Marxismo segundo Althusser

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COLEÇÃO SINAL



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É possível ser contra ou ser a favor , não é possível ser indiferente ao marxismo. Foi em 1867 que a Editora Otto Maissner , de Hamburgo, na Alemanha , lançou numa edição de apenas mil exemplares o

l.° volume de O Capital , de Karl Marx. Cem

anos depois, O Capital j á foi traduzido em 47 línguas de 70 países, num total de 220 edições . Só na União Soviética , que come¬ mora éste ano o 50.° aniversário de uma re volução que se baseou nas ideias de Marx , já saíram 167 edições de O Capital comple¬ to, num total de mais de 6 milhões de exem ¬

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plares.

O marxismo está irresistivelmente di ante de nós, nas suas obras teóricas e nas suas conquistas práticas. É possível temê-lo, é possível repeli-lo; não é possível ignorá-lo. Milhões de homens vêem no marxis¬ mo uma ameaça e uma tragédia . Por ém , muitos outros milhões o encaram como uma mensagem , uma promessa , um comba te, uma esperança. Não conhecer o marxis¬ mo é correr o risco de não compreender c mundo em que estamos vivendo e sobretu ¬ do o mundo em que viveremos nos pr óximos anos. Contudo, não é f ácil conhecer o mar ¬ xismo. Não vai uma grande distância entre o marxismo de um Lênine e o marxismo de um Bernstein ? Ou entre o marxismo de Sta lin ou Politzer e o marxismo de Luk ács ou ¬

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Gramsci ? Já se disse : Não existe o marxismo, existem marxismos ” . Porém , ser ão todos êsses marxismos igualmente marxistas? O próprio Marx terá sido marxismo sempre? Ou será necessário reconhecer que o jovem Marx não era marxista ? Engels desenvol veu ou deformou o marxismo? E o leninis¬ mo, qual é sua situação em relação ao mar ¬ xismo? Velhos problemas, que já foram es¬ miuçados uma e muitas vêzes, mas sempre



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ou quase sem método, sem rigor, sem resultados convincentes e duradouros. Esta problemática tradicional do mar ¬ xismo está sendo revolucionada por um jo¬ vem filósofo, professor em Paris. Seu nome: Louis Althusser. Sua intenção: explicitar e desenvolver a filosofia marxista que , na sua opinião, só existe até agora de forma implí¬ cita e não desenvolvida em algumas obras teóricas de Marx, Engels, Lênine e Mao Tse-tung, e nas aplicações práticas do marxis¬ mo. Suas principais armas de combate: uma análise aguda do desenvolvimento intelec¬ tual de Marx e uma leitura penetrante de O Capital. O que conseguiu até agora: reno¬ var a fundo o estudo do marxismo e acen ¬ der uma polêmica veemente que sacode os meios intelectuais e marxistas da Europa. Althusser não pretende possuir as res¬ postas acabadas dos árduos problemas que suscita . Ao contrário, sua pesquisa apenas começaram. Althusser não deve também ser convertido no patrono de uma nova ortodo¬ xia. Ao contrá rio, seu pensamento é emi¬ nentemente anti-dogmático. Mas uma coi ¬ sa é indiscutível: não há mais possibilidade de abordar o estudo e o debate do marxismo pretendendo ignorar a contribuição indis¬ pensável e decisiva de Althusser. Daí a importância da tradução do ar¬ tigo que abre êste livro. Trata se de texto de curso, escrito por Althusser em 1965. É uma síntese didática que introduz ao mes¬ mo tempo nos princípios básicos do marxis¬ mo e na problemática essencial das investi¬ gações de Althusser. Para completá-lo, segue se uma análi¬ se das polêmicas surgidas em tôrno das obras de Althusser e sobretudo do confron¬ to entre Althusser e um dos mais prestigia¬ dos e conhecidos marxistas franceses, Ro¬ ger Garaudy. O autor da análise é um fran-

ciscano, frei Raymond Domergue, um dos colaboradores permanentes da excelente re¬ vista Frères du Monde, feita por padres e leigos cristãos da França. O artigo é trans¬ crito do n.° 45 da revista, de janeiro de 1967 , dedicado aos “ problemas atuais do mar ¬ xismo ” .

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M a r x i s m o , Ci ê n c i a e Ideologia Louis Althusser

p As reflexões que se seguem tê m por finaldade apresentar, de uma forma tão clara e sistem á tica quanto possível, os princípios teóricos que funda ¬ mentam e guiam a prá tica dos marxistas no do ¬ mínio da teoria e da ideologia.

volucioná rios. Permanecem anarquistas ou refor ¬ mistas. Com efeito, ao se contentarem com opor os princípios ( morais, jurídicos ) burgueses ao sis ¬ tema económico-político burgu ês, as doutrinas utópicas continuam, queiram ou não, prisioneiras do sistema burguês. Nã o podem conduzir à revo lução. A doutrina marxista, ao contrário, é cientí ¬ fica. Isto quer dizer que ela n ão se contenta em aplicar os princípios morais e jurídicos burguêses ( liberdade, igualdade, fraternidade, justiça etc. ) à realidade burguêsa existente para criticá la ; a doutrina marxista critica tanto êsses princípios morais e jurídicos burgu êses quanto o sistema eco n ómico polí tico burguês vigente. Essa crítica ge ¬ ral repousa então sôbre outros princí pios que n ão os princípios ideoló gicos, religiosos, morais e ju rídicos ) existentes : repousa sô bre o conhecimento científico do conjunto do sistema burguês exis¬ tente, tanto de seu sistema econ ómico político quanto de seus sistemas ideoló gicos. Ela repousa sôbre o conhecimento d êste conjunto, que cons ¬ titui uma totalidade orgâ nica, da qual a economia, a política e a ideologia sã o “ instâ ncias” ou “ ní ¬ veis” orgâ nicos, articulados uns sôbre outros se ¬ gundo leis específicas. Êste conhecimento é que permite definir os objetivos do socialismo, e con cebê-lo como um nôvo modo de produção que su ¬ cederá ao modo de produção capitalista, conce ¬ ber suas determinações próprias, a forma precisa de suas relações de produção, de sua superestru tura política e ideológica. Êste conhecimento é que permite também definir os meios de açã o próprios para “ fazer a revolu ção ” , meios que se baseiam na natureza da necessidade histórica e do desenvolvimento histó rico, no papel determi ¬ nante em ú ltima instâ ncia da economia nêste de ¬ senvolvimento, no papel decisivo da luta de clas¬ ses nas transforma ções económico-sociais e no papel da consciência e da organiza ção na luta política. É a aplica çã o destes princípios científicos que tem permitido definir a classe operá ria como a única classe radicalmente revolucion á ria, defi ¬ nir as formas de organização justas da luta eco nómica ( papel dos sindicatos ) e política ( nature za e papel do partido de vanguarda da classe ope ¬ rá ria ), definir enfim as formas da luta ideológica. É a aplica ção dêstes princí pios científicos que tem permitido romper não somente com os obje ¬ tivos reformistas das doutrinas socialistas utó pi ¬ cas, mas també m com suas formas de organização e de luta É a aplicação d êstes princípios científi ¬ cos que tem permitido definir uma estratégia e uma tá tica revolucioná ria , cujos primeiros resul¬ tados irreversíveis estão inscritos na histó ria mun ¬ dial e que nã o cessam de transformar o mundo. ¬

I O MARXISMO É UMA TEORIA CIENTÍFICA

Um título célebre de Engels põe em evidência a diferen ça essencial que distingue a doutrina marxista das doutrinas socialistas anteriores: as doutrinas socialistas anteriores a Marx eram utópicas, a doutrina de Marx é científica . Que re ¬ presenta uma doutrina socialista utópica? É uma doutrina que por um lado propõe objetivos socia ¬ listas à ação dos homens, mas por outro baseia -se em princípios não-científicos, princípios de inspiração religiosa, moral ou jurídica, vale dizer, princ ípios ideológicos. A natureza ideológica de seu fundamento teó rico é decisiva, pois repercu ¬ te sôbre a concepção que qualquer doutrina so ¬ cialista utópica faz não somente dos fins do so¬ cialismo, mas também dos meios de açã o a em ¬ pregar para realizar êsses fins. As doutrinas so cialistas utópicas definem os fins do socialismo, isto é, a sociedade socialista do futuro, por cate ¬ gorias morais e jurídicas ; falam do reino da igual ¬ dade e da fraternidade dos homens e traduzem êstes princípios morais e jurídicos em princípios económicos e políticos tão utópicos quanto os an teriores, isto é, ideológicos, ideais e imaginá rios. Por exemplo, a distribuição integral dos produ ¬ tos do trabalho entre os trabalhadores, o igualita ¬ rismo económico, a negação de tôda lei econó ¬ mico, o desaparecimento imediato do Estado etc. Da mesma maneira, definem como meios adequa ¬ dos para realizar o socialismo meios económicos e polí ticos utópicos, ideológicos e imagin á rios: as co¬ operativas bancá rias de Owen, os falanstérios dos discípulos de Saint-Simon, o sistema bancá rio po ¬ pular de Proudhon no domínio económico ; ou a educação e a reforma moral no domínio político, ou até a conversão ao socialisto do Chefe de Es tado . . . Ao fazer uma representa çã o ideológica, tanto dos fins quanto dos meios do socialismo, as doutrinas do socialismo utópico contin ú ame como demonstrou muito nitidamente Marx; prisionei ¬ ras dos princípios económicos, jurídicos, morais e políticos da burguesia e da pequena burguesia : é por isso que não podem realmente sair do sis¬ tema burguês, não podem ser verdadeiramente re

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Em Nosso Programa ( Obras Complestas, tomo IV, págs. 208 209 ) , Lênin escreve :

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“ Nós nos colocamos inteiramente sôbre o ter reno da doutrina de Marx : ela transformou pela primeira vez o socialismo de ntopia em uma ciê ncia, lançou as bases indestrutíveis desta ciência e traçou o caminho a seguir pa ra desenvolvê-la e elaborá-la em todos seus detalhes. A doutrina de Marx revelou, a na ¬ tureza da economia capitalista moderna, ex ¬ plicando como o salá rio, a compra da f ô rça de trabalho, disfarça a escraviza ção de mi ¬ lhões de n ã o- proprietários por um punhado de capitalistas propriet á rios de terra , de f á ¬ brica , de minas etc. Esta doutrina mostrou como todo o desenvolvimento do capitalismo moderno tende a substituir a pequena pro ¬ dução pela grande produção, criando as con dições que tomam possível e necessá ria a es¬ trutura ção socialista da sociedade. Ela nos ensinou a ver, sob o manto dos costumes ar ¬ ¬

profunda na “ obra de sua vida ” , esta obra “ sem cuja luz ” , nas palavras de Engels, “ estaríamos ainda na noite : O Capital”

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raigados, das intrigas polí ticas, das leis sutis

e das doutrinas astuciosas, a luta de classes, a luta que opõe as diversas classes proprietá ¬ rias à massa dos n ão proprietá rios, ao prole ¬ tariado, que está à cabeça de todos os nãoproprietá rios. A doutrina de Marx esclare ¬ ceu a verdadeira tarefa de um partido socia ¬ lista revolucion á rio, que não é inventar pla ¬ nos de reorganiza ção da sociedade, nem pre gar aos capitalistas a necessidade de melhorar a situa ção dos operá rios, nem tão pouco tra ¬ mar conspirações, mas organizar a luta de classes do proletariado e dirigir esta luta que tem por objetivo final a conquista do poder político pelo proletariado e a organizaçã o da

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sociedade socialista ”

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E Lê nine acrescenta , após condenar os revi ¬ sionistas tipo Bernstein , que “ não fizeram avan ¬ çar um passo a ciência que Marx e Engels nos re comendaram desenvolver ” : ¬

“ Nã o

pode haver um forte partido socia ¬ lista sem uma teoria revolucion á ria que una todos os socialistas, da qual êles extraiam tôdas as suas convicções e a qual êles apli ¬ quem a seus m é todos de luta e meios de a ção” .

De um extremo a outro da obra de Lênine, o mesmo tema se refete incansà velmente: “ sem

teoria revolucion á ria n ão existe ação revolucio ¬ n á ria ” . E esta teoria revolucion á ria é definida de maneira exclusiva como a teoria científica que Marx produziu e à qual deu sua forma mais

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A DUPLA TEORIA CIENTÍFICA DE MARX

Uma vez fixado êste princí pio de que a ação revolucion á ria dos comunistas est á baseada na teoria científica marxista , é necessá rio respon ¬ der à pergunta : Em que consiste a doutrina cien ¬

tifica marxista ? A doutrina cient ífica marxista apresenta a seguinte particularidade: ser constituída poi duas disciplinas científicas, unidas uma à outra por razões de princípio, mas efetivamente dis ¬ tintas uma da outra , j á que seus objetos são dis ¬ o materialismo histó rico e o materialis¬ tintos mo dialé tico. O materialismo histórico é a ciê ncia da his¬ tória. Pode ser definido ainda com maior preci ¬ são como a ciê ncia dos modos de produção, de sua estrutura própria , de sua constituição e de seu funcionamento, e das formas de transição que fazem passar de um modo de produção a outro. O Capital representa a teoria científica do modo de produ ção capitalista. Marx n ã o nos deu uma teoria desenvolvida dos outros modos de produçã o modo de produção das comunidades primitivas, modo de produçã o escravagista, mo ¬ do de produção “ asiá tico” , modo de produção “ germ â nico” , modo de produ ção feudal , modo de produ ção socialista e modo de produção comu ¬ nista mas somente indica ções ou esboços. Marx não nos deu tão pouco uma teoria das formas de transiçã o de um modo de produçã o determinado a outro modo de produção, mas somente indica ¬ ções e esboços. O mais desenvolvido dêstes esbo ¬ ços concerne às formas de transição do modo de produ ção feudal ao modo de produ ção capitalis ¬ ta ( o capí tulo d’0 Capital dedicado à acumula ¬ ção primitiva e muitas outras passagens ). Possu í ¬ mos por outro lado algumas indicações preciosas mas raras sôbre aspectos das formas de tran ¬ sição do modo de produ ção capitalista ao modo de produ ção socialista ( especialmente na Cr í tica ao Programa de Gotha, onde Marx insiste na fase da ditadura do proletariado ). A primeira fase destas formas de transição constitui o ob ¬ jeto de numerosas reflex ões de Lê nin em O Es ¬ tado e a Revolu ção e em todos os textos do pe ¬ ríodo revolucion á rio e pós- revolucion á rio. Seu







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conhecimento científico, com efeito, comanda di ¬ retamente tôda a ação econ ómica, política e ideológica da “ construção do socialismo ” . Mais uma precisão no que concerne ao ma ¬ terialismo histó rico. A teoria da histó ria, teoria dos diferentes modos de produção, é, de direito, a ciência da totalidade orgânica em que consiste tôda forma ¬ ção social dependente de um modo de produçã o determinado. Ora, cada totalidade social com ¬ preende, como expõe Marx, o conjunto articu ¬ lado de seus diferentes n íveis: a infra estrutura econ ómica, a superestrutura jur ídico polí tica e a superestrutura ideológica. A teoria da história, ou materialismo histórico, é a teoria da natureza específica desta totalidade, portanto do conjunto de seus n íveis, e do tipo de articulação e de de ¬ termina ção que une uns aos outros e que funda ¬ menta ao mesmo tempo sua dependê ncia em re ¬ la ção ao n ível económico, determinante em ú lti ¬ ma instâ ncia, e o grau de autonomia relativa de cada um. É pelo fato de possuir esta “ autono ¬ mia relativa ” que cada n ível pode ser considera ¬ do objetivamente como um “ todo parcial” e con verter-se no objeto de um tratamento científico relativamente independente. É por isso que num determinado modo de produção se pode legítima ¬ tendo em conta esta mente estudar à parte seu nível económico ou “ autonomia relativa ” seu nível político, ou esta ou aquela de suas for ¬ mações ideológicas, ou suas formações filosófi ¬ cas, esté ticas e científicas. Esta precisão é de grande importâ ncia, pois é sôbre ela que se funda a possibilidade de uma teoria da história ( rela ¬ tivamente autónoma, e com um grau de autono ¬ mia vari á vel segundo o caso ) de cada um dos ní ¬ veis ou realidades: por exemplo, uma teoria da histó ria da política, da filosofia, da arte e das ci ências etc. É também sôbre ela que est á basea ¬ da a possibilidade de uma teoria relativamente autónoma do n ível económico de um modo de produção dado. O Capital , tal como existe em sua condição de obra inacabada ( Marx queria também analisar o direito, o Estado e a ideolo ¬ gia do modo de produção capitalista ) , represen ¬ ta justamente a aná lise científica do ní vel eco ¬ nómico do modo de produção capitalista ; e é por isso que é considerado geralmente, e a justo t í tu ¬ lo, antes de tudo, como a teoria do sistema eco¬ nómico do modo de produçã o capitalista. Mas como esta teoria do n ível económico do modo de produção capitalista supõe necessariamente, se não a teoria desenvolvida , pelo menos elementos teó ricos suficientes sô bre os outros níveis do mo ¬ do de produção capitalista ( o n ível jurídico polí ¬ tico e o nível ideológico ), O Capital não se limi -

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ta à “ economia ” . Excede a amplamente , em con ¬ formidade com a concepção marxista da realida ¬ de económica, que nã o pode ser compreendida em seu conceito, definida e analisada senão como um n ível, uma parte, um todo parcial inscrito orgá ¬ nicamente na totalidade do modo de produção considerado. Por isso se encontra em O Capital elementos teóricos fundamentais para elaborar a teoria dos outros n íveis ( político, ideológico ) do modo de produção capitalista, elementos a bem dizer não desenvolvidos, mas suficientes para guiar-nos em seu estudo teórico. Da mesma ma ¬ neira, é possível encontrar em O Capital, que no entanto só se propõe à análise “ do modo de pro ¬ dução capitalista ” , elementos teóricos concer ¬ nentes ao conhecimento dos outros modos de pro¬ dução e das formas de trasiçã o entre diferentes modos de produção, elementos também não de ¬ senvolvidos, mas suficientes para guiar-nos em seu estudo teó rico. Tal é, lembrada de modo muito esquemá tico, a natureza da primeira das duas ciências funda ¬ das por Marx: o materialismo histó rico. Ao fundar esta ciência da histó ria, Marx fundou no mesmo ato outra disciplina científica : o materialismo dialético ou filosofia marxista Aqui intervém , contudo, uma diferen ça de fato. Ao passo que Marx pôde desenvolver amplamen ¬ te o materialismo histórico, nã o teve tempo para fazer o mesmo com o materialismo dialé tico ou filosofia marxista . Pôde unicamente lançar suas bases, seja em rápidos esboços ( as Teses sôbre Feuerbach ), seja em textos polê micos ( Ideologia Alemã e Miséria de Filosofia ) , ou ainda em um texto metodológico muito denso ( a Introdução à Contribuição à Crí tica da Economia Política, de 1857 ) , e em algumas passagens de O Capitai ( em particular no Posf ácio à segunda edição alem ã ) . Foram as necessidades da luta ideológica no ter ¬ reno da filosofia que levaram Engels anti -Duhring, Ludwing Feuerbach ou O Fim da Filosofia Clássica Alemã ) e Lê nine ( Materialismo e Em ¬ piriocriticismo, Cadernos de Notas sôbre a Dialé ¬ tica, não publicados pelo autor ) a desenvolver mais longamente os princípios do materialismo dialé tico esboçados por Marx. Porém, nenhum dêsses textos, nem mesmo os textos de Engels e de Lê nine, que são também , no essencial, textos polê micos ou textos de leitura ( as Notas de Lènine ), apresentam um grau de elaboração e de sistematicidade, portanto de cientificidade, com ¬ pará vel, ainda que de longe, ao grau de elabora ¬ ção do materialismo histórico que possuímos em O Capital. Por isso, exatamente como o fizemos para o materialismo histórico, necessitamos dis ¬ tinguir no materialismo dialé tico o que nos foi ,

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m dado do que não nos foi dado, para poder medir o que temos por fazer. O materialismo dialé tico, ou filosofia marxis ¬

ta, é uma disciplina científica distinta do materia ¬ lismo histórico. A distin ção entre essas duas dis ¬ ciplinas científicas repousa na distin ção de seus objetos. O objeto do materialismo histó rico é cons tituido pelos modos de produção, sua constitui ¬ ção e suas transformações. O objeto do materia ¬ ¬

lismo dialé tico é constitu ído pelo que Engels cha ¬ ma “ a história do pensamento” , ou pelo que Lênine chama a histó ria da “ passagem da ignorâ n ¬ cia ao conhecimento” , ou por aquilo que podemos chamar de história da produção dos conhecimen ¬ tos, ou ainda a diferen ça histórica entrega ideo ¬ logia e a ciência, ou a diferen ça específica da cientificidade, problemas todos que abrangem ao grosso o dom ínio chamado na filosofia clássica teoria do conhecimento Certamente, esta teoria n ão pode ser mais, como era na filosofia idealis ¬ ta clássica, uma teoria das condições formais, in temporais do conhecimento, uma teoria do “ cogi to” ( Descartes, Husserl ) , uma teoria das formas “ a priori” do espí rito humano ( Kant ) , ou uma teoria do saber absoluto ( Hegel ) . Do ponto de vis¬ ta marxista, esta teoria do conhecimento não po ¬ de ser senão uma teoria da histó ria do conheci ¬ mento, isto é, das condições reais do processo de produção do conhecimento ( condições materiais e sociais por um lado, condições internas à prá tica científica por outro ) . A “ teoria do conheci ¬ mento” , entendida desta maneira, constitui o co ¬ ra ção da filosofia marxista . Estudando as condi ¬ ções reais da prá tica específica que produz os co ¬ nhecimentos, a teoria filosófica marxista é leva ¬ da necessariamente a definir a natureza das prá ¬ ticas n ã o-científicas ou pré científicas, as prá ¬ ticas da “ ignorâ ncia ” ideológica ( prá tica ideoló ¬ gica ) e tôdas as pr ó ticas reais nas quais se ba ¬ seia a prá tica científica e com as quais est á em rela ção ( a prá tica de transformação das rela ções sociais, ou prá tica polí tica ; a pr á tica de transformação da natureza , ou pr á tica econ ó mi ¬ ca ). Esta ú ltima prá tica põe o homem em relação com a natureza, que é a condição material de sua existência biológica e social. A filosofia marxista , como tôda disciplina científica, se apresenta sob dois aspectos : uma teoria que exprime o sistema racional de seus conceitos teó ricos e um mé todo que expressa a re ¬ laçã o que a teoria manté m com o objeto em sua aplicação ao mesmo. Bem entendido, teoria e mé ¬ todo estão profundamente unidos e nã o passam das duas faces de uma mesma realidade : a disci ¬ plina científica em sua vida mesma. Mas é im ¬ portante distinguí-los para evitar quer uma in ¬

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terpreta ção dogm á tica ( teoria pura ), quer uma interpretaçã o metodológica ( m é todo puro ) do materialismo dialé tico. No materialismo dialé ti ¬ co se pode, esquematicamente, considerar que é o materialismo que representa o lado da teoria e a dialé tica que representa o lado do m é todo

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Mas cada um dos dois têrmos inclui o outro. O materialismo exprime as condições efetivas da prá tica que produz o conhecimento, em especial, l.° ) a distinção entre o real e seu conhecimentc ( distin ção de realidade ) , correlativa de uma cor ¬ respond ê ncia ( adequaçã o ) entre o conhecimento e seu objeto ( correspond ência de conhecimento ) , e 2.° ) a primazia do real sô bre seu conhecimento ou primazia do ser sô bre o pensamento. Contudo, êstes próprios princípios n ão são princípios “ eter ¬ nos” : são os princípios da natureza histórica do processo em que é produzido o conhecimento É por isso que o materialismo é chamado dialé tico: a dialé tica que exprime a rela ção da teoria com seu objeto, exprime esta rela ção não como a re ¬ lação entre dois tê rmos simplesmente distintos, mas como uma relaçã o interior a um processo de transforma çã o, portanto de produção real. É isto que se afirma ao dizer que a dialé tica é a lei da trasformação, a lei do devir dos pro ¬ cessos reais ( tanto dos processos naturais e so ¬ ciais, quanto dos processos do conhecimento ) . É n êste sentido que a dialética marxista só pode ser materialista, pois não exprime a lei de um puro processo imagin á rio ou pensado, mas a lei dos processos reais, que são certamente distintos e “ relativamente autó nomos ” , segundo o n ível de realidade considerado, mas que estão todos ba ¬ seados em ú ltima instâ ncia nos processos da na ¬ tureza material Que o materialismo marxista seja necessariamente dialé tico, é o que distingue a filosofia materialista marxista de tôdas as fi ¬ losofias materialistas anteriores. Que a dialé tica marxista seja necessà riamente materialista, é o que distingue a dialé tica marxista de tô da dia ¬ lé tica idealista, em particular da dialé tica hege

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liana.

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Quaisquer que sejam as relações histó ricas que possam ser invocadas entre o materialismo marxista e os materialismos “ metaf ísicos” ou mecanicistas anteriores por um lado, e entra a dia ¬ lé tica marxista e a dialé tica hegeliana por outro lado, existe uma diferen ça fundamental de essê n ¬ cia entre a filosofia marxista e tôdas as outras filosofias. Ao fundar o materialismo dialético, Marx realizou em filosofia uma obra tão revolu ¬ cion á ria quanto a que concluiu no dom ínio da histó ria ao fundar o materialismo histó rico.

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Ill PROBLEMAS COLOCADOS PELA EXISTÊNCIA DESSAS DUAS DISCIPLINAS A existê ncia destas duas disciplinas científi ¬

cas, o materialismo histórico e o materialismo dialé tico, levanta dois problemas:

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a fundaçã o do materialismo históri ¬ co acarretou necessariamente a fundação do

Por que

materialismo dialé tico?

Qual é a funçã o própria do materialismo

dialé tico ?

Muito esquematicamente, pode-se dizer que a fundação do materialismo histórico, ou ciência da histó ria, provocou necessariamente a fundação do materialismo dialé tico pela razão de princípio seguinte: Sabe-se que na história do pensamento humano a fundação de uma nova ciência importante sempre abalou e renovou a filosofia existente. Sucedeu assim com as mate má ticas gregas, que em grande parte provocaram a modificação que culminou na filosofia de Pla ¬ tão ; com a f ísica moderna, que provocou as mo¬ dificações que fizeram surgir primeiro a filoso¬ fia de Descartes ( após Galileu ) , depois a de Kant ( após Newton ) ; sucedeu o mesmo com a inven ¬ ção do cá lculo infinitesimal, que influiu grandemesme na revisão filosófica de Leibniz, e com a lógica matem á tica , que engajou Husserl no ca ¬ minho de seu sistema da fenomenología trans ¬ cendental. Pode se dizer que o mesmo processo aconteceu com Marx e que a fundação da ciên ¬ cia da histó ria acarretou a fundação de uma no¬ va filosofia. Contudo, é preciso ir mais a fundo para mos trar por que razã o a filosofia marxista ocupa lu ¬ gar privilegiado em tôda a história da filosofia e f êz passar a filosofia do estado de ideologia ao estado de disciplina cientí fica. A razão é que Marx foi de certa maneira constrangido , por uma implacá vel lógica , a fundar uma filosofia radi ¬ porqeu foi o primeiro a pensar calmente nova cientí ficamente a realidade da história , que tôdas as outras filosofias tinham sido incapazes de pen ¬ sar. Pensando científicamente a realidade da his¬ tória, Marx foi obrigado pela primeira vez a si ¬ tuar e tratar as filosofias como realidades que, mesmo visando à “ verdade” , mesmo falando das condições do conhecimento, pertencem no entan ¬ to à história, não só por estarem condicionadas por ela , mas també m porque aí desempenham uma função social 1.

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As filosofias clássicas, idealistas ou materia ¬ listas, eram incapazes de pensar sua própria his ¬ tória : seja o simples fato de terem aparecido em um momento determinado da história, seja o fa ¬ to, muito mais importante, de terem tôda uma histó ria atrás de si, e de serem em grande parte produto de tôda esta história passada, devido à relaçã o existente entre a histó ria da filosofia e a histó ria das ciê ncias e das outras prá ticas so ciais. Mas a partir do momento em que um ver dadeiro conhecimento da história foi enfim pro ¬ duzido, a filosofia não podia mais ignorar, recu ¬ sar ou sublimar sua relação com a história ; eralhe necessá rio ter em conta e pensar esta rela ção. Era lhe necessá rio converter-se por uma re ¬ volução teó rica numa filosofia nova, capaz de pensar, na própria filosofia, sua verdadeira re ¬ lação com a história, ao mesmo tempo que sua relação com a verdade. Filosoficamente, da í em diante, as antigas filosofias da consciência, do sujeito transcendental, tanto quanto as filosofias dogm á ticas do saber absoluto, não eram mais possíveis. Era necessá ria uma nova filosofia ca ¬ paz de pensar a inserção histórica da filosofia na histó ria, sua relação real com as prá ticas cien ¬ tíficas e sociais ( políticas, económicas, ideológi ¬ cas ) , sem deixar de dar conta da relação de covnhecimento que mantém com seu objeto. Foi des ta necessidade teórica que nasceu o materialismo dialé tico, a ú nica filosofia que trata o conheci ¬ mento como o processo histórico de produção dos conhecimentos e que reflete seu n ôvo objeto no materialismo e na dialé tica simultaneamente. As outras transformações ocorridas na filosofia ha ¬ viam tido sempre por base ou a negação ideoló ¬ gica da realidade da história , sublimada em Deus ( Platão, Descartes, Leibniz ) , ou uma concepção ideológica da história, concebida como a realiza ¬ ção da filosofia mesma ( Kant, Hegel, Husserl ): não alcançaram jamais a realidade histórica , uma vez que a deixavam sempre de lado ou a desconheciam. Se a transformação que Marx im ¬ primiu à filosofia é realmente revolucion á ria do ponto de vista filosófico, é porque êle encarou sè riamente, pela primeira vez na história, a rea ¬ lidade da história, e esta simples diferença aba ¬ lou de cima a baixo as bases da filosofia exis ¬ ¬

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tente. 2.

Quanto à função própria da filosofia, à necessidade absoluta da filosofia para o marxis¬ mo, ela repousa também sô bre profundas razões teóricas. Lênine as expôs com grande clareza no Materialismo e Empiriocritismo. Êle mostrou que a filosofia tinha desempanhado sempre um papel teó rico fundamental na constituição e no

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desenvolvimento do conhecimento, e que a filo ¬ sofia marxista nada fazia se nã o reassumir êste papel por sua conta , contando poré m com meios que eram , em sua origem, infinitamente mais puros e mais fecundos. Sabemos com efeito que o conhecimento, que em sentido forte é conheci ¬ mento científico, nã o nasce nem se desenvolve num vaso fechado, protegido por não se sabe que milagre de t ôdas as influências do mundo am ¬ biente . Entre estas influ ê ncias, há influências sociais e polí ticas, que podem intervir diretamen te na vida das ciências, e comprometer grave ¬ mente o curso de seu desenvolvimento, quando não simplesmente sua existê ncia Conhecemos numerosos exemplos na histó ria . Poré m, há in fluê ncias menos visíveis, mas també m pernicio ¬ sas, se não mais perigosas ainda , porque passam geralmente despercebidas : as influ ê ncias ideo¬ lógicas Foi ao romper, ao fim de um rude trabalho de cr í tica, com as ideologias da histó ria existen ¬ tes, que Marx logrou fundar a teoria da história, e sabemos també m, pela luta de Engels contra Duhring e de Lênine contra os discípulos de Mach, que, uma vez fundada por Marx , a teoria da histó ria n ã o escapou ao cê rco das ideologias, a suas influ ências e a suas agressões. É que tô ¬ das as ciências, e tanto as ciências da natureza quanto as ciências sociais, estão submetidas constantemente ao cêrco das ideologias existen tes, e em particular desta ideologia que desarma por seu cará ter aparentemente não ideoló gico e na qual o sábio reflete “ espontá neamente ” sua pró pria prá tica : a ideologia “ empirista ” ou “ posi tivista ” . Como j á dizia Engels, todo sá bio, queira ou nã o, adota inevitavelmente uma filosofia da ciê ncia, n ão pode passar sem uma filosofia. Todo o problema consiste entã o em saber que filosofia êle deve ter por companheira : uma ideologia, que deforma sua próprai prá tica ou uma filosofia científica que d á conta efetivamente de sua prá ¬ tica científica ? Uma ideologia que o escravize a seus ê rros e ilusões ou, ao contrá rio, uma filoso ¬ fia que o liberte das ilusões e lhe permita domi ¬ nar verdadeiramente sua pr á tica ? A resposta não deixa lugar para d ú vidas. Ela é em seu princípio a razão que justifica o papel essencial da filoso ¬ fia marxista com rela ção a todo conhecimento: qualquer ciência , se está apoiada numa falsa re ¬ presenta çã o das condições da prá tica científica e da rela ção da prá tica científica com as outras prá tica, corre o risco de retardar seu progresso, senão de enfiar se em becos sem sa ídas, ou en ¬ fim de tomar suas pró prias crises de crescimento por crises da ciê ncia como tal, e de oferecer com isso argumento para tôdas as explora ções religio ¬

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sas e ideológicas concebíveis. Temos exemplos re ¬ centes disto com a ‘crise da f ísica moderna ” ana ¬ lisada por Lê nine. Ainda mais, se uma ciência est á nascendo, corre o risco de pôr a serviço de seus procedi ¬ mentos habituais a ideologia em que se banha : disto temos exemplos evidentes com as chama das ciê ncias humanas, que quase sempre n ão passam de técnicas, bloqueadas em seu desenvol vimento pela ideologia empirista que as domina e que não lhes permite discernir seu verdadeiro fundamento, definir seu objeto e inclusive en ¬ contrar em disciplinas existentes, ainda que re jeitadas por proibições ou preconceitos ideológi cos ( como o materialismo histórico, que deveria ¬

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servir de fundamento à maior parte das ciências humanas ) , seus verdadeiros princípios básicos. O que vale para estas ciências, vale em primeiro lu gar para o próprio materialismo histórico, que é uma ciência como as outras e, dêste ponto de vis¬ ta, não goza de nenhum privilégio de imunidade. Êle també m está constantemente ameaçado pela ideologia dominante, e conhecemos o resultado : as diferentes formas de revisionismo que, em sua origem e seja qual f ô r a forma de sua existê ncia ( econ ó mica, polí tica, social, teó rica ) , se relacio ¬ na sempre com desvios de cará ter filosófico, isto é, com a influência direta ou indireta de filoso fias deformadoras, de filosofias ideológicas. Lê ¬ nine o mostrou claramente em Materialismo e Empiriocriticismo ao afirmar que a razão de ser do materialismo dialé tico consistia , precisamen ¬ te, em proporcionar os princípios que permitem distinguir a ideologia da ciê ncia e portanto evi ¬ tar as armadilhas da ideologia até mesmo nas in ¬ terpretações do materialismo histórico. Dêste modo demonstrou que o que êle chama a “ posi ção de partido em filosofia ” , ou seja, a recusa de tôda ideologia e a consciê ncia exata da teoria de cientificidade, era uma exigência absolutamente vital para a própria existência e desenvolvimento nã o só das ciências naturais, mas també m das ciências sociais e acima de tudo do próprio ma ¬ terialismo histó rico. Já se disse com acêrto que o marxismo é um \ < “ guia para ação ” . Êle pode ser éste “ guia ” porque nã o é um falso guia, mas um guia verdadeiro, porque é uma ciência , e unicamente por êste mo¬ tivo. Digamos com tôdas as precauções requeri ¬ das por esta comparação que, em numerosas cir ¬ cunstâ ncias, também as ciê ncias têm necessidade de um “ guia ” , n ã o de um guia falso, mas de um guia verdadeiro e entre as ciê ncias o próprio materialismo histó rico tem uma necessidade vital dêsse “ guia ” . Êste “ guia ” das ciências é o mate ^\ rialismo dialé tico. E como não existe outro “ guia ” ¬

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acima do materialismo dialético, compreende se que Lênine tenha atribuído à tomada de posição científica em maté ria de filosofia uma importâ n cia absolutamente decisiva ; compreende se que o materialismo dialé tico exija a mais alta cons ¬ ciência e o mais alto rigor científico, a mais alta vigilâ ncia teó rica, j á que êle é, no domínio teó ¬ rico, o último recurso possível, ao menos para os homens que se libertaram, como nós, dos mitos da onisciência divina ou de sua religiã o profana :

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o dogmatismo.

IV

NATUREZA DE UMA CIÊNCIA, CONSTITUIÇÃO DE UMA CIÊNCIA , DESENVOLVIMENTO DE UMA CIÊNCIA, INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA Se , como pensamos, a doutrina de Marx é uma doutrina científica, se todos os objetivos e todos os meios de ação dos comunistas se baseiam na aplica ção dos resultados das teorias científi ¬ cas de Marx, nosso primeiro dever se refere na ¬ turalmente à ciência que nos d á os meios para compreender a realidade do mundo histórico e os meios para transformá-lo. Temos ent ão o dever categórico de tratar a teoria de Marx ( em seus dois dom ínios: materia ¬ lismo histórico e materialismo dialético ) como o que ela é, como uma verdadeira ciência, tomando consciência do que implica a natureza de uma ciência, a constituição de uma ciência , e sua vida , ou seja , seu desenvolvimento. Êste dever comporta hoje exigê ncias parti ¬ culares. Com efeito, n ão estamos mais na posi ¬ ção de Marx, simplesmente porque n ão temos de fazer den ô vo o prodigioso trabalho teórico que Marx realizou. A teoria marxista existe para nós primeiramente como um resultado, contido em certo n ú mero de obras teóricas e presente em suas aplicações políticas e sociais. Na ciê ncia existente hoje, o trabalho teórico que a produziu n ão é mais visível a olho nu, pas ¬ sou inteiramente para a ciência constituída. É aí que se esconde um perigo, pois podemos ser tentados a tratar a ciê ncia marxista constituí ¬ da ou como um dado ou como um conjunto de verdades acabadas : em suma , cair numa concep ¬ ção empirista ou numa concepção dogmática da ciência. Podemos considerá -la como um saber acabado, que n ã o levanta nenhum problema de

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desenvolvimento ou

de investiga ção - e assim a abordaremos como dogm á ticos. Podemos tam ¬ bé m , j á que ela nos d á o conhecimento do real, crer que ela o reflete diretamente e naturalmen ¬ te, e que bastou a Marx ver, ler, enfim refletir bem em sua teoria abstrata a essência das coisas dadas nas pró prias coisas, sem levar em conta o enorme trabalho de produ çã o teórica necessá rio para chegar ao conhecimento e a abordaremos ent ão como empiristas. Em ambas as interpretações, a dogmática e a empirista, faremos uma idéia falsa da ciência , pois consideraremos o conhecimento da verdade como o conhecimento de um dado puro, ao passo que o conhecimento é, ao contrá rio, um processo complexo de produção dos conhecimentos. Ora, a id é ia que tivemos da ciêncfia ser á decisiva pa ¬ ra a pró pria ciência marxista. Se tivermos dela uma concepçã o dogmá tica, n ão faremos nada para a desenvolver , repetiremos indefinidamen ¬ te seus resultados, e a ciência não só n ão progre ¬ dirá, mas perecerá. Se tivermos uma concep ção empirista , correremos o risco de ser igualmente incapazes de (fazê la progredir sè riamente, pois estaremos cegos sô bre a natureza do processo real da produção dos conhecimentos e permanecere ¬ mos á reboque dos fatos e dos acontecimentos a reboque, isto é, atrás e em atraso. Se, ao con ¬ trá rio, formarmos uma idéia justa da ciê ncia , de sua natureza, das condições da produção dos co ¬ nhecimentos, então poderemos desenvolvê-la e dar -lhe a vida a que tem direito, e sem a qual n ão seria mais uma ciência, e sim um dogma es¬ tagnado e morto. 1 . Saber o que é uma ciência é saber, antes de tudo, como ela se constitui , como é produzi ¬ da : tôda ciência é produzida por um imenso tra balho teórico específico, por uma pr á tica teórica insubstituível, extremamente longa, á rdua e di ¬ f ícil. Dizia Marx ( carta a Lachatre, 18-3-1872 ) : “ Nã o h á estrada real, direta e larga , para a ciência e somente aqu êles que n ão temem fa ¬ tigar -se ao escalar suas sendas escarpadas terão oportunidade de chegar a seus cumes



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luminosos” . Esta prá tica supõe tôda uma sé rie de condi ¬ ções teóricas específicas, em cujos detalhes n ão é possível entrar aqui. O ponto importante é que uma ciência , longe de refletir os dados imedia ¬ tos da experiência quotidiana e da prá tica quo ¬ tidiana, só se constitui com a condiçã o de pô-los em questão e de romper com êles, a tal ponto que seus resultados, uma vez adquiridos, parecem

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mais o contrá rio das evidências da prática quo ¬ tidiana do que seu reflexo.

Marx escreve: “ As verdades científicas sã o sempre parado ¬ xais, quando a submetemos ao controle da experiência quotidiana, que apreende somen ¬ te a aparência enganosa das coisas” ( Salá ¬ rio, Preço e Lucros, pág. 10 ). Engels diz a mesma coisa, quando declara que as leis da produ ção capitalista “ se realizam sem que os interessados tenham consciências delas, e só podem ser abstraídas da prá tica quotidiana por um estudo teó rico dif ícil” ( Pref ácio ao Livro II de O Capital, Tomo VI, pá g. 34 ) . Êste estudo teó rico dif ícil n ão é uma abstra ¬ çã o no sentido da ideologia empirista : conhecer não é extrair das impurezas e das diversidades do real a essência pura que estaria contida no real, como se extrai o ouro da ganga de areia e de ter ra em que se achava contido ; conhecer é produ ¬ zir o conceito adequado do objeto pela aplicação de meios de produ ção teó rica ( teoria e m é todo ) a uma matéria prima dada. Esta produçã o de co nhecimento em uma ciência dada é uma prá tica específica, que deve ser denominada prá tica teóri ¬ ca uma prá tica específica, isto é, distinta das outras prá ticas existentes ( pr á tica econ ómica , prá tica polí tica, prá tica ideoló gica ) e em seu nível e em sua função absolutamente insubstituível. É claro que esta prá tica teó rica está em relação orgâ nica com as outras prá ticas, está fundada e articulada sôbre elas, mas é insubstitu ível em seu domínio próprio: isto quer dizer que a ciên ¬ cia é produzida como ciência por uma prática es ¬ pecífica, a prá tica teórica, que nã o pode, a título nenhum, ser substitu ída por nenhuma das ou ¬ tras práticas. Êste ponto é importante, pois cons ¬ titui um êrro empirista e idealista dizer que os conhecimentos científicos sã o o produto da prá ¬ tica social em geral, ou da prá tica política e eco n ó mica. Se nos contentarmos em falar da prá ¬ tica em geral, u se falarmos somente da prá ¬ tica econ ómica e da prá tica polí tica sem men cionar a prá tica teórica como tal, alimentareremos a id éia de que as prá ticas n ão-científicas produzem por si mesmas, espoitâ neamente, o equivalente à prá tica científica , e descuidare ¬ mos o cará ter e a funçã o insubstitu íveis da prá ¬ tica científica. Marx e Lênine alertaram-nos para êste pon ¬ to, ao mostrar-nos, por exemplo, que a prá tica económica e a prá tica política do proletariado ¬

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eram, por

si sós, incapazes de produzir a ciência da sociedade, e por conseguinte a ciê ncia da pró ¬ pria prá tica proletá ria , e produziam apenas ideo ¬ logias utópicas reformistas sôbre a sociedade. A ciência marxista leninista, que est á a serviço dos interêsses objetivos da classe prolet á ria , não po ¬

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deria ser o produto espontaneo da prá tica do proletariado : ela foi produzida pela pr á tica teó¬ rica de intelectuais que possuíam uma alta cul ¬ tura, Marx, Engels e Lênine, e foi trazida “ de fora ” à pr á tica proletá ria, à qual em seguida modifi cou, transformando- a profundamente. É um êrro teó rico “ esquerdista ” dizer que o marxismo é uma “ ciência proletá ria ” , se se entende por isso que êle foi produzido ou é produzido espontanea mente pelo proletariado : êste êrro só é possível com a condição de silenciar sôbre a existência e a função insubstituíveis da prá tica científica, co ¬ mo prá tica produtora da ciência. Que esta pr á tica científica trabalhe sôbre os dados da experiên ¬ cia da prá tica econó mica e política do proleta ¬ riado e das outras classes, eis a í uma condi çã o fundamental da prá tica científica. Mas esta é apenas uma de suas condições : todo o trabalho científico consiste justamente em produzir , par tindo da experiência e dos resultados destas prá ticas concretas, o conhecimento delas, que é fru ¬ to de uma outra prá tica, de todo um trabalho teórico específico. Podemos fazer uma id éia da importâ ncia gigantesca dêste trabalho e de suas consideráveis dificuldades, lendo O Capital e sa ¬ bendo que Marx trabalhou durante trinta anos para lançar suas bases e desenvolver suas análi ¬ ses conceituais. É necessá rio, pois, reter que n ão h á ciência possível sem a existê ncia de uma prá tica especí ¬ fica, distinta das outras prá ticas: a prá tica cien ¬ tífica ou teórica. É preciso reter que esta prá tica é insubstituível e, como tôda pr á tica, possui suas leis próprias e exige meios próprios e condições próprias de atividade. ¬

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2 . Saber o que é uma ciê ncia é, ao mesmo tempo, saber que ela só pode viver com a condi ¬ çã o de se desenvolver permanentemente. Uma ciência que se repete, sem descobrir nada , é uma ciência morta ; n ã o é mais uma ciência , e sim um dogma petrificado. Uma ciência só vive de seu desenvolvimento, isto é, de suas descobertas. És ¬ te ponto é igualmente muito importante. Pode ¬ mos ser tentados a crer que possu í mos no mate rialismo histó rico e no materialismo dialé tico, tais como nos sã o dados hoje, ciê ncias acabadas e podemos ser tentados a desconfiar por princ í ¬ pio de tôda descoberta nova. Certamente o mo ¬ vimento operá rio tem razão de manter -se em ¬

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que os socialistas devem fazer progredir em tôdas as direções se nã o quiserem atrasar-se em rela ção à vida. Pensamos que sobretudo os socialistas russos devem absolutamente desen ¬ volver por si mesmos a teoria de Marx, por ¬ que esta indica apenas os princípios diretivos gerais, que se aplicam diferente a cada caso particular, à Inglaterra de modo diferente do que à França, à Fran ça de modo diferente do que à Alemanha, à Alemanha de modo dife ¬ rente do que à R ússia ” ( Nosso Programa, Obras completas, tomo IV, pá g. 209 -210 ) .

guarda contra os revisionistas, que sempre se ampararam com os títulos da “ novidade” ou da mas esta defesa necessá ria não “ renovação ” tem nada a ver com a suspeita em relaçã o às des ¬ cobertas de uma ciência viva. Se ca íssemos nêsse ê rro, nosso atitude para com as ciências em ques¬ t ão seria dominada por êle, e nos dispensaríamos do que devemos fazer : dedicar todos os nossos es forços para desenvolvê las e para forçá-las a produzir novos conhecimentos e novas descober ¬



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tas.

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Marx, Engels e Lênine manifestaram se a res ¬ peito dêste ponto sem nenhum equívoco. Quando

Marx, em uma tirada célebre, dizia que “ não era marxista ” , queria dizer que considerava aquilo que havia feito como um simples com êço de ciên ¬ cia, e n ão como um saber acabado, pois um sa ¬ ber acabado é uma coisa sem sentido, que con ¬ duz mais cedo ou mais tarde a uma não ciência.

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Engels diz o exemplo, em 1877:

mesmo

quando escreve, por

“ Foi graças às descobertas de Marx que o socialismo se converteu em uma ciência, que se trata agora de elaborar em todos os seus pá g. 58 ) . detalhes” ( Anti-Duhring Ou ainda :



“ . . . A economia política, como ciência das condições e das formas nas quais as diferen ¬ tes sociedades produziram e comerciaram . . . a economia política, nêste sentido amplo, continua ainda por ser feita. O que possuí ¬ mos até hoje de ciência económica se limita quase exclusivamente à génese e ao desen ¬ volvimento do modo de produ ção capitalis ta . . V' ( Anti-Duhring, pá g. 182 ) . Lênine proclama esta realidade, se possível, ainda com mais f ô rça, em 1899:



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“ Não poderia existir um partido socialista forte sem uma teoria revolucion á ria, que unisse todos os socialistas, da qual êles tiras sem tôdas as suas convicções e a qual êles aplicassem a seus mé todos de luta e a seus meios de ação. Defender uma tal teoria , que se considera como profundamente verdadei ra , contra os ataques injustificados e as ten tativas de alterá -la, n ã o significa, de modo algum, que se seja inimigo de tôda crítica. Nós nã o consideramos a doutrina de Marx como alguma coisa acabada e intangível ; ao con ¬ trá rio, estamos convencidos de que ela lan ¬ çou apenas as pedras angulares da ciência ¬

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Êste

texto de Lênine contém vá rios temas capitais:

1) No domínio teó rico, Marx nos deu as “ pe ¬ dras angulares” , os princípios diretivos, isto é, os princípios teó ricos de base de uma teoria que é preciso absolutamente desenvolver ; 2 ) Êste desenvolvimento teó rico é um dever para todos os socialistas, um dever para com sua ciência, sem a qual faltariam a seu dever para com o próprio socialismo ; 3 ) É necessá rio não somente desenvolver a teoria em geral, mas també m saber desenvolver suas aplicações particulares, segundo a natureza própria de cada caso concreto ; 4 ) Esta defesa e êste desenvolvimento da ciência marxista sup õem ao mesmo tempo a maior firmeza contra todos os que querem arrastar-nos para aquém dos princípios científicos de Marx e uma verdadeira liberdade de crítica e de inves ¬ tigaçã o científica, exercida com base nos princí ¬ pios teó ricos de Marx, para aqueles que podem e querem ir além : liberdade indispensá vel à vida da ciê ncia marxista como de qualquer outra ciên ¬ cia. Nossa posição deve consistir em tirar as con ¬ clusões teó ricas e prá ticas d êstes princípios. Em particular , se o materialismo histó rico e o mate ¬ rialismo dialé tico são ambos disciplinas científi ¬ cas, devemos necessariamente desenvolvê-los, fazê-los produzir conhecimentos novos, esperar déles, como de tôda ciê ncia viva , descobertas. Geralmente, admite-se que assim deve ser para o materialismo histórico , mas nem sempre se afirma isso com igual nitidez em rela ção ao ma ¬ terialismo dialético, porque n ão se faz uma idéia exata de seu cará ter de disciplina científica , por ¬ que se permanece fixado à noção ( idealista ) de que a filosofia n ã o é verdadeiramente uma disci ¬ plina de cará ter científico. De fato, a partir de Lênine, temos muita di ¬ ficuldade para indicar descobertas produzidas no



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domínio do materialismo dialé tico, o qual per ¬ maneceu pr à ticamente no ponto a que Lênine o levou no Materialismo e Empiriocriticismo. Se assim é, trata se de um estado de coisas a exa ¬ minar muito sè riamente e a retificar logo. Da mesma maneira, se o materialismo histó rico se beneficiou com as grandes descobertas teó ricas de Lênine ( a teoria do imperialismo, a teoria do partido comunista, o início da teoria sôbre a na ¬ tureza específica da primeira fase da transição do modo de produçã o capitalista ao modo de pro ¬ du ção socialista ) , não se vê que tenha sido, desde então, objeto de importantes desenvolvimentos teó ricos, no entanto indispensá veis à solu çã o dos problemas levantados por nosso tempo : como, para não citar mais do que um, o problema das formas de transição dos modos de produ ção com ¬ plexos combinados dos países ditos “ subdesen ¬ volvidos” ao modo de produção socialista. Da mesma maneira , a dificuldade para dar conta teoricamente de um fato histó rico tão im ¬ portante como o “ culto à personalidade ” decorre da insuficiência do desenvolvimento da teoria das formas de transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produçã o socialista.

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3 . Se desenvolver a ciência marxista ( em seus dois dom í nios ) é um dever para os comu ¬ nistas, êste dever deve ser encarado em suas condições concretas. Para que uma ciê ncia possa se desenvolver , é necessá rio em primeiro lugar que se possua uma idéia justa da natureza da ciência e em par ¬

ticular dos meios pelos quais ela se desenvolve, e portanto de tôdas as condições reais de seu de ¬ senvolvimento. É necessá rio assegurar à ciência estas con ¬ dições de desenvolvimento, em particular reco nhecer teórica e prà ticamente o papel insubsti ¬ tu í vel da prá tica científica no desenvolvimento da ciência e, por conseguinte, definir nitidamen ¬ te nossa teoria da ciência, rechaçar tôdas as in terpretações dogmá ticas e empiristas e fazer tri unfar nas id éias e nos fatos uma concepção exa ¬ ta da ciência. É necessá rio també m assegurar prà ticamente as condições de liberdade científica de que a pes ¬ quisa teó rica necessita, e dar lhe os meios mate ¬ riais desta liberdade ( organizações, revistas teó ¬ ricas etc. ). Enfim, é necessá rio criar as condições reais para a pesquisa científica ou pesquisa teó rica no próprio dom í nio do marxismo. É a esta preocupa ¬ ção que deve responder , na Fran ça , a cria çã o do ¬

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Centro de Estudos e Pesquisas Marxistas e a cria ção do Instituto Maurice Thorez. Mas é necessá ¬ rio també m que tôdas estas diferentes medidas ¬

sejam coordenadas, sejam pensadas como medi ¬ das que fazem parte de um todo, e que seja con ¬ cebida e aplicada em maté ria de teoria e de pes ¬ quisa teó rica uma política de conjunto, que n ã o pode vir sen ão do Partido, para dar ao materia ¬ lismo histó rico e ao materialismo dialé tico a pos ¬ sibilidade de se desenvolverem e de viverem uma verdadeira vida científica , e assim produzirem

conhecimentos novos. É necessá rio reconhecer que a pesquisa teó rica n ão pode consistir na simples repetição ou

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no simples comentá rio das verdades j á adquiri ¬ das, e com muito mais razão, n ão tem nada a ver com o desenvolvimento de simples temas ideoló ¬ gicos ou simples opini ões pessoais. A pesquisa teó rica só começa na zona qeu separa os conhe ¬ cimentos j á adquiridos e assimilados em profun ¬ didade dos conhecimentos ainda não adquiridos. Para ser pesquisador , é necessá rio ter alcan çado e ter ultrapassado esta zona. É necessá rio, por tanto, reconhecer que a pesquisa teó rica exige uma sólida forma ção teó rica para ser simples mente possível, e isso supõe a aquisição de uma elevada cultura , n ão somente marxista ( que é ab solutamente indispensá vel ) mas també m cientí ¬ fica e filosófica em geral. É preciso, pois, encora ¬ jar por todos os meios esta formação geral ao mesmo tempo que a forma ção teórica marxista, base pré via indispensá vel a tôda pesquisa teó ri ¬ ca marxista e científica. ¬

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4 . Podemos adiantar sem risco de ê rro que o desenvolvimento da teoria marxista em todos os seus dom ínios é uma necessidade de primeira urgência para nosso tempo, e uma tarefa absolu ¬

tamente

essencial para todos os comunistas

e isto por duas ordens de razões.



A primeira ordem de razões decorre da natu ¬ reza mesma das tarefas novas que a “ vida ” , isto é, a histó ria nos impõe . Desde a Revolu çã o de 17 e a época de Lê nine , imensos acontecimentos abalaram a história mundial. O crescimento da URSS, a vitória contra o nazismo e o fascismo, a grande revolução chinesa, a revoluçã o cubana e a passagem de Cuba para o campo socialista, a liberta ção das antigas colónias, as revoltas do Terceiro Mundo contra o imperialismo, abalaram a correla ção de forças no mundo mas criaram ao mesmo tempo um n ú mero considerável de no vos problemas, alguns sem precedentes, para cuja solu ção é indispensá vel o desenvolvimento da teoria marxista, e em primeiro lugar o de-



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senvolvimento da teoria marxista das formas de transição de um modo de produção a outro. Esta teoria não se refere unicamente aos pro ¬ blemas económicos da transição ( problemas das formas da planifica ção , da adapta çã o das formas da planificação aos diferentes estágios específi cos da transição segundo o estado particular dos países considerados ) ; refere-se també m aos pro ¬ ¬

blemas polí ticos ( formas do Estado, formas da organização polí tica do partido revolucion á rio ,

formas e natureza da intervenção do partido re ¬ volucion á rio nos diferentes domínios da atividade económica, polí tica e ideológica ) e aos problemas ideológicos da transiçã o ( polí tica no dom í nio re ¬ ligioso, moral, jur ídico, esté tico, filosófico etc. ) . A teoria a desenvolver n ã o se refere somente aos problemas levantados pelos pa íses ditos ‘‘subde ¬ senvolvidos” na sua passagem para o socialismo, mas també m aos problemas dos países j á engaja ¬ dos no modo de produção socialista ( URSS ) ou próximos a isso ( China ), a todos os problemas da planificação, das novas formas jurídicas e polí ¬ ticas a definir, para fazê-las corresponder às no ¬ vas relações de produção ( pré-socialistas, socia ¬ listas, pré-comunistas ) , e naturalmente a todos os problemas colocados pela existência de um campo socialista que apresenta rela ções econó¬ micas, políticas e ideológicas complexas, em fun ¬ ção da desigualdade de desenvolvimento dos di ¬ ferentes países. A teoria a desenvolver refere-se enfim à na ¬ tureza atual do imperialismo, às transformações do modo de produção capitalista na nova con ¬ juntura , ao desenvolvimento das forças produti ¬ vas, às novas formas de concentração económica e de govê rno polí tico dos monopólios e a todos os problemas estratégicos e tá ticos dos partidos comunistas na fase presente da luta das classes. Todos êsses problemas se referem , em ú ltima ins ¬ tâ ncia, ao futuro do socialismo e devem ser colo ¬ cados e resolvidos em fun ção de sua definição e de suas estruturas próprias. Em todos êsses pro ¬ blemas, n ós nos encontramos no terreno mesmo do conhecimento que Lê nine recomendava sole ¬ nemente aos comunistas que produzissem para cada _ pa ís, desenvolvendo a teoria marxista a partir dos conhecimentos adquiridos, aquêles que sã o tidos como as “ pedras angulares” das desco ¬ bertas de Marx. Mas não é somente a nova fisionomia da his¬ tória e seus problemas que nos obrigam a desen ¬ volver resolutamente a teoria marxista. Para isso temos uma segunda ordem de razões, que decorre do atraso teó rico acumulado durante o período do “ culto à personalidade” A palavra de

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desenvolver a teoria para n ã o ordem de Lênine toma ficarmos atrasados em rela ção à vida aqui um relêvo particular. Se ficamos em difi ¬ culdades para citar , em numerosos domínios da teoria marxista, descobertas de envergadura des¬¬ de os trabalhos de Lê nine, nós devemos esta si tuação em grande parte às condições com as quais o movimento operá rio internacional esteve comprometido pela política do “ culto ” , pelas in ú ¬ meras v í timas que ela produziu nas fileiras dos militantes, intelectuais e sá bios de grande valor , pela destruição que o dogmatismo causou aos es ¬ p í ritos. Se a política do “ culto ” não comprometeu o desenvolvimento das bases materiais do socialis¬ mo, ela sacrificou e bloqueou literalmente, du ¬ rante anos, todo desenvolvimento da teoria mar xista leninista , ignorou na pr á tica as condições indispensá veis à reflexão e à pesquisa teó rica e, pela suspeição polí tica com que encarava qual ¬ quer novidade teó rica , desferiu prà ticamente um golpe muito grave na liberdade de pesquisa cien ¬ t ífica e em tôda descoberta. Os efeitos desta po ¬ lí tica dogm á tica em mat éria de teoria se fazem sentir hoje, n ão somente nos resíduos do dogma ¬ tismo, mas també m, paradoxalmente, nas formas muitas vêzes an á rquicas e confusas que revestem um pouco por tôda parte as tentativas de nume ¬ rosos intelectuais marxistas para retomar a pos¬ se da liberdade de reflexão e de pesquisa de que tinham sido por tão longo tempo privados. Êste fen ômeno está hoje relativamente es ¬ palhado n ão só em tô rno dos meios marxistas, mas també m nos próprios partidos marxistas e até nos países socialistas. Poré m, o maior mal, que se expressa diretamente nesses ensaios ge ¬ nerosos mas com freq úê ncia atingidos pela con ¬ fusão ideológica, decorre de que o período do “ culto” , longe de contribuir , ao contrá rio impe ¬ diu a forma çã o teó rica de tôda uma gera ção de pesquisadores marxistas, cujas obras nos fazem falta hoje cruelmente. É preciso tempo, muito tempo para formar verdadeiros teóricos, e todo tempo perdido se paga com uma ausência de obras, com um atraso na produ ção da ciê ncia , com uma estagna ção, quando não com um re¬ trocesso dos conhecimentos. Ainda mais porque as posições que os marxistas nã o souberam ocu ¬ par no domínio do conhecimento, n ão perma ¬ neceram vagas: foram ocupadas, sobretudo no dom ínio das “ ciê ncias humanas” , por “ sábios ” ou “ teóricos” burguêses, sob a dominação direta da ideologia burguêsa, com tôdas as conseq úên cias prá ticas, polí ticas e teóricas de que se pode observar os efeitos desastrosos, ou melhor, cujos

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efeitos desastrosos nem mesmo se suspeita sem ¬ pre. Portanto, não só temos que recuperar nosso próprio atraso, mas també m devemos reocupar , por nossa conta, os domínios que nos cabem de direito, na medida em que dependem do mate rialismo histó rico ou do materialismo dialé tico ) , e devemos reocupá los em condições dif íceis, j á que devemos lutar por meio de uma crítica lúcida contra os prestígios dos aparentes resultados ad ¬ quiridos por seus ocupantes de fato. Por esta dupla ordem de razã o, hist ó rica e teó rica, é claro que a tarefa de desenvolver a teoria marxista em todos os seus dom ínios é uma tarefa polí tica e teórica de primeira ordem . ¬

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V A IDEOLOGIA Para poder, t ã o rigorosamente quanto pos sível, deduzir as conseqíiências pr á ticas do que acaba de ser dito sôbre a teoria científica mar ¬ xista, torna-se agora necessá rio colocar em seu devido lugar e definir um nôvo termo importan ¬ te : ideologia. Já vimos que o que distingue as organizações marxistas da classe operá ria é o fato de elas fundamentarem seus objetives socialistas, seus meios de açã o e suas formas de organiza çã o, sua estratégia e suas tá ticas revolucioná rias, nos princípios de uma teoria cient í fica, a de Marx, e anar ¬ não sôbre tal ou qual teoria ideológica quista, utópica reformista ou qualquer outra. Com isso, pusemos em evidê ncia uma oposiçã o e uma distinção cruciais entre a ciê ncia de um lado e a ideologia de outro. Mas com isso colocamos também em evid ê n ¬ ¬



cia uma realidade de fato, tanto a propósito da ruptura que Marx teve de consumar com as teo ¬ rias ideológicas da histó ria para fundar suas des cobertas científicas, como també m a propósito da luta a travar contra a ideologia que ameaça tôda ciência : é que a ideologia nã o só precede toda ciê ncia, mas també m se perpetua depois da constituição da ciê ncia e apesar de sua existên cia Mais ainda, constatamos que a ideologia ma ¬ nifesta sua existê ncia e seus efeitos não só no terreno de suas rela ções com a ciê ncia, mas tam bém num dom í nio infinitamente mais vasto: a ¬

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sociedade inteira. Quando falamos em “ ideologia da classe operá ria ” , para dizer que a ideologia da classe operá ria , que era “ espontaneamente” anarquista ou utópica em seus inícios, antes de se tornar geralmente reformista em seguida , foi pouco a pouco transformada pela influ ê ncia e pela ação da teoria marxista em uma nova ideo ¬ logia ; quando dizemos que hoje a ideologia de largas camadas da classe operá ria se converteu em uma ideologia de cará ter marxista -leninista ;

quando dizemos que devemos levar às grandes massas não somente a luta econ ómica ( por meio dos sindicatos ) e a luta polí tica ( por meio do par ¬ é claro tido ) , mas també m a luta ideológica que avançamos, sob o t ê rmo de ideologia , uma noçã o que questiona realidades sociais, uma no ¬ ção que, embora ligada a certa representa ção, portanto a certo “ conhecimento” do real, trans ¬ borda no entanto, amplamente, a simples ques ¬ tã o do conhecimento, para pôr em jô go uma rea ¬ lidade e uma função propriamente sociais. Temos, portanto, consci ê ncia , na utilizaçã o prá tica que fazemos desta noção, de que a ideo ¬ logia implica uma dupla relação : com o conhe ¬ cimento de um lado, com a sociedade de outro. A natureza desta dupla rela çã o não é simples, e requer um esforço de definição. Êste esforço é indispensá vel se é verdade, por um lado, como vimos, que é sumamente importante para o mar ¬ xismo definir se sem equ ívoco como uma ciê ncia, isto é, como uma realidade absolutamente dis¬ tinta da ideologia, e se é verdade , por outro lado, que a a çã o das organizações revolucion á rias ba ¬ seadas na teoria científica do marxismo deve de ¬ senvolver -se na sociedade, onde a cada passo e a cada instante de sua luta, e mesmo na cons ¬ ciê ncia da classe operá ria , elas se chocam com a existência social da ideologia Para ver bem claro nesta quest ã o capital, mas dif ícil, é indispensá vel retroceder e remon ¬ tar aos princípios da teoria marxista da ideolo ¬ gia , que faz parte da teoria marxista da socieda ¬ de . Marx mostrou que tôda formaçã o social cons ¬ titui uma “ totalidade orgâ nica” que compreende três “ n íveis” essenciais: a economia, a polí tica e a ideologia ou formas da consciê ncia social. O n ível ideológico representa, portanto, uma reali ¬ dade objetiva, indispensável à existência de uma formação social, realidade objetiva, isto é, inde ¬ pendente da subjetividade dos indiv íduos que es ¬ t ã o a ela submetidos, embora se refira a êstes indivíduos é por isso que Marx emprega a ex ¬ pressão “ formas da consciê ncia social ”



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Como representar a realidade objetiva e a função social da ideologia ? Em uma sociedade dada, os homens partici ¬ pam da produção económica, cujos mecanismos e efeitos são determinados pela estrutura das rela ¬¬ ções de produção; os homens participam da atio sã vidade polí tica, cujos mecanismosçõeesefeitos de classe regulados pela estrutura das rela ¬ ( a luta de classes, o direito e o Estado ) . Os mes ¬ , ati atividades outras de participam mos homens seja de vidades religiosa, moral, filosófica etc . , cons¬ uma maneira ativa, por meio de práeticas â nica, cientes, seja de uma maneira passiva mecltimas por reflexos, juízos, atitudes etc. Estas úgica e atividades constituem a atividade ideoló ou são sustentadas por uma adesão volunt,á ria involuntá ria, consciente ou inconsciente a um, conjunto de representa ções e crenças ^ religiosas morais, jurídicas, políticas, estéticas, filosóficas etc., que formam o que se chama o nível da

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ideologia

As representações da ideologia referem-se ao mundo em que os homens vivem , à natureza e à sociedade ; referem-se à vida dos homens, ,às suas relações com a natureza, com a sociedade com a ordem social, com os outros homens e com suas próprias atividades, inclusive sua prá tica econó ¬ mica e sua prá tica polí tica. Contudo, estas repre ¬ do sentações não são conhecimentos verdadeirosele ¬ mundo que elas representam. Podem conter ¬ integra sempre mas , to mentos de conhecimen dos e submetidos ao sistema de conjunto destas representações, que é, em seu princípio mesmo, um sistema orientado e falseado, um sistema do minado por uma falsa concepção do mundo ou do dom ínio dos objetos considerados. Na sua prá ¬ tica real, quer a prá tica económica , quer a prá ¬ tica política, os homens são efetivamente deter ¬ minados por estruturas objetivas ( relações de produ ção, relaçõ es políticas de classe ) : sua prá ¬ tica os convence da exist ência e faz com que êles percebam certos efeitos objetivos da ação des ¬ sas estruturas, mas dissimula a essê ncia delas por sua simples prá tica, os homens n ão podem chegar ao conhecimento verdadeiro dessas estru ¬ turas, nem por conseguinte da realidade econ ó mica, nem da realidade política , em cujos meca ¬ nismos no entanto desempenham um papel de ¬ finido. O conhecimento do mecanismo das estru ¬ turas econó mica e polí tica só pode ser o resul¬ tado de outra prá tica, distinta da pr á tica econ ó mica ou política imediatas, a prá tica científica da mesma maneira que o conhecimento das leis da natureza n ão pode ser o produto da sim ¬ ples prá tica técnica e da percepção, as quais n ã o ^

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fornecem mais do que observações empí ricas e

receitas técnicas, mas é, ao contrá rio, o produto de prá ticas específicas, distintas destas prá ticas

imediatas, as prá ticas científicas. No entanto, os homens, mesmo sem conhece ¬ rem as realidades políticas, econó micas e sociais nas quais vivem e agem, tê m de cumprir as ta refas atribuídas pela divisão do trabalho e não¬ podem viver sem se guiarem por uma certa re presentação de seu mundo e de suas relações com êste mundo. Esta representação, êles ao nas existindo na so cerem j á a encontraram feita ,que encontraram, ciedade, da mesma maneira d éles, as relações de produçã o e existindo antes as relações' políticas. Assim como os homens nas¬, cem “ animais económicos” e “ animais políticos” pode-se dizer que êles nascem també m “ animais ideológicos” . Tudo se passa como se os homens, para existirem como seres conscientes e ativos na sociedade que condiciona tôda sua existê ncia, ti vessem necessidade de dispor de uma certa re ¬ presentação de seu mundo, que pode permane ¬ cer em grande parte inconsciente e mec â nica, ou ao contrá rio ser mais ou menos consciente e re ¬ fletida. A ideologia aparece assim como certa re ¬ presentação do mundo, que liga os homens às suas condições de existê ncia e os homens entre si na divisão de suas tarefas e na igualdade ou desigualdade de sua sorte. Desde as sociedades primitivas, onde as classes n ã o existiam , consta ¬ ta-se já a existência dêste laço ou liame, e não é por casualidade que se p ôde ver na primeira forma geral da ideologia , a religiã o, a realidade dêste la ço ( esta é uma das etimologias possíveis da palavra religião ) . Em uma sociedade de clas¬ se, a ideologia serve não só para os homens com preenderem suas pr ó prias condições de existência , executarem as tarefas qeu lhes são designadsa, mas també m para “ suportarem” seu estado, seja a miséria da explora ção de que são as vítimas, seja o prestí gio exorbitante do poder e da ri queza de que são os benefici á rios. ¬

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As representações da ideologia acompanham,

pois, consciente ou inconsciente, como sinais e vetores carregados de proibições, de permissões, de obrigações, de resignações e de esperanças to¬

dos os atos dos indivíduos, tôda a sua atividade, todas as suas rela ções. Se representarmos a so ¬ ciedade segundo a metáfora clássica de Marx, como um edif ício, uma constru çã o, onde uma superestrutura jurídico-política repousa sôbre a mfra estrutura da base, dos alicerces económicos, deveremos dar à ideologia um lugar muito par ¬ ticular. Para compreender seu tipo de eficácia, e necessá rio situá-la na superestrutura e dar -lhe

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uma relativa autonomia em relação ao direito e ao Estado ; mas ao mesmo tempo, para compre ¬ ender sua forma de presença mais geral, é pre ¬ ciso considerar que a ideologia se introduz em todas as partes do edif ício e constitui êsse ci ¬ mento de natureza particular que garante o ajus te e a coesão dos homens em seus papéis, suas fun ções e suas relações sociais. De fato, a ideologia impregna tôdas as ati ¬ vidades do homem , inclusive sua prá tica econ ó ¬ mica e sua prá tica polí tica ; está presente nas atitudes face ao trabalho, face aos agentes da produ ção, face às restrições da produ ção, na idéia que o trabalhador faz do mecanismo da produ ção ; está presente nas atitudes e nos jul¬ gamentos políticos, no cinismo, na boa consciên ¬ cia , na resignação ou na revolta etc.; governa as condutas familiares dos indiv íduos e seus com ¬ portamentos com os outros homens, sua atitude face à natureza, seu , julgamento sôbre o sentido da vida em geral, seus diferentes cultos ( Deus, o príncipe, o Estado etc. ). A ideologia se acha pre ¬ sente em todos os atos e gestos dos indivíduos a tal ponto que é indiscernível de sua “ experiê ncia vivida ” , e tôdas as an álises imediatas do “ vivido ” são profundamente marcadas pelos temas da evid ê ncia ideológica. O indivíduo ( e o filósofo empirista ) , quando julga estar às voltas com a percepção pura e desnuda da própria realidade ou com uma prá tica pura , está na realidade às voltas com uma percepçã o e uma prá tica impu ¬ ras, marcadas pelas invisíveis estruturas da ideo ¬ logia ; como êle não percebe a ideologia, toma sua percepçã o das coisas e do mundo pela percepção das “ coisas mesmas” , sem ver que esta percepçã o n ã o lhe é dada sen ão sob o vé u das formas insuspeitadas da ideologia e está de fato recoberta pe ¬ la invisível percepção das formas da ideologia . A í reside , com efeito, o primeiro cará ter es ¬ sencial da ideologia : como tôdas as realidades so ¬ ciais, ela só é inteligível por sua estrutura. A ideologia comporta representa ções, imagens, si ¬ nais etc., mas êsses elementos, considerados iso ¬ ladamente, não constituem a ideologia : é seu sistema, seu modo de disposição e combina ção que lhes d á sentido , é sua estrutura que os determina em seu sentido e sua funçã o. Assim como a estru ¬ tura das relações de produ ção e os mecanismos da vida econ ó mica produzidos por ela n ão são imediatamente visíveis para os agentes da pro du ção, da mesma forma a estrutura e os meca ¬ nismos da ideologia n ão sã o imediatamente visí ¬ veis para os homens que lhe estão, no entanto, submetidos. Êles não percebem a ideologia de sua representa ção do mundo como ideologia, não co¬

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nhecem nem sua estrutura nem seus mecanis¬ mos : praticam sua ideologia ( como se costuma dizer de um crente que pratica sua relgiião ), n ão a conhecem.

É

por ser determinada por sua

transcende como reali ¬ estrutura que a ideologia subjeti dade tôdas as formas nas quais é vivida vamente por tal ou qual indivíduo ; é por isso nas ¬

que ela não se reduz às formas individuais quais é vivida ; e é por isso que pode ser objeto de um estudo objetivo. É por esta razão de prin ¬ c ípio que podemos falar da natureza e da função da ideologia , e estud á la. Ora, seu estudo nos revela caracteres not á ¬ veis.

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Constatamos inicialmente que o têrmo uma realidade que, embora es¬ tando difusa por todo o corpo social, é divisível em dom ínios distintos, em regiões particulares, centradas sô bre vá rios temos diferentes. É assim que o domínio da ideologia em geral pode ser , em nossas sociedades, dividido em regiões relati ¬ vamente autónomas, no próprio seio da ideologia : a ideologia religiosa , a ideologia moral, a ideolo ¬ gia jurídica, a ideologia política, a ideologia esté ¬ tica , a ideologia filosófica. Estas regiões n ão exis ¬ tiram sempre na história sob estas formas dis ¬ tintas, que aparecem pouco a pouco. É de se pre ¬ ver que certas regiões desaparecer ão, ou se con ¬ fundir ão com outras, no curso da histó ria do so ¬ cialismo e do comunismo, e que modificações in ¬ tervirão nas divisões do dom ínio geral da ideo ¬ logia. Deve-se assinalar igualmente que a re ¬ gião da ideologia que domina as outras no â m ¬ bito geral da ideologia varia segundo os per íodos da história ( isto é, segundo os modos de produ ¬ ção ) , segundo as diferentes forma ções sociais existentes no período de um mesmo modo de pro duçã o, e segundo as diferentes classes sociais. É assim que se explicam , por exemplo, as ob servações de Marx e Engels sô bre a influê ncia dominante da ideologia religiosa em todos os mo ¬ vimentos de revolta camponesa do século XIV ao século XVm e mesmo em certas formas primi tivas do movimento operá rio ; ou ainda a obser ¬ vaçã o, que nã o é uma simples tirada de Marx, de que “ os francêses têm a cabeça política , os in glêses a cabeç a econ ómica , os alem ães a cabeç a filosófica ” observa ção de grande importâ ncia para compreender, por exemplo, certos proble ¬ mas próprios às tradições oper á rias nesses pa í ses. Pode-se fazer observa ções da mesma ordem sôbre a importâ ncia da religi ão em alguns movi ¬ mentos de liberta ção dos antigos países colonais, ou na resistência dos negros ao racismo branco 1.

ideologia recobre

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nos Estados Unidos. O conhecimento das dife ¬ rentes regiões existentes na ideologia e da região

ideológica dominante ( seja ela religiosa , polí tica , jur ídica ou moral, etc. ) é de suma importancia política para a estrategia e a tá tica da luta ideo ¬ lógica. 2 . Podemos constatar igualmente uma ou ¬ tra característica essencial da ideologia. Em cada uma dessas regiões, a ideologia , que sempre pos ¬ sui uma estrutura determinada , pode existir sob formas mais ou menos difusas, mais ou menos irrefletidas ou, ao contrá rio, sob formas mais ou menos conscientes, refletidas e explícitamente sistematizadas, formas teóricas. Sabe-se que pode existir uma ideologia reli ¬ giosa que possua suas regras, seus ritos, etc. mas sem teologia sistem á tica ; o advento de uma leologia representa um grau de sistematizaçã o teórica da ideologia religiosa . Acontece o mesmo com a ideologia moral, polí tica, esté tica , etc.: podem existir sob uma f ôrma n ã o- teorizada , não-sistematizada , sob a forma de costumes, de tend ências, de gostos etc., ou , ao contrá rio, sob uma forma sistematizada e refletida : teoria ideo¬ lógica moral, teoria ideológica polí tica etc. A forma superior de teoriza ção da ideologia é a filosofia, que é muito importante, pois constitui o laborat ó rio da abstração teó rica, sa ída da ideo ¬ logia mas tratada por ela como teoria. É como laborató rio da teoria que a ideologia filosófica desempenhou e desempenha ainda um papel de grande importâ ncia no nascimento das ciências e em seu desenvolvimento. Vimos que Marx n ão suprimiu a filosofia : por meio de uma revolução no domínio da filosofia, êle transfor mou a natureza da filosofia , desembaraçou-a da herança ideológica que a entravava e f ê z dela uma disciplina científica, assim lhe proporcio ¬ nando meios incomparáveis para desempenhar seu papel de teoria da prá tica científica real. De qualquer maneira , devemos saber que, à exceção da filosofia em sentido restrito, a ideologia não se reduz em nenhum de seus diferentes dom ínios à sua expressão teó rica, que só é acessível geral ¬ mente a um pequno n ú mero de homens, mas existe nas grandes massas sob uma forma n ãorefletida teoricamente, que predomina ampla ¬ mente sôbre sua forma teorizada. ¬

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3.

Uma vez situada a ideologia em seu

con junto, uma vez assinaladas suas diferentes re ¬ giões e identificada a região que domina as ou ¬ tras e conhecidas as diferentes formas ( não - teó ¬ ricas, teóricas ) sob as quais elas existem, resta um passo decisivo a dar para compreender o sen ¬

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tido ú ltimo da ideologia : definir o sentido de sua

social. sentido só pode se tornar evidente quan ¬ do se concebe a ideologia, segundo Marx, como um elemento da superestrutura da sociedade e quando se concebe a essência dêste elemento da superestrutura em sua relação com a estrutura¬ . Desta maneira, per de conjunto da sociedadeideologia só é inteligí ¬ cebe-se que a função da base da exis¬ a ô bre , s classes de sociedade na vel em uma socie ¬ t ê ncia das classes sociais. Tanto dade sem classes quanto em uma sociedade de classes, a ideologia tem por função assegurar a ligaçã o dos homens entre sí no conjunto das for ¬ maste sua existência e a relação dos indivíduos com as tarefas fixadas para êles pela estrutura social. Em uma sociedade de classes, porém, esta fun ção é dominada pela forma que assume a di ¬ visã o do trabalho na repartição dos homens em classes antagónicas. Percebe-se que a ideologia se destina então a garantir a coesão das rela ¬ ções dos homens entre si e dos homens com suas tarefas na estrutura geral de exploração de clas se, que predomina sôbre todas as outras rela ¬ ções. A ideologia está então destinada acima de tudo a garantir a exploração económica e a do ¬ mina ção de uma classe sôbre as outras, levando os explorados a aceitarem sua condição de ex ¬ plorados como baseada na vontade ae ueus, na ‘‘natureza ” ou no “ dever moral” etc. Mas a ideo¬ logia não é apenas uma “ bela mentira ” inventada pelos exploradores para manter os explorados em sujeição e iludi -los: serve também para os indi ¬ víduos da classe dominante se reconhecerem co¬ mo sujeitos da classe dominante e aceitarem co ¬ mo “ desejada por Deus” , como fixada pela “ natu ¬ reza ” , ou até imposta por um “ dever ” moral. a. dominaçã o que êles exercem sôbre os explorados ; ao mesmo tempo serve também para êles como laço de coesã o social, para que se comportem co ¬ mo membros de uma mesma classe, a classe dos exploradores. A “ bela mentira ” da ideologia tem, portanto, duplo emprêgo : exerce-se sôbre a cons¬ função

Êste

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ciência dos explorados para fazei que êles acei ¬ tem como “ natural” sua condiçã o de explorados ; e se exerce também sôbre a consciê ncia dos memros da classe dominante para que êles possan exercer como “ natural” sua explora ção e domi ¬

nação.

4 . Chegamos aqui ao ponto decisivo que, nas sociedades de classes está na origem da falsidade da representação ideológica. Nas sociedades de Alasses, a ideologia é uma representa ção do real

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/nas necessariamente falseada, porque é necessà e é tenden ¬ Tiamente orientada e tendenciosa ciosa porque seu objetivo n ão é dar aos homens o conhecimento objetivo do sistema social em que vivem , mas ao contrá rio oferecer lhes uma representação mistificada d êste sistema social , para mantê- los em seu “ lugar ” no sistema de ex ¬ plora ção da classe. Naturalmente, seria necessá rio examinar também o problema da função da ideo ¬ e nós o re ¬ logia em uma sociedade sem classes solveríamos mostrando que a deformação da ideologia é socialmente necessá ria em função mesmo da natureza do todo social, precisamente em fun çã o de sua determinaçã o por sua estru ¬ tura, determina ção que o torna, como todo so ¬ cial, opaco para os indivíduos que aí ocupam um lugar determinado por esta estrutura. A opacida ¬ de da estrutura social torna necessariamente m í ¬ tica a representação do mundo indispensá vel à coesã o social. Nas sociedades de classes, esta pri ¬ meira fun ção da ideologia subsiste, mas est á do ¬ minada peía fun ção social nova qeu a exsitência da divisã o em classes lhe impõe, e que predomina então sô bre a função precedente. Se quisermos ser exaustivos, se quisermos levar em conta êstes dois princípios de deforma ção necessá rios, deve ¬ mos dizer que a ideologia é, numa sociedade de classes, necessariamente deformante e mistifica ¬ dora, porque é produzida como deformante ao mesmo tempo pela opacidade da determina ção pela estrutura e pela exist ê ncia da divisão de classes. Era justamente até aqui que tí nhamos de re ¬ montar para compreender porque a ideologia, como representa ção do mundo e da sociedade, é necessariamente uma representaçã o deformante e mistificadora da realidade em que os homens tê m de viver, uma representaçã o destinada a fa ¬ zê-los aceitar em sua consciência e em seu com ¬ portamento imediatos, o lugar e o papel que lhes imp õe a estrutura desta sociedade. Agora é pos sível compreender porque a ideologia d á da rea ¬ lidade uma certa “ representação ” , porque ela faz de certa maneira alusão ao real, mas porque ao mesmo tempo ela não oferece sôbre o real mais do que uma ilusão. A ideologia d á aos homens certo “ conhecimento” de seu mundo ou me ¬ lhor, permitindo-lhes “ reconhecerem se ” em seu mundo, d á aos homens um certo “ reconhecimen ¬ to” mas ao mesmo tempo não os introduz se¬ ilusão ou nã o em seu desconhecimento. Alusão desconhecimento : assim é a reconhecimento ideologia do ponto de vista de sua relação com o real.



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Compreende se ent ã o por que tôda ciência, ao nascer, tem que romper com a representa ção mistificante da ideologia. Com ¬ mistificada preende-se também porque a ideologia , em sua ilusória, pode sobreviver à ciê n ¬ fun ção alusiva cia dado que seu objetivo nã o é o conhecimento, e objetivo do mas um desconhecimento ésocial real. Compreende-se tamb m porque a ciê ncia n ã o pode, em sua fun ção social, substituir a ideo ¬ logia como acreditavam os filósofos da Ilustra ¬ çã o, que só viam na ideologia a ilusão ( ou ê rro ) sem ver a alusão ao real, sem ver a funçã o so ¬ à primeira vista desconcer cial desta união entre a ilusão e a alusão, tante, mas essencial o reconhecimento e o desconhecimento.



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5.

É

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necessá rio ainda acrescentar uma im ¬

portante observa çã o, relativa às sociedades de classes. Embora a ideologia expresse em seu con ¬ junto uma representaçã o do real destinada a consagrar uma explora ção e uma domina ção de classe, ela pode também , em certas circunstâ n ¬ cias, servir para a expressão do protesto das clas ¬ ses exploradas contra sua própria exploraçã o. Por isso devemos agora precisar que a ideologia nao está somente dividida em regiões, mas está també m dividida em tend ências, no interior de sua pró pria existê ncia social. Marx mostrou que “ as ideias dominantes são as id éias da classe do ¬ minante” . Esta simples frase nos coloca no cami ¬ nho da compreensão de que, assim como em uma sociedade de classes existe uma classe ( ou vá rias

classes ) dominante e classes dominadas, existe també m uma ideologia dominante e ideologias dominadas. No interior da ideologia em geral, observa-se portanto a existê ncia de tend ê ncias ideológicas diferentes, que exprimem as “ representações” das diferentes classes sociais. É neste sentido que fa ¬ lamos de ideologia burguesa , ideologia pequeno-burguesa, ideologia proletá ria. Mas n ão devemos perder de vista , no caso do modo de produ ção capitalista , que estas ideologias pequeno-bur ¬ guesa e proletá ria são ideologias subordinadas, e due » mesmo no protesto dos explorados, são sempre as id éias da classe dominante ( ou ideo ¬ logia burguesa ) que predominam. Esta verdade científica é de primeiríssima importâ ncia para compreender a histó ria do movimento operá rio e a Prá tica dos comunistas. Que queremos dizer quando afirmamos, com Marx, que a ideologia burguesa domina as outras ideologias e em particular a ideologia operá ria ? Queremos dizer que o protesto operá rio contra a explora ção se exprime no interior mesmo da

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conseguinte do sistema da ideo ¬ se em gran ¬ de parte de suas representações e noções de re ¬ ferência. Por exemplo, a ideologia do protesto operá rio se exprime “ naturalmente” na forma da moral ou do direito burgu ês. Tôda a histó ria do socialismo utópico, tôda a histó ria do reformismo trade unionista está aí para confirmar . A pres ¬ são da ideologia burguesa é tal, e a ideologia¬ burguesa é a tal ponto a ú nica a fornecer a ma téria prima ideológica, os quadros de pensamen ¬ to, os sistemas de referência, que mesmo a clas ¬ se operá ria não pode, por seus próprios recursos, libertar -se radicalmente da ideologia burguesa : ela pode, no m á ximo , manifestar seu protesto e suas esperanças, utilizando para isso certos ele ¬ mentos da ideologia burguesa, mas permanece prisioneira desta ideologia , presa em sua estru ¬ tura dominante. Para que a ideologia operá ria espontâ nea chegue a se transformar a ponto de libertar se da ideologia burguesa, é necessá rio que receba de fora o socorro da ciê ncia, e se transforme sob a influência de um nôvo elemen ¬ to, radicalmente distinto da ideologia : precisa ¬ mente a ciência. A tese leninista fundamental da “ importaçã o” no movimento oper á rio da ciência marxista nã o é, por conseguinte, uma tese arbi ¬ trá ria ou a descrição de um “ acidente” histórico : baseia se na necessidade, na natureza mesmo da ideologia e nos limites absolutos do desenvolvi ¬ mento natural da ideologia “ espontânea ” da classe operá ria. Tais são, muito esquematicamente resumidas, as características próprias da ideologia.

estrutura e por

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logia dominante burguesa, servi ñdo

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burguesa, que aderiu à causa do proletariado, Carlos Marx. O movimento oper á rio que existia nos anos de 1840 na Europa estava submetido a ideologias prolet á rias ( anarquistas ) , ou mais ou menos pe ¬ queno burguesas e utó picas ( Fourier, Owen , si só escapar ao cí r ¬ Proudhon ) . Não podia por culo de uma representa ção ideológica de seus e sabemos que, fins e de seus meios de ação através da ideologia pequeno-burguesa morali ¬ zante e utopista, e portanto reformista, esta re ¬ presentaçã o ideológica era e permanecia domi ¬ nada pela ideologia dominante, a ideologia da burguesia. As organizações operá rias social-de ¬ mocratas continuam até hoje prisioneiras desta tradição reformista ideológica. Para conceber a doutrina científica do socia lismo, eram necessá rios recursos de cultura filo ¬ sófica e científica e capacidades intelectuais excepcionais. Era preciso um sentido extraordiná ¬ rio da necessidade de romper com as formas ideo lógicas para escapar à sua influ ência e descobrir o terreno do conhecimento científico. Esta des ¬ coberta , esta funda ção de uma ciê ncia e de uma filosofia novas, foi obra do gê nio de Marx , mas també m de um trabalho encarniçado a que êle dedicou tôdas as suas forças e sacrificou tudo, no meio da pior misé ria. Engels prosseguiu sua obra e Lê nine deu a ela um n ôvo impulso. Esta dou ¬ trina científica foi, no curso de uma longa e pa ¬ ciente luta, importada de fora para o movimento operá rio até então sob o domínio da ideologia , e transformou suas bases teó ricas.

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2.

O segundo grande princípio se refere à da união histó rica que foi assim estabe ¬ lecida entre a teoria científica de Marx e o mo ¬ vimento operá rio. Esta união histó rica , que do ¬ mina tô da a histó ria contemporânea com seus efeitos, foi tudo menos um acaso, ainda que fe-

natureza

VI A UNIÃ O DA TEORIA CIENTÍ FICA DE MARX

COM O MOVIMENTO OPERARIO

O que acaba de ser dito, de um lado sô bre a teoria científica de Marx, de outro sôbre a natu ¬ reza da ideologia, permite compreender em que tê rmos exatos se pôs o problema do nascimento histó rico e se põe ainda hoje o problema da exis ¬ tência e da açã o das organizações operá rias mar xistas leninistas

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.

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O primeiro grande princípio foi formula ¬ do por Marx, Engels, Kautsky e Lênine: é o prin ¬ cípio da importa ção, no movimento operá rio exis ¬ tente, de uma doutrina científica produzida, fora da classe operá ria, por um intelectual de origem 1.

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O movimento operá rio existia antes de Marx conceber sua doutrina : sua existência, portanto, nao dependeu de Marx. O movimento oper é uma realidade objetiva , produzida pela práório pria necessidade da resistê ncia, da e da luta econ ómica e polí tica da classe revolta operá ria, produ ¬ a , por sua vez, como classe explorada, pelo moflo de produção capitalista. Ora , constatamos êste storico indiscutível, que não somente re Mstm as piores provas ( liquidaçã o da Comuna gU ( imperialistas, liquidação das or b nizaçoes da classe oper á ria na Itá , Alema a , Espanha etc. ), mas até se reforlia çou prodi fc osamente com o decorrer do tempo: a parte

zi

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-

rrras

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mais importante do movimento operá rio adotou

como doutrina a teoria cient ífica de Marx e a aplicou com êxito tanto em sua estratégia e em sua t á tica , quanto em seus meios e formas de organiza çã o e de luta . Esta adoção n ão se deu sem dificuldades. Foram necessá rios dezenas e dezenas de anos, de experiê ncia e de provas, e també m de lutas, para que a histó ria consagras ¬ se esta adoçã o. E ainda hoje a luta continua : a luta entre as concepções ideológicas chamadas “ espontâ neas” da classe operá ria , as ideologias reformistas anarquizantes, blanquistas, volunta ristas etc., e a doutrina científica de Marx e de Lê nine. Contudo, se o movimento operá rio adotou a doutrina científica de Marx contra suas tendên ¬ cias ideológicas “ espontâ neas” , que renascem sem cessar, e se adotou por sua pr ó pria vontade, sem que força alguma no mundo lha tenha im ¬ posto, é porque uma necessidade profunda presi ¬ diu a esta adoçã o, vale dizer, à uni ã o do movi ¬ mento operá rio com a doutrina científica de Marx. Esta necessidade reside unicamente no fato de que Marx produziu o conhecimento obje ¬ tivo da sociedade capitalista, de que êle compre ¬ endeu e demonstrou a necessidade da luta de classes, a necessidade e o papel revolucion á rio do movimento operá rio, e proporcionou assim ao movimento operá rio o conhecimento das leis ob ¬ jetivas de sua existência , de seus fins e de sua ação. E foi porque o movimento operá rio reco ¬ nheceu na doutrina marxista a teoria objetiva de sua existê ncia e de sua a ção, porque reconheceu na teoria marxista a teoria que lhe permitia ver claramente a realidade do modo de produção ca pitalista , ver com clareza suas pró prias lutas, foi ¬

porque reconheceu pela experiência que esta dou ¬ trina era verdadeira e dava à sua luta um fun ¬ damento e meios objetivos realmente revolucio ¬ ná rios: foi porque se conheceu por meio dela que se reconheceu nela. Foi a verdade científica da teoria marxista que selou em definitivo sua união com o movimento operá rio e tornou esta uni ã o definitiva. Nada neste fato histó rico é re ¬ sultado de um acaso: tudo a í, ao contrá rio, re ¬ sulta da necessidade e de sua inteligê ncia. 3 . O terceiro grande princípio diz respeito ao processo pelo qual esta união foi finalmente produzida e pelo qual deve ser mantida, refor ¬ çada e ampliada sem cessar. Se esta “ importa ção ” da teoria marxista demandou um processo tao longo e tantos esforços, é justamente porque necessitou de um longo trabalho de educa ção e de forma çã o na teoria marxista de um lado, e ao mesmo tempo de uma prolongada luta ideológica, ¬

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de outro. Foi preciso que Marx e Engels conven ¬ cessem pacientemente os melhores militantes operá rios, os mais conscientes e abnegados, da necessidade de abandonarem as bases ideológicas existentes e adotarem as bases científicas do so¬ cialismo. Êste longo trabalho de educaçã o assu ¬ miu in úmeras formas: a çã o diretamente polí tica de Marx e Engels, formaçã o teó rica de militantes na própria luta ( durante o período revolucion á ¬ rio dos anos de 48 e 49 ) , publicações científicas, conferê ncias, propaganda etc., e naturalmente, de um modo muito r á pido, desde que as condições para isso foram reunidas, medidas de organiza ção no plano nacional e mais tarde no plano in ¬ ternacional. É possível, d êste ponto de vista, en ¬ carar a histó ria da Primeira Internacional como a história da grande luta travada por Marx, En gels e seus partid á rios para fazer triunfar no movimento operá rio os primeiros princípios fun ¬ damentais da teoria marxista . Mas , ao mesmo tempo e ao lado d êste trabalho de educaçã o e de forma ção na teoria cientí fica , Marx, Engels e seus partid á rios se viram obrigados a travar uma grande, paciente mas rude luta contra as ideolo ¬ gias que dominavam entã o o movimento operá ¬ rio e suas organizações, e contra a ideologia re ¬ ligiosa , polí tica e moral da burguesia. Formação te ó rica de um lado, luta ideológica de outro, eis duas formas absolutamente essenciais, duas con ¬ dições absolutamente essenciais que presidiram à transformação profunda da ideologia espon ¬ duas tarefas que tâ nea do movimento operá rio n ã o cessaram nunca, e não cessam de impor-se como tarefas vitais, indispensá veis à existê ncia e ao desenvolvimento do movimento revolucioná ¬ rio no mundo, e que condicionam hoje a passa gem ao socialismo, a construçã o do socialismo e mais tarde condicionarão a passagem ao comu ¬ ¬

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nismo. duas no ¬ Forma ção teó rica, luta ideoló gica ções que devemos examinar agora em detalhe.



VII FORMA ÇÃ O TEÓ RICA E LUTA IDEOLÓ GICA O problema que examinaremos agora é dis ¬ tinto do problema da natureza da ciência mar ¬ xista, das condições de exercício e de desenvolvi ¬ mento de sua prá tica teórica. Supomos agora que a ciência marxista j á existe como uma verdadei ¬ ra ciência viva , que continua crescendo e enn quecendo-se com novas descobertas, relacionadas

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com as questões levantadas pela pr ática do mo ¬ vimento operá rio e pelo desenvolvimento das ciencias. Consideramos a ciência marxista como existente, como possuidora, em um momento da ¬ do de seu desenvolvimento, de um corpo definido de principios teó ricos, de an á lises, de demons ¬ trações científicas e de conclusões, isto é, de co ¬ nhecimentos. E nos fazemos a seguinte pergun ¬ ta : com que meios podemos e fazer pas ¬ sar esta ciência ao movimentodevemos operário, com que meios podemos fazer passar esta doutrina cien ¬ tífica à consciência e à prá tica das organizações da classe operária ? Para responder a esta questã o, é necessá rio retroceder novamente, desta vez para examinar em que consiste a prá tica do movimento operá ¬ rio em geral, independentemente do cará ter cien ¬ tífico dos princípios que lhe foram trazidos por Marx. A partir do momento em que o movimento operá rio adquiriu certa consistência e se dotou de um mínimo de organiza çã o, sua prá tica foi submetida a leis objetivas, fundadas nas rela ¬ ções de classe da sociedade capitalista e ao mes ¬ mo tempo na estrutura d equalquer sociedade. A prá tica do movimento operário, mesmo em suas formas de organização utopistas e reformistas, se desenvolve em três planos, correspondentes aos

três “ níveis” que constituem a sociedade : o plano económico, o plano político e o plano ideológico Esta lei , além do mais, n ão é própria ao movi ¬ mento operá rio: aplica se a todo movimento po ¬ lí tico, seja qual f ô r a sua natureza social e quais ¬ quer que sejam seus objetivos. É claro que a na ¬ tureza de classe dos diferentes movimentos ou partidos políticos faz com que as formas de exis ¬ tência desta lei geral variem consideràvelmente mas a lei se impõe a todos os movimentos polí ¬, ticos, até em suas varia ções. A ação do movimen to operá rio toma pois, necessà riamente, a forma¬ de uma tr íplice luta : luta económica, luta polí ¬

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tica e luta ideológica.

Sabe -se que a primeira a se desenvolver foi a luta econ ómica, de início de forma esporádica , depois cada vez mais organizada. Em O Capital, Marx nos mostra que as primeiras fases da económica do proletariado es desenvolveram sôluta vá rios temas, dos quais os mais improtantes bre fo ¬ ram : a luta pela diminuiçã o da dura çã o da jor ¬ nada de trabalho,a luta pela defesa e pelo au ¬ mento do salá rio etc. Outros temas econ ómicos intervieram em seguida na histó ria do movimen ¬ to operário: luta pela estabilidade do emprêgo,

luta pelo seguro social, luta por f é rias

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remune

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radas etc. Em todos êsses casos, trata-se de uma luta levada a cabo sôbre o terreno da explora çã o económica, portanto, ao nível das relações de produ ção Esta luta corresponde à pr á tica ime ¬ diata dos trabalhadores, aos sofrimentos que lhes impõe a exploração económica de que são víti ¬ mas, à experiência direta desta exploração e à compreensão direta , nessa experiência , do fato económico da exploração. Na grande ind ústria moderna , os trabalhadores assalariados, concen ¬ trados pelas formas técnicas da produção, perce ¬ bem diretamente a relação de classe de explora ¬ ção econ ó mica e v êem no patr ão capitalista aqu ê le que os explora e se beneficia com essa explo ¬ ração. A experiência direta do trabalho assala ¬ riado e da explora ção econó mica é incapaz de proporcionar o conhecimento dos mecanismos económicos do modo de produção capitalista mas é suficiente para que os assalariados tomem consciê ncia de sua explora çã o, e travem e orga ¬ nizem sua luta económica. Esta luta desenvolveu -se nos sindicatos operá rios, que foram criados pe ¬ los próprios operá rios sem o aux ílio da ciência marxista: êstes sindicatos podem subsistir e lu ¬ tar sem o aux ílio da ciência marxista , e é por isso que a açã o sindical constitui o terreno pre ¬ dileto do reformismo económico, isto é, de uma concepçã o que espera da luta econó mica sozinha a transforma ção revolucion á ria da sociedade ; é esta concepção trade unionista, sindicalista apo¬ lítica , que alimenta no movimento operá rio a tradição anarco sindicalista de desprê zo à polí ¬ tica. Foi neste sentido que Marx pôde dizer que o trade unionismo, isto é, a organiza ção da luta econ ó mica sôbre bases reformistas e a redu ção de tôda a luta do movimento operário à luta eco¬ n ómica , constitui o ponto máximo, o ponto-limi ¬ te da evolu ção do movimento oper á rio “ abando ¬ nado ” às suas próprias forças.

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Entretanto, a luta econ ómica choca se sem pre, queira ou não, com realidades políticas, que intervê m diretamente e violentamente no curso da luta económica , ainda que seja apenas sob a forma da repressão às manifestações de protes¬ to, greves e revoltas da luta econ ómica oper á ria pelas for ças do Estado e do direito burgu ês: a po ¬ lícia, o exército, os tribunais etc. Daí a experiên ¬ cia, produzida pela pró pria luta econ ó mica, da necessidade de uma luta política, distinta da luta económica. Aqui as coisas se complicam , porque os trabalhadores assalariados n ão podem ter da realidade política uma experiê ncia compará vel à que têm, em sua prá tica quotidiana , da realidade da exploraçã o econó mica, dado que as formas de interven ção do poder político de classe, com exce-

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ção de suas manifestações de violências abertas mas interminentes, são muito ami úde dissimula ¬ das sob a cobertura do “ direito” e das justifica ¬ ções jurídicas e morais ou religiosas da existên ¬ cia do Estado. É por isso que a classe operária tem muito mais dificuldade para conceber e or ¬ ganizar sua luta polí tica do que sua luta eco ¬ nómica. Para travar e organizar esta luta sobre seu verdadeiro terreno , é necessário ter reco ¬ nhecido, pelo menos parcialmente , a natureza e o papel do Estado na luta de classes, a relação que existe entre a dominação polí tica e sua co¬ bertura jurídica de um lado, e a exploração eco nómica de outro : para isso é necessário algo mais que a simples experiência interminente e cega de certo número de efeitos da existência do Estado de classe ; é preciso um conhecimento do meca ¬ nismo da sociedade burguesa . Neste dom ínio , as concepções “ espontâneas” do proletariado, que presidem a suas ações polí ticas, são considerável mente influenciadas peias concepções burguesas , pelas categorias jurídicas , polí ticas e morais da burguesia . Daí o utopismo , o anarquismo e o re formismo polí tico que se pode observar não so nos inícios da luta polí tica do movimento operário , mas em tôda a sua história. Êste anarquismo e êste reformismo polí tico se perpetuam e renas cem sem cessar na classe operária sob a influên ¬ cia da pressão das instituições e da ideologia da ¬

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burguesia .

Em seus esboços de luta polí tica , e nos pró

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prios limites desta luta , o movimento operário se choca assim com realidades ideológicas, domi minadas pela ideologia da classe burguesa . Esta

é a razão do terceiro aspecto da luta do movi mento operário : a luta ideológica. Nos conflitos sociais , o movimento operário, como todos os ou ¬ tros movimentos polí ticos, tem a experiência dêste fato : tôda luta implica a intervenção da ‘cons ciência ” dos. homens, tôda luta gera um conflito entre convicções, crenças, representações do mundo. Também a luta económica e a luta polí ¬ tica implicam êsses conflitos da luta ideológica . A luta ideológica não se limita , portanto , a um dom ínio particular : através da representação que os homens fazem de seu mundo, de seu lugar , de seu papel , de sua condição e de seu futuro, a luta ideológica abraça o conjunto da atividade dos ho ¬ mens, o conjunto dos campos de sua luta . A luta ideológica está em tôda parte, j á que não se dis socia da concepção que os homens fazem de sua condição em tôdas as formas de sua luta , e por conseguinte não se separa das idéias com que os homens vivem e pensam a sua relação com a so¬ ciedade e com seus conflitos. Não pode haver luta ¬

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económica ou polí tica sem que os homens enga ¬ jem nela suas idéias, ao mesmo tempo que suas forças. Contudo , a luta ideológica pode e deve ser considerada também como a luta em um domínio

próprio : o domínio da ideologia , das idéias reli giosas, morais, jurí dicas, polí ticas , esté ticas, filo sóficas. Dêsse aspecto, a luta ideológica é uma ¬ ¬

luta distinta das outras formas de luta : tem por¬ objeto e terreno a realidade objetiva da ideolo ¬ gia , e por meta libertar êste domínio, tanto quan to possível, da dominação da ideologia burguesa etransformá - lo para colocá-lo a serviço dos inte rêsses do movimento operário . Considerada dêste ponto de vista, a luta ideológica é também uma luta espec ífica , que se exerce no domínio próprio da ideologia e deve levar em conta a natureza dêsse terreno, a natureza e as leis da ideologia . Sem o conhecimento da natureza , das leis e dos¬ o co mecanismos espec í ficos da ideologia, sem , nhecimento das distinções interiores à ideologia da predominância de uma região sôbre as outras), dos diferentes graus ( não - teorização, teorização da existência da ideologia , sem o conhecimento¬ da natureza de classe da ideologia , sem o conhe cimento da lei da dominação da ideologia pela¬ a luta ideoló ideologia da classe dominante ¬ gica é conduzida às cegas, podendo -se obter re profun resultados jamais mas parciais , sultados dos e definitivos. É nêste domínio que aparecem do modo mais ní tido os limites das possibilidades naturais, “ espontâneas” do movimento operário , j á que a luta ideológica “ espontânea” da classe operária , por falta do conhecimento cientí fico da¬ natureza e da função social da ideologia , é con duzida sôbre a base de uma ideologia submetida à influência insuperável da ideologia da classe burguesa . É no dom í nio da ltua ideológica que se faz sentir acima de tudo a necessidade de uma intervenção exterior : a da ciência. Esta interven ¬ ção se revela ainda mais importante porque, co ¬ mo acabamos de ver, a luta ideológica acompa nha tôdas as outras formas de luta , e é portan¬ to absolutamente decisiva para tôdas as formas de luta da classe operária , pois a insuficiência¬ das concepções ideológicas do movimento operá rio abandonado a si mesmo produz a concepção anarquista, anarco -sindicalista e reformista de sua luta económica e polí tica . Podemos resumir esta análise da seguinte maneira : rio , A própria natureza do movimento operá da ncia ê influ qualquer de independentemente íteoria cientí fica de Marx , engaja - o em uma tr



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plice luta : luta económica , luta política , luta ideológica . Na unidade dessas tr ês lutas distintas, a orientação geral da luta é fixada pela represen ¬ ta ção que o movimento operá rio tenha da natu ¬ reza da sociedade e de sua evolução, dos fins a atingir e dos meios a pô r em prá tica. A orienta ¬ çã o geral depende , portanto, da ideologia ¬ vimento operário. É esta ideologia que do mo diretamente a concepção que êle tem de comanda luta ideológica, portanto a maneira como êlesua a con duz para transformar a ideologia existente. É esta ideologia que comanda diretamente a con ¬ cepção que êle tem de sua luta econ e politica , de suas relações m útuas e porómica conseguinte a maneira como conduz estas , lutas êste n ível, portanto, tudo depende do conte údo. A da ideologia do movimento operá rio. Ora , sabemos que esta ideologia permanece prisioneira das categorias fundamentais ( religiosas, juridicas, morais e po ¬ l í ticas ) da classe burguesa dominante , até na ex ¬ pressão que a ideologia espont â nea “ ” operá ria d á a sua oposição à ideologia da classe burguesa dominante. ¬

Tudo depende, então, da ção da ideologia da classe operá ria : detransforma ção que arranque a ideologia dauma transforma ¬ operá ria à influ ência da ideologia burguesaclasse para subme tê-la a uma nova influência, a da, ci ê xista da sociedade. É precisamente ncia mar ¬ que se funda e justifica a intervençã neste ponto ciência marxista no movimento operário e oa da união da ciência marxista e do movimento , oper á rio. E é a pró pria natureza da ideologia e de suas leis que determina os meios apropriados para garantir transformação da ideologia espontânea ” refora¬ mista do movimento operá rio“ em uma ideologia nova, de caráter científico e revolucionário . ¬

É

a necessidade desta transforma

logia existente, em primeiro lugar ção da ideo ¬ na própria classe operá ria, depois nas sociais que lhe são naturalmente aliadascamadas , que permite com ¬

a natureza dos desta transforma ¬ ção: a luta ideológica e ameios formação teórica. Êsses preender

meios constituem dois elos decisivos da uni da teoria marxista com o movimento operá rio,ãopor ¬ tanto da prática do movimento oper á rio mar ¬ xista

.

A luta ideológica pode ser definida como a luta travada no dom ínio objetivo da ideologia contra a dominação da ideologia burguesa , para, a transforma ção da ideologia existente ( ideolo ¬ gia da classe oper á ria , ideologia das classes que podem se tornar suas aliadas ) em um sentido que sirva aos interêsses objetivos do movimento ope

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rário em sua luta pela revolução e mais tarde em sau luta pela constru çã o do socialismo . A luta ideológica é uma luta na ideologia . Mas para ser travada sôbre uma base justa , supõe co ¬ mo condição absoluta o conhecimento da teoria científica de Marx, supõe portanto a formaçã o teórica. Por conseguinte, êsses dois elos, luta ideo¬ lógica e formação teórica, embora sejam ambos decisivos, não estão num mesmo plano ; do ponto de vista de sua natureza, implicam uma relaçã o de dominação e de dependência: é a formação teó rica que comanda a luta ideológica, que é sua base teórica e prática. Na prática da ação quoti ¬ diana, a forma çã o teórica e a luta ideoló gica in ¬ teragem constantemente e necessariamente: po¬ de-se então ser tentado a confundi-las e portanto a desconhecer sua diferença de princípio, ao mesmo tempo que sua hierarquia. Por isso é ne ¬ cessário, do ponto de vista teórico, insistir ao mesmo tempo na distin ção de princípios existen ¬ te entre a formação teórica e a luta ideológica e na prioridade de princípio da formação teó rica sôbre a luta idelógica. Foi pela formação teórica que a doutrina de Marx pôde penetrar no movimento operário e é pela formação teórica permanente que ela con ¬ tinua a penetrar e fortalecer-se no movimento operá rio. A formação teórica é uma tarefa essen ¬ cial das organizações comunistas, uma tarefa permanente, que deve ser prosseguida sem tré gua , e que deve ser atualizada constantemente, levando em conta os desenvolvimentos e os enri ¬ quecimentos da teoria científica marxista. Con ¬ cebe se muito facilmente que esta forma ção teó ¬ rica tenha sido absolutamente indispensável no passado para ganhar o movimento operá rio para a teoria científica de Marx. Concebe-se talvez menos nitidamente sua importância hoje, quan ¬ do a teoria de Marx inspira diretamente as mais importantes organizações da classe operá ria e a vida inteira dos países socialistas. Contudo, a des peito d êstes resultados histó ricos espetaculares, nossa tarefa teó rica não terminou , nem pode ter ¬ minar jamais. Quando dizemos que a ideologia da classe operá ria foi transformada pela teoria marxista, isto não pode significar que a classe operária, que outrora era “ espontáneamente” re¬ formista, se tenha hoje e definitivamente torna ¬ do marxista. Só a vanguarda da classe operária, sua parte mais consciente, possui uma ideologia marxista. A grande massa da classe operá ria acha-se ainda em parte submetida a ideologias de cará ter reformista. E na própria vanguarda da classe operária existem grandes desigualdades nns eraus de consciência teó rica. Na vauguarda

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IFGF

da classe operá ria, só os melhores militantes pos ¬ pelo menos no domínio do histórico, uma verdadeira formação materialismo teórica e os investigadores capazes de fazer progredir a teo ¬ ria científica marxista. É, portanto, esta cons tante desigualdade no grau de consciência teó ¬¬ rica que fundamenta a existência de um esfor ¬ ço renovado sem cessar e sem cessar posto em dia de formação teórica nas próprias organiza ¬ ções marxistas atuais. É també m esta realidade que exige uma concepção exata, tã rigorosa ¬ mente definida quanto possível, dao forma ção teórica.

suem,

Por formação teó rica o proces¬ so de educação, de estudo eentendemos de trabalho, pelo qual um militante é posto na posse nã só das conclu ¬ sões das duas ciências da teoriaomarxista ( ma ¬ terialismo histórico, dialético ) , não só de seus princípios materialismo teóricos, não só de algumas análises e demonstrações de detalhe mas de todo o conjunto da teoria, de todo o seu, conte tôdas as suas análises e demonstrações, deúdo, de todos os seus princípios e de tôdas as suás conclusões, em sua ligação científica indissol úvel. formação teórica, portanto, ao pé da Entendemos letra, como um estudo e uma assimilação aprofundada tô ¬ das as obras científicas de primeira importde â ncia sôbre as quais repousam os conhecimentos da teoria marxista. Podemos, para representar êsse objetivo, empregar a propósito uma f ó ad ¬ mirável de Spinoza. Spinoza dizia que rmula a ci das meras conclusões n ão é ciência ; que a ência¬ dadeira ciência é a das premissas ( princípiosver ) e das conclusões no movimento integral da ¬ de monstração de sua necessidade. A ção teó¬ rica,_ longe de ser uma iniciação àsforma simples clusões, ou aos princípios de um lado e às con ¬ con ¬ clusões de outro, é a assimilação profunda da de ¬ monstração das conclusões a partir dos princí ¬ pios, a assimilação da vida profunda em seu espírito e em seus métodos. A da ciência formação teórica faz quem a recebe verdadeira e adquire partilhar do espírito científico que constitui a ciência, e sem o qual ela jamais nascido, nem conseguiria jamais desenvolverteria -se. A forma ¬ ção teórica é, portanto, uma coisa completamen te diferente da simples formação económica, po ¬¬ lítica ou ideológica: estas últimas formaçõ es de ¬ vem ser graus prévios à formação teó ser esclarecidas por ela e fundadas sô rica, devem bre ela, mas não podem ser confundidas com passam de graus parciais. Para ela, porque n ão dizer as coisas de uma forma prá tica, não há forma ção teó ver ¬ dadeira sem o estudo da ciência marxistarica ( da histó ria, filosofia marxista ) na sua existteoria ência

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mais pura, n ão só nos textos de Lênine, mas na obra em que todos os textos de Lê nine se baseiam e à qual remetem sem cessar: O Capital de Karl Marx. Não é possível forma ção teó rica verdadei ¬ ra sem um estudo atento, refletido e profundo do maior texto de teoria marxista que possu ímos, e que está longe de j á nos ter revelado tôdas as suas riquezas

.

sem d ú vida, considerar a forma ¬ teó rica assim definida como um ideal que nã o é accessível a todos, tendo-se em conta por um lado as enormes dificuldades teó ricas que repre ¬ senta a leitura e o estudo d’O Capital, por outro

ção

É possível,

lado o grau de forma çã o intelectual dos militan ¬ tes, sem esquecer enfim o tempo limitado que êles podem consagrar a êsse trabalho. Pode-se e deve-

-se

absolutamente encarar concretamente os

graus sucessivos e progressivos da forma ção teó ¬ rica, e deve se dosá -los segundo os homens e as circunstâ ncias. Mas esta dosagem, para ser pe ¬ sada e realizada , sup õe o efetivo reconhecimento da formação teó rica, de sua natureza e de sua

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necessidade, supõe um conhecimento absoluta ¬ objetivo último da formaçã o teó ¬ rica : formar militantes capazes de se tornarem um dia homens de ciência. Para alcan çar êste objetivo, nã o se pode olhar alto demais, e é vi ¬ sando à altura exata, que se poderá definir exa ¬ tamente os graus da progressã o que pode condu ¬ zir a êsse objetivo, os graus e os meios apropria ¬ dos. Por que dar tanta importâ ncia à formaçã o teórica? Porque ela representa o elo intermediá ¬ rio decisivo, que possibilita ao mesmo tempo de ¬ senvolver a teoria marxista e desenvolver a in ¬ fluê ncia da teoria marxista na pr á tica inteira do partido comunista , e portanto possibilita a trans formação profunda da ideologia da classe opera ¬ ria. Esta dupla razão é que justifica a importâ n ¬ cia excepcional que os partidos comunistas atri ¬ buíram na sua histó ria passada , e devem atri buir na sua história presente e futura , à forma ção teó rica. É, com efeito, por meio de uma for ¬ mação teórica bem concebida que militantes, se ¬ ja qual f ô r sua origem social, podem tornar se intelectuais no sentido forte do têrmo, isto é, ho ¬ mens de ciência , capazes de fazer progredir fi ¬ gura dia a investigaçã o teórica marxista. E é també m por meio do conhecimento preciso da ciência marxista leninista, representado pela for ¬ mação teórica , que é possível definir e realizar a açã o econ ómica e política e a luta ideológica do Partido ( seus objetivos e seus meios ) sôbre a ba ¬ se da ciê ncia marxista -leninista.

mente claro do

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53

O Partido não se contenta em proclamar fidelidade aos princípios da ciência marxista sua -oule¬ninista. O que o distingue radicalmente tras organizações oper á rias não é esta das simples proclama ção: é a aplicação concreta, prá tica, da teoria científica marxista em suas formas de or ¬ ganização, em seus meios de ação, em suas á ¬ lises científicas das situações concretas. Nãan o se contentar em proclamar princípios, mas aplic álos em seus atos eis o que distingue o Partido das outras organizações operárias. distingue o Partido é que, embora Enfim, o que reconhecendo a especificidade e a necessidade da teoria, da prá tica teórica e da investigação ó rica , e as te condições próprias de sua vida e de seu exercí¬ cio, o Partido se recusa a reservar, um mo¬ nopólio, o conhecimento da teoriacomo para alguns especialistas, para alguns dirigentes e intelec¬ tuais ficando então sua aplica ção prá tica abanbonada aos demais militantes. Muito ao con ¬ trá rio, o Partido quer, em com a própria teoria marxista, unirconformidade o mais amplamen ¬ te possível a teoria com sua aplica çã pr proveito n ão só da prá tica mas tambo ática, em ém da teoria e é esta a razão por que êlfe deve querer der o mais largamente possível a formaçãoesten ¬¬ teó rica ao maior n úmero possível de e educ á -los constantemente na teoriamilitantes , para que êles tenham ao mesmo tempo condições de ser militantes no sentido pleno do têrmo, capazes de analisar e compreender a situa çã o em que devem agir e de assim ajudar o Partido a definir sua política, mas também capazes de fazer sua própria prática as observações novas asemexpe ¬ riências novas que servirão como mateéria prima j á elaborada, sôbre a qual trabalhar ão outros mi ¬ litantes mais formados e os melhores teóricos e investigadores marxistas.

-

Em tôdas essas matérias, é tão indispensável conceber a unidade de conjunto do processo or ¬ gâ nico que liga nas duas direções a teoria cien ¬ tífica e a prá tica revolucioná ria , quanto a dis ¬ tinção específica dos diferentes momentos e a articulação desta unidade. Esta dupla concepção é indispensável, acabamos de ver, por razões po¬ sitivas, ao mesmo tempo teóricas e prá ticas

.



É igualmente indispensável para previnir confusões negativas, tanto no campo da teoria quanto no campo da prá tica. Cairíamos no idea ¬ lismo, puro e simples, se separássemos a teoria da prá tica, se n ão d éssemos à teoria uma existên ¬ cia prática, não só em sua aplicação, mas tam ¬ bém nas formas de organização e de educação que assegurem a passagem da teoria à prática e sua realização na prá tica. Cairíamos no mesmo idealismo se n ão permitíssemos que a teoria, em sua existência própria, se nutrisse de tôdas as experiências, de todos os resultados e de tôdas as íamos em descobertas reais da prá tica. Mas cair uma outra forma também grave de idealismo, o pragmatismo, se não reconhecêssemos a especifi¬ cidade insubstituível da prá tica teórica, se con ¬ fundíssemos a teoria com sua aplicação, se tra ¬ tássemos, não em palavras, mas de fato, a teo¬ ria , a investiga ção teó rica e a formação teórica como puros e simples auxiliares da prá tica , como “ servas da polí tica ” , se voltássemos a teoria ao puro e simples comentá rio da pr á tica política imediata. Nestas duas formas de idealismo, ve ¬ mos claramente que aos êrros de concepção res¬ pondem diretamente consequências práticas ne¬ fastas, que podem alterar gravemente, como a história do movimento operá rio mostrou e mos¬ tra ainda, não só sua própria prática, que pode mas tombar no sectarismo ou no oportunismo també m a própria teoria que pode ser abando ¬ nada à estagna ção ou à regressão do idealismo dogmático ou pragmático.



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Dizer que tôda a orientação e todos os prin ¬ cí pios de ação do Partido repousam sô a teo¬ ria marxista leninista, e dizer por outrobre lado que a experiê ncia pr á tica da ação política das mas ¬ sas e do Partido é indispensável ao desenvolvi mento da teoria, é afirmar uma verdade funda ¬¬ mental, que só tem sentido se assumir uma for ¬ ma concreta, se um vínculo real e f ôr criado nos dois sentidos, através das fecundo medidas de organização necessárias, entre a teoria e seu de ¬ senvolvimento de um lado, e a prá tica econ ca, política e ideológica do Partido de ómi ¬ Criar êste vínculo nos dois sentidos, é a outro. do Partido. O primeiro elo, absolutamente tarefa ¬ vo, dêsse vínculo é a formação teórica maisdecisi apro fundada possível do maior n úmero possível de¬

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CONCLUSÃ O A distinção justa entre a formação teórica e a luta ideológica é, portanto, essencial para não se cair em confusões que decorrem tôdas, em úl ¬ tima instância, de se tomar a ideologia pela ciên ¬ cia, e portanto de se reduzir a ciência à ideolo ¬ gia.

E assim, ao fim de nossa análise, reencontra ¬ grande princípio de que partimos: a dis¬ tinção entre a ciência e a ideologia. Sem esta dis

mos o

militantes.

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-

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â

tinção, é impossível compreender a especificida ¬ de pr ó pria do marxismo como ciê ncia , a natureza da união do marxismo e do movimento operá rio e tôdas as consequências teóricas e pr á ticas que da í decorrem

.

Queremos deixar bem claro que esta an á lise , dentro de seus limites, não poderia ser exaustiva ; que foi necess á rio simplificar e esquematizar e que fica em suspenso um número grande de pro ¬ blemas importantes. Esperamos, de qualquer mo ¬ do, que ela possa dar uma idéia justa da impor ¬ tâ ncia decisiva da distin çã o entre a ciê ncia e a ideologia , e da luz que esta distinção oode lançar sô bre toda uma sé rie de problemas, teó ricos e prá ¬ ticos, que as organizações operá rias e populares marxistas tê m que enfrentar e resolver em sua luta peia revolução e pela passagem ao socialis ¬

mo.

O MARXISMO E UM HUMANISMO ? Raym ond Domesgue

56

à

A questão do humanismo é atualmente uma das preocupa ções maiores dos intelectuais mar ¬ xistas. O Partido Comunista Francês lhe deu uma dimensã o oficial com as resolu ções da Reuni ão do Comit é Central em Argenteuil , de 11 a 13 de mar ¬ ç o de 1966. Contudo, n ão se trata de um proble ¬ ma nô vo. É uma interrogaçã o permanente dentro e fora do marxismo.

I O “ HOMEM TOTAL” DE GARAUDY



Limitemo- nos à histó ria Um breve retrospecto. recente. A ú ltima guerra mundial põe a questão do humanismo na ordem do dia de modo dram á ¬ tico. O nazismo instala sua loucura no coraçã o do

Ocidente. A humanidade faz a experiê ncia de ve rificar que o homem do século XX é capaz de in ¬ ventar e de justificar horrores como o genocídio dos judeus, os campos de concentra ção, as câ ma ¬ ras de gás. Isto levanta perante tôdas as consciên ¬ cias a questão do homem . Então, que é o homem ? Que deve ser ? Que significa ser homem ? O huma ¬ nismo se torna um tema da moda. ¬

Em 1946 , SARTRE pronuncia sua famosa con ¬ ferência de vulgariza ção : O Existencialismo é um Humanismo. No outono do mesmo ano, MARTIN HEIDEGGER escreve a Jean Beauffret a Carta so ¬ bre o Humanismo. No ano seguinte, em 1947, MER LEAU- PONTY publica Humanismo e Terror. No mesmo ano, EMANUEL MOUNIER faz o balanç o de suas pesquisas sô bre o tema no manifesto Que é o personalismo ? Os teólogos católicos n ão esca ¬ pam ao movimento. Em 1948, o padre DE LUBAC publica O Drama do Humanismo Ateu. Simulta ¬ neamente, JEAN MOUROUX conclui seu Sentido Crist ã o do Homem.

Estas obras p õem em quest ão, direta ou indi ¬ retamente, o marxismo. Há, sem d ú vida, diferen ¬ ças e matizes entre elas, mas tôdas afirmam certo primado do “ homem ” e acusam o marxismo de sa ¬ crificar a “ subjetividade ” ou a “ pessoa ” aos impe ¬ rativos do “ primado da economia ” , às exigê ncias da luta de classes, à disciplina do Partido. O mar ¬ xismo, argumentam, nega ou coloca em segundo plano a interioridade e a liberdade individual; nã o é, portanto, plenamente um “ humanismo” . Os intelectuais marxistas tentam algumas res ¬ postas. Entre outros, em 1945, R . MAUBLANC, O

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Marxismo e a Liberdade, ROGER GARAUDY, O Comunismo e a Moral. Em 1946, PIERRE HERV É, “ O Homem Marxista” , na obra coletiva Os Gran ¬ des Apelos do Homem Contemporâ neo, LUC SO MERHAUSEN, O Humanismo Atuante de Karl Marx Em 1947, JEAN KANAPA, O Existencialis¬ mo n ã o é Humanismo. Em 1948, G. LUCKACS, Existencialismo ou Marxismo? Mas os intelectuais marxistas de ent ão n ão sabem ou não podem dar

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uma resposta proporcional às contestações; suas respostas n ão têm o alcance necessá rio para a abertura de um grande debate teórico.



A “ apologética ” marxista de Garaudy. A “ guer ¬ ra fria ” e as aberra ções stalinistas tornam f áceis as acusações de anti-humanismo lançadas con ¬ tra o marxismo. Para ficar apenas na esfera dos autores de obediência cristã, podemos mencionar: em 1953, PIERRE BIGO, Marxismo e Humanismo; em 1955, JEAN LACROIX, Marxismo, Existencia ¬ lismo, Personalismo ; ainda em 1955, ETCHEVER RY, O Conflito dos Humanismos, em 1956, CAL ¬ VEZ, O Pensamento de Karl Marx. O tom destas obras de um modo geral é diferente dos ensaios mais “ compreensivos” dos anos anteriores, como Significação do Marxismo, de C . H. DESROCHES.

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Os acontecimentos sangrentos de Budapest e do processo de “ de sestalinização” multiplicam ainda mais os ata ¬ ques. Os intelectuais comunistas se sentem acua ¬ dos. Endurecem suas posições e se refugiam em certo dogmatismo. Êste recuo intensifica a crise de consciência de alguns, que se tornam “ here ¬ ges” e abandonam o Partido. Em 1956, PIERRE HERVÉ publica A Revolução e os Fetiches Em 1958, HENRI LEFEBVRE rompe com o Partido por causa da publicação de Problemas Atuais do Marxismo. Em 1959, é a vez de FOUGEYROLLAS com O Marxismo em Questão.

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a insegurança teórica nascida

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intelectuais comunistas devem defenderse. preciso provar que o marxismo é um huma -nismo ; mais ainda, que é o ú nico Os

É

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humanismo realmente aceitá vel. ROGER GARAUDY se entre ¬ ga a esta tarefa de maneira tôda particular. Em 1957, publica Humanismo Marxista. Em 1959, em Perspectivas do Homem, tenta mostrar que tôdas as questões levantadas pelas correntes fi ¬ losóficas contemporâneas conduzem inevitàvelmente ao marxismo. Para GARAUDY, portanto, n ão se trata de insistir num afrontamento estéril : o objetivo é chegar ao coração do existencialismo e do pen ¬ samento católico para a í encontrar os pontos de

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: “ O balan ¬ contacto com o marxismo. Êle escreve , do homem total,

ço de nossa pesquisa do homem seria se nos en¬ não nos parece negativo. Êle opensamentos irre ç de a presen em contrássemos dutivelmente opostos ou mesmo indefinidamente paralelos, sem possibilidades de encontros. Ora, dou ¬ parece possível discernir , entre as diversas ção oposi uma malgrado , neas contempor â trinas ¬ , ele classe de perspectivas ligada s à fundamental mentos de convergência” (1).

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Esta convergência não por¬ tem valor em si mesma . Ela é interessante que significa a existência de um fim ú nico: “ o¬ homem total” Na introdução de seu livro, GAse “ RAUDY o declara explícitamente: Esta obra ¬ esforça para extrair , da an á lise crí tica do exis¬ do mar tencialismo, do pensamento católico eesfor ço co ¬ xismo, as convergê ncias possíveis num ( 2 ) . Há , total ” homem o apreender para mum por conseguinte, uma característica universal : homem. Êste esta procura da realização total odoexiste já pron ¬ , nã dado á est o n ã total homem ” “ cons ¬ se le , ê descobre se le , ê procura se le ê to : express ão é a pensamento de escola trói. Cada uma , imagem uma representa ; desta procura ¬ aproximação, uma “ perspectiva ” do “ homem to , elas tal” . Ainda que diferentes ou mesmo opostas manifestam certos pontos de convergência. Ora, o marxismo é o humanismo verdadeiro porque se encontra numa situação privilegiada em face das outras filosofias. Sua, superioridade o forna decorre de seu caráter “ dialético” quehumanas . capaz de integrar tôdas as descobertas pode pelo compreensiva e interna tica í “ Uma cr sugerir o movimento dialético pelo qual o

Perspectivas do homem.

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menos

objetiva , marxismo, porque reflete a dialética ções consegue superar, integrando as, as contribui concepção do ho¬ à poca é nossa de vivas mais mem” ( 3 ) . é tica . Não se trata apenas de uma apolog im ¬ marche é d tal , uma perto de mais Olhando-a plica numa concepção do humanismo. “ essen Para começar, ela rejeita uma visão concep ¬ mundo. Uma cialista ” dos homens e do concep ção que afirma ção “ essencialista ” é uma ao que existe uma “ natureza humana ” anterior dê^ le . independente e ó rico hist desenvolvimento ser co ¬ Esta natureza humana permanente pode conhe ¬ ste ê Adquirido . nhecida pela inteligência , tra ¬ homem do ” ncia ê ess a “ apreendida , cimento ções e as a as çã o defini esta a adaptar ta-se de O humanis escolhas dos diversos seres humanos.

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mo se torna ent ão “ dedutivo” : sabe-se o que é o homem ; aplica -se êste saber à vida. De maneira mais simbó lica : possui-se a maqueta do homem , trata-se simplesmente de providenciar para que a construção seja a mais conforme possível ao modelo pré-estabelecido. Para GARAUDY, ao contrá rio, o homem se realiza passo a passo, à custa de descobertas progressivas que é preciso integrar e aplicar. Existe um futuro humano. O humanismo, nesta ótica , é tarefa do próprio ho ¬ mem , que deve em cada etapa encontrar sua ver ¬ dade, seu equilíbrio, sua plena expansão. O hu ¬ manismo é uma invenção perpé tua. Segunda característica: n ão é no domínio das id éias que se joga o destino do humanismo. Isto porque o cé u das idéias não existe. Não há um terreno próprio, um firmamento separado da ter ¬ ra e da vida, que seja o lugar da filosofia. A filo ¬ sofia não tem consistência em si mesma . Ela só tem realidade em funçã o da prá tica. Deve, para não ser uma simples atividade estética, recusar o divó rcio com a vida. “ Ligar sempre mais estreita mente a teoria e a prá tica ” ( 4 ) . A superioridade do marxismo é que, para êle, êste divórcio é teó ¬ ricamente impossível. A alma da filosofia marxis¬ ta é a dialé tica “ objetiva ” ( 5) . “ Precisamente porque a dialé tica objetiva do mundo em desen ¬ volvimento é sua alma viva, é da natureza do marxismo jamais fechar -se num sistema, mas desdobrar sem fim uma dialé tica criadora que permite apreender o homem total, com suas di ¬ mensões subjetivas e históricas, e acolher, como momentos de sua pesquisa, tòdas as conquistas do pensamento, da ação e das artes” ( 6 ) . ¬

Existe, por conseguinte, uma correspondên cia entre as leis da natureza e as leis do conhe ¬ cimento e da ação humana. O humanismo não é uma esfera à parte, separada do real. Suas ta refas incluem todos os domí nios : econ ó , ci ¬ entífico, polí tico, cultural etc. É tudo mico isso que constitui o homem. O homem deve, portanto, ¬ car a si mesmo e se realizar em tudo isso e bus por tudo isso. O humanismo é a reconciliação em marcha entre o homem e a natureza, e en tre os homens. O humanismo n ão é aapli cação de uma doutrina ou de um dogma. É ummovimento, a realização prá tica do poder que o homem possui de tornar seus todos os bens do passado e do presente em vista de um futuro mais completo. O humanismo não é uma ortodoxia, nem uma dogmá tica. É uma busca, o exercício histó rico da capacidade humana de assimilaçã o e de síntese, sempre em vista de uma supera ção

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ulterior.

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Isto explica o lugar primordial que o “ diálo¬ go ” ocupa na d émarche de GARAUDY : “ Os con ¬ frontos de pensamento, as contradições, mesmo se não se consegue ainda resolvê las, podem ser um meio de emulação e de crescimento . Só o diálogo entre filosofias é um lugar privilegiado do m é todo dialé tico. O diálogo é o instrumento necessário do movimento do homem em direção ao homem total” .

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Esta expressão retorna sempre designa o alvo, o horizonte do movimento que é o humanismo. Se se pode atribuir uma finalidade à série de conquistas que é o humanismo, esta finalidade é o “ homem to ¬ tal” . Contudo, GARAUDY não dá um nome a êste “ homem total” , nem lhe descreve os traços. Se quisermos saber mais precisamente o que êle en ¬ que antes de mais nada tende por êste tê rmo podemos consultar uma de suas é muito vago obras mais recentes, seu estudo sôbre Hegel, Deus está morto ( PUF, 1962 ). O último capítulo desta obra se intitula : “ A filosofia do espí rito e o ho ¬ mem total” . Aí é examinada a concepção hege liana da história. Segundo GARAUDY esta con ¬ cepção pode ser reduzida a três características maiores: O homem total

em GARAUDY. Ela

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1) A história é o resultado da ação e do tra ¬ balho ; 2 ) O desenvolvimento n ão se efetua de uma maneira linear, mas dialé tica, e o progresso é fi ¬ lho das contradições, das lutas, das crises, das revolu ções ; 3 ) Fruto do trabalho e da luta, a histó ria é necessàriamente una. Ela é um conjunto que pro¬ gride organicamente, um encadeamento racio¬ nal, porque só existe um princípio, o qual se ex ¬ prime na política, na religião, na arte, na mora ¬ lidade, na economia. Estas formas n ã o passam da expressã o de uma realidade única. É por isso que a histó ria tem um sentido e pode ser objeto de ciência. Mas, acrescenta GARAUDY, estas teses estão radicalmente comprometidas porque Hegel lhes d á uma interpretação idealista. Êle assimila inde ¬ vidamente o “ histórico” ao “ lógico” . Todo o pro ¬ cesso histórico é compreendido como uma passa ¬ gem do abstrato ao concreto : falta alguma coisa ao abstrato ; esta falta leva cada momento abs¬ trato à aspiração de um completar para ter acesso

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n à totalidade. Ora, esta totalidade, em Hegel, não é “ aberta ” . Ela está fixada e bloqueada no estado do mundo ao tempo de Hegel. “ Sua concepção historicamente grandiosa do homem total se en ¬ contra bruscamente restringida pelos limites de classe dêste humanismo que pretende parar a ória no momento da dominação burguesa ” hist o\ /

“ A inversão ateista do hegelianismo por Feuerbach e a inversão materialista do hegelia ¬ nismo por Marx iriam logo em seguida rebentar a estreiteza especulativa do idealismo hegeliano sob o impulso da própria história que não podia conservar-se presa na “ jaula da idéia hegeliana e que rompeu os seus limites : depois de se ter” reconhecido que não existia nada fora da cria ¬ ção contínua do homem e de sua histó ria, era impossível parar a história em qualquer uma de suas realizações” ( 9 ). “ As revoluções do século XIX provaram a infinitude da praxis humana: o evolucionismo, a infinitude do desenvolvimen ¬ to criador da matéria em todos os n íveis, da f ísi ¬ ca à biologia ” (10 ) . O humanismo marxista se diz um ¬ mo verdadeiro porque pretende assimilarhumanis supe rar dialè ticamente tôdas as conquistas ehuma ¬¬ nas. Êle se apresenta como o único caminho para o homem total. Êste homem total é o homem to¬ tal hegeliano mas “ invertido” , isto é, enraizado não na id éia mas na realidade material e “ aberto” , isto é, fundado na infinitude das posi ¬ bilidades humanas e materiais. O humanismo marxista para GARAUDY é um humanismo sem limitação de horizonte. Um movimento sem che ¬ gada definida. Uma busca , guiada pela consciên ¬ cia de uma infinidade de superações possíveis.



cam ; procura-se pesquisar em comum. Paralela ¬ mente, cada campo se questiona internamente. Nascem contrové rsias entre intelectuais marxis¬ tas. E assim, é do interior mesmo do marxismo que vai ressurgir, com uma intensidade nova , a quest ã o do humanismo. Que se deve entender por humanismo socialista ? É possível um humanismo socialista ? Ao fim, são teó ricos marxistas que terminam por recusar ao marxismo a etiqueta de “ humanismo” .



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Pode se falar de um “ humanismo socialista ” ? O filósofo marxista francês LOUIS ALTHUSSER é um dos polos desta contrové rsia. Publica na re ¬ vista italiana Crí tica Marxista um estudo sô bre Marx e o humanismo. Reeditado na Fran ça nos Cahiers de lTnstitut des Sciences Economiques Appliquées, o artigo produz simplesmente uma tempestade. A revista comunista La Nouvelle Cri ¬ tique, em seu n ú mero de março de 1985, aprovei ¬ ta a ocasião e abre um debate que se prolonga por um ano inteiro. Uns quinze artigos, alguns importantíssimos, aparecem sôbre o tema E tudo conduz a um amplo colóquio dos filósofos marxis¬ tas e ao Comité Central de 1966, inteiramente consagrado aos “ problemas ideológicos e cultu ¬ rais” . Mas afinal, qual é a posiçã o de ALTHUSSER ?

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Em seu artigo, êle começa por descrever um processo que teve início com a experiência so¬ vié tica atual. Na URSS, com efeito, assiste-se a uma prolifera ção de palavras de ordem huma ¬ nistas: “ tudo pelo homem ” , “ liberdade indivi ¬ dual” , “ dignidade da pessoa ” . Parece, portanto, que a acusação tradicional de anti-humanismo proferida contra o marxismo perde seu funda ¬ mento. O marxismo na sociedade comunista rus sa reencontra a preocupa ção da interioridade, da subjetividade. A pessoa volta ao primeiro plano. A URSS seria a demonstra ção prá tica da argu menta ção apologé tica descrita acima. Esta cons¬ tata ção faz nascer um esquema de explicaçã o que distingue duas etapas na realização do homem socialista. À etapa da revoluçã o, da ditadura do prole ¬ tariado, da instauraçã o das bases do socialismo, corresponde o humanismo do proletariado que se liberta : “ o humanismo proletá rio” . Humanismo de classe, humanismo da dureza e do combate, vol ¬ tado para a obra comum a realizar , e que coloca ¬

II O

-

“ ANTI HUMANISMO TEÓRICO” DE ALTHUSSER

A coexistência pacífica

te, a efervescência

entre o Leste e o Oes ¬

provocada

pelo Concílio Ecumé nico, o

nos meios cristãos

desenvolvimento do

processo de desestaliniza ção nos partidos comu ¬ nistas ocidentais, mudam o clima da contestaçã o entre marxistas e não-marxistas. Em geral, o afrontamento já não se faz a partir de verdades dogm á ticas acabadas. Os “ diálogos” se multipli ¬

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¬

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E em segundo plano

mas

pessoais.



sem negá-los



os

proble

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é em seu princípio mesmo “ comunitá rio ” , inter subjetividade concreta, amor, fraternidade, “ ser gen érico ” É sôbre esta base que está fundada a teoria da “ alienação ” , categoria fundamental dos Manuscritos de 1844. Como ilustração desta dé ¬ marche animada pelo conceito da alienação, to ¬

¬

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Edificadas as bases do socialismo, eliminadas as classes antagónicas, o “ humanis¬ mo socialista da pessoa ” pode fazer sua aparição. Operada a revolu ção das estruturas, o homem pode ocupar-se de si mesmo, enquanto indiví ¬ duo . . . da sociedade

memos o trabalho humano. O homem é homem em e por sua relação com a natureza. O trabalho é a relação privilegiada do homem com a natu ¬ reza. É por êle que o homem adapta a natureza à suas necessidades e a seus fins: o trabalho hu ¬ maniza a natureza, mas também humaniza o ho¬ mem . O homem se exprime, exerce seu poder , se realiza nesta dominação da natureza. No traba ¬ lho o homem exerce seu poder criador, sua cons ¬ ciência , sua liberdade, sua vontade. Ora , em re ¬ gime capitalista, o fruto do trabalho do homem se torna um objeto exterior ao homem e estra ¬ nho ao homem. O operá rio não tem nenhum di reito sô bre o produto de seu trabalho. O automó ¬ vel que êle fabrica não tem nenhuma referência a cie. O produto do trabalho é um mundo estra ¬ nho ao trabalhador, um mundo que o afronta co ¬ mo um inimigo. O homem que trabalha se torna estranho a si mesmo, se aliena em e por seu tra ¬ balho. Tôda ação política toma, então, sentido a partir dêste divórcio. É preciso construir um mundo em que o operá rio n ão se aliene em seu trabalho, onde êle possa de uma maneira ou de outra se apropriar do fruto de seu trabalho. Nu ¬ ma ótica mais ampla, o objetivo da revolução é “ restituir ao homem sua natureza alienada na forma fantástica do dinheiro, do poder e dos deu ¬ ses” . Esta definiçã o da revoluçã o supõe, como se vê, uma definiçã o do homem ; set á baseada numa natureza humana. Constitui uma démarche “ hu¬ manista ” .

No encadeamento destas duas etapas ¬ trar -se-ia a confirma ção da profecia de, encon Marx : “ O comunismo enquanto naturalismo acabado é igual a humanismo” .

ALTHUSSER reage contra êste esquema e ou ¬ Reage como filósofo, como teó ¬ rico : “ Nã o basta registrar o acontecimen ¬ to gistrar os conceitos ( humanismo, socialismo )e re nos quais o acontecimento se pensa a si preciso submeter à prova os títulos teómesmo. É ricos conceitos para ver se êles nos d ão de fato dos um verdadeiro conhecimento científico do aconteci ¬ mento. Ora , a expressão humanismo socialista encerra uma desigualdade teó rica chocante no contexto da concepção marxista o conceito de: so ¬ cialismo é um conceito científico, mas o conceito de humanismo não passa de um conceito ideoló ¬ gico” ( 11 ) . Os conceitos de “ humanismo” e de “ socialismo ” decorrem de dois sistemas de ¬ samentos diferentes, de dois níveis opostos. pen Um decorre da ciê ncia, o outro da ideologia. mos mais adiante a esta distinção que é Voltare um dos eixos maiores do debate. ALTHUSSER vai se ex ¬ plicar recorrendo a Marx.

tros semelhantes.

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O itinerá rio de Marx. Para ALTHUSSE três etapas na evolução do pensamento de R, há Marx. 1)

Uma primeira etapa “ humanista

” . O jo¬ vem Marx combate a censura, o despotismo prus siano. Êste combate, êle o fundamenta e justificapor meio de uma concepção do homem. es ¬ tá então muito perto de Kant e de FichteMarx . Define o homem como liberdade e razão. Critica a cen ¬ sura como negaçã o da liberdade e as leis feudais por serem anti-racionais.

3 ) A partir de 1845, Marx rompe com tôda teoria que fundamenta a história e a política em uma definição prévia do homem, em uma “ essên ¬ cia humana ” . Rejeita a problemá tica de tôda a filosofia anterior e instaura uma problemá tica inteiramente nova. Realiza uma “ ruptura episte ¬ mológica ” .

2 ) Uma segunda etapa “ humanista . Marx descobre Feuerbach. Aceita sua definição ” do ho¬ mem como um “ ser comunit á rio” . Nesta ó tica, o homem só é êle mesmo em comunhão com os tros homens e com a natureza. O homem sou ó liberdade e razão em sua relaçã o e por sua reé¬ lação com seus semelhantes e com as coisas. Ê le

Esquemá ticamente, epistemología é o estudo dos métodos de conhecimento. Ela se aplica prin ¬ cipalmente ao estudo dos mé todos do conheci ¬ mento científico. Assim Brunschvicg estudou e desenvolveu as formas do pensamenot matemá ¬ tico. Há ruptura epistemológica quando se opera uma mudança radical na problemática e no mé ¬ todo de conhecimento de um setor da realidade.

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J

T Antes de Marx, abordava-se a histó ria partindo uma definição prévia do sujeito humano Marx recusa esta problem á tica “ humanista ” e és . te método de conhecimento, e inventa outra pro¬ blem á tica e outro m é todo, de cará ter cient ífi ¬ co” . ALTHUSSER explica : “ A prá tica te“órica de uma ciência se distingue nitidamente da pr tica teórica ideológica de sua pré história: esta ádis ¬ tinção toma a forma de uma discontinuidade qualitativa teórica e histórica que podemos desig ¬ nar com Bachelard pelo tê rmo de ruptura epis ¬ temológica ” ( 12 ). A ruptura epistemológica que Marx realiza em 1845 lhe permite desembarcar na terra firme da ciência. Ela inclui também necessàriamente uma crítica das posições anteriores. Marx critica radicalmente a pretenção de fundamentar tudo num conhecimento da essência humana. O hu¬ manismo é uma ilusão. Êle se liga não ao dom nio da ciência, mas ao domínio da ideologia. í¬ A invenção da história como ciência por Marx re¬ vela a verdadeira natureza do humanism o: êle nao é ciência, mas ideologia.

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-se de

Pode-se falar de « ma ruptura epistemológica no pensamento de Marx? ALTHUSSER baseia o “ anti humanismo teórico” de Marx na novidade teórica radical do marxismo : novidade que é fru to de uma “ ruptura epistemológica ” entre a “ fase humanista” e a “ fase científica” de Marx. Esta ruptura torna se, portanto, um dos pontos de po ¬ larização do debate atual entre intelectuais mar ¬ xistas.



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Assim , JORGE SEBPRUN escreve ( 14 ) : “ A formulação de ALTHUSSER exige várias obser ¬ vações. Em primeiro lugar , tôda concepção dos progressos do pensamento como rupturas ou sal ¬ tos qualitativos, malgrado sua aparência dialé ¬ tica, é contestável. O pensamento mais justo, mais racional ( isto é, mais adequado à compreen ¬ são e à transformação real no mundo ) não é ja ¬ mais uma revela çã o, mas uma elabora çã o onde a praxis representa um papel mais ou me¬ nos importante ( em Marx, éste papel foi de ¬ cisivo ). Na análise cultural e ideológica, a noção de ruptura deve ser manejada com um cuidado extremo, se se quiser evitar os extremismos . . . Em segundo lugar, é evidente ( uma simples cr í ti ¬ ca filosófica dos textos o provaria imediatamen ¬ te ) que não é em 1845 que Marx rompe radical ¬ mente com tôda teoria que fundamenta a histó ¬ ria e a polí tica numa essência do homem. Com semelhante teoria êle rompeu muito antes, e bem

Donde a conclusã o de ALTHUSSER ponto de vista estrito da teoria , podemos : “ Do e deve ¬ mos abertamente falar de um anti humanism o teórico de Marx e ver neste anti-humanism o teó¬ rico a condiçã o de possibilidade absoluta ( nega ¬ tiva ) do conhecimento ( positivo ) do mundo hu ¬ mano, e de sua transformação prática ó pode ¬ mos conhecer alguma coisa a respeito. Sdos ¬ ho mens com uma condição ( absoluta ) : reduzir a cinzas o mito filosófico ( teó rico ) do homem. To ¬ do pensamento, portanto, que se valesse de Marx para restaurar de uma maneira ou outra uma antropologia ou um humanismo teórico não se¬ ria teoricamente mais do que cinzas ” ( 13 ).

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radicalmente” . Nã o vamos entrar na guerrilha dos debates em tôrno dêste segundo ponto. Saber se foi em 1845, antes de 1845 ou depois de 1845 que ocorreu uma mudança teórica capital no pensamento de Marx é um problema muito importante, mas se ¬ ria preciso um quadro muito mais largo do que êste artigo para abord á -lo eficazmente. Quanto ao primeiro ponto, SEMPRUN con ¬ testa a idéia de ALTHUSSER de uma “ ruptura epistemológica ” em nome de uma concepção di ¬ ferente do progresso do pensamento. O pensa ¬ mento não evoluiria por “ saltos” ou “ rupturas” , como diz ALTHUSSER, mas por uma “ elabora ¬ ção ” em que a “ praxis” desempenha um ‘papel ’. Ésta palavra “ elaboração” nos parece bem vaga c imprecisa . Pode recobrir tudo. De qualquer mo ¬ do, acreditamos, está bastante afastada das con ¬

Estamos ao nível da teoria , ou seja , da tativa do homem para conhecer. Com seu ten ¬ -humanismo teórico, ALTHUSSER não queranti zer que é preciso desprezar na vida quotidianadi¬ o homem, a pessoa. Êle não define o co¬ mo uma recusa de considerar as marxismo necessidad materiais, intelectuais, culturais dos indivíduoses . Êle se situa ao nível do conhecimento. O concei ¬

to de humanismo designa certamente um con ¬ junto de realidades, mas n ã o permite conhecê -las científicamente, explicá-las. Partir de uma definição do homem, é regredir, é recuar a uma etapa pré-científica.

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cepções tradicionais do marxismo que afirmam que Marx “ inverteu Hegel” , “ repôs a filosofia so ¬ bre os pés” O pr ó prio SEMPRUN admite que Marx rompeu com uma ótica essencialista.

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1 Achamos o conceito de “ elaboração” muito fra ¬ co para designar esta mudança. Pois nos parece inteiramente possível que uma lenta maturação , “ uma elaboração em que a prá tica desempenha um papel” , leve a produzir uma teoria que, na história do pensamento, corresponda realmen ¬ te a um “ ruptura epistemológica” . Alé m disso, SEMPRUN atribui a ALTHUSSER uma posição que êste jamais defendeu , a posição de uma rup ¬ tura que correspondesse a uma “ revelaçã o ” ; AL ¬ THUSSER jamais escreveu que a “ ruptura ” se explicaria por uma “ revela ção ” . SEMPRUN, por ¬ tanto, parece-nos que passa ao lado do verdadei ¬ ro problema levantado por ALTHUSSER . Sem fazer referência explícita ao problema da “ ruptura ” , GENEVIEVE NAVARRI parece enga ¬ jar-se numa via intermediária (15 ): “ Não leio os Manuscritos como LOUIS ALTHUSSEH, que escre ¬ ve: “ Do ponto de vista da dominação radical da filosofia sôbre um conte ú do que logo se tornaria radicalmente independente ( a economia ), o Marx mais afastado de Marx é éste Marx dos Manus¬ critos económico filosóficos” Não vejo nos Ma ¬ nuscritos a domina ção radical da filosofia, mui ¬ to menos de uma filosofia da essência do homem, pois o que para mim é evidente é êste conteúdo ( de que fala ALTHUSSER , mas ao qual n ão d á nenhuma aten ção ) , um conte údo ainda impreciso mas que já é um saber” Para ela, não há unida ¬ de teó rica nos Manuscritos. Querer encontrar uma unidade teó rica, sob a forma de uma filo ¬ sofia da essência, é n ão compreender as “ ques ¬ tões reais” de Marx. Ora, o que mais importa são estas questões. “ Creio que o essencial para uma ciência é justamente êste momento em que uma questão real é colocada ” ( pá g. 71 ) . “ Certamente, em um primeiro momento estas questões podem ser colocadas de maneira pré-científica , em uma linguagem tomada de empréstimo às teorias, às filosofias existentes ; mas o essencial é que as ver dadeiras questões est ão colocadas. Esta apreen ¬ são do verdadeiro problema é que p õe em marcha por mais o movimento da teoria estrita, a qual não é sen ã o um segundo necessária que seja momento” ( pág. 71 ) . Nos Manuscritos, a ausência de unidade teó rica é justamente o índice de pre ¬ sença de um conte údo novo.

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“ É êste conte ú do nôvo que encontrará sua verdadeira forma na teoria acabada, na teoria da maturidade” ( pág. 72 ) . “ Trata se de uma es¬ pécie de pré saber , de uma aproxima ção do sa ¬ ber : diante do ôlho j á nô vo de Marx, h á o ho-

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mem-mercadoria ” ( pá g. 77 ) . Donde a conclusão: “ É preciso conservar a unidade dialé tica da obra de Marx : unidade de conteú do, discontinuidade epistemológica” ( pá g. 76 ) . A posição de GENEVIÈVE NAVARRI baseia distinção entre o “ conte údo”

-se, portanto, numa

e a “ expressão ” dêste conteúdo, entre o conte ú as formas teó ricas empregadas para transcrevê-lo. Daí a possibilidade de falar em “ rup ¬ tura epistemológica ” , guardando uma continui ¬ dade no conteúdo. Que valor tem esta distinção? Mais precisamente, qual é a natureza dêste con ¬ te údo ? Pode existir certa independência do con teúdo em relação às formas teó ricas que o expri ¬ mem ? Ao n ível psicoligico, isto parece possível: todos experimentamos a dificuldade de encontrar as palavras exatas para traduzir nossos pensa ¬ mentos ; mas não é disso que se trata aqui, esta mos a outro nível. A unidade de conteúdo signi fica que Marx teve sempre em vista o mesmo ob ¬ jetivo : conhecer melhor, compreender melhor o homem ? Se é isto, continuidade de conte údo é a mesma coisa que identidade de objeto d epesqui sa, o que deve acarretar a afirmação de que há continuidade de conte údo entre t ôdas as inter ¬ rogações sôbre o homem : é a evacuação do pro ¬ blema. A continuidade estaria no “ gênio ” de Marx, neste “ olhar nôvo” que lhe permitia colo ¬ car as verdadeiras quest ões, as questões decisi ¬ vas? Ainda aqui o problema continua intocado pois, se nã o quisermos tombar na mitologia , é preciso encontrar uma explicação para êste “ olhar nô vo” . Em suma, esta distinção entre o conteúdo e sua expressã o teórica nos parece ne ¬ ¬

do e

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bulosa demais.

ALTHUSSER , em Pour Marx, critica uma po siçã o bem semelhante à de GENEVIÈVE NAVAR R Í : a posição dos qu eexplicam a evolução do pensamento de Marx pelo recurso à contradição entre conteúdo e forma, conte údo e linguagem. Ê le vê nesta posiçã o uma atitude dialé tica ( GENEVIÈVE NAVARRI escreve : “ É preciso conser ¬ var a unidade dialé tica da obra de Marx ” ) . Mas esta dialé tica é a da “ forma ” e do “ conteúdo” , vale dizer , que “ é a abstração mesma do proble ¬ ma que é apresentada como sua solução” . Uraa tal dé marche corresponde específicamente à, sis ¬ temá tica hegeliana ; é, portanto, tipicamente pré¬

-marxista.

Tocamos aqui o n ó do problema. Apoiado em contribuições de teó ricos recentes como BACHE-

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LARD, LÉVI-STRAUSS, FOUCAULT etc., AL ¬ THUSSER tenta uma nova leitura de Marx. Es¬ ta nova leitura deveria permitir identificar me ¬ lhor a contribuição científica, ao nivel da teoría, do autor de O Capital. Ao tentar esta leitura, AL ¬ THUSSER revoluciona a problem á tica tradicio ¬ nal do marxismo. Os que tentam defender a visão tradicional só podem fazê lo atualmente na ótica antiga : travam o combate a um nivel que é es ¬ tranho ao de ALTHUSSER e por isso éste pode f ácilmente reenviá-los a suas próprias fontes. O problema é, portanto, saber se estas , es¬ tas descobertas recentes são válidas e,fontes neste ca ¬ so, se devem provocar urna redescoberta de Marx e um salto à frente do marxismo.

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O marxismo vive sua “ crise modernista ” . Urna nova compreensã o do é “ teoria AL ¬ THUSSER tenta dar uma compreensão” mais es¬ trita do que é a teoria, o conhecimento humano sistem á tico. Vamos tentar resumi la em grandes

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traços.



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1) É preciso abandonar a concepção empi rista do conhecimento humano. Esta concepção p õe em cena um “ objeto que é conhecido e um ” “ sujeito” que conhece. Para conhecer, o sujeito faz uma opera ção chamada “ abstração : êle ” “ abstrai” , tira do objeto real sua “ essência ” . Isto implica que o objeto real possui em si mesmo, de uma maneira ou de outra, duas partes reais: a essê ncia que a inteligência apreende e uma gan ¬ ga que envolve e esconde esta essência O ato de conhecimento tem por finalidade separar os dois elementos que existem no objeto real, o essen¬ cial e o inessencial.

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Quem reflete sôbre esta démarche percebe que ela implica uma confissão. “ Quando o em ¬ pirismo designa na essência o objeto do conheci ¬ mento, êle confessa uma coisa muito importante que nega no mesmo momento: êle confessa que o objeto do conhecimento n ão é id êntico ao ob ¬ jeto real, pois êle constitui somente uma parte do objeto real” ( 16 ) .

Portanto, é preciso distinguir objeto real e objeto de conhecimento. Spinoza, um dos pri ¬ meiros filósofos da história, estabeleceu esta dis ¬ tinção. “ Marx, no capítulo III da Introdução de 57, retomou esta distinção com tôda a f ôrça pos¬ sível ” ( 17 ) . Esta distin ção, é preciso fazê -la não só para os objetos, mas também para os proces¬ sos de produção dêsses objetos. Os objetos reais 2)

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tê m um modo de produção próprio, uma gé nese real. Os objetos de pensamento têm um modo de produção próprio que n ão corresponde à sua gé ¬ nese real. Aqui, tudo se passa no interior do pro ¬ cesso do conhecimento, em um outro plano, em uma outra ordem. 3 ) O que acabou de ser dito implica a ne ¬ cessidade de considerar o conhecimento como no sentido for produção Uma ciência produz um objeto que não existia antes . te do têrmo Ela faz alguma coisa. O conhecimento não é um fenômeno de leitura ou de visão. É um ato de

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produ çã o.

4 ) É possível, então, esquematizar a elabo ¬ ra ção ou produção teórica em três momentos. Uma matéria prima, que não é o objeto real ( maté ria bruta ) , mas êste objeto real j á transfor mado ( por uma prática teórica ou ideológica an ¬ terior ) em objeto de pensamento ) por exemplo: os conceitos de “ produção” , “ trabalho” , “ troca” ). Esta matéria prima é chamada por ALTHUSSER ¬

Generalidade I (18 ): O resultado ou produto: a transformação da generalidade I em uma nova generalidade, em um nôvo sistema de conceitos mais “ especifica ¬ dos” . Uma generalidade mais coerente, mais con ¬ creta, é obtida. Estamos diante de um nôvo ob¬ jeto de conhecimento. ALTHUSSER o chama Ge ¬ neralidade III. Um trabalho de produção, a prática teórica, que é realizado por algu ém. O agente d êste tra ¬ balho é um “ operá rio” , que utiliza como meios de trabalho um mé todo e um corpo de conceitos que ó¬ constitui a teoria da ciência no momento hist rico em que o novo conhecimento está sendo pro¬ duzido. ALTHUSSER chama a esta teoria de Ge ¬ neralidade II

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Se, como acabamos de ver, tôda ciência tra ¬ balha a partir de materiais prèviamente elabo ¬ seja por uma prá tica ideológica, seja por rados isto equivale a dizer três uma prá tica teórica coisas. Cada ciência elabora seus próprios fatos ci ¬ entíficos. Ela o faz através de uma crítica dos ele ¬ mentos elaborados por uma prática ideológica precedente. Ao elaborar seus próprios fatos científicos, elabora sua própria teoria. E assim só h á fato





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4

1 científico em relaçao a um campo científico dado. O processo de avanço do pensamento huma no pode, então, ser descrito assim : “ Quando uma¬ ciência j á constituída se desenvolve, ela trabalha sôbre uma matéria prima ( generalidade I), cons¬ tituída ou por conceitos ainda ideológicos, ou por

conceitos já elaborados cient íficamente, pertencentes a um estágio anterior da ci mas ência ( generalidade II, ex generalidade III ). O pro ¬ gresso da ciência é o movimento que faz de uma generalidade I uma generalidade III, a qual torna uma generalidade I para um nôvo progresse¬ ( so” 19 ) . 5 ) É capital sublinhar que em os ca ¬ sos se trata de “ generalidades” . Não todos pode existir objeto radicalmente isolado num processo de pensamento. Um objeto só existe definido por um “ campo” teórico ou ideológico complexo próprio pensamento n ão é nenhum poder . O ¬ tário ou isolado: é uma “ estrutura ” complexasoli que combina materiais complexos. “ O pensamento de que se trata aqui não é a faculdade de um sujeito transcendental ou de uma consciência absoluta , que a o mundo real se contrapusesse como maté ¬ ria ; o pensamento não é tão pouco a faculdade de um sujeito psicológico, ainda que os indiv íduos humanos sejam seus agentes. Éste pensamento é o sistema históricamente constitu ído de um aparelho de pensamento, fundado e articulado na realidade natural e social” ( 20 ) . Esta defini ¬

ção do pensamento como sistema, fundado brè um momento histórico, e não simples frutosôdos sujeitos individuais, tem uma import ncia decisi¬ va no quadro de um debate sôbre o âhumanismo , como veremos mais adiante. 6 ) Donde a conclusão que a priori teria pa ¬ recido inaceitável: “ Ao pé da letra , não é o ôlho ( o ôlho do espírito ) de um sujeito que vê o que existe no campo definido por uma problemática histó rica: é êste campo mesmo que se vê nos obje ¬ tos ou nos problemas que êle define” ( 21) .

—.

A “ teoria ” e a “ prá tica ” segundo ALTHUSS ER. A êste respeito, ALTHUSSER é muito criticado Tôdas as comunicações ou quase tôdas fei ¬ tas ao Comité Central de Argenteuil retomam ês¬ argumento te : a posição de ALTHUSSER é ina ¬





ceitável porque conduz a uma dissociação da teo ¬ ria e da prá tica. Estamos diante de um julga mento que volta sem cessar como um refrão. AL¬-

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THUSSER afirma que é a coerência interna de uma ciência que funda a verdade de seus con ¬ ceitos. Retruca se: esta posição nega o papel im ¬ portante , capital da prá tica, quando só a prá tica é que pode verificar um dado científico. ALTHU ¬ SSER faz um esforço para dar a maior precisão possível aos conceitos empregados. Diz-se : êle só presta atenção ao aspecto “ formal” da ciência, nega sua vinculaçã o com o real, dissocia prá tica e teoria etc.

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Estas objeções nos pareceriam pertinentes e definitivas se ALTHUSSER tivesse feito uma dé ¬ marche idealista, construído sua pesquisa sôbre conceitos intemporais, desincamados. Mas não é o caso. Todo seu esfor ço est á explícitamente ani ¬ mado pela consideração das condições históricas objetivas nas quais se efetua a operaçã o de pen ¬ samento. Êste pensamento, êle o precisa com ve ¬ emência, é sem d úvida um “ sistema real próprio” , mas n ão é um sistema qualquer. É um sistema “ fundado e articulado sôbre o mundo real de uma sociedade histórica dada que entretém determi ¬ nadas relações com a natureza” ( 22 ). Êle comba ¬ te a posição que se volta para um poder de pen ¬ samento intemporal, para um “ efeito de conhe ¬ cimento ” origin á rio, com isto se dispensando de estudar sè riamente os mecanismos do movimento atual do conhecimento. Quando Marx quer co ¬ nhecer a sociedade que o cerca , a sociedade bur guêsa, êle não constrói primeiro a teoria das for ¬ mas anteriores da sociedade para daí tirar de ¬ dutivamente o conhecimento da sociedade em que vive. A inteligência da sociedade burgu êsa passa exclusivamente pelo estudo mais aprofun ¬ dado possível da estrutura atual da sociedade. Só em seguida e em função dos mecanismos atuais é que se pode tentar compreender as etapas an ¬ teriores. Custa compreender como ALTHUSSER pode ser acusado de “ formalismo” quando desen ¬ volve êstes princípios. As “ formas ” a que êle se prende são as formas do mecanismo contempo ¬ râneo, presentemente em ação. O que êle quer, é apreender em sua especificidade as estruturas atuais da sociedade atual. Há nisso dissociação entre prática e teoria ? Parece-nos, ao contrá rio, que h á introduçã o de um laço muito mais vigoroso do que em cer ¬ tas exposições tradicionais do marxismo. Sem d ú ¬ vida , n ão se percebe êste laço imediatamente. O pensamento de ALTHUSSER não permite a dedu ¬ ção imediata de palavras de ordem polí ticas ou

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sindicais. Éste la ço é posto num n ível mais fun ¬ damental, no n ível teó rico no sentido forte da palavra . Os intelectuais marxistas estão deso¬ rientados por esta novidade. Êles tomaram tão ao pé da letra o famoso axioma da destruição da filosofia por Marx, que parecem incapazes de re ¬ conhecer uma d émarche propriamente teó rica.

Contudo, a questão que êles levantam é uma “ verdadeira ” questã o. Não queremos resolvê-la no lugar déles. Parece -nos evidente, contudo, que a contestação que fazem, neste plano, a ALTHUS ¬ SER é inoperante. Ao lê-los, fica-nos a impres¬ são de que um velho reflexo surge espontanea ¬ mente: o reflexo de reconduzir tudo ao nível da ideologia, terreno que ALTHUSSER tenta deses¬ peradamente abandonar.



ALTHUSSER pensa O problema da ideologia. que o trabalho que resulta na produção dos ob ¬ jetos de pensamento, o “ efeito de conhecimen ¬ to” , comprende pelo menos dois sub objetos : o efeito de conhecimento científico e o efeito de co ¬ nhecimento ideológico. O efeito de conhecimnto idológico é, portanto, um autêntico efeito de co ¬ nhecimento. Seu ponto de impacto, contudo, é diferente do pont ode impacto do efeito de co ¬ nhecimento científico. Na ideologia a função pr á ¬ tico-social predomina sôbre a fun ção teórica. A ideologia deve, então, ser compreendida pela fun ¬ çã o social que preenche.

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“ Qual é a natureza desta fun çã o social ? Para entend ê-la, é preciso remontar à teoria marxista da histó ria. Os sujeitos da histó ria são socieda ¬ des humanas determinadas. Elas se apresentam como totalidades, cuja unidade é constituída por certo tipo determinado de articulação interna , portanto por um tipo específico de complexidade, que põe em ação instâ ncias que podemos redu ¬ zir esquem á ticamente, como Engels, a três a economia, a polí tica e a ideologia. Existe, por ¬ tanto, em tôda sociedade uma atividade econó ¬ mica de base, uma organização polí tica e formas ideológicas ( religi ã o, moral, filosofia etc. ) . Por conseguinte, a ideologia como tal faz orgâ nica mente parte de tôda totalidade social. A ideolo ¬ gia n ã o é uma aberração ou uma excrescência contingente da histó ria : é uma estrutura essen cial à vida histó rica das sociedades” ( 23 ) . É possível dar mais um passo na compreen ¬ sã o da funçã o social da ideologia ? Certamente. A ideologia “ é profundamente inconsciente, mesmo



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quando se apresenta ( como na filosofia pré mar ¬ xista ) sob uma forma refletida . A ideologia é, sem d ú vida , um sistema de representações. Mas suas representa ções, na maioria das vêzes, não tem nada a vêr com a consciência : em geral, são imagens, às v ê zes, conceitos, mas é antes como

estruturas que elas se impõem à imensa maioria dos homens, sem passar pela consciência déles . . . Os homens vivem suas ações ( comumente rela ¬ cionadas pela tradiçã o clássica com a consciên ¬ cia e com a liberdade ) na ideologia, atrav és da ideologia e pela ideologia . . . A rela çã o vivida dos homens com o mundo passa pela ideologia, ou antes, é a própria ideologia . . . Com efeito, na ideologia , os homens exprimem n ã o suas rela ¬ ções com suas condições de existência, mas a ma ¬ neira como vivem suas relações com suas condi ¬ ções de existência : o que implica ao mesmo tem ¬ po rela ção real e rela çã o vivida, imaginada. A ideologia é, portanto, a expressão da rela ção dos homens com seu mundo, isto é, a unidade ( sobredeterminada ) de sua relação real e de sua relaçã o imagin á ria com suas condições reais de existê n ¬ cia . Na ideologia, a rela ção real é inevitavelmen ¬ te revestida pela rela çã o imaginá ria, e esta rela ¬ ção, mais do que descrever uma realidade, ex ¬ prime uma vontade ( conservadora , conformista , reformista ou revolucioná ria ) , ou seja, uma espe ¬ ran ça ou uma nostalgia” ( 24 ) . Esta maneira de abordar o problema da ideo ¬ logia tem suscitado reações numerosas e varia ¬ das. Uma, contudo, nos parece constante . Nâ o se aceita a distinção abrupta que ALTHUSSER opera entre ciência e ideologia. Em primeiro lu ¬ gar , parece insuportável que, em nome desta dis ¬ tin ção, se qualifique estritamente de ideologia id éias desenvolvidas num contexto marxista. Es ¬ ta atitude pode parecer mais apologé tica do que teórica : no entanto, ela levanta uma quest ão im ¬ portante na tradição marxista. Não se pode atri ¬ buir o mesmo valor à ideologia do proletariado e a qualquer outra ideologia. Não se deve colo ¬ car no mesmo plano a tôdas as ideologias. Entre elas, é preciso fazer um discernimento, uma clas ¬ sificação. Certas ideologias participam menos do cará ter de ilusão. Est ão mais próximas da ciên ¬ cia . Que crité rio empregar para fazer tal divisão ? O critério proposto é a referência à classe social de que as ideologias são expressão. Poré m , pôsto êste crité rio, nem por isso o problema está defi ¬ nitivamente resolvido. É significativo que esta po¬ siçã o seja sempre apresentada como um progra ¬ ma a realizar , uma pesquisa a empreender , e não

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um conjunto de dados já elaborados. A questão continua impiamente aberta . .. Alguns, como GENEVIÈVE NAVARRI, re ¬ cusam o modo como ALTHUSSER coloca o pro ¬ blema. Se se parte, escreve, da indicação de EN ¬

GELS que afirma que a ideologia pode també m chega se a um impasse. A unidade da ideologia se desfaz. Encontiamo -nos diante de uma gama infinita de ideologias. Para GENEVIE ¬ VE NAVARRI, portanto, é impossível elaborar um conceito único de ideologia que recubra tôdas as ideologias. Esta afirmação é uma escolha teórica que nos parece cheia de consequências. Equivale à recusa de uma posição estritamente teórica do problema. Isto se confirma quando ela explicita sua atitude em relação a ALTHUSSER. Recusa se a aceitar a indica ção que êle propõe de uma “ sô bredeterminação do real pelo imagin á rio” . Tal recusa é fundada, nã o sobre argumentos teóri ¬ cos ou sô bre uma crítica da posição mesma, mas sô bre a impossibilidade da tarefa que a aceita ¬ ção da posição acarretaria, pois “ o imaginário comporta em si mesmo a gama que vai do com ¬ pletamente ilusório ao quase verdadeiro ” ( 25 ) . Como estamos diante de um dos problemas capi tais do pensamento de ALTHUSSER “ a sobredeterminação do real pelo imaginá rio ” é a defi ¬ nição que êle oferece da ideologia , reencontra ¬ mos aqui a mesma recusa já assinalada anterior ¬

ser ativa,

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mente de entrar numa perspectiva profundamen ¬ te teórica. A solução que GENEVIÈVE sugere é uma diferenciação sem tentativa de precisão for ¬ mal. Como o caso anterior , é muito mais um pro ¬ grama que ela traça do que uma elaboração j á em curso. No fundo, êstes argumentos s ebaseiam na questão da “ verdade ” . “ Verdade ” da ideologia, “ verdade” do conhecimento humano. MICHEL SIMON o diz explícitamente : “ Não se pode esca ¬

par ao problema da verdade ( exatid ão aproxima tiva ) de tal ou qual representação ” ( 26 ). Eis nos de volta à fonte, ao famoso “ problema do conhe ¬ cimento” , que é um dos eixos da filosofia de todos os tempos. Neste terreno, os intelectuais marxis ¬ tas de hoje se encontram desorientados. A teoria do conhecimento baseada no conceito de reflexo, por muito tempo dominante entre êles, está sen ¬ do agora abandonada e copiosamente criticada. GARAUDY tenta substituir o conceito de “ refle ¬ xo” pelo conceito de “ modêlo” conceito de ¬ senvolvido recentemente pelo estruturalismo mas, de acordo com a grande maioria dos filó ¬ ¬

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sofos marxistas, esta tentativa é muito ambígua. O pró prio de ALTHUSSER é querer superar êsse problema. Para êle, a questão das garantias da possibilidade do conhecimento é uma questão ideológica. O verdadeiro problema é o do "me ¬ canismo da apropria ção cognitiva do objeto real por meio do objeto de conhecimento” . Os adver ¬ sários de ALTHUSSER se recusam a mudar de terreno como êle. Nenhum o alcan ça verdadei ¬ ramente. Estamos em presen ça de um diálogo de surdos.

III O HOMEM, CENTRO DE TÔDAS AS COISAS?

Pelo que sabemos, nenhum intelectual mar ¬ xista conseguiu contestar válidamente ALTHU SSER até agora. Nenhum o atingiu sè riamente no coração de seu projeto, que é uma mudança de terreno teórico. Como diz com algum humor MACHERAY, ao falar da resposta de SEMPRUN a ALTHUSSER: há uma ruptura epistemológica entre êles. Há um corte entre ALTHUSSER e seus contraditores. ¬



Quer íamos agora tra çar Um nô vo terreno. muito esquematicamente as linhas básicas dêste nô vo terreno. Já tratamos das questões da “ teo¬ ria ” e da “ ideologia ” . Resta-nos analizar a ques¬ tão do “ humanismo” . Num primeiro tempo his ¬ tórico, o conjunto das interrogações sôbre o ho¬ e o conjunto das mem , sô bre o sentido da vida se vin ¬ respostas dadas a estas interrogações culam à discussão da transcend ência divina. Ueus é o único recurso para uma explicação do ho ¬ mem. Êle é a base da natureza do homem e a chave de seu destino. A “ modernidade ” rompe ês tes liames entre Deus e o homem. Na idade mo ¬ derna, o homem aprende a pensar a si mesmo co mo autó nomo. Torna-se o centro de si mesmo e de tôda a realidade. É preciso partir do homem pa ra explicar o homem , a histó ria , a sociedade etc. Marx ultrapassa esta etapa. Para êle , n ão é do in div íduo, n ão é do homem que é preciso partir , mas do “ conjunto das relações sociais” . Estas rela ções são a realidade de base, o fundamento único sô ¬ bre o qual deve ser constru ída qualquer ciência





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consequente.

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1 ALTHUSSER leva a sé rio esta afirma ção de Marx. Tôda teoria, tôda antropologia que se apoia sobre dados tais como os “ projetos” humanos, as “ necessidades” humanas, os “ desejos” humanos, tôda construção que parte do homem como fun ¬ damento, é uma constru ção pré-marxista, urna tentativa ideológica.

da palavra ) . É uma unidade imagin á ria resultan ¬ te de identificações mais ou menos alienantes, é um vazio, uma ausência. LACAN demonstra e re ¬ pete que o homem n ão está no centro de si mes ¬ mo, mas fora de si mesmo.

Nisto êle é confirmado por tôda uma córte de pesquisadores contemporâ neos nos diversos setores da antropologia : na psican álise ( LACAN ) , na linguística, na antropologia estrutural ( LÉVI ¬ -STRAUSS ) , na semiologia ( ROLAND BARTHES ) . AL ¬ O homem n ã o é o “ centro” de si mesmo THUSSER encontra em FREUD confirmação do deslocamento teórico operado por Marx. Marx acabamos de ver , afirma que o indivíduo humano n ão pode ser o centro da história. FREUD nos en ¬ sina que êste sujeito humano está em si mesmo “ descentrado” . ALTHUSSER escreve : “ FREUD descobre por sua vez que o sujeito real, o indiví ¬ duo em sua essência singular, não tem a figura de um ego, centrado sôbre o eu, a consciência ou a existência. Que o sujeito humano é descentrado, constituído por uma estrutura que também só tem centro no desconhecimento imagin á rio do eu, isto é, nas formações em que êle se reconhe ¬ ce” ( 27 ) . LACAN, aproveitando-se do surgimento de uma nova ciência, a linguística , pôde dar à des ¬ coberta de FREUD um rigor teórico decisivo. Êle traz o testemunho de que as mais importantes aquisições da linguística entram de pleno direito na compreensão do “ discurso inconsciente” e do discurso verbal do sujeito e da relação entre êles. As estrturas formais destacadas pela linguística nos oferecem as chaves teóricas do “ tornar-se homem ” do pequeno animal humano. Elas es¬ clarecem o processo pelo qual êle pode se afirmar como “ eu” , como “ sujeito” . Ao mesmo tempo, re¬ velam a ilusão que consiste em dar uma consis¬ tência a êste “ eu ” , em fazer d êste “ eu ” um cen ¬ tro real. A leitura de FREUD conduz LACAN a denunciar o “ eu ” , o “ sujeito ” , a “ pessoa ” como os “ derradeiros fetiches introduzidos no sangue dos santos” . Para LACAN, não há um centro que se ¬ ria o eu, senhor de seu discurso, criador de sua realidade, mesmo imagin á ria . O vocabulá rio da ciência psicanalítica , a ciência que define o in ¬ consciente como seu objeto específico, evacua to ¬ das as palavras da é tica, do personalismo e do existencialismo ( liberdade, projeto, opção, etc. ) O eu é apenas o lugar da palavra ( e n ão o autor

corretamente

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Ler O homem n ão é o “ centro” da economia. Marx, diz ALTHUSSER, é recusar o conceito de homo economicus, a id éia do ho



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to, é suficiente retomar uma a uma as grandes mem como sujeito e fim da economia. Para tan regiões do “ espaço” econó mico.



“ Pode parecer à primeira 1) O consumo. vista que o consumo está centrado sôbre o ho ¬ mem, j á que sua finalidade é satisfazer às neces¬ sidades humanas. Que se passa de fato? O con sumo é duplo. Inicialmente, designa o consumo dos indivíduos humanos de uma sociedade dada. Mas designa também o consumo produtivo as maté rias brutas, as matérias primas, os instru ¬ mentos e as m á quinas que são consumidos pelas unidades de produção ) . Tôda uma parte da pro¬ dução é consagrada n ão a satisfazer necessidades individuais mas às necessidades da própria pro¬ dução” . Desta distinção pode-se concluir duas coisas. “ A proporçã o existente entre êstes dois con ¬ sumos em uma sociedade dada é comandada pela estrutura da produção desta sociedade. Em uma sociedade n ão-industrializada, o consumo indivi ¬ dual é o mais importante. Quanto mais uma so ciedade se industrializa, mais o consumo produti ¬ vo se torna importante ” . ¬

¬

“ Por outro lado, o consumo individual é difinido, em última an álise, n ão pela natureza humana , mas pelo nível de renda de que dispõem os indivíduos de uma sociedade dada. As necessi ¬ dades n ão sã o definidas pelo homem mas por sua solvabilidade: só se consome aquilo que se pode pagar. Alé m disso , êste consumo individual é fun ção da capacidade técnica da sociedade em um momento dado. É esta capacidade técnica que determina a natureza dos produtos disponíveis, e também, ainda que indiretamente, seu modo de consumo. Portanto, falar de consumo individual é ser remetido às capacidades técnicas de uma so¬¬ de pro ciedade por um lado, e às relações sociais por ou ¬ , rendas o das çã reparti a que fixam çã o du du uma a submetidas o ã est tro. As necessidades

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1

pia determinação estrutural : a que reparte o pro¬ duto entre o setor I ( consumo para a produção ) e o setor II ( consumo individual ), e a que atri ¬ bui às necessidades seu conte údo e seu sentido ( a estrutura da relação entre as forças produtivas e as relações de produção ) . Esta concepção recusa, portanto, à antropologia clássica seu papel fundador da economia ” ( 28 ) .



2 ) A distribuição. “ Também a distribui ¬ çã o se apresenta sob um duplo aspecto: a distri ¬ buição das rendas ( que remete às relações de pro ¬ dução ) ; a distribuiçã o dos valores de uso ( pro ¬ duzidos pelo processo de produ çã o ) ” .

“ Nos dois casos somos, portanto, remetidos às relações de produção e à própria produção” . Conclusão: como para o consumo, n ão é o homem o “ sujeito ” da economia, não é o homem que “ funda ” a economia, mas a determinaçã o estrutural da produ ção. Reconhece-se a tese essencial de Marx: é a produçã o que comanda o consumo e a distribui ¬ ção, e nã o o inverso. Mas é preciso entender o que Marx queria dizer. Tentemos precisá -lo ago ¬ ra .



3 ) A produção. “ Tôda produção é carac ¬ terizada, segundo Marx, por dois elementos indis¬ sociá veis: o processo de trabalho responsá vel pe ¬ la transforma ção que o homem inflige às maté ¬ rias naturais para convertê las em valores de uso, e as relações sociais de produção sob cuja deter minação êste processo de trabalho é executado ” .

-

¬

O processo de trabalho





a transformação da

natureza material é regido pelas leis da natureza e da tecnologia. “ Esta determina ção do processo

de trabalho por suas condições materiais interdiz qualquer concepção humanista do trabalho hu ¬ mano como pura cria ção” . Por outro lado, a aná ¬ lise do processo de trabalho põe em evid ência o papel dominante dos “ meios de trabalho” . O que distingue uma é poca económica de outra é me ¬ nos o que se produz do que a maneira de produzir ( os “ meios de trabalho” ) . É nesses meios que se baseia a produtividade do trabalho humano. Isto nos remete ao mesmo tempo às condi ções mate ¬ riais da produ çã o ( tecnologia, racionaliza ção ) e às relações sociais nas quais a produçã o se efe ¬

tua.

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Quanto às relações sociais de produção, elas “ n ão são de forma alguma redutíveis a simples relações entre os homens, a rela ções que só pu sessem em causa os homens e portanto corres ¬ pondessem a variações de uma matriz universal, a intersubjetividade. As relações de produção im ¬ plicam que as relações dos homens entre si sã o determinadas pelas rela ções existentes entre os homens e os elementos materiais da produçã o. Em particular , a atribuição ou n ã o-atribuição dos meios de produ ção aos agentes da produção ( existência de proprietá rios e de operá rios ) . Exis tem grupos funcionais que ocupam um lugar de ¬ finido na produção ( patrões e seu papel, assala riados e seu papel ) . Isto supõe a existência de uma superestrutura jurídico-política e ideológica que ratifica o jô go dêstes grupos. Tôda a super estrutura de uma sociedade dada se encontra as ¬ sim implicada e presente de uma maneira espe ¬ cífica nas relações de produção” . ¬

¬

¬

¬

Conclusão : as relações de produçã o sã o es ¬ truturas. A estrutura das rela ções de produção determina lugares e fun ções. Êstes lugares e fun ¬

ções são frequentemente ocupados por indivíduos humanos, mas êles só ocupam êstes lugares e funções na medida em que sã o os portadores des tas funções, na condição de “ funcion á rios” . Os verdadeiros “ sujeitos” n ão são êstes indivíduos ocupantes ou funcionários ( os “ indivíduos con ¬ cretos” , os “ homens reais” ) , mas a definição e a distribuição dêstes lugares e destas funções. “ Os verdadeiros sujeitos são, portanto, as rela ções de produ ção” ( 29 ) . consumo, distribuiçã o, Em todos os n íveis somos remetidos para “ fora ” do ho ¬ produção mem , para uma realidade de tipo estrutural a fim de descobrir o sujeito e o fundamento da eco ¬ ¬





nomia.



O homem não é o “ centro” da história. - Para não alongar excessivamente êste artigo , não va ¬ mos reproduzir passo a passo o raciocínio de AL THUSSER , mas simplesmente relatar suas con ¬ clusões. O marxismo n ã o é um “ historicismo ” , como interpreta GRAMSCI. A tentação de pensar assim é grande, porque repousa sôbre uma “ evidência ” : não é a histó ria de fora a fora um fenômeno hu ¬ mano ? Esta “ evidência ” repousa contudo, sôbre¬ um singular pressuposto: que os atores da histo ria são os autores de seu texto, os sujeitos de sua ¬

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produ ção. Este pressuposto é um pressuposto ideológico. Este pressuposto confunde o objeto de conhecimento com o objeto real. A “ história” é uma categoria do “ conhecer ” , não é uma cate ¬ goria do “ concreto ” . Esta categoria do “ conhe ¬ cer ” nos remete, nã o ao homem como autor da histó ria , mas a uma estrutura complexa , a uma totalidade social que depende em ú ltima an áli ¬ se de um modo de produ ção determinado. Reen ¬ contramos o que foi dito no pará grafo preceden ¬ te acê rca da economia . “ Desde Marx sabemos que o sujeito humano, o ego económico, político ou filosófico, n ão é o centro da histó ria. Sabemos além disso, contra os filósofos iluministas e con ¬ tra HEGEL, que a história nã o tem centro, mas possui uma estrutura que só tem centro necessá ¬ rio na perspectiva do desconhecimento ideológi ¬ co” ( 30 ) .

A posição de ALTHUSSER sôbre o anti-humanismo teórico de Marx n ão é simplesmente uma questão de vocabulá rio. Está alicerçada nos elementos que acabamos de resumir, a saber, que o homem não é nem o centro da história, nem o centro da economia, nem o centro de si mesmo. Portanto, partir do homem como “ centro” , é se enveredar por um falso caminho: um caminho ideológico, um caminho anti -científico.



“ poder criador” do homem. No ex¬ tremo oposto de ALTHUSSER, GARAUDY coloca resolutamente o homem no centro de tudo. Não certamente o homem individual, mas o homem explicado por sua relação com os outros. Ele parte da frase de Marx: “ o indivíduo é o conjunto de suas relações sociais” . Explica -a por uma má xi Garaudy : o

¬

ma de SAINT-EXUPÉRY: “ o homem não passa de um n ó de rela ções” . A pessoa se torna uma síntese da humanidade: “ Desde a primeira re ¬

flexã o, desde o primeiro projeto, sou habilitado por tôda a humanidade passada e atual” ( 31 ). A caracter ística maior do homem assim com ¬ preendido é seu poder criador. Esta palavra vol ta constantemente sob a pena de GARAUDY. Va ¬ mos dar alguns exemplos. ¬

1) O homem se cria a si mesmo, eis o se ¬ sua verdadeira natureza. O marxis ¬ mo é um humanismo verdadeiro. Ele começa pela afirmação “ da autonomia do homem , que tem por consequ ência rejeitar tôda tentativa de pri var o homem de seu poder criador e auto-cria gredo de



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dor” ( 32 ) . “ O fim último de tôdas as nossas ati ¬ vidades, de todos os nossos combates, como mili ¬ tantes comunistas, é fazer de cada homem, um homem , isto é, um criador” ( 33 ) .



2 ) As realidades económicas são o fruto do E preciso não consi ¬ poder criador do homem. derar as realidades econ ómicas como coisas, rea ¬ lidades “ naturais ” que existem fora do homem

e sem êle ; é preciso considerá-las como seres criados pelo homem, quer se trate dos produtos ou das instituições ( 34 ) .

3 ) O trabalho, categoria fundamental do marxismo, é o exercício dêste poder criador do homem “ A posição materialista de Marx é bas¬ tante clara : o trabalho é o ato criador que não cria a natureza, mas cria o homem e sua histó ¬ ria e sua histó ria no afrontamento do homem com a natureza ” ( 35 ) .





4 ) A histó ria tem como centro o poder cria ¬ dor do homem. “ O pior êrro seria acreditar que, para o marxismo, o homem não existe e o que existe é um conjunto de relações sociais, que os homens n ão são os sujeitos da história mas so ¬ mente os efeitos e os suportes de um conjunto de relações sociais, que segundo Marx não há cen ¬ tro, sujeitos criadores de sentido, homens que fa ¬ zem história, concepção, por muito tempo difun ¬ dida pelos adversá rios do marxismo e hoje reto ¬ mada , sob uma forma nova, a partir de certa interpretaçã o da linguística estrutural e do freu ¬ dismo, por ideólogos que se dizem marxistas” ( 36 ) . O texto visa claramente a ALTHUSSER . E permite-nos medir a distâ ncia que separa êstes dois pensadores marxistas. Já descrevemos lon ¬ gamente a d émarche de ALTHUSSER. Ilustremos agora como, a partir de um dado comum ( o es truturalismo ), seus caminhos diferem bastante.

-

GARAUDY també m reconhece a importâ ncia das aquisições do estruturalismo : “ O terceiro tra ¬ ço característico do humanismo moderno é o pa ¬ pel doravante primordial que nêle desempenha a noçã o de estrutura ” ( 37 ) . Mas para GARAUDY a noção de estrutura veicula uma filosofia . A ca tegoria fundamental desta filosofia “ n ão é mais a de ser, poré m a de rela çã o ” ( 38 ) . Em lugar de entrar no campo teórico do estruturalismo, como faz ALTHUSSER , GARAUDY o transpõe em uma

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problem á tica diferente, a problem á tica das “ ca ¬ tegorias” . Pode assim assumir o estruturalismo , tanto mais quanto escreve que o estruturalismo é també m “ um m é todo ” ( 39 ) . Mé todo que se pode utilizar como um instrumento. Trata -se para is ¬ so de realizar “ uma aplicação rigorosa do racio ¬ cínio por analogia ” . Tudo est á pronto para que o estruturalismo seja definitivamente anexado ao reino do poder criador do homem. GARAUDY ter ¬ mina um dos capí tudos de seu livro Le Marxisme clu XXe Siècle com êste surpreendente acto de acrobacia filosófica : “ O estruturalismo pode ser, como a ciberné tica, uma das maneiras de apreen ¬ der o mundo e de conceber o homem e sua ação criadora , que corresponde melhor ao espírito de nosso tempo, à elabora ção de um nôvo humanis ¬ mo, o humanismo de que Marx precisamente foi o pioneiro, integrando tôda a aquisição do huma nismo greco-romano e do humanismo judaico-

_

-cristão e superando um e outro na síntese nova

da natureza do homem, do mundo exterior e da subjetividade, da lei necessá ria e da liberdade ” . Mas afinal, quem é êste poder criador ? Reen ¬ contramos nesta ú ltima citação a d émarche de GARAUDY que descrevemos na primeira parte dêste artigo. O que nos intriga é o significado que êle d á à palavra “ cria çã o ” , que volta sem cessar. Temos a impressã o de estar diante de uma pala ¬ vra má gica, dita, redita , reafirmada ao longo das pá ginas sem que seu sentido exato seja jamais precisado. Estamos em plena ambiguidade. Tra ta-se de um têrmo que vale tudo, de um qualifi ¬ cativo simplesmente evocador sem alcance teó ¬ rico preciso ? Trata -se de uma vontade de “ in ¬ versão filosófica ” para atribuir ao homem o que a religiã o atribui a Deus ? Trata -se da descoberta de uma nova dimensão do homem ? Nã o quere ¬



mos entrar em semelhante debate. Parece-nos claro, no entanto, que n ão é cultivando a obscu ¬ ridade que se consegue precisar os problemas e pensar corretamente. Se verdadeiramente a pa lavra criador tem um sentido para o homem , é necessário precisar teoricamente seu conte ú do . Nã o basta assumir as palavras de uma ideologia para assumir o conteúdo destas palavras. GA ¬ RAUDY parece-nos um habitué desta manobra : ê le faz o mesmo com a palavra modelo, com a pa ¬ lavra estrutura, com a palavra criação, com a palavra transcend ê ncia etc. Tudo isto nos pare ce temer à riamente simples e f ácil. Quer dizer, então, que tomamos partido por ALTHUSSER ? Seria preciso antes entender a re ¬ ¬

¬

futação de GARAUDY.

86



Um n ôvo dogmatismo? GARAUDY diz que o anti-humanismo teórico de ALTHUSSER “ repou ¬ sa sô bre a ilusão de poder instalar se no concei to e tratar as estruturas e as rela ções sociais fa ¬ zendo absctra ção das opções humanas” ( 40 ). Cor ¬ responde també m a uma deformação da idéia marxista de “ prá tica ” . Esta prá tica comporta ao mesmo tempo o momento da an álise conceituai e o momento propriamente humano ( técnico e també m moral ) que implica uma superação, uma antecipa ção dos fins, uma iniciativa , um risco. A escola de ALTHUSSER é, portanto, uma va ¬ riante específicamente francesa do neo-dogma tismo. Uma confirma çã o suplementar é dada pe la atitude polí tica dos althusserianos defenden ¬ do posições revolucion á rias para a Am é rica Lati

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na ( como Debray ) e excomungando num panfle ¬ to a resolução do Comité Central do PCF em Argenteuil. Deixamos a GARAUDY a responsabilidade de suas an álises e de suas etiquetas. Nã o quere ¬ se ALTHU ¬ mos decidir não é nosso papel SSER é ou não é um “ neo-dogm á tico” . Que os marxistas mesmos fixem os limites de sua orto ¬ doxia e excomunguem seus hereges! Para con cluir, queríamos simplesmente precisar três coi ¬ sas.





¬

CONCLUSÃO TRÊS PONTOS SÔBRE O

HUMANISMO



1 ) Humanismo não significa ecletismo. Pensamos que a demarche de GARAUDY ü fluida demais para ser convincente . Sua id éia de uma integração dialé tica dos dados anteriores e das contribuições contemporâ neas da ciência pode ¬ ria ser considerada como uma hipó tese válida . Infelizmente os desenvolvimentos de GARAUDY a prova ou não trazem ainda nã o trazem da validade de uma tal hipó tese. Honestamente, estamos diante de uma constru ção que assimila de uma maneira hábil as palavras, mas nã o o conteúdo exato destas palavras. Êste fracasso nos conduz a levantar a questão da possibilidade de um humanismo universal. A dialética marxista n ã o deu ainda prova de um tal poder de síntese e superação. Pensar que isto será possível no fu ¬ turo é um ato de f é. Atualmente estamos diante co de humanismos que se afrontam, que têm em





-

87

A

mum algumas de suas formulações, mas sem dei ¬ xar de se excluírem radicalmente no fundo. A ho ¬ ra da reconcilia ção virá um dia talvez . . . tal ¬ vez . . . A ciê ncia pode dizer tudo sê bre o ho ¬ A posição de ALTHUSER está sólida ¬ mente e sè riamente alicerçada em dados cientí ficos contemporâ neos. Mas trata-se de ciências que estã o ainda engatinhando. É certo que o estruturalismo é uma contribuição consider á vel, mas é certo também que êle se coloca em um campo quase intemporal que torna dif ícil a inte ¬ gra çã o da dimensão “ tempo” . É certo que a lin guagem tem um alcance e uma significação imensamente mais importante do que se reco nheceu até agora, mas é certo també m que a lin ¬ guagem não é a explicação última do homem.

2)

mem ?



opções . . . A dificuldade do rigor de ALTHUSSER é a imperfeição da ciência contemporânea. Seu limite é o do conhecimento atual. Um funda ¬ mento comum : êste instinto de pesquisa no co ¬ ração do homem e das sociedades. E se f ô r isto o homem : uma busca , um grito ?

¬

¬

¬

O tema althusseriano do conhecimento como “ produçã o” é interessante numa ótica marxista , mas afasta definitivamente a antiga problemá ¬ tica da “ verdade ” ? É suficiente para o homem constatar a existência do “ efeito de conhecimen ¬ to” e desmontar seus mecanismos ? Em uma ó tica estritamente científica, talvez. Ainda assim , o ho ¬ mem de hoje procura ir alé m. Fenômeno de alie ¬ nação êste movimento, êste desejo de chegar até o ser das coisas? Talvez. Contudo, somos obriga dos a reconhecer que o homem de hoje é assim. Dizer que esta necessidade desaparecerá no fu turo, é fazer um ato de f é. Dizer que n ão desa ¬ parecerá jamais, que subsistirá sempre êste hia ¬ to entre as questões do homem e as respostas dadas pela ciência, é levantar a questão d êste hiato. Como nos impedir de procurar o sentido desta “ frustra ção ” ? ¬

¬



3 ) E se o homem f ô r um grito: “ Profetismo” de GARAUDY, “ rigor ” de ALTHUSSER : duas d émarches muito afastadas uma da outra. No entanto, elas cristalizam tôdas as questões que o homem de hoje se coloca. As dificuldades que cada uma encontra , n ão são dificuldades que lhe sejam próprias. O “ poder criador” de GARAUDY é a expressão da vontade que o homem tem de ser “ homem ” : vontade que busca seu meio de expressão, sua linguagem, sua realizaçã o e isto numa multid ã o de expressões, de linguagem, de

88

89

NOTAS

.

(1)

Perspectivas de l'Homme, PUF , 1959 , pá g 343.

(2)

Ib. pá g. 1.

( 3)

Ib., pá g. 1.

(4)

Ib. , pá g. 344.

(5)

Muito aproximadamente, a dial ética é um m étodo de pesquisa que tenta explicar , integrar as contradi ções verificadas na realidade . Fala se de dial é tica objetiva quando se pensa que a dialética nã o é simplesmente um m étodo de pensamento, um meio de explicar e integrar as contradições ao nivel das idéias , mas é um método que tem seu fundamento na realidade O real é composto de uma sé rie de contradi ções que , por meio de seu jô go , de seus antagonismos , deter ¬ minam um movimento, uma mudança , uma vida A “ dialética objetiva ” é a lei de um real que possui como motor êstes antagonismos .

-

.

.

( 6)

Prespectivas de l’Homme,

(7 )

Ib., pá g . 347.

PUF, 1959,

(8)

Dieu est mort , PUF, 1962, pág. 381.

(9)

Ib., pá g. 428.

.,

( 10 ) Ib

342.

pá g. 429.

(11 ) La Nouvelle Critique, ( 12 )

.

pá g

n .° 164, mar ço de 1966 , pá g. 4.

Pour Marx , Ed . F. Maspè ro , 1965, pá g. 163.

.,

pág. 10

.,

pá g. 27

(13) La Nouvelle Critique, eit

( 14 ) La Nouvelle Criitque, cit ( 15 ) La



Nouvelle Critique, n

.

pá g

.

.

-

168, julho agôsto de 1966,,

70.

(16 ) Lire

le Capital, Maspè ro, 1966, tomo I , pá g. 48.

(17 ) Ib.,

pá g. 49.

( 18 )

-

“ É preciso insistir no fato de que uma ciência , con tr àriamente à ilusão de empirismo ou do sensualis ¬ mo, não trabalha jamais sôbre um existente . . . Ela trabalha sempre sôbre o geral , mesmo quando êste toma a forma de um fato... Ela trabalha sempre sô¬ bre conceitos . . . Ela n ã o trabalha sôbre um puro dado objetivo , que seriam os fatos puros e absolutos ” ( Pour Marx , cit ., pá g. 187 ) .

.

.

( 19 ) Pour Marx, cit , pá g ( 20 ) Lire

.

186

Le Capital, cit., t . I ., pá g. 50 .

. , pág. 27. Ib. pá g . 27 .

( 21 ) Ib

( 22 )

91

y

n.° 164, março de 1965, págs.

(23) La Nouvelle Critique,

-

12 13.

.

-

( 24 ) Ib , págs. 13 14. ( 25 ) . La Nouvelle Critique ,

n ." 168, págs. 79-80.

( 26 ) La Nouvelle Critique ,

abril de 1965 , pá g . 125. ( 27 ) La Nouvelle Critique , n . 161, janeiro de 1965, pá g. 107 . ° ( 28 ) . Lire le Capital, tomo II , pá gs . 139 140. ( 29 ) As citações de todo o parágrafo sã o do cap ítulo VIII de Lir e le Capital, tomo II

-

.

n.° 161, pá g. 107.

(30 ) La Nouvelle Critique ,

.

( 31 ) Le Marxisme du XXe

.

117.

.

.

160.

.,

pá g. 61.

( 32 ) Ib. , pá g

( 33) Ib , pá g

( 34 ) Ib

.

. Ib., pá g. 162. Ib., pág. 71. Ib., pá g. 72. Ib., pá g. 77.

( 35 ) Ib , pá g: 136

( 36 )

( 37 ) ( 38 ) ( 39 )

( 40 ) Ib

.,

pá g. 224.

Siécle , pá g. 105

.

5

Apresentação

Marxismo, Ciencia e Ideologia Louis Althusser



9

I O Marxismo é uma Teoria Científica

10

..

13

III Problemas colocados pela Existência dessas Duas Disciplinas

18

IV Natureza de uma Ciência, Constitui ção de uma Ciência, Desenvolvimen ¬ to de uma Ciência, Investigação Cien tífica

22

II A dupla Teoria Científica de Marx

¬

¬

32

V A Ideologia

VI A União da Teoria Científica de Marx com o Movimento Oper á rio

42

VII Formação Teó rica e Luta Ideológica

45

55

Conclusão O Marxismo é um Humanismo? Raymond Domergue

I O “ Homem Total” de Garaudy

II O “ Anti-Humanismo Teórico” de Al ¬ thusser

III O Homem, Centro de tôdas as Coisas?

92

Conclusão manismo



57 59

64 }49

Três Pontos sôbre o Hu ¬

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