Inquisição sem fogueiras: vinte anos de história da Igreja Presbiteriana do Brasil, 1954-1974

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Edição digital baseada no livro de João Dias de Araújo, Inquisição Sem Fogueiras, 2ª Edição, Instituto Superior de Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982.

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Capa: Júlio César de Oliveira.

ÍNDICE O Autor Siglas Apresentação da 1ª Edição Apresentação da 2ª Edição Apresentação da Edição Digital Introdução Retrospecto Histórico Inquisição Sem Fogueiras Início da Radicalização Conservadora A Extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana Pressões sobre Pastores e Leigos Preocupados com Problemas Sociais Impacto do Concílio Vaticano II Ecumenismo A Revolução de 1964 Expurgos nos Seminários Crise em São Paulo Templo com Correntes e Cadeados Dissoluções e Despojamentos na Bahia Dissolução do Sínodo Espírito-Santense Voz Profética dos Presbitérios de Vitória e de Colatina Expurgos e Isolacionismo Considerações Sociológicas Considerações Teológicas Perspectivas Para o Futuro Bibliografia

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O AUTOR João Dias de Araújo nasceu num seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), em Campinas, SP, onde seu pai estudava para o ministério da Palavra. Retornou àquele seminário na década de quarenta para cumprir sua própria vocação. Após sua ordenação, pastoreou por sete anos a Igreja Presbiteriana de Itacira, no Presbitério de Campo Formoso, da IPB. Lá, no centro geográfico do Estado da Bahia, desenvolveu ministério fecundo, aconselhou obreiros e pacientes do Grace Memorial Hospital, professores e alunos na Escola de Auxiliares de Enfermagem e no Instituto Ponte Nova, e ajudou a organizar o Instituto Bíblico Waddell. Escreve para vários periódicos, e seu artigo sobre os Manuscritos do Mar Morto foi o primeiro sobre este assunto a ser publicado em português. Foi chamado pelo Supremo Concílio da IPB para ser professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), em Recife, PE. Fez pós-graduação no Seminário Teológico de Princeton, nos EE.UU. da A., e bacharelou-se em Direito, em Recife. Como representante do Fundo de Educação Teológica, viajou ao Exterior repetidas vezes, visitando seminários em países do Terceiro Mundo. Após doze anos de cátedra no SPN, saiu de Recife para ser diretor do Colégio 2 de Julho, em Salvador, BA, talvez o educandário evangélico mais conhecido no nordeste do País. Muito conhecido como conferencista e professor de Bíblia, João Dias de Araújo é ministro da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), atualmente responsável por um novo projeto de educação teológica para leigos no Estado da Bahia. Publicou quatro livros: Escondendo-se na Luz, São Paulo, 1952; Portas Cor de Rosa, São Paulo, 1959; O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964; Sê Cristão Hoje, Recife, 1970. J. N. W. 19.11.82

SIGLAS AIPRAL AIRB ASTE BP CD CPJ CEB CES CE/SC CESE CE/SSP CGT CI CIIC CIP CMI CMP CNBB COEMAR FECICS FENIP ICCR ICR IPB IPC IPF IPI IPR IPRJ IPS IPU ISER JMN MPBC PBH POMN PSP PSVD PVSF SAF SBH SBS SC SES SES-RJ SFC SPN

Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil Associação de Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil Brasil Presbiteriano Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil Colégio Dois de Julho Confederação Evangélica do Brasil Comissão Especial de Seminários Comissão Executiva do Supremo Concílio Coordenadoria Ecumênica de Serviço Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo Comando Geral dos Trabalhadores Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil Conselho Internacional de Igrejas Cristãs Conselho Inter-Presbiteriano Conselho Mundial de Igrejas Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana Confederação Nacional dos Bispos do Brasil Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América Fundação Educacional Cícero e Cecília Siqueira Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas Igreja Cristã de Confissão Reformada Igreja Cristã Reformada Igreja Presbiteriana do Brasil Igreja Presbiteriana Conservadora Igreja Presbiteriana Fundamentalista Igreja Presbiteriana Independente do Brasil Igreja Presbiteriana Renovada Igreja Presbiteriana na Cidade do Rio de Janeiro Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América Instituto Superior de estudos da Religião Junta de Missões Nacionais Missão Presbiteriana do Brasil Central Presbitério de Belo Horizonte Presbitério Oeste de Minas Presbitério de São Paulo Presbitério de Salvador Presbitério do Vale do São Francisco Sociedade Auxiliadora Feminina Sínodo Belo Horizonte Sínodo Bahia-Sergipe Supremo Concílio Sínodo Espírito-Santense Sínodo Espírito Santo - Rio de Janeiro Seminário Presbiteriano do Centenário Seminário Presbiteriano do Norte

SPS UCEB UPH

Seminário Presbiteriano de Campinas União Cristã de Estudantes do Brasil União Presbiteriana de Homens

APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO Era necessária documentar os fatos que se desenrolaram dentro de uma instituição religiosa brasileira, para servir de advertência e se constituir num brado de alerta à comunidade ecumênica do século XX. O que está acontecendo na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) pode acontecer em qualquer outro lugar deste planeta. Os aspectos patológicos da vida religiosa que se manifestaram nestas últimas décadas dentro de uma Igreja de pouco mais de um século de existência, atraíram a atenção dos estudiosos do fenômeno religioso no Brasil e causaram espanto aos observadores religiosos protestantes da Europa e dos Estados Unidos da América. Entre os grupos que estudam a religião no Brasil está o Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER) que reúne professores, clérigos, ex-clérigos, leigos, sociólogos e teólogos, formando uma equipe ecumênica voltada à pesquisa e ao estudo da situação religiosa brasileira. A crise na IPB, que sempre era mencionada nos seminários do ISER, merecia um tratamento mais detalhado. Estimulado e encorajado pelos companheiros do ISER, o autor desta pesquisa resolveu fazer m estudo histórico descritivo e interpretativo, numa tentativa de documentar e de compreender o que está acontecendo mim dos mais significativos e expressivos grupos protestantes que floresceram no Brasil, na segunda metade do século XIX - o presbiterianismo. O ISER possibilitou a realização desta pesquisa, fornecendo os meios para que ela fosse discutida e publicada. O autor apresenta aqui seu agradecimento aos colegas que cooperaram, com esta pesquisa e que ainda poderão oferecer criticas para a melhor compreensão dessa síndrome religiosa - o inquisitorialismo. O trabalho é imperfeito e incompleto. O autor diria, imitando a última frase de Euclides da Cunha em Os Sertões: “É que ainda não existe um Alexandre Herculano para historiar a origem e o estabelecimento da Inquisição Protestante.” J. D. A. Recife, dezembro de 1975.

APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO Após sete anos tenho a oportunidade de ver esta pesquisa novamente publicada. Neste ano também tive a alegria de ver este trabalho publicado em inglês, com a título: Inquisition Without Burnings. Agradeço as sugestões e críticas que recebi de vários leitores, amigos colegas, no sentido de corrigir e melhorar a lª edição, que está agora corrigida e parcialmente atualizada. Infelizmente, a situação da IPB continua a mesma. Fatos semelhantes aos descritos neste estudo continuam acontecendo. Alguns otimistas chegaram a profetizar que, com a proposta de “abertura democrática” feita pelo governo militar brasileiro, a IPB passaria para uma posição mais cordial e democrática. Puro engano. O regime militar decretou a anistia, reintegrando punidos e banidos ao convívio da sociedade brasileira. O regime eclesiástico, no entanto, nem cogita de compaixão e magnanimidade para com seus perseguidos e cassados. A cúpula da IPB não só foi a precursora de golpes neste País mas também a mantenedora de regimes golpistas. Todas as propostas de abertura feitas por vários setores da IPB foram solene e drasticamente rechaçadas por aqueles que ainda detêm o poder na Igreja. E ainda oportuna a publicação desta 2ª edição porque a memória do nosso povo é muito fraca, especialmente a do povo presbiteriano. Presbiterianos já estão esquecendo os fatos destas duas décadas que marcaram profundamente a Igreja que um dia foi implantada em nossa Pátria pelo ardente coração do jovem Ashbel Green Simonton. Volta e meia amigos e colegas de denominações presbiterianas irmãs indagam sobre os acontecimentos inquisitoriais na IPB, preocupados em que tais barbaridades não venham a se repetir em suas respectivas greis. Nutro a esperança de que este estudo venha a contribuir positivamente para evitar repetições que tais. Tenho agradecimentos especiais nesta 2ª edição. Ao tradutor para o inglês, Jaime Wright, à sua esposa Alma pelo rastreamento das referências bibliográficas e siglas, e à filha de ambos, Anita, pela sugestiva ilustração de capa. E ao Comitê de Defesa de Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) por ter cedido sua máquina para este serviço. J. D. A. Wagner (ex-Ponte Nova, ex-Itacira), BA, novembro de 1982.

APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DIGITAL Algumas palavras devem ser ditas, hoje, sobre o que significou a obra de João Dias de Araújo para o protestantismo e presbiterianismo brasileiros. Quando Jaime Wright verteu-o para o inglês, acrescentando uma preciosa bibliografia, subtitulou-a: Vinte anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. O campeão dos direitos humanos, conhecido como o mais importante entre os gigantes do presbiterianismo brasileiro, rendeu-lhe um tributo merecido. O teólogo presbiterianounido, escorraçado pela IPB, registrou um momento dos mais importantes do protestantismo e da opção calvinista e ecumênica, realçando o papel do grande mestre da Reforma Protestante, matriz do ecumenismo que conhecemos e aplaudimos, hoje (Zwínglio M. Dias). Significativamente, é influenciado pelo movimento Igreja e Sociedade na América Latina, impactado por uma teologia nova, social e politicamente realista, seu livro rebela-se contra a religiosidade “eqüidistante,” sem engajamento e definitivamente decidida a ficar em cima do muro vendo o trem da história passar, enquanto a América Latina se transformava, e o Brasil com ela. Um protestantismo presbiteriano infiel à Reforma se estabelecia como irremovível, inclinado ao pietismo e ao fundamentalismo, sem comprometer-se com as lutas contra a miséria, a fome, a doença, o trabalho negado; contra o distanciamento referente à cobrança de dívidas sociais, políticas; contra a afirmação dos direitos humanos e do exercício democrático de cidadania; contra as lutas do reconhecimento do ecumenismo histórico, do impedimento à comunhão com as tradições cristãs diversas, e até contra a discriminação de expressões do pluralismo religioso, evangelical ou afro-brasileiro, a ponto de ser classificada, a ala libertária dentro da IPB, de “modernista e comunista”. Pejorativamente, sem dúvida. A ala da qual João Dias de Araújo fazia parte arriscou-se na experiência da solidariedade diante da necessidade de fazer o presbiterianismo histórico original, reformado, calvinista de fonte, essencialmente confessional, mais que um presbiterianismo denominacional. Esforçou-se por fazer vigorar características latinoamericanas em suas lutas libertárias do colonialismo religioso, político, econômico e cultural dentro do presbiterianismo e do protestantismo de fontes terciárias, ideológico, culturalmente tendencioso e arrogante; defensor de uma falsa originalidade reformada, como foi chamado no protestantismo das missões norteamericanas. Como comunidade de testemunho, propôs a resistência ao autoritarismo religioso, enquanto se debatia contra o autoritarismo político da ditadura militar. Sofreu, esse movimento presbiteriano libertário, a humilhação de ser declarado pelos próprios presbiterianos de serem falsos teólogos, hereges, indignos da Igreja Presbiteriana, sob as conseqüências da retirada de direitos pastorais de muitos ministros; retirada de validade da ordenação de ministros, presbíteros, diáconos, inclusive. O presente relato não corresponde a interesses internos das igrejas presbiterianas no Brasil, certamente refere-se à grande crise do protestantismo conservador, que reage simultaneamente nas duas frentes: ecumenismo irrestrito e missão da Igreja nas profundas transformações que ocorriam na América Latina. Responsabilidade social é a chave de tudo. Mas não se exclui a luta pelo resgate do presbiterianismo original, passando por João Calvino e João Knox, na Reforma Suíça e na Reforma

Escocesa, respectivamente.Numa conferência proferida recentemente, João Dias dizia estas palavras: Havia já algum tempo que alguns teólogos presbiterianos estavam fazendo observações sobre o tipo de calvinismo que era valorizado no Brasil, especialmente pela IPB, mostrando que houve um afastamento histórico da fonte eclesial de Genebra e da eclesiologia de Calvino. Emil G. Leonard em sua obra clássica “O Protestantismo Brasileiro” preocupou-se com essa característica do Presbiterianismo de segunda mão. Escrevendo sobre o calvinismo dos primeiros missionários americanos que plantaram o presbiterianismo no Brasil, diria: “Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que (os missionários) acreditavam difundir já era uma diluição de diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptação do presbiterianismo britânico que por sua vez, através de um século de lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento de Calvino. E, quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte de inspiração – e, por isso mesmo mais ortodoxas em vontade que em espírito,o que era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Fé de Westminster (1647).” Este trabalho reflete alguma coisa a mais, no entanto. A teologia presbiteriana brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos Estados Unidos. A teologia do presbiterianismo norte americano provinha, não só do puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês, onde se define o presbiterianismo sistemático, eclesiológico, organizacional, que ganhou o mundo. Infelizmente, diz o próprio João Dias, os teólogos americanos que formaram os missionários que atuariam no Brasil estavam mais preocupados com a polêmica anti-liberal do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. Observemos que Princeton, o grande reduto do presbiterianismo norte-americano, foi dominado pelo fundamentalismo até os anos 40, no século passado. John Mackay revolucionou esse grande centro teológico restaurando a tradição reformada representada pela presença de Karl Barth, Emil Brunner, Joseph Horomadka, e dando grande força à teologia norte-americana representada por Richard e Reinhold Niebuhr, Paul Lehman e outros. Esta fase, porém, só vai refletir-se na década de 60, especialmente com a presença no Brasil do teólogo precursor da Teologia da Libertação Richard Shaull. “A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foi marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norte americano Jonatham Dickinson, que na primeira metade do século XVIII, escreveu um livro para defender o calvinismo radical. O historiador missionário Paul E. Pierson enumera três características da teologia das Igrejas que enviaram missionários para o Brasil: Denominacionalismo; falta de interesse por uma teologia científica; preocupação com a disciplina e a retidão de caráter,” acrescenta o teólogo João Dias na citada conferência. O fundamentalismo formou correntes teológicas reacionárias à teologia libertária que brotava, e João Dias, extremamente próximo de Richard Shaull, desde a famosa Conferência do Nordeste, onde o protestantismo brasileiro foi sacudido pela atuação da ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Resultou num documento importantíssimo também conhecido como Compromisso Social, “assumido” pela IPB

(1962). Contra a importância histórica do cristianismo primitivo acentuada na libertação religiosa (História da Salvação); contra a pesquisa histórica da pessoa de Jesus de Nazaré; contra o criticismo documental e hermenêutico das ênfases neotestamentárias sobre a identidade real da comunidade primitiva, fundamentalistas expressavam, como acontece ainda hoje, uma reação à modernidade com extrema virulência. O debate público para a restauração do passado ideal onde a autoridade religiosa não era questionada, uma espécie de contra-reforma dentro do próprio protestantismo brasileiro, tomava corpo. Seus conteúdos abrangiam as igrejas e as famílias, a autoridade do varão, do pai; a autoridade de um governo central capaz de impor normas de conduta moral quanto ao aborto, a homossexualidade, o feminismo, e em geral contra a secularização das escolas públicas e dos cerimoniais nacionais que afirmavam o apoio e a presença divina em todos os atos públicos do governo. No plano internacional, apóia o intervencionismo estadunidense, como ainda se vê. Afirmava-se, entre presbiterianos, os cinco pontos inegociáveis com a modernidade: 1. Da inerrância da Bíblia, inclusive a literalidade dos escritos bíblicos, donde surgiram traduções comentadas sob inspiração fundamentalista e do biblicismo literalista idolátrico das Escrituras (como o legalismo neotestamentário) ; 2. Do nascimento virginal do Salvador; sua mãe terrena, em acordo com o integrismo católico-romano, que concebeu e deu à luz como virgem, preservando a concepção humana mas sem pecado, e a divindade de Cristo, enquanto homem de Nazaré, concomitantemente; 3. Do sacrifício vicário substitutivo: na cruz, em nosso lugar, confirmando o entendimento medieval da "satisfação" da justiça divina em um único escolhido e determinado; Cristo sempre foi divino, no entanto invulnerável à condição humana; 4. Da ressurreição física e concreta de Jesus, sem discutirem-se as demais ressurreições citadas nos evangelhos e nos escritos apostólicos; 5. Da volta iminente de Cristo para julgar os pecadores, quando os salvos seriam arrebatados ainda em vida. Confirmavam-se teorias como a "dispensação da Lei" e a "dispensação da Graça", separadamente, mas ainda em vigor. A Lei condiciona a Graça, é o seu entendimento final. Fica patenteada a negação da teologia da Reforma, portanto, e a restauração da escolástica medieval. Talvez, à primeira vista, tal a familiaridade que temos com o fundamentalismo, nem nos damos conta dos significados desse "pontos fundamentais," uma vez que eles fazem parte indiscutível do que ensinaram os missionários fundadores do protestantismo no Brasil e também da pregação fundamentalista na maioria absoluta dos púlpitos presbiterianos e evangelicais; e da negação da necessária releitura da Bíblia. Quantos professam essa mesma concepção e não o confessam? De qualquer forma, não corre o risco, esta versão eletrônica, de fazer citações que não possam ser sustentadas documentalmente. Enquanto não se publica este trabalho, materiais novos, pesquisa mais recente, têm chegado ao nosso ambiente de estudos. Cito três, entre os mais importantes: O Novo Rosto da Missão, de Luiz Longuini Neto, Ultimato, 2002 – Uma abordagem de grande interesse teológico, pesquisa científica de valor incalculável que relata grande parte dos acontecimentos desde o período chamado Protestantismo de Missões, passando pelos albores do movimento ecumênico, Igreja e Sociedade na América Latina – ISAL, e as reações do movimento evangelical que o julgava demasiado interessado na revolução social. Esse trabalho recente valoriza as propostas eclesiológicas e teologias que alcançam a realidade latino-americana que encontram um campo fértil de experimentos

pastorais mais próximos da diaconia sugerida pela idéia da Missão Integral, ou Missio Dei (Missão de Deus). Os outros dois, referem-se ao trabalho do extraordinário teólogo Richard Shaull. Um deles Surpreendido pela Graça, Record,2003, uma biografia assinada pelo referido autor, traduzida por Waldo César. O último é de autoria do teólogo Eduardo Galasso, Fé e Compromisso, ASTE, 2002. É um trabalho resumo da teologia e trajetória de Richard Shaull no Brasil. Cito as três obras por sua relação direta com a Teologia da Libertação, inequivocamente inaugurada pelo grande teólogo R. Shaull, compartilhada por João Dias de Araújo e outros teólogos como Joaquim Beato, Jovelino Ramos, Claude Emanuel Labrunie, Zwínglio Mota Dias, e outros presbiterianos, que gerou um movimento de busca da igreja confessional reformada, mais que denominacional, com forte apoio no ecumenismo reformado, historicamente sustentador e apoiador das mais importantes idéias libertárias dentro da comunhão das igrejas provindas da revolucionária Reforma Protestante. Não temos que afirmar o projeto eclesiástico presbiteriano triunfalmente, desde as bases, para reformar uma Igreja que por natureza é reformata semper reformanda. É preciso evitar o que está em andamento, no entanto. Hoje, seguramente, nem tudo que se diz “evangélico” é, de fato, evangélico. O evangelicalismo pluralista, dispersivo, faz absoluta questão de esquecer o caráter protestante do presbiterianismo calvinista , receoso, talvez, do universalismo ecumênico que ele representa. Concentração de poder pode ser solução para as igrejas autoritárias, conservadoras, fundamentalistas. Não é solução para uma igreja que propôs renovar o protestantismo brasileiro enquanto se renovava a si mesma, dirá João Dias de Araújo nesta obra magistral. Esse princípio calvinista jamais permitirá que o presbiterianismo brasileiro pudesse considerar-se um projeto fechado, acabado. Não se pode abandoná-lo, em seus conceitos libertários. Precisamos anular a ideologia evangelical em nosso meio, e apostar na Igreja Protestante e Reformada, “reformada sempre se reformando” (Calvino). Ela, a Igreja Presbiteriana, em alguns setores, já fez por merecer nossa confiança de que vai dar certo para nossos filhos, assim como deu certo para nós que brotamos de igrejas autoritárias e sempre prezamos a liberdade e o diálogo. Ela ama a hospitalidade, malgrado a hostilidade de seu governo ao ecumenismo e as novas teologias, ao mesmo tempo em que exercita sua criatividade diante dos desafios de comunidades novas, ecumênicas, proféticas, diaconais. Na verdade, crises de identidade não se resolvem com políticas concentradoras de poder, como na IPB legalista e fundamentalista. A história comprova que o poder concentrado consomese por si mesmo. As novas comunidades, como a IPU, também não se livraram desse interesse autoritário. De fato, é muito difícil viver sob governos conciliares, consensuais, onde as bases eclesiásticas das igrejas locais, o laós (povo) da Igreja, se pronunciem e façam parte das decisões da igreja toda bem como de auto determinação sobre suas políticas eclesiásticas. Derval Dasilio∗



Professor da Faculdade de Teologia Richard Shaull / IPU. Filiado à ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo)

INTRODUÇÃO No ano de 1954 inaugurava-se uma época de profunda crise política no Brasil, com o suicídio inesperado do presidente Getúlio Vargas. Nesse mesmo ano, a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) resolve ser mais rígida e menos democrática. Logo depois, um professor foi expulso do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife, por questões doutrinárias. Era um missionário da “Junta de Nova York”. O movimento “fundamentalista” penetra nos arraiais presbiterianos e cria, pela primeira vez na história do cristianismo brasileiro, uma equipe de “caçadores de heresias”. O movimento da Mocidade Presbiteriana, que era a vanguarda do presbiterianismo nacional, dissolvido com o ato da extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana (CMP), promulgado pela Comissão Executiva do Supremo Concílio da IPB (CE/SC). Os jovens mais dinâmicos e os futuros líderes são lançados no ostracismo. O jornal Mocidade, que durante 14 anos vinha debatendo os mais variados assuntos que preocupavam os moços, está interditado, proibido de circulação, e sua diretoria está dissolvida. A direção da IPB exerce fortes pressões contra pastores e líderes que se preocupam com problemas sociais do Brasil. Vários são perseguidos e repelidos porque denunciaram males estruturais da realidade brasileira. O diretor do jornal oficial da igreja, Brasil Presbiteriano, foi pressionado a deixar a direção do jornal porque debate assuntos políticos, sociais e econômicos. Editorial do Brasil Presbiteriano recomenda que um seminarista de Campinas deve “usar batina”, porque chamou os católicos de “nossos irmãos”. Vários pastores escrevem artigos nos quais opinam que os esforços do movimento ecumênico não passam de “laços de Satanás”, manobras astutas de Roma... Vários pastores são despojados (expulsos do ministério) porque participam de cerimônias ecumênicas, ao lado de sacerdotes católicos. Estão proibidas as seguintes práticas ecumênicas: casamentos ecumênicos e participação de padres nos púlpitos presbiterianos, mesmo que fiquem em silêncio. Fica decidido que concílios que não punem pastores e presbíteros que participam de cerimônias ecumênicas proibidas, devem ser punidos. O Supremo Concílio (órgão máximo da IPB) considera passíveis de disciplina eclesiástica os membros de igrejas que aceitam ser testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica.

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A IPB tem participação no golpe militar da direita, apoiando o novo regime e, através de seus juristas elabora atos institucionais para a ditadura. Vários pastores, presbíteros, professores de seminários e jovens estudantes são perseguidos pelas lideranças da IPB e acusados de comunistas, subversivos e modernistas. Foi proposto, no jornal Brasil Presbiteriano, um expurgo dentro da Igreja. Um jovem é elogiado pela Comissão Executiva do Suprem Concílio (CE/SC) porque serviu como espião do presidente do SC e denunciou vários preletores e muitos participantes do VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana. Foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES) para expulsar professores e alunos que eram favoráveis ao no movimento ecumênico e que se preocupam com problemas sociais. São expulsos cinco professores e trinta e nove alunos do Seminário Presbiteriano de Campinas (SPS), porque não aceitaram a investigação da CES. É fechado o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória, no estado do Espírito Santo, e expulsos todos os professores e alunos porque não estão de acordo com a teologia e a estratégia da direção da IPB. Foram expulsos quatro professores e vários alunos do SPN, porque eram favoráveis ao movimento ecumênico e a participação da Igreja na solução dos problemas sociais e econômicos do nordeste. Foram dissolvidos o Sínodo Bahia-Sergipe e o Presbitério de Salvador e pastores foram despojados porque não apoiavam os desmandos da direção da Igreja. Outros presbitérios foram dissolvidos pelo mesmo motivo, no sul do país, porque, como os da Bahia, participavam do movimento ecumênico e da luta pela libertação do homem. Cerca de cinqüenta pastores são despojados, e outros renunciam o pastorado durante esta crise. O Sínodo Espiritossantense foi dissolvido e dois de seus presbitérios foram transferidos ilegalmente para a jurisdição do Sínodo de São Paulo. Uma igreja é fechada com pesadas correntes e cadeados, porque seus membros elegeram um pastor que não é aceito pela direção da IPB. O templo só foi pelas autoridades judiciais. O SC dá ultimato à Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América (IPU), exigindo a transferência incondicional das propriedades e instituições à IPB antes de qualquer nova reunião entre as duas Igrejas. Quatro missionários da IPU são considerados inimigos da IPB, e dois deles são denunciados Perante os órgãos de segurança.

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A CE/SC resolve fazer um dossiê das atividades e pronunciamentos dos missionários da IPU. A IPB rompe, unilateralmente, as relações com a IPU, a Igreja que mandou os primeiros missionários presbiterianos para o Brasil. Foram rompidas as relações da IPB com a Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), com a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), com a Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL), com a Aliança Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR), com o Dia Mundial de Oração e, com todas as organizações que mantêm qualquer vínculo com o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). É rejeitada uma grande oferta a crianças órfãs do Nordeste, enviada pela Igreja Reformada da Holanda, pelo fato de ser enviada através de um órgão do CMI. São retirados dos seminários teológicos quase todos os professores que têm cursos de doutorado, mestrado, e pós-graduação, ficando em seus lugares pastores de pouca preparação teológica. Nenhum candidato ao ministério pode ser ordenado ao pastorado sem a aprovação da CES, negando assim os poderes natos dos presbitérios. Os pastores perseguidos e injustiçados pela IPB não podem pleitear suas causas na justiça secular, sem primeiro ficarem afastados de suas atividades, através de um pedido de “licença compulsória”. As igrejas locais que não estão de acordo com a administração da IPB são ameaçadas de perder seus templos e propriedades. Os pastores que foram despojados e os professores que foram expulsos dos seminários estão sem direito de defesa. Agora é prática normal denúncias contra pastores, missionários, e concílios perante os serviços de segurança. As arbitrariedades, perseguições, ódios e vinganças do presidente do SC são aprovados pelos seus auxiliares, que se desculpam dizendo que não podem contrariar o “Chefão”. Os concílios começam a agir e a funcionar mais como tribunais do que como concílios. O Código de Disciplina da IPB (CD) transforma-se em Código Penal. Dezenas de pastores despojados e professores de seminários expulsos ficaram em deplorável situação financeira porque perderam casas e salários. A ênfase na evangelização é substituída pelo zelo farisaico, pela pureza e pelas tradições da Igreja com armas para preservação do poder político-eclesiástico.

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O medo domina muitas igrejas e pastores: as igrejas com medo de perder suas propriedades; os pastores, com medo de perder seus salários, suas casas e suas igrejas. O silêncio impera. Nunca, em toda a sua história, a IPB precisa de tantos advogados para defesas e acusações. Pela primeira vez ela é ré em dezenas de processos judiciais. Instalou-se, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a “inquisição sem fogueiras”.

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RETROSPECTO HISTÓRICO Na madrugada do dia 12 de agosto de 1859, um navio norte-americano aportou na Baía de Guanabara. Um dos passageiros era o jovem de 26 anos chamado Ashbel Green Simonton. Foi enviado pela Junta Missionária da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos da América, Com sede em Nova York. A data da chegada de Simonton no Rio de Janeiro marca o início da Igreja Presbiteriana do Brasil. Não desconhecemos as outras duas tentativas feitas anteriormente para o estabelecimento do cristianismo evangélico calvinista no Brasil. A primeira foi realizada pela Igreja Reformada da França, no ano de 1555, quando foi iniciada a criação da França Antártica. A segunda foi efetuada pela Igreja Reformada da Holanda, no ano de 1624. Essas tentativas se frustraram e deixaram apenas vestígios em monumentos e em alguns aspectos culturais em Pernambuco e na Bahia. A figura de Ashbel Green Simonton, que morreu de febre amarela aos 34 anos e que teve um ministério de apenas 8 anos no Brasil, deixou indelével marca de pioneirismo. Seus trabalhos mais importantes merecem uma lembrança permanente nestas terras sul-americanas. Ele criou o primeiro curso de alfabetização para adultos, com o fim de popularizar a Bíblia (1860). Instalou, com o auxílio de outro missionário (Blackford), os primórdios da “Livraria Evangélica”, pois ambos eram colportores. Organizou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (12.01.1862). Lançou o jornal Imprensa Evangélica (05.11.1864), órgão pioneiro do jornalismo evangélico em língua portuguesa em nossa pátria. Tomou parte na fundação da primeira “igreja filha”, em São Paulo (1863). Instalou o primeiro concílio presbiteriano: Presbitério do Rio de Janeiro (16.12.1865). Ordenou o primeiro pastor protestante brasileiro, o expadre José Manuel da Conceição (1865). Fez publicar o livro de hinos, Cânticos Sagrados, de autoria do poeta Santos Neves (1867). Fundou simultaneamente a primeira escola mista de ensino primário no Brasil (chamada mais tarde de “Escola Americana”) e o primeiro seminário teológico da América Latina. Este início se desdobra em vários períodos de expansão e de organização do presbiterianismo no Brasil. Para fazermos um retrospecto histórico, usaremos o esboço do historiador Júlio Andrade Ferreira que divide a história da IPB em 5 períodos. 1º Período (1859-1869) - Primeiros Esforços Este primeiro período marcou uma das tendências que irá percorrer toda a história do presbiterianismo brasileiro. Essa tendência se refletiu pela influência dos missionários da Junta de Nova York e pela atuação marcante do primeiro ministro presbiteriano brasileiro o ex-Padre José Manuel da Conceição. Foi uma fase pioneira, com já vimos pela lista dos principais trabalhos de Simonton. Estabeleceu-se a infra-estrutura tradicional da Igreja: (a) a escola dominical; (b) - 17 -

RETROSPECTO HISTÓRICO distribuição de Bíblias; (c) as pregações evangelísticas; (d) a literatura devocional e de propaganda da fé; (e) o jornal da Igreja; (f) a educação teo1ógica; (g) a estrutura conciliar; (h) a hinódia; (i) a educação. Os primeiros convertidos que professaram a fé, filiando-se à IPB, foram dois estrangeiros: o norte-americano Henry Milford e o português Camilo Cardoso de Jesus. Simonton recebeu a cooperação de seu cunhado Alexander Latimer Blackford, que veio para o Brasil por motivo de saúde, mas que aqui foi ordenado e fez posteriormente um curso breve de teologia nos Estados Unidos. Outro colaborador foi o missionário Rev. Francis Joseph Christopher Schneider, que tentou trabalhar com os colonos alemães mas, diante do fracasso desse empreendimento, passou a trabalhar com Simonton, especialmente no seminário. Sobre a obra e a importância do grande José Manuel da Conceição falaremos mais adiante, quando tratarmos das relações da IPB com a Igreja Católica. 2º Período (1869-1888) - Expansão Missionária até a organização do Sínodo Brasileiro No segundo período, o presbiterianismo brasileiro recebe outra influência com a chegada de missionários da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (IPS) enviados pela Junta de Nashville. A chegada desses missionários está relacionada com a emigração de norte-mericanos que vieram para o Brasil após a Guerra da Secessão nos Estados Unidos. Estavam descontentes com a situação política e econômica dos Estados Unidos e eram escravistas. Com os emigrantes vieram dois pastores, Emerson e Baird, que trabalharam somente com os colonos. Os dois missionários enviados pela Junta de Nashville, George Nash Morton e Edward E. Lane, se fixaram em Campinas. Morton se destacou com educador, no Colégio Internacional de Campinas. Lane se dedicou mais à evangelização nos arredores de Campinas e ao largo da Estrada de Ferro Mogiana. A IPS se interessou pelo Nordeste e enviou para Recife John Rockwell Smith, grande pioneiro e líder. Além de seus trabalhos de pregação, preparou os primeiros pastores da região: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de Lima, William Calver Porter, cunhado de Smith. Foram companheiros de Smith os seguintes missionários que chegaram depois ao Nordeste: Delacey Wardlaw, George William Butler e John Boyle. Este último estranhou o clima quente e úmido do Recife e teve de ir para as paragens mais amenas do centro-sul, onde fez um intenso trabalho de evangelização, na Estrada de Ferro Mogiana e no Triângulo Mineiro. Outro feito importante deste período foi a recuperação do primitivo seminário no Rio, graças aos esforços de Blackford. Foram quatro os primeiros candidatos ao ministério: Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite. Esses quatro são considerados pelo historiador Ferreira com “esteios do ministério nacional”. Em 1880, dois novos pastores foram ordenados, tendo obtido sua preparação na companhia dos missionários e dos primeiros pastores nacionais, num tipo de seminário ambulante: Zacarias de Miranda e Eduardo Carlos Pereira. Alguns anos - 18 -

RETROSPECTO HISTÓRICO mais tarde foram ordenados: João Pinheiro de Carvalho Braga, Caetano Nogueira e Antônio Manuel de Menezes. Na Bahia o presbiterianismo chegou primeira que em Pernambuco, pois Schneider chegou a Salvador em 1871, onde demorou até 1877. Em Sergipe o pregador presbiteriano que primeiro chegou foi John Benjamin Kolb. George W. Chamberlain funda a Escola Americana em São Paulo. George A. Landes e Robert Lenington evangelizam o Paraná. Emmanuel Vanorden funda o trabalho no Rio Grande do Sul. No ano de 1888 havia no Brasil 20 missionários estrangeiros e 12 pastores nacionais. Havia 59 igrejas. Havia quatro presbitérios: do Rio de Janeiro, de Pernambuco, de Minas Gerais e de São Paulo. As sessões do 1º Sínodo foram realizadas na igreja do Rio de Janeiro, de 30 de agosto a 19 de setembro de 1888. 3º Período (1888-1903) - Lutas eclesiásticas e a cisão de 1903 Neste período, a Igreja recebeu a influência do grande líder Eduardo Carlos Pereira. Sua personalidade marcante dividiu a Igreja. Foi um período cheio de problemas. O primeiro foi o da febre amarela que dizimou grande parte dos missionários pioneiros. Além disso surgiram problemas internos na Igreja. O Sínodo criou o seminário, mas os missionários divergiam quanto à sua localização, por isso demoravam em organizá-lo. Apesar disso, novos candidatos estavam sendo preparados e ordenados pelo sistema de aulas avulsas: Álvaro Reis, Benedito Ferraz de Campos, Herculano Gouveia, João Vieira Bezarro, Bento Ferraz, Flamínio Rodrigues e Lino da Costa. O Colégio Internacional de Campinas foi transferido para Lavras. Novos missionários americanos surgem para substituir os falecidos. O seminário do Sínodo teve início em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro. Eduardo Carlos Pereira organizou o instituto teo1ógico em São Paulo. O Sínodo de 1894 resolveu reunir essas duas escolas de teologia em São Paulo. Surge o problema do Mackenzie, dirigido por Horacio Lane. Eduardo Carlos Pereira era contra a orientação dos missionários em relação ao Mackenzie. Pereira queria a “educação dos filhos da Igreja pela própria Igreja”. Houve uma divisão de opiniões sobre a política missionária em relação ao destino das verbas enviadas pelas Igrejas norte-americanas. Desapareceu o jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton. Em 1898 surge o problema da maçonaria. A pergunta era esta: “Pode o crente ser maçom?” Uma discussão amarga em que brasileiros e norte-americanos se desgastaram. - 19 -

RETROSPECTO HISTÓRICO

Quando o Sínodo se reuniu em 1903, três problemas agitavam a Igreja: a questão missionária, a questão maçônica e a questão educativa. Nesse Sínodo se deu a primeira cisão no protestantismo brasileiro. Sete ministros e catorze presbíteros se retiram da IPB no dia 31 de julho e fundam a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI). 4º Período (1903-1917) - Desde a origem da IPI até a criação da Comissão “Modus Operandi” No quarto período a figura de destaque é Erasmo Braga que é considerado com a maior expressão do protestantismo brasileiro. Vários fatos importantes aconteceram neste período. Houve crescimento tanto na IPB com na IPI. O seminário foi transferido para Campinas, em 1907. Foi também criado o Seminário do Norte, em Garanhuns, que foi transferido para o Recife em 1918. A missão em Portugal é incentivada por Álvaro Reis e Erasmo Braga. Foi um período de criação de grandes colégios. Em Natal, em Recife (Colégio Agnes Erskine), e “15 de Novembro” em Garanhuns, o Instituto Ponte Nova, no interior da Bahia. George W. Butler, em Pernambuco, e William A. Waddell, na Bahia, tornaram-se figuras legendárias, o primeiro na medicina e o segundo na educação. O presbiterianismo é estabelecida em Goiás com Franklin F. Graham, e em Mato Grosso com Philip S. Landes. O leste de Minas Gerais e o Espírito Santo tornam-se celeiro do evangelismo presbiteriano. O interior e o litoral de São Paulo são evangelizados. O grande pregador Álvaro Reis brilha no púlpito do Rio e se destaca na direção do jornal O Puritano que passou a ser órgão oficial da IPB. Surge outro jornal no norte: Norte Evangélico. Três sínodos formaram a Assembléia Geral (anos mais tarde, seria chamada, Supremo Concílio) da IPB em 1910: o Sínodo do Norte, o Sínodo do Sul e o Sínodo Central. O congresso ecumênico do Panamá, em 1916, contou com a participação de Erasmo Braga e Álvaro Reis. A nova política de relação entre a Igreja brasileira e as missões norte-americanas era aprovada pela Assembléia Geral em 1917, na qual se estabeleceu uma divisão de campos entre missionários e pastores brasileiros. Aqueles ficavam nos novos campos do interior e estes nos grandes centros e nas igrejas estabelecidas. Foi criada a Comissão “Modus Operandi”, composta por 3 representantes de cada entidade: da Junta de Nashville, da Junta de Nova York e da IPB. - 20 -

RETROSPECTO HISTÓRICO

5º Período (1917-1959) - Da Formação da Comissão “Modus Operandi” até a Campanha do Centenário Neste período há uma grande expansão dos campos missionários e uma proliferação de novos presbitérios. Por outro lado, a Igreja começa a debater seriamente a sua missão dentro da realidade brasileira, ao completar um século de existência. Criou-se a “Junta Mista de Missões Nacionais”, depois chamada Junta de Missões Nacionais (JMN), para os pontos estratégicos. A Missão em Portugal prospera. Foi criado o Seminário Unido no Rio que trouxe uma fase de debates desde 1918 até 1932. Era uma tentativa interdenominacional que não se firmou. Houve fortalecimento do Seminário de Campinas, do Seminário do Norte e começaram os planos para a criação do Seminário do Centenário. O Instituto José Manuel da Conceição foi criado por Wandell nos subúrbios de São Paulo, em Jandira, para servir de preparação pré-teo1ógica. As senhoras presbiterianas tiveram a 1ª reunião da sua federação em Lavras, em 1921. Os moços tiveram a 1ª reunião da sua federação, também em Lavras, em 1938. Hospitais evangélicos são estabelecidos em Ponte Nova (Bahia), Rio Verde (Goiás), Curitiba (Paraná), e em outras localidades. Novos colégios presbiterianos surgem: Buriti, em Mato Grosso, 2 de Julho, na Bahia, Ginásio do Alto Jequitibá, em Minas Gerais. Organizações novas aparecem, como Instituto de Cultura Religiosa, União Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB) e a Casa Editora Presbiteriana. Finalmente, vem a Campanha do Centenário que inflamou a Igreja e que tinha com lema: “10 anos de gratidão por 1 século de bênçãos”. Houve grande ênfase na evangelização. Grande euforia e ufanismo. A Assembléia da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas foi realizada pela 1ª vez no Brasil, de 7 de julho a 6 de agosto de 1959, o ano do centenário. Foi planejada a formação do Museu Presbiteriano.1 Na parte final deste período e nos 15 anos após a celebração do centenário houve grandes lutas na IPB. Os limites desta pesquisa estão entre os 20 últimos anos 1954 a 1974.

1

Este retrospecto histórico foi baseado no livro do historiador do presbiterianismo brasileiro, Júlio Andrade Ferreira, Galeria Evangélica, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1952.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS “Os fundamentalistas não enxergam, nem com telescópio, as heresias de sua medieval e presumida ortodoxia que não queima fisicamente, mas levanta horríveis fogueiras morais, nas quais torturam muitos servos do Senhor.”1

O objetivo desta pesquisa é documentar fatos que ocorreram durante vinte anos de história da Igreja Presbiteriana do Brasil, e continuam a ocorrer, mostrando o fortalecimento do espírito e das práticas inquisitoriais. No final tentaremos dar algumas explicações socio1ógicas; e teológicas; a essa expressão do fenômeno religioso. Várias instituições ecumênicas; e Igrejas dentro e fora do país estão espantadas e perplexas diante dos acontecimentos que estão se desenrolando dentro da IPB, que já foi considerada com a igreja protestante de maior importância e de maior influência na América Latina. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana da Coréia foram consideradas, pelo seu crescimento e pelo seu prestígio, com as mais importantes Igrejas do chamado “Terceiro Mundo”. Foi essa a Igreja plantada por Simonton no Brasil e que produziu vultos de projeção internacional como Eduardo Carlos; Pereira, Erasmo Braga, Álvaro Reis, Miguel Rizzo, Jerônimo Gueiros, José Borges dos Santos, Jr., Benjamin Moraes, Rubem Alves e tantos outros. Foi essa mesma Igreja que, desastrosamente nos últimos vinte anos, tomou atitudes medievais, causando preocupações na comunidade ecumênica atual. O ano de 1954 serve apenas como ponto de referência e marco simbólico da história que estamos escrevendo, porque foi nesse ano que o presidente Getúlio Vargas, no auge de uma crise política deu um tiro no coração, morrendo instantaneamente. Também foi nesse mesmo ano que a CE/SC publicou a seguinte resolução: “A nossa democracia é demasiado liberal e o espírito do século, que infelizmente às vezes nos contamina, adverte-nos que a nossa democracia deve ser mais autoritária. O governo presbiterial deve ser investido de autoridade mais rígida”.2 [grifos nossos] O título “Inquisição Sem Fogueiras” pode escandalizar alguns leitores protestantes. Muitos pensam que quando se fala em “inquisição” deve-se entender que foi uma prática instituída pela Igreja Católica Apostólica Romana, na Idade Média, e que os protestantes jamais foram inquisidores, pelo contrário, combateram essa monstruosidade. É puro engano. A história da Igreja mostra que os protestantes, 1 2

Lima, Joel Oliveira, Brasil Presbiteriano, (BP), junho-julho de 1962, pg. 5. Resumo de Atas, 1954. pgs. 123, 124.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS desde a Reforma do século XVI, tiveram a sua inquisição e acenderam fogueiras para queimar hereges, e outras vezes praticaram métodos inquisitoriais, sem fogueiras, como acontece até o dia de hoje.3 A palavra inquisição é derivada do verbo latino “inquirere”, que significa, em sentido eclesiástico: investigar, inquirir a retidão da fé dos membros da Igreja.4 Desde os primórdios da Igreja, membros cuja retidão da fé era posta em dúvida, eram submetidos à investigação e punição, para reconduzi-los à obediência. A união de Igreja e Estado trazia consigo a pergunta se este problema estava parcialmente na mão do Estado, tanto no Império Bizantino, como no Reino dos Carolíngios, Otomanos, etc., porque minar ou subverter a união da Igreja era também minar ou subverter a união do Estado. Daí que o Estado perseguia os hereges, pregadores de erros e suspeitos. A primeira condenação à morte por causa de uma heresia aconteceu no ano de 386. O herege foi condenado pela autoridade civil e não pela Igreja. Os padres apologetas defendiam a liberdade religiosa (livre da ingerência do Estado), declarando explicitamente e com ênfase os direitos inalienáveis da pessoa humana e impondo limites à competência do Estado. Santo Agostinho defendia inicialmente a liberdade religiosa, mas posteriormente admitia o uso de força “para remover a má vontade”. Foi nesta última posição de Santo Agostinho que está a base da evolução da inquisição na Idade Média. Formas muito antipáticas desse “obrigue a entrar” foram as Cruzadas internas da Europa, sobretudo contra os Valdenses, Albigenses e Cátaros. A comunidade da Idade Média estava fundamentada na unidade da religião e na íntima colaboração entre a autoridade civil e a religiosa. Eram dois aspectos da mesma realidade. A Igreja não aprova o uso da força contra os pagãos, mas a usa contra os hereges, dizendo que a heresia é subversão da ordem social estabelecida e que deve ser punida tanto como erro contra a religião como delito contra a sociedade civil. São três as causas que explicam essa praxe e também a origem da Inquisição: 1.

A influência do direito Justiniano que revive nas universidades da época (em 529, Justiniano obrigava todos os súditos a “converter-se” ao cristianismo sob pena de confisco de bens e cassação dos direitos civis). Desta forma ele “converteu” 70.000 pagãos na Ásia. Bem diferente era a atitude do ostrogodo Teodorico, que concedia liberdade religiosa aos judeus. Dizia ele: “Não podemos impor a religião porque ninguém deve ser coagido a crer contra a sua vontade”. O herege Teodorico julgava melhor do que o católico Justiniano.

2.

O perigo da heresia dos Cátaros (séculos XI e XII) que condenavam o casamento, a propriedade privada, o trabalho manual, a legitimidade da autoridade civil, instaurando, de fato, perturbação e verdadeira anarquia na sociedade.

3.

Necessidade de impedir os suplícios, desde então aplicados aos hereges, com muito rigor.

3

Baiton, Roland H., The Travail of Religious Liberty. The Westminster Press, Philadelphia, 1951, pg. 25. 4 Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, vol. 1, Livraria Bertrand, Lisboa, 1852, pg. 69.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS

Na evolução da Inquisição devemos distinguir 4 etapas: 1) Inquisição episcopal - A repressão da heresia foi confiada aos bispos nas

visitas pastorais inquisitoriais (1184). 2) Inquisição legatícia - Exercida por legados. Os bispos se tinham mostrado

um tanto “fracos e indulgentes” na repressão, e por isso ela é entregue a legados escolhidos pelo papa. Esse método evoluiu sob Inocêncio III que escolheu geralmente monges cistercienses da França. 3) Inquisição monástica - Exercida por frades dominicamos e franciscanos,

com missão permanente. Anteriormente a missão era confiada “ad tempus” ou “ad causam”, a fim de que nunca faltasse controle. Nomeava-se superiores provinciais para exercer esse controle. Esse método foi introduzido por Gregório IX. 4) Inocêncio IV permite o uso de torturas que era praxe na época, no direito

penal em vigor, embora já tivesse sido condenada por Nicolau I, no século IX, pois esse papa já previa os “incômodos” decorrentes dessa maneira de agir. MÉTODOS USADOS NA INQUISIÇÃO: (1) O inquisidor, ao chegar num determinado lugar, proclamava “um tempo de graça”: quem confessasse sua culpa poderia ser absolvido logo, e recebia apenas um castigo leve. (2) Esgotado esse tempo de graça, proclamava-se um novo “Edito de Fé”. Os súditos eram chamados ao tribunal. Em caso de confissão, deveriam ser absolvidos com imposição de punição razoável. Em caso de resistência e negação: era preciso ouvir testemunhas, que ficavam anônimas, mas as respostas eram publicadas. Para “facilitar” as confissões, usava-se a tortura: flagelação, fogo, cavalete, etc. (3) A sentença era dada pelo juiz eclesiástico, após ter ouvido “boni viri” (homens bons). Havia diversos tipos de sentenças: (a) absolvição; (b) punição: cárcere, peregrinação, certo sinal externo visível, e obra de caridade; (c) pena de morte: o herege era entregue ao braço secular, que então condenava à morte, em razão de delito contra a sociedade. A heresia era punida tanto como delito contra a religião como delito contra a sociedade, contra a ordem social e sujeito às leis da época. A Igreja não condenava à morte diretamente, mas é claro que, na maneira de agir, estava cooperando de perto para esse castigo supremo. As duas primeiras fases da inquisição (a episcopal e a legatícia) foram consideradas por alguns como indulgentes e por outros como envolvidas nas formas políticas e estatais porque os juizes inquisitoriais aplicavam o direito civil e o processo civil. Por esta razão o papa Gregório IX instituiu uma inquisição estritamente eclesiástica em 1234, mas assumiu todas as práticas já introduzidas; antes daquele ano, e adotou as bases jurídicas do direito consuetudinário normando e franco. Por mandado eclesiástico procurava-se defeitos na retidão da fé, tanto dentro da Igreja como em relação a pessoas de outras convicções religiosas, mas morando em países cató1icos ou sob autoridades católicas. Fazia-se isso usando todos os meios, inclusive as torturas corporais mais duras, para conseguir a confissão do erro. Em casos de resistência à confissão, não se hesitava a aprovar a morte na fogueira e deixar a execução ao Estado. Mas a inquisição não julgava apenas delitos da fé, - 24 -

INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS mas também delitos morais e sociais e chegou a se revestir de formas inimagináveis em relação aos supersticiosos e às bruxas. A inquisição católica falhou durante a época da Reforma, no século XVI, e se extinguiu na Alemanha e na Holanda. Mas na Espanha, em Portugal e na Itália conseguiu sobreviver até o início do século XIX. A forma antiga foi abandonada e a tarefa de proteger a retidão da fé foi entregue à Congregação da Inquisição, do Santo ofício, cujo nome foi mudado em 1967 e hoje tem a seguinte designação: Santa Congregação para a Doutrina da Fé. Como sabemos, através da informação de Alexandre Herculano, “O ano de 1229 é a verdadeira data do estabelecimento da Inquisição”,5 embora o mesmo autor reconheça que a Constituição promulgada por Lúcio III, em 1184, tem sido considerado por alguns escritores como a origem e o germe da Inquisição. “Aquele ato do poder papal, expedido de acordo com os príncipes seculares, ordenava aos bispos que por si, pelos arcediagos, ou por comissão de sua nomeação visitem uma ou duas vezes por ano as respectivas dioceses a fim de descobrir os delitos de heresias, ou por fama pública ou por denúncias particulares”.6 Vamos notar que nos últimos 20 anos da história da IPB houve casos semelhantes inspirados pelos “papas” protestantes. Mas convém que recordemos algumas técnicas usadas pela inquisição, tanto cató1ica como protestante, para que, ao longo da pesquisa, possamos identificar o que está ocorrendo nos arraias presbiterianos. G. G. Coulton, em seu livro Inquisition and Liberty, apresenta as seguintes características e práticas inquisitoriais: 1.

Absolvição de um condenado era quase desconhecida nos processos da inquisição.

2.

Os juízes da inquisição eram puramente eclesiásticos, isto é, membros dos partidos religiosos interessados. As autoridades civis tentaram sustentar seu direito de, pelo menos, consultar os documentos, mas foi em vão. Houve casos em que as autoridades civis eram ex-comungadas quando rejeitavam cumprir as leis contra os hereges.

3.

Os procedimentos eram secretos e os inquisidores zelosamente guardavam seus documentos para não serem vistos pelos de fora.

4.

Os nomes das testemunhas contra os hereges eram guardados em segredo sob a alegação de que havia necessidade de proteger essas testemunhas.

5.

Os hereges não tinham o direito de constituírem advogados para defendê-los. Essa medida foi decretada por Inocêncio III.

6.

Uma pequena discordância podia ser exagerada ao ponto de tornar-se um crime punível por morte. Às vezes somente ter em casa uma Bíblia na língua

5 6

Ibidem, pg. 69. Ibidem, pg. 83.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS vernácula ou usar roupas proibidas pelas autoridades, eram motivos para ser levado à fogueira. 7.

Não havia lugar para a “heresia construtiva”. Qualquer aparente falta de respeito para com a Igreja podia formar uma base “prima facie” para suspeita.

8.

Apesar do fato do perseguidor Trajano ter proibido Plínio de procurar os cristãos ocultos, a inquisição compeliu cada cristão a ser espião dos segredos de seu irmão. Um herege que abjurava, e assim trocava a fogueira pela prisão perpétua, era obrigado a prometer primeiro que iria perseguir os hereges, dando informações contra eles e revelando o lugar onde eles se encontravam.7

Sobre essa prática de denúncia, Alexandre Herculano informava que “a terça parte dos bens dos que eram condenados como hereges ficava pertencendo aos seus acusadores... desse modo os inquisidores vendiam aos desgraçados os bens e a vida a troco de traírem seus irmãos”.8 Foi um verdadeiro clima de terror implantado na Igreja e, “para que o terror não diminuísse, onde não podia achar culpados, queimavam os inocentes”.9 A página da inquisição é tão negra que não tem sido totalmente estudada. Embora a inquisição protestante aparecida na época da Reforma fosse de proporção bem menor do que a Católica, os protestantes não estão isentos de culpa. Os pré-requisitos para a perseguição a hereges eram três: (1) o perseguidor deve crer que ele está certo; (2) que o ponto em questão é importante; (3) que a coerção será efetiva. Sobre esses três pontos, católicos e protestantes estão de acordo quando perseguem hereges.10 Tanto os católicos como os protestantes perseguiam os hereges porque viam neles uma ameaça para a estrutura da Igreja e da sociedade. Argumentavam que os hereges danificavam e envenenavam as almas dos seus irmãos. Tanto os católicos com os protestantes concordavam que erradicar o erro através da morte ou da prisão do herege era uma obra benéfica à Igreja, e devia ser feita para a glória de Deus. Lutero, a princípio, procurou limitar a perseguição apenas aos blasfemos. Os hereges eram Poupados, mas depois houve a identificação da blasfêmia com a heresia. Calvino não fazia essa distinção sutil e consentiu que Miguel Serveto fosse queimado, acusando-o abertamente com herege. Dois argumentos a favor da perseguição foram usados por Calvino e fortaleceram a inquisição: (1) A gravidade de uma ofensa dependia do grau de importância da pessoa ofendida, logo uma ofensa contra a majestade de Deus era um crime de infinita depravação. (2) Já que pela doutrina da dupla predestinação as almas já estavam salvas ou perdidas, o propósito da perseguição aos hereges devia ser a 7

Coulton, G. G., Inquisition and Liberty. Beacon Hill, Boston. 1959, pgs. 119-130. Herculano, op. cit., pg. 50. 9 Bainton. op. cit., pg. 17. 10 Ibidem, pg. 18. 8

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS glória de Deus. “O propósito da perseguição não era alterar o decreto de Deus, mas vindicar sua honra”.11 Sobre esses dois fundamentos Calvino tentou argumentar, justificando a perseguição. “Aquele que despreza e rebaixa a majestade de Deus é pior do que um bandido que corta a garganta de um viajante... E o Deus que nem mesmo poupou as crianças dos amalequitas requer que nós sejamos inexoráveis. Se essa exigência parece cruel para nós devemos ter certeza que Deus somente sofreria pelas crianças dos amalequitas se elas já não tivessem sido por Ele condenadas e destinadas para a morte eterna”.12 Assim a doutrina da predestinação foi invocada para endurecer os homens contra qualquer brandura de sentimento. Por que deveria ser o homem mais compassivo do que Deus?13 Veremos que o argumento da morte dos amalequitas continua vivo na ala inquisidora do presbiterianismo brasileiro: foi o texto usado para o sermão de abertura da reunião do Supremo Concílio em 1974, para justificar dissoluções de sínodos e despojamentos de pastores e outras perseguições. A inquisição protestante teve a sua casuística no Consistório de Genebra no tempo de Calvino. Sobre o despojamento de pastores havia a seguinte orientação: “Um ministro devia ser deposto por heresia, jogo de azar e baile, mas se ele fosse culpado de grosserias, obscenidade e avareza, bastaria uma admoestação fraternal”.14 Sebastião Castéllio, contemporâneo e ex-cooperador de Calvino contestou essa casuística. “Por que”, perguntava Castéllio, “Calvino não efetua a morte dos hipócritas e dos avarentos? Ou será que ele pensa que os hipócritas são melhores do que os hereges? Ele afirma que os hereges destroem as almas. Mas a mesma coisa fazem os invejosos, os avarentos, e os orgulhosos. Mas se Calvino desejasse que todos os orgulhosos fossem punidos pelos magistrados, ninguém seria deixado para punir os magistrados”.15 Todos nós sabemos que o clímax da inquisição protestante foi a condenação de Miguel, grande gênio do século XVI que foi queimado vivo, juntamente com seus livros, na cidade de Genebra. Seu acusador foi João Calvino. Serveto foi condenado porque disse a verdade que ele sinceramente julgava ser a verdade. Ele podia ter se retratado e falado contra a sua consciência. Ele podia ter fugido. Ele foi executado porque não quis mentir. Ele foi morto porque disse o que pensava.16 Na sentença proferida pelo Conselho de Genebra podemos ver o verdadeiro objetivo da condenação: “Tu, Miguel Serveto, não te envergonhas nem horrorizas-te de te 11

Ibidem, pg. 22. Ibidem, pg. 70. 13 Ibidem, pg. 71. 14 Ibidem, pg. 119. 15 Ibidem, pg. 115. 16 Ibidem, pg. 119. 12

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS colocares contra a majestade de Deus e contra a Santa Trindade, e assim tu tens obstinadamente tentado infeccionar com o teu veneno fétido e herético... Por essas e outras razões, desejamos purificar a Igreja de Deus de tal infecção e amputar o órgão podre. Falando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, nós escrevemos a sentença final e te condenamos, Miguel Serveto, a seres conduzido a Champel e lá seres amarrado num poste e seres queimado até às cinzas, com teus livros”.17 Todos os protestantes mais tarde lamentaram esse ato assassino e se penitenciaram erguendo um monumento em homenagem a Serveto, mas os mecanismos que levaram o herege à fogueira não desapareceram. Um desses mecanismos já era usado na inquisição católica, quando os inquisidores não podiam queimar corporalmente o herege queimavam-no em efígie, isto é, faziam uma estátua representando o herege e a queimavam.18 A inquisição protestante continuou. Os puritanos que vieram para a América em 1620, no “Mayflower”, fugindo da inquisição anglicana, fundaram a colônia de Massachusets para gozarem de liberdade religiosa, que não tinham na Inglaterra. Mas, logo depois, instauraram uma verdadeira inquisição na nova colônia e expulsaram os que eram considerados hereges. Os deportados então fundaram a nova colônia de Rhode Island. Mas não parou aí, porque os puritanos continuaram a instaurar perseguições em outros lugares.19 Esse espírito inquisitorial, sempre latente tanto no catolicismo como no protestantismo, ressurge em certas épocas. No caso que estamos considerando no Brasil, o espírito inquisitorial foi despertado e reativado pelo movimento “fundamentalista” que tem levado muitos irmãos às barras dos tribunais religiosos e seculares, usando as armas da difamação, da mentira, da calúnia e acendendo as fogueiras morais e espirituais contra seus irmãos que pensam diferente. Como resultado dessa perseguição, surgiu no meio presbiteriano um fenômeno interessante constatado em outras épocas. A tese de Castéllio era que a perseguição pode facilmente transformar um herege em um hipócrita. Isso aconteceu com David Joris, da Holanda (1501). Entre nós, na história da IPB, podemos distinguir os líderes que eram conservadores, mas não eram fariseus, de outros líderes que, além de conservadores, eram fariseus perseguidores e fanáticos. E muitos, para não perderem posições de privilégio, tornaram-se hipócritas. A inquisição sem fogueiras está em pleno funcionamento na IPB. Pastores e leigos são despojados e disciplinados sem oportunidade de defesa. Professores são expulsos dos seminários sem terem oportunidade de defesa das acusações que foram alegadas para sua expulsão. Alguns desses professores, pais de família numerosa, foram jogados na rua da amargura sem salário e desmoralizados perante a Igreja e a sociedade.

17

Ibidem, pg. 119. Herculano, op. cit., pg. 89. 19 Hicks, J. D., A Short History of American Democracy. Houghton Mifflin Co., Boston, 1943, pg. 16. 18

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS Se tais professores recorrem à justiça secular são disciplinados pela “licença compulsória” (nova arma da inquisição) e são ameaçados de despojamento. Se a causa na justiça não termina dentro de dois anos, são despojados. Os inquisidores fazem tudo para que a causa demore, usando a baixeza das chicanas jurídicas. Um desses professores que recorreram à justiça secular estava sendo ajudado financeiramente pela igreja da qual era pastor, em “licença compulsória”. O sínodo da região mandou a igreja suspender a ajuda financeira sob ameaça de intervenção e dissolução do presbitério. Os inquisidores; queriam que o pastor passasse por privações econômicas e fosse reduzido à miséria. Outro professor, no ano em que ficou viúvo, foi jogado fora do seminário com seus filhos. Poucos meses depois era Natal. Ele não pode comprar, à prestação, presentes para os filhinhos órfãos da mãe porque a junta comercial da cidade foi avisada, pelo cartório, que o professor tinha sido demitido do seminário, portanto não tinha crédito. E quem avisou o cartório foi a direção do seminário. Dezenas de pastores que discordam da direção da Igreja passaram por dificuldades financeiras tremendas e humilhantes porque foram postos fora das igrejas e tiveram que procurar sustento em outro lugar. A 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte passou por uma situação dramática. As autoridades da IPB mandaram trancar o templo com correntes pesadas de ferro e cadeados enormes para que os crentes não entrassem para dar culto a Deus. Somente com o recurso da Justiça Civil os membros da igreja puderam reaver o direito ao templo. Presbitérios e sínodos foram dissolvidos de maneira mais absurda e contra todos os princípios democráticos. O jornal da Igreja, Brasil Presbiteriano, que era um órgão para informações e debates de opinião, foi reduzido a um tipo de Diário Oficial que publica as decisões dos concílios. Ninguém pode escrever artigo que contenha opinião diferente da do diretor do jornal que é, ao mesmo tempo, o presidente da Igreja. Na 1ª página saem as notícias de despojamentos de pastores, dissoluções de presbitérios e sínodos. E os pobres seminaristas e candidatos ao ministério? Se forem favoráveis aos desmandos; da direção da Igreja são elogiados e protegidos, mas se tomam posições contrárias são tratados desumanamente, expulsos, às dezenas, dos seminários. Há um verdadeiro clima de terror dentro dos seminários. Esse terror se espalha por toda a Igreja. Pastores e leigos são “denunciados” falsamente perante os órgãos de segurança. Missionários são expulsos e “acusados” de subversivos. Comissões especiais são constituídas com poderes superiores a todos os concílios e não dão satisfação aos concílios sobre as arbitrariedades, com foi o caso do fechamento do Seminário Presbiteriano do Centenário, em Vitória.

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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS Além de todos esses fatos, não devemos nos esquecer da inquisição interna, dentro das comunidades locais através da fiscalização rigorosa na vida dos crentes, através da censura dos atos dos membros das igrejas. Aquilo que Weber descrevia no calvinismo nascente, como “a mais insuportável forma de controle eclesiástico que pode existir”. Elter Maciel descreve esse controle nas igrejas brasileiras: “Isto significa que o legalismo e a fiscalização do comportamento individual chegam ao extremo da sugestão de exclusão (de jovens) por causa do pecado que consiste em ir ao cinema. ... Inúmeros exemplos como este vão mostrando e confirmando a fiscalização ‘insuportável’ e o controle eclesiástico a que chegam as congregações protestantes”.20 Vários aspectos dessa situação serão examinados nos capítulos que se seguem.

20

Maciel, Elter, Pietismo no Brasil. Tese de Mestrado, Universidade de Goiás, pg. 152.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA A cristandade do século XX foi infelicitada pelo surgimento dos fariseus peripatéticos [aristotélicos] e turistas que atravessam os “sete mares”, espalhando por toda parte da terra as sementes da divisão, da cizânia [desarmonia, rixa, discórdia] e do ódio no meio das comunidades protestantes. Esses novos fariseus são chamados “fundamentalistas”. O “fundamentalismo”, como movimento, surgiu com a publicação de um série de livros na cidade de Chicago (1910) com o título: “The Fundamentals: A Testimony to the Truth”.1 Era um esforço sincero para combater o liberalismo do século XIX. O objetivo era defender as doutrinas preservadas pelos grupos conservadores, por isso os escritores da referida série de livros defendiam doutrinas básicas como: a divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a inspiração da Bíblia, a ressurreição corporal de Cristo, e outras. Esse movimento começou a se degenerar depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e chegou ao auge da degeneração depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945), quando foi fundado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948) para fazer oposição ao movimento ecumênico. Sob o pretexto de defender a ortodoxia, esses fariseus peripatéticos se ligaram indiretamente a todos os movimentos radicais da extrema direita política-social e a todos os fascismos nos Estados Unidos da América. Houve ligações obscuras com a “John Birch Society” e com os movimentos contrários à integração racial. A imprensa norte-americana denunciou que os fundamentalistas apóiam a “Ku Klux Klan”. Combateram ostensivamente o pastor Martin Luther King. Foram fervorosos defensores da Guerra do Vietnã, e até foram considerados suspeitos no complô para assassinar o presidente John F. Kennedy. Na América Latina, os fundamentalistas se apresentaram gratuitamente a governos militares da direita para serem espiões de seus irmãos e se prontificaram a denunciar todos os inimigos do capitalismo. Pelo que estamos vendo, o movimento fundamentalista procurou despertar dentro da IPB dois pontos: a) o fortalecimento do radicalismo conservador, combatendo as “novidades” daqueles que eles rotulam de “modernistas” e “ecumênicos”; b) defender ardorosamente o sistema capitalista e acusar de “comunista” todos aqueles que não se simpatizavam com o “fundamentalismo”. Depois do “1º Congresso Evangélico Pan-americano”, de 1961, a ofensiva fundamentalista foi intensa nos arraiais presbiterianos. Um velho missionário, Alexander Reese, que trabalhou várias décadas no Brasil, viu com tristeza, no final de sua carreira, os estragos do movimento fundamentalista. Ele escreveu: “Em apenas um ano, os métodos e atitudes dos fundamentalistas ... têm

1

Neve, History of Christian Thought, vol. II, pg. 290.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA sido responsáveis por mais mentiras, injustiças e difamações do que eu tenho visto em uma geração inteira no Brasil.”2 Nelson Bell, conhecido líder conservador norte-americano, visitou o Brasil para verificar se havia razões nas acusações dos fundamentalistas de que as igrejas evangélicas do Brasil estavam eivadas de modernismo. Após sua visita declarou que era “o mais flagrante caso de acusações mentirosas e injustas contra irmãos cristãos e instituições cristãs” que ele jamais tinha visto.3 O velho pastor da IPB, Haroldo Cook, sempre conservador em suas doutrinas, escreveu um artigo no Brasil Presbiteriano intitulado “Advertência Necessária”, combatendo os métodos do fundamentalismo e afirmando: “Os métodos dos McIntiristas, para invadirem as outras denominações evangélicas a fim de desviarem os crentes incautos, são tão repreensíveis como os chamados ‘Testemunhas de Jeová’. Há falta de ética cristã nesses métodos que usam. ... Bem diz o Norte Evangélico: ‘É uma inovação separatista provocada pela semeadura da intriga, da discórdia, da difamação, e de suspeitas ruins, a serviço do movimento de McIntire e financiado por ele’.”4 Missionários fundamentalistas vindos dos Estados Unidos para combater o modernismo, passaram vários meses no Nordeste visitando igrejas presbiterianas e ouvindo sermões, analisando a literatura das escolas dominicais e o ensino nos seminários e chegaram à conclusão de que o apelo de líderes fundamentalistas brasileiros para enviar missionários e verbas sob pretexto de modernismo, era um exagero ou havia outras intenções. Como explicou o pastor José Matos: “Eu creio firmemente que o verdadeiro problema não é ortodoxia, nem fundamentalismo, mas é o de liderança e prestígio”.5 O que estava acontecendo nos anos da década de 50 é que os presbiterianos brasileiros discordavam apenas dos métodos fundamentalistas, mas louvavam o seu combate ao ecumenismo e sua defesa da ortodoxia. Um parágrafo do presbítero Davi Mendonça é significativo: “E é necessário que digamos, de passagem, que nesta oposição sistemática (ao movimento ecumênico) nada temos a ver com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), do Sr. Carl McIntire, que também se opõe tenazmente ao tal movimento. ... Se o CIIC desfralda a bandeira de combate a esse ecumenismo indiscriminado e reivindica para a Bíblia seu caráter de autoridade única e infalível em Matéria de religião, parabéns a ele e que Deus o abençoe neste nobre tentâmen! [tentativa] [grifos nossos] Apenas lamentamos que os métodos por ele usados nesse combate nem sempre sejam louváveis, sendo às vezes até reprováveis. Nisto não o felicitamos. Está esclarecida, pois, nossa posição, que nada tem de compromisso com o CIIC, embora coincida em parte com o seu programa”.6

2

Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity. Trinity University Press, San Antonio, 1974, pg. 209. 3 Ibidem, pg. 211. 4 Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1958, pg. 2. 5 Norte Evangélico, outubro de 1956. 6 BP, maio de 1962, pg. 2; e abril de 1967. pg. 2.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA Por enquanto a IPB não concordava com os métodos, mas depois acabou concordando. O que estou mostrando neste documentário é que o movimento fundamentalista veio despertar a tendência inquisitorial do protestantismo conservador. A inquisição sem fogueiras apareceu justamente na época em que o fundamentalismo triunfou na esfera mais alta da administração da IPB. Nesse ponto o sistema de governo presbiteriano adaptado pela IPB favorece esse tipo de inquisição. As igrejas locais estão sujeitas aos presbitérios, estes aos sínodos regionais e ao Supremo Concílio nacional. O governo presbiteriano tem suas bases populares, mas no ápice está à toda-poderosa Comissão Executiva do Supremo Concílio e a não menos poderosa Mesa do Supremo Concílio. Ora, a CE/SC é constituída dos 4 membros da Mesa e dos presidentes dos sínodos regionais. Durante os quatro anos de interregno das reuniões do Supremo Concílio, a CE/SC tem acesso a toda a vida da Igreja. Além dos documentos dos presbitérios e dos sínodos, sobem para esse órgão todos os assuntos dos seminários, das secretarias dos trabalhos da mocidade, dos homens e das senhoras, os assuntos patrimoniais e financeiros, as relações inter-eclesiásticas, e os demais problemas. É uma centralização administrativa que funciona razoavelmente numa época de calma. Quando surgem as crises, porém, a CE/SC tem se tornado ora deficiente, ora prepotente. A Mesa se reuniu em ocasiões de emergência para tomar decisões “ad referendum” à reunião da CE/SC. Quando esta tem a sua maioria a favor do presidente, esta facilmente faz prevalecer ditatorialmente a sua opinião que se reflete em toda a vida da Igreja. Há também os tribunais: os 4 concílios da IPB podem funcionar com tribunais, ou tem os seus tribunais. O conselho da igreja local pode funcionar com tribunal para julgar membros e oficiais daquela igreja. Os presbitérios podem funcionar com tribunais para julgar ministros, conselhos das igrejas locais e julgar, em grau de recurso, decisões de conselhos. Os sínodos e o Supremo Concílio também funcionam com tribunais de recursos. O mais alto tribunal da IPB é o Tribunal de Recursos do Supremo Concílio, que recebe recursos provindos de outros concílios. Acontece que, numa época de crise, esses tribunais funcionam de tal maneira partidária que, dificilmente, um acusado da ala da “oposição” ganharia uma causa. Ora, o espírito fundamentalista, entrando nessa máquina burocrática, faz muita coisa desagradável, como já estamos vendo ao longo deste trabalho, porque o fundamentalismo faz acionar os mecanismos inquisitoriais. Waldyr Carvalho Luz, num interessante artigo no Brasil Presbiteriano, mostra a diferença entre o fundamentalismo com “sistema doutrinário” e como “atitude inquisitorial”. Escrevendo sobre o segundo tipo, afirma: “O fundamentalismo seria não o sistema teo1ógico mas a atitude inquisitorial, apanágio (atributo) de certo tipo de expressão religiosa ... é esse espírito intransigente, inquisitorial que acabamos de retratar: a virulência, o estreitismo, o bitolamento, o inquisitorialismo”.7 Foi essa “atitude inquisitorial” que começou a funcionar de maneira mais agressiva nas últimas décadas, embora já tenha funcionado no passado.

7

Ibidem, 15 de outubro de 1967, pg. 2.

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INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA O primeiro alvo da intransigência conservadora foi o trabalho da Mocidade Presbiteriana.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA “É preciso reconhecer que se as modificações desejadas pelos jovens fossem realizadas, aquilo que o protestante entende como Igreja desapareceria.”1

A Igreja Presbiteriana do Brasil foi fundada por um jovem solteiro de 26 anos. A presença dos jovens foi sempre sentida pela direção da IPB, mas somente na década de 1930 o poder jovem começou a ser estruturado. Atendendo aos reclamos da juventude da Igreja, o Supremo Concílio, em sua reunião de 1936, resolveu que: “Os presbitérios deverão adotar, no que julgarem oportuno, o seguinte: A. Criação nas igrejas locais, pelos respectivos conselhos, de Uniões de Mocidade, de caráter misto, com as finalidades expostas no trabalho: A Adolescência na Igreja. B. Constituição de Federações Presbiteriais por intermédio e com a aquiescência [consentimento] dos respectivos conselhos, e a aprovação dos presbitérios. C. Constituição de uma Confederação Geral que congregue federações presbiteriais para fins estatísticos, elaboração de programas uniformes e a realização de congressos gerais.”2 Assim estava lançada a base estrutural do trabalho da mocidade presbiteriana. Em 1938 foi nomeado o primeiro Secretário do Trabalho da Mocidade, Benjamin Moraes, que devia, entre outras atividades, “organizar e orientar o movimento da mocidade e dispor a sua representação no 1º Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana.”3 Um evento de grande importância foi o aparecimento do jornal Mocidade no dia 1º de maio de 1944, com o título de “Federação da Mocidade do Presbitério do Rio de Janeiro”. Sua primeira diretoria era assim composta - supervisão: Joel de Oliveira Lima; orientação: Paulo Lenz César; diretor responsável: Boanerges Cunha; redação: Dário Sarmento de Barros e Waldo César; secretária: Lucy J. Silva e Carlos Dias; tesouraria: Gershan Wills. O jornal Mocidade exerceu grande influência nos jovens presbiterianos de todo o Brasil e propagou os temas do 1º Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana, realizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, de 17 a 24 de janeiro de 1946. A partir desse congresso, o jornal Mocidade passou a ser órgão oficial da Confederação da Mocidade Presbiteriana (CMP).

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Maciel, Elter, op. cit., pg. 122. Digesto Presbiteriano, pg. 24. 3 Ibidem, pgs. 24, 25. 2

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA Os principais assuntos tratados pelo jornal dos anos presbiterianos, de 1944 a 1951, foram os seguintes: 1. Evangelização - Em cada número saía um artigo ou uma entrevista sobre esse tema. 2. Estrutura do trabalho da mocidade - Era uma discussão sobre a importância da estrutura. Eram dados esclarecimentos sobre pontos que estavam em debate. 3. Problemas sociais - Três eram os problemas debatidos amplamente: a. Analfabetismo - A mocidade se entusiasmou com a “Cruzada Nacional de Educação”, fundada pelo ilustre presbiteriano Gustavo Armbrust, em 1932. Waldo César chamou Armbrust de: “o Caxias da alfabetização”. O jornal fez uma campanha conclamando os jovens para livrar a pátria desse inimigo - o analfabetismo.4 b. A guerra - Artigos, poemas e entrevistas tratavam da guerra mundial, chegando a condenar os reais ganhadores dessa guerra, isto é, os monopólios internacionais sediados nos Estados Unidos.5 c. Ação social - o jornal incentivou as Uniões de Mocidade das igrejas locais a uma efetiva ação social. No Congresso da Mocidade Presbiteriana do Rio, em 1945, foi declarado: “Cristo exige de nós boas obras e ação social”.6 4. Ecumenismo - como veremos em outro capítulo, os jovens se entusiasmaram pelo movimento ecumênico. Muitos artigos, notícias e entrevistas foram publicados no jornal.7 5. Política - O jornal dava grande importância ao dever de votar nas eleições e combatia fortemente a ditadura que foi implantada por Getúlio Vargas.8 6. Recreações - Vários artigos tratavam do problema das diversões dos jovens crentes. 7. Problemas da Igreja - Em geral os problemas da Igreja eram tratados no jornal. Alguns continham críticas ao funcionamento do governo presbiteriano. Esses sete assuntos, ventilados nos primeiros anos, marcaram a tônica do jornal nos anos futuros. Os jovens não tinham medo de criticar aquilo que achavam errado na Igreja e na sociedade. Criticaram a Constituição da IPB (CI) que, diziam eles, “ainda não foi reformada de modo a incluir no seu texto legal certas realidades do desenvolvimento geral da causa”.9 Faziam críticas e davam sugestões em referência ao trabalho da imprensa presbiteriana, especialmente ao órgão oficial, O Puritano.10 Lysâneas Maciel critica a composição da Comissão do Centenário e pergunta: “Como explicar a ausência de um elemento jovem na referida comissão?”11 Num editorial o jornal condena “o silêncio da Igreja” e a falta de testemunho dos púlpitos presbiterianos face aos graves problemas do Brasil e do mundo. Critica também da IPB ao movimento ecumênico.12

4

Mocidade, Ano I, nº 4, setembro 1944. Ibidem, maio de 1951, pg. 5. 6 Ibidem, setembro de 1945, pg. 2. 7 Ibidem, fevereiro de 1951, pg. 8; e abril de 1951, pg. 3. 8 Ibidem, setembro de 1948, pg. 2. 9 Ibidem, pg. 2. 10 Ibidem, julho de 1950, pg. 1. 11 Ibidem, fevereiro de 1951. pg. 3. 12 Ibidem, março de 1951, pg. 2. 5

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA Os congressos nacionais dos jovens continuaram como pontos marcantes: Jacarepaguá (1946), Recife (1950), Lavras (1952), Salvador (1956), Presidente Soares (1959), Campinas (1964). Um dos líderes que exerceu poderosa influência na cúpula da CMP foi Richard Shaull. Ex-missionário presbiteriano na Colômbia, Shaull foi enviado pela Junta de Nova York para o Brasil, em 1952. Foi eleito professor do Seminário Presbiteriano de Campinas (SPS), onde exerceu grande influência sobre os seminaristas, por causa de sua grande cultura teológica e sua competência como mestre. Introduziu no seminário o pensamento da escola teológica “neo-ortodoxa” de Barth, Brunner, Reinhold Niebuhr e outros. Foi também secretário geral da atuando entre universitários evangélicos. Sua preocupação central era a missão da Igreja na América Latina, especialmente no Brasil. No contato que teve com os líderes da CMP, Shaull foi convidado para participar como escritor e como conferencista. Citaremos vários aspectos de sua influência sobre a mocidade presbiteriana: a. Valorizou a preocupação política por parte da Igreja, mostrando a necessidade de preparação de jovens crentes para atuação nas áreas do poder político.13 b. Despertou a mocidade para o sentido da “revolução social” que devia ser feita no Brasil, baseada na Revelação de Deus.14 c. Mostrou aos jovens que os cristãos são enviados ao mundo para um testemunho efetivo. Esse foi o tema do Congresso Nacional da Mocidade, em Salvador (1956). Para esse congresso Shaull escreveu, a pedido da CMP: Oito Estudos de Preparação para o Testemunho.15 d. No congresso de Salvador, Shaull foi honrado com o apelido de “jovem mestre” enquanto José Borges dos Santos, Jr. já, desde os congressos anteriores, era chamado de “velho mestre”.16 e. Na série de artigos que Shaull publicou no jornal Mocidade, a partir de maio de 1953, em forma de diálogo, mostrou a necessidade dos jovens se preocuparem com os problemas sociais e políticos. Além de Shaull, não poderíamos deixar de lado outros líderes que tiveram grande influência na mocidade presbiteriana: Benjamin Moraes, Gutemberg de Campos, Jorge César Mota, Adauto Araújo Dourado, Teófilo Carnier, José Borges dos Santos, Jr. e muitos outros pastores que fizeram preleções nos congressos, e eram considerados amigos da mocidade. O nome de Billy Gammon não pode ser esquecido como uma das grandes líderes de nossa mocidade. Filha de missionários, sempre atuou na Igreja com jovem e amiga dos jovens. Durante muitos anos ocupou o cargo de secretária geral do trabalho da mocidade, tendo sido cedida pela Junta de Nashville para esse trabalho. Ela foi uma das fundadoras e organizadoras da estrutura da mocidade presbiteriana. Viajou intensamente pelo Brasil, visitando igrejas e federações sempre preocupada com a situação dos jovens. Recebeu fortes pressões da direção da Igreja nas 13

Ibidem, agosto de 1953, pg. 6. Ibidem, setembro de 1953, pg. 6. 15 Ibidem, jornais de junho e dezembro de 1956. 16 Ibidem, fevereiro de 1956. 14

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA épocas das crises maiores da década de 50. Seu desaparecimento trágico, num acidente em Brasília, deixou muitos de seus colegas, companheiros e alunos pesarosos, pela grande perda para o evangelismo pátrio. Ao lado de Billy Gammon trabalharam Waldo César, Waldemar Xavier, José Leão de Carvalho, Irecê Wanderley, Cirene Louro, Paulina Steffen, Paulo César, Homero da Silva, Esdras Borges Costa, Oswaldo Caetano, Lysâneas Maciel, Elter Maciel, Joel de Oliveira Lima e muitos outros nomes que não estamos citando, sabendo que não estamos fazendo justiça a tão dedicados colaboradores nesta fase que estamos estudando. Diante da poderosa ação da mocidade, as reações começaram a surgir de maneira aberta em duas áreas: dentro da própria mocidade e na liderança administrativa da IPB. Um grupo de jovens presbiterianos do Recife, membros da Igreja Presbiteriana de Boa Vista, baluarte do conservantismo no Nordeste, escreveu um documento criticando fortemente o jornal Mocidade porque: “difunde ou patrocina idéias e atitudes absolutamente antagônicas às idéias e atitudes da IPB.”17 Guilherme Kerr, professor do SPS, no discurso de formatura da turma de 1952, criticou o entusiasmo dos jovens pelos teólogos neo-ortodoxos e ecumenistas: “A mocidade, sem o mínimo conhecimento de causa, mas com grande presunção de saber, redige os seus jornais e, no uso e abuso dos direitos que a Igreja lhe cede, enxovalha ministros e até igrejas; exalta esses falsos mestres revelando uma ignorância revoltante dos fatos que se põe a comentar e das doutrinas em que devia crer e recomenda ao leitor a sabedoria e a infalibilidade de tais mestres.”18 Havia uma suspeita de que a CMP estava se transformando em um Igreja dentro da IPB. No início da década de 1950 foi estabelecido pela CE/SC que: “A experiência já agora aconselha que se estabeleça claramente esta orientação: a. A Confederação da Mocidade Presbiteriana do Brasil, filha predileta, não tem atribuições além das que lhe outorgar os concílios de sua Igreja. b. Não é órgão de relações intereclesiásticas nem dentro, nem fora do país. c. A Secretaria Geral da Mocidade é o seu órgão de relações com a Igreja. d. O Conselho Consultivo é auxiliar da Secretaria nas suas relações com os concílios. O progresso anda sempre condicionado à ordem e à disciplina. A máquina só funciona bem quando suas diferentes peças se conservam e ajustam no lugar próprio. A máquina da Igreja não faz exceção.”19 No mês de julho de 1950, Benjamim César publicou um artigo no jornal Mocidade apontando quatro graves perigos entre os jovens presbiterianos e o trabalho da mocidade: 1) “Excesso de organização sem a necessária espiritualidade. 2) O fato de a mocidade não se preocupar com a salvação dos sócios da UMP (União da Mocidade Presbiteriana). 3) Entusiasmo pelo falso ecumenismo. 17

Ibidem, julho de 1951. pg. 2. Ibidem, fevereiro e março de 1953. pg. 2. 19 Atas e Apêndices da IPB, 1954, pg. 121. 18

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA 4)

Influência do mundanismo solerte.”

Esse artigo foi comentado durante mais de um ano nas páginas do jornal. Os atritos entre a CMP e a direção da Igreja tomaram-se agudos no fim da década de 1950. Esses atritos causaram um mal-estar na cúpula da Igreja. Em fevereiro de 1960, através de um “coup d’Église”, a CE/SC, reunida em Umurama, resolveu extinguir a CMP: “Quanto ao relatório do Secretário Geral da Mocidade, encaminhando plano de reestruturação da Mocidade, bem como parecer sobre o Departamento Estudantil, a Comissão Executiva resolve: (1) Aprovar o relatório, expressando ao Secretário a apreciação desta Comissão Executiva pelo trabalho assíduo, consciencioso e competente com que orientou a Confederação da Mocidade Presbiteriana. (2) Convocar uma reunião de presidentes de Sínodos e Secretários Sinodais da Mocidade para elaborarem um anteprojeto de reestruturação da Mocidade Presbiteriana do Brasil.” (CE-60-01) A reestruturação pretendida nada mais foi senão a extinção da CMP. Pois, em maio desse mesmo ano, reuniu-se em São Paulo a CE/SC com os convidados especiais citados na resolução de fevereiro. A atitude nazista dessa reunião foi clara. Após o golpe, os chefes disseram que foram os jovens que pediram a extinção da CMP. Os líderes da IPB usaram a mesma tática dos ditadores militares da América do Sul, quando derrubam os governos e depois proclamam que fizeram a vontade do povo. Nessa reunião de São Paulo foi assumida uma atitude paternalista. Perguntava-se: “A quem incumbe orientar a Mocidade Presbiteriana? Aos próprios moços ou aos Concílios? É evidente que aos Concílios, por pessoas que estes mesmos escolherem, mediante programas que os Concílios aprovem.”20 A cúpula da Igreja reconhece que existe uma atuação forte de sua mocidade, que estava muito além de suas bitolas eclesiásticas tradicionais, mas resolve emascular essa mocidade e tirarlhe todo o seu dinamismo e sua criatividade. Tratá-la com uma simples “liga juvenil” e não com uma juventude alerta e consciente, apesar de todos os seus arrojos e falhas. A Velha Igreja sentiu-se ameaçada pela Nova Igreja que surgia no final de um século de história. Mas essa Nova Igreja que emergia, a Igreja dos Jovens, na opinião dos velhos, somente poderia sobreviver se fosse vigiada e controlada pelos “Concílios Superiores”, o que significaria a sua morte. A última diretoria da CMP e que, simbolicamente, representa o fim de uma época, foi eleita em Presidente Soares, MG, no Congresso Nacional das Mocidades Presbiterianas, que contou com a presença de jovens da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI), entre os dias 27 de janeiro e 3 de fevereiro de 1959. Era assim constituída: presidente - Josué da Silva Melo, representante da Federação de Salvador; vice-presidente - Maria Júlia Lopes da Costa, representante da Federação Guanabara; 1º secretário - Gerson Moura , representante da Federação Sul de Minas; 2º secretário - Eny Morais Diniz, representante da Federação Sorocaba; 1º tesoureiro - Caio Castro Gomes, representante da 20

Mocidade, junho de 1960.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA Federação Campinas; 2º tesoureiro - Nelson Scott, representante da Federação São Paulo. Essa diretoria, tendo à frente o dinâmico sergipano Josué da Silva Melo, permaneceu por um ano e meio com atividades brilhantes e corajosas. Foi nessa época que a mocidade presbiteriana mostrou as lideranças mais velhas o que ela era capaz de pensar e fazer. O jornal Mocidade teve redobrada atuação. Sua última diretoria teve com componentes: diretor - Adacir Seidel; gerente - Josué da Silva Melo; tesoureiro Caio Castro Campos; circulação - Eunice Rubertti; redatores - Teófilo Carnier e Maria Júlia Lopes da Costa; colaboradores - Valdir Calemi, Paulo Wright, Carlos Belém, Joãozinho Tomás de Almeida e Gérson Moura. Nos últimos meses o jornal dos jovens de tal maneira inquietou as lideranças tradicionais da Igreja, especialmente depois da reunião da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, em 1959, no Brasil, que houve um momento crítico, em junho de 1960. O número 189, referente ao mês citado, foi tão vibrante e explosivo que o jornal foi interditado, censurado e proibido de circular pela direção da Igreja. Os artigos principais tratavam da situação da Igreja e de sua missão, o papel da mocidade e dos leigos. Os artigos que causaram mais impacto foram: “Editoriais”, “Cláudius Revoluciona Catete”, “Relatório sobre o Papel da UMP na Igreja”, “Cartas de Homero”, “O Senhor do Mundo”, de Paulo Wright. As notícias também incomodaram. Houve um artigo que foi republicado porque passou pela censura. Era de autoria de Joaquim Beato e tratava do papel do leigo na Igreja. Pois houve uma republicação do número 189 do Mocidade na qual foram desprezados todos os artigos julgados inconvenientes e contrários à orientação da Igreja. A diretoria do jornal foi deposta. O jornal passou a ser publicado na Casa Editora Presbiteriana, cujo diretor era Boanerges Ribeiro. Esse golpe contra a jovem imprensa presbiteriana foi uma reação às declarações oousadas e verdadeiras que culminaram com o número de junho de 1960. Para dar apenas um exemplo desse número: o jovem Paulo Wright escreveu o artigo “O Senhor do Mundo”, no qual tratou da ação de Cristo na Igreja e no mundo e a consequente liberdade para o cristão testemunhar. No final do artigo declarou: “O problema não é mais se dançar ou não dançar, se fumar ou não fumar é pecado, pois sendo Jesus nosso Senhor, estas coisas não têm mais poder sobre nós.”21 Essa e outras declarações abalaram os alicerces da velha ênfase da pregação moralista da Igreja. Não podiam ser lidas pelos crentes de uma grei de um século de vida eclesiástica. No ano seguinte, em a vacância do cargo de secretário geral do trabalho da mocidade, a referida secretaria foi anexada à Junta de Educação Religiosa. O Secretário Geral Teófilo renunciou. Tinha sido eleito para esse cargo na reunião do Supremo Concílio de Lavras, em 1958. Ele não conseguiu superar a crise entre a CMP e a cúpula da IPB. Terminou pedindo afastamento do cargo. Houve protestos e aplausos em todo o território nacional presbiteriano. Muitos presbiterianos se manifestaram contra a extinção da CMP, poucos a favor.

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Ibidem.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA Os seminaristas de Campinas enviaram uma carta ao vice-presidente do Supremo Concílio, Natanael Cortês, protestando contra o golpe eclesiástico que dissolveu a CMP. O velho líder do Nordeste responde, explicando as razões, e entre elas a principal: “Não via eu então (em 1950), e ainda não vejo, com enquadrar no sistema presbiteriano de governo um órgão a mais (Confederação da Mocidade Presbiteriana do Brasil), com governo próprio e com direito de censurar ministros, igrejas e concílios, preconizando novos métodos de vida eclesiástica. Isso já me parecia, em 1950, uma quinta roda no carro.”22 Quando o Suprem Concílio se reuniu em 1962, no Rio de Janeiro, o debate em torno do assunto foi grande mas, como a ala renovadora contrária à extinção era uma minoria, foi proposta uma estrutura provisória. Os argumentos para não voltar à estrutura anterior eram os de Natanael Cortês: “Reconhecer que, efetivamente, havia necessidade de reestruturação e reconstituição da estrutura das sociedades internas que caminhavam à deriva do governo e da orientação presbiteriana, causando uma hipertrofia de entidades que deveriam existir apenas como departamentos diversos orientados pelos concílios e visando a aproximação dos diversos grupos das comunidades evangélicas.” (SC-6269) O que os moços não entendem até hoje é porque a estrutura dos trabalhos masculino e feminino não foi alterada até agora, visto que é a mesma estrutura que a mocidade tinha antes de 1960. Paul E. Pierson explica as três razões que levaram a direção da IPB a extinguir a CMP: 1) “As posições que a mocidade defendia sobre o ecumenismo eram diferentes das posições da IPB. 2) A suspeita de que a organização da mocidade estava despertando a preocupação para com os problemas sociais do Brasil, levando muitos jovens a tomar uma posição ideológica diferente da tradição presbiteriana e induzindo jovens a criticarem o governo da nação pela sua inércia na solução dos problemas sociais e econômicos. 3) Porque a mocidade estava saindo da linha doutrinária conservadora e admirando líderes teológicos da ‘neo-ortodoxia’”23 Depois da dissolução da CMP, o descontentamento dos jovens foi imenso e sua decepção ainda maior. Fizeram, em vão, muitos apelos para voltar a antiga estrutura. Em janeiro de 1964 houve em Campinas o explosivo VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana. o tema foi: “O Jovem Cristão e a Realidade Brasileira”. Foram preletores: João Dias de Araújo, Paulo Freire de Araújo, José Geraldo e Carl Joseph Hahn, Sr. 22 23

Brasil Presbiteriano (BP), janeiro de 1961, pg. 7. Pierson, op. cit., pg. 218.

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A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA Esse congresso se realizou no auge da crise política e econômica que agitou o Brasil no governo de João Goulart. Era um ambiente de profunda agitação e confusão. Os debates dos problemas nacionais eram ostensivamente liderados pelas “esquerdas”. O jargão da época era “a realidade brasileira”. Os marxistas e comunistas fizeram um grande ofensiva de ação e propaganda em todos os setores da vida nacional. O Nordeste era a região do Brasil mais discutida por causa de sua situação explosiva. Essa situação que envolveu todo o país culminou com o golpe militar da “direita”, em 19 de abril de 1964. Dois meses antes estava reunido o congresso dos jovens presbiterianos em Campinas. O preletor principal, em cinco palestras, procurou convencer os jovens que a bandeira da verdadeira revolução devia ser desfraldada pelos cristãos e não pelos comunistas. Mostrou que os problemas graves do Brasil deviam ser um desafio ao testemunho do jovem para a salvação não só do indivíduo mas também da sociedade.24 As conclusões do VI Congresso foram engavetadas e jamais consideradas pela cúpula da IPB. Em 1967 os jovens ainda fizeram o último e melancó1ico apelo através de um artigo de Enos Moura no Brasil Presbiteriano: “Daqui lançamos o nosso apelo a cada um daqueles pastores e presbíteros: que eles procurem escutar os anseios da Mocidade Presbiteriana do Brasil; que eles voltem a confiar nos jovens dando-nos mais uma oportunidade ... de adotar para a Mocidade a mesma estrutura da SAF e da UPH, para nós, a melhor solução.”25

24 25

Araújo, João Dias de, O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964. BP, janeiro de 1967, pg. 6.

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS “A confiança de que a nova Fé traria progresso foi afirmada em algumas situações, mas por causa de sua tese de que a moralidade pessoal e a educação resolveriam os problemas sociais, o presbiterianismo não descobriu a raiz mais profunda das injustiças na nação e não empreendeu nenhuma missão especial na esfera política a não ser o chamamento à honestidade a vida pública.”1

Como sabemos pela história do presbiterianismo brasileiro, as ênfases principais eram duas: (a) a conversão individual que resultaria numa pureza moral nos moldes da ética Puritana; (b) a educação com conseqüência da nova experiência religiosa. Foi desenvolvida uma ética “anti-social” no sentido de condenar quase tudo na sociedade brasileira de então. Há três tônicas nas resoluções dos concílios da IPB a respeito da preocupação social de 1888 a 1974: (a) o moralismo individualista; (b) o assistencialismo; e (c) a necessidade de educação. Houve exceções, como veremos, mas justamente nas exceções é que vamos ver a inquisição funcionar. A preocupação social se enveredava pelo caminho da pureza moral individual. Duas expressões muito usadas de 1888 a 1974: “vícios sociais” e “males sociais”. Quais são esses “vícios” e esses “males” que preocupavam e ainda preocupam? São os seguintes: “o baile moderno, o carnaval, excesso da moda e a transgressão do domingo”.2 “O Supremo Concílio recomenda que os púlpitos instruam os fiéis sobre os males sociais e abordem princípios que fortaleçam a Igreja para resistir as influências do ambiente mundano.”3 Na reunião do Supremo Concílio, em 1974, ficou explicitamente declarado: “(1) A Igreja Presbiteriana do Brasil defende e prega a aplicação integral dos princípios que a Bíblia contém, visando à edificação dos crentes; (2) os vícios sociais, tais com o fumo, o álcool, o jogo, inclusive a loteria esportiva, e, também, a freqüência a bailes, reconhecidamente, contribuem para a deteriorização da pessoa humana, cristã ou não; (3) é dever das igrejas lutar por todos os meios e modos, continuamente, contra vícios. O SC 1

Pierson, op. cit., pg. 95. Digesto Presbiteriano. pgs. 22, 23. 3 Ibidem, pg. 208. 2

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS resolve recomendar vigilância redobrada, em todos os seus concílios, instituições e igrejas, contra os males acima referidos.”4 [grifos nossos] O capítulo sobre o fumo é um dos mais longos na história da IPB. Houve sempre condenações severas não somente aos fumantes em geral mas também aos plantadores e comerciantes do fumo. A decisão mais forte está contida na 9ª sessão do SC de Jandira (1951). Foi tão forte que José Borges dos Santos, Jr. escreveu um protesto: “Com essa resolução o Supremo Concílio se afasta do princípio da liberdade cristã e começa a entrar no terreno perigoso da catalogação de minúcias que deveriam ficar a cargo da consciência cristã devidamente esclarecida pelo Espírito Santo. ... Nos termos em que se resolveu a matéria há flagrante injustiça que é pior do que o fumo.”5 Diga-se de passagem que nenhuma decisão oficial da IPB condenou os monopólios econômicos das bebidas alcoólicas e do fumo, responsáveis pela intensa propaganda e difusão desses vícios. Esses monopólios econômicos que tinha nomes brasileiros, mas que na maioria são estrangeiros, sempre ficaram fora do alvo das baterias protestantes que se limitavam a condenar as vítimas e não os culpados principais. Por outro lado, na história da IPB há grande ênfase ao assistencialismo. Multiplicaram-se os orfanatos, os asilos, os abrigos de velhos, os hospitais. Planejaram pecúlios, pensões, aposentadorias. Criaram sanatórios, associações beneficentes e outros congêneres. Prestaram e ainda prestam grandes serviços à população, mas temos que reconhecer que esses paliativos eram muitas vezes uma fuga dos problemas estruturais que o próprio sistema político perpetuava. A atenção que o presbiterianismo deu à educação da infância e da juventude é outra página digna de muitos méritos. Todavia, com demonstra Jether Pereira Ramalho na sua tese: Colégios Protestantes no Brasil,6 a ideologia que predominou na educação protestante foi o liberalismo norte-americano no sentido de desenvolver no educando “o individualismo, o sentido de responsabilidade, de disciplina, de sucesso que se constituem, segundo esta perspectiva, nos fundamentos da democracia e do progresso.”7 A educação protestante foi uma forma de preocupação social em termos individualistas. A IPB, desde o seu início, não gostou muito de combater as raízes dos males sociais e das injustiças. Mas há exemplos dignos de menção: 1. O pioneiro presbiteriano, o pastor nacionalista Eduardo Carlos Pereira, foi a primeira vítima do espírito inquisitorial. O jovem pastor, em 1886, escreveu um opúsculo intitulado: A Religião Cristã e suas Relações com a Escravidão, no qual condenava o regime escravocrata que existia no Brasil. O historiador Vicente Themudo Lessa faz o seguinte comentário: “Era de 4

Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1974. pg. 8. Resumo de Atas do SC, pg. 101. 6 Ramalho, Jether Pereira, Colégios Protestantes no Brasil - Uma interpretação sociológica da prática educativa de colégios protestantes no Brasil, de 1870 a 1940, Tese de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1975. 7 Alves, Rubem. Cadernos do ISER, nº 4, 1975, pg. 47. 5

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caráter abolicionista e causou algum rumor entre os defensores do escravagismo.” Houve até um ilustre missionário da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos, informa o historiador, que resolveu escrever um tratado refutando a tese do pastor, que teria sido lamentável, mas felizmente não escreveu.8 Este fato é significativo porque, na história do Protestantismo na América do Sul, quando um pastor se levanta para condenar o regime , “causa rumor” e sempre aparecem opositores. Em 1913, Erasmo Braga, preocupado com a deplorável situação do índio brasileiro, escreve um artigo conclamando o governo brasileiro para tomar providências no sentido de proteger os índios.9 Em 1922, Jerônimo Queiros foi recebido como membro do Instituto de Ciências e Letras de Pernambuco. No seu discurso, no Recife, a pastor condenou a exploração injusta e desumanizadora dos trabalhadores por parte dos patrões e usou as palavras fortes da carta de Tiago 5:1-6.10 Em 1932, um grupo de líderes presbiterianos (entre eles: Matatias Gomes dos Santos, Erasmo Braga e Galdino Moreira) exortava a todos os protestantes que votassem nas eleições e apresentaram um programa social que incluía os seguintes pontos: (a) preservação do Estado leigo e as liberdades civis; (b) criação de cooperativas, nas quais os trabalhadores participassem dos lucros; (c) casamento civil livre e divórcio nos casos de adultério e abandono obstinado; (d) auxílio ao menor abandonado, aos velhos e às prostitutas; (e) educação popular compulsória aliada ao ensino profissionalizante mais acessível aos pobres, (f) pacifismo nas relações internacionais, propondo a redução ao mínimo dos gastos com as forças armadas.”11

Esses exemplos não são os únicos, mas estão incluídos nas exceções. Somente na década de 1950 é que houve preocupação maior com os problemas sociais de base devido à criação do Departamento de Igreja e Sociedade da Confederação Evangélica do Brasil, um ano depois da II Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas em Evanston (1954). Estavam à frente do grupo que formou o departamento, dois presbiterianos: Benjamin Moraes e Waldo César. O presidente do Supremo Concílio, José Borges dos Santos, Jr., estava a favor da criação do departamento, mas a CE/SC não gostou porque a IPB não recebeu convite especial para nomear seus representantes. A primeira conferência organizada pelo Departamento de Igreja e Sociedade foi realizada em 1955 como reunião de estudos sobre a responsabilidade social da Igreja. A 2ª reunião de estudos foi realizada em 1957, em Campinas, e teve com tema: “Igreja e as rápidas transformações sociais do Brasil.” Sob a direção de Waldo César, a 3ª reunião foi realizada em São Paulo, em 1960, e teve o seguinte tema: “Presença da Igreja na Evolução da Nacionalidade.” A 4ª reunião foi realizada na capital da região mais crítica do continente, Recife, de 22 a 29 de julho de 1962. O tema foi: “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro.” Devido a situação de grande agitação política e social, essa “Conferência do Nordeste” marcou época. O presbítero Mauricio Wanderley escreve no Brasil Presbiteriano: “Foi a primeira vez, 8

Lessa, Vicente Themudo, Anais da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo, 1938, pg. 32. 9 Norte Evangélico, outubro de 1913. 10 Ibidem, junho de 1922. 11 O Puritano, 3 de maio de 1932.

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS desde que este país existe, que, no Nordeste, um grupo de servos de Deus, de várias denominações, se congregaram para estudar, in loco, os problemas desta região e a revolução brasileira, à luz do ensino da palavra de Deus.”12 A “Conferência do Nordeste” teve imensa repercussão dentro e fora das igrejas evangélicas. Foi precedida e sucedida por debates violentos em algumas áreas. Dentro da IPB o debate foi grande. Nas páginas do Brasil Presbiteriano os assuntos foram amplamente debatidos. O deputado estadual de Pernambuco, Inaldo Lima, presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilhada, no Recife, publica uma série de artigos chamando a atenção da Igreja para os problemas sociais e estruturais do Brasil.13 João Dias de Araújo, professor do SPN, escreve um artigo conclamando a Igreja para a formulação de um Credo Social para nortear a ação da Igreja diante dos problemas sociais.14 Alcides Nogueira escreve que: “A Reforma deu grande ênfase aos princípios espirituais e morais da religião, sem sentir de perto as necessidades sociais dos trabalhadores.”15 São publicadas críticas à situação dos operários e condenação ao capitalismo.16 Um missionário dá sugestões à Igreja sobre ação social.17 Somente nesta fase a IPB começa a discutir amplamente os assuntos que os jovens queriam discutir dez anos antes. O debate ferveu na reunião do Supremo Concílio, em julho de 1962, no Rio de Janeiro. A solicitação de um dos concílios do interior da Bahia (Presbitério de Campo Formoso) foi atendido e foi aprovado o “Pronunciamento Social da IPB”. Nessa reunião um grupo de pastores mais jovens teve muita influência na formulação e na aprovação do pronunciamento que dizia: “No propósito de avivar a consciência de todos os fiéis para os perigos, deveres e da hora presente, apresenta o seguinte pronunciamento sobre os problemas políticos e sociais: ... As igrejas presbiterianas do Brasil compete, portanto: 1. “Dar, pelo púlpito e por todos os meios de doutrinação, expressão do Evangelho total de redenção do indivíduo e da ordem social. 2. Incentivar seus membros a assumirem uma cidadania responsável, como testemunhas de Cristo, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos diretórios acadêmicos, nas fábricas, nos escritórios, nas cátedras, nas eleições e nos corpos administrativos, legislativos e judiciários do País. 3. Clamar contra a injustiça, a opressão e a corrupção, a tomar a iniciativa de esforços aliviar os sofrimentos dos infelicitados por uma ordem social iníqua; colaborando, para também, com aqueles que, movidos por espírito de temor a Deus e respeito à dignidade do homem, busquem esses mesmos fins, assim como aceitando sua colaboração. 4. Opor, por uma pregação viva e poderosa, relevante e atual, uma barreira inespugnável contra as forças dissolventes do materialismo e do secularismo. 12

Brasil Presbiteriano, outubro de 1963, pg. 1. Ibidem, fevereiro de 1961, pg. 7. 14 Brasil Presbiteriano, março de 1962. pg. 5. 15 Ibidem, novembro de 1961, pg. 10. 16 Ibidem, dezembro de 1961, pg. 6. 17 Ibidem, fevereiro de 1962, pg. 12. 13

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS 5.

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Lutar pela preservação e integridade da família e pela integração de grupos marginalizados pela ignorância e analfabetismo, pelos vícios, pelas doenças e pela opressão na plena comunhão do corpo social. Dar à infância e à juventude uma formação cristã que as capacite a enfrentarem vitoriosamente o impacto dos paganismos contemporâneos, com a força da interpretação cristã da vida total do homem total à luz de Deus. Defender, pelo exemplo de seus membros, a dignidade do trabalho, quer manual quer intelectual. Fazer a proclamação profética incessante dos princípios éticos e sociais do Evangelho de modo que sejam denunciados todos os erros dos poderes públicos, sejam de omissão ou comissão, que resultam em ameaças ou obstáculos à paz social ou tendam à destruição da nossa estrutura democrática. Defender a necessidade de mais eqüitativa distribuição das riquezas, inclusive da propriedade da terra e advertir, em nome da justiça de Deus e da fraternidade cristã, aqueles cujo enriquecimento seja fruto da exploração do próximo. Tornar o Estado consciente de todos os seus deveres, transmitindo-lhe corajosamente a palavra profética, especialmente nas horas de crise, prestigiando sua ação no estabelecimento da justiça social e oferecendo-lhe colaboração para solução cristã de todos os problemas da comunidade.”

O debate continuou após a reunião do Supremo Concílio, principalmente nas páginas do Brasil Presbiteriano. Após a reunião de 1962, o jornal oficial voltou a ser publicado no Rio de Janeiro e foi nomeado com redator-chefe Domício Pereira de Mattos que deu ampla liberdade para o debate que se travava sobre a responsabilidade social da igreja. Num editorial sobre a posição do jornal, o redatorchefe pedia: “Não tirem do jornalista a liberdade democrática de deixar a cada qual dizer o que bem entende, desde que faça em termos”. E termina dizendo: “A hora é revolucionária. Precisamos ajudar a revolução com o Evangelho e dentro da democracia, antes que a revolução seja feita sem o Evangelho e sem democracia.”18 No seu famoso editorial “Duas Tendências”, Domício de Mattos escreveu: “Basta uma corrida de olhos por alguns artigos publicados no BP para se sentir que eles espelham duas tendências de pensamento abrangendo os campos da cultura ideológica e de política social. ... Mas há o fato inegável dessa galvanização de pensamentos em torno das duas tendências: de um lado, os conservadores extremados, defensores das velhas tradições, inimigos de qualquer renovação, alérgicos às exigências da atualização; de outro lado, os liberais, às vezes também extremados que ameaçam derrubar tudo, anular o passado e começar de novo. ... Muitos já rotularam os representantes desses grupos: são os esquerdistas e os direitistas. E, em torno de DIREITA e de ESQUERDA fazem a 'guerra fria', transbordam em adjetivações e começam a perturbar a paz da Igreja.”19 Até abril de 1964 o jornal publicou artigos memoráveis, entre eles um intitulado: “Jeca Tatu”, de Rubem Azevedo Alves, chamando a atenção para os pobres e desfavorecidos.

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Ibidem, 16-31 de agosto de 1963. Ibidem, março de 1962.

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PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS Mas, com a mudança do regime político, vamos ver que quase todos aqueles que defenderam a responsabilidade social da Igreja foram perseguidos, caluniados, acusados de comunistas, denunciados perante as autoridades como subversivos e filo-comunistas.

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II Nas relações da Igreja Presbiteriana do Brasil com a Igreja Católica Apostólica Romana há dois pontos a sublinhar: 1.

2.

Nunca houve por parte da Igreja Católica uma resolução oficial que aprovasse uma estratégia de perseguição ao protestantismo. O missionário Kidder chegou a afirmar: “Estamos firmemente convictos de que nenhum outro país católico existe onde seja maior a tolerância ou a liberdade de sentimentos para com os protestantes.”1 Por outro lado, no vasto território brasileiro houve muitos casos de perseguições promovidas ora por padres intolerantes, ora por católicos fanáticos, sem autorização dos sacerdotes. As perseguições iam desde aos apelidos dados aos protestantes como os “bíblias”, “os bodes”, os “nova seita”, até aos atentados de morte, queima de Bíblias, apedrejamentos, destruição de templos, proibições para casamentos e sepultamentos em cemitérios católicos e a atitude de desprezo aos crentes. Alguns desses fatos aconteceram até depois da convocação do Concílio Vaticano II.

Por parte dos presbiterianos houve quatro atitudes em relação à Igreja Católica através da história: 1. 2. 3. 4.

Hostilizar por meio de pregações e de polêmicas. Evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica, procurando atrair os católicos para o protestantismo. Aceitar o catolicismo como se apresentava no Brasil e procurar reforma-lo. Aceitar o diálogo com a Igreja Católica e cooperar com grupos católicos na apresentação de Cristo ao povo brasileiro. Isto, depois do Concílio Vaticano II.

O problema da hostilidade da IPB ao catolicismo teve a sua raiz na Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos que, em 1845, tomou uma posição fortemente anti-católica. Paul E. Pierson declara: “Os missionários norte-americanos; eram certamente um fator na formação de tal atitude (anti-católica) já que eles trouxeram a atitude típica do anti-catolicismo das igrejas donde vieram. ... Mas, por razões inerentes à própria situação brasileira, a atitude de seus colegas brasileiros era quase sempre mais anti-católica do que a dos missionários”.2 Essa atitude dos pastores brasileiros em parte se deve ao fato de haver no Brasil daquela época uma verdadeira “onda” de anticlericalismo por parte dos intelectuais, dos políticos liberais e dos maçons. Um dos pontos principais da demonstração do anti-catolicismo foi no problema da validade do batismo católico. A pergunta era esta: “O convertido, vindo da Igreja Católica, deve ser rebatizado?”

1

Leonard, Émile, O Protestantismo Brasileiro, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951, pg. 126. 2 Pierson, op. cit., pg. 60.

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos tinha votado, quase por unanimidade, contra a posição dos Reformadores, e rejeitaram a validade do batismo católico, em 1845. O grande teólogo Charles Hodge era da minoria que foi vencida na assembléia.3 O teólogo de Princeton argumentava: “A doutrina protestante ensina que o batismo não inicia o recipiente em qualquer Igreja particular, mas na Igreja Universal. ... Ninguém, portanto, se tornou ‘papista’ pelo fato de haver sido batizado por um ‘papista’. Segue-se daí que a validade do batismo não depende do caráter particular da denominação a que pertence o ministrante, porque ele não age em nome dessa denominação, mas com um membro da Igreja Universal. Nós mantemos, portanto, que o batismo romano é válido; válido para tornar o recipiente, membro da Igreja Universal, por um lavar com água em nome da Trindade, com o fim de significar, selar e aplicar os benefícios do pacto de graça.”4 O pioneiro presbiteriano, Ashbel Green Simonton, que era discípulo de Charles Hodge, em Princeton, e que ouviu um sermão decisivo do grande teólogo, quando chegou ao Brasil não rebatizava a todos os convertidos provenientes do catolicismo e explica que “no caso de eles não desejarem ser rebatizados, para evitar distúrbio em suas consciências”, eram aceitos para profissão de fé sem novo batismo.5 Mas o fato era que a maioria dos pastores brasileiros e missionários das primeiras décadas era a favor do rebatismo. O assunto foi debatido no Sínodo de 1891 e aprovado. Houve, porém, um significativo protesto assinado por John M. Kyle e Emanuel Vanorden: “Nós abaixo assinados protestamos contra a decisão do Sínodo, declarando inválido o batismo romano, visto o acharmos inconveniente: 1. Porque grande parte dos teólogos da Igreja Protestante, incluindo Lutero, Calvino, os Hodges, pai e filho, Patton, Schaff, Briggs e outros homens ilustres o tem por válido. 2. Porque é fato histórico que só um ramo da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos da América se declara contra a validade desse batismo e o Sínodo por este ato se opõe à posição histórica das Igrejas chamadas reformadas. 3. Porque as Igrejas Metodista e Episcopal reconhecem ambas esse batismo, e deve haver toda harmonia possível em questão dessa ordem. 4. Porque nesta questão deve haver a maior caridade possível.”6 Apesar do Sínodo aprovar essa matéria sobre o rebatismo, encontramos em Conceição, o primeiro pastor presbiteriano brasileiro, uma atitude diferente. Se a IPB tivesse seguido seu exemplo, não teria chegado a uma posição tão negativista diante do Catolicismo: “Conceição foi capaz de evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica donde ele saiu e onde, como padre, já lutava para retirar do catolicismo aquilo que ele

3

Ibidem, pg. 64. Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, pg. 363. 5 Pierson, op. cit., pg. 65. 6 Digesto Presbiteriano, pg. 157. 4

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II achava ser anti-bíblico. Sua piedade Cristocêntrica era parecida com a de alguns místicos do século XV.”7 Erasmo Braga reconheceu mais tarde que: “a controvérsia com o romanismo tem preocupado o protestantismo, mais do que seria desejável.”8 Eurípides Cardoso de Menezes, que deixou a IPB, escreveu: “Todavia, com a instrução religiosa (na Escola Dominical) também se transmite uma profunda prevenção, às vezes ódio mesmo, a Igreja Católica, tida por todo protestante daquele tempo e ainda hoje, pelos mais iconoclastas, como uma Igreja desviada da pureza primitiva, cheia de inovações doutrinárias, idólatra e paganizada.”9 Sobre esse aspecto Paul E. Pierson afirma: “Ninguém pode escapar da impressão de que para muitos protestantes havia duas básicas diferenças entre sua religião e o catolicismo: uma moral e outra doutrinária. O protestantismo tinha um elevado código moral, o outro não tinha; eles criam que um proclamava as doutrinas bíblicas, enquanto as doutrinas do outro eram falsas.”10 Temos que admitir que, apesar de a Igreja Católica no Brasil não ter oficialmente aprovado a perseguição aos protestantes, o clima era ainda o da “Contra Reforma” e havia, por parte de alguns membros, posição marcadamente tridentina. A era da “Contra Reforma” só veio teoricamente terminar no Concílio Vaticano II. Por outro lado, o protestantismo aqui implantado não era o protestantismo do século XVI, mas o do século XVII, na fase defensiva do Escolatismo Protestante, opondo-se às investidas da Contra Reforma. Por isso não concordamos totalmente com a tese de Émile Leonard quando afirma: “Nesse sentido o protestantismo brasileiro, em seus campos missionários mais recentes, está na Idade da Reforma, em outros campos ele se encontra nos primeiros tempos após a Reforma, e em alguns outros pontos em que já envelhecem, ele se aproxima ao estado atual das Igrejas européias.”11 É certo que Leonard mostra, no seu magistral livro sobre o Protestantismo Brasileiro, que, no caso da IPB, dominou o século XVII e não o século XVI. “Ademais, tem-se a impressão de que, após os primeiros grandes missionários americanos, houve uma certa queda em valor, não religioso é certo, mas intelectual e teológico. Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que acreditavam difundir já era uma diluição de diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era, ele mesmo, uma adaptação do presbiterianismo britânico que, por sua vez, através de um século de lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento de Calvino. E como quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte de inspiração -- e, por isso mesmo, mais ortodoxas em vontade que em espírito -- o que era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de

7

Pierson, op. cit., pg. 22. Maciel, op. cit., pg. 65. 9 Menezes, Eurípedes Cardoso de, De Claridade em Claridade, pg. 47. 10 Pierson, op. cit., pg. 97. 11 Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951, pg. 106. 8

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II Fé de Westminster (1647), profundamente marcada pelas lutas às quais nos referimos acima, em seus catecismos Maior e Breve.”12 Dois acontecimentos prejudicaram a notícia da realização do Concílio Vaticano II. A série de violentas perseguições na Colômbia, movidas por católicos contra protestantes. Essas perseguições trouxeram um impacto negativo em todas as igrejas protestantes da América Latina. Outro foi a perseguição no Nordeste. O Deputado Federal (presbiteriano) Paulo Freire de Araújo protestou, em novembro de 1960, contra essas perseguições, da tribuna da Câmara dos Deputados, e termina seu discurso afirmando: “As autoridades eclesiásticas da Igreja Católica Romana condenam atos de selvageria quando os agentes são comunistas e as vítimas são católicos romanas; omitem-se, silenciam quando o agente é um padre e a vítima um protestante. E ainda se fala em união de igrejas cristãs!”13 O que podemos perceber, pelas reações que houve no Brasil, é que nem a maioria do clero católico e do povo, nem a maioria dos protestantes estavam preparados para enfrentar a nova realidade implantada pelo papa João XXIII, isto é, o fim da Contra Reforma. A IPB, como as demais igrejas protestantes históricas, procurava se distanciar da Igreja Católica. Havia reações contra o uso da cruz, uso de velas e tudo que lembrasse qualquer semelhança com o catolicismo. No ano de 1942 o Supremo Concílio declarou “não ser aconselhável que se inclua na liturgia um rito de cultos ‘in memoriam’ por se aproximar de algum modo da doutrina romanista da missa.”14 Um pastor foi criticado porque escreveu um artigo estimulando crentes a oração e recomendou a “hora da prece”, tomando como exemplo o hábito católico do “angelus”.15 Houve campanha dos políticos presbiterianos contra a introdução dos crucifixos assembléias legislativas, contra verbas do governo para construção da catedral católica de São Paulo, e contra a construção da estátua do Cristo do Corcovado.16 Diante da notícia da convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II, um pastor do Nordeste escreveu um artigo dizendo que isso não passava da “velha tática do camaleão”.17 O que dentro da IPB era expresso nas seguintes frases: “No Brasil evangelizar ainda é desromanizar”.18 “Como é possível ser cristão evangélico e não ser ao mesmo tempo anti-católico?”.19 Em 1958, o seminarista Jovelino Ramos foi muito criticado porque, num artigo, chamou a Igreja Católica de “igreja irmã” e falou sobre “nossos irmãos católicos”. O editorial do Brasil Presbiteriano dizia que esse seminarista deveria usar batina.20

12

Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 180. Brasil Presbiteriano (BP), fevereiro de 1961, pg. 12. 14 Digesto Presbiteriano, pg. 170. 15 BP, maio de 1961, pg. 11. 16 Digesto Presbiteriano, pg. 170. 17 BP, março de 1959, pg. 9. 18 BP, fevereiro de 1968, pg. 5. 19 BP, julho de 1960, pg. 5. 20 BP, outubro de 1958, pg. 5; e janeiro de 1959, pg. 8. 13

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O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II O ponto máximo da atitude anti-católica talvez seja a resolução do Supremo Concílio em 1947: “Respondendo à Consulta do Presbitério de Campinas sobre a participação de crentes em casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana, o Supremo, Concílio resolve: Considerar passíveis de disciplina os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil que participarem como testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana e de confissões não evangélicas.”21 Esses casamentos são aceitos pela lei brasileira, no entanto, quando são “casamentos com efeito civil” em que o padre ou o pastor substitui o juiz. Apesar da grande reação anti-católica, nesses últimos anos dezenas de pastores e leigos tem participado de encontros, cerimônias litúrgicas, ações comunitárias, debates e estudos, e outras formas de diálogo e de confraternização com padres, instituições e movimentos da Igreja Católica. É verdade que esses pastores e leigos estão sendo perseguidos e alguns já foram disciplinados. Trataremos desse aspecto no capítulo: “Ecumenismo”. Mas a realização do Concílio Vaticano II foi considerado pela maioria presbiteriana como “um laço de Satanás” para desviar a igreja evangélica do seu objetivo. A atitude do papa foi interpretada de várias maneiras: (a) era uma hipocrisia; (b) era “uma tática da velha raposa”; (c) “Roma é sempre a mesma, portanto não há mudanças na Igreja Católica”, (d) “o Concílio Vaticano II teve uma atitude de medo diante das ameaças do materialismo”; (e) “o ecumenismo Católico é uma arma para neutralizar o avanço do protestantismo”; (f) “eles querem mostrar que são nossos irmãos para provar que não precisamos mais evangelizar”; (g) “os padres ecumênicos são falsos”. Por trás de todas essas reações estão um ponto básico. É que para a maioria presbiteriana, “evangelizar é desromanizar”, portanto o ecumenismo tiraria a motivação principal da evangelização. Se ser protestante é ser anti-católico, como aceitar o ecumenismo? Se o objetivo principal da igreja protestante é tirar os católicos do catolicismo, como ter diálogo com a Igreja Católica? Os pastores e leigos que aceitam diálogo ecumênico com a Igreja Católica são considerados, como traidores, com os “Judas” do protestantismo.

21

BP, outubro de 1974, pg. 7.

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ECUMENISMO “O Supremo Concílio é solidário com o movimento de cooperação e mesmo de união das igrejas evangélicas e sempre orará pela conversão dos católicos romanos, gregos e pagãos.”1

Houve sempre, na Igreja Presbiteriana do Brasil, duas tendências: uma denominacionalista-sectária e outra ecumênica. Através de sua história essa Igreja tem afirmado essas duas tendências de modo claro. De um lado podemos dizer que a tendência denominacionalista-sectária foi a mais forte e a que tem triunfado na maioria das decisões, determinando uma atitude vez mais isolacionista da IPB. Por outro lado, a tendência ecumênica tem tido suas pequenas mas significativas vitórias. Podemos mesmo afirmar que todos os movimentos de cooperação entre as igrejas evangélicas do Brasil e mesmo os diálogos com a Igreja Católica contaram com o pioneirismo e o trabalho decidido de pastores e leigos presbiterianos. A 1ª tendência denominacionalista-sectária-fundamentalista tem hoje um nome simbólico: Boanerges Ribeiro. A 2ª tendência teve o seu auge na atuação de outro presbiteriano de espírito fortemente ecumênico: Erasmo Braga. Aliás esses dois nomes representam o clímax de cada uma tendências. Infelizmente, nesta fase que estamos estudando, a IPB se fortaleceu como seita - tendo à frente Boanerges Ribeiro. O anti-ecumenismo hoje triunfante nos arraiais presbiterianos se deve aos seguintes fatores: 1. 2.

3.

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1 2

Medo de inovação - Sendo a IPB uma Igreja conservadora, reage contra tudo que seja novo qualquer mudança e inovação. Anti-catolicismo - Visto que o CMI tem contactos com a Igreja Católica, a IPB rejeita o movimento ecumênico liderado pelo CMI como demonstração de sua antipatia para com o catolicismo. Medo de “modernismo” - Visto que, no movimento ecumênico mundial a cooperação entre as Igrejas não é considerada em termos de diferenças doutrinárias, porque nesse movimento há igrejas ultra-conservadoras ao lado de Igrejas mais liberais, a IPB tem medo do contacto com essas igrejas liberais por causa da influência que elas poderiam trazer para o Brasil. Denominacionalismo - Todas as vezes que a IPB se mostrou favorável ao ecumenismo ao mesmo tempo reafirmou o seu denominacionalismo. Citamos dois exemplos significativos: (a) Em 1932 houve a seguinte decisão: “O Supremo Concílio aplaude todo o trabalho de cooperação com as Igrejas irmãs, uma vez que sejam ressalvados os princípios presbiterianos”.2 (b) Em 1936 o Supremo Concílio “Registra em ata haver o Presbitério de Minas

Digesto Presbiteriano, pg. 139. Ibidem, pg. 139.

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julgado inoportuna a união orgânica da Igreja Presbiteriana com qualquer outra denominação não sendo ele contrário, entretanto, à obra da cooperação, quando feita nos termos convenientes.”3 Medo de divisão interna - Muitas das decisões tomadas para impedir a participação oficial da IPB no movimento ecumênico mundial foi motivado pelo medo de a IPB se dividir. De fato isso aconteceria porque tanto Erasmo Braga como José Borges dos Santos, Jr. sentiram esse perigo várias vezes, quando estavam na liderança da Igreja. Medo do comunismo - Diante da mentirosa propaganda do “fundamentalismo”, de que o CMI estaria comprometido com o comunismo internacional, a IPB preferiu ser anti-ecumenista, porque assim seria considerada também como anti-comunista e não teria problemas com os serviços de segurança tanto interno como externo.

Além de todos esses fatores podemos notar que o povo presbiteriano, no nível da maioria do clero e das igrejas locais, é um povo mal doutrinado e mal informado. O provincialismo, a estreiteza de visão e o farisaismo estão crescendo na IPB. Podemos dividir as atitudes presbiterianas face ao ecumenismo em duas épocas. A 1ª vai desde o início da IPB até o fim da 2ª Guerra Mundial. A 2ª, dos preparativos para a organização do CMI até 1974. Na primeira época, o ano de 1884 é importante porque nesse ano Eduardo Carlos Pereira organizou a “Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos”. Um dos objetivos, segundo o próprio fundador, era: “Auxiliar os nobres esforços dos metodistas, dos batistas, dos luteranos, dos episcopais, dos congregacionalistas e dos presbiterianos, a todos dando a sua bênção fraternal, na sublime liberdade do Evangelho.”4 Em 1888 o Sínodo Presbiteriano era favorável à “realização de um congresso de oficiais de todas as denominações evangélicas existentes no Brasil, e sugerir ao mesmo tempo as bases de uma Aliança Evangélica”.5 Em 1900 a IPB estabeleceu um “modus vivendi” com a Igreja Metodista em que: “Nenhuma cidade com menos de 25.000 habitantes será ocupada por mais de uma denominação.”6 Poucos anos mais tarde (1906) foi nomeada uma comissão para estudar a união da IPB com a Igreja Metodista.7 Em 1912 o Presbitério de Pernambuco foi solidário com o movimento de confraternização das duas alas presbiterianas (IPB e IPI). Já nos referimos à participação de Erasmo Braga no Congresso do Panamá em 1916 e dos esforços feitos no Brasil, para a mais efetiva cooperação entre as Igrejas, que culminou com a formação da Confederação Evangélica do Brasil (CEB).

3

Ibidem, pg. 147. Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 185. 5 Digesto Presbiteriano, pg. 135. 6 Ibidem, pgs. 141, 142. 7 Ibidem, pg. 148. 4

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ECUMENISMO Leonard escreve: “Pequeno detalhe, porém muito significativo. A Igreja Presbiteriana havia tomado, em 1937, a designação de ‘Cristã’, para afirmar sua fraternidade com outras denominações cristãs”.8 Podemos afirmar que nessa primeira época houve altos e baixos em relação ao espírito ecumênico. Na 2ª época as posições se radicalizaram, como já descrevemos em outro capítulo. Com a presença atuante do CMI e do CIIC, a IPB afirmou, em 1950, sua tese isolacionista de “eqüidistância” que foi muito debatida pelos presbiterianos. Nessa mesma reunião o Supremo Concílio resolveu retirar a palavra “Cristã” do nome oficial da Igreja e firmou a sua eqüidistância: “Resolve: (1) Não ratificar a filiação da Igreja Presbiteriana do Brasil ao Conselho Mundial de Igrejas. (2) Não se filiar ao Conselho Internacional de Igrejas Cristãs. (3) Declarar que não convém à Igreja Presbiteriana do Brasil comprometer-se com polêmicas porventura em curso dentro de outras entidades eclesiásticas no Brasil e no exterior, porque está empenhada numa obra da qual não pode desviar sua atenção, e porque a introdução extemporânea dessas, na Igreja, perturbaria desnecessariamente a paz de nossas comunidades. (4) Que sejam responsabilizados perante os respectivos presbitérios os ministros que se refiram de maneira imprópria à Igreja e a seus colegas, a fim de que sejam aplicadas as sanções que o caso comporte. Outrossim, devem ser advertidos os ministros que procuraram se afastar das doutrinas professadas pela Igreja Presbiteriana do Brasil. (5) Declarar que a verdadeira unidade da IPB consiste na submissão de seus membros e ministros a Cristo, na aceitação das Escrituras Sagradas como a palavra de Deus, única regra de Fé e Prática, por seus membros, e dos símbolos de Fé, por parte de seus ministros e oficiais. (6) Exortar os presbitérios a que velem para que seus ministros coloquem a unidade, a integridade, a doutrinária e a santificação da Igreja acima de todas as questões que, embora importantes são de plano secundário. Quanto ao documento 113, do Conselho Internacional de Igrejas para que a Igreja Presbiteriana do Brasil se faça representar no II Congresso do Internacional de Igrejas Cristãs que se vai reunir em Genebra, em agosto deste ano, apresenta o seguinte parecer: (1) Que se responda agradecendo e informando que a Igreja Presbiteriana do Brasil, em virtude da resolução que acaba de tomar, a saber, de se manter eqüidistante tanto do Conselho Mundial de Igrejas com do Conselho Internacional de Cristãs, não se fará representar.9 Após a reunião de 1954, quando o SC, reunido no Recife, reafirmou sua posição de eqüidistante surgiu uma crise no Nordeste porque Israel Gueiros não conseguia seu objetivo. Ele queria que o SC se pronunciasse a favor da filiação da IPB no CIIC mas, como isso não aconteceu, passou a liderar uma campanha para dividir a Igreja, insistindo que a Igreja do Norte e Nordeste se separasse da IPB e se filiasse ao movimento de Carl McIntire, fundador e presidente do CIIC. Nessa campanha inglória, Israel Gueiros, do púlpito da histórica Igreja Presbiteriana do Recife da qual era pastor, começou a acusar a IPB de “adúltera” e “modernista”. Acusou todos os colegas que não concordavam com o movimento fundamentalista. Seu alvo principal era o corpo docente do SPN, aonde ele tinha sido professor e de 8 9

Leonard, op. cit., pg. 186. Resumo de Atas do SC, de 1950, pg. 32.

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ECUMENISMO onde tinha saído por causa de atritos com professores e com a administração. Apoiado pelo jornal fundamentalista norte-americano “Christian Beacon”, e pelos líderes do movimento nos Estados Unidos, sua campanha se dirigiu para o alvo de conseguir verbas com o objetivo de organizar um seminário no Recife a fim de evitar que os futuros pastores fossem preparados no seminário “modernista” da IPB. Em 1956 essa campanha de difamação e de divisionismo não podia mais ser tolerada pelo Presbitério de Pernambuco. Onze pastores e cinco presbíteros pediram uma reunião especial do qual Gueiros era presidente, na qual foi pedido moderação. Tudo foi em vão. Ele não queria parar sua tentativa de dividir a IPB, já que tinha apoio no exterior. O presbitério, então, reunido em tribunal sob a presidência de Victor Pester e, depois, de Abelardo Reinaux Paes Barreto, resolveu suspender Israel Gueiros de suas funções de pastor e, duas semanas depois, decidiu despoja-lo. Ele conseguiu levar metade dos membros da sua igreja com ele e as propriedades. Fundou a Igreja Presbiteriana Fundamentalista (IPF) e, depois, o seminário. O movimento que ele pretendeu fazer falhou por causa de sua falta de liderança e inabilidade política. Em 1958 a reunião do Supremo Concílio, em Lavras, contou com a presença de John A. Mackay que foi o preletor oficial contribuindo para melhor esclarecimento das posições ecumênicas. O problema do ecumenismo continua sendo polarizado pela discussão a respeito dos contacto com a Igreja Católica. O SC de 1958 deu a seguinte orientação: “Sobre a aproximação com a Igreja Romana através de consultas pessoais, a convite de clérigos romanos, o SC resolve: 1. Nada há na constituição da Igreja que impeça um ministro presbiteriano de comparecer a uma reunião cordial entre pastores e padres romanos, sendo, pois, matéria de foro íntimo o decidir sobre tal comparecimento. 2. Entretanto impõe-se algumas considerações a título de orientação para o caso da consulta e qualquer outras semelhantes, relativamente à aproximação com a Igreja Romana: a. A filosofia da Igreja Romana é de índole totalitária, crendo-se depositária da verdade, estando todas as demais igrejas e religiões em erro. b. Outro ponto fundamental da filosofia católica-romana é que só deve haver liberdade para a verdade, para o erro só deve haver tolerância, e isto mesmo enquanto não houver possibilidade de sua extinção total. c. Nessas condições não há possibilidade de qualquer esperança de ajuste ou compreensão entre pastores e clérigos romanos em assuntos divergentes. d. Por outro lado, a negativa de comparecimento deve ser clara e em termos precisos para não dar a impressão de que haja fraqueza de nossa parte, ou medo de tais encontros. e. Atendendo a este fato, revela que a Igreja Romana mudou claramente sua política, passando à ofensiva, é de bom aviso que os pastores estudem a possibilidade de responder aos convites recebidos, fazendo

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outros convites para fins de discussão cordial sobre pontos específicos de controvérsia. f. A ofensiva dos pastores deve abranger outros pontos, como instrução do povo das igrejas presbiterianas e ao povo brasileiro em geral sobre os erros do romanismo, e especialmente sobre a política totalitária, tomando mesmo com exemplos os fatos dolorosos da perseguição não só em nossa Pátria, como na Colômbia, na Espanha e em outros países. Resolve-se nomear uma Comissão que estude com cuidado e rapidez a estratégia da Contra Reforma Católico-Romana no Brasil; essa comissão deverá orientar a IPB sobre a técnica e objetivos da atual ofensiva romanizante no país, bem como os meios de prosseguirmos a reforma espiritual do país.”10

O presidente do SC, José Borges dos Santos, Jr., esteve presente na 3ª Assembléia do CMI em Nova Delhi e voltou entusiasmado com a possibilidade da IPB se filiar ao CMI.11 Entre 1958 e 1962 houve intenso debate sobre esse assunto. O presbítero Joel de Oliveira sugere a filiação da IPB ao CMI afirmando: “A nosso ver já se tornou anacrônica a resolução de 1954; já não é mais sustentável, à vista do que nestes últimos anos todos temos podido ver da conduta de um e de outro conselho. Já passou a hora da eqüidistância.”12 O Sínodo Setentrional se reúne, em 1962, para combater a filiação da IPB ao CMI.13 No Concílio desse mesmo ano é tomada a seguinte decisão: “A IPB reafirma a sua posição teológica e doutrinária formulada em termos não de eqüidistância de qualquer Conselho Ecumênico, e sim em termos de fidelidade às Escrituras do Velho e do Novo Testamento; a IPB reafirma a posição de não envolvimento formal nem em relação ao CIIC, nem ao CMI e outros, fugindo, porém, a contactos com esses agrupamentos ecumênicos...”14 Entre 1962 e 1966 há muitos encontros e diálogos ecumênicos com participação de pastores presbiterianos e padres católicos em vários Estados do Brasil. A imprensa secular faz grande divulgação desses encontros. O jornal oficial da IPB toma a bandeira “anti-ecumenismo” para propaganda eleitoral do próprio redator-chefe, Boanerges Ribeiro, para a presidência do SC. O Sínodo de Pernambuco, reunido em 1965, condena as práticas ecumênicas como “atentórias às posições tradicionais da Igreja Presbiteriana” e recomenda que os presbitérios estejam vigilantes no Seminário Presbiteriano do Norte “contra quaisquer atividades contrárias às posições oficiais da Igreja, tanto no campo doutrinário, como no setor das relações ecumênicas” com a Igreja Católica.15

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Resumo de Atas do SC, de 1958, pg. 19. Brasil Presbiteriano (BP), janeiro de 1963, pg. 7. 12 BP, junho-julho de 1962, pg. 1. 13 BP, agosto de 1962, pgs. 6-8. 14 Resumo de Atas do SC, de 1962, pg. 35. 15 BP, dezembro de 1965, pg. 2. 11

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ECUMENISMO No SC de 1966, em Fortaleza, são tomadas várias resoluções sobre o ecumenismo em relação ao com a Igreja Católica: 1. 2.

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“Deixar a cargo dos concílios regionais e locais os casos de contactos e encontros com a Igreja Católica. Declarar ser benéfico, salutar e cristão todo e qualquer contacto, estudo ou aproximação da Igreja com quaisquer grupos ou entidades, desde que se processem de acordo com a resolução SC-62-152 e sem a quebra dos princípios estabelecidos em nossos símbolos de fé e governo e no espírito missionário que define toda a dinâmica da Igreja Presbiteriana, fiel à sua vocação. Declarar que a IPB é pela unidade do Cristianismo. A aproximação com a Igreja Católica Apostólica Romana para fins de estudos das Sagradas Escrituras e de prestar serviço que amor ao próximo, parece-nos benéfica. Entretanto, a união com a Igreja Católica com a conhecemos, não somente está fora de cogitação, como é impossível. Sobre casamento misto, conjuntamente por pastores e sacerdotes romanos, o SC resolve recomendar que tal prática seja evitada por ser de todo inconveniente. Determina pois que os púlpitos presbiterianos não sejam cedidos a sacerdotes católico-romanos.”16

Essas resoluções de 1966 não foram observadas totalmente no quadriênio 19661970 por causa do clima de entendimentos e aproximações entre presbiterianos e católicos. Assim, houve cerimônias ecumênicas de formatura, casamento, cultos, e outras celebrações. Por causa desses fatos o Supremo Concílio, reunido em Garanhuns, PE, em 1970, tomou decisões drásticas. Entre elas as seguintes: 1. 2.

3.

4.

5.

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“Proibir a celebração de casamentos em cerimônias conjuntas de pastores e sacerdotes católico-romanos, ou a participação destes nos púlpitos da IPB. Proibir pastores e oficiais das igrejas jurisdicionadas à Igreja Presbiteriana do Brasil de participarem da direção de cerimônias do culto na companhia de sacerdotes católico-romanos. Caberá aos Conselhos, no caso de presbíteros; e diáconos, aos presbitérios, no caso de pastores (ou, no caso de pastores cujo presbitério haja sido dissolvida, à respectiva Comissão Executiva Sinodal) instaurar o processo eclesiástico, afastando preventivamente do exercício ministerial quem desacate a resolução supra. Na ausência de providências disciplinares pelo órgão competente (CI, art. 70) deverá o Concílio imediatamente superior tomar as medidas necessárias, inclusive à dissolução do Concílio inoperante (ou demissão da Comissão Executiva, nos casos do Art. 11 do Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil). Na eventualidade de se encontrar um sínodo inoperante no cumprimento da presente resolução, deverá a CE/SC declará-lo dissolvido e colocar os presbitérios que o integram na jurisdição de outros sínodos, com recomendação que dêem cumprimento, no caso do presbitério (ou

BP, 15 de julho, 1º de agosto e 15 de agosto de 1966, pg. 15.

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presbitérios) inoperantes, à presente resolução, relatando à CE/SC, em prazo fixado pela CE/SC, a execução da presente resolução. Ao dissolver um concílio, deve o Concílio Superior tomar as providências necessárias para que, quando for o caso, a dissolução produza efeitos junto à autoridade civil competente.”17

Com essas resoluções, em 1970, a IPB armou o esquema inquisitorial que atingiu pastores, oficiais, presbitérios e sínodos; nos anos subseqüentes. Não contente em as medidas tomadas contra pastores, presbíteros, diáconos e concílios, o SC de 1974 se volta também contra os membros das igrejas locais: “Considerar passíveis de disciplina os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil que participarem como testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana.”18 Por causa do seu preconceito contra a Igreja Católica, houve, na IPB, um arrefecimento rio espírito ecumênico que já existia em pequena proporção entre os presbiterianos, refletindo sobre os contatos fraternais com outras Igrejas Evangélicas. Identificando o movimento ecumênico unilateralmente como uma tentativa de união orgânica com a Igreja Católica, os presbiterianos, que lideraram a cooperação entre as Igrejas Evangélicas, tornaram-se pouco operantes. A Confederação Evangélica do Brasil se enfraqueceu muito. Os movimentos de aproximação entre as igrejas protestantes diminuíram sensivelmente. Muitos pastores e igrejas foram constrangidos a deixar a IPB, formando novas denominações presbiterianas, com aconteceu com o Presbitério de São Paulo (PSP), com a Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil (AIRB) e com a presbiteriana Renovada (IPR). Tudo isso por causa do clima inquisitorial e ditatorial e a perda do amor e da compreensão por parte da direção da IPB. Quando a primeira edição deste livro foi publicada, em 1976, havia oito denominações presbiterianas no Brasil. Em meados de 1982 duas haviam desaparecido (PSP e AIRB), se reestruturando em dois novos grupos: a Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), criada em 1978, e a Igreja Cristã de Confissão Reformada (ICCR), criada em 1980. Uma nova denominação presbiteriana (IPRJ) surgiu em junho de 1982, quando um dos presbitérios do Rio de Janeiro, retirou-se daquela denominação, tomando-se independente. Além da IPB (1859), IPI (1903), IPF (1956), IPR (1975), FENIP (1978), ICCR (1980), e IPRJ (1982), existem mais igrejas Reformadas no Brasil: a Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC), criada em 1940 numa controvérsia com a IPI; e a Igreja Cristã Reformada do Brasil (ICR), criada em 1932 por imigrantes húngaros. Os reformados holandeses mantêm tanto uma denominação quanto uma missão no Brasil, existindo, ademais, pequenos grupos reformados originários de outros países, tais como a Igreja Reformada Suíça, em São Paulo.

17 18

BP, Setembro de 1970, pgs. 3 e 5. BP, Outubro de 1974, pg. 8.

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A REVOLUÇÃO DE 1964 “Os crentes de fato acreditam que o problema fundamental do Brasil é o de ordem moral. Esta é a opinião geral defendida tanto pelos incultos como por pessoas de educação média e universitária. E esta generalização fundamenta as opções políticas da maioria dos líderes protestantes. Uma pregação direitista de combate aos corruptos e subversivos tem que despertar admiração e apoio substancial desse tipo de 1 mentalidade.”

O período que estamos estudando na história da Igreja Presbiteriana do Brasil foi desenrolado dentro da mais profunda crise política, econômica e social. A crise política teve um desfecho trágico em agosto de 1954 com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Passou então a governar, o vice-presidente João Café Filho. A situação política não melhorou e, a 11 de novembro de 19S5, o Ministro da Guerra, general Teixeira Lott, com o apoio de outros oficiais superiores, depôs Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que ocupava interinamente a presidência da República, por achar-se, enfermo Café Filho. Foi então chamado ao poder o senador Nereu Ramos que, em janeiro de 1956, deu posse ao presidente eleito Juscelino Kubitshek. Apesar da má situação financeira, empenhou-se o governo do presidente Juscelino Kubitshek em atrair capitais estrangeiros e em desenvolver as indústrias, particularmente a automobilística. De suas obras mais importantes, assinala-se a construção de Brasília, capital do Brasil a partir de 21 de abril de 1960. Em janeiro de 1961, Jânio Quadros assumiu o governo, eleito no ano anterior. O novo presidente traçou um programa de rigorosa economia, ordenou numerosos inquéritos para apurar irregularidades em vários ministérios. Achou necessários novos mercados para a compra da produção, agrícola e industrial do país e, por isso, iniciou negociações com os estados socialistas e com as novas nações do continente africano. Nessa guinada para o socialismo, o líder revolucionário cubano Che Guevara foi condecorado pelo presidente. Seu governo, porém, durou apenas 1

Ramos, Jovelino, Protestantismo Brasileiro, Visão Panorâmica, Revista Paz e Terra, Ano II, Nº 6, abril de 1968, pg. 77.

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A REVOLUÇÃO DE 1964 sete meses, pois a 25 de agosto de 1961, sem que ninguém esperasse, ele comunicou ao Congresso que renunciava ao cargo de Presidente da República. Nessa ocasião o vice-presidente João Goulart, que o deveria substituir, viajava pelos países da Ásia, e o poder foi exercido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, durante uma semana de grave crise nacional quando foi estabelecido o parlamentarismo no Brasil. O problema surgiu porque os ministros militares declaram-se contrários à posse de João Goulart. Contra essa declaração houve protesto, e Leonel Brizola, governador do Ria Grande do Sul, assumiu posição francamente revolucionária com o apoio das tropas do exército sediadas nesse Estado sob o comando do general Machado Lopes. Entretanto, o Congresso, afirmando haver perigo de guerra civil, resolveu adotar posição conciliadora, promulgando o Ato Adicional que estabeleceu o parlamentarismo. Com o regime parlamentarista, cujo primeiro ministro foi Tancredo Neves, foram concluídas as negociações e estabelecidas as relações diplomatas e comerciais com a União Soviética. Para substituir Tancredo Neves, que deixara o cargo em junho de 1962, o presidente João Goulart indicou o professor Santiago Dantas. A Câmara dos Deputados, porém, não aprovou seu nome. O presidente, então, de acordo com a lei, levou à consideração da Câmara o nome do senador Auro de Moura Andrade. Pouco depois, contudo, irrompia violenta crise política, pois o presidente recusou energicamente nomear novos ministros indicados por esse senador. Alegava não serem homens capazes de realizar um programa para salvar o país da crise econômica, financeira e social. Esse programa consistia na realização das chamadas “reformas de base”, como a reforma agrária, e a manutenção da política externa inaugurada pelo presidente Jânio Quadros (comércio e relações políticas com os países socialistas). O último primeiro ministro, Hermes Lima, ainda ocupava o poder quando o plebiscito de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo. Mas a inflação, com suas conseqüências; imediatas - desvalorização da moeda e aumento do custo de vida - foi uma das causas importantes das crises que agitaram o país durante todo de 1963 e princípio de 1964. Sucederam-se as greves, com freqüência cada vez maior, principalmente nos Estados de São Paulo, Guanabara [atual cidade do Rio de Janeiro] e Pernambuco; muitas delas tiveram caráter político e eram sempre promovidas pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), organização que contava, entre seus membros, com líderes extremistas. Também no interior verificaram-se graves agitações, quando trabalhadores rurais arregimentados em “ligas camponesas”, lideradas por Francisco Julião, de Pernambuco, invadiram propriedades, ocorrendo graves conflitos com fazendeiros de Minas Gerais e Goiás, e com usineiros do Nordeste. Em março de 1964, a situação política tornou-se mais grave: o governador de Pernambuco, Miguel Arrais, de orientação socialista, entrava em choque com as lideranças econômicas; por lado, num comício realizado na Guanabara no dia 13, com a presença do presidente da República, foram feitas violentas críticas ao Congresso, chegando-se a propor uma Constituinte para a realização imediata das - 62 -

A REVOLUÇÃO DE 1964 reformas de base. Ocorreram, dias depois, atos de insubordinação de elementos da Marinha e do corpo de Fuzileiros Navais, sendo que os marinheiros pertenciam a uma associação considerada subversiva pelos oficiais da Armada e pelo próprio Ministro. Finalmente, a 31 de março, em apoio a um manifesto ao governador de Minas Gerais, insurgiram-se tropas do exército sediadas; nesse Estado e resolveram marchar para o Rio de Janeiro. O governo federal que se havia deslocado para essa cidade, compreendeu a inutilidade de qualquer resistência quando foi informado de que o 2º Exército, de São Paulo, apoiava o movimento, marchava também para o Rio de Janeiro e aproximava-se de Resende onde obtivera a adesão da Academia Militar de Agulhas Negras em 19 de abril. Retirou-se então o presidente da República para Brasília, em seguida para Porto Alegre e, antes de buscar refúgio no Uruguai, faz uma declaração em que dispensava qualquer ajuda para a sua causa. Nessa ocasião, na capital do país, já havia assumido o governo o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Seguiu-se a publicação do institucional que modificou a constituição: suprimiram-se as garantias individuais para permitir a cassação de mandatos dos eleitos, ou a supressão dos direitos políticos por 10 anos, além do confisco de bens daqueles que fossem acusados de atividades subversivas ou práticas de corrupção. Houve inúmeras prisões em todo o território nacional. Também o mesmo ato estabeleceu eleição imediata, pelo Congresso, do presidente, vice-presidente da república, sendo eleitos, respectivamente, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e o deputado José Maria Alkmin. Para conter a inflação, o Governo tomou severas medidas financeiras; que culminou com a adoção do Cruzeiro Novo, em 1967. Em outubro de 1965, depois da eleição para governador de alguns Estados, foi publicado novo Ato Institucional, que suprimiu os partidos existentes, reduzindo-os a dois e estabeleceu a eleição indireta, pelo Congresso, dos governadores e do presidente da República. Para suceder ao presidente Castelo Branco foi eleito, em outubro de 1966, o marechal Artur da Costa e Silva e, em janeiro de 1967, foi promulgada a nova constituição. Em dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional nº 5 que determinou o fechamento do Congresso. Sem a colaboração do poder Legislativo, portanto, continuou o governo a tomar severas medidas para resolver a situação financeira do país. Em 1969 o marechal Costa e silva foi acometido de grave enfermidade. O poder passou a exercido por uma junta militar que declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente, que era Pedro Aleixo. Foi indicado para a presidência o general Emílio Garastazu Médici, que determinou nova constituição, em 17 de outubro de 1969.2 Podemos citar as seguintes características do movimento político-militar de 01.04.64: 2

Borges Hermida, Antonio José, Compêndio de História do Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 57ª Edição, 1972, pgs. 289-300.

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A REVOLUÇÃO DE 1964 1. Foi um movimento conservador: achava que as reformas tinham que seguir as linhas tradicionais. 2. Foi um movimento moralizador combate à corrupção. 3. Foi um movimento ideológico combate ao comunismo e o fortalecimento da democracia liberal liderada pelos Estados Unidos. Entre as igrejas evangélicas do Brasil, a Presbiteriana foi a mais envolvida e a mais comprometida com a revolução de 1964 por causa das ligações dessa Igreja com a classe média e por causa do prestígio que ela gozava nos meios políticos e militares. “Três presbiterianos da ilustre família Gueiros vem tendo participação ativa no delineamento dos destinos do país desde a deposição do Presidente Goulart. Eraldo Gueiros Leite, no momento em que escrevemos, é Procurador Geral da Justiça Militar da Presidência da República, Evandro é Procurador da Justiça Cível, e Nehemias Gueiros entrou para a História como redator do Ato Institucional nº 2. Vale mencionar o nome de Jeremias Fontes, outro filho do protestantismo (presbiteriano) designado por Castelo Branco e eleito em pleito indireto para governador do Estado do Rio.3 No governo Médici, o ministro Eraldo Gueiros ocupou o cargo de Governador de Pernambuco. Talvez por isso, a revista “Newsweek”, no ano de 1966, comentava que havia no Brasil uma “proliferação de legislação calvinista”. Um representante do Sínodo Oeste de São Paulo publicou, em maio de 1964: “Na certeza irrebatível de que a justiça exalta as nações e de que o pecado é o opróbrio dos povos, hipotecam, senhor Presidente, respeitosa e patrioticamente, enorme soma de confiança em seu governo.”4 Esse é um trecho da representação que o referido sínodo enviou ao presidente Castelo Branco. Nesse mesmo mês de maio um pastor escreveu: “Todos os verdadeiros cristãos estão se regozijando com os resultados da gloriosa revolução de março-abril: o expurgo de comunistas simpatizantes da administração do nosso querido Brasil. (...) Deus agiu na hora certa, usando a coragem e o patriotismo das Forças Armadas e civis. A raiz da erva daninha, porém, será difícil de ser extirpada.”5 No editorial do Brasil Presbiteriano foi escrito: “Merece o seu governo (Castelo Branco) o apoio dos cristãos que devem constantemente orar a Deus por ele, e positivamente participar da vida nacional.”6 Outro pastor também que: “Ninguém que verdadeiramente ame este país e aprecia o regime de liberdade, terá de aplaudir com entusiasmo a reviravolta que, de um momento para outro, nos livrou e impediu que o Brasil caísse nas mãos dos comunistas, já eufóricos no antegozo da posse do poder.”7 Esse pastor, todavia, pede moderação aos revolucionários e advoga as reformas para o povo.

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Ramos, op. cit., pg. 75. Brasil Presbiteriano (BP), maio de 1964, pg. 1. 5 Ibidem, pg. 7 6 BP, junho de 1964, pg. 3. 7 Ibidem, pg. 4. 4

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A REVOLUÇÃO DE 1964 Houve um entrosamento de vários setores da IPB com a revolução de 1964. Isso foi demonstrado pela notícia do Brasil Presbiteriano: “Pastores e Presbíteros da Igreja Presbiteriana do Brasil têm sido convidados a freqüentar cursos e ciclos de estudos promovidos pelas delegacias regionais da Associação dos Diplomados; da Escola Superior de Guerra. Versam os sobre temas de Segurança Nacional e Desenvolvimento.”8 Mais tarde a própria CE/SC encaminha sugestão para o aproveitamento de ministros no curso intensivo da Escola Superior de Guerra e que indicaria os nomes desses ministros.9 A influência maior da revolução de 1964 na IPB foi no sentido de imitar os métodos político-militares na vida interna da Igreja. Em maio de 1964 um pastor escrevia: “Em todos os setores [a erva daninha do comunismo] está infiltrada, inclusive nas Igrejas, tanto na católica, como infelizmente nas evangélicas. Daí o título do nosso arrazoado - ‘o outro expurgo’ ... É preciso o expurgo.”10 De fato já começava a haver expurgos nas igrejas evangélicas. O diretor dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, chegou a elogiar a presteza com que os protestantes agiram no expurgo de pastores “suspeitos”, enquanto lamentava a complacência da Igreja Católica para com os padres igualmente “suspeitos”. Um presbítero de Recife protestou: “A Revolução de 31 de março último afugentou 1 Coríntios 13 do pensamento e da ação de nossa Igreja. ... Casos houve aqui no Nordeste em que o ‘regozijo’ pelo sofrimento dos irmãos foi corroborado por citações do Velho Testamento, pois Deus não ordenara a destruição dos amalequitas? Um pastor acaba de sugerir um ‘expurgo’ na nossa Igreja. Já antevemos comissões de inquéritos funcionando ao lado de concílios e a agitação política tomando conta da vida da Igreja.”11 Logo depois do golpe militar, a CE/SC começou a agir. Reuniu-se em Campinas nos dias 29 e 30 de abril de 1964 e tomou algumas decisões: 1. Em relação ao VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana, a CE/SC tinha elogiado, no dia 28 de março, o referido congresso com as seguintes palavras: “Congratular-se com a Mocidade Presbiteriana Brasileira pela realização do seu VI Congresso e pelo elevado desejo que demonstrou em achar respostas cristãs para as necessidades da hora presente da vida brasileira como se vê consubstanciado na proclamação do VI Congresso.”12 Mas, agora, na reunião de 29 de abril, a mesma CE/SC resolve: “Fazer sustar a publicação e divulgação por quaisquer outros meios, das conclusões do VI Congresso da Mocidade, por não ter a CE/SC, reunida em

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BP, outubro de 1974, pg. 2 BP. fevereiro de 1975, pg. 3. 10 BP, maio de 1964, pg. 7. 11 BP, julho de 1964, pg. 4. 12 Resumo de Atas, 1964, pg. 5. 9

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A REVOLUÇÃO DE 1964 Campinas, em março de 1964, aprovado as referidas conclusões.”13 Nessa mesma reunião de abril foi aprovado um vento de agradecimento a um jovem que serviu de “espião” do presidente do SC no VI Congresso da Mocidade, em janeiro de 1964. 2. Outra providência foi a retirada do redator-chefe do Brasil Presbiteriano, Rev. Domício Pereira de Mattos, alegando, entre outras; coisas, que: “a orientação do Rev. Domício, à frente do BP, não representa o pensamento da Igreja.”14 O Rev. Domício, debaixo de pressões, resolveu pedir demissão e em seu lugar foi escolhido o Rev. Boanerges Ribeiro que está à frente do jornal desde 1964. 3. A terceira providência foi a CE/SC aceitar 2 documentos irregulares porque não procediam de concílios: um era o abaixo-assinado de membros da Igreja de Niterói, e outro era uma carta de um jovem criticando o VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana. O único assunto de “urgência”, assim considerado, assim considerado pelo presidente e seus companheiros, eram “acusações contra ministros presbiterianos: um o presidente do Sínodo da Guanabara que cumpria função na imprensa presbiteriana, acusado de ofender e insultar o presidente do SC; e outros seis ministros presbiterianos acusados de heterodoxia, de adotarem ideologia contrária à fé e a ética cristã. A acusação contra os seis ministros presbiterianos (Reverendos: Jovelino Ramos, Nilo Rédua, Cyro Cormack, João Dias de Araújo, Lemuel Nascimento e Rubem Alves), assinada por membros de igrejas locais, foi levada à CE/SC pelo próprio presidente, sem passar pelos respectivos conselhos de igrejas e sem transitar por qualquer concílio presbiteriano. A CE/SC não só recebeu a queixa como nomeou comissão para investigar a vida desses ministros, em flagrante desrespeito à Constituição da IPB, e adotando o desumano processo de delação sem prova e sem oportunidade de defesa aos acusados.15 Em junho de 1964, o próprio presidente do Supremo Concílio, Amantino Adorno Vassão, esteve no Recife e convocou uma reunião extraordinária da diretoria do SPN com o objetivo de afastar do cargo de professor o Rev. João Dias de Araújo. O documento que o presidente tinha contra esse professor era uma carta de difamação e de injúria escrita por um jovem inexperiente que esteve no VI Congresso da Mocidade Presbiteriana. Essa carta foi distribuída, com a aprovação e incentivo do presidente, por quase todas as igrejas presbiterianas do Brasil. A diretoria se reuniu e examinou o documento e, depois de interrogar o professor durante 3 horas, não encontrou nenhum motivo para afastá-lo. O presidente, num verdadeiro acesso de cólera, abandonou a reunião. Foi esse mesmo professor do SPN que quase foi preso porque, no dia 1º de abril de 1964, membros da Igreja Presbiteriana Fundamentalista distribuíram, no centro da cidade do Recife, um panfleto de Israel Queiros que acusava o SPN de ser um foco subversivo de alunos e professores esquerdistas e apontava João Dias de Araújo com “professor de teologia marxista”. Foi necessário que a mesa da diretoria do SPN, ajudada por dois presbiterianos de influência na cidade (Dr. Mardônio Coelho e o presbítero Torquato Marques dos Santos), se dirigisse às autoridades civis e militares desmentindo as acusações.

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Ibidem, pg. 26. Ibidem, pg. 25. 15 BP, abril de 1964, pg. 3. 14

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A REVOLUÇÃO DE 1964 O Brasil Presbiteriano, visivelmente satisfeito, publica a notícia da prisão do pastor Gerd Jurgen Menzel, acusado de subversão. Mas não publica que ele foi, depois de interrogado, considerado inocente pelas autoridades militares.16 Na campanha para eleição de Boanerges Ribeiro como presidente do Supremo Concílio em Fortaleza (julho de 1966), a propaganda era feita no sentido de salvar a Igreja da infiltração do “evangelho social”. Em outras palavras, adaptar à nova situação implantada pela revolução de 1964. Para ajudar a propaganda eleitoral de Boanerges Ribeiro, o jornal Brasil Presbiteriano publicou, na sua edição de maio, dois meses antes da reunião, uma ficha para dos delegados. Acima da ficha está a propaganda em letras garrafais de um livro de autoria do Rev. Alcides Nogueira, O Evangelho Social e a Igreja de Cristo, com a seguinte nota, “Está em circulação o livro O Evangelho Social e a Igreja de Cristo que o Rev. Alcides acaba de publicar e no qual faz uma análise documentada sobre novas tendências ideológicas dentro do protestantismo brasileiro. Graves e surpreendentes revelações vêm a lume naquelas páginas, que precisam ser conhecidas e meditadas, a fim de que se tenha ciência da atuação socialista que consciente ou não da extensão do mal, vem anunciando um ‘evangelho social’, um ‘outro evangelho’ (Gl. 1:6) que abre ala para a infiltração sócio-comunista nos meios evangélicos do Brasil.”17 O livro nada mais é do que uma série de “acusações” infundada , calúnias, meias-verdades, e distorções de pensamento. Muitos pastores são “acusados”: Richard Shaull, Rubem Alves, Jovelino Ramos, Cyro Cormack, João Dias, Nilo Rédua, Domício de Mattos e a própria CE/SC é considerada culpada porque retirou as acusações contra esses ministros. Durante a reunião do Supremo Concílio em Fortaleza (1966), falou-se em “regime de exceção” da Igreja. Um presbítero, general do exército, propôs que nenhum pastor podia pertencer a um partido político de orientação socialista. Essa proposta não foi aceita. Outro presbítero, também oficial do exército, dizia aos delegados, nos corredores, que “era soldado de Cristo e soldado da pátria e como soldado da pátria tinha o dever de denunciar às autoridades qualquer irmão suspeito de subversão”. Devido à crise no SPS, foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES), sobre a qual falaremos no próximo capítulo. Essa comissão tem várias características de um tribunal da inquisição medieval. Iríamos longe relatando as repercussões que a situação político-militar trouxe para dentro da IPB. Quantas injustiças! Quantas denúncias falsas! Quantas mentiras! Quanto farisaísmo! Foi Jovelino Ramos quem resumiu tudo isso no seguinte parágrafo: “[A Igreja] identificou-se com o conservantismo político; condenou os renovadores como modernistas, mundanos e comunistas, postulou que a Igreja nada tem a ver com a situação social; acabou com a organização dos jovens, participou da marcha da família, fechou o Setor de Responsabilidade Social da Igreja; denunciou ao DOPS e ao SNI muitos pastores e leigos com subversivos e corruptos; expulsou dos seminários professores considerados ‘avançados’ e baixou o nível da educação 16 17

BP, 1 a 15 de maio de 1969, pg. 7. BP, maio de 1966.

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A REVOLUÇÃO DE 1964 teológica; e, através de um astuta manobra política, tirou os elementos ‘suspeitos’ dos postos importantes da hierarquia eclesiástica.”18

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Ramos, op. cit., pg. 93.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS “A diversidade de idéias nas presentes conjunturas do século e da Pátria, só podem ser enfrentadas por idéias e não por ações inquisitórias.”1

Nesta fase da história da Igreja Presbiteriana do Brasil constatamos a existência de três seminários: o Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas (SPS), o Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, e o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória. Estes seminários, considerados como ‘meninas dos olhos’ da Igreja, lacrimejaram com as fumaças da inquisição. Sempre houve crises nos seminários, mas neste período a crise destruiu praticamente a educação teológica da Igreja. Seminário de Campinas Começaremos considerando a crise no Seminário de Campinas que chegou a ser o melhor e mais afamado seminário da América Latina, reputado em todo o continente. Foi justamente na de 50, quando o seminário tinha mais de 100 estudantes, que a crise se aprofundou. Destacaremos os pontos mais salientes: 1. Crise teológica – Com a presença de Richard Shaull, os estudantes e professores tiveram contato mais direto com a renovação teológica na Europa e nos Estados Unidos. As teologias de Karl Barth, Emil Brunner, Reinhold Niebuhr, Richard Niebuhr, Otto Piper, Paul Tillich e outras foram amplamente apresentadas e discutidas. Além do professor Shaull, outros professores contribuíram. Júlio Andrade Ferreira, depois de um ano em Strasburgo, trouxe novas contribuições às suas aulas. Outros professores missionários também, como: Floyd Sovereign, Earle Roberts, Robert Evans. Novos professores brasileiros: Osmundo Miranda, Francisco da Penha Alves, Adauto Araújo Dourado, Samuel Martins Barbosa, Américo Ribeiro deram contribuições preciosas para o seminário. A crise teológica se instalou por causa do conflito entre conservantismo da Igreja e do seminário e a discussão dos novos teólogos, especialmente da teologia “neo-ortodoxa”. A. A. Strong, velho teólogo calvinista cujo compêndio tinha sido por várias décadas no Seminário, agora era alvo de criticas e de reservas. Por desses fatos o SPS foi acusado de ter entre seus alunos e professores alguns “modernistas”. A pessoa mais criticada foi a do professor Shaull cuja influência sobre os estudantes foi enorme. 2. Conflito administrativo - Houve conflitos e desentendimentos entre dois órgãos da administração do seminário: a Diretoria e a Congregação dos Professores. Na “Representação de Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas” temos um parágrafo que explica o assunto: “O bom andamento dos trabalhos do 1

Representação dos Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas, edição mimeografada, pg. 2.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS Seminário depende largamente das boas relações entre a Congregação e a Diretoria. É necessário uma harmonia entre os dois órgãos. A presente estrutura da Diretoria (representantes dos presbitérios da região) tem resultado em mal entendidos e conflitos que trazem sérios prejuízos para a obra do Seminário. (...) Sendo a Congregação um órgão hierarquicamente subordinado à Diretoria, estando ela, contudo, de posse de todas as informações e dados referentes à vida interna do Seminário, é necessário um bom entrosamento entre os dois órgãos. (...) O que se tem observado é uma situação de tensão e atrito entre a Diretoria e a Congregação, que resulta em prejuízos para a vida interna do Seminário e em descrédito da obra do Seminário, externamente”.2 Essa crise administrativa explodiu nas vésperas da reunião do Supremo Concílio de 1966. 3. Conflitos entre alunos e autoridades da Igreja - Os conflitos entre o seminário e a direção da IPB se intensificaram depois da revolução de 1964, quando a Mesa do Supremo Concílio se transformou em comissão de inquérito para apurar possíveis irregularidades no seminário. No Instituto de Pastores, em julho de 1964, um pequeno incidente desencadeou uma onda furiosa contra os estudantes. No programa do Instituto de pastores, afixado no “placard” de anúncios do seminário, estava um papel contendo os temas das palestras e os respectivos nomes dos preletores. Entre as palestras, uma seria feita pelo então presidente do SC, Amantino Adorno Vassão. Um estudante escreveu à tinta, na frente do nome, do presidente, a palavra “fraco”, externando uma crítica, ou um desabafo de estudante. Bastou essa brincadeira para que a Mesa da CE/SC oficiasse à Congregação do Seminário afirmando que “houve referência a uma nota desairosa ao Presidente do Supremo Concílio, no programa do Instituto de Pastores aposto no ‘placard’ de anúncios do SPS. Resolveu a Comissão solicitar desta nobre Congregação informações sobre as providências tomadas com respeito à nota referida”. Com esse incidente e suas repercussões estava a crise aprofundada.3 4. Conflito entre estudantes e alguns professores do seminário - O jornal do Centro Acadêmico Oito de Setembro (CAOS), órgão dos estudantes, publicou um artigo a respeito da crítica a um sermão de prova, pregado por estudante. A crítica ofendeu alguns professores. O número do jornal foi suspenso, mas o conflito continuou, porque os cultos com críticas de sermão foram suspensos. Outro incidente foi à reação dos estudantes do 4º e 5º anos, que se recusaram ter aulas de Exegese da Carta aos Romanos com o professor Waldyr C. Luz, que tinha sido indicado para ministrar essa matéria pela Congregação e pela Mesa da Diretoria. 5. Conflito entre estudantes - Naturalmente, num seminário com mais de 100 alunos, há diferenças de mentalidades. No primeiro semestre de 1966 surgiu o famoso “Manifesto dos 15”, que foi explorado politicamente na campanha de propaganda eleitoral para presidente do SC. O manifesto foi escrito por 15 alunos, na maioria dos primeiros anos do curso do seminário, fazendo “acusações” que foram classificadas na seguinte ordem:

2 3

Ibidem, pg. 12. Ibidem, pgs. 2, 3.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS a. As de ordem piedosa - Há quem zombe da Bíblia, da oração e da vida espiritual; a vida devocional é baixa; os cultos mal assistidos ou desprezados; o círculo de oração combatido. b. As de ordem doutrinária - Desprezo ao calvinismo, apego ao modernismo, negação da Inspiração. etc. c. As de ordem ética - Há libertinagem, imoralidade, fumo, bebida, amor livre, palavrões, piadas atentando à pureza feminina, etc. d. As de ordem administrativa - Há os que desmoralizam a liderança da Igreja, hostilizam professores. “Uma cúpula ativista, politiqueira, de simpatias pronunciadamente esquerdistas, exerce inexorável pressão sobre colegas”; “tramam de maneira traiçoeira contra os lideres da igreja que não obedecem à sua linha de pensamento”; “elementos de fora, até ministros, vem aqui, tramam, etc.”. O pior de tudo é que esse manifesto foi distribuído fartamente fora do seminário, nas igrejas, antes de ser conhecido pela Congregação do Seminário. Duas igrejas, uma de Belo Horizonte e outra do Presbitério de Rio Claro, se incumbiram distribuir esse manifesto para mostrar que o Supremo Concílio tinha que eleger um presidente para “salvar o Seminário”.4 De fato, o assunto podia ser tratado e resolvido pela Diretoria e pela Congregação, mas os abutres do escândalo queriam explorar politicamente os exageros dos 15 alunos, e os problemas no seminário. 6. Problemas financeiros - Não podemos deixar de mencionar a crise financeira. Numa época em que o seminário mais precisava da presença e da assistência dos professores, estes eram obrigados a ficar muito tempo fora, dando aulas ou trabalhando em outras cidades porque, além de seus salários serem baixos, eram pagos com atraso de até 3 meses. Houve professores que bateram às portas de estudantes para tomar dinheiro emprestado para fazer feira. Não era possível exigir desses homens e de suas famílias mais do que eles estavam dando para o seminário. Infelizmente, essa grave crise foi mal encaminhada para a reunião do SC em Fortaleza e lá explorada e transferida para os outros dois seminários que tinham crises diferentes, fazendo surgir na vida presbiteriana a esdrúxula “Comissão Especial dos Seminários”. Vejamos da resolução: “1. Reconhecer que um situação de fato existe que compromete o futuro da Igreja. 2. Declarar que embora respeitando o foro íntimo de cada indivíduo a IPB não entende que a liberdade de exame implique na abertura de suas portas a toda sorte de dúvidas e heresias. 3. Determinar que os professores dos seminários da IPB se dediquem ao preparo intelectual e espiritual de seus alunos e se abstenham de propagandas e práticas ecumenistas e ideológico-políticas.

4

Ibidem, pg. 14.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS 4. Determinar às Congregações que cancelem as matriculas de todos os alunos cujas idéias ou cuja conduta sejam havidas pelas Congregações de professores ou pelas entidades superiores da administração incompatíveis com padrões éticos e doutrinários da IPB. 5. Nomear uma Comissão Especial com plenos poderes para dar execução às providências desta resolução, podendo inclusive: a. Dispensar professores, devolvendo-os aos seus Concílios de origem; b. Nomear professores e levantar recursos em entendimento com a tesouraria do SC; c. Reestruturar ou organizar Diretorias dos Seminários, de modo que as medidas tomadas se tornem efetivas. 6. Assegurar direitos amplos da defesa aos incriminados, segundo os termos da CI e do CD. 7. Determinar que a Comissão supra se instaure e inicie seus trabalhos no prazo máximo de trinta dias, a contar da data da aprovação.”5 Essa decisão foi tomada depois de 2 dias de debates amargos nos quais houve tristíssimos incidentes de injustiças e impiedades. Os protestos contra a criação dessa comissão ecoaram pela Igreja. O Sínodo Espírito-Santense, o Presbitério de Salvador, o Presbitério de Campinas, as Congregações dos Seminários de Campinas e do Centenário, abaixo assinados, e decisões conciliares - todos enviaram sua palavra de repulsa à Comissão Especial dos Seminários. O Sínodo Espírito-Santense, em ponderado e bem estudado documento, um mês depois da reunião do SC, mostrou que a CES era: 1. inconstitucional; 2. incompetente; e 3. impraticável dentro da IPB. No dia 2 de agosto, Júlio Andrade Ferreira renuncia a reitoria do Seminário de Campinas. No dia 21 de agosto a Congregação dos Professares do mesmo seminário escreve uma “Representação” mostrando as razões pelas quais não podem aceitar nem receber a CES. No dia seguinte, 39 alunos se solidarizam com os mestres signatários da “Representação”. A CES reestrutura a diretoria do seminário e faz, em seguida, os expurgos. Os seguintes professores foram expulsos, porque assinaram o documento: 1. Júlio Andrade Ferreira; 2. Antonio Marques da Fonseca Junior; 3. Samuel Martins Barbosa; 4. Eliseu Narciso; 5. Francisco Penha Alves. Os únicos professores que não assinaram, Américo Ribeiro e Waldyr Carvalho Luz, foram expulsos em 1974. O mesmo ato expulsou os seguintes alunos: 1. Eleny Alves Pereira; 2. Edval de Queiroz Matos: 3. Dorival Xavier de Oliveira; 4. Goldofredo Attílio D'Auria; 5. Antônio Simões Ferreira Filho; 6. José Alt dos Reis; 7. Paulo S. Gomes; 8. Ilfeu Veriano Ferreira; 9. João Batista Pereira; 10. Walter Caraelo Locoli; 11. Vander Boaventura; 12. Ubirajara de Campos; 13. Reinhold Felippe Ortliele; 14. Elias Moacir da Costa; 15. Natanael Maria dos Santos; 16. Carlos Ferreira Jr.; 17. Dário Pereira Ramos; 18. Celso Martins de Souza; 19. Daniel Martins de Souza; 20. Otávio Stradioto; 21. Henrique de Almeida Lara; 22. Clodomir Monteiro da Silva; 23. Eurico Airton 5

BP, 15 de julho a 19 de agosto, e 15 de agosto de 1966, pg. 14.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS Monteiro; 24. Ricardo Swain Alíssio; 25. José Salomão Pereira; 26. Obed Júlio Carvalho; 27. Josemir Comes da Silva; 28. Ephraim Santos de oliveira; 29. Edson Lacerda; 30. Daniel Nogueira; 31. Rubem Alexandre da Silva; 32. Wilson Arroyo; 33. Paulo Sérgio Emeriques; 34. Ciro Rodrigues de Figueredo; 35. Oscar Pugsley; 36. Eduardo Oscar Chaves; 37. Hermes Gonçalves Arana; 38. Javan Dicas Laurindo; 39. Jaime Cleto da Silva. A situação educacional do seminário estava precária. Já tinham saído de lá anteriormente: Richard Shaull, Osmundo Miranda, Robert McIntire, Adauto Araújo Dourado, Floyd Sovereign. Mais tarde haveriam de sair: Earle Roberts, Robert Evans, Klaus van der Grijp, Américo Ribeiro, Waldyr Luz, e outros que passaram pouco tempo. Falecidos já estavam: Guilherme Kerr, Herculano Gouveia Junior e Jorge Goulart. A saída dos 39 alunos comprometeu a futura liderança da Igreja. Comentando com um pastor da Igreja Evangélica da Espanha sobre a expulsão de 39 candidatos ao ministério, ele, espantado, comentou: “A nossa Igreja na Espanha nunca teve 39 candidatos ao ministério e vocês expulsam essa quantidade de futuros pastores?!” O seminário se tornou uma escola vigiada por dentro e por fora. Um clima de terror foi implantado. A liberdade acadêmica foi extinta. Seminário do Recife Nas décadas de 50 e 60 o Seminário do Norte teve o seu auge. Até 1924 o SPN era uma “Escola Teológica do Presbitério de Pernambuco”. Em 1924 o Supremo Concílio reconheceu-o como instituição da IPB e deu-lhe o título de Seminário Evangélico do Norte e “aberto para franca cooperação com as igrejas irmãs”.6 Em 1936 o Supremo Concílio aprova o plano do Sínodo Setentrional para a fusão do Seminário Evangélico do Norte com o Instituto Bíblico do Norte, da Igreja Congregacional. Em 1946 o Supremo Concílio toma novas medidas em relação ao Seminário Evangélico do Norte que volta à administração direta do Supremo Concílio. Há divisão de responsabilidades para o fortalecimento e a estabilidade do SPN, entre o Supremo Concílio, Missão Presbiteriana do Norte do Brasil e a Missão Presbiteriana do Brasil Central. Nos primeiros anos de 1950, iniciou-se a campanha para a construção dos novos edifícios, liderada por Oton Guanaes Dourado e Samuel Falcão. Na década de 60, o seminário agora Seminário Presbiteriano do Norte, conta com a presença de novos professores: Victor Thomas Foley, João Dias de Araújo, Paul E. Pierson e Áureo Bispo dos Santos. O SPN serve as regiões Norte e Nordeste, da Bahia ao Amazonas. O espírito inquisitorial funcionando nesta área da IPB. Em 1956, o professor Hershey Julien foi retirado do seminário acusado de heresia. O “fundamentalismo” triunfava no Nordeste e, principalmente, no seminário pela atuação de Israel Gueiros que, diante de uma reunião de pastores e líderes da em 1950, declarou: “Eu sou 100% intolerante”. Essa intolerância contaminou muita gente e eclodiu nos anos de 60. Nesses anos houve no seminário uma crise administrativa e teológica. A crise administrativa surgiu com a substituição do reitor Oton Guanaes Dourado por Paul 6

Digesto Presbiteriano, pg. 53.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS E. Pierson em 1962. Apesar da crise, Pierson deu um grande impulso ao programa de construção, as bases patrimoniais para o futuro do seminário. Sendo um homem de grande visão e poderoso dinamismo, Pierson marcou época na administração do seminário. Despertou, por isso, invejas e ciúmes. Tendo sido ele missionário em Mato Grosso, quando veio para ser professor do seminário, já possuía grande experiência sobre a expansão da Igreja. A crise teológica teve início com a expansão da biblioteca do seminário que se modernizou, aos esforços dos bibliotecários Hershey Julien, Catarina Varhaug e Ithamar Bueno Dias de Araújo. Com verbas da Igreja e do Fundo de Educação Teológica, a Biblioteca “Alexander Reese” se enriqueceu com as obras mais atuais dos teólogos e exegetas contemporâneos. Os estudantes entraram em contacto com a renovação teológica que abalava a Europa e os Estados Unidos. Mas a crise teológica se aguçou porque o professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã, João Dias de Araújo, não quis fugir dos graves problemas que agitavam a opinião do Brasil a da situação de injustiças e de desigualdades no Nordeste. Trazia sempre para a sala de aula não sé uma ênfase sobre a correlação de teologia com o contexto cultural da região mas pregava contra as injustiças da ordem sócioeconômica. Por causa dessas ênfases, o referido Professor foi taxado de “esquerdista” e “pró-comunista”. O próprio presidente do SC veio ao Recife e convocou a diretoria para expulsar o professor. Mas a diretoria reagiu e declarou: “1. Esclarecer que a terminologia empregada pelo Rev. João Dias de Araújo é um esforço para comunicar as verdades evangélicas ao homem contemporâneo, em termos que o alcancem nas suas preocupações e ansiedades. 2. Destacar a atuação e o cuidado do Rev. Orlando de Morais, presidente desta Diretoria, em preservar a dignidade e o bom nome do SPN, procurando esclarecer os rumores e as dúvidas a respeito das opiniões teológico-político-sociais esposadas e ensinadas pelo Rev. João Dias de Araújo, professor deste Seminário. 3. Destacar que o Rev. João Dias de Araújo não evita tratar de problemas de caráter político-social que agitam os nossos dias, antes tem procurado combater a infiltração comunista, tanto por palestras, como por trabalhos escritos, de maneira leal e franca, contrastando com as afirmações comunistas, a excelência do Evangelho. 4. Declarar que a preocupação do Rev. João Dias de Araújo em orientar a Igreja e a sua Mocidade nas questões político-sociais está coerente com o pronunciamento social da IPB, na reunião ordinária do Supremo Concílio em 1962.”7 A crise administrativa e teológica não foi superada e, depois de 1966, como resultado de atuação da CES, 4 professores do SPN foram atingidos: Paul E. Pierson e Thomas Foley, que foram retirados pelas Missões antes que fossem expulsos pela CES; o Rev. João Dias de Araújo foi afastado após o ano letivo de 1970 e o Rev. Áureo Bispo dos Santos foi suspenso das aulas em março de 1975. Mais de uma dezena de estudantes ficou sob a pressão da CES e da administração do SPN. Alguns foram para o Seminário do Centenário, outros para o seminário da Igreja Episcopal em São Paulo, e outros abandonaram a candidatura ao ministério. 7

Livro de Atas da Diretoria do SPN, folha 175, pgs. A e B, de 05 de julho de 1964. [PULOU A REFERENCIA ANTERIOR DE Nº 7]

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS O Seminário de Vitória O Seminário do Centenário (SPC), o mais novo seminário da IPB, criado por resolução do Supremo Concílio em Lavras (1958), um ano antes da celebração do centenário da obra presbiteriana no Brasil, tinha por finalidades: “a) ... preparar ministros habilitados especificamente a servir em regiões rurais e semi-rurais. b) ... oferecer cursos que dêem aos ministros educação teológica tão boa como a que dão o outros dois Seminários da Igreja.” (Resolução: SC-58-20) Iniciado provisoriamente em Presidente Soares, o SPC foi localizado, em 1962, por decisão do Supremo Concílio na cidade de Vitória. Começou a funcionar a partir de agosto de 1963. Desde a sua fase embrionária, o SPC se preocupou em dar aos estudantes um acendrado interesse pela teologia bíblica e o seu relacionamento com a realidade brasileira. A figura de maior destaque na formulação dos objetivos de educação teológica nesse seminário foi, sem dúvida, Joaquim Beato, uma das inteligências mais lúcidas do presbiterianismo. Ao lado dele outros de grande valor deram a sua contribuição formando una equipe de alto nível da qual tomavam parte: Richard Shaull, José Borges dos Santos, Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado, Carlos Vagner, Wilson de Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Marhall Guthrie, Alfred Durand Sunderwirth, Eduardo Ramos Coelho e outros. Mesmo antes de 1966, havia na IPB um grupo contrário à orientação do SPC, mas os líderes seminário tinham superado as crises através de informações e principalmente através das primeiras turmas de concluintes. A resolução do Supremo Concílio em sua reunião de Fortaleza, em julho de 1966, que estabeleceu uma Comissão Especial de Seminários, constituiu para a diretoria do SPC a mais amarga e desalentadora surpresa de sua História. Criada pelo plenário do Supremo Concílio em Lavras, apresentou o seu primeiro relatório em 1962 que foi aprovado pelo SC nos seguintes termos: “1. Aprovar o relatório da Diretoria do SPC. 2. Reconhecer o grande esforço da Diretoria e agradecer o interesse pela manutenção e orientação dessa casa de ensino teológica”. (SC-62197) Seu relatório apresentado ao plenário em Fortaleza, foi, também, aprovado. Além disso, nos interregnos todos os seus orçamentos tinham sido aprovados pela CE/SC e cumpridos pelo tesoureiro do SC. Nunca foi apresentada à diretoria do referido seminário qualquer situação comprometedora vida interna do seminário. Não obstante tudo isso, o SPC e sua diretoria foram colocados sob o poder discricionário de uma Comissão Especial de Seminários, nomeada com fundamento em suspeitas e denúncias que nada tinham a ver com aquele seminário. Em 1966, após a reunião do SC, a diretoria do seminário envia uma representação à CE/SC tecendo considerações sobre a inconstitucionalidade da CES, sua incompetência e pede que seja suspensa a sua atividade. A representação é assinada por Jader Gomes Coelho, Presidente.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS A CE/SC, reunida em fevereiro de 1967, não respondeu a representação da diretoria e mandou que ela cumprisse o que o SC tinha resolvido. O SPC começa a sofrer pressões de todos os lados, a começar da pressão econômica. Os professores; e suas famílias entram em um estado desesperador diante da falta de pontualidade da tesouraria do SC. Vamos transcrever alguns parágrafos de uma carta dramática escrita por uma esposa de professor daquele seminário endereçada ao tesoureiro da IPB. “Vitória, 10 de outubro de 1967. Prezado Sr. Heitor: Há alguns dias passei-lhe um telegrama, que espero tenha recebido. Repito os dizeres: ‘Ordenados professores Seminário Centenário novamente atrasados três meses pt. Solicito prezado irmão tesoureiro IPB seja efetuado pagamento urgente pois professores precisam manter sociedade bom nome cristão cumpridores suas palavras. Atenciosamente em Cristo. Clicia Siqueira Labrunie.’ Quero explicar porque passei-lhe esse telegrama: A situação em que a Igreja Presbiteriana tem colocado os professores de seus seminários é tristemente penosa. O Rev. Joaquim Beato viajou há poucos dias para a Inglaterra. Foi com toda a família graças a uma bolsa de estudos que lhe foi dada por organizações estrangeiras que apreciaram o seu valor e compreenderam a necessidade de lhe dar maiores oportunidades para se preparar para melhor servir ao seu mestre e Senhor. A sua esposa viajou muito doente. Teve várias crises nervosas. O seu estado psíquico agravou-se em virtude da situação econômica a que ele e sua família tem sido submetidas desde que seu esposo passou a ser, em Vitória, professor do Seminário da Igreja Presbiteriana. Houve questões em que, disse-me ela, só por milagre tiveram o que comer. A esposa do Rev. Wilson Sousa também tem necessitado constantemente de cuidados médicos, pelo mesmo motivo. E agora aproxima-se a minha vez, pois, se o atraso do pagamento dos ordenados do meu marido continuar, é provável que eu também tenha de recorrer a médico psiquiatra. O senhor já imaginou o que é ter que viver recorrendo a amigos pedindo duzentos cruzeiros a um, cem a outro e assim por diante para ter o suficiente para atender às necessidades básicas da família, alimento, roupa, remédios? Ficar devendo a um e a outro e explicar que pagará assim que a Igreja me pagar? Ou então recorrer a bancos reformando as letras, pagando os juros sem a possibilidade de saldar o compromisso? ... É cristão esse tipo de tratamento que a Igreja Presbiteriana está dando a homens que dedicam todo o seu tempo à preparação de seus futuros ministros? Francamente, como pessoa que se criou dentro da Igreja Presbiteriana, filha do Rev. Cícero Siqueira que me orgulho de ser, não posso entender esse modo de agir de minha muito amada Igreja. ... Desculpe-me, Sr. Heitor, ... mas é que não desejo ficar doente dos nervos, como as minhas irmãs, esposas dos outros professores do Seminário e assim lanço esse grito, faço este apelo antes que isso aconteça.” Em 1967 a CES começou a agir no SPC. Proibiu que o seminário funcionasse no prédio da Igreja Luterana, onde as aulas eram dadas. Um dos motivos banais para essa decisão foi porque membros da CES viram tocos de cigarros num dos corredores do prédio. Ora, ali funcionava uma escola secundária na qual muitos

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS alunos não crentes freqüentavam. O seminário ocupava apenas algumas salas de aula. Mas a medida foi para prejudicar e não para resolver problemas. No Brasil Presbiteriano de 19 a 15 de novembro de 1968 saiu a seguinte informação da Comissão Especial dos Seminários: “A CES ... considera que: a. O SPC, por sua Diretoria e Congregação, não deu cumprimento às determinações constantes dos itens 3 e 4 da resolução Nº 6, de julho de 1966, do SC; b. Não dispensou o devido acatamento à CES, pedindo até a sua extinção e obstando-lhe, outrossim, o cumprimento dos termos da citada resolução; c. Persiste no SPC a situação de fato denunciada na mesma resolução, agravada por fatos recentes em que se ensejou a ministração do curso por ex-professor que aciona o SPS da IPB perante a Justiça do Trabalho, além da prova documental em que professor ressalta a linha eminentemente ecumênica do ensino do SPC em desacordo com resolução do SC-IPB; Resolve a CES, dentro de sua estrita competência e após dois anos de infrutíferas tentativas de cumprimento da resolução Nº 6, de julho de 1966 do SC, pelo SPC: a. Reestruturar a presente diretoria do SPC, substituindo os seus atuais diretores a partir de 19 de janeiro de 1969 por uma Mesa Diretiva Provisória a ser nomeada oportunamente e que se encarregará de reformulação dos seus atuais estatutos; b. Considerar dispensados os atuais professores e respectiva Congregação do SPC, a partir de 1º de janeiro de 1969; c. Dar ciência desta resolução à CE/SC e à Diretoria do SPC; d. Pedir a publicação da mesma no órgão oficial da IPB, para conhecimento de todos os interessados.” Essa decisão foi tomada no dia 19 de setembro de 1968. A última reunião da diretoria do SPC foi realizada nos dias 9 e 10 de dezembro do mesmo ano, com a presença de Boanerges Ribeiro. Diante da palavra dos representantes da diretoria e dos professores, o presidente do SC respondeu que se eles achassem errada a decisão da CES, que apelassem para a CE/SC. Era a única saída do presidente do SC diante do grave erro de dispensar professores sem terem oportunidade de serem ouvidos, desobedecendo a própria resolução que criou a CES. Todos os professores dispensados sofreram as conseqüências morais, espirituais e financeiras dessa resolução. Os alunos também foram prejudicados. Alguns foram transferidos para o Seminário de Campinas e os seguintes não puderam continuar a estudar: 1. Aldemir O. Balmart; 2. Alonso P. dos Santos; 3. Andrés Oramas Burgos; 4. Átila José dos Santos; 5. César Lima e Barros; 6. Clério Andrade; 7. Ivair Florenço Barroso; 8. Manoel de Sousa Miranda; 9. Pedro José Bussinger; 10. Sebastião Milton de Camargo; 11. Clover Aloysio Cesar; 12. Derval Dasilio; 13. Enoelmo Albuquerque. Não é necessário comentar o prejuízo tremendo para a IPB e para o evangelismo nacional esses atos de vandalismo eclesiástico praticado contra a educação teológica.

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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS E assim que se mata um sonho, e uma Igreja.

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CRISE EM SÃO PAULO “Pateticamente, nalgum tempo futuro, os filhos espirituais de Calvino virão a condenar o erro de seus pais, a menos que a presente geração o faça. (...) Uma voz que se levantou com fome e sede de justiça foi sufocada para ecoar ulteriormente na história da Igreja.”1

O clima insuportável que foi instalado na Igreja Presbiteriana do Brasil, a partir da reunião do Supremo Concílio, em Fortaleza, em julho de 1966, foi o responsável pela destruição de campos presbiterianos em franco e extraordinário progresso. Foi o que aconteceu no Estado de São Paulo, especialmente na capital, onde a IPB vinha marcando vitórias expressivas na expansão evangelística, nessa cidade mais populosa do Brasil e uma das maiores do mundo. Desde 1963, o Presbitério de São Paulo (PSP) estava preocupado com o desdobramento dos dois presbitérios daquela área a fim de propiciar maiores ensanchas para o desenvolvimento evangelístico e eclesiástico. Depois de 1966, a divisão e o desdobramento dos presbitérios de São Paulo e Paulistano deixaram de ter como objetivos a evangelização e o progresso eclesiástico para se tornar um assunto político, eivado de paixões pessoais e que visava o fortalecimento da posição do presidente do SC. O problema do Mackenzie estava por trás de muitos outros problemas. O PSP, na sua maioria, em 1967, tinha criticado veementemente atos da direção da Igreja, especialmente em relação ao SPC. Essa atitude de oposição à direção da Igreja resultou em muitas amarguras para as igrejas e pastores do presbitério que acabou tendo que se desvincular administrativamente da IPB. Desde 1966 a direção da IPB resolveu abusar de dois recursos do sistema presbiteriano: (a) as Comissões Executivas dos Concílios; e (b) as Comissões Especiais. A hipertrofia desses dois órgãos tem causado muitas arbitrariedades e ilegalidades nestes últimos anos. No Brasil Presbiteriano de 1º a 15 de maio de 1968 apareceu uma convocação de pastores e igrejas feita pela Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo (CE/SSP).

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Manifesto do Presbitério de Campinas, 1968.

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CRISE EM SÃO PAULO Entre outros, estavam sendo convocados pastores e representantes das igrejas do PSP para a instalação de dois novos presbitérios.2 Apanhado completamente de surpresa por essa convocação, o PSP ficou sabendo que, das vinte e seis igrejas que o constituíam, ele ficava, de um momento para outro, e pelo arbítrio exclusivo da CE/SSP, reduzido a apenas oito igrejas. A convocação não era para discutir o assunto, mas para o desdobramento imediato.3 Em outros termos, o arbítrio da CE/SSP cortava do PSP, sem qualquer aviso, uma gulosa fatia de dois terços. Do planejamento dessa divisão, da verificação das condições mínimas para efetuala, a CE/SSP nunca se dignou dar conhecimento ao PSP, cujo território estava sendo reduzido assim a um terço. Além disso, a CE/SSP, passando por cima do PSP, convocou diretamente as igrejas e pastores sobre os quais, e de acordo com a estrutura, princípios e hierarquia de governo da IPB, não tem jurisdição imediata e individual. Uma organização democrática de governo, estruturada, embora, em escalões hierárquicos, não é igual a uma organização militar em que as unidades inferiores têm de obedecer às ordens dos superiores, sem dialogar, deliberar e consentir. A CE/SSP nem sequer cumpriu a dever mínimo de cortesia conciliar, de enviar ao PSP, em tempo útil, a cópia da convocação que estava mandando aos pastores. O presbitério não é uma entidade passiva que possa ser manipulada como coisa. Na ordem jurídica da estrutura presbiteriana, os membros de igreja são pessoas físicas, as igrejas e presbitérios, pessoas jurídicas e não podem ser tratados como coisa, isto é, sem participar das deliberações e sem dar o seu consentimento. Assim dispõe o Artigo 3º e seus parágrafos da Constituição da IPB (CI) que estabelece os princípios básicos de governo. No exercício, pois e defesa intransigente, não só das prerrogativas que lhe são atribuídas pela CI, mas também dos princípios de legítimo governo presbiteriano, o PSP se reuniu extraordinariamente a 1º de junho de 1968 e tomou a seguinte resolução: “Quanto à convocação da Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo, publicada no Brasil Presbiteriano de 1º - 15 de maio de 1698, convocando representantes de igrejas e respectivos pastores para a instalação de mais dois presbitérios: 1º) Considerando que é ilegal a medida tomada pela CE/SSP, porque contraria a Art. 3º e § 2º da CI da IPB; 2º) Considerando que é ilegal a convocação mandada pela CE/SSP diretamente às igrejas e pastores do PSP, em face do que dispõe a CI da IPB, no Art. 61, no Art. 62 e letra b, que atribui ao Presbitério a jurisdição sobre Ministros e Conselhos de 2 3

BP, 1º a 15 de maio, 1968, pg. 8. Publicação do Presbitério de São Paulo, 31 de julho de 1968.

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CRISE EM SÃO PAULO determinada região, combinados com os Artigos que estabelecem a competência privativa dos Presbitérios; 3º) Considerando que é função privativa do Presbitério fazer transferência de Ministros, Art. 88, letra c, da CI da IPB; 4º) Considerando que o Presbitério de São Paulo, concílio com jurisdição sobre ministros e igrejas, é personalidade jurídica e que, por isso, de acordo com as leis do País, nenhuma das igrejas sob sua jurisdição pode ser dele desmembrada sem o consentimento da Assembléia do Presbitério e mútuo consentimento; 5º) Considerando que realmente não existem condições satisfatórias para o desdobramento de um presbitério quando este, pela maioria de seus membros, acha que não deve ser desdobrado: 6º) Considerando que qualquer estudo para desdobramento de um presbitério, seja por Comissão nomeada pelo Sínodo, seja pelo próprio Sínodo, para atender à ordem e manter o vínculo espiritual, e de acordo com a jurisprudência da IPB, requer participação do Presbitério em causa e nunca deverá ser feita sem o seu consentimento; 7º) Considerando que o Presbitério de São Paulo, revelando boa vontade e desejo de colaborar, chegou a constituir uma Comissão para estudar o desdobramento, juntamente com a Comissão do Sínodo; 8º) Considerando que a competência atribuída aos Sínodos no Art. 94 da CI da IPB tem de ser exercida de acordo com o Art. 3º e § 2º da CI da IPB e de outros dispositivos Constitucionais que regulam e limitam a ação de cada Concílio na sua ordem, e de acordo com a jurisprudência da IPB; 9º) Considerando que o ‘modus faciendi’ empregado pela CE/SSP, embora pareça amparado na letra de um Artigo da Constituição da Igreja e na letra da decisão do plenário do SSP, entretanto contraria, de fato, a própria CI, como demonstramos acima, exorbita da decisão do Sínodo cometendo-lhe o encargo de desdobrar presbitérios, se verificasse serem satisfatórias as condições, não a autorizou a fazelo sem ouvir os presbitérios em causa contra a praxe salutar de entendimento prévio entre as partes interessadas e criando um clima de atrito nocivo à edificação da Igreja; O Presbitério de São Paulo resolve: 1º) Pedir à CE/SSP que reconsidere o assunto e o PSPL aguarda a volta ao assunto, nos termos da sua proposta original feita ao SSP; 2º) Na defesa da CI da IPB, da praxe conciliar e da jurisprudência da IPB, determinar que os Conselhos e Ministros sob sua jurisdição não atendam à convocação da CE/SSP para instalação dos novos presbitérios.” Dos 29 ministros do PSP, apenas três deixaram de acatar a determinação do presbitério e atenderam à convocação da CE/SSP: Aureliano Lino Pires, Wilson - 81 -

CRISE EM SÃO PAULO Nóbrega Lício e Rubens Pires do Amaral Osório. Dias depois, Josué Duarte Jr. atendeu à convocação para a primeira reunião de um dos presbitérios instalados pela CE/SSP, e fez-se arrolar como membro desse presbitério. Foram acompanhados pelas igrejas que o presbitério lhes tinha confiado para dirigir. Esses pastores faziam parte do grupo que tinha apoiado, em 1965, a proposta de divisão que foi rejeitada pela quase totalidade dos membros do presbitério na votação do plenário. A quase totalidade das igrejas do PSP, além da votação dada em plenário, contrária à decisão da CE/SSP, oficiou ao presbitério, manifestando-lhe sua solidariedade e, algumas estranhando a medida tomadas pela CE/SSP e, outros, protestando e desaprovando. Entre essas igrejas que oficiaram ao presbitério, solidárias com ele, estava a Igreja de Taubaté. Na carta que essa igreja enviou ao concílio está a declaração do pastor da Igreja, Aureliano Lino Pires, afirmando sua solidariedade com a atitude tomada pelo conselho da igreja de Taubaté. Entretanto, segundo se veio saber depois, esse ministro compareceu à reunião de instalação convocada pela CE/SSP, fez-se arrolar como membro de um dos presbitérios dito instalados e foi eleito secretário. Ao pedida do PSP de reconsideração do assunto, a CE/SSP deu a seguinte resposta: “Com relação à Representação do Presbitério de São Paulo sobre divisão do Presbitério de São Paulo e do Presbitério Paulistano, a Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo resolve: 1. Que o seu procedimento foi legal sobre todos os aspectos ou ângulos em que possa ser examinada a matéria, não cabendo nenhum reexame ou reconsideração da medida tomada; 2. Indeferir a Representação do Presbitério de São Paulo sobre a divisão de presbitérios; 3. Prosseguir na instalação dos novos presbitérios, independente de quaisquer recursos que, legalmente, subam à instancia superior.”4 Em face dessa resolução, o PSP, em sua reunião de 8 de julho de 1968, tomou, por unanimidade, as seguintes medidas: “1º) Considerando que a PSPL, quando se dirigiu à CE/SSP, fundamentou a sua decisão com arrazoados sobre dispositivos da CI/IPB, e que a CE/SSP, na sua resposta, não entrou no mérito do arrazoado, limitando-se a declarar que a sua decisão é legal, como se bastasse tal declaração para estabelecer legalidade; 2º) Considerando que essa forma de resposta aberra completamente das normas indispensáveis ao bom relacionamento entre Concílios ou Tribunais, é preciso amparar a declaração com a menção da lei, 4

Desdobramento dos Presbitérios de São Paulo e Paulistano, publicação da Comissão Executiva do SSP, 1968.

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CRISE EM SÃO PAULO 3º) Considerando que é dever do PSPL se opor a que se instale na Igreja essa forma ditatorial de despachar documentos; 4º) Considerando que nenhum concilio, cônscio da sua dignidade e responsabilidade, deve aceitar passivamente aquilo que considera esbulho de um direito seu, sob alegação de que se trata de ação exercida por entidade de hierarquia eclesiástica; 5º) Considerando que, se é lícito e imperativo recorrer ao Tribunal civil para exigir justiça da parte de entidades e indivíduos que não pertencem à Igreja, maior razão há para exigir justiça das entidades e indivíduos da Igreja, porque ‘a quem muito se dá, muito se pedirá’; 6º) Considerando que o Magistrado Civil, segundo o ensino bíblico, é ministro de Deus para o bem, e executor da justiça; 7º) Considerando o que dispõe a Confissão de Fé, no capítulo 23 e especialmente no item III; 8º) Considerando que a CI já previ a necessidade e indica o dever de ação civil quando determina que as Igrejas se constituam em pessoa jurídica; 9º) Considerando que na sua resposta a CE/SSP declara que independente de qualquer recurso a Concílios Superiores interposto pelo PSPL, executará como de fato executou, a divisão do Presbitério inutilizando assim, praticamente, a possível ação legal do PSPL dentro da hierarquia da Igreja para salvar a sua integridade conciliar; 10º) Considerando que, em face dessa situação, o único meio efetivo que a CE/SSP deixou ao PSPL é recorrer ao amparo da Justiça Civil, o PSPL resolve: oficiar a CE/SSP nos seguintes termos: 1º) O PSPL não reconhece autoridade da CE/SSP para efetivar a divisão de presbitérios; 2º) Resolve comunicar ao plenário do SSP a decisão da Comissão Executiva do SSP, uma vez que a Comissão Especial desatendeu determinação do plenário do Sínodo, visto que aquele Concílio determinou a divisão dos presbitérios somente se houvesse condições, e está provado que inexistiam as referidas condições; 3º) Que entende que as condições exigidas não se limitam ao aspecto geográfico, econômico-financeiro, mas, antes de tudo, ao elemento humano do qual decorrem outros fatores, considerando-se, ainda, que nem mesmo aquelas condições foram atendidas; 4º) Comunicar à Comissão Executiva do SSP que se a mesma insistir na atitude de violência impedindo o encaminhamento da matéria ao plenário do Sínodo, a quem compete privativamente tal assunto, este Concílio apelará para a Justiça Civil a fim de que o seu direito violado pela Comissão Especial lhe seja assegurado;

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CRISE EM SÃO PAULO 5º) O PSPL, entidade jurídica, que tem os seus direitos assegurados pela ordem jurídica do país, que se atendam os dispositivos da CI ou até que o Poder Judiciário declare de que lado está o direito; 6º) Resolve-se dar ingresso de imediato com ação declaratória, na qual a Justiça Civil se pronunciará normativamente sobre o assunto.” Após essa decisão, o PSP ingressou na Justiça e após uma grande luta conseguiu a vitória. O presbitério passou a funcionar fora da IPB. Uma série de acontecimentos dramáticos se sucederam, tais como: invasões de igrejas, despojamentos de pastores, reuniões de conselhos de igrejas protegidas pela polícia, presbíteros eminentes ultrajados pelas autoridades do sínodo, lutas internas, ódios, denúncias mentirosas, cassações de candidatos ao ministério e outros episódios indignos de irmãos na Fé.5 Outros exemplos aconteceram no interior do Estado. Os presbitérios de Campinas e Ribeirão Preto entram numa luta renhida contra os desmandos da cúpula da IPB. Um festival de abusos se instaurou em todo a território paulista.6 Em outras partes do Brasil, igrejas, pastores e presbíteros tiveram que levar suas causas à Justiça Civil e à Justiça do Trabalho para não serem massacrados pelos desmandos desumanos de líderes da IPB. Era a única saída, era o único meio de protesto, já que a Confissão de Fé declara que “É dever dos Magistrados civis protegerem a pessoa e bom nome de cada um dos seus filhos jurisdicionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa”. (Capítulo XXIII, item 3)7

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Resumo de Atas do Sínodo de São Paulo, 1967. Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, 1968. 7 O Livro de Confissões, Missão Presbiteriana do Brasil Central, São Paulo, 1969, parágrafo 6.121. 6

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS “Grande virtude é a tolerância; detestável vício o inquisitorialismo fanático, o farisaísmo 1 desumano.”

O Brasil Presbiteriano, em sua edição de 19 a 15 de outubro de 1968, publicou notícias e resoluções da Comissão Executiva do Supremo Concílio reunida em setembro do mesmo ano, envolvendo o que se convencionou chamar de “Caso da 2ª Igreja”. A versão do jornal oficial da IPB reflete a opinião da direção da Igreja que, para não se colocar em posição difícil diante dos leitores em geral, conta os fatos de maneira unilateral, que não corresponde à verdade. A narrativa que passaremos a fazer é baseada nos testemunhos daqueles que viveram a situação e que sofreram um das maiores injustiças praticadas contra uma igreja local, seu pastor e seu povo. Invoco aqui os testemunhos de Antônio Quinan, Paulo Bueno da Fonseca, Bernd Walter Bartels, Dalmir Fonseca de Oliveira, Alfredo Castanheira de Lima, Eurico Teixeira, Erb Carneiro, Euclides Gonçalves Martins e outras liderem e membros daquela igreja em Belo Horízonte. O caso narrado neste capítulo é um dos mais vergonhosos incidentes na história da IPB e da Igreja terrena de Jesus Cristo neste continente. Em novembro de 1967 venceria o mandato de Lemuel Cunha do Nascimento no pastorado da 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. Por unanimidade o conselho daquela igreja resolveu indicá-lo para reeleição e dar oportunidade à igreja para indicar outros nomes que pudessem ser consultados e com ele concorrerem na eleição. Decorrido o prazo estabelecido de quatro semanas, nenhum nome, foi indicado pelos membros da igreja, permanecendo como candidato único o Rev. Lemuel. Cumprindo norma interna do Presbitério de Belo Horizonte (PBH) quanto à eleição ou reeleição de pastores no seu campo, o conselho da 2ª Igreja oficiou à Comissão Executiva do referido presbitério, em março de 1967, pedindo autorização para indicar o nome do Rev. Lemuel às eleições. Em princípio de abril, a Comissão Executiva do presbitério se reuniu e autorizou a indicação. Foi convocada a assembléia geral da igreja para o dia 22 de outubro, quando se deu a eleição. Tudo correu de acordo com a constituição da IPB e com os estatutos da igreja local. Compareceram à assembléia 229 membros comungantes (adultos): 174 votaram a favor da reeleição do pastor; 38 votaram contra. Os votos restantes foram nulos ou em branco. Na reunião ordinária do PBH, em janeiro de 1968, foram tomadas várias decisões contra a eleição do pastor da 2ª Igreja, as quais podem ser assim resumidas: 1. Declarar nula a eleição. 1

Waldyr Carvalho Luz.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS 2. Considerar “não conveniente” a reeleição do Rev. Lemuel. 3. Aplicar a pena de admoestação ao conselho e ao pastor da 2ª Igreja por causa do ecumenismo. Diante de tamanhas arbitrariedades, o conselho e o pastor não se conformaram e recorreram ao Sínodo Belo Horizonte (SBH), dentro das normas e dos prazos legais da IPB. O SBH se reuniu extraordinariamente na 1ª Igreja Presbiteriana de Lavras, deu provimento aos recursos e decidiu: 1. Reconhecer a legalidade da eleição do Rev. Lemuel e a inconsistência da alegação do presbitério ao considerá-la nula e “não conveniente”. 2. Declarar nulas de pleno direito às penas aplicadas pelo presbitério ao conselho e ao pastor, porque foram cominadas sem processo. 3. Determinar ao Presbitério de Belo Horizonte a efetivação da posse do pastor. Em vez do presidente do PBH acatar a decisão e recorrer ao Supremo Concílio, aguardando o resultado do recurso, começou a cometer irregularidades. Descumprindo as normas presbiterianas para tramitação de documentos e de recursos, passou por cima da autoridade do SBH e recorreu diretamente à CE/SC. Mas o fato mais grave é que o presidente do SC e o secretário executivo do mesmo não somente deram sozinhos “provimento ao recurso” mas sozinhos também “determinaram” ao PBH o não cumprimento das deliberações do SBH. “Determinação” francamente inconstitucional, uma vez que se baseava em dispositivo do Regimento Interno da CE/SC que não é parte integrante da CI e, por isso, não pode ser usado contra essa CI. Nada mais, nada menos, o que houve foi à subversão da ordem e da lei presbiteriana. Mais que isso; a institucionalização do poder discricionário na IPB. Daí por diante, o PBH passou a ignorar o SBH e suas decisões. Passou a desrespeitar o SBH e a tratar seu presidente e demais membros de maneira descortês e anti-cristã. O presidente do SBH, respeitável ministro da IPB, o mais velho entre seus companheiros, foi tratado com desrespeito no plenário. O PBH designou pastor para a 2ª Igreja à revelia da assembléia, contrariando a lei e a praxe presbiterianas, e do próprio presbitério, que sempre consultou a vontade das Partes: igreja e pastor. Numa reunião extraordinária, convocada no prazo de 48 horas, o PBH resolveu dissolver a 2ª Igreja, sem processo regular. Arbitrária e ilegalmente o PBH arriscou-se em dono das propriedades da igreja “dissolvida”. Convém frisar que a tônica das decisões do PBH, bem como da direção geral da IPB, tem sido a preocupação com os bens e propriedades das igrejas e nunca com o povo dessas igrejas. Na reunião extraordinária que dissolveu a 2ª Igreja, o PBH tomou as seguintes medidas: a. Intimou a todos quantos exercem cargos na igreja a entregar os bens e documentos sob sua guarda.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS b. Determinou ao pastor por ele indicado que assumisse a posse dos bens da igreja, inclusive a tesouraria. [Verdadeiro assalto!] c. Colocou cadeados à entrada do templo. d. Deu ampla divulgação dessas decisões pela imprensa falada, escrita e televisionada do Estado de Minas Gerais e fora dele, pois até jornais de São Paulo publicaram essas notícias causando grande escândalo na opinião pública e repercutindo negativamente a causa do Evangelho. O Conselho da 2ª Igreja apelou outra vez para o SBH. Este, reunido extraordinariamente em Caxambu, revogou as decisões do PBH. Antes, tentou uma solução conciliatória que se tornou impossível em virtude da intransigência do presbitério que recebia ordens do “coronel” da IPB. Novamente o presbitério passou por cima do sínodo, não aceitou suas decisões e recorreu diretamente à CE/SC. E, mais uma vez, os dois “Cosme e Damião”, com se diz no Nordeste, o presidente e o secretário executivo do SC, deliberaram sozinhos no sentido de anular as resoluções do SBH. Veicularam notícia falsa na imprensa de Belo Horizonte, fazendo publicar tal “deliberação” como sendo do “Supremo Concílio, órgão máximo da Igreja Presbiteriana do Brasil”, e com se este, de fato, tivesse acabado “de decidir definitivamente a questão ligada à dissolução da 2ª Igreja”.2 O presbitério continuou ignorando o sínodo. As comunicações continuavam diretamente entre o PBH e os dois membros da CE/SC. Só muito tempo depois é que oficiaram ao SBH. Não obstante aquela revogação do SBH, o PBH continuou a tratar a 2ª Igreja com “dissolvida” e como se ela não existisse. Mais uma vez colocou cadeados e correntes ultra-reforçados na sede e nas duas congregações da 2ª Igreja. Mais uma vez os membros da igreja retiraram as correntes e reabriram o templo para prestar culto a Deus. Por causa desse ato as autoridades da IPB apelidaram aqueles crentes de “arrombadores de templo”. Enquanto isso ocorria, o PBH instaurou processo contra o Rev. Lemuel Cunha do Nascimento que culminou com sua deposição do pastorado. Nesse episódio também o presbitério foi pródigo em arbitrariedades e ilegalidades. Desrespeitou, de começo ao fim, o Código de Disciplina e a Constituição da IPB. Dentre muitas outras irregularidades cometeram as seguintes: (a) a comissão executiva do presbitério funcionou como tribunal, antes de o próprio plenário do concílio se reunir com tal; (b) seguiu o rito do Processo Sumário, embora o CD determine que seja o Processo Ordinário, quando se trata de julgamento de ministro. Foi enviado recurso ao tribunal do SBH procurando anular o processo movido pelo PBH.

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Estado de Minas, 16 de julho de 1968, pg. 5.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS Diante desses acontecimentos, o conselho e a assembléia da 2ª Igreja resolveram, por unanimidade, não acatar, nem cumprir as decisões inconstitucionais, arbitrárias e prepotentes não só do PBH mas também dos senhores presidente e secretário executivo do SC, as quais se evidenciaram com evidente abuso do poder. Resolveram ainda que: (1) até a decisão da última instancia, ou seja, o plenário do Supremo Concílio, só serão consideradas competentes, com base na CI, as resoluções do SBH; (2) reafirmar sua fidelidade às leis presbiterianas e, em razão desta fidelidade, reafirmar também o propósito de continuar lutando contra o desrespeito a essas mesmas leis por parte do presbitério e de autoridades da IPB. Em setembro de 1968, reunida a CE/SC em Belo Horizonte, resolveu, por oito votos contra quatro, “referendar” aqueles atos inconstitucionais dos senhores presidente e secretário executivo do SC. Ao fazê-lo, referendou o legalmente inexistente, caindo no vazio. Afirma a notícia no Brasil Presbiteriano: “O sínodo, sem analisar as razões pelas quais o presbitério considerava inconveniente aquele pastor para aquela igreja, açodadamente deu provimento ao recurso, e ordenou ao presbitério que, 'dentro de 8 dias', empossasse o pastor”.3 Mas de quem foi o açodamento? Do SBH ou dos dois membros da CE/SC? Vejamos: O sínodo, convocado com antecedência, reuniu-se extraordinariamente para apreciar a matéria. Ouviu todas as partes envolvidas, inclusive o PBH, cuja delegação compareceu em peso à reunião. Discutiu amplamente os diversos ângulos da questão. Enfim, examina e sobre ela deliberou como podia e devia. Agora, os senhores presidente e secretário executivo do SC tomaram conhecimento da matéria apenas por parte do presbitério. Ouviram apenas o presbitério. Houve encontros com o presidente em São Paulo e com o secretário executivo em Uberlândia, sem que nenhum deles conhecesse as peças e documentos do processo. Não sabiam e nem se interessaram em saber as razões alegadas pela igreja local ou pelo sínodo. E foi assim que resolveram: “determinar que não fosse empossado o pastor”. O que vale dizer: presidente e secretário executivo do SC, discricionariamente, partidariamente, pisaram na Constituição da IPB e rasgaram-na. Ditatorialmente passaram por cima de um concílio maior da Igreja, o sínodo, e determinaram a outro concílio menor, e presbitério, a não cumprir as decisões daquele. Quebraram a princípio da hierarquia conciliar e oficializaram a desordem. Continua o Brasil Presbiteriano: “Recorreu o Presbitério, e o Sínodo, em vez de encaminhar esse recurso... reteve o recurso, obrigando o presbitério a dirigir-se diretamente ao Sr. Secretário Executivo da Igreja”.4 Mas é preciso corrigir essa informação. O sínodo, em momento algum, negou-se a receber o recurso. Mas, ao contrário, acolheu-o para encaminhamento. Só que, em se tratando de processo administrativo, o prazo para esse encaminhamento é de 90 dias. Mas o presbitério não queria isso. Queria que o prazo fosse o da vontade dele, o presbitério, e não o da CI. A CE/SC ouviu parcialmente os fatos. Atentou-se apenas para o que o sínodo fez ou deixou de fazer. Em momento algum se falou nas arbitrariedades e violências do 3 4

BP, 19 a 15 de outubro de 1968. Ibidem.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS presbitério contra a igreja e o pastor: (a) cadeados por duas vezes na igreja; (b) dissolução da igreja sem processo; (c) processo sumário contra o pastor; d) medidas inconstitucionais dos dois membros da direção da IPB. O único ponto em que o sínodo tomou uma atitude “extra-legal” foi quando deu assistência pastoral a uma igreja vítima. Mas o sínodo foi obrigado, pela consciência cristã a agir dessa maneira já que o presbitério não teve nenhuma preocupação pastoral, mas sim, inquisitorial, não teve nenhuma preocupação de conciliar, mas de usar violências. Ainda o Brasil Presbiteriano informa: “Arrombam o templo e dele se apossam exmembros”.5 É preciso esclarecer que foi o PBH que invadiu e esbulhou as propriedades da igreja. Os representantes do presbitério tiveram que pular uma grade que protege o templo contra ladrões e invasores, e afixaram papéis e editais na porta principal. Colocaram cadeados enormes e correntes pesadas, daquelas de arrastar toras, no portão de entrada da igreja dos “arrombadores de templo”. Mas antes dos crentes retirarem as correntes, os invasores e esbulhadores tinham chegado para impedir que uma comunidade prestasse culto a Deus no seu templo. É patente o clima ditatorial que se inaugurou na Igreja Presbiteriana do Brasil. Constituição, Código de Disciplina, nada disso vigora mais. O que impera é a vontade daqueles que têm maior parcela de poder nas mãos. Lei presbiteriana? Há “um jeitinho” e uma forma de torce-la, ao sabor das opiniões pessoais. Há como que uma nova “santa inquisição” (nós diríamos “diabólica inquisição”) instalada na IPB. Afirmou certa autoridade do PBH (com funções na cúpula da IPB e pessoa “de confiança” do presidente do SC), que o despojamento do Rev. Lemuel era inevitável, porque “obedecia a um esquema nacional”. Quem acompanhou este triste episódio até o fim sabe que Lemuel da Cunha Nascimento teve de conseguir uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Foi obrigado a fazer isso, apavorado pela inquisição. Houve também uma luta judiciária nos tribunais do Estado de Minas Gerais em torno das propriedades da 2ª Igreja. Finalmente, a justiça secular deu ganho de causa aos membros da 2ª Igreja, declarando-os com legítimos proprietários do templo que eles construíram com sacrifício. A 2ª Igreja elegeu o seu pastor, Márcio Moreira, e continua funcionando normalmente corno igreja presbiteriana, ligada à FENIP. Esse fato doloroso, inédito nos arraiais protestantes do mundo inteiro, tem que ser registrado com uma advertência às comunidades cristãs, para não caírem em semelhantes pecados. Não poderíamos terminar este capítulo sem transcrever, na íntegra, a “Proclamação” feita pelos heróicos presbíteros da 2ª Igreja de Belo Horizonte, em plena fase de luta.

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Ibidem.

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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS Proclamação “Ao contrário do que possa parecer – e até se tem propalado -, não estamos lutando contra pessoas, nem por causa ou a favor de pessoas. Lutamos contra as injustiças e arbitrariedades. Evidentemente cometidas por pessoas. É o que fazemos, não tanto da defesa de nossos próprios direitos mas, principalmente, no exercício de um dever cristão, herdado de Cristo e da Reforma: o de combater a violentação de consciências e cerceamento da liberdade de pensar (e até da liberdade de prestar culto a Deus no templo para isto destinado, quando nossas portas foram fechadas e cadeados e correntes); o dever sagrado de testemunhar contra a clericalização dentro da Igreja; contra as arbitrariedades e mentalidade inquisitorial que assolam a IPB; contra o abuso de poder, que pretende esmagar consciência e aniquilar personalidades. Nesse sentido, aceitamos, prazerosamente, os epítetos com que nos tem agraciado: ‘inconformados’, ‘rebeldes’, dentre outras. De fato, não nos conformamos com o erro e as injustiças, venham de onde vierem. E nos rebelamos contra elas, por em dever de consciência. Na luta que ora enfrentamos não nos preocupa a ‘vitória’ ou a ‘derrota’. Move-nos, tão somente, o sentido e o dever cristão na luta em si, como expressão do testemunho a que sentimos obrigados, nesta hora de tristeza da história da Igreja Presbiteriana do Brasil, no limiar de seu segundo centenário. Anima-nos: o ensino do Evangelho, o espírito da Reforma e dos reformadores (fonte dos princípios democráticos e da liberdade de pensamento) e o exemplo do próprio Cristo que lutaram contra as estruturas eclesiásticas apodrecidas e esclerosadas, prepotentes e carcomidas pela ‘politicagem’ de bastidores; que só sabem condenar e crucificar (sem cogitar se com ou sem razão). Em resumo: divorciados do amor cristão. Portanto, não nos preocupa o desejo de ‘ganhar’ ou o receio de ‘perder’. É um problema que não nos colocamos, e um tipo de cogitação que deixamos a outrem, que assim o desejar. Preocupa-nos, apenas, com o dever cristão de lutar, qualquer que seja o resultado dessa luta, no espaço e no tempo. Nossa missão é a luta contra as injustiças. O resultado dela não nos pertence. A última palavra. Não salientamos ódios, nem rancores contra quem quer que seja. Nem mesmo contra aqueles que mais nos tem feito sofrer. Embora estejamos, ainda que transitoriamente, a nosso dever, em posições diferentes, todos continuam a ser alvo de nossa consideração, nosso respeito e nosso amor cristão. O que não implica em aceitar seus erros. Aceitamos as pessoas, não seus erros. Todos têm sido objetos constantes de nossas orações e sempre suplicamos o perdão de Deus para as nossas próprias faltas, pedimos ao criador que perdoe, também, os erros deles. E Deus é testemunha de nossa sinceridade.” [Seguem as assinaturas]

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA “O Supremo Concílio iniciou verdadeira inquisição, que deveria ser a nota dominante no segundo semestre de 1966. (...) É a injustificável volta aos métodos da Idade Média. (...) Não é possível que, em nome do Deus-Homem se crie uma administração tão desumanizante e desumanizadora que, farisaicamente, proscreve homens, inverte valores, prejudica reputações, causa perdas irreparáveis. Não é possível copiar dos governos ditatoriais a administração de nossa igreja. Não é possível que ódios individuais e paixões pessoais determinem arbitrariamente fatos de tão grande prejuízo a toda a comunidade.”1

No Estado da Bahia a inquisição dissolveu o sínodo, dois presbitérios e despojou dois brilhantes pastores. O Presbitério Vale do São Francisco (PVSF), formado por igrejas do campo da Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC), foi dissolvido por pretextos claros. O motivo principal de sua dissolução foi diminuir quatro votos ao candidato apoiado pelo grupo contrário à reeleição para presidente do SC, Boanerges Ribeiro. Os quatro representantes do referido presbitério chegaram a Garanhuns para a reunião do SC, em 1970, e suas credenciais não foram aceitas pela Mesa presidida pelo próprio candidato à reeleição. Foi alegado, na ocasião, que havia irregularidades no ato da organização do presbitério. Os representantes não tomaram assento e não votaram porque Boanerges Ribeiro tinha medo de não ser reeleito. E, de fato, a sua vitória periclitava, pois a diferença foi apenas de seis votos entre ele e Benjamin Moraes. Quanto ao Presbitério de Salvador (PSVD), sua dissolução foi ocasionada por três fatos principais: O primeiro fato está relacionado com o Colégio 2 de Julho, fundado em 1927, em Salvador, pelo casal Baker, da MPBC. Em 1967 o Conselho Deliberativo desse colégio modificou seus estatutos de tal maneira que retirou toda a possibilidade de transferência de suas propriedades para o patrimônio da IPB.

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Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, op. cit.

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA A trama, urdida com avidez pelo presidente do SC, foi descoberta em tempo. Ele só queria uma coisa dos baianos: a transferência das propriedades do colégio. Visto que não conseguiu o que desejava passou a perseguir o PSVD, usando como instrumento Edésio de Oliveira Chéquer, jovem pastor da Igreja Presbiteriana da Bahia, que passou a ser não só agente e “espião” do presidente do SC, mas também delator de colegas. Por detrás de toda a crise presbiteriana na Bahia está o espírito vingativo e intransigente de um presidente do SC que não conseguiu o que almejava. O segundo fato motivador dos golpes da inquisição aconteceu no dia 21de maio de 1969, quando Josué da Silva Mello celebrou um casamento ecumênico na Igreja Presbiteriana de Feira de Santana em companhia do Frei Félix, de Pacatuba. Participaram também da liturgia o líder batista, Josué Pinheiro Requião, e sua esposa, dona Maura, que se encarregaram da parte musical. A liturgia foi preparada pelo Rev. Josué Mello, baseada num modelo da Igreja Reformada da França. O Frei Félix participou apenas de três itens da liturgia. Depois de terminada a cerimônia, o frei pediu permissão ao pastor para entregar o elemento eucarístico ao nubente, que é congregado Mariano. Foi-lhe dada a permissão. Nessa época não havia proibição expressa da IPB contra a realização de casamentos ecumênicos. As fotografias desse casamento chegaram às mãos de Edésio Chéquer que delas fez uso para uma intensa propaganda contra a eleição de Josué Mello para presidente do Sínodo Bahia-Sergipe (SBS) que teria sua reunião em julho do mesmo ano. Por causa dessa propaganda negativa, o povo reagiu e o Rev. Josué foi eleito, quase por unanimidade, na reunião do sínodo, em Campo Formoso. Temos que observar que o PSVD, desde 1966, se colocou em franca oposição à direção da IPB, combatendo abertamente todos os desmandos e arbitrariedades, e criticando o esvaziamento do ensino teológico no SPN. O terceiro fato se deu no dia 31 de julho de 1972, quando se realizou na Biblioteca Central da Bahia, o culto de abertura do “Encontro-Consulta” com a participação de representantes do Conselho Mundial de Igrejas, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de várias igrejas evangélicas e de órgãos do governo. Essa consulta resultou na criação da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), instalada em Salvador. Na cerimônia de abertura estavam presentes vários pastores e, entre eles, os seguintes participaram da liturgia: Enoch Senna Souza, Celso Loula Dourado e Josué da Silva Mello. Por causa dessa participação, Edésio Chéquer encaminhou ao PSVD, em janeiro de 1973, um ofício pedindo “a fineza de informar se houve qualquer medida disciplinar com relação aos seus membros, participantes do referido encontro”, achando que essa participação foi um “desacato à determinação do Supremo Concílio da IPB”. A resposta do PSVD foi lapidar:

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA “1) Considerar improcedente a solicitação em apreço, em virtude de nenhum de seus membros ter cometido falta passível de disciplina; “2) Informar ao solicitante que na referida Consulta não houve envolvimento formal de nenhum concílio presbiteriano regional, muito menos da Igreja Presbiteriana do Brasil, havendo apenas a participação pessoal de alguns de seus membros; “3) Esclarecer que a participação mais efetiva de alguns dos membros deste Concílio se prendeu ao fato de estarem envolvidos em projetos de ação cristã e promoção do homem no Nordeste do Brasil; “4) Repudiar a atitude de insinuação do Rev. Edésio de Oliveira Chéquer que objetiva intimidar ilustres colegas de ministério, deixando também transparecer a idéia de que os mesmos teriam cometido falta grave; “5) Congratular-se com os colegas que participaram da referida Consulta, sem envolverem os concílios a que estão vinculados, mas assinalaram uma presença de testemunho e ação cristã diante dos problemas que atingem o homem brasileiro, nordestino, especialmente.” Diante da resolução do PSVD, Edésio Chéquer, em julho de 1973, encaminhou um documento ao plenário do Sínodo Bahia-Sergipe, enviando cópia ao presidente do Supremo Concílio. A resposta do SBS foi a seguinte: “1) Ratificar a decisão do Presbitério de Salvador, por entender que não houve envolvimento da Igreja Presbiteriana do Brasil, nem de qualquer dos seus concílios, na Reunião-Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas, em Salvador, em julho de 1972, mas sim a participação pessoal de alguns pastores e líderes evangélicos de várias denominações; “2) Declarar ainda que entende que as informações publicadas na imprensa secular de referência à Igreja Presbiteriana do Brasil ou a algum de seus líderes são de autoria de jornalistas pertencentes ao quadro desses órgãos de divulgação, não podendo, portanto, serem atribuídas aos pastores presbiterianos que participaram do encontro.” No dia 29 de fevereiro de 1974 a CE/SC se reuniu, ordinariamente. O presidente do SC trouxe para essa reunião um papel escrito à mão, pedindo a dissolução do PSVD. Ele tinha recebido toda a documentação que Edésio Chéquer lhe havia mandado, bem com tinha mantido entendimentos pessoais prévios. O papel do presidente baixou para uma comissão de expediente composta pelos Revs. Osvaldo Hack, Volmer Portugal, Edésio Chéquer e o presbítero José Costa. Por questão de prudência e lisura, Edésio Chéquer não devia estar presente nessa comissão, mas influenciou tanto a comissão, como o plenário. A comissão apresentou ao plenário uma proposta que seguia de perto o manuscrito preparado por Boanerges Ribeiro. Ei-la: “Considerando: 1º) que membros do Presbitério de Salvador participaram comprovadamente da Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas e - 93 -

DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA instalada com culto ecumênico na Biblioteca Central do Estado da Bahia, com a participação de sacerdotes católico-romanos; 2º) que essa participação deu ensejo ao envolvimento e a críticas injustas e desabonadoras contra a IPB e sua CE; 3º) que essas críticas não foram desmentidas pelos referidos participantes; 4º) que o Presbitério de Salvador, respondendo à consulta feita sobre o assunto, congratulou-se com os seus membros participantes da referida Consulta; 5º) que o Sínodo Bahia-Sergipe, ao tomar conhecimento do assunto, retificou a posição do Presbitério de Salvador, deixando assim de tomar as providências determinadas pelo Supremo Concílio em sua última reunião em julho de 1970, 6º) que o atual presidente do Sínodo Bahia-Sergipe, ouvido por esta CE, reconheceu que é procedente e de fato a matéria foi encaminhada ao Sínodo Bahia-Sergipe, 7º) a solicitação do presidente do Sínodo Bahia-Sergipe de uma oportunidade para que aquele Sínodo volte a tratar do assunto; 8º) a suspeição do Sínodo Bahia-Sergipe no tratamento deste assunto, visto ter em sua Comissão Executiva elemento implicado nos acontecimentos em pauta, o que dificultaria a reconsideração da matéria; 9º) os bons antecedentes dos outros presbitérios membros do Sínodo BahiaSergipe; A Comissão Executiva do Supremo Concílio resolve: A) Transferir o Presbitério de Salvador à jurisdição do Sínodo de Pernambuco; B) Determinar, de acordo com resolução do Supremo Concílio em sua última reunião de julho de 1970, à Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco que declare dissolvido o Presbitério de Salvador e tome as providências para apurar a extensão e a natureza da participação de pastores jurisdicionados ao Presbitério de Salvador em celebrações ecumênicas, tomando as providências necessárias; C) Permitir o funcionamento do Sínodo Bahia-Sergipe, com os três presbitérios restantes, devendo ser supridos os cargos vagos em sua mesa, se necessário, em virtude da transferência do Presbitério de Salvador ao Sínodo de Pernambuco.” Essa resolução foi tomada no fim de fevereiro de 1974. No dia 20 de março do mesmo ano a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco se reúne e convoca os membros do PSVD para uma reunião urgente no dia 6 de abril, no templo da Igreja Presbiteriana da Boa Vista, no Recife. Nesse dia a Comissão Executiva se reuniu e declarou dissolvido o PSVD, cujos representantes não compareceram.

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA O presidente do Sínodo de Pernambuco, presbítero Misael Vasconcelos, foi a Salvador e teve uma reunião áspera com o PSVD resultando em maior acirramento dos ânimos. No dia 11 de abril o secretário executivo do Sínodo de Pernambuco comunicou às igrejas do presbitério “dissolvido” de que, a partir do dia 06 de abril, todas aquelas igrejas passariam a jurisdição do referido sínodo. E, logo depois, no dia 27 do mesmo mês, resolve a executiva do sínodo “afastar preventivamente os ministros Josué Mello e Celso Dourado, considerando serem graves e notórios os fatos articulados contra os mesmos”. Eles foram disciplinados sem serem ouvidos. Depois de afastados são ainda convocados a comparecerem perante o tribunal do sínodo no dia 25 de maio. Nesse ínterim, o Presbitério de Salvador passa procuração ao Dr. Josaphat Marinho, em Brasília “para defender os direitos e interesses” do PSVD. Foi interposta, no dia 15 de maio, uma Ação Declarativa de Nulidade contra a IPB que dissolveu o PSVD, por iniciativa de sua Comissão Executiva. Os pastores Celso Loula Dourado e Josué da Silva Mello não compareceram ao Tribunal Especial do Sínodo de Pernambuco e explicaram porque: “Não comparecemos, nem tomamos conhecimento até aqui das decisões dessa Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco, que agora se denomina de “tribunal”, por ser ilegal e inconstitucional. Basta ver Art. 88, alínea “C” da CI. Não há um só parágrafo que faculte ao sínodo a competência para reunir-se em tribunal para julgar pastor. Isso é competência exclusiva do presbitério. O tribunal do sínodo é de recurso (Art. 21 do Código de Disciplina). Não é o caso. Estabeleça-se um tribunal legal, constitucional e estamos dispostos a obedecer às suas decisões, ao seu julgamento. Fora disso é violência e protestamos.” Em outubro a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco não só nomeia pastores para as igrejas cujos pastores estavam afastados, mas também nomeia tesoureiros auxiliares com autorização de ter vista aos livros. As igrejas oficiam à comissão executiva do sínodo não acatando essas decisões e mostrando que estava em curso, em Brasília, uma ação civil contra a IPB, movida pelo presbitério. Finalmente, no dia 6 de junho de 1975, Josué da Silva Mello e Celso Loula Dourado são despojadas do ministério porque participaram de cerimônias ecumênicas. Mais duas vítimas da Inquisição Sem Fogueiras que se implantou dentro da IPB. Esses dois jovens pastores de grande valor espiritual e intelectual, dinâmicos e operosos, que ocupam cargos de alta responsabilidade no Estado da Bahia, são humilhados e despojados por inquisidores que perderam a virtude principal do cristão, o amor, e, por isso, vão carregar pela vida em fora o peso na consciência por terem despojado colegas, sem chegarem a conhecer quais eram os seus motivos e as suas idéias. O Presbitério de Salvador se reúne e resolveu declarar:

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA “1) que não reconhece e não aceita o despojamento dos seus pastores Celso Loula Dourado e Josué da Silva Mello, executado pela Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco, continuando os mesmos a desempenhar os encargos pastorais designados por este concílio.” Para que o PSVD pudesse participar da reunião ordinária do SC em julho de 1974, em Belo Horizonte, teve que requerer Medida Cautelar na Justiça Civil de Brasília. Foi antes dessa reunião do SC, para ser mais exato, 12 horas antes da abertura dos trabalhos, que aconteceu uma das maiores arbitrariedades já cometidas pela cúpula da IPB. A CE/SC dissolveu sumariamente, o Sínodo Bahia-Sergipe, sob a alegação de ter cometido irregularidades que não foram comprovadas e examinadas. O ex-presidente do SBS, Josué da Silva Mello, contesta a alegação do presidente do Supremo Concílio com as seguintes explicações: "Declarou o presidente [do Supremo Concílio] que o Sínodo Bahia-Sergipe fora dissolvido ‘porque vinha incidindo em faltas pelas quais teria sido anteriormente advertido’, deixando meridianamente claro que o referido concílio incorrera em faltas que achavam documentadas. É espantoso, é mesmo de estarrecer, que o presidente do SC, que se diz defensor da ordem, da pureza e da ortodoxia da Igreja, recorra a explicações falsas, a declarações destituídas de fundamento, a afirmações mentirosas para, mais uma vez, de público, ludibriar o povo e tentar justificar mais um de seus atos de desordem, de atrocidade, de violência e de politiquice. “Pesquisei os arquivos do sínodo, desde sua fundação até 1974 e revistei todos os boletins oficiais da IPB e não encontrei uma só falta apontada contra o Sínodo Bahia-Sergipe em toda a sua história e, muito menos, que tenha sido advertido por qualquer concílio inferior ou superior. Mesmo no período mais sombrio da IPB (de 1966 até os nossos dias), nenhuma falta ou advertência foi encontrada contra o concílio arbitrariamente dissolvido. Vejamos o que dizem os boletins oficiais. “No Supremo Concílio de 1966, realizado em Fortaleza, teve seu relatório e atas aprovados com apreciação pelo bom trabalho desenvolvido (Doc. SC-66-32 e 66-57 do Boletim Oficial/IPB). No Supremo Concílio de 1970, em Garanhuns, o SC resolveu se congratular com c Sínodo Bahia-Sergipe pela manutenção dos fundamentos da boa doutrina presbiteriana (Doc. SC-70-CXLV-18). “Fui presidente do Sínodo Bahia-Sergipe em duas legislaturas (1969-1973), participei de todas as reuniões da CE/SC, e nunca ocorreu advertência ao sínodo por falta cometida. Embora o sínodo tenha assumido posição de não comprometimento com a desordem, a farsa e a mentira instaladas na IPB desde 1966, procurou manter-se sempre dentro da CI, submetendo-se às decisões dos concílios superiores. Um exemplo foi a organização do Presbitério Vale do São Francisco. Em virtude de haver sido organizado com a participação de um pastormissionário da Missão Presbiteriana do Brasil Central, a CE/SC lhe negou registro, o SC de 1970 considerou a organização irregular e determinou fosse feita a - 96 -

DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA regularização. O Sínodo Bahia-Sergipe acatou a decisão, inclusive da CE/SC que impediu a reorganização por motivos obviamente políticos, embora entendesse o sínodo que a organização do Presbitério, Vale do São Francisco houvesse sido regular porquanto feita de acordo com os, estatutos do Conselho Inter-Presbiteriano (CIP, os quais permitiam, nos campos missionários, que, para completar o quorum, um ou mais missionários pudessem ser arrolados como membros do presbitério. (Estatutos do CIP, Art. 19, Par. Único). “Exceto a atitude de apoio e solidariedade ao Presbitério de Salvador, ‘declarado dissolvido’ da forma mais ilegal e ignominiosa de que se tem notícia na história da IPB, é mesmo de perguntar: Onde estas faltas foram registradas? Onde se encontram? Que concílios fizeram as advertências? Que presbitérios? Que reunião do SC? O Sínodo Bahia-Sergipe nunca as recebeu e delas nunca teve conhecimento, porque, em verdade, as ‘faltas e advertências anteriores’ nunca existiram. “A história da dissolução do Sínodo Bahia-Sergipe é bem, diferente. Numa palavra podemos contar. Ele fora dissolvido porque representava uma voz independente, firme e consciente contra as arbitrariedades que se vem praticando contra a Igreja, em nome do Evangelho. Foi dissolvido sem processo, às pressas, doze horas antes da reunião do Supremo Concílio, para impedir que a delegação dos presbitérios tomasse assento no plenário do SC e, assim, evitar 12 votos contra Boanerges Ribeiro, o necessário, segundo seus cálculos, para conseguir a reeleição, manter-se no poder para a realização de suas mais altas aspirações pessoais. São estes interesses políticos e mesquinhos que estão em jogo na dissolução de um sínodo, no desmoronamento de um trabalho presbiteriano numa vasta área do Nordeste, construído sob a dedicação e o sacrifício de abnegados servos de Deus.” A situação atual é esta: 1. O Presbitério de Salvador e o Sínodo Bahia-Sergipe estão funcionando como se nada houvesse acontecido. A causa do presbitério e do sínodo está em tramitação na justiça secular. 2. Os pastores Josué Mello e Celso Dourado continuam suas atividades pastorais, porque o presbitério não aceitou o “despojamento” ilegal. 3. O Presbitério de Salvador continua existindo e recebendo pressões. Numa das reuniões, “alguém” denunciou o presbitério perante os órgãos de segurança dando a informação falsa de que as reuniões realizadas com a presença do Rev. Eudaldo Silva Lima, de Brasília, eram de caráter subversivo. Ora, o Rev. Eudaldo é um dos mais lídimos representantes do presbiterianismo baiano. As reuniões do presbitério só não foram interrompidas porque o Coronel do Exército que recebeu a “denúncia” era mais prudente do que o reverendo denunciante, e foi primeiro pedir informações ao Rev. Enoch Senna Souza, diretor do Colégio 2 de Julho. Recebidas as explicações, o coronel não tomou conhecimento da “denúncia”. Chegamos a este ponto na IPB. Irmãos denunciando irmãos, para prejudicá-los perante as autoridades civis e militares.

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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA Os dois presidentes do Sínodo Bahia-Sergipe no período 1966-1974 foram Josué da Silva Mello e Neemias Araújo. Esses dois pastores tiveram suas vidas chamuscadas pelas labaredas psicológicas da inquisição nas reuniões da CE/SC. Foram desprezados, ultrajados, injuriados e considerados como se fossem criminosos, a ponto de não serem hospedados em casas de membros das igrejas hospedeiras, como os demais. Rendemos um tributo a esses dois mártires da inquisição que sofreram, mas não se renderam aos inquisidores, nem se tornaram hipócritas para não sofrerem, como fizeram alguns pastores. Esses dois homens de fibra, que não são invertebrados, nem títeres, estão na lista dos mártires da Igreja de Jesus Cristo.

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE Esta área do território presbiteriano, o Sínodo Espírito-Santense (SES), foi a que mais sofreu nesta crise que estamos historiando, na Igreja Presbiteriana do Brasil. No Estado do Espírito Santo, o presbiterianismo floresceu sem o auxílio dos missionários das duas juntas presbiterianas dos Estados Unidos. Nesta área há a maior densidade de população presbiteriana. Só na cidade de Vitória há 13 igrejas. O SES era composto por sete presbitérios: Alegre, Campos, Colatina, Itabapoama, Itapemirim, Vale de São Mateus e Vitória. Neste sínodo foi localizado, em 1962, o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), com um reconhecimento do crescimento vigoroso daqueles campos. Este sínodo foi o pioneiro na luta incansável contra os desmandos da atual Administração da IPB, mantendo uma insistente vigilância, exigindo respeito pela CI e pelo Sistema Presbiteriano. Por isso mesmo a sua atuação foi considerada “oposição incômoda” que não podia continuar. Este foi o primeiro sínodo que se reuniu, um mês após a reunião do SC de Fortaleza (1966), e mandou uma representação à CE/SC demonstrando que a resolução do SC que criou a Comissão Especial de Seminários não devia ser executada devido à sua inconstitucionalidade, à sua incompetência e à sua inaplicabilidade. Num documento fundamentado nos textos da CI, o SES pede respeitosamente à CE/SC que “suspenda a execução dessa medida, como lhe faculta a CI, Art. 104, alínea V, § único, ‘in fine’, sustando o funcionamento dessa comissão”. Isto foi resolvido no dia 19 de agosto de 1966. A CE/SC respondeu ditatorialmente a representação do sínodo e passou a considerá-lo como rebelde. Começou, então, uma luta entre a direção da IPB e o SES. Em 1968 o SPC foi arbitrariamente fechado e seus professores e alunos expulsos. Na reunião do SC em 1970, em Garanhuns, o sínodo foi ameaçado de dissolução sob os pretextos de que:

“1. Não cumpre. nem faz cumprir as ordens e resoluções do Concílio imediatamente superior. “2. Criou uma Fundação Educacional com finalidade de preparar pastores, o que é competência exclusiva do SC.” De fato, o sínodo estava em franca oposição a certos aspectos errados da administração da IPB, mas fazia essa oposição pelos trâmites legais. A criação da Fundação Educacional Cícero Siqueira (FECICS, que tem à frente o Dr. Claude Labrunie e sua esposa Dra. Clícia, inclui nos seus cursos um de teologia que visa a ministração de matérias teológicas tanto para os leigos das igrejas como para - 99 -

DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE candidatos ao ministério. Foi, não podemos negar, resultado da frustração do sínodo diante da esdrúxula extinção do SPC. A ameaça da reunião de Garanhuns permaneceu sobre o SES. Em 1972, o sínodo resolve se desligar da FECICS, retirando o seu representante do Conselho Deliberativo da referida fundação, isto em obediência ao Supremo Concílio. Mesmo assim a pressão continuava. Na reunião do SC em Belo Horizonte (1974), o presidente do SC apresentou a proposta de dissolução do SES e ele mesmo a defendeu no plenário. O sínodo foi dissolvido. Duas semanas depois do SC, o SES se reúne extraordinariamente e toma a seguinte decisão: “Considerando que a resolução contida no Doc. nº 74, aprovada pelo plenário do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, em sua reunião de 1974, em Belo Horizonte, no item nº 2 e suas alíneas, dissolve o SES; Considerando a natureza claramente punitiva de tal resolução, em vista dos próprios termos em que está redigida; Considerando que, de acordo com o Código de Disciplina (CD), Art. 10, alínea ‘c’, dissolução é pena; Considerando que o CD, que é lei constitucional (cf. Art. 135), declara, em seu Art. 89, que ‘não haverá pena sem que haja sentença eclesiástica, proferida por um Concílio competente, após processo regular’; Considerando que, de acordo com o CD. Art. 16, ‘nenhuma sentença será proferida sem que tenha sido assegurado ao acusado o direito de defender-se’; Considerando que, de acordo com o CD. Art. 12, ‘no julgamento dos Concílios, devem ser observadas, no que lhes for aplicável, as disposições gerais do processo adotadas nesta Constituição’; Considerando que, por força do CD, Art. 107, alínea ‘c’, ‘o julgamento de Concílios tem que seguir as normas do processo ordinário’; Considerando que a dissolução foi proposta pelo Presidente do Supremo Concílio e votada pelo plenário sem observância do Art. 18 do CD; Considerando que foram deixadas de lado, ou simplesmente ignoradas disposições específicas básicas referentes a processo em que um Concílio ou Tribunal for parte, cf. Arts. 65 e 66; Considerando não haver tramitado legalmente nenhuma queixa ou denúncia contra o SES;

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE Considerando que, levando-se em conta o CD, Art. 42, suas alíneas e parágrafos, nem mesmo ilegalmente subiu qualquer queixa ou denúncia contra o Sínodo; Considerando que, em conseqüência, não foi possível ao autor oferecer a menor justificativa que fosse para fundamentar tão intempestiva proposta; Considerando a já longa e, até agora, inútil lista de manifestos e recursos deste Sínodo contra os desmandos da atual administração da Igreja Presbiteriana do Brasil; Considerando que essa insistente e incansável vigilância do SES, exigindo respeito pela Constituição da Igreja e pelo Sistema Presbiteriano, tem sido considerada oposição incômoda e que, por causa dela, já foi até usada contra ele ameaça de dissolução, como tentativa de intimidação; Considerando que fica demonstrado pela observação nº 9 do SC/1974 ao livro de Atas do SES – em que se registra satisfação do SC por observância do Sínodo de recomendação do Concílio Superior – que este Concilio jamais foi intransigente e obstinado (mesmo que essa transigência era decidida a custo de profundas agonias morais), à Igreja Presbiteriana não lhe permitia outra alternativa; Considerando que a Constituição da Igreja está acima de qualquer Concílio ainda quando este seja o Supremo Concílio, Considerando que ainda estão em vigor a Constituição e o Código de Disciplina promulgados pelo Supremo Concílio em 1950 e 1951; Considerando que qualquer emenda ou reforma da CI e do CD tem que seguir tramitação estabelecida em lei conforme CI, Arts. 139, 140, 141, e CD, Art. 135; Considerando que eles não são, portanto, automaticamente, modificados por decisões do plenário do SC, mas, muito ao contrário, ‘são nulas de pleno direito quaisquer disposições que, no todo ou em parte, implícito ou expressamente, contrariem ou firam a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil’ (cf. CI, Art. 145), mesmo quando tais disposições emanem do Plenário do Supremo Concílio; Considerando as numerosas ilegalidades praticadas pela atual administração contra Sínodos, Presbitérios e Ministros; o Sínodo Espírito-Santense resolve: 1º) Declarar nula de pleno direito a resolução do Supremo Concílio que dissolve o Sínodo; 2º) Dar conhecimento desta resolução ao Supremo Concílio, por intermédio do SE/SC; 3º) Reafirmar que, em conseqüência, continuam sob sua jurisdição os presbitérios arrolados na SE/SES;

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE 4º) Proibir, terminantemente, que qualquer desses Presbitérios atenda convocação ou citação que não parta de Concílios regulares ou de tribunais competentes, tendo em vista a CI, Arts. 61 e 94 e alíneas, e CD, Art. 21; 5º) Conclamar a todos os Concílios, Presbíteros docentes e regentes, e a todo o povo de Deus na Igreja Presbiteriana, nos limites da região sinodal, que se ponham de pé, a) na defesa da legalidade e da ordem, contra a ilegalidade e arbitrariedade; b) contra o abuso do poder pessoal e autocrático, na defesa do sistema conciliar e democrático, que sempre caracterizou a Igreja Presbiteriana; c) contra o reinado da difamação, da vingança pessoal, da delação, da perseguição, da opressão, do ódio e do terror, que os que se consideram ‘senhores’ da Igreja Presbiteriana do Brasil vêm impondo entre o povo de Deus; d) na defesa de uma vida comum na paz e na unidade do Espírito de Cristo; e) na defesa do reinado do amor fraterno, da concórdia, da reconciliação em Cristo, e do reconhecimento da soberania exclusiva do Único Senhor da Igreja, Jesus Cristo; f) defesa do direito de obediência e submissão, sem reservas, à vontade soberana de Deus, como esta se apossa de nossa consciência, pela iluminação do Espírito Santo, através de nossa vida no corpo de Cristo, a Igreja, e da nossa meditação das Sagradas Escrituras; g) Nós também somos cristãos. Nós também somos presbiterianos. Nós também fomos batizados. Nós também fomos ordenados para o ministério de Cristo, na Igreja e no mundo. Assim, Deus nos abençoe.”1 A partir de agosto de 1974 travou-se uma luta judicial entre os concílios dessa região e a direção da IPB. Foi necessária essa providência na justiça secular para salvaguardar direitos ameaçados dentro da Igreja. A frente dessa luta está Wellste Guida, pastor da Igreja Presbiteriana de Maruípe e atual presidente do Presbitério de Vitória. O pastor Guida, além de pastorear a referida igreja é advogado brilhante, homem de luta e de coragem. Tem enfrentado nestes últimos anos uma verdadeira batalha na qual tem sofrido as maiores humilhações por parte dos dirigentes da IPB. Não só em Vitória, mas também em Brasília, São Paulo, Rio, Belo Horizonte. O Rev. Guida tem atuado em defesa do sínodo e dos presbitérios da região, especialmente o de Vitória. Viajando de cidade em cidade, procurando encontrar os representantes da IPB, especialmente o presidente, para assinar cartas precatórias de intimações, citações e notificações. Pela providência de Deus esse pastor está preparado para defender concílios e pastores na justiça secular a fim de que eles não sofressem as injustiças que a direção da Igreja tem praticado. Daremos exemplos do que estamos afirmando, enumerando essas lutas judiciais.

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Aprovada pelo SES, aos 31 de julho de 1974.

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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE 1. No dia 29 de agosto de 1974, entrou na Justiça Civil de Vitória com um PROTESTO JUDICIAL para defender o Presbitério de Vitória contra as ameaças da CE/SC. 2. No dia 7 de novembro de 1974 entrou com uma ação de INTERDITO PROIBITÓRIO contra o Réu. 3. No dia 2 de dezembro de 1974 entrou com uma AÇÃO ANULATÓRIA da XXVIII Reunião Ordinária do Supremo Concílio da IPB. Essa ação foi complementada, em Brasília, pelo advogado, Dr. Valdir Campos Lima no dia 13 de fevereiro de 1975. 4. No dia 29 de outubro de 1975 entrou com uma MEDIDA CAUTELAR, na 2a. Vara Cível de Brasília para impedir, liminarmente, que o Presidente do Supremo ConcÍlio, a Comissão Executiva do SC, e o Sínodo de São Paulo tomassem qualquer medida contra o Presbitério de Vitória, ameaçado de dissolução. 5. No dia 4 de novembro de 1975 entrou com uma MEDIDA CAUTELAR no Foro de Vitória, com a mesma finalidade da anterior, apresentada em Brasília. Por causa dessas últimas cautelares o Sínodo de São Paulo, em reunião marcada com a finalidade de dissolver o Presbitério de Vitória, não pôde dissolvê-lo. Reconheceu, apenas, ilegalmente, que o referido presbitério já havia se retirado da IPB. Além dessa luta judicial, as igrejas desse Sínodo sofreram muito. Foram esfaceladas, divididas. Cenas deprimentes se desenrolaram em reuniões, cultos e escolas dominicais. Houve incidentes de violências e desrespeitos em várias igrejas, tudo motivado pelo espírito inquisitorial, “fundamentalista” e sectário. Na representação dos presbitérios de Vitória e Colatina que incluímos no capítulo seguinte compreenderemos melhor a drama vivido por este grande e heróico sínodo presbiteriano.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA Com a dissolução do Sínodo Espírito-Santense, foi criado o Sínodo Espírito SantoRio de Janeiro. Os Presbitérios de Colatina e Vitória, no entanto, não foram transferidos para o novo sínodo, com era de se esperar. A intenção de Boanerges Ribeiro era dissolvê-los, razão porque foram transferidos para a jurisdição do Sínodo de São Paulo, onde seus “cupinchas” já estavam preparados para executar suas ordens. Foi aí que surgiu o gesto espontâneo e fraterno do novo Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro que, dirigindo-se à CE/SC, pediu o óbvio, ou seja: que os 2 presbitérios do Espírito Santo ficassem jurisdicionados àquele sínodo.1 A gratidão dos presbitérios foi tão grande que resultou no documento que ocupa inteiramente este capítulo - sem dúvida um dos mais belos documentos produzidas em toda a História da Igreja Presbiteriana do Brasil. Agradecer ao Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro a comunicação da resolução de solicitar à Comissão Executiva do Supremo Concílio a colocação dos Presbitérios de Vitória e de Colatina sob jurisdição do novo Sínodo, nos seguintes termos: I. Ensinam-nos as Santas Escrituras que, nas horas de crise do povo de Deus, quando parecia haver um eclipse total que o deixava nas trevas do desamparo e do desespero, o Senhor sempre condescendia em mostrar a sua face aos seus fiéis, de maneira a alentá-los na perseverança, a esperar contra toda a esperança, a continuar a crer contra toda evidência. Foi assim no tempo de Elias, com os sete mil que não dobraram seus joelhos a Baal, I Rs. 19:18; no tempo de Isaías, o sinal de Emanuel, Is. 7:14-16; no tempo de Jeremias, a ordem divina para o profeta comprar de seu primo Hanameel o campo de Anatota, nas vésperas do cativeiro babilônico, “porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão casas, campos e vinhas nesta terra”, Jr. 32:6-15, 16-44; e durante o cativeiro babilônico, a visão do vale de ossos secos concedida ao profeta Ezequiel como uma promessa da operação do poder de Deus que haveria de promover o miraculoso reerguimento e renascimento de seu povo, Ez. 37:1-14. Também no Novo Testamento, os desalentados caminhantes de Emaús têm o coração reaquecido e são salvos do desespero pelo encontro e companhia do próprio Senhor Jesus Cristo Ressuscitado, Lc. 24:12-35. Pois bem. Nesta hora de trevas e de desespero que vivem presbitérios como os de Vitória e Colatina, ameaçados de esmagamento por um poder humano mais feroz que a feroz Jezabel em sua sede pela vida do profeta Elias; quando aquele que se considera a facção mais poderosa da IPB entra em maquinações maquiavélicas para a destruição das minorias; quando se decide o arrasamento sumário de nossos concílios; quando as igrejas de nossa jurisdição são atacadas por guias desapiedados, lobos famintos, que não se importam de substituir o amor pelo ódio, a confiança pela calúnia, a justiça pela arbitrariedade, a união de Cristo pela desunião e a facciosidade, a paz pela guerra subterrânea e solerte, a submissão a Cristo pela cega subserviência e servidão mental a homens que se colocam com árbitros e mediadores únicos da vontade de Deus; a esses homens que preferem ter nas mãos 1

Os presbitérios de Vitória e de Colatina não foram transferidos para a jurisdição do novo sínodo da IPB. Fazem parte, agora, da FENIP.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA um esqueleto de Igreja a aceitarem a Igreja viva, atuante e dinâmica que lhes escapa ao domínio; - nesta hora, queridos irmãos do SER, em que de boa fé já nos perguntam “O vosso Deus, onde está”, Salmo 42:3, 10 - esta resolução nos chega com a resposta de Deus ao seu povo naquelas crises de outrora. Ela é a voz que nos lembra que não estamos só; o sinal de que nem tudo está perdido; o prelúdio da alegria que vem pela manhã, mesmo que o pranto possa durar uma noite inteira, Sl. 30:5; como a voz do profeta que anuncia o caminho paradoxal do Senhor, que através do juízo efetua a salvação do seu povo; do profeta que se levanta corajosamente diante dos poderosos em defesa dos humildes; que fala por aqueles a quem não se concede o direito de falar, ou que não encontram ouvidos para os ouvir; que exige justiça para aqueles que jamais foram considerados em seus direitos pelos que detêm o poder com um privilégio e não com uma responsabilidade. II. Nesta hora em que a administração da IPB vem-se afastando cada vez mais do Sistema Presbiteriano, calvinista, reformado, que constitui o precioso legado que irmãos de outras terras implantaram entre nós, algumas vezes com sacrifício da própria vida; desse sistema que se demonstrou o mais vigoroso entre as grandes correntes da Reforma Protestante, influindo teológica e administrativamente na maioria dos ramos da Igreja Evangélica no mundo inteiro; desse sistema que se tem constituído, na história contemporânea, em inspiração para os sistemas democráticos das sociedades mais desenvolvidas do ocidente – sociedades modeladoras, sustentáculos de uma infra-estrutura de valores que dão sentido e justificação e dignidade à vida de elites, como os humanitaristas, artistas, políticos, cientistas, professores e estadistas, mas também de homens comuns, anônimos, com os trabalhadores rurais, operários, funcionários públicos, artesãos, comerciários, doqueiros, motoristas e ferroviários, todos eles felizes por sentirem-se cercados das garantias básicas como pessoas humanas, e de seus direitos concernentes à vida, à liberdade, à busca da felicidade, à igualdade de oportunidades; sentindo-se, sobretudo, protegidos pela igualdade perante a lei, e por normas jurídicas que não permitem que jamais sejam tomadas acusações contra eles com prova de culpa, que sobre algum deles recaia jamais o ônus de provar sua inocência, porque todos eles são inocentes até prova em contrário. É claro que a democracia pode passar por períodos de febre e decadência, como o maccarthysmo que assolou a sociedade americana há alguns lustros, mas de dentro do sistema vem a própria cura da infecção. Pode ser vulnerável a escândalos e desvios como o recente caso de Watergate, também nos Estados Unidos, mas não foi necessário senão um apelo aos recursos vitais do próprio sistema democrático para combater o mal, extirpar o tumor e retornar aos saudáveis caminhos abandonados da própria democracia, em seu significado mais pleno e mais enriquecido. Não foi à toa que, em duas guerras mundiais recentes, as gerações jovens, inclusive brasileira, não negaram seu sangue generoso pela democracia contra o totalitarismo, pelo que de melhor e mais cristão está corporificado nas instituições das sociedades ocidentais. E o Sistema Presbiteriano, a respeito do qual sempre aprendemos a considerá-lo inspiração da democracia no mundo ocidental e incompatível com totalitarismos e sistemas que não respeitem a dignidade fundamental da pessoa humana, - é justamente esse o sistema que, às mãos da atual administração da IPB, vem sofrendo deformações tais que se tornou totalmente irreconhecível. Pode-se mesmo afirmar que o isolamento crescente de nossa Igreja em relação às co-irmãs evangélicas do Brasil e presbiterianas reformadas do mundo inteiro, isolamento - 105 -

VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA sectário e intolerante, é, e só pode ser, uma confissão, embora implícita e involuntária, de que é a própria IPB desses administradores que não se sente mais presbiteriana. O relacionamento com a família de Igrejas Presbiterianas e Reformadas do mundo inteiro deixou de ser uma aspiração de uma igreja jovem e saudável, como era a nossa, quando tinha consciência e orgulho de suas raízes históricas numa verdadeira sucessão apostólica, para se tornar uma aversão para um grupo sectário, que quanto mais se preocupa com ortodoxia mais se entrega à destruição de seminários teológicos, menos se preocupa em colocar nas mãos do povo os Símbolos da Fé, e mede a vitalidade da Igreja pelo número de templos construídos, pelo valor dos seus bens e propriedades. Irmãos do SER, ficamos felizes porque sentimos que é esse o Sistema que o novo Sínodo procura zelosamente restaurar, ou ver restaurado, como base das relações eclesiásticas, jurídicas e administrativas na IPB, quando, pelos motivos expostos, resolve solicitar a inclusão de nosso Presbitério em sua jurisdição. E os seus são motivos válidos, temos certeza, quando a boa fé preside às relações mútuas, quando os legítimos interesses da Causa ocupam o lugar que, infelizmente, vem sendo agora ocupado pela vindita, pela “autolatria”, pela “hybris”, pela intolerância, pela opressão e pelo sectarismo. Saber que existem outros que além de nós se sentem incomodados e inconformados com “anomalias eclesiásticas”, nesta época da vida da IPB em que tais anomalias se tomaram tantas e tão constantes, que a tantos já não causam inquietação nem estranheza, saber de outros que se sentem inconformados e incomodados como nós é causa de extremo conforto e consolo. O maior mal que nos causará para sempre essa fase de subversão do Sistema e dos valores presbiterianos há de ser, sem dúvida, essa incapacidade de discernir os espíritos, I CO. 12:10; 1 Jo- 4:1; essa perda da sensibilidade espiritual do povo cristão, de sua acuidade moral; da iluminação divina que o capacita a distinguir o certo e o errado; a autoridade legítima estabelecida para a edificação da Igreja e o arbítrio do tirano em busca de seus próprios fins; o zelo pela verdade sagrada “uma vez entregue aos santos”, Jd 3, e a imposição de um “doxia” esdrúxula, produto de subjetivas elocubrações de falsos “salvadores” da Igreja de Cristo. Nesta perspectiva a longo prazo, cresce ainda mais a importância histórica dessa resolução do SER. III. A IPB tem uma Constituição promulgada em 1950, no templo da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, em Presidente Soares, Minas Gerais, no Presbitério Leste de Minas. E tem um Código de Disciplina e seus Princípios de Liturgia promulgados em 1951, ambos declarados leis constitucionais, C/D art. 135 e P/L art. 44. Antes disso, regia-se ela pela Constituição de 1937, promulgada em Fortaleza. Antes de Fortaleza, tínhamos o Livro de Ordem, herança que nos ficara, em sua maior parte, de nossa vinculação com a História do trabalho das Missões presbiterianas americanas no Brasil. Uma constituição não é jamais fruto de uma partenogênese, de geração espontânea, de uma criação em abstrato, a-histórica. Ela sempre documenta, incorpora e dá continuidade a uma tradição, uma linha horizontal contínua, contendo concepções e praxes vetustas que identificam um sistema eclesiástico no seu “ethos” básico. Em nosso caso, elas identificam o sistema calvinista, reformado, e são em termos sociológicos, os usos, costumes e mores de nossa “cultura” eclesiologia reformada. Esta, por sua vez, resultou da maneira como a tradição - 106 -

VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA bíblica foi incorporada à corrente calvinista da Reforma Protestante do século XVI, sob a influencia e pressão da situação histórica, das condições socioeconômicas e culturais, e da ordem secular geral contemporânea não só da Reforma como da pósReforma, de onde vêm a maioria das nossas “confissões de fé”. Não é legítimo interpretar a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil fora do contexto que inclui, portanto, o presbiterianismo contemporâneo, no Brasil e no mundo; a História da Reforma; a História da Igreja; a história da Doutrina; e a própria exegese bíblica, porque, afinal, é a Bíblia que constitui a suprema regra de fé e prática para todos nos cristãos herdeiros da Reforma. Protestante do século XVI. Essa Constituição que, a partir de dado momento histórico e enquanto convenha às igrejas federadas que formam a Igreja Presbiteriana do Brasil, declara e define a forma de seu governo, proclama e assegura os direitos de seus membros, discrimina os órgãos hierárquicos do poder eclesiástico e lhes delimita a competência e a Jurisdição, não pode incorporar senão apenas uma parte das concepções, praxes, tradições e costumes, diretamente ou pela inclusão de leis anteriores, que constituem o todo maior que chamamos Sistema Presbiteriano. A própria passagem de um “Livro de Ordem” para uma “Constituição” merece aqui uma reflexão, embora tardia. Neste contexto, “ordem”, por ser uma palavra do vocabulário teológico-dogmático das igrejas cristãs, chama imediatamente a atenção para o âmbito sacral em que se legitimam as praxes, tradições, costumes e instituições que formam e caracterizam a comunidade eclesial. Já a palavra “constituição”, e em especial uma constituição escrita, denota um conjunto de preceitos jurídicos que se legitimam antes na base de um “contrato social”. Não se trata aqui de nenhuma bizantinice: basta lembrar os equívocos a que tem sido levada muita interpretação do Novo Testamento por se esquecer que “torah” só parcialmente pode ser traduzida por “nomos”, já que a primeira pode significar, em sua conotação hebráico-neotestamentária, “toda a revelação bíblica da vontade de Deus”, para o que a segunda jamais seria usada pelos estóicos enquanto esta pode significar para estes “uma lei imanente da natureza humana, pela qual o homem distingue o certo do errado”, que a primeira não pode significar. “Torah” aponta para um ética transcendente e objetiva, e “nomos” para uma ética imanente e subjetiva, radicada na racionalidade do universo e de suas partes componentes (ver Dodd, C.M., Epistle of Paul to the Romans, Fontana Books, 1959, pgs. 59-77, etc.). É a distância que vai do judeu-cristianismo ao estoicismo, e que sempre nos deve alertar para o fato de que o contexto de “nomos”, ou “lex” ou “lei” na Igreja está na “torah”, cuja plena significação não pode ser dissociada de “Deus que tirou Israel do Egito, da casa da servidão” e que por fim se revela em Nosso Senhor Jesus Cristo. Não se pode, portanto, criar nem interpretar nenhuma lei na Igreja em sentido oposto ao da graça redentora e reconciliadora de Deus ao seu povo em Jesus Cristo. Mesmo diante das limitações intrínsecas e gerais de uma constituição eclesiástica, como as que expusemos respeitosamente acima, nós insistimos em apegar-nos à Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil e em exigir seu cumprimento por parte da atual administração da Igreja. E cônscios de que, apesar de tudo, se trata de uma lei fundamental da Igreja e que, por isso, não deve ser reformada ou alterada constantemente, mas apenas quando imperiosas necessidades o exijam, é que a preferimos uma constituição rígida, como ela mesma se define nos arts. 139-141. E - 107 -

VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA nos inquietamos e reagimos quando ela é tratada com uma constituição plástica, que vem sendo alterada constantemente sem obedecer aos requisitos especiais para sua reforma, com as formalidades rápidas e, muitas vezes, levianas, normalmente usadas para a feitura de uma simples lei. Se quando se respeitava a Constituição o funcionamento da Igreja tinha seus senões e imperfeições, pior, mas muito pior, tornou-se a situação com o desprezo que por ela manifesta a administração atual quando ela se constitui num incômodo embaraço aos seus propósitos nem sempre confessáveis, interpretações tendenciosas dela vão sendo aceitas e ficções jurídicas vão-se impondo à margem dela: a) temos agora um “Presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil”, quando a CI só reconhece um Presidente do Supremo Concílio; b) esse sr. Presidente vem absorvendo em sua quase totalidade as funções mais importantes que a CI atribui exclusivamente ao Secretário Executivo do Supremo Concílio; c) temos uma “Mesa da Comissão Executiva do Supremo Concílio”, em que esta, usando linguagem analógica inaplicável a não ser a concílios superiores, afirma-se e age(!) como se fosse um deles; d) a própria CE/SC, usurpando poderes que, pela CI, são privativos do SC, vem exercendo sobre os concílios superiores todo tipo de governo: modifica sumariamente seus limites, interpela-os, julga-os, dissolve-os, cria-os, e mais, chega mesmo ao ponto de modificar decisões do plenário do SC sobre eles. Estabelece-se, assim, um completo e firme esquema de poder paralelo: (1) O plenário do Supremo Concílio, por pressa, desinformação, ou boa fé, se esvazia inconstitucionalmente, ampliando poderes da CE e transferindo-lhe outros. (2) A CE todo-poderosa manipula, desnorteia, emascula, ameaça, coage, esmaga concílios regulares e avoca a si suas prerrogativas. (3) A “Mesa” da CE, único grupo que recebe todas as informações de primeira mão e as distribui ao plenário da CE segundo seu arbítrio e conveniência, manipula as resoluções. Essa “Mesa” nega acesso direto a papéis importantes a todos os que não são de confiança dela, embora representantes legítimos dos Sínodos. (4) A “Mesa” é manipulada publicamente pelo Presidente, que também nas reuniões do plenário do SC comete a mesma desfaçatez prejudicial aos interesses da Igreja de simplesmente excluir das comissões de expedientes os representantes por mais legítimos e capazes que não “leiam pela sua cartilha”. E esse poder exercido pelo sr. Presidente, do ápice dessa pirâmide, é absoluto, faraônico, discricionário, pois enfeixa os aspectos executivo, legislativo, judiciário e administrativo. Desapareceu o delicado equilíbrio dos poderes autônomos que caracteriza uma democracia eclesiástica, como a do Sistema Presbiteriano. A inchação do poder central, crescentemente investido num só homem, anula o equilíbrio dos poderes jurisdicionais que facilitariam a filtragem das decisões por instâncias sucessivas e hierárquicas, ampliando o debate, facilitando maiores salvaguardas para todos, e garantindo o consenso. Autoridade que sempre foi e só pode ser de jurisdição, exercida coletivamente, passa, sem nenhum razão maior e sem nenhuma consideração nem pela letra da lei, a ser autoridade de ordem, exercida individualmente, de fato, em oposição ao que prescreve a CI, art. 29, § 29.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA Desse poder aproveita-se bem o sr. Presidente, chegando a definir a Igreja Presbiteriana do Brasil em termos dos que o seguem e lhe obedecem ou daqueles que se lhe opõem. A estes marginaliza, desmoraliza, persegue, assassina econômica e moralmente, sem remorsos e sem peias. Daqueles, ele é o comandante Supremo e incontestável de sua vida, pensamento, ação e ministério, e aceito com o guia iluminado e infalível da Igreja. Mas a decisão do SER nesta ocasião é o sinal de que nem todas as consciências estão adormecidas, nem todos os corações acovardados, nem todos os grupos coniventes. É o sinal de que nem todos os concílios estão apáticos ou introvertidos, preocupados exclusivamente com sua própria sobrevivência, isolacionistas e incapazes de se sentirem solidários com o restante do corpo. Nem todos os concílios estão racionalizando os motivos pelos quais a voz da conveniência abafa a voz da consciência. E o sinal de que se pode aprender da História, já que esta tão recentemente nos demonstrou a insaciabilidade dos regimes totalitários, que exigem sempre concessões cada vez maiores e querem impor obediência cada vez mais ilimitada. É o sinal de que está para chegar o acerto de contas, pois o juízo já começou pela própria casa de Deus, I Pe. 4:17. É o prenúncio de uma retomada de posição, de um reconscientização, de uma revulsão do organismo afetado em busca da sanidade perdida. É o sinal da graça e do poder de Deus, que não abre mão de seu povo, que inquieta seus servos e exige que se arrisquem sem desfalecimento pela justiça, pela eqüidade, pelo direito. A decisão do SER é uma verdadeira alvorada. IV. Para que a ninguém soe demasiadamente pessimista o quadro que vimos descrevendo dos desmandos da atual administração da IPB, vamos recapitular apenas alguns deles posteriores à reunião do Supremo Concílio, em Belo Horizonte, em julho de 1974. E vamos cingir-nos apenas aos que vêm afetando nossa região: 1. A iníqua resolução daquele plenário que dissolveu o Sínodo Espírito-Santense resultou de proposta do próprio Sr. Presidente do SC. E não contente de propor a medida à comissão de expediente, por detrás dos bastidores, portanto, veio a plenário defendê-la com um libelo contra o SES em que o que mais impressionava era a baba do ódio e não a linguagem da razão, ou a coerência dos argumentos. 2. Daí para cá, os adeptos do Sr. Presidente em nossa região vêm estudadamente provocando cisões a nível de comunidades locais. Presbíteros são instruídos a agredirem pastor e colegas seus do conselho quando os não apóiam. Criam escândalos, promovem tumultos e violências, acusam, caluniam, espalham suspeitas, negam velhas amizades, dividem famílias, inquietam a juventude. Retornam ao velho e desmoralizado processo de acusar de comunistas os ministros que consideram adversários de seu chefe idolatrado. Seu odium theologicum transforma-se em mero pretexto para agressões que só não chegam a ser físicas porque os que procuramos continuar adeptos de Cristo e do presbiterianismo genuíno nos deixamos ainda governar por uma ética cristã. Para tudo isso, qualquer membro da Igreja pode receber instruções diretas do Sr. Presidente, o número de cujo telefone anda à disposição de quem quer que deseje juntar-se à sua campanha difamatória, que chega até a propalar a sempre iminente prisão pela Policia Federal, dos ministros que se lhe opõem.

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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA 3. No relacionamento entre Concílios Superiores acontecem coisas jamais vistas nos mais de cem anos da História de nossa Igreja no Brasil. O Presbitério Vale do São Mateus, um dos mais pobres de nossa região, e com número insuficiente de ministros para atender seu próprio, abre trabalho em Colatina, sede do PCOL, e ali coloca um pastor residente, para pastorear os membros que se retiraram da Igreja Presbiteriana de Vila Real em resultado de campanha com a que denunciamos acima. O Presbitério de Belo Horizonte(!) assume jurisdição(?) já sobre igrejas em Vitória, e nelas promove trabalhos, sem, contudo, ser capaz de lhes dar verdadeiro cuidado pastoral. Membros dissidentes da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória, igreja que vai completar no próximo ano 50 anos de história, membros dissidentes dela, mas adeptos do Sr. Presidente, são colocados sob jurisdição da Junta de Missões Nacionais, e só para aluguel do salão que ocupam recebem do orçamento da CE/SC a quantia de Cr$4.000.00 (quatro mil cruzeiros) mensais. Talvez ninguém saiba, entre os membros da atual administração a IPB, que, sem que o dízimo enviado por esta região ao SC por mais de 50 anos tenha sido jamais usado aqui para qualquer obra construtiva, e que sem ajuda de nenhuma igreja presbiteriana norte-americana, elas que sempre puseram pessoal e outros recursos à disposição de áreas mais desenvolvidas do país – talvez ninguém saiba ou queira saber que nesta pequena capital de um dos menores estados do Brasil existem 13 (treze) igrejas presbiterianas, nenhuma delas nascida prr secessionismo. 4. A CE/SC recebeu em Julho de 1974 em Belo Horizonte, ultra-poderes, sendo transformada em suprema instância executiva, legislativa, judicial e administrativa da Igreja. E tem tal onisciência disso que desconsidera os termos explícitos de mandatos específicos recebidos do plenário do SC. Que fez ela do famigerado documento 74 do SC-74? (a) Não apurou, como devia ter feito, “responsabilidades presbiterianas em casos de desobediência a decisões do SC”. Em vez disso enviou uma sub-comissão de três membros, numa viagem relâmpago, para contactar presbitérios. O único deles que aceitou os termos da convocação do SE/SC para o encontro foi o Presbitério de Vitória. Aqui em Vitória, a sub-comissão cercou-se o tempo todo dos membros dissidentes e foi por eles acompanhada e informada, e negou-se, por um pretexto de somenos importância, a reunir-se com o concílio. Ninguém jamais tomou conhecimento por aqui do relatório dessa sub-comissão, se é que o houve. O que aconteceu depois foi uma estranha ordem de transferência de algumas igrejas do PVTR para o presbitério de Belo Horizonte(!), e do PCOL para o Vale de São Mateus. O Presbitério de Alegre foi transferido para o Sínodo Rio Doce. Quanto aos Presbitérios de Itapemirim e Campos nada foi resolvida. (b) Em reunião deste ano, a CE/SC resolve criar a Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro, com os presbitérios de Itapemirim, Campos, Alegre e Itabapoama. Os dois primeiros estavam sob sua jurisdição, desde a dissolução do Sínodo EspíritoSantense, em Belo Horizonte. Mas os dois últimos estavam jurisdicionados ao Sínodo Rio Doce: o Presbitério de Itabapoama, por decisão do plenário do SC-74 e o Presbitério de Alegre por decisão da própria CE/SC. Na resolução que transfere esses dois concílios para o novo Sínodo não há nenhuma referência a qualquer consulta ao Sínodo Rio Doce, isto é, não há nenhum pedido de transferência dele, dirigido ao Sínodo. E criação do Sínodo foi efetivada, em 29 de junho último, antes da reunião ordinária do Sínodo Rio Doce, em Valadares. - 110 -

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(c) Dos sete presbitérios que compunham o Sínodo Espírito-Santense, os quatro citados integram, então, o SER. O São Mateus, integra o Rio Doce. Ficam fora os Presbitérios de Vitória e Colatina. Refletindo melhor a sanha do que a eclesiologia do inspirador da famosa decisão em tela, o SC-74 autoriza a CE a “dissolver presbitérios, quando julgar necessário”, e a “colocar-se sob jurisdição de Sínodo da IPB, da escolha da mesma Comissão Executiva, presbitérios que possam ser exonerados de responsabilidades”. [Grifos nossos, em ambos os casos] É então que a CE/SC toma uma atitude para com os Presbitérios de Vitória e Colatina que produz a maior surpresa. Tendo anteriormente investido contra esses presbitérios com uma medida inédita na história da Igreja Presbiteriana do Brasil, isto é, transferindo algumas de suas igrejas para outros concílios sem, antes, dissolver o PVTR ou o PCOL; remetendo-lhes, antes, interpelações que só poderiam significar o reconhecimento tácito de sua continuidade como concílios regulares da IPB, embora litigantes – a CE/SC resolve colocar esses dois presbitérios sob jurisdição do Sínodo de São Paulo. Em vista dos termos da resolução acima citada, esta medida só poderia significar, onde quer que as palavras mantenham seu valor semântico, que esses presbitérios puderam “ser exonerados de responsabilidade” e, neste contexto, isso significa de responsabilidade “em casos de desobediência a decisões do SC”. Será que a CE/SC resolveu considerar isentos de responsabilidade esses presbitérios que estão em litígio contra ela na justiça civil estadual e federal? Resolveu isentar de responsabilidade esses presbitérios contra os quais vem incessantemente agindo com a máxima hostilidade, agressividade e desconsideração? Mas então porque não incluí-los no novo Sínodo, sponte sua, mas no Sínodo São Paulo? Não é possível manter nenhuma ilusão a respeito do significado da medida, embora seu valor literal, bona fide, à luz da mais racional interpretação do texto da resolução do plenário do SC não possa ser outra que não o que vimos apontando. Mas não tenhamos ilusões. A Constituição da Igreja j é desprezada. As resoluções do plenário são dirigidas e modificadas. As resoluções da CE/SC mesma são modificadas sem reconsideração. Não é preciso haver preocupação nem com as palavras em que as decisões são formuladas, porque as palavras sempre terão o sentido que lhes quiserem dar aqueles que têm o poder. É o caos. Não há mais um “universo” chamado Igreja Presbiteriana do Brasil, que está aí antes da eleição de qualquer administração particular, e que aí estará depois de passada qualquer administração particular. Para a presente administração não importam nem o passado nem a futuro da Igreja. Não há nenhuma obrigação de coerência, nenhum compromisso de manter uma ordem inteligível, seja eclesiástica, jurídica ou semântica. Porque, usando da irresponsabilidade do poder desmedido que se atribui, a única intenção possível da CE/SC ao colocar os Presbitérios de Vitória e Colatina sob jurisdição do Sínodo São Paulo só pode ser: - 111 -

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1. dificultar ao máximo a presença dos representantes desses presbitérios no Sínodo, e assim tornar impossível sua defesa; 2. facilitar ao máximo a pressão direta do poder pessoal do Sr. Presidente, num Sínodo de sua absoluta confiança; 3. fazer que, caso haja ainda um arremedo de julgamento, o resultado coincida com aquele veredito que ele mesmo, pessoalmente, já proclamou em público, quando de sua recente visita a Governador Valadares, MG. Ali, diretamente interpelado sobre os ministros desses presbitérios, declarou-os todos inaproveitáveis e destinados ao despojamento (exceto, claro, os seus adeptos). E é o que nos resta esperar. Irmãos do Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro: nada mais temos a dizer, exceto reafirmar uma vez mais o quanto significou para nós a resolução que nos foi comunicada. Não pretenderíamos, nesta altura da situação geral da Igreja, a que chegamos, fazer supor que nossa posição se altera, que nossa disposição de luta se modifica. Poderemos rever, e para isso estamos abertos, alguma afirmação menos justa com que involuntariamente tenhamos ferido quem quer que seja; mas em nossa tese geral nos mantemos inamovíveis e destemidos. Desejamos ser julgados, e não “pré-julgados”. Desejamos nos seja concedida, alguma vez, em algum lugar a oportunidade de defesa. Não desejamos anistia. Seremos suficientemente humildes para aceitar as conseqüências dos erros que possam provar que cometemos. Se negamos os votos de nossa profissão de fé ou de nossa ordenação para o presbiterato, que se queixe quem quiser apresentar queixa, que nos denuncie quem quiser apresentar denúncia, mas que o faça diante de um tribunal competente. E se como Presbitérios nos calamos diante de nossos erros ou nos negamos a dar provimento a qualquer queixa ou denúncia jamais levantada contra nós, sejamos também queixados, denunciados, julgados – sempre, porém diante de tribunal competente. E é por isso que, mesmo sem abrir mão de um jota ou um til das posições que vimos até agora afirmando e defendendo, aceitamos submeter-nos a qualquer processo que se tenha que abrir contra nossos dois presbitérios, ou mesmo declará-los suspeitos e, na forma da CI, submeter seus ministros a um tribunal de igual categoria. Entendemos, à luz do conteúdo do documento, que este é um Sínodo de boa fé, de coragem, de envergadura, descomprometido e imparcial, insubornável, não intimidável e, acima de tudo, zeloso da história e das responsabilidades do presbiterianismo em nossa região, porque, como nós também, com oração, e sangue, suor e lágrimas, vêm os presbitérios que o compõem, há mais de 50 anos, - 112 -

VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA cobrindo esta região com a semente da fé, doutrinando os crentes, educando a juventude, preparando obreiros, contribuindo para as missões, não tomando a pobreza de nossa região como escusa para falta de generosidade e participando ativa e vitalmente na luta pela redenção espiritual dos brasileiros de nossas áreas, e pelo seu desenvolvimento moral, intelectual, social e econômico, num testemunho do poder multiforme da graça de Deus e do evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Irmãos do SER, nós, os Presbitérios de Vitória e Colatina, aceitaríamos extremamente honrados, humildes e comovidamente, a jurisdição desse Sínodo. Mas a nossa linha de coerência conciliar impõe-nos o dever moral de continuar a considerar ilegal a dissolução do Sínodo Espírito-Santense, e a lutar pelo dia em que, restaurada a legalidade constitucional, o estado de direito, em nossa Igreja Presbiteriana do Brasil, o SES há de ser reintegrado na plenitude de seus direitos e poderes. O SES é o concílio regional maior que há de reocupar a área geográfica e eclesiástica que nos inclui. Ele poderá, então, numa reparação dos danos morais e espirituais que lhe têm sido injustamente infligidos, reparação que somente engrandecerá a Igreja Presbiteriana do Brasil e a todos nós, a ele e a ele ligados por una vocação divina – o SES poderá, então, repetimos, responder àquilo de que o acusam, e por que o atacam e caluniam. E todos nós seremos reabilitados com ele. Queremos terminar, não, porém sem reafirmar, diante de Deus, que o que de melhor houver em nós que possa constituir uma ajuda, por pequena que seja, para o progresso, a paz, a unidade e a pureza da Igreja de Cristo em nossa região, está e estará sempre à disposição do SER, onde quer, quando quer e como quer que para tanto nos convoquem os irmãos. DEUS OS ABENÇOE.

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EXPURGOS E ISOLACIONISMO A inquisição dentro da IPB produziu dois fenômenos sem precedentes: o exílio de pastores e o isolacionismo da denominação. I. PASTORES NO EXÍLIO Nestas duas décadas de crise na IPB surgiram quatro classes de exilados: 1ª) Pastores e leigos que não conseguiram ficar dentro da estrutura da Igreja, e foram obrigados a sair para outras igrejas; 2ª) Aqueles que emigraram para outras nações da América Latina, América do Norte e Europa a fim de poderem trabalhar com mais liberdade; 3ª) Aqueles que permaneceram dentro da estrutura, vivendo como exilados e sofrendo as maiores humilhações; 4ª) Aqueles que foram despojados, na maioria, sem serem ouvidos, e foram colocados no ostracismo. Como exemplo dessa situação de exílio, transcreverei na íntegra a carta que o teólogo mais importante do Brasil, Rubem Alves, escreveu ao Presbitério Oeste de Minas, apresentando sua renúncia de jurisdição da IPB. Rubem Azevedo Alves nasceu em Boa Esperança, Estado de Minas Gerais, em 1933. Na sua juventude participou de igrejas muito puritanas e pietistas. Fez o curso de Bacharel em Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas. Foi vários anos pastor da Igreja Presbiteriana de Lavras. Em seguida cursou o Union Theological Seminary de Nova York onde recebeu o grau de Mestre. Doutorou-se em Filosofia no Seminário Teológico de Princeton. Escreveu muitos artigos em jornais e revistas do Brasil e do exterior. Publicou vários livros em português e inglês, entre os quais: A Theology of Human Hope, Tomorrow’s Child, O Enigma da Religião, Protestantismo e Repressão, O Que é Religião, Filosofia da Ciência, Variações Sobre a Vida e a Morte, Dogmatismo e Tolerância, Creio na Ressurreição do Corpo. Rubem Alves ajudou a fundar o Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), hoje com sede no Rio de Janeiro. Ele é ministro da FENIP e livre docente da Universidade de Campinas. Eis a íntegra da sua carta ao seu presbitério: “Sempre entendi que o Evangelho é um chamado á liberdade. Foi através de um evento libertador, o Êxodo, que a comunidade da fé chegou a conhecer o seu Deus. E a Bíblia toda é a história da luta de Deu que quer que os homens sejam livres, contra os próprios homens que preferem a domesticação, a escravidão e a idolatria. Culmina esta história com o advento do Senhor Jesus que é, a um só tempo, o homem livre e o Deus que liberta. Fé, portanto, é liberdade. É abertura ao futuro. É a confiança de “deixar para trás as coisas que já ficaram para trás”, para lançar-se com Abraão para um futuro novo. Por isso, fé é vida. O ato de viver é um permanente transferir-se do presente para um futuro imediato. Morte, ao contrário, é a vitória do passado. É o fixar-se naquilo que já foi. Esta é a razão porque entendo que pecado é amar mais o passado que o futuro, amar mais o velho que o novo, - 114 -

EXPURGOS E ISOLACIONISMO amar mais os mortos e a morte que os vivos e a vida. Quando Jesus chamava os fariseus de sepulcros caiados, Ele indicava que a sua religião, por ser a preservação do passado, era realmente o culto aa morte. Esta é a razão porque o Novo Testamento relaciona a lei e o legalismo com a morte. Porque lei significa fazer o passado norma do nosso presente, fazer os mortos os senhores dos vivos. O sentido da Reforma Protestante está em que ela redescobriu a liberdade. Lutero chegou a dar a um dos seus tratados mais lindos o título de: ‘A Liberdade do Homem Cristão’. No Catolicismo Romano Medieval a proclamação liberdade se transformara no culto da autoridade, da lei, e da estrutura. Lutero percebeu que o espírito daquela igreja era a própria inversão e negação do Evangelho. Daí a necessidade de protestar, de resistir, de emigrar para formar, fora da terra da servidão, uma nova comunidade baseada no amor e na liberdade. Estou convencido, entretanto, que estranha metamorfose se processou. A comunidade de liberdade se esqueceu, traiu e se rebelou contra ela. Na realidade, não existe novidade nisto. Os profetas viram com muita clareza que Israel tinha uma irresistível vocação para a prostituição, para o abandono de seu Deus, para os ídolos, para o passado, para a morte. Até que um deles proclama, em nome de Deus: ‘Não sois mais o meu povo’. Segundo posso ver, esta é a situação em que se encontra presentemente a Igreja Presbiteriana do Brasil. Triunfa o autoritarismo sobre a comunidade; as estruturas sobre a pessoa; o passado sobre o futuro; a lei sobre o amor. E, em última instância, a morte sobre a vida. Ninguém pode indefinidamente contrariar suas convicções e valores espirituais, sem que o próprio espírito sucumba. Estou convencido de que a Igreja Presbiteriana do Brasil, hoje, é uma grotesca ressurreição dos aspectos mais repulsivos do Catolicismo Medieval. Continuar fiel a ela, continuar a ser contado como um dos seus ministros, é compactuar, com uma conspiração contra a liberdade e o amor. Por isto tomei hoje, 15 de setembro de 1970, a decisão de romper com ela. ‘Como andarão dois juntos se não estiverem de acordo?’ Solicito, portanto, do POMN, de forma irrevogável, que o meu nome seja cortado tanto do rol dos pastores quanto do rol de membros da IPB. Estou convicto, teologicamente, que a comunidade de fé já emigrou. Nenhuma estrutura legal e de poder pode conte-la, ou domesticá-la. Assim como no Êxodo ela abandonou as panelas de carne do Egito pana peregrinar no deserto, assim como os profetas abandonaram e desprezaram toda a estrutura oficial, para viver espalhada, escondida, incógnita no mundo. O amor e a verdade freqüentemente nos obrigam a emigrar. Abraão emigrou: por fé e amor. Também os profetas emigraram por fé e amor para for das instituições eclesiásticas reconhecidas. E Jesus? Emigrante permanente: deslocou-se da interioridade protegida de uma instituição toda poderosa para um deserto de incertezas. A vocação pela liberdade é a vocação para emigrar. Daí a afirmação neo-testamentária de que não temos casa ou terra permanente. Vivemos pela esperança de algo novo. Se o Novo Testamento está certo, o ‘Espírito se encontra onde se encontra a liberdade’. Não encontro a liberdade na IPB. E hora, portanto, de buscar a comunidade do Espírito, fora dela.” A seguir transcrevo uma lista incompleta dos nomes de pastores que foram direta ou indiretamente colocados fora do pastorado da IPB. A lista não é completa porque - 115 -

EXPURGOS E ISOLACIONISMO alguns despojamentos não foram registrados nas publicações oficiais da IPB. Por questão de precisão histórica, os pastores despojados por causa da controvérsia “fundamentalista” estão aqui enumerados. (1) Abel Pereira Cortes; (2) Acetides Azevedo da Silva, (3) Adauto Araújo Dourado; (4) Ademário Íris da Silva; (5) Amilton Michalski; (6) Amim Aidar Filho, (7) Carlos Araújo; (8) Celso Assunção; (9) Celso Loula Dourado; (10) Edval Queiroz Matos; (11) Eliseu de Siqueira; (12) Eudaldo, Matos; (13) Francisco Aquino; (14) Gerd Jurgens Wenzel; (15) Gérson de Azevedo Meyer; (16) Israel Furtado Gueiros; (17) João Guizelini; (18) Joaquim Ferreira Alcântara; (19) Joel Paulo de Souza Filho; (20) Jorge César Mota; (21) José Calisto da Silva; (22) José Moreira Cardoso; (23) Josué da Silva Mello; (24) Jovelino Ramos; (25) Lemuel Nascimento; (26) Leobino Lopes da Silva; (27) Manoel Barbosa de Souza; (28) Márcio Moreira; (29) Marcos José de Almeida; (30) Milton de Albuquerque Leitão; (31) Misaqui Rodrigues; (32) Natanael Emerique; (33) Nelson Armando de Paula Bonilha; (34) Osias Mendes Ribeiro; (35) Oswaldo Durães Souza; (36) Paulo Oliveira Brasil; (37) Roderico Carneiro; (38) Rubem Alberto de Souza; (39) Rubem Azevedo Alves; (40) Rui José de Morais Barbosa; (41) Samuel Martins Barbosa; (42) Sebastião Rodrigues Santos; (43) Teófilo Carnier; (44) Zwínglio M. Dias; e outros. II. ISOLACIONISMO A tendência conservadora e inquisitorial tem levado a IPB a um isolacionismo provinciano. Citaremos seis fatos: 1. Em 1916 o Supremo Concílio declarou anômala a situação dos missionários norte-americanos como membros dos presbitérios brasileiros. No ano seguinte, com a resolução da criação da Comissão “Modus Operandi”, os missionários ficaram separados da vida administrativa da Igreja. Na época que estamos estudando, houve vários atritos entre a direção da IPB e os missionários da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos (IPU) que trabalham no Brasil com o nome de “Missão Presbiteriana do Brasil Central”. Em 1954 foi criado o Conselho Inter-Presbiteriano (CIP) para supervisionar a obra missionária estrangeira, constituído de 12 representantes da IPB, 6 da IPU, e 6 da IPS. Em 1970 o Supremo Concílio, numa espécie de ultimato, declarou que qualquer entendimento futuro com a IPU só poderia ser feito após a transferência de todas as instituições e propriedades dessa igreja à IPB. Essa exigência não podia ser aceita pela IPU. Em 1971 a CE/SC, numa escalada retaliatória contra a IPU pelo não-atendimento do ultimato do SC do ano anterior, pedia a saída de 4 missionários do Brasil (Carl Joseph Hahn, Jr., Charles William Harken, Paul Everett Pierson e James Nelson Wright). No ano seguinte, em 1972, a mesma CE/SC resolveu oficializar seu dossiê de atividades e pronunciamentos político-ideológicos dos missionários. A escalada chega ao seu ápice em 1973, quando a CE/SC declarou “terminadas”, unilateralmente, as relações da IPB com a IPU.

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EXPURGOS E ISOLACIONISMO Em seguida à reunião da CE/SC em 1973 representantes da IPB se reuniram com representantes da IPS, em Brasília, para discutir um novo acordo entre as duas Igrejas, já que, pelo encerramento das relações com a IPU, esta Igreja não mais colaboraria com a IPB na evangelização do país. O novo acordo entre a IPB e a IPS significava o fim do Conselho Inter-Presbiteriano (CIP), órgão regulador das relações com as duas Igrejas norte-americanas desde 1954. Já não tinha havido reunião do CIP em 1972 porque a CE/SC estava planejando boicote dos trabalhos da Missão Presbiteriana do Brasil Central. Em março de 1973, o Brasil Presbiteriano publicou, na 1ª página, a seguinte notícia assinada pelo próprio redator-chefe e presidente do SC: “A Comissão Executiva do Supremo Concílio confiou à Junta de Missões Nacionais a responsabilidade dos campos antes ocupados pela Missão do Brasil Central. A Missão do Brasil Central foi dissolvida pela COEMAR (Igreja do Norte); dela resta no país uma sociedade civil, à qual nosso governo concede isenção no pagamento do INPS.1 Por outro lado, a COEMAR é diretamente representada, sem Missão, para promoção do ecumenismo, por um escritório dirigido por ex-missionário que nossa Igreja solicitara fosse retirado dos campos missionários do Brasil.2 Nossa Comissão Executiva, na reunião de fevereiro em Brasília, pelo voto unânime3 de seus membros, declarou terminadas nossas relações com a ‘Igreja do Norte’. Uma série de incidentes e desacordos que data dos inícios do século, e se agravou seriamente após o Supremo Concílio de Fortaleza,4 assinalou a presença da Igreja do Norte entre nós. Ao registrarmos o encerramento das relações (de fato já há algum tempo inexistentes, após o ato unilateral, sem consultar conosco, da dissolução da Missão), registramos também a apreciação de nossa Igreja pelas centenas de verdadeiros missionários que de lá nos vieram. Ultimamente, a COEMAR deixava de reenviar ao Brasil dedicados evangelistas e amigos de nossa Igreja, alegando falta de fundos.5 “Os Revs. Pemberton e Jennings, para voltar, foram aceitos pela Junta de Nashville (Igreja do Sul) e. graças a Deus, continuam sua missão no Brasil.”6 O Rev. Jaime Wright, representante e executivo da IPU no Brasil, residente em São Paulo, publicou, no seu boletim interno, Brazil Notes, os seguintes comentários à notícia do Brasil Presbiteriano, segundo os seis pontos que intercalou: “1/ Como é notório, estrangeiros não podem trabalhar no Brasil a não ser que estejam contratados por uma sociedade civil, legalmente constituída e reconhecida pelo governo brasileiro. Além de dar, essa cobertura legal ao pessoal da IPU, a Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC) tem responsabilidade legais para

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EXPURGOS E ISOLACIONISMO com as instituições mantidas pela IPU e para com as propriedades que ainda estão em nome da IPU. “2/ É verdade que o escritório da IPU, em São Paulo, tornou-se lugar de encontro para alguns grupos não pertencentes a IPB. O artigo está tecnicamente correto quando me apelida de ‘ex-missionário’ porque, para ser designado representante da IPU, tive de me desvincular da MPBC, embora o salário e benefícios que recebo se enquadrem dentro do mesmo padrão de todos os meus colegas missionários no Brasil. “3/ Não foi ‘voto unânime’, pois os presidentes dos seguintes sínodos votaram contra essa decisão: Sínodo Bahia-Sergipe, Sínodo Espírito-Santense e Sínodo Guanabara. “4/ Na reunião de 1966, em Fortaleza, o Rev. Boanerges Ribeiro foi eleito para o seu primeiro quadriênio na presidência da IPB. “5/ Por causa da crise, de nível mundial, nas finanças da IPU, onze missionários no Brasil foram retirados para outros trabalhos ou campos, no final do ano de 1972. Chalmers e Polly Browne, Bob e Becky Dodson, George e Helena Glass, Janet Graham, Charles e Hazel Harken, Bill e Fern Jennings. Os únicos evangelistas são Dodson e Jennings. Todo mundo sabe que Dodson teve de ser removido de Santa Catarina, devido ao virtual veto da CE/SC à continuação de seu trabalho no Presbitério de Florianópolis. Ninguém pode negar que Bob era não somente um dedicado missionário, mas também um amigo da IPS. Milton Daugherty, antes de se aposentar, já estava sondando a possibilidade de Jennings ser cedido pela IPU para trabalhar no Brasil, sob os auspícios da IPS. Este interesse fortuito da IPS facilitou a indicação de Bill e Fern pela Junta de Nashville. O que poucas pessoas sabem é que já estava programada a volta dos Jennings para o Brasil, mantidos pela IPU. Sua indicação pela IPS evitou que outro casal saísse do Brasil e assim não entrasse na lista dos onze que iam transferidos do Brasil. (A presença deles nos Estados Unidos, na época em que estavam sendo tomadas as decisões para as transferências, sem dúvida contribuiu para a inclusão dos Jennings no grupo dos onze.) “6/ Apesar das cartas de Olson Pemberton no Brasil Presbiteriano, ele foi advertido que saísse de férias, que seu regresso ao Brasil, sob os auspícios da IPU, poderia não ocorrer, caso obtivesse uma licença para tratar de assuntos particulares nos EE.UU. da A. Esta era uma política geral tanto em Nova York como em Nashville, naquela época, mesmo antes que o processo drástico de remoção se iniciasse em todo o mundo. Não somente Olson foi uma ‘vítima’ dessa política como também outros ex-missionários da IPU no Brasil, tais como Mark Moore e Bill Read. Apesar de dedicado amigo da IPB, Olson não é agora um evangelista. “Eu sinceramente desconheço qualquer missionário que tenha sido impedido de retornar ao Brasil pela estúpida razão de que era amigo da IPB. Diante dessas circunstâncias, pode-se muito bem fazer as seguintes perguntas: ‘O que significa ser amigo da IPB? Pode-se manter uma atitude indiferente quando está em jogo a

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EXPURGOS E ISOLACIONISMO integridade moral, ética e teológica? Deve a amizade com a IPB excluir a amizade com outros membros do Corpo de Cristo?”7 Os atritos que culminaram nesse corte de relações entre a IPB e os missionários da IPU foram produzidos, a meu ver, por dois fatores principais: (a) a participação de alguns missionários no movimento ecumênico; (b) o apoio que alguns missionários deram aos movimentos mais progressistas na IPB, principalmente nos Seminários e no Trabalho da Mocidade. Esses fatores nem sempre foram compreendidos pela Junta de Nova York (COEMAR), porque alguns de seus representantes chegaram a interpretar esses atritos como problemas pessoais entre alguns missionários e vários líderes da IPB. A COEMAR também procurou se afastar dos reais problemas que comprometiam o futuro do presbiterianismo no Brasil, seguindo as diretrizes do seu Advisory Study [1961] que preconizavam uma política de permanecer fora das lutas internas das igrejas nacionais e ter contactos apenas com os “órgãos oficiais” dessas igrejas. Com isso a COEMAR apoiava, às vezes, talvez sem querer, a politicagem suja e nojenta da cúpula da IPB, e não olhava com bons olhos os missionários que eram simpáticos aos grupos renovadores que combatiam o obscurantismo, o sectarismo e a anti-ecumenismo. 2. Na reunião da CE/SC de 1972 -foi tomada a seguinte decisão: “Considerar não ser conveniente a participação dos nossos Seminários com associados da ASTE”. (Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil)” Essa resolução interrompeu a seqüência de 10 anos de participação dos seminários presbiterianos na ASTE, órgão fundado sob a inspiração do Fundo de Educação Teológica. Os 3 seminários presbiterianos (Campinas, Recife, Vitória) foram membros fundadores e o 1º presidente foi o reitor do SPS, Júlio A. Ferreira. Através de seus famosos simpósios, a ASTE reunia anualmente representantes de 13 seminários evangélicos das denominações batistas, presbiterianas, presbiteriana independente, episcopais, congregacionais, metodistas, metodistas livres, luteranas e, ultimamente os pentecostais, num experiência ecumênica nunca vista no Brasil no campo de educação teológica. A ASTE sempre manteve relações cordiais com a Igreja Católica através da participação de preletores dos seminários dessa Igreja nos simpósios. Aliás, o 1º simpósio foi sobre o Catolicismo Romano. A saída dos seminários da IPB da ASTE, somente porque o Fundo de Educação Teológica está ligado ao CMI, foi mais uma vitória do fundamentalismo e mais um passo para o provincialismo isolacionista da direção da Igreja. 3. Desde 1973 a IPB está “de fato” separada da Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, também por causa da posição ecumênica da Aliança. 4. Foi proibida a participação das senhoras presbiterianas no “Dia Mundial de Oração”. 7

Brazil Notes, Vol. XIV, nº 4, March 30, 1973, pgs. 6-8.

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5. Na reunião do Supremo Concílio de 1974, a IPB retirou seu apoio da Sociedade Bíblica do Brasil, usando o pretexto hipócrita da edição A Bíblia na Linguagem de Hoje e recomendou às igrejas e presbitérios que cooperassem com uma outra sociedade bíblica “fundamentalista”. 6. A Confederação Evangélica do Brasil foi seriamente comprometida pela crise da IPB. Escreve Domício de Mattos: “A crise que começara na IPB se alastrou pela Confederação Evangélica do Brasil, onde o mesmo presidente da Igreja era também presidente. As mesmas acusações, as mesmas pressões e, finalmente, o ‘expurgo’, sem nenhuma consideração pelo problema humano dos demitidos que, colocados ‘no olho da rua’, ficariam, pelo menos durante alguns meses, sem recursos para sua manutenção e da família.” Após 1964 a IPB praticamente se isolou da Confederação Evangélica do Brasil que, por sua vez, ainda não saiu de sua crise. Estes 6 fatos que citamos provam que a Igreja Presbiteriana do Brasil cada vez mais se encerra dentro de seu isolacionismo. O 1º destes fatos, isto é, o rompimento unilateral de relações com a Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América, é o mais absurdo e deplorável porque foi essa Igreja que mandou o primeiro missionário presbiteriano ao Brasil, em 1859.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS “O mandonismo patriarcal, pela sua própria organização de rigidez e autoritarismo, não comportaria, na verdade, outra atitude, pois quem vivia como trabalhador de engenho ou fazenda tinha forçosamente de se sujeitar à disciplina rígida e unilateral da Casa Grande. O sistema de obediência do patriarcalismo não comportava méis tintas; exigia servilismo completo, adesão irrestrita, nada de diálogo, de acordo, de conciliação. A ordem, o monólogo e não o diálogo era o tema fundamental...”1

A Igreja Presbiteriana do Brasil, como parte da sociedade brasileira, está sujeita, em grande parte, às características do contexto social em que ela está vinculada. Na tentativa de explicar o fenômeno inquisitorial que aqui surgiu dentro do presbiterianismo não podemos deixar de procurar as raízes desse fenômeno no ambiente sócio-cultural. A sociedade brasileira está passando por um período de modernização e de secularização, saindo de um longo estágio rural-patriarcal para a nova era urbanaburguesa. Por isso é pertinente a observação do sociólogo O'Dea sobre o que acontece nas igrejas quando se verifica esse fenômeno na sociedade: “Deve-se notar, além disso, que, como a instituição tende à cristalização de formas estabelecidas, e como a secularização da cultura freqüentemente faz com que as pessoas religiosas se tornem ‘defensivas’, aumentam as tendências para autoritarismo e rigidez.”2 Uma das marcas predominantes da sociedade brasileira é o seu “ethos” rural, por isso podemos aplicar ao Brasil, em relação ao protestantismo, a mesma conclusão a que chegou o sociólogo Christian Lalive d'Epinay no seu estudo sobre o pentecostalismo chileno. Jovelino Ramos nos ajuda nessa colocação quando escreveu: “O conservantismo também se expressa na mentalidade rural deste movimento (o protestantismo brasileiro). (...) O sociólogo suíço Christian Lalive d'Epinay 1 2

Morais, Pessoa de, Sociologia da Revolução Brasileira, pg. 146. Maciel, Elter, Pietismo no Brasil, pg. 19.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS caracterizava a estrutura eclesiástica protestante latino-americana como a versão religiosa da estrutura da fazenda. Na fazenda milita uma coletividade de trabalhadores rurais onde as relações pessoais são intensas. Todos se conhecem. Na Igreja se dá o mesmo. Todos são irmãos. O comunitarismo é criado pela freqüência assídua às atividades da paróquia e adoração comum. Como na fazenda, há a crença de que todos os problemas são resolvidos, à base e em decorrência da vida do grupo. Na fazenda o patrão, o ‘coronel’ é uma figura paternalista e carismática, mantenedora da ordem e dispensadora de benefícios. Na Igreja o pastor teria a mesma importância. É o pai de todos, e o representante especial da divindade. É interessante notar que a mentalidade rural do protestantismo, de que fala o sociólogo, é perpetuada nos grandes centros urbanos. Todos os grandes temas, problemas e desafios da vida urbana escapam ao ensino desse movimento. ... É a estrutura eclesiástica que é rural. E rural no sentido de impor a mentalidade de fazenda que torna perigosa e proibitiva qualquer questão sobre a justeza ou conveniência do status quo.”3 Para entendermos esse fenômeno também seria oportuna considerar a análise do sociólogo Pessoa de Morais, da Universidade Federal de Pernambuco: “Duas áreas básicas se erigiram então no Brasil: de um lado a antiga sociedade senhorial, com uma concepção do mundo definida e cristalizada por quatrocentos anos de vida histórica, com os seus valores, os seus gostos, as suas inclinações éticas e até estéticas bem definidas, do outro, a sociedade nova em grande parte sem princípios muito rígidos sedimentados através do tempo.”4 “As linhas de intercruzamento e de intersecção da velha civilização semifeudal, rural e patriarcal com a nova civilização de caráter crescentemente urbano, burguês e de aspectos proletários, surgida ultimamente. Os dois componentes, o rural e o urbano, o semifeudal e o de massas, o de ontem e o de hoje se interpenetram ... em todos os quadrantes brasileiros, num jogo curioso de interferências, que foram o caráter nacional de nossos dias.”5 “Por baixo... dessas camadas mais visíveis da própria civilização urbana e de massas de hoje, ainda existe entre nós um forte acervo rural e patriarcal, mesmo nos redutos citadinos.”6 “Somos hoje um país de luscos-fuscos, de claros-escuros, de rompantes urbanos misturados com tendências rurais; com exaltações citadinas ou semi-citadinas, sedimentadas por vinculações históricas profundas do patriarcado.”7 “Aquele patriarcalismo rural, cioso de poderio, respirando em si mesmo uma atmosfera de poder, continuou, assim, apesar de restringido em suas expansões de mando, a penetrar nas áreas urbanas através de seus governadores, deputados ou senadores.”8 3

Ramos, Jovelino, Revista Paz e Terra, Ano II, nº 6, pgs. 79-80. Murais, op. cit., pg. 35. 5 Ibidem, pg. 19. 6 Ibidem, pg. 10. 7 Ibidem. pg. 24. 8 Ibidem, pg. 47. 4

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS

A análise feita pelo sociólogo esclarece muita coisa dentro da IPB. Leonard já tinha observado que: “os nomes de fazendeiros são numerosos ao estudarmos a origem das Igrejas protestantes no Brasil.”9 Esse aspecto fica mais claro quando estudamos as origens das lideranças missionárias americanas e os pastores nacionais, nas suas vinculações rurais. Em relação aos missionários norte-americanos, Paul Pierson deu uma grande contribuição no seu magnífico livro sobre a História da Igreja Presbiteriana do Brasil. Foi esse historiador quem observou que a relação entre o movimento missionário norte-americano e o período histórico do “Far-Western Frontier” tem sido um fator “ignorado pelos historiadores”, essa “forte orientação em direção à fronteira geográfica da maioria dos missionários das Igrejas donde vieram.”10 Pierson ainda afirma: “O movimento missionário americano ao estrangeiro, no século XIX, foi contínuo ou paralelo aos esforços similares feitos pela Igreja na ‘Fronteira Oeste’ americana, e os missionários nacionais e estrangeiros tentaram reproduzir as escolas, os colégios, os seminários, as estruturas eclesiásticas e os padrões de ministério que eles tinham conhecido anteriormente.”11 Todos nós conhecemos um pouco desta época da História americana através de livros e filmes cinematográficos. Havia dois campos missionários para as Igrejas: os índios e as novas cidades do “Far-West”. Os índios eram pagãos e as provocações que surgiam eram dominadas por um clima de violências e imoralidades. Assim descreve um historiador norte-americano: “Poucas mulheres chegavam aos primeiros acampamentos de mineração, e aquelas que chegavam eram geralmente de moral duvidosa. A embriaguês e a imoralidade eram tão comuns que não atraiam a atenção de novos moradores, e por muito tempo a vingança individual era a única punição que encontraram contra o crime.”12 Mais tarde as igrejas se estabeleceram nesses povoados, fundando escolas e hospitais e combatendo vigorosamente os vícios e as imoralidades. “Na década de 1830 a maior parte das denominações religiosas americanas tinham desenvolvido profundo interesse pelas missões estrangeiras e tinham reconhecido, embora tardiamente, que as tribos indígenas ofereciam um campo adequado para tais trabalhos missionários. Os metodistas mandaram, em 1833, seu primeiro missionário para o interior de Oregon, Jason Lee. Seguindo as pegadas dos metodistas chegaram os presbiterianos cujo representante mais capaz era Marcus Whitman, que veio em 1836. No final da década os católicos americanos estavam representados na pessoa do padre Pierre Jean Smet, um jesuíta belga de Saint Louis. Conflitos entre as denominações rivais começaram a aparecer com uma forre tendência nacionalista.”13

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Leonard, Protestantismo Brasileiro, pgs. 355-357. Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity, pg. 77 11 Ibidem, pg. 28. 12 Hicks, J.D., A Short History of American Democracy, pg. 153. 13 Ibidem, pgs. 305-306. 10

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS Os metodistas, batistas e presbiterianos levaram para as povoações das fronteiras do “Far-West” os “avivamentos” religiosos com uma forte ênfase ao emocionalismo, o que serviu de lenitivo para aquelas almas aflitas e perturbadas que freqüentavam, aos milhares, as reuniões das tendas e os “retiros espirituais”.14 Ao mesmo tempo em que as Igrejas mandavam seus missionários para as fronteiras americanas, enviaram outros missionários para as fronteiras do Sul, abaixo do Rio Grande, isto é, para a América Latina. Assim o Brasil também era uma fronteira pagã na qual a Igreja devia atuar, porque, além de haver índios por aqui, havia também uma sociedade tida pelos americanos como corrompida e imoral. Um estudo dos dados biográficos de 26 missionários presbiterianos enviados ao Brasil pela Junta de Nova York, da IPU, de 1859 a 1930, mostrou que todos, exceto dois, vieram de pequenas cidades ou de áreas rurais, do Oeste e do Centro-Oeste dos Estados Unidos.15 Ora, esses missionários imprimiram no Brasil o modelo da “igreja-fazenda”. Como afirma Pierson: “A orientação era natural porque muitos missionários vieram das pequenas cidades da área rural americana, das áreas do Oeste da Pensilvânia, do Centro-Oeste e do Sul, onde as lembranças da fronteira eram recentes durante seus anos de formação. Às vezes eles tendiam a equacionar a virtude com o ambiente rural e pecado com a cidade.”16 Mais tarde, em 1916, essa idéia ainda era forte porque no chamado “Brazil Plan” da Comissão “Modus Operandi”, que foi o acordo da IPB com os missionários, ficou estabelecido que os missionários ficariam trabalhando fora dos presbitérios e nas regiões rurais. Não aconteceu isso apenas com o trabalho missionário, porque a maioria da liderança nacional era de origem rural. J. M. Davis constatou que “em 1942” 80% dos estudantes do Seminário de Campinas eram de lares pobres e rurais, e este tem sido um padrão consistente na história do presbiterianismo brasileiro”.17 Ainda é Pierson que apresenta os seguintes dados: “A maioria dos pastores era das áreas rurais. Dos 98 candidatos ao ministério em 1953, 60 eram de dois sínodos: Minas-Espírito Santo e Norte, que são áreas predominantemente rurais. Um escritor, em 1964, afirmava que as igrejas rurais são ‘a espinha dorsal’ do presbiterianismo, mostrando que possivelmente 801 das igrejas presbiterianas; eram congregações de aproximadamente 100 membros comungantes.”18 Áureo Bispo dos Santos fez um estudo estatístico sobre 50 estudantes do Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife, no ano de 1970. Mostrou que 60% dos estudantes tinham vindo de cidades com menos de 5.000 habitantes, e 40% tinham vindo de centros maiores, sendo mais da metade do interior.19 14

Ibidem, pgs. 153-154. Pierson, op. cit., pg. 255. 16 Ibidem, pg. 77. 17 Ibidem, pg. 122. 18 Ibidem, pg. 236. 19 Ibidem, pg. 263. 15

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Essa predominância rural muitas vezes criou conflitos dentro da IPB. Dois exemplos são significativos: o problema da centralização administrativa e o problema da ordenação de diaconisas. O problema da centralização administrativa foi levantado especialmente pelas áreas rurais do Norte e Nordeste que clamavam contra a centralização ditatorial das igrejas do Centro-Sul. Emile Leonard faz uma aguda observação sobre esse conflito: “Encarando um pouco mais de perto esses debates, poderíamos pensar que se trata, sobretudo, do eterno conflito entre o protestantismo rural, orgulhoso, se assim podemos dizer, de seu direito de primogenitura, e um protestantismo urbano, seguro de suas vantagens de centralização e organização, e dos talentos particularmente aparentes de que dispõe. As capitais e os ilustres das capitais pretenderam sempre tomar a direção das Igrejas”.20 Leonardo conclui que, no fundo, o conflito é também entre os campos novos do interior que acabam de se abrir à Reforma e os campos de um protestantismo já velho e cansado que, por isso, se preocupava com a centralização administrativa. Outro exemplo sobre o conflito dentro da IPB por causa da predominância rural, foi a discussão sobre a ordenação de diaconisas, que quase dividiu a Igreja. O Supremo Concílio, reunido em Constituinte em dezembro de 1937, no Rio de Janeiro, aprovou a nova Constituição que continha o Artigo 59: “Para o ofício de diaconato não há distinção de sexo”. A aprovação desse artigo causou uma forte reação nas regiões do Norte e Nordeste, liderada especialmente pelos pastores da família Gueiros que disseram que a ordenação de diaconisas era um “modernismo feminista”. O Sínodo Setentrional, em 1943, ameaçou a IPB que, se no próximo Supremo Concílio de 1946 o assunto das diaconisas não fosse resolvido, o sínodo se retiraria da Igreja. Finalmente, as igrejas presbiterianas do Centro-Sul, para evitar divisão, aceitaram a opinião do Sínodo Setentrional e revogaram o artigo 59 da Constituição. “Isso também mostrou a confusão da ortodoxia teológica com certos aspectos da cultura patriarcal tradicional daquela área.”21 O assunto da missão da mulher na Igreja apareceu várias vezes. Num artigo do jornal Mocidade, o Rev. Benjamim César declarou o seguinte: “É uma questão de lógica. Ao meu ver está havendo um pecado em sacramentar o púlpito. O púlpito não é privilégio de um ministro ordenado. Se a mulher pode pregar, porque então não pode assumir o púlpito?”22 Essa declaração causou um ano de discussão dentro da Igreja, não só nas áreas do Norte, mas também nas do Sul. Em 1974 o Supremo Concílio reafirmou que a IPB não admite diaconisas, nem ordenação de mulheres para o pastorado.23 O que podemos ver, com os exemplos citados, é que a ética rural-patriarcal ainda tem muito poder dentro da IPB, por isso não comporta meias tintas, exige servilismo 20

Leonard, Revista de História, Nº 11, pg. 162. Pierson, op.cit., pg. 195. 22 Mocidade, abril de 1950, pg. 8. 23 BP, setembro de 1947. pg. 2; e outubro de 1974, pg. 7. 21

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS completo, adesão irrestrita, nada de diálogo, de acordo ou da conciliação. É o terreno propício para medrar o espírito inquisitorial. O presidente da Igreja age como um senhor de engenho, um “coronel”, um fazendeiro. O seu discurso de posse na reunião do Supremo Concílio de Garanhuns, em 1970, no interior de Pernambuco, é a fala dos velhos “coronéis” que não admite invasão de estranhos nos limites de sua fazenda. A cultura Católica Romana - Como os sociólogos já têm declarado muitas vezes, é impossível entender a sociedade brasileira sem o elemento religioso católico. Gilberto Freyre escreveu: “Daí ser tão difícil, na verdade, separar o brasileiro do católico: o catolicismo foi realmente o cimento de nossa unidade”.24 Nesse catolicismo vemos hoje três grupos: 1. O catolicismo tradicional, geralmente vivido pelas classes médias e altas, tendente que sempre foi ao “romanismo” ou ao “ultraromanismo”, nas linhas do Concílio Vaticano I; 2. O catolicismo revolucionário e progressista, emanado do Concílio Vaticano II; e 3. O catolicismo popular, vivido pela maioria da população mais pobre. O catolicismo brasileiro, apesar da sua diversificação e da sua frouxidão, conservou certos redutos de medievalismo. Os protestantes convertidos nesses redutos conservaram o espírito inquisitorial. Como observa Leonard, “os ideais, o modo de pensar, as instituições políticas e domésticas, os costumes, os hábitos sociais do povo, o coletivismo social são influenciados e formados pela religião católica e naturalmente resistem até entre os próprios evangélicos aos princípios da democracia e do individualismo”.25 Pierson faz observações pertinentes nesse aspecto. “É claro que a ortodoxia protestante que chegou ao Brasil com os missionários e o conceito brasileiro de religião, formado grandemente pela Igreja Católica, se interagiram e reforçaram a tendência conservadora.”26 A forte reação dos protestantes contra os católicos “não impediu uma forte interação entre o protestantismo e a mentalidade formada pelo ‘background’ católico dos convertidos. Em algumas ocasiões isto levaria ao autoritarismo, ao clericalismo, ao conservantismo teológico, ao legalismo, e a uma forte suspeita diante de qualquer inovação nas novas congregações que surgiam.”27 Os elementos medievais do catolicismo que ainda predominaram em certos grupos e em certas "ordens" católicas no Brasil encontraram guarida em certos grupos presbiterianos. Já citamos a reação de Thomas Porter. No jornal Mocidade um jovem reclamava que certos líderes da IPB eram mais “papistas” do que o papa. 24

Freyre, Gilberto, Casa Grande e Senzala, pg. 133. Leonard, Revista de História, Nº 8, pg. 417. 26 Pierson, op. cit.. pg. 98. 27 Ibidem. pg. 18. 25

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS “Que deplorável que as tentações do ‘papismo’ estejam invadindo nossos homens, digo ‘papismo’ porque no seio até do clero há muitos grupos na França e na Alemanha que investigam, examinam as coisas e procuram renovações teológicas”.28 Ele mostra que isso não era possível na IPB. Um sociólogo presbiteriano dá sua opinião sobre a presente crise: “A ortodoxia protestante, já distanciada dos tempos da Reforma, mergulha em novas formas de dogmatismo, e para mantê-las utiliza-se de métodos repressivos semelhantes àqueles que condenou em seu período de contestação do universo religioso do catolicismo... É o Escolasticismo protestante já ligado a estratos mais poderosos; e firmemente disposto a guardar, custe o que custar, a ‘sã’ doutrina e a situação mais propícia que isto se dê.”29 “Em tudo o que se pode observar, a crise se manifesta. Por exemplo, os expurgos tão condenados pelos protestantes como sendo uma inferioridade católica, são comuns hoje na Igreja Presbiteriana do Brasil, e representam, em certo sentido, uma excomunhão daqueles que não se enquadram em seus postulados éticos ou teológicos.”30 Esse fato já tinha sido lamentado por uma das mentalidades mais brilhantes do presbiterianismo brasileiro, Paulo Lício Rizzo, em 1952. Dizia ele. “A atitude reacionária de embaralhamento das liberdades afasta das igrejas cristãs a oportunidade de se elevarem um pouco aos olhos de um mundo que não pode ver em nós os defensores nem da tradição libertária dos judeus, nem do ‘examinai tudo’ de Paulo, e muito menos do livre exame proclamado pela Reforma. Em muitos aspectos o nosso comodismo intelectual e a nossa preguiça tradicionalista estão nos colocando em plano bem inferior ao dos fariseus.”31 Podemos dizer que o “Santo Ofício” presbiteriano está funcionando plenamente neste período histórico que estamos estudando pois, além das comissões especiais, que são verdadeiros tribunais de inquisição, os sínodos, os presbitérios e as comissões executivas estão se transformando em tribunais e deixando de ser concílios. Por isso, para um pastor estar mais seguro nessa Igreja precisa ser bacharel em Direito. Ética de minoria - Outro aspecto a ser considerado é o comportamento de um grupo de minoria, como é o caso do protestantismo brasileiro e, particularmente, da IPB. Historiadores, teólogos e sociólogos têm feito observações pertinentes quanto a esse aspecto. Uma das características sociológicas dos grupos de minoria é a sua atitude defensiva. Como observa Pierson: “A atitude defensiva do Presbiterianismo Brasileiro para com a cultura deve ser explicada, não primeiramente pela sua relação com Igreja da fronteira norte-americana, mas pelo seu ‘status’ de seita de minoria, tentando se estabelecer num ‘ethos’ predominantemente católico.”32

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Mocidade, dezembro de 1952. pg. 7. Maciel, op. cit., pg. 50. 30 Ibidem, pg. 163. 31 Mocidade, agosto de 1952, pg. 7. 32 Pierson, op. cit., pg. 28. 29

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS Essa atitude defensiva pode se manifestar de maneira paradoxal, com observou com muita argúcia o grande Erasmo Braga em 1929: “As Igrejas evangélicas da América Latina estão crescendo com um complexo de inferioridade. Pequenas comunidades combativas, atacadas por todos os lados, elas são consideradas como minoria sem importância. Paradoxalmente, como poderiam perecer, elas estão desenvolvendo, contudo, um complexo de superioridade, como guardiãs da fé e como o grupo santo no meio da grande massa de pecadores. Elas têm-se tornado provincianas. A controvérsia tem sido, ordinariamente, o método de propaganda. Como a maioria de seus membros são convertidos do catolicismo romano, elas têm tido a mais radical atitude de rejeição com respeito à sua antiga igreja.”33 [grifos nossos] Um grupo de minoria estabelece regras muito rígidas para os seus membros. E para garantir a rigidez dessas regras há uma vigilância ininterrupta e uma fiscalização rigorosa. Essa característica explica a constatação feita por Lalive D'Epinay de que os pentecostais, no Chile, são escolhidos para postos de vigilância de operários, nas fábricas e indústrias.34 Duas atitudes antagônicas têm surgido em relação a essa rigidez de grupo de minoria: a) Em 1897 a IPB tomou a seguinte resolução: “O Supremo Concílio julga que um membro da Igreja em plena comunhão não pode renunciar sua jurisdição”. Houve protesto de alguns e a resposta foi esta: “Negando a permissão a qualquer membro de romper as suas relações com a Igreja visível de Nosso Senhor Jesus Cristo, não querendo desconhecer que só Deus é o Senhor da consciência, mas sim afirmar que os votos de profissão de fé são sagrados, e ninguém tem o direito de violar esses votos.”35 Nessa posição radical, quem entrasse na IPB não podia sair, como uma espécie de Inferno de Dante. b) Por outro lado, nos Supremos Concílios depois de 1966 até 1974 a posição foi contrária: “Quem não gostar do feijão presbiteriano, que saia da IPB.” Eram defendidas ardorosamente as ações de expurgo. Parodiando uma frase muito usada na época, alguns fanáticos diziam: “IPB – AME-A! OU DEIXE-A!” Um jornalista presbiteriano, em entrevista com o presidente do SC, Boanerges Ribeiro, perguntoulhe: “E as cassações, Reverendo? Os despojamentos?” A resposta do presidente foi: “Mais uma prova de que é uma igreja boa, irmão! Uma igreja firme, responsável...”36 Por isso, na campanha para reeleição desse mesmo presidente, a propaganda eleitoral que saiu no Brasil Presbiteriano foi esta: “A Igreja Presbiteriana do Brasil continua necessitando, cada vez mais, de um Presidente ‘linha dura’.”37

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Braga. Erasmo, “Union on the Foreign Field, from the Viewpoint of the Nature of the Indigenous Church” (Conferência apresentada na Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, Boston, 1929), pg.10. 34 Maciel, op. cit., pg. 141. 35 Digesto Presbiteriano, pgs. 189-190. 36 BP, novembro de 1969, pg. 2. 37 BP, junho de 1974, pg. 7.

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CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS O clima de grupo de minoria produz a tendência inquisitorial que se manifestou tremendamente contra pastores, presbíteros, membros de igreja, seminaristas, professores de seminários, igrejas inteiras, presbitérios e sínodos. Outros aspectos sociológicos podem ser considerados, tais como a relação entre a IPB e a classe média brasileira. Na fase eufórica da Campanha do Centenário (1949-1959) a referência insistentemente citada era: “A IPB é a igreja da elite”. Havia uma convicção de que os presbiterianos faziam parte da elite dominante no Brasil. Não era mais a Igreja do povo, mas a Igreja dos que mandavam no povo, por isso devia ser a Igreja do “status quo” que reagia contra qualquer inovação. Nesse sentido já foi constatado que o presbiterianismo no Brasil não deixou de revelar a sua tendência para fortalecer o “espírito do capitalismo”, pois, entre grupos presbiterianos conservadores, há quem defenda a tese de que Jesus ensinou o capitalismo na Parábola dos Talentos (Mateus, cap. 25). Enfim, não podemos negar que os fatores sociológicos explicam muitos aspectos da crise da IPB.

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CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS “Vivemos num verdadeiro deserto teológico. (...) O lastro que nossos estudantes de teologia recebem é, em geral, demasiado elementar, sem grande alcance nem muita profundidade... o panorama teológico brasileiro se me afigura longe de animador. É o próprio ministério que padece dessa tremenda insuficiência teológica, desse subdesenvolvimento da cultura bíblica. (...) Pode-se dizer que [os ministros] possuem uma teologia, mas evidentemente uma teologia estagnada, distanciada da atualidade, 1 estática no tempo.” [grifo nosso]

Essas palavras, escritas em 1964 por um professor que, por mais de vinte anos, ensinou no Seminário Presbiteriano de Campinas, merecem uma reflexão. Qual é a origem desse tipo de teologia? Quais são as características dessa teologia? A teologia Presbiteriana brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos Estados Unidos. A teologia do presbiterianismo norte-americano provinha não só do puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês que adotavam igualmente o calvinismo de Genebra e o do Sínodo de Dort. No século XIX a teologia presbiteriana tinha duas alas: a conservadora e a progressista. Infelizmente os teólogos que formaram os nossos missionários estavam mais preocupados com a polêmica anti-liberal, do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foi marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norte-americano Jonathan Dickinson que, na primeira metade do século XVIII, escreveu um livro para defender o calvinismo radical. Em 1812 foi fundado o “Princeton Seminary” que se tornou o baluarte do conservantismo presbiteriano. A teologia de Princeton, segundo a opinião de Philip Schaff, não passava de “uma reprodução do calvinismo do século XVII, como foi estabelecido pelos padrões de Westminster em 1647 e revistos na América em 1788”.2 1 2

Waldyr Carvalho Luz, no Brasil Presbiteriano, novembro e dezembro de 1964, pg. 17. Schaff, Philip, Theological Propedeutic, 2ª edição, pg. 390.

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O mais famoso teólogo de Princeton foi Charles Hodge (1797-1878) que recebeu grande influência do professor pietista, biblicista e anti-liberalista Augustt Tholuck com quem estudou em Halie, no começo do século XIX. Também foi influenciado pelo teólogo do século XVII, François Turrentin, de Genebra e da Confissão Helvética de 1675, na sua doutrina da imputação do pecado e da inspiração verbal da Bíblia. Charles Hodge pertencia à chamada “Old School Theology” (Teologia da Velha Escola), mas não concordava com todos os seus pontos, inclusive, sobre o batismo católico que, como vimos, para ele, era válido. Surgiu no cenário da teologia presbiteriana a “New School Theology” (Teologia da Nova Escola) que era o meio termo entre os conservadores de Princeton e os liberais da Nova Inglaterra (nordeste dos EE.UU.). O eminente Philip Schaff era grandemente aceito pela “New School”, embora pertencesse ao grupo de teólogos do Sínodo Reformado Alemão. Foi nesse ambiente de polêmica entre teologias protestantes que os nossos primeiros missionários foram formados.3 Sobre esse fato Paul Pierson escreve: “A despeito das circunstâncias de sua conversão, Simonton foi ordenado numa igreja da Velha Escola e ouviu a chamada para o trabalho missionário através de um sermão de Charles Hodge”.4 O mesmo autor enumera três características da teologia das igrejas que enviaram missionários para o Brasil: 1ª) Denominacionalismo. 2ª) Falta de interesse por uma teologia científica. 3ª) Preocupação pela disciplina e pela retidão de caráter.5 Leonard mostra que “o que era importante para esses missionários era a adesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Westminster.”6 Um dos primeiros livros de teologia que foram traduzidos e publicados em português foi o Comentário à Confissão de Fé, de A. A. Hodge, enquanto os teólogos mais citados pelos missionários eram Charles Hodge, J. H. Thornwell e R. L. Dabney, todos campeões da velha ortodoxia.7 O que é espantoso é que depois de mais de cem anos de teologia presbiteriana no Brasil, um professor do Seminário Presbiteriano de Campinas dá a seguinte informação a respeito da teologia desse seminário: ‘Nenhuma alteração se tem processado na orientação teológica da insigne instituição. Não regrediu de posições mais avançadas para perspectivas mais estreitas ou fechadas, como parecem deixar entrever os campeões das diatribes anti-fundamentalistas. Mantém o Seminário a mesma teologia dos ilustres luminares de dias idos. Se isso é fundamentalismo,

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New History of Christian Thought, pg. 290-295. Pierson, op. cit., pg. 19. 5 Ibidem, pg. 28. 6 Leonard, op. cit., nº 7, pg. 180. 7 Pierson, op. cit., pg. 95. 4

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CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS não há tergiversar, o Seminário foi fundamentalista e terá de ser fundamentalista enquanto for honesta e escrupulosamente fiel à teologia da IPB.”8 Essa estagnação teológica nos seminários, nos púlpitos, e nas escolas dominicais era fortalecida pela polêmica contra o catolicismo e produziu dentro da IPB um espírito inquisitorial. Dois presbiterianos viram esses problemas. O brasileiro Salomão Ferraz e o missionário Thomas Porter. Em 1915 Salomão Ferraz advertiu a IPB contra a “caça de heresia” porque a oposição à heresia quase nunca era a verdade, mas geralmente outra heresia. Então, continua ele: “Aqueles que mais apaixonadamente gritam contra os tiranos, se eles já não estão praticamente procedendo de acordo com as mesmas normas, estão usualmente preparados para assim fazê-lo na primeira oportunidade... A heresia máxima é aquela do coração e do caráter, a falta desse amor magnânimo.”9 No mesmo ano o missionário Thomas Porter, do Seminário de Campinas, escreveu um artigo em O Puritano, pleiteando mais tolerância da parte dos presbiterianos para com os pentecostais que tinham se estabelecida recentemente no Brasil. A reação dos presbiterianos contra os pentecostais foi forte. Então Porter denunciou o preconceito comum contra as inovações, dizendo que o conceito romanista de uma igreja estática estava penetrando no presbiterianismo. Pior ainda. Porter afirma, era a convicção de que os presbiterianos eram tão sábios que Deus os chamou para anatematizar irmãos, e concluiu: “Parece que no peito de cada crente... reina um Papa senhorial.”10 Esse espírito inquisitorial apareceu nas décadas de 60 e 70 com o movimento da “Renovação Espiritual” estudado por Áureo Bispo dos Santos, do SPN. Diz ele: “As denominações históricas expulsam os grupos carismáticos, resultando daí uma ruptura ou cisma, e essas denominações se tornam mais institucionalizadas, conservadoras, formalizadas e rígidas.”11 Elter Maciel, em sua tese Pietismo no Brasil, mostra claramente que a teologia foi grandemente prejudicada e tornou-se superficial por causa da ênfase demasiada aos aspectos morais e, ainda mais, “o isolamento em que viveu o protestantismo da vida brasileira tolheu o aparecimento de teólogos que interpretassem a vida pelo prisma do Cristianismo Evangélico”.12 Assim como aconteceu no século passado na Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, um fato auspicioso também aconteceu no Brasil: ao lado do grupo ultraconservador havia um pequeno grupo mais aberto. Nem todos suportaram o ambiente fechado das igrejas. Inteligências raras e culturas vastas não se sentiam à vontade dentro das bitolas estreitas do conservantismo. Foi a que aconteceu com Júlio Ribeiro, Vital Brasil, Ariano Suassuna; Gilberto Freyre e vários outros. Foi atribuída a Júlio Ribeiro, a seguinte frase: nos momentos finais de sua vida: “A tradição me fez católico; a Bíblia me fez protestante; e a razão me fez ateu.”

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BP, 15 de outubro de 1967, pg. 2. Revista das Missões Nacionais, março de 1915. 10 O Puritano, março de 1915. 11 Santos, Áureo Bispo dos, Protestantismo e Mudança Social, pg. 5. 12 Maciel, Elter, Pietismo no Brasil, pg. 73. 9

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CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS Com o grande cientista Vital Brasil aconteceu que, exortado por um presbítero em nome do Conselho da igreja que reclamava seu afastamento já um tanto demorado, responde, em carta registrada em ata, que: “Felizmente já tenho a razão livre da Bíblia e do fanatismo.”13 Gilberto Freyre dá várias razões pelas quais abandonou a igreja evangélica: “O que eu queria? Contacto com gente do povo para lhe falar de um Jesus ou de um Cristo que devia ser dela e não dos burgueses. As igrejas de qualquer espécie me pareciam redutos desse burguesismo para mim sem sentido e sem atração.”14 Ariano Suassuna informou ao autor desta pesquisa que a maior falta que ele sentiu na Igreja Presbiteriana foi a pequena atenção às artes e aos valores estéticos. O “biblicismo” e o conservantismo levaram esses irmãos a se rebelarem contra esse novo tipo de coação medieval existente no protestantismo. Outros que não saíram da Igreja tentaram fazer alguma coisa para abrir mais as mentalidades. Erasmo Braga publicou um artigo em O Puritano, no ano de 1929, sobre o pensamento do grande teólogo Karl Barth. Foi a primeira menção ao nome do influente teólogo na imprensa evangélica no Brasil. O Rev. Lysâneas C. Leite, engenheiro graduado e professor do Seminário Unido, contradisse o espírito da ortodoxia presbiteriana quando escreveu que “a religião É imutável, mas a teologia deve modernizar-se com a evolução da humanidade”.15 A partir do início da década de 50 houve abertura para com a teologia em três aspectos: a) A influência da teologia “neo-ortodoxa” nos seminários e nos movimentos da mocidade. Entre os vários intérpretes e divulgadores desse pensamento teológico, além de Richard Shaull, podemos citar os nomes de Jorge César Mota e Francisco Penha Alves. O primeiro fez muitas Palestras e escreveu artigos analisando a contribuição da neo-ortodoxia. O segundo deu uma excelente contribuição no campo da ética cristã, destacando a importância dos escritos do teólogo Emil Brunner na reformulação do estudo da Ética. b) Jovens estudantes de teologia e pastores mais novos começaram a refletir sobre a possibilidade de formular uma “teologia brasileira”, emanada do nosso contexto cultural, em vez de continuar a refletir sobre outros contextos norte-americanos e europeus. c) A Teologia da Libertação, iniciada por teólogos latino-americanos frente aos problemas sócio-econômicos do continente, começa a interessar um pequem grupo que está procurando o sentido libertador do Evangelho. Reconhecem o fato de que Deus fala através dos eventos políticos e sociais. A reação contra os pastores e leigos interessados em qualquer esforço de abertura teológica é grande. Como observa Pierson: “Uma das características do 13

Ibidem, pg. 80. (?) Martins, Mário R., Gilberto Freyre, o Ex-Protestante. ABU, Recife. 15 Pierson, op. cit., pg. 171. 14

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CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS presbiterianismo brasileiro foi a sua enérgica, absoluta e quase violenta atitude de intransigência contra as novidades doutrinárias, racionalistas e modernas.”16 Elter Maciel acrescenta: “Parece pouco provável. que esta geração, que se levantou contra o conservantismo, consiga permanecer no seio da igreja, a menos que a própria sociedade brasileira estivesse em vias de mudança. Não é preciso acentuar o fato de que a reação às influências teológicas ‘modernistas’ acirrou-se de 1964 para cá... Vários pastores jovens foram expulsos da comunidade protestante presbiteriana e comunidades inteiras se encontram sob intervenção da organização maior da Igreja. De qualquer maneira o movimento foi contra as formulações fundamentais do pietismo. Isto indica o que não é novo na história das religiões: ao formular uma tentativa de renovação, a ‘ala jovem’ do movimento religioso força o lado conservador a acirrar seus ‘mecanismos de defesa'’ tornando-se mais exigentes em termos doutrinários e ortodoxos.”17 No jornal Brasil Presbiteriano aparecem declarações com estas: “A Igreja Presbiteriana já está sofrendo a influência deletéria do modernismo. Nos seus Seminários há professores e, portanto, alunos modernistas. Pregam abertamente suas doutrinas heterodoxas, trazendo uma imensa confusão para os crentes. A tolerância em casos dessa natureza é crime contra a igreja... O modernismo é câncer impiedoso... precisa ser extirpado logo. A cirurgia é dolorosa, mas necessária.”18 “Necessário se faz outra medida, portanto, ainda que drástica e sempre lamentável: a extirpação desse carcinoma.”19 Por outro lado, alguns pastores se decepcionaram com a própria teologia, como ciência, e dedicaram um verdadeiro desprezo à reflexão teológica. Foi o que aconteceu com o eminente pastor Miguel Rizzo Jr. que, na década de 50, escreveu vários artigos na revista Unitas criticando especialmente os grandes sistemas teológicos na linha de A. Strong cujo compêndio foi usado no Seminário Presbiteriano de Campinas por vários decênios. O que Rizzo combatia era a esterilidade dos sistemas fechados da ortodoxia, mas não deixou transparecer seu repúdio pela própria teologia, preferindo os dados empíricos da vida religiosa aos debates sobre o “supralapsorianismo” e o "infralapsorianismo” do calvinismo. Apesar de toda essa situação adversa, elementos de grande valor têm surgido no panorama teológico brasileiro. Entre eles já foi citado o nome de Rubem Alves que é reconhecido internacionalmente com um dos maiores teólogos da América Latina. Não podemos, todavia, esconder o fato de que uma teologia ultra-conservadora e fechada sempre gera o espírito inquisitorial que se manifesta em ações, às vezes violentas, de excomunhões, expurgos, perseguições e toda espécie de desumanidades. Portanto, a explicação teológica para a crise da IPB, nestes últimos vinte anos, está no fato de haver uma aliança das posições conservadoras com os métodos medievais do protestantismo “fundamentalista” do século XX.

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Ibidem, pg. 195. Maciel, op. cit., pg. 29. 18 BP, março de 1963, pg. 2. 19 Ibidem, pg. 10. 17

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PERSPECTIVAS PARA O FUTURO Quanto ao futuro, mencionaremos sete tópicos. I. MISSÃO DA IGREJA Muitos problemas surgidos nestas duas últimas décadas do presbiterianismo brasileiro estão relacionados com esse tema central – a Missão da Igreja no Brasil. A motivação básica que deu impulso ao desenvolvimento da Igreja Presbiteriana do Brasil foi a “desromanização” do povo brasileiro. Essa motivação foi posta em dúvida após o advento do movimento ecumênico. Já saímos da era da “Contra Reforma”, portanto não é mais possível manter o “Escolasticismo Protestante” na segunda metade do século XX. É preciso reconhecer que a “Reforma” dentro do catolicismo é uma realidade e não uma escamoteação. O Supremo Concílio da IPB tem agido muitas vezes como um “Supremo Concílio de Trento” e instaurado a “Contra Reforma” protestante para combater os novos “Luteros” e “Calvinos” do catolicismo atual. O pensamento oficial da Igreja Católica, não só no Brasil, mas também em toda a América Latina, reconhece hoje a necessidade de evangelização, a urgência de uma pastoral que leve as populações a uma “adesão pessoal” ao Cristo com todas as suas implicações individuais e sociais. A motivação do protestantismo não deve ser mais a de “desromanizar”, mas a de cooperar com o autêntico cristianismo católico reformado no esforço de apresentar Cristo ao homem brasileiro. II. FIDELIDADE A CRISTO Outro ponto que é digno de nota nesta última década foi a ênfase que as autoridades presbiterianas deram à fidelidade aos homens que dirigiam os concílios e às propriedades imóveis da Igreja. Criou-se um mito de que os homens eleitos para os altos postos da administração eram intocáveis e de que as propriedades materiais faziam parte da essência da Igreja, num verdadeiro retorno ao espírito medieval. Assim, para ser considerado “bom cristão” era preciso ser “bom presbiteriano”, fiel aos dirigentes da Igreja e sempre pronto a reconhecer que os bens imóveis das comunidades locais não pertenciam, por direito, aos membros dessas comunidades, mas aos concílios superiores. Deu-se claramente a entender que a fidelidade a Cristo não era tão importante como a subserviência aos presidentes dos concílios e aos guardiões dos bens imóveis. III. A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA Quando a IPB entrou em crise a sua Constituição Jurídica deixou de funcionar de modo positivo. Os concílios transformaram-se em tribunais e o Código de Disciplina foi considerado como um Código Penal. Para o futuro seria necessário reformar a CI ou aboli-la para dar lugar a uma expressão mais espontânea de vida eclesiástica. Creio que a CI se transformou num estímulo enrijecedor e radicalizador de posições - 134 -

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO que impediram a assimilação de novas expressões de vida espiritual dentro da Igreja. Os grupos da “renovação espiritual”, da “responsabilidade social” e do “ecumenismo” foram marginalizados ou extirpados porque se constituíram em ameaça à estrutura rígida arquitetada pelo “cimento armado” da constituição. A Igreja tem que estar aberta aos movimentos do Espírito Santo, para não se tornar um empecilho às manifestações genuínas da vida cristã. IV. ESPIRITUALIDADE BRASILEIRA O Pentecostalismo e o Umbandismo funcionam no Brasil como grandes forças religiosas que ameaçam as estruturas das igrejas históricas católicas e protestantes. Como encarar esses movimentos novos? Como canalizar esses caudais estrepitosos da espiritualidade brasileira? Até onde as Igrejas históricas devem dar guarida às religiões de “massa”, aos movimentos carismáticos? São perguntas que têm que ser respondidas neste final de século. V. NOVA EXPERIÊNCIA Na IPB há hoje um dilema: permanecer na Igreja ou sair dela para uma nova experiência? Muitos já optaram por um das alternativas. Os que permaneceram acham que essa é a melhor posição porque, embora com dificuldades, devem dar testemunho dentro da estrutura. Outros que saíram entendem que o sulco entre as posições teológicas é tão grande que não é mais possível continuar a “coexistência pacífica” dentro de uma “guerra fria” religiosa. Por outro lado, a vinculação da IPB com a ideologia da classe média é um obstáculo intransponível para que a Igreja fique livre das flutuações do regime político. Há, pois, necessidade de um rompimento. Com o advento da “teologia da libertação” abriram-se as perspectivas para a experiência do “deserto”, como no Êxodo, ou para a experiência do “exílio” em que a verdadeira expressão da Igreja estaria na “diáspora” e não na instituição. VI. PARÁGRAFO TRISTE É lamentável e chocante constatar que por trás de toda esta história triste da inquisição que relatamos nesta pesquisa estão os interesses de poder econômico e de mando representados na luta por cargos altamente remunerados de Presidente do Instituto Mackenzie, Presidente do Conselho Deliberativo, Vice-presidente Educacional, Vice-presidente Financeiro, Chanceler da Universidade e outros postos do grande patrimônio que é o Mackenzie. Onde está a luta pela ortodoxia? Onde está o empenho pela paz e pela pureza da Igreja? Onde está o zelo pela Bíblia, pela Igreja e pela doutrina? Tudo isso está na Rua Itambé, 135, Higienópolis, 01239 São Paulo, SP, telefone 256-6611. Omitimos, de propósito, nesta pesquisa, o “problema Mackenzie”, porque ele merece um tratamento mais acurado e mais extenso. Seria outra pesquisa. Nestas duas décadas que estudamos, a Universidade Mackenzie e o Instituto Mackenzie tiveram papel relevante dentro da crise presbiteriana. Tanto a Universidade com o Instituto - 135 -

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO cresceram bastante e se tomaram complexos. Desde que Peter Baker e sua esposa Irene deixaram o Colégio 2 de Julho, em Salvador, no ano de 1953, e foram dirigir o Mackenzie até as lutas políticas de Boanerges Ribeiro para ocupar a presidência do Mackenzie, após 1966, tivemos uma época cheia de contratempos. Depois de 1966, a posse da direção do Mackenzie tornou-se alvo de cobiça dentro da IPB e fora dela. Quem tivesse poder no Mackenzie teria poder dentro da IPB. Em 1970, em Garanhuns, o Supremo Concílio deu um voto de confiança às diretrizes de Boanerges Ribeiro na presidência do Mackenzie. Daí por diante, o alvo foi atingido, o alvo tão perseguido e buscado com tanta ansiedade pelos dirigentes da IPB. Cada um recebeu um cargo importante e bem remunerado, e todos ficaram satisfeitos. É uma história que eu não gostaria de contar com poucas palavras, por isso quase não me referi a ela. Talvez, um dia, alguém fará um estudo histórico sobre as relações do Mackenzie com as crises e os cismas do Presbiterianismo brasileiro. VII. REFLEXÃO FINAL O que nos preocupa em relação ao futuro é que a IPB está se transformando em seita intransigente e fanática, atravessando uma síndrome inquisitorial, de efeitos imprevisíveis. O fechamento, o isolamento e a intolerância destes últimos anos destruíram as futuras lideranças mais promissoras e autênticas. No futuro a IPB poderá ser vítima de lideranças medíocres e interesseiras. Uma Igreja sem expressão no panorama nacional. A criatividade dos jovens foi cerceada, os teólogos foram banidos e os verdadeiros pastores foram marginalizados. É o caminho da seita e não da Igreja Reformada. Aqueles que desejam ser fiéis ao pensamento da Reforma do século XVI terão que deixar a IPB, ou viver dentro dela, como exilados. Jacques Maritain, em seu livro, A Igreja de Cristo, escrevendo sobre a Inquisição Medieval, assim se expressou: “A Inquisição Medieval durou quatro séculos (do século XII ao século XV), o que não é grande coisa se pensarmos que a Igreja vai durar até o fim do mundo, mas que se constituiu, apesar de tudo, num período bastante longo. E, apesar da distância que nos separa, ela pesa ainda fortemente sobre nós, por sermos criaturas dotadas de memória. Ela foi seguida de outros períodos inquisitoriais. (...) A verdade, porém, é que cada um de nós, por menos que alguém veja o mal desta terrível aventura medieval, sente-se obscuramente atormentado e perturbado pela idéia de que, apesar de tudo, Deus permitiu tudo isso. Por que Deus o permitiu? A essa pergunta não podemos responder senão com humildes balbucios.” 1 Quais seriam meus “humildes balbucios” ao encerrar este documentário? Não teria Deus permitido essa “Inquisição Sem Fogueiras” para dobrar o orgulho e humilhar a tão soberba “Igreja da Elite” durante as comemorações do seu Centenário? Não era ela que brilhantemente condenava, através de seus exímios polemistas do passado, os resquícios do espírito medieval da Igreja Católica? Não era ela que se considerava a mais aberta, a mais liberal de todas as igrejas evangélicas brasileiras? Não era ela que se considerava a detentora da mais refinada educação teológica na América Latina? 1

Maritain, Jacques, A Igreja de Cristo, Livraria Agir, Rio de Janeiro, 1972, pg. 238.

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E agora, o que é ela? A máscara caiu. Balbuciando humildemente, diria que parece que Deus permitiu tudo isso não só para deixar cair a mascara, mas também para que a memória dessa crise fosse sempre uma advertência para que os protestantes brasileiros e do mundo inteira aprendam a lição de que o caminho da Fé Reformada apareceu no século XVI para apontar a Igreja do século I e não a Igreja do século XIII. O que os Reformadores buscaram sincera e ardentemente foi a inspiração da Igreja dos tempos apostólicos, aquela que sempre serviu de estímulo para as aberturas do futuro. Mas o Protestantismo, em várias ocasiões, teve mais saudade do século XIII do que do século I. Esta crise que enfrentamos é um desafio para que os presbiterianos e todos os cristãos no Brasil busquem suas origens Reformadas e apostó1icas para que haja, na terra brasileira, expressões autênticas da comunidade do Cristo. [Terminei esta pesquisa numa sala desocupada da casa onde residiu o missionário banido, Paul Everett Pierson. Dezembro de 1975. Recife.]

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