Made in Africa: (pesquisas e notas) [5 ed.]

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MADE ÍN Af~íCA

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO

MADE ÍN Af~íCA (Pesquisas e notas)

"Unser Afrika ... nossa África ." L EO fROBENI U

© Anna Maria Cascudo Barreto e Fernando Luís da Câmara Cascudo, 1999 2• Edição, Global Editora, 2002 2• Reimpressão, 2018

SOB~E A ~EEDÍÇÂO DE MADE ÍN Áf~íCA

Jefferson L . Alves - diretor editorial Flávio Samuel - gerente de produção Dulce S. Seabra - gerente editorial Oaliana Cascudo Robertl Leite estabelecimento do texto e revisão final Letras e Ideias Assessoria em Textos, Maria Aparecida Salmeron e Tatlana Tanaka - revisão Marcelo Azevedo - capa Gisleine de carvalho Samuel - editoração eletrônica

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reedição da obra de Câmara Cascudo tem sido um privilégio e um grande desafio para a equipe da Global Editora. A começar pelo nome do autor. Com a anuência ela família, fo ram acrescidos os acentos em Luís e em Câmara, por razões ele normatização bibliográfica. Foi feita também a atua lização ortográfica, conforme o ovo Acordo Ortográfi co da Língua Po1tuguesa; no e ntanto, existem muitos termos utilizados no nosso idioma que ainda não foram corroborados pelos grandes d icionários d e língua portuguesa nem pelo Volp (Vocabulário O rtográfico ela Língua Portuguesa)- nestes casos, mantivemos a grafia utilizada por Câma ra Cascudo. O autor usava forma peculiar de registrar fontes. Como não seria adequado utilizar critérios mais recentes ele referenciação, optamos por respeitar a forma ela última edição e m viela elo autor. Nas notas foram corrigidos apenas erros ele digitação, já que n ão existem originais ela obra. Mas, acima ele deta lhes de edição, nossa alegria é compartilhar essas "co nversas" cheias ele erudição e sabor.

Obra atualizada conforme o NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINOICATO NACIONAL OOS EDITORES DE UVROS, RJ Cascudo, Luis da Câmara, 1898- 1986. Made in Africa : (pesquisas e notas) I Luis da Câmara Cascudo. - s. ed. - São Paulo : Global, 2001.

JSSN 85·260·0687·8 1. África Civilizaçao Influências bras il eiras 2 . Angola - Usos e costumes 3. Brasil - Civilização - Influências afncanas 4 . Folclore negro S. Moçambique - Usos e costumes 6. Negros - Brasil I. Tít ulo.

CD D-981

00·5426

Índice para catálogo sistemático : 1. Brasil : Influências africanas : Clvl11zaç3o

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Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. N• de Catálogo: 2139

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SuNA~ío •••••• •

O mais popular africanismo no Brasil ................ .. .... .............. ... .. .. .. .. ... ..... 11 Sereias de Angola ....................... ........................ ... .................. .... .. ............. . 18 O reino do Congo na terra do Brasil ........................................................ 25 A rainha J inga no Brasil. .... .. ......................... .. ..... .. .... ................................. 33 O papagaio-cinzento de Cabinda .............................................................. 41 Do Negro e do Preto .. .. .............. .. ..... .. ......... .............................................. 45 O luminoso companheiro .............. .......................................... .. ...... .......... 54 Lundu ........................... ... .................................................................... ......... 57 Guerras elo Ananás e elo Abacaxi ........................ ...................................... 61 Cafuné ....... .. ................. ..................................... ......... .... .............................. 67 Maxila, Tipoia e Rede ............................. .................................................... 73 Nilotenstellung e a posição elo socó ..... ............................ .......... .. .... .... .. .... 80 A saudação africana .......................... ............. ............................................. 86 Luanda! Luanda! .............. ............ .... .. ... .. ... ............ .. .................................... 93 Quem perde o corpo é a língua ................................................................ 99 Farofa, Farófia ....... .... .. ... .. ... ......... ....... .. .... .. ............................................... 101 Démeter bebeu gongoenhar... .... ... ............................................. .............. 104 Ausê ncia do Diabo africano ..................................................... ................ 106 Notícia do Zumbi ......................................................... ................. ....... .. .... 113 Recado ao m orto ...... .. .... ....................................... ...... .. ... ........ ...... ... .... .... 119 Cabinda Velha ....... ................................ .......... .......................... ... .............. 122 Uinbigada ........................................................... ................ ...................... .. 130 A pata do coelho ...................... ....... ...... ... ............ ..................................... 142 A cor branca ........................... .. .......... ............ .. .... ... .. .... ..... ......... .............. 146 Piranji expo1ta jimbo ............ ....................... ... ........................................... 149 Do anelar rebolado ..... ..... ................... .... .... ..... .................................. ........ 154 Interlúdio nominativo .... ..... ... .. ... ... ... ... .. ....... .................................... ...... .. 160 Maka ma Ngola ................ .. ......................................................... ... ........... 165 I - Santo preto ........................................................... ............ .............. 165 li - Representação elo "bra nco" ............................ ...... .. ...... .... .. ........ . 166

III - Pirão e fúnji ....................................... .. ..... ................................... 167 IV- Rosa Aluanda qui renda, te nda ................................................. 169 V - A importância da desatenção ............................................... ....... 171 VI - Beber fumo ........................................................ .......................... 171 VII - Um testo de panela fiote ............... .... .................... .................... 174 VIII - A milo nga no Brasil... .............. ..... ........... ..... ........ ......... ........... 176 IX- Publius Syrus e m Fo rtaleza e Luanda ...... .................................. 177 X- O nome bonito ...... ..................... ....................... ........................... 178 "Com o todas as causas têm fim ,

convém que lenham princípio. "

Ade ndo

Gabriel Soares de Sousa (1584)

O cafuné em Ango la - ÓSCAR RIBAS.. ................................................... 182

~e úno aqui observações africanas com reminiscências de livros . Tudo quanto vi na Africa Oriental e Ocidental testei com as velhas leituras silenciosas em quarenta anos de simpatia. Pe rcorrendo a África não procurava endosso e aval às minhas conclusões ante riores, mas informação que legitimasse, pela evidência imediata, continuidade ou modificação às verdades iniciais. Assim, Made in Africa, feito na África , constitui elaboração obstinada de material brasileiro e local , demo nstrando influê ncias recíprocas, prolongamentos, inte rde pe ndências, contemporaneidade mo tivadora nos dois lados do Atlântico o u do Índico. O meu longo e total contacto com o povo brasileiro, na investigação de sua cultura , capacitava-me para ver e o uvir sudaneses e bantos na sua pátria, como privara com seus descendentes na minha. Seguia, de perto, o conselho de Roquette-Pinto: - Não discuto. Verifico. Quando não compreendia bem um aspecto d o homem africano, recordava Machado de Assis e perguntava a mim mesmo o que diriam de nós os gaviões, se Bujfo n tivesse nascido gavião. O assunto dessas indagações será um processo autenticado r de elementos africanos que permanecem no Brasil e motivos brasileiros que vivem n'África, modificados, ampliados, assimilados mas ainda identificáveis e autênticos. ão é livro-de-livro nem caderno de viagem. Em todos os temas há uma nota de pesquisa direta e pessoal, comprovadora da exatidão analisada. Quase todos esses estudos fo ram iniciados nas cidades, aldeias, acampamentos africanos, sob a po derosa sugestão temática ao alcance dos o lhos.

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O maior esforço fo i limitar a imaginação. Ne m d o instinto confide ncial elas impressões itine rárias admiti a cola boração sedutora. Como Volney, voltando do Egito , i/ me paraít important d 'économiser !e temps des lec-

teurs. Viaje i com a missão restrita de estudar alime ntação popular na África do Atlântico e do Índico, preferencia lme nte nos povos bantos po rque os sudaneses o rgulham-se ele predileções e ruditas, registrado ras, minuciosas, indo até os c imos ela inte rpretação orie ntado ra. Fui um ho me m curioso p e la no rmalidade africa na. Gra ças à admiráve l colaboração e ncontrada, todos os me us p ro ble mas foram resolvidos no p lano da serena continuidade. Posso resumir a minha recordação g rata afirma ndo que jamais um único deveu a tantos. Não cito nomes pe lo pavor ela inconscie nte o missão irre p arável. Este livro tem uma unidade: Brasil n 'África e ÁJrica no Brasil. Como não há bufa rinheiro que não lo uve suas agu lhas, direi que esses ass untos vividos no Brasil fo ram, pela prime ira vez, estudad os e ntre os bantos com os olhos limpos da sedução dou trinária. Os mo tivos pesquisados tinham a d upla nacio na lid ade sentime ntal. Vendo-os e m nossa terra, reconhecidos, id e ntificados nas raízes imóveis, é possível o grito ga iato de Luanda:- Tala on n 'bunda/ O lha o negro!

Cidade do Natal, julho de 1964. LUÍS DA CÂMARA CASCUDO

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OMAis fopuLA~ Af~icA NisMo NOB~Asil

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B anana é o mais popular elos vocábulos africanos no Brasil. À po pula ridade verbal corresp o nde o consumo d iário. Banana é a fruta preferida, indispe nsável para o paladar brasileiro, ina rredável sua presença cotid iana na alime ntação trivial. Fruta elos ricos e dos pobres, refeição, sobremesa, merenda, engana-fome. Tod os a conhecem . Sua ausência é inconcebível. Ku 'xi iâ kueniê mahonjo, na terra dele s n ão há bananas?, perguntavam , surpresos, os pretos de Luanda , sabendo d o cardápio inglês. A frase seria tipicamente brasile ira, como os indígenas elo alto Rio egro perguntavam, em 1850, a Alfred Russell Wallace. Na linguagem vulgar te m significações incontáveis, ápodos, gestos, obscenidades. Representa o h o me m apático, moleirão, despersona lizado. Um banana . Há , realmente , um Fo lclore da Banana. Possuímos duas, ele uso secular. A brasileira , nativa , panicipando do p assacl io a meraba , e a o utra, trazida pelos p ortugueses, meados elo século XVI. A p rime ira, Pacova. A segund a, Bana na . Pacova, p acoba, pac-oba, a folha de enrolar ou que se enrola. ome comum das Musáceas. Alteração para Pacó: Pará, Amazonas, segundo Teodoro Sampaio. ]. M. Dalzie l ( The Useful Plants qf West T1'0picai .Aji-ica, Londres, 1937) crê banana o riginar-se nos idio mas elo oeste a fricano; a bana, plural ele e bana, do timé; bana, plural mbana, do sherbro. Timé fala-se no Estado d e Samori, Costa elo Marfim , compreende ndo também man dingas e bambaras. Sherbro, c he rbro, diz-se na ilha do mesmo n ome, adjacente à Serra Leoa. Ambas n a África O cide ntal. A bana na não é nativa do continente negro e s im recebida da Índia através da África Oriental o u pelo Sudão, descida do Egito e vinda pelos caminhos do iger e do Zaire para as de mais regiões elo poente, do Camerum à União Africana . E passando ela Contracosta ao Atlâ ntico, pelas Rodésias pa ra Angola, quando a G ui né a teria pelas vias elas populações ao longo dos g randes rio elo oeste negro.

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Na Índia começa a sua História real e as estó rias lendárias. Dizia m-na quelli, kela, kala, kayla, kaíl em canarim e outras línguas, deriva das do sânscrito. Kela e m hind i, varaipparam em tamil. Falam, pala, vala, e ntre os malaba res. Píçam, píssang, na Malaia. Musa, amusa, al-mauz, e ntre os á rabes, Síria , Egito, bacia do Mediterrâneo, e fo i esse o no me que Linne u escolhe u para deno minar o gênero Musa, musáceas. Ga rcia da Orta (Colóquios dos simples e drogas da Índia , Goa , 1563, adotad a pelo conde de Ficalho, Lisboa, 1891) d escreve, "Coló quio XXII", os Figos da Índia, no me d a banana entre os não nativos da região . Ainda e m 1797 o governador Lacerd a e Alme ida depa rava na Za mbézia as bananas a que chamamfigos. Garcia da O tta sabia da expansão desse f igo no utras paragens ela Ásia, África e América do Sul, bem antes de 1563. Escrevia: tambem ha estes f iguos em Guiné, cha mamlhe BANANAS. A Guiné de Garcia da Orta valia dizer q uase toda a África Ocide ntal, simbo lizando o país d os negros, a te rra dos pre tos, e não fixando o que conhecemos p resentemente pela Guiné . Bem sey que f igos há na Nova Espanha e em o Peru, e nós temos no Brasil. E antes: tambem os há na costa do Ahexin e no Cabo Verde. O capitão André Álvares d'Almacla, descrevendo a Guiné elos últimos lustros elo século XVI, informava: Há bananas que é muito hoa fruta . O nome "banana" só aparece na África ele oeste. Interessa-me o itine rário no rumo do Brasil e não a geografia expansio nista ela musácea q ue é vasta e antiquíssima. Em 1563 essas musáceas e ra m conhecidas na Guiné com o no me de bananas, de nominação que ficou restrita à o rla ocidental africa na. Na sua Relação do Reino do Congo e das tenus circunviz inhas (Lisboa, 1591) , Duarte Lopes, a notado pelo italia no Filippo Pigafetta (Relazione de/ reame di C'ongo, Ro ma, 1591), info rma: "o utros frutos há q ue se nomeiam Bananas, os quais julgamos sere m as Musas d o Egito e de Síria. " O conde ele Ficalho acredita q ue a alusão às Musas seja ele Pigafetta mas a me nção elas bananas legitimame nte de Duarte Lopes. As no tícias do português ao italiano ocorreram e ntre 1588-1589. O informador estivera no Congo dez a nos antes. O grande e ntreposto e ntre Congo e Po rtugal era a ilha ele São Tomé, ele o nde governo e socorro mu itos anos depende ra m. O ma rinheiro Gonçalo Pires, que estivera em São Tomé, dezembro de 1506, descreveu a Valentim Ferna ndes uma árvore o riginal: E he assi amarella como codea de melão e assi daquella .feyção de talhada de melão, e he tã doce como assucar e h a detro maciço e como co usa coalhada. Chamou-a Aualaneyras,

avelaneira, trocando o V pelo B. Ficalho supõe seme ntes trazidas ela índia e pla ntadas na ilha pelos po rtug ueses. Viessem da costa africana, Congo, Guiné, certa me nte tra riam o nome d e bananas, como a conheciam naq uela região. No quimbundo, e m Angola, banana é mahonjo. O no me nos veio da Guiné. A presença de o utros idio mas africanos não predomino u pa ra a po pula ridade cle nominaclo ra. Ficou sendo "Banana", essencialme nte no Brasil. Daqui é que o nome se espalhou e não da África elo século XVI. Gabriel Soares de Sousa, chegando à Bahia em 1569, encontra bananeiras idas da ilha ele São To mé competindo com as pacovas nativas: "As bana neiras tê m árvores, folhas e criação como as pacobeiras, e não há nas árvores ele umas às o utras ne nhuma dife re nça, as quais foram ao Brasil ele São To mé, aonde ao seu fruto chama m bananas e na Índia chama m a estes figos de horta, as quais são mais curtas q ue as pacobas, mas m ais grossas e de três quinas; têm a casca da mesma cor e grossura ela d as pacobas, e o mio lo mais mo le e cheira m melhor como são ele vez, as q uais arregoa a casca como vão maclurecenclo e fazendo algumas fe ndas ao alto, o que fazem na árvore; e não são tão sadias como as pacobas. Os negros d a Guiné são mais afe iço ad os a estas bananas que às pacobas, e d e las usam nas suas roças; e umas e o utras se querem plantadas em vales pe rto d 'água , o u ao me nos e m te rra que seja muito úmida para se dare m bem e ta mbém se d ão em te rras secas e d e a reia; que m corta r atravessadas as pacovas o u bananas, ver-lhes-á no meio uma feição ele c rucifixo, sobre o q ue conte mplativos têm muito que dizer. " Os escravos negros preferiam na turalmente as bana nas ele sua terra e não as pacovas, ácidas pelo ta nino. Pla ntavam regularme nte bananais. Pero de Magalhães Gandavo, nessa épo ca, informava: "Tambem ha huma fruita q ue lhe cha mão Bananas, e pela lingua elos índios Pacovas: ha na terra muita abundancia dellas .. . E assadas maduras são muito sadias e mandão-se dar aos e nfe rmos. Com esta fruita se mante m a maior parte dos escravos desta terra, porque assad as verdes passão por mantime ntos. " Refe ria-se às Pacovas q ue eram comidas assadas o u cozinhadas, comume nte, e não cruas como as bananas po ste riorme nte vindas. Aquelas, cozidas, podem "sup rir a falta do p ão", escrevia Lacerda e Alme ida e m 1788 no Mato Grosso. O nome banana só pode ria ter ido d 'África Ocidental o nde assim a denominavam. Noutras paragens os nomes e ram diversos e esses não a tingiram o Brasil. À ma rgem d ireita do rio Zaire (Congo), no antigo Congo Belga, está a vila BANANA, tão citada nos tra balhos de Hemy Stanley.

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Banana fica a 60 quilô metros de Cabinda, e m Angola, o utrora o porto do Congo pott ug uês . Fe rnão Cardim , vindo pa ra a Bahia e m maio de 1583, estuda a Pacoba, denominação no idio ma da terra. Cita-a como "figue ira de Adão": "... Assadas são gostosas e sadias. He fruta ordina ria de que as hortas estão cheias, e são tantas que he huma fartura , e d ão -se to do o ano" . Não a tino com o utro roteiro pa ra a viagem d a banana. Índia-África-Brasil. Na Índia acreditavam q ue alimentasse o s letrados como nutrição suficiente, e daí o Musa sapientum, que os franceses dizem banan ier des sages. É a q ue se divulgou pela Polinésia, Melanésia, tod a a poeira insular dos mares d o sul, como base alime ntar. A outra espécie, ambas com enxertias e variedades incontáveis, é a Musa p aradisíaca, Linne u, bananier du Paradis o u Figuier de Adam , porque fo ra o verdade iro pomo visto por Eva, constituindo o motivo ten tado r, ouvida a serpe nte. A le nda, de texto e rudito, comum na Europa, viajou para o Brasil onde a d e paramos, vez po r outra, nos velhos carta pácios vene randos. A pacova, pacoba, "ba nana-da-terra", na tiva do Brasil pa ra von Martius e Saint-Hilaire, é a Musa paradisíaca. A que recebe mos no século XVI é a Musa sapientu m . Em volta d essa classificação há uma biblioteca concordante e discordante . Nesses assuntos, ni quilo ni p ongo rei. Jo hann Gregor Alcle nburgk, na Bahia ele 1624, informava e distinguia: "Um cacho ele bananas é carga basta nte pa ra uma pessoa; pa recem com pepinos, são de cor ama rela, doces e ele agrad ável sabor; as curtas e grossas são chamadas bananas, e as cu rvas, comp ridas e po ntudas, pacovas ." Zacha rias Wagener, vivendo no Recife, de 1634 a 1641, descreveu "bananas", dizendo-as "pacobas" (Zoobihlion, São Paulo, 1964). O conde de Ficalho, cita ndo Maçucli, o historiado r do século X , e nume ra as trinta frutas q ue Ad ão levou d o Paraíso q uando o expulsaram: 10 com cascas, 10 com caroço e 10 sem cascas e sem caroços. Entre as dez p rimeiras estava a banana, al-mauz, a musa, m usa, pa radisíaca, evide ntemente, po is elo Éde n saíra. Dizia-se no Orie nte figo à banana porque a tradição fizera da bananeira árvo re fornecedora das folhas para o p rimeiro traje de Adão e Eva, no inicial assomo de pudor, provocado pela degustação da árvore do Bem e do Mal. Fruta do Paraíso, primeiro manto ao primeiro casal, a banana mereceu a lenda e mocio nal de apresentar, qua ndo cortada tra nsversalmente, o crucifixo e mesmo o crucificad o. Frei João d e Marig no lli atestava no O rie nte: Et istud vidimus oculis nostris... i mago hominis crucifixi, que frei Pantaleão

de Aveiro, romeiro d a Terra Santa e m 1563, a testou concord ante me nte (Itinerário de Terra Santa, Lisboa, 1593). No Brasil há o registro de Gandavo, à volta d e 1570: "... a qual he que q uando as cortão pelo meio com huma faca o u po r q ualq ue r parte que seja acha-se nellas hum signal à maneira de Crucifixo, e assi to talme nte o pa recem." Gabriel Soares de Sousa escrevera, igualmente afirmante. Frei Antô nio d o Rosário (Frutas do Brasil n uma nova e ascética monarquia, Lisboa, 1702) não esquecera: "As frutas d os carpinteiros serão as bananas, po r4ue cunadas com uma faca mostram no mio lo a efígie d e um crucifixo, para le mb rança d a simpatia de Cristo com o le nho d a c ruz, no ofício de carpinteiro. " John Luccock, no Rio de Janeiro de 1808, ainda mencio na: "Não há bom católico, neste país, que corte uma banana transversalme nte, porque seu mio lo apresenta a figura de uma cruz" (Notas sobre o Rio de janeiro). A gene ralização corria por conta da fatuidade britânica e luterana do tempo . A convergência te mática da banana ao me mbro viril é outra presença várias vezes centenária e que o conde de Ficalho ano to u. Ve ndo-a, Eva seria seduzida pela seme lhança fálica: "quum.fructus rf!fert membrum virile, cujus adspectu Eva in f![frenam i/Iam cupiditatem instigata fuit " (Rumphius). A imagem continua popular no Brasil. Há o gesto o bsceno ele dar bananas. É tradicio nal em Pottugal, Espanha, Itália, França, com significação idê ntica, inte ncio nalme nte itifálica. Num quadro ele Vie n, La Marchande d'Amours, um deles dá, galanteme nte, bananas. Bate-se com a mão no sangrad o u ro do outro braço, cu rva ndo e elevando este, com a mão fechad a. O antebraço, oscila nte, figura o falos. Noutra modalidad e , põem o antebraço na curva interna elo o utro. O gesto nos veio ele Portugal onde o d e no minam manguito, dar manguitos, ajJ1'esentar as armas de São Francisco. Na Itália é o far manichetto e na Espa nha hacer u m corte de mangas (Herma nn Urte l, Beitrdge zur p ortugiesischen Volkskunde, Hamb urgo, 1928). No Brasil é q ue to mo u o no me ele "bananas". Nenh uma o utra fruta pe rmitiria a inevitável associação mo rfológica . Garcia ela Orta elogiava os figos "deitados e m vinho com canela per cima ... frege os e m açucare até q ue estejam bem torrados, e com canela pe r cima sabe m muyto bem ... Levam os pera Po rtugal pe r matalotagem ; e come m os com açucare, e pera o mar he bo m come r. " No Brasil houve semp re gabos. Jean ele Léry dizia a p acoere mais doce e saborosa q ue os melhores figos ele Marselha . "Deve portanto a

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pacova figurar entre as frutas melhores e mais lindas do Brasil " (1557-1558). O Dr. Piso , nos anos de 1637-44 que viveu e m Pernambuco, estudou a "Pacoeira e Bananeira" (História Natural e Médica da Índia Ocidental, XXI, Amsterdã, 1658), d eliciando-se em saboreá-las "fritas com ovos e açúcar, ou cozidas em bolos como tortas". "Secas ao sol e ao fogo, conservam-se por muito te mpo e são importadas pela Europa, onde são vendidas ." Os indíge nas fa ziam um vinho fermentado , embriagador. As pacovas e ram assadas ou cozidas e as bananas prestavam-se ao nenhum trabalho porque comiam-nas logo na colheita quando maduras. Max Sc hmidt (1900-1901) considerava superior uma sopa de bananas feita pelos Guatós no Alto Paraguai, Mato Grosso. Otto Ze rries cita uma sopa de bananas, contemporânea, na aldeia de Mahekodotedi, Waika do alto Orinoco, grupo de cultura primária, e que usa a sopa de bananas, també m veículo para a absorção das cinzas dos parentes defuntos, no curso d e cerimônias noturnas e tenebrosas. Para o povo a bananeira é cercada de mistérios e poderosa e m superstições. Ensina-me o Prof. Cândido de Melo Leitão, anotando Henry Walte r Bates, tratar-se realmente de gigantesca erva. Não é árvore nem parece com outra qualque r espécie. Frei João Pacheco (Divertimento erudito, Lisboa, 1734) informa: "quando o cacho quer brotar a fruta (e tem cada uma delas 40, 50 e mais bananas) dá gemidos, como mulhe r que que r parir. Na Bahia há opinião que é fruta proibida por Deus a Adão." Essa ciência circulava também nos países d o Prata. Na Arge ntina, Juan B. Ambrosetti (Supersticiones y Leyendas, Buenos Aires, 1947) semelhante me nte registro u: "La higuera y el ba na no tienen póra, es decir, se cree que e n e li os hay como incrustada una especie d e alma o fantasma , que de vez em cuando produce quejidos; para os oírlos se prefiere tener estas especies lejos de las casas. " A bananeira que não dá frutos deve ser a braçad a por um homem . Enterrando-se uma faca virgem na bananeira, na véspe ra da no ite de São João, 23 para 24 de junho, pela ma nhã o tanino desenhará na lâmina o nome do futuro esposo ou esposa. A bananeira, na sua presença nas aldeias indígenas, determinou um índice de aculturação e prox imidade no plano da inte rdepe ndê ncia social. Os grupos huma nos sem ba na neiras d enuncia m isolamento, primarismo, marcha inicial. Nem mesmo os técnicos falam nas pacovas mas citam se mpre as bananeiras vindas da África, dire tas ou via São To mé, favoritas do apetite escravo que não supo rtava suficientemente as paradisíacas amera bas. Demonstram um adia ntamento aquisitivo na cultura ambie nte .

Quando, e m 1858, chegou ao Rio de Janeiro o poeta pottuguês Faustino Xavie r de Novais (1820-1869), Casemiro de Abreu saudou-o, eufórico , citando as bananeiras como ornamento tradicional brasileiro, não palmeira , caju ou pau-brasil.

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Bem-vindo, bem-vindo sejas a estas praias brasileiras! Na pátria das bananeiras as glórias não são de mais; bem-vindo, ó filho do Douro 1 à terra das harmonias; que tem Magalhães e Dias, bem pode saudar Novais!

Angola possui suas sereias, encantadas, poderosas, influindo para o be m e o mal, com a respeitosa ambivalência popular de amor e medo . Quianda é a sereia marítima. Vive nas águas salgadas ao redor de Luanda e po r toda a orla do Atlântico angolano. Sua velha morada era nos rochedos que circundam a fortaleza de São Miguel, e ntre a Marginal e a Praia do Bispo. Diante da cidade está a ilha de Lua nda, Muazanga para os axiluandas, seus nativos, ligados ao contine nte por uma la rga ponte. Quianda é aí c ulto antigo para os axiluanclas. Tem uma inté rprete, sacerdo tisa, devota profissional, a Quilamba, açafata em suas festas, como as "mães ele te rreiro" na Bah ia para o presente ele Iemanjá , a sere ia jeje-nagô. Quilamba, home m o u mulhe r. No tempo ele Chatelain a vassal chief is ca!led a KILAMBA of bis suzerain. A o utra sereia angolana é Q uituta, mo rando no s rios e lagoas, montes e matas, Iemanjá terrestre, com os mesmos poderes assombrosos. Talvez o Mituta, ele Ambriz, elos rios, lagos e mar, para o norte . Q uiancla faz plural e m Janda, e Quituta em Ituta, no id ioma quimbunclo. Há uma te rceira, vivendo e m Mbaka , Ambaca, com o no me ele Quiximbi, podendo ser masculina ou feminina e tendo domínio nos rios e lagoas ela região . Quiancla, Quituta , Quiximbi são realmente water genius, antiq uíssimas entidades locais valendo como força materializa