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Portuguese Pages 168 [86] Year 2011
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ROC;ER BA S'"fiD E
~:
IMPRESSÕES ·~
DO
BRASIL ~
IMPRESSÕES ~ DO BRASIL ~~
Roger Bastide organização e prefácio
Fraya Frehse · Samuel Titan ]r.
Iimprensao ficial
~~ Í N DI CE
. ; ;.: .--
7
~
Prefácio
17
..,
Pintura e míst ica · 19 ;X
35
..,
Presença da África· 1940
45
..,
Machado de Assis, paisagista · 1940
6j
~
Igrejas barrocas e cavalinhos de pau · 1944
73
~
O ova l e a linha reta · 1944
87
-E
A volta ao Barroco · 194 7
93 .~ Ensaio de u ma estética afro- brasileira · 1948/1949 123 ~ Estética de São Paulo · 19) 1 '33 ~ Variações sobre a porta barroca · 1951
' 4í ~ Arte e religião: o culto aos gêmeos· 1952 153 ~ Sociologia e literatura comparada · 19 i 4 163 ~ Fontes dos textos
~ ~ PREFÁC I O ~ ~
u 1.1\
Ht > ()L I. t > I [,I I t >H I I. \I I \I \1 \t h .
. . .. . . . . . .
reú ne onze dos inúme ros ensaios,
artigos e resenhas que o sociólogo francês Roger Bastide ( rS98- 1974) publ icou em revistas e jo rn ais brasileiros durante seus lo ngos e frutíferos anos como professor da Universidade de São Paulo, de 1938 a ' 954· Entre nós, Bastide é fi g ura bem conhecida dos cientistas sociais, seja po r seus estudos sobre o negro na sociedade brasileira, seja po r seus textos decisiv.os so bre as religiões afro- brasileiras; os histo ri adores da literatura conhecem bem seus dois li vros breves mas cheios de intuições sobre a poesia brasileira, o mesmo valendo para o seu ensaio sobre Machado de Assis; e, fi nalmente, não fo ram poucos os " leitores comuns", daq ui e de fo ra, q ue encontraram em
Brasil, terra de contrastes um g uia precioso para o país que tanto fascino u Bastide.' Bastide dispensa, po rtanto, maiores apresentações, não menos porq ue vários discípulos e estudiosos já cuidaram de traçar seu retrato com carinho e minúcia. 2 Restava, porém, um aspecto de seu perfil intelectual e humano a ser mais bem explo rado e conhecido. C ientista social po r vocação- e por vocação muitas vezes renovada em escritos e passagens metodológicas de exposição e defesa da sociologia como
disciplina intelectual - , Bastide também conservou ao longo da vida uma curiosidade vivíssima pelas artes e pelas letras. Seria injusto reduzir esse aspecto a um passatempo dominical: basta percorrer o índice extenso de seus escritos literários e logo se tem uma noção clara justamente da disciplina estética que Bastide ta mbém soube cultivar.J
r. Aludimos a livros como: Psiwntilisc do Caji111é (Curitiba: Guaíra. r94 r). ti poc>ia afro-brasilerra (São Paulo: l\lartins, r943), Imagens do Nordeste místico em branco c preto ( Hio de Janeiro: O Cruzeiro, ' 9-1)). Poetas do Brasil (Cu ritiba: Guaíra, r94 A estrutura q ue o interessa é, pois, a li bidinosa. Mas Jung demonstrou
história, latim e filosofi a.
ão é, porém, somente o professor que se utili za dos sím-
a existência de uma estru tura mítica sem sexualidade alguma e que corresponde
bolos nos seus cursos, mas os próprios alunos devem util iza r- se deles para com isso
unicamente à categoria do sagrado. Em outra ocasião, cr iticamos Jung (Sociologia e
descobrir-se a si mesmos.
psicmuílise), 40 mas aqui queremos di zer, unicamente, que o homem é um animal re-
Como certamente os leitores já perceberam, essas du as últimas pesquisas continuam os trabal hos de ] ung. O s símbolos possuem um certo valor por estarem ligados à experiência viva. São as " imagens primordiais", inatas ao espírito humano,
2
dos psicanalistas para explorar o inconsciente. A sociologia, porém, ta mbém tem alg uma coisa a dizer.
o nosso li vro sobre as
são os arquéti pos de Ju ng. Encontra mos aí, ta mbém, ideias próximas às de um dos
relações entre a psicanálise e a sociologia, disti ngu imos duas espécies: os símbo-
maiores ocultistas desses últimos tempos, René Guénon, 3x que apresentou comen-
los li bidinosos e os sím bolos sociais. Podemos, igua lmente, distingu ir os símbolos
tários lúcidos sobre sím bolos tradicionais. Com efeito, esponta neamente e sem se
do sag rado das image ns tradicionais, não vividas em profundidade - por exemplo,
aperceberem disso, doentes ou alunos redescobrem, pela associação livre, o sig nifi-
bandeiras nacionais podem muito bem nos fazer vibra r de patriotismo, mas será
cado antigo dessas ideografias.
uma emoção der ivada , e esses símbolos são criações conscientes do homem. D o
Todos esses trabalhos recentes desenvolvem-se através de vias diversas daquelas
FIGURA
ligioso, e que se pode estudar esse instinto do sobrenatural utilizando-se os métodos
mesmo modo, na arte, há imagens que nascem diretamente no poeta de seu contato
que pretendemos tomar nos nossos próximos artigos - e o leitor poderá indagar por
~:um
que iniciamos por esses resumos. Fomos a isso levados por dois motivos. P rimeiro,
exemplo, qua ndo o portug uês, que deixara sua esposa no Reino, pensava ver flutuar
porque se trata de uma reabilitação do pensamento primitivo, cuja dupla estrutura
na espuma das ondas um corpo feminino, tratava- se certamente de u ma descoberta
- mítica e simbólica - corresponde a uma forma de conhecimento que possui seu
profunda da sensibilidade (como o demonstrou Mário de Andrade). Mas os poetas
valor e que não é uma simples ilusão do espírito humano enganado. Isso nos autori-
que veem sereias na praia de Copacabana, mistu rando-se com os cariocas, só pro-
za, pois, a estudar as religiões afro-brasileiras não somente como arqueólogo ou fol-
curam utilizar-se de uma imagem tradicional, de um clichê literário. Apresentam-
clorista, mas como analista , para nelas descobrir valores permanentes. Em segundo
se, aí, dois estratos do sentimento estético.
a água, o fogo ou o ar, e outras, ainda, que são herdadas de uma tradição- por
lugar, essas pesquisas sobre a estrutura da mentalidade mística mostram-nos como
Os negros vindos para o Brasil trouxeram consigo mitos e símbolos africanos; al-
o sagrado é, ao mesmo tempo, arte - arte e religião brotam das mesmas emoções
guns deles vivem só como tradição, outros continuam a agir como forças dinâmicas.
elementares, vitais, cósmicas. Desse modo, o ideograma que é o mesmo, mas às
Esses mitos e símbolos vivos é que possuem um valor místico- estético. As persegui-
avessas, que já vimos no símbolo bipolar taoísta, indica as virtualidades da água,
ções da polícia, entrando em choque com essas forças em geral , possuem um único
da serpente, da mulher, e faz-nos compreender por que essas três ideias tão fre-
efeito: fazer com que os negros se voltem para o espiritismo, que exaure essas fontes
quentemente se associam, como no mito do paraíso perd ido ou como nas lendas das
vivas e mata a sensibilidade estética. Uma vez dito o que ficou atrás, podemos agora
sereias. Será através desse domínio estético-místico que nos aventuraremos agora.
abordar o nosso assunto, estudando sucessiva mente a dualidade dos orixás, o moço
3~.
39· Cf. particul.~.GIH S· l>F• BA·IH·•\; 10 L'·AmiCC Sonologit]llt'
a/Í'icmws 110 Jlmsil. Silo Paulo: Companhia l ~d i tora Nacio nal. 1':)32·1 r\
····· ··· ··············· ········ ···· ············ ·· ··········· ······ ·········· ······· ····· ·· .p . Thoma~ Kockmeyer.
98
CA "D0\1B I
F, in \anta A11tÓilio q.o -2 (1~136). [:-...0.)
10)00· /')01, ·~
z: ();
.O.J
·H· Edi~on Carneiro. Ucltgtôes ncgm;;. Nota> de etnografia religiosa. R10 de Janeiro: C ivilit.açào Bra-
damente a infância do C risto, seu nascimento miraculoso, suas fugas para o rar no
muitos Ogum ... i\·! as o dualismo emre o moço e o velho dá-se não no interior do
templo e, depois, ele desaparece bruscamente para só rea parecer muito mais ta rde
mito de um único o ri xá , mas entre dois orixús. Por exemplo, Legba sempre é consi-
como Messias e Salvador, pregando a nova fé e, mais tarde ainda, mo rrendo na cruz.
derado um velho, curvado, trêmulo, apoiado num bastão, e os Gêmeos são sempre
Desse modo, entre o Natal e os três anos de ensinamen tO e, de outro lado, a Paixão
crianças, cu ja dança simula a vida pueril. Todavia, se as diferenças são inegáveis, se
há um grande vazio que faz com que existam dois Cristos - o C risto men ino dos
o du alismo é extra e não intra-o ri xá, tal dua lismo, po r isso, não deixa de existir.
berçários e o Cristo dos crucifixos, chamado pelos negros da Bahia de "o Velhão".
Com efeitO, Legba, de a~ordo com os mi tos brasileiros (ver meu liv ro Imagens rio
Por o utro lado, ex istem orixás moços e orixás velhos na África, mas, que eu saiba,
Nordeste místico), sob o nome de Exu , é uma criança maliciosa que, ainda meni no,
não se encontram essas duas formas o postas para o mesmo orixá. Consequentemen-
desaparece para tornar-se um deus . Além disso, na África, Legba é uma di vindade
te confrontando-se esses dois dados- a ausência do dualismo na África, a distinção
fá lica, que é celebrada pelas suas façanhas sexuais e preside às danças eróticas- isso
dos dois Cristos, menino e adu lto -, pode-se pensar que o du alismo afro-b rasileiro
postula, pois, que ele não é velho.
resulta de uma influência, de um contágio do cristianismo, a princípio em Oxalá,
pesqui sadores, Legba é o deus da esterilidade, justamente po rque é um velho. Co-
que é identificado com Cristo, e que, depois, se teria estendido aos demais o rixás,
mo se terá dado uma revol ução mística tão violenta? Como o deus jovem e fálico
)
recorrendo à multiplicidade de nomes da mitologia iorubá (na medida em que é exatO o quadro do padre Kockmeyer). Essa interpretação, que propus a Herskovits45 no decorrer de uma correspondência sobre vários problemas afro-brasileiros, parece ser bem aquela que lhe poderia
Jos É M EDE IR OS · Ao fi na/ da
agrad ar, pois ele vê nesse dualismo um efeito de sua lei de reinterpretação. Mas tal
cerimônia de iniciação,
reinterpretação se fazia no sentido inverso de minha sugestão, pois ela consiste em
as ia6s já ostentam as vestes
interpretar o cristianismo através da mentalidade africana, em dar termos de branco
de seus orixás.
a realidades de origem negra, enquanto que, de minha parte, reconheço antes um
Da esquerda para a direita,
efeito transformador do cristianismo. Se Herskovits, na sua viagem à África, não
lemanjá, a "rainha dos mares'; Omu/u, orixá das moléstias;
descobriu esse dualismo, como se pode falar em reinterpretação? Trata-se antes de uma nova interpretação.
o deus dos caçadores
Caso comparemos o que se passa no Brasil com os outros cultas de negros americanos, notar-se-á, nesse ponto, diferenças muito nítidas. O ponto de partida é o mesmo - a multiplicidade de nomes para o mesmo o rixá ou vodu.
o Haiti, existem
inúmeros Legba (como, aliás, no Daomé, onde os Legba são múltiplos), existem
4í·
O antropólo norte-americano Melville ll erskovits ( •895-1963), autOr de diversas monografias
etnográficas sobre culturas negras da Africa e das Américas, fez pesquisas de campo no Brasil em •941-1942.
Orientou as pesquisas de vários antropólogos brasileiros, entre os quais Ruy Coelho
( 1920- 1990),
100
mais tarde professor da Unversidade de São Paulo. (N.O.]
e talvez Oxossi,
1951 · SA LVADOR • BA ~ · A C ER VO
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I NSTITUTO M OREIRA SALLES
o Haiti, ao contrário, de acordo com alguns
do Daomé se transformou num ser decrépito, trêmulo? Não se terá de pensar, ainda aqui, que a bipolaridade presidiu a essa mudança? Como para os Gêmeos existia um culto da criança, impunha-se, para compensá-lo e equilibrá-lo, um culto paralelo da velhice. Sem dúv ida, não será mais o mesmo orixá que é duplo, moço e velho; mas
que se centra na natividade e na paixão, às vezes ele aparece como uma cr iancin ha nos braços da Virgem , outras vezes como um adulto pregado a uma cruz. Todavia, os negros forçaram essa distinção e levaram-na ao máx imo, pois o Cristo morreu aos 33 anos e não era, portanto, um velho. Todavia, ele se torna "o Velhão". Finalmente, não podemos, todavia, considerar o dualismo afro-brasileiro como
existe um vodu moço, os Gêmeos, e um vodu velho, Legba. Podemos, agora, apresentar algu mas conclusões referentes a essa primeira exposição do problema. Existe uma primeira forma do dualismo moço-velho- o do Haiti -, que aliás também existe no Brasil, julgando- se que os Gêmeos só podem assumir o aspecto de crianças: é a simbolização das duas idades por duas div indades
um simples efeito do contá.g io cristão . Ele se desenvolve por si, pois, além da oposição entre o moço e o velho. Vimo-lo, por exemplo, tomar a forma da distinção entre a água doce e a salgada, em relação a lemanjá; entre a te rra e o fogo, no caso de Ex u. O dualismo é, como vemos, mais do que um efeito do contato entre duas culturas
'
mais do que o resultado da inte rpenetração entre duas rel igiões : é uma exigência do diferentes. Existe, no Brasil, uma segunda forma, senão ainda cristalizada pelo menos tendencial a de um mesmo orixá com um aspecto jovem e um aspecto velho. Daí dois
pensamento místico, uma lei ge ral da estru tura do sagrado. Teremos, pois, agora, de abandonar por um momento o mundo dos candomblés, para utilizar o mé todo comparativo e estuda r a bipolaridade como impulso estético-religioso.
nomes. Duas equivalentes católicas. Dois rituais. Pode-se pensar que, pelo menos quanto a Oxalá e talvez em relação a outros orixás, por via de generalização, esse dualismo foi influenciado pelo culto do Cristo, ~ JosÉ
M EDEIROS
• lansã mulher de Xangô • C.
1955
~ SA LV ADOR •
ACERVO I NSTITUTO M OREIRA SALLES
BA
. \ llll'\ 'I \ 1\' I) ' DI \'I" I ' ( ' ~
Há muito tempo, os sociólogos, seguindo R .
Smith e Durkheirn, 46 falaram da arnbivalêm:ia J a nop.:
\,111 l'.iulecrc.:t:irio Chl'fc. da ( a'a ('j, i l ~ STDNEY BERA LDO
Tratamento ck lm a~en-, ~ LEANDHO 13HANCO • TIAGO CH EHEGAT I
Produção Cr;'Jiic:l ~ NANC I ROBERTA DA SILVA CHEREGATI
IM PR ENSA OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PA U L O
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