Lições sobre a Filosofia Política de Kant

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Ha n n a h A rendt

Lições sobre a filosofia política de Kant

Tradução e ensaio

André D uarte de Macedo



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Sumário

Apresentação 7 Nota de tradução

11 L iç õ e s s o b r e a F il o s o f ia P o l í t ic a d e K a n t

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Da Imaginação

101 ENSAIO:

A dimensão política da filosofia kantiana segundo Hannah A rendt

109 Notas

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Apresentação

L^om a presente edição, a Relume-Dumará traz a público uma versão integral das L ições sobre a filo so fia política de K ant, elaboradas por Hannah Arendt para uma disciplina ministrada na N ew School fo r S o cia l R esearch no semestre letivo do outono de 1970.1 Este volum e traz ainda suas breves notas de seminário, sobre o papel da “ im aginação” na doutrina do esquematism o da C rítica da razão p u ra e na configuração da noção de validade exemplar da C rítica da fa cu ld a d e de ju lg a r. Tais notas foram elaboradas por Arendt durante aquele mesmo semestre, e dedicavam -se a analisar mais de perto alguns dos temas e problemas tratados nas Lições. Antes de mais nada, porém, cabe afirmar que o texto que nos chega às mãos não se destinava à publicação, advertência que em nada o desqualifica: trata-se apenas de ressaltar que tais reflexões, a despeito de sua fina articulação interna, não foram definitivamente considera­ das pela autora, de sorte que não devemos atribuir-lhes o estatuto de obra acabada. Aliás, um dos aspectos mais interessantes deste texto é justamente o de uma certa inconclusão, evidente já no corte abrupto que o encerra, possivelmente em razão do final do semestre letivo. O que nos deixa a impressão de que essas Lições poderiam seguir indefinidamente sua trilha, sem que houvesse ponto de chegada previsto: aspecto relevante, pois indicativo de que estamos a surpreender um pensamento ainda cm movimento, um pensamento vivo, que se vale da oportunidade c do

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H annah A rendt

diálogo com sua audiência para desenvolver um vasto exercício explo­ ratório. Concebidas no estilo denso das V orlesungen alemãs, e temperadas com a inform alidade acadêmica norte-americana, estas L ições são uma amostra exem plar da capacidade arendtiana de aliar criatividade e erudição na interpretação dos textos de Kant, sem perder de vista, ademais, o elenco de suas próprias questões. Dentre a multiplicidade de aspectos e questões discutidos por Hannah Arendt nas L ições, cumpre ressaltar o fio condutor que as ordena, isto é, a interpretação da dimensão política da filosofia kantiana, particularmente da “A na­ lítica do Belo”, da C rítica da fa cu ld a d e de ju lg a r, em cujos conceitos a autora vislumbra o maior legado de Kant à filosofia política. P ers­ pectiva que, por si só, basta para justificar o interesse que o leitor possa ter neste livro. A intuição arendtiana de que a primeira seção da terceira C rítica explicita a abertura de Kant para as questões políticas ressoa com vivacidade em textos precedentes e posteriores a estas Lições, o que nos permite perceber a centralidade dessa idéia no âmbito mais geral da reflexão da autora. Assim, esse ponto de vista interpretativo já se fazia presente em textos do início da década de 60 — como “A Crise na C ultura” e “ Verdade e Política”2 — , bem como antecipará aspectos importantes do derradeiro projeto intelectual de Hannah Arendt, A Vida do E spírito, em que a autora intenta discutir o m odus operandi das “ faculdades” do “pensam ento”, da “vontade” e do “ju íz o ”, apro­ p ria n d o -se de conceitos kantianos. Basta saber que o volume sobre o “Julgar” tomaria o juízo reflexionante estético como o paradigma da faculdade de julgar. Infelizmente, a morte súbita, em dezembro de 1975, impediu-a de redigir aquele volume, exceto pelas duas epígrafes datilografadas no alto de uma página em branco, que reproduzimos neste volum e.3 Tudo isso dá m ostras de seu grande interesse por Kant, bem como confirma a sua certeza quanto à dim ensão política do juízo reflexio­ nante estético, sugerindo-nos que a autora retornaria ao material das Lições no momento em que enfrentasse a redação do volume final de

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A Vida do E spírito. Tudo isso ainda nos revela que tal interesse e tal ponto de vista em relação aos conceitos da “Analítica do Belo” de Kant acham-se entremeados de questões e problemas fundamentais de seu próprio pensamento, como pretendemos discutir em nosso ensaio, ao final deste volume. A bem da verdade, é a partir da atribuição de um caráter virtual­ mente político à “Analítica do Belo” que Hannah Arendt fundamenta a sua própria abordagem do juízo político, também ele um tópico central para sua obra. De fato, entre os inúmeros temas e problemas abordados por Han­ nah Arendt, aquele relativo à discussão das im plicações do ato de julgar os eventos políticos perpassa e alinhava sua obra do começo ao fim, remetendo-nos ao próprio âmago de sua reflexão. Em seus textos Hannah Arendt valeu-se dos conceitos forjados pela tradição filosó­ fica ocidental para pensar os problemas do âmbito da política, e dedicou-se a explorar a dimensão e as implicações políticas desses mesmos conceitos, criando assim um interessante jogo de reflexão entre filosofia e política, cujo ponto de interseção é justam ente o juízo político. Reconhecendo não apenas a freqüência com que os eventos políti­ cos nos impõem a tarefa de julgá-los, como, e ainda mais, os riscos embutidos na incapacidade ou mesmo na recusa a julgar, Hannah Arendt procedeu, nessas Lições, a uma vigorosa reflexão voltada para a elucidação das condições de possibilidade do juízo político. Aspecto que, se não esgota a profusão de pistas e sugestões que a interpretação arendtiana dos textos de Kant nos oferece, delim ita-lhe um tópico fundamental, ao menos para todos os que inscrevem sua própria reflexão no registro da filosofia política. A.D .M .

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Nota de tradução

A s L içõ es sobre a F ilosofia P olítica de K ant foram traduzidas a partir da edição postuma organizada por Ronald Beiner, L ectures on K a n t’s P o litic a l Philosophy, University of Chicago Press, Chicago, 1982. O trabalho do editor consistiu na correção ortográfica do m a­ nuscrito, na conferencia e elaboração das notas de referência biblio­ gráfica, pelas quais assumiu inteira responsabilidade, como afirma o “Prefácio”, à página viii. Os originais encontram-se nos arquivos H annah A ren d t, da M anuscript D ivisión o f t h e L ibrary o f C ongress, W ashington, EUA. Os sinais (..) e [..] que aparecem ao longo do texto constam do original; o sinal [..] foi introduzido no texto pelo tradutor. Traduzim os as citações de Kant feitas por Hannah Arendt a partir das traduções para o inglés p or ela utilizadas, mantendo assim a referência original do texto. Esta decisão deveu-se a três motivos: grande parte dos textos de Kant citados pela autora não possui tradu­ ção nacional, o que impediría uma solução homogênea; se Hannah Arendt valeu-se dessas traduções, não deixa de ser importante respei­ tar os motivos que porventura tivesse ao optar por utilizá-las, já que o alemão era sua língua materna; finalmente, porque Hannah Arendt por vezes efetua mudanças no texto das traduções que utiliza, aspecto que seria perdido se não m antivéssemos as suas citações tais como se encontram estabelecidas no original em inglés. Por exemplo, Hannah Arendt assum e traduzir o conceito kantiano de allgem ein por “gcrnl”,