Este livro é o resultado de alguns anos de reflexão, leituras, conversas, observações e experiências Ele amadureceu em d
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Portuguese Pages 111 Year 1981
Table of contents :
CAPA
ÍNDICE
PREFACIO
INTRODUÇÃO
Cap. 1 - A mensagem cristã e as culturas
Cap. 2 - A modernidade e os desafios à inculturação
CONCLUSÃO
APÊNDICE
BIBLIOGRAFIA
MODERNIDADE E CRISTIANISMO
MARCELLO DE CARVALHO AZEVEDO
MODERNIDADE E CRISTIANISMO O DESAFIO À INCULTURAÇÃO
Um
enfoque antropológico-cultural
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EDIÇÕES LOYOLA SÃO PAULO 1 9 8 1
Copyright EDIÇÕES LOYOLA
CAPA DE:
NELSON DE MOURA
Com aprovação eclesiástica
Todos os direitos reservados EDIÇÕES LOYOLA Rua 1822 n.º 347 - Caixa Postal 42.335 - 'J.".el.: 63-9695 - São Paulo IMPRESSO NO BRASIL
Aos meus irmãos JESUITAS,
no Brasil e no mundo Inteiro, com especial gratidão àqueles que foram ou são parte significativa de minha vida.
PREFACIO
Este livro é o resultado de alguns anos de reflexão, leituras, conversas, observações e experiências Ele amadureceu em dois tempos. O primeiro, quando me convidaram a falar sobre as prin cipais etapas de formação do mundo atual, em um congressr internacional em Roma, em novembro de 1978. O segundo, quando me pediram para abordar o tema inculturação e modernidade, num seminário internacional e interdisciplinar, que se reuniu em Jeru sal(Jm, em junho de 1981. Elaborei estes dois estudos nos Estados Unidos. O primeiro, em Nova Iorque (1978); o segundo, em Washington (1981). Entre os dois, porém, dei no Brasil, em 1980, três cursos a respeito, um em Brasília e dois no Rio. O interesse que despertaram e a insis tência dos participantes em que preparasse uma edição em por tuguês levaram-me à elaboração deste livro. Apresento-o, sem a preocupação de adatá-lo à situação do Brasil, sem tomar em conta os problemas que aqui estão na ordem do dia. Isto me levaria a praticamente escrever um outro livro. Pelo que me disseram os que conhecem o presente trabalho, ele
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é útil aqui assim como está. Penso retomar algum dia. este tema, com dados, enfoque e bibliografia da terra. Por enquanto, vai aquí o que apresentei lá fora. Os leitores vão logo se dar conta de, que muitos dos problemas, Incertezas, perplexidades, postulados & aspirações, que temos ou vivemos, como cristãos, na realidade de um Brasil acelerado e, não raro, tumultuado, não são cousas s6' nossas. Eles fazem parte de processos abrangentes e complexos, que atingem o mundo como um todo. E nós também aí. estamos.
O dia a dia da vida nem sempre nos permite ganhar distancia para perceber o que está por baixo das cousas que acontecem. No entanto, há processos subjacentes às grandes transformações, com as quais nos defrontamos e que tão de perto nos atingem. Numa faixa bem definida, este livro pode ajudar-nos a compreen der que os problemas entre Igreja e Mundo, nos tempos modernos, não são elementos isolados ou fatos desconexos. Eles têm lugar num quadro estrutural e complexo, de concepções teóricas e de sedimentações históricas e culturais. O binômio Modernidade e Cristianismo é carregado de tensão. 1= sempre dificil relacionar
com acerto estes dois termos e, mais ainda, captar a interação das realidades que eles traduzem. Pois bem, é disto que este livro trata. O subtltulo - o desafio à inculturação - situa a relação entre Cristianismo e Modernidade em um plano de diálogo ao nlvel da cultura. Define assim o enfoque antropológico do tema e sublinha, ao mesmo tempo, quanto é difícil este diálogo .
. . . Deixo aqui o meu agradecimento aos meus colegas do Wood
stock Center for Theological Reflection e de sua excelente biblio teca, na Georgetown University, e a alguns outros professores desta Universidade, em Washington, por suas sugestões, criticas e
correções, ao lerem as várias redações do texto em inglês, no qual se inspira
e se apoia esta edição em português. Domingo de Pentecostes de 1981. MARCELLO DE CARVALHO AZEVEDO, S. J.
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·IN'.fRODVÇ1'0, ....
PLANO GERAL
1 . Os estudos sobre a INCULTURAÇÃO nos últimos anos fo calizam sobretudo a relação entre a Igreja e as culturas não-evan gelizadas ou aquelas que o foram recentemente. O presente tra balho tem um outro enfoque, indicado em seu próprio título: a inculturação e os desafios da modernidade.
2. Há duas razões para a escolha deste novo aspecto. A primeira, é a realidade mesma em que vivemos: um mundo ines tável, dividido, polarizado, mas, como nunca, interdependente. Es ta interdependência se deve sobretudo à presença capilar das mo dernas concepções teóricas e à sua tradução efetiva em fatores operacionais, com as implicações e conseqüências de ambos. A civilização ocidental os criou e os disseminou por todo o globo. Por meio da política e da economia, a modernidade atingiu prati camente quase todos os países. Afetou e não raro transformou a fundo várias sociedades tradicionais. Esta difusão factual da mo dernidade foi, por vezes, facilitada ou reforçada por certas ca racterísticas estruturais dos tempos modernos que parecem ter um
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atrativo singular sobre homens e mulheres de multas. latnudes, quaisquer que sejam suas ralzes culturais. Seria dlficil, pois, pensar em evangelização em nossos dias, sem levar em consideração f.ste fenômeno abrangente e tentacular que se chama MODERNIDADE. 3. A segunda razão é a própria natureza da mensagem crislã. Enquanto realidade, que é também humana, ela necessita de um veiculo cultural concreto para a sua expressão. Aconteceu na história que a Igreja privilegiou a civilização ocidental pré-moderna como seu portador quase exclusivo do processo de evangelização. No entanto, no mais profundo de si mesma, a mensagem cristã não está vinculada: a nenhuma cultura em particular. Ela é potencialmente universal. Pode ser expressa e vivida em e por qualquer cultura, sem destruir nem a mensagem, nem a cultura. Isto soa como ousada afirmação. Nem é menor desafio traduzi-la em realidade. ~ disto exatamente que este livro vai tratar. 4. Para sermos precisos na abordagem da INCULTURAÇÃO e MODERNIDADE, será conveniente individuar e definir logo alguns ferimos básicos que voltarão com freqüência no corpo do texto. Importante, não menos, indicar o enfoque metodológico a ser usado. Por outro lado, seria difícil captar o real sentido e alcance do que é a inculturação sem uma percepção da identidade religiosa da mensagem cristã. 5. O primeiro capitulo, portanto, será dividido em quatro partes. Situarei de inicio a mensagem cristã dentro do quadro referencial mais amplo de algumas tipologias fundamentais de religião. Em seguida, assumindo que a Igreja é reconhecidamente o portador institucional da mensagem cristã, pareceu-me importante apresentar alguns traços relevantes da evolução histórica da Igreja em relação à modernidade. Isto nos fará entender melhor certas tensões permanentes entre as perspectivas de uma e de outra. Focalizarei, por fim, alguns requisitos e condições para um coerente processo de inculturação e o alcance que ele deve ter.
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6. O segundo capítulo é sobre a modernidade. Limitarei a análise a apenas três aspectos estruturais da modernidade e às suas conseqüências: a dimensão tecnológica, as estruturas econômicas, políticas e sociais em constante mutação, e a secularização. Por um lado, a mensagem cristã deve fazer face à modernidade presente já em culturas ainda não evangelizadas. Por outro lado, a mensagem cristã deve confrontar-se diretamente com a modernidade, assim como ela se manifesta na atual e moderna civilização ocidental, que esteve sob forte e diuturna influência da Igreja. Ao sublinhar estas três características estruturais da modernidade como o núcleo central do mundo contemporâneo, pretendo apontar precisamente alguns dos principais desafios que a mentalidade moderna lança à inculturação da mensagem cristã, inculturação que se tornou necessária numa cultura ocidental que já não é mais cristã. 7.
Vai para quase um século que ouvimos falar na "descris-
tianização das massas". Tornou-se um cliché referir-se à França e agora à Itália também como "pafses de missão". Há um toque subtil de desânimo e resignação ao constatar-se na Igreja a perda crescente da juventude e das populações urbanas. Depois de ter visto partir anteriormente grande parte da classe trabalhadora nos países desenvolvidos, a Igreja começa a apresentar-se e a descrever-se como "Igreja da diáspora". Qual tem sido o critério chave par avaliar todo este processo? Não deveríamos talvez reverter a questão e perguntar-nos a nós mesmos se não foi a Igreja que se afastou da humanidade? Para conservar seu modelo institucional, culturalmente vincado, para manter sua expressão simbólica e ritual, para fazer valer seus padrões jurídicos e seu sistema de organização, não foi a Igreja que, por primeiro, se distanciou do povo e passou facilmente a considerá-lo fora do alcance da salvação? Eu seria tentado a dizer que o processo de inculturação pode vir a tornar-se para a Igreja o verdadeiro caminho de sua redentora auto-evangelização. Não pretendo que a Igreja se exponha à modernização de um modo ingênuo e pouco crítico. Penso, porém, que um diálogo atento, engajado e coerente, entre
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a Igreja e o mundo moderno, é condição fundamental para anunciar e man'ter viva em nosso tempo a mensagem de Jesus Cristo que não se pode limitar a um determinado tempo. •
TERMOS E MÉTODO
Modernidade e modernização 8. De um ponto de vista histórico, Black se refere à modernização como sendo a forma dinâmica que assumiu o constante e diuturno processo de inovação e transformação no mundo, em conseqüência da explosiva proliferação do conhecimento nos séculos mais recentes. Em busca de uma definição, a modernização é considerada como o "processo pelo qual instituições que evoluiram historicamente se adataram às rápidas transformações estruturais e funcionais que refletem o incremento sem precedentes do conhecimento humano e de sua capacidade de influir sobre o meio ambiente, dados estes que se seguiram à revolução cientifica (BLACK 1967:7). Pelo ângulo da sociologia do conhecimento, Peter Berger vai coincidir com esta conceituação. Ele vê o cerne da modernização na transformação do mundo determinada pelas inovações tecnológicas dos últimos séculos, primeiro na Europa e depois, com incrível rapidez, no mundo inteiro. Esta transformação é marcada por dimensões econômicas, sociais e políticas, todas elas de imenso alcance (BERGER 1977:70, ELLUL 1964, BELL
" Usarei neste livro o termo "Igreja" tanto inclusiva quanto especificamente. Ao dizer "inclusivamente", quero significar que estou bem consciente da enorme diversidade que esteve presente na Igreja, em cada época singular de sua existência; diversidade do língua, de estilo e de costumes; diversidade de fervor, de criatividade e de poder; diversidade em relação às nações e às culturas dentro d.as quais ela existiu. Ao usar assim, inclusivamente, o termo "Igreja" não pretendo que o leitor esqueça tudo isto ou pense que o autor não está disto consciente. Apesar desta diversidade, uso ainda o termo "Igreja", especificamente, para sublinhar um aspecto do mistério eclesial que tem enfatizado e simbolizado a unidade da Igreja, isto é, "Igreja" como a realidade institucional da Igreja Católica Romana. O pró· prio contexto deixará suficientemente claro para o leitor atento em que sentido o termo "Igreja" está sendo usado.
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~973). . Passando pela economia polltica, com Eisenstadt (1973, 1978), pelas ciências políticas, com Apter (1965) e Rostow (1971) e pela antropologia cultural, com Julian Steward (1967, 1976), constatamos a convergência interdisciplinar das definições. Podemos, pois, descrever basicamente a modernização como o processo de transformação do mundo resultante do crescente acervo de conhecimento dinamicamente traduzido em tecnologia. Modernização se refere ao processo. Modernidade significa o resultado do processo, o complexo de características que dele decorre nos individuas, nas instituições, nos palses e nas culturas. "A análise critica da modernidade, como um todo ou em cada um de seus aspectos, diz Berger, será uma das grandes tarefas para a inteligência no futuro. Tarefa que, por sua natureza, deve ser interdisciplinar e cujo alcance é amplamente intercultural" (BERGER 1977:79). o que impressiona no processo de modernização é o seu impacto profundo sobre o todo das sociedades e das instituições e, ao mesmo tempo, sua universalidade (EISENSTADT 1978, HEILBRONER 1980, INKELES 1974, LEWIS 1978, OCDE 1978).
Método 9. Há ·modos diversos de abordar o estudo da modernização/modernidade. Na década de 60, predominou o interesse pelo ângulo próprio da ciência política e da. economia. o resultado principal foi a chamada "teoria da modernização". Ela se relaciona à "teoria do desenvolvimento" e se opõe à "teoria da dependência". Todas elas se tornaram importantes para a análise dos palses em desenvolvimento ou de suas relações com os palses desenvolvidos. Não pretendo aqui usar o binômio modernização /modernidade com este foco da economia política. A razão principal é que a ele está ligada uma concepção unilinear de evolução social, 1 hoje francamente superada (BLACK 1966, NISBET 1979, FRANK 1964, 1967, 1978, 1979).
1 - Rostow e Black são chamados "dualistas" na sua concepção da teoria da modernização porque opõem radicalmente "moderno" e "tradicional". Eles se filiam também à concepção unilinear de
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10. Não abordarei tampouco a modernidade .pelo prisma filosófico, trazendo à baila Descartes, Rousseau, Kant, Hegel, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Heidegger, Sartre e outros. Todos eles tiveram, por certo, relevante Influência na formação do arcabouço conceituai dos tempos modernos. Cada um deles, em meio a tantos mais, acrescentou novas facetas a esta convergência de traços que afinal plasmaram a modernidade. Uma visão fllosofica, porém, seria por demais complexa para o nosso objetivo, dadas as contrastantes implicações que caracterizam a filosofia moderna e a sua interpretação. (VALADIER 1974). 11. Vou adotar uma perspectiva interdisciplinar, dando ênfase à antropologia cultural. Isto significa que focalizo a modernidade pelo ângulo de uma ciência social, em base a uma percepção
evolução social ao pretenderem que as sociedades que atravessam um processo de transformação social, no seu caminho do tradicional para o moderno, têm de passar por um tipo de modelo concebido como "progressivo", numa acepção valorativa. Rostow sugere quatro etapas