Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira

Se amanhã você acordar com a estranha decisão de prejudicar os trabalhadores brasileiros, espalhar a miséria e a corrupç

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Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira

Table of contents :
OdinRights
As leis trabalhistas prejudicam os trabalhadores
A irrelevância dos sindicatos
Por que as mulheres ganham menos que os homens
Muito além da Petrobras
As tolices que eles disseram
Autossuficiência é coisa de pobre
A indústria mimada
Uma história muitas vezes vista neste país
Agradecimentos

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8,6% 91,4% condições de trabalho mais agradáveis? ... reduzisse o 10% 90% número de horas de trabalho? ... aumentasse 4,3% 95,7% o horário de almoço? ... fornecesse 14,3% 85,7%

plano de saúde? ... desse férias 18,6% 81,4%10 remuneradas? Fonte: Benjamin Powell, Sweatshops, Cambridge University Press, 2014, página 67. Oitenta por cento dos entrevistados não trocariam parte do salário por nenhum a m elhoria de condições. E 20% deles disseram que trabalhariam ainda m ais para ter um salário m aior. “As exigências de ativistas do Prim eiro Mundo para m elhorar as condições de trabalho são, na verdade, tentativas de im por as suas preferências à custa das preferências dos trabalhadores que eles acreditam aj udar”, diz Powell. O boliviano Luis Vásquez conhece essa teoria econôm ica na prática. “Algum as oficinas tentaram contratar por CLT, com 8 horas de trabalho. Mas os bolivianos acham ruim – preferem ganhar por produção. Estão no Brasil para ganhar dinheiro – não veem sentido em ficar cinco, seis horas sem nada pra fazer.” Em São Paulo, diversas grifes de roupa foram denunciadas por trabalho escravo porque o Ministério Público identificou condições degradantes nas oficinas de costura contratadas por em presas terceirizadas (ou sej a, oficinas “quarterizadas”). A suposta escravidão m antida pela Zara foi m otivo de reportagens nos principais j ornais do m undo. No caso da grife M. Officer, houve quem defendesse que a em presa fosse banida de São Paulo. Quando aterrorizam as grifes que subcontratam oficinas, os ativistas dão um tiro no pé. “Ao tornar a contratação de im igrantes um negócio arriscado, que pode render escândalos nos j ornais e

confisco de propriedades, os fiscais dim inuem as opções dos trabalhadores, que ficam ainda m ais vulneráveis”, diz o cientista político Diogo Costa, que leciona econom ia política no King’s College, em Londres. Culpar em presas por irregularidades dos fornecedores gera insegurança j urídica. No sistem a de produção atual, um sim ples vestido ou um teclado de com putador têm peças e m ateriais vindos de dezenas de países e em presas. Não é um grande incentivo à com pra de produtos made in Brazil a possibilidade de um a em presa ser inj ustam ente estigm atizada nos j ornais internacionais. Um argum ento frequente em defesa do com bate ao trabalho degradante é o da concorrência desleal. Num am biente em que todas as grifes de roupa contratam trabalhadores conform e a lei, um a delas terá um a boa vantagem se em pregar im igrantes sem direitos trabalhistas. Com custos m enores, venderá m uito m ais que as outras. Diante dessa concorrência, as em presas que seguem a lei terão de escolher entre o risco de perder clientes ou aderir ao subem prego. “A razão do com bate ao trabalho degradante não é só hum anitária. Tam bém serve para proteger o em pregador que cum pre a lei”, diz o procurador Luiz Fabre, m em bro da coordenadoria de Com bate ao Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho. O problem a é que a tentativa de determ inar um nível m ínim o de trabalho pode ser um rem édio pior que a doença. “Em diversos países e m om entos da história, o subem prego foi o m eio pelo qual as m inorias, os m igrantes e os m enos favorecidos entraram no m ercado de trabalho e com eçaram a ascender socialm ente”, diz Costa. “Proibir o em prego ruim acaba funcionando com o um a barreira de exclusão dos m enos qualificados.”

Em vez de perseguir as em presas e as fazendas que contratam m ão de obra barata, os ativistas do com bate ao trabalho análogo à escravidão deveriam atraí-las, anim á-las a abrir negócios e vagas no Brasil. Quanto m ais alternativas, m elhor. Tam bém aj udaria a facilitar a legalização de im igrantes, o acesso a em pregos m elhores e o aprendizado. Parte desse trabalho j á está sendo feito. Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalho criou um centro onde os im igrantes podem regularizar a residência no Brasil, tirar carteira de trabalho e abrir um a contacorrente. Docum entados, ficam aptos a trabalhos m elhores. O ensaísta Nassim Nicholas Taleb cham a de “filantropia de araque” a atividade de “aj udar as pessoas de um a form a visível e sensacional, sem levar em conta o cem itério oculto de consequências invisíveis.” O exem plo preferido de Taleb são as causas trabalhistas. “Você nota as pessoas cuj os em pregos estão m ais seguros e atribui benefícios sociais a essas m edidas. Você não percebe o efeito naqueles que ficarão desem pregados, j á que as m edidas vão reduzir a oferta de em pregos. Em alguns casos, as consequências positivas de um a ação vão beneficiar im ediatam ente os políticos e os hum anitários de araque, enquanto as negativas levarão um bom tem po para aparecer – e talvez nunca sej am perceptíveis.” 67 Não há definição m elhor para o com bate ao trabalho análogo à escravidão no Brasil. 58Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro, “Resgatados 11 trabalhadores escravos que atuavam em obra das Olim píadas”, 14 de agosto de 2015.

59Portal Planalto, “Fiscalização liberta m ais de 10 m il trabalhadores em situação de escravidão em 4 anos”, 13 de m aio de 2015. 60BBC Brasil, “Estrangeiros resgatados de escravidão no Brasil são ‘ponta de iceberg’ “, 13 de m aio de 2013. 61Organização Internacional do Trabalho, “Um a aliança global contra o Trabalho Forçado”, 2005, página 13. 62G1 Tocantins, “Auditor do Ministério do Trabalho é investigado por irregularidades”, 5 de j ulho de 2014. 63Suprem o Tribunal Federal, inquérito 2.131. Disponível em : . 64Idem . 65Paul Krugm an, “Reckonings; Hearts And Heads”, The New York Tim es, 22 de abril de 2001. 66Benj am in Powell, Sweatshops, Cam bridge University Press, 2014, página 67. 67Nassim Nicholas Taleb, The Black Swan, Penguin, 2010, página 111.

As LEIS TRABALHISTAS

prejudicam os trabalhadores G overnos do mundo todo, para convencer as pessoas a deixar de fum ar, costum am aum entar im postos e estipular um preço m ínim o para o cigarro. Com o preço m aior, m enos gente com pra cigarros, e a incidência de câncer de pulm ão cai. Um estudo do Banco Mundial estim a que, para cada aum ento de 10% no preço do cigarro, o consum o em países de renda baixa e m édia cai 8%.68 Na França, os im postos chegam a 80% e o m aço m ais barato sai por 26 reais. Do m esm o m odo, para desestim ular as pessoas a com prar arm as, o governo im põe regras, barreiras e m ultas. Para ter um a arm a no Brasil, é preciso entregar pelo m enos nove docum entos à Polícia Federal. Quem deixar a arm a ser extraviada e não avisar a polícia em 24 horas pode pegar até dois anos de cadeia e ainda ser m ultado. Com tanta burocracia e tantos riscos, m enos gente se interessa por arm as. Legal. O estranho é que o governo tom a m edidas m uito parecidas com um a m ercadoria que ele deveria incentivar as pessoas a adquirir – o trabalho. Para contratar um funcionário no Brasil é preciso apresentar tantos docum entos quanto para conseguir um porte de arm a, e pagar quase tantos im postos quanto para com prar um m aço de Marlboro. São 8% de FGTS, 20% ao INSS, 1% a 3% referentes aos Riscos Am bientais do Trabalho ( RAT)e geralm ente 5,80% de contribuição a órgãos com o Senai, Sesc e Sesi. Se o negócio não der certo e a em presa tiver que dem itir os funcionários, terá de pagar um a m ulta pela

dem issão equivalente a 40% do FGTS acum ulado pelo em pregado. Segundo um estudo da Fundação Getulio Vargas, a legislação trabalhista pode representar até 48% do custo de um em pregado. No total, a lei trabalhista brasileira tem 922 artigos. 69 O efeito dessas leis é o m esm o que no caso do cigarro e das arm as: tiram o incentivo para adquirir horas de trabalho. Menos incentivos, m enos contratações. Se as outras variáveis ficarem estáveis, quem está procurando em prego tem de enfrentar m ais concorrentes por m enos vagas. Por oferta e procura, as leis pressionam os salários para baixo. Outro efeito é o m ercado negro. Se o custo do cigarro é alto dem ais, abre-se a oportunidade para o m ercado negro de cigarros contrabandeados do Paraguai. Se o custo de um a contratação é alto dem ais, cria-se um m ercado inform al de trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT) é um a vaca sagrada no Brasil. Sindicatos e gente que supostam ente defende os pobres se alvoroçam com a m enor notícia sobre m udanças na CLT. Basta um com entário de um m inistro sobre m udanças na CLT para ser cham ado de traidor dos trabalhadores e aliado das grandes corporações. Logo surge um a gritaria geral contra o que seria a “flexibilização das leis trabalhistas”, a “precarização do trabalho” e “am eaça às conquistas dos trabalhadores”. Mas a verdade é que a CLT, ao aterrorizar os patrões, dim inui a dem anda por trabalho e prej udica os trabalhadores.

Centenas de estudos relacionam a rigidez das leis trabalhistas (m ultas para dem issão, aviso prévio, dificuldade ao contratar, gastos além do salário e proibição de contratos de trabalho flexíveis) ao desem prego – e m enores salários. Por exem plo, um a análise de leis trabalhistas em 73 países concluiu que se a Itália adotasse um a legislação tão flexível quanto a dos Estados Unidos, seu desem prego cairia de 8% para 5%. 70 Já a Indonésia, se tivesse regulações tão flexíveis quanto as da Finlândia, teria um a taxa de desem prego 2,1 pontos percentuais m enor; e o núm ero de j ovens desem pregados tam bém dim inuiria 5,8%. 71 Outro estudo, de 2009, analisou 14 países latino-am ericanos e concluiu que leis trabalhistas m ais flexíveis expandiriam o m ercado de trabalho em 2%, criando cerca de 3 m ilhões de vagas. 72 A diferença aparece até m esm o dentro do próprio país. Um estudo de 2004 com parou os efeitos da legislação trabalhista na Índia (onde os estados podem fazer em endas na lei trabalhista nacional) entre os anos de 1958 e 1992. Concluíram que os estados que tornaram a lei m ais rígida tinham investim ento, em prego e produtividade m enores. Enquanto Andhra Pradesh facilitou a vida dos em pregadores e cresceu 6% ao ano, Bengala Ocidental tornoua m ais rígida – e teve um crescim ento de 1,5% por ano. 73 No Brasil, um a lei de 1990 endureceu as regras do m ercado de trabalho. A m ulta por dem issão sem j usta causa passou de 10% para 40% do FGTS; o adicional de horas extras passou de 20% para 50%; a licença-m aternidade aum entou um m ês e surgiu o adicional de um terço de férias. Na década de 1990, a parcela de trabalhadores com carteira assinada encolheu de 38%

para 27%. Para os econom istas Mariano Bosch, Edwin Goni e William Maloney, um a coisa tem a ver com a outra. Para eles, “as regulações dos custos de dem issão, horas extras e o poder dos sindicatos” reduziram o salário inicial dos contratados e evitaram a criação de vagas form ais. 74 Se a ideia de que as leis trabalhistas prej udicam os trabalhadores é correta, então é preciso provar que os trabalhadores têm um a vida m elhor em países com leis trabalhistas m enos rígidas. Pois com pare os grupos de países a seguir: 1. Estados Unidos, Canadá, Austrália, Cingapura, Hong Kong (China), Maldivas, ilhas Marshall. 2. Bolívia, Venezuela, Guiné Equatorial, São Tom é e Príncipe, Tanzânia, Congo e República Centro-Africana. Quem acredita na m ágica das leis trabalhistas diria que elas são m ais protetoras nos países do prim eiro grupo, que reúne alguns dos lugares m ais ricos do m undo. Na verdade, no grupo 1 estão os sete países com as leis trabalhistas m ais perm issivas, segundo o Banco Mundial. As pessoas são livres para com binarem as regras e a duração da j ornada de trabalho. Nos Estados Unidos, não há m ulta para dem issões, férias rem uneradas nem adicional de hora extra estabelecido por lei (som ente por contratos privados). Cingapura nem sequer tem um a lei geral de salário-m ínim o. Já o grupo 2 reúne os sete países cuj as leis m ais protegem os trabalhadores. Na Venezuela, a lei proíbe a dem issão de quem ganha até um salário-m ínim o e m eio (o que faz funcionários terem m edo de serem prom ovidos, pois os patrões costum am aum entar o salário para então dem itilos). O dono de um a padaria na Guiné Equatorial, se sofrer

um a queda no m ovim ento e tiver que dem itir funcionários, terá de pagar alguns anos de salário aos funcionários durante a rescisão do contrato. O m ais curioso é que os países do grupo 1 costum am receber im igrantes interessados em participar do m ercado de trabalho, enquanto os países do grupo 2 costum am exportar trabalhadores. Sem em prego no país natal, eles se m udam para países com m ais oportunidade – que geralm ente são aqueles onde as leis são m enos protetoras. Não são os ingleses que procuram trabalho em Portugal (onde o governo obriga as em presas a tentar encaixar o em pregado em outra posição antes de dem iti-lo) ou na Espanha (que faz o em pregador pagar um a m ulta no valor de 30 dias de trabalho por ano que o funcionário trabalhou na com panhia se quiser despedi-lo); são antes os portugueses e os espanhóis que sonham com um trabalho na Inglaterra. A lei trabalhista da Indonésia é das m ais protetoras – se um em pregador quiser dem itir um em pregado com um ano de casa, tem de pagar um a m ulta equivalente a 17 sem anas de salário e ainda pedir aprovação do governo. No entanto, 4 m ilhões de indonésios trabalham em Cingapura, na Austrália e na Malásia, onde as regras são m ais brandas. 75 Mais de 300 m il brasileiros trabalham nos Estados Unidos e outros 180 m il no Japão, onde sequer existe um a Justiça do Trabalho (os conflitos são resolvidos em tribunais cíveis). Quem gosta de leis trabalhistas são intelectuais e sindicalistas. Já os trabalhadores fogem delas na prim eira oportunidade. O salário-mínimo no Brasil é alto demais Im agine que um dia o governo, por pressão dos frigoríficos e criadores de gado, anuncie um a m edida provisória determ inando um preço m ínim o para a carne verm elha. Durante um

pronunciam ento oficial, o m inistro da Agricultura inform a que tanto o acém de 10 reais quanto a picanha ou o filé-m ignon de 30 reais terão de ser vendidos por não m enos que 50 reais o quilo. Um a m edida com o essa provocaria duas consequências im ediatas. A prim eira é que a venda de carnes despencaria. Diante de um preço alto dem ais, as pessoas trocariam a carne de boi pelo frango de padaria ou filé de pescada. A segunda é que sobraria acém no superm ercado. Tendo que pagar 50 reais o quilo, quem decidisse com prar carne escolheria o m elhor corte que pudesse obter por esse preço. Iriam todos em busca de picanha, filé-m ignon ou baby-beef, enquanto as prateleiras de carnes m enos nobres ficariam encostadas na prateleira. O dono do superm ercado, preocupado com tanto acém prestes a passar da data de validade, tentaria dar um fim ao produto. Provavelm ente ingressaria num m ercado negro para vender acém a um preço m ais baixo que o estabelecido pelo Ministério da Agricultura. Para resum ir, a intervenção do governo no preço dim inuiria o consum o total de carne, principalm ente o de carnes m enos nobres, e criaria um m ercado negro do produto. Agora suponha que, no dia seguinte, fosse a vez de o Ministério do Trabalho anunciar um preço m ínim o – desta vez, o preço de um m ês de trabalho. “A partir do dia 1º de j aneiro”, anunciaria com orgulho o m inistro no Jornal Nacional, “nenhum trabalhador ganhará m enos que m il reais por m ês”. A m edida causaria as m esm as consequências do preço m ínim o da carne. Diante de um preço alto dem ais, m uita gente desistiria de contratar trabalhadores. Donos de

fábricas teriam um incentivo a m ais para investir em m áquinas; fam ílias contratariam diaristas m enos vezes na sem ana. Tendo de pagar um m ínim o, as pessoas contratariam os m elhores funcionários que pudessem encontrar por aquele valor. Pessoas m ais j ovens, m enos produtivas ou m enos qualificadas ficariam encostadas na prateleira – ou sej a, desem pregadas. Esses trabalhadores provavelm ente ingressariam num m ercado inform al para vender sua força de trabalho a um preço m ais baixo que o estabelecido pelo Ministério do Trabalho. A intervenção do governo no valor dos salários dim inuiria o núm ero de pessoas em pregadas, principalm ente m ais j ovens e m enos qualificadas, e cria um m ercado inform al de trabalho. O leitor talvez rej eite a com paração entre pessoas e pedaços de carne. É claro que pessoas e filés têm direitos diferentes. A questão, com o nota o econom ista Walter William s, é que os dois, apesar de serem coisas bem distintas, estão suj eitos às m esm as leis. 76 É o caso da lei da gravidade. Pessoas e nacos de filé-m ignon caem igualm ente a um a aceleração de 9,81 m etros por segundo ao quadrado. “Do m esm o m odo”, diz William s, “a dem anda por cortes de carne é influenciada pelo preço, o que tam bém acontece com a dem anda pelo trabalho de um a pessoa”. 77 Os perigos do salário-m ínim o não são nenhum a novidade. Estão em qualquer apostila de econom ia básica, com o a do professor Gregory Mankiw:

“O salário-m ínim o aum enta a renda dos trabalhadores em pregados, m as reduz a renda dos trabalhadores que não conseguem em prego”, diz ele. 78 Essa é a teoria, e a favor dela há algum as provas. Depois de décadas e décadas de piso salarial (a m aioria delas é do com eço do século XX), econom istas m ontaram um a boa coleção de dados sobre as distorções e os danos causados pelo salário-m ínim o. Alguns deles: • O FMI estim a que, quando o salário-m ínim o dobra em relação à renda, o nível de em prego entre os j ovens brasileiros dim inui entre 30% e 60%. Jovens pobres e im igrantes são os m ais afetados, pois geralm ente são os candidatos m enos qualificados. • Em 1938, a prim eira lei que criou o salário-m ínim o nos Estados Unidos incentivou a m ecanização e causou desem prego. Pesquisas baseadas na contabilidade de 87 fábricas de tecidos do sul dos Estados Unidos m ostraram que, som ente nos dois prim eiros anos após a lei, o uso de m áquinas de fiação m ais caras e rápidas aum entou 69%, a im portação de roupas subiu 27%, enquanto o núm ero de trabalhadores caiu 5,5%. Nas fábricas que, antes da lei, pagavam m enos que os 25 centavos por hora (valor do prim eiro salário-m ínim o), a queda do núm ero de em pregados foi bem m aior – 17%. 79 O interessante é que o efeito foi m uito m enor no norte dos Estados Unidos, onde o salário im posto pelo governo não ficava longe dos salários usuais. • Um a revisão da literatura feita pelo National Bureau of Econom ic Research, o Ipea dos Estados Unidos, analisou m ais de 102 estudos e revelou que 94 deles concluíam que aum entar o salário-m ínim o significava dim inuição de

oportunidades de em prego para trabalhadores pouco qualificados. 80 68Banco Mundial, “A epidem ia do tabagism o − Os governos e os aspectos econôm icos do controle do tabaco”, 1ª edição, 2000. 69Presidência da República, “Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de m aio de 1943”. Disponível em : . 70University of Bath, “Strict labour m arket regulation increases global unem ploy m ent, study shows”, 17 de m arço de 2009. 71Sim eon Dj ankov e Rita Ram alho, “Em ploy m ent laws in developing countries”. Journal of Com parative Econom ics nº 37, 2009, página 7. 72Sim eon Dj ankov e Rita Ram alho, página 4. 73Idem . 74Ricardo Paes de Barros e Carlos Henrique Corseuil, “The im pact of regulations on Brazilian labor m arket perform ance”, Inter-Am erican Developm ent Bank, Research Network Working paper #R-427, outubro de 2001, página 8. 75Mariano Bosch, Edwin Goni e William F. Maloney, “The determ inants of rising inform ality in Brazil: evidence from gross worker flows”, IZA Discussion Papers, nº 2970, 2007, página 42.

76Walter William s, Race and Econom ics: How Much Can Be Blam ed on Discrim ination?, Hoover Institution Press, Stanford, 2011, edição Kindle, posição 614. 77Walter William s, Race and Econom ics: How Much Can Be Blam ed on Discrim ination?, Hoover Institution Press, Stanford, 2011, edição Kindle, posição 614. 78N. Gregory Mankiw, Introdução à Econom ia, Cam pus, 2001, página 127. 79Ronald G. Ehrenberg e Robert S. Sm ith, Modern Labor Econom ics: Theory and Public Policy, 11ª edição, Prentice Hall, 2001, página 114. 80David Neum ark, William Wascher, “Minim um Wages and Em ploy m ent: A Review of Evidence from the New Minim um Wage Research”, NBER Working Paper nº 12663, novem bro, 2006. Considere o caso do dono de um restaurante em São Paulo que não gosta de conviver com nordestinos. Prefere contratar garçons-loiros-parecidos-com -oator-Rodrigo-Hilbert. Um a pessoa assim tem um problem a: garçons-loiros-parecidos-com -o-atorRodrigo-Hilbert, m ais raros em São Paulo que m igrantes nordestinos, só aceitam trabalhar por, digam os, 1.200 reais por m ês. Migrantes do Piauí, m ais num erosos e vindos de condições piores, costum am aceitar um salário bem m enor – digam os, 800 reais. Para que todos os seus dez funcionários sej am garçons-loiros-parecidos-com -o-atorRodrigo-Hilbert, o dono do restaurante precisa desem bolsar 400 reais a m ais com cada um – ou 4 m il reais por m ês.

Esse seria o preço que ele pagaria pela discrim inação racial. Com o geralm ente o lucro é m ais im portante que preferências raciais, donos de restaurante preferem garçons nordestinos. Quase m etade dos garçons de São Paulo vem do Ceará e do Piauí, enquanto som ente 7,8% vêm da Região Sul; som ente Pedro II, um a cidade de 38 m il habitantes no Piauí, fornece 5,1% dos garçons em atividade em São Paulo.81 O SALÁRIO-MÍNIMO CONTRA OS NEG ROS E OS MIG RANTES Mas, se um a lei im põe um salário-m ínim o de 1.200 reais, o dono do restaurante será obrigado a pagar esse valor tanto para garçons-loiros-parecidos-com o-ator-Rodrigo-Hilbert quanto para m igrantes vindos de Pedro II. Por preconceito, provavelm ente optaria pelos prim eiros. Um salário-mínimo alto dem ais anularia o custo econôm ico do preconceito e tiraria do m ercado grupos discrim inados. 81Daniel Bergam asco, Arnaldo Lorençato, Mariana Gabellini e Taciana Azevedo, Vej a SP, “Pesquisa: 87% dos garçons que atuam em São Paulo vêm de fora da cidade”, 26 de agosto de 2011. Esse efeito do piso salarial j á foi usado de form a consciente, para tirar negros e imigrantes do m ercado de trabalho. Para o econom ista Walter William s, que na j uventude foi um ativista do m ovim ento negro norte-am

ericano, as prim eiras leis de piso salarial dos Estados Unidos e da África do Sul surgiram por pressão de m ovim entos racistas. Em geral m enos qualificados, os negros aceitavam m enores salários, o que irritava trabalhadores brancos. “Se não há cotas [raciais] de emprego na indústria da construção, eu apoio o salário-m ínim o com o a segunda m elhor m aneira de proteger os nossos trabalhadores brancos”, disse Gert Beetge, líder do sindicato abertam ente racista Building Workers, da África do Sul. Em 1925, a Com issão de Econom ia e Salários da África do Sul adotava a m esm a estratégia. “O m étodo seria fixar um a faixa [salarial] m ínim a por ocupação ou trabalho tão alta que torne im possível a contratação de qualquer nativo.” No Brasil, não há vestígios dessa intenção. O que se sabe é que a criação das leis trabalhistas foi bandeira dos m esm os hom ens que defendiam a eugenia e o controle de im igrantes. É o caso de Francisco Oliveira Viana, para quem “j aponês é com o enxofre: insolúvel” e o Brasil deveria se branquear pela “m iséria, vício e castigo”. Antiliberal e anticom unista (ou sej a, m uito próxim o do fascism o), Oliveira Viana atuou na form ulação das leis de restrição à im igração, criou os prim eiros códigos sindicais e foi consultor j urídico da criação da Justiça do Trabalho. Queria que a im igração se lim itasse a um m ínim o necessário e defendeu cotas para brasileiros nas fábricas. Para ele, a xenofobia era a m elhor form a de proteger os trabalhadores brasileiros.

O diabo é que nem sem pre os dados confirm am a teoria. Em 1993, os econom istas David Card e Alan Krueger provocaram chiliques em colegas liberais ao m ostrar que a relação entre salário-m ínim o e desem prego nem sem pre bate com a realidade dos Estados Unidos. Em Nova Jersey, por exem plo, o salário-m ínim o aum entou 18% de um a tacada só, em 1992. Passou de 4,25 para 5,05 dólares por hora. Em teoria, o reaj uste deveria provocar desem prego de gente com salário baixo. Mas Card e Krueger analisaram a folha de pagam ento de dezenas de lanchonetes da cidade (onde os funcionários não costum am ter m uitos dígitos no holerite) e concluíram que aconteceu o contrário. Oito m eses depois do aum ento, o McDonald’s e seus concorrentes tinham até aum entado levem ente o núm ero de funcionários. O Brasil tam bém poderia estar na lista de exem plos de Card e Krueger. Entre 2002 e 2014, o salário-m ínim o aum entou 75% acim a da inflação. Pela cartilha liberal, esse aum ento deveria resultar em desem prego e aum ento da inform alidade. Mas o que aconteceu no m esm o período foi o contrário. O desem prego desabou e a inform alidade caiu de 43% para 22%. Com o explicar tantos dados a contrariar a teoria econôm ica? Bem , de várias form as. A prim eira é que, em econom ia, é im possível isolar todas as variáveis. No exem plo de Nova Jersey, talvez o crescim ento da econom ia tenha aum entado a venda de Big Macs, levando gerentes de loj as a contratar m ais funcionários, apesar do

salário m aior. Ou o contrário: com a econom ia em baixa e o bolso vazio, os m oradores evitaram restaurantes caros e optaram pelo McDonald’s com o um “bem inferior”, o tipo de produto cuj a dem anda cresce em m om entos de crise. Refutações a estudos econôm icos costum am atacar por esse flanco – outras variáveis que podem ter influenciado a história. É o caso do Brasil. Entre 2002 e 2014, outra variável influenciou a nossa vida – a alta do preço da soj a, do m inério de ferro e outras m atérias-prim as. Investidores internacionais derram aram no Brasil um balde gigantesco de dinheiro, em purrando para cim a as ações brasileiras, a criação de vagas de trabalho, a econom ia em geral. O país cresceu em m édia 3,38%. Ganhou 217 novos shoppings. Isso significa m ais pedreiros para construir tais centros com erciais, cam inhoneiros para levar cim ento até a obra, vendedoras de loj a e atendentes do McDonald’s (que teve 266 filiais abertas nesse período). Muito além da carteira assinada, construtoras ofereceram até m assagens para atrair pedreiros de pátios de obras de em presas concorrentes. Talvez o aum ento do salário-m ínim o tenha pressionado para baixo a taxa de em prego, m as o crescim ento da econom ia teve força m uito m aior para aum entar salários e m ultiplicar vagas form ais de trabalho. Outra explicação é que, m esm o com o aum ento, o saláriom ínim o não superou o preço de equilíbrio. Voltando ao exem plo da carne, se o Ministério

da Agricultura estabelecesse um preço m ínim o de 12 reais o quilo, e não de 50 reais, criaria poucas distorções no m

ercado, pois o acém continuaria m ais barato que o filé-m ignon. A im posição do preço m ínim o só atrapalha se o preço estabelecido for alto dem ais. A questão, portanto, é: qual valor é alto dem ais para o salário-m ínim o? A revista The Economist, após analisar dezenas de estudos sobre o tem a, concluiu o seguinte: o piso m ais aj uda que atrapalha se for um pouco m enor que m etade da renda m ediana do país. 82 Renda m ediana é quanto ganha o suj eito que fica exatam ente no m eio, entre os 50% m ais ricos e 50% m ais pobres. Por esse critério, o piso dos salários nos Estados Unidos é baixo, pois equivale a 38% da renda m ediana. Eis o m otivo de aum entos do salário-m ínim o nem sem pre causarem desem prego por lá. No caso do Brasil, tem os um problem a. O nosso salário-m ínim o tem subido rápido dem ais em relação à produtividade: Brasil: O salário-mínimo está aumentando muito mais que a produtividade Fonte: Cálculos de Mercado Popular com dados do IBG E

Tam bém tem crescido bem m ais rápido que a renda m ediana. Em 2002, o piso de 200 reais correspondia a 45,5% da renda m ediana no Brasil (de 439 reais). Em m arço de 2015, era de 788, ou 69,7% da renda de 1.298 reais. Isso sem contar os pisos regionais. Para o econom ista Mansueto Alm eida, o salário-m ínim o brasileiro está entre os m ais altos do m undo em term os relativos. 83 Tão alto em relação à renda m ediana quanto o da França – que causa um dos m aiores desem pregos entre

j ovens da Europa. Vej a só: Em relação à renda mediana dos cidadãos, o salário-mínimo do Brasil é um dos mais altos do mundo Fonte: Pesquisa Mensal de Emprego - IBG E Pelo critério da renda m ediana, o salário-m ínim o brasileiro, para não excluir gente pouco produtiva do m ercado de trabalho, deveria ser em torno de 45% da renda m ediana. Ou aproxim adam ente 584 reais. Do j eito que está, é alto dem ais. Alguns problem as j á estão aparecendo. Os trabalhadores m ais

produtivos tiveram aum ento de salário à custa dos m enos produtivos e escolarizados, que estão sendo excluídos do m ercado de trabalho. Para os brasileiros com até três anos de estudo, está cada vez m ais difícil encontrar em prego. Com o m ostra este gráfico do Ipea: Porcentagem de brasileiros com 0 a 3 anos de estudo, por condição no mercado de trabalho Fonte: Escolaridade e ocupação - IPEA A valorização do salário-m ínim o tam bém pode estar relacionada ao aum ento do núm ero de j ovens que nem estudam nem trabalham – o que os econom istas cham am de “geração nem -nem ”. De 2000 a 2013, os “nem nem ” passaram de 18,2% para 20,3% dos j ovens entre 15 e 29 anos. São quase 10 m ilhões de brasileiros, principalm ente m ulheres (69%) e pessoas com poucos anos de estudo. A insistência na valorização do salário-m ínim o está

deixando os j ovens brasileiros sem algum salário. Se pudessem ganhar m enos, teriam a chance de aprender fazendo, aum entando aos poucos o salário e a produtividade (o que os econom istas cham am de learning-by-doing). A lei que deveria proteger os trabalhadores coloca os j ovens num beco sem saída: pouco experientes, não conseguem em prego; sem em prego, não adquirem experiência. A solução liberal para evitar esses danos é sim plesm ente extinguir o salário-m ínim o e deixar o m ercado regular o preço. Mas há pelo m enos três soluções m ais m oderadas: 1. Tirar dos políticos o controle sobre o valor dos pisos salariais. Políticos querem votos – e um bom m eio de ganhar votos é dar um a de ilusionista capaz de tirar da cartola leis que aum entam salários por m ágica. Na Inglaterra, políticos podem espernear, m as têm pouco poder sobre o salário-m ínim o. Quem decide o reaj uste anual é a Low Pay Com m ission, um com itê de especialistas sem elhante ao Com itê de Política Monetária ( Copom ), conselho que regula a taxa de j uros no Brasil. 2. Quebrar o salário-m ínim o em diversos valores conform e a idade do trabalhador. O exem plo tam bém vem da Inglaterra. Em 2014, o salário-m ínim o por lá era de 2,73 libras para aprendizes, 3,79 para m enores de 18 anos, 5,13 para j ovens entre 18 e 20 anos e 6,50 para trabalhadores m aiores de 21 anos. 3. Dar força a valores regionais do salário-m ínim o. Um piso nacional pode prej udicar quem m ora nas regiões m ais pobres do país em benefício das m ais ricas. O dono de um a fábrica, por exem plo, poderia se interessar em abrir um a fábrica no Maranhão, onde pagaria salários m enores que no

Rio de Janeiro. Se a lei im põe um salário-m ínim o nacional acim a dos valores do m ercado, não haverá vantagem em construir um a fábrica no Maranhão. O dono da fábrica preferirá regiões com m elhor infraestrutura e próxim as dos consum idores, enquanto os m aranhenses ou ficarão desem pregados ou irão para o m ercado inform al. É claro que, em term os absolutos, 788 reais é um salário m ixuruca. Todos concordam os que, num m undo ideal, os brasileiros deveriam ganhar o suficiente para com er bem , m orar com conforto, passar as férias no sul da França e com prar m uitos guias politicam ente incorretos. A questão é que leis para aum entar a renda por decreto m ais atrapalham que aj udam . O que realm ente aj uda os trabalhadores vem a seguir. Como não defender os trabalhadores Tanto econom istas da esquerda com o os de centro ou da direita concordam : o que realm ente aum enta o salário é o crescim ento da produtividade e da econom ia. “Produtividade não é tudo, m as no longo prazo é quase tudo”, diz Paul Krugm an, Nobel de Econom ia de 2008, o econom ista preferido de quem defende intervenções estatais no m ercado. Ricardo Paes de Barros, que até o com eço de 2015 liderou os program as sociais do governo do PT, vai na m esm a linha. “A m elhor política social hoj e, no Brasil, é o crescim ento econôm ico”, disse ele num a entrevista a O Globo. 84 “Para reduzir a pobreza, fortalecer a classe m édia e continuar num processo de ascensão e de m elhoria das condições de vida, o m ais im portante não é a redução da desigualdade, m as o aum ento da produtividade”, repete ele em quase toda conversa com j ornalistas. 85

A quantidade de bens ou serviços que um a pessoa produz por hora é quase sinônim o de riqueza. Pescador que passa o dia todo na beira do rio para conseguir um lam bari: pobre. Pescador que em 15 m inutos no m ar descobre um cardum e im enso de atum -azul: m ilionário. Quanto m aior a produtividade, m enos a pessoa precisa trabalhar para ter um a boa renda. Nas em presas, a produtividade determ ina o m áxim o que um funcionário pode receber sem dar prej uízo. Um a construtora só vai pagar 3 m il reais a um m estre de obras se ele render pelo m enos 3.001 reais. Quanto m ais o suj eito produzir por hora, m ais alto é o teto que o salário dele pode alcançar. Alguém poderia dizer que, m uitas vezes, a produtividade aum enta e os salários não. É verdade. Isso acontece porque o piso dos salários depende de outro fator: a lei da oferta e da procura. Se houver m uitos m estres de obras se candidatando para poucas vagas, a construtora poderá oferecer bem m enos que 3 m il reais por m ês. Um candidato avisa que toparia o trabalho por 2.500 reais; outro, por 2.200 reais; um terceiro j á arredonda para 1.500 reais. “Duas coisas governam os salários: produtividade – ou até que ponto o trabalho é im portante para o trabalhador – e oferta e procura por trabalhadores de determ inada capacidade”, resum e o analista econôm ico Eduardo Porter. 86 A produtividade define o m áxim o; j á o valor m ínim o do salário é definido pela segunda m elhor alternativa do trabalhador. Ou sej a: quem quer dedicar a vida a aj udar os trabalhadores precisa, além de lutar pelo aum ento da produtividade, torcer para que haj a m ais obras precisando de m estres que m estres precisando de obras. Isso acontece quando a econom ia se expande. Se m ais negócios são abertos e m ais prédios são construídos, há m

ais vagas de trabalho. A em pregada dom éstica pode dar adeus à patroa que a trata m al e virar vendedora de sapatos em um shopping. A vendedora de sapatos vira secretária executiva. Um a construtora avisa os m estres de obras que aceita contratar por 1.800 reais; outra, por 2.200 reais; um a terceira j á arredonda para 2.500 reais. Quanto m aior a alta do PIB, m ais a lei da oferta e da procura favorece os em pregados. O m ais intrigante dessa história toda é o seguinte: por que os sindicatos, a Central Única dos Trabalhadores ( CUT), os intelectuais que lutam por um m undo m elhor e os ativistas que dizem defender os pobres desprezam as duas forças que m ais elevam salários? Nenhum blogueiro de esquerda sai histérico pela internet reclam ando que o PIB cresceu só 0,1% no sem estre e que isso é terrível para os trabalhadores; a CUT j am ais fechou a Paulista ou invadiu m inistérios exigindo aum ento da produtividade no Brasil. E olha que há um bocado de m ás notícias nesses dois assuntos. Depois de flam ej ar entre 2005 e 2012, a econom ia brasileira se apagou. Notícias decepcionantes sobre o PIB apareceram nos j ornais sem que nenhum dos supostos defensores dos pobres lam entasse. Sobre a produtividade, o noticiário tam bém não costum a ser dos m ais em polgantes. O Brasil estava em 56º lugar no ranking de produtividade do Fórum Econôm ico Mundial de 2013, oito lugares atrás da posição de 2012. A produtividade dos brasileiros está patinando há trinta anos. Encolheu 1,35% ao ano na década de 1980 e m ais um 1% ao ano na década de 1990. Só cresceu nos anos 2000, m as devagar – em m édia 0,9% ao ano. A da Coreia do Sul, que

em 1960 era m enor que a brasileira, hoj e é quatro vezes m aior. A China, um décim o m enos produtiva que o Brasil em 1970, deve nos deixar para trás em breve. Brasília costum a dar de om bros a quase tudo que aum enta a produtividade de um país: educação, infraestrutura, acesso a inovação e tecnologia e facilidade de fazer negócios. O pescador de lam bari citado neste capítulo, por exem plo, teria um a vida m uito m ais fácil se fizesse um curso avançado de pesca em rios, se tivesse um barco, talvez um sonar para encontrar cardum es, e se a estrada para o rio não fosse esburacada e congestionada. Mas a educação pública e a infraestrutura são um a lástim a, o governo im põe barreiras e taxas para a im portação de m áquinas e equipam entos, e exige um a burocracia im ensa para quem quiser m anter um a em presa ou contratar funcionários. Enquanto a produtividade patina no Brasil, outros países avançam

Fonte: SAE / PR com base em Penn World Tables. É com o se o pescador de lam bari, depois de gastar o dia na beira do rio, ainda tivesse que preencher um a papelada im ensa para transportar e vender o único peixe que obteve. “Horas e m ais horas de trabalho são utilizadas em tarefas que pouco adicionam ao produto final, contribuindo para a redução geral da produtividade da econom ia brasileira”, afirm a o econom ista Pedro Cavalcanti Ferreira. 87 Sem abrir a boca em defesa da produtividade e do crescim ento da econom ia, os sindicalistas agem com o um ativista do m eio am biente que não liga para o exterm ínio do m

ico-leão-dourado. Ou com o um a fem inista que fica indiferente ao ouvir que lugar de m ulher é na cozinha. Dá para entender o desprezo pela produtividade e pelo crescim ento da econom ia. Adm itir a im portância dessas duas forças nos salários im plicaria reconhecer verdades dolorosas. A prim eira é que eles (os sindicalistas, os m ovim entos sociais, os ativistas que dizem defender os pobres, enfim , os bons m ocinhos em geral) são pouco relevantes na luta dos em pregados por um salário e um trabalho m elhor. A segunda é que um bom j eito de aj udar os pobres é facilitando a vida de em presários e hom ens de negócio. Se o crescim ento da econom ia aj uda os pobres e os trabalhadores, isso se deve a seus protagonistas, ou sej a, os hom ens de negócio, alguns deles ricos, quase todos interessados som ente em botar dinheiro no bolso. Mas sindicalistas e intelectuais j am ais ficariam do m esm o lado que hom ens de negócio. Preferem ficar do lado da ideologia. O que m e faz acreditar que eles são m ovidos por um ressentim ento, um desej o de vingança contra os ricos, e não por um a vontade genuína de aj udar os trabalhadores. 82The Econom ist, “The logical floor “, 14 de dezem bro de 2013. 83Mansueto Alm eida, “O debate do salário-m ínim o aqui e lá fora”, 30 de dezem bro de 2013. Disponível em : .

84Clarice Spitz, O Globo, “ Ricardo Paes de Barros: ‘Crescer é a m elhor política social no Brasil’, 14 de abril de 2015. 85Luiz Guilherm e Gerbelli, O Estado de S. Paulo, “Am pliar produtividade é o m ais im portante”, 28 de dezem bro de 2014. 86Eduardo Porter, O Preço de Todas as Coisas, Obj etiva, 2001, página 110. 87Pedro Cavalcanti Ferreira, “Por que a produtividade do trabalhador brasileiro é tão baixa?”, Folha de S.Paulo, 25 de j aneiro de 2015. Muita gente acredita que a vida dos trabalhadores só m elhora se m ovim entos sociais tom arem as ruas “exigindo m elhores salários e j ustiça social contra a ganância dos patrões e a crueldade do capitalism o”. Quem pensa assim precisa explicar um a coisa: com o e por que as diaristas e em pregadas dom ésticas tiveram tanto aum ento de salário nos anos 2000? COMO EXPLICAR O SALÁRIO MAIOR DAS EMPREG ADAS DOMÉSTICAS Não há notícia de grandes protestos de diaristas exigindo reaj ustes nesse período; não houve greves nem abaixoassinados na internet por m elhores condições para as empregadas. Na verdade, a categoria é um a das m ais desm obilizadas – é difícil achar um a em pregada ou diarista filiada a algum sindicato.

No entanto, poucos profissionais tiveram tanto aum ento de salário nos anos 2000 quanto as empregadas domésticas. Em dez anos, o salário real (descontada a inflação) quase dobrou:

Evolução do salário real das empregadas domésticas entre 2002 e 2015 Fonte: Salário mínimo em relação a renda média OECD PIB em alta, salário das domésticas em alta. PIB em baixa, salário das empregadas em baixa. A explicação para essa excelente notícia é a lei da oferta e da procura. De um lado, havia m enos gente disponível para trabalhar na casa dos outros (com o j á contei no capítulo “Cem m ilhões de pobres a m enos”). Do outro lado, com o aum ento do poder aquisitivo da classe m édia causado pelo crescim ento da econom ia, havia m ais gente disposta a pagar para ter a casa lim pa. Entre 2005 e 2012, a economia brasileira cresceu em m édia 3,9% ao ano. O salário das dom ésticas acom panhou a alta da econom ia – e tam bém patinou quando a econom ia desandou, a partir de 2013. O caso das em pregadas dom ésticas é o exem plo m ais nítido de que não é preciso leis ou controles de preços para se elevar os salários.

A IRRELEVÂNCIA

dos sindicatos Caminhoneiros de todo o país entraram em greve em fevereiro de 2015. Bloquearam 88 pontos de rodovias e exigiram que o governo federal criasse um a tabela com valores m ínim os para o frete. Havia nesse protesto um a particularidade. O líder dos cam inhoneiros não representava nenhum sindicato ou associação de trabalhadores, pelo contrário: disse em entrevistas que “abom ina sindicato, associação, federação, confederação. Esses segm entos tentaram nos representar nas últim as décadas e nunca resolveram nossos problem as” .88 Vej a só que curioso. Poucos sindicatos do m undo são tão protegidos quanto os brasileiros. A lei estabelece um a contribuição obrigatória dos trabalhadores – cada brasileiro com carteira assinada é obrigado a dar o valor equivalente a um dia de trabalho ao sindicato da sua categoria. Ao todo, são 3 bilhões de reais que vão todos os anos para a conta de sindicatos, confederações e centrais sindicais. Os sindicatos tam pouco precisam se preocupar com concorrentes, pois o governo reconhece apenas um a organização oficial por categoria e por local. A unicidade sindical surgiu em 1931, com um a lei de Getúlio Vargas inspirada na Carta del Lavoro, da Itália de Mussolini, e foi confirm ada pela Constituição de 1988. Essa regra contraria a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho, que prevê liberdade de escolher e contribuir para o sindicato que o trabalhador preferir. E, apesar de todos os privilégios, os sindicatos brasileiros não representam os trabalhadores. Os cam inhoneiros, um a das categorias com m aior m assa de trabalhadores no país, consegue parar o Brasil a despeito do sindicato para o qual

contribuem . O país tem sindicatos dem ais, m as sindicatos fracos, sem filiados, sem poder de barganha. Eu disse acim a “apesar de todos os privilégios”, m as talvez o correto sej a “j ustam ente por causa desses privilégios”. Nos países com liberdade sindical, onde o trabalhador pode escolher a associação que preferir e decidir se quer contribuir e com quanto, os sindicatos precisam ralar para conquistar associados. Organizam convênios, oferecem descontos em universidades, em préstim os a j uros m ais baixos e seguro em caso de acidentes, têm piscinas, clubes, academ ias, anunciam na TV e, o principal, representam os trabalhadores. Na Dinam arca (um dos países com m enos leis trabalhistas no m undo), os sindicatos se encarregam da seguridade social dos em pregados. O 3F, m aior sindicato dinam arquês, oferece, a quem optar por se associar, aj uda financeira em caso de acidente de trabalho ou greves, seguro-desem prego se a em presa em pregadora quebrar, aconselham ento para m udança de carreira, tratam ento dentário, assessoria j urídica e psicoterapia. Um 0800 atende os associados 24 horas por dia. A Nova Zelândia tem exem plos parecidos. O NZ Dairy Workers Union assegura (para o filiado e sua fam ília) plano de saúde, bolsas de estudo, seguro-funeral e contra acidentes, além de um a espécie de FGTS voluntário, caso o trabalhador fique inválido ou sej a dem itido. A falta de dinheiro, com o m ostram esses exem plos pelo m undo, torna os sindicatos ativos e relevantes. No Brasil, não existe esse esforço para conquistar filiados. Com o em qualquer m onopólio estabelecido pela lei, os sindicatos decepcionam quem deveriam conquistar. Com dinheiro garantido, são tom ados pela preguiça e pela

irrelevância. O diretor sabe que haverá dinheiro pingando no caixa m esm o que ele ignore os associados. “O sistem a de contribuição obrigatória de im posto sindical só serve para alim entar sindicatos-fantasm as e para que alguns dirigentes se perpetuem no poder”, diz João Oreste Dalazen, m inistro do Tribunal Superior do Trabalho. Irrelevantes, sobra aos sindicatos apenas a função cartorial da rescisão de contrato e a luta partidária, a favor daqueles que lhes garantem tantos privilégios. Sem precisar se preocupar com os associados, os sindicalistas se preocupam consigo m esm os, utilizando o sindicato com o m áquina de cam panha eleitoral. E, às vezes, ainda agem a serviço dos patrões, sabotando greves e protestos dos funcionários. Há tam bém a suspeita de que sindicatos e federações praticam a m ais pura extorsão. Durante as investigações da Operação Lava Jato, o em presário Ricardo Pessoa, da UTC, contou ter dado 500 m il reais para a Força Sindical, com o obj etivo de evitar greves em sua em presa. Isso quando o sindicato existe, pois há no país centenas de instituições-fantasm as, nada m ais que um CNPJ e um a sede de fachada, criadas para receber o dinheiro da contribuição obrigatória. Há no país 4 m il investigações abertas sobre corrupção nos sindicatos. Escândalos de dirigentes em bolsando o dinheiro dos trabalhadores aparecem todo m ês no noticiário. O m ais recente, revelado pelo Fantástico, é o Sindicato dos Em pregados no Com ércio do Rio de Janeiro. A entidade teve o m esm o presidente por 40 anos – quando ele m orreu, o controle passou para o filho. Quinze pessoas da m esm a fam ília eram funcionários-fantasm as, com salários de 10 m il a 60 m il reais. Segundo a j ustiça, a fam ília chegou a desviar 100 m ilhões de reais. 89

Com o o governo adm ite um sindicato por categoria no m esm o território, cerca de 200 novos sindicatos surgem a cada ano em cidades brasileiras. 90 Em 2014, com m ais de 15 m il organizações, o Brasil é um dos países com m ais sindicatos. 91 Um a com paração com outras nações m ostra com o o sindicalism o no Brasil é um a m aluquice: País Número de sindicatos Reino 168 Unido Dinamarca 164 Argentina 91 Brasil 15.007 O único país com m ais sindicatos que o Brasil é o Japão, com 43 m il grupos. É que a estrutura sindical lá é diferente: os sindicatos reúnem em pregados da m esm a em presa e não do m esm o setor. Por isso, cada em presa de m édio ou grande porte tem sua própria representação.

Apesar de tantas organizações, a taxa de sindicalização no Brasil é um a das m enores do m undo. Na Dinam arca ou na Suécia, três quartos dos trabalhadores são filiados a sindicatos. Dos quase 100 m ilhões de trabalhadores brasileiros (entre form ais e inform ais), 4,8 m ilhões são filiados, segundo o Ministério do Trabalho. A lei criada para proteger os sindicatos acabou por sabotálos, transform ando-os em m onopólios ineficientes. Sindicalistas costum am desprezar as forças do m ercado. Mal sabem que eles próprios estão suj eitos às leis econôm icas. 88Gabriel Castro, Vej a, “Líder de cam inhoneiros ataca governo e descarta proposta”, 25 de fevereiro de 2015. 89Fantástico, “Dirigentes de sindicatos enriquecem com desvio de dinheiro”, 14 de j unho de 2015. 90Cássia Alm eida, Lucianne Carneiro, O Globo, “Com m ais de 250 novos sindicatos por ano, Brasil j á tem m ais de 15 m il entidades”, 29 de abril de 2013. 91Idem .

Por que as MULHERES ganham menos que os HOMENS

Todo mundo que quer dar uma de bom m ocinho diante das câm eras lam enta que as m ulheres ganhem m enos que os hom ens, e diz que é urgente acabar com a discrim inação no m ercado de trabalho. “A discrepância é um escândalo”, disse o papa Francisco com cara de indignado. “Se for pela vontade espontânea, ou pela consciência, dem orarem os m ais 80, 100 ou 200 anos para atingir a igualdade”, afirm ou a representante no Brasil da ONU Mulheres. Atendendo a exigências com o essa, os parlam entares, que têm por vocação dar um a de bons m ocinhos para as câm eras, aprovaram em 2012 um a lei, nunca sancionada pela presidente Dilm a, determ inando m ultas a em presas que pagarem a m ulheres salários m enores que para hom ens no m esm o cargo. A ideia da discrim inação de salários esbarra num problem a fundam ental. Se as m ulheres de fato ganhassem m enos que os hom ens para fazer a m esm a coisa, os em presários, que antes de tudo pensam em dinheiro, só contratariam m ulheres. Diante de dois candidatos com o m esm o potencial, o patrão... deixa eu pensar... acho que ele... hum ... contrataria o m ais barato, claro! Mas o que ocorre é o contrário: os hom ens ainda são m aioria (56%). 92 Portanto tem algum a coisa errada aí. Ou os donos de em presas são tapados, e ligam m ais para o m achism o que para o lucro, ou as m ulheres não ganham 30% m enos que os hom ens. Quer dizer, elas ganham m enos, sim . No Brasil, nos Estados Unidos ou no Butão, as m ulheres ganham entre 15% e 30% m enos. Mas não é para o m esm o trabalho

nem para a m esm a quantidade de horas ou tem po de experiência. Não é um a conspiração m undial m asculina que gera um a m édia salarial m aior para hom ens, e sim diferenças das preferências e características das pessoas – o que os econom istas cham am de “diferenças de produtividade e capital hum ano”. Principalm ente estas quatro: 1. O tempo de trabalho é diferente. Os hom ens trabalham 41,8 horas por sem ana; as m ulheres 37,3 horas, em m édia. Só isso explica 12 pontos percentuais da diferença de salários. 93 2. Profissões com mais mulheres costumam ter salário menor. Há m ais m ulheres em profissões que pagam m enos e m ais hom ens nas m ais bem rem uneradas. As m ulheres ocupam 73% das vagas de recursos hum anos e 62% de educação, m as são só 20% dos engenheiros e 16% dos especialistas em tecnologia. A diferença se repete em todos os níveis de escolaridade. Em 2015, em pregadas dom ésticas ganharam em m édia 921 reais por m ês; pedreiros ficaram com 1.908. Tam bém é assim na m edicina. As três especialidades m édicas com m aior salário em 2012 foram cirurgia plástica (18.564 reais), cirurgia geral (15.975 reais) e ortopedia (14.353 reais).94 Adivinha só: essas três especialidades são dom inadas por hom ens. Eles são 80% dos cirurgiões plásticos, 84% dos cirurgiões e 95% dos ortopedistas, de acordo com o Censo Médico. 95 Já as m ulheres preferem especialidades onde o salário não é tão alto. Elas são 73% das derm atologistas (salário m édio de 9.058 reais) e 70%

das pediatras (6.940 reais). Para elim inar essa desigualdade de salários, seria preciso pagar o m esm o para todos os m édicos do país, sem ligar para a especialidade de cada um . Por que as profissões com m ais m ulheres são, em geral, m enos rem uneradas? Dá para entender por que derm atologistas ganham m enos que cirurgiões, m as por que professoras e diretoras de RH têm salário m enor que engenheiros? A lei da oferta e da procura pode aj udar. Entre 1976 e 2011, as m ulheres econom icam ente ativas passaram de 28,8% para 46,1%. 96 Milhões de m ulheres saíram de casa em busca de em prego. Nas profissões que as m ulheres preferem , a oferta de funcionários aum entou m ais rápido que a dem anda. “Em outras palavras, a desigualdade de salários se m anteve constante não apesar da, m as por causa da m aior participação de m ulheres no m ercado de trabalho”, diz a econom ista Claudia Goldin, de Harvard. 3. Os homens são maioria em profissões mais perigosas, menos agradáveis e que exigem mais esforço e dedicação. O que você prefere: desentupir um esgoto ou atender ao telefone? Talvez a prim eira atividade sej a m elhor dependendo de quanto pagam a m ais para desem penhála. Profissões assim , em que um salário m aior com pensa condições desagradáveis, são em geral m asculinas (com exceção do serviço dom éstico). Os hom ens são m aioria entre cam inhoneiros, lim padores de vidros de prédios, desentupidores de esgoto, garis, lixeiros e coveiros, enquanto as m ulheres são m aioria entre as secretárias. Não à toa, os hom ens são 70% das vítim as de acidentes de trabalho no Brasil.97 Um a igualdade de

salários entre hom ens e m ulheres exigiria que m ais m ulheres ingressassem em profissões arriscadas e desagradáveis. Número de acidentes de trabalho, por sexo – Brasil, 1999 a 2006 Fonte: MPS, Anuário Estatístico da Previdência Social. Elaboração CAT Tam bém é assim em profissões bem rem uneradas em escritórios de advocacia e bancos de investim entos. Com o exigem dedicação exclusiva e às vezes m uitas horas extras, esses setores (que oferecem alguns dos salários m ais altos do m ercado) nem sem pre se encaixam com quem quer (ou precisa) de tem po livre para cuidar dos filhos. 4. Homens têm, em média, mais tempo de experiência. Pouca gente discorda que pessoas m ais experientes devem ganhar m ais. Pois os brasileiros estão no m esm o em prego, em m édia, há 6,2 anos; as brasileiras, há 5,5 anos. 98 Um dos m otivos dessa experiência m enor é a própria em ancipação fem inina. Com o a em ancipação ainda é recente, as m ulheres têm , em m édia, m enos experiência. Outro m otivo para um rendim ento m enor é que as m ulheres interrom pem a carreira com m ais frequência que os hom ens. Por causa dos filhos, a probabilidade de um a funcionária interrom per a carreira no próxim o ano é de 35%; entre os hom ens, som ente 14,7%. Quem sai de um

em prego nem sem pre consegue o m esm o salário quando volta. 92Karina Trevizan, G1, “Presença fem inina no m ercado de trabalho aum enta em 2012, diz IBGE”, 12 de dezem bro de 2014. 93Guilherm e Stein, Vanessa Neum ann Sulzbach e Mariana Bartels, Fundação de Econom ia e Estatística, “Relatório sobre o m ercado de trabalho 2001-2013”, 2015. Disponível em : . 94Claudia Gasparini, Exam e.com , “Os 15 m aiores salários na área m édica”, 17 de outubro de 2014. 95Crem esp, “Dem ografia Médica no Brasil, volum e 1, 2011”. Disponível em : . 96IBGE, “Pesquisa Mensal de Em prego – Mulher no m ercado de trabalho: perguntas e respostas”, 8 de m arço de 2012. 97Ministério da Previdência Social, “Núm eros de 2013. AEPS 2013 – Seção IV – Acidentes do Trabalho”. Disponível em : < http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/aeps-2013anuario-estatistico-da-previdencia-social-2013/aeps-2013secao-iv-acidentes-do-trabalho/aeps-2013-secao-ivacidentes-do-trabalho-tabelas/>.

98Guilherm e Stein, Vanessa Neum ann Sulzbach e Mariana Bartels, 2015. Num país onde babás ganham bem e o salário-m ínim o é alto, um casal de j ovens enfrenta um dilem a. Se tiverem um filho (e se não houver um a avó por perto para dar um a aj uda), terão que deixar a criança oito horas por dia na creche ou decidir qual dos dois deixará de trabalhar. Quando o casal é form ado por j ovens graduados, o dilem a tem um toque m ais am argo. Significa que alguém vai desperdiçar diversos anos de estudo para ficar em casa. Tradicionalm ente, quem desiste do trabalho é a mulher. COMO OS IMIG RANTES POBRES EMANCIPAM AS MULHERES Um a form a de resolver esse im passe é abrir as fronteiras do país para im igrantes pobres que aceitem ganhar pouco. Se o salário de um a babá cabe no orçam ento do casal, a esposa passa a ter a opção de trabalhar fora. “A presença de im igrantes pouco qualificados é especialm ente vantaj osa para m ulheres, porque torna possível a elas dedicar m ais tem po a tarefas não dom ésticas, aum entando a participação feminina na força de trabalho”, diz a analista política Shikha Dalm ia.99 O im igrante se dá bem , pois arranj a um em prego m uito m elhor que no país de origem ; e a m

ulher se dá bem , pois pode aplicar sua form ação num a tarefa mais produtiva. A chegada de m ultidões de im igrantes pobres facilita a em ancipação das m ulheres nativas. Até m esm o o país que recebe os im igrantes se dá bem , pois a im igração libera m ulheres escolarizadas para a força de trabalho. “Im igrantes pouco qualificados indiretam ente contribuem para o aum ento de produtividade ao elevar a oferta de trabalhadores altam ente qualificados”, diz o econom ista Gordon Hanson, da Universidade da Califórnia. 100 99Shikha Dalm ia, Reason Foundation, “An Argum ent for Opening Am erica’s Borders”, 2012. 100Gordon H. Hanson, Journal of Com parative Econom ics 37, “Im m igration and Econom ic Growth”, outubro de 2008. Essas diferenças de capital hum ano e de preferências profissionais podem ser resultado de um a discrim inação social. Se a m ulher cresceu ouvindo que seu lugar é na cozinha, e se o m arido se nega a trocar a fralda da criança, é natural dem orar m ais a entrar no m ercado de trabalho

ou pedir dem issão para cuidar das crianças. Que as m ulheres ficam com a m aior parte do serviço de casa é fato: elas gastam 15,7 horas por sem ana com serviços dom ésticos; os hom ens apenas 4,6. 101 Não dá para ter certeza de que a raiz disso é o m achism o – talvez m uitas m ulheres acreditem que acom panhar o crescim ento dos filhos é m ais im portante que exercer o cargo de gerente na firm a. Por exem plo, um a pesquisa da Whirlpool, dona das fábricas de geladeiras Brastem p e Consul, concluiu que, das brasileiras que trabalham na em presa, apenas 19% sonham ser diretoras, enquanto 32% dos hom ens têm esse obj etivo. Mas se a origem for discrim inação, trata-se de um a discrim inação social (em casa, na escola) e não um a discrim inação do m ercado. Nas em presas, a vontade do patrão de contratar o m elhor funcionário pelo m enor preço é um rem édio natural contra a discrim inação. Em m aio de 2015, a Fundação de Econom ia e Estatística ( FEE), do governo do Rio Grande do Sul, publicou um estudo baseado em dados de salários de m ais de 100 m il brasileiros. A conclusão foi que os hom ens ganham 20% m ais que as m ulheres – porém , 13 pontos percentuais são explicados pelas causas acim a, as diferenças de capital hum ano e produtividade. Ou sej a: m esm o que hom ens e m ulheres trabalhassem pelo m esm o tem po, na m esm a profissão e tendo a m esm a experiência, ainda assim as m ulheres ganhariam 7 pontos percentuais m enos. O que explica essa diferença residual? Os pesquisadores não sabem . Pode ser m achism o ou preconceito, pode ser outra diferença de produtividade ainda não descoberta. O que se pode afirm ar é que o m achism o reduziria o salário das m ulheres em , no m áxim o, 7 pontos percentuais.

A pesquisa gaúcha foi um a entre tantas que, nas últim as décadas, derrubou o m ito de que as m ulheres ganham 30% m enos que os hom ens desem penhando as m esm as tarefas. O assunto j á tem idade: qualquer livro-texto de econom ia geral ou econom ia do trabalho explica que o salário m enor é causado pela m enor experiência, m enos horas de trabalho e diferenças da escolha profissional. Mas esse é um daqueles “m itos erva daninha”: não adianta cortar, ele renasce e se alastra sem controle. Pode esperar pelo próxim o 8 de m arço, Dia Internacional da Mulher. Diante das câm eras, alguém com cara de bom m ocinho vai ignorar as estatísticas e dizer que está indignado com o fato de as m ulheres ganharem 30% m enos que os hom ens para fazer o m esm o trabalho. 101Fundação de Econom ia e Estatística, “ FEE analisa a renda do trabalhador gaúcho“, 29 de abril de 2015. Disponível em : < http://www.fee.rs.gov.br/fee-analisa-renda-trabalhadorgaucho/>.

MUITO ALÉM da Petrobras Este capítulo fala sobre privatização, m as tem m uito pouco sobre a privatização de em presas estatais. Os brasileiros j á passaram um bom tem po discutindo a venda da Vale do Rio Doce, dos bancos estaduais, da Telebras e da Petrobras. Todos os argum entos dessa velha polêm ica j á foram apresentados, requentados e m astigados. Por isso, tom ei a liberdade de pular para outro assunto. O tem a aqui

é a privatização do serviço público e dos bens com uns. Privatizar a Petrobras é coisa do passado (ou que, pelo m enos, j á deveria ter acontecido no passado). Agora é hora de discutir a privatização de florestas, m useus, escolas, universidades, hospitais, anim ais silvestres e, antes que os peixes acabem , do m ar. Por que privatizar o ar, o mar, as florestas e os animais em extinção Um a ideia sim ples, com um im enso poder explicativo, é a seguinte: “As pessoas raram ente agem individualm ente com o seria m elhor para elas coletivam ente102” . Considere o caso de um a revolução contra um governo tirano. Para se livrarem do ditador, todos os cidadãos descontentes deveriam participar da resistência. Só que isso tem um preço. É preciso deixar de trabalhar para passar a tarde j ogando pedras na polícia. Há o perigo de ser preso e torturado pelos agentes da repressão. Para o indivíduo, a alternativa econom icam ente m ais vantaj osa é que todos participem da resistência – m enos ele, que ficaria em casa com endo pipoca e assistindo aos protestos pela TV. Se a revolução for bem -sucedida, todos colherão os frutos, até m esm o quem não contribuiu para ela. Se for m alsucedida, só os que participaram dela serão perseguidos.103 Tam bém é assim com o uso de água num condom ínio sem registros individuais. Para econom izar água e ter um a conta m enor no fim do m ês, seria bom que todos os m oradores do prédio tom assem banhos curtos. Para o indivíduo, porém , bom m esm o é se todos econom izarem , m enos ele. No fim do m ês, a conta viria baixa, e o suj eito que tom ou banhos de 40 m inutos pagaria o m esm o que os vizinhos conscientes.

Muitos exem plos da lógica da ação coletiva vêm da natureza, com o os cardum es nos oceanos. Para um pescador em particular, a m elhor situação é aquela em que todos os pescadores, m enos ele, deixam de pescar em períodos de desova e evitam capturar filhotes. Se som ente o pescador desobedecer às regras, sua ação isolada não causará um dano relevante à reprodução dos peixes, e assim ele vai se beneficiar da preservação m esm o sem ter cooperado com ela. Revoluções contra governos tiranos, consum o de água em condom ínios sem registros individuais e cardum es nos oceanos são exem plos do que os econom istas cham am de commons, os recursos com uns ou bens coletivos que todos podem usufruir. É difícil excluir alguém do acesso a esses bens e saber quem contribui para sua preservação. Em casos assim , um desfecho frequente é a “tragédia dos com uns”. Os caroneiros, aqueles que se beneficiaram do recurso sem ter contribuído para ele, acabam m inando a cooperação. Mesm o o indivíduo m ais consciente não coopera, pois suspeita que os outros tam pouco vão cooperar. Não quer pagar o pato sozinho por algo que todos desfrutarão. Sem garantia de participação, pouca gente se revolta contra o tirano – esse é um dos m otivos pelos quais ditaduras, m esm o aquelas que arruinaram um país, levam décadas para cair. No condom ínio de água coletiva, o consum o é bem m aior que onde há registros individuais. No m ar, os peixes desaparecem . Dois estudiosos, Ronald Coase e Elinor Ostrom , ganharam o Prêm io Nobel de Econom ia ao descobrir m odos de evitar a tragédia dos com uns. Os dois partiram do m esm o diagnóstico: o problem a nasce com a falta de direitos de

propriedade. A sugestão do inglês Ronald Coase é dar um j eito de criar títulos de propriedade dos bens coletivos. Se cada pessoa é dona de um a parte dos recursos, eles são m ais bem preservados. A ideia de Coase inspirou, por exem plo, o m ercado de carbono, que perm ite a em presas poluidoras com prarem de não poluidores o direito de poluir, financiando atividades de preservação na natureza, com o o reflorestam ento. Outro nom e para o m ercado de carbono é “ privatização e com ércio do ar”. Um m ercado parecido está surgindo para preservar os peixes m arinhos. Nos anos 1970, a Islândia foi o prim eiro país a criar cotas de direitos de pesca, que poderiam ser transferidas ou vendidas entre os pescadores. É com o o m ercado de carbono. Cada um tem direito de pescar um a certa quantidade; se não usou a cota inteiram ente, pode vendê-la a quem j á estourou a sua. Sistem as assim existem nos Estados Unidos, no Canadá, no Chile e em quase todos os países europeus. Não são garantia de solução total para o problem a, m as costum am funcionar m elhor que a sim ples proibição. Única m ulher a levar o Nobel de Econom ia, Elinor Ostrom propôs evitar a tragédia dos com uns com soluções locais. Para ela, é preciso deixar o governo longe e perm itir que com unidades se apropriem dos bens, criem regras de exploração, fiscalizem o cum prim ento e im ponham penas para quem não cooperar. “Quando as regras vêm de um a autoridade distante e são as m esm as para um a região m uito grande, é pouco provável que tenham êxito”, disse ela.

A África é o m elhor lugar para testar iniciativas que seguiram ou ignoraram as recom endações de Elinor Ostrom e Ronald Coase. Rinocerontes e elefantes sofrem m ais am eaças j ustam ente nos países africanos onde leis im pedem a posse dos anim ais, proíbem caçadas e o com ércio de m arfim . Por outro lado, esses anim ais estão se reproduzindo com rapidez onde são propriedade privada e a lei perm ite que sej am caçados. No Quênia, a caça de elefantes e rinocerontes foi proibida em 1977. Ao proibir o lucro sobre os anim ais, a lei tirou o incentivo para a criação e a preservação deles. A população de elefantes caiu de 167 m il em 1973 para 16 m il em 1989. No Zim bábue, ocorreu o contrário. Em 1989, um program a transferiu para as com unidades locais o controle (e o lucro) sobre a vida selvagem , e estabeleceu cotas de caça. Com o alguns m ilionários estão dispostos a pagar um bom dinheiro para caçar elefantes, preservá-los se tornou lucrativo para as com unidades. Entre 1989 e 2005, a população de elefantes no Zim bábue passou de 37 m il para 85 m il.104 O Brasil está no m eio do cam inho. Um a lei de 1967 determ ina que os anim ais silvestres “são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. O que é de todos não é de ninguém : quem m ora perto de florestas não tem incentivo econôm ico (só m oral) para cuidar dos anim ais. A lei até perm ite a “construção de criadouros destinados à criação de anim ais silvestres para fins econôm icos e industriais”, m as, na prática, o Ibam a dem ora cerca de cinco anos para conceder um a licença aos criadouros. É o m elhor incentivo ao com ércio clandestino que se pode im aginar. É assim que o Ibam a, um instituto responsável pela preservação de espécies, dificulta a reprodução de anim ais em extinção no Brasil.

Mas há boas notícias. Um a delas é a privatização da Floresta Am azônica. Em 2008, o presidente Lula vendeu concessões de 220 m il hectares de floresta em Rondônia. Os novos proprietários da floresta precisam seguir as regras de m anej o sustentável, que prevê um lim ite de corte de árvores por hectare a cada década. Para quem se preocupa com a preservação da Am azônia, a privatização é um alívio, pois m uitas das áreas m ais devastadas são aquelas que não pertencem a ninguém – ou m elhor, que pertencem a todos. Na faixa m arítim a brasileira, a privatização acontece de um j eito m ais direto. Pescadores estão cercando áreas e se declarando donos do pedaço. Parece absurdo, m as isso j á vem acontecendo por todo o litoral brasileiro – no Paraná, em Santa Catarina, na Bahia ou no Ceará. Em vez de ir atrás de peixes e cam arões, pescadores estão se tornando criadores – “piscicultores m arinhos”. Cercam um a área, a isolam com redes e m ontam ali a pequena fazenda. Há nessa técnica um problem a fundam ental de direito de propriedade. Se o m ar é público, o que im pediria um a pessoa de invadir o local e pegar todos os peixes dali? No papel, as áreas deveriam ser concedidas aos criadores por m eio de licitações. Na prática, com o o filósofo John Locke bem teorizou, os m oradores entendem que o território pertence a quem investiu seu trabalho nele. Eu sei, falo em privatização do m ar e você j á pensa que será o fim de praias e águas abertas a todos. Não é preciso ir tão longe: há m ar suficiente para praias públicas e cativeiros privados. Mas quanto m ais privatização, m elhor.

Pois o m ar é um exem plo perfeito de recurso com um suj eito a ação predatória. É im possível fiscalizar a ação de todos os cidadãos de todos os países. Diante de um recurso tão gigantesco, o indivíduo não acredita que sua ação poderá m udar algum a coisa. Seria bom que todos os habitantes do m undo se conscientizassem e preservassem os oceanos. Mas isso é esperar que as pessoas se com portem com o santos. A econom ia lida com pessoas reais. Museus O que você faria se um a pessoa tocasse a cam painha da sua casa, se apresentasse e lhe oferecesse 20 reais para que você a deixasse lavar a louça da cozinha? Eu ficaria espantado com o pedido, m as, considerando que a m ontanha de louças suj as na pia j á está provocando desabam entos, e considerando que com 20 reais dá para com prar 20 pacotes de figurinhas dos Minions, o que asseguraria a felicidade do m eu filho por um a sem ana inteira, eu não pensaria duas vezes: é claro que deixaria a pessoa m e pagar para lavar a m inha louça. E se ela quisesse tam bém passar um pano no chão e esfregar o m ofo do rej untam ento do banheiro, que ficasse à vontade. Um a situação esquisita com o essa acontece com os m useus públicos brasileiros. Muitas em presas se interessariam em assum ir a gestão dos m useus. Para aum entar o núm ero de visitantes e os lucros, elas renovariam o acervo, investiriam em publicidade, organizariam cursos culturais e exposições tem porárias. Livrariam o Estado de um a de suas obrigações e, ao pagar im postos, ainda dariam a ele um dinheiro extra. Difícil recusar um a oferta dessas. Mais difícil ainda quando notam os que os governos tratam os m useus com o louça suj a. Segundo o Ministério da Cultura, m ais de 60% não

têm equipam ento de controle clim ático para preservar o acervo. Apenas 22% dos m useus têm um plano de retirada de obras em caso de incêndio. E só um quarto deles tem vaso sanitário adaptado para deficientes. O Museu do Ipiranga, um dos principais do país, fechou em 2013 porque o edifício estava caindo aos pedaços. Literalm ente: partes do teto am eaçavam desabar sobre os visitantes e sobre as obras. O m useu só deve voltar ao pleno funcionam ento em 2022, para o Bicentenário da Independência. Até lá, os paulistas pagam por um serviço que não podem usar. A reform a do Museu do Ipiranga vai custar pelo m enos 21 m ilhões de reais. A Universidade de São Paulo, que m antém o m useu, gasta 172 m il reais por m ês só com a locação de sete casas para abrigar o acervo durante a reform a. Há m uitos exem plos assim . Na Bahia, o Museu de Ciência e Tecnologia está fechado há 20 anos; hoj e parece m ais um ferro-velho. O planetário do Ibirapuera, em São Paulo, j á não tem funcionários. “Está fechado há tanto tem po que o pessoal se dispersou”, diz o diretor. 105 O Museu Nacional, inaugurado em 1818 por dom João VI, passou alguns dias fechado em 2015 porque não havia dinheiro para pagar a em presa responsável pela lim peza. Em Natal, dos oito m useus da cidade, cinco estavam fechados durante a Copa do Mundo de 2014. Até m esm o o site m useus.gov.br, portal do Instituto Brasileiro de Museus, passou vários dias fora do ar – um a m ensagem inform ava que a página estava “em m anutenção”. A privatização de m useus não é novidade no Brasil. O Masp, principal m useu de arte do país, é privado – foi

fundado pelo j ornalista Assis Chateaubriand em 1947. O Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, dois dos m ais visitados de São Paulo, ocupam espaços públicos, m as são geridos por um a organização privada, a IDBrasil Cultura. É difícil de acreditar, m as tem m uita gente disposta a lavar a louça do governo. 102O cientista político Mancur Olson apresentou e desenvolveu essa ideia no livro A lógica da ação coletiva, de 1965. 103Aqui a fonte é o artigo “The Paradox of Revolution”, publicado por Gordon Tullock em 1971. 104Terry Anderson e Shawn Regan, Property and Envirom ent Research Center, “Shoot an elephant, save a com m unity ”, 6 de j unho de 2011. 105Jovem Pan, “Planetários de São Paulo seguem fechados e com problem as estruturais”, 21 de m arço de 2015. Disponível em : . O discurso nacionalista que se repete hoj e sobre a Petrobras – que “o petróleo é nosso”, que é questão de soberania nacional e não deve ser entregue aos capitalistas estrangeiros – nasceu com o escritor Monteiro Lobato. Na década de 1930, o pai de Em ília e Narizinho m ergulhou fundo na obsessão de proteger o petróleo brasileiro contra o que ele cham ava de

“m ãos estrangeiras”. Mandou cartas a Getúlio Vargas denunciando “as m anobras da Standard Oil para senhorear-se das nossas m elhores terras potencialm ente petrolíferas” e até escreveu um livro sobre isso – O escândalo do petróleo, que foi logo censurado. O escritor insistiu tanto nessas teorias conspiratórias que acabou preso pelo governo de Getúlio, entre m arço e j unho de 1941. A Standard Oil, tam bém cham ada de Esso, era a m aior em presa do m undo na década de 1930. MONTEIRO LOBATO TENTOU ENTREG AR O PETRÓLEO AOS ALEMÃES Mas até Monteiro Lobato falou um a coisa e fez outra. Antes de contar o que ele fez, é preciso passar por um a aula de português num a escola de ensino m édio de Holam bra, em São Paulo. Num a m anhã de 2002, a professora Kátia Chiaradia falou aos alunos sobre o livro Emília no país da gramática, de Monteiro Lobato.

A m enção cham ou a atenção de um aluno, que prom eteu levar um presente para a professora. Na sem ana seguinte, o rapaz apareceu com um a pasta velha e am arelada. Dentro dela havia 113 cartas trocadas pelo bisavô do aluno, o engenheiro suíço Charles Frankie, e o escritor Monteiro Lobato. As cartas haviam sido escritas entre 1934 e 1937. Na época, Lobato procurava investidores para sua em presa de perfuração de petróleo, a Com panhia Petróleos do Brasil. O engenheiro Frankie trabalhava na em presa alem ã Piepm ey er & Co., um a possível parceira e financiadora. “Meu em penho nesta questão provém de querer dar a São Paulo a prim azia da m ontagem , com o financiam ento alem ão, da indústria petrolífera no Brasil”, escreveu ele ao engenheiro suíço. 106 Hitler j á estava no poder na Alem anha, m as Lobato preferia aliar-se às em presas alem ãs que às am ericanas: “Estando você trabalhando com um a com panhia estrangeira, inim iga dos am ericanos, segue-se que poderem os seguir j untos, j á que o inim igo é o m esm o. [...]

Façam os obra com um . Se a sua com panhia quiser ligar-se conosco, ótim o. Querem os todas as alianças que nos aj udem à vitória.” 107 O proj eto era sensato e honesto: aliar-se a um grupo com dinheiro e conhecim ento para viabilizar a exploração de petróleo no Brasil. Mas contradizia as próprias ideias de Monteiro Lobato de evitar que m ãos estrangeiras se apoderassem do ouro negro brasileiro. 106Kátia Chiaradia, Ao am igo Franckie, do seu Lobato: Estudo da correspondência entre Monteiro Lobato e Charles Franckie (1934-37) e sua presença em O escândalo do petróleo (1936) e O poço do Visconde (1937), página 105, dissertação de m estrado, Unicam p, 2008. 107Ibid., página 225. Escolas e hospitais públicos No capítulo “O PT contra o Bolsa Fam ília”, afirm ei que um a das vantagens do Bolsa Fam ília é ter se baseado na privatização do serviço público. Em vez de criar um a estatal do feij ão com arroz, o governo dá o dinheiro para os pobres gastarem em superm ercados privados. Im agine só quantos problem as teríam os com a em presa estatal de com ida. Provavelm ente ela gastaria um belo dinheiro público para oferecer produtos ruins e escassos, e ainda seria m otivo de escândalos de corrupção. Sabendo que seriam rem unerados m esm o que prestassem um serviço ruim e m altratassem os clientes, os funcionários poderiam se dar ao luxo de faltar ao trabalho com frequência e organizar greves de 90 dias. É esse o problem a fundam ental de creches, universidades, escolas, hospitais e clínicas públicas. Os funcionários não têm incentivo para inovar, cortar custos, pensar em

produtos diferentes. Sabem que continuarão recebendo o salário m esm o que, alegando m otivos de saúde, faltem algum as vezes por m ês. A pessoa que recebe o serviço de saúde e educação não é a m esm a que paga por ele. Os funcionários ganham salário vindo de um a entidade distante, que raram ente os fiscaliza. Sabem que nada perderão se decepcionarem os clientes. Pelo contrário: se algum aluno desistir da escola, é um problem a a m enos para o diretor se preocupar. Para m uita gente, no entanto, é dever do Estado prover educação e saúde aos cidadãos. Com o conciliar essa opinião com a constatação de que serviços públicos raram ente são bons e baratos? Não é preciso fazer nada, basta com prar feito. Em vez de os governos torrarem bilhões construindo escolas e hospitais ineficientes, que privatizem tudo e transfiram o dinheiro para os cidadãos. Mais um a vez, a ideia parece estranha, m as não é nenhum a novidade no Brasil. Mesm o governos de esquerda aderiram ao sistem a de cupons. É o caso do ProUni e do Fies, program as de financiam ento da educação superior. Dos 7 m ilhões de vagas universitárias do Brasil, m ais de 70% são privadas. As universidades federais oferecem cerca de 50 m il novas vagas por ano; em 2015, o ProUni dará 213 m il novas bolsas de estudo (135 m il integrais). O governo federal não faz alarde, m as j á privatizou boa parte da educação universitária do Brasil. Agora só falta vender as universidades públicas. É verdade que está cheio de faculdade privada ruim por aí, enquanto as universidades públicas m antêm algum a qualidade. Parte dessa diferença vem do capital hum ano. Os brasileiros m ais ricos e educados geralm ente ingressam

em universidades públicas, assegurando o alto nível das discussões e do aprendizado. Além disso, no serviço privado não há um padrão de qualidade. É com o no m ercado hoteleiro: há hotéis baratos e ruins, caros e bons, caros e ruins, e às vezes há pechinchas de hotéis cinco estrelas. Tom ar um exem plo de faculdade privada ruim e usá-lo para retratar todo o sistem a privado é com o escolher um a espelunca de beira de estrada para dizer que todos os hotéis são péssim os. Há faculdades privadas m equetrefes e outras léguas à frente das públicas. Em m uitos países, o ProUni existe tam bém para a educação básica. Nos Estados Unidos, há 6 m il escolas charter – tocadas por organizações privadas com dinheiro do governo. O estado de Wisconsin tem o m ais antigo sistem a de vouchers (vales) para alunos pobres, atingindo um quinto do Ensino Fundam ental. Na m aior parte das vezes, o estado ou um a autoridade m unicipal assinam um contrato com entidades com unitárias e repassam a elas a gestão da escola, reduzindo assim o peso da burocracia. Apesar do caráter com unitário, existem tam bém grandes grupos no setor, com o a KIPP ( Knowledge Is Power Program), um a rede de escolas privadas financiadas com dinheiro público. Na Kipp, 87% dos alunos que se form am chegam à universidade, contra um a m édia de 45% nas escolas públicas. Segundo estudo da Universidade Stanford, 53% dos alunos de escolas charter são pobres, contra 48% de escolas públicas; e 29% são negros, contra 16% em escolas públicas. Estudantes negros pobres estudando em escolas charter leem , em m édia, 29 dias a m ais por ano e estudam m atem ática 36 dias por ano a m ais que estudantes de escolas públicas tradicionais.108

Até m esm o a Suécia, conhecida pelos m elhores serviços públicos do m undo, vem aderindo à privatização. Um a em cada oito escolas na Suécia segue o m odelo das escolas charter. Na saúde, a Suécia está transferindo para em presas privadas a gestão de hospitais públicos. Um dos exem plos é o hospital Saint Görans, em Estocolm o. O m odelo de gestão é privado, m as nada de diferente ocorre em relação ao tratam ento. O tratam ento de saúde continua sendo custeado pelo governo, após o pagam ento de um a taxa pelo serviço (prática com um na Suécia). As m udanças perm itiram reduzir o tem po m édio de internam ento de pacientes para 4,5 dias, contra 5,2 na França e 7,5 na Alem anha. Quem defende hospitais e escolas públicos costum a m ostrar o exem plo dos países escandinavos. Pois é hora de se espelhar na Escandinávia e privatizar a saúde e a educação. 108Stanford University, National Charter School Study, Center for Research on Education Outcom es, 2013.

AS TOLICES que eles DISSERAM A economia é uma ciência cheia de detalhes, dificuldades e controvérsias, por isso o povo costum a legar os assuntos econôm icos aos “especialistas”. Mas tem um problem a: os especialistas, entre eles grandes gênios da análise financeira e conselheiros de políticos que recebem m ilhões de votos,

tam bém erram . Não só erram com o insistem no erro, escorregam no erro e se lam buzam no erro. É possível contar a história recente da econom ia brasileira por m eio das pérolas de políticos, consultores, professores de econom ia e analistas financeiros. Mercadante, em 1986: “O problema da inflação acabou” Em m arço de 1986, logo depois de o presidente José Sarney im plem entar o Plano Cruzado e o seu fam igerado congelam ento de preços, Aloizio Mercadante – então econom ista da CUT – se desm anchou em elogios. Gravou um vídeo no superm ercado m ostrando que o tabelam ento estava dando certo. “Nós estam os vivendo o Brasil do Cruzado. O Brasil em que a dona de casa, na m aioria das vezes, vai fazer com pra com um a lista da Sunab, um a lista do governo, que fixou os preços”, disse ele num vídeo gravado para a central sindical. Com o sem pre acontece desde a Rom a Antiga, o congelam ento de preços tirou o incentivo à produção e provocou desabastecim ento. Diante da falta de produtos nas prateleiras, Mercadante inocentou Sarney e culpou inim igos im aginários. “Grandes em presários, diante do congelam ento dos preços, estão deixando de produzir alguns produtos, não estão entregando aos fornecedores, para pressionar que os preços voltem a subir.” 109 O tabelam ento de preços era um a ideia que Mercadante defendeu por um bom tem po. Oito anos depois, ele disse à Folha de S.Paulo que o Plano Real daria em água – e que a solução era “o controle de preços dos produtos da cesta básica”. 110 A econom ista Maria da Conceição Tavares foi outra petista que abraçou o Plano Cruzado. Em m arço de 1986, ela

participou em ocionada de um program a da Rede Globo sobre o novo pacote econôm ico. “Raras vezes na m inha vida profissional tive orgulho da m inha profissão”, disse, entre lágrim as. Mas aquela era um a das vezes. “Eu estou m uito contente com um a equipe econôm ica que redim e politicam ente o país. Eu acho esse program a um program a sério111”. A econom ista do PT aproveitou para convocar o povo e a im prensa a denunciar em presários que reaj ustassem os preços. Vinte e nove anos depois, ao explicar por que o Cruzado tinha dado errado, Maria da Conceição Tavares ainda culpava os grandes em presários pelo fiasco do plano de Sarney. “As grandes em presas com erciais não cum priram o plano”, afirm ou ela em 2015. 112 “Aparentem ente, no Brasil do Cruzado, o problem a da inflação acabou”, disse Mercadante no vídeo do superm ercado em m arço de 1986. Daquele ano até 1994, a inflação foi de 322.829.174.615%. Lula: “O Plano Real é estelionato eleitoral” Não deve ter sido fácil ser Luiz Inácio Lula da Silva em 1994. Desde o impeachment de Collor, em 1992, Lula era o favorito na eleição presidencial. Muitos partidos queriam form ar coligações com o PT – entre eles, o PSDB, partido com quem os petistas dividiam palanque e trocavam elogios. Em troca do apoio do PSDB, Lula planej ava dar a vaga de vice da sua chapa para Tasso Jereissati e apoiar, em vez de José Dirceu, o tucano Mario Covas na eleição para o governo de São Paulo. “O José Dirceu é um candidato forte, preparado, m as ele tem consciência de que, se houver possibilidade de fazer aliança nacional, nós poderem os rediscutir”, disse Lula na Folha de

S.Paulo de 21 de fevereiro de 1994. Quatro m eses antes da eleição, as pesquisas m ostravam que Lula tinha 42% das intenções de voto. O terreno para a vitória no prim eiro turno estava preparado, m as de repente apareceu um a erva daninha para o PT: o Plano Real. O pior é que o m inistro da Fazenda que apresentou a nova m oeda, Fernando Henrique Cardoso, j á havia anunciado que concorreria à Presidência. A prim eira reação de Lula e outros petistas foi considerar o plano um engodo que m ostraria sua verdadeira face depois da eleição. Vêm daí previsões deliciosas sobre o fracasso do Plano Real. “Esse plano de estabilização não tem nenhum a novidade em relação aos anteriores”, disse Lula j á em j aneiro daquele ano. “O Plano Real tem cheiro de estelionato eleitoral”, disse em j ulho. Para o cientista político Marco Aurélio Garcia, o Plano Real era com o um “relógio Rolex, desses que se com pram no Paraguai e têm corda para um dia só (…) a corda poderá durar até o dia 3 de outubro, data do prim eiro turno das eleições, ou talvez, se houver segundo turno, até novem bro”. A ideia tinha apelo, afinal o Plano Real vinha depois de seis tentativas frustradas de acabar com a inflação. O j ornalista Gilberto Dim enstein entrou na onda. “O Plano Real tem um a série de problem as”, escreveu ele em j ulho de 1994. “O principal deles é que não passa de um rem endo e, logo depois das eleições, com eçará a vazar água por vários furos. Está m ais habilitado para eleger um candidato do que para acabar definitivam ente com a inflação.” 113 Quando o plano se revelou um sucesso, os petistas m udaram de estratégia. Em vez de atacá-lo, passaram a afirm ar que a inflação não era o principal problem a dos

brasileiros. “É preciso acabar com a ilusão de que a queda da inflação resolverá os problem as do país”, disse Lula. “O desem prego é pior que a inflação.” Não deu certo. Fernando Henrique Cardoso ganhou a eleição de 1994 no prim eiro turno. O PT e o PSDB, até então dois partidos am igos, se tornaram os antagonistas da política brasileira. Warren Buffett: “O Real vai valer mais que o dólar” Diante da disparada do dólar em 2014 e 2015, m uita gente lam entou não ter investido na m oeda alguns anos antes, quando estava de graça perto do Real. Na visão retrospectiva, é fácil enxergar a m elhor decisão, m as na época até m esm o os m aiores investidores do m undo apostavam que o dólar cairia ainda m ais no Brasil. Um deles foi o m egainvestidor Warren Buffett. No com eço de m aio de 2008, quando era o hom em m ais rico do m undo, Buffett profetizou que, em dez anos, um real valeria m ais que um dólar. Naquele m ês o dólar valia som ente 1,66 real, e Buffett achava que ainda estava caro. Em parte ele estava certo, m as só num a pequeniníssim a parte. Em 2008 e 2011, o dólar caiu m ais – chegou a 1,55 real em j ulho de 2011. Mas não dem orou para a tendência se inverter e a m oeda estrangeira deixar o Real para trás. Para fazer j ustiça com Buffett, é preciso dizer que ele im pôs um a condição: o Real valeria m ais “se as coisas continuarem no cam inho em que estão para os países produtores de m atéria-prim a”. Não foi o que aconteceu. O preço do m inério de ferro desm oronou; o Real tam bém . Ricardo Amorim: “O dólar vai cair e a Bolsa chegará a 200 mil pontos até 2015”

Um erro com um de investidores e apostadores é acreditar que, se acertaram no passado, vão continuar acertando com a m esm a estratégia no futuro. O econom ista Ricardo Am orim , conselheiro econôm ico do program a Manhattan Connection, foi um a das vítim as dessa arm adilha. Em 2002, o Brasil estava, m ais um a vez, quebrado. Para pagar as contas, o governo Fernando Henrique tom ava o terceiro em préstim o do Fundo Monetário Internacional ( FMI) em quatro anos. Para piorar, os investidores tem iam a vitória de Lula nas pesquisas eleitorais. A cotação do dólar disparou 56% e o índice Bovespa caiu 31% até a véspera do prim eiro turno. No m eio dessa crise, Ricardo Am orim andou na contram ão e previu que, em poucos anos, o dólar cairia pela m etade e a Bolsa daria um salto. Acertou no alvo. Só em 2003, o dólar caiu 18% e a Bolsa de São Paulo dobrou de tam anho. Depois disso, Ricardo Am orim tentou repetir o feito, m as deu tudo errado. Em dezem bro de 2009, auge do boom econôm ico da era Lula, ele disse: “Acredito que verem os, ainda ao longo de 2010, o índice Bovespa se aproxim ar, ou até ultrapassar, o patam ar de 100 m il pontos.” Tam bém arranhou um a previsão para 2015: “Aliás, por ora, continuo m antendo a previsão que fiz em outubro de 2008 – quando o índice Bovespa estava em 33 m il pontos –, que até 2015 de ele deve chegar ao patam ar dos 200 m il pontos.” Bem , o Ibovespa de 2010 não passou dos 70 m il pontos; em 2015, a Bolsa havia encolhido para m enos de 50 m il pontos. 114

O econom ista trom bou m ais um a vez no m esm o erro, em agosto de 2013. O dólar estava em alta – havia ultrapassado os 2 reais, e m uita gente dizia que esse seria um novo patam ar da m oeda. A essa altura, o m undo j á conhecia três forças que em purrariam o dólar para cim a: a queda do preço do m inério de ferro, as barbeiragens econôm icas do governo Dilm a e a perspectiva do Banco Central am ericano de aum entar a taxa de j uros. Mesm o assim , Am orim continuou prevendo a queda da m oeda. Até aconselhou seus leitores a não com prar dólares. “Não planej e suas viagens, im portações e exportações para os próxim os anos baseando-se nos atuais patam ares do dólar”, escreveu ele. “Quem fez isso no final de 2002 ou de 2008, quando o dólar chegou a atingir respectivam ente 4 e 2,80 reais, se deu m al. Desta vez, não deve ser diferente115” . Bresser-Pereira: “Sem o tripé, o Brasil vai crescer mais com inflação menor” Em setem bro de 2011, a presidenta Dilm a Rousseff anunciou um a m udança radical da política econôm ica. Até então, a econom ia brasileira se apoiava no tripé m acroeconôm ico que FHC criara e ao qual Lula deu continuidade. As três pernas eram o regim e de m etas de inflação, o câm bio flutuante e as m etas de superávit (a econom ia que o governo fazia para, aos poucos, dim inuir a sua dívida). Dilm a decidiu dar um a rasteira no tripé e apostar num a política de j uros baixos (e descuido com a inflação), expansão do crédito (e das contas públicas) e câm bio desvalorizado. Muitos econom istas se aterrorizaram com a decisão, pois ela significava o fim do sistem a que havia possibilitado a estabilidade e o crescim ento do país. Menos o econom ista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que festej ou a decisão e a considerou um a declaração de

independência. “O Brasil está voltando a se com portar com o nação independente ao perceber o equívoco do neoliberalism o”, disse ele em um artigo na Folha de S.Paulo. Para Bresser-Pereira, se o program a fosse “adotado com firm eza e prudência, o Brasil crescerá a taxas m ais elevadas, com m aior estabilidade financeira e com a inflação sob controle”. Foi exatam ente o contrário disso que aconteceu. 116 Analistas, em coro: “As ações da Vale vão ultrapassar 70 reais” Quando o ano com eça, revistas e portais de notícia costum am entrevistar analistas financeiros e m ontar listas das ações com m aior potencial de crescim ento. Em j aneiro de 2011, o iG entrevistou oito corretoras da Bolsa de Valores para descobrir quais eram as cinco ações que elas m ais recom endavam . “As cinco com panhias podem ver suas ações subirem m ais de 50%, de agora até o fim do ano, segundo as proj eções dos analistas”, disse a reportagem . A m ineradora Vale foi a cam peã de recom endações. Foi indicada por cinco das oito corretoras consultadas. Na época, o preço da ação ultrapassava 50 reais – e para os analistas poderia ultrapassar os 70 reais, afinal “a relação entre oferta e dem anda pelo m inério está m uito favorável às m ineradoras”, com o disse um analista. Na verdade, j ustam ente por causa do excesso de oferta e falta de dem anda, o preço do m inério de ferro caiu – e, a partir de 2011, as ações da Vale desceram a ladeira. Fecharam aquele ano valendo 37,82 reais; em 2015 beiraram os 13 reais. “A OGX, em presa de petróleo e gás do em presário Eike Batista, tam bém foi sugerida por quatro corretoras”, inform ou a reportagem do iG.

“Entre os m otivos, está a boa im agem de governança que a com panhia tem na visão de investidores externos.” Valendo 17 reais no dia da recom endação, encerrou o ano a 13. “As ações da estatal [ Petrobras] são recom endadas por quatro analistas, m as desaconselhadas por outros dois. Quem sugere a com pra do papel ressalta que o investidor deve pensar no longo prazo e ficar pelo m enos três anos com o investim ento.” A 27 reais no dia da recom endação, encerrou o ano valendo 21. No longo prazo, ficou pior ainda: valia 14,70 reais três anos após a recom endação. Os analistas recom endaram com m enos convicção as ações da CCR Rodovias e do Itaú Unibanco. Que foram j ustam ente as em presas que ficaram estáveis ou perderam pouco naquele ano. Os especialistas ouvidos pelo iG tam bém previram as m aiores altas da Bolsa em 2011. Entre elas estavam a Hy perm arcas e a construtora PDG, am bas com um potencial de valorização de m ais de 50%. Bem , as duas ações caíram m ais de 50%, e ficaram entre as m aiores quedas daquele ano. No fim das contas, quem investiu m il reais igualm ente nas cinco em presas preferidas pelos analistas, term inou o ano não exatam ente feliz. Em dezem bro de 2011, os m il reais teriam se transform ado em 640 reais. Empiricus: “É hora de comprar a OG X” A consultoria Em piricus ganhou fam a (e m ilhares de clientes) ao denunciar os erros da equipe econôm ica de Dilm a e prever, com um a precisão espantosa, a crise que chegaria ao Brasil em 2015. As previsões apocalípticas

irritaram m uitos sim patizantes do PT, que retrucaram à Em piricus usando apenas três letras: OGX. Os analistas da Em piricus foram grandes entusiastas da OGX, a petrolífera do (na época) bilionário Eike Batista. Até aí tudo bem , pois houve um tem po em que a em presa foi um sucesso na Bolsa de Valores de São Paulo. Quem investiu m il reais na OGX em novem bro de 2008 tinha 8.800 reais dois anos depois. A em presa anunciava prej uízos atrás de prej uízos, m as isso não espantava os investidores. Todos sabiam que a OGX era um a startup, um negócio que ainda não existia, m as que renderia lucros bilionários assim que as plataform as com eçassem a extrair petróleo. No entanto, quando brotaram sinais de que a OGX era um a em presa de fachada, boa de m ídia m as capenga de petróleo, a Em piricus não quis acreditar. Continuou recom endando a com pra das ações da OGX em fevereiro de 2012, pouco antes de as ações caírem 70%. A Em piricus encarou essa queda com o um a boa oportunidade para com prar ações da petrolífera, e em j ulho voltou a recom endar a em presa. A consultoria só deixou de acreditar na petrolífera de Eike Batista em j aneiro de 2013. O erro é com um e com preensível. Se um bem que custa 10 de repente aparece por 3, tem os a sensação de estar diante de um a barganha. Acreditam os que o preço j á caiu o suficiente, ou sej a, é a hora certa para com prar. O sonho de todo especulador é com prar um a ação no fundo do poço, pouco antes de ela inverter a curva e com eçar a subir. Por isso é fácil ignorar a possibilidade contrária, de que a ação ainda estej a cara e possa baratear ainda m ais. Mesm o em j aneiro de 2013, quando nem a Em piricus acreditava m ais na OGX, ainda

havia gente dizendo que a em presa era a galinha m orta da Bolsa. “ OGX e OSX, de Eike, de volta às apostas dos investidores”, diz um a reportagem de O Globo de 27 de j aneiro de 2013. Um analista da Ágora Corretora explicou o m otivo do otim ism o: “Estam os recom endando a com pra das ações da OGX porque elas ficaram baratas. O m ercado exagerou na queda e o preço está abaixo do que consideram os j usto. Mas é um a com pra para o longo prazo117” . Naquele 27 de j aneiro, as ações da OGX orbitavam em 5 reais. Três m eses depois, j á haviam caído para 1,50 real. Em j ulho, a em presa anunciou que não conseguiria tirar petróleo de diversos de seus cam pos, ou sej a, havia investido centenas de m ilhões de reais num negócio inviável. Em 2015, as ações valiam 3 centavos. G uido Mantega, em 2014: “Vai quebrar a cara quem apostar na alta do dólar” Essa é m anj ada; todo m undo com partilhou no Facebook. Mas não poderia ficar de fora. 109Aloizio Mercadante, “ Plano Cruzado: Aloizio Mercadante no superm ercado, 1986”. Disponível em : . 110Míriam Leitão, Saga Brasileira, Record, página 287. 111Maria da Conceição Tavares, “Maria Conceição Tavares Plano Cruzado 1986”. Disponível em : .

112Cássia Alm eida, O Globo, “ Plano Cruzado: lançam ento ficou m arcado por im agem de Maria da Conceição Tavares chorando na TV”, 1 de j ulho de 2015. Disponível em : . 113www1.folha.uol.com .br/fsp/1994/7/31/opiniao/4.htm l. 114http://ricam consultoria.com .br/news/artigos/bovespaalta-de-2009-e-a-ponta-do-iceberg. 115http://ricam consultoria.com .br/news/artigos/palestra_perspectivas_taxa_de_cam bio-2. 116www1.folha.uol.com .br/fsp/m undo/ft2609201111.htm ? m obile. 117http://oglobo.globo.com /econom ia/ogx-osx-de-eike-devolta-as-apostas-dos-investidores-7414076.

Autossuficiência É COISA DE POBRE Os economistas discordam em muitas questões, m as num a delas há um pequeno consenso. O cam inho m ais rápido, a receita m ais certeira para a pobreza é insistir em um a nação autossuficiente. Antes de despej ar argum entos e núm eros a favor dessa tese, proponho outro exercício de im aginação. Suponha que um dia você percebe que cansou. Cansou de tudo. Está

exausto do trânsito da cidade e de praça de alim entação do shopping, farto de tantas opiniões histéricas na internet, doido de raiva da síndica, do chefe, da cunhada, do carregador de celular que insiste em sum ir, dos j ornalistas que escrevem livros de história, do garçom que traz CocaCola com gelo e lim ão, sendo que você pediu expressam ente sem gelo e sem lim ão. Após m uita ponderação, você decide dar um basta. Dá um a guinada radical na sua vida. Resolve ir em bora da cidade, m udar-se para um a m ontanha inóspita e viver isolado com o um erm itão. O leitor vende quase tudo o que possui. Leva na bagagem som ente o necessário para viver por conta própria: ferram entas para construir m óveis e um a casa de m adeira, sem entes e filhotes que lhe fornecerão alim entos, m aterial de pesca, um tear e artigos de costura para tecer a própria roupa, alguns livros. “A partir de hoj e”, você diz a si próprio, olhando para o futuro, “apenas a autonom ia e a contem plação m e im portam !” Os prim eiros dias na m ontanha são de total purificação; predom ina um a alegria serena de quem fez um a escolha certa. Mas, aos poucos, o ideal de autossuficiência se revela m ais difícil que o esperado. Marcenaria nunca foi o seu forte; você dem ora dem ais para construir os m óveis da casa e tam bém para costurar roupas. Há pouco tem po para pescar e cuidar da horta, suas atividades preferidas. Os dias acabam e ainda há m uito trabalho a fazer. Falta construir um a cam a, aprim orar o piso de m adeira e construir um a bancada. As noites de sono não revigoram , pois há frestas dem ais entre as tábuas das paredes, por onde passam insetos e

vento, sem falar nas goteiras no teto. Ao cabo de um m ês trabalhando 14 horas por dia, você está fraco e cansado. Ou m elhor: você está pobre. Só algum as sem anas depois, durante sua habitual cam inhada contem plativa pelas m ontanhas, a vida com eça a m elhorar. Você descobre outro casebre; m ora ali um erem ita m ais velho e m uito m agro, quase desnutrido, doravante cham ado de Velho Erm itão. Vocês trocam um a conversa e descobrem que com partilham frustrações sobre as cidades e dificuldades da vida na m ontanha. Dando um a olhada ao redor, você percebe que a casa do Velho Erm itão, apesar da hum ildade predom inante, tem um a ótim a carpintaria. O piso de m adeira é bem -feito; a m esa não balança e há um a bancada bem do j eito que você precisa. “Tenho paixão pela carpintaria”, diz o Velho Erm itão. “Quem m e dera pescar e plantar cenouras fosse tão fácil para m im quanto m ontar m esas e cadeiras.” Peraí: o Velho Erm itão faz m uito bem o que m ais te incom oda, e se incom oda j ustam ente com o que você faz m uito bem ! Não dem ora para vocês perceberem que teriam um a vida m uito m ais fácil se cada um se especializasse no que faz m elhor e m ais rápido, e depois trocassem o resultado. A ideia de um a cooperação surge naturalm ente. O Velho Erm itão prom ete dar um j eito nas tábuas das paredes do seu casebre. Em troca, você prom ete fornecer ao seu am igo m eia dúzia de tilápias e um saco de batatas orgânicas. Deal. O dia seguinte é inspirador. Aquela alegria do com eço ressurge: você agora pode se concentrar no que gosta sem precisar se preocupar com a chatice da carpintaria. O Velho

Erm itão aprim ora a parede e o telhado da sua casa (o que torna suas noites de sono m uito m ais restauradoras) e aproveita para construir um a m esa em troca de parte daquelas lindas cenouras que você acabou de colher. Ele prom ete ainda um a bancada se você fizer o favor de fornecer a ele algum as dúzias de ovos durante o inverno. Não se anim e, caro leitor; a história tem um triste desfecho. No dia em que você vai à casa do Velho Erm itão levar os ovos e buscar a bancada de m adeira, ocorre um fato inesperado. No cam inho de volta, puxando o m óvel num carrinho de carga, você depara com um a senhora com ar de autoridade parada no m eio da estrada. Podem os dar a essa senhora um nom e qualquer, um nom e aleatório; digam os, por que não, Dilm a. Dilm a cruza os braços no m eio da estrada e diz: – Docum entos de im portação, por favor. Você faz cara de surpreso; Dilm a explica que passar por ali você até pode, m as para levar a m esa j unto precisa, nas palavras dela, “apresentar Declaração Sim plificada de Im portação, esperar a fiscalização do órgão responsável, cuj o prazo é de 90 (noventa) dias, e só então poder quitar o im posto de im portação equivalente a 60% (sessenta por cento) sobre o valor dos bens constante da fatura com ercial, acrescido dos custos de transporte e do seguro relativo ao transporte, se não tiverem sido incluídos no preço da m ercadoria”. – Mas por que isso, dona Dilm a? Ela explica que aquela é um a região de fronteiras. Entre o seu casebre e o do Velho Erm itão passa um a linha im aginária, que divide as m ontanhas em diferentes territórios im aginários. No território im aginário onde o seu casebre

está instalado, coincidentem ente presidido por ela, “está em andam ento, em nível de possibilidades, assim de ação planej ada m esm o, um a política que visa, no sentido de ter com o obj etivo, à proteção da indústria – m as daí você pergunta – qual indústria? – a nacional, claro, de m odo que estam os reduzindo o desincentivo para os cidadãos optarem por fábricas propriam ente nacionais neste país, deste m odo garantindo a redução da pobreza”. O que você consegue entender daquilo tudo é que, ao adquirir m óveis do outro lado da linha im aginária, você está irritando pessoas que vivem deste lado e acreditam que a linha im aginária é algo m uito im portante. Você pensa em ignorar aquela senhora no m eio da estrada e seguir seu cam inho, m as percebe que alguns hom ens arm ados e uniform izados observam a conversa. Depois de algum a negociação, você prom ete dar a Dilm a um saco de batatas se ela deixá-lo passar com a m esa. Dilm a aceita a proposta – e prontam ente em ite um Darf (Docum ento de Arrecadação de Receitas Federais) para oficializar a dívida. A bancada fica ótim a no seu casebre; apesar disso você vai dorm ir frustrado. A cooperação com o Velho Erm itão agora está cheia de entraves. Você terá que produzir m uito m ais alim entos para pagar o que exige aquela senhora no m eio do cam inho; provavelm ente ficará m ais fácil produzir m óveis com o antes, por conta própria. A barreira com ercial im posta por aquela senhora que dizia defender os pobres o fará retornar à autossuficiência – e à pobreza.

Nessa historieta lam entável, o leitor descobrirá três fenôm enos m uito frequentes na econom ia do Brasil e do m undo. O prim eiro é que a autossuficiência leva à pobreza. Não im porta se são indivíduos que optaram por um estilo de vida autônom o ou países que fecharam suas fronteiras ao com ércio: a decisão de fabricar tudo por conta própria fará as pessoas gastarem tem po dem ais em tarefas que não dom inam tão bem . A produtividade delas, ou sej a, o tanto que podem produzir num determ inado tem po, continuará baixa. Terão de trabalhar m uito para produzir pouco. Em pouco tem po estarão cansadas, pobres e fam intas. Muita gente acredita que o costum e de especialização e troca com eçou durante a Revolução Industrial, quando cam poneses deixaram a vida de autossuficiência das vilas rurais e foram trabalhar nas cidades. As fábricas inglesas elevaram a divisão do trabalho a um patam ar inédito, é verdade, m as o costum e de se especializar num trabalho e trocar o resultado com eçou antes, m uito tem po antes. Quem cam inhasse pelos bairros da Rom a do século I encontraria algo parecido com um mercado popular de hoj e: ruelas apinhadas de vendedores de cerâm ica, barbeiros, loj as de vinhos, casas de banho, padarias, bordéis. Havia em Rom a até m esm o um a

espécie de shopping center – a Basílica Em ília, edifício com cem m etros de com prim ento, ocupado por j oalheiros, banqueiros, im portadores de especiarias e revendedores de vinhos finos. Pelo comércio, os rom anos construíram um a das grandes civilizações da história, m as não, não foram eles que inventaram esse costum e. DARWIN VAI AO MERCADO Por volta de 4 m il anos a.C., os sum érios obtinham cedro do Líbano, pedras preciosas do Afeganistão e resinas da África. Para inform ar sobre os preços de alimentos em feiras de rua, inventaram os algarism os. A especialização e o com ércio foram tão im portantes na história humana que não constituem som ente um a vantagem econôm ica, m as tam bém um a vantagem evolutiva, que diferenciou hum anos de outros hom inídeos e deixou vestígios no nosso corpo e com portam ento. É razoável acreditar que, nas sociedades de caçadores-coletores da Idade da Pedra, conseguiam m ais com ida e proteção as pessoas que se

especializavam num a atividade e trocavam o que obtinham . A seleção natural favoreceu, então, capacidades hum anas que possibilitavam ou facilitavam essas trocas, com o a capacidade de sentir em patia, de confiar (e desconfiar) dos outros, a satisfação em fechar acordos. Essa é um a conclusão espantosa – e estudiosos de áreas diferentes (biólogos, econom istas, psicólogos evolutivos) chegaram a ela quase ao m esm o tem po, a partir dos anos 1970. “O intercâm bio com benefício m útuo tem sido parte da condição humana pelo m enos desde que o Homo sapiens é um a espécie. Não é um a invenção m oderna”, diz o zoólogo e escritor Matt Ridley. 118 “O intercâm bio é um a predisposição universal hum ana com óbvias im plicações evolutivas”, afirm a o econom ista Haim Ofek. 119 A prim eira relação de especialização e com ércio de toda a história da hum anidade foi, provavelm ente, entre um homem e uma mulher. Muitos estudos antropológicos

com sociedades isoladas m ostram que, com raras variações, m ulheres são responsáveis por obter carboidratos; hom ens, proteínas. No am biente natural, m ulheres passam boa parte do tem po am am entando. Com um filho no colo é m ais difícil e perigoso atacar grandes anim ais. Por isso elas se concentraram em atividades com menor risco para bebês – com o a coleta de frutas, insetos, legum es e raízes (tanto que se credita às m ulheres a invenção da agricultura). Já aos hom ens couberam atividades de maior risco e recompensa – a caça de grandes anim ais e a guerra. Durante os m ilênios de evolução, essa divisão do trabalho favoreceu capacidades diferentes. Entre as m ulheres, ganharam o páreo da seleção natural as m ais observadoras e meticulosas; entre os hom ens, os mais violentos, com melhor pontaria e menor aversão ao risco. 120 Eis por que os hom ens, em qualquer civilização da história, com eteram 90% dos hom icídios e são m aioria entre os apostadores da Bolsa de Valores e entre as vítim as de quedas e acidentes. 118Matt Ridley, The Origins of Virtue, Penguin, 1996, página 200. 119Haim Ofek, Second Nature, Cam bridge University Press, 2001, página 1. 120Matt Ridley, The Origins of Virtue, Penguin, 1996, página 95. No últim o século, m uitos países optaram pela autossuficiência; todos eles em pobreceram . Durante o fim do im perialism o na África e na Ásia, houve um a incontrolável proliferação de intelectuais defendendo a

necessidade de independência não só política, m as econôm ica. Era m oda acreditar que o com ércio internacional causava ganhadores e perdedores, portanto bastaria aos perdedores cortar as am arras com as grandes potências capitalistas para iniciar um a era de harm onia e prosperidade. Então eles cortaram as am arras, e em vez da harm onia e da prosperidade veio m ais m iséria. Um a vítim a dessa arm adilha foi a Índia. Gandhi m andava os indianos queim ar roupas confeccionadas na Inglaterra e insistia para que todo indiano colhesse seu próprio algodão e fizesse as próprias vestes. Jawaharlal Nehru, o prim eiro-m inistro da Índia independente e filho ideológico de Gandhi, aum entou os im postos de im portação para até 350% e criou im ensas em presas estatais para substituir os produtos im portados. A Índia independente conseguiu ficar ainda m ais pobre do que quando era colônia britânica. No Brasil, os principais defensores da autossuficiência foram os econom istas “cepalinos” (reunidos na Cepal, a Com issão Econôm ica para Am érica Latina e Caribe). De acordo com a “teoria da deterioração dos term os de troca” que eles defendiam , o com ércio internacional prej udicava os países exportadores de m atérias-prim as e beneficiava as nações industrializadas, que vendiam seus produtos por preços m uito m aiores. Desse ponto de vista, os países pobres não se desenvolveriam enquanto não se industrializassem . A saída, então, seria fechar as fronteiras, criar estatais e investir na indústria nacional. A teoria era um equívoco. A restrição a im portações obriga os cidadãos a gastar tem po dem ais fabricando produtos que poderiam im portar com m uito m enos esforço. Dois dos países m ais ricos do m undo, o Canadá e a Austrália, além do Chile, a nação m ais rica da Am érica do Sul, vivem de exportar m atérias-prim as e im portar coisas industrializadas. Apesar disso, o pensam ento da Cepal teve enorm e influência

sobre os governos de Juscelino Kubitschek e da ditadura m ilitar. Por sorte, ao fechar um acordo com o Velho Erm itão, o leitor descobriria um segundo princípio elem entar da econom ia: o cam inho para um a vida m ais fácil e confortável é especialização e troca. Eu m e concentro no que faço a um custo m enor, você se especializa na sua m elhor alternativa, no final a gente troca o que produziu e todo m undo sai ganhando. É este o j ogo preferido dos econom istas: o j ogo de som a diferente de zero. No futebol ou no pôquer, a som a dos resultados é nula. Um tim e precisa perder para o outro ganhar. Quem tem duas dam as no pôquer perde as fichas para o sortudo que tirou um trio de setes. Não é assim nos acordos voluntários da econom ia. As fichas se m ultiplicam ; todos voltam para casa com um pote m aior. Você e o Velho Erm itão j ogam . E os dois ganham . Já faz algum tem po que os econom istas se deram conta dos gigantescos benefícios da especialização e da troca. Em 1817, o econom ista David Ricardo sistem atizou os benefícios da cooperação ao criar o Princípio da Vantagem Com parativa. Para Ricardo, o custo absoluto da produção não é tão relevante quanto o custo de oportunidade. Não im porta que o Jorge Paulo Lem ann, dono da Am bev e do Burger King, lave louça m elhor que a em pregada dele, e sim quanto ele vai deixar de ganhar se passar o dia lavando louça. As pessoas (e os países) naturalm ente escolhem atividades com m enor custo de oportunidade:

Num sistem a de livre com ércio, cada país naturalm ente dedica seu capital e seu trabalho à atividade que lhe sej a m ais benéfica. [...] Estim ulando a dedicação ao trabalho, e recom pensando a engenhosidade e propiciando o uso m ais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de m odo m ais eficiente e m ais econôm ico, enquanto, pelo aum ento geral do volum e de produtos, difunde-se o benefício e une-se as nações do m undo civilizado por laços com uns de interesse e de intercâm bio. Este é o princípio que determ ina que o vinho sej a produzido na França e em Portugal, que o trigo sej a cultivado na Am érica e na Polônia e que as ferram entas e outros bens sej am fabricados na Inglaterra. Às vezes im agino o trabalho que eu teria para produzir um sim ples rem édio – um a aspirina. Levaria alguns m eses só para ter um conhecim ento básico sobre princípios ativos. Depois teria que entender quais substâncias com põem o rem édio e dom inar as técnicas para confeccioná-lo. Teria de procurar fornecedores, convencê-los a m e vender em pequenas quantidades, adquirir tubos de ensaio e aquelas coisas de vidro que, pelo m enos nos film es, as pessoas usam em laboratórios farm acêuticos. Chuto em seis m eses o tem po que levaria para produzir um a única aspirina para aliviar m inha dor de cabeça. No entanto, posso com prá-la na farm ácia gastando o que ganho em poucos m inutos de trabalho. Baita pechincha. Tam bém é assim para o laboratório farm acêutico. Ele deve produzir m ilhões de m edicam entos todo m ês, de centenas de m arcas diferentes. Fabricar um a caixa a m ais de aspirina deve custar quase nada à em presa, digam os 40 centavos. Mas o laboratório

pode vender para m im por 4 reais, um lucro gigantesco. Negócio da China. Eu e o laboratório farm acêutico j ogam os. E os dois ganham . Em 2004, um a pesquisa da Universidade George Mason com provou a facilidade das pessoas de se engaj ar em atividades de especialização e troca. Os pesquisadores ofereceram dinheiro para voluntários participarem de um j ogo de com putador que sim ulava um a vila virtual. Cada j ogador, dono de um a casa e um terreno, tinha que produzir peças verm elhas e azuis. Ganhava m ais quem conseguisse m ontar m ais conj untos de peças num a proporção estabelecida pelos pesquisadores – por exem plo, um a peça verm elha para três azuis. Os j ogadores podiam ver, na tela do com putador, quantas peças azuis e verm elhas outros j ogadores estavam produzindo. Tam bém podiam conversar entre si e transferir peças de uns para outros. Eles não sabiam que o program a de com putador fazia que produzissem algum as peças com m ais facilidade – m as nem sem pre as peças que m ais precisavam . Diante dessa vantagem com parativa, surgiram espontaneam ente diálogos assim : – Bem que você poderia m e dar algum as peças. – Aham . – Olha só, eu faço azuis m ais fácil, qual cor você faz m ais rápido? – Verm elho. – Haha, legal.

– Hehe. – Beleza. Vou fazer só azuis e você só verm elhas. Daí m andam os pra casa de cada um . – Ok, 100% verm elho. – Ok, 100% azul.121 Quem insistiu na autossuficiência – e m ontou sozinho as bolas azuis e verm elhas – ganhou no m áxim o 30 centavos por fase do j ogo. Já aqueles que optaram por se especializar nas peças que produziam m elhor e depois trocá-las pelas que precisavam ganharam três vezes m ais. Infelizm ente o leitor, ao se m udar para a floresta e se tornar um erm itão, descobriria ainda um terceiro fenôm eno da econom ia: os políticos, com o aquela senhora parada no m eio da estrada, não têm a m enor ideia do Princípio da Vantagem Com parativa. Jam ais terão. Não basta tentar explicar; eles vão logo dizer que, se deixarem as fronteiras abertas, a indústria nacional vai sofrer um a concorrência desleal, haverá falências, dem issões e m udanças de preços. Essa dificuldade de aceitar a vantagem com parativa entristece econom istas de esquerda, de centro, de direita, de todos os m atizes. Paul Krugm an, hoj e o m ais adulado econom ista da esquerda am ericana, tem um artigo inteiro sobre isso. “Por que j ornalistas com reputação de grandes pensadores sobre tem as m undiais torcem o nariz se você tenta explicar a eles com o o com ércio leva à especialização m utuam ente benéfica?”, pergunta ele. “ Por que os figurões da política, que participam contentes de horas de discussão sobre a econom ia m undial, se negam a sentar-se por 10 m inutos para entender a teoria de

Ricardo?” A resposta: “A oposição à vantagem com parativa, com o a oposição à teoria da evolução natural, reflete a aversão de m uitos intelectuais a um m odo essencialm ente m atem ático de entender o m undo”. 122 Os políticos estão há séculos tentando proteger a indústria nacional e conquistar a independência econôm ica, e não parece que vão desistir. 121Matt Ridley, The Rational Optim ist, Fourth State, London, 2011, páginas 89 e 90. 122Paul Krugm an, “Ricardo’s Difficult Idea”. Disponível em : .

A INDÚSTRIA mimada No começo, parecia uma ideia inovadora. Um ano depois de ter aberto os portos brasileiros às nações am igas, o príncipe regente dom João se incom odou com a ausência de fábricas no Brasil. Enquanto a Inglaterra enriquecia com fábricas de tecidos, o m aior território do reino português só tinha fazendas de algodão e engenhos de cana-de-açúcar. Para tentar resolver esse problem a, o príncipe publicou, em 28 de abril de 1809, um a lei com o obj etivo de estim ular e proteger a indústria real. Dois séculos depois, a presidenta Dilm a Rousseff tam bém se incom odou com a dorm ência das indústrias brasileiras. Elas não encantavam nem os brasileiros, que preferiam com prar carros do México e eletrônicos da Coreia do Sul. Para

tentar resolver essa questão, a presidenta teve um a ideia que parecia inovadora. Publicou um a série de m edidas para estim ular e proteger a indústria nacional. Tanto a lei de dom João quanto o decreto de Dilm a Rousseff tinham duas resoluções principais. A prim eira estabelecia cotas de conteúdo local. Dom João determ inou que as fardas dos soldados reais deveriam ser fabricadas, o m áxim o possível, em indústrias brasileiras. Assim , ele acreditava que o “cabedal” (com o se cham ava “capital” na época) aos poucos passaria da produção no cam po para a indústria. “Todos os fardam entos das m inhas tropas serão com prados às fábricas nacionais do Reino, e às que se houverem de estabelecer no Brasil, quando os cabedais que hoj e têm m elhor em prego na cultura das terras, puderem ser aplicados às artes com m ais vantagem 123” . Já a lei de conteúdo local de Dilm a determ inava que as m ontadoras de carros deveriam ter pelo m enos 65% de peças nacionais, se quisessem escapar de um Im posto sobre Produtos Industrializados ( IPI) que aum entaria o valor dos carros em 30%. Pouco antes, o presidente Lula j á havia estabelecido um a regra de conteúdo local para as sondas e plataform as encom endadas pela Petrobras. A outra resolução de dom João e dona Dilm a foi dar um a aj uda a quem abrisse fábricas. Nas palavras do príncipe, “conferir-se-lhe algum cabedal que anim e o capitalista”. Dom João ordenou que a Loteria nacional reservasse, todo ano, 60 m il cruzados para beneficiar e socorrer principalm ente as fábricas de lã, algodão, seda, ferro e aço. Era um financiam ento cam arada, a fundo perdido. “As que receberem este dom gratuito não terão obrigação de o restituir, e só ficarão obrigadas a contribuir com o m aior

desvelo para o aum ento da fábrica”, determ inou o príncipe regente. No caso de Dilm a, o “cabedal para anim ar o capitalista” foi, digam os, um pouco m ais polpudo. Entre 2011 e 2014, o governo de Dilm a destinou, pelo BNDES, centenas de bilhões de reais a grandes em presários, tudo a j uros subsidiados, alguns a fundo perdido. 124 Tanto em 1809 quanto em 2012 o cabedal não anim ou e a proteção não protegeu. A indústria têxtil brasileira continuou às m oscas depois da m edida de dom João. Por boa parte do século XIX, o país oscilou entre abrir as fronteiras para os im portados, com o logo depois da Independência, ou fechá-las. Em 1844, a Tarifa Alves Branco aum entou para 30% o im posto de im portação sobre os tecidos de algodão e para 40% a 50% o im posto sobre sacos de fibras têxteis, peças de sabão, velas, bebidas e vidros.125 De novo, houve pouco resultado. Treze anos depois desse tarifaço, um relatório do Arsenal de Guerra de 1857 inform ou que era difícil contar com fardas nacionais, pois havia poucas fábricas, as quais entregavam produtos sem nenhum padrão. “É, pois, fora de dúvida a conveniência de serem elas contratadas no estrangeiro com algum a fábrica, ou casa acreditada, sob aj ustadas condições, a qual a m ande aqui por toda de um a só qualidade; o que trará, além da uniform idade, econom ia.” 126 No caso de Dilm a, as barreiras à im portação até convenceram algum as m ontadoras de carros a se instalar por aqui (o resultado visível da m edida). Mas, no balanço geral, a indústria nacional patinou. Em 2014, a balança com ercial brasileira teve o pior resultado desde 1998 – im portam os 3,93

bilhões a m ais do que exportam os. A participação da indústria no PIB passou de 16,6% em 2008 para 10,9% em 2014. 127 O estím ulo à indústria nacional não evitou (e talvez tenha aj udado a provocar) dem issões de m ilhares de operários das m ontadoras de veículos no ano seguinte. A briga entre adeptos do livre com ércio internacional e os protecionistas é das m ais antigas da econom ia brasileira. De um lado do ringue, representando os desenvolvim entistas, está o fam igerado, o im ortal, o tentador... Argumento da Indústria Nascente. Segundo esta linha de raciocínio, vale a pena dar um a proteção tem porária à indústria nacional, para que ela ganhe m úsculos e consiga com petir com estrangeiros m uito poderosos. É com o ensinar criança a andar de bicicleta sem rodinhas – de repente não é m ais preciso dar im pulso; a indústria infante consegue pedalar por si só. Com o guerreiro auxiliar, há o argum ento da proteção do em prego. A concorrência com países de m ão de obra m uito

barata, com o a China, elim inaria m ilhões de em pregos no Brasil. Do outro lado dessa luta, representando os defensores do livre com ércio internacional, ergue-se o desafiante, o eficiente, o corpulento... Argumento da Indústria Mimada. Estím ulos e proteções, por esse ponto de vista, acabam m im ando a indústria nacional. Com o m ercado nacional garantido contra concorrentes estrangeiros, ela investe m enos em inovação e tecnologia, e fica m enos capaz de com

petir no m ercado internacional. Tam bém não precisa se preocupar em vender barato, pois os itens im portados dos concorrentes internacionais são vendidos aqui por um valor dem asiado alto. Os próprios representantes da indústria brasileira adm item esse efeito colateral. “Um dos m otivos da perda de com petitividade da indústria é a defasagem tecnológica, um efeito negativo do fato de não term os internacionalizado nossas em presas”, disse, para a revista Exame, Carlos Abij aodi, diretor de desenvolvim ento industrial da Confederação Nacional da Indústria. 128 Para piorar, o aum ento de im postos de im portação provoca um a ação recíproca – os produtos brasileiros passam a ser m ais taxados fora do Brasil. As sandálias Havaianas, por exem plo, desde 2014 pagam 18% de im posto na União Europeia, por falta de um acordo de livre com ércio. 129 Volta e meia aparecem reportagens perguntando por que tudo é tão caro no Brasil. Uma das respostas: porque o governo cede a pressões de grandes empresas nacionais e tira do páreo concorrentes mais baratos. Aqui tam bém há guerreiros auxiliares. Um deles é o risco do protecionism o deixar o Brasil fora das “cadeias globais de produção”. Esse é o nom e que os econom istas dão às redes de em presas e países envolvidos na produção de um a m ercadoria. Para abaixar custos e obter os m elhores fornecedores, as em presas distribuem a produção pelo planeta. Um iPhone, por exem plo, é fabricado com processador e tela de retina da Coreia do Sul, câm era e bateria j aponesas, giroscópio italiano e chip de radiofrequência dos Estados Unidos. Ao im por um a regra de 65% de conteúdo local, o governo age com o se estivesse na época do príncipe dom João, e deixa o Brasil fora das cadeias de produção. “Se no século XIX isso j á era errado, hoj e é totalm ente insano”, diz o econom ista

Roberto Ellery, da Universidade de Brasília. No longo prazo, deixam de ser abertas m uito m ais vagas de em prego do que aquelas que o protecionism o tentou salvar. Outra prova reluzente dos m ales do protecionism o é o Brasil dos anos 1980. Na década anterior, o presidente Ernesto Geisel, com planos de conquistar a independência tecnológica, havia forçado o país a substituir os im portados por produtos genuinam ente nacionais. Na prática, o governo proibiu im portações de alim entos, bebidas, roupas, calçados, bicicletas, m otos, iates, aparelhos fotográficos, brinquedos e autom óveis. 130 Para azucrinar ainda m ais os brasileiros, a Lei da Inform ática, de 1984, dificultou a im portação de com putadores e eletrônicos em geral. Por um lado, até que deu certo: a participação da indústria no PIB chegou a 30% (um recorde até hoj e). Mas à custa de um a trem enda agonia dos brasileiros. O país tinha os piores e m ais caros carros do m undo, e a inform ática dem orou m ais dez anos para se popularizar no Brasil. Os brasileiros ficaram tão zangados com essas m edidas que, quando puderam escolher um presidente, em 1989, elegeram o prim eiro picareta que falou o que todo m undo queria ouvir: os autom óveis nacionais eram carroças, e o governo deveria abrir o m ercado de im portados para chacoalhar a indústria nacional. Com tantas provas acum uladas sobre os danos do protecionism o, os econom istas costum am se alinhar ao livre com ércio. Mas tem um problem a: os eleitores e os políticos (salvo algum as exceções, com o Collor) se alinham ao argum ento da indústria nascente – e ao m edo da invasão estrangeira. Para o econom ista Bry an Caplan, isso tudo é culpa de um “viés antiestrangeiro”. Mesm o que as regras m ais básicas da econom ia suportem a im igração e o livre com ércio, m uitos cidadãos sem pre

se sentirão am eaçados pela im agem de um a avassaladora invasão de pessoas ou produtos estrangeiros. 123Câm ara dos Deputados, “Legislação Inform atizada – ALVARÁ DE 28 DE ABRIL DE 1809 - Publicação Original”. Disponível em : . 124BNDES, Estatísticas operacionais do Sistem a BNDES. Disponível em : . 125Flávio Rabelo Versiani, “As Longas Raízes do Protecionism o: 1930 e as relações entre indústria e governo”, Revista Econom ia, setem bro/dezem bro de 2012, página 880. 126Adler Hom ero Fonseca de Castro, Biblioteca Nacional, “Uniform es da Guerra do Paraguai”. 127Fiesp - Departam ento de Com petitividade e Tecnologia – De - Com tec, “A Participação da Indústria de Transform ação no PIB: Novas Séries, Piores Resultados”. 128Hum berto Maia Júnior, “É hora de a indústria brasileira encarar a com petição”, Exam e, 21 de agosto de 2013. 129Idem .

130Karen Giane Borges, “Política Protecionista no II PND”, Florianópolis, 2008, Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. Fernando Collor de Mello protagonizou im ensas presepadas quando foi presidente do Brasil, entre 1990 e 1992. Seu plano de com bate à inflação foi o m ais trágico e irresponsável de todos. O congelamento da poupança, que proibiu os brasileiros de sacar m ais de 50 m il cruzeiros de suas próprias contas bancárias, não atingiu som ente as em presas – provocou dezenas de casos de suicídio e m ortes por ataque cardíaco. Entre tantos equívocos, no entanto, há um acerto de Collor que m erece a adm iração eterna dos brasileiros. Durante a cam panha de 1989, o hom em prom eteu acabar com a proteção às em presas brasileiras e com as restrições aos im portados. Muita gente gostou da promessa, m as poucos acreditaram nela. Abrir a econom ia significava m exer com interesses poderosos. Na época, os principais partidos e os grandes grupos de pressão política defendiam barreiras com erciais para

preservar em pregos e em presas. Brigar contra isso era brigar contra sindicatos, associações de industriais, oligarcas e grandes em presários nacionais. O (ÚNICO) BEM Q UE COLLOR FEZ AO BRASIL Mas Collor não se deixou abater. Depois de eleito, acabou com o fam igerado “anexo C da Cacex”, lista de produtos cuj a im portação havia sido proibida pelo governo m ilitar. E determ inou um a redução gradual dos im postos de importação. As vantagens dessa m edida foram m uito além de deixar ricos com prarem carrões im portados. A facilidade de im portar m áquinas e insum os aum entou a produtividade do cam po – as fazendas produziram m ais alim entos em m enos tem po e m enor área de cultivo. A produtividade da indústria aum entou com a abertura econôm ica, as em presas brasileiras, acostum adas a um capitalism o de com padres, tiveram que se modernizar e aprender a competir.

Por isso o debate nunca acaba. Um bocado de econom istas passou boa parte da história do Brasil criticando o protecionism o, m as pouca gente deu ouvidos. Por exem plo, em 2012, um pouco depois das m edidas protecionistas de Dilm a, o econom ista Alexandre Schwartsm an disse: Se você protege o setor, ele não desenvolve a capacidade de com petir globalm ente. 131 Um pouco antes, foi a vez dos econom istas Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli: A indústria autom obilística brasileira é um a criança de sessenta anos! [...] O excesso de proteção a tem tornado um adulto incapaz de operar em um m undo cada vez m ais com petitivo. 132 Trinta e cinco anos antes, quando Brasil viveu o auge da proteção à indústria “nascente”, era a vez de Roberto Cam pos se esgoelar contra o protecionism o usando expressões sim ilares: A inform ática é o exem plo suprem o do m ercantilism o cartorial e o ápice do intervencionism o governam ental do Brasil. O am ericano Steve Jobs, que criou a Apple num a garagem de fundo de quintal, com apenas m il dólares no bolso, j am ais vicej aria num a cultura com o a brasileira. Ele gastaria m ais do que isso indo a Brasília, hospedandose em hotéis e cortej ando os tecnocratas para lhe concederem um ”favor” de um a autorização de fabricação, de um certificado de registro e m ais um a licença de produção. 133 Em 1952, foi a vez de Eugênio Gudin reclam ar da

excessiva proteção ao produtor ineficiente, o que perm ite e dá lugar a um tão grande desperdício dos escassos fatores de produção do país.134 Quinze anos antes, quando donos de indústrias de tecido conseguiram convencer o governo Getúlio Vargas a proibir a im portação de m áquinas para lim itar a concorrência, o j ornal Observador Econômico e Financeiro satirizou os m im os que o governo dava à indústria: Parece que se apoderou de um grupo de industriais, por todos os m otivos capazes de m elhores em preendim entos, o desej o de transform ar a concorrência em j ogos florais, fazer da livre-iniciativa industrial um a incapaz, segundo a definição j urídica, suj eita à tutela orfanológica do Governo. Toda a batalha industrial travar-se-ia entre flores, e o cam po da indústria não seria m ais do que um a sucursal do paraíso, com m aquinário obsoleto e proibições que no Brasil só vigoraram no tem po em que reinava, em Portugal e colônias, dona Maria I. 135 Quarenta anos antes (em 1898), o então m inistro da Fazenda, Bernardino de Cam pos, desenvolveu com perfeição o Argum ento da Indústria Mim ada: Nossa indústria não raras vezes falseia sua m issão, ou produzindo artigos ruins, que não podem com petir com os estrangeiros, ou aperfeiçoando as suas m anufaturas, m as acom panhando o preço sim ilar do im portado. É sem pre o consum idor o prej udicado e o que m enos aproveita a partilha dos favores da tarifa. [...] O protecionism o de Estado, está cabalm ente dem onstrado, tem produzido efeitos negativos, em relação ao aproveitam ento público, porque sacrifica um a parcela da fortuna da coletividade em proveito de um grupo de privilegiados. 136

Estam os há m ais de um século dizendo a m esm a coisa. Com o m ostra o próxim o capítulo, a sensação de estar preso no passado é bem com um na história da econom ia brasileira. 131Tonico Ferreira, Jornal Nacional, “Especialistas apontam vantagens e desvantagens do protecionism o“, 23 de m aio de 2012. 132Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli, “Quem am a dá lim ites”, Valor Econôm ico, 11 de novem bro de 2011. 133Roberto Cam pos, Guia para os Perplexos, Nórdica, 1988, página 144. 134Eugênio Gudin, “O caso das nações subdesenvolvidas”, Revista Brasileira de Econom ia, v. 6, nº 3, Rio de Janeiro, setem bro de 1952, página 20. 135Flávio Rabelo Versiani, Econom ia, “As longas raízes do protecionism o: 1930 e as Relações entre Indústria e Governo”, setem bro/dezem bro de 2012. 136Ministério da Fazenda, Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil pelo Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda Bernardino de Cam pos no anno de 1898, 10º da República, páginas 256 e 257. Disponível em : .

UMA HISTÓRIA

MUITAS vezes vista neste país Um presidente decide enfrentar a inflação e a crise das contas públicas. Para isso corta gastos, aum enta im postos e renegocia a dívida externa. O sucessor m antém as reform as, dando início a um a estabilidade que atrai em presas e investidores. Surge outra boa notícia – a alta do preço das m atérias-prim as que o país exporta – e os brasileiros vivem alguns anos de prosperidade, inflação baixa e Nutella no café da m anhã. Mas então acontece um a reviravolta. Um terceiro presidente tom a posse. Ele abandona as reform as em nom e do crescim ento, volta a descuidar da inflação e dos gastos do governo. Em purra o país de volta para a crise. O enredo acim a aconteceu entre 1995 e 2015, durante os governos Fernando Henrique, Lula e Dilm a. Mas tam bém vale, com pequenos aj ustes (e sem a Nutella), para a ditadura m ilitar, entre 1964 e 1985. Ou então para o período entre os presidentes Cam pos Salles, Rodrigues Alves e Afonso Pena, entre 1898 e 1909. Não é verdade que a história recente da econom ia brasileira nunca antes foi vista neste país. Ela é a terceira ou quarta refilm agem de um roteiro conhecido. É com o aquele film e Feitiço do tempo. Bill Murray acorda, olha para o despertador e percebe que está preso no tem po, vivendo o dia anterior novam ente, e novam ente, e novam ente. Os brasileiros vivem um problem a parecido. Há pelo m enos 120 anos, estam os presos na m esm a história econôm ica. As décadas passam e, quando o dia am anhece, percebem os que voltam os ao roteiro de reform as,

crescim ento, gastança e crise. Os nom es dos personagens m udam , assim com o o cenário e o figurino, m as a história continua estruturada em reform as, crescim ento, gastança e crise. Cena 1: Reforma Cam pos Salles, quarto presidente da República, assum iu o governo em 1898. O m arechal Castello Branco, o prim eiro presidente da ditadura m ilitar, em 1964. Fernando Henrique Cardoso recebeu a faixa em 1995, m as j á era m inistro da Fazenda até um ano antes. Os três com eçaram o film e com os m esm os desafios: acabar com a inflação, com a gastança do governo e cobrir o rom bo das contas públicas. No ano em que Cam pos Salles assum iu, o governo havia arrecadado 320 m il contos de réis, e gastado um pouquinho m ais: 700 m il contos. O Brasil vivia a ressaca do Encilham ento, com o aprendem os nos livros didáticos de história. O Encilham ento era o BNDES do fim do século 19. Para aum entar o crédito na praça e fazer a econom ia pegar no tranco, o Ministério da Fazenda, encabeçado por Rui Barbosa, em prestava dinheiro sem j uros para os bancos, que se com prom etiam a em prestar o dobro do valor a j uros de 6% ao ano. Na prática, o governo autorizou os bancos a criar m oeda e em prestar sem se preocupar com as condições de pagam ento dos devedores. Essa atitude criou um a bolha especulativa e um a desordem nas contas. Entre 1892 e 1898, os gastos do governo aum entaram 176%.137 Rui Barbosa foi o Guido Mantega do fim do século XIX.

Sessenta anos depois, o m arechal Castello Branco tinha um problem a a m ais. A Lei da Usura, criada por Getúlio Vargas em 1933, havia proibido em préstim os a j uros m aiores que 12% ao ano. Com o a inflação geralm ente ultrapassava essa taxa, não valia a pena em prestar a j uros no Brasil. O m ercado legalizado de renda fixa quase não existia, e o governo não conseguia em itir notas prom issórias para pagar as contas. Por isso, a dívida pública era ínfim a. Sem poder se endividar, os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, anteriores a Castello Branco, ligavam a m áquina e im prim iam dinheiro. Quanto m ais dinheiro na praça, m enor o valor de cada cédula. Em 1964, a inflação fechou em 92%. Fernando Henrique Cardoso ganhou a eleição de 1994 com o o herói do com bate à inflação. Não cairia bem , logo depois da cam panha eleitoral, im prim ir dinheiro e deixar a inflação desandar. Com o, então, arranj ar dinheiro para pagar as contas? A saída que FHC e o m arechal Castello Branco encontraram foi incorporar o espírito de Cam pos Salles. Os três presidentes fizeram quase o m esm o governo. Interpretaram o m esm o personagem em refilm agens diferentes. Prim eiro, aum entaram im postos. Cam pos Salles ganhou o apelido de “Cam pos Selos” por fixar selos de im postos sobre diversos produtos essenciais da época, com o o vinagre ou caixas de fósforos. Um século depois, na versão em que FHC era o protagonista, o produto essencial era a gasolina – que foi obj eto da Cide, a contribuição sobre os com bustíveis. FHC tam bém aum entou a m aior alíquota do im posto de renda, de 25% para 27,5%. Já o m arechal Castello Branco acabou com diversos im postos sobre produtos específicos e os unificou em taxas que pagam os até hoj e: o Im posto sobre a Circulação de Mercadorias

(ICM, hoj e ICMS, “e Serviços”) e o Im posto sobre Produtos Industrializados ( IPI). Não se sabe quanto era a carga tributária quando Cam pos Salles se tornou presidente, pois os dados do IBGE com eçam em 1900. O que dá para dizer é que, quando o governo dele term inou, a m ordida dos im postos era de 12,5% de toda a produção de riquezas do país, um a proporção que só seria ultrapassada em 1945. 138 Os outros dois atores que interpretaram o seu personagem tam bém deixaram um a carga tributária m ais alta: Carga Carga tributária tributária quando quando assumiu deixou o o governo governo Campos ?

12,5% (a Salles maior até 1945) Castello 17% 20% Branco Fernando 29% 36% Henrique Elaboração do autor com base no estudo A evolução da estrutura tributária e do fisco brasileiro: 18892009. Brasília, janeiro de 2010, em convênio com Ipea/Cepal Outra atitude com um entre os três presidentes foi pedir dinheiro em prestado e negociar um prazo m aior para pagar o que j á deviam . O m arechal Castello Branco acabou com a Lei da Usura e criou a correção m onetária, invenção brasileira que reaj ustava a dívida do governo. Assim ficou fácil pedir dinheiro em prestado: bastava assinar um papel com um a prom essa de pagam ento no futuro – ou sej a, um título de dívida.

A atitude parecia sensata naquele m om ento, m as acabou m ontando um a bom ba. A partir de Castello Branco, a dívida interna (que o governo deve aos brasileiros) saiu de 3 bilhões em 1967 para 105 bilhões em 1985, quando o Brasil deu um calote. 139 Na negociação com os credores estrangeiros, a sem elhança entre Cam pos Salles e Fernando Henrique é espantosa. Três m eses depois de assum ir o governo, Cam pos avisou seus credores que não tinha com o pagá-los e com eçou um a rodada de negociações para esticar o prazo do pagam ento. O Brasil devia principalm ente aos Rothschild, a fam ília de banqueiros m ais rica do m undo naquela época. A fam ília concordou em em prestar 10 m ilhões de libras ao Brasil, suficientes para o governo respirar por três anos, e ainda deu um prazo de três anos para o Brasil com eçar a pagar o em préstim o. Mas estipulou algum as condições. O governo brasileiro deveria se com prom eter a cortar gastos e reduzir a inflação. Com o garantias, pediram a penhora da alfândega do Rio de Janeiro e a concessão de 3 m il quilôm etros de ferrovias federais, com um a cláusula que garantisse um lucro m ínim o ao capital investido pelos ingleses. Os Rothschild eram credores antigos do Brasil. Em 1824, quando Portugal exigiu um pagam ento de 2 m ilhões de libras para reconhecer a independência do Brasil, os Rothschild rapidam ente levantaram o dinheiro em Londres e o em prestaram a dom Pedro I. Exatos cem anos depois, o Brasil m ostrava que não conseguiria evitar a bancarrota, e abriu um a rodada de negociações com os credores. O Fundo Monetário Internacional ( FMI) concordou em em prestar 18 bilhões de

dólares, e ainda deu um prazo de três anos para o Brasil com eçar a pagar o em préstim o. Mas estipulou algum as condições. O governo brasileiro deveria se com prom eter a cortar gastos e reduzir a inflação. Em resposta, Fernando Henrique criou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que previa até a prisão do político que gastasse m ais do que sua adm inistração havia arrecadado. FHC tam bém se livrou de m uitos gastos (e conseguiu um dinheiro extra) privatizando 70 estatais. Foi um a atitude m uito parecida com a de Cam pos Salles um século antes. Depois de reaver as ferrovias que concedera aos ingleses, ele as privatizou. Deu um a j ustificativa que caberia sem rem endos na boca de um m inistro de Fernando Henrique um século depois. “A longa experiência m ostrou que não há vantagem em m anter ferrovias sob a adm inistração pública”, disse Cam pos Salles. “Entregá-las à iniciativa privada e estim ular a atuação dos interesses privados não só alivia o Tesouro nacional, com o am plia a esfera de prosperidade e utilidade tanto para o com ércio com o para a indústria.” 140 Os livros de história do Brasil não costum am ser generosos com as m edidas econôm icas de Cam pos Salles, Castello Branco e Fernando Henrique. Os três são acusados de provocar recessão e favorecer credores internacionais à custa do aum ento de im postos. Há um a inj ustiça nesse retrato. Se não tivessem herdado o país falido, provavelm ente não teriam tom ado um a m edida tão im popular quanto aum entar a m ordida dos im postos. Além disso, os três controlaram os gastos, renegociaram a dívida externa e contiveram a inflação. Cam pos Salles iniciou o governo com um rom bo de 44

m il contos, term inou com um a sobra de 43 m il contos em dinheiro e de 23 m il em reservas de ouro. Castello Branco sim plesm ente criou o sistem a financeiro do Brasil. Fernando Henrique pegou a inflação a 916% em 1994 e a cortou para 1,65% em 1998. Os três lavaram a louça, varreram a casa e espanaram os m óveis, deixando tudo pronto para o presidente seguinte receber os convidados. Cena 2: Milagre Rodrigues Alves, Em ílio Garrastazu Médici e Luiz Inácio Lula da Silva são três grandes sortudos da história do Brasil. Eles assum iram a Presidência em condições para lá de tranquilas, logo depois de antecessores terem feito o trabalho suj o. Oswaldo Aranha, m inistro da Fazenda de Getúlio Vargas, foi o prim eiro a perceber que a estabilidade de um governo levava ao crescim ento no governo seguinte. Ele cham ou esse fenôm eno de “pêndulo Cam pos Salles - Rodrigues Alves” .141 No caso de Rodrigues Alves e Lula, houve ainda outro bilhete prem iado: a alta do preço de m atérias-prim as que o Brasil exportava. Em 1902, quando Rodrigues Alves ingressou no Palácio do Catete, a tonelada da borracha, usada nos pneus do recém inventado autom óvel, valia cerca de 300 libras; 142 quatro anos depois, chegava a 600 libras. Em 2003, quando Lula ingressou no Palácio do Planalto, a tonelada do m inério de ferro valia 13 dólares; quatro anos depois, passava de 30 dólares. No fim do segundo m andato, em 2010, j á estava em 160 dólares. A exportação de m atéria-prim a, que m

uitos historiadores tom am com o a raiz do fracasso brasileiro, foi um dos m otivos do nosso progresso. Com a casa arrum ada e a sorte fazendo um a visita, esses presidentes desfrutaram um a onda de prosperidade poucas vezes vista na história deste país. No governo de Rodrigues Alves houve “o prim eiro boom capitalista do Brasil”, com o diz o historiador m exicano Aldo Musacchio, professor da Escola de Adm inistração de Harvard.143 A taxa m édia do crescim ento do PIB saltou para 4,7%, contra a estagnação da década anterior. O período entre 1905 e 1913 registrou um a m édia de 28 aberturas de capital por ano na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e de São Paulo (só para com parar, entre 2005 e 2010, a m édia de aberturas de capital foi de 20 por ano). Acom panhando a onda de prosperidade que tom ou conta do início do século XX, o governo brasileiro tinha dinheiro suficiente para m odernizar o Rio de Janeiro e salpicar a cidade com bulevares parisienses. Tam bém foi assim durante os governos m ilitares de Artur da Costa e Silva e Em ílio Garrastazu Médici. O analfabetism o caiu de 34% em 1970 para 23% em 1976; o núm ero de cursos universitários triplicou em cinco anos; a m ortalidade infantil, que tinha aum entado entre 1955 e 1965, chegando a 131 m ortes a cada m il nascim entos, caiu para 113 em 1975. A produção de tratores subiu de 6 m il para 37 m il. A construção civil cresceu em m édia 15% ao ano. Não houve boas notícias para a dem ocracia nesse período. Na econom ia, no entanto, cham á-lo de “m ilagre econôm ico” não é exagero. O crescim ento da econom ia na era Lula ainda está na m em ória dos brasileiros. Entre 2007 e 2010, parecia que todo

m undo no Brasil estava com o bolso m ais cheio. Quem cam inhasse por um a rua com ercial leria o aviso “precisa-se de funcionários” em diversas vitrines. De em pregadas dom ésticas. O núm ero de m iseráveis caiu 29% entre 2007 e 2011; o de m ilionários aum entou 17% entre 2008 e 2010. Não foi apenas sorte, é verdade. Pelo m enos por um tem po, os presidentes m antiveram as reform as do governo anterior. O caso m ais interessante é o de Lula. Durante a eleição de 2002, investidores ficaram aterrorizados com a possível vitória do petista. O candidato criticava a austeridade do governo e os acordos com o FMI. Em j unho daquele ano, para acalm ar o m ercado, Lula publicou a Carta aos Brasileiros, prom etendo m anter a política econôm ica dos tucanos. Depois de eleito, não só cum priu com o dobrou a m eta. Entregou o Banco Central a Henrique Meirelles, um deputado tucano que havia sido diretor do Bank Boston. E ainda aum entou o superávit prim ário (o dinheiro que o governo econom iza todo ano para pagar dívidas). O superávit é um a questão polêm ica porque significa que o governo deixou de com prar leite para as crianças ou tratar os doentes para pagar aos gananciosos investidores. Mas isso não abateu o m inistro da Fazenda, Antônio Palocci. Em 2003, a m eta era econom izar 79 bilhões de reais – Palocci conseguiu poupar um pouco m ais, 81 bilhões. Mas a prudência do governo Lula durou só até a crise de 2008. O tsunam i financeiro chegava com o um a m arolinha ao Brasil, e um otim ism o exagerado tom ou conta do governo. Lula e sua sucessora acreditaram que estava na hora de

abandonar a política econôm ica de Cam pos Salles – quer dizer, de Fernando Henrique. 137Alcindo Guanabara, A Presidência Cam pos Salles, Senado Federal, 2002, página 208. 138http://ipea.gov.br/agencia/im ages/stories/PDFs/TDs/td_1469.pdf 139IBGE, Estatísticas do século 20. Disponível em : . 140Steven Topik, A presença do Estado na econom ia política do Brasil de 1889 a 1930, Record, 1987, página 114. 141Barbara Weinstein, The Am azon Rubber Boom , 18501920. Stanford: Stanford University Press, 1983. 142Peter Moon, “O prim eiro boom capitalista do Brasil”, Época, 12 de abril de 2008. 143Pedro Cezar Dutra Fonseca e Sérgio Marley Modesto Monteiro, “Credibilidade e populism o no Brasil: a política econôm ica dos governos Vargas e Goulart”, Revista Brasileira de Econom ia, vol. 59, nº 2, Rio de Janeiro, abril/j unho de 2005. Im agine que colocam os Homer Simpson no cargo de presidente do Brasil e dizem os a ele: “Caro presidente Hom er, agora você é dono da m áquina de im prim ir dinheiro. Só aperte o botar ‘ligar’ para repor cédulas velhas ou para acom panhar o crescim ento da econom ia,

ok?”. Basta sairm os do gabinete presidencial para Hom er subir na m esa e pular de alegria: “Eu tenho um a m áquina de dinheiro! Viva! Vou im prim ir um pouquinho e com prar m uitos donuts! Vou im prim ir um pouco m ais e construir no m eio do Cerrado um a nova capital para o Brasil! Talvez distribuir por aí para as pessoas consum irem m ais!”. E SE HOMER SIMPSON FOSSE PRESIDENTE DO BRASIL? Num prim eiro m om ento, aum entar da base monetária (ou sej a, aum entar a quantidade de m oeda em circulação) aquece a econom ia. O dinheiro em itido pelo Banco Central não fica parado no banco – gera um a procura m aior por produtos e serviços. Mas chega um ponto em que a quantidade de notas é m aior do que a capacidade de produção do país. Com a procura m aior que a oferta, os preços sobem . A econom ia fica inflada – vem daí o term o “ inflação”.

Para resolver o problem a, é preciso desligar a m áquina. Mas quando voltam os ao gabinete presidencial, descobrim os que Hom er Sim pson se acostum ou a gastar m ais do que arrecada e cobrir o rom bo produzindo dinheiro. O botão ‘ligar’ está travado; a m áquina im prim e dinheiro sem parar. Com um a cara de assustado, Hom er diz: “A culpa pela inflação não é m inha! Prendam os donos do superm ercado por aum entarem os preços!”. Cena 3: G astança e crise Durante os protestos pelo impeachment de Dilm a, em 2015, houve m anifestantes que defenderam a volta do regim e m ilitar. O pedido não foi só exótico, m as tam bém redundante. Pois o próprio governo Dilm a significou, na econom ia, um retorno aos últim os governos m ilitares. Dilm a foi o Ernesto Geisel de saia e m anga três quartos. Sua política econôm ica foi nacionalista e perdulária com o a do quarto presidente do regim e m ilitar. Ao perceber que a econom ia estava desacelerando, os dois não quiseram aceitar um crescim ento m odesto, e avançaram sobre as contas do governo tentando fazer o país pegar no tranco. Geisel criou o segundo Program a Nacional de Desenvolvim ento, entre 1974 e 1979. Na versão do film e com Dilm a, o program a se cham ava Brasil Maior. A essência era a m esm a: aum entar a base m onetária do país para im pulsionar o consum o (vej a a página anterior), escolher algum as em presas com potencial de serem as “cam peãs nacionais” e dar crédito barato a elas. Entre 1974 e 1986, o BNDES em prestou 6,4 bilhões de dólares, em valores de 2015. 144 Só um quarto desse

dinheiro foi pago. Nos governos Lula e Dilm a, entre 2009 e 2014, foram 400 bilhões de reais em em préstim os. Na hora de registrar de onde vinha o dinheiro para o financiam ento, o governo m ilitar im provisava com a expressão “recursos a definir”. Em 2010, Erenice Guerra, chefe da Casa Civil do governo Dilm a, repetiu essa exata expressão ao explicar de onde viria o dinheiro do segundo Program a de Aceleração do Crescim ento. 145 Além de gastar m ais, os dois presidentes tiveram que enfrentar custos m aiores. Em 1973, os países árabes produtores de petróleo fecharam um cartel, m ultiplicando por quatro o preço do barril. Foi um golpe para o Brasil, que im portava 80% do petróleo que consum ia. Muitos econom istas aconselharam o presidente Ernesto Geisel a vender o direito de exploração de alguns poços de petróleo a em presas privadas, para dim inuir a dependência brasileira das im portações e ganhar algum dinheiro com os royalties. Mas o nacionalista Geisel se recusou. Entre 1974 e 1980, 90% do endividam ento brasileiro veio da im portação de petróleo – era o “petrodéficit”, com o o cham ava o econom ista Roberto Cam pos. Entre 1978 e 1981, a dívida externa brasileira passou de 43 bilhões de dólares para 61 bilhões. Sem dinheiro, o governo teve que im prim ir alguns m ilhões de notas. A inflação em 1973, prim eiro ano do governo Geisel, era de 13%. Em 1979, quando ele entregou a faixa, o Índice de Preços ao Consum idor estava em 76%. Foi assim que nasceu a hiperinflação dos anos 1980. Em 2011, Dilm a recebeu um governo que conseguia poupar m ais de 100 bilhões de reais por ano. Quatro anos depois, essa capacidade de econom izar havia desaparecido. Em 2014, as contas do governo fecharam no verm elho. Foi a

prim eira vez, desde 1997, que o governo encerrou o sem estre com um a dívida m aior. As sem elhanças entre Dilm a e Geisel não são m era coincidência. Com o revelou o j ornalista Gustavo Patu, o econom ista Guido Mantega publicou em 1997 um estudo de 60 páginas cheias de elogios à política econôm ica de Geisel. “As fam ílias um pouco m ais abastadas ostentavam o segundo carro na garagem , e m esm o os estratos de baixa renda haviam conseguido participar da festa do consum o”, escreveu Mantega sobre a econom ia durante o regim e m ilitar. 146 O sim ilar de Dilm a-Geisel no com eço do século 20 é o presidente Afonso Pena, que sucedeu Rodrigues Alves em 1906 e governou até a sua m orte, em 1909. Durante o seu m andato, depois de bons oito anos de balanços positivos, as contas do governo voltaram para o verm elho. Boa parte da gastança serviu para m anipular o preço do café. Para proteger os produtores brasileiros de um a queda de preços, o governo com prava o produto e fazia estoques públicos. Depois, vendia conform e lhe interessava. Só para m anter a “política de valorização do café”, Afonso Pena tom ou um novo em préstim o com os bancos estrangeiros. Desta vez, foram 15 m ilhões de libras – 50% m ais que o fiado de Cam pos Salles dez anos antes. Esses três presidentes deixaram crise de presente a seus sucessores. O interessante, no caso de Dilm a, é que ela criou problem a para si própria, pois foi reeleita. A bom ba estourou no colo de quem a arm ou. Em 2015, tendo que lidar com a gastança do seu prim eiro m andato, a presidente teve que

incorporar o espírito de Cam pos Salles, Castello Branco e Fernando Henrique. Enquanto este livro ia para a gráfica, ela tentava aum entar im postos, cortar gastos e convencer as agências de classificação de risco que está tudo bem . Os brasileiros acordaram , olharam os j ornais e perceberam que tinham voltado aos anos 1990. No fim do film e Feitiço do tempo, Bill Murray consegue quebrar o feitiço e passar para o dia seguinte. O Brasil terá esse final feliz? Bill Murray, será que você pode nos dar um a aj uda? 144Míriam Leitão, Saga Brasileira, Record, 2011, página 89. 145Míriam Leitão, Saga Brasileira, Record, 2011, página 91. 146Gustavo Patu, “Infraestrutura e estatais aproxim am Dilm a de Geisel”, Folha de S.Paulo, 20 de outubro de 2012. AG RADECIMENTOS O G uia politicamente incorreto da história do Brasil, não sei exatam ente por quê, m e fez conhecer e travar am izade com m uitos econom istas. Passei os últim os cinco anos conversando com m eus novos am igos sobre as grandes controvérsias, as leis fundam entais e as m etáforas m ais preciosas da econom ia. Este livro é resultado desses cinco anos de conversa. Muito obrigado a todos que recom endaram livros, deram dicas, m e aj udaram a aprim orar argum entos e, principalm ente, m e tornaram um apaixonado pelo tem a. Tenho certeza de que estou esquecendo m uitos nom es, m as, entre as pessoas por quem m e sinto grato, estão

Adriano Gianturco, Adolfo Sachsida, Anthony Ling, Breno de Oliveira, Carlos Góes, Diogo Costa, Fabio Osterm ann, Fabio Portela, Flavia Furlan, Fernando Ulrich, Helio Beltrão, Joel Pinheiro da Fonseca, Larry Liu, Laura Diniz, Marcos Ricardo dos Santos, Rodrigo Constantino, Rodrigo Saraiva Marinho, Rodrigo Pereira, Tainã Bispo, Thais Rego Monteiro, Tiago Lethbridge e Thiago Ribeiro. Ivanildo Terceiro, o m ais inteligente universitário do Brasil, foi m eu braço direito durante a escrita deste livro. Com o j á disse a ele m uitas vezes, valeu, Third! Agradeço tam bém ao Felippe Herm es pelas ideias e pela aj uda na apuração de inform ações de alguns capítulos. E a Sim one Costa, por evitar que erros fossem publicados. O capítulo 2 exigiu um esforço enorm e – foram m ais de 700 questionários distribuídos em universidades brasileiras. Fiquei m uito feliz por poder contar com a aj uda entusiasm ada de integrantes da organização Estudantes pela Liberdade: Rafael Rota dal Molin, Gustavo Fogia, Victor Pegoraro, Carlos Conrad, João Lavinas, Matheus Bacila, Pablo Brito, Lorray ne Martins, Kaike Cunha, Lisliê Oliveira, Kaue Souza, Luis Eduardo Rodrigues, Rauan Costa, Eduardo Orsini, Andre Freo, Fernando Pertile e Fabricio Sanfelice. Agradeço tam bém aos m eus queridos vizinhos Maria Clara Moura, Junia Pereira, Rogério Ceron-Litvoc e Gil Barros, que passaram um a noite inteira m e aj udando a tabular os dados. Minha m ulher, Gisela Blanco, aj udou em todos os passos desde a decisão de escrever este livro, até os retoques da versão final. Obrigado por tudo isso e por tornar, com a aj uda do Luisinho, o m undo um lugar divertido.

Índice CAPA Ficha Técnica Introdução Lucro é alegria O poder das palavras Cem m ilhões de pobres a m enos As quatro causas da desigualdade brasileira Bolsa fam ília ao contrário O PT contra o Bolsa Fam ília Em defesa dos inim igos im aginários O m ito do trabalho escravo As leis trabalhistas prej udicam os trabalhadores A irrelevância dos sindicatos Por que as m ulheres ganham m enos que os hom ens Muito além da Petrobras As tolices que eles disseram Autossuficiência é coisa de pobre A indústria m im ada Um a história m uitas vezes vista neste país

Agradecim entos

Document Outline Ficha Técnica Introdução Lucro é alegria O poder das palavras Cem milhões de pobres a menos As quatro causas da desigualdade brasileira Bolsa família ao contrário O PT contra o Bolsa Família Em defesa dos inimigos imaginários O mito do trabalho escravo As leis trabalhistas prejudicam os trabalhadores A irrelevância dos sindicatos Por que as mulheres ganham menos que os homens Muito além da Petrobras As tolices que eles disseram Autossuficiência é coisa de pobre A indústria mimada Uma história muitas vezes vista neste país Agradecimentos