüentemente os pe­ quenos proprietários à ruína material, quando do pagamento das contas judiciárias. A existência desse ambiente até certo ponto ridículo e gro­ tesco na vida camponesa da Galícia, explica a existência nos fins do século X IX na região, de 20 m il destilarias de aguardente. Nestas condições agrícolas e sociais, d ifícil era conduzir racional­ mente a propriedade agrícola. ,0 A pulverização da propriedade agrícola galiciana era a mais acentuada dos três territórios de ocupação: Galícia Número de proprietários ....................

1.008.541

Média da propriedade agrícola ........

7,0 ha

Média da propriedade do camponês

3,8 ’’

Reino I. 101.961 II, 0 ha 8,0 ”

Posnânia 204552 12,4 ha 4,5 ” 81

de de V2 a 2 ha n ^ ftanto’ que na Galícia prevalecia a propriedatários. Esta c° r resP ° nde a 35,4% do total dos proprieborada por um sistemaSflXia? ° ra para ° camPesinat°. era corrosino ser administra rin & esc° lar também arcaico. Apesar de o enfabetismo atingia 70% t a p o p í a ç f o 8 “

lfagUa polones3’ 0 anaI'

econômica. O camponês provavelmente utilizava-se de uma velha religiosidade medieval como mecanismo de auto defesa contra a exploração senhorial. Para interromper as corvéias, passava a va­ lorizar ao extremo os feriados religiosos do calendário cristão. Qualquer dia santificado ou importante do calendário, era pre­ texto para se observar com o devido respeito e o respectivo des­ canso. Assim, ainda em 1870, quando há muito já haviam sido abolidas as obrigações senhoriais, na Galícia oriental temos que: 34 distritos trabalhavam apenas 100 a 200 dias anuais 22







120 a 150



16







150 a 200





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Até a Primeira Guerra Mundial, esta situação permaneceu ba­ sicamente a mesma. É evidente pois, que numa tal estrutura agrícola e mental, qualquer desenvolvimento econômico tornava-se inviável, sem an­ tes modificar as bases culturais e mentais da população campesina. Outra característica fundamental do comportamento da po­ pulação galiciana, era seu extraordinário crescimento natural. Do Império Austro-Húngaro, era a Galícia a região mais prolífica e que mais se caracterizava dentro do modelo pré-malthusiano de crescimento da população agrícola, sem perspectiva ainda de mu­ danças. Em 1880, seus nascimentos correspondiam a 42,2 por mil, em 1890 a 43,7 por mil e em 1900 44,3 por mil. 33 Ao contrário do Reino da Polônia, o atraso da industrializa­ ção galiciana impediu que a classe burguesa desempenhasse qual­ quer papel ativo na evolução da sociedade local. Os intelectuais existentes estavam concentrados nos dois maiores centros urba­ nos: Cracóvia e Lwów. Estavam ligados aos círculos dos latifun­ diários conservadores. O campesinato, sem possibilidades imedia­ tas de ascensão social, constituía uma grande massa amorfa, re­ signada com o seu destino. A única resposta que passou a encon­ trar para tentar minorar a sorte, era procurar melhores ganhos através da migração sazonal para outros territórios e posterior­ mente através da emigração transoceânica para a América.

pel° Escritório Estatístico de Lwów, =amente dominada nor ° nental em ,1870 a população estava pratiP r uma mentalidade religiosa totalmente antiI9SZAWLESKI, p. 47-48. *°Ibid., p. 48. 31ROCZNIK

Statystyczne, citado

por S Z A W L E S K I, p. 47.

^C W lY n s KA, Zofia Daszynska. Z badan nad zagadnieniem ludnoáóEkonomista. Warszawa, 1910. 10 (2 ): 1-31, p. 23.

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CAPÍTULO II CONJUNTURA EMIGRATÓRIA

No seu início, a emigração polonesa está ligada à emigração alemã. Na primeira metade do século X IX , o movimento emigratório alemão era relativamente fraco. Somente a partir de meados do século, o mesmo começa a tomar grandes proporções. Em 1854, todos os Estados alemães já estavam envolvidos pelo vírus emigratório.1 Os terriótrios prussianos habitados por populações polonesas, foram também atingidas pelo movimento. Este avolumou-se na dé­ cada de 1840, para atingir níveis sem precedentes na década de 1850. Para a população local, objetivamente faltavam as condições materiais para uma existência humana e subjetivamente enfren­ tavam as discriminações de língua, políticas e sociais. A reforma agrária, realizada na primeira metade do século X IX , retirou do camponês cerca de 1/3 de sua terra, ao mesmo tempo em que criava novo tipo de fisco. Na maior parte dos casos, esta pretensa reforma agrária não trouxe a melhoria da situação. Mas o camponês conseguiu desde então procurar novos ganhos além de sua restrita região natal. Em meados do século passado, a região da Polônia prussiana, notadamente a Silésia, sofreu os efeitos de uma avantajada crise econômica. Fenômenos climáticos, como chuvas catastróficas, em vários anos intermitentes, prejudicaram as colheitas. A Guerra da Criméia, por seu turno, deteve o fluxo de cereais baratos para a Europa ocidental, fluxo este procedente da Rússia, que tinha de garantir o abastecimento de seu próprio exército. O custo de vida subiu muito. O resultado, devido à subalimentação do povo, fo i o surgimento de epidemias de tifo, cólera e disenteria, que grassa­ ram nas décadas de 1840 e 1850.2*4 Até 1855, as epidemias renasceram, mesmo nos lugares já as­ solados. A crise de alimentos era sentida fundamentalmente pela JBROZEK, Andrzej. Emigracja zamorska z Górnego Slaska w I I polowie X IX wieku. Trabalho apresentado na Konferencja popularna naukowa — 100 lat Polonii brazylijskiej. Opole, 23 e 24 out. 1969. p. 1. 2Ibid., p. 5.

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parte mais pobre da população. A população miserável encontra sua alimentação somente nas frutas, ervas e leite".* A mendicância desenvolveu-se em todos os lugares. No rela­ tório de 1856, o Presidente da Regência anotava que frequente­ mente encontram-se pessoas magras para as quais faltam forças e vontade para trabalhar.* Em conseqüência, os assaltos e rou­ bos se multiplicaram. Esta situação é que provocará o início da emigração da Silé­ sia, em grupos, para a América. Em 1854, um grupo pioneiro pre­ parou-se para emigrar aos Estados Unidos. Muitos tentavam demovê-lo da idéia, recebendo a seguinte resposta: Se m orremos aqui ou lá, isto é indiferente para nós, em todo caso queremos tentar a sorte.6* N o domínio prussiano, o camponês sentia a diferença com relação ao grande proprietário, muitas vezes alemão ou germanizado através da língua. O polonês caracterizava-se como sendo a língua das classes proletárias, notadamente agrícolas, enquanto o alemão era falado preferencialmente pelas classes de status mais elevado. Entretanto, se a língua falada era fator de separação de classe, passou a ser, com o advento da migração sazonal, elemento de aproximação entre as massas camponesas dos três domínios.6 Na década de 1860, acentuou-se um outro fator que contribuiu para que o camponês polonês tomasse a decisão de emigrar: o maior recrutamento para o exército prussiano, envolvido em inú­ meras guerras externas. Esta conjuntura impulsionará os pionei­ ros silesianos da aldeia de Siolkowice para o Brasil. O responsável pela vinda desse grupo para o Brasil, foi um membro da própria aldeia, Sebastião Wós, filho de um kmiec, que, concluindo os estudos secundários, preparava-se para ingressar na Universidade de Breslau, quando em razão de suas idéias naciona­ listas foi chamado para servir o exército prussiano. Mudou então de nome, para Sebastião Edmundo Wós Saparoski, e emigrou para a América do Sul. Uma vez na colônia Blumenau, na Província de Santa Catarina, em conjunto com o padre A. Zielinski, então pá­ roco de Gaspar, a cuja paróquia pertencia a colônia Blumenau, concebeu um plano para promover a imigração polonesa ao Brasil, através de cartas aos seus patrícios e conhecidos da aldeia de Siol­ kowice, conseguiu atrair a primeira leva de 16 famílias (1869), se­ guindo-se mais 16 famílias, que totalizavam 164 pessoas. 3DEUTSCHES Zent ralarchiv. Regierungsbeirk Oppoln 1845-1846, livro 112. Citado por BR OZEK, p. 4. 4R E G IE R U N G S B E Z IR K Oppoln 1855-1858. K. 86. Citado por BROZEK, P- 7. »Id. «Ibid., p. 9.

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Siolkowice era uma aldeia silesiana, onde perduravam entre a população, costumes dos tempos senhoriais. Muitos desses cos­ tumes foram conservados no Brasil, embora de form a atenuada. Na paróquia de Sta. Ana de Abranches em Curitiba, onde os al­ deões se Siolkowice se estabeleceram, existe no acervo do Arquivo Paroquial um livro que registrava os paroquianos que pagavam seu lugar cativo nos bancos da igreja. Apesar das circunstâncias, adversas para a sobrevivência em vastos segmentos da sociedade polonesa, a emigração era mal vista por praticamente todos os setores dessa sociedade. Na aldeia, de mentalidade sempre conservadora, a opinião pública critica a saída de qualquer de seus membros. Tal atitude era mal vista e indese­ jável, a não ser em caso de indivíduos socialmente prejudiciais; nenhum grupo aldeão deseja perder membros, porque deixar a comunidade é sempre uma manifestação de insatisfação para com as condições existentes e para com os membros da comunidade. No primeiro caso, porque não arca com as obrigações comuns e no segundo caso porque estar insatisfeito, quando boa parte da comunidade está satisfeita, não deixa de ser um ato de revolta.7 Por outro lado, estamentos da sociedade envolvente levanta­ vam-se contra a emigração, pelo fato de a mesma diminuir a mão de obra disponível, encarecendo-a substancialmente.8 Os setores nacionalistas também eram contrários à mesma, porque esta enfra­ quecia a resistência étnica e cultural, face às nações ocupantes. A saída de milhares de indivíduos facilitava a penetração estran­ geira, sobretudo a formação de populações mistas, e a perda conseqüente da coesão étnica polonesa. Estes setores também mani­ festavam-se contrários aos movimentos sazonais, porque introdu­ ziam novos elementos culturais, enfraquecendo a pureza da cultura já violentamente abalada pela russificação e germanização nas es­ colas e instituições públicas. Evidentemente, os setores poloneses eram incapazes de enfrentar o problema, por não disporem dos poderes políticos necessários. Tanto a emigração como os m ovi­ mentos sazonais tinham que ser tolerados como um mal inevitável. Esta posição nacionalista, de restrição à emigração, atuou signifi­ cativamente sobre todos aqueles que pretendiam preservar a uni­ dade e cultura da Polônia.1' Entretanto frise-se que segmentos do campesinato, base de toda a emigração polonesa, devido ao seu baixo nível cultural, não demonstravam, em terras de imigração, possuir uma consciência nacionalista suficientemente desenvolvi­ da. Os elementos mais socializados e conseqüentemente mais ins­ truídos eram muito raros, excetuando os participantes de emigra-*1 8 7THOMAS, William I. & Z N A N IE C K I, Florian. The polish peasant in Europe and America, vol. 1. New York, Diver Publication, 1958. p. 61. HKRO K naprzód. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out. 1893, ano II, n.° 18 e 19, p. 189. «THOMAS & Z N A N IE C K I, p. 1485.

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ções políticas — que ressurgiam sempre, após um movimento revolucionário. Emigrava somente o povo miúdo. Como as distân­ cias sociais eram notadamente acentuadas na Polônia e as classes sociais mais elevadas e intelectualizadas possuíam um comporta­ mento totalmente afastado das classes menos favorecidas, o mo­ vimento emigratório nas primeiras décadas de sua existência não era suficientemente percebido pela sociedade envolvente. S. Klobukowski afirma que foi preciso o advento de um gran­ de movimento emigratório para o Brasil, após 25 anos de emigra­ ção anual, para as altas esferas tomarem conhecimento ao menos de sua existência. Como no início emigrava somente o elemento aldeão, a imprensa e as instituições não tomaram conhecimento do fenômeno.10 Uma revista galiciana, especializada em assuntos emigratórios, critica este desinteresse da inteligentzia polonesa face ao camponês: Nós, intelectualidade e líderes da nação, percebemos so­ mente nos últimos momentos que existia esta corrente. Ainda em 1890, a febre emigratória brasileira surpreendeu-nos com o a crianças desprotegidas. Sobre o país para onde dirigiam-se multidões de aldeões e artesãos poloneses, nós não sabíamos absolutamente nada.11 O mesmo articulista salienta que o interesse por essa enorme massa de dezenas de milhares de camponeses está despertando e o consolo é que pelo menos um fato desse tipo não passe desperpercebido. Prega a aproximação da inteligentzia, mas salienta que nada vai adiantar amedrontá-los com as dificuldades do trânsito oceânico, nem o inferno brasileiro. O camponês na realidade não possue formação universitária, mas não é uma criança e nas ques­ tões práticas possue freqüentemente uma perspicácia aguda. O articulista defende a necessidade de aproximar-se do mesmo com absoluta simplicidade. Lembremo-nos do fato incontestavelmente triste e inaudito de sua selvagem desconfiança para com pessoas de nível social mais elevado e lamenta afirmando que talvez fize­ mos por merecer isto.1A chamada inteligentzia não emigrava. Emigravam indivíduos não somente das cidades e das localidades mais abertas, i é ., mais em contacto com o mundo, como sobretudo das aldeias mais iso­ ladas e conservadoras. Aqui surge um fator de diferenciação. Nas populações das localidades e aldeias mais abertas, onde os movii'»TRESC referatu Dra. Stanislawa Klobukowskiego o wychodstwie polskim z pod panowania rosyjskiego. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out. 1893. Ano II, n.° 18 e 19, p. 196. u Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. Ano II, n.° 3, p. 28. ,2Id.

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mentos sazonais para obter maiores ganhos nos países vizinhos tomaram-se rotina, a mentalidade dos grupos aldeões tornou-se menos tradicional. O contacto com o mundo exterior tomou-se fre­ quente e em conseqüência houve nestas comunidades uma desar­ ticulação maior da velha organização social. Estas populações mais arejadas davam preferência à emigração para os Estados Unidos. Mesmo sendo agricultores na Polônia, nos Estados Unidos davam preferência às profissões urbanas, demontrando desta fo r­ ma que a abertura para o mundo lhes estimulou o desejo de urba­ nização. Nestas circunstâncias, emigravam preferencialmente in­ divíduos isoladamente, embora condenados pela maior parte dos membros da comunidade de origem .Este tipo de emigração para os Estados Unidos, era façanha individual, decidida no máximo no âmbito da família e alguns amigos. Neste caso, quando emigravam, cada qual ia por sua própria responsabilidade, embora, com um destino indefinido e fora do controle do grupo. Entretanto, quando a emigração não era individual e sim grupai, em massa, a situação mudava Embora houvesse ruptura com o sistema tradicional e provavelmente uma oposição daqueles que eram contra a saída do grupo, a comunidade frequentemente considerava o ocorrido como anormal, sem cunho de revolta. A emigração grupai manifestou-se mais nas comunidades iso­ ladas e conservadoras, com menor contacto com o mundo exterior, às quais poder-se-ia chamar de comunidades mais atrasadas. Estas comunidades é que forneceram a maior parte dos emigrantes que aportaram no Brasil. Escolhiam este país pelo fato de oferecer terra para agricultura em abundância e, a partir de 1890, inclusive transporte marítimo gratuito. Além disso, o Brasil financiava a própria fixação do emigrante no lote escolhido na colônia. Desta forma, o emigrante que vinha para o Brasil o fazia pensando em continuar na profissão de agricultor e tomar-se proprietário de terrenos. Segundo os padrões agrários poloneses, os lotes distri­ buídos pelo governo brasileiro eram grandes propriedades. Duas categorias de camponeses poloneses deram preferência a emigrar para o Brasil: os chalupniki e os komorniki. K. Siemieradzki salienta, em artigo de sua autoria, que no consenso geral dos meios emigratórios europeus, as multidões polonesas eram tidas como desprovidas de toda e qualquer posse de capital; entre eles apenas um em cada dez possuía algo quando embarcava. Entretanto, o autor desmente tal consenso, destacando que uma parte significativa dos poloneses era possuidora de capi­ tal e muitos deles chegavam a possuir de 1.000 a 2.000 marcos alemães, obtidos pela venda de suas terras e bens.18 n SIEM IR AD ZK I, Konstanty. Pozostaloác brazylijska. Przeglad EmJgracyJny. Lwtíw, 1893. Ano II, n.° 6. p. 62.

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A primeira leva de imigrantes poloneses que aportou ao Bra­ sil, provenientes de Siolkowice, era assim constituída quanto às categorias agrícolas: Categoria

Chalupniki Komorniki Artesãos Kmiec Não identificados

N.° de famílias

%

12 9 4 3 4

37,5 28,1 12,5 9,4 12,5

Dois terços portanto dessa primeira leva era constituída de pequenos proprietários os chalupniki, ou de arrendatários kom orniki. A presença de três kmiecie nesta leva primeira, indica que mesmo aqueles para os quais a situação não era muito desfavorá­ vel aderiram à emigração quando esta tornava-se fenômeno de grupo. Os kmiec que emigravam, faziam-no para tomarem-se ainda maiores proprietários no Brasil, enquanto as outras categorias para continuar no mesmo nível social e econômico e se possível tornar-se um grande proprietário na nova terra de adoção. Após o término da guerra franco-prussiana, a emigração polo­ nesa das terras prussianas voltou a ocorrer. Em 1873, um grupo de 258 pessoas provenientes em maioria da Pomerânia e atraídas pelos pioneiros poloneses localizados nos arredores de Curitiba, fixaram-se na colônia de Abranches. Ainda em 1872, 500 pessoas da Pomerânia fixaram-se em Santa Catarina. Em 1875, silesianos fundaram a colônia Santa Cândida nos arredores de Curitiba. No ano seguinte, 390 imigrantes da Pomerânia e Silésia instalaram-se na colônia de Santo Inácio e órleans e, em 1878, 500 pessoas fixa­ ram-se na colônia Inspetor Carvalho, estas últimas todas no Paraná. A emigração transoceânica no Reino, iniciou-se somente na década de 1870, em conseqüência da introdução, na região de capi­ tais e técnicas no setor da indústria de tecelagem. A importação de máquinas inglesas de fiação e tecelagem em algumas cidades do Reino provocou o fechamento de inúmeros estabelecimentos artesanais do ramo. Em conseqüência, entre 1872-74 partiram as primeiras levas de emigrantes, sobretudo para os Estados Unidos, compostas de pequenos artesãos e trabalhadores braçais. Trata­ va-se de um movimento ainda modesto, não ultrapassando a casa1 * 4 14KUTYM A, Manfred. Przeczyny wychodzstwa ze Slaska opolskiego na przykladzie wsi Siolkowice w powiecie opolskim. Trabalho apresentado na: Konfereneja populam a naukowa — 100 lat Polonii brazylisklej. Opole, 23 e 24 out. 1969. p. 10.

dos 4.000 emigrantes anuais, diminuindo quando da adaptação da nova conjuntura às condições do incipiente capitalismo industrial. A emigração camponesa aldeã iniciou-se mais tarde, em re­ giões próximas da fronteira com a Prússia, como resultado da in­ fluência dessas populações já habituadas ao fenômeno emigratório. A preferência destes era semelhante aos que partiam dos centros urbanos: os Estados Unidos. Até o ano de 1890, a emigração do Reino para o Brasil é dimi­ nuta, não se caracterizando pela saída de grandes massas popula­ cionais. Em 1889, a emigração para o Brasil, de todo o Im pério Russo, era de apenas 12 indivíduos. No ano seguinte, 1890, ela atingia 29.226 indivíduos. Somente na segunda metade de 1890, a região será tomada de sobressalto por um grande movimento para o Brasil, o qual se denominou de febre brasileira. Esse inusitado movimento emigratório teve por base duas con­ junturas excepcionalmente favoráveis: uma no Brasil e outra no Reino da Polônia. No Brasil, a abolição da escravidão africana em 1888, veio tor­ nar crucial a problemática da mão de obra agrária no pais. A fli­ giam-se os grandes proprietários das fazendas de café. A falta de mão de obra poderia afetar seriamente a economia do país, já que era seu principal produto de exportação. A solução encontrada foi promover a importação de mão de obra agrícola européia. Com isto, o Brasil procuraria atingir dois objetivos básicos: 1 — satisfazer a necessidade de mão de obra para as fazendas de café. 2 — criar dezenas de núcleos coloniais nos Estados meridio­ nais do Brasil, para que garantissem o fornecimento de produtos de subsistência. No Reino da Polônia, a conjuntura econômica revelava-se fa­ vorável a tal movimento. Além das condições políticas, sociais e culturais reinantes, a região já vinha sofrendo anos seguidos de condições anormais em sua economia industrial. Esta era sentida notadamente na cidade industrial de Lódz e arredores. Em 1889, condições climáticas adversas produziram uma queda na produ­ ção agrícola estimada em 28,7%, notadamente na produção de batata inglesa, produto básico na região. N o ano seguinte, 1890, a produção relativa melhorou, mas foi ainda inferior à obtida na Rússia propriamente dita. Após o fraco inverno de 1889/90, adveio a seca e após as chuvas de verão evidenciou-se a má produção agrí­ cola, sobretudo de centeio e batatas. Em 1891, o inverno foi m uito longo e a primavera chuvosa, o que causou no­ 42

vamente a diminuição da produção da batata. Situação semelhante ocorreu no Im pério Russo ( . . . ) . E m agosto de 1891, veio a ordem de transportar pela fronteira os cereais ( . . . ) . O inevitável aumento dos preços dos gêne­ ros alimentícios refletiu-se sobretudo nos trabalhadores rurais das aldeias e no proletariado urbano.1* Na segunda metade de 1889, iniciou-se nas fiações de Lódz uma crise industrial, provocando redução do número de operários empregados, atingindo cerca de três mil trabalhadores, e toda a Província (d e L ód z) em cerca de nove mil.10 Em conseqüência, diminuíram os salários e os dias de trabalho, ocorrendo o fecha­ mento de parte das fábricas menores. Em 1890, a crise também se fez sentir na Província de Varsóvia. Com a queda conseqüente dos salários e a falta de toda e qualquer possibilidade de ganho para os trabalhadores, a miséria começou a ser sentida pelas ca­ madas menos favorecidas. No campo, multidões de pequenos pro­ prietários não tinham como que passar o rigoroso inverno de 1891-92, pois não puderam economizar por ocasião da colheita. A miséria atingiu até os proprietários considerados médios. A vida do aldeão que dispunha de 10 acres hoje, quase que não se dife­ rencia do trabalhador sem propriedade,1T Nos relatórios dos Governadores de Província do Reino, o ci­ tado autor encontra registradas as maiores queixas: baixos salá­ rios, pesadas condições de trabalho nas quintas, falta de trabalho etc.1 78 *1 5 Os trabalhadores do campo chegavam a queixar-se da aboli­ ção das obrigações senhoriais, pois nesta emergência teriam ga­ rantido a sobrevivência com pequenas pensões do senhorio. Quem mais se aproveitava da situação eram os grandes proprietários, que adquiriam as propriedades dos minifundiários a preços bem abaixo do seu valor.1” Jósef Jeziorariski, no jornal Slowo, no início de 1891, numa série de artigos sobre emigração, chamava a atenção para o fato de o fechamento da fronteira com a Prússia ter provocado a falên­ cia da criação de animais menores não bovinos, a qual ocupava numerosa mão de obra.20 15G R O N IO W S K I, Krzystolf. Goraczka brazylijska. Kwartelnlk Hlstoryczny. Wroclaw. 64 ( 2) : 317-341. p. 318. 1BIH N A T O W IC Z , I. Przemysl lódzki w latach 1860-1900. Wroclaw, 1965. p. 73 e 88. Citado por Groniowski, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazyllj 1871-1914. p. 49. 17G R O N IO W S K I, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazyüi. p. 49. I8Ibid., p. 50. ,8Id. 20Ibid., p. 57.

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A afirmativa de que a miséria era sentida pela m aior parte da população2' foi documentada pelas longas listas de pedintes que são encontradas nos jornais e periódicos católicos, os quais apela­ vam para a caridade pública.2 22 1 Nestas circunstâncias, a necessidade do governo brasileiro em encontrar mão de obra agrícola numerosa na Europa, encontrou no Reino condições das mais propícias. Com estes objetivos, o go­ verno brasileiro assinou contratos com várias companhias de na­ vegação transoceânica, comprometendo-se a pagar per capita, os emigrantes por elas desembarcados no Rio de Janeiro. Desta for­ ma, facilitava-se sobremaneira a vinda de imigrantes para o país, pois a passagem e a manutenção dos imigrantes corria por conta do governo brasileiro. Eliminava-se o mais sério obstáculo eco­ nômico à vinda de camponeses para o Brasil. Surgiram então vários escritórios de recrutamento nos países europeus mais propícios à emigração. Nas regiões mais favoráveis espalhavam-se livretos e brochuras propagandísticas sobre as con­ dições oferecidas pelo Brasil. No Reino, os chamados agentes en­ contraram uma situação das mais favoráveis para o recrutamento de voluntários para emigrar. A propaganda recrutadora não tar­ dou em cair em excessos lamentáveis, os quais exploravam a igno­ rância e a psicologia do camponês polonês. O Brasil era apresen­ tado como sendo a continuação do paraíso bíblico, onde corria leite e mel. A fertilidade da terra era apresentada como espan­ tosa, os folhetos mostravam frutos tropicais gigantescos como la­ ranjas, abacaxis, bananas, etc., tidos na Europa como frutos exó­ ticos e acessíveis somente às camadas de posse. O clima tropical era apresentado como fator de economia, pois evitava a compra de pesados e caros capotes e vestimentas para passar o inverno. Devido à catolicidade arraigada do campesinato e sua menta­ lidade típica de comunidades isoladas de regiões atrasadas e ar­ caicas, difundiram-se lendas, segundo as quais o Brasil havia sido registrado para o papa e alguns lugares para a coroa inglesa e brasileira (sic) com a informação de que o Brasil estaria locali­ zado perto da Terra Santa ou de Roma. Como enviado do papa para o Brasil, era apresentado em algumas localidades o súdito prussiano Jan Zalich. Durante o transcorrer da febre brasileira, o nome do Pa­ raná foi envolvido numa lenda, surgida pelas aldeias polonesas na qual manifesta-se a mentalidade simples do camponês, ampla­ mente influenciada pelo jugo político estrangeiro, o qual procura­ va tirar-lhe a própria terra: outrossim manifesta o domínio que a espiritualidade cristã exercia sobre sua imaginação. 21Ibid., p. 50. 22PRZEGLAD Katolicki. Warszawa. Números dos anos de 1890, 1891 e 1892.

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Diz a lenda que o Paraná até então estava encoberto por né­ voas e que ninguém sabia de sua existência. Era a terra em que corria leite e mel. Então a Virgem Maria, madrinha e protetora da Polônia, ouvindo os apelos que o sofrido camponês polonês lhe dirigira, dispersou o nevoeiro e predestinou-lhe o Paraná. Tal decisão da Virgem Maria havia sido comunicada ao Papa, o qual, sensibilizado pelo destino da cristandade polonesa, convocou to­ dos os reis e imperadores da terra, para sortear a posse de tal território. Por três vezes consecutivas foi tirada a sorte, e sempre o Papa era o contemplado. Então o Papa solicitou ao Imperador brasileiro que distribuísse essas terras aos poloneses, para que a tivessem à fartura e ali pudessem viver felizes, expandindo seu cristianismo. No início da febre, enquanto o governo russo ainda não havia tomado uma posição contrária à emigração, a imprensa pu­ blicava algumas cartas dos imigrantes já radicados no Brasil e o correio entregava ainda a correspondência chegada, o que facili­ tava a circulação, pelas aldeias, de notícias e boatos sobre a ver­ dadeira situação no país de adoção. K. Groniowski escreve a res­ peito da carta de um emigrante de Plock, a qual relatava como os que emigraram desta região receberam 60 acres de terras no Bra­ sil. Um correspondente do jornal Slowo escreve do boato de que os emigrantes recebiam no Brasil 60 geiras de terras, e se­ mentes para o plantio, vim par de bois e cavalos, e impostos abo­ lidos por 10 anos.23 O jornal K urier Codzienne escrevia a res­ peito de 50 acres para cada camponês. Numa aldeia circulava a notícia de que recebiam 100 acres de terra e salientava-se a au­ sência de inverno. Noutro lugar falava-se em 1.500 rublos de au­ xílio para a fixação do colono. A polícia registrava boatos de que no Brasil surgiría um novo Reino católico polonês, cujo rei seria escolhido cada três anos e onde não haveria outra fé, a não ser a católica. Em outras Províncias falava-se que no Brasil não havia impostos e que tudo era barato. Ninguém passava fome como na Polônia. A carta de um emigrante saudava a nova e feliz pátria onde não havia açoitadores nem capatazes, policiais e soldados, nem espiões do tzar. Um camponês salientava não haver quem se preocupasse com os camponeses, nem o governo nem os funcio­ nários governamentais os quais eram acusados, na Polônia, de serem aliados dos grandes proprietários.24 A propaganda mais difundida em prol da emigração para o Brasil era do cônsul brasileiro em Lisboa, José dos Santos, que informava, em folhetos propagandísticos, sobre o transporte gra­ tuito dos emigrantes até o Brasil, condições de fixação nos esta­ dos meridionais, bem como nos do Rio de Janeiro, São Paulo, Mi2:,G R O N IO W S K I, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazylii. p. 51. 24Ibid., p. 50 e ss.

nas Gerais e Espírito Santo. Nesta atividade propagandística, im­ portante papel desempenhou, sobretudo entre a inteligentzia, a chamada Carta à Colônia Polonesa do Paraná, endereçada pelo Presidente da Província do Paraná o Visconde de Taunnay, em 1885, aos padres Francisco Xavier Górowski e Ludovico Przetarski, que exerciam seu ministério sacerdotal entre colonos dos arredo­ res de Curitiba. Ainda não cessaram as desventuras e os sofrimentos dos vossos compatriotas na Europa. A correspondência de Berlim, datada aos 16 de outubro próxim o passado, e inserta no Jornal do Com ércio de 18 de novem bro cor­ rente, relata as dolorosas cenas que se estão passando com a expulsão dos polacos das províncias orientais da Prússia. Mais de m il pessoas, que moravam em Koeningsberg, tiveram de sair às pressas daquela cidade, abandonando quase tudo o que possuíam, porque não lhes foi concedido prorrogação do prazo fatal. Do mesmo modo em Po*en, onde centenas de infe­ lizes, velhos, mulheres e crianças foram expulsos de seus lares em virtude de leis e ordens que o “ Tagéblatt” e o “Germania”, da própria cidade de Berlim, proclama bárbaras e indignas do nosso século. O Conde Zamoyski e outros grandes proprietários não têm sido poupados e são tratados com o m aior r i­ gor. Na Galícia, o número de emigrados é tal, que não há com o socorrer tantos desgraçados. Os polacos que aqui no Brasil gozam de todas as regalias da segurança e liberdade não podem, por certo, esquecer-se daqueles que, além-mar, suportam tão du­ ros transes. Convém, pois, que escrevam quanto antes aos seus compatriotas e lhes apontem este Im pério, com o a terra da promissão. O governo brasileiro aju­ dará os que vierem chegando, proporcionando-lhes fa­ vores que facilitem a sua localização ao lado dos paren­ tes, amigos e conterrâneos. Narrem os imigrantes daqui o que é o Brasil, as garantias que cercam quantos se acolhem à sua proteção e o futuro que os espera. Instem para que venham, sendo caso de se organizarem cole­ tas, a fim de ajudar eficazmente o filantrópico m ovi­ mento. Escrevam todos aos malaventurados de lá, que aqui há uma nova Polônia, em que habitam a felicidade e a segurança, contrapostos às desgraças e incertezas da velha Polônia.2" “ TAUNAY, Alfredo D^scragnolle. Os Sertões. São Paulo, 1923 p. 126. O çrifo é nosso.

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Sua expressão de que aqui no Brasil há uma nova Polônia, vai aguçar algumas mentalidades românticas e patrióticas da inte­ lectualidade polonesa, que tomaram esta expressão ao pé da letra e vão tentar concretizá-la. As informações referentes ao Brasil, exageradas ou diminuí­ das, geraram uma completa confusão a respeito desse país sulamericano. As informações a seu respeito giravam sobretudo em torno da problemática da distribuição de terra para os campo­ neses, cuja falta era o principal problema camponês na Polônia. A essa ação em prol da emigração para o Brasil, correspondeu uma reação por parte das classes conservadoras polonesas, bem como do próprio governo tzarista. A reação inicial partiu dos grandes proprietários de terras, os quais exigiram do governo o cumprimento da lei que proibia a emigração dos territórios. A corrupção das autoridades russas do regime tzarista facilitava as manobras das autoridades encarregadas de vigiar as fronteiras, a fim de impedir a passagem dos imigrantes. Porém os agentes recrutadores e seus sequazes também apelaram para este expediente, conseguindo passar pela fronteira milhares de pessoas. A posição das classes latifundiárias e conservadoras, face à emigração, evidenciou-se no I I I Congresso dos Advogados e Eco­ nomistas Poloneses, realizado em Poznan, em julho de 1893, onde defenderam a posição de que a emigração não era absolutamente necessária e que não emigravam só os que passavam fome e sim também os mais ricos. Para eles, a causa da emigração residia fundamentalmente na falta de moralidade, introduzida entre o povo, desde os tempos da Kulturkampf e dos movimentos de russificação dos poloneses do Reino. Estas campanhas teriam afastado os melhores sacerdotes do povo e fechado as igrejas. Assim, o povo ficara à mercê dos agitadores, passando seu obje­ tivo a ser então a diversão e a vida alegre. Segundo as suas po­ sições no referido Congresso, as massas conseguiram acesso aos bens da civilização material de maneira precoce, não estando pre­ paradas para isso. Cada um começou a desejar uma vida como as pessoas inteligentes levavam a esse desejo, de uma situação melhor, empurrava-o para fora do país. A difusão da imprensa e das bibliotecas entre o povo, de nada adiantou contra a emi­ gração, apesar de fornecer as mais sadias informações e alimento espiritual. Ao contrário, estimulou-a, trazendo para o povo infor­ mações ainda não conhecidas. Os grandes proprietários tomaram posição contrária às instituições como a Sociedade São Rafael, a qual procurava dar alguma assistência e amparo aos emigrantes. Explicavam esta posição, citando o auxílio que o cardeal Ledochowski proporcionou a um camponês, dando-lhe passagem. Em conseqüência, na mais tranqüila das aldeias surgiram mais 17 camponeses pedindo o mesmo para si. Um dos defensores destas posições propôs, ainda no referido Congresso, a necessidade de 47

se elevar o patriotismo de tal forma, que o povo preferisse ga­ nhar 2 marcos no país, do que 4 marcos fora das fronteiras.26

qualquer alívio no pagamento dos impostos e censo (aluguéis). Recebeu somente um machado e uma gran­ de faca para defesa dos animais selvagens. Os imigran­ tes que não possuem seus próprios fundos e chegados ao Brasil às custas do governo local, não têm direito de escolher sua ocupação, devem então realizar os traba­ lhos mais pesados para os quais são tocados logo que chegam ao Brasil. Os suspeitos de quererem retom ar para o país são colocados a ferros e jogados na prisão, onde permanecem até aceitarem a submissão brasileira. A situação dos imigrantes no Brasil é insuportável. As autoridades locais tratam-nos de maneira selvagem. Os produtos alimentícios são muito caros. Uma libra de carne seca ou uma libra de peixe custa um marco. Há grande falta de produtos que alimentam, o calor é muito forte, em consequência grassa a febre amarela e fre­ quentemente m orrem as crianças pequenas. Ocorreram vários suicídios, devidos à situações em que não tinham outra saída. Um conhecido de Kom om icki, também ha­ bitante de Lódz, Kacprowicz, com a esposa e sete filhos menores, quando chegou ao Brasil e não encontrou meios para sobreviver, enforcou-se. As autoridades lo­ cais atentamente cuidam da correspondência. As cartas que dirigem-se para a Europa são lidas sem exceção e destróem aquelas com as quais não Simpatizam, sendo seus autores chamados à responsabilidade. K om om icki trouxe consigo cartas ( . . . ) . Nestas, os emigrantes amal­ diçoam suas famílias pelas “ chagas de Cristo” para qua lhes enviem dinheiro para o retom o ao país. Kornornicki com lágrimas nos olhos contava que quando saiu de Lódz para o Brasil, possuía 1.000 rublos e mais di­ nheiro para as despesas de viagem, voltando para casa com 11 rublos no bolso, sem nada e sem roupas. (Todos os grifos são do original).

A repressão por parte das autoridades russas começou já no outono de 1890, quando, na região de Stupecki, caíram mortos abatidos a tiros pela guarda fronteiriça, alguns emigrantes, entre os quais uma mulher.27 A imprensa, toda ela controlada pelo go­ verno tzarista, abriu baterias contra o movimento emigratório. O periódico Przeglad Katolicki promoveu a publicação de uma série de cartas ditas vindas do Brasil, com a seguinte abertura: Da região das lágrimas ou do infeliz Brasil, chegam-nos cada vez com mais frequência as mais tristes notícias.** As evidências in­ dicam tratar-se muitas vezes de notícias inverídicas, forjadas nos gabinetes das autoridades russas. Diz um dos textos: Nesses dias na localidade fronteiriça de Alexandrow chegou com decisão o m orador da cidade de Lódz, José K om om icki com esposa e dois filhos, retom ando do Brasil, para onde emigrou em julho. K om o m ick i contou a todos os interessados e prestou declaração no escri­ tório distrital de Nieszaw que passou a fronteira da al­ fândega de Aleksandrow, e p or Torun chegou até Bremen donde juntamente com outros emigrantes, no totai de 900, embarcou no navio alemão Hulven para o R io de Janeiro e em seguida para a ilha próxima. A li che­ gavam os plantadores e ccmvenciam-nos a irem para as plantações de café. K om om icki entretanto, chegando a saber das condições difíceis para os trabalhadores nas plantações e possuindo seus próprios fundos decidiu-se por suas próprias expensas a chegar até a Província de Sta Catarina, onde pelas indicações seria fácil obter grandes extensões de terra p or baixo preço e em con­ dições satisfatórias. Após alguns dias de cansativa via­ gem, K om om icki chegou a esta Província. A li o escri­ tório da emigração providenciou-lhe um pedaço de terra entre os emigrantes, colocando-os inicialmente em um grande barraco especialmente construído para esta fina­ lidade. Cada família recebeu um pedaço de terra me­ dindo 50 morgas, cobertos de mata fechada. Este lote, devem os emigrantes limpá-lo sozinhos, prepará-lo para a semeadura e pagar pelo mesmo para o governo bra­ sileiro 126 m il réis por ano, durante sete anos. Os imi­ grantes não ganham nenhuma ferramenta agrícola nem *2 -«JACKAWSKI, M. O emigracji z dzielnic polskich pod panowaniem pruskim. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out. 1893. Ano II, n.° 18 e 19. p. 19727GRONIOWSKI, K. Garaczka brazyUska. p. 319. 2*NOTATKI z prasy perjodycznej. Przeglad Katolicki. Warszawa, 5 fev. 1891. p. 88.

A conclusão é que se trata de uma notícia preparada. Não se deve ao fato de não existirem reemigrantes ou cartas de descon­ tentamento, lastimando sua sorte, e sim pelas evidências do pró­ prio conteúdo da mesma: 1 — o periódico diz que transcreve a mesma da imprensa varsoviana, porém não cita o jornal que a publicou como o faz em outras ocasiões. 2 — do Rio de Janeiro até a Província de Sta. Catarina o in­ formante partiu a suas expensas, tal afirmativa não corresponde 2BId. 49

à realidade imigratória brasileira da época, porque o governo ga­ rantia indiscriminadamente transporte gratuito até a colônia, como evidenciam outras fontes a respeito. 3 — o pagamento pelo lote recebido é estipulado em 126 m il réis ao ano, por sete anos consecutivos. Não corresponde à reali­ dade, pois o colono tinha toda sua vida para pagar o lote rece­ bido e a quantia estipulada era muito menor do que a referida. Por outro lado, o pagamento do lote iniciava-se de 10 ou 15 anos após a fixação do imigrante, quando se constatava que o mesmo já possuía condições para tanto. 4 — Os imigrantes não ganham qualquer alívio no pagamento dos impostos e aluguéis. Impostos os colonos não pagavam até a emancipação da colônia, o que ocorria muitos anos depois. O pagamento de aluguéis, que no Reino da Polônia recebia o nome de censo, era um imposto inexistente no Brasil. 5 — a grande jaca recebida pelo imigrante não visava sua de­ fesa contra os animais selvagens e sim não passava do conhecido facão, com o qual se abria passagem na mata espessa. 6 — os imigrantes chegados ao Brasil são tocados para reali­ zar os trabalhos mais pesados. O imigrante era pressionado ou persuadido, por pessoas interessadas, a dirigir-se para esta ou aquela fazenda de café, mas sua escolha para receber um lote em alguma colônia era livre. 7 — os suspeitos de quererem reemigrar eram jogados a fer­ ros na prisão. A reemigração sempre foi livre no Brasil, desde que o interessado pagasse a passagem de volta. 8 — ocorrem vários suicídios. Estes atos eram raríssimos na imigração. 9 — as cartas para a Europa são lidas sem exceção e as inde­ sejáveis destruídas. Ignora-se se o governo brasileiro usava esse expediente. Acredita-se que não. O governo russo sim, censurava as cartas que vinham do Brasil e que convidavam parentes e co­ nhecidos para virem a este país. Recentemente parte dessas cartas interceptadas pela censura russa foram comentadas e publicadas na Polônia e no Brasil.30 10 — os autores das cartas escritas no Brasil eram chamados à responsabilidade. Não há notícia alguma a este respeito. 11 — os argumentos contrários à emigração para o Brasil sugerem que foram preparados pela mesma pessoa ou grupo de pessoas que lançaram uma publicação anônima combatendo a 30KULA, Witold. Comps. Listy emigrantów z Brazylii i Stanów Zjednoczonych 1890-1891. Warszawa, Ludowa Spoldzielna Wydawnicza, 1973. 591 p. ANAIS DA CO M UNID AD E BR ASILE IR O -PO LO NESA. An. comun. brasil, pol. Superintentência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná. 1969. v. 8. Gratuita, Curitiba.

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emigração para este país e que leva o título Brazylia, onde entre outros argumentos errôneos, repete os acima enunciados.31 12 — todos os grifos são inverdades difundidas pelos inte­ ressados a fim de assustar os candidatos à emigração para o Brasil. Nos fins de 1890 e por todo o ano de 1891, a imprensa polo­ nesa estava saturada de notícias negativas e polêmicas referentes à emigração para o Brasil. A contra agitação oficial obteve seus resultados positivos. K. Groniowski informa que, somente em 1890, início da febre bra­ sileira na Província de Varsóvia, foram detidos e impedidos de emigrar 467 pessoas, em Piotrowski 465, em Lomzynski 255, em Kalisz 220, em Siedlecki 52.323 Em 1891, na Província de Kalisz, foram impedidas 285 pessoas. Na Província de Lubelski, nos anos de 1890 e 1891, foram impedidas 315 pessoas. Durante todo o pe­ ríodo em Wloclawek, foram impedidas 250 pessoas, em Leczycki 219, sobretudo em abril de 1891, em Kolski 116, em Jesien 270, quando foram mortas duas pessoas. A ação repressora era diri­ gida pessoalmente pelo governador, general Hurko, o qual, em ofício circular de outubro de 1890, ordenava a prisão dos suspei­ tos de pretenderem emigrar, mesmo sem prova alguma. Alguns imigrantes, em suas memórias, assim descreviam a travessia da fronteira, entre a parte russa e a prussiana da Po­ lônia: Quando a população ouviu das condições no Brasil, começou a tramar a saída em grupos de famílias para o Brasil. Mas o que adiantava se os russos não perm i­ tiam a saída do país? Decidiram então tirar passaporte para Lódz, onde arrumaram serviço na lavoura e par­ tiram para a cidade de Kalisz para visar o passaporte, onde esperavam que suas intenções não seriam desco­ bertas. Ali não acreditaram na conversa pois suspeita­ ram que não pretendíamos ir para Lódz e sim estáva­ mos fugindo para o Brasil. Mandaram-nos de volta sem maiores consequências. Mas para que voltar se todos já haviam vendido seus bens? Encontraram então con­ dutores e afastaram-se da cidade por uma estrada se­ cundária até a fronteira. Os condutores começaram a levar-nos de canoa pela fronteira às escondidas, de tal form a que as sentinelas nada suspeitassem ( . . . ) . Cami­ nhamos durante toda a noite p or pântanos sofrendo com água até os tornozelos ou até os joelhos 31G R O N IO W S K I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylii. p. 54. 32Ibid., p. 35-36. 33P A M IE T N IK I emigrantów — Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instetut Gospodarstwa Solecznego. Comps. 1939. Memória n.° 11. p. 141.

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Em outra memória, um imigrante registra: Os funcionários negaram passaporte. (M eu pai) já havia vendido tudo, pensava em enforcar-se ( . . . ) . Um judeu levou-nos até a fronteira com a Prússia. Saímos ilegalmente:5* A partir de 1890, passou a ser censurada a correspondência vinda de Lisboa, Bremen, Hamburgo, Antuérpia e Marselha. No início de 1891, nesta lista de censura, entrou a correspondência de Lipsk, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil35 Nestas cartas, os imi­ grantes provenientes do Reino da Polônia levantavam os mesmos problemas. Para eles, a passagem da parte Russa para a prussiana, era o trecho mais perigoso e audacioso da viagem rumo ao Brasil. Um imigrante estabelecido na colônia Silveira Martins (R io Grande do Sul), escrevendo a sua esposa e família, aconselhava a recorrerem a passadores já conhecidos, confiando na corrupção da guarda fronteiriça russa: Quando estiverem para atravessar a fronteira, diri­ jam-se para Osiek. Fiquem em algum lugar, procurem junto à fronteira algum sitiante para que ele vos apre­ sente a um russo. Acertem com ele (a im portância) e ele vos fará atravessar a fronteira, sem qualquer pro­ blema.33 De São Mateus do Sul (Paraná), escreve um imigrante para seus conhecidos, a fim de que tomassem cuidado na fronteira, porquanto teve que entregar, para poder passar pela mesma, até o último travesseiro.37 Um marido desesperado com a falta da esposa, escreve instruindo-a: Procure sozinha transpor a fronteira. Peça a teu pai e eu peço junto com você e à mãe que arrum em um passaporte prussiano, isto seria m uito bom, porque po­ derías viajar tranquilamente pela fronteira, caso con­ trário, ser-te-ia difícil passar de contrabando sozinha. Procure encontrar uma pessoa que aceita levar em seu passaporte e transponha a fronteira, ainda que seja ne­ cessário dar-lhe alguns rublos, mus estarás segura e po­ derás levar consigo todas as coisas.3’ *«Ibid., memória n.° 20. p. 333. ■ ,5G R O NIO W SK I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylii. p. 37. 3®KULA, W. Listy Emigrantów Carta n.° 28. *7Tbid., Carta n.° 38. »«Ibid., Carta n.° 42.

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As autoridades editavam panfletos e brochuras contra a emi­ gração para o Brasil. Ali encontravam-se ameaças com as penali­ dades do Código Civil, sobretudo os artigos 326 e 325, os quais puniam com o degredo para a Sibéria. O poder judiciário também foi acionado para fazer valer as ameaças das autoridades: C. Czarnowski, acusado de ser auxiliar do governo brasileiro, e que co­ brava 2 rublos pelas passagens (que eram gratuitas), foi conde­ nado a um ano e três meses de prisão. Um emigrante de origem prussiana, que foi detido com uma carta do agente Morawtetz de Antuérpia e que fazia propaganda do Brasil, sofreu pena de um ano e três meses. H. Szczepanski, que chefiava um grupo de emi­ grantes, sofreu meio ano de prisão, e os acompanhantes sofreram quatro anos de liberdade condicional. Um agente da Companhia de Navegação e um pastor evangélico, que tinham em seu poder prospectos da companhia, levaram seis meses de prisão. Um viga­ rista, que vendia propaganda das companhias de navegação como sendo passagens transoceânicas, pegou dois anos de prisão etc.39 Antônio Hempel, em sua memória de viagem: Os poloneses no Brasil,40 salientava que a emigração era uma questão de so­ brevivência para a vida da nação polonesa. A Polônia com suas fronteiras estreitas e nas condições de então, tinha pouca signifi­ cação, à qual ninguém dava importância. Mas enviando 50.000 emi­ grantes por ano para o estrangeiro, tomava-se então necessário sair da indiferença com relação à emigração. Os que partiam, que soubessem pelo menos para onde e para que estavam emigrando. No primeiro capítulo de sua obra, A. Hempel explicava que para melhor sentir a problemática do camponês que emigrava, vestiu-se como um deles e passou a freqüentar seus lugares, isto para não levantar suspeitas e repulsa ( . . . ) pois qualquer suspeita transfor­ mava-os em túmulos silenciosos.41 No outono do 1890, nas Províncias do norte do Reino, o povo aldeão, acordou de um longo sono. Despertou repentinamente. Moveu-se ( . . . ) começou a raciocinar ( . . . ) a falar( . . . ) . Esse homem, etemamente faminto, empanturrado de batatas, de cujos lábios até o presente ninguém ouviu queixa contra sua desventura, humilhação, mal se podia suspeitar que essa criatura batatófila, pudesse arquite­ tar em seu cérebro um juízo. Absolutamente ninguém podería suspeitar que esse ser adstrito de alma, corpo e todo o seu ser ao trenó da vida quotidiana fosse capaz de tanta energia e iniciativa, contra a vontade de outras •■^GRONIOWSKI, K. Polska emJgTacja zarobkowa w Brazylii. 38-39. ■‘"H E M PEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade braslleiro-polonesa. Curitiba, 1973 (7) : 12-122. «Ib id ., p. 18.

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camadas sociais ( . . . ) . Ê fato característico e sobretudo digno de reflexão: contra a posição do clero, arrostando a oposição forte da inteligentzia rural e obstáculos de outros setores, essa gente, massa muda, impulsionada por um movimento vital, rompeu as barreiras e frontei­ ras. O camponês apenas alimentou pela prim eira vez alguma esperança de melhorar sua sorte e sonhou dias melhores: essa tendência podia ser inconsciente, mas vi­ sava melhores formas de vida, desenvolvimento mais amplo e universal e ao mesmo tempo um protesto natu­ ral contra a opressão, contra a vida confinada à miséria, aferrada à vegetação e fadada ao esmorecimento na pobreza.*2 Sua felicidade e esperança repousa nas promessas feitas pelos agentes aliciadores: cultivar a terra própria, donde retiraria o sus­ tento para si e sua família. Na localidade de Drobina, Província de Plock, o autor em referência testemunhou um caso que reveia a desobediência dos camponeses até para com seus sacerdotes. Foi designada a data de partida dos emigrantes de Plock para a fronteira, em direção de Mleuoa. E m Drobina, os emigrantes( . . . ) encomendaram missa na igreja local. Todos participaram do ofício religioso com estupefação. O sacerdote procurava convencer, implorava, lançava raios, para que desistissem de partir para a perdição ( . . . ) tudo em vão! Não pregava a um auditório comum. Não era mais o aldeão que no momento da elevação caia de bruços, com gemidos em coro. Não era mais aquele homem que escutava o sermão, sem a meruor crítica. Estava pregando a um público que não pedia conselhos, não queria aconselhamentos. A platéia sentia instintivamente que sua situação não fora compreendida. Ao in­ vés de conselhos sinceros, indicações cordiais, brotados do coração, era fulminado com raios de condenação em suas aspirações: ( . . . ) . À saída da igreja, passou a tecer críticas acerbas e observações sarcásticas: “É sabido que o padre come com os senhores (grandes proprietá­ rios), bebe com eles e por isso toma o seu partido” .43 Observa-se que esta posição negativa à emigração não partia de um padre isoladamente. O clero polonês quase de form a unâni­ me era contrário à emigração. O bispo de Plock, região mais atin­ gida pela febre brasileira, chegou a percorrer os lugarejos do bis­ pado, pregando contra a emigração para o Brasil, assustando os «Id . «Ib id ., p. 17-18.

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pretensos candidatos com a miséria e a escravidão reinantes neste país, salientando sobremaneira a falta de assistência religiosa existente, com o que pensava deter o movimento emigratório daquelas paragens.44 O padre de Paltur distribuía centenas de brochuras contra a emigração para o Brasil, outros assustavam o povo com as obri­ gas senhoriais, segundo eles ainda existentes neste país, ou ainda negavam-se a fornecer certidões de batismo para os que deseja­ vam emigrar.45* Alguns emigrantes assim descrevem a posição de seus pá­ rocos: Quando os vizinhos souberam que iriamos para o Brasil, começaram a nos atropelar, sobretudo o nosso pároco.*0 Outro assim apresenta o problema: Certo dia não sei donde, meu pai conseguiu um jornal no qual havia uma descrição sobre o Brasil. Na nossa região ninguém conhecia nada sobre esse país. Os pro­ prietários e os padres, embora lessem os jornais sobre tais artigos, nada diziam ao povo. Meu pai porém, leu este artigo que dizia quão grande era o Brasil, quão grandes propriedades distribuía para os imigrantes eu­ ropeus e no Brasil até poloneses já existiam, bem como outras nacionalidades. Entre nós entretanto ninguém sabia de nada.*7 Antonio Hempel observou a seguinte passagem numa taberna, onde um ferreiro local, numa atmosfera de fumaça e umidade, verberava sobre a miséria que oprimia o povo. Dizia que o aldeão era um bobo que era explorado por todos. Trabalhava de sol a sol e mal ganhava para o pão e para os andrajos, tendo que pre­ senciar sua família a perecer de fome. Por isso — continuava o ferreiro — os senhores (grandes proprietários) desaconselham a emigração para o Brasil, mas não se lhes deve dar ouvidos, nem crédito. Se o aldeão partir, quem vai trabalhar para eles?** Quando o ferreiro levantou o problema da oposição do clero à emigração, redobrou a atenção dos ouvintes: Com relação aos sacerdotes a situação é a seguinte: sem ouerer comparar a situação é como se fosse um pastor

44Ibid„ p. 53. «Id . «P A M IE N T N IK I emigranlów — memória n.° 6. p. 62 4TIbid„ memória n.° 13. p. 158.

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carne e couro. Da mesma form a o padre, possui suas ovelhas e delas colhe o lucro. Depois que partimos para o Brasil, não terá mais lucro, com o o pastor, concluiu, que congregue as ovelhas para não se dispersar em .48 Esta insensibilidade do clero às novas pretensões dos campo­ neses de melhorar sua situação, prendia-se ao fato de o mesmo estar muito mais ligado às classes latifundiárias do que aos sim­ ples camponeses. A. Hempel. na introdução de sua obra, critica por exemplo o padre Chelmicki, que às custas de grupos-conservadores do país visitou o Brasil em 1891, desejando provocar um movimento reemigratório de poloneses para o Reino. Em seu rela­ to de viagem o padre Chelmicki afirma que os grupos de emigran­ tes que deixam sua terra natal são constituídos de escória emigratória, de vagabundos e andarilhos. Hempel desabafa criticando: oo menos tivesse ele penetrado num casebre, antes de sua viagem, a uma toca desses párias que chama de lixí­ via e contrabandistas, então a consciência não lhe per­ m itiría exarar semelhante sentença. Diz um provérbio popular: O saturado não entende o faminto.49 Esta quebra de obediência do camponês às determinações e conselhos emanados dos vigários e sacerdotes, significou o primei­ ro passo do afastamento do camponês da estrutura mental campo­ nesa à qual há séculos estava submetido. A emigração facilitará este afastamento e nas comunidades criadas no Brasil, por força das novas circunstâncias, a própria religiosidade aldeã do campo­ nês estava ameaçada. Por sua vez. a Galícia austríaca foi também atingida pela febre brasileira, em fins de 1894. Na Áustria, a emigração não era proi­ bida por lei, porém no início de 1895, o governo ordenava aos administradores de distritos, os starosta, que prendessem os agen­ tes e demovessem o povo de emigrar para o Brasil. Em conseqliência da ausência de uma política proibitiva mais definida por parte do governo central, os administradores regionais, para con­ ceder o passaporte, tomavam atitudes das mais contraditórias. Uns cobravam para conceder a autorização de saída (passaporte) 500 zloty, outros cobravam 300, 50 etc., outros ainda se negavam a concedê-lo. K. Groniowski registra a queixa de um emigrante que 8 vezes foi buscar seu passaporte e não o conseguiu, ganhando com isso três dias de prisão. O governo central, em dado momento proibiu o fornecimento de passaportes e duas semanas após revo­ gava tal decisão, porém impondo uma série de dificuldades.50 O

administrador de Tem opol negou-se a fornecer passaportes; em conseqüência, depois de alguns dias, estavam 280 pessoas no pátio de sua repartição. Os emigrantes galicianos frequentemente cerca­ vam os edifícios das administrações e deitavam-se nas escadas e no chão, com o fito de obter a autorização de saída. As tentativas austríacas de impedir a emigração demonstra­ vam-se ineficientes. Em janeiro de 1896, um grupo de 20 campo­ neses foi procurar os deputados, exigindo passaportes. A Socieda­ de Protetora dos Emigrantes São Rafael, que atendeu o caso, ma­ nifestou-se salientando que o impedimento de saída dos campo­ neses que já venderam seus pertences era como entregá-los ao pasto da miséria.51 O administrador de Stanislaw obrigou os candidatos a fica­ rem por três dias ao relento e sem alimentação. Em Podhajcach, um candidato foi batido e aprisionado, o que motivou o cerco da repartição por 120 homens, que exigiam sua libertação. A polícia teve receios de intervir.62 Em 9/02/1896, o governo central decidiu não permitir o em­ barque de pessoas que não possuíssem passaporte, bilhete transoceânico e dinheiro suficiente. Este controle era para ser exercido nas estações ferroviárias. Como os camponeses se negassem a dei­ xar os vagões, os mesmos eram desligados do comboio. Na reda­ ção do jornal K u rier Lwowski, os camponeses queixavam-se de que foram batidos pela polícia e seus vagões desligados. Devido à quantidade de atritos surgidos, o governo central, em março de 1896, revogou tal decisão, ao mesmo tempo em que a Direção dos Correios e Telégrafos protestava contra a intromissão dos admi­ nistradores, exigindo que se lhes fosse entregue a correspondência referente à emigração. O desejo de se tom ar um respeitável proprietário de terras, mesmo que fosse em paragens estranhas, num país desconhecido e a gratuidade da passagem transoceânica ofertada pelo governo brasileiro, funcionava como um magnetismo impulsionador da emigração.

«H E M P E L , p. 21. 49Ibid., p. 13.6 0 60G R O N IO W S K I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylil. p. 80.

B»Ibid., p. 81.

B2Id

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CAPÍTULO

III

O ESPECTRO DA PROLETARIZAÇAO

O aldeão polonês, na segunda metade do século X IX , apesar dos movimentos sazonais da população, era ainda assaz apegado às tradições e costumes de sua aldeia natal. Seus conhecimentos, sobre a realidade política e social em que vivia, eram extremamen­ te deficientes. Não ultrapassavam freqüentemente os horizontes de sua região de nascimento. As potências ocupantes do país deliberadamente mantinham este limitado status das populações campesinas. Oficialmente, os direitos senhoriais haviam sido abolidos, porém a população camponesa não mudara seu comportamento e sua mentalidade, com a rapidez com que as leis de extinção desses direitos foram promulgadas. A reeducação mental era necessária, para que ocorresse a adaptabilidade do camponês à nova realidade. Esta nova realidade exigia do camponês muito mais iniciativa pes­ soal do que a ordem anterior das coisas. Sua estrutura mental es­ tava acostumada ao servilismo e à prestação de serviços na reserva senhorial. Ele não zelava somente por sua própria família, mas obrigado a zelar pela produção de seu senhor. O camponês não era dono de sua pessoa, não era livre. Não podia deixar sua pro­ priedade, mesmo porque esta não lhe pertencia de direito. Após a abolição das obrigações senhoriais, o camponês ampliava as pos­ sibilidades de melhorar sua existência. Um pequeno proprietário, que não conseguia tirar o sustento, pensava em obter mais dinhei­ ro para aumentar a propriedade por compra, ou talvez construir um celeiro ou uma casa nova. Através do trabalho sazonal, o kom om ik passava a sonhar em deixar de pagar aluguel e tornar-se proprietário; um chalupnik queria ganhar o dote para a filha ou construir uma casa para o filho. O artífice sonhava em ampliar ou instalar uma oficina própria. Os moços e moças queriam obter algum dinheiro para comprar roupas novas e procurar algum di­ vertimento. Um desejo de melhoria de vida penetrava nas aldeias polonesas. Abria-se para o camponês a possibilidade de uma nova atitude face à sua vida econômica e social. Entretanto, o impulso básico que movia o camponês para procurar fora de sua aldeia na­ tal e mesmo fora das fronteiras do país, continuava sendo ainda o de ampliar suas terras ou tomar-se proprietário. Possuir terra,

em quantidade suficiente para tomar-se autônomo, era seu má­ ximo objetivo. A propriedade era o elemento divisor entre ser independente ou dependente.1 A migração sazonal era o estágio intermediário para a posterior emigração. Mesmo aldeões que não partiam para os trabalhos sazonais, habituavam-se com a idéia e com a possi­ bilidade de poder abandonar a aldeia natal. Havia portanto uma relação marcante entre o movimento sazonal e a emigração transoceânica. Thomas e Znaniecki chamam atenção para o fato de a mi­ gração sazonal ser escolhida por aqueles que não desejavam mu­ dar de tipo de vida, apenas um ganho extra para satisfazer novas necessidades.2 Por outro lado, emigravam para a América, prefe­ rencialmente os pequenos proprietários que, devido às condições econômicas nos territórios poloneses viam constantemente sua situação ser ameaçada pelo espectro de se tornarem economica­ mente dependentes, i.é., proletários. O pequeno proprietário pos­ suía verdadeiro pavor de trabalhar como empregado para um senhor. As cartas dos imigrantes enviadas do Brasil e dos Estados Unidos para o Reino, também confirmam esta posição do campo­ nês polonês. Um imigrante estabelecido na colônia de Tomás Coe­ lho (Paraná), escrevendo aos seus pais, assim se expressava: E vós queridos pais, se estáis gozando de boa saúde e se puderem, venham para cá. Sempre será melhor do que na Polônia em trabalhos assalariados.34 De São Mateus do Sul (Paraná), um casal de imigrantes es­ creve para seus pais levantando para os mesmos o espectro da velhice para um proletário agrícola no Reino: ( . . . ) venham para cá. Viveremos juntos, pois vocês lá não tem propriedade, o que tra­ rá dificuldade na velhice e aqui, com o tempo, não faltará pedaço de pão* Um outro estabelecido em Nova Trento (Santa Catarina), escrevia também aos pais: Estou m uito melhor do que na Polônia, somente pelo fato de não estar submisso a nenhum senhor.* De Jaguari (R io Grande do Sul), escrevia um imigrante, ex-proletário urbano, para a irmã: Podes chegar, pois se eu trabalhar durante três ou quatro anos estarei bem melhor do que na fábrica.* De 'TH O M AS, William I. & Z N A N IE C K L Florian Thei polish peasant ln Europe and America, vol. II. New York, Diver Publication, 1958. p. 1498. 3ANAÍSP DA C O M U N ID A D E BRASÍI^IRO-POIXDNESA. A n ^ m u m b:nwtl. pol. Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná, vol. V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 29. 4Ibid., carta n.° 63. 8Ibid., carta n.° 75. "Ibid., carta n.° 41.

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Santo Antônio da Patrulha (R io Grande do Sul), escrevia para os irmãos um ex-proletário agrícola: Meus queridos irmãos, eu não trocaria convosco a minha propriedade. Eu agora sou dono, isto não é assim como na Polônia ( . . . ) querido irm ão ( . . . ) se estás na miséria é melhor vir para cá, junto de nós ( . . .J.7 Um casal estabelecido em Indaial (Santa Catarina), em sua missiva escrevia: Levam ao conhecimento da irmã Inês que venha juntamente com o marido Felix, porque se tiver que passar mal no trabalho para os fazendeiros então aqui é muito m elhor .8 De Silveira Martins (R io Grande do Sul), escrevia um imigrante, também ex-proletário rural aos seus irmãos: Não temam nada porque não passareis mi­ séria, porque eu não a experimento. E vocês sabem que miséria eu tinha e eu sei qual é a vossa fartura na Polônia,8 O camponês emigrava pois, freqüentemente, para fugir da proletarização. As novas condições a que ele era lançado são indi­ vidualistas. Sua economia passava a ser de base capitalista. Agora o camponês respondia somente por si mesmo e no máximo por sua família. Em períodos de crise, não existia mais o senhor que lhe garantia a sobrevivência; ele estava lançado à voragem da con­ corrência capitalista. Nestas circunstâncias, o camponês não con­ seguia adaptar a curto prazo sua mentalidade, ao novo modo de produção exclusivamente capitalista. O novo elemento dominante na sociedade — o individualismo, teria que afetar inevitavelmente sua própria família. Esta, face à concorrência e competição, de­ veria adaptar-se às novas circunstâncias em geral e não podería mais ser de características extensas como era na Polônia a família camponesa. Ela tendia à diminuição de seus membros, e cami­ nhava para ser apenas uma família conjugal. A adaptação completa da mentalidade do camponês às novas circunstâncias, levou de duas a três gerações. Nesta fase adaptativa, o camponês e mesmo o habitante dos pequenos núcleos ur­ banos que dependiam diretamente da estrutura antiga, eram indi­ víduos instáveis, inseguros, que estavam à procura de proteção e segurança. As grandes instituições como a nação, a igreja e escola, não estavam totalmente aptas para oferecer pelo menos em parte esta segurança de que eles necessitavam. N o caso do polonês, a situação agravava-se porque não havia o que esperar do governo. Este era alienígena, ocupante, imperialista. A escola não era nem polonesa — com exceção da Galícia — mas instrumento da atua­ ção das potências ocupantes, odiada e desprezada pela população camponesa como instrumento de imposição de uma língua e cul­ tura que não era a sua. Vivendo pois numa comunidade ainda semi-senhorial, o cam­ ponês e o artesão possuíam poucas oportunidades de pertencer 1 * ?Ibid., carta n.° 77. 8Ibid., carta n.° 47. "Ibid., carta n.° 44. 60

a alguma instituição social que lhes proporcionasse estabilidade psicológica. Nesta conjuntura, de rápida evolução do meio rural polonês, pertencente a uma Europa arcaica e atrasada, os artífi­ ces dos centros urbanos menores e das aldeias concentraram-se em torno de suas corporações, não para obterem vantagens mo­ netárias, mas procurando instintivamente amparo e maior calor humano, tudo isso depois de as corporações de ofício terem per­ dido seus direitos de exercer o monopólio das profissões. A comuna, última representante do Estado no seu limi­ tado mundo, não o aceitava de bom grado. Sua participação na mesma era limitada. Medidas restritivas do governo fizeram com que sua participação na administração comunal fosse mais de expectador passivo do que participante ativo, sobretudo no Reino da Polônia, onde sua participação sofria mais limitações. A única ;nstituição com a qual estava mais familiarizado e que o aceitava, era a paróquia. Esta era a única instituição de cuja vida parti­ cipava. Estava pois familiarizado com a mesma, e era um de seus partícipes. Ali ele atuava, era solicitado pelo pároco, este o conhe­ cia pelo nome, participava freqüentemente das organizações pa­ roquiais, era solicitado a ocupar cargos nestas organizações, os quais lhe podiam oferecer um status melhor diante da comu­ nidade. Ali ele era gente, era alguém, sentia-se à vontade. Seus deveres religiosos eram cumpridos com alegria e satisfação; os sermões, apesar de excessivamente longos, eram aceitos e acata­ dos. O pároco, pois, tornava-se uma personalidade indispensável na vida do camponês. Isto não significa que, antes da ocupação estrangeira, o polonês não se caracterizasse por sua religiosidade. Os fatos históricos comprovam que sim, mas após a ocupação es­ trangeira, a luta da hierarquia eclesiástica contra as tentativas de imposição do luteranismo e da ortodoxia, respectivamente na par­ te prussiana e russa, fez o clero ser mais amado e respeitado. Os interesses do povo identificaram-se com os da hierarquia católica. O catolicismo amalgamou-se de tal forma com os ideais da nação polonesa que o bispo Teodor Kubina assim se expressa: Fundiram-se de tal maneira que a noção de catolicismo e polonidade tornaram-se sinônimos ( . . . ) a religião ca­ tólica tom ou-se o amparo geral do patriotismo, dirige o sentimento nacional e ensina o verdadeiro amor à pá­ tria.'0 Entretanto, os laços que prendiam grande parte da população polonesa, notadamente a aldeã, à paróquia e ao pároco, não po­ dem ser explicados exclusivamente pela predominância de inte1"K U B IN A , Teodor. Cud wiary polskoséi wsród wychodztwa polskiego. Czestochowa, Nakladem Diecezjalnego Instytutu akcji Katolickiej. 1935. p. 52.

resses e sentimentos religiosos. Esta íntima ligação e dependência entre o aldeão e a paróquia está também relacionado ao apego do aldeão a essa instituição que ele reputa como sua. É o antigo grupo primário da aldeia, reorganizado e concentrado na mesma. Sua tradicional religiosidade, o desejo de possuir uma paróquia e um padre, está pois relacionado ao desejo de estabilidade e seguran­ ça. Será o padre, através da paróquia, que dominará a vida aldeã. A abolição das obrigações senhoriais forçou portanto o cam­ ponês a promover um gigantesco passo. Cada indivíduo era obri­ gado a encontrar um novo posicionamento de mudança para uma nova conjuntura. Nas últimas décadas do século X IX , por ocasião do movimento emigratório para o Brasil, esta adaptabilidade às novas circunstâncias processava-se geralmente em três estágios. A geração representada pelos avós não estava acostumada com a vida individualista e capitalista. Viveram os tempos senhoriais. Os pais representavam o elemento de transição, que conheceram, viveram e portanto recordavam-se muitas vezes, das obrigações senhoriais, mas que estavam em fase de acentuada adaptabilidade. Os netos não viveram no antigo regime e encontravam-se numa fase de maior adaptabilidade às novas estruturas individualistas de concorrência. Entretanto, os latifundiários continuavam exis­ tindo, as pequenas propriedades dos camponeses continuavam a limitar-se com essas quintas, a maior parte da terra continuava nas mãos dos latifundiários. No antigo regime senhorial, os cam­ poneses proletários eram obrigados a trabalhar nesses latifúndios, para cumprir suas desobrigeis senhoriais. Agora eles precisavam ir trabalhar nesta mesma propriedade, em troca de um minguado salário, para conseguirem sobreviver. Com a abolição da servidão, os camponeses tornaram-se proprietários de suas pequenas explo­ rações. Continuaram camponeses, mas proprietários de uma por­ ção de terra tão pequena que os obrigava a conjugarem o traba­ lho de empregados nos latifúndios com seu status de pequenos proprietários. Estes minúsculos proprietários, lançados à concorrência ca­ pitalista, não tinham condições de sobrevivência. Sua tendência era proletarizar-se, de forma completa. N o seu desespero de evitar que isto acontecesse, a solução encontrada no momento seria a migração sazonal. As memórias dos imigrantes estabelecidos no Brasil melhor atestam estas evidências: Nossa família era de operários agricultores e composta de 11 pessoas. Lembro-me que possuíamos apenas uma geira (acre) de terra. A fom e e a miséria reinava em nossa casa; os pais ausentavam-se diariamente de casa para ganhar alguma coisa e poder acalmar a fome. N o fim do dia, de volta ao lar, respiravam ofegantes. ( . . . ) ouvi como os pais conversavam, com grande preocupa62

ção, que os 4 filhos já estavam crescidos. Ainda um não se tomava adulto e já outro era levado pelo exército, pois precisavam servir aos moscovitas, porque tinham boa saúde. O pior é que, quando voltavam para casa, não tinham seu próprio telhado para abrigar-se. ( . . . ) surgiram alguns agentes recrutadores de emigrantes para o Paraná, do qual nós nunca ouvimos falar nem tínhamos qualquer noção. Os agentes esclareciam que cada família recebería terra gratuitamente.11 Era filho de pais pobres ( . . . ) o quanto minha memó­ ria não falha, sapatos nunca tive até a saída do país f . . . ) Nestas condições viviam centenas de meninos. Assim, quando a miséria apertava violentamente, surgiu um agente prometendo-nos uma santa vida no Brasil ( santidade no sentido de bem viver). Então minha mãe e padrasto resolveram emigrar para este país enfeiti­ çado, onde terra é lixo e nada custa, onde tudo cresce, o inverno não existe, a lenha não falta.11 Meu pai emigrou devido a falta de condições para sus­ tentar sua família ( . . . ) com o patrimônio, possuía so­ mente uma casinha junto ao seu pai, nos fundos, bem com o uma vaca ( . . . ) . Os agentes descreviam muitas maravilhas: que aqui cresciam variados frutos, maçãs tão grandes que pesavam três libras, e os outros frutos produziam tanto que quando chegava a época do ama­ durecimento, as pessoas não comiam nada além de fru­ tas ( . . . ) e que até o joelho andavam nelas e que a terra é boa em toda parte.13 Meu pai tinha uma choupana e 3 acres de terra e éramos 10 pessoas. É verdade que a terra era produtiva, mas o sustento sempre nos faltava, fábricas entre nós não havia, existiam fazendas, mas o ganho ali era muito moJ ' ' —— ~~ x/ioe/r nlrlein nunca hoUVe eS-

Meu pai era oleiro e a mãe respondia pela nossa casa, éramos 5 irmãos. As condições de vida na Polônia de _ 1 “- .7 __ _ « v i < 1 » 7 //I jnao.iVtt TLfuitn -npsari/i era a Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instetut H P A M IE T N IK I emigrantów — Gospodarstwa Spolecznego. Comps,. 1939. Memória n.° 7, p. 73.

12Ibid., memória n.° 8, p. 77. 13Ibid., memória n.° 11, p. 140. 14Ibid., memória n.° 13, p. 158. 63

luta do camponês pela sobrevivência. Era obrigado a estar atento para qualquer chamado do seu patrão.15

N o caminho para Gênova, apareceu novamente o mesmo senhor que nos ensinou o que fazer em Lwów e propôs uma coleta de 10 guldens p or família, pelo que conti­ nuaria a proteger-nos. Como estávamos agradecidos pelo bom conselho que nos tinha dado, concordamos. Minha mãe, que não tinha dinheiro, deu somente 5 guldens. Na realidade o homem nada fazia a não ser nominar as es­ tações pelas quais passávamos, mas assim mesmo as pessoas estavam satisfeitas pois pensavam que zelava por nós. Isto ocorreu até a fronteira italiana, quando numa certa estação ( . . . ) os soldados apanharam o nos­ so protetor. Os camponeses revoltados protestavam gri­ tando para soltarem-no, mas a polícia levou-o para uma sala e começaram a chamar os camponeses nominal­ mente, entregando o dinheiro que haviam dado. Depois esclareceram que se tratava de um simples vigarista que explorou a ignorância e que não ficaria nesta primeira contribuição pois exigiría mais posteriormente. Surgi­ ram aqueles que não acreditaram e choraram pelo seu senhor.15

Saímos da Polônia no ano de 1890. Tínhamos 5,5 acres de terra ( . . . ) passávamos miséria. Com esta porção de terra, era difícil de se sustentar. Pessoalmente tinha que trabalhar para estranhos por uma paupérrima camisa.15 A grande imigração para o Brasil ocorreu pois, num momento crucial de adaptação ao sistema econômico capitalista. Nesta com­ petição, o pequeno proprietário não havia encontrado meios capa­ zes para contentar-se e estava sendo vencido pela concorrência. Emigravam também para o Brasil os simples proletários agrícolas e artesãos, como carpinteiros, marceneiros, ferreiros, alfaiates, segeiros etc., mas já em menor número. Essas massas campesinas e artesãs, embora oficialmente cidadãs dos respectivos impérios a que pertenciam, eram tratadas pelas autoridades locais como sub­ produto da população. A polícia sobretudo, tratava-os como classe social inferior, não respeitando seus direitos teóricos. Um emi­ grante da Galícia oriental assim descreve sua saída do país, o tra­ tamento recebido das autoridades e a mentalidade manifestada pelo grupo emigratório: Em Lwów, aglomeraram-se emigrantes em grande nú­ mero e não havia acomodações, deixaram-nos sob a p ro­ teção de Deus e cada um acomodou-se com o pôde e alimentava-se com o podia. Nestas dificuldades e miséria, sem teto na cabeça, não sei com o conseguimos aguentar dois meses e teríamos ali ficado por mais tem po se não fora o surgimento de um senhor, bem vestido, o qual esclareceu-nos que ali permaneceriamos indefinidamen­ te se não nos levantássemos. Deu-nos o seguinte plano: instalarmo-nos no leito da ferrovia com as mulheres e crianças deitadas nos trilhos, sem nos preocuparmos com a aproximação do trem. Acorreram os soldados e operários da ferrovia, mas assim que se afastavam, voltávamos, de modo que nada puderam conosco. Os gritos e barulho foram tantos, que os transeuntes acotovela­ vam-se para ver o que estava acontecendo ( . . . ) após alguns dias enviaram-nos para Gênova.17 Essas massas ignorantes e desprotegidas estavam sujeitas a toda sorte de exploração de indivíduos inescrupulosos. Os vigaris­ tas viam um excelente campo de atuação. A mesma imigrante re­ latora do texto acima referido, continua: 16Ibid., memória n.° 14, p. 204. 16Ibid., memória n.° 20, p. 332. 17Ibid., memória n.° 8, p. 77. 64

Os funcionários tratavam-nos com desdém e comportavam-se para com eles como se fossem uma camada inferior da sociedade, pois nada podiam fazer para defender seus direitos. Isto não ocor­ ria somente com os emigrantes galicianos. Os camponeses do Rei­ no, que obrigatoriamente tinham que atravessar a Prússia até o porto de embarque, padeciam do mesmo problema. Um emigrante do Reino assim comenta: A estação estava abarrotada ( . . . ) . Gordos prussianos acantonados num balcão olhavam-nos com desdém ao servirem-se de seus schnaps. Somente hoje tenho cons­ ciência de que os sorrisos maliciosos eram para nós, objeto de seus escárnios.19 Eram as massas camponesas e proletárias que emigravam, le­ gítimos representantes da Europa oprimida e subdesenvolvida. Era a Europa atrasada e semi-senhorial que se manifestava, pouco conhecida do resto do mundo, pois só se exaltavam as maravilhas que a revolução industrial proporcionava. Mas esta outra Europa existia e fazia sentir sua existência, protestando através da emi­ gração. Estas massas camponesas que se deslocavam para a Ale­ manha para embarque nos portos de Bremen e Hamburgo, cha­ mavam atenção às populações urbanas alemãs, pelo seu exotismo. *°XU.

1(lW ACH O W ICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. ( 3 ) : 36-79, p. 37.

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Vagavam pelas ruas com suas mulheres e filhos. Para aproveitar seu parco, porém existente poder aquisitivo, as lojas desses portos ostentavam cartazes propagandísticos de suas mercadorias: Blechwaren fu r Auswanderer (artigos metálicos para emigrantes).20 A. Dygasinski registra que em 1890 o padre Prechara, católico, lançava apelos pelo jornal Bremer Wachrichten à população cari­ dosa, a fim de que ofertassem roupas e calçados para distribuição. Escrevia o padre Prechara: Que fazer se o próxim o sofre, para muitos falta até a camisa e os sapatos e impensadamente lançaram-se a um desvairado objetivo?11* Apesar desses paleativos, o fato é que em Bremen os emigrantes viram-se cercados por explo­ radores da pior espécie. Exploravam sobretudo aqueles que não falavam a língua alemã. Informa A. Hempel que no Brasil inter­ rogou centenas desses emigrantes sobre suas estadias em Bremen. Nem todos respondiam com sinceridade, porque tinham vergonha da b u r r i c e , conforme testemunho dos mais sinceros. Foram ex­ plorados, depenados até o último níquel, que conseguiram com tanto suor; direta ou indiretamente pagavam os hotéis, compra­ vam bugigangas que lhes eram apresentadas como indispensáveis no Brasil. Na cidade de Bremen, por ocasião da febre brasileira, nas manhãs dominicais as ruas estavam cheias de camponeses polo­ neses com capotes pesados, escuros e compridos, as mulheres com lenços e vestidos coloridos estampados dirigiam-se para a igreja, onde o ambiente era idêntico ao de uma igreja aldeã. Uns atira­ vam-se no chão, beijavam o solo e choravam em verdadeiro pran­ to, outros rezavam em voz alta e por todo o tempo entoavam as canções mais usuais nas igrejas polonesas, cheias de vibração e sentimento.23

2"D YG ASINSK I, Adoll. Listy z Brazylii — w ybór artykulów publicystycznych. Warszawa, Ksiazka w Wiedze. 1953. p. 48. 21Ibid., p. 49. “ HEM PEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1973 (7) : 12-122. p. 22. “ D Y G A SIN SK I, p. 52.

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CAPÍTULO IV DA ALDEIA A COLÔNIA

Desde o momento em que o aldeão originário do Reino da Polônia, por ocasião da febre brasileira, decidia-se a abandonar a pequena comunidade aldeã, aumentava consideravelmente as ten­ sões a que era invariavelmente submetido, na sua própria aldeia. Além disso, temiam perder-se na viagem para Berlim, tomar o trem errado para Bremen, encontrar o agente indicado, não cair nas mãos dos vigaristas, não trocar no porto de linha oceanográfica, encontrar o navio certo, não perder os embrulhos ou os baús pelo caminho, não perder as crianças etc. etc. Para aqueles que conseguiram atravessar a fronteira com a Prússia e chegar até o porto de embarque, a viagem transoceânica passava a afigurar-se como sendo não somente um desafio, mas um verdadeiro pesadelo. O aldeão temia enfrentar o mar, temia-o porque o desconhecia. Os agentes recrutadores, para minimizar a viagem transoceânica, espalharam na Província de Plock, a mais atingida pela febre brasileira da época (ver mapa I ) , a notícia de que estava sendo construída uma ponte pelo oceano e em breve far-se-ia travessia, por via enxuta. Antonio Hempel, um dos xeno cronistas que visitaram as co­ lônias de imigrantes no Brasil nesta ocasião, afirma que a estória da ponte marítima lhe foi contada até por emigrantes que se di­ rigiam para a América do Norte. Chegou a ser interpelado, em abril de 1892, sobre o assunto, para saber se a mesma já estava concluída. Afirm a o cronista que esses boatos eram espalhados pelos agentes pois eles sabem o tem or que os emigrantes têm com relação à travessia do mar.1 Face à sua praticamente inexistente cultura geográfica, o al­ deão não tinha noção da localização do Brasil. Apenas sabia que deveria partir em direção à água, i.é., atingir os portos de Bremen e mais tarde de Antuérpia ou Hamburgo. O jornal de Varsóvia, K urier Warszawski de 28/10/1890, informava sarcasticamente que 1H EM PE L, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1973 ( 7) : 12-122. p. 20.

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seu correspondente havia encontrado uma matrona que dirigia-se a pé para o Brasil.2 Que noções geográficas possuíam os aldeões ao escreverem sobre a viagem? ( . . .) atravessamos a trajetória do sol. Passamos 400 milhas do centro do sol.3 O sol nasce aqui (n o Brasil) no lugar, onde na Polônia desaparece, enquanto ao meio-dia esconde-se debaixo dos pés.* Viajamos durante 7 dicLS até Porto Alegre (do Rio de Janeiro) e ao mesmo tempo passa­ mos pelo grande rio da América do Sul, o Amazonas.* Sempre seguimos rumo oeste e sul, de forma que passamos debaixo do sol.* Muitos dos imigrantes recomendavam aos que pretendiam emigrar para o Brasil, a aquisição antes do embarque de açúcar, chá, conhaque, vinho, álcool, vinagre, limão, fumo, essências etc., argumentando que no navio estas coisas eram muito caras ou porque a comida no navio era insossa, não era azeda ou então era excessivamente doce.2 7 Um dos imigrantes manifestava surpresa, *5 3 escrevendo ao irmão que após 18 dias de viagem, desembarcou com o pé enxuto numa ilha, próxima da capital do Brasil.8* Os imigrantes queixavam-se que o navio balouçava demais, fazia rolar os cofres e o povo dizia que chegou o fim do mundo? Nos primeiros dias, até as pessoas se adaptarem, os viajantes caíam das camas, e o balanço era tanto que cada um dorm ia quase sem alma.10 De Florianópolis recomendava um imigrante à esposa que pretendia embarcar para o Brasil, que não escolhesse, no na­ vio, para si e para as crianças, as camas de baixo e sim as de cima porque quando os de cima começam a vomitar, o fazem direta­ mente sobre as cabeças daqueles que estão em baixo.11 As minú­ cias de orientação à esposa chegavam até a detalhes pitorescos. O mesmo missivista recomendava: ( . . . ) compre um urinol de latão, pois tens crianças e constantemente vão querer satisfazer suas necessidades. Creio que não seria fácil buscar cada vez o banheiro. Leve uns dois cobertores e travesseiros, conserve-os consigo, porque no navio não há nada para se cobrir 2 AN AIS DA CO M UNID AD E BR ASILEIR O -PO LO NESA. An. comun. brasil, pol. Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná. Vol. V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 23. 3Ibid., carta n.° 65. ♦Id. 5Ibid., carta n.° 69. "Ibid., carta n.° 74. 7Ibid., carta n.° 38. "Ibid., carta n.° 69. “Ibid., carta n.° 68. 10Ibid., carta n.° 74. n Ibid., carta n.° 26.

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nem para p ô r sob a cabeça. Cada um tem que ter os seus.11 Outro imigrante recomendava que se devia escolher um lugar no centro do navio e nos pavimentos inferiores, porque aí balouça menos e recomendava aos irmãos, para não brigarem no navio porque o castigo é pesado.18 Antonio Hempel, testemunha ocular dessa travessia, a partir do porto de Gênova, por onde emigravam os poloneses galicianos, possui comovedoras páginas com relação a essa travessia pelas águas: Com o fito de verificar e experimentar na própria carne toda essa manipulação, deliberei viajar com um navio de transporte de emigrantes, para o Brasil. Escolhi a terceira classe a fim de estar ao lado dos mesmos, com a finalidade de expender posteriormente uma opinião segura. E m Gênova, déixei que os agentes me levassem de escritório em escritório e depois passei com os emi­ grantes as três semanas de viagem nos porões. Muitas vezes vi-m e tomado de desespero neste chiqueiro hu­ mano, dentro dessa sujeira, em meio ao ar contaminado e abafado, penetrado de miasma nos dias causticantes da travessia do Equador. É uma viagem horrível, mes­ m o para uma pessoa de poucas exigências. É sangrenta com o a chamavam os colonos. Essa travessia era feita pelo aldeão polonês, italiano e espanhol. Ao desembar­ car, é verdade que está cansado, descorado, miserável, mas satisfeito p or ter alcançado a meta almejada. Durante a longa e monótona viagem, o emigrante dispõe de tempo para refletir sobre o gesto arriscado que fez ao emigrar. Muitos me contaram que se viram cercados por deses­ pero no momento em que o navio levantava âncoras. Muitos, já no Brasil, confessavam que pensavam seria­ mente em atirar-se às ondas, pois sentiam que alguma coisa de errado havia em tudo isso e de maneira espe­ cial o pagamento da passagem. Alguns sentiam que não fo i feito de graça e, quem o sabe, talvez voltariam a ser novamente servos. Seu raciocínio despertou e ele ponderava. Quanto mais refletia, m aior tristeza dilacerava seu coração. N o navio esses pensamentos tétricos eram mesclados com o som dos violinos e dos bumbos da aldeia. P o r momentos o aldeão esquecia sua sorte e suas mágoas, quando rodo12id. lsIbid., carta n.° 74.

piava as danças, já um tanto embriagado. À noite, notas sérias reboavam nos porões. Foram canções religiosas, preces que minimizavam as almas doloridas e traziam lenitivo para as dúvidas que devoravam o aldeão. Finalmente o navio aporta à baia do R io de Janeiro. O emigrante percebe ao longe os contornos da terra, emol­ durados por nuvens: Forte de Cabo Frio, Pão de Açúcar, as ilhas, os morros recobertos de vegetação. Em todos os cubículos dos porões ouvem-se gritos: América, Brasil! . . . O lh em !... l á. . . lá ... Todos, ho­ mens, mulheres com crianças nos braços, deixam os porões e buscam o convés para ver quanto antes essa terra que não sabem se será de promissão ou maldi­ ção . . . se será mãe ou madrasta. Anoiteceu. O convés agitou-se. Comprimem-se, apontan­ do os acidentes geográficos mais elevados. Fazem obser­ vações e escutam atentamente se alguém que já esteve antes lhes fala da terra. Geralmente o fulano que visi­ tou anteriormente a terra, posta-se em lugar mais eleva­ do e responde às perguntas que chovem de todos os lados. Mesmo um observador neutro vê-se envolvido, contra sua vontade por estes sentimentos estranhos, onde se mesclam a esperança e o temor. Até esse m om ento o imigrante era transportado, alimentado, com o dia de amanhã, ainda que parcamente, assegurado. Vegetava. Agora todos sentem a gravidade da hora que se aproxi­ ma, em que ele mesmo tomará as decisões sobre sua sorte e, desguarnecido, da tutela, deverá decidir pela esposa e filhos que se acotovelam a seus pés maltra­ pilhos, imundos, miseráveis. Eles estenderão a mão e talvez não poderá atendê-los. P or isso no olhar dessa gente percebe-se o tem or e a preocupação. Estendem as mãos à terra brasileira — única tábua de salvação — essa terra que se apresenta no horizonte, diante dessa multidão refugiada de sua pátria, expulsa pela miséria. Dirigem-se a terra com o se fosse uma criatura viva, uma mãe alimentadora. Em suas faces curtidas pela miséria, em seus movimentos febris e irritados delinea-se a sentença que em breve ouvirão. . . O navio, cortando os vagalhões da costa brasileira, ge­ ralmente agitada, desliza célere em direção do cais. Apenas alguns quilômetros os separam do litoral. Res­ soa a voz forte e metálica do capitão que ordena o hasteamento das bandeiras de aviso. Ao longe, no topo de um m orro divisa-se o farol branco, que de imediato res­ ponde o sinal, hasteando as bandeiras convencionais.

( . . . ) A comissão sanitária sobe a bordo. O desembar­ que só é perm itido após c cumprimento de todas as formalidades. Um rebocador, tirando enormes lanchas, transporta os emigrantes para a ilha das Flores, situada em meio à baía .Aqui os emigrantes são alojadas em casas de imigração, a fim de passarem a quarentena — antes de seguirem para as localidades escolhidas Os emigrantes que escolheram o Rio Grande do Sul manifes­ tavam-se impressionados com os carros de boi de duas rodas com os quais eram transportados em vastos trechos para suas res­ pectivas colônias. Acharam-nos até confortáveis. Surpreendem-se com os 10 ou 12 bois que puxam os mesmos, comparam-nos com os carroções eslavos puxados por 4 ou 6 cavalos de sua terra natal.15 Mas, esses homens, recém aportados eram fundamentalmente aldeões. É através do prisma da natureza, i.é ., do clima da vege­ tação, do reino animal, da terra em si, que eles sentiam e expres­ savam suas primeiras impressões sobre o Brasil. Eles não sabiam bem o que era exatamente este país chamado Brasil, eles sabiam que no país havia regiões de climas quentes, mas deliberadamente se opuseram a ir trabalhar como empregados nas regiões quentes. Eles sonhavam em serem proprietários agrícolas. Ao chegarem até a região onde localizava-se a propriedade tão almejada come­ çavam a fazer uma série de comparações com a situação de suas aldeias de origem. Comparavam o clima, a terra, os costumes. De modo geral estavam satisfeitos com a possibilidade de realizarem até duas colheitas ao ano. A fertilidade da terra virgem estimulava a vontade do aldeão, para prepará-la para a agricultura. A cons­ trução da casa própria financiada pelo governo e o recebimento de algumas sementes e utensílios agrícolas os emocionava e ale­ grava. Um casal de Alfredo Chaves (R io Grande do Sul), reservou grande parte de sua carta aos pais para descrever o que encon­ traram no Brasil, descrevendo e observando o que mais lhes impressionou: Ganhei 4 wlócas de terra, só mato, bem como 80 m il réis para a construção de casa própria, 32 libras de pregos, uma fechadura, quatro dobradiças e ganhamos também implementos para a lavoura. Recebemos igualmente um machado, duas enxadas, uma picareta, uma pá cortadeira, um facão, uma foice para desbastar os galhos e uma serra que deverá servir para 7 famílias. P o r tudo isso pagar-se-á apenas 200 m il réis no prazo de 10 anos. —

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“ H E M PE L, p. 23 0 ss 1BAN AIS, cartas n P 22, 42, 56, 72, 75 e 77.

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te. As árvores são de diferentes espécies. Sua grossura varia de 1,2, 3 e 4 metros e a altura de 20 ou 30 metros. Nós não as conhecemos, a não ser uma, mahon. Os pi­ nheiros são mais ou menos grossos e altos, mas são di­ ferentes do que na Polônia porque não possuem nós na parte baixa, somente em cima. Fornecem muita madei­ ra. Nós não os serramos, porém, partimos com cunhas de ferro ,lascando tabuinhas e táboas de diversos tipos são rachadas, como cartas de baralho. Os pinheiros não são densos. Um dista do ou tro de 30 a 40 braças e entre eles vegetam pequenos arbustos e vegetação. Em duas semanas pode-se cortar lenha sufi­ ciente para o ano inteiro. Para semear, corta-se, deixase alguns dias e quando seca ateia-se fogo. Após a quei­ mada não se vira a terra, não se ara, mas lança-se a semente à terra, entre tocos e troncos. Tudo cresce: centeio, trigo, cevada, aveia, trigo preto, batata, ervilha, linho, sorgo, beterraba, cenoura, abóbora, abobrinha, pepinos, alface, cebola, alho. Nós chegamos para uma época ruim. Ainda não semeamos nada. Somente em maio vamos plantar e semear, porque agora é tarde de­ mais. Já tenho dois morgos desbastados. Vamos ganhar sementes do governo de centeio, trigo, feijão, batata e milho. A minha casa já está pronta. Agora construímos casas para os outros. Pagam-nos 80 mtl réis p o r casa o que equivalerá dois mil réis por dia para mim. A minha chácara constitui-se de 2 cabras, 5 galinhas e já ajeitéi todos os utensílios domésticos que são idênticos aos da Polônia, somente custam m uito mais. Tenho duas residências. Uma em cima e outra em baixo. A minha casa tem 8 metros de comprimento, quatro de largura e três de altura. Eu mesmo fabriquei os móveis com machado, porque aqui não há outro costume. Cada um tem que fazer sozinho. O toucinho custa 500 m il réis o quilo, a carne de gado 200 réis, salame 600 réis, a farinha de trigo 200 réis, a de centeio 150 réis, a batata 200 réis e o arroz 320 réis. O quilo de feijão es­ pada custa 120 réis, o açúcar 500 réis, mas não é igual ao da Polônia. É em pó. O quilo de café custa 1 m il réis, a dúzia de ovos 200 réis, uma quarta de cerveja 240 réis, uma quarta de cachaça 400 réis, uma quarta de quero­ sene 300 réis, um quilo de queijo 1 m il réis, um quilo de manteiga 1 m il e 200 réis. Nós mesmos assamos a broa como na Polônia. A galinha custa 400 réis, uma vaca custa 40 m il réis, um cavalo 25 m il réis e com 30 m il réis pode-se conseguir um bom animal. Nós já tivemos um cavalo e pagamos por ele 15 m il réis. Compramo-lo em sociedade de 4: Czerunnski, Brozoski, 72

José Sobiewski e eu. Lastimavelmente adoeceu e m or­ reu e agora estamos sem cavalo. Em nosso mato não há muitos animais, encontram-se tigres, veados e porcos do mato. Há muitos macacos, cobras, gado selvagem, crocodilos, lagartas grandes como gatos, insetos das mais diversas espécies e jamais imagináveis. Existem moscas tais que a noite tem os olhos como eletricidade, tal é a luz que emitem Um imigrante de São Mateus do Sul (Paraná), depois de des­ crever a situação do novo habitat e das características da agricul­ tura local, concluía a respeito da nova terra: Há perfume o ano inteiro ( . . . ) . Não existem aves de rapina. Tenho terra à vontade, basta que Deus dê saúde.1' De Indaial (Santa Catarina), escrevia um casal aos parentes esclarecendo que a propriedade que iam receber encontrava-se na mata e exclamam: ( . . . ) e que matas! Imaginem que dá fruto até duas vezes p o r ano. Aqui não há inverno, o olima é agradável, o verde é continuo, aqui crescem flores, as mais caras, à beira de estradas e na Europa custam caro '* Nas aldeias polonesas, possuir grande quantidade de madeira ou mesmo lenha para consumo doméstico, era sinal de status so­ cial. Era indicação de ser um grande proprietário. Para estes nun­ ca faltava calor para suportar os longos e gelados invernos. Por isso no Brasil vão surgir comparações com a situação na Polônia: Comunico-vos que tenho tanta madeira quanto o senhor Mostoski.VJ A qualidade e a exuberância das matas brasileiras impressio­ nava positivamente o aldeão polonês: Digo-vos que não vistes e ninguém viu na Europa, ta­ manhas árvores com o nós temos em nossa colônia. É pena cortá-las pois são árvores tão lindas. Quem tivesse uma dessas árvores (na Polônia), vangloriar-se-ia e nós as cortamos e queimamos.10 A real constatação da ausência de um rigoroso inverno em terras brasileiras agradava ao ádvena recém chegado. De São Ma­ teus do Sul (Paraná), escrevia um casal: O clima é igual ao nosso rm Furnnn n inverno vorém não é tão rigoroso com na--Polônia.2 ' ' o--11 *8 6

16A N A IS, carta n.° 30 1TIbid., carta n.° 40. 18Ibid., carta n.° 50. '°Ibid., carta n.° 62. S0Ibid., carta n.° 56. 3IIbid., carta n.° 52.

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via um colono: Aqui entre nós no Brasil, faz m uito calor, assim como lá em plena colheita de trigo. É possível dorm ir, desde que a gente não se cubra com nada.2- Do Rio Negro (Paraná), aparece a afirmativa de que: Agora é com o lá na festa de São João e esta­ mos logo depois do Ano Novo. Nos meses de maio e junho teremos inverno e este é fraco, de forma que se um m arreco pisar o gelo, ele quebra23 O sistema utilizado pelo governo republicano brasileiro, de fixação do imigrante à sua propriedade, era em linhas gerais o mesmo utilizado no tempo do império. A área escolhida para a criação de uma colônia era medida e subdividida em pequenas propriedades que continham cinco, seis ou até oito alqueires, de acordo com a localização da colônia e a qualidade de suas terras. O imigrante recebia auxílio financeiro para a construção de sua primeira morada, que invariavelmente era construída de ma­ deira (material abundante na região), ao mesmo tempo recebia também alguns utensílios agrícolas como enxadões, machados, foices, facões, dependendo do tamanho de cada família. Todo in­ divíduo masculino maior de idade tinha direito a receber um lote de terra. Como o sustento do imigrante nos meses que antecediam à primeira colheita era muito difícil, devido à sua pobreza, os imigrantes eram aproveitados na construção das chamadas estra­ das coloniais, que ligavam os lotes a uma estrada m aior e esta a uma principal. Por este trabalho, recebiam um a dois mil réis por dia, de acordo com as condições locais. A dívida contraída pelo emigrante era chamada de dívida co­ lonial. O governo, face às condições econômicas dos imigrantes, não tinha pressa em cobrar a mesma. Geralmente os imigrantes começavam a pagá-la após sete, oito ou até mais anos, depois de sua fixação. A dívida colonial era paga em prestações, pois dificil­ mente poderíam pagá-la à vista. Somente após a liquidação da dívida colonial o imigrante recebia o difinitivo título de proprie­ dade. Nas cartas escritas pelos imigrantes nos anos de 1890 e 1891, as dificuldades encontradas posteriormente a sua fixação na pro­ priedade, ainda não eram sentidas. Os imigrantes descreviam mui­ tas vezes até entusiasmados, analisando a terra que estavam rece­ bendo. De São Mateus do Sul (Paraná), escrevia um imigrante: Recebemos terra, segundo a medida brasileira, 100 m orgos e na medida polonesa, 2 wlócas e 20 morgos. O ter­ reno está coberto por enorme mata. É preciso ter saúde para trabalhar porque é necessário cortar tudo. Espera­ mos ter um pedaço de pão daqui a alguns anos.2* 12lbid., carta n.° 60. “ Ibid., carta n.° 64. 24Ibid., carta n.° 63.

De Rio Negro (Paraná), escrevia um colono à família:

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( . . . ) inform o-vos sobre a propriedade que devemos re­ ceber. São 100 morgos de terra, casa na propriedade, construída pelo governo. Quanto aos impostos, não se paga nenhum e não se pagará no futuro nada por esta propriedade, somente vai se trabalhar para si.26

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De Alfredo Chaves (R io Grande do Sul), escrevia um filho aos

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pais: Cada um possui seu lote de terra com 1.100 metros de com prim ento e 275 de largura. A minha casa já está construída, fiz sozinho, com dois ajudantes e trabalha­ mos 16 dias. Recebi do governo 80 m il réis, recebí igual­ mente 32 libras de pregos, 4 pares de dobradiças, uma fechadura, pois o governo dá tudo isso. Tudo deverá ser pago no montante de 200 m il réis, durante 12 anos, mas se alguém não puder pagar nesse espaço de tempo, po----- »mt-nrruám n prmúsará do

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De Caxias do Sul (R io Grande do Sul), escrevia um imigrante solteiro aos seus parentes: ( . . . ) ganhei 110 morgos de terra, de medida grande e recebi todas as sementes necessárias e ajuda, bem como enxadas para a limpeza, machados, utensílios de cozinha e facão para defesa contra animais. Se construir a casa, receberei 150 rublos do governo. Pela abertura da pi­ cada em próp rio terreno, também se recebe pagamento, segundo consta 2 rublos p o r dia de trabalho. Os impos­ tos são j>equenos ( . . . ) . Talvez vocês pensam que vou ganhar 110 morgos de terra arável, vão, pois vou rece­ ber mato e tiguera, onde não se pode introduzir um

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dedo.2'1

1

As cartas dos imigrantes referentes ao Brasil, embora repre­ sentem uma amostragem não muito significativa do ponto de vis­ ta numérico, são suficientes para evidenciar o tipo do emigrante que se dirigiu ao Brasil. A grande maioria veio com esposa e filhos. Vieram para receber uma propriedade agrícola e estabelecer-se , ,— „ mesmo assim, muitos homens casa-

25Ibid., carta n.° 64. 20Ibid., carta n.° 66. 27Ibid., carta n.° 74.

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j.

condições brasileiras de trabalho. Se elas fossem consideradas fa­ voráveis, procurariam então trazer a mulher e os filhos para o Brasil. Das sessenta cartas preservadas do Brasil, onze estão diri­ gidas para a esposa, ou seja 18%. Embora algumas missivas sejam do mesmo remetente para o mesmo destinatário (a esposa), o percentual de homens casados que aportavam ao Brasil sem a es­ posa e filhos, para tentar novas possibilidades de vida, era bas­ tante expressivo. Entretanto, a grande maioria transferia-se com sua família. Era uma emigração tipicamente camponesa, para ini­ ciar uma propriedade rural. Para os Estados Unidos, ao contrário, predominou o indiví­ duo isolado, o número de famílias completas formava uma percen­ tagem menor. Para este país da América do Norte, emigrava pre­ ferencialmente o operário, que pretendia estabelecer-se nas cida­ des, enquanto para o Brasil o fazia com o intuito de receber pro­ priedade e tornar-se agricultor. As cartas dos homens casados a suas esposas e filhos são as mais comoventes. Elas estão repletas de emoções profundas, sau­ dade imensa, angústia invulgar. Os maridos demonstravam até ciúmes pela longa separação. Escrevia um deles: Amada esposa abraço-te e beijo, bem com o a minha e tua filha e peço-te por todas as palavras santas, lembrese de seu querido Joãozinho, lembre-se, amada esposa, eram palavras sagradas, amor jurado e medite isto bem querida esposa porque eu não te esqueço em nenhum passo ( . . . ) como sabes bem e conhecer a minha natu­ reza como a ti mesma. Amada esposa, se não chegares dentro de três meses, podes saber que não me acharás mais. Verás, querida esposa, juro-te, peço-te por Deus para que venhas. Querida esposa agora te instruo o modo de viajar.'2*

escrevo esta carta deixamos de viajar. Eu sozinho não sei com o vai ficar daqui para frente porque em breves dias devemos receber propriedades com matas. Querida esposa escrevo-te a verdade sagrada. ( . . . ) Eu desejaria quando um dia chegares feliz para junto de mim que eu já estivesse na minha propriedade porque até o pre­ sente não temos sossego. Peço resposta urgente, como vão as coisas para vocês e como estão as crianças. Se p or acaso estiver com muita dificuldade então deixa a Polônia e venha atrás de mim, mas se estiver passando bem então fique por lá até que te mande outra carta, porque eu já não volto mais para a Palônia, se por acaso decidir vir mesmo, então escreva-me que virás.™ De São Feliciano (R io Grande do Sul), escreve um marido já estabelecido em sua própria terra: Peço-te querida esposa que venha quanto antes, porque é pesado para m im trabalhar na terra, sem ter quem cozinhe e lave a roupa. ( . . . ) Queridos pai e mãe, ir­ mãos e irmãs, tenham a bondade, toda a família minha, peçam ao pai que se digne mandar-me dinheiro que é a minha parte da herança. Em verdade ganhei uma boa colônia, não tenho como começar o serviço porque não tenho dinheiro. Estou muito aborrecido por me achar por tão longo tempo sem a minha família. Agora não tendo nada mais a escrever, somente implo­ ro-te, querida esposa, para que tenhas a bondade de vir para junto de mim, quanto antes. Agora mando-vos os mais profundos cumprimentos, mando a toda a família porque já não retornarei mais a Polônia. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.30

Um outro imigrante confessava: “Onde quer que me encontre você e as crianças estais diante dos meus olhos. Queridíssima esposa peço-te encarecidamente que me escrevas, dizendo o que acon­ teceu em casa, se todos estão com saúde porque eu, graças a Deus Altíssimo estou com saúde o que também te desejo, somente estou em trabalhos pesados e não tenho nenhum descanso. Durante o dia trabalho e à noite dormimos em barracos e eu não tenho nenhuma cober­ ta e no Brasil as chuvas são frequentes, as noites frias por isso a minha vida é difícil. N o instante em que te tRIbid., carta n.° 42.

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Os maridos, já no Brasil procuravam em suas cartas atrair algum parente, irmão, cunhado ou mesmo o pai para que viesse e lhes trouxesse a esposa. Evidencia-se nas cartas as preocupações dos maridos com as dificuldades que suas mulheres enfrentariam até chegar ao seu destino no Brasil. Por isso procuravam atrair alguma pessoa de confiança, de maior responsabilidade, que as trouxessem até sua companhia. Um emigrante estabelecido como marceneiro em Florianópolis, chegou a procurar emprego para um tal de Pech, a fim de que o mesmo tivesse condições de estabele­ cer-se em terra brasileira e trazer sua esposa. Escrevia para a es­ posa diezndo que: Ele (P ech ), seria o melhor protetor de você e 2BIbid., carta n.° 49. S0Ibid., carta n.° 78. 77

das crianças.31 De São Feliciano (R io Grande do Sul), escreveu ou­ tro emigrante: Querida esposa, peço que venhas, com tem po livre, para cá e o mesmo peço a meu irm ã o 32 Ainda de São Feliciano, escrevia outro imigrante: Querida esposa ( . . . ) venha. Você Inácio, irmão querido venha igualmente com mulher e crianças f . . . ) 33 De Silveira Martins (R io Grande do Sul), escreviam: Querida esposa prepara-te o mais depressa possível para chegar ao Brasil para junto de mim, pois aguardo-te impaciente em Silveira Martins. E você, Francisco Hojnacki com sua esposa, deixe tudo para o avô ( . . . ) e siga os meus passos, trazendo consigo minha m ulher o mais depressa possível.3* Mas, acontece que estas cartas nunca chegaram a seus desti­ natários! O chamamento de parentes, compadres e amigos para o Brasil é uma das principais tônicas das cartas dos emigrantes. O imigrante quanto mais pobre e minifundiário na Polônia, reagia mais favoravelmente às condições brasileiras. A extensão da pro­ priedade agrícola que recebia, impressionava-o. Embora no Brasil fosse considerada uma pequena propriedade agrícola, em termos poloneses era o equivalente a uma propriedade respeitável. O auxí­ lio de fixação ao imigrante por parte do governo brasileiro até o advento da primeira colheita soava muito bem para o imigrante, a fertilidade da terra e a exuberância das florestas, decidiam-no a chamar para perto de si seus entes mais próximos. Quer com­ partilhar com os mesmos uma felicidade que julga ter alcançado. De Silveira Martins (Rio Grande do Sul), escrevia um colono imigrante: Querido irmão. Comunico-te que no Brasil é bom e fica­ ria satisfeito se você viesse para junto de nós no Brasil, porque aqui nós não temos miséria. Venda sua proprie­ dade e traga consigo o dinheiro porque no Brasil é bom. Querido irmão não te decepcionarei porque no Brasil é bom. Ganharás uma colônia gratuitamente, não paga­ rás nada por ela e no que respeita a sementes, ganharás cereais e tudo é assim com o entre vocês na Polônia. Os cavalos são baratos de forma que o preço que vocês pagam por um na Polônia, aqui se pode com prar cinco. Os porcos e o gado são baratos sobremaneira. Quanto à propriedade, existem galinhas, marrecos, gansos e toda espécie de criação. Não temam nada porque não passa­ 3ilbid„ *2Ibid., MIbid., *«Ibid.,

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24. 61. 55. 28.

reis miséria, porque eu não a experimento. E vocês sa­ bem que miséria eu tinha e eu sei qual é a vossa far­ tura na Polônia. Vão ter produtos melhores do que na Polônia. Querido irm ão João Gawrysiak e igualmente estimada esposa do irmão, não contrariem seu irmão em viajar para o Brasil, mas venham juntamente com seu marido e suas crianças porque eu não vos quero levar para a perdição, mas somente desejo-vos como a mim mesmo e creiam-me que é bom, acreditem, mesmo que alguém lhes diga que vai mal. Cuspam-lhe nos olhos porque o pessoal não lhes está dizendo a verdade ( . . . ) . Querido irm ão Burkowski, se tens desejo e vontade e querer, venha para junto de m im no Brasil porque você vai fi­ car bem. Receberás uma colônia, à vossa moda uma pro­ priedade. N o que diz respeito ao tamanho, no mínimo será de 100 morgos. Agora você querido cunhado Tomás Dalak, peço-te que venha com sua esposa e crianças, porque está bem. Eu vivo com o um senhor na Polônia que possui algumas fazendas.33 Se o autor da carta n.° 44 estava sendo sincero, então é pos­ sível vislumbrar quão difíceis eram as condições de sobrevivência do pequeno agricultor ou do operário rural na Polônia do final do século X IX ! Com a posse de uma tal propriedade, a miséria, ou seja a fome, estaria definitivamente afastada para si e sua família. Um imigrante exagerando escrevia: f . . . ) comunico-vos que vivo como Pankossky e não sei o que é miséria, levo uma vida de rei. Tenho tanto vinho quanta água na Polônia, aguardente e outras bebidas. Peço-vos, aqueles que tem vontade que venham para ju n to de m im no Brasil. Levo ao vosso conhecimento o que com o no Brasil (s ic ): Vocês não viram desde o nas­ cimento, m orrereis na Polônia e não vereis. Quanto à terra, tenho-a quanto quero e na distribuição ganhei tanto quanto precisava para meu uso. Venham, não te­ mam nada, porque aqui os aguarda uma grande felici­ dade no Brasil.30 Um imigrante de Brusque argumentava para convencer o pai a emigrar para o Brasil: s6Ibid., carta n .° 44. S0Ibid., carta n.° 45. 79

Querido pai, não existe nenhuma escravidão. Cada pes­ soa é livre. O calcr é permanente, querido pai. Estou com saudades de vocês. Se quereis, podeis v ir para cá. Querido pai, toda a família poderá viver bem na minha propriedade ( . . . ) os ganhos parecem bons, mas a vida é cara ( . . . ) . Ganhei tanta terra que durante toda a m i­ nha vida não terei condições de usar.31 O autor da carta n.° 33 depois de descrever sua nova proprie­ dade afiança: ( . . . ) escrevo-vos a verdade, tão clara com o na pal­ ma da mão.38 O autor da carta 68 afiança no mesmo sentido: Tudo o que escreví é verdade. Quem tiver vontade e desejo pode vir.39 O autor da carta 72 é taxativo: Numa palavra, no Brasil é melhor do que na Polônia.*9 Mas, nem tudo é otimismo nas cartas escritas do Brasil. Da carta de um imigrante estabelecido na cidade de São Paulo de­ preende-se que para muitos imigrantes em São Paulo as coisas não corriam satisfatoriamente: Para nós, p.ex., é bom no Brasil, mas não o é para todos. Para o carpinteiro, marceneiro, oleiro está bom e po­ dem ganhar bastante dinheiro. Os simples trabalhado­ res, aqueles que vieram para se estabelecer em proprie­ dades rurais no Brasil (entenda-se São Paulo) para alguns a miséria é extrema. Quase m orrem de fome. Aqueles que faziam serviços corriqueiros na Polônia e querem trabalhar pesado, saem da emigração (hospe­ daria dos imigrantes) e alistam-se para propriedades. O governo manda que escolham as colônias onde que­ rem e os envia para lá. ( . . . ) em pouco tempo poderá conseguir um belo dinheiro e uma bela propriedade. ( . . . ) Se alguém não está acostumado a trabalhar ou não quer, passa enorme fome. Muitos poloneses e ou­ tros vivem na emigração às custas do governo. Não que­ rem saber de trabalho. Querem retom ar a Polônia por conta do governo. O governo não manda ninguém de volta, por isso curtem miséria. Cada um deles queria açambarcar tudo. Pretendia encher os bolsos com ouro e retornar, entretanto aqui receberam ordem para tra­ balhar. Por exemplo o açougueiro Ochman de Wolka e seu genro Guilherme, parece que o senhor os conhecia e muitos outros, num total de 500 famílias destinaramse para as colônias. O governo enviou-os para lá, onde 97Ibid., a*Ibid., "Ib id ., ‘°Ibid.,

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60. 33. 68. 72.

vicejam enormes florestas. Isso não lhes agradou por­ que o trabalho seria ingente: transformar aquelas matas em terra cultivável. Não começaram nenhum serviço e queriam que o governo os mandasse de volta para a P o­ lônia. O governo, todavia, manteve-os lá durante alguns meses, pretendendo vencê-los dessa forma. Metade deles m orreu e o restante retornou para São Paulo. Continua­ ram (residindo) até hoje na emigração às expensas do governo. O que vai acontecer com eles não sei. Outros que deixaram antes a emigração e foram para a cidade, sem qualquer profissão, alguns começaram a trabalhar com o pedreiros, marceneiros e em outros serviços. ( . . . ) Os que não trabalham passam fome e andam maltra­ pilhos. Outros venderam suas esposas aos pretos, obti­ veram grande lucro e se retiraram. Ninguém sabe para onde foram. Outros maridos deixaram as mulheres com crianças e fugiram para outras regiões. As mães e as crianças andam pelas ruas, esmolando um pedaço de pão ou ingressam na vida fácil. Outros ainda transfor­ maram suas casas em públicas, onde trabalham as mu­ lheres e filhas. Várias coisas acontecem que é difícil de escrever.** O imigrante, uma vez em contacto com a realidade da região onde foi localizado em sua colônia, começava a constatar que utensílios ou apetrechamentos poderia ter trazido da Polônia. Constatava o que existia no mercado brasileiro em abundância, o que era escasso, o que não existia, bem como seus preços. Percebia que poderia ter trazido uma infinidade de instrumentos, utensílios e coisas de uso pessoal ou caseiro. No Brasil, uma vez instalado em sua propriedade, estas coisas começavam a fazer-lhe falta. Muitas vezes, estes utensílios e apetrechamentos existiam no mercado brasileiro, porém eram muito caros em relação aos pre­ ços com os quais estavam acostumados na Polônia. No Brasil, tudo praticamente era importado, atingindo em conseqüência, preços elevados. O camponês sentia grande falta de sementes de cereais e de verduras existentes na Polônia. Nas suas cartas aos parentes e conhecidos, quase que invariavelmente, ao mesmo tempo que os convidava a virem para o Brasil, solicitava que lhe trouxessem da Polônia ou adquirissem no porto de Bremen, o que mais neces­ sitava no Brasil. Quem vier que traga bastante ( . . . ) . Podem trazer con­ digo sementes: centeio, trigo, feijão, batata salsa, alho, maçã, peras, ameixas, toda espécie de ervas que se en­ contram na Polônia.** 4lIbid., cartas n.° 30 e 31.

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Não desperdice objetos de cozinha e traga consigo tudo o que puder. Leve igualmente sementes de hortaliças, como: repolho, cebola, cenoura, beterraba, salsihha

Peço ainda que tragam uma espingarda de dois canos, mas que seja boa ( . . , ). 30

Tragam consigo toda sorte de cereais e outras semen­ tes, tudo que cresce na Polônia.*3

( . . . ) quando o irmão vier para cá que traga para mim e para si duas espingardas de dois canos, mas deve com ­ prá-las perto da fronteira porque é mais barato.31

Depois das sementes, em ordem de importância para o imi­ grante já estabelecido no Brasil, destacava-se a necessidade de roupas de vestir e de cama. Escreviam os imigrantes: Podes comprar três cortes de fazenda para camisas, um par de toalhas de rosto, umas duas ou três toalhas de mesa e uns dois cobertores.** Francisco que leve consigo ( . . . ) roupa de cama o mais possível, utensílios de cozinha desde que sejam de ferro, roupas, numa palavra tudo, desde que consiga passar a fronteira*3 Não esbanjem roupas, camisas e roupa de cama, ( . . . ) ■ Empacotar bem e trazer consigo, porque não atiram ao m ar*3 Leve consigo: roupa de cama, vestidos, ferro de passar roupa, facas, garfos, colheres, porque aqui são necessá­ rios. Para mim compre uma calça ( . . . ) . Irm ã o leve con­ sigo roupas e sapatos porque aqui são caros.*7 Depois das sementes, roupas e utensílios domésticos, desta­ cava-se o pedido de aquisição em Bremen, na oportunidade do embarque, de espingardas consideradas muito necessárias no Brasil. ( . . . ) quando estiveres em Bremen com pre para m im um fuzil, porque na Prússia é barato e aqui é m uito caro.*3 Comprem umas três espingardas de cano duplo, uns três rev&veres, mas bons e munição para os mesmos: umas 30 libras de pólvora e cartuchos, chumbo, porque no Brasil são necessários contra os pássaros que são abundantes e no Brasil é difícil conseguir armas.*71 42Ibid., 48Ibid., 44Ibid., 45Ibid., 46Ibid., 47Ibid., 4RIbid., 49Ibid.,

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58. 38. 24. 47. 50. 55. 27. 29.

Tragam espingardas de cano duplo, revólver, pois aqui é perm itido ter em casa sem qualquer imposto e, com o sabem, as armas sempre são necessárias. Aqui são ca­ ras porque ainda não existem fábricas como na Europa e tudo é im portado da Prússia, por isto é grande a pro­ cura do dinheiro prussiano32 Os imigrantes não esqueciam ainda de pedir ferramentas para a lavoura, martelos, puas, serras, sapatos, porque no Brasil apesar do custo ser barato, não era ainda suficientemente industrializa­ do. Os carpinteiros solicitavam para não esquecer cepilhos, for­ mões, verumas etc. O autor da carta n.° 24, chegou a pedir que trouxessem o relógio, argumentando que este era muito caro no Brasil. O aldeão, ao iniciar seu lento conhecimento da realidade do meio brasileiro, começava a sentir que era partícipe de algum acontecimento importante. A sua volta, desde o desembarque na ilha das Flores, via-se cercado de milhares de outros imigrantes, das mais variadas nacionalidades. Sentia que era um pioneiro. Intuía que fora recrutado na Europa para participar de um grande empreendimento colonizador. Percebia que aos imigrantes euro­ peus foram entregues gigantescas extensões de terra para sua efe­ tiva colonização. As terras cobertas de matas, foram destinadas para que fossem transformadas em terras de cultura. Percebia que, antes da vinda dos imigrantes, os extensos territórios que foram destinados à colonização eram ocupados por índios cujos rema­ nescentes continuavam, conforme o caso, nas proximidades. Um dos imigrantes afirma: ( . . . ) Bandos deles perambulam aos quais tememos, porque se atacarem e se p o r acaso seu número fo r maior do que o nosso, exterminar-nos-iam com o ratos.33 O aldeão surpreendia-se de encontrar no Brasil um grande nú­ mero de imigrantes, compostos das mais variadas nacionalidades. Para com estes, sentia-se partícipe e solidário. Orgulhosamente, escrevia um imigrante de São Mateus do Sul (Paraná), para os pais e familiares: Nós vamos fundar cidades, porqjie já existem aqui um grande contingente de gente.3* °°Ibid., 51Ibid., 82Ibid., 88Ibid., B4Ibid.,

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39. 47. 64. 47. 52.

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Muitos dos imigrantes identificavam-se desde o início com a terra de adoção. Tentavam entender o regime republicano de go­ verno, tão diverso da monarquia totalitária, representado pelo tzar de todas as Rússias. Exclamava um imigrante: Aqui não temos rei, mas República.** Outro, estabelecido em São Paulo, entendia que os grandes latifundiários do café formavam a nobreza brasi­ leira e que estes nobres podiam até mandar fuzilar os empregados, visto que não havia nenhuma lei que os impedisse de fazer isto, porque no Brasil é República, o que significa liberdade da no­ breza?6 Outro imigrante de Santo Antônio da Patrulha (R io Grande do Sul), observava que o governo brasileiro era bom e que mantinha a ordem. Recomendava que os cidadãos ruins da Polônia não pre­ cisavam vir para o Brasil, porque aqui também iriam se dar mal. A mentalidade do aldeão ainda manifestava-se condicionada à obe­ diência pura e simples das autoridades. O mesmo imigrante excla­ mava: Deve-se compreender que sem castigo não havería fim para a maldade e aqui também sabem por na prisão aqueles que não querem obedecer?1 Uma outra posição semelhante era sugerida por outro imigrante de São Mateus do Sul (Paraná): ( . . . ) o la­ drão e o assassino é melhor que apodreça nas masmorras russas antes que veja o Brasil.™ Parece que havia uma preocupação por parte de alguns imigrantes de que, não seria recomendável que os aproveitadores e ladrões de lá, viessem para o Brasil como imi­ grantes. Apesar de acharem que aqui também se ia para a cadeia, não havia muita confiança na República. Ela se afigurava aos olhos dos imigrantes como sendo um regime muito bom, mas não re­ comendável para determinados tipos de indivíduos. A liberdade excessiva poderia ser prejudicial para a coletividade. Mas, apesar dessas idéias, o governo brasileiro, afigurava-se digno de crédito. Escreve um imigrante: Não se deve dar ouvidos a ninguém, a não ser ao governo que dá terra de graça e ajuda de 50 m il réis e 120 morgos de terra.™ Outro imigrante de Tomás Coelho (Paraná), escreve: O governo brasileiro cuida bem do povo, a tal ponto que aqueles que vivem aqui há vinte anos, não pagaram ainda 3 réis de imposto?0 O governo brasileiro afigurava-se bom porque distri­ buía terras e não cobrava impostos, justamente ao contrário do que ocorria com o camponês na Polônia.

88Ibid., 69Ibid., 87Ib id , ®RIbid., 80Ibid., ®“Ibid.,

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n.° n.° n.° n.° n.° n.°

47. 81. 69. 40. 27. 29.

CAPÍTULO

V

ESTRUTURA ECONÔMICA E SOCIAL DA COMUNIDADE DE ADOÇAO

Quando da chegada dos primeiros grupos de imigrantes polo­ neses ao Paraná, a partir de 1871, o sistema de trabalho existente ainda era o da escravidão africana. A capital, Curitiba, havia-se be­ neficiado, nas primeiras décadas do século X IX , com a transfe­ rência para o planalto dos engenhos de beneficiamento do mate do litoral, redundando numa aceleração de seu crescimento econômico. A criação da Província do Paraná em 1853 e a escolha de Curitiba para capital, vieram definitivamente consolidar a hegemonia da cidade como centro urbano preponderante na Província. Em 1854, a população da capital e da Província estava composta de acordo com a cor e a condição social: COR

Província Curitiba

CONDIÇÃO

branca

mulata

negra

livre

escrava

total

33.633 4.624

13.968 1.293

9.251 874

52.069 6.213

10.189 578

62.258 6.791

Assim, aproximadamente 30% da população era constituída de negros e mulatos, dos quais 9% eram escravos, enquan Q os totais da Província eram respectivamente 40 /o e 16i o. populações estão inseridas numa economia baseada funda mente no processo de extração, beneficiamento e comei cia Ç da erva mate. Quando da chegada em 1871 dos imigian es p neses, o sistema de trabalho escravocrata da Província processo de desagregação, isto porque o engenho d mate, movido à força muscular escrava, estava ^m P Rfi2 substituição, por engenhos movidos a força hidraul «PARANÁ. Relatório do Presidente Zacarias de abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de junno tiba, Typ. Paranaense. 1854. Mapa 14.

85

. I [ ,

e 1875, leis provinciais autorizavam estudos sobre os melhores pro­ cessos para o fabrico e acondicionamento do mate.2

canalizados quase que totalmente para esta produção, ocasionan­ do carestia de gêneros de primeira necessidade.

Desta forma, o próprio governo prom ovia e estimulava aper­ feiçoamentos tecnológicos na produção e acondicionamento do principal produto econômico da Província. O m aior inventor e aperfeiçoador do processo de beneficiamento do mate fo i o curitibano Francisco de Camargo Pinto, o qual após estudar na Ingla­ terra, com bolsa do governo Imperial, promoveu verdadeira revo­ lução na industrialização do mate: desenhou e construiu um torrador mecânico, o esmagador ondulatório, separadores por venti­ lação, misturadores mecânicos, transportadores helicoidais, etc. A introdução de processos qualitativos na produção e indus­ trialização do mate, trouxe ipso jacto a substituição paulatina do escravo como força de trabalho. A introdução de novos aperfei­ çoamentos tecnológicos e o aumento das exportações desse pro­ duto trouxeram como conseqüência uma contínua substituição da força de trabalho escrava pela livre. Como todo o aumento da pro­ dução, baseado em aperfeiçoamentos tecnológicos, traz o baratea­ mento do produto, a substituição da mão de obra escrava se havia revelado economicamente vantajosa, nestas circunstâncias. Assim se expulsará o escravo do interior do engenho, substituindo-o por máquinas novas e trabalhadores livres

Em 1857, o vice-presidente da Província queixava-se em seu relatório que a falta de trabalhadores estava afetando inclusive a construção da estrada da Graciosa, onde em conseqüência foi ne­ cessário adotar o sistema de pequenas empreitadas. Assim mes­ mo, somente 54 trabalhadores labutavam na abertura da referida estrada.1 A solução encontrada pelas autoridades paranaenses foi promover a colonização com imigrantes europeus, pois, como pen­ sava José Antônio Vaz de Carvalhaes, os imigrantes europeus mais propensos à cultura de cereais e de outros gêneros alimentícios, não iriam dedicar-se à exploração da erva mate, atividade que lhes é desconhecida e estranha aos seus hábitos,s

dos quais se comprará apenas a força de trabalho, de conformidade com as exigências da produção. E m suma a dinâmica da empresa ervateira, além de outros fenô­ menos que atuarem na comunidade, traz no seu bojo a destruição do trabalho escravo.3 Desta forma, a política imigratória iniciada no Paraná ei meados do século X IX , está ligada a essas transformações estn turais no campo econômico e social. Sendo o mate o produto básico da economia paranaense, d sempenhando — guardadas as devidas proporções — a função qt o café desempenhava em São Paulo, a mão de obra disponível r Província era canalizada para essa atividade. Em conseqüência, Província começou a sentir escassez de gêneros de subsistênci com a fuga de mão de obra e capitais desta atividade para a ec< nomia ervateira. Repetia-se em escala regional o que havia oco rido em meados do século com a cultura cafeeira, na Províncí de São Paulo. A partir de 1850, com o predomínio, nesta Províi cia dos interesses da economia cafeeira, os braços escravos forai 2COSTA, Mário J. Affonso da. Paraná, contribuição para o estudo c commercio e das indústrias do Estado. Rio de Janeiro, 1913. p. 51-52. Citac p° f do j ,Lavro. I| Octavio. metamorfoses do escravo. S. Paulo Difusão Euri péia 1962. p.As109

sid.

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Em conseqüência, surgiu em 1859 a colônia Assungui, formada por colonos alemães, ingleses, franceses, nacionais, etc, e locali­ zada a 100 km ao norte da capital. Esta seria, além da função de abastecer Curitiba com gêneros alimentícios, um objetivo político: contrabalançar as colônias Blumenau e Dona Francisca, que se desenvolviam na vizinha Província de Santa Catarina. Apesar das grandes somas empatadas no seu estabelecimento, a mesma fra­ cassou, pois a distância de Curitiba era muito grande e nem mes­ mo vias de comunicação satisfatórias foram providenciadas. A produção dos colonos acabou apodrecendo nos celeiros. A partir do governo de Adolfo Lamenha Lins, a Província do Paraná alterou sua política de localização dos núcleos coloniais. Passou a dar preferência ao estabelecimento dos mesmos nas pro­ ximidades da capital, inspirando-se no progresso demonstrado pelos rcemigrantes espontâneos, alemães em maioria, que deman­ davam das colônias de Dona Francisca e Blumenau e fixavam-se nos arredores de Curitiba. Nessa conjuntura, chegaram ao Paraná os primeiros polone­ ses. Os responsáveis por tal fato, o agrimensor Sebastião Edmun­ do Wos Saporski e o padre Antônio Zielinski, foram inspirados na obra de H. Blumenau na Província de Sta. Catarina. Planejaram promover a colonização na Província do Paraná, pois ambos pas­ saram a temer a germanização dos poloneses, se os mesmos se fixassem em Sta. Catarina. Entendiam eles por germanização a diluição, tanto numérica como cultural, dos poloneses na região, pois sendo a colonização germânica já ali numerosa e sedimen­ tada, tal germanização seria um processo espontâneo. Poderia re­ petir-se aqui no Brasil o fenômeno que estava ocorrendo na Eu-4

4PARANÁ. Relatório apresentado à dia 7 de janeiro de 1857, pelo vice-presidente José Amorno lhaes. Curitiba, Typ. Paranaense. 1857. p. 94.

5Id. 87

ropa. Saporskl obteve autorização imperial para prom over a colo­ nização, mas enquanto providenciava a localização da mesma na Província do Paraná, os imigrantes recrutados na Silésia conven­ cidos pelos alemães* e antes de receberem ordem de Saporski para embarque, partiram para a Província de Sta. Catarina em 1869. Foi na colônia Príncipe Dom Pedro, no loteamento Sexteen Lots, que Saporski os foi encontrar enjoados de tanto derrubar matas, de serem explorados pelos agentes e fornecedores de viveres. Sua fixação, em terrenos da municipalidade de Curitiba em 1871, ocorreu não sem atritos e desentendimentos com as autori­ dades e reimigrantes alemães já ali estabelecidos pois os mesmos pretendiam para si os terrenos dos quarteirões de Pilarzinho e Mercês e que estavam sendo pretendidos pelos poloneses. Por ou­ tro lado, os colonos negaram-se a aceitar os terrenos que a Câ­ mara Municipal lhes oferecia, às margens do rio Barigui, cortados pela estrada que demandava para Campo Largo. Porém quando os colonos foram chamados para assinar esse contrato que lhes era vantajoso, no dia marcado apareceram apenas dois deles. Os ou­ tros desculparam-se, dizendo que tinham que ir à igre­ ja, que se encontravam bastante longe, ou apresentaram outras desculpas, igualmente infundadas.8 Em suas Memórias, Saporski queixa-se do intérprete do dele­ gado de colonização, o qual segundo ele — distingüia-se por um ódio contra sua pessoa como de resto contra todos os poloneses9 e conseguiu sublevar, a massa ignorante dos imigrantes. E m consequência de suas manhosas intrigas, os colonos seguiram em bando ao palácio do Presidente, exigindo que se lhes desse co­ mida. Convém acrescentar que esses colonos sabiam muito bem que o Presidente não havia prom etido nada mais além de cobrir as despesas da viagem (de Sta. Ca­ tarina) até Curitiba ( . . . ) . Mas as invejosas intrigas sur­ tiram efeito e o bando foi postar-se diante do palácio. O presidente, indignado, mandou imediatamente cha­ mar E ti (pseudônimo usado p or Saporski referente à sua pessoa), e pedir-lhe que acalmasse a multidão e a mar."RUDZIKI, 1891. p. 168.T. KoloniScí w Brazylii. Przeglad Katolicki, Warszawa, 12 7Para maiores detalhes a respeito consultar: W ACHOW ICZ, R.C. Arquivo da paróquia de Sta. Anna de Abranches. Boletim n.° 18, Universidade Federal do Paraná, Dep. de História. Curitiba, 1972. 8SAPORSKI. Sebastião Edmundo Wos. Memórias. Anais da comunidade braslleiro polonesa. Curitiba, 1972 (6 ): 11-99, p. 55. *Id.

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convencesse a dispersar-se. Eti, que não sabia de nada, atendeu imediatamente ao chamado e, somente após ter chegado ao palácio, deu com a multidão agitada. Chegando ao palácio, fo i chamado pelo Vice-Presidente, o compreensivo e prestativo Dr. Erm elino de Leão, que lhe transmitiu a ordem do Presidente. Nesse momento, um dos manifestantes amotinados começou a lançar em voz alta acusações contra Eti, em alemão, acusando-o de que tinha recebido, para ser distribuída entre os co­ lonos, uma considerável soma em dinheiro, mas que a tinha escondido para si. À entrada de uma loja próxima encontrava-se o tal intérprete alemão, esfregando as mãos de contentamento. Tendo-o avistado, E ti dirigiu-se ao Vice-Presidente, pedindo-lhes que chamasse o intér­ prete e o fizesse traduzir as injúrias lançadas pela m ul­ tidão. O intérprete executou a ordem. Então Eti, na pre­ sença dos colonos reunidos, perguntou ao Vice-Presi­ dente se durante o tempo das diligências para a per­ missão da chegada dos colonos poloneses, que o mesmo tinha acompanhado de perto, fOi-lhe dado sequer um tostão para tal fim , ou qualquer recompensa de outra espécie. O humanitário e nobre Dr. Ermelino, com o qual efetivamente toda a questão tinha sido tratada des­ de o início e a qual contara com o seu incondicional apoio pessoal, expressou sua indignação. Queria mandar prender imediatamente aquele incitador e só desistiu dessa idéia graças à intervenção de E ti.'0 Entretanto, a agitação não parou aqui. Grupos interessados em que os poloneses não se estabelecessem em Pilarzinho, come­ çaram a espalhar boatos de que estes imigrantes não passavam de um bando de vagabundos, esmoleiros e arruaceiros. Tais boa­ tos chegaram até o Ministério da Agricultura. O Ministro T. M. F. Pereira da Silva, em telegrama ao Presidente da Província do Pa­ raná, datado de 1/11/1871 pede informações: He certo que os colonos polacos que forão de Sta. Cata­ rina para essa Província andam esmolando e nada têm em que se ocupem? In form e V. Excia. com urgência e tome as medidas necessárias para que isso não acon­ teça.11 Mesmo depois de estabelecidos no local denominado Pilarzi­ nho, as intrigas continuavam, sendo os poloneses acusados pelos reemigrantes da colônia Dona Francisca, de terem recebido auxí-

n S fic io s, 1871. vol. 18. Arquivo Público do Estado do Paraná.

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lio da Câmara Municipal e de serem arruaceiros e vagabundos. Tal situação levou Saporski a requerer documento em contrário, junto à Câmara Municipal. Estes atritos e desentendimentos dos pioneiros poloneses com os alemães já estabelecidos no rocio de Curitiba, tinham por base a concorrência que os recém-vindos haviam de proporcionar aos granjeiros alemães já estabelecidos nas proximidades da capital e que eram os fornecedores de lenha, leite, queijo, manteiga, ver­ duras, etc., à população urbana de Curitiba. Este conflito inicial com os germânicos motivou o surgimento recente de uma obra literária, na Polônia, sob o titulo: Bitwa o Pilarzinho (Luta pelo Pilarzinho).12 De tal forma desenvolveu-se a imigração polonesa para o Pa­ raná, que até 1889 haviam entrado 6.530 poloneses nesse Estado. Em 1920 esse total já ultrapassava os 80.000 imigrantes. Não de­ morou para que surgissem também os imigrantes italianos no lito­ ral da Província e sua conseqüente transferência para o planalto. Em 1895, chegavam as primeiras levas de ucranianos procedentes da Galícia austríaca. Estas correntes imigratórias acrescidas de outras etnias, que para o Paraná aportaram, juntamente com as populações tradicionais luso-afro-ameríndias, transformaram o Paraná em um laboratório étnico, talvez o maior do mundo. Face ao volume alcançado pela imigração para a Província, as atividades econômicas não tiveram mais condições de se apoiarem no trabalho escravo. Ao contrário, a utilização do trabalho livre é uma necessidade e uma exigência. A nova conjuntura fez o preço dos escravos existentes entrar em baixa. Em 1882, o preço médio por escravo liberto na capital era de 759S000 reis cada um. Em 1884, o preço médio já estava a 675S000 reis. Mas em 1885, a Pro­ víncia possuía ainda 4.192 escravos.13 Desta forma, no período de 1871 a 1888, os poloneses aí che­ gados encontraram a instituição da escravidão em rápido declínio. O fluxo maior de imigrantes europeus coincidia com a decadência da escravidão. Antes do aumento das correntes imigratórias, o negro liberto pelo sistema era aproveitado e absorvido como agregado ou como assalariado em serviços como o de soldado, de artesanato, ou criadagem urbana. O próprio sistema que o libertara encaminhava-o a tarefas que executava satisfatoriamente. Quando os imigrantes e seus descendentes passaram a contar-se aos milhares, não só em torno de Curitiba mas também em regiões mais interioranas,

o liberto negro ou mulato começou a ser preterido pela mão de obra européia. O próprio Saporski recomendava aos seus imigran­ tes que procurassem serviço na construção da estrada para Mato Grosso que então se havia iniciado. Para as mulheres recomen­ dava empregos nas residências onde as senhoras curitibanas aceitavam-nas de boa vontade.111 Os curitibanos das famílias tradicio­ nais passaram a procurar meninos e rapazes entre os filhos dos imigrantes, para substituírem os negrinhos nos serviços. É o caso do Monsenhor Celso, que recrutou um menino em Rio Negro: Certa feita, o senhor Dublasiewicz levou-nos para uma festa em R io N egro (Paraná). Viajamos eufóricos. Apro­ veitei a oportunidade de rever a cidade que já conhecia. Detinha-me na observação disto e daquilo. Encontrei alguns mulatos da minha idade. Visitei-os em suas ca­ sas. Quando com ecei a falar o polonês, eles estouraram em gargalhadas. Um deles atirou-m e em rosto: polaco burro! Imediatamente revidei-lhe um sopapo. Tinha consciência de que semelhante expressão era um pala­ vrão. O pirralho sumiu, enquanto os demais caíram so­ bre mim. Distribuía socos e após cada golpe um deles voam para fora. Afastaram-se e tomaram das pedras es­ palhadas na rua. Fiz o mesmo. Algumas mulheres espaIharam-nos, antes que alcançássemos piores consequên­ cias. Conturbado, fu i até a igreja. A missa estava term i­ nando e a minha presença era desnecessária. Nesta so­ lenidade estava presente o M onsenhor Celso, de Curi­ tiba. Solicitou ao Sr. Dublasiewicz que lhe encontrasse um rapaz, para ajudá-lo na Capital. ( . . . ) Três dias de­ pois encontrava-me em Curitiba. Nos prim eiros dias era acompanhado p o r um mulatinho que conhecia a cidade. Em breve superei-o pois sábia ler. O menino foi para outro lugar, enquanto a responsabilidade da casa do Monsenhor recaiu sobre m im .u Na cidade da Lapa, o mesmo imigrante empregou-se numa pa­ daria e afirmava em sua memória que: Consegui um em prego na cidade da Lapa. Trabalhava por 10 m il réis mensais na padaria do Seu Nansinho. Durante a noite assava o pão e para não perder tempo o dono encarregou-me de selecionar penas de gansos,4 5 1

'-M R Ó W C ZYN SK I, Boleslau. Titwa o Pilarzinho. Katowice, Wydawnictwo “Slask”. 1968. 288 p. ,aExposiçâo com que o Presidente da Província Alfredo D ’Escragnolle Taunay passou a administração da Província do Paraná em 3 de maio de 1886. p. 30.

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l4SAPORSKT n W , 15W ACHOW ICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade biasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. (3): 36-79. p. 42.

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galinhas e perus. Durante o dia percorria a cidade com cesta à cabeça, distribuindo o pão. Posso afirm ar com a consciência tranqüila que me explorou até o extremo. Somente tinha livres as tardes dos domingos. Frequen­ tava a casa do Sr. Morawski e pelas ruas batia-me com os mulatos, toda vez que me chamassem de polaco burro. O filho do Sr. Morawski atirava m uito bem as pedras, enquanto eu trabalhava com os punhos cerra­ dos. Não eram raras as surras que tributavamos, fazen­ do os negrinhos sangrar, com o também não eram raros os momentos que tínhamos que correr, quando os mu­ latos vinham em chusma contra nós.11 Enquanto as primeiras levas dos imigrantes poloneses estabe­ leceram-se nos arredores de Curitiba, aqueles que vieram após a abolição da escravatura em grandes quantidades, foram localiza­ dos em colônias do vale do Iguaçu, longe do mercado consumidor da capital. Segundo Boleslau Zabko Potopowicz, os mesmos eram assim constituídos de acordo com suas profissões: Agricultores

........................................

95,0%

Operários e artífices ..........................

3,5%

Comerciantes e industriais.................

1,0%

Intelectuais

0,5%*17

........................................

•'AU. 17POTOPOWICZ, Boleslau Zabko. Osadnictwo polskle w Braxylil. Warszawa. Sklad Glówny Syndykat Emigracyjny. 1936. p. 13 e 14.

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CAPÍTU LO V I A “FÉ POLONESA”

A esmagadora preponderância do elemento aldeão na compo­ sição da imigração polonesa, leva-nos, para a compreensão de sua mentalidade, até as numerosas aldeias polonesas. N o Brasil, a mu­ dança de meio, a form ação de comunidades com patrícios em gran­ de parte desconhecidos, ou a inserção na mesma colônia de indiví­ duos de várias nacionalidades, além dos luso-brasileiros propria­ mente ditos, veio enfraquecer mas não abalar o instinto gregário do camponês polonês. Se na pátria de origem o instinto gregário manifestava-se sobretudo na atividade paroquial, no Brasil o pro­ cesso será mantido. A igreja, a paróquia e o padre serão, em mui; tas colônias do Brasil, por muito tempo o único cim ento que unirá os colonos. Conseguir uma igreja própria e um sacerdote polonês, será o sonho de cada colono, e para isso nenhum esforço será pou­ pado. Logo após uma acomodação prim itiva em suas datas de ter­ ra, os colonos reuniam-se para deliberar a construção de sua igre­ ja. Se a comunidade não fosse suficientemente numerosa, então optava-se pela construção de uma capela. A paróquia e o padre polonês eram imprescindíveis para o camponês. A igreja era um centro espiritual, mas também o cen­ tro onde o camponês satisfazia sua necessidade de comunicação com o próximo. N o Brasil, esta necessidade acentuava-se ainda mais, devido ao isolamento em que passaram a viver. Na Polônia, as residências dos aldeões eram agrupadas e concentradas. Nas colônias brasileiras, esta estrutura deixou de existir. Cada família tinha sua casa, em seu próprio lote. O vizinho mais próximo, na melhor das hipóteses, ficava a 500 ou 1.000 metros de distância. Na Polônia, ele estava ali, atrás da cerca. O preceito da assistência à missa dominical ou outros ofícios religiosos adquiriu no Brasil uma conotação mais ampla: havia a satisfação de poder comunicar-se com os companheiros, de con­ fraternizar, de conhecer as novidades, de saber como iam os ou­ tros na sua respectiva propriedade. A freqüência dos ofícios reli­ giosos tomou-se uma fuga do quotidiano. Tudo isto ocorria à som­ bra da igreja, antes e depois da missa. O sacerdote representava para o colono o caminho de um feliz post mortem. 93

li

O sacerdote era tratado da mesma maneira como o era o se­ nhorio na Polônia. Traziam-lhe pão, manteiga, requeijão, ovos, vinho, para que não passasse fome de form a alguma. Se por acaso ocorresse uma possibilidade de faltar algo para o padre, a comu­ nidade toda passaria vergonha. Os fiéis mantinham a tradição an­ tiga na Polônia de beijar-lhe as mãos ao cumprimentá-lo, indistintamente, por homens, mulheres ou crianças. A pessoa do padre era intocável e sagrada. Sua liderança na colônia era absoluta. Na Polônia e por muitas décadas no Brasil, o padre fo i o único letra­ do com o qual os colonos tiveram contacto.

der a Deus Nosso Senhor. As vezes nos falta paciência. Asàim não é possível aguentar. Para defender-se é pre­ ciso in ju ria r esses cães, o que já nos levou pessoal­ mente quase à briga ( . . . ) . Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Se nos construíssem pelo menos uma pequena capela e providenciassem um padre da Polônia seria melhor, porque nós sem isso não aguentamos e voltaremos para a Polônia. Sem igreja e sem padre não agüentaremos. Pedimos ao senhor que se preocupe com isso ( . . . ) . Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. As crianças que aqui nasceram não passam de alguns porquinhos, pois sem o santo batismo assim permane­ cem. ( . . . ) As crianças permanecem assim sem nome e sem patrono no céu. Os nossos corações se angustiam de ver que católicos precisam viver com o pagãos ( . . . ) . O católico falecido é preciso levar para o mato e enter­ rá-lo em qualquer parte, sem a aspersão da água benta; que vale pois, uma alma dessas no outro mundo se ela aqui é nivelada e criada com o se fosse um cachorro?1

Enquanto ainda era muito forte a influência da estrutura mental vigente nas aldeias polonesas, a obediência do camponês extravasava as fronteiras da ordem espiritual e prosseguia na tem­ poral. Os pedidos do vigário eram tidos como sagrados e eram cumpridos sem titubeação. Se o sacerdote determinasse que construíssem a igreja — eles o jaziam. Se ordenasse levantar a casa canônica — ela ficava de pé. Pedia um cavalo encilhado — tra­ ziam-lhe. Mandava queimar os jornais, revistas e livros progressistas — não havia dúvida, o fogo consumia tudo.’ Os xeno cronistas poloneses que visitaram e descreveram os primórdios da colonização polonesa são unânimes em descrever os clamores que ouviam dos imigrantes, pedindo sacerdotes polo­ neses. O mais expressivo desses pedidos foi o recebido por Adolfo Dygasinski na colônia Massaranduba — Santa Catarina, em 1891, e que bem demonstra a mentalidade do camponês para com sua religião. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Como somos irmãos e católicos, nesta terra estranha, deve o Senhor levar em conta que as pessoas não podem aguentar sem uma igreja e um padre católico, um da­ queles que ensinasse toda a fé e falasse o polonês. Foinos dito lá na Polônia que existia aqui no Brasil a mesma fé e igualdade. É tudo misturado com os alemães e Deus sabe com que outras nacionalidades. Com o o senhor é católico compreende que uma pessoa da Polô­ nia assim não subsiste. Alemães, pretos, poloneses de­ veríam viver separadamente. Com o pois há igualdade, se quando nós festejamos um dia santificado, domingo ou algum dia de Nossa Senhora, eles aqui trabalham e zombam de nós, riem às nossas custas, chegam a ofen-

Estes extratos de carta revelam muito do que diz respeito à concepção de religiosidade entre os poloneses. Evidencia-se em primeiro plano o conceito de fé polonesa. Não se trata de uma concepção de acentuado espírito sectário, mas de uma aliança ocorrida na Polônia, entre a religião e a polonidade. O vínculo de­ monstrado entre a religião e a polonidade representa um vínculo entre fé e patriotismo. As conotações históricas da nação polo­ nesa nos leva à compreensão da expressão fé polonesa. Refere-se o colono à linguagem, ao rito, aos dias santificados existentes na terra natal e que continuam a ser respeitados aqui, porém, sem o correspondente respeito pelos brasileiros. Os sacramentos são con­ siderados fundamentais na existência de um colono. O batismo significa um ritual que chega a extravasar os limites da fé. O ba­ tismo atribui um nome, este não existe apenas para que se possa identificar a criança como pessoa, mas sim dar ao batizado a con­ dição de obter um patrono no céu. Esta é a razão fundamental pela qual encontramos nos registros das paróquias polonesas, quase que exclusivamente nomes de santos. Esta valorização do batismo leva os colonos, ao menos nas primeiras décadas de per­ manência em solo brasileiro, a comemorar o onomástico e não o dia de seu aniversário. Nas Cartas dos Imigrantes, evidenciam-se as impressões sentidas pelos imigrantes recém-chegados, sobre o catolicismo po-

'WACHOWICZ, Romão

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.

^YGASINSKI. Adolf. Listy z Brazylii — wybór artykulów publicysycznycn. Warszawa, Ksiazka i Wiedze. 1953. p. 109. (o grifo é do original).

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1 í

pular brasileiro. Registram, além da diferença de costumes reli­ giosos e dificuldades linguísticas para se entenderem com os pa­ dres brasileiros, a adoção, por parte de alguns poloneses estabe­ lecidos em São Paulo, de costumes locais.

ma form a que na Polônia, mas não o fazem da mesma forma que nós. A Páscoa é m uito curiosa, não temos ovo bento, nem doces com o na Polônia. Quando conse­ guimos alguma fortuna, faremos do mesmo modo com o na Polônia, mas agora é m uito d ifíciU

Um imigrante estabelecido na cidade de São Paulo escrevia estranhando o comportamento religioso dos brasileiros: Preocupa-nos a falta de padre que fale polonês. Todos falam só em português e nós ainda não falamos bem e por conseguinte não nos podemos confessar. Trago-vos notícias sobre a festa do Padroeiro. Nunca v i uma se­ melhante festa. Só a decoração das ruas de São Paulo custou mais de 150 mil reis, dispendidos pela cidade. Durante a quaresma ninguém jejuou. Eles confessam-se católicos e nas igrejas portam-se com o nós, mas não observam a religião com tanto rigor com o nós. Não fes­ tejam quase nenhum dia santificado. Guardam somente o Natal, Sexta-Feira Santa e os domingos. Este é o cos­ tume durante a Semana Santa: Na Quinta Feira Santa depositam Cristo no Tabernáculo, na Sexta Feira no tú­ mulo e à noite, às 10 horas, sai a procissão pelas ruas. Vão de uma igreja para outra. Os padres levam a Cristo na uma, com luzes e estandartes. Os que acompanham a procissão riem, falam, alguns assobiam. Não é com o entre nós em que cada um anda em silêncio e reza. Para a Páscoa não preparam nada, nem a swienconka. Os pa­ dres não benzem os alimentos. Nós só jejuamos três dias durante a quaresma e alguns poloneses comeram carne até na Sexta Feira Santa. Em verdade os alimen­ tos de abstinência são mais caros do que a carne, mas os poloneses estragam-se no Brasil.*

J 1



Um imigrante da colônia de Alfredo Chaves (R io Grande do Sul), constatava: Estamos muito aborrecidos porque não nos podemos entender com os padres e com outras pessoas. Já en­ tendo mais ou menos e posso falar, mas não com todas as pessoas. Compreendo, porque aqui no Brasil escre­ vem tudo com letras polonesas. Estão construindo uma igreja em nossa brigada (s ic ). Virá um padre polonês, que nos entenderá. Agora, a igreja que fica na cidade, dista quatro milhas. Lá existe uma igreja polonesa.*3 ( . . . ) Aqui os dias santificados são guardados da mes-

k

I

3ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRA-POLONESA. An. comun. brasil. poL Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná. Vol. V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 68.

96 i íli_L

Os poucos padres seculares poloneses que na ocasião exerciam seu ministério no Brasil procuravam, na medida do possível, aglu­ tinar os imigrantes poloneses em colônias homogêneas, formadas em maioria com o elemento polonês e católico. Destes esforços dá-nos notícia um imigrante de São Feliciano (R io Grande do Sul): Em P o rto Alegre, os padres católicos juntamente com o bispo arrumaram de tal form a que os poloneses, mais de m il famílias, estaremos numa mesma localidade só católicos. N o mês de abril deveremos ter na localidade, primeiramente uma capela e sacerdote que nos ensinará em língua polonesa6 Outro imigrante de Caxias do Sul (R io Grande do Sul), tam­ bém observa que: Os padres poloneses intercedem p o r nós ( em P orto Ale­ gre). Consertam todo o mal porque há bastante padres e igrejas. ( . . . ) somente que não podemos entender, mas em breve teremos padres poloneses.6 Ao lado dessas impressões do catolicismo brasileiro, manifes­ tavam os imigrantes uma grande dependência e necessidade tanto do padre, dos sacramentos e cerimônias religiosas, bem como dos objetos de devoção. Era uma questão vital para sua saúde mental, poder utilizar-se dos mesmos. Um missivista de Florianópolis es­ crevia à esposa e filhos que ficaram na Polônia: Leve consigo ( . . . ) os quadros de Nossa Senhora do Monte Claro, Sto. Antônio e coloque-os no meio dos pertences para não se quebrarem ( . . . ) . Vão à confissão antes da partida e levem consigo para ajudar, a sua Mãe Divina e Ela não abandonará a ninguém que a Ela re­ correr.7 De Silveira Martins (R io Grande do Sul), escrevia um marido para a esposa: Ubid., 6Ibid., "Ibid., 'Ibid.,

carta carta carta carta

n.° n.° n.° n.°

66. 49. 68. 24.

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Igualmente suplico-os, caio de joelhos perante você, querida esposa para que encomendem uma. Santa Missa em minha intenção e roguem a Deus a sua Mãe.3 Da colônia de Indaial (Sta. Catarina), escrevia para um irmão que pretendia vir para o Brasil: Peço-vos que não esqueçam trazer consigo quadros de santos, podem ser sem moldura, escapulários ( . . . ) por­ que estes não se conseguem aqui.13 Do Rio Negro (Paraná), escrevia um imigrante para seu irmão: Eu, Francisco e Luciano ( . . . ) confessamo-nos e rece­ bemos a Crisma. Aqui esteve não somente o bispo, mas o substituto do Santo Padre (s ic ) e as cerimônias foram lindas, acompanhadas de excelente música de instru­ mentos. Houve foguetes de maneira que a gente ficava ensurdecida, dentro da igreja. O coral cantou a velha canção polonesa: Boze cos Polske (Deus que a Polônia guardaste) por tão largos anos cobriste com esplendor de potência e Glória, os miseráveis privastes de vossa proteção. Diante de teus altares levamos a prece, para que guardeis a nossa Pátria, Senhor ( . . . ) . Sentimo-nos tão alegres, com o se estivéssemos no pa­ raíso.11 O imigrante, uma vez chegado ao Brasil, percebia as diferen­ ças existentes na prática e na devoção do catolicismo popular brasileiro com o praticado nas aldeias polonesas. Evidenciavamse então as formas, às vezes divergentes de concepção e procedi­ mentos. A existência dessas diferenças dificultava, por vezes, a aproximação entre os ádvenas e os membros da comunidade de adoção. O padre Hugo Dylla C.M., ao pregar missões nas colônias polonesas do Paraná em 1904, observou diferenças substanciais en­ tre as duas comunidades: nos ofícios religiosos para poloneses, a igreja sempre estava repleta de fiéis, que acorriam para a Santa Confissão e confessavam suas culpas com lágrimas nos olhos. Nos ofícios religiosos organizados para os brasileiros, compareciam somente os que viviam embrenhados nas matas. Os que habitavam nas vilas e sedes não apareciam, pois afirmavam que não possuem pecados, não mataram, não roubaram e finalmente o padre é igual aos demais. Só Deus pode perdoar os pecados.*1 HIbid., carta n.° 28. 10Ibid., carta n.° 47. I2DYLLA, Pe. Hugo. Missões dos padres missionários poloneses no Brasil. Anais da comunidades brasileiro polonesa. Curitiba, 1971. (5 ) : 88-123, p. 102.

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Em São Mateus, os poloneses não queriam receber na igreja doações dos brasileiros pois desejavam manter-se eqüidistantes dos mesmos e desejavam ter sua própria paróquia. Narra o padre Hugo Dylla: Numa igreja polonesa, os nossos (imigrantes poloneses) são donos e sem muita cerim ônia afastam aqueles que não se com portam dignamente na Casa do Senhor, ja­ mais aguentam um cachorro.2 13 O referido missionário, acostumado com a religiosidade do camponês polonês e asustado com o comportamento religioso dos brasileiros, comentavam exageradamente: Acredito que não existe pior infidelidade no mundo inteiro.1* Porém constatava que os brasileiros admiravam-se como os poloneses tratavam seus sacerdotes e começavam a envergonharse de seus costumes.15 Dizia um colono de Colatina, Estado do Espírito Santo: Vem o domingo, o dia santificado, e não há padre, nem ofícios religiosos. E o p io r é m o rre r sem a Santa Con­ fissão. Quando se pensa nisto, dói o coração.13 As narrativas dos sacerdotes que visitavam as colônias isola­ das eram muitas vezes comoventes, mas refletiam, de form a sui generis, o comportamento do imigrante polonês diante da morte e revelavam pormenores de sua mentalidade e de sua existência. Na colônia Ivaí, quase no centro geográfico do Paraná, o padre Posadzy foi chamado para atender a um colono lituano-polonês moribundo: E ntro dentro de casa e saúdo o Senhor Deus. Todos respondem em coro por todos os séculos dos séculos, amém. ( . . . ) Na cama feita de tábuas lascadas de pinhei­ ro está deitado o doente ( . . . ) quando me viu sorriu levemente e com voz seca sussurava: Graças vos dou senhor Deus, por esta graça. Pensei que a morte me viria sem os santos sacramentos. Na realidade esta era uma grande graça de Deus. É costume que aqui as pes­ soas m orram sem o padre. Com o aqui trazer o padre, se a igreja dista 80 km e as estradas aqui são imaginá­ veis? Sentei-me ao lado da cama, iniciou-se a Santa Con­ fissão. Após a mesma, o doente contou-me sua viagem para o Brasil, sobre o pesado trabalho na derrubada da mata. Construí, consegui ganhar algo. Somente me fall3Ibid,, p. 104. 14Ibid., p. 122.

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taram as forças. Trabalhava quase noite e dia. Grande trabalho, pssado este trabalho, rendi-me. Agora tudo me dói. A Santa Comunhão foi dada ao doente na cama. A vista da hóstia santa, o doente levantou-se num sobressalto como que fulminado pelo sobrenatural. ( . . . ) A respi­ ração tomou-se cada vez mais pesada. O doente abriu os olhos como que desejando dizer ainda algo. Inclinei-me sobre ele. Das profundezas das cavidades oculares deslizaram duas grandes lágrimas que escorreram pela face. Felicitem a Polônia — pronunciou com dificuldade. Todos caíram de joelhos ( . . . ) . Num simples caixão feito de tábuas foi levado ao cemi­ tério ( . . . ) . Foi enterrado com o rosto voltado para a Polônia. Na cruz feita à faca foram entalhadas as pala­ vras: Durma, polonês, em túmulo alheio e que a Polônia se apresente em teus sonhos.17 Neste caso, a fé polonesa adquiriu um vivo matiz patriótico. A fé, na mentalidade do camponês, era inseparável de seu senti­ mento de patriotismo, de sua polonidade. Até a primeira década do século X X , foi muito difícil para os colonos obterem sacerdotes para suas colônias. Durante os tempos imperiais, quando a Igreja Católica era reconhecida oficialmente como religião do Estado, a própria Província do Paraná preocupou-se em encontrar sacerdotes para as colônias. Assim, já em 1875 chegava à colônia de Abranches o padre Mariano Gizynski, que se tornou o primeiro sacerdote polonês a exercer seu minis­ tério no Paraná. Em 1875, foi criada a capelania de Abranches para os colonos poloneses. Ainda nos tempos imperiais, três outras capelanias polonesas foram criadas; órleans, Murici e Tomás Coelho. Os pa*dres poloneses das primeiras décadas eram sacerdotes secu­ lares. muitos deles ex-religiosos que chegavam ao Brasil, não preo­ cupados com a escassez da assistência espiritual ao imigrante, mas vendo nisso a oportunidade de ficarem longe das ordens de seus superiores. As críticas à atuação desses sacerdotes eram comuns, entre os que se ocuparam com o problema. Para que proporcionassem assistência a uma colônia por se­ mana ou duas, exigiam adiantadamente uma soma elevada de di­ nheiro para sua manutenção. Os camponeses concordavam, mas queriam que o mesmo se tornasse residente.1H

Na colônia Lucena, hoje Itaiópolis, um imigrante registrou a seguinte ocorrência:

Acontecia p or vezes que o padre chegava e não havia com que pagar a missa. O padre saia da sacristia e co­ municava: Não posso rezar a missa porque a mesma ainda não está paga. Vocês precisam recolher 40 mil réis! Silêncio. Pouco depois saia novamente: Alguém está recolhendo o dinheiro ou não? Um dos velhos pegou o chapéu e andando pela capela pedia: Faz favor.18 Em 1895, o bispo de Curitiba lamentava-se dos sacerdotes poloneses que se preocupavam exclusivamente em fazer fortuna,20 O primeiro cônsul polonês em Curitiba, referindo-se a esse perío­ do de preponderância do clero secular polonês no Paraná asseve­ rava: Com segurança pode-se afirm ar que, ressalvadas as ex­ ceções de m odo geral, o clero polonês na prim eira fase de sua atividade no Brasil não cum priu a missão, não passou no exame.11 Durante o regime imperial não ocorreram maiores problemas entre a colonização e a hierarquia católica. Com a mudança de re­ gime e a conseqüente separação da Igreja do Estado, as autorida­ des eclesiásticas em Curitiba, que ainda dependiam do bispado de São Paulo, almejavam nacionalizar o catolicismo dos imigrantes poloneses no Paraná. Começaram pela extinção gradativa das capelanias existentes; duas foram extintas e outra encontrava-se em fase de liquidação, existindo apenas uma em funcionamento. Os padres seculares poloneses contavam-se no Paraná, pelos idos de 1892, em cerca de duas dezenas. Seu número aumentou conside­ ravelmente devido à grande imigração iniciada em 1890. O Vigário Geral Forense, padre Alberto José Gonçalves, representante do bispo, iniciou o processo de substituição dos padres poloneses por sacerdotes brasileiros ou a transferência dos poloneses de um lu­ gar para outro, preferencialmente para paróquias onde não hou­ vesse imigrantes poloneses. Esta atitude acompanhava a política de extinção das capelanias polonesas. Segundo K . Gluchowski a •1 -

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15Ibid„ p. 107. 18POSÁDZY, Ignacy. Droga Pilgrzymów. Poznan, Nakladem Seminarjum Zagramcznego. 1933. p. 101. 17Ibíd„ p. 158 e 159. 189o. p. 116.

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Antoni Z. Korespondencye. Przeglad Emlgracyjny.

Lwów.

'"P A M IE N T N IK l emigrantów - A^ | S k Memória n.° 16, p. 263. tut Gospodarstwa Spolecznego. Comps. l939*viaeem Anais da comu-"KLOBUKOV/SKI, Estanislau. Recordações de viagem^ nldade brasileiro-poloncsa. Curitiba, 1971 14> • -,’n uldrh na antypodach. 2'GLUCHOW SKI Kazimierz. W sród plonierów polskicb na a n y y _ ^

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Já é tempo de acabar com os europeus, todos devem tornar-se brasileiros, sob todos os aspectos. Não preci­ samos de padres e paróquias de outras nacionalidades.1'

3 — os poloneses na realidade não precisavam de auxílio da igreja brasileira, porque eles próprios sustentavam seus padres e por sua conta construíam as igrejas.

Esta era a justificativa oficial desse repentino e estranho chauvinismo do clero brasileiro. Na verdade, a indicação da expli­ cação mais acertada desse fenômeno nos foi dada por Antônio Z Bodziak em carta enviada à revista Przeglad Emigracyjny, de Lwów. Levantava a tese de que:

Inicialmente, os ânimos e posições não chegavam a se radi­ calizar. Num comentário da revista polonesa especializada em imi­ gração, lia-se a respeito: Forçosamente é preciso conseguir, p o r qualquer cami­ nho, que poloneses possam ter seus próprios padres; nem que fossem dependentes do bispo local; contanto que se lhes não opusessem dificuldades

( . . . ) os padres brasileiros querem estar p o r cima dos europeus e com má vontade dão acesso aos mesmos às paróquias,es Tratava-se, na realidade, do desejo de não perder a liderança para os padres estrangeiros: era a concorrência. Por padres es­ trangeiros entendia-se, na época, padres poloneses. O grande nú­ mero de imigrantes poloneses e o aumento do clero polonês fazia o clero local temer pela supremacia. Esta política do Vigário Geral era corroborada pelo bispo de São Paulo, o qual também não se interessava em obter padres poloneses para os imigrantes polo­ neses.

A alta hierarquia vê com má vontade a existência, entre o povo, da paróquia polonesa ocupada p or padre polo­ nês. Preferiam ver utilizada a língua portuguesa, bem com o im pô-la aos colonos poloneses. Os colonos não tem confiança para com os padres cuja fala não enten­ dem e pelos quais tam bém não são compreendidos. A indignação dos colonos poloneses chega a um ponto em que (os padres brasileiros) são de form a mais brutal tocados às vezes da paróquia, sem respeito ao hábito clerical. O colono polonês francamente não acredita que pode ser padre uma pessoa que não lhe sabe falar, pro­ porcionar um sermão, confessá-lo, e prom over os ofícios religiosos em sua própria língua ( . . . ) . Verdadeiramen­ te, os colonos poloneses principalmente nas novas colô­ nias freqüentem ente ou não têm padres e vivem absolu­ tamente sem a assistência religiosa, ou possuem padre não nomeado e não indicado pelo bispo. Por isso, a di­ vergência é tão grande que a hierarquia da igreja não penetra no âmago do problema, somente lança palavras de desânimo e ameaças. Os colonos p o r sua vez também ameaçam separar-se da igreja católica e criar paróquias

Neste ínterim, a imigração polonesa não era mais constituída de humildes campônios. Um punhado de intelectuais já atuava na colônia e falavam em seu nome. Em Curitiba já era editado um jornal em língua polonesa, a Gazeta Polska. Tal atitude do Vigário Geral havia sido recebida com grande indignação. Correspondentes de periódicos enviavam notícias para a Polônia. Em Curitiba, a Gazeta Polska começava a atacar a polí­ tica do Vigário Geral. Dentre os argumentos utilizados, sobressaía o de que os poloneses não eram obrigados a agüentar os padres brasileiros, porque:

2 — os costumes eram completamente outros: festas, dias santificados, canções, etc.*

O comentarista concluía que tal objetivo se^ a.^ ^ l ^ ^ t o s . do, pois a administração civil não se imiscuía e A situação tornou-se delicada para a h i e r a r q u m ca íca,^ em era conhecido o zelo com que a mesma traí a^,a4- , e c l e s i á s t i c a , que pairavam ameaças e afastamento da obedi2 4

-sibid., p. 113. *8BODZIAK, Antoni Z. Korespondencye. Przyglad Emigracyjny. t. p. 175.

Lwów,

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Num outro número em artigo de prim eira página a citada re­ vista comentava:

Estas divergências clericais, transferiram-se para o campo laico. Em São Mateus do Sul, embora um padre polonês fosse autorizado a exercer seus ministérios, as lideranças brasileiras lo­ cais, opunham-se à medida e pressionavam para evitar a criação de uma paróquia polonesa.

1 — os colonos não entendiam nada do que os padres brasi­ leiros lhes falavam. Sendo assim, não poderíam confes­ sar-se com os mesmos.

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-■Przeglad Emigracyjny, Lw ów , 1 fev. 1894. O grifo é nosso.

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A problemática evoluiu para pior, quando a imprensa polonesa em Curitiba lançou o slogan: Para o povo polonês, um bispo polonês.™ Os poloneses em Curitiba apelam para os irmãos na Polônia para que advoguem essa causa no Vaticano: Quem poderá remediar esta desgraça m oral do povo po­ lonês? Quem poderá opor-se a isso? Somente esses que defenderam e defendem até o dia de hoje esta nosso oprimida nacionalidade na Europa: os representantes e a nossa desgraça? Vocês, patrícios da nossa pátria. Apresentem ao PcCi Santo os nossos pedidos. Que se compadeça desse punhado de fiéis e que pronuncie sua decisão, pois diante da decisão do representante de Cristo dobram-se todos.17 A solução do problema era colocada nas mãos da hierarquia brasileira: Se o problema chegar tão longe que sob hipótese alguma não nos enviarem sacerdotes, seremos obrigados a formar o cisma i . é ., não para nos separar da igreja ca­ tólica, mas somente para manter o povo na fé e não perm itir que ele se desnacionalize.1* Se houve ou não interferência do Vaticano, é problema ainda a ser resolvido e esclarecido. A documentação conhecida a respeito cala sobre o assunto. O fato é que o primeiro bispo de Curitiba, D. José de Camargo Barros, membro da elite luso-brasileira e que tomou posse da diocese em fins de setembro de 1894, era paulista de nascimento e alterou em parte a política da hierarquia. Envidou esforços para trazer da Polônia padres regulares para substituir os seculares aqui estabelecidos. As colônias clamavam por sacerdo­ tes. Em 1903, a pedido do bispo de Curitiba, chegavam de Cracóvia os padres poloneses da Congregação de São Vicente de Paulo, mais conhecidos por missionários. Ao mesmo tempo, (1904), surgiam em Curitiba os padres da Sociedade do Verbo Divino, os verbistas, os quais foram logo acusados pelos missionários e pelos próprios colonos de germanófilos. Seus padres, de origem alemã, falavam um pouco o polonês, e seus padres poloneses eram germanizados e possuíam o espirito germânico.*» Entre as duas congregações surgiu uma forte rivalidade pela conquista das paróquias das colônias polonesas.

A vinda de Congregações religiosas polonesas femininas comc as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo e as Irmãs da Sa­ grada Família, veio reforçar a atuação do clero regular polonês nas colônias. O prim eiro bispo de Curitiba, entretanto, organizou a Cúria em fortes bases nacionalistas, onde o clero estrangeiro, embora muito numeroso na diocese, praticamente não tinha in­ fluência. Posteriormente, parece não haver problema mais sério entre o clero polonês e o bispado. Mas a decisão do bispado de es­ criturar todos os bens paroquiais e das capelas das colônias para a Cúria, demonstrava o desejo de não perder o controle e influência nas mesmas. Demonstrava também que o problema não foi satis­ fatoriamente resolvido para nenhuma das partes. Uma discordân­ cia latente continuava a existir. O advento da Prim eira Guerra Mundial permitiu que tal deci­ são do bispado passasse, sem maiores conflitos, por parte da inte­ lectualidade polonesa. As atenções passaram para a guerra na Eu­ ropa e a possibilidade do ressurgimento da Polônia, como nação soberana, polarizava os interesses dos poloneses. De qualquer for­ ma. passado o tempo, a situação entre o clero polonês e a hierar­ quia brasileira foi satisfatoriamente resolvida. Os colonos obtive­ ram padre que falavam sua língua e os entendiam. O bispado man­ tinha o controle dos bens paroquiais, embora os vigários regula­ res não estivessem subordinados diretamente à autoridade do bis­ po e sim ao superior de suas respectivas congregações. Nas primeiras décadas do século X X , um novo fator surgiu, com a criação do seminário diocesano e a formação do clero se­ cular da diocese. Grande parte dos seminaristas eram de origem polonesa. Os estudos no seminário foram de tal forma organiza­ dos, que objetivavam eliminar o sentimento polonês, porventura ainda existente nos seminaristas. O primeiro cônsul polonês em Curitiba lamentava-se que os padres de origem polonesa aqui formados não participavam da vida social da colônia: Já são brasileiros, apesar de alguns possuí­ rem sentimentos poloneses ( . . . ) . É um símbolo. É o sinal dos tempos.30 No Seminário Diocesano de Curitiba, quando um seminarista confessava abertamente ser polonês, era ipso facto afastado do corpo discente da instituição. Tais fatos revelavam a permanência do nacionalismo luso-brasileiro, persistente no clero.

««GLUCHOW SKl, p. 116. -7Preeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. p. 184. 2RGLUCH O W SK I, p. 113. -uIbid., p. 114. S0Ibíd., p. 121.

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tradições e dos costumes, i . é . , da fé polonesa. Sua presença como líder natural desse grupo prim ário, era essencial na preser­ vação da língua polonesa e da polonidade entre os colonos Um bispo polonês, ao visitar as colônias polonesas no Brasil, percebeu r.^An toi raiarão ao escrever:

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CAPITULO A

V II

PARÓQUIA POLONESA’

A paróquia polonesa no Brasil, diferenciava-se em muito da existente na Polônia. A brasileira era muito mais ampla, social e territorialmente. O trabalho do vigário era muito mais difícil. Os paroauianos muitas vezes estavam a dezenas de quilômetros da sede da paróquia. A okolica i . é . , as adjacências, eram imensamen­ te maiores que na terra natal, enquanto que se rarefazia a popu­ lação. A exigência dos colonos de um padre polonês, e o fato de não desejarem aceitar um brasileiro, significava que a paróquia para eles não tinha apenas uma função exclusivamente religiosa e sim sobretudo a de um centro de comunidade. A apregoada extre­ ma religiosidade do camponês polonês residia neste fato. Ele pre­ cisava deste centro comunitário. Aliás, a tendência mística do cam­ ponês era muito fraca. A paróquia era uma instituição que trazia harmonia para a comunidade. Podería tornar-se facilmente o local para todas as atividades comuns. Seu caráter, mais ou menos sa­ grado, lhe conferia maior respeito e um significado oficial.1 A aceitação, por parte dos colonos, de um padre brasileiro, fazia perder em grande parte este caráter de respeitabilidade sa­ grada. Numa paróquia brasileira, os colonos não se sentiam bem. O colono dificilmente estabelecia relações sociais com um padre que não o entendia e vice-versa. Se o padre não fosse polonês eles não consideravam a paróquia como criação sua. A paróquia pre­ cisava ser a expressão da comunidade. Com um padre brasileiro, ela não adquiria este caráter de representabilidade. Os colonos sentiríam dificuldades para usar a paróquia como instrumento de satisfação e afirmação pessoal. Este impulso gregário em torno do padre e da paróquia polo­ nesa possuía fortes vínculos, enquanto persistiu entre os paroquianos o domínio da língua polonesa. À proporção que os colonos se despolonizavam, i.é ., perdiam o domínio da língua materna, os liames que os ligavam ao padre polonês passavam a se enfraque­ cer. A presença do padre polonês era essencial na manutenção das 'THOMAS, William I. & ZN A N IE C K I, Florian. The polish peasant ln Europe and America. Vol. II. New York, Diver Publication, 1958. p. 1225.

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Não há dúvida de que, com o até o presente, também no futuro só a santa fé pode salvar os imigrantes da despolonização.* A paróquia brasileira com padre polonês substituiu no Brasil, e especificamente no Paraná, a paróquia polonesa propriamente dita, devido à oposição das autoridades eclesiásticas brasileiras. Observe-se que, por exemplo nos Estados Unidos, a criação de paróquias ou capelanias para outras nacionalidades era comum. Thomas e Znaniecki chamavam a atenção para o fato de, nos Es­ tados Unidos, os poloneses negarem-se a aceitar o clero irlandês, apesar da estrutura da organização paroquial ser praticamente a mesma que na Polônia. Na realidade, eles não estavam exclusiva­ mente a procura de serviços religiosos e sim de um centro comu­ nitário nos moldes de suas aldeias polonesas. No Brasil, devido ao sentimento de unidade cultural luso-brasileira amplamente desenvolvida na cultura, a hierarquia católica, recrutada dentre essa elite cultural, adotou uma posição diame­ tralmente oposta. O filho do imigrante devia sentir-se brasileiro e adotar a cultura brasileira, sem entretanto existirem as condi­ ções mínimas para atrair os descendentes dos imigrantes à cultura nacional. A imposição de um padre brasileiro aos colonos afigura­ va-se, na opinião da hierarquia, suficiente para ábrasileirar os imi­ grantes. Estes permaneciam sem escola, sem instituições brasilei­ ras, sem contacto com a sociedade brasileira. As lideranças polonesas, leigas e religiosas, compreendiam muito bem a situação, defensores que eram da manutenção do sentimento patriótico polonês entre os colonos, para que os mes­ mos não tivessem contactos com os locais e não dependessem.3 Na Polônia, o sacerdote era o líder inquestionável e absoluto dos aldeões. No Brasil, sua figura ainda permanecia forte e aca­ tada. Porém, novos fatores conjunturais vieram abalar esta lide­ rança inquestionável. Inicialmente, a própria oposição do clero á emigração dos seus paroquianos para o Brasil veio corroborar a Perda dessa liderança monolítica. Sua ligação com os grandes „ -KUBINA, Teodor. Cud wiary polskosci w sród polslcie&o, Czestochowa, Nakladem Diecezjalnego Instytutu akcji Kato J. P- 138. Lw ów :,BODZIAK, Antoni Z. K orespon dencye. Przeglad Emigracyjny. 1893, p. 174.

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proprietários, bem como a defesa de seus interesses contra as aspirações dos camponeses, alterou a confiança ilimitada no seu vigário. No Brasil, devido ao próprio tipo de organização paro­ quial, excessivamente extensa, com a imposição por parte da hie­ rarquia de paróquias territoriais e não étnicas como nos Estados Unidos, os padres poloneses viram-se obrigados a atender também os elementos de outras nacionalidades como brasileiros, italianos, alemães, sendo obrigados a pelo menos aprender a língua portu­ guesa. Novas instituições foram criadas c erigidas, geralmente ao lado da paróquia. Na imigração polonesa no Brasil, surgiu a es­ cola — sociedade. Na ausência de escolas oficiais, os próprios co lonos tomaram a iniciativa de proporcionar a seus filhos ao menos os rudimentos das primeiras letras e das quatro operações de aritmética. O fato de partir a iniciativa do próprio colono imigran­ te, já refletia o quanto ele evoluiu, pois saindo de um ambiente semi senhorial onde sua iniciativa era diminuta, surpreendeu no Brasil com a criação da escola — sociedade. — A comunidade fun­ daria uma sociedade e esta teria a finalidade de comemorar datas importantes, organizar diversões para a juventude, recepcionar al­ guma autoridade que por ventura visitasse a colônia etc. Ao mesmo tempo, as programações e festividades realizadas pela sociedade arrecadariam ao menos parte das despesas necessárias ao pagamento de alguma pessoa que pudesse lecionar para as crianças da colônia. Esta instituição mista, escolar — recreativa, que funcionava no mesmo edifício, era a primeira manifestação coletiva da aculturação do imigrante polonês no Brasil. O imigrante, por força do meio, devia procurar uma solução de seus e, simultaneamente, sua integração na socie­ dade de problemas adoção.

Alguns elementos do clero, nos prim eiros tempos, nem a es­ cola queriam aceitar, pois esta conduzia à heresia e ao afastamento dos fiéis da igreja. A sociedade recreativa era vista como ocasião de pecado. O vigário, enquanto possuía fiéis iletrados, improvisava facilmente os sermões, sobre temas: É mais fácil pas­ sar o camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino dos Céus. Se o teu olho te escandaliza, arranca-o. Se a mão peca, corta-a. O pregador dava o exemplo de com o afastar os m otivos para o pecado. Reúne os homens e manda corta r o pom ar de laranjei­ ras, pois as crianças pulam a cerca em busca de frutas — devem se afastar os m otivos. O camponês que vivia de broa preta de centeio, julgava que pecava pela gula e que o inferno o esperava com sofrim entos eternos e ran­ ger de dentes, daí porque não cuidava m uito dos bens materiais. E m m uitos casos tinha oportunidade de obter riqueza, mas desistia, porque não queria ser o camelo, a passc.r pelo fundo da agulha. Confessava-se sincera­ mente dos pecados dos olhos e das mãos. Seus pecados eram perdoados, voltava para sua casinha com o hori­ zonte espiritual pequeno e delimitado. 1 Quando algum leigo, com uma visão da sociedade mais amp a, procurava orientar os colonos para que melhorassem de vida e que mandassem seus filhos para estudar além das primeiras letras, então, o vigário chamava sua atenção do púlpito e aconselhava-o a retirar-se da paróquia. Quando o transgressor não atendia, o pastor ficava à testa do rebanho, e m u­ nido de vara-paus e pedras destruía a residência do socialista. Se o condenado era um comerciante, padecia o boicote e se era professor, retiravam-lhe as crianças ( . . . ) . A juventude era mantida em severa vigilância e não perm itiam que (as m oças) se aproximassem do al­ tar decotadas, com cabelos curtos e até por andar em forde bigode.11

O surgimento no Brasil, nas primeiras décadas de colonização, de instituições de cunho recreativo, representava uma extraordi­ nária evolução da mentalidade camponesa. Na Polônia ele não pos­ suía possibilidade para o desenvolvimento da noção de lazer. N o Brasil, longe do ambiente senhorial e proprietário de terras que era, sentiu necessidade de tal procedimento. Entretanto, o sucesso de tal instituição no Brasil prendia-se ao fato de a mesma ter sido interligada com a escola, esta para satisfazer uma necessidade bá­ sica e elementar do colono: a instrução. Sua criação independente não teria o mesmo sucesso, visto seu tempo de lazer, bem como suas bases econômicas, não permitirem tanto, pelo menos nas pri­ meiras décadas de fixação. " j—

O surgimento dessa nova instituição, nas colônias no Brasil, e que era totalmente desconhecida na Polônia, veio trazer um ele­ mento de concorrência ao tipo de liderança ao qual o clero estava acostumado

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roi0e - 0 Pr° f essor da colônia. Um imigrante assim registrava o acionamento com o professor: JWACHOWICZ, Rom&o.

Strxempy hlatoryczne. Datilografado, inédito.

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Havia casos em que, no decurso do ano escolar, troca­ va-se três ou quatro vezes ao ano o professor. Não pres­ ta. ensina dem ais... é herege... até o padre falou disso... portanto fora com ele. Outros ( colonos) esta­ vam insatisfeitos: É orgu lh oso... não bebe com a gen­ t e . .. não vai à igreja ( . . . ) . Os outros ( professores) da­ vam de ombros, afirmando que com essa plebe ninguém pode ( . . . ) . O maior problema acontecia quando vinha alguém que se impunha aos colonos e conhecia a arte de lecionar e encontrava um óbice na pessoa do padre. Este, do púlpito, verbeava: herege... m a ç o m ... fora com el e... longe dele. Nós simples colonos, imediata­ mente víamos chifres e rabo no mestre. As palavras maçom e herege eram e ainda constituem algo condená­ vel e portador de desgraça. Na segunda-feira, nenhuma criança polonesa ia às aulas. Era a form a mais fácil para afastar um professor.1 Por outro lado, nas novas condições brasileiras, começaram a surgir reações a tais lideranças clericais. Em Sta. Catarina, na colônia Rio Natal, um imigrante registrava: Mihkowski era uma dessas criaturas raras, autodidata, dedicado à causa polonesa, cultivador de suas tradições e devotado aos problemas sociais. Proprietário de uma pequena área rural, cedeu uma casa de madeira para ali abrir a escola. Até o meio dia trabalhava, juntamente com a esposa, na lavoura e à tarde lecionava para as crianças da região. A pequena colônia sonhava com uma capela. Mihkowski solicitara ao sacerdote que de tem­ pos em tempos ali passasse para visitar R io Natal. O padre anuiu ao convite sob a condição de que os colo­ nos ali construíssem uma capela, sugerindo ainda qwe a escola fosse fechada, transformando-a em casa de ora­ ção. O sacerdote prometeu proceder a bênção da mesma, e Minkowski apresentou uma contra proposta, no sen­ tido de que a casa servisse de capela nos dias santifica­ dos e nos dias úteis continuasse como escola. Ou capela ou escola — retrucou o padre. Diante da posição intran­ sigente, os cckmos determinaram manter a escola.1

to ao fato de serem os colonos exclusivamente os que construíram as capelas e igrejas. Querem ser donos da situação no campo reli­ gioso, influindo sobre o pastor* O mesmo sacerdote constatava que no Brasil a submissão que existia na Polônia diminuiu e que por este motivo muitos padres poloneses deixaram as colônias e foram para os Estados Unidos.” Para manter sua liderança, algo ameaçada no Brasil, os pa­ dres desejavam manter os colonos o mais isoladamente possível da influência dos brasileiros e de outras nacionalidades. Um outro tipo social, que veio a adquirir excelente posição nas colônias, foi o comerciante, ao qual os colonos chamavam de vendeiro, o dono da venda. Estes eram os verdadeiros intermediá­ rios entre o colono produtor e o consumidor. Numa colônia, a atividade econômica girava em torno do vendeiro. Ele comprava do colono sua produção e revendia para outrem. Os colonos sem­ pre se queixavam dos preços que o vendeiro lhes pagava. Este, por outro lado, vendia de tudo o que o colono necessitava, da aguar­ dente ao arado. Os colonos eram apenas simples instrumentos desses negociantes. Desempanhavam nas colônias o papel de capi­ talistas. Apesar de serem freqüentemente criticados e apontados como os responsáveis pelo embebedamento do povo, constituíam um mal necessário. Esses comerciantes, quando se tornavam mais poderosos economicamente, podiam fazer alguma ameaça à lide­ rança do padre. Por isso, o sacerdote de form a geral não simpati­ zava com a sua influência na colônia. Na maior parte delas, a venda funcionava até mesmo como correio da localidade. O pró­ prio padre muitas vezes precisava ir apanhar sua correspondência nr, venda. Em Lucena, atual Itaiópolis (Sta. Catarina), ocorreu um caso concreto de rivalidade entre o padre e os comerciantes. A sede da colônia distava cerca de 6 a 7 km de Alto Paraguaçu. O padre es­ colheu para sede da paróquia a colônia de Alto Paraguaçu, o que motivou protestos dos negociantes estabelecidos na sede, Itaiópolis, até que na mesma foi erigida outra paróquia. O padre Aloise Iwanow preferiu sofrer as agruras da colônia e passar necessida­ des, a gozar de conforto e independência na cidade.10

O padre Wojciech Sojka, constatando estas novas reações dos imigrantes no Brasil em relação ao clero, atribuiu tal procedimen­

O clero polonês não estava acostumado à competição, exigia obediência cega. O clero e o camponês na Polônia não enfrentaram de modo geral a concorrência de pastores protestantes ou de sa­ cerdotes ortodoxos. Se havia elementos de outras religiões, esses organizavam uma comunidade separada. Essa separação era dese­ jada e motivada pelo clero polonês, porque convinha à conser-

“WACHOWICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade brasileiro — polonesa. Curitiba, 1971. (3): 36-79. p. 60. 7HESSEL, Mariano. N a senda dos pioneiros. Anais da comunidade brasileiro-polonese. Curitiba, 1970 (1 ): 93-113, p. 108.

"SOJKA, Pe. Wojciech. Poczatki duszpasterstwa polskiego w Brazylii. Duszpastcrz polski zagranica. Roma, 1967, 18 (71): 154-178, p. 175. ”Ibid., p. 175-176. '"K L O B U K O W S K I, Estanislau. Recordações de viagem, p. 62.

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vação do comportamento religioso entre os camponeses. Este de­ sejo de isolamento da comunidade, procurado e desejado pelo cle­ ro, afastava da mentalidade do camponês a noção de rivalidade e competição, tanto do ponto de vista político, como econômico. En­ tretanto, surgiram casos no Brasil em que as organizações leigas sobrepujaram a influência do clero. Foram casos de exceção, pois a paróquia triunfou em todas as colônias. Mesmo a supremacia leiga, quando ocorria, era de forma temporária. Em São Mateus do Sul, o surgimento de líderes leigos capa­ zes levou à fundação, na última década do século passado, da So­ ciedade Strzélec (o Atirador). A liderança de um comerciante, An­ tônio Z. Bodziak, levou à polarização dos colonos em torno da lide­ rança leiga, agrupados na sociedade Strzelec. Em conseqüência, surgiram fortes desavenças entre os funcionários e comerciantes brasileiros, que não queriam permitir o surgimento de uma comu­ nidade polonesa autocéfala, liderada por poloneses. Desembocou esta rivalidade no campo político, impulsionando os poloneses à adesão ao partido maragato, federalista, contra a situação picapau, govemista. Esta liderança leiga, levou à organização do batalhão polazo, chamado oficialmente de batalhão Gumercindo Saraiva, na revolução federalista. Frise-se no entanto que esta liderança leiga só foi possível, mediante a anuência e apoio do vigário aos pro­ pósitos da sociedade Strzelec. O vigário, padre Smolucha, dizia para os seus seguidores: Confiem nele, porque eu confio.11 Caso contrário, tudo indica que ela não se manifestaria. Na colônia Murici, no município de São José dos Pinhais, os colonos, juntamente com o padre vigário, edificaram em terreno particular um excelente edifício para sede da Sociedade Agrícola São José, a qual tinha por finalidade beneficiar os colonos com sua atividade. O vigário, não desejando que a Sociedade Agrícola fosse autônoma e se colocasse fora de seu alcance, exigiu dos co­ lonos que passassem a escritura do terreno da Sociedade para a paróquia, o que equivalia a passá-la para a Cúria Metropolitana, i.é., para o bispado. Os colonos reunidos negaram-se a satisfazer o vigário. Este acusou logo os responsáveis: influência de elemen­ tos esquerdistas da colônia Afonso Pena e do consulado polonês de Curitiba. Sua tribuna era o púlpito. Não admitindo que sua au­ toridade fosse atingida, o vigário fundou outra sociedade com fi­ nalidades idênticas, com paroquianos seus seguidores. Era a So­ ciedade Agrícola Sto. Estanislau. O livro Tombo da paróquia in­ forma que, devido às brigas surgidas, houve até intervenção da polícia.12

Em Alto Paraguaçu (Sta. Catarina), a sociedade leiga local co­ meçava a se destacar na liderança da colônia, com promoções cí­ vicas, teatro e outras atividades culturais. Sua sede era própria, num espaçoso edifício de madeira de bom acabamento. A paró­ quia não teve dúvida, levantou ao lado da canônica suntuoso edi­ fício de material, salão e palco, sob a justificativa de que as asso­ ciações religiosas necessitavam de sede mais ampla. As atividades da sociedade decaíram e as iniciativas passaram para o edifício paroquial. Nítido caso de duplicação de patrimônios por iniciati­ va da paróquia, para manter a liderança sobre os colonos. Casos como estes não eram raros e tinham o efeito de funcionarem como um verdadeiro antídoto contra o surgimento de lideranças leigas autônomas na colônia. P or outro lado, as lideranças das Associa­ ções religiosas estavam na absoluta dependência do padre vigário. D nnnvn

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17Id. O grifo é do original.

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te para sua recuperação da longa viagem oceânica. Sem delongas, deveria ser enviado para o Estado que escolhesse. O periódico Przeglad K atolick i inform ava que os imigrantes poloneses, devido às péssimas condições de recepção, criaram sé­ rio problema para as autoridades brasileiras, nas proxim idades

CAPÍTULO

X

FIXAÇAO E INTEGRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ADOÇAO

A partir de 1890, quando o Brasil passou a receber os contin­ gentes imigratórios mais expressivos de sua história, as condições de recepção dos imigrantes deixavam muito a desejar. A fixação dos poloneses em seus lotes atingiu características de uma tragé­ dia sem precedentes, fruto da improvisação dos dirigentes, que operavam uma estrutura imigratória totalmente inadequada para o vulto tomado pela imigração. Com a chegada dos imigrantes na hospedaria da Ilha das Flo­ res, na baía da Guanabara, começavam os sérios problemas no Brasil. Com sua capacidade de abrigo para 2.000 pessoas, a mesma comportava freqüentemente 5.000. Esses milhares de imigrantes permaneciam aí amontoados por várias semanas, em preearíssimas condições higiênicas. As epidemias entre os imigrantes torna­ ram-se freqüentes; o tifo e a febre amarela grassavam. A assistên­ cia médica era ineficiente. Até falta d’água se fez sentir, não só a destinada à lavagem de roupa, como também para o consumo pessoal. A hospedaria dos imigrantes passou a ser chamada de cemitérios de imigrantes. Nessa oportunidade, o embaixador inglês ofereceu auxílio ao governo brasileiro, para fazer frente a essa situação, que provocava inclusive protestos da embaixada aus­ tríaca. O próprio Presidente da República, Prudente de Moraes, mandou recusá-la por considerá-la ofensiva à honra do Brasil Organizaram-se então coletas entre os funcionários mais catego­ rizados, as quais ultrapassaram de muito a quantia ofertada pelo embaixador inglês. O Presidente da República visitou pessoalmente a hospedaria da Ilha das Flores, limpando-a da escória de maus funcionários? Todas as peças de roupa e fazenda utilizadas pela administração foram incineradas e a quarentena foi proibida, para evitar que a capacidade de abrigo fosse superada. O imigrante recém chegado deveria permanecer na ilha apenas dias, o suficien-*2 iKLOBUKOW SKI, Estanislau. Recordações de viagem. Anais da comuni­ dade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971 ( 4 ) : 5-107, p. 37. 2Id. •PRZEGLAD Katolickl. Warszawa, 30 abr. 1891.

do Rio de Janeiro.3 As hospedarias dos imigrantes, nos Estados receptores, não tardaram também a ficar superlotadas. Em Curitiba, por exemplo, a capacidade de hospedagem fo i amplamente superada pelo grande número de imigrantes. Para aliviar a tensão, grupos dos mesmos foram transladados para barracos nas margens do rio Barigui, nas proximidades da colônia Tom ás Coelho. Esses barracos eram co­ bertos de pano, durante a noite, ainda se podia respirar, mas auando o sol aquecia — com o relata um im igrante — o ar torna-

O cheiro p ior partia do mato, a tal ponto que as p ró ­ prias árvores sentiam-se humilhadas. Infelizm ente ( . . . ) todos satisfaziam suas necessidades sob as árvores, co ­ mo se fosse uma imensa latrina. ( . . . ) E ra previsto: uma cólera violenta teve surto e dizim ou violentamente. Ceifou jovens e velhos. Diariam ente 5 a 6 cadáveres eram deixados pelo anjo da m orte nos barracos. Mal esfriavam, eram levados num caixão de tábuas toscas para o cem itério. De dia abriam-se covas e à noite, à luz da figueira, fabricavam-se caixões ( . . . ) . Jamais esquecerei o dia em que m orreu minha mãe. Nesse dia foram enterrados o ito im igrantes peregrinos.* Situação equivalente foi encontrada por Antonio Hem pel em vários pontos da colonização no Paraná. Na colônia R io dos Patos, em Palmeira, os imigrantes, enquanto aguardavam nos barracos a medição de seus lotes, eram vítimas de uma mortandade assom­ brosa. Dos 582 que lá se encontravam, haviam falecido 30, dos quais 16 crianças com menos de 8 anos.5 Em São Mateus do Sul, segundo o mesmo cronista, a situação era idêntica. Em Rio Negro, enquanto os colonos aguardavam a medição dos lotes na colônia Lucena, foram sepultados no cemité­ rio da cidade, 34 poloneses.0 Enquanto se desenrolava esta crise do aparelho im igratório brasileiro, capaz de receber satisfatoriamente apenas 10% do nú«WACHOW ICZ, Romão. M em órias de Koscianski. Anais da comunidad brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. (3 ): 36‘ ‘9’ P ‘ ' . d COmunidade brasi&HEMPEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da c o m u n i u ^ lelro-polonesa. Curitiba, 1973. (7 ): 12-122. p. 64. «Ibid., p. 72.

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mero que vinha recebendo,7*1 0as irregularidades dos funcionários responsáveis eram notadas e registradas pelos cronistas da imigra­ ção. Na colônia São Mateus, os imigrantes eram explorados nos traoalhos de construção de estradas. Sempre recebiam menos do que trabalhavam. Na colônia Cachoeira (São Mateus), para alguns até a metade dos vencimentos eram sonegados. Por isso, quase não havia pagamentos sem que surgissem conflitos com os imigran­ tes." Na colônia Rio dos Patos, os colonos eram roubados na dis­ tribuição de sementes.” Na colônia Jangada, nem sementes recebe­ ram. Os recém vindos foram obrigados a pedir emprestadas as se­ mentes, de patrícios já aqui estabelecidos, trazendo-as em sacos a pé, nas costas, em caminhadas que duravam duas semanas."’ Em Rio Negro, da mesma forma. Os imigrantes na colônia Lucena, para não morrerem de fome foram obrigados a ir a pé até Rio Negro, sede da colonização, e solicitar os alimentos que lhes eram devidos: Para matar a fome (m eu paiJ cortou um pinheiro, mas as frutas estavam verdes demais, ainda com leite. Defendam-se, disse, e tomou um saco e fo i a R io Negro. Mas ( . . . ) comprar o quê? Era preciso ganhar alguns níqueis antes, para depois com prar alguns mantimentos, carregando-os 46 km ( . . . ) . Sofrem os fom e mortal. ( . . . ) inopinadamente penetrou na cozinha um brasileiro. Veio ver e saber o que estava acontecendo em nossa colônia. Nada do que falava pudemos entender. Procurava con­ versar mediante sinais. Examinou a cozinha. Estava va­ zia. Forçou-nos a acompanhá-lo. Chegamos a sua roça onde crescia milho. Quebrou espigas e encheu com elas alguns sacos. Retornou conosco. Recomendou que fizés­ semos fogo e ensinou-nos a maneira de assar milho verde no braseiro. Igualmente m ostrou com o se podia assar abóbora, envolvendo os pedaços em folhas de milho. 11* Nos barracos dos imigrantes no Rio Negro, o pão era sone­ gado aos mesmos e vendido pelos funcionários no comércio local. No hospital, quem podia falar clamava por alimentos. Interroga­ do, o responsável explicava: Todos os dias vêm talões do chefe autorizando para dar galinhas, ovos, pão, arroz, carne e até vinho para os 7Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1894. p. 201. sPrzeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. p. 62. »Id. 10P A M IE N T N IK I emigrantów — Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instetut Gospodarstwa Spolecznego. Comps. 1939. Memória n.° 13. p. 165. “ WACHOWICZ, p. 42.

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doentes. Os armazéns ou vendas levam os ditos talões (através destes sai o pagamento do g overn o), mas não entregam nada.1* 0 cronista Antonio Hempel foi visitar o hospital com o mé­ dico. Este resolveu transladar os doentes para outro local, como havia sido combinada com o chefe da colonização. Enorme fo i a nossa surpresa quando soubemos que o chefe se opôs. Antes era defensor ardoroso da idéia. Afirm ou que as despesas seriam grandes demais e o aluguel ultrapassaria 50 m il réis. ( . . . ) O gesto irrito u também o médico. ( . . . ) Passado o m om ento em ocional e meditando mais a fundo, decidiu mudar de co m p o r­ tamento, acomodou-se. Não podia perder o cargo ren­ doso.13 Uma vez estabelecidos na sociedade, os imigrantes iniciaram o processo de sua integração à sociedade de adoção. De m odo geral, ela dependia: 1 — da maior ou menor afinidade cultural existente entre os grupos humanos colocados em contacto. 2 — do grau de flexibilidade do próprio imigrante. 3 — da capacidade assimiladora do meio de adoção. 4 — da maior ou menor complexificação do m eio étnico. Em relação ao prazo de duração do processo assimilatório, reconhece-se na atualidade, depois de inúmeros estudos realiza­ dos, que o mesmo é um processo lento. A posição, por exemplo, do Vigário Geral Forense de Curitiba, segundo a qual já é tem po de acabar com os europeus, todos devem tom ar-se brasileiros, sob todos os aspectos,1* em nada acelerava a assimilação ou integração do imigrante. A afinidade cultural dos eslavos poloneses para com a cultura latino-luso-afro-brasileira, não era das maiores. A barreira da lín­ gua já dificultava, de início, uma aproximação m aior das partes. Neste sentido, os imigrantes latinos, como os italianos ou espa­ nhóis, levavam nítida vantagem para acelerar sua integração à cultura brasileira. Os poloneses tinham nesse particular maiores dificuldades. A imigração polonesa, sendo constituída de 95°/o de 12HEM PEL, p. 123. 13Ibid., p. 124. ' 4G LUCH OW SKI, Kazimierz. W sród pionierów polskich na antypodach. warszawa, Nakladem Inst. Naukowego do Badán Emig. i Koloni. 1927. p. 113.

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camponeses, ampliava os entraves para sua assimilação. O traba­ lho urbano, por outro lado, sendo mentalmente muito mais flexí- , vel, oferecia e obtinha maior contacto com a coletividade nacional. O agricultor portanto, de todas as classes ocupacionais, era o menos flexível para dar e receber elementos culturais. Por outro lado, a capacidade de assimilação do meio paranaense nas últimas décadas do século X IX e nas primeiras do século X X , deixava muito a desejar. Os principais centros urbanos paranaenses, notadamente a Capital, Curitiba, não se apresentavam ainda como lídi­ mos representantes do novo Brasil próspero e desenvolvido, ape­ sar do progresso advindo com o desenvolvimento da economia ervateira. O Paraná ensaiava timidamente os seus primeiros pas­ sos rumo à modernização. As iniciativas temiam ainda as posições tradicionalistas. Com duas escolas de nível secundário e por muito tempo com uma apenas, o ensino superior inexistente até 1912, com o sistema das escolas elementares totalmente deficiente, não poderia oferecer elementos culturais capazes de atrair os filhos dos imigrantes, em massa, para a cultura brasileira.

C O N C L U S Ã O

A imigração polonesa no Brasil caracterizou-se por ser cons­ tituída de agricultores, retirados de condições semi-feudais de vida, muitos deles inclusive com lembranças ainda bastante fortes do sistema no qual viveram. Portadores de estereótipos seculares, é natural que viessem a se caracterizar no Brasil com o refratários às inovações acentuadas. Sua falta de adaptabilidade às condições de concorrência, no sistema capitalista, era notória. N a imigração teve oportunidade de entrar em contacto e concorrer com im igran­ tes alemães, italianos, espanhóis etc. Todos estes, mais adaptados às exigências da sociedade capitalista, venciam os poloneses na concorrência de atividades urbanas, à qual estavam mais acostu­ mados e adaptados. Os poloneses em sua grande maioria, simples­ mente preferiam permanecer camponeses. Os imigrantes espa­ nhóis, alemães ou italianos sempre tinham algo a fazer, mesmo ./>, nos momentos difíceis, quando nada tinham de seu. E m último caso, para sobreviver compravam uma escova, uma caixa de pasta e dedicavam-se à tarefa de engraxate pelas ruas. Ou então, toma­ vam por 5 vinténs algumas bananas e vendiam-nas até ao escure­ cer, obtendo o dobro de lucro mesmo porém não acontecia com o camponês polonês, não afeito à árdua luta de sobrevivência em qualquer centro urbano? No Brasil, enquanto predominava em sua mentalidade as es­ truturas mentais vigentes nas aldeias da Polônia, voltavam as cos­ tas às oportunidades que surgiam para urbanizar-se e embrenhavam-se cada vez mais para o interior, satisfazendo a sua extraor­ dinária sede de terras. Uma gleba de terras de sua propriedade, coberta de matas à sua disposição para sulcar-lhe o solo com o arado, era seu objetivo e seu sonho. Das colônias ao derredor de Curitiba, a m aior parte penetrava através das novas gerações, para o sertão inculto por desbravar, voltando as costas para o quadro urbano. O cheiro do mato, o panorama da criação doméstica e os celeiros abarrotados, faziamlhe bem à alma. Em todos os campos da atividade do imigrante polonês, manifestava-se o seu conservadorismo, inclusive na agri-1 1Przeglad Katolicki. Warszawa, 12 íev. 1891.

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ü*mpoatifi£fc. ampliava 06 entraves para sua assimilação. O traba­ lho urhaoo, por outro lado, sendo mentalmente muito mais flexíve. oterecaa e obtinha maior contacto com a coletividade nacional. O agncultor portanto, de todas as classes ocupacionais, era o rrmrut* Hexivei para dar e receber elementos culturais. Por outro lado. a capacidade de assimilação do meio paranaense nas últimas oecadat do século XIX e nas primeiras do século XX, deixava m utío a desejar. 06 principais centros urbanos paranaenses, notaúamerite a Capital, Curitiba, não se apresentavam ainda como lídi­ mos representantes do novo Brasil próspero e desenvolvido, ape­ sar do progresso advindo com o desenvolvimento da economia ervaleira O Paraná ensaiava timidamente os seus primeiros pas­ sos rumo a modernização. As iniciativas temiam ainda as posições tradicionalistas. Com duas escolas de nivel secundário e por muito tempo com uma apenas, o ensino superior inexistente até 1912, com o sistema das escolas elementares totalmente deficiente, não podena oferecer elementos culturais capazes de atrair os filhos do* imigrantes, em massa, para a cultura brasileira.

CONCLUSÃO

A imigração polonesa no Brasil caracterizou-se por ser cons­ tituída de agricultores, retirados de condições semi-feudais de vida, muitos deles inclusive com lembranças ainda bastante fortes do sistema no qual viveram. Portadores de estereótipos seculares, é natural que viessem a se caracterizar no Brasil como refratários às inovações acentuadas. Sua falta de adaptabilidade às condições de concorrência, no sistema capitalista, era notória. Na imigração teve oportunidade de entrar em contacto e concorrer com imigran­ tes alemães, italianos, espanhóis etc. Todos estes, mais adaptados às exigências da sociedade capitalista, venciam os poloneses na concorrência de atividades urbanas, à qual estavam mais acostu­ mados e adaptados. Os poloneses em sua grande maioria, simples­ mente preferiam permanecer camponeses. Os imigrantes espa­ nhóis, alemães ou italianos sempre tinham algo a fazer, mesmo nos momentos difíceis, quando nada tinham de seu. Em último caso, para sobreviver compravam uma escova, uma caixa de pasta e dedicavam-se à tarefa de engraxate pelas ruas. Ou então, torna* vam por 5 vinténs algumas bananas e vendiam-nas até ao escure* cer, obtendo o dobro de lucro. O mesmo porém não acontecia com o camponês polonês, não afeito à árdua luta de sobrevivência era qualquer centro urbano? No Brasil, enquanto predominava em sua mentalidade as es­ truturas mentais vigentes nas aldeias da Polônia, voltavam as cos­ tas às oportunidades que surgiam para urbanizar-se e embrenha^ vam-se cada vez mais para o interior, satisfazendo a sua extraor­ dinária sede de terras. Uma gleba de terras de sua propriedade, coberta de matas à sua disposição para sulcar-lhe o solo com o arado, era seu objetivo e seu sonho. Das colônias ao derredor de Curitiba, a maior parte penetrava através das novas gerações, para o sertão inculto por desbravar, voltando as costas para o quadro urbano. O cheiro do mato, o panorama da criação doméstica e os celeiros abarrotados, faziaiQr lhe bem à alma. Em todos os campos da atividade do írrugrans® polonês, manifestava-se o seu conservadorismo, inclusive na agri1Przeglad Katolicki. Warszawa, 12 fev. 1891.

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cultura. Esta característica, adquirida e herdada das condições conjunturais a que sua pátria na Europa estava submetida, trans­ feriu-se igualmente para o Brasil. Aqui, na América, foram obri­ gados a adotar as novas culturas agrícolas, que por força das cir­ cunstâncias foram obrigadas a praticar, porém teimosamente pro­ curaram manter suas culturas tradicionais, como o centeio e a “ tatarca” (trigo sarraceno), para a preparação de sua caracterís­ tica broa preta de centeio. A mesma coisa ocorre com a maneira de preparação do solo, o mesmo na escolha das sementes, o mesmo com o instrumental agrário utilizado. E m toda a parte a mesma teimosia e conservadorismo, às vezes acompa­ nhado por um retrocesso. Estas são algumas das carac­ terísticas do camponês polonês.* Tais características foram acompanhadas por uma imensurá­ vel vontade de trabalhar, bem como uma resistência incomum no trabalho. Estes traços fundamentais acompanharam o camponês polonês para a América. No Brasil, até o advento das modernas vias de comunicação e de um mais moderno sistema de ensino, estas características tendiam a conservar-se indefinidamente, pelo isolamento da maioria das colônias do interior. Além disso, qual­ quer tentativa de um trabalho social com os mesmos, esbarrava com um fato inexistente na Polônia: sua dispersão pelas linhas coloniais, ao contrário do agrupamento das residências nas aldeias de origem, tendiam a torná-los mais isolados e conservadores, afastados de todo maior contacto com a sociedade envolvente. Outra característica que os distingüiu no Brasil fo i a ausência nas colônias de um proletariado rural numeroso, como nas aldeias de origem. Este era praticamente inexistente nas colônias brasi­ leiras. Cada família era proprietária. Podia ser mais abastada ou menos, mas todos nas colônias pertenciam à mesma classe de pe­ quenos proprietários. Por isso é que no Brasil, com terras prati­ camente à vontade, uma família numerosa era considerada por todos como uma verdadeira graça de Deus, o que não ocorria nas famílias pobres na Polônia. Toda mão de obra existente tornou-se indispensável para o agricultor, mesmo a de crianças. Os agricul­ tores nas colônias constituíram uma camada social única. Outras atividades absorviam uma percentagem bem menor de poloneses e seus descendentes. Quando os poloneses chegaram ao Brasil, di­ rigiram-se à agricultura de subsistência, em regime de pequena propriedade. Este tipo de agricultura, nos tempos coloniais, era exercido por agregados, libertos ou descendentes de índios, pelo ^ L U C H O W S K I, Kazimierz. Wsrod plonierów polskich na antypodach. Warszawa, Nakladem Inst. Naukowego do Badan Emig. i Koloni. 1927. p. 382.

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nue para a mentalidade da época, passou a ser considerado corno sendo uma atividade exercida por pessoas de status inferior. Os grandes latifundiários, dedicavam-se à monocultura agrícola ou a criação de gado bovino. Por outro lado, as atividades ocupacionais secundárias, típicas também de uma sociedade alemã, com o tra­ balhadores de ofício, carroceiros etc., encontraram já o m eio curitibano saturado por outros grupos étnicos, preferencialm ente os alemães. A agricultura de subsistência, em regime de pequena proprie­ dade, caracterizou pois o imigrante polonês no Brasil, notadamente no Paraná. Por isso, o termo polaco, ou polonês, passou a ser um termo que se identificava de imediato, na sociedade local, com a agricultura. Tal correlação criou entre os descendentes de poloneses, que procuravam em ergir dentro da estrutura social do meio paranaense, uma espécie de reticências quanto às suas ori­ gens. Ser de origem polaca, era adm itir ipso facto que se perten­ cia a uma camada mais baixa da sociedade. Ser pequeno agricultor era uma atividade envolta em falácias, no m eio de adoção. Estas falácias continuaram com os descendentes de poloneses, que pro­ curavam libertar-se dos liames que os prendiam à atividade agrí­ cola. O descendente que, mudando de ocupação econômica, pas­ sou a exercer outras atividades na sede da colônia ou em outras ocupações existentes nos centros urbanos maiores, como Curitiba e Ponta Grossa por exemplo, desejava libertar-se de sua condição de polaco, de filho de imigrante colono. Desejava passar a perten­ cer a uma camada superior da hierarquia social. O descendente de colonos poloneses nas últimas décadas do século passado e nas primeiras do século X X , que abandonava a profissão de seus ancestrais e procurava urbanizar-se, imergia numa fase crítica, verdadeiramente dramática, do processo de in­ tegração, na sociedade de adoção. Eram descendentes, não mais poloneses, e mesmo em maioria não o queriam ser mais, mas no entanto, ainda não eram inteiramente brasileiros. Para servir o exército, para pagar os impostos, nas repartições públicas, ele era considerado brasileiro, de direito. Entretanto, quando concorria com outros, disputando um emprego, quando era comparado com patrícios seus que se dedicavam sobretudo a trabalhos braçais, ele então, era polaco. O correlacionamento que o meio de adoção fez de polaco com um baixo nível de instrução, muitas vezes levou-o a sentir vergo­ nha de sua própria origem. Este sentimento de vergonha levou a muitos indivíduos de ascendência polonesa a rejeitar sua origem étnica. Estes passaram a se apresentar como alemães, austríacos ou russos, de acordo com as regiões de procedência da Polônia. Quando interpelados por alguém que conhecia m elhor esta proble­ mática, saíam-se com evasivas como: N ão sei, pelo menos era o Que constava no passaporte do meu avô. Tal atitude tem sua expiicaçao no fato de muitos passaportes de emigrantes poloneses 141

virem extraídos sob a nacionalidade da potência de ocupação da região na Polônia. Os estereótipos como polaco sem bandeira, polaco burro, po­ laco e colarinho não se quadram, polaco burro é pleonasmo, leva­ ram alguns descendentes de poloneses a adquirirem um complexo de inferioridade, em relação à sua origem étnica. A constatação desse complexo de inferioridade ocorria sobretudo em camadas sociais intermediárias, entre o camponês e os indivíduos urbani­ zados, de cultura superior. O camponês não o possuía porque os descendentes continuavam na própria classe de origem de seus an­ tepassados; as camadas urbanas mais cultas também não o pos­ suíam, devido à própria condição de poder avaliá-lo. A identificação do polonês com o meio rural, sua conseqüente aversão pelo quadro urbano, bem como seu baixo índice de ins­ trução, já era constatada em 1890, por ocasião da fundação da primeira sociedade polonesa em Curitiba. Somente foram encon­ trados em Curitiba, 22 poloneses capazes de se interessarem pela criação de uma sociedade. Rezava a ata de instalação da mesma: A maioria dos poloneses está nas colônias, completa­ mente isolados da civilização. Cada ano decaem m oral­ mente, fisicamente e economicamente. ( . . . ) P o r isso, perante os brasiléiros e outras nacionalidades, têm me­ nos respeito. Precisamos energicamente criar uma So­ ciedade e um jornal polonês, para que possam ler e des­ sa maneira frear sua constante desmoralização.s Observe-se que, mesmo antes da vinda das grandes levas de imigrantes poloneses, no período da febre brasileira, já existia em Curitiba o problema da baixa avaliação do polonês, pelo meio de adoção, e sua perda de respeito por parte dos brasileiros e outras nacionalidades. O período que mais caracteriza uma baixa avalia­ ção do polonês no Paraná, corresponde às décadas que antecede­ ram a restauração da Polônia como nação politicamente indepen­ dente. Com o surgimento de grupos intelectuais, leigos e eclesiás­ ticos, no início do século X X e com a abertura do consulado polo­ nês em Curitiba, a situação começou a mudar para melhor. A or­ ganização de instituições como a Kultura e Oswiata organizações estas supraterritoriais, destinadas a centralizarem e coordenarem o desenvolvimento nas colônias polonesas de escolas que chega­ ram em 1937 ao número de 349, com mais de 12.000 alunos, das quais 167 no Paraná com mais de 6.000 alunos; dezenas de grupos teatrais nas maiores escolas; a organização Junak, que chegou in­ clusive a ter quase uma centena de sedes no Sul do Brasil, com a finalidade de desenvolver a cultura física entre a juventude, che­ *KSIEGA lsza. Protokulama Towarzystwa Tadeusza Kosciuszki w Kurytybie. Ata de 15/06/1891.

gando inclusive a fornecer campeões de atletismo, não só de âm ­ bito regional mas brasileiro e sul-americano; a criação de enti­ dades destinadas a melhorar o nível da agricultura dos descen­ dentes de poloneses no Brasil; prom oções culturais com o a vinda de poloneses pintores, músicos, cantores, cientistas, pilotos p ro ­ movendo raides transoceânicos etc.; o desenvolvim ento de uma ativa indústria gráfica em língua polonesa, a penetração em gran­ de escala dos descendentes de poloneses, nas escolas de nível su­ perior em Curitiba; todas essas novas atitudes e posicionam entos vieram alterar a conotação negativa adquirida pela im igração p o ­ lonesa na região, embora ainda persista o problem a de uma m aior integração do polono-paranaense ou polono-brasileiro de origem rural, sobretudo o proveniente das colônias afastadas e isoladas do hinterland. No Paraná, sobretudo na região da Grande Curitiba, a m aior incidência da imigração polonesa trouxe hostilidade do nacional ao não nacional, aqui especificamente dirigida ao polaco,41 devido à concorrência inevitável e à própria mentalidade arcaica, da qual o camponês polonês era portador. Fenômeno semelhante ocorreu com os alemães em Santa Ca­ tarina, com os italianos em São Paulo e com o português no R io de Janeiro, onde o nacional ou o não nacional, desacostumado ou impossibilitado, diante da concorrência do grupo m ajoritário, de realizar sua acumulação capitalista, vingava-se na anedota a um tempo agressiva e simpática, frequentem ente com alta compreensão humana. N o Paraná, ou m elhor, na vasta área da Grande Curitiba e de sua influência mais direta, a vítima é o polaco.s Segundo o professor Bento Munhoz da Rocha Neto, o colono polono-paranaense merece figurar entre os tipos regionais brasi­ leiros. Identifica-se o mesmo por sua expressão humana caracte­ rística, por seus usos e costumes, pelo comportamento que às ve­ zes contrasta com os grupos que compõem a comunidade. Nessas atitudes, identificam-se muitos traços de sua região de origem , porém não é mais o camponês que veio. Adaptou-se, adquirindo novos hábitos, constituindo assim um tipo peculiar da região nos­ sa*4 6 5 Por isso, o referido autor afirm a que, no Paraná, pode-se di­ zer: o polaco é nosso, pois povoando a região centro sul do Estado, veio a caracterizar a imigração européia, não portuguesa, na região. 4ROCHA NETO, Bento Munhoz da. Poloneses no Paraná. Boletim do Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense. Vol. X IV , Curitiba, 1971. Sem anotação de páginas. 5Id. «Id.

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