Klauss Vianna: Estudos para uma Dramaturgia Corporal

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ISIUDDS PARA UMA DRAMATURGIA CORPORAl

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@c.oRTEZ ~EDITORt:I

Klauss Vianna Estudos para uma Dramaturgia Corporal

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Conselho Editorial de Educação:

Neide Neves

José Cerchi Fusari Marcos Antonio Lorieri Marcos Cezar de Freitas Mar li André Ped ro Goergen Terez in ha Azeré do Rios Valdemar Sguissardi Vitor Henrique Paro

Klauss Vianna Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Estudos para uma Dramaturgia Corporal

Neves, Neide Klauss Vianna : est udos para uma dr amaturgia corporal / Neide Ne ves . - São Paulo : Cortez, 2008. Bibliografia. ISBN 978-85-249-1415-7 1. Auto-percepção 2. Balé (Dan ça) 3. Espirito e corpo 4. Expressão corpo ra l 5. Mente e corpo 6. Psicologia do movime n to 7. Vianna , Klauss r. T itulo. 08-05367

CDD-701.8 índices para catálogo sistemático:

1. Corpo : Movimento : Ar tes 701.8 2. Dramaturgia corporal : Artes 701.8 3. Movim ento corporal : Artes 701.8

a.c.oRTEZ ~EDITORA

KLAUSS VIANNA: ESTU DOS PARA UMA DRAMA R11JGIA CORPORAL

Neide Neves Capa: aeroestúdio Preparação de originais: Jaci Dantas Revisão: Maria de Lourdes de Almeida Comp osição: Dan y Editora Ltda. Coordenação editorial: Dani!o A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem a autorização expres sa da autora e do editor. © 2008 by Autora Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA

Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 050 14-001 - São Paulo-SP Thl.: (11) 3864 -0m Fax: (11) 3864 -4290 e-ma i!: cor [email protected] m.br www.cortez editora.com.br

Impresso no Brasi! - agosto de 2008

Dedico est e livro a meus qu eridos pais Tharcilla e Nestor, qu e dedicaram sua vida a mim. À m inha filha amada Tainá, pelo amo r e

pe lo qu estionam ento con stan te. A eles pela vida, a ela por me mante r viva , em movimento .

,ªCORTEZ

\i5i'EDITORA

Agradecimentos

A Klau ss, m estre, pelo legado. A Rainer, professor, pelas aulas de cada dia e por acr edi tar. A Ange l, mestra e amiga, pelo in centivo in con dicion al. A Christ ine Grei ner, orientado ra, pela de dicação e carinho . A Helen a Katz, por me receb er de braços abertos e pela leitura generosa do trabalho . A todos os professores, por alargar m eus h orizontes. À Com issão de Pesquisa do Conselho de Ensino e Pesquisa CEPE - da PUC/ SP, pel as h oras-pesq uisa de Capacitação Docente Mes tra do, concedidas durante o ano de 2004, me possibilitando m aior dedi cação à esc rita da dissertação de mestrado qu e resul-

tou n este livro . A Cle ide Marins, pela leitura carinhosa, competente e pe las conversas. A Hu mb e rto Tavolaro Neto, companhe iro de jornada , pe lo amor, pela paciên cia e apoio constantes. A Edu ard o, Henrique e Cam ila , filh os queridos "em pres ta dos", por partilharem sua alegria e o computador. A J uli eta Cala zans, am iga, p elo en tus iasmo e por acreditar.

NEIDE NEVES

Às colegas na T écnica Beth Bastos, Jussara Miller, Lu zia Carion, Marinês Calori, Zélia Monteiro pela torcida e po r acre ditarem e ajudarem a manter viva a pesquisa de Klauss Vianna. Aos me us alunos de sempre, pe la sua contribu ição para o meu aprendizado . A todos aq ueles que fora m tocados pela técnica e continuam a levá-la para a vida e para os palcos.

Sumário

Àqueles qu e direta ou indiretamente cont ribuíra m para que este estudo chegasse até aqui.

Aprese nt aç ão .

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Introdução

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Um pouco da vida de Klau ss Vianna

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Capítulo I - Consciência corporal e m ovimento

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1. A proposta

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2. Uma leitura do pensamento de Klaus s Vianna

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3. Prática e questões - uma hipótese

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4. Uma releitura

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1. Din âm ica do cérebro e do movimento

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2. A emergência da novidade

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3. A TNGS: os processos sele tivos dos padrões

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4. Memória como asse ntamen to de mudanças

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Angel Vianna

Prefácio H elena Katz

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Capítulo 11 - Estabilidade e instabilidade

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Capítulo III - A emergência da inform ação

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1. Conscient e e inconsciente

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2. Atenção e tempo presente

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3. Ate nção e novidade

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4. A in tenção do m ovim ent o

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Conclus ão

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Bibliografia

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Apresentação

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Videografia

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Hemerografia

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Pesquisa na in tern et ..........................................................

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Nuvens sempre m e encan taram , pela cor, pela forma, pelo volum e - densas, leves , formando lin has, imagens... tudo como um sonho transformador como o movim ento. Neide Neves se m antém firm e em su as convicções e com um trabalho constante de consciência e elabo ração didática desse instrum ento fundamental que é o corpo. Não é fácil idealizar, estruturar, cons truir e fazer ter vida út il. Do momento qu e tomamos consciência do nosso corpo e das suas im perfeições poderemos utilizar m elhor as suas poss ibilida des , gastando o mínimo de energia e tendo u ma representação precisa do movimento . O trabalh o com as articulações resulta em sensação de extremo desafogo. O despertar da se ns ibilida de corporal prom ove a in tegração, a individualidade e a capacidade de transformar e se r transformado. Corpos pensantes livres para imaginar e criar a si próprio na relação com o outro e com o mundo. Este livro é resultado da dissertação de m estrado e, antes, da parceria de Neide e Rain er que por anos se dedic aram à estrutu ração didát ica dessa técni ca, im primindo m arcas ao trabalho dos Vianna. Neide propõe u m a relação entre os conceitos exaustivam ente pesquis ados por Klau ss Vianna desde a década de 50 suas descobert as no campo do func ioname nto do corpo e da cria-

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ção de m ovim entos - e os recentes estudos do neurologista Gera ld Edelman. Uma tradução entre diferentes campos do saber (corpo pel o viés da dança e da neurologia) que anal isa as compatib ilidades de pen sam entos desses dois pesquisadores. As nuvens sempre me encantaram. Neid e sempre me encantou; recri and o com rep er cussão no s campos educacionais e art ísticos um a prática em con tínua tr ansformação. Rio de Janeiro, 8 de m aio de 2008.

Prefácio Angel Vianna

Professora , coreógrafa, pesquisadora de dança e diretora da Faculdade Angel Vianna, notório saber como Douto ra em Dança pela Universidade Federal da Bahia, UFBA.

Nas pesquisas qu e vê m surgindo em torno de Klauss Vianna, a diss ertação de Mestrado que Neide Neves defendeu na PUC-Sl?, e qu e agora, felizm ente, se transforma em livro, ocupa u m lugar especial. Tem, entre as su as qualidades, a de sinalizar para o papel do pós-grad uaçã o brasileiro na construção da dança como uma áre a de conhec imento. Ao fazer com que seus 20 anos de atividades práticas encon tra ssem a bibliografia trabalhada por sua orie n tadora, Profa . Dra . Christine Greiner, Neide pôde fundament ar cientificamen te o qu e tão bem j á conhecia: os ensinamentos de Klauss Vianna. É esse trânsito desejável e necessário entre dança e universidade qu e irriga os dois setores com o melhor de cada um . A ar ticulação prática-teoria que construiu tem o m érito de tr atar do "como" daquilo que j á conhecia profissionalmente. Tomando o cu idado de avisar que não b uscou explicar o discurso de Klauss porque el e não estava preo cupado em desenvolver uma teoria, Neide Neves consolid ou se us argumentos sobretudo com os escritos do neurocientista Gerald Edelman, Prêmio Nobel de 1972 em Fisiologia da Medi cina. Usa a sua des crição do funcioname nto do cérebro (a T NGS - a Teo ria da Seleção do Gr u po Neuronal) para entender a Técnica Klauss Vianna como um método de educação somática.

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A TNGS de Edelman nos exp lica que algu ns pa dr ões sã o refor çados pela expe riência, e nquanto outros são eliminados, em um proces so de se leção que le mb ra a evolução. Não à toa, a TNGS é também conhecida por Darwinismo Neural. Com ela, conseguim os compreen de r como o cérebro reconhece obj etos do m undo se m um hom ún culo atua ndo como um fan tasma a relatar o que se observa e se m precisar h erdar u m catálogo de padrões. Edelman propõe que sã o as reentrantes con exões en tre grupos n euronais em diferentes pa rt es do cérebro que coo rde na m as impress ões dos diferentes sentidos e promovem a coe rê n cia , a cons istên cia e a continuidade da experiência . A reentrân cia constitui o mecanismo básico da recategorizaçã o, o processo fundamental de atuação do cérebro . Neide Nev es pro põe qu e "a ênfase dada por Edelman aos aspectos dinâm icos da morfologia cerebral como gerado re s da mente ajuda a esclarecer o pensamento de KIauss sobre o mo vimento". É com ela qu e trabalha dois eix os qu e identifica como fundamentais na prática de KIauss: "a qu estão da coexistê nc ia, no corpo, de estabilidades e a instabilidades e a questão da construção e da em ergênc ia da informação a partir da s conexões qu e resultam n o movim en to ". Sua pesquisa colabora também para esclarec er temas que in dispensáveis a qu em faz e se interessa por dança . Quando traz Antonio Damasio para dialogar com Gerald Edelman, permite que ve lh os modos de falar sobre imagem mental possam ser colocados n a lata de lixo da história . Um ót imo exemplo dessa faxina ep istemológica está também na sua apresentação das relações entre a intencionalidade da qual Ede lman fala o conceito de inten ção para KIau ss. A pesqu isa partiu das h ipóteses de qu e as instruções fu n cionam com o igni ção pa ra o movime nto, sã o eficazes n a flexibil ização dos padrões posturais e de m ovimento, estim ulam a percep-

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ção dos diferentes estados corporais e a disp on ibilidad e para o m ovimento n ovo, e pod em prom over o acesso a n ovas conexões n eurais qu e resul tam n o movim ento expressivo. E chegou à conclu são de qu e um trabalh o corp oral qu e tenh a como obje tivo construir um corpo disp on ivel para o m ovim ento deve in clu ir quatro fat ores fundamen tais: o terreno (percepç ão) , os meios (se nsação, m ovimento, im agem mental, conceito), o tem po (ate nç ão/ pesença) e o espaço (ambiente). Completando o rico conju nto de reflexões qu e elaborou, em um texto claro e consciso, Neide Neves ainda agrega uma breve biografia de KIau ss Vianna que ajuda o leitor qu e n ão teve o privilégio de conviver com esse mestre, que foi um vulcão tr ansfor m ador de todas as paisagens por onde passou , a ter u m instrum ento par a situar um pouco da sua gran deza. A importân cia da distribuição para a sociedade, agora na forma de livro , de um a dissertação como a qu e Neid e Neves es cre veu, deve ser cel ebrada como mais um dos marcos que irão consolidar a pesquisa em dança no n osso país .

Helena Katz Doutora em Com un icaç ão e Serniótica , Professora do Curso de Comunicação das Art es do Corpo da PUC-SP e cri tica de danç a de O Estado de S. Pau/o.

aCORTEZ ~EDITOR~

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Introducão >

Ch eguei à PUC-SP trazendo m u itos ano s de expe riênc ia e encan tamento com a técni ca desenvolvida por KIauss Vianna. Ess e trab alh o envolve a n ecessidad e de dispon ibi lidade para o autoc onhecimento e par a a mudança e a compreens ão de que na da n o corpo se faz da n oite para o di a, n este ritmo qu e a vida, h oj e, parece qu erer im por a tudo . O tempo do corpo é outro. Muito mais próximo dos longos periodos que levam os nossos h ábitos de mo vimento para se implementar em e para as transform ações se torn arem possíveis. É o tempo da evo lução em nível in dividual. Tamb ém foi gran de o encan ta men to ao ver qu e as pergu ntas qu e andavam m e incomodando e exigindo respostas poderiam ser pesquisad as com a aj uda de es tudiosos contemporâ neos do cé rebro humano, do com portamento, da cu ltura, das artes. E aumentou qu ando m e deparei com estudos de Gerald Edelman .

Sua visão do todo corpo-mente combina perfeitamente com a man eira como KIau ss via o corpo e a exp ressão . Edelm an aponta par a o car át er dinâmico e criativo do fu n cionamento cerebral, qu e, na estreita relação com os outro s sistemas corporais, promove a emergê nc ia das propriedad es m entais e a poss ibilid ad e de respos-

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tas corporais ade quadas, criativas aos estim ulas presentes, do próprio corpo e do mundo, desenvolvid as durante a experiência. O est udo da m em ória como assentamento de mudan ças como pr opõe Edelman - m ostra como somos criativos por constit uição e como nossa pe rmanência e evolução enquanto indivíduo s e espéc ie depe nde m tanto da estabilização de padrões qu e nos permitam nos reconhecer, e ao mundo qu e nos cerca, qu anto da flexibilid ade pa ra lidar com as novas informações qu e surgem n o mundo e no próprio orga n is mo e pro m over as resp ost as ada ptativas necessárias. K1au ss pesquisava exatamente esta relação entre estab ilidades e instabilidades no corpo . Buscava in struções qu e possibilitassem a emergência do novo, a flexibili zação e transformação dos padrões individuais de postura e m ovimento necessárias à criação de m ovim entos. Interessava-se pelo aflorame nto das individualidades e da diversidade na expressão .atrav és do movimento. Sabia que neste mo vimento, conscie nte, fruto da atenção, acionado por igni ções específicas, coladas n o m odo de fun cion amento corporal, emergem informações e comunicação, independentem ente da vontade . Exatamente aí está o diferencial no trabalho proposto por K1auss. Nele, a forma e a expressão não caminham em paralelo, mas entrelaçam-se, numa rede de relações dinâmicas. O corpo, com pree ndido como um sistema, organizado no seu fun cionamento, em relação com o ambiente, é a matéria-prima da pesquisa para a criação de mo vimentos. As igni ções utilizadas são pinçadas na morfologia, na fisiologia , na percepção, na propriocepção, na mecânica corporal, com a certeza de que desta forma aciona-se o todo . Muitos profissionais estão, hoje, trilhando este caminho aberto por K1auss. E é neles tamb ém que pensei, quando busquei exp licações científicas para procedimentos que usamos na pr áti-

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ca , com tantos bons resultados. É bom - para dizer o mínimo - , saber qu e aquilo em qu e ac re dita mos não é ap enas uma m etáfora poética, fru to da im agin ação de um grande artista e professor. Mas sim uma linda e forte intuição, aliada a m uita pesquisa, sob: e u~a realidad e que ele n ão teve tempo de ver explicada nos livros.

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~EDITORA

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Um pouco da vida de Klauss Vianna "Não decor e passos, aprenda um caminho" Klauss Vianna

Nascido em 12 de agosto de 1928, em Belo Horizont e, Klauss foi criança solitária e observadora, principalmente do movimento executado pelo corpo das pesso as, como conta em seu livro . Gostava de ler, e seu prim eiro interesse nas artes cênicas foi o te atro . Atu ava nas peças escolar es e escrevia seus pr óprios textos. Na Belo Horizonte dos anos 1940, as op ções para um rap azinho qu e se interessava por arte não eram muitas . Mas, após uma temporada do Balé da J uventude, dirigido por Igor Schwe zoff, fixou-se, na cidade, Carlos Leite, integrante dessa com panhia e solista do Corpo de Baile do Teatro Municipal do Rio de Jan eiro . Ele criou a primeira escola de dança clássica de Belo Horizonte, no prédio da UNE - União Nacional dos Estudantes . Com esse professor, Klauss ini ciou sua formação, em 1944. Dançou no Balé Minas Gerais, também criado por Carlos Leite, com bailarinos com o Décio Otero, Sigrid Hermany e Mar ia Ange la Abras (Angel Vianna), com quem viria a se casar e ter um filho, Rainer Via nna, que tamb ém se tom aria dançarino, coreógrafo e professor.

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Nesta época , freq üentava o a telier do pintor e amigo Albe rto da Veiga Guignard, então diretor da recém criada Escola de BelasArtes . Acontecia de posar para o artista e, nestas ocasiões, aproveitava para pesquisar, no próprio corpo, a intenção anterior ao movimento - a preparação do corpo anterior à execução do movime nto, ou seja, a resposta sensório -motora à intencionalidade - idéia que contin uaria desenvolvendo no seu trabalho. Nesta época, teve contato com artistas como Amilcar de Castro , Yara Thpinambá e Maria Helena Andr és, qu e muito contribuíram com o movimento modernista em Minas. Segundo ele, neste ambiente onde a liberdade de criação era incentivada, aprendeu muito sobre a dança. Seu interesse pelas ar tes plásticas sempre se manteve , "Descobre Rafael, Da Vinci, Modigliani, observando, nas pinturas e esculturas, as articulaçõ es, os músculos e o apoio dos corpos, num prenúncio do que seria sua pr ópria técnica" (Tavar es, 2002, p. 15). Ainda nessa década, dançava com Angel pelo interior de Minas Gerais a coreografia "Apache" e juntava din heiro para poder estudar em São Paulo, com Maria Ole newa, sonh o que conseguiu concretizar em 1948. Com a mestra, dizia ter aprendido não só a técnica, mas a refletir sobre a arte e a relação desta com o mundo. Por ocasião da morte de sua mãe, voltou a residir em Belo Horizonte. Em 1952, escreveu seu prim eiro ensaio, publicado na revista Horizonte, na capital de Min as, "Pela criação de um Balé Bras ileiro", em qu e lança as bases da re novação que pretendia fazer na dan ça e cria o conceito do "movimento -idéia". "O qu e eu quero conseguir é o qu e chamo de m ovim entoidéia, isto é, um balé cuja construção e realização se faça a partir de uma concepção fun damental e criadora . Não basta a técni ca ou o virtuosismo como solução. É preciso preencher este movimento de um a idéia criadora" (Vianna, apud Alvarenga , 2002, p. 128).

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Nesse mesmo ensaio coloca su a int enção de apli car esse conceito à dança brasile ira : "... pr ocurar urgentemente uma adaptação do balé às característi cas brasileiras de cultura, tradição e vida. A gra ndeza do balé russo se deve a esta participaçã o no próprio viver da Rússia. Se não fizermos isto com urgência, nosso bal é morrerá antes mesmo de nascer, ou então se reduzirá a represen tações para uma elite acadêmica e balofa, sem qualquer sentido artístico e cultural". Segundo Klaus s, falt ava expressão própria, sentido à dança, no Brasil. "Este sentido, bus cou-o em suas temáti cas e numa m ovim entação qu e partisse de uma necessidade expressiva do próprio argumento, ou seja, o movimento que surge como expressão de um a idéia" (Alvar enga, 2002, p. 131). In iciou suas experiências coreográficas pro curando aliar a linguagem clássica a elementos da linguagem moderna. Exemplos desses trabalhos são "Rondó Capriccioso" e "Ciranda", de 1953. "... torna-se patente o tale nto criador de Klauss Vianna. Sua coreografia excele nt e im põe -se-nos pela inovação, coisa tão rara no ballet" (Fonseca, apud Alvarenga, 2002, p . 126).

Como int egrante do Balé de Minas Gerais, durante uma viagem de Carlos Leite à Europa, em 1955, KIauss montou trabalhos in usitados para hom enageá-lo. Eram "Cobra grande", baseado no poema "Cobra Norato", de Raul Bopp, "Desfile de modas", e a prim eira versão de um a coreografia qu e marcaria época na cidade, "O caso do vestido", també m em ho menagem a Carlos Leite. O evento foi destacado pelo jo rnal Diário de Minas, com manchetes como: "Pela pri m eira vez, em Belo Horizonte, um espetác ulo de balé com coreografia m oderna"; "Arrojada iniciativa de um grupo de jovens idealistas"; "Reação contr a a falta de originalidade e contra um

1. Artigo da re pórter Ione Fonseca, na revista Horiz onte, s/n., 1953.

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panorama desol ador, Minas segue o exemplo de São Paulo". Com essas coreografias, in iciou sua carreira profissional. Em 1955, foi la n çada a revista li t erária Complemento , por Sil vi a n o San tiago, The ot ônio d os Sa n tos Junior, Ary Xavier, Ezequiel Neves e Heitor Martins. Esta revista deu origem ao título de "Geração Com plemento", àqueles que part icipa ram do m ovim e nto re novador qu e impulsion ou as artes m in eiras, no final dos anos 50 e in ício dos 60, marcando esta fase de grande eferv escência das idéias, em Belo Horizon te. O movimento era composto por pro fissionais da s áreas de pintura, como Augusto Degois, Wilm a Martins e Fre de rico de Morais; m ús ica, como Isaac Karabtchevsk; cinema, com o Maurício Gomes Leite e Flávio Pinto Vieira ; teatro , como Carlos Kroebe r, Jonas Bloch e João Marschner; da nça, como Décio Ote ro, Klauss e Angel Vianna; literatura, como Ivan Angelo, Affonso Romano, Pierre Santos e Teresinh a Alves Pereira; e muitos outros. Destas diferentes áreas, vinham vários estímulos, qu e com punham um a maneira de pen sar e criar qu e procu rava um a expressão in dividual fundada numa modernidade e com esp ~rito van guardista . Neste m ovim ento, encon travam-se ideais de lib erdade, in dividualidade, brasilidade, que se podem reconhecer no pensamento de Klauss . Na dança o destaque na época foi Klauss Vianna, um gênio inovador que até hoje continua fazendo coisas importantes. E neste período tirou quase tudo do nada, pois não havia feito cursos no exteríor, tinha poucas oportunidades de assistir acontecimentos de vanguar da mas tin ha, e te m ainda, uma criatividad e indescritível (entr evista da ex-bailarina Lúcia Helena Monteiro Machado - Duda Machado - , sobre a "Geração Compleme nto", concedida ao jornal Estado de Minas , em 10 de julho de 1988). A partir de 1958, com a cri ação da es cola e do seu grupo amador, o Balé Klauss Vianna, e ju n ta mente com Angel Vianna, Klauss pôde aprofundar suas pesqui sas core ográficas e pedagógicas .

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Através da escola, e posteriorment e com a criação, pelo casal, do Balé Klauss Vianna (BKV) , o balé moderno em Belo Horizonte encontrará seu primeiro norte, lançando as bases de toda uma grande construção (Alvarenga, 2002, p. 11 8). Na su a busca por uma linguagem brasil eira de dança , Klaus s procurou rom per com o balé clássico n os seus mo ldes europeus e com a u tilização do foleore como expressão de um a dan ça brasileira. Utiliza, então, a técnica clássi ca e a cultura nacional com o fon tes de in spiração, ressignificando-as. Nessa fase mineira, Klauss realiza muitas coreografias, dentre as quais podemos destacar algu m as em que as su as propostas de renovação são mais evidentes. Temas literári os nacion ais serão a tônica nessa fase. • "O caso do ves tido", da nçado utilizan do a din âmica das palavras do poema h omônim o de Car los Drummond de Andrade, narrado pelo coro de alunos do Teatro Experimental, como uma or questra de vozes, em 1959; • 'Arabela, a donzela e o mito", sobre o romance "Amanuense Belmiro" , de Cyro dos Anjos , dançado ao som de roncos do m otor de um automóvel, b arulhos de uma máquina de escrever, afinação de um violino e batidas de pandeiro, em 1959; • "A face lívida", sob re poema h omônin o de H enriqueta Lisb oa , com m úsica de Ernesto Sch ürman, interpretada em vocalise por Maria Lú cia Godoy, na qual foi pesquisada a gestualidade do h om em m in eiro, em 1960. No 10 En contro Nacional de Escolas de Dan ça, em Curitiba, organ izado p or Pascoal Carlos Magno, em 1962, o Balé Klaus s Vianna particip ou apresenta ndo uma aula ab ert a de b alé e o espe táculo "Marília de Dirceu'T'últi ma coreografia de vulto par a o gru -

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po - antes da su a di ssolução - e u m ponto de sólida sus te ntação da p roposta d o artis ta para a cr iação de um ballet b rasileiro"

ao grupo de pro fessores da escola dirigida po r 'Tatiana Leskowa. A partir de 1968 e por 6 anos, le cion ou na Escola Municipal de Bai-

(Alvarenga, 2002, p. 151).

lados do Rio de J aneiro, onde es colheu dar aulas para cr ia nças e po de desenvolver a fase lúdica da sua técnica.

Tanto a aula - antecedida por uma par te sonora, e que já incorporara, no aqu ecimento, elem en tos de yoga com pés descalços quanto a coreografia - que trazia um a diagonal inteira com o simples deslocam ent o de uma santa, andando como se estivesse num andor - causaram furor no even to (Tavares, 2002, p. 22). Neste encontro, Klauss conheceu Rolf Oel ewsky, ? então diretor da Escola de Da n ça da Unive rsida de Federal da Bahia, que o convido u a fu ndar o se tor de b al é clássico n aquela fac ulda de. Klau ss e An gel trabalharam e m Salvad or de 1962 a 1964. A cult u ra b aian a o se nsibilizou , assim como a ca poeira, n a qual reco nheceu boas qualidad es, en quan to trabalho corporal. Lá, continuou se us estudos de an atomia co m o professor Antônio Brochado, da faculdade de Odontologia, que trabalhava não só a de n ominaçã o dos ossos , mas também sua função e, como a dos músculos, no m ovimento. E, ainda, relacionava a po sição do es que le to com sentimentos e do s ossos à emoção. Também na Bahia, por ocasião de uma gr eve n a universidade, Klauss despertou para a importância da inserção consciente do artista n a realidade que o cerc a . "Min h a n oçã o de arte e de dança mudou muito a partir daí: não é só dançar, é preciso toda uma relação com o mundo à nossa volta. [...] É impossível dissociar vida de sala de aula" (Vianna, 1990 , p . 31). No final de 1964, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde Klauss come çou dando aulas de balé . Em 1966, integrou-se

Um p eríodo de intenso trabalho em teatro iniciou- se, em 1968, com o con vite para fazer a coreografia d a m on tag em "A ópera d os três vin téns", de Bertolt Brecht e Kurt Weill , co m direção de José Renato e atore s como Dulcina de Moraes, Marília Per a, Oswaldo Lourei ro e J osé Wilker. Sem pre contou com a ajuda de Angel, que demonstrava fisi camente suas su gest ões e que colaborou n a elaboração dos princípios de sua metodologia d e tr abalh o com os atores. É importan te ressaltar como a assimilação de K1auss Vianna pelo

teatr o carioca ocorr eu num mom ento oportuno, de transição entre a primazia da palavra , outrora consagrada como o elemento mais imp ortante da comu nicação teatral, e as novas propostas de interpr etação e ence naç ão qu e se pro paga ram a partir da década de 1960, com ênfase sobre a linguagem gestua l, o que cont ribu iu para o advento de uma fun ção - o preparador corporal - diferente do coreógrafo tradicional, pois oferecia subsídios ao ator, revelandolhe seu pr óprio corpo e instru me ntalizan do-o para interpretar as novas concepções do teatr o (Tavares, 2002). Esta fas e de muitas m ontag ens em teatro avan çou pelos an os 1970 e 1980 e foi marcada pelo d es envolvimento do seu tr abalho de preparaçã o corporal de ator es. Algumas d estas peças são: • "Roda Viva", de Chico Buarque de Hollanda, com direção de José Celso Martinez Corrêa e, como at ores, Maríeta Severo, Helena Prestes e outros, em 1968 ;

2. Bailarino ale m ão, discí pu lo de Mary Wigman (1886-1973) , alu n a e ass isten te de Rudolf Laban (1879-1958).

• "Nav alh a na carne", de Plínio Marcos, com direção de Fauzi Arap e Tônia Carrero, como atriz, em 1968;

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• "Jardim das cerejeiras", de Anton Tchekhov, com direção de Ivan de Albuquerque e atuàção de Rubens Corrêa, Nildo Par ente e outros, em 1968; • "O arquiteto e o Im perad or da Assíria", de Fer nando Arraba l com direção de Ivan de Albuq ue rque , atuação de Rube ns Corrê a e J osé Wilker. Por esta m ontagem, Klauss recebe u o prêmio de m elhor coreógrafo na categoria Teatro, pela APCA - Associação Paulista de Crít icos Teatrais, e m 1970 ,' • "Hoje é dia de Rock", de José Vicente , dirigida por Rubens Corrêa, com atuação de Rubens Cor rêa, Ivan de Alb uque rqu e, o própri o Klau ss e outros, 1972. • "O exercício", de Lewis Joh n Car lino , direção geral d e KIauss, com Marília Pêra e Gracindo J únior. Esta p eça est eve colocada en tre as cinco m elhores do ano e por ela Klau ss receb eu a in dicaçã o para o Prêmio Mambembe de Melho r Dire tor de Teatro , em 1977', • "Mão n a luva", de Oduva ldo Vian n a Filho, com direção de Aderbal Freire Filho e Marco Na n in i e J uliana Carneiro como ato res, em 1984. Segun do Thvares (2002), "O exercício" foi um marco n a épo-

ca, tanto pa ra os atores qu anto para o públi co e a crítica. É possível analisar corno a trajetória percorrida por KIauss Vianna

junto à montagem de "O exercício" partiu de um trabalho sobre o corpo do ator, quer fortalecendo -o, quer sen síbilizando-o ludicamente . Em seguida trabalhou sobre a projeção deste corpo no espaço e na relação entre os atores, por meio de exercícios diversos além d 1 - d ' . " a re açao os corpos em cena com os da platéia. Foi tão ~IgmfIcativo, que se apoderou da própria linguagem do espetá culo ImP~i~indo um enfoque total sobre os atores, que dispensou o~ tradIcIOnais ap t . . ara os cemcos, aproximando-o da estética de um "tea-

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tro pobre" de Grotowski, que figuraria hoje no "teatro essencial" de Denise Stoklos (Tavares, 2002). Ao todo, foram aproximadamente 25 peças, dando início à pro fissão de pre parador corporal, no Rio de Janeiro, n os moldes propostos por Klauss, o qu e diferia do papel do coreógrafo, po is buscava instru m entalizar o corpo do ator para as n ecessidades de u m teatro qu e começava a rej eitar a su premacia do texto, valorizando a atuação e a exp ressividade corporal. KIau ss trabalhou nas mo n tage ns e em oficinas, em parceri a com pr ofission ais como os diretores Pau lo Afonso Grisoli, Luis Carlos Ripper, Ivan de Albuquerque, Sérgio Brito, a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmü ller, a m us icis ta Cecília Conde e a pro fesso ra e tamb ém preparadora corporal Ange l Vianna. Fundou com Ange l e a professora de balé Tereza D'Aquino, em 197 5, o Centro de Pes quis a Corporal, Arte e Educação, conhecido na época como "o corredor cultural do Rio de Janeiro". Este ce n tro , na décad a de 1980, passou a se ch amar Espaço Novo e a ab rig ar um curso técnico de formação em dança reconhecido pelo MEC; h oje é den ominado Escola Angel Vian na, on de foi recentem ente in au gurada a Faculd ad e Angel Vianna. En tre 1974 e 75, KIau ss pa rti cip ou do festival de dança e teatro de Con n ecticut, no s Estados Unidos, com uma b olsa oferecida pela Adida Cultural americana em Belo Horizonte; n o Rio, desenvolveu a pesquisa in titulada "O gestual do h om em carioca", patrocinada pe la Funarte, com o grupo Tea tro do Movimento, fundado por ele e An gel. Em 1975, tornou-s e direto r da Escola de Teatro Mar tins Pena, onde pôde pôr em prática tu do o qu e estava elaborando sobre uma ab ordagem didática da s artes cênicas. Em 1978, saiu da Escola de Teatro Martins Pena e passou a dirigir o In earte - In stituto Estadu al das Escola s de Arte do Rio

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de Janeiro, at é 1980, quando se mudou para São Pau lo e ini ciou da ndo au las e m es túdios de dança, como a academia de Lal a Dehei nzelin, as escolas de Ruth Racho u e Renée Gumiel, e a STEPS - Esp aço de Dan ça.

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pelo seu trabalho em teatro , em 1977; com a Comenda "Ordem ao Mérito Artístico", pelo Colegium Artium da Fu ndação Clóvis Salgado, em Belo Horizon te, no ano de 1983. E em 1972, tornou-se o ú nico pro fissional da área de cor po a receb er o prêmio Mo liáe concedido por um júri nacional selecionado pela A i r France categoria "Especial", pela totalidade de seu trabalho.

Dirigiu a Escola Municipal de Bailado s, da Pr efeitura de São Paulo, de 1981 a 1982. Propôs m udan ças na did áti ca da in st itui ção, introduzindo a ulas de dança moderna com as profess oras Ruth Rachou e Célia Gouveia. Iniciou a realização de espetáculos com os alunos e abriu a esc ola para a comunidade, com a cri ação de uma turma noturna. Atu ou , ainda, e m 1982, como membro do Conselho Estadual de Dança da Secr etaria de Cul tura do Estado de São Paulo.

Em 1986, foi convidado a minist rar aulas no curso de pósgraduação em dan ça na Un iver sid ade Fed er al da Bah ia - UFBA, onde deu in ício à documentação de sua pesqu isa, com ap oio do CNPq e da CAPES. Recebendo um a ajuda por um cu rto periodo pelo In acen Insti tuto Nacional de Artes Cênicas, do Ministério da Cultura , em 1985 in iciou a pesquisa "Intenção dos gestos", qu e resultou n o espe tác ulo "Dã-Dá" , apresentado em 1987, em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro , com os bailarinos Zélia Mon teiro, Duda Costilhes e Izabel Costa, o músico e ato r J oão de Bruçó, o pian ista Nahirn Marun, o Gru po de Per cussã o do Instituto de Artes do Plan alto, o Coral do Estado de São Paulo, sob a regência de J ohn Boudler, e com a direção musical de Car los Kater. Para a m ontagem, obtive verba das Secr etarias Estadu ais de Cultura de São Paul o e Min as Gerais. Recebe u o prêmio "Melh or Pesquisa em Dança", concedido p ela primeira vez pela APCA e os bailarinos Zélia e Duda receberam o prêmio "Revelação" de 1987.

Fez a prep aração corporal para a pe ça musical "Clara crocodilo", com o grupo de LaIa Deheinzelin e o músico Arrigo Barnabé, apresenta da em 1981. De 1982 a 1984, assu miu o cargo de Diretor Artístico do Balé do Teatro Municipal de São Paulo - Balé da Cidade, onde criou o Grupo Exp erimental de Dança Moderna, formado por bailarinos sem formação acadêmica , mas com forte pesquisa, com o Denilto Gomes , Ismael Ivo, João Maurício, Mazé Crescenti, Mara Borba, Sônia Mot a e Suzana Yamauchi. Em sua gestão, foram montados os espetáculos "Valsa das vinte veias", de J. C. Violla; "Certas mulheres" (remontagem), de Mara Borba, Sônia Mota e Suzana Yamauchi; "Bolero", de Lia Robatto; "A dama das camélias", de José Possi Neto . Introduziu aulas de interpretação teatral e in stigou a leitura e o diálogo, buscando pro p iciar o dese nvolvim en to de um posicionamento crít ico nos bailarinos. Recebeu o prêmio da APCA, com o Diretor Artístico do melhor espetáculo do ano, por "Bolero".

Certamente um pioneiro, à custa do autodidatismo, há algumas décadas Klauss Vianna vem investigando a essência e expressividade dos movimentos, em sintonia com a gestualidade própria dos bailarinos. Sua atuação didática é reconhecida tanto na dança quanto no teatro onde, a partir da década de 60, introduziu a preparação corporal de atores. O espetáculo Dã-D á, portanto, marca a transposição para o palco de um trabalho desenvolvido em aula. [...] (artigo escrito por Ana Francisca Ponzio, para o jornal O Estado de S. Paulo, em 16 de novembro de 1987).

Dentre outros prêmios e indicações, Vianna foi agraciado com o Person alidade Artística do Ano de 1960, em Belo Horizonte; com a Menção Honrosa da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ,

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[...] você me perguntou que memória eu tenho do Klauss. Eu diria que de um mestre, essa sensação de sabedoria, pois o que ele propunha ou dizia, a gente via como resultava. E de fato era um saber que ele tinha e qu e sabia nos passar. Ele dizia "faça assim", e a gente sentia . Então essa idéia de mes tre, de sábio [...] uma pessoa que tem um conhecimento, que é da sua espec ialidade e por extensão da vida, eu associo mu ito ao Klauss Vianna (entrevista concedida por Aderbal Freire Filho, direto r de teatro, a Joana Ribeiro Tavares, 12112/ 2001).

Lançou, em 1990, seu único livro, A dança, no qual trab alh ou em colabo ração com o j ornali st a Marco Antônio de Carvalho, graças a u m a b olsa de estu dos da Fundação Vitae, de São Pa ulo. Em 1992, participou da criação da Escola Klauss Vianna, in iciativa de se u filh o Rainer Via n na, com a n ora Ne id e Neves e algu ns alu n os. A escola fu n cionava co mo u m a fili al d o Es paço Novo, cri ado e m 1983, p or Ange1 Via nna, Rainer Via n na e Ne ide Neves, n o Rio de J an eiro, d en om in ada , p ost erior m e n te, Escola An ge l Via n na . A in te n ção era h abilitar b ailarinos e p rofessores n a Técnica Klauss Vianna, n u m curso de formação com du raçã o

Não pretendi, aqui, esgotar a biografia de K1auss . Este é u m

de tr ês anos. No mesmo ano, Kla u ss faleceu , em São Paulo, n o

trab alho que se faz necessário e u rge nte, mas que, dado à sua am-

dia 12 de abril.

plitude, e não caberia neste livro . Mas procurei fazer escolhas qu e res salt asse m co mo seu percurso, desde o início , m ostr a uma busca da ide n ti dade do co rpo e de sua expressão, sub linhando a n e-

Klauss Vianna foi uma das pessoas mais importan tes no cenário da dança no Brasil. Ele levou mu ito conhecimento para o Balé do Teatro Municipal de São Paulo. Seu trabalho de conscientização do corpo, entrando pela dança contemporâ nea, foi muito importante para todos nós, bailarinos. É um a perd a lam entável para a geração mais nova, que fica sem poder usufru ir dos seus conhecime ntos, embora tenha sido ma ravilhos a a colaboração deixada por ele através do livro A D ança (Ana Botafogo, primeira bailarina do Teatro Muni cipal do Rio de Jan eiro, em entrevista ao jornal O Globo, em 14 de abril de 1992).

cessidade de in ser ção do intérp rete no mun do que o cerca e nas questões que lh e são contemporâneas. Centrando sua pesquisa profun da m e nte no corpo, teve im portância fundam en tal na construção, a partir dos corpos que passaram po r ele, do que h oj e den om in am os "artes do co rpo". Da vontade de p esquisar o gestual brasile iro , Klauss aprofundou n as qu estões corporais qu e lig am o in divi du al ao u n iversal. Chegou ao inté r p rete-criador at ual, que fala de su as p róprias inqu ietud es e cer tezas, falan do do m u ndo e vice-ve rsa. Trab alh ou

[...] Para nós da dan ça contemporânea ele foi um grand e pai, um verdadeiro mestre ao começ ar todo aquele movimento" (Marina Martins, diretora da Cia. Atores Bailarinos, do Rio de Jan eiro, em ent revista ao jornal O Globo, em 14 de abril de 1992).

um corp o cuj o ambie n te exte r no n ão é ape nas Min as ou o Brasil, m as o m undo e as qu estões co n te m po râneas.

Estou chocado. A dan ça no Brasil está muito castigada e, com a sua morte, são pelo menos 20 an os perdidos de avanço. É um a perda irrecuperável. Ele era um grande inte lectual, mu itos anos na frente da maioria. Com sua idéia de trabalho corporal, Klauss se transformou no maior expoente da dança no Brasil (Toni Nardine , diretor do Gru po Bandan ça, em entrevista ao jorn al O Globo, em 14 de abril de 1992).

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Capitulo Um

Consciência corporal e movimento "O Hom em é uno em sua expressão : nã o é o espí rito que se inqui eta nem o corpo que se contrai - é a pessoa inteira qu e se exprime" Klauss Vianna

1. Aproposta Esta pesquisa prop õe repensar, à luz de algumas vertentes da ciência contemporânea, alguns tópicos des envolvidos no tr abalho do pesquisad or do movimento h umano Klauss Vianna. Bailarino, coreógrafo, prep ar ad or e diretor corporal de ato res, filósofo da dança - como brincava - e, sobr etudo, pesquisador e profess or, Klau ss des envolveu um trabalho de m ovimento qu e atualmente é conhecido com o Técnica Klauss Vianna. Atuou desde os anos 1940, quando iniciou sua carreira no balé clássico.

1. Klauss Vianna em A Dança (2005, p. 150).

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Seu trab alh o foi muito conhecido e valorizado nos anos 1970 e 80. Mar cou fortemente o trabalh o de muitos atores e bailarinos, com o Marília Pêra, Mar co Nanini, Zélia Montei ro, Duda Costilles, Mariana Muniz, Carlos Martins e An a Terra, entre muitos outros. Foi, junto com Angel Vianna, sua esposa, o introdutor da "preparação corp oral do ator", no Brasil. Angel Vianna, pro fess ora , bailarina, coreógrafa e preparadora corporal de atores, foi companheira de Klauss desde os anos de formação com o professor Car los Leite, em Belo Horizonte. Juntos criaram o Balé K.lauss Vianna, no qual , deram iní cio à pesquisa e mont aram as primeiras coreografias. Estudaram e ensinaram juntos. Na atualidade, Angel dirige uma escola qu e abriga um curso profi ssionalizante em dança e recupera ção motora e a Facu ldade de Dança Angel Vianna, no Rio de Janeiro. Dezesseis anos após a morte de K.lauss, podemos ver traços de sua obra em evolução. Muitos intérpret es nas áreas de dança e teatro têm no corpo as instruções assim iladas em anos de trabalh o com K.lauss. Estes e outros mesclam em seu trabalho de criação e nas experiências educacionais alguns dos conceitos aprendidos. Outros ai nda con tin ua m a pesquisar e a aprofundar estes mesmos conc eitos. Monografias, artigos e dissertações (e.g.: Santos 1994, Queiroz 2001, Pedroso 2000, Alvarenga 2002, Tavares 2002, Neves 2003, Braz 2004, Miller 2005) têm sido escritos sobre esse pesquisador, que desenvolve u um trabalh o amparado em corpos brasileiros e suas questões específicas, e pesquisas têm sido feitas sobre sua experiência com a dança clássica e seus estudos de anatomia e cinesiologia. Tbda a discussão retomada, atualmente, em torno de seu trabalho tem uma razão . Klauss foi, como pessoa e como profissiona l, um instigador de mudan ças. Acredi tava no desenvo lvimento de cada um, com disciplina e liberdade. Relacionava o desenvolvim ento pessoal ao profissional. Deixou-n os um material muito rico ,

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muito bem ace ito, mas com po uca conceituação teórica e, portanto, com potencial par a ser aprofundado e desenvolvid o. Essas sementes germinam por toda parte onde ele tocou as pessoas. Depois de 23 anos de trabalho com essa técnica, a partir do caminho abe rto por Klauss, sinto ne cessidade do m ergulho em busca de rever algumas qu estões fundamentais da práti ca e seguir adiante. Rever, rep ensar a partir de no vas inform ações, encontrar explicações par a o que nasceu de muito estudo e da intuição e enco ntrar caminhos para a investigação a parti r das recont extu alizações de correntes dos novos estudos do corp o. Minh a formação corporal foi construída na técnica de K.lauss, com seu filho Raine r Vianna e também com Angel. Com K.lauss estude i em cursos breves e, in formalm ente, em casa. Fiz assistência em workshops qu e ministrou, no s últimos anos de sua vida . Quando conheci esse trabalho, vin ha de outras breves experiências com dança . Senti qu e ali estava algo qu e sempre ha via buscado, qu e m e dava parâmetros claros, m as não rigidos, para lidar com m eu corpo e m e exp ressar. Com preendi qu e a dança estava no m odo como m eu corpo organizava as informaçõe s n o fluxo com o ambiente e n ão em passo s aos qu ais deveria me adaptar. Desde 1983, trabalho com a técnica de Klauss em cursos para b ailarinos, ator es e profissionais de outras ár eas, em preparação corporal de atores e como bailarina. Com Rainer, desenvolvi a estruturação didática da técnica, na segunda metade da década de 1980 e iní cio de 90. Após o fale cimento de Klauss e de Rainer, segui m eu trabalho sozinha e, hoje, tendo retomado contato com pessoas envolvidas com a técni ca (Beth Bastos, Duda Costilles, J oão de Bruçó, Jussara Miller, Luzia Carion Braz, Marinês Calori, Valéria Cano Bravi, Zélia Mon teiro, entre outros), sinto a força que ela tem em nós e para nós e concluo qu e, se acreditamos tanto neste trabalho, é fundamental qu e cuidemos de seu desenvolvimento.

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"A inconsciência é que gera a mediocridade" (Vianna, 2005, p. 35).

Este estudo é uma das contribuições que posso dar nesse sentido . Pois, ao longo do tem po, algumas qu estões foram se colocando e exigindo respostas como condição de continuidade e aprofundamento da prática.

u• • • ten ho que estar com os sentidos alertas. Senão minha dança se torna pura ginástica" (Vianna , 2005, p. 36) .

Buscava mo vimentos com as características do no vo, pleno de vida . Expressã o de cada corpo, num det erminado momento; dos recursos e da história deste corp o e não a repetição ou execução de satenta, que ele identificava com o forma desprovid a de verdade e vid a. Devido a ess a busca, ch egou a utilizar a improvisação em ce na, nos último s anos de sua vida .

2. Uma leitura do pensamento de Klauss Vianna Klauss era veemente ao defen der o que fazia como um "trabalho aberto", a ser desenvolvid o no corpo daqueles que o le vavam para a vida e para a arte. Não pretendia criar uma técnica fechada.' Se dizia "parteiro" das possibilidades do aluno. Aqu ele que propicia, dá ferramen tas para que o outro desenvolva algo cujas possibilidades j á traz em si. Parece que ele intuía que manter o trabalho abe rto é o que permitiria a permanência das suas idéias. De certa maneira, é o qu e acontece . Não há um modelo Klauss Vianna, um a estética determ in ada a priori, mas há corpos pe nsantes descobrindo sempre mais, a partir dos princípios de senvolvidos por ele. O movimento desses corpos, apesar de mo str ar uma unidade té cnica, guarda a sua individualidade.

Quando um a técnica artística não tem um sentido utilitário, se não me amadure ce nem me faz crescer, (...) se não facilita meu caminho em direção ao autoconhecimento - então não faço arte, mas apenas um arre medo de arte. (...) Conheço apenas a forma,' que é fria, estática e repetitiva e nunca me aventuro na grande viagem do movimento, que é vida e sempre tenta nos tirar do ciclo neurótico da repet ição (Vianna, 2005 , p. 72). ... a forma que, quand o preconcebida, é morta, estática, acomodada e impede o aprendizado, o aperfeiçoamento e a criação de novos gestos (Vianna, 2005, p. 105).

"O que im port a é lan çar as sementes no corpo de cada um, abrir espaço na mente e n os músculos. E esperar que as respostas surjam. Ou não" (Vianna, 1990: 131).

Ao longo do tempo, K1auss desenvolve u in struções para o desbloqueio das tensões musculares e articulares, qu e permitem colocar o corpo-men te em um estado de maior disponibilidade para o uso dos recursos de cada in divíduo. Ao mesmo tempo, as

No seu trabalho, a percep ção, a prontidão ou consciência enquanto aioareness' (estado de alerta) do corpo e de se us m ovim entos é vista como con dição fundam ental para a expressão.

com a informação. A conciousness é o saber da awareness . Sobre a questão da consciência em Klauss Vian na , ler a Dissert ação de Mestrado de Clélia Queiroz, Cartilha Desarrumada , 2001.

2. Klauss era arisco ao termo "técn ica", talvez porque o interpretasse como sinônimo de "vocabulário fecha do", com regras rígidas e fixas.

4. Klauss reconhe cia do is tipos de forma: aquela preconcebida, estática, repetitiva, que é o oposto do movimento, que é vivo; e aqu ela que é fruto do autoconhecim ento e dos espaços int ernos, que é viva , expressiva, qu e é o próprio movimento.

- 3. Awareness: palavra inglesa que significa consciência enquanto prontidão . Diferentemente de conciousness, é a experiência física, que lida com conteúdos diretamente acessíveis ; um estágio indispensável ao corpo para lidar

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instruções trabalhadas para o desbloqueio também são utilizadas para provocar e servir de caminho para a criação de movimentos. Os recursos técnicos não estão em fu n ção de um a determinada estética, mas a serviço da expressão de cada corpo. Alguns princípios sobre os quais estão baseadas as instruções podem ser enunciados desta maneira: • Autoconhecimento e autodomínio são necessários para a expressão pelo m ovim ento. • Sem atenção não há possibilidade de auto conhecimento e expressão. • É preciso b uscar estímulos que gerem conflitos e novas

musculaturas, para acessar o novo. • Das oposições nasce o movimento. • A repetição deve ser consciente e sensível. • A dança está de ntro de cada um . • O que im porta não é decorar passos, formas, mas aprender camin hos para a criação de movimentos. • Dança é vida . A seguir, os tópicos fund amentais de trabalho: • Apoios - os apoios do corpo na su a rela ção com a gravidade. Estes apo ios acontecem no ch ão, nos objetos sobre os quais o corpo se apóia e, ainda, no próprio corpo . Pode m se r pa ssivos - com o corpo ou parte dele pesando, cede ndo sobre algo ou sob re parte do próprio corpo - ou ativos, direcion ados, usando intencionalmente o peso do corpo direcionado pa ra uma superfície qu alquer de apoio. A configuração ou mapa dos apoios de um corpo, num dad o m om ento, reflete a distribu ição do peso e do esforç o na suste n tação dest e corpo .

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• Transferência de apoios - quando nos movemos, estamos sempre mudando a configuração dos apoios do nosso corpo . Nessa técnica, há a busca de permitir ao corpo conduzir as tran sferências de apoio, sem planejamento antecipado das mesmas, a partir de apoios ativos e de acordo com a orga nização da musculatura de um corpo, num determinado momento. Isso gera uma qualidade específica de movimento e permite a descoberta de novos caminhos internos, novos desenhos do movimento no espaço. • Resistência e oposição - podemos nos relacionar com os apoios de maneiras difer entes. Se nos abandonamos à gra vidade , podemos perceber o peso do corpo. Se direcionamos os apo ios a favor da gravidade, afundando-os, "empurrando" o solo , somos direcionados para cima. Em todas as direções que "empurramos", geramos uma reação em sentido oposto - terceira lei do Movimento de Newton ou Lei de ação e reação', que transmite o movimento pe la estrutura óssea e muscular. Usan do a resistência que o solo ofe rece ou que criamos com a musculatura na relação com o espaço, geramos vetores opostos que equi libram o corpo e acionam m ovimento. • Direcionamentos ósseos - a posição de cada osso det erm in a o tr abalh o da m uscula tura e vice-versa, e afeta todo

5. Este princípio fundamental da Mecâ nic a diz que, na natureza, não há ação isolada de um corp o sob re outro, m as ação entre corpos, denominada in teração. Isaac Newton formulou a hip ótese, confi rmada por inúmeras experiências, de qu e as forças que cons tituem um par ação-reação apr esentam a m esma intensidade. Desta form a podemos enunciar : se um cor po A apli ca uma for ça sob re outro corpo B, B aplica sobre A um a força de m esma intensidade, de mesma dir eção e em sentido contrá rio. Isso é verificável na atração magnética assim como na atração gra vitacional. Nen h um corpo se movimenta apli cando força a si m esm o. Precisa aplicar força em um outro corpo, e se m ovime nta graças à reação dessa força .

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o corpo, já q ue es te é um sist em a dinâm ico. Quando est a posição não é ade qu ad a ao bom fu n cionamento dos m úscul os, aco n tecem desar m oni as n o t ónu s" m uscular, com tensão excessiva de algu ns músculos e pouco trab alho de outros. Redirecionando os ossos à posi çã o adequ ad a, colocam os outros ou m ais músculos em ação para economizar esforço n a sustentação do alinhamento corporal e no m ovim en to. Cada direcionamento ósseo aciona m úscul os di ferentes e pod e provocar diferentes mo vimentos.

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As in struções usadas para a im plementação dos conteú dos dos tópicos de trabalho , entre outr as coisa s: •

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favorecem o desb loqueio das tensões limitadoras do movim ento;

• abrem os espaços in ternos, articulares e entre ossos e músculos ; • colocam m ais músculos em trabalho; • acionam músculos e intenções; • são res ponsáveis pelas intenções e pelas contra-intenções dos movimentos;

• Esp aço articular - estes esp aços internos são con seqü ên cia da oposição de for ças qu e sustentam, equilibram e m ovem o corpo e qu e, ali ad as a determinadas direçõe s ósse as, geram uma maior am plitu de de mo vimento articular.

• são estím ulos para a criação de m ovimentos. Klauss usava os termos "expressão" e "intenção" do movimento, algumas vezes, buscando o m esmo que, hoje, se denom ina "inform ação", qu e emerge em um m ovim ento. Con side rando que o corp o é um texto qu e estamos capacitados a ler, ele está sempre expressando algo, informando.

• Intenção e contra -inte nção - a intenção dá clareza ao mo vimento. Pod e conferir-lhe uma leitura de significado ou ap enas um a direção definida no espaço. O conceito de contra-intenção está baseado no de opo sição e no funcion amento dos músculos, envolvendo for ças e sentidos opostos. Todo m ovimento tem nele uma intenção e uma contra-intenção, em graus diferentes. As musculaturas agonista e antagonista trabalham em sinergia e sua ação env olve oposi ções . Se nos valermos desse fato e usarm os resistência ao nos mo vermos, damos sustentação e projeção ao movimento, além de ressaltarmos a intenção que emerge nele.

Outras vezes, trabalhava a intenção te cni camente, a partir do direcionamento dos ossos, de vetores de for ça, de opos ições. O resultado era um m ovimento bem delineado, "lim po", o que também abria espaço para a emergência da informação . É importan te compreender que, nos dois casos, estrutura e sentido estão relacionados intim am ente. Klauss relutou em sistematizar o seu trabalho. Gostava de afirmar qu e todo aquele que estudasse com ele transformaria o trabalho de acordo com sua experiência, colocando a sua individualidade em prática . Tinha ra zão . Não há como acontecer de outra ma ne ira . Mas isso não impede que o trabalho se sus te nte pela sua coerência, pe la eficácia e pe la perti nência do seu pensam ento e de sua prática, ainda nos dias de hoj e.

6. "T ón u s muscular é uma estado de ten são permanente dos músculos, que depende da elasticidade e das condições tróficas locais, bem como das conex ões ne rvo sas en volvidas ' (Tavare s, apud Miller, 2005, p. 75).

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Mas, deixava claro tamb ém , como diz em entrevist a organizada pela pesquisad ora Cássia Navas, no vídeo "Memó ria present e", produzido pela Prefeitura de São Paulo (1992), que ele era o criador e, como tal, deixava para os qu e vinham depois a preocupação com essa sistematização. Ini ciativa qu e foi tomada, por seu filho Rainer e por mim, na década de 1980.

3. Prática e questões - uma hipótese A Té cnica Klauss Vianna é aplicada na formação de atores e bailarinos e também pode ser usada por pessoas interessadas apenas em desenvolver maior consciência de seus movimentos , dissolver tensões, usufruir de maio r conforto e saúde corporal e recuperar o prazer de se mo ver. Estes diferentes públicos têm algum as necessidades comuns e outras específica s de sua própria realidade. Na busca de suprir essas necessidades, foram surgindo algumas questões . Essa técni ca sempre pareceu oferecer instrum entos para lidar com elas . É fácil perceber o quanto, apesar de ter sido desenvolvida num passado recente, aponta para muitas colocações de uma visão de mundo e de corpo absolutamente contemporâneas. Por isso, parece possível descobrir as relações existentes entre o pensamento de Klauss, algumas vezes predominantemente intuitivo (como sugere o seu próprio discurso), com as teorias mais novas sobre estas questões que se colocam. Ao encontrar as supostas relações haverá um enriquecimento da prática e, pro vavelmente, uma complexifica ção da própria técnica. Quando se trabalha com a expressão do corpo humano, depara-se sempre com a dificuldade de lidar com padrões posturais e de movimento limitadores, desenvolvidos ao longo da vida. O que vemos, freqüentemente, são corpos em que movimento e intenção se encontram dissociados. "O uso contínuo dos objetos e dos

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limites na nossa vida cotidiana impedem qualqu er observaçã o e qu alquer trab alh o m usc ular, qu e se torna mecâni co e inconsciente" (Vianna, 2005, p. 96). Desenvolvemos um a manei ra própri a de ser, de nos rela ciona rmos com o m undo e de n os m overmos. Tais habilidades são fruto da nossa predisposição genética e das nossas expe riê ncias. Acontece de m odo inevitável por que parece ser da natureza de nosso aparato bi ológico o desenvolvimento de um padrã o pe ssoal de mo vimento, qu e envolve diferentes experiências sens ório-motoras e cognitivas . Em princípio, é apenas esse pad rão o qu e n os distingue dos outros seres humanos. É a nossa m arc a, DNA + exp eriência, im pressos na nossa exp ressão no m undo. Isso nã o deve ser confu ndido com a no ção de corpo-produto. Som os seres flexíveis , pl ásti cos , m óveis. Nosso desenvolvim ento nunca termina; cada m omento/movimento é apenas o início de n ovas possibilidades. Nunca um m ovimento é igual a outro ; a cada expe riê n cia, tod os os fator es (sensorial, mo tor, cogn itivo , imagens m entais, estímulos externos) se combi n am de maneira diferente. Por qu e, então, ao menos em um ní vel macroscópi co de observação, os corpos parecem não se mover assim? O qu e vemos, a maior parte do tempo, é uma repetição de padrões, de gest os sociais, em corpos que parecem ter esquecido sua plasticidade e integridade. A singularidade de cada corpo é, muitas vezes, pouco evidente, quando se trata da investigação de mo vimentos. Muitas respostas corporais se estabilizam de tal maneira qu e, m esmo não condizendo com o momento presente, continuam a se impor como forma de estabelecer a relação com o ambiente. O neurocientista António Damásio (2000, p. 49) descre ve um mecanismo mental em que "usam os parte da mente como uma tela para impedir outra parte de perceber o qu e se passa em outro lugar. (...) usamos nossa mente para ocultar uma parte de nosso

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ser de outra parte de nosso ser". E o que é oculto com mais eficácia é o corpo. Para ele, o caráter vago e dificil de ser definido das emoções e dos sentimentos é, provavelmente, conseqüência desse fato. É uma indicação do quanto as imagens mentais baseadas em obje tos e eventos não pertencentes ao corpo mascaram a realidade. "... é dificil termos consciência da existência fisica, estarmos pre-

sentes: vivemos muito em relação ao passado, ou nos sonhos em relação ao futuro, mas somos incapazes de viver o momento presente a nível fisico" (Vianna, 2005, p. 136). Dam ásio usa a expressão "distração adaptativa" para justificar este mecanismo. Na maioria dos cas os, talvez seja mais van taj oso conce n trar os recu rsos da m en te nas imagens que descrevem problemas do mundo externo ou nas opções para sua solução, em vez de concen trá-los em nossos estados interiores. "No entanto, esse desvio de perspectiva em relação ao que está disponível em nossa mente tem seu custo. Tende a impedir a percepção da possível origem e natureza do que denom inamos self" (Damásio, 2000, p. 50). Esse m ecani sm o, ao velar a percep ção do corpo, provoca também uma limitação na qu antidad e e na qualidade das re spostas motoras às circu nstâncias e, conseqüe n te mente, a recorrência de fórm ula s já testad as e estabilizadas. Na busca da alte ração desses padrões limitantes e da ampliação de sua possibilidade de expressão, os artistas têm tentado descobrir caminhos para o que se costuma chamar de movimento natural, interior, orgânico, int egrado... Tais rótulos, evidentemente, necessitam de aj uste s. Como falar em natural, como algo preser vado do fluxo in estancável de infor m ações do ambiente? Ou

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de um interior isolado do exterior? Onde este interior estaria localizado, como se manteria ileso? nata-se de encontrar a chave para dar ignição à exploração de uma plasticidade que já faz parte da nossa estrutura de seres humanos. Ela está fundamentada na maneira como se interrelacionam os sistemas do corpo via redes neuronais de conexão, inclusive o sistema sensório-motor. A com unicação se faz em todos os sentidos. Um exemplo da possibilidade dessas conexões é o seguinte exercício": executar alguns movimentos propostos pe lo professor, trabalh ando as qualidades de expansão e concentração; che ira r u ma flor; volta r a exec utar os mesmos movimentos , usando a se nsação e a percepção dos movimentos internos; cheirar um limão; execu tar os movimentos n ovam ente, usando a sensação e a percepção dos movimentos internos. Torna-se ev idente que a pe rce pção do odor entrando pe las nari nas, ocu pando espaços, facilita a percepção da presença e a abertura dos espaços in tern os no resto do corpo. Os diferen tes odores pr ovocam também difere n tes características no movimento sutil, int erno ao corpo, o qu e vai alte rar a qualidade do m ovime nto externo. Acontece a conexão de um estímulo se nsorial (o odor) com uma reação m otor a (abert ura do espaço interno e altera ção na qualidade do m ovimento). O resultado é verificáve l por outra pessoa pela sua manifestação no m ovimento exte rno. 7. Vivenciei este exercício, no an o de 2000, em um curso mi nistrad o por Toshiyuki Tanaka, que, atualmente, é profes sor do Curso de Comunicação das Artes do Corpo, da PUC-SE O citado exercí cio faz parte do Seitai-ho, conjunto de técnicas elabo radas por Harutika Noguti, no início do século XX, no Japão .

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Na hipótese da s metáforas prim árias e com plexas , desenvolvida pelos filósofos e lingüistas Mark J ohnson e Georg e Lakoff, durante a década de 1980 e j á publicada em vári os livros (1986, 1999), os domínios motor, sensorial e cognitivo se de senvolvem, no início da vida, de maneira interli gada, por ativações n eurais sim ultâneas e assim se mantêm. Para um a criança pequena, as exp eriências subjetivas estão tão fundidas com as experiências sensório-motoras, qu e ela não as distingue. A expressão "abraço cal oroso" é uma metáfor a primária. Ela é conc eitu al e imediata e acontece via red e n euronal. Nela os dois domíni os são experienciado s sem separaçã o. Com o desenvolvimento, a distinção começa a aconte cer, mas as associações cruzadas entre os domínios se m antêm. A m etáfora primária pode ser com parada a átomos que pod em, juntos, formar moléculas - as m etáforas com plexas. Na m etáfora complexa, diferentes campos con ceitu ais podem ser ati vados simultaneamente e, sob certas condições, conexões podem se formar, levan do a no vas in fer ên cias. A informação vem do sensório-mo tor ao conceitual e depois volta ao sensório-motor, transformando-o. Um exemplo é a expressão "o amor é quente", qu e fala da exp eriência que tivemos ao sentir o calor do corpo de n ossa mãe e do fato de a relacionarmos posteriormente ao sentimento de amor. São as metáforas qu e compõem nosso julgamento subjetivo, nossa re la ção com o mundo. Fazemos julgamentos subjetivos sobre coisas tão abstratas quanto importância, similaridade, dificuldade e moralidade, e temos experiências subjeti vas de desejo , afeição, intimidade e realização . Mas, ainda que estas experiências sejam muito ricas, muito do modo em que as conceitualizamos, raciocinamos sobre elas, e as visualizamos vem de outros domínios de experiência. Estes outros domínios são principalmente sensório-motores, como quan -

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do conceitualizamos entend endo uma idéia (experiê ncia subje tiva) em termos de pegar um objeto (experiên cia sensório-motora) e falham os em compreender uma idéia como se ela passasse reto por nós ou sobre nossas cabeças. O mecanismo cognitivo para tais conceitualizações é a metáfora conceitual, que nos permite usar a lógica física de pegar para raciocinar sobre a compreensão (Lakoff e Johnson, 1999, p. 45). Mesmo sab endo que o sist ema sensório-motor tem maior capa cidade de fazer conexões inferenciais, e ser, portanto, m ais comumente o domín io-fonte, também pod emos acessar o m otor pel o conceitual. É o caso da situação em que conseguimos utilizar o con ceito de espaço externo para ac es sar a sensação da exist ência de espaços internos ao nosso corpo. Mesmo assim, sabemos qu e a no çã o de espaço exter n o foi também co n struída, inicialmente, p el a experiênc ia sensório-m otor a. KIauss percebia o resultado destas correlações fundamentais no movimento e, com o conseqüência, via a estrutura corporal e o seu modo de funcionamento como a base para o trabalho da expressividade in dividu al. Observei, de início, a posição do dedo anula r nas pin turas renascentistas e fiquei fascinado com a rela ção entre esses desenh os e a postura exigida para as mãos no balé: em ambos os casos, a cert eza de que o movimento parte de dentro e não pode, jamais, ser apenas forma. Vejamos: quando você aperta o dedo anular para dentro sente todo o braço reagir e é por isso que a mão tem essa postura no balé clássico. O problema é qu e professores e bailarinos repetem apenas a forma e isso não leva a nada. O processo deveria ser o oposto : a forma surgir como conseqüência do trabalho (Vianna, 2005, p. 28) .

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A forma compreendida como fim em si mesma aparece desprovida dos impulsos internos que a provocaram originalmente, desconectada da totalidade que é o corpo. Ela deve ter uma razão de ser no corpo que a executa. E por "razão de ser" não se deve limitar a compreensão a uma estória, uma emoção . Trata-se da necessidade que acarretou o movimento, da musculatura que o executa, das im agen s mentais e sen sações que emergem como fatores constitutivos do movimento. Se o trab alh o corporal não leva em conta a necessidade que es tá n a raiz d o m ovim en to, acarreta um alheiamento e m r el ação aos seus im pulsos in iciais e ao s que se apre sen tam a ca da execução . Assim, a for m a final do m ovimento deve co n te r a perce pç ão daquilo que o provocou e tudo o m ai s que o tran sforma a cada m omento. Dessa m aneira, ele vem carre gado da in te gralida de do corpo.

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Há uma ressonância desta in tuição de K1auss nos estudos de Marjorie Garber" (1997), que localiza, metaforicamente, as emoções nas articulações. Segundo este autor, as articulações permitem a articulação dos movimentos e das idéias no corpo, gerando expressão. A sintaxe do movimento se faz via articulações e gera a semântica. Seguindo o pensamento de Klauss, conclui-se que, se acessamos os espaços in tern os, aumentamos nossas possibilidades expressivas através das conexões entre os sistemas conceitual e se nsório-motor. Porque, ao m odificar o estado da articulação, estamos mudando os músculos que usamos para um determinado movime nto. E, ao u sar outros músculos, acessamos outros aspectos da n ossa memória, ligados a eles. Assim sendo, estru tura e significado, sintaxe e semântica caminham juntos. Quando Kla uss dizia que n ão se devia repetir as ações coti-

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form a, repito, é conseqüência: são os espaços intern os qu e decriar o movimento de cada um (Vianna, 2005, p. 36) .

vem

dianas sempre do mesmo jeito, não se devia dor m ir sempre no mesmo lugar, fazer os mesmos caminhos, estava falando da vontade d e alterar o funcionamento automático do dia-a-dia, que

E explica: Os espaços correspondem às diversas articulações do corpo, onde é possivel localizar importantes fluxos energéticos e onde se inserem os vár ios grupos musculares. No seu sentido mais am plo, a idéia de espaço corpo ral está intimamente ligada à idéia de respiração... Em linguagem corporal, fechar, calc ificar e en durecer são sinônimos de asfixia, degen era ção, este rilidade. Respirar, ao contrário, significa abrir, dar espaço . Portanto , subt rair os espaços corporais é o mesm o que imp edir a respiração, bloqueand o o ritmo livre e natural dos movimentos. Imagem mu ito forte de nossa emoção, a respiração representa nossa troca com o mundo. (...) A respiração abre espaço para percebermos mus culaturas mais profundas que, simbolicamente, chamaremos musculaturas da emoção. (Vianna, 2005, p. 70).

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nos l eva à repetição desatenta d os padrões. Seu objetivo era abrir espaço para o novo . Estava chamando a atenção também para a m udança de musculatura. Ou seja, a partir de suas pesquisas, outros músculos significam outras possibilidades de movimento. "Mudar de local de refeição e de dormir dentro da própria casa são estím ulos que geram conflitos e novas musculaturas dentro do nosso cotidiano : espaços novos, mu sculatu ra nova, visão nova" (Vianna, 2005, p . 96) .

8. Marj orie Garbe r é o pseudônimo de um pr ofessor de Harvard, na área de Estudos Culturais e Literatura.

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Quando o artista propõe olhares diferentes para a realidade do corpo, é a expressão criativa que ele está buscando. Quando os criadores vão buscar inspiração nos povos primitivos e nas pessoas portadoras de alguma alteração da normalidade, é este olhar diferente que se quer entender e tom ar como exemplo. Trata-se de buscar um estado corporal de dispo nibilidade e presença que possibilite a expressão daquele corpo, naquele momento. Um estado que mantenha a possibilidade de articulação, das próprias articulações e de se us acionamentos neuro-muscular es. Para a Técnica KIauss Vianna, no próprio corpo estão os m eios. A partir de um estím ulo dado ao sistem a motor, neste trânsito de conexões internas ao corpo e corpo-ambiente, n um dado m om ento, podemos provocar a emergência de im agens, sensações, emo ções da história de um determinado corpo, que podem, por sua vez, alimentar novament e o processo todo. Na realidade, as cone xões acontecem em todos os sentidos e, com as ign ições adequadas, o corpo produz os movimentos num fluxo, integrando todos os aspectos do corpo-mente. Estas imagens ou sensações não são necessariamente "lidas" por qu em vê estes m ovim entos, nem é este o obje tivo. Elas são importantes para o in térprete e não são sempre conscie ntes. Apesar disso, os movimentos gerados contam inam, conectam com o corpo que vê, da maneira como aquele corpo pode responder, naqu ele dado m omento. Reconhecemos m ovimen tos, estados, emoçõ es não porque fazem part e de um código, mas porque tem os o mesmo ap arato fisiológico para lidar com eles. Além disso, corpo e cultura estão intimamente ligados. Tanto a constituição fisica e a maneira de fun cionar do corpo influencia a expressão cultural, quanto as m anifestações culturais são capazes de gerar respostas fisicas, nu ma relação de int erdependência e troca. A pesquisa de KIauss tinha como proposição algo qu e vem se ndo investigado nos últimos vinte anos pelas ciências cogniti-

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vasoEle não buscava diretamente a emoção ou os conceitos, mas, na sua compreensão do corpo como um a unidade, sabia que, acionando o sensório-motor, estaria acionando tem as conceituais e emocionais. As inten ções", decorrentes destes temas, fazem parte do movimento. Diante des tas considerações, a hipótese estudada neste livro é que as instruções trabalhadas na Técnica KIauss Vianna: • funcionam como ignição para o movimento; • são eficazes à flexibilização dos padrões posturais e de movimento; • estimulam a percepção dos diferentes estados corporais e a disponibilidade para o movimento novo, produto de um corpo, num dado momento, em conexão com o ambiente; • podem promover o acesso a novas conexões neurais, que resultam no movimento, que é sempre expressivo, quer dizer, traz uma informação. Ou seja, transformam a sintaxe corporal na semântica do movimento; • treinam a retomada de um movimento por ou tro corpo ou pelo mesmo corpo, em outro momento, sem perda da expressividade individual.

4. Uma releitura O discu rso de KIauss munia-se da visão de m undo corrente em su a época qu e, em muitos casos, é pertin ente até h oje. Avan-

9. As intenções são u ma qu alid ade de informação. Mas, como explicarei m ais adiante, Klauss usava es te termo como sinônimo de informação. De acordo com se u pensam ento, tod a informação qu e emerge n o m ovim ento, seja inte ncionalme nte ou não, é uma inte nção .

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m entais no processo de evolu ção do sist ema nervoso humano, assim como a relação da m en te com o corpo.

ços já foram feitos, desd e então, em m uitas áreas, e aqueles referentes ao ente ndime nto de como se processam a cognição e a percep ção são particul armente importantes . Sua práti ca se mantém atual e de acordo com as in vestigações mais recentes da dan ça e das ciências conte m porâneas. Assim, baseando-se n a prática , é possível reler o discurso sem alterar n enhum ponto fundam ental. É a minha intenção n este livro: pensa r algumas questõ es importantes do trabalho de Klauss, à lu z da su a práti ca e dos es tudos contemporâneos sobre o corpo e a com unicação corpor al.

A compreensão dessas faculda des humanas, nos moldes propostos por Edelm an, joga lu z sobre os ca mi nhos traçad os por Klau ss. liA evolu ção está em todo lu gar e a dan ça nã o escapa des ta lei" (Vianna , 2005, p. 82).

Para facilitar o estudo, os tópico s levantad os na hipótese foram agrupados em dois eixos fundam entais, focando uma característica central do trabalh o: a noção de que no m odo de funcionamento do corpo está a possibilida de de exp ressão . Para tanto, são aplicadas linhas de pesquisa qu e estudam os processos de comunicação qu e emergem do movim ento. Na lingua gem da Técnica Klauss Vianna, os dois eixos são: • A questão do desbloqueio das ten sões limitadoras do movime nto, para o acesso ao movim ento novo, vivo, expressivo. • A qu estão das intenções dos movimentos. Relendo estas idéias à luz dessas linhas de pesquisa, pode-se dizer: • A questão da flexibilização do padrão pessoal de movimento. • A questão da informação que emerge no movimento. Para tratar estes dois assuntos, pretendo lançar mão de alguns estudos do neu rologista Gerald Edel man. Sua Teoria da Seleção do Grupo Neuronal - TNGS - permite compreender o fimcionamento do sistema cerebral, de faculdades tais como memória e consciência, explicar o surgimento da m ente e das funções

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Capitulo Dois

Estabilidade e instabilidade "De fato, a chave para a autonom ia é qu e um siste ma vivo acha seu caminho par a o próximo momento agindo apro pri ada me n te por se us próp rios recu rsos". Francisco

J.

Varela

1. Dinâmica do cérebro e do movimento Na prática de m ovim ento da Técnica Klauss Vianna, não se pensa o movimento pe la sua forma espacial, ou, melhor, o desenho espacial é conseqüência do caminho qu e esse m ovim ento traça internam ente, no corpo. Também não se trabalha para uma aquisição de vocabulário de m ovimentos, mas para desenvolver possibilidades de conexões geradoras de movimento. Mesmo quando movimentos são "repetidos", eles são trabalh ados a part ir das instruções utilizad as para criá- los . Trabalha-se no nível básico, estrutural, provocando o mo vimento a partir da direção dos ossos ,

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para atingir a musculatura, deixando à estrutura do corpo, naquele momento, a "decisão" do caminho a tomar para a execução do movimento que resultará no desenho espaço-temporal. Nesse caminho, então, as estruturas sensoriais e motoras estão, todo o tempo, se combinando e gerando movimento, alimentadas pelas informações do ambiente e dos outros corpos, ou seja, do Umuielt' daquele corpo , naquele momento. Desta maneira, atua-se de acordo com o modo de organização do sistema corpo. Uma das ignições para o movimento usadas por Klauss é o acionamento do direcionamento ósseo. Ele observou que os ossos, como são mantidos em posição e movimentados pelos músculos, também podem acioná-los. Pode-se executar um movimento a partir do direcionamento de um osso ou de ossos. E os músculos acionados variam de acordo com o direcionamento do osso. Direcionados de maneiras específicas, os ossos garantem a manutenção dos espaços articulares, permitindo uma movimentação mais ampla das articulações. Além disso, posicionam o corpo no eixo estático mais adequado para uma boa sustentação, com distribuição equilibrada do esforço muscular e dos apoios, o que contribui para a prontidão para o movimento. Trabalhando esses direcionamentos, consegue-se dissolver boa parte das tensões existentes no corpo, muitas vezes causadas pelo uso constante de um determinado padrão postural, que leva a determinados apoios que, sendo sempre repetidos, tensionam a musculatura, dificultando a passagem do movimento e, assim, diminuindo as possibilidades de movimentação. Redirecionando os ossos, desbloqueia-se, abre-se espaços e possibilidades de movimento, acionando outros músculos. 1. Palavra cunhada por Jakob von Uéxkull, biólogo alemão, na década de 1930, para significar o universo subjetivo, interno, que permite que o individuo não se confunda com o mundo exterior, mas que inclui uma visão de mundo decorrente do processo evolutivo . É um centro de resistência.

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Toda ve z que o cor po direciona um osso, acionam-se músculos, qu e movem outros ossos, numa reaçã o em cadeia, que não se provoca voluntariamente, mas que é resultado de como ossos e músculos estão organizados naquele determinado corpo . Esse processo deixa muito espaço para conexões do momento presente e pretende provocá-las. Ele envol ve , sem dú vida, não só os aspectos motores, mas todas as conexões qu e acontecem no sistema nervoso, incluindo os aspectos sensorial e cognitivo, a produção de memória e imagens mentais. É importante destacar que não se faz nenhuma separação entre o corpo e as facul dades mentais. O neurologista Gerald Edelman (1992, p. 3-30) explica, detalhadamente, a participação do movimento no funcionamento do cérebro e da mente. O movimento é produto das ações cerebrais e também componente para outras conexões. Segundo Charles Darwin/ (1809-1882), a mente e a consciência humana surgem com a evolução, por seleção natural, devido à necessidade de adaptação. Edelman completa afirmando que, para compreender o surgimento da mente, a b iologia é tão importante quanto os fatos da evolução. Para ele , o estudo da biologia é central quando se trata de tentar explicar mente, consciência e a relação mente-cérebro sem dualismos de qualquer espécie. Edelman relaciona ainda estrutura e função, colocando a intencionalidade no jogo, pois nós somos seres vivos , biológicos e intencionais. E explica as conexões entre forma e mente com uma teoria do cérebro que é consistente com a evolução e o desenvolvimento específico do sistema nervoso. Segundo ele, o aparecimento de células nervosas não parece ser o suficiente para a erner-

2. Naturalista, fundador da teoria evolucionária moderna, escreveu A origem das espécies (1859), livro que constituiu um marco na história da biologia e no qual lançou suas idéias sobre a seleção natural e a teoria da evolução.

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gênc ia do m ental. A mínima con dição pa ra o men tal é uma form a específica de morfologia e seu funcionamento. A base fundamental para todo com port am ento e para a emergência da m ente é a m orfologia do animal e das espécies e como ela fun ciona. O corpo do animal é tã o importante para o fun cionamento e a evo luç ão do seu cérebro qu anto a forma e o funcioname nto do cérebro para o com portamento do corpo. "A real con stituição da anato m ia cerebra l depende de m ús culos agindo sobre ossos , n ervos agindo sobre pel e, em um a ordem determinada, e ass im por diante - qu er dizer, depende do resto do fenótipo" (Ede lman, 1992, p. 52). Para William James (apud Edelman, 1992: 6), a mente é um pr ocess o e n ão uma coisa . Ela é pessoal e reflete intencionalidade. Nesse m esmo sentido, a posição fundamental de Edelman é que a m ente é um tipo especial de processo que depende de arranjo s especiais da mat éria. É intencio nal, mas surge das interações da m atéria cereb ral n ão intencion al. A própria mat éria nasce de processos de troca de ene rgia . Ela também é process o. E os pro ces sos mentais surgem do trabalho de sistemas cerebrais enorme mente intrincados, em vários ní veis de organização , que estão intim am ente relacionados com as outras funções corporais, principalmente o movimento. (...) vemos qu e organismo s bi ológi cos (es pe cifica me n te animais) são os seres que parecem ter mentes . Assim, é natural levantar a hipótese de que um tipo particular de organização biol ógica in cre menta proces so s mentais. Ob viamente, então, para continuar o assunto cientificamente, é preciso chegar a saber como o cérebro é organizado (Edelman, 1992, p . 7).

Pensadores como René Descartes (1596-1650) propuseram a idéia de uma substância pensante que toda matéria compartilha

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em consci ência. Mais recentemente, o cientista cognitivo David Chalmers (1993) qu estiona a existê ncia de u m "algo a mais", qu e nã o está re strito à exp eriência fisica e é responsável pela consciê n cia. Mas, não h á nada na composi ção essen cial do cérebro qu e possa n os informar sobre a natureza da s propried ad es m entais . O qu e é essencial é como a m ente é organ izada . O qu e no s dá a primeira in formação do qu e torna o cérebro tão especial que n os faz esperar que possa gerar as pr opriedad es m en tais é a sua extraordinária capacida de de conexão. O n úmero alto e a surpreendente densid ad e das redes n eurais não são as únicas propriedades sin gulare s do tecido cerebral. Uma propriedad e ainda mais notáve l é o m od o como as células cerebrais estão arranjadas em pad rões fu n cionais. Os n eurônios, célul as ce reb rais, são inusitad os em três aspectos: su a forma variad a, sua função elétrica e química e sua conectivida de . Eles se co necta m entre eles e se organizam em núcleos, lâminas e m apas. E o m eio de com un icação entre eles é a sinap se . Essas conexõ es não sã o precisament e es pe cifica d as anteriormente nos genes . Elas se fazem na relação din âmica da evolução do embrião. A rede do cé rebro é criada pelo mo vimento celular durante o desenvolv imen to e pela extensão e con exão de um sempre cr escente número de n eurônios. O cérebro é um exemplo de um sistema auto-organizativo. Os m apas neurais são únicos em cada indivíduo. E nã o são fixos; há flutuações, ao longo do tempo, em algumas áreas do cérebro. A variabilidade dos mapas neurais em animais adultos depende de sin ais de input eficazes. Esta variab ilidade não é discreta ou com algumas possibilidades apenas, mas contínua, finamente detalhada e abrangente. Essas características do cérebro, de auto-organização e de variabilidade ao longo do tempo, explicam sua morfologia evolucio-

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nária, que lh e é particular, diferente de tudo o mais, e in terage em muitos níveis, do átomo ao músculo. "Sería um erro, então, ígnorar o resto do corpo, porque há um a íntima relação entre as fun ções animais (prí n cípalm ente o movimento) e o desenvolvimento do cérebro" (Edelman, 1992: 7). Os arranjos dinâmicos do cérebro mostram a propriedade de memória do siste ma: mudanças prévias alteram mudanças su cessivas de modos específic os e especiais. Trata-se de conexões neurais sucessivas e simultâneas, gerando movimento, que gera sensação e percepção, que geram mais movimento, e assim por dian te. Apesar dessa orga nização dinâm ica se r r esu ltado de um a aç ão eletroquímica específica, o qu e cria os processos mentais não é a sua composição, e, sim, o arranjo dinâmico destas substâncias cerebrais. Isso é morfologia dinâmica em todos os níveis. O fun cionamento do cérebro im plica em m ovi m ento e conexão, está abe rto para a variedade e para as mudanças, qu e não sã o consideradas erros e, sim, fonte de diversidade. O desen volvimento auto-organizado e constante do cérebro está ligado e de pe nde da relação com o m eio e com o organismo tod o. Essa relação se faz através de glân dulas e músculos, atualizando a todo m omento se nsações, percepções e m ovim entos. Para a bi ologia, a variação é real e n ão é um erro. A variação in dividual é a fon te de diversidad e sobre a qu al a seleçã o natural age para produzir diferentes tipos de organ is mo . Ed elman diz qu e a pr óp ria evolução é um gerad or de diversidade. A se leção não só ga ra n te um pad r ão comu m em uma es pécie, m as tamb ém resulta em di versid ade individual a o n ível da m ai s fina red e neuronal. Ela faz parte do nosso organismo em todos os ní veis e resulta da n atureza dinâmica dos eventos top obi ológicos, no cé rebro .

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A existência da diversidade em termos individuais é, aparentemente, uma das mais importantes caracteristicas da morfologia que dá nascimento à mente no processo de evolução. A ê nfase dada p or Ed el m an aos aspectos di nâmicos da morfologia cerebral como geradores da mente ajuda a esclarecer o pensamento de Klauss sobre o m ovim en to. O movimento faz parte do funcionamento do cérebro, desde os níve is mais baixos de descrição - n a form ação das célu las , n a ação das sinapses, no desenvolvimento e na ação de loops e mapas - até o movimento do corpo no espaço, que é gerado por esse funcionamento cerebral e o realimenta através de inputs vindos do mun do exte rior e do próprio organ ismo. Assim, como parte fundamental do processo de auto-organização do cérebro, o movimento, em todos os níveis, participa desta dinâmica e compartilha caracteristicas como a variabilidade, a diversidade , a própria au to-organ ização, a co nexão com os meios interno e externo, a evolução constante e dinâm ica . Estas características, apesar de constituintes e indepen de ntes da vontade, precisam ser levadas em conta quando buscam-se in struções qu e sirvam de ign ição para o m ovimento. Qu an do a m eta é dar espaço para a sua m anifest ação e usá-las co mo m aterial de trabalho, é n ecessário encontrar a igniçã o adequada , caso contrário diminuímos o alcance das propriedades de comu nicação do movimento. Quando Klauss propunha um a in strução com o um direcionamento ósseo específico, b u scava deixar à orga niz ação corporal a construção dos movimentos e apostava qu e, com isso, estaria conseguindo provocar m ovim entos m enos codifica dos ou pad ronizados. Acredita va qu e o corp o ao ser deixado dispon ível p ara se mover, a partir de instruções ad equadas, pod eria acessar a m emória e fazer emergir in ten ções e sign ificados, independentemente

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da vontade ou n ão . Buscava a diversidad e na peculiaridad e, portanto, na orga n ização corporal, de cada intérprete. "O comportamento do siste ma nervoso é, de algum modo, autogerado em loops; a atividade do cérebro leva ao movimento, que leva a sensações e percepção posteriores e ainda a movimen to, mais adiante" (Edelman, 1992:29). Dessa forma pod e-se descrever como as instruções propostas por Klau ss age m no corpo.

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os padrões de normalidade, ou seja, de acordo com a exist ência ou não de ris co para a pe rmanên cia do organi smo . Na evolução , a unidade principal da sel eção é o animal ind ividu al, o fenótipo. Qu er dizer, o que gera a seleção de um traço genético mais adaptativo não é a sua ap arição em forma de alteração nos genes, mas a caracteristica que ap arece no in divíduo e que promove sua melhor adaptação ao meio. A partir daí, este traço será tra nsmi tid o geneticamente. "É claro que os genes não são diretamente visiveis para a seleção.

Obviamente, eles são sele cionados em virtude de seus efe itos

2. Aemergência da novidade Um conceito im port ante para compre ender o funcionam ento da m ente é o do reconhe cim ento. Por se trat ar de um m ecanism o qu e op er a por seleção , no con tato com a n ovidade, será útil n a com preensão do processo de cr iação de mo vimentos. Reconhecimento é o contin u o ajuste adaptativo de elementos de u m domíni o fisico à no vidade qu e oco rr e em ele men tos de outro domín io fisico, mais ou menos independente. Esse aju ste ocorre sem instru ção prévia e n ão se dá por transferência explícita de in formação entre o m eio e os organismos, mas por se leção. Da mesma man eira, a evoluç ão não opera por instru ção e sim por seleção. E não há um pro pó sito geral ou causa fina l. A evolu ção, agin do por seleção, em pop ulações de indivíduos por um lon go período de tempo, faz n ascer sist emas seleti vos n o interior dos in divíduos. Um exemplo é o sist ema im u n ológico , qu e tem m emória e capacidade de reconhecim ento mo lecular. No sistema imunológico, a unidade de seleção é o linfócito , a célula individ ual. O sistema reconhece e seleciona de aco rdo com

fenotípicos e, certamente, eles só podem ser considerados como tendo efeitos fenotípicos em concerto com centenas de outros gens'" (Dawkins, 1982, p. 11 7). O sistema imunológico e o evoluc ionário lidam com a no vidade p or p ri n cípios se letivos similares, mas co m mecanismos muito diferentes. O cérebro, como estes dois sistemas, também é u m sistema seletivo de reconhecimento que não opera por instrução. Os estudos do desen volvim en to sugerem que a extraordinária diversidade anatômica, nas m ais fin as rami ficações da s redes neuronais é uma in evitável conseqüência do processo embriológico. Esse n ível de diversidad e in dividual n ão pode ser tolerado em um sistema de com puta dor que segue inst ru ções. Mas isso é exatamente o que é n ecessário n um sistema seletivo. A seleção lida com a diversidade interna ao sistema e com a no vidade exte rn a a ele . Necessita de u m a con stância ou m em ória dos even tos seletivos, m as também introdu z a variaç ão .

3. Grifo do autor, Richard Dawkin s.

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Segundo Edelman, a unidade de seleção para o cérebro não é a cé lula nervosa individ ual, mas, de pr eferência, uma coleção de cé lulas conectadas fort em ente, chamada grupo neuronal, devido ao fat o qu e o neurônio in divid ual não exibe qualidades que ele exibe dentro do grupo. A ên fase, no funcion am ento do cé rebro, es tá na propried ad e de co nexão. Ede lman, ao fala r do funcio namento do cérebro e de sses prin cipios que comandam o corpo e a evolução, ressalta a existência e a pa rticipação da novidade e da diversidade. São fatores com os q uais lidamos continuamente. Fazem parte do n osso funcionamento , ta nto que n ecessitamos deles para evoluir. As respostas n ão estão prontas, são co ns truídas ao longo do caminho, n o tempoes paço, por processos de se leção e de co nexão. Por analog ia, p od emos usar o co nce ito de reconhe cimento para explica r como se lid a com o que acontece no corpo dura nte uma pesquisa de movimentos. No caso da Técnica Klauss Vian na o material de trabalho não é constituído de movimentos pré-existentes, codificados, m as de instruções destinadas à geração do m ovimento. Não temos propostas prontas em forma de movimento , . mas m ovim entos const ru ídos ao long o da expe rimen tação, n o temp o-espaço, por processos de esc olha con scie n te s e in conscientes. Essas escolhas não es tão evide ntes, e não são trabalhadas ape nas na forma externa do movimento no es paço, m as também e, princip almente, nas conexões que acontecem n o sist ema n euro ósseo-m uscular, na relaçã o com o ambiente, e qu e resultam n o movimento . A informação ve icu la da pel o movimento emerge das escolhas de caminh os internos e das conexões en tre o corpo e o a mbiente, no inst ante da execu çã o do mo vimento. Por exemplo, quando trabalhamos transferências de apoio para a criação de m ovim entos, acionamos um primeiro apoio direcionando-o ativamente contra o solo. Isso ac ionará alguns músc ulos , b gerando um m ovimento que altera a configuração do s apo ios de

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acordo com a organização da musculatura do corpo em questão. O próprio corpo ressalta um novo apoio, o que le va a outro movimento e n ova co nfi gu ração de apo ios, e ass im por diante. As escolh as vão se ndo feita s a partir do m ovimento e dos apoios ind icados pel o corpo, num co ntín u o. Escolh e-se quais apoios usar, a intensidade e a di re ção em que os di recionam os, a cada m omen to, seguindo os caminhos traçados pel o corpo, as sensações e im agens que emergem, em conexão com o ambiente. Dessa maneira, estam os sempre construindo cada movimento, lidando com o que o corpo produz, conscientemente ou não, em conexão com os estímulos in ternos e externos. Acreditamos que, desta forma, propicia mos o surgimento n ão só de m ovim entos j á organizados p or aqu ele corp o, r efres cados pel as circunstâncias do m om ento, m as também de novos mo vimentos. Ao trabalhar com o mo do de funcionamento do corpo, se está sujeito às mesmas leis da seleção natural. Assim, a b usca da no vidade é facilitada pelo próprio funcionamento d o corpo. E a diversidade existente em cada organismo, visto aqui como um sistema, pe rm ite a organização e a expressão da individualidade.

3. ATNGS: os processos seletivosdos padrões Se afir mamos que as funções cerebrais são construídas d e aco rdo com u m pro cesso de sel eção, precisam os sab er conciliar a variab ilidade es trutural e fu n cional do cérebro com a necessidade de explicar co mo ele real iza a categorização, que lida com o reconhecimento do conhecido, com padrão, com generalização. Para tanto , Ede lman diz ser n ecessária uma teoria que esteja de acordo com os fatos da evo lução e do desenvolvimento; explique a natureza adaptativa das respostas à n ovidade; mostre com o as funções ce re b rais estão ligadas às do corpo de acor do com as próprias

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mudanças do corpo , com o crescimento e a experiência; descreva a existência e as fun ções dos m ap as n o cérebro, porque eles flutu am , como m apas m últiplos levam a respostas in tegrad as e como ele s levam a generalizações de respostas perceptuais, na categorização, m esmo n a ausência de lingu agem . Com este objetivo, Edelman propôs a Teoria da Seleção do Grupo Neuronal - TNGS. Uma teoria complexa, baseada em três princíp ios que exp licam de que modo a anato mia do cérebro é primeiro at ivada durante o desenvolvim ento; de qu e forma padrões de resposta são então se lec ionados a partir des ta anatomia, dur ante a experiênc ia; e como a reentrada, um processo de sinalizaçã o e ntre os m apas res ulta ntes n o cérebro, provoca im portantes funç ões de com portamento . De acordo com o primeiro prin cípi o, a se leção de desenvolvimento , o processo dinâmico primário do desenvo lvimento leva à form ação da neuroanatomia característica de uma determinada espécie, que possui enorme variação nos se us mais finos ní veis e ramificações. Resu lta em uma população de grupos var iados de neurôn ios em uma determin ada região cereb ral, com preen de n do redes n eu rais formad as por proces sos de se leção so mática, conh ecida como um repertório primário . O código ge nét ico não provê um diagrama de con exões específico pa ra este repertório, m as im põe um conj un to de reg ras ao process o de seleção. Mesmo com esses limit es, indivíd uos ge ne tic amente idênticos n ão possu em redes de conexão idênticas, porque a se leção é epigené tica' O segu n do princípi o provê um outro mecanismo de se le ção que, em geral, não envo lve uma alt er ação no padrão anatô mico.

4 . Epigenética - qualidade da seleção natural que provê um desenvolvimento gradual, na troca com o ambiente, sem alteração do conjunto de regras do código genético, fazendo com que, mesmo indivíduos geneticamente idênticos, exibam variedade nas redes de conexões.

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Afirma que, durante o comportamento, conexões sinápticas na anatomia são seletivamente fortalecidas ou enfraquecidas por processos bioquímicos específicos. Esse mecanismo, que fun da menta a m emória e várias outras fun ções, efetivamen te esculpe um a variedade de circuitos (com sinapses fortalec idas) a partir da rede anatômica, por seleção. Este conjunto de circuitos funcio nais variáveis é chamado repertório secundário. Os mecanismos dos dois primeiros princípios estão in terligados . Em alguns momentos e locais, a formação do repertório primário depende da mudança de forças sinápticas como nos ajustes "dependentes de atividade" das conexões. Mesmo num cérebro h u mano desenvolvid o, n ovos processos n eurais p ode m for m ar sin apses adicion ais. O terceiro princípio exp lica como os m apas cerebra is in teragem por um processo chamado reentrada. É talvez a mais importante das propostas desta teoria, porque sustenta como as áreas do cérebro, que emergem na evolução, coorde nam-se com as outras para produzir novas funções. Para cump rir tais funções, os repertórios primários e secundários precisam formar mapas. Esses mapas são conectados por conexões massivament e paralelas e recíprocas... Sinais reentrantes ocorrem junto com estas conexões. Isto significa que, enquan to grupos de neurônios são selecionados em um mapa , outros grupos, em mapas difere ntes conec tados por reentrada, podem ser também selecionados, ao mesmo tempo. A correlação e a coordenação de tais eventos de seleção são conquistadas por sinalização de reentrada e por fortalecime nto de int erconexões ent re mapas, dentro de um segmento de tempo (Edelman, 1992: 85) . J untamente com a definição do processo de reentrada e da m udan ça de força sin áptica , Edelm an explica o qu e entende por categorização perceptual: é uma fun ção cerebral probabil ística por

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natureza, não consciente, dependente do movimento; lida com os sinais do mu ndo externo, quer dizer, sinais das camadas se nso riais e dos órgãos; constitui uma das bases iniciais da memória. Tal função pode ser explicada como um a discrim inação seletiva de um objeto ou evento em re lação a outros obje tos ou eve ntos, com propósito adaptativo. Man ifesta-se no comportamento e se dá de maneira in dividual, não determ inada por critérios pré-det erm inados, m as com base na experiê nc ia. É u m eve nto epige né tico. A categorização pe rceptua l é, segund o a TNGS, a função fundamental na tentativa de relacion ar a psicologia com a fisiologia . A reentrada explica que esta relação acontece por aco plamento de outputs de mú ltiplos m apas qu e estão conectado s por reentrada ao comportam ento se nsó rio-m otor do animal. Isso é executado através de uma estru tura chamada mapeamento global (ver explicação no próxim o sub -capítulo). Os três princípios da TNGS têm a ver com: • O m odo como a anatomia do cérebro é ativada de início no desenvolvimento. • O modo como os padrões de respo sta são, então, selec ionad os a partir desta anatomia, durante a expe riê nc ia. • O m odo como a ree ntrada, um pro cesso de sina lizaç ão entre os m ap as resultantes do cérebro, dá orige m a fun ções comportamentalme n te importantes. Uma premissa importante da TNGS é qu e a coordenaç ão seletiva do s padrões co m plexos de interconexão entr e grupos neuronais por ree ntrada é a base do comportamento . Embora comportamen to não sej a sinônimo de movime n to pode-se traçar um paralelo entre os dois. A forma como o com portame nto e o m ovim ent o são gerados obedece a regras do funcionamen to cerebral. As respos tas motoras também são seleciona das a

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partir da anatomia cerebral, óssea e muscular, durante a experiência. Emergem da comunicação entre os mapas, que relacionam os grupos neuronais, em processos de reentrada, na re lação com os inputs internos e externos ao corpo. Estes padrões estão sujeitos a alterações, durante a experiência, por fortalecimento e enfraquecimento de sinapses e na relação com os processos da memória. Estas explicações são fundam entais para compreender a questão do padrão individual de movimento e a possibil idade de transformá-lo . A existê ncia do padrão é condição para a sobrevivência. Sem a possibilidad e de re produzir padrões de comporta me n to e d e m ovimento não poderiamos garantir a ap re n dizagem e a m anut enção das respostas ada ptativas ao mundo. Mas a abe rt ura para o n ovo existe pela m esma razão. Só evo luímos adaptativame nte porque som os capazes de renovação, de reestruturação . Assim, fica claro qu e os padrões de movimento individuais são necessários, m as passíveis de mudanças. Estas fazem parte do m odo de funcionamento do corpo . Em um corpo em movimento pode-se reconhecer m ovimentos e qualidades recorrentes, assim como o aparecimento de novas possibilidades que, se rep etid as, provavelmente passarão a fazer part e do pa drão de movimento daquele corpo. No trabalho corporal, a apre ndizagem, muitas vezes, é compreendida como treinamento para a excel ência na repet ição de m ovimentos codificados, na reprodução de um vocabulário padronizado. Mesmo nesse caso, pode-se notar a m aneira como cada corpo se organiza para cu m prir a tarefa de ap re nde r e reproduzir o vocabulário apr endido . A diferen ça in dividual aparece. O contrário tamb ém é real. Em trabalhos que b uscam o desenvolvime nto de uma linguagem pessoal e a capacidade de produzir novos movim entos, o treinam ento de determinadas instr uções também se faz necessário, para o desenvolvim ento des sas habilidades.

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Nos dois casos, estamos lidando com a repetição e o reconhecimento de pa drões e com a presença do novo, da diferença. Estamos usando, ape nas com intenções diferentes, o mo do de fun cionamento do corpo.

4. Memória como assentamento de mudanças No estudo da estabilidade e da instabilidade da m em ória e da categorização perceptua l, encontra-se m aterial para compreender o padrão, a abertura para a mudança, para a ressignificação do movimento e a alteração de estados corporais . Segundo Edelm an, o córtex cerebral nã o é suficie nte para se encarregar sozinho da categorização perceptual e do controle do movimento. De acordo com a TNGS, esta tarefa é divida com outras regiões do cérebro, através de um a estrutura cha mada m apeamento global. Um mapeamento global é uma estrutura dinâmica que conté m m últiplos m ap as locais (sensoria is e m otores), qu e interagem com reg iões não m ap eadas do cérebro. A atividade do mapeamento global re flete o fato de qu e a pe rcepção geralmente leva à ação e depende dela. Durante o m ovimento, as porções m otoras e sensoriais de um m apeamento global se reajustam contin uam ente. Não é real a explicação de que a categorização ocorre somente em uma área se nso ria l do córtex que, então, executa um programa par a ativar uma resposta motora. Mas, os resultados da contínua atividad e m otora são conside rados parte ess encial da categorização perceptual. Os m ap eamentos globa is que carregam a cate goriz áção pr ecisam conter eleme ntos sensoriais e motores. A seleção do grupo neuronal nos mapeamentos globa is ocorre em um loop dinâmico, qu e combina continuamente gesto e postura a várias espécies de sinais sensoriais. Em outras palavras, a estru tura din á-

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mica de um mapeamento global é mantida, refrescada e alterada por atividade motora contínua e por repetição. Se a categorização perceptua l está tão intimamente ligada à ação dos sistemas motor e sensorial, os movimentos resultantes da ativ idade dos mapeamentos globais, que vão realimentar o processo de categorização, estão carregados da informação que emerge dessa mesma atividade. Esta é a base para a ressignificação do movimento e da alteração de estados do corpo. Para compreender m elhor essas alte rações, é importante entender o funcionamento da memória e como ela, ao mesmo tempo que garante o padrão, dá abertura para a mudança. A memória é organizada pelas m uda nças dinâmicas que ligam um conjunto de circuitos a outro dentre os repertórios neuroanatômicos enormemente variados do cérebro. Ela tem propriedad es associativas produzidas pelo fato de que cada diferente m embro do conjunto de circuitos usados em difer entes momentos tem diferentes alternativas de conexões em rede. Neste sentido, há centenas ou milhares de sistemas de memória separados no cérebro qu e, embo ra difer entes, formam um siste ma de propriedades. Ela é o resultado dinâmico das interações de diversos fatores - circuitos, mudanças sinápticas, bioquímica, limites de valores, din âmi cas de com portamento - agin do juntos, servindo para selecionar respostas qu e rep etem um a performance. Como muitos circuitos podem gerar uma mesma resposta, algumas alterações no contexto ou na estrutura dos circuitos não são capazes de apa gar uma m emória . As características gerais de uma perform ance podem ser sim ilares a uma performance prévia, m as os conju ntos de n eurôni os qu e sustentam du as perfor mances simila res po dem ser, e geralmente são , diferentes . Essa propriedade garante que se possa rep etir uma m esma ação, ap es ar das mudanças consideráveis no contexto, com a experiência em andame nto.

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Mas garante também que cada repetição de uma ação possa ser coerente com as novas circunstâncias, no momento em que ela se repete. A me mória não-representaciona l garante, portanto, não só a estabilidade para assegurar a repetição de performances, mas as possibilidades de mudança. O assunto pode ser ilustrado a partir dos est udos de Francisco J. VareIa (1992). Ele fala sobre a tendência à repetição de comportamentos e mov imentos, sob o ponto de vista do funcionamento do sistema nervoso nas ações cotidianas e em situações conhecidas. Explica que todo ap re ndizado está registrado no siste ma nervoso e se aprese nta no m om ento necessário à ação na forma de prontidão. Por isso podem os conversar com um amigo enquanto desempenhamos com des treza todas as ações necessárias para comer nosso almoço. Temos um a prontidão para a ação, própria para cada situação vivida. Esta prontidão é fruto do qu e ele chama de microidentidade, que se forma a partir de um aprendizado. A situação correspondente de no mina-se micro m undo . Tanto a microidentidade como o micromundo são permeados por pequenas quebras nas nossas expe riências cotidianas; são as pequenas alte rações da situação origina l de aprendizado. Mas Varela tamb ém fala do que acontece em presença de situ ações novas, as quebras maiores. Por exemplo, qu ando che gamos a um país estrange iro. Muitas ações sim ples, como se referi r a uma pessoa es tra nha ou até comer, podem ter qu e ser apre ndidas na hora. Falta-no s a prontidão adequada às especificidades culturais e a microid entidad e não serve na nova situação. Aí entra a autonom ia. O corpo vivo acha seu caminho agind o apropriadame nte; por seus próprios recursos. As quebras são as arti culações entre os micromundos, qu e são a fonte do lado autônomo e cria tivo do conhecim ento vivo. No momento da qu ebra é atu alizado o qu e Varela cham a de nascimento do concreto. Se padrões indi viduais de m ovimento for em pensados sob este ponto de vista, entende -se qu e eles são dificilmente anula-

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dos, mas podem ser transformados. Melhor dizendo, os padrões de movimento são estáveis, não im utáveis. É neste espaço aberto para a transform ação que a Técnica Klauss Vianna trabalha. No espaço da mudança, da instabilidade, da possibilidade de recombinação dos fatores componentes do movimento, desde a sua criação, no cérebro . Quanto à reprodução dos mo vimentos, acredita-se que, dentro desta estrutura, eles nunca são u m a repetição e sim um a reconstrução, num novo momento. Porque as continuas mudanças sinápticas nos mapeame ntos globais, que ocorrem como resultado das repetições, favorecem conjuntos modificados de caminhos neurais com produtos apenas similares.

Assim, a memória é um mais ou menos permanente assentam ento de mudanças, dependendo da taxa m aior ou menor de estabilidade. Ela é criativa e não estritamente replicativa. É o reflexo de como o cérebro muda a sua dinâmica de modo a permitir a recategorização de uma pe rformance. Neste jogo contínuo de recategorizações, os resultados são movimentos qu e carregam novas in formações e estados corporais difer entes. E é isto qu e os m antém vivos, pois falam de um m om ento pr esente, apesar de contaminados pelo passado e abertos pa ra o futuro. "Se nossa concepção da memória está correta, em organismos superiores cada ato de percepção é, em algum grau, um ato de cria. ção, e cada ato de memória é , em algum grau, um ato de imaginação" (Edelman, 2000, p. 101) . É assim qu e a imaginação par ece se tornar matéria no corpo em mo vimento. Ao nos m overmos, esta mos criando com unicação, informação, expressão.

Movimento é imaginação corporificada .

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Capitulo Três

Aemergência da informação "O possível é m ais rico que o real. A natureza apresenta-n os, de fato, a imagem da criação, da imprevisível novidade." Bergson e Wh itehead

1. Consciente e inconsciente Klauss falava de um a me mória corporal, pois percebia o fato de qu e corpo e m ente estão unidos nos processos de m em ória. O mesmo acontece com a questão da consciência. Fazia referência a uma consciê nc ia corporal, porque era a m aneira que encontrava para expressar a indissolubilidade da relação corpo-consc iência, corpo-me nte. Diz-se do seu trabalh o qu e é um a técnica de cons ciência corpora l ou de educ ação som ática.I

1. Estas expressões não são do próprio Klauss . Ele nunca no meo u o qu e fazia; nem mesmo a expressão "Técn ica Klauss Vianna" é sua . Além disso, a

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Assim, temos as práticas como as técnicas de Alexander, Feld enkrais, Body-Mind Cent eri ng, Euton ía, Fu nd amentals, entr e outr as. Como representan tes da verten te brasileira de educação somáti ca, temos o tr abalh o de Klau ss Vian na e de J osé Antônio Lima . (Strazzacappa , apud Miller, 2005, p. 29).

A expressão con sciência corporal serve para sublinha r a in tenção da T écnica KIauss Via n na de am plia r a perc epção dos mecanismo s cor porais envolvido s no m ovimento. Fala também da necessidade de se des envolver um estado de prontidão e disponibilidad e para o mo vimento. Estado este que está mais ligado à noção de awareness do qu e ao sign ificado de conciousness. Ambo s usados para o nosso termo consciê nc ia (ver nota na p. 38). Compreender como a consciê nc ia se relaciona com os aspectos in conscientes pode explicar o fato de qu e, ao se executar mo vim ento s, per cebe-se qu e emergem se ns ações, imagens, m emória s, qu e vão realimentar o mo vimento, sem qu e, muitas vezes, houvesse a intenção ante rior de acessar uma imagem específica. Simplesmente acontece. Edelman especifica os tipos de pro cessos neurais que fundamentam a experiência consciente, encontra argumento para distinguir esses processos daqueles que se mantêm inconscientes e ilumina os possí veis modos de interação entre ambos. Para isso, lança mão da hipótese da existência de um centro dinâmico, que é um processo dinâmico gerado principalmente no sist ema t álamo cortical, representado por fina rede de trabalho de áreas tal ámicas e cortica is, mais conexões reentrantes vindas de outras porções do cérebro, tais como os gânglios basais e o cerebe lo.

expr essã o "educaç ão somática" ficou conhecida, no Brasil , apenas na última década. Designa técnicas de trabalho corporal em qu e a pessoa é o sujeito ati vo do seu processo de desenvolvimento.

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Aspectos inconscie ntes da ativ idade m ental, como rotinas motoras e cognitivas e as chamadas m emórias inconscientes, inten ções e expectativas têm um papel fundamental na form atação e no direcionamento de nossa experiência consciente. Vários pro cessos neurais se mantêm inconscientes m as, pela sua interação com o ce ntro dinâmico, podem in flu enciar a experiência cons ciente e ser in fluenciad os por ela. A dinâ m ica do CD pode ser afe ta da por rotinas n eurais qu e são despertadas por difer entes esta dos do CD e qu e, um a vez completadas, ajudam a pro duzir outros estados no CD. Essas rotin as incons cientes, que são tanto motoras quanto cognitivas, envo lve m loops longos e paral elos, que correm at ravés dos anexos corticais, como o gânglio basal e o cerebelo . Como resultado da performance cons ciente, rotinas incons cie ntes podem ser ligadas em seqüê nc ia para criar os loops se nsório-mo tores qu e contribuem para o qu e foi cham ado de mapeamentos globais. É possível também que ilh as de atividades n o sist ema t álamo -cortical coexistam com o CD, influen ciem seu comportamento, mas não sejam in corporadas a ele. Esses diferentes mecanismos providenciam uma moldura neurofisiológica para o ente ndimento de como proces sos in conscientes podem afetar o centro dinâmico e, assim, influenciar a experiência consciente. Eles re velam também como a atividade do centro dinâ mico pod e afetar a integração dos pro cessos in conscientes e, assim , influenciar as rotinas aprendidas e automáticas. Deste ponto de vista, há tr ês tip os de pro ces sos neurais: 1. os conscientes - atividades neurais do centro din âmi co; 2. os in conscientes, qu e fazem tro cas com o centro dinâm ico - atividades neurais in fluen ciadas pel o centro din âmico e qu e podem também influenciá-lo. A consciência está in fluen ciando constantemente e sendo influenciada por vários processos in conscientes. Há m ilh ares de exemplos na percepção e na ação , no pensamen-

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to e na emoção, qu e demonstram qu e processos cons cientes e inconscientes estão regularmente em contato e que su a separação está longe de ser nítida . Um exemplo comum é visto n um a pe rformance musical, quando os dedos de um intérprete tocam sem con tro le consciente, at é qu e ele dá alguma dir etriz consciente, ao notar uma mudança no ritmo, ou um obstácul o, durante a apresentação da peça. 3. os in cons cientes qu e estão isolad os do centr o din âmico _ ativ idades neurais que nã o só se mantêm inconscientes, mas são completamente in acessíveis ao centro din âmico e, portanto, ao m onitoramento ou controle consciente. Por exemplo, os processos neurais que envolvem a regulação da pr essão sangüínea . Falando das interações entre os processos inconscientes e os conscientes, pode-se imagin ar que o centro dinâmico tem portais, conex ões de saída e de ent rada, em algu ns lugares. Os portais de saída são aqueles pelos quais o centro dinâmico desperta processos ne urais in con scientes, quer dizer, aqueles qu e não contribuem diretam ente para a experiência consciente. Ao se executar um movimento, um gra nde núm ero de processos acontece em estruturas do cérebro. Estes processos, que contribuem para os mapeamentos globa is, lidam com o tem po de contr ação dos músculos, com a coordenação dos diferentes músculos e juntas, com ajustamentos para equilíbrio do peso do corpo e muitas outras ati vidades necessárias para que o movimento aconteça sem dificuldades. Não somos conscientes desses detalhes, nem seria útil. Como somos capazes de acio nar cons ciente mente esses process os, por exemplo, ao executar um m ovim en to, deve haver portais de saída conectan do o centro din âm ico com os circuitos neurais inconscientes que produzem o resultado motor. As interações fun-

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cionais entre os gru pos ne uronais no centro dinâm ico e os neurônios m otores sã o exclusivam ente de m ão única. Mudanças n os padrões de disparo n o centro dinâmico fazem diferença para o disparo dos neurônios m otores, levando a um com po rtam e nto particula r de resposta. Por outro lado, o disparo dos n eurônios motores faz pouca ou nenhuma diferença para o centro dinâmico. A estimulação dos neurônios m oto res na m edula vai afetar os músculos e o comportamento, mas é in capaz de modificar o estado global do centro dinâmico. Entretanto, através dos map eam entos globai s, qu e expe rimentam diferentes partes do ambiente, e atrav és diss o, alteram as informaçõe s sensoriais de entrada , as conseqüê n cias de certas ações serão cons cientemente apreciad as, mas tais efeitos são obviamente indiretos. Essas últimas considerações são fundamentais para a compreensão de com o o mo vimento resultante das conexões internas ao corpo pod e m odificar o estado deste corp o. Mesmo que indiretamente, o movimento é registrado; suas qu alid ades são percebidas conscientemente ou não, assim como as conseqüências na sua rela ção com o ambiente, e isso pro voca alterações no sist ema, sejam sensoriais ou mo toras, que poderão resultar em outro mo vimento , que terá a ver com a experiência passada, de alguma maneira . Os portais de entrada são aqueles em que os pro cessos neurais inconscientes podem ter efeito sobre o centro din âm ico. O exemplo óbvio é a enorme quantidade de atividades neurais in conscientes que ocorrem na periferia sensória, por exemplo, na retina, para que possam os ver uma cena. Somos inconscientes dessas atividades, porém, percebem os conscientemente as cores. Isto quer dizer que o disparo dos neurôn ios sensórios é claramente apto a influenciar o centro din âmico e determinar o que, no fim das contas, per ceb emos conscienteme nte. Estes processos influenciam o centro dinâmico, m as não fazem part e dele, simplesmente por-

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que eles permanecem localizados e não há necessidade de que se tor ne m conscientes.

ra corporal, permite a pe rcepção das mudanças de estado constantes - fru tos da memória, do pensamento, da emoção - que ocorrem conseqüentemente, sem que sejam buscadas dire tamente e que vão alimentar o movimento. Este jogo é a base da experimentação proposta por K1auss.

Dessa maneira, fica também claro que in úm eras atividades neurais estão aco ntecendo enquanto u m corpo se m ove. Muitas se mantêm in conscien tes, m as estão fazen do parte e influ enciando na forma e exp ress ão dos movimen tos.

Apesar desse modo de funcionar estar presente no nosso cotidiano, não precisando de estímulos específicos para que aconteça, o que faz a diferen ça na busca de K1auss é a proposta de se us ar conscientemente este mecanismo e aproveitá-lo como método de criação do movimento .

Talvez não seja coincidê ncia qu e ao comentar os processos de saída, Ede lman tenha falado das atividades motoras, e ao comentar os pro cessos de entrada, te nha exemplificado com ativida des senso riais. Há evidências de que, realm ente, o siste ma se nso rial é mais ap to a gerar alte rações em todo o sistema. Mas os movime ntos, percebidos conscien temente ou n ão em suas qualidades, também são capazes de estabelecer relações com os aspectos se nsorial e cognitivo, e de provocar imagens .

Alguns estados inconscientes, gerados pe las rotinas in conscientes, podem se tornar conscientes desta maneira, através da atenção, e serem utilizados para gerar novos estados corporais e movimento. Mas, mesmo quando isso não acontece, eles estão presentes no movimento executado. Quer o intérprete perceba ou não, muitas vezes o estado se dá a ver e comunica.

Rotinas in conscient es fazem interface com o centro din âmico nos portais de entrada e de saída. Rotinas específicas são despertadas por estados específicos do centro dinâmico, fazem contato com o centro dinâmico e ajudam a provocar estados conscientes. Essa relação direta entre rotin as neurais e estados conscientes reforça m ais u m a vez a relação possível entre o que acon tece n o nível do sistema nerv oso e os resultados de m ovimento com estados diferenciad os.

Temos que pensar ainda que, em relação à atividade do cérebro, o movimento executado já é passado. Ele é reconhecido, assím como o estado que traz nele. Podemos, ao nos m over, esta r totalm ent e colados neste processo, pela atenção. E isto faz a diferença.

2. Atenção e tempo presente

Este estudo esclarece como consciente e in consciente estão ligados nas ativ idades motoras. Movimentos padron izad os e autom atizados podem ser in fluenciados por rotinas in con scientes e atitudes conscie ntes, e tran sformad os. O m ovim ento provocad o consciente me n te pode gerar re spostas motoras e senso riais, carre gadas de con teú dos in conscientes, que po der ão provocar m ovimen tos e chegar de n ovo ao conscien te e assim por diante . O fato de se conservar a atitude de ate nção aos m ovimentos, que se pr ovoca consciente me nte atr avés de alterações na estrutu-

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O estado de prontidão e presen ça , como atitude cênica e de trabalh o, é viabilizado pela aten ção. Também o é a eficácia do m ovím ento em termos da sua ade quação e inserç ão no m om en to presen te.

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K1auss orie n tava se us alunos a m anter u m a atitude de obse rvadores de si m esm os. Ant es, durante e depois dos exe rcícios, dura nte a pesquisa de m ovimentos, todo o tem po éramos instados

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a manter o estado de at en ção em relaçã o ao que ocorria em nosso corp o e à nossa volta. dança e a movimenta ção cotidiana não se prendem ao passado ou ao futuro, nem a um professor. O que interessa é o agora. (...) A dança começa no conhecimento dos processos int ernos . Você é estimulado a adquirir a compreensão de cada músculo e do que aconte ce quando você se movimenta (Vianna, 2005, p. 104). A

Há várias razões para isso . Primeiramente, observamos o estado de determinada parte do corpo antes de trabalhar com ela . Ao fim do exercício, comparamos os dois momentos, para registrar as diferenças . Assim, estamos registrando conscientemente as sensações e alterações observadas, desen volvendo a capacidade de percepção, propriocep ção e a m emória, j untamente com as habilidades motoras. "A atividade de um mapeamento glob al reflete o fato de qu e a percepçã o geralmente depende da ação e conduz a ela" (Edelman, 2000 , p. 95) .

Lendo Edelman, fica claro o que aconte ce em nível fisiológico. As conexões que se estabelecem entre os estímulos externos e in ternos, n os sistemas sensorial e motor, vão estabilizando informações, ao mesmo tempo qu e mantêm a abertura para novos estímulos. Estamos apenas sublinhando o que já é próprio ao funcionamento corporal e nos apropriando conscientemente dos resultados dos exercícios . Além disso, a atitude de atenção ao próprio corpo, ao mesmo te mpo que ao espaço e às pessoas, altera n itidamente o tônus m uscula r, trazendo a qualidad e de presença e prontidão para o corpo e os movimentos e a percepção dos esta dos corporais. Da mesma forma, a atenção coloca a pessoa no mo mento pr esente, favorece n do a tr oca consciente com o ambiente.

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É possível concluir, então, que a atenção, garantindo a apro-

priação conscien te dos conteúdos da aprendizagem e a abertura para os estímulos atua is, é responsável por uma grand e parte da eficácia do funcionamento e da atu ação do ser humano no mundo. Segundo Ede lman, o estabelecimento da m emória não necessita de nenhum outro princípio, além dos tr ês da TN GS, mas precisa de n ovas estruturas morfol ógicas cham adas órgãos da sucessão: os gânglios basa ís, o cerebelo e o hipo campo. Essas estruturas evoluíram junto com o córtex, para lidar com a sucessão de eve ntos , no te m po e no espaço, tanto no movimento real qu anto na m emória . Os gânglios basais têm também , provavelm ente, um papel na at enção, assim como nas escolhas dos tipos e sucessõe s de resposta motora. É interessan te ver como ate nção e temporalidad e estão ligadas. A atenção nos coloca no presente, onde tu do acontece.

Da m esm a forma, a instrução de KIauss para qu e ev itássem os precon ceber o m ovimento é cumprida quando estamo s atentos. A an tecipação diminui a eficácia do movim ento e reforça o uso dos padrões. Primeiramente, pelo fato de desl ocar a atenção do momento, dificultando a percepção consciente dos estímulos atuais e a adequ ação dos movimentos às necessidad es de resposta a eles. Tamb ém reforça os padrões, pois, desaten tos, lançamos mão de movimentos j á mais estabilizad os, sem qu e estejam necessariamente conectados aos no vos estímulos. Com a repetição dessa atitude, vam os apenas re forç ando o padrão adquirido e utilizando pou co a relação dinâmica consciente com o corpo e com o ambiente. Essa observação se aplica m elhor ao corpo cênico, pois este já é uma construção, na qual a rela ção entre corpo e as circunstâncias presentes se torna mais facilmente artificial. Dessa forma, a configuração do espaço gerado por um movimento é mais importante que o movimento em si: é nesse intervalo que

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se passam a emoção, as projeções. A vida ern m o v í _ mOVImento esta nesse espaço . E a sabedoria de viver nem tanto lá nem t t _ an o ca. E ~star ~resente a cada momento, assim como não deixar escapar a mtençao de um movimento enquanto ele se realiza nem antecipar men talmente seu fim (Vianna , 2005, p. 92).

_~uando, ao .nos m ovim e ntarm os, n os ap oiam os em um re pertono de mo vImentos adquiridos anteriormente, estamos respondendo Corporalmente basead os em um trein am e nto anterio r reforçando .as solu çõe s de movimento encontradas em outro mo~ menta. MUltas vezes, podemos es tar mesmo buscando a re petição . exata daqueles mo vimentos. A experiência de movImento em andamento, os est~mulos inter n os e externos es tarão sempre presentes ~a execuçao dos mo vimentos, mas nós estaremos nos colocando a. parte da experiência do momento , dependendo do grau de fidelIdade ao padrão que buscamos.

~s ~laracteristicas gerais de uma performance particular p odem ser SImI ares a uma perfi - . . ormance previa, mas os corljuntos de neurômos que fundamentam duas performances sim ilares em diferen ~e~ momentos , podem ser, e geralm ente são, diferentes.' Esta proPrie~ a ~ g~rante que uma ação possa ser repetida apesar de mud anças notá veis, no contexto, com a experiência em andamento (Edelman 2000, p. 99, grifas meus). , .Segundo esta afirmação, a capacidade de rep e tição es tá garantida, mas também fica claro qu e as mudan ças são parte prepo nderante do processo. O interesse de KIauss estava exatamente nas conexões do . m om ento, n a possib ilidad e de mudan ça e n ovidad e A di d . expectativa iante a expe riê n cia de m ovimento n ão era de repeti ção. E ne sse ~aso, a atenção é fundamental para ressaltar e ap roveitar o aparecIme n to de novas conexões.

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A consciência prim ária, definida por Edelman , também é responsável pe la nossa imersão n o momento presente. "A consciência primária é estar m entalmente alerta sobre as coisas no mundo - ter im agen s m entais n o presente" (Ede lm an , 1992, p. 112).

Esse pesquisador disti ngu e do is níveis de consciência - a cons ciê nc ia primária e a consciência de alto ní vel. Esta primeira inclui vários sistemas: os que dão origem à categorização perceptual e conc eitu al, ao valor e à memória. Estes sistemas são formados por dois tipos diferentes de organização do sistema n erv oso: o sistema límbico-tronco cerebral e o sistema tálamo-cortical. O primeiro destes sistemas, formado pelo tronco cerebral e m conjunto com o sistema límbico, está ligado ao ap etite , ao comportamento sex ua l e desenvolveu padrões de comportamento de defesa. É um sistema de valor, ligado a diferentes órgãos do corpo, ao sistema endócrino e ao sist ema nervoso autônomo. Está organizado, freqüentemente, em loops, responde relativamente de vagar (em períodos de segundos a m eses) e n ão consiste em mapas detalhados. Desenvolveu-se cedo n a evolu ção para adaptar as funções do corpo e não para compatib ilizar o grande núm ero de sinais im previstos do m undo exterior. É u m sistema do interior. O se gu n do siste ma é o tálam o-cortical. O córtex cerebral é

organizado em u m conj unto de mapas que receb em inputs do mundo exte rno através do tálam o, qu e é um a estrutura cerebral ce ntral , formad a por vários núcleos que conectam sinais se nsoriais e outros sinais cerebrais ao córtex. Este sistema consiste no tálamo e n o córtex agin do j untos. Evolu iu para receb er sinais das camadas receptoras sensoriais e man dar sinais para os m úscu los voluntários . É muito m ais ráp ido n as suas respostas (de milisse-

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gundos a seg undos), apesar de que suas conexões sinápticas expe rime ntam algumas mudanças que duram u ma vida . Diferente mente do sistema límbico-tro nco cerebral, não contém loops tanto quanto estruturas locais em camadas, altamente conectadas, dispostas topograficam en te em vários lugares, com conexões de reentrada em grande quantidade. O sistema límbico-tronco cerebral e o sistema tálamo-cortical foram ligad os du rante a evol uç ão . O sistema cortical é uma estru tura adaptada para receber densa e rápida série de sinais do mundo através de várias modalidades sensoriais, simultaneamente. Mais recente, ele serviu para aprender o comportamento que era adaptativo a ambientes m ais e mais complexos, perm itind o a categorização de eventos do m undo e um comportam ento motor cada vez mais sofisticado . Como esse comportame n to adaptat ivo era selecionado claramente para servir às necessidades fisiológicas e valores mediados pelo sistem a límbico, mais antigo, os dois sistemas tiveram que ser conectados de tal maneira que suas atividades pudessem ser ajustadas. Em animais que possu em córtex, a catego rização de pa rtes desconectadas causalmente no mundo pode ser correlacionada e u nida em u m a ce na. Uma cena é um conjunto, ordenado es pacial e temporalmente, de categ orizações de eve ntos fam ilíares ou não, sem necessária conexão física ou causal uns com os outros. Eventos passados pod em se r relacionados com eventos pr esentes, novos, m esmo que sejam des conectad os no mundo ext erno. Esta re lação pode ser estabe lec ida em termos das demandas do siste ma de valores do indivíduo. Dessa m aneira, a ev ide nciação de um evento não é só det erminada pela su a posição e energia no mundo físico, m as também pel o valor relativo qu e lh e foi dado na história passada do indivíduo, como re su ltado da apre ndizage m. A emergência da consciência primária se deve ao desenvolvimento da habilidad e de criar uma cena e dep ende da evolução

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de três funções . A primeira é o desenvolvimento do sistema cortica l de um a maneira que quando as funções conceituais apareceram, puderam ser fortemente ligadas ao sistema Iírnb ico, levando capacidades já existentes a realizar a aprendizagem. A segunda fun ção é o desenvolvimento de um novo tipo de m emória baseado nessa ligação. É uma memória categorial que en volve valor e que perm ite que respostas conceituais ocorram em termos de interações mútuas dos sistemas tálam o-cortical e límbico-tro nco cerebral. A terceira é a emergência de um no vo componente neuroanatômico, um circuito especial, qu e permite uma contínua re entrada de sinais entre a memória de valoração categorial e os mapeamentos globais em andamento que estão envolvidos com a categorização perceptua l em tem po real. Permite ligar eventos percept uais em um a cena em andamento. O uso da palavra "cena" tem a intenção de veicular a idéia de que respostas a eventos, mais ou menos contemporâneos no mundo, são conectadas por um conjunto de processos de reentrada. Como seres humanos possuidores de consciência de alto ní vel, experimen ta mos a consciê ncia primária como u m a " image~ m ent al" de eventos com categorização em andamento, mas nao há u m a imagem real no cérebro. A "imagem" é a correlação entre diferentes tipos de categorização. Resumindo: o cérebro realiza um processo de "auto-categorização" conceitual. Auto-categorias são construídas combinando categorias perceptuais passadas com sinais vindos de sistemas de valores, um processo realizado pelos sistemas corticais capazes de funções co~­ ceituais. Este sistema categorial de valor, então, interage atra ves de conexões reentrantes com áreas do cérebro que realizam categorizações perceptu ais em andamento, de eventos do mundo e _sinais. A experiéncia perceptual (fenomênica) nasce da correlaç ão, por uma memória conceitual, de um conjunto de cate go rizaç.õ~s perceptuais em andamento. A consciência primária é uma especie de "presente relernbrado" (Edelman, 1992, p. 119).

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Ela é eficaz para a evolução, pois ajuda a abstrair e organizar mudanças complexas, em um meio que envolve sinais paralelos múltiplos, relacionando-os com a experiência passada do indivíduo e seus valores. Direciona a atenção durante a seqüência de tarefas complexas de aprendizad o e também provê um meio eficiente de corrigir erros. Provê a capacidade de generalizar as habilidades de aprendizagem através de muitas pistas, mais rapidamente que algum animal que não a possua.

m ovimento se faz m ovendo. É um estado em que nos colocamos abertos para pr oduzir soluções de m ovimento imediatamente decorrentes do qu e percebemos acontecer em noss o corpo e à nossa volta. É também a sensação de estar num recorte do tempo em que lidamos com estabilidade e no vidade. É nítido, na experimentação das instruções da Té cnica Klauss

Vianna, que nos movemos de acordo com nossa h istória pessoal e que não a buscamos intencionalmente. As intenções emergem e, algumas vezes, podem provocar um movimento, que estimulará novas conexões, com as informações de um novo momento. Da mesma forma, as conexões que se fazem entre os intérpret es, n o palco, emergem no momento, naqueles corpos, naquele esp aço . É assim que nasce a comunicação. Porque todos os corpos se comportam dessa forma .

Ela não tem uma noção explícita ou um conceito de um self pessoal e isso não lhe confere a habilidade para modelar o passado ou o futuro como parte de um a cena. Ela é necessária para a evolução da consciência de alto nível. No entanto, está limitada a um intervalo de memória pequeno em torno do pedaço de tempo qu e Edelman chama presente. Como um feixe de luz que ilumina uma pequena parte do espaço. De acordo com essa hipótese, pode parecer que a consciência primária provê os mecanismos necessários para gerar o tipo de movimento exp lorado por Klauss . o movimento que emerge das conexões entre esses circuitos internos envolve percepção, valores, memória, conceitos, na relação com os estímulos externos em andamento. É o movimento que atualiza continuamente o que somos, na relação com o mundo . Mas precisamos da consciência de alto nível para reconhecer o funcionamento da consciência primária.

A descoberta do eu interno, de um ser único, individu al e criativo,

é indispensável ao exercício da dança, se quisermos que ela se tor-

ne uma forma de expressão da comunidade humana (Klauss, 2005 , p. 111) (grifas meus) .

3. Atenção e novidade A atenção consciente, além de nos situar no momento presente, pode agir como um mecanismo de seleção e alterar nossos atos automáticos , através de int erferên cias na ação dos mapeamentos globa is.

Mesmo na re lativa repetição de movimentos em uma seqüência determinada, não estamos lidando com uma reprodução apenas mecânica, isto é, desvinculada dos estímulos do momento. Há sempre lugar para esses últimos, po is os procedimentos da memória, da recategorização e da aprendizagem provêem sempre um novo arranjo nas redes de mapeamentos globais para dar entrada à nova informação.

A atenção não se confunde com o estado de vigília ou o estado de alerta. Ela empresta ao comportamento u m componente direcional e modula a capacidade de resposta ao ambiente. Não é o mesmo que consciência, mas relaciona-se com ela. Revela a "fragilidade" da consciência: foca nossa mente em seus objetos e apa-

Não buscamos antecipar reações, mas agir de acordo com os estím ulos, sabendo que tudo é novo a cada momento e que o

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ga OU ate nu a as "irrelevâncias" em volta (aspas de F. Edelman). É alta me nte seleti va, ao qu e tudo indica obrigatoriamente. Atenção é "a tomada de posse, pela m ente, de forma clara e vív ida, de um dentre o que parecem ser vários objetos ou séries de pensamento possíveis simultaneam ente" (William J ames, apud Edelman, 1992, p. 141). Edelman concorda com a noção de qu e os m ecanismos cere brais da atenção deri varam originalmente da pressão evolucionária sobre um animal pa ra selecionar uma de um conjunto de ações apropriadas. Os programas motores não acomodam ações contraditórias simultaneamente. Isso dá , sem dúvida , um a vantagem , pois permite atingir um objetivo que pod eria ser atrapalh ado pel a tentativa de se res pons abilizar por duas ações incompatív eis, ao m esmo tempo. Além disso , como grande parte do sist ema nervoso é envolvida em cada m apea m ento, par ece im provável qu e se possa sustentar m ais do que alguns poucos map eamentos ao mesm o tempo, sem qu e um interfira no outro. Os m ecanism os da ate nç ão são m últiplos, abrangendo da competição per ceptual até a es colha da vontade. Nos animais que possu em apenas consciência primária, a atenção pro vê os mecanismos qu e permitem um equilíbrio entre as relevâncias determinadas internamente e a no vidade produzida no mundo ext erno. Já diante da con sciê ncia de alto ní ve l, estados volitivos relacionados com a seleção de planejamentos, valores e projeções tem pora is podem tod os mudar a relativa contríbu ição de diferentes partes de um mapeamento glob al. Grandes partes do sistema nervoso estão envolvidas quando um mapeamento global é mo difi cado para alterar a atenção , tanto por atividade consciente quanto in consciente. Relembremos que a TNGS mostra qu e os gânglios basaís, os principais órgãos de sucessão, agem com o córtex para selecionar planos motores. Assim, mapeamentos globais e gânglios basais

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estão envolvidos nos mecanismos da at enção, se o resultado é a formulação de se qüências de ações ou planos motores, executados ou não. Planos motores, que podem ser conscientemente formados por hum anos, são executa dos via córtex mo tor conforme ele manda sinais para a medula. Mas o output do córtex também é direcionado para os gânglios basais. Essas conexões têm ape nas uma conexão indireta de volta ao córtex, mas ela é muito significativa. O output dos gânglios basai s é inibitório e pode também inibir a inibição. Em outras palavras, ele pode desinibir áreas-alvo no córtex. Isso as excita ou as prep ara para um input excitatório, um estado imp ortante para a ate nç ão. As áreas corticais se tornam mais sensíveis aos inputs sensoriais import antes para a performance de u m a ação através de um m apeam ento global. Esse me canismo pode explica r a atenção focada . Muitas vezes o foco também pode ser alterado. Se um a ação não é completada em um certo tempo , ou se um novo eve nto é detectado e cate gorizado, sinais de "alarme" (aspas de Edelm an) podem passar para os sistemas de val or do encéfalo m éd io (m esencéfalo) que cone ctam de volta com o córtex e os gânglios b asais. Estes sistemas podem mandar sinais para interromp er o plano m otor no cór tex e bloquea r a execução de um programa de movimento. Assim, o foco da atenção pode ser mudado. A atenção também tem um pap el preponderante na aprendizagem de habilidades complexas. Mas, em muitos casos, uma apre ndizagem bem-sucedida nos permite exe cutar ações qu e exigem habilidade sem atenção . A performance se torna e se mantém automática, até que uma no vidade exija alterações. Possuím os a habilidade de interromper ess es atos automáti cos , por m eio da atenção à novidade, pe lo uso da h abilidade de direcionar a atenção conscientemente, agindo através dos mapeamentos globais, alterando-os.

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Edelman reconh ece também a im port ância dos mecanismos inconscientes e n ão-cons cie ntes (aque les qu e nunca chegarão a ser co ns ciente s). Segun do este au tor, a te ori a de senvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), qu e ress alta os efei tos da repressão sobre a memória e do in consciente sobre o com portamento con sciente, tra z uma n oção de repres são que é coerente com os m odelos de consciê ncia descritos pela TNGS. Esta úl tima sublinha a participação dos sistemas dependentes de valor na formação da memória. A discrimin ação self e não-s el f requer a participação de siste mas de m emória qu e são para sempre in acessíveis à consciên cia . A repres são - a inabilidade seletiva de relembrar - estaria sujeita a recategorizações fortemente ca rregadas de valor. E, dada a natureza da consciên cia de alto nív el, construída na relação com o social, seria evo luc ionariam ente vantajosa a existência de mecanismos para reprimi r recategorizações, qu er dizer, reduzir o acesso a estados que ameaçam a eficácia dos conceitos de self. Esta m aneira de conceber a at enção con fere importância a este s m ecanismos n ão conscie n te s e aos com port am en tos de orientação mediados pelos m ape amen tos em resposta à emergên cia. Mas, como ter es ta dos conscie nte s intencionais dep ende de valores, categorias e m emórias, assim como de planejamentos, essa visão seletiva da at enção n os permite a habilidade de produzir conscientem en te uma "in tenç ão de estar presente" àquilo que é planejado. Mas essa capacidade está sempre sujeita à com pe tição de ele m en tos in conscientes e não conscien tes (os qu e nunca serão conscientes). Basta lembrar das ações executadas "não como planejadas". (aspas de Edelman) Em resumo, tudo o que foi explicado anteriormente deixa clara a ação do sistema nervoso quanto à capacidade da atenção e seu direcionamento intencional. Somos aptos a focar nossa atenção consciente e inten cion alm ente e a alterar esse foco em função de uma novidade relevante trazida pe lo mundo externo. Te-

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mos a possibilidade de gerar planejamentos mo tores conscientem ente, aprendê-los , automatizá-los e de alterar esses automatismos de aco rdo com a n ecessidade e a vontade. Ter estados conscientes in te ncionais depen de de valores, ca tegorias , memórias . As ações e os movimentos decorrentes dessas escolhas conscientes são dot ad os de significados ligad os aos valores, categorias e memórias do corpo em questão. Esses significados produzem estad os corporais. O red irecionamento do foco da atenção pro porciona recat egorizações, envolve n do os valores, as m em ória s, o que leva a alterações de esta dos do corpo. E tudo isso envolve ndo elem entos do cons cie n te e do inconsciente. A atenção focad a e a h abilidade de produzir conscie ntemen te a "intenção de esta r presente" (aspas de Edelman) resultam n o esta do de pres ença, prontidão e de disponibilidade qu e constituem a atitude corp oral trabalhada n a Técn ica Klau ss Vianna. O de senvolvimento da disp onibilidad e do corpo e da atenção ao desenrolar do m ovimento, através de in struções específicas , o predispõe para "le r" (aspa s de Edelrnan) os impulsos in ternos e exte rnos e o aparecimento da novidade, que vira m at erial de trabalho. Klauss, intuitivamente, pesquisava o resultad o desses m ecanismos corporais, ao procurar um movimento o m ais livre poss ível dos automatismos e carregado dos significados do corpo qu e o produz.

4. Aintenção do movimento A compreensão da m ente e da consciência, segundo Edelman, coloca em pauta a questão da intencionalidade. A mente é intencional, pois sempre está para, se refere a algo. Somos conscientes de ou sobre alguma coisa. A consciência primária pode ser composta de experiências fenomênicas como imagens mentais, mas está atada a um tempo

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próxi m o do pre sen te mensurável. Carece de conceito s de self, passado e fu turo e es tá aquém de u m rel at o descri tivo dir eto do seu próprio po nto de vista. Diferentem ente, a consciência de alto nível envo lve o reconh ecime nto, por um sujeito pensant e, de seus próp rios atos e afetos. Incorpora um modelo do pessoal e do passado e do futuro, assim como do presente. Exibe estado de alert a (awareness) direto - o estado de alerta não infere ncial ou imediato de episódios mentais, sem o envo lvime nto dos órgãos dos sentidos ou receptores. É o que nós, como humanos, temos além da consciê ncia primária. Somos conscientes de ser conscientes (Edelman, 1992, p. 112).

o qu e distingu e a co nsciê ncia primária daqu ela de alto níve l é a hipóte se dos qualia , que ve m se n do di scutida pe la Fil os ofia e p el a Ciência, há anos . Ele s sã o d e finidos como uma coleção d e ex pe riências p essoai s ou subjetivas, sentimentos e sensaçõ es que acompanh am o est ado de alerta . São es tados fenorn ên ícos , partes di scrimináveis de uma cena que tem uma unidade abrangente . Pod em ser classificados numa es cala de in t en sid ad e e clareza , em sentimentos rudes até altamente refinados e discriminados. Essas sensações podem ser muito precisas quando acompanham experiências perceptuais; na ausência da percepção, podem se r mais ou menos difusas mas, apesar de tudo, discerníveis como "visuais", "auditivas", e assim por diante . São acompanhados de um sentido de continuidade espaço-temporal. A se qüência real d e qualia é altamente in d ividual, apoiada em uma série d e ocasiões da história pessoal ou da experiência imediata de alguém. Segundo Ede lman, os qualia podem ser vistos como formas de categorização de alto n ível, re latáveis para o se lf e, portanto, compreensíveis com algum grau de fidelidade, para os outros que tenham equipamento mental similar.

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"Definimos qualia como as qualidades senso riais simples encontradas no azul do céu ou no tom produzido por um violoncelo, e os compone ntes fundamentais das imagen s na metáfora do filme, são, portanto, feitos de qualia" (Damásio, 2000, p. 25). Para Damásio, ess as qu alidad es fazem parte do modo como o organ ismo humano engendra padrões m entais ou im agen s m entais e es tão lig adas à represe ntação do or gan ismo consciente, que tem se ntido d e self Portan to, para os dois autores, qua lia im plica n a existên cia de u m sentido de self Alé m da inten cion alidade, a consciê ncia é carregad a desses conte údos da históri a p essoal , qu e são veicula dos pelas linguage ns ve rbal e cor po ral. Pode -se traçar u m paralelo en tre as duas. O corp o tem sua pr óp ria lingu agem e também é capaz de relatar p ar a ou tros suas ex periê ncias subjetiv as, exa tamente po rque ele s funcionam da m esma m an eira. Por isto, são capazes de compreend er o relato, estab el ecer r el ações com a su a própria exp eriência . Tanto no dia- a-di a como na ar te , es tam os lendo o corpo do outro, além da sua fala. Tanto que é visível quando as duas comunicações estão em desacordo; quando alguém diz alguma coisa e m ostra ou tra . A in ten cion ali dad e é um "estar para". Já a intenção, como definida por Klauss, é produto da qualidade de expressividade do corpo, carregada dos qualia presentes nas imagens, con ceito s e percepções da história daquele corpo. Falando do desenvolvimento de percepção, conceitos e valores, estamos falando da maneira como damos significado ao mundo . Devido à nossa natureza incorporada, esses significados emergem no corpo e n o movimento. A incorporação é fonte de sentido. Klauss acreditava que o movimento executado com atenção, in ser ido no contexto pr esen te, era provido de intenção. Isto sígni-

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fica que o movimento, nestas condições, era executado com algumas qualidades como presença, percepção do espaço, oposições, que lh e conferiam densidade, in teireza e, por isto mesmo, podiam provocar a expressão de algum significado, emocional ou n ão, consciente ou não. '''... h oje vou ser o orgul hoso". E observava qu e músculo atuava: a reação muscul ar a partir de um idé ia. A intenção anterior ao movimento" (Vianna, 2005, p. 26). Além da atenção, buscava a percepção da musculatura que estava se ndo utilizad a no movimento, a clareza dos im pulsos e alavancas, o cam inho que o movimen to exec utava in ternamente, antes de se projetar no espaço. O meio do movimento - como dizia - o espaço onde tudo acontece. Num processo de aprendizado, é necessário reconhecer e localizar a musculatura, sentir como ela trabalha, qua is os movimen tos que pode gerar, as diversas intenções que pode transmitir, seu encurtamento, seu alongame nto (Vianna, 2005, p. 80). També m con feria importân cia às op osições de força present es em ca da gesto ; d esde aquel as for m adas p el os m úscu los ago nistas e an tago n istas acionad os até as resultantes da ação da gravida de .

"Qu an do é direcionado, sem as oposiçõe s naturais e sem o conhecimento do se u código n o es paço, (o m ovim en to) n un ca terá uma intenção: é um gesto aleatório, formal" (Vian n a, 1990, p . 78). E ainda: "Duas Forças Op ostas geram um Conflito, qu e gera o Movimento. Este, ao surgir, se sustenta, reflete e proj eta su a inte n ção pa ra o exterio r, no espaço" (Vianna, 2005, p . 93). Klauss não buscava n enhum significad o exte rno, imposto de fora para dentro, mas o significad o - a informação - qu e aparece no mo vimento. Mesmo qu ando um in térprete busca dar a ver al-

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gum tipo de informação específica, ele de ve utilizar ignições que sejam capazes de provocar sua emergência . De dentro para fora , como dizíamos. Aliás , apesar de sabermos hoje que a in formação surge de co nexões in tern as e externas e não de dentro para fora, ainda usamos a palavra emergência, que traz n ela a metáfora dessa direção de movimento. "Os movimentos surgem das emoções particulares de cada um e transformam-se em arte quando encontram uma linguagem universal, já que o ser humano tem uma essência comum" (Vianna, 2005, p. 80). Hoje , falamos na informação que emerge do movimento, que não é necessariamente ligada à ação da vontade. É o reconhecimento de um estado corporal que se dá a ver n o m ovim en to. A palavra in ten ção, da forma usada por Klauss, pode, então, ser compreendida como a informação - nem sempre fruto da vontade - que emerge dos n ossos movimentos devido ao caráter inten cion al da consciência e do nosso modo de funcionamento. Meu trabalho, portanto, busca dar espaço para a manifestação do corpo como um todo, com os conteúdos da vida psíquica, das expressões dos sentidos , da vida afetiva. Não é possível negligenciar ou esquecer tais coisas nem fazer com qu e o corpo perm aneça mudo e não transmita nada: as informa ções que ele dá são incontroláveis. Temos é que reconhecer esses processos internos poderosos e dar espaço para que eles se manifestem, criando assim a coreografia, a dança de cada um (Vianna, 2005, p. 150).

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Conclusão "... as e m oções sã o m od ela da s por a titudes motoras. "

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Dizer que a dança é o modo como o corpo organiza as in formações no fluxo com o ambiente pode parecer u m a descrição óbv ia , mas caracteriza de maneira importante um a forma de ver e trabalhar a da nça. Klauss pensava o corpo e a dan ça base ado em parâmetros diferentes da maioria dos seus contemporâneos, pelo menos n o Brasil. Os anos de prática torn aram importante um a reflexão sobre o trab alh o, com o objetivo de compreender melhor as especificidades da pro posta e seu alcance. Este livro não discute o discurso de Klauss, porque ele não estava realm ente preocupado em desenvolver teoria. Ocupava-se, sim, e todo o tempo, do corpo no mundo, em movimento, na vida, que, para ele, era o lugar da dança . Assim, tor n ou-se necessário construi r um embasamento te órico e cientifico para os aspectos fundame ntais dessa prática. E esta foi minha prin cipal meta.

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Na hipót ese in icial, es te trabalho pro pôs que as instruções usadas na Técnica Klauss Vianna: • funciona m como ignição para o m ovimento; • são eficazes para a flexibilização dos padrões posturais e de movimento; • estim ula m a percepção dos diferentes esta dos corporais e a disponibilidade pa ra o m ovimento n ovo, produto de um corpo, num dad o mom en to, em conexão com o ambiente; • pode m promover o acesso a n ovas con exõe s neurais conscientes ou não, qu e resultam n o movimento, que é expressivo, qu er dizer, traz uma informação . Ou seja, transformam a sintaxe corporal na semântica do m ovimento . Ficou claro, agora , que o qu e pod e se depreender da pesquisa é "como" essas instruções operam , e perceber que faz sentido que Klauss tenha optado por elas para perseguir se us objetivos. Mas , quanto à sua eficácia no cumprimento desses objetivos , aco n teceu a confirm ação teórica de resul tados qu e ele já exp erimentava na prática. Foram re ssaltados dois aspectos cen trais desta téc nica : a noção de que no m odo de fun cionam ento do corpo está a p ossibilidade de expressão e o conseqüente uso de ins truções ligadas aos mecanismos corporais para a criação de movimentos. Dur ante o estudo das pro postas de Gerald Edelman sobre as carac terísticas do fun cion amento corporal, desenvolveu- se a compree nsão sobre os dois eixos fundamentais da prática de Klaus s: a qu estão da coexistência, no corp o, de estabilidades e in stabilidades e a questão da construção e da emergência da informação a partir das conexões qu e re sultam n o mo vimento. Essa primeira questão discute o aspecto muitas vezes limitador do padrão individual de postura corporal e de movimento.

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O padrão é lim itante n o tocan te às tensões musculares que restr in ge m o u so das articulações e determ in am o u so de alguns m úsculos em detrimento de outros. Tamb ém se torna castra do r p elo fato de qu e, na vida cotidiana, o sentido utilitário do movimento nos leva a um uso automático e desat en to do corpo , que n ão favorece absolutamente um uso mais total e abrangente de nossa capacidade de m ovi me nto. Esta re petição desat enta vai fixando o padrão como quase a única possibilidad e. O padrão se torna, n a prática, u ma m ar ca m ais ou m enos estanque de n ossas características individuais. Os estu dos de Edelman con firmam e explicam o quanto somos flexíveis e passíveis de transformação. Nos so modo de fu ncionamento está baseado na existência e na criação constante de estabilidades e in stabilidades. A criativida de é in erente à maneira de nos desenvolvermos, evo lui rmos e n os rel acionarmos com o mundo. Esse aspecto limitador do padrão é, então , gerado pelas tensões que restringem o mo vimento, uma ên fase no aspecto estático, pela re petição automática de um com portam ento corp oral. Visto dessa maneira, é um en trave à t en dê n cia inovad ora e criativ a, que pouco leva em conta as circunstâncias, colocando-nos numa repetição de fórmulas passadas . Razões para isso podem tamb ém ser encontradas em aspectos psicológicos que não cab e dis cu tir aqui. Interessa, sim, ver que provocam des vinculação do presente, im pedin do a atenção focada e a "in tenç ão de estar presente ", como explicadas por Edelman . Posso concluir, então , que o qu e gera limi tação, além das ten sões musculares, é o uso desaten to que fazemos do nosso corp o, deslocado no t empo e das circunstâncias do momento. E ainda que as próprias tensões são , em muito, fruto desse comportam ento desatento e repetitivo. Outro aspecto im port ante do trab alh o de Klaus s deve ser tam-

b ém ressaltado, pois está ligado às duas questões principais. A

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e ficácia no desb loqueio das tensões musculares e como ger ador de mo vimento e informação. Trat a-se do u so de direcion amentos ósseos para a ativação de musculaturas específicas. Isso resulta em qu e um mesmo movimento possa ser executado por musculaturas difere ntes, o que implica em novas conexões. Já que conexões se fazem entre diversas estruturas cerebrais envolvendo os asp ect os mo tor e sensorial, e im plican do e m categor izações per ceptuais, de valor e m esmo cogn itivas , tem os a possibilidad e de gerar res postas motoras carregadas de significado ou estados corporais. Na conexão com o m undo, essas res postas se tra nsformam continuamente, podendo gerar um fluxo constante de troca de informação, de comunicação. A confirm ação desses fatos do fun cionament o corporal é de grande valia para a compreensão e o desenvo lvimento da T écnica Klauss Vianna. Isto porque o qu e nos interessa n ão é chegar a uma excelência na execução de um vocabulário de movim entos, ou no dese nvolvimento de um estilo determinado . Trabalhamos a implementação de in struções qu e esti m ulem as possibilidades de conexão internas e exte rnas ao sistema corpo. As sim, o uso das instruções existentes, e o possível des envolvim ento de novas, deve obe decer sempre a essa compre ensão do corpo como um siste ma abe rto, organ izado em redes de conexão, em qu e os significados são in corporados .

Assim , a con clusão é que um trabalho corporal, que tenha com o objetivo o desenvolvimento de um corpo disponível para a produção de m ovim ento e informação, deve in cluir qu atro fatores fundamentais: o te rren o : percepção - o m ovimento só pod e ser criado ou recriado em presença da percepção corporal e da consciência do mo vimento , qu e devem ser aprofundadas . Percepção e ação estão in timam ente ligadas, numa relação de interdependência.

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Como exemplo, tem os a Técnica Klauss Vianna enquanto um método de educ ação somática, em que se trabalh a a reeducação postural e do movimento, o desenvolvim ento da prop rioce pção e a otimização do uso da musculatura, visa ndo economia de energia e recuperação de flexibilidad e de tôn us ; tu do em função do desenvolvim ento das possibilidades exp re ssivas do corpo . os m e ios: sensação , m ovim ento , im agem mental, conceito - da sensação par a o movimento e vice-versa, da sensação para o conceito, do conceito pa ra a sensação e para o m ovimento, é a m esm a rede neuronal que é utilizada, com enorme variedade de pos sibilidades de conexões. Podemos utilizar, então, como estím ulos para a criação de m ovimentos, se nsaçõe s, m ovimentos, conceitos (desde qu e encontremos sua ação no corpo), im agens mentais, certos de qu e estaremos mob ilizando o todo, se o corpo estiver at ento e percep tivo.

Com o exemplo, temos um exercício da técni ca em qu e se bu sca o que Klauss chamava de "tema corpo ral". Nes se exercício, obse rva-se o estado do corpo no momento e em qu e parte do corp o ele se faz mais presente. Em seguida, obse rva-se com o esse estado se manifesta no mov imen to, com qu e qu alid ade, e exercita-se o uso dessa m esma qu alidade em outras partes do corp o e no corpo todo. O resultado é que o estado corp oral vai se altera ndo e os mo vim entos também, conseqüent emente. O que fica visível para o espectador não é necessariamente o estado corporal e as sensações vividas pel o intérp rete e nem é essa a int en ção. Mas o m ovimento comunica algo, qu e, muitas vezes, par ece ter mais consonância com a vivência do espectador. o tempo: atenção/presença - é no presente que se fazem as conexões neurais que resu ltam no m ovim ento. É, portanto, ap enas no momento presente que se pode falar

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em disponibilidade para criar, com o estado do corpo naquele momento e aberto às transformações decorrentes no tempo. É n ecessári o desenvolver um estado de atenção-prese n te , o qu e Edelman chama d e "in tenção de estar presen te", para se colocar disponivel. No exercício citado, é fácil perceber que, sem esta atitude, ele se in viab iliza .

o espaço: ambiente - o m ovim ento, facilitado nas condições citadas, se dá em relação ao ambiente externo, já que se in sere n o m u ndo . As conexões que se estabelecem podem ser vistas como re lações de contaminação e troca . Ainda utilizando o exe rcício do tema corporal como exe m plo, os estados corporais vão se alterando n ão apenas po r razões in ternas, mas pela relação de troca com o ambiente externo.

o título

da dissertação que deu origem a este livro - "O Movime nto como Processo Evol utivo Gerador d e Comunica ção T écnica Klaus s Vianna" - associa m ovim ento, evo lução, co mun icação e T écnica Klauss Vianna . Isso se deve ao fat o de que n os so in teresse n a in vestigação do movimento são as possibilidades de constante transformação do todo que é o corpo, u tilizando suas qu alidad es de sistema ab erto e em evolução, co m a n oçã o de que o movim ento é fat or cons tituin te des se proces so. E, ainda, de qu e a arte é um espaço pe rfeito para tran sform aç õe s. O título do livro - Klauss Vianna - Estudos p ara uma D ra matu rgia Corporal - aponta para a com p reen são do trab alho d e movimento proposto po r Klauss como u m a abordagem técnica do corpo qu e se baseia na indi ss olub ilidade dos binômios forma significado, sin taxe - semântica e, d essa m aneira , d es envolve estratégias e instruçõe s para o en te n di men to e .a m anifes tação do pensamento do corpo para a cena .

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