Imperialismo Greco-Romano

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Paisis

Norberto Luiz Guarinello

IMPERIALISMO GRECO-ROMANO

Sumaário - Imperialismo

antigo e moderno

O conceito

o

Imperialismo, guerra e expansão Imperialismo e poder

- À formação do império ateniense

14

A Liga de Delos Desenvolvimento da liga Consolidação do império ateniense

- O imperialismo ateniense: tivações, conflitos A natureza da expansão

natureza,

. O

imperialismo

Importância

súditos

romano:

22

38 38 59 43 44

e significado

As fases da expansão

inícios do imperialismo

22

— 2% 30 35

natureza, fases..

Imperialismo defensivo? Imperialismo e economia

Os

mo-

de Atenas

Benefícios do império: controle e distribuição Os beneficios do império e sua distribuição Atenas e os Estados

14 16 18

romano

49

As leis agrárias

Imperialismo e luta política Características da expansão inicial

49 51 53 54 59

Os últimos séculos da república

63

À organização das conquistas

63

Terra e expansão Terras públicas e conflito agrário

=]

ç.s

“em

romana ..

O desenvolvimento econômico nas províncias... Transformações sociais, tensões e conflitos

68

MN 74

79

8. Vocabulário crítico

82

9. Bibliografia comentada

85

este

o

e





E

PER

7. Conclusão

=

na economia

TE

Transformações

'

.

il

Imperialismo antigo e moderno

O

conceito

Nos estudos contemporâneos sobre a economia capitalista, imperialismo é um termo empregado para designar determinados fenômenos decorrentes da expansão política e econômica da Europa e dos Estados Unidos a partir de meados do século XIX. Com exceção dos economistas neoclássicos, que consideram a expansão imperialista européia como uma sobrevivência de elementos pré-capitalistas na moderna economia de mercado, o imperialismo é, em geral, encarado como

uma fase específica do desenvolvimento do capitalismo. Seria, assim, uma forma de incentivar os investimentos (para os key-

nesianos) ou um mecanismo acumulador de capitais, seja pela

troca desigual entre metrópole e periferia, seja pela exportação de capitais, que se aproveitariam da mão-de-obra barata e das matérias-primas das nações subdesenvolvidas. Tal sistema de exploração e acumulação de riquezas tem por corolário quase sempre um determinado grau de domina-

ção política, indo desde uma interferência indireta, porém forte, nos assuntos internos dos países dependentes, até a intervenção militar direta. Quando os interesses da metrópole se véem ameaçados pela reação da população ou dos governos

n— —e—



locais,

procede-se à destituição de governantes, com a instala-

ção de titeres no poder ou mesmo a ocupação territorial. a Apesar desse forte componente politico-militar do impenalismo moderno

— que decorre, por sua vez, do predomínio

econômico da metrópole —, permanece o fato essencial de que seus mecanismos de concentração e exploração são essencial-

mente econômicos, ou seja, ocorrem pelo contato forçado encom modos de produção ou niveis de tre nações desenvolvimento capitalista diferentes. A interferência de fatores politico-militares dá-se na constituição e manutenção desse

contato em tais condições, mas, ao contrário do que acontecia

com o antigo sistema colonial, não é a responsável direta pela transferencia de riquezas da periferia para o centro. Por analogia com

seu emprego contemporâneo,

particu-

larmente em seus aspectos político-institucionais, o termo 11-

perialismo tem sido utilizado na caracterização e definição dos

fenômenos de expansão em sociedades pré-capitalistas, em par-

ticular no que se refere ao mundo

greco-romano.

Por tras de

seu uso, no entanto, esconde-se toda uma serie de acepções pro-

fundamente diferentes que dependem, em grande medida, de

como

cada autor vê o imperialismo contemporâneo. Assim, como veremos nos capítulos seguintes, posições ul-

tramodernistas, que associam o imperialismo antigo ao moderno de maneira absoluta, com todas as suas implicações político“econômicas — colonialismo, procura de mercados, matérias-primas etc. —, alternam-se com pontos de vista psicológicos (“o imperialismo é a vontade de dominar”) ou são essencialmente

políticos, negando qualquer motivação econômica nos

processos de expansão de cidades-Estados como Atenas e Roma, A critica recente aos ultramodernistas permitiu descartar definitivamente uma associação imediata entre imperialismo moderno e antigo no tocante às suas causas e consequências econômicas. Os trabalhos mais recentes, ao contrário, parecem

centrar sua atenção nos fenômenos relativos à esfera do poder,

da dominação política e da expansão militar, como elementos essenciais do imperialismo greco-romano.

Essa importância dos fatores políticos em sua definição é ressaltada mesmo por autores que encontram pouca eficácia no conceito para se entender fenômenos de expansão e dominio na Antigiidade, como Paul Veyne no caso de Roma. Permanece, contudo, uma grande indefinição sobre o sentido exato

conferido ao termo, sobre a validade de seu emprego e sobre suas relações com o imperialismo no mundo capitalista. O mesmo ocorre quanto às características e à especificidade dos processos de expansão militar e política no mundo greco-romano e sua relação com a estrutura econômica das cidades-Estados da Grécia e da Itália,

Imperialismo, Uma

guerra

e expansão

definição recente, particularmente interessante por

sua economia e abrangência, foi proposta por Moses Finley: “um Estado pode ser denominado imperialista se, em qualquer

quaisquer que tenham sido estas últimas”” (1978, p. 56). A esfera política aparece aí como claramente determinante, mas

abre-se a possibilidade para motivações econômicas, que o próprio Finley localizará, essencialmente, na necessidade de prover a cidade expansionista dos meios básicos de subsistência

(trofé), acentuando assim o caráter importador do impenialismo antigo em contraposição ao moderno. Tal caracterização do imperialismo greco-romano, contudo, por seu próprio caráter geral, é insuficiente para dar conta das várias modalidades nas quais se expressa esse predomínio político — tanto a nível das lutas internas dentro do Estado expansionista como em sua relação com os povos subjugados.

Sobretudo, não é capaz de interpretar as profundas diferenças

SI

nidades ou povos), visando a seus próprios fins e vantagens,

e

momento, exerceu autoridade sobre outros Estados (ou comu-

Hi)

entre o imperialismo ateniense no século V a.C. c o romano

tal como se manifesta a partir de meados do século II a.C. E necessário, portanto, ampliar e aprofundar esse conceito, para

que possamos investigar a especificidade do imperialismo greco-

“romano e a dinâmica de seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que toda expansão politico-militar de uma

cidade-Estado

antiga é um

ternas

de

e

empreen-

dimento coletivo, visando à resolução de suas contradições ine

à

obtenção

benefícios

vantagens

para

a

comunidade que permitam amenizar os conflitos de classes no seio da cidadania. O controle eventual do processo por parte de determinado grupo ou classe ou ainda uma distribuição desigual dos beneficios, agudizando, ao invés de amenizar, os conflitos internos. dependem da conjunção de forças dentro da cidade e não negam seu caráter coletivo. A expansão, em si, nunca ou raramente é posta em discussão, mas sim a maneira de conduzi-la ou de distribuir seus frutos. A luta de classes no centro expansionista

tem,

portanto,

um

papel

fundamen-

tal nas motivações e na dinâmica do imperialismo antigo. Embora a guerra seja uma atividade fundamental na cidade-Estado antiga e esteja intimamente relacionada com qualquer fenômeno de expansão imperialista, não se confunde com esta. Tanto em Atenas como em Roma a guerra é uma atividade da qual participam todos os cidadãos adultos capazes, cujas obrigações militares são distribuidas segundo os recursos materiais das diferentes classes de cidadãos. Os ricos, que podem adquirir um cavalo, participam da cavalaria ou são encarregados de tarefas especiais, como a construção de barcos de guerra; os que podem adquirir uma armadura, completa ou não, compõem a infantaria pesada ou ligeira. Os cidadãos abaixo de um determinado mínimo censitário, como os thetes atenienses, participam como remadores na marinha ou, como os proletarii romanos, estão isentos do serviço militar (até que este se torne voluntário, no final do sé-

1

um culo Il a.C.). Uma tal relação entre guerra € cidadania é

dos fatores determinantes no caráter coletivo da expansão imperialista da cidade-Estado antiga. A distribuição dos encar-

fícios gos relaciona-se, por sua vez, com à repartição dos bene rno. advindos do poder imperial e de seu controle político inte

A guerra, contudo, é apenas um dos elementos dessa exriapansão, podendo ocorrer fora de qualquer quadro prop mente imperialista. Existiram, sem dúvida, guerras defensivas, quando uma comunidade enfrentava um ataque externo, co-

2 e, mo a luta contra os invasores persas na Grécia, em 480 Poou a resistência romana à invasão gaulesa de 386 a.C.

diam igualmente ocorrer guerras motivadas por rivalidades regionais, como disputas fronteiriças pelo controle de rotas de gado ou de sal, ou por territórios restritos, mas que não levavam à submissão política de um Estado ou comunidade por outro mais forte. À guerra, além disso, possuía um cará-

ter religioso e ritualístico, particularmente acentuado entre os romanos (ius fetiale) e que teve seu papel na representa-

ção ideológica da expansão imperialista. Este último aspecto, todavia, extrapola a análise dos mecanismos e da dinâmica de expansão que pretendemos

Imperialismo

desenvolver aqui.

e poder

O imperialismo antigo manifesta-se através do estabelecimento de um diferencial de poder, obtido ou não por meio da ação militar direta — cuja possibilidade consubstancia e assegura esse poder — e que proporciona um fluxo centripeto de bens para a cidade-Estado em expansão. Irata-se, assim, sempre da relação entre um centro acumulador — o centro do poder — e uma periferia submetida e explorada.

As categorias de vantagens materiais e imateriais que compõem tal fluxo, bem como as modalidades de expressão e exercício de tal poder, podem variar profundamente no tempo

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Marius

a Biblioteca

LUTHER

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À

À

12

e no espaço.

Exemplos

são a busca de riquezas imediatas e

em grande volume através do saque e da pilhagem, a obten-

ção de territórios para os cidadãos desprovidos de terra ou o estabelecimento de uma tributação fixa que proporcione uma

renda estável à cidade-Estado

dominante.

Incluem-se,

igualmente, fatores diretamente ideológicos, como o prestigio militar advindo das conquistas, que alteram o quadro das forças políticas na metrópole. O poder imperial pode expandir-se por meio de alianças razoavelmente igualitárias (mas que o são progressivamente menos), protetorados, zonas de influência etc., até a submissão total ou destruição do adversário, com ocupação

de seu território. Independentemente da possível variação nas formas de expressão desse poder, permanece um fator de im-

portância fundamental que diferencia essencialmente o imperialismo antigo do moderno: enquanto este, como vimos, desenvolve formas econômicas de exploração de sua periferia. os mecanismos de concentração no imperialismo antigo «ão, antes de tudo, políticos. A exploração é aí, quase sempre, espoliação, exação direta de tributos, não apenas garan-

da tida. mas exercida e obtida por meio da força bruta ou certa meameaça de seu emprego. Tal fato corresponde, em antigiidade dida. às formas de exploração do trabalho na massa trabaclássica, baseadas no controle político de uma

representação lhadora dependente. Dai resultam, a nível da daquelas geratas distin nte basta ões estaç manif , ógica ideol das pelo imperialismo moderno. econômiTais considerações não negam as motivações ado, mas rescas por detrás da expansão de uma cidade-Est associadas ao micas econô es sidad neces as que caltam

os polítiument instr por eitas satisf eram antigo imperialismo Il a.C. desenvolvemcos. Apenas em Roma, à partir do século de exploração da “ce mecanismos propriamente econômicos de forma parcial e im ass o sm me s ma a, ad st ui nq co ria perife mpunham co que s en ag nt va e s ben de to un nj co no subsidiária o fluxo centripeto.

13

levantar Esse quadro geral que esboçamos permite-nos

imperialisalgumas questões sobre os processos de expansão estigação nos ta em Atenas e Roma, que ordenarão nossa inv são as caucapítulos subsequentes. Em primeiro lugar, quais

conquista se ara a eir man que de e iais inic s çõe iva mot e sas cidades. Isso ticula com a estrutura de classes em ambas as ia, por quem implica analisar as vantagens que O poder confer

ou prejuízo era exercido no centro imperial e em benefício

iferia, importa per à com es açõ rel s sua Nas . pos gru que de as formas de exdeterminar os modos de exercício do poder,

povos subploração e sua evolução no tempo, à reação dos metidos

ao

domínio

do

centro.

No

tocante

à Roma,

O

nômicas de eco te men eta dir s mai mas for de nto ime olv env des cimento ecoexploração, concomitante com O notável flores

rá uma atennômico da Itália nos séculos H ela.C., merece

ção especial, pelos problemas imperialismo que propusemos.

que coloca

à definição

de

2 A tormação do império ateniense

A

Liga

de

Delos

O processo de expansão imperialista de Atenas está intimamente relacionado com a guerra contra os persas e com a evolução da democracia ateniense no século V a.C. O fracasso da invasão persa de 480 a.C., com as vitórias gregas

em Salamina e Platéia, motivou a criação de uma liga de ci-

dades gregas em 478/7 a.C. que, sob a liderança de Atenas, pretendia continuar a luta contra os persas em seu próprio

território, para libertar as cidades gregas ainda submetidas e obter presas de guerra que ressarcissem os gregos dos pre-

juízos da invasão. Essa liga de cidades, que seria a base do império ateniense, não surgiu, contudo, por um processo de sujeição ou de domínio.

Definia-se, de início, como uma aliança militar

(uma symnmakhia), que previa autonomia para seus particiopepantes, reservando a Atenas O comando (hegemonia) das

rações. E dessa maneira que Tucídides se refere ao surgimento da liga, ao recompor o discurso que os embaixadores atenienses teriam proferido perante a assembléia espartana, no li-

miar da guerra do Peloponeso:

15

Este império (disseram os atenienses), nós não o devemos

à violência. Simplesmente

vocês (espartanos)

não quiseram

continuar a guerra contra o resto das forças bárbaras, e assim os aliados vieram nos procurar, para pedir-nos espontaque exercêssemos

neamente

o comando

(hegemonia).

(A guerra do Peloponeso, 1, 75)

Dessa forma, o poder executivo da liga foi conferido a

um conselho federal das cidades aliadas, no qual Atenas tinha um papel preponderante, mas não exclusivo. A contribuição das cidades aliadas para o esforço de guerra dava-se, na origem, de duas maneiras: as cidades maiores, como Quios, Samos, Lesbos e Naxos, participavam com contingentes militares próprios (navios de guerra e soldados), enquanto as cidades de menor porte, que não enviavam barcos, contribuíam com o pagamento de um tributo (phoros) para o tesouro federal. Este último era centralizado no templo de Apolo, na ilha de Delos, e administrado por dez magistrados atenienses: os helenotamiai.

"*

Segundo Tucídides (I, 96), o tributo original montava

| a

Aid Liss

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Em

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a 460 talentos (equivalentes a 2 760 000 dracmas), embora esse dado seja contestado pela bibliografia contemporânea (veja-se discussão em RHODES, 1985, p. 7-8). Os magistrados atenienses elaboravam a lista das cidades confederadas e dos tributos pagos, que eram gravadas em lajes de pedra. Tais listas, que chegaram até nós em fragmentos, constituem um dos documentos mais importantes para a reconstituição do império ateniense. A lista mais antiga que conhecemos data de 454 a.C. e relaciona um total de 140 cidades como membros da liga, pagando cerca de 490 talentos como tributo. Sob o comando do general ateniense Cimon, a liga cumpriu duas tarefas em seu periodo inicial: procedeu à eliminação dos focos de pirataria que infestavam o Egeu, assolando as pequenas ilhas gregas e prejudicando o comércio maritimo; além disso, expulsou os persas do mar, combatendo com

L6

sucesso à armada fenicia, na qual se baseava o poderio naval persa (batalha do Eurimendonte. em 468 a.C.) Atéd6 a.C.

portanto,

rtima,

a liga exerceu uma atividade essencialmente ma-

apoiada

na poderosa

frota

ateniense

que Temisto-

cles fizera construir para enfrentar a ameaça de invasão per-

sa apos Maratona. Desde o início, contudo, o peso econômico e militar de

Atenas no conjunto das cidades da liga fez com que se concentrasse em suas mãos o poder executivo da aliança e que tendesse a carrear para si os benefícios que as ações militares traziam. O que em teoria deveria ser uma aliança igualitária e com a participação espontânea de seus membros, foi aos

poucos convertendo-se,

sistema

de exploração

pela superioridade de Atenas, num

de seus membros

e de concentração

de riquezas em Atenas — mantido pela força militar e do qual as cidades não podiam se desligar livremente. Esse fato manifesta-se claramente já em cerca de 470 a.€., quando Naxos, um dos membros mais poderosos da aliança, tentou desligar-se desta. A cidade foi assediada pela armada da liga e obrigada a reintegrar-se, devendo entregar seus navios de guerra e demolir suas muralhas, A importância do evento na transformação da aliança militar num império controlado pelos atenienses foi ressaltada por Tucídides (1. 98), segundo o qual Naxos foi a primeira cidade que Atenas escravizou contra o que fora estabelecido. Dessa forma, desde seu início a liga marítima começa a configurar-se como um sistema fechado, do qual Atenas detém o comando militar, o poder político e que, em breve,

passará a considerar como fonte de recursos para resolver seus problemas internos. Desenvolvimento da liga

Certos acontecimentos permitem balizar e determinar a

evolução das relações entre Atenas e os demais membros

da

1

liga. A partir de 462 a.€C., a aliança, sentindo-se mais segura com o refluxo do poderio persa no Egeu, inicia uma politica

militar agressiva dirigida à anexação de territórios que inte-

ressavam particularmente a Atenas. É nesse contexto ofensivo que se insere o envio de uma poderosa

frota ao Egito

(460/54 a.C.) com o objetivo de auxiliar o soberano local contra o rei persa. Em 454 a.C., contudo, o exército ateniense foi cercado e praticamente aniquilado pelas forças persas. Es-

se desastre custou aos atenienses a vida de milhares de seus cidadãos e foi utilizado como justificativa para que se trans-

portasse o tesouro federal de Delos para Atenas. Esta, a par-

tir de então, passará a utilizar-se desses recursos de forma

cada vez mais discricionária (a começar pela cobrança de 1/6

do tributo como oferenda à sua deusa Atena). Em 449/8 a.C. a liga assinou um tratado de paz com o rei persa — a chamada Paz de Cálias — que. pôs fim às hostilidades entre o império oriental e a aliança grega. Os persas continuariam a intervir na política grega, mas agora ape-

nas de forma indireta, financiando os contendores que se enfrentariam na grande guerra do Peloponeso. A Paz de Cálias, portanto, retirou da liga a razão oficial de sua existência. Com a diminuição das presas de guerra, os tributos arrecadados das cidades-membros passaram

o

ami

e

estabelecimento de clerúquias de atenienses no território das cidades participantes da liga e submetidas a seu poder. As clerúguias consistiam na ocupação de lotes (Xleroi) das melhores terras agricolas no território dos Estados da liga por cidadãos atenienses que não dispunham de propriedades agrárias na Ática. Aqueles que eram agraciados com tais lotes conservavam a cidadania ateniense e não se integravam ao corpo

dias

os atenienses se utilizaram em benefício próprio, da forma como veremos no capitulo seguinte. Correspondentemente, diminuiu a autonomia das cidades em relação a Atenas. À esta perda de autonomia acompanhou-se um incremento no

e

a ser O único ingresso assegurado do tesouro da liga, do qual

IM

|

social das cidades em cujo território se estabeleciam. Consti-

|

Consolidação

|

tam, assim, ao mesmo tempo uma excelente válvula de escape para as pressões sociais em Atenas e um ônus ofensivo para os aliados.

do império

ateniense

Da Paz de Cálias até o início da guerra do Peloponeso,

a estrutura imperial ateniense se completou e a antiga alian-

ça militar viu-se transformada num sistema de exploração envolvendo uma vasta região, incluindo as ilhas gregas do Egeu c as cidades da Grécia do leste, além de territórios no conti-

nente europeu. A essa transformação correspondeu um reflexo preciso no vocabulário referente às relações entre atenienses e aliados. O papel de Atenas, antes descrito como de “liderança” (em grego, hegemonia), passa agora a ser expresso por uma série de termos indicando uma relação de poder bem

mais intensa e definida (arkhe, Kratos). Os aliados,

que precedentemente eram symimakhoi (membros de uma aliança militar), aparecem agora nos textos e inscrições simplesmente como “cidades” ou, de forma mais direta, como

|

|

|

súditos (Avpekooi) ou tributários (Ayvpoteleis). Nessa mesma época desaparece o conselho federal, que agia como órgão executivo da liga, e o poder decisório é totalmente transferido para a assembléia de Atenas, cujo povo

torna-se, dessa forma, senhor absoluto da aliança, respon-

cável pela arrecadação e gestão dos tributos e pela determi-

nação de seu montante.

Para uma melhor administração do

território, agora claramente subjugado a Atenas, as cidades

são repartidas em cinco distritos, em 433 a.C.: Jônia, Cária, Cicladas, Trácia e Bósforo. Com 202 membros, a liga dominada por Atenas atinge então seu número máximo. Em 444 a.C, o tesouro federal é completamente absorvido pelo tesouro de Atenas, que

|

S Em EER

19

constituía o fundo municipal da cidade. Essa fusão legitimou e acentuou o uso discricionário do tributo por parte dos atenienses, que deixaram de dar qualquer satisfação a respeito aos aliados. Também a marinha foi unificada, tornando-se totalmente ateniense. Isto assegurou o monopólio do poder

para sua cidade, representando um sério golpe para as cida-

des maiores da liga que, por enviarem contingentes militares e não estarem sujeitas ao pagamento de tributo, mantinham

ainda uma certa autonomia. Esta tendeu a desaparecer com-

pletamente, o que em parte foi compensado por uma queda no montante do tributo cobrado (430 talentos, em 446 a.C.). Após 450 a.C., os aliados são obrigados a jurar fidelidade e obediência ao povo ateniense, expondo a verdadeira essência da liga e rompendo com as representações ideológicas que a queriam ainda como uma aliança de interesse mútuo, Ilustrativo, a esse respeito, € o Juramento prestado pelos calcidios, em 446 a.C.: Não me separarei do povo ateniense por nenhum artifício ou manobra, nem em palavras, nem em atos, e não obedecerei a quem se separe dele. Se alguém me incentivar à defec-

ção, eu o denunciarei aos atenienses. Pagarei aos atenienses

o tributo que me for fixado e procurarei ser um aliado bom e

fiel, Auxiliarei sempre o povo de Atenas, se alguém atacá-lo, e obedecerei

ao demos

de Atenas.

(Inscriptiones graecae,

1, 39)

A partir de então podemos falar da existência de um sistema imperialista de exploração centrado em Atenas, segundo a definição esboçada no primeiro capítulo. Tal sistema, que propicia um fluxo constante de bens para a metrópole, é fortalecido por uma série de medidas que garantem o predominio político de Atenas: medidas militares, como o estabelecimento de guarnições em cidades da liga, comandadas por um frurarca; medidas judiciárias, que asseguram o exercício formal do poder, como o envio de magistrados atenien-

== —

ses (episkopoi) para algumas cidades, mesmo em grandes centros, como Samós e Mitilene, ou a eleição de Atenas como

e



MI

foro privilegiado para o julgamento de determinados litígios. Atenas garantia assim dois instrumentos essenciais pa-

eg = Ei

dimentos formais (legais) e o domínio dos mecanismos de coação direta, empregados quando os primeiros fossem desrespeitados. A esses instrumentos foram acrescentadas medidas de caráter econômico/ideológico, das quais a mais famosa e importante é, sem dúvida, o decreto de cerca de 420 a.C.. que obrigava os aliados a usarem os pesos, medidas e mocdas atenienses. Além das suas implicações econômicas, muito debatidas, esse decreto possuia um claro caráter ideológico, se pensarmos que a cunhagem de moeda própria era um dos elementos fundamentais da autonomia das cidades gregas, um instrumento privilegiado de sua autodefinição no plano ideológico e de sua independência política. Também o pagamento do tributo revestia-se de elementos ideológicos tendentes a ressaltar o predomínio de Atenas e a submissão dos aliados. Reavaliado a cada quatro anos, o tributo era trazido a Atenas por representantes dos Estados súditos e entregue durante as festividades das Grandes Dionisiacas. Além disso, todos estavam obrigados a enviar oferendas para Atena, à época das Panatenaicas. Assim, ao mesmo tempo que se celebravam ritos religiosos e a comunhão do corpo de cidadãos atenienses, ressaltava-se sua importância e poder no cortejo dos tributos extraídos de seu império. Dessa forma, em cerca de quarenta anos os atenienses formaram um vasto império, que apenas se desmoronaria após a derrota na guerra do Peloponeso, em 404 a.C. À questão que se coloca diante de nós, agora, € à qual procuraremos responder no capitulo seguinte, é a quem beneficiava, gruem Atenas, o exercício do poder imperial e que classes ou pos sociais eram responsáveis por sua administração. Trata-

am

ra O exercicio e manutenção do poder: o controle dos proce-

DO

O

21

-se, em suma, de investigar como as lutas sociais dentro da própria cidade determinaram os ritmos e a evolução do pro-



——— —



a

cesso expansionista dentro do quadro conceitual exposto no primeiro capítulo. Além disso, como veremos, as relações entre Atenas e seus aliados estiveram longe de ser univocas e unidirecionais, mas sofreram de forma acentuada a influência da luta de classes no interior das próprias cidades do império, colocando este como um momento fundamental da profunda crise social que sacudiu os Estados gregos no século V a.C.

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Paruça Mar:

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Canas

O imperialismo ateniense: natureza, motivações, contitos

A

natureza

da

expansão

de Atenas

como

G. Glotz. G. Grundy e J. R. Bonner —, os mecanis-

mos e motivações por detrás do imperialismo ateniense seriam muito semelhantes aos que levaram à expansão européia, com o advento do capitalismo. J. R. Bonner via na concentração do comércio no Pireu, na supressão da pirataria e nas

“Teis de navegação” as principais características da politica imperial ateniense:

mo eee eee — ue

tigo, utilize-se ou não os conceitos de modo de produção anLIZO € escravista. Para os defensores da primeira abordagem — autores

EL

cidade das formas de organização econômica do Mundo An-

O

no Mundo Antigo: seja numa ótica modernizante, aproximando os fenômenos econômicos da Antigiidade aqueles observáveis no capitalismo atual, seja ressaltando-se a especifi-

1

Um dos temas centrais no estudo do imperialismo ateniense no século V a.C. é a questão dos mecanismos econômicos subjacentes ao processo de expansão e dominação de outros Estados por Atenas. À resposta a esse problema depende de como se defina a natureza das relações econômicas

23

Há indícios de que Atenas regulava o comércio das cida-

des subordinadas através de medidas semelhantes às leis de

navegação inglesas do século XVIII, visando centralizar o comércio colonial na metrópole.

(The commercial policy of imperial athens. Classical Philology, 18: 193-201, 1923)

Essa perspectiva, que via o imperialismo ateniense como fundamentalmente comercial, visando ao controle das trocas comerciais no Egeu em benefício próprio, baseava-se numa leitura acrítica de documentos, como o decreto monetário de cerca de 420 a.C., mencionado no capitulo anterior, ou em alguns diálogos de As vespas, de Aristófanes. Um texto

do Pseudo-Xenofonte,

em particular, é utilizado para de-

monstrar o tipo de monopólio comercial exercido por Atenas:

Apenas os atenienses são capazes de possuir as riquezas

dos gregos e dos bárbaros, Pois, se uma cidade é rica em ma-

Ec E

e — — —e—

eee

O

mo

=

deiras próprias para a construção de navios, para onde pode. ria vendê-las se não se entender com o povo, que é senhor dos mares? Se é rica em ferro, cobre ou linho, a quem vendê-los se não se entende com o povo, que é senhor dos mares”? Ora, tais produtos são aqueles que me servem para construir meus navios. De uma região obtenho a madeira, de outra o ferro, de

uma terceira o cobre, deste o linho, daquele a cera. Acrescentemos que, se nossos aliados quiserem exportar esses produ: tos alhures, ou serão impedidos por nós, ou não irão por mar.

Quanto a mim, que sou ateniense, sem qualquer esforço faço vir do continente todos esses produtos por via maritima.

(A república dos atenienses, II, 11-2)

Uma leitura atenta do texto, contudo, não autoriza a tese da natureza mercantil do imperialismo ateniense. Como

observa a crítica moderna, as informações transmitidas pelo Pseudo-Xenofonte não se referem aos lucros comerciais obtidos pelo domínio marítimo, não mencionam a venda de pro-

dutos atenienses sob qualquer monopólio, nem tampouco a

aquisição de bens obtidos a preços aviltados e, talvez, o fato

24

mais importante,

não restringem

aos comerciantes atenien-

ses a responsabilidade pela circulação de tais bens, Trata-se,

na verdade, de garantir para a metrópole, através do fluxo

centripeto assegurado pelo império, O suprimento de determinados bens estratégicos, no caso aqueles destinados à cons-

trução de barcos de guerra, a própria base do poder ateniense. à partir dessas considerações,

a crítica moderna

acen-

tua o caráter importador do imperialismo ateniense. Em ter-

mos econômicos globais, isto é, sem tratar da distribuição interna na metrópole, o império de Atenas estava intimamente

ligado à obtenção de meios básicos de subsistência, em espe-

cial de trigo, cuja produção na própria Ática era insuficiente para alimentar a população urbana. O Estado imperialista, dessa forma, não buscava mercados para exportação ou fontes de matérias-primas e de força de trabalho a baixo custo para a sua industria, mas procurava garantir recursos básicos para sua existência e proporcionar um suprimento de bens de todo tipo — que no caso ateniense se revestia da forma

de um

tributo em

metal —,

um

fluxo centrípeto só possivel

pelo diferencial de poder estabelecido entre o centro e a periferia do império. Aceitando-se essa linha de raciocínio, tampouco pode-se concordar com aqueles autores que, numa visão diame-

tralmente oposta, negam qualquer objetivo propriamente eco-

nômico ao impcrialismo ateniense, mesmo que reconheçam consequências econômicas, de resto aleatórias, no exercicio do poder. E. Will, por exemplo, afirma que:

Nossos textos, repetimos, não autorizam a afirmação de que o imperialismo ateniense comportasse, em suas motivações

e em seu exercício, qualquer coisa que pudesse passar por uma

politica econômica, ou seja, conscientemente destinada a as-

segurar o equilíbrio e a prosperidade material da comunidade ateniense.

(Le monde grec et POriente: Le V' siêcle,

Paris, Hachette,

1972. p. 200)

|

z5

De uma tal perspectiva, a expansão imperialista só pode ser entendida como resultado de uma “vontade de dominação", como a expressão de uma espécie de “pulsão de poder” inerente ao ser humano (posição que E. Will condivide, por exemplo, com autores como P. Veyne, que insere essa “vontade de dominação” num contexto existencialista). Além de se basear em pressupostos de psicologia histórica que,

para dizer o mínimo, não são óbvios e necessitariam de comprovação, essa visão do imperialismo ateniense toma como

verdade a representação ideológica que os próprios atenien-

ses tinham de seu poder. Encontramo-la em diversos textos da época e, de forma mais elaborada, o debate entre atenienses e melianos que antecedeu a destruição de Melos, em 415 a.C., tal como reescrito por Tucídides (sobre a concepção de poder em Tucídides, ver FRENCH, A. Thucydides and the power syndrome. Greece & Rome, Oxford, 27: 22-30, 1980): Atenienses — Também

nós pensamos

poder contar com

o favor dos deuses. Nem nossas pretensões, nem nossa con-

duta estão em contradição com as ideias religiosas dos homens ou com os princípios nos quais se inspiram em suas relações mútuas. Cremos, tendo em vista o que se pode supor

com relação aos deuses e o que se sabe efetivamente dos ho-

mens, que ambos obedecem a uma lei da natureza que os impele a dominar os outros sempre que forem os mais fortes. Não fomos nós que fizemos tal lei e tampouco fomos os primeiros a aplicá-la após seu estabelecimento. Outros transmitiram-na

para nós e a obedecemos, como farão todos aqueles que nos

sucederem. Sabemos que mesmo vocês ou qualquer outro povo não agiriam de forma diferente se dispusessem de um poder comparável ao nosso.

(V, 8, 105) O nivel de representação ideológica, de resto um elemen-

to fundamental do próprio imperialismo antigo, não deve, contudo, ser confundido com as bases concretas de funcionamento do sistema posto em ação pela expansão ateniense.

2h

Mesmo que se aceite uma distinção preliminar entre motiva-

ções, frequentemente envolvidas em complexos sistemas de representação ao nivel das mentalidades, e mecanismos efe-

tivos de uso do poder, um exame acurado das tontes dem onstra que, sem ter um caráter mercantil de cunho moderno, o

imperialismo ateniense estava profundamente ligado a fatores econômicos.

Estes, por sua vez, diziam respeito tanto ao

abastecimento da cidade, como vimos no texto do Pseudo-Nenofonte, quanto ao atendimento de interesses de classe na própria Atenas. Devemos, portanto, tratar com maior detalhe os problemas envolvidos na distribuição interna dos benefícios do imperialismoe no controle do processo de expansão pelos gru-

pos em luta dentro de Atenas, Se o império visava à obten-

ção de recursos que assegurassem a subsistência e o predomínio do “'povo-rei”” — utilizando uma expressão de

M. Austin e P. Vidal-Naquet —, o comando do processo de expansão e a divisão dos ganhos daí derivados não se distri-

bula de maneira uniforme pelo demos ateniense como um to-

do.

Assim,

de acordo

com

o período

considerado,

con-

centrou-se em determinadas classes e grupos sociais que exer-

ceram

uma certa hegemonia no controle do império. E ne-

cessário. dessa forma, investigar por quem e para quem se administrava o império de Atenas no século V. a.C,

Benefícios do império: controle e distribuição A resposta a essa primeira questão não é univoca, nem tampouco fácil de ser elaborada, dada a fluidez própria dos fenômenos políticos, que são processos de luta nos quais, a períodos de equilíbrio entre os grupos em conflito, seguem-se constantemente momentos de choque, em que alguns tentam ou conseguem sobrepor-se aos demais. Como se sabe,

4)

após a reforma de Efialtes, em 462 a.C., o rebaixamento do

censo mínimo e a introdução da mistoforia, a assembléia de

Atenas e o conselho dos quinhentos tornaram-se os princi-

pais órgãos decisórios no governo da cidade. Tal fato assegurava a possibilidade de uma ampla participação das

camadas populares (dos pobres) no processo político, sendo irrelevante, no caso, avaliar o Interesse e a efetiva atuação

do povo na tomada de decisões na assembléia, que, contudo, deveria ser grande (cf. FINLEY, 1985, p. 92). Contudo, apesar do poder efetivo detido pela assembléia

e pelo demos, observamos que a condução executiva e o controle do processo de expansão permaneceram, por muito tem-

po, nas mãos dos chefes militares (strategoi), únicos magistrados com direito à reeleição. Tais magistrados, além de controlarem diretamente as relações com os aliados, exerceram uma grande influência nas decisões da assembléia até meados da guerra do Peloponeso. Isto não significa que a

assembléia cedesse por completo seu poder de decisão, mas que compartilhava esse poder com grupos oriundos da aristocracia e que ocupavam postos na estratégia. O que se observa, com a evolução politica interna em meados do século V a.C., é uma progressiva passagem do controle executivo do império da aristocracia mais conservadora para uma aristocracia moderada, passagem espelhada no conflito entre figuras como Péricles e Címon ou Tucidides. Tal conflito, contudo, como ressalta Finley, não se referia à existência do império como tal (Cimon, líder dos conservadores, comandou o ataque à ilha de Samos, que pretendera uma defecção), mas à distribuição dos benefícios internamente e aos desequilíbrios que tais benefícios poderiam acarretar na repartição do poder. Plutarco nos dá uma idéia desses conflitos: Isto, mals do que qualquer outra coisa, atraiu o ódio dos adversários de Péricles, que o caluniavam nas reuniões públi-

cas, exclamando que o povo havia adquirido mau nome e fama, por haver transportado o tesouro federal de Delos para

Atenas

(...). Péricles explicava aos atenienses que estes não

tinham que dar conta desse dinheiro aos aliados, porque com-

batiam em lugar daqueles e mantinham os barbaros à distân-

cia (...). Alêm

disso, era justo que a cidade,

estando

provida

|

das coisas necessárias para a guerra, convertesse o restante

em bens materiais, que lhe trariam glória eterna (...) e que posSibilitariam manter com pagamentos quase toda a cidade, que

se embelezaria e nutriria a si própria.

(Vida de Pericles,

Outro

eco desse conflito encontramos

12)

na fonte oligár-

quica contemporânea do Pseudo-Xenofonte, em que este afir-

ma,

|

não sem ironia:

Diria. de Início. que é mais vantagens que os que sobe nos navios e parece melhor que cada

justo que o povo, em Atenas, goze de ricos e bem nascidos, polis é o povo faz o poderio da cidade (...). Ao povo ateniense goze individualmente dos

bens dos aliados, ao invés de permitir que estes prosperem.

seria compensada

pelas distribuições de alimentos, salários

ou ofertas de empregos na cidade, enquanto os pobres expulsos do campo poderiam encontrar aí outros meios de subsistência (cf. ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 24).

E

SE

|

| |

e

Na verdade, a oposição dos grupos conservadores aristocráticos à forma de condução do império ateniense tornou-se significativa apenas no curso da guerra do Peloponeso, em cuja origem muitos atenienses colocavam a própria expansão de Atenas (cf. TucíDIDES, I, 23), e isto por duas razões principais. Em primeiro lugar, a estratégia militar, seguida por Péricles e seus sucessores, de combater no mar e abandonar o território agrícola às devastações do inimigo fazia com que os encargos da guerra recaíssem de forma muito mais intensa nos proprietários rurais e, portanto, entre os aristocratas, do que na população urbana. Embora boa parte da população fosse camponesa, os ricos tinham certamente mais a perder com a devastação de seus campos, que dificilmente

mn

(1, 2)

29

O outro fator envolvido na oposição dos grupos con-

servadores aristocráticos é eminentemente político. Como ressalta o texto do Pseudo-Xenofonte, citado acima, a crescente importância da marinha, tripulada pela população mais pobre, no conjunto da força militar ateniense, tendia a dese-

quilibrar a balança interna do poder em Atenas em favor das camadas mais pobres de cidadãos. Tal fato é observável na ascensão de oradores como Cleon, Hyperbolo ou Cleofon, personagens ligados ao comércio e ao artesanato, que suplantarão a influência política da aristocracia moderada durante

a guerra do Peloponeso. Algumas comédias de Aristófanes,

como Ás vespas, são uma demonstração da aversão € desprezo que a aristocracia votava a tais figuras.

Os conflitos políticos acentuaram-se nos três últimos lus-

tros do século, à medida que os insucessos da política externa ateniense encorajavam os aristocratas a inverter a dis-

tribuição interna do poder e restituir o que, segundo a elabo-

ração ideológica da época, denominavam “constituição an-

cestral” (pátrios politeia). De tais lutas resultaram dois golpes

de Estado aristocráticos, em 411 e 404 a.€., que visavam abolir a democracia e reduzir o círculo do poder a um número restrito de cidadãos. O golpe de 404 a.C. ocorreu após a queda do império ateniense e com o concurso do exército espartano, mas € significativo que os oligarcas que tomaram o poder em 411 a.C. e aboliram a constituição de Clistenes, não propusessem O fim do império e a libertação dos aliados, mas antes tenham lutado por mantê-lo intacto, recusando uma proposta de paz espartana em 410 a.C. Igualmente significátivo é o fato de a reação ao golpe ter partido da esquadra ateniense sediada em Samos, cujos marinheiros se recusaram a aceitar a nova situação política. Os oligarcas em Atenas, divididos entre moderados e radicais, acabaram por recuar e o sistema político anterior foi recomposto.

|

Mi

A oposição aristocrática ao imperialismo, portanto, nunca se dirigiu contra sua existência e, sim, contra o poder politico interno que dele obtinham o demos e as camadas pobres da população. O controle desse poder permitia ao demos dis-

tribuir os encargos da guerra e os benefícios do império de lorma desigual, desfavorecendo os mais ricos. Isso não significa, contudo, que os cidadãos pobres fos-

sem os únicos beneficiários da posição dominante de Atenas, como tampouco dispunham do poder político total, como vi-

mos. À repartição, tanto do poder como dos benefícios ad-

vindos de seu exercicio, dependia dos equilibrios ce desequilíbrios sucessivos entre os vários grupos nas lutas in-

ternas em Atenas.

Devemos,

portanto, analisar com maior

detalhe quais os frutos gerados pelo império ateniense e a que

camadas da população

beneficiavam.

Os

império

benefícios

do

e sua distribuição

Podemos enumerar algumas vantagens bem gerais relativas à estabilidade política de Atenas ce à ausência de crises sociais profundas (staseis) durante a existência do império: paz social interna, manutenção do regime democrático e ausência de tirania, eliminação do perigo persa, tão premente nos anos que antecederam à liga. Em termos mais concretos, mas ainda beneficiando a população em seu conjunto, são de grande importância o suprimento de trigo garantido, proveniente em grande parte do mar Negro, cujo acesso os atenienses controlavam no Helesponto, e a ausência de tributação interna (eisfora), abolida para todas as classes em 42/ aC. Os ingressos do império, contudo, que amontavam a cerca de 60% do total de recursos do Estado ateniense (de acordo com R. Meiggs), propiciaram a criação de formas de redistribuição que visavam especificamente assegurar a par-

|

M

ticipação política dos mais pobres. Entre essas formas destaca-

-se a mistoforia, instituída por Péricles, que significava o pa-

gamento pelo exercício de certas atividades públicas, na Bulé, nos tribunais ou no exército. Segundo Finley, o soldo pago aos marinheiros era um outro recurso importante

na redistribuição.

Assim,

Atenas

dispunha de trezentas trirremes, das quais cem em atividade permanente, o que representava a manutenção

de cerca de

vinte mil cidadãos com um pagamento que se elevou de 2/3 óbulos antes da guerra do Peloponeso até um dracma diário

no seu decorrer. A atividade de remador constituia-se, por-

tanto, em um verdadeiro ofício, garantindo a subsistência de

grande número de cidadãos pobres.

No mesmo sentido devemos considerar a participação

nas grandes obras públicas executadas à época de Péricles em Atenas, entre as quais se destacam os Arsenais e depósitos do Pireu, o erguimento de um terceiro muro ligando a cida-

de ao porto e as construções realizadas na Acrópole, como o Parthenon e o Propileu.

Segundo Plutarco:

(Péricles), querendo que o povo que não se ocupava do exército tivesse também ele parte do dinheiro público, não através do ócio e da preguiça, mas pelo trabalho, propôs ao povo

o empreendimento de grandes construções e projetou trabalhos envolvendo várias artes e longos períodos de tempo, para que os que permanecessem em Atenas tivessem, não menos do que os marinheiros, sentinelas e soldados, um pretexto para obter seu quinhão da riqueza pública.

(Vida de Péricles,

12)

A execução de tais trabalhos, contudo, não era privilégio dos cidadãos atenienses, pois deles podiam participar, co-

mo comprovam as inscrições do Erkhteion (cf. Inscriptiones

graecae, Iê, 374), também metecos (estrangeiros domiciliados em Atenas) e escravos. Neste último caso, o salário rece-

bido (por volta de um dracma diário) deveria permanecer, em grande parte, nas mãos dos respectivos proprietários. Partenca

A

a Biblicisca

vSARTAL LUTHER

=

tous

Se os trabalhos públicos efetivamente constituíam uma

torma de redistribuição de renda, não é necessário que os obletivos por tras de sua execução se restringissem à mesma (como poderiamos supor pelo texto de Plutarco). Não devemos

esquecer a importância ideológica de que se revestia o embelezamento

urbano de Atenas, exaltando e magnificando seu

tribuidos,

no

poder entre os povos subjugados e em toda a Grécia, difundindo respeito e admiração e, assim, de certa forma, contribuindo para a própria manutenção do diferencial de poder que o tornara possivel e do qual era um sinal visivel. As clerúguias constituiam-se, provavelmente, na maior vantagem advinda do império para os cidadãos pobres, recebendo entre oito e dez mil atenienses sem terra. Os lotes disvalor

de

duzentos

dracmas,

permitiam

a

elevação de categoria entre as classes censitárias solonianas, representando uma rápida ascensão econômica e social para os beneficiários. Essa distribuição das terras dos aliados (Lesbos, por exemplo, recebeu 2 700 colonos) funcionou como uma válvula de escape no interior do corpo social ateniense, permitindo aliviar a pressão dos cidadãos sem terra (que, contudo. em 404 a.C. ainda amontavam a cinco mil) e minimizar os efeitos da devastação da guerra entre a população mais

pobre.

Aferir as vantagens obtidas diretamente pelos ricos €, sem dúvida, mais difícil, o que não significa que a eles estivessem reservados apenas os encargos do império. Algumas dessas vantagens são de ordem ideológica, derivadas do prestígio advindo do comando militar, em geral reservado aos aristocratas. Tucídides enumera, em várias passagens, como O exercício do império conferia aos aristocratas glória, honra, esplendor, renome ou a recordação de seu feitos. A atribul-

ção de tais qualificativos é de grande importância numa sociedade em que o prestígio individual tem um papel fundamental na organização das relações sociais e políticas. Isso se observa, igualmente, no exercício das liturgias, ou

33

seja, no pagamento de atividades públicas como a coregia (no

teatro) ou a equipagem de uma trirreme, que conferiam pres-

tígio e influência aos cidadãos mais ricos que delas se encarregavam.

Os benefícios materiais são menos claros, mas de forma alguma ausentes. Há uma passagem em Tucídides, de di-

fícil interpretação, na qual Frinico, um aristocrata moderado,

opõe-se, em 412 a.C., à volta de Alcibiades e ao estabeleci-

mento de uma oligarquia nos seguintes termos:

Além disso (dizia Frínico) acreditava-se entre os aliados que um governo oligárquico (em Atenas) não lhes criaria menos dificuldades que o democrático, pois era por instigação dos ficos

e sob

sua

pressão

que

a democracia

cometia

seus

desmandos, dos quais os ricos eram os principais beneficiários.

(VIII, 48)

Mas beneficiários de quê? Ou seria apenas uma imagem

| |

|

retórica que Tucídides empresta a Frinico para ressaltar a Inconsistência dos golpistas de 411 a.C.? Pesquisas recentes (ci.

GAUTHIER, 1973) permitem entrever ao menos uma das pos-

síveis vantagens que os aristocratas retiravam do poder im-

perial de Atenas: a posse de terras nos territórios aliados fora

das clerúquias. Em O banquete, de Xenofonte, cujo diálogo

se passa em 422 a.C., há uma menção a tais propriedades, quando Cármides, um rico ateniense que participaria do golpe de 404 a.C., afirma: “Agora que fui privado das proprieda-

des que possuía fora das fronteiras (da Ática) (...)"” (IV, 31).

Um outro documento significativo a esse respeito são as estelas de confiscação dos bens dos hermocópidas, que datam de 415/13 a.C. Em 416 a.C., às vésperas da grande expedição à Sicília, que marcaria uma reviravolta no poderio ateniense, apareceram mutiladas as estátuas de Hermes que ornavam as ruas da cidade. O sacrilégio gerou uma grande comoção na cidade e o feito foi atribuído aos grupos aristocráticos como parte de um plano para subverter o regime

|

,

RE

democrático.

Iniciou-se uma grande perseguição aos suspei-

tos, que em sua maior parte situavam-se entre os cidadãos mais

ricos, como

o famoso

Alcibiades,

que comandava

a

expedição à Sicília e que, ao saber das suspeitas que pesavam sobre si, refugiou-se no Peloponeso. Os condenados tiveram

seus bens

inscrita em

confiscados,

pedra e exposta,

e a relação desses bens foi

Nessa relação podemos

iden-

Nificar grandes proprietários de terras em Atenas, mas que possuiam, igualmente, propriedades no território de regiões submetidas,

como

Thasos,

Eubéia,

e Abidos.

Essa

posse

de terras em territórios estrangeiros só pode ser explicada pelo

exercicio do poder discricionário conferido pelo império, que

permitia romper as fortes barreiras existentes na época para a aquisição de propriedades por não-cidadãos. Trata-se, portanto, de um benefício material direto, e provavelmente não

oficial, usufruido pelos aristocratas através do Império atemiense. Das considerações expostas acima podemos concluir que

o imperialismo ateniense, em termos de distribuição interna do poder e de seus benefícios, constituía-se num fenômeno complexo e dinâmico. A paz social de que gozou Atenas durante a existência do império, apenas abalada pelo golpe de 411 a.C. — que no entanto foi incruento e esgotou-se sozinho —, não deve, portanto, ser considerada como um dos

objetivos conscientes da expansão, mas como um de seus resultados. O poder e as vantagens advindas do império não foram objeto de concórdia entre as classes e, sim, de um acirrado conflito por seu controle e distribuição. O que se pode

considerar é que a grande quantidade de tributos arrecada-

dos e um relativo equilíbrio do poder na metrópole permitiram o usufruto geral do império, de forma a minimizar a intensidade dos conflitos, na medida em que se lutava para

administrar

não a escassez,

mas a abundância.

35

Atenas

e os

Estados

súditos

Tampouco as relações entre Atenas e Os aliados foram

reunívocas. Ao contrário, muitas vezes O jugo ateniense foi

cebido como um fator de libertação por determinados grupos dentro das cidades submetidas (sobre estas questões, veja-se RHODES, 1985, p. 36-8). Para entender essa aparente contradição é preciso levar em conta que as cidades gregas, no século V a.C., foram sacudidas por violentos choques Internos entre oligarcas e democratas. Tucídides, comentando os distúrbios em Córcira, em 428 a.C., trata longamente das lutas sociais do período: Em seguida, as convulsões

políticas atingiram, por assim

dizer, a totalidade do mundo grego. Em todas as cidades ocorreram choques entre os chefes democratas e oligarcas, OS primeiros querendo chamar os atenienses e OS outros os lacedemônios (...) uma vez em guerra, cada uma das partes po-

dia contar com uma aliança externa para abater seus inimigos e aumentar seu poder, e aqueles que desejavam

uma revolu-

ção tiveram todas as facilidades para provocar uma intervenção externa (...). Assim, de cidade em cidade a guerra civil estendia suas devastações.

(LI, 82)

Dessa forma, os grupos democratas e a população po-

bre tendiam a apoiar a associação com Atenas, mesmo que isso significasse sua submissão e o pagamento de um tributo (que, de resto, recairia com maior intensidade sobre os ricos).

Tal foi o caso de Samos, Mitilene, Córcira, Argos e muitas. outras cidades nas quais os democratas apoiaram — e foram sustentados -Xenofonte:



os

atenienses.

Como

afirma

o

Pseudo-

(...) se os ricos e as camadas aristocráticas prevalecerem nas cidades (do império), o domínio ateniense terá curta existência. Esta é a razão pela qual os atenienses privam os homens

MM

honestos de seus direitos civis, confiscam seus bens, exilam"Nos ou

matam,

enquanto

elevam

as camadas

mais

pobres.

(1, 15) Tais relações, contudo, não eram tão simples. As cidades que, sob influência dos oligarcas, se rebelavam contra Ate-

nas, corriam o risco de ser completamente destruídas e de ter seus habitantes mortos ou escravizados, independente de serem ricos ou pobres, democratas ou oligarcas. Foi de uma

tal sorte que Mitilene escapou, em 427 a.C., após longos de-

bates na assembléia ateniense, nos quais as forças mais democráticas, capitancadas por Cleon, eram precisamente as que pediam a morte tanto de democratas como de oligarcas. Já os habitantes de Melos, governados por uma oligarquia,

e portanto sem poder decisório quanto às relações de sua cidade com Atenas, foram massacrados e escravizados. Por trás de tais massacres, ou de sua proposição, pode-

população,

em Mitilene).

O imperialismo ateniense do século V a.C. fornece-nos, € portanto, um modelo para compreendermos os complexos

frequentemente contraditórios fatores políticos e econômicos envolvidos na expansão imperial na Antiguidade. Como vimos, o estudo da dominação imperialista não pode se reentre a mesumir às relações externas, políticas/econômicas

da trópole e sua periferia, mas deve se voltar para o estudo imperial. utilização desse poder no interior do próprio centro s1gPor outro lado, se o domínio de Atenas frequentemente nificou alterações de regime político nas regiões submetidas, que jamais interviu ao nível de suas estruturas produtivas, anterior. permaneceram inalteradas em relação à época o impeSobrepondo-se às estruturas locais sem modificá-las,

E

ção das terras deixadas vagas pelos habitantes mortos (como efetivamente ocorreu em Melos e, mesmo sem o massacre da

di

os dissidentes — e motivações econômicas, como a ocupa-

a

mos entrever razões ideológicas — implantar o terror entre

31

strutura de rialismo ateniense projetava-se como uma supere centro impoder que arrecadava tributos, concentrando-os no ica que inteperial, sem proceder a uma exploração econôm

tema produtivo. grasse essas regiões ao seu próprio sis ados, e com exPortanto, do ponto de vista dos povos subjug

am enclaves), ceção das clerúquias (que na verdade constituí

externo cuja cona dominação ateniense sempre foi um fator apenas por Ocae a-s dav s, ico nôm eco mos ter em o, açã tiz cre sião do pagamento do tributo anual.

erialismo Como veremos nos capítulos seguintes, O imp

contato com o romano, mesmo possuindo muitos pontos de ficas que O eci esp cas sti erí act car nta ese apr , nse nie ate modelo

entre sisdestacam do conjunto dos processos de dominação

gica

a

E

temas políticos na Antiguidade.

| | l

| | k

1

|

1

io

pi

A O imperialismo romano: natureza,

Importância

fases

e significado

O desenvolvimento da expansão imperialista em Roma

apresenta características que o diferenciam profundamente do imperialismo ateniense, em termos das origens e consequências da expansão, de seus ritmos e periodização. Mas, acima de tudo, a expansão romana é um fenômeno de longa duração, que se estende da monarquia etrusca, nos séculos

VII-Vla.C., até um momento imprecisável no Baixo Império. quando a distinção centro—periferia muda de natureza.

Trata-se, portanto, de quase um milênio de expansão militar e de domínio de outros Estados e povos por parte de Roma.

No período que se estende de 509 a.C., data tradicional da derrubada da monarquia, até o principado de Augusto,

Roma esteve constantemente em guerra. Desse estado de guer-

A mo dia mana ger o

portas se abriam ritualmente ao início de cada guerra. Durante todo o período republicano, tais portas se fecharam apenas uma vez, em 202 a.C., para serem reabertas logo em seguida, quando Roma venceu a segunda guerra púnica. Esse estado de guerra constante exigiu uma mobilização popu-

mem om

ra permanente é testemunha o ritual ligado ao templo de Jano, divindade propiciatória das partidas e retornos, e cujas

e

x

tanto na lar sem precedentes na história das cidades antigas,

dos pefrequência do chamado às armas quanto na duração , riodos de mobilização, que aos poucos foi se ampliando

quando as conquistas se tornaram

mais dificeis e distantes.

seu poder Durante o século Il a.C., quando Roma expandiu

|

menos por toda a bacia do Mediterrâneo, estima-se que ao viço a 10% da população masculina adulta estivesse em ser servincada ano (cerca de 130 mil soldados), cada soldado zação de tal do. em média, seis anos no exército. Uma mobili

envergadura provocou

uma

acentuada

militarização da so-

ticas e ciedade romana e teve profundas consequências polí econômicas, como veremos.

|



Imperialismo

defensivo?

Essa importância da guerra e da expansão na história da Roma republicana fez da problemática do imperialismo romano um dos temas centrais da investigação histórica sobre Roma, fundamental para se compreender sua história interna e a formação de seu império. Dessa atenção derivou um intenso debate, entre os historiadores, sobre as causas, moti-

vações, natureza e consequências do imperialismo romano. Parte ponderável da bibliografia a respeito considera que a

j

expansão romana foi o resultado natural e inesperado de guer-

ras defensivas, nas quais Roma se envolveu contra a vonta-

de, entrando na posse de territórios que não queria dominar.

Não é fácil efetuar um balanço crítico dessas posições, tendo em vista que se referem, em geral, a momentos específicos

poe

man

do

dio

É

-—

|

ta do Oriente.

Alguns autores, como P. Veyne, descartam o uso do con-

ceito de imperialismo no caso romano, afirmando que a expansão foi imotivada e quase involuntária, na medida em que o senado romano nunca buscou conscientemente a hegemo-

-

|

da expansão romana, como as guerras púnicas ou a conquis-

MI

na

(com

exceção

da segunda

guerra macedônica,

em 200

1.0.) À prova estaria na recusa romana em anexar os territorios conquistados,

contentando-se em estabelecer proteto-

rados ou cm “finlandizar” os povos submetidos. Já no século

passado, T, Mommsen defendia a idéia de uma expansão involuntária e defensiva de Roma, que se teria limitado a responder às agressões externas e a preveni-las. E na conquista da Grécia helenistica, em particular, que

os defensores da tese do imperialismo “preventivo” ou “detensivo”” concentram sua atenção. Segundo M, Holleaux, a intervenção romana na Grécia derivaria da ingenuidade do

senado romano. manipulado pelos embaixadores gregos, de ceu

medo

de

Antioco

e de

Felipe

e de

um

sincero

filo-

cia do jugo macedônico. Tal tese é seguida por H. Scullard,

==

-helenismo, manifesto na sua determinação em libertar a Gré-

que identifica em Roma um genuino interesse pelo bem-estar da Grécia. T. Frank, que aceita o motivo de ajuda desinteressada aos grepos no surgimento desse conflito, ressalta tam-

bém elementos politico-ideológicos, como a ânsia de glória,

fama e dignidade por parte da aristocracia romana.

E frequente, igualmente, encontrarmos uma distinção en-

a.C.. seja nas campanhas orientais (segundo De Sanctis), seja no episódio da destruição de Cartago e Corinto, em Id46 a.C. Apesar das diferenças que observamos entre Os defensores do imperialismo “involuntário e defensivo”, baseiam-se todos em alguns pressupostos comuns sobre a natureza da expansão romana e suas causas. Em primeiro lugar há uma ênfase quase absoluta em fatores políticos (ou mesmo psicológicos) e a tendência a negar qualquer fator econômico

ii

tre um primeiro momento, “defensivo”, do imperialismo romano e uma etapa expansionista e agressiva, cujo início se coloca, segundo a periodização adotada e o ponto de vista de cada autor, na primeira guerra púnica, quando Roma se aventura pela primeira vez fora da Itália, na segunda guerra com Cartago (é a tese de J. Carcopino) ou no curso do século II

41

subjacente à expansão (segundo T. Frank, Scullard, M. Hol-

leaux etc.) ou a localizar uma influência de tais fatores apenas a partir de certo momento (de acordo com De Sanctis e G. Colin). Outro elemento comum é uma maior atenção às determinações externas da expansão — pressão de outros povos, alianças, necessidades defensivas —, em contraposição às circunstâncias internas desse processo, em termos de

luta de classes, pressão demográfica, divergências entre fac-

ções etc.

A noção de “guerra defensiva”, por outro lado, deriva

em parte de uma leitura acrítica de determinadas fontes (em

=

especial Tito Lívio) e da aceitação, como realidade de fato,

da auto-representação ideológica, de cunho religioso, que 05 romanos elaboraram nas etapas iniciais da expansão. Na Roma primitiva, com efeito, e ao menos até meados do século

[Il a.C., a guerra em Roma revestia-se de um profundo caráter religioso. A declaração de guerra envolvia um complexo ritual, executado por um colégio de sacerdotes, denomi-

nados feciais, e implicava sempre a noção de guerra justa, ou seja, a guerra como reparação de uma injustiça ou dano

Pertenca 2

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Podemos, portanto, afirmar que a guerra na Roma primitiva envolvia aspectos religiosos importantes, na forma de

id

dação da cidade, 1, 24).

di

a

cometido contra o povo romano. Antes de qualquer ato de guerra, os feciais deviam, segundo o ritual, pedir satisfações (res repetere), reclamar as injúrias sofridas (clarigatio) e, em caso de não atendimento, declarar a guerra, atirando uma lança ensangientada em território inimigo. Vencida a guerra, os adversários batidos deviam entregar-se à discrição, tanto pessoas como bens (deditio), e estabelecer um tratado (foedus), pelo qual se colocavam sob a proteção de Roma (uenire in fidem). Essa aliança, efetuada por meio dos feciais, era consagrada com o sacrifício de um porco, invocando-se a vigilância de Júpiter para seu cumprimento (para o ritual dos feciais veja-se Trro Lívio, História de Roma desde a fun-

42

pa ur O estrangeiro ou inimigo e, ao menos no que diz res-

peno às relações entre os homens e o mundo divino, devia

ser apresentada como uma reparação, como a recuperação de algo perdido e, não. como uma conquista ou saque obje-

tivando um ganho consciente e imotivado. Contudo, embora tal formulação religiosa deva ter influenciado o processo

-somente uma das elaborações ideológicas envolvendo tal pro-

cesso, que preserva traços bastante arcaicos, devidos à sua inserção na esfera do sagrado. Não podemos descartar, dessa forma, a claboração paralela de explicações leigas ou politicas para a atividade expansionista, que surgiam e eram

To

de expansão romana, devemos considerar que representa tão-

utilizadas nos debates e choques internos que precediam a declaração de uma guerra. Quando dispomos de fontes romanas contemporâneas, a partir do século 1] a.C., observamos uma elaboração leiga que, sem dispensar a noção de guerra

|

justa, não centra nela sua atenção: para os autores do final

Além do fato de a representação religiosa, mesmo que eventualmente predominante, não ser a única possivel num mesmo momento, parece-nos que o problema principal envolvido na noção de “guerra defensiva" reside na adoção imeforma de de uma pelos autores modernos, diata,

representação que, na sociedade romana, ecra mediada pelas relações sociais e políticas. Os procedimentos envolvidos no direito fecial implicavam o estabelecimento de relações deslguais entre vencidos e vencedores, vantajosas para estes últimos. Qualquer que fosse a motivação consciente da guerra, portanto, ou a forma de representar/justificar seu início, a vitória acarretava a obtenção de bens materiais (presas de

DO

rt

Cartas a Ático, IV, 16).

O

IV, 69: Cicero,

O e

Histórias,

eTT

Sarustio.

a a

279). pela ''paz'" e segurança trazidas pelo império (cf. CI. cero, República, 1, 63) ou, mais simplesmente, pela possibilidade de se obterem poder e ganhos materiais elevados (cf.

=

da república, a expansão se explicava, entre outros fatores, por uma vocação divina de Roma (cf. ViraíLio, Eneida, 1,

;

44

poderio poguerra, territórios, escravos € soldados), além de

s locais). lítico (glória para os chefes, alianças com aristocracia entre os venEstes deveriam ser administrados € distribuidos utura policedores, seguindo os percursos de sua própria estr

uências tica e econômica. É, assim, absurdo supor que conseq

entrassem nas de tal entidade, advindas de uma vitória, não

Ts

campanha. considerações sobre o início de uma determinada

Imperialismo

e economia

os

e

TOO

q

o

no

as tentaPor outro lado, são igualmente inconvincentes causas unitivas de explicar a expansão romana à partir de economia camente econômicas, por vezes conferindo à sua as aqueum caráter ''moderno”, com caracteristicas próxim tis inlas do imperialismo contemporâneo. Fatores mercan romana, fluenciaram, sem dúvida, o processo de expansão que sobretudo a partir do século II, mas não nos termos em eaparecem atualmente, nem tampouco, com à possivel exc ção de algumas guerras localizadas, constituindo-se no úni

co elemento em jogo no desenvolvimento do imperialismo romano. Como afirmamos no primeiro capítulo, os fatores políticos e econômicos são inextrincáveis no estudo do imperialismo antigo. Se a expansão militar ocasiona um diferencial de poder entre Estados ou povos, esse poder não é uma

categoria abstrata (como uma **vontade de poder”, visto co-

mo poder em si), mas se define sempre para alguma coisa, ou seja, tendo em vista objetivos delimitados. Além disso, implica uma dupla relação de poder. Uma primeira, que define um centro (expansionista) e uma periferia (submetida)

e que permite um fluxo centrípeto de bens, materiais ou não, necessários à metrópole. E uma segunda, igualmente fundamental, que se estabelece internamente, a partir da própria estrutura de poder da cidade imperialista, tendo em vista a obter) delimitação dos objetivos da expansão (o que se visa

edi

44 e de sua distribuição (como distribuir seus fru tos). Essa cstrutura de poder, por sua parte, remete à estrut ura econômi-

ca da cidade-Estado, às diferenças de acesso à terr a entre ricos

e pobres e, portanto, está ligada ao equilibrio políti co resultante da luta de classes em

As

fases

da

seu interior.

expansão

O processo de expansão romana pode ser dividido em periodos distintos, que representam ritmos diferentes de conquista e retração, uma organização diversa do poder interna

e externamente, afetando os objetivos e consegiências do im-

perialismo, em concomitância com as transformações que ocorrem na estrutura econômica da metrópole. São múltiplas

as maneiras de se periodizar e definir momentos distintos no

processo expansionista de Roma, conforme se confira maior

do, conquistaram

o império com

o valor de suas armas,

mas,

para seu próprio benefício, trataram com benignidade os povos vencidos. Afastaram-se tanto da crueldade e do espírito de vingança contra os vencidos que pareciam comportar-se não como inimigos, mas como benfeitores e amigos (...) a uns cederam a cidadania, a outros o direito de matrimônio, a alguns

a

Os romanos. quando decidiram aspirar ao domínio do mun-

=

importância a uma ou outra das variáveis em jogo. Diodoro da Sicilia, por exemplo, que escrevia no século I a.C., diferenciava claramente duas etapas no imperialismo romano, defimidas pelo tipo de tratamento dado aos vencidos:

delxaram a autonomia, e a ninguém mostraram mais rancor do que era necessário (...). Contudo, tendo assegurado o do-

mínio de todo o mundo, quiseram

torná-lo mais estável por

meio do terror e da destruição das cidades mais eminentes. efeito. destruíram completamente

Corinto (em 146 a.C),

erradicaram a potência macedônica, arrasaram Cartago (em 146a.C.)e. na Celtibéria, Numância (em 133 a.C,), aterrori)zando muitos povos.

(Bibliotheca historica, XXXII,

4)

mg

Com

or

or

45

Salústio, que, ao contrário de Diodoro, preocupa-se com os efeitos internos do imperialismo romano, também considera esse período, em particular após a destruição de Cartaso, como uma nova fase do poder imperial de Roma, mas por motivos diferentes: Além

disso, as lutas entre o partido popular e as classes

dirigentes, causa de todos os males que se seguiram, haviam

surgido poucos anos antes em Roma, resultantes do ócioe da fartura, os bens mais estimados pelos homens. Pois antes da

destruição de Cartago, o povo e o senado romano administra-

vam conjuntamente a república com placidez e moderação. Nem a glória, nem o poder geravam disputas entre os cidadãos,

pois o medo do inimigo mantinha a cidade no bom caminho. (Guerra de Jugurta, XLI, 1-2)

A moderna bibliografia distingue também fases diferen-

tes no desenvolvimento do imperialismo romano, definindo sejam alterações políticas em sua condução e organização, sejam transformações econômicas — no sistema produtivo romano ou nos objetivos da expansão — ou ainda mudanças de mentalidade no seio da classe dirigente. Como marcos

importantes são mencionados, com frequência, acontecimen-

tos como a primeira guerra púnica, em 264 a.C., quando a

expansão ultrapassa os limites da Itália, rompendo com o antigo sistema de alianças no tratamento dos territórios conquistados (Sicilia e Sardenha); a segunda guerra púnica, que transformou Roma em uma grande potência mediterrânea,

pondo-a em contato com os reinos helenísticos; diversos episódios da expansão romana no século II a.C., tanto no Oci-

dente como no Oriente, considerados indicativos de alterações significativas na condução do imperialismo romano (por exemplo, a segunda e terceira guerras macedônicas, as campanhas na Espanha, a destruição de Cartago e Corinto). M. Finley (1978, p. 62-3) propõe uma periodização da

expansão romana em três fases, caracterizadas pelo sistema

St

de organização das conquistas e pelo tipo de vantagens advindas da ação imperialista; um primeiro periodo, marcado pela conquista da Itália central e meridional, que produziu

presas de guerra e grandes extensões de terra confiscadas,

além do reforço militar proveniente da inserção, no exército romano, de soldados recrutados entre os povos itálicos; da guerra com Cartago até o fim da república deu-se a forma-

ção do sistema provincial, gerando um grande aumento das presas de guerra e taxas regulares das províncias; durante O principado, a pax romana reduziu enormemente as presas de

guerra, mas as taxas e requisições provinciais aumentaram constantemente.

Embora tal esquema tenha virtudes em sua economia e

simplicidade, e conquanto se possa concordar, em linhas ge-

rais. com os balizamentos cronológicos adotados, esses critérios parecem-nos insuficientes para caracterizar os diferentes

momentos da expansão romana, Em outras palavras, não permitem observar, com a riqueza necessária, a diferente natureza do imperialismo

romano

em suas fases. Para tanto, é

necessário levar em conta os elementos estruturais internos, a organização da economia e do sistema político, para que

expansão se possa compreender as causas € motivações da veree as formas de sua organização. Por outro lado, como

bem mos, o diferencial de poder entre Roma e sua periferia, m à transcomo o afluxo de riquezas que proporcionou, levara metrópole. formação das condições internas da própria roPodemos distinguir dois períodos no imperialismo suas causas, mano. essencialmente diversos em sua natureza, a nosso ver, motivações e consequências. Tal distinção, icas e politieconôm s relaçõe das de ficida especi da a-se origin da Roma mocas em Roma nos dois momentos. À expansão foi realizada nárquica e republicana, até o século III a.C., na qual os cipor uma sociedade essencialmente camponesa, de terra, em gelotes de edade propri pela am defini se dadãos pelo proprieral de pequena extensão, que eram cultivados

47

cráticas, por sto ari as ili fam das o cas no ou, a íli fam tário e sua por trabalhadores dependentes,

ligados à classe dominante

ivas tendiam, assim, ut od pr es ad id un As . ela ent cli de laços , fundamental-se ava tin des ão uç od pr a e as, uic árq a ser aut s deutor e de seu od pr o ri óp pr do eto dir o um ns co mente, ao

ia voltada om on ec a um de to, tan por , se aav pendentes. Trat qual o mercado e as na , uso de s ore val de ão uç od pr a para

atividades produtidas to un nj co no ios iár sid sub am trocas er pela terra e pela a lut a m ia lv vo en s iai soc tos fli con vas. Os camponeos en qu pe os m ia et bm su e (qu s abolição das dívida , pela igualdade civil cos íti pol os rm te em e, ) cia cra sto ari ses à

turas. e jurídica e pelo acesso às magistra intensidade, r io ma m co e, . a.C III ulo séc do No curso

desenvolve-se em Roma , ica pún rra gue a nd gu se da tir par a seada na utilização de mão-de-obra

a produção mercantil, ba pela primeira o, nt me vi ol nv se de O . ala esc ga lar escrava em odução escravista covez no Mundo Antigo, do modo de pr ilitado e favoresib pos foi e nt na mi do o iv ut od pr a tem mo sis propiciara a que or, eri ant sta ali eri imp ão ns pa ex cido pela eriais, terras e escraacumulação de recursos — em bens mat ão numa forma de ers inv sua e de da ti an qu de an gr em — vos

à produção a ad lt vo a) ist rav esc la vil ou a nd ze fa (a produção em expansão. Por de bens agricolas para venda num mercado ica alterou proôm on ec o çã ma or sf an tr ta vas a ess o, lad outro za do imperialisfundamente a dinâmica e a própria nature recursos e na mo romano, na utilização e distribuição dos stas. forma de organizar e administrar as conqui ento dado Esse fato é observável não apenas no tratam exercido sobre OS é r de po O mo co a rm fo na e os cid ven aos cas em Roma, onmesmos, mas igualmente nas disputas políti a agudização um a am ri va le ial soc ura rut est na s çõe era de alt tribuição dos bedos conflitos, no final da república, pela dis

erística mais orIact car a o, ud nt Co al. eri imp er pod do nefícios

unto dos imperiaginal desse período, se tomarmos O conj alismo romano ri pe im o de de da ci pa ca a é s, igo ant lismos

+M

alterar a estrutura econômica das regiões subjugadas e, em grande medida, integra-las à sua própria economia, mercantil e escravista. Nesse sentido, o estabelecimento do principado agirá sobretudo na esfera da superestrutura política,

mediando e regulando as relações entre as classes no interior da metrópole e organizando um sistema de exploração das províncias,

dimensões

sob o signo da paz romana,

condizente com

territoriais do império romano.

as

>

Os inícios do imperialismo romano

o estabeleós ap , na ma ro ão ns pa ex da is cia As fases ini através da traas en ap as id ec nh co são a, ic bl pú re cimento da autores como Tito de io me por ar ul ic rt pa em , ior ter dição pos eram no século 1 a.C. ev cr es e qu a, íli Sic da o or od Di e io Lív ém deles, da dinâmica A reconstrução dos eventos e, para al ser tentada de po só as ad cu re as ap et as ss ne mo is al do imperi ões contidas nesaç rm fo in das a tic crí o çã ia al av a um de através nvolvidos sobre a €sse de s lo de mo nos se ba m co , tes fon sas economia romana da o nt me na io nc fu o e ial soc ão aç ur ut tr dos recursos estinessa época. Além dos relatos legendários, ções impostas pela vilísticos (como os discursos) e das limita odos iniciais rí pe dos am nh ti es nt fo as ss no e qu a ri óp são pr emente diante de rent ue eq fr os -n mo ve , na ma ro ão ns pa da ex passado de Roma no am et oj pr e qu s, ca ni rô ac an s õe uç tr ns co s e conflitos que episódios da história posterior, dos evento s impregnam as marcaram o fim da república. Tais elemento e das causas e obevidências disponíveis, dificultando à anális s. jetivos da expansão romana em seus início

"na

red

Terra e expansão pansão pareUm dos elementos determinantes dessa ex

observável nas lutas ce ter sido a busca de terras cultiváveis,

ias.

E ce

as

ll

internas em

Roma

e nos recursos obtidos com as conquistas.

Ns lutas sociais na Roma arcaica são eeralmente encaradas RUA SEM ângulo politico, centrando-se na disputa entre patri-

cios e plebeus pela divisão do poder na cidade € pelas suces-

ivas vitórias da plebe: tribunado, redação das leis, parti-

cipação nas magistraturas civis e religiosas. Mas reveste-se, igualmente, de um forte componente econômico, opondo não apenas patrícios e plebeus, mas ricos e pobres. Aí se enquadram a luta pela abolição da escravidão por dívidas e do neXtun, bem como as 22 leis agrárias mencionadas pela tradição entre 486 e 367 àa.€. N

forma

como

eram

tratadas

as cidades

submetidas



relaciona-se intimamente com a questão da terra. Ao contrário do que podemos observar, por exemplo, no imperia-

"

que perdiam a capacidade de autogoverno, sendo adminis-

lismo ateniense, as áreas progressivamente anexadas por Roma cram integradas em seu sistema político e seus habitantes admitidos, cm maior ou menor grau, na cidadania ro“mana. Isso ocorria no quadro de uma complexa escala de relações, indo da preservação da autonomia municipal, com a integração ao direito público e privado romano (direito de votar e ser eleito, de comércio e matrimônio), até formas intermediárias: cidades aliadas, cidades que recebiam apenas o direito privado. colônias de direito latino e romano e áreas



|

|



tradas por magistrados romanos. Por outro lado, Roma expropriava parte das terras nas regiões conquistadas pela força ou que se haviam rebelado, apropriando-se de uma extensão variável de seu território (entre 1/3 e 2/3), Tais terras constituíam, provavelmente, o principal aporte material da conquistaceram integradas à propriedade pública do Estado romano como ager publicus (terras publicas). A ampliação do ager

publicus tornou-se, assim, um dos principais resultados da

torexpansão romana e o foco das lutas políticas travadas em

no da distribuição de seus benefícios em

Roma,

|

| |

51

Terras públicas e conflito agrário A terra anexada, que se tornava propriedade do Esta-

do, era distribuida aos cidadãos segundo diferentes modali-

dades de assignação. Uma

parte considerável era destinada

à fundação de colônias, que funcionavam como postos avan-

cados do domínio romano, controlando regiões hostis e agin-

do como válvula de escape para as pressões pela terra em

Roma e nas cidades aliadas. Até meados do século IV a.C, a expansão foi, em grande medida, um feito da Liga Latina,

que congregava as cidades do Lácio — incluindo Roma, ainda que em posição hegemônica e por vezes hostil frente aos aliados (cf. Heurcon, J. Roma y el Mediterráneo occidental. Barcelona, Labor, 1976. p. 202-5). Com efeito, o coman-

do do exército e as decisões sobre o processo de expansão eram tomados em conjunto (iussu nominis latini) e as colô-

nias fundadas no território conquistado eram “latinas”, de

|

cuja formação tomavam parte cidadãos romanos € habitantes de outras cidades do Lácio. Após a dissolução da Liga Latina, por volta de 340a.€., prosseguiu a fundação de colônias, diferenciadas em dois tipos: umas, de caráter essencialmente militar, eram colônias

de cidadãos romanos, cujos colonos preservavam a cidadania romana. Eram formadas por grupos pequenos, de trezentos soldados, que recebiam lotes de terra de extensão reduzida e em território hostil. Outras eram instaladas na costa (Antium, Terracina), um indício de que a política expansionista romana, já nessa época, não se limitava à conquista

territorial, mas possuía interesses marítimos. Por outro la-

do, Roma continuou a fundação de colônias latinas, com con-

tingentes mistos (romanos e latinos) que podiam atingir seis

!

mil colonos. Estes recebiam lotes de terra variáveis, em geral

|

muito pequenos. Além de atenderem a objetivos defensivos,

|

essas fundações tinham um claro escopo colonizador, distri-

buindo a terra conquistada entre a população camponesa de

|

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Pastance

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LUTELA

Foictara

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ali Ea

Roma

e de seus aliados e reproduzindo, nas colônias, a eco-

nomia de subsistência, centrada na pequena propriedade camponesa,

que

era caracteristica

de Roma

nesse período,

As

quarenta colônias fundadas entre 338 a 218 a.C., implican-

do o deslocamento físico de uma população entre cem e 250 mil pessoas, dão uma idéia da importância da colonização como fenômeno político e econômico na Itália arcaica. A fundação de colônias não era o único destino dado ao terreno público conquistado. Este podia ser distribuido a população individualmente, como parte do próprio territorio de Roma. Os exemplos de tais assignações são raros na Roma arcaica. O mais famoso e importante está ligado à conquista da cidade etrusca de Veios, com quem Roma travou uma

longa guerra e cujos amplos territórios foram confisca-

dos em sua totalidade, As terras da cidade, transformadas em ager publicus, foram posteriormente repartidas em lotes

de sete iugera e distribuídas à população de Roma, como resultado de uma intensa agitação social na cidade. Tal forma de repartição, cujo caráter social é evidente, enfrentava, por vezes, a oposição da aristocracia e do senado. Assim, a proposta de distribuição das terras conquistadas aos gauleses no norte da Itália (ager gallicus) pelo tribuno Caio Famínio, no final do período que estamos considerando, foi violentamente

combatida pelo senado, que, pela primeira vez, perdia o controle sobre a distribuição dos benefícios da expansão. Polibio, historiador grego do século II a.€., viu nessa derrota O início de uma longa crise política em Roma: foi para os romanos a origem do pervertimento do povo. A maior parte do ager publicus, contudo, permanecia indivisa e era ocupada por aqueles que possuíam os meios para cultivá-lo, mediante o pagamento de uma taxa para O Estado. Tais terras eram, por vezes, deixadas aos habitantes

originais, dos quais se obtinha assim uma renda, mas, em geral. acabavam nas mãos da aristocracia fundiária romana (até o século IV a.C., o patriciado), que aí encontrava uma forma de estender suas propriedades e de aumentar sua riqueza.

33

Ao contrário das assignações a camponeses, a ocupação do ager publicus pela aristocracia não levava, necessariamente, a um grande deslocamento populacional, pois ela cultivava os lotes ocupados por meio de seus dependentes ou utilizando-se da mão-de-obra local. Tais lotes, além de mais extensos que os pequenos terrenos distribuídos à população pobre, localizavam-se longe de Roma e se repartiam por vários territórios. Assim,

sua ocupação

por uma

aristocracia

cada vez mais urbana, que não os geria diretamente, visando tão-somente a obtenção de uma renda agrícola, representaria um passo importante na transformação da economia cam-

ponesa, essencialmente familiar e autárquica, em direção ao modo de produção escravista e à economia mercantil.

As leis agrárias A distribuição dos territórios confiscados, nas suas Várias formas possíveis, provocou uma longa série de lutas so-

ciais em Roma,

materializada nas várias leis agrárias do

período, transmitidas pela tradição. Destas, a mais antiga é

a proposta de lei agrária de Espúrio Cássio (na primeira metade do século V a.C.), que visava distribuir à plebe e aos

latinos as terras tomadas aos Érnicos no Lácio (cf. Tiro Lívio, II, 41; Diocoro, VIII, 69). Apesar dos anacronismos presentes nesses relatos, pode-se observar, na legislação agrá-

ria, uma certa correlação entre as lutas políticas, opondo patrícios e plebeus, e aquelas econômicas, pela posse da terra. Essa associação é mais compreensivel ao sabermos que a es-

trutura política era o instrumento principal terminavam os objetivos da expansão e se resultados. A partir de 424 a.C. ocorre uma nova leis agrárias e agitações, correspondendo à

pelo qual se dedistribuíam seus concentração de aquisição de no-

vos territórios, como Fidenae. Contudo, no início do século

+

ad

EV AE,

agitações parecem cessar por mais de um sécu| O Eno + IS pode ser atribuído a dois fatores: em primeiro lucar, à conquista da igualdade politica entre patrícios e plebeus,

que destez a aliança entre plebeus ricos e pobres: além disso, à conquista de Veios. em 396 a.C., com seu amplo e fértil território, deve ter contribuído para o esvaziamento das tensves

sociais em Roma por um longo periodo. Numa sociedade essencialmente camponesa, como a ro-

mana arcaica, não é difícil entender a centralidade da questão da terra na expansão imperial. Para tanto, não é

necessário propugnar como causa um suposto exaurimento das terras aráveis (como faz T. Frank). Fatores mais Impor-

tantes foram, sem dúvida, uma forte pressão demográfica e uma estrutura agrária que distribuia desigualmente o acesso à terra. Enquanto a aristocracia dispunha de vários lotes de terra, relativamente grandes e espalhados por um amplo ter-

rtório (graças à ocupação do ager publicus), a família cam-

Se é possivel identificar na busca de terras um dos móveis fundamentais da expansão romana no período, não é clara a maneira como essa necessidade era mediada e expressa politicamente. É necessário, portanto, analisar em maior detalhe as formas de controle político do processo de expansão

o re atendo oo

een

e luta política

o

Imperialismo

ie

ei

próprio núcleo familiar. Daí advinham a fome, o endividamento e a consequente perda da propriedade e sujeição às familias ricas, cujas propriedades eram menos susceptíveis aos efeitos de uma crise,

A

ponesa depositava todas as suas esperanças em uma única unidade produtiva, em geral de reduzida dimensão. Deve-se ressaltar, ainda, o baixo nível tecnológico da agricultura, que expunha os camponeses a graves crises sazonais, quando a produção não atingia o montante necessário à reprodução do

E

e os conflitos associados ao mesmo. Apesar da existência de duas assembléias e da participação popular na eleição dos ma-

gistrados e na aprovação das leis, a estrutura política roma-

na preservou sempre um nitido caráter oligárquico, manifesto

na hegemonia excrcida pelo senado — que cra vitalício — na condução política do Estado. Isso não significa, entretanto,

que a população pobre estivesse excluída do processo políti-

co ou que não dispusesse de instrumentos de pressão para o atendimento de suas reivindicações, desde ações radicais —

como as várias secessões da plebe — até o apoio a candidatos que sustentassem uma plataforma de seu Interesse. No que diz respeito, especificamente, ao processo de expansão, ou seja, à tomada de decisões sobre determinada guerra e à ,

|

o

ig 5

e

ie

eg

(

administração de seus resultados, o poder repartia-se desi-

gualmente entre o senado, os magistrados superiores, tam-

bém membros do senado, encarregados do comando das operações de guerra, e os comícios por centúria, que, na Ro-

ma arcaica, eram responsáveis pela aprovação das declarações de guerra — sob proposta do senado — e pela aprovação de leis (como as leis agrárias) relativas a seu resultado. Essa estrutura política deixava ampla margem de con-

trole e decisão nas mãos da oligarquia senatorial. Tal con-

trole,

por sua vez,

era ressaltado

pelas

características

de

funcionamento das duas assembléias populares em Roma: por

centúrias e por tribos. As assembléias da plebe, de caráter mais democrático, reuniam toda a cidadania (excetuando-se os patrícios), que votava por tribos, independentemente da

eq

canais

meio oi

riqueza pessoal dos participantes. No entanto, os votos não

eram computados individualmente, mas por tribos, e as decisões da assembléia (os plebiscita) não tinham, até o século ll a.C., valor de lei para o conjunto da sociedade, sendo apli-

cáveis apenas aos próprios plebeus. Mais importantes, na república antiga, eram as assembléias por centúrias, que representavam o povo em armas e nas quais o voto era segmentado em centúrias (originariamente batalhões de solda-

classes mais ricas, que votavam em primeiro lugar, enquanto os cidadãos mais pobres (os proletarii), que não atingiam

um

censo

pecuniário minimo c não participavam do exérci-

to. voltavam em uma única centúria. Era a assembléia centu-

riada que

elegia os magistrados

e aprovava

declarações

de

guerra, deixando uma grande margem de controle nas mãos dos ricos. Tendo em vista o domínio exercido pela aristocracia fundiária no comando da expansão, como entender que a busca de terras constituisse um dos fatores por trás do imperialismo romano e uma válvula de escape das tensões sociais? De

que maneira os romanos sem terra, cuja participação no sistema político cra insignificante, poderiam influenciar na condução e delimitação dos objetivos da guerra? Por outro lado, é possivel supor que o exército romano, formado por camponeses que já possuiam um lote de terra, fizesse guerra tendo em vista os interesses daqueles que nem mesmo eram recrutados! Para responder a tais questões é necessário admitir que a resolução das tensões sociais não era um dos objetivos €xplicitos da expansão, mas o resultado, seja da maior disponibilidade de terras. seja das lutas internas na própria Roma. Os benefícios da conquista, portanto, podiam levar, num primeiro momento, à agudização dos conflitos e, não, à sua solução, A aristocracia fundiária tinha na expansão uma forma de ampliar seu próprio poder, adquirindo glória e prestígio militar. estabelecendo alianças com as aristocracias dos Estados aliados, fortalecendo o exército com os contingentes provindos destes últimos. No tocante às terras confiscadas, sua principal preocupação residia no aumento de suas pro-

pricdades através da ocupação do ager publicus. Já para a massa camponesa plebéia, que possuía pequenos lotes de terra a cultivados pela própria família, tais terras representavam

-

dos), distribuidas segundo a riqueza individual dos soldados. Assim, de um total de 193 centúrias, 98 eram reservadas às

57

ográfica, evipossibilidade de aliviar Os efeitos da pressão dem edades por hetando a excessiva fragmentação de suas propri

licação dos rança ou dote. Não se tratava, portanto, da multip

aristocracia, lotes de uma mesma família, como no caso da

outro lamas da multiplicação das unidades familiares. Por

nidade de addo, a participação no exército oferecia a oportu

s móveis. quirir presas de guerra, em especial gado e outros ben

vavelmenPara os proletarii, que nessa época constituíam, pro — mas que se te, um contingente minoritário da população

as terras ampliará constantemente até O século 1 a.C. —, ess básico de representavam a possibilidade de acesso ao meio

tus social e produção, com consequente elevação de seu sta

de sua participação política.

no Também os interesses dos aliados, que participavam eração. esforço militar romano, deviam ser levados em consid

século Em primeiro lugar, porque a expansão romana até o

IV a.C. foi, como dissemos, em grande parte uma ação con

junta da Liga Latina. Além deste fator, entretanto, o imperialismo romano implicava uma integração progressiva das áreas conquistadas à sua estrutura politica, baseando-se numa aliança entre grupos aristocráticos com objetivos comuns.

Se a conquista romana representava a perda de bens mate-

riais e da autonomia política dos vencidos, possibilitava que

as camadas dominantes destes últimos preservassem sua au-

tonomia frente à plebe, baseando-se no imenso poderio militar de Roma. Esta, por sua vez, integrava a seus interesses

expansionistas aqueles dos aliados, fossem comerciais — co-

mo na defesa dos comerciantes itálicos, em particular após a conquista da Magna Grécia —, políticos ou sociais (na disOs interesses de todos esses grupos achavam-se, de certa forma, conjugados na fundação de colônias, em especial aquelas de direito latino. Como vimos, contudo, os lotes repartidos eram de extensão muito reduzida, localizados em região hostil e distante de Roma, fazendo com que seus colo-

0

——

e

em

e dj — —

tribuição de terras).

= a

ri]

hos

perdessem

seus

direitos

politicos

de cidadão

romano.

Alem disso, devemos admitir que a oligarquia reserv ava para st as melhores terras (em fertilidade e proximida de de Roma). Esses fatores explicam uma certa resistência. por parte dos plebeus pobres, em aceitar a emigração para essas colômas.

[ossem romanas ou latinas, ou seu abandono logo após

a fundação (cf. Tiro Livio, X, 21). À pressão popular se exercia, portanto, no sentido de se distribuirem, individualmente, as terras mais férteis e próximas a Roma, sem a criação de colônias. Essa forma de repartição chocou-se com uma forte oposição senatorial todas às vezes em que foi proposta, como na já citada distribuição das terras de Veios ou naquela que foi a primeira tentativa de assignação individual, a lei agrária de Espúrio Cássio (data tradicional, 486 a.C.), cujas vicissitudes nos são descritas por várias fontes posteriores. O relato de Tito Lívio, apesar de certos anacronismos, permite-nos ter uma idéia das aspirações e conflitos envolvidos: No

ano

seguinte (486), no consulado

de Espúrio Cássio e

Próculo Vergino, fol feito um tratado de paz com os Ernicos,

incluindo-se em seus termos o confisco de 2/3 de seu território. O cônsul Cássio propôs entregar metade dessa terra aos latinos e metade à plebe romana, e estava ansioso para, se pos-

sível. aumentar essa doação pela distribuição de outras parcelas de ager publicus mantidas ilegalmente em mãos privadas. Os

homens

que

as ocupavam

ram alarmados com a ameaça nobreza como

— em

grande

número



fica-

a seus interesses, enquanto a

um todo preocupava-se com o aspecto político

da questão (...). Esta foi a primeira vez que se apresentou

uma

proposta de lel agrária perante o senado, e desde então todas

as propostas nesse sentido causaram sérios distúrbios, O ou:

tro cônsul, Vergino, opôs-se à entrega das terras, no que foi

apoiado

pelo senado.

(II, 41)

As agitações populares em torno da distribuição de terras estenderam-se por todo o século IV a.C., culminando

59

o já foi na tomada de Veios em 396 a.C., cujas terras, com um cerobservado, permitiram aliviar a pressão popular por

ação de to período. Os embates em Roma, quando da declar tar, a guerra a Veios, permitem avaliar como o serviço mili o do poder distribuição dos benefícios da guerra e a repartiçã arcaica: político eram temas intimamente ligados na Roma que O senado romano instruiu os tribunos militares para

pedissem

o consentimento

do povo, o mais rápido possivel,

o foi uma para a declaração de guerra (contra Veios). O resultad

tavam o desonda de protestos (...). Os tribunos da plebe inci

igo concontentamento geral, afirmando que o verdadeiro inim

tra o qual

lutava o senado

Estado estrangeiro,

mas

não era Veios, ou qualquer outro

a plebe romana.

O senado, diziam,

miliatormentava deliberadamente os plebeus com 0 serviço tendotar e cortava-lhes as gargantas sempre que podia, man

se -os ocupados em regiões estrangeiras, com receio de que, gozassem de uma vida pacífica em casa, começassem

à pen-

sar em coisas proibidas — liberdade, terras próprias para cultivar, a divisão das terras públicas, o direito de votar segundo sua vontade.

Características da expansão

(Tiro Lívio, IV, 58)

inicial

Do exposto neste capítulo, podemos extrair algumas con-

clusões sobre as características essenciais dessa primeira fase

do imperialismo romano, confrontando-o com o império de Atenas no século V a.C. Em primeiro lugar, a questão da terra é fundamental em ambos os processos de expansão. Além disso, tanto em Atenas como em Roma essa questão nunca se colocava em termos de crítica à estrutura agrária da própria metrópole — ou seja, visando à repartição das propriedades da camada dominante —, e sim quanto à repartição dos territórios conquistados. Contudo, enquanto essa distribuição, em Atenas, ocorria por um processo pacifico, com a criação

6d)

de clerúquias em terras dos aliados, em Roma envolvia sem-

pre um contlito acirrado entre a oligarquia senatorial e a população

pobre.

Tal

fato deriva,

sem

duvida,

da diferente

estrutura política das duas cidades, pois o demos ateniense possuia

instrumentos

clicazes de poder para controlar a ex-

pansão e gerir seus resultados. Em Roma, o controle das camadas

dominantes

era muito

mais

forte,

fazendo

com

que

os benefícios da expansão se concentrassem nas mãos da oligarquia. Dai também uma oposição mais forte da população romana e dos aliados frente ao recrutamento e ao serviço

militar, que se fez presente em diversos episódios da história arcaica de Roma, tornando-se mais premente no século Il a.C. No tratamento aos vencidos, a posição de Atenas e de

Roma distingue-se profundamente. A Liga de Delos era formalmente uma aliança militar, mas na prática seu contingente mulitar ecra quase exclusivamente ateniense. Atenas apoiava-se nos grupos democráticos das cidades submetidas, influindo em seu regime politico, embora sem afetar sua autonomia local, De seu império, Atenas assegurava o abastecimento da cidade em bens essenciais, arrecadava um tributo ingente, com o qual pagava seu exército, distribuindo-o de formas variadas entre a população. Roma, por sua vez, estabeleceu uma complexa rede de alianças, baseando-se nas aristocracias locais, cujos interesses, a nivel externo, assumia como seus. Da conquista, Roma obtinha presas de guerra que, sem terem a magnitude que atingiriam no século Il a.C., eram por vezes consideráveis (como em Veios). Além disso, apropriava-se de largas extensões de terra, distribuídas nas formas que vimos acima, por vezes após violentos conflitos internos. Mas o tributo mais importante, para a continuidade e ampliação do processo expansionista, era um tributo de sangue. Os soldados das cidades vencidas passavam a fazer parte do exército romano, chegando mesmo a compor sua maioria. Foram tais forças que permitiram a Roma estender suas conquistas pelo Mediterrâneo. Por outro lado, o apoio

61]

prestado pelos aliados não seria compreensível se estes não fossem, de certa forma, bencficiados pela expansão. Obviamente que tais benefícios não eram univocos € por vezes ocor a riam defecções. O apoio às aristocracias locais permitiu da manutenção de regimes oligárquicos e conteve as pressões

recaiam população mais pobre entre os vencidos, sobre a qual

— os — ao contrário do que ocorria no império ateniense

encargos mais pesados da dominação. Além disso, essas arisra tocracias participavam na distribuição das presas de guer romae na fundação de colônias. A concessão da cidadania

iii:

na, que se ampliou no decorrer desse período, permitia tam-

e bém uma maior integração de interesses, em especial entr cenas camadas dominantes, amenizando a distinção entre

tro e periferia. Por fim, e em termos mais gerais, a dominação romana representava a paz interna € O fim dos conflitos

entre cidades, na medida em que todo o esforço militar era

concentrado para fora da área de dominação romana. A expansão romana dos primeiros séculos da república

assentou as bases para as grandes transformações sociais eco-

nômicas que observamos a partir de fins do século HI a.C.

abundantes recur-

A conquista da Itália propiciou a Roma

sos materiais e humanos, colocando-a em contato com os grandes reinos helenísticos do Oriente e com as rotas comer-

|

ciais que cruzavam o Mediterrâneo. A unidade política italiana representou um incentivo à integração econômica da

península. Por outro lado, o afluxo de riquezas e sua concentração nas mãos da aristocracia romana foi um fator fundamental para a superação da antiga economia camponesa de auto-subsistência e sua substituição pelo modo de produção escravista, com suas unidades produtivas voltadas para a venda ao mercado, e que se instaurou nas propriedades da oligarquia romana espalhadas pelo território italiano. Não é possível estabelecer uma data fixa para essa transição, mas podemos observar seus efeitos internos e externos já durante

|

o século III a.C. e, com muito maior intensidade, no século.

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dinâmica do próprio imperialismo romano, moa organização das conquistas, os objetivos e da expansão e as formas de distribuição de seus em Roma.

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damente à dificando resultados benefícios

|

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seguinte. Essa transformação, por sua vez, afetou profun-

e

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fi

6 Os últimos séculos

da república

A organização

das conquistas

No curso do século III a.C. completa-se a conquista da Itália apenínica. Como vimos no capítulo anterior, Roma organizou os territórios anexados, integrando-os, em diferentes níveis, ao seu próprio sistema político e ao processo de expansão. As conquistas ultramarinas, que se jniciam em 264

a.C., com a primeira guerra púnica, e que estenderão o do-

mínio romano por toda a bacia mediterrânea, serão organizadas de forma diferente. Os territórios anexados são, agora, agrupados em províncias — delimitadas geograficamente — e integrados em um sistema regular de exploração. Ao contrário dos procedimentos anteriores, quando se enfatizava o confisco de terras, as alianças políticas e o suprimento de sol-

-—

dados, as províncias serão, agora, essencialmente uma fonte

:

de recursos regulares e fixos, obtidos pela imposição de um tributo anual, pelo pagamento de indenizações de guerra ou pela exploração de recursos naturais (como minas de ouro e prata), que se tornam monopólio da metrópole. O tipo de tributo exigido (em espécie ou moeda) e seu montante total eram estabelecidos quando da organização da província, sendo específicos para cada caso. O exemplo me-

(1d

lhor conhecido é, sem dúvida, a Sicília, primeira província

romana,

Graças

incorporada

após a primeira guerra com Cartago,

a alguns discursos de Cicero, dirigidos contra Ver-

res, que fora governador da Sicilia, podemos

conhecer com

algum detalhe a organização tributária imposta pelos roma-

nos à ilha. Após

a conquista,

Roma

determinou,

às regiões

que tomara dos púnicos, o pagamento de um tributo em especie, arrecadando, anualmente, um décimo da produção de

trigo — o principal produto da ilha.

Na exação desse tributo, os romanos

utilizaram-se do

sistema que Siracusa havia empregado nas regiões da ilha sob

seu domínio (a chamada lex Hieronica). É importante ressaltar que, como acontecerá na organização ulterior das provincias. o Estado romano não arrecadava diretamente o tributo, mas adjudicava o direito de cobrança a particulares, através de leilões. Esse sistema, empregado também na reali-

zação de obras públicas e em toda a tributação estatal, levaria ao surgimento de um grupo social de grande importância

nas lutas sociais do fim da república — os publicanos —, cu-

jo desenvolvimento ligava-se, assim, intimamente ao processo expansionista romano, Além do décimo da colheita, Roma arrecadava, por vezes. uma segunda décima parte (altera decima), para suprir necessidades específicas do exército ou da cidade, ou fazia requisições extraordinárias (frumentim

imperatum),

pagas

a preços abaixo do mercado. Tal sistema tributário em espé-

cie ressalta com clareza um dos aspectos centrais do imperialismo romano — seu caráter importador, sobretudo de bens de primeira necessidade, para atender a uma população crescente em Roma. Nesse contexto, o trigo era O principal prona duto visado, e os romanos o procurariam primeiramente

Sicília. depois na África do Norte e na Espanha e, por fim,

no Egito, Segundo os próprios romanos, à Sicília constituia-

de sua -Se, nessa época, no “armazém da república e nutriz 25): plebe'' (Cicero, Contra Verres,

65

Outras fontes de arrecadação eram o imposto alfande-

gário, cobrado nos portos, e os rendimentos provenientes das

minas, confiscadas e tornadas propriedade estatal. Tais mi-

nas eram particularmente importantes na Espanha, onde os romanos retomaram e ampliaram a exploração iniciada por Cartago. O sistema empregado era semelhante aquele de arrecadação de tributos, isto é, os direitos de exploração eram cedidos a particulares, que procediam à extração do miné-

rio. Segundo Estrabão (Geographia, [I, 2, 10), citando Políbio, apenas nas minas de Nova Cartago trabalhavam quarenta mil pessoas, representando um ingresso de 25 mil dracmas diárias para o Estado romano. Também na Macedônia havia minas importantes, já exploradas antes da con-

quista

romana.

Contudo,

quando

Roma

se

assenhorou

definitivamente da região, em meados do século Il a.C., ordenou o fechamento dessas minas, proibindo sua exploração por alguns anos. Mencionamos tal fato, pois ele é frequente-

mente apontado como prova da ausência de objetivos econômicos na expansão (segundo T. Frank). Como o próprio Tito Lívio assevera (XLV,

18), no entanto, essa decisão pa-

rece inserir-se no contexto dos choques internos entre parte da aristocracia senatorial e os publicanos (que, como vimos,

deveriam arrendar os direitos de extração), conflito esse ma-

nifesto desde a censura de Catão, em 184 a.C. (cf. Tiro Lívio, XXXIX, 44). No último século da república, segundo Plutarco (Vida de Pompeu, 45), a entrada total de recursos das províncias

amontava a cerca de duzentos milhões de sestércios, soma que teria se elevado, com a sistematização promovida por

Pompeu, a 340 milhões, o suficiente para garantir a subsistência de dezenas de milhares de pessoas durante um ano. E isso antes da conquista da Gália e do Egito, que representa-

ram um notável aumento dos ingressos. Além dos rendimentos regulares, o sistema de tributa-

ção punha em funcionamento uma série de mecanismos de

-——

frfh

acumulação arrendamento

privada, dos

que onerava a carga das províncias. O

tributos

e LAXAS

Aos

publicanos,

aliado

ao

desinteresse do Estado pela exação direta, incentivavam uma

co brança

excessiva

das

populações

submetidas.

Onde

contravam os publicanos, nos diz Tito Lívio (NLYV,

se en-

18), não

havia direito público ou liberdade. Essa atividade predatória ecra tolerada pelos próprios governadores romanos, de extra-

e

25):

Em um artigo publicado em 1977 (Rome and the Greek

world:

economic

relationships.

Economic

History Review,

Cumbria, Economic History Society, 30 (1): 43-52, 1977), M. Crawford procurou demonstrar que grande parte do tributo arrecadado por Roma no mundo grego permanecia no proprio local, graças à aquisição de terras e de produtos gregos por parte dos comerciantes, soldados e da aristocracia romana. Essa tese, se válida, aplica-se apenas à massa monetária

ms

Sila,

o

de

aa

Vida

o

PLUTARCO,

,

aa nd

(cf.

|

DO mo

Os governadores, por sua vez, participavam do processo espoliatório através do controle que exerciam da justiça ce do poder militar. O cargo de governador representava assim, para a aristocracia senatorial, a possibilidade de aumentar extraordinariamente suas riquezas. Através dos discursos de Cicero contra Verres, já mencionados, podemos ter uma ideia da extensão e magnitude desse fenômeno. Para tazer frente a essas exigências, as cidades submetidas cram obrigadas a tomar dinheiro emprestado da própria aristocracia romana, o que aumentava o fluxo de riquezas para esta, graças aos juros exorbitantes que cobrava. Sila, por exemplo. durante suas campanhas orientais, impôs uma contribuição de vinte mil talentos às cidades da Ásia. Com os juros sobre os empréstimos que estas fizeram para pagála, a quantia devida sextuplicou, atingindo 120 mil talentos

|

“=

Árico, VI. 1,6).

Ta

cão senatorial: “Parece-me que queres saber como lido com os publicanos. Tenho por eles um respeito sagrado, peço seu conselho, encho-os de cumprimentos” (Cicero, Cartas a

T—

67

tributada, mas não nega o fluxo de bens materiais para a metrópole, nem o caráter espoliatório da dominação romana.

Além disso, as camadas responsáveis pelo pagamento do tri-

buto não eram as mesmas que se beneficiavam com o comercio promovido pelos soldados e mercadores romanos. Outra fonte de recursos, derivada da expansão, eram as presas de guerra, obtidas durante as campanhas militares, com o saque das cidades conquistadas e a escravização de sua po-

pulação. A partir do século II a.C., quando Roma entrou em confronto com os grandes Estados do Mediterrâneo, o volume e a importância dos bens extraídos como presas de guerra aumentaram extraordinariamente. As guerras na Espanha renderam grande quantidade de ouro e prata, além daquela extraída das minas, enquanto os imensos tesouros

|

,

acumulados pelos reis helenísticos, no Oriente, foram expro-

priados pelos romanos e colocados em circulação, alimentan-

do sua economia florescente. O traço, contudo, mais marcante nessa fase do expan-

;

sos cio

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|

|

,

|

sionismo romano foi a escravização em massa das populações vencidas. O montante de escravos obtidos pelas conquistas cresceu sem cessar a partir do século Ill a.C.: treze mil em Palermo, 25 mil em Agrigento, na primeira guerra

púnica: trinta mil em Tarento, cingienta anos após; 150 mil

epirotas, durante a terceira guerra macedônica (cf. Tiro Lívio, XLV, 34), e, a crermos em Plutarco (Vida de César, 15),

um milhão de gauleses durante as campanhas de César. Estima-se (de acordo com P. A. Brunt) que mais de dois milhões de escravos chegaram à Itália, nos dois últimos séculos da república, para trabalharem nas propriedades rurais da aristocracia romana ou servirem-na, como domésticos, em suas residências urbanas. Com a reordenação das provincias empreendida por Augusto, após o fim das guerras civis em Roma, o dominio romano perdeu suas características espoliatórias, assumindo a forma de um sistema de exploração regular e estável, cujo

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E

corolário político e ideológico foi a “paz romana”, A im:

portância das presas de guerra caiu enormemente c, embora o tributo anual se clevasse, os abusos de publicanos e governadores foram coibidos, com o surgimento de uma administração

mais eficaz e burocrática.

Aos poucos,

no curso dos

três séculos do principado, a distinção entre centro e periferia se atenuou,

sobretudo em termos políticos, com a absor-

ção das aristocracias provinciais na estrutura de poder em Roma. Ao menos até meados do século II a.€., contudo,

a ltália permaneceria como centro político do império e foco de concentração

de seus excedentes

produtivos.

Os mecanismos de exploração cuja configuração esbocamos acima são essencialmente políticos, ou seja, dependem de um diferencial de poder que propicie um fluxo centrípeto

de bens. Como veremos, ao lado dessa exploração ““política” de seu império, surgem, a partir do século IL a.C., formas de exploração mais diretamente econômicas. Se sua instauração dependeu também do controle político das regiões conquistadas. seu funcionamento dava-se numa esfera mais propriamente econômica, como parte do “sistema imperial“escravista”

romano

(cf. CLAVEL-LEVEQUE,

|

|

| |

(

1977, p. 10-27).

ligam-se Sua existência e desenvolvimento, por outro lado, e às transestreitamente à expansão do escravismo na Itália formações de sua economia no final da república.

Transformações

na economia

romana

o do É difícil determinar cronologicamente o surgiment

ravidão, propriamodo de produção escravista em Roma. Esc

senhoriais, mas mente dita, existia já nas antigas propriedades subsidiária, inserião duç pro de o açã rel de ma for uma mo co terra da de es lot Os ar. ili fam ão duç pro da to jun da no con ção dependenula pop uma por os had bal tra m era cia cra aristo por laços peste, porém não-escrava, unida a seus senhores

|

9)

ntação soais e jurídicos bastante rígidos. Quando a docume C., esse ce torna mais rica, a partir de meados do século Ha. , que inquadro apresenta-se bastante alterado. A aristocracia ão, orvestê em terras as riquezas acumuladas com à expans ganiza sua produção

em

propriedades

de média

extensão

valores de (entre 25 e 50 ha), voltadas para a produção de por uma mãotroca (em especial vinho e azeite) e trabalhadas

-de-obra essencialmente servil.

em conPara explicar essa transformação, devemos levar

vasta dispota uma série de fatores. Em primeiro lugar, uma nibilidade

de

terras,

em

particular

públicas,

acessíveis

à

adquiridas ocupação pela aristocracia romana. As riquezas

|

mãos da classe com as conquistas, que se concentravam nãás

po, criando, dominante, possibilitavam sua inversão no cam

|

ao mesmo tempo, um mercado urbano em constante expan-

(

Além dis"são para determinados produtos agricolas de luxo. nte de so, à expansão assegurava um suprimento abunda

e, pormão-de-obra barata, sem qualquer expressão politica

tanto, totalmente submetida a seus senhores. Podemos acompanhar o desenvolvimento das propriedades rurais da aristocracia através das obras dos escritores

agrários romanos, como Catão, Varrão € Columela. Um tra-

balho recente de V. I. Kuzichin (La grande proprieta agraria

nel! Italia romana. Roma, Riuniti, 1984) demonstra que €s-

sas propriedades nada tinham em comum com grandes latifúndios, trabalhados por imensos exércitos de escravos. Ão contrário, as fazendas da aristocracia romana eram consti-

,

DR

tuídas por lotes de média extensão, cujos terrenos estendiam-

-se em torno de um edifício central, onde se localizavam as

instalações para beneficiamento das matérias-primas, bem como os alojamentos para a mão-de-obra e aposentos luxuosos para o dono. Este possuía várias fazendas, organizadas da mesma forma e espalhadas por um vasto território. Habitando na cidade, centro do consumo e da vida política, O promãos prietário deixava a administração de suas fazendas nas

TH

de capatazes (villici), em geral escravos. A mão-de-obra per-

manente cra suprida por um contingente reduzido de escra-

vos



Catão

menciona

dezesseis

escravos

para

uma

[fazenda

vinicultora de 25 ha (cf. Sobre a agricultura, X, 1) —, fazen-

eso

do uso de mão-de-obra livre nos períodos de trabalho agricola mais intenso (como na colheita). Embora voltadas para a produção mercantil, as fazen-

=— = ——

das escravistas não abandonaram completamente as caracte-

mi

risticas da antiga economia camponesa, na medida em que se fechavam para o consumo de bens externos, produzindo internamente quase tudo de que necessitavam para sua auto-

manutenção. Catão (Il, 7) aconselhava o proprietário romano

a ser um

vendedor,

nunca

um

comprador.

Além

disso,

as pequenas propriedades camponesas nunca desapareceram

de todo. Deve-se admitir. pelo contrário, que o sistema produtivo camponês. produtor de valores de uso, permaneceu majoritário na Itália, mas subordinado e integrado ao modo de produção escravista. fornecendo mão-de-obra sazonal às fazendas da aristocracia. O sistema de villue rusticae expandiu-se, fundamentalmente, pela Itália central, onde a disponibilidade de férteis terras públicas e a proximidade dos grandes centros urbanos incentivaram o investimento dos frutos da conquista por parte da aristocracia. De Catão (meados do século Il a.C.) a Var-

rão (meados do século 1 a.C.), esse sistema floresceu nota-

velmente, aumentando o indice de mercantilização e a extensão das propriedades, que eram exploradas intensiva-

=

n

5

a

a

Ei

mo sentássemos. Agrásio nos perguntou: *Vôs, que percorrestes tantas regiões, por acaso vistes alguma melhor cultivada do que a Itália?”. “Eu, na verdade, respondeu Ágrio, acredito que não existe nenhuma tão intensamente cultivada” ” (So bre a agricultura, 1, 2, 2-3).

di

mente. Na primeira metade do século 1 a.C., Varrão podia referir-se à agricultura italiana nos seguintes termos: “Co-

se

71

O sistema produtivo escravista entra em crise no curso do século I d.C. Num lento processo de transição, as médias propriedades escravistas são substituídas por grandes latifúndios, que se fecham progressivamente para a produção mercantil e que são trabalhados por uma massa camponesa em

e

= e —

o

regime de parceria (colonato). Os sinais da crise são eviden-

tes nas fontes arqueológicas, como mostraram as recentes €s-

cavações em

Óstia,

apontando

um

para

decréscimo

na

produção mercantil de azeite e vinho, bem como na tradição textual, Columela, escritor agrário do século TI d.C., via assim a situação da agricultura italiana em sua época: E assim, neste Lácio, terra de Saturno, onde os deuses en-

sinaram a seus filhos os frutos da terra, nós adjudicamos em

hasta pública a Importação de trigo das províncias ultramarinas, para não passarmos fome, e armazenamos os vinhos dos

Cicladas, da Bética e da Gália. Nem é de se admirar, já que hoje em dia a agricultura é geralmente tida, e publicamente

considerada, como um trabalho sórdido, como um negócio que não necessita de ensino ou de direção.

(Sobre a agricultura,

1, 20)

Diversos fatores devem ter contribuído para a crise do modo de produção escravista. A persistência de amplos setores da economia voltados à produção de valores de uso, inclusive no interior das próprias fazendas escravistas, limitava as possibilidades de expansão do consumo e, portanto, do sistema mercantil. A diminuição das conquistas, durante o principado, pode ter ocasionado uma redução na oferta de mão-de-obra escrava, levando a seu consequente encarecimento e à busca de alternativas. Um fator frequentemente apontado como causa principal da crise é a concorrência provincial (segundo M. Rostovtzef e A, Carandini). Com a expansão do sistema escravista e sua reprodução nas províncias ocidentais, os produtos italianos, como vinho, azeite e alguns manufaturados

ne

Partence à PU

Ê

de]:

ART

LUTHER

perdido seus mercados e sofrido concorrência na própria pe-

y

minsula. Embora esse fenômeno possa ter contribuido para O agravamento da crise, é difícil estabelecer se estamos diante. propriamente,

de uma

causa ou de um efeito da mesma,

Um outro elemento dessa crise, ligado à falta de mão-de-obra tão constantemente denunciada por nossas fontes, tem recebido menor atenção. Como

afirmamos acima, as fa-

zendas escravistas funcionavam com um contingente relativamente reduzido de escravos. responsável pela condução das

tarefas ordinárias c quotidianas. Nos períodos em que se fazja necessária uma grande quantidade de trabalho (implantação de vinhedos, colheita, aragem), era essencial, para a sobrevivência do sistema, que existisse mão-de-obra livre disponivel na região. Contudo, a expansão das villae rusticae na Iála central expulsou as famílias camponesas dos territórios mais férteis e vizinhos às cidades, empurrando-as para as áreas montanhosas e menos ricas, periféricas ao sistema dominante. O próprio crescimento e apogeu do sistema escravista, portanto, limitava um recurso fundamental para sua continuidade.

O

desenvolvimento

províncias

econômico

O estabelecimento do domínio

nas

romano sobre as áreas

conquistadas não representou tão-somente a superposição de

uma estrutura política de exploração, mas ocasionou profundas transformações econômicas nas próprias regiões submetidas. Esse processo é particularmente intenso nas províncias ocidentais (Espanha, Gália, África do Norte, Sicília), onde teve. como contraponto cultural, o fenômeno conhecido coFER mo ““romanização”'. Essas províncias receberam um forte

|

contingente populacional proveniente da Itália, que reproduziu o sistema produtivo das pequenas propriedades campo-

|

73

, nesas da península (nas áreas centuriadas). Por outro lado parte das riquezas acumuladas pela aristocracia romana foi partiinvestida em atividades produtivas nas províncias, em conducular na agricultura e na criação de gado. Esse fator ema de ziu a uma rápida expansão do escravismo e do sist dos movillage nos territórios conquistados e à subordinação Sicília já dos de produção locais. Esse processo ocorreu na am, seja no curso do século Il a.C., onde os romanos investir

grandes latiem médias propriedades triticultoras, seja em servis de fúndios para criação de gado. As grandes revoltas

ão do 135 a 104 a.C. são um testemunho eloquente da expans escravismo na Sicília. cipaA reordenação do império romano durante O prin

avista nas do e o desenvolvimento do modo de produção escr

veque províncias conduziram à formação do que M. Clavel-Lé artidenominou “sistema imperial-escravista””. Tal sistema o, culava estruturas políticas e econômicas de exploraçã s fundando-se numa concentração progressiva dos excedente produtivos, a partir das populações é modos de produção subordinados. Um elemento essencial do processo de concentração eram as cidades que acumulavam e consumiam os excedentes agrícolas. Morada das aristocracias municipais, centros de comércio e consumo,

as cidades incentivavam a

mercantilização da economia e a dissolução dos modos de produção anteriores à conquista. Reunindo os órgãos político“administrativos municipais e imperiais, as cidades funcionavam como elos fundamentais no sistema de exploração imperial, concentrando progressivamente Os recursos carreados para a metrópole. A importância das cidades no sistema imperialista é confirmada pela política de municipalização das regiões conquistadas, empreendida pelo Estado romano. Através da fundação de cidades ou da elevação de aldeias e gentilitates à categoria de municípios, o poder imperial criava instrumentos de controle e exploração das populações subjugadas, ao

74

mesmo tempo que incentivava a dissolução dos sistemas pro-

dutivos

comunitários.

ligados à economia

de subsistência.

Transformações sociais, tensões e conflitos O enorme afluxo de riquezas provenientes das conquistas provocou grandes transformações sociais em Roma, in-

tensificando os conflitos internos pelo controle e distribuição

| |

dos beneficios do império. Com o desenvolvimento da economia de mercado em determinados setores, grupos sociais, como os comerciantes e publicanos, adquiriram expressão política e passaram a interferir na condução do processo expansionista. Ao contrário do que observamos em Atenas, Os frutos do imperialismo tenderam a se concentrar nas mãos

dos mais ricos, que praticamente monopolizaram o poder político na metrópole até o final do século Il a.C. As diferenças entre ricos e pobres acentuaram-se progressivamente nos

últimos séculos da república, que viram o surgimento de enormes patrimônios pessoais entre a aristocracia. Segundo Sa-

lústio, historiador romano

o tesouro públi-

co. as províncias, as magistraturas, as glórias e triunfos; ao povo reservava-se o serviço militar e a pobreza; as presas de querra eram confiscadas pelos generais e alguns poucos. Enquanto Isso. os pais ou filhos daqueles soldados, cujas pro-

priedades confinavam com as dos poderosos, eram expulsos de suas habitações.

(Guerra de Jugurta, NLI)

Uma série transformações. levavam à ruína xar seus campos

de fatores interligados contribuiu para essas As guerras contínuas e por longos períodos os pequenos camponeses, obrigando-os a deiincultos, que eram ocupados pelos grandes

ae

encontravam-se

o

mãos

O ge

suas

a

em

qo

poucos:

e

uns

na paz, tudo era decidido pelo arbítrio de

7]

Na guerra como

do século 1 a.C.:

|

15

a os centros par sa mas em do an gr Mi . ras ter de s rio etá propri

ocupada, sem meios urbanos, tornavam-5e uma população sub

suas propriedades iam end est os ric Os . cia tên sis sub de s fixo

ager publido -se vam ssa apo ou s do na do an ab os pelos terren

o nas fazendas escracus, onde investiam os lucros do impéri res não tinham pob s mai s da ma ca as al, ger ma for De as. vist

eto se € quando partiacesso aos benefícios da expansão, exc

rendimentos inos o, Cas te nes o sm Me to. rci exé do m cipava

avés de uma escala dividuais eram limitados e distribuídos atr antes e oficiais, em hierarquizada que privilegiava Os comand detrimento dos legionários. rras do sécuPodemos considerar, portanto, que as gue

le absoluto tro con o ha tin ado sen o que em ca épo ., a.C lo Il cio da classe dodo processo político, foram feitas em benefí a. Dessa forminante e em prejuizo da população campones tes sobre a ma se explicam os ecos que encontramos nas fon em 200a.€., resistência popular ao serviço no exército, como edônia: quando o senado propôs a guerra contra a Mac

tão longa Os cidadãos estavam cansados de uma guerra o dos peria desastrosa (a segunda guerra púnica), e o cansaç

tiva, gos e fadigas tinha-os levado, naturalmente, a essa nega

ndo o anpor outra parte, o tribuno da plebe, Q. Bebio, renova acusou: tigo sistema de recriminações contra os senadores,

que o po«os de fazer surgir guerra após guerra, para impedir







dg e

vo aproveitasse as doçuras da paz.

(Tiro Lívio, XXXI,

A ruína e resistência camponesas,

6)

aliadas ao aumento

no número de cidadãos sem bens imóveis, levaram a profun das modificações no exército. Durante O século Il a.€., o ceno so mínimo foi progressivamente rebaixado, até ser abolid com as reformas de Mário. O exército tornou-se, então, proguerra fissional, composto por voluntários, para os quais a

rações sigera um meio de sobrevivência. Isso conduziu a alte

— pois nificativas na relação entre comandantes € soldados

Tt

do sucesso de uns dependia a ascensão dos outros —, que se revestiu de um cunho clientelístico, com consegiências de

erande

importância

para

a vida política romana.

Para a população urbana que permanecia em Roma, a

participação nos frutos do império dava-se de forma indireta

e limitada,

por

meio

das

despesas

públicas



construção

de monumentos, estradas, canais, templos — ou privadas, da aristocracia enriquecida, à qual se agregava por laços de clientela (de acordo com K. Hopkins). O aumento do grau

de participação dos mais pobres dependia, em grande medi-

da, da ação do Estado como redistribuidor das riquezas con-

centradas na metropole. Dessa forma, os cidadãos pobres de Roma, utilizando-se do restrito poder político conferido por seu voto, passaram a apoiar aqueles setores da aristocracia que defendiam a utilização dos recursos do Estado em seu benefício. A tendência da população mais pobre em se tornar “'pensionista”” do Estado (segundo K. Hopkins), no curso do século 1 a.C., explica, em parte, a consequente perda de seu poder político no principado. Um dos pontos centrais do conflito entre ricos e pobres

cra a luta pela terra. Durante a primeira metade do século a.C. o senado manteve uma intensa política de coloniza-

ção voltada sobretudo para a Itália meridional e Gália cisal-

pina

(fora,

portanto,

da região dominada

pelas

fazendas

escravistas. na Itália central). Contudo, os lotes muito pequenos, a distância dos grandes centros urbanos e a escassez

de recursos limitavam as possibilidades dos colonos, levan-

do. muitas vezes, ao despovoamento e abandono das fundao ções. Além disso, por volta de meados desse século, estabelecimento de novas colônias parece ter cessado, aumen| tando as pressões populares em Roma, Essas pressões viriam a desembocar nos violentos conflitos da época dos Gracos. As reformas propostas por Tibério, em 133 a.C. e, com maior intensidade, por seu irmão luta Caio. dez anos depois, foram um momento crucial na

71

sando, pela distribuição dos benefícios da expansão, conden vários Intede certa forma, os choques e alianças ligados aos e que gerou resses em jogo. O ponto essencial da reforma, re a limiviolenta oposição por parte dos ricos, dispunha sob endas escratação dos terrenos públicos ocupados pelas faz ividuais, vistas da aristocracia e sua distribuição, em lotes ind de Caio, aos cidadãos sem terra. Em particular no tribunado zação do teressa proposta foi ampliada, envolvendo a coloni as públicas ritório da antiga Cartago, um programa de obr ormas judiciá— para dar ocupação à plebe urbana — e ref s ligadas rias que favoreciam as camadas intermediárias, mai zo da oliao comércio e à arrecadação de impostos, em prejui garquia senatorial. à A partir de 123 a.C. iniciou-se a distribuição de trigo

ripopulação de Roma. Inicialmente subvencionadas, as dist buições estatais assumiriam uma grande importância no curC. so do século seguinte, tornando-se gratuitas a partir de58a. ee atingindo, à época de César, 320 mil beneficiários — num

ro que o ditador reduziu para 150 mil. Segundo Cicero (A favor de Séstio, XXV), a entrega de trigo gratuito à população representava um quinto das entradas totais do Estado, que assumia, assim, um papel fundamental na repartição dos benefícios do império entre os grupos sociais romanos. As tentativas de reforma em 133 e 123, apenas parcial-

mente implementadas, foram incapazes de pôr um término

aos conflitos internos na metrópole, que se acentuaram no curso do século 1 a.C., dando origem às violentas guerras ci-

vis que antecederam o principado. Os choques entre populares e conservadores assumiram, então, um caráter nitidamente militar, com a intervenção direta de soldados e seus generais — entre os quais construíam-se laços de interesse comum — nos embates políticos. Como resultado desses conflitos, mais de 250 mil soldados receberam lotes de terra na Itália — no

período entre Sila e Augusto — por meio de legislação agráores ria ou apossando-se das propriedades confiscadas de set

28

drstocêaticos

que

se

viam

momentancamente

derrotados.

Estima-se que. entre S0 e 8 a.C. metade dos camponeses ita-

hanos

abandonou

outras

regiões da

dades

«cus

lália,

lotes

de

terra.

seja

seja migrando

assentando-se

em

para as províncias,

Essa vrande redistribuição e reorganização das proprie-

agrárias,

durante as guerras civis, não

foi, contudo,

capaz de restaurar a pequena propriedade camponesa. O que

observamos, ao contrário, é um aumento extraordinário das

erandes riquezas (como as de Crasso, Pompeu, Lúculo), formadas à época das confiscações, c um progressivo desenvol.

vimento

do latifúndio, de produção extensiva, que faz seu

aparecimento no início do principado (cf. KuzicHin, p. 272)

ese ampla

dias

nos dois séculos seguintes, em detrimento das mé-

fazendas escravistas em decadência. Como fim das euerras civis, no principado, o Estado assumiria o papel de mediador desses conflitos, administrando e controlando a exploração das provincias e encarregando-

-se da concentração e distribuição desses recursos entre a população.

/ Conclusão

Nos capítulos anteriores, tentamos apresentar e discu-

tir, de forma sintética, alguns dos problemas envolvidos no estudo do imperialismo antigo. Em ambos os casos, como vimos, as causas, motivações € consequências da expansão são múltiplas: econômicas, políticas, ideológicas. Dentre estas, parecem prevalecer as determinações de ordem politica, tanto a nível interno — nas disputas sobre a condução do processo — quanto externo, na medida em que as relações com

a periferia são sempre de poder. Podemos, contudo, obser-

var algumas diferenças significativas entre os processos de ex-

pansão de Atenas e Roma. Uma primeira distinção remete aos diferentes regimes políticos das duas cidades. Enquanto

Atenas democratizou-se progressivamente no curso do sécu-

lo V a.C., o governo romano permaneceu sempre oligárquico, marginalizando do processo político a grande massa da população. Desse fato derivaram padrões diferentes de controle e distribuição das vantagens obtidas dos respectivos impérios.

Em Atenas, o dominio imperial possibilitou a ascensão cconômica das camadas mais pobres, garantindo e reforçando sua posição política. O fluxo de riquezas encontrou aí mecanismos eficazes de distribuição que atenuaram os conflitos im-

at

ternos.

À

oposição

aristocrática,

quando

se

fazia

sentir,

voltava-se contra os resultados políticos do império — o for-

talecimento do demos —, sem contestar sua existência ou propugnar

sua

extinção.

Em

Roma,

o processo

de expansão

beneficiou. acima de tudo, as camadas mais ricas, que con-

trolavam o sistema político, a condução do exército e, consequentemente, a partilha dos frutos do imperialismo, Uma

distribuição

mais equitativa desses frutos foi assim, quase

la utilização

do

sempre, o resultado de uma intensa pressão popular — seja na luta pela repartição dos territórios conquistados, seja peEstado

como

agente

redistribuidor.

Também em suas relações com os povos submetidos, os

impérios de Atenas e Roma organizaram-se de forma diversa. Em

correspondência

aos respectivos sistemas

políticos,

Atenas tendia a favorecer regimes democráticos, enquanto Roma apolava-se nas aristocracias dos Estados conquistados.

Por outro lado, Roma propiciava uma maior integração po-

lítica das regiões sob seu domínio, o que se explica, em certa medida, por seu próprio sistema oligárquico. À expansão romana, até o século Ill a.C., desenvolveu-se como uma aliança entre aristocracias municipais, que se reforçavam mutuamente e compartilhavam o comando e os frutos da ex-

pansão.

Mesmo

a concessão gradual da cidadania romana,

que se estendeu a toda a Itália após a “guerra dos aliados”,

em 90/89 a.C... não implicava os mesmos privilégios que rerespresentariam no caso ateniense, tendo em vista O círculo

trito no qual se concentravam o poder e as riquezas imperiais. A diferença mais significativa, contudo, dava-se no sis-

tema de exploração da periferia. O domínio ateniense repousobre cava no estabelecimento de uma superestrutura de poder um trios Estados do império, que possibilitava a exação de buto prefixado por mecanismos essencialmente políticoe do militares. Já o desenvolvimento da economia mercantil econóescravismo em Roma levou a uma maior integração sistema mica das regiões de seu império, com à expansão do

e

81

de fazendas

escravistas para as áreas conquistadas,

sobretudo a ocidente, a aristocracia romana

onde,

investia os lu-

cros obtidos na expansão, subordinando os modos de pro-

dução locais ao seu próprio sistema produtivo e levando-os a dissolução. Embora se destaque dos imperialismos antigos nesse aspecto, tampouco o imperialismo romano aproximou-se, em sua segunda fase, das formas de dominação imperialista do

mundo contemporâneo. Os mecanismos fundamentais de ex-

ploração e concentração de recursos permaneceram políticos e a economia mercantil manteve-se restrita a certas áreas € setores, sem conseguir dissolver e integrar plenamente as for-

mas não mercantilizadas de produção. Da mesma forma, es-

tavam ausentes fatores que são fundamentais ao imperialismo

atual: busca de mercados, de matérias-primas, investimento de capitais em regiões de mão-de-obra barata e sem poder de pressão etc. O imperialismo antigo não foi um imperialismo industrial e capitalista, mas um processo de expansão de

sociedades camponesas, de pequenos e grandes proprietários, movidos pelas insuficiências de sua economia e pelos conflitos internos resultantes de uma distribuição desigual do meio de produção essencial: a terra. Por isso, terra foi sempre um tema fundamental na expansão das cidades-Estados antigas, como investimento principal dos frutos imperiais para os ricos, como possibilidade de acesso, pela distribuição dos ter-

ritórios submetidos, para os pobres. Ou ainda, de forma 1indireta, garantindo-se, por meio do Estado, a sobrevivência dos que permaneciam excluídos dela, como forma de aliviar as pressões sobre os proprietários. Dessa forma, o conceito de imperialismo, nos termos em

que foi aqui proposto, parece-nos um útil instrumento anali-

tico na investigação dos processos de expansão na antigúidade greco-romana. Permite-nos, ao mesmo tempo, aproximar e distinguir esses processos em épocas e formações sociais distintas, possibilitando uma compreensão mais profunda de suas características e especificidades no passado e no presente. |

Ê

|

Partança

a EN

MARTIN LUTHER -

gera

Canoas.

4

Vocabulário

crítico

Ager publicus: extensão de terra pertencente ao Estado romano. em geral resultado das conquistas territoriais de Ro-

ma. Parte do terreno público era destinada à fundação de

colônias ou à distribuição entre os cidadãos, mas uma parcela considerável acabava nas mãos da aristocracia, através da ocupação legal ou ilegal. Demos:

o “povo”,

conceito que, para os gregos, ligava-se

intimamente ao estatuto de cidadania, aplicando-se, prioritariamente, aos cidadãos adultos do sexo masculino e com a exclusão dos estrangeiros (à cidade) domiciliados e dos escravos. Demos, assim como plebe, em latim, refere-

-se com fregiência às camadas mais pobres de cidadãos, em oposição aos ricos aristocratas, que são denominados melhores”,

““os belos e bons”.

Escravismo/Escravidão: enquanto no modo de produção capitalista as relações de produção são mediadas pelo mercado, naqueles pré-capitalistas tais relações revestem-se de sta um marcado caráter político. O trabalhador pré-capitali constitui, dessa forma, uma força de trabalho dependen-

aa

ática equivalente a seis óbulos.

o

moeda

“os

ca

Dracma:

poucos”,

a

“os

83

te, ligada aos proprietários dos meios de produção por la-

ços de poder que podem assumir formas variadas com o

|

|

tempo e a região. No escravismo, tais laços de dependen-

|

apropria não apenas do trabalho ou de seu produto, mas

cia assumem

uma

forma radical, pois O proprietário se

suas também da própria pessoa física do trabalhador, de

atividades produtivas e reprodutivas, sobre as quais exer-

ão ce um controle quase irrestrito. Escravismo e escravid essão, contudo, conceitos diversos. Embora a escravidão , teja presente na maioria das sociedades pré-capitalistas o escravismo desenvolve-se apenas quando as relações ser-

|

vis tornam-se predominantes como relações de produção,

suplantando e sobrepondo-se às demais relações de dependência.

|

Hegemonia: termo grego que indica o poder exercido por um líder (hegemon). Embora implique um diferencial de po-

der entre liderança e liderados, a hegemonia define-se pelo caráter voluntário daqueles que seguem (e não

obedecem) o líder. No império ateniense observa-se uma

lenta passagem de um exercício “hegemônico” do poder para uma relação de poder diferente (arkhé, kratos), na

qual os liderados se tornam súditos e o líder, senhor.

Mistoforia: em Atenas, pagamento de uma remuneração pe-

lo exercício de função pública. A mistoforia foi um dado essencial da democracia ateniense, permitindo uma ampla

participação popular na direção dos negócios do Estado.

dia

santos

| |

Panatenaicas: festa da deusa Atena, patrona da cidade de Atenas. A cada quatro anos as festividades se celebravam com especial solenidade, incluindo jogos atléticos e uma grande procissão que percorria a cidade em direção ao templo da deusa, na Acrópole. Plebiscito: decisão da plebe, votada nos comícios por tribo. No início era válido apenas para a plebe e não para 0 pa-

84 triciado. A partir de 286 a.€., os plebiscitos adquiriram força de lei para todo o corpo de cidadãos. Vila rustica: fazenda agricola romana, em geral de pequenas e médias dimensões (entre 25 ha e 250 ha). A explora-

ção agrária bascada nesse tipo de fazenda floresceu na Hália central entre os séculos Il a.C. e IT d.C.

a

9

Bibliografia comentada

ppement et CLAVEL-LEVÉQUE, M. 1977. Impérialisme, dévelo s le motransition: pluralité des voies et universalisme dan

196: dele imperial romain. La Pensée, Paris, Ed. Sociales, 10-27. et PrerrE LÉVÊQUE.

1982. Impérialisme et sémiologie:

[espace urbain à Glanum. Mélanges de | 'Ecole Française

de Rome, Roma, École Française de Rome, 94 (2): 675-98.

A partir da análise dos discursos produzidos pela aristocracia imperial sobre a expansão e o próprio império, OS

Autores analisam o desenvolvimento do modo de produ-

ção escravista nas províncias e sua articulação com os mo-

dos de produção locais subordinados ao sistema escravista e mercantil.

FinLey, M. 1. 1978. Empire in the Greco-Roman world. Review, 1. Beverly Hills, Sage Publications. p. 55-68. Texto fundamental sobre o imperialismo greco-romano.

Finley discute conceitualmente o imperialismo antigo, dando particular relevo às relações entre política e economia.

St

——.

985.

À politica no Mundo

Zahar.

O Autor discute a natureza nas e Roma. De particular suas análises da articulação trnibuição interna do poder GIARDINA,

duzione

Antigo,

Rio de Janeiro,

das relações políticas em Ateinteresse para nosso tema são entre expansão imperial e disnas duas cidades.

A, & SCHIAVONE, À., Orgs. Societã romana e proschiavistica.

Bari,

Laterza,

3 v.

Obra coletiva dedicada ao surgimento dução escravista na Itália romana e ao das trocas mercantis na república tardia Compóem os três volumes alguns artigos

do modo de prodesenvolvimento e no principado. fundamentais so-

bre as transformações na agricultura romana, ocupação do território e comércio.

GAUTHIER, Ph. 1973. A propos de clerouquies athéniennes du Ve sécle.

In: —.

Problêmes de la terre en Grêce ancien-

ne. Paris. Mouton. p. 163-78. Uma interessante investigação sobre a distribuição dos frutos do imperialismo em Atenas, particularmente entre as camadas dominantes, Hopkins, K. 1978. Conquistatori e schiavi; sociologia del'im-

pero romano,

Turim,

Boringheri.

O Autor dedica-se aos efeitos internos da expansão em Ro-

ma. desenvolvendo um modelo no qual a expansão militar. o desenvolvimento social em Roma e as transformações na economia aparecem como

e que se determinam

mutuamente.

fatores interligados

Athenian PeRCIRKA, J. 1982. Athenian imperialism and the cconomy. Eirene, Praga, Tchekoslovenka Akademia Ved, 19: 117-25. ernista O Autor critica as abordagens primitivista e mod perspectisobre o imperialismo ateniense, dentro de uma

às va marxista, mas com muitos pontos de contato com reflexões de Finlev.

=...

87

RHopes, P, J. 1985. The Athenian empire. Oxford, Clarendon Press. (Greece & Rome, New Surveys in the Classics, 17.) O texto fornece uma discussão atualizada sobre alguns dos problemas mais debatidos sobre o imperialismo ateniense, tais como periodização, o valor de Tucídides como fonte, as relações com as aliados, as listas de tributos etc.

SHERWIN-WHITE, A. N. 1968. O imperialismo romano. In: BALSDON, J. P. V. D., org. O mundo romano. Rio de Janeiro, Zahar. p. 80-102.

Análise sumária do império romano de um ponto de vista institucional e com posições discutíveis.

VEYnE, P. 1975. Y a-t-il eu un imperialisme romain? Mélanges de "Ecole Française de Rome, Roma, Ecole Française

de Rome, 87 (1): 793-859.

Num longo artigo, Veyne procura demonstrar que O Es-

ci acid

uma política imperialisexpansão foi o resultado absorver e neutralizar O de isolacionismo”.

ã

tado romano nunca desenvolveu ta consciente e agressiva e que a de atos defensivos que visavam Outro, como “um tipo arcaico