Guerreiro Ramos : considerações críticas a respeito da sociedade centrada no mercado
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Guerreiro Ramos



Considerações críticas a respeito da sociedade centrada no mercado.

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Luiz Antonio Alves Soares

Guerreiro Ramos



Considerações críticas a respeito da sociedade centrada no mercado.

CRA-RJ Rio de Janeiro, setembro de 2005

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Direitos desta edição reservados ao Conselho Regional de Administração-RJ Rua Professor Gabizo, 197 - Tijuca 20271-064 - Rio de Janeiro - Brasil Tel: 21 2569-0044 Fax: 21 2568-3046 1ª edição - 2005 1ª reimpressão - 2010 COORDENAÇÃO GERAL

Adm. Adilson de Almeida Adm. Leonardo R. Fuerth COLABORAÇÃO

Adm. Wílson Pizza Júnior REVISÃO

Miriam Gold PROJETO GRÁFICO

CV Design IMPRESSÃO

Flama Ramos Acabamento e Manuseio Gráfico Ltda-EPP FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECÁRIA CÁTIA V. MARQUES (CRA-RJ)

Soares, Luiz Antônio Alves. Guerreiro Ramos : considerações críticas a respeito da sociedade centrada no mercado / Luiz Antônio Alves Soares; coordenação de Adilson de Almeida, Leonardo R. Fuerth; colaboração de Wílson Pizza Júnior. -- 1.ed 1.reimp. -- Rio de Janeiro : Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro, 2005. 127 p. ISBN: 85-99386-02-6

1.Guerreiro Ramos. 2.Administração pública. 3.Economia de mercado. 4.Crise econômica. 5.Economia política. I.Almeida, Adilson de. II.Fuerth, Leonardo R. III.Pizza Júnior, Wílson. IV.Título. CDD-351.981

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Sumário Prefácio ....................................................................................... 7 1. Introdução ............................................................................... 13 2. Vida e Obra ............................................................................. 17 3. Artigos e comentários ............................................................ 21 3.1. Conjuntura Política Brasileira ......................................... 21 Momento maquiavélico brasileiro ................................ 21 Abertura política ........................................................ 28 Poder militar e militares no poder ............................... 31 Atualidade e falácia do Brasil ..................................... 35 3.2. Teoria Econômica ........................................................... 39 O "milagre" e a sociedade ........................................... 39 Limites da modernização ............................................44 Um modelo corretivo do impasse econômico................ 49 Notícia sobre a nova teoria econômica ....................... 58 Problemas alocativos da economia brasileira ............. 63 Economia política reconsiderada................................ 70 As confusões em torno do industrialismo ..................... 74 Um conceito impopular em ciência social ................... 78 Platão e a conversa de gerações .................................. 81 3.3. Teoria Social ................................................................... 83 Aristóteles, Whitehead e a bifurcação da natureza ..... 83 3.4. Política Econômica norte-americana ........................... 86 O Governo Reagan ou o fim da compaixão .................. 86 4. Comentários finais ................................................................. 93 Anexo I

.................................................................................... 101

Anexo II ................................................................................... 109 Anexo III .................................................................................... 119

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Prefácio O reconhecimento da profissão de Administrador completa 40 anos neste nove de setembro de 2005, com a Lei nº 4769, de 9.09.1965. Nas comemorações programadas, juntamente com a afirmação de uma categoria profissional que desde então vem demonstrando crescimento e merecido respeito, este Conselho Regional de Administração considera dever de ofício testemunhar a ação de um pioneiro, apresentando a melhor homenagem que se pode prestar a um autor permanentemente preocupado com os rumos da Administração: a divulgação da sua obra. Alberto Guerreiro Ramos, falecido em seis de abril de 1982 na cidade de Los Angeles (EUA), nasceu em Santo Amaro da Purificação (Bahia) no dia 13 de setembro de 1915. Completaria 90 anos apenas quatro dias após o aniversário de 40 anos da entrada em vigor da Lei nº 4769/65. O preito de gratidão dos Administradores a ele está naturalmente ligado à produção de livros e artigos voltados à Administração (e aos Administradores), como também à sua atuação na luta e divulgação e reconhecimento da profissão. A primeira tentativa de formação de um corpo funcional de profissionais qualificados ligados à Administração partiu do Presidente Getúlio Vargas, com o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado e organizado pelo Decreto-lei nº 579, de 30 de julho de 1938. O provimento dos cargos de

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técnicos de Administração era feito através de concurso público. Guerreiro Ramos foi aprovado em concurso prestado em 1945 com a tese “Administração e Política à luz da Sociologia”. Em 1962, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Guerreiro candidatou-se a Deputado Federal pelo Estado da Guanabara; suplente, assumiu a cadeira em 1963. Em menos de um mês após assumir o cargo de deputado federal, na Sessão da Câmara dos Deputados de 4.09.1963 apresentou projeto de lei dispondo sobre o exercício da profissão de Técnico de Administração*, publicado no Diário do Congresso Nacional de 11.09.1963 (vide Anexo I). Foi a primeira iniciativa de reconhecimento e regulamentação da profissão. No curto espaço de vida como deputado federal, de agosto de 1963 a abril de 1964, teve uma intensa participação em inúmeros projetos de leis e intervenções, todos sempre de cunho nacionalista, conforme relação publicada pela Revista de Administração Pública, de abril/junho de 1983. Guerreiro Ramos retomou o magistério por força da cassação do mandato pelo movimento militar de 1964. Na Fundação Getúlio Vargas publicou o livro Administração e Estratégia do Desenvolvimento**, obra que o levaria à Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles. Com direitos políticos restabelecidos, publicou uma série de artigos no Jornal do Brasil en(*) - Escusado lembrar que a designação original da nossa profissão era de Técnico de Administração precisamente porque este era o nome do cargo criado pelo DASP. (**) - Título do livro na 1ª. Edição (FGV, 1966). Reeditado em 1983, por exigência do autor, com outro nome (Administração e Contexto Brasileiro).

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tre 1978 e 1981, anos em que esteve no Brasil para proferir palestras, lançar a edição em português de “A Nova Ciência das Organizações: uma Reconceituação da Riqueza das Nações” e inaugurar curso de Mestrado em Administração Pública com ênfase na teoria da delimitação dos sistemas sociais na Universidade Federal de Santa Catarina. Precisamente esses artigos, que não foram recolhidos em separata nem republicados, é que constituem referência do trabalho ora apresentado em publicação do CRA/RJ. Deveu-se a escolha ao fato de constituírem-se como os últimos escritos de Guerreiro Ramos e, como se pode depreender da leitura do texto produzido pelo Prof. Alves Soares, pela pertinência dos temas tratados e seu relacionamento com os rumos políticos, econômicos, culturais e administrativos do Brasil. De tal sorte se evidencia a acurada visão crítica de Guerreiro Ramos que temos a impressão de estar ele discorrendo sobre a situação do País - e do mundo - nos dias de hoje. Pode causar estranheza aos Administradores que temas aparentemente distantes do interesse imediato da nossa profissão estejam presentes desse trabalho e mereçam destaque nas comemorações relativas à promulgação da Lei nº 4769/65. É preciso ter em conta que toda a experiência profissional de Guerreiro Ramos ocorreu na área de governo ou no magistério. Sociólogo de formação pôde ele constatar - o que sempre destacou em aulas e conferências - que Administração e Governo são sinônimos (conforme anotado pelo Prof. Alves Soares nos seus comentários), e, dessa forma, isto é, sendo a Administração uma ciência social

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aplicada à ação, questões como formulação de políticas, restrições à prevalência econométrica, regras de civismo e convivialidade fazem parte, sim, do campo de interesse da teoria e da prática administrativa. Que o texto a seguir sirva de pretexto para a reflexão. Boa leitura e boa companhia para todos os Administradores. Adm. Adilson de Almeida Presidente do CRA/RJ

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Sobre o autor Luiz Antônio Alves Soares, sociólogo graduado na UFRJ (1964). Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas - RJ/Instituto de Recursos Humanos (1988), e no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Participações S.A (BNDESPAR) atuou no Núcleo de Recursos Humanos (1987) e no Núcleo de Desenvolvimento das Empresas – NADE (1980 a 1989). Foi Membro do Comitê de Ética em Pesquisa, Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione – IEDE, do Governo do Estado do Rio de Janeiro/Secretaria Estadual de Saúde), de junho/2002 a março/2005. Desde 2001 é suplente do Conselho Estadual para a Política de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CEPDE) do Governo do Estado do Rio de Janeiro/Gabinete Civil. Entre seus trabalhos publicados destacam-se: • A sociologia crítica de Guerreiro Ramos – Um estudo sobre um sociólogo polêmico. Rio de Janeiro, Ed. Copy & Arte, 1993. 262 págs. • O desenvolvimento gerencial no BNDES Participações como processo de conflito organizacional. Rev. Adm. Púb. Rio de Janeiro, 25 (3): 203-6, ju./set.1991.

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1. Introdução Com a série de artigos publicados no Jornal do Brasil entre 1978 e 1981 Guerreiro Ramos retorna à imprensa, dirigindo-se em linguagem acessível ao grande público, a exemplo do que fizera em “O Jornal”, “Última Hora” e “O Semanário”. Guerreiro Ramos retornou ao Brasil após 14 anos residindo e lecionando nos Estados Unidos, cassado que foi pelo movimento militar em 1964. Os motivos de seu retorno foram um empreendimento cultural que estava sendo implementado pela Universidade de Santa Catarina e o lançamento em português de seu livro “A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações”. Não se observa nos artigos nenhum ressentimento. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 25.11.79, ele afirmava que mentalmente jamais se afastara do Brasil e que admitia permanecer longos períodos aqui. Sabia-se mais habilitado a dar uma contribuição à reconstrução nacional. Guerreiro Ramos se dispunha a formar a Guarda do Brasil, como designava então a oposição. Dizia: “Esta Guarda é composta de indivíduos que assumem seriamente as delegações explícitas e implícitas dos diferentes setores da sociedade civil. Assim, ela não é constituída apenas pelos que se encontram no exercício formal de funções políticas e governamentais. Por falta desta Guarda de articuladores dos diferentes interesses daqueles setores, o Governo continua a manter a sua preeminência sobre nossa

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sociedade civil.” (“Governo não pode continuar isolado dos cientistas”. Jornal do Brasil, 25.11.79. Cad. Especial, págs. 4 e 5). Diante da natureza varia dos artigos, julgamos por bem assim classificá-los: Conjuntura Política Brasileira § Momento maquiavélico brasileiro (22.10.78) § Abertura política (14.11.78) § Poder militar e militares no poder (28.1.79) § Atualidade e falácia do Brasil (26.12.79) Teoria Econômica § O “milagre” e a sociedade (13.5.79) § Limites da modernização (20.5.79) § Um modelo corretivo do impasse econômico (8.9.79) § Notícia sobre a nova teoria econômica (28.7.81) § Problemas alocativos da economia brasileira (2.8.81) § Economia política reconsiderada (11.10.81) § As confusões em torno do industrialismo (27.12.81) Teoria Social § Um conceito impopular em ciência social (18.1.81) § Platão e a conversa de gerações (8.3.81) § Aristóteles, Whitehead e a bifurcação da natureza (5.4.81) Política Econômica norte-americana § O Governo Reagan ou o fim da compaixão (7.6.81)

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A classificação é meramente esquemática. Foi procedida atendendo a um tema central, embora em cada artigo sejam encontrados outros. Assim, os artigos classificados em conjuntura política brasileira possuem considerações de teoria econômica, como por exemplo, “Momento maquiavélico brasileiro”. Os artigos classificados em teoria econômica referem-se freqüentemente a questões sociais e/ou de história do Brasil, como “Problemas alocativos da economia brasileira”. Os artigos de teoria social, por sua vez, fundamentam trabalhos de conjuntura política brasileira e teoria econômica. No item 3 são apresentados resumos dos artigos publicados pelo Autor no Jornal do Brasil. Estes resumos visam a possibilitar ao leitor um conhecimento do pensamento de Guerreiro, embora cientes estejamos do risco de prejudicar o conteúdo e/ou o entendimento. Visando a minimizar tais riscos, não hesitamos muitas vezes em usar as próprias palavras do Autor. Com freqüência recorremos às transcrições. Os resumos são concluídos com breves comentários, onde são apresentados os pontos importantes do artigo e uma síntese. No item 4 procedemos aos comentários finais, onde buscamos compreender o conteúdo teórico do pensamento do Autor, as categorias utilizadas, a presença desta categorias nos artigos, o emprego da teoria social, a contribuição do pensamento de Guerreiro à ciência social e à administração e a preocupação do Autor com o Brasil, embora residindo nos Estados Unidos há quase três lustros. O contato com o pensamento de Guerreiro Ramos não é fato novo para nós. Tivemos a ventura de conhecê-lo pessoalmen-

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te antes de iniciarmos nossa vida universitária. Visitâmo-lo inúmeras vezes, recebendo verdadeiras aulas particulares. Iniciando nossa vida profissional na Fundação Getúlio Vargas, lá tivemos oportunidade de com ele conviver. Publicamos “A sociologia de Guerreiro Ramos: Um estudo sobre um sociólogo polêmico” em 1993, onde examinamos toda a sua obra. Nessa ocasião, porém, não tivemos acesso a todos os artigos publicados no Jornal do Brasil. O presente trabalho é um agradabilíssimo reencontro com quem nos ensinou os caminhos de uma sociologia crítica.

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2. Vida e Obra Alberto Guerreiro Ramos (1915-82) nasceu em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, região do Recôncavo. Aos 18 anos ocupou o cargo de assistente da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, recrutado por Rômulo Almeida. Desenvolveu atividade literária até 1951, quando passou a trabalhar na Casa Civil da Presidência da República, coordenando a elaboração de mensagens da Presidência. Em 1939 obteve bolsa de estudos do Governo da Bahia e veio para o Rio de Janeiro cursar Ciências Sociais, formando-se na primeira turma. Interrompeu o curso de Direito que fazia em Salvador, concluindo-o na Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro, em 1943. Lecionou no Departamento Nacional da Criança, e em 1943 foi nomeado interinamente para o DASP. Em 1945 prestou concurso, apresentando como tese o trabalho “Administração e política à luz da Sociologia”. Foi professor de Sociologia na Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) desde 1952, tendo proferido a primeira aula da escola. Neste mesmo ano participou da criação do Instituto Brasileiro de Sociologia e Política, com Hélio Jaguaribe, Rômulo Almeida, Inácio Rangel e Roland Corbisier, a equipe da Assessoria da Casa Civil. O IBESP editou a revista “Cadernos do Nosso Tempo” em 1953.

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O IBESP foi o embrião do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, criado em 1955, por iniciativa de Hélio Jaguaribe. Guerreiro permaneceu no ISEB até 1958. Em decorrência de artigos publicados no Jornal “Última Hora”, abordando o marxismo, foi convidado a visitar a União Soviética e a China. Publicou trabalhos em “O Jornal” fazendo críticas. Foi Delegado do Brasil na XVI Assembléia Geral da ONU, tendo participado da Comissão de Estudos Econômicos. Candidato à Câmara Federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) como representante do antigo Estado da Guanabara no ano de 1962; ficou como suplente, pois lhe faltaram 900 votos. Em 1963 assumiu a cadeira na vaga de Leonel Brizola, eleito governador do Rio Grande do Sul, porém teve seu mandato cassado em 1964. Guerreiro Ramos desenvolveu trabalhos importantes nas áreas de sociologia, ciência política, administração e relações raciais. Alguns de seus trabalhos são: “Cartilha Brasileira de Aprendiz de Sociólogo – Prefácio a uma Sociologia Nacional” (1954), “Introdução crítica à Sociologia brasileira” (1957), “Condições Sociais do poder no Brasil – Problema da Revolução Brasileira” (1961), “Mito e Verdade da Revolução Brasileira (1963), “Pequeno Tratado Brasileiro da Revolução” (1963). Tratando de relações raciais publicou “Patologia social do ‘branco’ brasileiro”, “O negro desde dentro”, “Política de Relações de Raça no Brasil”. Na área de Administração, além de “Administração e política à luz da sociologia” (1945), publicou “A sociologia de Max Weber”

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(1946). Posteriormente publicou “Administração e Estratégia do Desenvolvimento: Elementos de uma sociologia especial da Administração” (1966). Pela Universidade de Toronto publicou “A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações” (1981). Este livro, cuja publicação foi recusada por quatorze universidades norte-americanas, foi publicado em português pela Fundação Getúlio Vargas em 1981. Nos Estados Unidos, Guerreiro Ramos foi Visiting Fellow da Yale University, professor visitante da Wesleyan University em 1972/73 e depois Full Professor da Universidade Sul da Califórnia. Foi também Professor Visitante da Universidade Federal de Santa Catarina. Seus dez livros e numerosos artigos foram publicados em inglês, francês, espanhol e japonês. É de sua autoria o primeiro projeto de lei apresentado no Congresso Nacional regulamentando a profissão de Técnico de Administração (Projeto n.º 984/63). Projeto de lei semelhante foi apresentado no Senado, sob o n.º 179/63, pelo Senador Wilson Gonçalves, dando origem à Lei n.º 4769, de 9.9.65, que dispunha sobre o exercício da profissão de Técnico de Administração. (Vide anexos 1, 2 e 3). Guerreiro Ramos faleceu de câncer em 6.4.1982, em Los Angeles, Estados Unidos.

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3. Artigos e Comentários 3.1. Conjuntura Política Brasileira O momento maquiavélico brasileiro (22.10.78)) Ao encontrar brasileiros nos Estados Unidos, observou neles a falta de percepção a respeito da situação política do país. “... freqüentemente observo em suas manifestações que nem sempre se dão conta de certos condicionamentos que afetam o conteúdo e a forma que pensam e sentem”. Diz o Autor: “O ambiente social e político de um país pode às vezes refletir tão escassamente a sua realidade que os seus cidadãos, os que estão por cima e os que estão por baixo, igualmente, são induzidos à quotidiana prática do falseamento do que pesam e sentam. O Brasil de hoje me parece um país desse tipo, onde o fictício substitui o real e prescreve as regras da linguagem e conduta humana em geral”. “Governo e povo viviam sob o medo. O Governo temia a si próprio e aos outros, se dando conta de que sua representatividade é questionável, sua forma institucional espúria, seus êxitos imaginários e, naqueles dias, pirrônicos”. Dizia ainda Guerreiro: “Sua má consciência o leva a uma intensa dilaceração que só se mantém graças ao exercício arbitrário do Poder”. “O povo conduzido por atores que não conhece e aos quais não conferiu explicitamente nenhuma delegação, se mantém intimidado e, forçado a contem-

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porizar com as circunstâncias vigentes, contém a expressão de seu ressentimento. É ele compelido a falar uma linguagem sofística”. O Autor diz não poder deixar de entender esta distorção lingüística como índice de grave involução cultural. Esperando que sua interpretação do Brasil não seja vista como diatribe inspirada na indignação de quem teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar, afirma que deveria existir ainda muita gente capaz de atestar que a deposição de Goulart não foi surpresa para ele. Já vários anos antes havia sacrificado sua carreira de escritor para falar ao grande público, como o fez em “A Crise do Poder no Brasil” (1961) e “Mito e Verdade da Revolução Brasileira” (1963). Referindo-se a estes dois livros, diz Guerreiro: “... procurei caracterizar a crônica doença mental da chamada esquerda brasileira na década de 60, o marxismo e o paramarxismo, as qual, como se sabe, foi um fator precipitante da queda de João Goulart.” Em seu entender a intervenção militar foi manifestação instintiva de autopreservação do país. Até aquele momento, entretanto, ela não havia produzido numa forma viável de convivência política representativa porque, lamentavelmente, jamais transcendeu seu caráter ingênuo, puramente instintivo. “Nas condições vigentes, ninguém se iluda, o regime militar ainda não adquiriu caráter orgânico na sociedade brasileira, e apenas se mantém graças ao monopólio do uso de mecanismos repressivos.” Admitindo que a abertura indique que o governo esteja despertando de sua “dormência vegetal”, observa que ela possa ser malograda por falta de lucidez política, tanto por parte do gover-

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no como daqueles por ele proscritos da vida nacional. Uma abertura adequada é improvável de ser formulada caso não se compreenda que a imputação de culpa do que vinha ocorrendo desde a intervenção militar até aqueles dias era um exercício pueril. A abertura que Guerreiro concebia exigiria o exercício adulto da arte maquiavélica, pois esta era a característica do momento brasileiro. A expressão é uma categoria de história política devida a J.G.A . Pocock, para quem “Momentos maquiavélicos se configuram quando uma sociedade, no curso de sua trajetória temporal, gera, dentro de seus contornos, inéditas necessidades de articulação interna, que só podem ser satisfeitas pela criação e implementação de uma forma política original.” Tendo perdido o caráter de uma orgânica sociedade nacional, o Brasil era apenas aparência de unidade política e social. Não havia um modelo, de que o país necessitava, devendo a abertura ser entenda como a sua inteligente e deliberada implementação. O Autor não via paradigmas contemporâneos dos quais pudéssemos inferir uma fórmula para nossa vida. Negando exemplaridade no mundo socialista, examinou a influência anglosaxônica, dominante no Brasil graças à inércia histórica. Considerando os Estados Unidos para fins ilustrativos, diz que eles continuavam a ser a nação cêntrica no mundo ocidental, não por causa, mas a despeito da ideologia anglo-saxônica. Essa ideologia, dimensão inerente ao processo de formação da sociedade gerida pelo mercado, encontrava-se num ponto de esgotamento de sua efetividade histórica. “No que têm ainda de representativo da ideologia anglo-saxônica, os Estados Unidos são hoje um país

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anacrônico. Suas instituições se tornaram largamente distróficas, inclusive seu dominante sistema educacional.” E diz mais: “A sociedade americana se encontra hoje num processo de crescente deterioração qualitativa, provocada por esbanjadora e polutiva alocação de recursos, e a ciência social, principalmente a economia política, que normalmente se ensina nas suas universidades, é conceitualmente inadequada para formular o diagnóstico e prognóstico do presente impasse.” Apesar da crítica, Guerreiro Ramos reconhece que os Estados Unidos são o país mais inovador e revolucionário da história contemporânea. Em tais condições, perguntava como a chamada abertura poderia ser focalizada, alinhando suas respostas: 1a – Embora a inciativa caiba naturalmente ao Governo, os proscritos e os que se encontram marginalizados da vida pública deveriam participar do processo sem que isto significasse favor. Os representantes de todos os quadrantes da vida nacional deveriam ter a oportunidade de examinar as hipóteses formuladas pelo Governo e, a partir delas, produzir cooperativamente critérios gerais de nossa forma viável de convivência cívica. 2a – Deveriam ser estabelecidas garantias judiciais e direitos políticos com objetiva ordem normativa. Careceria de legitimidade se fosse vista como favor, pressupondo a incapacidade dos cidadãos de exercê-la e preservá-la. O governo e as lideranças, em coalisão, funcionariam como guardiães dessa ordem. “O desafio eminente do momento maquiavélico nacional é a invenção de uma nova

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forma política e legal que articule as exigências intrínsecas à presente contingência brasileira, sem violar as regras universais da razão humana.” a 3 – Em termos econômicos, o Brasil era visto como um agregado sem coerência interna. “Seu crescimento se avalia por adições e subtrações de quantidades”. E, mais adiante: “Nossa política econômica é comandada por receitas extraídas de livros, por idéias fixas com a taxa de crescimento do PNB que, como se sabe, não exprime a qualidade social da vida brasileira.” No entender de Guerreiro, desenvolvimento não era equivalente ao volume de transações e expansão de mercado. “Está provado hoje, nos países industriais avançados que as políticas econômicas, baseadas no pressuposto de que o mercado é a única agência determinativa de alocação de recursos não produziram o bem estar social; antes destruíram os laços de comunidade entre os cidadãos.” Ademais, essas políticas estimulam estruturas de produção e consumo que necessariamente causam a poluição do ambiente e a liquidação de recursos renováveis. “A ciência econômica convencional é uma sistematização dos critérios de pensar inerentes à propensão expansiva do mercado e, como tal, uma ideologia que não se dá conta da dimensão termodinâmica do processo de produção e consumo.” Guerreiro Ramos concluiu seu artigo afirmando não ser pessimista quanto ao horizonte do Brasil, não confundindo a sua

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circunstância com a sua realidade. Admitia, entretanto, que uma nação poderia falhar no seu destino caso lhe faltasse liderança à altura de sua vocação histórica. Ele entendia que a grandeza história não se alcançava por inércia, e sim por um ato de vontade política. E a vontade do povo não encontrava no país os adequados canais para se exprimir. “O regime militar tem no presente um enorme capital de erros.” Isto, entretanto, pode ser transformado em vantagem caso ele se decida tornar agente de uma abertura que incorpore o que o Brasil tem de sadio. Assim agindo, ninguém terá direito de lhe recusar respeito. Observando esta linha de conduta, não teria o governo militar por que recear a volta irrestrita dos proscritos. Embora ainda possam existir entre eles os que pretendem reviver formas mistificadoras de liderança, não teriam condições de fazerem vingar seus propósitos numa atmosfera de genuíno debate político”. E concluiu: “Uma coisa porém é certa: o exercício sistemático à intimidação pode funcionar por algum tempo, não para sempre, como garantia da preservação de um regime político.”

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Comentários Manifestando-se sem ressentimentos, o Autor analisa a conjuntura política nacional confirmando críticas ao Governo Goulart formuladas em livros anteriores ao movimento militar de 1964. Fica clara sua preocupação com o Brasil, com sua sociedade, com sua política e com sua política econômica, incapaz de promover o esperado desenvolvimento. Recusava validade aos paradigmas socialista e anglo-saxônico como fórmulas utilizáveis pelo Brasil. Examinando as condições de realização da abertura, juntamente com considerações de ordem política e jurídica, critica a política econômica por basear-se no pressuposto de que o mercado era a única agência determinativa de alocação de recursos e por não propiciar bem-estar social.

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Abertura Política (14.11.78) Voltando a tratar da abertura política, Guerreiro observava o avanço do processo com o governo sendo levado na corrente. Por outro lado, os agentes ativos eram tão diversos em seus propósitos que, até aquele momento, a abertura carecia de direção coerente, sob risco de tal situação levar o país à dilaceração interna. Segundo o Autor, o Governo estava diante de uma oposição que excedia os quadros formais do restrito domínio partidário. Evidenciava-se uma polaridade entre Governo e Sociedade civil. Naquelas circunstâncias, caso a sociedade civil não se mobilizasse com um mínimo de organicidade para encaminhar a solução viável do seu conflito com o Governo, ela poderia, mais uma vez, encontrar-se a reboque dos acontecimentos, a exemplo do que ocorrera na Argentina. Guerreiro percebia que, caso certas condições preliminares não fossem delineadas e esclarecidas imediatamente, a abertura política então em andamento não poderia culminar num desfecho integrador e restaurador. Uma dessas condições era a relação entre o Governo e a instituição militar. “O Brasil perderia o caráter de nação constituída, se nele se verificasse efetiva incompatibilidade entre a sociedade civil e a instituição militar.” “A articulação das partes constituintes da sociedade civil é tarefa que não pode ser facilmente descrita. É competência de articuladores insuspeitos, alguns, não necessariamente próceres partidários. O sucesso dessa articulação requer inequívoco esclarecimento da posição em face do Governo, da sociedade civil e da instituição militar. A abertura

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corre o risco de frustração se no seu encaminhamento a instituição militar aparecer como parte indissociável do Governo.” Desde 1964 as fronteiras institucionais vinham sendo confusamente definidas, o que era nocivo à abertura que convinha à integridade da sociedade civil. O objetivo da abertura, entendia Guerreiro, era encerrar no Brasil o período das Presidências exercidas à revelia da sociedade civil. Seria a devolução do Poder a governantes educados na contenda pública, diante dos olhos dos cidadãos. Nessa condição eles assimilariam os padrões de compostura governamental. Dizia o Autor: “De outro modo, a Presidência assumiria o caráter de sala de aula, ou de órbita destinada ao treinamento em serviço de seus ocupantes.” E prosseguia: “A instituição militar não pode dar um cheque em branco a aprendizes de governantes, sob pena de, eventualmente, para salvar as aparências, ver-se forçada a afiançar o arbitrarismo.” Tal tipo de relacionamento entre a instituição militar e o governo não podia constituir-se em característica essencial de um regime, a menos que a instituição militar, e com ela o país, se exponham ao risco de desintegração. Para Guerreiro Ramos a abertura não era uma galharda e altaneira concessão imposta de cima para baixo ou se assemelhava a um trem de alegria, trazendo indiscriminadamente de volta os proscritos. Manifestava receio de que a oportunidade pudesse ser malograda, fosse pela omissão da sociedade civil e pela errônea interpretação das funções de segurança nacional por parte da instituição militar, fosse em decorrência do “lotérico empolgamento do Poder pelos arautos de ortodoxias ideológicas.”

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Comentários Observando a velocidade do processo de abertura, o Autor manifesta preocupação com a ausência de direção, a polaridade entre o Governo e a sociedade civil, a necessidade de um mínimo de organicidade da sociedade e de clarificação da relação entre o Governo e a instituição militar. Advertia para o risco de perda de oportunidade da abertura pela equivocada interpretação das funções de segurança nacional e pelo risco de empolgamento do poder pelos radicais.

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Poder militar e militares no poder (28.1.79) Comentando o momento político brasileiro, Guerreiro Ramos afirmava que o Brasil destacava-se no cenário mundial como nação deformada, condição surpreendente quando se considerava a história do país até o regime militar. Embora a frágil sociedade civil brasileira por diversos momentos tivesse perdido sua coesividade institucional, tais momentos são discerníveis em todas as nações. No Brasil foram sempre superados em curto prazo graças ao nosso gênio político. O regime militar era um ineditismo em nossa história pela esdrúxula expulsão do elemento civil do Poder. Os civis viviam de cabeça baixa, coagidos e reprimidos em nossa terra por um poder isento de controle político. A Presidência da República assemelhava-se “a uma função integrante do quadro extranumerário do Ministério do Exército”, função que alguns militares se sentiam com o direito de exercer por motivos especificamente relacionados à sua profissão. Da linguagem autoritária de alguns militares no poder conclui-se que focalizam a abertura política como uma questão de revisão de punições e concessão de perdão. Não houve punição para a maioria dos políticos forçados ao ostracismo em 1964, pois em nenhum país que não seja juridicamente deformado técnicamente se condena sem processo. O Autor lembra que na Grécia, há mais de dois mil anos, o ostracismo de cidadãos da cidade era votado em assembléia pública. A anomalia da vida política brasileira se agravava ainda mais em face da assertiva de alguns militares de que “a Revolução é

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permanente.” “Que Revolução?”, indagava Guerreiro. “A intervenção militar em 1964, graças ao suporte civil sem o qual não poderia ter ocorrido, foi um evento reparativo da boa ordem dos negócios nacionais.” Ressalva, porém, o Autor: “Mas daí a falar-se em Revolução é perverter o sentido das circunstâncias. Ao contrário, a longa persistência dos militares no poder após 1964 tem levado o Brasil a uma “involução deformadora”. Evidenciando o que afirmava, Guerreiro dizia do lúcido realismo de nossa história política e econômica e elogiava o Império como “obra de arte”. Derrubando a República Velha quando deu sinais de caducidade, Getúlio Vargas e outros levaram adiante a edificação do país. “E até os Presidentes Jânio Quadros e João Goulart pelo menos foram minimamente dotados de capacidade verbal para exprimir aspirações populares, embora inconseqüentemente.” O Autor afirmava que as considerações expostas não implicavam justificar os erros cometidos no passado. “... obra política não é obra literária, em que a perfeição é quase possível. Corrupção, crime e política, com frequência, tendem a construir uma fraternidade. O que torna eminente um mandatário não é o desconhecimento de tal afinidade, mas é apesar dela, e contra ela, saber exercer o poder público como instrumento de liberação nacional.” Prestes a entrar em seu décimo quinto ano de existência, o regime militar permanecia em limbo no meio brasileiro. “A nação o olha como um regime politicamente pagão, um sentimento que se exprime no sarcástico anedotário de circunstâncias que a

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seu respeito corre de boca em boca.” E perguntava: “Qual é o Presidente desse regime que, por acaso, pode pretender jamais exercer o papel do que se entende por um grande eleitor? Nenhum, evidentemente.” Em termos econômicos, “a obra do regime reflete zelo apostólico de hipercorretos leitores de apostilas.” “O que eles não percebem é que o problema econômico no Brasil é rebelde a abstratas prescrições escolásticas.” Guerreiro afirmava que o povo brasileiro é um dos mais criativos da história moderna. “Tudo o que diretamente deriva dele é antiexclusivista, alerta às controvérsias ocorrentes no mundo, arguto e, às vezes, sadiamente cínico da adoção irônica de fórmulas importadas.” O Brasil de então não refletia tais qualidades. E nisto residia o fermento de uma possível tragédia – no entender do Autor – porque nenhum povo suporta viver indefinidamente uma vida emasculada. Guerreiro Ramos chama a atenção para o risco de empolgamento do poder por círculos que vêm a si próprios como infalíveis preceptores do povo, ultraconvencionais ou ultrapopulistas. O que ainda restava de sociedade civil entre nós deveria ser capaz de automobilização, de encaminhar uma fórmula política pluralista como solução da crise do regime militar. Citando a Argentina como exemplo e visando a evitar o que lá ocorreu, sugere sejam tomadas concretamente medidas antecipadoras. A mais decisiva, talvez, estava completamente na alçada de nossa instituição militar. “A nação brasileira pode recuperar a sua forma normal e a sua instituição militar assumir enér-

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gicas posições civís diante dos militares no Poder.” Guerreiro Ramos assim concluiu: “No momento em que se torna evidente uma polaridade entre o Governo e seus militares e a sociedade civil brasileira, é a própria instituição militar, como parte íntima desta, que está em perigo. Não há que confundir militares no Poder com o poder militar no Brasil.”

Comentários Guerreiro Ramos analisa o regime militar como momento anômalo na vida política brasileira, chamando a atenção para o curto prazo em que ocorreu entre nós interrupção da coesividade institucional. A sociedade sofria o regime ao invés de dele participar. Criticava a política econômica do Governo, citando como exemplo seus critérios alocativos dos fatores de produção. Preocupado com a possibilidade de explosão do ressentimento popular e com o advento de preceptores, chama a atenção para a necessidade de mobilização da sociedade. A mais decisiva medida, e na alçada da instituição militar, seria ela assumir posições civis diante dos militares no poder, preservando a instituição.

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Atualidade e falácia do Brasil (26.12.79) O Brasil era então um espaço de onde poderia provir o novo discurso civilizacional, ao contrário da impressão generalizada. A articulação desse discurso, entretanto, dizia: “não pode ser tarefa para escribas”, pois implicava rompimento radical com as ideologias praticada pela clássica sociedade ocidental em declínio. No máximo, os escribas eram capazes da elaboração de idéias segundo idiomas estabelecidos, donde a voga entre eles de “filigranistas” como Sartre, Levi-Strausss, Gramsci, Althusser, Habermas e em geral a Escola de Frankfurt. No decurso de uma visita de dez dias ao Brasil, foi para ele muito animador verificar que a voga desses filigranistas estava longe de representar o estado de espírito de nossa juventude. Os brasileiros jovens não estavam ainda falando. A realidade protocultural e protopolítica do país ainda não havia encontrado o seu idioma adequado. No domínio da política, em particular, havia no país homens dotados de robustos instintos. Entretanto, política não se faz somente com bons instintos. “Quando muito, eles servem para alertar ainda os que os possuem contra o que não é palatável à nação brasileira, como, por exemplo, certas fórmulas esquerdizantes, telecomandadas da presente crise do país.” Quando da criação de novos Partidos, alguns desses homens tiveram a coragem de assumir posições desconcertantes, porém, de caráter essencialmente “fisiológico” (expressão criada pelo exdeputado federal pelo Piauí Clidenor de Freitas, por volta de 1960).

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Aqueles homens estavam presos à metáfora político-partidária de 1945, quando Vargas criou o PSD (Partido Social Democrático) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). No Brasil de 1979 não se estavam repetindo a história. Em 1945 ocorreu o encerramento da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos emergiram como grande potência econômica e científica e o Brasil pode extrair de suas exportações suficientes recursos para realizar significativos avanços nos domínios econômico e social. “No Brasil, em particular, o que se convencionou chamar de desenvolvimento representou um processo em que empresários e trabalhadores puderam minimamente acomodar os seus interesses conflitantes até aproximadamente 1964.” A intervenção militar de 1964 foi um marco, pois simbolizou o encerramento da validade operacional da metáfora políticopartidária de 1945. “O Presidente João Goulart foi deposto porque não soube o que fazer com a herança política de que as circunstâncias o fizeram portador. Assim, exagerou-se numa fidelidade literal e pobre de imaginação à metáfora de 1945, quando, verdadeiramente, se fosse um estadista, deveria ter liquidado a equação institucional peleguista das relações entre empresários e trabalhadores, implementada por Vargas, e antecipado, na década de 60, o tipo maduro de relacionamento entre aqueles contendores de que, hoje, são pioneiras as novas lideranças de nosso movimento operário em São Paulo e outros Estados.” No entender de Guerreiro, Goulart tornou-se o coveiro da era Vargas. O Autor afirmava haver no país um agrupamento de políticos oriundos das categorias médias da sociedade que se lançaram

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à vida política à margem do esquema varguista, ou como egressos e descontentes daquele esquema. Embora muitos deles fossem responsáveis e brilhantes, por defeito de formação ou por apego às posições que almejavam ocupar, contemporizavam com a falaciosa equação ideológica do país. Tal equação era encorajada por escribas de vários tons e pelo oligopólio que dominava a mídia. Analizando o papel do Governo nas negociações da reforma político-partidária, Guerreiro Ramos diz que os militares, “agentes cegos da inteligência do processo brasileiro, promovidos a políticos e homens de Estado por acidente”, “jamais lograram formar uma consciência clara da inteligência inscrita nas circunstâncias que, para surpresa deles mesmos, os colocam no proscênio da vida do país. Protegidos pelo carisma de nossa instituição militar, mas carentes de um projeto político, foram levados pelas pressões das realidades operativas do país, cujo sentido configurativo tem sempre escapado à sua compreensão, a se constituírem numa espécie de objetivo poder bonapartista, acima da nação e em conflito com a sociedade civil.” O Governo do Presidente João Figueiredo estava exposto à síndrome. Após observações pessimistas a respeito da conjuntura econômica, disse Guerreiro: “O regime militar instaurado em 1964 chega aos dias presentes sem um saldo positivo reconhecido pelo povo, contrariamente ao que se verificou na hora crepuscular da ditadura varguista em 1945.” Preocupado, entendia que o momento requeria audácia e franqueza. Lamentando a mesquinhez dos interesses em jogo, muito imediatistas para galvanizar a nação disse: “Nos meus poucos dias

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de Brasil vi uma nação à deriva, em total desamparo cultural e político.” O artigo foi concluído com a lamentação da perda de seu amigo Mário Alves, morto na luta armada. Guerreiro temia que as reservas jovens viessem a ser mobilizadas para façanhas heróicas, mas historicamente inúteis.

Comentários O Autor mostrava sua preocupação com o momento político brasileiro, particularmente no tocante às discussões referentes à reforma político-partidária. Comentou a conjuntura da criação do Partido Social Democrático (PSD) e do Partido Trabalhista Brasileiro, e mostrou a diferença em relação a 1979. Teceu considerações a respeito da intervenção militar, voltou a analizar o papel dos militares, analizou o Governo Goulart e, também, as novas lideranças . O fato original foi sua preocupação com a juventude, que via fora da influência dos “filigranistas”, e que temia que cometessem o equívoco histórico de seu amigo e conterrâneo Mário Alves.

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3.2. Teoria Econômica O “milagre” e a sociedade (13.5.79) Neste artigo Guerreiro ofereceu sua contribuição para que o Brasil encontrasse um modelo econômico que o habilitasse a superar o impasse em que se encontrava. A situação do Brasil no mundo – dizia – era a de um personagem que preparou-se para comparecer a uma festa e a perdeu, tendo que trocar-se para não passar ridículo. Ou seja, o Brasil enamorou-se do modelo modernizante que, no âmbito capitalista, os Estados Unidos e o Japão foram os últimos capazes de materializar. Generalizava-se no mundo o desencontro com o modelo, inclusive nos países que lograram implantá-lo, assim como os meios para levá-lo a efeito não mais se encontravam ao alcance de nenhuma nação periférica. Embora isso não significasse que o país devesse renunciar a um projeto de grandeza histórica, deveria, entretanto, desenvolver criatividade cultural e decisão política de empreender a alocação de seus recursos não necessariamente sob a influência da ideologia modernizante e do efeito demonstração. No século XVIII a Europa Ocidental, graças a idéias formuladas por vários intelectuais, auto-interpretou-se como a culminação de um processo linear de aperfeiçoamento da humanidade. Tal autodefinição tornou-se ideologia dominante, sendo o passado da humanidade avaliado como defectivo. A Economia Política nasceu como manifestação da ideologia

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modernizante, e assim permanece até hoje. Em “A Riqueza das Nações”, Adam Smith descreve a sociedade emergente na GrãBretanha como a mais avançada etapa histórica. Para este autor as sociedades do passado eram consideradas atrasadas, pois nelas o mercado era incipiente. Embora não usassem a palavra modernizar, para a Grã-Bretanha e o resto do mundo, este processo equivalia a estimular a propensão expansiva do mercado como agência do processo de alocação de recursos. Para A . Smith e os economistas que o sucederam, inclusive Marx, a expansão do mercado levaria a humanidade a uma forma histórica superior. A “mão invisível”, com sua conotação deista, foi a metáfora usada por A . Smith para sugerir o caráter benigno do livre curso do mercado. Com algumas retificações não essenciais, a “mão invisível” continua a ser, até hoje, a idéia dominante dos teorias do desenvolvimento que os economistas vinham usando desde o final da Segunda Guerra Mundial. Mesmo os economistas que admitem a necessidade de intervenção estatal no mercado, a justificam como decorrente da existência de condições históricas desconhecidas no tempo de Adam Smith. Fiéis a seu patrono, marxistas e não marxistas também postulam a benignidade fundamental do mercado durante e enquanto as condições de advento do socialismo não se delineiam. A ausência de uma concepção suficientemente qualificada do mercado se reflete até hoje na crítica marxista do capitalismo e no linearismo histórico característico do séc. XVIII europeu. Estruturalistas sob a égide da CEPAL e proponentes da chamada “teoria da dependência” não foram capazes de oferecer um modelo alter-

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nativo para a crise brasileira e de outros países cativos da ideologia modernizante. Ambos, como os neomarxistas em geral, “resistem a aceitar que só existe uma atitude lúcida diante do marxismo: a de focalizá-lo como um capítulo da história da deformação intelectual em massa, e da desculturação dos meios acadêmicos nos últimos 70 anos.” Afirmava Guerreiro: “Nenhuma alternativa ao modelo modernizante implica negar que o mercado é, efetivamente, uma forma promocional de alocação de recursos. É promocional no sentido de que pode servir para melhorar as condições de vida de uma população.” A função do mercado como forma promocional de melhoria das condições de vida de uma população é limitada. “A economia de mercado organiza o processo de produção exclusivamente do ponto-de-vista de transferências bilaterais de recursos, e assim perde de vista aspectos normativos sem os quais uma sociedade destituiu-se de condições de viabilidade. A instauração e preservação de tais condições largamente dependem de transferências unilaterais de recursos.” As transferências são assim definidas pelo Autor: “...uma transferência é bilateral, quando A provê B de recursos com os quais B produz algo de que A deriva lucro ou vantagem.” “Uma transferência é unilateral quando A provê B de recursos com os quais B produz algo de que decorre uma melhoria ambiental, que indiretamente beneficia A, além de outros fatores sociais.” Ambos os tipos de transferência tem existido milenarmente e são praticados em todos os países contemporâneos, inclusive o Brasil, sendo os salários e os impostos exemplos dos dois tipos de transferência.

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Guerreiro diz que o estudo sistemático e científico da complementaridade desses dois tipos de transferência, do pontode-vista social normativo, somente naquela ocasião começava a ser empreendido. A ciência econômica convencional não ignora a existências de transferências unilaterais, mas subordina a sua utilização aos objetivos específicos da economia de mercado. A economia das transferências unilaterais tem objetivos diferentes da economia de mercado, embora não necessariamente opostos a esta. Embora o PNB viesse sendo alvo das políticas econômicas do Governo, a despeito de sua magnitude atingida naqueles últimos 15 anos, a viabilidade da sociedade brasileira vinha declinando. Poderia atingir um ponto de colapso, se medidas corretivas não fossem tomadas imediatamente. Advertindo para a presença de cenas típicas de Calcutá e Bangladesh em nossas capitais, Guerreiro Ramos advertia: “Precisamos ser sensíveis à ironia dos fatos: o que o chamado “milagre” brasileiro tem produzido é, do pontode-vista da viabilidade social, a erosão crescente da legitimidade política do regime militar.” Observava que, por falta de uma concepção qualificada de mercado, tanto a doutrina econômica convencional como a marxista são disfarçadas crenças religiosas antes que teorias científicas. Julgando difícil persuadir os crentes fervorosos com argumentos e fatos, esperava que a formulação de um novo modelo de alocação de recursos em consonância com a pesquisa de vanguarda se tornasse, em nosso país, um empreendimento de pessoas sensíveis à falência de posições doutrinárias. Advertindo para os graves obstáculos que tal empreendimento teria pela frente, afirmava que o

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debate requereria de seus participantes a capacidade de pensar alternativamente, o que era recurso escasso no Brasil.

Comentários Embora reconhecesse a aspereza do tema para tratamento em linguagem jornalística, o Autor se dispôs a contribuir para a elaboração de um modelo teórico que possibilitasse a solução da crise econômica e social do país no regime militar. Analisando o pensamento econômico convencional em que o Governo se inspirava, mostra seus fundamentos históricos e sociais. Apresentou como instrumental de análise o conceito de moderno, a crítica da economia de mercado, a alocação de recursos, articulando história, sociologia, economia e política. Concluiu apelando para a necessidade de pensar um modelo alternativo, capacidade então escassa.

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Limites da modernização (20.5.79) Segundo o Abade Joaquim de Flora, na trajetória secular da humanidade haveria três estágios: o do Pai, o do Filho e o do Espírito Santo, em que a perfeição humana se consumaria. Deus atualiza-se através de um movimento progressivo e imanente do mundo. Esta concepção linear da história tornou-se influente desde a metade do séc. XII. Modernização e desenvolvimento são dois símbolos constitutivos deste credo. Este tipo de credo no mundo anglo-saxônico é chamado pelos historiadores de deísmo, tendo sua influência na formação de doutrinas modernas, formuladas como ciências e sistemas filosóficos, estudadas por Sir Leslie Stephen (História do Pensamento Inglês no Séc. XVIII, publicado em 1876). Diz Guerreiro: “O deísta não se relaciona pessoalmente com Deus. Para ele, a revelação e a redenção são eventos que não ocorrem na sua relação direta com Deus, mas como o desfecho final de um processo mundano finito. Conseqüentemente, atribui um caráter necessário às prescrições implícictas em abstrações como, por exemplo, o mercado e a História, tal como Adam Smith e Hegel os focalizaram.” Mostrando a falácia da doutrina linearista, ingrediente fundamental do clima de opinião dominante no séc. XX, o Autor aponta os evidentes resultados deformativos e deculturativos das idéias de modernização e desenvolvimento. Cita os Estados Unidos, paradigma da modernização e do desenvolvimento, como a mais dramática vítima do credo linearista. Segundo Guerreiro Ramos, “nos centros de pesquisa de vanguarda reina um consenso

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de que modernização e desenvolvimento são indissociáveis de práticas predatórias, nocivas à vida humana e às funções autorestaurativas do ambiente natural. A perversa forma de consumo que se tornou característica da sociedade norte-americana é uma das ilustrações de tais práticas predatórias”. Guerreiro aponta o caráter deformado e deformativo da estrutura de consumo da sociedade norte-americana quando a focaliza do ponto de vista da distinção que faz entre bens primaciais e bens demonstrativos. Considerando que o objetivo do sistema econômico tem sido milenarmente produzir o bastante para a manutenção da vida humana em determinada sociedade, os bens primaciais constituem a órbita do bastante, e incluem os meios necessários para a manutenção da vida espiritual dos seres humanos. Embora as dimensões do bastante possam variar de uma sociedade para outra e, num mesma sociedade, em períodos diferentes, até o advento da sociedade mercantil todas as sociedades humanas postulavam o princípio de limites de produção e consumo. Para Guerreiro Ramos, este princípio está implícito na distinção que Aristóteles propões na “Política”, entre riqueza natural e riqueza não natural. Segundo o Autor, Aristóteles considerava a produção de bens e serviços como um meio para o exercício da vida cívica. Não é suficiente que os seres humanos simplesmente vivam, é imperativo viver bem. Diz Guerreiro Ramos: “Este segundo tipo de vida só é possível no plano cívico. Assim, a vida cívica é um fim em si mesma, ao qual subordina-se a produção de bens e serviços. Se, portanto, a produção torna-se um fim em si mesma, a vida humana torna-se socialmente inviável, se aceita-

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mos o pensamento aristotélico segundo o qual o ser humano só se realiza propriamente como animal político.” Segundo Guerreiro, o fato de que Aristotéles justificou a escravidão e a exclusão da maioria dos habitantes de Atenas não afeta a validade dos princípios de limites de produção e consumo. Em relação à Atenas de Aristóteles, o que mudou foram – graças à Revolução Industrial – as técnicas de produção. “As sociedades industriais de hoje dispõem de capacidade técnica adequada para prover todos os seus membros de bastantes bens e serviços necessários ao pleno exercício da vida cívica. No entanto, a vida cívica é marginal em tais sociedades, porque a produção de riqueza material é ilimitada, e tornou-se um fim em si mesma. Em tais sociedades, o objetivo de civilizar foi substituído pelo objetivo de consumir, disfarçado sob o imperativo de modernizar.” Nos Estados Unidos a noção aristotélica de viver bem foi substituída pela noção de viver afluentemente. Embora o sistema econômico americano tenha capacidade para prover todos os cidadãos de bens primaciais – e torná-los plenos atores cívicos – posterga esta possibilidade e os induz a consumir de modo ilimitado. Isto acarreta a escassez à experiência temporal essencial à vida cívica. Pelo processo de socialização, o cidadão norte-americano é condicionado a internalizar um sentimento permanente de privação relativa, ou seja, luta para obter status social. Guerreiro Ramos aponta ainda como características da estrutura de consumo da sociedade norte-americana: – A proliferação de comodidades redundantes, ou seja, dezenas de diferentes marcas de artigos artificialmente

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promovidos pelo sistema econômico. “... cerca de 1500 novos itens de consumo são lançados no mercado anualmente, 80% dos quais são retirados no ano seguinte. “O consumidor norte-americano sofre um verdadeiro bombardeio de propaganda, excitando-lhe o apetite de consumir.” – Obselescência planejada a que se subordina a produção de bens. A durabilidade dos bens é intencionalmente limitada. Um bem em perfeito estado de uso é considerado obsoleto, e o ideal da propaganda induz o consumidor a jogá-lo no lixo. Os automóveis são um exemplo: na década de 70 do século passado 8.500.000 carros foram jogados no lixo a cada ano, enquanto que 12 milhões de novos carros são produzidos anualmente. O autor cita dados, como os referentes à queda de reservas de petróleo, para mostrar que os Estados Unidos chegaram à era dos limites. “... descobrem agora que as matérias primas necessárias para operar o seu sistema de produção são limitadas. E afirma mais adiante: “A profecia, implícita na ‘economia política’, de que em sua fase culminante o mercado consumaria o melhor dos mundos possíveis não se cumpriu neste país. Mas apesar disto, os economistas convencionais resistem a abandonar este artigo de fé.” Guerreiro estava cético quanto à possibilidade de um debate a respeito de modernização e desenvolvimento no Brasil. Se o modo como o Governo equacionava os negócios públicos representasse o estado da ciência e da cultura no Brasil, o debate estava fadado a tornar-se um diálogo de surdos. O maior obstáculo era a

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pequena minoria privilegiada, parte da qual era beneficiária da inépcia dos Governos daqueles últimos quinze anos. A era dos limites, embora categorizada pela primeira vez nos centros de pesquisa de vanguarda norte-americanos, abrangia a economia mundial. Ela impunha um novo modelo de alocação de recursos.

Comentários Partindo da crítica da concepção linear da história e de sua natureza deísta, Guerreiro Ramos aponta como as doutrinas econômicas e a filosofia hegeliana tendem a ser explicações finais da providência divina. Toma como ponto de referência de sua crítica os Estados Unidos – paradigma da modernização e do desenvolvimento — e analisa a estrutura de consumo norte-americana a partir de seus conceitos de bens primaciais e bens demonstrativos. Em sua crítica aos modelos atuais de modernização e desenvolvimento, o Autor aponta para a sua falácia, antecipando uma discussão a ser feita em “A Nova Ciência das Organizações”, livro ainda não publicado, chamando atenção, também, para a questão dos limites.

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Um modelo corretivo do impasse econômico (8.9.79) Segundo Guerreiro, o Governo Militar encontrava-se prisioneiro de critério ideológicos de percepção da realidade que, a despeito de suas intenções, o induziam a tomar decisões prejudiciais à sociedade brasileira. Embora o alvo do Governo fosse a promoção do bem-estar do povo, os critérios de extração e agregação de recursos eram irrealísticos. O regime militar estava provavelmente convencido de que estava promovendo o desenvolvimento do país. Desta convicção, entretanto, participava uma minoria de privilegiados. A grande maioria do povo vivia na incerteza, na penúria, em estado pré-social. O modelo adotado minava as bases da sociedade civil. Enriquecendo uns poucos, ameaçava destruir a nação. O regime não empreendia obra destrutiva deliberadamente. Assim agia porque era um programador de alocação de recursos por demais livresco, ou seja, tutelado por um grupo de economistas convencionais. Por conseguinte, encontra-se isolado dos meios culturais e científicos onde se processa a atividade pioneira, e incapacitado de incorporar no processo decisório os ensinamentos da pesquisa de vanguarda. Diz Guerreiro Ramos: “Nada é mais patético na história contemporânea da cultura do que o estado em que se encontra a economia política. Esta disciplina representa a essência da ideologia anglo-saxônica e do seu desdobramento hegeliano-marxista dominante nas universidades, sob o rótulo de ciência social. Aparentemente a disciplina explica a realidade econômica da vida humana associada, e capacita Governos e indivíduos para prever e condicionar a direção dos acontecimentos. Mas a realidade que a economia po-

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lítica explica não é mais do que um sistema de comportamento institucionalizado de acordo com cujas prescrições os seres humanos têm sido, nestes 200 anos, crescentemente compelidos a conviver.” Entendia o Autor que a economia política não funcionaria num mundo em que tais prescrições não fossem ubíquas. “A economia política é uma disciplina que explica regularidades pertinentes apenas ao domínio da sociedade regida pelo mercado. Ela é a ideologia mestra deste tipo de sociedade e, como tal, não habilita ninguém a compreender os problemas de produção da vida humana, comuns a todas as sociedades.” Na ocasião em que a economia gerida pelo mercado encerra o seu ciclo de dominância na história, como já ocorria, o escasso valor da economia política se tornava evidente para um crescente número de pessoas. Guerreiro Ramos apontava diversos estudos feitos por economistas apontando o declínio da disciplina. Porém, “a percepção de que a economia política é hoje um paciente em estado terminal está ainda confinada num círculo de pesquisa de vanguarda”. Tal crítica não era animada por nenhuma intenção de salvar o fenômeno, como fizera Marx. Ela era exercida com a intenção de substituí-la por um modelo científico de alocação de recursos. Foram os historiadores que primeiro chamaram a atenção para a excepcionalidade da sociedade gerida pelo mercado. “Até o advento da sociedade gerida pelo mercado, as relações entre os seres humanos, aí inclusive as de natureza econômica, em todas as sociedades, sempre foram politicamente reguladas. A idéia de economia política é inconcebível antes da Revolução Industrial, simplesmente porque, até aquele período, a economia nunca se cons-

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tituiu num abstrato processo normativo, de caráter social englobante.” Na Inglaterra até meados do séc. XVIII, prevaleceu o conceito de economia tal como delineado por Xenofonte no IV séc. AC. “A Revolução Industrial consistiu na transformação do mercado num sistema autônomo de relações no qual a sociedade em geral se tornou progressivamente subordinada. Ela produziu as condições necessárias para que o mercado assumisse o papel de regulador político, e a economia se tornasse uma ciência, isto é, ‘um método e um conjunto e teoremas’, como o Conde Pietro Verri vislumbrou em 1772.” Esta foi a “grande transformação” a que se refere Karl Polanyi1 . Após breves comentários a respeito da obra de Polanyi, Guerreiro apontou um grupo de estudiosos preocupados com as dimensões termodinâmicas do processo econômico. Um dos pontos mais questionáveis a respeito do movimento revisionista da economia política refere-se a autores e organizações que, reconhecendo a realidade dos recursos finitos, recomendavam políticas e medidas que vinham sendo chamadas de “limites do crescimento” e outras sugestões. Guerreiro criticava tais orientações como derivadas de uma visão própria da economia política convencional. Clarificado este ponto, o Autor caracterizava o paradigma paraeconômico, um dos temas centrais de seu livro “A Nova Ciência das Organizações”, então a ser editado em língua inglesa. Diz Guerreiro: “Uma das razões fundamentais por que os correntes

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POLANYI, Karl. The great transformation, 1944. Traduzido para português sob o título “A grande transformação: As origens de nossa época”. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1980.

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modelos alocativos têm falhado em promover a melhoria das condições de vida das populações no Brasil, como no resto do mundo, consiste em que se baseiam na falaciosa concepção economicista da produção. A economia política não contempla sistematicamente todas as nuances do fenômeno do produção”. “A produção é um fenômeno social total: inclui mais do que os outputs contabilizados no mercado, ou de acordo com seus padrões de avaliação”. E mais adiante: “O processo de produção é indissociável da fruição do convívio entre seres humanos, e da convivência entre estes e a natureza. Crescimento da produção não implica necessariamente o uso de recursos físicos. Embora tivesse sido a economia de mercado que suscitasse a consciência do fenômeno da produção, os estudos de alguns filósofos não populares e principalmente de físicos estavam mudando esta concepção. Considerando os aspectos históricos da questão, Guerreiro Ramos afirmou que, no passado e no presente, em todas as sociedades pré-mercantis, bem como naquelas em que o mercado não existe, a produção se realiza. Para a economia política, em sociedades sem mercado não haveria produção. “A existência de tais sociedades durante milênios evidencia a absurda estreiteza da concepção economicista de produção. Valor de uso é uma categoria secundária de tal disciplina.” O chamado “milagre” brasileiro, que tem resultado em deterioração dos padrões de convivência civil e social do país, é um exemplo desta falácia. O paradigma paraeconômico proposto pelo Autor incorpora tanto itens de valor de uso como os que têm valor de troca, tendo como objetivo fundamental a adequada sustentação da ple-

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na convivência civil, social e cultural entre indivíduos. “O uso final dos resultados da produção e o processo de produção ele mesmo, apreciados em termos de fruição da vida, é isso que, em última análise, define a dualidade do processo econômico.” Outra falácia inerente à economia política é o emprego formal. Para a economia política só os indivíduos formalmente empregados produzem. “A economia política negligencia o fato de que todos os membros da sociedade sem exceção trabalham e produzem (uma negligência que incidentalmente induziu Keynes a falhar em compreender a problemática da depressão norte-americana na década de trinta). Nas sociedades pré-mercantis a população de indivíduos formalmente empregados sempre foi insignificante e, não obstante, muitas dessas sociedades alcançaram altos níveis de civilização. A história registra inúmeras sociedades onde a categoria formal de emprego jamais existiu, mas cujos membros fruiram uma vida afluente.” A política econômica do governo brasileiro era amplamente ilustrada pelas desfuncionalidades da falácia economicista, sendo falho o fundamento das estatísticas de população ativa, pois não são considerados trabalhadores os indivíduos que não estão empregados no setor formal. A falácia economicista tornava o Governo incapaz de mobilizar plenamente a capacidade produtiva do povo, uma vez que seus critérios alocativos eram unilateralmente ditados pelo setor formal do mercado. O programador brasileiro, entendia o Autor, ignorava a utilidade das transferências unilaterais de recursos como instrumentos de criação da riqueza nacional.

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Guerreiro criticava a rigorosa certeza com que as autoridades prometiam o que não podiam cumprir: baixa da inflação, maior distribuição de renda, criação de empregos e outras maravilhas, que não podiam ser concretizadas porque estavam mentalmente prisioneiros do formalismo econômico. “Tocavam viola enquanto, sem o perceberem, Roma já estava em chamas.” O paradigma paraeconômico proposto pelo Autor é um modelo alocativo que objetiva simultaneamente a criação e a distribuição da riqueza nacional. Ele caracteriza o espectro da produção como representado pelo setor formal e pelo setor informal do nosso sistema econômico, onde medram o que ele chamou de isonomias e fenonomias. Nestes sistemas o uso importa mais que a troca; indivíduos produzem e vivem independentemente de serem ocupantes de empregos formais gerados pelos critérios de mercado. Guerreiro entendia que o povo brasileiro não vivia bem. Isto acontecia não porque a nação carecesse de recursos. Acontecia porque o Governo permitia que uma estrutura postiça de negócios se tornasse o seu alvo por excelência. A delimitação do mercado, uma das inovações do modelo paraeconômico, não se efetivaria fisicamente, mas sim através de diretrizes e políticas programáticas. O Governo tinha utilizado vários tipos de orçamento e outros instrumentos de alocação de recursos para promover o “desenvolvimento” do ponto de vista exclusivo do mercado. O paradigma paraeconômico, todavia, seria deliberativo, levando em conta a complementaridade do setor formal do mercado e do setor informal das isonomias e fenonomias, bem como as suas composições mistas.

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No artigo, Guerreiro critica o ensino nas instituições dominantes no mundo nos departamentos de ciências sociais e, principalmente, de economia política e administração pública e privada, onde os estudantes aprendem a raciocinar e a pesquisar considerando fora de discussão o pressuposto básico da ideologia anglosaxônica: o de que o estágio superior de desenvolvimento da sociedade é aquele em que a troca é mais importante do que o uso. Afirmava Guerreiro Ramos: “O paradigma paraeconômico equivale a uma nova ciência das organizações, porque focaliza a alocação de recursos do ponto-de-vista sistemático de uma sociedade reticular ou multicêntrica. Em tal sociedade, o mercado é um limitado espaço social determinante, e outros sistemas, como isonomias, fenonomias e suas combinações são também referentes da alocação de recursos, não subordinados aos critérios de mercado.” Do ponto de vista paraeconômico, o período de desintegração e eminente colapso em que se encontrava a sociedade brasileira resultava da precária alocação de recursos que o Governo empreendia com base apenas nos critérios ditados pelos referenciais ditados pelo setor formal do mercado. Paradoxamente – dizia Guerreiro – o Brasil era um dos países do chamado terceiro mundo que, potencialmente, dispunha de condições para tornar-se uma nação pivotal e emergir na história contemporânea como foco de radiação inovadora, a exemplo do que ocorrera com a Grã-Bretanha no séc. XVIII. Para tanto era necessário que a vontade política do povo fosse lucidamente mobilizada, e que o Governo não só reconhecesse o multicentrismo estrutural do país, mas o traduzisse conceitual, institucional e

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programaticamente sob a forma de um modelo original de alocação de recursos. Para corrigir os vários aspectos disfuncionais de nossa política alocativa que enfatizam os critérios e prioridades de mercado, seria imperativa uma utilização de mecanismos institucionais. O debate desta questão teria sido encaminhado em âmbito puramente ideológico, em que medravam controvérsias anacrônicas e vagamente relacionadas com considerações concretas específicas do país, tais como as que se tratavam entre estruturalistas e monetaristas, capitalistas e socialistas ou comunistas, adeptos da livre empresa e da intervenção estatal. E Guerreiro assim concluía seu brilhante artigo: “Uma alocação de recursos pode ser empreendida no Brasil, atendendo os requisitos de eficiência econômica, sem sacrifício dos requisitos de igualdade equidade. Para tanto, os delineamentos conceituais de um modelo já estão elaborados. Resta refirmar a sua operacionalidade de acordo com as lições da prática. Ele não se classifica em nenhum dos pólos das controvérsias ideológicas correntes no Brasil. Ele não é ordenado por nenhum preconceito contra ou a favor do mercado, da livre empresa, da intervenção estatal. O mercado, a livre empresa, a intervenção estatal são variáveis decisivas e permanentes de nossa equação programática de recursos. O que fundamentalmente importa é concretamente especificar os seus limites.”

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Comentários O Autor renova suas preocupações com o desenvolvimento brasileiro e principalmente com as condições de vida da população, tendo em vista o modelo adotado pelo Governo. Suas críticas tinham como ponto de apoio a alocação de recursos praticada e a submissão ideológica à economia de mercado, no figurino anglo-saxônico. Chamando atenção para os estudos de revisão da economia política desenvolvidos em centros pioneiros de pesquisa, Guerreiro propõe o paradigma paraeconômico de alocação de recursos. Delimitando os sistemas sociais, seriam contemplados o setor formal da economia de mercado e o setor informal, procedendo-se a transferências bilaterais e unilaterais de recursos, possibilitando um viver bem à população. O artigo é uma excelente apresentação do livro “A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações”, ainda não publicado naquela ocasião.

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Notícia sobre a nova teoria econômica (28.7.81) As dimensões termodinâmicas da produção, da transferência unidirecional de recursos e dos limites do mercado formal como agência alocativa encontravam-se entre os temas que a nova teoria nos Estados Unidos e na Europa tinha mais persistentemente insistido. O objetivo do artigo era apreciar suscintamente relevantes fontes bibliográficas a respeito dos limites do mercado formal. A contribuição eminente deste item é devida ao austríaco Karl Polanyi, ex-professor visitante da Universidade de Colúmbia, corporificada no livro “The Great Transformation” (1944)2 . Seu poderoso argumento, que abalara a disciplina econômica convencional, tinha sido até aquela época limitado ao mundo acadêmico. Graças a seus colaboradores norte-americanos, tornou-se ele o pioneiro da “teoria econômica substantiva”, que se contrapõe à teoria econômica formal. Fundamentalmente, a teoria substantiva afirma que “as chamadas leis do mercado são inadequadas para explicar as relações de produção e troca nas sociedades pré-letradas. As leis do mercado não são universais, tendo apenas limitada validade nas sociedades que se formaram no decorrer da grande transformação de que resultou o moderno sistema capitalista, isto é, uma configuração histórico-social excepcional na história da espécie humana, caracterizada pelo fato que nela o mercado se tornou a agência determinativa da alocação de recursos.” 2

Vide nota 1.

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Antes do sistema capitalista, o mercado sempre existiu, mas como parte embutida no tecido institucional. Ou seja, “nas sociedades pré-capitalistas, a alocação de recursos é regulada por critérios institucionais, aos quais o mercado se subordina”. Guerreiro Ramos advertia que o argumento de Polanyi não visa a um retorno ao passado, mas tem por objetivo sugerir que seria possível um industrialismo diferente do que conhecemos, mais consentâneo com os requisitos permanentes da existência humana. Polanyi não é contrário ao industrialismo, que considera como força liberadora. Poderia, entretanto, ser desenvolvido num arcabouço diferente do que prevaleceu no séc. XIX. Este ponto, afirmava o Autor, era muito importante de ser ressaltado porque muitos viam a tese de Polanyi como retrógrada. A tese de Polanyi, a partir da década de 70, transcendeu os limites da antropologia econômica. A atualidade de seu pensamento era demonstrada pelos estudos revisionistas da velha questão da dualidade. Para os economistas liberais e para os marxistas, o sistema econômico das sociedades avançadas era o espelho em que se deveriam mirar as nações periféricas. Posteriormente, tal ponto de vista foi matizado em diferentes graus por circunstâncias então emergentes. O dualismo era concebido por aqueles economistas era como um obstáculo ao desenvolvimento. Seria, quando muito, algo de positividade temporária em função do modo de articulação dos países peféricos com o sistema dominante no mundo . Estaria, entretanto, fadado a desaparecer quando o mercado ocupasse totalmente o espaço da produção. Em reação a esta doutrina, vários estudos propunham a dis-

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tinção entre “mercado formal” e “mercado informal”, não do ponto de vista linearista, mas visando a enfatizar que ambos são espaços legítimos e permanentes de produção, que requerem tratamento governamental sistemático. Conforme tais estudos, alguns dos quais realizados com o apoio da Organização Internacional do Trabalho – OIT, “o sistema ‘informal’ da economia não somente cria emprego e contribui para a eqüitativa distribuição da renda, como, eventualmente, é mais eficiente do que o setor “formal”, no seu papel de alocador de recursos”. Guerreiro Ramos cita o esforço pioneiro e conceitual do brasileiro Milton Santos publicado na França, provavelmente querendo referir-se a, entre outros, “L’ espace partagé. Les deux circuits de l’ economie urbaine des pays sous-développés”.3 A dualidade vinha sendo estudada nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de 70; ao contrário dos enfoques conservadores, a coexistência dos setores “tradicional” e “moderno” era visto como alavancagem para a reforma do estado de bem-estar. Não por acaso nos Estados Unidos a expressão “bater” o sistema (“to beat the system”) era lugar comum na linguagem dos cidadãos. “Uma variedade de micro-sistemas, neste país, está sendo criada. Neles, indivíduos produzem e trocam o que produzem, segundo regras de reciprocidade distintas das que regem as transações do mercado propriamente. “Essa outra “grande transformação” vinha sendo negligenciada nos estabelecimentos acadê3 Publicado em português sob o título "O Espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos". Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves, 1979. Milton Santos, geógrafo, professor emérito da Universidade de São Paulo, faleceu em 24.6.2001

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micos convencionais. Os vários estudos então em andamento propunham uma teoria da sociedade pós-industrial, orientados por extrapolações linearistas e prolongamento das características mecanomórficas da sociedade norte-americana. Isto indicava que a ciência social praticada nos meios acadêmicos daquele país “não passava de uma modalidade sui generis de narrativa.” Diversamente, a prática de sistemas sociais alternativos então em curso era analisada por vários autores como Scott Burns (The Household Economy, 1979). Dizia Guerrreiro: “As múltiplas inovações sociais que surgem nos Estados Unidos com o propósito de “bater o sistema” ilustram a vitalidade da sociedade norte-americana em busca de nova forma institucional de seu processo de produção, num momento em que os sinais de colapso do Welfare State parecem inequívocos.” Por isto, era na Grã-Bratanha que a nova teoria econômica atingia o mais alto grau de sofisticação. Dizia Guerreiro que os estudiosos ingleses pareciam estar na dianteira de seus colegas norte-americanos no tocante à categorização dos sistemas alternativos de produção. Não pretendendo ser exaustivo, cita vários trabalhos, destacando Stuart Henry (“The Hidden Economy”, 1978). Henry mostra em minúcias o subsistema econômico regulado pela ambigüidade moral da vida cotidiana. Segundo Henry, “existem variáveis graus de honestidade e desonestidade na conduta habitual dos cidadãos, nos seus esforços de obter a renda necessária para satisfazer às suas necessidades. Parte desta renda é adquirida graças à perpetração pelos cidadãos de pequenos crimes, no exercício de legítimos empregos formais.” Trata-se, por exemplo, do fato de

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usar o local de trabalho para fins pessoais, telefone, papel, máquinas, favor de companheiros e subordinados. Citando E.J. Mishan, da London School of Economics, os clássicos Robert Owen e John Stuart Mill e, por eles parcialmente influenciado, Martin J. Wiener (“The English Culture on the Decline of the Industrial State (1981), Guerreiro assim conclui: “... existe a intuição de que a disciplina econômica não oferece explicação acurada do processo de produção e de seus efeitos. É esta lacuna que os revisionistas contemporâneos tentam reparar.”

Comentários Aprecia sucintamente relevantes fontes bibliográficas a respeito da questão dos limites do mercado formal, tarefa não empreendida nem nos artigos publicados até então no Jornal do Brasil nem no livro “A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações”. Ressalta a contribuição de Karl Polanyi e cita trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha.

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Problemas alocativos da economia brasileira (2.8.81) Neste artigo Guerreiro Ramos se propõe a mostrar em que medida os estudos contemporâneos a respeito dos subsistemas de produção fronteiriços e externos ao mercado formal contribuem para acurada compreensão da economia brasileira. Afirma o Autor que a disciplina econômica convencional extrapola a psicologia inerente ao mercado formal e pressupõe que ela abrange o total da vida humana associada. Há, entretanto, incentivos que levam os seres humanos a produzir que não se baseiam na mecânica do interesse próprio. “A criação da riqueza nacional não é equivalente apenas à produção de bens e serviços que se trocam segundo a lógica do mercado formal, mas inclui também a produção de bens e serviços para uso direto dos produtores e de seus associados. Tal tipo de produção se verifica no âmbito de sistemas conviviais e comunitários, cuja atrofia e destruição provocam a degradação da vida social de um país. A análise do mercado, sob o ponto de vista do princípio de limites, deve constituir parte integrante da ciência alocativa. “A economia de mercado organiza o processo de produção exclusivamente do ponto de vista de transferência bidirecionais de recursos e, assim, perde de vista aspectos normativos sem os quais uma sociedade destitui-se de condições de viabilidade.” A restauração e preservação de tais condições depende largamente de transferências unidirecionais de recursos. Diz Guerreiro: “... uma transferência é bidirecional quando A provê B de recursos com os quais B produz algo de que A deriva lucro ou vantagem. Neste tipo de trans-

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ferência o interesse de A é diretamente satisfeito. Uma transferência é unidirecional quando A prove B de recursos com os quais B produz algo de que decorre uma melhoria ambiental que, indiretamente, beneficia A bem como outros atores sociais.” Enquanto o primeiro tipo de transferência é fundamento da economia de mercado, o segundo é o fundamento da economia de viabilidade social. Somente hoje começa a ser empreendido o estudo científico da complementaridade dos dois tipos de transferência, do pontode-vista social-normativo. Embora a ciência econômica convencional não ignorasse as transferências unidirecionais, ela tendia a subordinar sua utilização aos objetivos específicos da economia de mercado. A economia de transferências unidirecionais, entretanto, tem objetivos distintos da economia de mercado, embora não necessariamente opostos a ela. A teoria do governo implícita na doutrina econômica convencional negligencia aspectos normativos da viabilidade social. Segundo as diretrizes alocativas do Governo brasileiro, desenvolver o país era expandir as fronteiras do mercado. “Idealmente, assim rezam os compêndios, um país merece a qualificação de desenvolvido quando nele o mercado se torna o sistema ubíquo de produção. Isso implicaria em assegurar emprego nos diversos setores do mercado formal a todos os brasileiros em idade de trabalhar. Tal meta é, porém, não só impossível de ser atingida, como prejudicial à boa ordem cívica e social do país.” Guerreiro cita estudo do Estado de Santa Catarina segundo o qual, para absorver a população rural excedente de indivíduos em idade de trabalhar, seria necessário investir US$240 milhões

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anualmente na criação de empregos, ou o equivalente a 60% do orçamento daquele Estado em 1979. A estimativa não considera a demanda de empregos decorrente do setor urbano da economia. A propósito, Guerreiro observa que o Brasil tinha persistentemente carecido de uma política de urbanização. “Em tese, a urbanização é um processo civilizatório. Por conseqüência, é retrógrada a proposta ingênua de, por princípio, coibir a migração rural.” A política de crédito rural subsidiado e abundante estimula a migração do campo para a cidade, contribuindo para agravar o problema do desemprego (e por conseqüência o da violência e da criminalidade) nas cidades, como também para destruir o sistema de produção à base da mão-de-obra familiar. “Nossa política alocativa obedece a critérios tais que, em face deles, nada de surpreendente existe na verificação de que o país tem importado feijão, leite, arroz e até alpiste. Premido pela necessidade de, através da exportação, obter renda em dólar, na magnitude imposta pelo caráter periférico de nossa economia, o crédito rural é predominantemente concedido para estimular culturas de exportação, como recentemente a da soja, ou seja, o setor de nossa agricultura mais intimamente ligado ao sistema oligopolístico de produção...” O Autor observa que a crise econômica e social no Brasil vinha sendo focalizada com base no pressuposto de uma incompatibilidade entre a economia de mercado e a intervenção estatal. Essa interpretação dificultava uma percepção clara de condições irreversíveis da economia brasileira, uma das quais consistia no fato de ser o Estado, no Brasil, ator decisório em setores como

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siderurgia, petroquímica, crédito produção de energia e matérias primas essenciais. O Estado, no Brasil, no seu papel de formulador de diretrizes alocativas, foi levado a munir-se de sólido sistema operacional que lhe confere extraordinária capacidade de influir no curso da economia nacional. Dizia Guerreiro que, do ponto de vista alocativo, o Governo no Brasil tinha mais poder que o Governo dos Estados Unidos. Esse poder não estava livre de disfunções graves em suas deliberações. No entanto, o poder alocativo do Governo tornou-se requisito irreversível do viável funcionamento do sistema nacional de produção. Atividades e setores que seriam negligenciados pelos critérios de rentabilidade imediata do mercado formal poderiam ser estimuladas e fortalecidas sob amparo de organizações existentes. O Autor entendia que uma análise mais abrangente da produção não pode ser apreendida apenas na perspectiva da teoria convencional de mercado. Os diversos sistemas de produção apresentam características que em alguns casos se aproximam, mas em outros se afastam do mercado, segundo a concepção convencional. Afirmava Guerreiro Ramos: “Uma teoria alocativa sensível à heterogeneidade dos sistemas de produção é instrumento indispensável para assegurar a eficiência das políticas alocativas do Governo brasileiro, bem como avaliar o seu impacto no desenvolvimento econômico do país.” O artigo contém uma classificação esquemática ainda exploratória dos múltiplos sistemas de produção. Além das formas extremas como os monopólios estatais, a economia brasileira era constituída dos seguintes sistemas de produção:

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1.Sistema oligopolizado de produção – Composto de empresas que se dedicam à produção de bens ou prestação de serviços de alta sofisticação técnica ou mercadológica. Tais empresas dominam amplamente o mercado em que atuam e são essencialmente cosmopolitas, pois estão funcionalmente articuladas a empresas e instituições que operam nos centros mais desenvolvidos. 2.Sistema de produção de relativa competitividade – Composto de empresas que atuam em âmbito competitivo, aproximando-se dos modelos clássicos da economia de mercado. Predominantemente – embora não exclusivamente – é representado por empresas médias e pequenas. 3.Sistema fronteiriço – Composto de organizações que se encontram em uma das duas situações extremas: ou adquiriram certas características que se aproximam dos oligopólios, ou, ao contrário, estão sendo alijadas do mercado por força de fatores tecnológicos ou mercadológicos a que estão crescentemente expostas pela internacionalização progressiva da economia brasileira. 4.Sistema quase-formal de microprodução – Aplicamse certos aspectos da lógica inerente à teoria do mercado, embora de forma flexível, instável e episódica. São exemplos o artesão, o professor liberal, o “empreiteiro” de serviços de construção civil ou reparos, o intermediário de negócios que age eventualmente, o biscateiro.

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5.Sistemas conviviais e comunitários de produção – Incluem a associação de pequenos grupos humanos (entre os quais, por exemplo, a família) para a produção de bens e serviços. Ex.: creches organizadas pela comunidade social e religiosa da vizinhança, prestação de serviços comunitários, certos tipos de cooperativa, pequena agricultura de hortingranjeiros, armazém familiar nas regiões isoladas. Esta classificação de sistemas de produção é parte integrante de um modelo alocativo presumivelmente capaz de contribuir para a formulação de políticas públicas necessárias à superação do impasse econômico-social em que o país se encontrava. À luz da configuração cosmopolita de produção e distribuição da economia brasileira, devia ser considerada a importância das políticas de substituição de importações. A teoria em que se fundamentam, apesar de seu acerto, não defendem o Brasil contra o efeito expropriativo e periferizante de seu comércio externo. A alternativa para esta situação seria a implementação no Brasil de novo desenho de sua economia doméstica, fundamentado numa percepção mais acurada da multiplicidade dos subsistemas de produção que a compõem. Guerreiro comentava que estava por se fazer no Brasil a clarificação do modo concreto como se estabelecem as relações de interesse entre setores de nossa burocracia e setores empresarias estrangeiros e nacionais. “Uma Chefia Executiva, cientificamente desinformada, está necessariamente indefesa contra o aconselhamento unilateral do extrato cosmopolitano da

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tecnoburocracia. Em última análise, seria ingênuo supor que a discussão de questões relativas à reformulação do modelo alocativo brasileiro é exercício acadêmico, principalmente no tocante ao regime de nossas relações internacionais de troca.”

Comentários O artigo é uma tentativa de mostrar em que medida os estudos contemporâneos sobre sistemas de produção fronteiriços e exteriores ao mercado formal contribuem para uma acurada compreensão da economia brasileira. O Autor apresentou as transferências bilaterais e unilaterais como fundamento respectivamente da economia de mercado e da economia de viabilidade social, e comentou o poder decisório do Estado brasileiro. O artigo contém classificação esquemática, em caráter exploratório, dos múltiplos sistemas de produção. Tece, também, considerações a respeito das políticas de substituição de importações, para as quais a alternativa seria a implementação de um novo desenho da economia doméstica brasileira a partir da multiplicidade de subsistemas de produção.

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Economia política reconsiderada (11.10.81) Segundo Guerreiro Ramos, assim como no âmbito da física e das ciências naturais a pesquisa pioneira contemporânea retomava os “insights” articulados desde longa data a fim de readquirir o senso da trilha real do saber, do mesmo modo os que presentemente estão na vanguarda dos estudos de problemas humanos e sociais encontram “insights” que se devem ser estudadas. Um período de reconsiderações caracteriza a história emergente do conhecimento. Nem tudo que parece emergente, entretanto, deve ser categorizado como reconsideração, devendo haver prudência com relação ao que se tem convencionado chamar de futurologia. “Em grande medida, a futurologia é cativa da síndrome modernista, segundo a qual a felicidade e a perfectibilidade humanas se consumarão secularmente como resultado necessário de mera progressão histórica.” E afirma adiante: “É o senso das prescrições permanentes intrínsicas à condição humana que aprendemos a apurar através da investigação histórica. É a elucidação dos elementos perenes da condição humana que constitui o intento básico dos textos clássicos. O clássico não é uma categoria cronológica, mas denota uma qualidade do pensamento e do caráter humano.” Cita a seguir clássicos do passado e contemporâneos. O que confere qualidade clássica às obras dos autores assim chamados é a “verberação nelas do senso da ordem nas coisas, e de seus elementos permanentes. Todos eles têm a intuição educada e apurada do que constitui a ordem na natureza, aí incluída a ordem da existência humana.”

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Tais considerações servem para introduzir o tema da reconsideração da economia política porque “à luz do senso comum, tal disciplina é um incidente do pensamento em desordem, isto é, uma proposição exagerada ou desiquilibrada, o que, em língua inglesa, conviria chamar de “overstatement”. Este tipo de proposição repugna a intuição das proposições naturais da ordem das coisas, que constitui a essência do senso comum. É preciso restaurar a proposição clássica sobre o processo natural de alocação de recursos.” Economia política, como observa Gunnar Myrdal, é uma corrupção de linguagem, pois é comum a todos os povos até o advento da moderna sociedade industrial a idéia de que o processo alocativo é política e institucionalmente determinado, e jamais determinativo em qualquer escala. Tal idéia sucumbiu às circunstâncias históricas prevalescentes na Europa do séc. XVIII, tornando a conversão desta idéia em fato normal da vida humana associada. A história desta conversão, diz Guerreiro, sob a forma de industrialismo, é a história da consciência ocidental dividida. O Autor examinou a oposição popular ao industrialismo, a grandeza de Robert Owen em ter compreendido o ingrediente de postitividade dos trabalhadores ingleses e diz que, comparado a ele, Marx foi um diletante, um futurólogo livresco. Guerreiro volta a designar a economia política como pensamento fora dos trilhos. Afirma que antes do advento da economia política sempre existiu uma teoria alocativa que predicava o primado das deliberações políticas sobre o processo de criação e distribuição da riqueza, e cita a “Política”, de Aristóteles, em que

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essa teoria assumiu sofisticada explicitação. Cita autores onde se encontra a informação básica desta abordagem no limiar da revolução industrial européia. Após referir-se à abrupta conversão da política econômica em economia política, no séc. XVIII, aponta pensadores que tentaram retificar o curso da nova disciplina, como Sismonde de Sismondi (1773 – 1842) – no qual se inspiram vários contemporâneos – John Stuart Mill (1806 – 73) e John Ruskin (1819 – 1900). Guerreiro assim concluiu: “Presentemente podese discernir nas obras de numerosos investigadores os rudimentos de uma teoria alocativa isenta das falácias conceituais e operacionais da ‘economia política’. Muito do que constitui essa teoria consiste em reconceitualizações de matérias como riqueza social, preço, valor, produção, inflação, externalidade, custo, trabalho, otimização, vantagens comparativas, relações e modalidades de troca, prosperidade, empresa, termos de competição, efeito multiplicador, desenho, plano, os quais estão assumindo acepções que não mais se confinam no universo semântico inerente ao domínio disciplinar da “economia política”.

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Comentários A economia política é analisada à luz dos estudos de reconsideração, que Guerreiro entende apoiarem-se nos clássicos. Em termos de reconsideração a economia política é um incidente do pensamento em desordem. A própria expressão “economia política” é uma corrupção de linguagem, produto das circunstâncias históricas prevalescentes na Europa do séc. XVIII. Sua tese é corroborada por bibliografia que destaca Robert Own, o primeiro a propor o socialismo como alternativa para salvar o industrialismo, Sismondi, autor do termo “proletariado” e vários outros. Conclui relacionando categorias econômicas objeto de reconceituação por parte de investigadores de uma teoria alocativa isenta das falácias conceituais da economia política.

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As confusões em torno do industrialismo (27.12.81) O industrialismo é um modo de produção tão velho como a espécie humana. Encontram-se em sua origem a capacidade criativa e especulativa, e a disposição de sistematicamente aplicar o conhecimento na produção de bens e serviços. O objetivo do industrialismo é incrementar a produtividade do processo de alocação e distribuição de bens e serviços, com o mínimo possível de exercício do esforço físico humano, e da utilização de recursos em geral. “O processo de industrialização é concomitante com a história humana”, diz Guerreiro. Entretanto, em seu uso corrente, as palavras industrialismo e industrialização referem-se exclusivamente à forma peculiar de industrialismo moldada pela sociedade centrada no mercado. As pessoas pensam em algo que se concretizou nos últimos 200 anos da história ocidental. A este respeito, Guerreiro aponta o tema da “sociedade pós-industrial” como exemplo desta estreita interpretação daqueles termos. Por isso, a expressão é destituída de sentido simplesmente porque tal coisa é impossível de concretizar-se tanto no presente como no futuro. A falta de qualificação conceitual no uso dos termos industrialismo e industrialização é um dos principais fatores da confusão reinante na literatura a respeito da reconstrução social, política e econômica no mundo contemporâneo. Entre outros procedimentos possíveis para corrigir esta deficiência, Guerreiro Ramos propõe a distinção entre industrialismo convencional e industrialismo orgânico. “Qualificar de convencional um sistema

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de práticas e idéias corresponde a sugerir a sua obsolescência. No caso, o adjetivo convencional exprime um desencantamento com tal sistema, o que, em si mesmo, estimula a pesquisa de um substitutivo.” E prosseguia: “Assim, designar como convencional o industrialismo na forma assumida nos últimos 200 anos equivale a sugerir a sua incompatibilidade com circunstâncias e pontos-de-vista característicos de emergente período histórico.” Embora o industrialismo convencional tenha contribuído com inovações sem precedentes de significativos efeitos civilizatórios, há que preservar os ganhos e incorporá-los num tipo de industrialismo menos pernicioso ao ser humano e à natureza. Em sua trajetória, o industrialismo orgânico objetivou o incremento da produtividade de bens e serviços, respeitando os limites impostos pela vida humana associada e pela natureza. “A política do industrialismo orgânico é essencialmente severa no seu propósito de conter e disciplinar a propensão hedonística do ser humano de formular e consumar desejos. Tal contenção se efetivou pela prática de deliberadas políticas reguladoras da produção do consumo em geral e, especialmente, do mercado, como agência alocadora de recursos. O industrialismo orgânico é uma forma de produção e consumo, constituída e reproduzida essencialmente pela utilização de recursos renováveis e, assim, escassamente perniciosa aos processos restaurativos da natureza.” O industrialismo convencional, originado no séc. XVIII na Inglaterra, contraria taticamente os princípios normativos da industrialização orgânica. “As conseqüências da breve história do industrialismo convencional se concretizam na presente situação alar-

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mante da civilização, dotada de uma carga de fatores patogênicos sem precedentes, que afetam a condição humana e a capacidade auto-regente ativa do eco-sistema, em escala planetária.” Indivíduos e instituições buscam alternativas e almejam restaurar a forma orgânica do industrialismo, sem que isto signifique uma volta aos tipos de vida humana vigentes no passado. “A restauração do industrialismo orgânico, graças ao refinamento do conhecimento e à capacidade processativa de tecnologias contemporâneas não distorcivas da condição da condição humana e do ecossistema, é um requisito da universalização da propriedade.” Guerreiro Ramos analisou a história do Brasil, afirmando: “No Brasil, tanto o Estado como o sistema de produção têm sido formados como instrumentos de concretização do industrialismo convencional, e seus requisitos têm sido os requisitos de nossa mentalidade e da institucionalização de nosso processo político social e econômico. O renascimento do industrialismo orgânico torna claro o caráter pré-analítico de nossa história política e econômica.” E assim conclui: “No tocante à sua imaginação histórica, sociológica e política, o Brasil carece desesperadamente de audácia.”

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Comentários O Autor examinou as confusões que existem entre as palavras industrialismo e industrialização, propondo a distinção entre industrialismo convencional e industrialismo orgânico. Após comparação entre os dois tipos, refere-se à busca de alternativas por indivíduos e instituições representativas do criticismo social e do movimento ecológico, buscando restaurar a forma orgânica de industrialismo, sem que isso implique numa volta ao passado. No final do artigo são tecidas considerações a respeito da historiografia econômica brasileira.

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Um conceito impopular em ciência social (18.1.81) Afirmou Guerreiro Ramos que até a segunda metade do séc. XVIII a ciência política era o estudo mais abrangente da vida humana associada. Até aquela época nada que se referisse à vida humana associada escapava às suas prescrições. Adepto daquele conceito, o Autor afirma não ter nenhum respeito pela ciência social na modalidade anglo-germânica atualmente dominante. Apresenta as razões se seguem. Em primeiro lugar, considerava obscurantista a balcanização em diversas disciplinas do estudo da vida humana associada. Encontra especialistas em diversos assuntos (cientistas políticos, economistas, sociólogos, entre outros) como designativos de profissões. Todavia, enquanto admitem como reais as fronteiras que didaticamente delimitam o político, o econômico e o sociológico, incorrem no que Whitehead chamou de falácia da “locação simples”. Diversos autores convencionais têm focalizado o efeito debilitante da fragmentação disciplinar sobre a mente dos que a aceitam. Em segundo lugar, contesta a validade da ciência social contemporânea com o que chama de “provincianismo temporal”. Os especialistas disciplinarianos falam em ciência social hoje como se antes deles ninguém a tivesse praticado rigorosamente. O provincianismo constitutivo da ciência social moderna tornou-se “verdadeiramente histérico” depois de publicação de “Structure of Scientific Revolution”, por Thomas Kuhn (1962). Na opinião de Guerreiro, “a voga deste livro nos meios convencionais é indica-

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dor do alarmante grau de falta de instrução reinante no moderno sistema educacional do nível superior.” A partir desta proposta, os cientistas sociais disciplinarianos (como o cientista politico Gabriel Almond) passaram a acreditar que a história social é como uma continua sucessão de paradigmas. Guerreiro toma Almond como exemplo de provincianismo temporal. Avaliando o estudo da ciência política no passado, Almond observou que nas obras de Platão e Aristóteles não se encontrava distinção entre estrutura e função. Para Guerreiro, Platão, em seus diálogos, consideraria o behaviorismo aberração intelectual, pois implicava o nivelamento por baixo da vida humana associada. Para ele, “não pode florescer a vida política onde predomina a conduta baseada no cálculo utilitário de conseqüências. A ordem política adequada à realização do ser humano requer a subordinação do cálculo utilitário do conseqüências a categorias éticas.” No entender do Autor, não ocorrem revoluções científicas conforme a conceituação de T. Kuhn. “Existem ‘insights’ críticos de permanente validade que constituem o legado vivo da ciência política (e social) nos textos escritos em épocas diferentes. Ser moderno, ou muito menos norte-americano ou norteamericanizado, não é condição para ter acesso à ciência política (ou social) rigorosa. Na verdade, a ciência social moderna (no sentido técnico do adjetivo) e norte-americana, na conotação profissional que Almond acentua, é uma corruptela de uma forma de saber que foi viva no passado e jamais pereceu.” Referindo-se a Aristóteles, afirma que na “Política”, por exemplo, encontra-se uma explicação mais científica do fenômeno “revolução” do que em toda a obra de Marx. Dizia Guerreiro: “Aristóteles acharia

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grotesca a idéia de uma revolução final, pois considerou qualquer sistema político inevitavelmente corruptível, inclusive o que conceituou como o melhor de todos.” A concepção clássica de ciência política de Aristóteles não constitui um “paradigma”. Aristóteles certamente não se viu como formulador de um “paradigma”, mas como participante num esforço de apropriação de diferenciação de “insights” articulados por vários indivíduos que o precederam ou atuantes em sua época. Guerreiro assim conclui: “Em seu curso histórico, a ciência política (e social) é um simpósio permanente de várias gerações. Fora desta trilha, como se encontra, a ciência social disciplinariana não passa de um simples dado, ou de um episódio da recente história da deformação da inteligência.”

Comentários Guerreiro Ramos critica a ciência política sob a forma de disciplina, como surgiu na segunda metade do séc. XVIII. Afirmando não ter nenhum respeito pela ciência social de modalidade anglo-saxônica, apresenta como razões a balcanização da vida humana associada em diversas disciplinas, e o “provincianismo temporal”, pensamento disciplinariano segundo o qual ninguém antes praticou ciência social sob forma rigorosa. Atribui à voga do livro de T. Kuhn a crença de que a história é uma sucessão de paradigmas. No entender do Autor existem “insights” críticos que jamais perecem, como em Aristóteles, cuja contribuição vale para a política e para a ciência social.

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Platão e a conversa das gerações (8.3.81) Guerreiro Ramos criticava o bovarismo e o provinianismo temporal em que incidem muitos dos que hoje se consideram estudiosos da ciência natural e social, entendendo como tal a pretensão de que o presente se explica a si mesmo como uma configuração cindida do legado da história decorrida. “Escapa-lhes a percepção de que nenhuma ciência pode ser compreendida sem o entendimento da história. Aprisionados na falácia modernista, esses estudiosos vêem a humanidade percorrendo uma trajetória cujas épocas polares são a das trevas e a das luzes.” Ilustra suas afirmações citando Augusto Comte, cuja lei dos três estados constitui a essência da ciência social moderna. Outro exemplo é Karl Marx, “em cuja mente o egofanismo atingiu o paroxismo. Para Marx – afirmava Guerreiro – a história da humanidade só começaria com a consumação de sua doutrina. Referiu-se à sua recusa em aceitar a validade da ciência social moderna, citando o artigo “Um conceito impopular em ciência social”, publicado no Jornal do Brasil em 18.1.81. e assinala a influência de Platão na ciência natural. Citando vários bovaristas mostra, em Whitehead, a importância de Platão na física contemporânea, chamando atenção para as necessidade de iniciação na arte de interpretar textos. “Platão é, antes de tudo, um mestre da conversa teórica. Não foi por acaso que escreveu diálogos que, por sinal, sempre terminam inconclusos, isto é, deixando subentendido que teoria não consiste em mero exercício conceitual, pois nenhuma definição ou sistema conjura a permanente dimensão

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aporética dos grandes temas da existência humana.” Guerreiro assim finalisa: “... sua contribuição é uma baliza que aponta a trilha real de que não se têm desviado os verdadeiros amigos de todo o saber resistente à caducidade através dos tempos. Com Platão e outros pensadores que palmilharam a mesma trilha, conversam eminentes representantes contemporâneos da ciência natural, físicos, biólogos, matemáticos e, por isso, eles são freqüentemente mais capazes de oferecer ensinamentos relevantes para a ordenação da vida humana associada do que os retardatários devotos da ciência social moderna em nossos dias.”

Comentários Este artigo é um importante esclarecimento de porquê o Autor se apoiava em Platão e Aristóteles. Suas colocações, acrescida das já formuladas em “Um conceito impopular em ciência social”, permitem compreender em grande parte seu apoio nos filósofos gregos que cita. Aspectos importantes neste artigo são a relação estabelecida entre ciências naturais e a ciência social, e o conhecimento de física de Guerreiro Ramos.

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3.3 – Teoria Social Aristóteles, Whitehead e a bifurcação da natureza (5.4.81) O artigo se inicia fazendo referência ao publicado no mesmo Jornal do Brasil, em 8.3.81 (“Platão e a conversa de gerações”), em que Guerreiro caracterizou indivíduos que articularam “insights” imperecíveis, em diferentes épocas, como companheiros de viagem ao longo de uma trilha real. Tais indivíduos tinham como uma das características sua capacidade, adquirida por instrução e disciplina, de dialogar com as gerações passadas de pensadores. “Para muitos desses indivíduos, os ‘insights’ platônicos, por exemplo, não pertencem à pré-história do pensamento, mas constituem parte viva da especulação humana em todos os tempos.” A respeito da afirmação de Voltaire segundo a qual “sem pretender Platão inventou o cristianismo”, Guerreiro diz que certamente existe afinidade entre Platão e o cristianismo, como entre este e as grandes instituições míticas, místicas, religiosas, filosóficas e teóricas, informadoras das configurações histórico-culturais do gênero humano em sua trajetória secular. E prosseguiu: “Mas essa afinidade não é acidental. Ao contrário, atesta que as experiências genuínas da realidade são, em certa medida, equivalentes. Por isso a trilha real do pensamento constitui metáfora orientadora da leitura dos textos que contemporâneos herdaram de seus prececessores.” Coerente com tal metáfora, Guerreiro ressaltou a seguir a atualidade do texto aristotélico. Para o Autor, o maior obstáculo

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que a tarefa encontra são as distorções provinciais dos textos aristotélicos, então correntes nos meios acadêmicos convencionais. Embora não considerasse fútil a apreciação das interpretações incorretas de Aristóteles, julgou mais gratificante o esforço de assinalar a restauração do pensamento aristotélico no domínio da física. Para o Autor, a teoria se havia exilado na física. Dizia: “são os físicos que, hoje, estão empreendendo a restauração da unidade da ciência, isto é, questionando a bifurcação do saber entre disciplinas da mente e disciplinas da natureza, inerente na doutrina de Galileo, Descartes e outros representantes da física clássica.” O Autor tece longas considerações a respeito do tema da bifurcação da natureza, salientando a reformulação teórica de Alfred North Whitehead em sua obra “Conceito da Natureza”, publicada em 1920, e cita outros autores. No final do artigo, diz o Autor: “... Aristóteles ajuda os cientistas a dissociar a teoria física e social da concepção mecanomórfica da natureza e da sociedade, largamente responsável pelos fiasco do ecológico da civilização industrial, de que todos somos vítimas. Aristóteles é familiar aos grandes físicos contemporâneos. Todavia, da ignorância do seu texto resulta em grande parte o destrilhamento da ciência social convencional em nossos dias e sua desastrosa pobreza conceitual e operacional.”

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Comentários Voltando a Aristóteles, Guerreiro defende o filósofo grego das interpretações incorretas. Afirmando que a teoria refugiou-se na física, afirma que são eles que estão empreendendo a restauração da unidade da ciência, ou seja, questionando a bifurcação do saber entre disciplinas da mente e disciplinas da natureza, própria da física clássica. Além do domínio do pensamento de Aristóteles na área da física, o Autor demonstra conhecimentos de física teórica e da bibliografia a respeito da física aristotélica.

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3.4 – Política Econômica norte-americana O Governo Reagan e o fim da compaixão (7.6.81) Seria um fiasco de graves conseqüências para os Estados Unidos e para o mundo caso Reagan adotasse como diretrizes: 1) o mercado formal como capaz de proporcionar emprego à população em idade de trabalhar; 2) a preservação e fortalecimento da dominação global como papel internacional dos Estados Unidos. Guerreiro focalizou principalmente o primeiro pressuposto, devendo ser considerados alguns pontos questionáveis do segundo. Para Guerreiro, Reagan equacionava o declínio da liderança dos Estados Unidos no âmbito internacional como resultante, sobretudo, do enfraquecimento da expressão militar. Isso explicava, em parte, porque estava propondo um aumento do orçamento de defesa duas vezes maior que o aumento das despesas militares verificado entre 1963 e 1970, quando os Estados Unidos estavam em guerra com a Vietnan. Este influxo de recursos propiciava a intensificação de negócios do complexo industrial-militar. Havia que considerar, no entanto, a tecnologia inerente ao complexo com a dominante participação que têm estas corporações. “A tecnologia do complexo é um modo predatório de extração, transformação e uso de recursos que fere a sensibilidade moral de grande número de pessoas e instituições ativas nos Estados Unidos e no mundo.” E prosseguiu: “Ademais, as grandes corporações, em larga margem, são atores integrantes de um sistema não territorial de poder, que obs-

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trui o exercício da soberania das nações, aí inclusive os Estados Unidos. O poder não territorial das corporações, das quais deriva grande parte do suporte político do Governo Reagan, objetivamente trata como colonos não somente os povos periféricos como também o povo norte-americano. A progressiva consciência deste fato vai-se tornando um componente crítico do processo político em toda parte e impõe uma redefinição do papel internacional dos Estados Unidos. Houve uma tentativa de Carter nesse sentido, mas isto não parece preocupar o Governo Reagan.” O Governo Reagan afigura-se disposto a adotar uma política contrária aos imperativos de compreensão e simpatia que, desde a II Guerra Mundial, tinham sido subscritos tacitamente por republicanos e democratas. Galbraith caracterizou em artigo três pontos fundamentais: 1) o princípio de que a minimização do desemprego e da inflação requer a participação do Estado na gerência do sistema macroeconômico; 2) a necessidade da ação governamental para suprir e minimizar o setor privado na provisão de serviços públicos críticos, tais como habitação, saúde, transporte urbano; 3) o imperativo de assegurar garantias, consistentes em várias modalidades governamentais de assistência social e financeira ao cidadão, que constituem a essência do Welfare State, e possibilitam a viabilidade do sistema capitalista nas condições vigentes. Na verdade, o consenso não passa de mero expediente, tratamento de circunstância para a crise crônica do sistema econômico norte-americano, preconizado pela doutrina de J.M. Keynes. Diz Guerreiro: “Como pretendo ter demonstrado em meu livro ‘A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza

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das Nações’, o tratamento keynesiano não resolve a crise do sistema norte-americano, iniciada com a grande depressão dos anos 30. Apenas postergou a implementação de desenho econômico e social alternativo que, hoje, à revelia da estrutura institucional dominante, está sendo empreendido por ensaios e erros, graças à iniciativa da massa de cidadãos decididos a ‘bater o sistema’.” Em todo o caso, a doutrina keynesiana é uma forma lúcida de pragmatismo imediatista que tem mais eficácia que as prescrições abstratas da ortodoxia clássica. Guerreiro Ramos ressalta apenas três aspectos do sistema econômico e social dos Estados Unidos que anulam a eficácia dos remédios clássicos keynesianos: 1) Não mais se verifica a competição atomística de empresas, como supunha a incipiente doutrina Reagan. Ao contrário, as grandes corporações exercem no sistema decisões discricionárias na alocação de recursos, as quais não só lhe asseguram uma soberania praticamente incontestável sobre a população de consumidores, como um controle de mercado, que restringe as oportunidades de sucesso de pequenos e médios impresários. 2) Combate à inflação – Alegava o Governo que a burocracia estatal absorvia um contingente da força de trabalho não necessária à prestação dos serviços requeridos, o qual deve ser eliminado. Do mesmo modo, o Estado devia desobrigar-se do amparo à larga parcela de cidadãos que recebiam assistência financeira sem realmente merecê-la. A correção dessas anomalias não era assim

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tão simples como supunha a Administração Reagan. Dizia Guerreiro: “De modo geral, o vulto da mão-deobra ociosa, remunerada ou assistida financeiramente, resulta da minguante capacidade do mercado norteamericano de oferecer empregos.” A política anti-inflacionária da Administração Reagan deixava poucas dúvidas sobre seu despreparo para empreender a reconstrução da economia e da sociedade de que carecem os Estados Unidos. Segundo Guerreiro, neste particular nem os economistas keynesianos, nem os economistas clássicos poderiam auxiliar a Administração Reagan, “fundamentalmente porque a crise energética veio realçar sérias falhas em sua equação teórica da produção. Esta equação omite-se de considerar os efeitos da produção no orçamento limitado de energia concentrada ou em estado de baixa entropia.” Os economistas convencionais atribuem alta produtividade à agricultura norte-americana. Afirmava Guerreiro: “Com efeito, nos Estados Unidos a produção de alimentos por hectare é o triplo da mesma produção por hectare da Índia. Mas essa alta produtividade ocorre graças a 10 vezes mais insumos energéticos que na Índia. Aproximadamente 10 calorias de insumos energéticos são requeridos nos Estados Unidos para produzir, processar e preparar uma caloria de alimento.” E prossegue afirmando que “o negligenciamento desses aspectos energéticos torna irrealístico o cálculo convencional da produtividade da agricultura, como, de resto, também da indústria.” A fórmula

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do Governo Reagan de combate a inflação é inócua. “A inflação norte-americana, como a brasileira, resulta da escassez absoluta de recursos finitos e requer um reordenamento institucional da estrutura de produção e consumo, que o Governo Reagan certamente não está qualificado para empreender.” Ironicamente, era nos Estados Unidos que a reconstrução do fenômeno inflacionário se encontrava em avançado grau de sofisticação teórica. À revelia do estabelecimento acadêmico, significativo número de pesquisadores vinham contribuindo para clarificar a natureza do impasse em que se encontrava o sistema econômico norte-americano. “No tocante à inflação, por exemplo, seus estudos mostram que, em última análise, ela resulta de um descompasso entre o sistema de produção e o ecosistema.” Entendia Guerreiro Ramos que, paradoxalmente, era provável que o ultraconservadorismo do Governo Reagan, em virtude de seu desastrado cálculo de conseqüências, contribuísse para o surto de um movimento de reconstrução econômica e social sem precedentes na história. O Autor conclui o artigo afirmando que a administração Reagan estava longe de repetir o estado de espírito do povo norteamericano. Apontando acontecimentos eleitorais, entendia que muitos eventos estavam em processo naquele país complexo e contraditório. Afinal de contas, era em Alexis Tocqueville (1835) que ainda se encontrava a mais fidedigna interpretação do grande destino daquela nação, onde tinham encontrado abrigo expatriados de todo o mundo.

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Comentários Apoiado em suas observações e em diversos autores, Guerreiro examinou o conservadorismo da Administração Reagan e suas perspectivas, particularmente no tocante à política econômica. Fez uma análise crítica do keynesianismo e das iniciativas e medidas de combate à inflação, partindo das peculiaridades da sociedade e da economia norte-americana. Conclui com um voto de confiança no país.

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4. Comentários Finais Guerreiro Ramos retornou ao Brasil para participar de um empreendimento científico e cultural na Universidade Federal de Santa Catarina e para tratar da publicação em português de seu livro “A Nova Ciência da Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações”. Os artigos publicados no Jornal do Brasil, vários dos quais o foram antes mesmo da edição em inglês pela Universidade de Toronto, contribuíram para a divulgação do livro. Nos artigos que classificamos em “Conjuntura Política Brasileira” foram abordados os seguintes temas: § Crítica à política do Governo Militar: • Ambiente social de apatia e medo; • Alijamento dos civis da vida política do país; • Longa permanência dos militares no poder; • Impopularidade. § Análise da Abertura Política: • Crítica do Governo Goulart e da esquerda na década de 1960; • Recomendação de lucidez a militares e proscritos na condução do processo; • Proposta de concepção da Abertura contemplando os aspectos jurídico, político e econômico; • Necessidade de auto-organização por parte da sociedade civil;

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• Considerações em torno da questão da reorganização partidária; • Necessidade de esclarecimento da posição do Governo, da sociedade e dos militares; • Necessidade de distinção dos papéis do Governo e da instituição militar. § Crítica à política econômica do Governo Militar • Obra econômica refletindo o “zelo apostólico” de leitores de apostilas; • Crítica aos critérios alocativos dos fatores de produção do país; • Desencanto do povo em face do desenvolvimento. Nos artigos que classificamos como “Teoria Econômica” foram abordados os temas seguintes: § Crítica à economia política (conceituação, mercado, produção, consumo, emprego no mercado formal); § Crítica à modernização e ao desenvolvimento; § Crítica a Marx; § Formulação da economia substantiva (política alocativa, economia informal, dimensões termodinâmicas da produção); § Estudos de reconceituação; § Crítica ao industrialismo convencional e defesa do industrialismo orgânico; § Brasil: • Crítica à política de administração, extração, agregação e alocação de recursos do Governo Militar; • Crítica ao modelo de desenvolvimento;

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• Proposta de modelo corretivo do impasse econômico e social. Foram os seguintes os temas tratados nos artigos classificados em “Teoria Social”: § Crítica à ciência social moderna; § Os clássicos; § Paradigma; § Ética; § Marx (Crítica); § Bifurcação da natureza. Em “Política econômica norte-americana” os temas tratados foram: § Emprego/keinesianismo; § Economia formal; § Dominação global; § Complexo industrial-militar; § Inflação; § Ultraconservadorismo; § Pobreza; § Teoria alocativa; § Equação teórica de produção. Ao mesmo tempo em que participava do processo político brasileiro, Guerreiro contribuía para a ciência social e para a administração. No plano teórico — econômico e social — estão a reconceituação (ou reconsideração), com suas críticas ao disciplinarismo, ao provincianismo temporal, ao linearismo (ou serialismo), ao industrialismo convencional, à elaboração da teo-

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ria alocativa e seu paradigma paraeconômico – um modelo de alocação de recursos que objetiva simultaneamente e a criação e a distribuição da riqueza nacional. Fundamentado em estudos realizados por centros de investigação de vanguarda nos Estados Unidos, na Inglaterra e na crítica da economia política na forma concebida desde meados do séc. XVIII, propôs a economia substantiva como alternativa à sociedade gerida pela mercado. Valendo-se da contribuição de estudiosos preocupados com as dimensões termodinâmicas do processo de produção, propôs critérios para a alocação de recursos, delimitando os sistemas sociais. Os conceitos encontram-se em todos os artigos, sejam eles de conjuntura política brasileira, teoria econômica ou política econômica norte-americana: extração, transformação e alocação de recursos, produção, consumo, bens primaciais, bens demonstrativos, transferências bilaterias, transferências unilaterais, mercado formal, mercado informal, limites. Da mesma forma, a teoria social encontra-se nos artigos da teoria econômica ou em conjuntura política brasileira. Crítico do disciplinarismo dominante, Guerreiro abandona a sociologia e rejeita as ciências sociais em sua designação moderna, referindo-se à ciência social, no singular. Seus trabalhos demonstram esta orientação ao articular fenômenos sociais, econômicos, políticos, históricos, culturais. Aliás, Guerreiro Ramos já estava na vanguarda do pensamento científico quando pesquisava a unificação da ciência a partir da física. A unificação das ciências naturais e sociais é um dos estudos mais fascinantes da atualidade.

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Em seus artigos o Autor raramente se refere à administração. Em se considerando sua crítica ao disciplinarismo, o fenômeno administrativo faria parte da ciência social. Karl Mannheim (“Man and society na age of reconstruction, 19404 ) concebia a administração como técnica de controle social. No passado, o curso de administração da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), da Fundação Getúlio Vargas, possuía entre suas disciplinas sociologia (ministrada pelo próprio Guerreiro Ramos), antropologia cultural, ciência política, psicologia e psicologia social. Uma correta compreensão da teoria alocativa subentende a administração. Observe-se que Guerreiro, em praticamente todos os artigos, com exceção daqueles de teoria social, refere-se a governo. Os artigos não só esclarecem o livro como também, por vezes, vão além. É o caso das informações a respeito de reconceituação, as informações relacionadas à nova teoria econômica e o estudo referente à política alocativa brasileira. Com estes trabalhos, mais as pesquisas a respeito da unificação da ciência, Guerreiro sinalizava um aprofundamento de seus estudos. Sua morte o impediu de prosseguir. Há dois pontos que gostaríamos de observar. O primeiro ponto é que em “Modelo corretivo do impasse econômico” (8.9.79) Guerreiro afirmava que os delineamentos conceituais de um modelo de alocação de recursos já estavam elaborados, restando refinar a sua operacionalidade de acordo com as lições da prática.

4 Traduzido para português sob o título: "O Homem e a Sociedade: Estudos sobre a Estrutura Social Moderna". Rio de Janeiro, Zahar, 1962.

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Afirmava não se classificar em nenhum dos pólos de controvérsia ideológica correntes no Brasil (mercado, livre empresa, intervenção estatal). Ele minimizava o aspecto político, enfatizando a perspectiva técnica. Já em “Problemas alocativos da economia brasileira” (2.8.81) o Autor retifica sua posição ao afirmar que “... seria ingênuo supor que as discussões relativas à reformulação do modelo alocativo brasileiro são exercício acadêmico ...” E realmente não são. Na discussões estão presentes questões ideológicas e políticas. Sabe-se, por exemplo, quão político é o orçamento. A outra questão se refere ao apoio dos cientistas ao Governo. Em diversos artigos Guerreiro criticou o governo militar e questionou sua competência, acusando-o de livresco. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 25.11.79, afirmava que “o Governo necessitava dos cientistas brasileiros para formular programas menos reativos e imediatistas, e mais antecipatórios...”. Já naquela época discutia-se o controle ético e social da ciência, tendo Edgar Morin (Science avec conscience, 19825 ) afirmado que a ciência é séria demais para ficar nas mãos dos cientistas. Diz Morin: “O pensamento científico é ainda incapaz de se pensar, de pensar sua própria ambivalência e sua própria aventura.” No entender de Morin, a ciência deve reatar com a reflexão filosófica, com a ética e com a política. Embora residindo nos Estados Unidos, lecionando em universidades norte-americanas, Guerreiro mantinha sua independência

5 Traduzido para português sob o título “Ciência com consciência.” Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2003. 7ª ed.

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intelectual. E certamente por isso a edição de seu livro “A Nova Ciência das Organizações: Uma Reconceituação da Riqueza das Nações” foi recusada por quatorze universidades norte-americanas. Em sua opinião, a sociedade norte-americana se encontrava num processo crescente de deterioração qualitativa por esbanjadora e polutiva alocação de recursos. A seu ver seu sistema educacional era acentuadamente distrófico. Sua ciência social, principalmente sua economia política, era conceitualmente inadequada para formular o diagnóstico e o prognóstico do impasse em que a sociedade se encontrava. Entretanto, reconhecia os Estados Unidos como o país mais inovador da história contemporânea. Guerreiro Ramos afirmou jamais se haver ausentado do Brasil. Acreditava nas potencialidades do país. Afirmava que, no tocante à sua imaginação histórica, sociológica e política, o país necessitava desesperadamente de audácia. Essa audácia Guerreiro possuía.

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Anexo I Projeto no 984, de 1963 Dispõe sobre o exercício da Profissão de Técnico de Administração. (Do Sr. Guerreiro Ramos) (As Comissões de Constituição e Justiça da Legislação Social e de Finanças). O Congresso Nacional decreta: Art 1º. Passa a integrar o quadro das Profissões Liberais, em anexo ao decreto-lei nº 5 452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho), a de Técnico de Administração. Art 2º. A designação de Técnico de Administração é privativa: a) dos bacharéis em Administração, quer pública, quer de empresas, diplomados no Brasil; b) dos diplomados no Exterior em cursos regulares de Administração, de nível superior, após a devida revalidação dos respectivos diplomas no Ministério da Educação e Cultura; c) dos que, embora não diplomados, ou diplomados em outros cursos regulares de Administração, ou ainda em outros de nível superior, exerçam na administração pública ou privada, nesta data, há mais de 5 (cinco) anos, atividades próprias do Técnico de Administração, como tais definidas pela presente lei. Art 3º. Respeitado no disposto no artigo anterior, o diploma de Técnico de Administração será obtido após a conclusão do curso universitário, em estabelecimento de ensino oficial ou oficializado, cujo currículo será fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos

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termos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Art 4º. A atividade profissional do Técnico de Administração exercita-se liberalmente, ou não, e em caráter privativo, mediante estudos, pesquisas, pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária e direção superior, magistério e outras atividades correlatas, em um ou mais do seguintes campos da Administração: planejamento, organização e métodos de administração de pessoal, finanças e administração orçamentária, relações públicas e administração de material, bem como outros campos em que estas se desdobrem ou aos quais sejam conexos. §1º. Ficam ressalvados os direitos adquiridos, bem como as prerrogativas de outras profissões liberais que, de acordo com a respectiva regulamentação, indicam um ou mais dos campos da Administração acima enumerados. §2º. Os beneficiários do disposto no parágrafo 1º não ficam dispensados da prestação de concurso para qualquer cargo público que deva ser privativo do Técnico de Administração. Art 5º. Ficam criados o Conselho Federal de Técnicos da Administração (CFTA) e os Conselhos Regionais de Técnico da Administração (CRTA). Art 6º. O Conselho Federal de Técnico de Administração, com sede em Brasília, Distrito Federal, terá por finalidade: a) propugnar por uma adequada compreensão dos problemas administrativos e sua racional solução; b) orientar e disciplinar o exercício da profissão de Administrador; c) elaborar seu regimento interno; d) dirimir dúvidas suscitadas nos Conselhos Regionais; e) aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais, bem como as respectivas modificações.

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Art.7º. Os Conselhos Regionais de Técnico de Administração terão por finalidade: a) dar execução às diretrizes formuladas pelo Conselho Federal de Técnicos de Administração; b) fiscalizar, na área de respectiva jurisdição, o exercício da profissão de Técnico de Administração; c) organizar e manter o registro de Técnico de Administração; d) julgar as infrações e impor as penalidades referidas nesta Lei; e) expandir as carteiras profissionais dos Técnicos de Administração; f ) elaborar o seu regimento interno, bem como as respectivas modificações para aprovação do CFTA. Art.8º. O Conselho Federal de Técnicos de Administração será constituído de nove (9) membros efetivos e nove (9) suplentes, eleitos pelos representantes dos Sindicatos e das Associações de Técnicos de Administração. Parágrafo único. Os membros do CFTA elegerão seu presidente. Art.9º. A renda do CFTA é constituída de: a) 20% da renda bruta dos CRTA, com exceção de legados, doações ou subvenções; b) doações e legados; c) subvenções dos governos federal, estaduais e municipais, ou de empresas e instituições privadas; d) rendimentos patrimoniais; e) rendas eventuais. Art.10. Os CRTA serão constituídos de nove membros, eleitos da mesma forma estabelecida para o órgão federal. Art.11. O mandato dos membros do CFTA e dos CRTA será de três (3) anos, podendo ser renovado.

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§1º Anualmente, far-se-á a renovação do terço dos membros do CFTA e dos CRTA §2º Para fins do parágrafo anterior, os membros do CFTA e dos CRTA, na primeira eleição que se realizar nos termos da presente lei, terão, três (3), o mandato de um (1) ano; três (3), o mandato de dois (2) anos; e três (3), o de três anos. Art.12. A renda do CRTA será constituída de: a) 80% da anuidade estabelecida pelo CFTA, a qual será revista trienalmente; b) rendimentos patrimoniais; c) doações e legados; d) subvenções e auxílios dos governos federal, estaduais, municipais ou, ainda, de empresas e instituições particulares; e) provimentos das multas aplicadas; f ) rendas eventuais. Art.13. Só poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos CRTA, pelos quais será expedida a carteira profissional. §1º A falta do competente registro torna ilegal e punível o exercício profissional de Técnico de Administração; §2º A carteira profissional servirá de prova para fins de exercício profissional e de carteira de identidade com fé pública em todo território nacional. Art.14. Serão obrigatoriamente registrados nos CRTA as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades de Técnico de Administração enunciadas na forma da lei. §1º. As empresas ou entidades que empregarem mais de cem (100) trabalhadores ficam obrigadas a registrar a estrutura de sua organização nos CRTA, para fins de fiscalização do exercício profis-

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sional de Técnico de Administração. §2º O registro a que se refere esse artigo e o §1º será feito gratuitamente pelo CRTA. Art.15. Os Conselhos Regionais de Técnico de Administração aplicarão penalidades aos infratores dos dispositivos desta lei, as quais poderão ser: a) multa de dois mil cruzeiros (Cr$2.000.00) a vinte mil cruzeiros (Cr$20.000.00) aos infratores de qualquer artigo; b) suspensão de seis (6) meses a um (1) ano ao profissional que mostrar incapacidade técnica no exercício da profissão, assegurando-se-lhe ampla defesa: c) suspensão de um (1) a três (3) anos ao profissional que, no âmbito da sua atuação, for responsável, pela parte técnica, por falsidade de documentos, ou, por dolo, em parecer ou outro documento que assinar. §1º. Provada a conivência das empresas, entidades ou firmas individuais nas infrações delas dependentes, serão essas também passíveis da multa prevista. §2º. No caso de reincidência da mesma infração, praticada dentro do prazo de dois anos da anterior, além da multa, em dobro, poderá ser determinada a cassação do registro profissional. Art.16. Os Sindicatos e Associações Profissionais de Técnicos de Administração cooperarão com o CFTA para a divulgação das modernas técnicas de Administração e do exercício da profissão. Art.17. Para a promoção das medidas preparatórias necessárias à execução desta lei será constituída uma Junta Executiva integrada por dois (2) representantes do Departamento Administrativo do Serviço Público, um (1) do Ministério do Trabalho e da Previdência Social e dois (2) da Fundação Getúlio Vargas, a qual terá por missão: a) proceder ao registro, como Técnicos de Administração, dos

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que requerem nos termos do art 2º; b) estimular a iniciativa dos Técnicos de Administração na criação das associações profissionais e sindicatos; c) promover, dentro de 180 dias, a realização das primeiras eleições para a formação do Conselho Federal dos Técnicos de Administração (CFTA) e dos Conselhos Regionais de Técnicos de Administração (CRTA). §1º. Será direta a eleição de que trata a alínea c deste artigo, nele votando todos os que forem registrados nos termos da alínea a. §2º. A Junta Executiva será extinta e formar-se o CRTA, que absorverá o acervo e os cadastros daquela. Art.18. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. JUSTIFICATIVA No esforço para a melhoria da estrutura e do funcionamento da administração, tanto pública como particular, cumpre destacar por sua especial importância o papel daqueles aos quais incumbem as tarefas de assessoria administrativa de chefia e direção em todos os seus níveis, desde uma simples sessão até o de um grande departamento nacional. Este profissional, capaz de assistir, aconselhar, assessorar os que estão no comando, bem como de assumir o próprio comando, só há pouco tempo se vem formando em nosso país, e urge encorajar a mocidade a seguir essa trilha, bem como amparar aqueles que já a vêm palmilhando. Daí a importância de se regulamentar a profissão do Técnico de Administração, para que, dentro daquela linha de pensamento, se cumpram as tarefas inerentes à administração pública e privada do país.

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Tem em vista, portanto, o presente projeto caracterizar e definir esta nova profissão, atendidos, ainda, os seguintes pontos fundamentais: a) habilitação legal para seu exercício; b) estabelecimento de prerrogativas conseqüentes desse exercício; c) articulação da carreira com outras profissões já regulamentadas cujos campos de ação incidem, parcialmente, no da nova profissão; d) criação de um sistema de órgão de registro e fiscalização do exercício profissional. Por tudo isso, nada mais coerente que se regulamente a profissão de Técnico de Administração, para integrá-la no arcabouço político-administrativo brasileiro, como elemento do processo de desenvolvimento de nossa Nação. Sala das sessões, 30 de agosto de 1963. - Guerreiro Ramos, deputado federal. LEGISLAÇÃO CITADA QUADRO DE ATIVIDADES A QUE SE REFERE O ART. 577 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO Confederação Nacional das Profissões Liberais 1º Advogados 2º Médicos 3º Odontologistas 4º Médicos veterinários 5º Farmacêuticos

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6º Engenheiros (civis, de minas, mecânicos, eletricistas, arquitetos e agrônomos) 7º Químicos (químicos industriais, químicos industriais - agrícolas e engenheiros químicos) 8º Parteiros 9º Economistas 10º Atuários 11º Contabilistas 12º Professores (privados) 13º Escritores 14º Autores teatrais 15º Compositores artísticos, musicais e plásticos 16º Assistentes sociais. LEGISLAÇÃO CITADA DECRETO-LEI Nº 5.457 DE 1º DE MAIO DE 1963 Art 577. O quadro de atividades e profissões em vigor fixará o plano básico do enquadramento sindical. LEGISLAÇÃO CITADA LEI Nº 4.024, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1961 Art 70. O currículo mínimo e a duração dos cursos que habilitem à obtenção de diploma capaz de assegurar privilégios para o exercício da profissão liberal.........Vetado............serão fixados pelo Conselho Federal de Educação.

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Anexo II Projeto nºoº 2.287, de 1964 Regula o exercício da profissão de Técnico de Administração. (DO SENADO FEDERAL) (As Comissões de Constituição e Justiça, de Legislação Social e de Finanças) O Congresso Nacional decreta: Art.1º. O Grupo da Confederação Nacional das Profissões Liberais, constante do Quadro de Atividades e Profissões, anexo à Consolidação das Leis de Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452. de 10 de maio de 1943, é acrescido da categoria profissional de Técnico de Administração. Art.2º. A atividade profissional do Técnico de Administração será exercida, como profissional liberal ou não, em caráter privativo, mediante: a) Pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária e direção superior; b) Pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos processos, normas e métodos de trabalho nos campos da administração específica, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira e orçamentária e relações públicas. Art.3º. O exercício da profissão de Técnico de Administração é privativo: a) dos Bacharéis em Administração Pública ou de Empresas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superi-

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or, oficial, oficializando ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos termos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961; b) os diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação do diploma no Ministério da Educação e Cultura; c) os que, embora não diplomados nos termos das alíneas anteriores, ou diplomados em outros cursos superiores, contêm na data da vigência desta Lei, cinco anos, ou mais, de atividades próprias do campo profissional de Técnico de Administração definido no art.20. Art.4º. Na administração pública, autárquica, paraestatal, de economia mista, inclusive bancos que sejam acionistas dos governos federal ou estaduais, nas empresas sob intervenção governamental ou nas concessionárias de serviço público, é obrigatória, a partir da vigência desta Lei, a apresentação de diploma de Bacharel em Administração para o provimento e exercício de cargos técnicos de Administração. Parágrafo único. A apresentação do diploma não dispensa a prestação de concurso, quando exigida para o provimento do cargo. Art.5º. Aos Bacharéis em Administração é facultada a inscrição nos concursos para o provimento das cadeiras de Administração específica existentes em qualquer ramo de ensino técnico e superior e nas dos cursos de Administração. Art.6º. São criados o Conselho Federal de Técnicos de Administração (CFTA) e os Conselhos Regionais de Técnicos de Administração (CRTA), constituindo em seu conjunto uma autarquia dotada de personalidade jurídica de direito público, com autonomia técnica, administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.

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Art.7º. O Conselho Federal de Técnicos de Administração, com sede em Brasília, Distrito Federal, terá por finalidade: a) propugnar por uma adequada compreensão dos problemas administrativos e sua racional solução; b) orientar e disciplinar o exercício da profissão de Técnico de Administração; c) elaborar seu regimento interno; d) dirimir dúvidas suscitadas nos Conselhos Regionais; e) examinar, modificar e aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais; f ) julgar, em última instância os recursos de penalidades impostas pelos CRTA; g) votar e alterar o Código de Deontologia Administrativa, bem como zelar pela sua fiel execução; h) aprovar anualmente o orçamento e as contas da autarquia; i) promover estudos e campanhas em prol da racionalização administrativa do país. Art.8º. Os Conselhos Regionais de Técnicos de Administração (CRTA), com sede nas capitais e no Distrito Federal, terão por finalidade: a) dar execução às diretrizes formuladas pelo Conselho Federal de Técnicos de Administração; b) fiscalizar, na área da respectiva jurisdição, o exercício da profissão de Técnico de Administração; c) elaborar e manter o registro de Técnicos de Administração; d) elaborar o seu regimento interno para exame e aprovação pelo CFTA. Art.9º. O Conselho Federal de Técnicos de Administração compor-se-á de brasileiros natos ou naturalizados que satisfaçam as exigências desta Lei e terá a seguinte constituição:

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a) nove membros efetivos, eleitos pelos representantes dos Sindicatos e das Associações Profissionais, de Técnicos de Administração, que, por sua vez, elegerão, entre si, o seu presidente; b) nove suplentes eleitos juntamente com os membros efetivos. Art.10. A renda do CFTA é constituída de: a) 20% da renda bruta dos CRTA, com exceção de legados, doações ou subvenções; b) doações e legados; c) subvenções dos governos federal, estaduais e municipais, ou de empresas e instituições privadas; d) rendimentos patrimoniais; e) rendas eventuais. Art.11. Os CRTA serão constituídos de nove membros, eleitos da mesma forma estabelecida para o órgão federal. Art.12. A renda dos CRTA será constituída de: a) 80% da anuidade estabelecida pelo CFTA, a qual será revista trienalmente; b) rendimentos patrimoniais; c) doações e legados; d) subvenções e auxílios dos governos federal, estaduais, municipais ou, ainda, de empresas e instituições particulares; e) provimentos das multas aplicadas; f ) rendas eventuais. Art.13. O mandato dos membros do CFTA e dos CRTA será de três (3) anos, podendo ser renovado. §1º Anualmente, far-se-á a renovação do terço dos membros do CFTA e dos CRTA. §2º Para fins do parágrafo anterior, os membros do CFTA e dos CRTA, na primeira eleição que se realizar nos termos da presen-

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te lei, terão, três (3), o mandato de um (1) ano, três (3), o mandato de dois (2) anos e três (3) o de três anos. Art.14. Só poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos CRTA pelos quais será expedida a carteira profissional. §1º A falta do competente registro torna ilegal e punível o exercício profissional de Técnico de Administração; §2º A carteira profissional serve de prova para fins de exercício profissional, de carteira de identidade e terá fé pública em todo território nacional. Art.15. Serão obrigatoriamente registrados nos CRTA as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma atividades de Técnico de Administração enunciada na forma de lei. §1º As empresas ou entidades que empregarem mais de cem (100) trabalhadores ficam obrigadas a registrar a estrutura de sua organização nos CRTA, para fins de fiscalização do exercício profissional de Técnico de Administração. §2º O registro a que se refere este artigo e o §1 será feito gratuitamente pelo CRTA Art.16. Os Conselhos Regionais de Técnico de Administração aplicarão penalidades aos infratores dos dispositivos desta lei as quais poderão ser: a) multa de dois mil cruzeiros (Cr$2.000.00) a vinte mil cruzeiros (Cr$20.000.00) aos infratores de qualquer artigo; b) suspensão de seis (6) meses a um (1) ano ao profissional que as mostrar incapacidade técnica no exercício da profissão, assegurando-se-lhe ampla defesa; c) suspensão de hum (1) a três (3) anos ao profissional que no âmbito da sua atuação, por responsável, e por parte técnica,

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por falsidade de documentos, ou por dolo, em parecer ou outro documento que assinar. §1º Provada a conivência das empresas, entidades, firmas individuais nas infrações delas dependentes, serão essas também passíveis da multa prevista. §2º No caso de reincidência da mesma infração, praticada dentro do prazo de dois anos da anterior, além da multa, em dobro, poderá ser determinada a cassação do registro profissional. Art.17. Os Sindicatos e Associações Profissionais de Técnicos de Administração cooperarão com o CFTA para a divulgação das modernas técnicas de Administração e do exercício da profissão. Art.18. Para a promoção das medidas preparatórias necessárias à execução desta Lei, será constituída por decreto do Presidente da República, dentro de trinta (30) dias, uma Junta Executiva integrada de dois (2) representantes indicados pelo Departamento Administrativo do Serviço Público, ocupantes de cargo de Técnico de Administração por concurso de provas e defesa de tese: dois (2) representantes indicados pela Fundação Getúlio Vargas, que satisfaçam as exigências do item a do art. 30; e um (1) representante das Universidades que mantenham curso superior de Administração. Art.19. A Junta Executiva de que trata o artigo anterior caberá: a) elaborar o projeto de regulamento da presente Lei e submetêlo à aprovação do Presidente da República; b) proceder ao registro, como Técnico de Administração, dos quais o requerem, nos termos do artigo 30; c) estimular a iniciativa dos Técnicos de Administração na criação das Associações profissionais e sindicatos; d) promover, dentro de 180 dias, a realização das primeiras eleições para a formação do Conselho Federal de Técnico de Administração (CFTA).

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§1º Os representantes de que trata este artigo serão indicados ao Presidente da República em lista dúplice sendo que o das Universidades, por intermédio do Ministério da Educação e Cultura. §2º Será direta a eleição de que trata a alínea d deste artigo, nela votando todos os que forem registrados nos termos da alínea b. §3º Ao formar-se o CFTA, será extinta a Junta Executiva, cujo acervo e cujos cadastros serão por eles absorvidos. Art.20. O disposto nesta Lei, só se aplicará aos serviços municipais, às empresas privadas e às autarquias e sociedades de economia mista dos Estados e Municípios após comprovação, pelos Conselhos de Técnicos de Administração, de existência, nos Municípios em esses serviços, empresas, autarquias ou sociedades de economia mista tenham sede, de técnicos legalmente habilitados, em número suficiente para o atendimento das funções que lhes são próprias. Art.21. Esta Lei entrará em vigor trinta (30) dias após a data da sua publicação revogadas as disposições em contrário. Senado federal, em setembro de 1964. - Camillo Nogueira da Gama, Vice-Presidente, no exercício da Presidência. PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 179, DE 1963 Regula o exercício da profissão de Técnico de Administração Apresentado pelo senhor Senador Wilson Gonçalves. Lido no expediente da sessão de 10 de dezembro de 1963. Publicado no DCN de 11-12-63. Distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Legislação Social de Serviço Público Civil e de Finanças, em 10-12-63. Na sessão de 21-8-64 são lido os seguintes pareceres:

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Nº 820-64 da Comissão de Constituição e Justiça, relatado pelo Senhor Senador Bezerra Neto, pela constitucionalidade do projeto; Nº 821-64, da Comissão de Legislação Social, relatado pelo Senhor Senador Walfredo Gurgel, favorável à provação do projeto, com as emendas que apresenta (ns 1, 2 e 3-CLS); Nº 822-64, da Comissão de Serviço Público Civil, relatado pelo Senhor Senador Silvestre Péricles, pela aprovação do projeto e das emendas da Comissão da Legislação Social; Nº 823-64, da Comissão de Finanças, relatado pelo Senhor Senador Lobão da Silveira, opina pela conveniência de ser ouvido o parecer da Comissão da Educação e Cultura; Nº 824-64, da Comissão de Educação e Cultura, relatado pelo Senhor Senador Menezes Pimentel, favorável ao projeto, apresentando emendas - (ns. 4 - 5 - 6 - 7 - 8 -9 - 10 -11 - 12 - 13 - 14 - 15 - 16 - CEC) contrário à emenda nº 1 da Comissão de Legislação Social; Nº 825-64, da Comissão de Finanças relatado pelo Senhor Senador Lobão da Silveira, favorável à aprovação do projeto e das emendas de ns. 2 e 3 -CLS, 4 a 16-CEC e pela rejeição da Emenda nº 1-CLS; Publicados os Pareceres no DCN de 02 de agosto de 1964. Incluído o Projeto na Ordem do Dia da sessão extraordinária, (10 horas) de 26.8.1964, para o primeiro turno regimental. Em 26.8.1964(sessão extraordinária) é aprovado o projeto, com as emendas de ns.2 a 16, sendo rejeitada a de nº 1. O projeto vai à Comissão de Redação para a redação do vencido para sua discussão no segundo turno. No expediente da sessão de 28.8.64 é lido o Parecer nº 91064, da Comissão de Redação relatado pelo Senhor Senador Walfredo

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Gurgel. Publicado o Parecer no DCN, de 29.8.64. Incluído o Projeto na Ordem do Dia da sessão de 31.8.64 para o segundo turno regimental. Em 31.8.64 é encerrada a discussão do projeto que volta às Comissões competentes, em virtude de recebimento de emendas (ns. 1 e 2). Em 1.9.64 é aprovado o Requerimento nº 345-64, de urgência especial para o projeto. Em conseqüência, passa-se à sua imediata apreciação havendo os Senhores Senadores Bezerra Neto e Walfredo Gurgel, respectivamente, emitido os Pareceres às Comissões de Constituição e Justiça e Legislação Social, sobre as emendas do Plenário ns. 1 e 2. Submetido a votos é aprovado o projeto com as emendas. A Câmara dos Deputados com o Ofício.

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Anexo III Lei noº 4.769, de 9 de setembro de 1965 Dispõe sobre o exercício da profissão de Administrador e dá outras providências (*) (**). O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º. O Grupo da Confederação Nacional das Profissões Liberais, constante do Quadro de Atividades e Profissões, anexo à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, é acrescido da categoria profissional de Administrador (*). Parágrafo único - Terão os mesmos direitos e prerrogativas dos bacharéis em Administração, para o provimento dos cargos de Administrador (*) do Serviço Público Federal, os que hajam sido diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação dos diplomas no Ministério da Educação, bem como os que, embora não diplomados ou diplomados em outros cursos de ensino superior e médio, contem cinco anos, ou mais, de atividades próprias ao campo profissional do Administrador (*). Art. 2º. A atividade profissional de Administrador (*) será exercida, como profissão liberal ou não, mediante: a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior; b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da Administração, como administração e seleção de pes-

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soal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses desdobrem ou aos quais sejam conexos. Art. 3º. O exercício da profissão de Administrador (*) é privativo: a) dos bacharéis em Administração Pública ou de Empresas, diplomados no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, oficializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo Conselho Federal de Educação, nos termos da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961; b) dos diplomados no exterior, em cursos regulares de Administração, após a revalidação do diploma no Ministério da Educação, bem como dos diplomados, até a fixação do referido currículo, por cursos de bacharelado em Administração, devidamente reconhecidos; c) dos que, embora não diplomados nos termos das alíneas anteriores, ou diplomados em outros cursos superiores e de ensino médio, contem, na data da vigência desta Lei, cinco anos, ou mais, de atividades próprias no campo profissional de Administrador (*) definido no art. 2º. Parágrafo único - A aplicação deste artigo não prejudicará a situação dos que, até a data da publicação desta Lei, ocupem o cargo de Administrador (*) os quais gozarão de todos os direitos e prerrogativas estabelecidas neste diploma legal. Art. 4º. Na administração pública, autárquica, é obrigatória, a partir da vigência desta Lei, a apresentação de diploma de Bacharel em Administração, para o provimento e exercício de cargos técnicos de administração, ressalvados os direitos dos atuais ocupantes de

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cargos de Administrador (*). § 1º - Os cargos técnicos a que se refere este artigo serão definidos no regulamento da presente Lei, a ser elaborado pela junta Executiva, nos termos do artigo 18. § 2º - A apresentação do diploma não dispensa a prestação de concurso, quando exigido para o provimento do cargo. Art. 5º - Aos Bacharéis em Administração é facultada a inscrição nos concursos para provimento das cadeiras de Administração, existentes em qualquer ramo do ensino técnico ou superior, e nas dos cursos de Administração. Art. 6º. São criados o Conselho Federal de Administração (CFA)(*) e os Conselhos Regionais de Administração (CRAs)(*), constituindo em seu conjunto uma autarquia dotada de personalidade jurídica de direito público, com autonomia técnica, administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Trabalho. Art. 7º. O Conselho Federal de Administração (*), com sede em Brasília, Distrito Federal, terá por finalidade: a) propugnar por uma adequada compreensão dos problemas administrativos e sua racional solução; b) orientar e disciplinar o exercício da profissão de Administrador (*); c) elaborar seu regimento interno; d) dirimir dúvidas suscitadas nos Conselhos Regionais; e) examinar, modificar e aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais; f ) julgar, em última instância, os recursos de penalidades impostas pelo CRA; g) votar e alterar o Código de Deontologia Administrativa, bem como zelar pela sua fiel execução, ouvidos os CRAs(*); h) aprovar anualmente o orçamento e as contas da autarquia;

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i) promover estudos e campanhas em prol da racionalização administrativa do país. Art. 8º. Os Conselhos Regionais de Administração(*), com sede nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, terão por finalidade: a) dar execução às diretrizes formuladas pelo Conselho Federal de Administração (*); b) fiscalizar, na área da respectiva jurisdição, o exercício da profissão de Administrador(*); c) organizar e manter o registro de Administrador (*); d) julgar as infrações e impor as penalidades referidas nesta Lei; e) expedir as carteiras profissionais dos Administradores(*); f ) elaborar o seu regimento interno para exame e aprovação pelo CFA (*). Art. 9º. O Conselho Federal de Administração (*) compor-seá de brasileiros natos ou naturalizados, que satisfaçam as exigências desta Lei, e será constituído por tantos membros efetivos e respectivos suplentes quantos forem os Conselhos Regionais, eleitos em escrutínio secreto e por maioria simples de votos nas respectivas regiões (**). Parágrafo único - Dois terços, pelo menos, dos membros efetivos, assim como dos membros suplentes, serão necessariamente bacharéis em Administração, salvo nos Estados em que, por motivos relevantes, isto não seja possível. Art. 10. A renda do CFA(*) é constituída de: a) vinte por cento (20%) da renda bruta dos CRAs(*), com exceção dos legados, doações ou subvenções; b) doações e legados; c) subvenções dos Governos Federal, Estaduais e Municipais,

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ou de empresas e instituições privadas; d) rendimentos patrimoniais; e) rendas eventuais. Art. 11. Os Conselhos Regionais de Administração(*) com até doze mil Administradores inscritos, em gozo de seus direitos profissionais, serão constituídos de nove membros efetivos e respectivos suplentes, eleitos da mesma forma estabelecida para o Conselho Federal(**). § 1º - Os Conselhos Regionais de Administração com número de Administradores inscritos superior ao constante do caput deste artigo poderão, através de deliberação da maioria absoluta do Plenário e em sessão específica, criar mais uma vaga de Conselheiro efetivo e respectivo suplente para cada contingente de três mil Administradores excedente de doze mil, até o limite de vinte e quatro mil (**). Art. 12. A renda dos CRAs (*) será constituída de: a) oitenta por cento (80%) da anuidade estabelecida pelo CFA e revalidada trienalmente; b) rendimentos patrimoniais; c) doações e legados; d) subvenções e auxílios dos Governo Federal, Estaduais e Municipais, ou, ainda, de empresas e instituições particulares; e) provimento das multas aplicadas; f ) rendas eventuais. Art. 13. Os mandatos dos membros do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Administração(*) serão de quatro anos, permitida uma reeleição (**). Parágrafo único - A renovação dos mandatos dos membros dos Conselhos referidos no caput deste artigo será de um terço e dois terços, alternadamente, a cada biênio (**).

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Art. 14. Só poderão exercer a profissão de Administrador (*) os profissionais devidamente registrados nos CRAs (*), pelos quais será expedida a carteira profissional. § 1º - A falta do registro torna ilegal, punível, o exercício da profissão de Administrador (*). § 2º - A carteira profissional servirá de prova, para fins de exercício profissional, de carteira de identidade e terá fé em todo o território nacional. Art. 15. Serão obrigatoriamente registrados nos CRAs(*) as empresas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades de Administrador (*), enunciadas nos termos desta Lei. Parágrafo único - O registro a que se refere este artigo será feito gratuitamente pelos CRAs (*). Art. 16. Os Conselhos Regionais de Administração (*) aplicarão penalidades aos infratores dos dispositivos desta Lei, as quais poderão ser: a) multa de 5% (cinco por cento) a 50% (cinqüenta por cento) do maior salário mínimo vigente no País aos infratores de qualquer artigo; b) suspensão de seis meses a um ano ao profissional que demonstrar incapacidade técnica no exercício da profissão, assegurando-lhe ampla defesa; c) suspensão, de um a cinco anos, ao profissional que, no âmbito de sua atuação, for responsável, na parte técnica, por falsidade de documento, ou por dolo, em parecer ou outro documento que assinar. Parágrafo único - No caso de reincidência da mesma infração, praticada dentro do prazo de cinco anos, após a primeira, além da aplicação da multa em dobro, será determinado o cancelamento do

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registro profissional. Art. 17. Os Sindicatos e Associações Profissionais de Administradores (*) cooperarão com o CFA(*) para a divulgação das modernas técnicas de Administração, no exercício da profissão. Art. 18. Para promoção das medidas preparatórias à execução desta Lei, será constituída por decreto do Presidente da República, dentro de 30 dias, uma junta Executiva integrada de dois representantes indicados pelo DASP, ocupantes de cargos de Administrador (*); de dois bacharéis em Administração, indicados pela Fundação Getúlio Vargas; de três bacharéis em Administração, representantes das Universidades que mantenham curso superior de Administração, um dos quais indicado pela Fundação Universidade de Brasília e os outros dois por indicação do Ministro da Educação. Parágrafo único - Os representantes de que trata este artigo serão indicados ao Presidente da República em lista dúplice. Art. 19. À Junta Executiva de que trata o artigo anterior caberá: a) elaborar o projeto de regulamento da presente Lei e submetêlo à aprovação do Presidente da República; b) proceder ao registro, como Administrador (*), dos que o requererem, nos termos do art. 3º; c) estimular a iniciativa dos Administradores(*) na criação de Associações Profissionais e Sindicatos; d) promover, dentro de 180 (cento e oitenta) dias, a realização das primeiras eleições para a formação do Conselho Federal de Administração (CFA) (*) e dos Conselhos Regionais de Administração (CRAs) (*). § 1º - Será direta a eleição de que trata a alínea "d" deste artigo, nela votando todos os que foram registrados, nos termos da alínea "b".

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§ 2º - Ao formar-se o CFA (*), será extinta a Junta Executiva, cujo acervo e cujos cadastros serão por ele absorvidos. Art. 20. O disposto nesta Lei só se aplicará aos serviços municipais, às empresas privadas e às autarquias e sociedades de economia mista dos Estados e Municípios após a comprovação, pelos Conselhos de Administração, da existência, nos Municípios em que esses serviços, empresas, autarquias ou sociedades de economia mista tenham sede, de técnicos legalmente habilitados, em número suficiente para o atendimento nas funções que lhes são próprias. Art. 21 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 22 - Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, em 9 de setembro de 1965 144º da Independência e 77º da República. H.Castelo Branco Arnaldo Sussekind (*) - nova redação dada pelo Art. 1º da Lei nº 7.321, de 13/06/85 D.O.U. 27/06/85. (**) - nova redação dada pelo Art. 1º da Lei nº 8.873, de 26/04/94 D.O.U. 27/04/94.

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DIRETORIA DO CRA/RJ Adm. Adilson de Almeida Presidente Adm. Roberto Guimarães Boclin Vice-Presidente Adm. Jorge Humberto Moreira Sampaio 1º Secretário Adm. Francisco Carlos Santos de Jesus 2º Secretário Adm. Paulo Cesar Carvalho Coelho 1º Tesoureiro Adm. Suely Aparecida de Castro Werneck 2º Tesoureiro CONSELHO FISCAL Adm. Carlos Alberto da Silva Altunian Adm. Mauro Takao Ikenami Adm. Rodolpho Peixoto Mader Gonçalves DEMAIS INTEGRANTES DO PLENÁRIO Adm. Jorge Araújo Adm. Lizandro de Borborema Tourinho Adm. Jovelino Gomes Pires DEMAIS CONSELHEIROS DIPLOMADOS Adm. José Jorge de Castro (suplente) Adm. Antônio de Vasconcelos Fragoso (suplente) DEMAIS CONSELHEIROS (SUPLENTES) Antonio de Vasconcelos Fragoso José Jorge de Castro José Remízio Moreira Garrido Leocir Dal Pai Marco Aurélio Lima de Sá Renato José Carneiro Neto

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