Iniciação aos estudos históricos

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JEAN GLÉNISSON

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GL~NISSON

INICIAÇÃO AOS

ESTUDOS HISTÓRICOS com a colaboração

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Pedro Moacyr Campos e

Emília Viotti da Costa

6~ Edição

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Jean Glénisson e Pedro Moacyr Campos

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1991

Todos os direitos desta tradução reservados à ED110RA BERTRAND BRASIL S.A. Av. Rio Branco, 99 - 20~ andar - Centro 20040 - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (021) 263-2082 Telex: (21) 33798 Fax: (021) 263-6112 Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. Atendemos pelo Reembolso Postal.

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INTRODUÇÃO

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IZ-SEna introdução à História Geral das Civilizações, obra complementada na versão brasileira com o volume que ora sai a público: "Esta coleção evitará qualquer recurso a uma filosofia da história que só poderia ser subjetiva. aventurosa e. por conseguinte, discutível; trata-se. para nós. de descrever e explicar. e não de julgar em virtude da comparação com um tipo de civilização ideal".

Um princípio semelhante norteou-nos ao elaborarmos esta obra. O nosso propósito é. também. não o de especular a história como disciplina contaminada por aquilo que se denominou de "crise geral das ciências do homem". mçse-de-Inícícroeaíudícsnnc concepção contemporôneç º=e história,_g~__ encorajq-lº_q _prgticar aquilo que Marc Bloch chamava com tão belo nome: o -ofício;--o ofício historiador. sumariamente --- de-------- - -- I:O de mostrar - - --- -------os ccàninhos percorrídosTpelc história até atingir sua problemótíccTctucl. --O de assinalar. de passagem. as correntes inovadoras que permitem díscernir a provável evolução de nossa discipline:nos anos por vir. concedendo-se. evidentemente. grande lugar à história da história, pelo menos a partir dos anos 1850-1900.que presenciaram o triunfo do método crítico. O de. enfim. revelar o método e as técnicas. pôr ao alcance do amador de história o instrumento que poderá convertê-lo um historiador consciente. Ao longo dos dois anos que passamos em companhia dos estudantes brasileiros. alguns dentre eles - e os mais brilhantes - admiraram-se. por vezes. de não lhes ser ministrado um curso de filosofia da história: uma filosofia da história tomada no sentido hegeliano de especulação sobre o porvir da humcnídcde vista no seu conjunto. Tinham eles. então, tanta pressa em abandonar a feliz "ingenuidade" em que ainda se encontravam frente à história. em favor de algum sistema a priori, suscetível de lhes fornecer uma receita definitiva? Não sabiam ainda que. se a história pode legitimamente dar nascimento a uma filosofia do tipo hegeliano. se ela pode. igualmente. atroir a otençêo da filosofia das cíencícs, ela é. por outro lado. um ofício que todo historiador tem o dever estrito de conhecer. O século XX não é uma época em qUE'seja permitido mascarar. sob ger.eralissimas reflexões. um desconhecimento n.oíundo dos problemas recds, Quem pensaria em confiar a construção úe uma ponte. de uma usina. a engenheiros que se limitassem a especular acerca do sentido profundo da arquitetura e da legitimidade dos trabalhos públicos? Conheceram-se muitos músicos que se dessem ao luxo de ignorar o solfejo? Certamente.

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AOS

ESTUDOS

HISTóRICOS

a reflexão deve intervir em todas as etapas do trabalho histórico, mas trata-se. aí. de uma reflexão fundada no conhecimento e no trabalho. De fato. convém tomar-se cuidado em considerar - como ouvimos alguns jovens proclamar. sem qualquer pejo - a pesquisa histórica como reservada aos empreiteiros. ao passo que a síntese é o domínio eleito e imediato dos grandes espíritos. em condições de dispensar os afazeres subalternos. Lucien Febvre, sem dúvida não merecedor da acusação de ter pregado a erudição pela erudição. ou de ter seguido cegamente os caminhos batidos. soube dizer "que fazemos a história atirando-nos à água. bravamente. mas não passeando a pé seco. na praia". Fazer história. acrescenta ele. é. antes de tudo. freqüentar os arquivos. as bibliotecas. visitar os museus e os monumentos. passear "com a carta na mão. pelo campo. mas também pela cidade. com os olhos abertos ao espetáculo da rua. E não apenas como turista desinteressado: como cidadãos ativos. se for necessário".

Felizes estudantes brasileiros! Ao sair. dos arquivos e das bibliotecas. passeando pelos campos e pelas cidades de seu país. ei-los que podem viver em intimidade com a história, mergulhar realmente no curso do tempo. Tal é. ao menos, o sentimento experimentado pelo historíãdor vindo da Europa. ao entrar em contacto com esta imensidão brasileira. da qU€IIPedro Cclmon, numa frase feliz. disse ser uma justaposição de épocas históricas. Eis Salvador. cidade perfeitamente viva. mas na qual subsistem os traços de espantoso frescor do Brasil colonial dos séculos XVI e XVII. Eis. na antiga província das Minas Gerais. Ouro Preto. São João del-Heí, Sabará. revelando o aspecto do Brasil. tal como era no século XVIII. Nos confins dos Estados de São Paulo e de Minas Gerais vive um Brasil centenário. onde podemos ouvir dizer-se algo como o seguinte: "Foi meu trisavô que fundou esta cidade. Foi ele que escolheu seu nome". No Paraná. nas imediações de Cornélio Procópio, de Santa Mariana. de Londrina. implanta-se sob nossos olhos um Brasil pioneiro. destruidor das florestas. plantador de café. cujos arbustos cobrem já as colinas até o horizonte longínquo. As cidades. aí, não mais têm quatrocentos anos. nem mesmo um século. mas quarenta ou trinta anos. sendo perfeitamente possível ouvirem-se crianças declarando: "Foi meu pai que construiu a primeira casa desta cidade". Em São Paulo. em Brasília. cada um tem à sua frente o espetáculo do Brasil de amanhã. a prefiguração de uma grande potência. E a cada uma destas paisagens. já tão profundomente modificadas pelo homem. a cada uma destas "idades" que coexistem no interior das mesmas fronteiras. corresponde um tipo diíe-, rente de sociedade. uma economia diferente. Eis um espetáculo apaixonante para o historiador. Nossos velhos países da Europa não podem nos oferecer o mesmo. apesar de se encon-

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INTRODUÇAO

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trarem, neste momento, em vias de rejuvenescer com um vigor diante do qual somos os primeiros a nos espantar. Nossas barragens, nossas usinas, nossos arranha-céus vêm inserir-se em paisagens já há tanto tempo humanizadas, que parecem nelas encontrar naturalmente o seu lugar. Nossas sociedades, nossas economias, tendem à uniformidade. Em parte alguma, assim, poderíamos experimentar, tão profundamente quanto no Brasil. a sensação de uma história que se está fazendo, a intuição viva de um tempo de muitos ritmos, a evidência concreta do que é a própria essência da história: a transformação. Fala-se freqüentemente de "terras de história", para designar os domínios mortos de antiquíssimas civilizações desaparecidas. Mas. bem mais legitimamente. as terras de história são aquelas em que o mundo de amanhã toma forma sob nossas vistas. Habitantes de uma delas. os jovens estudantes de história do Brasil podem participar, à sua maneira, de sua construção. Podem colaborar na descoberta de soluções para os problemas contemporâneos. mediante o esclarecimento de sua gênese. Podem ser testemunhos para o futuro. Sem dúvida. tais necessidades exigem o levantamento de uma história original. cujo admirável exemplo foi dado por Gilberto Freyre. Exigem. também. o perfeito domínio das técnicas tão diversas. das quais a velha Clio está provida hoje em dia. pois é a partir destas técnicas experimentadas que pode ser elaborada a forma de história melhor adaptada às exigências do Brasil da atualidade.

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Europeu. francês, não nos competia ditar sua conduta aos nossos jovens estudantes do Novo Mundo. Cabe-lhes forjar com suas próprias, mãos os utensílios melhor ajustados a eles. Em compensação, estávamos em condições de proporcíoncr-lhes, o mais honestamente possível, o fruto da reflexão e do trabalho dos historiadores de além Atlântico. Se doutrinas e nomes franceses aparecem com freqüência talvez excessiva no decorrer deste pequeno livro. isto não se deve a qualquer vã preocupação nacionalista, nem ao intuito de falsear as perspectivas. mas sim porque é bem difícil escapar ao próprio meio e porque a lealdade ordena falarmos somente do que conhecemos. De resto. a despeito das inegáveis diferençcsinccioncis que distinguem as escolas históricas dos diversos países da ·Europa. estabeleceu-se hoje em dia uma certa concepção média da histórici:'encontrando-se por toda parte as tendências que podemos distinguir entre os historiadores franceses. Enfim, se insistimos tanto na necessidàde de conhecerem-se técnicas e ofício. isto se explica pelo cuidado de mostrar, ao mesmo tempo. a medida em que a história devia permanecer aberta a todas as iniciativas. a todas as influências, a todos os encontros. Como poderia ela. aliás, con-

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gelar-se numa doutrina rígida, numa época em que tudo parece constantemente submetido a novas discussões à sua volta? "Quando medimos, como escreve Scínt-Iohn Perse, o drama da ciência moderna, descobrindo, até no absoluto matemático seus limites racionais; quando vemos, na física, duas qrcndes doutrinas mestras determinarem, uma, um princípio geral da relatividade, outra, um princípio quântico de incerteza ou de índeterminismo que limitaria para sempre a exatidão das medidas físicas; quando ouvimos o maior inovador deste século, iniciador da cosmologia moderna e fiador da mais vasta síntese intelectual em termos de equação, invocar a intuição em socorro da razão e proclamar que "a imaginação é o verdadeiro terreno da germinação científica", chegando mesmo a reclamar para o cientista o benefício de uma verdadeira visão artística" como poderíamos prescrever regras estritamente definidas, contornos intransponíveis e uma forma definitiva a não importa qual das ciências do homem? Da mesma forma, a história continua a viver à nossa frente. Cada um de nós pode contribuir para sua evolução necessária, a fim de que jamais cesse a contínua tentativa do homem, buscando compreender, descrever e explicar as transformações de sua própria condição a se processarem no tempo e no espaço.

Não se trabalha durante dois anos em contaclo diário com colegas e estudantes pródigos de sua cordialidade sem que se contraiam várias dívidas de reconhecimento. Este livro muito deve ao Professor João Cruz Costa, ao Professor Eurípedes Simões de Paula, a Dona Emília Viotti da Costa. Supérflua é a lembrança do Professor Pedro Moacyr Campos, pois está presente na tradução e elaboração do próprio volume, especialmente no capítulo sobre a historiografia brasileira, de sua lavra.

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PRIMEIRA PARTE

NOÇÕES

GERAIS

CAPITULO

o

I

CONTEGDO DO TERMO «HISTÓRIA"

M FINS do século passado, publicava-se um livro destinado a marcar época, pois fixava - ao menos na França - para os contemporâneos e aos olhos dos futuros comentaristas, a concepção de história de toda uma geração. Esta não era, todavia, no seu ponto de partida, a intenção dos autores. Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, ambos professores de história na Sorbonne. Ao comporem sua lntrocluction aux études bistoriques, pretendiam eles, antes de tudo, entregar ao público um trabalho de ordem pedagógica. Escreviam com o pensamento posto nos estudantes ainda novos na carreira e declaravam, sem excessiva indulgência: "A maioria dos que abraçam a carreira da história ... assim agem sem saber por que, jamais havendo inquirido de si mesmos se estão em harmonia com os trabalhos históricos, dos quais, muitas vezes, ignoram até a própria natureza. Via de reqro, a carreira da história é escolhida através dos mais fúteis motivos: porque, quando no curso secundário, se obteve êxito na matéria; porque se experimenta, frente às coisas do passado, aquela espécie de atração romântica, responsável, segundo se diz, pela vocação de Augustin Thierry; por vezes, também, porque se tem a ilusão de ser a história uma disciplina relativamente fácil. Sem dúvida alguma, é preciso que tais vocações irrefletidas sejam esclarecidas e postas à prova, e isto o mais breve possível ... r t C I ). Passados sessenta anos, estas linhas, escritas por dois professores sem ilusões, provavelmente mantiveram toda a sua razão de ser. E não apenas para os estudantes da Sorbonne. Eis por que, segundo nos parece, a lei de 'reorganização dos estudos históricos nas Universidades brasileiras previu a instituição, no primeiro ano, de um curso de introdução aos estudos históricos - denominação idêntica, aliás, ao título da obra de Langlois e Seignobos. A bem dizer, seria lícito restringirmos nossas observações aos estudantes, por não terem, já no início da carreira universitária, uma noção . suficientemente clara de sua futura atividade como historiadores? Olhando-se para o lado do público cultivado, encontraríamos muitos amadores

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(1) Ch. V. LANGLOIS 1897, págs, XVII-XVIII.

e Ch.

SEIGNOBOS,

Introduction

aux

études

historiques.

Paris,

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de história dotcdos de idéias uma disciplina cuja extrema

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ESTUDOS

HISTóRICOS

nítidas acerca da evolução e do método complexidade bem pouco distinguem?

de

A concepção de história dominante ao se terminarem os estudos secundários e mantida durante a maior parte do tempo, quando não durante toda a vida é demasiado simplista. A história? :-Ora, trata-se de um conhecimento seguro, preciso, intangível. A histórió é uma questão de memória. É conhecida em todos os pormenores, distribuída por toda a eternidade em fatias cronológicas rigorosamente ajustáveis uma à outra e na qual se alinham, disciplinadamente, os acontecimentos chamados "históricos". O historiador nada mais pode ser, além de um colecionador de fatos e de datas. A história preexiste ao historiador (2)J E, no entanto, precisamos abandonar esta concepção de tal modo tranqüilizadora e confortável. Devemos resignar-nos às incertezas da hist& ria - ou seja, de uma disciplina em plena evolução sempre em busca de seu caminho, empenhada nesta busca, enquanto houver historiadores na terrc, Pouco a pouco devemos compreender a impossibilidade de pretensões ao título de historiador, sem o cuidado de se assimilarem previaO método histórico, mente umas tantas técnicas, um método específico: determinado no 'decorrer dos séculos, que chegou a algumas certezas, mas continuando a progredir, evoluindo sob nossos olhos. Será necessário, enfim, tornarmos consciência de nossas responsabilidades corno historiadores, ou então, mais simplesmente, como professores de história. Tais responsabilidades são reais, num século em que filosofias, concepções de vida muitas vezes radicalmente opostas, mas que comprometem o homem na sua totalidade, pretendem encontrar sua razão de ser e sua justificativa na certeza de se encontrarem "no sentido da história".

Que é a história, então? Seguindo-se a tradição, devemos principiar seu estudo com esta pergunta de difícil resposta. O bom senso exigiria, de preferência, que cada um respondesse por si mesmo, após seus estudos universitários e de maneira mais segura-o depois de atividades pessoais como historiador. Tanto mais quanto se trata de um problema excessivamente escorregadio, pois, mil vezes lançado, obteve mil respostas diferentes. Bastarão aqui alguns exemplos, tomados a historiadores ou a literatos que viveram no curso dos últimos cem anos, ou que são nossos contemporâneos. "Para Tolstoi, "o objeto da história é ti vida dos povos e da humanidade" (no epílogo de Guerra e Paz); para Henri Pirenne, "o historiador Literatos,

h~toriadores de história.

e a definição

(2) Cf. o trabalho extremamente sugestivo de Joseph HOURS, Valeur Paris, 1954 (coleção Initiation philosophique), que muito nos serviu para

de l'histoire. este capítulo.

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CONTEúDO

DO T~RMO "HISTóRIA"

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nada mais é além de um homem que se dá conta da mudança das coisas - a maioria das pessoas. não toma consciência disto - e' que procura a razão desta mudança"; para Collínqwood, "a história é uma pesquisa que nos ensina o que o homem fez e, portanto, o que é o homem"; para Toynbee, trata-se do "estudo das experiências e das ações de personalidades humanas". Segundo Píqcniol, "a história está para a humanidade assim como a memória está para o indivíduo; a história é a memória coletiva"; acha Gabriel Monod que devemos entender por história "o conjunto das manifestações da atividade e do pensamento humanos, considerados em sua sucessão, seu desenvolvimento e suas relações de conexão ou dependência". Se acreditarmos em Henri Morreu, "a história é o conhecimento do passado humano", E Marc Bloch proclamou: "o objeto da história é, por natureza, o homem~ (3). Conviria procurarmos junto aos filólogos as certezas recusadas pelos teóricos da história? Neste caso, é a própria palavra que nos foge, desde que procuramos enfocá-Ia. Os gregos foram os primeiros a utilizá-Ia: L'J1:(ÚP significa, originalmente, aquele que sabe, o testemunho. Daí vem [a1:(úpla, a busca. a pesquisa, seguida de seus resultados: o saber. seja ele referente à natureza. à filosofia ou ao passado humano. )'pepois. certamente por influência de Heródoto que intitula Histórias o resultado de suas pesquisas acerca das guerras entre gregos e perscs - o termo assume o sentido particular de busca do conhecimento das coisas humanas, de saber propriamente histórico, Esta evolução parece estar terminada já na época de Políbío, no século II "a. C, Com a reserva de que, como o saber histórico daqueles tempos não conhecia o rigor atualmente exigido, associando-se ainda as fábulas e as lendas aos fatos precisos, a pclcvrc empregada para designar o saber histórico significava: narrativa,

História e filo!ogia.

Roma toma da Grécia o termo história. Os romanos procuram distinguir a história da lenda. O sentido da palavra tende a restringir-se. Entretanto, nos primeiros séculos da era cristã, história assumiu o sentido de quadro histórico, de representação teatral. Após sua passagem para as diversas línguas herdeiras do latim, reveste ela diferentes formas e diversos significados. antes de ressurgir no século XVI, erudita palavra de humanista, designando, desde então, os fatos que realmente aconteceram (4),_ Conseguimos então fixar definitivamente, enquadrar numa significação clara e única esta palavra - Proteu? - De forma alguma. Hoje, ao '

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ESTUDOS

HISTóRICOS

Os historiadores, assim, movem-se no tempo. Um tempo por eles concebido como dotado de um "curso linear, contínuo, irreversível" - de um sentido único - afastando todas as concepções cíclicas e, mesmo, a repetição dos acontecimentos sob uma forma completamente idêntica. Movem-se eles num tempo que corresponde ao do passado: um passado concebido "como tal. como matéria e objeto" - objetivado, segundo a linguagem dos filósofos - passível de ser imaginado, 'de ser explorado, de certa forma. Bem antes de Wells, já o historiador é explorador do tempo, embora só se possa deslocar numa direção, a do passado, e num só tempo, o "tempo da história" (3) . . Para quem está familiarizado com nosso ramo de atividades, tais exercícios parecem tão normais, tão elementares, a ponto de o historiador, muitas vezes, ser levado a considerar "a possibilidade de conhecer o passado como um poder natural que, em si mesmo, não requer qualquer elucidação: protíccmdo a ciência histórica, encara ele. a função de historiador como uma função dada do psiquismo do homem, em geral e, daí. vê como sendo espontânea a noção do tempo por ela suposta" (4). Ora, se nos dermos a curiosidade de perscrutar um pouco mais de perto o problema do tempo da história, verificaremos, não sem surpresa, que a noção de tempo, a concepção de uma duração que comporta UDl ontem,-uni" hoje e um amanhã, nâo 'apieselitciin qualquer caráter de espontaneidade. "Nosso julgamento não avalia em sua ordem exata e congruente as Coisas passadas em épocas diferentes", dizia já Leonardo da Vinci. A simples experiência do ensino da história em classes elementares demonstra-nos a dificuldade da criança em adquirir a noção de duração. "Quando eu for grande e você pequeno ... '', dizia ao seu pai um menino, de maneira alguma convencido do irreversível curso do tempo (5). concepção de duração não é, portanto, inata ao indivíduo. Com maior razão não o é às sociedades. Os psicólogos modernos declaram como sendo aquisições a memória do passado e a noção de futuro; nascem elas num momento dado do desenvolvimento do homem; são novidades mentais._ Há um período, o Paleolítico superior, a partir do qual o homem, pela primeira vez, parece interessar-se pelo seu futuro. Durante quinhentos

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(3) A exposiçao seguinte baseia-se principalmente nos artigos publicados num número especial do Journa! de Psycho!ogie (LIII ano (1956), n,? 3), consagrado a La construction du temps humain e publicado sob a direção do Prof. Ignace Meyersono Utilizaram-se, particularmente: John COHEN, "Le temps psychologique" (págs. 285-306); Ignace MEYERSON, "Le temps, Ia mémoire, I'histoire" (págs, 333-3'54); Franço is CHÃTELET,"Le temps de l'histoire et J'évolution de Ia !onction historienne" (págs, 355-378). (4) F. CHÃTELET, "Le temps de l'histoire et I'évolution de Ia fonction histor ierme ", pág. 35'5. (5) M. RElNHARD,L'enseignement de !'histoire et ses problêmes. Paris, 1957, pág. 10.

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mil anos, apenas haviam sido utilizadas a lasca de pedra e o machado de mão. Mas ~hega o_!!!.~l!l~!ltº.em _CI!l~e_l>1!!:9~l!l. vó~i9~__utensílíos de sílex, de madeira, aeosso. Estes, por sua vez, E.erIll.itirão __ qígp_~icação dos Esta novi~_ade.:: exinsüuDieDtosnovos; -ci sereni:::-1!lt~JioJm.e.l!le_J~tilizados. pIícar-Se-la pel()-!nascimento da esperqnça, p~l~ ~~.p.