Fundamentos de anestesiologia clínica [1ª ed.]
 9788582714218

Table of contents :
Capa......Page 1
Nota / Ficha catalográfica......Page 2
Folha de rosto......Page 3
Ficha técnica......Page 4
Autores......Page 5
Dedicatória......Page 13
Prefácio......Page 15
Sumário......Page 17
Seção I - Introdução......Page 21
Capítulo 1 - História e futuro......Page 23
Seção II - Bases científicas e técnicas de anestesiologia......Page 33
Capítulo 2 - Sistema respiratório......Page 35
Capítulo 3 - Anatomia e fisiologia cardiovascular......Page 61
Capítulo 4 - Sistema nervoso central e autônomo......Page 89
Capítulo 5 - Sistema renal......Page 107
Capítulo 6 - Anatomia e fisiologia hepática......Page 129
Capítulo 7 - Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica......Page 139
Capítulo 8 - Agentes anestésicos inalatórios......Page 157
Capítulo 9 - Anestésicos e sedativos intravenosos......Page 171
Capítulo 10 - Analgésicos......Page 185
Capítulo 11 - Agentes bloqueadores neuromusculares......Page 205
Capítulo 12 - Anestésicos locais......Page 229
Capítulo 13 - Farmacologia cardiovascular......Page 249
Capítulo 14 - Estação de trabalho de anestesia......Page 275
Capítulo 15 - Monitoração anestésica padrão e dispositivos......Page 297
Seção III - Prática clínica em anestesiologia......Page 315
Capítulo 16 - Avaliação e manejo pré-operatório......Page 317
Capítulo 17 - Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico......Page 341
Capítulo 18 - Função endócrina......Page 355
Capítulo 19 - Anestesia geral......Page 377
Capítulo 20 - Manejo da via aérea......Page 393
Capítulo 21 - Anestesia regional......Page 415
Capítulo 22 - Posicionamento do paciente e lesões potenciais......Page 433
Capítulo 23 - Líquidos e eletrólitos......Page 447
Capítulo 24 - Hemoterapia......Page 471
Capítulo 25 - Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada em consultório......Page 489
Capítulo 26 - Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna......Page 509
Capítulo 27 - Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas......Page 529
Capítulo 28 - Considerações anestésicas para pacientes com obesidade, doença hepática e outros distúrbios gastrintestinais......Page 539
Capítulo 29 - Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica......Page 559
Capítulo 30 - Anestesia para cirurgia neurológica......Page 577
Capítulo 31 - Anestesia obstétrica......Page 597
Capítulo 32 - Anestesia para trauma e queimadura......Page 627
Capítulo 33 - Anestesia neonatal e pediátrica......Page 647
Capítulo 34 - Anestesia para cirurgia torácica......Page 673
Capítulo 35 - Anestesia para cirurgia cardíaca......Page 689
Capítulo 36 - Anestesia para cirurgia vascular......Page 707
Capítulo 37 - Manejo da dor aguda e crônica......Page 719
Capítulo 38 - Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos diagnósticos e terapêuticos especiais......Page 741
Capítulo 39 - Recuperação pós-operatória......Page 753
Capítulo 40 - Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade......Page 767
Capítulo 41 - Medicina intensiva......Page 787
Capítulo 42 - Anestesia para cirurgia urológica......Page 805
Capítulo 43 - Segurança elétrica e incêndios......Page 817
Capítulo 44 - Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas......Page 831
Seção IV - Apêndices......Page 843
Apêndice A - Fórmulas......Page 845
Apêndice B - Atlas de eletrocardiografia......Page 849
Apêndice C - Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis......Page 873
Apêndice D - Protocolos de ressuscitação da American Heart Association......Page 887
Apêndice E - Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists......Page 899
Apêndice F - Algoritmo de abordagem às vias aéreas e algoritmo para vias aéreas difíceis......Page 917
Apêndice G - Protocolo para hipertermia maligna......Page 919
Apêndice H - Medicamentos fitoterápicos......Page 921
Respostas......Page 929
Índice......Page 963

Citation preview

NOTA A medicina é uma ciência em constante evolução. À medida que novas pesquisas e a própria experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias modificações na terapêutica, em que também se insere o uso de medicamentos. Os autores desta obra consultaram as fontes consideradas confiáveis, num esforço para oferecer informações completas e, geralmente, de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências médicas, os leitores devem confirmar essas informações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são aconselhados a conferir a bula completa de qualquer medicamento que pretendam administrar, para se certificar de que a informação contida neste livro está correta e de que não houve alteração na dose recomendada nem nas precauções e contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é particularmente importante em relação a medicamentos introduzidos recentemente no mercado farmacêutico ou raramente utilizados.

F981

Fundamentos de anestesiologia clínica [recurso eletrônico] / Paul G. Barash... [et al.] ; tradução: Jussara N. T. Burnier, Renate Muller ; revisão técnica: André Schwertner, Patrícia Wajnberg Gamermann. – Porto Alegre : Artmed, 2017. Editado como livro impresso em 2017. ISBN 978-85-8271-421-8 1. Anestesiologia – Fundamentos. I. Barash, Paul G. CDU 612.887

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

Tradução: Jussara N. T. Burnier Renate Muller

Revisão técnica desta edição: André Schwertner Médico anestesiologista. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Patrícia Wajnberg Gamermann Médica anestesiologista. Chefe da Unidade de Residência Médica e Pesquisa do Serviço de Anestesia e Medicina Perioperatória do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (SAMPE/HCPA). Responsável pelo Centro de Ensino e Treinamento (CET/SBA) do SAMPE/HCPA – Área de atuação em Dor e Acupuntura. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA). Pós-Graduação em Cuidados do Paciente com Dor pelo Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa.

Versão impressa desta obra: 2017

2017

Obra originalmente publicada sob o título Clinical anesthesia fundamentals, 1st Edition ISBN 9781451194371 Copyright © 2015 Lippincott Williams & Wilkins, a Wolters Kluwer business. Published by arrangement with Lippincott Williams & Wilkins/Wolters Kluwer Health Inc. USA Lippincott Williams & Wilkins/Wolters Kluwer Health did not participate in the translation of this title. Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Editora: Mirian Raquel Fachinetto Preparação de originais: Alda Rejane Barcelos Hansen Leitura final: Frank Holbach Duarte Capa: Márcio Monticelli Editoração: Techbooks

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 Unidade São Paulo Rua Doutor Cesário Mota Jr., 63 – Vila Buarque 01221-020 São Paulo SP Fone: (11) 3221-9033 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

Autores Paul G. Barash, MD

M. Christine Stock, MD

Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Attending Anesthesiologist Yale-New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Professor and Chair Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

Rafael Ortega, MD Bruce F. Cullen, MD Emeritus Professor Department of Anesthesiology University of Washington School of Medicine Seattle, Washington

Professor Vice-Chairman of Academic Affairs Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Boston, Massachusetts

Robert K. Stoelting, MD

Sam R. Sharar, MD

Emeritus Professor and Past Chair Department of Anesthesia Indiana University School of Medicine Indianapolis, Indiana

Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Seattle, Washington

Michael K. Cahalan, MD Professor and Chair Department of Anesthesiology The University of Utah School of Medicine Salt Lake City, Utah

Aaron M. Joffe, DO

Adriana Dana Oprea, MD

Associate Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Harborview Medical Center Seattle, Washington

Assistant Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Associate Director, Preadmission Testing Clinic Yale New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Alan Jay Schwartz, MD, MSEd Abbas Al-Qamari, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

Professor Department of Anesthesiology and Critical Care University of Pennsylvania Perelman School of Medicine Director of Education Children’s Hospital of Philadelphia Philadelphia, Pennsylvania

vi

Autores

Alexander M. DeLeon, MD

Babak Sadighi, MD

Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Associate Chair, Education Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Resident Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Amy E. Vinson, MD, FAAP Instructor in Anesthesia Department of Anesthesiology, Perioperative, and Pain Medicine Harvard Medical School Assistant in Perioperative Anesthesia Boston Children’s Hospital Boston, Massachusetts

Andreas Grabinsky, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Harborview Medical Center Seattle, Washington

Antoun Koht, MD Professor of Anesthesiology, Neurological Surgery, and Neurology Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

Barbara M. Scavone, MD Professor Department of Anesthesia and Critical Care; Obstetrics and Gynecology University of Chicago Chief, Division of Obstetric Anesthesia University of Chicago Medicine Chicago, Illinois

Benjamin M. Sherman, MD TeamHealth Anesthesia Legacy Good Samaritan Hospital Portland, Oregon

Candice R. Montzingo, MD, FASE Associate Professor Department of Anesthesiology University of Utah Salt Lake City, Utah

Casper Claudius, MD, PhD Staff Specialist Department of Intensive Care Copenhagen University Hospital Copenhagen, Denmark

Ashley N. Agerson, MD

Christopher J. Hansen, DO

Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Attending Physician Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Resident in Anesthesiology Department of Anesthesiology Boston School of Medicine Boston, Massachusetts

Aymen A. Alian, MD, MB, BCh Associate Professor Department of Anesthesia Yale University School of Medicine Associate Director of Ambulatory Surgery Yale New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Christopher W. Connor, MD, PhD Assistant Professor Departments of Anesthesiology and Biomedical Engineering Boston University School of Medicine Director of Research Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Autores

Armagan Dagal, MD, FRCA

Glenn Ramsey, MD

Associate Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Harborview Medical Center Seattle, Washington

Professor Department of Pathology Northwestern University Feinberg School of Medicine Medical Director, Blood Bank Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Dhanesh K. Gupta, MD Associate Professor Departments of Anesthesiology and Neurological Surgery Northwestern University Feinberg School of Medicine Director of Neuroanesthesia Research Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Honorio T. Benzon, MD Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Attending Anesthesiologist Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Elizabeth E. Hankinson, MD Chief Resident Department of Anesthesiology University of Washington Harborview Medical Center Seattle, Washington

Elizabeth M. Thackeray, MD, MPH Associate Professor Department of Anesthesiology University of Utah School of Medicine Salt Lake City, Utah

Francis V. Salinas, MD Clinical Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Staff Anesthesiologist Virginia Mason Medical Center Seattle, Washington

Gerardo Rodriguez, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Director, East Newton Surgical Intensive Care Unit Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Gina C. Badescu, MD Bridgeport Anesthesia Associates Bridgeport, Connecticut

Isuta Nishio, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Attending Anesthesiologist VA Puget Sound Health Care System Seattle, Washington

James E. Szalados, MD, MBA, Esq., FCCP, FCCM, FCLM Director, Surgical Critical Care and SICU Director Critical Care Telemedicine Services Rochester Regional Health System Rochester General Hospital Rochester, New York Professor of Anesthesiology and Medicine University of Rochester School of Medicine Chief, Surgical Critical Care and Critical Care Telemedicine Medical Director, Surgical and Neurocritical Care Units Rochester General Hospital Rochester, New York

James R. Zaidan, MD, MBA Professor and Past Chair Department of Anesthesiology Emory University Hospital Atlanta, Georgia

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Autores

Jessica Black, MD

Karen J. Souter, MB, BS, FRCA

Resident in Anesthesiology Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Vice Chair for Education University of Washington Medical Center Seattle, Washington

John F. Bebawy, MD Assistant Professor Departments of Anesthesiology and Neurological Surgery Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

Jonathan B. Mark, MD Professor Department of Anesthesiology Duke University Medical Center Chief, Anesthesiology Service Veterans Affairs Medical Center Durham, North Carolina

Jorge A. Gálvez, MD Associate Professor Department of Anesthesiology and Critical Care University of Pennsylvania Perelman School of Medicine Pediatric Anesthesiologist The Children’s Hospital of Philadelphia Philadelphia, Pennsylvania

Katherine Marseu, MD Lecturer Department of Anesthesia and Pain Medicine University of Toronto Staff Anesthesiologist University Health Network-Toronto General Hospital Toronto, Ontario, Canada

Kelly A. Linn, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Medical College of Wisconsin Staff Physician Clement J. Zablocki Veterans Affairs Medical Center Milwaukee, Wisconsin

Kyle E. Johnson, MD Cardiothoracic Anesthesiologist Department of Anesthesiology Medical Anesthesia Consultants McLeod Regional Medical Center Florence, South Carolina

Loreta Grecu, MD Joseph Louca, MD Assistant Professor of Anesthesiology Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Boston, Massachusetts

Assistant Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Attending Anesthesiologist Yale New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Joshua M. Tobin, MD Director, Trauma Anesthesiology Department of Anesthesiology University of Southern California Keck School of Medicine Los Angeles County Hospital Los Angeles, California

Louanne M. Carabini, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Attending Anesthesiologist Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Autores

Mark C. Norris, MD

Niels Chapman, MD

Director of Obstetric Anesthesia Department of Anesthesiology Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Professor Department of Anesthesiology University of New Mexico School of Medicine Albuquerque, New Mexico

Mary E. Warner, MD Department of Anesthesiology Mayo Clinic Rochester, Minnesota

Matthew R. Hallman, MD, MS Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Director, Critical Care Medicine Fellowship Harborview Medical Center Seattle, Washington

Meghan E. Rodes, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Attending Physician Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Melissa L. Pant, MD Attending Anesthesiologist Department of Anesthesiology Northwestern Lake Forest Hospital Lake Forest, Illinois

Natalie F. Holt, MD, MPH Assistant Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Medical Director Ambulatory Procedures Unit Veterans Affairs CT Healthcare System West Haven, Connecticut

Naveen Nathan, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Paul A. Stricker, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology and Critical Care Medicine University of Pennsylvania Perelman School of Medicine Attending Anesthesiologist The Children’s Hospital of Philadelphia Philadelphia, Pennsylvania

Paul S. Pagel, MD, PhD Staff Physician Department of Anesthesiology Clement J. Zablocki Veterans Affairs Medical Center Milwaukee, Wisconsin

Peter Slinger, MD, FRCPC Professor Department of Anesthesia University of Toronto Staff Anesthesiologist Toronto General Hospital Toronto, Ontario, Canada

Peter von Homeyer, MD, FASE Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Attending Physician University of Washington Medical Center Seattle, Washington

R. Dean Nava, Jr., MD Assistant Professor Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

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x

Autores

R. Mauricio Gonzalez, MD

Sanjay M. Bhananker, MD, FRCA

Clinical Assistant Professor Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Vice Chair of Clinical Affairs, Quality and Patient Safety Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Associate Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Harborview Medical Center Seattle Children’s Hospital Seattle, Washington

Ramesh Ramaiah, MD, FCARCSI, FRCA

Sasha Shillcutt, MD, FASE

Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Attending Anesthesiologist Harborview Medical Center Seattle, Washington

Associate Professor Department of Anesthesiology University of Nebraska Medical Center Director of Perioperative Echocardiography The Nebraska Medical Center Omaha, Nebraska

Robert S. Holzman, MD, MA (Hon.), FAAP

Shamsuddin Akhtar, MD

Professor Department of Anesthesia Harvard Medical School Senior Associate in Perioperative Anesthesia Boston Children’s Hospital Boston, Massachusetts

Associate Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine New Haven, Connecticut

Roger S. Mecca, MD Clinical Professor of Anesthesiology Department of Anesthesiology and Perioperative Care University of California at Irvine Orange, California

Shireen Ahmad, MD Professor and Associate Chair Faculty Development Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

Sofia Maldonado-Villalba, MD Ron O. Abrons, MD Assistant Professor Department of Anesthesiology The University of Iowa Carver College of Medicine Director, Airway Management Training and Research The University of Iowa Hospitals and Clinics Iowa City, Iowa

Roya Saffary, MD Resident Department of Anesthesiology Boston Medical Center Boston, Massachusetts

Ryan J. Fink, MD Assistant Professor of Anesthesiology Anesthesiology and Perioperative Medicine Oregon Health and Science University Portland, Oregon

Resident in Anesthesiology Department of Anesthesiology Boston University School of Medicine Boston, Massachusetts

Sorin J. Brull, MD, FCARCSI (Hon) Professor Department of Anesthesiology Mayo Clinic College of Medicine Jacksonville, Florida

Sundar Krishnan, MBBS Clinical Assistant Professor Divisions of Cardiothoracic Anesthesia and Critical Care University of Iowa Carver College of Medicine University of Iowa Hospitals and Clinics Iowa City, Iowa

Autores

Susan Garwood, MB, ChB

William H. Rosenblatt, MD

Associate Professor Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Attending Physician Yale New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Professor of Anesthesiology Department of Anesthesiology Yale University School of Medicine Attending Physician Yale New Haven Hospital New Haven, Connecticut

Talmage D. Egan, MD

Wissam Mustafa, MD

Professor Department of Anesthesiology University of Utah School of Medicine Salt Lake City, Utah

Resident in Anesthesiology Department of Anesthesiology Boston Medical Center Boston University Boston, Massachusetts

Thomas K. Henthorn, MD Professor and Chair Department of Anesthesiology University of Colorado School of Medicine University Hospital Aurora, Colorado

Yogen G. Asher, MD

Tom C. Krejcie, MD

Yulia Ivashkov, MD

Professor and Associate Chair of Medical Technology Department of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Associate Chief Medical Officer Northwestern Memorial Hospital Chicago, Illinois

Assistant Professor Department of Anesthesiology and Pain Medicine University of Washington School of Medicine Harborview Medical Center Seattle, Washington

Wendy K. Bernstein, MD, MBA Associate Professor Department of Anesthesiology University of Maryland School of Medicine Director, Simulation Program University of Maryland Hospital Baltimore, Maryland

Assistant Professor of Anesthesiology Northwestern University Feinberg School of Medicine Chicago, Illinois

xi

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Aos estudantes de anestesiologia.

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Prefácio No atual momento de mudanças nos cuidados em saúde, estamos envolvidos por novidades em diferentes aspectos dos cuidados clínicos com o paciente, desde a incorporação de registros eletrônicos de saúde para a emergência a novos modelos de fornecimento de cuidados em saúde. Concomitantemente a esses novos paradigmas no fornecimento de cuidados em saúde está uma evolução também estimulante na educação médica, uma vez que professores em todos os níveis – desde instrutores em ciências básicas até preceptores de cuidados clínicos – estão diante de três desafios importantes: (1) exposição dos estudantes a volumes de descobertas biomédicas e biopsicossociais que se expandem rapidamente, (2) tradução de tais avanços em aplicações clínicas custo-eficazes e centradas no paciente, e (3) uso de novos métodos de ensino focados nas necessidades cognitivas e de ferramentas de aprendizagem demandadas pelos estudantes “nativos digitais” da geração do milênio. Fundamentos de anestesiologia clínica é a nossa resposta a esses desafios, idealizado especificamente para preencher o vácuo em educação em anestesiologia e cuidados perioperatórios exemplificados pela questão inicial dos estudantes “Onde eu posso aprender de forma mais eficiente os fundamentos dos cuidados em anestesiologia?” Fundamentos de anestesiologia clínica Assim, esta obra se constitui em uma introdução completa, embora sucinta, aos princípios e práticas clínicas essenciais para os estudantes de anestesiologia – alunos e residentes. Em contraste com o Clinical Anesthesia,* – 7 a edição, e com outros livros-texto sobre anestesiologia, cujo objetivo é abrcarem todo o conteúdo e serem destinados tanto para médicos experientes como para estudantes, esta obra foi elaborada para ter um formato mais prático e seu uso liberal de ilustrações e tabelas que enfatizam conceitos elementares tornam mais fáceis para os residentes a aplicação do seu conhecimento das ciências básicas na situação clínica. Ainda mais importante, Fundamentos de anestesiologia clínica utiliza novas ferramentas digitais de ensino emergentes, destinadas a atrair os estudantes e a reforçar a aquisição de conteúdo por meio de métodos complementares de fornecimento de conteúdo. Primeiro, o livro foi idealizado desde o início como um recurso digital totalmente interativo que inclui mais de 130 vídeos e gráficos animados (em inglês), e links rápidos para fontes de referência na Web. Segundo, as informações são reforçadas por várias ferramentas novas, incluindo enunciados do tipo “Você sabia?”, dicas clínicas ao longo do texto e questões de múltiplas escolhas com respostas comentadas ao final do livro. Concisos, os 44 capítulos estão organizados em três seções dirigidas ao aprendizado inicial da anestesia: uma introdução à história e ao futuro da anestesiologia; bases científicas e técnicas da anestesiologia (incluindo aspectos relevantes de anatomia e fisiologia dos órgãos, farmacologia e tecnologia clínica básica); e prática clínica de anestesiologia (incluindo aspectos básicos e especializados dos cuidados perioperató-

* A Artmed Editora disponibiliza em língua portuguesa, dos mesmos autores, o Manual de anestesiologia clínica, 7ª edição, uma versão para consulta rápida.

xvi

Prefácio rios dentro e fora da sala de cirurgia, manejo da dor, cuidados intensivos e provimento de bem-estar). Consistente com o objetivo único do livro, 57 dos 74 autores colaboradores são novos na série Anestesiologia clínica, incluindo muitos cujo interesse acadêmico específico em educação médica traz novas perspectivas e energia à apresentação de conteúdo clínico fundamental. Para concluir o livro, há uma série de apêndices, selecionados cuidadosamente por seu valor como referência e relevância clínica para os residentes de anestesiologia, incluindo fórmulas/definições fisiológicas essenciais; um atlas de eletrocardiografia; protocolos de marca-passo/cardioversores desfibriladores implantáveis; protocolos de ressuscitação da American Heart Association; padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists; medicamentos fitoterápicos. Em resumo, Fundamentos de anestesiologia clínica proporciona o acesso aos princípios essenciais da anestesiologia, bem como aos procedimentos e protocolos apresentados de forma sucinta e amigável, facilitanto o aprendizado complementares para reforçar o o aprendizado e a fixação de conteúdos. Ou, seja, os iniciantes em anestesiologia têm em mãos uma base sólida para iniciar suas carreiras e se preparar para um aprendizado mais avançado e duradouro dessa especialidade. Expressamos o nosso reconhecimento a todos os nossos colaboradores competentes e dedicados, que superaram o nosso desafio para apresentar o conteúdo fundamental de uma maneira bastante didática. Também estamos gratos aos profissionais de anestesiologia que forneceram conselhos e informações valiosas a respeito do escopo e do conteúdo do livro em suas várias fases de desenvolvimento. Por último, gostaríamos de agradecer aos nossos editores da Wolters Kluwer, Brian Brown e Keith Donnellan, por seu compromisso com a excelência. Finalmente, temos uma dívida de gratidão com Nicole Dernoski, editora de desenvolvimento de produtos da Wolters Kluwer; Chris Miller, gerente de produção em Aptara; e a Dan Dressler, gerente de marketing da Wolters Kluwer, cuja gestão dia a dia deste projeto resultou em uma publicação que superou as expectativas dos organizadores. Paul G. Barash Bruce F. Cullen Robert K. Stoelting Michael K. Cahalan M. Christine Stock Rafael Ortega Sam R. Sharar

Sumário Seção I

Introdução

1. História e futuro ........................................................................3 Rafael Ortega Christopher J. Hansen

Seção II Parte A

Bases científicas e técnicas de anestesiologia Funções dos órgãos vitais: anatomia e fisiologia

2. Sistema respiratório ...............................................................15 Abbas Al-Qamari R. Dean Nava, Jr.

3. Anatomia e fisiologia cardiovascular ...................................41 Sam R. Sharar Peter von Homeyer

4. Sistema nervoso central e autônomo ...................................69 Loreta Grecu

5. Sistema renal ..........................................................................87 Susan Garwood

6. Anatomia e fisiologia hepática ............................................109 Niels Chapman

Parte B

Farmacologia

7. Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica ............................................................... 119 Dhanesh K. Gupta Thomas K. Henthorn

8. Agentes anestésicos inalatórios ..........................................137 Ramesh Ramaiah Sanjay M. Bhananker

9. Anestésicos e sedativos intravenosos ................................151 Christopher W. Connor Babak Sadighi Jessica Black

10. Analgésicos ...........................................................................165 Elizabeth M. Thackeray Talmage D. Egan

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Sumário

11. Agentes bloqueadores neuromusculares...........................185 Sorin J. Brull Casper Claudius

12. Anestésicos locais ................................................................209 Francis V. Salinas

13. Farmacologia cardiovascular...............................................229 Kelly A. Linn Paul S. Pagel

Parte C Tecnologia 14. Estação de trabalho de anestesia ........................................255 Naveen Nathan Tom C. Krejcie

15. Monitoração anestésica padrão e dispositivos ..................277 Ryan J. Fink Jonathan B. Mark

Seção III

Prática clínica em anestesiologia

16. Avaliação e manejo pré-operatório .....................................297 Natalie F. Holt

17. Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico ..........................................................321 Gerardo Rodriguez

18. Função endócrina .................................................................335 Shamsuddin Akhtar

19. Anestesia geral .....................................................................357 Mark C. Norris Roya Saffary

20. Manejo da via aérea .............................................................373 Ron O. Abrons William H. Rosenblatt

21. Anestesia regional ................................................................395 Alexander M. DeLeon Yogen G. Asher

22. Posicionamento do paciente e lesões potenciais ...............................................................413 Mary E. Warner

23. Líquidos e eletrólitos ............................................................427 Elizabeth E. Hankinson

Aaron M. Joffe

24. Hemoterapia .........................................................................451 Louanne M. Carabini Glenn Ramsey

25. Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada em consultório ..................................469 Meghan E. Rodes Shireen Ahmad

Sumário

26. Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna .................489 Yulia Ivashkov Armagan Dagal

27. Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas ........509 Adriana Dana Oprea

28. Considerações anestésicas para pacientes com obesidade, doença hepática e outros distúrbios gastrintestinais .....................................................................519 Sundar Krishnan

29. Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica .....................................................................539 R. Mauricio Gonzalez Joseph Louca Sofia Maldonado-Villalba

30. Anestesia para cirurgia neurológica ...................................557 John F. Bebawy Antoun Koht

31. Anestesia obstétrica .............................................................577 Melissa L. Pant Barbara M. Scavone

32. Anestesia para trauma e queimadura.................................607 Joshua M. Tobin Andreas Grabinsky

33. Anestesia neonatal e pediátrica ..........................................627 Jorge A. Gálvez Paul A. Stricker Alan Jay Schwartz

34. Anestesia para cirurgia torácica ..........................................653 Katherine Marseu Peter Slinger

35. Anestesia para cirurgia cardíaca .........................................669 Candice R. Montzingo Sasha Shillcutt

36. Anestesia para cirurgia vascular .........................................687 Wendy K. Bernstein Kyle E. Johnson

37. Manejo da dor aguda e crônica ...........................................699 Ashley N. Agerson Honorio T. Benzon

38. Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos diagnósticos e terapêuticos especiais ......721 Karen J. Souter

Isuta Nishio

39. Recuperação pós-operatória................................................733 Roger S. Mecca

40. Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade...........................................747 James E. Szalados

41. Medicina intensiva ...............................................................767 Matthew R. Hallman

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Sumário

42. Anestesia para cirurgia urológica .......................................785 Aymen A. Alian

43. Segurança elétrica e incêndios............................................797 Christopher W. Connor Wissam Mustafa

44. Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas ............................................................. 811 Amy E. Vinson Robert S. Holzman

Seção IV Apêndices A. Fórmulas ...............................................................................825 B. Atlas de eletrocardiografia...................................................829 Gina C. Badescu Benjamin M. Sherman James R. Zaidan Paul G. Barash

C. Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis ..................853 Gina C. Badescu Benjamin M. Sherman James R. Zaidan Paul G. Barash

D. Protocolos de ressuscitação da American Heart Association............................................................................867 E. Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists................................................879 F. Algoritmo de abordagem às vias aéreas e algoritmo para vias aéreas difíceis .....................................897 G. Protocolo para hipertermia maligna ...................................899 H Medicamentos fitoterápicos ................................................901 Respostas ......................................................................................909 Índice .............................................................................................943

SEÇÃO I Introdução

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História e futuro Rafael Ortega Christopher J. Hansen

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A maioria dos livros médicos começa discutindo a história do assunto. Por quê? De forma sucinta, aprendemos apenas a partir do passado. Embora a anestesiologia moderna seja praticada no ambiente futurístico dos dias atuais, há muito a aprender por meio da análise da evolução histórica da especialidade. O campo da anestesiologia está em um momento decisivo que irá definir o futuro da profissão. Atualmente, os anestesiologistas encaram novos desafios, desde a expansão dos seus papéis na medicina perioperatória e de cuidados críticos até confrontar a competição profissional e a reforma dos cuidados em saúde. A compreensão de como e por que os anestésicos vieram a ser usados, como eles evoluíram e como a profissão cresceu é essencial para uma real compreensão da especialidade e para a antecipação de novas investidas no futuro.

I. Dor e Antiguidade As práticas para alívio da dor existem há muitos séculos, desde as primeiras culturas da Mesopotâmia e do Egito até as culturas da Ásia e da América Central. Por exemplo, o médico grego Dioscórides relatou as propriedades analgésicas da planta mandrágora há 2 mil anos. Com o advento da cirurgia, várias combinações de substâncias, incluindo o ópio, o álcool e a maconha, foram inaladas por várias culturas por seus efeitos analgésicos e mentais. A “esponja soporífera”, que era popular entre os séculos IX e XIII, se tornou o modo primário de fornecer alívio da dor aos pacientes durante as cirurgias. As esponjas eram saturadas em uma solução derivada de uma combinação de papoulas, folhas de mandrágora e várias ervas. Antes do procedimento cirúrgico, a esponja era umedecida com água quente para reconstituir os ingredientes e então colocada sobre a boca e nariz do paciente, de modo que ele pudesse inalar os vapores anestésicos. O láudano, um derivado do ópio preparado como uma tintura, foi produzido no século XVI por Paracelso (1493-1541) e era usado como analgésico. Contudo, assim como com outras medicações da época, ele também era prescrito para inúmeras doenças, como meningite, doença cardíaca e tuberculose. Na cultura indiana, avatares como Dhanvantari usavam anestésicos para a dor cirúrgica e cortavam os nervos para alívio de neuralgia. Os médicos chineses têm usado acupuntura e várias substâncias herbárias para aliviar a dor cirúrgica há séculos. Em 1804, Seishu Hanaoka (1760-1835), um cirurgião do Japão, induziu anestesia geral com uma combinação herbária contendo alcaloides anticolinérgicos capazes de induzir

VÍDEO 1.1 Linha do tempo da história da anestesiologia

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Fundamentos de anestesiologia clínica inconsciência. Hanaoka desenvolveu uma formulação enteral chamada tsusensan. Seus pacientes ingeriam essa preparação antes que ele começasse o procedimento cirúrgico (1).

II. Anestésicos inalatórios Em torno de 1800, Sir Humphry Davy já tinha conhecimento de que o óxido nitroso possuía propriedades analgésicas e que ele tinha potencial para ser utilizado durante procedimentos cirúrgicos. Contudo, foi Horace Wells que, 45 anos mais tarde, tentou pela primeira vez usar o óxido nitroso como anestésico geral.

Médicos e químicos estavam familiarizados com o composto éter dietílico séculos antes de ele ser usado como anestésico geral.

A. Óxido nitroso Joseph Priestly (1733-1804), um químico e clérigo inglês conhecido por ter isolado o oxigênio na sua forma gasosa, foi também o primeiro a isolar o óxido nitroso. Embora ele não tenha relatado sobre as possíveis aplicações médicas do óxido nitroso, foi a sua descoberta e o isolamento desse e de outros gases que permitiram os métodos modernos da anestesia inalatória. Sir Humphry Davy (1778-1829) descreveu o efeito do óxido nitroso sobre a respiração e o sistema nervoso central. Em 1800, ele afirmou: “Como o óxido nitroso, em sua extensa operação, parece capaz de destruir a dor física, ele provavelmente pode ser usado de forma vantajosa em cirurgias nas quais não ocorre grande efusão sanguínea”. A despeito dessa percepção, Davy não utilizou o óxido nitroso como um anestésico, e o seu legado duradouro para a história foi a criação da expressão gás hilariante, que descreve a capacidade do óxido nitroso de desencadear riso incontrolável. Horace Wells (1815-1848) foi o primeiro indivíduo a tentar uma demonstração pública de anestesia geral usando óxido nitroso. Dentista famoso de Hartford, Connecticut, Wells havia usado o óxido nitroso para extrações dentárias. Em 1845, ele tentou realizar publicamente a extração indolor de um dente usando o óxido nitroso. Contudo, possivelmente devido ao tempo de administração inadequado, o paciente não ficou completamente insensível à dor e foi relatado que ele se moveu e gemeu. Devido a isso, Wells foi desacreditado e ficou muito desapontado com a sua demonstração malsucedida. Wells passou a melhor parte do resto da sua vida em autoexperimentação e em uma busca sem sucesso de reconhecimento pela descoberta da anestesia inalatória (2).

B. Éter dietílico Embora a origem da descoberta do éter dietílico seja discutida, ele pode ter sido sintetizado pela primeira vez no século VIII pelo filósofo árabe Jabir ibn Hayyan ou pelo químico europeu Raymundus Lully no século XIII. No século XVI, Paracelso e outros estavam preparando esse composto e observando os seus efeitos sobre a consciência. Paracelso documentou que o éter dietílico poderia produzir sonolência em galinhas, levando-as a se tornarem não responsivas e depois a acordar sem qualquer efeito adverso. Nos séculos XVII e XVIII, o éter era vendido como um alívio para a dor, e inúmeros cientistas famosos daquela época examinaram as suas propriedades. Devido aos seus efeitos sobre a consciência, o éter também se tornou uma droga recreativa importante na Inglaterra e na Irlanda, bem como na América, onde eventos festivos em grupos usando éter eram chamados de “bailes de éter”. Embora muitos estivessem conscientes dos efeitos do éter inalado, foi um médico da Geórgia quem primeiro administrou o éter com o objetivo deliberado de produzir anestesia cirúrgica. Crawford Williamson Long (1815-1878) administrou o éter como um anestésico cirúrgico em 30 de março de 1842 a James M. Venable para a remoção de um tumor no pescoço. Contudo, o seu resultado não foi publicado até 1849, três anos após a famosa demonstração pública de William T. G. Morton. Isso não foi uma falta de percepção, mas uma ausência de desejo de reconhecimento. Quando ele

Capítulo 1

História e futuro

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FIGURA 1.1 O anfiteatro cirúrgico do Massachussets General Hospital, hoje conhecido como Ether Dome, onde ocorreu a demonstração de Morton em 16 de outubro de 1846.

finalmente publicou seus experimentos com o éter, afirmou que o fez como um legado aos seus amigos que acharam que ele seria negligente em não afirmar o seu envolvimento na história da anestesia inalatória. Em 16 de outubro de 1846, William T. G. Morton induziu anestesia geral com éter, o que permitiu que o cirurgião John Collins Warren (1778-1856) removesse um tumor vascular de Edward Gilbert Abbot (Fig. 1.1). O anestésico foi fornecido por meio de um inalador que consistia em um bulbo de vidro contendo uma esponja embebida em éter e um tubo na outra terminação pelo qual o paciente podia respirar. O bulbo de vidro era aberto ao ar ambiente, permitindo que o paciente respirasse ar fresco que se misturava com o éter dentro do bulbo antes de passar pelo tubo e passar para os pulmões do paciente. O evento ocorreu em um anfiteatro cirúrgico no Massachussets General Hospital, conhecido hoje como Ether Dome. A notícia da demonstração se espalhou rapidamente, e dentro de alguns meses a possibilidade de cirurgia indolor foi conhecida pelo mundo.

C. A controvérsia do éter Ao todo, Morton completou três experiências no Massachussets General Hospital antes que o hospital considerasse o éter seguro para uso. Embora hoje Morton receba o crédito por essa descoberta, naquela época, os envolvidos estavam cientes de que Charles T. Jackson fora o mentor intelectual do processo e Morton fora simplesmente o executor. Charles Jackson, um notável químico e médico de Boston, e preceptor de Morton, afirmou que aconselhou Morton a respeito do uso do éter inalatório para a insensibilidade à dor (3). Pouco tempo após a demonstração de Morton, Henry Jacob Bigelow (18181890), professor emérito do Departamento de Cirurgia na Harvard Medical School, descreveu seu famoso relato dos eventos que ocorreram no Massachussets General Hospital, proclamando que Morton e Jackson haviam descoberto como tornar os pacientes insensíveis à dor. O artigo, publicado no Boston Medical and Surgical Journal (o

A controvérsia do éter se refere às duras argumentações ocorridas entre os vários indivíduos que acreditavam merecer o crédito pela introdução da anestesia inalatória.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 1.2 A escultura no topo do Monumento ao Éter, no Jardim Público em Boston, simbolizando o alívio do sofrimento humano.

antecessor do New England Journal of Medicine), foi amplamente distribuído (4). As notícias chegaram a Horace Wells, que sustentou que ele havia descoberto os anestésicos inalatórios por meio do uso do óxido nitroso. Foram essas declarações que levaram ao que hoje é chamado de “controvérsia do éter”. O debate foi agravado pelo que foi, mais provavelmente, uma tentativa de recompensa financeira, com a subsequente negativa de Morton a respeito da participação de Jackson na descoberta, levando a um confronto entre os três (5). A controvérsia veio a destruir as reputações e as vidas daqueles envolvidos, e até hoje ela aparece em vários monumentos na Nova Inglaterra e em outras áreas dos Estados Unidos, dando crédito àqueles retratados. Deve ser observado que, embora nem sempre seja citado como estando envolvido na controvérsia, Crawford Long publicou seu relato sobre o uso do éter. Como tal, há vários monumentos relatando seu lugar na história da anestesia (Fig. 1.2).

D. Disseminação do éter VÍDEO 1.2 Éter em gotejamento aberto

Após a famosa demonstração de Morton, Henry Jacob Bigelow e seu pai, Jacob Bigelow, escreveram cartas aos médicos ingleses Francis Boot e Robert Liston, respectivamente. Boot, um clínico geral, e Liston, um cirurgião, conduziram a primeira administração bem-sucedida de anestesia cirúrgica com éter em dezembro de 1846, levando Liston a proferir suas famosas palavras: “Bem, cavalheiros, esse truque americano com certeza ganha da hipnose.” As notícias se espalharam rapidamente, e o uso da anestesia com éter logo encontrou seu caminho no continente europeu.

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História e futuro

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E. Clorofórmio Embora o clorofórmio tivesse sido descoberto quase duas décadas antes, ele não havia sido usado como anestésico cirúrgico até um ano após a demonstração de Morton em 1847. James Young Simpson, um obstetra escocês, havia ficado sabendo dos efeitos do éter após a bem-sucedida operação de Liston e o havia usado em alguns de seus pacientes. Embora tivesse aliviado parte do sofrimento associado ao parto, Simpson não ficou satisfeito e começou a pesquisar uma solução melhor. Por meio de aconselhamento de um químico, ele conheceu o clorofórmio e seus efeitos anestésicos. Em 4 de novembro de 1847, ele e dois amigos inalaram o conteúdo de um frasco contendo clorofórmio. Não é preciso dizer que eles ficaram satisfeitos com o seu autoexperimento, e Simpson começou a usar o clorofórmio para aliviar a dor do parto.

F. Críticos da anestesia O uso anestésico do clorofórmio e do éter não ficou imune aos céticos, e os argumentos contra o seu uso foram feitos com base em aspectos morais, religiosos e fisiológicos. Contudo, ao contrário do éter, o uso do clorofórmio na Europa foi legitimado mais facilmente por meio da lógica científica de John Snow, que proclamou a sua segurança em relação ao éter e o administrou à Rainha Vitória durante o nascimento do Príncipe Leopoldo. Talvez devido ao amplo uso do clorofórmio e do efeito que uma monarca pode ter sobre seus súditos, o uso e os estudos da anestesia cirúrgica prosperaram na Europa do século XIX, enquanto nos Estados Unidos eles permaneceram comparativamente estagnados.

G. O nascimento da anestesia cirúrgica moderna

O estudo científico da anestesia cirúrgica prosperou na Europa do século XIX, enquanto nos Estados Unidos ele permaneceu comparativamente estagnado por décadas.

O médico londrino John Snow, mais conhecido por seu trabalho epidemiológico a respeito da cólera e pela introdução da medicina higiênica, também poderia ser chamado de o primeiro anestesiologista de verdade. Como era seu estilo, ele aprofundou-se no estudo e na compreensão dos anestésicos voláteis. Ao contrário de Morton, Wells e Jackson, Snow não estava preocupado com o seu papel e seu possível legado para a medicina, mas com a segurança e a administração correta da anestesia. Sua atitude calma e atenta na sala de cirurgia – e o foco no bem-estar do paciente, e não no seu orgulho – é um modelo a ser imitado.

H. Anestésicos inalatórios modernos Talvez o estudo profundo de Snow sobre o mecanismo de ação e os possíveis efeitos colaterais dos anestésicos inalatórios tenham inspirado a busca pelo anestésico inalatório ideal. Durante o século XX, vários fármacos, como o cloreto de etila, o etileno e o ciclopropano, foram usados para anestesia cirúrgica. No entanto, eles foram, por fim, abandonados devido a diversos problemas, como a sua natureza pungente, fraca potência e inflamabilidade. A descoberta de que a adição de flúor contribuía para tornar os anestésicos mais estáveis, menos tóxicos e menos inflamáveis levou à introdução do halotano nos anos 1950. Nos anos 1960 e 1970, vários anestésicos fluorados foram introduzidos, como o metoxiflurano e o enflurano, que foram descontinuados devido a efeitos colaterais indesejados. Embora inicialmente fosse mais difícil de sintetizar e purificar, o isoflurano, um isômero do enflurano, tinha menos efeitos colaterais do que os agentes anteriores. Ele tem sido usado desde o final dos anos 1970 e ainda é um anestésico inalatório popular. Não houve mais avanços nos anestésicos inalatórios até a introdução do desflurano, em 1992, e do sevoflurano, em 1994. Ambos, juntamente com o isoflurano e o óxido nitroso, são os agentes inalatórios mais usados atualmente.

Anestésicos inalatórios como o ciclopropano e o éter foram abandonados, entre outros motivos, por serem altamente inflamáveis.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

III. Anestésicos intravenosos e anestesia regional Em 1853, Alexander Wood administrou morfina intravenosa para o alívio de neuralgia por meio de uma agulha oca, de sua invenção. Esse feito extraordinário permitiu a administração de agentes intravenosos para anestesia e analgesia.

A. Anestesia intravenosa

Os barbitúricos foram os primeiros fármacos administrados por via intravenosa como agentes de indução.

O fenobarbital foi o primeiro fármaco a ser usado como um agente de indução intravenoso. Esse barbitúrico, sintetizado em 1903 por Emil Fischer e Joseph von Mering, causava períodos prolongados de inconsciência seguidos por emergência lenta e, como tal, não era um anestésico ideal. Contudo, o seu sucesso na produção de anestesia e a promoção e o estudo dos anestésicos intravenosos por homens como John Lundy abriram novas possibilidades na anestesia. Em 1934, Ralph Waters (1883-1979), da Universidade de Wisconsin, e John Lundy (1894-1973), da Mayo Clinic, administraram tiopental (um barbitúrico potente) como agente anestésico de indução intravenoso de forma bem-sucedida. Lundy enfatizou a abordagem chamada de “anestesia balanceada”, que consistia em uma combinação de vários agentes anestésicos e estratégias para produzir inconsciência, bloqueio neuromuscular e analgesia. Por meio dessa abordagem, Lundy permitiu a administração de uma anestesia mais segura e mais completa. A popularidade do tiopental levou à introdução de vários outros tipos de hipnóticos intravenosos, incluindo a cetamina (1962), o etomidato (1964) e o propofol (1977). Desde então, outros agentes intravenosos, como os benzodiazepínicos e novos opioides, foram adicionados ao armamentário da especialidade, e a pesquisa ainda continua.

B. Anestesia regional A cocaína, originalmente descrita por Carl Koller em 1884 como um anestésico local, tornou-se a base da anestesia regional no início dos anos 1900. Durante esse período, foram descritos vários bloqueios de nervos e de plexos, assim como a técnica da raquianestesia, todas usando cocaína como anestésico local. Todavia, os casos iniciais de anestesia regional não foram isentos de incidentes. Efeitos adversos, incluindo cefaleia pós-punção dural, vômitos e a característica aditiva da cocaína, geraram a necessidade do desenvolvimento de anestésicos locais como a procaína, em 1905, e a lidocaína, em 1943, que eram muito mais seguros. Durante os anos 1940, os avanços continuaram no campo da anestesia regional com o advento da raquianestesia contínua por Wiliam T. Lemmon, em 1940, e a agulha epônima de Edward Tuohy, em 1944. A modificação de Tuohy da agulha espinal permitiu que um cateter passasse para dentro do espaço peridural para a administração de doses de anestésicos locais. Desde então, métodos de administração subaracnoide e peridural de anestésicos locais e opioides são usados comumente para analgesia durante o trabalho de parto e o parto, bem como para a redução da dor pós-operatória. Inovações como a imagem por ultrassom e os estimuladores de nervos são usadas agora para facilitar a localização e identificação de nervos, melhorando, assim, a qualidade do bloqueio.

IV. Agentes bloqueadores neuromusculares O curare tem sido usado há séculos por ameríndios da América do Sul. Aplicado a flechas e dardos, seus efeitos paralisantes foram usados originalmente para caça e guerra. Por meio de relatos de exploradores espanhóis, as notícias do curare e seus efeitos chegaram à Europa. Inicialmente, as aplicações médicas do curare eram limitadas; contudo, com a introdução da intubação endotraqueal e da ventilação mecânica,

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História e futuro

o curare pôde ser usado para prevenir o laringospasmo durante laringoscopia e para relaxar os músculos abdominais durante procedimentos cirúrgicos. Em 1942, Griffith e Johnson introduziram a primeira preparação farmacológica do curare, chamada Intocostrin. Esse fármaco facilitava a intubação endotraqueal e o relaxamento dos músculos abdominais, permitindo um paciente mais bem-preparado para a cirurgia. Embora outros relaxantes musculares tenham sido estudados, eles foram descartados subsequentemente devido a efeitos colaterais indesejáveis no sistema nervoso autônomo. O próximo grande passo nos agentes bloqueadores neuromusculares ocorreu em 1949 com a síntese do agente bloqueador neuromuscular despolarizante succinilcolina pelo ganhador do prêmio Nobel Daniel Bovet (1907-1992). Os agentes bloqueadores neuromusculares adespolarizantes como o vecurônio e rocurônio, bem como o atracúrio e o cisatracúrio, foram introduzidos na prática clínica no final do século XX.

V. Anestesiologia como especialidade médica A anestesiologia como uma especialidade médica se desenvolveu gradualmente nos Estados Unidos durante o século XX. Por décadas após a demonstração de Morton, não houve uma instrução formal em anestesia. Na primeira parte do século XX, Ralph Waters advogou a existência de departamentos e programas de treinamento dedicados à anestesia. Posteriormente, anestesiologistas como Thomas D. Buchanan e John Lundy estabeleceram departamentos formais de anestesia no New York Medical College e na Mayo Clinic, respectivamente, e Waters, na Universidade de Wisconsin-Madison, estabeleceu o primeiro programa de treinamento de pós-graduação em anestesiologia em 1927.

VI. Prática da anestesiologia moderna Embora avanços, como as contribuições de Sir Robert Macintosh e Sir Ivan Magill, para o manejo das vias aéreas tenham sido feitos no início dos anos 1900, a anestesiologia desenvolveu-se posteriormente na segunda metade do século XX com uma forte ênfase na segurança. Em 1985, foi estabelecida a Fundação para segurança do paciente em anestesia com a missão de “garantir que nenhum paciente sofresse dano com a anestesia”. Ferramentas adicionais de monitoração, como a oximetria de pulso e a capnometria, diminuíram de forma notável as taxas de mortalidade durante procedimentos anestésicos. Além disso, o refinamento nos sistemas de administração de anestesia tem sido considerável. Atualmente, a Sociedade Americana de Anestesiologia fornece diretrizes para anestesiologia. As metas dessa organização profissional são estabelecer “uma associação educativa, de pesquisa e científica de médicos, organizada para elevar e manter os padrões da anestesiologia e melhorar o cuidado dos pacientes”. A história de enfermeiras administrando anestesia nos Estados Unidos está interligada com o rápido desenvolvimento do país após os anos 1840 e com a falta relativa de médicos. Sabe-se que as enfermeiras administravam anestesia desde a Guerra Civil, mas apenas em 1956 o termo enfermeira anestesista certif icada e registrada (CRNA, do inglês certified registered nurse anesthesist) foi introduzido. Em 2013, a Emery Rovenstine Memorial Lecture, considerada por muitos o principal evento do encontro anual da Sociedade Americana de Anestesiologia, abordou a competição entre anestesiologistas e enfermeiras anestesistas para administrar cuidados anestésicos. A Sociedade Americana de Anestesiologia apoia um modelo de cuidados em anestesia orientado por médicos, conhecido como equipe de cuidados anestésicos. Por outro lado, a Associação Americana de Enfermeiras Anestesistas, a organização que representa

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O primeiro fármaco produzido a partir do curare foi introduzido pela primeira vez em 1942, marcando o começo da utilização dos agentes bloqueadores neuromusculares durante os procedimentos cirúrgicos.

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Fundamentos de anestesiologia clínica as enfermeiras anestesistas, promove a prática independente e está fazendo um lobby agressivo no legislativo e nas câmaras regulatórias para atingir seu objetivo. Em 2001, o Medicare permitiu que os estados optassem por sair de uma regulamentação que exigia que as CRNAs administrassem anestésicos sob a supervisão de um médico, e hoje há mais de uma dúzia de estados que permite que as CRNAs atuem independentemente. A polêmica a respeito de quem pode administrar anestesia independentemente, que pode ter implicações financeiras e de qualidade de cuidados, continua a ser debatida. O ambiente econômico atual irá testar a anestesiologia como um serviço aos pacientes e como uma área de especialização para médicos. A diversidade na composição da equipe de cuidados anestésicos varia em todo o país e irá continuar a se alterar à medida que as pressões econômicas evoluem. Embora alguns possam ver os desafios atuais como uma ameaça a essa especialidade médica, muitos veem oportunidade para melhora. Atualmente são usadas três abordagens para a administração de anestesia nos Estados Unidos. A maioria dos anestésicos é fornecida por uma equipe que compreende normalmente um anestesiologista e uma CRNA e um assistente de anestesia ou um residente. Todavia, há anestesiologistas administrando cuidados anestésicos sozinhos em um modelo “somente médico”, e, em algumas áreas do país, há CRNAs trabalhando sozinhas. Recentemente, práticas individuais se fundiram em grandes grupos, e o controle da prática anestésica se tornou mais exigente e mais complexo. Os anestesiologistas de hoje agem como médicos perioperatórios capazes de coordenar cuidados pré-, intra- e pós-operatórios. Estudantes interessados em seguir carreira em anestesiologia devem ser apaixonados pela especialidade, ter excelência acadêmica e ter uma predisposição única, harmonizando uma atitude calma e equilibrada com a capacidade de tomar decisões rápidas e agir imediatamente. Considerando o envelhecimento da população e a crescente necessidade de cuidados de saúde, incluindo procedimentos cirúrgicos, a anestesiologia é uma profissão com um futuro brilhante.

Referências 1. Ortega RA, Mai C. History of anesthesia. In: Vacanti CA, Sikka PK, Urman RD, et al., eds. Essential Clinical Anesthesia. Cambridge: Cambridge University Press; 2011:1–6. 2. Haridas RP. Horace Wells’ demonstration of nitrous oxide in Boston. Anesthesiology. 2013;119(5):1014–1022. 3. Zeitlin GL. Charles Thomas Jackson, “The Head Behind the Hands.” Applying science to implement discovery in early nineteenth century America. Anesthesiology. 2009;110(3): 687– 688. 4. Bigelow HJ. Insensibility during surgical operations produced by inhalation. Boston Med Surg J. 1846;16:309–317. 5. Ortega RA, Lewis KP, Hansen CJ. Other monuments to inhalation anesthesia. Anesthesiology. 2008;109(4):578–587.

Capítulo 1

História e futuro

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A primeira demonstração pública bem-sucedida do uso de anestesia com éter durante um procedimento cirúrgico geralmente é creditada a quem? A. Joseph Priestley B. William Morton C. Charles Jackson D. Henry Bigelow 2. As vantagens de adicionar flúor aos agentes anestésicos incluem todas as seguintes, EXCETO: A. Maior potência B. Maior estabilidade C. Maior toxicidade D. Menos combustibilidade 3. Quais dos seguintes agentes bloqueadores neuromusculares foi usado primeiro na prática clínica? A. Vecurônio B. Succinilcolina C. Pancurônio D. Curare

4. O termo “anestesia balanceada” foi introduzido para se referir: A. A uma combinação de agentes anestésicos para produzir inconsciência, bloqueio neuromuscular e analgesia B. Ao uso combinado de raquianestesia e sedação C. À anestesia geral com um barbitúrico e morfina D. À anestesia intravenosa total 5. A ordem histórica correta de introdução dos seguintes anestésicos locais é: A. Lidocaína, procaína, bupivacaína B. Procaína, cocaína, lidocaína C. Cocaína, procaína, lidocaína D. Cocaína, bupivacaína, procaína

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SEÇÃO II Bases científicas e técnicas de anestesiologia

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Funções dos órgãos vitais: anatomia e fisiologia

Sistema respiratório Abbas Al-Qamari R. Dean Nava, Jr.

PARTE

A

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I. Introdução É de extrema importância que um anestesiologista compreenda os conceitos básicos do sistema respiratório e a mecânica da ventilação e das trocas gasosas. Os princípios descritos neste capítulo são empregados diariamente em salas de cirurgia e unidades de terapia intensiva em todo o mundo. A compreensão desses princípios pode servir de guia clínico para a tomada de decisão, bem como para discutir de forma fundamentada com outros serviços de consultoria no cuidado pré-operatório de pacientes.

II. Músculos da ventilação A. Diafragma O diafragma é o principal músculo da ventilação e, durante a respiração não ofegante, ele faz a maior parte do trabalho. Seu suporte é um tendão central móvel que tem origem nos corpos vertebrais, costelas inferiores e o esterno. À medida que o diafragma se contrai, a pressão negativa é gerada no espaço interpleural, criando influxo de ar nos pulmões, e, à medida que o diafragma relaxa, o volume no interior da cavidade torácica diminui e o ar sai. Durante a respiração ofegante, a expiração é principalmente passiva. Aproximadamente 50% da musculatura do diafragma é composta por fibras musculares de contração lenta resistentes à fadiga (1,2).

B. Músculos acessórios Conforme o trabalho da respiração aumenta, ocorre o envolvimento de mais músculos esqueléticos. Os músculos intercostais externos que ajudam a inalação, e até certo ponto os músculos intercostais internos, fornecem o apoio para a expiração. Os músculos abdominais (os músculos acessórios expiratórios mais importantes) contraem, auxiliando com o rebaixamento das costelas e produzindo a expiração forçada por meio de um aumento da pressão intra-abdominal. Eles também são importantes para gerar a força expiratória propulsora envolvida com a tosse e a manutenção de higiene brônquica adequada. A cinta de músculos cervicais (os músculos acessórios mais importantes da inspiração) ajuda a elevar o esterno e a parte superior do tórax para aumentar as dimensões da cavidade torácica. Os escalenos ajudam a prevenir movimento para dentro das costelas, e os esternocleidomastoideos ajudam a elevar a parte superior da caixa torácica. À medida que o trabalho da respiração continua a aumentar, ocorre o envolvimento de mais músculos esqueléticos. Todos esses músculos são propensos à fadiga (1,2).

Durante a respiração não ofegante, o diafragma faz a maior parte do trabalho, e a expiração é principalmente passiva.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

III. Estruturas do pulmão A. Cavidade torácica e pleura Os pulmões estão contidos dentro da caixa torácica óssea, que compreende 12 vértebras torácicas, 12 pares de costelas e o esterno. Os músculos intercostais situam-se entre cada par de costelas. O diafragma compõe a borda inferior da cavidade torácica. O mediastino separa os pulmões medialmente. Cada pulmão pesa aproximadamente 300 a 450 g. O pulmão direito é ligeiramente maior do que o esquerdo e tem três lóbulos, ao contrário do esquerdo, que tem dois. Fissuras separam os lóbulos. Cada pulmão é composto por 10 segmentos cujas divisões anatômicas correspondem à ramificação das vias aéreas proximais. O parênquima pulmonar é envolvido por uma camada de pleura visceral. A pleura visceral também cobre as superfícies das fissuras interlobares. Quando essa camada visceral se volta sobre si mesma ao nível do hilo e do ligamento pulmonar, ela se torna a pleura parietal. Essa pleura cobre a totalidade da caixa torácica e o diafragma. Uma camada de fluido com 20 μm de espessura separa as duas camadas. Essa camada de fluido permite o movimento regular do pulmão contra o interior da cavidade torácica quando ocorre o ciclo respiratório (1-3).

B. Vias aéreas

VÍDEO 2.1 Ventilação colateral

VÍDEO 2.2 Unidade alveolar capilar

A traqueia começa imediatamente distal à laringe. Uma série de anéis cartilaginosos em forma de C sustentam essa grande via aérea anterior e lateralmente. A porção posterior, ou membranosa, da traqueia não tem essa estrutura de suporte rígido, permitindo, assim, a flexibilidade para que o bolo alimentar atravesse o esôfago posteriormente. Na extremidade distal da traqueia, encontra-se a carina – o primeiro ponto de ramificação na árvore respiratória, além da qual se encontram os brônquios principais esquerdo e direito. O brônquio principal direito tem um ângulo de ramificação muito menos agudo. Esse “tiro direto” permite que o material aspirado siga um caminho menos tortuoso, sendo a principal razão para que os eventos de aspiração ocorram com mais frequência no pulmão direito. O pulmão direito, em seguida, divide-se em brônquio lobar direito e brônquio intermediário. O brônquio intermediário divide-se quase imediatamente no brônquio médio direito e lobar inferior direito. O brônquio principal esquerdo divide-se em brônquio lobar superior esquerdo e inferior esquerdo. Nesse nível lobar, os anéis de cartilagem evidentes proximalmente são substituídos por ilhas de cartilagem em forma de placa no interior da parede das vias aéreas. Cada ramo lobar divide-se ainda em ramos segmentares. As vias aéreas continuam a se dividir por mais 5 a 25 gerações, dependendo de sua posição no interior do pulmão. À medida que a ramificação avança, a quantidade de cartilagem contida dentro da parede continua a diminuir. O ponto em que a cartilagem está totalmente ausente da parede das vias aéreas é denominado bronquíolo terminal – e é a via aérea final, antes de atingir a unidade funcional do pulmão conhecida como ácino. Cada ácino compreende bronquíolos respiratórios, dutos alveolares, sacos alveolares e aglomerados de alvéolos em formato de cacho de uva. O alvéolo serve como o principal ponto de troca gasosa entre o parênquima pulmonar e a vasculatura pulmonar. Existem aproximadamente 300 milhões de alvéolos em um homem adulto médio. Na posição vertical, os alvéolos maiores são encontrados no ápice do pulmão e os menores, nas bases. Essa diferença de tamanho torna-se menos pronunciada à medida que a inspiração ocorre. Cada alvéolo compreende principalmente células de tipo I, que formam a maior parte da superfície epitelial do alvéolo, e células de tipo II, que produzem surfactante e funcionam como células precursoras de reserva para as células do tipo I (1-3).

Capítulo 2

Sistema respiratório

C. Vasculatura Dentro do sistema pulmonar, existem dois tipos de suprimento vascular. O primeiro é a circulação brônquica, que se origina na aorta e nas artérias intercostais e é o sangue sistêmico oxigenado que fornece a nutrição para os tecidos dos brônquios, a pleura visceral e a vasculatura pulmonar. A circulação brônquica não está envolvida na troca gasosa alveolar. O segundo sistema vascular é a circulação pulmonar. Esse suprimento vascular transporta o sangue sistêmico desoxigenado e envia-o para os capilares pulmonares para a interface com os alvéolos. É aqui que ocorre a troca gasosa alveolar – oxigênio é absorvido e dióxido de carbono é excretado. O sangue recém-oxigenado é, então, enviado de volta para a circulação sistêmica para distribuição para o resto do corpo. O tronco arterial pulmonar origina-se diretamente do ventrículo direito. Rapidamente ele se bifurca nas artérias pulmonares principais esquerda e direita. Essas artérias pulmonares dividem-se ainda em artérias lobares distintas. É a esse nível que os vasos entram no hilo de seus respectivos pulmões. Depois de entrar no pulmão, a vasculatura pulmonar se divide junto com sua via aérea correspondente. Ela se subdivide em arteríolas e, por fim, em vasos capilares ao nível do alvéolo. À medida que passam pelo alvéolo, as veias se transformam em vênulas, as quais fundem-se em veias lobulares e em, ainda, quatro veias pulmonares, duas do pulmão esquerdo e duas do direito. Essas veias pulmonares drenam para o átrio esquerdo, onde o sangue oxigenado é, então, distribuído sistemicamente até retornar para o átrio direito e o ventrículo para recirculação por meio do sistema pulmonar. Cabe observar que o sangue nas artérias pulmonares é normalmente desoxigenado e o sangue venoso pulmonar é oxigenado. É o oposto da circulação sistêmica; a nomenclatura se baseia nos vasos que surgem a partir do coração e a ele retornam (1,2).

IV. Respiração e mecânica pulmonar A geração de uma respiração, que permite a entrada de ar atmosférico nos pulmões e saída de ar rico em dióxido de carbono a partir dos alvéolos, é uma função de alterações periódicas em gradientes de pressão parcial. A forma como esses gradientes de pressão são alcançados depende de a ventilação ser gerada espontânea ou mecanicamente.

A. Ventilação espontânea Exceto no caso de colapso alveolar, a pressão no interior dos alvéolos é maior do que a pressão intratorácica ao redor do parênquima pulmonar. Essa pressão alveolar é geralmente atmosférica à expiração final e inspiração final. A pressão intrapleural, que é usada como um substituto para a pressão intratorácica, por convenção, é de aproximadamente -5 cm de água (H2O) na expiração final. Usando zero como uma referência para a pressão atmosférica durante um estado sem fluxo ao final da expiração, a pressão transpulmonar expiratória final pode ser calculada assim: Ptranspulmonar ⫽ Palveolar ⫺ Pintrapleural Ptranspulmonar ⫽ 0 cm H2O ⫺ (⫺5 cm H2O) Ptranspulmonar ⫽ 5 cm H2O Quando o diafragma e os músculos intercostais se contraem e a inspiração ocorre, o volume intratorácico aumenta, gerando uma nova pressão intrapleural de aproximadamente -8 a -9 cm de H2O. A pressão alveolar também diminui para -4 cm de H2O, mantendo a pressão transpulmonar a 5 cm de H2O, mas gerando um gradiente de pressão entre os alvéolos e as vias aéreas superiores. Essa alteração permite que o ar

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Fundamentos de anestesiologia clínica flua seguindo o gradiente para dentro dos alvéolos, participe da troca gasosa e também expanda os alvéolos. Quando o diafragma e os músculos intercostais relaxam, a pressão intrapleural retorna a -5 cm de H2O. A pressão transpulmonar não apoia os alvéolos expandidos nesses volumes intratorácicos, e eles começam a colabar. O ar flui para fora dos alvéolos em direção às vias aéreas superiores, e as pressões expiratórias finais prévias, bem como o tamanho alveolar, são restabelecidos.

B. Ventilação mecânica A maioria dos modos de ventilação mecânica envolve a aplicação de pressão positiva em cada respiração. À medida que a pressão positiva é liberada, os alvéolos se expandem, e o gás flui para o alvéolo até que a pressão alveolar seja igual à das vias aéreas superiores. Quando a ventilação por pressão positiva é suspensa, a expiração ocorre passivamente até que outra ventilação por pressão positiva seja liberada (2,3) (ver Cap. 41).

C. Movimento do parênquima pulmonar O movimento do tecido pulmonar é passivo e depende da superação de dois tipos de resistência: (a) resistência elástica do parênquima pulmonar, da parede torácica e da interface gás-líquido nos alvéolos; e (b) resistência não elástica das vias aéreas ao fluxo de gás. O trabalho necessário para superar essas duas resistências é o trabalho fisiológico da respiração.

D. Resistência elástica Tanto o parênquima pulmonar quanto a cavidade torácica têm suas propriedades específicas de retração elástica. A tendência dos pulmões é o colabamento decorrente do elevado número de fibras de elastina no interior do tecido, bem como a tensão superficial na interface ar-fluido dos alvéolos. A tendência da parede torácica é mover-se para fora devido à sua composição estrutural, que resiste à deformação, e a seu tônus muscular.

E. Tensão superficial Cada alvéolo é revestido por fluido. Assim, o ar que entra no alvéolo inicialmente entra em contato com essa camada de fluido. Essa interface gás-fluido é a mesma de uma bolha e tem o mesmo comportamento. Como uma bolha, a tensão de superfície da interface gás-fluido favorece o colabamento do alvéolo. Para que uma bolha permaneça inflada, a pressão do gás contido no interior da bolha por uma tensão superficial deve ser maior do que a pressão do gás no lado de fora da bolha. A lei de Laplace ajuda a quantificar a pressão dentro do alvéolo com uma dada tensão superficial: Pressão ⫽

2 ⫻ tensão superficial Raio

Tal como demonstrado pela equação, quanto maior for a tensão superficial, maior será a propensão dos alvéolos entrarem em colapso. Para ultrapassar essa tendência de colabamento, o pulmão produz um surfactante na interface fluido-gás. Esse surfactante reduz a tensão superficial, permitindo que o alvéolo permaneça expandido mais facilmente. Quanto maior a concentração de surfactante em um alvéolo, maior será a redução na tensão superficial. Por outro lado, quando a concentração diminui, o efeito sobre a tensão superficial também diminui. Essa relação ajuda a estabilizar os alvéolos. À medida que o tamanho do alvéolo diminui, a concentração de surfactante aumenta, ajudando a evitar o colabamento. À medida que o alvéolo começa

Capítulo 2

Sistema respiratório

a distender exageradamente, a concentração de surfactante diminui, favorecendo o encolhimento alveolar (2,3).

F. Complacência Uma medida útil de recuo elástico é a complacência. Ela é definida como a alteração no volume dividida pela alteração na pressão: C ⫽ ⌬V/⌬P Quanto maior for a pressão necessária para produzir uma alteração específica em volume, menor será a complacência do sistema e maior será sua retração elástica. A complacência pode ser calculada para o pulmão e a parede torácica separadamente. A complacência pulmonar normal é de 150 a 200 mL/cm de H2O e é definida como: CPulmão ⫽

Alteração no volume pulmonar Alteração na pressão transpulmonar

A complacência torácica normalmente é de 100 mL/cm de H2O e é definida como: CParede pulmonar ⫽

Alteração no volume pulmonar Alteração na pressão transtorácica

em que a pressão transtorácica é igual à pressão atmosférica menos a pressão intrapleural. A complacência total é a combinação das complacências da parede torácica e pulmonar e normalmente é de 100 mL/cm de H2O. Ela é definida matematicamente como: 1/CT ⫽ (1/CPulmão) ⫹ (1/CParede pulmonar) CT ⫽ Complacência total A complacência pode ser afetada pela presença de secreções, inflamação, fibrose, sobrecarga de fluido e vários outros fatores. É uma medida útil, especialmente no ambiente de ventilação mecânica, para demonstrar a melhora ou a piora da mecânica pulmonar (2,3).

V. Resistência ao fluxo de gás Existem dois tipos de fluxo de gás: laminar e turbulento. Os dois estão presentes, simultaneamente, durante um ciclo respiratório, embora a física de ambos seja muito diferente.

A. Fluxo laminar Em taxas de fluxo inferiores àquelas que produzem um fluxo turbulento, o gás flui por meio de um tubo reto, não ramificado, em uma série de cilindros concêntricos que deslizam uns sobre os outros. A velocidade do gás no cilindro junto às paredes do tubo é igual a zero, e a velocidade máxima de fluxo ocorre no cilindro mais interno. Assim, o gás que flui pelo centro do tubo atinge a extremidade do condutor antes que o resto do tubo seja preenchido com gás. Em geral, esse tipo de fluxo é inaudível. A resistência ao fluxo laminar é descrita pela seguinte equação: 8 ⫻ comprimento ⫻ viscosidade ␲ (raio)4 fluxo

⫽ PB ⫺ P A

onde PB é igual à pressão barométrica e PA é igual à pressão alveolar.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Fluxo laminar

VÍDEO 2.3 Fluxo laminar e turbulento

Fluxo turbulento

FIGURA 2.1

Representação gráfica do fluxo laminar e do fluxo turbulento.

Observe que o raio das vias aéreas influencia a resistência por uma potência de quatro. Observe também que a densidade do gás não tem efeito na resistência do fluxo laminar, apenas a viscosidade influencia a resistência. Gases menos densos, como o hélio (que tem uma viscosidade similar à do ar) não melhorarão o fluxo de gás no contexto de fluxo laminar.

B. Fluxo turbulento

O hélio é útil para diminuir a resistência ao fluxo somente se esse for turbulento, como se pode observar durante a asma.

O fluxo por tubos ramificados ou desordenados muitas vezes leva a uma interrupção de fluxo laminar, produzindo um movimento aleatório do gás pelo tubo, conhecido como fluxo turbulento. Especialmente com altas taxas de fluxo, o fluxo turbulento pode ocorrer mesmo em um tubo não ramificado e reto. Em contraste com a forma parabólica do cone de fluxo laminar que avança, a frente da corrente de fluxo turbulento avançando é quadrada. Assim, o fluxo de gás enche o tubo quase completamente antes de avançar para a extremidade do conduto. O cálculo matemático de fluxo turbulento é complexo e está além do escopo deste capítulo. No entanto, alguns conceitos básicos devem ser mencionados. A resistência durante o fluxo turbulento geralmente é proporcional à taxa de fluxo do gás. Durante o fluxo laminar, a resistência é inversamente proporcional à taxa de fluxo, pelo menos até atingir um fluxo crítico, que altera o fluxo de laminar para turbulento. Embora o fluxo laminar seja sensível às mudanças no raio, o fluxo turbulento é ainda mais sensível; alterações no raio resultam em uma alteração na resistência para uma potência de cinco da alteração no raio. Por fim, a resistência ao fluxo turbulento é diretamente proporcional à densidade do gás em vez da viscosidade. À medida que a densidade do gás diminui, a resistência também diminui. Esse é o caso de um fluxo turbulento e aumento da resistência das vias aéreas em que os gases menos densos, como o hélio, são úteis (2,3) (Fig. 2.1).

VI. Ventilação Indiscutivelmente, a função central do sistema pulmonar é a troca gasosa de oxigênio e dióxido de carbono. A ventilação, o movimento de gás para dentro e para fora dos pulmões, é essencial para a ocorrência da troca contínua em nível de alvéolo e membrana capilar pulmonar. Os centros respiratórios situados no cérebro normalmente controlam a ventilação. Como o manejo da anestesia muitas vezes altera a ventilação normal, é essencial uma profunda compreensão da fisiologia ventilatória para a prática da anestesiologia.

A. Centros respiratórios A ventilação basal é controlada por centros respiratórios localizados no tronco cerebral, particularmente no bulbo e na ponte. Eles processam um conjunto de informações

Capítulo 2

Sistema respiratório

para determinar a taxa e o padrão de ventilação e são capazes de funcionar independentemente de um cérebro intacto (4). O bulbo contém os centros de controle de ventilação mais básicos, o grupo respiratório dorsal (GRD) e o grupo respiratório ventral (GRV). O GRD estabelece uma frequência ventilatória ao estimular ritmicamente a inspiração. O GEV, por outro lado, coordena a expiração. O GRD estimula a inspiração, que é seguida por um sinal pelo GRV para extinguir a estimulação do GRD, cessando o esforço inspiratório ativo e permitindo a expiração passiva. Sem o GRV, a atividade do GRD resulta em um padrão respiratório irregular caracterizado por esforços inspiratórios máximos e crises de apneia. Desse modo, o GRD e o GRV funcionam juntos, resultando em uma ventilação rítmica. Os centros respiratórios pontinos, o centro apnêustico e o centro respiratório pneumotáxico comunicam-se com centros respiratórios no bulbo para alterar o padrão e a frequência de ventilação. O centro apnêustico envia sinais para o GRD para prolongar a inspiração, enquanto a função do centro pneumotáxico é limitar a inspiração. Com o aumento da estimulação, o centro pneumotáxico também aumentará a frequência ventilatória, além de diminuir o volume inspiratório. Dessa forma, os centros respiratórios pontinos são capazes de alterar a ventilação. Os centros respiratórios no bulbo e na ponte são os principais centros de controle de ventilação. No entanto, o mesencéfalo e o córtex cerebral também podem afetar o padrão ventilatório. Por exemplo, o sistema ativador reticular no mesencéfalo aumenta a frequência e o volume de inspiração com a ativação. Os reflexos também podem alterar a ventilação. Tanto a deglutição como o vômito resultam na cessação da inspiração para evitar aspiração. O reflexo da tosse é estimulado pela irritação da traqueia e requer uma inspiração profunda seguida de uma expiração forçada para ser eficaz em eliminar produtos irritantes. Os músculos lisos fusiformes nas vias aéreas dos pulmões provavelmente reagem a mudanças de pressão causadas por edema pulmonar ou atelectasia, proporcionando propriocepção para o pulmão e resultando em alterações ventilatórias. Os órgãos tendinosos de Golgi, e as fibras de tendões localizados principalmente nos músculos intercostais, são estimulados quando esticados, inibindo ainda mais a inspiração. O reflexo de Hering-Breuer, embora pouco presente nos seres humanos, também pode alterar a ventilação por meio da inibição da inspiração durante a distensão pulmonar. Dessa forma, reflexos e centros cerebrais superiores afetam os padrões de ventilação estabelecidos pelos centros respiratórios no tronco encefálico.

B. Controle ventilatório químico Os centros respiratórios regulam a ventilação com base no conteúdo químico relativo de oxigênio e dióxido de carbono. Os quimiorreceptores centrais e periféricos fornecem dados químicos ambientais para os centros respiratórios (5). Os quimiorreceptores centrais estão localizados no bulbo e transmitem informações sobre as necessidades de ventilação por meio do pH. Apesar de não ser diretamente detectado, o dióxido de carbono tem um efeito potente sobre os quimiorreceptores centrais pela conversão para íons de hidrogênio que alteram o pH: CO2 ⫹ H2O → H2CO3 → H⫹ ⫹ HCO3⫺ À medida que o dióxido de carbono atravessa facilmente a barreira hematoencefálica, ele é convertido em íons de hidrogênio, estimulando os quimiorreceptores centrais no bulbo. A resposta à elevação em dióxido de carbono é rápida, resultando em aumentos do volume corrente e da frequência respiratória em 1 a 2 minutos. Durante várias horas, a resposta à elevação continuada do dióxido de carbono diminui à medida que os íons de bicarbonato podem ser transportados para o líquido cerebrospinal, neutrali-

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Fundamentos de anestesiologia clínica

A sinalização para os centros respiratórios começa no nível de pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) ⬍ 100 mmHg, mas a ventilação não é alterada até que a pressão parcial de oxigênio se reduza para menos de 65 mmHg, nível em que o volume corrente e a taxa de ventilação são aumentados.

Os quimiorreceptores do corpo carotídeo periférico respondem primariamente à falta de oxigênio, enquanto os quimiorreceptores centrais reagem a elevações no dióxido de carbono.

zando os íons de hidrogênio estimulantes formados por níveis elevados de dióxido de carbono. A capacidade do líquido cerebrospinal para alterar e neutralizar seus íons de hidrogênio ao longo do tempo explica a resposta do centro respiratório para elevações crônicas versus agudas dos níveis de dióxido de carbono. Vale observar que quimiorreceptores centrais também diminuirão a ventilação secundariamente à hipotermia, mas, mais importante, que eles respondem a alterações nas concentrações de íons de hidrogênio secundários às concentrações de dióxido de carbono. Os quimiorreceptores do corpo carotídeo enviam sinais para os centros respiratórios baseados no teor de oxigênio e dióxido de carbono a partir da periferia. Esses quimiorreceptores periféricos são encontrados na bifurcação da artéria carótida comum e comunicam-se com os centros respiratórios pelo nervo glossofaríngeo aferente. Os quimiorreceptores do corpo carotídeo também enviam sinais de acidose, tanto por causas metabólicas quanto por dióxido de carbono elevado, apesar de os sinais de aumento da acidose de quimiorreceptores periféricos terem efeitos mínimos sobre a ventilação. Os quimiorreceptores do corpo aórtico, encontrados ao redor do arco aórtico, também enviam sinais sobre a pressão parcial de oxigênio por meio do nervo vago. Isso leva a mudanças principalmente na circulação, com efeitos mínimos sobre a ventilação. O ato de prender a respiração e a resposta ventilatória à altitude ilustram muito bem a integração do sinal quimiorreceptor pelos centros respiratórios. Saber que os quimiorreceptores centrais que detectam dióxido de carbono substituem os quimiorreceptores periféricos de detecção de oxigênio ajuda a compreender o processo de controle ventilatório por quimiorreceptor. Com a elevação significativa da altitude, a pressão parcial de oxigênio (PaO2) diminui, estimulando, assim, o quimiorreceptor do corpo carotídeo periférico a aumentar agudamente a ventilação. O aumento da ventilação, por sua vez, reduz os níveis de dióxido de carbono, diminuindo a concentração do íon hidrogênio, o que resulta em inibição da ventilação pelos quimiorreceptores centrais. O aumento do sinal a partir dos quimiorreceptores periféricos, aliado à diminuição da atuação dos quimiorreceptores centrais, resulta em um novo equilíbrio. Isso leva a aumento da ventilação, porém com hipoxemia continuada, provavelmente a causa da dor de cabeça associada ao mal da montanha (altitude sickness). Com o tempo, a compensação renal permite que os íons de bicarbonato sejam removidos do líquido cerebrospinal para normalizar a concentração de íons de hidrogênio. A normalização remove a inibição da ventilação dos quimiorreceptores centrais, permitindo que os centros respiratórios cumpram o sinal ventilatório transmitido pelos quimiorreceptores periféricos, respondendo à hipoxemia. Rotineiramente, os alpinistas praticam aclimatação para permitir que quimiorreceptores funcionem com resultados fisiologicamente adequados. Prender a respiração, uma conhecida brincadeira infantil, também demonstra claramente a fisiologia ventilatória do quimiorreceptor. A combinação de sinais estimulatórios dos quimiorreceptores centrais, em uma pressão de dióxido de carbono parcial arterial (PaCO2) de 50 mmHg e dos quimiorreceptores periféricos em uma PaO2 de 65 mmHg, obriga os adultos a ventilar. Quando se prende a respiração, a PaO2 diminui para cerca de 65 mmHg em 1 minuto, enquanto a PaCO2 aumenta 12 mmHg no primeiro minuto e, em seguida, 6 mmHg por minuto sucessivamente (6). A maioria dos adultos é capaz de prender a respiração por 1 minuto, atingindo níveis de PaCO2 de 65 mmHg e níveis de PaO2 de 50 mmHg. Se uma pessoa inala oxigênio suplementar, minimizando os sinais ventilatórios dos quimiorreceptores periféricos, a ventilação não ocorre até que os níveis de PaCO2 alcancem 60 mmHg, ou em 2 a 3 minutos. A hiperventilação com oxigênio suplementar pode deprimir a PaCO2 para 20 mmHg, permitindo prender a respiração por aproximadamente cinco minutos. Cabe notar que a hiperventilação sem oxigênio suplementar pode ser prejudicial e resultar em perda de

Capítulo 2

Sistema respiratório

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Curva de resposta ventilatória ao dióxido de carbono

Ventilação (L/min)

15

Hipoxemia/ acidose metabólica

Opioides/ barbituratos

10

VÍDEO 2.4

5

Anestesia

Normal

30

40

50 PaCO2 (mmHg)

Curva de resposta ventilatória ao dióxido de carbono

60

FIGURA 2.2 Curva de resposta ventilatória ao dióxido de carbono. A resposta ventilatória linear para o dióxido de carbono na gama fisiológica normal é ilustrada pela curva azul. A resposta da ventilação é aumentada com hipoxemia e acidose metabólica e diminuída com depressores respiratórios como representado pelas curvas vermelha e verde, respectivamente. A anestesia resulta em uma diminuição da taxa de resposta ventilatória, como visto pela curva amarela.

consciência, pois o impulso ventilatório hipoxêmico do quimiorreceptor de detecção do oxigênio periférico é compensado pelos quimiorreceptores centrais de detecção de dióxido de carbono. Assim, não se recomenda hiperventilar em ar ambiente antes de um mergulho subaquático prolongado! A representação gráfica das curvas de dióxido de carbono e de resposta do oxigênio permitem um entendimento quantitativo do controle de ventilação. As curvas de resposta ventilatória à PaCO2 e à PaO2 representam a ventilação resultante em diferentes níveis de PaCO2 e PaO2, respectivamente. A curva de resposta ventilatória à PaCO2 é bastante linear no intervalo normal (Fig. 2.2). A mudança em resposta ventilatória aumenta à PaCO2 ⬎ 80 mmHg, o que resulta em um gráfico parabólico e picos em torno de 100 mmHg, em que o dióxido de carbono se torna um depressor ventilatório. A curva de resposta à PaCO2 pode ser deslocada para a esquerda por hipoxemia arterial, resposta dos quimiorreceptores periféricos, acidose metabólica, ou por etiologia do sistema nervoso central. O deslocamento para a esquerda vai resultar em um aumento da ventilação-minuto em níveis de PaCO2 constantes. A resposta à PaCO2 pode ser diminuída com opioides ou barbitúricos, que atuam como depressores ventilatórios, deslocando a curva de resposta para a direita. Opioides causam diminuição da ventilação-minuto, com a diminuição da frequência respiratória, enquanto barbitúricos e anestésicos inalatórios inicialmente causam um aumento da frequência respiratória com diminuição do volume corrente. A administração continuada de barbitúricos ou anestésicos inalatórios acabará por deprimir a resposta ventilatória à PaCO2, resultando em uma curva mais plana. A curva de resposta ventilatória à PaO2 depende do nível de PaCO2 concorrente (7). Manter os níveis de PaCO2 constantes ilustra o único efeito da PaO2 na ventilação (Fig. 2.3). Em níveis normocárbicos, os quimiorreceptores periféricos vão estimular a ventilação em níveis de PaO2 abaixo de 65 mmHg. Com hipercapnia, os sinais dos quimiorreceptores periféricos provocam o aumento da ventilação apenas quando os níveis de PaO2 forem inferiores a 100 mmHg, nível em que os quimiorre-

Com níveis de PaCO2 ⬎ 80 mmHg, o CO2 age como um depressor ventilatório e hipnótico.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Curva de resposta ventilatória de oxigênio

VÍDEO 2.5 Curva de resposta ventilatória

Ventilação (L/min)

60

40

Hipercárbica 20 Normocárbica Hipocárbica 40

60

80

100

120

PaO2 (mmHg)

FIGURA 2.3 Curva de resposta ventilatória ao oxigênio. Em níveis normocárbicos e hipocárbicos, a ventilação é estimulada a uma pressão parcial arterial de dióxido de carbono (PaO2) de 60 mmHg, conforme ilustrado pelas curvas azul e vermelha, respectivamente. Com a hipercarbia, a ventilação é estimulada em níveis de PaO2 abaixo de 100 mmHg, como visto na curva verde. É importante notar que os níveis de dióxido de carbono são constantes nas curvas dessa figura.

ceptores periféricos começam a enviar impulsos para os centros respiratórios. Contudo, normalmente, conforme os seres humanos aumentam a ventilação, os níveis de PaCO2 diminuem. À medida que os níveis de PaCO2 diminuem, o impulso ventilatório dos quimiorreceptores centrais é diminuído até o ponto em que os sinais de ventilação dos quimiorreceptores periféricos são suprimidos, causando diminuição de resposta ventilatória. Esse fenômeno resulta em depressão da resposta ventilatória mediada por oxigênio em comparação com situações em que níveis de PaCO2 são normais. O oxigênio em níveis supraterapêuticos pode ser prejudicial. Em pacientes que dependem de quimiorreceptores periféricos para o drive ventilatório hipóxico, uma PO2 ⬎ 65 mmHg provavelmente vai suprimir a ventilação e causar hipercapnia. O fornecimento de oxigênio supraterapêutico também pode provocar dano por radicais livres, resultando em lesão pulmonar aguda. Um nível baixo de dióxido de carbono provoca supressão do impulso ventilatório, vasoconstrição cerebral e baixa concentração plasmática do íon cálcio, secundárias à alcalose. Por outro lado, o dióxido de carbono elevado pode resultar em descarga simpática aumentada, causando taquicardia e hipertensão. O dióxido de carbono elevado também pode causar desorientação com aumentos progressivos, levando à perda de consciência. Assim, os centros respiratórios dependem da geração de impulso pelos quimiorreceptores para manter o dióxido de carbono e o oxigênio em níveis fisiológicos.

VII. Transporte de oxigênio e dióxido de carbono A introdução do oxigênio e a remoção do dióxido de carbono são essenciais para o metabolismo celular normal. O movimento desses gases entre o ambiente e o tecido é complexo, dependendo da difusão simples e das moléculas de transporte.

Capítulo 2

Sistema respiratório

25

Transporte de gás por difusão O2 CO2

VÍDEO 2.6

O2 CO2

Unidade alveolar capilar

O2

CO2

O2 CO2 Fluxo sanguíneo

FIGURA 2.4 O transporte de oxigênio e dióxido de carbono nas vias aéreas terminais e através da membrana capilar alveolar é dependente da difusão. Uma fonte maior indica uma pressão parcial superior relativa de dióxido de carbono ou oxigênio em comparação com uma fonte menor. As moléculas de dióxido de carbono e de oxigênio se movem ao longo de um gradiente de difusão a partir de pressões parciais mais altas para pressões parciais mais baixas.

A. Transporte de oxigênio e de dióxido de carbono nos pulmões O oxigênio é inicialmente inalado a partir do ambiente e trafega pelas vias aéreas como um componente do ar por convecção secundária à força gerada a partir da energia de inspiração. À medida que o ar atinge as vias aéreas distais, a difusão passa a ser o modo predominante de transporte de gás (Fig. 2.4). A difusão permite o movimento de moléculas de uma distância para uma área de menor concentração, de uma forma independente de energia. Os capilares pulmonares chegam aos alvéolos trazendo sangue com pressão parcial de oxigênio menor do que o ar que entra nos alvéolos. A pressão parcial inferior de oxigênio no sangue cria um gradiente de difusão, permitindo que o oxigênio se difunda através da membrana alveolar para o leito capilar pulmonar. As concentrações relativas de oxigênio orientam o movimento do oxigênio para o sangue. Isso também permite a oxigenação na ausência de ventilação, oxigenação apneica, desde que esteja presente um gradiente de difusão. Da mesma forma, o sangue dos capilares pulmonares chega aos alvéolos com uma concentração relativamente rica de dióxido de carbono, permitindo que o dióxido de carbono se difunda a partir do sangue para os alvéolos. A capacidade de difusão pulmonar ou a capacidade de dióxido de carbono para passar entre os alvéolos de sangue é 20 vezes maior do que a de oxigênio. Assim, ele se difunde por meio da membrana alveolar com maior eficiência. Depois de o oxigênio se difundir a partir dos alvéolos para o leito capilar pulmonar, o oxigênio das vias aéreas terminais irá se difundir para os alvéolos. Ao mesmo tempo, o dióxido de carbono recentemente introduzido nos alvéolos é transportado ao longo de um gradiente de difusão em um caminho inverso até atingir as vias aéreas superiores para a expiração pela ventilação. O sangue capilar pulmonar, que já absorveu o oxigênio dos alvéolos e liberou o dióxido de carbono para os alvéolos, propaga-se para frente. Isso permite que um novo sangue pobre em oxigênio e rico em dióxido de carbono interaja com os alvéolos. Por esse processo, a difusão permite a troca de oxigênio e dióxido de carbono na interface capilar alveolopulmonar. Observe-se que a difusão é um processo passivo. O oxigênio e o dióxido de carbono não são selecionados de forma ativa. Se a pressão parcial do oxigênio nos alvéolos é reduzida por níveis significativamente elevados de dióxido de carbono, pode ocorrer hipóxia, pois o gradiente de difusão para o

A capacidade de difusão do dióxido de carbono é 20 vezes maior do que a do oxigênio.

26

Fundamentos de anestesiologia clínica Curva de dissociação oxigênio-hemoglobina

VÍDEO 2.7 Curva de dissociação oxigênio-hemoglobina

Saturação da hemoglobina (%)

90

60 10 Acidose/temperatura 2,3-difosfoglicerato 30

25

50

75

Conteúdo de oxigênio (mL/100 mL)

20

100

PaO2 (mmHg)

FIGURA 2.5 A curva de dissociação oxigênio-hemoglobina demonstra que uma maior parte do conteúdo de oxigênio está ligada à hemoglobina em pressões parciais de 60 mmHg. A porção linear da curva permite a liberação de oxigênio em pressões parciais de oxigênio encontradas nos leitos capilares periféricos sistêmicos, o local da oxigenação dos tecidos. Além disso, o aumento da acidose e da temperatura e no 2,3-difosfoglicerato diminuem a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, permitindo o aumento do fornecimento de oxigênio para áreas com maiores necessidades metabólicas, como evidenciado pelo aumento de temperatura, acidose e hemoglobina desoxigenada. Vale notar que a maior parte do conteúdo de oxigênio se encontra ligada à hemoglobina, como pode ser visto pela pequena porção do teor de oxigênio fornecido pelo oxigênio dissolvido no sangue (curva vermelha).

oxigênio é diminuído. A difusão de gás permite a ocorrência da troca por meio de um gradiente de concentração a partir das vias aéreas, através da membrana alveolocapilar para o sangue.

B. Transporte de oxigênio e dióxido de carbono no sangue O transporte de oxigênio e dióxido de carbono nos pulmões é dependente da hemoglobina (8). O oxigênio é transportado no sangue tanto ligado à hemoglobina quanto dissolvido no sangue. O oxigênio dissolvido no sangue é uma pequena fração da quantidade ligada à hemoglobina. A hemoglobina é uma molécula complexa que consiste em quatro subunidades heme; cada subunidade liga uma molécula de oxigênio. A ligação do oxigênio à hemoglobina é ilustrada pela curva de dissociação oxigênio-hemoglobina (Fig. 2.5). A curva mostra dois conceitos importantes. Primeiro, demonstra que a hemoglobina permite que o sangue transporte um grande teor de oxigênio, mesmo à baixa pressão parcial de 60 mmHg de oxigênio. Em segundo lugar, a parte linear da curva permite a liberação de uma quantidade significativa de oxigênio com apenas uma ligeira alteração na pressão parcial do oxigênio, permitindo a liberação de oxigênio nos tecidos. A afinidade da hemoglobina pelo oxigênio é alterada sob certas condições. A afinidade do oxigênio pela hemoglobina é diminuída por acidose, elevação de temperatura e níveis aumentados de 2,3-difosfoglicerato, um subproduto do metabolismo das hemácias, o que auxilia a hemoglobina parcialmente desoxigenada a liberar mais oxigênio. Essa diminuição da afinidade, no entanto, é benéfica, uma vez que permite a liberação de oxigênio da hemoglobina em tecidos com necessidades metabólicas mais elevadas, o que é evidenciado por um aumento de acidose, de tem-

Capítulo 2

Sistema respiratório

27

Transporte de dióxido de carbono no sangue CO2

CO2 (Dissolvido) (Bicarbonato)

CO2

+

H +

CO2

+ HCO3

Hgb-O2

CO2

CO2

+





HCO3 O2

Hgb-H+

Hgb-CO2 (Carbamino) Membrana capilar

FIGURA 2.6 Nesta figura são ilustradas três formas de transporte do dióxido de carbono (CO2) no sangue. O CO2 entra no capilar, e uma porção é dissolvida no sangue. A maior parte do CO2 penetra nas hemácias e é convertida em bicarbonato (HCO3⫺), o qual é transportado no sangue. A conversão de CO2 em HCO3⫺ resulta em íons de hidrogênio (H+), que são estabilizados pela desoxiemoglobina, como mostrado por Hgb-H+. A estabilização do H+ favorece a formação de mais HCO3⫺ e permite que o Hgb-H+ forme um composto carbamino, a terceira forma assumida pelo dióxido de carbono.

peratura e de hemoglobina desoxigenada. O efeito Bohr descreve especificamente a diminuição da afinidade da hemoglobina pelo oxigênio em ambientes com elevação de dióxido de carbono ou acidose. O dióxido de carbono é transportado no sangue sob três formas diferentes (Fig. 2.6). Ele é ou dissolvido no sangue ou transportado como bicarbonato ou como um composto carbamino. A solubilidade do dióxido de carbono é muito maior do que a do oxigênio, representando aproximadamente 10% do dióxido de carbono transportado no sangue venoso. O bicarbonato, que é a forma sob a qual a maior parte do dióxido de carbono é transportada, é formado por enzimas de anidrase carbônica nas células vermelhas do sangue. A formação de bicarbonato resulta em íons hidrogênio como um produto secundário. À medida que a hemoglobina libera o oxigênio, ela se torna desoxigenada e passa a aceitar prontamente íons hidrogênio, agindo como um tampão e favorecendo a formação de mais bicarbonato. Além disso, a hemoglobina desoxigenada tamponada com íons hidrogênio é capaz de se ligar ao dióxido de carbono, permitindo o transporte sob a forma de um composto carbamino. O efeito de Haldane é a capacidade da hemoglobina desoxigenada de transportar o dióxido de carbono, facilitando a formação de bicarbonato e atuando como um tampão de íons hidrogênio formados e como composto carbamino. Basicamente, a capacidade do sangue de transportar o dióxido de carbono é aumentada com baixas concentrações de oxigênio.

VIII. Ventilação e perfusão Para que a troca gasosa possa ocorrer, os alvéolos ventilados devem ser expostos ao sangue dentro dos capilares pulmonares. Fisiologicamente, os pulmões são heterogêneos. Os alvéolos são expostos a quantidades variáveis de ventilação e perfusão (9). No entanto, a correspondência entre ventilação e perfusão é primordial para troca de oxigênio e dióxido de carbono.

Dez por cento de dióxido de carbono no sangue é dissolvido, e a maior parte do dióxido de carbono é armazenado e transportado como bicarbonato.

28

Fundamentos de anestesiologia clínica Distribuição de ventilação Repouso

Ápice

Base

Inspiração

Ápice

Base

FIGURA 2.7 Distribuição de ventilação. Os alvéolos apicais estão distendidos quando comparados com os alvéolos basais em repouso secundariamente a a uma maior força de compressão na base do pulmão, como representado pelas três posições alveolares diferentes em repouso. Os alvéolos basais menos distendidos estão, portanto, repousando em uma posição mais complacente do que os alvéolos apicais distendidos. Com a inspiração, os alvéolos basais são expostos a uma maior ventilação, enquanto os alvéolos apicais têm ventilação mínima, como ilustrado pela alteração da distensão entre os alvéolos a partir do repouso para inspiração.

A. Distribuição de ventilação e perfusão

Durante a ventilação espontânea, a ventilação e a perfusão são maiores em áreas dependentes de gravidade.

A distribuição da ventilação dentro do pulmão depende da complacência dos alvéolos e da pressão de distensão relativa. Teoricamente, a pressão no interior de todos os alvéolos nos pulmões é constante, mas a pressão externa dos alvéolos é heterogênea em todo o pulmão, resultando em diferentes tamanhos de alvéolos (Fig. 2.7). Na posição vertical, os alvéolos em repouso estão inflados em volumes maiores no ápice em comparação com a base do pulmão devido a uma maior pressão de compressão gravitacional fora dos alvéolos na base. Os alvéolos na base são relativamente menos inflados, mas se encontram em uma posição mais complacente. À medida que os pulmões são inflados, os alvéolos basais recebem mais ventilação, pois estão em um ponto mais complacente do que alvéolos apicais e pela pressão de distensão ser maior. A distribuição da ventilação também é afetada pela anatomia e taxa de fluxo. As regiões centrais do pulmão são preferencialmente ventiladas, porém, à medida que as taxas de fluxo são aumentadas, essa diferença ventilatória é minimizada. Simplificando, durante a ventilação espontânea, mais gás é distribuído para áreas dependentes de gravidade. A perfusão alveolar também é heterogênea no pulmão e depende principalmente da gravidade (Fig. 2.8). A gravidade aumenta o fluxo de sangue para as áreas dependentes. West et al. (10) dividiram o pulmão em três zonas com base na pressão alveolar relativa (PA), a pressão arterial pulmonar (Pa) e a pressão venosa pulmonar (PV). Fisiologicamente, a pressão arterial pulmonar deve ser sempre maior do que a pressão venosa pulmonar; as zonas são descritas pelo grau de pressão alveolar em relação à pressão arterial pulmonar e à pressão venosa. A perfusão depende da resistência relativa à pressão arterial pulmonar em cada uma das zonas. A zona 1 é a área do pulmão em que PA ⬎ Pa ⬎ Pv e é encontrada na área menos dependente de gravidade do pulmão. A pressão arterial pulmonar é suficientemente baixa para que a pressão alveolar resulte em compressão capilar pulmonar, limitando a perfusão. A zona 2 ocorre onde Pa ⬎ PA ⬎ Pv. Felizmente, essa zona compreende a maior parte do pulmão, permitindo a harmonização entre perfusão e ventilação. A perfusão na zona 2 é determinada pela diferença de pressão relativa entre a pressão arterial pulmonar e a pressão alveolar. Na área mais dependente de

Capítulo 2

Sistema respiratório

Distribuição de perfusão

Ápice

Base

Pa

PA Pv

Zona 1

Pa

PA

Pv

Zona 2

Pa

PA

Pv

Zona 3

FIGURA 2.8 A distribuição da perfusão é heterogênea em todo o pulmão. O tamanho da fonte indica a pressão alveolar relativa (PA), pressão arterial pulmonar (Pa) e pressão venosa pulmonar (Pv). No ápice, PA é maior do que Pa e Pv, limitando a perfusão conforme ilustrado pela compressão do capilar vermelho resultando na zona 1. Na base, Pa e Pv são maiores do que PA, resultando em perfusão maior conforme mostrado pelo capilar vermelho dilatado na zona 3. A PA está entre Pa e Pv na zona 2.

gravidade, a zona 3, Pa⬎ Pv ⬎ PA. Nela, a perfusão depende do gradiente entre a pressão arterial pulmonar e a pressão venosa. A anatomia também afeta a perfusão pulmonar. As áreas do pulmão expostas a maiores pressões pulmonares tendem a ser anatomicamente mais próximas da fonte de perfusão pulmonar, a artéria pulmonar. Novamente, assim como a ventilação, a perfusão é maior em áreas dependentes de gravidade.

B. Relação entre ventilação e perfusão A correspondência entre ventilação e perfusão é vital para garantir as trocas gasosas de dióxido de carbono e de oxigênio. Idealmente, a ventilação se harmoniza perfeitamente com a perfusão, otimizando a possibilidade de difusão de gás nas membranas alveolares e capilares. A distribuição da ventilação e da perfusão, no entanto, é heterogênea no pulmão, resultando em desproporção entre ventilação e perfusão (Fig. 2.9). A desproporção entre ventilação e perfusão ocorre rotineiramente em um continuum. A ventilação com excesso de perfusão é denominada espaço morto. O espaço morto é a porção de ventilação exposta de forma inadequada à perfusão, alterando principalmente a eliminação de dióxido de carbono. O espaço morto pode ser absoluto, quando a ventilação não é exposta a nenhuma perfusão, ou relativo, quando a ventilação é exposta à perfusão deficiente. O espaço morto é uma combinação de espaço morto anatômico e alveolar. O espaço morto anatômico, um espaço morto absoluto, é a porção de ventilação de estruturas que são incapazes de intercâmbio de gás, tais como faringe, traqueia e grandes vias aéreas. Anatomicamente, a ventilação deve suprir primeiramente o espaço morto anatômico, pois ele é um conduto para o transporte de gás para os alvéolos, resultando em uma maior proporção de ventilação de espaço morto com a diminuição do volume corrente. O espaço morto alveolar, que pode ser tanto absoluto quanto relativo, compreende a ventilação para os alvéolos com exposição da perfusão aquém do ideal. Aproximadamente um terço da ventilação minuto em indivíduos sob ventilação espontânea é espaço morto. Com ventilação com pressão positiva, a ventilação de espaço morto pode aumentar ainda mais. O aumento da ventilação do espaço morto é o resultado de aumento da ventilação nos alvéolos mal perfundidos, de diminuição da perfusão local ou de ambos. Na maioria das vezes, a ventilação de espaço morto é aumentada secundariamente à redução do débito cardíaco, o que resulta em diminuição de perfusão pulmonar. A perfusão pulmonar

29

Fundamentos de anestesiologia clínica

Perfusão

Taxa

30

Ventilação

Ápice

Localização pulmonar

Base

FIGURA 2.9 Proporção perfusão-ventilação. A ventilação e a perfusão dos alvéolos aumentam na base quando comparadas com o ápice, mas a taxa de aumento é maior para perfusão do que para ventilação, com progressão para a base do pulmão. O ponto de interseção indica onde a ventilação e a perfusão têm correspondência uniforme. A área à direita do ponto de interseção representa o espaço morto relativo, e a área à esquerda do ponto de interseção, o shunt relativo.

também pode ser diminuída por fenômenos embólicos na vasculatura pulmonar. A avaliação de rotina da ventilação de espaço morto é uma comparação do dióxido de carbono expirado e do dióxido de carbono arterial. Se a ventilação e a perfusão forem perfeitamente compatíveis, o dióxido de carbono expirado e o dióxido de carbono arterial, para fins clínicos, seriam iguais, já que todo o gás ventilado se equilibraria com o dióxido de carbono arterial. Como parte do gás ventilado não é exposto a capilares que transportam dióxido de carbono, o gás de espaço morto capta uma quantidade insignificante de dióxido de carbono. Isso dilui o dióxido de carbono da ventilação exposta à perfusão e resulta em um gradiente entre o dióxido de carbono alveolar e o dióxido de carbono no final da expiração. Com o aumento do gradiente entre o dióxido de carbono expirado para arterial de dióxido de carbono, surgem as preocupações com a perfusão pulmonar. A ventilação do espaço morto com frequência é uma consequência da diminuição da perfusão quando a ventilação é estável. Assim, as mudanças na ventilação do espaço morto devem ser avaliadas quanto a alterações no débito cardíaco e na perfusão pulmonar. A perfusão em excesso à ventilação é denominada shunt (desvio). O shunt é a porção da perfusão exposta de maneira inadequada à ventilação e afeta principalmente a oxigenação. De modo semelhante ao espaço morto, o shunt pode ser absoluto, se o fluxo sanguíneo capilar não for exposto a nenhuma ventilação, ou relativo se for exposto à ventilação inadequada. O shunt relativo é denominado mistura venosa. O shunt anatômico absoluto normal é de cerca de 5% do débito cardíaco. Isso resulta das artérias pleurais, brônquicas e de Thebesius, que fornecem oxigênio para as estruturas pulmonares, mas não participam da troca gasosa com os alvéolos. O shunt, tanto absoluto como relativo, também pode ser secundário a estados patológicos, como atelectasia, edema pulmonar e pneumonia. O shunt é a causa mais comum de má oxigenação. A saturação arterial de oxigênio, no entanto, não pode ser usada como uma avaliação para o shunt. Ela não incorpora o efeito do sangue venoso misto, o sangue que sai do coração direito para a troca gasosa. Se o sangue que sai do coração direito tem alta saturação de oxigênio, o shunt pode ser subestimado, pois esse sangue precisa de oxigenação mínima para parecer normal. O desvio é mais bem avaliado pela comparação de oxigênio arterial e de níveis de saturação venosa mista, exigindo um cateter de artéria

Capítulo 2

Sistema respiratório

pulmonar. A colocação de um cateter de artéria pulmonar tem consequências. Muitas vezes, os profissionais dependem de perspicácia clínica para determinar a causa da má oxigenação, percebendo que, com frequência, o shunt é a fisiopatologia causadora. A correspondência entre ventilação e perfusão é essencial. Os mecanismos fisiológicos ajudam a otimizar essa correspondência. A broncoconstrição pulmonar hipocápnica é provocada por baixo dióxido de carbono. A ventilação de espaço morto provoca níveis baixos de dióxido de carbono. A broncoconstrição das vias aéreas do espaço morto desvia a ventilação para as áreas com melhor perfusão, diminuindo a ventilação de espaço morto. A vasoconstrição pulmonar hipóxica é desencadeada por baixos níveis de oxigênio, como observado com o shunt. A vasoconstrição do shunt da vasculatura pulmonar desvia o sangue para as regiões com melhor ventilação, diminuindo o shunt. A broncoconstrição pulmonar hipocápnica diminui a ventilação do espaço morto, reduzindo a ventilação em regiões pulmonares com perfusão deficiente. A vasoconstrição pulmonar hipóxica diminui o shunt por meio da redução da perfusão de áreas pulmonares com ventilação deficiente. Esses processos ajudam a melhorar a proporção entre ventilação e perfusão.

IX. Avaliação da oxigenação tecidual A oxigenação tissular adequada é um princípio central da prática anestésica. As avaliações quantitativas da oxigenação permitem uma melhor compreensão da etiologia da hipoxia ou má oxigenação dos tecidos (Apêndice A). A equação do gás alveolar calcula a maior pressão parcial alveolar possível de oxigênio. Igualmente importante, a equação demonstra como o aumento da concentração de dióxido de carbono resultará na diminuição da oxigenação arterial. Tal como descrito pela equação, aumentar a concentração inspirada de oxigênio pode superar a deficiência no gradiente de oxigênio causada por hipoventilação. A equação também permite comparações entre pressão parcial alveolar e pressão parcial de oxigênio arterial. As diferenças significativas entre a pressão parcial alveolar e arterial de oxigênio podem indicar um desequilíbrio da ventilação-perfusão ou comprometimento da difusão capilar alveolar pulmonar. Felizmente, a deficiência da difusão capilar alveolar pulmonar raramente tem importância clínica e pode ser superada com oxigênio suplementar, exceto para as situações mais extremas. O descompasso entre ventilação e perfusão sob a forma de shunt é a causa mais comum de má oxigenação. A quantidade de shunt pode ser calculada utilizando a equação da fração de shunt ou relação ventilação-perfusão, mas requer uma artéria pulmonar para medir a saturação venosa mista. Se a oxigenação arterial é adequada e, ainda assim, a oxigenação dos tecidos é deficiente, investiga-se a capacidade de entrega de oxigênio. Supondo-se que a entrega de sangue é adequada com função cardiovascular normal, a capacidade de transporte de oxigênio do sangue é analisada com a equação de teor de oxigênio. A equação de teor de oxigênio destaca a dependência de hemoglobina para suprir as necessidades de oxigênio nos tecidos. Se a oxigenação dos tecidos é deficiente apesar de oxigenação arterial adequada e do teor de hemoglobina, uma hemoglobina anormal ou o metabolismo do tecido devem ser considerados. A oxigenação dos tecidos requer processos fisiológicos complexos, que podem ser melhor elucidados quantitativamente quando surgem problemas.

X. Volumes pulmonares O volume pulmonar varia de acordo com o tamanho do indivíduo, e, como tal, os valores normais são geralmente baseados em altura. As combinações de dois ou mais volumes pulmonares são conhecidas como capacidades (Fig. 2.10).

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32

Fundamentos de anestesiologia clínica

CPT

CI

CV

IRV

VC

VÍDEO 2.8 Volumes pulmonares CRF

VRE

VR

VR

FIGURA 2.10 Representação gráfica de volumes e capacidades pulmonares; os quatro volumes à direita combinam-se para formar a capacidade pulmonar total. As caixas restantes demonstram as várias capacidades pulmonares e sua relação com o espirógrafo sobrejacente. VRE, volume de reserva expiratória; CRF, capacidade residual funcional; CI, capacidade inspiratória; VRI, volume de reserva inspiratório; VR, volume residual; CPT, capacidade pulmonar total; VC, volume corrente; CV, capacidade vital. (De Tamul PC, Ault ML. Respiratory function in anesthesia. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.)

A. Capacidade residual funcional A hipoxemia arterial não ocorre instantaneamente durante a apneia porque o sangue capilar que continua a perfundir os alvéolos extrai oxigênio de dentro da CRF.

A capacidade residual funcional (CRF) é a quantidade de ar que permanece nos pulmões na expiração final após uma respiração normal. É a combinação do volume residual e do volume de reserva expiratório. Um dos seus principais objetivos é servir como um reservatório de oxigênio durante os períodos de apneia. Durante a apneia, ainda ocorre a perfusão para os pulmões. É o oxigênio armazenado dentro da CRF que é obtido por meio da circulação pulmonar. Por isso, a hipoxemia arterial não ocorre instantaneamente durante a apneia, mas durante um período mais longo. As reduções na CRF podem resultar em um período muito mais curto de tempo para hipoxemia arterial durante a apneia. Há várias razões para a CRF estar reduzida. As condições que afetam o parênquima pulmonar diretamente são edema pulmonar, atelectasia, fibrose pulmonar e lesão pulmonar aguda. As causas mecânicas ou funcionais incluem derrame pleural, postura (deitar-se simplesmente diminui a CRF em 10%), gravidez, obesidade (decorrente de uma diminuição na complacência da parede torácica) e síndrome compartimental abdominal. A fraqueza muscular ventilatória também é uma causa funcional.

B. Capacidade de fechamento As pequenas vias aéreas distais com pouco ou nenhum apoio cartilaginoso dependem de tração do recuo elástico do tecido circundante para permanecerem abertas. Além disso, a permeabilidade das pequenas vias aéreas depende do volume pulmonar. O volume pulmonar com o qual essas pequenas vias aéreas começam a fechar é conhecido como capacidade de fechamento. Em indivíduos jovens, a CRF excede em muito a capacidade de fechamento. Com o envelhecimento, no entanto, a capacidade de fechamento aumenta de forma

Capítulo 2

Sistema respiratório

constante até igualar ou mesmo superar à da CRF. Quando a capacidade de fechamento for alcançada, os alvéolos nas porções afetadas do pulmão são perfundidos, mas não ventilados, o que causa shunt intrapulmonar. Esse shunt intrapulmonar, em combinação com uma reserva baixa de oxigênio no contexto de uma CRF baixa, pode causar hipoxemia arterial significativa. Ao contrário da CRF, a capacidade de fechamento não tem relação com a postura; devido a isso, a relação da CRF (que é afetada pela postura) com a capacidade de fechamento pode mudar com a posição do paciente. Em indivíduos mais idosos, a CRF pode exceder a capacidade de fechamento na posição vertical e cair abaixo dela na posição supina. Em pacientes mais idosos, a capacidade de fechamento pode ser maior do que a do CRF, mesmo na posição vertical.

C. Capacidade vital Capacidade vital é a quantidade máxima de ar que pode ser expelida dos pulmões após a inspiração e expiração máximas: o volume corrente mais o volume de reserva inspiratório mais o volume de reserva expiratório. Esse valor é importante para determinar a capacidade do paciente de manter a higiene brônquica tossindo, como explicado na próxima seção sobre teste de função pulmonar. Ele depende da função muscular respiratória e complacência da parede torácica. Os valores normais para a capacidade vital são de 60 a 70 mL/kg (2,11).

XI. Teste de função pulmonar A. Capacidade vital forçada O teste de capacidade vital forçada (CVF) é realizado fazendo o paciente inalar de maneira máxima e depois exalar com força da forma mais rápida e completa possível em um espirômetro. O volume global deve ser igual à capacidade vital. O valor da CVF é que a medição é feita no esforço expiratório máximo durante determinado período. Como resultado, os fluxos máximos podem ser calculados em volumes pulmonares específicos. Uma vez que o fluxo não pode ser aumentado acima de uma taxa máxima de um dado volume pulmonar em esforço máximo, em geral, os resultados do teste podem ser reproduzidos com a cooperação adequada do paciente. Os valores normais desse teste dependem do tamanho, da idade, do sexo e da raça do paciente.

B. Volume expiratório forçado O teste de volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) é realizado medindo-se o volume de ar expirado no esforço máximo no primeiro segundo de expiração no esforço máximo após uma inspiração máxima. Por ser uma medida de volume durante um determinado período, ele é uma medida do fluxo. O VEF1 pode ser diminuído pelas condições obstrutivas e condições restritivas.

C. Razão VEF1/CVF Um dos cálculos mais úteis é a razão entre VEF1 e CVF. Ele ajuda a esclarecer se um paciente apresenta uma etiologia restritiva ou obstrutiva de VEF1 diminuído e é expresso em termos percentuais. Um paciente normal é capaz de expelir 75 a 85% de sua CVF no primeiro segundo de esforço expiratório máximo. Em pacientes com um processo predominantemente obstrutivo, a razão VEF1/CVF é reduzida. Em processos pulmonares restritivos, em geral, o VEF1 e a CVF são reduzidos proporcionalmente um em relação ao outro, sendo que a razão é normal ou até mesmo ligeiramente elevada devido ao recuo elástico aumentado do pulmão.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

D. Fluxo expiratório forçado Outra medida comum é o fluxo expiratório forçado (FEF). Há vários tipos de medições de FEF. Eles são diferenciados pelo ponto em que são medidos durante a expiração da CVF. Um dos valores mais comuns é o FEF25-50%. É uma média do FEF dos 50% intermediários do CVF. Acredita-se ser mais sensível para a detecção de processos pulmonares obstrutivos precoces e brandos. Outras medidas são o FEF50% e FEF75%, que são os fluxos apresentados após a expiração de 50% da CVF 75%, respectivamente. Todos esses valores estão reduzidos no contexto de doença pulmonar obstrutiva.

E. Ventilação voluntária máxima A ventilação voluntária máxima (VVM) é um teste de função pulmonar que é utilizado para avaliar a capacidade de exercício do paciente, bem como sua capacidade de tolerar cirurgia de grande porte. O paciente é orientado a respirar o mais forte e rápido que conseguir por 10 a 15 segundos. O volume total no período é medido e em seguida, extrapolado para 1 minuto. Diversas condições podem causar uma redução no VVM, incluindo condições pulmonares obstrutivas e restritivas, doença cardíaca, comprometimento neuromuscular e falta de cooperação ou de entendimento do paciente (Tabela 2.1) (2,11).

F. Curvas fluxo-volume As curvas fluxo-volume são representações gráficas do ciclo respiratório. A taxa de fluxo de gás é representada no eixo x, e a do volume do pulmão, no eixo y (Fig. 2.11). Observe-se que o fluxo expiratório na Figura 2.11 está acima de zero no eixo x e que o fluxo inspiratório está abaixo. Anteriormente, essas representações gráficas foram muito usadas para verificar se a obstrução de grandes vias aéreas eram intra ou extratorácicas. Com o advento de métodos de imagem modernos, esse método tornou-se menos útil, embora seja importante observar a mudança na morfologia da curva com diferentes tipos de obstrução (Fig. 2.12). Como demonstrado na Figura 2.12, uma obstrução extratorácica não fixa e variável vai produzir uma curva achatada na parte

TABELA 2.1

Testes de função pulmonar na doença pulmonar restritiva e obstrutiva

Valor

Doença restritiva

Doença obstrutiva

Definição

Reduções proporcionais em todos os volumes pulmonares

Pequena obstrução de fluxo expiratório em todos os volumes pulmonares

CVF

↓↓↓

Normal ou ligeiramente ↑

VEF1

↓↓↓

Normal ou ligeiramente ↓

VEF1/CVF

Normal

↓↓↓

FEF25-75%

Normal

↓↓↓

CRF

↓↓↓

Normal ou ↑ se houver aprisionamento de gás

CPT

↓↓↓

Normal ou ↑ se houver aprisionamento de gás

VEF, volume expiratório forçado; CRF, capacidade residual funcional; CVF, capacidade vital forçada; CPT, capacidade pulmonar total; ↓↓↓, ↑↑↑, aumento ou diminuição grande, respectivamente; ↓, ↑, diminuição ou aumento pequeno/ moderado, respectivamente. De Tamul PC, Ault ML. Respiratory function in anesthesia. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.

Capítulo 2

Sistema respiratório

Fluxo de gás inspiratório

Capacidade vital Fluxo expiratório do pico

Volume corrente

Fluxo de gás expiratório

Zero

Capacidade Volume residual residual funcional

Capacidade pulmonar total

FIGURA 2.11 Curva fluxo-volume de um paciente normal. (De Tamul PC, Ault ML. Respiratory function in anesthesia. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.)

Normal

Obstrutivo

FEF50

6 Fluxo 4 inspir. (L/s) 2

4

0

0

Fluxo expir. (L/s)

2

1

4

2 3 FIF50

4

5

2

4 2 0

1

2

4

3

4

5

0 Fluxo inspir. 2 (L/s) 4 FEF50 6

Intratorácica variável

4

FIF50

5

2 4 6

Volume (L) 2,5

E

4

5

Fixo 4

FEF50

FEF50

2

0 3

5

6

2 2

4

C

4

1

3

1,0

6

FEF50

2

FIF50

0,3

Extratorácica variável Fluxo 4 inspir. (L/s) 2

1

6

B

6

2 4

FIF50

0,8

A

FEF50

FEF50

6

FIF50

FEF50

6

2

FEF50 6

D

Restritivo

6

0 1

2

3

4

FIF50 Volume (L) 0,3

5

2 4

1

2

3 FIF50

6

F

Volume (L) 0,9

FIGURA 2.12 Curva fluxo-volume em vários estados de doença. (De Spirometry: Dynamic lung volumes. Em: Hyatt R, Scanlon P, Nakamura M, eds. Interpretation of Pulmonary Function Tests: A Practical Guide. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009:5–25, com permissão.)

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36

Fundamentos de anestesiologia clínica inspiratória do ciclo. Uma obstrução intratorácica não fixa variável vai resultar em uma porção expiratória achatada do circuito. A obstrução fixa produz curvas achatadas em ambas as partes do ciclo, independentemente da sua posição (2,11).

G. Capacidade de difusão de monóxido de carbono A transferência de oxigênio a partir do alvéolo para as hemácias é feita por meio de difusão. Três variáveis principais afetam a difusão de oxigênio na corrente sanguínea. São elas: 1. Área da interface entre o alvéolo e o capilar – quanto maior a área, maior a capacidade de difusão. 2. Espessura da membrana entre as duas – quanto mais espessa a membrana, menor a quantidade de difusão. 3. A diferença na tensão de oxigênio entre gás alveolar e sangue venoso – quanto maior a diferença, maior a quantidade de oxigênio difundido. É muito difícil medir a capacidade de difusão de oxigênio, pois a pressão parcial de oxigênio varia muito ao longo do tempo dentro do sistema vascular pulmonar. Um substituto ideal é o monóxido de carbono. Sua pressão parcial normal dentro da circulação aproxima-se de zero. Ele tem uma afinidade para a hemoglobina que é 20 vezes mais forte do que a de oxigênio. Por isso, seu nível por toda a circulação pulmonar permanece relativamente constante para efeitos de medição. O teste mais amplamente utilizado para determinar a capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLCO, diffusing capacity of the lungs for carbon monoxide, em inglês) é o método de respiração única. O paciente é solicitado a expirar completamente, seguindo-se uma inalação até a capacidade pulmonar total de uma mistura de gases contendo uma baixa concentração de monóxido de carbono e de um gás inerte como o hélio. Depois de atingir a capacidade pulmonar plena, pede-se ao paciente para prender a respiração por 10 segundos e, em seguida, expirar completamente até atingir o volume residual. A concentração de monóxido de carbono é, então, medida na amostra exalada. As diminuições na DLCO podem ser causadas por várias razões. Essas podem ser divididas principalmente em condições que afetam a área disponível para difusão ou que aumentam a espessura da membrana alveolocapilar (Tab. 2.2) (12).

XII. Avaliação pulmonar pré-operatória Grande parte da avaliação pré-operatória em relação à função pulmonar visa identificar pacientes que podem estar em maior risco de complicações pulmonares pós-operatórias. É também uma oportunidade para avaliar as características pulmonares basais do paciente que possam orientar a tomada de decisão clínica intra e pós-operatória. Para qualquer paciente, a parte mais importante da avaliação pré-operatória é a história e o exame físico. Além disso, exames complementares que podem ser considerados são: • Radiografia torácica. • Gasometria arterial. • Espirometria. A decisão de prosseguir com outros testes e os exames específicos solicitados deve ser adaptada tanto para a condição individual do paciente quanto para a cirurgia ou procedimento pelo qual o paciente passará. As diretrizes da Sociedade Americana de Anestesiologistas sobre avaliação pulmonar pré-operatória afirmam que os clínicos devem “equilibrar os riscos e custos dessas avaliações contra os seus benefícios.

Capítulo 2 TABELA 2.2

Sistema respiratório

37

Causas de capacidade de difusão diminuída

Área para difusão diminuída: Enfisema Pulmão/ressecção lobar Obstrução brônquica, como por tumor Êmbolos pulmonares múltiplos Anemia Aumento da espessura da membrana alveolocapilar: Fibrose pulmonar idiopática Insuficiência cardíaca congestiva Asbestose Sarcoidose envolvendo parênquima Doença vascular de colágeno – esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico Alveolite ou fibrose induzida por fármaco – bleomicina, nitrofurantoína, amiodarona, metotrexato Pneumonite de hipersensibilidade, incluindo pulmão de fazendeiro Histiocitose X (granuloma eosinófilo) Proteinose alveolar Diversos Pressão elevada de monóxido de carbono devido a fumo Gravidez Desproporção ventilação-perfusão De Diffusing capacity of the lungs. Em: Hyatt R, Scanlon P, Nakamura M, eds. Interpretation of Pulmonary Function Tests: A Practical Guide. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009:41–49, com permissão.

As características clínicas a considerar são o tipo e capacidade invasiva do procedimento cirúrgico, o intervalo desde a avaliação anterior, asma tratada ou sintomática, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) sintomática e escoliose com função restritiva” (13). Algumas condições que predispõem a distúrbios da função pulmonar são: • • • • • •

Doença pulmonar crônica. História do tabagismo, tosse persistente ou sibilância. Deformidades da parede torácica e da coluna vertebral. Obesidade mórbida. Exigência de ventilação monopulmonar ou ressecção pulmonar. Doença neuromuscular grave.

Mais uma vez, a parte mais importante de qualquer avaliação em relação ao estado pulmonar é a história e o exame físico. Qualquer teste pedido deve ser feito com um propósito específico em mente, por exemplo, saber a PaCO2 basal ou PaO2 de um paciente com doença pulmonar obstrutiva crônica grave para ajudar a orientar a decisão de extubação na conclusão do curso anestésico (2).

XIII. Considerações anestésicas em doença pulmonar obstrutiva e restritiva A. Doença pulmonar obstrutiva Os pacientes com doença pulmonar obstrutiva estão predispostos a ter as vias aéreas mais reativas, o que pode potencialmente causar broncoconstrição e sibilância significativa. Devido a isso, deve-se considerar a administração de broncodilatadores pré-operatórios e uma dose de corticosteroides intravenosos. O paciente também deve

VÍDEO 2.9 Tabagismo

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Fundamentos de anestesiologia clínica estar em anestesia relativamente profunda antes da instrumentação das vias aéreas para ajudar a diminuir a chance de broncoespasmo; opioides e lidocaína antes da intubação também são úteis. Durante a ventilação mecânica, é aconselhável evitar altas frequências respiratórias para evitar o aprisionamento de gases e permitir um maior tempo de expiração. Isso requer também que o volume corrente selecionado seja maior. Se for prevista extubação traqueal ao final do procedimento, deve-se tomar cuidados para evitar broncoespasmo e o consequente aumento da resistência das vias aéreas. Uma estratégia útil é extubar o paciente em anestesia profunda, utilizando ventilação com máscara para o despertar.

B. Doença restritiva Pacientes com doença restritiva apresentam uma diminuição em todos os volumes pulmonares medidos, incluindo a CRF. Como discutido anteriormente, a CRF atua como um reservatório de oxigênio durante períodos de apneia. Com redução na capacidade desse reservatório, os pacientes com doença restritiva toleram períodos muito mais curtos de apneia do que pacientes normais. É comum a dessaturação rápida durante a apneia. Esses pacientes também vão necessitar de volumes correntes menores e podem ter picos elevados de pressão inspiratória durante a ventilação mecânica devido à complacência pulmonar reduzida. Provavelmente vão necessitar de frequências respiratórias mais altas. Deve-se tomar cuidado durante a ventilação mecânica para não permitir que a pressão inspiratória se torne demasiado elevada em um esforço para evitar o barotrauma.

XIV. Função pulmonar pós-operatória e complicações A. Função pulmonar pós-operatória A principal alteração na mecânica pulmonar pós-operatória é um distúrbio restritivo. Isso ocorre em quase todos os pacientes, e, como resultado, os pacientes tendem a ter respiração mais rápida e mais superficial. Com qualquer tipo de cirurgia sob anestesia geral, a CRF não retorna ao seu nível pré-operatório por até uma semana, eventualmente até mesmo durante algumas semanas para as cirurgias envolvendo esternotomia (2).

B. Complicações pulmonares pós-operatórias Duas complicações pós-operatórias significativas especificamente relacionadas ao sistema respiratório são a atelectasia e a pneumonia. A incidência dessas duas complicações está relacionada com o local da cirurgia. Cirurgias abdominais superiores abertas têm uma taxa muito superior; as cirurgias do baixo ventre e torácica têm uma taxa ligeiramente mais baixa do que a cirurgia abdominal superior e todas as outras cirurgias periféricas apresentam risco menor. Há diversas estratégias a considerar para prevenir complicações pulmonares. A maioria se concentra em melhorar a expansão pulmonar. O uso de espirometria de incentivo é disseminado e muito útil quando usado adequadamente. Muitos pacientes usam o dispositivo incorretamente ou, muitas vezes, não o suficiente, por isso o treinamento do paciente e o controle pela equipe é essencial. A deambulação precoce do paciente é fundamental para prevenir complicações pulmonares pós-operatórias. É útil também ter analgesia adequada para que as estratégias acima possam ser usadas a contento. Isso pode ser conseguido com o uso de medicamentos parenterais ou intravenosos, analgésicos no neuroeixo ou técnicas regionais. As técnicas de analgesia empregadas dependem do local da cirurgia e das características individuais do paciente (2).

Capítulo 2

Sistema respiratório

Referências 1. Tomashefski JF, Farver CF. Anatomy and histology of the lung. In: Tomashefski JF, Cagle PT, Farver CF, et al., eds. Dail and Hammar’s Pulmonary Pathology, Vol. II. 3rd ed. New York: Springer; 2008:20–48. 2. Tamul PC, Ault ML. Respiratory function in anesthesia. In: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285. 3. Butterworth JF, IV, Mackey DC, Wasnick JD. Respiratory physiology & anesthesia. Morgan & Mikhail’s Clinical Anesthesiology. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 2013. 4. Guz A. Regulation of respiration in man. Annu Rev Physiol. 1975;37:303–323. 5. Berger AJ, Mitchell RA, Severinghaus JW, et al. Regulation of respiration. N Engl J Med. 1977;297(2,3,4):92–97, 138–143, 194–201. 6. Stock MD, Downs JB, McDonald JS, et al. The carbon dioxide rate of rise in awake apneic humans. J Clin Anesth. 1988;1:96. 7. Weil JV, Byrne-Quinn E, Sodal IE, et al. Hypoxic ventilatory drive in normal man. J Clin Invest. 1970;49:1061–1072. 8. Tyuma I. The Bohr effect and the Haldane effect in human hemoglobin. Jpn J Physiol. 1984;34(2):205–216. 9. Galvin I, Drummond GB, Nirmalan M. Distribution of blood flow and ventilation in the lung: Gravity is not the only factor. Br J Anaesth. 2007;98(4):420–428. 10. West JB, Dollery CT, Naimark A. Distribution of blood-flow and pressure-flow relations of the whole lung. J Appl Physiol. 1965;20:175–183. 11. Hyatt R, Scanlon P, Nakamura M. Spirometry: Dynamic lung volumes. Interpretation of Pulmonary Function Tests: A Practical Guide. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009:5–25. 12. Hyatt R, Scanlon P, Nakamura M. Diffusing capacity of the lungs. Interpretation of Pulmonary Function Tests: A Practical Guide. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2009:41–49. 13. American Society of Anesthesiologists Task Force on Preanesthesia Evaluation. Practice advisory for preanesthesia evaluation: An updated report by the American Society of Anesthesiologists task force on preanesthesia evaluation. Anesthesiology. 2012;116:522–539.

39

40

Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em qual pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) você esperaria que um paciente que respira a partir de concentração respiratória hipóxica comece a aumentar a ventilação-minuto para uma PaO2 baixa? A. 120 mmHg B. 100 mmHg C. 65 mmHg D. 45 mmHg 2. Durante a ventilação espontânea, o que é verdadeiro sobre a ventilação e a perfusão no pulmão dependente de gravidade em relação a outras áreas do pulmão? A. A ventilação é maior; a perfusão é maior B. A ventilação é maior; a perfusão é menor C. A ventilação é menor; a perfusão é maior D. A ventilação é menor; a perfusão é menor 3. Por que os seres humanos não se tornam instantaneamente hipoxêmicos quando ficam apneicos? A. O trabalho de respiração torna-se zero durante apneia, portanto não há consumo de oxigênio B. Porque a capacidade pulmonar total não é afetada pela apneia C. Porque a perfusão pulmonar diminui durante a apneia D. Porque ainda há oxigênio disponível nos alvéolos no final da expiração

4. Durante a respiração normal em repouso, qual combinação é verdadeira? A. A inspiração é ativa; a expiração é ativa B. A inspiração é ativa; a expiração é passiva C. A inspiração é passiva; a expiração é ativa D. A inspiração é passiva; a expiração é passiva 5. Qual combinação é verdadeira quanto ao corpo carotídeo periférico e aos quimiorreceptores centrais? A. Os quimiorreceptores periféricos e os quimiorreceptores centrais respondem à falta de oxigênio B. Os quimiorreceptores periféricos respondem à falta de oxigênio; os quimiorreceptores centrais respondem à elevação de dióxido de carbono C. Os quimiorreceptores periféricos respondem à elevação de dióxido de carbono; os quimiorreceptores centrais respondem à falta de oxigênio D. Os quimiorreceptores periféricos e os quimiorreceptores centrais respondem à elevação de dióxido de carbono

Anatomia e fisiologia cardiovascular Sam R. Sharar Peter von Homeyer

I. Anatomia cardíaca O coração normal tem aproximadamente o tamanho do punho de um adulto, pesa cerca de 300 gramas e tem uma forma trapezoide com o seu ápice orientado para a esquerda e anteriormente no tórax (Fig. 3.1) (1). As projeções do coração e dos grandes vasos na superfície torácica anterior, relacionadas com as costelas, o esterno e o processo xifoide, são mostradas na Figura 3.2. Como a bomba central de sangue do corpo humano, o coração se contrai cerca de cem mil vezes ao dia e impulsiona o sangue pelas circulações pulmonar e sistêmica. As câmaras direita e esquerda são separadas anatomicamente por septos. Apenas na circulação fetal ou diante de certas patologias (p. ex., do defeito do septo atrial) há uma comunicação direta do fluxo sanguíneo entre os lados direito e esquerdo. De cada lado, o sangue flui primeiro das veias para dentro de um átrio de paredes finas. Então, ele flui através de uma valva atrioventricular (AV) para dentro de um ventrículo muscular e finalmente através de uma válvula semilunar para dentro das grandes artérias – a aorta do lado esquerdo e a artéria pulmonar (AP) do lado direito (Fig. 3.3). A parede cardíaca tem três camadas: a fina, interna, que é o endocárdio; a espessa, média, que é o miocárdio; e a externa, que é o epicárdio (i.e., o epicárdio visceral). O miocárdio está ancorado no esqueleto f ibroso cardíaco, um sistema de colágeno denso que forma dois anéis e triângulos conectivos que separam os átrios e os ventrículos para impedir a condução descontrolada dos impulsos elétricos e também servem de apoio para as valvas AV. O átrio direito (AD), a veia cava superior (VCS) e a veia cava inferior (VCI) formam a borda lateral direita do coração. O retorno venoso do próprio coração entra no AD pelo seio coronário, que coleta o sangue das principais veias cardíacas. A parede interna do AD inclui a parede direita do septo interatrial (SIA). O centro do SIA exibe a fossa oval, um pequeno sulco que é um remanescente do forame oval. Ele permite que o sangue oxigenado atravesse da direita para a esquerda na circulação fetal. Geralmente se fecha após o nascimento, mas permanece patente em 25 a 30% da população.

3

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Veia cava superior Aorta ascendente Artéria pulmonar superior direita

Artéria pulmonar esquerda

Artéria pulmonar inferior direita

Veias pulmonares esquerdas

Veia pulmonar superior direita Átrio esquerdo

Veia pulmonar inferior direita

Ventrículo esquerdo Átrio direito Veia cava inferior Ventrículo direito

Ápice do coração

A Vista anterior

Artéria pulmonar esquerda Veia cava superior Artéria pulmonar direita

Átrio esquerdo Átrio direito Sulco coronário

Veia cava inferior Seio coronário

Ventrículo esquerdo

Ventrículo direito

B Incidência posteroinferior FIGURA 3.1 Características anatômicas importantes do coração em incidência anterior (A) e incidência posteroinferior (B). (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.)

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

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Artéria carótida comum esquerda

Artéria carótida comum direita

Ápice do pulmão esquerdo coberto pela pleura cervical (cúpula pleural)

Veia jugular interna direita Artéria subclávia direita

Artéria subclávia esquerda Veia subclávia esquerda

Veia subclávia direita a

1 costela

Veia jugular interna esquerda

a

6 costela Ápice do coração

Esboço do pericárdio

FIGURA 3.2 Projeções da superfície anterior do coração e dos grandes vasos relacionadas ao coração e aos grandes vasos. Observe a relação próxima com as veias jugular interna e subclávia (relevante para a colocação de cateteres venosos centrais) e a área descoberta de pericárdio que pode ser acessada para pericardiocentese com colocação de agulha sob e à esquerda do processo xifoide do esterno. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.) Tronco braquiocefálico Veia braquiocefálica esquerda

Artéria carótida esquerda Artéria subclávia esquerda

Veia braquiocefálica direita

Aorta Tronco pulmonar Para o pulmão

Átrio esquerdo

VCS

Do pulmão via veias pulmonares

Valva do tronco pulmonar

Valva atrioventricular esquerda (mitral)

Átrio direito

Ventrículo esquerdo Valva da aorta Ventrículo direito Valva atrioventricular direita (tricúspide) Aorta descendente

VCI

Dos membros e tronco inferiores

Para os membros e tronco inferiores

FIGURA 3.3 Representação do curso normal do fluxo sanguíneo a partir dos grandes vasos venosos através das câmaras direita e esquerda do coração para a aorta sistêmica. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

A anatomia da artéria coronária é chamada de direita dominante ou esquerda dominante, dependendo de qual artéria coronária principal alimenta o ramo descendente posterior (no sulco interventricular) para a superfície posteroinferior do coração. A circulação direita dominante é mais comum, encontrada em 70% da população.

O ventrículo direito (VD) forma a maior parte da superfície anterior do coração e parte da superfície inferior e tem cerca de um sexto da massa muscular do ventrículo esquerdo (VE). O septo interventricular muscular (SIV) age como uma parede contrátil para ambos os ventrículos direito e esquerdo. A valva atrioventricular direita (valva tricúspide) tem três folhetos (anterior, septal e posterior), que são ligados a cordas tendíneas. Elas se conectam a músculos papilares, que se contraem para aproximar as cúspides valvares na sístole ventricular e impedir o fluxo regurgitante através dessa valva AV. A parede do VD é ricamente trabeculada, com uma trabécula proeminente (banda moderadora) conectando o SIV com a parede anterior do VD. Ela abriga o ramo direito do feixe de condução AV (ver adiante). A valva do tronco pulmonar (tricúspide valva) é uma válvula semilunar com três cúspides definidas (anterior, esquerda e direita), que são empurradas em direção à parede da via de saída do ventrículo direito (VSVD) com a contração ventricular na sístole. Após o relaxamento na diástole, as cúspides se fecham como um guarda-chuva para impedir regurgitação. A AP principal se bifurca rapidamente em ramos direito e esquerdo, que conduzem sangue desoxigenado para a circulação pulmonar para subsequente troca gasosa. O sangue oxigenado que retorna dos pulmões entra no átrio esquerdo (AE) por meio de quatro veias pulmonares, normalmente duas de cada pulmão. O AE forma a maior parte da base do coração, com seu pequeno apêndice como parte da sua parede anterolateral. O SIA tem uma pequena reentrância semilunar representando o aspecto esquerdo da fossa oval. O VE forma o ápice do coração, bem como a maior parte das superfícies esquerda (lateral) e diafragmática (inferior), e a espessura máxima normal da parede é de 10 mm (comparada com 3 mm no VD). O SIV é côncavo para a parede altamente trabeculada do VE, resultando em uma câmara de VE quase circular em um corte anatômico transverso. Ao contrário da valva atrioventricular direita, a valva atrioventricular esquerda (valva mitral) é bicúspide, com folhetos anterior e posterior que são conectados aos músculos papilares anterolateral e posteromedial por cordas tendíneas similares às da VT. Ambos os folhetos da valva atrioventricular esquerda recebem cordas dos músculos papilares que mantêm essa valva fechada diante da pressão intraventricular elevada durante a sístole. As vias de entrada e saída do VE se posicionam quase paralelamente um ao outro, com o folheto anterior da valva atrioventricular esquerda formando uma separação natural entre essas duas estruturas. A via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) tem uma parede mais lisa e uma forma arredondada ou oval e contém a valva da aorta pela qual o sangue entra na circulação sistêmica. Essa valva tem três cúspides distintas nomeadas pela presença ou ausência de óstio das artérias coronárias, que se originam a partir dos seios de Valsalva, logo acima da valva: as cúspides coronária esquerda, coronária direita e não coronária (Fig. 3.4). A vasculatura coronariana consiste nas artérias coronárias (Fig. 3.5) e no seio coronário (descrito anteriormente). As artérias levam o sangue para a maior parte do miocárdio, exceto para as camadas subendocárdicas, que recebem oxigênio diretamente por meio de difusão a partir do sangue de dentro das câmaras cardíacas. A artéria coronária esquerda (ACE) e a artéria coronária direita (ACD) se originam dos seios respectivos na aorta proximal. A ACD corre à direita da AP no sulco AV e envia ramos para o nó sinoatrial (SA) (dentro da parede do AD) e para a borda direita do coração. A ACD continua posteriormente no sulco AV e envia um ramo para o nó AV do sistema de condução antes de entrar no sulco interventricular posterior. Quando a ACD continua para baixo pelo sulco para formar o ramo interventricular posterior, isso é chamado de circulação direita dominante (~70% dos indivíduos). A ACE corre entre a

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

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Cúspide não coronária Começo da aorta ascendente Artéria coronária direita

Artéria coronária esquerda

Cúspide coronária direita

Cúspide coronária esquerda

Vista anterior da valva da aorta

FIGURA 3.4 Relação entre as cúspides da valva da aorta e as artérias coronárias. Assim como a valva do tronco pulmonar, a valva da aorta tem três cúspides semilunares: direita, posterior e esquerda. Durante a sístole, o sangue ejetado força a abertura das cúspides. Durante a diástole, as cúspides se fecham e o sangue flui pelas artérias coronárias. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.)

AP e o apêndice do AE e divide-se precocemente no seu curso em artéria descendente anterior esquerda (ADA) e artéria circunflexa. A ADA continua no sulco interventricular anterior por todo o caminho até o ápice do VE e em torno do aspecto inferior do coração, onde com frequência forma anastomoses com os ramos do ramo interventricular posterior. A ADA também envia muitos ramos septais para o SIV durante o seu curso, bem como um proeminente ramo diagonal para a parede lateral. Quando o ramo circunflexo dá origem ao ramo interventricular posterior, isso é chamado de circulação esquerda dominante (~30% dos indivíduos). Essa anatomia coronariana variável é importante quando se tenta compreender a relação entre a doença coronariana e a disfunção regional do miocárdio isquêmico. A condução elétrica normal é iniciada por um impulso elétrico gerado no nó SA, um local de células cardíacas especializadas na parede do AD que não têm função contrátil. Como o marca-passo central do coração, o nó SA gera de forma autônoma um impulso a cerca de 60 a 80 batimentos por minuto. A partir do nó SA, feixes de células levam o estímulo ao nó AV localizado acima do trígono fibroso direito do coração na borda AV. A partir do nó AV, o impulso é conduzido no feixe AV, que perfura o esqueleto fibroso do coração e se divide em ramos subendocárdicos menores do VD. O ramo esquerdo se divide próximo à sua origem em ramo anterior esquerdo e ramo posterior esquerdo, que depois ainda se divide em ramos subendocárdicos do VE próximo ao ápice do coração (Fig. 3.6). O pericárdio é um saco de camada dupla em torno do coração. A camada serosa visceral (epicárdio) cobre a maior parte da superfície cardíaca. Ela se estende até a porção proximal dos grandes vasos e se reflete sobre eles tornando-se o saco pericárdico parietal. Entre as duas camadas, uma pequena quantidade de líquido é considerada fisiológica. O pericárdio protege e contém o coração, reduz a fricção associada com o seu constante movimento dentro do mediastino e separa o coração e a origem dos grandes vasos das outras estruturas dentro do mediastino. Coleções anormais de lí-

VÍDEO 3.1 Pericárdio

VÍDEO 3.2 Derrame pericárdico

46

Fundamentos de anestesiologia clínica

Arco da aorta

Aorta ascendente

Ramo nodal sinoatrial (SA) Local do nó SA Artéria coronária direita dentro do sulco coronário Ramo nodal atrioventricular (AV) da ACD Ramo marginal direito da ACD

A

Tronco pulmonar Artéria coronária esquerda (ACE) Ramo circunflexo da ACE Ramo interventricular anterior da ACE Artéria marginal esquerda Ramo lateral (diagonal) do ramo IV anterior Ápice do coração Ramo interventricular posterior dentro do sulco interventricular posterior

Vista anterior

Arco da aorta Artéria pulmonar esquerda

Veia cava superior (VCS)

Artéria coronária esquerda (ACE)

Ramo nodal sinoatrial (SA) da ACD

Ramo circunflexo da ACE dentro do sulco coronário

Local do nó AV Cruz cardíaca

Ramo interventricular anterior da ACE

Veias pulmonares direitas Artéria coronária direita (ACD) Ramo nodal atrioventricular da ACD Ramo interventricular posterior da ACD Ramo marginal direito da ACD

B

Vista posteroinferior

FIGURA 3.5 Anatomia das artérias coronárias para o padrão direita dominante típico (ver texto para detalhes) é apresentada a partir de uma visão anterior (A) e posterior (B). (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.)

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

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Vias preferenciais (fisiológicas) Nó sinoatrial (SA) Nó atrioventricular (AV) Feixe atrioventricular (AV) Feixes direito e esquerdo Músculo papilar anterior Trabécula septomarginal (banda moderadora)

Septo interventricular (SIV) muscular

Parede do ventrículo esquerdo

VÍDEO 3.3 Músculos papilares cardíacos

Ramos subendocárdicos

FIGURA 3.6 Impulsos iniciados no nó sinoatrial são propagados por meio da musculatura atrial para o nó atrioventricular, seguidos pela condução pelo feixe AV e seus ramos direito e esquerdo no septo intraventricular do miocárdio. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. Em: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–149, com permissão.)

quido pericárdico (p. ex., tamponamento pericárdico) podem ser acessadas e retiradas como descrito na Figura 3.2.

II. Ciclo cardíaco O ciclo cardíaco consiste em uma sequência orquestrada de eventos elétricos e contráteis espontâneos que ocorrem simultaneamente em ambos os lados, direito e esquerdo, do coração. Quando combinados com a influência da orientação de fluxo das quatro valvas unidirecionais cardíacas, uma elevação e queda sequenciais das pressões dos líquidos dentro de cada uma das quatro câmaras do coração resultam em um padrão previsível de pressões e volumes de câmara, que produzem um débito cardíaco anterógrado e os sons cardíacos associados com o fechamento das valvas (2). Esses eventos elétricos e mecânicos sincronizados são apresentados nas condições anatômicas e fisiológicas normais na Figura 3.7. Anormalidades anatômicas ou fisiológicas em qualquer um desses componentes podem alterar os eventos do ciclo cardíaco e, ao final, impactar o desempenho cardíaco. Focando o lado esquerdo do coração, a despolarização do VE associada com o complexo QRS do eletrocardiograma (ECG) inicia a contração do VE e começa o período da sístole com o fechamento da valva atrioventricular esquerda, contribuindo para o primeiro som cardíaco (S1). Durante o início da sístole, ambas as valvas atrioventricular esquerda e da aorta estão fechadas; a valva atrioventricular esquerda, devido ao gradiente de pressão positivo entre VE→AE e à contração dos músculos papilares, e a valva da aorta devido ao gradiente de pressão positivo na raiz da aorta →VE. Como o volume de VE é fixo durante a fase inicial da sístole, a contração do VE resulta em uma breve, embora rápida, elevação isovolumétrica da pressão de VE. A velocidade máxima de elevação na pressão do VE (⫹dP/dt) ocorre durante esse breve período de

VÍDEO 3.4 Ciclo cardíaco animado

Fundamentos de anestesiologia clínica Tempo (seg) 0,2 0,4

0

120

Pressão (mmHg)

100

0,6

0,8

Aorta

80 60

Ventrículo

40 20

Átrio

0 Volume (mL)

48

Sístole

Diástole

120 80 40

S1

S2 S3 Sons cardíacos

S4

R

R P

T

P

ECG Q S PCI

Q PRI

FIGURA 3.7 Eventos mecânicos e elétricos do ciclo cardíaco mostrando também a curva de volume do ventrículo esquerdo (VE) e os sons cardíacos. Observe o período de contração isovolumétrica do VE (PCI) e de relaxamento (PRI) durante o qual não há alteração no volume do VE porque as valvas da aorta e atrioventricular esquerda estão fechadas. O VE diminui em volume à medida que ejeta o seu conteúdo na aorta. Durante o primeiro terço da ejeção sistólica (o período de ejeção rápida), a curva de esvaziamento é acentuada. ECG, eletrocardiograma. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical th Anesthesia, 7 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

contração isovolumétrica e é usada comumente como o índice de contratilidade de VE (como discutido adiante). Quando a pressão do VE em elevação rápida excede a pressão na raiz da aorta, a valva da aorta se abre passivamente, e o fluxo aórtico pulsátil começa. As pressões do VE e aórtica continuam a se elevar, então atingem rapidamente um pico e caem durante o restante da sístole à medida que a contração ventricular cessa e o VE se repolariza. O volume sistólico ejetado durante a sístole é de aproximadamente dois terços do volume diastólico final de VE. A sístole termina quando a pressão da raiz aórtica em declínio lento excede a pressão do VE que cai rapidamente, resultando em um fechamento passivo da valva da aorta e contribuindo para o segundo som cardíaco (S2). Quando a diástole começa, ambas as valvas atrioventricular esquerda e da aorta estão fechadas por um breve período. Durante esse curto período de relaxamento isovolumétrico, a pressão cai rapidamente, enquanto a pressão do AE se eleva lentamente devido ao fluxo vindo dos pulmões. Quando a pressão

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

do AE excede a pressão do VE, a valva atrioventricular esquerda se abre passivamente, e o enchimento diastólico do VE começa. A diástole consiste em quatro fases – relaxamento isovolumétrico, enchimento diastólico rápido, diástase e sístole atrial (contração do AE) – até que o ciclo cardíaco seja repetido com a despolarização e contração do VE. Eventos similares paralelos ocorrem no lado direito do coração durante o ciclo cardíaco com volumes de câmara correspondentes (i.e., volumes de ejeção ventricular direito e esquerdo são iguais em condições anatômicas normais), e os movimentos das valvas atrioventricular direita/do tronco pulmonar espelham os movimentos das valvas atrioventricular esquerda/da aorta. Como resultado do influxo peristáltico, menor massa de músculo cardíaco e menor força de contração do VD, não há um período de contração isovolumétrica no VD. As pressões de VD e AP são significativamente menores do que as pressões correspondentes do lado esquerdo. O tempo de ejeção sistólica do lado direito pode exceder o tempo do lado esquerdo, resultando em um fechamento tardio da valva do tronco pulmonar (comparada com a valva da aorta) e em desdobramento de S2. Durante a inspiração espontânea, o retorno venoso está aumentado para o ventrículo direito e diminuído para o ventrículo esquerdo, resultando no prolongamento do desdobramento de S2, chamado de desdobramento fisiológico.

III. Controle da frequência cardíaca A frequência cardíaca é determinada pelo equilíbrio constante e instantâneo entre múltiplos fatores intrínsecos e extrínsecos. Os principais fatores intrínsecos incluem a inervação autonômica eferente (sistema nervoso simpático [SNS] e sistema nervoso parassimpático [SNP]) (ver Cap. 4), os mecanismos neurais reflexos, as influências humorais e o ritmo cardíaco. Os fatores extrínsecos incluem drogas farmacêuticas e recreativas de ação direta e indireta, medo, hipertermia e outros que afetam a frequência cardíaca por meio de modulação dos fatores intrínsecos. O tônus autonômico eferente para o coração é iniciado no hipotálamo anterior (SNP) e posterior (SNS) e é modulado pelos centros de aceleração e desaceleração cardíaca no bulbo antes da distribuição periférica. As fibras simpáticas pré-ganglionares que se originam dos níveis espinais de T1 a T4 entram na cadeia simpática paravertebral, gânglio cervical inferior (estrelado) e gânglio cervical médio próximos. Eles fazem sinapse com os neurônios pós-ganglionares do SNS que inervam diretamente o nó SA, o nó AV e o miocárdio por meio dos receptores ␤1-adrenérgicos de noradrenalina. As fibras pré-ganglionares do SNP para o coração se originam do tronco cerebral e são transportadas pelo nervo vago. Ambos os nervos vagos direito e esquerdo saem do forame jugular e cruzam o pescoço dentro das bainhas carotídeas posteriores às artérias carótidas. Eles cursam diretamente para o coração onde fazem sinapse com os neurônios pós-ganglionares curtos do SNP que moderam os nós SA e AV por meio dos receptores muscarínicos de acetilcolina. Os efeitos opositores do SNS (taquicardia) e SNP (bradicardia) sobre o nó SA normalmente favorecem a inibição vagal. Como resultado dessa predominância vagal, aumentos induzidos por carga adrenérgica na frequência cardíaca são atingidos primeiro pela liberação do tônus do SNP e daí em diante pela ativação do SNS. Vários mecanismos neurais reflexos também podem afetar a frequência cardíaca, incluindo a resposta barorreceptora, resposta de distensão atrial (reflexo de Bainbridge), reflexo carotídeo quimiorreceptor, reflexo de Cushing e reflexo oculocardíaco (Tabela 3.1). Fatores humorais (p. ex., catecolaminas circulantes) também influenciam a frequência cardíaca independentemente do SNS e SNP. Por exemplo, o coração desnervado após o transplante cardíaco responde à carga de exercício com taquicardia devido aos níveis aumentados de catecolaminas circulantes. Os receptores ␤1-adrenérgicos miocárdicos também podem ser ativados, e a frequência cardíaca é aumentada pelos

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Com a inspiração espontânea, o retorno venoso ao ventrículo direito é aumentado, resultando em um tempo de ejeção prolongado comparado com o ventrículo esquerdo. Isso faz com que a valva do tronco pulmonar se feche depois da valva da aorta, produzindo uma variação respiratória no desdobramento de S2 (desdobramento fisiológico).

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 3.1

Reflexos cardíacos que afetam a frequência cardíaca

Reflexo

Sensor aferente

Resposta eferente

Barorreceptor

Os barorreceptores captam a pressão Pressão arterial baixa → tônus do SNS aumentado sanguínea nos seios carotídeos (NC IX) → frequência cardíaca e inotropismo aumentadas e arco aórtico (NC X) e vasoconstrição Pressão arterial alta → tônus do SNP aumentado (NC X) → frequência cardíaca e inotropismo reduzidas

Receptor atrial (Bainbridge) Receptores de estiramento no átrio direi- PVC alta → tônus do SNS aumentado e tônus do to sentem a PVC (NC X) SNP diminuído (NC X) → aumento da frequência cardíaca Quimiorreceptor

Sensores de PaO2 e pH nos corpos carotí- Baixos PaO2 e pH → aumento da ventilação e tônus deos (NC IX) e corpos aórticos (NC X) do SNP → diminuição da frequência cardíaca e inotropismo

Oculocardíaco

Receptores de estiramento nos músculos Pressão do globo elevada → aumento do tônus do extraoculares sentem a pressão no SNP (NC X) → diminuição da frequência cardíaca globo (nervos ciliares e NC V)

Cushing

PIC aumentada

PIC alta → tônus do SNS aumentado → inotropismo aumentada e vasoconstrição → frequência cardíaca baixa (reflexo barorreceptor)

NC, nervo craniano; SNS, sistema nervoso simpático; SNP, sistema nervoso parassimpático; PVC, pressão venosa central; PaO2, pressão parcial arterial de oxigênio; PIC, pressão intracraniana.

agonistas farmacológicos diretos (isoproterenol, adrenalina), agentes que causam indiretamente liberação das catecolaminas endógenas (efedrina) ou fármacos que comprometem o metabolismo ou a receptação de catecolaminas (cocaína).

IV. Fisiologia coronariana

Como o subendocárdio é exposto a pressões mais altas durante a sístole do que a camada subepicárdica, ele é mais suscetível à isquemia, particularmente diante de estenose coronariana, hipertrofia ventricular ou taquicardia.

O fluxo sanguíneo coronariano em repouso é de aproximadamente 250 mL/min (~5% do débito cardíaco total) e pode ser aumentado em até cinco vezes durante exercício físico extenuante. O fluxo sanguíneo coronariano é influenciado por fatores físicos, neurais e metabólicos. O fator físico primário é a pressão de perfusão coronariana – a diferença entre a pressão aórtica e a pressão de VE (artéria coronária esquerda) ou pressão de VD (artéria coronária direita). A compressão extravascular da artéria coronária (devido à contração miocárdica), a frequência cardíaca (alterando a duração da diástole), o comprimento do vaso e a viscosidade sanguínea também impactam a perfusão coronariana. O fator neural primário é o tônus do SNS para o coração, que aumenta o fluxo sanguíneo coronariano quando a pressão aórtica aumentada supera o fluxo coronariano reduzido associado com uma contração miocárdica mais forte e tempo de enchimento diastólico encurtado (taquicardia). A vasodilatação ativa das artérias coronárias é limitada porque a estimulação vagal não tem efeito aparente sobre o calibre dos vasos e, ao contrário da vasculatura dos músculos esqueléticos, a inervação colinérgica simpática não está presente nas artérias coronárias. Contudo, a vasodilatação mediada pelos receptores ␤2-adrenérgicos pode ocorrer nas pequenas arteríolas coronárias e corresponde a ~25% da vasodilatação coronária observada durante a hiperemia induzida pelo exercício. Por fim, o metabolismo miocárdico aumentado está

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

associado com a maior parte da vasodilatação coronariana por meio da ação de fatores metabólicos locais que ainda precisam ser definidos. O fluxo sanguíneo coronariano varia com o ciclo cardíaco e é determinado pela diferença entre a pressão aórtica e a pressão tissular (da parede). O fluxo da ACE é altamente variável – ele atinge um pico durante o início da diástole, quando a pressão de perfusão é mais alta, e aproxima-se de zero no início da sístole, quando a contração do VE (e a compressão coronariana) é maior. Em contraste, o fluxo da ACD é mais constante durante o ciclo cardíaco e atinge um pico durante a sístole devido à menor massa muscular e contração do VD. Como o subendocárdio é exposto a maiores pressões durante a sístole do que a camada subepicárdica, ele é mais suscetível à isquemia, particularmente diante de estenose coronariana, hipertrofia ventricular ou taquicardia. Todavia, a isquemia subendocárdica é parcialmente compensada por anastomoses capilares aumentadas e vasodilatação metabólica local nessa camada. O coração tem o maior coef iciente de extração de oxigênio do que qualquer órgão (~70%); como resultado, em condições normais a saturação venosa de oxigênio do sangue no seio coronário (~30%) é mais baixa do que no átrio direito (~70%). O consumo de oxigênio do miocárdio é determinado pela frequência cardíaca, contratilidade miocárdica e tensão da parede ventricular (incluindo a pré-carga e a pós-carga), com os principais determinantes sendo a frequência cardíaca e a magnitude da pressão de VE desenvolvida durante o período de contração isovolumétrica. Devido a esse alto coeficiente de extração, a elevada demanda de oxigênio miocárdico só pode ser atendida por meio de um fluxo sanguíneo coronariano aumentado. Assim, o controlador dominante do fluxo sanguíneo coronariano é o consumo de oxigênio miocárdico. A circulação coronariana é construída idealmente com esse objetivo, uma vez que a sua densidade capilar é cerca de oito vezes maior do que a dos músculos esqueléticos (aproximadamente um capilar para cada fibra de músculo cardíaco). Quando o suprimento de oxigênio do miocárdio é incapaz de atender os aumentos de demanda de oxigênio do miocárdio (p. ex., estenose da artéria coronária), ocorre isquemia miocárdica. A isquemia se manifesta clinicamente primeiro por aumento do volume diastólico final do VE e diminuição da complacência do VE e pode progredir para anormalidades do movimento da parede, diminuição da fração de ejeção, anormalidades do ECG (alterações do segmento ST), insuf iciência cardíaca congestiva (ICC) e, por fim, choque cardiogênico.

V. Diagrama de pressão-volume Os eventos mecânicos no ciclo cardíaco do VE mostrados na Figura 3.7 também podem ser apresentados graficamente como o diagrama de pressão-volume (P-V) do VE, mostrado na Figura 3.8. Com a pressão apresentada no eixo vertical e o volume no eixo horizontal, uma “alça” quase retangular é formada em uma via anti-horária, começando na porção inferior direita no final da diástole (baixa pressão de VE com alto volume de VE). O diagrama consiste em quatro fases do ciclo cardíaco: período de contração isovolumétrica (linha vertical direita), sístole (linha horizontal superior), período de relaxamento isovolumétrico (linha vertical esquerda) e diástole (linha horizontal inferior). A linha desenhada da origem até o “ângulo” sistólico final da alça P-V define a relação pressão-volume sistólicos finais (RPVSF), com a inclinação dessa linha sendo um índice da contratilidade miocárdica. Do mesmo modo, a linha desenhada da origem ao ângulo diastólico final da alça P-V define a relação pressão-volume diastólicos finais (RPVDF), cuja inclinação pode ser usada para quantificar a complacência do VE. O tamanho e a forma do diagrama P-V, bem como as inclinações das linhas de RPVSF e RPVDF, permitem o reconhecimento de vários eventos cardíacos sem correlação com o ECG e irão se alterar de forma previsível ao longo de uma faixa de

51

VÍDEO 3.5 Perfusão coronariana

VÍDEO 3.6 Suprimento-demanda de oxigênio miocárdico

VÍDEO 3.7 Alça de pressão-volume

52

Fundamentos de anestesiologia clínica 150

RPVSF

Pressão VE (mmHg)

C

B

100

TC

50

RPVDF

EP D 40

A 80

120

Volume VE (mL)

FIGURA 3.8 Diagrama de pressão-volume ventricular esquerda (VE) em condições estáveis. O ciclo cardíaco prossegue em direção anti-horária que depende do tempo (setas). Os pontos A, B, C e D correspondem ao final da diástole de VE (fechamento da valva atrioventricular esquerda), abertura da valva da aorta, final da sístole de VE (fechamento da valva da aorta) e abertura da valva atrioventricular esquerda, respectivamente. Os segmentos AB, BC, CD e DA representam contração isovolumétrica, ejeção, relaxamento isovolumétrico e enchimento, respectivamente. O VE é restrito a operar dentro dos limites das relações pressão-volume sistólicos finais e diastólicos finais (RPVSF e RPVDF, respectivamente). A área inscrita pelo diagrama de pressão-volume de VE é o trabalho cardíaco (TC) realizado durante o ciclo cardíaco. A área à esquerda do diagrama de pressão-volume de VE entre RPVSF e RPVDF é a energia potencial (EP) restante do sistema. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

No músculo cardíaco isolado, a tensão contrátil aumenta com a frequência de estimulação e é máxima em 150 a 180 contrações por segundo (efeito Bowditch). Contudo, tais frequências cardíacas elevadas reduzem o tempo de enchimento diastólico no coração intacto e são vistas apenas em condições especiais (arritmias, exercício extenuante).

estados patológicos como a disfunção ventricular ou doença cardíaca valvar (2, 3). Por exemplo, a área do diagrama P-V define o trabalho sistólico do VE para o ciclo cardíaco, enquanto um desvio à direita na porção vertical direita do diagrama indica um aumento na pré-carga do VE. Exemplos de diagramas de P-V indicando comprometimento da contratilidade do VE e disfunção diastólica associada com redução da complacência do VE são mostrados na Figura 3.9.

VI. Fatores que determinam a função sistólica A. Bomba ventricular esquerda Cada ventrículo opera essencialmente como uma bomba hidráulica cujo desempenho é definido por sua capacidade de coletar o sangue (função diastólica) e ejetar o sangue (função sistólica), que é determinado pelos fatores resumidos na Figura 3.10. Os principais determinantes da função sistólica são o volume sanguíneo ejetado (volume sistólico), a eficiência de volume do sangue ejetado (fração de ejeção), a frequência de bombeamento (frequência cardíaca), o volume de sangue que enche a bomba (pré-carga), a resistência à jusante que o sangue ejetado precisa superar (pós-carga) e a capacidade contrátil do ventrículo (contratilidade miocárdica).

Capítulo 3 150

Anatomia e fisiologia cardiovascular

150

RVPSF

RVPSF

100

50

↓ Complacência

Pressão VE (mmHg)

Pressão VE (mmHg)

↓ Contratilidade

100

50

RPVDF

RPVDF A 40

80 120 Volume VE (mL)

40

80 120 Volume VE (mL)

FIGURA 3.9 Essas ilustrações esquemáticas demonstram alterações no estado estável do diagrama pressão-volume ventricular esquerda (VE) produzidas por uma redução na contratilidade miocárdica, como indicado por uma redução na inclinação da relação de pressão-volume sistólica final (relações de pressão-volume sistólicos finais [RPVSF]; esquerda) e uma redução na complacência de VE, como indicado por um aumento na posição da relação de pressão-volume diastólicos finais (relações de pressão-volume diastólica final [RPVDF]; direita). Esse diagrama enfatiza que a insuficiência cardíaca pode resultar de disfunção sistólica ou diastólica de VE independentemente. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

B. Débito cardíaco e fração de ejeção O desempenho de bomba do VE é medido praticamente pelo débito cardíaco, definido como o volume sistólico (VS) vezes a frequência cardíaca. O VS é a diferença entre o volume diastólico f inal (VDF) e o volume sistólico f inal (VSF). Como mostrado na Figura 3.8, um VDF de ~120 mL e VSF de ~40 mL iria produzir um VS de ~80 mL. A fração de ejeção normal do VE (VS/VDF) é, portanto, 67%. Assim, a eficiência da

Função diastólica Fluxo sanguíneo VP Função AE Valva mitral Relaxamento AE Complacência VE

Função sistólica Pré-carga Pós-carga Contratilidade

Fração de ejeção Volume sistólico + Frequência cardíaca

Mecânica arterial

Débito cardíaco

FIGURA 3.10 Os principais fatores que determinam a função diastólica (esquerda) e sistólica (direita) ventricular esquerda. Observe que o fluxo sanguíneo venoso pulmonar (VP), função do átrio esquerdo (AE), integridade da valva atrioventricular esquerda, relaxamento do AE e complacência do VE se combinam para determinar a pré-carga do VE. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

53

54

Fundamentos de anestesiologia clínica bomba está comprometida (i.e., a fração de ejeção está baixa) em situações como um VE dilatado com VDF elevado e VS normal (p. ex., miocardiopatia dilatada) ou um VE de tamanho normal com má contratilidade e baixo VS (p. ex., infarto do miocárdio).

C. Frequência cardíaca No músculo cardíaco isolado, a tensão contrátil aumenta com a frequência de estimulação devido a um aumento no conteúdo de cálcio intracelular. Esse efeito é conhecido como fenômeno de Bowditch ou efeito escada e resulta em tensão contrátil máxima em frequências de 150 a 180 contrações por segundo. No coração intacto, contudo, tais frequências cardíacas elevadas não permitem um tempo de enchimento diastólico adequado para obter um VDF ideal, resultando em um VS insuficiente para manter o débito cardíaco. Assim, o efeito Bowditch tem pouca consequência fisiológica na faixa de frequência cardíaca fisiológica normal de 50 a 150 batimentos por minuto. A exceção é em condições clínicas nas quais o enchimento de VE está comprometido devido à compressão extrínseca (p. ex., pericardite constritiva, tamponamento pericárdico), em que frequências cardíacas elevadas podem aumentar a contratilidade e preservar a perfusão sistêmica. Além disso, frequências cardíacas patológicas que excedem 150 batimentos por minuto resultam geralmente em hipotensão profunda e colapso cardiovascular.

D. Pré-carga

VÍDEO 3.8 A curva de Starling

No músculo cardíaco isolado, a pré-carga se refere ao comprimento do sarcômero imediatamente antes da contração. A aplicação de força (pré-carga) ao músculo em repouso estira o músculo até o comprimento desejado e resulta em aumentos na tensão de repouso, na velocidade inicial de contração e na tensão contrátil de pico. Essa relação entre pré-carga (comprimento miocárdico de repouso) e desempenho contrátil é chamada de relação de Frank-Starling. No ventrículo intacto, essa relação é entre a pré-carga (VDF) e a pressão sistólica ventricular e VS; todos esses fatores influenciam o débito cardíaco (VS vezes a frequência cardíaca) e o trabalho ventricular (VS vezes a pressão arterial média). Como o VDF influencia tanto a pressão sistólica quanto o VS, a pré-carga é um determinante importante do débito cardíaco e é moderada pelo volume de sangue circulante, pelo tônus venoso e pela postura. Além disso, quando a pós-carga é mantida constante, os efeitos da pré-carga no VS e no débito cardíaco são fortemente influenciados pelo desempenho ventricular. Por exemplo, o VE em falência é menos sensível à pré-carga do que o VE normal; como resultado, aumentos no VDF produzem uma menor resposta no VS, resultando em congestão pulmonar. Ao contrário, quando a contratilidade é melhorada pelas catecolaminas circulantes ou endógenas, o VE é mais sensível à pré-carga, com aumentos no VDF levando a uma resposta ampliada no VS. A pré-carga é avaliada de forma mais confiável por meio de medidas ecocardiográficas do VDF (4). Na prática clínica, contudo, uma variedade de substitutos do VDF também podem ser considerados indicadores da pré-carga, cada um deles podendo potencialmente ser afetado por condições anatômicas fisiológicas específicas que podem introduzir imperfeições na avaliação da pré-carga (Fig. 3.11).

E. Pós-carga A pós-carga se refere à tensão colocada nas fibras miocárdicas durante a sístole e é a força que o ventrículo precisa superar para ejetar o seu volume sistólico. O conceito de pós-carga pode parecer nebuloso em situações clínicas, uma vez que a sua medição é um desafio e a pós-carga reflete diferentes processos fisiológicos no VE e no VD. A pós-carga de VE é determinada por múltiplos fatores, incluindo o tamanho e o comportamento mecânico de grandes condutos arteriais (p. ex., aterosclerose) e da valva da aorta (p. ex., estenose), impedância arteriolar terminal (p. ex., vasodilatação induzida por hipoxia, tônus autonômico

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

Valva atrioventricular esquerda

Geometria da câmara Lei de Laplace

55

Complacência de VD Doença pulmonar Valva do tronco pulmonar

Comprimento Comprimento ⬀ ⬀ VDFVE ⬀ PDFVE ⬀ PAE ⬀ POAP ⬀ PDFVD ⬀ PAD do sarcômero do músculo

Interação actina-miosina Elementos elásticos

Complacência de VE (RPVDF)

Pressão das vias aéreas

Valva atrioventricular direita

FIGURA 3.11 Esse diagrama esquemático mostra fatores que influenciam estimativas clínicas e experimentais do comprimento do sarcômero como um índice puro da pré-carga do miócito do ventrículo esquerdo em contração. VDFVE, volume diastólico final de VE; PDFVE, pressão diastólica final de VE; RPVDF, relação pressão-volume diastólica final; PAE, pressão atrial esquerda; POAP, pressão de oclusão da artéria pulmonar; VD, ventrículo direito; PDFVD, pressão diastólica final de VD; PAD, pressão atrial direita. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

variável) e estresse da parede de VE. A pós-carga do VD é determinada pelo tamanho e comportamento mecânico das grandes artérias pulmonares (p. ex., embolia pulmonar) e da valva do tronco pulmonar (p. ex., estenose), impedância arteriolar pulmonar (vasoconstrição induzida por hipoxia e hipercarbia) e estresse da parede do VD. A importante relação entre volume ventricular, estresse da parede e trabalho do miocárdio baseia-se no equilíbrio de forças opostas que ajudam a manter uma concha esférica em certo tamanho, sendo descrita pela Lei de Laplace (Fig. 3.12). Como uma concha esférica idealizada, o VE mantém qualquer tamanho determinado devido ao

VÍDEO 3.9 Lei de Laplace



P r

h



FIGURA 3.12 Esse diagrama esquemático mostra as forças de oposição dentro de um ventrículo esquerdo esférico teórico, que determina a Lei de Laplace. A pressão de VE (P) empurra a esfera para fora, separando-a, enquanto a tensão da parede (␴) a mantém unida. r, raio do VE; h, espessura do VE. (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

Fundamentos de anestesiologia clínica

Contratilidade normal

Débito cardíaco

56

Contratilidade levemente reduzida

Contratilidade gravemente reduzida

Resistência vascular sistêmica

FIGURA 3.13 Os efeitos do aumento da pós-carga (resistência vascular sistêmica) sobre o desempenho ventricular (débito cardíaco) são apresentados para três estados de contratilidade. Em condições normais, aumentos na pós-carga reduzem o desempenho do ventrículo esquerdo (VE). Todavia, o VE em falência é mais sensível à pós-carga do que o VE saudável; logo, ocorre uma maior redução no débito cardíaco uma vez que a contratilidade miocárdica é progressivamente comprometida.

equilíbrio entre a pressão ventricular (atuando para aumentar o VE) e o estresse da parede (atuando para resistir ao aumento do VE). A lei de Laplace relaciona a pressão do VE (p) e a tensão da parede (␴) na equação [p ⫽ 2⫻␴⫻h)/r], onde r é o raio da esfera e h é a espessura da parede de VE. Assim, aumentos na pressão de VE (p. ex., na hipertensão essencial) ou no tamanho do VE (p. ex., insuficiência mitral crônica) resultam em aumento da tensão na parede e aumento na pós-carga. Para que as células miocárdicas gerem maior tensão e estresse na parede nessas condições, é necessário um maior gasto energético, aumentando, assim, o consumo de oxigênio do miocárdio e o risco de isquemia miocárdica. Assim como na pré-carga, alterações na pós-carga podem influenciar significativamente o VS e o débito cardíaco, particularmente quando o desempenho ventricular é anormal. Por exemplo, o VE insuficiente com contratilidade reduzida é mais sensível à pós-carga do que o VE saudável e irá demonstrar uma redução proporcionalmente maior no débito cardíaco quando a pós-carga é aumentada (Fig. 3.13). Assim como na pré-carga, a medida direta da pós-carga em condições clínicas é desafiadora. A avaliação substituta mais comum da pós-carga é o cálculo da resistência vascular usando medidas do débito cardíaco e das alterações de pressão por meio da vasculatura pulmonar (resistência vascular pulmonar [RVP]) ou da vasculatura sistêmica (resistência vascular sistêmica [RVS]). A RVP é calculada como a diferença entre a pressão média na artéria pulmonar e a pressão do AE dividida pelo débito cardíaco. É importante compreender que a RVP e a RVS são apenas estimativas da pós-carga de VD e VE, respectivamente.

F. Contratilidade miocárdica A contratilidade miocárdica é uma propriedade intrínseca do músculo cardíaco. Ela se refere à força e velocidade da contração muscular do ventrículo sob condições de carga e representa o trabalho sistólico do miocárdio feito para uma determinada pré-carga e pós-carga. Também chamada de estado inotrópico, a contratilidade pode ser influenciada por inúmeros fatores intrínsecos e extrínsecos que aumentam o inotropismo (atividade autonômica do SNS, catecolaminas endógenas, catecolaminas exógenas, cálcio, digital)

Capítulo 3

A

Anatomia e fisiologia cardiovascular

B

FIGURA 3.14 Cálculo da alteração da área fracional a partir de imagens mesopapilares no eixo curto do ventrículo esquerdo (VE) obtidas ao final da diástole (A) e ao final da sístole (B). A borda endocárdica do VE em torno da câmara preta do VE é traçada manualmente (excluindo os músculos papilares), e a área inscrita é calculada por software de integração. A fração de ejeção do VE é determinada como a diferença entre a área diastólica final e a área sistólica final, dividida pela área diastólica final (FE ⫽ (ADF – ASF)/ADF). (De Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262, com permissão.)

ou diminuem o inotropismo (atividade autonômica do SNP, isquemia miocárdica, hipóxia, hipercarbia, miocardiopatia, hipocalcemia, fármacos bloqueadores ␤1-adrenérgicos). A contratilidade é difícil de medir in vivo porque a força de contração cardíaca também é determinada pela pré-carga e pós-carga. Como observado anteriormente, a velocidade máxima de elevação da pressão de VE (⫹dP/dt) que ocorre durante o breve período de contração isovolumétrica é um índice indireto útil da contratilidade de VE, em parte por ela ser amplamente independente da pós-carga. Em contraste, a relação de Frank-Starling afirma que ⫹dP/dt é altamente dependente da pré-carga. A pressão do VE (e portanto ⫹dP/dt) pode ser medida apenas diretamente de forma invasiva durante cateterismo cardíaco, mas pode ser estimada por ecocardiografia transesofágica (ETE). As duas formas substitutas de avaliação de contratilidade mais práticas por ETE são a fração de ejeção (Fig. 3.14) e a análise do diagrama P-V da RPVSF (Figs. 3.8 e 3.9).

VII. Fatores que determinam a função diastólica A. Câmaras cardíacas Além da sua capacidade de ejetar sangue durante a sístole ventricular, o desempenho de bomba do coração também é dependente da sua função diastólica – a capacidade de coletar sangue de forma completa e eficiente antes da contração ventricular. Os átrios contribuem para esse processo como câmaras de paredes finas e baixa pressão, que funcionam mais como grandes condutos reservatórios, em contraste com seus respectivos ventrículos de alta pressão e paredes espessas, que agem como bombas de propulsão sanguínea.

B. Resposta ventricular esquerda à carga A carga diastólica do ventrículo geralmente ocorre pela adição de volume (pré-carga) à câmara ou pelo aumento da resistência (pós-carga) à ejeção sanguínea. O ventrículo responde à carga alongando suas fibras miocárdicas, aumentando a tensão da parede ou ambas, assim modulando o relaxamento ventricular, o enchimento e a complacência. Como essas alterações na carga são dinâmicas e com frequência ocorrem nas atividades diárias (p. ex., exercício) e em situações perioperatórias (p. ex., perda sanguínea, reposição de líquidos, anestésicos voláteis), a capacidade do ventrículo de se ajustar rapidamente a tais alterações e, por fim, manter o débito cardíaco (chamada autorregulação homeométrica) define a função diastólica.

57

58

Fundamentos de anestesiologia clínica Para o VE, a disfunção diastólica ocorre quando o ventrículo não pode se ajustar rapidamente aos aumentos de carga, resultando em volumes ou pressões de VE persistentemente elevados que precipitam falência do VE. A disfunção diastólica ocorre quando o relaxamento ou enchimento do VE está comprometido ou quando o VE se torna menos complacente. Isso pode ocorrer como uma anormalidade isolada (com a função sistólica intacta) ou em associação com disfunção sistólica (5). A disfunção diastólica é mais comum em idosos e geralmente é associada com condições que aumentam a rigidez da parede ventricular ou a pós-carga (p. ex., hipertrofia do VE). Como o conhecimento prévio da função diastólica do paciente pode afetar o manejo clínico, uma compreensão das estratégias de avaliação é vital. Infelizmente, nenhum índice isolado da função diastólica caracteriza completamente essa porção do ciclo cardíaco ou prevê com precisão quais pacientes têm maior risco de desenvolver insuficiência cardíaca em resposta às alterações nas condições de carga. Assim, podem ser necessárias avaliações não invasivas do relaxamento, do enchimento e da complacência ventricular.

C. Avaliação invasiva da função diastólica O relaxamento de VE rápido e completo é necessário para facilitar o enchimento ventricular passivo eficiente e maximizar o VDF durante a diástole. Como o relaxamento de VE é um processo ativo, dependente de energia, envolvendo a dissociação das proteínas contráteis nas células miocárdicas, a isquemia miocárdica é uma causa frequente de comprometimento do relaxamento do VE. Assim, a isquemia pode comprometer o débito cardíaco e precipitar insuficiência cardíaca congestiva (ICC) por meio de mecanismos diastólicos e sistólicos. A avaliação invasiva do relaxamento do VE é realizada durante cateterismo cardíaco por medida direta do curso de tempo de declínio da pressão de VE (⫺dP/dt) durante o período de relaxamento isovolumétrico. Os dois índices de relaxamento do VE calculados mais comumente a partir desse método são a velocidade máxima de redução da pressão do VE (valores menores de ⫺dP/dt indicam comprometimento do relaxamento do VE) e a constante de tempo de relaxamento do VE (constantes de tempo prolongado indicam comprometimento do relaxamento do VE). Embora esses índices tenham valor prognóstico, técnicas não invasivas os suplantaram amplamente.

D. Avaliação não invasiva da função diastólica

No idoso, a disfunção do sistema nervoso autônomo relacionada à idade interfere com o arco reflexo barorreceptor, de forma que aumentos compensatórios na frequência cardíaca e na pressão arterial induzidos por hipotensão são menos pronunciados do que em adultos jovens.

Como observado anteriormente, a análise do diagrama P-V da RPVDF pela ecocardiografia é um método comum de avaliação da complacência do VE (Figs. 3.8 e 3.9). Do mesmo modo, como o período de relaxamento isovolumétrico para o VE é definido como a porção do ciclo cardíaco entre o momento em que a valva da aorta se fecha e a valva atrioventricular esquerda se abre (Fig. 3.7), o comprimento desse período está relacionado com o relaxamento do VE. O comprometimento do relaxamento do VE resulta em um tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV) prolongado. O TRIV pode ser medido pela observação do fechamento das valvas atrioventricular esquerda e da aorta pela ecocardiografia e, na ausência de doença da valva da aorta ou atrioventricular esquerda, ele é inversamente proporcional ao relaxamento do VE. Um segundo método de avaliação do relaxamento do VE usa medidas Doppler ecocardiográficas das velocidades de fluxo sanguíneo através da valva atrioventricular esquerda. Durante a diástole, ocorrem dois padrões de fluxo distintos nesse local: um pico E precoce associado com um enchimento inicial do VE e um pico tardio A correspondendo a uma contração do AE. Quando o relaxamento do VE é prolongado, o tempo de desaceleração da onda E é prolongado, a velocidade da onda A está aumentada e a razão entre essas duas velocidades de fluxo diminui (E/A ⬍ 1). À medida que a função diastólica piora e as pressões do AE aumentam, as velocidades da onda E aumentam, primeiro para uma razão E/A na faixa normal (E/A ⬎ 1), depois para razões mais elevadas (E/A ⬎ 2) (6).

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

Alça Alça ascendente descendente

Pressão

Incisura ou entalhe dicrótico

Pressão sistólica

Pressão média sístole

Onda dicrótica

diástole

Pressão diastólica

A Tempo 150

AORTA TORÁCICA 120 MÉDIA

100

105

88

50 AORTA ABDOMINAL Pressão (mmHg)

150 132

MÉDIA

100

103

85

50 ARTÉRIA FEMORAL 150

139

MÉDIA

100

102

84

50 0

B

1 Tempo (segundos)

2

FIGURA 3.15 O formato de onda de pressão típico do pulso aórtico é mostrado (A), com cada pulso consistindo de uma alça ascendente curta, aguda, seguida por uma alça descendente mais prolongada. Cada pulso é facilmente separado em sístole e diástole pela incisura dicrótica, com uma pressão de pico correspondendo à pressão sistólica e a menor pressão sendo a pressão diastólica. A pressão arterial média é a pressão média durante todo o período do pulso (B). A onda de pressão do pulso se altera quando a visualização é feita mais distalmente na árvore arterial sistêmica devido à ramificação arterial e a alterações na elasticidade do vaso.

59

60

Fundamentos de anestesiologia clínica

VIII. Pressão sanguínea A. Sistêmica, pulmonar e venosa

VÍDEO 3.10 Fluxo sanguíneo e pressões do sistema circulatório

O débito cardíaco entra nas circulações sistêmica e pulmonar a partir do VE e do VD, respectivamente, cada uma contendo componentes arteriais, microcirculatórios e venosos em série. As pressões arteriais sistêmicas excedem as pressões arteriais pulmonares devido a diferentes estruturas anatômicas e capacidades de bombeamento do VD e VE, impedância vascular significativamente mais baixa da circulação pulmonar comparada com a circulação sistêmica e débitos cardíacos quase idênticos em ambas as circulações, seguindo a mecânica dos fluidos análoga à Lei de Ohm (pressão ⫽ fluxo ⫻ resistência). A onda de pressão aórtica típica é mostrada na Figura 3.15. O pico da onda é a pressão arterial sistólica (PAS) e o nadir é a pressão arterial diastólica (PAD), com a diferença entre as duas chamada de pressão de pulso (PP). À medida que a onda de pressão se move distalmente na árvore arterial, a incisura dicrótica aguda se torna mais escavada, a PAS aumenta, a PAD diminui e a PP aumenta devido a uma combinação de propriedades elásticas da parede das grandes artérias, reflexão parcial da onda em grandes pontos de ramos arteriais e diminuição da complacência do vaso em pequenas artérias. A pressão arterial média (PAM) é a pressão média durante todo o período e pode ser estimada a partir de medições com o esfigmomanômetro da PAS e da PAD (PAM ⫽ PAD ⫹ [0,33 ⫻ PP]). A pressão de perfusão se refere à pressão de impulsão necessária para perfundir um tecido ou órgão específico e é definida como a diferença entre a PAM e a pressão de resistência que deve ser superada para afetar a perfusão. Por exemplo, a pressão de perfusão cerebral é a PAM menos a pressão intracraniana. Como as grandes artérias têm componentes e propriedades elásticas, o sistema arterial é distensível e capaz de manter uma pressão positiva durante todo o ciclo cardíaco. Assim, apenas uma porção da energia da contração cardíaca resulta em fluxo capilar anterógrado, com o restante armazenado como energia potencial no recuo elástico das artérias, uma propriedade conhecida como efeito Windkessel, que serve para tornar o fluxo periférico menos pulsátil. Devido à menor impedância vascular na circulação pulmonar, o VD consegue uma perfusão pulmonar com menores pressões sistólicas e menos consumo de oxigênio e gera pressões de fluxo de saída arterial significativamente menores comparado com VE. Em condições anatômicas normais, o débito cardíaco do VD é discretamente menor do que o do VE devido ao fluxo sanguíneo brônquico da circulação sistêmica (~1% do débito cardíaco total) que retorna sangue desoxigenado diretamente para o átrio esquerdo. Uma pequena porção do débito cardíaco retorna diretamente para o VE a partir dos shunts das artérias coronárias e das veias coronárias (veias de Thebesio).

B. Resistência vascular Para a circulação sistêmica, a pressão sanguínea, a área transversal e a capacitância de volume variam amplamente ao longo de seus componentes arteriais, microcirculatórios e venosos. As arteríolas servem como os pontos principais de resistência ao fluxo sanguíneo na circulação sistêmica, produzindo aproximadamente 95% de redução na pressão intravascular média. Na ausência de obstrução mecânica em artérias mais proximais, a modulação do tônus do músculo liso vascular arteriolar é, portanto, o principal determinante da RVS e serve a três importantes funções: (a) regulação do fluxo sanguíneo tissular diferencial para leitos vasculares específicos; (b) modulação da pressão arterial sistêmica; e (c) conversão do fluxo sanguíneo pulsátil a não pulsátil para facilitar a perfusão capilar consistente. O músculo liso vascular em repouso exerce leve vasoconstrição arteriolar tônica, que pode ser modulada pela atividade autonômica do SNS, hormônios circulantes,

Capítulo 3

Autorregulação

1,0 Resistência mmHg mL/min

A

Anatomia e fisiologia cardiovascular

0,5

0 0

20

60

100

140

180

60 100 140 Pressão arterial (mmHg)

180

200 Fluxo 100 (mL/min)

B

Faixa autorregulatória

100

0 0

20

FIGURA 3.16 A autorregulação ocorre quando o fluxo sanguíneo (B) é mantido relativamente constante para uma ampla faixa de pressões arteriais médias (nesse caso, 60 a 140 mmHg). Esse processo é realizado por meio de alterações na resistência vascular (A) que são independentes de influência neural e hormonal.

fármacos, temperatura ambiente, atividade metabólica local e autorregulação para atingir mais vasoconstrição ou vasodilatação. Por exemplo, a estimulação autonômica do SNS resulta em liberação de noradrenalina, que ativa os receptores ␤-adrenérgicos no músculo liso vascular para aumentar a vasoconstrição de repouso. Nos leitos vasculares contendo receptores ␣ e ␤2-adrenérgicos (p. ex., músculos esqueléticos), adrenalina exógena em baixas doses irá ativar seletivamente os receptores ␤2-adrenérgicos e causar vasodilatação, enquanto doses altas irão resultar em ativação predominante dos receptores ␣-adrenérgicos e levar à maior vasoconstrição. A atividade metabólica local tem um papel importante no controle regional da resistência vascular porque as arteríolas se localizam dentro do próprio órgão e são expostas ao ambiente local. Quando o fluxo sanguíneo para os tecidos é inadequado para atender as necessidades metabólicas, fatores locais (p. ex., dióxido de carbono elevado [CO2], baixo pH) resultam em vasodilatação e fluxo sanguíneo aumentado para atender a demanda metabólica. A autorregulação se refere à tendência intrínseca de um órgão ou leito tissular específico de manter um fluxo sanguíneo constante a despeito de alterações na pressão arterial, independentemente de mecanismos hormonais ou neurais. A autorregulação geralmente é ativa dentro de uma faixa específica de pressões arteriais, dentro da qual um fluxo constante é obtido por alterações na resistência vascular (Fig. 3.16). Fora dessa faixa, o fluxo sanguíneo varia proporcionalmente à pressão arterial, com consequências clínicas de isquemia (baixa pressão) ou hiperemia (alta pressão). Os órgãos humanos com as características de autorregulação mais relevantes clinicamente são aqueles cuja perfusão é fisiologicamente crítica – o cérebro, o rim e o coração (7).

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62

Fundamentos de anestesiologia clínica

Bulbo

lX

X

X Via bulboespinal

Seio carotídeo

Arco aórtico

Nó SA

Medula torácica Cadeia simpática

Vasos sanguíneos

FIGURA 3.17 A alça aferente do reflexo barorreceptor é iniciada por barorreceptores no seio carotídeo (nervo glossofaríngeo) e arco aórtico (nervo vago) com transmissão para o bulbo. A pressão arterial elevada resulta em tráfego no nervo eferente vagal para o coração que diminui a frequência cardíaca e reduz a contratilidade (para reduzir a pressão arterial). Em contraste, a baixa pressão arterial resulta em tônus simpático eferente por meio da medula espinal e cadeia simpática que aumenta a frequência cardíaca e a contratilidade e também resulta em vasoconstrição periférica. SA, sinoatrial.

C. Função barorreceptora Além da regulação imediata do fluxo sanguíneo por autorregulação ao nível tissular, ajustes mais disseminados e de curto prazo na pressão arterial sistêmica também são regulados pelo reflexo barorreceptor (Tab. 3.1, Fig. 3.17). Essa relação inversa entre a pressão arterial e a frequência cardíaca foi descrita pela primeira vez por Etiene Marey, em 1859, e serve para preservar o débito cardíaco e a pressão arterial sob condições variáveis, como alterações posturais, exercício e hipovolemia. A alça aferente do reflexo é iniciada por receptores de estiramento sensíveis à pressão no seio carotídeo e no arco aórtico, que enviam informações sensoriais para o centro vasomotor medular por meio do nervo glossofaríngeo e do nervo vago. A alça aferente do reflexo inclui duas respostas possíveis: (a) a pressão arterial elevada resulta em tônus do SNP vagal aumentado e tônus do SNS reduzido, que modificam a frequência cardíaca para baixo nos nós SA e AV e reduzem a contratilidade miocárdica e a vasoconstrição arteriolar para diminuir o débito cardíaco e a pressão arterial; (b) a pressão arterial baixa resulta em maior tráfego no SNS em vários níveis da cadeia simpática para modificar a frequência cardíaca para cima no nó SA e aumentar a contratilidade ventricular para melhorar o débito cardíaco, bem como um aumento na vasoconstrição arteriolar para aumentar rapidamente a pressão arterial. Uma aplicação clínica do reflexo barorreceptor é o desempenho da massagem carotídea externa em pacientes com taquicardia supraventricular. Isso irá estimular o tráfego aferente pelo nervo glossofaríngeo e melhorar o tônus do reflexo vagal para

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

reduzir a frequência cardíaca nas taquicardias patológicas. O reflexo barorreceptor também fundamenta a observação típica da taquicardia compensatória em pacientes com hipotensão hipovolêmica. Contrariamente, respostas anormais do reflexo barorreceptor podem ocorrer em pacientes com comprometimentos neurológicos em qualquer ponto do arco reflexo. Por exemplo, a disfunção autonômica relacionada à idade em idosos com frequência se manifesta por síncope postural devido a reduções na pressão e no fluxo de perfusão cerebral.

IX. Retorno venoso A. Complacência, capacitância e controle vascular À medida que o sangue deixa o leito capilar, ele passa primeiro pelas vênulas e depois por um número decrescente de veias de tamanho crescente. A área transversa do sistema vascular nas pequenas e grandes veias é similar à das pequenas e grandes artérias. Comparadas com suas estruturas arteriais correspondentes, contudo, as estruturas venosas geralmente são discretamente maiores em diâmetro, têm paredes mais finas, contendo menos músculo liso vascular, e possuem capacitância muito maior (menor resistência vascular). Essa complacência 10 a 20 vezes maior significa que as veias podem acomodar grandes alterações no volume sanguíneo com apenas uma pequena alteração na pressão. O músculo liso venoso recebe inervação do SNS que, quando ativado, diminui a complacência venosa e promove o retorno venoso para o AD.

B. Ação muscular, pressão intratorácica e posição corporal O retorno venoso para o AD contribui para a pré-carga ventricular e é determinado, primariamente, por fatores extravasculares. Esses incluem a contração dos músculos esqueléticos dos membros (bomba muscular), as alterações na pressão intratorácica associadas com a atividade respiratória (bomba toracoabdominal), a compressão externa da veia cava e as forças de gravidade associadas com alterações posturais (8, 9). As contrações dos músculos esqueléticos nos braços e nas pernas, em combinação com as válvulas venosas unidirecionais das veias periféricas que são passivas à pressão, aumentam o retorno venoso, particularmente durante o exercício. A contração muscular comprime as veias dentro de grandes grupos musculares e força o sangue venoso centralmente, enquanto o relaxamento dos músculos esqueléticos descomprime as veias e atrai o sangue dos membros distais e veias adjacentes. Ciclos repetidos de compressão-descompressão impulsionam rapidamente o sangue venoso centralmente e melhoram o retorno venoso. Pacientes com válvulas venosas incompetentes são incapazes de aumentar o seu retorno venoso com o exercício ou alterações posturais e podem experimentar síncope nessas condições. A respiração espontânea altera a pressão transmural nas veias que passam pela cavidade intratorácica e modifica o retorno venoso. Durante a inspiração, o descenso diafragmático e a expansão da caixa torácica criam uma pressão intratorácica negativa, enquanto ao mesmo tempo elevam a pressão intra-abdominal. Essas forças combinadas aumentam o gradiente de pressão, favorecendo o retorno venoso a partir da veia cava subdiafragmática para o AD. A pressão intratorácica negativa também reduz as pressões na veia cava torácica e no AD e melhoram ainda mais o retorno venoso a partir da cabeça, do pescoço e das extremidades superiores. Por outro lado, a expiração espontânea aumenta a pressão intratorácica e compromete o retorno venoso. O efeito global da ventilação espontânea é melhorar o retorno venoso em comparação com condições apneicas porque as pressões intratorácicas médias são discretamente negativas em relação a todo o ciclo respiratório. Em contraste, a ventilação com pressão positiva aumenta as pressões médias intratorácicas, compromete o retorno venoso e pode causar um impacto negativo no débito cardíaco.

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64

Fundamentos de anestesiologia clínica

C. Volume sanguíneo e sua distribuição A água corporal total constitui ~60% do peso corporal (42L em uma pessoa de 70 kg), com ~40% (28L) no espaço intracelular e ~20% (14L) no espaço extracelular. O volume plasmático responde por um quinto (3L) do volume extracelular, e o volume de hemácias (2L) é parte do volume intracelular; portanto, o volume sanguíneo é ~5 litros em uma pessoa de 70 kg. O volume sanguíneo é distribuído de forma não uniforme na árvore circulatória, com aproximadamente 65% no sistema venoso sistêmico, 15% no sistema arterial sistêmico, 10% na circulação pulmonar e o restante no coração e na microcirculação sistêmica.

X. Microcirculação A. Difusão capilar, pressão oncótica e Lei de Starling O objetivo final do sistema cardiovascular é levar oxigênio e nutrientes aos tecidos e remover CO2 e resíduos do metabolismo do nível celular. Esse processo ocorre na rica rede de capilares que têm apenas 5 a 10 ␮m de diâmetro, embora sejam tão impressionantes em número, que a área de superfície total da rede é 20 vezes maior do que a de todas as pequenas e grandes artérias. A densidade capilar é maior em tecidos metabolicamente ativos (p. ex., miocárdio, músculos esqueléticos) e menor em tecidos menos ativos (p. ex., gordura, cartilagem). A água e os solutos se difundem em ambas as direções através da parede capilar com a água e as moléculas hidrossolúveis (p. ex., cloreto de sódio, glicose) atravessando a parede por meio de fendas entre células endoteliais adjacentes, moléculas lipofílicas (oxigênio, CO2) se movendo diretamente através das células endoteliais, e grandes moléculas atravessando grandes fendas ou por pinocitose dentro de vesículas endoplásmicas. Assim, a parede capilar age como uma membrana semipermeável através da qual água, gases e pequenos substratos se movem primariamente por difusão de acordo com gradientes de concentração (10). Além disso, quando há uma diferença entre forças hidrostáticas e forças osmóticas através da parede capilar, o movimento da água também ocorre por filtração. Na microvasculatura, a pressão osmótica é determinada amplamente pela concentração de proteína (particularmente a albumina) e é chamada pressão oncótica. De acordo com a hipótese de Starling, a filtração de líquidos através da parede capilar porosa é determinada pelo equilíbrio entre os gradientes de pressão hidrostática e oncótica através da parede, bem como pelo tamanho e número de fissuras intercelulares. O gradiente de pressão hidrostática favorece o movimento de água para fora do capilar e é discretamente maior do que o gradiente de pressão oncótica que favorece o movimento de água para dentro do capilar. A relação entre esses fatores é governada pela equação de Starling: F ⫽ Kf ⫻ ([Pc ⫺ Pt] ⫺ ␴[␲c ⫺ ␲i])

VÍDEO 3.11 Forças de Starling

em que F é o movimento de líquidos através da parede capilar, Kf é a constante de filtração da membrana capilar (refletindo a permeabilidade), Pc é a pressão hidrostática capilar (maior no lado arteriolar do capilar do que no lado venular), Pt é a pressão hidrostática tissular (geralmente próxima de zero), ␴ é o coeficiente de reflexão (um fator de correção para a permeabilidade das proteínas da parede capilar), ␲c é a pressão oncótica do plasma e ␲i é a pressão oncótica intersticial. Um Kf alto indica um capilar altamente permeável à água, como na presença de histamina, enquanto um Kf baixo indica uma baixa permeabilidade capilar. Os fatores na equação de Starling, inclusive os valores típicos de pressão, são ilustrados na Figura 3.18. O maior fluxo de água e proteínas através da membrana capilar geralmente ocorre do meio intravascular para o espaço intersticial. Capilares linfáticos altamente permeáveis coletam esse volume de fluxo nos tecidos e retornam o líquido e as

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

65

Absorção

Filtração 32 mmHg

Arterial

Pressão oncótica

Pressão hidrostática (sanguínea)

25 mmHg

Venoso

15 mmHg

H2O, solutos, proteína (albumina) Capilares linfáticos

FIGURA 3-18 O movimento de líquidos através da membrana capilar é determinado pela permeabilidade da membrana a água, solutos e proteínas; pela diferença da pressão hidrostática através da membrana; e pela diferença da pressão oncótica através da membrana, e é resumido pela equação de Starling (ver texto). O gradiente de pressão hidrostática varia através do comprimento do capilar, favorecendo o movimento de líquidos para fora do capilar em maior grau no lado capilar. O gradiente de pressão oncótica é uniforme e favorece o movimento de líquidos para dentro do capilar. O movimento final de fluidos é em direção ao interstício, com os capilares linfáticos coletando o excesso de filtrados e retornando-o à circulação.

proteínas (predominantemente a albumina) por meio dos vasos linfáticos de tamanho progressivamente crescente, o que é facilitado por atividade intermitente dos músculos esqueléticos, músculo liso nas paredes linfáticas e válvulas unidirecionais. O volume de líquido que retorna à circulação (amplamente por meio do ducto torácico) em 24 horas é aproximadamente igual ao volume plasmático total.

B. Controle do esfíncter pré-capilar e pós-capilar O fluxo sanguíneo capilar em qualquer leito tissular é altamente variável e é controlado pelos esfíncteres pré-capilar e pós-capilar. A pressão transmural (pressão intravascular menos a pressão extravascular) e a contração/relaxamento dos esfíncteres pré-capilar e pós-capilar são os determinantes primários do fluxo capilar, com o último mediado por fatores neurais e humorais locais. Ao contrário da vasoconstrição em leitos arteriolares mais proximais que se ajustam sem abolir o fluxo sanguíneo tissular, o esfíncter pré-capilar pode ocluir completamente o lúmen do vaso, direcionando o fluxo para longe dos leitos capilares e para dentro de shunts arteriovenosos próximos. Por exemplo, em ambientes frios o tônus do esfíncter pré-capilar está aumentado para desviar o sangue dos leitos cutâneos para reter calor. A termorregulação perioperatória anormal ocorre quando esse tônus está comprometido por vários agentes anestésicos. Além disso, pela redução do fluxo capilar, a contração do esfíncter pré-capilar também reduz a filtração dos líquidos devido a uma redução na Pc. A contração do esfíncter pós-capilar também reduz o fluxo capilar, mas aumenta a filtração de líquidos devido a um aumento na Pc.

C. Viscosidade e reologia O fluxo de qualquer líquido em qualquer tubo é sempre dependente da diferença de pressão entre as terminações desse tubo; na ausência de um gradiente, nenhum fluxo irá ocorrer. Como observado anteriormente, a descrição mais simples desse fenômeno é o análogo da mecânica dos líquidos da Lei de Ohm (fluxo ⫽ ⌬ pressão/resistência).

Ao contrário da vasoconstrição nos leitos arteriolares sistêmicos que se ajustam, mas não abolem o fluxo sanguíneo tissular, os esfíncteres précapilares podem ocluir completamente o lúmen do vaso e dirigir o fluxo para longe de leitos capilares selecionados (p. ex., desvio do sangue para longe da circulação cutânea em ambientes frios.

66

Fundamentos de anestesiologia clínica Todavia, tanto o tamanho do tubo quanto as características físicas do líquido, particularmente sua viscosidade (uma medida da sua resistência à deformação por forças de cisalhamento), requerem uma relação mais detalhada entre fluxo e pressão que se aplica ao sistema vascular. Por meio de uma série de experimentos em tubos de vidro, Poiseuille descreveu essa relação – a equação de Poiseuille: F ⫽ (⌬ pressão ⫻ ␲ ⫻ r4 )/(8 ⫻ L ⫻ ␩), onde r é o raio do tubo, L é o comprimento do tubo e ␩ é a viscosidade do líquido. Assim, embora o raio do tubo seja o determinante mais potente do fluxo, a viscosidade do líquido também impacta o fluxo. Líquidos com uma viscosidade constante (líquidos neuwtonianos) incluem aqueles com ␩ baixa (água) ou ␩ alta (xarope do bordo), e para o fluxo dentro de determinada geometria do tubo, o fluxo é relacionado linearmente com a diferença de pressão. Contudo, para líquidos cuja viscosidade é variável (líquidos não neuwtonianos), o fluxo varia não apenas com a diferença de pressão, mas também com fatores que afetam a viscosidade. O sangue tem uma viscosidade variável que é afetada por vários fatores, incluindo constituintes sanguíneos e velocidade de deslocamento do sangue – o gradiente de velocidade do sangue à medida que se percorre as camadas a partir da parede do vaso (baixa velocidade) para o lúmen do vaso (alta velocidade). Como o sangue é reologicamente uma suspensão de hemácias no plasma, o aumento da concentração de hemácias (hematócrito) causa aumento na viscosidade do sangue. Por exemplo, o aumento do hematócrito de 45% para 70% (policitemia) duplica a viscosidade do sangue com uma redução proporcional no fluxo sanguíneo para qualquer diâmetro do tubo e diferença de pressão (pela equação de Poiseuille), com consequências clínicas potenciais de diminuição do fornecimento de oxigênio aos tecidos. Além disso, no ventrículo, forças de cisalhamento elevadas que ocorrem durante a sístole diminuem a viscosidade sanguínea e facilitam o fluxo, em contraste com baixas forças de cisalhamento que ocorrem durante a diástole e aumentam a viscosidade sanguínea.

Referências 1. Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Thorax. In: Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF, eds. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:131–349. 2. Pagel PS, Kampine JP, Stowe DF. Cardiac anatomy and physiology. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:239–262. 3. Grossman W. Diastolic dysfunction and congestive heart failure. Circulation. 1990;81(2 Suppl):III1–III7. 4. Schober P, Loer SA, Schwarte LA. Perioperative hemodynamic monitoring with transesophageal Doppler technology. Anesth Analg. 2009;109(2):340–353. 5. Borlaug BA, Kass DA. Invasive hemodynamic assessment in heart failure. Heart Fail Clin. 2009;5(2):217–228. 6. Cohen GI, Pietrolungo JF, Thomas JD, et al. A practical guide to assessment of ventricular diastolic function using Doppler echocardiography. J Am Coll Cardiol. 1996;27:1753–1760. 7. Dagal A, Lam AM. Cerebral autoregulation and anesthesia. Curr Opin Anaesthesiol. 2009;22(5):547–552. 8. Funk DJ, Jacobsohn E, Kumar A. Role of the venous return in critical illness and shock: Part I–physiology. Crit Care Med. 2013;41(1):255–262. 9. Funk DJ, Jacobsohn E, Kumar A. Role of the venous return in critical illness and shock: Part II–shock and mechanical ventilation. Crit Care Med. 2013;41(2):573–579. 10. Parker JC, Guyton AC, Taylor AE. Pulmonary transcapillary exchange and pulmonary edema. Int Rev Physiol. 1979;18:261–315.

Capítulo 3

Anatomia e fisiologia cardiovascular

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual das seguintes afirmações é VERDADEIRA? A. Na presença de estenose coronariana, os tecidos subendocárdicos são mais suscetíveis à isquemia do que os tecidos subepicárdicos B. À medida que o sangue atravessa a circulação coronariana, o conteúdo de oxigênio normalmente diminui de 20 para 15 mL O2/100 mL de sangue C. O fluxo sanguíneo coronariano de repouso em um adulto normalmente é cerca de 10% do débito cardíaco total D. O suprimento sanguíneo para o ventrículo esquerdo é dependente diretamente da diferença entre a pressão aórtica média e a pressão sistólica final do ventrículo esquerdo 2. O débito cardíaco é determinado por todos os seguintes, EXCETO: A. Contratilidade miocárdica B. Volume diastólico final do ventrículo esquerdo C. Pressão diastólica final do átrio esquerdo D. Resistência vascular sistêmica 3. Os fatores que contribuem para disfunção diastólica ventricular esquerda incluem todos os seguintes EXCETO: A. Uma frequência cardíaca de 150 bpm B. Estenose da valva atrioventricular esquerda C. Um grande timoma D. Uma pO2 venosa mista igual a 45 mmHg 4. Uma amostra de sangue foi coletada a partir do lúmen distal do cateter de artéria pulmonar que foi colocado em um adulto sem doença cardiovascular ou pulmonar. A amostra de sangue tem uma pO2 = 23 mmHg. Isso é consistente com qual dos seguintes? A. O cateter está posicionado adequadamente na artéria pulmonar B. A ponta do cateter está próxima ao fluxo efluente do seio coronário C. Anemia moderada D. Um débito cardíaco elevado

5. O som cardíaco S2 normalmente é desdobrado porque: A. A pressão arterial sistêmica é maior do que a pressão na artéria pulmonar B. A complacência do ventrículo esquerdo é menor do que a do ventrículo direito C. A valva da aorta se fecha um pouco antes da valva do tronco pulmonar D. A espessura da parede ventricular esquerda excede a espessura da parede ventricular direita 6. O sinal de isquemia miocárdica mais provável de aparecer primeiro é: A. Alteração do segmento ST B. Diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo C. Anormalidade regional da movimentação da parede ventricular D. Aumento do volume diastólico final do ventrículo esquerdo 7. A área dentro da curva de pressão-volume ventricular esquerda corresponde a: A. Débito cardíaco B. Volume de ejeção C. Trabalho sistólico do ventrículo esquerdo D. Consumo de oxigênio do miocárdio 8. Qual dos seguintes NÃO é necessário para construir a curva de função ventricular de Starling? A. Débito cardíaco B. Resistência vascular sistêmica C. Pressão capilar pulmonar D. Trabalho sistólico do ventrículo esquerdo 9. Um homem de 30 anos está sendo submetido à cirurgia de retina sob anestesia geral, incluindo ventilação com pressão positiva e paralisia farmacológica. Todas as afirmativas abaixo a respeito do retorno venoso são verdadeiras, EXCETO: A. O retorno venoso é comprometido por paralisia dos músculos esqueléticos B. A posição de Trendelenburg (cabeça baixa) irá melhorar o retorno venoso

68

Fundamentos de anestesiologia clínica C. O retorno venoso é aumentado por ventilação com pressão positiva D. As válvulas nas veias das extremidades permanecem competentes durante anestesia geral

10. Uma mulher de 30 anos tem hipoalbuminemia grave devido à doença hepática alcoólica crônica. Qual das seguintes afirmativas a seguir é VERDADEIRA a respeito da sua microcirculação sistêmica? A. A pressão hidrostática capilar está aumentada e irá aumentar o movimento de líquido extravascular

B. A permeabilidade da membrana capilar está aumentada e irá aumentar o movimento de líquido extravascular C. A pressão oncótica plasmática está diminuída e irá diminuir o movimento de líquido extravascular D. A pressão oncótica plasmática está diminuída e irá aumentar o movimento de líquido extravascular

Sistema nervoso central e autônomo Loreta Grecu

4

I. Anatomia e fisiologia A. Sistema nervoso central O sistema nervoso central (SNC) é constituído pelo cérebro e pela medula espinal (Fig. 4.1). O cérebro é subdividido em quatro áreas: triencéfalo, diencéfalo, cerebelo e tronco cerebral.

Triencéfalo (cérebro) Considera-se que o intelecto humano se situa no nível do cérebro. Esse está organizado em dois hemisférios cerebrais e inclui os núcleos da base e o córtex cerebral. Os núcleos da base são um grupo de núcleos que incluem o núcleo caudado, putame e globo pálido que, juntamente com o tálamo e córtex cerebral, coordenam a função motora. O córtex cerebral é o terminal principal para o pensamento independente, a consciência, a linguagem, a memória e o aprendizado. A função do córtex é dividida em áreas motora, sensorial e de associação. As funções sensoriais e motoras básicas são responsáveis pelo recebimento e processamento da informação. A função associativa é responsável pelo nível mais alto de atividade mental, incluindo o pensamento abstrato e a fala, bem como a intercomunicação.

Diencéfalo O diencéfalo contém duas estruturas: tálamo e hipotálamo. O tálamo está envolvido no controle motor e nos ciclos de sono-vigília – quando lesionado, pode levar a coma profundo. O hipotálamo é o maior centro de controle autonômico de funções essenciais para a sobrevivência, tais como ingestão de alimentos, sede, equilíbrio hídrico e controle da temperatura corporal, pressão arterial e fúria. Ele se conecta com os centros nervosos autonômicos no cérebro e também com o sistema endócrino. O hipotálamo sintetiza e libera dois hormônios – ocitocina e hormônio antidiurético – e controla indiretamente a liberação dos hormônios da glândula hipófise.

Tronco cerebral O tronco cerebral é formado por vários componentes, a saber: bulbo, ponte e mesencéfalo. Toda a informação que passa entre o cérebro e a medula espinal atravessa o mesencéfalo. A maioria dos nervos cranianos, exceto os nervos cranianos I e II, também se originam no mesencéfalo. Os nervos cranianos fornecem a inervação sensorial e motora da cabeça e do pescoço, bem como medeiam os sentidos primordiais, como a visão, a audição, o paladar e o olfato.

O nervo olfatório é o único nervo craniano cuja informação chega ao córtex cerebral sem passar pelo tálamo.

VÍDEO 4.1 Hormônios da glândula hipófise

70

Fundamentos de anestesiologia clínica Prosencéfalo

Diencéfalo

Cérebro Tronco cerebral

Medula espinal

C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8

Cerebelo Cervical

T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9

Torácica

T10 T11 T12 L1

Lombar

L2 L3 L4 L5

Sacral S1 S2 S3 S4 S5

FIGURA 4.1 Componentes do sistema nervoso central. (De Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53– 90, com permissão.)

Cerebelo O cerebelo é relativamente pequeno, mas contém mais neurônios do que o restante do cérebro. Isso ocorre por ele ser responsável pela coordenação de movimentos como postura, equilíbrio, coordenação e fala, função motora global, bem como aprendizado de comportamentos motores.

B. Medula espinal A medula espinal está localizada no canal vertebral e está dividida em diversas regiões: cervical, torácica (dorsal), lombar, sacral e coccígea (Fig. 4.1). A medula espinal está dividida em 31 segmentos que correspondem a 31 pares de nervos espinais, de cada lado do corpo. Embora a medula espinal termine junto ao corpo vertebral de L2, os nervos espinais continuam em direção caudal até alcançar o nível do dermátomo adequado (cauda equina). O filum terminal marca o trato de regressão da medula espinal. As fibras sensoriais e motoras cruzam a linha média, de modo que o lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e vice-versa.

Capítulo 4

Sistema nervoso central e autônomo

Cérebro Receptor sensorial

Do Cérebro

Para o cérebro

Raiz posterior

Nervo sensorial (aferente)

Gânglio espinal contém corpos celulares do nervo

Nervo motor (efetor) Raiz anterior Interneurônio cria um arco reflexo entre os nervos sensorial e motor Músculo

FIGURA 4.2 Vias sensoriais e motoras típicas. (De Preston RR, Winston TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90, com permissão.)

Os nervos espinais têm componentes de fibras motoras sensoriais aferentes e fibras motoras eferentes e emergem de C2 a S2-S3 para controlar todas as funções corporais, bem como o movimento. O componente sensorial trafega em direção à medula espinal por meio da raiz posterior e entra no canal vertebral pelo forame intervertebral (Fig. 4.2). O corpo celular está localizado em um gânglio espinal, e as fibras trafegam para cima para fazer sinapse com núcleos cerebrais ou fazem sinapse diretamente com um neurônio motor, permitindo reflexos mediados pela medula em arco reflexo. O componente motor trafega em direção caudal a partir do cérebro e faz sinapse com neurônios motores periféricos dentro da medula espinal, saindo do canal vertebral pela raiz anterior e trafegando em direção à periferia ao longo de fibras sensoriais dos nervos espinais. A medula espinal está organizada como uma borboleta (Fig. 4.3) com a substância cinzenta, que contém os corpos celulares neuronais, dendritos e axônios não mielinizados no centro, e a substância branca, que contém os axônios mielinizados ao seu redor. A substância branca contém feixes de fibras nervosas organizados em tratos, ascendentes e descendentes, que transferem a informação entre o cérebro e o sistema nervoso periférico. Os tratos são denominados de acordo com sua origem e destino

71

72

Fundamentos de anestesiologia clínica

Do cérebro Coluna posterior Corno posterior

Para o cérebro Trato espinotalâmico

Coluna lateral

Corno anterior

Trato corticospinal Coluna anterior

FIGURA 4.3 Organização da medula espinal. (De Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90, com permissão.)

(p. ex., trato espinotalâmico, trato corticoespinal, etc.) (ver Figs. 37.1 e 37.2). A substância cinzenta está organizada em cornos anterior e posterior, permitindo a sinapse dos neurônios em trânsito. Ela tem comissuras que permitem o trânsito da informação entre os dois lados.

Líquido cerebrospinal

O volume total do líquido cerebrospinal é de 150 mL, dos quais 50 mL estão no espaço subaracnoide da medula espinal.

A proteção do SNC é assegurada por ossos, tanto no nível da coluna vertebral como no nível do cérebro, por três membranas denominadas meninges e por uma camada de líquido cerebrospinal (LCS). As meninges são formadas por três camadas: pia-máter (a camada mais fina), aracnoide (uma membrana fibrosa) e dura-máter, a membrana mais grossa. O LCS é um fluido estéril incolor produzido no plexo coroide que circunda o SNC e tem uma função significativa na absorção de choques, proporcionando a flutuabilidade, permitindo algumas alterações de volume e fornecendo a homeostasia para assegurar a perfeita funcionalidade do SNC.

II. Sistema nervoso autônomo O sistema nervoso autônomo (SNA) é o centro do organismo humano. Ele regula as funções de órgãos viscerais, incluindo coração, pulmões, sistema gastrintestinal, liberação hormonal, bem como a temperatura corporal, que não estão sob o controle voluntário. O SNA tem duas divisões: simpático (adrenérgico, SNS) e parassimpático (colinérgico, SNP). Essas duas divisões regulam funções orgânicas finas e têm efeitos opostos (Tab. 4.1 e Fig. 4.4) (2,3). O SNS auxilia o corpo com respostas de luta-ou-fuga e é um sistema catabólico (que gasta energia). O papel do SNP é exatamente oposto; ele contribui principalmente para a conservação e restauração corporal e é considerado um sistema homeostático ou anabólico (que conserva energia). Os componentes centrais do SNA incluem o córtex cerebral, o hipotálamo, a amígdala, a estria terminal, o tronco cerebral e a zona

Capítulo 4 TABELA 4.1

Sistema nervoso central e autônomo

Funções do sistema nervoso autônomo

Órgão, trato ou sistema

Efeito da estimulação simpáticaa

Efeito da estimulação parassimpáticab

Olhos

Pupila Corpo ciliar

Dilata a pupila (permite mais luz para aumentar a acuidade à distância)

Contrai a pupila (protege a pupila da luz excessivamente forte) Contrai o músculo ciliar, permitindo que o cristalino se torne mais grosso para a visão de perto (acomodação)

Pele

Músculos eretores dos pelos

Ereção dos pelos (arrepios)

(Nenhum efeito) (não alcança)c

Vasos sanguíneos periféricos

Vasoconstrição (palidez da pele, lábios e pontas dos dedos azuladas)

(Nenhum efeito) (não alcança)c

Glândulas sudoríparas Promove a sudoresed Outras glândulas Glândulas lacrimais Glândulas salivares

a

73

(Nenhum efeito) (não alcança)c

Secreção levemente diminuídae

Promove a secreção

A secreção diminui, torna-se mais espessa e viscosae

Promove secreção aquosa abundante

Coração

Aumenta a frequência e força de contra- Reduz a frequência e força de contração ção; inibe o efeito do sistema paras(conservando energia); contrai vasos simpático sobre os vasos coronários, coronários em relação com a demanpermitindo que se dilateme da reduzida

Pulmões

Inibe o efeito do sistema parassimpático, resultando em broncodilatação e redução da secreção, possibilitando troca aérea máxima

Trato digestivo

Inibe o peristaltismo e contrai os vasos Estimula o peristaltismo e a secreção de sanguíneos do trato digestivo, de modo sucos digestivos que o sangue fica disponível para o Contrai o reto, inibe o esfíncter anal músculo esquelético; contrai o esfíncter interno para causar defecação anal para auxiliar na continência fecal

Fígado e vesícula biliar

Promove a degradação do glicogênio em Promove a formação/conservação de gliglicose (para ganho energético) cogênio; aumenta a secreção de bile

Trato urinário

A vasoconstrição dos vasos renais reduz Inibe a contração do esfíncter vesical a velocidade da formação de urina; interno, contrai o músculo detrusor da esfíncter vesical interno contraído parede vesical, causando a emissão para manter a continência urinária de urina

Sistema genital

Causa ejaculação e vasoconstrição, resultando em remissão da ereção

Produz ingurgitamento (ereção) de tecidos eréteis dos genitais externos

Medula suprarrenal

Liberação da adrenalina para o sangue

Sem efeito (não há inervação)

Contração brônquica (conservação de energia) e promove a secreção brônquica

Em geral, os efeitos da estimulação simpática são catabólicos, preparando o organismo para a resposta de luta-ou-fuga. Em geral, os efeitos da estimulação parassimpática são anabólicos, promovendo a função normal e conservando a energia. c O sistema parassimpático é restrito em sua distribuição para a cabeça, o pescoço e as cavidades corporais (exceto para os tecidos eréteis dos genitais); diferentemente disso, as fibras parassimpáticas nunca são encontradas na parede corporal e nos membros. As fibras simpáticas, em comparação, estão distribuídas em todas as porções vascularizadas do corpo. d Exceto as glândulas sudoríparas, a secreção glandular é estimulada pelo parassimpático. e Exceto as artérias coronárias, a vasoconstrição é estimulada pelo simpático; os efeitos da estimulação simpática sobre glândulas (outras que não as glândulas sudoríparas) são os efeitos indiretos da vasoconstrição. th Reaproveitado de Moore KL, Dalley AF II, Agur AMR. Moore Clinically Oriented Anatomy. 7 ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins/WK Health;2013:65, com permissão. b

74

Fundamentos de anestesiologia clínica

Divisão simpática

Divisão parassimpática Dilata a pupila e eleva a sobrancelha

Contrai a pupila

Olho Inibe a salivação e o lacrimejamento Glândulas salivares e lacrimais

Cranial

Contrai os vasos sanguíneos

Estimula a salivação e as lágrimas Nervo facial (NC VII)

Nervo glossofaríngeo (NC IX)

Cranial

Relaxa as vias aéreas

Pulmões

Cervical

Acelera o batimento cardíaco Causa piloereção

Contrai vias aéreas

Cervical

Lentificação do batimento cardíaco Coração Estimula a produção e liberação de glicose

Estimula a secreção da glândula sudorípara

Torácica

Nervo oculomotor (NC III)

Torácico

Fígado Inibe a digestão

Estimula a digestão

Nervo vago (NC X)

Gânglio celíaco Estômago Estimula a secreção de adrenalina Pâncreas Lombar

Gânglio mesentérico superior Sacral

Gânglio mesentérico inferior

Vesícula biliar Estimula a liberação da bile e das secreções pancreáticas Dilata os vasos sanguíneos

Lombar

Intestino delgado

Intestino grosso

Sacral

Reto Contrai esfíncter

Cadeia simpática

Bexiga Estimula o esvaziamento da bexiga vesical

Estimula o orgasmo

Estimula a excitação sexual (homem)

Estimula a contração do músculo liso Estimula o ingurgitamento e as secreções (mulher)

Neurônios adrenérgicos (noradrenalina) Neurônios colinérgicos (acetilcolina)

FIGURA 4.4 Organização do sistema nervoso autônomo. (De Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore:Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90, com permissão.)

Capítulo 4

Sistema nervoso central e autônomo

reticular intermediária do bulbo. Tanto o SNS como o SNP têm fibras aferentes e eferentes que fecham um circuito entre a medula espinal e os órgãos viscerais, levando a reflexos que visam a um estado de equilíbrio do organismo. As vias aferentes têm receptores nos órgãos viscerais, sensíveis a estímulos mecânicos e químicos e a variações da temperatura. Os impulsos são transmitidos ao longo dos nervos somáticos ou autonômicos por meio de raízes dorsais em direção à medula espinal ou por meio dos nervos cranianos em direção ao tronco cerebral. As fibras aferentes desempenham um papel importante na condução dos impulsos da dor visceral e na regulação da função visceral. A diferença entre o SNA e a inervação somática é que a transmissão dos impulsos a partir do SNC em direção aos órgãos efetores é conduzida por meio da conexão de neurônios multipolares para ambas as divisões do SNA, enquanto a inervação motora somática contém apenas um neurônio (Fig. 4.5) O SNA contém fibras e gânglios eferentes que são agrupados em dois grupos separados, o toracolombar (para o SNS) de T1-L2 e o craniossacral para o SNP (Fig. 4.4). Os axônios pré-ganglionares são curtos, mielinizados e colinérgicos e deixam a medula espinal entrando nos ramos comunicantes brancos que conectam com os gânglios pré-vertebrais ou paravertebrais. Os axônios pós-ganglionares continuam por meio dos ramos comunicantes cinzentos e seguem com os vasos sanguíneos e nervos em direção aos órgãos terminais. Esses axônios são longos, desmielinizados e primariamente adrenérgicos, com exceção das glândulas sudoríparas, que são colinérgicas. O SNP sai do SNC pelos nervos cranianos III, VII, IX e X e pelas raízes sacrais. As fibras

Sistema nervoso somático

Sistema nervoso autônomo Simpático

Parassimpático

Sistema nervoso central

Fibras pré-ganglionares (mielinizadas) Neurônio motor somático (mielinizado)

Gânglios autonômicos Fibras pós-ganglionares

Mielina

Músculo esquelético

Músculo cardíaco

Músculo liso

Glândulas

Órgãos efetores

FIGURA 4.5 Vias eferentes do sistema nervoso somático e autônomo. (De Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90, com permissão.)

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76

Fundamentos de anestesiologia clínica pré-ganglionares são mielinizadas, colinérgicas e muito longas, pois os gânglios estão localizados próximos ao órgão final. As fibras pós-ganglionares são curtas e colinérgicas.

A. Sistema nervoso simpático (adrenérgico) Os corpos celulares do SNS são encontrados nas colunas celulares intermediolaterais da região torácica e lombar alta T1-L1, L2, L3 da medula espinal e estão organizados de modo somatotópico (Fig. 4.4). A próxima conexão é feita com os gânglios paravertebrais ou pré-vertebrais. Os gânglios paravertebrais estão organizados em cadeias direita e esquerda que acompanham paralelamente a extensão da coluna toracolombar. Os gânglios pré-vertebrais estão localizados em plexos que envolvem muitos ramos da aorta abdominal, e o melhor exemplo disso são os gânglios celíacos encontrados ao redor da emergência do ramo da artéria celíaca. As fibras pré-sinápticas que saem da medula espinal seguem vários trajetos possíveis; a maioria se conecta com os gânglios paravertebrais na vizinhança imediata da medula espinal, seja no mesmo nível ou em nível imediatamente adjacente. As fibras que formam o nervo esplâncnico passam pelo tronco simpático para fazer sinapse com os gânglios pré-vertebrais. As fibras simpáticas pós-sinápticas induzem a vasomotricidade, a pilomotricidade das glândulas sudoríparas (Tab. 4.1). O gânglio cervical superior situa-se no topo da cadeia simpática e inerva a função orgânica na cabeça. A inervação das vísceras é suprida pelos nervos esplâncnicos, comumente distribuídos em duas subcategorias (Fig. 4.4). A primeira categoria compreende os nervos esplâncnicos cardiopulmonares, que fornecem a inervação cardíaca, pulmonar e esofágica. Na segunda categoria estão os nervos esplâncnicos pélvicos abdominais, que são subdivididos em nervos esplâncnicos maiores, menores, torácicos e lombares, com fibras pós-sinápticas que seguem os ramos da aorta abdominal em direção aos respectivos órgãos. A única exceção é a glândula suprarrenal, que recebe a inervação das fibras pré-sinápticas que passam pelo gânglio celíaco sem fazer sinapse e terminam nas células da glândula suprarrenal. A medula suprarrenal libera neurotransmissores diretamente para a corrente sanguínea, produzindo uma resposta simpática importante e considerável.

B. Sistema nervoso parassimpático (colinérgico) O termo craniossacral é atribuído ao SNP porque os corpos celulares pré-sinápticos estão localizados nesses dois locais no SNC (Fig. 4.4). Assim, as duas subdivisões do SNP são a saída parassimpática cranial, que começa no tronco cerebral e sai do SNC com os nervos III, VII, IX e X, e a saída parassimpática sacral, que começa na porção sacral da medula espinal S2-4 e sai pelas raízes anteriores do nervo espinal sacral e dos nervos esplâncnicos pélvicos. A inervação é direcionada à cabeça a partir das porções craniais, enquanto a porção sacral do SNP inerva os órgãos pélvicos. Pode parecer que os órgãos torácicos e abdominais são menos bem representados pela inervação parassimpática. No entanto, o fluxo de saída da porção cranial do SNP por meio do nevo vago (X) controla todos os órgãos torácicos e abdominais e a maior parte do trato gastrintestinal a partir do esôfago até a flexura intestinal esquerda. O restante do colo do intestino é inervado pela saída sacral. Diferentemente do SNS, o SNP tem uma distribuição mais limitada. Também, de forma diferente do SNS, as fibras pré-sinápticas do SNP são longas, enquanto as fibras pós-sinápticas são curtas.

C. Transmissão do sistema nervoso autônomo A condução nervosa é iniciada por um potencial de ação (Fig. 4.6A). A velocidade da condução depende de vários fatores: o número de sinapses, o diâmetro da fibra

Capítulo 4 TABELA 4.2

Sistema nervoso central e autônomo

77

Classificação e velocidades de condução das fibras nervosas

Descrição das fibras nervosas

Grupo

Diâmetro ␮m

Velocidade de condução (m/s)

Alfa ()

20

120

Beta () Somáticas mielinizadas

A

5-40 (fibras da dor)

Gama () Delta ()

3-4

5-40 (fibras da dor)

Epsilon ()

2

5

Viscerais mielinizadas (autonômicas pré-ganglionares)

B

3

3-15

Somáticas não mielinizadas

C

2

0,5-2 (fibras da dor)

De Grecu L. Autonomic nervous system: Physiology and Pharmacology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. th Clinical Anesthesia. 7 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:362–407, com permissão.

nervosa, o isolamento da fibra nervosa e a condução (Fig. 4.6B-D e Tab. 4.2). A transmissão da excitação através das fendas sinápticas é feita por meio da liberação de substâncias químicas específicas que, por sua vez, se conectam a um receptor em um órgão, sendo, por fim, seguida de uma resposta biológica. O SNA pode ser novamente dividido de acordo com o transmissor específico liberado no nível sináptico. A transmissão pré-ganglionar tanto do SNS como do SNP envolve a secreção de acetilcolina (ACh). Porém, no nível efetor, o SNS libera predominantemente noradrenalina, com poucas exceções nos terminais nervosos vasculares simpáticos. No nível efetor, o SNP libera ACh.

D. Transmissão do sistema nervoso parassimpático A ACh, diferentemente de outros mediadores, não pode ser reciclada. Portanto, ela precisa ser constantemente produzida no terminal pré-sináptico. Esse processo químico é catalisado pela acetilcolina transferase e inclui a acetilação da colina pela acetil coenzima A. A liberação de ACh depende da liberação de cálcio (Ca2) a partir do espaço intersticial. A rápida recuperação para a linha basal é essencial para uma regulação adequada da função de um órgão efetor. Assim, a ACh precisa ser rapidamente removida da fenda sináptica por meio de hidrólise pelas colinesterases plasmáticas (acetilcolinesterase e pseudocolinesterase), encontradas ao nível dos neurônios na junção neuromuscular. Essas enzimas hidrolisam a ACh e outros fármacos, tais como anestésicos locais do tipo éster e succinilcolina e outros.

VÍDEO 4.2 Junção neuromuscular

E. Transmissão do sistema nervoso simpático Os principais mediadores para o SNS são a noradrenalina e a adrenalina, com um predomínio significativo da noradrenalina. A ACh é o transmissor das fibras pré-ganglionares do SNS. Na glândula suprarrenal (medula), as células cromafins liberam níveis significativos de adrenalina e noradrenalina para a circulação, com um predomínio de adrenalina. Quando esses mediadores são liberados na circulação, são considerados hormônios, pois são sintetizados, armazenados e liberados pela glândula suprarrenal (4). Existem três mecanismos possíveis para a inativação da noradrenalina. A noradrenalina é removida da fenda sináptica por (a) recaptação nos terminais pré-sinápticos (mecanismo preponderante), (b) absorção extraneuronal por meio de células efetoras e (c) difusão. A noradrenalina e a adrenalina, removidas por captação extraneuronal,

Os neurotransmissores noradrenalina e adrenalina liberados na circulação a partir da medula suprarrenal são denominados hormônios.

Potencial da membrana (mV)

78

Fundamentos de anestesiologia clínica

20

A

0

Potencial de ação

B

Canais de Na+ abertos e inativos

−20

Axônio

Canais de K+ abertos e desativados

−40

Estímulo

−60 −80

Axônio lento (1 m/s) Exemplo: neurônio lento da dor (1 ␮m diâmetro)

C Potencial de repouso 0

1 2 Tempo (ms)

Neurônio rápido (30 m/s) Exemplo: neurônio de toque na pele (3 ␮m diâmetro)

3

Mielina

Axônio

Estímulo Mielina

Canal de Na+

Axônio Disseminação passiva da corrente

Canais de Na+ abertos A corrente passiva trafega muito rapidamente e é amplificada pelos canais de Na+ no próximo nódulo antes de se decompor completamente

Axônio rápido (100 m/s)

D Exemplo: ␣-motoneurônio (17 ␮m diâmetro)

Corrente passiva flui entre os nódulos Axônio

Mielina

FIGURA 4.6 A. Sequência de tempo dos eventos do canal durante um potencial de ação. B-D. Velocidade de condução axonal relacionada com a bainha de mielina e o diâmetro da fibra neuronal. (De Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore:Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90, com permissão.)

A corrente salta de nódulo para nódulo (= condução saltatória)

Corrente ativa mediada pelos canais de Na+ nos nódulos amplifica o sinal para o próximo salto

Capítulo 4

Sistema nervoso central e autônomo

79

são metabolizadas pela monoaminoxidase (MAO) e catecol-O-metiltransferase (COMT), formando um produto final, o ácido vanilmandélico, que é eliminado pela urina. Assim, as catecolaminas endógenas são inativadas principalmente pela recaptação na sinapse. O fígado e os rins metabolizam principalmente as catecolaminas exógenas, e esse mecanismo confere uma duração de ação mais prolongada.

F. Receptores Receptores colinérgicos A ACh é o mediador mais comum para vários substratos, incluindo o SNP, a transmissão pré-sináptica do SNS e a junção neuroefetora do músculo estriado (Fig. 4.7). Os receptores colinérgicos são ainda divididos em duas subcategorias – nicotínicos e muscarínicos – baseadas em sua estimulação com predominância nicotínica ou muscarínica, respectivamente, embora ambos os tipos respondam à ACh. Os receptores muscarínicos estão localizados nos terminais pós-ganglionares do SNP dentro do músculo cardíaco e liso. Sua estimulação induz à bradicardia, broncoconstrição, miose, salivação e aumento da motilidade gastrintestinal. Esses efeitos podem ser inibidos pelo bloqueio dos receptores com a atropina. Esses receptores são subclassificados em cinco subgrupos, de modo que M1, M4 e M5 estão localizados principalmente no SNC e estão envolvidos em processos complexos tais como ativação da memória, atenção e

Central Simpático (toracolombar)

Periférico Tronco simpático Gânglios

Pré-ganglionar

Gânglios colaterais

Pós-ganglionares

Noradrenalina

ACh (nicotínico) Pré-ganglionar

Pós-ganglionares

Coração Pulmão Músculos lisos Glândulas salivares

ACh Glândulas sudoríparas

ACh (nicotínico) Pré-ganglionar

Pós-ganglionares Noradrenalina ACh (nicotínico)

Vísceras

Medula suprarrenal Noradrenalina ACh Adrenalina

Pré-ganglionar

Parassimpático (sacral)

VÍDEO 4.3 Sistema nervoso autônomo

Víscera (pós-ganglionar) Pré-ganglionar Pré-ganglionar Pós-ganglionar

ACh

ACh

Muscarínico

FIGURA 4.7 Diagrama esquemático do sistema nervoso autônomo eferente. Os impulsos aferentes são integrados centralmente e enviados reflexamente para os receptores adrenérgicos e colinérgicos. As fibras simpáticas que terminam na medula suprarrenal são pré-ganglionares, e o neurotransmissor é a acetilcolina (ACh). A estimulação das células cromafins que atuam como neurônios pós-ganglionares libera a adrenalina e a noradrenalina. (De Grecu L. Autonomic nervous system: Physiology and pharmacology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia:Lippincott Williams & Wilkins; 2013:362–407, com permissão.)

80

Fundamentos de anestesiologia clínica analgesia. Os receptores M1 são encontrados nos gânglios autonômicos e nas células parietais do estômago; os receptores M2 estão localizados principalmente no coração, e os receptores M3 são encontrados em músculos lisos. O receptor M4 é encontrado no SNC e inibe a adenosina 3’,5’-monofosfato cíclica (AMPc). O receptor M5 regula o Ca2 intracelular como uma via sinalizadora. Os receptores nicotínicos estão localizados na junção sináptica dos gânglios do SNS e do SNP, sendo a nicotina em baixas doses estimulatória e, em altas doses, inibitória. A estimulação do SNS é seguida de taquicardia e hipertensão decorrentes da liberação de adrenalina e noradrenalina da medula suprarrenal. Se a dose de nicotina é aumentada ainda mais, os sintomas apresentados são hipotensão e fraqueza neuromuscular, uma vez que ela se torna inibitória.

Receptores adrenérgicos Os receptores adrenérgicos são uma classe de receptores acoplados à proteína G que são estimulados pelas catecolaminas. São divididos em dois tipos,  e . Adicionalmente, cada categoria é subdividida em 1 e 2 e 1 e 2, respectivamente. Recentemente, foi identificada outra categoria, um receptor 3, presente no tecido adiposo. Outra categoria de receptores adrenérgicos periféricos inclui os receptores dopaminérgicos (DA, dopaminergic receptors, em inglês) D1 e D2, respectivamente, que foram identificados nos vasos do SNC, renais, mesentéricos e coronarianos (Tabela 4.3). Classicamente, os receptores 1 estão localizados no músculo liso dos vasos periféricos, artérias coronárias, pele, útero, mucosa intestinal e leito esplâncnico. O efeito nos vasos é a vasoconstrição, enquanto no trato intestinal o efeito é de relaxamento. Existe evidência de que existem receptores 1 dentro do miocárdio, de forma que o uso de antagonistas 1-adrenérgicos pode produzir efeitos antiarrítmicos. Os 2 pré-sinápticos atuam como inibidores da liberação de noradrenalina na fenda sináptica, portanto modulam o fluxo parassimpático, resultando na diminuição da frequência cardíaca, do inotropismo, do débito cardíaco e em vasodilatação. Os 2 pós-sinápticos são responsáveis pela vasoconstrição, agregação plaquetária, inibição da liberação de insulina e motilidade intestinal, bem como pela liberação do hormônio antidiurético. A ativação dos receptores -adrenérgicos induz a ativação da adenilciclase seguida pela conversão da adenosina trifosfato em AMPc. Os receptores 1 estão presentes principalmente no miocárdio, nó sinoatrial e sistema de condução ventricular. Os receptores 2 predominam no músculo liso dos vasos sanguíneos, pele, músculos e mesentério e na árvore brônquica. Os receptores dopaminérgicos são encontrados no SNC, nos vasos sanguíneos e nos nervos simpáticos pós-ganglionares. São divididos em diversas subcategorias, sendo clinicamente importantes as dos receptores DA1 e DA2. O DA1 é apenas pós-sináptico, e seu efeito é principalmente vasodilatador; o DA2 é pré e pós-sináptico. O DA2 pré-sináptico é similar ao 2 pré-sináptico e, assim, inibe a liberação de noradrenalina, induzindo a vasodilatação, enquanto o DA2 pós-sináptico é similar ao 2 pós-sináptico, induzindo a vasoconstrição. Outros receptores incluem os receptores da adenosina que têm a função de reduzir a liberação de noradrenalina, o que diminui a pressão arterial, especialmente em circunstâncias que envolvem condições hipóxicas (redução da demanda de oxigênio). A serotonina reduz a liberação de noradrenalina na fenda sináptica por meio da redução dos íons cálcio disponíveis. As prostaglandinas E2, a histamina e alguns opioides parecem atuar reduzindo a liberação de noradrenalina em determinados níveis. Seus antagonistas diretos não atuam aumentando a liberação de noradrenalina no nível sináptico.

Capítulo 4 TABELA 4.3

Sistema nervoso central e autônomo

81

Receptores adrenérgicos

Receptor

Local sináptico

Local anatômico

Ação

Função do VE e volume de batimento

1

Pós-sináptico

Músculo liso vascular periférico

Constrição

Diminuído

Músculo liso vascular renal

Constrição

Artérias coronárias, epicárdicas

Constrição

Miocárdico 30-40% de tônus Inotropismo positivo de repouso

2

Pré-sináptico

Túbulos renais

Antidiurética

Liberação do músculo liso vascular periférico

Inibe noradrenalina Vasodilatação secundária

Coronárias SNC

? Inibição da atividade do SNC Sedação Redução da CAM

Coronárias, endocárdicas SNC

Constrição Inibição da liberação de insulina Redução da motilidade intestinal Inibição do hormônio antidiurético Analgesia

Túbulo renal

Promove a excreção de Na2 e H2O

Pós-sináptico noradrenalina-sensível

Miocárdio

Inotropismo e cronotropismo positivo

Nódulo sinoatrial (SA) Condução ventricular Rim Coronárias

Liberação de renina Relaxamento

Pré-sináptico noradrenalina-sensível

Miocárdio Acelera a liberação de noraVasos de condução do nódulo drenalina ventricular SA Ação oposta ao agonista pré-sináptico 2 Miocárdio Constrição Inotropismo e cronotropismo positivo Relaxamento Relaxamento Músculo liso vascular Músculo bronquial liso

Pós-sináptico

1

2

Pós-sináptico (extrassináptico) (adrenalina-sensível)

3

Tecido adiposo Vasos renais

Aumentado

Aumentado

Diminuído

Aumentado

Aumentado

Intensifica a lipólise Relaxamento (continua)

82

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 4.3

Receptores adrenérgicos (continuação)

Receptor

Local sináptico

Local anatômico

Ação

Função do VE e volume de batimento

DA1

Pós-sináptico

Vasos sanguíneos (renais, mesentéricos, coronários)

Vasodilatação

Aumentado

Túbulos renais

Natriurese Diurese

Células justaglomerulares

Liberação de renina (modula a diurese)

Gânglios simpáticos

Inibição menor

Pré-sináptico

Nervos simpáticos pós-ganglionares

Inibe a liberação de noradrenalina

Pós-sináptico

Vasculatura renal e mesentérica

Vasoconstrição secundária ? Vasoconstrição

DA2

Aumentado

Na2, íon sódio; CAM, cuidado anestésico monitorado (monitored anesthesia care, em inglês); SNC, sistema nervoso central; SA, sinoatrial; DA, dopamina; VE, ventrículo esquerdo. th De Grecu L. Autonomic nervous system: Physiology and pharmacology. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7 ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:362–407, com permissão.

Em geral, o número de receptores adrenérgicos é inversamente proporcional à concentração de catecolaminas circulantes.

A hipotensão ortostática é um prenúncio de um aumento da morbidade e mortalidade perioperatória e deve ser considerada um fator de risco adicional para determinados pacientes.

O número de receptores varia dependendo de fatores fisiológicos, genéticos e do desenvolvimento. Os receptores são produzidos pelo retículo sarcoplasmático e são exteriorizados na membrana sináptica. Às vezes, os mesmos receptores podem ser internalizados para serem reciclados. As catecolaminas induzem um efeito direto sobre o número ou sobre a concentração dos receptores, o que é denominado regulação positiva ou regulação negativa, e essas podem mudar com a alteração ou interrupção da administração de fármacos adrenérgicos.

G. Reflexos do sistema nervoso autônomo Quando acontece uma interrupção das vias autonômicas decorrente de várias condições patológicas, espera-se uma perda da função normal. Um exemplo é a síndrome de Horner, que está associada com ptose, miose e anidrose (queda palpebral, incapacidade de aumentar o diâmetro da pupila e incapacidade de suar, respectivamente), sendo determinada pela interrupção das respectivas vias simpáticas (p. ex., bloqueios de nervos tais como o bloqueio do nervo interescaleno). Testes que podem ser usados para determinar a disfunção autonômica incluem o monitoramento dos parâmetros cardíacos durante alterações posturais (tilt table test ou teste de inclinação ortostática), teste de pressão pelo frio (cold pressor test), que consiste em imersão da mão em água gelada, manobra de Valsalva e exames de velocidade de condução nervosa monitorando alterações térmicas e da sudorese. A característica mais comum da disfunção autonômica é a hipotensão ortostática com uma diminuição de pelo menos 20 mmHg na pressão arterial sistólica ou uma redução de 10 mmHg na pressão arterial diastólica após permanecer em pé durante três minutos. A manobra de Valsalva requer a expiração forçada contra uma resistência e tem o propósito de diminuir o retorno do sangue venoso para o tórax, com uma redução subsequente da pressão arterial. Uma resposta normal é detectada pelos barorreceptores, e um aumento da frequência cardíaca mediada por meio do simpático pode ser esperado. Por outro lado, os pacientes com disautonomia não apresentarão o aumento esperado da frequência cardíaca.

Capítulo 4

Sistema nervoso central e autônomo

Referências 1. Preston RR, Wilson TE. Sensory and motor systems. In: Harvey RA, ed. Physiology. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:53–90. 2. Moore KL, Dalley AF II, Agur AMR. Moore Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2013. 3. McGrane S, Atria NP, Barwise JA. Perioperative implications of the patient with autonomic dysfunction. Curr Opin Anaesthesiol. 2014;27:365–370. 4. Grecu L. Autonomic nervous system: Physiology and pharmacology. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:362–407.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Uma mulher de 80 anos de idade recebeu midazolam 2 mg como pré-medicação para um procedimento ginecológico sem intercorrências com duração de 30 minutos (infusão de propofol e fentanil). Dez minutos após sua chegada à SRPA, a paciente apresentou delirium de início recente. Você optou para tratar com: A. Fisostigmina ou piridostigmina, uma vez que ambos cruzam a barreira hematoencefálica B. Fisostigmina ou piridostigmina, uma vez que nenhum deles cruza a barreira hematoencefálica C. Fisostigmina, uma vez que ela atravessa a barreira hematoencefálica D. Piridostigmina, uma vez que ela atravessa a barreira hematoencefálica 2. Durante uma visita pós-operatória, oito horas após uma cirurgia do braço sob bloqueio interescaleno, a paciente se queixa de diplopia e rouquidão. Veja a imagem do exame físico a seguir. Essa complicação é resultado de:

3. Uma mulher de 45 anos de idade foi submetida a uma histerectomia abdominal aberta há 24 horas, sob raquianestesia. Durante a visita pós-operatória, ela se queixa de dor de cabeça latejante e diplopia na posição sentada ou em pé, que melhora quando ela se deita na posição plana. Sua avaliação da paciente inclui:

A. Consulta neurocirúrgica imediata B. Tratamento com um tampão sanguíneo peridural (blood patch) imediatamente C. Observação, repouso no leito e líquidos durante 24 horas, pois isso representa um estiramento do nervo craniano III D. Observação, repouso no leito e líquidos durante 24 horas, pois isso representa um estiramento do nervo craniano VI 4. Os únicos hormônios sintetizados no hipotálamo são: A. Hormônio de crescimento e somatostatina B. Ocitocina somatostatina C. Hormônio antidiurético e ocitocina D. Adrenalina e noradrenalina

A. Bloqueio anestésico do gânglio estrelado e do nervo laríngeo recorrente B. Miastenia grave C. Hemorragia intracerebral D. Cefaleia enxaquecosa

5. A diferença entre um nervo somático eferente e a via nervosa autonômica eferente típica é: A. Os gânglios simpáticos localizados à distância da medula espinal B. Os gânglios parassimpáticos estão localizados próximos do órgão-alvo C. Os corpos celulares somáticos eferentes atravessam a raiz posterior da medula espinal D. O interneurônio somático eferente encontra-se no gânglio espinal

Capítulo 4 6. A fibra nervosa com a velocidade de transmissão mais rápida é: A. Fibra da dor B. Axônio do toque C. Neurônio motor D. Fibras não mielinizadas

Sistema nervoso central e autônomo

85

7. Na avaliação clínica pré-operatória, você suspeita que um paciente tenha uma disfunção autonômica. Você testa seu diagnóstico com uma manobra de Valsalva. Qual dos itens a seguir apoia sua teoria? A. Aumento da pressão arterial média em 20% do estado de repouso B. Redução da frequência cardíaca em 15% C. Redução da pressão arterial sistólica de 30 mmHg a partir do estado de repouso D. Taquicardia e aumento do débito cardíaco

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Sistema renal Susan Garwood

5

I. Anatomia e fisiologia renal A. Anatomia Os rins são órgãos retroperitoneais pareados que se localizam obliquamente na parte superior dos espaços paravertebrais (Fig. 5.1) e são supridos pelas artérias renais. A artéria renal passa posteriormente à veia cava inferior, entra no hilo renal e geralmente se divide para formar os ramos anterior e posterior. As veias renais drenam os rins e também recebem a drenagem venosa das glândulas suprarrenais, gônadas, diafragma e parede corporal. A linfa drena para os nodos linfáticos lombares por meio de nodos situados localmente. A inervação simpática se origina dos plexos celíaco e intermesentérico e segue com as artérias renais. A inervação parassimpática é derivada dos nervos esplâncnicos que incluem as fibras da dor. O parênquima renal é revestido por uma membrana fibrosa fina, porém resistente (exceto pelo hilo) e é dividida em duas regiões: o córtex e a medula (Fig. 5.1). O córtex é a porção periférica do rim e contém bandas alternadas do labirinto cortical (glomérulos e túbulos contorcidos) e feixes paralelos de túbulos retos (raios medulares). A medula é a parte mais profunda do parênquima e é dividida em região externa, que contém o ramo ascendente espesso da alça de Henle, e região interna, que é marcada pela ausência de alças de Henle. A região externa da medula é dividida ainda em uma faixa externa e uma interna, que são definidas pela presença (externa) ou ausência (interna) de túbulos proximais (Fig. 5.1). Os túbulos da medula são arranjados em pirâmides, que são orientadas com a base em direção ao córtex e a ponta (papila) em direção ao cálice menor para onde a urina é drenada.

Os rins recebem a maior porcentagem de débito cardíaco entre os órgãos centrais (25%).

B. Fisiologia: correlação da estrutura e função Néfron O néfron é a unidade estrutural e funcional do rim e é responsável pela formação da urina. Ele tem um papel dominante na homeostase da água e dos eletrólitos, no equilíbrio acidobásico e no controle da pressão arterial. O néfron compreende um glomérulo e um túbulo (Fig. 5.2). O glomérulo é um novelo capilar envolto por uma estrutura fibrosa chamada cápsula de Bowman, juntos conhecidos como corpúsculo renal – e é onde ocorre a filtração do sangue. A absorção e a secreção ocorrem no túbulo renal

VÍDEO 5.1 Regulação renal da água

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Fundamentos de anestesiologia clínica A urina drena de uma ponta da pirâmide (papila) para um cálice menor.

Pirâmide Papila Cálice menor

Artéria renal

Córtex

Néfron

Cálice maior Veia renal Pelve renal Ureter

Cápsula Urina

Cálices maiores drenam na pelve renal. O ureter drena a urina para a bexiga.

A

Medula interna

Papila

Medula externa, faixa interna Medula externa, B faixa externa

FIGURA 5.1 A. Anatomia macroscópica do rim. B. Faixas medulares interna e externa. (De Preston RR, Wilson TE. Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

(túbulo contorcido proximal, alça de Henle e túbulo contorcido distal). O filtrado de cada néfron drena para dentro do sistema de ductos coletores e passa em direção aos cálices renais.

Glomérulo

As células da mácula densa são posicionadas para captar alterações nos líquidos tubulares e interagir com as células efetoras do aparelho justaglomerular, produzindo alterações no fluxo sanguíneo e na taxa de filtração glomerular (retroalimentação tubuloglomerular).

Os glomérulos são supridos por uma arteríola aferente e drenados por uma arteríola eferente. Eles podem ser divididos em glomérulos superf iciais (80-85% dos glomérulos; localizados próximos à capsula renal e associados com alças de Henle curtas) e glomérulos justamedulares (15-20% dos glomérulos, que têm longas alças de Henle se estendendo profundamente na medula) (Fig. 5.3). Os capilares têm três camadas (endotélio fenestrado no lado do sangue, epitélio visceral no lado do filtrado e uma membrana basal no meio), que cria uma barreira de filtração e provê uma filtração seletiva do sangue.

Aparelho justaglomerular O aparelho justaglomerular compreende as arteríolas aferente e eferente, as células mesangiais extraglomerulares e a mácula densa (Fig. 5.4). A mácula densa é uma região do ramo ascendente espesso, especializada, distal da alça de Henle do néfron de origem. Ela é formada a partir de células colunares baixas que têm suas membranas apicais expostas ao líquido tubular e o aspecto basilar em contato com células do mesângio e com a arteríola aferente. Há junções comunicantes (gap junctions) entre as células mesangiais, servindo como um elo funcional entre a mácula densa, as arteríolas glomerulares e o mesângio.

Capítulo 5 Túbulo contorcido proximal Reabsorção de água, íons e todos os nutrientes orgânicos

Sistema renal

Túbulo contorcido distal Secreção de íons, ácidos, drogas, toxinas. Reabsorção variável de água, íons sódio e íons cálcio (sob controle hormonal)

Túbulo renal NÉFRON Espaço capsular Glomérulos Arteríola eferente

SISTEMA COLETOR

Arteríola aferente Cápsula de Bowman

Ramo ascendente da alça termina

Ramo descendente da alça começa

Ducto coletor Reabsorção variável de água e reabsorção ou secreção de íons sódio, potássio, hidrogênio e bicarbonato

Ramo ascendente espesso

Corpúsculo renal Produção de filtrado

Ramo ascendente delgado LEGENDA

Ramo descendente

Água Solutos Filtrado

Ramo ascendente

Alça de Henle Maior reabsorção de água (alça descendente) e dos íons sódio e cloro (alça ascendente)

FIGURA 5.2

Ducto papilar Fornecimento de urina ao cálice menor Cálice menor

O néfron: estrutura e função. NÉFRON JUSTAMEDULAR

NÉFRON SUPERFICIAL

Capilares glomerulares Espaço de Bowman

Túbulos conectores (TCNs) Túbulo contorcido proximal

Mácula densa

Túbulo contorcido distal (TCD)

Túbulo contorcido proximal (TCP)

CÓRTEX Faixa externa MEDULA EXTERNA Faixa interna

MEDULA INTERNA

Ducto coletor cortical (DCC) Túbulo reto proximal

Túbulo reto proximal (TRP) Ramo ascendente delgado (RAD)

Ducto coletor medular externo (DCME) Alça de Henle Para a bexiga

Ramo ascendente espesso Ducto coletor medular interno (DCMI)

Ramo ascendente Ramo ascendente delgado (RAD) espesso (RAE)

FIGURA 5.3 Tipos de néfrons e o sistema de ductos coletores. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Arteríola eferente

Ramo ascendente espesso

Arteríola aferente

Ramo ascendente espesso

Mácula densa

Capilares glomerulares

Arteríola eferente

Células mesangiais fornecem uma via para comunicação entre a mácula densa e as duas arteríolas

Mácula densa Células mesangiais

Lúmen do tubo

Células granulares contendo renina Arteríola aferente Células granulares contendo renina, que é liberada na circulação quando as velocidades de fluxo são baixas.

FIGURA 5.4 Aparelho justaglomerular. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

Túbulo proximal e alça de Henle A estrutura celular do túbulo proximal é altamente especializada, refletindo a elevada demanda energética necessária para uma variedade de funções complexas de transporte (Tab. 5.1). Praticamente nenhum transporte ativo ocorre na parte descendente da alça de Henle (Fig. 5.4). A concentração de urina ocorre nessa parte da alça por meio de transportadores passivos de ureia e canais simples de água. O ramo ascendente espesso é onde ocorre o transporte ativo impulsionado pela Na-K-adenosina-trifosfatase que reabsorve sódio e cloro. A mácula densa é a parte modificada do ramo ascendente espesso da alça de Henle que forma parte do aparelho justaglomerular (1).

Túbulo distal O túbulo distal é composto pelos túbulos contorcidos distais, o segmento conector e o túbulo coletor inicial (Fig. 5.3). As células dos túbulos contorcidos distais transportam

Capítulo 5 TABELA 5.1

Sistema renal

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Relações da estrutura e função celular no túbulo proximal

Segmento

Localização

Estrutura

Função

Túbulo contorcido proximal (S1)

Labirinto cortical

Células cuboides altas, longas Reabsorção maior de água, eletróbordas em escova e vilos, lonlitos, glicose e outros solutos, gas mitocôndrias situadas nas estimulada por transportadores dobras profundas da membrana e canais nas membranas apicais basolateral, vesículas apicais, e basolaterais. Reabsorção de abundantes lisossomos e peroproteínas de BPM e peptídeos xissomos por endocitose mediada por receptores

Túbulo reto S2

Raios medulares do córtex e da faixa externa da medula externa

Células cuboides mais baixas do Secreção de ácidos orgânicos, que S1, borda em escova mais biossíntese de lipídeos, destruicurta e menos vilos, menos ção do peróxido de hidrogênio mitocôndrias, vesículas e lisosmediada pela catalase somos, menos dobras basolaterais, menos peroxissomos

Túbulo reto S3

Predominantemente medula externa

Células cuboides com longa borda em escova, borda basolateral menos complexa do que S1 e S2, menos mitocôndrias, vesículas e lisossomos

Na, K-ATPase, sódio e potássio adenosina trifosfato; BPM, baixo peso molecular; S, segmento.

ativamente o sódio e têm cálcio ATPase, que é importante na reabsorção de cátions divalentes. Os segmentos de conexão ficam dentro do labirinto cortical, onde vários se juntam para formar o ducto coletor. As células do segmento de conexão são envolvidas similarmente no transporte do sódio e de cátions, mas, ao contrário das células dos túbulos contorcidos distais, elas têm canais de água.

C. Taxa de filtração glomerular A taxa de filtração glomerular (TFG) é o volume de filtrado formado por ambos os rins por minuto. Esse valor é de aproximadamente 125 mL/min em um paciente médio com função renal normal. Os líquidos e os solutos são forçados sob pressão a partir do glomérulo (arteríola aferente) para o espaço capsular (envolvido pela cápsula de Bowman) do corpúsculo renal. Uma membrana de filtração permite a passagem de líquidos e pequenos solutos para o espaço capsular com base no seu tamanho físico e na sua carga. A filtração ocorre por volume de fluxo impulsionado pela pressão hidrostática do sangue; pequenas moléculas passam rapidamente através da membrana de filtração enquanto grandes moléculas são retidas dentro da arteríola. O diâmetro relativamente grande das arteríolas aferentes e o pequeno diâmetro das arteríolas eferentes resultam em uma elevada pressão capilar (~60 mmHg). Essa pressão de propulsão é contraposta pela força oposta da pressão hidrostática capsular (~15 mmHg). Embora a concentração dos pequenos solutos seja a mesma através da membrana de filtração, grandes proteínas são retidas, e a pressão osmótica do sangue aumenta à medida que o líquido se move para fora do glomérulo. Isso resulta em uma pressão de filtração líquida global de aproximadamente 17 mmHg. Há uma relação direta entre a pressão de filtração e a taxa de filtração glomerular. Se a pressão hidrostática, a pressão osmótica dos capilares glomerulares ou a pressão hidrostática do espaço capsular se alterar, a taxa de filtração glomerular também irá se alterar.

A filtração glomerular é o determinante primário da composição da urina.

92

Fundamentos de anestesiologia clínica

Faixa autorregulatória

Velocidade de fluxo (L/min)

1,5

Fluxo sanguíneo renal

1,0

0,5 TFG

0 0

40 80 120 160 200 Pressão arterial média (mmHg)

240

A autorregulação do fluxo sanguíneo mantém uma taxa de filtração glomerular (TFG) estável durante alterações na pressão arterial.

FIGURA 5.5 Autorregulação do fluxo sanguíneo renal. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

D. Autorregulação do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular O fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular são autorregulados dentro de limites muito estreitos.

A autorregulação do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular são intimamente relacionadas. Em seres humanos normais, o fluxo sanguíneo renal é mantido quase constante em uma faixa de 70 a 120 mmHg de pressão arterial média (Fig. 5.5). Há três mecanismos pelos quais o fluxo sanguíneo renal e, logo, a taxa de filtração glomerular são regulados: resposta miogênica, retroalimentação tubuloglomerular e estimulação do sistema nervoso simpático.

Resposta miogênica A resposta miogênica é a propriedade intrínseca do músculo liso vascular pela qual as arteríolas se contraem devido ao aumento da pressão transmural e permitem um fluxo sanguíneo e uma taxa de filtração glomerular relativamente constantes (2).

Retroalimentação tubuloglomerular O mecanismo de retroalimentação tubuloglomerular ocorre por meio da mácula densa. Devido à sua proximidade com a arteríola aferente (Fig. 5.4), a mácula densa está posicionada perfeitamente de modo a criar uma alça de retroalimentação que controla o fluxo sanguíneo através do glomérulo. Se a resposta miogênica não regular completamente o fluxo sanguíneo através do glomérulo, a pressão capilar elevada aumenta a taxa de filtração glomerular, inibindo a reabsorção de sódio no túbulo proximal. O aumento do fornecimento de cloreto de sódio no líquido tubular que atinge a mácula densa no túbulo distal resulta em vasoconstrição da arteríola aferente (retroalimentação tubuloglomerular). O transporte de sódio aumentado no túbulo distal não é o único mecanismo que desencadeia a retroalimentação tubuloglomerular. O fluxo de líquido

Capítulo 5

Sistema renal

93

tubular, independentemente da concentração de sódio, é sentido pelos cílios primários localizados no aspecto apical (luminal) das células da mácula densa.

Sistema nervoso simpático Durante períodos de estresse, como na hipotensão ou hemorragia, a estimulação simpática supera a autorregulação. A descarga simpática aumentada causa constrição intensa de todos os vasos renais, reduzindo a taxa de filtração glomerular e subsequentes perdas de líquidos e eletrólitos. A atividade simpática renal aumentada diminui a excreção de sódio e água por (1) aumentar a reabsorção tubular de água e sódio por todo o néfron, (2) diminuir o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular por vasoconstrição das arteríolas e (3) aumentar a atividade do sistema renina-angiotensina pela liberação de renina das células granulares justaglomerulares (3).

E. Reabsorção tubular de sódio e água O sódio se move livremente a partir do glomérulo através da membrana de filtração e para dentro da cápsula de Bowman e tem a mesma concentração no líquido tubular e no plasma. Aproximadamente dois terços do filtrado que atinge o túbulo proximal são reabsorvidos e regulados tanto de forma aguda quanto crônica pela pressão arterial, pelo volume de líquido extracelular, sistema renina-angiotensina, sistema nervoso simpático e sistema natriurético dopaminérgico intrarrenal (4). O volume maior de sódio, cloro, bicarbonato, fosfato, glicose, água e outros substratos é reabsorvido nas células tubulares à medida que se movem passivamente pelo gradiente de concentração (Fig. 5.6). A sódio-potássio ATPase na membrana basolateral então bombeia ativamente o sódio para fora da célula e para dentro do líquido intersticial, mantendo uma baixa concentração intracelular. Isso mantém a força de propulsão para a entrada de sódio a partir do líquido tubular no lado luminal. A pressão coloide oncótica nos capilares que acompanham os túbulos proximais é alta porque grandes moléculas são retidas pela membrana de filtração da cápsula de Bowman. O sódio e a água são reabsorvidos a partir do líquido intersticial para dentro dos capilares por volume de fluxo mediado por forças hidrostáticas e forças osmóticas. A fração de sódio reabsorvido no túbulo proximal varia de acordo com as condições prevalecentes (Tab. 5.2). A reabsorção de água ocorre passivamente no túbulo proximal por osmose e é acoplada com o transporte de sódio através das células. A água também passa através das estreitas junções entre as células, o que permite a difusão de água e de pequenos íons. A alça de Henle tem três regiões distintas: o segmento descendente delgado, o segmento ascendente delgado e o segmento ascendente espesso. Os segmentos delgados têm membranas finas sem bordas com escova e poucas mitocôndrias (Fig. 5.3) devido à baixa necessidade metabólica. Há pouca reabsorção ativa de água ou solutos dentro desses segmentos. Contudo, o segmento delgado descendente é altamente permeável à água, mas não aos solutos. Portanto, à medida que a água se difunde

TABELA 5.2

Fatores que afetam a reabsorção de sódio pelo túbulo renal

Fatores que diminuem a reabsorção de sódio

Fatores que aumentam a reabsorção de sódio

Pressão arterial aumentada

Pressão arterial reduzida, hemorragia

Elevada ingestão de sal

Pouco sal na dieta

Volume extracelular aumentado

Estimulação simpática

Inibição da angiotensina II

Angiotensina II

Os nervos simpáticos renais inervam as arteríolas, os túbulos e o aparelho justaglomerular. Este regula o fluxo sanguíneo, a filtração glomerular, a reabsorção tubular de água e sódio e a atividade do sistema renina-angiotensina.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Lúmen tubular

Interstício e vasos sanguíneos

Célula epitelial

REABSORÇÃO PARACELULAR Junção de oclusão REABSORÇÃO TRANSTUBULAR Membrana apical

Membrana basolateral

Canais e transportadores ajudam na passagem através de duas membranas

A

Capilares peritubulares

Túbulo distal

Glomérulo

H2O

TRANSPORTE ATIVO

ELETRÓLITOS GLICOSE

K+

Na+

TRANSPORTE ATIVO

Cápsula de Bowman Na+ Túbulo proximal

TRANSPORTE NH3 ATIVO H+

H2O

H2O

B

FIGURA 5.6 A. Reabsorção a partir do lúmen tubular. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.) B. Transporte de substâncias através do glomérulo. (De Straight A’s in Anatomy and Physiology. Ambler, PA: Lippincott Williams & Wilkins; 2007:313, com permissão.)

Capítulo 5

Sistema renal

passivamente para fora das células, a osmolaridade do líquido tubular aumenta ao máximo na ponta da alça de Henle. Em contraste, tanto as partes delgada quanto a espessa do ramo ascendente são impermeáveis à água (Fig. 5.6). O sódio se move para dentro da célula de acordo com seu gradiente, que é mantido pela sódio-potássio ATPase basolateral. Ao mesmo tempo, o sódio cotransporta o potássio para dentro da célula contra o seu gradiente. O restante do néfron distal inclui o segmento de conexão (ou túbulo conector) e o ducto coletor (Figs. 5.2 e 5.3). Apenas uma pequena porcentagem do filtrado original atinge esses segmentos, mas a reabsorção de água e solutos é altamente regulada aqui e responde pelo ajuste fino da homeostasia de líquidos e eletrólitos pelo rim. Há populações celulares distintas no néfron distal. O segmento de conexão consiste em células conectoras e células intercaladas, enquanto o ducto coletor consiste em células principais e células intercaladas. A reabsorção de sódio no segmento de conexão e no ducto coletor é mediada pelas células conectoras e células principais por meio de canais de sódio apicais epiteliais sensíveis a hormônio (aldosterona). As células intercaladas são de dois tipos: tipo A, que secreta prótons e reabsorve potássio, e tipo B, que secreta bicarbonato e reabsorve cloro. A reabsorção de água, que ocorre em muito maior extensão no ducto coletor do que no segmento de conexão, está sob a influência do hormônio antidiurético (arginina vasopressina). O ducto coletor normalmente é relativamente impermeável à água. Contudo, ele se torna altamente permeável na presença de hormônio antidiurético.

F. Sistema renina-angiotensina-aldosterona O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) considera tradicionalmente que o angiotensinogênio (AGT) é produzido pelo fígado, sofre clivagem pela renina e é liberado pelas células justaglomerulares dos rins para formar a angiotensina I (Ang-I). Essa, por sua vez, sofre clivagem pela enzima conversa da angiotensina (ECA) produzida pelos pulmões para formar o hormônio ativo angiotensina II (Ang-II) (Fig. 5.7).

A renina catalisa a formação de Ang-I a partir do angiotensinogênio A renina é liberada pelas arteríolas aferentes renais Re n

PAM cai

Ang-I ina

Renina

ECA

Ang-II

PULMÕES

Angiotensinogênio +

Na

Arteríola aferente

A Ang-I é convertida em Ang-II pela ECA

FÍGADO

+

a

Na+

PAM se eleva

Na+

Aldosterona estimula a recuperação de Na+ a partir da urina

N

A Ang-II estimula a liberação da aldosterona pelas glândulas suprarrenais Ang-II

Na+

Na+

Na+ Aldosterona

Na+ +

O Na e a água aumentam o volume de sangue circulante: • Pré-carga • DC • PAM

Na+

Na+

Túbulo renal

GLÂNDULA SUPRARRENAL URINA

FIGURA 5.7 O sistema renina-angiotensina-aldosterona. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

95

96

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 5.3

Vasodilatadores renais

Fator

Local de ação

Óxido nítrico

Medula ⫹⫹⫹ Córtex ⫹⫹

Estimulação do nervo Efeito tardio prosimpático renal longado

50-70%

Angiotensina II Vasopressina

Efeito tardio prolongado

20-40%

SRA

Resposta inicial, curta duração

⬍ 20%

Prostaglandinas Medula ⫹⫹⫹ Córtex ⫹/⫺ EDHF

Medula ⫹⫹⫹ Córtex 0

Curso de tempo

Contribuição para a vasodilatação

Neutraliza principalmente

EDHF, fator hiperpolarizante derivado do endotélio (endothelial-derived hyperpolarizing factor, em inglês); SRA, sistema renina angiotensina.

O resultado líquido da ação da aldosterona é a reabsorção de sódio e água no ducto coletor, resultando em um aumento no volume intravascular e na pressão arterial sistêmica.

A Ang-II então se liga a receptores específicos no córtex suprarrenal, liberando aldosterona. O efeito combinado da SRAA produz vasoconstrição, aumento da pressão arterial e retenção de sódio mediada pela aldosterona no ducto coletor. O principal peptídeo efetor é a Ang-II, que se liga a dois receptores distintos: receptor da angiotensina do tipo 1 (AT1R) e receptor da angiotensina do tipo 2 (AT2R). Os AT1Rs são mais numerosos do que os AT2Rs em todo o corpo, e eles medeiam a vasoconstrição, a reabsorção tubular de sódio, a estimulação simpática e a secreção de aldosterona, vasopressina e endotelina. Na verdade, o SRAA é um esquema muito mais complexo, envolvendo vias independentes da ECA e, mais importante, o SRAA local (parácrino) e mesmo intracelular (intrácrino) dentro dos rins (5). No estado fisiológico normal, o equilíbrio da água e do sódio parece estar predominantemente sob o controle do SRAA local em vez do SRAA circulante. Estudos celulares localizaram AGT, Ang-I, Ang-II e renina nas células tubulares proximais e justaglomerulares e mostraram que a liberação desses peptídeos é finamente regulada e independente do SRAA circulante. O elemento final do SRAA é a aldosterona, o hormônio mineralocorticoide que é secretado na zona glomerulosa da glândula suprarrenal sob a influência da adrenocorticotrofina (ACTH), Ang-II e aumento do potássio sérico.

G. Resposta vasodilatadora renal

O nível sérico de creatinina não se eleva até que pelo menos metade dos néfrons tenha sido destruída ou danificada. Assim, os níveis de creatinina com frequência são preferidos para monitorar a função renal no longo prazo.

A exposição ao estresse – e a cirurgia é uma situação de estresse – resulta na ativação de fatores vasopressores (SRAA, descarga simpática, liberação de vasopressina), que mantêm ou aumentam a pressão arterial sistêmica, mas apresentam um impacto negativo na circulação renal. Contudo, o rim é protegido em vários graus pelos efeitos parácrinos de vários vasodilatadores intrarrenais, incluindo o óxido nítrico, as prostaglandinas e inúmeros metabólitos agrupados juntos como fator hiperpolarizante derivado do endotélio (Tab. 5.3) (6).

II. Avaliação clínica do rim O método tradicional de medição do débito urinário durante cirurgia não mostrou prever a função renal pós-operatória. Os níveis de creatinina sérica são igualmente preditivos do desfecho renal, uma vez que dependem de inúmeros fatores, alguns dos quais podem se alterar dramaticamente durante o período perioperatório (Tab. 5.4). Alterações na creatinina sérica durante o período perioperatório mostraram ser mais

Capítulo 5 TABELA 5.4

Sistema renal

97

Fatores que afetam os níveis de creatinina sérica

Fatores fisiológicos que afetam a creatinina sérica

Fármacos que afetam a creatinina sérica

Idade, gênero, etnia

Cimetidina, trimetoprima, sulfametoxalato, derivados do ácido fíbrico – diminui a secreção tubular

Massa muscular, doenças musculares

Algumas cefalosporinas – interferem com os estudos

Ingestão de proteínas

Corticosteroides, metabólitos da vitamina D – afetam a produção e a liberação

preditivas do desfecho renal. As classificações agora estabelecidas, RIFLE (risco, lesão [injury], insuficiência [ failure], perda [loss] e doença renal em estado terminal [end-stage renal disease]) e AKIN (Acute Kidney Injury Network, em inglês) (Fig. 5.8), do risco renal, baseadas em aumentos da creatinina sérica ou da taxa de filtração glomerular, são aceitas como o padrão para prever e relatar desfechos renais (7, 8). Em um estudo com pacientes submetidos à cirurgia de aneurisma aórtico abdominal infrarrenal, a AKIN foi mais robusta na previsão da mortalidade (9). Outros testes de função renal, que podem ser úteis, são baseados na capacidade de filtração do rim. A taxa de filtração glomerular é estimada a partir da equação de Cockroft-Gault ou da fórmula da Modif icação da Dieta na Doença Renal (MDDR), e ambas estão disponíveis online (10,11). A capacidade do rim de filtrar e reabsorver eletrólitos pode ser estimada a partir de uma amostra de sangue e urina como a excreção fracional de sódio (FENa) e pode ser usada para diferenciar entre hipovolemia e lesão renal na oligúria. Um sódio urinário ⬍ 20 mmol/L e uma FENa ⬍ 1% sugerem insuficiência pré-renal; enquanto um sódio urinário ⬎ 40 mmoL/L e uma FENa ⬎ 1% sugerem insuficiência renal intrínseca (Tab. 5.5).

RIFLE

AKIN Critério do débito urinário

Critério Cr/TFG

Risco I (lesão, do inglês injury)

F (insuficiência, do inglês failure)

Aumento da Cr × 1,5 ou TFG diminui > 25%

DU < 0,5 mL/kg/h ×6h

Aumento da Cr × 2 ou TFG diminui > 50%

DU < 0,5 mL/kg/h × 12 h

Aumento da Cr × 3 ou TFG diminui > 75% ou Cr ≥ 4 mg/dL (com elevação aguda de ≥ 0,5 mg/dL)

L (perda, do inglês loss) E (DRT, do inglês end-stage renal disease)

DU < 0,3 mL/kg/h × 24 h ou anúria × 12 h

ART persistente = perda completa da função renal por > 4 semanas Doença renal terminal (DRT)

Critério da creatinina Aumento da Cr × 1,5 ou ≥ 0,3 mg/dL

Estágio 1

Estágio 2

Aumento da Cr × 2

Critério do débito urinário DU < 0,5 mL/kg/h ×6h

DU < 0,5 mL/kg/h × 12 h

Aumento da Cr × 3 DU < 0,3 mL/kg/h ou × 24 h Cr ≥ 4 mg/dL ou Estágio 3 (com elevação anúria × 12 h aguda de ≥ 0,5 mg/dL)

Pacientes que recebem terapia de substituição renal (TSR) são considerados como tendo atendido os critérios para estágio 3 independentemente do estágio em que eles estão no momento em que começam a TSR.

FIGURA 5.8 As classificações de RIFLE (risco, lesão, insuficiência, perda e doença renal terminal) e AKIN (Acute Kidney Injury Network) da lesão renal aguda. Cr, creatinina; DU, débito urinário. (De Cruz DN, Ricci Z, Ronco C. Clinical review: RIFLE AKIN–Time for reappraisal. Crit Care. 2009;13(3):211–219, com permissão.)

98

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 5.5

Índices laboratoriais na insuficiência renal Pré-renal

Renal

Pós-renal

Creatinina (mg/dL)







Ureia (mg/dL)

↑↑







Na urinário (mEq/L)

⬍ 20

⬎ 40

⬎ 20

Osmolalidade urinária (mOsm/L)

⬎ 500

⬍ 400

⬍ 350

FENA (%)

⬍1

⬎2

⬎2

FENA, fração de sódio excretada na urina; Na, sódio.

III. Nefrologia perioperatória A. Fisiopatologia Tradicionalmente, a disfunção renal perioperatória tem sido dividida em causas pré-renais (hipovolemia, choque, hemorragia), intrarrenais (intrínseca, dano ao parênquima renal) e pós-renais (obstrutivas) de oligúria (Tab. 5.5). Como observado previamente, a oligúria não é um bom marcador para a função renal ou para o desfecho renal no período perioperatório. Os esforços estão sendo concentrados em desenvolver uma detecção mais precoce da lesão renal. Inúmeros biomarcadores que têm sido investigados em protocolos de pesquisa translacional são recomendados agora como parte da abordagem clínica para o diagnóstico da disfunção renal em situações de cuidados críticos (8).

B. Distúrbios eletrolíticos Os distúrbios eletrolíticos mais comuns encontrados no período perioperatório e no ambiente de cuidados críticos são aqueles que envolvem o sódio, o potássio, o cálcio, o magnésio e o fósforo, com efeitos significativos predominantemente nos sistemas cardíaco, neuromuscular e nervoso central (Tab. 5.6). Entre esses, a hiponatremia é a TABELA 5.6

Sinais e sintomas de distúrbios eletrolíticos

Eletrólito

Níveis anormalmente baixos (Hipo)

Níveis anormalmente altos (Hiper)

Sódio

Anorexia, náusea, letargia, edema cerebral, convulsões, coma, arritmia, morte

Confusão, convulsões, coma, oligúria, espasmo muscular, hiperreflexia, espasticidade

Potássio

Alterações do eletrocardiograma (ondas T achatadas, Alterações do eletrocardiograma (ondas T apiculaondas U), arritmias, fraqueza muscular das), arritmias, mal-estar, distúrbios gastrintestinais, fraqueza muscular, paralisia

Cálcio

Parestesias, irritabilidade, convulsões, hipotensão, depressão miocárdica, aumento do intervalo QT, laringoespasmo

Confusão, hipotonia, hiporreflexia, letargia, dor abdominal, náuseas, vômitos, intervalos ST e QT diminuídos, poliúria, nefrolitíase

Magnésio

Arritmias, fraqueza, espasmos musculares, tetania, apatia, convulsões

Hipotensão, náuseas, vômitos, rubor facial, retenção urinária, íleo, paralisia, hiporreflexia, bradiarritmias, depressão respiratória, parada cardíaca

Fosfato

Fraqueza muscular, falência respiratória, hemólise

Precipitação do cálcio, diminuição da absorção intestinal de cálcio

Capítulo 5

Sistema renal

99

Hiponatremia hipotônica

Euvolemia

Hipovolemia

Edema periférico Estertores ascite

Diminuição do turgor da pele Veias do pescoço colabadas Membranas mucosas ressecadas Hipotensão ortostática Taquicardia Oligúria

UNa > 20

UNa < 20

UNa < 20

Perdas renais

Perdas extrarrenais

Dieta com restrição de sal

Excesso de diurético Deficiência de mineralocorticoide Nefrite perdedora de sal Acidose tubular renal Alcalose metabólica Cetonúria Diurese osmótica

Hipervolemia

Vômitos Diarreia Perdas para o 3˚ espaço Queimaduras Pancreatite Trauma muscular

UNa > 20

Deficiência de glicocorticoide Hipotireoidismo Alto estímulo simpático Drogas SIADH

UNa > 20

UNa < 20

Perdas renais

Reabsorção ávida de sódio

Insuficiência renal aguda Insuficiência renal crônica

Síndrome nefrótica Insuficiência cardíaca Cirrose

FIGURA 5.9 Algoritmo diagnóstico para hiponatremia hipotônica. SIADH, síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (do inglês syndrome of inappropriate secretion of antidiuretic hormone); UNa, concentração de sódio urinário (mEq/L) em uma amostra de urina. (De Schrier RW. Manual of Nephrology. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2006, com permissão.)

anormalidade mais comum (até 15% dos pacientes hospitalizados) e pode ocorrer no contexto de um volume extracelular expandido, contraído ou normal (Figura 5.9). A avaliação do estado volumétrico do paciente juntamente com uma medida da excreção de sódio urinário é o primeiro passo para o diagnóstico da causa. A hipernatremia geralmente é o resultado de perda de água (diabetes insípido, diurese osmótica, queimaduras) e não de ganho de sódio. O equilíbrio do potássio em geral é controlado rigidamente por meio de excreção e reabsorção gastrintestinal e renal. No rim, 70% da reabsorção do potássio ocorre no túbulo proximal; 15 a 20%, na alça de Henle; e o restante do potássio reabsorvido é sob a influência da aldosterona no ducto coletor. Noventa e oito por cento do potássio corporal total é intracelular, e os desequilíbrios com frequência são causados por trocas pelas membranas celulares (terapia com insulina, ␤-agonismo e distúrbios acidobásicos). Perdas clinicamente evidentes são devidas a vômitos e diarreia ou efeito de drogas e hormônios. A hipercalemia pode ser causada por insuficiência renal, diuréticos poupadores de potássio, terapia intravenosa e acidose.

100

Fundamentos de anestesiologia clínica O comprometimento da ventilação permite a elevação da PaCO2. O pH do plasma cai, e a concentração – do HCO3 se eleva.

Os rins compensam por meio da excreção de H+ e geração de novos HCO3–. O pH plasmático e os níveis do – HCO3 se elevam. PCO2 (mmHg) 60 2

40

30

40

1 Normal

20

PCO2 (mmHg) 40

40 20 30 Normal 1 20 2

10 7.1 7,4 Acidose pH do plasma

A

50 HCO3– plasmático (mmol/L)

HCO3– plasmático (mmol/L)

50

7,7

A hiperventilação transfere CO2 para a atmosfera em uma velocidade aumentada e a PaCO2 cai. O pH do plasma se eleva e a concentração do HCO3– cai.

10 7,1

7,4 Plasma pH

7.7 Alcalose

Os rins compensam com a redução da + – secreção de H e produção de HCO3. O HCO3– plasmático cai, e o pH B normaliza novamente.

FIGURA 5.10 Correção renal dos distúrbios acidobásicos. A. Compensação renal de acidose respiratória. B. Compensação renal de alcalose respiratória. (De Preston RR, Wilson TE: Filtration and micturition. Em: Harvey RA, ed. Physiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, com permissão.)

C. Distúrbios acidobásicos Os distúrbios acidobásicos podem ser de etiologia respiratória, metabólica ou mista. O papel do rim na manutenção do pH normal do sangue se resume em torno da capacidade de excretar ou reabsorver o bicarbonato (túbulo proximal) e os íons hidrogênio (túbulo distal e ducto coletor) (Fig. 5.10). A excreção de íons hidrogênio na urina regenera o bicarbonato consumido originalmente pelo tamponamento de um íon hidrogênio no líquido extracelular. Os íons hidrogênio excretados são eles próprios tamponados pelos tampões renais tituláveis (predominantemente amônia) e são perdidos na urina.

D. Lesão renal aguda Pacientes que desenvolvem lesão renal aguda (LRA) no período perioperatório têm pior desfecho clínico e maior risco de morte. Um terço dos pacientes que sobrevivem com LRA irá desenvolver doença renal crônica significativa, enquanto apenas metade dos restantes irá retornar à função renal basal. A patogênese da LRA é complexa. Ela envolve o endotélio vascular e o epitélio tubular e a liberação de mediadores inflamatórios e imunológicos e outras cascatas (12). Os fatores precipitantes dos eventos que culminam em LRA são geralmente isquêmicos (hipoperfusão, vasoconstrição) ou tóxicos (p. ex., meio de contraste, aminoglicosídeos, mioglobina) (7). Há vários índices clínicos de risco renal que podem ser úteis no planejamento de cirurgias e anestesias. Nenhum agente farmacológico específico mostrou beneficiar de forma consistente a LRA em situações perioperatórias. O manejo de pacientes em risco de (ou com) LRA é baseado no uso de monitoração hemodinâmica adequada

Capítulo 5 TABELA 5.7

Sistema renal

Efeitos da doença renal crônica em outros sistemas orgânicos

Sistema

Distúrbio

Causas

Cardíaco

Hipertensão Disfunção miocárdica Pericardite Tamponamento Insuficiência cardíaca congestiva

Hipervolemia, ativação do SRAA Ativação do SNS Uremia, diálise

Respiratório

Edema pulmonar Doença pulmonar restritiva

Pressão oncótica reduzida Pleurite urêmica

Metabólico

Acidose metabólica Hipercalemia Hipoglicemia

Incapacidade de conservar bicarbonato e excretar os ácidos tituláveis Eliminação reduzida da insulina/ outros fármacos hipoglicemiantes; gliconeogênese renal reduzida

Hematológico

Anemia Disfunção plaquetária

Perda de eritropoietina Ação de toxinas urêmicas, produção anormal de óxido nítrico, anormalidade do fator de von Willebrand e fármacos

Imunológico

Defeitos mediados por células Defeitos da imunidade humoral

Redução da eliminação das citocinas

Gastrintestinal

Náuseas e vômitos Retardo do esvaziamento gástrico Anorexia

Uremia, farmacoterapia, diálise

Neuromuscular

Encefalopatia Convulsões, tremores e mioclonia Disfunção autonômica Polineuropatia

Anormalidades dos eletrólitos, cátions e líquidos

SRAA, sistema renina-angiotensina-aldosterona; SNS, sistema nervoso simpático.

para ajudar na terapia guiada por metas e no fornecimento de repleção de volume intravascular, pressão arterial média, débito cardíaco e capacidade de transporte de oxigênio apropriados. Todos os agentes não essenciais e potencialmente nefrotóxicos devem ser evitados ou, pelo menos, minimizados. Deve ser dada consideração atenta ao nível de cuidado pós-operatório e vigilância necessária, uma vez que a LRA geralmente não se manifesta até vários dias depois.

E. Doença renal crônica A doença renal crônica (DRC) é definida pela Sociedade Internacional de Nefrologia e Melhora nos Desfechos Globais da Doença Renal como anormalidades da estrutura ou função renal, presentes por mais de três meses, com implicações para a saúde (Tab. 5.7). A DRC é classificada com base na causa, na taxa de filtração glomerular (TFG) e na albuminúria (13). Os graus de DRC foram estabelecidos de acordo com a TFG e albuminúria, e o risco pode ser distribuído de acordo com esses graus (Fig. 5.11). Como a hipertensão e o diabetes são as principais causas de DRC, respondendo por ⬎ 70% dos casos, há uma comorbidade significativa associada com a causa de DRC e pela própria DRC (Tab. 5.7).

101

102

Fundamentos de anestesiologia clínica Prognóstico da DRC pelas categorias de TFG e albuminúria Categorias com albuminúria persistente Descrição e faixa

G1

Normal ou alta

≥ 90

G2

Discretamente diminuída

60-89

G3a

Leve a moderadamente diminuída

45-59

G3b

Moderada a gravemente diminuída

30-44

G4

Gravemente diminuída

15-29

G5

Falência renal

A1

A2

A3

Normal a levemente aumentada

Moderadamente aumentada

Gravemente aumentada

< 30 mg/g < 3 mg/mmol

30-300 mg/g > 30 mg/mmol

> 300 mg/g > 30 mg/mmol

2

Categorias de TFG (mL/min/1,73m ) Descrição e faixa

Prognóstico da DRC pelas categorias da TFG e albuminúria: KDIGO 2012

< 15

Verde: Baixo risco (se não houver outros marcadores de doença renal, ausência de DRC). Amarelo: Risco moderadamente aumentado. Laranja: Alto risco. Vermelho: Risco muito alto. DRC, doença renal crônica; TFG, taxa de filtração glomerular; KDIGO, Melhora da doença renal para desfecho global (do inglês Kidney Disease Improvement for Global Outcome).

FIGURA 5.11 Prognóstico da doença renal crônica por categorias de taxa de filtração glomerular e de albuminúria. (De KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney International Supplements. 2013;3(1):x.www.kdigo.org/clinical_practice_guidelines/pdf/CKD/KDIGO_2012_CKD_GL.pdf.)

A Iniciativa Qualidade dos Desfechos Renais da National Kidney Foundation (NKF) fornece diretrizes práticas baseadas em evidências para todos os estágios da DRC e suas complicações, incluindo o manejo da hiperglicemia, hiperlipidemia e anemia. Embora uma grande proporção de pacientes com DRC tenha diabetes, eles são propensos a hipoglicemia (Tab. 5.7). A diretriz NKF atual para anemia é uma hemoglobina ⬎ 13 mg/dL. Pacientes com doença renal terminal (DRT) necessitam de diálise para sobrevivência. Esses pacientes têm distúrbios fisiológicos adicionais devido à própria diálise e aos meios de fornecimento da diálise (Tabs. 5.8 e 5.9). Os pacientes submetidos à diálise crônica estão em risco de desenvolvimento de infecção, desnutrição por deficiência calórico-proteica, amiloidose e deterioração psicológica.

F. Prescrição de fármacos na insuficiência renal A prescrição de fármacos na insuficiência renal baseia-se na alteração da cinética dos fármacos, que ocorre na doença renal. Há limitações nos fármacos e nas suas dosagens

Capítulo 5 TABELA 5.8

Sistema renal

Complicações da diálise ou do acesso de hemofiltração

Via de acesso

Complicações

Acesso venoso temporário (geralmente veia jugular interna, veia subclávia)

Sangramento, hipotensão, hematoma (aumento da ureia, pigmentúria), trombose, estenose (síndrome VCS), pneumotórax, quilotórax, lesão nervosa

Peritoneal (está se tornando um raro modelo de acesso)

Íleo, pressão abdominal aumentada, risco aumentado de aspiração, diafragma elevado, volumes pulmonares reduzidos, padrão respiratório restritivo

Fístula arteriovenosa do membro superior

Acesso restrito ao membro, trombose, interferência com a amostra de sangue e oximetria de pulso, shunting, resistência vascular diminuída

VCS, veia cava superior.

devido à eliminação renal reduzida, ao aumento do volume de distribuição, à diminuição da ligação das proteínas plasmáticas, acidemia, doença hepática coexistente e a alterações na captação gastrintestinal. O conhecimento da farmacocinética de um fármaco irá ajudar na modificação da dose e no intervalo das doses e pode ajudar a prever e prevenir efeitos colaterais indesejados (14, 15) (ver também Cap. 7).

G. Agentes anestésicos na insuficiência renal A farmacocinética dos anestésicos voláteis não é dependente da função renal, da ligação proteica ou do volume de distribuição. Contudo, o íon fluoreto liberado durante o metabolismo do metoxiflurano e possivelmente enflurano foi atribuído à nefrotoxicidade em pacientes que tiveram longa exposição a esses agentes. Os fármacos eliminados inalterados pelos rins (alguns relaxantes musculares adespolarizantes, inibidores da colinesterase, muitos antibióticos) têm meias-vidas de eliminação aumentadas, relacionadas inversamente à TFG em pacientes com DRC. Muitos anestésicos são ligados a proteínas em graus variáveis, e, em consequência, a fração livre está aumentada na DRC. Entre os agentes de indução, o tiopental é o que se liga mais extensamente às

TABELA 5.9

Complicações agudas da diálise

Via de acesso

Complicações

Hipotensão

Depleção de volume induzida por ultrafiltração; desvios osmolares através da membrana de diálise; isquemia miocárdica; arritmias; derrame pericárdico

Arritmia

Fluxo agudo de potássio; alterações rápidas no pH

Reação de hipersensibilidade

Exposição às superfícies de poliacrilonitrila da membrana de diálise, óxido de etileno residual da esterilização de equipamentos

Desequilíbrio da diálise

Caracterizado por náuseas, vômitos, convulsões e mesmo coma devido a alterações rápidas no pH e solutos através das membranas do SNC

SNC, sistema nervoso central.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Doses repetidas e uso crônico de meperidina e hidromorfona na doença renal estão associados com o acúmulo de metabólitos neurotóxicos excitatórios. Dois metabólitos da morfina podem se acumular na doença renal (um é neurotóxico, e o outro é um potente agonista ␮).

proteínas e, portanto, é o mais afetado na DRT, com a cetamina e o etomidato sendo menos afetados. O propofol não é afetado pela DRT porque é transformado rapidamente pelo fígado em metabólitos inativos, que são, então, excretados pelos rins. Em geral, os benzodiazepínicos são altamente ligados às proteínas, e a maior disponibilidade na DRT é aumentada ainda mais pela excreção renal reduzida dos metabólitos ativos (p. ex, midazolam, lorazepam e alprazolam). Doses únicas de narcóticos geralmente não são muito afetadas por DRT, embora os narcóticos ligados a proteínas devam ser administrados em doses menores. Os narcóticos de ação ultrarrápida são preferíveis na DRT, e o fentanil e o remifentanil parecem seguros. O sufentanil, contudo, foi relatado como causa de narcose prolongada. Os relaxantes musculares de ação curta são preferíveis em pacientes com doença renal, e os dois agentes atracúrio e cisatracúrio, que são metabolizados por degradação não enzimática espontânea, são os fármacos de escolha. Todavia, esses dois fármacos têm um metabólito tóxico, a laudanosina, que pode se acumular durante a infusão do fármaco original.

IV. Fármacos diuréticos: efeitos e mecanismos A. Bases fisiológicas da ação diurética Os diuréticos geralmente são classificados de acordo com o seu local de ação no néfron. Em termos gerais, os diuréticos agem sobre o mecanismo que movimenta os íons sódio do lúmen tubular para dentro da célula, de onde eles podem ser, então, bombeados através da superfície basocelular pela Na-K-ATPase e reabsorvidos (Tab. 5.10).

B. Agentes dopaminérgicos No rim, a dopamina é sintetizada no túbulo proximal a partir da L-dopa circulante, por meio da enzima L-amino ácido descarboxilase. A dopamina circulante e a formada localmente ativam inúmeros receptores dopaminérgicos por meio da adenilciclase, fosfolipase C e fosfolipase A2 nas arteríolas e túbulos, afetando a excreção de sódio e a hemodinâmica renal (Tab. 5.11). A reabsorção de sódio é reduzida no túbulo proximal, produzindo diurese e natriurese. Embora a dopamina seja um diurético efetivo, ela tem outros efeitos sobre o sistema cardiovascular, que pode incluir taquicardia e aumento da pressão arterial mesmo em doses consideradas renais (1-3 ␮g/kg/min). TABELA 5.10

Local e mecanismo de ação dos diuréticos

Local de ação

Mecanismo de ação

Nomes de fármacos comuns

Túbulo proximal

Inibição da anidrase carbônica Diurese osmótica

Acetazolamida Manitol

Ramo ascendente espes- Inibição de NKCC2 so da alça de Henle

Furosemida, ácido etacrínico, bumetanida, torsemida

Túbulo contorcido distal

Inibição do cotransportador do cloreto de sódio

Hidroclorotiazida, metolazona

Ducto coletor

Inibição do canal de sódio epitelial Amilorida, triantereno Inibição da aldosterona Espironolactona

NKCC2, cotransportador sódio-potássio-dicloreto.

Capítulo 5 TABELA 5.11

Sistema renal

Efeitos da dopamina sobre o fluxo sanguíneo renal e a função tubular

Efeitos sobre o fluxo sanguíneo renal

Efeitos tubulares

Vasodilatação renal por aumento da produção de prostaglandina

Reduz a atividade das trocas de Na-H na membrana luminal do túbulo proximal

Aumento do fluxo sanguíneo renal que causa Inibe a bomba Na-K-ATPase na membrana basolaaumento da TFG teral do túbulo proximal Inibe a expressão renal da renina e liberação na mácula densa pela inibição da COX-2 Na-H, íon sódio hidrogênio; Na-K-ATPase, sódio potássio adenosina trifosfatase; TFG, taxa de filtração glomerular; COX-2, cicloxigenase-2.

A dopamina não mostrou proteger ou melhorar a LRA ou a DRC e não é mais recomendada para esses papéis. O agonista seletivo da dopamina 1, o fenoldopam, também é um diurético eficiente, e há alguns dados que sugerem que ele pode ser eficaz na prevenção de LRA associada à cirurgia cardíaca. Contudo, ele não tem seu uso disseminado como um agente protetor renal e é aprovado pelo Food and Drug Administration dos EUA apenas como um agente anti-hipertensivo para crises hipertensivas devido à vasodilatação sistêmica e diurese.

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Fundamentos de anestesiologia clínica 13. KDIGO 2012 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney International Supplements. 2013;3(1):x. Available at: www.kdigo. org/clinical_practice_guidelines/pdf/CKD/KDIGO_2012_CKD_GL.pdf. 14. Griffiths RS, Olyaei AJ. Drug dosing in patients with chronic disease. In: Nephrology Secrets. 3rd ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2012:197–206. 15. Gabardi S, Abramson S. Drug dosing in chronic kidney disease. Med Clin North Am. 2005;89(3):649–687.

Capítulo 5

Sistema renal

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual composto é transportado ativamente na alça de Henle ascendente delgada? A. Água B. Sódio C. Glicose D. Nenhum 2. A autorregulação do fluxo sanguíneo renal no adulto normal: A. Ocorre entre uma pressão arterial média de 70 a 120 mmHg B. Mantém o fluxo sanguíneo renal em 1,25 L/min C. Mantém a taxa de filtração glomerular em 125 mL/min D. Todas as acima 3. A autorregulação do fluxo sanguíneo renal ocorre com todos os seguintes, EXCETO: A. Resposta miogênica B. Resposta tubuloglomérica C. Saturação de oxigênio arterial D. Resposta do sistema nervoso simpático 4. O vasodilatador renal intrínseco com a maior contribuição para vasodilatação é: A. Prostaglandina B. Óxido nítrico C. Fator hiperpolarizante derivado do endotélio D. Aldosterona 5. Este gráfico mostra a relação entre:

A. Eixo A ⫽ creatinina sérica; Eixo B ⫽ taxa de filtração glomerular B. Eixo A ⫽ creatinina sérica; Eixo B ⫽ fluxo sanguíneo renal C. Eixo A ⫽ pressão arterial média; Eixo B ⫽ taxa de filtração glomerular D. Eixo A ⫽ creatinina sérica; Eixo B ⫽ ureia sanguínea 6. A principal diferença entre a classificação de lesão renal RIFLE (risco, lesão, insuficiência, perda, estágio terminal) e AKIN (rede de lesão renal aguda) é: A. Uso da taxa de filtração glomerular B. Uso do débito urinário C. Uso da creatinina D. Uso da ureia sanguínea 7. Um paciente do sexo masculino de 80 anos de idade na unidade de cuidados intensivos, com uma história de doença pulmonar obstrutiva crônica, tem o seguinte: gasometria arterial (oxigênio 40% por máscara facial) pH 7,3, pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) 60 mmHg e pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2) 60 mmHg. A compensação renal para esse perfil de gasometria sanguínea é: A. Excretar H⫹ B. Diminuir a produção de HCO3⫺ C. Reabsorver HCO3⫺ no túbulo distal D. Reabsorver K⫹ no ducto coletor

A

8. Em um paciente com insuficiência renal, a administração de dopamina: A. Aumenta o Na⫹ no túbulo proximal B. Protege contra lesão renal aguda e crônica C. Causa efeitos renais devido apenas a ações cardíacas D. É inferior ao fenoldopam para proteção renal

“Normal”

B

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Fundamentos de anestesiologia clínica

9. Um homem de 80 anos é visto preoperatoriamente com um sangramento gastrintestinal clinicamente significativo. Sua pressão arterial é de 70/40, pulso 110, respiração 24, saturação de oxigênio por oximetria de pulso (SpO2) 94%. Qual parte do seu rim provavelmente sofrerá maior dano? A. Túbulo B. Alça de Henle C. Glomérulo D. Membrana basal

10. Uma semana após a alta depois de uma substituição do joelho esquerdo, uma mulher de 65 anos recebeu uma prescrição de ibuprofeno para analgesia pós-operatória. Após o tratamento com ibuprofeno, a creatinina provavelmente: A. Irá aumentar B. Não irá aumentar, mas a ureia irá aumentar C. Não irá se alterar D. Irá diminuir

Anatomia e fisiologia hepática Niels Chapman

I. Anatomia macroscópica O fígado humano é o maior órgão sólido, compreendendo 2% da massa corporal total e pesando aproximadamente 1.500 gramas. Anatomicamente, o fígado tem quatro lobos (direito, esquerdo, caudado e quadrado) e pode, ainda, ser subdividido em oito segmentos, de acordo com a classificação de Couinaud. Localizado por trás da caixa torácica no quadrante superior direito do abdome, o fígado é coberto por uma fina camada de tecido conectivo (cápsula de Glisson) e é ligado à parede abdominal anterior pelo ligamento falciforme e pelo ligamento redondo do fígado (remanescente do cordão umbilical) e ao diafragma pelo ligamento coronário (Fig. 6.1). As estruturas importantes relacionadas ao sistema hepatobiliar incluem a vesícula biliar e sua via de saída e o ducto cístico, que se combina com o ducto hepático comum para formar o ducto biliar comum. Mais distalmente, o ducto biliar comum se junta ao ducto pancreático para formar a ampola hepatopancreática (ampola de Vater), que, então, drena a bile e as secreções pancreáticas para a segunda porção do duodeno por meio do esf incter de Oddi (Figs. 6.1 e 6.2).

II. Anatomia microscópica Os hepatócitos são arranjados dentro dos sinusoides hepáticos em torno de uma veia central e são cercados por tríades portais interlobulares que consistem em um ducto biliar, uma artéria hepática e uma veia portal (Figs. 6.3 e 6.4). Essa anatomia funcional resulta de um complicado balé embriológico no qual o órgão em crescimento se forma em torno de veias portais, enquanto os ductos biliares se originam fora das placas ductais precursoras situadas nas veias portais. Os seios hepáticos correm das tríades portais periféricas para as veias hepáticas centrolobares e são revestidos por células endoteliais fenestradas, que caracterizam poros intracitoplásmicos e junções intercelulares frouxas. Além das células endoteliais, outras populações de células residentes da parede sinusoidal incluem as células de Kupffer (macrófagos), células estreladas (responsáveis pela produção da matriz extracelular e capazes de função contrátil para regular o fluxo sanguíneo sinusoidal) e células granulares (linfócitos). O espaço que separa os sinusoides dos hepatócitos é conhecido como o espaço perissinusoidal de Disse e contém a matriz extracelular gerada pelas células estreladas, células de Kupffer e células dendríticas. Esses dois últimos tipos de células estão envolvidos nas defesas do hospedeiro, microbianas e antigênicas, e contribuem para a significativa função imune do fígado, bem como para a fibrose observada na cirrose hepática.

6

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Fundamentos de anestesiologia clínica Ligamento coronário Lobo direito

Ápice Lobo esquerdo Ligamento falciforme

Borda inferior

Ligamento redondo do fígado

Vesícula biliar

(A) Incidência anterior, superfície diafragmática

Veia cava inferior Ligamento triangular esquerdo Lobo caudado

Ligamento triangular direito Veia porta Ducto hepático Ducto cístico

Porta hepática Lobo quadrado Ligamento falciforme

Vesícula biliar

Ligamento redondo

Borda inferior

(B) Incidência posteroinferior, superfície visceral

Veia cava inferior Lobo caudado

Ligamento triangular direito

Aberturas das veias hepáticas Lobo direito do fígado

Ligamento coronário

Ligamento coronário

Lobo esquerdo Ligamento falciforme

(C) Incidência superior FIGURA 6.1 Anatomia macroscópica do fígado. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2013, com permissão.)

A bile é produzida pelos hepatócitos e secretada nos canalículos biliares por meio dos canais de Hering, que são estruturas em forma de vale limitadas pelos hepatócitos e colangiócitos, que, então, drenam para os ductos biliares.

III. Suprimento sanguíneo hepático O fígado recebe 25% do débito cardíaco total, responde por 20% do consumo de oxigênio de repouso e, junto com o leito vascular esplâncnico, contém 10 a 15% do volume sanguíneo total. O duplo suprimento sanguíneo hepático consiste em 75% de sangue portal (sangue desoxigenado) e 25% de sangue da artéria hepática (sangue

Capítulo 6

Anatomia e fisiologia hepática

111

Vesícula biliar, ducto biliar e ducto pancreático (incidência anterior) Ductos hepáticos direito e esquerdo Fígado

Ducto hepático comum Parte superior (1ª)

Vesícula biliar 1

Piloro

Ducto biliar comum Ducto pancreático acessório

Ducto pancreático principal

2

Parte descendente (2ª) Ampola hepatopancreática Duodeno

4

Parte ascendente (4ª)

3

Parte inferior (3ª)

FIGURA 6.2 Vesícula biliar, ductos biliar e pancreático. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2013, com permissão.)

Veia hepática portal Artéria hepática Ducto biliar

Tríade portal interlobular

Células de Kupffer (macrófago sinusoidal) Canalículos biliares Sangue fluindo nos sinusoides a partir da artéria (hepática) e veia (portal) interlobulares

Bile fluindo dos hepatócitos para dentro dos canalículos biliares, para os ductos biliares interlobulares e depois para o ducto biliar na tríade portal extra-hepática

Espaços perissinusoidais (de Disse)

Hepatócitos (produzem bile e desintoxicam o sangue)

Veia central (transportam o sangue limpo para a veia hepática)

FIGURA 6.3 Secção do lóbulo hepático com diagrama funcional de fluxo biliar e sanguíneo. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2013, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Sinusoide Veia central

Ramo septal Célula de Kupffer Hepatócito

Canalículo biliar Lúmen sinusoidal Canalículo Célula de biliar Kupffer

Espaço de Disse Hepatócito

Ramo da artéria hepática Ramo da veia porta

Ducto biliar

Célula estrelada

Célula endotelial com fenestração

Célula dendrítica

FIGURA 6.4 Porção do lóbulo hepático: microanatomia. (De Adams DH, Eksteen B. Aberrant homing of mucosal T cells and extraintestinal manifestations of inflammatory bowel disease. Nature Rev Immunol. 2006;6:244–251, com permissão.)

VÍDEO 6.1 Volume sanguíneo hepático

Devido ao seu alto fluxo sanguíneo (25% do débito cardíaco) e imensa capacidade de filtração sanguínea, o fígado produz até 50% de todo volume de linfa que flui no ducto torácico.

oxigenado). Embora o sangue portal seja desoxigenado, o seu maior fluxo resulta em fornecimento de oxigênio equivalente ao da artéria hepática. A veia porta sem válvula age como um vaso de capacitância, enquanto a artéria hepática é um vaso de resistência que é dependente da pressão e do fluxo arterial sistêmico. A maior parte do sangue entra nos sinusoides hepáticos pelas vênulas portais por meio dos esfíncteres de entrada, embora os ramos das arteríolas hepáticas também terminem em sinusoides perto das vênulas portais (ramos arteriosinusais) Se o fluxo portal diminui, o suprimento arterial pode ser regulado por moléculas vasodilatadoras como a adenosina e o óxido nítrico. Esses mecanismos não são afetados pela inervação autonômica nem por fatores humorais sistêmicos. O fígado produz um volume significativo de linfa por meio de exsudação direta a partir das arteríolas hepáticas e constitui 25 a 50% do fluxo linfático total do ducto torácico. A natureza esponjosa do fígado, combinada com o potencial contrátil das células estreladas, permite que esse órgão funcione como um reservatório autólogo que possa aumentar o volume sanguíneo em estados hipovolêmicos e possa armazenar sangue em estados hipervolêmicos. Esse último fenômeno pode ser observado em condições de insuficiência cardíaca direita (hepatopatia congestiva), hipervolemia (insuficiência renal) e reposição excessiva de volume na reanimação (iatrogenia).

IV. Funções metabólica, sintética e excretória hepática O fígado realiza um considerável espectro de funções metabólicas e excretoras, variando de captação de substâncias nutricionais, a partir das circulações portal e sistêmica, à síntese de várias proteínas e componentes biliares, à regulação de nutrientes

Capítulo 6

Anatomia e fisiologia hepática

e toxinas circulantes e à defesa imunológica do hospedeiro (1). Os exemplos dessas funções incluem: • Síntese e regulação da bile: A bile é composta por vários produtos metabólicos hepáticos, incluindo colesterol, fosfolipídeos, bilirrubina e sais biliares. Sua secreção no trato intestinal facilita a emulsificação e absorção dos lipídeos e a excreção de toxinas e drogas lipofílicas. O comprometimento do metabolismo da bilirrubina ou da secreção biliar (p. ex., cálculos biliares) pode levar à icterícia e má absorção das gorduras da dieta (esteatorreia). • Síntese proteica: A maioria das proteínas do sangue (exceto os anticorpos) é sintetizada e secretada pelo fígado, incluindo a albumina, os fatores de coagulação dependentes da vitamina K (II, VII, IX e X) e os fatores de coagulação independentes da vitamina K (V, XI, XII e XIII e o f ibrinogênio). Esses podem ser usados clinicamente como indicadores indiretos da função sintética hepática. A síntese e a degradação de aminoácidos também podem ocorrer no fígado, sendo a última por transaminação e desaminação oxidativa, com a formação de cetoácidos, amônia e glutamina. A alteração dessas funções sintéticas pode ser observada na desnutrição extrema ou na falência hepática, levando à hipoproteinemia, formação de ascite e distúrbios hemorrágicos. • Produção de colesterol e lipoproteínas: O fígado transforma o colesterol ingerido e sintetiza várias espécies de lipoproteínas que agem como pacotes emulsificados, transportáveis e levados pelo sangue, que permitem o transporte de elementos essenciais ao metabolismo celular em torno do corpo. • Armazenamento de nutrientes: O fígado converte o excesso de glicose em glicogênio para armazenamento e regulação da glicose sanguínea e também armazena as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e minerais. Como resultado, a insuficiência hepática com frequência é acompanhada por profunda hipoglicemia. • Metabolismo da hemoglobina: O fígado processa o heme contendo ferro (na forma de bilirrubina não conjugada gerada por destruição de hemácias) e libera a hemoglobina no baço, de modo que seu conteúdo de ferro pode ser reciclado para vários usos. O fígado conjuga a bilirrubina com o ácido glicurônico para formar a bilirrubina hidrossolúvel que é excretada na bile. • Desintoxicação de drogas e outras substâncias nocivas: Em uma base evolutiva, a posição do fígado como o primeiro órgão a encontrar produtos de absorção intestinal permitiu a sobrevida em um ambiente no qual plantas produziram toxinas dirigidas a proibir o seu consumo por animais. À medida que a corrida armamentista bioquímica evoluiu, o aparato do citocromo no fígado se tornou capaz de processar uma quantidade extremamente ampla de substâncias naturais e sintéticas em compostos menos tóxicos ou não tóxicos. Apesar disso, algumas toxinas e drogas ingeridas são capazes de causar dano hepático, se não falência hepática (p. ex., o paracetamol). Do mesmo modo, a toxina endógena amônia (absorvida ao longo do intestino ou produzida durante o metabolismo proteico hepático) é convertida no fígado em ureia hidrossolúvel para subsequente excreção renal. A função hepática comprometida resulta em acúmulo de amônia e pode levar à encefalopatia hepática. • Defesa imunológica do hospedeiro: O sistema fagocitário mononuclear (anteriormente conhecido como sistema reticuloendotelial) compreende múltiplos tipos de células distribuídos ao longo de vários órgãos em uma função coordenada de defesa do hospedeiro, que inclui as células de Kupffer e as células dendríticas citadas acima. O comprometimento da função hepática pode resultar em infecções sistêmicas mais frequentes ou mais graves (p. ex., peritonite bacteriana

113

114

Fundamentos de anestesiologia clínica espontânea). As células de Kupffer também quebram as hemácias em seus componentes heme e globina, aumentando, assim, a liberação esplênica de bilirrubina não conjugada na circulação, onde ela se combina com a albumina circulante, retornando, por fim, para o fígado para o metabolismo da hemoglobina, como descrito antes.

V. Avaliação da função hepática Devido às múltiplas “funções” do fígado e sua capacidade metabólica considerável, não há um único teste de função hepática que seja específico ou preciso na identificação de função hepática comprometida. A avaliação da função hepática é geralmente mais um processo de triangulação que incorpora achados clínicos (história, exame físico), estudo de imagem hepatobiliar (ultrassonografia, tomografia computadorizada, imagem de ressonância magnética, radiografia com contraste) e vários testes laboratoriais (2, 3). Os testes laboratoriais são classificados como estáticos e dinâmicos (Fig. 6.5). Os testes estáticos geralmente medem os níveis sanguíneos das enzimas hepáticas individuais (geralmente elevadas quando há lesão hepática) ou de produtos de síntese hepática (geralmente reduzidos quando há lesão hepática) e estão amplamente disponíveis. Os testes dinâmicos medem as vias funcionais de clearance e eliminação de substrato ou formação de metabólitos, mas eles raramente estão disponíveis e são caros. Os testes laboratoriais de rotina da função hepática não são recomendados porque os testes de função hepática estática usados comumente não refletem com precisão a função do órgão, mas indicam graus variáveis de inflamação ou dano hepático. Os testes devem

Avaliação da função hepática

Testes estáticos

Excreção

Bilirrubina

Colestase FA GGT

Testes dinâmicos

Integridade hepatocelular AST ALT GLDH

Síntese

Meia-vida do clearance

Albumina Coagulação (Fatores V e VII)

Capacidade de eliminação Galactose

Indocianina green (ICG) Cafeína Bromossulfoftaleína

Exalação 14[CO ] 2 FA, fosfatase alcalina; GGT, ␥-glutamiltransferase; AST, aspartato-aminotransferase; ALT, alanino-aminotransferase; GLDH, glutamato deidrogenase.

Formação de metabólitos

14[C]

aminopirina eritromicina 14[C] metacetina 14[C]

Metabólito no soro Lidocaína Midazolam

FIGURA 6.5 Testes laboratoriais de função hepática. Os testes laboratoriais de função hepática geralmente encontram-se em duas categorias: os testes estáticos de compostos sanguíneos, proteínas e fatores de coagulação circulantes usados comumente e os testes dinâmicos de metabolismo hepático, funções de eliminação e de clearance usados raramente. (De Beck C, Schawrtges I, Picker O. Perioperative liver protection. Curr Opin Crit Care. 2010;16:142–147, com permissão.)

Capítulo 6

Anatomia e fisiologia hepática

ser realizados se a história clínica, o processo de doença atual ou o exame físico levantarem suspeita de doença hepática aguda ou crônica ou se houver planos de cirurgia envolvendo o fígado. Os testes laboratoriais padrão podem potencialmente indicar a presença de lesão do órgão (transaminases, bilirrubina), comprometimento da função de síntese (albumina sérica, tempo de protrombina, fibrinogênio) ou efeitos sistêmicos de disfunção orgânica avançada (contagem de plaquetas). Testes laboratoriais estáticos específicos incluem as transaminases hepáticas aspartato-aminotransferase (AST), alanino-aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA) e -glutamiltransferase (GGT). A enzima AST também é encontrada no músculo e em outros tecidos não hepáticos, e a FA também é encontrada no osso, na placenta e no intestino. Em contraste, ALT e GGT são encontradas quase exclusivamente no fígado; portanto, ALT e GGT parecem ser indicadores mais específicos de patologia hepática. Tanto AST quanto ALT podem estar elevadas diante de dano hepático agudo quando as enzimas extravasam dos hepatócitos lesados para o sangue. Na doença hepática crônica, elevações na AST e ALT podem não estar presentes; contudo, a proporção AST/ALT geralmente está elevada em pacientes com hepatite alcoólica ou cirrose. Uma proporção AST/ALT  2 está presente em ~70% desses pacientes, comparada com 26% dos pacientes com cirrose pós-necrótica, 8% com hepatite crônica, 4% com hepatite viral e nenhum com icterícia obstrutiva. Se os níveis de FA ou GGT estiverem elevados, provavelmente há um problema com o fluxo biliar. Problemas de fluxo biliar podem ser devidos à patologia do ducto biliar dentro do fígado, da vesícula ou dos ductos extra-hepáticos. Como observado previamente, a bilirrubina não conjugada é um produto de degradação do heme a partir das hemácias e, então, é conjugada com o ácido glicurônico no fígado para excreção na bile. Os níveis sanguíneos elevados de “bilirrubina indireta” (bilirrubina não conjugada) indicam quebra excessiva de hemoglobina (p. ex., hemólise) ou função comprometida da conjugação hepática. Níveis sanguíneos elevados de “bilirrubina direta” (bilirrubina conjugada) ocorrem quando a função hepática é normal, mas a excreção de bilirrubina está comprometida (p. ex., obstrução do ducto biliar comum). A elevação da bilirrubina está associada com achados anormais no exame físico, como icterícia nas escleras e cutânea. A albumina é uma proteína importante formada no fígado; assim, a doença hepática crônica pode comprometer a produção de albumina e resultar em níveis reduzidos de albumina no sangue. A hipoalbuminemia tem efeitos sistêmicos significativos na ligação das proteínas com drogas (p. ex., hipoalbuminemia resulta em frações maiores de drogas não ligadas [ver Cap. 7]) e pressão oncótica (p. ex., hipoalbuminemia resulta em menor pressão oncótica plasmática, favorecendo o movimento de água para os tecidos extravasculares na forma de edema e ascite [ver Cap. 3]). Como muitas proteínas de fatores de coagulação são sintetizados no fígado, a lesão hepática pode resultar em coagulação sanguínea anormal ou reduções nos fatores de coagulação circulantes. A avaliação indireta da função hepática por teste de coagulação é feita mais comumente pela medição do tempo de protrombina e calculando o índice internacional normalizado (INR, do inglês International Normalized Ratio) associado. O fibrinogênio sanguíneo é o fator de coagulação individual mais frequentemente testado.

VI. Metabolismo e disposição de fármacos A maioria dos fármacos usados na prática médica, incluindo aqueles usados de rotina no período perioperatório e em ambiente de cuidados críticos, sofre biotransformação ou eliminação no fígado. O metabolismo hepático desses fármacos, bem como de ou-

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Assim como a combinação de imagem cardíaca e medida das enzimas cardíacas é usada para avaliar a função do coração e a presença de lesão cardíaca, a combinação de imagem hepática (tomografia computadorizada, ultrassonografia) e medida das enzimas hepáticas (transaminases) é usada para avaliar a função do fígado e a presença de lesão hepática.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

A eliminação hepática de fármacos depende de três fatores: a capacidade intrínseca do fígado de metabolizar um fármaco (i.e., a presença da enzima apropriada para metabolizar o fármaco), o fluxo sanguíneo hepático e a extensão da ligação do fármaco com componentes sanguíneos (p. ex., albumina).

tras substâncias naturais e sintéticas (conhecidas coletivamente como xenobióticos), ocorre por meio de enzimas metabolizantes que são determinadas geneticamente, embora possam ser moduladas ambientalmente por enzimas de indução e enzimas de inibição (4, 5). O objetivo geral de tal metabolismo das drogas é tornar o composto mais hidrofílico, de modo que possa ocorrer a eliminação renal do fármaco modificado ou de seus metabólitos. O metabolismo hepático da droga ocorre por meio de dois sistemas de enzimas, seja isoladamente, seja em combinação. As enzimas de fase 1 geralmente alteram os grupos funcionais existentes para tornar a molécula mais polar, aumentando, assim, sua solubilidade em água. As enzimas de fase 1 consistem na classe de enzimas do citocromo P450 (superfamília CYP) que hidrolisam, oxidam ou reduzem o composto original (ver Cap. 7). As enzimas de fase 2 agem primariamente para conjugar os compostos polares, assim aumentando ainda mais sua hidrofilicidade. Tanto as enzimas de fase 1 quanto as de fase 2 são induzíveis, mas também podem ser inibidas (geralmente por outras drogas). Uma descrição mais funcional da disposição dos fármacos hepáticos faz uma distinção entre as substâncias eliminadas rapidamente (essencialmente na primeira passagem pelo fígado a partir das circulações portal ou venosa sistêmica) e aquelas que requerem um tempo considerável para o metabolismo. As substâncias que sofrem uma eliminação de primeira passagem significativa são consideradas como de alto coeficiente de extração. A eliminação desses fármacos é determinada amplamente pelo fluxo sanguíneo hepático. Os fármacos que requerem um tempo prolongado para biotransformação são considerados de baixo coef iciente de extração. Tais fármacos, em geral, são ligados a proteínas na circulação e, portanto, não estão prontamente disponíveis para as enzimas de metabolização no fígado. Entre esses dois extremos estão substâncias que não caem claramente em nenhuma das duas categorias e são consideradas como de coeficiente de extração intermediário. A eliminação desses fármacos é igualmente dependente do fluxo sanguíneo e da atividade metabólica. Exemplos de fármacos usados comumente na prática anestésica e medicina da dor são listados para cada uma dessas três categorias na Tabela 6.1. TABELA 6.1

Exemplos de padrões de eliminação hepática de fármacos comuns Baixa eliminação (baixo coeficiente de extração, que é independente do fluxo sanguíneo)

Alta eliminação (alto coeficiente de extração, que é dependente do fluxo sanguíneo)

Eliminação intermediária

Morfina

Ácido acetilsalicílico Varfarina

Lidocaína

Quinina

Fenitoína

Propofol

Codeína

Rocurônio

Propranolol

Nortriptilina

Metadona

Fentanil

Vecurônio

Diazepam

Sufentanil

Alfentanil

Lorazepam

Capítulo 6

Anatomia e fisiologia hepática

Referências 1. Steadman RH, Braunfeld MY. The liver: surgery and anesthesia. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1294–1325. 2. Beck C, Schawrtges I, Picker O. Perioperative liver protection. Curr Opin Crit Care. 2010;16:142–147. 3. Hoetzel A, Ryan H, Schmidt R. Anesthetic considerations for the patient with liver disease. Curr Opin Anesthesiol. 2012;25:340–347. 4. Sweeney BP, Bromilow J. Liver enzyme induction and inhibition: Implications for anaesthesia. Anaesthesia. 2006;61:159–177. 5. Gupta DK, Henthorn TK. Basic principles of clinical pharmacology. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:156–188.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O duplo suprimento sanguíneo para o fígado pode ser mais bem descrito por qual das seguintes afirmativas? A. O suprimento sanguíneo hepático é oriundo 75% da artéria hepática e 25% da veia porta B. O suprimento sanguíneo hepático é oriundo 50% da artéria hepática e 50% da veia porta C. O suprimento sanguíneo hepático é oriundo 25% da artéria hepática e 75% da veia porta D. O suprimento sanguíneo hepático é oriundo 10% da artéria hepática e 90% da veia porta

4. Uma mulher de 47 anos com dor aguda no quadrante superior direito e icterícia nas escleras é submetida a uma série de testes laboratoriais estáticos demonstrando níveis elevados de AST e ALT, com uma proporção de AST/ALT de 2,9. Qual dos seguintes achados clínicos ou diagnósticos também é provável de estar presente? A. Ultrassonografia mostrando um cálculo no ducto biliar comum de 7 mm com dilatação do ducto biliar proximal B. Elevação do conteúdo sanguíneo de álcool C. Tomografia computadorizada mostrando uma massa de 7 cm na cabeça do pâncreas D. Sorologia indicando hepatite A aguda

2. Um homem de 55 anos com doença hepática terminal por cirrose alcoólica deveria demonstrar todas as seguintes anormalidades, EXCETO: A. Aumento da suscetibilidade às infecções bacterianas B. Ascite C. Hiperglicemia D. Aumento da suscetibilidade a hematomas

5. O fármaco X tem um alto coeficiente de extração e é administrado por via oral a dois pacientes adultos saudáveis em outros aspectos: um com débito cardíaco normal (paciente NL) e um em choque hipovolêmico (paciente CH). Qual das seguintes afirmativas mais provavelmente é VERDADEIRA? A. O fármaco X será eliminado rapidamente por ambos os pacientes B. O fármaco X será eliminado lentamente por ambos os pacientes C. O fármaco X será eliminado mais rapidamente pelo paciente NL D. O fármaco X será eliminado mais rapidamente pelo paciente CH

3. Os testes laboratoriais dinâmicos são medidas mais precisas da função hepática do que os testes estáticos, e ambos são facilmente obtidos na maioria das instalações médicas. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

PARTE

Farmacologia Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica Dhanesh K. Gupta Thomas K. Henthorn

Este capítulo irá revisar os fundamentos da farmacologia clínica para permitir que o médico anestesiologista utilize as informações nos capítulos subsequentes para desenvolver planos anestésicos e de analgesia pós-operatória que minimizem a exposição dos pacientes a concentrações supraterapêuticas ou subterapêuticas dos fármacos e diminuam a morbidade dos pacientes. Os opioides são usados como uma classe de fármacos protótipos para explicar esses princípios de farmacocinética e farmacodinâmica.

I. Farmacocinética De modo a produzir um efeito farmacológico, é necessário levar a substância ao seu local de ação. A maioria dos fármacos usados fora do ambiente perioperatório ou de cuidados intensivos é administrada de modo que seus efeitos são obtidos ao longo de dias, semanas ou mesmo anos. Em contraste, no ambiente de cuidados agudos, o clínico com frequência precisa obter um início de ação do efeito do fármaco em questão de minutos. Modelos matemáticos que descrevem a concentração plasmática do fármaco versus o perfil de tempo estão prontamente disponíveis e são facilmente implementados em bombas de infusão baseadas em modelos, computadores pessoais e até mesmo equipamentos móveis. Esta seção inicial irá descrever quantitativamente os conceitos farmacocinéticos que são necessários para escolher de forma racional os esquemas de dose para opioides, hipnóticos e agentes bloqueadores da junção neuromuscular.

A. Vias de administração de fármacos Para que um fármaco produza um efeito, é necessário que ele seja levado ao seu local de ação. Embora as vias mais familiares de administração de fármacos sejam as vias oral e intravenosa (IV), há uma ampla variedade de outros locais para administrar fármacos no organismo (Tab. 7.1). O fluxo sanguíneo é o meio mais comum pelo qual um fármaco é levado ao seu local de ação. Assim, a administração IV é o padrão-ouro ao qual todos os outros métodos de administração são comparados (i.e., a biodisponibilidade é definida como a proporção de exposição do fármaco de uma dose fornecida por uma outra via versus a sua administração IV). A via de administração IV é preferida por vários motivos fundamentais. Primeiro, ela fornece alterações quase imediatas na concentração do fármaco no sangue devido ao fármaco não precisar ser absorvido na circulação sistêmica. Além disso, o sistema vascular é capaz de levar imediatamente o fármaco ao seu local de ação por transporte intravascular para o leito capilar tissular.

B

7

120

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 7.1

Vias de administração de fármacos usando os opioides como protótipos

Formulação

Tempo até a concentração Biodisponibilidade plasmática máxima Comentários

Intravenosa

100%

⬍ 1 minuto

• Padrão-ouro

Oral (gastrintestinal) 0-50%

1-3 horas

• Metabolismo hepático de primeira passagem reduz a biodisponibilidade em fármacos com alto coeficiente de extração hepático • Metabolismo intestinal contribui para redução da biodisponibilidade

Oral transmucosa

65-75%

15-30 minutos

• Contorna o metabolismo hepático de primeira passagem • Requer elevada lipofilicidade; caso contrário, passa para o trato gastrintestinal

Sublingual

75%

30-45 minutos

• Contorna o metabolismo hepático de primeira passagem • Requer elevada lipofilicidade; caso contrário, passa para o trato gastrintestinal

Intranasal

90%

10-20 minutos

• Contorna o metabolismo hepático de primeira passagem • Limitada para baixa lipofilicidade

Retal transmucosa

20-70%

0,75-2 horas

• Contorna parcialmente o metabolismo hepático de primeira passagem

Subcutânea

⬎ 75%

15-30 minutos

• Não limitada por lipofilicidade em comparação com as vias transmucosa, transdérmica ou intranasal

Transdérmica

⬎ 90%

10-20 horas

• Limitada pela permeabilidade através da pele • Concentração constante a partir de 10-48 horas

Intramuscular

100%

5-30 minutos

• Não limitada por lipofilicidade em comparação com as vias transmucosa, transdérmica ou intranasal

Inalatória

⬎ 90%

5-30 minutos

• Desbalanço ventilação-perfusão resulta em algum retardo na captação e biodisponibilidade ⬍ 100%

Intratecal

Não relatado

0,5-4 horas

• Locais de ação espinhal e supraespinal

Peridural

100%

15-45 minutos

• O bólus de opioides age em locais espinhais a despeito da absorção plasmática

Quando o fármaco atinge o capilar, ele pode entrar no tecido por difusão ou por transporte ativo. Se houver captação endotelial alveolar, epitelial extensa do fármaco ou metabolismo dos anestésicos inalatórios e fármacos vaporizados, a biodisponibilidade será limitada. Por fim, o espaço intravascular é o mais fácil e o mais relevante líquido biológico para se coletar uma amostra para medida da concentração do fármaco. Quando são obtidas múltiplas amostras de sangue, os dados resultantes da concentração do fármaco versus o tempo podem ser modelados matematicamente para descrever e interpretar as propriedades farmacocinéticas do fármaco. Quando o fármaco é inje-

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

tado ou infundido rapidamente, a administração IV resulta em aumentos rápidos na concentração sanguínea, rápida transferência para os tecidos do sítio efetor e rápido início de ação do seu efeito. Em geral, o efeito máximo é proporcional à concentração plasmática máxima atingida. Vias de administração de fármacos como oral, intramuscular e subcutânea geralmente resultam em um início de ação mais lento e um pico de efeito mais baixo (Tab. 7.1). A velocidade e extensão da absorção do fármaco para a circulação sistêmica são determinantes importantes do curso de tempo do efeito. A velocidade de absorção depende de uma complexa interação das propriedades físico-químicas do fármaco, das propriedades físico-químicas do veículo de fornecimento e da perfusão do tecido no qual o fármaco é administrado. Algumas generalizações podem ser feitas a respeito da absorção de fármacos. Primeiro, fármacos lipofílicos são absorvidos mais rapidamente do que fármacos hidrofílicos porque a difusão através de barreiras lipídicas é mais rápida. Além disso, os veículos ou apresentações do fármaco podem ser desenhados de forma a reduzir a velocidade de absorção do fármaco por tais mecanismos, como a ligação física à molécula para diminuir sua lipofilicidade (p. ex., pílulas com formulações de liberação lenta do fármaco) ou a adição de barreiras de difusão (p. ex., adesivos transdérmicos em camadas). Por fim, a perfusão do tecido em que o fármaco é administrado pode alterar significativamente seu perfil de absorção. Por exemplo, o fentanil inalado por meio de equipamento de microvaporização tem um perfil de concentração plasmática que é similar ao de administração IV do fármaco. Isso ocorre porque quase todos os fármacos atingem o alvéolo, onde há uma barreira de difusão mínima e perfusão por todo o débito cardíaco. Em contraste, a administração oral do fármaco produz uma concentração plasmática máxima que é substancialmente mais baixa do que a administração IV. Há um retardo de tempo até o pico de concentração devido à limitada perfusão da mucosa gastrintestinal e ao metabolismo do fármaco no fígado antes de entrar na circulação sistêmica, assim limitando a velocidade e a extensão da absorção, respectivamente. O metabolismo de primeira passagem pelo fígado é o principal determinante da limitada biodisponibilidade de muitos fármacos administrados pelo trato gastrintestinal. Para vias neuroaxiais, as propriedades físico-químicas do fármaco e do veículo de administração determinam a velocidade com a qual o fármaco se difunde localmente nos tecidos adjacentes. De modo único, os perfis de absorção sistêmica e de concentração plasmática do fármaco não estão relacionados com o perfil de efeito do fármaco por essas vias. A menor velocidade de absorção sistêmica e a menor concentração plasmática máxima dos métodos não-IV de administração de fármacos podem levar os clínicos a acreditar que o único benefício dessa via de administração é a conveniência de evitar o acesso IV. Contudo, um benefício comumente negligenciado dos métodos não IV de administração de fármacos é que os mesmos impedimentos à rápida absorção sistêmica podem fornecer um efeito prolongado do fármaco. Enquanto a concentração plasmática for mantida em um nível acima do limiar terapêutico, o fármaco irá produzir um efeito (Fig. 7.1) (1).

B. Distribuição e eliminação do fármaco Distribuição do fármaco Quando o fármaco se encontra na circulação central, ele segue com o fluxo sanguíneo intravascular para os leitos capilares tissulares onde está livre para deixar e reentrar no espaço intravascular por difusão ou transporte ativo na interface sangue-tecido. O transporte do fármaco, quer seja para o tecido ou a partir dele, geralmente não é saturável, de modo que a captação do fármaco pelo tecido é limitada principalmente

121

O sangue raramente é o local no qual um fármaco produz suas ações desejadas e indesejadas.

Para gases anestésicos e fármacos inalados por vaporização, a biodisponibilidade é próxima a 100%. Assim, a via inalatória simula a administração IV.

Há duas vias não IV para as quais a perfusão tissular não afeta o início de ação porque o fármaco é fornecido adjacente ao local de ação – o espaço intratecal e o espaço peridural.

Fundamentos de anestesiologia clínica Concentração de fentanil no plasma [ng•mL–1]

122

2,0 IV

TTS

Limiar tóxico

1,5 LagON

LagOFF

Limiar terapêutico

1,0

0,5

0,0 0

12

24

36

48

60

Horas

FIGURA 7.1 O perfil de concentração plasmática atingido com 75 ␮g/hr de fentanil em sistema terapêutico transdérmico (linha azul, fentanil-TTS) ou fentanil intravenoso (linha preta, fentanil-IV). A “simulação” do fentanil-TTS é baseada em um modelo de compartimentos desenvolvido para simular o resultado das observações publicadas, enquanto a simulação do fentanil-IV foi gerada a partir do modelo mais robusto disponível de três compartimentos de farmacocinética-farmacodinâmica do fentanil (PK-PD). Embora exista um breve retardo até que o fentanil-IV atinja uma concentração plasmática acima do limiar terapêutico (linha verde pontilhada inferior), o retardo até que o fentanil-TTS produza uma concentração plasmática acima do limiar terapêutico é mais longo (barra hachurada preta, LagON). Esse retardo resulta de uma combinação dos tempos que o sistema fentanil-TTS leva para se estabelecer e se equilibrar com um depósito subcutâneo de fentanil e da distribuição tissular contínua e da eliminação sistêmica de fentanil absorvido por via IV. Do mesmo modo, quando a administração de fentanil é descontinuada 30 horas após o início da terapia, há uma rápida diminuição na concentração plasmática no perfil de fentanil-IV, enquanto a captação continuada do fentanil a partir de depósitos subcutâneos mantém a concentração plasmática acima do limiar terapêutico por várias horas no perfil do fentanil-TTS e, então, lentifica a velocidade na qual a concentração plasmática diminui. Esse retardo (barra hachurada azul, LagOFF) não se deve a uma alteração na distribuição plasmática ou eliminação sistêmica do fentanil, mas sim à absorção continuada a partir de depósitos subcutâneos.

pelo fluxo sanguíneo para o tecido (captação do fármaco limitada pelo fluxo). A distribuição do débito cardíaco para os diferentes leitos tissulares e a massa celular do tecido determinam a velocidade de equilíbrio do fármaco com o plasma em cada leito tissular. Por exemplo, o cérebro e os rins se equilibram em questão de minutos devido a seu alto fluxo sanguíneo e volume tissular relativamente baixo (2). Em contraste, os músculos e os tecidos esplâncnicos bem-perfundidos levam horas para atingir o equilíbrio devido a seus grandes volumes tissulares em relação ao fluxo sanguíneo (Fig. 7.2). A despeito de ter o maior coeficiente de solubilidade do sangue em relação ao tecido, o tecido adiposo corporal é relativamente pouco perfundido e, portanto, não se aproxima do equilíbrio com o plasma por dias. A não ser que o tecido metabolize ou excrete o fármaco, o transporte entre o sangue e os tecidos é um processo bidirecional governado pela lei de ação das massas. Quando a concentração do fármaco nos tecidos se torna maior do que a concentração no plasma, o movimento global do fármaco é dos tecidos para o plasma (Fig. 7.2). A redistribuição de um opioide ou hipnótico a partir de um cérebro altamente perfundido, mas com baixo volume tissular para o plasma, irá, por fim, diminuir a concentração do fármaco no seu local de ação abaixo do limiar terapêutico e, portanto, interromper seu efeito. É importante observar que o cérebro pode redistribuir um fármaco minutos

123

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

Concentração de fentanil

2,0

Plasma

1,5

Redistribuição 1,0 Tecido de equilíbrio rápido 0,5 Tecido de equilíbrio lento 0,0 0

5

10

A

15 Minutos

20

25

30

15 Minutos

20

25

30

8 7 Concentração de fentanil

FIGURA 7.2 A. Os perfis de concentração produzidos por um bólus intravenoso de fentanil para a concentração no plasma (linha preta sólida), tecido de equilíbrio rápido (linha azul sólida) e tecido de equilíbrio lento (linha vermelha sólida). Observe que a concentração plasmática de fentanil diminui rapidamente após a administração enquanto aumenta rapidamente no tecido de equilíbrio rápido. A partir do ponto em que a concentração no tecido de equilíbrio rápido excede a concentração no plasma (seta verde), haverá uma transferência contínua de fármaco a partir do tecido de equilíbrio rápido para o plasma (redistribuição). Durante todo esse tempo, há uma captação lenta e contínua do fármaco pelos tecidos de equilíbrio lento e não há redistribuição do fármaco a partir desses tecidos para o plasma. B. Os perfis de concentração produzidos por bólus intravenosos repetidos de fentanil a cada cinco minutos para a concentração no plasma (linha preta sólida), tecido de equilíbrio rápido (linha sólida azul) e tecido de equilíbrio lento (linha sólida vermelha). Observe que a concentração plasmática de fentanil diminui rapidamente após cada bólus, enquanto aumenta rapidamente durante todo o período de 30 minutos no tecido de equilíbrio rápido. Para cada bólus a partir do segundo bólus em diante, há redistribuição do fármaco a partir do tecido de equilíbrio rápido para o plasma a qualquer momento em que a concentração plasmática está abaixo da concentração do tecido de equilíbrio rápido (tempo inicial de redistribuição está na seta verde, R). Com cada bólus subsequente, a duração da redistribuição é cada vez mais longa. Ainda não há redistribuição entre o tecido de equilíbrio lento e o plasma. C. Os perfis de concentração produzidos por uma infusão contínua de 12 horas de fentanil para a concentração plasmática (linha preta sólida) e tecido de equilíbrio lento (linha vermelha sólida). Observe que o tecido de equilíbrio rápido não é apresentado porque nessa escala de tempo ele essencialmente se sobrepõe ao plasma, embora na verdade exista uma pequena diferença que resulta na transferência de fármaco do plasma para o tecido de equilíbrio rápido até que a infusão seja suspensa, quando então há uma redistribuição do fármaco do tecido de equilíbrio rápido para o plasma. Observe que, uma vez que a infusão é suspensa, há redistribuição do fármaco do tecido de equilíbrio lento para o plasma (seta verde). Além disso, a meia-vida de eliminação está relacionada com a inclinação da curva de eliminação (após a infusão ter terminado).

6 5 4 R

3 2 1 0 0

5

10

B

Redistribuição

10

Concentração de fentanil

Capítulo 7

1

0,1 0

C

4

8

12

16

20

24 28 Horas

32

36

40

44

48

124

Fundamentos de anestesiologia clínica após um bólus desse fármaco ter sido administrado. Entretanto, leitos tissulares como o músculo, que são mais lentos para se equilibrar devido à grande capacidade de captação do fármaco, irão continuar a captá-lo até que a concentração plasmática caia abaixo da concentração tissular à medida que o fármaco é metabolizado, excretado e distribuído por todo o corpo. Com injeções repetidas ou uma infusão do fármaco, a captação tissular irá continuar desde que a concentração do fármaco no sangue permaneça acima da concentração tissular. Assim, quando a administração do fármaco é suspensa ou a velocidade é reduzida, esses tecidos começam a agir como depósitos, causando transferência do fármaco para o sangue e reduzindo ainda mais a velocidade de diminuição da concentração plasmática (Fig. 7.2). Quando a velocidade de transferência tissular do fármaco para o sangue é igual à velocidade de eliminação do fármaco do corpo, a concentração sanguínea do fármaco versus o perfil de tempo entra na fase terminal de eliminação, em que a taxa de variação (a meia-vida) permanece constante (3).

Eliminação do fármaco

Polimorfismos genéticos das enzimas envolvidas no metabolismo de fármacos são a causa mais comum de variabilidade entre os indivíduos na taxa de eliminação do fármaco do organismo.

A única forma de reduzir a quantidade total de fármaco no corpo é eliminá-la do organismo. Alguns fármacos são suficientemente hidrofílicos para ser excretados por meio de filtração passiva ou transporte ativo de forma inalterada pelos rins, mas a maioria dos opioides e hipnóticos são suficientemente lipofílicos (eles precisam atravessar a barreira hematocefálica), de modo que precisam ser metabolizados em uma forma mais hidrofílica que possa ser excretada. A biotransformação dos fármacos em compostos mais hidrofílicos geralmente é obtida por reações enzimáticas que são oxidativas ou, raramente, redutivas. Juntas, elas são chamadas de reações de fase I, que ocorrem no retículo endoplásmico das células hepáticas, mas também, em alguns casos, no rim, na mucosa intestinal e nos pulmões. A superfamília de enzimas do citocromo P450 (CYP P450), que é encontrada no retículo endoplásmico de hepatócitos e algumas outras células, é responsável primariamente pelas reações de fase I. Esses novos fármacos alterados molecularmente podem, então, ser conjugados com moléculas tais como o glicuronídeo por enzimas – nesse caso, a glicuronidase. Alguns fármacos, como o propofol e a morfina, podem ser conjugados diretamente ao glicuronídeo sem reações de fase I. Independentemente de haver uma etapa de fase I, as conjugações são chamadas de reações de fase II e ocorrem no citosol dos hepatócitos (e outras células). Glicuronídeos e outros conjugados podem, então, ser eliminados pela urina ou no trato gastrintestinal pela bile.

C. Conceitos matemáticos em farmacocinética Volume de distribuição Em um sentido puramente físico, a quantidade (massa) de soluto dividida por um volume de líquido conhecido será igual à concentração do soluto no líquido. Em um paciente, isso também é estritamente verdadeiro, mas seria necessário homogeneizar o paciente de modo a medir a concentração correta no volume líquido resultante. Em farmacocinética, a amostra líquida é comumente plasma, e a quantidade de soluto (ou fármaco) colocada no corpo também pode ser medida. Portanto, o volume plasmático aparente de distribuição se torna a dose de fármaco (ou soluto) dividida pela concentração do fármaco no plasma. Se fosse possível homogeneizar o paciente, o volume de líquido no paciente seria sempre o volume de distribuição do soluto (ou fármaco). Quase sempre, o que é relatado nas tabelas farmacocinéticas é o volume de distribuição plasmático aparente. Ele raramente corresponde a qualquer volume de líquido real conhecido e, em vez disso, é o que o volume parece ser, baseado na concentração plasmática do fármaco (2, 3). Os volumes de distribuição de fármacos podem variar de um valor abaixo do volume de líquido extracelular do corpo (para fármacos que não entram nas células)

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

125

a volumes que são muitas vezes maiores do que o peso do paciente (para fármacos que penetram nos tecidos devido a transporte ativo, ligação ou preferência físico-química pelos constituintes lipídicos das células em relação ao ambiente aquoso do plasma).

Clearance de eliminação À medida que o fármaco é levado aos órgãos excretórios como o fígado ou os rins, ele está sujeito à remoção permanente ou biotransformação em outra entidade química (i.e., ele deixa de existir como o fármaco administrado). Se um órgão remove perfeitamente todo o fármaco do sangue à medida que ele flui pelo órgão, o clearance (ou limpeza) seria igual ao fluxo sanguíneo para aquele órgão. Se apenas uma fração do fármaco presente no sangue para o órgão for removido no tempo da passagem ditado pelo fluxo sanguíneo, então o clearance é a fração removida em uma passagem multiplicada pelo fluxo sanguíneo do órgão. Assim, o clearance é indicado em termos de fluxo (p. ex., litros por minuto), e o clearance de eliminação representa o total de todos os clearances de todos os órgãos que eliminam um fármaco em particular. Geralmente, fármacos que têm clearance próximo ao do fluxo sanguíneo hepático são biotransformados de forma muito eficiente por reações de fase I (p. ex., fentanil) ou de fase II (p. ex., propofol) no fígado e, no caso do propofol, também nos rins. Com esses fármacos, o clearance de eliminação é considerado limitado por fluxo, significando que ele apenas irá diminuir se o fluxo sanguíneo para o órgão diminuir (p. ex., com baixo débito cardíaco). Para outros fármacos que são biotransformados de forma menos eficiente (p. ex., midazolam), o clearance é mais (ou mesmo unicamente) influenciado pela taxa enzimática. Muitos fatores podem influenciar o desempenho do processo enzimático, como a presença de outros fármacos (inibição), doença (hepatite), forte ligação com as proteínas plasmáticas e modificação genética da enzima, e podem limitar a fração do fármaco eliminada do sangue que flui para o órgão. Nesses casos, o fluxo sanguíneo é um fator menor de determinação do clearance de eliminação, e o clearance desses fármacos é chamado de capacidade limitada. O clearance é calculado, geralmente, dividindo-se a dose do fármaco administrado (D) pela área total sob a curva de concentração plasmática do fármaco versus tempo (AUC). Com frequência, o clearance de eliminação segue as regras da fisiologia para órgãos como o fígado (como nos exemplos no parágrafo anterior) ou o rim (p. ex., pancurônio, gentamicina). Contudo, o clearance de eliminação também pode ser estimado por D/AUC para fármacos eliminados de outras formas, como as colinesterases tissulares (p. ex., remifentanil) ou mesmo autodegradação espontânea por eliminação de Hoffmann (p. ex., cis-atracurio).

Meia-vida A maioria dos fármacos é eliminada como uma fração fixa por unidade de tempo. Essa circunstância é conhecida como cinética de primeira ordem; a fração eliminada é a constante de velocidade (unidades de tempo⫺1), e a concentração do fármaco diminui exponencialmente. As funções exponenciais são tornadas lineares por meio de uma plotagem como o registro natural de concentração versus tempo. Essa relação é fácil de conceituar convertendo-se a constante de velocidade em meia-vida usando o registro natural de ½ (⫺0,693), tornando a meia-vida igual a 0,693 dividida pela constante de velocidade. A meia-vida também é útil para estimar a subida para um estado de equilíbrio durante a administração constante usando a mesma relação (p. ex., concentrações aumentam 50%, 75% e 90% do estado de equilíbrio em 1, 2 e 3,3 meias-vidas, respectivamente).

A velocidade de declínio das concentrações plasmáticas de fármacos e o sítio efetor podem ser facilmente estimados usando-se o conceito de meia-vida (p. ex., diminuição das concentrações em 50%, 75% e 90% em 1, 2 e 3,3 meias-vidas, respectivamente).

126

Fundamentos de anestesiologia clínica A meia-vida (t1/2) combina os conceitos de distribuição de volume (Vd) e clearance de eliminação ClE na seguinte relação: t1/2 ⫽ 0,693 ⫻ Vd/ClE.

VÍDEO 7.1 Cinética de dois compartimentos

Modelo compartimental Várias condições surgem na prática de administrar anestesia, tornando as simples regras a respeito da meia-vida de valor limitado. Primeiro, essas regras requerem a suposição de que o corpo é um compartimento único. Um compartimento farmacocinético é uma construção matemática na qual a forma ou o comportamento global da concentração do fármaco versus a curva de tempo pode ser descrita por um conjunto de regras exponenciais particular e definível. Após uma dose oral, por exemplo, a cinética da absorção tende a mascarar a distribuição inicial do fármaco aos tecidos, e um único compartimento é suficiente para descrever bem os eventos farmacocinéticos de uma ou múltiplas doses. Assim, a cinética monoexponencial se aplica nesses casos e permite o uso completo das regras de meia-vida apresentadas acima. Contudo, quando são usadas doses IV rápidas ou infusões do fármaco, em que a duração é medida em minutos ou horas (em oposição a dias), a concentração do fármaco versus a relação de tempo é dramaticamente multiexponencial e requer múltiplas constantes de velocidade para descrever a inclinação variável da curva (2, 3). Um compartimento farmacocinético é uma construção matemática que assume uma mistura uniforme instantânea e contínua do fármaco (ou soluto) dentro dele. O clearance é calculado como o volume de distribuição vezes a constante de velocidade de transferência para fora. Uma concentração monoexponencial do fármaco versus a curva de tempo é descrita de forma equivalente por um modelo com dois ou três compartimentos. É conceitualmente mais fácil visualizar um compartimento central conectado por constantes de velocidade de transferência para compartimentos de equilíbrio rápido e lento (no caso, de um modelo de três compartimentos) do que uma equação multiexponencial. Adicionalmente, a introdução de computadores removeu o uso de equações multiexponenciais, que podem ser resolvidas com uma simples calculadora de mão. Agora, aplicativos em smartphones podem resolver facilmente as equações diferenciais de modelos multicompartimentais, misturando a facilidade conceitual e computacional.

Tempo de diminuição contexto-dependente De uma forma ou de outra, todos os tecidos corporais agem como depósitos de fármacos. As velocidades com que os tecidos acumulam os fármacos à medida que equilibram suas concentrações com as concentrações sanguíneas variam com o fluxo sanguíneo para o tecido em relação à massa tissular e com sua propensão a sequestrar o fármaco (i.e., o coeficiente de partição sangue-tecido ou o coeficiente de concentração no equilíbrio completo sangue-fármaco). Esses depósitos continuam a acumular o fármaco até que seja atingido um estado de equilíbrio. Para grandes depósitos com fluxo sanguíneo relativamente baixo, é necessário um dia ou mais para atingir um estado de equilíbrio. Assim, para tempos de administração do fármaco menores do que aqueles necessários para que todos os tecidos atinjam coeficientes de concentração sangue-tecido do fármaco em estado de equilíbrio, o grau em que cada depósito tissular está “cheio” irá variar, assim como as velocidades com as quais os vários tecidos irão liberar o fármaco de volta para o sangue quando a transferência é revertida após a administração cessar. Os anestesiologistas precisam prever quando as concentrações do fármaco no sangue (ou sítio efetor) irão cair (diminuir) abaixo daquela necessária para manter o efeito anestésico desejado para uma concentração de fármaco associada com outro estado, como de vigília. A duração de ação após uma única dose IV em bólus geralmente é prontamente disponível ou conhecida. Contudo, quando houver uma administração contínua ou repetida do fármaco, a duração de ação dependerá da duração da administração (ou sensibilidade ao contexto).

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

Usando modelos farmacocinético-farmacodinâmicos, o tempo necessário à diminuição de uma concentração terapêutica prevista durante a administração para uma concentração do fármaco que será não terapêutica após o término de infusões de durações variáveis pode ser simulado (4). As simulações são representadas como tempo para uma diminuição percentual da concentração do fármaco, como para 50% (ou meia-vida), no eixo Y versus a duração de tempo em que o fármaco foi infundido continuamente no eixo X (Fig. 7.3). Normalmente, a duração do tempo de diminuição irá aumentar à medida que a duração da infusão aumenta, mas a forma da curva é única para cada fármaco.

D. Covariáveis que afetam a farmacocinética Há vários fatores fisiológicos que podem alterar a farmacocinética de um fármaco. A maior parte do foco na literatura de farmacologia clínica é sobre os efeitos da doença hepática ou renal sobre parâmetros farmacocinéticos. Qualquer boa estimativa da taxa de filtração glomerular irá se correlacionar bem com o clearance de eliminação de um fármaco que é filtrado pelos rins, mas o clearance de eliminação de um fármaco que é excretado por transporte ativo nos túbulos não é correlacionado tão fortemente com a taxa de filtração glomerular. Infelizmente, os testes clínicos de função hepática (p. ex., transaminases e função de síntese hepática) não são boas estimativas da capacidade metabólica hepática remanescente para eliminação do fármaco. Portanto, é difícil estimar de forma quantitativa ou mesmo qualitativa como ajustar a dose de fármacos na doença hepática. Felizmente, a diminuição da concentração plasmática do fármaco após um único bólus, bólus repetidos e mesmo curtas infusões dependem tanto, se não mais, da distribuição do fármaco para os tecidos e sua redistribuição a partir deles do que do clearance de eliminação. Portanto, a não ser que haja doença terminal grave, uma pequena diminuição na frequência ou na repetição dos bólus ou na velocidade de infusão pode ser feita e ajustada com base no efeito do fármaco observado clinicamente. O aumento do peso altera os parâmetros farmacocinéticos porque o aumento dos volumes tissulares e do volume sanguíneo aumenta o tecido disponível para captação do fármaco. Aumentos no fluxo sanguíneo para esses tecidos aumentam o volume de distribuição para cada um desses tecidos e para todo o corpo. Embora a maioria dos

Tempo para diminuição X% na concentração [min]

1.000

75% 50%

100

25% 10

1 0

180 240 300 60 120 Duração da infusão [minutos]

360

FIGURA 7.3 Tempos de diminuição contexto-dependentes de 25%, 50% e 75% após infusões de fentanil de 1 a 360 minutos de duração. Observe que o eixo Y é plotado como uma escala logarítmica. Enquanto um decréscimo de 25% na concentração plasmática após uma infusão de 360 minutos leva menos de 20 minutos (linha verde tracejada), leva mais de 240 minutos para uma diminuição de 50% na concentração plasmática após a mesma infusão de 360 minutos (linha preta sólida). Além disso, uma redução de 75% na concentração plasmática leva aproximadamente 500 minutos para infusões de 180 minutos ou mais (linha vermelha tracejada).

127

128

Fundamentos de anestesiologia clínica

O peso e a idade têm efeitos clínicos mais significativos sobre os parâmetros farmacocinéticos do que todos os distúrbios da função hepática e renal, exceto os mais extremos.

hipnóticos e opioides seja relativamente lipofílica, a dose desses fármacos para o peso corporal real ultrapassa a concentração-alvo. Isso ocorre porque a perfusão relativamente pobre das gorduras resulta em pouca contribuição desse compartimento para o maior volume de distribuição e clearances distributivos durante as primeiras horas de infusão. Contudo, a massa muscular aumentada necessária para transportar o peso corporal aumentado contribui substancialmente para o aumento da necessidade de dose. Portanto, um peso corporal farmacológico – peso corporal ideal ⫹ 0,33 ⫻ (peso corporal real ⫺ peso corporal ideal) – comumente é usado quando se dosa o propofol e os opioides. As bases fisiológicas para as alterações relacionadas à idade na distribuição e clearance do fármaco não são claras. Elas representam mais provavelmente uma combinação de diminuição na distribuição do tecido magro versus músculo com a idade e distribuição do fluxo sanguíneo para esses tecidos, redução do débito cardíaco relacionada à idade e alterações na distribuição do débito cardíaco relacionadas à idade (1, 2, 5, 6).

II. Farmacodinâmica A. Relações de dose-resposta e concentração-efeito

O aumento da dose do fármaco acima da dose que proporciona o efeito máximo geralmente resulta em efeitos colaterais indesejáveis.

Qualquer um que já tomou um analgésico compreende que, à medida que a dose de um fármaco é aumentada, a resposta analgésica também é aumentada. Além disso, a probabilidade de que o indivíduo tenha uma resposta analgésica satisfatória é aumentada por uma dose maior. Além do mais, lesões mais dolorosas requerem doses maiores de um fármaco para atingir uma resposta satisfatória. Contudo, à medida que a dose é aumentada acima de certo ponto, há uma melhora mínima na resposta analgésica, pois o efeito máximo foi atingido. A variabilidade interindividual na relação da dose necessária para produzir um dado efeito farmacológico varia consideravelmente, mesmo em sujeitos normais. A variabilidade interindividual na relação dose-resposta é causada por variabilidade interindividual na relação entre a concentração do fármaco e o efeito farmacológico (variabilidade farmacodinâmica) sobreposta à variabilidade interindividual da concentração do fármaco produzida por determinada dose do fármaco (variabilidade farmacocinética). Isso destaca a principal desvantagem da relação de dose-resposta versus a relação de concentração-resposta. A relação de dose-resposta é incapaz de identificar corretamente se a variabilidade interindividual é causada por diferenças na farmacocinética, farmacodinâmica ou ambas. A maioria dos fármacos produz seus efeitos fisiológicos (tanto efeitos terapêuticos quanto tóxicos) por ligação com um receptor fármaco-específico na membrana celular, no citoplasma ou no nucleoplasma da célula. Isso produz uma alteração na função celular. A ligação do fármaco com o receptor é um processo reversível que segue a lei de ação das massas – maiores concentrações do fármaco resultam em um maior número de complexos fármaco-receptor e um maior efeito do fármaco. A relação entre a concentração do fármaco e a intensidade da resposta é caracterizada com mais frequência por uma relação curvilínea (Fig. 7.4). Para a maioria dos fármacos, há uma concentração mínima que precisa ser atingida antes que o efeito possa ser observado (limiar terapêutico). Quando um efeito farmacológico é produzido, pequenos aumentos na concentração do fármaco, em geral, produzem aumentos relativamente grandes no efeito do fármaco. À medida que o efeito do fármaco chega próximo ao máximo, aumentos na concentração produzem alterações mínimas no efeito.

B. Limiar terapêutico e janela terapêutica A discussão anterior fez referência ao fato de que, em um determinado indivíduo, pode não haver apenas variabilidade interindividual, mas uma variabilidade intraindividual significativa na concentração que produz o efeito clínico desejado sem efeitos colaterais. Essa variabilidade intraindividual depende de vários fatores fisiológicos.

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

1,00

Efeito

0,75

0,50

0,25

0,00 0

1

3 2 Concentração de fentanil

4

5

FIGURA 7.4 Curva de concentração versus efeito para o fentanil. Observe a curva em forma sigmoidal. Entre 25% e 75% de efeito, a curva é aproximadamente linear, e pequenas alterações na concentração de fentanil resultam em uma grande alteração no efeito. Em contraste, abaixo de 25% e acima de 75% de efeito, a curva é relativamente achatada, e grandes alterações na concentração de fentanil são necessárias para produzir uma pequena alteração no efeito clínico.

Primeiro, a concentração efetiva mínima que produz um efeito clinicamente significativo (limiar terapêutico) pode variar dependendo da magnitude da estimulação que requer tratamento (Fig. 7.5). Por exemplo, como mostrado na Figura 7.5, o paciente que está se recuperando de uma excisão de um melanoma requer uma menor concentração de opioides para analgesia adequada do que um paciente que se recupera de uma artrodese da coluna lombar. Portanto, a dose de fentanil que produz analgesia no paciente com melanoma pode não produzir analgesia discernível no paciente artrodese de coluna (i.e., abaixo do limiar terapêutico). Em contraste, a dose de fentanil que produz analgesia no paciente com artrodese de coluna irá produzir analgesia no paciente com melanoma e terá um início de ação mais rápido da analgesia porque atinge um limiar terapêutico mais rápido. Além disso, como a magnitude do estímulo doloroso é menor no paciente com melanoma do que no paciente com artrodese de coluna, é provável que a concentração na qual o paciente tenha depressão ventilatória significativa também seja menor. Embora a janela terapêutica (limiar tóxico ⫺ limiar terapêutico) possa ter a mesma magnitude, o paciente com artrodese de coluna terá toda a janela “desviada para cima”. Portanto, uma dose de fentanil que pode ter sido terapêutica e segura para o paciente com artrodese de coluna possivelmente irá causar depressão ventilatória maior para o paciente com melanoma no tempo em que a concentração está acima do limiar tóxico para o paciente com melanoma (limiar tóxico M). Além do mais, a duração da analgesia adequada (tempo acima do limiar terapêutico M) será maior para o paciente com melanoma se administrada a dose maior do fentanil.

C. Sítio efetor Idealmente o fármaco deve ser levado ao local de ação, e a concentração naquele tecido deve ser medida para determinar a relação concentração-efeito. Contudo, para a maioria dos fármacos, é difícil, se não impossível, acessar e medir de forma segura e repetida o local de ação do fármaco. Portanto, a maioria dos estudos farmacocinéticos e

129

130

Fundamentos de anestesiologia clínica

Concentração de fentanil

2,0

Limiar tóxico C

1,5

Limiar terapêutico C 1,0

Limiar tóxico M Limiar terapêutico M

0,5

0,0 0

5

10

15 Minutos

20

25

30

FIGURA 7.5 Perfil da concentração no sítio efetor versus tempo após um bólus de 1 ␮g/kg intravenoso (linha preta sólida) e um bólus intravenoso de 2,5 ␮g/kg (linha azul sólida) de fentanil. A linearidade das doses é demonstrada pelo fato de que o bólus de 2,5 ␮g/kg resulta em um perfil similar ao do bólus de 1 ␮g/kg, mas com uma concentração máxima 2,5 vezes maior. Os limiares terapêuticos representativos (a concentração mínima necessária para produzir analgesia) e o limiar tóxico (a concentração acima da qual ocorre depressão ventilatória) são demonstrados para um paciente após cirurgia de melanoma superficial (linhas tracejadas verdes, M) e para um paciente após cirurgia de artrodese de coluna lombar (linhas vermelhas pontilhadas, C). Um determinado bólus de fentanil produz analgesia apenas a partir do momento em que produz uma concentração no sítio efetor acima do limiar da concentração terapêutica para um paciente até o momento no qual a concentração no sítio efetor caia abaixo do limiar da concentração terapêutica. Se a concentração no sítio efetor não exceder o limiar tóxico para o paciente, ela não produzirá depressão ventilatória excessiva. Em contraste, se o bólus produz uma concentração no sítio efetor acima do limiar da concentração tóxica, ele irá produzir depressão ventilatória grave até que a concentração no sítio efetor caia abaixo do limiar da concentração tóxica. Por exemplo, em um paciente submetido à ressecção de melanoma superficial, um bólus de 1 ␮g/kg de fentanil (linha preta sólida) irá produzir, inicialmente, analgesia detectável aproximadamente 2 minutos após a administração (quando ele atravessa o limiar terapêutico M, linha verde tracejada inferior), que irá durar aproximadamente 10 minutos após a administração (quando a concentração cai abaixo do limiar terapêutico, linha verde tracejada inferior). Como a dose não produz uma concentração acima do limiar tóxico (linha verde tracejada superior), não haverá depressão ventilatória após esse bólus único. Em contraste, no mesmo paciente com melanoma, um bólus de 2,5 ␮g/kg de fentanil (linha azul sólida) irá produzir inicialmente analgesia detectável ⬍ 1 minuto após a administração (quando ele atravessa o limiar terapêutico M, linha verde tracejada). Como a dose produz uma concentração no sítio efetor acima do limiar tóxico para o paciente submetido à ressecção de melanoma (linha verde tracejada superior), ela irá produzir depressão ventilatória significativa a partir de aproximadamente 2 minutos até que a concentração no sítio efetor caia abaixo do mesmo limiar tóxico em aproximadamente 18 minutos. Logo, embora o bólus maior produza um início mais rápido de analgesia e uma maior duração de ação, ele produz toxicidade por uma parte desse tempo. No paciente com cirurgia de coluna (linhas vermelhas pontilhadas para limiar terapêutico e limiar tóxico, S) um bólus de 1 ␮g/kg será subterapêutico e ineficaz (linha preta sólida), pois ele não produz uma concentração acima do limiar terapêutico (linha vermelha pontilhada inferior). Em contraste, um bólus de 2,5 ␮g/kg produz analgesia desde aproximadamente 2 até 10 minutos após a administração (tempo que a linha azul está acima da linha vermelha pontilhada inferior); contudo, há um período de tempo no qual essa dose irá produzir depressão ventilatória grave (desde 2,5 até 8 minutos após a administração, quando a linha azul sólida está acima da linha vermelha pontilhada superior). Portanto, uma dose menor de 2 ␮g/kg pode ser preferível para prevenir uma concentração no sítio efetor fora da janela terapêutica (a área acima do limiar terapêutico, mas abaixo do limiar tóxico).

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

131

farmacodinâmicos envolve a medida repetida das concentrações sanguíneas de fármacos e medidas repetidas de um efeito do fármaco. Como o efeito do fármaco na verdade não ocorre no sangue, modelos farmacocinéticos incorporam um local “virtual” do efeito, que age como um elo matemático entre as alterações na concentração do fármaco observadas no sangue e o efeito medido. Esse sítio efetor descreve as defasagens de tempo observadas entre o início e o desaparecimento do efeito relativo às alterações na concentração sanguínea do fármaco (Fig. 7.4) (7).

III. Interações medicamentosas O período perioperatório é caracterizado pela administração de doses variáveis de múltiplos fármacos para induzir, manter e antagonizar anestésicos juntamente com antibióticos, antiepilépticos e as medicações pré-operatórias de cada paciente. Portanto, não deve ser surpresa que há um potencial para múltiplas interações medicamentosas, algumas das quais são parte do plano anestésico (i.e., coadministração de um opioide com um anestésico volátil para reduzir a concentração alveolar mínima), e outras que são consequências inadvertidas da polifarmácia do período perioperatório. Uma consequência indesejada de muitos fármacos é a alteração no mecanismo fisiológico da absorção, distribuição e eliminação do fármaco. Essas alterações farmacocinéticas resultam em concentrações subterapêuticas ou supraterapêuticas com toxicidade medicamentosa não intencional. De modo a antecipar quais interações medicamentosas podem ocorrer, é útil compreender o mecanismo da maioria das interações.

A. Absorção Com o uso crescente de medicações pré-operatórias orais para atenuar o risco cardiovascular (p. ex., antagonistas dos receptores ␤) ou diminuir as necessidades de opioides após a cirurgia (p. ex., inibidores da cicloxigenase, gabapentinoides, opioides de liberação sustentada, etc.), os anestesiologistas não podem mais ignorar fármacos que alteram a absorção. Além disso, alimentos como o suco de toranja podem alterar a atividade e a expressão da enzima do citocromo P450 jejunal e a expressão da P-glicoproteína intestinal. O metabolismo intestinal aumentado e o efluxo intestinal aumentado do fármaco podem ambos diminuir a biodisponibilidade do fármaco. Casualmente, os fármacos adjuvantes perioperatórios mais comuns – metoprolol, os inibidores da cicloxigenase-2, os gabapentinoides e os opioides de liberação sustentada – são afetados minimamente por esses mecanismos. Contudo, à medida que mais medicações orais são adicionadas rotineiramente ao período perioperatório, é importante considerar se a sua biodisponibilidade será alterada por esses mecanismos.

B. Distribuição Embora com frequência sejam esquecidas na literatura farmacológica, as alterações medicamentosas de distribuição são as interações mais comumente observadas durante a anestesia. A literatura farmacológica clínica dedica um grande esforço ao deslocamento dos fármacos dos locais de ligação proteica por outros fármacos que competem com eles. Essa forma de interação medicamentosa aumenta a concentração de um fármaco livre e, potencialmente, produz exposição a concentrações supraterapêuticas e potencial toxicidade. Contudo, esse mecanismo de interação medicamentosa não é clinicamente importante para fármacos anestésicos porque (a) há um imenso excesso de locais de ligação não ocupados para a maioria dos fármacos anestésicos e (b) o metabolismo hepático da maioria dos fármacos anestésicos é limitado pelo fluxo. Portanto, o fígado irá normalizar a concentração livre para concentrações pré-deslocamento. O método mais comum, porém menos discutido, pelo qual as interações medicamentosas

Os fármacos que alteram o pH (p. ex., ranitidina) ou alteram o esvaziamento gástrico e o tempo de trânsito intestinal (p. ex., metoclopramida) podem alterar a dissolução e a absorção dos fármacos.

132

Fundamentos de anestesiologia clínica afetam a distribuição dos fármacos anestésicos é pela alteração no débito cardíaco e na distribuição do débito cardíaco (2). Essas alterações na distribuição tissular de um fármaco (clearances intercompartimentais) irão alterar a exposição do sítio efetor ao fármaco. Embora seja óbvio que os agentes vasoativos possam alterar o fluxo sanguíneo regional mesmo se o débito cardíaco for constante, geralmente é esquecido que os anestésicos voláteis e o propofol podem alterar a distribuição do fluxo sanguíneo regional e, portanto, alterar o perfil de concentração plasmática do fármaco.

C. Metabolismo O mecanismo mais discutido das interações medicamentosas farmacocinéticas na literatura farmacológica clínica é a indução ou inibição do metabolismo do fármaco. Há muitos fármacos usados comumente que induzem (ou inibem) as isozimas do citocromo P450, que aumentam (ou diminuem) o metabolismo hepático do fármaco e diminuem (ou aumentam) a exposição ao fármaco. O metabolismo medicamentoso aumentado por indução do citocromo P450 3A4 pelos antiepilépticos é um dos exemplos mais comuns na literatura perioperatória. Com os fármacos anestésicos que têm metabolismo pelo CYP P450 3A4, é relativamente fácil aumentar a dose ou a frequência da dose a ser administrada de modo a obter o efeito desejado do agente bloqueador da junção neuromuscular, opioide ou hipnótico intravenoso. Pode ser mais difícil evitar a overdose do fármaco quando há uma diminuição no metabolismo do fármaco por esse mecanismo. Por exemplo, com a administração concomitante de inibidores da protease que inibem o metabolismo dos opioides, é necessário iniciar com doses menores e depois aumentar lentamente a dose ou a frequência de dose para evitar a exposição prolongada a concentrações supraterapêuticas e toxicidade, como a depressão ventilatória prolongada. Um desafio terapêutico adicional é quando a conversão de um pró-fármaco em seu fármaco ativo é inibido por outro fármaco. Devido à variabilidade da quantidade de inibição do CYP 2D6 pelos inibidores seletivos da receptação da serotonina, pode ser mais fácil evitar opioides que requerem a conversão pelo CYP 2D6 (i.e., codeína, oxicodona e hidrocodona) em vez de tentar prever a analgesia adequada em pacientes que fazem uso desses fármacos, especialmente com o paracetamol, nas suas formulações comumente disponíveis (8).

D. Antagonistas diretos e indiretos As interações medicamentosas farmacodinâmicas mais fáceis de compreender são os métodos que os anestesiologistas usam para antagonizar os efeitos clínicos dos opioides e agentes bloqueadores neuromusculares adespolarizantes. O antagonista dos opioides naloxona é um exemplo de interação medicamentosa farmacodinâmica na qual um antagonista direto do receptor de opioides ␮ reverte a depressão ventilatória induzida pelos opioides e diminui o limiar doloroso. Em contraste, os inibidores da colinesterase (p. ex., neostigmina) aumentam a quantidade de acetilcolina disponível na junção neuromuscular. Portanto, eles são antagonistas indiretos dos agentes bloqueadores da junção neuromuscular adespolarizantes.

E. Toxicidade não intencionada Nas duas últimas décadas, a idade dos pacientes cirúrgicos aumentou, assim como o uso de medicações crônicas. A maioria dos medicamentos administrados em regime ambulatorial tem pouca interação farmacodinâmica com as medicações perioperatórias. Níveis excessivos de serotonina no sistema nervoso central (SNC) por antidepressivos que inibem a degradação da serotonina pela monoamina oxidase do SNC ou diminuem a receptação da serotonina podem resultar em concentrações tóxicas de serotonina se combinados com outros inibidores da monoamina oxidase (p. ex., azul de

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

metileno) ou inibidores da receptação da serotonina (p. ex., opioides como metadona, meperidina e tramadol). A eliminação desses antidepressivos pode levar mais de quatro semanas e não é isenta de efeitos colaterais, como a piora da dor ou da depressão. Quando é necessária a administração de azul de metileno, é recomendado que o antidepressivo não seja reiniciado por pelo menos 24 horas após a dose anterior dele. Além disso, se ocorrerem sinais ou sintomas de toxicidade por serotonina, um antagonista do receptor da serotonina (p. ex., cipro-heptadina oral ou clorpromazina IV) deve ser administrado, bem como o cuidado de suporte necessário (9).

F. Sinergia opioides-hipnóticos

Probabilidade de nenhuma resposta

Embora seja possível produzir o estado clínico de anestesia geral unicamente com a administração de concentrações elevadas no sítio efetor de anestésicos voláteis ou um anestésico IV, as consequências não intencionais disso incluem um tempo prolongado de eliminação (emergência) e efeitos colaterais hemodinâmicos indesejados (dilatação arterial e venodilatação). A combinação de um opioide e um hipnótico é sinérgica (i.e., supra-aditiva) e não apenas produz um estado anestésico clínico que é indistinguível daquele produzido por um hipnótico sozinho, mas com frequência permite uma eliminação mais rápida (emergência). A análise das combinações de um opioide com um hipnótico que produz o mesmo estado anestésico clínico gera uma superfície tridimensional que, quando projetada no plano concentração-efeito, produz uma família de curvas concentração-resposta. Esses modelos permitem a conceituação dessa complexa interação medicamentosa que pode não apenas ser usada para computar as combinações ideais de opioides-hipnóticos por meio de simulação que minimiza o tempo para a emergência com analgesia adequada, mas também pode ser usada qualitativamente para descrever a diferença nas combinações adequadas de opioides-hipnóticos para a educação dos anestesiologistas (Fig. 7.6) (10).

1,0 0,9 50% Isobole 0,5

0,1 30,0 25,0 Fe 20,0 nt 15,0 an 10,0 i

l

5,0 2,5 0,0

0,5

1,0

1,5

Sevo

2,0

flura

2,5

3,0

3,5

4,0

no

FIGURA 7.6 Modelo de superfície de resposta que caracteriza a interação fentanil-sevoflurano na analgesia para estimulação elétrica tetânica. A projeção da superfície de resposta no plano horizontal (plano sevoflurano vs. fentanil) resulta em uma coleção de efeitos isoboles, enquanto a projeção da superfície de resposta no plano vertical (plano vertical sevoflurano vs. efeito) resulta em uma coleção de curvas de concentração-resposta para o sevoflurano para uma variedade de concentrações do remifentanil. (Adaptado de Manyam SC, Gupta DK, Johnson KB, et al. Opioid-volatile anesthetic synergy: A response surface model with remifentanil and sevoflurane as prototypes. Anesthesiology. 2006;105:267–278.)

133

O uso aumentado de medicações que modulam as vias serotoninérgicas do sistema nervoso central pode potencialmente produzir a síndrome da serotonina (confusão, hiperatividade, problemas de memória, espasmos musculares, sudorese excessiva, calafrios e febre).

134

Fundamentos de anestesiologia clínica

Referências 1. Gupta DK, Avram MJ. Rational opioid dosing in the elderly: Dose and dosing interval when initiating opioid therapy. Clin Pharmacol Ther. 2012;91:339–343. 2. Henthorn TK, Krejcie TC, Avram MJ. Early drug distribution: A generally neglected aspect of pharmacokinetics of particular relevance to intravenously administered anesthetic agents. Clin Pharmacol Ther. 2008;84:18–22. 3. Shafer SL, Stanski DR. Improving the clinical utility of anesthetic drug pharmacokinetics. Anesthesiology. 1992;76:327–330. 4. Shafer SL, Varvel JR. Pharmacokinetics, pharmacodynamics, and rational opioid selection. Anesthesiology. 1991;74:53–63. 5. Minto CF, Schnider TW, Egan TD, et al. Influence of age and gender on the pharmacokinetics and pharmacodynamics of remifentanil. I. Model development. Anesthesiology. 1997;86:10–23. 6. Schnider TW, Minto CF, Gambus PL, et al. The influence of method of administration and covariates on the pharmacokinetics of propofol in adult volunteers. Anesthesiology. 1998;88:1170–1182. 7. Kern SE, Stanski DR. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of intravenously administered anesthetic drugs: Concepts and lessons for drug development. Clin Pharmacol Ther. 2008;84:153–157. 8. Crews KR, Gaedigk A, Dunnenberger HM, et al. Clinical pharmacogenetics implementation consortium guidelines for cytochrome p450 2d6 genotype and codeine therapy: 2014 update. Clin Pharmacol Ther. 2014;95:376–382. 9. Boyer EW, Shannon M. The serotonin syndrome. N Engl J Med. 2005;352:1112–1120. 10. Manyam SC, Gupta DK, Johnson KB, et al. Opioid-volatile anesthetic synergy: A response surface model with remifentanil and sevoflurane as prototypes. Anesthesiology. 2006;105:267–278.

Capítulo 7

Princípios de farmacocinética e farmacodinâmica

135

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual via de administração de fármaco resulta em menor biodisponibilidade? A. Intravenosa B. Subcutânea C. Peridural D. Oral 2. Quando comparada com a administração intravenosa, a administração oral: A. Apresenta concentração plasmática máxima similar B. Apresenta tempo similar até a concentração plasmática máxima C. É afetada por metabolismo de primeira passagem D. As concentrações plasmáticas não são afetadas por perfusão da mucosa gastrintestinal 3. A velocidade de equilíbrio do fármaco entre o tecido e o plasma é determinada por: A. Captação do fármaco limitada por fluxo B. Pressão oncótica coloide do plasma C. Saturação tissular do fármaco D. Coeficiente de solubilidade sangue-tecido 4. Para sofrer biotransformação, o fentanil A. Deve ser convertido em um composto lipofílico B. Deve sofrer reação de fase I no cérebro C. Deve ser conjugado pela enzima glicuronidase D. O glicuronídeo é eliminado apenas pelo rim 5. O clearance do fentanil e do propofol é: A. Biotransformado apenas por reações de fase I B. Limitado por fluxo C. Similar ao do midazolam D. Limitado por clearance intrínseco

6. Durante doses constantes, a meia-vida (t1/2) útil para estimar a elevação para a concentração do estado de equilíbrio (50%, 75%, 90% do estado de equilíbrio) é: A. 1, 3, 5 meias-vidas B. 1, 2, 3,3 meias-vidas C. 6,6 D. 9,9 7. Uma mulher de 30 anos, 115 kg (índice de massa corporal [IMC] 40) está agendada para cirurgia bariátrica. A dose adequada de propofol para essa paciente é: A. 2 mg/kg do peso corporal ideal B. 2 mg/kg do peso real C. 2 mg/kg do peso corporal farmacológico D. 2,5 mg/IMC unidade 8. A variabilidade interpaciente na dose necessária para produzir um dado efeito farmacológico é baseada em todos os seguintes, EXCETO: A. Farmacodinâmica B. Farmacocinética C. Relação dose-resposta D. Relação concentração-resposta 9. Um exemplo clínico de uma interação medicamentosa é: A. O isoproterenol altera a distribuição do débito cardíaco e aumenta a concentração plasmática do propofol B. Os inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRSs) inibem a atividade da CYP 2D6 e aumentam a efetividade clínica da codeína como analgésico C. O remifentanil afeta (sinergístico) a concentração corrente final do sevoflurano que é necessária para prover imobilidade e atenua as respostas hemodinâmicas à estimulação nociva D. A administração do azul de metileno a pacientes que estão em uso dos inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRSs) está associada com síndrome de hipertermia maligna

136

Fundamentos de anestesiologia clínica

Tempo para diminuição de 50% na concentração plasmática (min)

10. Na figura a seguir, identifique a meia-vida (CSt1/2) contexto-dependente para o remifentanil (R). 60

A

B

50 C

40 30 20 10

D 0

A. B. C. D.

60

A B C D

120 180 240 300 Tempo de infusão (min)

360

Agentes anestésicos inalatórios Ramesh Ramaiah Sanjay M. Bhananker

O valor dos gases inalatórios no alívio efetivo da dor foi descoberto nos anos 1840. O óxido nitroso foi eficaz para analgesia e sedação, enquanto o éter dietílico pôde produzir anestesia geral. Desde então, vários gases puros e anestésicos voláteis (líquidos que foram vaporizados para ser inalados) foram sintetizados, estudados e usados na prática clínica.

I. Princípios farmacológicos A. Terminologia O comportamento dos fármacos administrados é mais bem descrito em termos de farmacodinâmica (o que o fármaco faz com o corpo) e farmacocinética (o que o corpo faz com o fármaco). A farmacodinâmica descreve os efeitos do fármaco nos sistemas orgânicos, tecidos e receptores específicos. A farmacocinética descreve o modo como os fármacos são absorvidos na sua administração, sua distribuição dentro dos vários compartimentos corporais, seu metabolismo e sua eliminação ou excreção.

B. Classificação dos anestésicos inalatórios Alguns anestésicos inalatórios estão em um estado gasoso em temperatura ambiente e são armazenados em tanques. Exemplos de tais gases anestésicos incluem o óxido nitroso, o xenônio e um gás explosivo, o ciclopropano, que não é mais usado. A maioria dos anestésicos inalatórios usados atualmente é chamada de anestésicos voláteis porque são líquidos em temperatura ambiente. Eles são armazenados em garrafas e convertidos em uma fase gasosa usando vaporizadores específicos para o agente que podem fornecer uma concentração exata do fármaco no circuito anestésico. Exemplos de anestésicos voláteis obsoletos incluem éter dietílico, halotano e enflurano. Os anestésicos voláteis atuais incluem o sevoflurano e o isoflurano. O desflurano é um anestésico inalatório que tem características de um gás puro e de um anestésico volátil. Isto é, como o seu ponto de ebulição é 24°C, ele passa de líquido para gás em uma temperatura muito próxima à temperatura ambiente normal. A vaporização do desflurano requer um vaporizador que é mais complexo do que o necessário para os outros anestésicos voláteis.

8

138

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 8.1 Propriedades físicas dos agentes anestésicos inalatórios usados comumente Propriedade

Sevoflurano Desflurano Isoflurano Óxido nitroso Xenônio

Ponto de ebulição (°C)

59

24

49

⫺88

⫺108

Pressão do vapor a 20°C (mmHg)

157

669

238

38.770



Coeficiente de partição sangue:gás

0,65

0,42

1,46

0,46

0,115

Coeficiente de partição óleo:gás

47

19

91

1,4

1,9

Concentração alveolar mínima (CAM)

1,8

6,6

1,17

104

63-71

Metabolizado no corpo (%)

2-5

0,02

0,2

0

0

C. Características físicas dos anestésicos inalatórios A Tabela 8.1 descreve algumas das propriedades dos agentes anestésicos inalatórios em uso atualmente. Um coeficiente de partição (p. ex., sangue:gás ou cérebro:sangue) é expresso em vários meios, como a solubilidade desses anestésicos. Se um recipiente com volumes iguais de sangue e ar foi exposto a isoflurano suficiente para produzir uma concentração de 1% de isoflurano na fase gasosa (1 mL de isoflurano/100 mL gás) e chegou a um equilíbrio (pressão total igual no ar e no sangue), então 1,46 mL de isoflurano seria dissolvido em cada 100 mL de sangue. O isoflurano seria “partido” entre o sangue e o ar em uma proporção de 1,46:1, de modo que o coeficiente de partição seria 1,46. O coeficiente de partição sangue:gás determina a velocidade de indução anestésica, recuperação e alteração da profundidade anestésica. Um agente com um coeficiente de partição sangue:gás relativamente alto (p. ex., isoflurano ⫽ 1,46) irá necessitar de um maior tempo para indução (e recuperação), em comparação a um anestésico com menor coeficiente de partição sangue:gás (p. ex., sevoflurano ⫽ 0,65). A anestesia ocorre quando o anestésico está completamente dissolvido no sangue e uma pressão parcial efetiva do anestésico é obtida no sangue (e cérebro). A indução da anestesia demora mais tempo com um anestésico com elevado coeficiente de partição sangue:gás porque há mais anestésico dissolvido no sangue. E leva mais tempo para que o sangue se torne “saturado” e a pressão parcial exercida pelo anestésico seja alta o suficiente para produzir um nível cirúrgico de anestesia. O coeficiente de partição óleo:gás é uma medida da lipossolubilidade de um anestésico inalatório. Quanto maior o coeficiente de partição óleo:gás, mais potente o anestésico e menor a pressão parcial (i.e., a concentração) necessária para atingir um plano cirúrgico de anestesia (ver abaixo para uma discussão da concentração alveolar mínima).

II. Captação e distribuição dos agentes anestésicos inalatórios É comum discutir o comportamento farmacocinético dos anestésicos inalatórios em termos da sua captação e distribuição porque eles são fornecidos ao paciente por inalação, absorvidos ou captados pelo sangue e então distribuídos aos órgãos (incluindo o cérebro). Além disso, como é difícil medir a concentração sanguínea dos anestésicos

Capítulo 8

Agentes anestésicos inalatórios

139

inalatórios, mas relativamente fácil medir a concentração, ou fração, inspirada (FI), expirada (FE) e nos alvéolos (FA) (que é quase equivalente à do sangue e cérebro), a farmacocinética dos anestésicos inalatórios é descrita geralmente em termos desses valores medidos prontamente.

A. Concentração de anestésico alveolar/Inspirado

VÍDEO 8.1

A velocidade com a qual a concentração alveolar dos anestésicos se eleva e se aproxima da concentração inspirada determina a velocidade de início de ação do anestésico e se correlaciona com a rapidez da indução da anestesia. A elevação na FA/FI é mais rápida com agentes que têm um baixo coeficiente de partição sangue:gás (p. ex., óxido nitroso, sevoflurano e desflurano). Se a ventilação-minuto é alta, como na ventilação manual cuidadosa ou na ventilação mecânica, uma quantidade aumentada de anestésico é levada aos alvéolos. Se o débito cardíaco é baixo, como na hipovolemia, menos anestésico é transportado dos pulmões, e o sangue se torna “saturado” com anestésico mais rapidamente. Como resultado, a elevação na FA/FI é mais rápida, a indução da anestesia é mais rápida, e os efeitos colaterais indesejados dos anestésicos (como a hipotensão) podem ser mais profundos nessas condições (Fig. 8.1).

B. Efeito da concentração e superpressurização O efeito da concentração e superpressurização se referem a dois métodos similares, porém distintos, de acelerar o tempo necessário para indução de anestesia com

N2O

1

Desflurano 0,8

Sevoflurano Isoflurano

FA/FI

0,6 Halotano 0,4

0,2

0

0

10

20

30

Minutos de administração

FIGURA 8.1 O aumento na concentração de anestésico alveolar (FA) em direção à concentração de anestésico inspirado (FI) é mais rápido com os anestésicos menos solúveis (óxido nitroso, desflurano e sevoflurano) e intermediário com anestésicos mais solúveis (isoflurano e halotano). Após 10 a 15 minutos de administração (cerca de 3 constantes de tempo), a inclinação da curva diminui, refletindo a saturação de um grupo de tecidos ricamente vascularizado e subsequente diminuição da captação de anestésicos inalatórios. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

Velocidade de elevação dos anestésicos inalatórios

O sevoflurano (isolado ou em conjunto com o óxido nitroso) é o agente mais comumente usado para indução inalatória em crianças.

Fundamentos de anestesiologia clínica um anestésico inalatório (ou um aumento na profundidade da anestesia durante um anestésico). O efeito da concentração se refere ao fato de que, quanto maior o FI de um agente anestésico inalatório, maior a elevação na proporção FA/FI. Embora teoricamente isso se aplique a todos os anestésicos inalatórios, praticamente só tem relevância clínica com o óxido nitroso e o xenônio porque eles são fornecidos em concentrações relativamente altas. A superpressurização se refere ao uso de uma maior FI do que a FA desejada para o paciente atingir uma elevação mais rápida na proporção FA/FI. Assim, pode ser usado sevoflurano inspirado a 8% durante a indução de anestesia de modo a atingir rapidamente a concentração alveolar de 2% necessária para anestesia cirúrgica.

C. Efeito de segundo gás O efeito de segundo gás é mais um fenômeno teórico do que prático. Ele ocorre quando um anestésico em alta concentração, o “segundo” gás (p. ex., o óxido nitroso), é adicionado agudamente a um “primeiro” gás já inalado em baixa concentração (p. ex., o sevoflurano). A captação inicial, rápida, de um alto volume de óxido nitroso (no sangue) concentra o sevoflurano nos alvéolos e resulta em uma elevação mais rápida da proporção FA/FI de sevoflurano. Além disso, devido a uma captação de grandes volumes de óxido nitroso, a resultante reposição daquele gás aumenta a ventilação inspirada, que também aumenta a concentração do sevoflurano presente nos alvéolos. Em teoria, mas provavelmente não tão óbvio clinicamente, isso acelera a indução da anestesia ou aprofunda mais rapidamente o nível da anestesia existente (Fig. 8.2).

Concentração e efeito do segundo gás 70% N2O

1,0

10% N2O 0,8

FA/FI

140

0,6

0,5% Halotano (70% N2O)

0,4

0,5% Halotano (10% N2O)

0,2

0

1

2

3

4

5

Minutos

FIGURA 8.2 O efeito da concentração é demonstrado na metade superior do gráfico no qual o óxido nitroso a 70% (N2O) produz um aumento mais rápido na proporção de concentração de anestésico alveolar (FA)/concentração anestésico inspirado (FI) de N2O do que a administração de 10% de N2O. O efeito do segundo gás é demonstrado nas linhas inferiores em que a proporção de FA/FI para o halotano aumenta mais rapidamente quando administrado com N2O a 70% do que com N2O a 10%. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

Capítulo 8 TABELA 8.2

Agentes anestésicos inalatórios

141

Grupos tissulares e sua perfusão

Grupo

Massa corporal (%)

Débito cardíaco (%)

Perfusão (mL/100 g/min)

Ricamente vascularizados

10

75

75

Músculo

50

19

3

Gordura

20

6

3

D. Distribuição Os anestésicos inalatórios fornecidos aos alvéolos se difundem no sangue e são distribuídos aos vários órgãos de acordo com a quantidade de fluxo sanguíneo para esses órgãos (Tab. 8.2). Os órgãos que serão expostos à maior quantidade de anestésicos mais cedo serão aqueles no grupo ricamente vascularizado, como o coração, pulmão, cérebro e fígado. Esses órgãos recebem cerca de 75% do débito cardíaco normal. O segundo grupo de tecidos perfundidos são os músculos (incluindo a pele), que levam mais tempo para se tornar saturados com anestésico. Os tecidos menos perfundidos (como a gordura) levam o maior tempo para se tornar saturados com anestésicos, mas eles também demoram mais a se livrar dos anestésicos quando o procedimento cirúrgico termina. Teoricamente, o anestésico na gordura pode servir como um depósito que é liberado lentamente de volta à circulação, podendo prolongar o despertar. Isso não é um problema significativo com os anestésicos modernos com baixa solubilidade no sangue. A dose, duração do anestésico e solubilidade do agente nos vários tecidos são os determinantes primários da magnitude desse depósito ou reservatório.

E. Metabolismo Apenas uma pequena proporção dos anestésicos inalatórios modernos sofre metabolismo. A maioria dos anestésicos é expirada em estado inalterado (Tab. 8.1). As propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas desses anestésicos não são afetadas significativamente por seu metabolismo. O metabolismo dos anestésicos hidrocarbonados halogenados, como o sevoflurano ou desflurano, no fígado pode ser um fator nos raros casos de hepatotoxicidade pós-anestésica.

III. Neurofarmacologia dos anestésicos inalatórios Assim como com outros fármacos, os efeitos clínicos dos anestésicos inalatórios dependem da dose administrada. Contudo, como a concentração de gás no sangue é difícil de medir, a profundidade da anestesia inalatória geralmente é expressa em termos da expiração final medida mais prontamente, ou concentração alveolar. Assim, uma concentração alveolar de 1% de sevoflurano é equivalente a uma atmosfera (760 mmHg) a uma pressão parcial de 76 mmHg no sangue (e cérebro). O conceito de concentração alveolar mínima (CAM) é usado comumente para comparar os efeitos farmacológicos de um anestésico inalatório com outro. Uma CAM é a concentração de um anestésico inalatório na qual 50% dos pacientes não se movem em resposta a uma estimulação cirúrgica-padrão (como uma incisão cutânea). Em consequência, se apenas um anestésico inalatório for usado para um procedimento cirúrgico, então mais de 1 CAM deve ser administrado para garantir que todos os pacientes sejam não responsivos. Os valores da CAM são aditivos. Por exemplo, 0,5 CAM de sevoflurano e 0,5 CAM de óxido nitroso são equivalentes a 1 CAM. Do mesmo modo, a administração concomitante de opioides e sedativos reduz a CAM. Alguns dos muitos fatores que podem aumentar ou diminuir a CAM estão listados na Tabela 8.3.

Os valores de CAM são úteis para comparar a potência de diferentes anestésicos inalatórios. A administração de pelo menos uma concentração corrente final de 0,7 CAM de anestésicos inalatórios é necessária para a prevenção de memória e consciência intraoperatória.

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 8.3 Fatores que influenciam a concentração alveolar mínima (CAM) de anestésicos inalatórios A CAM aumenta com: Uso crônico de etanol Hipertermia Hipernatremia Inibidores da monoaminoxidase Administração aguda de dextroanfetamina Cocaína Efedrina Levodopa A CAM diminui com: Aumento da idade Barbitúricos Benzodiazepínicos Opioides Cetamina/Verapamil/Lítio Intoxicação aguda por etanol Clonidina e dexmedetomidina Hipotermia/Hiponatremia Gravidez

Todos os anestésicos inalatórios mais novos deprimem a taxa metabólica cerebral de forma similar, resultando em um eletrencefalograma isoelétrico. Eles geralmente produzem uma perda de consciência e amnésia em concentrações inspiradas relativamente mais baixas (25-35% da CAM), embora haja uma variação considerável na sensibilidade entre indivíduos. Há controvérsia se o sevoflurano tem qualquer efeito pró-convulsivante, e o seu uso em pacientes com epilepsia é questionado. Todos os agentes potentes causam um aumento dose-dependente no fluxo sanguíneo cerebral (Fig. 8.3). Alterações na pressão intracraniana se comparam ao aumento no fluxo sanguíneo cerebral em uma Fluxo sanguíneo cerebral (e velocidade)

150 100

Ha

50

lot

an

o

Isoflurano

Desflurano — X ± SE 0,5 1 1,5 2 Concentração alveolar mínima

Velocidade (cm/seg)

200 mL/min/100 g

142

Sevoflurano

0

FIGURA 8.3 O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) medido na presença de normocapnia e na ausência de estimulação cirúrgica em voluntários. Em níveis de anestesia leves, o halotano (mas não o isoflurano, o sevoflurano ou o desflurano) aumenta o FSC. O isoflurano aumenta o FSC em uma concentração alveolar mínima de 1,6. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

Capítulo 8

Agentes anestésicos inalatórios

dose de 1 CAM ou acima. Os anestésicos inalatórios oferecem certo grau de proteção cerebral para insultos isquêmicos ou hipóxicos. Contudo, faltam evidências conclusivas em humanos para o sevoflurano e o desflurano. Os efeitos do óxido nitroso na fisiologia cerebral não são muito claros, uma vez que seus efeitos variam entre as diferentes espécies. O óxido nitroso pode ter propriedades antineuroprotetoras. Todos os anestésicos inalatórios podem produzir uma depressão dose-dependente dos potenciais evocados sensoriais e motores. Os potenciais evocados visuais são os mais sensíveis aos efeitos dos agentes voláteis. Há cada vez mais evidências de que os anestésicos inalatórios podem ser um dos principais fatores contribuintes para o desenvolvimento de comprometimento cognitivo no curto prazo após cirurgia, particularmente em idosos.

IV. Efeitos cardiovasculares

Alterações na PAM (mmHg)

Alterações na frequência cardíaca (batimentos/min)

Os anestésicos inalatórios produzem depressão miocárdica dose-dependente e uma redução na pressão arterial sistêmica. Essa redução na pressão arterial se deve principalmente a uma redução na resistência vascular sistêmica. A frequência cardíaca é relativamente inalterada pelos anestésicos inalatórios, embora o desflurano e, em algum grau, o isoflurano possam causar estimulação simpática, levando à taquicardia e hipertensão durante a indução ou quando a concentração inspirada é aumentada abruptamente (Fig. 8.4). O óxido nitroso também causa certo aumento na atividade

50

E

30

I

D

S 10 H ⫺10

0

0,5

1

1,5

2

20

0

S D

⫺20

H

I ⫺40 ⫺60

E

0

0,5

1

1,5

2

Concentração alveolar mínima

FIGURA 8.4 Alterações na frequência cardíaca e pressão arterial sistêmica (da linha de base acordado) em voluntários recebendo anestesia geral com anestésico volátil. Halotano e sevoflurano produziram pouca alteração na frequência cardíaca em uma concentração alveolar mínima ⬍ 1,5. Todos os anestésicos causaram reduções similares na pressão arterial. PAM, pressão arterial média; S, sevoflurano; I, isoflurano; D, desflurano; E, enflurano; H, halotano. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

143

144

Fundamentos de anestesiologia clínica simpática. Seus efeitos depressivos cardíacos direitos são neutralizados por essa atividade simpática aumentada em indivíduos saudáveis. Ao contrário do anestésico halotano fora de uso, os novos anestésicos inalatórios (isoflurano, sevoflurano, desflurano) não sensibilizam o miocárdio às catecolaminas circulantes ou predispõem o paciente a arritmias. Os anestésicos inalatórios são capazes de prover proteção miocárdica contra algumas lesões isquêmicas e de reperfusão que duram além da eliminação dos gases anestésicos. Evidências recentes sugerem que alguns anestésicos inalatórios, incluindo o xenônio, também podem oferecer proteção contra lesão isquêmica dos rins, do fígado e do cérebro.

V. Efeitos respiratórios Os anestésicos inalatórios produzem depressão respiratória dose-dependente com uma redução no volume corrente e na frequência respiratória. O aumento na pressão parcial arterial de dióxido de carbono como resultado da depressão respiratória é, de certo modo, compensado pela estimulação do procedimento cirúrgico presente. Todos os anestésicos inalatórios produzem depressão dose-dependente da resposta ventilatória à hipercarbia e da resposta quimiorreceptora à hipóxia, mesmo em concentrações subanestésicas (tão baixas quanto 0,1 CAM). A inalação de anestésicos voláteis (especialmente isoflurano e desflurano) durante a indução de anestesia pode produzir irritação das vias aéreas e pode precipitar tosse, laringospasmo ou broncoespasmo. Isso é mais provável em pacientes que fumam ou têm asma. Em níveis cirúrgicos de anestesia, doses equipotentes de anestésicos inalatórios produzem alguma broncodilatação, com exceção do desflurano, que causa leve broncoconstrição. O desflurano tem maior pungência do que outros anestésicos e não é adequado para indução de anestesia apenas por inalação de gás. O sevoflurano é o agente ideal para uma indução inalatória tanto em crianças quanto em adultos. Todos os anestésicos inalatórios inibem a vasoconstrição pulmonar hipóxica em animais, produzindo um shunt intrapulmonar, mas seus efeitos em humanos durante a ventilação monopulmonar pode ser menos grave (Figs. 8.5 e 8.6). Após anestesia com óxido nitroso, se o gás for descontinuado abruptamente e o paciente puder respirar ar ambiente, há um risco de hipóxia de difusão transitória. Um grande volume de óxido nitroso se difunde do sangue venoso misto para os alvéolos, mas, simultaneamente, o grande volume de nitrogênio sendo inalado não é absorvido tão rapidamente no sangue por ser muito menos solúvel do que o óxido nitroso. Em consequência, a concentração relativa de oxigênio no pulmão é reduzida. Esse efeito tem curta duração (2-3 minutos), e a hipóxia pode ser facilmente evitada fazendo o paciente respirar oxigênio a 100% quando descontinuar o óxido nitroso.

VI. Efeitos sobre outros sistemas orgânicos Outros anestésicos inalatórios, que não o óxido nitroso, relaxam diretamente os músculos esqueléticos; esse efeito depende da dose administrada. Eles também potencializam as ações dos fármacos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes. Todos os anestésicos inalatórios, exceto óxido nitroso e xenônio, podem precipitar hipertermia maligna em pacientes suscetíveis. Todos os anestésicos inalatórios voláteis deprimem diretamente o tônus do músculo uterino de forma dose-dependente similar ao músculo liso vascular. Isso pode contribuir para o sangramento uterino excessivo em mulheres submetidas a cesariana ou aborto terapêutico, quando a concentração de anestésico excede 1 CAM. O anestésico também irá afetar os recém-nascidos em termos de vigília, mas o efeito tem curta

Capítulo 8 800

90 D Volume corrente (mL)

PaCO2(mmHg)

E 70 I

60

H

S

50

Sevoflurano Halotano Desflurano Isoflurano Enflurano N2O

700

80

600 500 400

N

300

E

200 S

N

40

H

I

100

30

D

0

50

10 N H

40 E 30 S 20

10 Acordado

1,0

D

I

2,0

Concentração alveolar mínima

Ventilação-minuto (L/min)

Frequência respiratória (respirações/min)

Agentes anestésicos inalatórios

8

E

6 H S

4

I D

2 Acordado 1,0 2,0 Concentração alveolar mínima

Resistência do sistema respiratório (% do basal)

FIGURA 8.5 Comparação das alterações médias na pressão parcial arterial de repouso do dióxido de carbono (PaCO2), volume corrente, frequência respiratória e ventilação-minuto em pacientes recebendo anestésicos inalatórios. N2O, óxido nitroso. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

120 Desflurano 100 Sevoflurano 80

* Basal

2,5

5

7,5

10

Tempo após início do anestésico (min) FIGURA 8.6 Alterações na resistência das vias aéreas antes (basal) e após intubação traqueal foram significativamente diferentes na presença de sevoflurano comparado com desflurano. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

145

146

Fundamentos de anestesiologia clínica duração. É uma prática comum administrar concentrações menores de anestésicos inalatórios (0,5-0,75 CAM) juntamente com óxido nitroso quando é necessária anestesia geral para cesariana. Em contraste, os efeitos relaxantes uterinos dos anestésicos voláteis podem ser desejáveis em pacientes com placenta retida. Sabe-se que alguns anestésicos inalatórios mais antigos reduzem o fluxo sanguíneo hepático. Contudo, os novos anestésicos à base de éter (isoflurano, desflurano, sevoflurano) mantêm ou aumentam o fluxo sanguíneo da artéria hepática enquanto diminuem ou não alteram o fluxo sanguíneo da veia porta. Raramente os pacientes podem desenvolver hepatite secundária à exposição a um anestésico inalatório, mais especialmente por halotano (hepatite por halotano), que é uma reação imunomediada aos metabólitos anestésicos derivados da oxidação. Anestésicos inalatórios podem causar uma redução no fluxo sanguíneo renal como resultado de diminuição do débito cardíaco e pressão arterial ou um aumento na resistência vascular renal.

VII. Toxicidade potencial dos anestésicos inalatórios

Composto A inspirado (ppm)

Os anestésicos inalatórios e o óxido nitroso são gases estufa. O óxido nitroso também é destrutivo para a camada de ozônio. O potencial de aquecimento global (PAG) do desflurano é o maior, seguido pelo isoflurano. O sevoflurano tem o menor PAG. O xenônio não tem nenhum.

O sevoflurano pode ser degradado em éter vinílico, também chamado de Composto A, pelo dióxido de carbono (CO2) absorvido no circuito respiratório de anestesia. A produção do Composto A é aumentada quando é usado um fluxo total baixo de oxigênio ou óxido nitroso, durante o uso de um sistema respiratório de circuito fechado, e quando o CO2 absorvente está aquecido ou muito seco. O composto A é tóxico para o sistema renal de animais; contudo, não há evidência de toxicidade renal com o uso de sevoflurano em humanos. A Figura 8.7 mostra a extensão na qual o Composto A é produzido com vários absorventes de CO2. O desflurano pode ser degradado em monóxido de carbono por absorventes de CO2. Isso é mais provável quando o absorvente é novo ou seco (conteúdo de água ⬍ 5%) e quando o absorvente contém bário. Todos os anestésicos voláteis modernos contêm flúor. Isso era um problema para anestésicos mais antigos, como um metoxifluorano, pois o metabolismo do fármaco em um íon flúor livre causava toxicidade renal. Contudo, os novos anestésicos sofrem metabolismo limitado, e a toxicidade renal induzida pelo flúor não foi demonstrada.

Cal sodada Hidróxido de bário Amsorb

18 12 6

*

*

*

0 0

15

45 30 Tempo (min)

60

FIGURA 8.7 Níveis do composto A produzidos a partir de 3 absorvedores de dióxido de carbono durante anestesia com uma concentração alveolar mínima de 1 de sevoflurano fornecida em um fluxo de gás de 1 L/min (média ≠ erro-padrão [EP]). Asterisco indica P ⬍ ,05 versus cal sodada e hidróxido de bário. (De Inhaled anesthetics. Em: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:227–251, com permissão.)

Capítulo 8

Agentes anestésicos inalatórios

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VIII. Anestésicos não voláteis A. Óxido nitroso Por muitos motivos, o uso clínico de óxido nitroso está em declínio. Primeiro, como ele é relativamente fraco (a CAM é 105%), não pode ser usado como o único agente anestésico. Segundo, ele pode se difundir prontamente em espaços aéreos fechados como o ouvido médio, intestino, seios aéreos cranianos, no pneumoperitôneo (p. ex., durante procedimentos laparoscópicos), no pneumotórax e em bolhas de gás inseridas durante cirurgia ocular. Isso pode resultar em um aumento no volume do espaço (p. ex., distensão intestinal) ou um aumento na pressão (p. ex., no olho ou no ouvido médio). Terceiro, ele está associado com uma alta incidência de náusea e vômitos pós-operatórios quando usado por mais de uma hora. Quarto, devido à sua interferência no metabolismo do folato, ele tem o potencial para efeitos tóxicos no desenvolvimento do embrião. O óxido nitroso oxida o átomo de cobalto na vitamina B12, assim inibindo de forma irreversível a enzima metionina sintetase dependente da B12 e resultando em níveis elevados de homocisteína. Esse produto final leva à disfunção endotelial e estresse oxidativo e desestabiliza a placa arterial. A administração prolongada de óxido nitroso, como na sedação na unidade de cuidados intensivos, está associada com anemia grave. Por fim, o óxido nitroso, assim como o CO2, causa depleção do ozônio na atmosfera. A despeito do uso em declínio do óxido nitroso intraoperatoriamente, a administração de uma mistura 50:50 de oxigênio e óxido nitroso (Entonox) permanece útil para analgesia curta em odontologia pediátrica, analgesia do trabalho de parto, troca de curativos de queimaduras e procedimentos relacionados.

B. Xenônio O xenônio é um gás nobre que ocorre naturalmente no ar em 0,05 parte por milhão. Recentemente, tem havido um renovado interesse no uso do xenônio como um gás anestésico. O xenônio tem várias vantagens quando comparado não apenas com o óxido nitroso, mas também com um anestésico volátil potente. Ele tem um rápido início e término de ação devido a seu baixo coeficiente de partição sangue:gás (Tab. 8.1). Seus efeitos sobre os sistemas cardiovascular, neuronal e respiratório são mínimos, e ele não é um gatilho para hipertermia maligna. O xenônio também pode ser usado em baixas concentrações para analgesia. Essa ação é mediada por inibição dos receptores de N-metil-D-aspartato no sistema nervoso central. A única limitação ao uso de rotina do xenônio é seu custo. O gás existe em concentração muito baixa na nossa atmosfera, e há um alto custo associado a sua extração e reciclagem. Novos sistemas anestésicos estão sendo desenvolvidos para permitir o uso do xenônio em pequenos volumes e reciclar o gás após ser expirado.

IX. Uso clínico dos anestésicos inalatórios Devido à falta de pungência e a um baixo coeficiente de partição sangue:gás, o sevoflurano é o agente de escolha para indução inalatória de anestesia tanto em crianças quanto em adultos, como quando o acesso intravenoso não é possível ou desejável. Os anestésicos inalatórios permanecem como os fármacos mais populares para a manutenção da anestesia durante cirurgia, uma vez que são fáceis de administrar, e a dose pode ser facilmente titulada em resposta a um estímulo cirúrgico altamente variável. A despeito de sua popularidade, os anestésicos inalatórios têm algumas desvantagens significativas. Essas podem incluir depressão respiratória profunda, hipotensão, falta de analgesia em baixas concentrações, náuseas e vômitos pós-operatórios, potencial de deflagrar hipertermia maligna em indivíduos suscetíveis e rara toxicidade, como

Todos os agentes anestésicos voláteis aumentam a incidência de náuseas e vômitos pósoperatórios (NVPO), e o risco aumenta com a duração da exposição ao anestésico. Eles devem ser evitados em pacientes com alto risco de NVPO.

O fechamento do fluxo de gás fresco (em vez de fechar o vaporizador) durante a intubação ou instrumentação das vias aéreas é a melhor abordagem para prevenir a poluição da sala de cirurgia com gases anestésicos e reduzir a dissipação.

148

Fundamentos de anestesiologia clínica hepatite. Os anestésicos voláteis também interferem com a monitoração dos potenciais evocados quando administrados em doses de mais de 0,5 CAM. Todavia, apesar dessas desvantagens, quando são administrados para procedimentos cirúrgicos por especialistas treinados adequadamente, a morbidade e a mortalidade por anestesia geral são notavelmente baixas.

Leituras sugeridas Becker DE, Rosenberg M. Nitrous oxide and the inhalation anesthetics. Anesth Prog. 2008; 55(4):124–132. Derwall M, Coburn M, Rex S, et al. Xenon: Recent developments and future perspectives. Minerva Anestesiol. 2009;75(1–2):37–45. de Vasconcellos K, Sneyd JR. Nitrous oxide: are we still in equipoise? A qualitative review of current controversies. Br J Anaesth. 2013;111(6):877–885. Eger EI 2nd. The pharmacology of isoflurane. Br J Anaesth. 1984;56(Suppl 1):71s–99s. Eger EI 2nd. New inhalational agents–desflurane and sevoflurane. Can J Anaesth. 1993; 40(5 Pt 2):R3–R8. Eger EI 2nd. Age, minimum alveolar anesthetic concentration, and minimum alveolar anesthetic concentration-awake. Anesth Analg. 2001;93(4):947–953. Harris PD, Barnes R. The uses of helium and xenon in current clinical practice. Anaesthesia. 2008;63(3):284–293. Hirota K. Special cases: ketamine, nitrous oxide and xenon. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2006;20(1):69–79. Jones RM. Desflurane and sevoflurane: inhalation anaesthetics for this decade? Br J Anaesth. 1990;65(4):527–536. Kharasch ED. Biotransformation of sevoflurane. Anesth Analg. 1995;81(6 Suppl):S27–S38. Leighton KM, Koth B. Some aspects of the clinical pharmacology of nitrous oxide. Can Anaesth Soc J. 1973;20(1):94–103. Sanders RD, Franks NP, Maze M. Xenon: no stranger to anaesthesia. Br J Anaesth. 2003; 91(5):709–717. Smith I. Nitrous oxide in ambulatory anaesthesia: does it have a place in day surgical anaesthesia or is it just a threat for personnel and the global environment? Curr Opin Anaesthesiol. 2006;19(6):592–596. Smith WD. Pharmacology of nitrous oxide. Int Anesthesiol Clin. 1971;9(3):91–123.

Capítulo 8

Agentes anestésicos inalatórios

149

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Todos os anestésicos inalatórios seguintes devem ser administrados usando um vaporizador calibrado para o agente específico, EXCETO: A. Xenônio B. Isoflurano C. Sevoflurano D. Desflurano 2. Qual das seguintes propriedades dos anestésicos inalatórios é o determinante primário da rapidez com a qual eles podem induzir anestesia? A. A pressão do vapor em temperatura ambiente B. O coeficiente de partição óleo:gás C. O coeficiente de partição sangue:gás D. A concentração alveolar mínima (CAM) 3. A velocidade na qual a concentração alveolar (FA) de um anestésico inalatório se aproxima daquela sendo inspirada (FI) é mais rápida sob qual das seguintes condições: A. Pressão arterial aumentada B. Débito cardíaco aumentado C. Ventilação aumentada D. Gordura corporal aumentada 4. Qual dos seguintes grupos de órgãos ou tecidos tem o MENOR efeito na determinação da velocidade de indução de um anestésico inalatório? A. Músculo esquelético B. Pele C. Fígado e rim D. Gordura 5. A concentração alveolar mínima (CAM) de um anestésico inalatório é a concentração necessária para: A. Produzir anestesia adequada para procedimentos cirúrgicos menores (p. ex., tonsildalectomia) B. Produzir anestesia adequada para todos os procedimentos cirúrgicos C. Produzir analgesia sem perda de consciência D. Prevenir movimento em resposta a uma incisão cutânea em 50% dos pacientes

6. Todos os seguintes são reduzidos durante anestesia geral com sevoflurano, EXCETO: A. Contratilidade miocárdica B. Resistência vascular sistêmica C. Fluxo sanguíneo cerebral D. Ventilação-minuto 7. Um paciente com uma longa história de tabagismo e asma requer uma indução inalatória de anestesia. O anestésico preferido é: A. Óxido nitroso B. Sevoflurano C. Desflurano D. Isoflurano 8. Um paciente anestesiado respirando espontaneamente é acidentalmente desconectado do circuito de anestesia e respira ar ambiente. Uma queda na saturação de oxigênio medida com um oxímetro de pulso é mais provável de ocorrer mais rapidamente quando o anestésico é: A. Desflurano 8% B. Isoflurano 1,2% C. Sevoflurano 2,5% D. Óxido nitroso 75% 9. A anestesia com isoflurano, em oposição a uma combinação de óxido nitroso e opioides, é mais provável de contribuir com sangramento excessivo durante qual dos seguintes procedimentos: A. Parto cesariano B. Ressecção de um meningioma intracraniano C. Prostatectomia transuretral D. Reparo de laceração da artéria femoral 10. Qual é o motivo primário pelo qual o xenônio NÃO é usado de rotina para anestesia geral? A. Ele não pode ser usado como o único anestésico (a CAM é muito alta) B. Ele tem um coeficiente de partição sangue:gás alto C. Ele tem um metabólito potencialmente nefrotóxico D. Alto custo

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Anestésicos e sedativos intravenosos Christopher W. Connor Babak Sadighi Jessica Black Antes de examinar qualquer medicação anestésica em detalhe, é importante considerar o que ocorre quando um sedativo intravenoso é administrado. Ao contrário dos agentes inalatórios, os mecanismos de ação dos sedativos e anestésicos intravenosos são bem caracterizados. Inicialmente, a medicação será transportada e diluída dentro do sistema cardiovascular do paciente, não havendo alteração no seu nível de consciência. Parte da medicação será transportada através da barreira hematoencefálica, de onde ela será redistribuída para o seu sítio efetor, ligando-se ao receptor com o qual tem afinidade. Logo que a medicação se liga com os seus receptores-alvo, o início da sedação pode ser observado. Haverá uma diminuição progressiva no nível de consciência do paciente, que continua até que o equilíbrio químico seja atingido no sítio efetor. Dependendo da medicação e da quantidade administrada, esse nível de consciência reduzido pode variar desde uma sedação leve com ventilação espontânea preservada até anestesia geral com apneia. A medicação que está circulando no sistema cardiovascular, por fim, é eliminada do organismo, metabolizada em uma forma inativa ou degradada ou redistribuída e sequestrada em outros tecidos periféricos nos quais não produz efeito. A concentração da medicação dentro da circulação cerebral irá começar a cair, e o gradiente de concentração irá levar a medicação para longe do seu sítio efetor. A ligação aos receptores-alvo dentro do cérebro então diminui, e a recuperação da consciência começa. Se for desejado prolongar a sedação do paciente, pode ser administrada medicação adicional. Em resposta a essas doses adicionais, a concentração de medicação irá atingir uma nova concentração de equilíbrio com um nível correspondente de sedação clínica. Por fim, pode-se permitir que o paciente se recupere por meio da descontinuação da infusão. A medicação adicional administrada precisa, então, ser eliminada, metabolizada ou redistribuída. A medicação irá retornar à circulação a partir de tecidos periféricos nos quais ela havia sido sequestrada. A quantidade de medicação presente também pode exceder temporariamente a capacidade metabólica das vias pelas quais é degradada. Como consequência, o retorno clínico à consciência será agora mais lento do que antes e irá depender da quantidade e da duração da administração da medicação. Por fim, deve ser considerado que um indivíduo pode não responder como esperado e pode haver uma reação adversa não antecipada à medicação.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Nesse esboço, há quatro temas farmacológicos ilustrando o uso clínico de um anestésico ou sedativo intravenoso: 1. Mecanismo de ação: interação molecular de uma medicação com um receptor 2. Perfil farmacocinético: o transporte, a redistribuição e a eliminação da medicação dentro do corpo 3. Perfil farmacodinâmico: o comportamento de uma concentração dessa medicação na população de receptores dentro do cérebro 4. Reações adversas: a extensão em que a medicação pode produzir alergia ou reações de hipersensibilidade

I. Farmacologia geral dos anestésicos intravenosos A. Mecanismo de ação

O GABA é o principal neurotransmissor inibitório dentro do sistema nervoso central. Sua ação no receptor GABAA causa aumento do transporte de íons cloreto (Cl⫺) através da membrana, tornando-a hiperpolarizada.

Os agentes anestésicos intravenosos mais usados – os barbitúricos, o propofol, os benzodiazepínicos e o etomidato – agem no receptor do ácido ␥-aminobutírico A (GABAA), como mostrado esquematicamente na Figura 9.1. O GABA é o principal neurotransmissor inibitório dentro do sistema nervoso central, e sua ação no receptor GABAA causa aumento do transporte de íons cloreto (Cl⫺) através da membrana e para dentro do neurônio pós-sináptico. O neurônio pós-sináptico se torna hiperpolarizado, o que inibe funcionalmente a propagação adicional dos sinais nervosos. O receptor GABAA é, portanto, um canal iônico ativado pelo ligante composto de cinco subunidades. Os anestésicos intravenosos que se ligam ao receptor GABAA não se ligam ao mesmo local que o próprio GABA (o sítio de ligação ortostérico), eles se ligam a outras localizações (sítios alostéricos) e alteram o efeito do GABA no receptor. Esses anestésicos intravenosos são, portanto, moduladores alostéricos positivos do receptor GABAA e causam alterações conformacionais do receptor, de modo que a ação do GABA é potencializada e a sedação ocorre. A composição de subunidades dos recep-

GABA Benzodiazepínicos

VÍDEO 9.1 Receptores GABAA

Anticonvulsivantes

Barbitúricos Esteroides Álcool?

FIGURA 9.1 Modelo esquemático do complexo receptor do ácido ␥-aminobutírico A (GABAA), ilustrando os locais de reconhecimento para muitas das substâncias que se ligam ao receptor. (De White PF, Eng MR. Intravenous anesthetics. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/LWW, 2013:480, com permissão.)

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

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tores GABA pode variar: há 19 subunidades possíveis que se originam de oito classes de subunidades (␣1-6, ␤1-3, ␥1-3, ␦, ␧, ␪, ␲ e ␳). Os agentes anestésicos intravenosos podem ser ativos somente em receptores que expressam certas combinações: o sítio de ligação alostérica dos benzodiazepínicos ocorre apenas na interface das subunidades ␣ e ␥2, e o etomidato é ativo primariamente nos receptores GABAA que contêm subunidades ␤2 ou ␤3.

B. Farmacocinética e metabolismo A redistribuição e a eliminação dos anestésicos intravenosos dentro do corpo podem ser aproximadas com um modelo de três compartimentos simplificado do corpo. Nesse modelo, medicações são administradas em um primeiro compartimento central. A difusão ocorre para os dois lados entre esse primeiro compartimento e o segundo e o terceiro compartimentos periféricos adicionais. As constantes de difusão (mostradas como k na Fig. 9.2) são de tal forma que um compartimento se equilibra rapidamente com o compartimento central e outro se equilibra mais lentamente. O fármaco não é farmacologicamente ativo nesses compartimentos periféricos: eles agem como reservatórios nos quais as medicações são redistribuídas e sequestradas. Esses modelos de compartimentos periféricos mostram como a ação da medicação pode ser terminada por redistribuição. Também servem de modelo para a forma na qual o acúmulo de medicação dentro desses compartimentos periféricos pode levar a meias-vidas contexto-dependentes que aumentam progressivamente à medida que a medicação se difunde de volta para o compartimento central. Um compartimento de sítio de ação modela a população de receptores em que a medicação tem seu mecanismo de ação. A difusão também ocorre entre o compartimento central e o sítio efetor, mas, como a quantidade de fármaco ligada ao receptor a qualquer momento é menor comparada com a quantidade total de medicação no corpo, o compartimento do sítio efetor é suficientemente

Velocidade de infusão do fármaco (D)

k12 Compartimento periférico rápido (V2)

k13 Compartimento periférico lento (V3)

Compartimento central (V1) k31

k21

k10

Sítio efetor (VE)

Eliminação

FIGURA 9.2 Modelo de três compartimentos para modelagem farmacocinética de administração, redistribuição e eliminação de medicações intravenosas. Adicionalmente, está presente um compartimento para sítio efetor. O volume desse compartimento parece ser suficientemente pequeno, de modo que o efeito na quantidade de medicação no compartimento central é negligenciável.

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Fundamentos de anestesiologia clínica pequeno, de modo que o efeito na massa de medicação dentro do compartimento central é negligenciável. A estrutura desses compartimentos, com seus volumes associados e coeficientes de difusão, permite que seja produzida uma série de equações diferenciais que modelam o transporte de medicação em resposta a alterações na velocidade de infusão. Um computador pode ser usado para determinar uma sequência ideal de alterações na velocidade de infusão de modo que a concentração do fármaco no sítio efetor seja levada à concentração desejada dentro do tempo ideal (1). Essa prática é conhecida como infusão alvo-controlada.

C. Efeitos farmacodinâmicos Muitas combinações das subunidades do receptor GABAA são possíveis. Contudo, na prática, essas variações entre receptores individuais não são diretamente levadas em conta quando se prevê o efeito clínico de uma dose de uma medicação. Em vez disso, o sítio efetor, no modelo farmacocinético, representa a população combinada de todos os receptores, e o efeito clínico provável é determinado por um modelo estatístico relacionando essa concentração com um desfecho clínico particular. Esses modelos farmacodinâmicos são criados para diferentes desfechos clínicos com diferentes medicações. A Figura 9.3 mostra dois modelos farmacodinâmicos separados: o modelo mais à esquerda relaciona a concentração do propofol no sítio efetor à perda do reflexo ciliar, e o modelo mais à direita relaciona a concentração à perda de consciência (2). A característica mais notável é a forte não linearidade dessas relações. É possível, com apenas um pequeno aumento na concentração de propofol, a transição rápida entre consciência e inconsciência. Esses modelos não lineares têm uma forma-padrão, conhecida como modelo sigmoide-Emáx ou equação de Hill (3):

A variável EC50 é a concentração no sítio efetor na qual 50% do efeito máximo é visto. Essa é uma medida da potência da medicação. A variável ␥ é o coeficiente sigmoide, e os maiores valores de ␥ produzem as transições mais abruptas. Uma pequena alteração

Probabilidade de efeito clínico (%)

100 Perda do reflexo ciliar EC50 ⫽ 2,07 ␮g/mL, ␥ ⫽ 7,45 Perda da consciência EC50 ⫽ 3,4 ␮g/mL, ␥ ⫽ 8,97

90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

0

1

2

3

4

5

6

Concentração no sítio efetor (␮g/mL)

FIGURA 9.3 Modelos farmacodinâmicos para a probabilidade de perda do reflexo ciliar e para a probabilidade de perda da consciência com base na concentração de propofol no sítio efetor.

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

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na concentração no sítio de ação do propofol pode causar um grande, embora inesperado, efeito clínico.

D. Reações de hipersensibilidade (alérgicas) As causas mais comuns de hipotensão após a indução com agentes anestésicos intravenosos são hipovolemia não reconhecida e interações medicamentosas inesperadas. Reações de hipersensibilidade verdadeiras são raras, embora relatos de casos de liberação de histamina com todos os agentes anestésicos intravenosos, com exceção do etomidato, foram alegados. O propofol normalmente não causa liberação de histamina, mas reações anafilactoides foram relatadas em pacientes com múltiplas alergias medicamentosas. Os barbitúricos podem precipitar porfiria aguda intermitente em pacientes suscetíveis.

II. Comparativo das propriedades farmacológicas clínicas e físico-químicas A. Barbitúricos Os barbitúricos usados mais comumente são os tiobarbitúricos: tiopental (Pentotal, ácido 5-etil-5[1-metilbutil]2-tiobarbitúrico), tiamilal (Surital, ácido 5-alil-5[1-metilbutil]2-tiobarbitúrico) e o oxibarbiturato metoexital (Brevital, ácido 1-metil-5-alil-5[1-metil-2-pentanil]barbitúrico). Os barbitúricos deprimem o sistema ativador reticular no tronco cerebral e acredita-se que potencializem a ação dos receptores GABAA, aumentando a duração de uma abertura associada no canal do íon cloreto. Os barbitúricos diminuem a taxa de metabolismo cerebral do oxigênio (TMCO2), o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e a pressão intracraniana (PIC). Os barbitúricos podem induzir um eletrencefalograma isoelétrico (EEG), diminuindo maximamente a TMCO2. Os barbitúricos são formulados como sais de sódio e reconstituídos em água ou cloreto de sódio isotônico (0,9%) para preparar tiopental 2,5%, metoexital 1 a 2% e tiamilal a 2%. Essas preparações são altamente alcalinas (pH 9-10). Quando são adicionadas ao ringer lactato ou outras preparações de fármacos acídicos, ocorre uma precipitação cristalina que pode ocluir de forma irreversível os tubos e cateteres intravenosos. Os barbitúricos raramente causam dor na injeção, mas causam irritação tissular significativa quando extravasam. A injeção intra-arterial inadvertida de tiobarbitúricos causa complicações sérias, incluindo vasoconstrição intensa, trombose e necrose tissular. O tratamento imediato pode requerer papaverina e lidocaína ou procaína intra-arterial, simpatectomia regional induzida por anestesia (bloqueio de gânglio estrelado, bloqueio de plexo braquial) e heparinização. A ação anestésica dos barbitúricos é terminada primariamente por redistribuição a partir de tecidos lipofílicos centrais do cérebro para os compartimentos de massa muscular periférica. Os barbitúricos sofrem lenta eliminação terminal por meio de metabolismo hepático, conjugação biliar e excreção renal. A eliminação terminal do tiopental é prolongada com uma meia-vida de 10 a 12 horas. O clearance do metoexital é mais dependente do fluxo sanguíneo hepático, permitindo uma meia-vida de eliminação mais curta, de quatro horas. Deve-se ter cuidado em pacientes com porfiria, pois os barbitúricos estimulam a formação de porfirina e podem precipitar uma crise aguda.

Os agentes anestésicos intravenosos usados comumente, como barbitúricos, propofol, benzodiazepínicos e etomidato, agem nos receptores GABAA.

B. Propofol O propofol (Diprivan) é um composto alquilfenol preparado em uma emulsão de lecitina de ovo consistindo de óleo de soja, glicerol, fosfatídeo do ovo e ácido etilenodiaminotetracético ou metabissulfito como um antimicrobiano.

VÍDEO 9.2 Propofol

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Fundamentos de anestesiologia clínica

O propofol diminui a pressão arterial devido à redução na resistência vascular sistêmica e na précarga (causada por inibição no tônus simpático e efeito direito no músculo liso vascular). Ele também causa depressão miocárdica direta.

O propofol aumenta a afinidade de ligação do GABA com o receptor GABAA. Acoplado com o canal do cloro, a ativação leva à hiperpolarização da membrana nervosa e é similar ao mecanismo de ação dos barbitúricos. O propofol causa uma redução na pressão arterial devido a uma diminuição simultânea na resistência vascular sistêmica, uma redução na pré-carga (causada por inibição do tônus simpático e efeito direto no músculo liso vascular) e depressão miocárdica direta. Esses efeitos são dependentes da dose e da concentração. O propofol reduz o TMCO2, o FSC e a PIC. Contudo, em pacientes com pressão craniana aumentada, o efeito depressor do propofol sobre a pressão arterial sistêmica irá reduzir dramaticamente a pressão de perfusão cerebral (PPC). O propofol não afeta a regulação cerebrovascular ou a reatividade cerebral à tensão do dióxido de carbono. As suas qualidades neuroprotetoras incluem a supressão de estímulos no EEG similar ao tiopental, as propriedades anticonvulsivantes e a diminuição da pressão intraocular. O propofol também tem propriedades antipruriginosas e antieméticas. A emulsão de propofol com frequência causa dor à injeção nas pequenas veias da mão. Essa dor pode ser minimizada pela injeção em veias maiores e pela mistura do propofol com lidocaína antes da injeção. A ação anestésica do propofol é terminada primariamente por redistribuição a partir dos tecidos lipofílicos centrais do cérebro para compartimentos periféricos. Quer seja usado como um bólus único, um agente de indução ou como infusão contínua, a meia-vida de redistribuição é muito curta (2-8 minutos), e a meia-vida contexto-dependente para infusões de até oito horas é menor do que 40 minutos. O metabolismo é primariamente hepático, e os metabólitos hidrossolúveis inativos são eliminados por via renal. Contudo, mesmo a presença de doença hepática e renal clinicamente significativa não altera acentuadamente a farmacocinética do propofol (4). Uma alergia a ovos não é necessariamente uma contraindicação à utilização do propofol. A maioria das alergias a ovos envolve a albumina do ovo encontrada na clara. A lecitina do ovo na emulsão de propofol é um extrato da gema do ovo. O propofol deve ser manuseado com técnica estéril, uma vez que a emulsão pode favorecer o crescimento bacteriano. O propofol não utilizado deve ser descartado seis horas após a abertura. O uso de infusão em alta dose no longo prazo em crianças e adultos gravemente enfermos pode causar síndrome de infusão do propofol (SIPR) caracterizada por insuficiência cardíaca, rabdomiólise, acidose metabólica, insuficiência renal, hipercalemia, hipertrigliceridemia e hepatomegalia. A SIPR é rara, e sua fisiopatologia é incerta, mas é geralmente fatal. Se suspeitada, o propofol deve ser descontinuado imediatamente, e um sedativo alternativo deve ser utilizado.

C. Benzodiazepínicos Os compostos benzodiazepínicos consistem em um anel benzeno e um anel diazepínico. Variações na cadeia lateral a partir dessa estrutura molecular produziram dúzias de medicações com várias potências e taxas de eliminação. Os benzodiazepínicos mais usados em anestesia são o midazolam, lorazepam e diazepam. O midazolam é hidrossolúvel em baixo pH. O lorazepam e o diazepam são insolúveis e são formulados com propilenoglicol. Às vezes é vista irritação venosa com a administração. Os benzodiazepínicos se ligam aos mesmos receptores GABAA que os barbitúricos, mas em um local diferente do receptor. A frequência de abertura do canal iônico do cloro associado é aumentada com a ligação do GABA ao receptor, causando sedação ao longo da mesma via que o propofol e os barbitúricos. Os benzodiazepínicos diminuem, do mesmo modo, a TMCO2, o FSC e a PIC. Embora os benzodiazepínicos sejam incapazes de suprimir completamente os focos do EEG, eles são eficazes na supressão e no controle de convulsões do tipo grande mal.

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

Ao contrário do propofol e dos barbitúricos, a sedação com benzodiazepínicos pode ser revertida farmacologicamente. O flumazenil é um antagonista competitivo especifico para os benzodiazepínicos com uma alta afinidade pelo local no receptor para benzodiazepínicos. A dose de flumazenil é de 0,5 a 1 mg intravenosa. Ele é eliminado mais rapidamente do que os benzodiazepínicos, de modo que os pacientes precisam ser monitorados, uma vez que pode ocorrer nova sedação e pode ser necessária a repetição das doses de flumazenil. Os benzodiazepínicos são metabolizados no fígado e são suscetíveis à disfunção hepática e à coadministração de outras medicações. Sendo altamente ligado à proteína, a fração de fármaco livre está aumentada na doença hepática grave e na doença renal crônica (DRC), com a meia-vida de eliminação estando prolongada ou encurtada, respectivamente. A eliminação hepática é aumentada se a função hepática não for afetada em pacientes com DRC. Os metabólitos primários do diazepam, o desmetildiazepam e o 3-hidroxidiazepam, são farmacologicamente ativos e prolongam os efeitos sedativos. Esses metabólitos são, ainda, conjugados para formar produtos glicuronados hidrossolúveis inativos. Um metabólito conjugado do midazolam, ␣-hidromidazolam, também pode se acumular em pacientes com DRC em uso de grandes doses de midazolam. Embora os benzodiazepínicos não sejam conhecidos por serem teratogênicos significativos, há uma preocupação de que eles possam aumentar a incidência de fissura palatina em pacientes suscetíveis. Os recém-nascidos podem exibir síndrome de abstinência por benzodiazepínicos administrados à mãe. Portanto, os benzodiazepínicos geralmente são evitados durante a gravidez (5).

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Ao contrário do propofol e dos barbitúricos, a sedação com benzodiazepínicos pode ser revertida farmacologicamente com flumazenil, um antagonista competitivo específico para os benzodiazepínicos.

D. Etomidato Estruturalmente, o etomidato não está relacionado a outros agentes anestésicos. Ele tem um anel imidazólico que, com um pH fisiológico, o torna lipossolúvel. O etomidato é um estereoisômero. Apenas o isômero R⫹ possui atividade clínica anestésica. Para permitir uma solução injetável, o fármaco é dissolvido em propilenoglicol. Essa solução pode causar dor à injeção, que pode ser reduzida por pré-administração de lidocaína intravenosa. O etomidato também age por meio de ligação aos receptores GABAA, aumentando a afinidade dos receptores pelo GABA, embora pareça operar preferencialmente em receptores GABAA que expressam apenas um subgrupo das possíveis subunidades ␤ (6). O etomidato parece causar desinibição subcortical, explicando os movimentos mioclônicos involuntários e o trismo encontrados comumente durante a indução com essa medicação. O etomidato diminui a TMCO2, o FSC e a PIC, enquanto mantém uma boa PPC secundária à estabilidade hemodinâmica. O etomidato é capaz de produzir potenciais semelhantes à convulsão no EEG em pacientes epilépticos sem criar convulsões reais, ajudando a localizar focos de convulsão durante o mapeamento intraoperatório. Embora possa criar esses potenciais, ele tem propriedades anticonvulsivantes e pode ser usado contra o estado epiléptico. Também aumenta a amplitude dos potenciais evocados somatossensoriais (PESSs), ajudando em situações nas quais a interpretação é necessária e a qualidade do sinal dos PESSs é ruim. Náuseas e vômitos pós-operatórios são mais comuns com o etomidato do que com o propofol ou o tiopental, e ele não tem qualquer propriedade analgésica. O etomidato inibe transitoriamente a 11-␤-hidroxilase, uma enzima envolvida na produção de esteroides, o que causa supressão adrenocortical. Mesmo após uma única dose de indução, a supressão pode ser vista por 5 a 8 horas. Em seu favor, contudo, o etomidato não causa liberação de histamina e causa mínima depressão hemodinâmica e broncoconstrição, mesmo na presença de doença cardiovascular e pulmonar. Essa estabilidade hemodinâmica é

O etomidato inibe transitoriamente a 11-␤-hidroxilase, uma enzima envolvida na produção de esteroides, mesmo após uma única dose de indução.

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Fundamentos de anestesiologia clínica que fundamenta o uso continuado de etomidato na prática clínica. Com o etomidato, o despertar ocorre primariamente por redistribuição para os tecidos periféricos. A eliminação terminal ocorre por biotransformação hepática em metabólitos inativos que, então, são excretados por via renal.

E. Cetamina A cetamina é um derivado fenciclidina altamente lipossolúvel. Nos Estados Unidos, a cetamina é vendida como uma mistura racêmica. Das duas formas, a cetamina S⫹ é mais potente do que o estereoisômero R⫺ e exibe uma taxa de depuração maior e uma recuperação mais rápida da anestesia (7). A cetamina tem propriedades únicas para distingui-la de outros anestésicos intravenosos: ela estimula o sistema nervoso simpático, tem mínima depressão respiratória e causa broncodilatação potente. Possui várias vias de administração, o que a torna uma excelente opção para pacientes não cooperativos e pediátricos. Seus principais efeitos são mediados por seu potente antagonismo do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), em vez da ação no receptor GABAA. A cetamina é um vasodilatador cerebral, causando aumento do FSC e da PIC. Ela também aumenta a TMCO2. É relativamente contraindicada em pacientes com lesões que ocupam espaço dentro do sistema nervoso central (SNC), especialmente aquelas com PIC elevada. Pesquisas têm mostrado que a normocapnia irá atenuar os efeitos indesejáveis da cetamina sobre o FSC aumentado, mas outros agentes de indução são mais adequados e estão quase sempre disponíveis. Adicionalmente, embora a cetamina cause mioclonia e aumento da atividade do EEG, ela ainda é considerada um anticonvulsivante e pode ser usada como um agente de última linha no estado epiléptico. O receptor NMDA é um receptor excitatório encontrado em todo o SNC, incluindo áreas na medula espinal, sistema talamolímbico e núcleo do trato solitário (NTS). O glutamato, o neurotransmissor excitatório mais importante dentro do SNC, se liga ao receptor e (entre muitas outras funções) converte sinais para dor, associa sinais sensoriais entre o tálamo e o córtex e causa excitação global. A cetamina causa analgesia não apenas por bloquear o sinal doloroso na medula espinal, mas também por “dissociar” a comunicação da dor entre o tálamo e o sistema límbico. Esse estado de amnésia dissociativa leva o paciente a parecer consciente (olhos abertos, com olhar fixo), mas ele permanece não responsivo aos estímulos sensoriais (dor, estímulo verbal). O mecanismo de ação da cetamina é complexo. Teoriza-se que a cetamina bloqueia os receptores NMDA dentro do NTS e impede que esses neurônios inibam o centro vasomotor, resultando em uma liberação positiva de catecolaminas. Isoladamente, a cetamina é um depressor miocárdico direto, mas, secundário a essa liberação indireta de catecolaminas, ela age como um estimulante cardíaco, causando aumento da pressão arterial, da frequência cardíaca e do débito cardíaco. É necessário certo cuidado em pacientes com bloqueio simpático preexistente, como aqueles com lesão medular ou aqueles com exaustão dos depósitos de catecolaminas (p. ex., pacientes com choque traumático), pois eles não irão produzir esses efeitos estimulatórios cardíacos indiretos. A cetamina também bloqueia os canais de sódio, que contribuem para seus efeitos analgésicos. O término do efeito clínico da cetamina é devido primariamente à redistribuição a partir do cérebro para os tecidos periféricos. A cetamina é metabolizada no fígado pelo sistema do citocromo P450 em vários metabólitos, dos quais um deles, a norcetamina, retém algumas das propriedades anestésicas. Os metabólicos são excretados por via renal. Embora lipossolúvel, a cetamina é a molécula com menor ligação proteica de todos os anestésicos intravenosos.

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

O estímulo respiratório e os reflexos das vias aéreas superiores permanecem minimamente afetados. Contudo, os pacientes que estão em risco de aspiração devem ser intubados durante a anestesia geral com cetamina. A cetamina causa aumento do lacrimejamento e da salivação, que podem levar a laringospasmo. O pré-tratamento com um agente anticolinérgico, como o glicopirrolato, pode atenuar essa resposta. Infelizmente, a cetamina tende a produzir reações desagradáveis no despertar da anestesia, como alucinações, experiências fora do corpo e medo, o que tem limitado seu uso disseminado como medicação anestésica primária. Essas reações de emergência são mais bem toleradas na população pediátrica e devem ser da maior consideração em pacientes psiquiátricos. Todavia, as propriedades únicas da cetamina e suas múltiplas vias de administração documentadas (intravenosas, intramuscular, oral, retal e mesmo peridural e intratecal) dão a ela muitos usos clínicos adjuntos.

F. Dexmedetomidina A dexmedetomidina (Precedex) é o enantiômero-S da medetomidina e é um ␣2-agonista de ação central altamente seletivo. Ela produz sedação e analgesia sem depressão respiratória substancial. Os receptores ␣2 são localizados na pré-sinapse e no locus cerúleo, uma área do cérebro responsável pela estimulação e atividade simpática. Os receptores ␣2 são receptores inibitórios e, quando ativados, diminuem a quantidade de neurotransmissores liberados da corrente sanguínea. Para os nervos simpáticos, isso resulta em menos liberação de catecolamina, que causa redução da pressão arterial e da frequência cardíaca. Os receptores ␣2 também estão localizados nos axônios na medula espinal envolvidos na transmissão da dor. Quando esses receptores são ativados, a transmissão nociceptiva é diminuída, e a percepção da dor é atenuada. A ativação dos ␣2 receptores no locus ceruleus causa sedação e redução da atividade simpática. Como a dexmedetomidina age apenas nos receptores ␣2, que não estão envolvidos com a respiração, é observada mínima depressão respiratória. O fígado metaboliza rapidamente a dexmedetomidina por meio de mecanismos que envolvem a uridina 5’-difosfoglicuronosil transferase. O fármaco é eliminado rapidamente, e os metabólitos são excretados por meio da bile e da urina. A insuficiência renal ou hepática pode retardar a excreção dos metabólitos. Como a dexmedetomidina provê sedação e analgesia sem causar depressão respiratória, ela tem usos clínicos na sala de cirurgia e no ambiente de cuidados intensivos. Na sala de cirurgia, a dexmedetomidina tem sido usada primariamente como um adjunto à anestesia geral para pacientes que necessitam de mecanismos alternativos de analgesia. Ela é usada em situações de tolerância preexistente aos opioides em pacientes com dor crônica ou para reduzir a administração de opioides naqueles pacientes em risco de depressão respiratória pós-operatória relacionada aos opioides, como na obesidade mórbida ou em pacientes com apneia obstrutiva do sono. Quando usada como a única medicação sistêmica, a dexmedetomidina é uma boa escolha de anestésico para a passagem de fibroscópio com paciente acordado ou em combinação com anestesia regional. Na unidade de cuidados intensivos, a dexmedetomidina pode ser útil para o desmame de pacientes intubados, uma vez que ela fornece sedação com mínima depressão respiratória. Comparada com os benzodiazepínicos na unidade de cuidados intensivos, a dexmedetomidina é associada com uma incidência reduzida de delirium e um estado de sono mais fisiológico (8). A dexmedetomidina, contudo, não deve ser infundida continuamente por mais de 24 horas, pois há preocupação com hipertensão de rebote, excitabilidade de rebote e arritmia.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

III. Uso clínico de anestésicos intravenosos A. Uso de anestésicos intravenosos como agentes de indução Barbitúricos A dose de indução do tiopental é de 3 a 5 mg/kg em adultos, 5 a 6 mg/kg em crianças e 6 a 8 mg/kg em bebês. As doses de indução são reduzidas na população geriátrica em 30 a 40%, em pacientes obstétricas no início da gravidez (7-13 semanas de gestação), em pacientes com estado físico avançado de acordo com a classificação da American Society of Anesthesiologists (3 ou 4) e quando usados em conjunto com outras medicações. A indução de anestesia ocorre em menos de 30 segundos, e o despertar espontâneo a partir de uma dose de indução ocorre dentro de 20 minutos. A dose de indução de metoexital é de 1 a 1,5 mg/kg em adultos. Em doses menores, o metoexital pode aumentar paradoxalmente ou ativar descargas convulsivas corticais no EEG em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Contudo, essa propriedade faz de uma dose em bólus de metoexital o anestésico intravenoso de escolha para terapia eletroconvulsiva.

Propofol A dose de indução do propofol em adultos é de 1,5 a 2,5 mg/kg; o peso corporal magro deve ser usado em obesos mórbidos. Doses de indução reduzidas devem ser consideradas para idosos devido a um volume de distribuição diminuído e depuração mais lenta. O propofol causa diminuição da pressão arterial sistêmica na indução devido parcialmente a uma ação direta sobre o músculo liso vascular. Como esse efeito está relacionado com a concentração plasmática em vez da concentração no sítio efetor, é possível atenuar o efeito pela administração do bólus mais gradualmente ou em doses divididas.

Benzodiazepínicos A dose de indução do midazolam é 0,1 a 0,2 mg/kg por via IV. Contudo, a recuperação prolongada a partir da indução mesmo com benzodiazepínicos de curta ação limita sua utilidade como agente de indução no uso clínico de rotina (9).

Etomidato O etomidato tem um perfil hemodinâmico muito favorável na indução, com mínima depressão na pressão arterial. Ele é frequentemente usado para anestesiar pacientes que têm doença cardiovascular significativa ou para situações de emergência, como no choque do trauma, no qual a necessidade de preservar a estabilidade hemodinâmica tem prioridade sobre as desvantagens do etomidato. O etomidato é administrado apenas por via IV, e a dose de indução para adultos é de 0,2 a 0,3 mg/kg. O início de ação é extremamente rápido, aproximadamente um tempo de circulação do braço ao cérebro. A mioclonia e o trismo que podem seguir a indução com etomidato podem tornar as tentativas iniciais da ventilação e a intubação difíceis, a não ser que a indução seja prontamente acompanhada por um bloqueador neuromuscular. O etomidato não inibe a resposta simpática à laringoscopia e à intubação, a não ser que seja combinado com um analgésico.

Cetamina A dose de indução em adultos é de 1 a 2 mg/kg quando administrada por via intravenosa. Contudo, a indução com cetamina por administração intramuscular é usada normalmente quando o paciente é incapaz de tolerar a colocação de uma linha intravenosa, como os pacientes pediátricos, pacientes não cooperativos ou pacientes com comprometimentos cognitivos. Uma injeção intramuscular de 4 a 6 mg/kg fornece a

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

indução de um estado anestésico com ventilação espontânea mantida, permitindo a colocação de uma linha intravenosa e o prosseguimento do manejo do paciente.

B. Uso de fármacos intravenosos para manutenção de anestesia Barbitúricos Os barbitúricos são usados para melhorar o relaxamento cerebral durante a neurocirurgia e podem proteger o tecido cerebral de episódios transitórios de isquemia focal pela redução da TMCO2 (10). Todavia, a dose necessária para manter a supressão do EEG está associada com emergência prolongada e extubação tardia. De um modo geral, o uso de infusões de barbitúricos para manter anestesia não é recomendado devido à capacidade do corpo de redistribuir os barbitúricos ser relativamente limitada. A administração contínua de barbitúricos leva rapidamente a concentração da medicação no compartimento periférico a se aproximar da concentração dentro do compartimento central. O término do efeito anestésico, então, depende unicamente da eliminação terminal, levando a uma meia-vida contexto-dependente muito prolongada.

Propofol O propofol é usado comumente para manter um estado de anestesia geral sem o uso de agentes anestésicos inalatórios. Nessa prática, conhecida como anestesia intravenosa total, uma infusão de propofol provê o componente hipnótico da anestesia geral. As velocidades de infusão com o propofol variam entre 100 a 200 ␮g/kg/min para hipnose. Contudo, o propofol sozinho não fornece analgesia, de modo que a infusão concomitante de um opioide como o fentanil ou remifentanil geralmente é necessária.

Benzodiazepínicos As velocidades de infusão para o midazolam para manter hipnose e amnésia são 0,25 a 1 ␮g/kg/min quando também combinado com um agente inalatório ou analgésico opioide. O midazolam é o benzodiazepínico preferido para infusão contínua devido às longas meias-vidas contexto-dependentes do diazepam e do lorazepam. Contudo, infusões de benzodiazepínicos para anestesia são associadas com emergência prolongada e são usadas normalmente apenas em pacientes que devem permanecer intubados.

Etomidato Quando o etomidato foi introduzido, sua estabilidade hemodinâmica pareceu fazer dele uma escolha apropriada para sedação prolongada. Contudo, agora se sabe que ele é inseguro para essa indicação. O etomidato inibe potencialmente a síntese de esteroides na enzima 11-␤-hidroxilase, e seu uso resulta em um aumento significativo na mortalidade em pacientes sedados na unidade de cuidados intensivos. Infusões de manutenção do etomidato estão contraindicadas.

Cetamina As infusões de cetamina são usadas às vezes durante anestesia geral como uma medicação adjunta. Uma infusão subanalgésica (3-5 ␮g/kg/min) durante a anestesia geral pode ser usada em pacientes com dor crônica resistente aos opioides nos quais o manejo da dor pós-operatória provavelmente é difícil. Nos países desenvolvidos, a anestesia geral não é mantida pela infusão de cetamina. Contudo, a técnica é reconhecida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), e ela é estipulada como o anestésico de escolha para as grandes cirurgias de guerra em condições de recursos limitados. O protocolo do CICV indica a diluição de 500 mg de cetamina em 1 litro de solução fisiológica para produzir uma concentração de 0,5 mg/mL. A infusão é titulada pela resposta do paciente para a indução e para a manutenção da anestesia. Em geral, a dose

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Fundamentos de anestesiologia clínica de manutenção da cetamina é em torno de 4 mg/kg/h, que corresponde a uma infusão de aproximadamente 500 mL/h dessa diluição em um paciente de 60 a 70 kg.

C. Uso de anestésicos intravenosos para sedação Barbitúricos O propofol e os benzodiazepínicos modernos suplantaram amplamente o uso dos barbitúricos para sedação. Todavia, uma pequena dose de 25 a 50 mg de tiopental pode ser muito eficaz se for necessário pré-medicar um paciente que está agitado ou hostil. Geralmente não há dor na administração, ao contrário do propofol, e normalmente não há uma sensação do início da sedação ou uma desinibição, ao contrário do midazolam.

Propofol VÍDEO 9.3 Dosagem da infusão de propofol

As infusões de propofol, ou doses em bólus intermitente de quantidades comparáveis da medicação, são usadas comumente para sedação moderada. As velocidades de infusão de manutenção para sedação satisfatória geralmente variam entre 25 e 75 ␮g/kg/min, embora velocidades de infusão iniciais mais altas possam ser necessárias para estabelecer uma concentração adequada no sítio efetor. Crianças requerem doses mais altas devido a um maior volume de distribuição e uma velocidade de depuração acelerada. O propofol exibe depressão respiratória de forma dose-dependente. Uma redução nos volumes correntes e uma frequência respiratória aumentada são vistas com a infusão. A inibição do estímulo ventilatório hipóxico e da resposta hipercárbica são observadas mesmo em doses sedativas de propofol. Contudo, a broncodilatação também é observada em pacientes com asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica.

Benzodiazepínicos

VÍDEO 9.4 Midazolam

As múltiplas vias de administração dos benzodiazepínicos permitem que essa classe seja um componente importante na sedação. Além da via intravenosa de administração, o midazolam é dado rotineiramente por via oral a crianças, embora essa indicação nunca tenha sido aprovada pelo Food and Drug Administration. As vias intramuscular, intranasal, transbucal e sublingual também são possíveis. O diazepam intramuscular deve ser evitado devido à dor e a uma absorção não confiável. Quando usados primariamente como pré-medicação e como adjuvantes, os benzodiazepínicos são ansiolíticos, sedativos, amnésicos anterógrados, anticonvulsivantes e relaxantes musculares dose-dependentes. A dose do midazolam para pré-medicação anestésica é 0,02 a 0,04 mg/kg por via IV ou IM em adultos, 0,4 a 0,8 mg/kg por via oral em crianças. Os benzodiazepínicos apresentam mínima depressão cardiorrespiratória, exceto quando grandes doses são administradas ou quando administrados de forma sinérgica com os opioides. Usados isoladamente, eles aumentam discretamente a pressão arterial, o débito cardíaco e a resistência vascular periférica. O midazolam pode causar vagólise, resultando em alterações na frequência cardíaca. Pode ser usado para sedação com risco mínimo de depressão respiratória, embora, na prática, uma infusão de propofol titulada cuidadosamente vá produzir amnésia superior e uma recuperação mais rápida. Contudo, a disponibilidade do flumazenil para reverter agudamente a sedação com benzodiazepínicos pode fornecer uma margem de segurança que está indisponível quando se usa o propofol. Em consequência, o midazolam pode ser preferido para sedação diante de uma via aérea em risco, como para uma traqueostomia acordado, pois ele pode ser revertido farmacologicamente.

Dexmedetomidina A dexmedetomidina é uma formulação intravenosa que também pode ser administrada por via oral, nasal, intramuscular ou retal. A dose oral é 2,6 a 4 ␮g/kg e leva cerca de

Capítulo 9

Anestésicos e sedativos intravenosos

30 a 60 minutos antes que a sedação ocorra. A dose intranasal de 1 a 2 ␮g/kg tem um início de ação mais rápido. A sedação com a dexmedetomidina é administrada mais comumente por via intravenosa como uma infusão, variando de 0,3 a 0,7 ␮g/kg/h. Essa velocidade é titulada com base no nível de sedação e estabilidade hemodinâmica. Uma dose de ataque inicial de 1 ␮g/kg pode ser dada, infundida durante 10 minutos. Alguns centros não utilizam a dose de ataque, uma vez que ela aumenta o risco de instabilidade hemodinâmica.

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual das seguintes alternativas é correta a respeito dos barbitúricos? A. Eles estimulam o sistema ativador reticular no tronco cerebral B. Eles potencializam a ação dos receptores GABAA C. Eles aumentam a taxa metabólica cerebral de oxigênio D. Eles diminuem a duração da abertura do canal do íon cloro 2. Qual dos seguintes fármacos pode ter seus efeitos revertidos com um antagonista farmacológico? A. Sódio tiopental B. Propofol C. Etomidato D. Diazepam 3. Qual das seguintes alternativas é correta a respeito do etomidato? A. Ao contrário do propofol, ele não causa dor na injeção B. O etomidato é capaz de produzir potenciais do tipo convulsivos no EEG em pacientes epilépticos C. O etomidato inibe transitoriamente a metionina sintetase D. Ele produz hipotensão

4. Qual dos seguintes fármacos age por meio do antagonismo do receptor do NMDA? A. Cetamina B. Dexmedetomidina C. Propofol D. Etomidato 5. Qual dos seguintes é correto a respeito da dexmedetomidina? A. Ela produz depressão respiratória significativa B. Ela é metabolizada no rim C. Ela produz analgesia D. Comparada com os benzodiazepínicos na unidade de cuidados intensivos, a dexmedetomidina está associada com maior incidência de delirium

Analgésicos Elizabeth M. Thackeray Talmage D. Egan

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I. Breve história e visão geral Os analgésicos são um recurso essencial para a anestesia e tratamento da dor pós-operatória. Os analgésicos opioides, bem como os analgésicos não opioides, serão abordados neste capítulo. Os analgésicos opioides são anteriores à medicina moderna, enquanto os medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), com suas qualidades anti-inflamatórias, antipiréticas e analgésicas, tornaram-se parte integrante da medicina perioperatória nos últimos 30 anos. Os primeiros AINEs a serem isolados eram derivados do ácido salicílico. Os AINEs tradicionais inibem a síntese de prostanoides por meio da inibição inespecífica das enzimas cicloxigenase. Os prostanoides são produzidos em resposta à lesão e inflamação tissular, tanto periférica como centralmente. Isso contribui para a sensibilização periférica da dor, percepção geral de dor e síndrome do doente (sickness syndrome), que consiste em febre, anorexia e alterações no humor, bem como nos padrões de sono (1). Os prostanoides também estão envolvidos em funções homeostáticas nos rins, na mucosa gástrica, nas plaquetas e no sistema nervoso central (SNC). São derivados do ácido araquidônico, que é liberado pelas membranas celulares durante a lesão tissular e inflamação e consistem em prostaglandinas, incluindo a prostaciclina e o tromboxano A2. Várias enzimas estão envolvidas na transformação do ácido araquidônico em prostaglandinas e tromboxano A2, incluindo as isoformas das enzimas COX (Fig. 10.1). A caracterização da isoforma COX-2 como “indutível” (por neurotransmissores, fatores de crescimento e citocinas anti-inflamatórias) e da isoforma COX-1 como “constitutiva” baseia-se na função predominante de cada isoforma. No entanto, isso é uma simplificação exagerada, e ambas as formas têm algumas funções constitutivas e induzíveis. A isoforma COX-3 anda não está bem compreendida. Embora o ácido acetilsalicílico (AAS) iniba irreversivelmente a cicloxigenase e, com isso, a agregação plaquetária (ver discussão abaixo), os outros AINEs inibem reversivelmente a cicloxigenase de modo que a função enzimática é restaurada quando o fármaco é eliminado da circulação, levando a um efeito dose-dependente e a um efeito fármaco-dependente sobre a agregação plaquetária.

II. Analgésicos não opioides A. Paracetamol Indicações, contraindicações e dosagem O paracetamol (também conhecido como acetaminofeno, APAP, para-acetilaminofenol, N-acetil-para-aminofenol) é amplamente usado como analgésico e antipirético

O ácido acetilsalicílico inibe irreversivelmente a agregação plaquetária durante toda a vida da plaqueta, enquanto outros anti-inflamatórios não esteroides, não Cox-2 específicos, inibem reversivelmente a agregação de modo dose-dependente até que o fármaco seja eliminado da circulação.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Fosfolipídeos de membrana Fosfolipase A2 Ácido araquidônico Atividade da cicloxigenase das COX Prostaglandina G2 Atividade da peroxidase das COX Prostaglandina H2 Atividade da prostanoide sintase

PGD2

PGF2α

PGE2

PGI2

TXA2

FIGURA 10.1 Apresentação esquemática da síntese de prostanoides. COX, enzimas cicloxigenase; PG, prostaglandina; TX, tromboxano; PGD2, prostaglandina D2; PGF2, prostaglandina F2; PGE2, prostaglandina E2; PGI2, prostaglandina I2; TXA2, tromboxano A2.

Em 2011, o Food and Drug Administration dos EUA solicitou aos fabricantes de produtos contendo paracetamol que limitassem esses produtos a um máximo de 325 mg de paracetamol por dose para reduzir a chance de toxicidade hepática.

em adultos e crianças. Embora tenha sido relatado que o paracetamol suprime a inflamação em animais e no tecido dentário, o efeito anti-inflamatório é considerado baixo a inexistente (2). A hepatotoxicidade centrolobular ocorre com sobredosagem aguda e pode ocorrer em doses menores em pacientes alcoolistas crônicos, embora a relação entre o paracetamol e a ingestão de álcool não seja simples. O uso de paracetamol em pacientes com doença hepática crônica e que não consomem álcool regularmente não é contraindicado, embora ainda não tenha sido determinada a dose máxima de segurança (3). O fármaco está disponível em preparados de apresentação oral, retal e intravenosa. A dose para crianças é de 10 a 15 mg/kg a cada 4 a 6 horas (e a cada 6 a 8 horas em recém-nascidos) e 325 a 650 mg a cada 4 a 6 horas em adultos. A dose máxima em crianças é de 76 mg/kg/dia e, tradicionalmente, não mais do que 4 g/dia em adultos. No entanto, devido à disponibilidade de produtos combinados (medicamentos contra a tosse e resfriado, vendidos sem receita médica, bem como combinações medicamentosas com hidrocodona e oxicodona e paracetamol) e casos de insuficiência hepática em pacientes que tomam  de 5 g/dia, o Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos solicitou, em 2011, que os fabricantes limitem os produtos combinados a 325 mg. Logo depois, os fabricantes alteraram a dose diária máxima para 3 g/dia, e, em 2014, o FDA pediu aos profissionais e aos farmacêuticos que deixem de prescrever e liberar produtos com mais de 325 mg de paracetamol.

Mecanismo de ação O mecanismo de ação do paracetamol é desconhecido, embora existam fortes evidências da existência de um local de ação central. Diversos locais de ação foram sugeridos, incluindo a inibição de COX-1, COX-2 e COX-3 e a modulação dos sistemas opioidérgico, serotonérgico e endocanabinoide (2).

Capítulo 10

Analgésicos

Farmacocinética e farmacodinâmica O paracetamol é altamente biodisponível após a administração oral e cruza a barreira hematoencefálica. O tempo decorrido para o efeito de pico é de aproximadamente 20 minutos (2).

Metabolismo e excreção A principal via metabólica do paracetamol é a glicuronidação e a sulfatação no fígado. Os conjugados não tóxicos formados são largamente excretados na urina e bile. Entre 5 a 9% do paracetamol são oxidados pelo sistema citocromo P450 (CYP), resultando em N-acetil-p-benzoquinoneimina (NAPQUI), o metabólito fixo que pode causar lesão hepatocelular se o processo de desintoxicação hepática for sobrecarregado por uma grande dose de paracetamol. O NAPQUI é altamente reativo e rapidamente metabolizado por conjugação com a glutationa-transferase, formando um composto não tóxico que, por fim, é excretado como ácido mercaptúrico e conjugados de cisteína. Aproximadamente 2% do paracetamol ingerido são excretados inalterados pelos rins (3).

Interações medicamentosas e efeitos adversos O paracetamol é uma hepatotoxina dose-relacionada devido à pequena quantidade de NAPQUI produzida. Depósitos de glutationa esgotados devido a sobredosagem, desnutrição ou ingestão alcoólica podem aumentar o risco de hepatotoxicidade. Os fármacos que induzem CYPs, tais como os anticonvulsivantes (fenitoína, carbamazepina, fenobarbital), e a isoniazida podem aumentar o risco de toxicidade do paracetamol, embora a evidência de interações medicamentosas significativas entre fármacos e paracetamol ainda não seja completamente definida. Entre 1995 e 2003, a intoxicação por paracetamol foi a principal causa de insuficiência hepática aguda nos Estados Unidos, e 48% dos casos foram decorrentes de overdose acidental por paracetamol (3). Cinquenta e um porcento dos pacientes tinham usado um único produto contendo paracetamol, vendido sem receita médica.

B. Ácido acetilsalicílico Indicações, contraindicações e dosagem O ácido acetilsalicílico (AAS) pode ser usado para o alívio de dor leve a moderada. O medicamento tem efeitos anti-inflamatórios e antipiréticos. Atualmente, é prescrito mais comumente por seus efeitos antiplaquetários e tem indicações que incluem o infarto agudo do miocárdio, angina instável, ataques isquêmicos transitórios, prevenção de trombose arterial e venosa e distúrbios plaquetários. O AAS inibe de modo irreversível a agregação plaquetária inibindo a síntese de tromboxano A2 pelas plaquetas e impedindo a liberação da adenosina difosfato pelas plaquetas. Seu efeito antiplaquetário dura por toda a vida da plaqueta (8-10 dias) (4). As contraindicações para o uso do AAS incluem a presença de úlceras gástricas e duodenais, uma vez que o AAS pode causar sangramento gastrintestinal (GI) superior decorrente de gastrite erosiva. O revestimento entérico, a ingestão de AAS e outros AINEs com as refeições, os antagonistas da histamina 2 e os inibidores da bomba de prótons são úteis para minimizar os danos à mucosa. O AAS é contraindicado para crianças devido à associação com a síndrome de Reye, uma insuficiência hepática com risco de morte, observada depois de certas infecções virais. Os efeitos antitrombóticos do AAS não parecem ser dose-dependentes, enquanto os efeitos GI secundários e o risco de hemorragia aumentam com o aumento das doses. Portanto, uma dose diária de 81 a 325 mg é prescrita para a maioria das indicações (4).

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Mecanismo de ação O AAS é um inibidor não seletivo e irreversível da COX. Ela também afeta o sistema da calicreína, reduzindo a ligação do granulócito a vasos lesionados, entre outros efeitos (4).

Farmacocinética e farmacodinâmica O AAS pode ser administrado por via oral ou retal, com uma biodisponibilidade de 40 a 50%. Tem uma meia-vida plasmática curta, enquanto a meia-vida plasmática de seu metabólito primário, o ácido salicílico, é bem mais longa e dose-dependente, de 2 a 12 horas. A diferença entre a meia-vida farmacocinética curta do AAS e seus prolongados efeitos farmacodinâmicos decorrentes da inibição plaquetária irreversível é digna de nota.

Metabolismo e excreção O ácido acetilsalicílico sofre um extenso metabolismo de primeira passagem e é metabolizado no fígado, no plasma e nas hemácias, formando ácido salicílico, que tem uma menor atividade farmacológica. O AAS liga-se intensamente com a albumina. Apenas uma pequena quantidade de AAS é excretada inalterada na urina; o resto é excretado como ácido salicílico ou glicina.

Interações medicamentosas e efeitos adversos O AAS pode erodir a mucosa gástrica, causar necrose tubular aguda secundária à diminuição do fluxo sanguíneo renal e precipitar o broncoespasmo em pacientes portadores de asma ou sensibilidade ao AAS. Como o AAS bloqueia as enzimas cicloxigenases, o substrato é desviado para via alternativa, aumentando, assim, a geração de leucotrienos. Uma overdose de AAS pode se apresentar com anormalidades ácido-básicas, insuficiência renal, desidratação, glicemia anormal, convulsões ou coma. Esses pacientes necessitam de tratamento em unidade de tratamento intensivo, com diurese alcalina para promover a excreção de salicilato, podendo necessitar de hemodiálise. O carvão ativado pode prevenir a absorção de AAS após uma overdose.

C. Outros anti-inflamatórios não esteroides: ibuprofeno, cetorolaco e celecoxibe

A taxa de complicações gastrintestinais altas é maior com cetorolaco em comparação com outros antiinflamatórios não esteroides. Portanto, esse fármaco não deve ser usado por mais de cinco dias consecutivos.

AINEs não seletivos (AINEs-ns) têm um perfil de efeitos colaterais que inclui a inibição dose-relacionada da agregação plaquetária, hemorragia GI, disfunção renal, alteração da consolidação óssea, hipertensão e broncoespasmo. Os inibidores da COX-2 foram desenvolvidos em uma tentativa de eliminar alguns desses efeitos adversos, particularmente os efeitos colaterais GI e a interferência com a agregação plaquetária. Em 2004, o fabricante retirou voluntariamente o rofecoxibe do mercado depois que uma análise interina de um estudo de longo prazo em pacientes com pólipos de colo do intestino demonstrou um aumento do risco de eventos cardiovasculares, incluindo infarto miocárdico e acidente vascular encefálico. Por razões semelhantes, em 2005 o FDA pediu aos fabricantes que retirassem voluntariamente o valdecoxibe do mercado. O celecoxibe, com seus níveis intermediários de seletividade COX-2 comparados com rofecoxibe e valdecoxibe, continua sendo o único inibidor de COX-2 disponível nos Estados Unidos. O FDA agrupou todos os AINEs no que diz respeito aos efeitos colaterais cutâneos, cardiovasculares, renais e GI.

Indicações, contraindicações e dosagem Ibuprofeno, cetorolaco e celecoxibe são indicados para dor, inflamação e febre. Quando usados no período perioperatório, os AINEs-ns demonstram um efeito poupador de opioide. Assim, eles reduzem os efeitos colaterais comuns dos opioides, tais como a

Capítulo 10

Analgésicos

náusea e vômito pós-operatório, constipação ou íleo paralítico e depressão cardiorrespiratória (5). Como o celecoxibe não tem qualquer efeito sobre a função plaquetária, ele é especialmente útil no período perioperatório. O cetorolaco geralmente é considerado como contraindicado na tonsilectomia, na adenoidectomia, em próteses articulares totais e nas grandes cirurgias plásticas em decorrência do maior risco de sangramento nas áreas superficiais cruentas. É importante notar, no entanto, que, nos estudos que demonstraram um aumento da perda sanguínea, o cetorolaco foi administrado de forma preemptiva antes da incisão cirúrgica ou antes da obtenção da hemostasia primária. Na literatura, nenhum estudo controlado revisado por pares (peer-reviwed) demonstrou um aumento da perda sanguínea quando o cetorolaco foi administrado no final da cirurgia ou no pós-operatório (5). Uma metanálise publicada em 2013 pela Cochrane Collaboration mostrou tanto risco aumentado quanto risco diminuído de sangramento após a tonsilectomia pediátrica. O estudo conclui que, embora existam evidências insuficientes para excluir um risco aumentado de sangramento quando os AINEs são administrados durante a tonsilectomia pediátrica, o uso de AINEs não fornece o benefício de redução do vômito pós-operatório (6). As questões sobre a consolidação óssea a partir de modelos animais e experimentos humanos limitaram durante muito tempo o uso de AINES na cirurgia ortopédica. No entanto, uma metanálise não revelou nenhum aumento do risco de uma não consolidação associada com AINEs e cirurgia de fusão vertebral quando foram incluídos apenas estudos de alta qualidade (5). Outros estudos mostram uma consolidação deficitária da fratura quando são usados AINEs-ns, bem como inibidores de COX-2. Alguns especialistas defendem evitar o uso de AINE em pacientes ou procedimentos com um alto risco de não consolidação. O risco de complicações gastrintestinais está presente para todos os AINES, incluindo inibidores COX-2. Uma metanálise recente concluiu que o risco relativo para complicações GI altas do celecoxibe e ibuprofeno está entre os mais baixos para os AINEs estudados, enquanto o cetorolaco apresentou um dos riscos relativos mais elevados para complicações do trato intestinal superior (7). Os inibidores da bomba de prótons oferecem proteção seletiva contra úlceras pépticas quando administrados com AINEs-ns, mas o AINE COX-2 seletivo pode ser um melhor protetor do intestino delgado. O ibuprofeno e o cetorolaco estão contraindicados em pacientes com insuficiência renal, uma vez que, mesmo quando usados por períodos curtos ( 5 dias), podem produzir reduções transitórias da função renal. Essa redução transitória não tem importância clínica em pacientes com função renal pré-operatória normal, e não existem relatos de insuficiência renal quando o cetorolaco é administrado durante  5 dias (5). O celecoxibe parece ter a mesma taxa de disfunção renal que os AINEs-ns. O celecoxibe está contraindicado após cirurgia de bypass de artéria coronária porque está associado a um aumento geral do risco de eventos adversos em comparação com o placebo. Também está contraindicado em pacientes com sangramento gastrintestinal ativo, história de alergia a sulfonamidas (decorrente da presença de um componente sulfa) e história de asma ou reações alérgicas aos AINEs. No entanto, o celecoxibe não tem efeito sobre a função das plaquetas ou tempo de sangramento. O ibuprofeno está disponível sem receita médica com uma dose oral recomendada de 200 a 400 mg a cada 6 horas. Condições inflamatórias podem necessitar de 400 a 800 mg por via oral a cada 6 a 8 horas. Crianças devem receber 5 a 10 mg/kg a cada 6 a 8 horas. Em 2009, uma apresentação intravenosa foi aprovada pelo FDA. O cetorolaco é administrado em doses de 15 a 30 mg por via intramuscular ou intravenosa a cada seis horas por não mais do que cinco dias. Pode ser usada uma dose única de 60 mg. A dose pediátrica é de 0,5 mg/kg. O celecoxibe está disponível em cápsulas de 50, 100, 200 e 400 mg. A dor aguda em adultos é tratada com doses orais de 400 mg, seguida de 200 mg por via oral duas vezes ao dia. O medicamento está aprovado

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Fundamentos de anestesiologia clínica para uso em crianças com mais de 2 anos de idade. Para crianças que pesam entre 10 e 25 kg, a dose é de 50 mg duas vezes ao dia; pacientes que pesam  25 kg podem receber 100 mg duas vezes ao dia.

Mecanismo de ação Ibuprofeno e cetorolaco são AINEs-ns que inibem as enzimas cicloxigenase (ver acima). Celecoxibe é um inibidor COX-2, inibindo predominantemente a isoforma COX-2 da enzima cicloxigenase.

Farmacocinética e farmacodinâmica O ibuprofeno tem uma biodisponibilidade oral próxima a 100% e tempo de pico de efeito de 1 a 2 horas. Setenta a noventa porcento da dose é excretada em 24 horas. É fortemente ligado a proteínas, assim como os outros AINEs convencionais. A ligação às proteínas pode ser um determinante importante de sua distribuição no líquido sinovial, o que explica sua eficácia na artrite reumatoide. O ibuprofeno se distribui para dentro do líquido cerebrospinal e tem uma meia-vida mais longa no líquido cerebrospinal do que no plasma. O cetorolaco tem um início de ação mais rápido quando administrado por via intravenosa, com um tempo de cinco minutos para atingir concentrações plasmáticas. A meia-vida do cetorolaco é de aproximadamente cinco horas, e mais de 90% é excretado no prazo de dois dias (8). O celecoxibe atinge as concentrações plasmáticas de pico em 2 a 4 horas após a administração oral e apresenta uma extensa ligação a proteínas.

Metabolismo e excreção A eliminação e o metabolismo dos AINEs ocorrem em grande parte por meio da biotransformação hepática e excreção renal. Pacientes com doença hepática ou renal podem apresentar concentrações plasmáticas mais elevadas e prolongadas. O ibuprofeno é oxidado pelas enzimas CYP e também é conjugado com ácido glicurônico no fígado. O fármaco e seus metabólitos são rapidamente excretados na urina e nas fezes. A excreção no leite materno é mínima, e a American Academy of Pediatrics considera o ibuprofeno compatível com a amamentação. O cetorolaco é metabolizado por meio de glicuronidação, e mais de 90% são excretados pela urina dentro de dois dias. O celecoxibe sofre biotransformação em ácido carbólico e metabólitos de glicuronídeo, que são excretados na urina e nas fezes. Ele também é metabolizado pelas enzimas CYP e tem uma meia-vida de eliminação de cerca de 11 horas.

Interações medicamentosas e efeitos adversos Os AINEs-ns têm um perfil de efeitos colaterais que inclui a inibição dose-relacionada da agregação plaquetária, sangramento GI, disfunção renal, cicatrização óssea, hipertensão e broncoespasmo. O uso de cetorolaco a curto prazo ( 5 dias) não aumenta o risco de complicações perioperatórias, exceto o risco de sangramento em cirurgias de alto risco e com superfícies cruentas (tonsilectomia ou adenoidectomia, grandes cirurgias plásticas, cirurgia de prótese articular total). O cetorolaco apresenta uma elevada taxa de ulceração GI, o que limita seu uso a menos de cinco dias. O risco cardiovascular de inibidores COX-2 tem sido um tema preocupante desde que dois estudos que investigaram a prevenção de pólipo de colo do intestino com inibidores COX-2 foram suspensos precocemente em decorrência do aumento significativo do risco de morte cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico ou insuf iciência cardíaca. Dois inibidores COX-2 (rofecoxibe e valdecoxibe) foram retirados do mercado em resposta a esses fatos. Os resultados cardiovasculares devem-se, provavelmente, às elevações na pressão arterial que ocorrem com todos os AINEs e estão menos relacionados com qualquer risco

Capítulo 10

Analgésicos

particular associado com inibidores COX-2. Desfechos cardiovasculares dos AINEs-ns não foram estudados prospectivamente com empenho suficiente para documentar um risco aumentado de AINEs em comparação com o placebo. Note-se que, após a retirada do rofecoxibe e valdecoxibe, os estudos demonstraram que os adultos mais idosos que receberam prescrição de opioides têm maior probabilidade de morrer do que pacientes que receberam AINEs; nos pacientes que tomam opioides também foram notadas mais complicações cardiovasculares em comparação com aqueles que tomam AINEs (9). A profilaxia GI é com frequência recomendada para pacientes que recebem prescrição de AINEs, e o tratamento concorrente com medicamentos de proteção (ranitidina, cimetidina, misoprostol, suspensão de hidróxido de alumínio e magnésio) não tem efeitos significativos sobre a farmacocinética do ibuprofeno.

D. Bloqueador do receptor N-metil-D-aspartato: cetamina Indicações, contraindicações e dosagem A cetamina pode ser usada como anestésico geral, mas em doses subanestésicas é eficaz no tratamento da dor neuropática, isquêmica e aguda, bem como para as síndromes de dor regional. Devido a seu pequeno efeito sobre o sistema respiratório e seu mecanismo de ação único, o fármaco é atraente para ser usado em uma grande variedade de pacientes. A hiperatividade do N-metil-D-aspartato (NMDA) é um mecanismo para a redução da responsividade opioide. Portanto, a cetamina pode ser especialmente útil em pacientes que tomam opioides cronicamente. Após a administração intraoperatória da cetamina, os pacientes relatam menor intensidade à dor no pós-operatório por até 48 horas e têm necessidades menores de morfina durante 24 horas. Em doses anestésicas ( 1 mg/kg), a cetamina causa taquicardia, hipertensão e aumento da resistência vascular sistêmica e pulmonar (RVS e RVP, respectivamente). Seu uso pode ser contraindicado em pacientes nos quais a taquicardia e a hipertensão arterial podem levar a uma morbidade, tal como naqueles com doença cardíaca isquêmica, insuficiência cardíaca e acidente vascular encefálico. Como a cetamina tem um efeito inotrópico negativo, a combinação da inotropismo negativo e um aumento de RVS e RVP pode levar a uma descompensação hemodinâmica em pacientes com insuficiência cardíaca grave. Em doses subanestésicas, a cetamina geralmente não aumenta a pressão arterial. A cetamina tem sido contraindicada em pacientes com aumento da pressão intracraniana (PIC). No entanto, metanálises recentes concluíram que a cetamina não aumenta a PIC em pacientes sedados e ventilados, podendo reduzir a PIC em alguns casos (10). Doses de 1 a 4 mg/kg de cetamina intravenosa ou 2 a 4 mg/kg por via intramuscular servem para a indução. A dose de bólus intraoperatória é de 0,1 a 0,5 mg/kg, e as infusões geralmente são administradas entre 0,1 a 0, 2 mg/kg/hora. Além da administração intravenosa e intramuscular, a cetamina pode ser administrada por via subcutânea, oral, retal e intranasal.

Mecanismo de ação A cetamina é um antagonista do receptor NMDA. O receptor NMDA é encontrado em todo o sistema nervoso central e nos mesmos locais dos receptores opioides. O receptor NMDA é uma proteína transmembrana que afeta a hiperexcitabilidade neuronal, o que se observa clinicamente como hiperalgesia, alodinia, geração espontânea de impulsos dolorosos e irradiação da dor.

Farmacocinética e farmacodinâmica Após a administração intravenosa, o início da ação é rápido (dentro de poucos segundos), e a meia-vida é de 2 a 3 horas. A administração intramuscular é 93% biodisponível. A biodisponibilidade é muito mais baixa com a administração intranasal e oral, embora a administração intranasal seja associada a um início de ação muito rápido.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Metabolismo e excreção A cetamina sofre uma extensa metabolização hepática pelo citocromo 3A4, formando o metabólito ativo norcetamina. O metabolismo substancial de primeira passagem resulta em uma maior produção de norcetamina após a administração oral. Pequenas quantidades do fármaco não metabolizado são excretadas na urina.

Interações medicamentosas e efeitos adversos Não foram relatadas interações medicamentosas significativas com a cetamina. Os eventos adversos após a administração de cetamina estão relacionados com a dose e, mais provavelmente, com doses anestésicas ( 1 mg/kg) do que com doses analgésicas. Os eventos adversos mais comuns associados com a cetamina são psicomiméticos, incluindo alucinações, efeitos no despertar, sonhos vívidos e embotamento afetivo. A cetamina produz duas vezes mais alucinações do que o placebo, embora esse efeito possa ser atenuado por meio de pré-medicação com um benzodiazepínico. Os pacientes também são duas vezes mais propensos a relatar sonhos desagradáveis após a administração de cetamina, em comparação com a administração de placebo. A cetamina pode ter efeitos cardiovasculares significativos, incluindo taquicardia, hipertensão e aumento da resistência vascular sistêmica e pulmonar. Como a cetamina também tem um efeito inotrópico negativo, a combinação do inotropismo negativo e o aumento da RVS e RVP pode levar à descompensação hemodinâmica em pacientes com insuficiência cardíaca grave. A cetamina é um sialogogo e pode causar outros efeitos GI, tais como náusea, vômitos e anorexia. A cistite ulcerativa é observada no abuso de cetamina.

E. Agonistas 2-adrenérgicos: clonidina e dexmedetomidina Indicações e dosagem Os agonistas dos receptores 2-adrenérgicos clonidina e dexmedetomidina são indicados para sedação e analgesia (11). Em decorrência da redução da atividade simpática e agitação, a dexmedetomidina causa um estado que lembra o sono fisiológico sem movimentos oculares rápidos e sem prejudicar a função cognitiva. Esses agentes também não inibem o trabalho respiratório mais do que o sono natural. Essa combinação os torna atraentes para o uso em ambientes de terapia intensiva para facilitar a extubação precoce. Também existe evidência de um efeito poupador de morfina no pós-operatório e uma redução do delirium emergencial em crianças. A clonidina está disponível na forma de comprimidos, solução injetável e adesivo transdérmico. Quando usada no período perioperatório para ansiólise, sedação e analgesia, as doses orais típicas situam-se entre 0,2 e 0,3 mg. A dosagem intravenosa é de 1 a 5 g/kg durante 30 a 60 minutos, algumas vezes seguida por uma infusão de 0,3 g/kg/hora (11). A dexmedetomidina é administrada na forma de uma infusão intravenosa a uma taxa de 0,2 a 1 g/kg/hora. Uma dose de bólus geralmente é administrada durante vários minutos para promover a instalação de um estado de equilíbrio. Contudo, distúrbios hemodinâmicos significativos podem ocorrer com a dose de bólus muitas vezes recomendada de 1 g/kg durante 10 minutos, de modo que se recomenda precaução na aplicação.

Mecanismo de ação A dexmedetomidina e a clonidina são antagonistas dos receptores 2, que são encontrados em todo o cérebro e são importantes na regulação da dopamina e noradrenalina, bem como estão envolvidos em vários processos fisiológicos. O corno posterior da medula espinal é o local mais significativo da atividade analgésica, embora a transmissão da dor nos nervos sensitivos também possa estar afetada. A dexmedetomidina é mais específica para os receptores 2A do que a clonidina; receptores 2A medeiam a sedação, analgesia e hipotensão no locus ceruleus.

Capítulo 10

Analgésicos

Farmacocinética e farmacodinâmica A clonidina tem uma biodisponibilidade oral próxima a 100%, com picos de concentração plasmática ocorrendo entre 1 a 3 horas: a metade da dose inicial é recuperada inalterada na urina. É considerada um fármaco de longa ação, enquanto a dexmedetomidina tem uma ação um pouco mais curta. A clonidina e a dexmedetomidina passam por metabolismo e eliminação hepática e renal.

Interações medicamentosas e efeitos adversos Podem ocorrer bradicardia, hipotensão e hipertensão com o uso de dexmedetomidina e clonidina. Apesar de causarem sedação, os agonistas 2A não parecem prolongar o tempo de recuperação pós-operatório (11).

III. Opioides A. Opioides endógenos Os opioides endógenos e receptores opioides estão localizados em todo o sistema nervoso periférico e central. Opioides endógenos incluem as encefalinas, dinorfinas e -endorfinas, que são produzidas a partir de grandes precursores proteicos por meio de clivagem proteolítica. O sistema opioide tem um papel central na nocicepção e analgesia e também afeta múltiplos processos fisiológicos, incluindo resposta ao estresse, funções endócrinas e imunológicas, trânsito GI, ventilação, humor e bem-estar. As -endorfinas e encefalinas têm a maior afinidade para os receptores  e , enquanto as dinorfinas se ligam preferencialmente aos receptores .

B. Receptores opioides Os receptores opioides são receptores acoplados à proteína G, com sete porções transmembrana, alças intra e extracelulares e uma homologia significativa entre os subtipos de receptores opioides. A ligação de opioides agonistas leva a uma ativação da proteína G e a efeitos primariamente inibitórios que diminuem a excitabilidade neuronal (redução da produção de adenosina monofosfato cíclica, aumento do influxo do íon potássio), embora deva ser notado que a ligação opioide aumenta a produção de prostaglandinas e leucotrienos. Foram identificados quatro receptores opioides, , ,  e receptor nociceptivo ou receptor opioide orfanina (MOP, KOP, DOP e NOP, respectivamente). Todos são antagonizados pela naloxona e fornecem analgesia espinal e supraespinal. Os agonistas  e  estão envolvidos no reforço positivo, ao passo que os agonistas produzem aversão, alucinações e mal-estar. Os antagonistas  e  superam os efeitos eufóricos dos opioides, enquanto os antagonistas produzem efeitos positivos. Os receptores opioides são encontrados em todo o SNC, incluindo a substância gelatinosa da medula espinal, região cinzenta periaquedutal, sistema límbico, área póstrema, tálamo e córtex cerebral. Os receptores opioides também são encontrados fora do SNC em neurônios periféricos, tecido neuroendócrino, células do sistema imunológico, GI, vias biliares e outros tecidos (Fig. 10.2).

C. Mecanismo da analgesia opioide Na medula espinal, os opioides inibem a liberação da substância P dos neurônios sensoriais primários no corno dorsal, atenuando a transmissão de estímulos dolorosos dos nervos periféricos para o córtex cerebral. No tronco cerebral, os opioides atuam nas vias inibitórias descendentes para atenuar os estímulos dolorosos. Também existe uma atividade dos agonistas opioides no prosencéfalo e nas estruturas de recompensa do cérebro.

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174

Fundamentos de anestesiologia clínica

Sedação e euforia Náusea e vômito

Analgesia supraespinal Miose

Analgesia espinal Supressão da tosse

VÍDEO 10.1 Farmacodinâmica dos opioides Bradicardia

Vasodilatação

Depressão ventilatória

Prurido

Retardo do esvaziamento gástrico

Aumento da pressão biliar Íleo paralítico e constipação Retenção urinária

Rigidez muscular Depressão da imunidade celular

FIGURA 10.2

Farmacodinâmica dos opioides. Um resumo dos efeitos dos congêneres do fentanil.

D. Hiperalgesia, tolerância e dependência induzidas pelos opioides Com o uso continuado, a tolerância aos efeitos analgésicos dos opioides aumenta mais do que a tolerância aos efeitos depressores da respiração, reduzindo, assim, a janela terapêutica.

A tolerância a opioides é um fenômeno bem-descrito no qual o uso crônico de opioides leva a uma necessidade de doses cada vez maiores de opioide para atingir um efeito analgésico semelhante. A exposição crônica a opioides leva a um aumento na atividade da substância P e um aumento na síntese e liberação de prostaglandinas mediadas por NMDA, contribuindo coletivamente com a tolerância opioide. A tolerância aguda a opioides, ou a necessidade aumentada de opioides após uma exposição curta a eles, também foi sugerida, mas sua existência é controversa. A tolerância analgésica aumenta mais do que a tolerância aos efeitos depressores da respiração, reduzindo, assim, a janela terapêutica desses agentes (12). A hiperalgesia induzida pelos opioides é menos bem compreendida e, em contraste com a tolerância ao opioide, refere-se a uma resposta aumentada a estímulos dolorosos normais. Foram propostos três mecanismos: ativação do receptor NMDA como parte da ativação do sistema glutaminérgico central, liberação aumentada de neuropeptídeos espinais excitatórios e facilitação espinal descendente. Embora tanto a tolerância a opioide como a hiperalgesia induzida por opioide possam se manifestar como um aumento das necessidades de opioide para

Capítulo 10

Analgésicos

alcançar o efeito analgésico desejado, é importante distinguir entre ambos porque os opioides pioram o problema da hiperalgesia induzida por eles. Nos dois casos, o uso de analgesia multimodal e de antagonistas NMDA pode ser útil para atingir as metas analgésicas. A dependência opioide caracteriza-se por uma síndrome de abstinência complexa e desagradável, que inclui sinais físicos e um estado emocional desagradável.

E. Vias de administração Os opioides estão disponíveis como preparados orais e intravenosos. Muitos estão disponíveis apenas como agentes intravenosos e podem ser administrados em dose de bólus ou como infusão. O fentanil também está disponível nas formas transdérmica e transmucosa e tem sido administrado por via intranasal e pulmonar. O fentanil, morfina e sufentanil (em formulações livres de conservantes) são usados rotineiramente no espaço intratecal, e o fentanil é mais comumente usado no espaço peridural.

F. Farmacocinética e farmacodinâmica A seleção racional de opioides requer a consideração de conceitos tais como o tempo para o pico de efeito após a injeção de bólus, tempo para atingir o estado de equilíbrio após o início da infusão e meia-vida contexto-dependente, ou o tempo de redução de 50% nas concentrações no sítio efetor após cessar a infusão. Esses conceitos provavelmente são mais bem entendidos quando apresentados como simulações computadorizadas do efeito do fármaco. A Figura 10.3A apresenta uma simulação representando a porcentagem de concentrações de pico no sítio efetor ao longo do tempo. Quando se deseja uma analgesia opioide rápida, um dos opioides de início de ação rápido, tal como o remifentanil, alfentanil, fentanil ou sufentanil, pode ser mais útil do que a morfina, que atinge o pico de efeito aproximadamente 90 minutos após a injeção. A compreensão do tempo necessário para atingir a concentração plasmática de estado de equilíbrio é fundamental quando se utiliza uma infusão de opioide. A Figura 10.3B demonstra a porcentagem das concentrações plasmáticas de estado de equilíbrio ao longo do tempo. Note que, com duas exceções (remifentanil e alfentanil), os fármacos representados não alcançaram o estado de equilíbrio estacionário após 600 minutos. Os médicos devem compreender as implicações dessa simulação; isto é, que as concentrações plasmáticas continuarão a subir durante horas após o início de uma infusão (com exceção do remifentanil), embora a taxa de infusão não tenha mudado. A Figura 10.4 representa a administração de uma dose de bólus de remifentanil seguida por uma infusão e mostra a rápida obtenção do estado de equilíbrio quando se usa um bólus como “dose de ataque”. Por fim, as infusões estão sujeitas à meia-vida contexto-dependente, ou seja, o tempo necessário para que as concentrações plasmáticas diminuam após uma infusão. Isso é importante para prever o tempo de término do efeito do fármaco. A Figura 10.3C mostra o tempo, em minutos, para uma redução de 50% nas concentrações plasmáticas versus a duração da infusão. Note-se que, após uma infusão de 200 minutos (muitas vezes, bem dentro de muitos tempos cirúrgicos), são necessárias horas para que as concentrações plasmáticas de fentanil ou morfina diminuam em 50%. Dependendo das necessidades clínicas (necessidade de prolongar o efeito opioide versus procedimentos que são estimulantes no intraoperatório, mas com pouca dor pós-operatória), a escolha racional dos medicamentos pode ser tomada. A maioria dos agonistas MOP pode ser considerada como farmacodinamicamente equivalentes quanto ao perfil de efeitos (efeitos terapêuticos e adversos). A Figura 10.2 resume a variedade de efeitos clinicamente importantes dos congêneres do fentanil. (Ver Tab. 10.1 para doses opioides equipotentes.)

175

176

Porcentagem de pico Ce (%)

Cinética front-end e back-end de um bólus 100

Hidromorfona Sufentanil

80

Morfina

60 Fentanil 40 Alfentanil

20 Início do bólus

0 0

Minutos até 50% de redução em Ce (min)

A

C

Remifentanil

5 10 15 20 25 Minutos após a injeção de bólus (min)

30

Porcentagem do estado de equilíbrio Ce (%)

Fundamentos de anestesiologia clínica

B

Cinética front-end da infusão 100

Remifentanil Alfentanil

80

Morfina

il

ntan

60

Sufe na fo or

40

Fentanil

om

dr

Hi

20 Início da infusão 0 0

100 200 300 400 500 Minutos após o início da infusão (min)

600

Cinética back-end da infusão

FIGURA 10.3 Farmacocinética dos opioides. As simulações ilustram o comportamento farmacológico front-end e back-end após a administração de injeção em bólus ou em infusões contínuas para morfina, hidromorfona, fenMorfina tanil, alfentanil, sufentanil e remifentanil usando parâmetros farmacocinéticos da literatura. A. Porcentagem das concentrações de pico no sítio efetor após administração de bólus. B. Porcentagem das concentrações no síHidromorfona tio efetor no estado de equilíbrio após o início da infusão. C. Meia-vida contexto-dependente, ou tempo decorrido em minutos até atingir uma redução de 50% das conAlfentanil centrações no sítio efetor após o término da infusão. (De Sufentanil Remifentanil Hemmings HC, Egan TD. Pharmacology and Physiology 200 300 400 500 600 for Anesthesia: Foundations and Clinical Application. Duração da infusão (min) Philadelphia: Elsevier; 2013, com permissão.) Fentanil

300

200

100

0 0

100

G. Efeitos terapêuticos O efeito primário dos opioides é a analgesia. Opioides atuam em nervos periféricos e na medula espinal para atenuar estímulos nocivos e atuam centralmente alterando a resposta afetiva. Os agonistas  são mais eficazes para tratar sensações transportadas pelas f ibras C desmielinizadas lentas e menos eficazes no tratamento da dor neuropática e estímulos transmitidos pelas fibras mielinizadas A- rápidas. Os opioides produzem sedação e atividade de ondas  no eletrencefalograma, que lembram o sono natural. Embora doses crescentes de opioides produzam sedação de forma confiável, eles não produzem irresponsividade e amnésia de forma confiável. Os opioides suprimem o reflexo da tosse no bulbo. Por outro lado, uma dose em bólus de um opioide pode produzir um aumento da tosse; essa é com frequência observada durante indução de anestesia que inclua um opioide.

H. Efeitos adversos Os agonistas  suprimem a regulagção ventilatória no bulbo e alteram a resposta ventilatória ao dióxido de carbono e hipóxia. Normalmente, a ventilação-minuto aumenta à medida que a pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) aumenta, com um aumento acentuado na ventilação-minuto quando a PaCO2 aumenta acima de 40 mmHg. Sob a influência de opioides, a ventilação-minuto continua aumentando com o aumento da PaCO2, mas a uma taxa inferior, de modo que a resposta ventilatória ao dióxido de carbono diminui. Um aumento gradual nos níveis de opioide, por exemplo, após uma administração de morfina, causará depressão respiratória progressiva e hipercapnia, ajudando, assim, a manter a ventilação. Contrastando com isso, um aumento rápido nos níveis de opioide, como com um bólus intravenoso de remifentanil, ou alfentanil, pode causar apneia até que os níveis de PaCO2 aumentem acima do limiar apneico. O limiar

Capítulo 10

Analgésicos

Dose de ataque Superação do estado de equilíbrio com a dose de ataque Retardo do estado de equilíbrio sem a dose de ataque

Porcentagem de estado de equilíbrio Ce

140 120 100 80 60 40

Bólus 100 ␮g Infusão 15 ␮g/min

20 0 0

10

20

30

40

50

60

Tempo (min)

FIGURA 10.4 Simulação de concentrações plasmáticas após administração de uma dose em bólus de remifentanil seguida por uma infusão, demonstrando a rápida obtenção do estado de equilíbrio quando se utiliza um bólus. (De Hemmings HC, Egan TD. Pharmacology and Physiology for Anesthesia: Foundations and Clinical Application. Philadelphia: Elsevier; 2013, com permissão.)

apneico é o nível de PaCO2 abaixo do qual o paciente deixa de respirar enquanto estiver sob a influência de agonistas opioides. Tanto a frequência respiratória quanto o volume corrente estão diminuídos, com a redução da frequência respiratória ocorrendo com doses baixas de opioides e reduções do volume corrente ocorrendo em doses mais altas. Os fatores que aumentam o risco de depressão ventilatória induzida por opioides incluem dose elevada, sono natural, idade avançada, outros depressivos do SNC e redução da depuração decorrente de insuficiência hepática ou renal. Os congêneres fentanil aumentam diretamente o tônus vagal no tronco cerebral, algumas vezes causando bradicardia. Isso pode ser tratado com um agente antimuscarínico, se necessário. Opioides causam dilatação arterial e venosa sem afetar a contratilidade miocárdica pela redução da atividade vasomotora no tronco cerebral e ação direta sobre os vasos. Na maioria dos pacientes, isso é clinicamente insignificante, mas pode causar hipotensão em pacientes com hipertensão crônica ou insuficiência cardíaca congestiva. Altas doses de congêneres do fentanil administradas rapidamente em bólus podem resultar em rigidez muscular, que pode ser grave

TABELA 10.1

Doses equipotentes de opioides

Opioide

Dose

Morfina

1 mg

Meperidina

10 mg

Metadona

1 mg

Hidromorfona

0,2 mg

Fentanil

50 g

Alfentanil

150 g

Sufentanil

5 g

Remifentanil

50 g

177

178

Fundamentos de anestesiologia clínica

Os fatores que aumentam o risco de depressão ventilatória por opioides incluem dose elevada, sono natural, idade avançada, outros depressores do SNC e redução da depuração decorrente da insuficiência hepática ou renal.

o suficiente para impedir a ventilação eficaz com máscara-balão. A rigidez tende a coincidir com a irresponsividade e pode ser evitada com bloqueadores neuromusculares. O mecanismo da rigidez é desconhecido. Esse fenômeno leva alguns profissionais a pré-oxigenar os pacientes que vão receber um bólus de remifentanil como parte do cuidado anestésico monitorado.

I. Metabolismo e metabólitos ativos Opioides geralmente são lipossolúveis, altamente ligados a proteínas, bases fracas que são ionizadas em pH fisiológico. Embora existam características únicas para opioides individuais, os opioides são normalmente metabolizados pelo sistema CYP hepático. A conjugação hepática seguida de excreção pelos rins também pode ser significativa. O remifentanil é a principal exceção a essa regra (ver discussão subsequente).

J. Interações farmacológicas Agentes sedativo-hipnóticos e opioides são sinérgicos, com maior analgesia e sedação resultando de combinações do que com cada um isoladamente. A Figura 10.5 ilustra esse conceito, no qual uma pequena dose de fentanil e midazolam resulta em uma maior probabilidade de sedação e analgesia quando combinadas do que isoladamente, enquanto a probabilidade de depressão ventilatória é mínima. Um efeito similar é observado quando o propofol e os opioides são combinados (Fig. 10.6). Os opioides diminuem significativamente a CAM dos anestésicos voláteis ( 75%) com doses moderadas de opioide.

K. Farmacocinética e populações especiais Embora a codeína tenha um papel limitado no período intraoperatório, sua farmacogenômica única é clinicamente significativa. A codeína é uma pró-droga, com 5 a 10% metabolizados para morfina por uma isoforma do sistema citocromo P450, a CYP2D6. Em aproximadamente 10% da população branca que não apresenta essa enzima, ou em pacientes cuja enzima CYP2D6 está inibida por outro fármaco – tal como a fluoxetina, paroxetina, bupropiona ou quinidina –, haverá uma resposta limitada à codeína, embora a resposta à morfina seja mantida (13). Os opioides tramadol, hidrocodona e oxicodona também são metabolizados, pelo menos em parte, pela CYP2D6. Parece haver uma diminuição da resposta analgésica ao tramadol em “metabolizadores lentos” da codeína, mas os dados são menos claros em relação à hidrocodona e oxicodona. Outro subconjunto (~1-2%) da população é conhecido como “metabolizador ultrarrápido” da codeína, e porta genes CYP2D6 funcionais duplicados. Esses pacientes convertem uma maior porcentagem de codeína em morfina. O efeito clínico aumentado da codeína tem sido implicado nas mortes pediátricas após tonsilectomia com ou sem adenoidectomia e, em 2013, o FDA emitiu uma advertência contra o uso de codeína em crianças submetidas à tonsilectomia. Com exceção da fase anepática do transplante ortotópico de fígado, o grau de insuficiência hepática encontrado na maioria dos pacientes cirúrgicos geralmente não é significativo o suficiente para alterar de forma dramática o metabolismo opioide. No entanto, os pacientes com encefalopatia hepática podem ser particularmente sensíveis aos efeitos sedativos dos opioides. O metabolismo único do remifentanil não afeta sua eliminação, mesmo durante a fase anepática. A insuficiência renal causa um acúmulo significativo de metabólitos da morfina e meperidina. A eliminação dos congêneres do fentanil é menos afetada pela insuficiência renal e, como na insuficiência hepática, a farmacologia do remifentanil não é alterada pela insuficiência. A morfina passa por conjugação no fígado e rim, passando a morfina-3-glicuronídeo e morfina-6-glicuronídeo, sendo que ambas se acumulam na insuficiência renal.

Capítulo 10

Analgésicos

Fentanil 75 ␮g e midazolam bólus de 2 mg Pico do fentanil

Pico do midazolam

Midazolam Ce (ng/mL)

1,4 1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0

Midazolam Fentanil

50 40 30 20 10 0 0

5

10

15

20

Probabilidade de analgesia (%)

100

25

30

35

40

Fentanil Ce (ng/mL)

60

45

Fentanil combinado com midazolam Fentanil isoladamente

80 60 40 20 0 0

5

10

15

Probabilidade de sedação (%)

100

20

25

30

35

40

45

Midazolam combinado com fentanil Midazolam isoladamente

80 60 40 20 0

Probabilidade de depressão ventilatória (%)

0

5

10

15

100

20

25

30

35

40

45

Midazolam combinado com fentanil Fentanil isoladamente

80 60 40 20 0 0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Tempo (minutos)

FIGURA 10.5 Simulação de 75 g de fentanil e 2 mg de midazolam administrados concomitantemente por meio de bólus venoso. A simulação superior ilustra o tempo decorrido para o pico de concentração plasmática de cada fármaco. As simulações intermediárias demonstram o efeito sinérgico da combinação de fentanil e midazolam para os efeitos clínicos de analgesia e sedação. A simulação inferior ilustra a baixa probabilidade de depressão ventilatória dessa combinação em contraste com a alta probabilidade de analgesia e sedação. (De Safe Sedation Training, 2014. https://www.safesedationtraining.com/, acessado em 6 de outubro de 2014, com permissão.)

A morfina-6-glicuronídeo é um metabólito ativo com potência similar à morfina, e seu acúmulo pode resultar em depressão respiratória grave. A normeperidina é um metabólito ativo da meperidina, que normalmente é excretada pelos rins e, por isso, é acumulada na insuficiência renal. Causa excitação do SNC, incluindo ansiedade, tremores, mioclonias e convulsões; portanto, a meperidina é contraindicada em pacientes com insuficiência renal.

179

Fundamentos de anestesiologia clínica Pico do propofol

2,0 Propofol Fentanil

1,5 1,0 0,5 Procedimento

0,0

1,2 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0

Fentanil Ce (ng/mL)

Propofol Ce (␮g/mL)

Pico do fentanil

Bólus e infusão de propofol Bólus de fentanil

Probabilidade de sedação moderada (%)

0

5

10

15 20 Tempo (minutos)

25

30

100 Propofol e fentanil Propofol isoladamente

80 60 40 20 0 0

5

10

15 20 Tempo (minutos)

25

30

100 Probabilidade de analgesia (%)

180

Propofol e fentanil Fentanil isoladamente

80 60 40 20 0 0

5

10

15 20 Tempo (minutos)

25

30

FIGURA 10.6 A simulação superior representa as concentrações plasmáticas de fentanil e propofol. O fentanil é administrado em bólus intravenoso no tempo 0. Um bólus de propofol é administrado após 4 minutos, seguido de uma infusão. A simulação intermediária e a simulação inferior representam a probabilidade de sedação moderada e analgesia, respectivamente, e ilustram o princípio de sinergismo entre os opioides e o propofol. (De Safe Sedation Training. https://www. safesedationtraining.com/, acessado em 6 de outubro de 2014, com permissão.)

Estudos examinando diferenças entre os sexos nas respostas a opioides produziram resultados mistos. Os autores de três pequenos estudos observaram um efeito depressor respiratório maior dos opioides em mulheres em comparação com homens. O eletrencefalograma processado (usado como uma medida substituta do efeito opioide) demonstrou que a potência dos congêneres do fentanil está diretamente relacionada com o aumento da idade. Em pacientes com mais de 65 anos de idade, a dose de remifentanil (e presumivelmente também de outros opioides) deve ser reduzida em 50%. Com exceção do remifentanil, o comportamento dos opioides em pacientes obesos foi avaliado por poucos trabalhos. A chave para a administração de opioides a pacientes obesos é a dosagem escalonada: a dosagem para um paciente obeso com base

Capítulo 10

Analgésicos

no peso corporal total certamente resultará em concentrações plasmáticas excessivas, enquanto a dosagem com base na massa corporal magra ou massa livre de gorduras praticamente se iguala à dosagem baseada no peso corporal total em pacientes magros. Uma abordagem é estimar as necessidades opioides com base na massa corporal modificada livre de gorduras (MFFM massa livre de gordura 0,4 [peso corporal total – massa livre de gordura]) e titular para o efeito clínico.

L. Indicações, dosagens e considerações especiais Morfina A morfina é o protótipo dos opioides e um analgésico muito eficaz. Seu início de ação é lento, pois ela é quase completamente ionizada em pH fisiológico e é pouco lipossolúvel; com isso, entra lentamente no SNC e atinge o pico cerca de 90 minutos após a injeção intravenosa. Embora esse tempo de latência prolongado permita que os níveis de pressão parciais de dióxido de carbono subam gradualmente, reduzindo o risco de depressão respiratória aguda, a morfina também pode resultar em nova administração inapropriada pelos médicos antes que o pico de efeito seja atingido. A liberação de histamina causando hipotensão pode ser observada após grandes doses de bólus. A morfina passa por extenso metabolismo de primeira passagem após a administração oral, resultando em altos níveis de morfina-6-glicuronídeo. Essa alta taxa de extração hepática significa que a morfina administrada por via oral tem uma menor biodisponibilidade do que a morfina administrada por via parenteral (13). (Ver Tab. 10.2 para doses de usuais de opioides.)

Hidromorfona A hidromorfona é um opioide sintético potente, com um início de ação semelhante ao da morfina, mas atinge o pico de efeito máximo mais rapidamente, dentro de cerca de 15 minutos. Seu efeito clínico é prolongado (~2 horas); a hidromorfona é adequada para uso na analgesia controlada pelo paciente.

Meperidina Devido ao acúmulo de normeperidina, o metabólito ativo da meperidina, na presença de insuficiência renal e potenciais sequelas do SNC, atualmente, a meperidina raramente é usada como analgésico. A meperidina é indicada para tremor relacionado à anestesia.

Fentanil O fentanil pode ser administrado por via intravenosa, bem como por via transdérmica, transmucosa, intranasal e transpulmonar. O fentanil atinge um pico aos 3 a 5 minutos após a administração intravenosa, e seu efeito analgésico dura de 30 a 45 minutos. O pico de depressão respiratória ocorre entre 3 a 5 minutos após a administração de uma dose intravenosa. Essas características farmacocinéticas, combinadas com os leves efeitos hemodinâmicos do fentanil, fazem dele um fármaco útil para procedimentos menores, bem como durante as fases de indução e manutenção da anestesia. A meia-vida contexto-dependente prolongada do fentanil (Fig. 10.3C) limita o uso de infusões, a não ser que sejam cuidadosamente dosadas com o conhecimento adequado da farmacocinética.

Sufentanil O sufentanil é o opioide mais potente comercialmente disponível para uso humano: 5 g de sufentanil por via intravenosa equivalem a 50 g de fentanil.

Alfentanil O alfentanil atinge pico de efeito rapidamente, ~90 segundos após a administração intravenosa da dose de bólus, e as concentrações plasmáticas caem rapidamente,

181

182

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 10.2

Doses usuais de opioides em bólus

Opioide

Dose usual em bólus

Morfina

1-5 mg IV

Hidromorfona

0,2-0,4 mg IV

Meperidina

12,5-50 mg IV

Fentanil

50-150 g IV

Sufentanil

5-15 g IV

Alfentanil

150-300 g IV

Remifentanil

25-100 g IV Dose comum de infusão: 0,05-0,15 g/kg/min

IV, intravenoso.

de forma similar ao remifentanil (Fig. 10.1). Diferentemente do remifentanil, no entanto, o término do efeito do alfentanil após uma infusão (meia-vida contexto-dependente) é comparável ao do sufentanil. A combinação do início rápido do efeito após a administração de bólus e o término do efeito relativamente prolongado após uma infusão podem fazer do alfentanil um adjunto anestésico atraente durante uma cirurgia com estimulação intensa na qual está prevista uma dor pós-operatória significativa. O metabolismo hepático do alfentanil é menos previsível do que o do fentanil e sufentanil devido à variabilidade interindividual significativa da CYP3A4 hepática, a enzima primariamente responsável pela biotransformação do alfentanil.

Remifentanil O remifentanil é um congênere potente do fentanil, caracterizado pelo rápido início de ação (dentro de 90 segundos), curta duração (~3 minutos) e meia-vida contexto-dependente curta (~5 minutos). É metabolizado por hidrólise de éster no sangue e tecidos e, portanto, não é afetado pela insuficiência hepática ou renal. Como não se acumula e o término de seu efeito é muito confiável, o remifentanil é adequado para uso em bólus para procedimentos dolorosos curtos, feitos sob sedação, como infusão para procedimentos e sedação mais longos e também como infusão durante a anestesia geral. É um fármaco eminentemente titulável e permite que o anestesiologista responda de modo eficaz à alteração da estimulação cirúrgica. Sua meia-vida contexto-dependente muito curta termina o efeito analgésico logo após a interrupção da infusão. Portanto, se houver necessidade de analgesia pós-operatória, deve ser administrado um analgésico de longa ação em vez do remifentanil.

Metadona A metadona está disponível na forma oral e intravenosa, sendo mais comumente usada no tratamento da dependência de opioides, pois sua farmacocinética prolongada faz com que os sintomas de abstinência sejam improváveis. O isômero dextrógiro da metadona também tem uma atividade antagonista NMDA, que pode atenuar os efeitos da tolerância opioide. A metadona prolonga o intervalo QT.

M. Agentes de reversão e efeitos associados A naloxona é um antagonista competitivo do receptor opioide com maior afinidade para o receptor . Na ausência de opioide, a administração de naloxona não tem efeito.

Capítulo 10

Analgésicos

Na presença de opioide, a naloxona pode reverter todos os efeitos clínicos dos opioides quando administrada apropriadamente, sendo, com mais frequência, usada para reverter a depressão ventilatória induzida pelo opioide. A naloxona é rapidamente metabolizada no fígado e tem uma depuração alta; portanto, sua duração de ação em geral é mais curta do que a do opioide cujos efeitos se destina a reverter. Os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados após a administração de naloxona para a recorrência da depressão ventilatória. A naloxona pode causar taquicardia e, mais raramente, edema pulmonar e até mesmo morte súbita em indivíduos anteriormente saudáveis (14). Os agonistas-antagonistas opioides mistos incluem a nalbufina, a pentazocina e o butorfanol. Esses agentes são agonista parciais e antagonistas -competitivos completos. Os efeitos analgésicos e respiratórios desses agentes chegam a um efeito máximo e não diminuem a CAM tanto quanto a morfina ou o fentanil. Esses “agonistas parciais” têm um menor potencial de abuso do que agonistas opioides, mas também são menos eficazes no tratamento da dor. São mais comumente usados para atenuar os efeitos secundários dos opioides (depressão ventilatória, prurido), mantendo algum nível de analgesia (agonismo parcial). O antagonismo  precipita a síndrome de abstinência em pacientes dependentes de opioide. A buprenorfina é um fármaco similar, mas é um antagonista e um agonista  parcial.

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183

A duração da ação da naloxona geralmente é substancialmente mais curta do que a dos opioides cujos efeitos ela deve reverter.

184

Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Fármacos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs-ns) aliviam a dor por meio de qual mecanismo? A. Inibição da síntese de prostanoides B. Inibição dos efeitos do tromboxano A2 C. Inibição dos efeitos da prostaciclina D. Inibição da síntese do ácido araquidônico E. Nenhuma das alternativas acima 2. Qual fármaco anti-inflamatório não esteroide (AINEs-ns) atualmente disponível não inibe a agregação plaquetária? A. Rofecoxibe B. Valdecoxibe C. Celecoxibe D. Cetorolaco E. Nenhuma das alternativas acima 3. A clonidina e a dexmedetomidina aliviam a dor por meio de qual mecanismo? A. Aumento da ligação de opioides endógenos B. Inibição da cicloxigenase C. Down-regulation do receptor  D. Estimulação do receptor 2 E. Nenhuma das alternativas acima

4. O que é a meia-vida contexto-dependente de um fármaco? A. O tempo decorrido até que a concentração plasmática do fármaco caia 50% depois que a infusão do fármaco seja interrompida B. O tempo decorrido até que a concentração plasmática do fármaco atinja 50% de sua concentração de estado de equilíbrio durante a infusão constante C. O tempo decorrido para aumentar a concentração plasmática de um fármaco em 50% quando a taxa de infusão do fármaco é dobrada D. O tempo decorrido para reduzir a concentração plasmática de um fármaco em 50% quando a taxa de infusão do fármaco é cortada pela metade E. Nenhuma das alternativas acima 5. Qual opioide é o mais potente? A. Fentanil B. Sufentanil C. Hidromorfona D. Metadona E. Nenhuma das alternativas acima 6. Em um paciente pesando 140 kg com uma massa livre de gordura (massa corporal magra) de 70 kg, o que viria a ser a massa livre de gordura para o uso do cálculo inicial da taxa de infusão de fentanil? A. 120 kg B. 100 kg C. 90 kg D. 80 kg E. Nenhuma das alternativas acima

Agentes bloqueadores neuromusculares Sorin J. Brull Casper Claudius

11

I. Fisiologia e farmacologia A. Morfologia da junção neuromuscular A junção neuromuscular ( JNM) consiste em neurônio motor pré-sináptico, fibra muscular pós-sináptica e um vão de 50 a 70 nm (fenda sináptica) entre ambos, que contém a enzima acetilcolinesterase (AChAse) (Fig. 11.1). A JNM tem um mecanismo altamente ordenado que converte o sinal elétrico do nervo motor em um sinal químico (liberação de acetilcolina [ACh], que, por sua vez, é convertida em um evento elétrico (despolarização da membrana), levando a uma resposta mecânica (contração muscular). A unidade motora consiste no neurônio motor e na fibra muscular por ele inervada. Os receptores musculares tipo nicotínicos estão localizados em dobras da membrana muscular pós-sináptica em altas concentrações (10 mil receptores por micrômetro quadrado) e normalmente não são encontrados em localização extrassináptica. Mais de 90% de todos os receptores nicotínicos em uma fibra muscular estão localizados na sinapse, uma área que representa  0,1% da área total da superfície da membrana muscular (1).

Estimulação nervosa A ACh é responsável pela transmissão do impulso do nervo para o músculo. Quando a despolarização do nervo motor atinge o terminal nervoso, os canais de cálcio (Ca2) voltagem-dependentes se abrem, e as vesículas (quantum) que contêm ACh são liberadas por meio de exocitose do terminal nervoso para dentro da fenda. Essa liberação de ACh quantum (cada uma contendo de 5 mil a 10 mil moléculas de ACh) é antagonizada por hipocalcemia e hipermagnesemia. Os canais de potássio (K) no terminal nervoso limitam a extensão da entrada de Ca2 no terminal e a liberação de neurotransmissor, iniciando a repolarização da membrana nervosa.

B. Eventos pré-sinápticos: mobilização e liberação de acetilcolina A ACh é sintetizada no terminal nervoso pré-sináptico a partir do acetato e da colina, e é dividida em dois pools funcionais. O “pool imediatamente disponível” consiste em uma pequena fração de toda a ACh disponível no terminal nervoso. A maior parte da ACh está contida no “pool de reserva”, que primeiramente deve ser transportado (mobilizado) da área adjacente para a membrana (a zona ativa) e passar a fazer parte do pool imediatamente disponível antes que possa ser liberada para dentro da fenda. Uma vez que ocorra a despolarização do nervo e aumento da concentração de Ca2, um quantum de ACh é liberado para a fenda sináptica. A ACh liberada pode, então, se ligar aos receptores nicotínicos pós-sinápticos para iniciar a contração muscular, seguida de

A precisão da contração muscular é determinada pelo número de fibras musculares inervadas por cada neurônio. Em grupos musculares que requerem um controle muito fino (p. ex., os músculos oculares ou faciais), a proporção de inervação está próxima de um para dois (isto é, um nervo inerva duas fibras). Em músculos grandes, que necessitam de movimentos grosseiros e fortes (músculos da coxa ou das costas), a proporção de inervação aproxima-se de 1 para 2.000.

186

Fundamentos de anestesiologia clínica

Terminal nervoso pré-sináptico normal = Acetilcolina K+ Ca+2

K+

Ca+2

K+

Vesícula

Acetil CoA Recaptação

Exocitose

α α

α

α

Receptor α

Músculo pós-sináptico

FIGURA 11.1

Transmissão neuromuscular normal através da junção neuromuscular.

rápida hidrólise pela AChE em colina e pelo ácido acético. A colina é, então, novamente captada para dentro do terminal nervoso pré-sináptico. A ACh também pode se ligar aos receptores nicotínicos neuronais pré-sinápticos para facilitar a mobilização de ACh.

C. Eventos pós-sinápticos Pequenas quantidades de ACh são liberadas espontaneamente para dentro da fenda, resultando em pequenas despolarizações (5 mV) da membrana muscular. Esses pequenos potenciais de placa motora podem representar os efeitos de membrana de um único quantum de ACh. Quando for liberado um quantum suficiente de ACh (200-400), a despolarização pós-juncional da membrana muscular atinge o potencial de placa terminal e ocorre a ativação da sequência excitação – contração. A ACh se liga a ambos os locais de reconhecimento das subunidades  do receptor nicotínico, induzindo uma alteração de conformação do receptor, o que resulta na formação de um canal central (poro). O canal central permite o influxo do íon sódio (Na) e o efluxo do K, resultando na despolarização da membrana celular. Os canais de Na da membrana muscular voltagem -dependentes propagam o potencial de ação através da membrana, levando à contração muscular (acoplamento excitação-contração).

D. Up e down-regulation de receptores Quando a frequência de estimulação junto à JNM diminui durante dias (ou mais), como resultado de queimaduras graves, imobilização, infecção, sepse, uso prolongado de agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) na unidade de tratamento intensivo ou de acidente vascular encefálico, o número de receptores nicotínicos imaturos (fetais) aumenta (up regulation). Os receptores nicotínicos têm uma sensibilidade aumentada a agonistas (ACh e succinilcolina [SCh]) e sensibilidade reduzida aos BNMs adespolarizantes. O tempo de abertura do canal do receptor nicotínico imaturo

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

187

é até 10 vezes mais longo e pode permitir a liberação sistêmica de doses letais de K intracelular em resposta à administração de SCh. A down-regulation dos receptores nicotínicos maduros ocorre durante períodos de estimulação prolongada por agonistas, por exemplo, com o uso crônico de neostigmina (em pacientes com miastenia grave) ou envenenamento por organosfosforados, levando a uma resistência à SCh e à sensibilidade extrema aos BNMs adespolarizantes.

II. Bloqueadores neuromusculares A. Características farmacológicas dos bloqueadores neuromusculares A potência de um fármaco é determinada pela dose necessária para produzir determinado efeito e é expressa como uma curva de dose-resposta sigmoide. Para os bloqueadores neuromusculares (BNMs), o efeito é a depressão da contração muscular normal. Assim, uma dose que deprime a contração muscular máxima em 50% é denominada dose eficaz 50% ou DE50. A maioria das potências dos BNMs é expressa como a dose necessária para a depressão de 95% da resposta ao estímulo simples (ES) (single twitch) durante a estimulação do nervo, ou DE95. O início da ação (tempo de latência) para todos os BNMs é definido como o tempo decorrente entre sua administração (normalmente por via intravenosa) até o bloqueio neuromuscular máximo (desparecimento da resposta ao estímulo simples). O tempo de latência está inversamente relacionado com a dose e pode ser afetado pela taxa de entrega do fármaco ao local de ação (fluxo sanguíneo, velocidade da injeção, etc.), afinidade do receptor, mecanismo de ação (despolarizante versus competitivo) e depuração plasmática (metabolismo, redistribuição). A duração da ação até a recuperação de 25% (DUR 25%) é definida como o tempo decorrido desde a administração do fármaco até uma recuperação do ST a 25% da linha base de força (normal). A duração total da ação é definida como o tempo de administração do fármaco até a recuperação da razão train-of-four (TOF) de 0,90 (DUR 0,90). A duração da ação está diretamente relacionada com a dose de BNM administrada. O índice de recuperação é definido como o tempo para o retorno da resposta ao estímulo simples entre 25 a 75% do controle (IR25- 75), um período durante o qual a recuperação espontânea é relativamente linear e não é afetada significativamente pela dose de BNM. Os BNMs podem ser classificados com base em seu modo de ação: BNMs despolarizantes (p. ex., SCh) produzem relaxamento muscular despolarizando diretamente os receptores nicotínicos (Fig. 11.2). Isso ocorre porque a SCh (composta de duas moléculas ACh unidas ponta a ponta) age como um “falso transmissor”, imitando a ACh (Fig. 11.3). Os BNMs adespolarizantes competem com a ACh pelos locais de ligação da subunidade , impedindo a função normal do receptor nicotínico. Os agentes adespolarizantes podem ser classificados de acordo com sua estrutura química (benzilisoquinolínico ou esteroide) ou de acordo com a sua duração de ação (curta, média ou longa).

III. Fármacos bloqueadores neuromusculares despolarizantes: succinilcolina A. Efeitos neuromusculares A succinilcolina é o único BNM despolarizante disponível clinicamente (Tab. 11.1, Fig. 11.3). Em decorrência de sua similaridade molecular com ACh, a SCh despolariza os receptores pós-sinápticos e extrajuncionais, mas como não é degradada pela AChE, ela despolariza a membrana muscular por um período de tempo mais longo, levando à dessensibilização. Em seguida, essa dessensibilização leva à paralisia flácida após a ativação inicial do receptor (manifestada clinicamente como “fasciculações” musculares).

A succinilcolina tem o início de ação mais rápido, a duração mais curta e a maior confiabilidade (isto é, a reduzida variabilidade para o início de ação) do que qualquer outro BNM.

188

Fundamentos de anestesiologia clínica

Bloqueio despolarizante = Acetilcolina = Succinilcolina

α

α

α

α

α

α

Músculo pós-sináptico

FIGURA 11.2

Efeitos de um bloqueio neuromuscular na junção neuromuscular.

CH3 O CH3COCH2CH2N CH3

O

CH3

O

CH3

H3C NCH2CH2OCCH2CH2COCH2CH2N

CH3

CH3

CH3

CH3 Succinilcolina

Acetilcolina CH3O

CH3

CH3

CH3O

C O O

N

O

O

OCH3

H3C

OCH3

N

CH2CH2CO(CH2)5OCCH2CH2 N

N

CH3

CH3

OCH3

CH3O OCH3

OCH3

CH3CO O Pancurônio

Atracúrio CH3 C=O O

CH3

CH3O +N

CH3O N

H3 C H O

CH2 C

O

C O (CH2)5 O C

CH2 CH2

OCH3 N+

CH3

N

OCH3

CH3CO O

CH3O

OCH3 Vecurônio

Cisatracúrio

O

CH2O

O C CH3 CH3

N CH3

N

CH

O

CH3

H2C C O Rocurônio

FIGURA 11.3

Estrutura química da acetilcolina e dos agentes bloqueadores neuromusculares disponíveis.

OCH3

Capítulo 11 TABELA 11.1

Agentes bloqueadores neuromusculares

189

Regimes de dosagem e características de agentes bloqueadores neuromusculares aminoesteroides despolarizantes e adespolarizantes

Agentea

SCh

Panc

Vec

Roc

Tipo (estrutura)

Despolarizante

Adespolarizante

Adespolarizante

Adespolarizante

Tipo (duração)

Ultra curta

Longa

Intermediária

Intermediária

Potência: DE95 (mg/kg)

0,3

0,07

0,05

0,3

Dose de intubação (mg/kg)

1

0,1

0,1

0,6

Tempo de início (min)

1

2-4

3-4

1,5-3

Duração clínica (min)

7-10

60-120

24-50

30-40

Índice de recuperação 2-4 (IR25-75)

30-45

10-5

8-12

Dose de manutenção (mg/kg)

Não disponível

0,02

0,01

0,1

Dose de infusão (␮g/kg/min)

Titulada para resposta muscular de estímulo simples (ES)

20-40 (não recomendada) 1-2

Via de eliminação

Colinesterase plasmática Renal 40-70%; hepática 20%

Renal 10-50%; hepática 30-50%

Renal 30%; hepática 70%

Metabólitos ativos

Não há metabólitos ativos

3-OH vecurônio (desacetil)

Não há metabólitos ativos

Efeitos colaterais

Mialgias; bradicardia/as- Bloqueio vagal (taquisistolia em crianças ou cardia), liberação de com dosagem repetida; catecolamina bloqueio de fase II

Bloqueio vagal com doses elevadas

Mínimos

Contraindicações (ou- Hipercalemia; HM, distras que não alergias trofia muscular, crianespecíficas) ças, up-regulation do receptor deficiência de pseudocolinesterase Comentários

3-OH, 17-OH pancurônio

Procedimentos cirúrgicos Nenhuma curtos ( 60 minutos); não recomendado para infusão contínua

Início de ação mais rápi- Acúmulo significativo, do, mais confiável para tendência a bloqueio intubação traqueal em residual (metabólito sequência rápida 3-OH)

5-10

Nenhuma

Não recomendado para Dor à injeção; ser administrado em facilmente cuidado intensivo (mioreversível com patia); reversível por sugammadex sugammadex (exceto (exceto nos Esnos Estados Unidos) tados Unidos)

DE50, dose eficaz 50%; SCh, succinilcolina; Panc, pancurônio; Vec, vecurônio; Roc, rocurônio; K, potássio; HM, hipertermia maligna. a Agentes atualmente usados nos Estados Unidos. Os dados são valores médios obtidos a partir da literatura publicada, presumindo que não existe potenciação decorrente de outros fármacos coadministrados (tais como anestésicos inalatórios voláteis), e os efeitos são mensurados junto ao músculo adutor do polegar. Outros fatores, tais como a temperatura muscular, modo de monitoração da resposta evocada, tipo ou local da monitoração muscular, afetarão os dados.

190

Fundamentos de anestesiologia clínica

VÍDEO 11.1 Fasciculações após administração de succinilcolina

B. Características do bloqueio despolarizante Tal como acontece com todos os BNMs, o aumento da dose de SCh leva a uma diminuição progressiva da força da contração muscular (ES). No entanto, a resposta à estimulação repetitiva (TOF e estímulo tetanico, ver a seguir) é mantida (não ocorre fadiga), pois a SCh não tem afinidade pelos receptores nicotínicos pré-sinápticos (neuronais), embora ocorra redução progressiva, mas equivalente na força das contrações. Além disso, após um breve período de estimulação de alta frequência (tetania), não há qualquer aumento ou amplificação da força ou contrações musculares subsequentes (não ocorre potenciação pós-tetânica). Grandes doses ( 10 vezes a DI 95) ou exposição prolongada ( 30 minutos) à SCh ou presença de colinesterases plasmáticas anormais (atípicas) (pseudocolinesterase/deficiência de butirilcolinesterase) podem levar a bloqueio duplo (ou fase II, ou adespolarizante). Esse fenômeno é caracterizado pela fadiga das respostas à estimulação repetida e amplificação das respostas musculares após estimulação de alta frequência (potencialização pós-tetânica), lembrando padrão do bloqueio adespolarizante.

C. Farmacologia da succinilcolina

Quase 90% da dose intravenosa de SCh é hidrolisada no plasma antes de alcançar a junção neuromuscular.

O início da ação da SCh nos músculos periféricos (tais como o músculo adutor do polegar [MAP]) é mais rápido do que qualquer um dos BNMs (1-2 minutos). Sua DE95 é de aproximadamente 0,30 mg/kg e, com doses de 1 a 1,5 mg/kg (3 a 5 × DE95), a DUR 25% da SCh é de 10 a 12 minutos, mas se prolonga para mais de 15 minutos com doses maiores. Apesar da paralisia do MAP, o diafragma (e outros músculos centrais) começam a se contrair, e a respiração espontânea pode retornar cinco minutos depois da administração de 1 mg/kg de SCh. A SCh é mais comumente administrada por via intravenosa (IV), mas foram relatadas administrações intraósseas, intralinguais e intramusculares se não for possível estabelecer um acesso IV. O início da ação é retardado, particularmente com a administração intramuscular. A hidrólise da SCh pela pseudocolinesterase (também conhecida como butirilcolinesterase ou colinesterase plasmática) ocorre no plasma.

D. Efeitos colaterais A SCh pode induzir bradicardia significativa e assistolia, especialmente em crianças ou após repetição de dose. Batimentos ventriculares prematuros também são comuns. Os efeitos cardíacos podem ser atenuados por meio de pré-tratamento com anticolinérgicos. Contrações musculares desorganizadas (fasciculações) são muito comuns após a administração de SCh (em 80-90% dos pacientes). Mialgias também são muito comuns 1 a 2 dias após a cirurgia (em 50-60% dos pacientes). As fasciculações foram consideradas como uma possível etiologia para a mialgia, mas revisões sistemáticas não estabeleceram uma relação clara. Um pré-tratamento “desfasciculante” com uma pequena dose de BNM adespolarizante (10% DE95) é algumas vezes usado para reduzir a incidência de fasciculações e mialgia. No entanto, essa técnica pode aumentar o risco de regurgitação e aspiração pulmonar em decorrência da paralisia parcial dos músculos faríngeos. Além disso, em decorrência da grande variabilidade individual, o pré-tratamento pode ser ineficaz em alguns pacientes. Se o pré-tratamento for usado, a dose necessária de SCh deve ser aumentada (até 2 mg/kg). A profilaxia mais eficaz para a mialgia sem o uso de BNMs adespolarizantes é o pré-tratamento com fármacos anti-inflamatórios não esteroides (p. ex., ácido acetilsalicílico ou diclofenaco), que apresenta um número necessário para tratar (NNT) de 2,5. Embora a SCh possa aumentar a pressão intragástrica, o tônus do esfíncter esofágico inferior também é aumentado, de modo que o gradiente de pressão intragástrica-esofágica permanece inalterado. Assim, não há aumento do risco de aspiração decorrente do uso de SCh. A pressão intraocular (PIO) também aumenta com o uso de ACh (com

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

um aumento de até 15 mmHg); o pré-tratamento não atenua esse aumento da PIO. No entanto, apesar dos temores de que esse aumento da PIO induzido pela SCh possa induzir a extrusão dos conteúdos oculares em pacientes com uma lesão “de globo aberto”, a prática clínica em milhares de pacientes não relatou essa complicação. A SCh pode provocar aumento da pressão intracraniana, e esse aumento é atenuado pela defasciculação. Níveis inadequados de anestesia durante a laringoscopia e intubação traqueal, no entanto, são os principais fatores que levam à elevação da pressão intracraniana. Embora a administração de SCh induza uma elevação do nível plasmático de potássio de 0,5 mEq/L, a hipercalemia grave com parada cardíaca associada foi relatada apenas em casos nos quais havia uma proliferação de receptores nicotínicos imaturos (ver “Up e down-regulation de receptores”). Particularmente importante é a associação entre as miotonias pediátricas e as distrofias musculares com a administração de SCh, levando à hipercalemia fatal e rabdomiólise. Por isso, o Food and Drug Administration dos EUA emitiu um aviso de tarja preta para o uso de SCh, e os médicos devem reservar sua utilização em crianças para a intubação traqueal de emergência. A SCh também pode desencadear uma hipertermia maligna (HM) letal, especialmente em pacientes anestesiados com anestésicos voláteis (ver Apêndice G). Alguns pacientes (adultos e crianças) podem apresentar espasmo do músculo masseter após a administração de SCh, dificultando a intubação. Em alguns casos, especialmente em pacientes pediátricos, o espasmo do masseter está associado com HM. A SCh pode produzir reações alérgicas (anafilaxia) em 1 a cada 10 mil administrações, sendo mais frequente do que qualquer outro fármaco anestésico.

E. Usos clínicos A SCh está indicada para a obtenção rápida de condições de intubação ideais e para a prevenção de regurgitação e aspiração pulmonar do conteúdo gástrico em paciente de risco (aqueles que não estão em jejum, com gastroparesia ou obstrução gastrintestinal) em um cenário de indução/intubação em sequência rápida. Nesse contexto, a SCh é o fármaco que mais se aproxima do BNM “ideal”: ela tem a duração clínica mais curta (5-10 minutos com uma dose de 1 mg/kg), de modo que a maioria dos pacientes apresentará algum retorno da função diafragmática antes que ocorra uma hipóxia significativa induzida pela apneia. A SCh tem um tempo de latência mais curto (1 minuto na dose de 1,5 mg/kg) e tem a mais alta confiabilidade e os menores índices de falha (pacientes cujas condições de intubação não são boas no momento da intubação). Em indivíduos obesos que necessitam de indução/intubação em sequência rápida, a dose de SCh deve ser calculada com base no peso corporal real em vez de no peso corporal ideal. Crianças são mais resistentes do que adultos para as ações da SCh, e a dose-padrão (ver “Efeitos colaterais”) é de 1,5 a 2 mg/kg (até 2 mg/kg em lactentes).

F. Contraindicações para o uso da succinilcolina O uso de SCh está contraindicado em pacientes (e seus familiares) com uma história de HM. O risco de uma HM com a administração de SCh (versus sem SCh) é 20 vezes maior quando ela é combinada com a administração de anestésicos voláteis (2). Outros cenários nos quais a SCh está contraindicada incluem os estados de up-regulation do receptor como nos pacientes de cuidados intensivos ou aqueles imobilizados por períodos prolongados (p. ex., semanas) e pacientes com deficiência de pseudocolinesterase devido ao risco potencial de hipercalemia letal. Aproximadamente 1 em cada 25 pacientes pode ser heterozigoto e 1 em cada 2.500 indivíduos pode ser homozigoto para o gene da colinesterase plasmática atípica, podendo necessitar de ventilação mecânica pós-operatória prolongada (horas). Em pacientes com insuficiência renal, a SCh pode ser administrada se o K plasmático não estiver elevado. Hipercalemia letal após a administração de SCh foi relatada em pacientes gravemente acidóticos e hipovolêmicos.

191

192

Fundamentos de anestesiologia clínica

IV. Agentes bloqueadores neuromusculares adespolarizantes A. Características do bloqueio adespolarizante Os BNMs adespolarizantes competem com a ACh para a ligação com uma ou ambas subunidades  dos receptores nicotínicos. Com a estimulação repetitiva com frequências entre 0,1 e 2 Hz durante um bloqueio parcial, desenvolve-se a fadiga da contração muscular (desvanecimento). O grau de fadiga pode ser determinado por meio de uma sequência de quatro estímulos liberados a uma frequência de 2 Hz, calculando a razão entre a amplitude da quarta resposta (T4) e a amplitude da primeira resposta (T1). Essa razão é a proporção train-of-four (TOF) ou T4/T1. Outra característica do bloqueio adespolarizante é a amplificação transitória das respostas após um período de cinco segundos da estimulação tetânica (potenciação pós-tetânica [PTP, do inglês posttetanic potentiation] ou facilitação), que dura cerca de 2 a 3 minutos após a estimulação tetânica. Diferentemente do bloqueio despolarizante, que é potencializado pela administração de anticolinesterases, o bloqueio adespolarizante pode ser antagonizado por esses agentes desde que a profundidade do bloqueio no momento da reversão não seja excessiva.

B. Farmacologia dos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes Os BNMs adespolarizantes podem ser classificados como de ação longa, intermediária e curta, e a duração de sua ação depende do metabolismo, da redistribuição e da eliminação (Tabs. 11.1 e 11.2; Figs. 11.3 e 11.4). Também podem ser classificados de acordo com sua estrutura química como benzilisoquinolínico (atracúrio, cisatracúrio, mivacúrio) ou como compostos aminoesteroides (pancurônio, rocurônio, vecurônio). Os BNMs adespolarizantes quase sempre são administrados por via intravenosa. A injeção intramuscular leva a um início de ação muito lento e variável. Uma vez que têm carga positiva, os BNMs adespolarizantes são distribuídos principalmente no líquido

Bloqueio adespolarizante = Acetilcolina = Agente adespolarizante

Ca+2 K+

α

α

α

α

α

α

Músculo pós-sináptico

FIGURA 11.4

Efeitos de um bloqueio adespolarizante (competitivo) na junção neuromuscular.

Capítulo 11 TABELA 11.2

Agentes bloqueadores neuromusculares

193

Regimes de dosagem e características de agentes bloqueadores musculares adespolarizantes benzilisoquinolínicos

Agentea

Atrac

Cisatrac

Tipo (duração)

Intermediário

Intermediário

Potência: DE95 (mg/kg)

0,25

0,05

Dose de intubação (mg/kg)

0,5

0,15

Tempo de início da ação (min)

3-4

5-7

Duração clínica (min)

30-34

35-50

Índice de recuperação (IR25-75) (min)

10-15

12-15

Dose de manutenção (mg/kg)

0,1

0,01

Dose de infusão (␮g/kg/min)

10-20

1-3

Via de eliminação

Renal 10%; Hoffmann 30%; hidrólise por éster 60%

Hoffmann 30%; hidrólise por éster 60%

Metabólitos ativos

Não há metabólitos ativos

Não há metabólitos ativos

Efeitos colaterais

Liberação de histamina, produção de laudanosina e acrilatos

Nenhum; liberação de histamina com altas doses

Contraindicações (outras que não alergia específica)

Pacientes hemodinamicamente instáveis

Nenhuma

Comentários

Eliminação independente de órgão

Níveis irrelevantes de histamina, laudanosina e acrilato

DE95, dose eficaz 95%; Atrac, atracúrio; Cisatrac, cisatracúrio. a Agentes atualmente usados nos Estados Unidos. Os dados são valores médios obtidos a partir da literatura publicada, presumindo que não existe potenciação decorrente de outros fármacos coadministrados (tais como anestésicos inalatórios voláteis), e os efeitos são mensurados junto ao músculo adutor do polegar. Outros fatores, tais como a temperatura muscular, modo de monitoração da resposta evocada, tipo ou local da monitoração muscular, afetarão os dados.

extracelular (LEC). Assim, pacientes com insuficiência renal ou hepática (que apresentam um aumento de LEC) podem necessitar de doses iniciais mais elevadas.

C. Início e duração da ação O início da ação dos BNMs adespolarizantes geralmente depende da potência; agentes menos potentes tais como o rocurônio (DE95 de 0,3 mg/kg) têm mais moléculas por dose equivalente do que um BNM potente como o vecurônio (DE95 de 0,05 mg/kg). Assim, uma dose DE95 de rocurônio terá seis vezes mais moléculas do que uma dose equipotente de vecurônio, e a concentração plasmática de rocurônio será maior do que a de vecurônio. Essa diferença maior de concentração entre o plasma e a biofase explica parcialmente o início de ação mais rápido do rocurônio. Um gradiente de concentração similar no plasma ou biofase pode ser alcançado com a administração de seis vezes a DE95 de vecurônio, por exemplo. Embora isso acelere o início de ação, uma dose muito maior também prolongará acentuadamente a duração total da ação. Geralmente, uma dose de 2 a 3 vezes DE95 de um BNM adespolarizante é usada para facilitar a intubação traqueal.

D. Agentes adespolarizantes O pancurônio é um dos mais antigos BNMs adespolarizantes. Sua DUR 25% frequentemente é superior a 1 a 2 horas, mas pode ser prolongado ainda mais na insuficiência hepática ou após administrações repetidas (Tab. 11.1; Fig. 11.3). O pancurônio

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Fundamentos de anestesiologia clínica

O pancurônio, um agente de longa duração, tem uma alta predileção para acumular porque seu principal metabólito, o 3-OH-pancurônio, tem 50% da potência do composto de origem.

O metabólito vecurônio (3-desacetil) tem 60% da potência do composto de origem. Ele se acumula com doses elevadas ou repetidas em pacientes de terapia intensiva e provavelmente é responsável pela paralisia persistente em indivíduos gravemente enfermos.

tem efeitos vagolíticos, bem como efeitos simpaticomiméticos diretos; ele bloqueia a recaptação pré-sináptica da noradrenalina. Devido a sua alta potência, o fármaco apresenta lento início de ação (bloqueio neuromuscular), de modo que geralmente são necessárias doses  2 × DE95 para que a intubação seja possível em  5 minutos. Tradicionalmente, o pancurônio foi usado em cirurgia cardíaca porque seus efeitos vagolíticos neutralizam os efeitos bradicárdicos associados às técnicas anestésicas com altas doses de opioides. Na atualidade, muitos médicos consideram o uso de pancurônio obsoleto em decorrência do risco de fraqueza neuromuscular residual pós-operatória significativa. O vecurônio é um BNM de duração intermediária e desprovido de efeitos cardiovasculares; como é mais potente do que o rocurônio, seu início de ação é mais lento (Tab. 11.1; Fig. 11.3). O vecurônio precipita nas extensões venosas se for administrado imediatamente após o tiopental, mas não precipita após a administração de propofol. Desde a introdução do rocurônio, o vecurônio não é mais recomendado para indução/ intubação em sequência rápida. O rocurônio é estruturalmente similar ao pancurônio e vecurônio (Tab. 11.1; Fig. 11.3). Devido a sua baixa potência, a alta concentração plasmática alcançada após a administração de bólus diminui rapidamente, de modo que a duração de sua ação em pacientes com função renal e hepática normal é determinada principalmente por sua redistribuição e não por sua eliminação. Diferentemente do vecurônio, os metabólitos do rocurônio são mínimos, com baixa atividade de bloqueio neuromuscular (17-OH rocurônio), de modo que o risco de acúmulo é mínimo. Na grande maioria dos casos, ele substituiu o uso de SCh no cenário clínico de indução/intubação em sequência rápida. Em doses de 3,5 a 4 × DE95, o início da ação fica muito parecido com o da SCh, apresentando condições de intubação similares (3). A DUR 25%, no entanto, é de 50 a 70 minutos com essas doses. Similar ao vecurônio, o rocurônio é hemodinamicamente estável, não libera histamina e foram documentadas poucas reações alérgicas (semelhantes a todos os BNMs aminoesteroides). Relatórios provenientes da Europa sugerem que a incidência de anafilaxia após administração de rocurônio pode ser mais elevada do que com outros BNMs. Essa propensão tem sido atribuída à sensibilização a um medicamento antitussígeno, a folcodina, que anteriormente estava disponível em alguns países europeus. A potência parece ser maior em mulheres do que em homens e em pacientes norte-americanos, em comparação com pacientes europeus. Na população pediátrica, o início e a duração da ação são mais curtos, e as doses necessárias são ligeiramente mais elevadas. Devido a seu rápido início de ação, o rocurônio pode ser usado em doses elevadas (1,2 mg/kg) em um cenário clínico de indução/intubação em sequência rápida, particularmente em pacientes nos quais o uso de SCh está contraindicado. Deve-se notar, no entanto, que, embora o tempo médio de latência a essa dose se aproxime do tempo médio de latência da SCh (60 segundos), a variabilidade do início da ação é maior com rocurônio, por isso é mais provável que alguns poucos pacientes possam apresentar condições de intubação ruins no momento da tentativa de laringoscopia. Também deve ser lembrado que, após doses elevadas, a DUR 25% é significativamente prolongada ( 60 minutos), e a ventilação espontânea (diafragmática) não pode ser retomada para a manutenção da oxigenação em um cenário “não intuo/não ventilo”. Em tais situações de emergência, a administração de uma dose elevada (16 mg/kg) de sugammadex (ver a seguir) pode salvar a vida desde que a ventilação espontânea não tenha sido suprimida pela administração de opioides ou anestésico. O atracúrio é um composto benzilisoquinolínico da família do curare, sendo composto por uma mistura de isômeros ópticos (Tab. 11.2; Fig. 11.3). Ele utiliza, como a maioria dos compostos isoquinolínico, uma via metabólica dupla: uma degradação não

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

enzimática que é diretamente proporcional à temperatura e pH (reação de Hoffmann) e uma via secundária que envolve hidrólise por esterases plasmáticas inespecíficas. Na dose-padrão para intubação traqueal (2 × DE95), o atracúrio tem um início de ação relativamente longo (3-5 min). Esse início de ação pode ser reduzido pelo aumento da dose, mas, acima desse nível (0,5 mg/kg), o atracúrio induz a liberação de histamina, resultando em rubor cutâneo, taquicardia e hipotensão. A DUR 25% é intermediária (30-45 minutos) e similar aos demais agentes de duração intermediária, mas é ligeiramente mais previsível, provavelmente devido à dupla via metabólica. Ao contrário dos BNMs aminoesteroides, a potência do atracúrio é similar para homens e mulheres e praticamente não é afetada pela idade ou insuficiência de órgãos. Foram relatadas reações alérgicas com a mesma frequência dos outros compostos benzilisoquinolínicos. Os produtos de decomposição da laudanosina e acrilatos não têm importância clínica. O cisatracúrio foi desenvolvido na tentativa de reduzir a propensão para a liberação de histamina (Tab. 11.2; Fig. 11.3). É um cis-isômero potente do atracúrio, portanto seu tempo de latência é maior do que o do atracúrio. Como se administra cinco vezes menos cisatracúrio do que atracúrio, ele não induz a liberação de histamina. O metabolismo é semelhante ao do atracúrio e, em decorrência da dupla via de eliminação que independe dos órgãos e devido a sua estabilidade hemodinâmica, o cisatracúrio é preferido para uso em cenários que envolvem cuidados intensivos. A incidência de reações anafiláticas é semelhante à do atracúrio.

V. Interações medicamentosas A. Efeitos aditivos e sinérgicos Os BNMs adespolarizantes podem apresentar efeitos aditivos ou sinérgicos quando combinados. Normalmente, a combinação de dois fármacos quimicamente semelhantes e com duração de ação similar (p. ex., atracúrio e cisatracúrio) resulta em uma interação aditiva da potência sem efeito sobre a duração total. Quando fármacos de classes diferentes são combinados (p. ex., cisatracúrio e rocurônio), os efeitos em termos de dose total são sinérgicos. Por exemplo, a DE25 do rocurônio somado a DE25 do cisatracúrio terá um efeito de uma DE95. A combinação de fármacos diferentes e com durações de ação diferentes é um caso especial de interação. Quando um fármaco de duração intermediária (vecurônio) é administrado durante o período de recuperação de um bloqueio por fármaco de longa ação (pancurônio), a recuperação seguirá a duração do agente de longa ação (pancurônio). Por outro lado, quando o pancurônio é administrado durante a recuperação do vecurônio, a recuperação do pancurônio será mais curta, similar à do vecurônio. Esse paradoxo aparente deve-se ao fato de que a recuperação sempre será a do fármaco que bloqueou a maioria (70-90%) dos receptores (dose de carga do fármaco). Em comparação, a dose de manutenção do segundo fármaco é muito pequena e bloqueia apenas uma pequena porcentagem (10-15%) dos receptores livres. Assim, as características predominantes da recuperação serão aquelas do fármaco mais abundante.

B. Antagonismo A adição de BNMs despolarizantes e adespolarizantes resulta em um antagonismo mútuo. Por exemplo, doses desfasciculantes de um BNM adespolarizante antes da administração de SCh aumentará a dose necessária e encurtará a duração da ação da SCh.

C. Potenciação Agentes anestésicos inalatórios potencializam o bloqueio neuromuscular (desflurano  sevoflurano  isoflurano  halotano  óxido nitroso), provavelmente por meio de efeitos diretos nos receptores pós-juncionais. Alta concentração (concentração alveolar

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O metabolismo do atracúrio se dá pelas mesmas enzimas que degradam o esmolol e o remifentanil.

196

Fundamentos de anestesiologia clínica mínima) e maior exposição ao agente potencializam o bloqueio neuromuscular em maior extensão. O agente propofol, administrado por via intravenosa, não tem efeito sobre a transmissão neuromuscular. Os anestésicos locais potencializam os efeitos dos BNMs despolarizantes e adespolarizantes, mas são insuficientes para reduzir significativamente o tempo de latência; no entanto, a duração da ação da maioria dos BNMs é prolongada. Os antibióticos de nova geração têm pouca ou nenhuma propensão para prolongar os efeitos dos BNMs. Antibióticos mais antigos, como a estreptomicina e neomicina, que são conhecidos como depressores da função neuromuscular, são raramente usados atualmente, e os aminoglicosídeos têm efeitos limitados. Hipercarbia, acidose e hipotermia, no entanto, podem potencializar ainda mais os efeitos depressivos dos antibióticos em pacientes gravemente enfermos. Em pacientes que recebem administração aguda de anticonvulsivantes (fenitoína, carbamazepina), ocorre uma potencialização do bloqueio neuromuscular, enquanto a administração crônica reduz significativamente a duração da ação dos aminoesteroides e tem pouco efeito sobre os compostos benzilisoquinolínicos. Os antagonistas dos receptores β e do canal de cálcio têm efeitos insignificantes sobre os BNMs, mas a efedrina, provavelmente por aumentar o débito cardíaco, demonstrou acelerar o início da ação do rocurônio. Os corticosteroides, particularmente quando administrados por períodos prolongados em pacientes críticos em associação com os BNMs, aumenta acentuadamente o risco de miopatia (em até 50% dos pacientes submetidos à ventilação mecânica e que recebem ambos os fármacos).

VI. Respostas alteradas a agentes bloqueadores neuromusculares Múltiplos fatores afetam a farmacocinética de todos os fármacos, incluindo os BNMs. A hipotermia intraoperatória prolonga a duração dos BNMs pela diminuição da sensibilidade do receptor e da mobilização de ACh, reduzindo a força de contração muscular e também o metabolismo renal e hepático, bem como a via de degradação de Hoffmann (prolongando a ação dos fármacos benzilisoquinolínicos, atracúrio e cisatracúrio). O envelhecimento traz consigo uma redução da água corporal total e da concentração sorológica de albumina, reduzindo o volume de distribuição dos BNMs. A redução da função cardíaca, da taxa de filtração glomerular e do fluxo sanguíneo hepático diminuem a taxa de eliminação dos BNMs (especialmente dos compostos esteroides pancurônio, vecurônio e rocurônio). O desequilíbrio acidobásico e eletrolítico afeta a duração da ação dos BNMs, bem como seu metabolismo e eliminação. A hipocalemia potencializa o bloqueio adespolarizante e reduz a eficácia dos anticolinesterásicos (neostigmina) na antagonização do bloqueio adespolarizante. A hipermagnesemia prolonga a duração da ação dos BNMs por meio da inibição dos canais de Ca2 (pré e pós-sinapticamente). A acidose interfere com os efeitos dos anticolinesterásicos na reversão do bloqueio adespolarizante. A hipercarbia também leva à acidose e interfere com o antagonismo do BNM. A disfunção orgânica (além das alterações induzidas pelo envelhecimento) afeta todos os BNMs. Todos os fármacos com metabolismo hepático e renal significativo (aminoesteroides) estarão afetados, e sua duração de ação será prolongada pela disfunção hepática e renal. Por essa razão, os BNMs da classe benzilisoquinolínicos são preferidos em pacientes com disfunção orgânica (tais como pacientes gravemente enfermos na Unidade de Tratamento Intensivo), pois a degradação não enzimática de Hoffman é menos dependente da função orgânica normal.

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

VII. Monitoração do bloqueio neuromuscular A. Monitoração e razão risco-benefício A introdução dos BNMs na medicina clínica (curare em 1942 e succinilcolina em 1949) facilitou grandes avanços em anestesiologia. Apesar dos enormes avanços proporcionados pelos BNMs, esses agentes também apresentam suas complicações. Reações alérgicas e anafilaxia (com uma incidência de 1 em 6 mil – 20 mil administrações, dependendo do BNM), embora raras, são problemas significativos. O uso de BNMs sem a capacidade de assegurar a patência da via aérea pode ser letal, e uma minoria substancial (30-40%) dos pacientes que recebem BNMs apresenta fraqueza neuromuscular residual significativa no pós-operatório (denominada erroneamente de curarização residual, uma vez que o curare não é mais usado). Tendo em vista que existem mais de 230 milhões de grandes cirurgias realizadas a cada ano em todo o mundo, o número de pacientes expostos a complicações potenciais é enorme, e um monitoramento adequado é uma questão importante na segurança do paciente. Além do custo dos monitores e do material descartável relacionado (eletrodos), não existem complicações potenciais significativas da monitoração da função neuromuscular, de modo que a relação risco-benefício é fortemente favorável à monitoração. Diversas organizações anestesiológicas ao redor do mundo publicaram recentemente as diretrizes de melhores práticas que incluem a monitoração neuromuscular de rotina.

B. Características de estimuladores nervosos e monitores neuromusculares A monitoração envolve a estimulação de um nervo periférico e a avaliação da resposta (contração ou twitch) do músculo inervado. Os estimuladores de nervos têm sido usados há mais de 60 anos. Geralmente são unidades portáteis operadas por bateria que fornecem o estímulo por meio de fios conectados a eletrodos de superfície (pele). Os estimuladores de nervos (Fig. 11.5) não devem ser confundidos com monitores neuromusculares. Os monitores não proporcionam apenas a estimulação

FIGURA 11.5 Estimulador de nervos usado comumente na prática clínica, com os seguintes modos de estimulação: estimulação simples, salva dupla (double burst) e TOF (train-of-four). (http:// www.medline.com/product/SunStim153-Plus-by-Sun-Medical/Machines/Z05-PF60828)

197

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Fundamentos de anestesiologia clínica do nervo, mas também medem a resposta muscular evocada por meio de diferentes tecnologias. Os monitores neuromusculares são dispositivos manuais alimentados por baterias, ou podem ser incorporados às estações de trabalho da anestesia na forma de módulos. Os estimuladores de nervos (e as unidades de simulação dos monitores neuromusculares) liberam correntes com variações entre 0 a 70 mA. A corrente deve ser constante ao longo da duração do impulso (o qual é de pelo menos 100 ms para garantir a despolarização de todas as terminações nervosas, mas  300 ms para evitar que se exceda o período refratário do nervo), e o impulso deve ser de onda quadrada. A corrente é liberada pelos eletrodos estimuladores superficiais (pele) que tem uma interface de cloreto de prata com a pele, reduzindo sua resistência. Os eletrodos de superfície são os preferidos em relação aos eletrodos transcutâneos de agulha, invasivos. A área de superfície ideal é circular, com um diâmetro de 7 a 8 mm; essa área fornece densidade de corrente suficiente para despolarizar os nervos periféricos. A pele pode ter uma resistência muito alta (até 100.00 ohms), e a “limpeza” da pele (isto é, colocar os eletrodos sobre a pele esfolada e limpa, permitindo que o gel de cloreto de prata possa penetrar nela por pelo menos 15 minutos) diminuirá a resistência para valores abaixo de 5.000 ohms, garantindo a liberação de uma corrente máxima constante.

C. Modalidades de monitoração Os primeiros estimuladores de nervos liberavam estímulos simples repetitivos com frequências entre 0,1 a 10 Hz. A resposta muscular era de uma contração simples (twich) para cada estímulo (Fig. 11.6). A frequência da estimulação não pode ser  0,1 Hz (1 estímulo) para não ocorrer fadiga muscular. Para medir o grau de bloqueio neuromuscular, a intensidade da corrente é aumentada progressivamente (antes da administração de BNM), partindo de 0 mA em incrementos de 5 a 10 mA. A amplitude da resposta muscular evocada é registrada ao longo do tempo e tem uma forma sigmoidal. Uma vez que a amplitude da resposta muscular não aumenta à medida que a intensidade da corrente aumenta, a resposta é máxima e a corrente necessária é denominada corrente máxima. O aumento do valor da corrente 20% acima da máxima assegura que todos os músculos inervados despolarizarão, apesar das alterações na resistência cutânea ao longo do tempo. Isso é denominado corrente supramáxima. Como é necessário um valor de controle basal para comparar a força de contração ao

Estímulo simples (ES) 100%

Resposta evocada

1 segundo ou 10 segundos

Estímulo TC

T1

T1

Razão T1/TC = 1

FIGURA 11.6

Estimulação nervosa por estímulo simples.

T1

T1

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

Train-of-four (TOF) 100%

Resposta evocada

500 milissegundos

Estímulo (mA) T1

T2

T3

T4

Razão T4/T1 = 1

A Train-of-four (TOF)

100%

Bloqueio parcial

Resposta evocada

500 milissegundos

50%

Estímulo (mA) T1

T2

T3

Razão T4/T1 = 0,5

T4 0,5

B FIGURA 11.7 A. Após a estimulação train-of-four (TOF), observa-se o valor da razão TOF basal (T4/T1 = 1,0). B. Após a administração de um agente bloqueador neuromuscular adespolarizante, a estimulação TOF evidencia depressão da resposta (T4/T1 = 0,5)

longo do tempo, essa modalidade (ES) é usada clinicamente para determinar o início do bloqueio neuromuscular, não a recuperação. A estimulação TOF foi introduzida clinicamente em 1971 e consiste em quatro estímulos simples sequenciais (denominados T1, T2, T3 e T4) liberados a uma frequência de 2 Hz (Fig. 11.7 A, B). Cada estímulo é liberado a cada 15 a 20 segundos. A razão TOF é calculada dividindo-se a amplitude T4 pela amplitude T1. A razão do controle TOF (antes da administração de BNM) é 1 (100%). Durante um bloqueio parcial adespolarizante, a proporção diminui progressivamente enquanto o grau do bloqueio aumenta. O TOF tem muitas vantagens sobre a monitoração ES: com estimulação supramáxima, as amplitudes T1 e ES são as mesmas, de modo que o TOF não requer uma medida da linha de base – então, todas as respostas subsequentes são medidas como uma fração de T1. Ao induzir as quatro respostas, o médico algumas vezes é capaz de acessar o grau de decaimento subjetivamente por meios visuais ou táteis, ou, mais confiavelmente, por meio de contagem do número de respostas evocadas (contrações) de TOF (contagem TOF). Além disso, a proporção TOF permanece

199

200

Fundamentos de anestesiologia clínica Tetania (TET) Não bloqueado

Resposta evocada

Contração sustentada

Estímulo (mA) S1

50 Hz, 5 segundos S5/S1 (TET) Razão = 1

S5 1,0

1,0

A Tetania (TET) Bloqueio parcial

100% Resposta evocada

50%

Fadiga da contração

Estímulo (mA) S1

50-Hz, 5 segundos Razão S5/S1 (TET) = 0,5

S5 0,5

0,5

B FIGURA 11.8 A. Após a estimulação tetânica, na linha base, não se observa fadiga. B. Após a administração de um agente bloqueador neuromuscular, observa-se fadiga (0,5) após a eso timulação tetânica. (S1, S5 = a razão da amplitude no final do 5 segundo / a amplitude no início o do 1 segundo.)

A fadiga do TOF em resposta aos BNMs adespolarizantes corresponde à fadiga da estimulação tetânica.

consistente ao longo de uma variação de correntes estimulantes, de modo que pode ser usada para medir o grau de recuperação neuromuscular em pacientes em recuperação de anestesia (correntes de 20 a 30 mA não estão associadas com o alto grau de desconforto da estimulação supramáxima, de 60 a 70 mA). A estimulação tetânica (tetania) descreve a estimulação repetitiva a uma frequência  30 Hz (Fig. 11.8 A, B). Abaixo desse limiar, as estimulações nervosas repetitivas resultam em contrações individuais rápidas. Com frequências acima de 30 Hz, as respostas musculares se fundem em uma contração sustentada. A contração voluntária máxima é de aproximadamente 60 Hz, de modo que frequências acima desse nível são suprafisiológicas e podem resultar em fadiga da contração muscular, mesmo na ausência de BNMs. A tetania foi estudada extensivamente em durações de cinco segundos, de modo que os médicos sempre devem usar durações de cinco segundos para avaliar a função neuromuscular. Quando testada durante o bloqueio parcial adespolarizante, a estimulação tetânica de alta frequência causará um aumento temporário na quantidade

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

201

Contagem pós-tetânica (CPT)

Resposta evocada

Resposta não TOF ou tetânica 3 segundos

0 1 2 3 4

Estímulo (mA)

50-Hz, 5 segundos

ES em 1/segundo

Tetania

CPT = 4

TOF

FIGURA 11.9 Contagem pós-tetânica (CPT). O número de contrações pós-tetânicas é inversamente relacionado ao grau do bloqueio neuromuscular.

de ACh liberada, de modo que as respostas subsequentes aumentarão transitoriamente (contagem pós-tetânica [CPT]). Dependendo da frequência tetânica, esse período de respostas potencializadas pode durar 1 a 2 minutos após um estímulo de cinco segundos, com uma tetania 50 Hz ou três minutos após uma tetania 100 Hz. A CPT pode ser usada para avaliar o grau do bloqueio quando não há respostas de simulação TOF (i.e., quando a contagem TOF é 0). A contagem pós-tetânica (CPT), que é usada durante períodos de bloqueio profundo, consiste em um estímulo tetânico de cinco segundos, a 50 HZ, seguido após 3 segundos por uma série de 15 a 30 ES a uma frequência de 1 Hz (Fig. 11.9). O número de contrações pós-tetânicas é inversamente proporcional à profundidade do bloqueio: quanto menor for o número de contrações pós-tetânicas, maior será a profundidade do bloqueio. Os BNMs de ação intermediária necessitam de 20 a 30 minutos de intervalo entre a CPT igual a 1 até a recuperação de uma contagem TOF igual a 1 (4). Com a realização de dois (em vez de quatro) estímulos intensos (salvas mini-tetânicas) separados por 0,75 segundo, as duas respostas fundidas podem ser avaliadas como uma comparação direta em vez de comparar as quatro respostas de TOF à primeira. Essa modalidade é denominada estimulação em dupla salva (DBS 3,3, do inglês double burst stimulation) (Fig. 11.10A, B). Os números 3,3 significam que cada salva contém três estímulos a uma frequência de 50 Hz. Como as duas salvas individuais têm uma frequência tetânica, é necessário um período de recuperação mais longo (20 segundos) entre as estimulações DBS sucessivas. Usando DBS subjetivamente, os médicos são capazes de detectar fadiga quando o TOF é  0,6, representando uma melhoria em relação à detecção da fadiga do TOF subjetivamente. A relação entre a razão TOF e a razão DBS 3,3 é linear e idêntica entre 0,0 e 1,0. A fim de aumentar ainda mais a capacidade de detectar pequenos graus de fadiga, outro padrão de DBS usa apenas dois mini-estímulos tetânicos na segunda salva. Isso é denominado DBS 3,2, e a linha de controle de base da razão DBS 3,2 é 0,8 quando a razão TOF e a razão DBS 3,3 é 1,0.

D. Registro da resposta Existem diferentes modalidades para avaliar o grau do bloqueio neuromuscular: avaliação subjetiva e objetiva (4, 5). Há também diferentes tecnologias para medir a resposta evocada (avaliação objetiva). Os exames clínicos foram defendidos durante

A avaliação visual e tátil (subjetiva) da fadiga da estimulação TOF não apresenta acurácia para o reconhecimento de graus significativos do bloqueio residual (quando a razão TOF é  0,40).

Até mesmo o comumente usado teste de elevação da cabeça por cinco segundos tem o mesmo valor preditivo positivo (VPP) limitado dos demais testes clínicos (VPP ≤ 0,5). A maioria dos voluntários é capaz de manter a cabeça elevada por mais de cinco segundos a uma razão TOF de apenas 0,5.

Estima-se que a mortalidade pós-operatória está aumentada em 90 vezes em pacientes com paralisia residual que necessitam de reintubação traqueal de urgência e cuidados intensivos no pós-operatório.

202

Fundamentos de anestesiologia clínica

Estimulação double burst (DBS3,3) 100%

Não bloqueado

Resposta evocada 50 Hz

50 Hz 750 milissegundos

Estímulo (mA) D1

D2 1,0

1,0

Razão D2/D1 = 1

A Estimulação double burst (DBS3,3) 100%

Bloqueio parcial 50%

Resposta evocada 50-Hz

50-Hz 750 milissegundos

Estímulo (mA) D1

D2 0,5

0,5

Razão D2/D1 = 0,5

B FIGURA 11.10 A. Estimulação double burst (DBS 3,3). B. Proporção de estimulação double burst (DBS 3,3) = 0,5.

décadas; testes tais como força de preensão, capacidade vital, volume corrente ou levantamento da perna são pobres para detectar uma fadiga acima de 0,5. O melhor teste clínico, a capacidade para resistir a remoção de uma lâmina da língua com os dentes cerrados, não pode ser usado em pacientes intubados. Durante décadas, os investigadores demonstraram que, independentemente do BNM usado, mais de 40% dos pacientes manejados no intraoperatório por meio de critérios clínicos ou avaliação subjetiva tiveram paralisia residual (TOF  0,90) quando testados objetivamente em uma unidade de cuidados intensivos após a anestesia (6). Considerando que as complicações pulmonares pós-operatórias são relativamente comuns em pacientes com bloqueio neuromuscular residual, a monitoração objetiva da adequação da reversão antes da extubação traqueal é fortemente recomendada. A eletromiografia (EMG) é um dos métodos mais antigos para medida da transmissão neuromuscular. Para o monitoramento EMG, um nervo periférico (geralmente o nervo ulnar) é estimulado por meio de eletrodos superficiais (pele), e o potencial de ação gerado no músculo adutor do polegar (MAP) é determinado. A medida da resposta evocada envolve a área sob a curva do potencial de ação muscular, o pico até a linha de base ou a amplitude do sinal de pico a pico.

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

203

Adaptador do polegar

Sensor de temperatura

Eletrodos de estimulação

Monitor neuromuscular

FIGURA 11.11 Um acelerômetro posicionado (entre o polegar e indicador) para monitorar a resposta à estimulação do nervo ulnar do músculo do polegar e enviar informação a um monitor. Um sensor térmico foi incluído para assegurar a consistência da temperatura durante os períodos de medição.

A aceleromiografia (AMG) foi o método clínico mais usado para medir a função muscular nas últimas duas décadas (Fig. 11.11). A AMG consiste em um acelerômetro acoplado a um determinado músculo em movimento (geralmente o polegar), medindo a aceleração em resposta à estimulação do nervo (o nervo ulnar). Embora seja o monitor mais comumente usado, há vários limitadores importantes que o impedem de tornar-se o padrão de atendimento. A configuração AMG pode ser simples, mas é relativamente demorada se realizada de forma apropriada. O polegar deve poder se mover livremente durante a cirurgia, e o movimento do braço pode alterar o vetor da adução do polegar, necessitando de nova calibração. Os monitores AMG não podem ser usados em procedimentos que precisam que os braços do paciente estejam acomodados debaixo de campos cirúrgicos. Durante a recuperação do bloqueio neuromuscular, a razão TOF pode chegar a 140% da linha base, levando a um erro de 40% no cálculo da linha base. Modelos mais recentes estão empregando uma vetorização bidimensional e até mesmo triaxial para melhorar a consistência e a confiabilidade, mas a maior parte das limitações restantes permanece.

E. Sensibilidade muscular diferencial Sabe-se que os BNMs não afetam todos os músculos ao mesmo tempo, nem produzem a mesma profundidade de relaxamento. Também é importante notar que os BNMs são administrados para produzir boas condições de intubação, paralisia de pregas vocais, relaxamento de músculos abdominais ou imobilidade diafragmática. Também são monitorizados os músculos laríngeos, os músculos abdominais e o diafragma. Portanto, a compreensão da relação entre a resposta dos diferentes músculos aos efeitos dos BNMs é de grande importância. O músculo adutor do polegar (MAP) é mais comumente monitorado (subjetiva ou objetivamente). Sendo um músculo periférico, o tempo de início da ação no MAP é mais longo do que em músculos centralmente localizados, onde o fluxo sanguíneo (e a liberação do fármaco) é maior. Ao mesmo tempo, o MAP é mais sensível a BNMs

O músculo da sobrancelha, corrugador do supercílio, tem uma evolução temporal de recuperação similar à dos adutores laríngeos.

204

Fundamentos de anestesiologia clínica adespolarizantes, de modo que a recuperação está retardada em comparação com os músculos centrais (diafragma, músculos laríngeos). Mesmo a monitoração de músculos periféricos similares pode induzir a erro: a estimulação do nervo ulnar produz a flexão do quinto dedo, bem como a contração do MAP. No entanto, a recuperação da contração do quinto dedo ocorre mais rapidamente do que no MAP. Assim, tomar uma decisão clínica baseada na recuperação do quinto dedo superestimará o grau de recuperação em outros lugares. Quando os braços do paciente não estiverem disponíveis para a monitoração intraoperatória, os médicos devem monitorar os músculos faciais: a inervação do nervo facial e a avaliação das contrações dos músculos oculares, seja o orbicular do olho, seja o músculo corrugador do supercílio. No entanto, a evolução temporal da recuperação não é a mesma para esses dois músculos: o orbicular do olho move a pálpebra e tem uma evolução temporal similar à do MAP.

Colocação dos eletrodos Parar monitorar o MAP são colocados eletrodos estimuladores ao longo do nervo ulnar, na superfície palmar do antebraço. O eletrodo distal (negativo) é colocado a 2 cm da dobra do punho, e o eletrodo proximal (positivo) é colocado ao longo do nervo ulnar, 3 a 4 cm proximal ao eletrodo negativo. Uma prática clínica comum é colocar os eletrodos estimulantes na face e monitorar o músculo palpebral (músculo orbicular do olho). A colocação incorreta dos eletrodos na região temporal e mandibular inferior leva à estimulação muscular direta e avaliação falsa da recuperação neuromuscular. Na verdade, a prática clínica atual da monitoração de músculos oculares demonstrou resultar em risco cinco vezes maior de paralisia residual pós-operatória (7). A colocação dos eletrodos estimulantes apenas lateralmente ao olho ou ao longo do arco zigomático, como era feito mais comumente, pode ativar outros músculos faciais e confundir a avaliação. O nervo facial é melhor estimulado na porção anterior do processo mastoide, quando o nervo deixa o crânio, com o segundo eletrodo na região anterior da orelha. No entanto, mesmo com um posicionamento ideal do eletrodo, as respostas musculares podem ser evocadas a despeito de um bloqueio completo em decorrência da estimulação muscular direta. A estimulação do nervo tibial posterior ao longo do maléolo medial produz uma contração em flexão do hálux, que tem um tempo de latência similar ao MAP.

F. Aplicações clínicas O conhecimento do tempo de latência para início, duração e recuperação do bloqueio neuromuscular dos BNMs é importante para o cuidado ideal. Para avaliar a qualidade das condições de intubação, a monitoração dos músculos centrais (ou músculos periféricos com tempos de latência similares aos músculos centrais) é primordial. Quando a dose de BNM adespolarizante é suficientemente alta para compensar a resistência relativa dos músculos centrais, o início da ação nos músculos da laringe será mais rápido do que no MAP em decorrência do maior fluxo de sangue (e liberação do fármaco). Um desafio clínico especial se apresenta quando a cirurgia requer um nível profundo de bloqueio intraoperatório. Isso pode ser obtido com doses maiores de BNMs adespolarizantes, mas às custas de prolongar acentuadamente a duração do bloqueio e de aumentar a probabilidade de bloqueio neuromuscular residual e suas complicações. Quando é necessário um nível de bloqueio que impeça o movimento diafragmático, a profundidade do bloqueio pode ser monitorizada com a CPT – uma CPT de 1 ou 2 deve ser suficiente para a maioria das cirurgias. Por outro lado, a recuperação espontânea da contagem TOF de 2 ou 3 deve ter ocorrido antes de tentar a reversão farmacológica com anticolinesterásicos.

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

Pacientes submetidos a bloqueio intraoperatório profundo apresentam um risco maior para paralisia residual pós-operatória, que está associada com um risco aumentado de aspiração silente, hipoxemia, necessidade de intubação e permanência prolongada na unidade de cuidados pós-anestésicos (5). Estudos recentes demonstraram uma redução significativa na capacidade vital forçada e no pico de fluxo expiratório em pacientes em unidades de cuidados pós-anestésicos que receberam reversão farmacológica com agentes anticolinesterásicos quando já estavam aptos para a extubação traqueal.

VIII. Reversão do bloqueio neuromuscular A. Agentes anticolinesterásicos O bloqueio da degradação da ACh por meio da AChE resulta em um aumento do pool disponível de ACh na fenda sináptica e melhores chances de competir com o BNM adespolarizante, resultando em uma transmissão normal. Existem três inibidores da AChE (agentes anticolinesterásicos) disponíveis: neostigmina, edrofônio e piridostigmina. A sua duração de ação, em doses equivalentes, é similar (60-120 minutos), mas o início de ação é mais rápido para o edrofônio, sendo intermediário para a neostigmina e mais longo para a piridostigmina. O edrofônio é menos eficaz para reverter o bloqueio profundo do que a neostigmina e, por isso, é usado com pouca frequência. A neostigmina é o agente anticolinesterásico mais usado atualmente. Todos os inibidores da colinesterase, incluindo a neostigmina, bloqueiam a AChE em todas as sinapses colinérgicas e, portanto, têm efeitos parassimpáticomiméticos significativos. Por essa razão, esses agentes geralmente são administrados tanto com o glicopirrolato (preferido devido ao início de ação semelhante com a neostigmina) como com a atropina (que tem um início mais rápido de taquicardia de modo semelhante ao edrofônio, cruzando a barreira hematoencefálica). Todos os inibidores da colinesterase são compostos quaternários e não cruzam a barreira hematoencefálica. A neostigmina, como agente de reversão, apresenta efeito teto e pode ter sua capacidade de reversão do bloqueio neuromuscular limitada à função neuromuscular equivalente a uma razão TOF de 0,6 (8).

B. Fatores que afetam a reversão da neostigmina A taxa de recuperação proveniente da neostigmina depende de vários fatores. Quando administrada a um bloqueio profundo, tal como CTP de 1 ou 2, a duração da reversão induzida pela neostigmina pode ser  50 a 60 minutos. Em contraste, quando administrada a uma contagem TOF de 4, a reversão de TOF  0,90 pode levar apenas 15 a 20 minutos (embora possa demorar 60-90 minutos, especialmente na presença de anestésicos voláteis). Independentemente de quando administrada, a reversão induzida pela neostigmina sempre é mais rápida do que a recuperação espontânea. Doses maiores de neostigmina também serão mais eficazes do que doses mais baixas na reversão do bloqueio neuromuscular, desde que administrada dentro das doses nas quais a neostigmina é eficaz (i.e., em doses inferiores a 70 g/kg). Embora não haja nenhuma diferença na velocidade da recuperação induzida pela neostigmina entre os BNMs adespolarizantes de ação intermediária, a reversão é prolongada quando usada com agentes de longa ação, tal como o pancurônio. A idade também afeta a velocidade da reversão induzida pela neostigmina, sendo mais rápida (e provavelmente mais completa) em crianças do que em adultos e mais lenta nos idosos. Por fim, os fármacos e as condições que potencializam os efeitos dos BNMs adespolarizantes também prolongarão a recuperação induzida pela neostigmina; anestésicos voláteis, antibióticos, aminoglicosídeos, magnésio, opioides (pois induzem a hipercarbia e acidose) e a hipotermia.

205

A administração de doses de neostigmina acima de 70 g/kg não é recomendada, pois pode induzir uma disfunção neuromuscular. Quando a recuperação da função neuromuscular está quase completa, até mesmo a administração de pequenas doses de neostigmina (30 g/kg) pode levar a um colabamento das vias aéreas superiores e reduzir a atividade do músculo genioglosso, deixando o paciente suscetível à aspiração.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

C. Neostigmina: outros efeitos A neostigmina (e os outros anticolinesterásicos) induzem a estimulação vagal, de modo que agentes anticolinérgicos geralmente também são administrados. A atropina tem um início de ação mais rápido do que o glicopirrolato, produz mais taquicardia e cruza a barreira hematoencefálica. Por essas razoes, o glicopirrolato geralmente é o fármaco escolhido. Seu início de ação é mais lento e induz uma resposta taquicárdica menor, motivo pelo qual é o fármaco preferido para pacientes cardíacos. Outros efeitos colaterais da neostigmina incluem um aumento da salivação e motilidade intestinal; embora os agentes anticolinérgicos sejam eficazes na prevenção da sialorreia, seus efeitos sobre a motilidade intestinal são limitados. Várias metanálises recentes dos efeitos da neostigmina sobre a náusea pós-operatória e vômito não foram capazes de mostrar uma conexão de forma conclusiva.

D. Uso clínico Quando o bloqueio é profundo (CPT de 1 ou 2), a neostigmina não deve ser administrada. Quando a recuperação espontânea é evidente (contagem TOF de 2 ou 3), uma dose completa pode ser considerada, embora a administração de 50 g/kg quando a contagem TOF é 4 induz uma recuperação mais rápida e completa. Quando o TOF, na avaliação subjetiva, aparenta não ter fadiga (ou, uma vez medido, o TOF seja de 0,4 ou mais), é recomendada uma pequena dose de neostigmina (20 g/kg). Se o TOF medido objetivamente for igual ou superior a 0,9, a neostigmina não deve ser administrada (5). A reversão de rotina com AChE não exclui uma fraqueza residual significativa e, portanto, é recomendado que se monitore objetivamente o bloqueio até que o TOF seja  0,90.

E. Agentes relaxantes de ligação seletiva: sugammadex O sugammadex é uma -ciclodextrina que foi desenvolvida como um agente de ligação seletiva (9) e atualmente não está disponível para uso clínico nos Estados Unidos. Esse agente tem uma cavidade central que encapsula perfeitamente o núcleo de BNMs de ação intermediária (rocurônio  vecurônio  pancurônio  pipecurônio), mas não tem afinidade por qualquer outro BNM despolarizante ou adespolarizante. A ligação com o rocurônio é muito apertada, sem dissociação clinicamente relevante. A ligação ao vecurônio é de um terço, mas, como a dose equivalente de vecurônio tem um sexto das moléculas do rocurônio, a eficácia da reversão é semelhante para ambos os fármacos. A afinidade do pancurônio (e pipecurônio) pode ser muito baixa para tentar a reversão com sugammadex. Os complexos sugammadex-rocurônio são excretados pelos rins, com uma meia-vida de eliminação de cem minutos. Atualmente, recomenda-se esperar 24 horas para a administração repetida de rocurônio após a reversão de BNMs com sugammadex. No entanto, estudos recentes sugerem que a administração precoce do rocurônio pode ser aceitável se não tiver sido usada uma dose elevada de sugammadex.

Uso clínico, efeitos colaterais e segurança O sugammadex é biologicamente inativo e não tem afinidade por nenhum receptor conhecido; por conseguinte, é desprovido de efeitos colaterais hemodinâmicos de coagulação. Foi comercializado na Europa desde 2009 sem que houvesse mudanças em seu perfil de segurança. Estudos sugeriram que o rocurônio em alta dose para indução/intubação em sequência rápida e reversão induzida pelo sugammadex pode fornecer um manejo praticamente ideal do bloqueio neuromuscular sem efeitos colaterais significativos. Em pacientes com obesidade mórbida, a dose de sugammadex foi calculada com base no

Capítulo 11

Agentes bloqueadores neuromusculares

peso corporal ideal mais 40%. Quando usado no paciente obeso em doses subideais de 1 a 2 mg/kg, foi relatada a recorrência da paralisia muscular. É importante citar que, se não for usado um monitor neuromuscular, existe um risco de fraqueza residual significativa, mesmo com a administração de sugammadex 2 a 4 mg/kg. Portanto, a monitoração da função neuromuscular é fortemente recomendada para determinar a dose apropriada de sugammadex e minimizar o risco de bloqueio residual.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A liberação dos “pacotes” de acetilcolina é antagonizada por: A. Hipercalcemia B. Hipomagnesemia C. Hipocalcemia D. Hiponatremia 2. Clinicamente, a potência dos fármacos bloqueadores neuromusculares é expressa como: A. DE50 B. DE95 C. IR25-75 D. Duração da administração do fármaco até a recuperação TOF  0,9 3. O bloqueio de fase II com succinilcolina apresenta as seguintes características, EXCETO: A. Fadiga a estimulação repetitiva B. Potencialização pós-tetânica C. Revertida por uma anticolinesterásicos D. Fadiga com estimulação double burst stimulation 3,3 4. A profilaxia mais eficaz para a mialgia pós-succinilcolina é: A. Fármacos anti-inflamatórios não esteroides B. Tratamento prévio com um relaxante muscular adespolarizante C. Hidrocortisona D. Lidocaína 5. Uma mulher que pesa 200 kg será submetida a uma laparotomia exploradora para obstrução intestinal. Seu plano de manejo requer o uso de uma sequência rápida de indução/intubação. A dose apropriada de succinilcolina para essa paciente é calculada com base em: A. Peso corporal ideal B. Peso corporal real C. Índice de massa corporal D. ([Peso corporal ideal]  [Peso corporal atual]) / 2 6. O início da ação de relaxantes musculares adespolarizantes é explicada, em parte, por: A. Potência B. DE95 mais alta C. O gradiente de concentração plasma/biofase D. DE50 mais baixo

7. Por meio de efeitos diretos sobre os receptores pós-juncionais, quais dos agentes inalatórios a seguir potencializam mais acentuadamente os efeitos do rocurônio? A. Sevoflurano B. Desflurano C. Isoflurano D. Óxido nitroso 8. A administração de metilprednisolona (500 mg) a um paciente do sexo masculino, sob cuidados intensivos devido à sepse, pesando 70 kg e recebendo vecurônio para o manejo ventilatório: A. Levará a aumento do risco de miopatia B. Não terá efeito sobre a incidência de miopatia C. Reduzirá o risco de miopatia D. Não ocorre com rocurônio 9. Uma paciente que pesa 80 kg passou por uma colecistectomia por laparoscopia com propofol/sevoflurano/rocurônio. O TOF é ≥ 0,90. Ela apresenta sinais adequados para extubação endotraqueal. Seu manejo inclui: A. Neostigmina 2,5 mg mais 1 mg glicopirrolato B. Neostigmina 5 mg mais 1 mg glicopirrolato C. Edrofônio 20 mg D. Não é indicada a reversão do rocurônio 10. Você decide administrar um agente anticolinérgico a um paciente que recebeu uma anestesia geral com pancurônio para relaxamento muscular. Qual o agente de reversão mais apropriado para administrar com glicopirrolato? A. Edrofônio B. Piridostigmina C. Neostigmina D. Fisostigmina

Anestésicos locais Francis V. Salinas

Os anestésicos locais são uma classe de fármacos que inibem de modo transitório e reversível a condução dos impulsos neurais sensoriais, motores e autonômicos. Clinicamente, os anestésicos locais são usados primariamente para prover anestesia perioperatória ou analgesia. Este capítulo apresenta o mecanismo de ação dos anestésicos locais, as propriedades físico-químicas que determinam sua farmacologia clínica, as aplicações clínicas e o potencial de toxicidade. A anatomia e a fisiologia relevantes dos nervos periféricos são revisadas brevemente neste capítulo, com informações mais detalhadas apresentadas no Capítulo 4. Os Capítulos 21 e 31 irão apresentar as aplicações clínicas comuns para os anestésicos locais.

I. Mecanismo de ação dos anestésicos locais A. Anatomia dos nervos O neurônio é a unidade funcional básica responsável pela condução dos impulsos neurais. Ele consiste geralmente de um corpo celular ligado a vários processos ramificados (dendritos) e um único axônio que transporta impulsos neurais para a célula e para longe dela (Fig. 12.1A). Os axônios são cilindros de axoplasma envoltos por uma membrana celular lipídica de dupla camada que tem várias proteínas incrustadas, incluindo canais de sódio voltagem-dependente (Na⫹, VGNa). Células gliais (oligodendrócitos no sistema nervoso central [SNC] e células de Schwann no sistema nervoso periférico) estão em íntimo contato com neurônios e funcionam para apoiar, isolar e nutrir os axônios. Uma fibra nervosa é composta de um axônio, suas células gliais associadas e o tecido conectivo endoneural circunjacente. As fibras nervosas periféricas são organizadas dentro de três camadas de tecido conectivo (Fig. 12.1B). As fibras nervosas individuais são cercadas imediatamente por endoneuro, que é um tecido conectivo delicado que consiste em células de Schwann e fibroblastos junto com os capilares. Uma densa camada de tecido conectivo colágeno, o perineuro, engloba feixes de fibras nervosas em um fascículo. Ele fornece funcionalmente uma barreira efetiva contra a entrada de substâncias estranhas nas fibras nervosas. O epineuro também é uma camada densa de tecido conectivo que cerca e engloba feixes de fascículos juntamente com uma bainha cilíndrica, com estrutura similar a um cabo coaxial. Uma camada adicional de tecido conectivo que forma uma bainha paraneural engloba ainda os nervos periféricos. Juntas, essas camadas tissulares oferecem proteção aos nervos periféricos, mas também apresentam uma barreira significativa à difusão passiva dos anestésicos locais em direção à membrana da célula axonal.

12

210

Fundamentos de anestesiologia clínica

Célula de Schwann única englobando várias fibras nervosas não mielinizadas

Dendritos

Núcleo

Região não mielinizada Corpo celular Núcleo

Axônio

Nódulo mielinizado Núcleo da célula de Schwann Mielina

A

Axônio Nervo Epineuro

Perineuro

Fibra nervosa periférica (mielinizada)

Vasos sanguíneos que suprem os nervos (vasa nervorum)

B

Fascículo Endoneuro Bainha de mielina formada por células de Schwann Axônio

FIGURA 12.1 A. Representação de neurônio e axônio mielinizado e não mielinizado. O neurônio consiste em um corpo celular (soma), dendritos e um axônio. As fibras nervosas mielinizadas têm uma bainha composta de séries contínuas de neurolema (derivada de células de Schwann) que circundam o axônio e formam uma série de segmentos de mielina. Múltiplas fibras nervosas não mielinizadas são envoltas individualmente dentro de um único neurolema que não produz mielina. B. Arranjo de camadas de tecido conectivo perineural em uma representação neural. Os nervos periféricos consistem em feixes de fibras nervosas, as camadas de tecidos conectivos (endoneuro, perineuro e epineuro), que servem para ligá-las, e vasos sanguíneos associados (vasa nervorum) que as suprem. Todos os nervos, exceto os menores nervos periféricos, são arranjados em feixes chamados fascículos.

Capítulo 12 TABELA 12.1

Anestésicos locais

Classificação das fibras dos nervos periféricos

Velocidade Classificação Diâmetro de condução Localização da fibra (␮m) Mielinização (m/s) anatômica

Função

Suscetibilidade aos anestésicos locais

A␣

6-22

Sim

30-120

Eferente para os músculos

Motor

⫹⫹

A␣

6-22

Sim

30-120

Aferente da pele e articulações

Toque e propriocepção

⫹⫹

A␥

3-6

Sim

15-35

Eferente para os fu- Tônus mussos musculares cular

A␦

B C

211

1-4

Sim

⬍3

Sim

0,3-1,3

Não

5-25

3-15 0,7-1,3

Aferente sensorial

Dor distinta, bem-localizada (rápida), temperatura fria, toque

⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹

Simpática pré-ganglionar

Autonômica

Aferente sensorial, simpática pós-ganglionar

Autonômica, temperatu- ⫹ ra quente, toque e dor difusa (lenta)

⫹⫹

⫹ (menos suscetível), ⫹⫹, ⫹⫹⫹, ⫹⫹⫹⫹ (mais suscetível) ao bloqueio da condução.

Os nervos periféricos são nervos mistos que contêm fibras nervosas aferentes e eferentes que são mielinizadas ou não mielinizadas (Fig. 12.1A). A membrana celular (neurolema) das células de Schwann envolve os axônios. As fibras nervosas não mielinizadas consistem em múltiplos axônios que são envoltos simultaneamente pelo neurolema de uma única célula de Schwann. Canais de sódio voltagem-dependentes (VGNa, do inglês Voltage-Gated) são distribuídos uniformemente ao longo de todo o axônio das fibras nervosas não mielinizadas. Em contraste, uma fibra nervosa mielinizada é envolta de forma segmentar por uma bainha de mielina que é derivada de uma série contínua de neurolemas que se envolve concentricamente em torno de um único axônio. Regiões especializadas, conhecidas como os nódulos de Ranvier, onde os VGNa são concentrados ao longo dos axônios das fibras nervosas mielinizadas, interrompem periodicamente a bainha de mielina. Ao longo dos axônios mielinizados, a condutância do Na⫹ é restrita aos nódulos de Ranvier. Isso permite uma propagação do potencial de ação para pular de um nodo ao próximo por condução saltatória, aumentando significativamente a velocidade de transmissão do sinal (Tab. 12.1).

B. Eletrofisiologia da condução neural e canais de sódio voltagem-dependentes Os neurônios mantêm um potencial de repouso da membrana de aproximadamente ⫺60 a ⫺70 mV. A bomba Na⫹K⫹ (potássio) cotransporta ativamente três íons Na⫹ para fora da célula para cada dois íons K⫹ para dentro da célula. Isso cria um gradiente

212

Fundamentos de anestesiologia clínica de concentração eletromagnético através da membrana celular semipermeável. O desequilíbrio iônico resultante favorece o movimento de íons Na⫹ para dentro da célula e de íons K⫹ para fora da célula. Contudo, a despeito do gradiente de concentração para ambos os íons, a membrana celular em repouso é relativamente mais permeável aos íons K⫹. Isso facilita o efluxo passivo de íons K⫹ para fora da célula e deixa um excesso relativo de íons carregados negativamente (polarizados) dentro do axoplasma. Os impulsos neurais são conduzidos ao longo dos axônios como potenciais de ação, que são despolarizações transitórias da membrana iniciadas por vários estímulos mecânicos, químicos ou térmicos. A despolarização é mediada primariamente por influxo intracelular rápido de íons Na⫹ fluindo ao longo de seu gradiente eletroquímico por meio de VGNa. O VGNa atravessa a membrana axonal e consiste em uma subunidade ␣ e uma ou duas subunidades ␤ variantes auxiliares. As subunidades ␣ formam o poro condutor de íons do VGNa e compreendem quatro domínios homólogos (I-IV), cada um com seis segmentos ␣-hélice transmembrana. As alças que unem os segmentos S5 e S6 das hélices ␣ de cada um dos quatro domínios estão localizadas no compartimento extracelular, se estendendo para dentro para formar a seção mais estreita do poro do canal. Acredita-se que eles forneçam a seletividade do íon. No potencial de repouso da membrana, o poro do canal está em uma conformação de repouso (fechado). Com a despolarização inicial, o movimento dos segmentos sensíveis à voltagem S1-S4 leva a um rearranjo do segmento S6. Isso resulta em ativação (abertura) do poro do canal, induzindo um súbito aumento na permeabilidade ao íon Na⫹. A rápida entrada da corrente de Na⫹ resultante ativa e abre VGNa adicional. Isso acelera ainda mais a despolarização até que o potencial de limiar de membrana seja atingido, deflagrando um potencial de ação. Durante a fase de despolarização, a corrente de Na⫹ flui para dentro do axoplasma e se propaga para a membrana celular adjacente (inativa), resultando em uma onda de despolarização sequencial (e o potencial de ação) que se propaga ao longo do axônio. Embora a onda de despolarização se espalhe da área inicial de excitação em ambas as direções, a membrana recém-ativada logo atrás do impulso está temporariamente refratária à despolarização subsequente. Assim, a propagação do impulso é unidirecional. O VGNa ativado é inativado dentro de milissegundos por uma alteração conformacional adicional que leva à ligação na alça citoplásmática localizada entre os domínios III e IV da abertura citoplásmica do VGNa para formar a porta de inativação rápida. A porta de inativação rápida funciona como uma partícula bloqueadora intracelular que se dobra para dentro e bloqueia o poro do canal. Esse processo de inativação rápido é necessário para que seja possível o disparo repetitivo dos potenciais de ação nos circuitos neurais e para controle da excitabilidade nos neurônios. A repolarização ocorre devido a uma combinação de uma diminuição progressiva na força de impulsão para a corrente de entrada de Na⫹ e a inativação do VGNa. Além disso, a despolarização da membrana ativa simultaneamente os canais de K⫹ voltagem-dependentes. Isso leva a uma corrente positiva para fora de íons K⫹ que, em conjunto com a inativação de VGNa, finalmente retorna a membrana axonal ao seu potencial de repouso ou um pouco além dele (hiperpolarização). Em resumo, as correntes positivas para dentro, mediadas por íons Na⫹, despolarizam a membrana. Em contraste, as correntes positivas para fora, mediadas pelo K⫹, repolarizam a membrana.

C. Canais de sódio voltagem-dependentes e interações com anestésicos locais Os anestésicos locais agem na membrana axonal através da ligação com uma região específica dentro da subunidade ␣. Isso impede a ativação do VGNa, inibindo, assim, a corrente de Na⫹ para dentro que medeia a despolarização da membrana. O sítio de ligação dos anestésicos locais se situa dentro do poro do canal e é formado a partir de

Capítulo 12

Anestésicos locais

resíduos de aminoácidos nos segmentos S6 dos domínios I, III e IV. O sítio de ligação pode ser abordado a partir de duas vias: a partir do aspecto intracelular do poro do canal (via hidrofílica) ou lateralmente a partir da membrana lipídica (via hidrofóbica). À medida que a quantidade de anestésico local administrado aumenta, uma porcentagem crescente de VGNa se liga aos anestésicos locais, inibindo ainda mais a entrada de Na⫹. Subsequentemente, a velocidade de despolarização (em resposta à estimulação) é atenuada, inibindo a obtenção do potencial de membrana limiar. Em consequência, a obtenção de um potencial de ação se torna cada vez mais difícil. Com um número suficiente de VGNa ligados a anestésicos locais, um potencial de ação não pode mais ser gerado, e a propagação do impulso é bloqueada. O anestésico local ligado a VGNa não altera o potencial de repouso da membrana nem altera o limiar de ação (potencial de ação). Os anestésicos locais se ligam mais avidamente ao VGNa nas conformações ativadas (abertas) e inativadas (o poro do canal está aberto, mas fechado por movimento da porta de inativação). A diferença na afinidade de ligação é atribuível à diferença na disponibilidade das duas vias para o anestésico local atingir o sítio de ligação. Os anestésicos locais produzem uma redução na corrente de entrada de Na⫹ caracterizada como bloqueio tônico, que é dependente da concentração, que representa uma diminuição no número de conformações de VGNa abertos (1). Com a despolarização repetida, um maior número de VGNa está nas conformações ativadas ou inativadas. Portanto, eles podem estar ligados em uma determinada concentração do anestésico local. Adicionalmente, a velocidade de dissociação dos anestésicos locais do seu sítio de ligação é mais lenta do que a velocidade de transição da conformação inativada para a de repouso. Assim, estimulações repetidas resultam em acúmulo de VGNa ligados a anestésicos locais caracterizados como bloqueio dependente de frequência.

D. Mecanismos do bloqueio nervoso Para que os anestésicos locais se liguem ao VGNa, eles precisam atingir a membrana neural. Assim, os anestésicos locais precisam penetrar por uma quantidade variável de tecido perineural e ainda manter um gradiente de concentração suficiente para difundir pela dupla camada lipídica. Apenas uma pequena fração (1-2%) dos anestésicos locais atinge a membrana neural mesmo quando esses anestésicos são depositados próximos aos nervos periféricos. Os nervos periféricos que foram desaquecidos in vitro requerem cerca de cem vezes menos anestésicos locais do que os nervos periféricos in vivo. Em contraste, os nervos neuroaxiais centrais são envoltos em três camadas de meninges: a pia-máter, a aracnoide e a dura-máter. A pia-máter é aderente aos próprios nervos e é separada da membrana aracnoide pelo líquido cerebrospinal que enche o espaço entre essas duas camadas. O espaço subaracnóideo, onde os nervos espinais são cobertos apenas pela pia-máter, é a locação-alvo para a raquianestesia. A dura-máter envolve ainda a membrana aracnoide, formando o saco dural, uma cobertura rígida em torno do neuroeixo central. O espaço peridural consiste em tudo que se encontra localizado dentro do canal vertebral, mas fora do saco dural. A presença da membrana aracnoide e da dura-máter resulta em uma necessidade de dose do anestésico local 10 vezes mais alta para produzir um bloqueio peridural completo comparado com aquela necessária no espaço subaracnóideo. A qualidade do bloqueio nervoso é determinada não apenas pela potência intrínseca do anestésico local escolhido, mas também pela concentração e pelo volume do anestésico local administrado. A potência de um anestésico local pode ser expressa como a concentração efetiva mínima necessária para estabelecer um bloqueio nervoso completo. O volume do anestésico local também é importante, uma vez que um comprimento suficiente do axônio ou nodos sucessivos de Ranvier precisa ser bloqueado

213

Os anestésicos locais não apenas impedem a propagação do impulso nervoso por aderirem ao sítio de ligação nos canais de sódio voltagemdependentes na membrana celular (bloqueio tônico), mas também se dissociam do sitio de ligação mais lentamente do que a capacidade que o canal possui de retorno à sua conformação de repouso (bloqueio dependente de frequência).

214

Fundamentos de anestesiologia clínica

O bloqueio diferencial se refere à progressão previsível do bloqueio da função sensorial e motora por anestésicos locais, começando com a perda da sensação de temperatura e seguida por comprometimento da propriocepção, função motora, dor aguda e, por fim, do toque leve.

para inibir a regeneração do impulso neural. Isso se deve ao fenômeno de condução decremental. A despolarização da membrana decai passivamente a partir do local de geração do potencial de ação até o ponto em que a despolarização cai abaixo do limiar para ativação do VGNa e a propagação do impulso é interompida. Se uma porção menor do que o comprimento crítico do axônio for bloqueado, o potencial de ação ainda pode ser regenerado no segmento proximal da membrana neural ou nodo de Ranvier quando a despolarização decremental ainda está acima do limiar do potencial. Os diferentes tipos de fibras nervosas demonstram variações mínimas nas concentrações necessárias para o bloqueio e na suscetibilidade ao anestésico local (Tab. 12.1). Clinicamente, há uma progressão previsível do bloqueio da função sensorial e motora, começando com a perda da sensação de temperatura, seguida pela da propriocepção, função motora, dor aguda e, por fim, do toque leve. Chamada de bloqueio diferencial, essa progressão foi atribuída inicialmente a diferenças no diâmetro do axônio, com fibras menores inerentemente mais suscetíveis ao bloqueio da condução em comparação a fibras maiores. Contudo, pequenas fibras mielinizadas (A␥ e A␦) são as mais suscetíveis ao bloqueio da condução. A seguir, em ordem de suscetibilidade ao bloqueio, estão as grandes fibras mielinizadas (A␣ e A␤), e as menos suscetíveis são as pequenas fibras C não mielinizadas. Dentro dos nervos periféricos, a difusão longitudinal e radial dos anestésicos locais irá produzir concentrações variáveis dos fármacos ao longo e dentro do nervo durante a instalação e recuperação do bloqueio clínico. Quando os anestésicos locais são depositados em torno de um nervo periférico, a difusão progride da superfície externa (capa) em direção ao centro (polpa) ao longo de um gradiente de concentração. Como consequência, as fibras nervosas arranjadas na capa de nervos periféricos mistos são bloqueadas inicialmente. Essas fibras nervosas externas são distribuídas geralmente para estruturas anatômicas mais proximais, enquanto as fibras centrais inervam estruturas mais distais. Esse arranjo topográfico explica o desenvolvimento inicial da anestesia proximal, seguido pela anestesia distal, à medida que o anestésico local se difunde para as fibras nervosas da polpa localizadas mais centralmente. Em resumo, a sequência de início e recuperação do bloqueio dos nervos periféricos depende de uma combinação dos arranjos topográficos das fibras nervosas dentro de um nervo periférico misto e sua suscetibilidade inerente ao bloqueio anestésico local.

II. Farmacodinâmica dos anestésicos locais Embora a ligação entre um anel aromático hidrofóbico do anestésico local e seu grupo amina hidrofílico determine a classe da molécula (aminoamida ou aminoéster) e a via metabólica, são as substituições clínicas no anel aromático ou grupo amina que determinam a potência do fármaco e a instalação e duração da ação.

A. Propriedades físico-químicas e relação com a atividade e potência Os anestésicos locais em solução são bases fracas que geralmente têm uma carga positiva no grupo amina com um pH fisiológico. O protótipo do anestésico local consiste em uma estrutura com um grupo hidrofóbico (normalmente um anel aromático lipossolúvel) conectado a um grupo hidrofílico (amina carregada) por uma ligação amida ou éster (Fig. 12.2). A natureza da ligação química é a base da classificação dos anestésicos locais como aminoamida ou aminoéster (Tab. 12.2). Embora a natureza da ligação determine as bases para o metabolismo (as aminoamidas são metabolizadas no fígado enquanto os aminoésteres são metabolizados pela colinesterase plasmática), as propriedades físico-químicas são amplamente determinadas pela natureza das substituições alquil no anel aromático ou no grupo amina, a carga do grupo amina ou a estereoquímica dos isômeros relacionados (Tab. 12.2). Essas propriedades físico-químicas determinam amplamente a potência, o início e a duração da ação e a tendência para bloqueio nervoso diferencial.

Capítulo 12

Anestésicos locais

Éster

Amida

Amina terciária

Terminação hidrofóbica

Ligação e cadeia intermediária

Amina quaternária

Terminação hidrofílica

FIGURA 12.2 As estruturas prototípicas dos anestésicos locais aminoéster e aminoamida. (De Mulroy F, Bernards CM, McDonald SB, Salinas FV. A Practical Approach to Regional Anesthesia. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2009:2.)

A lipossolubilidade é determinada pelo grau de substituições alquil no anel aromático ou no grupo amina. A lipossolubilidade geralmente é expressa pelo coeficiente de partição em um solvente hidrofóbico (geralmente o octanol). Compostos com aumento da solubilidade ao octanol são mais lipossolúveis (Tab. 12.2). A elevada lipossolubilidade melhora a capacidade de penetrar a membrana lipídica e fornecer o anestésico local mais próximo do VGNa ligado à membrana, que, por sua vez, se correlaciona com a potência e, em menor extensão, com a duração da ação. Embora a lipossolubilidade se correlacione com a solubilidade ao octanol (e potência inerente in vitro), a mínima concentração de anestésico local in vivo que irá bloquear a condução do impulso pode ser afetada por inúmeros fatores, como tamanho da fibra, tipo e mielinização, pH do tecido (ver adiante), redistribuição tissular local e sequestro nos compartimentos perineurais ricos em lipídeos e propriedades vasoativas inerentes do anestésico local específico. Em um pH fisiológico, os anestésicos locais são bases fracas que existem em equilíbrio entre a base lipossolúvel e a forma ionizada hidrossolúvel. A porcentagem relativa de cada forma é determinada pela constante de dissociação (pKa) e o pH do tecido circunjacente. A pKa é o pH no qual a porcentagem de cada forma é igual (Tab. 12.2), sendo definida pela equação de Henderson-Hasselbalch: pKa ⫽ pH ⫹ log[BH⫹]/[B] onde [BH⫹] é a concentração da forma lipoinsolúvel ionizada do anestésico local e [B] é a concentração da forma lipossolúvel não ionizada do anestésico local. Quanto menor a pKa para um determinado anestésico local, maior a porcentagem da forma base lipossolúvel disponível para penetrar mais prontamente na membrana lipídica celular, acelerando, assim, o início de ação. Após a passagem através da membrana celular no axoplasma, o equilíbrio entre a forma base e a forma ionizada é reestabelecido. É a forma ionizada dentro do axoplasma que se liga mais avidamente aos locais de ligação dos anestésicos locais dentro do poro do canal do VGNa. A maioria dos anestésicos locais clinicamente úteis é formulada como composto racêmico. Há misturas 1:1 de estereoisômeros enantioméricos com composição química idêntica, mas com orientação espacial tridimensional diferente em torno de um átomo de carbono assimétrico. Embora os enantiômeros dos anestésicos locais tenham propriedades físico-químicas idênticas, eles exibem farmacodinâmica clínica diferente (potência) devido a diferenças sutis na interação e ligação do VGNa. Por exemplo, a levobupivacaína (o S-enantiômero da bupivacaína) e a ropivacaína (o S-enantiômero da bupivacaína, mas com um grupo propil alquil em vez de um grupo butil encontrado

215

216

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 12.2

Anestésicos locais

Estrutura química e propriedades físico-químicas dos agentes anestésicos locais clinicamente úteis Coeficiente Porcentagem Porcentagem de partição ligada à ionizada (lipossoluproteína bilidade) pKa em pH 7,4

Estrutura química

Aminoamidas Lidocaína

CH3

366

7,9

76

65

129

7,9

76

55

130

7,6

61

78

3420

8,1

83

96

775

8,1

83

94

100

8,9

97

6

810

8,7

95

N/A

8,5

93

76

C2H5 NHCOCH2N C2H5 CH3

Prilocaína

CH3 NHCOCH

NH

C3H7

CH3

Mepivacaína

CH3

CH3

NHCO

N

CH3

Bupivacaína

CH3

C4H9

NHCO

N

CH3

Ropivacaína

CH3

C3H7

NHCO

N

CH3

Aminoésteres Procaína

C2H5 H2N

COOCH2CH2N C2H5

2-Clorprocaína

CI C2H5 H2N

COOCH2CH2N C2H5

Tetracaína

CH3 5822

H9C4 N H

COOCH2CH2N CH3

Capítulo 12

Anestésicos locais

na bupivacaína) parecem ter eficácia clínica equipotente para o bloqueio da condução neuronal. Contudo, eles têm um menor potencial para toxicidade cardíaca sistêmica do que o R-enantiômero ou as misturas racêmicas.

B. Aditivos para aumentar a atividade dos anestésicos locais Os anestésicos locais são formulados como sais de hidrocloreto para aumentar sua solubilidade e estabilidade. O pH de soluções de anestésicos locais preparadas comercialmente varia de 3,9 a 6,47 e é especialmente ácido quando pré-preparado com adrenalina (ver adiante). Considerando que a pKa dos anestésicos locais mais usados varia de 7,6 a 8,9 (Tab. 12.2), ⬍ 3% das soluções anestésicas locais estão na forma neutra lipossolúvel com pH fisiológico. Isso torna a penetração na membrana celular mais lenta e retarda o início do bloqueio da condução. Uma fração lipossolúvel ainda menor pode ser encontrada clinicamente quando os anestésicos locais são injetados nos tecidos infectados que têm um pH mais ácido. Assim, a alcalinização das soluções anestésicas locais pela adição de bicarbonato de sódio pode aumentar potencialmente o início e a qualidade do bloqueio da condução pelo aumento da porcentagem da forma lipossolúvel. A experiência clínica demonstra que a adição do bicarbonato de sódio pode acelerar o início de ação dos anestésicos locais de ação intermediária (lidocaína e mepivacaína). Contudo, essa modificação tem efeito mínimo nos anestésicos locais amida mais potentes e de ação mais longa (bupivacaína ou ropivacaína) (2). A adrenalina é adicionada comumente às soluções anestésicas locais para induzir vasoconstrição no local da injeção. O efeito vasoconstritor da adrenalina mediado pelo adrenorreceptor ␣1 aumenta a atividade dos anestésicos locais por antagonizar o efeito vasodilatador inerente da maioria dos anestésicos locais. Em consequência, a absorção vascular diminuída facilita e mantém a captação intraneural do anestésico local. Os benefícios clínicos relatados incluem melhora da qualidade do bloqueio da condução e prolongamento da duração da ação. Ela também diminui os níveis sistêmicos máximos dos anestésicos locais, potencialmente limitando os efeitos tóxicos (3). A extensão do prolongamento da duração do bloqueio de condução promovido pela adrenalina depende amplamente das propriedades físico-químicas dos anestésicos locais, bem como do local da injeção. Por exemplo, a adição de adrenalina à lidocaína geralmente estende o bloqueio da condução em pelo menos 50%, mas a adição de adrenalina à bupivacaína tem pouco ou nenhum efeito clinicamente relevante sobre a duração do bloqueio. Efeitos analgésicos adicionais devidos à adrenalina (e clonidina) também podem ocorrer por meio de interação com os adrenorreceptores ␣2 no SNC, ativando diretamente mecanismos analgésicos endógenos. A clonidina é um ␣2-agonista de ação direta, mas também possui efeitos inibitórios diretos na condução neural (fibras nervosas periféricas A e C) (4). Em contraste com a adrenalina, a clonidina irá melhorar a duração do bloqueio da condução, a despeito de ser usada a lidocaína ou a bupivacaína. Todavia, efeitos colaterais potenciais associados à clonidina, como bradicardia e hipotensão ortostática, têm limitado o seu uso clínico mais amplo.

III. Farmacocinética dos anestésicos locais Anestésicos locais são comumente entregues aos tecidos extravasculares que ficam proximos ao local-alvo pretendido. A concentração plasmática resultante é influenciada pela dose total do anestésico local administrado, extensão da absorção sistêmica, redistribuição tissular e velocidade de eliminação. Fatores específicos do paciente, como idade e função cardiovascular e hepática, e ligação das proteínas plasmáticas também influenciam os níveis plasmáticos subsequentes. Uma compreensão desses fatores deve

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218

Fundamentos de anestesiologia clínica otimizar a aplicação clínica dos anestésicos locais, enquanto minimiza as complicações potenciais associadas aos níveis sistêmicos tóxicos do fármaco.

A. Absorção sistêmica

A velocidade e a extensão da absorção sistêmica dos anestésicos locais e, portanto, o risco de toxicidade sistêmica dos anestésicos locais é determinado pela dose total do anestésico, pelo local da administração, pelas propriedades físico-químicas do fármaco específico (p. ex., a lipossolubilidade) e pela adição de vasoconstrictores.

De um modo geral, a absorção sistêmica reduzida dos anestésicos locais provê uma maior margem de segurança na prática clínica. A velocidade e a extensão da absorção sistêmica são influenciadas por inúmeros fatores, incluindo a dose total do anestésico local, local de administração, propriedades físico-químicas individuais do anestésico local e adição de vasoconstrictores (adrenalina). Para qualquer local de administração, quanto maior a dose total de anestésico local, maior a extensão da absorção sistêmica e dos níveis de pico plasmático máximo (Cmáx). Além do mais, uma velocidade de absorção aumentada também irá reduzir o tempo até o nível de pico plasmático máximo (Tmáx). Dentro da faixa clínica de doses comumente usadas, a relação dose-resposta é quase linear e é relativamente inalterada pela concentração de anestésico ou velocidade de injeção. A extensão da perfusão tissular perineural influencia significativamente a absorção sistêmica, de modo que a administração de anestésico local em tecidos perineurais altamente perfundidos resulta em maior Cmáx e menor Tmáx. Assim, a velocidade de absorção sistêmica da maior para a menor é intrapleural ⬎ intercostal ⬎ caudal ⬎ peridural ⬎ plexo braquial ⬎ ciático/femoral ⬎ e tecido subcutâneo. A velocidade da absorção sistêmica também é influenciada pelas propriedades físico-químicas dos agentes anestésicos locais individuais. Em geral, os anestésicos locais lipossolúveis mais potentes irão resultar em absorção sistêmica diminuída. Quanto maior a lipossolubilidade, maior será o sequestrado do anestésico local no compartimento rico em lipídeos da membrana axonal e tecidos perineurais. Os efeitos da adrenalina foram discutidos anteriormente e equilibram as características vasodilatadoras inerentes da maioria dos anestésicos locais. A redução na Cmáx associada com a adrenalina é mais pronunciada para os anestésicos locais menos lipossolúveis, já que o aumento da ligação nos tecidos neurais e perineurais pode ser o maior determinante da absorção sistêmica dos anestésicos lipossolúveis.

B. Distribuidores

Reações alérgicas aos anestésicos locais são raras, mas geralmente associadas aos produtos de degradação do metabolismo dos aminoésteres (ácido para-aminobenzóico) ou ao composto relacionado metilparabeno usado como conservante em algumas formulações de anestésicos locais aminoamida.

Após a absorção sistêmica, os anestésicos locais sofrem distribuíção rápida por todos os tecidos corporais de acordo com um modelo bicompartimental (ver Cap. 7). O padrão de distribuição (e concentração tissular relativa) é influenciado pela perfusão, pelo coeficiente de partição e pela massa dos compartimentos tissulares específicos. Os órgãos altamente perfundidos (cérebro, pulmão, coração, fígado e rim) são responsáveis pela captação rápida inicial (fase ␣), que é seguida por uma redistribuição mais lenta (fase ␤) para tecidos menos perfundidos (músculo e intestino). Em particular, o pulmão extrai quantidades significativas de anestésicos locais. Consequentemente, Cmáx e o limiar para efeitos tóxicos sistêmicos requerem doses muito menores de anestésicos locais em injeções arteriais comparadas com aquelas para injeções venosas.

C. Eliminação A ligação química determina a biotransformação e a eliminação dos anestésicos locais (ver Fig. 12.2). As aminoamidas são metabolizadas no fígado pelas enzimas do citocromo P450 por meio de N-dealquilação e hidroxilação. O metabolismo da aminoamida é altamente dependente da perfusão hepática, extração hepática e função enzimática. Portanto, a depuração dos anestésicos locais é reduzida por condições como cirrose e insuficiência cardíaca congestiva. A excreção dos metabólitos da aminoamida ocorre por excreção renal, sendo que ⬍ 5% dos anestésicos locais excretados de forma inalterada (não metabolizados) pelo rim. A prilocaína é o único anestésico local aminoamida que é hidrolisado em o-toluidina. Esse composto pode oxidar a hemoglobina em metemoglo-

Capítulo 12

Anestésicos locais

219

bina de forma dose-dependente. As doses da prilocaína de até 8 mg/kg podem produzir níveis de metemoglobina suficientes para causar cianose (metemoglobinemia). Os anestésicos locais aminoéster são metabolizados rapidamente pela colinesterase plasmática. A procaína e a benzocaína são metabolizadas em ácido para-aminobenzoico (PABA, do inglês para-aminobenzoic acid), que tem sido associado com raras reações anafiláticas com o uso desses anestésicos locais. Pacientes com colinesterase plasmática geneticamente anormal ou aqueles que estão em uso de inibidores da colinesterase têm metabolismo reduzido dos aminoésteres. Eles teoricamente estariam em maior risco de efeitos tóxicos sistêmicos, mas faltam evidências clínicas.

D. Farmacocinética clínica O metabolismo dos anestésicos locais tem relevância clínica significativa, uma vez que a toxicidade sistêmica (determinada principalmente por Cmáx) depende do equilíbrio entre a absorção e a eliminação sistêmica. Os anestésicos locais são amplamente ligados às proteínas plasmáticas e tissulares. Apesar disso a toxicidade sistêmica está relacionada com a concentração plasmática livre (não ligada). Assim, a ligação das proteínas plasmáticas dos anestésicos locais reduz a concentração livre na circulação sistêmica e também o risco de toxicidade sistêmica. A extensão da ligação das proteínas plasmáticas é dependente primariamente do nível de ␣1-glicoproteína ácida e albumina e também é influenciada pelo pH do plasma. As condições clínicas que diminuem as proteínas plasmáticas (cirrose, gravidez, estado neonatal) reduzem a capacidade de ligação. Além disso, a porcentagem de ligação proteica diminui à medida que o pH diminui. Assim, na presença de acidose (convulsões, parada cardíaca, insuficiência renal), a quantidade de fármaco livre aumenta. A depuração hepática alterada também pode influenciar a eliminação dos anestésicos locais. Por exemplo, os recém-nascidos têm enzimas microssomais hepáticas imaturas, levando à redução da eliminação dos anestésicos locais aminoamida. Algumas medicações, como ␤-bloqueadores, bloqueadores dos receptores H2 e fluvoxamina, inibem as enzimas microssomais hepáticas específicas e também podem contribuir para metabolismo diminuído dos anestésicos locais aminoamida. Todos os fatores descritos anteriormente que influenciam a absorção sistêmica, a distribuição e os fatores específicos do paciente devem ser levados em consideração para minimizar o risco de toxicidade sistêmica. Esses fatores formam as bases para as recomendações atuais das “doses máximas” dos anestésicos locais (5).

IV. Toxicidade dos anestésicos locais Os efeitos adversos clinicamente significativos dos anestésicos locais incluem toxicidade sistêmica dos anestésicos locais (LAST, do inglês local anesthetic systemic toxicity), toxicidade tissular local, reações alérgicas e efeitos específicos dos anestésicos locais. A LAST resulta de concentração plasmática excessiva do anestésico local, seja devido à injeção intravascular direta não intencional, seja por absorção sistêmica de grandes doses de anestésico local realizada durante bloqueio de nervo periférico, anestesia peridural ou mesmo anestesia por infiltração de grande volume (tumescente). Como discutido anteriormente, a concentração plasmática é determinada pelo equilíbrio entre a absorção sistêmica e a eliminação. Sintomas clinicamente significativos de LAST se manifestam primariamente no SNC e sistema cardiovascular (SCV).

A. Toxicidade ao sistema nervoso central Os anestésicos locais atravessam prontamente a barreira hematoencefálica e produzem sinais e sintomas de toxicidade ao SNC de forma dose-dependente. Os sintomas iniciais podem incluir sonolência, dormência peri-oral, formigamento facial, inquietação, tinido

VÍDEO 12.1 Reação aos anestésicos locais

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Fundamentos de anestesiologia clínica ou alucinações auditivas. Sinais objetivos de excitação progressiva do SNC podem se manifestar como tremores ou espasmos musculares e podem progredir para convulsões tônicoclônicas generalizadas (6). Se os níveis plasmáticos de anestésicos locais estão suficientemente altos ou a velocidade de elevação é rápida, a excitação do SNC pode progredir para depressão generalizada do SNC, levando ao coma ou à parada respiratória ou mesmo cardíaca. O padrão bifásico aparente de toxicidade do SNC reflete depressão neuronal por anestésicos locais. Em concentrações plasmáticas mais baixas, a depressão seletiva dos neurônios corticais inibitórios permite ações relativamente sem oposição dos neurônios excitatórios, que se manifestam como excitação do SNC. Em contraste, níveis plasmáticos muito elevados refletem a inibição adicional dos neurônios excitatórios e se apresentam clinicamente como depressão profunda do SNC. O potencial para toxicidade do SNC equivale diretamente à potência intrínseca dos anestésicos locais e pode ser aumentado por vários fatores clínicos. Convulsões não tratadas, por exemplo, podem causar rapidamente acidose respiratória e metabólica, aumentando o risco de toxicidade ao SNC por reduzir a ligação das proteínas plasmáticas, aumentando também a perfusão cerebral e favorecendo a captação intracelular da forma não ionizada do anestésico local.

B. Toxicidade ao sistema cardiovascular Os anestésicos locais lipossolúveis (p. ex., a bupivacaína) causam toxicidade ao sistema cardiovascular pelo bloqueio dos canais de sódio cardíacos voltagem-dependentes, resultando em anormalidades do sistema de condução cardíaco, incluindo prolongamento dos intervalos PR e QRS, bem como arritmias ventriculares mais perigosas.

Em geral, doses significativamente elevadas de anestésicos locais são necessárias para produzir toxicidade ao sistema cardiovascular (SCV) comparadas com as doses necessárias para toxicidade ao SNC. A toxicidade ao SCV induzida por anestésicos locais pode levar à instabilidade hemodinâmica devido à combinação de depressão miocárdica direta, vasodilatação arteriolar direta, potencial de causar arritmias significativas e comprometimento da regulação autonômica do SCV. De maneira similar à toxicidade ao SNC, os anestésicos locais lipossolúveis mais potentes parecem ter maior toxicidade inerente ao SCV comparados com os anestésicos locais menos potentes. Por exemplo, a proporção da dose necessária para colapso irreversível do SCV relativa ao que é necessário para toxicidade ao SNC é muito menor para a bupivacaína do que para a lidocaína. Adicionalmente, os agentes lipossolúveis mais potentes (p. ex., a bupivacaína) produzem um padrão diferente de toxicidade ao SCV comparados com agentes menos potentes. Em concentrações plasmáticas progressivamente crescentes, todos os anestésicos locais podem causar hipotensão, depressão miocárdica e arritmias. Contudo, níveis tóxicos de bupivacaína podem resultar em colapso cardiovascular súbito causado por arritmias ventriculares malignas que com frequência são resistentes aos protocolos tradicionais de ressuscitação. Os anestésicos locais lipossolúveis mais potentes apresentam maior potencial para toxicidade eletrofisiológica direta (prolongamento dos intervalos PR e QRS). Embora todos os anestésicos locais bloqueiem o sistema de condução por meio de um bloqueio dose-dependente do VGNa cardíaco, várias características do bloqueio promovido pela bupivacaína podem potencializar a toxicidade ao SCV. Primeiro, a bupivacaína exibe uma afinidade de ligação muito mais forte ao VGNa cardíaco nos estados de repouso e inativação comparada à da lidocaína. Segundo, embora todos os anestésicos locais se liguem ao VGNa durante a sístole e subsequentemente se dissociem durante a diástole, a bupivacaína se dissocia de modo muito lento se comparada com a lidocaína. A bupivacaína se dissocia tão lentamente, que o tempo durante a diástole é insuficiente para a recuperação completa de VGNa, e o bloqueio da condução se acumula nos sucessivos ciclos cardíacos (7). Em contraste, a lidocaína se dissocia completamente a cada ciclo cardíaco, e ocorre mínimo acúmulo de bloqueio de condução. Por fim, a bupivacaína mostra um grau maior de depressão miocárdica direta comparado com o da lidocaína ou da ropivacaína. O perfil de toxicidade para o SCV mais seguro da ropivacaína comparado com o da bupivacaína se origina de uma combinação da sua potência discretamente reduzida devido à sua estrutura química (substituição

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Anestésicos locais

propil alquil comparada com substituição butil alquil na bupivacaína), bem como da sua formulação como o simples S-enantiômero menos cardiotóxico.

C. Tratamento da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais A toxicidade sistêmica dos anestésicos locais (LAST, do inglês local anesthesic systemic toxicity) é melhor manejada pela prevenção da ocorrência de níveis plasmáticos tóxicos dos anestésicos locais usando a dose mínima efetiva necessária para uma técnica anestésica regional específica, vigilância para injeção intravascular direta inadvertida e consciência dos sinais e sintomas precoces de LAST. O tratamento básico necessário para a toxicidade do SNC é inicialmente de apoio. A manutenção de uma oxigenação e ventilação adequadas é obrigatória e, se necessário, as vias aéreas devem ser protegidas. Convulsões tônico-clônicas generalizadas levam rapidamente à acidose metabólica, e a hipoventilação associada leva à hipoxemia e hipercapnia, as quais podem exacerbar a toxicidade do SNC. Convulsões que persistem a despeito de oxigenação e ventilação adequadas devem ser tratadas prontamente com doses tituladas do agente hipnótico sedativo mais prontamente disponível (como o midazolam [0,05-0,1 mg/kg] ou propofol [0,5-1,5 mg/kg]) (8). Se as convulsões não forem terminadas prontamente com doses adequadas de agentes sedativos hipnóticos, um bloqueador neuromuscular (geralmente a succinilcolina) deve ser administrado para terminar a intensa atividade muscular e atenuar a piora da acidose metabólica. Deve ser observado que o bloqueio neuromuscular, contudo, não diminui a excitação do SNC associada com a toxicidade ao SNC. Diante de toxicidade ao SCV, deve ser dada atenção imediata à manutenção de oxigenação adequada e, mais importante, à pressão de perfusão coronariana. Os anestésicos locais por si só não danificam de forma irreversível os miócitos cardíacos. Evidências experimentais demonstram que, com a perfusão coronariana adequada, a bupivacaína deixa imediatamente o tecido cardíaco com um retorno simultâneo da função cardíaca normal (8). Diante de parada cardíaca devido à LAST, as medidas-padrão de suporte cardíaco avançado à vida devem ser instituídas com as seguintes modificações: a vasopressina não é recomendada, é preferida uma dose menor inicial de adrenalina (10-100 ␮g) e, se ocorrerem arritmias ventriculares, a amiodarona é preferida em vez da lidocaína. A toxicidade grave ao SCV induzida por bupivacaína frequentemente permanece refratária aos esforços de reanimação. O bypass cardiopulmonar foi considerado previamente a única modalidade a tratar efetivamente as arritmias malignas com risco à vida associadas e colapso cardiovascular. Contudo, dados de experimentos com animais demonstraram primeiro que a emulsão lipídica intravenosa (ILE, do inglês intravenous intralipid emulsion) pode atenuar significativamente a toxicidade SCV induzida por bupivacaína, seguida por inúmeros relatos de casos de reanimação rápida bem-sucedida com administração de ILE nos casos de toxicidade grave do SCV por bupivacaína e ropivacaína (9). A ILE também tem sido usada para tratar a toxicidade ao SNC, e ao fazer isso, teoricamente é possível prevenir a progressão para toxicidade ao SCV. Embora os mecanismos pelos quais a ILE reverte a LAST grave não sejam completamente compreendidos, acredita-se que o mecanismo primário esteja relacionado com a sua capacidade de extrair e separar anestésicos locais altamente lipossolúveis dos tecidos afetados (miocárdio) em um compartimento lipídico plasmático (conhecido como depósito lipídico). Também foi demonstrada ILE exercendo efeitos cardiotônicos diretos, que contribuem para a rápida recuperação da toxicidade do SCV.

D. Toxicidade neural e miotoxicidade A toxicidade neural direta tem sido descrita com a aplicação clínica de múltiplos agentes anestésicos locais (10). Relatos de casos de síndrome de cauda equina associados com a

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Fundamentos de anestesiologia clínica administração de altas concentrações de lidocaína por meio de microcateteres espinais começaram a aparecer no final dos anos 1980. Investigações subsequentes in vitro e in vivo sugeriram que uma combinação de má distribuição (acúmulo) de altas doses de anestésicos locais leva a concentrações neurotóxicas localizadas no espaço subaracnóideo lombossacral. Do mesmo modo, a 2-clorprocaína foi associada com síndrome da cauda equina nos anos 1980, com o mecanismo ligado ao conservante usado naquela época (sódio metabissulfito), quando grandes doses eram administradas acidentalmente no espaço subaracnóideo durante tentativas de administração peridural. Subsequentemente, a 2-clorprocaína foi reformulada como uma solução livre de conservantes. Sintomas neurológicos transitórios (SNTs) estão associados com a administração subaracnóidea de anestésicos locais (mais especificamente a lidocaína) e caracterizam-se por dor e anormalidades sensoriais transitórias na região inferior das costas, irradiando-se para as extremidades inferiores e nádegas (10). Fatores de risco adicionais dos SNTs incluem a posição de litotomia cirúrgica e os procedimentos cirúrgicos ambulatoriais. De um modo geral, parece haver uma escassez de evidências eletrofisiológicas para apoiar um mecanismo neurotóxico direto para SNT. Além do mais, modalidades eficazes de tratamento, como as drogas anti-inflamatórias não esteroides ou injeções nos pontos de gatilho, indicam um mecanismo miofascial em vez de neuropático para a SNT. Os anestésicos locais também se mostraram causadores de efeitos tóxicos diretos ao tecido muscular, levando à destruição de miócitos (11). A despeito da natureza previsível do dano muscular, a miotoxicidade dos anestésicos locais raramente é um problema clínico, uma vez que a regeneração muscular completa em geral ocorre dentro de 3 a 4 semanas. Os fatores de risco incluem a potência do anestésico local individual, a injeção intramuscular direta e a dose, que é exacerbada com a administração seriada ou contínua. Uma exceção notável à geralmente baixa consequência clínica da miotoxicidade do anestésico local é o dano ao músculo extraocular, onde há uma incidência relatada de 0,25% de disfunção prolongada da musculatura extraocular (diplopia) após a anestesia regional para cirurgia ocular.

E. Reações alérgicas Verdadeiras reações alérgicas imunomediadas contra os anestésicos locais são raras, mas elas ocorrem em sua grande maioria associadas aos anestésicos locais aminoésteres, provavelmente devido a seu metabolismo para o alérgeno puro PABA. Algumas preparações dos anestésicos locais aminoamida também contêm metilparabeno, que tem uma estrutura química similar ao PABA e é a causa mais provável de reações alérgicas aos anestésicos locais aminoamida.

V. Agentes anestésicos locais e suas aplicações clínicas comuns A. Anestésicos locais aminoamidas Lidocaína A lidocaína foi o primeiro anestésico local amplamente usado e permanece o mais usado. Ele pode ser usado para infiltração, anestesia regional intravenosa (bloqueio de Bier), bloqueio dos nervos periféricos e anestesia neuroaxial (subaracnóidea e peridural). Caracteriza-se por um início de ação rápido a intermediário e uma duração de ação intermediária para bloqueio dos nervos periféricos e anestesia peridural. Embora as preocupações a respeito dos SNTs tenham levado à redução do seu uso para anestesia subaracnóidea, ela permanece popular para anestesia peridural. A lidocaína pode ser aplicada topicamente na forma de geleia, pomada, adesivo ou aerossol para anestesiar as

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Anestésicos locais

vias aéreas superiores. As injeções intravenosas tendo como alvo níveis plasmáticos relativamente baixos (⬍ 5 ␮g/mL) produzem analgesia sistêmica e têm sido usadas como um adjunto para atenuar a resposta simpática à laringoscopia e intubação. Um dos seus usos mais comuns envolve a injeção intravenosa para reduzir o desconforto associado com a administração intravenosa do propofol. As infusões de lidocaína têm sido administradas para tratar a dor neuropática crônica bem como a dor pós-operatória aguda. Mais recentemente, a lidocaína (adesivo a 5%) foi aprovada pelo Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para o tratamento da dor crônica associada com neuralgia pós-herpética. O adesivo é um sistema de administração tópica idealizado para fornecer doses baixas de lidocaína aos nociceptores envolvidos superficialmente em uma quantidade que produza analgesia desprovida de bloqueio sensoriomotor.

Mepivacaína A mepivacaína tem uma estrutura química que combina um anel piperidina da cocaína com o anel xilidina da lidocaína. Compartilha um perfil clínico similar ao da lidocaína, mas com uma duração de ação discretamente mais longa, pois resulta em menos vasodilatação. Ela é relativamente ineficaz quando aplicada por via tópica. Como agente anestésico espinal, parece ter uma incidência de SNTs mais baixa, embora não clinicamente insignificante, comparada com a da lidocaína. O metabolismo no feto e no recém-nascido é prolongado e, portanto, não é usado para analgesia obstétrica.

Prilocaína A prilocaína também tem um perfil clínico similar ao da lidocaína e é usada para infiltração, bloqueio de nervos periféricos e raquianestesia e anestesia peridural. Devido à sua elevada depuração, ela demonstra a menor toxicidade sistêmica de todos os anestésicos locais amida e, portanto, é potencialmente útil para anestesia regional intravenosa. Contudo, a administração de doses maiores (⬎ 500-600 mg) pode resultar em metemoglobinemia. A metemoglobinemia clinicamente significativa pode ser tratada efetivamente com a administração intravenosa de azul de metileno (1-2 mg/ kg). Todavia, preocupações a respeito de metemoglobinemia e ausência de aprovação do FDA têm limitado um uso clínico mais amplo.

Bupivacaína A bupivacaína é um homólogo estrutural da mepivacaína, lipossolúvel devido a um grupo butil em vez de um grupo metil no seu anel piperidina. Assim, ela é caracterizada por um início de ação relativamente mais lento comparado com o da lidocaína, mas tem uma duração de ação estendida. Fornece anestesia e analgesia sensorial prolongada, que em geral ultrapassa a duração e intensidade do seu bloqueio motor, especialmente com o uso de concentrações menores em infusões contínuas. Essa característica estabeleceu a bupivacaína como o anestésico local mais amplamente usado para analgesia peridural no trabalho de parto e para manejo da dor pós-operatória aguda. Injeções únicas para aplicações de bloqueio nervoso periférico podem fornecer anestesia cirúrgica por até 12 horas e analgesia sensorial que dura até 24 horas. É amplamente usada para anestesia subaracnóidea, em geral com duração de ação de 2 a 3 horas e, em contraste com a lidocaína ou mepivacaína, a bupivacaína raramente tem sido associada com SNTs.

Ropivacaína A ropivacaína é outro homólogo estrutural da mepivacaína e bupivacaína, mas com um grupo propil no seu anel piperidina, e também é formulada como um S-enantiômero. Juntas, essas duas características resultam em potência clinicamente equivalente para bloqueio neural, mas com um perfil menos cardiotóxico comparado com o da bupivacaína.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Ela tem um efeito vasoconstritor inerente, que pode contribuir para seu reduzido perfil cardiotóxico e possivelmente aumento da sua duração de ação. Embora haja alguma evidência que sugira que a ropivacaína possa produzir um bloqueio sensoriomotor diferencial mais favorável comparada com a bupivacaína, a falta de potência equivalente impede uma comparação verdadeira. De um modo global, o perfil clínico é similar ao da bupivacaína, levando em consideração a sua reduzida potência comparada com a bupivacaína.

B. Anestésicos locais aminoésteres Procaína A procaína era usada primariamente para infiltração e raquianestesia durante a primeira metade do século XX. A baixa potência, início de ação relativamente lento (provavelmente devido a sua baixa pKa) e curta duração de ação limitam o amplo uso da procaína. Preocupações a respeito de SNTs com lidocaína despertaram um interesse renovado no uso da procaína para anestesia subaracnóidea de duração intermediária. A despeito da sua baixa incidência de SNT comparada com a lidocaína, o risco aumentado de falha no bloqueio e a náusea associada têm limitado sua utilidade clínica.

2-Clorprocaína Devido à sua potência relativamente baixa e metabolismo muito rápido pelas colinesterases plasmáticas, a 2-clorprocaína pode ser usada em concentrações relativamente altas (2-3%), tendo o menor potencial para toxicidade sistêmica de todos os agentes anestésicos locais clinicamente úteis. A despeito do seu pKa relativamente alto, o uso de concentrações relativamente altas resultam em rápida instalação de anestesia cirúrgica. Essa característica, somada a praticamente nenhuma transmissão ao feto, a torna particularmente útil quando é necessária uma anestesia peridural cirúrgica de início rápido (i.e., parto cesariano urgente ou emergente). A solução de 2-clorprocaína livre de conservantes está ganhando cada vez mais popularidade para anestesia subaracnóidea ambulatorial, na qual é desejado um rápido início de ação com uma previsível duração de ação curta. Além disso, o uso de 2-clorprocaína tem sido associado com uma incidência muito baixa de SNT. Embora a 2-clorprocaína tenha sido aprovada recentemente para anestesia subaracnóidea na Europa, ela não recebeu aprovação do FDA e seu uso para essa indicação nos Estados Unidos permanece extraoficial.

Tetracaína A tetracaína é um potente anestésico local aminoéster, caracterizado por um início de ação lento e uma longa duração de ação. Em contraste com a bupivacaína, a duração de ação da tetracaína é prolongada significativamente com a adição de um vasoconstritor. Devido a seu lento início de ação e ausência de dissociação sensoriomotora (resultando em bloqueio motor significativo), raramente é indicada para anestesia peridural ou bloqueio nervoso periférico, e sua aplicação clínica primária é para anestesia subaracnóidea de duração estendida.

Cocaína A cocaína é o único agente anestésico local que ocorre naturalmente. As aplicações clínicas atuais para a cocaína são amplamente restritas à anestesia tópica para procedimentos no ouvido, nariz e garganta onde a sua intensa vasoconstrição é clinicamente útil para reduzir o sangramento ao instrumentar a nasofaringe. A cocaína inibe a recaptação neuronal da noradrenalina, mediando seus efeitos vasoconstritores neurogênicos, mas ela também pode causar efeitos colaterais cardiovasculares significativos, como hipertensão, taquicardia e arritmias. Preocupações a respeito de seu potencial

Capítulo 12

Anestésicos locais

para toxicidade cardiovascular, juntamente com seu potencial de uso recreativo e abuso, têm limitado substancialmente sua indicação clínica.

Mistura eutética de anestésicos locais Uma mistura eutética de lidocaína e prilocaína, cada uma em uma concentração a 2,5%, é formulada como um líquido viscoso (mistura eutética de anestésicos locais [EMLA, do inglês eutectic mixture of local anesthetics], creme). Essa mistura tem um ponto de fusão mais baixo do que cada anestésico local individualmente, permitindo que ele exista como óleo na temperatura ambiente e facilitando sua penetração e absorção pela pele. O creme EMLA é usado primariamente para fornecer analgesia cutânea e é útil em particular na redução da dor associada com a venopunção ou colocação de um cateter intravascular periférico. O creme EMLA deve ser aplicado apenas em superfícies cutâneas intactas, uma vez que a aplicação à pele com fissuras pode levar a uma absorção sistêmica imprevisivelmente rápida.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Em uma fibra nervosa mielinizada, os anestésicos locais reduzem a velocidade de despolarização celular e impedem a obtenção de um potencial de ação por qual dos seguintes mecanismos? A. Ligação aos canais de Na⫹ voltagem-dependente na membrana axonal sob a bainha de mielina B. Ligação aos canais de K⫹ voltagem-dependentes em qualquer parte da membrana axonal C. Ligação aos canais de Na⫹ voltagem-dependentes na membrana axonal nos nódulos de Ranvier D. Alteração do limiar do potencial da célula de modo que um potencial de ação é mais difícil de ser atingido

direita aberta e lobectomia direita média para uma única lesão cancerígena. No pré-operatório, o cirurgião pergunta a respeito de alternativas para analgesia regional pós-operatória e pergunta especificamente qual das seguintes opções tem O MENOR risco de toxicidade sistêmica por anestésicos locais: A. Bloqueio peridural torácico com 15 mL de bupivacaína a 0,25% B. Bloqueio de múltiplos nervos intercostais com um total de 15 mL de bupivacaína a 0,25% C. Bloqueio peridural torácico com 10 mL de bupivacaína a 0,5% D. Bloqueio de múltiplos nervos intercostais com um total de 10 mL de bupivacaína a 0,5%

2. Quando depositado em área próxima a um nervo periférico, qual fração do anestésico local administrado atinge a membrana neural real e pode participar no bloqueio do canal de Na⫹ voltagem-dependente? A. ⬃2% B. ⬃10% C. ⬃50% D. ⬃99%

5. Devido aos arranjos topográficos das fibras nervosas dentro do nervo ciático, uma dose adequada de anestésicos locais fornecida proximamente ao nervo irá resultar em perda de sensibilidade na pele sobre a sola dos pés antes da pele na panturrilha proximal. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

3. A pKa de um novo anestésico local preparado comercialmente é 8; como resultado, apenas uma pequena fração da solução existe na forma lipossolúvel em pH fisiológico. Qual das seguintes manobras irá aumentar a fração lipossolúvel da solução (melhorando, assim, a velocidade de início e a qualidade do bloqueio de condução)? A. Injetar a solução de anestésico local no tecido infectado B. Adicionar 1 mL de bicarbonato de sódio a 9 mL de solução de anestésico local C. Adicionar 50 mcg de adrenalina a 10 mL de solução de anestésico local D. Injetar o anestésico local em uma velocidade rápida

6. Todas as afirmativas a seguir a respeito da eliminação dos anestésicos locais são verdadeiras, EXCETO: A. Aminoamidas são metabolizadas pela via do citocromo P450 no fígado B. A eliminação renal das aminoamidas não metabolizadas é limitada (⬍ 5%) C. A deficiência de colinesterase plasmática reduz o metabolismo das aminoamidas D. Os metabólitos da aminoamida podem converter a hemoglobina em metemoglobina

4. Um homem de 72 anos, saudável em outros aspectos, está agendado para uma toracotomia

7. Uma mulher de 57 anos com hepatite C crônica e cirrose necessita de redução aberta e fixação interna de fratura distal do rádio. Ela tem provas de coagulação normal, mas tem hipoalbuminemia. Qual das seguintes afirmativas é VERDADEIRA a respeito da anestesia

Capítulo 12 e analgesia perioperatória com um bloqueio infraclavicular de injeção única usando 30 mL de ropivacaína a 0,5%? A. A hipoalbuminemia reduz o seu risco de toxicidade sistêmica do anestésico local B. O metabolismo hepático comprometido reduz o seu risco de toxicidade sistêmica do anestésico local C. A ropivacaína tem um menor risco de toxicidade sistêmica do anestésico local comparada com uma dose equivalente de bupivacaína D. A adição de adrenalina à solução de ropivacaína irá prolongar a duração do bloqueio 8. Um homem de 29 anos, saudável em outros aspectos, está agendado para reparo aberto de lesão traumática do manguito rotador sob anestesia regional com sedação leve. Dois minutos após receber um bloqueio regional interescaleno com 30 mL de mepivacaína 1,5%, ele apresenta uma convulsão tônico-clônica generalizada. O passo INICIAL mais adequado no manejo desse episódio de toxicidade sistêmica do anestésico local é: A. Administrar 100 mg de propofol intravenoso para sustar a convulsão B. Prover ventilação bolsa-máscara com oxigênio a 100% C. Administrar emulsão lipídica D. Realizar intubação traqueal com 200 mg de propofol e 120 mg de succinilcolina

Anestésicos locais

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9. Os anestésicos locais foram associados com todas as complicações seguintes, EXCETO: A. Toxicidade neural direta B. Comprometimento transitório da liberação de adrenocorticoides C. Toxicidade direta aos miócitos D. Reações alérgicas 10. Uma mulher de 62 anos com osteoartrite grave está agendada para uma substituição total do joelho esquerdo com anestesia regional sob sedação leve. Dois minutos após receber um bloqueio regional paravertebral com 30 mL de bupivacaína a 0,25%, ela apresenta fibrilação ventricular. Todas as intervenções seguintes podem ser consideradas no tratamento da toxicidade sistêmica por anestésico local, EXCETO: A. Realizar bypass cardiopulmonar B. Administrar 50 ␮g de adrenalina intravenosa C. Administrar 150 mg de amiodarona intravenosa D. Administrar 100 mg de lidocaína intravenosa

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Farmacologia cardiovascular Kelly A. Linn Paul S. Pagel

13

Este capítulo revisa a farmacologia cardiovascular de medicações usadas para alterar a hemodinâmica durante cirurgia e na unidade de cuidados intensivos, incluindo as catecolaminas endógenas e sintéticas, simpaticomiméticos, milrinona, vasopressina e medicações anti-hipertensivas.

I. Catecolaminas Os subtipos do receptor adrenérgico ␣, ␤ e dopamina são responsáveis por mediar os efeitos cardiovasculares das catecolaminas endógenas (adrenalina, noradrenalina, dopamina) e sintéticas (dobutamina, isoproterenol) (Fig. 13.1). Todos esses fármacos ativam os adrenorreceptores ␤1 localizados na membrana do sarcolema dos miócitos atrial e ventricular em vários graus. Essa estimulação do adrenorreceptor ␤1 causa efeitos cronotrópicos (frequência cardíaca), dromotrópicos (velocidade de condução), inotrópicos (contratilidade) e lusitrópicos (relaxamento) positivos. O adrenorreceptor ␤1 está acoplado a uma proteína estimulatória de ligação com o nucleotídeo guanina (GS), que ativa a enzima intracelular adenilciclase, assim acelerando a formação do segundo mensageiro, o monofosfato de adenosina cíclico (AMPc), a partir do trifosfato de adenosina (ATP, do inglês adenosine triphosphate) (Fig. 13.2). Três consequências principais resultam da ativação dessa cascata de sinalização: (a) mais cálcio (Ca2⫹) está disponível para ativação contrátil; (b) a eficácia do ativador Ca2⫹ na troponina C do aparelho contrátil é aumentada; e (c) a remoção do Ca2⫹ do aparelho contrátil e do sarcoplasma após a contração é acelerada. Nota-se prontamente que as duas primeiras ações produzem um aumento direto na contratilidade, enquanto a terceira resulta em um relaxamento miocárdico mais rápido durante o início da diástole. De fato, o tratamento da disfunção do ventrículo esquerdo (VE) aguda ou crônica é o motivo primário para o uso perioperatório das catecolaminas. A forma como as catecolaminas agem sob essas condições clínicas pode ser afetada pela densidade relativa e pela integridade funcional do adrenorreceptor ␤1 e sua cascata de sinalização porque a down-regulation do receptor e a homeostase anormal do Ca2⫹ intracelular são características de insuficiência cardíaca.

As catecolaminas ativam os adrenorreceptores ␤1, que, por sua vez, aceleram a formação do segundo mensageiro, monofosfato de adenosina cíclico.

230

Fundamentos de anestesiologia clínica Catecolaminas endógenas HO

HO

CH2

HO

CH2

CH

HO

NH2

CH2

NH2

HO Noradrenalina

Dopamina HO

CH

HO

CH2

NH

CH3

HO Adrenalina Catecolaminas sintéticas HO CH3 CH

HO

CH2

NH

CH CH3

HO Isoproterenol HO

HO

CH2

CH2

NH

CH

CH2

CH2

HO

CH3 Dobutamina

FIGURA 13.1

Os adrenorreceptores ␣1 são os principais reguladores do tônus vasomotor, incluindo a resistência vascular sistêmica e a capacitância venosa.

Estrutura química da catecolamina.

Os efeitos circulatórios das catecolaminas em outros territórios perfundidos são dependentes da distribuição específica dos subtipos de adrenorreceptores ␣ e ␤ em cada tecido (Tab. 13.1). As diferenças na estrutura química de cada catecolamina e sua relativa seletividade pelos adrenorreceptores também influenciam as ações vasculares periféricas dessas medicações. Essa seletividade com frequência é relacionada à dose (Tab. 13.2); a dopamina fornece uma ilustração pedagógica útil desse princípio. Doses baixas dessa catecolamina estimulam predominantemente os subtipos 1 e 2 dos receptores da dopamina (DA1 e DA2, respectivamente), causando vasodilatação arterial, mas doses progressivamente maiores ativam sequencialmente os adrenorreceptores ␤1 e ␣1, aumentando a contratilidade e causando vasoconstrição arterial, respectivamente. Os adrenorreceptores ␣1 são os principais reguladores do tônus vasomotor como resultado da sua localização nas artérias, arteríolas e veias. Assim, as catecolaminas que exercem atividade agonista substancial no adrenorreceptor ␣1 (p. ex., noradrenalina) aumentam a resistência vascular sistêmica e reduzem a capacitância venosa por meio de vasoconstrição arterial e venosa, respectivamente. A vasoconstrição mediada pelo adrenorreceptor ␣1 ocorre por meio da fosfolipase C-inositol 1,4,5-trifosfatase, sinalizando por meio de uma proteína inibitória da ligação do nucleotídeo guanina (G1) (Fig. 13.3). Essa cascata abre os canais de Ca2⫹, libera o Ca2⫹ dos depósitos intracelulares (retículo sarcoplásmico e calmodulina) e ativa várias cinases proteicas dependentes do Ca2⫹; a soma total desses eventos causa um aumento na concentração de Ca2⫹ intracelular e contração das células de músculo liso vascular. Enquanto os adrenorreceptores ␣1 são os principais alvos para as catecolaminas nos vasos sanguíneos

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

␤-agonista ␤-receptor

Membrana celular

↑ Gs-GTP + +

Ativação dos canais de Ca2+

Adenilato-ciclase ↑ AMPc

+

Cinase proteica dependente de AMPc

↑ Fosfolambam fosforilada +

↑ Ca2+ citosólico + Interação actina-miosina-troponina

Cronotropismo positiva

+

Aumento da captação de Ca2+ pelo RS

Inotropismo positivo

Vasodilatação

FIGURA 13.2 Esquema do mecanismo de ação dos agonistas ␤-adrenérgicos. (De Gillies M, Bellomo R, Doolan L, et al. Bench-to-bedside review: Inotropic drug therapy after adult cardiac surgery – a systemic literature review. Crit Care. 2005;9:266–279, com permissão.)

␣-agonista α1-receptor

Membrana celular

Gq + Fosfolipase C PiP2 +

DAG

↑ IP3

+

+ ↑ Ca2+ citosólico

+

Proteína cinase C

+ Proteína cinase dependente da calmodulina + Vasoconstrição

FIGURA 13.3 Esquema do mecanismo de ação dos agonistas ␣-adrenérgicos. (De Gillies M, Bellomo R, Doolan L, et al. Bench-to-bedside review: Inotropic drug therapy after adult cardiac surgery – a systemic literature review. Crit Care. 2005;9:266–279, com permissão.)

231

232

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 13.1

Receptores adrenérgicos: ordem de potência de agonistas e antagonistas

Receptor Potência ␣1

⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹ ⫹

a

Agonistasb Noradrenalina Adrenalina Dopamina Isoproterenol

Antagonistas c

Fenoxibenzamina Fentolaminac Alcaloides do ergotc Prazosin Tolazolinac Labetalolc

Localização

Ação

Músculo liso (vascular, íris, radial, ureter, pilomotor, útero, trígono, gastrintestinal e esfíncter vesical) Cérebro Músculo liso (gastrintestinal) Coração Glândulas salivares

Contração Vasoconstrição

Tecido adiposo Glândulas sudoríparas (localizadas) Rim (túbulos proximais)

Neurotransmissão Relaxamento Glicogenólise d Força aumentada, glicólise Secreção (K⫹, H2O) Glicogênese Secreção Gliconeogênese Reabsorção de Na⫹

␣2

⫹⫹⫹⫹

Clonidina

Ioimbina

Terminações nervosas adrenérgicas

⫹⫹⫹ ⫹⫹ ⫹⫹

Noradrenalina Adrenalina Noradrenalina

Piperoxan c Fentolamina Fenoxibenzamidac

Pré-sináptica-SNC



Fenilefrina

Tolazolina Labetalolc

Plaquetas

Agregação, liberação de grânulos

Tecido adiposo Pâncreas endócrino

Inibição da lipólise Inibição da liberação da insulina Contração Doença por inibição da renina Neurotransmissão

c

Músculo liso vascular Rim Cérebro ␤1

Inibição da liberação da noradrenalina

c

⫹⫹⫹⫹

Isoproterenol

Acebutolol

⫹⫹⫹ ⫹⫹

Adrenalina Noradrenalina

Practolol c Propranolol



Dopamina

Alprenololc Metoprolol Esmolol

Coração

Aumento da frequência, da contratilidade, da velocidade de condução Vasodilatação coronariana

Tecido adiposo

Lipólise

(continua)

Capítulo 13 TABELA 13.1

a

Agonistasb

Antagonistas

⫹⫹⫹⫹

c

c

Isoproterenol

Propranolol

⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹

Adrenalina Noradrenalina Dopamina

Butoxamina Alprenolol Esmolol Nadolol Timolol Labetolol

DA1

DA2

233

Receptores adrenérgicos: ordem de potência de agonistas e antagonistas (continuação)

Receptor Potência ␤2

Farmacologia cardiovascular

⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹ ⫹

Fenoldopam Dopamina Adrenalina

⫹ ⫹⫹ ⫹

Metoclopramida Fenotiazinas Dopamina Domperidona Bromocriptina

Haloperidol Droperidol

Localização

Ação

Fígado

Glicogenólise, gliconeogênese

Músculo esquelético

Glicogenólise, liberação de lactato

Músculo liso (brônquios, útero, vascular, gastrintestinal, detrusor, cápsula do baço) Pâncreas endócrino Glândulas salivares

Relaxamento

Músculo liso vascular

Vasodilatação

Secreção de insulina Secreção de amilase

Renal e mesentério Terminações nervosas pré-sinápticas adrenérgicas

Inibe a liberação de noradrenalina

SNC, sistema nervoso central; DA, dopamina. a Os sinais de adição (⫹) indicam a força da potência. b Listados em ordem decrescente de potência. c Não seletivos. d As respostas ␤1-adrenérgicas são maiores.

cutâneos, os adrenorreceptores ␤2 predominam no músculo esquelético, e a ativação desse último subtipo de adrenorreceptor produz vasodilatação arteriolar por meio de sinalização mediada pela adenilato-ciclase. As ações das catecolaminas específicas sobre a hemodinâmica são resumidas na Tabela 13.3. Por exemplo, se uma catecolamina age primariamente por meio do adrenorreceptor ␣1 (p. ex., noradrenalina), mais provavelmente será observado um aumento na pressão arterial porque o tônus vasomotor arterial e venoso aprimorado eleva a resistência vascular sistêmica (maior pós-carga) e aumenta o retorno venoso para o coração (pré-carga aumentada), respectivamente. Em contraste, uma catecolamina com atividade adrenorreceptora ␤1 e ␤2 e pouco efeito no adrenorreceptor ␣1 (p. ex., isoproterenol) deve diminuir modestamente a pressão arterial porque reduções na resistência vascular sistêmica compensam aumentos no débito cardíaco causados por taquicardia e melhoram a contratilidade miocárdica. É importante observar que todas as catecolaminas podem causar aumento prejudicial no consumo de oxigênio miocárdico em pacientes com estenose das artérias coronarianas que limitam o fluxo e, portanto, contribuem para o desenvolvimento de isquemia miocárdica aguda. Como resultado, o uso de catecolaminas para otimizar a função do VE em pacientes com doença arterial coronariana complicada com insuficiência cardíaca congestiva requer cuidado substancial. Assim, não deve ser surpresa que um fármaco que reduz a pós-carga do VE e não um que causa efeito inotrópico positivo geralmente é a primeira escolha para melhorar o débito cardíaco em um paciente com doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca.

VÍDEO 13.1

Isoproterenol

Anafilaxia

Bradiarritmias (especialmente Torsades de pointes) Síndrome de Brugada

2-10 ␮g/min

0

⫹⫹⫹⫹

⫹⫹⫹⫹⫹

Adrenalina

⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹⫹

⫹⫹⫹

⫹⫹

Choque (cardiogênico, vasodilaInfusão: 0,01-0,10 tador) ␮g • kg⫺1 • min⫺1 Parada cardíaca Bólus: 1 mg IV a cada 3-5 Broncoespasmo/anafilaxia min (máx 0,2 mg/kg) Bradicardia sintomática ou bloIM: (1:1000): 0,1-0,5 mg queio cardíaco não responsivos a (máx 1 mg) atropina ou marca-passo

Choque (vasodilatador, cardiogênico)

Noradrenalina

⫹⫹⫹

Baixo DC (IC descompensada, choque cardiogênico, disfunção miocárdica induzida pela sepse) Bradicardia sintomática não responsiva à atropina ou marca-passo

Dobutamina

⫹⫹⫹⫹⫹

Choque (cardiogênico, vasodilatador), IC Bradicardia sintomática não responsiva à atropina ou marca-passo

0,01-3 ␮g • kg⫺1 • min⫺1

⫹⫹

␤2

⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹

␤1

2-20 ␮g • kg⫺1 • min⫺1 ⫹ (máx 40 ␮g • kg⫺1 • min⫺1)

␣1 ⫹⫹⫹⫹

Faixa de dose 2-20 ␮g • kg⫺1 • min⫺1 ⫹⫹⫹ (máx 50 ␮g • kg⫺1 • min⫺1)

Indicações clínicas

Receptor de ligação

N/A

N/A

N/A

N/A

⫹⫹⫹⫹⫹

DA

(continua)

Arritmias ventriculares; Isquemia cardíaca; Hipertensão; Hipotensão

Arritmias ventriculares; Hipertensão grave resultando em hemorragia cerebrovascular; Isquemia cardíaca; Morte súbita cardíaca

Arritmias; Bradicardia; Isquemia periférica (digital); Hipertensão (especialmente em pacientes em uso de ␤-bloqueadores não seletivos)

Taquicardia; Frequência da resposta ventricular aumentada em pacientes com fibrilação atrial; Arritmias ventriculares; Isquemia cardíaca; Hipertensão (especialmente em pacientes em uso de ␤-bloqueadores não seletivos); Hipotensão

Hipertensão grave (especialmente em pacientes em uso de ␤-bloqueadores não seletivos); Arritmias ventriculares; Isquemia cardíaca; Isquemia tissular/ gangrena (altas doses ou devido a extravasamento tissular)

Principais efeitos colaterais

Nomes de fármacos inotrópicos e vasopressores, indicações clínicas e usos terapêuticos, faixas de dose padronizadas, receptor de ligação (catecolaminas) e principais efeitos colaterais

Dopamina

Catecolaminas

Fármaco

TABELA 13.2

234 Fundamentos de anestesiologia clínica

Baixo DC (IC refratária)

Choque (vasodilatador, cardiogênico) Parada cardíaca

IC descompensada

Amrinona

Vasopressina

Levosimedan

Arritmias; Hipertensão; DC diminuído (em doses > 0,4 U/min); Isquemia cardíaca; Vasoconstrição periférica grave causando isquemia (especialmente na pele); Vasoconstrição esplâncnica Taquicardia, melhora da condução AV; Hipotensão

Receptores V1 (músculo liso vascular) Receptores V2 (sistema de ductos coletores renais)

N/A

Arritmias, melhora da condução AV (aumento da resposta ventricular na fibrilação atrial); Hipotensão; Trombocitopenia; Hepatotoxicidade

Bradicardia reflexa; Hipertensão (especialmente em pacientes em uso de ␤-bloqueadores não seletivos); Vasoconstrição periférica e visceral graves; Necrose tissular por extravasamento

Principais efeitos colaterais

N/A

N/A

DA

Arritmias ventriculares; Hipotensão; Isquemia cardíaca; Torsades de pointes

0

␤2

N/A

0

␤1

␣1, indica o receptor ␣-1; ␤1, o receptor ␤-1; ␤2, o receptor ␤-2; DA, o receptor de dopamina; 0, significa nenhuma afinidade pelo receptor, ⫹ até ⫹⫹⫹⫹⫹, afinidade relativa mínima até a máxima pelo receptor; N/A, não aplicável; IV, intravenosa; IM, intramuscular; máx., máximo; EA, estenose aórtica; VSVE, via de saída do ventrículo esquerdo; MCH, miocardiopatia hipertrófica; AV, atrioventricular. De Overgaard CB, Dzavik V. Inotropes and vasopressor: review of physiology and clinical use in cardiovascular disease. Circulation. 2008;118(10):1047-1056, com permissão.

Dose de ataque: 12-24 ␮g/kg durante 10 min Infusão: 0,05-0,2 ⫺1 ⫺1 ␮g • kg • min

Infusão: 0,01-0,1 U/min (dose fixa comum 0,04 U/min) Bólus: 40 – U IV

Bólus: 0,75 mg/kg durante 2-3 min ⫺1 Infusões: 5-10 ␮g • kg ⫺1 • min

Baixo DC (IC descompensada, após Bólus: 50 ␮g/kg em bólus cardiotomia) durante 10-30 min Infusão: 0,375-0,75 ␮g* • kg⫺1 • min⫺1 (necessário ajuste de dose na insuficiência renal)

Milrinona

IFD

Hipotensão (mediação vagal, indu- Bólus: 0,1-0,5 mg IV a cada ⫹⫹⫹⫹⫹ zida por medicação) 10-15 min PAM aumentada com EA e hipoInfusão: 0,15-0,75 tensão ␮g • kg⫺1 • min⫺1 Diminui o gradiente da VSVE na MCH

␣1

Fenilefrina

Faixa de dose

Indicações clínicas

Receptor de ligação

Nomes de fármacos inotrópicos e vasopressores, indicações clínicas e usos terapêuticos, faixas de dose padronizadas, receptor de ligação (catecolaminas) e principais efeitos colaterais (continuação)

Fármaco

TABELA 13.2

Capítulo 13 Farmacologia cardiovascular

235

50-100 ␮g

N/R

0,3-0,5 mL 1:1000 (0,3-0,5 mg) SC – asma IV – anafilaxia 5 mL 1:10.000 (0,5 mg) parada cardíaca a cada 5 min

5-10 mg

Fenilefrina

Noradrenalina

Adrenalina

Efedrina

⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹

⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹

⫹⫹⫹

N/R ⫹⫹

⫹⫹⫹⫹

⫹⫹⫹⫹

a. 1 mg/250 mL b. 4 ␮g/mL 0,01-0,03 ␮g/ kg/min c. 0,03-0,15 ␮g/kg/min 0,15-0,30 ␮g/kg/min d. 0,015 ␮g/kg/min

a. 4 mg/250 mL b. 16 ␮g/mL c. 0,01-0,1 ␮g/kg/min d. 0,1 ␮g/kg/min

⫹⫹⫹

␤1

⫹⫹⫹

␣1V ⫹⫹⫹⫹⫹ 0

␣1A

⫹⫹⫹

⫹⫹⫹⫹

?⫹

0

␤2

Local da atividade ⫹⫹⫹⫹

a. 10 mg/250 mL b. 40 ␮g/mL c. 0,15-0,75 ␮g/kg/min d. 0,15 ␮g/kg/min

Infusãoa IV

Doses

Esquema de doses e efeitos hemodinâmicos dos agonistas adrenérgicos

Fármaco listados de ␣a␤ IV bólus direto

TABELA 13.3

↑↑0

0

0

0

DA

↑↑

–↓

DC



↑–↓



Inotr

↑↑

↑ Reflexa

↓ Reflexa

Reflexa Reflexa

FC



↑↑↑

↑↑↑

RV



↑↑↑

↑↑

RP

(continua)



↓↓↓

–– ↓

FSR

Hemodinâmica (↑ aumento; ↓ diminuição; – nenhuma alteração)

236 Fundamentos de anestesiologia clínica

N/R

N/R

a. 1 mg/250 mL b. 4 ␮g/mL c. 0,15 ␮g/kg/min até o efeito desejado d. 0,015 ␮g/kg/min

a. 250 mg/250 mL b. 1000 ␮g/mL c. 2-30 ␮g/kg/min d. 5 ␮g/kg/min

a. 200 mg/250 mL b. 800 ␮g/mL 0,05-5 ␮g/kg/min c. 2-10 ␮g/kg/min 10 ␮g/kg/minb d. 2 ␮g/kg/min

␣1V

0–⫹

?

⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹

␣1A

⫹⫹⫹⫹

⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹

␤1 0

DA ↑– ↑–↓ ↑↑ ↑

DC

↑ ↑↑ –

↑↑ ↑↑ ↑↑ ↑

Inotr

– –↑ ↑↑ –

↑↑ ↑ ↑

FC

– ↑ ↑ ↑

↑ ↑ ↑ ↑↑

RV

–↓ –↑ ↑↑

↑↑ ↑↑↑ ↑↑

RP

↑ ↑ –↓

↓– ↓ ↑ ↑–↓

FSR

Hemodinâmica (↑ aumento; ↓ diminuição; – nenhuma alteração)

⫹⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹⫹⫹ ↑ ⫹⫹⫹⫹⫹ ↑↑ ↑–↓ ↑

⫹⫹

␤2

Local da atividade

IV, intravenosa; DA, dopamina; DC, débito cardíaco; Inotr, contratilidade; FC, frequência cardíaca; RV, retorno venoso (pré-carga; RP, resistência periférica (pós-carga); FSR, fluxo sanguíneo renal; N/R, não recomendado. a (a) mistura; (b) concentração ␮g/mL; (c) faixa de dose ␮g/kg/min; (d) velocidade padrão de infusão. b “Regra dos seis”. c Dopamina e dobutamina usam as mesmas doses. A dose de qualquer uma pode ser calculada rapidamente multiplicando o peso do paciente (kg) por 6 = mg adicionado a 100 mL de soro glicosado a 5%. O número de gotas fornecido por meio de um infusor calibrado (60 microgotas = 1 mL) é o número de ␮g/kg/min infundido no paciente. Exemplo, 70 kg × 6 = 420; 420 mg/100 mL = 4200 ␮g/kg ou 70 ␮g gastrenterite; 5 ␮g/kg/min = 5 gotas/min. De Lawson NW, Wallfisch HK. Pharmacology Cardiovascular: A new look at the pressors. Em: Stoelting RK, Barash PG, Gallagher TJ, eds. Advances in Anesthesia. Chicago: year Book medical Publishers; 1986:195, com permissão.

Isoproterenol 0,004 mg (0,2 mL da solução 0,2 mg/mL) Bloqueio cardíaco de terceiro grau

Dobutaminac

Dopamina

c

Infusãoa IV

Doses

Esquema de doses e efeitos hemodinâmicos dos agonistas adrenérgicos (continuação)

Fármaco listados de ␣a␤ IV bólus direto

TABELA 13.3

Capítulo 13 Farmacologia cardiovascular

237

238

Fundamentos de anestesiologia clínica

A. Adrenalina A adrenalina é uma catecolamina endógena que exerce seus efeitos cardiovasculares pela ativação dos adrenorreceptores ␣1, ␤1 e ␤2. A adrenalina estimula os adrenorreceptores ␤1 localizados nas membranas celulares das células do nodo sinoatrial e dos miócitos cardíacos para produzir efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos, respectivamente. A ativação dos adrenorreceptores ␤1 induzida pela adrenalina também melhora a frequência e a extensão do relaxamento miocárdico, facilitando assim maior enchimento do VE durante o início da diástole. A combinação dessas ações sobre a frequência cardíaca e a função sistólica e diastólica do VE causa aumento pronunciado no débito cardíaco. A taquicardia inicialmente observada durante uma infusão de adrenalina pode ser atenuada subsequentemente à medida que os reflexos mediados por barorreceptores são ativados. Como resultado, a adrenalina é especialmente útil para o tratamento da insuficiência aguda do VE durante cirurgia cardíaca porque ela aumenta de forma previsível o débito cardíaco. A adrenalina também melhora o débito cardíaco e o fornecimento de oxigênio sem causar aumentos deletérios na frequência cardíaca em pacientes sépticos hipotensos. É importante observar que o uso clínico da adrenalina pode ser limitado porque a catecolamina estimula o desenvolvimento de arritmia atrial ou ventricular. A adrenalina aumenta a velocidade de condução e reduz o período refratário no nodo atrioventricular (AV ), no feixe de His, nas fibras de Purkinje e no músculo ventricular. O efeito dromotrópico positivo da adrenalina na condução nodal AV pode causar aumentos prejudiciais na frequência ventricular na presença de flutter ou fibrilação atrial. Irritabilidade em outras partes do sistema de condução também podem precipitar arritmias ventriculares, incluindo contrações ventriculares prematuras, taquicardia ventricular e fibrilação ventricular especialmente na presença de um substrato arritmogênico preexistente (p. ex., isquemia miocárdica regional ou infarto, miocardiopatia). A adrenalina causa vasoconstrição do músculo liso vascular arteriolar nos territórios de perfusão cutânea, esplâncnica e renal por meio de seus efeitos no adrenorreceptor ␣1, mas a catecolamina também produz simultaneamente vasodilatação na circulação do músculo esquelético como resultado de ativação do adrenorreceptor ␤2. Essas observações enfatizam que a distribuição de adrenorreceptores ␣1 e ␤2 órgão-específica determina o efeito global da adrenalina no fluxo sanguíneo. Esses efeitos também são dependentes da dose: doses menores de adrenalina estimulam os adrenorreceptores ␤2, causando vasodilatação periférica e declínios modestos na pressão arterial, e doses maiores da catecolamina ativam os adrenorreceptores ␣1, aumentando, assim, a resistência vascular sistêmica e a pressão arterial. Uma alta densidade dos adrenorreceptores ␣1 também está presente na circulação venosa, e, como resultado, a adrenalina produz venoconstricção e aumenta o retorno venoso. A adrenalina também causa vasoconstrição da árvore arterial pulmonar e aumenta as pressões arteriais pulmonares por meio da ativação do adrenorreceptor ␣1. Os adrenorreceptores ␣1 e ␤2 existem na circulação coronariano, mas esses subtipos de receptor têm papéis menores no estabelecimento da perfusão coronariana durante a administração de adrenalina. O aumento no fluxo sanguíneo coronariano induzido pela adrenalina ocorre principalmente devido à autorregulação metabólica: aumento na demanda de oxigênio miocárdico resultante de aumentos na frequência cardíaca, contratilidade, pré-carga e pós-carga são responsáveis pela vasodilatação coronariana. No entanto, a adrenalina pode causar vasoconstrição coronariana epicárdica e reduzir o fluxo sanguíneo coronariano em situações em que a vasodilatação coronariana máxima está presente (p. ex., isquemia miocárdica aguda distal a uma estenose coronariana grave) por meio de estimulação direta de adrenorreceptores ␣1.

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

A administração prévia de antagonistas dos adrenorreceptores ␣ e ␤ influencia os efeitos cardiovasculares da adrenalina. Por exemplo, a adrenalina causa aumentos maiores na resistência vascular sistêmica e na pressão arterial quando administrada após o ␤-bloqueador não seletivo propranolol porque a vasodilatação arterial mediada pelo adrenorreceptor ␤2 não mais se opõe à vasoconstrição induzida pelo adrenorreceptor ␣1. O ␤-bloqueio estabelecido também inibe competitivamente a ativação do adrenorreceptor ␤1 pela adrenalina, atenuando, assim, os efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos das catecolaminas. Tal bloqueio competitivo apenas pode ser superado por doses maiores de adrenalina. De fato, os efeitos hemodinâmicos da adrenalina podem ser similares aos do agonista puro dos adrenorreceptores ␣1 fenilefrina (ver adiante) na presença de bloqueio completo dos adrenorreceptores ␤1 e ␤2.

B. Noradrenalina A noradrenalina é o neurotransmissor que é liberado pelos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. Essa catecolamina ativa os adrenorreceptores ␣1 e ␤1 do mesmo modo que a adrenalina, mas a noradrenalina exerce pouco ou nenhum efeito nos adrenorreceptores ␤2. Como resultado, a noradrenalina melhora a contratilidade miocárdica enquanto simultaneamente causa vasoconstrição arterial. Essas ações aumentam de forma significativa a pressão arterial, mas o débito cardíaco permanece inalterado. Em contraste, os agonistas adrenorreceptores ␣1 puros, como a fenilefrina, causam diminuições previsíveis relacionadas à dose no débito cardíaco porque os aumentos simultâneos na contratilidade mediados pelo adrenorreceptor ␤1 não ocorrem. Ao contrário da adrenalina, a noradrenalina em geral não aumenta a frequência cardíaca porque o aumento da pressão arterial estimula reflexos mediados pelo barorreceptor. Essa ação normalmente contrabalança o cronotropismo positivo direto da ativação do adrenorreceptor ␤1. Em geral, aumentos maiores na resistência vascular sistêmica e na pressão diastólica são observados durante a administração da noradrenalina comparada com doses similares de adrenalina. A noradrenalina também causa constricção dos vasos de capacitância venosa por meio da estimulação dos adrenorreceptores ␣1, aumentando, assim, o retorno venoso e o volume de ejeção. A noradrenalina é especialmente útil para o tratamento da hipotensão refratária durante condições patológicas nas quais ocorre vasodilatação acentuada. Por exemplo, a noradrenalina aumenta a pressão arterial, o índice cardíaco e o débito urinário em pacientes com sepse. A noradrenalina também é útil para o tratamento da síndrome vasoplégica, um estado hipotensivo associado com baixa resistência vascular sistêmica que às vezes ocorre durante bypass cardiopulmonar prolongado em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. A noradrenalina aumenta a pressão de perfusão coronariana em pacientes com doença arterial coronariana grave, mas o fármaco pode causar espasmo de enxertos da artéria mamária interna ou da artéria radial usados em cirurgia de bypass de artéria coronária (CABG, do inglês coronary artery bypass graft) por meio de ativação do adrenorreceptor ␣1. A noradrenalina está associada com o desenvolvimento de arritmias ventriculares e supraventriculares, mas os efeitos arritmogênicos potenciais dessa catecolamina são menores do que aqueles da adrenalina. Como resultado, pode ser adequado substituir a adrenalina pela noradrenalina ao tratar o choque cardiogênico na presença de arritmias atriais ou ventriculares significativas. A noradrenalina estimula os adrenorreceptores ␣1 da artéria pulmonar e causa aumentos nas pressões da artéria pulmonar dose-dependente que podem precipitar disfunção ventricular direita, pois essa câmara é menos apta a tolerar elevações agudas na pós-carga do que o VE. A adição de um vasodilatador pulmonar seletivo, como o óxido nítrico inalatório, pode ser benéfico para atenuar as ações da noradrenalina como vasoconstritor pulmonar direto quando o fármaco é usado para tratar disfunção do VE em

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Em pacientes com bloqueio completo ␤1 e ␤2, a adrenalina produz efeitos hemodinâmicos similares a um agonista puro do adrenorreceptor ␣1 como a fenilefrina.

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Fundamentos de anestesiologia clínica pacientes com hipertensão pulmonar. Reduções dose-dependente no fluxo sanguíneo hepático, músculo esquelético, esplâncnico e renal ocorrem durante a administração de noradrenalina por meio de ativação do adrenorreceptor ␣1 quando a pressão arterial é normal ou levemente reduzida. No entanto, na presença de hipotensão profunda (p. ex., sepse), a noradrenalina aumenta a pressão de perfusão e o fluxo sanguíneo para esses leitos vasculares. Todavia, reduções sustentadas no fluxo sanguíneo renal e esplâncnico representam uma limitação importante no uso prolongado da noradrenalina.

C. Dopamina A dopamina é o precursor bioquímico da noradrenalina e ativa diferentes subtipos de receptores adrenérgicos e dopaminérgicos de forma dose-dependente. Baixas doses da dopamina (geralmente abaixo de 3 ␮g/kg/min) aumentam seletivamente o fluxo sanguíneo renal e esplâncnico por meio de ativação dos receptores DA1 e também reduzem a liberação da noradrenalina a partir dos gânglios autonômicos do sistema nervoso e de neurônios adrenérgicos por meio de um mecanismo mediado pelo receptor DA2. Esses efeitos combinados produzem um declínio modesto na pressão arterial. Doses moderadas (3-8 ␮g/kg/min) de dopamina ativam receptores, tanto ␣1 quanto ␤1, enquanto altas doses (de mais de 10 ␮g/kg/min) agem quase exclusivamente nos adrenorreceptores ␣1 para aumentar a pressão arterial por meio de vasoconstrição arteriolar. Contudo, é importante observar que essa descrição direta de dose-resposta da farmacodinâmica da dopamina é muito simplista, pois diferenças na densidade e na regulação do receptor, nas interações medicamentosas e na variabilidade do paciente causam uma ampla faixa de respostas clínicas à catecolamina. Por exemplo, acreditava-se que baixas doses de dopamina forneciam proteção renal por meio de aumentos apenas no fluxo sanguíneo renal mediado pelo receptor DA1, mas atualmente está claro que baixas doses de dopamina também estimulam os adrenorreceptores ␣1 e ␤1, que podem ofuscar o efeito dopaminérgico pretendido da catecolamina. Alternativamente, o fluxo sanguíneo renal e o débito urinário podem ser mantidos (e não reduzidos) durante a administração de doses mais altas de dopamina porque os receptores DA1 continuam a ser ativados, a despeito de um efeito agonista do adrenorreceptor ␣1 predominante. Tais respostas variáveis podem explicar, pelo menos em parte, porque a dopamina falha em fornecer consistentemente efeitos protetores renais apesar de causar aumentos modestos na perfusão renal e débito urinário. A dopamina com frequência é usada para suporte inotrópico em pacientes com disfunção ventricular esquerda aguda. Essa ação ocorre como resultado da ativação dos adrenorreceptores ␤1. A dopamina também estimula os adrenorreceptores ␣1 arterial e venoso, aumentando, desse modo, a pós-carga do VE e melhorando o retorno venoso, respectivamente. Assim, a dopamina aumenta a pressão arterial. O uso da dopamina para o tratamento da hipotensão associado com disfunção cardíaca contrátil pode ser limitado, de certa forma, em pacientes com hipertensão pulmonar preexistente ou pré-carga elevada. As pressões atrial direita, arterial pulmonar média e capilar pulmonar foram maiores em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca após bypass cardiopulmonar que haviam recebido dopamina comparados com os que receberam dobutamina, a despeito de produzir um débito cardíaco similar. A dopamina também pode causar maiores aumentos na frequência cardíaca do que a adrenalina em pacientes de cirurgia cardíaca. A infusão de vasodilatador arterial (p. ex., nitroprussiato de sódio) pode ser usada para mitigar os aumentos na pós-carga do VE associados com a administração de dopamina e, ao fazê-lo, é possível aumentar ainda mais o débito cardíaco. Contudo, a administração de um vasodilatador inotrópico (inodilatador), como a milrinona, substituiu amplamente essa abordagem “dopamina mais nitroprussiato”. Assim como a adrenalina e a noradrenalina, a dopamina aumenta o consumo de oxigênio do mio-

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

cárdio e pode piorar a isquemia miocárdica na presença de estenose coronariana hemodinamicamente significativa.

D. Dobutamina A dobutamina é uma catecolamina sintética composta de dois estereoisômeros (negativo e positivo), os quais estimulam os adrenorreceptores ␤, enquanto esses estereoisômeros produzem efeitos agonistas e antagonistas opostos nos adrenorreceptores ␣1. Como resultado, a dobutamina causa uma potente estimulação dos adrenorreceptores ␤, mas exerce pouco ou nenhum efeito nos adrenorreceptores ␣1 quando administrada em velocidade de infusão < 5 ␮g/kg/min. Com base nessa farmacologia única dos receptores adrenérgicos, a dobutamina melhora a contratilidade miocárdica e reduz de forma modesta o tônus vasomotor arterial por meio da ativação dos adrenorreceptores ␤1 e ␤2, respectivamente. Essas propriedades se combinam para aumentar substancialmente o débito cardíaco na presença ou ausência de disfunção do VE. Notavelmente, o isômero negativo da dobutamina começa a estimular o adrenorreceptor ␣1 com velocidade de infusão > 5 ␮g/kg/min, uma ação que limita a magnitude da vasodilatação mediada pelo adrenorreceptor ␤2. Esse efeito preserva a pré-carga e a pós-carga do VE e a pressão arterial, mantém aumentos no débito cardíaco e pode servir para atenuar a taquicardia mediada pelos reflexos dos barorreceptores profundos que podem ocorrer. A despeito desse último efeito, a dobutamina comumente aumenta a frequência cardíaca de forma acentuada por efeito cronotrópico direto resultante de estimulação do adrenorreceptor ␤1. De fato, a dobutamina causa frequências cardíacas significativamente mais altas do que a adrenalina em valores equivalentes de índice cardíaco em pacientes submetidos à cirurgia de CABG. A taquicardia induzida pela dobutamina e a maior contratilidade aumentam diretamente o consumo de oxigênio miocárdico e podem causar isquemia miocárdica “de demanda” em pacientes com estenose coronariana com limitação de fluxo. A propensão da dobutamina em produzir isquemia miocárdica de demanda em tais circunstâncias é o princípio subjacente por trás do ecocardiograma de esforço com dobutamina como ferramenta diagnóstica para a detecção de doença das artérias coronárias, uma vez que ocorrem anormalidades regionais de movimentação da parede nos territórios afetados pela perfusão coronariana em resposta à desproporção transitória entre oferta e demanda de oxigênio ao miocárdio. Por outro lado, a dobutamina pode reduzir a frequência cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada porque aumentos no débito cardíaco e no fornecimento de oxigênio sistêmico resultantes da administração do fármaco são capazes de reduzir o tônus cronicamente elevado do sistema nervoso simpático que ocorre na insuficiência cardíaca. A dobutamina também pode reduzir favoravelmente o consumo miocárdico de oxigênio no coração em falência porque a ativação do adrenorreceptor ␤2 diminui a pré-carga e a pós-carga do VE e, consequentemente, a pressão diastólica final do VE e a tensão sistólica final da parede, respectivamente. Declínios nas pressões da artéria pulmonar e na resistência vascular pulmonar mediados pela ativação do adrenorreceptor ␤2 ocorrem durante a administração de dobutamina. Essa propriedade torna a dobutamina um fármaco inotrópico útil para melhorar o débito cardíaco em pacientes de cirurgia cardíaca com hipertensão pulmonar preexistente. É importante lembrar que a dopamina, em contraste com a dobutamina, ativa os adrenorreceptores ␣1 na circulação pulmonar e nos vasos de capacitância venosa, aumentando, assim, a pressão na artéria pulmonar e a pré-carga do VE, respectivamente. Desse modo, a dobutamina pode oferecer uma vantagem em relação à dopamina em pacientes com insuficiência cardíaca acompanhada de aumento da resistência vascular pulmonar e com pressões de enchimento do VE elevadas. Todavia, a vasodilatação pulmonar induzida pela dobutamina tem o potencial de aumentar o

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Fundamentos de anestesiologia clínica shunt transpulmonar e causar hipoxemia relativa em tais condições. A dobutamina não ativa receptores dopaminérgicos, mas o fármaco pode melhorar a perfusão renal como resultado de aumentos no débito cardíaco. Apesar dos efeitos cardiovasculares benéficos teóricos mencionados previamente, vários estudos clínicos demonstraram que o uso da dobutamina estava ligado a uma maior incidência de eventos cardíacos adversos importantes, incluindo mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca. Como resultado, os autores não mais recomendam o uso da dobutamina para suporte inotrópico nessas condições.

E. Isoproterenol O isoproterenol é uma catecolamina sintética agonista não seletiva do adrenorreceptor ␤ que não exerce quase nenhuma atividade nos adrenorreceptores ␣. Historicamente, o isoproterenol foi usado como “marca-passo farmacológico” porque ele causa aumentos sustentados na frequência cardíaca em pacientes com bradiarritmias sintomáticas ou bloqueio da condução AV (p. ex., bloqueio de segundo grau Mobitz tipo II, bloqueio de terceiro grau). O isoproterenol também foi usado durante transplante cardíaco para aumentar a frequência cardíaca e a contratilidade miocárdica no coração transplantado desnervado. Contudo, o uso de catecolamina nessas indicações foi amplamente suplantado pelo uso de marca-passo transcutâneo ou transvenoso, em especial diante da propensão do fármaco em causar taquiarritmias supraventriculares e ventriculares indesejadas. O isoproterenol também foi usado para tratar a disfunção ventricular direita associada com hipertensão pulmonar grave porque o fármaco reduz a resistência vascular pulmonar. Contudo, os vasodilatadores pulmonares seletivos inalatórios (p. ex., óxido nítrico, prostaglandina E1) são mais eficazes e causam menos efeitos adversos nessa situação. O uso clínico do isoproterenol é bastante limitado atualmente, mas sua farmacologia característica comparada com a das catecolaminas continua a torná-lo digno de discussão. O isoproterenol causa vasodilatação arteriolar mediada por adrenorreceptores ␤2 nos músculos esqueléticos e também dilata as circulações renal e esplâncnica, assim reduzindo a resistência vascular sistêmica. Como resultado desses efeitos vasculares periféricos, o fármaco reduz seletivamente as pressões arteriais diastólica e média enquanto a pressão arterial sistólica geralmente é mantida. O isoproterenol causa efeitos cronotrópicos e dromotrópicos positivos diretos por meio de ativação dos adrenorreceptores ␤1, mas a frequência cardíaca também aumenta porque os reflexos dos barorreceptores são estimulados em resposta aos declínios na pressão arterial. O isoproterenol é um inotrópico positivo, mas o débito cardíaco pode não ser aumentado de forma confiável durante sua administração porque a taquicardia acentuada impede o enchimento ideal do VE e a venodilatação mediada pelo adrenorreceptor ␤2 reduz o retorno venoso. Aumentos no consumo do oxigênio miocárdico dose-dependentes ocorrem com o isoproterenol acompanhado por reduções simultâneas na pressão de perfusão coronariana e tempo de enchimento diastólico. Essas ações podem contribuir para isquemia miocárdica aguda ou necrose subendocárdica, especialmente na presença de doença arterial coronariana.

II. Simpaticomiméticos A. Efedrina A efedrina é um fármaco simpaticomimético que exerce ações diretas e indiretas nos adrenorreceptores. O transporte da efedrina para os terminais pré-sinápticos dos adrenorreceptores ␣1 e ␤1 desloca a noradrenalina das vesículas sinápticas. A noradrenalina então é liberada para ativar os receptores pós-sinápticos correspondentes

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

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para produzir vasoconstrição arterial e venosa e aumento da contratilidade miocárdica. Esse efeito indireto é o efeito farmacológico predominante da efedrina, mas o fármaco também estimula diretamente os adrenorreceptores ␤2, limitando, assim, aumentos na pressão arterial resultantes da ativação dos adrenorreceptores ␣1. Nesse caso, os efeitos cardiovasculares iniciais da efedrina lembram aqueles da adrenalina porque são observados aumentos dose-dependentes na frequência cardíaca, no débito cardíaco e na resistência vascular sistêmica. Contudo, a taquifilaxia para os efeitos hemodinâmicos da efedrina ocorre com a administração repetitiva do fármaco porque os depósitos pré-sinápticos da noradrenalina são depletados rapidamente. Essa taquifilaxia não é observada com a adrenalina porque a catecolamina age diretamente nos adrenorreceptores ␣ e ␤ independentemente da estimulação indireta da liberação da noradrenalina. Notavelmente, os fármacos que bloqueiam a captação da efedrina nos nervos adrenérgicos e aqueles que depletam as reservas de noradrenalina (p. ex., cocaína e reserpina, respectivamente) previsivelmente atenuam os efeitos cardiovasculares da efedrina. A efedrina é usada mais frequentemente em bólus intravenoso para tratar a hipotensão aguda acompanhada de reduções na frequência cardíaca.

B. Fenilefrina A estrutura química da fenilefrina é muito similar à da adrenalina: o fármaco simpaticomimético não tem a metade hidroxil que está presente no anel fenil da catecolamina endógena. Como resultado dessa pequena modificação, a fenilefrina estimula quase exclusivamente os adrenorreceptores ␣1 para produzir vasoconstrição, enquanto exercem pouco ou nenhum efeito nos adrenorreceptores ␤, exceto quando administrada em grandes doses. Ao contrário da efedrina, a fenilefrina não é dependente do deslocamento da noradrenalina pré-sináptica e, assim, age diretamente nos adrenorreceptores ␣1 para produzir seus efeitos cardiovasculares. A fenilefrina contrai os vasos de capacitância venosa e causa vasoconstrição cutânea, dos músculos esqueléticos, esplâncnica e renal para aumentar a pré-carga e a pós-carga, respectivamente. Essas ações produzem aumentos dose-dependentes na pressão arterial. Reduções na frequência cardíaca (mediadas por ativação do reflexo barorreceptor) e no débito cardíaco também ocorrem. A fenilefrina aumenta a pressão na artéria pulmonar por meio de vasoconstricção arterial pulmonar e, como consequência, de melhora no retorno venoso. Bólus ou infusões intravenosas de fenilefrina são usados com mais frequência no intraoperatorio para o tratamento a curto prazo da hipotensão resultante da vasodilatação. Ao contrário das catecolaminas, a fenilefrina não é arritmogênica.

A fenilefrina estimula os adrenorreceptores ␣1 quase exclusivamente e tem pouco ou nenhum efeito nos adrenorreceptores ␤.

III. Milrinona As fosfodiesterases são enzimas que hidrolisam e terminam as ações intracelulares dos segundos mensageiros do monofosfato cíclico, incluindo o AMPc em uma variedade de tecidos. De maior relevância neste capítulo, o miocárdio humano contém a isoenzima fosfodiesterase do tipo III, que é ligada ao retículo sarcoplásmico e realiza a clivagem do AMPc ativo em seu metabólito inativo monofosfato de adenosina. A milrinona é um inibidor bipiridínico relativamente seletivo dessa fosfodiesterase cardíaca do tipo III, que preserva a concentração de AMPc intracelular por prevenir a degradação do segundo mensageiro. Essa ação aumenta a disponibilidade sistólica de Ca2⫹ por melhorar a entrada trans-sarcolêmica de Ca2⫹ e a liberação de Ca2⫹ induzida pelo Ca2⫹ a partir do retículo sarcoplásmico para produzir um efeito inotrópico positivo independente do adrenorreceptor ␤1. A inibição do metabolismo do AMPc pela milrinona facilita simultaneamente a remoção diastólica de Ca2⫹ do sarcoplasma para melhorar a velocidade e a extensão do relaxamento miocárdico. Esse efeito lusitrópico positivo da milrinona

A milrinona aumenta a contratilidade cardíaca pela inibição da fosfodiesterase cardíaca do tipo III, a enzima responsável pela quebra do monofosfato cíclico de adenosina.

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Fundamentos de anestesiologia clínica pode melhorar a função diastólica em pacientes com insuficiência cardíaca. A milrinona causa potente vasodilatação arterial sistêmica e pulmonar mediada pelo monofosfato de guanosina cíclico (cGMP, do inglês cyclic guanosine monophosphate) no músculo liso vascular. De fato, a milrinona produz maior vasodilatação do que as catecolaminas, incluindo a dobutamina e o isoproterenol. A combinação de efeitos inotrópicos positivos e vasodilatação arterial aumenta o débito cardíaco de modo dose-dependente, apesar de declínios na pré-carga resultantes de dilatação dos vasos de capacitância venosa. A pressão arterial média pode ser modestamente reduzida durante a infusão do fármaco, a não ser que seja administrada uma pré-carga adicional. A milrinona diminui a resistência vascular pulmonar, e essa ação pode ser especialmente benéfica em pacientes com hipertensão pulmonar que estão sendo submetidos à cirurgia cardíaca. Contudo, as propriedades vasodilatadoras pulmonares da milrinona têm o potencial de aumentar o shunt intrapulmonar e causar hipoxemia arterial. A milrinona causa aumentos menos pronunciados na frequência cardíaca do que as catecolaminas como a dobutamina, mas o inibidor da fosfodiesterase é arritmogênico devido às suas ações na homeostasia intracelular do Ca2⫹. A milrinona também inibe a agregação plaquetária sem produzir trombocitopenia, atenua a resposta inflamatória das citocinas ao bypass cardiopulmonar e dilata as artérias coronárias epicárdicas nativas e os condutos arteriais enxertados. Essas ações são potencialmente anti-isquêmicas em pacientes com doença das artérias coronárias submetidos à cirurgia de bypass aorto-coronariano. É importante reconhecer que o uso da milrinona como inotrópico positivo pode ser parcialmente atenuado no coração em falência, mas não no grau visto comumente com os agonistas dos adrenorreceptores ␤1. Como resultado, o inibidor da fosfodiesterase continua a melhorar efetivamente a contratilidade miocárdica na insuficiência cardíaca descompensada, a despeito da presença de down-regulation concomitante do adrenorreceptor ␤1. A combinação de milrinona e um agonista do adrenorreceptor ␤1 é usada com frequência para ajudar no desmame do bypass cardiopulmonar em pacientes com função sistólica do VE substancialmente deprimida devido às ações sinérgicas desses fármacos na sinalização intracelular mediada pelo AMPc.

IV. Vasopressina A vasopressina (hormônio antidiurético) é um hormônio peptídeo liberado a partir da hipófise posterior que regula a reabsorção de água nos rins e exerce potentes efeitos hemodinâmicos independentemente dos receptores adrenérgicos. Os receptores de vasopressina consistem em três subtipos (V1, V2 e V3); todos são proteínas de membrana com cinco subunidades helicoidais acopladas a proteínas G. Os efeitos cardiovasculares da vasopressina são mediados predominantemente pelos receptores V1, que estão localizados na membrana celular do músculo liso vascular. A ativação do subtipo do receptor V1 estimula a fosfolipase C e desencadeia a hidrólise do inositol 4,5-bifosfato em inositol 1,4,5-trifosfato e diacilglicerol. Esses segundos mensageiros aumentam a concentração de Ca2⫹ intracelular e produzem contração das células do músculo liso vascular. Os receptores V2 estão presentes nas células dos ductos coletores renais e, quando ativados, aumentam a reabsorção de água livre, enquanto os receptores V3 descritos mais recentemente estão localizados na hipófise. Junto com o sistema nervoso simpático e o eixo renina-angiotensina-aldosterona, a vasopressina endógena tem um papel crucial na manutenção da pressão arterial. A administração de vasopressina exógena não afeta substancialmente a pressão arterial em pacientes conscientes e saudáveis porque a ativação de receptores V1 centrais na área postrema aumenta a inibição mediada pelo reflexo barorreceptor do estímulo nervoso simpático eferente que equilibra a elevada resistência vascular sistêmica resultante

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

da vasoconstrição arterial induzida por V1. Em contraste, os mecanismos vasopressinérgicos são essenciais para a manutenção da pressão arterial em condições nas quais está presente disfunção do sistema nervoso simpático ou do eixo renina-angiotensina-aldosterona. De fato, a administração exógena de vasopressina mantém efetivamente a pressão arterial quando há uma deficiência relativa de vasopressina (p. ex., hipotensão refratária à catecolamina, choque por vasodilatação, sepse, parada cardíaca). Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina e os bloqueadores do receptor da angiotensina II usados para tratar hipertensão também afetam o sistema nervoso autônomo e a função do eixo renina-angiotensina-aldosterona. A hipotensão intraoperatória que é relativamente refratária à administração de catecolaminas ou simpaticomiméticos tem sido descrita repetidamente em pacientes que são tratados com essas medicações. A anestesia geral ou neuroaxial também reduz o tônus do sistema nervoso simpático, resultando em concentrações plasmáticas reduzidas do hormônio do estresse, incluindo a vasopressina. Nessas circunstâncias, a administração de vasopressina ativa os receptores V1 do músculo liso vascular e aumenta rapidamente a pressão arterial durante a anestesia por causar vasoconstrição arterial. A terapia com vasopressina tem mostrado reduzir a mortalidade associada com estados de vasodilatação aguda, como a anafilaxia. Além disso, a infusão de vasopressina é indicada para o tratamento da hipotensão grave após bypass cardiopulmonar prolongado em pacientes que, em outros aspectos, não são responsivos à fenilefrina ou noradrenalina (vasoplegia). A vasopressina é um fármaco útil para o tratamento da sepse e da parada cardíaca. A vasodilatação, que é refratária à reposição de líquidos, combinada com deficiência relativa de vasopressina endógena é uma característica da sepse. Respostas inadequadas do sistema nervoso simpático e do eixo renina-angiotensina-aldosterona à hipotensão também estão presentes na sepse. A administração de vasopressina na ausência ou na presença de outras medicações vasoativas comumente melhora a hemodinâmica e facilita a sobrevida em pacientes com sepse. O uso combinado de vasopressina com outras medicações vasoativas com frequência reduz a dose global de vasopressina necessária para manter a pressão arterial, assim limitando os efeitos adversos da vasopressina na perfusão dos órgãos. De fato, a administração sustentada de altas doses de vasopressina pode produzir isquemia mesentérica, insuficiência vascular periférica e parada cardíaca porque o fármaco causa vasoconstrição acentuada dos leitos vasculares cutâneos, musculares, esplâncnicos e coronarianos concomitantemente à redução de perfusão e de fornecimento de oxigênio para esses tecidos. A administração de bólus intravenosos de vasopressina também é usada como parte do algoritmo de suporte cardíaco avançado de vida em parada cardíaca resultante de fibrilação ventricular, atividade elétrica sem pulso e assistolia.

V. Medicações anti-hipertensivas A. ␤-bloqueadores

Muitas das ações cardiovasculares dos antagonistas dos adrenorreceptores ␤ (␤-bloqueadores) podem ser antecipadas com base em discussões anteriores sobre catecolaminas. Os ␤-bloqueadores produzem importantes efeitos anti-isquêmicos e são considerados uma terapia de primeira linha para o tratamento de pacientes com infarto do miocárdio com elevação do segmento ST na ausência de choque cardiogênico, bradiarritmias hemodinamicamente significativas ou doença reativa das vias aéreas. De fato, os ␤-bloqueadores mostraram repetidamente reduzir a mortalidade e a morbidade associadas com infarto do miocárdio em inúmeros estudos clínicos de grande porte. As diretrizes mais recentes do American College of Cardiology/ American Heart Association recomendam a continuação dos ␤-bloqueadores em pacientes que os estão recebendo cronicamente para indicações cardíacas estabelecidas.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 13.4

Recomendações para terapia ␤-bloqueadora perioperatória

Recomendações das diretrizes perioperatórias de 2007

Recomendações focadas nas atualizações perioperatórias de 2009

Comentários

Classe I 1. Os ␤-bloqueadores devem ser continuados em pacientes submetidos à cirurgia que estão recebendo ␤-bloqueadores para tratar angina, arritmias sintomáticas, hipertensão ou outras indicações de Classe I da ACC/AHA. (Nível de evidência: C)

A recomendação de 2007 permanece 1. Os ␤-bloqueadores devem ser válida na atualização de 2009 com continuados em pacientes submetirevisão do texto. dos à cirurgia que estão recebendo ␤-bloqueadores para tratamento de condições com indicações de Classe I da ACCF/AHA para o fármaco. (Nível de evidência: C )

2. Os ␤-bloqueadores devem ser administrados a pacientes submetidos à cirurgia vascular que apresentam alto risco cardíaco devido ao achado de isquemia nos testes perioperatórios. (Nível de evidência: B)

Recomendação deletada/combinada (classe de recomendação alterada de I para IIa para pacientes com isquemia cardíaca nos exames pré-operatórios).

Classe IIa 1. Os ␤-bloqueadores são provavelmen- 1. Os ␤-bloqueadores titulados para te recomendados para pacientes suba frequência cardíaca e a pressão metidos à cirurgia vascular nos quais arterial são provavelmente recomena avaliação pré-operatória identifica dados para pacientes submetidos doença cardíaca coronariana. (Nível à cirurgia vascular que estão sob de evidência: B ) alto risco cardíaco devido à doença de artéria coronária ou o achado de isquemia cardíaca em exames pré-operatórios. (Nível de evidência: B) 2. Os ␤-bloqueadores são provavelmente recomendados para pacientes nos quais a avaliação pré-operatória para cirurgia vascular identifica alto risco cardíaco, como definido pela presença de mais de 1 fator de risco a clínico. (Nível de evidência: B)

2. Os ␤-bloqueadores titulados para a frequência cardíaca e a pressão arterial são opções razoáveis para pacientes nos quais a avaliação pré-operatória para cirurgia vascular identifica alto risco cardíaco, como definido pela presença de mais de um fator de risco clínico.a (Nível de evidência: C )

Recomendação modificada/combinada (revisão de texto e classe de recomendação alterada de I para IIa para pacientes com isquemia cardíaca nos exames pré-operatórios).

Recomendação modificada (nível de evidência alterado de B para C).

As recomendações de 2007 permanecem 3. Os ␤-bloqueadores titulados para 3. Os ␤-bloqueadores são provavelválidas na atualização de 2009 com a frequência cardíaca e a pressão mente recomendados para pacientes revisão do texto. arterial são opções razoáveis para nos quais a avaliação pré-operatória pacientes nos quais a avaliação préidentifica doença cardíaca corona-operatória para cirurgia vascular riana ou alto risco cardíaco, como identifica doença arterial coronariana definido pela presença de mais de a ou alto risco cardíaco, como definido um fator de risco clínico , que estão sendo submetidos à cirurgia vascular pela presença de mais de um fator ou a procedimentos de risco intermede risco clínicoa, que estão sendo diário. (Nível de evidência: B) submetidos a procedimentos de risco intermediário. (Nível de evidência: B) (continua)

Capítulo 13 TABELA 13.4

Farmacologia cardiovascular

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Recomendações para terapia ␤-bloqueadora perioperatória (continuação)

Recomendações das diretrizes perioperatórias de 2007

Recomendações focadas nas atualizações perioperatórias de 2009

Comentários

Classe IIb 1. A utilidade dos ␤-bloqueadores é in- 1. A utilidade dos ␤-bloqueadores é in- As recomendações de 2007 permanecem válidas na atualização de 2009 com certa para pacientes que estão sendo certa para pacientes que estão sendo revisão do texto. submetidos a procedimentos de risco submetidos a procedimentos de risco intermediário ou à cirurgia vascular e intermediário ou à cirurgia vascular e nos quais a avaliação pré-operatória nos quais a avaliação pré-operatória identifica um único fator de risco clíniidentifica um único fator de risco a co na ausência de doença da arterial clínico. (Nível de evidência: C) a coronariana. (Nível de evidência: C) 2. A utilidade dos ␤-bloqueadores é incerta para pacientes que estão sendo submetidos à cirurgia vascular que não têm fatores de risco clínicos e que não estão fazendo uso de ␤-bloqueadores. (Nível de evidência: B)

As recomendações de 2007 permanecem 2. A utilidade dos ␤-bloqueadores é incerta para pacientes que estão sendo válidas na revisão de 2009. submetidos à cirurgia vascular que não a têm fatores de risco clínicos e que não estão fazendo uso de ␤-bloqueadores. (Nível de evidência: B)

Classe III As recomendações de 2007 permanecem 1. Os ␤-bloqueadores não devem ser 1. Os ␤-bloqueadores não devem ser administrados a pacientes submetidos administrados a pacientes submetidos válidas na revisão de 2009. à cirurgia que têm contraindicações à cirurgia que têm contraindicações absolutas ao uso de ␤-bloqueadores. absolutas ao uso de ␤-bloqueadores. (Nível de evidência: C) (Nível de evidência: C) 2. A administração de rotina de Nova recomendação. ␤-bloqueadores em altas doses na ausência de titulação de dose não é útil e pode ser nociva para pacientes que não estão em uso de ␤-bloqueadores e que serão submetidos à cirurgia não cardíaca. (Nível de evidência: B ) a Os fatores de risco clínicos incluem história de doença cardíaca isquêmica, história de insuficiência cardíaca compensada ou prévia, história de doença cerebrovascular, diabetes melito e insuficiência renal (definida no Índice de Risco Cardíaco Revisado como uma creatinina sérica pré-operatória > 2 mg/dL). ACC, American College of Cardiology; AHA, American Heart Association. De Fleishmann KE, Buller CE, Fleisher LA, et al. 2009 ACCF/AHA focused update on perioperative beta blockade. JACC. 2009;54(22): 2102–2128, com permissão.

O início do uso dos ␤-bloqueadores deve ser considerado para pacientes de cirurgia vascular e outros pacientes em alto risco de isquemia que estão agendados para cirurgia não cardíaca de risco intermediário ou alto (Tab. 13.4). A terapia perioperatória com ␤-bloqueadores deve ser iniciada bem antes da cirurgia eletiva para atenuar o risco de acidente vascular encefálico e de morte, que foi relatado quando uma dose arbitrária de metoprolol foi iniciada pela primeira vez no dia da cirurgia. Os ␤-bloqueadores são eficazes para o tratamento da hipertensão essencial e também exercem efeitos antiarrítmicos úteis, especialmente na presença de aumento do tônus do sistema nervoso simpático associado com a cirurgia ou durante condições caracterizadas por níveis elevados de catecolaminas circulantes (p. ex., feocromocitoma e hipertireoidismo).

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Fundamentos de anestesiologia clínica Os ␤-bloqueadores reduzem a frequência cardíaca, a contratilidade miocárdica e a pressão arterial por ligar-se aos adrenorreceptores ␤1 e inibir as ações das catecolaminas circulantes e da liberação da noradrenalina dos nervos simpáticos pós-ganglionares. A redução na frequência cardíaca produzida por ␤-bloqueadores também serve para prolongar a diástole, aumentar o fluxo sanguíneo coronário para o VE, melhorar a perfusão colateral coronariana para o miocárdio isquêmico e melhorar o fornecimento de oxigênio para a microcirculação coronariana. Esses efeitos combinados servem para reduzir a demanda de oxigênio miocárdico enquanto simultaneamente aumenta o suprimento. Os ␤-bloqueadores também inibem a agregação plaquetária. Essa última ação é particularmente importante durante isquemia miocárdica aguda ou infarto do miocárdio em evolução porque a agregação plaquetária no local de uma placa aterosclerótica pode piorar uma estenose coronariana ou produzir oclusão aguda do vaso. Os ␤-bloqueadores variam em sua afinidade e seletividade relativa pelo adrenorreceptor ␤1, enquanto alguns desses fármacos exercem “atividade simpática intrínseca” por atuação como agonistas parciais dos adrenorreceptores ␤. Todavia, todos os ␤-bloqueadores reduzem efetivamente a pressão arterial.

Esmolol

O esmolol tem uma meia-vida de eliminação de aproximadamente nove minutos porque ele é hidrolisado pelas esterases das hemácias.

O esmolol é um bloqueador do adrenorreceptor ␤1 relativamente seletivo. A estrutura química do esmolol é muito similar à do propranolol e metoprolol, mas o esmolol contém um grupo metil éster adicional que facilita o rápido metabolismo do fármaco por meio de hidrólise pelas esterases das hemácias, resultando em uma meia-vida de eliminação de aproximadamente nove minutos. O rápido início de ação e metabolismo do esmolol torna o fármaco muito útil para o tratamento da taquicardia e hipertensão agudas durante cirurgia. O esmolol é administrado geralmente como um bólus intravenoso, que causa reduções relacionadas à dose quase imediatas na frequência cardíaca e na contratilidade miocárdica. A pressão arterial declina como resultado de efeitos cronotrópicos e inotrópicos negativos diretos. O esmolol é usado comumente para atenuar a resposta do sistema nervoso simpático à laringoscopia, intubação endotraqueal ou estimulação cirúrgica, particularmente em pacientes com doença arterial coronariana conhecida ou suspeitada que possam estar em risco de isquemia miocárdica. O esmolol também é útil para o controle rápido da frequência cardíaca em pacientes com taquiarritmias supraventriculares (p. ex., fibrilação atrial, flutter atrial). Por fim, o esmolol atenua efetivamente a taquicardia e a hipertensão mediada por via simpática que ocorrem logo após o início de atividade convulsiva durante terapia eletroconvulsiva. Como o esmolol não bloqueia de forma apreciável os adrenorreceptores ␤2 devido à sua relativa seletividade ␤1, a hipotensão é observada mais comumente após a administração desse fármaco comparado com outros ␤-bloqueadores não seletivos.

Labetalol O labetalol é composto de quatro estereoisômeros que inibem os adrenorreceptores ␣ e ␤ em graus variáveis. Um dos quatro estereoisômeros é um antagonista do adrenorreceptor ␣1, outro é um bloqueador adrenorreceptor ␤ não seletivo, e os dois restantes não afetam de forma apreciável os receptores adrenérgicos. O efeito dessa mistura é um fármaco que inibe seletivamente os adrenorreceptores ␣1 enquanto bloqueia simultaneamente os adrenorreceptores ␤1 e ␤2 de modo não seletivo. A formulação intravenosa do labetalol contém uma proporção de bloqueio adrenorreceptor ␣ e ␤ de aproximadamente 1:7. O bloqueio do adrenorreceptor ␣1 causa vasodilatação arteriolar e diminui a pressão arterial por meio da redução na resistência vascular sistêmica. Essa propriedade torna o fármaco muito útil para o tratamento da hipertensão perioperatória. A despeito das suas propriedades ␤-bloqueadoras não seletivas, o labetalol é um agonista parcial do

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

adrenorreceptor ␤2; essa última característica também contribui para a vasodilatação. A inibição dos adrenorreceptores ␤1 induzida pelo labetalol diminui a frequência cardíaca e a contratilidade miocárdica. O volume de ejeção e o débito cardíaco são essencialmente inalterados como resultado de ações combinadas do labetalol sobre os adrenorreceptores ␣1 e ␤. Diferentemente de outros vasodilatadores, o labetalol produz vasodilatação sem deflagrar taquicardia reflexa porque bloqueia aumentos antecipados na frequência cardíaca mediados por adrenorreceptores ␤1. Essa ação pode ser especialmente benéfica para o tratamento da hipertensão diante de isquemia miocárdica aguda. O labetalol é usado mais comumente para o tratamento da hipertensão perioperatória. Também pode ser útil para o controle da pressão arterial sem produzir taquicardia em pacientes com emergências hipertensivas e aqueles com dissecção aórtica aguda do tipo A. O labetalol tem mostrado atenuar a resposta do sistema nervoso simpático à laringoscopia e à intubação endotraqueal, embora a meia-vida de eliminação relativamente longa do fármaco (aproximadamente seis horas) limite o seu uso nessa situação.

B. Nitrovasodilatadores Os nitrovasodilatadores incluem os nitratos orgânicos (p. ex., nitroglicerina) e os doadores de óxido nítrico (NO) (p. ex., nitroprussiato de sódio) que liberam NO por meio da redução enzimática do grupo sulfidrila ou por meio de mecanismo espontâneo que ocorre independentemente do metabolismo, respectivamente. Assim como o NO endógeno produzido pelo endotélio vascular, o NO exógeno estimula a guanilato ciclase dentro da célula do músculo liso vascular a converter o trifosfato de guanosina em GMPc. O segundo mensageiro ativa a proteína cinase dependente da GMPc (proteína cinase G) que desfosforila a cadeia leve da miosina e contribui para o relaxamento do músculo liso vascular. O NO também estimula a recaptação do Ca2⫹ no retículo sarcoplásmico pela ativação da ATPase do Ca2⫹ do retículo sarcoplásmico por meio de um mecanismo independente do GMPc, assim reduzindo as concentrações de Ca2⫹ intracelular e causando relaxamento. Por fim, o NO estimula a saída de potássio (K⫹) da célula pela ativação do canal de K⫹. O efeito desse desvio no equilíbrio do potássio é a hiperpolarização celular, que fecha o canal de Ca2⫹ voltagem-dependente e também facilita o relaxamento. Os nitrovasodilatadores são usados com frequência para melhorar a hemodinâmica e a relação entre suprimento e demanda de oxigênio miocárdico em pacientes com insuficiência cardíaca. A vasodilatação reduz o retorno venoso, contribuindo para declínios no volume e na pressão diastólica final do ventrículo esquerdo e direito e na tensão da parede, e também reduz as pressões arteriais sistêmica e pulmonar, que diminuem a tensão na parede ventricular esquerda e direita ao final da sístole, respectivamente. Essas ações se combinam para diminuir o consumo de oxigênio do miocárdio. Simultaneamente, os nitrovasodilatadores aumentam o suprimento de oxigênio do miocárdio por meio de dilatação direta das artérias coronárias epicárdicas na ausência e na presença de estenoses limitantes do fluxo. A redução na pressão diastólica final do VE observada durante a administração de nitrovasodilatadores junto com a vasodilatação coronariana melhoram substancialmente a perfusão subendocárdica. A eficácia clínica dos nitrovasodilatadores pode mostrar alguma variabilidade inicial entre os pacientes, mas os efeitos cardiovasculares desses fármacos diminuem inevitavelmente com o uso prolongado. Alguns pacientes podem ser relativamente resistentes aos efeitos dos nitratos orgânicos na presença de estresse oxidativo porque os ânions superóxido eliminam o NO, causam oxidação reversível da guanilato ciclase e inibem a aldeído desidrogenase. A última ação previne a liberação de NO dos nitratos orgânicos. A atenuação progressiva das respostas hemodinâmicas aos nitrovasodilatadores pode se desenvolver em outros pacientes como resultado da ativação do sistema nervoso simpático e do eixo renina-angiotensina-aldosterona. Esse fenômeno

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Fundamentos de anestesiologia clínica (pseudotolerância) é responsável pela hipertensão de rebote que pode ser observada após a descontinuação abrupta da terapia nitrovasodilatadora. A inibição da atividade da guanilato ciclase é, provavelmente, responsável pela real tolerância aos nitratos orgânicos. Uma “folga do fármaco” é uma estratégia útil para reverter esse efeito em pacientes que requerem tratamento prolongado na unidade de terapia intensiva. A administração de N-acetilcisteína, um doador de sulfidrila, também pode ser efetiva para reverter a tolerância real. O uso prolongado dos nitratos orgânicos também pode causar metemoglobinemia, interferir com a agregação plaquetária e produzir resistência à heparina. Ainda é importante reconhecer que os nitratos orgânicos devem ser usados com cuidado em pacientes recebendo inibidores da fosfodiesterase do tipo V (p. ex., sildenafil), porque a vasodilatação induzida pelo NO está aumentada e pode resultar em hipotensão profunda, isquemia miocárdica ou infarto e morte.

Nitroglicerina A nitroglicerina dilata as vênulas em maior grau do que as arteríolas. Em doses menores, esse nitrato orgânico produz venodilatação sem causar uma redução significativa na resistência vascular sistêmica. A pressão arterial e o débito cardíaco caem em resposta à redução na pré-carga, apesar de um modesto aumento na frequência cardíaca mediado pelo reflexo barorreceptor. A nitroglicerina também diminui a pressão arterial pulmonar e a resistência vascular pulmonar. Em doses maiores, a nitroglicerina dilata as arteríolas, reduzindo a pós-carga do VE, causando diminuições mais pronunciadas na pressão arterial e estimulando maior taquicardia reflexa. Hipotensão e taquicardia são particularmente comuns diante de hipovolemia, como normalmente é observado em pacientes com hipertensão essencial mal controlada e em parturientes com hipertensão induzida pela gravidez. A nitroglicerina melhora o equilíbrio entre suprimento e demanda de oxigênio miocárdico por meio de suas ações como vasodilatador coronariano direto (o que aumenta o suprimento) e seus efeitos hemodinâmicos sistêmicos (que reduzem a demanda). A nitroglicerina dilata as artérias coronárias epicárdicas normais e pós-estenóticas, aumenta o fluxo sanguíneo pelos vasos coronários colaterais e melhora preferencialmente a perfusão subendocárdica. O fármaco também inibe o vasoespasmo coronariano e dilata os condutos arteriais usados durante cirurgia de CABG. A nitroglicerina diminui a demanda de oxigênio miocárdico pela redução da pré-carga do VE e, em menor extensão, a pós-carga, assim produzindo reduções correspondentes na tensão diastólica final e sistólica final da parede do VE. Esses efeitos são particularmente importantes em pacientes com insuficiência cardíaca agudamente descompensada resultante de isquemia miocárdica. Com base nas ações citadas anteriormente, pode-se concluir que a nitroglicerina é um fármaco de primeira linha muito eficaz para o tratamento da isquemia miocárdica, mas também é importante enfatizar que se deve ter cautela ao usar nitroglicerina em pacientes com isquemia que também estão hipovolêmicos. Nessas circunstâncias, a administração de nitroglicerina pode precipitar hipotensão com risco de morte por comprometimento da pressão de perfusão coronariana, reduzindo o fluxo sanguíneo coronariano a despeito de vasodilatação epicárdica e piorando a isquemia.

Nitroprussiato de sódio O nitroprussiato de sódio é um doador de NO direto de ação ultracurta. Ele é um potente vasodilatador arterial e venoso isento de efeitos inotrópicos que reduz rapidamente a pressão arterial por diminuir a pré-carga e a pós-carga do VE. Essas características tornam o nitroprussiato de sódio um fármaco de primeira linha para o tratamento das emergências hipertensivas. O nitroprussiato de sódio pode ser útil para o tratamento do choque cardiogênico porque a vasodilatação arterial melhora o fluxo anterógrado pela redução da impedância à ejeção do VE, enquanto a venodilatação re-

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

duz as pressões de enchimento do VE. Ao contrário da nitroglicerina, o nitroprussiato de sódio é relativamente contraindicado em pacientes com isquemia miocárdica aguda porque causa redistribuição anormal do fluxo sanguíneo coronariano para longe do miocárdio isquêmico (roubo coronário) por produzir maior vasodilatação coronariana nos vasos que perfundem o miocárdio normal comparado com aqueles que suprem o território isquêmico. A taquicardia mediada pelo reflexo barorreceptor também é mais pronunciada durante a administração do nitroprussiato de sódio comparado com a nitroglicerina porque o doador direto NO é um vasodilatador arteriolar mais potente do que o nitrato orgânico. A taquicardia reflexa aumenta dramaticamente a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio miocárdico, assim exacerbando a isquemia miocárdica aguda. O nitroprussiato de sódio com frequência é combinado com um antagonista do adrenorreceptor ␤1 como o esmolol para reduzir a pressão arterial, deprimir a contratilidade miocárdica e reduzir a tensão da parede da aorta ascendente em pacientes com dissecção aórtica aguda do tipo A até que possa ser obtido um controle cirúrgico direto da lesão. O uso clínico do nitroprussiato de sódio é limitado por seus metabólitos tóxicos que previsivelmente se acumulam quando a administração é prolongada ou quando são usadas doses relativamente altas. O metabolismo do nitroprussiato de sódio produz cianeto, que se liga ao citocromo C para inibir o metabolismo aeróbio e causar acidose láctica. O cianeto derivado do metabolismo do nitroprussiato de sódio também se liga à hemoglobina para formar a metemoglobina e com o enxofre para formar o tiocianato. O último metabólito se acumula em pacientes com insuficiência renal e produz complicações neurológicas, incluindo delirium e convulsões.

C. Hidralazina A hidralazina é um vasodilatador direto que reduz a concentração intracelular de Ca2⫹ no músculo liso vascular, pelo menos em parte, por ativar os canais de potássio sensíveis ao trifosfato de adenosina. Essa ação produz relaxamento direto de pequenas artérias e arteríolas nos leitos vasculares coronarianos, cerebral, esplâncnico e renal, declínios na resistência vascular sistêmica e diminuições na pressão arterial. A pré-carga ventricular esquerda é relativamente preservada porque a hidralazina não dilata os vasos de capacitância venosa. A redução primária na pós-carga estimula a taquicardia mediada por reflexo barorreceptor e aumenta o débito cardíaco. A magnitude da taquicardia observada com a administração da hidralazina com frequência é maior do que o esperado com base unicamente nos reflexos barorreceptores isolados e pode refletir um efeito direto do fármaco em outros mecanismos regulatórios cardiovasculares centralmente mediados. A taquicardia acentuada associada com a administração de hidralazina pode produzir isquemia miocárdica aguda em pacientes com estenose coronariana crítica com base em aumentos na demanda de oxigênio miocárdico e reduções na pressão de perfusão coronariana. A taquicardia induzida pela hidralazina responde adequadamente aos antagonistas dos adrenorreceptores ␤1, mas é preciso cautela, pois declínios adicionais na pressão arterial também podem ocorrer. A hidralazina é usada comumente para o manejo da hipertensão pós-operatória sustentada na ausência de taquicardia.

D. Antagonistas dos canais de cálcio Os canais de cálcio são poros bioquímicos assimétricos que consistem em pelo menos quatro subunidades (␣1, ␣2/Δ e ␤ com ou sem γ) que atravessam muitas membranas biológicas. Em condições quiescentes, os canais de Ca2⫹ estão fechados, mas eles podem se abrir por meio de um mecanismo operado por um receptor (ativação) ou voltagem-dependente (que requer despolarização celular) para permitir a entrada de Ca2⫹ na célula ou em uma organela (p. ex., mitocôndria, retículo sarcoplásmico), em sua maioria através de um gradiente eletroquímico. As membranas miocárdicas e das

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Todos os bloqueadores dos canais de cálcio produzem maior relaxamento do músculo liso vascular arterial do que do venoso.

células de músculo liso vascular contêm dois tipos distintos de canais de Ca2⫹ voltagem-dependentes que são marcados com base na duração relativa da abertura do poro: T (transitório) e L (longo). O canal de Ca2⫹ tipo-L é o alvo predominante de todos os antagonistas dos canais de cálcio em uso clínico atualmente (esses fármacos não bloqueiam os canais de cálcio do tipo T). Há quatro classes principais de antagonistas dos canais de cálcio quimicamente distintos: (a) 1,4-di-hidropiridinas (p. ex., nifedipina, nicardipina, clevidipina), (b) benzotiazepinas (diltiazem), (c) fenilalquilaminas (verapamil) e (d) éster diarilaminopropilamina (bepridil). Em geral, os antagonistas dos canais de cálcio produzem vasodilatação, efeitos cronotrópicos, dromotrópicos e inotrópicos negativos diretos e aumentos na frequência cardíaca mediados pelo reflexo barorreceptor em graus variáveis, dependendo da seletividade relativa de cada fármaco pelos canais de cálcio sincronizados por voltagem no miocárdio e no músculo liso vascular. Todos os antagonistas dos canais de cálcio causam maior relaxamento arterial comparado com o músculo liso vascular venoso. Essa ação reduz a pós-carga do VE enquanto preserva a pré-carga. Os antagonistas dos canais de cálcio melhoram o suprimento de oxigênio miocárdico por meio de vasodilatação arterial coronariana e inibição do vasoespasmo da artéria coronária. Além de produzir declínios na pós-carga do VE, os antagonistas dos canais de cálcio, como o diltiazem e o verapamil, também podem reduzir a demanda de oxigênio miocárdico por meio de depressão da contratilidade miocárdica e reduções na frequência cardíaca mediadas pela diminuição da automaticidade no nó sinoatrial e da condução no nó atrioventricular. Contudo, é importante observar que alguns antagonistas dos canais de cálcio di-hidropiridínicos podem inadvertidamente aumentar a demanda de oxigênio miocárdico como resultado de taquicardia reflexa e, assim, podem não produzir consistentemente efeitos anti-isquêmicos em pacientes com doença da artéria coronária. A discussão aqui é limitada a duas di-hidropiridinas intravenosas que são usadas comumente para o tratamento da hipertensão perioperatória.

Nicardipina A nicardipina é um antagonista dos canais de cálcio di-hidropiridínico que é altamente seletivo para o músculo liso vascular. Ela produz efeitos cardiovasculares que são similares à nifedipina, mas tem uma meia-vida mais longa do que essa última. A nicardipina é um vasodilatador intenso devido à sua inibição acentuada da entrada de cálcio no músculo liso vascular. Assim como outros antagonistas dos canais de cálcio di-hidropiridínicos, a nicardipina dilata preferencialmente os vasos arteriolares, que reduzem a pressão arterial. Em contraste com o diltiazem e o verapamil, a nicardipina não deprime substancialmente a contratilidade miocárdica nem afeta a frequência de estímulos do nó sinoatrial. Como resultado, o volume de ejeção e o débito cardíaco são relativamente preservados ou podem aumentar. Diminuições induzidas pela nicardipina na pressão arterial deflagram aumentos na frequência cardíaca por meio da ativação de reflexos barorreceptores, mas a taquicardia observada durante a administração de nicardipina é menos pronunciada do que ocorre geralmente com o nitroprussiato de sódio em níveis comparáveis de pressão arterial. A nicardipina também é um vasodilatador coronariano altamente potente e é usado com frequência para dilatar os enxertos arteriais durante cirurgia de CABG. Devido à sua meia-vida relativamente longa, a nicardipina é usada primariamente para tratamento da hipertensão perioperatória sustentada e não para tratamento dos episódios hipertensivos agudos, com frequência transitórios, que, em geral, são observados durante a cirurgia.

Capítulo 13

Farmacologia cardiovascular

Clevidipina A clevidipina é um antagonista dos canais de cálcio do tipo L, um di-hidropiridínico relativamente novo, de ação ultracurta, com uma meia-vida plasmática de aproximadamente dois minutos após administração intravenosa. Assim como a nicardipina e a nifedipina, a clevidipina exerce efeitos pronunciados no potencial de repouso da membrana menos negativa observada comumente nas células de músculo liso vascular, mas demonstra menor potência nos miócitos cardíacos nos quais o potencial de repouso da membrana é substancialmente mais negativo. Como resultado dessas diferenças na eletrofisiologia celular, a clevidipina é altamente seletiva para o músculo liso vascular arterial e é quase isenta de efeitos cronotrópicos ou inotrópicos negativos. Esse perfil hemodinâmico pode ser especialmente útil para o tratamento da hipertensão em pacientes com comprometimento da função do VE. A clevidipina causa vasodilatação arteriolar dose-dependente enquanto poupa o tônus vasomotor venoso, assim reduzindo a resistência vascular sistêmica e a pressão arterial sem afetar a pré-carga do VE. Essas ações podem se combinar para aumentar o débito cardíaco. Aumentos modestos na frequência cardíaca também podem ocorrer durante a administração de clevidipina como resultado de ativação do reflexo barorreceptor. Diferentemente de outros anti-hipertensivos de ação curta, a administração da clevidipina não está associada com o desenvolvimento de taquifilaxia, e sua descontinuação abrupta não parece causar hipertensão de rebote. Como as esterases tissulares e plasmáticas são responsáveis pelo metabolismo da clevidipina, pouco ou nenhum acúmulo do fármaco ocorre mesmo diante de disfunção hepática ou renal.

Leituras sugeridas Benham-Hermetz J, Lambert M, Stephens RC. Cardiovascular failure, inotropes and vasopressors. Br J Hosp Med (Lond). 2012;73:C74–C77. Erstad BL, Barletta JF. Treatment of hypertension in the perioperative patient. Ann Pharmacother. 2000;34:66–79. Friederich JA, Butterworth JF 4th. Sodium nitroprusside: Twenty years and counting. Anesth Analg. 1995;81:152–162. Gillies M, Bellomo R, Doolan L, et al. Bench-to-bedside review: Inotropic drug therapy after adult cardiac surgery–a systemic literature review. Crit Care. 2005;9:266–279. Iachini Bellisarii F, Radico F, Muscente F, et al. Nitrates and other nitric oxide donors in cardiology: Current positioning and perspectives. Cardiovasc Drugs Ther. 2012;26:55–69. MacCarthy EP, Bloomfield SS. Labetalol: a review of its pharmacology, pharmacokinetics, clinical uses and adverse effects. Pharmacotherapy. 1983;3:193–219. Overgaard CB, Dzavik V. Inotropes and vasopressors: Review of physiology and clinical use in cardiovascular disease. Circulation. 2008;118:1047–1056. Pagel PS, Warltier DC. Positive inotropic drugs. In: Evers AS, Maze M, Kharasch E, eds. Anesthetic Pharmacology: Physiologic Principles and Clinical Practice. 2nd ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press; 2011:706–723. Prlesi L, Cheng-Lai A. Clevidipine: A novel ultra-short-acting calcium antagonist. Cardiol Rev. 2009;17:147–152.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A vasoconstrição mediada pelo adrenorreceptor ␣1 ocorre por meio de qual mecanismo de sinalização? A. Uma proteína estimulatória de ligação ao nucleotídeo guanina (Gs) B. Uma proteína inibitória de ligação ao nucleotídeo guanina (Gs) C. Uma adenosina acoplada com a cinase transmembrana D. Um radical livre de eliminação do óxido livre E. Nenhuma das alternativas acima 2. Como a administração crônica de doses terapêuticas de propranolol irá afetar a resposta hemodinâmica à adrenalina intravenosa? A. A resposta da frequência cardíaca será aumentada B. A resposta da pressão arterial será reduzida C. A resposta da resistência vascular sistêmica será aumentada D. A resposta inotrópica será aumentada E. Nenhuma das alternativas acima 3. Comparada com a adrenalina em baixas doses, a noradrenalina produz o maior aumento na pressão arterial porque ela causa: A. Um maior aumento no débito cardíaco B. Um maior aumento no inotropismo cardíaco C. Um maior aumento na resistência vascular sistêmica D. Um maior aumento no retorno venoso E. Nenhuma das alternativas acima

4. A taquifilaxia para os efeitos hemodinâmicos da efedrina resulta de: A. Depleção dos armazenamentos pré-sinápticos de noradrenalina B. Down-regulation dos adrenorreceptores pós-sinápticos C. Hiperpolarização dos neurônios ␤1 pósganglionares D. Aumento da sensibilidade dos adrenorreceptores ␤2 em doses mais altas E. Nenhuma das alternativas acima 5. O labetalol diminui a resistência vascular sistêmica por: A. Inibição dos receptores ␣1 e ␤2 B. Inibição dos receptores ␣1 e ␤1 C. Inibição dos receptores ␣1, ␤1 e ␤2 D. Inibição dos receptores ␣1 e estimulação dos receptores ␤2 E. Nenhuma das alternativas acima 6. Diferentemente da nitroglicerina, o nitroprussiato pode ser contraindicado em pacientes com isquemia miocárdica por que: A. Reduz a pressão arterial B. Reduz o retorno venoso sistêmico C. Aumenta o fluxo sanguíneo miocárdico para o miocárdio normal D. Produz cianeto e metemoglobina E. Nenhuma das alternativas acima

PARTE

Tecnologia Estação de trabalho de anestesia Naveen Nathan Tom C. Krejcie

É comum que alunos, enfermeiros e médicos em fase inicial de seu treinamento em anestesiologia se sintam intimidados ao encontrarem a versão atual do aparelho de anestesia, a estação de trabalho de anestesia. É o número de fios, mangueiras, botões, visores digitais e alarmes que causa medo. Os objetivos deste capítulo são desmistificar a anatomia e a funcionalidade da estação de trabalho convencional do anestesiologista e caracterizar os princípios subjacentes a seu uso. A estação de trabalho de anestesia, um componente visível e indispensável no ambiente da sala de cirurgia, é usada para o cumprimento de quatro metas: 1) proporcionar um mecanismo confiável para ventilar continuamente um paciente anestesiado; 2) ser uma fonte suplementar de O2; 3) proporcionar um mecanismo para a entrega de agentes anestésicos voláteis; e 4) ser um monitor e sistema de alarme precoce para os perigos potenciais encontrados no cuidado anestésico clínico. Existem diversas ferramentas simples para alcançar cada uma dessas metas individualmente (p. ex., um sistema bolsa-válvula [sistema de ambu] pode ser usado para ventilar os pulmões de um paciente, e um cilindro simples de oxigênio pressurizado pode ser usado para aumentar a fração inspirada de oxigênio [FiO2]). A estação de trabalho de anestesia, contudo, além de incorporar e consolidar de forma conveniente todas as metas acima, permite que o anestesiologista preste mais atenção no desempenho de outras facetas igualmente importantes do cuidado anestésico. Não se deve deixar de enfatizar que essa conveniência tem sua complexidade. É possível evitar muitos eventos críticos intraoperatórios ao se levar em conta o projeto, a funcionalidade e as limitações das modernas estações de trabalho de anestesia.

C

14 A moderna estação de trabalho de anestesia é um dispositivo sofisticado que contribui para a segurança do paciente, mas, como muitos dispositivos modernos, é complexo e pode falhar. Uma simples bolsa autoinflável (ambu) e uma máscara devem estar sempre prontamente disponíveis.

I. Anatomia funcional da estação de trabalho de anestesia De modo geral, a estação de trabalho de anestesia abrange uma ampla linha de equipamentos, como o aparelho de anestesia, os monitores e acessórios como aspiradores e o dispositivo bolsa-válvula auxiliar. O monitoramento do paciente e o manejo de vias aéreas são discutidos em outra parte. O restante deste capítulo dirige a atenção especificamente ao aparelho de anestesia. O conceito básico do aparelho de anestesia engloba três conceitos (Fig. 14.1). O primeiro é um sistema de fornecimento de gás pressurizado, em geral de oxigênio/ar comprimido entregue diretamente à sala de cirurgia a partir de uma rede centralizadora no hospital. Seguem-se vários sistemas redutores de pressão; em seguida, o anestesiologista controla diretamente o fluxo desses gases para alcançar a taxa de fluxo e a concentração de oxigênio desejadas que é liberado para um

VÍDEO 14.1 Teste de uma bolsa de ambu

256

Fundamentos de anestesiologia clínica

Ramo expiratório do sistema circular

Abastecimento de oxigênio (ducto na parede)

Ventilador mecânico

Peça em Y do sistema circular

LPA Válvula unidirecional expiratória

Interruptor manual para ventilação manual x mecânica

Oxigênio direcionando o gás para os foles do ventilador

Fluxômetros e botão de controle de fluxo

Vaporizador de anestésico Cilindros E acessórios de oxigênio (verde) e óxido nitroso (azul)

Ramo inspiratório do sistema circular

Analisador de oxigênio Válvula unidirecional inspiratória

Saída de gás fresco

Bolsa de ambu 3L manual

Sistema de antipoluição mostrando o caminho para a disposição de gás excedente

Válvula de liberação e caminho de fluxo de oxigênio direto

FIGURA 14.1 Representação de uma estação de trabalho de anestesia típica. As setas indicam a direção do fluxo de oxigênio. Os dutos que abastecem ar e óxido nitroso não são mostrados. LPA, válvula de limite de pressão ajustável.

segundo sistema. O vaporizador anestésico permite a liberação de anestésico volátil ao paciente e é integrado a esse projeto de liberação de gás. O sistema descrito acima converge para a saída de gases frescos, que libera as concentrações desejadas de gases e anestésicos voláteis para o próximo sistema conceitual do aparelho de anestesia: o sistema ventilatório. A ventilação do paciente é feita tanto com o uso de um respirador mecânico automatizado como de forma manual, por meio do balão reservatório; ambos são incorporados em um sistema de dutos corrugados e válvulas unidirecionais conhecido como sistema circular. Esse projeto permite a insuflação e desinsuflação dos pulmões do paciente com o ventilador ou a bolsa-reservatório. Ele também incorpora um composto absorvente para neutralizar o dióxido de carbono expirado. Por último, deve haver um mecanismo para remover o excesso de gás ou pressão do sistema. Isso é realizado por meio de outro arranjo estrutural, o sistema de antipoluição. A mecânica, os dispositivos de segurança e os riscos de cada um desses três sistemas serão discutidos a seguir.

II. Entrega de gases: sistemas de alta, intermediária e baixa pressão A maior parte das estações de trabalho de anestesia conta com duas fontes de abastecimento de gases para uso medicinal. O oxigênio pode ser entregue na sala de cirurgia sob alta pressão, a partir de uma fonte central do hospital (tanques de oxigênio líquido) com o uso de mangueiras verdes ou alternativamente por meio de um cilindro (tamanho E) de oxigênio acoplado ao aparelho de anestesia. O ar comprimido é identificado pela cor amarela. Essas designações de cores se aplicam aos centros localizados nos Es-

Capítulo 14 TABELA 14.1

Estação de trabalho de anestesia

257

Leituras de pressão encontradas em uma estação de trabalho de anestesia psi

mmHg

cm H2O

Estação de trabalho de anestesia: Fonte de oxigênio ou de ar de alta pressão (um cilindro E cheio contendo 625 L de gás)

2.200

113.773

154.675

Estação de trabalho de anestesia: Fonte de óxido nitroso de alta pressão (um cilindro E cheio contendo 1.590 L de gás)

745

38.528

52.379

Estação de trabalho de anestesia: Oxigênio, ar ou óxido nitroso de pressão intermediária (pressão de trabalho em linha dentro da máquina)

50-55

2.586

3.515

Pressão de pico típica da via aérea durante a ventilação mecânica de um paciente saudável a volume corrente de 6 ml/kg e frequência respiratória de 10 respirações/min.

0,2-0,3

11-18

15-25

Obs.: A unidade de medição de uso mais comum está indicada em negrito.

tados Unidos e variam em outros países. Uma terceira linha de abastecimento de óxido nitroso identificado pela cor azul pode estar presente e ser entregue tanto pelo sistema de alta pressão como por meio de um cilindro de reserva E acoplado ao aparelho de anestesia (1). A liberação desses gases por meio do aparelho de anestesia e, por fim, para o paciente é marcada por uma diminuição progressiva e controlada na pressão. Os gases abastecidos por meio da parede são fornecidos ao aparelho de anestesia a uma pressão de 50 libras por polegada quadrada (psi). Os cilindros E contêm pressões consideravelmente mais altas, mas são regulados para 45 psi antes de sua interface com o aparelho de anestesia (1,2). O usuário regula e ajusta também o fluxo de baixa pressão de gases para o paciente usando os botões de controle de fluxo específicos para cada gás. A Tabela 14.1 mostra as leituras de pressão encontradas em uma estação de trabalho de anestesiologista. A pressão do abastecimento dos gases medicinais tanto via parede como via cilindros são mostrados nos manômetros do aparelho de anestesia. Os manômetros do abastecimento central de gás do hospital medem a pressão de trabalho no nível intermediário; sendo a leitura normal de 50 a 55 psi. O motivo mais comum para a queda dessa leitura da pressão é a desconexão entre a mangueira da parede e o aparelho de anestesia, mas também pode ser resultado de avaria completa ou parcial na rede de abastecimento central de gás do hospital. A leitura do manômetro permanece constante com o uso rotineiro e contínuo dos gases abastecidos pela parede, mesmo quando usadas altas taxas de fluxo. Em contraste, os medidores dos cilindros refletem a alta pressão interna dos próprios cilindros. Um cilindro E de oxigênio ou ar comprimido cheio contém aproximadamente 625 L de gás a uma pressão de 2.200 psi. A pressão cairá proporcionalmente à medida que esses gases forem usados (1-3). Se um cilindro for usado para oxigenar o paciente a 10 L/min, sua duração será de aproximadamente 60 minutos (4). Um cilindro cheio de óxido nitroso contém 1.590 L de gás a uma pressão de 745 psi. Ao contrário do oxigênio e ar comprimido, o óxido nitroso existe como uma combinação de líquido e gás a temperatura ambiente devido às suas propriedades físico-químicas e temperatura crítica. Como resultado, o uso continuado do cilindro de óxido nitroso não resultará em uma queda de pressão no medidor até que aproximadamente 75% (1.200 L) do óxido nitroso no cilindro tenha sido usado.

A maioria das salas de cirurgia conta com oxigênio em tubulação confiável. Contudo, se houver falha, será acionado um alarme de baixa pressão. Nesses casos, a mangueira deve ser desconectada do aparelho, e o cilindro E auxiliar de oxigênio deve ser ligado.

258

Fundamentos de anestesiologia clínica Durante o uso rotineiro do aparelho de anestesia, as fontes do cilindro E são mantidas na posição fechada, pois são destinadas para uso apenas em caso de falha na central de distribuição de gases. Se isso ocorrer, duas medidas devem ser tomadas. Primeiro, a fonte de gás da tubulação central deve ser desconectada do aparelho de anestesia, e, segundo, o cilindro E deve ser aberto para que a oxigenação e ventilação do paciente seja continuada (1-3).

A. Fluxômetros O sistema de baixa pressão tem início a partir do conjunto do fluxômetro do aparelho de anestesia. O anestesiologista pode manipular individualmente o fluxo de ar, oxigênio e óxido nitroso para atingir taxas de fluxo de 0,2 L/min até mais de 10 L/min para cada gás. O controle fino sobre o fluxo desses gases se dá à medida que eles passam por cilindros de vidro especializados com orifício de abertura variável, conhecidos como tubos de Thorpe. A altura de uma bobina flutuante dentro do lúmen afunilado (aumentando o diâmetro interno) desses tubos indica a taxa de fluxo atual em uso (Fig. 14.2). Em taxas de fluxo muito baixas (0,1-0,3 L/min), a passagem de moléculas de gás pela porção de menor diâmetro desses tubos segue o padrão laminar. Desse modo, o movimento paralelo das moléculas do gás dentro do tubo telescópico concêntrico é influenciado pela viscosidade do gás ou, em outras palavras, entre a superfície interna da camada externa de fluxo de gás contra a superfície externa da camada interna adjacente a ela. Em contraste, em altas taxas de fluxo na porção de maior diâmetro do tubo de Thorpe

Bobina flutuante

Fluxo baixo de oxigênio/ar dentro do tubo de fluxo fino (p. ex., 0,1 L/min)

Fluxo elevado de oxigênio/ar dentro do tubo de fluxo grosso (p. ex., 10 L/min)

Botão de controle de fluxo

FIGURA 14.2 Conjunto de fluxômetro e tubo de Thorpe. O círculo preto representa a bobina flutuante, que indica a taxa de fluxo que está sendo usada. Fluxos baixos na extremidade estreita do tubo de vidro afunilado (p. ex., 100 mL/min) são caracterizados como laminares e dependentes de viscosidade. Em contraste, os fluxos elevados na extremidade de maior diâmetro do tubo (p. ex., 10 L/min) são turbulentos e dependentes de densidade.

Capítulo 14

Estação de trabalho de anestesia

259

(5-10 L/min), o fluxo de gás torna-se turbulento. O fluxo turbulento caracteriza-se pelo movimento aleatório das moléculas de gás, mesmo que no conjunto haja um movimento em massa de ar na direção anterógrada. Nesse cenário, o fluxo é afetado significativamente pela densidade do gás. As moléculas de gás maiores resultarão em colisões intermoleculares maiores e, portanto, maior impedância ao fluxo de gás (1,2).

B. Válvula de liberação de O2 e válvula de checagem unidirecional Até então, a discussão da liberação de gás a partir de sua fonte até o paciente tem seguido um único percurso, que começa com pressões muito altas. Contudo, o gás é, em última instância, entregue aos pulmões do paciente sob condições de baixa pressão dentro dos limites fisiológicos aceitáveis. Os aparelhos de anestesia são equipados com um sistema de entrega alternativo para o oxigênio, que pode expor o paciente ao sistema de pressão intermediário. A válvula de liberação de O2 permite a aplicação de fluxo de oxigênio a partir da pressão de trabalho em torno de 55 psi até a saída de gás comum do paciente. As taxas de fluxo de oxigênio pelo trajeto alternativo que não passa pelos fluxômetros podem variar de 35 a 75 L/min. Para ter-se ideia, usar a válvula de liberação de O2 para inflar os pulmões de um paciente o expõe a cerca de 300 vezes as pressões de insuflação típicas usadas durante a ventilação mecânica de rotina. Alguns se perguntam por que esse esse sistema alternativo existe. Se o paciente for desconectado do sistema respiratório do aparelho de anestesia durante a ventilação controlada, o fole do ventilador (ou a bolsa de ambu) esvaziará imediatamente à medida que o volume do gás dentro dele escapa para o ambiente da sala de cirurgia. A válvula de liberação de O2 poderia ser usada para aumentar rapidamente o volume de gás no sistema de modo que o volume corrente possa ser reestabelecido. Isso deve ser feito com cautela, sendo recomendado apenas durante a fase expiratória do ciclo respiratório, quando qualquer excesso de gás ou pressão resultante do uso da válvula de liberação de O2 pode ser eliminado do sistema (ver “Sistemas de antipoluição” mais adiante neste capítulo). Além disso, a válvula de liberação de O2 pode ser usada para estratégias de ventilação mais complexas, tais como por jato de alta frequência (1,2). Outra consideração envolve a presença potencial de uma válvula de retenção unidirecional apenas a montante, onde a válvula de liberação se une à saída de gás fresco do paciente. Essa válvula está presente em muitos modelos de estações de trabalho da marca Datex Ohmeda (GE Healthcare Company) e permite o fluxo unidirecional do gás apenas na via anterógrada. Como consequência, o uso das válvulas de liberação expõe o paciente a todo o fluxo de oxigênio do sistema de pressão intermediária. Na ausência dessa válvula de retenção unidirecional, como no caso das estações de trabalho Dräger (Dräger Medical Inc.), um pouco do fluxo de oxigênio do sistema de liberação pode seguir de maneira retrógrada (Fig. 14.3) (1).

C. Dispositivos de segurança na entrega de gases medicinais É fundamental que o anestesiologista verifique a pressão de fornecimento de gás adequada da fonte na parede e do(s) cilindro(s) auxiliar(es) durante a inspeção da estação de trabalho antes do uso (ver “Inspeção da estação de trabalho de anestesia antes do uso” mais adiante neste capítulo). No entanto, as leituras de pressão aceitáveis do gás ainda não garantem que o gás correto seja realmente liberado ao paciente. Conectar incorretamente uma mangueira de parede ou cilindro de óxido nitroso à interface de oxigênio poderia causar a liberação de mistura hipóxica de gás. Felizmente, os sistemas modernos de anestesia ajudam a prevenir tais ocorrências. As mangueiras de parede estão conectadas à parte de trás do aparelho de anestesia por meio de encaixes não permutáveis, cada um com um diâmetro específico para o respectivo gás (o sistema de segurança indicador de diâmetro). Além disso, os cilindros E para oxigênio, ar e óxido

A válvula de liberação de oxigênio (“válvula de descarga”) libera oxigênio a alta pressão e flui diretamente para a saída de gás comum. Sua função primária é permitir o enchimento rápido da bolsa de reinalação vazia ou fole do ventilador.

260

Fundamentos de anestesiologia clínica Abastecimento de oxigênio (ducto na parede)

Válvula de liberação e caminho do fluxo de oxigênio direto

Saída de gás fresco

Válvula de liberação unidirecional

FIGURA 14.3 Válvula de liberação de oxigênio mostrando como a alta pressão (50 psi) de oxigênio pode se desviar dos fluxômetros e ser administrada diretamente ao paciente. A presença de uma válvula de retenção unidirecional (ponto vermelho) força todo o oxigênio de alto fluxo em trajetória anterógrada para dentro da saída de gás (seta verde contínua). Na ausência dessa válvula de retenção, um pouco do oxigênio terá trajetória retrógrada para o aparelho de anestesia (seta amarela pontilhada).

Sistema de segurança de índice PIN Braço do gancho do aparelho de anestesia com três pinos Cilindro E de oxigênio

FIGURA 14.4

Sistema de segurança de índice PIN para cilindros de gás medicinal

Capítulo 14

Saída

A

O2

Ar

Saída

B

N2O

Estação de trabalho de anestesia

Ar

O2

261

Potencialmente perigoso

N2O

Saída

Saída “Proteção de falha”

N2O

C

Ar Dräger

O2

Ar

D

N2O

O2

Ohmeda

FIGURA 14.5 Sequência do fluxômetro – causa potencial de hipóxia. Em caso de vazamento no fluxômetro, existe um arranjo potencialmente perigoso quando o óxido nitroso está localizado na posição a jusante (A, B). A configuração mais segura é a de quando o oxigênio está localizado na posição a jusante (C, D). O2, oxigênio; N2O, óxido nitroso. (De Riutort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641– 696, com permissão.)

nitroso têm, cada um, um arranjo específico para dois orifícios que se encaixam em seus pinos correspondentes na ligação do aparelho de anestesia (o sistema de segurança indicador de pino) (Fig. 14.4) (1,2). Existem medidas adicionais para garantir oxigenação adequada do paciente. Considere um cenário em que uma mistura de gás fresco de 50% de oxigênio e 50% de óxido nitroso esteja sendo usada e ocorre uma queda isolada na pressão da tubulação de oxigênio. A sequência em que esses dois gases entram na tubulação de gás afeta a mistura de gás resultante liberado ao paciente. O oxigênio é sempre o último gás a entrar em sequência na mistura de gás fresco para minimizar (sem eliminar) alterações no oxigênio inspirado (Fig. 14.5). Embora a medida da pressão no manômetro da tubulação de oxigênio, o alarme de baixa pressão de O2 e o alarme de baixa concentração de FiO2 alertem o usuário para o evento perigoso descrito acima, existe um mecanismo conhecido como sistema de segurança de oxigênio para minimizar a redução em FiO2. O sistema à prova de falhas diminui proporcionalmente o fluxo de todos os outros gases em uso ou interrompe sua administração por completo quando ocorre uma redução na pressão do oxigênio. Isso evita um aumento desproporcional na concentração relativa de gases frescos que não contribuem para a oxigenação do paciente (1-3). Mesmo com a integridade da tubulação de oxigênio preservada, ainda seria possível liberar uma mistura de gás fresco hipóxica a um paciente. Imagine que o fluxo de oxigênio esteja ajustado para 1 L/min e o óxido nitroso seja utilizado concomitantemente a 4 L/min. Nessa situação, o FiO2 consequente seria 20%, menos do que o do ar ambiente. Os sistemas de dosagem dentro do conjunto do fluxômetro evitam exatamente a ocorrência desse tipo de problema. Um desenho possível é o uso de rodas dentadas que unem os botões de controle para o óxido nitroso e o oxigênio entre si. O efeito impõe limites de modo que a proporção de fluxo de óxido nitroso para o fluxo de oxigênio nunca seja superior a 3:1 (uma FiO2 de 25%). Outros tipos de mecanismos de dosagem reduzem ativamente o fluxo de óxido nitroso quando o fluxo de oxigênio é reduzido pelo usuário (1). Por fim, um analisador de oxigênio monitoriza a concentração de oxigênio liberada um pouco além da saída de gás fresco. Ele não faz parte do aparelho de anestesia

Um analisador de oxigênio funcionante e calibrado é um componente obrigatório da estação de trabalho de anestesia. Há vários dispositivos de segurança nas máquinas modernas para impedir a liberação de uma mistura de gás hipóxica para o paciente, mas o analisador de oxigênio é a última barreira de proteção e é o único aparelho que realmente mede a concentração.

262

Fundamentos de anestesiologia clínica em si, porém é uma verificação final sobre qual concentração de oxigênio é, de fato, finalmente entregue ao paciente. Embora o anestesiologista não possa determinar a funcionalidade do sistema de segurança do oxigênio, ele tem a oportunidade e a responsabilidade de confirmar a funcionalidade de todas as proteções descritas (ver “Inspeção da estação de trabalho de anestesiologista antes do uso” mais adiante neste capítulo).

D. Vaporizadores anestésicos VÍDEO 14.2 Preenchimento incorreto do vaporizador

Anestésicos voláteis de uso comum são compostos halogenados de éter que se vaporizam rapidamente quando expostos à atmosfera. Se mantidos em um recipiente fechado, a região localizada acima do líquido conterá moléculas desses agentes em estado de vapor em equilíbrio com a superfície do líquido. A pressão exercida contra as paredes do recipiente neste espaço pelas moléculas na fase gasosa é conhecida como pressão de vapor. Sob temperatura e pressão normais, a pressão de vapor medida para anestésicos voláteis reflete as características físico-químicas únicas desses fármacos. A pressão de vapor, contudo, não é um valor estático e aumentará se a temperatura ambiente subir. A temperatura na qual a energia cinética dessas moléculas é suficiente para contrabalançar a pressão atmosférica (760 mmHg ao nível do mar) é conhecida como ponto de ebulição do agente. A partir dessa temperatura, todo o agente líquido irá vaporizar prontamente em gás (1,2). A Figura 14.6 ilustra como o conceito de pressão saturada de vapor é usada para permitir o uso seguro dos agentes anestésicos voláteis em anestesia clínica. Vaporizadores de desvio variável são normalmente instalados na maioria dos aparelhos de anestesia. Eles contêm um reservatório interno de agente anestésico líquido que satura uma grande mecha. Moléculas de anestésico no estado gasoso emanam dessa mecha para criar a pressão saturada de vapor no interior da câmara de vaporização. Esses vaporizadores são chamados de desvio variável porque, quando não estão em uso, o fluxo de gás fresco de oxigênio/ar/óxido nitroso “desvia” nesses vaporizadores e prossegue para o paciente. Quando o “dial” de controle de concentração do vaporizador de anestésico é girado no sentido anti-horário, ele desvia uma parte do gás para a câmara de vaporização interna, onde irá incorporar uma certa quantidade de gás anestésico e, em seguida, voltará para se juntar ao fluxo de gás fresco, onde a mistura de anestésico

Entrada

Frio

Mecha Sistema de desvio

Agente líquido

Quente

Válvula de compensação de temperatura

Disco de controle de concentração Válvula de retenção de saída da máquina

FIGURA 14.6 Esquema simplificado do vaporizador GE-OhmedaTecType. Observe o mecanismo de compensação de temperatura com tira bimetálica na câmara de desvio. (De Riutort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641–696, com permissão.)

Capítulo 14

Estação de trabalho de anestesia

263

e oxigênio será liberado à saída de gás comum. Quanto mais aberto estiver o dial de controle de concentração, maior será a quantidade de vapor anestésico incorporada e administrada ao paciente. A transformação de uma substância do estado líquido para a fase gasosa é um processo endotérmico. É necessário que haja energia para fazer essa transição. No entanto, a maioria dos vaporizadores de desvio variável não é aquecida de forma ativa. Portanto, a energia necessária para vaporizar continuamente anestésico líquido em gás vem do ambiente, da energia térmica existente na sala de cirurgia e das paredes do próprio vaporizador. Se a sala de cirurgia estiver muito fria ou um alto fluxo de gás fresco estiver sendo usado, o que requer vaporização de um grande volume de anestésico, a temperatura na câmara de vaporização pode cair. Em consequência, haverá uma diminuição previsível e proporcional na pressão de vapor do agente e haverá menos anestésico disponível no estado gasoso para ser liberado para o paciente. Para contornar as mudanças de temperatura na câmara de vaporização, um interruptor bimetálico é colocado na interface onde o gás fresco entra na câmara de vaporização. Quando dois metais com condutividades térmicas diferentes são unidos, um expandirá ou encolherá a uma taxa muito diferente do outro quando a temperatura local subir ou cair, respectivamente. O resultado criará o cisalhamento de um metal contra o outro. Quando a temperatura interna ou pressão de vapor cair, a tira bimetálica permitirá a entrada de maior de fluxo de gás fresco na câmara de vaporização (Fig.14.6) (1,2).

E. Desflurano e o vaporizador Tec-6 Cada vaporizador de desvio variável descrito acima é construído para um agente anestésico específico e ajustado para acomodar a pressão de vapor e potência de um único fármaco. Atualmente, esses vaporizadores são usados para liberar isoflurano e sevoflurano. Por outro lado, o desflurano é um novo anestésico volátil que, ao contrário de seus antecessores, tem um ponto de ebulição próximo ao da temperatura ambiente. Isso proíbe seu uso em um vaporizador de desvio variável convencional. O vaporizador Tec-6 (GE Healthcare, Little Chalfont, UK) é projetado exclusivamente para superar os desafios apresentados pelo baixo ponto de ebulição do desflurano. Nesse sistema, um reservatório de desflurano líquido é aquecido ativamente a duas vezes seu ponto de ebulição, gerando desflurano gasoso puro. Este gás é posteriormente “injetado” diretamente na tubulação do gás fresco com base na abertura do controle do dial. Enquanto um vaporizador de derivação variável convencional é caracterizado por dois circuitos paralelos (uma via de circulação e uma via de vaporização), o Tec-6 pode ser mais bem descrito como um misturador de gás-vapor de circuito único (Fig. 14.7) (5,6).

III. Sistemas de respiração de anestesia Até agora, este capítulo tem caracterizado a confluência de oxigênio/ar/óxido nitroso e dos anestésicos voláteis na saída de fluxo de gás fresco comum. Esta seção explicará o que acontece com o gás fresco ao entrar no sistema respiratório do aparelho de anestesia. O sistema circular é o desenho mais usado. Nesse sistema, uma bolsa de ambu (ou fole de ventilador) contrai e libera um volume corrente de gás nos pulmões do paciente. O paciente exala de volta na bolsa de ambu (ou ventilador). Essa troca de gás recíproca de ida e vinda entre a bolsa de ambu/ventilador e os pulmões do paciente permite a reinalação de gases exalados (Fig. 14.8). A seguir, os componentes desse sistema. Primeiro, um pouco além do ponto onde o fluxo de gás entra no sistema circular está a válvula inspiratória unidirecional. Com ela, o volume corrente liberado e o fluxo de gás fresco trafegam apenas na direção anterógrada até o paciente por meio de uma seção de tubo corrugado conhecido como ramo inspiratório. O ramo inspiratório

Os vaporizadores anestésicos devem ser preenchidos com o agente correto. Não fazê-lo traz graves consequências. Isso é particularmente verdadeiro para o desflurano, que requer um vaporizador aquecido especialmente desenhado.

264

Fundamentos de anestesiologia clínica Pressão de trabalho R1

Entrada Controle eletrônico CE

Transdutor de pressão diferencial Saída R2 Aquecedores

Vapor de desflurano

Aquecedor do reservatório

Válvula Válvula de reguladora desligamento de pressão do reservatório

Reservatório a 39 °C

Pressão de trabalho

Válvula de controle de concentração

Líquido de desflurano

FIGURA 14.7 Esquema simplificado do vaporizador de desflurano Tec-6. (De Riutort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641–696, com permissão.)

É comum administrar 3 a 5 L/min de oxigênio durante uma anestesia. Isso é muito mais do que o oxigênio consumido pelo paciente. O gás excedente deve ser eliminado. Durante a ventilação manual, a LPA (ou válvula pop-off) abre quando a pressão no sistema circular ultrapassa o limite definido. Durante a ventilação mecânica, o gás excedente é expelido durante a fase expiratória à pressão zero (ou muito baixa).

se liga a um conector de peça Y, que, por sua vez, está conectado ao paciente por uma máscara facial, máscara laríngea ou tubo endotraqueal. Segundo, durante a expiração, o volume corrente exalado percorre a peça em Y e o ramo expiratório de tubo corrugado além da válvula unidirecional expiratória. Novamente, essa válvula permite o fluxo unidirecional de gases expirados. Entre as válvulas inspiratória e expiratória, o fluxo é unidirecional, como mostra a Figura 14.8. Terceiro, o volume corrente expirado pode entrar por dois caminhos diferentes. Durante a ventilação manual ou espontânea, um pouco do volume expirado passará pela válvula limitadora de pressão ajustável (LPA) (normalmente chamada de válvula pop-off) e pelo sistema de antipoluição ou, então, segue para reinflar a bolsa de ambu. A fração do volume corrente que entra no sistema antipoluição versus o volume que reinfla a bolsa de ambu é amplamente determinada pelo grau de abertura ou fechamento da válvula de LPA e do fluxo de gás fresco entrando no sistema. Além disso, é necessária uma pressão positiva para sair por meio da válvula de LAP. Portanto, em geral isso acontece apenas durante a inspiração com pressão positiva manual ou na expiração, quando a bolsa de ambu está cheia. De forma análoga, durante a ventilação mecânica, os gases expirados agirão para reinflar o fole do ventilador. O ventilador contém a sua própria válvula de alívio de pressão, que permite a entrada dos gases expirados no sistema antipoluição (discutido mais adiante). Quarto, no próximo ciclo inspiratório, outro volume corrente entra no ramo inspiratório. Antes de fazê-lo, no entanto, esse volume de gás deve primeiro passar por um recipiente (canister) cheio com o material absorvente destinado a neutralizar o dióxido de carbono. Lembre-se de que esse sistema circular permite a reinalação. Não fosse pela presença desse absorvedor de dióxido de carbono, o paciente apresentaria aumento da pressão de dióxido de carbono e hipercapnia. O sistema circular é intrinsecamen-

Capítulo 14 Válvula unidirecional inspiratória

Estação de trabalho de anestesia

265

Entrada de gás fresco

Ramo inspiratório

Canister de CO2

Peça Y

V

VÍDEO 14.3 Sistema circular genérico

Ramo expiratório

Válvula unidirecional expiratória

Válvula PL

Seletor de bolsa/ventilação

B

FIGURE 14.8 Componentes do sistema de respiração circular. B, bolsa-reservatório; CO2, dióxido de carbono; V, ventilador; LPA, válvula de limite de pressão ajustável (pop-off). (De Riutort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641–696, com permissão.)

te complexo. Naturalmente, há desvantagem com as várias conexões e componentes, que podem apresentar defeito ou desconexão. Além da complexidade, há o fato de que alguns componentes são descartáveis e outros são permanentes. Contudo, esse modelo é popular, pois permite fluxos de gás muito baixos e conservação de gases anestésicos, calor e umidade (1-3). Abaixo, estão exemplificadas várias considerações interessantes sobre o uso do sistema de respiração circular.

A. Impacto de fluxo de gás fresco A função adequada do sistema circular depende significativamente da taxa de fluxo de gás fresco liberado na saída comum de gás. Se um fluxo de gás muito alto (p. ex., 10 L/ min) entrar no sistema circular e o doente estiver sendo ventilado por modo mecânico, há risco de trauma para os pulmões. Isso ocorre porque a válvula de alívio de pressão automática do ventilador está completamente fechada durante a fase inspiratória (2) e o influxo simultâneo de gás fresco durante esse breve intervalo pode causar um aumento perigosamente alto na pressão inspiratória. Além disso, se o fluxo de gás fresco é alto (p. ex., 10 L/min), praticamente todo o volume corrente expirado escapará pelo sistema antipoluição, criando um circuito sem reinalação. Esse fenômeno pode ser usado de maneira eficaz na conclusão da cirurgia para permitir que o paciente desperte da anestesia inalatória, pois não ocorre a reinalação de gases anestésicos exalados.

266

Fundamentos de anestesiologia clínica De modo contrário, é problemático se o fluxo de gás fresco no sistema circular é baixo demais. Por exemplo, o consumo normal de oxigênio de um paciente é de aproximadamente 300 mL/min; ele pode aumentar de maneira significativa se o paciente estiver hipermetabólico (p. ex., febre). Se o paciente receber um volume de oxigênio menor do que o necessário, a bolsa de ambu (ou fole do ventilador) colabará e o paciente não poderá respirar. Além disso, se for desejado alterar rapidamente a concentração do anestésico liberado, isso levará muito mais tempo com uma taxa de fluxo baixo. Ainda, os analisadores de gás conectados ao sistema circular podem bombear até 150 mL/min. Por fim, são exalados alguns metabólitos potencialmente nocivos dos anestésicos voláteis. O uso de taxas de fluxo de gás extremamente baixo fará com que esses produtos se acumulem no sistema circular. Na maioria dos casos, em que se utiliza o sistema circular, há raras indicações para uso de uma taxa de fluxo de gás fresco total ⬍ 0,3 L/min.

B. Válvulas unidirecionais Como mencionado anteriormente, a presença de válvulas unidirecionais garante que o volume corrente seja entregue aos pulmões do paciente durante a inspiração e que ele seja evacuado do sistema durante a expiração. A regulagem ineficaz dessas válvulas resulta em fluxo bidirecional, que permite que os gases expirados, principalmente o dióxido de carbono, contamine o gás inspiratório. Esse dióxido de carbono permanece entre os ramos inspiratório e expiratório, não sendo removido pelo absorvente de dióxido de carbono (1).

C. Válvula de limite de pressão ajustável Durante a ventilação manual (bolsa), a válvula de LPA é cuidadosamente ajustada. Ela é fechada apenas parcialmente para que seja gerada tensão suficiente na bolsa de ambu. Isso permite que o usuário aperte a bolsa e insufle de forma confiável os pulmões do paciente com o volume corrente adequado. Entretanto, se a válvula de LPA estiver muito apertada, a pressão aumentará no sistema, e isso pode ser evidenciado pelas altas pressões pulmonares e pela insuflação da bolsa de ambu. Por outro lado, uma válvula de LPA completamente aberta não promove tensão suficiente no circuito e, dessa forma, o anestesiologista não será capaz de fornecer manualmente o volume corrente para o paciente. Quando um paciente está respirando espontaneamente por meio do sistema circular, a bolsa de ambu não requer compressão manual pelo anestesiologista. Assim, a válvula de LPA pode permanecer na posição aberta para evitar o acúmulo de gás e pressão dentro do sistema. Em alguns casos, como em um paciente que está desenvolvendo atelectasia, a LPA pode ser ajustada para promover uma pequena pressão positiva contínua no sistema a fim de expandir os alvéolos colapsados.

D. A bolsa de ambu Durante o manejo anestésico de pacientes adultos, a bolsa de ambu de 3L é conectada normalmente ao sistema circular. Há bolsas de volume menor para uso pediátrico e neonatal. As bolsas de ambu são consideradas sistemas de alto volume e baixa pressão. Entretanto, em volumes superiores a 3L, a pressão dentro da bolsa respiratória irá subir acentuadamente em resposta ao aumento do volume. Essas bolsas são projetadas para que sua complacência seja alterada significativamente apenas com volumes extremos. Isso limita o aumento na pressão interna que pode ser gerado (1,2).

E. Absorvedores de dióxido de carbono Os absorvedores de dióxido de carbono são grânulos sólidos finos que participam da reação acidobásica com o dióxido de carbono. Os grânulos de tamanho menor resultam em maior capacidade de absorção, contudo, isso cria maior resistência para o fluxo do gás por meio do absorvente. O objetivo primário desses absorvedores é, finalmente,

Capítulo 14

Estação de trabalho de anestesia

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converter o dióxido de carbono em um sal inerte, o carbonato de cálcio. Absorvedores mais antigos, tais como cal sodada, compreendiam água, hidróxido de cálcio Ca(OH)2 e uma base mais potente, hidróxido de sódio (NaOH). O resultado da reação entre a cal sodada e o dióxido de carbono é mostrado abaixo: 1. CO2 ⫹H2O → H2CO3 (ácido carbônico). 2. H2CO3 ⫹ 2NaOH → Na2CO3 (carbonato de sódio) ⫹ 2H2O. 3. Na2CO3 ⫹ Ca(OH)2 → 2NaOH ⫹ CaCO3 (carbonato de cálcio). Vale notar que a cal sodada igualmente continha pequenas quantidades de outra base reativa, o hidróxido de potássio (KOH), que também participou na reação acima de um modo totalmente análogo ao hidróxido de sódio. Os absorvedores de dióxido de carbono são muito eficazes para a redução do risco de hipercapnia no sistema circular, mas eles têm seus próprios riscos. Bases fortes, como NaOH e KOH, são altamente reativas, de modo que reagem não apenas com o dióxido de carbono como também com anestésicos voláteis que devem passar por meio do absorvedor. Especificamente, observou-se que o uso de sevoflurano com absorvedores mais antigos gera uma quantidade intensa de energia térmica, a ponto de incendiar o canister de absorvedor. Os subprodutos da degradação do anestésico também são problemáticos. O sevoflurano pode reagir com absorvedores de dióxido de carbono para formar o Composto A, um éter de vinila que pode ser potencialmente nefrotóxico. O desflurano, mais do que qualquer outro anestésico, também é conhecido por sua degradação em monóxido de carbono na presença de absorvedor ressecado. Todos esses efeitos indesejáveis de reações anestésicas com absorvedores de dióxido de carbono são aumentados quando um absorvedor seco e mais antigo é usado por períodos prolongados sob condições de baixo fluxo de gás fresco (1-3). Os absorvedores de dióxido de carbono modernos (ou seja, Amsorb, Armstrong Medical, Coleraine, Irlanda do Norte; Drägersorb, Dräger, East Tamaki, Nova Zelândia) contornaram as toxicidades potenciais acima descritas com a eliminação completa das bases altamente reativas, como hidróxido de sódio, em sua formulação. Consistem apenas de hidróxido de cálcio e água (7). O resultado é uma capacidade um pouco diminuída para absorver o dióxido de carbono. Alternativamente, os absorvedores com uma nova composição química usando lítio (Litholyme, Allied Health Care Products, St. Louis, Missouri) são caracterizados por diferentes reações químicas com o dióxido de carbono e maior capacidade de absorção. O uso continuado do absorvedor acaba por exaurir sua capacidade absortiva de dióxido de carbono. Em geral, os absorvedores de dióxido de carbono são impregnados com um corante indicador que reage ao pH baixo quando o absorvedor se esgota. O mais usado é o etil violeta. Esse corante confere uma cor violeta ao absorvedor quando ele se esgota.

F. Monitoramento do gás expiratório, analisador de oxigênio e espirometria As medições de gases respiratórios e volumes pulmonares não são componentes necessários para um sistema circular funcional, mas acrescentam uma segurança valiosa. O analisador de oxigênio está posicionado sobre a válvula unidirecional inspiratória. Essa posição do analisador é particularmente adequada, pois ele medirá a FiO2 imediatamente a jusante da entrada de fluxo de gás fresco. Os analisadores mais usados usam análise de célula galvânica para medir o oxigênio. Esses analisadores medem a corrente produzida à medida que o oxigênio se difunde por meio de uma membrana interna, sendo finalmente reduzido ao oxigênio molecular do ânodo de um circuito elétrico. A quantidade de corrente produzida é proporcional à pressão parcial do oxigênio presente (2).

Mudança para a cor violeta, tentativa de hiperventilação por parte do paciente e dióxido de carbono inspirado elevado na capnografia são evidências de absorvedor de dióxido de carbono exaurido.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Enquanto a análise de gás inspiratório se concentra na fração inspirada de oxigênio, a análise de gás expiratório mede e exibe as tensões de dióxido de carbono e anestésicos inalatórios. Na maioria das vezes, uma porta de bloqueio Luer no conector da peça Y direciona o gás expirado a uma taxa de 50 a 150 mL/min para um analisador de absorção infravermelho independente. Esse aparelho pode identificar a presença e as concentrações de dióxido de carbono, óxido nitroso e anestésicos voláteis (2). Por fim, os volumes de corrente expirados em geral são medidos no ramo expiratório um pouco a jusante da válvula unidirecional expiratória. Os espirômetros usam uma palheta rotatória, ultrassom ou um fio aquecido para medir o fluxo de gás e exibir os valores eletronicamente.

G. Ventiladores mecânicos Com frequência, um ventilador mecânico é empregado para ventilar o paciente durante a anestesia. Isso pode ser feito para permitir que o anestesiologista tenha as “mãos livres” durante a entrega de um volume confiável de ventilação ou ser uma necessidade quando o paciente está paralisado ou tem doença pulmonar significativa. Os ventiladores associados à estação de trabalho de anestesia usam um duplo circuito acionado a gás (Fig. 14.9). Um conjunto de foles comprimíveis libera um volume de gás para o paciente. Esses foles são comprimidos pela ação de um gás “propulsor” externo aos foles. Assim, há dois circuitos de gás: um para os pulmões do paciente e o outro para acionar os foles. O gás propulsor pode ser ar comprimido, oxigênio ou uma mistura dos dois. Se o oxigênio é usado como o gás de propulsão, qualquer interrupção no abastecimento no oxigênio central para a estação de trabalho não apenas comprometerá a liberação do gás fresco, mas também incapacitará a liberação do volume corrente. Aparelhos de anestesia mais modernos podem usar um ventilador que incorpora o modelo de circuito único acionado por pistão. Em tais casos, um pistão de acionamento elétrico libera o volume corrente ao paciente. Isso significa que a falta de energia elétrica incapacitará o ventilador. O desenho mais recente para a liberação de volumes correntes controlados foi a inclusão de um turbocompressor de acionamento elétrico dentro do ramo inspiratório do sistema circular (1-3). Independentemente do mecanismo pelo qual o ventilador libera o volume corrente proposto, deve haver uma rota para o escape do excesso de gás durante a expiração. Assim como a válvula de LPA faz a interface com o sistema de antipoluição durante a ventilação espontânea ou manual, uma válvula de escape específica direciona o excesso de gás expiratório por meio da rota de escape durante a ventilação mecânica (1). Caracterizar as configurações de um ventilador mecânico requer a definição de como cada respiração é processada e por qual medida é limitada. Na maioria das vezes, a ventilação mecânica é processada por tempo, ou seja, a frequência respiratória definirá com que frequência o ventilador libera a respiração. É muito comum que a ventilação mecânica seja limitada por volume, isto é, o volume corrente definido prediz o volume máximo que será liberado para o paciente. Definir esses dois parâmetros simples gera uma ventilação por minuto previsível (volume corrente vs. frequência respiratória), porém a verdadeira limitação dessa estratégia pode ser regulada por diversos parâmetros também sob o controle do anestesiologista. Além do volume corrente e da frequência respiratória, o usuário habitualmente predefine as configurações de limite de pressão inspiratória, a taxa de fluxo de gás propulsor e a proporção entre inspiração e expiração antes de iniciar a ventilação mecânica controlada. A seguir, um exemplo ilustrativo: um volume corrente de 600 mL a uma frequência respiratória de 10 respirações/min é selecionado para um paciente saudável. A ventilação por minuto prevista é, portanto, 6 L/min. Contudo, se a pressão inspiratória limite (a pressão pulmonar de pico além da qual o ventilador não liberará mais outros volumes) for definida para um limite muito

Capítulo 14

Estação de trabalho de anestesia

VÍDEO 14.4 Ventilador de fole ascendente

Aberta

269

+ 30 cm H2O

Fechada Fechada

A

Fase inspiratória

Fechada

Aberta

B

Válvula de escape + 3 cm H2O

+ 3 cm H2O

Aberta

Fase expiratória tardia

FIGURA 14.9 Fases inspiratória (A) e expiratória (B) de fluxo de gás em um sistema circular tradicional com um ventilador com fole ascendente. O fole separa fisicamente o circuito de gás propulsor do circuito de gás do paciente. O circuito de gás propulsor está localizado no exterior dos foles e o circuito de gás do paciente está dentro do fole. Durante a fase inspiratória (A), o gás propulsor entra na câmara do fole, causando o aumento da pressão interna. Isso causa o fechamento da válvula de escape do ventilador, o que impede o escape do gás anestésico no sistema de antipoluição, e a compressão do fole, que libera o gás anestésico dentro do fole aos pulmões do paciente. Durante a fase expiratória (B), a pressão dentro da câmara do fole e da linha piloto diminui para zero, o que causa a abertura da parte em domo da válvula de escape do ventilador. O gás exalado pelo paciente preenche novamente o fole antes da limpeza, pois há uma esfera com peso incorporada à base da válvula de escape do ventilador. A limpeza ocorre apenas durante a fase expiratória, pois a válvula de escape do ventilador está aberta apenas durante a expiração. (De Riutort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641–696, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica baixo, por exemplo, 10 cm de H2O, de forma não intencional, apenas um pequeno volume corrente será entregue. Nesse caso, o limite de pressão inspiratória serve como a verdadeira limitação para a limitação por minuto. Além disso, dependendo do procedimento cirúrgico e das doenças subjacentes do paciente, o anestesiologista pode escolher entre os diversos perfis que definem como a respiração mecânica é liberada. Eles incluem ventilação controlada por volume, ventilação controlada por pressão e ventilação com suporte de pressão, com ou sem a inclusão de pressão respiratória final positiva.

H. Separação de fluxo de gás fresco Até agora, este capítulo descreveu as características de um modelo convencional da estação de trabalho de anestesia. As máquinas clássicas de gerações passadas têm uma arquitetura uniforme; a maior parte do maquinário é externa e requer uma abordagem mais direta para inspeção e uso. Em contraste, as estações de trabalho mais modernas dependem fortemente de processamento computadorizado e sofisticado. Essas estações de trabalho têm sistemas de autoinspeção automatizados e, muitas vezes, apresentam um desenho ergonômico que oculta a maior parte de sua anatomia. A característica mais importante incorporada por essas novas estações de trabalho é a separação de fluxo de gás fresco. Deve-se relembrar a forma como a ventilação-minuto pode ser aumentada pelo aumento do fluxo de gás fresco durante a ventilação mecânica nos aparelhos de anestesia. Isso ocorre porque o gás fresco é “integrado” ao sistema circular durante a inspiração. Muitos projetos de novas estações de trabalho separam o fluxo de gás fresco do sistema circular durante a fase inspiratória e, como resultado, o paciente recebe apenas o volume corrente prescrito definido pelo usuário. Uma válvula de separação desvia o fluxo de gás fresco normalmente para a bolsa de ambu durante a fase inspiratória. Após o início da expiração, o fluxo de gás fresco é integrado e o gás dentro da bolsa de ambu entra no circuito, enchendo novamente o fole do ventilador. Esse projeto muito diferente da estação de trabalho de anestesia praticamente elimina o risco de volutrauma ou barotrauma induzido pelo fluxo de gás fresco. A principal desvantagem das máquinas de gás fresco separado é a dependência imposta da bolsa de ambu como reservatório de gás fresco. Se a bolsa de ambu se desconectar de forma parcial ou completa, surgem dois problemas. Primeiro, o gás anestésico poluirá a sala de cirurgia. Segundo, o ar da sala entrará no circuito, o que diluirá a fração de oxigênio pretendida e o anestésico desejado para o paciente.

IV. Sistemas antipoluição O determinante primário da quantidade de gás excedente limpo é o fluxo de gás fresco que sai da saída comum de gases. Com taxas de fluxo muito baixas, um volume de gás relativamente inalterado oscilará constantemente entre os pulmões do paciente e a bolsa de ambu ou o ventilador, e um pouco de gás escapará por meio do sistema de antipoluição. Com altas taxas de fluxo de gás fresco, o gás excedente será eliminado por meio do sistema de antipoluição para evitar um acúmulo de volume e pressão. Tanto o ventilador mecânico quanto a bolsa de ambu estão conectados ao sistema antipoluição por meio de mangueiras conectoras de 19 mm. Durante a ventilação manual ou espontânea, o gás excedente é eliminado por meio da LPA. Quando o ventilador está em uso, o gás excedente é eliminado durante a expiração e antes do início da inspiração. Durante esse intervalo no ciclo respiratório, após um certo limite de pressão ser alcançado, em geral, 2 cm de H2O, a válvula de escape abrir-se-á e direcionará o gás excedente para a mangueira antipoluição. A partir do terminal de antipoluição, uma terceira mangueira leva o gás excedente para fora da sala de cirurgia e, finalmente, do hospital (Fig. 14.10).

Capítulo 14

Conjunto coletor de gás

Meio de transferência Ducto de 19 mm Ducto de 30 mm

Interface de limpeza Aberta Fechada

Estação de trabalho de anestesia

Ducto do conjunto de disposição de gás

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Conjunto de disposição de gás Ativo (Vácuo) Passivo

Válvula LPA

Válvula de descarga do ventilador

FIGURA 14.10 Componentes de um sistema antipoluição. LPA, válvula de limite de pressão ajustável. (De Riutort KT, Brull SJ, Eisenkraft JB. The anesthesia workstation and delivery systems for inhaled anesthetics. In: Barash PB, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:641–696, com permissão.)

Após a saída do gás excedente da estação de trabalho de anestesia, há vários sistemas para eliminar os gases. Uma característica definitiva dos sistemas antipoluição refere-se à dinâmica do fluxo de gás, que pode ser ativo ou passivo. Nos sistemas ativos, a pressão negativa é aplicada por meio do vácuo hospitalar para facilitar a remoção do gás excedente. Os sistemas passivos dependem apenas de uma pequena quantidade de pressão positiva gerada durante a expiração para promover a eliminação do gás excedente. Os sistemas de antipoluição podem, ainda, ser definidos conforme o desenho anatômico, aberto ou fechado. Os sistemas fechados são autoexplicativos: um sistema de mangueiras evacua o gás exalado em forma contida, que impede o gás excedente de entrar na sala de cirurgia. Os sistemas abertos contêm aberturas no reservatório de antipoluição para permitir que o gás excedente potencialmente entre na sala de cirurgia. À primeira vista, pode-se questionar o mérito de um sistema aberto, um sistema que permite a contaminação do ambiente da sala de cirurgia por gás excedente. Os seguintes exemplos servem para justificar como os sistemas abertos podem ser intrinsecamente mais seguros do que os fechados. Pense no que pode acontecer se a mangueira que envia o gás para fora da sala ficar obstruída. Em um sistema fechado, o gás excedente acumularia, gerando pressão positiva que, teoricamente, poderia ser transmitida ao paciente. Contudo, a presença de aberturas no reservatório de antipoluição em um sistema aberto permitiria que a pressão excedente se dissipasse na sala de cirurgia. Considere também o problema oposto. Talvez uma quantidade excessiva de pressão negativa seja aplicada para evacuar o gás residual. Nesse cenário, gás em excesso é evacuado do sistema circular em projetos fechados. As mesmas aberturas anteriormente descritas em sistemas abertos arrastariam o ar ambiente para acomodar essa pressão negativa. Os sistemas fechados são aceitáveis para uso, mas eles devem reter mecanismos que minimizem os problemas exemplificados acima. Sistemas fechados contêm válvulas de descargas de pressão positiva e pressão negativa. A primeira é aberta na sala de cirurgia quando a pressão excessiva se acumula dentro do sistema de limpeza. As válvulas de pressão negativa, por outro lado, respondem à pressão negativa excessiva e evacuam o ar ambiente para compensar (1-3).

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 14.2 Resumo das recomendações de verificação pré-anestésica da American Society of Anesthesiologists

Assim como pilotos competentes antes de voar, é altamente recomendável que o anestesiologista faça uma verificação completa da estação de trabalho de anestesia antes do uso e, para fins de controle de qualidade, deve documentá-la.

ITENS A SEREM REALIZADOS: Item 1*: Verificar se o cilindro de oxigênio auxiliar e dispositivo de ventilação manual estão disponíveis e funcionando. Item 2*ⴙ: Verificar se o sistema de aspiração do paciente é adequado para limpar as vias aéreas. Item 3*: Ligar o sistema de liberação de anestesia e confirmar que a energia está disponível. Item 4*ⴙ: Verificar a disponibilidade de monitores necessários e verificar os alarmes. Item 5*: Verificar se a pressão no cilindro de oxigênio reserva acoplado ao aparelho de anestesia é adequada. Item 6*: Verificar se as pressões do gás encanado são de ⬎ ou ⫽ a 50 psi. Item 7*ⴙ: Verificar se os vaporizadores estão devidamente preenchidos e, se for o caso, se as portas do enchimento estão bem fechadas. Item 8*: Verificar se não há vazamentos no abastecimento de gás entre os fluxômetros e a saída comum de gases. Item 9*: Testar a função do sistema de antipoluição. Item 10*: Calibrar ou verificar a calibração do monitor de oxigênio e verificar o alarme de oxigênio baixo. Verificar a função do analisador de dióxido de carbono. ⴙ Item 11* : Verificar se o absorvente de dióxido de carbono não está exaurido. Item 12*ⴙ: Testar a pressão do sistema respiratório e vazamentos. Item 13*ⴙ: Verificar se o gás flui adequadamente pelo circuito de respiração durante a inspiração e exalação. Verificar a função das válvulas unidirecionais. Item 14*ⴙ: Preencher o documento de procedimentos de verificação. Item 15*ⴙ: Confirmar as definições do ventilador e avaliar a se tudo está preparado para o início do cuidado anestésico. (*, diariamente; ⫹, antes de cada procedimento) De American Society of Anesthesiologists. Recomendações para verificação pré-anestésica de 2008. Encontrado em: www.asahq.org/For-Members/Clinical-Information/2008-ASA-Recommendations-forPreAnesthesia-Checkout.aspx.

V. Inspeção da estação de trabalho de anestesia antes do uso

VÍDEO 14.5 Condensação de água no circuito de respiração

A American Society of Anesthesiologists (ASA) publicou e revisa regularmente as recomendações para a inspeção da estação de trabalho de anestesia antes do uso. A Tabela 14.2 apresenta um resumo básico da lista de verificação com 15 itens. Contudo, a elaboração completa e abrangente da lista de verificação é encontrada na ASA. Recomenda-se que os anestesiologistas sigam essas recomendações. Além disso, são incentivados a estudar o manual de operação referente à(s) estação(ões) de trabalho específica(s) que pretendem usar.

Referências 1. Dorsch JA, Dorsch SE. A Practical Approach to Anesthesia Equipment. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2011. 2. Davey AJ, Diba Ali. Ward’s Anaesthetic Equipment. 5th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. 3. Brockwell RC, Andrews JJ. Understanding your anesthesia machine. In: Schwartz AJ, ed. ASA Refresher Courses. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2002. 4. Atlas G. A method to quickly estimate remaining time for an oxygen E-cylinder. Anesth Analg. 2004;98:1190. 5. Weiskopf RB, Sampson D, Moore MA. The desflurane (Tec 6) vaporizer: Design, design considerations and performance evaluation. Br J Anaesth. 1994;72:474. 6. Andrews JJ, Johnston RV Jr, Kramer GC. Consequences of misfilling contemporary vaporizers with desflurane. Can J Anaesth. 1993;40:71.

Capítulo 14

Estação de trabalho de anestesia

7. Versichelen LF, Bouche MP, Rolly G, et al. Only carbon dioxide absorbents free of both NaOH and KOH do not generate compound-A during in vitro closed system sevoflurane. Anesthesiology. 2001;95:750. 8. U.S. Food and Drug Administration. Anesthesia Apparatus Checkout Recommendations. Rockville, MD: Author, 1993. 9. The American Society of Anesthesiologists. 2008 Recommendations for Preanesthesia Checkout. Available at: www.asahq.org/For-Members/Clinical-Information/2008-ASA-Recommendations-for-PreAnesthesia-Checkout.aspx.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A desvantagem mais significativa da estação de trabalho de anestesia moderna é: A. A dependência de uma fonte de oxigênio de alta pressão para sua operação B. A dependência de uma fonte de eletricidade para sua operação C. A complexidade de sua operação D. O potencial para barotrauma para o pulmão, resultante do uso de altos fluxos de gás fresco durante a ventilação mecânica 2. Qual dos seguintes valores de pressão exibidos em um cilindro E de oxigênio indica que ele está aproximadamente preechido até a metade? A. 1.700 psi B. 1.100 psi C. 750 psi D. 405 psi 3. Todos os itens a seguir são usos apropriados para a válvula de liberação de oxigênio, EXCETO: A. Para aprofundar rapidamente o nível de anestesia B. Para encher um saco de reinalação vazio C. Para encher o fole do ventilador durante a fase expiratória da ventilação D. Para ventilação em jato de alta frequência 4. Se uma fonte de ar medicinal do hospital foi acidentalmente ligada à entrada de oxigênio da estação de trabalho de anestesia, qual dos seguintes dispositivos de segurança alertaria o usuário para o problema? A. O alarme de oxigênio à prova de falhas B. O sistema medidor do fluxômetro C. Um analisador de oxigênio localizado fora da saída de gás fresco D. A ativação do alarme de baixa pressão de oxigênio 5. Qual dos seguintes anestésicos requer aquecimento ativo de um vaporizador para permitir a liberação de uma concentração exata de gás? A. Desflurano B. Isoflurano C. Sevoflurano D. Xenônio

6. Um paciente é anestesiado com isoflurano a 1%. Ele está respirando espontaneamente por meio de um sistema circular com 5 L/min de oxigênio. A pressão média das vias aéreas sobe para 20 cm H2O e o volume corrente cai para 100 mL. O próximo passo mais adequado é: A. Administrar um broncodilatador B. Iniciar a ventilação mecânica C. Diminuir a taxa de fluxo de oxigênio a 2 L/min D. Abrir a LPA 7. Um paciente pesando 70 kg, saudável e normotérmico, é anestesiado com isoflurano e oxigênio por meio de um sistema circular e  respira a uma taxa de 16 ciclos. Qual das condições a seguir é potencialmente a mais arriscada? A. Ventilação espontânea com um fluxo total de gás fresco de 1 L/min B. Ventilação espontânea com um fluxo total de gás fresco de 15 L/min C. Ventilação mecânica com um fluxo total de gás fresco de 1 L/min D. Ventilação mecânica com um fluxo total de gás fresco de 15 L/min 8. A capnografia dos gases inalados e exalados de um paciente mostra que o valor de dióxido de carbono inspirado é maior que zero. Isso pode ser explicado por qual das alternativas: A. A tonalidade violeta clara na metade do canister de dióxido de carbono B. Canister de dióxido de carbono está quente ao toque C. Acúmulo de Composto A relacionada com o uso de sevoflurano D. Um mau funcionamento da válvula unidirecional no ramo inspiratório do sistema circular

Capítulo 14 9. Um paciente está conectado a um ventilador com um fole compressível. Os fluxômetros estão ajustados para liberar 2 L/min de oxigênio e 2 L/min de óxido nitroso. O “gás de propulsão” é o ar. Todos os itens a seguir indicam um furo no fole, EXCETO: A. Um aumento no volume inspirado acima do volume predefinido B. Um aumento no volume inspirado acima do volume esperado C. Um aumento na leitura do analisador de oxigênio de 50 a 80% D. Uma diminuição no volume do fole na expiração final

Estação de trabalho de anestesia

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10. A ASA recomenda que todos os seguintes parâmetros sejam verificados antes de cada anestesia, EXCETO: A. Verificar se o sistema de aspiração do paciente é adequado para limpar as vias aéreas B. Verificar se as pressões do gás na fonte é ≥ 50 psi C. Testar a pressão e o vazamento do sistema D. Verificar a função das válvulas unidirecionais

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Monitoração anestésica padrão e dispositivos Ryan J. Fink Jonathan B. Mark

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A monitoração dos pacientes durante a anestesia começa com um anestesiologista atento na inspeção visual da expansão do tórax, na coloração do paciente para estimar a oxigenação e palpação de pulsos para estimar a frequência cardíaca e a pressão sanguínea. Embora a tecnologia tenha melhorado a capacidade do anestesiologista de monitorar e tratar os pacientes durante a anestesia e cirurgia, um profisisonal atento e com boas habilidades na tomada de decisão clínica ainda é necessário. Os padrões para a monitoração anestésica básica publicados pela American Society of Anesthesiologists enfatizam a necessidade de um anestesiologista qualificado na sala para todos os procedimentos sob anestesia ou sedação (Tab. 15-1).

I. Monitoração anestésica básica As “Normas para a Monitoração Anestésica Básica” foram inicialmente publicadas em 1986 e atualizadas em 2011 (Tab. 15.1). Essas normas estabelecem a base para a monitoração mínima durante todo o cuidado anestésico e começam com a presença de um profissional de anestesia qualificado. Em alguns casos, dependendo do julgamento clínico desse profissional, pode ser necessária uma monitoração mais avançada.

A. Oxigenação A oxigenação apropriada do paciente é assegurada de duas formas. Durante a utilização do respirador do aparelho de anestesia em uma anestesia geral, deve-se ter a confirmação de que está sendo entregue uma concentração adequada de oxigênio. A maioria dos aparelhos de anestesia usa um analisador de célula galvânica localizado no ramo inspiratório do circuito anestésico e está equipada com um alarme de baixa concentração de oxigênio que alertará o anestesiologista sobre a presença de uma mistura gasosa hipóxica perigosa. O analisador de oxigênio pode necessitar de uma calibração diária e substituição periódica. Se um paciente está recebendo oxigênio suplementar por uma cânula nasal ou máscara facial durante uma anestesia regional ou sedação, o anestesiologista deve assegurar o fluxo adequado de oxigênio a partir do fluxômetro de oxigênio de parede ou do cilindro de gás. Depois de assegurar a entrega adequada de oxigênio para o paciente no circuito respiratório, a oxigenação sanguínea do paciente deve ser monitorada qualitativamente, na maioria das vezes por meio da coloração da pele ou das suas membranas mucosas, e quantitativamente por meio de um oxímetro de pulso. Esse dispositivo tornou-se onipresente tanto dentro como fora da sala de cirurgia, pois fornece uma medição contínua, não invasiva e precisa da saturação de oxigênio da hemoglobina arterial.

VÍDEO 15.1 Padrões de monitoração

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 15.1 Resumo dos padrões da American Society of Anesthesiologists “Padrões para a monitoração anestésica básica” Padrão 1 A equipe de anestesia qualificada deve estar presente na sala durante toda a execução de anestesia geral, anestesia regional e sedação. Padrão 2 Durante a anestesia, a ventilação, circulação e temperatura do paciente devem ser continuamente avaliadas. Oxigenação Concentração de oxigênio do gás inspirado Observação da cor da pele e das membranas mucosas do paciente Oximetria de pulso Ventilação Observação do paciente e da bolsa-reservatório Desconexão dos alarmes do circuito de ventilação mecânica Ausculta dos sons respiratórios Medição contínua do dióxido de carbono expiratório final Circulação Exibição de ECG contínuo Frequência cardíaca e pressão arterial a pelo menos cada 5 minutos Avaliação da circulação: ausculta dos sons cardíacos, palpação do pulso, pletismografia de pulso, oximetria de pulso, traçado da pressão intra-arterial Temperatura Monitoramento contínuo da temperatura quando alterações significativas são previstas ou suspeitas ECG, eletrocardiograma De https://www.asahq.org/For-Members/Standards-Guidelines-and-Statements.aspx.

O oxímetro de pulso apresenta um retardo significativo (15-30 segundos) na detecção de alterações na saturação arterial de oxigênio.

O oxímetro de pulso emite dois comprimentos de onda de luz (vermelho e próximo do infravermelho) e usa um fotodetector para medir a absorção de hemoglobina oxigenada e desoxigenada no sangue. Então, o oxímetro usa um algoritmo para calcular a porcentagem da hemoglobina total que existe na forma de oxiemoglobina, e exibe isso como a saturação da hemoglobina (SpO2). Esse monitor também deve diferenciar o sinal arterial pulsátil (e, portanto, a saturação arterial de oxigênio da hemoglobina) da saturação venosa não pulsátil (de outros tecidos). Embora um oxímetro de pulso seja considerado um monitor contínuo, pode haver um retardo significativo (de até 15-30 segundos) antes que ele alerte sobre uma redução na SpO2. O oxímetro de pulso é um monitor muito importante durante a anestesia, e uma SpO2 anormalmente baixa ou que apresenta uma redução súbita (⬍ 90%) leva o monitor a emitir um alerta sonoro que indica deterioração iminente do paciente. No entanto, como qualquer monitor, o oxímetro está sujeito a artefatos e leituras imprecisas (Tab. 15.2). É necessário um anestesiologista atento para determinar se uma SpO2 baixa informada pelo monitor é um artefato ou um evento real que requer a intervenção. Além da determinação de SpO2, o oxímetro de pulso pode ter outras características úteis durante a anestesia. A forma de onda pletismográfica do oxímetro de pulso fornece uma medida da frequência cardíaca (frequência de pulso) e uma estimativa aproximada da pressão arterial, pois a forma de onda aparece atenuada quando existe hipotensão grave. Os oxímetros de pulso de nova geração são menos influenciados pelo movimento do paciente e por outras fontes de artefato. Alguns dispositivos medem a concentração de outras formas de hemoglobina (i.e., a carboxiemoglobina e metemo-

Capítulo 15 TABELA 15.2

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

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Limitações do oxímetro de pulso

Condições com fluxo sanguíneo baixo (ou diminuição da pulsatilidade arterial): • Hipotensão • Hipotermia causando vasoconstricção periférica • Altas doses de vasopressores • Circulação extracorpórea Artefatos de movimento • Anestesia leve / sem paralisia • Interferência cirúrgica • Monitor da junção neuromuscular causando artefato de movimento • Calafrios Absorbância variável de luz • Metemoglobina • Carboxiemoglobina • Azul de metileno/índigo carmim • Esmalte de unhas • Luz ambiente

globina) e até mesmo a concentração total da hemoglobina (2). A análise de forma de onda do oxímetro de pulso também pode ser usada para estimar o estado de volume intravascular e a capacidade de resposta ao volume por meio da análise das mudanças do contorno da onda de pulso durante o ciclo respiratório. Embora o oxímetro de pulso seja mais frequentemente usado com um sensor de dedo, outros sensores podem ser usados na orelha, nas narinas ou na bochecha. Os oxímetros de pulso não funcionam quando não há pulsação arterial (p. ex., na circulação extracorpórea), nesses casos, outras técnicas devem ser usadas, como a oximetria com sensor de refletância, que não depende de pulsações arteriais.

B. Ventilação A ventilação, ou o movimento de gases entre o meio ambiente e os alvéolos, é outro aspecto importante da fisiologia do paciente que deve ser monitorado durante a anestesia (Tab. 15.1). Isso pode se feito por meio da inspeção visual da insuflação e desinsuflação do tórax, da condensação do vapor de água proveniente das vias aéreas no tubo endotraqueal ou na máscara facial durante a expiração, do enchimento e esvaziamento cíclico da bolsa-reservatório ou do fole do ventilador. O aparelho de anestesia mede o volume corrente e a frequência respiratória e pode disparar um alarme quando um desses parâmetros ventilatórios estiver fora dos limites predefinidos. Durante a anestesia geral, o melhor monitor para determinar a adequação da ventilação é a determinação do dióxido de carbono expirado (CO2). Uma pequena amostra do gás do circuito respiratório é continuamente removida para a determinação dos níveis de CO2 e outros gases, utilizando a espectrometria de absorção. A concentração de CO2 é continuamente apresentada como uma forma de uma onda, denominada capnograma (Fig. 15.1), e geralmente é expressa em milímetros de mercúrio (mmHg). No início de uma anestesia geral, um capnograma de aspecto normal confirma o correto posicionamento do tubo orotraqueal na traqueia em vez do esôfago. Tanto o valor de CO2 quanto a forma do capnograma fornecem pistas diagnósticas importantes sobre problemas metabólicos, respiratórios, circulatórios ou técnicos com o paciente ou com o aparelho de anestesia (Fig. 15.2 e Tab. 15.3). Por exemplo, uma redução do

VÍDEO 15.2 Capnograma e registro da pressão de via aérea

280

Fundamentos de anestesiologia clínica

CO2

D C

A

E

B Tempo

AB: Expiração inicial, principalmente espaço morto sem CO2 BC: CO2 exalado começa a chegar ao analisador CD: Platô expiratório, com medição do CO2 alveolar Ponto D: CO2 expiratório final medido neste ponto DE: Inspiração

FIGURA 15.1 Capnograma normal e fases do ciclo respiratório. (De Connor, CE. Commonly used monitoring techniques. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7a ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.)

VÍDEO 15.3 Parada cardíaca

A forma da capnografia fornece informações importantes, incluindo a presença de broncoespasmo.

CO2 expiratório final (ETCO2, do inglês end-tidal CO2) indica um problema potencialmente grave que deve ser corrigido. Embora a causa mais comum de um ETCO2 baixo seja a hiperventilação ou o aumento do espaço morto, uma redução grande e súbita pode ser um sinal do posicionamento inadequado do tubo endotraqueal ou uma redução da perfusão pulmonar resultante de embolismo pulmonar, anafilaxia ou parada cardíaca. A capnografia também é um monitor importante durante a anestesia regional e sedação. Embora o valor de CO2 medido a partir de uma cânula nasal ou máscara facial provavelmente subestime o ETCO2 verdadeiro devido a uma diluição com o ar ambiente, uma mudança acentuada na capnografia ou o desaparecimento da onda proporciona um pronto alerta de que pode haver hipoventilação grave, apneia ou obstrução da via aérea. Particularmente em pacientes que estão recebendo oxigênio suplementar, o capnograma é um sinal de alerta precoce que ocorre antes que uma SpO2 baixa seja detectada pelo oxímetro de pulso.

A

B

C

FIGURA 15.2 Capnogramas anormais. A. Ascensão íngreme e prolongada indicando broncoespasmo ou obstrução da via aérea. B. Aumento na linha de base decorrente da reinalação do dióxido de carbono (CO2), tal como com um absorvedor de CO2 esgotado. C. “Fenda do curare”, podendo indicar uma tentativa de ventilação espontânea pelo paciente durante a ventilação mecânica com pressão positiva.

Capítulo 15 TABELA 15.3

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

281

Fatores que podem alterar a medida de CO2 ou seu formato de onda no final da expiração

Aumentos no ETCO2 Alterações na produção de CO2 Aumentos na taxa metabólica: • Hipertermia • Sepse • Hipertermia maligna • Calafrios • Hipertireoidismo Alterações na eliminação de CO2 • Hipoventilação • Reinalação

Reduções no ETCO2 Reduções na taxa metabólica: • Hipotermia • Hipotireoidismo

VÍDEO 15.4 Diagnóstico diferencial de hipocarbia

• Hiperventilação • Hipoperfusão • Embolismo pulmonar

ETCO2, dióxido de carbono no final da expiração; CO2, dióxido de carbono. Adaptada de Connor, CE. Commonly used monitoring techniques. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical th Anesthesia.7 ed. Philadelphia:Wolthers Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.

C. Circulação A circulação do paciente é monitorada de vários modos durante a anestesia. A monitoração com eletrocardiograma contínuo (ECG) é o padrão de atendimento em anestesia e fornece informações contínuas importantes (Tab. 15.4), incluindo a frequência e o ritmo cardíaco. Uma vasta gama de distúrbios de ritmo pode ocorrer durante a anestesia, e a maioria pode ser detectada e diagnosticada com um sistema simples de ECG com três derivações. No entanto, a isquemia cardíaca é melhor detectada por meio da monitoração de cinco cabos, selecionando-se as derivações II e V5, uma técnica que pode ter uma sensibilidade de até 80%. Muitas vezes V5 é usada em vez das derivações mediais potencialmente mais sensíveis (i.e., V3 e V4) (Fig. 15.3), porque essas muitas vezes interferem com o campo cirúrgico estéril. A depressão do segmento ST ou isquemia subendocárdica (Fig. 15.4) provavelmente é a forma mais comum de isquemia cardíaca perioperatória, refletindo um descompasso entre o suprimento e a demanda de oxigênio, ou seja, a isquemia de demanda. No entanto, a isquemia cardíaca transmural refletida pelas elevações de ST no ECG também pode ser observada no cenário perioperatório (Fig. 15.5). É importante notar que o ECG é apenas um monitor da atividade elétrica cardíaca, sendo possível apresentar um traçado de ECG de aspecto normal mesmo com redução significativa ou ausência do débito cardíaco ou pressão sanguínea (ou seja, atividade elétrica sem pulso ou parada cardíaca em atividade elétrica sem pulso). Portanto, outros dispositivos são usados na sala de cirurgia para avaliar melhor a circulação do paciente. Como já foi mencionada, a forma de onda pletismográfica do oxímetro de pulso pode fornecer uma indicação adequada da perfusão para uma extremidade e exibe um monitor adicional da frequência de pulso. TABELA 15.4

Metas da monitoração eletrocardiográfica intraoperatória

• Monitoração da frequência cardíaca • Detecção de arritmias e anormalidades de condução • Detecção de isquemia miocárdica • Monitoração da função ou mau funcionamento de marca-passo • Identificação de anormalidades eletrolíticas

VÍDEO 15.5 Princípios do eletrocardiograma

VÍDEO 15.6 Sistema de condução elétrica do coração

282

Fundamentos de anestesiologia clínica

Ângulo esternal MCL AAL MAL

1

2 3

4R

4

5

6

FIGURA 15.3 Colocação precordial do eletrodo do cardiograma. V3 ou V4 podem ser mais sensíveis para a detecção de isquemia cardíaca, no entanto, V5 é frequentemente utilizado, uma vez que tem maior probabilidade de não interferir com o campo cirúrgico. MCL, linha médio-clavicular; AAL, linha axilar anterior; MAL, linha axilar média. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring. New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

1 segundo

1 mV

FIGURA 15.4 Alterações eletrocardiográficas mostrando a depressão horizontal ou infradesnível do segmento ST podendo indicar “isquemia de demanda”. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring. New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

Capítulo 15

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

283

1 segundo

1 mV

FIGURA 15.5 Alterações eletrocardiográficas representando a elevação do segmento ST, geralmente decorrente de oclusão de artéria coronária. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring: New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

A pressão arterial deve ser monitorada a cada cinco minutos, no mínimo, com um manguito de pressão arterial não invasivo. A pressão arterial medida com manguito automático difere ligeiramente entre os diferentes fabricantes, mas em geral usa o método oscilométrico. Esse método mede as flutuações da pressão que ocorrem com a pulsação arterial e geralmente fornece uma pressão arterial média como sendo a pressão na qual as pulsações arteriais têm uma amplitude máxima (Fig. 15.6). As pressões arteriais sistólica e diastólica normalmente são determinadas como as pressões no início e fim das pulsações

Pressão do manguito (mmHg)

200

150

100

180 172 164 156 148 140 132

Pressão sistólica Pressão média

Pressão diastólica

50

76 68 0 Período de insuflação do manguito

Período de sangramento

Tempo Liberação da pressão

Estabilização da pressão

FIGURA 15.6 Medida não invasiva da pressão arterial pelo método oscilométrico. O manguito é automaticamente inflado acima da pressão sistólica (não estão presentes flutuações da pressão) e então desinsuflado lentamente. Os sensores medem a magnitude das oscilações de pressão no manguito circundante, as quais inicialmente aumentam em magnitude, diminuindo a seguir. As oscilações são analisadas para fornecer a pressão sistólica, média e diastólica. (De Connor, CE. Commonly used monitoring techniques. Em: Barash P, Cullen B, Stoelting R, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins, 2013:263–285, com permissão.)

A maioria dos dispositivos não invasivos da pressão arterial usa uma técnica oscilométrica, o que explica por que são tão sensíveis a artefatos de movimento.

284

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 15.5

Principais consequências de hipotermia perioperatória leve

• Aumento da incidência de infecção da ferida cirúrgica • Aumento do número de eventos miocárdicos adversos • Aumento da incidência de arritmias ventriculares • Coagulopatia • Aumento da perda sanguínea intraoperatória • Aumento da necessidade de transfusão alogênica • Aumento da duração de ação de alguns relaxantes musculares • Tremores ou calafrios pós-operatórios • Aumento da permanência em unidades de cuidados pós-anestésicos • Aumento da permanência no hospital

VÍDEO 15.7 Monitoração da temperatura

arteriais detectadas pelo sistema de monitoramento com manguito. Alguns dispositivos, no entanto, usam algoritmos próprios para derivar os valores da pressão sistólica e diastólica. Tendo em vista que todos os monitores eletrônicos podem falhar ou fornecer valores espúrios, sempre que houver dúvidas sobre a adequação da circulação em um paciente, o anestesiologista deve palpar o pulso e auscultar os sons cardíacos.

D. Temperatura A anestesia prejudica a capacidade do corpo de manter a temperatura corporal normal, e a hipotermia, além de ser um evento comum, está associada a eventos adversos (Tab. 15.5). Por outro lado, embora seja muito incomum, a ocorrência de hipertermia pode alertar o anestesiologista sobre a presença de complicações que, embora sejam raras, são graves, como a hipertermia maligna ou outros distúrbios metabólicos, tais como sepse, tempestade tireóidea ou síndrome neuroléptica maligna. Portanto, a temperatura deve ser monitorada durante a anestesia e deve ser medida sempre que alterações clinicamente significativas da temperatura corporal forem suspeitadas ou estiverem previstas. Existem vários métodos disponíveis para o monitoramento da temperatura, cada um com suas vantagens e desvantagens (Tab. 15.6). Em geral, o método preferido é a monitoração da temperatura nasofaríngea ou esofágica, pois elas refletem a temperatura dos órgãos principais, altamente perfundidos.

II. Monitores adicionais comuns Além da monitoração mínima para cuidados anestésicos, mencionada anteriormente, alguns monitores são comumente usados durante a anestesia.

A. Débito urinário A produção adequada de urina é com frequência usada como um marcador substituto para a perfusão adequada do resto do corpo. Portanto, durante uma cirurgia de grande porte, ou mesmo durante uma cirurgia menor, mas de longa duração, uma sonda vesical (Foley) é muitas vezes inserida para medir o débito urinário. Muitos anestesiologistas interpretam uma produção urinária de 0,5 mg/kg/h como um sinal de perfusão corporal adequada, embora a significância de um débito urinário abaixo desse limiar tenha sido questionada. Embora o débito urinário seja um bom monitor do volume de sangue, uma oligúria ou anúria intraoperatória deve ser levada a sério e investigada no contexto do quadro clínico geral.

B. Bloqueio neuromuscular A indução farmacológica de paralisia muscular durante anestesia e cirurgias de grande porte é comum, pois a paralisia muscular facilita a intubação traqueal e pode melhorar

Capítulo 15

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

285

TABELA 15.6 Métodos comuns para a monitoração da temperatura corporal durante a anestesia e potenciais vantagens e desvantagens de cada método Método

Vantagens

Desvantagens

Cutâneo

Simples, não invasivo

Medida variável, dependendo do lo- Usado apenas para cal, e imprecisa; malcorrelacionada triagem, quando com a temperatura central outros métodos não são indicados ou quando não estão disponíveis

Esofágico

Preciso no terço inferior do esôfago

Usado apenas durante anestesia geral e intubação traqueal

Nasofaríngeo Preciso quando repou- Usado apenas durante anestesia sa sobre a parede geral e intubação traqueal posterior da nasofaringe

Notas

Mais comum Pode causar epistaxe

Membrana timpânica

Bem-correlacionado com a temperatura hipotalâmica, resposta temporal rápida

Risco de ruptura da membrana timpâ- Considerar em cinica; não permite leituras contínuas rurgia neurológica para estimar a temperatura cerebral

Cateter de artéria pulmonar

Considerada uma tem- Invasivo: todas as complicações asperatura central sociadas com um cateter de artéria pulmonar

Vesical

Precisão razoável

Resposta temporal lenta; influenciado Não recomendado pelo fluxo urinário para uso rotineiro

Retal

Precisão razoável

Resposta temporal lenta; influenciado Não recomendado pelas fezes para uso rotineiro

Sensor de temperatura na ponta do cateter

as condições cirúrgicas. O grau do bloqueio neuromuscular normalmente é avaliado pela estimulação de um nervo periférico e subsequente medição da resposta muscular. Medições feitas em locais variados estão disponíveis (Tab. 15.7), bem como vários padrões de estimulação (4). A avaliação pode ser visual, tátil ou mais precisamente determinada usando um dispositivo quantitativo como a acelerometria. O padrão de estimulação comumente usado é o train-of-four (TOF), que consiste em quatro estímulos (T1, T2, T3, T4) aplicados a 2 Hz (duas contrações por segundo). Com o aumento da intensidade do bloqueio muscular adespolarizante, a “altura” ou amplitude da contração diminui, e cada contração na sequência TOF tem uma altura menor do que a precedente. A razão TOF, que é a razão da quarta e a primeira contração (T4/T1) deve ser ⬎ 0,9 no final da cirurgia para que o bloqueio neuromuscular possa ser considerado totalmen-

TABELA 15.7

Locais potenciais para a monitoração do bloqueio neuromuscular

Nervo

Músculo

Ulnar

Adutor do polegar

Tibial posterior

Flexor curto do hálux

Facial

Orbicular do olho ou corrugador da sobrancelha

O bloqueio neuromuscular residual pós-operatório é muito comum e está associado com eventos respiratórios pós-operatórios.

286

Fundamentos de anestesiologia clínica BNMA

REV

FIGURA 15.7 Monitoramento train-of-four no início de um bloqueio neuromuscular adespolarizante (BNMA), seguido de reversão (REV) com neostigmina.

te revertido (Fig. 15.7). A monitoração do nível de bloqueio neuromuscular durante a anestesia é importante não apenas para as condições operatórias, mas também para evitar a fraqueza pós-operatória. O bloqueio muscular residual, muitas vezes subclínico, após a reversão do bloqueio neuromuscular é surpreendentemente comum e é um fator de risco significativo para eventos respiratórios adversos pós-operatórios (5).

C. Monitoramento neurológico

VÍDEO 15.8 Falha de transdutor

O monitoramento da atividade elétrica cerebral por um eletrencefalograma processado (ou seja, monitor BIS, Aspect Medical Systems, Norwood, MA) tornou-se uma forma comum para determinar a profundidade da anestesia geral. O índice biespectral (BIS) é um número adimensional entre 0 e 100, com faixas de valores variáveis que supostamente correlacionam-se com os diferentes estágios da consciência (Tab. 15.8). O principal objetivo do monitor BIS é reduzir o risco de consciência intraoperatória. No entanto, os estudos são contraditórios quanto à capacidade de o monitor BIS atingir essa meta (6, 7).

III. Monitores hemodinâmicos avançados Dependendo do paciente ou dos fatores cirúrgicos, pode ser necessário um monitoramento avançado para fornecer um cuidado anestésico seguro e eficaz. A maioria desses monitores avançados visa ao fornecimento de medidas hemodinâmicas, incluindo a pressão arterial, o débito cardíaco e o volume sanguíneo. Muitos desses monitores são considerados “invasivos” e empregam um cateter que deve ser posicionado dentro de um vaso sanguíneo que, por meio de um extensor preenchido com líquido, conecta-se a um transdutor eletromecânico, que produzirá uma forma de onda. Os dados derivados dessas medições devem ser obtidos e interpretados corretamente, e os aspectos técnicos e fisiológicos do monitor devem ser compreendidos. Existem duas caraterísticas técnicas importantes que devem ser abordadas para uma monitoração precisa: (a) esta-

TABELA 15.8 Monitoração de valores do índice biespectral e níveis correspondentes de sedação e anestesia Número BIS

Efeito

0

EEG silente

1-40

Anestesia profunda

41-60

Intervalo desejado para anestesia geral

61-90

Anestesia leve

91-100

Acordado

EEG, eletrencefalograma.

Capítulo 15 TABELA 15.9

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

287

Indicações para monitoração da pressão arterial invasiva

Indicação

Exemplos

Alterações rápidas ou extremas esperadas na PA

• Pacientes de alto riso submetidos a cirurgias vasculares, de trauma, neurológicas, cardíacas, torácicas • Hiper ou hipotensão deliberada

Intolerância do paciente para instabilidade hemodinâmica

• Doença cardíaca significativa ou risco de isquemia cardíaca • Doença cerebrovascular • Pacientes hemodinamicamente instáveis (p. ex., sepse)

Intolerância do paciente para al- • Comorbidades pulmonares (p. ex., SDRA) DPOC grave ou terações respiratórias esperahipertensão pulmonar das ou alterações ventilatórias; • Ventilação seletiva comprometimento esperado da oxigenação/ventilação Previsão de anormalidades metabólicas

• Previsão de grandes perdas de volume intravascular • Anormalidades acidobásicas previstas (p. ex, sepse, hemorragia)

Miscelânea

• Falha ou incapacidade para obtenção de medidas indiretas da pressão arterial • Determinação de responsividade a volume a partir da pressão sistólica ou variação da pressão de pulso • Necessidade de obter múltiplas amostras gasométricas no sangue arterial

PA, pressão arterial; SDRA, síndrome de desconforto respiratório agudo; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica.

belecer o nível de referência apropriado do transdutor relativo ao paciente e (b) “zerar” ou equilibrar o transdutor contra a pressão atmosférica. Na maioria dos casos, os transdutores de pressão devem ser colocados ao nível da borda superior do coração, que se encontra aproximadamente 5 cm abaixo da borda esternal em um paciente na posição supina. Para zerar ou equilibrar o transdutor, esse é exposto à pressão atmosférica por meio da abertura de uma torneirinha adjacente, expondo o transdutor à pressão atmosférica e, em seguida, pressionando a tecla “zero” do monitor (ou seu equivalente), que vai conferir à pressão atmosférica o valor zero. Todas as pressões intravasculares monitoradas são medidas subsequentemente em referência à pressão atmosférica ambiente.

A. Monitoração invasiva da pressão arterial sistêmica A medida invasiva de pressão arterial com um cateter intra-arterial é comumente utilizada em determinados pacientes, por motivos cirúrgicos ou anestésicos (Tab. 15.9). A artéria radial é o local geralmente usado, embora também possam ser usadas as artérias ulnar, braquial, axilar, femoral ou pediosa. Para cada paciente, o anestesiologista deve avaliar se os benefícios de um acesso arterial superam seus riscos (Tab. 15.10). Uma forma de onda intra-arterial normal é apresentada na Figura 15.8. As medidas obtidas incluem a pressão sistólica no pico do movimento ascendente, a pressão arterial diastólica no nadir e a pressão arterial média. Além disso, o nó dicrótico muitas vezes pode ser observado após o pico sistólico, durante o movimento descendente, e representa o reflexo da pressão decorrente do fechamento da valva da aorta (seta na Fig. 15.8 A). O overdamping da forma da onda (Fig. 15.8 B) atenua os picos e as depressões e é com frequência causado por bolhas de ar ou coágulos de sangue no cateter ou extensor. Isso resulta em uma subestimativa da pressão arterial sistólica verdadeira. O underdamping da forma de onda de pressão também é possível (Fig. 15.8 C) e é um resultado das características da resposta dinâmica do sistema de cateter ou extensor

O monitoramento invasivo da pressão arterial está sujeito a artefatos, incluindo o overdamping e o underdamping.

VÍDEO 15.9 Teste de Allen

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 15.10

Riscos da colocação de cateter intra-arterial

Complicações hemorrágicas: • Hemorragia, hematoma Complicações vasculares: • Isquemia, trombose, embolismo, aneurisma, formação de fístula Outras: • Lesão do nervo • Necrose da pele • Infecção • Erro na interpretação dos dados

ECG

ART

1 segundo

2 3

0

120 B

1 ART

4

5 6

A 0

ECG

1 segundo

120

ART

288

C 0

FIGURA 15.8 Formas de onda da pressão arterial. A. Traçado normal da pressão arterial. 1; ascensão sistólica; 2, pico sistólico; 3, declínio sistólico; 4, nó dicrótico (seta vermelha) indicando o fechamento da valva da aorta; 5, declínio diastólico; 6, pressão diastólica final. B. Forma de onda overdamping, caracterizada por uma ascensão prolongada, perda do nó dicrótico e perda do detalhe fino. C. Uma forma de onda underdamping, caracterizada pela superação da pressão sistólica e pequenas ondas de pressão adicionais e não fisiológicas (setas) que distorcem a forma da onda, dificultando o discernimento do nó dicrótico. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring. New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

Capítulo 15 TABELA 15.11

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

Indicações comuns para a cateterização venosa central

• Administração de fármacos/soluções • Fármacos vasopressores/inotrópicos • Nutrição parenteral • Infusões a longo prazo • Fatores do paciente • Acesso IV periférico difícil • Cateter de artéria pulmonar ou implante de marca-passo temporário • Fatores cirúrgicos • Necessidade de administração de grande volume, transfusão • Monitoração de pressão venosa central

preenchido com líquido. O underdamping no formato de onda de pressão causará uma superestimativa da pressão arterial sistólica verdadeira. Devido a esses artefatos comuns, a pressão arterial média é a medida mais confiável para a maioria dos propósitos de monitoramento. Antes de tratar uma pressão arterial anormal, o anestesiologista deve excluir a presença de underdamping ou overdamping. Além disso, o anestesiologista deve verificar se o transdutor está no nível correto e confirmar a pressão invasiva anormal por meio de comparação com uma medida de pressão arterial não invasiva.

B. Monitoramento da pressão venosa central A cateterização venosa central e o monitoramento da pressão venosa central (PVC) continuam sendo procedimentos comuns durante a anestesia, especialmente para pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de alto risco. As indicações para a colocação de um cateter venoso central e as complicações bem-conhecidas podem ser encontradas na Tabela 15.11 e 15.12, respectivamente. O acesso venoso central pode ser obtido em muitos locais, mas os mais comuns incluem veia jugular interna (geralmente a direita), veia subclávia ou veia femoral. O monitoramento da PVC pode ser realizado quando um acesso central está instalado. A forma de onda PVC normal é composta por três picos (a, c e v) e dois descensos (x, y) (Fig. 15.9 e Tab. 15.13). Durante muitos anos, pensou-se que a PVC refletia o “estado volêmico” global de um paciente. Se a PVC estava baixa, o paciente TABELA 15.12

Complicações comuns da cateterização venosa central

• Hemorragia • Lesão arterial adjacente • Formação de hematoma • Comprometimento de via aérea • Tamponamento cardíaco • Pneumotórax, hemotórax ou quilotórax • Lesão nervosa • Infecção • Bacteremia, sepse • Endocardite • Tromboembolismo venoso • Embolia gasosa venosa (e paradoxal)

289

Fundamentos de anestesiologia clínica

ECG

1 segundo

PVC

290

ECG Sístole

Diástole

PVC

FIGURA 15.9 Forma de onda da pressão venosa central (PVC), mostrando a evolução temporal dos componentes da forma de onda em relação ao eletrocardiograma (ECG). Ver Tabela 15.13 para descrições dos picos e declínios. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring. New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

estava hipovolêmico e indicava-se reposição hídrica. Inversamente, se a PVC estava elevada, o paciente estava hipervolêmico e medidas para a promoção de diurese eram tomadas. No entanto, esse raciocínio fisiológico provou ser inválido na prática clínica, em decorrência de muitos fatores que confundem a medição precisa e reproduzível da PVC, incluindo a relação complexa e não linear entre a pressão de câmaras cardíacas e o volume (8, 9). Para os pacientes com função cardíaca relativamente normal e que foram submetidos à cirurgia não cardíaca, utilizar a alteração na medida da PVC após um “ desafio hídrico” pode ser mais útil do que a medida da pressão estática isolada. Embora a PVC tenha suas limitações na avaliação do volume intravascular, a forma de onda da PVC pode fornecer informações adicionais para ajudar a diagnosticar outras condições (Tab. 15.14).

TABELA 15.13

Bases fisiológicas de uma forma de onda de pressão venosa central

Componente da forma de onda

Fase do ciclo cardíaco

Onda a

Diástole final

Contração atrial; contração atrial diastólica final, que enche o ventrículo direito através da valva atrioventricular direita (tricúspide) aberta

Onda c

Sístole inicial

Contração ventricular isovolumétrica, fechamento da valva atrioventricular direita

x descendente

Meio da sístole

Relaxamento atrial e descida da base do coração

Onda v

Sístole tardia

Enchimento venoso do átrio direito, valva atrioventricular direita fechada

y descendente

Diástole precoce

Fluxo sanguíneo do átrio direito para o ventrículo direito depois da abertura da valva atrioventricular direita

Evento mecânico causal

Capítulo 15 TABELA 15.14

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

Anormalidades da forma de onda da pressão venosa central Alteração na forma da onda da pressão venosa central Causa da alteração

Condição

Fibrilação atrial • A onda desaparece • A onda c se torna mais proeminente

• Sem contração atrial • O volume atrial é maior no final da diástole e início da sístole

Ritmo juncional

• Onda a em canhão alto

• A contração atrial ocorre durante a sístole ventricular, quando a valva atrioventricular direita está fechada

Regurgitação tricúspide

• Onda c-v sistólica larga e alta

• Enchimento sistólico anormal do átrio direito através de valva incompetente

C. Cateter de artéria pulmonar O cateter de artéria pulmonar (PAC) ou cateter de Swan-Ganz é um cateter com balonete inflável em sua ponta que é introduzido e dirigido no sentido do fluxo sanguíneo para através do átrio direito, a valva atrioventricular direita (tricúspide), o ventrículo direito, a valva pulmonar e, por fim, para dentro da artéria pulmonar. A monitoração do PAC tem sido amplamente usada por anestesiologistas e médicos intensivistas que atendem pacientes com enfermidades agudas e graves em decorrência de sua capacidade de monitorar continuamente uma série de variáveis hemodinâmicas importantes (Tab. 15.15). No entanto, o PAC tem riscos, que incluem os riscos da cateterização venosa central (Tab. 15.12), bem como as potenciais complicações adicionais especificamente relacionadas com o PAC (Tab. 15.15). Atualmente, a monitoração do PAC é reservada principalmente para pacientes submetidos a cirurgias cardíacas complicadas e pacientes criticamente enfermos que necessitam de terapias avançadas de suporte cardiopulmonar. Durante a passagem de um PAC pelas câmaras cardíacas direitas, ondas de pressão típicas são registradas (Fig. 15.10). Ocasionalmente, a distinção entre a pressão ventricular direita e a pressão arterial pulmonar é difícil, mas o exame cuidadoso da porção diastólica dessas duas formas de ondas de pressão esclarece as diferentes localizações da ponta do cateter. Durante a diástole, o enchimento do ventrículo direito resulta em um aumento da pressão nessa câmara, enquanto o fluxo diastólico da artéria pulmonar em direção ao pulmão resulta em uma diminuição da pressão (Fig. 15.10, setas vermelhas). Ao avançar o PAC com o balonete insuflado ainda mais para dentro da artéria pulmonar, permite-se que o cateter fique “encravado” e registre a pressão “em cunha” da artéria pulmonar, ou pressão de oclusão da artéria pulmonar. A pressão em cunha da artéria pulmonar fornece uma medida indireta da pressão atrial esquerda, e a forma

TABELA 15.15

291

Variáveis-padrão medidas com um cateter de artéria pulmonar

• Pressões intracardíacas • Pressão venosa central/pressão atrial direita • Pressão ventricular direita • Pressão arterial pulmonar • Pressão em cunha da artéria pulmonar • Débito cardíaco • Saturação venosa mista de oxigênio • Temperatura corporal central

VÍDEO 15.10 Ritmo juncional e hipotensão

292

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 15.16

Complicações da cateterização da artéria pulmonar

• Arritmias atriais e ventriculares, incluindo a fibrilação ventricular • Bloqueio do ramo direito • Infarto pulmonar • Ruptura de artéria pulmonar • Interpretação errada de dados obtidos

de onda da pressão em cunha é um reflexo ligeiramente atrasado e atenuado da pressão atrial esquerda.

D. Avaliação não invasiva do débito cardíaco e volume Dadas as complicações e a complexidade associadas ao PAC, foram desenvolvidos alguns monitores de débito cardíaco minimamente invasivos (Tab. 15.17). Esses monitores usam diversas tecnologias fundamentais (ultrassom, indicador de diluição, análise de contorno de pulso) para fornecer as estimativas do débito cardíaco, do volume sistólico e de outros parâmetros derivados, tais como a variação na pressão de pulso durante o ciclo respiratório. Muitos desses monitores fornecem parâmetros “dinâmicos” do estado de volume de um paciente, medindo alterações que ocorrem durante o ciclo respiratório em um paciente que está recebendo ventilação mecânica com pressão positiva. Assim, esses monitores são especificamente projetados para os pacientes sob anestesia geral. Essas variáveis dinâmicas demonstraram ser superiores aos índices estáticos, tais como a PVC na previsão da responsividade hídrica, proporcionando, assim, um guia clinicamente útil para a administração perioperatória de líquidos (10).

E. Ecocardiografia transesofágica A ecocardiografia transesofágica (TEE, do inglês transesophageal echocardiography) tem sido usada há muitos anos na cirurgia cardíaca, mas seu uso foi ampliado para

VD AP

AP

Pressão em cunha da AP

FIGURA 15.10 Formas de onda do cateter de artéria pulmonar enquanto a ponta do cateter avança pelas câmaras cardíacas. As setas vermelhas realçam os padrões diferentes da pressão diastólica no ventrículo direito (VD) e na artéria pulmonar (AP). ECG, eletrocardiograma; AD, átrio direito; cunha AP, artéria pulmonar. (De Mark JB. Atlas of Cardiovascular Monitoring. New York: Churchill Livingstone; 1998, com permissão.)

Capítulo 15 TABELA 15.17

Monitoração anestésica padrão e dispositivos

Monitores não invasivos do débito cardíaco

• Doppler esofágico • Sistemas de reinalação de dióxido de carbono • Métodos de diluição do indicador • Bioimpedância torácica • Análise do contorno de pulso • Invasiva (i.e., com necessidade de acesso arterial) • Não invasiva (i.e., com manguito digital)

incluir outras cirurgias de grande porte (p. ex., transplante abdominal, cirurgias vasculares maiores). A TEE é uma ferramenta diagnóstica, bem como uma modalidade de monitoração, e pode fornecer informações precisas sobre o estado de volume, função ventricular e valvar e muitas outras condições cardíacas. Na prática anestésica atual, a TEE diagnóstica em geral é usada por médicos especificamente treinados e credenciados para sua execução. Existem monitores descartáveis mais simples à disposição para uma monitoração mais limitada e, no futuro, seu uso perioperatório pode aumentar. Um monitoramento anestésico básico é necessário para administrar anestésicos com segurança. Um monitoramento mais avançado pode ser necessário dependendo da situação clínica, que inclui fatores cirúrgicos e do paciente. Existe uma grande variedade de monitores disponíveis para uso e, ao longo do tempo, a anestesiologia apresenta uma tendência para uso de monitores menos invasivos que muitas vezes dependem de algoritmos complexos. A despeito desses monitores sofisticados, um anestesiologista competente e atento é absolutamente essencial para escolher e usá-los corretamente.

Referências 1. American Society of Anesthesiologists. Standards for Basic Anesthetic Monitoring. Available at: https://www.asahq.org/For-Members/Standards-Guidelines-and-Statements.aspx. 2. Berkow LL, Rotolo SS, Mirski EE. Continuous noninvasive hemoglobin monitoring during complex spine surgery. Anesth Analg. 2011;113(6):1396–1402. 3. London MJ, Hollenberg M, Wong MG, et al. Intraoperative myocardial ischemia: Localization by continuous 12-lead electrocardiography. Anesthesiology. 1988;69(2):232–241. 4. Fuchs-Buder T, Schreiber J-U, Meistelman C. Monitoring neuromuscular block: An update. Anaesthesia. 2009;64(Suppl 1):82–89. 5. Murphy GS, Szokol JW, Marymont JH, et al. Residual neuromuscular block and adverse respiratory events. Anesth Analg. 2008;107(5):1756. 6. Avidan MS, Zhang L, Burnside BA, et al. Anesthesia awareness and the bispectral index. N Engl J Med. 2008;358(11):1097–1108. 7. Myles PS, Leslie K, McNeil J, et al. Bispectral index monitoring to prevent awareness during anaesthesia: The B-Aware randomised controlled trial. Lancet. 2004;363(9423): 1757–1763. 8. Marik PE, Cavallazzi R. Does the central venous pressure predict fluid responsiveness? An updated meta-analysis and a plea for some common sense. Crit Care Med. 2013; 41(7):1774–1781. 9. Marik PE, Baram M, Vahid B. Does central venous pressure predict fluid responsiveness? A systematic review of the literature and the tale of seven mares. Chest. 2008;134(1):172–178. 10. Marik PE, Cavallazzi R, Vasu T, et al. Dynamic changes in arterial waveform derived variables and fluid responsiveness in mechanically ventilated patients: A systematic review of the literature. Crit Care Med. 2009;37(9):2642–2647.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Quais os dois comprimentos de ondas usados pelo oxímetro de pulso? A. Vermelho e próximo ao infravermelho B. Vermelho e infravermelho C. Infravermelho e azul D. Próximo ao infravermelho e azul E. Nenhuma das alternativas acima 2. Uma grande diminuição súbita da concentração de dióxido de carbono expirado indica mais provavelmente: A. Hipovolemia B. Hipotermia C. Sepse D. Embolismo pulmonar E. Nenhuma das alternativas acima 3. Quais são as duas derivações do eletrocardiograma que apresentam uma sensibilidade de 80% para a detecção de isquemia miocárdica? A. Derivações I e II B. Derivações I e V5 C. Derivações II e V5 D. Derivações II e V3 E. Nenhuma das alternativas acima

4. Quando um transdutor eletromecânico é zerado, a pressão real medida por ele é: A. Pressão zero. B. Pressão atmosférica ambiente C. A pressão do líquido no cateter de monitoramento acoplado D. A pressão do líquido no sistema de descarga do transdutor E. Nenhuma das alternativas acima 5. A descendente x do traçado da pressão venosa central é causada por: A. Abertura da valva atrioventricular direita B. Contração ventricular isovolumétrica C. O descenso da base do coração D. Diástole atrial E. Nenhuma das alternativas acima

SEÇÃO III Prática clínica em anestesiologia

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Avaliação e manejo pré-operatório Natalie F. Holt

16

A avaliação pré-operatória do paciente por um anestesiologista é fundamental para o atendimento do paciente no período perioperatório. O principal objetivo é obter informações sobre a história médica, cirúrgica e anestésica do paciente e realizar um exame físico que ajudará a determinar se o paciente se encontra em uma condição médica ideal para o procedimento planejado. Está bem estabelecido que os exames laboratoriais pré-operatórios necessários e outros testes diagnósticos solicitados por um anestesiologista em uma avaliação clínica pré-operatória podem levar a uma melhor eficácia do que quando solicitados por cirurgiões ou médicos de atenção primária. Ambulatórios de avaliação pré-anestésica também podem ajudar a melhorar a eficácia do bloco cirúrgico, reduzindo os cancelamentos ou atrasos no dia da cirurgia decorrentes de avaliações incompletas. Além disso, os ambulatórios de avaliação pré-anestésca beneficiam os pacientes, fornecendo educação e aconselhamento, bem como preparação farmacológica, quando necessária, para reduzir a ansiedade ou prevenir complicações conhecidas, como náuseas e vômitos.

I. Abordagem do paciente Os elementos-chave da avaliação pré-anestésica incluem uma revisão (a) do procedimento cirúrgico planejado e de sua indicação; (b) da história médica atual e pregressa do paciente; (c) dos medicamentos atuais e alergias medicamentosas; (d) da história social, incluindo o uso de álcool, tabaco ou drogas ilícitas; e (e) da resposta a anestesias anteriores; além da realização de um exame médico focado (Tab. 16.1). Por convenção, os anestesiologistas usam o sistema de classificação do estado físico da American Society of Anesthesiologists (ASA) para resumir o estado de saúde do paciente (Tab. 16.2). As informações obtidas durante a avaliação pré-operatória orientam o desenvolvimento de um plano anestésico e um plano de manejo da dor pós-operatória. A maioria dos ambulatórios de avaliação pré-anestésica usa modelos de avaliação padronizados para orientar as avaliações dos pacientes. O uso desses formulários aumenta a consistência dos relatos e limita o risco de falta de informação. O uso crescente de registros médicos e eletrônicos também está ajudando a maximizar a consistência na avaliação pré-anestésica.

A idade, por si só, não é um fator determinante da classificação do estado físico segundo a ASA. Um paciente de 80 anos de idade que deambula e tem boa condição física e cognitiva é um paciente ASA 2.

298

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 16.1

Componentes da avaliação pré-anestésica

I. Revisão do procedimento cirúrgico planejado e sua indicação II. Revisão dos sistemas a. Cabeça, ouvidos, olhos, esôfago (glaucoma, cuidados dentários, joias implantadas [piercings]) b. Cardiovascular (tolerância ao exercício, angina, dispneia aos esforços, hipertensão) c. Vascular (vascular periférico, aneurisma) d. Pulmonar (tabagismo, DPOC, asma) e. Gastrintestinal (refluxo, obstrução) f. Hepático (doença hepática, abuso de álcool) g. Endócrino (diabetes, doença da tireoide) h. Renal (doença renal crônica, diálise) i. Geniturinário (hipertrofia prostática benigna, hematúria) j. Musculoesquelético (artrite reumatoide) k. Neurológico (neuropatia, acidente vascular encefálico, convulsão) l. Psiquiátrico (transtorno bipolar, abuso de substâncias) m. Outros (doenças dermatológicas, dor crônica, etc.) III. História medicamentosa IV. Alergias a fármacos/látex (incluindo as reações, quando conhecidas) V. História social a. Tabagismo – passado e presente b. Consumo de álcool c. Uso de substâncias ilícitas VI. Cirurgias e anestésicos usados anteriormente (incluindo complicações pessoais e familiares) VII. Exame físico a. Sinais vitais: pressão arterial, frequência cardíaca, temperatura b. Coração c. Pulmões d. Exame neurológico: neuropatias periféricas, assimetrias e. Via aérea: abertura da boca, escore de Mallampati, dentição, distância tireomentoniana, amplitude de movimento cervical VIII. Exames laboratoriais (sangue, ECG, radiografia torácica) necessários de acordo com a história e o exame físico DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; ECG, eletrocardiograma.

A. Cirurgia planejada e sua indicação O procedimento cirúrgico planejado é um determinante importante do tipo de anestesia necessário para o procedimento e o nível esperado de dor pós-operatória. O procedimento planejado também determina o posicionamento esperado para aquele paciente, a perda de sangue e as necessidades de monitoração. É importante entender a indicação do procedimento para estabelecer o risco de complicações pós-operatórias. Os procedimentos realizados para condições de urgência (p. ex., obstrução do intestino delgado, isquemia) estão associados a um risco de aumento de morbidade e mortalidade perioperatória.

B. História médica atual e pregressa A história médica é mais bem elaborada usando uma abordagem baseada em sistemas. Uma maneira útil de procurar por doença cardiovascular oculta é perguntar ao paciente sobre sua capacidade de exercício a quatro equivalentes metabólicos (METs, do inglês metabolic equivalents) sem dispneia, dor torácica ou tontura (Tab. 16.3). Um exemplo

Capítulo 16 TABELA 16.2

Avaliação e manejo pré-operatório

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Sistema de classificação do estado físico da American Society of Anesthesiologists

Classificação do estado físico segundo a ASA 1. Pessoa sadia 2. Doença sistêmica leve que não resulta em limitação funcional 3. Doença sistêmica grave que resulta em limitação funcional 4. Doença sistêmica grave que causa uma ameaça constante à vida 5. Paciente moribundo sem expectativa de vida sem a cirurgia planejada 6. Indivíduos com morte cerebral cujos órgãos são removidos para doação E. Qualificador usado para procedimentos de emergência Modificado de American Society of Anesthesiologists: New classification of physical status. Anesthesiology. 1963;24:111.

de uma atividade que utiliza cerca de quatro METs é subir 1 a 2 lances de escada. A avaliação pulmonar deve considerar uma história de asma ou infecção de vias aéreas superiores (IVAS) recente, bem como sinais e sintomas sugestivos de apneia obstrutiva do sono (SAOS). A asma ou uma IVAS recente pode predispor o paciente a broncoespasmo com instrumentação da via aérea, e SAOS pode sinalizar dificuldade de ventilação e necessidade de maior monitoração respiratória no pós-operatório. Quando a revisão de sistemas revela sinais e sintomas sugestivos de uma condição médica não diagnosticada ou não controlada, o paciente deve ser encaminhado ao seu médico de atenção primária para melhor avaliação e manejo. A necessidade de essa avaliação diagnóstica ser concluída antes da cirurgia fica a critério do anestesiologista e cirurgião e, muitas vezes, depende da urgência e gravidade do procedimento cirúrgico planejado.

C. Medicamentos atuais e alergias medicamentosas A revisão dos medicamentos atuais, incluindo fármacos vendidos sem receita médica, fitoterápicos e suplementos, é uma parte essencial da avaliação pré-anestésica, uma vez

TABELA 16.3

Equivalentes metabólicos para atividades físicas comuns

Equivalentes metabólicos Exemplos 1

Assistir à televisão

|

Comer, vestir-se

|

Andar no plano a 2-3 mph



Fazer trabalho doméstico leve (p. ex., aspirar pó)

4

Subir um lance de escada

|

Andar no plano a 4 mph



Fazer tarefas pesadas (p. ex., esfregar o chão)

> 10

Praticar esportes extenuantes (p. ex., jogar tênis)

Adaptado de Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, et al. American College of Cardiology American Heart Association Task Force on Practice Guidelines; American Society of Echocardiography. ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. J Am Coll Cardiol. 2007;50(17):e170.

O encaminhamento de rotina de pacientes pré-cirúrgicos para um clínico para “avaliação para cirurgia” é um gasto desnecessário. O anestesiologista competente apenas deve solicitar uma consulta quando sente que o paciente necessita de uma avaliação ou tratamento adicional antes da cirurgia.

300

Fundamentos de anestesiologia clínica que muitos fármacos usados no período perioperatório têm importantes interações com medicamentos comumente prescritos. Deve-se considerar a descontinuação de alguns fármacos com interações conhecidas com anestésicos antes da cirurgia (p. ex., inibidores da monoaminoxidase), mas pode ser apropriado manter alguns fármacos no período operatório apesar das interações conhecidas (p. ex., anti-hipertensivos). Além disso, alguns medicamentos com efeitos colaterais de rebote conhecidos quando suspensos abruptamente (p. ex., o propanolol e a clonidina) devem ser mantidos ou reduzidos lentamente antes da cirurgia.

Medicamentos cardiovasculares Pacientes em tratamento crônico com ␤-bloqueadores devem manter seus medicamentos no período perioperatório, uma vez que a retirada abrupta pode precipitar angina, isquemia ou arritmias. Iniciar ou não um tratamento com ␤-bloqueadores em pacientes com isquemia arterial coronariana conhecida em testes de estresse pré-operatório é um ponto de muita controvérsia. Um início rápido de tratamento com ␤-bloqueadores aumenta o risco perioperatório de bradicardia, hipotensão arterial e acidente vascular encefálico. Os pacientes que tomam simpaticolíticos de ação central, tais como a clonidina, podem apresentar hipertensão de rebote com a suspensão abrupta da medicação. Portanto, recomenda-se que esses fármacos sejam mantidos em pacientes que os tomam cronicamente. Existem resultados conflitantes obtidos de estudos randomizados quanto ao aumento de risco de hemorragia cirúrgica decorrente do uso de fármacos bloqueadores de canais de cálcio; no entanto, geralmente é aceito que os bloqueadores do canal de cálcio podem ser mantidos no perioperatório. No contexto de uma grande cirurgia, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os fármacos bloqueadores do receptor da angiotensina II (BRAs) foram associados com hipotensão intraoperatória refratária. Por essa razão, esses fármacos geralmente são suspensos na noite anterior à cirurgia, com a ressalva de que os pacientes que normalmente tomam esses fármacos podem ser um pouco mais propensos à hipertensão pós-operatória, como resultado de sua descontinuação. Os diuréticos geralmente também são suspensos na noite anterior à cirurgia para evitar a depleção do volume intravascular antes de uma grande cirurgia, na qual se espera que ocorram trocas volêmicas. Para procedimentos menores, provavelmente não haverá problemas em manter o inibidor da ECA, BRAs e diuréticos durante todo o período perioperatório. Existem evidências de que o uso perioperatório de inibidores da 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A redutase (conhecidos como estatinas) reduz a morbidade e mortalidade cardiovascular, especialmente em pacientes submetidos à cirurgia vascular. Portanto, recomenda-se que as estatinas sejam mantidas no período perioperatório, e deve-se considerar começar um tratamento com estatinas para pacientes com fatores de risco cardíacos que serão submetidos a cirurgia vascular.

Medicamentos endócrinos Pacientes que tomam glicocorticoides devem manter esses medicamentos no período perioperatório. Pacientes que usam uma dose crônica equivalente a ≥ 5 mg/dia de prednisona apresentam um risco de supressão suprarrenal e podem necessitar de administração suplementar de glicocorticoide no período perioperatório. A Tabela 16.4 resume uma abordagem da suplementação de glicocorticoides nesses pacientes. O manejo dos pacientes diabéticos deve ser individualizado. De modo geral, no entanto, os fármacos hipoglicemiantes orais e os preparados insulínicos de ação curta devem ser evitados na manhã da cirurgia. Preparados insulínicos de longa ação ou ação intermediária devem ser administrados em uma dose reduzida no dia da cirurgia. A

Capítulo 16 TABELA 16.4

Avaliação e manejo pré-operatório

301

Uma abordagem da cobertura com corticoides no período perioperatório

Para cirurgias menores, tomar a dose matinal usual de esteroides. Não há necessidade de suplementação. Para cirurgias moderadas, tomar a dose matinal usual de esteroides. Administre 50 mg de hidrocortisona IV antes da indução e 25 mg IV a cada oito horas, durante 24 horas. Para cirurgias maiores, tomar a dose matinal usual de esteroides. Administre 100 mg de hidrocortisona IV antes da indução e 50 mg IV a cada oito horas, durante 24 horas. IV, intravenoso.

metformina está associada a um risco aumentado de acidose láctica no contexto de desidratação grave; por isso, a maioria dos médicos descontinua seu uso durante 24 horas antes da cirurgia. A Tabela 16.5 apresenta as diretrizes gerais para o manejo perioperatório de hipoglicemiantes orais e insulina em pacientes diabéticos. Mulheres que tomam contraceptivos orais ou fazem terapia de reposição hormonal apresentam um maior risco de trombose venosa devido ao conteúdo estrogênico desses medicamentos. Portanto, deve-se considerar a interrupção desses medicamentos 4 a 6 semanas no pré-operatório para cirurgias associadas com um alto risco de tromboembolismo venoso.

Medicamentos psicotrópicos Embora muitos medicamentos psicotrópicos apresentem interações com agentes anestésicos e analgésicos, a maioria é mantida no período perioperatório devido às potenciais consequências da retirada desses agentes em pacientes portadores de graves transtornos de humor. Os antidepressivos tricíclicos podem causar prolongamento do intervalo QTc e estão associados a efeitos anticolinérgicos que podem ser exacerbados por fármacos utilizados durante a anestesia. Os inibidores não seletivos da monoaminoxidase (IMAO), tais como a fenelzina e tranilcipromina, embora raramente usados hoje, são motivos de preocupação especial no contexto anestésico. Esses medicamentos inibem a degradação dos neurotransmissores monoamina, incluindo a dopamina, serotonina, epinefrina e norepinefrina. Em pacientes que tomam IMAO, a administração concomitante de agentes simpaticomiméticos de ação indireta, tais como a efedrina, pode causar uma crise hipertensiva. Além disso, a administração concomitante de fármacos

TABELA 16.5

Diretrizes para o manejo perioperatório de pacientes com diabetes

Agende como o primeiro caso do dia para evitar o jejum prolongado, se possível. Suspenda os fármacos hipoglicemiantes orais no dia da cirurgia. Suspenda a metformina durante 24 horas antes da cirurgia. Mantenha o regime habitual de insulina durante a noite anterior à cirurgia. Para pacientes com diabetes tipo 1, administre metade da dose usual de insulina de ação intermediária ou longa na manhã da cirurgia; para pacientes com bombas de insulina, mantenha as infusões em uma taxa basal. Para os pacientes com diabetes tipo 2, administre um a dois terços da dose usual da insulina de ação intermediária ou de longa ação na manhã da cirurgia, dependendo das medidas matinais usuais de glicemia em jejum do paciente. Meça o nível de glicose no sangue a cada 1 a 2 horas durante a cirurgia.

O controle perioperatório da dor em pacientes que tomam opioides cronicamente requer um planejamento cuidadoso. Esses pacientes normalmente apresentam tolerância a opioides e podem necessitar de doses muito elevadas desses fármacos para se sentirem confortáveis. O uso concomitante de anestesia regional é benéfico.

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Fundamentos de anestesiologia clínica com propriedades anticolinérgicas, como meperidina e dextrometorfano, podem causar a síndrome da serotonina, uma condição marcada por agitação, hipertermia e rigidez muscular que resulta de um excesso da atividade serotoninérgica no sistema nervoso central. Agentes estabilizadores do humor, antipsicóticos, medicamentos de combate à ansiedade e fármacos anticonvulsivantes podem ser mantidos no período perioperatório. No entanto, se os pacientes tomam medicamentos com uma janela terapêutica estreita, tais como o lítio e o valproato, a monitoração perioperatória dos níveis sanguíneos pode ser apropriada, uma vez que a absorção do fármaco pode ser afetada pela cirurgia.

Medicamentos que afetam a função plaquetária O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe irreversivelmente a enzima cicloxigenase (COX) das plaquetas, responsável pela produção de prostaglandinas e tromboxanos. Entre seus muitos efeitos, ele inibe a agregação plaquetária. Por essa razão, é amplamente usado para prevenir a coagulação em pacientes com risco de doença cardiovascular, bem como em pacientes com história de angina, infarto miocárdico, acidente vascular encefálico e doença vascular periférica. O tratamento diário com AAS também é necessário para pacientes portadores de stents arteriais coronarianos, de forma a impedir a trombose dentro do stent. No contexto cirúrgico, no entanto, a redução da agregação plaquetária predispõe os pacientes que tomam AAS a um maior sangramento cirúrgico. Portanto, as decisões sobre o uso perioperatório de AAS devem considerar o risco de hemorragia perioperatória e o risco de complicações cardiovasculares. Existe um consenso quase geral de que o AAS deve ser suspenso durante 7 a 10 dias antes de cirurgias em que o sangramento traria consequências catastróficas (p. ex., cirurgias intracranianas, intraoculares, do ouvido médio e cirurgias intramedulares da coluna). Os bloqueadores plaquetários do receptor P2Y12 (p. ex., clopidogrel, ticlopidina, prasugrel e ticagrelor) fazem parte de outra classe de agentes antiplaquetários comumente usados em pacientes após um evento cerebrovascular isquêmico (p. ex., infarto miocárdico agudo) ou em pacientes que tenham sido submetidos a implante de stent em artéria coronária. O uso combinado de AAS e um bloqueador plaquetário do receptor P2Y12 reduz acentuadamente o risco de trombose dentro do stent em pacientes portadores de stents vasculares. A duração ideal do tratamento antiplaquetário nesses pacientes é desconhecida; a maioria das diretrizes recomenda que os pacientes com stents coronários liberadores de fármacos devem permanecer sob tratamento antiplaquetário duplo por um ano. Se o uso for descontinuado no pré-operatório, esses medicamentos devem ser novamente tomados assim que possível. Sugere-se a suspensão do uso de clopidogrel e ticagrelor por 5 dias, de prasugrel por 7 dias e de ticlopidina por 10 dias no período pré-operatório. Em geral, recomenda-se que os agentes anti-inflamatórios não esteroides, tais como o ibuprofeno e naproxeno, sejam suspensos durante um período de 3 a 5 dias no pré-operatório devido a seu efeito sobre a agregação plaquetária. Aconselha-se que os pacientes são usem paracetamol como analgésico de escolha no pré-operatório, uma vez que ele não tem efeitos sobre a função plaquetária.

Anticoagulantes orais Os anticoagulantes orais incluem a varfarina, que bloqueia a produção de fatores da coagulação dependentes de vitamina K, inibidores diretos da trombina, tais como a dabigatrana, e inibidores Xa diretos, tais como a rivaroxabana e a apixabana. Como a meia-vida da varfarina é longa, recomenda-se que ela seja suspensa cinco dias antes de uma cirurgia eletiva. Quando se deseja minimizar o tempo durante o qual o paciente fica sem anticoagulação, pode ser usada uma terapia de ponte. Essa, em geral, envolve a

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

administração de heparina de baixo peso molecular, que normalmente é administrada por injeção subcutânea e começa, em geral, três dias antes da cirurgia, com a última dose sendo administrada 24 horas antes do início do procedimento. A dabigatrana é usada principalmente para prevenir acidente vascular encefálico em pacientes com fibrilação atrial. Sua meia-vida é de cerca de 12 horas em pacientes com função renal normal, mas, em pacientes com insuficiência renal, a meia-vida pode ser superior a 24 horas. Em pacientes com função renal normal, a dabigatrana deve ser suspensa 1 a 2 dias antes da cirurgia; em pacientes com uma depuração de creatinina < 50 mL/min, deve ser suspensa 3 a 5 dias antes da cirurgia. A rivaroxabana e a apixabana são menos dependentes da função renal para a depuração e podem ser suspensas 1 a 2 dias antes da cirurgia. Devido a sua meia-vida relativamente curta, a terapia de ponte geralmente não é necessária para os inibidores diretos da trombina e Xa.

Opioides e medicamentos usados para o tratamento da dependência Pacientes que tomam opioides para dor crônica devem manter esses medicamentos no perioperatório e geralmente se beneficiam de um plano para tratamento da dor que inclui tratamentos multimodais, como infusões de cetamina e técnicas anestésicas regionais. Pacientes em recuperação por dependência de opioide ou de álcool algumas vezes recebem prescrição de agonistas opioides parciais, tais como a buprenorfina, ou antagonistas opioides, como a naltrexona. Esses medicamentos são úteis na recuperação de pacientes com dependências medicamentosas, pois bloqueiam os efeitos euforizantes associados com o uso de opioides; contudo, no contexto cirúrgico, eles também interferem com as propriedades de alívio da dor dos opioides legitimamente administrados. Como resultado disso, a abordagem preferida é suspender esses fármacos antes da cirurgia. Isso deve ser feito consultando o médico do paciente, reconhecendo que existe um aumento do risco de recaída durante esse período de interrupção do fármaco.

Suplementos e fitoterápicos Devido a preocupações com a pureza e seu potencial para efeitos adversos, é mais seguro informar que todos os medicamentos fitoterápicos ou suplementos devem ser suspensos uma semana antes da cirurgia. Fitoterápicos específicos têm sido associados com complicações especiais. Por exemplo, alho, gengibre e ginseng podem aumentar o risco de sangramento. A Tabela 16.6 resume os potenciais efeitos colaterais de fitoterápicos comuns.

Alergia a fármacos As informações sobre alergias medicamentosas devem ser obtidas durante a entrevista pré-anestésica. Foi relatado que 5 a 10% da população apresenta alergia à penicilina; no entanto, com base em estudos prévios, a maioria desses pacientes (80-90%) não apresenta uma alergia verdadeira à penicilina. Os sinais e sintomas sugestivos de uma verdadeira alergia mediada pela imunoglobulina E tipo 1 incluem urticária, angioedema e sibilância. Embora exista o potencial de reatividade cruzada entre a alergia à penicilina e alergia às cefalosporinas em decorrência do anel ␤-lactâmico que ambas têm em comum, apenas cerca de 2% dos pacientes com uma alergia à penicilina documentada apresentarão uma reação alérgica à cefalosporina. Deve-se perguntar aos pacientes também sobre uma história de alergia ao látex, uma vez que essa alergia requer uma preparação prévia da sala cirúrgica com equipamento livre de látex.

D. História social É útil perguntar ao paciente sobre seu consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas, pois os indivíduos que abusam dessas substâncias têm um risco aumentado de complica-

303

As manifestações da hipoglicemia grave podem ser mascaradas durante a anestesia geral. Embora seja desejável manter a glicemia em níveis quase normais durante a anestesia, as consequências de um tratamento excessivo com insulina são significativas. A determinação frequente dos níveis de glicose sanguínea durante a cirurgia é indicada.

304

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 16.6

Efeitos perioperatórios de suplementos fitoterápicos comuns

Nome

Efeitos perioperatórios

Echinacea

Hepatotoxicidade; reações alérgicas

Ephedra

Aumenta os efeitos simpaticomiméticos quando associada com outros agentes simpaticomiméticos, arritmias

Matricária

Inibe a atividade plaquetária

Alho

Inibe a atividade plaquetária

Gingko

Inibe o fator de ativação plaquetária

Ginseng

Hipoglicemia; inibe a agregação plaquetária e a cascata da coagulação

Kava

Hepatotoxicidade, redução da CAM

Alcaçuz

Aumento da pressão arterial, hipocalemia

Erva de São João

Inibe a recaptação da serotonina, norepinefrina e dopamina; indução da enzima citocromo P450, levando a um aumento do metabolismo do fármaco

Vitamina E

Aumenta o sangramento quando tomada com outros medicamentos anticoagulantes ou antitrombóticos

CAM, concentração alveolar mínima. Adaptada de ASA Physician Brochure “What You Should Know About Your Patients’ Use of Herbal Medicines and Other Dietary Supplements,” 2003. www.ASAhq.org. Disponível em: https://ecommerce.asahq.org/p-147-what-you-should-know-about-herbal-anddietary-supplement-useand-anesthesia.aspx.

ções, incluindo abstinência no pós-operatório. O tabagismo também está associado a um maior risco de complicações respiratórias perioperatórias, incluindo a hiper-reatividade das vias aéreas. Em pacientes com uma forte suspeita de abuso de sustâncias, pode ser indicada uma triagem de drogas na urina no dia da cirurgia.

E. Resposta a anestesias prévias A entrevista pré-anestésica deve incluir uma avaliação de quaisquer complicações pessoais ou familiares relacionadas à anestesia. Os pacientes devem ser questionados sobre uma história pessoal de dificuldade de intubação traqueal, náuseas ou vômitos prolongados no pós-operatório, dificuldade associada com raquianestesia, e assim por diante. Cada um desses cenários pode trazer implicações sérias para o planejamento de uma futura anestesia. A hipertermia maligna é um distúrbio raro, porém que potencialmente põe a vida em risco, do metabolismo dos músculos esqueléticos, que é desencadeado pela anestesia. Frequentemente é herdado de forma autossômica dominante. Os pacientes heterozigotos ou homozigotos para o gene atípico da colinesterase plasmática podem descrever hospitalizações prolongadas ou dependência do ventilador após procedimentos cirúrgicos de curta duração. O planejamento prévio é obrigatório para esses pacientes.

F. Exame físico direcionado Os componentes do exame físico de maior interesse para o anestesiologista envolvem o sistema neurológico, o coração, os pulmões e as vias aéreas. As anotações sobre a pressão arterial e frequência cardíaca são úteis na triagem para hipertensão não diagnosticada ou inadequadamente tratada. A ausculta do coração pode revelar sopros sugestivos de anormalidades valvares cardíacas que requerem uma investigação diagnóstica adicional antes da cirurgia. Sibilos, roncos ou outros sons pulmonares anormais podem necessitar de um acompanhamento com radiografia torácica ou indicar

Capítulo 16 TABELA 16.7

Avaliação e manejo pré-operatório

305

Classificação de via aérea de Mallampati modificada

Classe

Visualização direta

I

Palato mole, úvula, pilares tonsilianos

II

Palato mole, porção superior da úvula

III

Palato mole

IV

Apenas palato duro

Modificada de Mallampati RS, Gatt SP, Gugino LD, et al. A clinical sign to predict difficult tracheal intubation. A prospective study. Can Anaesth Soc J. 1985;32:429.

pacientes que podem se beneficiar de um tratamento prévio com broncodilatadores ou esteroides. Em pacientes com história de insuficiência cardíaca congestiva, a sibilância também pode indicar uma descompensação. É importante ainda verificar se há neuropatias preexistentes, déficits do sistema nervoso central e fraqueza de músculos esqueléticos, uma vez que afetam a capacidade de posicionamento intraoperatório dos pacientes e podem interferir na decisão de realizar um bloqueio anestésico neuroaxial ou regional. A avaliação do pescoço e das vias aéreas ajuda a determinar o potencial para ventilação difícil ou intubação traqueal e, com isso, os métodos preferidos de manejo perioperatório das vias aéreas. Os componentes básicos do exame da via aérea incluem a medida da abertura oral, o escore de Mallampati, a distância tireomentoniana, a amplitude do movimento do pescoço e o exame da dentição e circunferência do pescoço. O escore de Mallampati avalia o tamanho da língua em relação à cavidade oral, e o teste é realizado solicitando-se ao paciente que faça uma protrusão da língua, mantendo a cabeça em posição neutra. Em seguida, o anestesiologista classifica o que vê em uma escala de 4 pontos, baseando-se na visualização da úvula e do palato mole e duro (Tab. 16.7). A distância tireomentoniana é medida a partir do ponto do queixo (mento) até a cartilagem tireoide, enquanto a cabeça do paciente é mantida estendida. Uma distância tireomentoniana inferior a 6 cm sugere uma possível intubação difícil. O paciente também deve ser solicitado a fazer uma extensão máxima do pescoço (a extensão normal é de 35°). Uma limitação significativa da extensão do pescoço também é um risco para intubação difícil. A avaliação pré-operatória da dentição é importante para determinar a presença de próteses que devem ser removidas antes da cirurgia e para identificar dentes soltos, lascados ou quebrados que mais tarde possam ser erroneamente atribuídos à manipulação das vias aéreas.

II. Avaliação do paciente com doença sistêmica conhecida A. Doença cardiovascular Avaliação do risco cardíaco As complicações cardiovasculares são uma fonte significativa de morbidade e mortalidade perioperatória. Portanto, identificar pacientes com risco para essas complicações e encontrar formas de atenuar esses riscos no período perioperatório é um dos principais objetivos da avaliação pré-anestésica. O risco de um evento cardíaco adverso maior perioperatório (MACE, do inglês major adverse cardiac event) ou óbito está relacionado com fatores do paciente e da cirurgia planejada. Foram desenvolvidas diversas ferramentas validadas para previsão do risco. O Índice Cardíaco Revisado está entre as ferramentas mais populares. Com base em uma revisão retrospectiva de mais de quatro mil pacientes que se apresentaram para cirurgia não cardíaca, esse índice identificou

VÍDEO 16.1 Exame de via aérea

306

Fundamentos de anestesiologia clínica

Quando pacientes que se apresentam para uma cirurgia fazem uso de um tratamento antiplaquetário ou têm um dispositivo eletrônico implantável, anestesiologista, o cirurgião e o cardiologista devem se comunicar muito antes da cirurgia. Esperar até o último minuto é um inconveniente para todos e pode trazer custos desnecessários.

seus preditores independentes de complicações cardíacas: história de doença cardíaca isquêmica; história de acidente vascular encefálico; diabetes pré-operatório insulinodependente; creatinina > 2 mg/dL; e aqueles pacientes que se apresentam para cirurgia de alto risco (cirurgia intraperitoneal, intratorácica ou cirurgia vascular suprainguinal). Duas novas ferramentas de risco foram criadas pelo American College of Surgeon’s National Surgical Quality Improvement Program (NSQIP). Essas ferramentas incluem fatores adicionais do paciente, como a idade e estado funcional. O NSQIP usou a informação dessas ferramentas para criar calculadores que estimulam o risco de MACE e óbito com base no valor das variáveis de entrada (http://www.riskcalculator. facs.org; http://www.surgicalriskcalculator.com/microcardiacarrest). Em pacientes com doença arterial coronariana conhecida, doença arterial cerebrovascular ou arterial periférica, arritmias significativas ou doença cardíaca estrutural, um eletrocardiograma pré-operatório de repouso de 12 derivações (ECG) fornece um ponto de comparação que permite determinar alterações no período pós-operatório. Anormalidades pré-operatórias no ECG, como bloqueio de ramo e ondas Q patológicas, podem ser indicadores de mau prognóstico, mas os resultados de estudos observacionais são conflitantes. Em geral, a melhor evidência possível sugere que um exame pré-operatório não invasivo de estresse deve ser reservado a pacientes com fatores de risco cardíaco que apresentam baixa capacidade funcional (< 4 METs) ou desconhecida e que serão submetidos a procedimentos outros que não uma cirurgia de baixo risco (risco de MACE ≥ 1%). No que diz respeito à decisão para realizar uma revascularização coronariana antes da cirurgia, o estudo Coronary Artery Revascularization Prophylaxis (CARP) foi o primeiro grande estudo randomizado desenvolvido para avaliar se a revascularização coronariana profilática antes da cirurgia reduziria os eventos cardíacos

FIGURA 16.1 Abordagem passo a passo da avaliação cardíaca para doença arterial coronariana. O American College of Cardiology e o American Heart Association (ACC/AHA) orientam para a avaliação do risco cardíaco em etapas, envolvendo a consideração de fatores de risco cardíaco do paciente, sua capacidade funcional e o procedimento cirúrgico planejado. Se a cirurgia é de urgência, deve-se prosseguir, e o risco cardíaco deve ser atenuado por meio de um monitoramento intraoperatório apropriado e técnicas farmacológicas. Se a cirurgia não for de urgência, e sendo identificada uma síndrome coronariana aguda (p. ex., uma angina instável), a cirurgia deve ser adiada e o paciente deve receber tratamento e medicamentos adequados. Em geral, durante a avaliação pré-anestésica, todos os pacientes devem passar por uma avaliação de risco cardíaco usando-se uma ferramenta de risco validada (calculador de risco IRCR ou NSQIP). Se o risco de MACE for ≥ 1% e a capacidade funcional do paciente for ≥ 4 METs, não são indicados exames adicionais, mas, se o risco de MACE for ≥ 1% e a capacidade funcional do paciente for < 4 METs ou desconhecida, deve ser considerada a realização de um teste farmacológico de estresse. Se o resultado for anormal, deve-se considerar intervenção coronária percutânea (ICP) ou bypass de artéria coronária (CABG, do inglês coronary artery bypass graft). O teste de estresse farmacológico não é recomendado para pacientes submetidos a cirurgias de baixo risco (risco de MACE < 1%). Além disso, o teste de estresse farmacológico somente deve ser realizado quando se espera uma mudança no manejo. Uma alternativa ao teste de estresse é um tratamento medicamentoso guiado por metas, como, por exemplo, ␤-bloqueadores e estatinas. (Modificado de Fleisher LA, Fleischmann Ke, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative cardiovascular evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am CollCardiol. 2014;():.doi:10.1016/j.jacc.2014.07.944. Disponível em http://content.onlinejacc.org/ article.aspx?articleid=1893784. Page 30 de 105.) SCA, síndrome coronariana aguda; CABG cirurgia de bypass de artéria coronária; DAC, doença arterial coronariana; RTC, recomendações de tratamento clínico; TMGM, terapia medicamentosa guiada por metas; MACE, evento cardíaco adverso maior; MET, equivalente metabólico; nSQiP, National Surgical Quality Improvement Program; ICP, intervenção coronária percutânea; IRCR, índice de risco cardíaco revisado.

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

* Ver seções 2.2, 2.4 e 2.5 do artigo original (http://content.onlinejacc.org/ article.aspx?article=1893784) para recomendações para pacientes com insuficiência cardíaca sintomática, doença cardíaca valvar ou arritmias.

Paciente programado para cirurgia com fatores de risco conhecidos para DAC (passo 1)

Emergência

Sim

Estratificar o risco clínico e prosseguir para a cirurgia

Sim

Avaliar e tratar de acordo com TMGD

†No artigo original, ver recomendações de práticas clínicas para angina instável/ infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST (NSTEMI)

Não

SCA† (passo 2)

Não Risco perioperatório estimado de MACE com base no risco combinado clínico/cirúrgico (passo 3)

Sem exames adicionais (Classe IIb) Excelente (> 10 METs)

Baixo risco (< 1%) (passo 4)

Alto risco (passo 5)

Capacidade funcional moderada ou alta (≥ 4 METs) Moderada/boa

Prosseguir para a cirurgia

(≥ 4–10 METs) Nenhum exame adicional (Classe III NB)

Prosseguir para a cirurgia

Nenhuma ou desconhecida

Capacidade funcional baixa (< 4 METs) OU desconhecida: Exames adicionais influenciarão na tomada de decisão OU nos cuidados perioperatórios? (Passo 6)

Não Prosseguir para a cirurgia de acordo com TMGM OU estratégias alternativas (tratamento não invasivo ou paliativo) (passo 7)

Nenhum outro exame (Classe III NB)

Sim

Teste de estresse farmacológico (Classe IIa)

Se normal

Se anormal

Revascularização coronariana de acordo com RTCs existentes (Classe I).

307

308

Fundamentos de anestesiologia clínica perioperatórios em relação à terapia farmacológica otimizada. A principal constatação foi de que não existe diferença de mortalidade por qualquer causa em um período de acompanhamento clínico de 2,7 anos. Um achado secundário foi não haver diferença na incidência de infarto miocárdico no período pós-operatório. Uma crítica contra o CARP foi de que os critérios de seleção resultaram na exclusão de muitos pacientes de alto risco. No entanto, para a maioria dos pacientes, a evidência atual apoia a otimização farmacológica como a melhor estratégia de redução de risco cardíaco antes da cirurgia. As diretrizes de 2014 da American College of Cardiology/American Heart Association “Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery” apresentam uma abordagem algorítmica para a avaliação cardíaca perioperatória destinada a ajudar os médicos na avaliação desses pacientes (Fig. 16.1).

Stents coronarianos perioperatórios Pacientes com stents coronarianos implantados, especialmente aqueles que foram inseridos recentemente, apresentam um dilema de tratamento, uma vez que esses pacientes com frequência são mantidos em tratamento antiplaquetário ao longo da vida para prevenir uma trombose dentro do stent. Durante a entrevista, devem ser obtidas informações que incluem o tipo de stent e tempo decorrido desde sua implantação e deve ser consultado o cardiologista assistente quanto à interrupção do tratamento antiplaquetário no período perioperatório. As recomendações da American Heart Association/ American College of Cardiology são favoráveis ao adiamento de uma cirurgia eletiva por quatro semanas no mínimo após uma colocação de stent metálico e 12 meses após a implantação de um stent farmacológico (Fig. 16.2). No entanto, evidências recentes sugerem que o risco de eventos adversos após a colocação de um stent farmacológico pode se estabilizar após seis meses. Sempre que possível, a terapia antiplaquetária dupla, ou pelo menos o AAS, deve ser mantida durante o período perioperatório.

Pacientes com dispositivos eletrônicos cardiovasculares implantáveis Pacientes com dispositivos cardiovasculares eletrônicos implantáveis (DCEIs) se apresentam para cirurgias com maior frequência, à medida que as indicações para esses dispositivos aumentaram e a população envelhece. A interferência eletromagnética (IEM) decorrente de dispositivos na sala de cirurgia, mais comumente do eletrocautério monopolar, pode causar o mau funcionamento desses dispositivos. Especificamente, a IEM pode ser interpretada como atividade cardíaca intrínseca e, assim, levar a um tratamento antitaquicárdico inadequado (desfibrilação ou marca-passo). Em 2011, a Heart Rhythm Society e a ASA publicaram uma declaração de consenso em colaboração com a American Heart Association, American College of Cardiology e a Society of Thoracic Surgeons para fornecer orientações sobre o manejo perioperatório desses dispositivos. A informação essencial que deve ser comunicada sobre os DCEIs durante a entrevista anestésica inclui o motivo da

TABELA 16.8 Informações importantes sobre dispositivos eletrônicos cardiovasculares implantáveis que devem ser verificadas durante avaliação pré-anestésica Motivo para o implante Tipo de dispositivo, fabricante, modelo Data da última avaliação e resultados (seis meses para desfibrilador, 12 meses para marca-passo) O paciente é dependente de marca-passo? Programação do dispositivo e resposta ao ímã

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

Paciente com stent coronariano

Implantação do stent ≤ 4–6 semanas

Sim

Cirurgia eletiva

Não Risco de retardar a cirurgia é maior do que o risco de trombose do stent

Sim Prosseguir para a cirurgia após 180 d (Classe IIb)

Sim

Adiar a cirurgia para depois do período ideal (stent não-farmacológico: 30 d; stent farmacológico: 365 d) (Classe I)

Não

Stent farmacológico ≥ 30 d, mas ≤ 365 d*

Não

Sim

Manter DAPT a não ser que os riscos de hemorragia sejam maiores do que o risco de trombose do stent (Classe I)

Não

Adiar a cirurgia até depois do período ideal (stent não-farmacológico: 30 d; stent farmacológico: 365 d) (Classe I)

A cirurgia requer a suspensão de inibidores P2Y12*?

Não

Manter o regime da DAPT atual

* Assumindo que o paciente está em terapia de dupla antiagregação plaquetária.

Sim Manter AAS e reiniciar P2Y12 assim que possível (Classe I)

FIGURA 16.2 Algoritmo proposto para o manejo antiplaquetário em pacientes com intervenção coronária percutânea e cirurgia não cardíaca. A cirurgia eletiva deve ser adiada por 30 dias após a colocação de um stent não-farmacológico e 365 dias após a colocação de um stent farmacológico. O tratamento com DAPT deve ser mantido no período perioperatório, a não ser que o risco de hemorragia cirúrgica seja maior do que risco de trombose do stent; ao menos o AAS deve ser mantido no período perioperatório. Se o tratamento com inibidor P2Y12 for suspenso, ele deve ser reiniciado assim que possível após a cirurgia. Em pacientes com stent farmacológico há ≥ 365 dias após o implante, deve-se considerar prosseguir com a cirurgia se o risco de atraso da mesma for considerado maior do que o risco de trombose do stent. AAS, ácido acetilsalicílico; DAPT, terapia de dupla antiagregação plaquetária; ICP, intervenção coronária percutânea. (Modificado de Fleisher LA, Fleischmann Ke, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am CollCardiol. 2014;():. doi:10.1016/j.jacc.2014.07.944. Disponível em: http://content. onlinejacc.org/article.aspx?articleid=1893784. Page 52 de 105.)

implantação do dispositivo e o fabricante, data da última avaliação, programação atual, se o paciente é dependente de marca-passo e a resposta do dispositivo à aplicação de um imã (Tab. 16.8). Para a maioria dos cardiodesfibriladores implantáveis, a aplicação externa de um ímã desativará o tratamento de taquicardia, mas não terá efeito sobre as configurações do marca-passo. Quando o local da cirurgia se encontra a menos de 15 cm do marca-passo, a aplicação de um ímã é recomendada quando existe risco de IEM. Se o paciente for dependente de marca-passo, também é recomendável reprogramá-lo para um modo assíncrono (AOO, VOO ou DOO). Quando o local da cirurgia situa-se a mais de 15 centímetros do marca-passo, a aplicação de um ímã é desnecessária. A Figura 16.2 apresenta uma abordagem do manejo perioperatório de um paciente com DCEI.

309

310

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 16.9 Fatores de risco potenciais para complicações pulmonares perioperatórias Fatores do paciente

Fatores cirúrgicos

Idade avançada Tabagismo Doença pulmonar obstrutiva crônica Obesidade Apneia obstrutiva do sono

Incisões próximas ao diafragma (p. ex., procedimentos torácicos, abdominais altos, correção de aneurisma aórtico abdominal) Procedimentos de longa duração Anestesia geral (versus neuroaxial, regional)

Hipertensão A indução da anestesia resulta em uma estimulação simpática que se manifesta com um aumento na pressão arterial de cerca de 20 a 30 mmHg e na frequência cardíaca de 15 a 20 batimentos por minuto. Essa resposta é exagerada em pacientes com hipertensão preexistente, especialmente naqueles não tratados ou não bem-controlados com medicamentos. Pacientes com hipertensão não diagnosticada também têm uma maior probabilidade de apresentar labilidade intraoperatória da pressão arterial. Adiar cirurgias eletivas em pacientes com hipertensão arterial mal controlada é controverso. Alguns anestesiologistas adiam cirurgias eletivas em pacientes que apresentam uma pressão arterial sistólica sustentada em > 200 mmHg ou uma pressão diastólica de > 110 mmHg, com base em estudos que sugeriram que esses pacientes apresentam um maior risco de complicações perioperatórias, incluindo arritmias, isquemia miocárdica, complicações neurológicas e disfunção renal.

B. Doença pulmonar Complicações pulmonares pós-operatórias ocorrem com uma frequência significativamente maior do que complicações cardíacas. Estima-se que ocorram em cerca de 5 a 10% das cirurgias. O risco de sua ocorrência está relacionado a fatores cirúrgicos e do paciente (Tab. 16.9). Não está bem definido o que constitui uma complicação pulmonar, mas em geral isso significa qualquer disfunção pulmonar clinicamente importante que afeta de forma negativa a evolução clínica do paciente. Isso inclui atelectasia, pneumonia, ventilação mecânica prolongada, exacerbação de doença pulmonar subjacente e broncoespasmo.

Fatores do paciente Como esperado, pacientes com doença pulmonar preexistente, incluindo doenças obstrutivas como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica, e doenças restritivas, tais como a fibrose pulmonar, têm um risco aumentado de complicações pulmonares em comparação com adultos sadios. A evidência é conflitante quanto à magnitude desse aumento de risco e, em geral, não há nenhum nível de disfunção pulmonar para o qual a cirurgia eletiva esteja contraindicada, desde que o paciente esteja clinicamente otimizado.

Tabagismo O tabaco e a nicotina aumentam a produção de catarro, reduzem a função ciliar, estimulam o sistema cardiovascular e aumentam os níveis de carboxiemoglobina. Embora a cessação do tabagismo por até mesmo dois dias reduza os níveis de carboxiemoglobina e melhore a depuração mucociliar, a maioria dos estudos sugere que são necessárias pelo menos oito semanas de cessação do tabagismo para reduzir a taxa de complicações pulmonares pós-operatórias.

Capítulo 16 TABELA 16.10

Avaliação e manejo pré-operatório

311

Fatores associados com um risco aumentado de apneia obstrutiva do sono

Características históricas História de uma obstrução aparente durante o sono Pausas respiratórias observadas durante o sono Roncos Acorda do sono com uma sensação de asfixia Sonolência diurna Sinais e sintomas clínicos Índice de massa corporal > 25 kg/m2 Circunferência do pescoço > 43 cm (homens) e > 40 cm (mulheres) Anormalidades craniofaciais que afetam a via aérea Obstrução nasal anatômica Tonsilas praticamente se tocam na linha média De Practice Guidelines for the Perioperative Management of Patients with Obstructive Sleep Apnea. American Society of Anesthesiologists. Anesthesiology. 2006;104:1081–1093.

Apneia obstrutiva do sono A SAOS é uma síndrome marcada por obstrução periódica das vias aéreas superiores durante o sono, o que leva à dessaturação de oxigênio e retenção de dióxido de carbono, privação do sono e sonolência diurna. A prevalência da SAOS é estimada em 9% para as mulheres e 24% para os homens, e a maioria dos pacientes com essa condição não é diagnosticada. Pacientes com SAOS são particularmente suscetíveis aos efeitos depressores respiratórios dos anestésicos inalatórios e opioides e, portanto, são mais propensos a sofrer eventos respiratórios críticos, incluindo hipoxemia pós-operatória não planejada e reintubação traqueal. Por essa razão, a pesquisa de SAOS é parte importante do exame pré-anestésico. Existem diversas ferramentas de rastreio para avaliar a presença de SAOS, incluindo o questionário de Berlim, a ferramenta de triagem STOP-Bang e outra publicada pela American Society of Anesthesiologists. Os sintomas sugestivos de SAOS incluem uma história de ronco, sonolência diurna e cefaleias. Os sinais físicos incluem um índice de massa corporal > 25 kg/m2, circunferência do pescoço > 43 cm em homens ou > 40 cm em mulheres e hiperplasia tonsiliana (Tab. 16.10). As potenciais consequências da SAOS incluem o manejo difícil das vias aéreas, hipertensão pulmonar e sistêmica, arritmias cardíacas e doença arterial coronariana. O uso pré-operatório de pressão positiva contínua nas vias aéreas ou ventilação não invasiva com pressão positiva pode melhorar a condição pré-operatória do paciente e reduzir as complicações perioperatórias. No pós-operatório, esses pacientes podem necessitar de monitoração com oximetria de pulso contínua. Quando é planejada uma cirurgia ambulatorial, a alta deve ser retardada até que a função respiratória pós-operatória tenha voltado à linha basal. Quando possível, é útil reduzir a utilização de opioides, favorecendo o uso de analgésicos não narcóticos.

Fatores cirúrgicos O local da cirurgia é o fator mais importante relacionado com o risco de desenvolver complicações pulmonares no período pós-operatório. Pacientes submetidos a cirurgias torácicas e abdominais altas são muito mais propensos a apresentar complicações pulmonares em relação àqueles que foram submetidos a procedimentos abdominais baixos ou de extremidades. A cirurgia para correção de um aneurisma da aorta abdominal, cirurgias de cabeça e pescoço e procedimentos neurocirúrgicos também estão associados a um risco maior de complicações pulmonares em comparação com outras cirurgias. Na maior parte das vezes, isso está relacionado aos efeitos sobre os músculos da via aérea superior, os mús-

Uma mulher com 1,52 m de altura e pesando 90 kg tem um IMC = 90/(1,52)2 = 38,95 kg/m

312

Fundamentos de anestesiologia clínica culos respiratórios acessórios e a função diafragmática. A duração da cirurgia também é importante, sendo que os procedimentos mais longos estão associados a um maior risco de complicações. Comparando a anestesia neuroaxial e anestesia regional, a anestesia geral está associada com uma maior taxa de complicações pulmonares significativas.

C. Doenças endócrinas Diabetes melito O diabetes é a endocrinopatia mais comum, afetando aproximadamente 10% da população. Pacientes com diabetes têm uma taxa acelerada de aterosclerose e são suscetíveis a complicações microvasculares que se manifestam na forma de retinopatia, neuropatia, doença cerebrovascular, vascular periférica e renal. A neuropatia autonômica pode predispor indivíduos com diabetes à instabilidade hemodinâmica intraoperatória. A gastroparesia aumenta o risco de aspiração pulmonar. Pacientes diabéticos mal-controlados também apresentam um maior risco de desenvolvimento de infecções pós-operatórias. Uma série de fatores, incluindo o jejum pré-operatório e a resposta ao estresse cirúrgico, resulta em grandes oscilações dos níveis de glicose sanguínea no período pré-operatório, o que torna muito desafiador o controle glicêmico rigoroso. O controle glicêmico agressivo traz consigo o risco de hipoglicemia com risco de morte, que pode não ser diagnosticado sob anestesia. Portanto, de modo geral, as diretrizes recomendam um alvo glicêmico perioperatório entre 140 e 180 mg/dL. O manejo pré-operatório dos hipoglicemiantes orais e os regimes de insulina variam de acordo com a instituição. A Tabela 16.5 apresenta uma sugestão de abordagem.

Distúrbios da tireoide e paratireoide Tanto o hipotireoidismo como o hipertireoidismo têm implicações anestésicas importantes; portanto, a triagem para essas condições deve ser feita durante a entrevista pré-anestésica. O hipotireoidismo é mais comum em mulheres; os sinais e sintomas incluem bradicardia, intolerância ao frio, hipoventilação e hiponatremia. O hipertireoidismo é marcado por taquicardia, tremor, perda de peso e intolerância ao calor. Os pacientes também podem apresentar arritmias tais como fibrilação atrial. Em pacientes sintomáticos, pode ser prudente adiar a cirurgia eletiva. Além disso, massas na tireoide podem causar uma distorção da anatomia das vias aéreas superiores. A tomografia computadorizada do pescoço muitas vezes é útil para avaliar as vias aéreas superiores e identificar sinais de desvio ou compressão traqueal. O hipoparatireoidismo é uma condição muito comum, e sua incidência aumenta com a idade. Os sintomas incluem perda de peso, polidipsia, hipertensão, bloqueio cardíaco, letargia, dor óssea, cálculos renais e constipação. Em pacientes com suspeita de hiperparatireoidismo, é prudente determinar a concentração de cálcio sérico.

Distúrbios suprarrenais O feocromocitoma, embora raro, deve ser considerado em qualquer paciente que relata uma história de hipertensão refratária, muitas vezes combinada com cefaleia e taquicardia intermitente. Nesses pacientes, o preparo farmacológico pré-operatório (␣-bloqueadores, seguidos por ␤-bloqueadores) e uma carga apropriada de volume são importantes para reduzir a instabilidade hemodinâmica intraoperatória. O uso de monitoração cardiovascular invasiva pode estar indicado. A supressão suprarrenal deve ser considerada em qualquer paciente que tomou esteroides cronicamente em uma dose equivalente a ≥ 5 mg/dia de prednisona durante pelo menos 1 mês dentro de 6 a 12 meses da data da cirurgia. Os regimes de suplementação de esteroides no período perioperatório variam entre as diferentes instituições. A suplementação raramente é necessária para pequenas cirurgias. Para os

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

procedimentos maiores, uma opção é administrar 100 mg de hidrocortisona por via intravenosa antes da indução anestésica e, em seguida, 50 mg por via intravenosa a cada oito horas durante 24 horas.

Outros sistemas e condições orgânicas Pacientes com artrite reumatoide (AR) têm um risco maior de doença cardiovascular quando comparados com a população geral. Além disso, são propensos à instabilidade da articulação cervical, que deve ser levada em consideração durante a intubação. Os pacientes muitas vezes são mantidos em tratamento com glicocorticoides por longos períodos e podem necessitar de uma suplementação no período perioperatório. Agentes biológicos usados para o tratamento da AR podem afetar adversamente a resposta imunológica e predispor os pacientes a complicações infecciosas perioperatórias e má cicatrização de feridas. Contudo, suspender esses medicamentos antes da cirurgia aumenta a probabilidade de recrudescimento da AR. Pacientes com osteoartrite significativa ou osteoporose devem ser posicionados com cuidado, assim como pacientes com próteses articulares. Várias condições neurológicas têm implicações para a anestesia e cirurgia. Para pacientes com história de convulsões, os medicamentos antiepilépticos devem ser mantidos no período perioperatório, e os níveis dos fármacos devem ser cuidadosamente monitorados, uma vez que a cirurgia e o jejum podem afetar a absorção e o metabolismo dos medicamentos. Pacientes com doença de Parkinson têm um risco aumentado de hipotensão ortostática, aspiração e complicações pulmonares pós-operatórias. Os medicamentos usados para o tratamento da doença de Parkinson devem ser mantidos no período perioperatório na tentativa de reduzir a exacerbação dos sintomas. Pacientes com uma história de acidente vascular encefálico têm um risco aumentado de acidentes vasculares encefálicos perioperatórios. Pacientes com lesão medular e denervação, tal como a quadriplegia, têm um risco de hipercalemia e parada cardíaca com a administração de succinilcolina. As características clínicas sugestivas de doença hepática incluem uma história de alcoolismo pesado, hepatite, uso de drogas ilícitas ou promiscuidade sexual. No exame, os sinais incluem aumento da circunferência abdominal, teleangiectasias ou, popularmente, aranhas vasculares, icterícia, ginecomastia e esplenomegalia. Os sinais de doença renal podem ser difíceis de identificar durante o exame físico, mas incluem hipertensão, edema e letargia. Note que os pacientes dependentes de diálise devem passar por ela o mais próximo possível da data da cirurgia (geralmente na véspera da cirurgia) para otimizar o estado eletrolítico e de fluidos no período pré-operatório.

III. Exames laboratoriais perioperatórios Não há nenhum benefício em submeter pacientes que se apresentam para uma cirurgia eletiva a exames laboratoriais pré-anestésicos “de rotina”. Além disso, essa abordagem é ineficiente. Estima-se que os exames pré-operatórios de rotina custem três bilhões de dólares americanos por ano. Devido à característica intrínseca de exames de triagem, especialmente quando é solicitado um painel de exames, é grande a probabilidade de um resultado anormal. No entanto, em uma pessoa sem fatores de risco, esse resultado será mais provavelmente um falso positivo do que um positivo verdadeiro. A declaração da ASA “Statement on Routine Preoperative Laboratory and Diagnostic Screening”, de 2008, apoia esse ponto de vista. No entanto, os exames laboratoriais pré-anestésicos seletivos são apropriados para alguns pacientes, com base em suas condições clínicas, sintomas encontrados durante a entrevista e a natureza da cirurgia planejada. A Tabela 16.11 resume os princípios gerais de exames laboratoriais pré-operatórios em pacientes submetidos à cirurgia eletiva não cardíaca.

313

314

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 16.11

Princípios gerais de exames pré-operatórios em adultos submetidos a cirurgia eletiva não cardíaca

Fator

Comentário

Estado físico de acordo com a ASA

Pacientes ASA 1 geralmente não necessitam de exames pré-operatórios antes de cirurgias de baixo risco ou risco intermediário

Teste de gravidez

Deve ser feito em mulheres em idade reprodutiva, a não ser que a paciente tenha passado por uma histerectomia ou esteja claramente na pós-menopausa

Teste de função pulmonar

É realizado antes de uma ressecção pulmonar e antes de quase todas as cirurgias cardíacas. Pode estar indicado se o paciente apresenta uma morbidade pulmonar significativa (p. ex., obesidade mórbida, doença pulmonar crônica, dispneia inexplicada)

Radiografia de tórax

Indicado apenas para pacientes com uma história significativa de doença pulmonar ou cardíaca, processos malignos ou radioterapia torácica. Não existe necessidade de repetir o exame se ele foi feito no prazo de 12 meses, se os resultados estavam dentro dos limites normais e se não houve mudança no estado clínico.

Bioquímica sanguínea, hemograma completo, coagulograma

Não há necessidade de repetir o exame feito há 1 mês se os resultados estavam dentro dos limites normais, se não houve mudança no estado clínico e se o paciente não estiver em tratamento com anticoagulante ou agente antiplaquetário (p. ex., varfarina, clopidogrel).

Cirurgia de catarata, procedimentos Exames de sangue, ECG, radiografia torácica geralmente não são indicados a não ser endoscópicos, outras cirurgias de que a história clínica ou o exame físico justifiquem uma causa específica para tal. baixo risco ASA, American Society of Anesthesiologists; ECG, eletrocardiograma.

IV. Preparação para a anestesia A. Diretrizes do jejum O jejum pré-operatório é fundamental para a anestesia e é projetado principalmente para reduzir o risco de aspiração pulmonar do conteúdo gástrico. Estima-se que a aspiração pulmonar ocorra em 1 em 3.000 a 1 em 6.000 procedimentos anestésicos eletivos, e em 1 em 600 procedimentos anestésicos de emergência. Os fatores de risco para a aspiração incluem cirurgia de emergência, obesidade, via aérea difícil, refluxo, hérnia de hiato e anestesia inadequada. A ASA desenvolveu as diretrizes para o jejum pré-operatório e a intervenção farmacológica para prevenção da aspiração perioperaTABELA 16.12 Resumo das diretrizes sobre o jejum para a profilaxia da aspiração pulmonar Substância ingerida

Período mínimo de jejum (horas)

Líquidos claros (água, bebidas com gás, chá, café preto) 2 Leite materno

4

Fórmula láctea para lactentes

6

Leite não humano

6

Refeição leve (torrada, líquidos claros)

6

Refeição pesada (alimentos gordurosos)

8

De ASA Practice Guidelines for Preoperative Fasting and the Use of Pharmacologic Agents to Reduce the Risk of Pulmonary Aspiration: Application to Healthy Patients Undergoing Elective Procedures. Anesthesiology. 2011;114:495–511.

Capítulo 16 TABELA 16.13

Avaliação e manejo pré-operatório

315

Fármacos usados para reduzir o risco de aspiração pulmonar

Fármaco

Início

Efeito

Comentário

Antiácidos (p. ex., citrato de sódio, hidróxido de alumínio ou magnésio, carbonato de cálcio)

15-30 min

Aumentam o pH gástrico

Antiácidos não particulados (citrato de sódio) não causam dano pulmonar se aspirados, diferentemente dos antiácidos particulados (carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio)

Antagonistas dos receptores H2 da histamina (p. ex., ranitidina, famotidina)

60 min

Reduzem o volume gástrico Aumentam o pH gástrico

Inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol, pantoprazol)

30 min

Reduzem a secreção de ácido gástrico Reduzem o volume gástrico

Bloqueiam a bomba de prótons em células parietais gástricas

Aumentam a motilidade gástrica Aumentam o tônus do esfíncter gastresofágico

Úteis para pacientes com suspeita ou confirmação de um grande volume gástrico ou retardo do esvaziamento gástrico, tais como pacientes obesos, parturientes e diabéticos Contraindicados em pacientes com uma obstrução intestinal conhecida; devem ser usados com precaução nos idosos, pois esses têm maior probabilidade de apresentar efeitos colaterais como confusão e sonolência

Agentes procinéticos 15-30 min (p. ex., metoclopramida)

tória (Practice Guidelines for Preoperative Fasting and Pharmacologic Intervention for Prevention of Perioperative Aspiration) (Tab. 16.12). Essas diretrizes aconselham que os líquidos claros devam ser suspensos pelo menos duas horas antes da cirurgia; o aleitamento materno, pelo menos quatro horas antes; e o leite não materno e os sólidos, pelo menos seis horas antes da cirurgia. Exemplos de líquidos claros incluem água, chá, café preto e sucos de fruta sem a polpa. Alimentos fritos ou gordurosos devem ser suspensos pelo menos oito horas antes de uma cirurgia, uma vez que necessitam de tempos mais prolongados para o esvaziamento gástrico.

B. Agentes farmacológicos para reduzir o risco de aspiração pulmonar O uso rotineiro de medicamentos para prevenir a aspiração pulmonar não é aconselhável, mas eles são eficazes quando usados em pacientes com fatores de risco para aspiração pulmonar. Existem à disposição diversos medicamentos com mecanismos de ação variáveis (Tab. 16.13).

V. Medicação pré-operatória Diversos medicamentos podem ser usados antes da indução anestésica para ajudar a reduzir a ansiedade do paciente em relação à anestesia, melhorar as condições de intubação, reduzir complicações, como náuseas e vômitos, e melhorar o controle da dor pós-operatória.

A. Benzodiazepínicos Em muitos casos, a educação do paciente e o consentimento informado feito durante a entrevista pré-anestésica substituem a necessidade de ansiólise farmacológica antes

316

Fundamentos de anestesiologia clínica da indução anestésica. No entanto, os benzodiazepínicos são úteis para produzir uma sedação moderada e redução da ansiedade, bem como para proporcionar um certo grau de amnésia anterógrada. O midazolam é comumente usado devido a seu rápido início de ação (1-2 minutos) e sua meia-vida relativamente curta (1-4 horas). Pode ser administrado por via oral na forma de líquido ou como um pirulito “esponjoso”,* bem como por via intravenosa.

B. Anti-histamínicos A difenidramina é um antagonista dos receptores de histamina-1 com propriedades sedativas, antieméticas e anticolinérgicas. Embora ainda seja usada em protocolos de sedação consciente, é raramente usada como pré-medicação devido à sua meia-vida longa (3-6 horas), o que tende a prolongar o tempo de recuperação. A difenidramina, juntamente com um antagonista de histamina-2 e esteroides, pode ser administrada a pacientes com uma história de alergia ao látex, de atopia crônica ou a pacientes submetidos a procedimentos que requerem a administração de contraste radiológico como profilaxia contra reações alérgicas.

C. Antissialogogos Muitas vezes é útil administrar um agente anticolinérgico para reduzir as secreções de vias aéreas superiores quando é prevista uma intubação traqueal assistida por fibra óptica. O glicopirrolato é um antissialogogo potente e produz menos taquicardia em comparação com a escopolamina ou atropina. Além disso, o glicopirrolato não cruza a barreira hematoencefálica; portanto, ele não apresenta efeitos colaterais para o sistema nervoso central.

D. Antieméticos

A administração pré-operatória de antibióticos é eficaz, mas deve ser programada e documentada de modo eficaz. Em decorrência de seu papel especial no cuidado perioperatório dos pacientes, o anestesiologista pode e deve desempenhar um papel importante no desenvolvimento e supervisão de protocolos relacionados com a profilaxia antibiótica.

A administração profilática de agentes antieméticos não é uma estratégia custo-efetiva. No entanto, a pré-medicação seletiva de pacientes com uma história de náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO) e daqueles com fatores de risco para NVPO (mulheres, história de cinetose, pacientes submetidos a procedimentos ginecológicos, oftalmológicos ou cosméticos) pode ser benéfica. Os agentes medicamentosos usados para esse propósito incluem os antagonistas da serotonina, como a ondansetrona; as fenotiazinas, tais como a perfenazina; as butirofenonas, tais como o droperidol; e os anti-histamínicos, tais como o dimenidrinato. Esses fármacos são mais bem administrados um pouco antes do término da cirurgia para um início de ação ideal. A exceção é a escopolamina, um fármaco anticolinérgico com propriedades antieméticas. Ela é aplicada de rotina como um adesivo transdérmico antes da indução, sendo especialmente útil em pacientes com uma história de cinetose.

E. Analgesia preventiva A analgesia preventiva envolve a administração de analgésicos antes que ocorra um estímulo nocivo esperado. Essa estratégia está sendo cada vez mais apreciada porque pode não só ajudar a melhorar o controle da dor pós-operatória, mas também a evitar a sensibilização central responsável pelo desenvolvimento de síndromes de dor crônica. Os exemplos de analgesia preventiva incluem o uso de técnicas neuroaxiais (com ou sem o uso concomitante de anestesia geral), infiltração com anestésicos locais e a administração de agentes intravenosos como cetamina ou opioides. A gabapentina ou pregabalina também podem ser administradas por via oral para esse propósito.

* N. de R.T. Não disponível no Brasil.

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

VI. Profilaxia antibiótica Os antibióticos são administrados antes de procedimentos cirúrgicos visando a prevenção de infecções do sítio cirúrgico (ISC), que ocorre em 2 a 5% dos pacientes cirúrgicos. A documentação da administração de profilaxia antibiótica é um processo de medida comumente usado pelo qual os departamentos de anestesia e hospitais são avaliados (p. ex., Surgical Care Improvement Program, Joint Commission). As feridas cirúrgicas são classificadas em quatro categorias com base no grau da contaminação bacteriana esperada: limpa; limpa-contaminada; contaminada; e suja. Embora exista uma correlação moderada entre a classificação da ferida e o risco de ISC, outros fatores também são importantes. Esses incluem a duração da cirurgia, o estado de saúde do paciente e a técnica operatória. A flora microbiana associada com ISCs varia de acordo com o procedimento cirúrgico e também mudou ao longo do tempo. Para feridas limpas, as ISCs geralmente são causadas por uma flora cutânea gram-positiva, tal como o Staphylococcus aureus, Stapylococcus epidermidis e espécies de estreptococos. Para feridas limpas-contaminadas, os microrganismos envolvidos são comumente os gram-negativos. Nos últimos anos, a proporção de ISCs causadas por bactérias gram-negativas diminuiu. Atualmente, o S. aureus é a causa mais comum de infecção cirúrgica, sendo responsável por cerca de 30% das ISCs. As espécies de S. aureus meticilina-resistentes (MRSA, do inglês methicillin-resistant S. aureus) são isoladas em cerca de um terço desses casos. Além disso, fungos como a Candida albicans foram isolados em ISCs com cada vez mais frequência. A cefazolina, uma cefalosporina de primeira geração, é o antibiótico mais comumente usado para a profilaxia contra ISCs. Ela tem uma cobertura contra cocos gram-positivos (exceto Enterococcus), bem como contra diversos microrganismos gram-negativos, tais como Escherichia coli, Proteus e Klebsiella. Para a maioria dos adultos, recomenda-se uma dose inicial de 2 g (3 g são recomendados para pacientes com peso ≥ 120 kg), e a dosagem baseada no peso é usada para pacientes pediátricos. Clindamicina ou vancomicina são recomendadas em pacientes com alergia mediada por imunoglobulina E comprovada a antibióticos ␤-lactâmicos. Para pacientes sabidamente colonizados por MRSA, uma única dose de vancomicina também pode ser adicionada no pré-operatório, uma vez que a cefazolina não cobre o MRSA. As infusões de antibióticos devem ser administradas dentro do período de uma hora da incisão, com exceção da vancomicina e das fluoroquinolonas, que podem ser administradas duas horas antes da incisão. As infusões devem ser completadas antes da incisão e antes que os torniquetes cirúrgicos sejam inflados. A administração de uma nova dose intraoperatória é recomendada em intervalos de aproximadamente duas meias-vidas medicamentosas. A administração de uma nova dose também é recomendada em cirurgias com perda excessiva de sangue (> 1.500 mL) e quando a duração da meia-vida do fármaco é encurtada, tal como por interações medicamentosas ou na presença de queimaduras extensas. Em geral, os antibióticos administrados unicamente para fins de profilaxia contra ISC devem ser administrados apenas durante o período intraoperatório; eles devem ser suspensos até 24 horas após a cirurgia. Não há necessidade de manter a profilaxia antibiótica com base na presença de cateteres de demora ou drenos cirúrgicos. A colonização por S. aureus, que geralmente acontece no nariz, ocorre em 25% da população e é um fator de risco para ISC. Por esse motivo, a triagem pré-operatória e a erradicação do S. aureus têm sido recomendadas como um meio de reduzir a taxa de ISC, especialmente em grupos de alto risco, tais como pacientes de cirurgia cardíaca ou ortopédica. A mupirocina é uma pomada intranasal usada para tratar a colonização por MRSA. Quando usada no pré-operatório, geralmente é administrada cinco dias antes da cirurgia. Embora alguns estudos tenham sugerido que seu uso é potencialmente be-

317

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Fundamentos de anestesiologia clínica néfico, sua utilização generalizada é controversa, em parte decorrente de preocupações sobre o desenvolvimento de resistência antimicrobiana.

Referências 1. American Society of Anesthesiologists: New classification of physical status. Anesthesiology. 1963;24:111. 2. American Society of Anesthesiologists Task Force on Preanesthesia Evaluation. Practice advisory for preanesthesia evaluation. An updated report by the ASA task Force on preanesthesia evaluation. Anesthesiology. 2012;116:1. 3. Benarroch-Gampel J, Sheffield KM, Duncan CB, et al. Preoperative laboratory testing in patients undergoing elective, low-risk ambulatory surgery. Ann Surg. 2012;256:518. 4. Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am CollCardiol. 2014;64(22):2373. doi:10.1016/j. jacc.2014.07.944. 5. Mallampati RS, Gatt SP, Gugino LD, et al. A clinical sign to predict difficult tracheal intubation. A prospective study. Can Anaesth Soc J. 1985;32:429. 6. Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacologic agents to reduce the risk of pulmonary aspiration: application to healthy patients undergoing elective procedures. American Society of Anesthesiologists. Anesthesiology. 2011;114:495. 7. Practice guidelines for the perioperative management of patients with obstructive sleep apnea. American Society of Anesthesiologists. Anesthesiology. 2014;120:268–286. 8. Qaseem A, Snow V, Fitterman N, et al. Risk assessment for and strategies to reduce perioperative pulmonary complications for patients undergoing noncardiothoracic surgery: A guideline from the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2006;14:575. 9. Sebranek JJ, Kopp Lugli A, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111:18. 10. Stone ME. Salter B. Fischer A. Perioperative management of patients with cardiac implantable electronic devices. Br J Anaesth. 2011;107(Suppl 1):i16.

Capítulo 16

Avaliação e manejo pré-operatório

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Um homem de 79 anos de idade está agendado para uma ressecção transuretral da próstata. Sua única limitação para exercícios moderados é uma artrite no ombro. Seus sintomas atuais são apenas aqueles relacionados com a hipertrofia prostática. Sua história médica pregressa inclui glaucoma e hipertensão. Os medicamentos em uso incluem AAS 70 mg/ dia, timolol colírio todos os dias e lisinopril 10 mg ao dia. Um eletrocardiograma feito há 8 meses mostrou uma bradicardia sinusal. A frequência cardíaca é 60, pressão arterial 150/90, peso 90 kg, hemoglobina 14 g/dL. De acordo com o sistema de classificação da ASA, ele seria classificado como estado físico: A. I B. II C. III D. IV 2. Qual das classes de fármacos a seguir deve ser suspensa antes da cirurgia eletiva? A. Inibidores da monoaminoxidase (p. ex., fenelzina) B. ␤-bloqueadores (p. ex., metoprolol) C. Agonistas ␣2-adrenérgicos D. Nenhuma das alternativas acima 3. A interrupção do tratamento diário com AAS (80 mg) é mais apropriada antes de quais procedimentos cirúrgicos descritos a seguir? A. Colecistectomia laparoscópica B. Craniotomia para ressecção de um meningeoma C. Mastectomia simples D. Histerectomia vaginal 4. Um paciente que fez uso abusivo de opioides durante muitos anos está agendado para uma colocação de prótese total do joelho eletiva. Todos os procedimentos a seguir são apropriados para o uso perioperatório, EXCETO: A. Raquianestesia B. Anestesia peridural contínua C. Anestesia geral seguida de analgesia com opioide controlada pelo paciente D. Evitar todos os opioides

5. Ao examinar o paciente no pré-operatório, todos os preditores a seguir são úteis para prever uma intubação orotraqueal potencialmente difícil, EXCETO: A. Com a boca do paciente aberta e a língua protraída, é possível ver o palato mole, mas não a úvula B. Peso excessivo de 136 kg C. Uma distância tireomentoniana de 5 cm com o pescoço em extensão D. Extensão limitada do pescoço 6. Ao avaliar um paciente durante o pré-operatório para uma cirurgia não cardíaca, quais dos itens a seguir são considerados um fator de risco importante para complicações cardiovasculares no período perioperatório? A. Diabetes melito insulinodependente B. Angina em repouso C. Obesidade mórbida D. Uma pressão arterial > 180/110 mmHg 7. Um paciente tem um marca-passo cardíaco implantado na região torácica anterior esquerda. Qual dos itens a seguir colocaria o paciente em maior risco para um mau funcionamento do marca-passo? A. Uso de um estimulador de nervo para auxiliar no posicionamento de um bloqueio axilar direito B. Uso de um cautério bipolar durante a craniotomia C. Uso de um cautério monopolar para excisão de um lipoma da região torácica posterior D. Uso de um cautério monopolar para a ressecção transuretral da próstata 8. Recomenda-se que o nível de glicemia perioperatório de pacientes diabéticos seja mantido dentro de qual variação? A. 70-100 mg/dL B. 100-140 mg/dL C. 140-180 mg/dL D. 180-200 mg/dL

320

Fundamentos de anestesiologia clínica

9. As preocupações perioperatórias para um paciente com artrite reumatoide grave incluem todos os itens a seguir, EXCETO: A. Predisposição à hipertermia maligna B. Supressão da resposta adrenocortical ao estresse C. Instabilidade da coluna cervical durante a manipulação da via aérea D. Risco acima do normal para doença cardiovascular

10. As recomendações para a administração perioperatória da cefazolina incluem todos os itens a seguir, EXCETO: A. Administrar apenas a pacientes submetidos a procedimentos intra-abdominais B. Administrar por meio de infusão intravenosa 1 hora antes da incisão cirúrgica C. Repetir a administração durante a cirurgia em intervalos aproximados a duas meias-vidas do fármaco D. A dosagem deve ser mantida no pós-operatório como profilaxia contra infecção quando existem cateteres intravasculares ou drenos no local da cirurgia

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico Gerardo Rodriguez

17

Muitas condições impactam o manejo anestésico. Algumas são raras e improváveis de serem encontradas durante a carreira de um anestesiologista. Sempre é essencial investigar exaustivamente como manejar de modo adequado uma doença rara. Quando se é confrontado com um paciente portador de uma condição rara, é aconselhável revisar fontes que detalhem cada tópico.

I. Distrofia muscular de Duchenne A distrofia muscular de Duchenne é um distúrbio ligado ao cromossomo X que leva à perda de distrofina funcional, uma proteína integrante da estabilidade citoesquelética da membrana muscular. A distrofia muscular se apresenta na infância, caracterizando-se pela fraqueza muscular proximal e atrofia muscular indolor em meninos. Os níveis sorológicos de creatinocinase são usados para o rastreio em recém-nascidos e para a avaliação da degeneração muscular. Os pacientes falecem na meia-idade, em decorrência de complicações cardiopulmonares. Miocardiopatia e disritmias são comuns. O acompanhamento com eletrocardiograma e ecocardiografia e o tratamento com inibidores da enzima conversora da angiotensina e ␤-bloqueadores fazem parte da rotina do atendimento. As arritmias devem ser periodicamente avaliadas por meio de monitoração com Holter. Pneumonias recorrentes ocorrem devido a um esforço de tosse fraco e expectoração inadequada de secreções. Distúrbios da motilidade gástrica resultam em um retardo do esvaziamento gástrico.

A. Manejo anestésico O distúrbio da motilidade gástrica aumenta o risco de aspiração. A succinilcolina está contraindicada devido ao risco de hipercalemia e rabdomiólise. Um relaxamento muscular prolongado pode ocorrer com o uso de agentes adespolarizantes. Anestésicos voláteis potentes devem ser usados com cautela, uma vez que a exposição a eles pode desencadear rabdomiólise e complicações cardíacas. O suporte ventilatório pós-operatório pode ser necessário, principalmente se houver uma função pulmonar pré-operatória deficitária (1).

II. As miotonias A distrofia miotônica é uma doença autossômica dominante causada por mutações genéticas que levam à toxicidade ao RNA, à disfunção de canais iônicos e miotonias ou a relaxamento muscular esquelético prejudicado. Esse distúrbio caracteriza-se por

A succinilcolina é contraindicada na distrofia muscular de Duchenne devido ao risco de hipercalemia e rabdomiólise.

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Fundamentos de anestesiologia clínica uma deterioração muscular progressiva, em combinação com um envolvimento multissistêmico. A distrofia miotônica é dividida em duas entidades genéticas principais. A distonia miotônica tipo 1 (DM1), o tipo predominante principal, é subdividida em congênita e de início na idade adulta. A distrofia miotônica tipo 2 é rara, com um início na idade adulta tardia e altamente variável. A DM1 de início na idade adulta, o subtipo mais comum, caracteriza-se por fraqueza muscular, miotonias e catarata. As fraquezas facial, cervical e distal dos membros progridem para uma perda de massa muscular, imobilidade e paralisia bulbar. A disfunção respiratória é agravada por aspiração e fraqueza dos músculos respiratórios. A disfunção cerebral funcional e anatômica manifesta-se por disfunção cognitiva e atrofia difusa da substância branca. A insuficiência cardíaca sistólica e diastólica é agravada por defeitos de condução, como bloqueios da condução atrioventricular e taquiarritmias. A morte cardíaca súbita por arritmias é comum. Os sinais gastrintestinais incluem constipação e diarreia. O comprometimento da função endócrina resulta em hipotireoidismo e resistência à insulina. O tratamento é principalmente de suporte.

A. Manejo anestésico Anormalidades cardiopulmonares, fraqueza muscular e miotonia clínica são as causas primárias de risco perioperatório na DM1 de início na idade adulta, independentemente da técnica anestésica. Os sedativos devem ser usados com cautela devido à resposta potencialmente exagerada de seus efeitos colaterais depressores da respiração. A succinilcolina deve ser evitada devido a seu potencial de desencadear uma contração muscular miotônica grave. Os agentes adespolarizantes e agentes de reversão podem exacerbar a fraqueza muscular e devem ser evitados. Deve-se considerar o uso de marcapasso percutâneo. Existe um potencial para trabalho de parto prolongado, hemorragia pós-parto e distrofia miotônica congênita do recém-nascido.

III. Paralisia periódica familiar As canalopatias são um grupo heterogêneo de defeitos na função do canal iônico que resultam em uma variedade de anomalias. A paralisia periódica familiar é um subgrupo de defeitos hereditários que engloba a paralisia periódica hipercalêmica e hipocalêmica.

A. Paralisia periódica hipercalêmica A paralisia periódica hipercalêmica é uma doença com hereditariedade autossômica dominante caracterizada por episódios de fraqueza muscular relacionados à hipercalemia e miotonia. Os episódios são desencadeados por hipercalemia transitória e exercício, jejum ou consumo de alimentos ricos em potássio.

B. Paralisia periódica hipocalêmica A paralisia hipocalêmica periódica é a doença de paralisia periódica mais comum, caracterizada por episódios recorrentes de paralisia flácida relacionada à hipocalemia, que pode durar de horas a dias.

A paralisia periódica hipocalêmica, a paralisia periódica mais comum, é uma doença autossômica dominante caracterizada por episódios recorrentes de paralisia flácida relacionados à hipocalemia, que duram de horas a dias. Podem ocorrer insuficiência respiratória e arritmias cardíacas durante os ataques agudos. A miopatia proximal crônica é um desfecho comum em muitos casos.

C. Manejo anestésico A homeostasia do potássio é o objetivo do manejo perioperatório. Os níveis eletrolíticos devem ser monitorados e corrigidos para evitar estados metabólicos ou medicamentos que podem alterar os níveis sorológicos do potássio seja direta ou indiretamente. Relaxantes musculares adespolarizantes devem ser evitados devido a sensibilidades imprevisíveis do paciente. A succinilcolina deve ser evitada, pois pode causar hipercalemia transitória (2).

Capítulo 17

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

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IV. Miastenia grave A miastenia grave (MG) é uma doença neuromuscular autoimune caracterizada por fraqueza dos músculos esqueléticos, que piora com exercício e melhora com o repouso. Primariamente, são afetados os músculos extraoculares, com um impacto menos frequente na força dos músculos das extremidades e músculos respiratórios. A etiologia é uma diminuição do número de receptores funcionais pós-sinápticos de acetilcolina (AChR, do inglês acetylcholine receptors) na junção neuromuscular responsável pela ligação da acetilcolina. O bloqueio direto do receptor por anticorpos, o aumento da degradação de receptores mediada por anticorpos e a lesão da membrana pós-sináptica mediada por complemento podem contribuir com a redução de AChRs. Com frequência existe tecido anormal do timo. Os sinais incluem ptose, visão turva, diplopia, disfagia, disartria e fraqueza muscular generalizada. A crise miastênica é uma progressão dos sintomas levando à fraqueza muscular grave e insuficiência respiratória, geralmente necessitando de suporte ventilatório. As anormalidades cardíacas incluem bloqueios de ramo, fibrilação atrial e miocardite focal. A miastenia neonatal transitória caracteriza-se por ocorrer em recém-nascidos de mulheres com MG ativa, levando a problemas de alimentação e desconforto respiratório no pós-parto imediato. O teste do edrofônio é usado para o diagnóstico de MG com alta sensibilidade. Os exames sorológicos, tomografias e exames eletrofisiológicos fazem parte de uma investigação diagnóstica mais abrangente. O tratamento visa o manejo dos sintomas e a imunomodulação. Os inibidores da acetilcolinesterase, tais como a piridostigmina, reduzem os sintomas da MG, aumentando a acetilcolina disponível na junção neuromuscular. A administração excessiva do fármaco pode resultar em graves efeitos colaterais colinérgicos, conhecidos como crise colinérgica, caracterizada por salivação excessiva, cólicas abdominais, bradicardia e fraqueza. A plasmaférese e a administração intravenosa de imunoglobulina podem fornecer alívio a curto prazo. O tratamento crônico inclui esteroides e imunossupressores não esteroides. A timectomia é recomendada para pacientes portadores de MG associada a timomas (3).

A miastenia grave é causada por uma redução no número de receptores funcionais pós-sinápticos da acetilcolina na junção neuromuscular, responsáveis pela ligação da acetilcolina.

O recém-nascido de uma mãe com miastenia grave pode sofrer de uma condição conhecida como miastenia neonatal transitória, que pode se apresentar com problemas de alimentação e desconforto respiratório ao nascer.

A. Síndrome miastênica (síndrome de Lambert-Eaton) A síndrome miastênica de Lambert-Eaton (LEMS, do inglês Lambert-Eaton myasthenic syndrome) é um distúrbio neuromuscular autoimune da transmissão, mediado por anticorpos contra os canais de cálcio voltagem-dependente no terminal nervoso motor pré-sináptico, resultando em redução da liberação de acetilcolina. Ela se caracteriza por fraqueza proximal dos membros, disfunção autonômica, tal como boca seca, e diminuição dos reflexos tendinosos profundos. Em contraste com a MG, na LEMS o exercício pode melhorar subitamente os sintomas. A LEMS é uma condição paraneoplásica, com frequência associada a câncer pulmonar de pequenas células. O aumento da liberação pré-sináptica do neurotransmissor com 3,4-diaminopiridina é considerado a base do tratamento.

V. Síndrome de Guillain-Barré (polirradiculoneurite) A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é um distúrbio autoimune caracterizado por fraqueza muscular esquelética ascendente ou paralisia das pernas de início agudo ou subagudo, ocorrendo no contexto de uma infecção viral ou bacteriana. Essa doença desmielinizante inflamatória multifocal geralmente produz graus variáveis de disfunção autonômica. A fraqueza dos músculos respiratórios é comum em casos graves de SGB. O tratamento é basicamente de suporte (4).

A síndrome miastênica de Lambert-Eaton está associada com o câncer pulmonar de pequenas células e, diferentemente da miastenia grave, o exercício pode melhorar os sintomas relacionados com a fraqueza muscular.

324

Fundamentos de anestesiologia clínica

A. Manejo anestésico Além da fraqueza dos músculos respiratórios, a síndrome de Guillain-Barré está acompanhada de labilidade do sistema nervoso autônomo, que pode resultar em respostas hiperdinâmicas e hipodinâmicas.

A desmielinização multifocal e a atrofia muscular por desuso na SGB proíbem o uso da succinilcolina devido ao risco de hipercalemia com risco de morte. O relaxamento muscular esperado de agentes adespolarizantes pode ser altamente variável e imprevisível, devendo ser evitado. A labilidade do sistema nervoso autônomo é comum, podendo resultar em respostas hiperdinâmicas ou hipodinâmicas a estímulos ou alterações de pré-carga, respectivamente; portanto, o suporte hemodinâmico deve ser criterioso.

VI. Doenças do sistema nervoso central A. Esclerose múltipla A esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante inflamatória multifocal causada por alterações neurodegenerativas autoimunes, levando a déficits neurológicos progressivamente irreversíveis. A evolução clínica caracteriza-se por alterações subagudas, remitentes e reincidentes, que se correlacionam com a passagem de células T do sangue através da barreira hematoencefálica e subsequente desmielinização e edema da substância cinzenta e branca (Fig. 17.2). A EM tem um pico de incidência dos 20 aos 40 anos de idade. Os sinais e sintomas podem ser vagos ou específicos, em geral determinados pelo sítio neurológico focalmente afetado. Os sintomas incluem cefaleia, fadiga e depressão. Os sintomas sensoriais, como dormência e parestesias, são comuns. A paralisia parcial dos membros inferiores é um

FIGURA 17.1 A substância branca subcortical de um paciente com esclerose múltipla mostrando múltiplas áreas pequenas, irregulares e parcialmente confluentes de desmielinização (setas). A mielina intacta normal colore-se de azul nesse corte de coloração rápida pelo luxol. (De Rubin R, Strayer DS, Rubin E. Rubin’s Pathology. 6th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins, 2011, com permissão.)

Capítulo 17

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

sintoma motor comum que geralmente se correlaciona com lesões medulares da coluna anterior. A perda visual, a diplopia, o nistagmo e as anormalidades papilares refletem o envolvimento de nervos cranianos. O diagnóstico baseia-se na história e no exame clínico, com auxílio da ressonância magnética para caracterizar lesões focais desmielinizantes, muitas vezes clinicamente silentes. O líquido cerebroespinal pode demonstrar a produção intratecal de imunoglobulina. As estratégias de manejo têm como alvo a recidiva aguda e o controle sintomático. Corticosteróides podem acelerar a recuperação do quadro clínico agudo. A troca de plasma remove anticorpos prejudiciais no tratamento das recidivas. O interferon ␤ e o acetato de glatiramer bloqueiam a apresentação de antígenos para minimizar eventos remitentes-recorrentes. A mitoxantrona, um agente antineoplásico, reduz a contagem de linfócitos para retardar a progressão para uma fase degenerativa secundária. O manejo sintomático em geral é determinado pela natureza difusa da EM. A fadiga grave é comum e deve ser prontamente tratada com estimulantes do sistema nervoso central, tais como a amantadina. A triagem rotineira da depressão e o tratamento precoce são importantes em decorrência da propensão dessa doença de afetar a qualidade de vida. O tratamento da espasticidade requer o emprego de fisioterapia e de medicamentos contra a espasticidade. A implantação intratecal de uma bomba de baclofeno está reservada para os casos graves. A dor geralmente é decorrente de fatores variados, como a dor neuropática, dor indireta da EM e dor relacionada com o tratamento. Como resultado, o manejo da dor é multimodal, potencialmente envolvendo antiepilépticos, antidepressivos tricíclicos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e agentes antiespásticos.

B. Epilepsia A epilepsia é um distúrbio caracterizado por convulsões súbitas, recorrentes e não provocadas. Uma convulsão é um sintoma neurológico caracterizado por um ataque transitório de descargas eletroneuronais rítmicas, resultando em alteração da consciência e distúrbios da função cerebral. As convulsões podem ser provocadas por fatores como distúrbios metabólicos ou não provocadas, como na doença cerebral intrínseca. As epilepsias e convulsões geralmente são diagnosticadas com base na história, exame físico, exames laboratoriais, eletrencefalografia e neuroimagem. A investigação de eventos paroxísticos, seus desencadeadores e o potencial de recorrência ajudam a excluir ou confirmar o diagnóstico. De modo geral, as epilepsias são divididas em epilepsias focais e generalizadas. Nas epilepsias focais, condições patológicas localizadas como tumores cerebrais levam a descargas corticais focais que podem se generalizar e recrutar outras regiões corticais. Nas epilepsias generalizadas, desenvolvem-se descargas corticais difusas, afetando o córtex e bilateralmente. As convulsões tipo grande mal são as epilepsias generalizadas mais comumente reconhecidas. Caracterizam-se por perda da consciência, seguida por vários minutos de uma fase tônica de enrijecimento corporal, seguido por uma fase clônica de contrações repetitivas, terminando em uma fase de letargia pós-ictal prolongada e retorno da consciência. Durante a fase tônica, pode ocorrer a suspensão da respiração, incontinência, mordedura da língua, tremores e taquicardia sinusal. Traumatismos, pneumonia aspirativa e arritmias também podem ocorrer durantes essas convulsões. Os benzodiazepínicos ou o propofol podem ser usados para fazer cessar a atividade convulsiva. Pode ser necessário suporte ventilatório. O estado epiléptico é um distúrbio convulsivo potencialmente fatal, marcado por fases tônico-clônicas seriadas, que ocorrem sem retorno da consciência. Se não tratado, podem se desenvolver agudamente hiperpirexia, hipóxia e choque. Existem múltiplos fatores de risco precipitantes, incluindo tumor cerebral e intoxicação por fármacos. As metas do tratamento devem ser o cuidado de suporte, término e prevenção das convulsões. A intubação endotraqueal deve ser feita

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Na esclerose múltipla, a dor é causada por diversos mecanismos; portanto, o melhor tratamento é o emprego de analgesia multimodal.

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Fundamentos de anestesiologia clínica para a proteção das vias aéreas. A fenitoína por via intravenosa pode ser usada para a profilaxia da recorrência da convulsão. Convulsões refratárias podem necessitar de infusão de benzodiazepínicos ou propofol; a anestesia geral também pode ser necessária (5).

C. Doença de Alzheimer A demência é uma doença neurodegenerativa crônica e irreversível – marcada por um declínio constante da função cognitiva, afetando memória, comportamento e função executiva – que, com o passar do tempo, degrada as atividades da vida diária e a interação social. A doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência. Placas senis e emaranhados neurofibrilares são a marca registrada da DA. Os inibidores da acetilcolinesterase (I-AChAse) são considerados o tratamento de primeira linha para o declínio cognitivo relacionado à deficiência colinérgica central na DA. Os efeitos colaterais da estimulação colinérgica durante o tratamento com I-AChAse incluem hipotensão, bradicardia e broncoconstrição. Interações medicamentosas com I-AChAse e relaxantes musculares podem resultar em paralisia prolongada com succinilcolina e resistência ao relaxamento muscular com N-metil-D-aspartato (6).

D. Doença de Parkinson VÍDEO 17.1 Doença de Parkinson

VÍDEO 17.2 Doença de Parkinson e estimulação cerebral profunda

VÍDEO 17.3 Hipertermia maligna

A doença de Parkinson (DP) é um distúrbio neurovegetativo do movimento caracterizado por um desequilíbrio de acetilcolina e dopamina, causado pela perda das células produtoras de dopamina dentro da substância nigra. É um diagnóstico clínico confirmado por características motoras e não motoras na ausência de uma história farmacológica pertinente. Características motoras comuns da DP são tremores de repouso do tipo “contar moedas” (pill-rolling na literatura anglosaxônica), rigidez, bradicinesia, instabilidade postural, postura em flexão ou incapacidade de se mover. Outras características incluem comprometimento cognitivo, distúrbios neuropsiquiátricos, distúrbios sensoriais, distúrbios do sono e disfunção autonômica. O manejo medicamentoso é determinado por fatores como a idade de início, flutuações dos sintomas, responsividade à dopamina e doença em estágio final. A levodopa continua sendo a forma mais eficaz de tratamento oral dos sintomas motores. Ela é altamente metabolizada e pode causar náusea e hipotensão. O uso de levodopa a longo prazo pode resultar em confusão, discinesia e pouco alívio dos sintomas. O metabolismo hepático e os efeitos colaterais periféricos são comumente reduzidos por meio da combinação de levodopa e carbidopa, um inibidor da descarboxilase. Pramipexol, ropinirol e bromocriptina são agonistas da dopamina usados quando a resposta à levodopa diminui. Os efeitos colaterais incluem alucinações e confusão mental. A selegilina e a rasagilina são inibidores da monoaminoxidase-B e são usadas para aumentar as concentrações de dopamina. A estimulação cerebral profunda por eletrodos geradores implantados é uma opção de tratamento cirúrgico.

VII. Distúrbios hereditários A. Hipertermia maligna A hipertermia maligna (HM) é um distúrbio hipermetabólico autossômico dominante desencadeado por anestésicos halogenados voláteis e succinilcolina. As principais características da HM são hipercapnia inexplicada, taquicardia, rigidez muscular, acidose, hipertermia e hipercalemia. Esse distúrbio tem uma apresentação variável. Uma mutação do gene do receptor rianodina (RYR, do inglês ryanodine receptor) é a etiologia na maioria dos casos. A precipitação da HM em pacientes geneticamente suscetíveis ocorre quando o RYR, um tipo de canal de cálcio localizado na membrana do retículo sarcoplasmático, é ativado durante a exposição a um agente desencadeante, resultando em uma liberação imensa de cálcio intracelular dentro do músculo esquelético.

Capítulo 17

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

A detecção e o tratamento são críticos para a sobrevivência. Na suspeita de HM, os agentes desencadeadores devem ser suspensos imediatamente. O dantrolene deve ser administrado por via intravenosa, com uma dose inicial de 2,5 mg/kg, e a dose deve ser repetida, se necessário. A HM pode ser letal quando não tratada. A rabdomiólise e a hipercalemia devem ser manejadas com reposição volêmica e diurese. O resfriamento deve ser instituído imediatamente com monitoramento para coagulopatia. O suporte ventilatório deve ser mantido até que o paciente esteja estabilizado. Uma vez estabilizado, deve ser contatada a Malignant Hyperthermia Association of the United States.* A recorrência da HM é possível, e os pacientes devem ser monitorados por até 72 horas. O ensaio in vitro da contratura é usado para analisar a presença de contração da fibra muscular durante a exposição a halotano e cafeína e para o diagnóstico da susceptibilidade para HM. O exame genético pode ser feito com aconselhamento apropriado dos pacientes sobre as implicações dos resultados do teste. Pacientes suscetíveis à HM que devem ser submetidos à cirurgia devem ter à disposição um aparelho de anestesia completamente limpo para ser usado independentemente de serem submetidos ou não a uma anestesia geral. Agentes desencadeantes devem ser evitados. A anestesia geral intravenosa total deve ser considerada quando a anestesia regional não for possível (7).

B. Porfiria As porfirias são um grupo de deficiências enzimáticas que resultam em um comprometimento da biossíntese de heme e citocromo P450 e em acúmulo concomitante de metabólitos nocivos. A porfiria aguda intermitente (PAI) é uma das porfirias mais graves. Trata-se de uma deficiência da porfobilinogênio deaminase que leva a queixas neuropsiquiátricas inespecíficas e queixas abdominais. Os sintomas incluem dor abdominal grave, vômitos, convulsões, taquicardia e fraqueza generalizada. Os desencadeantes incluem infecção, jejum e medicamentos incluindo barbitúricos, etomidato e fenitoína. O tratamento dos sintomas implica a interrupção dos desencadeantes e infusão de hemina. O transplante hepático está reservado para pacientes com ataques graves e recorrentes (Fig. 17.2).

FIGURA 17.2 Urina de um paciente com porfiria cutânea tardia (à direita) e de um paciente com uma excreção normal de porfirina (à esquerda). (De Champe PC, Harvey RA, Ferrier DR. Biochemistry. 4th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins, 2008, com permissão.) * N. de R.T. No Brasil, existe um serviço de informação telefônica disponível 24 h por dia (Hotline de Hipertermia Maligna) para orientação sobre o atendimento emergencial da crise de HM. Esse serviço ainda realiza o cadastramento dos pacientes e suas famílias, que são assim orientados para investigação. O serviço é vinculado à Escola Paulista de Medicina da Unifesp e pode ser contatado pelo telefone (11) 5575-9873.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 17.3 Criança de 25 meses de idade com doença de Gierke. Note a hepatomegalia e os xantomas eruptivos nos braços e pernas. A criança encontra-se no terceiro percentil para o peso e altura, indicando uma dificuldade de desenvolvimento. (De Lieberman MA, Ricer R. Lippincott’s Illustrated Q&A Review of Biochemistry. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins, 2010, com permissão.)

C. Distúrbios da colinesterase A deficiência de pseudocolinesterase (PChE) é um distúrbio hereditário ou adquirido que resulta em uma incapacidade de metabolizar de modo eficiente determinados substratos de éster. Uma paralisia prolongada após um procedimento anestésico usando succinilcolina revela essa deficiência. Um metabolismo retardado também é observado com o uso de mivacúrio, cocaína, clorprocaína, procaína e tetracaína. A deficiência dessa esterase hepática pode ser decorrente de mutações do gene PChE ou doença sistêmica, tal como doença hepática grave, insuficiência renal, carcinomas e desnutrição grave. O teste da atividade da PChE e o da inibição da dibucaína podem ser usados para identificar indivíduos com alto risco para paralisia prolongada após a administração de succinilcolina.

D. Doenças de armazenamento do glicogênio As doenças de armazenamento do glicogênio (GSD, do inglês glycogen storage diseases) são um grupo raro de distúrbios hereditários da produção e metabolismo do glicogênio que resultam em um armazenamento excessivo de glicogênio. Existem muitos tipos de GSDs, cada um com um grupo único de características baseadas em fatores como a mutação enzimática e as características clínicas (Fig. 17.3, Tab. 17.1).

E. Osteogênese imperfeita A osteogênese imperfeita (OI) é um distúrbio hereditário do tecido conectivo que produz um defeito na síntese de colágeno tipo I, que é fundamental para a força óssea e muscular. Fraturas ósseas pediátricas decorrentes de um traumatismo mínimo, escleras azuis e uma história familiar de OI geralmente são suficientes para o diagnóstico. As manifestações cardiovasculares da OI incluem dissecções arteriais e regurgitação de válvula da aorta e atrioventricular esquerda (mitral). Existem várias formas de OI, classificadas por tipo, padrão de hereditariedade e características clínicas.

VIII. Anemias A. Anemias decorrentes de deficiências nutricionais As anemias decorrentes de deficiências nutricionais são devidas a uma insuficiência de qualquer componente alimentar necessário para o crescimento e desenvolvimento; as mais

Capítulo 17 TABELA 17.1

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

Tipos de doenças de depósito de glicogênio

Tipo

Mutação enzimática

Características clínicas

Tipo I (doença de von Gierke)

Deficiência de glicose-6-fosfatase

Hipoglicemia, acidose e convulsões

Tipo II (doença de Pompe) Deficiência de ácido lisossomal

Em crianças; miocardiopatia infiltrativa

Tipo III (doença de Forbes ou Cori)

Deficiência de enzima desramificadora do glicogênio

Hepatomegalia, fraqueza muscular e miocardiopatia

Tipo IV (doença de Andersen)

Deficiência de enzima ramificadora

Hepatesplenomegalia, cirrose, miocardiopatia, hipotonia e dificuldade de desenvolvimento

Tipo V (doença de McArdle)

Deficiência de glicogênio fosforilase muscular

Rabdomiólise e mioglobinúria após exercício ou succinilcolina

Tipo VI (doença de Hers)

Deficiência de fosforilase hepática

Benigna; hipoglicemia leve, hepatomegalia

Tipo VII (doença de Tarui)

Deficiência de fosfofrutocina- Cãibras musculares, intolerância ao exerse muscular cício, mioglobinúria episódica

Tipo IX

Deficiência de glicogênio Hipotonia, baixa estatura e mioglobinúria fosforilase-cinase hepático ao exercício

Tipo XI (síndrome de Fanconi-Bickel)

Deficiência de enzima transportadora da glicose

Hepatomegalia, hipoglicemia em jejum, baixa estatura e acidose tubular renal proximal

Tipo 0

Deficiência de glicogênio sintase hepático

Hipoglicemia cetótica grave em jejum, baixa estatura, convulsões e retardo grave do desenvolvimento

comuns são as deficiências de vitamina B e ferro. A anemia megaloblástica é uma característica das deficiências de folato e vitamina B12 (cobalamina). A deficiência de folato está associada com desnutrição, alcoolismo crônico e medicamentos que interferem com o metabolismo dos folatos. A deficiência de cobalamina clinicamente evidente se apresenta com sinais de doença desmielinizante. Suas características incluem a neuropatia periférica com perda da sensibilidade proprioceptiva e vibratória nas extremidades inferiores. A deficiência de cobalamina clinicamente evidente em geral deve-se à anemia perniciosa, uma perda autoimune do fator intrínseco das células gástricas parietais, necessário para a ligação da cobalamina. Em pacientes suscetíveis, a exposição ao óxido nitroso pode interferir com o metabolismo da cobalamina. A deficiência de ferro leva a uma anemia microcítica e hipocrômica associada a baixa ingestão de ferro, distúrbios da absorção de ferro, perda sanguínea crônica ou inflamação sistêmica. O tratamento das três anemias por deficiências nutricionais implica suplementação e reversão das causas contribuintes.

B. Anemias hemolíticas As anemias hemolíticas são quaisquer anemias hereditárias ou adquiridas causadas por hemólise das hemácias. As características comuns de apresentação de todas as anemias hemolíticas são icterícia, esplenomegalia, aumento da contagem de reticulócitos e hiperbilirrubinemia. A esferocitose hereditária é um distúrbio hereditário caracterizado por hemácias esféricas e frágeis, com tendência a romperem durante o trânsito e sequestração esplênica. Outra manifestação é a colelitíase. Os tratamentos

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Fundamentos de anestesiologia clínica recomendados incluem esplenectomia, vacinação antipneumocócica pré-esplenectomia e colecistectomia profilática. As anemias hemolíticas imunológicas podem ser causadas por autoimunidade, aloimunidade e reações a fármacos. As anemias hemolíticas autoimunes (AHAI) podem ser causadas primariamente (em geral, são idiopáticas) ou secundariamente, sendo divididas em doenças da aglutinina fria e quente. A AHAI quente pode ser causada por leucemias, linfomas, esclerodermia e artrite reumatoide. A AHAI fria pode ser desencadeada por infecções e exposição à temperatura fria. As anemias hemolíticas imunológicas induzidas por fármacos podem ser subdivididas em reações de hipersensibilidade tipo II e tipo III. A penicilina e a ␣-metildopa podem resultar em uma reação tipo II, na qual o fármaco se liga às hemácias, desencadeando uma destruição mediada por anticorpos. Os fármacos conhecidos como potencialmente desencadeantes de uma reação de complexo imunológico tipo III incluem as cefalosporinas, as hidroclorotiazidas, a isoniazida e a tetraciclina. A doença hemolítica do recém-nascido, ou incompatibilidade Rh, é o exemplo mais conhecido de uma doença hemolítica de aloimunidade.

C. Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase A glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) é uma enzima ubíqua ligada ao X e presente nas hemácias e outros tipos de células, sendo essencial para a via da pentose fosfato que gera nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato para a resistência ao estresse oxidativo. Uma reação aguda de anemia hemolítica não imunológica a infecções simples, medicamentos ou feijão de fava pode ser o sinal de apresentação de uma deficiência de G6PD. Anestésicos locais aminoéster e nitroprussiato podem desencadear metemoglobina em pacientes com deficiência de G6PD.

D. Hemoglobinopatias As hemoglobinopatias são um grupo de doenças predominantemente genéticas das hemácias causadas pela produção aberrante de hemoglobina. A anemia falciforme e a talassemia são as hemoglobinopatias mais clinicamente relevantes. A anemia falciforme (AF) é causada por um defeito autossômico recessivo do gene ␤-globina que leva a uma hemoglobina estruturalmente anormal, denominada hemoglobina S (HbS). As hemácias afetadas com HbS têm uma propensão a assumir um formato “em foice” e à destruição prematura. A AF produz complicações agudas e crônicas de múltiplos sistemas. Ataques agudos, dolorosos e com risco para a vida decorrentes da doença falciforme são denominados crises falciformes e podem ocorrer espontaneamente ou ser desencadeados por estressores sistêmicos, tais como desidratação, hipóxia e infecções. As manifestações das crises falciformes incluem crises vaso-oclusivas, síndrome torácica aguda, crise de sequestração esplênica e crise aplástica. As hemácias falciformes se aglomeram para obstruir capilares e causam isquemia e infarto tissular, e essas alterações são conhecidas como crises vaso-oclusivas. Essa é a complicação mais comum da doença falciforme. O tratamento consiste na administração intravenosa de opioides, reposição de líquidos e transfusão de sangue. A síndrome torácica aguda é uma manifestação da doença falciforme com ameaça à vida, na qual a inflamação ou infecção pulmonar desencadeia infartos pulmonares que podem evoluir para o óbito sem tratamento de suporte adequado. Os sinais clínicos incluem dispneia aguda, dor torácica, tosse e hipóxia. O tratamento agressivo com líquidos, opioides por via intravenosa e transfusão com troca sanguínea deve ser prontamente instituído. A hipóxia grave pode requerer suporte ventilatório. A crise de sequestração esplênica é um aumento agudo do tamanho do baço decorrente de hemácias anormais sequestradas, resultando em dor abdominal grave, anemia e hipotensão. O tratamento é principalmente de suporte com fluidoterapia e transfusão sanguínea. A infecção pelo parvo-

Capítulo 17

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

vírus B19, uma doença predominantemente pediátrica, pode desencadear uma crise aplástica em adultos com AF, caracterizada por profunda depressão da eritropoiese, resultando em uma anemia com risco de morte. O tratamento profilático da AF com penicilina oral, vacinação contra pneumococo e hidroxiureia destina-se a reduzir as infecções e a recorrência da crise falciforme. A talassemia é um grupo diferente de distúrbios autossômicos recessivos causados por uma síntese insuficiente de ␣ ou ␤-globina. As ␤-talassemias, em ordem de gravidade clínica, incluem a talassemia major, talassemia intermédia e talassemia minor. A talassemia major geralmente se apresenta na infância precoce com anemia e dificuldade para o desenvolvimento. Com o tempo, os adultos jovens sobreviventes passam a desenvolver anemia grave, hipertrofia facial e deformidades dos ossos longos, bem como disfunção secundária de múltiplos órgãos com hemocromatose grave relacionada à transfusão. A siderose cardíaca pode levar à insuficiência cardíaca congestiva e arritmias. A extensa disfunção endócrina pode se apresentar como hipopituitarismo, hipotireoidismo, hipoparatireoidismo, diabetes e insuficiência suprarrenal. As infecções são comuns devido à imunodeficiência secundária à hemocromatose, infecções transmitidas por via hematogênica e esplenomegalia. O tratamento primário inclui transfusões periódicas e terapia quelante de ferro.

IX. Doenças vasculares do colágeno A. Artrite reumatoide A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune crônica marcada por inflamação sistêmica e que afeta primariamente as articulações sinoviais periféricas, levando a uma artrite simétrica e dolorosa. Eventualmente, os pacientes desenvolvem deformidade articular, erosão de cartilagens e anquilose ou enrijecimento articular. A subluxação atlantoaxial é um achado radiográfico oculto comum. Sinais clínicos de envolvimento articular prolongado, exame do líquido sinovial, exames de imagem, presença de marcadores sorológicos da AR, como o fator reumatoide, e marcadores inflamatórios inespecíficos, como a taxa de hemossedimentação e a proteína C-reativa, apoiam o diagnóstico. O envolvimento extra-articular é comum e imprevisível. A inflamação crônica também contribui com uma doença aterosclerótica acelerada, miocardite, pericardite e valvulopatias. A doença cardíaca isquêmica é a causa mais comum de óbito. A doença pulmonar reumatoide pode se manifestar como pleurisia, nódulos pulmonares, doença pulmonar intersticial e hipertensão pulmonar. A vasculite reumatoide pode causar lesão orgânica disseminada, especialmente insuficiência renal e acidente vascular isquêmico. Os medicamentos para a AR são divididos em AINEs, corticosteroides, fármacos antirreumáticos modificadores da doença (DMARDs, do inglês disease modifyng antirheumatic drugs) e DMARDs biológicos. A prednisona é usada durante os surtos ou até que o tratamento com DMARD seja otimizado. Apesar dos riscos do uso prolongado de corticosteroides, muitos pacientes com artrite reumatoide permanecem em tratamento crônico com prednisona. O metotrexato é o fármaco fundamental para o tratamento DMARD. A doença pulmonar intersticial induzida por fármacos é um risco conhecido do metotrexato no tratamento da AR. Outros DMARDs incluem a leflunomida, hidroxicloroquina e sulfassalazina. Os DMARDs biológicos destinam-se às moléculas da superfície celular e citocinas para bloquear a cascata da inflamação. Infecção e reações de hipersensibilidade são as complicações mais graves associadas ao tratamento com DMARDs (8).

B. Lúpus eritematoso sistêmico O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é um distúrbio autoimune no qual anticorpos e antígenos solúveis formam complexos imunológicos, também conhecido como hiper-

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Fundamentos de anestesiologia clínica sensibilidade do tipo III. Esses complexos se depositam em vários órgãos, levando a inflamação e lesão tissular. As características clínicas do LES e a detecção do anticorpo antinuclear com frequência confirmam o diagnóstico. O tempo de evolução e os sintomas são variáveis. Mialgias e fadiga são sintomas comuns. Uma erupção cutânea fotossensível em “asa de borboleta” sobre a eminência malar é característica de LES. A maioria dos pacientes apresenta poliartrite leve a gravemente debilitante. A glomerulopatia lúpica, quando não tratada, pode levar à doença renal em fase terminal e morte. A pericardite e pleurite são manifestações comuns do LES. A doença vascular oclusiva pode se apresentar como fenômeno de Raynaud, acidente vascular encefálico isquêmico ou infarto miocárdico. As opções atuais de tratamento reduziram a morbidade e mortalidade. Os corticosteroides e a hidroxiquinolona são os tratamentos de primeira linha para as crises agudas. Inflamação, dor crônica e artralgias geralmente são controlados com AINEs. Agentes imunossupressores potentes, tais como a ciclofosfamida ou o micofenolato, são usados para o tratamento da glomerulonefrite grave.

C. Esclerose sistêmica A esclerose sistêmica ou esclerodermia, é um distúrbio autoimune raro, marcado por microvasculopatia destrutiva de múltiplos sistemas e fibrose orgânica. O sinal físico mais evidente é o espessamento cutâneo, enquanto o fenômeno de Raynaud geralmente é o sinal de apresentação associado à esclerodermia. Tradicionalmente, a síndrome CREST (calcinose, fenômeno de Raynaud, distúrbio da motilidade esofágica, esclerodactilia, teleangiectasia, do inglês calcinosis, Raynaud’s phenomenon, esophageal dismotility, sclerodactyly, teleangiectasia) foi usada para o diagnóstico. A otimização da qualidade de vida, prevenção de lesão orgânica e retardo de progressão da doença são o foco do tratamento. Dedos isquêmicos e dolorosos são tratados com bloqueadores do canal de cálcio e manejo do estresse e evitando temperatura fria. A doença cutânea ativa pode ser tratada com imunodepressores, tais como micofenolato ou ciclofosfamida. Deve-se evitar o uso de corticoides para a doença cutânea, pois eles podem levar a uma crise renal da esclerodermia, manifestada por hipertensão aguda e insuficiência renal oligúrica. O problema mais comum na esclerodermia é a disfunção gastrintestinal. Disfagia, distúrbio da motilidade esofágica, estenoses esofágicas, refluxo gastresofágico e retardo do esvaziamento gástrico são tratados com inibidores da bomba de prótons e medicamentos procinéticos. A miocardite e as anormalidades de condução geralmente são silentes. Os bloqueadores do canal de cálcio e outros vasodilatadores podem ser usados para preservar a função cardíaca. A doença pulmonar é a causa primária de óbito na esclerodermia.

D. Miopatias inflamatórias As miopatias inflamatórias são um grupo raro de distúrbios musculares caracterizados por inflamação e fraqueza muscular. A dermatomiosite (DM) e a polimiosite (PM) são os subtipos predominantes entre as miopatias inflamatórias. Ambas as condições são consideradas distúrbios autoimunes, com uma apresentação aguda a subaguda geralmente após uma infecção sistêmica. As características de apresentação da PM incluem dor muscular e fraqueza que afeta comumente os músculos proximais dos membros, nuca, faringe e laringe. Os músculos oculares são poupados. A DM tem uma apresentação similar, exceto o fato de que o início pode ser mais grave e com características dermatológicas adicionais: descoloração heliotrópica das pálpebras, edema periorbital e erupção eritematosa irregular envolvendo a face e a superfície extensora dos membros. A presença de necrose muscular e células inflamatórias na biópsia tissular confirma o diagnóstico. As complicações da PM e DM incluem miocardiopatia, insuficiência respiratória, disfagia e pneumonia aspirativa.

Capítulo 17

Doenças coexistentes que causam impacto no manejo anestésico

X. Distúrbios cutâneos A. Epidermólise bolhosa A epidermólise bolhosa (EB) é um grupo raro de distúrbios cutâneos adquiridos e hereditários que resultam em fragilidade epidérmica decorrente de anomalias da integridade da membrana basal na pele e mucosa. A tensão de cisalhamento na pele pode resultar em um descolamento da camada epidérmica e formação de bolhas dolorosas. A disfunção de múltiplos órgãos, tais como a miocardiopatia, pode se desenvolver dependendo do subtipo da EB. Estenoses esofágicas podem ser incapacitantes, levando à desnutrição e disfagia. Pacientes com EB têm um risco secundário para infecção bacteriana e carcinoma de célula escamosa (9).

B. Pênfigo vulgar O pênfigo vulgar (PV) é um distúrbio cutâneo autoimune que resulta na perda da aderência dos queratinócitos decorrente de anticorpos dirigidos contra a desmogleína-1 e 3. O distúrbio caracteriza-se pela formação de bolhas epidérmicas dolorosas que se desenvolvem imediatamente após a fricção mínima da pele. Essa reação de hipersensibilidade pode ser desencadeada por diversos medicamentos, tais como os inibidores da enzima conversora da angiotensina, nifedipina e penicilina. Lesões orais dolorosas são comuns. Os corticoides são o tratamento eficaz para o PV.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Quais dos itens a seguir é um achado comum em pacientes com distrofia muscular de Duchenne? A. Atrofia muscular distal B. Resistência à succinilcolina C. Miocardiopatia D. Hipermotilidade gástrica 2. Uma parturiente a termo de 30 anos de idade portadora de miastenia grave apresenta-se para um parto cesáreo eletivo. Qual das condições a seguir pode ocorrer no período de pós-parto imediato? A. Desconforto respiratório B. Fraqueza com o teste de tensilon (edrofônio) C. Hipersalivação D. Convulsão 3. Um indivíduo do sexo masculino com 16 anos de idade com uma história familiar de hipertermia maligna está sendo submetido à correção de uma hérnia inguinal. O paciente inadvertidamente recebe succinilcolina durante a anestesia geral. Qual dos itens a seguir é o manejo mais apropriado? A. Administrar dantrolene imediatamente B. Encerrar a cirurgia C. Monitorar para hipermetabolismo D. Instituir a hipotermia terapêutica

4. Qual dos fármacos a seguir tem efeito prolongado na deficiência de pseudocolinesterase? A. Lidocaína B. Bupivacaína C. Ropivacaína D. Tetracaína 5. Um homem de 20 anos de idade com anemia falciforme desenvolve dor torácica aguda e tosse 1 hora após uma esplenectomia. Qual dos itens a seguir é o manejo inicial mais apropriado? A. Angiografia pulmonar por tomografia computadorizada B. Tratamento agressivo com líquidos C. AINEs D. Heparina

Função endócrina Shamsuddin Akhtar

18

I. Fisiologia integrada Os hormônios têm um papel essencial na manutenção da homeostasia (1-4); são divididos quimicamente em esteroides e não esteroides. Os hormônios esteroides são lipofílicos e são capazes de atravessar a membrana celular para agir diretamente nas vias citoplásmicas (Fig. 18.1). São transportados no plasma ligados a globulinas específicas, albumina e outras proteínas plasmáticas e têm meias-vidas mais longas (horas a dias). Os hormônios não esteroides incluem catecolaminas, peptídeos, proteínas ou glicoproteínas. São hidrofílicos e, assim, incapazes de atravessar a membrana celular e requerem receptores específicos na membrana celular para exercer seu efeito. Esses hormônios geralmente não são ligados às proteínas plasmáticas, têm rápido início de ação (minutos), têm meias-vidas curtas (minutos) e são metabolizados rapidamente. Alguns hormônios são secretados continuamente, enquanto outros são secretados de forma pulsátil (cortisol).

II. Complexo hipotálamo-hipófise Em conjunto com o hipotálamo, a glândula hipófise é considerada a principal glândula endócrina. Estímulos de várias regiões do cérebro são relocados para núcleos específicos no hipotálamo, que secretam fatores liberadores específicos ou hormônios que regulam a função hipofisária (4). A glândula hipófise é composta de duas partes: a hipófise anterior e a posterior.

A. Hipófise anterior A hipófise anterior é responsável pela produção de seis hormônios que afetam subsequentemente a tireoide, o córtex suprarrenal, as gônadas e as glândulas mamárias. A produção e a liberação dos hormônios da hipófise anterior são controladas por hormônios liberadores (p. ex., hormônio liberador estimulante da tireoide), que são produzidos pelo hipotálamo. Os hormônios da hipófise anterior são então liberados na circulação sistêmica e exercem seus efeitos em seus órgãos-alvo (Fig. 18.2).

O hormônio tireoidiano é um hormônio não esteroide, mas se comporta mais como um hormônio esteroide.

336

Fundamentos de anestesiologia clínica

Hormônios

Grupo 2 Catecolaminas Polipeptídeos Proteínas Glicoproteínas

Grupo 1 (Esteroides e hormônio tireoidiano)

Ativa o receptor na membrana plasmática

Hormônio da tireoide

Esteroide

Liga-se ao receptor do hormônio da tireoide

Entra na célula

Entra na célula

Receptor acoplado à proteína-G Receptor da tirosinocinase

Liga-se aos receptores dos esteroides

Transferência para o núcleo

Transferência para o núcleo

Expressão genética

Expressão genética

Efeitos pós-translacionais

Efeitos pós-translacionais

FIGURA 18.1

Alterações no citosol

Alterações na expressão genética

Efeitos pós-translacionais

Fisiologia integrada dos hormônios esteroides e não esteroides.

VÍDEO 18.1 Tumores hipofisários

AMPc GMPc Íons cálcio Metabólitos do fosfoinositol Cascatas enzimáticas Canais iônicos

Além disso, a secreção excessiva do hormônio do crescimento (GH, do inglês growth hormone), geralmente por um adenoma hipofisário, resulta em acromegalia. A acromegalia ocorre quando é produzido um excesso de GH após o fechamento das epífises. Diante de um excesso de GH, o gigantismo ocorre antes do fechamento das epífises. A acromegalia é vista com mais frequência (Tab. 18.1).

B. Hipófise posterior A glândula hipófise posterior é uma extensão do hipotálamo. Ela produz dois hormônios: ocitocina e vasopressina (hormônio antidiurético, ADH, do inglês antidiuretic hormone) (Fig. 18.2) (1).

Diabetes insípido A deficiência de vasopressina (diabetes insípido central [DI]) ou resistência ao seu efeito (DI nefrogênico) causa uma incapacidade em absorver água nos túbulos renais e

Capítulo 18

Função endócrina

337

Hipotálamo Secreção de hormônio liberador hipotalâmico ADH, secreção de ocitocina Haste

Plexo venoso Retroalimentação hormonal da hipófise anterior e hipotálamo

Hipófise anterior

Tireoide

Taxa metabólica

Contração do ducto mamário, ejeção do leite Ocitocina

TSH

Hormônios da tireoide Córtex suprarrenal Corticosteroides

Metabolismo da glicose, metabolismo de sal e água

Hipófise posterior

ADH ACTH Ovário FSH LH

Estrogênio

Prolactina GH FSH LH

Retenção renal de água

Formação de leite materno

Corpo Progesterona lúteo

Ovário: formação do ovo

Contração muscular uterina

Testosterona

Crescimento dos ossos e tecidos moles Testículos

Testículo: formação do esperma

FIGURA 18.2 Hipotálamo, glândula hipófise e órgãos-alvo endócrinos. (Este capítulo irá focar o hipotálamo, a glândula hipófise e os órgãos-alvo: glândula tireoide, glândula suprarrenal, glândula paratireoide e pâncreas. Para informações adicionais a respeito de outros órgãos-alvo endócrinos, o leitor deve verificar a referência 4.) (De Turbow SD, Patterson BC. Hypothalamic and pituitary disorders. De: Felner EI, Umpierrez GF, eds. Endocrine Pathophysiology. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2014:17, com permissão.)

TABELA 18.1

Problemas anestésicos associados com acromegalia

Hipertrofia dos tecidos esqueléticos, conectivos e moles Aumento da língua e epiglote (obstrução das vias aéreas superiores) Aumento da incidência de intubação difícil Espessamento das pregas vocais (rouquidão; considerar intubação traqueal acordado) Paralisia do nervo laríngeo recorrente (estiramento) Dispneia ou estridor (estreitamento subglótico) Pinçamento de nervo ou artéria periférica Hipertensão Diabetes melito De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

338

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 18.2

Diabetes insípido: Implicações anestésicas

Quadro clínico: Hipovolemia, hiperosmolalidade, distúrbios eletrolíticos, hipotensão e arritmias cardíacas Tratamento: Líquidos (salina hipotônica), reposição eletrolítica como indicada Farmacológico: vasopressina 0,1-0,2 U/hr IV, desmopressina), 3 mg/kg IV IV, intravenosa.

Certas medicações causam diabetes insípido nefrogênico (p. ex., lítio).

ductos coletores (2, 3). No diabetes neurogênico, a desmopressina leva à concentração de urina. Isso não é visto no DI nefrogênico. O paciente produz litros de urina diluída por dia. O DI pode se desenvolver agudamente após cirurgia intracraniana, trauma craniano, tumores intracranianos e infecções. Se a perda de água não for suplementada, quer por aumento da ingestão de água, quer por suplementação exógena, podem ocorrer desidratação grave, hiperosmolalidade, hipernatremia, colapso cardiovascular, estupor e coma. O DI central pode ser manejado pela administração do análogo da vasopressina, desmopressina. Considerações perioperatórias são detalhadas na Tabela 18.2.

Síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético

A glândula tireoide secreta três hormônios: tiroxina (T4), tri-iodotironina (T3) e calcitonina (envolvido na homeostasia do cálcio).

A secreção em excesso de vasopressina é uma resposta generalizada após trauma e cirurgia e leva à absorção excessiva de água pelos rins. A absorção aumentada de água causa diluição do sódio sérico (hiponatremia), redução da osmolalidade sérica e urina concentrada. Em certos estados patológicos (i.e., insuficiência cardíaca congestiva ou cirrose), ativação do sistema renina-angiotensina (2) (ver Fig. 5.7 no Cap. 5) pode levar à secreção excessiva de vasopressina e causa síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH, do inglês syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion). A hiponatremia diante de urina concentrada sugere fortemente SIADH. O manejo típico é a restrição de água livre, diuréticos e controle de qualquer condição precipitante. A hiponatremia grave, níveis  115 a 120 mEq/L, é uma emergência médica. Ela causa alterações no estado mental e pode necessitar de correção com salina hipertônica. Considerações perioperatórias são detalhadas na Tabela 18.3.

III. Glândula tireoide A glândula tireoide é uma das maiores glândulas endócrinas. A tiroxina (T4) e a tri-iodotironina (T3) estão sob rígido controle do hormônio estimulante da tireoide (TSH, do inglês thyroid-stimulating hormone) da glândula hipófise (Fig. 18.3) (3).

A. Metabolismo dos hormônios da tireoide A tirosina e o iodo são necessários para formar T4 e T3 (Fig. 18.3). O iodo absorvido é convertido em iodeto e transportado e concentrado nos tirócitos.

TABELA 18.3 Síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético: implicações anestésicas Quadro clínico: Hiponatremia, sódio urinário e osmolaridade aumentados. Sódio sérico  115 mEq/L leva a convulsões. Tratamento: Restringir líquidos IV, diurese, usar solução fisiológica ou hipertônica e corrigir as concentrações de Na séricas lentamente ( 12 mEq/24 hr).

Capítulo 18

1. Captação do iodo na glândula tireoide

Função endócrina

339

TSH e depleção do iodo + Glândula tireoide

I− +

2. Oxidação da ligação do iodeto com a tirosina

+

TSH

Resíduos de tirosina da tiroglobulina

3. Acoplamento (oxidação intracelular)

Monoiodotirosina

Di-iodotirosina

Tiroglobulina

Tiroglobulina

TSH + Di-iodotirosina Monoiodotirosina + + Tiroglobulina Di-iodotirosina Di-iodotirosina T3 T4

4. Liberação e reciclagem

Tiroglobulina Resíduos de tirosina Iodeto

Reciclado

Tiroglobulina

Tiroglobulina

T3

T4

(Proteólise) +

TSH

T3 e T4 plasmático

FIGURA 18.3 A biossíntese do hormônio da tireoide consiste em quatro estágios: (1) organificação, (2) ligação, (3) acoplamento e (4) liberação. TSH, hormônio estimulante da tireoide; T3, tri-iodotironina; T4, tiroxina. (De Schwartz JJ, Akhtar S, Rosenbaum SH. Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1327, com permissão.)

A tirosina, que é ligada à tiroglobulina, é iodada por um processo complexo para produzir T3 e T4 (Fig. 18.3). O T4 é convertido nos tecidos periféricos em T3. O T4 retroalimenta a hipófise e o hipotálamo e diminui a secreção de TSH, o que leva a uma diminuição no T4. T4 e T3 são lipofílicos e são ligados 99,8% à albumina, globulina de ligação da tiroxina e pré-albumina. O hormônio livre é que exerce o efeito biológico. O T4 e o T3 são metabolizados no fígado, no rim e em muitos outros tecidos. Glicocorticoides, dopamina, somatostatina e estresse reduzem a secreção de TSH.

B. Efeitos fisiológicos do hormônio tireoidiano O T3 e o T4 aumentam o consumo de oxigênio nos órgãos-alvo. Os hormônios tireoidianos aumentam o metabolismo dos carboidratos, da gordura e das proteínas e são essenciais para o crescimento normal. Eles aumentam o débito cardíaco pelo aumento da frequência cardíaca e da contração miocárdica e melhoram o efeito das catecolaminas circulantes. Os hormônios da tireoide têm efeitos marcantes no cérebro e acentuam o efeito das catecolaminas no sistema ativador reticular.

É produzido 20 vezes mais T4 do que T3 pela glândula tireoide. Contudo, o T3 é a forma mais ativa e produz a preponderância de efeitos clínicos.

340

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 18.4

Testes de função tireoidiana Tri-iodotironina Tiroxina livre livre

Hormônio estimulante da tireoide

Hipertireoidismo

Elevada

Elevada

Normal à baixa

Hipotireoidismo primário

Baixa

Normal à baixa

Elevado

Hipotireoidismo secundário Baixa

Baixa

Baixo

Eutireoideo doente

Normal

Baixo

Normal

Gravidez

Elevada

Normal

Normal

De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

C. Testes de função tireoidiana São vistas anormalidades na função tireoidiana tanto nas doenças tireoidianas como nas não tireoidianas (Tab. 18.4). A etapa inicial é medir o TSH e o T4 livre (fT4) (3). Um TSH muito baixo diante de um fT4 alto sugere hipertireoidismo, enquanto TSH alto com fT4 baixo sugere hipotireoidismo.

D. Hipertireoidismo O hipertireoidismo é caracterizado por nervosismo, perda de peso, hiperfagia, intolerância ao calor, sudorese, taquicardia e aumento da pressão de pulso (devido à vasodilatação). Os pacientes que apresentam sintomas de hipertireoidismo não controlado devem ser manejados clinicamente antes de cirurgia eletiva. O princípio básico do manejo clínico do hipertireoidismo é a redução da produção de hormônio tireoidiano e a atenuação dos sintomas hiperadrenérgicos. Os -bloqueadores reduzem os sintomas adrenérgicos (taquicardia, débito cardíaco aumentado), enquanto o propiltiouracil e o metimazol competem com a tirosina pelo iodo e assim bloqueiam a produção de T3 e T4. Em situações agudas, o iodo exógeno pode ser administrado, o que deprime a produção de hormônio da tireoide. Após o controle adequado dos sintomas do hipertireoidismo, pode ser realizada a excisão cirúrgica da glândula tireoide. O iodo radioativo faz a ablação da glândula e leva a uma perda progressiva da função. A perda da função tireoidiana é substituída com a levotiroxina exógena. A tempestade tireoidiana aguda é uma emergência médica. Os pacientes podem apresenta-la ou desenvolvê-la no período intraoperatório. O manejo da tireotoxicose é detalhado na Tabela 18.5.

E. Hipotireoidismo Pacientes com hipotireoidismo apresentam vasoconstricção periférica, problemas de memória, intolerância ao frio e ganho de peso. O hipotireoidismo é tratado com levotiroxina exógena. Pacientes com hipotireoidismo grave devem ser tratados antes de procedimentos eletivos. Nessa situação, pode ser usado o T3, que tem um início de ação mais rápido. Esses pacientes são bastante sensíveis a medicações sedativas e podem desenvolver colapso cardiorrespiratório rapidamente. O manejo do coma mixedematoso requer o uso de agentes inotrópicos, administração de T4 ou T3 intravenoso, hidrocortisona e suporte respiratório (Tab. 18.5).

F. Prioridades anestésicas na cirurgia da tireoide A anestesia geral com um tubo endotraqueal é usada para a cirurgia de tireoide (2, 3). Os anestesiologistas podem encontrar vias aéreas difíceis inesperadas em 5 a 8% dos casos. A tireoide retroesternal comporta-se como uma massa mediastinal anterior, e considera-

Capítulo 18 TABELA 18.5

Função endócrina

Emergências tireoidianas perioperatórias (tireotoxicose e coma mixedematoso)

Manejo da tempestade tireoidiana Líquidos IV Iodeto de sódio: 250 mg por via oral ou IV a cada 6 h Propiltiouracil: 200-400 mg por via oral ou por sonda nasogástrica a cada 6 h Hidrocortisona: 50-100 mg IV a cada 6 h Propranolol: 10-40 mg por via oral a cada 4-6 h ou esmolol (titular) Mantas de resfriamento e paracetamol: 12,5 mg IV de meperidina a cada 4-6 h pode ser usado para tratar ou prevenir calafrios Diltiazem: Insuficiência cardíaca congestiva com fibrilação atrial e resposta ventricular rápida Manejo do coma mixedematoso Intubação traqueal e ventilação controlada dos pulmões como necessário Levotiroxina: 200-300 mg IV durante 5-10 min Cortisol: 100 mg IV e depois 25 mg IV a cada 6 h Terapia com líquidos e eletrólitos orientada pela medida dos eletrólitos séricos Ambiente aquecido para manter o calor do corpo IV, intravenoso. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

ções especiais devem ser mantidas em mente (ver Cap. 34). A lesão do nervo laríngeo recorrente é uma possibilidade distinta, levando a comprometimento das vias aéreas após cirurgia (ver Cap. 20) (Tab. 18.6). A compressão traqueal por hematoma ou traqueomalácia (após excisão de uma grande tireoide) é uma emergência (ver Cap. 20). A hipocalcemia devida a hipoparatireoidismo pode se desenvolver dentro de 24 a 96 horas após cirurgia.

IV. Glândula suprarrenal A. Córtex suprarrenal A glândula suprarrenal é composta de duas partes: o córtex externo e a medula interna. O córtex é dividido em três zonas – a zona glomerulosa, a zona fasciculada e a zona reticular –, que produzem mineralocorticoides, glicocorticoides e androgênios, respectivamente (Fig. 18.4) (4-6). O precursor de todos os hormônios esteroides é o

TABELA 18.6

Complicações da cirurgia da tireoide

Tempestade tireoidiana: Deve ser diferenciada de hipertermia maligna, feocromocitoma e anestesia inadequada; ela se desenvolve com mais frequência em pacientes hipertireóideos não diagnosticados ou não tratados devido ao estresse da cirurgia. Obstrução das vias aéreas: Hematoma no pescoço ou traqueomalácia causando obstrução das vias aéreas. Lesão ao nervo laríngeo recorrente: rouquidão pode estar presente se o dano for unilateral, e afonia pode estar presente se o dano for bilateral. Hipoparatireoidismo: sintomas de hipocalcemia se desenvolvem dentro de 24 a 48 horas e incluem laringospasmo. TC, tomografia computadorizada. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

341

342

Fundamentos de anestesiologia clínica

Glândula suprarrenal

Sistema nervoso autônomo

Rim Hipófise anterior

ACTH

Sistema nervoso autônomo

Medula suprarrenal

Impulso nervoso

Córtex suprarrenal Corticosteroides Adrenalina Noradrenalina Vasos sanguíneos

FIGURA 18.4 O eixo hipotálamo–hipofisário controla muitas das funções da glândula suprarrenal normal. O córtex é responsivo à corticotrofina (ACTH), enquanto a medula está sob o controle do sistema nervoso autônomo. (De Hammel JA, Umpierrez GE. suprarrenal gland disorders. Em:  Felner EI, Umpierrez GF, eds. Endocrine Pathophysiology. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2014:480.)

colesterol, que é convertido em pregnenolona nas mitocôndrias, transportado para o citoplasma e convertido por várias enzimas em hormônios esteroides específicos.

Efeitos fisiológicos dos glicocorticoides A produção e a secreção dos glicocorticoides são controladas pela corticotroina (ACTH) a partir da glândula hipófise. Os glicocorticoides aumentam o catabolismo proteico, a glicogenólise e a gliconeogênese e têm efeito anti-inflamatório e anti-insulínico. Eles são necessários para que o glucagon e as catecolaminas tenham seus efeitos metabólicos, reatividade vascular normal, função neurológica e excreção de água. Os glicocorticoides também diminuem os eosinófilos e os basófilos, mas aumentam os neutrófilos, as plaquetas e as hemácias (3).

VÍDEO 18.2 Síndrome de Cushing

Excesso de glicocorticoides (síndrome de Cushing) O excesso de glicocorticoide leva à síndrome de Cushing. Esse excesso pode ser devido a um aumento na corticotropina (corticotropina dependente) ou produção aumentada pela glândula suprarrenal (corticotropina independente). A produção dependente

Capítulo 18 TABELA 18.7

Função endócrina

Manifestações do excesso de glicocorticoides em pacientes candidatos à adrenalectomia (Síndrome de Cushing)

Manifestações do excesso de glicorticoides Obesidade truncal e extremidades finas (reflete redistribuição de gordura e desgaste dos músculos esqueléticos) Osteopenia Hiperglicemia Hipertensão (retenção de líquido) Alterações emocionais Suscetibilidade à infecção De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7a ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

de corticotropina, também chamada de doença de Cushing (por motivos históricos), pode ser causada por tumores da hipófise anterior secretores de corticotropina. A corticotropina ectópica produzida por outros tumores (p. ex., nos pulmões) pode levar à síndrome de Cushing. As causas de excesso de glicocorticoide independente da corticotropina incluem tumores da suprarrenal secretores de glicocorticoides, hiperplasia da suprarrenal ou administração exógena prolongada de glicocorticoides. Devido aos efeitos catabólicos dos glicocorticoides, pacientes com síndrome de Cushing têm intolerância significativa à glicose e desenvolvem diabetes e atrofia muscular. Eles retêm água e desenvolvem hipertensão; também desenvolvem osteoporose, distribuição central de gordura e obesidade truncal clássica e podem manifestar ainda sintomas psicológicos. Implicações anestésicas para os pacientes com síndrome de Cushing submetidos a uma adrenalectomia são detalhadas na Tabela 18.7.

Deficiência de glicocorticoides (doença de Addison/ crise addisoniana) A deficiência de glicocorticoides pode ocorrer devido à insuficiência primária da suprarrenal ou ausência de corticotropina suficiente a partir da hipófise. Os pacientes podem apresentar sintomas inespecíficos (fadiga crônica, fraqueza muscular, anorexia, perda de peso, náuseas, vômitos e diarreia). A insuficiência suprarrenal crônica é diagnosticada por meio da determinação da resposta do cortisol plasmático a um teste de estimulação com corticotropina. A doença de Addison é tratada com doses diárias de glicocorticoide e mineralocorticoide exógenos. A insuficiência suprarrenal aguda (crise addisoniana) com frequência apresenta hipotensão, rebaixamento da consciência e choque e requer hidrocortisona intravenosa. Implicações perioperatórias para pacientes com crise addisoniana são detalhadas na Tabela 18.8.

TABELA 18.8

Insuficiência suprarrenal (crise addisoniana): implicações anestésicas

Quadro clínico: Na crise addisoniana, hipotensão recorrente requerendo múltiplas doses de vasopressores, hipovolemia, hipocalemia e hiponatremia. Na doença de Addison crônica devido à insuficiência suprarrenal primária é vista hiperpigmentação. Tratamento: Hidrocortisona, 100 mg IV, depois 100 mg a cada 8 h ou por infusão contínua. IV, intravenosa.

343

344

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 18.9

Farmacologia comparativa dos corticosteroides Meia-vida AntiDose equivalente plasmática Duração -inflamatório* Mineralocorticoide* aproximada (mg) (min) de ação (h)

Curta ação Cortisol (hidrocortisona)

1

1

20

90

8-12

Prednisona

4

0,25

5

60

12-36

Metilprednisolona

5

/

4

180

12-36

30

/

0,75

200

36-54

Longa ação Dexametasona

* As propriedades glicocorticoides e mineralocorticoides são consideradas equivalentes a 1. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/ Lippincott Williams & Wilkins; 2013 e Felner EI, Umpierrez GE. Endocrine Pathophysiology.Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2014; 380.

Terapia com glicocorticoide exógeno A “Regra de Cinco”: a prednisona é cinco vezes mais potente do que a cortisona; a dexametasona é cinco vezes mais potente do que a prednisona.

Os anestesiologistas devem ser familiarizados com as diferentes preparações dos esteroides sintéticos que são usados terapeuticamente (Tab. 18.9). A dexametasona, a -metasona e a triancinolona não têm atividade mineralocorticoide e são usadas geralmente devido à sua propriedade anti-inflamatória. A fludrocortisona tem 12 vezes mais atividade mineralocorticoide do que atividade anti-inflamatória e é usada para suplementar a atividade mineralocorticoide na deficiência suprarrenal. Cortisol, hidrocortisona e cortisona têm atividades mineralocorticoide e glicocorticoide iguais. A prednisona e a metilprednisolona são usadas geralmente para doenças imunológicas e inflamatórias.

Reposição de esteroides durante o período perioperatório Uma das principais consequências da administração de esteroides exógenos é a supressão do eixo hipotálamo-hipofisário (EHH) (2, 3, 7). A supressão do EHH é improvável de ocorrer em um paciente que recebeu terapia com esteroides exógenos em baixas doses por menos de uma semana. Pacientes que recebem terapia esteroide por mais de 1 a 3 semanas podem ser considerados com EHH suprimido, especialmente se estiverem recebendo mais de 15 mg/dia de prednisolona (ou doses equivalentes de outros esteroides). Podem ser necessários de 6 a 9 meses para normalizar o EHH. Se os pacientes não receberem suplementação esteroide no período perioperatório, eles podem apresentar crise addisoniana. Os pacientes que recebem até 5 mg/dia de prednisolona geralmente não requerem suplementação adicional se eles tomarem a dose matinal usual antes da cirurgia. A suplementação perioperatória dos esteroides baseia-se no estresse fisiológico esperado induzido pela cirurgia (7). Para cirurgias de alto risco, é recomendado 300 mg de hidrocortisona, dividida em três doses em 24 horas, enquanto para cirurgias de baixo risco, 25 mg na indução, seguida por 100 mg nas próximas 24 horas podem ser suficientes (Tab. 18.10).

Efeitos fisiológicos da aldosterona A aldosterona é controlada predominantemente pela angiotensina II, corticotropina e potássio sérico (ver Fig. 5.7 no Cap. 5). Mineralocorticoides, predominantemente aldosterona, são responsáveis pela absorção do sódio e água para manter o volume

Capítulo 18 TABELA 18.10

Função endócrina

345

Cobertura de esteroide suplementar

Fisiológica (abordagem de baixa dose): Cortisol, 25 mg IV antes da indução da anestesia, seguido de uma infusão contínua (100 mg IV durante 24 horas) Suprafisiológica: Cortisol 200-300 mg IV em doses divididas no dia da cirurgia IV, intravenosa. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

intravascular adequado. O volume intravascular reduzido leva a uma diminuição na pressão arteriolar aferente no néfron. Isso é sentido pelo aparelho justaglomerular, que secreta renina. A renina converte o angiotensinogênio circulante em angiotensina I, que depois é convertida em angiotensina II pela enzima de conversão da angiotensina nos pulmões. A angiotensina II é um potente estímulo para a secreção de aldosterona. A aldosterona age nos túbulos renais distais e promove a reabsorção de água e sódio, que leva à restituição do volume intravascular (ver Fig. 5.7 no Cap. 5). O sódio é trocado por potássio ou íons hidrogênio nos túbulos distais.

Excesso de mineralocorticoides O excesso de mineralocorticoides (aldosterona) leva à absorção de sódio e excreção de potássio ou íons hidrogênio nos túbulos renais (síndrome de Conn). Isso causa hipertensão, fraqueza muscular (por disfunção contrátil dos músculos esqueléticos) poliúria, tetania e alcalose hipocalêmica. O excesso de aldosterona pode ser amplamente classificado como hiperaldosteronismo primário ou secundário. No hiperaldosteronismo primário, altos níveis de aldosterona são causados por aumento da produção pelo córtex suprarrenal. O excesso de aldosterona pode ser o resultado de doença suprarrenal primária (síndrome de Conn), hiperplasia suprarrenal, adenoma ou carcinoma suprarrenal ou um distúrbio genético envolvendo a corticotropina. A atividade da renina geralmente está deprimida. No hiperaldosteronismo secundário, que é visto comumente na insuficiência cardíaca, cirrose e nefrose, o excesso de aldosterona é causado por um aumento na renina. Os rins nessas condições percebem um baixo volume intravascular e desencadeiam o aumento da liberação da renina, o que leva ao aumento da produção de angiotensina II e secreção de aldosterona. Os pacientes retêm sódio e água para compensar o baixo volume intravascular e desenvolvem edema significativo (Tab. 18.11).

B. Medula suprarrenal A medula suprarrenal produz predominantemente adrenalina e pequenas quantidades de noradrenalina e dopamina. As três catecolaminas são derivadas do aminoácido tirosina. A feniletanolamina N-metiltransferase da suprarrenal é induzida pelos glicocorticoides; assim, os glicocorticoides estão envolvidos de uma forma complexa na produção e na função das catecolaminas. Os níveis de adrenalina e de noradrenalina estão significativamente aumentados durante e após cirurgia (Fig. 18.5) (8). As catecoTABELA 18.11

Hiperaldosteronismo (síndrome de Conn): Implicações anestésicas

Quadro clínico: Hipertensão, hipocalemia, hipernatremia, hipomagnesemia, hipervolemia e supressão do eixo plasma-renina. Efeito hipocalêmico nos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes. Tratamento: Diuréticos poupadores de potássio e potencial depressão do eixo hipófise-suprarrenal pelo etomidato.

Apenas o cérebro e a glândula suprarrenal têm a enzima específica feniletanolamina N-metiltransferase, que pode converter a noradrenalina em adrenalina.

346

Fundamentos de anestesiologia clínica 0

500 1000 1500 2000 2500

0

100 200 300 400 500 1000 5000

0

100 200 300 400 500 1000 5000

Repouso supino (60) De pé quieto (40) Fumando cigarro (10) Hipoglicemia

Para < 40 mg/dL (6) 95 → 60 mg/dL (10) leve (8)

Exercício

moderado (8) intenso (8)

Cirurgia

durante (11) após (11)

Cetoacidose (10) Infarto do miocárdio (11) Feocromocitoma (16)

(5310) 0

500 1000 1500 2000 2500 Noradrenalina plasmática (pg/mL)

Adrenalina plasmática (pg/mL)

FIGURA 18.5 Níveis de noradrenalina e adrenalina no sangue venoso humano em vários estados fisiológicos e patológicos. Observe que as escalas horizontais são diferentes. Os números entre parênteses à esquerda são de indivíduos testados. Em cada caso, a linha tracejada vertical identifica o limite da concentração plasmática na qual as alterações fisiológicas detectáveis são observadas. (De Barrett KE, Barman SM, Boitano S, Brooks H. Ganong’s Review of Medical Physiology. 24th Ed. New York: McGraw Hill Professional, 2012.)

laminas têm uma meia-vida muito curta (dois minutos) e são metabolizadas em ácido vanilmandélico, metanefrinas ou normetanefrinas e excretadas na urina (Fig. 18.6). A medula suprarrenal também secreta opioides, trifosfato de adenosina e adrenomedulina (um polipeptídeo vasodepressor).

Feocromocitoma O feocromocitoma é um tumor raro da glândula suprarrenal que produz noradrenalina. Os pacientes apresentam surtos hipertensivos paroxísticos ou sustentados. Devido ao aumento da vasoconstricção, os pacientes são significativamente depletados de volume. O diagnóstico é estabelecido pela medição das catecolaminas livres e do ácido vanilmandélico em amostras de urina de 24 horas. Pacientes com feocromocitoma são manejados clinicamente antes de cirurgia eletiva. O princípio básico do manejo clínico do feocromocitoma é a redução da produção de catecolamina (metirosina) e a atenuação dos sintomas hiperadrenérgicos. Inicialmente, os ␣-bloqueadores são usados (fenoxibenzaminas, antagonistas 1) seguidos por ␤-bloqueadores (labetalol, metoprolol). Os -bloqueadores devem ser usados em conjunto com os -bloqueadores, uma vez que o -bloqueio predominante pode levar a um efeito  das catecolaminas sem oposição e piora da hipertensão (8). A cirurgia é sempre curativa. As implicações anestésicas em pacientes com feocromocitoma são detalhadas na Tabela 18.12.

V. Homeostase do cálcio O cálcio é encontrado no plasma em três estados: ligado à albumina (50%), ligado ao fosfato, ao bicarbonato e ao citrato (5-10%) e livre ionizado (40-45%) (Fig. 18.7) (3). É o cálcio ionizado que tem um papel crítico na regulação da contração muscular, coagulação, liberação de neurotransmissores e funções intracelulares de segundo mensageiro. O cálcio ionizado é regulado de forma estrita e é influenciado pelo pH e

Capítulo 18

Tirosina

Tirosina-hidroxilase

Função endócrina

Dopa

Dopa descarboxilase

Dopamina

Dopamina ␤-hidroxilase

Adrenalina

MAO COMT

Metanefrina

Feniletanolamina N-metiltransferase Ácido di-hidroximandélico

COMT

MAO

Noradrenalina

MAO COMT

Normetanefrina

MAO Ácido vanilmandélico

FIGURA 18.6 Síntese e metabolismo das catecolaminas endógenas. COMT, catecol-O-metiltransferase; MAO, monoaminoxidase. (De Schwartz JJ, Akhtar S, Rosenbaum SH. Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1327, com permissão.)

pela temperatura, que afetam a sua ligação com a albumina. A alcalose causa uma diminuição do cálcio ionizado, enquanto a acidose causa um aumento do cálcio ionizado. O hormônio da paratireoide (PTH, do inglês parathyroid hormone) é secretado pelas glândulas paratireoides e está envolvido de forma complexa na regulação do cálcio plasmático (Fig. 18.8).

Ligado a fosfato, bicarbonato e citrato

Cálcio livre ionizado

Ligado à albumina

FIGURA 18.7 O cálcio é encontrado no plasma em três estados: ligado à albumina, ligado a fosfato e ionizado.

347

348

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 18.12

Feocromocitoma

Manifestações Hipertensão (cefaleias) sustentada (ocasionalmente paroxística) Mascarada como hipertermia maligna Arritmias cardíacas Hipotensão ortostática (volume sanguíneo diminuído) Insuficiência cardíaca congestiva Miocardiopatia Manejo anestésico dos pacientes Continuar terapia clínica pré-operatória Monitoração invasiva (cateter venoso e arterial, ETE) Garantir uma profundidade adequada da anestesia antes de iniciar laringoscopia direta para intubação traqueal Manter anestesia com opioides e um anestésico volátil que não sensibilize o coração às catecolaminas Selecionar os relaxantes musculares com efeitos cardiovasculares mínimos Controlar a pressão arterial sistêmica com nitroprussiato ou fentolamina (magnésio, nitroglicerina e bloqueadores dos canais de cálcio podem ser alternativas aos vasodilatadores) Controlar as taquiarritmias com propranolol, esmolol ou labetalol Antecipar hipotensão com a ligação do suprimento sanguíneo venoso do tumor (inicialmente tratar com líquidos e vasopressores IV; infusão contínua de noradrenalina é uma opção, se necessária) IV, intravenoso; ETE, ecocardiografia transesofágica. De Endocrine function. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, eds., et al. Handbook of Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

A. Hiperparatireoidismo O excesso de PTH leva à hipercalcemia e se apresenta com poliúria, polidipsia, fraqueza muscular generalizada, fatigabilidade, úlcera péptica, constipação e queixas psiquiátricas. O hiperparatireoidismo é diagnosticado pelos níveis plasmáticos aumentados de PTH e por hipercalcemia. O hiperparatireoidismo secundário é um aumento compensatório no PTH e é visto em condições que causam hipocalcemia ou hiperfosfatemia (p. ex., insuficiência renal crônica). No hiperparatireoidismo, o tratamento da hipercalcemia é a preocupação primária. A hidratação com solução fisiológica intravenosa é o primeiro passo, seguida por diuréticos de alça. A calcitonina inibe a secreção de PTH e pode ser usada nas primeiras 24 a 48 horas. A mitramicina e os bisfosfonatos, que reduzem a reabsorção óssea, podem ser usados. A hipercalcemia grave deve ser tratada antes de cirurgia eletiva. A excisão cirúrgica da glândula paratireoide é curativa. As implicações anestésicas da hipocalcemia são detalhadas na Tabela 18.13.

B. Hipoparatireoidismo Pacientes com hipoparatireoidismo apresentam dormência, parestesia, cãibras e espasmos musculares, estado mental alterado ou distúrbios comportamentais e, raramente, convulsões ou estridor laríngeo. Insuficiência cardíaca congestiva e hipotensão também podem ocorrer. Hipocalcemia diante de PTH baixo confirma o diagnóstico. Os pacientes são tratados com cálcio exógeno, análogos da vitamina D, e, em casos graves, infusão de cálcio intravenoso. As manifestações clínicas de hipocalcemia são detalhadas na Tabela 18.14.

Capítulo 18

Função endócrina

349

Hipocalcemia

Osso ↓ Ca2 sérico

↑ Atividade osteoclástica Liberação de Ca2+ e fosfato

PTH

Glândulas paratireoides

↑ Reabsorção de Ca2+ ↑ Excreção de fosfato Ativação da vitamina D 1-hidroxilase

Rim

1,25-(OH)2-Vitamina D

25-OH-vitamina D

Intestino ↑Absorção de Ca2+ e fosfato Hipercalcemia

↑ Ca2 sérico

Calcitonina

(Acredita-se que iniba a ação do PTH, assim diminuindo o Ca2+ sérico)

Glândula tireoide

FIGURA 18.8 Metabolismo e ação do hormônio da paratireoide (PTH) e da vitamina D. 25-OH, 25-hidroxicolecalciferol; 1,25-(OH)2, 1,25-di-hidroxicolecalciferol. (De Schwartz JJ, Akhtar S, Rosenbaum SH. Endocrine function. De: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1327, com permissão.)

C. Implicações anestésicas da cirurgia da paratireoide Anestesia geral com tubo endotraqueal ou uma via aérea com máscara laríngea pode ser usada para cirurgia da paratireoide. A anestesia regional pode ser usada nas paratireoidectomias minimamente invasivas. A lesão do nervo laríngeo recorrente é uma possibilidade distinta, levando ao comprometimento das vias aéreas após a cirurgia (ver Cap. 20). A hipocalcemia devida a hipoparatireoidismo pode se desenvolver e pode ser necessário suplementação de cálcio intravenoso. TABELA 18.13

Hipertireoidismo: implicações anestésicas

Quadro clínico: Hipercalcemia, hipofosfatemia, hipovolemia, arritmias cardíacas e fraturas patológicas. 

Tratamento: A correção da hipercalcemia (Ca pré-op  14 mEq/L) pode requerer líquidos, diuréticos, diálise e medicações (calcitonina, mitramicina, bifosfonatos ou glicocorticoides). Os bloqueadores neuromusculares podem ter efeito variável devido à hipercalcemia. Acompanhar o eletrocardio grama para sinais dos níveis de Ca .

O propofol pode interferir com o exame rápido do PTH e não deve ser usado no período de 15 minutos anteriores à medida dos níveis de PTH.

350

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 18.14

Hipoparatireoidismo: manifestações clínicas

Irritabilidade neuronal Espasmos dos músculos esqueléticos Insuficiência cardíaca congestiva Intervalo QT prolongado no eletrocardiograma De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Handbook Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

VI. Diabetes melito A. Fisiologia

Nem todos os tecidos necessitam de insulina para entrada de glicose (p. ex., cérebro, fígado e células reticuloendoteliais).

O diabetes melito afeta milhões de indivíduos em todo o mundo. Ele é considerado uma disfunção primariamente do metabolismo da glicose como resultado de deficiência absoluta ou relativa (falta de afinidade) da insulina nos tecidos (3, 10). A insulina é produzida no pâncreas pelas células  nas ilhotas de Langerhans. Fatores que aumentam a secreção de insulina incluem níveis elevados de glicose plasmática, hormônios gastrintestinais (incretina), estimulação autonômica (vagal e  adrenérgica), bloqueio  e óxido nítrico. Hipoglicemia e hipocalemia diminuem a secreção de insulina. A insulina é metabolizada no fígado e nos rins. O principal efeito da insulina é aumentar a captação de glicose nas células sensíveis à insulina (esqueleto e tecido adiposo). No caso de ausência absoluta ou falta de insulina efetiva, os lipídeos e as proteínas são degradados para produzir glicose e, como subproduto, são geradas cetonas (cetoácidos). A secreção ou a ação da insulina é oposta por hormônios contrarregulatórios (glucagon, glicocorticoides, catecolaminas, hormônio do crescimento) e citocinas, que geralmente são liberados em situações de estresse (trauma, cirurgia, sepse) e levam à hiperglicemia induzida por estresse. A hiperglicemia (definida como glicose 180 mg/dL) leva à diurese osmótica e a distúrbio dos líquidos e eletrólitos. O diabetes é associado com doenças micro e macrovascular, neuropatia, nefropatia, retinopatia, comprometimento da cicatrização de ferimentos e imunodeficiência.

B. Classificação O diabetes é classificado em quatro amplas categorias: tipo 1, tipo 2, diabetes gestacional e diabetes por outras causas (Tab. 18.15) (3, 9). O diabetes tipo 1 resulta de uma falta absoluta de insulina, geralmente por uma destruição autoimune das ilhotas de Langerhans. Ela se apresenta no início da vida e requer o uso de insulina exógena. Esses pacientes também são propensos à cetoacidose diabética. O diabetes tipo 2 responde por 90% de todos os casos de diabetes. Os pacientes geralmente são mais velhos e obesos e desenvolvem resistência aos efeitos da insulina. Inicialmente, a hiperglicemia causa um aumento compensatório na produção de insulina. À medida que a doença progride, muitos pacientes requerem insulina exógena para controlar a hiperglicemia.

C. Diagnóstico Uma glicose sanguínea de jejum  100 mg/dL é considerada normal, enquanto uma glicose de jejum  126 mg/dL em duas ocasiões confirma o diagnóstico de diabetes (Tab. 18.15) (9, 10). Pacientes com glicemia de jejum entre 101 e 125 mg/dL são considerados pré-diabéticos. Um teste de tolerância à glicose anormal ou uma hiper-

Capítulo 18 TABELA 18.15

Função endócrina

Classificação e diagnóstico do diabetes melito

Classificação Tipo 1 (insulino-dependente) Início na infância Magro Propensão à cetoacidose Sempre requer o uso de insulina exógena Tipo 2 (não insulino-dependente) Início na idade madura Obeso Não propenso à cetoacidose Pode ser controlado com dieta ou hipoglicemiantes orais Diabetes gestacional Pode ser presságio de futuro diabetes melito tipo 2 Diabetes por outras causas Cirurgia pancreática Pancreatite crônica Doenças endócrinas (feocromocitoma, acromegalia, doença de Cushing, esteroides exógenos) Tratamento de HIV/AIDS Diagnóstico Hemoglobina A1c ≥ 6,5% Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL (7,0 mmol/L) Glicemia plasmática 2 horas pós-prandial ≥ 200 mg/dL (11,1 mmol/L) Glicemia plasmática aleatória ≥ 200 mg/dL (11,1 mmol/L) em um paciente com sintomas de hiperglicemia De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Handbook Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

glicemia grave ( 200 mg/dL) na presença dos sintomas clássicos de hiperglicemia também preenchem os critérios para diabetes (3, 9). Um nível de hemoglobina A1c de  6,5 suporta fortemente o diagnóstico de diabetes e requer confirmação.

D. Tratamento Os diabéticos do tipo 1 requerem insulina e podem ser manejados com a insulina de longa ação, com a insulina de curta ação, usada de forma intermitente, ou com uma bomba de insulina. Os diabéticos do tipo 2 podem ser manejados inicialmente com dieta e exercício. Os hipoglicemiantes orais que aumentam a secreção de insulina (sulfonilureia) diminuem a produção de glicose hepática (biguanidas), aumentam a sensibilidade periférica à insulina (glitazonas) ou melhoram ou imitam a ação dos hormônios gastrintestinais que aumentam a secreção de insulina, podendo ser usados em combinação com a insulina exógena para controlar a hiperglicemia.

E. Manejo anestésico O diabetes está associado com doença micro e macrovascular, neuropatia, nefropatia, retinopatia e comprometimento da cicatrização dos ferimentos (2, 3). Esses pacientes são particularmente propensos à doença arterial coronariana, doença cerebrovascular e doença vascular periférica. Eles têm uma maior incidência de eventos cardiovasculares adversos importantes perioperatórios. O manejo de um hipoglicemiante oral e um esquema de insulina é de particular preocupação no período perioperatório,

351

352

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 18.16

Avaliação pré-operatória do diabetes melito

História e exame físico (detecta sintomas de doença cerebrovascular, doença da artéria coronária, neuropatia periférica) Exames laboratoriais (eletrocardiografia; níveis de glicose sanguínea, creatinina e potássio; sumário de urina [glicose, cetonas e albumina]) Evidência de síndrome de rigidez articular, laringoscopia difícil Evidência de neuropatia do sistema nervoso autônomo cardíaco (taquicardia de repouso, hipotensão ortostática) Evidência de neuropatia do sistema nervoso autônomo vagal (gastroparesia com esvaziamento lento de sólidos [metoclopramida pode ser útil], mas provavelmente não de líquidos claros) Neuropatia autonômica predispõe o paciente à hipotermia intraoperatória. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Handbook Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

uma vez que o estado de jejum impacta significativamente o consumo exógeno da glicose (Tab. 18.16). Os hipoglicemiantes orais não são administrados no dia da cirurgia e são suspensos até que o paciente volte a se alimentar. O esquema de insulina precisa ser modificado no período perioperatório. Inicialmente, o controle rígido da glicose foi advogado por alguns especialistas. Contudo, devido ao risco significativamente aumentado de hipoglicemia e nenhum benefício substancial do controle rígido da glicose ( 110 mg/dL) quando comparado com um controle mais modesto (140-180 mg/dL), um controle rígido da glicose não é mais indicado. Atualmente é recomendado manter os níveis de glicose  180 mg/dL no período perioperatório. A monitoração frequente da glicose é recomendada para prevenir hipoglicemia inadvertida (Tab. 18.17).

F. Emergências diabéticas A hipoglicemia grave (glicose sanguínea  60 mg/dL) requer uma resposta rápida (3, 9). Os fármacos anestésicos e adjuvantes (p. ex., -bloqueadores) podem obscurecer os sinais de uma reação hipoglicêmica (Tab. 18.17). As duas outras emergências com risco de vida especificamente relacionadas ao diabetes também são encontradas nesses pacientes. A falta de insulina leva à má utilização de glicose por tecidos dependentes de insulina, e o corpo responde pela geração de fontes alternativas de energia. A quebra dos lipídeos leva à formação e acúmulo de cetoácidos, que causa acidose metabólica grave diante de hiperglicemia. Essa condição é chamada cetoacidose diabética e é uma emergência metabólica (Tab. 18.17). Tem uma mortalidade significativa se não for reconhecida e tratada imediatamente. Basicamente, a cetoacidose diabética é manejada pela administração rápida de líquidos e terapia insulina exógena. A hiperglicemia grave ( 600 mg/dL) sem cetoacidose também pode ocorrer (estado hiperglicêmico hiperosmolar ou coma hiperglicêmico não cetótico). Isso geralmente ocorre em pacientes mais velhos que têm alguma insulina que atenua a degradação da gordura e formação das cetonas. Apesar de a acidose metabólica devido à cetoacidose não ocorrer, diurese osmótica, distúrbios de líquido e eletrólitos e hiperosmolaridade grave levam à alteração do estado mental e ao coma. O tratamento é hidratação e terapia insulínica. A cetoacidose diabética e o estado hiperglicêmico hiperosmótico devem ser tratados antes da cirurgia eletiva. As implicações anestésicas das emergências diabéticas são detalhadas na Tabela 18.17.

Capítulo 18 TABELA 18.17

Função endócrina

Emergências diabéticas

Hipoglicemia Quadro clínico: Paciente alerta (glicemia  60 mg/dL) a comatoso (glicemia  40 mg/dL). Convulsões podem estar presentes na hipoglicemia grave (glicemia  30 mg/dL). Tratamento: Hipoglicemia moderada a grave: Glicose 25 gr IV (1 amp de glicose a 50%) seguido de solução de glicose a 5% ou a 10%. Continuar a monitorar e tratar a glicose sanguínea até  100 mg/dL. Se sem IV, glucagon 1 mg intramuscular. Submanifestações de coma hiperosmolar não cetótico Quadro clínico: Estado mental alterado, delirium, coma, convulsões, desidratação. Tratamento: Reposição considerável de líquidos e eletrólitos, terapia com insulina (insulina regular); instabilidade hemodinâmica e diminuição dos reflexos das vias aéreas podem estar presentes. Manifestações de coma hiperosmolar não cetótico Pacientes idosos com comprometimento do mecanismo da sede Diabetes mínimo ou leve Hiperglicemia profunda ( 600 mg/dL) Ausência de cetoacidose Hiperosmolaridade (convulsões, coma, trombose venosa) Manifestações de cetoacidose diabética Acidose metabólica Hiperglicemia (300-500 mg/dL) Desidratação (diurese osmótica e vômitos) Hipocalemia (manifesta-se quando a acidose é corrigida) Fraqueza dos músculos esqueléticos (hipofosfatemia com correção da acidose) Manejo da cetoacidose diabética 10 U IV de insulina regular seguida por infusão IV contínua (insulina em U/h  glicose sanguínea/150) Líquidos IV (isotônicos) como orientado pelos sinais vitais e débito urinário (antecipado em 4-10 L de déficit) 10-40 mEq/h IV de cloreto de potássio quando o débito urinário excede 0,5 mL/kg/h Glicose a 5% 100 mL/h quando a concentração de glicose sérica diminui para  250 mg/dL Considerar bicarbonato de sódio IV para corrigir pH abaixo de 6,9 IV, intravenoso. De Endocrine function. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Handbook Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

VII. Resposta endócrina à cirurgia Trauma, cirurgia e estresse psicológico produzem uma ativação generalizada do sistema neuroendócrino (3, 10). Os níveis plasmáticos das catecolaminas, vasopressina, cortisol e glucagon se elevam significativamente. Isso leva à hipertensão, taquicardia, retenção de líquidos e hiperglicemia induzida por estresse. A degradação das proteínas é considerável após cirurgia e trauma. Concomitantemente, as endorfinas endógenas são liberadas para contrabalançar a resposta ao estresse, dor e alguns dos efeitos hiperadrenérgicos dos estados pós-operatórios. Anestesia geral com anestesia regional pode atenuar essa resposta ao estresse em uma extensão variável no perioperatório. A resistência à insulina é vista por até 10 a 14 dias após uma cirurgia maior; portanto, o paciente pode requerer uma maior dose de insulina do que recebeu no pré-operatório. Por fim, um bom controle da dor também pode ajudar a atenuar alguns aspectos da resposta ao estresse e na recuperação inicial.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Referências 1. Barret KE, Boitano S, Barman SM, et al. Basic concepts of endocrine regulation. In: Ganong’s Review of Medical Physiology. 24th ed. New York: McGraw-Hill; 2012: 299–306. 2. Russell TW. Endocrine disease. In: Hines RL, Marschall KE, eds. Stoelting’s Anesthesia and Co-existing Disease. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2012:376–406. 3. Schwartz J, Akhtar S, Rosenbaum SH. Endocrine function. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1326–1372. 4. Felner EI, Umpierrez GE. Endocrine Pathophysiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2014:480. 5. Molina PE. Adrenal gland. In: Endocrine Physiology. 4th ed. New York: McGraw-Hill; 2013:49–72. 6. White BA, Portfield SP. The adrenal gland. In: Endocrine and Reproductive Physiology. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2013:147–176. 7. Coursin DE, Wood KE. Corticosteroid supplementation for adrenal insufficiency. JAMA. 2002;287:236–240. 8. Deegnan RJ, Furman WR. Cardiovascular manifestations of endocrine dysfunction. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2011;25:705–720. 9. Inzucchi SE. Diabetes facts and guidelines 2011–2012. For hardcopy email YDCbooklets @ironmountain.com. For PDF version http://endocrinology.yale.edu/patient/314_ 50135_YaleNationalF.pdf. 10. Akhtar S, Barash, PG, Inzucchi SE. Perioperative hyperglycemia: Scientific principles, clinical applications. Anes Analg. 2010;110:478–497.

Capítulo 18

355

Função endócrina

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A hipoglicemia no paciente anestesiado: A. É facilmente reconhecida sob anestesia geral B. É confundida com “anestesia leve” C. É definida como uma glicemia  80 mg/dL D. Raramente se apresenta em pacientes com insuficiência renal e diabetes

6. Na clínica pré-anestésica, você avalia a paciente a seguir. Quais resultados dos seguintes testes de função tireoidiana pertencem a essa paciente?

2. Qual dos seguintes itens é responsável pelo aumento do Ca sérico ionizado? A. Aumento da albumina sérica B. Alcalose respiratória C. Hipomagnesemia aguda D. Hiperfosfatemia 3. Qual dos seguintes é o corticosteroide anti-inflamatório mais potente? A. Cortisol B. Prednisona C. Dexametasona D. Triancinolona 4. Qual dos seguintes é o mineralocorticoide mais potente? A. Cortisol B. Prednisona C. Dexametasona D. Triancinolona 5. Você avalia um homem de 65 anos na pré-anestesia, que está agendado para uma colecistectomia laparoscópica. Ele tem uma história de diabetes melito (metformina), hipertensão (hidroclorotiazida), fibrilação atrial (amiodarona) e depressão (sertralina). Ele observa um ganho de peso de 9 kg e fraqueza muscular. Seus exames laboratoriais documentam uma elevação acentuada do hormônio estimulante da tireoide. Qual fármaco é mais provável de ser responsável por esse achado? A. Metformina B. Hidroclorotiazida C. Sertralina D. Amiodarona

(De Felner EI, Umpierrez GE. Endocrine Pathophysiology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2014:480.)

Hormônio Tiroxina Tri-iodotironina estimulante livre (T4) livre (T3) da tireoide A







B







C







D







7. Pacientes com hipotireoidismo leve a moderado: A. Podem ser anestesiados com segurança sem suplemento tireoidiano pré-operatório B. São muito sensíveis aos efeitos sedativos dos anestésicos C. Que têm doença das artérias coronárias necessitam de reposição tireoidiana urgente D. Têm grande risco de necessitar suporte ventilatório pós-operatório

356

Fundamentos de anestesiologia clínica

8. Uma mulher de 45 anos se apresenta na consulta pré-anestésica com a seguinte cintilografia com sestamibi. Com base no exame, qual dos seguintes é o procedimento cirúrgico adequado?

10 minutos

2 horas

A. Esse é uma cintilografia normal; nenhuma cirurgia é indicada B. Tireoidectomia C. Paratireoidectomia direita D. Tireoidectomia direita subtotal e paratireoidectomia combinadas

9. Um homem de 35 anos com diabetes tipo 1 está na unidade de cuidados pós-anestésicos após uma fusão lombossacral. Ele tem convulsão com uma glicemia de 35 mg/dL e cetonas séricas elevadas. Das seguintes, qual é a causa mais provável dessas anormalidades bioquímicas? A. Insulinoma B. Hiperinsulinismo C. Insuficiência suprarrenal D. Hipertireoidismo 10. Uma mulher de 40 anos se apresenta para tireoidectomia por doença de Graves. Seu preparo pré-operatório deve incluir: A. Administração de iodeto de potássio mais propranolol por 10 dias B. Um curso de 1 semana de tiroxina (T4) C. Um curso de três dias de propiltiouracil D. Tratamento com iodo-131

Anestesia geral Mark C. Norris Roya Saffary

A sala de cirurgia é um ambiente complexo, cheio de luzes brilhantes, instrumentos afiados e equipamento elaborado, com pessoas que falam uma língua estranha (Tab. 19.1). A cirurgia moderna é capaz de remover, reparar ou até mesmo substituir praticamente todas as partes do corpo. A anestesia torna essas intervenções possíveis, mas a anestesia em si pode ser complicada e confusa. Este capítulo acompanha um paciente “típico”* no planejamento e na condução de uma anestesia geral, com destaque para as muitas decisões envolvidas. O propósito deste capítulo é desmitificar os cuidados anestésicos e proporcionar uma compreensão básica dos passos envolvidos no planejamento e na condução de um procedimento seguro.

19 VÍDEO 19.1 Anestesia geral: um exemplo

I. Finalidade/objetivos de uma anestesia A. O que é uma anestesia A anestesia geral é um processo no qual o paciente fica inconsciente de maneira reversível e controlada. Os anestésicos induzem à inconsciência por meio de sua ligação a receptores específicos no cérebro como um todo, no tronco cerebral e na medula espinal. Novas evidências sugerem que os anestésicos interrompem as redes neurais que fundamentam a consciência. Os anestésicos gerais também produzem imobilidade. Embora os anestésicos mais provavelmente tornem os pacientes inconscientes devido a sua ação sobre o cérebro, a imobilidade parece resultar de efeitos sobre o tronco cerebral. Algumas cirurgias requerem o relaxamento muscular esquelético. A paralisia muscular completa pode produzir imobilidade em resposta à estimulação cirúrgica, embora a paralisia sem perda de consciência possa levar a uma lembrança consciente – uma complicação incomum, mas potencialmente aterrorizante. Além disso, o relaxamento muscular proporciona as condições ideais para a intubação traqueal e melhora a exposição cirúrgica durante os procedimentos intra-abdominais e intratorácicos. Embora o paciente não se mova, o corpo pode montar uma resposta simpática forte à estimulação cirúrgica composta por hipertensão, taquicardia e taquipneia. O último elemento da anestesia geral tem por objetivo controlar essas alterações. Alguns fármacos fornecem todos os elementos da anestesia, enquanto outros têm papéis mais específicos. A Tabela 19.2 mostra as ações de alguns dos fármacos anestésicos mais comumente usados.

* N. de R.T. Paciente sem comorbidades ou ocorrências particulares.

Os anestésicos mais provavelmente produzem inconsciência atuando sobre o cérebro. No entanto, a imobilidade parece resultar de seus efeitos sobre o tronco cerebral.

358

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 19.1

Termos comuns e acrônimos relacionados à anestesia

Termo/acrônimo

Definição

CAM

Concentração alveolar mínima: a concentração de anestésico inalatório que manterá a metade dos pacientes imóveis em resposta à estimulação cirúrgica. Noventa e cinco por cento dos pacientes estarão imobilizados com 1,3 CAM.

CAM

Cuidado anestésico monitorado: monitoramento somado a quantidades variáveis de sedação.

TIVA (do inglês total intravenous anesthesia)

Anestesia intravenosa total

AG

Anestesia geral

Reversão

Uma combinação de fármacos anticolinesterásicos e anticolinérgicos usada para terminar os efeitos de certos fármacos paralisantes

ML

Via aérea com máscara laríngea

TET

Tubo endotraqueal

TOF

Train-of-four: uma medida do grau de bloqueio neuromuscular

SRPA

Sala de recuperação pós-anestésica

B. Quem aplica a anestesia? Existem diversos profissionais médicos que podem ser encontrados em uma situação anestésica (Tab. 19.3). Essas pessoas são conhecidas como fornecedores qualificados de cuidados anestésicos e têm formações e treinamentos diferentes, podendo trabalhar sozinhos ou como parte de uma equipe de anestesia. *

C. Quais são os riscos da anestesia?

A consciência durante a anestesia é rara, ocorrendo em cerca de 1 em 10.000 casos.

A maioria dos formulários de consentimento anestésico informado inclui uma lista de possíveis complicações. Algumas delas, tais como dor de garganta e náusea ou vômito pós-operatório, são comuns, mas transitórias. Outras, como danos dentários ou abrasão de córnea, são menos comuns, mas autolimitadas ou reparáveis. Algumas, incluindo a consciência intraoperatória, dano cerebral ou morte, são raras, mas catastróficas. Cerca de 1 em 10.000 pacientes estarão conscientes durante a anestesia. Os pacientes com um episódio prévio de consciência com lembrança apresentam um risco maior dessa complicação após uma anestesia subsequente (1). A morte devida unicamente à anestesia é muito rara, ocorrendo em menos de 1 em 100.000 anestesias.

II. Avaliação pré-operatória A. Avaliação do paciente A cirurgia causa estresse ao organismo, e os anestésicos têm efeitos fisiológicos significativos. Portanto, antes de administrar qualquer anestésico, o anestesiologista avalia o paciente, procurando por problemas que possam aumentar o risco. Essa avaliação requer o conhecimento das condições clínicas e cirúrgicas pregressas e atuais do paciente. A avaliação pré-operatória pode ser preenchida por um anestesiologista, por uma enfermeira em um ambulatório de avaliação pré-anestésica ou por uma entrevista por * N. de R. T. No Brasil, os cuidados anestésicos são reservados apenas a profissionais médicos com formação específica em anestesiologia.

Capítulo 19 TABELA 19.2

Anestesia geral

359

Ações de fármacos anestésicos comumente usados

Fármaco

Amnésia/ inconsciência

Supressão dos reflexos Imobilidade Relaxamento muscular simpáticos

⫹⫹⫹

⫹⫹⫹

⫹ (Relaxamento muscular dose-dependente. Uma pressão arterial inaceitavelmente baixa pode acompanhar o relaxamento profundo.)

⫹ (Dose-dependentes. Isoflurano e desflurano podem, inicialmente, produzir taquicardia.)

⫹/⫺ (Não suficientemente potente para produzir anestesia, mas pode suplementar os agentes potentes.)

⫹/⫺





⫹⫹⫹

⫹⫹⫹



⫹/⫺ (Alguma eficácia em doses mais altas.)

Paralisantes (succinilcolina, atracúrio, rocurônio)





⫹⫹⫹



Opioides (fentanil, remifentanil, hidromorfona, etc.)

⫺ (Não produzem inconsciência ou imobilidade, mas potencializam os efeitos de anestésicos inalatórios e intravenosos.)



Fármacos simpaticolíticos (labetalol, esmolol, metoprolol)





Agentes inalatórios potentes (isoflurano, sevoflurano, desflurano)

Óxido nitroso

Anestésicos intravenosos (propofol, barbitúricos, benzodiazepínicos, cetamina)

⫺ (Fentanil e remifentanil podem causar rigidez da parede torácica.)



⫹ (efeito fraco), ⫹⫹ (efeito moderado), ⫹⫹⫹ (efeito forte), – (sem efeito).

telefone, ou pelo paciente por meio de um questionário na Internet. Em muitos centros, pacientes saudáveis que se apresentam para cirurgia ambulatorial e quaisquer pacientes que necessitam de uma cirurgia de emergência podem ser avaliados no dia da cirurgia. A avaliação pré-anestésica começa com a queixa principal. Nesse caso, qual a cirurgia necessária e por quê. Embora essa informação deva estar disponível no prontuário médico, a confirmação do local e lado da cirurgia diretamente com o paciente é uma salvaguarda importante contra realização de cirurgia no lado ou local errado. A seguir, é revisada a idade do paciente, bem como seu peso e altura. Extremos em qualquer um desses valores podem dar origem a preocupações específicas (ver Cap. 28 e 33). A revisão da história cirúrgica do paciente pode alertar o anestesiologista para problemas clínicos significativos. Perguntas sobre anestesias anteriores podem ajudar a prever uma via aérea difícil, náuseas e vômitos e outras complicações possíveis. Mesmo que um paciente nunca tenha passado por uma anestesia, a história familiar pode revelar hipertermia maligna, deficiência de pseudocolinesterase ou outros

⫹⫹ (Opioides de longa ação também podem fornecer analgesia pós-operatória.) ⫹⫹ (Sem efeitos analgésicos, mas podem embotar a resposta hemodinâmica à estimulação cirúrgica.)

360

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 19.3

Quem é quem na sala de cirurgia

Administradores qualificados de anestesia1

Treinamento

Papel

Anestesiologista (MD/DO)

Grau de bacharel ⫹ faculdade de Medicina ⫹ 1 ano de internato ⫹ 3 anos de residência ⫹/⫺ 1 ou 2 anos de fellowship

Pode fornecer pessoalmente os cuidados anestésicos ou pode coordenar “medicamente” até quatro administradores qualificados de anestesia ou dois estagiários

Enfermeira anestesiologista (CRNA)

Grau de bacharel em enfermagem (BSN), pelo menos 1 ano de experiência em cuidados críticos de enfermagem ⫹ 2 ou 3 anos de programa de enfermagem em anestesia

Dependendo do estado, pode fornecer pessoalmente cuidados anestésicos, mas deve ser supervisionado por um médico (isto é, um cirurgião) ou pode ser orientado diretamente por um anestesiologista como um membro da equipe de cuidados anestésicos

Anestesiologista assistente (AA)

Os AAs trabalham somente Grau de bacharel ⫹ 2 sob direção médica de um a 3 anos participando anestesiologista, como do programa de membros da equipe de mestrado em ciências cuidados anestésicos médicas

Organização profissional American Society of Anesthesiologists (www. asahq.org)

American Association of Nurse Anesthetists (www. aana.com)

American Academy of Anesthesiologist Assistants (www. anesthetist.org)

MD, Doctor of Medicine; DO, Doctor of Osteophatic Medicine; CRNA, Certified Registered Anesthesist; BSN, Bachelor of Science in Nursing.

problemas hereditários. O anestesiologista também verifica a lista de medicamentos e alergias do paciente e faz perguntas direcionadas sobre os problemas clínicos do paciente e revisão de sistemas. No dia da cirurgia, o anestesiologista revisa a história do paciente e conduz um exame físico focado com ênfase no coração, nos pulmões, na via aérea e, quando está planejada uma anestesia regional, no local de aplicação desta anestesia. A maioria dos pacientes só necessita de uma história e exame físico focados antes de se submeter à anestesia. Alguns, em decorrência de doenças coexistentes, e outros, devido à cirurgia proposta, necessitarão de uma avaliação adicional. A duração do jejum (NPO) necessário antes de uma anestesia depende do tipo de alimento ou líquido ingerido. Para líquidos claros, o jejum é de duas horas, mas para alimentos gordurosos, o jejum deve durar pelo menos oito horas.

B. Plano anestésico A anestesia muitas vezes é interpretada como “fazer o paciente dormir”. No entanto, existem várias maneiras de administrar anestesia. A escolha da melhor abordagem requer a compreensão do paciente como um todo, sua história clínica e o procedimento proposto. De modo ideal, um anestésico deve produzir a menor transgressão fisiológica, condições cirúrgicas ideais e uma recuperação confortável e rápida.

C. Estado nil per os ou nada pela boca A anestesia geral e a sedação dos pacientes os deixam em risco de regurgitação e aspiração dos conteúdos gástricos. Essa complicação pode levar a problemas que vão desde pneumonite química leve e pneumonia até o óbito (ver Cap. 40). Para minimizar esse risco, o paciente deve ficar em jejum antes de uma anestesia eletiva. A duração do

Capítulo 19 TABELA 19.4

Anestesia geral

Duração do jejum pré-operatório

Duração do jejum

Tipo de alimento ou líquido

≥2h

Líquidos claros

≥4h

Leite materno

≥6h

Fórmula láctea Refeição leve Leite não humano

≥8h

Alimento frito ou gorduroso

De Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacologic agents to reduce the risk of pulmonary aspiration: Application to healthy patients undergoing elective procedures: An updated report by the American Society of Anesthesiologists Committee on Standards and Practice Parameters. Anesthesiology. 2011;114:495–511, com permissão.

jejum (nada pela boca ou nil per os [NPO]) depende do tipo de alimento ou líquido ingerido (Tab. 19.4). A despeito dessas diretrizes de NPO, os pacientes podem tomar medicamentos orais com um pequeno gole de água no dia da cirurgia (ver Cap. 16). Existem exceções para essas regras. As cirurgias de emergência devem começar independentemente da duração do jejum. Pacientes de trauma, aqueles com dor grave e aqueles com náuseas e vômitos ou obstrução intestinal podem estar com seus estômagos cheios, independentemente do tempo que em estiveram em jejum. Para esses pacientes, o anestesiologista pode escolher uma indução em “sequência rápida” para assegurar rapidamente a via aérea, minimizando o risco de aspiração. Além disso, na gravidez, devido a alterações fisiológicas, as pacientes são tratadas como se tivessem estômago cheio, independentemente da sua última ingestão de alimentos ou líquidos (ver Cap. 31).

D. Consentimento informado O último passo na avaliação pré-operatória é a obtenção do consentimento informado, que deve ser orientado para os riscos e as preocupações específicas do paciente. Divulgue os riscos pertinentes e permita que o paciente faça perguntas. Em alguns casos (quando o paciente é menor de idade), um representante legal ou procurador para questões médicas dará o seu consentimento. De qualquer modo, é importante que o paciente compreenda e concorde com o plano anestésico. Raramente, em uma emergência com risco para a vida, a anestesia e cirurgia podem prosseguir sem o consentimento informado.

E. Pré-medicação Muitos pacientes ficam ansiosos quando estão sendo preparados para uma cirurgia. Uma consulta pré-operatória completa com um anestesiologista é a melhor maneira de aliviar a ansiedade de um paciente (2). Além disso, os pacientes por vezes recebem uma pequena dose de benzodiazepínico por via intravenosa (isto é, midazolam) para uma ansiólise adicional antes de entrar na sala de cirurgia. O midazolam deve ser usado com cuidado. Pacientes excessivamente sedados podem não cooperar com a movimentação e posicionamento na sala de cirurgia. Em regimes ambulatoriais, doses pequenas de midazolam já são capazes de retardar a alta. Os idosos são especialmente sensíveis a seus efeitos sedativos.

III. Manejo intraoperatório Embora as complicações possam ocorrer em qualquer momento durante a anestesia, a indução e o despertar são especialmente preocupantes. Durante a indução, o anestesiologista administra medicamentos que deixam o paciente inconsciente e têm efeitos cardíacos

361

362

Fundamentos de anestesiologia clínica e respiratórios significativos. Os anestésicos podem reduzir a pressão arterial do paciente, dilatando as artérias e (principalmente) as veias, deprimindo a função cardíaca, ou ambos. Pacientes inconscientes apresentam uma diminuição do tônus muscular da via aérea superior, o que pode obstruir a respiração. Muitos anestésicos atuam no tronco cerebral para reduzir o estímulo respiratório. Os agentes paralisantes afetam diretamente os músculos respiratórios. O anestesiologista avalia e minimiza esses efeitos com monitoramento cuidadoso e intervenções apropriadas.

A. Monitoração

Usando um padrão de estímulo train-of-four durante o início da paralisia muscular com um agente adespolarizante, os quatro estímulos diminuem ou desaparecem ao mesmo tempo. No entanto, quando os efeitos relaxantes musculares desaparecem, as contrações reaparecem gradualmente, iniciando com apenas uma contração.

Como a maioria dos anestésicos deprime a função cardiorrespiratória e a cirurgia pode aumentar a frequência cardíaca e a pressão arterial, os anestesiologistas usam métodos não invasivos e invasivos para monitoração do paciente. A monitoração mais importante é observar o paciente para ajudar a avaliar a oxigenação e perfusão, escutar os sons respiratórios para detectar problemas nas vias aéreas, broncoespasmo e edema pulmonar e tocar a pele do paciente em busca de pistas sobre a perfusão e temperatura corporal. Os monitores não invasivos de rotina incluem eletrocardiograma, pressão arterial, oximetria de pulso, capnografia e temperatura. O eletrocardiograma fornece informações sobre a frequência e o ritmo cardíaco e pode detectar isquemia miocárdica. A pressão arterial pode variar, dependendo da profundidade da anestesia, grau de estimulação cirúrgica e estado de volume do paciente. A oximetria de pulso fornece informações críticas sobre a adequação da oxigenação e detecta a frequência do fluxo sanguíneo pulsátil. A capnometria e a capnografia detectam a presença e adequação da ventilação. Por último, as mudanças na temperatura corporal ocorrem rotineiramente durante a anestesia, e hipotermia e hipertermia são possíveis. Quando são usados agentes paralisantes durante uma cirurgia, a função neuromuscular deve ser avaliada com um monitor de contração. Esse dispositivo consiste em um par de eletrodos posicionados sobre um nervo motor (geralmente o nervo ulnar ou facial). Os eletrodos são ligados a um dispositivo que proporciona um estímulo elétrico reproduzível. O padrão de estímulo mais comumente usado é chamado de train-of-four (TOF) e consiste em quatro impulsos iguais liberados em intervalos de meio segundo. Em pacientes com função neuromuscular normal, esses quatro impulsos provocarão quatro contrações musculares iguais. A estimulação do nervo ulnar desencadeará a flexão dos dedos e adução do polegar. Se os eletrodos estiverem posicionados sobre o nervo facial, o músculo orbicular do olho fará o paciente piscar. Durante o início da paralisia muscular, as quatro contrações diminuirão ao mesmo tempo e podem desaparecer completamente. Quando os efeitos do relaxante muscular adespolarizante começam a diminuir, as contrações musculares reaparecem em um padrão diferente. Inicialmente, reaparecerá apenas a primeira contração. Com a recuperação da função neuromuscular, as demais contrações reaparecem. Contudo, a primeira contração (T1) é mais forte do que as contrações subsequentes. A razão entre a quarta contração (T4) e T1 é uma medida da função neuromuscular. Quando T4: T1 é ≥ 0,9, o paciente deve ser capaz de respirar normalmente e apresentar reflexos da via aérea superior intactos (ver Cap. 11). A recuperação incompleta da função neuromuscular é comum e está associada a hipóxia, obstrução das vias aéreas e a um risco aumentado para complicações pulmonares pós-operatórias (3). Algumas cirurgias têm um risco de perda maior de sangue. Pacientes hemodinamicamente instáveis podem ser sensíveis aos efeitos de fármacos anestésicos. Nessas situações, o anestesiologista pode escolher métodos invasivos, como cateteres intra-arteriais, para a monitoração da pressão arterial, cateteres venosos centrais ou de artéria pulmonar para seguir as alterações do volume sanguíneo e débito cardíaco, bem como a ecocardiografia transesofágica para avaliar o enchimento e a função cardíaca.

Capítulo 19

Anestesia geral

363

Lista de verificação de segurança cirúrgica (primeira edição) Antes da indução anestésica SIGN IN O paciente confirmou • Identidade • Local • Procedimento • Consentimento Local marcado/não aplicável Verificação da lista de segurança da anestesia completada Oxímetro de pulso está no paciente e em funcionamento O paciente tem: Alergias conhecidas Não Sim Via aérea difícil/risco de aspiração Não Sim, e equipamento/assistência disponível Risco de perda sanguínea > 500 mL (7 mL/kg em crianças)? Não Sim, e acesso intravenoso adequado e administração de líquidos planejada

Antes da incisão da pele TIME OUT Confirmar que todos os membros da equipe se apresentaram indicando seu nome e função

Antes que o paciente deixe a sala de cirurgia SIGN OUT A enfermeira confirma verbalmente com a equipe: O nome do procedimento registrado

O cirurgião, o anestesiologista e a enfermeira confirmaram verbalmente • Paciente • Local da cirurgia • Procedimento Antecipação de eventos críticos

Que as contagens do instrumental, compressas e agulhas estão corretas (ou não aplicáveis) Como as amostras estão rotuladas (incluindo o nome do paciente)

O cirurgião revisa quais os passos críticos ou fora da rotina, duração da cirurgia, perda sanguínea prevista

Se existem problemas com os equipamentos a serem resolvidos

A equipe de anestesia revisa: há alguma preocupação específica com o paciente?

O cirurgião, o anestesiologista e a enfermeira revisam os fatores principais para a recuperação e o manejo do paciente

A equipe de enfermagem revisa: a esterilização (incluindo os indicadores de resultado) foi confirmada? Existem problemas com os equipamentos/ dispositivos ou qualquer outra preocupação? A profilaxia antibiótica foi administrada dentro dos últimos 60 minutos? Sim Não aplicável Os exames de imagem estão visíveis? Sim Não aplicável

ESSA LISTA DE VERIFICAÇÃO NÃO PRETENDE SER COMPLETA. ACRÉSCIMOS E MODIFICAÇÕES PARA QUE ELA SE AJUSTE À PRÁTICA LOCAL SÃO ENCORAJADOS.

FIGURA 19.1 Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization Surgical Safety Checklist). Disponível em: http://www.who.int/patientsafety/safesurgery/tools_resources/SSSL_Checklist_finalJun08.pdf?ua=1.

B. Time out Cirurgias do lado errado, no local errado e no paciente errado ainda ocorrem. Foi desenvolvido um protocolo universal pela Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations e diversas organizações profissionais para ajudar a prevenir esses erros. Embora cada instituição tenha sua própria versão do protocolo universal, três elementos permanecem como padrão. Primeiro, uma verificação que antecede o procedimento confirma a identidade do paciente, o tipo de cirurgia e o local ou lado do procedimento. Em segundo lugar, o médico que faz a cirurgia ou procedimento coloca uma marcação claramente visível e distinta no local da incisão. Finalmente, um time out ou pausa momentânea ocorre imediatamente antes de iniciar o procedimento para confirmar que os passos um e dois foram realizados corretamente e que a incisão está prestes a ser feita no local e lado corretos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu uma lista de verificação, a WHO Surgical Safety Checklist (Fig. 19.1), para uso em salas de cirurgia em todo o mundo, visando aumentar a segurança e a confiabilidade. A implementação dessa lista de verificação diminui as complicações da cirurgia em mais de um terço, e as mortes são reduzidas em quase metade (4). Muitos hospitais expandiram seu protocolo universal para incluir algum fluxo próprio de sua lista de verificação de segurança cirúrgica. Existem dois elementos-chave que ajudam a garantir o sucesso do uso do protocolo universal e a lista de verificação de segurança. Em primeiro lugar, todas as pessoas na sala de cirurgia param tudo o que estão fazendo e participam ativamente. Em segundo lugar, qualquer pessoa na sala pode parar o processo e fazer perguntas ou levantar preocupações.

364

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 19.5

VÍDEO 19.2 Aspirando medicamento a partir de um frasco

VÍDEO 19.3 Balonete furado de tubo endotraqueal

Agentes de indução

Agente

Vantagens

Desvantagens

Comentários

Propofol

• Rápido início de ação • Curta duração • Recuperação rápida • Sem efeitos residuais

• Arde durante a injeção Agente de indução • Hipotensão mais comumente • Pode causar depressão respiratória, usado especialmente quando administrado com opioides • Não é um analgésico

Metoexital

• Rápido início de ação • Curta duração

• Náusea pós-operatória e vômitos mais prováveis que no propofol • Contraindicado em pacientes com porfiria intermitente aguda

Etomidato

• Efeitos hemodinâmicos mínimos

• Supressão suprarrenal • Pode aumentar a mortalidade

Cetamina

• Depressão hemodinâ• Disforia e alucinações mica mínima (libera • Hipertensão e taquicardia catecolaminas) • Mantém os reflexos respiratórios e da via aérea • Tem efeitos analgésicos

Frequentemente usado para induzir a anestesia para tratamento eletroconvulsivo

C. Indução A anestesia geral começa com a indução. Lactentes e crianças pequenas passam por uma indução inalatória (ver Cap. 33). Aqui, o paciente respira quantidades crescentes de anestésico por meio de uma máscara facial até tornar-se inconsciente. Essa abordagem evita a necessidade de acesso intravenoso quando a criança está acordada. A indução inalatória também pode ser usada em adultos. Ela pode ser escolhida para pacientes que apresentam fobia de agulha ou para aqueles com acesso venoso periférico difícil. Como a indução intravenosa é rápida e confiável, ela é a escolha mais comum para crianças maiores e adultos. O anestesiologista normalmente injeta uma combinação de fármacos escolhidos para anestesiar o paciente rapidamente e para fornecer condições ideais para o manejo das vias aéreas e da cirurgia. Hoje, o propofol é o agente de indução intravenoso mais comumente usado. Esse fármaco tem um início de ação rápido (⬍ 60 segundos). Doses pequenas proporcionam sedação e ansiólise. Doses maiores causam a perda da consciência. O paciente permanecerá inconsciente por 3 a 5 minutos após uma dose de indução de propofol. Outros agentes de indução incluem o metoexital, o etomidato e a cetamina (Tab. 19.5). O propofol com frequência produz uma queimação quando injetado e não atua muito bem para embotar as respostas hemodinâmicas a estímulos dolorosos tais como a intubação endotraqueal. A lidocaína intravenosa pode aliviar a queimação e limita a resposta da pressão arterial e frequência cardíaca à laringoscopia e intubação. Opioides de ação rápida, como fentanil, sufentanil e remifentanil, também são eficazes para bloquear as respostas cardiovasculares à laringoscopia e cirurgia. Menos comumente, os fármacos bloqueadores ␤-adrenérgicos também podem ser usados para essa finalidade. Algumas cirurgias requerem intubação endotraqueal e relaxamento muscular esquelético. Em doses comumente usadas, o propofol não induz o relaxamento muscular esquelético. Então, depois que o paciente perde a consciência, o anestesiologista mui-

Capítulo 19 TABELA 19.6 Agente

365

Relaxantes musculares Mecanismo de ação

Succinilcolina Despolarizante

a

Início

Duração

Efeitos colaterais

Comentário

Rápido: 30-60 segundos

Curta: 10-15 min Pode causar bloqueio prolongado quando administrado na forma de infusão, em doses repetidas ou a pacientes com pseudocolinesterase atípica ou ausente

• Taquicardia • Bradicardia • Mialgia • Hipercalemia • Rabdomiólise • Hipertermia maligna • Aumento da pressão intraocular

Quase nunca usado em crianças

• Hipertensão • Taquicardia

Pancurônio

Adespolarizanteb

4-5 min

75-90 min

Vecurônio

Adespolarizanteb

3 min

30-45 min

Rocurônio

Adespolarizanteb

1-2 min

30-45 min

b

2-3 min

45 min

Cisatracúrio

Anestesia geral

Adespolarizante

A duração pode ser aumentada com doses repetidas em pacientes com insuficiência renal

Se autodestrói no plasma (eliminação de Hoffmann)

a

Relaxantes musculares despolarizantes produzem bloqueio neuromuscular não-competitivo. Sua ação não pode ser revertida por anticolinesterásicos. Relaxantes musculares adespolarizantes produzem bloqueio neuromuscular competitivo. Suas ações residuais podem ser revertidas por um inibidor da colinesterase. b

tas vezes injetará um agente paralisante (Tab. 19.6). Esses fármacos agem na junção neuromuscular para produzir fraqueza muscular ou paralisia total.

D. Via aérea Os anestésicos prejudicam a respiração de várias maneiras. Sedativos, tais como midazolam e propofol, relaxam os músculos orofaríngeos e podem produzir obstrução da via aérea, especialmente em pacientes com apneia obstrutiva do sono. Os opioides, tais como o fentanil e os agentes inalatórios potentes como o sevoflurano, deprimem a resposta ventilatória ao dióxido de carbono. Pacientes que recebem propofol e fentanil muitas vezes param de respirar completamente. Agentes inalatórios potentes também podem obliterar a resposta respiratória à hipoxemia. Fármacos paralisantes, como a succinilcolina e o rocurônio, relaxam os músculos orofaríngeos, comprometem os reflexos protetores da via aérea e podem paralisar os músculos respiratórios. Por essas razões, o anestesiologista deve estar pronto para assistir ou controlar a respiração do paciente. Devido a esses efeitos sobre a via aérea e a respiração, os pacientes geralmente respiram oxigênio a 100% por alguns minutos antes da indução da anestesia. Esse passo, usado para substituir o nitrogênio por oxigênio nos pulmões de um paciente, é denominado pré-oxigenação ou desnitrogenação. Esse oxigênio extra nos pulmões do paciente ajuda a manter a oxigenação do sangue durante os períodos de apneia e obstrução das vias aéreas que podem ocorrer durante a indução da anestesia. Em cir-

VÍDEO 19.4 Expansão do nitrogênio durante a crioablação

A pré-oxigenação também é conhecida como desnitrogenação porque a administração de oxigênio a 100% faz com que o nitrogênio contido nos pulmões seja completamente substituído pelo oxigênio.

366

Fundamentos de anestesiologia clínica

A máscara laríngea foi inventada em 1982 por Archie Brain, um anestesiologista britânico. O protótipo original foi modelado com base em moldes gessados da área glótica de cadáveres.

As vantagens da ML são o fato de que ela pode ser inserida sem o uso de agentes paralisantes e ser menos estimulante do que um TET, necessitando de menos anestesia antes de sua inserção.

cunstâncias normais, o anestesiologista permitirá três minutos para a desnitrogenação completa. No entanto, em casos de emergência, quatro respirações correntes com oxigênio 100% serão suficientes. Se a indução da anestesia causar meramente uma obstrução das vias aéreas, a elevação do queixo e as manobras de empurrar a mandíbula podem abrir a via aérea, permitindo o retorno da ventilação espontânea. Se a respiração estiver significativamente comprometida ou se o paciente estiver apneico, o anestesiologista deve fornecer respirações artificiais. Inicialmente, usam-se a máscara facial e o balão de ventilação ligado ao aparelho de anestesia. Uma via aérea oral ou nasal pode ser inserida para ajudar a aliviar a obstrução da via aérea superior e melhorar a ventilação. Um dispositivo supraglótico ou um tubo endotraqueal fornecem controle da via aérea com mãos livres e permitem a ventilação assistida ou controlada. O dispositivo supraglótico mais comumente usado é a máscara laríngea (ML). Esse dispositivo situa-se na faringe posterior e separa a laringe do resto da via aérea superior. Pode ser usado em pacientes com ventilação espontânea e, em determinadas circunstâncias, para fornecer ventilação controlada. Os tubos endotraqueais (TET) são inseridos pela laringe e para dentro da traqueia. A maioria dos tubos usados em adultos tem um balonete em sua terminação traqueal para separar os pulmões da faringe. Esse balonete permite a ventilação com pressão positiva e pode proteger o pulmão contra a aspiração de conteúdo gástrico. Para muitas cirurgias, a ML ou o TET podem ser usados com segurança. As vantagens da ML incluem as seguintes: • • • •

Pode ser inserida sem a utilização de agentes paralisantes. Pode ser inserida às cegas. É pouco provável que danifique os dentes, gengivas ou pregas vocais. Tem menor probabilidade do que um TET de causar rouquidão, tosse, dor de garganta ou laringospasmo. • É menos estimulante do que um TET, de modo que menos anestesia é necessária para sua colocação ou manutenção. A principal vantagem do TET é que ele permite inflar com pressões mais elevadas durante a ventilação controlada.

E. Ficha anestésica Antigamente, estudantes de medicina e outras pessoas sem qualquer treinamento muitas vezes realizavam anestesias. As complicações eram rotineiras e a mortalidade era comum. Em 1895, um desses estudantes de medicina foi Harvey Cushing (que mais tarde se transformou em um conhecido neurocirurgião). Harvey esperava que, mantendo um registro dos fármacos por ele usados, bem como do pulso e das respirações do paciente, aprenderia com seus erros e administraria anestésico de maneira mais segura. Dessa ideia de Cushing, desenvolveu-se a moderna ficha anestésica. Os registros anestésicos atuais contêm muito mais informação, mas ainda servem para a mesma finalidade que no tempo de Cushing.

VÍDEO 19.5 Dor após a incisão

F. Manutenção A fase de manutenção da anestesia começa depois da indução, quando a via aérea está segura. O anestesiologista pode usar diversos agentes intravenosos ou inalatórios para manter o paciente inconsciente durante a cirurgia. Com mais frequência, uma combinação de fármacos anestésicos intravenosos e inalatórios combinados fornece os elementos da anestesia geral (Tab. 19.7). Algumas vezes, são usados apenas agentes inalatórios (Tab. 19.7). Em outras situações, o anestesiologista pode usar apenas anestesia intravenosa total.

Capítulo 19 TABELA 19.7

Anestesia geral

Anestésicos inalatórios

Agente

Comentário

Desflurano

O mais insolúvel dos agentes potentes. Despertar mais rápido. Seu aroma pungente pode irritar a via aérea. Causa estimulação simpática durante a indução.

Isoflurano

É o mais potente e mais solúvel dos agentes atualmente usados. Despertar lento, especialmente após casos mais prolongados. Aroma pungente. Pode causar taquicardia durante a indução.

Óxido nitroso Não é potente o suficiente para produzir anestesia por si só. Frequentemente usado em combinação com outros agentes potentes. Sevoflurano

Aroma agradável. Uma boa escolha para a indução inalatória. Sem estimulação simpática.

O objetivo da anestesia é assegurar inconsciência, amnésia, imobilidade, relaxamento muscular e embotamento dos reflexos simpáticos. Tanto o propofol quando administrado como infusão contínua quanto os agentes inalatórios potentes podem fornecer a amnésia e bloquear o movimento proposital em resposta à estimulação cirúrgica. Agentes paralisantes (relaxantes musculares) não produzem inconsciência ou amnésia e, se usados de maneira inapropriada, podem manter o paciente acordado, mas paralisado. Cirurgias intra-abdominais e intratorácicas muitas vezes requerem relaxamento muscular esquelético para condições cirúrgicas ideais. Os relaxantes musculares são úteis nessa situação, mas devem ser titulados cuidadosamente. Quando insuficientes, o cirurgião pode ter dificuldade para expor o sítio cirúrgico, ou quando o paciente tosse e se movimenta durante uma parte delicada do procedimento. Administrados em excesso, o paciente pode continuar paralisado ao final da cirurgia. O anestesiologista decide quanto relaxante deve ser administrado seguindo o TOF. Um paciente com duas ou três das quatro contrações musculares deve estar adequadamente relaxado para a maioria das cirurgias, mas não deve ser paralisado de tal modo que o fármaco bloqueador neuromuscular não possa ser revertido no final da cirurgia. Os opioides são comumente administrados durante a anestesia geral (Tab. 19.8). Eles diminuem a dose do agente inalatório potente (ou propofol) necessário para

TABELA 19.8 Opioide

Opioides Início

Duração

Comentário

Remifentanil Rápido

Curta

Rapidamente hidrolisado por esterases inespecíficas. Não se acumula com a administração prolongada.

Fentanil

1-2 min (efeito máximo dentro de 30 min)

15-20 min

Pequenas doses têm uma duração curta porque são rapidamente redistribuídas dos tecidos centrais para os tecidos periféricos. Doses maiores ou injeções repetidas causam acúmulo do fármaco nos tecidos periféricos, prolongando a duração da anestesia.

Hidromorfona

15-30 min (efeito máximo Duração 3-5 h pode não ocorrer até 150 min)

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Fundamentos de anestesiologia clínica manter o paciente inconsciente e imóvel. Também ajudam a minimizar a depressão cardíaca associada com esses fármacos. Durante a indução, o isoflurano e desflurano muitas vezes produzem taquicardia. Pequenas doses intravenosas de opioides podem bloquear esse efeito. Por fim, opioides intraoperatórios podem fornecer analgesia pós-operatória, mas podem causar depressão respiratória, náusea e vômito. Paradoxalmente, os opioides intravenosos podem aumentar a dor pós-operatória (5). A estimulação cirúrgica pode produzir hipertensão e taquicardia, mesmo quando o paciente está adequadamente anestesiado. Como alguns pacientes podem não tolerar esse aumento da carga cardíaca, o anestesiologista muitas vezes tenta reduzir essas respostas simpáticas aprofundando a anestesia com um agente potente ou com uma injeção intravenosa de opioides. Em algumas situações, o anestesiologista pode anestesiar a área afetada realizando um bloqueio de nervo periférico, ou o cirurgião pode injetar um anestésico local diretamente dentro do sítio da cirurgia. Por fim, fármacos bloqueadores simpáticos, como o labetalol, esmolol ou metoprolol, podem atenuar essas respostas hemodinâmicas e, assim, reduzir a dor pós-operatória quando comparados com os opioides mais comumente usados (6).

G. Manejo de líquidos

Os cristaloides são isotônicos, mas também são hipo-osmolares. Apenas cerca de um terço dos cristaloides infundidos permanece dentro do sistema vascular, o restante vaza para dentro dos tecidos.

Praticamente todos os pacientes submetidos à anestesia geral recebem a colocação de pelo menos um cateter intravenoso. Esse cateter é usado tanto para a administração de medicamentos, como para a infusão de líquidos (ver Cap. 23). A maioria dos pacientes necessita apenas de uma quantidade de líquidos suficiente para manter seus cateteres intravenosos desobstruídos. No entanto, muitas cirurgias podem causar sangramento significativo. Vítimas de trauma também podem sofrer perda de sangue considerável mesmo antes de chegarem à sala de cirurgia. Esses pacientes necessitam de líquido intravenoso adicional. Os líquidos intravenosos mais comumente usados são os chamados cristaloides. Esses flíquidos são soluções isotônicas formuladas para simular a composição eletrolítica do organismo. Os cristaloides são baratos e não requerem um armazenamento especial. Embora os cristaloides possam salvar vidas quando administrados a um paciente com hemorragia significativa, são expansores de volume ineficientes. São isotônicos, mas também hipo-osmolares. Apenas cerca de um terço do cristaloide infundido permanece dentro do sistema vascular. O restante vaza para fora da vasculatura e causa edema intersticial corporal. Os coloides, uma classe alternativa de líquidos, contêm proteínas (albumina) ou amido para manter a pressão osmótica dentro dos vasos sanguíneos. Os coloides são melhores expansões de volume do que os cristaloides, mas são caros e têm efeitos colaterais indesejáveis (p. ex., a inibição plaquetária e possível toxicidade renal). Apesar de anos de estudo, os coloides nunca demonstraram melhorar o resultado final em comparação com os cristaloides mais baratos e menos eficientes. Quando o estado de volume é mantido, a maioria dos pacientes é capaz de tolerar uma anemia considerável. No entanto, alguns necessitarão de sangue e produtos derivados do sangue (ver Cap. 24).

H. Temperatura A anestesia compromete a capacidade do corpo em manter a temperatura. Após a indução, a temperatura central cai, e o calor é transferido para tecidos periféricos. Os anestésicos diminuem a temperatura com a qual os vasos sanguíneos periféricos se contraem em resposta ao frio. Além disso, o ambiente das salas de cirurgia fornece várias vias para a perda de calor: radiação, condução, convecção e evaporação. Os pacientes perdem mais calor por meio da radiação de sua pele exposta ao ambiente frio circundante. A perda de calor por condução ocorre pelo contato entre o paciente e a mesa cirúrgica fria ou outros equipamentos e a camada de ar que circunda a pele.

Capítulo 19

Anestesia geral

O corpo perde calor por convecção quando o ar mais aquecido circula para longe do paciente e mais calor é transferido para a nova camada de ar mais frio. A evaporação a partir da pele e mucosa respiratória também drena o calor do corpo. Juntos, esses eventos levam a uma queda de cerca de 1 grau da temperatura corporal central logo após a indução da anestesia. A temperatura corporal continuará a cair pelas próximas 3 a 5 horas, até que um novo equilíbrio se estabeleça. Existem muitas maneiras para ajudar a manter a temperatura do paciente. O aquecimento prévio pode ajudar a prevenir a redistribuição inicial de calor do centro para a periferia. Outra opção é o aquecimento da sala de cirurgia. Essa opção comumente é usada para pacientes especialmente vulneráveis, como crianças pequenas e vítimas de trauma. No entanto, uma sala de cirurgia quente o suficiente para o conforto do paciente muitas vezes é demasiadamente quente para a equipe cirúrgica. Uma das maneiras mais eficazes de manter a temperatura corporal é o emprego de um cobertor térmico com ar forçado. Esse dispositivo envia ar aquecido através da pele do paciente, ajudando a prevenir a perda de calor por condução e convecção. Esses dispositivos não impedem a redistribuição inicial do calor corporal e podem queimar a pele do paciente quando mal-utilizados. Lâmpadas de radiação podem ser úteis, especialmente nos cuidados a lactentes e crianças pequenas.

I. Despertar Quando a cirurgia está terminando, os anestesiologistas preparam o paciente para acordar. Eles revisam a hemodinâmica do paciente e a temperatura, avaliam o grau do bloqueio neuromuscular residual e garantem uma analgesia adequada durante a transição para a recuperação. No final da anestesia, o paciente deve estar hemodinamicamente estável e normotérmico. A hipotermia pode aumentar o consumo de oxigênio, prejudicar a hemostasia e retardar o despertar. É melhor manter o paciente instável intubado, ventilado e sedado até que seus sinais vitais sejam normais. Se o paciente recebeu um relaxante muscular adespolarizante (Tab. 19.6), o anestesiologista utilizará um anticolinesterásico para reverter o bloqueio neuromuscular residual (ver Cap. 11). O monitoramento TOF pode ajudar a determinar a quantidade de anticolinesterásico necessária. Por vezes, o paciente encontra-se profundamente paralisado no final da cirurgia (sem contrações musculares após a estimulação TOF). Medicamentos anticolinesterásicos não reverterão adequadamente esse grau de paralisia. Esses pacientes devem permanecer intubados e ventilados até que a recuperação espontânea dos fármacos paralisantes se inicie. Além de avaliar a prontidão do paciente para acordar, o anestesiologista começa a reduzir ou suspender quaisquer anestésicos intravenosos ou inalatórios. A temporalidade dessas alterações depende do tipo de fármaco usado e da duração de sua administração. O remifentanil, por exemplo, é rapidamente metabolizado pelas esterases plasmáticas. Sua ação termina pronta e previsivelmente, não importa quanto tempo durou a anestesia. Por outro lado, o isoflurano e o sevoflurano são lipossolúveis e se acumulam nos tecidos adiposos do paciente (o isoflurano mais do que o sevoflurano). Com o uso desses fármacos, quanto maior o tempo de administração do anestésico, mais prolongado será o despertar. O anestesiologista usa seu conhecimento da cinética dos fármacos para determinar o fim da anestesia. A remoção do tubo endotraqueal (extubação) é a parte mais complicada do processo do despertar. Antes que o paciente possa ser extubado, sua ventilação e respiração devem estar restabelecidas e adequadas. Além disso, o paciente deve apresentar reflexos adequados de proteção da via aérea. Alguns pacientes podem ser “profundamente” extubados antes que seus reflexos de proteção de vias aéreas tenham se recuperado adequadamente, desde que sejam ventilados apropriadamente e o anestesiologista esteja preparado para manter sua via aérea aberta. Outros devem permanecer intubados até

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370

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 19.9

Mnemônico I-PASS

I (Ilness) Gravidade da doença

• Estável, “observação”, instável

P (Patient) Resumo do paciente

• Recapitulação • Eventos que levaram à admissão • Evolução hospitalar • Avaliação • Plano

A (Action) Lista de ação

• Lista de afazeres • Linha de tempo e propriedade

S (Situation) Conhecimento da situação e planejamento de contingência

• Saber o que está acontecendo • Plano para o que pode acontecer

S (Synthesis) Síntese pelo receptor

• Receptor resume o que foi ouvido • Faz perguntas • Reafirma itens principais de ação

Modificada de Starmer AJ, Spector ND, Srivastava R, et al. I-PASS, a mnemonic to standardize verbal handoffs. Pediatrics.2012;129:201–205.

que estejam acordados e possam obedecer a comandos. Os riscos de uma extubação muito precoce incluem obstrução da via aérea, aspiração e laringospasmo. O retardo da extubação por tempo prolongado pode causar hipertensão e taquicardia, aumento da pressão intracraniana e hemorragia, especialmente em pacientes que foram submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço. Depois que o paciente estiver extubado e ventilando adequadamente, ele deve ser transferido para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA).

IV. Cuidados pós-operatórios Depois que o paciente chega à SRPA, o anestesiologista deve passar cuidadosamente os cuidados para a enfermeira da sala de recuperação. Essa transferência dos cuidados ou handoff requer uma comunicação clara e eficaz entre os prestadores de cuidados de saúde. Lapsos na comunicação durante essa passagem de cuidados podem levar a erros e danos. Foram desenvolvidos mnemônicos para tentar padronizar a comunicação do handoff. Duas dessas regras mnemônicas são I-PASS (Tab. 19.9) e ISBAR (Introduction, Situation, Background, Assesment, and Response [Introdução, Situação, Cenário, Avaliação e Resposta]). Uma parte importante dessas ferramentas estruturadas de comunicação é a resposta. A pessoa que assume os cuidados do paciente (ou seja, a enfermeira da SRPA) responde à pessoa que transfere os cuidados (isto é, o anestesiologista) para confirmar que está ouvindo e entendeu a informação transmitida. Tal como acontece com a lista de verificação de segurança cirúrgica da OMS, o uso de uma ferramenta estruturada de passagem de cuidados pode melhorar a segurança do paciente (7).

V. Resumo Embora os fármacos e as técnicas possam variar entre os anestesiologistas, algumas coisas permanecem constantes entre todos. O anestesiologista se esforça para orientar a transição segura do paciente na experiência cirúrgica por meio da compreensão da história clínica e cirúrgica do paciente. Usa seus conhecimentos de fisiologia e farmacologia para planejar e conduzir uma anestesia segura e eficaz. Durante todo o período perioperatório, mantém uma vigilância constante para assegurar o bem-estar do paciente.

Capítulo 19

Anestesia geral

Referências 1. Aranake A, Gradwohl S, Ben-Abdallah A, et al. Increased risk of intraoperative awareness in patients with a history of awareness. Anesthesiology. 2013;119:1275–1283. 2. Egbert LD, Jackson SH. Therapeutic benefit of the anesthesiologist–patient relationship. Anesthesiology. 2013;119:1465–1468. 3. Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: Lessons unlearned. Part I: Definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120–128. 4. de Vries EN, Prins HA, Crolla RM, et al. Effect of a comprehensive surgical safety system on patient outcomes. N Engl J Med. 2010;363:1928–1937. 5. Guignard B, Bossard AE, Coste C, et al. Acute opioid tolerance: Intraoperative remifentanil increases postoperative pain and morphine requirement. Anesthesiology. 2000;93:409–417. 6. Collard V, Mistraletti G, Taqi A, et al. Intraoperative esmolol infusion in the absence of opioids spares postoperative fentanyl in patients undergoing ambulatory laparoscopic cholecystectomy. Anesth Analg. 2007;105:1255–1262. 7. Starmer AJ, Sectish TC, Simon DW, et al. Rates of medical errors and preventable adverse events among hospitalized children following implementation of a resident handoff bundle. JAMA. 2013;310:2262–2270.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Um homem se apresenta no pronto-socorro com dor no quadrante superior direito. Seu diagnóstico é apendicite aguda. Durante a avaliação pré-operatória, ele afirma que comeu metade de um sanduíche há 2 horas. Como você deve proceder? A. Cancela a cirurgia e informa à equipe de que o paciente não manteve NPO por oito horas antes da cirurgia B. Prossegue com a cirurgia porque era apenas metade de um sanduíche e o risco de aspiração, portanto, é baixo C. Prossegue com a cirurgia porque essa é uma emergência e o estado NPO não importa D. Prossegue com a cirurgia porque essa é uma emergência, mas executa uma indução em sequência rápida para reduzir o risco de aspiração 2. Imediatamente após a indução da anestesia geral, a redução da temperatura do paciente deve-se a: A. Baixa temperatura da sala de cirurgia B. Evaporação C. Condução de calor D. Redistribuição do calor 3. Você está administrando um anestésico para uma abdominoplastia. O cirurgião solicita uma extubação em plano profundo para prevenir “bucking” (tosse) e uma potencial deiscência da ferida cirúrgica. Qual dos critérios a seguir é correto para a extubação profunda? A. O pedido do cirurgião é apropriado e de interesse do paciente; portanto, outros critérios não são necessários B. Os critérios de extubação em plano anestésico profundo incluem intubação fácil, ventilação sob máscara fácil e ausência de riscos para aspiração C. O critério principal é a preferência do paciente após ter sido informado dos riscos e benefícios D. A extubação profunda pode ser executada uma vez que o bloqueio neuromuscular residual tenha sito revertido

4. Você está de plantão, e um paciente de 24 anos, vítima de tiro, é levado para a sala de cirurgia. O cirurgião indica que ele deve ser submetido a uma laparotomia de urgência para determinar a origem do sangramento. O paciente não está intubado, e a pressão arterial é de 68/36 mmHg. Como você fará a indução do paciente? A. Fazer uma indução normal com propofol. Se a hipotensão piorar, tratar o paciente com fenilefrina B. Usar etomidato para a indução porque ele causa menos hipotensão que o propofol C. O paciente não tolerará qualquer agente de indução, portanto, apenas intubar a traqueia D. Estabilizar o paciente em primeiro lugar; uma vez que a pressão arterial se aproximar do normal, prosseguir com a indução 5. Você é solicitado a obter o consentimento informado de um paciente para uma colecistectomia eletiva no dia seguinte. Quando encontra o paciente, nota que ele está confuso sobre o planejamento e repetidamente se refere ao hospital como se fosse a sua casa. Sua enfermeira afirma que é a primeira vez que vê o paciente e que a enfermeira do turno anterior já foi embora. O que você faz em seguida? A. Explica os riscos e benefícios do plano de anestesia e obtém o consentimento informado B. Chama o parente mais próximo e obtém o consentimento informado dessa pessoa C. Discute o estado mental com a equipe principal e determina se ele tem competência para assinar o consentimento D. Cancela a cirurgia

Manejo da via aérea Ron O. Abrons William H. Rosenblatt

20

I. Anatomia das vias aéreas O termo via aérea refere-se à via aérea superior – que consiste nas cavidades nasal e oral, faringe, laringe, traqueia e brônquios principais. O esqueleto laríngeo abriga e protege as pregas vocais, que se estendem em um plano anteroposterior a partir da cartilagem tireoide até as cartilagens aritenoides. A membrana cricotireóidea é uma estrutura importante e externamente identificável. Em um adulto, ela normalmente é identificada a 1,5 dedo de largura abaixo da proeminência laríngea (pomo de adão) (Fig. 20.1). A cartilagem cricoide em forma de anel de sinete está localizada na base da laringe e é suspensa pelo lado de baixo do ligamento cricotireóideo. Inferiormente, a traqueia mede aproximadamente 15 cm e termina na carina, onde se bifurca em brônquios principais. Materiais aspirados, bem como um tubo endotraqueal (TET) profundamente inserido, tendem a entrar para o brônquio principal direito devido ao seu ângulo de divergência menos agudo em relação à linha média. Existem três inervações neurais clinicamente importantes da via aérea superior. O nervo glossofaríngeo (nervo craniano IX) fornece a inervação sensitiva para a base da língua, superfície rostral da epiglote e faringe. O nervo laríngeo superior (ramo do nervo vago X) fornece a sensibilidade a partir do lado inferior da epiglote até a superfície das pregas vocais e a inervação motora do músculo cricotireóideo. O nervo laríngeo recorrente (nervo craniano X) fornece a inervação motora dos demais músculos da laringe e a sensibilidade da mucosa superficial da laringe e traqueia (Tab. 20.1; Fig. 20.2).

II. História do paciente e exame físico O manejo da via aérea sempre começa com uma história abrangente e relevante da via aérea, incluindo a pesquisa de registros relativos a eventos relacionados à via aérea durante procedimentos anestésicos prévios. Devem ser procurados sinais e sintomas relacionados ao manejo de uma via aérea potencialmente difícil, incluindo o risco de aspiração (Tab. 20.2); muitas síndromes congênitas e adquiridas estão associadas a um manejo difícil da via aérea. A Tabela 20.4 apresenta as características de exames comumente documentados. Historicamente, a avaliação das vias aéreas tem sido sinônimo de avaliação para verificar a facilidade da laringoscopia direta (LD), na qual o ponto final é o grau de visualização laríngea previsto (p. ex., o escore de Mallampati) (Fig. 20.3).

A abertura glótica é a porção mais estreita da via aérea em lactentes, crianças e adultos.

VÍDEO 20.1 Intubação endobronquial

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Faringe Mandíbula

Epiglote Hioide

Membrana tireo-hióidea

Proeminência laríngea Laringe Cartilagem tireoide

Ligamento cricotireóideo

Traqueia

Cartilagem cricoide

A Esôfago

B

FIGURA 20.1 Aspecto sagital da anatomia da via aérea superior (A) e aspecto lateral do esqueleto laríngeo (B). (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013, com permissão.)

O valor preditivo positivo do escore de Mallampati na previsão de uma laringoscopia difícil é de apenas 40%.

No entanto, os esforços para identificar os características que colocam os pacientes em alto risco de laringoscopia difícil foram apenas modestamente bem-sucedidos (Tab. 20.5) (1).

III. Manejo clínico da via aérea A. Pré-oxigenação A pré-oxigenação (também denominada desnitrogenação) deve ser praticada sempre que houver tempo para isso. Sob condições ideais, um paciente sadio que respira ar ambiente (fração inspirada de oxigênio [FiO2] = 0,21) passará por dessaturação da oxi-hemoglobina a um nível < 90% após cerca de 1 a 2 minutos de apneia. No mesmo paciente, vários minutos de pré-oxigenação com oxigênio a 100% (O2) com uma máscara facial bem-acoplada podem permitir ≥ 8 minutos de apneia antes que ocorra dessaturação. Pacientes com doença pulmonar, obesidade ou condições que afetem TABELA 20.1A

a

Inervação da via aérea laringotraqueal

Nervo

Motor

Sensitivoa

Nervo glossofaríngeo (nervo craniano IX)

Nenhuma

1/3 posterior da língua Epiglote (rostral) Faringe

Nervo vago – nervo laríngeo recorrente (nervo craniano X)

Laringe (exceto cricotireoide)

Laringe: superfície mucosa Traqueia: superfície mucosa

Nervo vago – ramo interno do nervo laríngeo superior

Nenhuma

Epiglotite (dorsal) Pregas vocais

Nervo vago – ramo externo do nervo laríngeo superior (nervo craniano X)

Cricotireoide

Nenhuma

Ação predominante.

a

Capítulo 20 TABELA 20.1B

Manejo da via aérea

Músculos da laringe (inervação e ação)

Músculo

Inervação

Ações principais

Cricotireoide

Nervo laríngeo externo (do NC X)

Estira e estende o ligamento vocal

Tireoaritenoidea

Nervo laríngeo recorrente (do NC X)

Relaxa o ligamento vocal

Cricoaritenoide posterior

Nervo laríngeo recorrente (do NC X)

Abduz as pregas vocais

Cricoaritenoide lateral Nervo laríngeo recorrente (do NC X)

Aduz as pregas vocais (porção intraligamentar)

Aritenoides transverso e oblíquob

Nervo laríngeo recorrente (do NC X)

Aduz as cartilagens aritenoides (adução da porção intracartilaginosa das pregas vocais, fechamento da rima glótica

Vocalc

Nervo laríngeo recorrente (do NC X)

Relaxa o ligamento vocal posterior e mantém (ou aumenta) a tensão na parte anterior)

De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:Table 8.5, com permissão.

Nervo glossofaríngeo Nervo laríngeo superior Ramo laríngeo interno Ramo laríngeo externo Ramo laríngeo inferior (nervo laríngeo recorrente) Nervo vago

Nervo laríngeo recorrente

FIGURA 20.2 Inervação laríngea. As linhas pontilhadas são ramos nervosos dentro da árvore laringotraqueal provenientes do nervo glossofaríngeo e do nervo vago. (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:790, com permissão.)

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376

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 20.2

Condições com implicações no manejo da via aérea

Risco aumentado para laringoscopia difícil, ventilação com máscara ou ventilação por dispositivo supraglótico

VÍDEO 20.2 Pólipo de prega vocal, efeito de válvula

VÍDEO 20.3 Avaliação da articulação temporomandibular

História de falha ou manejo traumático da via aérea Lesão dentária ou dor prolongada após uma anestesia prévia História de cirurgia de cabeça/pescoço ou radioterapia Diversas síndromes congênitas e adquiridas (Tab. 20.3) Patologia supraglótica Apneia obstrutiva do sono Hiperplasia de tonsila lingual Patologia aguda de via aérea Cisto ou tumor de via aérea Sangramento de via aérea Estridor Doença da coluna cervical ou limitação da amplitude de movimento Doença da articulação temporomandibular Risco aumentado de aspiração Refeição recente Traumatismo agudo Patologia gastrintestinal aguda Terapia narcótica aguda Refluxo gastresofágico significativo Admissão atual na unidade de tratamento intensivo Gravidez (idade gestacional ≥ 12 semanas) Pós-parto imediato (antes do segundo dia pós-parto) Doença sistêmica associada com gastroparesia: diabetes melito, doença vascular do colágeno, doença de Parkinson avançada

o metabolismo com frequência apresentam dessaturação mais precocemente, devido a uma extração aumentada de O2, capacidade residual funcional diminuída ou shunt transpulmonar da direita para a esquerda. A razão mais comum para pré-oxigenação abaixo do ideal é uma máscara não acoplada, o que permite a entrada do ar ambiente.

B. Ventilação sob máscara facial A máscara facial de anestesia é suavemente mantida na face do paciente com o polegar e o segundo dedo da mão esquerda, deixando a mão direita livre para outras tarefas. O vazamento de ar ao redor da máscara pode ser impedido pressionando-se suavemente a máscara para baixo. Um aperto com ambas as mãos ou uma tira elástica da máscara podem ser usados para complementar a pressão exercida pela mão esquerda.

C. Posicionamento do paciente O posicionamento adequado do paciente é fundamental para o fornecimento de ventilação com pressão positiva por meio de máscara. Com o paciente em decúbito dorsal, levemente inclinado para cima ou na posição de Trendelenburg reverso, o pescoço é flexionado em 35 graus e a cabeça é estendida em 15 graus. Essa posição melhora a ventilação com máscara por meio da anteriorização da base da língua e epiglote. As dentaduras mantidas no lugar podem melhorar a vedação da máscara em um paciente desdentado. A vantagem disso deve ser avaliada em relação ao risco de deslocamento da dentadura ou de lesão. As dentaduras devem ser removidas depois que a via aérea esteja segura.

Capítulo 20 TABELA 20.3

Manejo da via aérea

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Síndromes associadas com manejo difícil da via aérea

Condição patológica

Condições que afetam o manejo da via aérea

Congênitas Síndrome de Pierre Robin Síndrome de Treacher Collins Síndrome de Down Síndrome de Klippel-Feil Cretinismo Síndrome cri du chat

Micrognatia, macroglossia, glossoptose, fenda de palato mole Hipoplasia malar e mandibular, microstomia, atresia de coanas Macroglossia, microcefalia, anormalidades da coluna vertebral Fusão congênita de vértebras cervicais, redução da amplitude de movimento Macroglossia, compressão ou desvio da laringe/traqueia pelo bócio Micrognatia, laringomalácia, estridor

Infecções adquiridas Epiglotite Difteria Papilomatose Abscesso intraoral/retrofaríngeo Angina de Ludwig

Edema de epiglote Edema laríngeo Papilomas obstrutivos Distorção/estenose de via aérea, trismo Distorção/estenose de via aérea, trismo

Artrite Artrite reumatoide Espondilite anquilosante

Restrição da mobilidade da coluna cervical, instabilidade atlantoaxial Anquilose/imobilidade da coluna cervical e das articulações temporomandibulares

Tumores Higroma cístico, lipoma, adenoma, bócio Carcinoma da língua/laringe/tireoide

Distorção ou estenose das vias aéreas Distorção ou estenose das vias aéreas, fixação da laringe ou outros tecidos adjacentes

Trauma Craniano/facial/coluna vertebral

Edema ou hemorragia de via aérea, fraturas faciais ou mandibulares instáveis, lesão intralaríngea

Miscelânea Obesidade mórbida Acromegalia Queimaduras agudas

Pescoço curto e grosso, língua grande e apneia obstrutiva do sono são prováveis Macroglossia, prognatismo Edema de via aérea, broncoespasmo, redução da tolerância à apneia

VÍDEO 20.4 Broncoespasmo sob anestesia

D. Dificuldade de ventilação com máscara A Tabela 20.6 descreve cinco preditores clínicos independentes para uma ventilação difícil com máscara (2). Normalmente, necessita-se não mais do que 20 a 25 cm de pressão de água (H2O) no circuito de anestesia (criados pela compressão do balão-reservatório) para inflar os pulmões. Quando é necessária uma pressão maior para produzir uma insuflação pulmonar adequada, o anestesiologista deve reavaliar a situação. Isso inclui ajustar melhor a máscara, pedir ajuda para segurar a máscara ou considerar medidas adicionais, tais como cânulas oro ou nasofaríngeas. As cânulas orofaríngeas e nasofaríngeas podem evitar a obstrução criando uma passagem artificial pela faringe e hipofaringe. As cânulas nasotraqueais são menos propensas a estimular a tosse, o reflexo de vômito e o próprio vômito em um paciente levemente anestesiado, mas têm uma maior probabilidade de causar epistaxe e, portanto, devem ser evitadas em pacientes com alto risco de sangramento nasal. A obstrução da ventilação por máscara pode ser causada por laringospasmo, um reflexo local de fechamento das pregas vocais. O laringospasmo pode ser desencadeado

A causa principal da obstrução de via aérea durante a indução da anestesia é a língua.

378

Fundamentos de anestesiologia clínica

A

B

C

D

FIGURA 20.3 Classificação de Mallampati/Samsoon-Young da região orofaríngea. A. Classe I: úvula, pilares tonsilares e palato mole são visíveis. B. Classe II: pilares tonsilares, palato mole visíveis. C. Classe III: palato duro e palato mole visíveis. D. classe IV: só o palato duro é visível (adicionado por Samsoon e Young). (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:775, com permissão.)

por um corpo estranho (por exemplo, cânula nasotraqueal ou orotraqueal), saliva, sangue ou vômito que toca a glote. Também pode ser resultado de dor ou estimulação visceral. O manejo do laringospasmo consiste na remoção do estímulo desencadeante (caso seja identificado), administração de oxigênio com pressão positiva na via aérea, aprofundamento do plano anestésico e, se as demais manobras não tiverem sucesso, uso de um relaxante muscular de ação rápida (3).

E. Dispositivos supraglóticos Os dispositivos da via aérea que isolam a via aérea acima das pregas vocais são conhecidos como dispositivos supraglóticos (DSGs). Esses dispositivos podem ser vantajosos em pacientes com doença reativa das vias aéreas, pois levam a menos broncoespasmo reversível do que os tubos endotraqueais. Uma grande variedade de DSG está disponível no momento. O DSG original, a máscara laríngea (ML), é composto por uma máscara perilaríngea e um tubo semicurvo. A máscara tem um manguito inflável, que enche o espaço hipofaríngeo, criando uma vedação que permite a ventilação com pressão positiva com até 20 cm de pressão de H2O. O fabricante recomenda que o médico escolha a máscara laríngea de maior tamanho que se adapte confortavelmente no interior da cavidade oral. Para sua utilização,

Capítulo 20 TABELA 20.4

Manejo da via aérea

Características do exame físico com implicações no manejo da via aérea

Característica do exame físico

Importância Dificulta a inserção da lâmina/deslocamento da língua, quando limitada

Protrusão da mandíbula

Deslocamento da língua, quando limitada

Dentição

Visão obstruída (se houver grandes incisivos centrais), risco aumentado de trauma dentário (com dentição pobre ou restaurada), ventilação com máscara difícil (se desdentado)

Retrognatia

Deslocamento da língua difícil

Distância tireomentoniana

Reflete a mobilidade cervical e grau de retrognatia

Grau de Mallampati

Descreve a relação entre a abertura da boca, o tamanho da língua e o espaço faríngeo

Presença de barba

Dificuldade de vedação da máscara

Patologia da via aérea

Potencial para ventilação com máscara difícil (massas/tecidos obstrutivos, contornos faciais atípicos) e laringoscopia difícil (tecido friável, pontos de orientação atípicos ou ausentes e limitação da abertura da boca, protrusão da mandíbula, deslocamento lingual e mobilidade cervical)

Resumo das sensibilidades e especificidades de métodos comumente usados para avaliação da via aérea

Exame

Sensibilidade (%)

Especificidade (%)

Abertura da boca

46

89

Distância tireomentoniana

20

94

Classificação de Mallampati

49

86

De Shiga T, Wajima Z, Inoue T, et al. Predicting difficult intubation in apparently normal patients: A meta-analysis of bedside screening test performance. Anesthesiology. 2005;103:429

TABELA 20.6

VÍDEO 20.5 Tórus mandibular

Abertura da boca

TABELA 20.5

379

Fatores de risco independentes para ventilação com máscara difícil

Fatores de risco

Probabilidades

Presença de barba

3,18

Índice de massa corporal > 26 kg/m

2,75

Falta de dentes

2,28

Idade > 55 anos

2,26

História de roncos

1,84

2

De Langeron O, Masso E, Huraux C, et al. Prediction of difficult mask ventilation. Anesthesiology. 2000;92:1229.

380

Fundamentos de anestesiologia clínica a máscara laríngea é completamente esvaziada. O pescoço do paciente é estendido e a superfície superior da máscara é empurrada contra o palato duro. A força é aplicada pelo dedo indicador em uma direção para cima em direção ao topo da cabeça do paciente, permitindo-se que a máscara siga o palato dentro da faringe e hipofaringe. Em seguida, a máscara é inflada até a pressão mínima que permite uma ventilação a 20 cm de H2O sem vazamento de ar. A pressão dentro do manguito nunca deve exceder 60 cm de H2O e deve ser periodicamente monitorada quando se usa óxido nitroso. Quando não for possível obter uma vedação adequada com uma pressão de 60 cm de H2O no manguito, o posicionamento ou o tamanho da máscara laríngea devem ser reavaliados. Uma anestesia leve e o laringospasmo também podem contribuir para a má vedação. A ventilação com pressão positiva pode ser usada com segurança com a máscara laríngea (4). Não há diferença na distensão gástrica com a ventilação com pressão positiva (< 17 cm H2 O) quando comparados a ML e TET (5). Com a ML clássica, os volumes correntes devem ser limitados a 8 mL/kg e a pressão da via aérea a 20 cm de H2 O. Se, a qualquer momento, for observado conteúdo gástrico regurgitado no tubo da ML, essa deve ser mantida no local. O paciente é colocado em uma posição de Trendelenburg, administra-se oxigênio a 100%, e a ML é aspirada.

Remoção do dispositivo supraglótico O dispositivo supraglótico deve ser removido quando o paciente está profundamente anestesiado ou depois que os reflexos protetores voltaram e o paciente é capaz de abrir sua boca ao comando. Muitos médicos removem a ML totalmente inflada, de modo que ela atua como um “dreno” para secreções situadas acima da máscara, levando-as para fora da via aérea.

Contraindicações para o uso de dispositivos supraglóticos A contraindicação primária para o uso eletivo de um DSG é o cenário clínico no qual existe um risco aumentado de aspiração do conteúdo gástrico (Tab. 20.2). Outras contraindicações incluem uma alta resistência da via aérea, obstrução glótica ou subglótica e limitação da abertura da boca (< 1,5 cm) (6).

Complicações do uso de dispositivos supraglóticos

VÍDEO 20.6 Reflexo de tosse

Além do refluxo gastresofágico e da aspiração, outras complicações relatadas incluem laringospasmo, tosse, engasgos e outros eventos característicos da manipulação das vias aéreas. A incidência de dor de garganta pós-operatória induzida por DSG varia de 4 a 50% e é altamente dependente dos métodos do estudo. Nenhum dispositivo mostra uma taxa consistentemente mais baixa de disfagia, embora todos pareçam ser melhores comparados com a intubação traqueal (7). Existem relatos raros de lesão nervosa associada ao uso de DSG.

Dispositivos supraglóticos de segunda geração Muitos DSGs mais modernos incorporaram um segundo lúmen que, apropriadamente posicionado, situa-se dentro da porção alta do esôfago. Os DSGs de segunda geração tendem a permitir pressão positiva mais alta na via aérea do que os DSGs de primeira geração (≥ 40 cm H2O), bem como esvaziamento gástrico passivo (regurgitação) e esvaziamento gástrico ativo (inserção de uma sonda gástrica).

VÍDEO 20.7 Laringoscópio

F. Intubação traqueal Laringoscopia direta O objetivo final da laringoscopia direta é produzir uma linha de visão direta do olho do operador até a laringe. A visão da laringe é comumente descrita em termos de

Capítulo 20

A

B

C

D

Manejo da via aérea

381

FIGURA 20.4 Sistema de pontuação Cormack-Lehane do aspecto laríngeo: grau 1 (A), grau 2 (B), grau 3 (C) e grau 4 (D). (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:777, com permissão.)

graduação de Cormack-Lehane (graus 1 a 4), que se correlaciona com intubação progressivamente mais difícil (Fig. 20.4). Nenhuma medida pré-operatória é adequada para prever uma dificuldade na laringoscopia direta (LD). A falha inesperada da LD é primariamente um problema de deslocamento da língua, e a hiperplasia de tonsilas linguais é, em geral, a causa não diagnosticada de laringoscopia difícil (Fig. 20.5).

VÍDEO 20.8 Classificação do tamanho da tonsila

FIGURA 20.5 Hiperplasia de tonsila lingual: a valécula está preenchida com tecido linfoide em um paciente que apresentou laringoscopia direta difícil não prevista. (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:776, com permissão.)

382

Fundamentos de anestesiologia clínica

Epiglote

A

Epiglote

B FIGURA 20.6 A. Quando é usada uma lâmina laringoscópica curva, a ponta da lâmina é posicionada na valécula, o espaço entre a base da língua e a superfície faríngea da epiglote. B. A ponta de uma lâmina reta é avançada abaixo da epiglote. (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al, eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:775, com permissão.)

Lâminas para laringoscopia direta A aplicação da lâmina de Miller estimula o nervo vago craniano (X), enquanto a lâmina de Macintosh estimula o nervo glossofaríngeo (nervo craniano IX). Portanto, existe um maior risco de bradicardia com a lâmina de Miller.

Duas lâminas, cada uma com uma maneira única de utilização, são comumente usadas. A lâmina de Macintosch (curva) é usada para deslocar a epiglote para fora da linha de visão por meio de sua colocação na valécula e tensionamento dos ligamentos glossoepiglóticos. A lâmina de Miller (reta) revela a glote pela compressão da epiglote contra a base da língua (Fig. 20.6). Ambas as lâminas incluem um rebordo ao longo do lado esquerdo de seu comprimento, que é usado para afastar a língua para a esquerda. De modo geral, a lâmina de Macintosch é considerada vantajosa quando existe pouco espaço para passar um TET (p. ex., boca pequena). A lâmina de Miller é considerada superior em pacientes que têm um espaço mandibular pequeno, dentes incisivos grandes ou uma epiglote grande. Com qualquer lâmina, o larigoscopista deve se esforçar para evitar a rotação do punho e do laringoscópio em uma direção cefálica, levando a lâmina contra os incisivos superiores. O aprofundamento de qualquer tipo de lâmina pode levar a ponta da lâmina a repousar sob a própria laringe, de modo que a pressão para a frente afasta a via aérea do campo de visão. Se uma visão satisfatória da laringe não for obtida, deve ser

Capítulo 20

Manejo da via aérea

383

feita a manobra BURP. Nessa manobra, a laringe é deslocada para trás (B, backward), para cima (U, upward) e para direita (R, rightward), exercendo pressão (P, pressure) sobre a cartilagem cricoide (8). Vários métodos podem ser usados para verificar se o tubo traqueal foi posicionado com sucesso dentro da laringe e da traqueia. Esses métodos incluem a observação de umidade no tubo traqueal, elevação e rebaixamento do tórax, retorno total do volume corrente durante a expiração, ausculta dos sons respiratórios e detecção mantida do dióxido de carbono no final da expiração.

Guias introdutores maleáveis (bougies) Os bougies são adjuvantes de baixo custo que podem ajudar a intubação quando a visão laríngea é pobre (grau 3 ou 4 de Cormack-Lehane). Esses estiletes semiflexíveis podem ser manipulados às cegas sob a epiglote e dentro da traqueia. O operador muitas vezes percebe “cliques” quando a ponta do bougie passa sobre os anéis da traqueia. Então, um TET é “passado” pelo bougie e para dentro da traqueia.

Estiletes ópticos Os estiletes ópticos incorporam tanto os elementos ópticos como a fonte de luz em uma única bainha de aço inoxidável semelhante a um estilete.

Videolaringoscopia A videolaringoscopia (VL) imita as ações de um laringoscópio tradicional, mas, com a colocação de um dispositivo de imagem na extremidade distal de uma lâmina de laringoscópio, elimina a necessidade de uma linha de visão direta para a glote. O primeiro videolaringoscópio disponível foi o Glidescope, que tem uma lâmina angulada em 60 graus. Os videolaringoscópios com canal incorporaram um canal semicircular juntamente com os elementos ópticos. Esses laringoscópios têm um formato anatômico com um ângulo praticamente reto entre o segmento manuseado oralmente e o segmento faríngeo-hipofaríngeo. Os canais estão alinhados com a visão laringoscópica, de modo que, uma vez visualizada a glote, um tubo pré-acoplado e lubrificado é avançado pelo canal. A American Society of Anesthesiologists (ASA) Difficult Airway Taskforce recomenda que um videolaringoscópio deva estar disponível como dispositivo de primeira tentativa de resgate para todos os pacientes que são intubados (9). A VL melhora a capacidade de visualização da laringe, e o sucesso da intubação é de 97 a 98%. Um benefício adicional é a redução da movimentação cervical em comparação com a LD, que parece ser mais acentuada com os dispositivos de canal.

G. Controle do conteúdo gástrico Risco de aspiração A prevenção da aspiração pulmonar de conteúdo gástrico é uma preocupação primária durante o manejo da via aérea. Estados fisiológicos alterados (p. ex., gravidez e diabetes melito) e patologia gastrintestinal (p. ex., obstrução intestinal e peritonite) afetam adversamente a taxa de esvaziamento gástrico, aumentando, assim, o risco de aspiração. Líquidos claros podem ser administrados a crianças e adultos até 2 e 3 horas (respectivamente) antes da anestesia sem um risco aumentado de regurgitação e aspiração (10). A ASA recomenda um período de jejum de quatro horas para o leite materno e de seis horas para o leite não humano, fórmula láctea infantil e refeição sólida leve. A redução da acidez gástrica pode ser obtida com o auxílio de antagonistas do receptor H2 e inibidores da bomba de prótons, que também reduzem o volume gástrico. A solução oral de citrato de sódio aumenta o pH gástrico (mais alcalino) e deve ser ideal-

Até 96% das falhas nas tentativas de intubação com laringoscopia direta podem ser resgatadas com uma videolaringoscopia.

384

Fundamentos de anestesiologia clínica mente administrada 1 hora antes da cirurgia. Uma sonda nasogástrica pode ser usada para reduzir o volume gástrico antes da anestesia em pacientes com alto risco de regurgitação.

Indução em sequência rápida

VÍDEO 20.9 Pressão cricoide

A indução em sequência rápida (ISR) está indicada quando a aspiração de conteúdo gástrico representa um risco significativo. O objetivo da ISR é obter o controle da via aérea no mais curto espaço de tempo após a ablação dos reflexos de proteção das vias aéreas com a indução da anestesia. Na técnica de ISR, um agente intravenoso para a indução anestésica é administrado e imediatamente seguido de um fármaco bloqueador neuromuscular de ação rápida. A laringoscopia e intubação são feitas assim que o relaxamento muscular é confirmado. É usada uma pressão cricoide (manobra de Sellick), o que implica o deslocamento para baixo da cartilagem cricoide contra os corpos vertebrais, na tentativa de suprimir o lúmen esofágico. A eficácia da pressão cricoide é questionável, uma vez que pode dificultar a laringoscopia. Historicamente, a ventilação por máscara facial não é realizada antes da intubação, mas poucas evidências suportam isso. Muitos médicos abandonaram essas duas últimas práticas citadas com base na falta de provas baseadas em evidências.

H. Inserção de dispositivos supraglóticos Existem vários DSGs especificamente desenvolvidos para facilitar a intubação. Esses DSGs são inseridos usando uma técnica semelhante à da ML clássica e de outros dispositivos supraglóticos. Uma vez inserida, a máscara é inflada e tenta-se a ventilação. Depois que a ventilação adequada é alcançada, um TET é avançado pelo canal da ML. Embora a ML Fastrach forneça uma intubação às cegas, um fibroscópio deve ser usado para as demais variedades. Uma vez obtida e confirmada a intubação, o DSG usado para a intubação pode ser removido, deixando, no lugar, um TET.

I. Extubação da traqueia Os critérios para a extubação pós-cirúrgica de rotina estão descritos no Tabela 20.7. Depois que se solicita ao paciente que abra a sua boca, uma sonda de aspiração é usada para remover as secreções supraglóticas ou sangue. Permite-se que a pressão da via aérea aumente para 5 a 15 cm de H2O para facilitar uma “tosse passiva”, e o tubo endotraqueal é removido depois que seu balonete (quando presente) for desinflado (4). Se a tosse ou o esforço da tosse for contraindicado ou perigoso (p. ex., na presença de

TABELA 20.7

Critérios para a extubação pós-cirúrgica “acordado”

Critérios clínicos subjetivos: Respirando espontaneamente Segue comandos Mantém a cabeça elevada durante cinco segundos Reflexo de vômito intacto Vias aéreas livres de detritos Controle adequado da dor Concentração expiratória final mínima de anestésicos inalatórios Critérios objetivos: Capacidade vital: ≥ 10 mL/kg Pico da pressão inspiratória negativa: ≥ 20 cm H2O Volume corrente > 6 ml/kg Contração tetânica sustentada (5 segundos) Razão T1/T4 > 0,7

Capítulo 20 TABELA 20.8

Manejo da via aérea

Complicações da extubação traqueal

Falha no trabalho respiratório (p. ex., anestesia residual) Hipóxia (p. ex., atelectasia) Obstrução da via aérea superior (p. ex., edema, anestesia residual/redução do tônus da via aérea superior) Obstrução relacionada à prega vocal (p. ex., laringospasmo, paralisia de prega vocal) Obstrução traqueal (p. ex., edema subglótico) Broncoespasmo (irritação da via aérea decorrente do tubo endotraqueal) Aspiração (decorrente de redução dos reflexos de vômitos e deglutição) Hipertensão Aumento da pressão intracraniana Aumento da pressão ocular Aumento da pressão da parede abdominal (risco de deiscência da ferida)

uma pressão intracraniana elevada), a extubação pode ser realizada com o paciente em um plano cirúrgico da anestesia e respirando espontaneamente (extubação “profunda”). A extubação profunda é útil quando, por exemplo, uma laringoscopia é necessária após uma tireoidectomia para visualizar a função das pregas vocais. Existem três requisitos para a extubação profunda: (a) ajuste da máscara e ventilação excelentes durante a indução, (b) nenhum procedimento cirúrgico dentro das vias aéreas e (c) estômago vazio. A extubação da traqueia tem um potencial próprio de complicações e pode ser mais perigosa do que o ato da intubação (Tab. 20.8).

Extubação difícil A obstrução das vias aéreas é uma causa comum da falha na extubação. A recuperação incompleta do relaxamento neuromuscular, o sangue aspirado e o edema de úvula, palato mole, língua e estruturas da glote podem contribuir para a obstrução (11). O laringospasmo após a remoção do TET também pode levar à falha na extubação, sendo responsável por 23% de todos os eventos respiratórios pós-operatórios em adultos (3). A paralisia unilateral de pregas vocais pode resultar do traumatismo do nervo laríngeo recorrente durante a cirurgia de pescoço. A obstrução das vias aéreas pode ocorrer se o nervo contralateral foi danificado previamente. A disfunção transitória das pregas vocais e a disfunção da deglutição foram demonstradas na ausência de lesão, colocando pacientes saudáveis em risco de aspiração após anestesia geral. Os agentes farmacológicos usados durante as fases de manutenção e de acordar da anestesia também podem afetar o sucesso da extubação. Embora as concentrações baixas de anestésicos inalatórios potentes (p. ex., concentração alveolar mínima de 0,2) não alterem a resposta respiratória ao dióxido de carbono, elas podem embotar resposta à hipóxia. Os opioides e, em menor extensão, os benzodiazepínicos, afetam a hipercarbia e as respostas respiratórias à hipóxia. Alguns relaxantes musculares adespolarizantes também podem reduzir as respostas ventilatórias à hipóxia.

Identificação de pacientes com risco de complicações no momento da extubação Todos os pacientes devem ser avaliados quanto ao potencial de extubação difícil, assim como são avaliados para uma potencial intubação difícil. Várias situações clínicas bem-

385

386

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 20.9 Situações clínicas com risco aumentado de complicações no momento da extubação

VÍDEO 20.10 Anafilaxia

Edema (local, generalizado, angioneurótico)

Estreitamento da via aérea

Cirurgia de tireoide

Risco de lesão do nervo laríngeo recorrente

Laringoscopia (diagnóstica)

Edema, laringospasmo (especialmente após biópsia)

Uvulopalatoplastia

Edema orofaríngeo e palatino

Apneia obstrutiva do sono

Obstrução da via aérea superior

Endarterectomia carotídea

Hematoma da ferida, edema glótico, paralisias de nervo

Trauma maxilofacial

Fratura de laringe, fios mandibulares/maxilares

Descompressão/fixação de vértebra cervical

Edema supraglótico e hipofaríngeo

Anafilaxia

Estreitamento laringotraqueal

Infecções hipofaríngeas

Estreitamento laringotraqueal

Síndromes de hipoventilação

Anestesia residual, apneia obstrutiva do sono, miastenia grave, obesidade mórbida, doença pulmonar obstrutiva crônica grave

Síndromes hipoxêmicas

Descompasso entre ventilação – perfusão, aumento do consumo de oxigênio, comprometimento da difusão de oxigênio alveolar, anemia grave

Reflexos de proteção da via aérea inadequados Aumento do risco de aspiração

-conhecidas podem colocar os pacientes em risco aumentado para dificuldades com oxigenação ou ventilação no momento da extubação (Tab. 20.9). As estratégias de manejo variam de ventilação continuada à preparação do equipamento de reintubação para ser usado em caso de necessidade até o estabelecimento de uma ponte ou guia para a reintubação ou oxigenação. Vários obturadores que podem ser deixados na via aérea por períodos prolongados estão disponíveis para serem usados na tentativa de extubação. Esses dispositivos geralmente são conhecidos como cateteres de troca das vias aéreas (AECs, do inglês airway exchange catheters). O sucesso da primeira tentativa de reintubação é significativamente maior, e a incidência de hipóxia é menor em pacientes com um cateter de troca mantido (12). Os AECs têm sido associados com uma morbidade significativa, incluindo a perda do controle da via aérea, traumatismo de mucosa, pneumotórax, intubação esofágica e morte.

J. Algoritmo de via aérea difícil Algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists A dificuldade e falha no manejo da via aérea são responsáveis por 2,3% dos óbitos anestésicos nos Estados Unidos. A American Society of Anesthesiologists (ASA) define a via aérea difícil como a situação na qual o “anestesiologista treinado de modo convencional é confrontado com dificuldades de intubação, de ventilação sob máscara ou ambas” e definiu o algoritmo para via aérea difícil (ASA-AVAD, Fig. 20.7) para a abordagem de tal cenário (10). A entrada no algoritmo começa com a avaliação da via aérea, que deve direcionar o médico a entrar no ASA-AVAD em um de seus dois pontos fundamentais: intubação acordado (Fig. 20.7) ou tentativas de intubação após a indução de anestesia geral (Fig. 20.7). A intubação com paciente acordado é esco-

Capítulo 20 A

B

Intubação com paciente acordado Abordagem da via aérea por meio de intubação não invasiva

Com sucesso*

Cancelar o caso

Acesso invasivo da via aérea (b)*

Intubação após a indução da anestesia geral

Tentativas iniciais de intubação bem-sucedidas*

Tentativas de intubação inicial SEM SUCESSO A PARTIR DESSE PONTO CONSIDERE: 1. Pedir ajuda 2. Voltar à ventilação espontânea 3. Acordar o paciente

Falha

Considerar a viabilidade Acesso invasivo (a) (b) * de outras opções da via aérea

VENTILAÇÃO POR MÁSCARA ADEQUADA

387

Manejo da via aérea

VENTILAÇÃO POR MÁSCARA FACIAL INADEQUADA CONSIDERAR/TENTAR DSG

DSG ADEQUADO* VIA NÃO EMERGENCIAL Ventilação adequada, intubação sem sucesso Abordagens alternativas da intubação (c)

Intubação com sucesso*

VIA EMERGENCIAL Ventilação inadequada, intubação sem sucesso

SE A VENTILAÇÃO POR MÁSCARA FACIAL E DSG SE TORNAREM INADEQUADAS

Solicitar ajuda (e)

Ventilação não invasiva emergencial de via aérea

FALHA após múltiplas tentativas

Acesso invasivo (b)* da via aérea

DSG INADEQUADO OU IMPOSSÍVEL

Ventilação com sucesso

Considerar a viabilidade de (a) outras opções

Paciente (d) acordado

FALHA

Acesso invasivo emergencial de via aérea(b)*

*Confirmar ventilação, intubação traqueal ou colocação de DSG com CO2 exalado. a. Outras opções incluem (mas não estão limitadas a): cirurgia usando anestesia sob máscara facial ou dispositivo supraglótico (DSG) (p. ex., ML, MLi, tubo laríngeo), anestesia local por infiltração ou bloqueio regional de nervo. A execução dessas opções normalmente indica que a ventilação com máscara não será problemática. Portanto, essas opções podem ter um valor limitado quando esse passo do algoritmo for alcançado pela Via Emergencial.

c. Uma abordagem alternativa da intubação difícil inclui (mas não está limitada a): laringoscopia assistida por vídeo, lâminas de laringoscopia alternativas, DSG (p. ex., ML ou MLi) como um conduto para intubação, guia de intubação ou trocador de tubo, estilete luminoso e intubação oral ou nasal às cegas.

b. O acesso invasivo da via aérea inclui a via aérea cirúrgica ou percutânea, ventilação por jato (do inglês, jet-ventilation) e intubação retrógrada.

e. A ventilação emergencial não invasiva da via aérea consiste em um DSG.

d. Considere preparar o paciente novamente para uma intubação acordado ou cancele a cirurgia.

FIGURA 20.7 Algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists. A. Intubação com paciente acordado. B. Intubação após a indução de anestesia geral. (De Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al; American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology. 2013 Feb;118(2):251-70, com permissão.)

lhida quando se antecipa uma dificuldade que colocará a vida do paciente em perigo, enquanto o manejo da via aérea após a indução é escolhido quando não se espera por uma situação incorrigível.

Algoritmo de abordagem da via aérea Isso foi posteriormente delineado por Rosenblatt em uma árvore de decisão pré-operatória (13), conhecida como o algoritmo de abordagem da via aérea (AAA, do inglês

388

Fundamentos de anestesiologia clínica Algoritmo de abordagem da via aérea 1. O controle da via aérea é necessário?

Não

Considere regional/ infiltrativa

Não

Quadro B, algoritmo de via aérea difícil

Sim 2. Uma laringoscopia direta pode ser difícil? Sim 3. Poderá ser usada ventilação supraglótica, se necessária? Sim 4. O estômago está vazio? (Há risco de aspiração?)

Não

Quadro A, algoritmo de via aérea difícil

Sim 5. O paciente pode tolerar um período de apneia?

Sim

6. Jet ventilation transtraqueal?

Quadro B, algoritmo de via aérea difícil

FIGURA 20.8 Algoritmo de abordagem da via aérea: uma árvore de decisão para entrar no algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists. (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:788, com permissão.)

airway approach algorithm). A Figura 20.8 descreve o AAA, um algoritmo simples de via única para entrada no ASA-AVAD, que segue cinco passos: 1. O controle da via aérea é necessário? Pode ser aplicada uma anestesia regional ou infiltrativa? 2. A intubação traqueal pode ser difícil (de alguma forma)? Baseado na avaliação das vias aéreas. 3. A ventilação supraglótica pode ser usada, se necessário? Se a intubação e ventilação forem difíceis, escolhe-se uma intubação com o paciente acordado (Fig. 20.7 A). 4. Existe risco de aspiração? O paciente com risco de aspiração não é um candidato para o uso eletivo de DSG. Se a intubação também for avaliada como difícil, Opta-se pela conduta descrita no Quadro A da Figura 20.7. 5. O paciente pode tolerar um período de apneia? Caso ocorra uma falha na intubação e a ventilação pelo DSG for inadequada, o paciente sofrerá uma dessaturação rápida? Se for assim, a melhor escolha é a intubação com paciente acordado (Fig. 20.7 A). O ASA-AVAD mostra-se verdadeiramente útil na presença de uma via aérea difícil inesperada. Quando as tentativas iniciais falham, realiza-se suporte com ventilação por máscara. Em seguida, se necessário, o médico pode passar para a técnica mais conveniente ou adequada para estabelecer a intubação traqueal. O número de tentativas de laringoscopia deve ser limitado (14). Isso ocorre porque o traumatismo de tecidos moles pode resultar de múltiplas laringoscopias, o que diminui a eficácia de uma máscara facial de resgate ou ventilação supraglótica. Quando a ventilação por máscara falha,

Capítulo 20

Manejo da via aérea

389

A

Hioide

B Epiglote Cartilagem tireoide

C Membrana cricotireóidea

Cartilagem cricóidea Ligamento cricotraqueal

FIGURA 20.9 Áreas de administração de anestésico para o manejo de via aérea acordado: a cavidade nasal/nasofaríngea (A), faringe/base da língua (B), hipofaringe e (C) laringe/traqueia.

o algoritmo sugere a ventilação supraglótica por meio de um DSG. Se a ventilação por DSG não mantiver o paciente adequadamente, a via de emergência é acionada e o ASA-AVAD sugere o uso de oxigenação transtraqueal ou uma via aérea cirúrgica.

K. Manejo da via aérea com o paciente acordado O manejo da via aérea com o paciente acordado permite a manutenção da ventilação espontânea e proteção da via aérea, caso a via aérea não possa ser rapidamente garantida. Um agente sedativo pode ser usado durante a intubação com paciente acordado, mas o médico deve se lembrar de que produzir obstrução ou apneia em um paciente com via aérea difícil pode ser devastador. A administração de um antisialogogo, geralmente a atropina ou glicopirrolato, é importante para o sucesso das técnicas de intubação com paciente acordado, uma vez que mesmo pequenas quantidades de líquido podem obscurecer as lentes ou objetivas de instrumentos ópticos indiretos (p. ex., escopia de intubação flexível ou rígida, videolaringoscópio). A vasoconstrição das passagens nasais também é necessária para a instrumentação dessa parte da via aérea. Os anestésicos locais são fundamentais para as técnicas de controle da via aérea com paciente acordado (ver Cap. 12). A anestesia tópica e as técnicas de bloqueio de nervo são comumente usadas para diminuir os reflexos das vias aéreas e fornecer analgesia. Este capítulo aborda as opções não invasivas. O médico direciona o tratamento anestésico local para três áreas anatômicas: a cavidade nasal/nasofaringe, a faringe/base da língua e a hipofaringe/laringe/traqueia (Fig. 20.9). Aplicadores com ponta de algodão embebido em um anestésico local são passados ao longo da borda inferior da concha média da cavidade nasal até alcançar a parede posterior da nasofaringe, onde são deixados durante 5 a 10 minutos. O nervo glossofaríngeo pode ser bloqueado, bem como seus ramos transversais atrás das pregas palatoglossais. Essas pregas são observadas como elevações de tecido

A intubação eletiva com paciente acordado é relativamente contraindicada pela recusa do paciente, incapacidade de cooperar (p. ex., crianças, retardo mental grave, intoxicação) ou alergia a anestésicos locais.

390

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 20.10

Contraindicações para intubação com escopia flexível

Hipóxia Secreções significativas de via aérea que não melhoram com antissialogogos e aspiração Sangramento de via aérea que não melhora com aspiração Alergia a anestésico local (para tentativas acordado) Incapacidade de cooperar (para tentativas acordado)

VÍDEO 20.11 Intubação com traqueostomia

mole que se estendem da borda posterior do palato mole até a base da língua. Uma técnica não invasiva emprega aplicadores com ponta de algodão, embebidos em anestésico e posicionados contra a região mais inferior das pregas e lá mantidos por 5 a 10 minutos. Em muitos casos, a aplicação de anestésicos tópicos nas cavidades faríngea/ hipofaríngea fornece analgesia adequada da hipofaringe, laringe e traqueia. Agentes anestésicos adicionais também podem ser injetados para baixo no canal de trabalho de um endoscópio de intubação flexível. Quando a intubação com o paciente acordado falha, o médico tem várias opções. Essas podem incluir o cancelamento de um caso cirúrgico não emergencial até que equipamentos ou pessoal especializado possam ser organizados para um retorno à sala de cirurgia, o uso de técnicas anestésicas regionais ou, se a situação o exigir, uma via aérea cirúrgica (p. ex., a traqueostomia).

L. Manejo da via aérea por meio de intubação flexível A intubação flexível é a ferramenta mais versátil para situações nas quais é difícil ou perigoso criar uma linha de visão para a glote. A escopia permite que o médico manobre através de muitas obstruções patológicas da via aérea, bem como da anatomia normal que não pode ser manipulada com segurança (p. ex., coluna cervical instável ou fixa). Ao contrário dos outros dispositivos usados para intubar a traqueia, a intubação flexível também permite a visualização das estruturas abaixo do nível das pregas vocais. Isso é útil para a caracterização de patologia subglótica e para verificar o posicionamento de um tubo traqueal. A escolha de uma intubação por via oral ou nasal baseia-se nas necessidades clínicas, experiência do operador e outras técnicas de intubação disponíveis se a intubação flexível falhar. As contraindicações para a intubação auxiliada por endoscópio flexível são relativas (Tab. 20.10). Embora a intubação auxiliada por endoscópio flexível seja uma técnica versátil e vital, existem muitas armadilhas. A Tabela 20.11 apresenta as razões mais comuns para seu fracasso. TABELA 20.11

Razões comuns para a falha da intubação com escopia flexível

Falta de experiência do anestesiologista Falha em limpar adequadamente a via aérea (subdosagem de antissialogogos, técnica apressada) Falha em anestesiar adequadamente a via aérea (paciente acordado) Sangramento da cavidade oral: vasoconstrição/lubrificação inadequada, técnica apressada Base da língua obstrutiva: deslocamento insuficiente da língua (pode necessitar de afastamento impetuoso/extrusão da língua Incompatibilidade: a relação entro o diâmetro do tubo/escopia endotraqueal é desproporcional Embaçamento da escopia flexível: a aspiração ou o oxigênio não estão conectados ao canal de trabalho, broncoscópio frio

Capítulo 20 TABELA 20.12

Manejo da via aérea

391

Critérios para o uso de uma via aérea invasiva emergencial

Quando todos os cinco critérios estão presentes, é indicada uma via aérea invasiva emergencial: Impossível intubar Impossível ventilar Impossível acordar o paciente O dispositivo supraglótico falhou Existe hipoxemia clinicamente significativa

M. Dispositivos supraglóticos na falha da via aérea Falhas na intubação e na ventilação com máscara podem ser resgatadas com a inserção de um DSG. A principal desvantagem dos DSGs na reanimação é a falta de proteção mecânica contra regurgitação e aspiração, que é uma preocupação secundária em face da hipoxemia com risco de morte.

N. Procedimentos transtraqueais Quando a intubação, a máscara e a ventilação por DSG falham, o acesso da via aérea pela traqueia extratorácica pode ser justificado (Tab. 20.12). Essas técnicas variam de minimamente invasivas (p. ex., intubação retrógrada auxiliada por fios-guia e ventilação translaríngea percutânea a jato) a cirúrgicas (p. ex., cricotireotomia e traqueostomia a céu aberto). Embora essas técnicas se encontrem além do escopo deste capítulo, é importante estar ciente de sua existência na extremidade final do AVAD. Embora a Taskforce da ASA na via aérea difícil tenha fornecido à comunidade médica uma ferramenta imensamente valiosa para a abordagem do paciente com via aérea difícil, o algoritmo da ASA deve ser visto apenas como um ponto de partida. O julgamento, a experiência, a situação clínica e os recursos disponíveis afetam a adequação da via escolhida ou a divergência do algoritmo. Ao manejar uma via aérea difícil, o que prevalece é a flexibilidade e não a rigidez.

Referências 1. Shiga T, Wajima Z, Inoue T, et al. Predicting difficult intubation in apparently normal patients: A meta-analysis of bedside screening test performance. Anesthesiology. 2005; 103:429. 2. Langeron O, Masso E, Huraux C, et al. Prediction of difficult mask ventilation. Anesthesiology. 2000;92:1229. 3. Hagberg CA, ed. Benumof ’s Airway Management: Principles and Practice. Philadelphia, PA: Mosby; 2007. 4. Idrees A, Khan FA. A comparative study of positive pressure ventilation via laryngeal mask airway and endotracheal tube. J Pak Med Assoc. 2000;50:333. 5. Brimacombe JR, Brain AI, Berry AM, et al. Gastric insufflation and the laryngeal mask. Anesth Analg. 1998;86:914. 6. Brimacombe JR. Advanced uses: Clinical situations. In: Brimacombe JR, Brain AIJ, eds. The Laryngeal Mask Airway. A Review and Practical Guide. London: Saunders; 2004:138. 7. Turkstra TP, Smitheram AK, Alabdulhadi O, et al. The Flex-Tip™ tracheal tube does not reduce the incidence of postoperative sore throat: A randomized controlled trial. Can J Anaesth. 2011;58:1090. 8. Ulrich B, Listyo R, Gerig HJ, et al. The difficult intubation: The value of BURP and 3 predictive tests of difficult intubation. Anaesthesist. 1998;47:45. 9. Practice guidelines for management of the difficult airway. Anesthesiology. 2013;118(2): 251–270.

O médico não precisa ser especialista em todas as técnicas e equipamentos para a via aérea. Nenhum dispositivo pode ser considerado superior aos demais para todas as tarefas. Uma ampla gama de abordagens deve ser dominada, de forma que a falha de uma não impeça o manejo seguro da via aérea e um resgate emergencial.

392

Fundamentos de anestesiologia clínica 10. Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacologic agents to reduce the risk of pulmonary aspiration. Application to healthy patients undergoing elective procedures. Anesthesiology. 2011;114:495. 11. Cook TM, Woodall N, Frerk C. Fourth National Audit Project. Major complications of airway management in the UK: Results of the Fourth National Audit Project of the Royal College of Anaesthetists and the Difficult Airway Society. Part 1: Anaesthesia. Br J Anaesth. 2011;106(5):617–631. 12. Mort TC. Emergency tracheal intubation: Complications associated with repeated laryngoscopic attempts. Anesth Analg. 2004;99:607. 13. Rosenblatt W. The airway approach algorithm. J Clin Anesth. 2004;16:312. 14. Mort TC. Continuous airway access for the difficult extubation: The efficacy of the airway exchange catheter. Anesth Analg. 2007;105:1357.

Capítulo 20

Manejo da via aérea

393

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O valor preditivo positivo do escore de Mallampati para prever uma laringoscopia difícil é de aproximadamente: A. 20 a 30% B. 40 a 50% C. 60 a 70% D. 80 a 90% 2. Qual dos itens a seguir não pode ser dado a uma criança durante até seis horas após uma anestesia geral eletiva? A. Leite materno B. Refrigerante gaseificado C. Água gelatinizada D. Refeição sólida leve 3. Após uma tireoidectomia, nota-se que um paciente apresenta uma voz rouca recentemente adquirida. Qual dos seguintes itens é consistente com uma lesão do nervo laríngeo recorrente? A. Ausência de adução da prega vocal ipsilateral B. Ausência de abdução da prega vocal ipsilateral C. Perda da inervação sensorial acima das pregas vocais D. Paralisia do músculo cricotireóideo 4. Qual dos itens a seguir é uma contraindicação para a intubação intratraqueal com fibra óptica com paciente acordado? A. Tonsila lingual B. Hipercarbia C. Secreções D. Paciente intoxicado 5. Um paciente (com índice de massa corporal 29) está agendado para uma colecistectomia laparoscópica, na qual você não pode prever uma laringoscopia difícil. Após a administração de propofol (200 mg) e de rocurônio (50 mg), você não consegue ventilar ou visualizar a laringe (após três tentativas). De acordo com o algoritmo ASA para via aérea difícil, seu próximo passo de manejo é: A. Pedir ajuda B. Voltar para a ventilação espontânea C. Acordar o paciente D. Inserir uma ML

6. Um paciente de 70 anos de idade, do sexo masculino, recebe atenolol 50 mg todas as manhãs para o tratamento de hipertensão. Duas horas após ter tomado sua dose matinal, ele está agendado para ser submetido a uma apendicectomia de emergência. Você planeja usar uma indução em sequência rápida com propofol e succinilcolina (via aérea Mallampati 1). Quando está pronto para iniciar a indução da anestesia, você percebe que a frequência cardíaca do paciente é de 50 batimentos por minuto. O método preferido de laringoscopia é o uso de: A. Miller 3 B. Macintosch 3 C. Laringoscopia de fibra óptica D. Todas as alternativas acima 7. Qual dessas variáveis tem o maior risco de ventilação com máscara difícil? A. História de roncos B. Índice de massa corporal > 26 C. Laringoscopia com fibra óptica D. Todas as alternativas acima 8. Em comparação com a pré-oxigenação com FiO2 = 1 durante cinco minutos, a pré-oxigenação com FiO2= 0,21 durante cinco minutos e um acoplamento apertado da máscara resulta em dessaturação: A. Duas vezes mais rápida B. Quatro vezes mais rápida C. Dez vezes mais rápida D. Diferença clinicamente irrelevante 9. Um homem de 70 anos de idade apresenta uma hemoptise clinicamente significativa. O cirurgião prefere fazer uma broncoscopia com fibra óptica por meio de um tubo endotraqueal. Qual das abordagens a seguir para assegurar a via aérea é relativamente contraindicada? A. Intubação retrógrada com guia B. Tubo combinado esôfago-traqueal C. Intubação por ML D. Broncoscopia com fibra óptica 10. A pressão máxima recomendada do balonete para um ML 4 é: A. 10 cm H2 O B. 20 cm H2 O C. 60 cm H2 O D. Nenhuma; é inserido um volume de 25 ml, independentemente da pressão no balonete

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Anestesia regional Alexander M. DeLeon Yogen G. Asher

21

I. Princípios gerais e equipamento Os cirurgiões e os pacientes muitas vezes preferem técnicas anestésicas regionais, devido à redução da dor perioperatória e a melhores tempos de alta a elas associadas. Um bloqueio regional pode ser usado juntamente com a anestesia geral para reduzir as necessidades de opioides, que podem causar náusea e sedação. Embora esses bloqueios exijam requinte técnico, conhecimento das indicações, contraindicações, efeitos colaterais e da farmacologia dos anestésicos locais, é necessário decidir quais serão os pacientes que devem receber um bloqueio.

A. Configuração e monitoramento Os bloqueios de nervos periféricos são com frequência realizados no pré-operatório fora da sala de cirurgia. O bloqueio nervoso pode ser feito e há tempo para produzir seu efeito antes que o paciente entre na sala de cirurgia. Monitores, tais como oxímetro de pulso, eletrocardiograma contínuo e manguitos de pressão arterial, devem ser instalados em todos os pacientes submetidos a um bloqueio de nervo periférico. Um “carrinho de bloqueio” deve estar em local próximo ao paciente e deve conter equipamento para a via aérea e suprimentos de emergência.

B. Estimuladores de nervos periféricos Os nervos motores podem ser identificados por meio do uso de estimuladores de nervos periféricos com ou sem o auxílio de ultrassonografia. A corrente mais baixa necessária para estimular uma resposta motora específica (< 0,5 mA) indica a proximidade da ponta de uma agulha estimuladora isolada em relação ao nervo. Impulsos de longa duração (> 0,3 ms) têm maior propensão de causar dor com a estimulação de nervos sensoriais, enquanto impulsos com duração mais curta (0,1 ms) causam desconforto significativamente menor, pois o componente motor do nervo é primariamente estimulado.

C. Anestesia orientada por ultrassom A prevalência do ultrassom para orientar a anestesia regional aumentou a sua popularidade. O ultrassom permite a visualização de estruturas nervosas e estruturas vasculares e a dispersão do anestésico local. A orientação ultrassonográfica não provou definitivamente ser mais segura ou eficaz, e ainda estão surgindo evidências que mostram que o ultrassom permite um início mais rápido da anestesia regional, doses mais baixas de anestésicos locais e menos punções com a agulha (1). Para obter uma visão ideal de um nervo-alvo, o conhecimento básico da física do ultrassom é útil.

A orientação por ultrassom não provou definitivamente ser mais segura ou eficaz. Contudo, estão surgindo evidências mostrando que o ultrassom permite um início mais rápido, doses mais baixas de anestésicos locais e menos passagens de agulhas.

396

Fundamentos de anestesiologia clínica

As diferenças na impedância acústica de uma estrutura em relação ao tecido circundante determinam se uma estrutura será visualizada durante o exame com ultrassom.

Transdutores de ultrassom de frequência mais alta têm menor penetração, mas uma melhor resolução, e, portanto, são úteis para a visualização de estruturas superficiais, incluindo a maioria dos nervos periféricos.

Os feixes de ultrassom são ondas sonoras acima do limiar da audição (> 20.000 MHz). A impedância acústica é a qualidade das estruturas que permite a visualização usando o ultrassom. As diferenças da impedância acústica de uma estrutura em relação ao tecido que a circunda determinam se ela será visualizada. Algumas estruturas têm uma maior propensão para atenuar um feixe de ultrassom. Por exemplo, ondas do ultrassom passam facilmente através dos vasos sanguíneos (i. e, com atenuação mínima), em comparação com o osso e o ar, que causam um alto grau de atenuação. Os transdutores têm variações de frequência. Transdutores com frequências mais altas têm menos penetração e melhor resolução e são úteis para estruturas superficiais, incluindo a maioria dos nervos periféricos. Os transdutores com frequências mais baixas são úteis para estruturas mais profundas, como o coração. Uma vez definida a profundidade adequada ao visualizar uma imagem de ultrassom, é possível ajustar seu “ganho”, clareando ou escurecendo a imagem. O Doppler colorido de fluxo pode ajudar a identificar os vasos sanguíneos devido à natureza turbulenta do fluxo sanguíneo em direção e para longe do transdutor. Para orientar a agulha com o transdutor, foram definidas duas técnicas: em plano e fora de plano (Fig. 21.1). O benefício de uma abordagem em plano é que ela permite que a agulha toda, incluindo a ponta, possa ser visualizada em todos os momentos.

D. Outros equipamentos relacionados Quando se deseja estimular o nervo, devem ser usadas agulhas isoladas. As agulhas desenvolvidas para bloqueios de nervos periféricos geralmente têm bisel curto para diminuir a probabilidade de causar danos a nervos e estruturas vasculares, ao contrário das agulhas com bisel longo, que se destinam a injeções intramusculares. Embora uma agulha-padrão isolada possa ser vista com ultrassom, agulhas hiperecoicas especialmente produzidas são consideravelmente mais fáceis de visualizar.

Alinhamento da agulha em plano (IP, do inglês in-plane) permite a visualização de toda a agulha

Alinhamento da agulha fora de plano (OOP, do inglês out-of-plane) fornece um “ponto” brilhante no local da penetração do feixe

FIGURA 21.1 Abordagens em plano versus abordagens fora de plano. (De Tsui BCH, Rosenquist RW. Peripheral nerve blockade. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 6a ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2009:959, com permissão.)

Capítulo 21

Anestesia regional

397

II. Evitando complicações As complicações dos bloqueios de nervos periféricos podem ser divididas em quatro categorias: toxicidade do anestésico local, lesão de nervo, infecções e danos a estruturas adjacentes. A toxicidade sistêmica do anestésico local é discutida no Capítulo 12. As técnicas para reduzir o risco de toxicidade sistêmica do anestésico local incluem redução da dose para a dose eficaz mais baixa, aspiração intermitente durante a injeção para assegurar que a ponta da agulha não entrou em um vaso sanguíneo, adição de marcadores intravasculares, como a adrenalina, combinados com o anestésico local e manutenção da comunicação com o paciente para avaliar sintomas de toxicidade sistêmica do anestésico local (p. ex., sabor metálico na boca, zumbido nos ouvidos). O ultrassom pode, teoricamente, evitar a lesão do nervo, mas não demonstrou conclusivamente ser capaz de reduzir tais complicações. As complicações infecciosas podem ser reduzidas com uma técnica estéril, tal como uma bainha estéril cobrindo a sonda de ultrassom. Os danos a estruturas associadas podem ser minimizados por meio da identificação de tais estruturas (p. ex., pleura e vasos sanguíneos). Outras complicações, como a formação de hematoma, podem ser minimizadas, evitando traumatismo para os vasos sanguíneos e evitando realizar anestesia regional em pacientes portadores de coagulopatias.

III. Técnicas específicas para cabeça, pescoço, extremidades superiores e tronco A. Cabeça e pescoço Os bloqueios da cabeça e do pescoço podem ser usados para diversos procedimentos, incluindo a endarterectomia de carótida, craniotomia com paciente acordado e cirurgias plásticas e maxilofaciais. Somente algumas poucas técnicas baseadas em referências anatômicas serão discutidas aqui.

Bloqueios do nervo supraorbital e supratroclear A divisão oftálmica do nervo trigêmeo (V1) supre o nervo supraorbital e supratroclear, que fornecem a inervação sensitiva à região anterior do couro cabeludo. O nervo supraorbital pode ser bloqueado com a injeção de anestésico local próximo ao forame supraorbital, acima da sobrancelha. O nervo supratroclear pode ser bloqueado estendendo essa injeção medialmente em aproximadamente 1 cm.

Bloqueio infraorbital O bloqueio infraorbital é útil para fornecer analgesia após uma correção de fenda labiopalatina. Esse ramo terminal da divisão maxilar do nervo trigêmeo (V2) pode ser bloqueado injetando anestésico local próximo ao forame infraorbital inferior do olho.

Bloqueio do plexo cervical superficial Os ramos ventrais de C2-4 formam o plexo cervical superficial e profundo. O plexo cervical superficial compreende quatro nervos (supraclavicular, cervical transversal, auricular maior e occipital menor) e pode ser localizado posterolateralmente ao esternocleidomastóideo ao nível da cartilagem cricoide. O auricular maior e os nervos occipitais fornecem inervação sensorial para a região lateral e posterolateral do couro cabeludo, respectivamente.

As melhores agulhas para uso em bloqueio de nervos periféricos são agulhas isoladas, com bisel curto e hipoecoicas.

398

Fundamentos de anestesiologia clínica Raízes ncos Tro

Nervo supraescapular Raízes (formadas pelos ramos anteriores)

Nervo peitoral lateral

tâ locu M u s cu

M

Nervo e artéria supraescapular

rior

C6

B

Romboide menor Fossa supraespinal

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Nervo escapular dorsal

+

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Elevador da escápula Nervo e artéria escapular dorsal

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Ramos terminais (nervos periféricos)

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Divisões Fascículos

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(ramos anteriores)

M

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T1

Nervo torácico longo

+ Nervo subclávio subescapulares * Nervos superior e inferior Nervo peitoral medial Nervo cutâneo medial do braço Nervo cutâneo medial do antebraço Nervo toracodorsal Ramos supraclaviculares Ramos infraclaviculares

Ligamento escapular transverso superior Incisura escapular Romboide maior

Fosca intraespinal

C

FIGURA 21.2 Níveis do plexo braquial. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, com permissão.)

Bloqueio do nervo occipital maior Para fornecer analgesia à região posterior do couro cabeludo, o nervo occipital maior (ramo dorsal C2) pode ser bloqueado ao longo da linha lateral da nuca até a protuberância occipital e adjacente (normalmente medial) à artéria occipital.

B. Bloqueio do plexo braquial O plexo braquial consiste nas raízes nervosas C5-T1 com uma contribuição variável de C4 e T2. Existem quatro abordagens principais para o bloqueio do plexo braquial: interscalênica, supraclavicular, infraclavicular e axilar (Fig. 21.2).

VÍDEO 21.1 Bloqueio do nervo interescalênico

Bloqueio interescalênico O bloqueio interescalênico é usado primariamente para a cirurgia do ombro (p. ex., artroplastia total do ombro, reparo de lesão do manguito rotador, cirurgia artroscópica do ombro). A abordagem interscalênica tem como alvo os nervos do plexo braquial superior (C4-7). As raízes inferiores do plexo braquial (C8-T1) são menos propensas ao bloqueio (Fig. 21.1). Os efeitos colaterais conhecidos do bloqueio interescalênico incluem a paralisia do nervo frênico, síndrome de Horner e paralisia do nervo laríngeo recorrente. A paralisia do nervo frênico tem sido relatada em até 100% dos pacientes, mas, com a introdução do ultrassom, a incidência caiu consideravelmente para 13% (2, 3). A síndrome de Horner resulta do bloqueio da cadeia simpática cervical e pode ser observada

Capítulo 21

Anestesia regional

Escaleno médio

Lateral

FIGURA 21.3 Posicionamento para o bloqueio interescalênico guiado por ultrassom. O paciente é sentado a 70 a 90 graus. O transdutor do ultrassom é posicionado ao nível da cartilagem cricoide (C6) no plano transverso com uma pequena angulação para baixo.

399

Escaleno anterior

Medial

FIGURA 21.4 A anatomia do ultrassom para o bloqueio interescalênico. As raízes C5-6 podem ser visualizadas entre os músculos escalenos anterior e médio.

em até metade dos pacientes submetidos a bloqueios interescalênicos. A incidência de rouquidão decorrente de um bloqueio interescalênico é de 10 a 20%. A abordagem interescalênica tem como alvo o nível das raízes distais ou troncos proximais do plexo braquial. Dois dos nervos primários do ombro, derivados das raízes nervosas C5-6, são bloqueados por meio dessa abordagem. O nervo supraclavicular (C4), que fornece a inervação cutânea para a parte superior do ombro, é frequentemente bloqueado pela abordagem interescalênica. Para realizar um bloqueio interescalênico guiado por ultrassom, o paciente é colocado em uma posição semissentada de 70 a 90 graus (Fig. 21.3). A ultrassonografia com um transdutor de alta frequência (7-10 MHz) começa acima do ponto médio da clavícula, no local em que está situada a artéria subclávia. Os nervos do plexo braquial estarão localizados lateralmente à artéria subclávia e devem ser rastreados até o nível da cartilagem cricoide, que corresponde ao nível da vértebra C6. A agulha é inserida posteriormente ao transdutor de ultrassom para a abordagem em plano (Fig. 21.4). Para executar um bloqueio interescalênico usando referências anatômicas, a fossa interescalênica deve ser palpada lateralmente à cabeça clavicular do esternocleidomastóideo ao nível da cartilagem cricoide (C6). A agulha deve ser avançada 60 graus em relação ao plano sagital até que seja obtida uma resposta motora no deltoide, bíceps ou tríceps com < 0,5 mA.

A introdução das punções guiadas por ultrassom reduziu a incidência de bloqueio do nervo frênico de aproximadamente 100% para 13% durante o bloqueio interescalênico.

Bloqueio supraclavicular O bloqueio supraclavicular está indicado para a cirurgia de cotovelo, punho e mão. O bloqueio supraclavicular também pode ser usado para a cirurgia de ombro. Entretanto ele tende a perder a distribuição de C4 e pode necessitar de um bloqueio do plexo cervical superficial caso seja necessária uma anestesia da parte superior do ombro. O bloqueio supraclavicular tem como alvo os troncos e as divisões distais (Fig. 21.2). Os efeitos colaterais são semelhantes aos do bloqueio interescalênico. Pode ocorrer paralisia do nervo frênico, mas sua ocorrência é de cerca da metade do bloqueio

VÍDEO 21.2 Bloqueio do nervo supraclavicular

400

Fundamentos de anestesiologia clínica

1ª costela Pleura Lateral

FIGURA 21.5 Posicionamento para o bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom.

Medial

FIGURA 21.6 Anatomia do ultrassom para o bloqueio supraclavicular. TS, tronco superior; TM, tronco médio; TI, tronco inferior; AS, artéria subclávia. O asterisco (*) representa o alvo da injeção “corner pocket”.

interescalênico. O pneumotórax também é possível, mas é menos comum quando se usa ultrassom. Para executar um bloqueio supraclavicular guiado por ultrassom, a ultrassonografia começa com um transdutor de alta frequência posicionado no ponto médio clavicular, com o transdutor de ultrassom angulado verticalmente, de forma semelhante ao início do bloqueio interescalênicno (Fig. 21.5). O plexo braquial é visualizado com um aglomerado de “uvas” lateral e superficial à artéria subclávia (Fig. 21.6). A localização-alvo para a ponta da agulha é posterior e ligeiramente lateral à artéria subclávia e tem sido descrita como a localização “corner pocket” (4). Devido ao risco de pneumotórax de até 6% com a técnica de referências anatômicas, outros tipos de bloqueio, como o bloqueio axilar e infraclavicular, substituem o bloqueio supraclavicular quando o ultrassom não está disponível.

Bloqueio infraclavicular O bloqueio infraclavicular pode ser usado de modo intercambiável com o bloqueio supraclavicular para a cirurgia de punho e mão, mas poupa a distribuição C5-6, que é necessária para a cirurgia de ombro. Comparado com o bloqueio supraclavicular, o bloqueio infraclavicular praticamente não tem qualquer risco de paralisia do nervo frênico e pode ser usado em pacientes com doença pulmonar preexistente. O bloqueio infraclavicular atua no nível dos fascículos médio, lateral e posterior (Fig. 21.2). Ao executar um bloqueio infraclavicular guiado por ultrassom, deve-se começar no plano parasagital medial ao processo coracoide e inferior à clavícula (Fig. 21.7). A artéria axilar está localizada profundamente em relação aos músculos peitoral maior e menor. O alvo é o fascículo posterior, que se encontra imediatamente profundo em relação à artéria subclávia (Fig. 21.8). Uma técnica baseada em referências anatômicas pode ser usada alternativamente. O local de inserção da agulha é imediatamente inferior à clavícula, 1 a 2 cm medialmente ao processo coracoide. O ângulo da agulha é perpendicular à pele com

Capítulo 21

Anestesia regional

401

Peitoral maior

Peitoral menor

V FL

AA

FM

FP Pleura

Cefálico

FIGURA 21.7 Posicionamento e colocação da agulha para um bloqueio infraclavicular guiado por ultrassom.

Caudal

FIGURA 21.8 Anatomia do ultrassom para o bloqueio infraclavicular. FL, fascículo lateral; FP, fascículo posterior; FM, fascículo medial; AA, artéria axilar; V, veia subclávia. O asterisco (*) representa o alvo da injeção.

um leve ângulo caudal (15-30 graus). Os pontos finais desejados são a extensão da mão ou do cotovelo, indicando estimulação do fascículo posterior, ou a flexão dos dedos, indicando a estimulação do fascículo medial. A flexão do bíceps indica estimulação do fascículo lateral e tem sido associada com uma elevada taxa de insucesso do bloqueio (6).

Bloqueio axilar O bloqueio axilar é uma abordagem mais distal do plexo axilar em comparação com os bloqueios infraclavicular e supraclavicular. O bloqueio axilar é realizado ao nível dos ramos terminais do plexo braquial (Fig. 21.2). Os nervos musculocutâneo, mediano, ulnar e radial são bloqueados, embora o nervo musculocutâneo possa necessitar de uma injeção adicional. Como os ramos terminais são visualizáveis individualmente usando o ultrassom, o bloqueio axilar pode ser usado como um bloqueio de resgate quando uma determinada distribuição é perdida com um bloqueio infraclavicular ou supraclavicular (Figs. 21.9 e 21.10). O nervo musculocutâneo termina como nervo cutâneo lateral do antebraço e pode não ser afetado pelo bloqueio axilar. Por essa razão, pode ser necessária uma injeção separada para abordar o nervo musculocutâneo em cirurgias que envolvem a região lateral do punho.

C. Bloqueios nervosos da extremidade superior Os ramos terminais do plexo braquial podem ser bloqueados individualmente usando abordagens mais distais. O uso do ultrassom para abordar especificamente os ramos terminais com a abordagem axilar fez com que o uso de bloqueios de resgates distais fosse menos comum. Esses bloqueios podem ser ideais em circunstâncias específicas, tais como um paciente que necessita de um bloqueio de resgate devido a um bloqueio supraclavicular inadequado e que não consegue abduzir o braço.

O nervo musculocutâneo termina como nervo cutâneo lateral do antebraço e pode não ser abordado por meio do bloqueio axilar.

402

Fundamentos de anestesiologia clínica

n.M. Bíceps AA

n.U.

V

n.R.

CB

Tríceps

Superior

FIGURA 21.9 Posicionamento e colocação da agulha para o bloqueio axilar guiado por ultrassom.

Inferior

FIGURA 21.10 Anatomia do ultrassom para o bloqueio axilar. n.M., nervo mediano; n.U., nervo ulnar; n.R., nervo radial; AA, artéria axilar; CB, coracobraquial.

Usando o ultrassom, o nervo mediano pode ser bloqueado na fossa antecubital. O nervo mediano é visualizado como uma estrutura medial hipoecoica situada medialmente em relação à artéria braquial. O nervo radial pode estar localizado na superfície anterior do cotovelo, 1 a 2 cm laterais ao tendão do bíceps, e seu aspecto é hipoecoico, semelhante ao nervo mediano. A estimulação nervosa pode ser usada para confirmar a identificação provocando uma resposta do nervo radial, como a extensão do punho ou dedo. O nervo ulnar pode ser localizado na metade do antebraço. O nervo apresentará um aspecto hiperecoico e situado imediatamente medial à artéria ulnar pulsante.

D. Anestesia regional intravenosa Comumente conhecida como bloqueio de Bier, a duração da anestesia regional intravenosa (ARIV) é limitada principalmente pela capacidade do paciente para tolerar a dor do torniquete. Portanto, a ARIV é indicada para cirurgias com duração de aproximadamente 40 minutos ou menos e que não necessitam de um bloqueio para analgesia pós-operatória. É comumente usada para liberação do túnel do carpo, liberação de dedos em gatilho e artroscopia do punho. Um acesso intravenoso (IV) é colocado em uma localização distal da mão a ser operada. Um torniquete duplo é colocado na parte superior do braço, e os torniquetes proximal e distal são claramente identificados. Uma faixa elástica é então utilizada para interromper a irrigação do braço, e o torniquete distal é inflado a 250 mmHg. Em seguida, o torniquete proximal é inflado seguido pela deflação do torniquete distal. A faixa elástica é removida e uma dose de 3 mg/kg de lidocaína é injetada. O acesso IV é removido antes da cirurgia. O paciente muitas vezes começa a se queixar da dor difusa do torniquete entre 20 e 40 minutos após a inflação do torniquete. O tratamento da dor do torniquete pode requerer que o torniquete distal seja inflado, seguido pela deflação do torniquete proximal. Se a cirurgia for completada antes dos 20 minutos, o torniquete deve permanecer inflado até que sejam decorridos pelo menos 20 minutos devido à associação com uma concentração intravenosa tóxica do anestésico local, quando o torniquete é liberado antes de decorridos os 20 minutos. Se um paciente começar a sentir sintomas de neurotoxicidade do anestésico local (p. ex., zumbido, dormência perioral), o torniquete deve ser novamente inflado e desinflado de maneira cíclica, até que os sintomas

Capítulo 21

Anestesia regional

403

não mais ocorram com a deflação. Após 45 minutos, o torniquete pode ser liberado com risco mínimo de neurotoxicidade sistêmica.

E. Bloqueios de nervos intercostais Os bloqueios de nervos intercostais são úteis em uma variedade de condições de dor aguda e crônica, desde fraturas de costela até o herpes-zóster. O nervo intercostal trafega entre os músculos intercostais internos e encontra-se inferiormente à artéria e veia intercostal, situadas abaixo e profundamente em relação à costela. Devido à proximidade com esses vasos e à alta taxa de absorção vascular de anestésicos locais, os pacientes devem ser adequadamente monitorados para a toxicidade sistêmica do anestésico local.

F. Bloqueios nervosos paravertebrais Delimitado medialmente pelos forames intervertebrais e pela coluna lateral, anteriormente pela pleura parietal e posteriormente pelo ligamento costotransverso superior, o espaço torácico paravertebral abriga a raiz do nervo espinal, que se divide em ramos dorsal e ventral. É medialmente contíguo com o espaço peridural por meio de forames, lateralmente em relação ao nervo e vasos intercostais e aos espaços paravertebrais cefalocaudais (Fig. 21.11). Quando se deseja uma analgesia unilateral (p. ex., para cirurgia de mama ou cirurgia torácica), o anestésico local pode ser injetado por uma injeção de grande volume ou múltiplas injeções de pequeno volume em níveis adjacentes. Quando realizada sob orientação do ultrassom, a pleura parietal parece estar sendo “empurrada para baixo” pela propagação do anestésico local durante a injeção. Complicações potenciais incluem pneumotórax, dispersão peridural ou intratecal do anestésico local, sangramento e infecção.

PT PT

LCS Pleura Cefálico

Caudal

FIGURA 21.11 Anatomia do ultrassom para o bloqueio paravertebral. A sonda está orientada no plano sagital ao nível de T2 – 3, 5 cm lateralmente à linha média. PT, processo transverso; LCS, ligamento costotransverso superior.

VÍDEO 21.3 Bloqueio do plano transverso abdominal (TAP, do inglês transversus abdominis plane block) guiado por ultrassom

404

Fundamentos de anestesiologia clínica

Transverso abdominal

Raízes nervosas

Reto abdominal Oblíquo interno Grande dorsal

Músculo oblíquo externo e aponeurose

Crista ilíaca

FIGURA 21.12 Anatomia do bloqueio do plano transverso abdominal. Os nervos (T7-L1) estão localizados na camada fascial entre os músculos oblíquo interno e abdominal transverso.

OE

TAP

OI

AT

Medial

Peritônio

Lateral

FIGURA 21.13 Anatomia do ultrassom para o bloqueio do plano transverso abdominal. OE, oblíquo externo; OI, oblíquo interno; TA, abdominal transverso. A legenda TAP indica o alvo da injeção.

Capítulo 21

Anestesia regional

G. Bloqueio do plano transverso abdominal No abdome anterior, profundamente ao plano fascial situado entre o músculo transverso abdominal e os músculos oblíquos internos, existe uma rede de terminações dos ramos ventrais das raízes nervosas T7-L1 e seus nervos comunicantes (Fig. 21.12). O plano se estende medialmente ao músculo reto abdominal, lateralmente ao grande dorsal, cranialmente ao arcabouço costal e caudalmente à crista ilíaca. A injeção de anestésico nessa localização proporciona analgesia da parede e pele abdominal e pode ser útil antes ou após cirurgia laparoscópica ou umbilical. Esse bloqueio é realizado com mais frequência com auxílio do ultrassom, mostrado na Figura 21.14, lateralmente à bainha do reto abdominal no dermátomo T10. Deve-se tomar cuidado para não atravessar o peritônio, que se situa profundamente em relação ao músculo transverso.

H. Bloqueio do nervo inguinal Os nervos ilioinguinal e ilio-hipogástrico, que se originam em L1, também estão localizados no plano transverso no abdome anterior. A injeção ao redor desses nervos pode facilitar a analgesia após cirurgia inguinal ou escrotal quando combinada com o bloqueio do nervo genitofemoral. Uma imagem ideal é obtida quando o transdutor está alinhado em um eixo entre a crista ilíaca anterossuperior e o umbigo. O Doppler pode ser útil para evitar a injeção inadvertida em pequenos vasos que, com frequência, estão adjacentes a esses nervos.

I. Bloqueio do nervo peniano Derivados do nervo pudendo, os nervos dorsais do pênis (S2-4) suprem a inervação sensorial da ponta e do corpo do pênis, desse modo o bloqueio peniano torna-se útil para cirurgia urológica distal, tal como a circuncisão. Os nervos estão localizados profundamente em relação à fáscia de Buck e lateralmente às artérias dorsais que, por sua vez, situam-se lateralmente em relação à veia dorsal profunda. Após aspiração cuidadosa, o anestésico local é injetado em duas injeções separadas na base do pênis. Geralmente, a adrenalina não faz parte da injeção para reduzir as preocupações com a isquemia distal.

IV. Considerações anatômicas para o bloqueio das extremidades inferiores Os bloqueios dos plexos lombar e sacral podem ser usados para a anestesia cirúrgica ou analgesia das extremidades inferiores. Quando comparados com a anestesia neuroaxial, os bloqueios nervosos periféricos da extremidade inferior fornecem analgesia prolongada sem efeitos colaterais como hipotensão, retenção urinária e fraqueza muscular contralateral. Em decorrência da separação anatômica entre os plexos lombar e sacral, uma injeção isolada não é capaz de fornecer uma anestesia completa de toda a extremidade inferior.

A. Plexo lombar O plexo lombar é formado pelos ramos ventrais das raízes nervosas de T12 e L1-4, bilateralmente, e dá origem a seis nervos principais: femoral, obturador, cutâneo femoral lateral, ilioinguinal, ilio-hipogástrico e genitofemoral (Fig. 21.14). O nervo femoral (L2-4) é o maior nervo do plexo lombar. Ele fornece a inervação primária do joelho e pode ser usado na analgesia pós-operatória para a artroplastia total do joelho, cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior e para cirurgias que envolvem o tendão patelar. O nervo femoral envia ramos motores para os músculos quadríceps e fornece a inervação cutânea da região anterior da coxa e do joelho. O nervo femoral está localizado a aproximadamente 1 a 2 cm lateralmente à artéria femoral, ao nível da prega inguinal. O ramo terminal do nervo femoral é o nervo sa-

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Plexo lombar

Plexo sacral

Nervo subcostal Nervo glúteo superior (L4, 5, S1)

Nervo ilioinguinal

Nervo glúteo inferior (L5, S1, 2)

Nervo ilio-hipogástrico Nervo genitofemoral

Nervo para o quadrado femoral (L4, 5, S1)

Nervo cutâneo femoral lateral

Para o tronco lombossacro Nervo femoral Nervo obturador

Nervo para o obturador interno (L5, S1, 2)

Nervo cutâneo posterior da coxa (S1, 2, 3) Nervo cutâneo perfurante (S2 & 3) Nervo pudendo (S2, 3, 4)

Nervo ciático

FIGURA 21.14 Anatomia dos plexos lombar e sacral. (De Tsui BCH, Rosenquist RW. Peripheral nerve blockade. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 6th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2009:983, com permissão.)

feno, que inerva a pele da região medial do joelho, panturrilha e tornozelo. O nervo safeno acompanha a artéria femoral lateralmente e cruza a artéria no canal adutor, continuando medialmente à artéria proximal ao joelho. O nervo obturador (L2-4) fornece a inervação cutânea da região medial da coxa e do joelho. A inervação motora dos adutores da perna (adutor longo, grácil, adutor curto e pectíneo) é fornecida em grau variável pelo nervo obturador. A região medial do joelho pode ser suprida por ramos articulares do nervo obturador. O nervo obturador trafega da borda medial do músculo psoas maior e, em seguida, trafega ao longo da parede lateral da cavidade pélvica em direção ao canal obturador. O nervo genitofemoral (L1-2) inerva o músculo cremaster e a pele sobre o escroto em homens e a parte anterior dos grandes lábios e púbis nas mulheres. O nervo cutâneo femoral lateral (L2-3) fornece a inervação cutânea da região lateral da coxa.

B. Plexo sacral Os ramos anteriores de S1-4 juntam-se ao tronco lombossacral após saírem dos forames sacrais em direção ao plexo sacral. Vários nervos são derivados do plexo sacral, incluindo o nervo pudendo, nervos glúteos e nervos pélvicos esplâncnicos, mas os nervos mais relevantes para a cirurgia da extremidade inferior são o nervo ciático e o nervo cutâneo posterior da coxa (Fig. 21.14). O nervo ciático (L4-S3) passa através da incisura ciática, anterior ao músculo piriforme, e, em seguida, trafega lateral e profundamente em relação ao tendão do bíceps femoral na prega glútea. Nesse nível, o nervo está localizado entre o tubérculo isquiático e o trocanter maior do fêmur. À medida que o nervo se aproxima da fossa poplítea, os dois componentes – tibial (medial) e fibular (lateral) – se separam a uma distância variável do joelho. O nervo fibular comum termina como nervo fibular superficial, fibular profundo e nervo sural no pé e, primariamente, inerva a superfície dorsal do pé e os dorsiflexores do pé. O nervo tibial inerva os flexores plantares do pé, incluindo os músculos gastrocnêmio, sólio, poplíteo e plantar. Os nervos do tornozelo derivados do nervo ciático incluem o tibial posterior, fibular superficial, fibular profundo e sural. O nervo safeno é o único nervo junto ao

Capítulo 21

Anestesia regional

407

tornozelo que é um ramo do nervo femoral. Os ramos posteriores do nervo tibial se ramificam em calcâneo, plantar medial e plantar lateral. O nervo tibial posterior fornece a inervação motora (flexores plantares), inervação cutânea (superfície plantar do pé) e inervação óssea do pé. O nervo fibular profundo fornece a inervação cutânea do espaço situado entre o primeiro e segundo pododáctilo e termina como segundo, terceiro e quarto nervos interósseos. O nervo fibular superficial fornece a inervação cutânea do dorso do pé, exceto para a região lateral do dorso do pé, que é fornecida pelo nervo sural. O nervo safeno supre a inervação cutânea para a região medial do tornozelo e pé.

V. Técnicas específicas para as extremidades inferiores A. Bloqueio do compartimento do psoas O bloqueio do compartimento do psoas é útil para a cirurgia unilateral do quadril ou da região anterior da perna em combinação com o bloqueio do nervo ciático e muitas vezes é guiado por meio de um neuroestimulador para obter uma resposta de contração do quadríceps. Essa resposta com frequência é obtida quando uma agulha de bloqueio isolada de 100 mm é inserida a uma profundidade de 1 a 2 cm em relação ao processo transverso L4 (algumas vezes L3). Devido à preocupação com a possibilidade de hematoma, sangramento retroperitoneal ou dispersão peridural, a consideração e o monitoramento cuidadosos, além de um médico experiente, são mandatórios para a conclusão segura e eficaz desse tipo de bloqueio.

B. Bloqueio do nervo femoral O nervo femoral pode ser bloqueado ao nível da prega inguinal com ou sem ajuda do ultrassom. Com o paciente em decúbito dorsal, palpa-se o pulso da artéria femoral. O local de inserção da agulha para a abordagem da marcação é de 1 a 1,5 cm lateralmente ao pulso femoral, com um trajeto levemente cefálico de cerca de 30 graus. O objetivo é a obtenção de uma resposta patelar ou do quadríceps a < 0,5 mA. Ao realizar o bloqueio do nervo femoral com ajuda do ultrassom, a artéria femoral é visualizada junto à prega inguinal. O nervo femoral é visualizado como uma estrutura triangular hiperecoica, lateral à artéria (Fig. 21.15). A estimulação do nervo pode ser usada em combinação com o ultrassom para confirmar uma resposta patelar ou do quadríceps.

C. Bloqueio do nervo safeno Um bloqueio do nervo safeno pode ser feito para obter anestesia da região medial da panturrilha e do tornozelo. O bloqueio do nervo safeno pode ser realizado ao nível médio da coxa usando a orientação por ultrassom. A artéria femoral passa a ser a artéria geniculada descendente, ao seguir seu trajeto ao longo da coxa. Inicialmente, o nervo safeno é lateral à artéria e transita em direção medial na metade distal da coxa. Com a utilização do ultrassom, o nervo pode ser visualizado como uma estrutura hiperecoica anterior e medial à artéria femoral, profunda em relação ao músculo sartório (Fig. 21.16).

D. Bloqueio do nervo cutâneo femoral e do nervo obturador A frequência com a qual são realizados os bloqueios do nervo cutâneo femoral e do obturador é relativamente baixa, uma vez que a cirurgia do joelho normalmente não requer um bloqueio fora das distribuições do nervo femoral e ciático. As descrições detalhadas desses bloqueios podem ser encontradas em um texto regional abrangente.

VÍDEO 21.4 Bloqueio do nervo femoral guiado por ultrassom

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Fundamentos de anestesiologia clínica

AF NF

VF

Iliopsoas

Lateral

Medial

FIGURA 21.15 Anatomia do ultrassom para o bloqueio do nervo femoral. NF, nervo femoral; AF, artéria femoral; VF, veia femoral.

Sartório

AFS V Nervo safeno

Anterior

Posterior

FIGURA 21.16 Anatomia do ultrassom para o bloqueio do nervo safeno no meio da coxa. AFS, artéria femoral superficial.

Capítulo 21

Anestesia regional

E. Bloqueio do nervo ciático O bloqueio do nervo ciático fornece uma anestesia completa do tornozelo e pé quando combinado com um bloqueio do nervo safeno. Cirurgias tais como a cirurgia para fusão articular do pé, reduções abertas e fixações internas de fraturas do tornozelo, reparações do tendão do calcâneo e artroplastias totais de tornozelo podem ser feitas com anestesia do nervo ciaticossafeno com sedação intraoperatória mínima. Classicamente, tem sido usada a abordagem glútea (Labat), mas com a crescente popularidade da ultrassonografia e a facilidade de visualização do nervo ciático ao nível da prega glútea, as abordagens mais distais passaram a ser favorecidas. As marcações para a abordagem glútea incluem uma linha oblíqua a partir da crista ilíaca superior até o trocanter femoral maior, estando o paciente em uma posição de semipronação, com o quadril e joelho fletidos e o lado a ser operado para cima. É traçada uma segunda linha do trocanter femoral maior até o hiato sacral. Uma terceira linha, perpendicular à primeira linha, cruzará a segunda linha no ponto aproximado de entrada da agulha (Fig. 21.17). Uma abordagem subglútea guiada por ultrassom pode ser realizada com o paciente em posição lateral ou de bruços. Pode ser usado um transdutor de alta frequência ou de baixa frequência. Muitos transdutores de alta frequência penetram 6 cm de profundidade e, assim, a grande maioria dos nervos ciáticos pode ser visualizada, reduzindo a necessidade de trocas de transdutor entre os diversos bloqueios. O nervo é visualizado levemente lateral e profundo em relação ao músculo bíceps femoral (Fig. 21.8). Um neuroestimulador pode ser usado para confirmar a identificação adequada do nervo ciático. Uma resposta motora de flexão plantar do pé indica que o componente medial (tibial) do nervo está sendo estimulado. Uma resposta em dorsiflexão (nervo fibular comum) ou eversão (nervo fibular superficial) indica que os componentes laterais do nervo estão sendo estimulados. Uma resposta em inversão é considerada ideal e significa que ambos os componentes (tibial e fibular) estão sendo estimulados. Independentemente da estimulação, a disseminação do anestésico local deve ser visualizada ao redor de ambos os componentes do nervo ciático. O bloqueio poplíteo é um bloqueio ciático distal realizado próximo à fossa poplítea. O nervo pode ser mais superficial com as abordagens distais, porém, se o bloqueio é tentado distalmente em relação à bifurcação dos nervos tibial e fibular, um dos

Cefálico

Caudal

Li

nh

a

ob

líq ua

Trocanter femoral maior

*

CIPS

Localização aproximada do nervo ciático CIPS = Crista ilíaca póstero-superior

5 cm

Linha para-horizontal

Hiato sacral

FIGURA 21.17 Anatomia de superfície para a abordagem glútea (Labat) do nervo ciático. (Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 6a ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2009:994, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

NCPC

Bíceps femoral

NCi

Lateral

Medial

FIGURA 21.18 Anatomia do ultrassom para o bloqueio infraglúteo do nervo ciático. NCi, nervo ciático; NCPC, nervo cutâneo posterior da coxa.

componentes pode ser perdido. Um bloqueio a aproximadamente 10 a 15 cm proximais à prega poplítea geralmente garante que os dois componentes sejam abordados. Uma técnica simples para a localização do nervo ciático para uma abordagem distal (poplítea) é começar pela visualização da artéria poplítea na fossa poplítea. O nervo tibial deve estar localizado superficial e ligeiramente lateral à artéria poplítea, na fossa poplítea. Então, o nervo tibial pode ser rastreado proximalmente, e o nervo fibular pode ser observado junto ao componente tibial. Muitos médicos consideravam o bloqueio do tornozelo como um bloqueio de “campo”, mas o uso do ultrassom fez do bloqueio anestésico do tornozelo um procedimento mais preciso.

F. Bloqueio do tornozelo A cirurgia do pé distal, incluindo as cirurgias de joanete, pode ser feita com um bloqueio anestésico do tornozelo. Muitos médicos consideravam o bloqueio do tornozelo como um bloqueio de “campo”, mas o uso do ultrassom transformou o bloqueio anestésico do tornozelo em um procedimento mais preciso. O nervo tibial posterior pode ser bloqueado usando um transfutor de ultrassom de alta frequência. O maléolo medial pode dificultar o posicionamento do transdutor de ultrassom. O escaneamento ligeiramente proximal ao maléolo medial evita esse problema. O nervo tibial posterior está localizado ligeiramente posterior e profundamente em relação à artéria tibial posterior (Fig. 21.19). A agulha pode ser colocada fora de plano, começando superior ou inferiormente ao transdutor. Um neuroestimulador pode ser usado para confirmar a identificação do nervo com a flexão do dedo do pé. O bloqueio do nervo fibular profundo pode ser executado ao nível de uma linha entre as bordas superiores dos maléolos medial e lateral. A localização da artéria tibial anterior e o nervo fibular profundo hiperecoico serão laterais.

Capítulo 21

Anestesia regional

TCalc V V

ATP

NTP

Maléolo medial Posterior

Anterior

FIGURA 21.19 Anatomia do ultrassom para o nervo tibial posterior ao nível do maléolo medial. TCalc, tendão do calcâneo; NTP, nervo tibial posterior; ATP, artéria tibial posterior; V, veia.

O nervo fibular superficial e o nervo safeno são bloqueados com um anel anestésico subcutâneo local de modo circunferencial ao redor do tornozelo, na borda superior dos maléolos medial e lateral. O nervo sural é bloqueado com injeção de anestésico local no espaço posterior ao maléolo lateral e anterior do calcâneo.

Referências 1. Liu SS, Ngeow JE, Yadeau JT. Ultrasound-guided regional anesthesia and analgesia: A qualitative systematic review. Reg Anesth Pain Med. 2009;34(1):47–59. 2. Renes SH, Rettig HC, Gielen MJ, et al. Ultrasound-guided low-dose interscalene brachial plexus block reduces the incidence of hemidiaphragmatic paresis. Reg Anesth Pain Med. 2009;34(5):498–502. 3. Urmey WF, Talts KH, Sharrock NE. One hundred percent incidence of hemidiaphragmatic paresis associated with interscalene brachial plexus anesthesia as diagnosed by ultrasonography. Anesth Analg. 1991;72(4):498–503. 4. Soares LG, Brull R, Lai J, et al. Eight ball, corner pocket: The optimal needle position for ultrasound-guided supraclavicular block. Reg Anesth Pain Med. 2007;32(1):94–95. 5. Brown DL, Cahill DR, Bridenbaugh LD. Supraclavicular nerve block: anatomic analysis of a method to prevent pneumothorax. Anesth Analg. 1993;76(3):530–534. 6. Rodriguez J, Barcena M, Alvarez J. Restricted infraclavicular distribution of the local anesthetic solution after infraclavicular brachial plexus block. Reg Anesth Pain Med. 2003;28(1):33–36.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Um bloqueio interescalênico guiado por ultrassom é realizado usando 25 mL de bupivacaína 0,5% com uma agulha de estimulador calibre 22 de bisel curto. Qual dos efeitos colaterais ou complicações a seguir são mais prováveis? A. Pneumotórax B. Paresia hemidiafragmática C. Síndrome de Horner D. Bloqueio do nervo laríngeo recorrente 2. Um homem de 54 anos de idade, saudável sob outros aspectos, está agendado para uma artroscopia do punho com duração estimada de 2,5 horas. Supondo que não existe nenhuma contraindicação para a anestesia regional, qual dos seguintes bloqueios seria melhor para o paciente? A. Regional IV (bloqueio de Bier) com lidocaína 0,5% B. Regional IV (bloqueio de Bier) com bupivacaína 0,5% C. Bloqueio interescalênico D. Bloqueio supraclavicular

3. Quais dos seguintes nervos é originalmente derivado do plexo sacral? A. Nervos tibial e fibular comum B. Nervo obturador C. Nervo cutâneo femoral lateral D. Nervo femoral 4. Um paciente está sendo submetido a um bloqueio do ciático por via glútea (Labat) guiado com um estimular de nervo periférico. Qual das alternativas a seguir é a resposta motora ideal para o pé ipsilateral, indicando que ambos os componentes do nervo ciático estão sendo estimulados? A. Dorsiflexão B. Eversão C. Inversão D. Flexão plantar

Posicionamento do paciente e lesões potenciais Mary E. Warner

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O princípio mais importante do posicionamento do paciente é “não lhe fazer mal”. Os anestesiologistas com frequência reduzem ou eliminam a capacidade de os pacientes perceberem as posições em que são colocados para determinados procedimentos, administrando-lhes fármacos analgésicos e anestésicos. Assim, os anestesiologistas, bem como outros membros da equipe cirúrgica, têm a responsabilidade de assegurar que os pacientes não sejam colocados em posições que possam prejudicá-los.

I. Anestesia e sedação: tão diferentes do sono normal Muitos de nós desenvolvemos sintomas leves de neuropatia perioperatória ou lesão de tecido mole ao dormir naturalmente. Podemos despertar do sono com um formigamento na distribuição do nervo ulnar. Os tecidos moles das nádegas podem se tornar dolorosos e nos despertar do sono quando dormimos sentados durante voos longos. Nosso despertar permite que nos movimentemos consciente ou inconscientemente, reduzindo o estiramento tissular e as forças de compressão que causaram nossos sintomas. Pacientes anestesiados ou sedados em geral têm sua capacidade de sentir suficientemente atenuada pelo uso de fármacos para impedi-los de acordar ou se mover. A imobilização prolongada de tecidos impactados leva ao desenvolvimento de edema intersticial e inflamação. Esses dois fatores exacerbam as forças de compressão e estiramento e, ao longo de um período de tempo suficiente, podem causar isquemia e outros danos tissulares significativos. A perda da capacidade dos pacientes sedados ou anestesiados de responder a estímulos dolorosos por meio de movimentos é o fator mais importante nos problemas posicionais perioperatórios e, por essa razão, os anestesiologistas recebem ensinamentos básicos em seu treinamento abordando questões posturais. Nem todos os problemas de posicionamento envolvem forças mecânicas sobre os tecidos. Embora essas sejam mais comuns, outros problemas de posicionamento podem resultar em danos ao paciente. Por exemplo, os pacientes anestesiados podem ser colocados em posições com a cabeça elevada (p. ex., durante uma cirurgia de ombro) e podem ter pressões de perfusão cerebral diminuídas se a pressão arterial for medida no braço (ou seja, com um manguito-padrão de pressão arterial) não for suficiente para conduzir o fluxo sanguíneo para o cérebro e superar o gradiente de pressão hidrostática entre a cabeça elevada e a extremidade superior. Do mesmo modo, os pacientes anestesiados podem ser colocados em posições de litotomia, nas quais as pernas são elevadas a um nível mais alto do que a medida da pressão arterial feita por meio de um manguito inflável na extremidade superior. Embora a pressão do paciente possa estar “normal” no nível da extremidade superior, ela pode ser insuficiente para bombear o sangue para cima contra

A força da gravidade reduz a pressão arterial. Pacientes com uma pressão razoável, mas baixa, medida em um braço, podem ter potencialmente uma isquemia na cabeça ou extremidade inferior elevada.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 22.1 O tecidos moles podem ser comprimidos e até mesmo se tornarem isquêmicos se houver pressão demasiada sobre eles durante longos períodos de tempo. Essa figura ilustra como os coxins para o tórax podem comprimir as regiões laterais de mamas grandes ou de um estoma em pacientes colocados em posição prona.

É demasiado simplista presumir que todas as neuropatias perioperatórias são decorrentes de compressão direta do nervo. Outros fatores podem estar envolvidos, como a inflamação.

a força da gravidade em direção às extremidades inferiores. A isquemia resultante pode causar danos tissulares hipóxicos e síndrome compartimental clínica. Os problemas do posicionamento perioperatório do paciente não foram bem estudados. Em muitos casos, os fatores etiológicos não são bem definidos ou conhecidos, ainda que muitos tenham sido propostos. Embora algumas etiologias sejam claras (p. ex., compressão direta de uma estomia em um paciente posicionado de bruços, causando isquemia dos tecidos estomais exteriorizados), algumas não são tão evidentes (Fig. 22.1). Por exemplo, muitos peritos em processos judiciais de negligência relatam que o posicionamento inadequado do paciente por parte dos anestesiologistas causa neuropatia ulnar perioperatória. Embora não haja dúvida de que a pressão direta sobre os nervos ulnares possa causar neuropatia isquêmica, em muitos casos está bem documentado que os anestesiologistas posicionaram diligentemente seus pacientes em posições que evitariam a pressão direta sobre seus nervos ulnares. A despeito dessa abordagem deliberada e presumivelmente preventiva do posicionamento do paciente, os pacientes desenvolveram uma neuropatia ulnar perioperatória. Por que isso acontece? A maioria dos pacientes que desenvolvem uma neuropatia ulnar perioperatória não se torna sintomática antes do segundo ao quinto dia após o procedimento (1). No entanto, a compressão direta dos nervos deve provocar isquemia imediata e sintomas de neuropatia. Assim, parece que fatores não relacionados ao posicionamento intraoperatório podem estar em jogo. Além disso, achados recentes sugerem que vários pacientes com neuropatia ulnar de início recente são portadores de microvasculite linfática de nervos periféricos, que é tratável com corticosteroides (2). Esse achado sugere que a resposta perioperatória associada com a maioria dos procedimentos cirúrgicos possa ser um fator no desenvolvimento daquilo que, inicialmente, parece ser uma simples lesão nervosa periférica isolada. Há muito mais para aprender sobre os problemas de posicionamento, e suposições etiológicas simples podem não ser corretas até que sejam cientificamente comprovadas. Este capítulo explica os mecanismos de lesão dos tecidos moles e lesões

Capítulo 22

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

perioperatórias comuns desses tecidos, ciente de que os fatores etiológicos e as medidas preventivas adequadas possam não ser conhecidos neste momento.

II. Mecanismos de lesão de tecidos moles O estiramento e a compressão tissular são comumente considerados como associados a problemas relacionados com o posicionamento em pacientes anestesiados ou sedados. As considerações anatômicas do período perioperatório incluem o estiramento e a compressão.

A. Estiramento Os nervos são bem vascularizados por artérias nutrientes curtas, que se dividem e fazem anastomose sobre eles e dentro deles. Essas são, efetivamente, as estruturas de uma vasa nervorum do nervo (Fig. 22.2). Em nervos periféricos, essas artérias diminutas se anastomosam profusamente para formar uma rede intraneural ininterrupta. Essa rede raramente deixa qualquer segmento específico de um nervo periférico dependendo de um único vaso para o fornecimento de nutrientes. Ela não é observada comumente no tecido nervoso central. O estiramento do tecido nervoso, especialmente para mais de 5% de seu comprimento de repouso, pode levar ao acotovelamento ou à redução dos lúmens de arteríolas alimentadoras e vênulas de drenagem (3). Esse fenômeno pode levar à isquemia direta decorrente da redução do fluxo sanguíneo arteriolar; isquemia indireta decorrente de congestão venosa, aumento da pressão intraneural e necessidade de altas pressões de condução do fluxo sanguíneo arteriolar, ou ambas. Períodos prolongados de isquemia podem causar lesão nervosa transitória ou permanente. A falta de redes vasculares extensas no sistema nervoso central sugere que ele tolera menos estiramento. Em geral, os tecidos moles são menos suscetíveis a lesões por estiramento do que o tecido nervoso. Esses tecidos muitas vezes são mais complacentes e elásticos, e muitos tecidos moles não necessitam do mesmo nível de fluxo sanguíneo que o tecido nervoso. No entanto, o estiramento prolongado de qualquer tecido mole pode resultar em isquemia e danos tissulares. Posições perioperatórias específicas dos pacientes podem aumentar o risco de estiramento de tecidos moles (p. ex., posições de bruços e seu impacto sobre o tecido mamário) (Fig. 22.1).

B. Compressão A pressão direta sobre os tecidos moles e nervosos pode reduzir o fluxo sanguíneo local e prejudicar a integridade celular, resultando em edema tissular, isquemia e, quando prolongada, necrose. O impacto é especialmente prejudicial aos tecidos moles passíveis de isquemia (p. ex., estomas associados com derivações gastrintestinais em estomas cutâneos) (Fig. 22.1).

III. Neuropatias perioperatórias comuns A. Neuropatias das extremidades superiores Neuropatia ulnar A neuropatia ulnar é a neuropatia perioperatória mais comum (4). Existem vários fatores que podem estar associados à neuropatia ulnar, incluindo a compressão nervosa extrínseca direta (frequentemente na região medial do cotovelo), a compressão nervosa intrínseca (associada à flexão prolongada do cotovelo) e a inflamação. Os pontos-chave de interesse são: • O sincronismo dos sintomas pós-operatórios: a maioria se desenvolve durante o período pós-operatório e não durante o período intraoperatório. Existem da-

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416

Fundamentos de anestesiologia clínica

Estendido

Neurovasculatura normal

A

Fletido

B

FIGURA 22.2 O efeito do estiramento de tecido e da compressão sobre o vasa nervorum de um nervo. A. Cotovelo estendido e nervo ulnar relaxado; notam-se arteríolas penetrantes e vênulas permeáveis. B. Cotovelo fletido, observa-se o estiramento das arteríolas penetrantes e vênulas, decorrente do alongamento do nervo ulnar ou compressão pelo retináculo do túnel cubital, podendo levar ao acotovelamento vascular, resultando em redução do fluxo sanguíneo arteriolar de fora para dentro do nervo (causando isquemia direta) e congestão venosa decorrendo da redução do fluxo das vênulas quando os vasos deixam o nervo (levando à isquemia indireta). A isquemia prolongada pode levar à lesão do nervo.

dos confiáveis de que a maioria dos pacientes cirúrgicos que desenvolvem uma neuropatia ulnar apresenta seus primeiros sintomas pelo menos 24 horas após a cirurgia. Isso sugere que o mecanismo de lesão aguda ocorre principalmente fora da sala de cirurgia. É importante também citar que os pacientes não cirúrgicos também podem desenvolver neuropatias ulnares durante a hospitalização. • Impacto da flexão do cotovelo: o nervo ulnar é o único nervo periférico importante no corpo que trafega no lado extensor de uma articulação – nesse caso, o cotovelo. Todos os demais nervos periféricos importantes trafegam primariamente no lado flexor das articulações (p. ex., nervos mediano e femoral). Essa diferença anatômica pode desempenhar um papel em algumas neuropatias ulnares perioperatórias. Em geral, os nervos periféricos começam a perder a função e desenvolvem focos de isquemia quando são estirados em mais do que 5% do seu comprimento de repouso. A flexão do cotovelo, especialmente > 90 graus, estira o nervo ulnar. A flexão e o estiramento prolongado do nervo ulnar podem resul-

Capítulo 22

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

417

Úmero Nervo ulnar Epicôndilo medial

Nervo ulnar Epicôndilo medial

Olécrano

Flexor ulnar do carpo

A

Retináculo do túnel cubital Aponeurose

Retináculo do túnel cubital Olécrano

B

FIGURA 22.3 A. O nervo ulnar do braço direito passa distalmente atrás do epicôndilo medial e abaixo da aponeurose que mantém juntas as duas cabeças do músculo flexor ulnar do carpo. A extremidade proximal da aponeurose é suficientemente espessa em 80% dos homens e 20% das mulheres e se diferencia anatomicamente do resto do tecido. Ela é comumente chamada de retináculo do túnel cubital. B. Visto de trás, o retináculo do túnel cubital comprime intrinsecamente o nervo ulnar quando o cotovelo é progressivamente flexionado além de 90° e a distância entre o olécrano e o epicôndilo medial aumenta.

tar em áreas isquêmicas suficientes para causar sintomas em pacientes acordados e sedados e danos potenciais de longa duração em todos os pacientes. • Anatomia e flexão do cotovelo: a flexão prolongada de mais de 90 graus do cotovelo aumenta a pressão intrínseca no nervo e pode ser um fator etiológico importante como pressão extrínseca prolongada (5, 6). O nervo ulnar passa atrás do epicôndilo medial e, em seguida, trafega sob a aponeurose que mantém unidos os dois corpos musculares do flexor ulnar do carpo. A borda proximal dessa aponeurose é suficientemente espessa, especialmente em homens, para ser separadamente denominada de retináculo do túnel cubital. Esse retináculo se estende desde o epicôndilo medial até o olécrano. A flexão do cotovelo estira o retináculo e gera altas pressões intrinsecamente sobre o nervo que passa sob ele (Figs. 22.3 e 22.4). • Supinação do antebraço e neuropatia ulnar: a supinação do antebraço e da mão, por si só, não reduz o risco de neuropatia ulnar. A ação da supinação do antebraço ocorre distalmente em relação ao cotovelo. A supinação é normalmente usada durante o posicionamento dos braços sobre as talas de braço ou nas laterais do paciente devido ao seu impacto sobre a rotação do úmero. Isto é, a supinação é desconfortável para a maioria dos pacientes, que acabam girando o úmero para aumentar o conforto. É essa rotação externa do úmero que eleva a região medial do cotovelo, incluindo o nervo ulnar, do repouso direto sobre a mesa ou da superfície da tala. Essa rotação ajuda a reduzir a pressão extrínseca sobre o nervo ulnar. • Resultados da neuropatia ulnar: quarenta por cento das neuropatias ulnares puramente sensoriais se resolvem dentro de cinco dias; 80% se resolvem dentro de seis meses. Algumas poucas neuropatias ulnares sensoriais e motoras combinadas se resolvem em cinco dias; apenas 20% se resolvem dentro de seis meses, e a maioria resulta em disfunção motora permanente e dor. As fibras motoras no nervo ulnar estão localizadas principalmente em sua região média. A lesão dessas fibras provavelmente está associada com uma isquemia mais significativa e lesão por pressão de todas as fibras nervosas ulnares, e a recuperação pode ser prolongada ou impossível.

Plexopatias braquiais As plexopatias braquiais ocorrem com mais frequência em pacientes submetidos à esternotomia. O risco para essa plexopatia em pacientes submetidos à esternotomia é

VÍDEO 22.1 Compressão do nervo ulnar

A neuropatia ulnar que se manifesta apenas pela perda sensorial tem um bom prognóstico. A maioria se resolve espontaneamente em alguns dias ou meses.

Fundamentos de anestesiologia clínica 50 Intraneural Pressão dentro do túnel cubital (mmHg)

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Extraneural 40

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20

10

0 0

10

20

30

40

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130

Ângulo de flexão do cotovelo (graus)

FIGURA 22.4 A pressão dentro do retináculo cubital junto ao cotovelo aumenta quando o ângulo de flexão do cotovelo atinge e excede os 90°. (De Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, et al. Changes in interstitial pressure and cross-sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow. An experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg.1998;80 (4):492–501, com permissão.)

particularmente alto naqueles com mobilização da artéria mamária interna. Presume-se que esse achado esteja associado com a retração concêntrica excessiva da parede torácica e a contração potencial do plexo entre a clavícula e o arcabouço costal ou estiramento do plexo. Por outro lado, os pacientes em posição de pronação e posição lateral têm um risco maior para o desenvolvimento desse problema do que os pacientes em posição supina. Os principais pontos de interesse são: • Aprisionamento do plexo braquial: existem muitos problemas que podem ocorrer com o plexo em pacientes posicionados em pronação e lateralmente. Por exemplo, o plexo braquial pode ficar aprisionado entre as clavículas comprimidas e a caixa torácica. Especial atenção deve ser dada a posições alteradas que possam exacerbar esse problema potencial. • Posicionamento em pronação: em pacientes posicionados em pronação, é prudente dobrar os braços lateralmente, se possível; muitos pacientes apresentam alterações de potenciais somatossensoriais evocados quando seus braços são abduzidos (p. ex., uma posição de “rendição”). • Anatomia da abdução do ombro: a abdução do ombro de mais de 90 graus posiciona o plexo distal no lado extensor da articulação e, potencialmente, estira o plexo (Fig. 22.5). Portanto, é melhor evitar a abdução de mais de 90 graus, especialmente por períodos longos.

Neuropatias do nervo mediano As neuropatias do mediano ocorrem em homens entre os 20 e 40 anos de idade. Esses homens geralmente têm bíceps avantajados e flexibilidade diminuída (p. ex., no caso dos levantadores de peso). Os bíceps grandes e a redução da flexibilidade tendem a impedir a extensão completa do cotovelo. Essa limitação crônica na amplitude do movimento resulta no encurtamento do nervo mediano com o passar do tempo. As neuropatias do nervo mediano envolvem, comumente, a disfunção motora e não se resolvem prontamente. Na verdade, até 80% das neuropatias do nervo mediano com disfunção motora são mantidas por dois anos após seu aparecimento inicial. Os principais pontos de interesse são: • Estiramento do nervo: como mencionado anteriormente, os nervos se tornam isquêmicos quando estirados em mais de 5% de seu comprimento de repouso.

Capítulo 22

A

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

419

B

FIGURA 22.5 A. O feixe neurovascular da extremidade superior passa no lado flexor da articulação do ombro quando o braço está lateralizado ou abduzido em mais de 90 graus. B. A abdução do braço em mais de 90° leva o feixe neurovascular para onde se encontra agora, no lado extensor da articulação do ombro. A abdução progressiva em mais de 90 graus aumenta o estiramento dos nervos na articulação do ombro.

Essa quantidade de estiramento tende a acotovelar as arteríolas penetrantes e vênulas que saem, levando à diminuição da pressão de perfusão. • Talas de braço: quando esses homens são anestesiados, seus braços podem ser totalmente estendidos ao nível do cotovelo e colocados em talas de braço ou posicionados lateralmente ao corpo. Essa extensão completa dos cotovelos estira os nervos medianos cronicamente contraídos e promove a isquemia, comumente ao nível do cotovelo. Assim, é importante apoiar o antebraço e a mão para evitar a extensão completa em homens portadores de bíceps grandes e volumosos, que não são capazes de estender completamente seus cotovelos em decorrência de falta de flexibilidade.

Neuropatias radiais As neuropatias radiais ocorrem com mais frequência do que as neuropatias do nervo mediano. O nervo radial parece ser lesionado por compressão direta (em contraste com o nervo mediano, que é lesionado primariamente pelo estiramento). O fator importante parece ser a compressão do nervo na região médio umeral, onde ele envolve o osso em direção posterior (Fig. 22.6). As neuropatias radiais tendem a ter uma melhor chance de recuperação do que as neuropatias ulnares ou medianas. Aproximadamente metade dos pacientes melhora dentro de seis meses, e 70% parecem resolver o quadro completamente dentro de dois anos. Os principais pontos de interesse são: • Afastadores cirúrgicos: uma série de casos relatou diversas neuropatias radiais associadas com a compressão do nervo radial pelas barras verticais dos afastadores abdominais superiores. Essas barras verticais supostamente colidiram com os braços (Fig. 22.6A). • Posições laterais: o nervo radial pode ser afetado pelas talas de braço acima da cabeça quando elas se projetam para dentro do tecido mole da região umeral média (Fig. 22.6D).

Homens musculosos com bíceps avantajados são suscetíveis à lesão do nervo mediano se o braço for completamente estendido durante a cirurgia.

420

Fundamentos de anestesiologia clínica

Nervo radial

A

Posterior

Anterior

C

B

D

E

FIGURA 22.6 A anatomia do nervo radial é apresentada no canto superior esquerdo, ilustrando como ele envolve a região média do úmero. Os mecanismos de lesão perioperatória relatados incluem (A) compressão pela barra do afastador cirúrgico; (B) traumatismo direto por agulha no punho; (C) efeito compressivo do torniquete por uma faixa junto ao punho; (D) impacto causado por uma tala de braço acima do nível da cabeça; (E) compressão no nível médio do úmero quando o úmero sustenta a maior parte do peso do membro superior.

Capítulo 22

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

421

• Um braço sem apoio: relatos anedóticos discutem a compressão no nervo na região umeral média quando o cotovelo do braço fixado (do lado do paciente ou em uma tala de braço) desliza, perde o apoio, e o peso da extremidade superior passa a ser sustentada pela região médio umeral (Fig. 22.6E).

B. Neuropatias das extremidades inferiores Embora as neuropatias fibulares e ciáticas tenham o maior impacto sobre a deambulação, as neuropatias perioperatórias mais comuns nas extremidades inferiores envolvem o nervo obturador e o nervo cutâneo femoral lateral. Os principais pontos de interesse são: • Neuropatia do obturador: a abdução do quadril em mais de 30 graus resulta em uma sobrecarga significativa do nervo obturador (7). O nervo passa através da pelve e do forame obturador. Com a abdução do quadril, a borda superior e a borda lateral do forame servem como um ponto de apoio (Fig. 22.7). O nervo se estende ao longo de seu comprimento total e também é comprimido nesse ponto de apoio. Assim, a abdução excessiva do quadril deve ser evitada sempre que possível. Na neuropatia do obturador, a disfunção motora é comum. Ela geralmente não é dolorosa, mas pode ser incapacitante. Aproximadamente 50% dos pacientes portadores de disfunção motora no período perioperatório ainda apresentarão a disfunção dois anos mais tarde. • Neuropatia tardia do cutâneo femoral: a flexão prolongada do quadril em mais de 90 graus aumenta a isquemia em fibras do nervo cutâneo femoral lateral. Um terço dessas fibras nervosas passa através do ligamento inguinal, à medida que trafegam para a coxa (Fig. 22.8). A flexão do quadril em mais de 90 graus resulta em um deslocamento lateral da crista ilíaca anterossuperior e estiramento do ligamento inguinal. As fibras nervosas penetrantes são comprimidas por esse estiramento e, com o tempo, tornam-se isquêmicas e disfuncionais. O nervo cutâneo femoral transporta apenas fibras sensoriais, portanto não há deficiência motora quando o nervo é lesionado. No entanto, os pacientes com essa neuropatia perioperatória podem ter dor incapacitante e disestesias na região lateral da coxa. Aproximadamente 40% dos pacientes têm disestesias que duram mais de 1 ano. • Neuropatia fibular: aparentemente, a maioria das neuropatias fibulares está associada com a pressão direta da região lateral da perna, imediatamente abaixo do

Deve-se tomar muito cuidado ao colocar o quadril do paciente em posições incomuns. A flexão ou abdução excessiva pode lesionar o nervo cutâneo femoral lateral e o nervo obturador, respectivamente.

Nervo obturador

A

Forame obturador

B

FIGURA 22.7 A. O nervo obturador passa através da pelve e sai no canto superior e lateral do forame obturador, continuando distalmente para baixo na região interna da coxa. B. A abdução do quadril estira o nervo obturador e pode provocar isquemia, principalmente no ponto de saída do forame obturador. O ponto serve como apoio para o nervo durante a abdução do quadril.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Crista ilíaca anterossuperior

Ligamento inguinal

Nervo cutâneo femoral lateral

Púbis

A

B

FIGURA 22.8 A. Aproximadamente um terço das fibras do nervo cutâneo femoral lateral penetra no ligamento inguinal enquanto o nervo passa para fora da pelve e distalmente para dentro da região lateral da coxa. B. A flexão do quadril, especialmente quando em mais de 90°, leva ao estiramento do ligamento inguinal quando o ílio é deslocado lateralmente. Esse estiramento resulta em um aumento da pressão intraligamentar e comprime as fibras nervosas que passam pelo ligamento.

joelho, onde o nervo fibular envolve a cabeça da fíbula. Suportes para as pernas, variando de apoios de perna tipo candy cane a vários outros suportes ou “muletas” que seguram a perna e o pé, podem causar impacto no nervo no ponto onde ele envolve a cabeça da fíbula. O resultado pode ser devastador, com uma queda do pé prolongada e dificuldade de deambulação.

IV. Considerações práticas para neuropatias periféricas perioperatórias Existem algumas considerações práticas para evitar neuropatias periféricas perioperatórias. Essas incluem: • Use coxins para distribuir as forças compressivas. Embora existam poucos estudos para demonstrar que o uso generoso de coxins pode atuar sobre a frequência e gravidade das neuropatias perioperatórias, faz sentido distribuir o ponto de pressão. Em ações médico-legais, júris acham que o uso de coxins é um ponto positivo. • Posicione as articulações para evitar estiramento excessivo, lembrando que o estiramento de qualquer nervo maior do que 5% de seu comprimento de repouso por um período de tempo prolongado resulta em graus variáveis de isquemia e disfunção. O próximo passo no caso de o paciente desenvolver uma neuropatia periférica depende do tipo de neuropatia: • Se a perda é apenas sensorial, é prudente acompanhar o paciente diariamente por até cinco dias. Muitos déficits sensoriais no período pós-operatório imediato se resolvem durante esse tempo. Se o déficit persistir por mais de cinco dias, é provável que a neuropatia tenha um impacto prolongado. Nesse momento, é apropriado consultar um médico de família, um clínico geral ou neurologista para os cuidados a longo prazo. • Se a perda é apenas motora ou motora/sensorial combinada, é prudente encaminhar o paciente a um neurologista mais precocemente. Esses pacientes provavelmente têm uma neuropatia significativa e necessitarão de cuidados pós-operatórios prolongados.

Capítulo 22

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

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V. Problemas especiais de posicionamento com resultados catastróficos A. Isquemia medular com hiperlordose Esse evento raro ocorre quando pacientes que são submetidos a procedimentos pélvicos (p. ex., prostatectomia) são colocados em uma posição hiperlordótica, com mais de 15 graus de hiperflexão no espaço intervertebral L2-3. Isso resulta em isquemia medular, infarto medular e déficit neurológico devastador. A ressonância magnética é o melhor exame para a detecção. As mesas cirúrgicas produzidas nos Estados Unidos são desenvolvidas para limitar a hiperlordose em pacientes na posição supina, mesmo quando a mesa é retrofletida ao máximo com elevação da porção central da mesa (kidney-rest). Em quase todos os casos, a mesa foi retrofletida ao máximo, a porção central foi elevada e toalhas ou cobertores foram colocados sob a região inferior das costas para promover ainda mais a inclinação anterior ou para a frente da pelve (para melhorar a visualização das estruturas pélvicas profundas). De modo geral, os anestesiologistas não devem permitir a colocação de materiais sob a região inferior das costas para essa finalidade.

B. Obstrução do desfiladeiro torácico A obstrução do desfiladeiro torácico é um evento raro que ocorre quando os pacientes com essa síndrome são colocados em uma posição de pronação ou, menos comumente, quando são posicionados lateralmente. Em quase todos os casos relatados, o ombro foi abduzido em mais de 90 graus. Nessa posição, a vasculatura da extremidade superior é comprimida entre a clavícula e caixa torácica ou entre os corpos anterior e médio do músculo escaleno. Esse aprisionamento da vasculatura leva à isquemia da extremidade superior. Quando prolongada, os resultados variam desde uma deficiência menor até a perda tissular grave, que requer a amputação interescapulotorácica. Perguntas pré-operatórias simples, como “Você consegue usar seus braços para trabalhar acima de sua cabeça por mais de um minuto?” podem fornecer uma história de obstrução da saída torácica e reduzir o risco dessa complicação potencialmente devastadora.

C. Posições em cefalodeclive máximo Enquanto os cirurgiões ganham experiência com novas tecnologias (p. ex., a cirurgia robótica para procedimentos pélvicos), muitas vezes solicitam posições mais baixas da cabeça. Essas posições podem estar associadas com um deslocamento cefálico dos pacientes anestesiados deitados em mesas cirúrgicas. Os pacientes muitas vezes são fixados às mesas de cirurgia com resguardos e outros dispositivos de contenção (p. ex., ombreiras). O deslocamento cefálico pode levar a plexopatias cervicais por estiramento e obstrução dos vasos decorrente da compressão. Embora também ocorra um aumento da pressão intracraniana, isso raramente leva a um resultado negativo. No entanto, o edema orofacial requer atenção cuidadosa, pois pode comprometer a via aérea. Há relatos de pacientes escorregando para fora das mesas cirúrgicas quando colocados em posições de cefalodeclive máximo e não seguros por dispositivos ajustáveis. As lesões cervicais e cerebrais resultantes foram devastadoras para os pacientes e membros da equipe cirúrgica.

D. Posições em cefaloaclive Embora seja habitual pensar no uso dessa posição para as craniotomias com paciente sentado, o uso mais comum da posição com cabeça elevada é a posição em “cadeira de praia”, usada para muitas cirurgias do ombro. Além do risco bem-conhecido de embolia aérea venosa no paciente com craniotomia, essa posição pode ter um impacto hemodinâmico considerável, especificamente na pressão arterial sistêmica e na pressão arterial cerebral (8). Além disso, têm sido relatadas algumas plexopatias braquiais e

A posição sentada para a craniotomia, bem como para a cirurgia de ombro, está associada a complicações significativas, tais como a plexopatia cervical.

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Fundamentos de anestesiologia clínica cervicais. Aparentemente, pelo menos algumas dessas plexopatias foram associadas ao estiramento ou compressão de nervo quando os pacientes tiveram suas cabeças fixadas lateralmente durante procedimentos.

E. Problemas de tecidos moles A pele e os tecidos moles são particularmente vulneráveis à pressão mantida, resultando em isquemia. Embora existam muitos exemplos disso, vários desses eventos relacionados à posição prona merecem atenção especial. Tecidos em contato direto com coxins cilíndricos colocados da cintura escapular ao tórax e na pelve podem se tornar isquêmicos com pressão prolongada (Fig. 22.1). Existem múltiplos casos de mulheres com mamas grandes que desenvolveram isquemia grave em uma ou ambas as mamas porque estas foram apertadas entre dois coxins torácicos. A pressão lateral foi suficiente para causar necrose e perda de tecido. Na maioria dos casos relatados, as mulheres foram posteriormente submetidas a mastectomias. Similarmente, as ostomias desenvolveram isquemia decorrente de pressão depois de terem sido colocadas em contato direto com esses coxins.

VI. Resumo Os pacientes anestesiados podem ser prejudicados de várias maneiras em decorrência do posicionamento perioperatório. Isso inclui o uso de posições que aplicam forças mecânicas danosas aos tecidos moles e nervos periféricos. Posicionamentos especiais também podem prejudicar a função fisiológica normal e devem ser considerados para cada paciente, especialmente para aqueles em qualquer outra posição que não a posição supina. A compreensão dos fatores etiológicos que resultam em problemas de posicionamento é rudimentar no momento atual. Pode haver problemas não relacionados ao posicionamento, tais como as respostas inflamatórias sistêmicas perioperatórias, que contribuem significativamente para esses problemas. No entanto, uma avaliação cuidadosa dos pacientes individualmente e sua capacidade de serem posicionados com conforto quando estão acordados antes de serem anestesiados para procedimentos cirúrgicos é importante para reduzir o risco de complicações associadas ao posicionamento perioperatório.

Referências 1. Warner MA, Warner DO, Matsumoto JY, et al. Ulnar neuropathy in surgical patients. Anesthesiology. 1999;90:54–59. 2. Staff NP, Engelstad J, Klein CJ, et al. Post-surgical inflammatory neuropathy. Brain. 2010;133:2866–2880. 3. Warner MA. Patient positioning and related injuries. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:803–823. 4. American Society of Anesthesiologists Task Force on the Prevention of Perioperative Neuropathies. Practice guidelines for the prevention of perioperative neuropathies. Anesthesiology. 2000;92:1168–1182. 5. Contreras MG, Warner MA, Charboneau WJ, et al. Anatomy of the ulnar nerve at the elbow: Potential relationship of acute ulnar neuropathy to gender differences. Clin Anat. 1998;11:372–378. 6. Gelberman RH, Yamaguchi K, Hollstien SB, et al. Changes in interstitial pressure and cross-sectional area of the cubital tunnel and of the ulnar nerve with flexion of the elbow. An experimental study in human cadavera. J Bone Joint Surg. 1998;80(4):492–501. 7. Litwiller JP, Wells RE, Halliwill JR, et al. Effect of lithotomy positions on strain of the obturator and lateral femoral cutaneous nerves. Clin Anat. 2004;17:45–49. 8. Lee LA, Caplan RA. APSF workshop: Cerebral perfusion experts share views on management of head-up cases. APSF Newslett. 2009–10;24(4):45–48.

Capítulo 22

Posicionamento do paciente e lesões potenciais

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual das afirmações a seguir é VERDADEIRA? A. Na posição sentada, a pressão arterial medida no cérebro é a mesma medida no braço B. Na posição sentada, a pressão arterial medida no cérebro é mais alta do que a medida no braço C. Na posição de litotomia, a pressão arterial medida na perna é mais baixa do que a medida no braço D. Na posição de litotomia, a pressão arterial medida na perna é mais alta do que a medida no braço 2. Um paciente acorda da anestesia geral e sente dormência e formigamento em seus quarto e quinto quirodáctilos. Qual dos seguintes fatores é a causa menos provável dessa complicação? A. Um manguito de pressão arterial funcionando mal no braço B. Trauma associado com a inserção de um acesso intravenoso na fossa antecubital C. Flexão prolongada do cotovelo em mais de 90 graus D. Microvasculite e resposta inflamatória perioperatória 3. Uma lesão das fibras internas do nervo ulnar tem probabilidade de resultar em: A. Primariamente, um déficit sensorial que, em geral, se resolve em cinco dias B. Primariamente, um déficit sensorial que, em geral, se resolve em seis meses C. Um déficit motor que geralmente se resolve em seis meses D. Um déficit combinado motor e sensorial que provavelmente será permanente 4. A plexopatia braquial tem menor probabilidade de ocorrer após: A. Tireoidectomia B. Esternotomia e mobilização da mamária interna C. Reparação do manguito rotador D. Fixação da coluna lombar na posição prona com os braços aduzidos

5. As características de uma lesão do nervo mediano incluem todas afirmações a seguir, EXCETO: A. Ela geralmente é decorrente do estiramento excessivo do nervo B. Ela provavelmente se resolve em quatro semanas C. Ela é comum em homens com bíceps grande D. Ela geralmente está associada com a extensão completa do braço em uma tala de braço 6. Um déficit sensorial pós-operatório envolvendo a região lateral da coxa sem um déficit motor associado naquela extremidade sugere uma neuropatia de qual dos seguintes nervos: A. Ciático B. Obturador C. Cutâneo femoral lateral D. Fibular 7. Um paciente passou por um procedimento de cirurgia plástica facial com duração de cinco horas, sob anestesia geral e com os braços posicionados lateralmente. No primeiro dia pós-operatório ele se queixou de dormência no quarto e quinto dedos da mão direita, mas sem perda da função motora. O próximo passo mais adequado é: A. Observar o paciente durante cinco dias para sinais que indiquem a resolução da neuropatia B. Instituir fisioterapia C. Obter um estudo eletromiográfico D. Encaminhar o paciente a um neurologista 8. Perguntar aos pacientes se são capazes de trabalhar por mais de 1 minuto com os braços levantados acima de suas cabeças pode ser útil para determinar se eles têm um risco para quais das seguintes complicações anestésicas associadas ao posicionamento em pronação? A. Déficit motor do nervo radial B. Déficit sensorial do nervo ulnar C. Compressão da raiz nervosa C6 D. Síndrome do desfiladeiro torácico

426

Fundamentos de anestesiologia clínica

9. Quando um paciente é colocado em uma posição de pronação, todas as estruturas a seguir correm risco de lesão por pressão, EXCETO: A. Um estoma da colostomia B. A artéria femoral C. As mamas femininas D. A genitália masculina

23

Líquidos e eletrólitos Elizabeth E. Hankinson Aaron M. Joffe

I. Interpretação e tratamento acidobásico A. Visão geral sobre o equilíbrio acidobásico A regulação precisa do pH sanguíneo é necessária para a manutenção da homeostase fisiológica. Fora da faixa fisiológica normal (7,35-7,45), as funções vitais, como o transporte de oxigênio, a perfusão dos órgãos e o metabolismo celular, tornam-se comprometidas. Nos extremos do pH (⬍ 6,8 ou ⬎ 7,8), os processos celulares básicos estão tão comprometidos, que são incompatíveis com a vida. O corpo recebe uma carga substancial de ácidos e bases diariamente, em geral como consequência da ingestão de nutrientes e do metabolismo celular. Todavia, o pH sanguíneo permanece estável por meio do tamponamento dos íons hidrogênio (H⫹) no sangue, sua excreção pelos rins (ver Cap. 5) e eliminação do dióxido de carbono (CO2) pelos pulmões (ver Cap. 2). A quantidade de H⫹ no sangue é determinada pela proporção de CO2 e bicarbonato (carbonato de hidrogênio, HCO3⫺), como representado pela equação de Henderson-Hasselbach: H⫹ ⫽ (24 × PCO2)/HCO3⫺ ⫹

(Eq. 23.1)



O acúmulo de H ou HCO3 devido à exaustão dos tampões corporais ou desregulação pelos rins resulta em distúrbios metabólicos, enquanto o CO2 arterial alto ou baixo resulta de distúrbios respiratórios. Observe a diferença semântica entre uma “-emia” e uma “-ose”. Acidemia e alcalemia se referem a um pH sanguíneo baixo ou alto, respectivamente. Acidose ou alcalose se referem aos processos primários responsáveis pelas alterações no pH (Fig. 23.1). Apenas uma –emia pode estar presente em um momento, enquanto mais de uma –ose podem coexistir.

B. Acidose metabólica

A acidose metabólica primária é caracterizada por um pH arterial ⬍ 7,35 e HCO3⫺ ⬍ 22 mEq/L e ocorre como um resultado de qualquer acúmulo de H⫹ ou uma perda de HCO3⫺. A natureza da acidose ainda pode ser caracterizada pela presença ou ausência de uma concentração maior do que a esperada de ânions não medidos (gap alto ou gap normal, respectivamente). Como o plasma normalmente contém mais ânions não medidos do que cátions, um ânion gap (AG) na faixa de 6 a 11 mEq/L normalmente está presente. O cálculo do AG é determinado com a seguinte equação: AG ⫽ Na⫹ ⫺ (Cl⫺ ⫹ HCO3⫺)

(Eq. 23.2)

Acidemia e alcalemia se referem a um pH sanguíneo baixo ou alto, independentemente da causa do distúrbio acidobásico. Acidose ou alcalose se referem aos processos primários responsáveis pelas alterações no pH, como acidose metabólica ou alcalose respiratória.

428

Fundamentos de anestesiologia clínica

Gasometria arterial pH < 7,35

pH > 7,45

Acidemia

PCO2 > 44

Alcalemia

HCO3− < 22

PCO2 < 36

Acidose metabólica

Acidose respiratória

Alcalose respiratória

HCO3− > 26

Alcalose metabólica

pH normal – 7,35-7,45 PCO2 normal – 35-44 HCO3− normal – 22-26

FIGURA 23.1 Desequilíbrios no estado acidobásico podem ser derivados da análise dos gases arteriais determinando primeiro a presença de acidemia ou alcalemia a partir do pH, e depois avaliando os componentes respiratório e metabólico a partir dos valores do PCO2 e HCO3⫺ (ver texto e Tab. 23.6 para detalhes). PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; HCO3⫺, carbonato de hidrogênio.

na qual Na⫹ é o íon sódio e o Cl⫺ é o íon cloreto. Um AG se desenvolve quando um ácido se acumula e depois se dissocia em um próton (H⫹) e um ânion não mensurável (UA⫺). O próton é titulado pelo HCO3⫺, diminuindo a sua concentração, enquanto o UA⫺ permanece no plasma. Como nem o Na⫹ nem o Cl⫺ se alteram, o AG aumenta (Eqs. 23.2 e 23.3): ⫹ ⫺ H ⫹ HCO3 → H2O ⫹ CO2

(Eq. 23.3)

As causas mais comuns de acidose metabólica com AG alto (AMAGA) incluem cetoacidose, uremia, acidose láctica e uma variedade de toxinas, incluindo metanol, salicilatos, paraldeídos e etileno glicol (Tab. 23.1).

TABELA 23.1

Causas de acidose metabólica

Ânion gap alto Cetonas – diabetes, jejum Uremia Lactato – sepse, hipovolemia, insuficiência cardíaca congestiva Toxinas – metanol, etilenoglicol, paraldeídos, salicilatos, isoniazida Não ânion gap Hipercloremia (administração excessiva da solução fisiológica) Acidose tubular renal Perdas gastrintestinais (diarreia, ileostomia)

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

A acidose metabólica não ânion gap (AMNAG) ocorre quando o HCO3⫺ é perdido pelo trato gastrintestinal ou pelos rins ou devido a uma incapacidade dos rins de excretar prótons. Como a eletroneutralidade é mantida por retenção de Cl⫺, o AG permanece inalterado. As causas mais comuns de AMNAG são a administração excessiva de solução de NaCl a 0,9%, diarreia e acidose tubular renal (Tab. 23.1). O tratamento da acidose metabólica deve ser dirigido à correção da causa subjacente. Por exemplo, no caso de uma AMNAG por administração de NaCl a 0,9%, a carga de Cl⫺ pode ser reduzida com o uso de soluções balanceadas com lactato para reanimação ou pela adição de 150 mL de NaHCO3 a 8,4% a um frasco de 1.000 mL de dextrose a 5% em água. Medicações antidiarreicas podem ser dadas e, no caso de diarreia grave, com perdas de HCO3⫺ significativas, a administração de bicarbonato de sódio pode ser considerada. O tratamento da AMAGA se baseia na causa subjacente. A cetoacidose deve ser tratada com terapia insulínica, e a acidose láctica é tratada com oxigenação, ressuscitação e suporte cardiovascular. O tratamento da acidose láctica com bicarbonato de sódio não é recomendado a não ser que o pH esteja ⬍ 7,15 e o paciente esteja deteriorando clinicamente (1, 2).

C. Alcalose metabólica A alcalose metabólica é caracterizada por um pH arterial ⬎ 7,45 (alcalemia) e HCO3⫺ ⬎ 26 mEq/L. Esse distúrbio resulta de um ganho líquido de HCO3⫺ ou perda de íons H⫹. O rim tem uma capacidade enorme de excretar HCO3⫺, de modo que a alcalose metabólica não deve ser apenas gerada, mas também mantida, geralmente por reabsorção obrigatória de NaHCO3⫺ no túbulo proximal diante de hipovolemia. A hipocalemia grave por qualquer causa também pode levar à retenção de HCO3⫺. A perda de íons H⫹ geralmente resulta de vômitos significativos ou excreção renal, como sugerido por uma história de vômitos ou uso de diuréticos. Os eletrólitos urinários (notavelmente o Cl⫺ urinário) são usados para caracterizar melhor a alcalose metabólica. O Cl⫺ urinário baixo é considerado responsivo à solução fisiológica, enquanto o Cl⫺ urinário normal ou alto não responde à solução fisiológica. As causas mais comuns de alcalose metabólica são listadas na Tabela 23.2. O tratamento da alcalose metabólica se baseia na correção da causa subjacente. A alcalose metabólica responsiva à solução fisiológica deve receber reposição com cloreto de sódio e potássio para permitir que os rins retomem a excreção de HCO3⫺.

D. Acidose respiratória A acidose respiratória é definida como um pH arterial ⬍ 7,35 e uma pressão parcial de CO2 (PCO2) ⬎ 44 mmHg. Um aumento no CO2 irá resultar em mais íons H⫹, diminuindo o pH (Eq. 23.3). Os níveis de CO2 arterial refletem o equilíbrio enTABELA 23.2

Causas de alcalose metabólica



Cl urinário baixo (responsivo à solução fisiológica)

Clⴚ urinário normal ou alto (não responsivo à solução fisiológica)

Vômitos

Aldosteronismo primário

Aspiração nasogástrica

Insuficiência renal

Hipocalemia

Síndrome de Cushing

Uso de diuréticos

Hipomagnesemia

429

430

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 23.3

Causas de acidose respiratória

Eliminação de CO2 reduzida Doença pulmonar (síndrome de angústia respiratória aguda, pneumonia) Obstrução das vias aéreas (laringospasmo, asma, apneia obstrutiva do sono) Depressão do sistema nervoso central (opioides, anestésicos) Fraqueza neuromuscular (esclerose lateral amiotrófica, síndrome de Guillain-Barre, paralisia residual induzida por fármacos) Produção de CO2 aumentada Laparoscopia Exaustão de cal sodada Sepse Febre Hipertireoidismo Hiperalimentação Hipertermia maligna Síndrome neuroléptica maligna CO2 inspirado aumentado Exaustão da cal sodada (sistema respiratório circular)

tre a produção de CO2 por meio da respiração celular e sua excreção pela ventilação alveolar. Deve ser observado que a produção aumentada de forma isolada raramente seria a causa de acidose respiratória, uma vez que indivíduos saudáveis respirando espontaneamente têm a capacidade de aumentar sua ventilação alveolar. As causas mais comuns de acidose respiratória são listadas na Tabela 23.3. A acidose respiratória pode ser ainda classificada como aguda ou crônica com base na presença e extensão de compensação renal (ver adiante). O tratamento da acidose respiratória depende da identificação da causa subjacente. As intervenções mais comuns incluem o suporte para aumentar a ventilação alveolar pela instituição da ventilação mecânica não invasiva ou invasiva ou a reversão de medicações depressoras respiratórias. Evitar alimentos ricos em carboidratos e prover medicações sedativas irá reduzir a produção de CO2 metabólico. O bicarbonato de sódio não é recomendado, uma vez que não oferece benefício comprovado e pode piorar a hipercapnia pela produção de mais CO2 (Eq. 23.3).

TABELA 23.4

Causas de alcalose respiratória

Dor Hiperventilação Gravidez Hipóxia Doença do sistema nervoso central Medicações Doença hepática

Capítulo 23 TABELA 23.5

Líquidos e eletrólitos

Compensação fisiológica para os distúrbios acidobásicos

Distúrbio primário

Distúrbio

Compensação

Alcalose metabólica

↑ HCO3

PCO2↑ 0,5-0,7 mmHg por 1 mEq/L ↑ HCO3⫺

Acidose metabólica

↓ HCO3

PCO2↓ 1,2 mmHg por 1 mEq/L ↓ HCO3⫺

Alcalose respiratória Aguda Crônica

↓ PCO2 ↓ PCO2

HCO3⫺ ↓ 2 mEq/L por 10 mmHg ↓ PCO2 HCO3⫺ ↓ 5-6 mEq/L por 10 mmHg ↓ PCO2

Acidose respiratória Aguda Crônica

↑ PCO2 ↑ PCO2

HCO3⫺ ↑1 mEq/L por 10 mmHg ↑ PCO2 HCO3⫺ ↑ 4-5 mEq/L por 10 mmHg ↑ PCO2

HCO3⫺, bicarbonato; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono.

E. Alcalose respiratória A alcalose respiratória é definida como um pH arterial ⬎ 7,45 e um PCO2 ⬍ 36 mmHg. Como a pressão parcial arterial de CO2 (PaCO2) é inversamente proporcional à ventilação alveolar, a alcalose respiratória resulta de um PaCO2 baixo devido a uma hiperventilação alveolar inadequada. A Equação 23.3 demonstra que uma diminuição no CO2 resulta em menos íons H⫹ e, portanto, um aumento no pH. As causas mais comuns de alcalose respiratória são listadas na Tabela 23.4. O tratamento é identificar a causa subjacente e prover um tratamento apropriado.

F. Compensação fisiológica dos distúrbios acidobásicos Os distúrbios metabólicos primários levam à compensação respiratória e vice-versa. A compensação respiratória é bastante rápida. Aumentos rápidos na ventilação alveolar podem normalizar o pH em questão de minutos. Por outro lado, a compensação metabólica para os distúrbios respiratórios leva horas a dias, uma vez que requer que os rins alterem os níveis de HCO3⫺ plasmático. A maioria das respostas compensatórias é bastante eficaz, embora a compensação respiratória para a alcalose metabólica necessite de hipoventilação alveolar para aumentar a PCO2, mas seja limitada a um máximo de 75% devido à hipoxemia resultante. Uma lista de respostas compensatórias normais esperadas para os distúrbios acidobásicos é apresentada na Tabela 23.5.

II. Abordagem prática à interpretação acidobásica A análise da gasometria arterial (GA) é usada primariamente para avaliar a adequação das trocas gasosas e entrega de oxigênio. Esse é o teste mais solicitado em pacientes anestesiados e criticamente enfermos para orientar a ventilação e o tratamento e fornece dados incluindo pH, pressão parcial de oxigênio arterial (PaO2), PaCO2 e HCO3. A análise desses valores pode ser usada para determinar se um distúrbio acidobásico existe, qual é o distúrbio e sua possível etiologia. Assim, a compreensão e a capacidade de analisar rapidamente os dados da GA são cruciais para todo anestesiologista. Um simples distúrbio acidobásico, geralmente um dos distúrbios metabólicos ou respiratórios que ocorrem isoladamente, é a apresentação clínica mais comum. Contudo, pacientes criticamente enfermos podem ter múltiplos distúrbios acidobásicos. A compensação fisiológica nunca é completa, assim o pH nunca será com-

431

432

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 23.6

Abordagem escalonada à análise dos gases arteriais

Etapa 1: Examinar o pH para determinar se acidemia ou alcalemia está presente: Se o pH for ⬍ 7,35, uma acidemia primária está presente Se o pH for ⬎ 7,45, uma alcalemia primária está presente Etapa 2: Examinar a PaCO2 para determinar se o distúrbio primário é respiratório ou metabólico: Se houver acidemia: PaCO2 ⬎ 40 mmHg ⫽ acidose respiratória; PaCO2 ⬍ 40 mmHg ⫽ acidose metabólica (seguir para Etapa 3) Se houver alcalemia: PaCO2 ⬎ 40 mmHg ⫽ alcalose metabólica; PaCO2 ⬍ 40 mmHg ⫽ alcalose respiratória (seguir para Etapa 4) Etapa 3 (apenas acidemia): Calcular o ânion gap (AG): ⫺ ⫺ AG ⫽ Na⫹ ⫺ (Cl ⫹ HCO3 ); Se o AG ⬎ 11, então está presente uma “acidose metabólica com ânion gap alto” (ver Tab. 23.1) Etapa 4: Determinar se uma compensação adequada está presente para avaliar se o distúrbio é agudo ou crônico: Ver Tabela 23.5 Etapa 5: Determinar as prováveis etiologias do distúrbio acidobásico: Ver Tabelas 23.1, 23.2, 23.3 e 23.4 PaCO2, pressão parcial de dióxido de carbono arterial; Na, sódio; Cl, cloro; HCO3⫺, bicarbonato.

pletamente normal em um simples distúrbio acidobásico. Contudo, na presença de múltiplos distúrbios acidobásicos, o pH pode normalizar ou atingir extremos com risco de morte. A análise dos gases arteriais é mais bem abordada de forma sistemática para garantir uma interpretação rápida e precisa. Um método comum, escalonado, baseia-se na equação de Henderson-Hasselbalch e analisa o pH, o PaCO2, o HCO3⫺, o AG e a presença de compensação (Tab. 23.6). Um caso clínico perioperatório típico ilustrando a aplicação desse método escalonado é apresentado a seguir.

Caso clínico: Interpretação da gasometria arterial Uma mulher de 52 anos diabética e com obesidade mórbida se apresenta na sala de cirurgia para desbridamento de emergência de tecidos necrotizantes infectados no pé esquerdo, com a seguinte gasometria arterial (GA) pré-operatória (em ar ambiente): GA: pH 7,10, PaCO2 28 mmHg, PaO2 88 mmHg, HCO3⫺ 11 mEq/L, Na⫹ 136 mEq/L, K⫹ 5,5 mEq/L, Cl⫺ 99 mEq/L, lactato 14 mmol/L Etapa 1: como o pH é ⬍ 7.35, acidemia está presente Etapa 2: como o PaCO2 é ⬍ 40, uma acidose metabólica primária está presente Etapa 3: como o ânion gap é [136 – (99 ⫹ 11)] 26, uma acidose metabólica com “ânion gap alto” está presente Etapa 4: como o PaCO2 está reduzido adequadamente (HCO3⫺ é 13 mEq/L abaixo do normal de 24 mEq/L; 13 × 1,2 mmHg ⫽ 15,6 mmHg; 28 ⫹ 15,6 ⫽ 43,6 mmHg), uma acidose metabólica compensada está presente Etapa 5: A paciente tem uma infecção grave dos tecidos moles e sepse sistêmica com comprometimento do uso do oxigênio tissular, o que resulta em metabolismo anaeróbio e acúmulo de ácido láctico, levando a uma acidose metabólica compensada com ânion gap alto.

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

III. Fisiologia do manejo de líquidos

VÍDEO 23.1

Os rins têm vários papéis na manutenção da homeostase do corpo humano. Além de manter o estado acidobásico normal, os rins precisam regular a água corporal total e os solutos porque a ingesta diária de cada um é variável. A regulação imprópria pode resultar em pouca água corporal (desidratação celular) ou muita água (edema tissular). Regulação similar ocorre quando pacientes não têm ingestão oral e estão recebendo líquidos intravenosos (i.e., água com solutos dissolvidos). Um conhecimento amplo de como os líquidos administrados são distribuídos entre os vários compartimentos corporais, bem como seus componentes individuais, é essencial. Os líquidos intravenosos devem ser considerados como qualquer outro fármaco, uma vez que têm indicações específicas e contextos clínicos que determinam a terapia adequada. Por exemplo, pacientes internados na unidade de terapia intensiva ou que se apresentam no centro cirúrgico podem ter volume de líquido extracelular baixo, desidratação celular ou ambos como resultado de trauma importante, hemorragia, jejum ou desnutrição prolongados ou vômitos ou diarreia prolongados. A escolha da composição dos líquidos e sua velocidade de infusão são ditadas de acordo com o cenário clínico, e, neste caso, mais provavelmente a reposição é feita com cristaloides isotônicos. O anestesiologista deve levar em consideração tais contextos clínicos e fisiopatologias quando faz a adequação do manejo dos líquidos para um determinado paciente.

A água corporal total (ACT) compreende cerca de 60% e 50% da massa corporal magra de adultos homens e mulheres, respectivamente. A ACT é distribuída por vários compartimentos corporais, com cerca de 66% compondo o líquido intracelular (LIC) e 33% compondo o líquido extracelular (LEC). O LEC é dividido ainda em líquido intersticial e plasma, que respondem por aproximadamente 24% e 8% da ACT, respectivamente (Fig. 23.2). Assim, para um homem adulto pesando 70 kg, a ACT estimada é de 42 litros. Dessa quantidade, apenas 3,5 litros é plasma, com o restante do volume sanguíneo circulante sendo hemácias (ver também Cap. 3).

Distribuição da ACT em um homem adulto de 70 kg

LIC ACT = 0,6 × 70 = 42 L

10,5 L

3,5 L

LIS

Aquecedores de líquidos

VÍDEO 23.2

A. Compartimentos dos líquidos corporais

28 L

433

LEC

Plasma

FIGURA 23.2 A distribuição aproximada da água corporal total (ACT) nos vários compartimentos corporais é mostrada para um homem adulto de 70 kg. LIC, líquido intracelular; LEC, líquido extracelular; LIS, líquido intersticial.

Compartimentos dos líquidos

434

Fundamentos de anestesiologia clínica

B. Regulação do volume de líquido extracelular A osmolaridade é o número de partículas de soluto por litro de solução, enquanto osmolalidade é o número de partículas por quilograma de solvente. Ambos os termos descrevem a concentração do soluto de uma solução e, devido à diferença negligenciável em seus valores, frequentemente são usados de forma intercambiável.

O controle da concentração e do volume do LEC é importante para a função celular, transferência de moléculas entre o LIC e LEC e manutenção do volume de sangue circulante. A osmolaridade sérica normal é de 285 a 295 mOsm/L e é calculada a partir das concentrações medidas de sódio, glicose e ureia (nitrogênio da ureia sanguínea [BUN, do inglês blood urea nitrogen]) da seguinte forma: Osmolaridade sérica ⫽ (2 × Na⫹) ⫹ (Glicose/18) ⫹ (BUN/2,8)*

(Eq. 23.4)

Deve ser observado, contudo, que há uma diferença entre osmolaridade (a concentração de partículas dissolvidas por unidade de volume de soro) e tonicidade (a osmolaridade efetiva que pode exercer uma força osmótica através de uma membrana). Moléculas tônicas (p., ex., Na⫹) são consideradas “osmóis efetivos” porque não se movem livremente através de uma membrana. São capazes de causar movimento de água de acordo com um gradiente de concentração. Em contraste, como a ureia se difunde livremente através de membranas biológicas e se distribui por toda a

Hipotensão ↓Fornecimento de Na+ Estímulo simpático

Hipertonicidade ↓ LEC Angiotensinogênio

Rim

Renina Glândula hipófise

Angiotensina I ECA ADH Vasoconstrição

Angiotensina II

Sede

Córtex suprarrenal

Reabsorção renal de sódio e água Aldosterona

FIGURA 23.3 A regulação neuro-hormonal do volume extracelular, a pressão arterial e o equilíbrio de sódio/água são modulados pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e o eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal (HHS). O SRAA é ativado por hipotensão, diminuição da ingestão de sódio ou pela atividade do sistema nervoso simpático, resultando na liberação de renina a partir dos rins, levando ao aumento da angiotensina II. A angiotensina II promove vasoconstrição, sede, secreção de aldosterona pelo córtex suprarrenal e aumento da reabsorção de água e sódio. O eixo HHS secreta o hormônio antidiurético (ADH) em resposta ao aumento da osmolaridade plasmática, redução do líquido extracelular (LEC) ou diminuição da angiotensina plasmática e leva ao aumento da absorção renal de água livre nos rins e vasoconstrição. ECA, enzima de conversão da angiotensina.

* N. de R.T. A literatura americana utiliza muito o nitrogênio ureico sérico (BUN). Já no Brasil, utiliza-se com maior frequência a medida direta da ureia plasmática. Para calcular a osmolaridade sérica de forma equivalente ⫹ utilizando a ureia, deve-se dividir o valor da ureia por 6, ou seja: Osmolaridade sérica ⫽ (2 × Na ) ⫹ (glicose/18) ⫹ (Ur/6).

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

água corporal total, ela não é tônica. Assim, em condições de normoglicemia relativa, o principal contribuinte da osmolaridade e tonicidade sérica é a concentração de Na⫹. A concentração e o volume do LEC são mantidos pela sede e pelas ações hormonais do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e do hormônio antidiurético (ADH, do inglês antidiuretic hormone) sobre os rins, que alteram a quantidade de água e de sódio excretados pela urina. O ADH é liberado (liberação não tônica) a partir da hipófise posterior em resposta a pequenas alterações (2-3%) na tonicidade sérica ou ⬎ 10% de redução no volume circulante efetivo. O SRAA é ativado por hipotensão, pelo sistema nervoso simpático e pela redução do fornecimento de Na⫹ para os rins (Fig. 23.3). O resultado final é o aumento da sede (aumento na ingestão de água), aumento na retenção renal de água e de Na⫹ e vasoconstrição, que agem para manter o volume circulante efetivo e a perfusão dos órgãos vitais.

C. Distribuição dos líquidos infundidos Há dois tipos de líquidos usados comumente para administração venosa que são classificados por sua capacidade de difusão através de uma membrana semipermeável: cristaloides e coloides. Os cristaloides se difundem prontamente através de uma membrana semipermeável, enquanto os coloides não o fazem. Os cristaloides geralmente são uma base de água estéril na qual vários eletrólitos são dissolvidos. Podem ser classificados ainda por sua tonicidade em relação ao soro: soluções hipotônicas, isotônicas e hipertônicas. A composição de várias soluções intravenosas usadas comumente é apresentada na Tabela 23.7. Não obstante a excreção renal, a tonicidade de um determinado cristaloide irá determinar por meio de quais compartimentos corporais a solução irá se distribuir inicialmente. As soluções hipotônicas e isotônicas em geral se equilibram entre a ACT e o LEC, respectivamente. Uma estimativa da distribuição inicial do volume seguindo a infusão rápida de 1.000 mL de vários cristaloides e coloides é apresentada na Tabela 23.8. O ensino tradicional é de que os coloides são incapazes de se mover por uma barreira endotelial intacta e, portanto, permanecem inteiramente dentro do plasma.

TABELA 23.7

Composição das soluções intravenosas comuns

Solução

pH

Osmolaridade (mmol/L) Kⴙ(mEq/L) Naⴙ(mEq/L) Clⴚ(mEq/L) Outros aditivos

SF 0,9%

4,5-7

308

154

154

SF 0,45%

4,5-7

154

77

77

SG 5%

5

278

Glicose

Ringer lactato

6-7,5

273

4

130

109

Lactato, cálcio

Plasmalyte

6,5-7,6 294

5

140

98

Acetato, gliconato, magnésio

Albumina 5%

6,9

145

145

300

Albumina 25%

6,9

1500

145

145

HES 450/0,7 (Hespan)

5,9

309

154

154

HES 130/0,4 (Voluven)

4-5,5

309

154

154







K , potássio; Na , sódio; Cl , cloro; SG 5%, soro glicosado; SF, solução fisiológica; HES, hidroxietilamido.

435

436

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 23.8 Comparação da distribuição de 1.000 mL de líquido intravenoso nos compartimentos corporais Hipotônico SG 5% SF 0,45%

Isotônico SF 0,9% Ringer lactato Plasmalyte

Hipertônico NaCl a 3%

Coloides Sangue Albumina

Distribuição LIC – 650 mL LIS – 250 mL LIV – 100 mL

Distribuição LIC – Nenhum LIS – 750 mL LIV – 250 mL

Distribuição LIC – Nenhum LIS – Nenhum LIV – 1.000 mL

Distribuição LIC – Nenhum LIS – Nenhum LIV – ⬎1.000 mL

LIC, líquido intracelular; LIS, líquido intersticial; LIV, líquido intravascular.

Adicionalmente, a manutenção da pressão coloide oncótica plasmática permite a reabsorção máxima de líquido intersticial de volta para a árvore vascular no lado venular da microcirculação (ver Cap. 3). Consequentemente, tem sido ensinado há muito tempo que devem ser administrados três a quatro vezes mais cristaloides do que coloides para atingir a mesma expansão de volume plasmático. Contudo, isso não é apoiado por evidências atuais. A maioria dos estudos relata uma equivalência de volume de coloides com cristaloides isotônicos de menos de dois para um (ver adiante).

IV. Terapia de reposição de líquidos

A manutenção de um volume intravascular suficiente para suportar a perfusão orgânica, a oxigenação tissular e o metabolismo aeróbio é a principal meta da administração perioperatória de líquidos.

A manutenção de um volume intravascular suficiente para suportar a perfusão orgânica é o objetivo principal da administração de líquidos perioperatórios. A depleção perioperatória de volume intravascular (i.e., hipovolemia) é comum por vários motivos, incluindo o estado de jejum pré-operatório prolongado (NPO), sepse, hipertermia, uso crônico de diuréticos, hiperglicemia não controlada, vômitos e diarreia. A hipovolemia resulta em hipoperfusão dos órgãos, hipóxia tissular, acidose e hipotensão arterial. A reposição de qualquer déficit de líquidos existente e a administração de líquidos intravenosos de manutenção para atingir normovolemia promovem pressão de perfusão adequada dos órgãos e oxigenação tissular, melhorando, assim, os desfechos cirúrgicos (3, 4). Embora a hipovolemia seja comumente a principal preocupação perioperatória, a administração excessiva de líquidos levando à sobrecarga de volume tem mostrado aumentar as complicações pós-operatórias. A hipervolemia aumenta o risco de edema intestinal, náuseas, vômitos, edema pulmonar e insuficiência cardíaca descompensada. Assim, a obtenção de uma história detalhada e avaliação pré-operatória acurada do estado de volume (ver adiante) são fatores importantes quando se manejam os líquidos no perioperatório.

A. Necessidades de água, sódio e potássio para manutenção Em condições fisiológicas normais, um adulto perde, em média, aproximadamente 1.500 mL de água diariamente pela transpiração, respiração, fezes e urina. As perdas de sódio e potássio são mínimas, e a reposição é de aproximadamente 1 mmol/kg diariamente. Geralmente essas necessidades diárias de água e eletrólitos são obtidas facilmente com a ingesta oral. Contudo, várias condições de doença alteram o equilíbrio eletrolítico normal, resultando em anormalidades graves e podendo trazer grandes desafios à administração de líquidos perioperatórios.

B. Necessidade de glicose e sua administração A glicose sanguínea está sob rígido controle hormonal, de modo que um adulto saudável é capaz de manter os níveis de glicose sanguínea normais por semanas sem ingestão

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

calórica. Assim, a glicose sanguínea não é monitorada de rotina em adultos saudáveis, nem os líquidos contendo glicose são administrados rotineiramente. Todavia, pacientes com diabetes melito dependente de insulina são suscetíveis tanto à hipoglicemia quanto à hiperglicemia; portanto, a glicose sanguínea deve ser monitorada cuidadosamente nesses pacientes no período perioperatório. Além disso, bebês com menos de 6 meses de idade têm depósitos limitados de glicogênio, são suscetíveis à hipoglicemia após curtos períodos de jejum e geralmente recebem líquidos perioperatórios contendo glicose.

C. Necessidade de líquidos em cirurgia O ensino tradicional a respeito da estimativa do déficit perioperatório de líquidos e o cálculo dos líquidos intravenosos de manutenção tem se baseado em um estudo seminal de 1957 realizado por Holliday e Segar que gerou a “regra 4-2-1” com frequência citada sobre manejo de líquidos de manutenção com base no peso corporal (i.e., a necessidade de líquidos hipotônicos por hora é de 4 mL/kg para os primeiros 10 kg, 2 mL/kg para os segundos 10 kg e 1 mL/kg para os quilogramas restantes) (5). Contudo, a aplicação desse método falha em observar inúmeros fatores fisiológicos e pode levar à hipervolemia e hiponatremia, que estão associadas com maiores complicações pós-operatórias, incluindo maior permanência hospitalar, edema pulmonar, pneumonia e íleo paralítico. Assim, a prática atual é usar soluções isotônicas para manutenção, com desfechos superiores demonstrados para soluções eletrolíticas balanceadas em relação à solução fisiológica. Apesar de inúmeros estudos, ainda há controvérsias em relação ao manejo perioperatório ideal de líquidos. Contudo, estudos recentes têm demonstrado melhores resultados quando a terapia com líquidos se baseia em critérios clínicos específicos. As diretrizes de consenso do Enhanced Recovery Partnership recomendam o uso de manejo hídrico guiado por metas para pacientes que estão agudamente enfermos, submetidos a cirurgias maiores ou têm comorbidades que indicam monitoração do débito cardíaco, mas não para pacientes submetidos à cirurgia de baixo risco (6). Contudo, as evidências não suportam uma meta hemodinâmica ou método de medida único, específico. Além do mais, os líquidos intraoperatórios de manutenção devem ser limitados a 2 mL/kg/h (incluindo infusões de fármacos). No pós-operatório, os líquidos intravenosos devem ser limitados, e a hidratação oral, retomada logo que possível.

V. Soluções de coloides, cristaloides e hipertônicas O líquido de reposição ideal deve ter uma composição similar ao plasma, ter efeitos previsíveis e confiáveis no volume sanguíneo circulante, ser livre de efeitos colaterais indesejados, ser econômico e levar à melhora no desfecho do paciente (morbidade, mortalidade, duração da permanência). Todavia, como é de se esperar, esse líquido não existe, portanto, a persistente controvérsia entre as soluções cristaloides e coloides.

A. Fisiologia e farmacologia A eficácia de qualquer líquido intravenoso na expansão do volume plasmático depende da proporção do líquido administrado que permanece no espaço intravascular. Tradicionalmente, o fluxo transcapilar global de líquido no espaço extracelular – do plasma para o líquido intersticial – é descrito pela equação de Starling: F ⫽ Kf* ([Pc – Pt] – σ[πc – πi])

(Eq. 23.5)

em que F é o movimento global do líquido entre os compartimentos, Kf é o coeficiente de filtração, Pc é a pressão hidrostática capilar, Pt é a pressão hidrostática tissular, σ é o coeficiente de reflexão (uma medida da tendência ao vazamento de uma substância particular), πc é a pressão oncótica capilar e πi é a pressão oncótica intersticial.

437

438

Fundamentos de anestesiologia clínica Com base na equação tradicional de Starling (descrita em detalhes no Cap. 3), o líquido se move do plasma para o interstício ao nível arteriolar impulsionado pelo gradiente de pressão hidrostático dominante. No lado venular da circulação, a pressão oncótica coloide dentro da vasculatura promove a reabsorção de líquido de volta à circulação (ver Fig. 3.18). Para explorar esses mecanismos fisiológicos básicos, a solução fisiológica hipertônica e as soluções coloidais foram introduzidas na prática clínica. Contudo, na prática clínica, a expansão de volume como resultado de líquidos de reposição administrados por via intravenosa não pode ser prevista de forma confiável pela equação tradicional de Starling. Isso é especialmente verdadeiro em estados de inflamação, estresse fisiológico e choque, nos quais a permeabilidade capilar é alterada. Nessas situações, a perda de líquido intravascular (incluindo soluções cristaloides e coloides) para o interstício é maior do que o esperado. Isso indica a crescente importância de múltiplos componentes capilares (p. ex., glicocálice endotelial, membrana basal capilar e matriz extracelular) na condução da fisiologia da difusão, bem como destaca a importância da circulação linfática no retorno do líquido intersticial para o compartimento intravascular. Assim, a equivalência real de volume dos coloides em relação aos cristaloides observada na prática clínica está realmente mais próxima de dois para um do que o previsto três ou quatro para um (7).

B. Implicações clínicas da escolha de um cristaloide ou um coloide O debate sobre a administração de líquidos cristaloides e coloides é antigo, e um número surpreendente de estudos na literatura têm comparado seus benefícios e desvantagens. Por exemplo, a reposição de cristaloides geralmente está associada com maior ganho de peso, que, por si só, está associado com vários desfechos clínicos negativos. Todavia, essa associação não é causal, e a literatura ainda carece de fortes evidências que suportem um tipo de líquido em relação a outro. Os estudos sugerem, contudo, que há subgrupos de pacientes nos quais o uso de albumina e coloides sintéticos parecem conferir um pior desfecho. A Tabela 23.9 resume a literatura selecionada, comparando desfechos clínicos da reposição com coloide e com cristaloide. Características adicionais também devem interferir na decisão. Os cristaloides têm baixo custo, não são alergênicos e não inibem a coagulação. Contudo, sua administração resulta em edema tissular, levando à translocação da flora intestinal, má cicatrização do ferimento, comprometimento das trocas gasosas alveolares, expansão limitada do volume intravascular e desequilíbrios metabólicos. Por outro lado, os coloides são caros, alergênicos e relacionados com insuficiência renal e coagulopatia, e seu benefício teórico de permanecer no espaço intravascular não é suportado por evidências. Os cristaloides hipertônicos podem ser administrados em volumes menores do que os cristaloides isotônicos para atingir o mesmo efeito na expansão do líquido intravascular, tornando as soluções hipertônicas atrativas para uso em situações de baixos recursos, como nos cuidados militares em combate.

C. Implicações das soluções de cristaloides e coloides na pressão intracraniana Com base na discussão acima, poderia ser esperado que as soluções coloides aumentassem menos a pressão intracraniana (PIC) do que as cristaloides, melhorando, assim, os desfechos de pacientes com lesão cerebral traumática (LCT). Essa teoria, contudo, assume condições fisiológicas ideais nas quais a barreira hematencefálica permanece intacta. No entanto, como demonstrado no estudo SAFE (Tab. 23.9), essa teoria não permanece verdadeira clinicamente, e os pacientes com LCT reanimados com coloides demonstraram aumento da mortalidade. Uma análise de subgrupo do estudo SAFE indicou, ainda, que a reanimação de pacientes com LCT com albumina está associada com PICs substancialmente mais altas na primeira semana pós-lesão do que aqueles que receberam cristaloides. O mecanismo não está completamente elucidado, mas parece envolver uma ruptura na barreira hematocefálica, resultando em extravasamento de coloide para o parênquima cerebral e hipertensão intracraniana

Capítulo 23 TABELA 23.9

Líquidos e eletrólitos

439

Resumo da literatura comparando os coloides e os cristaloides como líquidos primários de ressuscitação

Cochrane Injuries Group Albumin Reviewers. A albumina aumentou a taxa global de morte em pacientes A administração de albumina humana em pacientes gravemencom hipovolemia, queimaduras e hipoalbuminemia. te enfermos: Revisão sistemática de estudos controlados randomizados. BMJ. 1998;317(7153):235-240. Finfer S et al. Uma comparação da albumina e da solução Nenhuma diferença estatisticamente significativa na mortalifisiológica para reposição de líquidos na unidade de cuidados dade em 28 dias intensivos. N Engl J Med. 2004;350(22):2247–2256. A análise de subgrupo mostrou taxas de mortalidade aumentadas em dois anos com o uso de coloide na LCT, mas um risco de morte reduzido em 28 dias na sepse grave Mybergh JA et al. Hidroxietil amido ou solução fisiológica para A mortalidade foi maior no grupo com HES, mas não foi estareposição de líquidos em cuidados intensivos. N Engl J Med. tisticamente significativa 2012;367(20):1901–1911. LRA foi maior no grupo da solução fisiológica Necessidade de TSR maior no grupo do HES O HES foi significativamente associado com mais eventos adversos Bayer O et al. Efeitos da reposição de líquidos com coloides sintéticos ou cristaloides isolados na reversão do choque, equilíbrio de líquidos e desfecho em pacientes com sepse grave; uma análise prospectiva sequencial. Crit Care Med. 2012;40(9):2543–2551.

O PRAC concluiu que os benefícios do HES não superavam os riscos, e ele foi retirado do mercado na Europa O FDA recomenda que o HES não seja usado em pacientes gravemente enfermos ou naqueles com disfunção renal preexistente

Perel P, Roberts I, Ker K. Coloide versus cristaloide na reposição O tempo até a reversão do choque foi igual em ambos os de líquidos em pacientes gravemente enfermos. Cochrane grupos Database Syst Rev. 2013;2:CD000567. Mortalidade hospitalar, TDP total e TDP na UTI similares HES e gelatina foram fatores de risco independentes de LRA Equivalência do volume de cristaloide 1,4:1 com HES; 11:1 com gelatina Equilíbrio de líquidos mais negativo no grupo cristaloide em 5 DH Diretrizes de 2013 de sobrevivência na sepse – revisão e atualização (2)

Conclusão do autor: “Como os coloides não estão associados com uma melhora na sobrevida e são consideravelmente mais caros do que os cristaloides, é difícil ver como o seu uso continuado na prática clínica pode ser justificado.” Os cristaloides são suportados como líquido de reposição primária para sepse grave e choque séptico O uso do HES para reposição de líquidos na sepse grave e choque séptico não é suportado A reposição com albumina na sepse grave e choque séptico é apoiada quando os pacientes necessitam de quantidades substanciais de cristaloides

LCT, lesão cerebral traumática; HES, hidroxietilamido; TSR, terapia de substituição renal; PRAC, Comitê de Avaliação de Risco em Farmacovigilância, (do inglês Pharmacovigilance Risk Assessment Comittee); FDA, Food and Drug Administration; TDP, tempo de permanência; LRA, lesão renal aguda; DH, dias de hospital.

de rebote. Assim, a administração de coloide deve ser evitada em pacientes com LCT suspeitada ou conhecida.

D. Implicações clínicas da administração de líquidos hipertônicos Os líquidos hipertônicos usados comumente na prática clínica incluem solução fisiológica hipertônica e manitol. A solução fisiológica hipertônica é em geral usada mais

440

Fundamentos de anestesiologia clínica para tratar a hiponatremia sintomática, enquanto o manitol hipertônico é usado primariamente para reduzir a PIC aumentada. Teoricamente, a administração de um líquido hipertônico cria um grande gradiente osmótico entre o LEC e o LIC, retirando líquido intersticial para o espaço intravascular. O rápido aumento no volume intravascular é o argumento para a administração de soluções salinas hipertônicas para reposição de volume. Estudos iniciais bem-sucedidos de reposição com salina hipertônica em baixo volume no choque hemorrágico foram conduzidos em ambientes militares nos quais o peso do suprimento médico é de fundamental importância. Estudos subsequentes em ambientes civis comparando o uso de salina hipertônica e líquidos isotônicos para reanimação em pacientes de trauma são escassos, mas falharam em mostrar uma melhora clínica significativa e, na verdade, podem até indicar piora nos desfechos. O manitol hipertônico é usado como uma medida temporária para reduzir a PIC até que a patologia primária possa ser abordada. O manitol permanece intravascular e diminui a PIC rapidamente por retirar líquidos do interstício e do parênquima cerebral para o espaço intravascular. Adicionalmente, o manitol inibe a reabsorção de água livre e sódio nos rins, resultando em diurese rápida e volumosa. Contudo, uma recente metanálise revisando os estudos que comparam a solução fisiológica hipertônica e o manitol para tratamento da PIC elevada concluiu que a fisiológica hipertônica pode ser superior (8). No entanto, há apenas estudos limitados avaliando os desfechos neurológicos de longa duração e eventos adversos associados com a administração de solução fisiológica hipertônica, havendo necessidade de maior investigação.

VI. Estado dos líquidos: avaliação e monitoração A. Avaliação clínica convencional Hipovolemia, definida como volume sanguíneo circulante inadequado, resulta de depleção de volume (déficit de sódio no LEC) ou desidratação (déficit de água no LEC). A hipovolemia prolongada aumenta a morbidade e a mortalidade do paciente, embora possa ser corrigida rapidamente com reposição de líquidos. Todavia, as evidências também demonstram desfechos ruins do paciente com a administração excessiva de lí-

TABELA 23.10

Métodos convencionais de avaliação de volume

Exame físico Distensão venosa jugular Turgor cutâneo, membranas mucosas ressecadas, axila seca Estertores inspiratórios Edema tissular B3 cardíaca Enchimento capilar Sinais vitais (incluindo alterações ortostáticas) Alterações no peso corporal Balanço de ingestão/excreção de líquidos Valores laboratoriais Hematócrito Sódio sérico Nitrogênio da ureia sanguínea (BUN) Creatinina sérica Eletrólitos urinários Estado acidobásico

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

quidos. Embora o objetivo do manejo dos líquidos e reposição seja manter um volume circulante efetivo, muitas das medidas convencionais usadas para avaliar o estado do volume não refletem acuradamente o volume intravascular. A Tabela 23.10 enumera as ferramentas não invasivas mais usadas para avaliação clínica do estado de volume. Os achados do exame físico e as alterações do peso corporal são ferramentas potencialmente úteis na avaliação do estado de volume. Deve-se ter cuidado na sua aplicação, contudo, uma vez que a farmacoterapia concomitante (p. ex., ␤-bloqueadores, diuréticos), condições comórbidas (insuficiência cardíaca congestiva, comprometimento renal ou hepático crônico) e viés interobservador podem limitar o uso desses sinais clínicos. Do mesmo modo, valores laboratoriais, incluindo eletrólitos séricos, ureia e creatinina são componentes importantes da avaliação de volume, mas estados pré-mórbidos podem complicar sua interpretação. A despeito dessas limitações, taquicardia, oligúria e eventualmente hipotensão são respostas fisiológicas normais à depleção de volume intravascular. Considerados juntos em situações clínicas apropriadas, esses sinais frequentemente indicam hipovolemia e justificam um desafio com bólus de líquido cristaloide isotônico com objetivos diagnóstico e terapêutico. Inicialmente, um bólus de 20 a 30 mL/kg de líquido deve ser administrado. A reavaliação seriada dos sinais vitais e dos valores laboratoriais é essencial para avaliar o progresso dos esforços de ressuscitação e determinar se a hipovolemia é, de fato, o problema subjacente e se está indicada mais reposição.

B. Avaliação clínica intraoperatória Embora o exame físico e a avaliação laboratorial também tenham um papel na avaliação do estado de volume na sala de cirurgia, a maior precisão e as frequentes alterações no volume intravascular nessa situação tornam as medidas invasivas do estado de volume de suma importância. As medidas estáticas do estado do volume que são usadas no período intraoperatório incluem a pressão venosa central, a pressão de oclusão da artéria pulmonar e o diâmetro da veia cava inferior. Essas medidas estáticas, que eram consideradas medidas acuradas do volume intravascular, mostraram, por meio de evidências, não serem nem medidas precisas do volume intravascular nem preditores precisos da responsividade aos líquidos. Devido ao fato de essas medidas serem fortemente influenciadas pela ventilação mecânica e perturbações na função cardíaca, elas caíram em desuso como medidas primárias do estado volumétrico.

120 Variação da pressão de pulso VPP 100 PP máx 80 PP mín 60

40 0

5

10

15

20

FIGURA 23.4 A variação da pressão de pulso (VPP) é identificada na onda da pressão arterial, primeiro determinando a pressão de pulso máxima (PPmáx) e a pressão de pulso mínima (PPmín) e depois comparando a diferença com a pressão de pulso média, como descrito na Equação 23.6.

441

As medidas estáticas do volume intravascular, como a pressão venosa central, não respondem adequadamente às flutuações cardiovasculares e pulmonares ao longo do tempo. Em contraste, as medidas dinâmicas, como a variação da pressão de pulso, podem prever de forma mais precisa quem irá responder à reposição de volume.

442

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 23.11

Marcadores da perfusão tissular e disfunção orgânica

Marcadores de disfunção de órgão-alvo Hipoxemia: PiO2/FiO2 ⬍ 300 Oligúria: débito urinário ⬍ 0,5 kg/h × 2 h apesar da reposição de líquidos Aumento da creatinina sérica ⬎ 0,5 mg/dl Coagulopatia: INR ⬎ 1,5 ou PPT ⬎ 60 segundos Trombocitopenia: contagem de plaquetas ⬍ 100.000 plaquetas / μL Hiperbilirrubinemia: bilirrubina sérica total ⬎ 4 mg/dL Íleo paralítico Evidência de hipoperfusão tissular Déficit de base ⬎ 2 mEq/L Lactato ⬎ 2,5 mmol/L Enchimento capilar ⬎ 2 segundos Pele fria, mosqueada Saturação de oxigênio venoso misto ⬍ 65% Saturação de oxigênio venoso central ⬍ 70% PiO2, pressão parcial de oxigênio inspirado; FiO2, fração inspirada de oxigênio; INR, índice internacional normalizado, do inglês international normalized ratio; PPT, tempo parcial de tromboplastina; O2, oxigênio.

As medidas dinâmicas do estado de volume, contudo, levam em consideração flutuações do sistema cardiopulmonar ao longo de um período de tempo e mostraram ser mais acuradas para prever a responsividade aos líquidos (ver Cap. 15). Uma medida dinâmica cada vez mais popular que tem se mostrado útil é a variação na pressão de pulso (VPP), que ocorre com o ciclo respiratório. A VPP é facilmente obtida a partir da onda de pulso da pressão arterial, desde que o paciente esteja ventilado mecanicamente e em ritmo sinusal (Fig. 23.4). A VPP é calculada como uma porcentagem, como mostrada na equação 23.6, com valores ⬎ 12% acima de pelo menos três ciclos respiratórios preditivos de hipovolemia e responsividade aos líquidos: VPP ⫽ (PPmáx – PPmín/PPméd) × 100

(Eq. 23.6)

Tanto a VPP quanto a medida relacionada de variação do volume sistólico (VVS) mostraram ser altamente preditivas da responsividade à reposição de líquidos (9), uma observação importante porque até 50% dos pacientes hipovolêmicos podem não responder à reposição de líquidos. Como a VPP e a VVS podem identificar de forma acurada os pacientes que irão se beneficiar da repleção de volume, isso as torna ferramentas clínicas valiosas.

C. Fornecimento de oxigênio como uma meta de manejo A preocupação primária diante da depleção de volume intravascular é o comprometimento do fornecimento de oxigênio aos tecidos devido a uma má perfusão dos órgãos-alvo. Se esse comprometimento se torna grave, a fosforilação oxidativa pode não ocorrer, e os tecidos precisam depender de respiração anaeróbica ineficiente e simples glicólise para produção de energia, resultando em disfunção de órgão-alvo. Além do mais, o comprometimento prolongado do fornecimento de oxigênio está associado com morbidade e mortalidade significativas. A adequação do fornecimento de oxigênio é determinada pela medição dos marcadores de perfusão dos órgãos-alvo que agem como um substituto do volume circulante efetivo. Os marcadores da adequação da perfusão tissular global utilizados comumente bem como os sinais de disfunção dos órgãos são listados na Tabela 23.11. Ao longo da última década, melhoras na morbidade e na mor-

Capítulo 23 TABELA 23.12

Líquidos e eletrólitos

443

Manifestações clínicas das anormalidades eletrolíticas

Hiponatremia Edema cerebral Comprometimento do controle termorregulatório Letargia, coma, convulsões Náusea Comprometimento dos reflexos

Hipernatremia Fraqueza Letargia, convulsões, coma Lesões desmielinizantes Hemorragia intracerebral ou subaracnóidea

Hipocalemia Fraqueza muscular Insuficiência respiratória Rabdomiólise Íleo paralítico Arritmias cardíacas Alterações no ECG Diabetes insípido nefrogênico

Hipercalemia Fraqueza muscular grave Paralisia ascendente Anormalidades da condução cardíaca Alterações no ECG Arritmias cardíacas

Hipomagnesemia Tremores, tetania, convulsões Arritmias Alterações no ECG

Hipermagnesemia Náuseas Rubor Diminuição dos reflexos tendinosos profundos Hipotensão Bradicardia Sonolência, coma

Hipocalcemia Tetania Ansiedade, depressão Papiledema Convulsões Hipotensão

Hipercalcemia Fraqueza Ansiedade, depressão Constipação, náuseas Desidratação Anormalidades da condução cardíaca

ECG, eletrocardiograma.

talidade foram atribuídas à adoção de terapia precoce e agressiva direcionada a esses marcadores, usando uma abordagem algorítmica com reavaliação frequente (10, 11).

VII. Eletrólitos A. Papel fisiológico dos eletrólitos Os eletrólitos primários do corpo (sódio, potássio, cálcio, magnésio, fosfato e cloro) são componentes críticos da homeostase fisiológica. Na forma ionizada na qual eles existem no LIC e no LEC, esses eletrólitos criam gradientes elétricos e osmóticos que são regulados de forma rígida e são essenciais a muitas funções principais do corpo. Anormalidades dos níveis séricos dos eletrólitos em ambientes de cuidados perioperatórios e intensivos podem levar a perturbações graves na função fisiológica. As manifestações clínicas dessas várias anormalidades são mostradas na Tabela 23.12.

B. Sódio O sódio é o eletrólito mais prevalente no LEC. Anormalidades no sódio sérico são causadas mais frequentemente por alguma forma de regulação anormal da água renal. A perda de água pelos rins ou pelo trato gastrintestinal, falta de ingestão oral (geralmente diante de um mecanismo de sede comprometido) ou administração de soluções salinas hipertônicas podem levar à hipernatremia. As manifestações clínicas de hipernatre-

A correção muito rápida de hipernatremia ou de hiponatremia – particularmente quando crônica – pode resultar em disfunção do sistema nervoso central, incluindo edema cerebral e mielinólise pontina central.

444

Fundamentos de anestesiologia clínica

Osmolalidade plasmática

Hipotônica (< 275 mosm/kg H2O)

Isotônica (275–295 mosm/kg H2O)

Osmolalidade urinária

Pseudo-hiponatremia Hiperglicemia Solução de irrigação isosmótica

Apropriadamente baixa (< 100 mosm/kg H2O)

Inapropriadamente alta (> 100 mosm/kg H2O)

Polidipsia primária

Volume sanguíneo arterial efetivo

Baixo

Normal

Volume LEC

SIADH Deficiência glicocorticoide Hipotireoidismo Fármacos

Baixo

Alto

Diuréticos Diarreia Perda cerebral de sal Deficiência de mineralocorticoide

Insuficiência cardíaca Doença renal terminal Síndrome nefrótica

FIGURA 23.5 Etiologias potenciais da hiponatremia podem ser identificadas com um algoritmo que usa a osmolaridade sérica, a osmolaridade urinária, o volume de líquido intravascular e o volume de líquido extracelular. LEC, líquido extracelular; SIADH, síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (do inglês syndrome of innapropriate antidiuretic hormone secretion).

mia são variadas. A correção da hipernatremia pode ser obtida com solução fisiológica a 0,9%, solução fisiológica a 0,45% ou solução de glicose a 5%, dependendo da causa e do nível de elevação do sódio. Deve-se ter bastante cuidado em evitar a correção rápida do sódio sérico em casos de hipernatremia crônica. Exceto em circunstâncias de emergência, a hipernatremia não deve ser corrigida mais rapidamente do que ⬃ 0,7 mEq/h para evitar desvios de líquidos que possam levar a edema cerebral com risco de morte. O diagnóstico diferencial de hiponatremia é apresentado na Figura 23.5. As manifestações clínicas podem ser leves a graves, e no seu extremo pode ocorrer edema cerebral, coma ou convulsões. Como regra geral, os pacientes não podem se tornar

Capítulo 23

Potássio sérico

Aspecto típico do ECG

Líquidos e eletrólitos

445

Anormalidades possíveis do ECG

Leve (5,5-6,5 mEq/L)

Ondas T apiculadas Segmento PR prolongado

Moderado (6,5-8 mEq/L)

Perda da onda P Complexo QRS prolongado Elevação do segmento ST Batimentos ectópicos e ritmos de escape

Grave (> 8 mEq/L)

Alargamento progressivo do complexo QRS Onda senoidal Fibrilação ventricular Assistolia Desvio de eixo Bloqueio de ramo Bloqueios fasciculares

FIGURA 23.6 À medida que a hipercalemia progride de leve para grave, o traçado eletrocardiográfico evolui de modo previsível e pode incluir ondas T, segmentos ST e duração do QRS anormais e arritmias características.

mais hiponatrêmicos do que já estão se não for administrado líquido hipotônico. Logo, a restrição de líquido para uma quantidade abaixo do débito urinário do dia anterior é uma medida inicial razoável. Nos casos de hiponatremia sintomática (estado mental gravemente alterado ou convulsões), a correção com solução fisiológica hipertônica é recomendada. A correção meticulosa, contudo, bem como a lesão neurológica irreversível e devastadora da mielinólise pontina central, podem resultar de uma correção muito rápida do sódio sérico.

C. Potássio Anormalidades na concentração de potássio têm enorme significado clínico, já que a hipercalemia pode resultar em graves alterações da condução cardíaca com risco de morte (Fig. 23.6). O diagnóstico diferencial inclui falência ou insuficiência renal, acidose metabólica, lesão tissular grave ou rabdomiólise, suplementação iatrogênica ou efeito medicamentoso (succinilcolina, ␤-bloqueadores não seletivos). A hipercalemia sintomática normalmente não está presente até que os níveis séricos sejam ⬎ 6,5 mEq/L, e seu tratamento deve incluir inicialmente a administração de cálcio parenteral como estabilizador da membrana cardíaca. A redução no nível de potássio sérico pode ser obtida pela administração de uma combinação de glicose e insulina (essa última força a captação do potássio pelas células), bicarbonato de sódio se o paciente estiver acidêmico (o potássio é forçado para dentro das células em troca por íons H⫹ para atingir o equilíbrio no pH) ou o tratamento com furosemida ou ␤-agonistas. Por fim, nenhum desses mecanismos reduz o potássio corporal total definitivamente, uma vez que para isso há a necessidade de resinas de troca de potássio (p. ex., Sorcal®) ou hemodiálise. A hipocalemia pode ser vista em condições de diurese excessiva ou em pacientes com estenose de artéria renal ou hiperaldosteronismo. Clinicamente, a condição também pode levar a arritmias cardíacas, e os achados eletrocardiográficos iniciais incluem ondas T achatadas e a presença de ondas U. O tratamento inclui suplementação de potássio e correção de condições subjacentes. O potássio sérico não reflete acuradamente

VÍDEO 23.3 Hipercalemia

446

Fundamentos de anestesiologia clínica alterações nos depósitos de potássio corporal total, que são iguais a ⬃ 50 mEq/kg. Dependendo do tamanho do paciente, é preciso 150 a 300 mEq de potássio exógeno para elevar o potássio sérico em 1 mEq/L. Contudo, a suplementação de potássio é dada comumente por via oral ou intravenosa em alíquotas de 10, 20, 40 ou 80 mEq. O potássio intravenoso é tóxico e muito doloroso e deve ser diluído antes da administração. A hipocalemia raramente traz risco de morte, e, assim, a prática-padrão para a reposição de potássio intravenoso é não exceder 10 mEq/h usando uma linha intravenosa periférica. Usando um cateter venoso central, todavia, é possível administrar até 40 mEq/h quando necessário.

D. Cálcio O cálcio é um cátion divalente que existe nas formas ligada à albumina e ionizada fisiologicamente ativa. Dentro das células, o íon cálcio livre existe em uma concentração muito baixa e está principalmente sequestrado dentro de organelas específicas. A liberação do cálcio dentro do ambiente intracelular é crítica para o número de vias sinalizadoras de células e sistemas de segundos mensageiros. A homeostase do cálcio é mantida por um complexo sistema que envolve a absorção a partir do trato gastrintestinal (um processo regulado pela vitamina D), reabsorção dos depósitos ósseos (função do paratormônio) e excreção ou reabsorção renal (função do paratormônio). A hipercalcemia é vista em inúmeras condições clínicas, incluindo hiperparatireoidismo, metástases ósseas, uso de tiazídicos e hipervitaminose D. Um intervalo QT encurtado é um achado comum no ECG. O tratamento da hipercalcemia sintomática inclui a administração agressiva de solução fisiológica, diuréticos de alça e potencialmente hemodiálise. A hipocalcemia pode ser secundária a hipoparatireoidismo, insuficiência renal, deficiência de vitamina D, síndrome de lise tumoral e alcalose. Uma causa perioperatória importante é a transfusão sanguínea maciça, uma vez que o anticoagulante citrato nos hemoderivados transfundidos irá ligar o cálcio e depletar seus níveis no soro. O tratamento inclui a suplementação de cálcio e o tratamento da causa subjacente. Quando se avaliam os níveis de cálcio sérico, deve-se considerar que os níveis totais de cálcio são afetados pela albumina sérica, de modo que uma albumina sérica baixa irá resultar em baixos níveis totais de cálcio. Para corrigir isso, deve-se medir os níveis de cálcio ionizado.

E. Magnésio O magnésio é o segundo cátion divalente fisiologicamente ativo mais importante depois do cálcio. Ele é um componente crítico da estrutura do ácido nucleico e é um cofator importante para inúmeras funções enzimáticas. Também tem um papel na manutenção dos níveis séricos normais de outros eletrólitos. A hipermagnesemia pode ser vista em casos de hemólise, lise tumoral, insuficiência renal ou em queimaduras graves ou trauma. Em casos menores, os sintomas são similares aos da hipercalcemia. Contudo, se os níveis séricos continuam a se elevar, isso pode resultar em bloqueio atrioventricular progressivo e parada cardíaca. O tratamento inclui suplementação parenteral de cálcio como um estabilizador da membrana e hemodiálise para reduzir definitivamente os níveis séricos de magnésio. A hipomagnesemia pode ocorrer por perdas renais, diarreia crônica, alcoolismo, diurese, deficiência nutricional ou em casos de síndrome de realimentação. Os sintomas são similares aos da hipocalcemia. Os achados no ECG podem incluir um QRS alargado ou um segmento QT longo. O tratamento da condição subjacente é a chave. Também é importante observar que a repleção de magnésio é essencial para manter adequadamente os níveis de potássio e cálcio séricos normais.

Capítulo 23

Líquidos e eletrólitos

Referências 1. Boyd JH, Walley KR. Is there a role for sodium bicarbonate in treating lactic acidosis from shock? Curr Opin Crit Care. 2008;14(4):379–383. 2. Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, et al. Surviving Sepsis Campaign: International guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41(2):580–637. 3. Joshi GP. Intraoperative fluid restriction improves outcome after major elective gastrointestinal surgery. Anesth Analg. 2005;101(2):601. 4. Chappell D, Jacob M, Hofmann-Kiefer K, et al. A rational approach to perioperative fluid management. Anesthesiology. 2008;109(4):723. 5. Holiday MA, Segar WE. The maintenance need for water in parenteral fluid therapy. Pediatrics. 1957;19(5):823–832. 6. Mythen MG, Swart M, Acheson N, et al. Perioperative fluid management: Consensus statement from the enhanced recovery partnership. Periop Med. 2012;1:2. 7. Woodcock TE, Woodcock TM. Revised Starling equation and the glycocalyx model of transvascular fluid exchange: An improved paradigm for prescribing intravenous fluid therapy. Br J Anesth. 2012;108(3):384–394. 8. Kamel H, Navi BB, Nakagawa K, et al. Hypertonic saline versus mannitol for the treatment of elevated intracranial pressure: A meta-analysis of randomized clinical trials. Crit Care Med. 2011;39(3):554–559. 9. Marik PE. Techniques for Assessment of Intravascular Volume in Critically Ill Patients. J Intens Care Med. 2009;24:329. 10. Rivers E, Nguyen B, Havstad S, et al. Early goal directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001;345:1368–1377. 11. The ProCESS Investigators, Yealy DM, Kellum JA, Huang DT, et al. A randomized trial of protocol-based care for early septic shock. N Engl J Med. 2014;370(18):1683–1693.

447

448

Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Na presença de um distúrbio acidobásico agudo, qual das seguintes afirmativas descreve um curso de tempo típico da compensação fisiológica para manter o pH normal? A. Tanto a compensação respiratória para os distúrbios metabólicos primários quanto a compensação renal para distúrbios respiratórios primários requerem horas a dias B. A compensação renal para distúrbios respiratórios primários pode ocorrer dentro de minutos; a compensação respiratória para distúrbios metabólicos primários requer horas a dias C. Tanto a compensação respiratória para distúrbios metabólicos primários quanto a compensação renal para distúrbios respiratórios primários podem ocorrer dentro de minutos D. A compensação respiratória para distúrbios metabólicos primários pode ocorrer dentro de minutos; a compensação renal para distúrbios respiratórios primários requer horas a dias 2. Uma mulher de 47 anos saudável em outros aspectos é submetida a uma colecistectomia laparoscópica para colelitíase sintomática. Ela está recebendo anestesia geral endotraqueal (oxigênio, ar, sevoflurano, rocurônio, fentanil) com ventilação mecânica por meio de sistema circular. Uma GA mostra pH 7,26, PaCO2 61 mmHg, PaO2 267 mmHg, HCO3⫺ 25 mEq/. Todas a condições clínicas a seguir podem explicar seu distúrbio acidobásico, EXCETO: A. Ventilação minuto anormalmente baixa devido a um defeito pulmonar restritivo causado por insuflação da cavidade abdominal B. Aspiração prolongada da sonda orogástrica C. Hipertireoidismo não diagnosticado previamente e não tratado D. Exaustão da cal sodada 3. Todas as soluções intravenosas seguintes são isotônicas, EXCETO: A. Ringer lactato B. Albumina a 25% C. Plasmalyte D. Solução fisiológica a 0,9%

4. A despeito do prolongado debate entre as soluções cristaloides e coloides para reposição perioperatória de líquidos, geralmente há concordância a respeito de várias características de cada tipo de líquido. Por exemplo, os cristaloides são mais alergênicos do que os coloides. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso 5. Bebês com idade abaixo de 6 meses correm o risco de hipoglicemia com o jejum prolongado. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso 6. Um homem de 36 anos é submetido a uma laparotomia exploradora de emergência devido a um único ferimento por arma de fogo de baixo calibre no abdome anterior (ferimento de entrada no quadrante superior direito, sem ferimento de saída). O paciente está recebendo anestesia geral endotraqueal (oxigênio, sevoflurano, vecurônio, fentanil) com ventilação mecânica e tem dois cateteres intravenosos periféricos de grande calibre e um cateter de artéria radial. O eletrocardiograma demonstra taquicardia sinusal (126 batimentos por minuto). O traçado da pressão arterial indica uma pressão de pulso máxima a uma pressão arterial de 97/61 mmHg e uma pressão de pulso mínima a uma pressão arterial de 80/50 mmHg. Sua pressão de pulso média é 34  mmHg. Qual é a variação da pressão de pulso? A. 7% B. 10% C. 12% D. 18%

Capítulo 23 7. Um homem de 66 anos com uma história de dois dias de náuseas, vômitos e dor epigástrica aguda recente é agendado para laparotomia exploradora de emergência para reparar uma úlcera duodenal perfurada. Sua história médica pregressa aponta alcoolismo crônico e diabetes tipo 2. A bioquímica sanguínea pré-operatória demonstra uma osmolaridade sérica de 280 mOsm/L e os seguintes eletrólitos: Na⫹ 125 mEq/L, K⫹ 3,5 mEq/L, Cl⫺ 99 mEq/L e HCO3⫺ 30 mEq/L. Qual das seguintes é a etiologia MAIS PROVÁVEL da sua hiponatremia? A. Hiperglicemia B. Síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético C. Polidipsia primária D. Insuficiência cardíaca 8. Na presença de hipercalemia aguda (K⫹ ⬎5,5 mEq/L), qual dos seguintes achados eletrocardiográficos é MAIS PROVÁVEL de aparecer primeiro? A. Complexo QRS prolongado B. Ondas T apiculadas C. Fibrilação ventricular D. Assistolia 9. Na presença de hipoalbuminemia, a medição do nível de cálcio ionizado é um melhor indicador da homeostasia do cálcio corporal do que o nível do cálcio total. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

Líquidos e eletrólitos

449

10. Uma mulher de 77 anos saudável nos demais aspectos é submetida a uma descompressão espinal posterior eletiva, instrumentação e fusão aos níveis T9-L1 por estenose espinal sintomática. Ela está recebendo anestesia geral endotraqueal com ventilação mecânica. Os resultados da gasometria arterial (GA) demonstram pH 7,51, PaCO2 29 mmHg, PaO2 197 mmHg, HCO3ⴚ 23 mEq/L. Qual das seguintes é a interpretação MAIS PROVÁVEL dessa GA? A. Acidose metabólica aguda B. Alcalose respiratória crônica C. Alcalose metabólica aguda D. Alcalose respiratória aguda

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Hemoterapia Louanne M. Carabini Glenn Ramsey

24

A terapia com hemocomponentes é a base do tratamento do choque hemorrágico, da anemia aguda ou crônica e dos distúrbios adquiridos ou congênitos na hemostasia. Os anestesiologistas têm um papel único como médicos do perioperatório com frequência encarregados do manejo de pacientes que sofrem perda sanguínea aguda ou coagulopatia. Portanto, é importante compreender os princípios fisiológicos do fornecimento de oxigênio e da hemostasia, os riscos e as precauções de segurança associadas com a transfusão de hemoderivados e a farmacologia dos anticoagulantes, antitrombóticos e medicações procoagulantes.

I. Transfusão de hemoderivados A. Terapia com componentes e indicações para transfusão A transfusão de hemoderivados é realizada convencionalmente com componentes individuais dirigidos a repor deficiências específicas. O sangue total fresco é usado ocasionalmente para o sangramento crítico em hospitais de campo para militares, mas é difícil de armazenar e é ineficiente. A maioria dos pacientes necessita apenas de um único componente do sangue ou uma combinação de componentes selecionados. Por exemplo, as hemácias são necessárias para tratar anemia com evidência de hipóxia tissular, enquanto o plasma é usado para tratar coagulopatias e deficiências de fator. A separação da transfusão sanguínea em terapia com componentes permite o tratamento eficiente dirigido e também minimiza os riscos de reações de transfusão e infecções transmitidas por transfusão. O concentrado de hemácias (CH) é o produto sanguíneo mais transfundido em todo o mundo, com mais de 13 milhões de unidades administradas anualmente nos Estados Unidos (1). Uma unidade de CH é obtida a partir de um único doador e consiste em cerca de 300 mL, com um hematócrito de aproximadamente 70% e apenas cerca de 20 a 30 mL de plasma. Uma unidade de CH em geral aumenta a concentração de hemoglobina do paciente em 1 g/dL. A Tabela 24.1 apresenta os detalhes de preparação e armazenamento dos componentes sanguíneos. As indicações mais simples para transfusão de CH são a perda sanguínea aguda ou anemia com evidência de fornecimento inadequado de oxigênio aos tecidos. Os pacientes que sofrem de choque hipovolêmico secundário e sangramento grave claramente necessitam de reposição com CH, mas eles podem também necessitar de tratamento de coagulopatia dilucional e trombocitopenia. O limite da hemoglobina para transfusão no sangramento ativo em pacientes hemodinamicamente instáveis é

Há poucas, quando há, indicações de transfusão de sangue total. A transfusão de hemocomponentes separados, como hemácias ou plasma, permite o tratamento dirigido e poupa um recurso precioso.

452

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 24.1

Preparação e armazenamento dos hemocomponentes

Componentes

Volume médio por dose

Comentário

CH

300 mL

1-6 ˚C por 21-35 dias ou até 42 dias com adenina adicionada ao conservante citrato, dextrose e fosfato

PFC

250 mL

< –20 ˚C por até 1 ano

Plaquetas, derivadas de sangue total

50 mL/bolsa acumulada até a dose usual de 4-6 bolsas

20-24 ˚C por cinco dias

Plaquetas, aférese

300 mL

20-24 ˚C por cinco dias

Crioprecipitado

15 mL/bolsa acumulada até a dose usual de 4-6 bolsas

< –20 ˚C por até 1 ano

CH, concentrado de hemácias; PFC, plasma fresco congelado.

Não há regra geral a respeito da hemoglobina mínima com a qual o paciente deve ser transfundido. O gatilho para a transfusão deve ser individualizado para cada paciente específico.

com frequência mais alto (meta da hemoglobina > 8 g/dL) para permitir uma reserva durante o sangramento ativo. A transfusão no sangramento de grande porte deve incluir, ainda, a reposição de fatores de coagulação e plaquetas, considerando também a administração de medicações e estratégias de conservação do sangue. O limite para transfusão em pacientes hemodinamicamente estáveis com anemia tem sido o tópico de muitos artigos de revisão e estudos originais por mais de duas décadas. A controvérsia é a respeito do equilíbrio entre os benefícios do tratamento com hemácias para anemia versus os riscos da transfusão. A maioria das diretrizes internacionais, incluindo a AABB – antigamente a American Association of Blood Banks –, a American Society of Anesthesiologists, o British Committee for Standards in Haematology (BCSH), a Society for Thoracic Surgeons e a Society of Cardiovascular Anesthesiologists, concorda que as práticas restritivas de transfusão estão indicadas para a maioria dos pacientes de trauma hemodinamicamente estáveis, pacientes no perioperatório e pacientes gravemente enfermos (2). Há poucas circunstâncias, tais como sepse grave, isquemia miocárdica aguda e lesão neurológica aguda, nas quais gatilhos de transfusão mais altos estão indicados para maximizar o fornecimento de oxigênio para órgãos-alvo em situação de estresse. Caso contrário, pacientes hemodinamicamente estáveis sem evidência de hipóxia tissular (níveis elevados de lactato, baixa saturação de oxigênio venoso central) geralmente toleram níveis de hemoglobina de até 7 g/dL com mecanismos compensatórios para aumentar o débito cardíaco e a extração tissular de oxigênio. A Figura 24.1 descreve um algoritmo clínico sugerido adaptado das diretrizes da BCSH para o manejo da anemia e para transfusão de hemácias (2,3). O plasma fresco congelado (PFC) contém todos os fatores de coagulação, fibrinogênio e proteínas do plasma do sangue total doado ou de aférese. O volume de uma unidade de PFC é de aproximadamente 300 mL, com níveis fisiológicos de fatores de coagulação estáveis e aproximadamente 70% dos fatores lábeis VIII e V. As indicações mais comuns para o uso de PFC são o tratamento da coagulopatia dilucional e a deficiência de fatores. A dose recomendada é de 10 a 15 mL/kg. Outras indicações para o PFC incluem a reposição de antitrombina nos casos de uso prolongado de heparina ou como agente de segunda linha para reversão da varfarina. O PFC contém anticorpos contra os antígenos do tipo sanguíneo e, portanto, precisa ser compatível quando transfundido. A Tabela 24.2 apresenta os perfis de compatibilidade do PFC quando comparado com a compatibilidade das hemácias.

Capítulo 24

Hemoterapia

453

Hgb < 10 g/dL

Hemodinamicamente estável – Sem evidência de sangramento

Hemodinamicamente instável – PA, FC – Sangramento ativo

Transfundir para uma meta de Hgb > 8 g/dL

Doença de grande gravidade

– Considerar o manejo ativo do protocolo para tratar hipovolemia, anemia, trombocitopenia e coagulopatia

Sepse grave/choque – meta Hgb 9-10 g/dL Isquemia miocárdica / SCA – meta Hgb 8-9 g/dL Lesão neurológica aguda – LCA ± isquemia cerebral meta Hgb 9-10 g/dL – HSA meta Hgb 8-10 g/dL

Sem evidência de hipóxia tissular – Acidose láctica – SVO2 < 60%

Meta Hgb 7-9 g/dL

FIGURA 24.1 Algoritmo sugerido para transfusão de hemácias em pacientes hemodinamicamente estáveis e instáveis. Angina estável e história de doença cardiovascular não necessitam de limiar de transfusão maior do que 7 g/dL. PA, pressão arterial; FC, frequência cardíaca; SCA, síndrome coronariana aguda; LCA, lesão cerebral aguda; HSA, hemorragia subaracnóidea. (De Retter A, Wyncoll D, Pearse R, et al. Guidelines on the management of anaemia and red cell transfusion in adult critically ill patients. Br J Haematol. 2013;160(4):445–464, com permissão.)

O sistema sanguíneo ABO é o principal sistema de antígenos derivado dos carboidratos e transportado pelo sangue que produz anticorpos imunoglobulina M (IgM) que ocorrem naturalmente sem a necessidade de exposição das hemácias. Assim, a incompatibilidade ABO para o CH ou componentes contendo plasma tem um risco significativo de reações de transfusão hemolíticas agudas (discutidas em detalhes a seguir). O plasma do tipo AB é o doador universal de PFC, uma vez que ele não contém anticorpo para células sanguíneas ABO, enquanto os pacientes do tipo O são recebedores universais de plasma porque não há antígenos A ou B no sangue do tipo O. O crioprecipitado (às vezes chamado apenas de crio) é produzido após um descongelamento controlado e centrifugação de plasma congelado. A produção a partir

TABELA 24.2

Prevalência do grupo sanguíneo ABO e compatibilidade dos hemocomponentes

Prevalência na Tipo sanguíneo população dos EUA recebedor (%)

Compatibilidade Compatibilidade CH PFC/ Crioprecipitado

A

40

Doador A ou O

Doador A ou AB

B

16

Doador B ou O

Doador B ou AB

AB

4

Recebedor universal

Doador universal Apenas recebe plasma AB

O

45

Doador universal Apenas recebe sangue O

Recebedor universal

CH, concentrado de hemácias; PFC, plasma fresco congelado.

VÍDEO 24.1 Compatibilidade da transfusão sanguínea

454

Fundamentos de anestesiologia clínica de uma unidade de PFC é pequena. Portanto, a dose de crioprecipitado é, em geral, acumulada de 4 a 6 doadores separados. O produto resultante é de aproximadamente 100 mL e contém uma alta concentração de fibrinogênio em relação ao PFC, bem como quantidades clinicamente significativas de fator VIII, fator de von Willebrand, fator XIII e fibronectina. Doença de von Willebrand, hemofilia, hipofibrinogenemia e coagulação intravascular disseminada (CIVD) são as indicações para transfusão de crioprecipitado. As plaquetas são produzidas como uma unidade acumulada de 4 a 6 doadores de sangue total ou a partir de uma única doação por aférese. Ao contrário de outros componentes sanguíneos, elas têm uma meia-vida curta, de apenas cinco dias, e são armazenadas em temperatura ambiente; portanto, têm um maior risco de contaminação bacteriana. Geralmente uma única dose de plaquetas (pool ou por aférese) deve aumentar a contagem de plaquetas inicialmente em 25.000 a 30.000 por microlitro. Contudo, a resposta à transfusão de plaquetas varia enormemente dependendo da indicação, acuidade e síndrome sistêmica do paciente. A transfusão de plaquetas pode ser indicada quando elas estão diminuídas como resultado de diluição, sangramento, destruição ou sequestro. O gatilho para transfusão na trombocitopenia depende de o paciente ter sinais clínicos de sangramento ou de o risco de sangramento envolver os espaços limitados intraorbital, intracraniano ou neuraxial. Em tais circunstâncias, o limite para transfusão é < 100.000 por microlitro. Em outros casos, para pacientes cirúrgicos nos quais é antecipada a ocorrência de sangramento e a profilaxia é desejada, o limite geralmente é < 50.000 por microlitro. Pacientes sem sinais clínicos de sangramento não estão em risco de hemorragia espontânea até que a contagem de plaquetas caia a < 10.000 por microlitro. A transfusão de plaquetas também pode ser necessária em pacientes com deficiências qualitativas, sejam adquiridas ou congênitas. A disfunção adquirida das plaquetas frequentemente ocorre com a circulação extracorpórea, como no bypass cardiopulmonar, ou com medicações ou doenças sistêmicas, como a doença hepática e a uremia.

II. Compatibilidade sanguínea Em uma emergência, quando o tipo sanguíneo de um paciente com hemorragia não é conhecido e não há tempo para realizar uma prova cruzada, é melhor realizar uma transfusão com sangue tipo O, Rh negativo.

O teste de compatibilidade das hemácias consiste da tipagem para ABO e Rh(D), rastreamento do plasma para anticorpos não ABO e prova cruzada prospectiva dos concentrados de hemácias. As pessoas do grupo O, A e B têm anti-A e/ou anti-B plasmáticos fortes que ocorrem naturalmente para os antígenos que elas não têm, e as unidades de hemácias devem ser ABO-compatíveis para evitar reações hemolíticas de transfusão. As pessoas D-negativas podem facilmente produzir anti-D quando expostas a hemácias D-positivas e normalmente devem receber hemácias D-negativas. Isso é especialmente importante em meninas e mulheres jovens para evitar o risco de doença hemolítica do recém-nascido em futuros fetos D-positivos. Um a 2% de todos os pacientes e 5 a 20% dos pacientes com múltiplas transfusões têm aloanticorpos hemolíticos não ABO para Rh e outros grupos de antígenos sanguíneos. Esses anticorpos devem ser identificados de modo que possam ser dadas as unidades de hemácias negativas para os antígenos-alvo para evitar hemólise. Após esses testes de “tipagem e rastreamento”, as unidades de hemácias do doador são cruzadas para o paciente, por confirmação computadorizada ou, se houver uma quantidade significativa de anticorpos, por cruzamento sorológico do plasma versus hemácias do doador. O teste de compatibilidade rotineiramente leva 45 a 60 minutos ou mais se houver aloanticorpos de hemácias, autoanticorpos quentes (IgG) ou frios (IgM). Se as hemácias precisarem ser administradas de emergência antes de o teste ser completado, as hemácias do grupo

Capítulo 24

Hemoterapia

455

O não cruzadas (D-negativas para meninas e mulheres jovens) são a melhor opção, após pesar o risco de anticorpos hemolíticos não ABO para as hemácias. Em uma emergência, como um guia para ajudar a lembrar qual grupo é o “doador universal”, pense no “O” em doador.

III. Administração de sangue Antes da transfusão, é essencial que a etiqueta de transfusão do banco de sangue na unidade de sangue seja verificada cuidadosamente na bolsa de sangue e na identificação na pulseira do paciente para evitar uma reação hemolítica pela administração do sangue ou componente errado. Todos os hemocomponentes devem ser administrados por meio de um filtro de sangue de 150 a 260 μm para prevenir a passagem de coágulos para a corrente sanguínea. Os produtos devem ser infundidos dentro de quatro horas da emissão pelo banco de sangue. Um aquecedor de sangue deve ser usado em transfusões rápidas de grandes volumes para evitar hipotermia e pode ser recomendado para a transfusão de hemácias para pacientes com autoanticorpos frios.

IV. Reações transfusionais Com mais de 20 milhões de hemocomponentes transfundidos anualmente, os riscos de transfusão são relativamente raros, com uma incidência global de 0,24% ou 2,4 reações por 1.000 unidades transfundidas (1). Mais da metade dessas reações são reações não hemolíticas febris, leves ou reações alérgicas leves a moderadas. Contudo, a incidência global de reações de transfusão provavelmente é subnotificada e significativamente mais alta do que o que é publicado. As reações de transfusão com frequência são organizadas por fisiopatologia em reações imunomediadas ou não imunomediadas. Essa última inclui a transmissão de infecção (p. ex., hepatite C) ou distúrbios metabólicos associados com transfusão maciça (p. ex., hipercalemia). A Tabela 24.3 resume muitos dos efeitos adversos não infecciosos da transfusão relatados, mas as seções seguintes irão focar algumas das reações mais clinicamente significativas. As reações hemolíticas de transfusão resultam de hemólise intravascular ou extravascular de hemácias endógenas ou transfundidas, geralmente quando o recebedor expressa anticorpos contra antígenos circulantes dentro do produto do doador. Essa reação é aguda e grave quando a transfusão envolve anticorpos IgM anti-A e anti-B que ocorrem naturalmente contra antígenos das células sanguíneas ABO. As reações transfusionais hemolíticas agudas (RTHAs) são raras e quase sempre resultam de erros administrativos com a amostra do sangue, tipagem, reação cruzada ou administração errada de um hemocomponente inadequado ao paciente errado. Ocasionalmente, a transfusão de plasma incompatível também pode resultar em hemólise aguda (Tab. 24.2) (4). A vigilância para o diagnóstico de RTHA deve permanecer elevada porque muitos dos sinais e sintomas podem ser mascarados durante a anestesia geral. Pacientes responsivos podem se queixar de prurido, dor torácica ou desconforto abdominal. Os sinais vitais se tornam instáveis, com liberação difusa de bradicinina e histamina, levando a febre, hipotensão, taquicardia e broncoespasmo. As RTHAs são tratadas com cuidados de suporte após a descontinuação de todos os hemocomponentes e início da investigação da etiologia da incompatibilidade. A mortalidade por RTHA permanece elevada, respondendo por até 26% das fatalidades relacionadas com transfusão relatadas para a FDA de 2008 a 2012. Os pacientes podem progredir para insuficiência sistêmica de múltiplos órgãos por choque sistêmico, CID, insuficiência renal aguda e disfunção hepática obstrutiva (5).

As reações transfusionais hemolíticas agudas em geral resultam de erros cometidos por profissionais da saúde. É crítico que os doadores e os recebedores de sangue sejam identificados adequadamente e todas as etiquetas nos produtos do sangue sejam adequadamente conferidas para esses indivíduos.

456

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 24.3

Reações transfusionais não infecciosas

Reação adversa

a Incidência Observações

Global

1:400

Com risco de morte

1:66.000

Reações imunomediadas Reação não hemolítica febril

1:950

Reações alérgicas leve-moderadas

1:1.500

Anafilaxia CH PFC e plaquetas

1:43.000

Deficiência de IgA aumenta o risco Lavar pode evitar reação Mais prevalente com produtos do plasma

Reação transfusional hemolítica aguda

1:125.000

Incompatibilidade ABO

1:21.000

Aloanticorpos para antígenos menores das hemácias

Tardia

Imunomodulação relacionada à transfusão Ver texto Aloimunização

1:8.000

O risco aumenta com o número de unidades

Lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão

1:64.000

Maior número com produtos do plasma

Doença do enxerto versus hospedeiro

1:931.000

Risco reduzido com radiação

1:13.800

Maior risco em pacientes gravemente enfermos

Não imunomediado Sobrecarga circulatória associada com transfusão Distúrbios metabólicos

Hipercalemia, hipocalcemia, hipotermia e sobrecarga de ferro

IgA, imunoglobulina A; CH, concentrado de hemácias; PFC, plasma fresco congelado. a Reações por componentes transfundidos. As frequências são do National Blood Collection and Utilization Survey de 2011.

As reações transfusionais hemolíticas tardias (RTHT) com frequência ocorrem dias após a administração de hemoderivados e geralmente são menos graves, apresentando anemia progressiva, icterícia e hemoglobinúria na ausência de instabilidade hemodinâmica. A RTHT resulta de uma reação humoral aos antígenos nos hemoderivados transfundidos em recebedores com uma longa história de aloimunização a antígenos como Rh, Kell, Kidd e Duffy, entre outros. A aloimunização ocorre na gravidez ou com a exposição à transfusão de hemoderivados à medida que os recebedores desenvolvem anticorpos contra antígenos circulantes. Isso coloca esses pacientes em risco de reações transfusionais hemolíticas futuras e enfatiza a importância de rastreamento de anticorpos e reação cruzada completa antes de uma transfusão não emergencial. A imunomodulação relacionada à transfusão (IMRT) foi descrita originalmente nos anos de 1970 quando foi observado que pacientes que recebiam transfusão eram propensos a rejeitar transplantes de órgãos sólidos. O mecanismo exato da imunomodulação não está claro, mas provavelmente se relaciona aos efeitos adversos pró-inflamatórios dos modificadores da resposta biológica (produtos da quebra dos lipídeos, quimiocinas, leucotrienos) incluídos em componentes de hemoderivados, bem como à resposta anti-inflamatória mediada por células dos leucócitos incluídos nos compo-

Capítulo 24

Hemoterapia

nentes sanguíneos de transfusões contendo plasma. A IMRT ocorre presumivelmente com cada transfusão, mas pode ser limitada com leucorredução ou irradiação. Revisões recentes na medicina de transfusão apontam para a resposta imune adversa como a etiologia para morbidade e mortalidade com estratégias liberais de transfusão (4). A lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI, do inglês transfusion-related acute lung injury) continua sendo uma das causas principais de fatalidades associadas à transfusão. Os critérios diagnósticos do National Heart, Lung and Blood Institute requerem edema pulmonar agudo, não cardiogênico, com infiltrados bilaterais e um coeficiente da pressão parcial de oxigênio arterial em relação à concentração de oxigênio inspirado < 300 (p. ex., 200/0,75) relacionado temporalmente com a transfusão. Os hemoderivados com elevado conteúdo plasmático são responsáveis pela maioria dos casos de TRALI, que podem ser explicados pelos dois mecanismos fisiopatológicos sugeridos. A causa mais provável envolve anticorpos antineutrófilos (anti-HNA) ou anti-HLA formulados em doadoras do sexo feminino, multíparas, durante uma gravidez anterior. De fato, o Reino Unido reduziu significativamente sua incidência de TRALI com a limitação dos produtos com plasma apenas para doadores do sexo masculino. A segunda “hipótese de dois pontos” discutida comumente para TRALI implica o papel dos modificadores da resposta biológica pró-inflamatória liberados em hemoderivados armazenados que ativam os neutrófilos no recebedor. Ambos os mecanismos fisiopatológicos resultam em ruptura da membrana alveolocapilar, edema intersticial pulmonar e hemorragia alveolar microscópica, todos levando à lesão pulmonar aguda. O tratamento da TRALI foca o cuidado de suporte e a ventilação mecânica protetora com baixo volume corrente, uma vez que o edema pulmonar de baixa pressão geralmente não responde à terapia diurética. A sobrecarga respiratória associada à transfusão (TACO, do inglês transfusion-associated circulatory overload) envolve edema pulmonar cardiogênico de alta pressão em geral associado com grande volume ou rápida transfusão. Não é uma resposta imunomediada e ocorre com mais frequência em pacientes gravemente enfermos ou naqueles com uma história de comorbidades cardiovasculares. Esses pacientes desenvolvem hipoxemia secundária à desproporção ventilação-perfusão e shunt intrapulmonar. Além do mais, os pacientes podem expressar um alto nível de peptídeo natriurético cerebral em resposta à distensão ventricular. Geralmente a TACO responde a tratamento diurético e a recrutamento alveolar pulmonar (4). As infecções transmitidas por transfusão têm sido foco de pesquisa na medicina transfusional há várias décadas, o que resultou em uma redução significativa na taxa de infecção em recebedores de transfusão alogênica. O maior medo entre recebedores de transfusão sanguínea geralmente diz respeito a infecções virais altamente divulgadas, como a hepatite C e a imunodeficiência humana (HIV). Contudo, esses são, na verdade, um raro resultado da transfusão de hemoderivados devido à maior sensibilidade dos testes de rastreamento do doador disponíveis atualmente e uma pequena janela de tempo entre a infecção do doador e a soroconversão. Em contraste, a transmissão da hepatite B por transfusão permanece alta devido à maior prevalência da doença na população e à longa janela de tempo durante a qual as unidades de doadores infectados não podem ser identificadas. A Tabela 24.4 resume o risco residual de transmissão da transfusão para infecções relatadas mais comumente.

V. Alternativas perioperatórias à transfusão Os riscos de transfusão são indiscutíveis. Mesmo uma unidade de hemácias pode aumentar significativamente a morbidade perioperatória. No entanto, há algumas estratégias de conservação do sangue para minimizar a transfusão de hemácias halogênicas. Cada um desses métodos tem vantagens e riscos que precisam ser considerados cuida-

457

Apenas em circunstâncias incomuns é adequado transfundir um paciente anêmico antes de cirurgia eletiva. A causa da anemia deve ser encontrada, e o paciente, tratado. Alternativas à transfusão, como salvamento celular perioperatório (cell saver), devem ser consideradas.

458

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 24.4

Risco residual de infecções transmitidas por transfusão

Infecção

Risco residual

Janela de tempo e comentários

Infecções virais Vírus da imunodeficiência humana Hepatite C Hepatite B Vírus do Oeste do Nilo Citomegalovirus – todos os doadores Produtos leucorreduzidos

1:1.860.800 1:1.657.700 1:366.500 Raro 1-3% 0,023%

Contaminação bacteriana – todos os tipos Concentrado de hemácias

1:3.000

Plaquetas

1:35.000 1:15.000

Janela de 9,1 dias Janela de 7,4 dias Janela de 38 dias 11 casos relatados de 2003-2010

Menor risco do que concentrado de plaquetas Aférese diminui o risco

dosamente. Os fatores a serem considerados nessa decisão incluem as características do paciente, como o tipo sanguíneo, a presença de anticorpos ou a preferência de não receber sangue, bem como o risco de perda sanguínea durante o procedimento cirúrgico e os riscos de tecnologias específicas de conservação do sangue. A anemia pré-operatória é um fator de risco independente para transfusão de sangue perioperatório, de morbidade e de mortalidade. Assim, estratégias para aumentar a concentração de hemoglobina do paciente antes da cirurgia devem ser consideradas para todos os casos eletivos. Deve haver uma investigação diagnóstica pré-operatória completa para a causa da anemia e, se indicado, o tratamento agressivo da deficiência de ferro ou a reposição das deficiências de vitamina (p. ex., vitamina B12 ou ácido fólico). Com um maior tempo antes da cirurgia para diagnóstico e tratamento da anemia, menos pacientes necessitam de transfusão perioperatória (6). A eritropoietina é o agente estimulante da eritropoiese (ESA, do inglês erythropoiesis-stimulating agent) mais comum aprovado para uso em pacientes com doença renal terminal, anemia pré-cirúrgica e anemia associada à quimioterapia ou neoplasia maligna. A eritropoietina aumenta a produção de hemácias na medula. Contudo, ela tem um risco significativo de tromboembolia venosa e arterial, especialmente em pacientes que não podem receber quimioprofilaxia para trombose venosa profunda. A literatura apoia o uso de ESAs como parte do protocolo de conservação de sangue, especialmente em conjunto com doação autóloga pré-operatória (6). A doação de sangue autólogo (coleta e conservação do sangue do próprio paciente para uso posterior) reduz vários dos riscos associados com transfusão de sangue alogênico, incluindo infecção viral e reações imunes como TRALI e aloimunização. Todavia, a doação autóloga pré-operatória não mostrou reduzir a transfusão alogênica perioperatória devido à menor concentração de hemoglobina perioperatória resultante. A doação de sangue autólogo ainda tem o risco associado de erro de administração, contaminação bacteriana e lesões de armazenamento. Além disso, há um desperdício significativo associado com o procedimento, uma vez que os doadores não são rastreados amplamente e as doações não usadas não podem ser aproveitadas em outras pessoas. Certos pacientes podem ser candidatos à transfusão autóloga se eles tiverem anticorpos raros contra antígenos sanguíneos ou se eles recusarem transfusões alogênicas e estiverem em risco de perdas sanguíneas cirúrgicas significativas (7).

Capítulo 24

Hemoterapia

A hemodiluição normovolêmica aguda envolve a remoção de 2 a 3 unidades de sangue total com reposição de volume com líquidos intravenosos imediatamente antes da incisão. O sangue geralmente é armazenado na sala de cirurgia, mas pode ser conservado por 24 horas antes de ser reinfundido. Isso resulta em o paciente perder sangue com um hematócrito mais baixo durante a cirurgia e ser reanimado com sangue total fresco autólogo após a maior parte da perda de sangue cirúrgica ter se resolvido. Esse método é muito eficaz em pacientes jovens saudáveis que podem tolerar anemia intraoperatória sem o risco de hipóxia de órgãos-alvo ou em pacientes que têm um maior risco de reações de transfusão por produtos de sangue alogênico (7). O salvamento de sangue perioperatório com tecnologia intraoperatória de “salvamento de células” (cell saver) ou salvamento celular intracompartimento pós-operatório é o método mais usado e mais eficaz para conservação de sangue perioperatório. Especialmente em cirurgia ortopédica para artroplastia total do joelho e substituição do quadril, o salvamento celular perioperatório tem diminuído significativamente o risco do paciente de transfusão sanguínea. O salvamento celular pós-operatório geralmente é limitado à cirurgia ortopédica, uma vez que o salvamento celular mediastinal após cirurgia cardíaca e torácica tem sido associado com pior sangramento e morbidade pós-operatórios. Os sistemas de salvamento de hemácias intraoperatórios em geral envolvem três fases, as quais precisam ser realizadas por operadores treinados para aperfeiçoar o retorno das hemácias e minimizar os riscos. O sangue derramado é anticoagulado primeiro e coletado com aspiração variável limitada para minimizar os efeitos prejudiciais das forças de cisalhamento. A coleta ineficiente pode aumentar o risco de hemólise. A aspiração de ferimentos contaminados com aspiração franca, secção de tumor roto, líquido amniótico fetal ou componentes farmacêuticos pode aumentar os riscos associados com o salvamento celular. Comumente, os filtros de leucodepleção limitam a entrada de leucócitos e contaminantes, incluindo células tumorais e líquido amniótico na câmara de coleta. Assim, os sistemas intraoperatórios de salvamento celular permanecem aceitáveis em obstetrícia, bem como em quaisquer procedimentos com perda sanguínea antecipada de > 1.500 mL. Metanálises de estudos usando salvamento celular em cirurgia de câncer urológico e ginecológico demonstram que é seguro e não está associado com risco adicional de recorrência de tumor ou metástase. Os riscos associados com reinfusão de hemácias salvas incluem embolia aérea e hemólise, mas esses riscos são mínimos quando o sistema é usado adequadamente e ainda negligenciável quando comparado com o risco de transfusão sanguínea alogênica. De um modo geral, o salvamento sanguíneo perioperatório é custo-eficaz, tem baixo risco e é clinicamente eficiente para reduzir a necessidade de transfusão de hemácias. É particularmente importante quando se considera o uso de estratégias de conservação de sangue perioperatório para pacientes com raros anticorpos sanguíneos e aqueles que são Testemunhas de Jeová, pois, em geral, eles recusam qualquer transfusão quando hemácias são removidas do corpo. Os pacientes que são Testemunhas de Jeová com frequência aceitam o salvamento de hemácias se o sangue salvo permanece em continuidade com o paciente. Isso é facilmente estabelecido com uma linha venosa preparada conectada à bolsa de reinfusão do sistema de salvamento (7). Os substitutos sanguíneos são uma alternativa atraente à transfusão, eliminando muitos dos riscos associados com a administração de hemácias. Não há compostos aprovados atualmente para uso humano, embora esse seja um campo de pesquisa ativa. Entretanto, os substitutos sanguíneos contendo moléculas de hemoglobina recombinantes têm sido associados com hipertensão e disfunção renal e hepática, enquanto substitutos contendo compostos perfluorocarbonados, que aumentam a fração de oxigênio dissolvido, comumente causam trombocitopenia. Espera-se que novos estudos tragam um substituto sanguíneo alternativo eficiente e de baixo risco (6).

459

VÍDEO 24.2 Salvamento de sangue intraoperatório

460

Fundamentos de anestesiologia clínica

Plaquetas

Função plaquetária Incompleta Fibrina, vWF Estabilização Ativação GPIIb/IIIa

P2Y12

NO PLC

TxA2 ADP

COX

AMPc

AA PGI2

Denso FVa

Inibição



Protrombinase FvW

Trombina Colágeno

Endotélio Aderência

FIGURA 24.2 Diagrama da função plaquetária. Setas azuis: sinalização das vias de ativação. Linhas vermelhas: sinalização das vias de inibição. Triângulos duplos: receptores de superfície. Setas verdes: secreção. Setas tracejadas: cascata dos fatores de coagulação. Aderência: raios amarelos: lesão. FvW: fator von Willebrand. Ativação: PLC: fosfolipase C. ␣: grânulos alfa. Denso: grânulos densos. TxA2: tromboxano A2. COX: cicloxigenase. ADP: difosfato de adenosina. FVa: fator V ativado. P2Y12: receptor ADP. Nem todos os elementos de ativação são mostrados. Estabilização: GPIIb/IIIa: glicoproteína IIb/IIIa. Inibição: NO: óxido nítrico. PGI2: prostaglandina I2 (prostacilina). AMPc: monofosfato cíclico de adenosina. Alvos de medicação antiplaquetária (azul): COX: ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios não esteroides. P2Y12: classe do clopidogrel. AMPc: classe do dipiridamol. GPIIb/IIIa: classe do abciximabe. O processo de coagulação é complexo, envolvendo inúmeros componentes e processos interativos. Se o tempo permitir, a causa do sangramento incomum deve ser elucidada cuidadosamente, e a terapia direcionada com precisão. Em uma emergência, a terapia “tiro de canhão” com plasma fresco congelado ou plaquetas pode ser necessária.

VI. Hemostasia primária A Figura 24.2 mostra as três fases gerais da função plaquetária: aderência, ativação e estabilização. Quando o vaso sanguíneo é lesionado, as plaquetas aderem ao colágeno subjacente por meio dos receptores de superfície e ao fator de von Willebrand (FvW) no endotélio ou em um coágulo sanguíneo. Esses receptores engajados deflagram vias de sinalização mediadas pela fosfolipase C (PLC) para causar ativação das plaquetas. Na fase de ativação, as plaquetas secretam inúmeros agentes para estimular outras plaquetas, incluindo cálcio (Ca++), adenosina difosfato (ADP) e serotonina liberada por meio de grânulos densos e tromboxano A2 produzido pelo ácido aracdônico por meio da via da cicloxigenase. A membrana externa das plaquetas tem receptores para esses agonistas, incluindo o receptor P2Y12 para o ADP e para a trombina, deflagrando sinalização interna por meio da PLC. As plaquetas ativadas também liberam grânulos ␣ contendo fator V ativado para a cascata de coagulação; eles alteram a forma de redonda para achatada e espiculada. Por fim, na estabilização, a PLC faz a mediação da sinalização “de dentro para fora” para ativar o receptor de superfície para ligação da fibrina e

Capítulo 24

Extrínseca Células subentodeliais

Hemoterapia

Intrínseca Plaquetas

Endotélio XI

Fator tissular (FT)

V

Va

VIII

XIa

VII

IX FT-VIIa extrínseco

VIIIa2-IXa

TF-VIIa1 Va** Xa* X

Xa

IX

IXa

Xa

Protrombina

Trombina***

Para via intrínseca

X

XIIIa XIII

Fibrinogênio Fibrina

Fibrina com reação cruzada

FIGURA 24.3 Vias extrínsecas e intrínsecas para a cascata de coagulação. Setas cinza: secreção. Vermelho: enzimas dependentes da vitamina K. Setas azuis: ativação pela trombina. Caixas sólidas: enzimas com cofatores, Ca++ e fosfolipídeos na membrana das plaquetas. Inibição: *via de inibição do fator tissular; **proteína C ativada; ***antitrombina.

do FvW. Outras plaquetas ativadas têm reações cruzadas com a fibrina e o FvW nesses locais, produzindo um tampão plaqueta-fibrina (8).

A. Hemostasia secundária Tradicionalmente a cascata de coagulação é subclassificada em (a) via extrínseca, ativada pelo fator tissular (FT) a partir de células fora de um vaso sanguíneo rompido; (b) via intrínseca, envolvendo apenas fatores plasmáticos; e (c) via comum, alimentada por ambas as vias intrínseca e extrínseca para formar trombina, e depois fibrina (Fig. 24.3). Contudo, as vias extrínseca e comum também ampliam a via intrínseca. Cada uma dessas três vias tem uma enzima central complexa com quatro elementos paralelos: uma enzima plasmática, um cofator (principalmente células ou derivados plaquetários), o íon Ca++ e uma plataforma fosfolipídica (PL) fornecida in vivo pela membrana plaquetária. A via extrínseca ativa o fator X em Xa por meio da ten-ase extrínseca, compreendendo a enzima do fator VIIa (ativado pelo FT), seu cofator FT, Ca++ e PL. A via intrínseca ativa o Xa com a ten-ase intrínseca, contendo a enzima IXa, cofator VIIIa, Ca++ e PL. Na via comum, a enzima Xa formada por esses processos se combina com o cofator Va, Ca++ e PL para formar protrombinase. A protrombina então é convertida em trombina, que, por sua vez, converte o fibrinogênio no produto final, fibrina. Quando a trombina é formada, ela também amplia a ten-ase VIIIa a IXa intrínseca: a trombina ativa VIIIa e XIa, que produz IXa. A ten-ase extrínseca também faz algum IXa para a ten-ase intrínseca. A trombina amplifica sua própria protrombinase pela ativação de algum Va plasmático. Contudo, as plaquetas fornecem a maioria do Va pelo uso do fator V plasmático, convertendo-o em Va e depois secretando Va durante a ativação das plaquetas. Por fim, a trombina também ativa o fator XIII, que tem uma reação cruzada e estabiliza o coágulo de fibrina (8).

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Fundamentos de anestesiologia clínica

B. Fibrinólise A fibrina é quebrada pela plasmina após a necessidade de hemostasia ter se resolvido. A plasmina é ativada a partir do plasminogênio de várias formas: (a) o ativador tissular do plasminogênio (tPA) de células endoteliais é clivado em plasminogênio e é ativado pela plasmina; (b) a uroquinase do endotélio e dos rins ativa o plasminogênio; (c) o fator IXa e os fatores XIIa e calicreína de contato, associados com a via intrínseca, ativam uma fração menor do plasminogênio. Os fatores de contato podem ativar XIa durante o teste in vitro (tempo parcial de tromboplastina), mas não in vivo. A fibrinólise também é regulada. A ␣1-antiplasmina e o inibidor da fibrinólise ativado pela trombina (IFAT) inibem a plasmina. O IFAT e o inibidor da ativação do plasminogênio-1 (PAI-1) interferem com a função do tPA, e o PAI-1 promove a depuração do tPA e da uroquinase.

C. Regulação da hemostasia A ativação plaquetária é inibida fisiologicamente pelo óxido nítrico (NO) e pela prostaglandina I2 (PGI2) secretada pelas células endoteliais. O NO estimula a via que leva à inibição do receptor tromboxano A2. A PGI2 se liga a um receptor plaquetário, que sinaliza para a supressão da aderência de FvW, função de PLC e ativação do tromboxano A2. A hemostasia secundária também é regulada em várias ligações (Fig. 24.3). O inibidor da via do fator tissular, secretado pelas células endoteliais e facilitado por seu cofator, a proteína S, atenua as funções da ten-ase do FT-VIIa extrínseco e a via comum de Xa. A antitrombina, particularmente quando ligada à heparina, inibe a trombina e todos os outros fatores enzimáticos. A proteína C ativada realiza a clivagem do VIIIa extrínseco e da via comum de Va. A proteína C é ativada pela proteína C-ase, compreendendo a enzima trombina – um cofator trombomodulina secretado pelas células endoteliais –, Ca++ e PL.

VII. Farmacologia O uso de ácido acetilsalicílico em baixa dose é disseminado entre os pacientes porque é uma profilaxia eficaz contra o infarto do miocárdio. Ele age por meio da inibição irreversível da cicloxigenase e do comprometimento da agregação plaquetária. Ele deve ser descontinuado mais de uma semana antes de cirurgia intraocular ou intracraniana para reduzir o risco de hemorragia devastadora.

As medicações anticoagulantes e antiplaquetárias têm como alvo vários pontos dentro das vias hemostáticas. As medicações antiplaquetárias previnem a ativação e a agregação plaquetária, enquanto as medicações anticoagulantes inibem a ativação dos fatores de coagulação em vários pontos dentro da hemostasia secundária. A Tabela 24.5 aponta os alvos específicos inibidos por cada fármaco juntamente com alguns detalhes sobre a monitoração do seu efeito e fármacos que podem ser usados no evento de emergências hemorrágicas. A terapia antiplaquetária é a base do tratamento da doença cerebrovascular e cardiovascular. O ácido acetilsalicílico é um inibidor irreversível da cicloxigenase, prevenindo, assim, a síntese do tromboxano, um importante estimulante da ativação plaquetária. A segunda classe mais usada de medicações antiplaquetárias inclui o clopidogrel e a ticlopidina, antagonistas do receptor P2Y12, que resultam em uma diminuição da expressão dos receptores da glicoproteína IIb/IIIa na superfície de plaquetas ativadas, inibindo assim a adesão e a agregação das plaquetas. Por fim, os antagonistas diretos do receptor da glicoproteína IIb/IIIa – abciximabe e eptifibatide – impedem a agregação plaquetária pela inibição da reação cruzada com o fibrinogênio. Esses agentes estão disponíveis apenas para administração intravenosa e são usados primariamente no tratamento da síndrome coronariana aguda. A heparina não fracionada é uma das medicações mais antigas e mais usadas para anticoagulação, especialmente para o tratamento de emergência de embolia pulmonar, infarto do miocárdio, trombose vascular ou bypass cardiopulmonar. Ela age

Capítulo 24 TABELA 24.5

Hemoterapia

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Medicações anticoagulantes e antiplaquetárias

Medicação

Nome comercial Alvo/MdA

Exame de monitoração Antídoto

Anticoagulantes Heparina

Aumento da atividade da antitrombina

TTPa ou TCA

Protamina

HBPMs Enoxaparina Fondaparinux Argatroban Bivalirudin

Lovenox Arixtra Acova Angiomax

Inibição do fator Xa Inibição do fator Xa IDT IDT

Anti-Xa Anti-Xa TCA TTPA ou ECT

A protamina tem efeito limitado Nenhum Nenhum Nenhum, mas tem metabolismo rápido

Varfarina

Coumadin

Antagonista da vitamina K

INR

Vitamina K ou PCC

NACO Apixabana Rivaroxabana Dabigatrana

Eliquis Xarelto Pradaxa

Inibição do fator Xa Inibição do fator Xa IDT

Nenhum

Evidência limitada, mas os PCCs são a primeira linha

Inibição COX

Estudo das plaquetas

Transfusão de plaquetas

Fármacos antiplaquetários Ácido acetilsalicílico Clopidogrel

Plavix

Antagonista de P2Y12

Estudo de P2Y12

Transfusão de plaquetas

Abciximabe

ReoPro

Anticorpo monoclonal para GPIIb/IIIa

TTPa ou TCA

Nenhum

HBPM, heparina de baixo peso molecular; MdA, mecanismo de ação; COX, cicloxigenase; IDT, inibidor direto da trombina; NACO, novos anticoagulantes orais; TTPa, tempo de tromboplastina parcial ativada; TCA, tempo de coagulação ativado; ECT, tempo de coagulação ecarina; INR, índice internacional normalizado; PCC, complexo de protrombina concentrado.

melhorando a afinidade da antitrombina pela trombina, inibindo, assim, a etapa final da hemostasia secundária. Os efeitos terapêuticos da heparina inibem primariamente a via de coagulação intrínseca e comum, e ela pode ser monitorada com o tempo de tromboplastina parcial ativada ou com o tempo de coagulação ativado. Contudo, ela é uma molécula grande com riscos significativos de trombocitopenia induzida pela heparina (TIH), um distúrbio caracterizado por trombose microvascular secundária a anticorpos IgG de ativação plaquetária contra a heparina e complexos de fator plaquetário 4. As heparinas de baixo peso molecular, como a enoxaparina e o fondaparinux, inibem a ativação do fator X como um meio de prevenir a formação de trombina e hemostasia. Elas são moléculas menores com meias-vidas mais longas, o que as torna menos prováveis de causar TIH e adequadas para doses terapêuticas intermitentes que não requerem infusão. Os inibidores diretos da trombina de uso parenteral, como o argatroban e a bivalirrudina, ligam-se à trombina livre prevenindo a atividade hemostática continuada. Eles são indicados primariamente para pacientes com TIH ou para aqueles com alergia à heparina e podem ser monitorados pelos tempos de coagulação ativada (8). A varfarina é uma clássica medicação anticoagulante oral usada clinicamente para tratamento e profilaxia em pacientes de alto risco para acidente vascular encefálico ou tromboembolia venosa, como aqueles com um distúrbio de hipercoagulação

464

Fundamentos de anestesiologia clínica (i.e., anticoagulante lúpico, fator V de Leiden, deficiência de antitrombina) ou uma história de trombose venosa profunda, embolia pulmonar, substituição de valva cardíaca ou fibrilação atrial. Por seu mecanismo, é um antagonista da vitamina K que previne a síntese hepática dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K, incluindo os fatores II, VII, IX e X. Acidentalmente, também previne a síntese da proteína C, um anticoagulante natural com meia-vida curta. Portanto, pacientes iniciados no tratamento com varfarina são hipercoaguláveis nos primeiros 1 a 2 dias até que o suprimento disponível de fatores seja depletado. A concentração efetiva de varfarina é altamente variável entre pacientes e comumente afetada por interações alimentares e medicamentosas. A monitoração regular é necessária e facilitada pelo índice internacional normalizado (INR, do inglês international normalized ratio), um teste hemostático projetado para normalizar o tempo de protrombina entre diferentes laboratórios para pacientes com uma deficiência combinada dos fatores II, VII, IX e X. Para pacientes em terapia com varfarina que apresentam emergências hemorrágicas, a varfarina deve ser revertida com suplementação de vitamina K ou concentrados de complexo de protrombina (PCCs, do inglês phtrotrombin complex concentrates). O plasma fresco congelado (PFC) é a terapia de segunda linha indicada para a reversão da varfarina se o PCC não estiver disponível (8). Os novos anticoagulantes orais (NACOs) incluem a dabigatrana, um inibidor direto da trombina, e a rivaroxabana ou apixabana, antagonistas diretos do fator Xa. Essa classe de anticoagulantes é muito popular em pacientes em risco de tromboembolismo venoso ou acidente vascular encefálico relacionado com fibrilação atrial devido a seu rápido início de ação, dosagem simples e ausência de necessidade de monitoração laboratorial regular secundária a um alto grau de biodisponibilidade e nenhuma interação medicamentosa ou alimentar significativa. Contudo, há pouca evidência atual a respeito do melhor método para reversão do efeito medicamentoso diante de cirurgia de emergência ou de sangramento crítico. As recomendações mais recentes indicam a espera de 4 a 5 meias-vidas de um NACO antes de procedimentos eletivos, incluindo anestesia neuraxial, e mais tempo para pacientes com insuficiência renal. Nos casos de emergência, os PCCs são provavelmente os melhores agentes terapêuticos para reversão devido à sua composição. A Tabela 24.6 delineia a farmacocinética e a farmacodinâmica da varfarina versus os NACOs (9). As medicações hemostáticas possuem um papel integral na conservação sanguínea e no manejo clínico da hemorragia por promoverem a formação e a estabilização de coágulos sanguíneos. Há vários alvos mecânicos para agentes procoagulantes a partir da iniciação de hemostasia primária para a ativação de fatores de coagulação. ConTABELA 24.6

Alvo

Fármacos anticoagulantes orais Varfarina

Dabigatrana

Apixabana

Rivaroxabana

Vitamina K

Trombina

Fator Xa

Fator Xa

1-2 h

3h

2,5-4 h

Concentração de pico 72-96 h Meia-vida

40 h

9-13 h

8-15 h

7-11 h

Dose

2-10 mg

150 mg

5 mg

20 mg

Frequência

1×/dia ou Qod

1 ou 2×/dia

2×/dia

1×/dia

Metabolismo

Nenhum

Excreção renal

Hepático

Hepático

Interações

CYP2C9

Poucas

CYP3A4

CYP3A4

Qod, em dias alternados (do inglês every other day).

Capítulo 24

Hemoterapia

tudo, é imperativo que esses agentes atinjam apenas o local da lesão vascular, uma vez que a ativação sistêmica das vias hemostáticas pode levar a tromboembolismo venoso e arterial catastrófico. A desmopressina (1-deamino-8-D-arginina-vasopressina [DDAVP]) é um análogo sintético da vasopressina com uma diversidade de efeitos clínicos hemostáticos, alguns dos quais ainda são pouco compreendidos. A DDAVP é indicada clinicamente para o tratamento e a profilaxia do sangramento em pacientes com disfunção plaquetária, com frequência relacionados com hemofilia e doença de von Willebrand, uma vez que facilita a clivagem do fator VIII e FvW para aumentar a atividade de ambos os fatores, assim melhorando a função plaquetária. Adicionalmente, a DDAVP fornece um aumento modesto no sangramento associado com cirurgia de grande porte como fusão espinal, revisão de procedimentos ortopédicos e cirurgia cardíaca de alto risco, sem aumento significativo do risco de tromboembolismo. Outros efeitos adversos da DDAVP incluem a hiponatremia e o edema cerebral resultante, mas isso é clinicamente raro na população adulta (6). Os antifibrinolíticos previnem a dissolução de coágulos sanguíneos estabelecidos, melhorando, assim, a integridade vascular no local da lesão e reduzindo o sangramento. Há dois tipos de antifibrinolíticos. A aprotinina é um inibidor de serina proteinase que inibe diretamente a plasmina. Não está disponível nos Estados Unidos porque um grande estudo randomizado demonstrou uma associação entre o uso da aprotinina e o aumento da morbidade e da mortalidade. Contudo, foi provado que ela é eficaz na redução da perda sanguínea e na necessidade de transfusão em pacientes submetidos à cirurgia de alto risco e é aprovada atualmente para uso no Canadá e na Europa (6). Os antifibrinolíticos análogos da fibrina, incluindo o ácido épsilon-aminocaproico (EACA, do inglês epsilon-aminocaproic acid) e o ácido tranexâmico (TXA, do inglês tranexami acid) inibem a clivagem do plasminogênio em plasmina. Eles são menos potentes do que a aprotinina e, em estudos comparativos, menos eficazes, mas a incidência de tromboembolismo e os efeitos adversos do TXA e EACA são mínimos, tornando-os uma opção atraente para profilaxia em pacientes em risco de sangramento importante. Grandes estudos clínicos em pacientes de trauma, bem como muitos estudos em pacientes de cirurgia cardíaca e ortopédica, documentaram o uso clínico dessas medicações especialmente quando usadas profilaticamente (6). Concentrados de fatores fornecem os substratos para a fase de hemostasia secundária da cascata de coagulação sem os riscos de transfusão associados com a administração de plasma. Os concentrados podem ser fornecidos individualmente quando indicados, por exemplo, concentrados de fator VIII na hemofilia clássica ou em complexos com múltiplos fatores em PCCs de várias composições. O fator VII recombinante ativado é aprovado atualmente para o tratamento de hemofilia em pacientes com inibidores dos fatores VIII ou IX. Contudo, é usado mais comumente para hemostasia em pacientes que sofrem sangramentos críticos (6). Os PCCs têm composições diferentes, mas, em geral, incluem quantidades variadas de 3 a 4 concentrados de fatores, incluindo os fatores II, IX, X e, às vezes, VII. Para a maioria dos PCCs, esses fatores são administrados de forma inativa e em complexos com anticoagulantes como a antitrombina, proteína C ou heparina, tornando a terapia global menos provável de causar um tromboembolismo indesejado. Os PCCs são indicados atualmente para tratamento de hemofilia com inibidores de fatores específicos. Todavia, eles são usados com mais frequência como agentes de reversão de primeira linha para varfarina e os NACOs nos casos de sangramento crítico. É importante reconhecer que essas medicações trazem um risco de tromboembolismo arterial e venoso e são contraindicadas em pacientes com suspeita de ter coagulação intravas-

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Fundamentos de anestesiologia clínica cular disseminada (CID), um distúrbio sistêmico de hemostasia não controlada com coagulação microvascular e consumo de fatores de coagulação e plaquetas que pode progredir para falência de múltiplos órgãos e hemorragia maciça.

Referências 1. Whitaker BI. The 2011 National Blood Collection and Utilization Survey Report. Bethesda, MD: U.S. Department of Health and Human Services with the AABB; 2011. 2. Carson JL, Grossman BJ, Kleinman S, et al. Red blood cell transfusion: A clinical practice guideline from the AABB. Ann Intern Med. 2012;157(1):49–58. 3. Retter A, Wyncoll D, Pearse R, et al. Guidelines on the management of anaemia and red cell transfusion in adult critically ill patients. Br J Haematol. 2013;160(4):445–464. 4. Hendrickson JE, Hillyer CD. Noninfectious serious hazards of transfusion. Anesth Analg. 2009;108(3):759–769. 5. Bolton-Maggs PH, Cohen H. Serious hazards of transfusion (SHOT) haemovigilance and progress is improving transfusion safety. Br J Haematol. 2013;163(3):303–314. 6. Goodnough LT, Shander A. Current status of pharmacologic therapies in patient blood management. Anesth Analg. 2013;116(1):15–34. 7. Ashworth A, Klein AA. Cell salvage as part of a blood conservation strategy in anaesthesia. Br J Anaesth. 2010;105(4):401–416. 8. De Caterina R, Husted S, Wallentin L, et al. General mechanisms of coagulation and targets of anticoagulants (Section I). Position paper of the ESC Working Group on Thrombosis– Task Force on Anticoagulants in Heart Disease. Thromb Haemost. 2013;109(4):569–579. 9. Levy JH, Key NS, Azran MS. Novel oral anticoagulants: Implications in the perioperative setting. Anesthesiology. 2010;113(3):726–745.

Capítulo 24

Hemoterapia

467

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Como resultado de trauma, um paciente de 60 anos é submetido, no hospital, a uma amputação de emergência da perna. Uma indicação para transfusão de sangue total é: A. Um nível de hemoglobina < 5 g/dL B. Uma pressão arterial < 70/50 mmHg por 10 minutos C. Perda sanguínea continuada excedendo 8.000 mL D. Nenhuma das acima

5. Um homem de 25 anos está com uma hemorragia grave secundária a trauma. Até que seu tipo sanguíneo possa ser identificado, qual das seguintes seria a MELHOR escolha de sangue para transfusão até que o sangue específico esteja disponível? A. Tipo O Rh positivo B. Tipo A Rh negativo C. Tipo B Rh negativo D. Tipo AB Rh negativo

2. Uma mulher de 25 anos, saudável nos demais aspectos, é admitida ao hospital com sinais clínicos e radiográficos de apendicite. A investigação mostra os seguintes dados: pressão arterial 115/85 mmHg, frequência cardíaca 110, temperatura 39°C, leucócitos 12.000, hemoglobina 7,5 g/dL, exame de urina normal. A próxima etapa mais adequada é: A. Realizar urgentemente uma apendicectomia B. Administrar eritropoietina e depois proceder a cirurgia C. Transfundir duas unidades de CHs e depois proceder a cirurgia D. Suspender a cirurgia por 24 horas para determinar a causa da anemia

6. Qual dos seguintes é um sinal de reação de transfusão hemolítica aguda durante anestesia geral? A. Taquicardia B. Hipotensão C. Sangramento D. Todos os acima

3. Todos os seguintes são indicações de transfusão de plasma fresco congelado, EXCETO: A. Coagulopatia dilucional B. Deficiência de fatores de coagulação C. Hipovolemia com hemoglobina normal D. Sangramento devido à overdose de varfarina 4. As indicações recomendadas para transfusão de plaquetas incluem todas as seguintes, EXCETO: A. Pacientes com cirurgia intraocular; contagem de plaquetas 75.000 por microlitro B. Paciente assintomático; contagem de plaquetas 25.000 por microlitro C. Paciente agendado para ressecção de aneurisma aórtico abdominal; contagem de plaquetas 40.000 por microlitro D. Paciente agendado para ressecção de meningioma intracraniano; contagem de plaquetas de 80.000 por microlitro

7. Qual das seguintes é a infecção mais comumente transmitida por transfusão de sangue? A. Escherichia coli B. Hepatite B C. Hepatite C D. Vírus da imunodeficiência humana 8. Para a maioria dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de grande porte associados com perda sanguínea significativa, a alternativa mais eficaz à transfusão de hemácias é: A. Salvamento sanguíneo com tecnologia de “salvamento celular” (cell saver) B. Doação de sangue autólogo C. Hemodiluição normovolêmica aguda D. Substitutos sanguíneos perfluorocarbonados 9. Qual fator de coagulação é responsável pela conversão do fibrinogênio em fibrina? A. Fator tissular (FT) B. Fator VIII C. Trombina D. Fator XIII 10. Todas as afirmações a seguir sobre o ácido acetilsalicílico são verdadeiras, EXCETO: A. Ela inibe a cicloxigenase B. Ela previne a síntese do tromboxano C. Ela interfere com a ativação das plaquetas D. Seu efeito é prontamente reversível

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Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada em consultório Meghan E. Rodes Shireen Ahmad

A atualização mais recente (de 2006) disponível do Centers for Disease Control and Prevention sobre a cirurgia ambulatorial nos Estados Unidos indica que as consultas de cirurgia ambulatorial aumentaram de 20,8 milhões de visitas em 1996 para 34,7 milhões em 2006. Além disso, a proporção de cirurgias ambulatoriais aumentou de metade para dois terços de todas as cirurgias realizadas no mesmo período de tempo (1). Os procedimentos ambulatoriais mais comumente realizados foram procedimentos endoscópicos e de catarata, ambos normalmente feitos sob sedação também denominada cuidado anestésico monitorado. Portanto, é importante que os anestesiologistas sejam capazes de desenvolver um plano anestésico apropriado. Esse plano inclui um rápido retorno da consciência sem efeitos colaterais significativos, permitindo, assim, a alta precoce dos pacientes submetidos a procedimentos ambulatoriais. Este capítulo discute os princípios aplicados aos cuidados anestésicos monitorados, as técnicas e os medicamentos comuns usados em anestesia ambulatorial e apresenta uma breve introdução à anestesia feita em consultório.

I. O cuidado anestésico monitorado A. Terminologia De acordo com a declaração da American Society of Anesthesiologists (ASA), o cuidado anestésico monitorado é um tipo de anestesia específico para um procedimento diagnóstico ou terapêutico e não descreve a continuidade da sedação profunda (2). As indicações para cuidado anestésico monitorado incluem o tipo de procedimento, a condição clínica do paciente e a necessidade potencial de conversão em uma anestesia geral ou regional (2). Além disso, envolve todos os aspectos de cuidados anestésicos, incluindo uma consulta pré-anestésica, cuidados durante o procedimento e manejo da recuperação (2). O provedor da anestesia deve estar preparado e qualificado para fazer a conversão para a anestesia geral, se necessário (3). Se o paciente perde a consciência e a capacidade de responder apropriadamente, o cuidado anestésico recomendado é o mesmo da anestesia geral e não depende da necessidade ou não de instrumentação da via aérea (2). A monitoração-padrão da ASA, que inclui eletrocardiografia (ECG), oximetria de pulso, pressão arterial não invasiva e, mais recentemente, a monitoração do dióxido de carbono ao final da expiração (ETCO2, do inglês end-tidal carbon dioxide) deve ser usada para qualquer anestesia incluindo o cuidado anestésico monitorado.

B. Avaliação pré-operatória Os pacientes agendados para o cuidado anestésico monitorado devem passar por uma avaliação pré-operatória semelhante a qualquer outro paciente em pré-operatório.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Pacientes agendados para uma sedação ou cuidado anestésico monitorado devem passar por uma avaliação pré-operatória semelhante a qualquer outro paciente pré-operatório.

O cuidado anestésico monitorado é a única modalidade que também exige um elemento de cooperação por parte do paciente. É importante que o paciente aceite a possibilidade de algum grau de consciência durante o procedimento, que tolere o posicionamento necessário para a cirurgia e, em alguns casos, que seja capaz de se comunicar com o cirurgião ou executor do procedimento.

C. Técnicas do cuidado anestésico monitorado Um cuidado anestésico monitorado bem-sucedido envolve o uso de agentes anestésicos combinados. Normalmente, usa-se uma combinação de um sedativo hipnótico e um agente analgésico em dosagens que variam dependendo dos objetivos do anestésico e os requisitos do procedimento. Medicamentos com efeitos colaterais mínimos e com curta duração de ação são preferíveis na anestesia ambulatorial, na qual são desejáveis a eficiência e a rápida recuperação.

D. Bases farmacológicas de técnicas anestésicas monitoradas: otimizando a administração do fármaco

Pacientes necessitam de quantidades menores de fármacos em infusão quando comparado com a dosagem de bólus, o que afeta o tempo de recuperação e a utilização do recurso.

É importante considerar a farmacocinética e farmacodinâmica para a seleção de medicamentos que serão usados em qualquer anestesia. Simplificando, a farmacocinética é aquilo que o corpo faz com o fármaco, enquanto a farmacodinâmica é o efeito do fármaco sobre o organismo (4). O conhecimento dessa informação é essencial para selecionar os medicamentos apropriados para procedimentos específicos e pacientes individuais. Muitos fármacos anestésicos são administrados com um bólus. No entanto, geralmente é preferível administrar os fármacos em doses menores ou como infusões tituláveis que permitam a manutenção de um nível terapêutico adequado do fármaco naquele paciente, aumentado, assim, a segurança (5). Além disso, os pacientes necessitam de quantidades menores de fármacos durante as infusões, em comparação com a dosagem de bólus, o que afeta o tempo de recuperação e a utilização de recursos (6). Uma discussão mais detalhada sobre os princípios farmacocinéticos e farmacodinâmicos pode ser encontrada no Capítulo 7.

E. Distribuição, eliminação, acúmulo e duração da ação Meia-vida de eliminação A meia-vida de eliminação é o tempo necessário para que um fármaco perca metade de sua atividade farmacológica ou fisiológica. Ela é significativa apenas se a eliminação for a única via para o declínio da concentração do fármaco no plasma. Portanto, esse parâmetro só é útil em modelos de compartimento único, que normalmente não se aplicam ao corpo humano.

Meia-vida contexto-dependente A meia-vida contexto-dependente é um parâmetro mais relevante e é definida como o tempo necessário para que a concentração plasmática do fármaco diminua em 50% após a interrupção da infusão com uma duração específica (Fig. 25.1) (7). No início da infusão, os níveis plasmáticos do fármaco são reduzidos principalmente pela distribuição a outros compartimentos corporais, em oposição à eliminação. Depois que a infusão é interrompida, o fármaco que foi distribuído a outros compartimentos voltará ao compartimento plasmático central para eliminação. Os fatores que afetam a meia-vida contexto-dependente incluem os mecanismos de eliminação e a propensão para a distribuição. Um fármaco lipofílico, tal como o fentanil, tem maior probabilidade de ser transportado para dentro dos tecidos e de retornar ao compartimento plasmático depois que a infusão é interrompida, resultando em uma meia-vida contexto-dependente prolongada. Esse fenômeno é diferente do remifentanil, que é rapidamente hidrolisado por esterases plasmáticas e apresenta uma menor quantidade de fármaco disponível para o transporte para dentro dos tecidos e uma meia-vida contexto-dependente significativamente menor.

Meia-vida contexto-dependente (min)

Capítulo 25

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

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300 Fentanil

250 200

Tiopental

150 100

Midazolam

50 Sufentanil 0

0

1

2

Alfentanil Propofol

3 4 5 6 7 Duração da infusão (horas)

8

9

FIGURA 25.1 Meia-vida contexto-dependente de acordo com a duração da infusão. Esses dados foram gerados de um modelo de computador de Hughes et al. A meia-vida contexto-dependente do propofol mostra uma mínima elevação quando a duração da infusão aumenta. Além disso, note que, para infusões de curta duração, o sufentanil tem uma meia-vida mais curta do que o alfentanil. (De Hillier SC, Mazurek MS, Havidich, JE. Monitored anesthesia care. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:827.)

Como a meia-vida contexto-dependente se relaciona com o tempo de recuperação? A meia-vida contexto-dependente se refere apenas ao tempo decorrido para que a concentração plasmática caia em 50% após o término da infusão. Isso pode não ter uma correlação direta com o tempo necessário para um paciente individual despertar ou se recuperar da infusão, que é uma função de tempo decorrido para que o fármaco seja eliminado do compartimento cerebral para um nível suficiente para permitir o despertar.

Equilíbrio entre local e efeito O atraso entre a administração de um fármaco e seu efeito reflete-se no equilíbrio entre o local e o efeito. É importante observar os efeitos do fármaco antes da administração de doses repetidas para evitar a sedação excessiva.

F. Interações medicamentosas no cuidado anestésico monitorado Uma vez que não existe um agente para administração intravenosa capaz de fornecer todas as qualidades anestésicas desejadas, ou seja, ansiólise, amnésia, analgesia e anestesia, vários medicamentos são muitas vezes combinados para produzir essas características. Esses agentes potencializam um ao outro. Portanto, é importante administrar doses menores de cada medicamento quando em combinação com outros fármacos. Esse sinergismo se aplica não apenas para os efeitos terapêuticos desejados de medicamentos, mas também para os efeitos colaterais potencialmente perigosos desses fármacos.

G. Medicamentos específicos usados durante o cuidado anestésico monitorado Esta seção apresenta uma breve descrição dos fármacos mais comumente usados no cuidado anestésico monitorado. Para uma discussão mais aprofundada dessas classes de medicamentos, consultar os capítulos a eles dedicados (Caps. 9 e 19). A Tabela 25.1 fornece um perfil sucinto de vários fármacos comumente usados no cuidado anestésico monitorado.

A meia-vida contexto-dependente refere-se ao tempo no qual a concentração plasmática cai em 50% após o término de uma infusão.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 25.1 Perfil de fármacos usados com frequência em cuidados anestésicos monitorados (sedação) Fármaco

Via de Mecanismo de administração ação

Propofol

IV

Midazolam

Efeitos colaterais

Metabolismo Antagonista

Potenciação da atividade de receptor GABA, bloqueio do canal de sódio

• Antiemético • Broncodilatador • Depressão respiratória • ↓RVS, PA, CMRO2, FSC, PIC • Sensação de queimação • Contaminação bacteriana

Hepático

Nenhum

IV IM VO

Aumento da atividade do GABA

• ↓ CMRO2, FSC • Anticonvulsivante

Hepático

Flumazenil

Fentanil

IV Transmucosa neuroaxial

Agonista do receptor opioide

• Depressão respiratória • ↓ FC, FSC • Retardo do esvaziamento gástrico • Retenção urinária • Náusea/vômito

Hepático

Naloxona

Cetamina

IV IM VO

Antagonista NMDA

• ↑CMRO2, FSC, PIC, PIO, FC, PA Hepático • Secreções • Alucinações

Nenhum

Agonista ␣2

• ↓ CMRO2, FSC, FC, PA

Nenhum

Dexmede- IV tomidina

Hepático

IV, intravenoso; IM, intramuscular; VO, por via oral: NMDA, N-metil-D-aspartato; GABA; ácido ␥-aminobutírico; RVS, resistência vascular sistêmica; CMRO2, taxa metabólica cerebral de oxigênio (do inglês cerebral metabolic rate for oxygen); PIC, pressão intracraniana; PIO, pressão intraocular; FSC, fluxo sanguíneo cerebral; FC frequência cardíaca; PA, pressão arterial.

Propofol

O propofol é um agente sedativo-hipnótico intravenoso e de ação curta, sendo um dos fármacos anestésicos mais amplamente usados em todos os tipos de anestesia.

O propofol é um agente sedativo-hipnótico intravenoso, de ação curta e um dos fármacos anestésicos mais usados em todos os tipos de anestesia. É usado para a indução e manutenção da anestesia geral, para sedação em procedimentos e como sedativo para pacientes em ventilação mecânica em unidade de cuidados intensivos. Tem múltiplos mecanismos de ação, incluindo a potencialização da atividade do receptor do ácido ␥-aminobutírico (GABA) e bloqueio do canal de sódio. Apresenta um perfil de efeitos colaterais favoráveis, tem propriedades antieméticas e broncodilatadoras e uma meia-vida contexto-dependente curta, que é minimamente afetada pela duração da infusão. Além de seus efeitos terapêuticos desejados, o propofol também diminui a resistência vascular sistêmica, a pressão arterial (PA), a taxa metabólica cerebral de oxigênio (CMRO2, do inglês cerebral metabolic rate for oxygen), o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e a pressão intracraniana (PIC) e produz depressão respiratória. É metabolizado pelo fígado e excretado pelos rins. Está associado a uma sensação de queimação no local da injeção. No entanto, uma pequena dose de lidocaína isoladamente ou combinada ao propofol é a estratégia mais eficaz para atenuar esse efeito (8). Uma vez que o propofol é preparado em uma emulsão lipídica, existe o risco de contaminação bacteriana se o fármaco não for descartado dentro de seis horas após ser retirado do frasco. Além disso, o propofol contém um fosfolipídeo de ovo como emulsificador e deve ser evitado em pacientes com alergia ao ovo.

Fospropofol O fospropofol é uma forma de pró-fármaco hidrossolúvel do propofol. É metabolizado pelas fosfatases alcalinas em seu metabólito ativo, o propofol, e, portanto, tem

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Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

um início de ação mais lento. As potenciais vantagens sobre o propofol incluem menor chance de contaminação bacteriana, menos dor à injeção e um risco mais baixo de hiperlipidemia associada com a administração a longo prazo. Embora o propofol tenha sido aprovado pelo Food and Drug Administration dos EUA para uso durante o cuidado anestésico monitorado, existem dados clínicos limitados sobre a segurança e eficácia do fármaco, e ele não é comumente usado na prática clínica atualmente.

Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos, mais comumente o midazolam, são utilizados antes da indução da maioria dos anestésicos para fornecer ansiólise e amnésia. Os efeitos terapêuticos do midazolam estão relacionados com o aumento do efeito do GABA em seus receptores. Os efeitos dos benzodiazepínicos sobre o corpo incluem depressão respiratória mínima quando usados isoladamente e redução da CMRO2 e do FSC, sem efeito sobre a PIC. Os benzodiazepínicos também são anticonvulsivantes potentes e podem ser usados para o tratamento do estado epilético e de convulsões relacionadas à toxicidade anestésica local ou abstinência alcoólica. O midazolam é metabolizado pelo fígado e excretado subsequentemente pelos rins. Além da administração intravenosa, ele pode ser administrado por via intramuscular, intranasal ou oral. A dose oral de midazolam é muito maior do que a dose intravenosa devido à pobre biodisponibilidade oral. Embora o midazolam tenha uma meia-vida de eliminação curta, doses maiores podem estar associadas com emergência retardada. Por essa razão, é comumente usado em doses pequenas no início de uma anestesia para facilitar o conforto do paciente por meio de ansiólise e amnésia, enquanto a sedação é mantida com um fármaco que tenha um perfil de recuperação mais favorável, tal como o propofol. Os benzodiazepínicos oferecem uma vantagem sobre o propofol, pois existe um antagonista específico dos benzodiazepínicos, o flumazenil. Contudo, os efeitos do midazolam com frequência duram mais do que a dose de flumazenil, resultando na reincidência da sedação.

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Os benzodiazepínicos também são anticonvulsivantes potentes e podem ser usados para o tratamento do estado de mal epilético e convulsões relacionadas à toxicidade de anestésico local ou abstinência alcoólica.

A administração intravenosa de opioide pode induzir à rigidez musculoesquelética e pode ser grave o suficiente para dificultar a ventilação quando grandes doses são administradas rapidamente.

Opioides A analgesia durante o cuidado anestésico monitorado é normalmente proporcionada pela infiltração de anestésico local no sítio cirúrgico. No entanto, os opioides (em geral o fentanil) são administrados para analgesia adicional e para melhorar o conforto do paciente. Os opioides são administrados por várias vias, incluindo a via oral, intramuscular, subcutânea, transmucosa, neuroaxial e, mais comumente, por anestesia intravenosa. O mecanismo de ação dos opioides se dá por meio de uma ação agonista em receptores opioides específicos no sistema nervoso central e periférico, diminuindo a transmissão de sinais dolorosos. Os potenciais efeitos colaterais dos opioides incluem bradicardia, depressão respiratória dependente da dose, diminuição do FSC, retardo do esvaziamento gástrico, aumento do tônus do esfíncter urinário levando à retenção urinária e, mais comumente, náuseas e vômito. Além disso, é possível induzir uma rigidez muscular esquelética quando são administradas rapidamente altas doses de opioides. A rigidez da parede torácica pode ser grave o suficiente para dificultar a ventilação e, por conseguinte, devem ser evitadas grandes doses de opioides. Também é importante notar que os opioides isoladamente não promovem amnésia. Os opioides são metabolizados no fígado e excretados principalmente pela urina. As diferenças na lipossolubilidade dentro dessa classe de fármacos são responsáveis pelas variações dos perfis farmacocinéticos de opioides individuais. Tal como os benzodiazepínicos, os opioides também têm um antagonista específico. A naloxona pode ser administrada para reverter os efeitos respiratórios dos opioides, mas ela deve ser usada criteriosamente devido aos efeitos colaterais potencialmente adversos, tais como taquicardia, hipertensão e edema pulmonar.

Os opioides, isoladamente, não causam amnésia.

A naloxona pode precipitar taquicardia e hipertensão quando administrada para reverter os efeitos respiratórios dos opioides.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Cetamina

A cetamina e a dexmedetomidina são os únicos fármacos do arsenal analgésico sedativo que não suprimem o trabalho ventilatório.

A cetamina é um derivado da fenciclidina e produz analgesia intensa e amnésia. Embora doses pequenas sejam muitas vezes usadas como coadjuvantes no cuidado anestésico monitorado, doses maiores podem ser usadas para induzir a anestesia geral. Seu principal mecanismo de ação é o antagonismo do receptor N-metil-D-aspartato. A cetamina pode ser administrada por via oral, intramuscular ou intravenosa. A cetamina tem propriedades broncodilatadoras, tornando-a benéfica para pacientes asmáticos. O fármaco tem efeito mínimo sobre a respiração, em contraste com outros sedativos e opioides intravenosos. Adicionalmente aos seus efeitos terapêuticos, a cetamina também está associada com aumento da CMRO2, do FSC e da PIC e estimulação do sistema nervoso simpático, resultando em aumento da frequência cardíaca (FC) e PA. Por essas razões, a cetamina pode ser uma má escolha em pacientes como aumento da PIC ou da pressão intraocular e em pacientes com doença arterial coronariana. A cetamina pode ter um efeito cardíaco paradoxal em pacientes que apresentam doenças associadas à depleção de catecolaminas (p. ex., choque séptico), resultando em depressão miocárdica direta. A cetamina também pode produzir um aumento da secreção da via aérea, que frequentemente é manejado com a administração de um antissialagogo. A incidência de alucinações com a cetamina é minimizada com a administração de um benzodiazepínico. A cetamina é metabolizada no fígado em norcetamina, que tem aproximadamente um quinto da potência da cetamina e pode contribuir com os efeitos residuais.

Dexmedetomidina A dexmedetomidina é um agonista seletivo intravenoso do receptor ␣-2, que pode ser usado para proporcionar sedação. Sua principal vantagem é que ele tem pouco efeito sobre o trabalho respiratório quando usado isoladamente. A dexmedetomidina não tem propriedades amnésicas intrínsecas. Seus efeitos colaterais incluem uma redução de CMRO2 e FSC, bem como uma combinação de redução do fluxo simpático e aumento da atividade vagal, comumente levando à hipotensão e bradicardia, que podem ser profundas. A dexmedetomidina é extensivamente metabolizada no fígado e excretada pelos rins.

Amnésia durante a sedação com dexmedetomidina ou propofol Como a dexmedetomidina não tem propriedades amnésicas, ela deve ser suplementada com um fármaco tal como o propofol ou midazolam caso a amnésia seja desejável.

H. Sedação e analgesia controladas pelo paciente A analgesia controlada pelo paciente (PCA, do inglês patient-controlled analgesia) é um conceito familiar para o manejo da dor pós-operatória. O PCA tem um perfil de segurança confiável em comparação com os grandes bólus intermitentes de analgésicos e um aumento da satisfação do paciente com o controle da dor em comparação com a administração de analgésicos fornecidos pela equipe médica. A sedação controlada pelo paciente demonstrou ser eficaz para o uso durante a sedação procedimental (9). A complexidade da bomba, a configuração da PCA e uma baixa margem de segurança quando se lida com doses de analgésicos são os principais fatores limitantes de seu uso.

I. Função respiratória e sedativos hipnóticos Muitos dos medicamentos citados anteriormente estão associados a efeitos respiratórios adversos dependentes da dose, que incluem depressão respiratória direta, supressão dos reflexos normais das vias aéreas e aumento da resistência das vias aéreas superiores.

Sedação e vias aéreas superiores A ventilação bem-sucedida requer a coordenação de todos os componentes da via aérea, da orofaringe até os músculos do tórax. A via aérea superior é particularmente

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Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

sensível aos efeitos de fármacos anestésicos. Embora possa não ser uma grande preocupação para os pacientes jovens e saudáveis e com anatomia e função normal da via aérea, em pacientes com uma doença pulmonar ou das vias aéreas preexistente isso pode levar a problemas ventilatórios significativos.

Sedação e reflexos de proteção da via aérea Reflexos intactos das vias aéreas superiores são necessários para a proteção contra a aspiração pulmonar. Infelizmente, muitos agentes anestésicos têm um efeito adverso sobre esses reflexos de proteção das vias aéreas superiores. É preciso ter cautela em pacientes com risco de aspiração, devendo-se considerar o uso de um tubo orotraqueal, independentemente do procedimento.

Sedação e controle respiratório Os efeitos pulmonares negativos dos agentes anestésicos são potencializados quando esses são usados em combinação, devido a um efeito sinérgico. Por isso, quando se usam combinações desses agentes, as doses devem ser menores, e os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados para efeitos adversos.

J. Administração de oxigênio suplementar A ocorrência de hipoventilação leve e hipoxemia não são incomuns durante a administração de medicamentos anestésicos. Embora sejam tratadas normalmente com a administração de oxigênio suplementar, não existe substituto para o acompanhamento de perto do paciente, para assegurar uma via aérea pérvea. Embora o monitoramento da ETCO2 tenha se tornado um monitor-padrão de acordo com a ASA, em 2011, está demonstrado que ela é um indicativo pobre da ventilação no paciente sedado, respirando espontaneamente.

K. Monitoramento durante cuidados anestésicos monitorados Normas para o monitoramento anestésico básico Os padrões da ASA para o monitoramento anestésico básico se aplicam a cada anestésico administrado por um anestesiologista, independentemente do tipo de anestesia, estado do paciente e duração ou urgência do procedimento (10). Essas normas exigem que anestesiologistas qualificados estejam presentes na sala durante todo o procedimento anestésico e que exista uma avaliação contínua da oxigenação, ventilação, circulação e temperatura. A oxigenação é mais comumente monitorada por oximetria de pulso. Para todos os anestésicos gerais administrados por meio de um aparelho de anestesia, é necessário um analisador e oxigênio in-line (dentro do circuito de respiração) para detectar níveis inseguros do oxigênio inspirado. A capnografia é usada para monitorar a ventilação quando está sendo usado um tubo orotraqueal ou uma máscara laríngea. No entanto, a medida não é quantitativamente precisa quando determinada por meio de uma cânula nasal. Devem ser colocados alarmes para detectar a ausência de ETCO2 ou uma desconexão de componentes do sistema de respiração. A circulação é monitorada por ECG contínua e oximetria de pulso. A PA e a FC são avaliadas em intervalos de cinco minutos, no mínimo. A temperatura deve ser monitorada quando se pretende, prevê ou suspeita de alterações significativas na temperatura corporal.

Comunicação e observação Não existe nenhum substituto para um anestesiologista meticuloso, focado e atento. Embora os monitores básicos sejam aplicados em todas as anestesias, a visão e o som também são ferramentas importantes para a avaliação da condição clínica, particularmente durante o cuidado anestésico monitorado.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Prontidão para reconhecer e tratar a toxicidade do anestésico local Como a sedação com frequência é fornecida como suplemento para a anestesia regional, neuroaxial ou local, é importante que o anestesiologista esteja ciente das variações de doses tóxicas dos anestésicos locais. O anestesiologista deve ser capaz de reconhecer os sinais e sintomas da toxicidade do anestésico local e deve estar preparado para tratá-los prontamente. Os sinais e sintomas da toxicidade anestésica local muitas vezes começam com dormência na língua ou região perioral e um gosto metálico na boca. À medida que a concentração do anestésico local aumenta no sistema nervoso central, os pacientes podem relatar um zumbido ou inquietação. Essa pode progredir para uma fala arrastada e espasmos musculares, que muitas vezes sinalizam uma convulsão iminente. A sedação pode mascarar esses sinais iniciais de toxicidade do anestésico local. Os efeitos secundários da sedação, tais como hipercapnia e acidose, resultam em um aumento do FSC. Um aumento na forma ionizada do anestésico local pode agravar a toxicidade do sistema nervoso central, pois ela atravessa mais facilmente a barreira hematoencefálica. No pior dos casos, pode ocorrer colapso cardiovascular. O anestesiologista deve estar atento e preparado para responder rapidamente assim que a toxicidade do anestésico local se manifesta.

L. Profundidade da sedação e analgesia Os anestesiologistas são treinados para fornecer todos os tipos de anestesia. Os não anestesiologistas são capazes de planejar e fornecer níveis apenas mínimos ou moderados de sedação e não são treinados para fornecer anestesia geral. A tentativa de realizar uma sedação profunda por não anestesiologistas pode inadvertidamente resultarem uma anestesia geral. No entanto, como indivíduos não anestesiologistas passaram a ser envolvidos na administração da sedação, a ASA desenvolveu diretrizes práticas para delinear quatro níveis de sedação: sedação mínima, moderada, profunda e anestesia geral. O espectro da anestesia profunda é fluido, o que significa que não existem demarcações concretas entre os níveis de sedação e que o nível de sedação pretendido pode ser diferente do nível de sedação alcançado ao longo do tempo. A Tabela 25.2 apresenta as observações sobre a capacidade de resposta do paciente, vias aéreas, ventilação espontânea e função cardiovascular para cada um dos TABELA 25.2

Sequência de profundidade da sedação: definição de anestesia geral e níveis de sedação/analgesia Sedação moderada/ Sedação mínima, analgesia “sedação Sedação profunda/ ansiólise consciente” analgesia Anestesia geral

Responsividade

Resposta normal à es- Resposta intencional à timulação verbal estimulação verbal ou táctil

Resposta intencional após estímulos dolorosos repetidos

Incapaz de ser acordado mesmo com estímulos dolorosos

Via aérea

Não afetada

Sem necessidade de intervenção

Pode necessitar de intervenção

Intervenção muitas vezes necessária

Ventilação espontânea

Não afetada

Adequada

Pode estar inadequada

Frequentemente inadequada

Função cardiovascular

Não afetada

Geralmente mantida

Geralmente mantida

Pode estar comprometida

Da American Society of Anesthesiologists. Continuum of depth of sedation, definition of general anesthesia and levels of sedation/analgesia. 2009. www.asahq.org.

Capítulo 25

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

quatro níveis de sedação. O objetivo é que o executor da anestesia reconheça precocemente se um paciente está evoluindo para um nível mais profundo de sedação do que o pretendido e que tome medidas adequadas para que o paciente volte para o nível previsto de sedação.

II. Anestesia ambulatorial A. Local, procedimentos e seleção de pacientes Procedimentos ambulatoriais complexos tornaram-se cada vez mais comuns devido aos avanços nas técnicas cirúrgicas. Assim, o anestesiologista precisa adaptar os planos anestésicos para fornecer uma anestesia adequada, minimizando os efeitos colaterais adversos e permitindo uma alta oportuna. As cirurgias ambulatoriais podem ser feitas em um ambiente tão básico quanto o consultório de um médico, em um centro autônomo de cirurgia ambulatorial ou em um hospital. Uma vantagem de um ambiente extra-hospitalar são os custos geralmente menores dos de um hospital. O tempo de permanência muitas vezes também é menor em um centro ambulatorial, que pode ser em parte motivado ou incentivado financeiramente. De modo geral, os casos tendem a ser de rotina e muitas vezes têm espectro limitado, aumentando também a eficiência. Um equívoco comum é considerar que a cirurgia ambulatorial é destinada apenas para pacientes saudáveis, estado físico ASA I e II. Mais recentemente, no entanto, os pacientes ASA III e IV têm sido tratados com sucesso em centros ambulatoriais, desde que suas comorbidades estejam estáveis e otimizadas. A seleção apropriada dos procedimentos é importante para o sucesso da cirurgia ambulatorial. Somente os tipos de cirurgias associados a riscos relativamente baixos de complicações pós-operatórias e que necessitam de cuidados pós-operatórios mínimos são boas escolhas. De modo ideal, os procedimentos devem ser de curta duração. Os procedimentos mais longos, bem como aqueles realizados em pacientes complexos, que podem necessitar de uma monitoração pós-operatória mais prolongada, devem ser agendados para o início do dia. Prematuros e lactentes pequenos requerem até 12 horas de monitoração para apneia. Esse período deve ser extendido ainda mais se ocorrer um evento de apneia. A idade extrema, por si só, não é motivo suficiente para evitar a cirurgia em um centro ambulatorial. No entanto, deve-se notar que os medicamentos muitas vezes são metabolizados mais lentamente em idosos, de modo que os planos anestésicos devem ser modificados de acordo. A obesidade não complicada também não é necessariamente um fator de risco para um mau resultado, mas pode estar associada com um risco aumentado para apneia obstrutiva do sono (SAHOS), que, por sua vez, está associada com uma taxa mais elevada de complicações respiratórias. A ASA publicou diretrizes específicas referentes ao manejo perioperatório de pacientes de cirurgia ambulatorial portadores de SAHOS. Independentemente da idade e das comorbidades, todos os pacientes que se submetem à cirurgia ambulatorial devem ser acompanhados por um adulto responsável que os acompanhe para casa e que os ajude com os cuidados pós-operatórios durante as primeiras 24 horas, quando necessário.

B. Avaliação pré-operatória e redução da ansiedade do paciente A triagem pré-operatória é uma ferramenta importante para reduzir os resultados adversos no dia da cirurgia. Esse rastreamento em geral envolve a obtenção de uma história médica completa, incluindo cirurgias passadas, dificuldades com anestesia no passado, medicamentos atuais e alergias. Essa é também a ocasião adequada para repetir as orientações pré-operatórias sobre o jejum e os medicamentos e o planejamento da presença de um acompanhante adulto para o período pós-operatório.

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 25.3 Diretrizes da American Society of Anesthesiologists sobre o jejum para a cirurgia eletiva Substância

Tempo de jejum Exemplos

Líquidos claros

2 horas

Leite materno

4 horas

Água, sucos transparentes, café/chá sem aditivos

Fórmula láctea infantil 6 horas Refeição leve

6 horas

Torrada seca

Refeição gordurosa

8 horas

Alimentos fritos, manteiga, creme de leite

Da American Society of Anesthesiologists Committee. Practice guidelines for preoperative fasting and the use of pharmacologic agents to reduce the risk of pulmonary aspiration: Application to healthy patients undergoing elective procedures: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Committee on Standards and Practice Parameters. Anesthesiology. 2011;114:495-511.

Infecção do trato respiratório superior Adultos com uma infecção ativa das vias aéreas superiores (IVAS) não devem ser submetidos a uma cirurgia eletiva. Na verdade, a cirurgia eletiva deve ser adiada por até seis semanas após uma IVAS aguda. As recomendações para crianças são diferentes, principalmente devido ao fato de que as crianças apresentam IVASs com maior frequência do que os adultos, e o adiamento da cirurgia pode resultar apenas em cancelamentos perpétuos devido às IVASs frequentes. A maioria dos anestesiologistas prossegue com a cirurgia se o paciente apresenta bom estado geral, está afebril e respirando e se alimentando normalmente.

Restrição de alimentos e líquidos antes da cirurgia ambulatorial A ASA estabeleceu diretrizes práticas para o jejum pré-operatório, que estão listadas na Tabela 25.3 (12). Essas diretrizes permitem uma refeição leve até seis horas antes da cirurgia (oito horas antes para alimentos gordurosos) e líquidos claros (líquidos transparentes, sem ou outros aditivos) até duas horas antes da cirurgia. É particularmente importante que os pacientes tomem todos os medicamentos habituais antes da cirurgia, com poucas exceções.

Redução da ansiedade Provavelmente, o redutor de ansiedade mais eficaz e não valorizado suficientemente é a consulta pré-operatória do anestesiologista. Outros métodos de ansiólise incluem educação pré-operatória, instruções e medicação. Para as crianças, a presença dos pais pode ser benéfica, bem como um envolvimento com um profissional especializado em crianças e técnicas de distração, além de medicamentos.

C. Gerenciamento da anestesia: a pré-medicação A pré-medicação muitas vezes não é diferente entre os diversos cenários. Entretanto, na arena ambulatorial, a seleção cuidadosa do agente anestésico e sua dosagem são importantes para facilitar a alta precoce.

Benzodiazepínicos O midazolam é o benzodiazepínico mais utilizado para a ansiólise. Devido a um efeito sinérgico com outros agentes anestésicos, ele pode retardar o despertar ou a alta após procedimentos muito curtos. Portanto, é importante avaliar se o paciente necessita ou deseja sedação pré-operatória. Além de suas propriedades ansiolíticas, o midazolam também tem o benefício de induzir a amnésia. Esses efeitos sobre a memória inde-

Capítulo 25

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

pendem da sedação. Um paciente pode parecer estar completamente acordado e não se lembrar dos eventos uma hora mais tarde.

Opioides e analgésicos não esteroides Além dos efeitos analgésicos dos opioides, esses muitas vezes são administrados durante uma anestesia como parte da sedação que antecede o procedimento para reduzir a resposta hemodinâmica à estimulação simpática (p. ex., laringoscopia, intubação ou incisão cirúrgica). A adição de fármacos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), tais como o cetorolaco, ibuprofeno ou paracetamol (mecanismo de ação exato é desconhecido), também pode ajudar a modular a dor por vias alternativas. Esses fármacos reduzem de maneira eficaz a quantidade necessária de analgésicos opioides, diminuindo, assim, os efeitos colaterais adversos relacionados com a administração de opioides.

D. Manejo intraoperatório: a escolha da técnica anestésica Opções anestésicas As escolhas anestésicas para a cirurgia ambulatorial incluem anestesia geral, anestesia regional ou neuroaxial, cuidado anestésico monitorado e anestesia local. As técnicas anestésicas regionais e locais têm o potencial benefício de necessitar de uma sedação mínima. Em algumas situações, o tipo de cirurgia determina a escolha da técnica anestésica, enquanto, em outras, uma conversa entre paciente, médico e anestesiologista pode ajudar a determinar a escolha mais adequada para aquele paciente, procedimento ou cirurgião. Em um cenário ambulatorial, o tempo de recuperação é um elemento importante para determinar a escolha anestésica mais apropriada (Fig. 25.2).

Técnicas regionais As técnicas anestésicas regionais frequentemente utilizadas em cirurgia ambulatorial incluem anestesia neuroaxial, bloqueios de nervos periféricos (BNPs), anestesia regio-

300

Bloqueio infraclavicular (n = 25) * p = 0,001 Anestesia geral (n = 25) ** p = 0,005

Tempo (minutos)

250 200 150 100 50 0

Ingestão de líquidos

Ingestão de sólidos

Deambulação

Pronto para ir para casa

Alta

FIGURA 25.2 A recuperação foi mais rápida quando foi usado um bloqueio infraclavicular do plexo braquial com um anestésico local de ação curta, em comparação com a anestesia local e infiltração da ferida operatória em pacientes ambulatoriais submetidos a cirurgia de mão e punho. Os tempos são calculados a partir do final da anestesia. (De Lichtor, JL. Ambulatory anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:852.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

VÍDEO 25.1 Hipotensão após raquianestesia

nal intravenosa e infiltração anestésica local ou bloqueios de campo. Embora a duração da maioria dos anestésicos locais seja relativamente curta, a duração da analgesia pode ser prolongada com o uso de um BNP ou cateter que também pode proporcionar uma analgesia pós-operatória.

Raquianestesia A raquianestesia é uma escolha adequada para a cirurgia das extremidades inferiores, da pelve ou do abdome inferior. O uso de um anestésico local de curta ação resultará na rápida recuperação da função motora e sensorial e pode encurtar o tempo para a alta. A cefaleia pós-raquianestesia não é uma complicação comum quando são usadas agulhas de pequeno calibre.

Anestesia peridural e caudal A anestesia peridural geralmente envolve a passagem de um cateter no espaço peridural, que pode ser realizada no pré-operatório, e a injeção do anestésico local imediatamente antes da cirurgia. As doses de anestésico local podem ser repetidas intermitentemente no cateter ou uma infusão contínua pode ser realizada em cirurgias mais prolongadas. A anestesia caudal é uma forma de anestesia peridural muitas vezes feita em crianças para a cirurgia no abdome inferior e envolve a injeção de anestésico local dentro do canal caudal. É com frequência usada juntamente com a anestesia geral porque as crianças geralmente não toleram a inserção da agulha. A anestesia caudal permite que a cirurgia seja realizada com o uso mínimo de opioides no período perioperatório. A analgesia pós-operatória pode durar várias horas com base na escolha do medicamento e na dose administrada.

Bloqueios de nervos periféricos Os BNPs estão associados a redução das náuseas, vômitos e aumento da satisfação do paciente. O uso de BNPs para determinados procedimentos dolorosos, tais como a cirurgia do ombro, permite que esses procedimentos possam ser realizados em ambulatório. O desconforto após procedimentos ortopédicos ambulatoriais dolorosos é, em geral, tratado com uma infusão contínua de anestésico local ao redor dos nervos que suprem o local cirúrgico. No entanto, é necessário providenciar um programa detalhado de instrução pós-operatória, quando os pacientes recebem alta, para casa com infusões de fármacos e cateteres de demora. Uma discussão mais aprofundada sobre a anestesia regional pode ser encontrada no Capítulo 21.

Sedação e analgesia A sedação intravenosa é um adjunto comum da anestesia local por diversas razões. Os agentes anestésicos reduzem a dor durante a injeção inicial do anestésico local e o desconforto decorrente do posicionamento sobre uma mesa de cirurgia durante um período de tempo prolongado. Adicionalmente, as propriedades amnésicas dos sedativos permitem que o paciente se lembre de pouca coisa sobre o procedimento em si.

Anestesia geral Na configuração ambulatorial, a escolha dos agentes anestésicos apropriados é necessária para facilitar um rápido despertar, recuperação mais curta e alta precoce, além de evitar efeitos colaterais adversos. O propofol muitas vezes é usado como um agente de indução na cirurgia ambulatorial devido a sua meia-vida de eliminação curta e sua propriedade antiemética. Os pacientes pediátricos em geral não toleram a inserção de um cateter venoso antes da sedação, sendo necessário que a anestesia geral seja induzida pela inalação de um agente volátil, tal como o sevoflurano. A administração de agentes bloqueadores neuromusculares deve ser baseada no tipo do procedimento ou para facilitar a intubação quando necessário.

Capítulo 25

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

Os agentes mais comumente usados para a manutenção da anestesia geral em pacientes ambulatoriais são o propofol e os anestésicos voláteis sevoflurano e desflurano. O propofol tem uma meia-vida contexto-dependente relativamente curta e apresenta menos efeitos colaterais. Os agentes voláteis estão associados com uma indução e recuperação rápida, o que os torna adequados para a cirurgia ambulatorial. O óxido nitroso, que tem uma recuperação mais rápida do que o sevoflurano ou desflurano, pode estar associado a uma maior incidência de náuseas e vômitos no pós-operatório (NVPO) e, portanto, não é uma boa escolha para o paciente ambulatorial.

E. Manejo do cuidado pós-anestésico Muitos dos potenciais eventos adversos pós-operatórios podem ser previstos e evitados. A seleção dos pacientes desempenha um papel importante no planejamento de uma experiência cirúrgica bem-sucedida. Os pacientes com possíveis dificuldades no pós-operatório não são bons candidatos para a cirurgia ambulatorial. A escolha e a titulação cuidadosa dos agentes anestésicos têm um impacto significativo na recuperação. As causas mais comuns da recuperação lenta são dor, náusea e sedação decorrente do efeito anestésico residual. A identificação precoce dessas complicações e seu manejo eficaz são fundamentais para facilitar a alta. Uma discussão mais abrangente sobre o assunto pode ser encontrada no Capítulo 39, mas será abordada abaixo de forma mais sucinta.

Reversão do efeito do fármaco Ocasionalmente, pode ser necessário administrar agentes medicamentosos para reverter a depressão respiratória ou a sedação associada a opioides ou benzodiazepínicos, respectivamente. Recomenda-se cautela ao usar esses antagonistas, pois eles também têm efeitos colaterais graves e devem ser administrados apenas quando for absolutamente necessário e somente em pequenas doses incrementais.

Náuseas e vômitos As náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPOs) são a principal causa de atraso na alta e, em casos raros, pode requerer uma internação hospitalar. Além disso, as NVPOs

Incidência de náuseas e vômitos pós-operatórios (%)

Anestésico Anestésico volátil volátil e ar e N2O comprimido 70

Propofol e N2O

Propofol e ar comprimido

60 50 40 30 20 10 0 0 1 2 3

0 1 2 3 0 1 2 3 0 1 2 3 Número de antieméticos

FIGURA 25.3 Náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPOs) são menores após uma anestesia com propofol com ar comprimido. Aqui está representada a incidência de NVPO quando são administrados anestésicos diferentes e números diferentes de tratamentos antieméticos profiláticos. (De Lichtor, JL. Ambulatory anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:854.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica têm um impacto negativo na satisfação do paciente e na qualidade da recuperação. Fatores preditivos de NVPOs incluem sexo feminino, história de NVPO ou cinetose, não fumantes e certos tipos de cirurgia, tais como cabeça e pescoço, mama e laparoscopia. Os fatores de risco têm um efeito aditivo: quanto maior for o número de fatores de risco presentes, maior será o risco de NVPO. Muitos agentes anestésicos podem contribuir com NVPO. Os anestésicos voláteis, o óxido nitroso e os opioides têm efeitos emetogênicos (Fig. 25.3). No entanto, existem vários antieméticos não sedativos disponíveis para a prevenção e o tratamento adequados ao ambiente ambulatorial. Os antieméticos mais utilizados são os antagonistas da serotonina, como a ondansetrona. Outros fármacos incluem os antagonistas da dopamina, anti-histamínicos e anticolinérgicos. A dexametasona também é comumente usada para a prevenção e tratamento de NVPOs. Ela demonstrou melhorar a qualidade da recuperação e, recentemente, mostrou pouquíssimo efeito sobre a glicemia em pacientes saudáveis submetidos à cirurgia (13, 14). O método mais eficaz de prevenir NVPOs é a identificação de pacientes com maior risco e o emprego de uma combinação de estratégias medicamentosas preventivas, incluindo a utilização de anestésicos com propriedades antieméticas, além de minimizar a exposição aos agentes emetogênicos.

Dor Uma abordagem multimodal para o manejo analgésico em geral é a mais eficaz. A abordagem multimodal envolve o uso concomitante de agentes analgésicos com diferentes mecanismos de ação, um efeito poupador de opioide, e resulta em efeitos colaterais menos prejudiciais associados com o uso de opioides. Os adjuvantes mais comumente usados incluem os AINEs cetorolaco e ibuprofeno, bem como o paracetamol.

Preparação para a alta do paciente Critérios padronizados são usados para determinar quando um paciente pode fazer a transição segura entre a recuperação e a alta para casa. Embora a maioria dos pacientes submetidos à anestesia geral necessite de um período na unidade de cuidados pós-anestésicos fase I (UCPA), grande parte dos pacientes que foram submetidos a cuidado anestésico monitorado está pronta para a fase II de UCPA imediatamente após a cirurgia. Alguns pacientes que são submetidos à anestesia geral podem estar suficientemente recuperados ao final da cirurgia e não necessitam da fase I de UCPA. Essa rápida passagem para a fase II é denominada trânsito rápido (fast tracking). Um estudo recente demonstrou um encurtamento significativo da duração da recuperação com a eliminação da fase I UCPA após a anestesia geral (com base em critérios padronizados), sem qualquer alteração nos desfechos do paciente (15). O sistema de pontuação de Aldrete modificado é frequentemente usado para avaliar a aptidão para a fase I UCPA de alta e está representado na Tabela 25.4 (16). A pontuação de, no mínimo, 9/10 é necessária para a alta para a fase II. Na maioria das instituições, uma pontuação de nove ou mais é necessária para a transferência para a próxima fase da recuperação. Existem critérios adicionais para determinar quando os pacientes estão “prontos para a casa” e prontos para a alta da área de cirurgia ambulatorial. Esses critérios incluem a recuperação suficiente da anestesia, com sinais vitais semelhantes aos da linha de base, com a dor controlada adequadamente, ausência ou manejo bem-sucedido de náuseas e vômitos, nível de atividade normal com capacidade para deambular e verificação e controle do sangramento cirúrgico. A capacidade miccional e a tolerância à ingestão oral não são mais necessárias para a alta na maioria das instituições. A avaliação mais comumente usada para a alta da fase II UCPA é o escore de alta pós anestésico, representado na Tabela 25.5 (17). Uma pontuação de 9 ou 10 indica que o paciente está apto para a alta.

Capítulo 25 TABELA 25.4

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

Sala de recuperação pós-anestésica e critérios de alta, pontuação de Aldrete modificada

Parâmetro

Descrição do paciente

Pontuação

Nível de atividade

Move todas as extremidades voluntariamente/ao comando Move duas extremidades Incapaz de mover as extremidades

2 1 0

Respiração

Respira profundamente e tosse livremente Dispneia, respiração limitada e superficial Apneia

2 1 0

Circulação

PA até 20 mmHg acima ou abaixo do nível pré-anestésico PA 20-50 mmHg acima ou abaixo do nível pré-anestésico PA mais de 50 mmHg acima ou abaixo do nível pré-anestésico

2 1 0

Consciência

Completamente acordado Pode ser despertado ao comando Não responsivo

2 1 0

Saturação de oxigênio Saturação ⬎ 90% respirando ar ambiente como determinada Necessita de oxigênio suplementar para manter o por meio de oximetria nível de saturação ⬎ 90% de pulso Apresenta um nível saturação ⬍ 90% com oxigênio suplementar

2 1 0

De Vasanawala M, Macario A, Canales M. Some common problems in the postanesthetic care unit. Contemp Surg. 2000; 56:691-700.

TABELA 25.5

Sistema de pontuação de alta pós-anestésica

Parâmetro

Valor

Pontuação

Sinais vitais

PA e pulso dentro de 20% do pré-operatório PA e pulso entre 20-40% do pré-operatório PA e pulso com uma diferença maior do que 40% do pré-operatório

2 1 0

Atividade

Marcha estável, sem tontura ou igual ao pré-operatório 2 Necessita de ajuda 1 Incapaz de deambular 0

Náusea e vômito

Mínimo/tratado com medicação oral Moderado/tratado com medicação parenteral Grave/continua apesar do tratamento

2 1 0

Dor

Controlada com analgésicos orais e aceitável para o paciente Não controlada ou inaceitável para o paciente

2 1

Sangramento cirúrgico

Mínimo/sem sujar curativos Moderado/necessidade de troca de até dois curativos Grave/mais do que três trocas de curativos são necessários

2 1 0

De Chung F, Chan V, Ong D. A postanesthetic discharge scoring system for home readiness after ambulatory surgery. J Clin Anesth.1995;7:500–506.

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Fundamentos de anestesiologia clínica As instruções de alta devem ser feitas por escrito e explicadas e assinadas pelo paciente, indicando que ele as entendeu. Os pacientes devem ser avisados para não dirigir e não tomar quaisquer decisões importantes durante o resto do dia. As instruções sempre devem incluir um plano para contatar uma pessoa ou um pronto atendimento caso surjam problemas pós-operatórios. A maioria das instalações ambulatoriais também faz uma chamada telefônica de acompanhamento um dia após a cirurgia.

III. Anestesia realizada em consultório A anestesia realizada em consultório envolve uma anestesia fornecida em um local diferente de um hospital ou instalação cirúrgica independente. Os principais incentivos para os procedimentos em consultório são os benefícios financeiros e a conveniência para o cirurgião e paciente. Uma desvantagem potencial da localização distante de um hospital pode ser a falta de assistência em caso de emergência. Uma vez que o conceito de anestesia realizada em consultório é relativamente novo, não existem dados significativos de longo prazo em relação aos resultados. De fato, alguns Estados ainda não têm regulamentação ou notificação obrigatória de eventos adversos para a anestesia feita em consultório. Estudos atuais e a revisão de dados de queixas fechadas parecem indicar um risco aumentado com anestesias realizadas em consultório. Os problemas vão desde equipamentos inadequados, monitoramento e avaliação até a má preparação e má resposta a eventos. Praticamente a metade dos eventos adversos relatados em ambientes de consultório foi classificada como evitável.

A. Seleção dos pacientes e manejo pré-operatório A seleção e avaliação pré-operatória cuidadosa são essenciais para otimizar o paciente antes de uma cirurgia realizada em consultório. Os pacientes com comorbidades significativas e com risco de complicações anestésicas ou cirúrgicas não são candidatos adequados para procedimentos realizados em consultório. A Tabela 25.6 fornece critérios para pacientes que podem não ser apropriados para um procedimento realizado em consultório (18). A seleção cuidadosa dos procedimentos a serem realizados em consultório também é necessária. Procedimentos cirúrgicos mais prolongados têm uma maior probabilidade de complicações pós-operatórias e necessidade de internação hospitalar. Muitas instalações planejam que os procedimentos sejam concluídos no início da tarde para garantir uma recuperação completa antes do encerramento do consultório.

B. Equipamento Os consultórios cirúrgicos devem estar equipados adequadamente. É obrigatório que todas as máquinas estejam atualizadas, funcionantes e que passem por controles regulares. A anestesia total intravenosa (TIVA) deve ser empregada a não ser que exista um sistema de limpeza de gases anestésicos residuais. Todos os monitores padrão ASA são necessários, incluindo oximetria de pulso, pressão arterial, eletrocardiograma contínuo, capnografia e capacidade de medição da temperatura. Uma seleção de equipamentos adequados para a via aérea é necessária, incluindo vários dispositivos de fornecimento de oxigênio a partir de cânula nasal até bolsa de ventilação e máscara, equipamento de intubação, suprimentos para via aérea de emergência e dispositivos de aspiração. Um suprimento de oxigênio (incluindo tanques de backup) deve estar presente. Medicamentos de urgência e um carrinho de emergência, incluindo um desfibrilador, são essenciais.

C. Segurança e organização Além de ter o equipamento adequado, devem ser desenvolvidas políticas e treinamentos frequentes para o uso correto do equipamento. Cada instalação deve ter um diretor

Capítulo 25 TABELA 25.6

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

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Pacientes não adequados para a anestesia realizada em consultório

Condições cardíacas: • Nível de atividade ⬍ 4 equivalentes metabólicos • Angina instável • IAM: 0-3 meses • IAM: 3-6 meses, deve ser avaliado por cardiologista antes da cirurgia • Miocardiopatia grave • Hipertensão mal controlada • Desfibrilador ou marca-passo • Receptor/candidato de transplante cardíaco

Condições pulmonares • Apneia obstrutiva do sono • Doença pulmonar obstrutiva crônica grave • Anormalidades de via aérea • Dificuldade de intubação prévia • Asma: ⬍ 6 meses desde a última visita ao departamento de emergência/exacerbação aguda • Receptor/candidato a transplante pulmonar

Sistema nervoso central: • Esclerose múltipla • Acidente vascular encefálico há ⬍ 6 meses • Paraplegia/quadriplegia • Distúrbio convulsivo • Instabilidade psicológica • Demência com desorientação

Renal: • Creatinina ⬎ 2 mg/dL • Doença renal em estágio final e em diálise • Em dieta especial devido à doença renal • Candidato a transplante renal

Hepático • Bilirrubinas ou transaminases elevadas • Candidato a transplante hepático

Endócrino: • Obesidade mórbida com IMC ⬎ 35 • Diabetes melito mal controlado • Hemoglobina A1c ⬎ 8 • Diabetes melito tipo 1

Hematológico: • Doença falciforme • Tratamento com anticoagulantes • Doença de Von Willebrand • Hemofilia

Musculoesquelético: • História de hipertermia maligna • Miastenia grave • Distrofia muscular ou miopatia

Outros: • Abuso de álcool/outra substância • Sem acompanhante adulto

IAM, infarto agudo do miocárdico; IMC, índice de massa corporal. Adaptado de Ahmad S. Office based – is my anesthetic care any different? Assessment and management. Anesthesiol Clin. 28;2010:369384.

médico encarregado de delinear as responsabilidades de cada membro da equipe. Pelo menos um membro da equipe deve ter uma certificação avançada em suporte de vida cardiovascular e deve permanecer no local até que todos os pacientes tenham obtido alta da instalação. Devem ser desenvolvidos planos de manejo de situações de emergência, como a perda de energia ou suprimento de oxigênio, mau funcionamento do equipamento, parada cardíaca, suspeita de hipertermia maligna e incêndio. É importante estabelecer uma relação com um hospital caso haja necessidade de transferência para um centro de atendimento terciário.

D. Manejo anestésico Da mesma forma que para a anestesia ambulatorial, a escolha do anestésico no consultório baseia-se na necessidade de facilitar uma alta rápida e minimizar os feitos adversos. O custo de um equipamento anestésico e dos medicamentos deve ser considerado. Detalhes sobre esses agentes anestésicos foram revistos em outras partes do capítulo.

IV. Conclusão Devem ser mantidos os mesmos padrões para a avaliação e preparação pré-operatória, monitoramento intraoperatório e pós-operatório, independentemente do paciente, configuração ou tipo de anestesia a ser administrada. Políticas e procedimentos devem existir no local para garantir um padrão mínimo de atendimentos em todos os locais anestésicos. Todos os envolvidos na prestação de sedação ou anestesia devem ser treinados na utilização de fármacos, reconhecimento e manejo de seus efeitos colate-

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Fundamentos de anestesiologia clínica rais adversos e procedimentos emergenciais para resgatar os pacientes que apresentem um nível de sedação mais profundo do que o pretendido. Os agentes analgésicos ou anestésicos ideais são aqueles de menor custo e isentos de efeitos colaterais adversos. A duração da ação de medicamentos usados em qualquer anestesia individual deve ser baseada na natureza do procedimento e situação. O acompanhamento dos pacientes e resultados permitirá que essa especialidade continue aumentando a satisfação e segurança do paciente.

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Capítulo 25

Anestesia ambulatorial, sedação anestésica e anestesia realizada...

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Cuidado anestésico monitorado é definido como: A. Nível de profundidade anestésica correspondente à sedação de um paciente submetido a um procedimento B. Um serviço anestésico específico para um procedimento diagnóstico ou terapêutico C. Um tipo de anestesia que requer menos monitores do que a anestesia geral D. Anestesia crepuscular 2. Qual das alternativas abaixo é necessária para a avaliação pré-operatória de um paciente agendado para um procedimento sob sedação? A. Tempo de jejum pré-operatório B. História completa C. Avaliação da via aérea D. Todas as alternativas acima são necessárias 3. Qual das alternativas abaixo não é necessária para a sedação anestésica? A. Oximetria de pulso B. Dióxido de carbono expiratório final C. Eletrocardiografia D. Todos os monitores acima são necessários 4. A meia-vida contexto-dependente refere-se: A. A quando interromper uma infusão de medicamento B. Ao tempo que o fármaco leva para perder a metade de sua atividade farmacológica ou fisiológica C. À quantidade de tempo necessária para um paciente acordar de uma infusão sedativa D. Ao tempo necessário para que a concentração plasmática caia em 50% após a interrupção de uma infusão 5. Todos os medicamentos a seguir promovem a amnésia, EXCETO: A. Propofol B. Midazolam C. Dexmedetomidina D. Cetamina

6. Qual dos medicamentos abaixo NÃO está associado com depressão respiratória quando administrado em doses sedativas/analgésicas? A. Fentanil B. Propofol C. Cetamina D. Todos os medicamentos acima causam depressão respiratória 7. Qual das propriedades abaixo NÃO está associada aos opioides? A. Amnésia B. Analgesia C. Depressão respiratória D. Náusea 8. De acordo com as diretrizes de jejum da ASA para a cirurgia eletiva, o tempo de jejum para leite materno é: A. 2 horas B. 4 horas C. 6 horas D. 8 horas 9. Qual das alternativas abaixo impedirá a alta após uma cirurgia ambulatorial? A. Dor controlada com medicação oral B. Náusea não controlada C. Sangramento mínimo no local da cirurgia D. Incapacidade de urinar após uma anestesia geral 10. Qual das alternativas abaixo é o objetivo de uma anestesia ambulatorial? A. Reduzir o uso de medicamentos com um perfil desfavorável de efeitos colaterais B. Facilitar o rápido despertar e acordar C. Uso de analgésicos alternativos para reduzir a necessidade de opioides D. Todas as alternativas acima são objetivos de uma anestesia ambulatorial

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Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna Yulia Ivashkov Armagan Dagal

I. Avaliação pré-operatória As cirurgias ortopédicas da coluna e das extremidades geralmente são classificadas como cirurgias de risco intermediário, embora os procedimentos de grande porte da coluna ou mesmo procedimentos menores em pacientes com condições médicas preexistentes (p. ex., artroplastia de quadril em pacientes idosos) possam aumentar significativamente o risco perioperatório. O objetivo da avaliação pré-operatória inclui a identificação e otimização dos fatores de risco modificáveis, a explicação dos riscos e a formulação do melhor plano anestésico possível para o paciente. Além da avaliação pré-operatória (ver Cap. 16), a avaliação ortopédica focada deve incluir: • Avaliação da via aérea e coluna cervical (p. ex., artrite reumatoide, osteoartrite e espondilite anquilosante podem resultar em limitação do movimento do pescoço, instabilidade atlantoaxial ou limitação da abertura da boca decorrente do envolvimento da articulação temporomandibular). • Avaliação do sistema respiratório (p. ex., defeitos torácicos restritivos induzidos pela escoliose, comprometimento da função diafragmática decorrente de lesão da medula espinal). • Avaliação do sistema cardiovascular. O nível de condicionamento físico é o critério decisivo para a necessidade de avaliação adicional. Pacientes de cirurgia ortopédica e de coluna podem ter uma tolerância limitada ao exercício por outros motivos (dor) e, assim, complicam essa avaliação. • Avaliação do estado neurológico, incluindo deficiências neurológicas existentes e amplitude de movimento ativo e força das extremidades. • Avaliação da dor e carga psicológica para estabelecer expectativas pós-operatórias realistas em relação à dor e função. • Revisão da história médica, cirúrgica e anestésica, alergias e medicamentos atualmente usados, com atenção especial para o uso crônico de opioides e fármacos modificadores de doença, tais como esteroides, metotrexato e anti-inflamatórios não esteroides. • Perfil hematológico e uso de fármacos anticoagulantes ou antiplaquetários. O manejo da anemia e a modificação ou suspensão da medicação que afeta a coagulação provavelmente serão necessários. • Avaliação e melhoria do estado nutricional (p. ex., concentração sérica de albumina).

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Fundamentos de anestesiologia clínica • Planejamento da transição pós-operatória, intensidade dos cuidados e o destino eventual após a alta.

As lesões medulares traumáticas “incompletas” (i. e., a função neurológica abaixo do nível da lesão está parcialmente preservada) são oito vezes mais comuns que lesões “completas” (i. e., abaixo do nível da lesão, a função neurológica está ausente), o que realça a importância de evitar danos neurológicos secundários durante o cuidado anestésico perioperatório.

II. Cirurgia da coluna A. Lesões da medula espinal A incidência de lesão medular traumática (LMT) e a idade média dos pacientes estão aumentando, e as quedas passam a ser a causa mais comum de tais lesões. A lesão afeta mais comumente a coluna cervical (57,4%), seguida pelos níveis torácico (21,4%) e lombossacro (13,8%). O trauma inicial pode resultar em dano neuronal irreversível, configurando uma lesão primária, que pode ser “completa” (sem função medular distal à lesão) ou “incompleta” (com função parcial distal à lesão), sendo modificável apenas por meio da prevenção. A lesão secundária começa em poucos minutos e é exacerbada por inflamação e edema, levando à isquemia e deterioração neurológica. O exame médico focado visa limitar sua extensão com estratégias de manejo cuidadosamente coordenadas (1). O sistema de pontuação da American Spinal Injury Association é usado para classificar a gravidade da lesão neurológica (Tab. 26.1). As lesões neurológicas incompletas são oito vezes mais frequentes dos que as lesões completas e podem ter diversas apresentações (Tab. 26.2).

Manejo hemodinâmico A hipotensão é comum após uma LMT e pode estar associada à depleção do volume intravascular, pneumotórax hipertensivo, tamponamento cardíaco e choque neurogênico. O choque neurogênico é caracterizado por hipotensão com ou sem bradicardia decorrente da perda do tônus simpático quando a lesão ocorre ao nível de T6 ou acima dele. A manutenção da pressão arterial média em 85 a 90 mmHg com a ajuda de expansões de volume intravenosos, vasopressores e inotrópicos é necessária para a otimização da perfusão medular. Agentes cronotrópicos ou estimulação cardíaca podem ser necessários para o tratamento da bradicardia associada.

Descompressão cirúrgica A descompressão da medula lesionada e a estabilização da coluna vertebral geralmente são necessárias após uma LMT. Esses procedimentos seguem a reanimação inicial e o tratamento cirúrgico de outras condições de risco imediato para a vida, como lesão cerebral traumática ou hemorragia intra-abdominal. Quando realizados dentro de 24 horas após a lesão, demonstraram melhorar em seis vezes a recuperação neurológica.

TABELA 26.1 Classificação da lesão medular de acordo com a American Spinal Injury Association (ASIA) Grau

Tipo de lesão Descrição

A

Completa

Sem função motora ou sensorial em S4-5

B

Incompleta

Sem função motora ou sensorial preservada abaixo do nível da lesão incluindo S4-5

C

Incompleta

A função motora e sensorial está preservada abaixo do nível da lesão (força muscular ⬍ 3/5 em metade dos principais músculos)

D

Incompleta

A função motora e sensorial está preservada abaixo do nível da lesão (força motora ≥ 3/5 em metade dos principais músculos)

E

Normal

As funções motora e sensorial estão intactas

Capítulo 26 TABELA 26.2

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

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Síndromes de lesões medulares incompletas

Tipo

Descrição

Síndrome medular central

Comum em idosos com lesão em hiperextensão A disfunção motora nas extremidades superiores é maior do que nas extremidades inferiores Disfunção sensorial abaixo da lesão Disfunção vesical

Síndrome medular anterior

Lesão da artéria espinal anterior ou da medula anterior Comprometimento da função motora, da dor e da sensibilidade térmica A discriminação de dois pontos e a propriocepção permanecem intactas

Síndrome de Brown-Sequard Em geral decorrente de traumatismo penetrante Síndrome medular posterior

Perda da sensibilidade tátil, proprioceptiva e vibratória, com função motora intacta

Síndrome da cauda equina

Lesão abaixo do cone medular – abaixo de L2 Dormência na região perineal, retenção urinária, incontinência fecal Fraqueza nas extremidades inferiores

B. Escoliose A escoliose é definida como uma curvatura lateral anormal da coluna vertebral no plano coronal. É frequentemente acompanhada por uma deformidade em rotação (Tab. 26.3). Sua gravidade é avaliada pela medição do ângulo de Cobb (Fig. 26.1). Apesar da aplicação de uma cinta, a progressão da curva para um ângulo de Cobb ⬎ 45 graus geralmente requer uma cirurgia para impedir uma maior deterioração. Quando não tratada, a escoliose progressiva pode levar à dor grave nas costas, doença pulmonar restritiva, hipóxia, hipercarbia e hipertensão pulmonar.

C. Doença degenerativa da coluna vertebral A doença degenerativa da coluna de adultos é uma das principais causas de dor crônica e deficiência. A espondilólise refere-se a uma radiculopatia ou mielopatia resultante da formação de osteófitos e doença do disco intervertebral. Pode ser encontrada em TABELA 26.3

Etiologia da escoliose

Idiopática (80 %)

Infantil: 0-3 anos de idade Juvenil: 4-10 anos de idade Adolescente: 11-18 anos de idade

Congênita

Síndrome VATER

Neuromuscular

Distrofias neuromusculares Poliomielite Paralisia cerebral Espinha bífida Ataxia de Friedreich Neurofibromatose

Neural

Siringomielia Malformação de Chiari

Sindrômica

Síndrome de Marfan Neurofibromatose

VÍDEO 26.1 Escoliose

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Fundamentos de anestesiologia clínica

1

Terminação vertebral superior

Ângulo de Cobb

Ápice vertebral

2

Terminação vertebral inferior

FIGURA 26.1 O ângulo de Cobb é o ângulo entre as duas linhas traçadas (1) paralela à borda superior da terminação vertebral e (2) borda inferior da terminação vertebral inferior.

cerca de 6% dos adultos, sendo duas vezes mais comum no sexo masculino e geralmente ocorre bilateralmente próximo a L5. Sua etiologia é incerta (⬎ 50% devido ao trauma repetitivo da coluna vertebral) e seu tratamento geralmente é conservador. A espondilolistese refere-se a uma perda do alinhamento vertebral como resultado de um deslocamento para frente de uma vértebra sobre a outra, afetando mais comumente a região lombossacra. O manejo geralmente é conservador (fisioterapia, analgesia multimodal e injeção de esteroides no espaço peridural), embora a mielopatia progressiva, neuropatia ou perda do controle intestinal ou vesical sejam indicações para a descompressão cirúrgica com ou sem fusão vertebral.

D. Anestesia para cirurgia da coluna A cirurgia da coluna é necessária para a correção de deformidades da coluna vertebral e para a descompressão dos nervos e da medula espinal decorrentes de doenças discais, ósseas, tumorais e traumatismos.

Via aérea A instabilidade da coluna vertebral requer medidas para minimizar o movimento cervical durante a intubação traqueal. Todos os instrumentos e as técnicas da via aérea podem potencialmente causar movimentos na coluna vertebral, mas esses em geral são

Capítulo 26

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

insignificantes. Assim, quando realizada com cuidado, nenhuma técnica se mostrou superior em termos de resultados neurológicos. Os pacientes com LMT que necessitam de intubação traqueal em circunstâncias urgentes ou emergenciais e na ausência de outros problemas relacionados à via aérea difícil geralmente podem ser manejados com segurança com uma indução em sequência rápida com pressão bimanual sobre a cricoide (ver Caps. 20 e 32) e estabilização manual da coluna vertical (de modo que a parte dianteira do colar cervical possa ser temporariamente removida para facilitar a laringoscopia). A videolaringoscopia pode ser empregada com menos movimento do pescoço e pode ser usada para intubação traqueal em pacientes acordados e inconscientes, especialmente naqueles com características que preveem uma laringoscopia difícil (p. ex., circunferência cervical grande, limitação da abertura da boca). A intubação com fibra óptica teoricamente está associada com movimento mínimo da coluna cervical. A intubação “acordada” com fibra óptica está reservada para aqueles nos quais se prevê uma intubação difícil, em que a manutenção da respiração espontânea seria vantajosa.

Posicionamento

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Em pacientes com instabilidade da coluna cervical, nenhuma técnica de manejo da via aérea demonstrou ser superior na prevenção de lesão medular relacionada à intubação traqueal.

A maioria dos pacientes submetidos a cirurgia vertebral necessita de um posicionamento em pronação, embora certas lesões medulares cervicais ou da medula torácica anterior possam requerer um posicionamento em supinação ou lateral, respectivamente. A posição sentada é preferida para algumas cirurgias cervicais posteriores altas. Tais posicionamentos requerem atenção cuidadosa da anatomia do paciente, acessos vasculares e equipamento de monitoração. Isso é facilitado por um número adequado de profissionais e treinamento apropriado a respeito dos equipamentos de segurança (Figs. 26.2 e 26.3). O tubo orodotraqueal e todas as linhas de acesso vascular devem ser protegidos de forma adequada antes de virar o paciente da posição supina para outra posição. Um protetor de mordida macio impedirá que a língua ou o tubo endotraqueal sejam comprimidos. Mesas especiais de coluna permitem que, em pronação, o abdome penda livremente e reduzem o sangramento intraoperatório, minimizando a compressão do conteúdo abdominal (bem como aumentos concomitantes na pressão da veia cava e pressão peridural), facilitando também a ventilação com pressão positiva. Uma leve inclinação de Trendelenburg reverso também limita a pressão venosa de retorno e o sangramento. Almofadas de espuma ou gel, bem como pinos de Mayfield, são usados para fornecer um posicionamento livre de pressão sobre a face, com o pescoço em uma posição neutra para prevenir lesões neurológicas.

FIGURA 26.2 Posição prona tipo Wilson Frame (à esquerda) e na mesa de Jackson (à direita) com coxim de espuma e apoio de cabeça em posição prona, respectivamente.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 26.3 Posicionamento correto dos braços na posição prona. Os braços podem ser posicionados na posição do nadador (à esquerda) ou fixados lateralmente (à direita), com as fossas axilares e ulnares livres de pressão direta e os punhos e cotovelos acolchoados.

Monitoramento e acesso Além dos monitores-padrão da American Society of Anesthesiologists, um cateter arterial fornece monitoração contínua da pressão arterial e facilita a coleta de amostras de sangue em casos nos quais se prevê uma instabilidade hemodinâmica ou grande perda sanguínea. A obtenção de pelo menos dois acessos intravenosos periféricos é o ideal devido ao acesso intraoperatório restrito da extremidade, que ocorre em procedimentos da coluna cervical quando os braços são dobrados para o lado. A cateterização venosa central pode ser útil para a reanimação e aspiração do ar intratorácico se ocorrer uma embolia aérea.

Técnica anestésica A anestesia geral é necessária para a maioria dos procedimentos cirúrgicos da coluna vertebral. Como os anestésicos voláteis têm efeitos variáveis sobre a monitoração da função da medula espinal, a anestesia intravenosa total geralmente é preferida nesses casos, seja isolada ou em combinação com uma dose baixa (⬍ 1% de concentração alveolar mínima [CAM]) do agente volátil (Tab. 26.4).

TABELA 26.4 Agentes anestésicos comumente usados na cirurgia da coluna vertebral

Agentes intravenosos

Agentes inalatórios

Dose de anestésico primário Ajuste da dose Desflurano Sevoflurano

4,5-6% de concentração expirada 1,5-2% de concentração expirada

2-3 % de concentração expirada 0,5-1% de concentração expirada

Propofol Cetamina Dexmedetomidina Remifentanil

100-150 μg/kg/min 2-3 mg/kg/hora (pode ser mais alta em crianças) NA NA

50-100 μg/kg/min 0,5-2 mg/kg/hora para efeito adjunto mais potente Reduzir para 8 mg/hora para analgesia pós-operatória – iniciar 45 minutos antes do final da cirurgia 0,2-0,4 μg/kg/hora (dose baixa) 0,1-0,4 μg/kg/min

NA, não aplicável.

Capítulo 26 TABELA 26.5

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

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Modalidades intraoperatórias de monitoração neurofisiológica

Modalidade

Região medular monitorada

Significância

SSEP

Mede apenas a coluna dorsal ascendente

Redução da amplitude ⬎ 50% ou aumento da latência ⬎ 10%

MEP

Tratos motores descendentes

Redução da amplitude ⬎ 50%

EMG

Raízes nervosas e nervos espinais

O contato com uma raiz nervosa causará atividade motora imediata

SSEP, potenciais evocados somatossensoriais; MEP, potenciais motores transcranianos evocados; EMG, eletromielografia.

E. Monitoramento da medula espinal O monitoramento neurofisiológico intraoperatório dos potenciais motores ou sensoriais evocados no sistema nervoso central é usado durante a cirurgia da coluna vertebral para detectar lesão medular não intencional. Ele também é usado para orientar intervenções médicas e cirúrgicas para evitar lesões neurológicas permanentes. O monitoramento neurofisiológico multimodal (Tab. 26.5) também é sensível e específico para a detecção intraoperatória de lesão neurológica, mas as evidências de que ele reduz a incidência de déficits ou seu agravamento são fracas (2).

Manejo de alterações agudas do sinal dos potenciais evocados Se for detectada uma alteração aguda na monitoração neurofisiológica, devem ser tomadas as medidas a seguir para identificar sua causa e reverter a anormalidade: • Descartar fatores cirúrgicos e fatores relacionados ao equipamento; comunicar o cirurgião e a equipe de neuromonitoração. • Reposicionar o paciente (manter o alinhamento natural da coluna vertebral). • Corrigir a hipotensão, anormalidades metabólicas, anemia grave, hipotermia ou hipertermia. • Aumentar a pressão arterial média ⬎ 85 mmHg para aumentar a perfusão da medula espinal. • Desligar o agente inalatório e mudar para anestesia intravenosa total. • Considerar a infusão de esteroides.

F. Estratégias de prevenção da perda sanguínea A perda sanguínea pode ser significativa durante a cirurgia da coluna vertebral, e até 80% dos pacientes podem necessitar de uma transfusão intraoperatória. A perda sanguínea perioperatória e a transfusão sanguínea têm consequências potencialmente negativas. Assim, foram propostas diversas técnicas para minimizar a perda de sangue e a transfusão de produtos derivados do sangue nesse cenário (3).

Otimização pré-operatória do nível de hemoglobina Níveis pré-operatórios de hemoglobina de 12 g/dL para mulheres e 13 g/dL para homens servem como limiar para a anemia, que geralmente requer atenção durante o período pré-operatório. Avaliação laboratorial, diagnóstico e tratamento de anemia existente devem ocorrer antes de procedimentos ortopédicos eletivos por meio da correção de deficiências nutricionais, uso de eritropoietina humana recombinante e suplementação oral ou intravenosa de ferro.

Antes do advento da monitoração neurofisiológica moderna da função medular com potenciais motores ou sensoriais evocados, a avaliação intraoperatória da função medular era feita com o “teste de acordar”, reduzindose transitoriamente a profundidade da anestesia durante o procedimento cirúrgico para observar o movimento da extremidade do paciente em resposta a comandos verbais.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Antifibrinolíticos O ácido tranexâmico é o análogo da lisina mais comumente usado como um antifibrinolítico para diminuir a perda sanguínea perioperatória e a necessidade de transfusão pela inibição da degradação do coágulo. No entanto, seu uso é contraindicado em casos de alergia conhecida, história de doença tromboembólica e distúrbios convulsivos preexistentes. Seus potenciais efeitos adversos incluem eventos tromboembólicos, convulsões e alterações visuais. O regime de doses recomendado é 1 g em bólus durante 10 minutos, seguido por uma infusão de 1 g durante 8 horas.

Cell saver Evidências apoiam o uso intraoperatório de cell saver na cirurgia da coluna vertebral, uma vez que a transfusão de sangue autólogo reduz significativamente as taxas de transfusão de sangue de doador. No entanto, seu uso é controverso, durante a cirurgia de câncer, infecções bacterianas, irrigação da ferida com antibióticos e uso concomitante de agentes hemostáticos tópicos.

G. Perda visual após cirurgia de coluna vertebral A perda visual perioperatória (PVPO) é uma complicação potencialmente devastadora que pode ocorrer após a cirurgia da coluna vertebral. Sua incidência varia de 0,03 a 0,2%, podendo existir diversos tipos, apresentações e etiologias (Tab. 26.6). As estratégias de manejo abaixo são sugeridas para a prevenção de PVOP em pacientes de cirurgia de coluna vertebral que possuem fatores de risco (Tab. 26.6)(4): • A PVPO deve ser discutida como parte do consentimento informado pré-operatório. • É necessário um monitoramento contínuo da pressão arterial (pressão arterial invasiva). • O pescoço deve ser colocado em uma posição neutra, e a cabeça deve ficar ao nível do coração ou mais alto que o coração para minimizar a congestão venosa. • O uso de grandes volumes de cristaloides deve ser evitado. • Para cirurgias prolongadas, deve-se considerar a realização da cirurgia em etapas.

TABELA 26.6

Perda visual perioperatória OACR

NOIA

NOIP

CC

Início

Imediato

Primeiras 48 horas

Imediato

Imediato

Local

Unilateral

Frequentemente bilateral

Quase sempre bilateral

Bilateral

Causas potenciais

Pressão direta Embolia

Congestão venosa Anemia

Embolia Hipotensão Anemia

Hipotensão

História de doença vascular periférica Hipotensão Homens mais do que mulheres Perda sanguínea maciça e grandes desvios de volume Uso de grandes volumes de cristaloides

OARC, oclusão da artéria central da retina; NOIA, neuropatia óptica isquêmica anterior; NOIP, neuropatia óptica isquêmica posterior; CC, cegueira cortical.

Capítulo 26 TABELA 26.7

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

Apresentação e manejo da embolia aérea venosa intraoperatória

Apresentação

Redução súbita de ETCO2 Hipercarbia (PaCO2 aumentada) Hipoxemia Hipotensão Taquiarritmias PVC elevada ou veias cervicais distendidas Ruídos cardíacos, sibilos respiratórios Parada cardíaca (⬎ 5 mL/kg de acúmulo de ar)

Manejo

Interromper a cirurgia Interromper anestésicos inalatórios, incluindo N2O FiO2 100% Evitar novos êmbolos Inundar o campo com líquido Avançar o acesso central intracardíaco e tentar aspirar quando estiver in situ Virar o paciente para a posição em decúbito lateral esquerdo RCP – bólus de líquidos, agentes hemodinâmicos

Monitoramento

Além da monitoração padrão ASA, considerar Doppler precordial ou transesofágico

ETCO2, CO2 ao final da expiração; PaCO2, pressão parcial de dióxido de carbono arterial; RCP, reanimação cardiopulmonar; ASA, American Society of Anesthesiologists.

H. Embolia venosa aérea A embolia venosa aérea (EVA) resulta da entrada de ar ambiente na circulação venosa por meio de vasos intraósseos ou veias epidurais abertas no local da cirurgia. Quando o acúmulo de ar no coração direito atinge um nível crítico para impactar na ejeção do ventrículo direito, pode ocorrer o colapso cardiovascular. O risco de EVA é aumentado com hipovolemia, hipotensão e ventilação espontânea e diminuído com o posicionamento que permite que as veias epidurais permaneçam abaixo do nível do coração. A apresentação e o manejo da EVA estão resumidos no Tabela 26.7.

I. Cuidado pós-operatório Um em cada cinco pacientes de cirurgia de coluna vertebral desenvolverá complicações pós-operatórias imediatas. Os fatores de risco independentes incluem sexo masculino, idade avançada, abordagem cirúrgica (abordagem combinada anterior e posterior está associada com taxas de complicação mais altas) e comorbidades preexistentes. As taxas de mortalidade hospitalar são de 0,2 a 0,5% e estão associadas mais frequentemente com insuficiência cardíaca concomitante, doença hepática, coagulopatia, distúrbios neurológicos, doença renal, desequilíbrio eletrolítico e doenças circulatórias pulmonares.

Decisão de extubar As cirurgias de fusão cervical anterior têm o risco particular de hematoma e formação de edema até 36 horas após a cirurgia e à extubação traqueal. Isso pode levar ao comprometimento pós-operatório das vias aéreas e à necessidade de reintubação. Não existem critérios aceitos uniformemente para orientar a decisão de extubação. Os fatores de risco potenciais para reintubação pós-operatória incluem idade avançada, a classificação da American Society of Anesthesiologists, extensão do procedimento e sua duração, o volume líquido administrado, perda sanguínea maior do que 300 mL, cirurgia combinada anterior e posterior e cirurgia prévia da coluna vertebral.

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498

Fundamentos de anestesiologia clínica

Manejo da dor A dor pós-operatória é uma preocupação após cirurgias da coluna vertebral; geralmente é complicada por uma dor pré-operatória crônica e uso de opioides a longo prazo e relacionada a questões psicossociais. O manejo analgésico multimodal é recomendado para tais pacientes. A combinação de analgésicos com mecanismos de ação diferentes, tais como paracetamol, fármacos anti-inflamatórios não esteroides, gabapentina, dexametasona, cetamina e lidocaína, facilita a mobilização precoce, reduz o consumo de opioides e melhora a satisfação do paciente (5).

J. Anestesia neuroaxial para cirurgia da coluna vertebral A anestesia neuroaxial (subaracnoide ou peridural) pode ser usada para a microdiscectomia torácica inferior ou lombar ou para a laminectomia limitada a um ou dois níveis. Ela tem o potencial de reduzir a perda sanguínea intraoperatória por meio dos efeitos combinados do bloqueio simpático (levando à vasodilatação e hipotensão relativa) e da manutenção da ventilação espontânea (que reduz as pressões de ventilação intratorácica e a congestão das veias peridurais). A anestesia neuroaxial também fornece analgesia pós-operatória e pode reduzir a necessidade de opioides, diminui a náusea, o vômito, a retenção urinária e a cefaleia. A analgesia peridural intraoperatória e pós-operatória para grandes cirurgias da coluna vertebral demonstrou fornecer um melhor controle da dor, menos sangramento e uma resposta menor ao estresse cirúrgico em comparação com a anestesia geral e a analgesia sistêmica opioide.

III. Anestesia para cirurgia de extremidades

A anestesia regional, usando técnicas de injeção única e de cateteres de infusão contínua, é cada vez mais comum para pacientes ortopédicos internados e ambulatoriais. Ela é usada não apenas para a anestesia intraoperatória, mas também para prover muitos benefícios da analgesia pós-operatória prolongada.

A cirurgia ortopédica das extremidades é muito comum. É realizada por indicações eletivas e emergenciais, sendo feita em pacientes internados e ambulatoriais. Além disso, essa cirurgia abrange a faixa etária de recém-nascidos (p. ex., displasia congênita do quadril) a pacientes idosos (p. ex., fratura traumática do quadril), bem como o espectro de morbidades concomitantes desde o atleta profissional sadio a pacientes debilitados em lares para idosos. Adicionalmente, as declarações abaixo geralmente se aplicam à anestesia para cirurgia ortopédica das extremidades: • Muitos procedimentos ortopédicos podem, potencialmente, fazer uso de técnicas anestésicas locais para anestesia intraoperatória, controle da dor pós-operatória e reabilitação articular. • A prevenção de complicações relacionadas com o posicionamento, tais como lesões de nervos e de tecidos moles, requer conhecimento procedural e vigilância meticulosa. • Pode ocorrer perda de sangue significativa, o que requer familiaridade com técnicas que reduzem a perda sanguínea, tais como o uso de torniquete, com cell saver e antifibrinolíticos, gatilhos transfusionais e complicações relacionadas à transfusão. • A imobilização prolongada após a cirurgia, particularmente envolvendo o joelho, o quadril ou a pelve, está associada a um risco aumentado de trombose venosa profunda e tromboembolismo. Por outro lado, a profilaxia do tromboembolismo pode interferir com as técnicas de anestesia regional.

A. Escolha da técnica anestésica Muitos procedimentos cirúrgicos ortopédicos podem ser realizados com anestesia regional, e seus detalhes gerais estão descritos no Capítulo 21. Os benefícios potenciais da anestesia regional específica para a cirurgia ortopédica incluem a analgesia prolongada, que facilita a reabilitação articular e aumenta a satisfação do paciente. Ela também pode

Capítulo 26 TABELA 26.8

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

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Considerações gerais para procedimentos cirúrgicos específicos

Tipo

Posicionamento

Anestésico

Torniquete Perda sanguínea

Artroplastia total de ombro

Decúbito lateral ou em cadeira de praia

AG/bloqueio interescalênico



Moderada

Cirurgia artroscópica de ombro

Cadeira de praia

AG/bloqueio interescalênico



Mínima

Artroplastia total de cotovelo

Supina ou lateral

AG/bloqueio de nervo supraclavicular, infraclavicular ou axilar



Limitada

Artroscopia de cotovelo

Prona com coxins sob a fossa antecubital

AG/bloqueio de nervo supraclavicular, infraclavicular ou axilar

⫹/⫺

Mínima

Artroplastia total de quadril, aberta

Mesa de fratura, lateral

AG/neuroaxial/bloqueio do psoas



Moderada

Fraturas de quadril sem deslocamento

Mesa de fratura, supina

GA/neuroaxial



Limitada

Artroplastia total de joelho

Supina, possível bloqueio de quadril

AG/neuroaxial/bloqueio de nervo ciático e femoral



Moderada

Artroscopia de joelho

Supina com a coxa operada AG/neuroaxial/bloqueios ⫹/⫺ posicionada contra um do nervo ciático e femoral apoio artroscópico

AG, anestesia geral.

reduzir o uso de analgésico opioide, náusea e vômitos pós-operatórios, comprometimento cognitivo, imunossupressão e duração da permanência na sala de recuperação. A redução do tromboembolismo pode ocorrer com a anestesia regional e resulta de uma redução do tônus simpático, que aumenta o fluxo sanguíneo e previne a estase venosa. Os riscos da anestesia regional incluem toxicidade do anestésico local, formação de hematoma, sangramento, lesão de nervo e infecção. Com a introdução de técnicas guiadas pelo ultrassom, tanto as técnicas de punção única (single-shot) como as técnicas usando cateter de infusão contínua (que permitem uma analgesia prolongada e facilitam o tratamento funcional) passaram a ser escolhas anestésicas mais seguras, eficazes e desejáveis. Alternativamente, a anestesia geral pode ser usada para praticamente qualquer procedimento ortopédico das extremidades e pode ser necessária para procedimentos demorados, para aqueles que envolvem um posicionamento específico e aqueles realizados na anatomia do tronco. Em alguns casos, a anestesia geral e regional combinadas podem ser indicadas para atingir condições operatórias ideais e analgesia pós-operatória. A escolha final da técnica anestésica deve ser adaptada para as necessidades de cada paciente, baseada em condições médicas específicas, comorbidades, idade, tipo da cirurgia e preferências do cirurgião, bem como dos pacientes (Tab. 26.8).

IV. Cirurgia das extremidades superiores A anestesia regional é uma excelente escolha para a anestesia e analgesia pós-operatória da cirurgia da extremidade superior, partindo do ombro até os dedos (6). A orientação pelo ultrassom pode ser particularmente vantajosa para os bloqueios periféricos da extremidade superior, abordando nervos em estreita proximidade com grandes es-

Mínima

500

Fundamentos de anestesiologia clínica truturas vasculares e pulmão (p. ex., bloqueios supraclavicular, infraclavicular e interescalênico). No entanto, alguns fatores cirúrgicos (procedimentos bilaterais ou cirurgia prolongada) e fatores do paciente (apneia obstrutiva do sono grave, déficits neurológicos preexistentes, comprometimento cognitivo ou falha do bloqueio regional) podem requerer anestesia geral.

A. Cirurgia do ombro e do braço Procedimentos comuns de ombro e braço incluem artroplastia, artroscopia, descompressão subacromial, reparação do manguito rotador, reparação de fratura e manipulação de ombro congelado. O decúbito lateral e a posição em cadeira de praia são posicionamentos comumente usados, tanto associados com paralisia neuromuscular farmacológica quanto com um bloqueio motor para facilitar a tração do braço. Pode ocorrer perda sanguínea significativa porque o uso do torniquete não é viável, de modo que a monitoração hemodinâmica cuidadosa é necessária, bem como medidas seriadas de hemoglobina (Tab. 26.9; Figs. 26.4 e 26.5). Tal cirurgia pode ser realizada sob anestesia geral ou regional (bloqueio interescalênico).

B. Cirurgia do cotovelo As cirurgias que envolvem o cotovelo podem ser feitas com técnicas abertas (p. ex., substituição total do cotovelo, reparo de fratura) ou técnicas endoscópicas (artroscopia do cotovelo). A cirurgia minimamente invasiva e os avanços nas práticas de sedação resultaram em um aumento da capacidade de realizar a maioria das cirurgias de cotovelo em regime ambulatorial com uma ênfase em recuperação rápida e analgesia excelente. Tais cirurgias podem ser realizadas sob anestesia geral ou regional (bloqueio supraclavicular ou interescalênico).

TABELA 26.9

Comparação dos diferentes posicionamentos cirúrgicos especializados

Posição corporal

Posição da extremidade operada

Decúbito lateral (ES, EI)

Lateral, tronco estabilizado com coxins ou braçadeiras

Vertical ou em um Rolo axilar para prevenir suporte para braço compressão neurovascular axilar

Cadeira de praia (ES)

Sentado com o quadril fletido em 45-90 graus, joelhos fletidos a 30 graus

Em um apoio de Mayo ou apoiado em braçadeira

Mesa de fratura (Ei)

Supino ou lateral

Em um dispositivo de Um coxim perineal pode tração comprimir a anatomia perineal

Posicionamento cirúrgico

ES, cirurgia de extremidade superior; EI, cirurgia de extremidade inferior.

Pontos de pressão específicos do posicionamento

Vantagens e riscos Boa visão cirúrgica Risco de lesão por tração do braço é um desafio em pacientes obesos

Fixador de cabeça pode Acesso cirúrgico fácil, causar menos lesões de mas gradiente de nervo occipital e auricular pressão negativo enmagno tre o local cirúrgico e o coração. Risco de hipotensão/bradicardia com possível isquemia cerebral Fácil acesso braço-C; risco de lesões nervosas relacionadas à tração e pressão

Capítulo 26

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

FIGURA 26.4 Posicionamento em cadeira de praia. (Cortesia de STERIS Corporation, Mentor, OH.)

C. Cirurgia do punho e da mão A maioria dos procedimentos do braço distal e da mão são realizados em pacientes ambulatoriais com anestesia regional. Podem ser usados bloqueios axilares, supraclaviculares ou infraclaviculares, mas o bloqueio axilar muitas vezes é usado para evitar o risco potencial (embora baixo) de pneumotórax. Para a cirurgia da mão, os nervos

FIGURA 26.5

Posicionamento em mesa articulada. (Cortesia de STERIS Corporation, OH.)

501

502

Fundamentos de anestesiologia clínica ulnar, mediano ou radial podem ser abordados e bloqueados, com frequência mais distalmente na extremidade do que os bloqueios clássicos do plexo nervoso. Uma cirurgia rápida abaixo do cotovelo também pode ser feita com anestesia regional intravenosa (bloqueio de Bier), uma técnica de execução simples e início de ação rápido, com uma taxa alta de sucesso. A dor com o uso do torniquete com bloqueio de Bier pode ser aliviada com o uso de um torniquete de manguito duplo. Contudo, o bloqueio de Bier não fornece nenhuma analgesia pós-operatória no local cirúrgico acima da liberação do torniquete, ao contrário dos bloqueios diretos de nervo ou plexo nervoso.

V. Cirurgia das extremidades inferiores Assim como na cirurgia ortopédica das extremidades superiores, os procedimentos da extremidade inferiores podem ser feitos sob anestesia regional, geral ou combinada (7).

A. Cirurgia do quadril Em 2010, 258 mil pessoas com 65 anos de idade ou mais foram admitidas por fraturas de quadril e 332 mil artroplastias totais do quadril foram realizadas nos Estados Unidos, fazendo com que esse seja um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns. Os três principais tipos de fraturas do quadril baseados na localização anatômica são intracapsulares, intertrocantéricos e subtrocantéricos. A fratura intracapsular pode causar isquemia da cabeça do fêmur se houver deslocamento e em geral requer hemiartroplastia. Outros tipos de fratura podem ser tratados com redução aberta ou fechada com a colocação de parafusos percutâneos ou haste intramedular. A redução do sangramento durante a artroplastia do quadril reduz significativamente o tempo de cirurgia e diminui o risco de tromboembolia. Por conseguinte, a técnica de anestesia peridural hipotensora pode ser uma opção com o objetivo hemodinâmico de manter a pressão arterial média em 60 mmHg, na ausência de contraindicações observadas nessa faixa etária (p. ex., doença cerebrovascular).

B. Cirurgia do joelho Com o envelhecimento da geração dos baby-boomers, estima-se que 3,5 milhões de cirurgias de substituição da articulação do joelho serão realizadas anualmente por volta de 2030.

A partir de 2010, mais de 600 mil artroplastias totais de joelho foram realizadas anualmente nos Estados Unidos. Esse número deverá crescer para 3,5 milhões de procedimentos em 2030, enquanto a população baby-boomer envelhece. As opções anestésicas são apresentadas no Tabela 26.8. A anestesia com a colocação de um cateter de infusão contínua e técnicas single-shot são usadas frequentemente. Essas técnicas também podem prevenir a dor relacionada com o torniquete que tem sido associada à hipercoagulabilidade. A artroscopia do joelho é uma técnica minimamente invasiva que em geral é realizada como procedimento ambulatorial. Portanto, a ênfase é o despertar rápido e a deambulação precoce. A reconstrução do ligamento cruzado anterior e a reparação de um rompimento do menisco também são procedimentos comuns no joelho.

C. Cirurgia do tornozelo e pé Com os avanços atuais das técnicas cirúrgicas e de sedação, a anestesia regional está se tornando a escolha anestésica para as cirurgias do pé e tornozelo. A anestesia geral é administrada quando as técnicas regionais são contraindicadas ou para procedimento de longa duração. As opções de manejo anestésico para a maioria das cirurgias comuns do pé e tornozelo são apresentadas na Tabela 26.10.

Capítulo 26 TABELA 26.10

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

503

Manejo anestésico de procedimentos comuns do pé e tornozelo

Procedimento

Bloqueio ciático Bloqueio Colocação do (poplíteo)ⴙbloqueio ciático torniquete safeno ⴙ sedação (poplíteo) ⴙ AG AN

Bloqueio Bloqueio do ciático ⴙ tornozelo femoral



⫹Ⲑ⫺

⫹Ⲑ⫺ ⫹



Pé médio: fratura Tornozelo/pande Lisfranc turrilha Amputações transmetatarsiais







⫹Ⲑ⫺



Pé posterior

Coxa

⫹Ⲑ⫺







⫹a

Tornozelo

Coxa









⫹a

Antepé: hálux valgo, dedos em martelo

Tornozelo

AG, anestesia geral; AN, anestesia neuroaxial. a Bloqueios femoral ⫹ nervo ciático alto geralmente são necessários para o alívio da dor desencadeada por um torniquete na coxa.

VI. Analgesia pós-operatória regional e multimodal Com a anestesia regional, as vias da dor são bloqueadas ao nível da medula espinal e raízes nervosas e do plexo nervoso, ou nervo periférico, fornecendo analgesia excelente e facilitando a rápida recuperação e fisioterapia funcional. Agentes anestésicos multimodais similares àqueles descritos previamente para a cirurgia da coluna vertebral também devem ser incluídos no plano de cuidados pós-operatórios para fornecer uma analgesia pós-operatória abrangente, particularmente para os pacientes com dor crônica ou distúrbios de abuso de fármacos.

VII. Cirurgia ortopédica pediátrica O manejo anestésico de pacientes ortopédicos pediátricos engloba as considerações gerais sobre anestesia pediátrica (ver Cap. 33), mas também o contexto ortopédico específico de lesões traumáticas, câncer e estados patológicos únicos, tais como doenças congênitas. Fraturas, escoliose, anormalidades articulares, pé torto e sindactilia podem exigir considerações anestésicas especiais. O posicionamento pode ser um desafio devido a contraturas musculares (paralisia cerebral) e anormalidades ósseas (osteogênese imperfeita). Isso também é verdade em outras condições associadas com instabilidade da coluna cervical (síndrome de Down), limitação da amplitude de movimento do pescoço (acondroplasia) e defeitos cardíacos (síndrome de Marfan). Crianças com doença de Charcot-Marie-Tooth, distrofia muscular de Duchenne e miotonia distrófica têm propensão à hipercalemia induzida pela succinilcolina, rabdomiólise e hipertermia maligna. Além disso, os pacientes pediátricos representam um desafio especial para o uso de anestesia regional que, para ser executada, pode necessitar de anestesia geral ou sedação profunda. Geralmente, os mesmos bloqueios de nervos periféricos utilizados em adultos com orientação de ultrassom podem ser usados em crianças (8).

VIII. Outras considerações e complicações A. Manejo do torniquete O uso de um torniquete pneumático posicionado proximalmente ao local cirúrgico e inflado a uma pressão suprassistêmica reduz a perda sanguínea e facilita a cirurgia ao criar

504

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 26.11

Manifestações sistêmicas com o uso do torniquete pneumático

Alterações Torniquete hemodinâmicas

Alterações hematológicas

Inflado

Aumento no volume sanguíneo Hipercoagulação siscentral, PVC, RVP, PA, FC têmica

Desinflado

Redução temporária da PVC, FC, possíveis arritmias

Alterações da temperatura

Alterações respiratórias

Aumento da temperatura central

Aumento da FR decorrente da dor do torniquete

Aumento temporário da Redução da tempe- Aumento da ETCO2 decorrente da atividade trombolítica ratura central reperfusão do tecido isquêmico

PVC, pressão venosa central; RVP, resistência vascular periférica; PA, pressão arterial; FC, frequência cardíaca; FR, frequência respiratória; CO2, dióxido de carbono.

um campo livre de sangue. As complicações potenciais podem ser locais, relacionadas à pressão e isquemia tissular, ou sistêmica (Tab. 26.11). A exsanguinação da extremidade antes de inflar o torniquete é feita por meio da elevação do membro ou por compressão com uma bandagem elástica para criar um campo cirúrgico sem sangue. O dimensionamento adequado do manguito (largura do manguito 20% maior do que o diâmetro do membro) e o acolchoamento completo ajudam a reduzir a lesão tecidual local. A duração máxima do uso do torniquete não está bem definida, embora duas horas geralmente sejam consideradas seguras para evitar isquemia tissular distal. Se a duração da cirurgia necessitar de um prolongamento do tempo de torniquete, esse pode ser rapidamente esvaziado por 5 a 10 minutos antes de ser novamente inflado. A pressão de enchimento não deve ultrapassar 100 mmHg acima da pressão sistólica para a extremidade superior ou acima de 150 mmHg para a extremidade inferior. No entanto, uma pressão mais alta pode ser necessária em pacientes com obesidade mórbida para prevenir o influxo arterial.

B. Síndrome da embolia gordurosa A embolia gordurosa subclínica é comum em fraturas de ossos longos ou próteses articulares maiores, mas, quando a embolia gordurosa é significativa, manifesta-se como uma síndrome da embolia gordurosa (SEG), uma condição potencialmente letal. A teoria prevalecente sobre a patogênese da SEG envolve o aumento da pressão intramedular como um resultado do edema traumático, formação de hematoma ou expansão com cimento ósseo. Quando a pressão intramedular excede a pressão venosa, glóbulos de gordura são forçados para dentro da circulação venosa. Outra teoria sugere que os glóbulos de gordura são formados no sangue como uma resposta a alterações agudas no metabolismo de ácidos graxos. Os macroêmbolos de gordura podem causar obstrução mecânica ao fluxo sanguíneo e danos ao epitélio capilar nos pulmões e no sistema nervoso central. Os critérios principais para o diagnóstico de SEG incluem manifestações pulmonares (hipóxia, edema pulmonar e síndrome do desconforto respiratório em adultos), comprometimento neurológico variando desde confusão ou letargia a convulsões e coma, e petéquias conjuntivais e no tronco superior. Os critérios diagnósticos menores envolvem febre, taquicardia, glóbulos gordurosos no escarro e urina, bem como diminuição das plaquetas e hematócrito. O reconhecimento precoce é fundamental para o sucesso terapêutico. As opções de tratamento incluem estabilização precoce da fratura, tratamento cardiovascular agressivo e terapia de suporte pulmonar.

C. Metil acrilato O polimetil acrilato é um cimento ósseo acrílico usado para a ligação, de forma segura, de dispositivos protéticos a ossos durante artroplastias. A expansão do cimento durante o processo de endurecimento pode causar um aumento na pressão intramedular, seguido por embolização sistêmica do polímero, da medula óssea ou do ar. Embora o monômero de metilmetacrilato possa causar efeitos tóxicos sistêmicos diretos, as alterações hemodinâmicas deletérias provavelmente resultam da embolia. A prevenção

Capítulo 26

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

505

inclui precauções cirúrgicas tais como criar furos de ventilação ou evitar a pressurização excessiva do cimento, bem como observar a manutenção da normovolemia.

D. Tromboembolismo venoso e profilaxia antitrombótica A incidência da trombose venosa profunda pode ser de até 60% após procedimentos ortopédicos maiores caso não seja usada a tromboprofilaxia (9). Apesar de muitas vezes assintomática, ela pode levar à tromboembolia venosa e embolia pulmonar. A incidência de tromboembolia venosa é especialmente alta após fraturas de extremidades inferiores e colocação de próteses. Opções mecânicas (dispositivos de compressão sequencial), farmacológicas e auxiliares (mobilização precoce) podem ser empregadas para a tromboprofilaxia. Os métodos farmacológicos incluem a heparina de baixo peso molecular, heparina não fracionada ou outros anticoagulantes, tais como o fondaparinux ou inibidores da vitamina K. Várias diretrizes baseadas em evidências para a tromboprofilaxia foram introduzidas pela American Association of Orthopedic Surgeons, pelo American College of Chest Physicians e pelo National Institute of Clinical Excellence, e a maioria recomenda a combinação de medidas profiláticas farmacológicas e mecânicas. A anticoagulação profilática (p. ex., a varfarina para a fibrilação atrial) pode interferir com o uso de anestesia regional para a cirurgia ortopédica devido ao risco de formação de hematomas e dano neurológico permanente. Embora a incidência real do comprometimento neurológico como resultado dessa complicação seja desconhecida e provavelmente baixa, a American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine publicou diretrizes baseadas em evidências para a anestesia regional em pacientes que recebem tratamento antitrombótico (10).

Referências 1. Walters BC, Hadley MN, Hurlbert RJ, et al. Guidelines for the management of acute cervical spine and spinal cord injuries. American Association of Neurological Surgeons, Congress of Neurological Surgeons. Neurosurgery. 2013;60(Suppl 1):1–259. 2. Malhotra NR, Shaffrey CI. Intraoperative electrophysiological monitoring in spine surgery. Spine. 2010;35(25):2167–2179. 3. Elgafy H1, Bransford RJ, McGuire RA, et al. Blood loss in major spine surgery: Are there effective measures to decrease massive hemorrhage in major spine fusion surgery? Spine. 2010;35(9 Suppl):S47–S56. 4. Practice advisory for perioperative visual loss associated with spine surgery: An updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Anesthesiology. 2012;116:274–285. 5. Rajpal S, Gordon DB, Pellino TA, et al. Comparison of perioperative oral multimodal analgesia versus IV PCA for spine surgery. J Spinal Disor Tech. 2010;23(2):139–145.

6. Srikumaran U, Stein BE, Tan EW, et al. Upper-extremity peripheral nerve blocks in the perioperative pain management of orthopaedic patients: AAOS exhibit selection. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(24):e197(1–13). 7. Memtsoudis SG, Sun X, Chiu YL, et al. Perioperative comparative effectiveness of anesthetic technique in orthopedic patients. Anesthesiology. 2013;118(5):1046–1058. 8. DeVera HV, Furukawa KT, Matson MD, et al. Regional techniques as an adjunct to general anesthesia for pediatric extremity and spine surgery. J Pediatr Orthop. 2006; 26(6):801–804. 9. Geerts WH, Bergqvist D, Pineo GF, et al. Prevention of venous thromboembolism: American College of Chest Physicians evidence-based clinical practice guidelines (8th edition). Chest. 2008;133(6 Suppl):381S–453S. 10. Horlocker TT, Wedel DJ, Rowlingson JC, et al. Executive summary: Regional anesthesia in the patient receiving antithrombotic or thrombolytic therapy: American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine evidence-based guidelines (third edition). Reg Anesth Pain Med. 2010;35(1):102–105.

A incidência de trombose venosa profunda após procedimentos ortopédicos de grande porte pode chegar a 60%, o que reforça a importância tromboprofilática perioperatória por meio de opções mecânicas, famacológicas ou de outras técnicas.

506

Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A lesão secundária da medula espinal após lesão medular traumática pode resultar em qual das alternativas abaixo? A. Resposta inflamatória local após a lesão B. Edema tissular na medula espinal e estruturas adjacentes C. Isquemia da medula espinal D. Todas as alternativas acima 2. O choque neurogênico após uma lesão traumática da medula espinal ocorre em qual dos cenários clínicos abaixo? A. Fratura em explosão da vértebra T4 sem déficit motor ou sensorial B. Fratura em explosão da vértebra L1 com déficit motor e sensorial completo distal à lesão C. Fratura em explosão da vértebra T4 com déficit motor ou sensorial completo distal à lesão D. Fratura do processo espinhoso C7 sem déficit motor ou sensorial 3. Uma mulher sadia de 24 anos de idade está sendo submetida a uma instrumentação posterior da coluna vertebral (rodding) e fusão na posição prona para uma fratura traumática aguda de T8 e T9 classe D, de acordo com a American Spinal Injury Association, ocorrida durante uma queda de uma escada, sem lesões traumáticas associadas. Ela é submetida à anestesia geral com sevoflurano a 0,7 CAM (concentração alveolar mínima) e infusão contínua com remifentanil. O monitoramento intraoperatório do potencial evocado somatossensorial revela aumentos agudos e recentes na latência do sinal e diminuição da amplitude do sinal associados à colocação de hastes de estabilização pelo cirurgião. Os próximos passos apropriados incluem todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Comunique as alterações observadas ao cirurgião B. Aumente a concentração de sevoflurano para 1,5 CAM C. Certifique-se de que a pressão arterial média é ⬎ 85 mmHg D. Considere converter a técnica anestésica local em anestesia intravenosa total

4. Uma mulher de 83 anos de idade com sintomas de estenose espinal sintomática de T6-12 está agendada para descompressão posterior com instrumentação de múltiplos níveis e fusão. Devido a uma cirurgia anterior da coluna quando era adulta jovem, o procedimento está previsto para durar oito horas e envolve perda sanguínea significativa, bem como grandes mudanças de volume associadas com a administração de cristaloide e produtos sanguíneos. Qual dos passos abaixo você tomaria em relação à complicação potencial de perda visual perioperatória (PVPO)? A. Fazer uma avaliação cuidadosa da acuidade visual e discutir a complicação potencial de PVPO com a paciente durante a visita pré-anestésica B. Discutir com o cirurgião no pré-operatório os passos potenciais para evitar PVPO, incluindo a possibilidade de simulação do procedimento cirúrgico e o uso de pinos de Mayfield para imobilizar a cabeça e pescoço intraoperatoriamente (para evitar a pressão sobre a face da paciente na posição prona) C. Fazer um acesso arterial para a monitoração cuidadosa e contínua da pressão arterial intraoperatória D. Todas as alternativas acima 5. Qual das afirmações abaixo é verdadeira em relação à embolia aérea venosa (EAV ) que ocorre no intraoperatório durante a cirurgia da coluna em um paciente na posição prona, submetido à anestesia geral com um tubo endotraqueal? A. A EAV é acompanhada de uma redução subida do dióxido de carbono expirado B. A EAV pode ser tratada imediatamente elevando o local cirúrgico a um nível acima do coração direito C. A EAV pode ser tratada imediatamente levando o paciente para a posição de decúbito lateral direito D. Os efeitos hemodinâmicos da EAV resultam no acúmulo de ar no coração esquerdo

Capítulo 26

Anestesia para cirurgia ortopédica e da coluna

507

6. Os potenciais efeitos benéficos da anestesia ou analgesia regional em pacientes submetidos à cirurgia ortopédica de extremidade incluem todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Redução do consumo perioperatório de analgésicos opioides B. Analgesia pós-operatória que facilita a reabilitação articular imediata e a fisioterapia C. Redução do sangramento intraoperatório decorrente do aumento do tônus simpático D. Possível redução do risco de tromboembolismo pós-operatório

9. Uma mulher de 75 anos de idade, sadia sob outros aspectos, está sendo submetida à artroplastia direita do quadril em decorrência de uma fratura recente do colo femoral, sob anestesia subaracnoide com sedação leve, com um cateter nasal de oxigênio a 2 L/min. Durante a colocação da prótese femoral, ela se torna agudamente confusa, agitada e sua oximetria de pulso cai de 99% para 72%. Esse quadro clínico é altamente sugestivo de síndrome da embolia gordurosa. A. Verdadeiro B. Falso

7. A anestesia regional para a reparação artroscópica do manguito rotador é melhor abordada com qual dos bloqueios nervosos abaixo? A. Bloqueio infraclavicular B. Bloqueio interescalênico C. Bloqueio regional intravenoso (bloqueio de Bier) D. Bloqueio axilar

10. Um homem de 65 anos de idade, sadio sob outros aspectos, está agendado para uma reparação cirúrgica de deformidade valga grave do hálux (joanete) de seu pé direito. As opções anestésicas apropriadas incluem todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Bloqueio do tornozelo B. Anestesia geral C. Bloqueio combinado de nervo ciático-poplíteo e bloqueio do nervo safeno D. Bloqueio do nervo femoral

8. Todas as afirmações abaixo sobre o manejo do torniquete para a cirurgia de extremidade são corretas, EXCETO: A. Para a extremidade superior, a pressão do torniquete geralmente não deve exceder a pressão sistólica em mais do que 100 mmHg B. O tempo de inflação do torniquete nunca deve exceder duas horas C. Para a extremidade inferior, a pressão do torniquete geralmente não deve exceder a pressão sistólica em mais do que 150 mmHg D. Pacientes portadores de obesidade mórbida podem necessitar de uma pressão do torniquete maior do que pacientes não obesos

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Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas Adriana Dana Oprea

As técnicas cirúrgicas laparoscópicas têm benefícios significativos sobre a abordagem tradicional aberta, incluindo incisões menores, diminuição da dor pós-operatória, tempo de recuperação mais rápido e redução das chances de transfusão sanguínea e infecção da ferida operatória. As possíveis desvantagens incluem maior risco de punção vascular acidental e punção de órgãos importantes durante a colocação dos portais de acesso, em comparação com a abordagem aberta tradicional. Recentemente, foi introduzida a laparoscopia assistida por robô com o objetivo de superar algumas das desvantagens da laparoscopia, incluindo a fadiga do cirurgião, o tremor das mãos, a pobre ergonomia e a difícil visualização e manipulação de instrumentos, mantendo todas as vantagens das técnicas laparoscópicas (1). As desvantagens específicas dizem respeito à qualidade e consistência da conexão de dados entre o cirurgião e o robô e o alto custo dos procedimentos assistidos por robótica. Este capítulo analisa as técnicas laparoscópicas e as técnicas laparoscópicas assistidas por robótica, seu impacto fisiológico sobre o paciente e as estratégias de manejo perioperatório fundamentais para os pacientes submetidos a esses procedimentos.

I. Técnicas cirúrgicas A cirurgia laparoscópica consiste em quatro passos básicos: obtenção do acesso à cavidade peritoneal, instituição do pneumoperitônio, o procedimento cirúrgico e o encerramento. Antes do acesso perineal, o estômago e a bexiga devem ser esvaziados para reduzir o risco de lesão intestinal ou vesical. Em seguida, o acesso pode ser estabelecido utilizando-se duas técnicas aceitas: uma abordagem aberta (Hasson) ou uma abordagem fechada (agulha de Veress). A técnica de Hasson utiliza uma pequena incisão realizada em qualquer parte do abdome, feita mais comumente na região periumbilical, seguida pela colocação de um trocarte por meio da incisão e da insuflação do abdome. A técnica da agulha de Veress utiliza a passagem cega da agulha através da pele para dentro da cavidade peritoneal, seguida por insuflação do abdome. A técnica da agulha de Veress é preferida em pacientes sem aderências intra-abdominais ou hérnias umbilicais e tem um maior risco de perfuração de órgãos em comparação com a abordagem de Hasson. Após acessar a cavidade peritoneal, ela é lentamente insuflada com dióxido de carbono (CO2) até que a pressão intra-abdominal atinja 10 a 15 mmHg e a parede abdominal esteja suficientemente distendida para permitir o procedimento cirúrgico. A câmera laparoscópica é introduzida no abdome e, sob a orientação visual por ela proporcionada, portas adicionais são inseridas com trocartes para outros instrumen-

27

Você sabia que a abordagem aberta (Hasson) é preferida à abordagem fechada (agulha de Veress) em pacientes com aderências intra-abdominais?

Fundamentos de anestesiologia clínica

Console Aparelho de anestesia

Anestesiologista

on

ito

r

Cirurgião assistente

Enfermeira instrumentadora

Mesa de instrumentação

nit

or

M

Mo

510

Torre de controle

FIGURA 27.1 Layout da sala de cirurgia durante cirurgia assistida por robótica. (De Joshi GP, Cunningham A. Anesthesia for laparoscopic and robotic surgeries. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1260, com permissão.)

tos necessários para a cirurgia. Para procedimentos assistidos por robótica, o acesso à cavidade peritoneal é obtido com qualquer uma das técnicas, seguido da exploração laparoscópica da cavidade, posicionamento dos instrumentos robóticos no peritônio, posicionamento do robô e, em seguida, fixação dos braços robóticos aos instrumentos (Fig. 27.1). O cirurgião permanece sentado junto a um console separado da mesa cirúrgica, e os movimentos de sua mão são transmitidos para o movimento dos braços robóticos e instrumentos (Fig. 27.2). Após o procedimento cirúrgico, os locais de acesso à cavidade abdominal são fechados.

II. Efeitos fisiológicos A. Efeitos cardiovasculares sistêmicos As alterações cardiovasculares durante a laparoscopia se tornam aparentes quando a pressão intra-abdominal excede 10 mmHg e resultam da combinação do aumento da pressão abdominal, absorção de CO2, anestesia geral e posicionamento do paciente. O

Capítulo 27

Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas

FIGURA 27.2 Console de controle junto ao qual o cirurgião está situado e opera os braços robóticos e a câmera. (© 2012 Intuitive Surgical, Inc., com permissão.)

débito cardíaco diminui pela redução do retorno venoso, que é secundária ao aumento da pressão intra-abdominal, causando a compressão da veia cava inferior e acúmulo de sangue nas extremidades inferiores. A resistência vascular sistêmica aumenta secundariamente à liberação de catecolaminas, estimulada pelo CO2 absorvido e pela liberação de vasopressina e ativação do sistema renina-angiotensina causada pelo pneumoperitônio. Adicionalmente, durante a fase de insuflação da laparoscopia, o estiramento do peritônio estimula um reflexo vagal e pode causar bradicardia ou até mesmo assistolia. Essas mudanças ocorrem nos primeiros minutos após o estabelecimento do pneumoperitônio. Posteriormente, o débito cardíaco e a resistência vascular sistêmica se normalizam dentro de 10 a 15 minutos. Quando o posicionamento íngreme de Trendelenburg é necessário, como nas prostatectomias radicais assistidas por robótica, o retorno venoso e o débito cardíaco aumentam, opondo-se, assim, às alterações decorrentes do pneumoperitônio. Em contraste, o posicionamento de Trendelenburg reverso e o posicionamento de litotomia diminuem ainda mais o débito cardíaco, prejudicando mais o retorno venoso.

B. Perfusão regional O pneumoperitônio induz uma congestão esplâncnica modesta devido aos efeitos vasodilatadores do CO2 absorvido. Em contraste, o pneumoperitônio reduz o fluxo sanguíneo renal, a taxa de filtração glomerular e a diurese em até 50%. O fluxo sanguíneo cerebral aumenta durante o pneumoperitônio devido a um aumento da pressão arterial parcial de dióxido de carbono (PaCO2). Isso pode ser um efeito transitório se a normocarbia for restabelecida pelo aumento da ventilação-minuto. No entanto, quando se usa a posição de Trendelenburg acentuada, ela aumenta a pressão intraocular e pode aumentar também a pressão intracraniana (2). Claramente, os pacientes com risco de hipertensão cerebral e aqueles com glaucoma mal-controlado podem não ser candidatos apropriados para esse posicionamento (Tab. 27.1).

C. Efeitos respiratórios A insuflação intra-abdominal eleva o diafragma, causando uma redução da complacência torácica e respiratória e da capacidade funcional residual. Essas mudanças levam à atelectasia, a menos que sejam contrapostas pela pressão expiratória final positiva e por ma-

511

512

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 27.1

Alterações fisiológicas durante a laparoscopia

Sistema

Efeitos da laparoscopia

Mecanismo

Cardíaco

Redução do débito cardíaco

Redução da pré-carga (retorno venoso) em decorrência do aumento da pressão intra-abdominal

Aumento da resistência vascular sistêmica e pressão sanguínea

Hipercarbia Hormônios (vasopressina, sistema renina-angiotensina)

Bradiarritmias

Estimulação vagal

Taquiarritmias

Hipercarbia

Respiratório

Renal

Redução da complacência torácica Elevação do diafragma decorrente e respiratória do pneumoperitônio Redução da capacidade residual funcional Atelectasia Aumento das pressões de pico da via aérea Hipercarbia

Absorção de dióxido de carbono Distúrbios de ventilação/perfusão

Redução da perfusão renal, débito urinário e taxa de filtração glomerular

Aumento da pressão intra-abdominal

Circulação regional Aumento da pressão intracerebral e intraocular Congestão esplâncnica modesta

Hipercarbia

nobras de recrutamento periódicas. A anestesia geral e os efeitos respiratórios combinados do pneumoperitônio aumentam o descompasso da ventilação, e perfusão e, por meio desse mecanismo, a PaO2 diminui (3). Os testes de função pulmonar pós-operatórios demonstram uma redução do volume expiratório forçado no primeiro segundo (FEV1, do inglês forced expiratory volume) e da capacidade vital forçada (CVF) (Tab. 27.1). O pneumoperitônio induzido para laparoscopia reduz a complacência respiratória e a capacidade residual funcional e piora a relação entre a perfusão pulmonar e a ventilação.

III. Manejo anestésico A. Seleção de pacientes Pacientes com doença cardíaca, especialmente doença cardíaca valvar grave, podem não tolerar os efeitos cardiovasculares do pneumoperitônio. Da mesma forma, pacientes com obesidade mórbida, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença cardíaca grave podem não ser capazes de compensar a posição de Trendelenburg acentuada, muitas vezes necessária para alguns procedimentos laparoscópicos ou assistidos por robótica. Para a colecistectomia laparoscópica de rotina, a obesidade e até mesmo a obesidade mórbida não parecem aumentar taxa de complicações significativas (4).

B. Indução da anestesia e manejo da via aérea A anestesia local ou regional pode ser adequada para procedimentos rápidos, sob baixa pressão intra-abdominal (< 10 a 15 mmHg) e com Trendelenburg apenas de alguns graus. No entanto, a anestesia geral com intubação orotraqueal é, na maioria das vezes, necessária para os procedimentos laparoscópicos devido ao desconforto do pneumoperitônio e para fornecer suporte ventilatório. Praticamente qualquer técnica de indução

Capítulo 27

Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas

anestésica é aceitável, mas o propofol pode ser o agente preferido em decorrência de suas propriedades antieméticas (5). Tal como na anestesia regional e local, o uso de uma máscara laríngea em vez da intubação endotraqueal é reservado para pacientes submetidos a procedimentos de curta duração que requerem pressões de insuflação baixa e Trendelenburg mínimo.

C. Manutenção da anestesia Como é necessário relaxamento neuromuscular para limitar a pressão de insuflação abdominal, o anestésico de manutenção geralmente inclui um anestésico inalatório para assegurar a perda completa da consciência. O óxido nitroso geralmente é evitado devido ao risco de agravamento de náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO) e seu potencial de difusão para o intestino, o que piora as condições cirúrgicas. A anestesia intravenosa total pode ser usada se o risco de NVPO for significativo. No entanto, o risco remoto da consciência intraoperatória pode ser maior nessa técnica do que quando se usa um agente inalatório com analisador de gases expirados. A ventilação normocápnica controlada com pressão expiratória final positiva é necessária para a maioria dos procedimentos laparoscópicos ou assistidos por robótica para compensar o impacto respiratório do pneumoperitônio e do posicionamento. Qualquer monitoramento diferente dos padrões da American Society of Anesthesiologists para a anestesia geral deve ser ditado pelas comorbidades de cada paciente. Devido aos extremos de posicionamento algumas vezes necessários e à duração do caso, o uso de coxins adequados para a proteção dos nervos ulnar e fibular comum e o posicionamento adequado dos braços e acolchoamento dos ombros para evitar lesão do plexo braquial e a fixação segura do paciente na mesa cirúrgica com uma cinta de segurança devem ser confirmados antes da incisão. Se a posição de Trendelenburg ou a posição de Trendelenburg reverso forem necessárias, elas devem ser atingidas lentamente para permitir o manejo das alterações hemodinâmicas ou do deslocamento do tubo endotraqueal. Antes do despertar, devem ser administrados medicamentos antieméticos, pois a incidência de NVPO após procedimentos laparoscópicos é alta.

IV. Prevenção da dor A dor após procedimentos laparoscópicos é muito menor do que após procedimentos semelhantes realizados com laparotomia aberta. No entanto, os locais de inserção dos portais são dolorosos, e a insuflação de CO2 e o pneumoperitônio residual causam irritação diafragmática, levando à dor referida no ombro (6). A infiltração anestésica local é benéfica nos locais de inserção e tem pouquíssimas complicações potenciais. As doses de opioides podem ser reduzidas quando eles forem combinados com outros analgésicos, incluindo os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs). Antes da administração de um AINE, a equipe cirúrgica deve ser consultada para confirmar que não existe um risco grave de sangramento decorrente do efeito antiplaquetário dos AINEs. Raramente será necessário um tratamento mais invasivo da dor, tal como um bloqueio regional, exceto em pacientes com problemas de dor crônica ou uso crônico de opioides.

V. Complicações intraoperatórias A. Complicações cardiopulmonares A hipotensão é muito comum durante a insuflação inicial do peritônio devido à redução do débito cardíaco secundária à redução do retorno venoso. Menos comumente, uma resposta vagal ao estiramento do peritônio causa bradicardia significativa e, muito

513

514

Fundamentos de anestesiologia clínica raramente, assistolia. Hipertensão ou taquicardia podem resultar da liberação de catecolaminas induzidas pela hipercarbia ou, mais comumente, de uma anestesia inadequada. Todas essas alterações na hemodinâmica são facilmente manejadas com medidas de rotina e costumam ser apenas transitórias. No entanto, muito raramente, uma hipotensão profunda e persistente ou um colapso cardiovascular podem ocorrer, devendo-se levar a tratamento urgente e à pesquisa de outras etiologias, incluindo pressão intra-abdominal excessiva, embolia por CO2 e pneumotórax (Tab. 27.2). Embora o pneumoperitônio e a posição de Trendelenburg aumentem o descompasso entre a ventilação e a perfusão, uma hipóxia significativa é incomum durante a ventilação controlada com oxigênio suplementar, a menos que o paciente tenha uma doença pulmonar preexistente. Se a hipóxia persistir apesar da administração de oxigênio a 100%, do uso de pressão expiratória final positiva e das manobras de recrutamento alveolar, as pressões intra-abdominais devem ser reduzidas e outras etiologias potenciais devem ser investigadas, incluindo intubação endobrônquica, aspiração pulmonar e pneumotórax.

B. Complicações cirúrgicas Extravasamento de dióxido de carbono

O enfisema subcutâneo com CO2 é comum após a laparoscopia e pode se estender até o pescoço, com o potencial de comprometimento da via aérea após a extubação.

VÍDEO 27.1 Embolia por CO2

O enfisema subcutâneo é uma das complicações mais frequentes da insuflação extraperitoneal de CO2. Essa complicação tem maior probabilidade de ocorrer quando são usados cinco ou mais portais para o procedimento laparoscópico, durante procedimentos com duração de 3,5 horas ou mais, com pressões intra-abdominais > 15 mmHg e com o posicionamento inadequado das cânulas. Deve-se suspeitar quando há aumento de mais de 25% no CO2 expiratório final ou um nível acima de 50 mmHg após estabilização do CO2 expiratório final. A confirmação é feita pela presença de crepitação (Tab. 27.3). O enfisema subcutâneo pode se estender para o tórax e mediastino, como capnotórax e capnomediastino, e na parte superior do tronco ou pescoço, bem como para a virilha. O tratamento deve incluir a desinsuflação do abdome, a reinsuflação com pressões mais baixas e a confirmação do posicionamento correto das cânulas. A presença de enfisema subcutâneo no pescoço deve levantar suspeita de um possível capnotórax, especialmente se as pressões da via aérea estiverem aumentadas ou se a

TABELA 27.2

Complicações cardiovasculares da laparoscopia

Complicação

Mecanismo

Hipotensão

Retorno venoso reduzido

Hipertensão

Hipercarbia Fatores neuro-humorais

Bradiarritmias

Reação vagal ao estiramento do peritônio

Taquiarritmias

Hipercarbia

Colapso cardiovascular

Arritmias (taquiarritmias/bradiarritmias) Perda sanguínea Embolia gasosa Capnotórax/pneumotórax Capnopericárdio Isquemia cardíaca Pressão intra-abdominal excessiva Hipercapnia Anestesia profunda

Capítulo 27 TABELA 27.3

Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas

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Complicações do pneumoperitônio

Complicação

Mecanismo

Diagnóstico

Manejo

Enfisema subcutâneo Insuflação extraperitoneal em tecido por CO2 subcutâneo, pré-peritoneal ou retroperitoneal Extensão da insuflação extraperitoneal

Aumento súbito de ETCO2 Desinsuflar o abdome Crepitação No pós-operatório apresenta-se com sinais de hipercarbia (aumento da frequência cardíaca e pressão arterial), sonolência

Capnotórax

Dispersão do CO2 insuflado ao redor do hiato aórtico, hiato da veia cava e hiato esofágico do diafragma para dentro do mediastino, com ruptura subsequente para dentro do espaço pleural Dispersão do CO2 por meio de defeitos diafragmáticos Lesão diafragmática ao inserir a agulha laparoscópica

Alto índice de suspeita (enfisema Interrupção de N2O subcutâneo cervical), local do pro- Hiperventilação cedimento cirúrgico Aplicar PEEP Aumento da pressão de via aérea Redução de SaO2 Abaulamento diafragmático Na presença de capnotórax tenso, redução de ETCO2 e colapso cardiovascular Confirmado por radiografia torácica

Capnomediastino Capnopericárdio

Os mesmos do capnotórax

Alterações hemodinâmicas Confirmação por radiografia torácica

Desinsuflar o abdome Tratamento de suporte Hiperventilação

Intubação endotraqueal

Migração cefálica da carina

Aumento acentuado da pressão de pico da via aérea Redução de SaO2

Reposicionamento do tubo endotraqueal

Embolismo aéreo

Posicionamento da agulha de Veress dentro de um vaso sanguíneo Passagem de CO2 para dentro da parede abdominal e vasos peritoneais

Hipoxemia Hipotensão Redução de ETCO2 Arritmias ou sobrecarga do coração direito ao ECG

Desinsuflar o abdome Tratamento de suporte/reanimação cardiovascular Hiperventilação

CO2, dióxido de carbono; N2O, óxido nitroso; PEEP, pressão positiva ao final da expiração (do inglês positive end-expiratory pressure); SatO2, saturação arterial de oxigênio; ETCO2, CO2 ao final da expiração (do inglês end-tidal CO2); ECG, eletrocardiograma.

saturação arterial diminuir. Ao contrário de um pneumotórax intraoperatório, que se apresenta com aumento da PaCO2 e redução do CO2 expiratório final, um capnotórax se apresenta com ambos valores aumentados (Tab. 27.3). Se a pressão arterial estiver adequada, o capnotórax pode ser tratado de modo conservador por meio da desinsuflação do abdome. Na presença de um capnotórax tenso, evidenciado pelo desvio da traqueia e hipotensão, ele deve ser puncionado com uma agulha de drenagem pleural, e a ventilação mecânica deve ser mantida com pressão expiratória final positiva. O capnopericárdio e o capnomediastino são complicações raras da laparoscopia, sendo diagnosticados por radiografia de tórax e tratados pela desinsuflação do abdome e terapia de suporte durante a resolução espontânea.

Embolização por dióxido de carbono A embolização intravascular de CO2 é uma complicação rara da laparoscopia, porém grave. Geralmente é uma consequência da insuflação direta de CO2 para dentro de um vaso ou, alternativamente, para dentro de um órgão sólido com subsequente migração intravascular. Devido à alta solubilidade sanguínea de CO2, quantidades relativamente grandes desse gás podem ser absorvidas pelo sangue e eliminadas pelos pulmões.

O capnopericárdio e o capnomediastino são complicações raras da laparoscopia, diagnosticados por radiografia torácica e tratados com a desinsuflação do abdome e terapia de suporte durante a resolução espontânea.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Assim, um pequeno volume de CO2 embolizado pode não ter um impacto aparente, exceto por um aumento do CO2 expiratório final. No entanto, a absorção de uma grande quantidade pode impedir o retorno venoso para o coração, distender o átrio e ventrículo direitos e levar a um colapso cardiovascular. O aumento agudo na pressão atrial direita pode levar à embolia paradoxal por meio de um forame oval e a uma lesão neurológica potencial. Deve-se suspeitar de uma grande embolia intravascular de CO2 quando uma hipotensão súbita grave é acompanhada de uma redução acentuada no CO2 expiratório final durante a insuflação (Tab. 27.3). O tratamento deve incluir a cessação imediata da insuflação e a desinsuflação do abdome, a colocação do paciente em posição de decúbito lateral esquerdo com a cabeça para baixo, o que limita a migração do êmbolo para dentro da artéria pulmonar, a hiperventilação para acelerar a eliminação de CO2 e o apoio hemodinâmico – incluindo massagem cardíaca, se indicada.

Quando um trocarte punciona um vaso importante, ele deve ser mantido no lugar para ajudar a tamponar a hemorragia enquanto o abdome é aberto e o vaso reparado.

VÍDEO 27.2 Sonda esofágica

Outras complicações cirúrgicas As outras complicações cirúrgicas mais comuns incluem a lesão direta de estruturas vasculares, bem como do intestino e bexiga durante o posicionamento dos trocartes ou agulha de Veress. Lesões vasculares maiores têm uma baixa incidência (0,02-0,03%), mas podem ser catastróficas quando o trocarte é posicionado dentro da aorta, da veia cava ou dos vasos ilíacos, causando uma hemorragia maciça. Quando ocorre a lesão de um grande vaso, o trocarte deve ser mantido no lugar para tamponar o sangramento enquanto a equipe cirúrgica abre o abdome para controlar os danos. Lesões intestinais e de órgãos nobres ocorrem em até 0,4% dos casos de laparoscopia e são o resultado de erros de posicionamento do trocarte. A maior parte das lesões envolve o estômago, duodeno, intestino delgado e grosso. Uma cirurgia abdominal prévia levando a aderências é um fator de risco importante, e a maioria das lesões intestinais passa despercebida até o período pós-operatório, quando o paciente desenvolve peritonite.

C. Hipotermia Um deslizamento do paciente em direção cefálica durante o Trendelenburg acentuado pode resultar em um movimento do tubo endotraqueal para dentro do brônquio principal direito.

O posicionamento Trendelenburg acentuado tem sido associado com cegueira decorrente de isquemia do nervo óptico.

A hipotermia grave é um risco significativo durante a laparoscopia porque, além do mecanismo usual de perda de calor durante a anestesia (convecção, condução, radiação e evaporação), a insuflação de CO2 frio (a 23 oC) causa perda adicional de calor. Essa perda pode ser limitada com a redução do fluxo de CO2 e do vazamento e com o aquecimento forçado do paciente com ar quente.

D. Complicações relacionadas ao posicionamento As lesões nervosas e teciduais são complicações graves e evitáveis do posicionamento, especialmente em pacientes submetidos à laparoscopia assistida por robótica em posicionamento de Trendelenburg acentuado. Quando o paciente escorrega em sentido cefálico, pode ocorrer lesão de nervos e tecidos moles decorrente de pontos de pressão ou estiramento do tecido. Se forem usados dispositivos de contenção dos ombros para estabilizar o paciente, esses podem causar um estiramento do plexo braquial. Além disso, ao longo de várias horas, o Trendelenburg acentuado pode levar a grave edema cefálico, cervical e facial, resultando em comprometimento da via aérea pós-extubação ou, em casos muito raros, levando à cegueira decorrente da isquemia do nervo óptico. O Capítulo 22 apresenta uma discussão detalhada desses riscos e medidas preventivas.

VI. Considerações pós-operatórias A completa eliminação do CO2 intra-abdominal leva mais de 1 hora, e durante esse período de tempo os pacientes podem apresentar dor grave no ombro decorrente da irritação diafragmática. No entanto, a maioria dos pacientes tolera muito bem a laparos-

Capítulo 27

Anestesia para cirurgias laparoscópicas e robóticas

copia, exceto os portadores de reserva pulmonar limitada e com paralisia diafragmática prévia. Esses pacientes podem necessitar de apoio respiratório pós-operatório até que o CO2 intra-abdominal seja totalmente reabsorvido e o controle da dor seja otimizado. A hemorragia pós-operatória é rara, mas deve ser suspeitada quando existe instabilidade hemodinâmica, distensão abdominal ou hematócrito inesperadamente baixo.

VII. Procedimentos laparoscópicos ambulatoriais Devido ao baixo índice de complicações e da deambulação precoce potencial, a maioria dos procedimentos laparoscópicos não complicados (colecistectomia, procedimentos ginecológicos) pode ser realizada em pacientes sem comorbidades ou portadores de comorbidades muito bem-controladas em um regime ambulatorial (7). A internação hospitalar pós-operatória desses pacientes raramente é necessária a menos que apresentem náuseas e vômitos pós-operatórios persistentes ou controle inadequado da dor. A segurança da cirurgia bariátrica laparoscópica em pacientes ambulatoriais é controversa em decorrência da alta incidência de apneia do sono e complicações cirúrgicas pós-operatórias. Procedimentos assistidos por robótica para cirurgia radical do câncer requerem hospitalização pós-operatória devido a sua duração e alterações extensas de fluidos.

VIII. Resumo Os procedimentos laparoscópicos e assistidos por robótica têm várias vantagens sobre a abordagem aberta tradicional, incluindo mobilização precoce, menor tempo de hospitalização e recuperação mais rápida. As consequências hemodinâmicas e respiratórias do pneumoperitônio necessário para esses procedimentos geralmente são bem toleradas, exceto em pacientes com doença cardíaca ou pulmonar grave. A anestesia geral é necessária para a maioria desses procedimentos para assegurar a ventilação adequada e evitar a dor da distensão abdominal. A maioria das complicações decorrentes da laparoscopia resulta de pressões de insuflação superiores a 15 mmHg ou colocação inapropriada dos trocartes. Essas, na maioria das vezes, podem ser manejadas por meio da redução da pressão intra-abdominal, enquanto as últimas podem necessitar de laparotomia aberta se o trocarte tiver lesionado um órgão vital ou vaso importante. No entanto, de modo geral, as técnicas de laparoscopia aceleram a recuperação e provaram ser seguras e altamente eficazes na redução da morbidade cirúrgica.

Referências 1. Liu JJ, Maxwell BG, Panousis P, et al. Perioperative outcomes for laparoscopic and robotic compared with open prostatectomy using the National Surgical Quality Improvement Program (NSQIP) database. Urology. 2013;82(3):579–583. 2. Hsu RL, Kaye AD, Urman RD. Anesthetic challenges in robotic-assisted urologic surgery. Rev Urol. 2013;15(4):178–184. 3. Grabowski JE, Talamini MA. Physiological effects of pneumoperitoneum. J Gastrointest Surg. 2009;13(5):1009–1016. 4. Afaneh C, Abelson J, Rich BS, et al. Obesity does not increase morbidity of laparoscopic cholecystectomy. J Surg Res. 2014;19(2):491–497. 5. Vaughan J, Nagendran M, Cooper J, et al. Anaesthetic regimens for day-procedure laparoscopic cholecystectomy. Cochrane Database Syst Rev. 2014;1:CD009784. 6. Donatsky AM, Bjerrum F, Gogenur I. Surgical techniques to minimize shoulder pain after laparoscopic cholecystectomy. A systematic review. Surg Endosc. 2013;27(7):2275–2282. 7. Vaughan J, Gurusamy KS, Davidson BR. Day-surgery versus overnight stay surgery for laparoscopic cholecystectomy. Cochrane Database Syst Rev. 2013;7:CD006798.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual é a pressão de insuflação intra-abdominal inicial para a laparoscopia? A. 5-10 mm Hg B. 10-15 mmHg C. 15-20 mmHg D. 20-25 mmHg E. Nenhuma das alternativas acima 2. Quais são os efeitos na perfusão regional da insuflação intra-abdominal de CO2? A. Aumento da perfusão esplâncnica, renal e cerebral B. Redução da perfusão esplâncnica, renal e cerebral C. Aumento da perfusão esplâncnica e cerebral, enquanto a perfusão renal diminui D. Redução da perfusão esplâncnica e renal, enquanto a perfusão cerebral aumenta E. Nenhuma das alternativas acima 3. Hipotensão súbita e queda acentuada no CO2 expiratório final durante a insuflação do peritônio com CO2 indicam mais provavelmente qual condição? A. Um grave reflexo vagal B. Um capnotórax

C. Um pneumotórax D. Uma embolia CO2 E. Nenhuma das alternativas acima 4. Qual a provável causa de dores no ombro após a laparoscopia? A. Abdução excessiva do braço durante a cirurgia B. Lesão do plexo braquial decorrente de dispositivos de suporte de ombro usados durante Trendelenburg acentuado C. Irritação diafragmática D. Lesão do deltoide decorrente de dispositivos de suporte de braço E. Nenhuma das alternativas acima 5. A que se deve o fato de a hipotermia ser um risco significativo durante a laparoscopia? A. Grandes necessidades de reposição de fluidos B. Temperatura ambiente do gás insuflado C. Perdas por evaporação pelo peritônio D. Perdas de convecção pelo abdome distendido E. Nenhuma das alternativas acima

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade, doença hepática e outros distúrbios gastrintestinais Sundar Krishnan

28

I. Obesidade A obesidade é definida comumente pelo índice de massa corporal do paciente (IMC). O número de pacientes obesos (IMC > 30 kg/m2) e de obesos mórbidos (IMC > 40) submetidos a procedimentos cirúrgicos está aumentando regularmente. Esses pacientes têm um maior risco de várias complicações, levando a uma maior morbidade e mortalidade.

A. Fisiopatologia Sistema respiratório Pacientes com obesidade truncal têm complacência respiratória, volume corrente, capacidade residual funcional e capacidade vital reduzidos. Como resultado, eles se tornam hipóxicos mais rapidamente do que os pacientes normais. Adicionalmente, o impacto do posicionamento e da cirurgia na função pulmonar é exagerado devido à função basal limitada e aos efeitos de um grande abdome sobre a posição e movimentação diafragmática, levando a uma queda da capacidade residual funcional (CRF) abaixo da capacidade de fechamento. A atividade metabólica da gordura e dos tecidos de suporte aumenta o consumo de oxigênio e a produção de dióxido de carbono (CO2) em pacientes obesos. Isso é compensado com o aumento da ventilação minuto e do débito cardíaco. Devido às limitações mecânicas citadas anteriormente, os pacientes podem ser incapazes de aumentar o volume corrente frente à necessidade aumentada de oxigênio e dependem da taquipneia para melhorar a ventilação minuto. A apneia obstrutiva do sono (AOS), caracterizada por episódios recorrentes de obstrução das vias aéreas superiores durante o sono, ocorre em até 70% dos pacientes obesos mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica e é um fator de risco para desfechos adversos perioperatórios. A obstrução das vias aéreas ocorre devido ao aumento de tecido adiposo nas estruturas oral e faríngea. A síndrome de hipoventilação da obesidade (SHO) ou síndrome de Pickwick é vista em 5 a 10% dos pacientes com AOS, caracterizada por hipercapnia e hipoventilação diurna e respiração desordenada durante o sono. Pacientes com SHO apresentam risco de comprometimento ventilatório com o uso de sedativos e opioides devido à obstrução das vias aéreas superiores, depressão do estímulo respiratório central e comprometimento da mecânica pulmonar. No longo prazo, AOS e SHO levam à policitemia, hipertensão sistêmica e pulmonar, hipertrofia

Pacientes obesos se tornam hipóxicos rapidamente e podem tolerar apenas breves períodos de apneia, como aqueles associados com a manipulação das vias aéreas.

520

Fundamentos de anestesiologia clínica

OBESIDADE

Volume sanguíneo total aumentado

AOS/SHO

Hipóxia

Volume sanguíneo pulmonar aumentado

Débito cardíaco aumentado

Hipertensão pulmonar

Trabalho do VE aumentado

Trabalho do VD aumentado

Hipertrofia do VE

Hipertensão sistêmica

Hipertrofia do VD

Insuficiência de VE

Doença arterial coronariana/doença cardíaca isquêmica

VÍDEO 28.1 Consequências da obesidade

Insuficiência do VD FALÊNCIA BIVENTRICULAR

FIGURA 28.1 Inter-relação das sequelas cardiopulmonares e pulmonares da obesidade. AOS, apneia obstrutiva do sono; SHO, síndrome de hipoventilação da obesidade; VE, ventrículo esquerdo; VD, ventrículo direito. (De Bucklin BA, Fernandez-Bustamante A. Anesthesia and obesity. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1278.)

ventricular esquerda, arritmias cardíacas, sobrecarga no ventrículo direito e cor pulmonale (Fig. 28.1).

Sistema cardiovascular A obesidade está associada com um aumento no volume sanguíneo, embora o volume sanguíneo de acordo com o peso esteja reduzido (de 70 mL/kg em indivíduos magros a 50 mL/kg em indivíduos obesos). Como observado, pacientes obesos têm maior risco de hipertensão, hipertrofia ventricular esquerda, disfunção diastólica e insuficiência cardíaca. A combinação de dislipidemia, diabetes e hipertensão predispõe os pacientes obesos à aterosclerose e, portanto, à doença coronariana e cerebrovascular. A obesidade também predispõe a um estado hipercoagulável devido a níveis aumentados de fatores procoagulantes e redução da fibrinólise.

Sistema gastrintestinal O risco de aspiração associado com obesidade é discutido mais adiante. A doença hepática associada com a obesidade inclui a infiltração gordurosa (doença hepática gordurosa não alcoólica), inflamação (esteato-hepatite não alcoólica), necrose focal e cirrose. Pacientes obesos estão em risco de colelitíase, particularmente após cirurgia de bypass intestinal.

Sistemas endócrino e metabólico Pacientes obesos frequentemente exibem síndrome metabólica, que é uma combinação de fatores de risco (obesidade abdominal, hipertensão, dislipidemia e resistência à insulina ou comprometimento da tolerância à glicose). Isso aumenta seu risco de morbidade e mortalidade por causas cardiovasculares, diabetes tipo 2, síndrome de

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

ovário policístico, doença hepática gordurosa não alcoólica, colelitíase e um estado proinflamatório.

B. Princípios farmacológicos A dose dos fármacos em pacientes obesos é afetada por múltiplos fatores, incluindo aumento da gordura corporal total, redução da água corporal total, alteração da ligação proteica, aumento do volume sanguíneo e do débito cardíaco, aumento das concentrações de lipídeos no sangue, organomegalia, aumento das reações de fase II (glicuronidação e sulfação) e absorção de fármacos nos depósitos de gordura. Os fármacos que são distribuídos principalmente para os tecidos magros (p. ex., agentes bloqueadores neuromusculares adespolarizantes) devem ser dosados com base no peso corporal magro (PCM = peso corporal ideal [PCI] × 1,2). Embora as doses iniciais para os fármacos lipofílicos (p. ex., benzodiazepínicos, barbitúricos) tenham que ser baseadas também no PCM, as doses de manutenção devem ser baseadas no peso corporal total (PCT) devido ao volume de distribuição significativamente aumentado. Múltiplas doses de fármacos lipofílicos levam ao acúmulo em depósitos de gordura, causando uma resposta prolongada, uma vez que o fármaco é liberado de volta na circulação. Em pacientes obesos mórbidos, é mais adequado usar o PCM em vez do PCT para indução de anestesia geral com propofol. Estudos mostraram que as doses baseadas no PCM em pacientes obesos mórbidos resultaram em doses e tempos similares até a perda de consciência quando comparados com pacientes (controles) não obesos com a dose baseada no PCT. Todavia, a dose baseada no PCT previu adequadamente o volume e a depuração do propofol, sugerindo o uso do PCT como a dose adequada quando se administram infusões de manutenção do propofol. Os princípios para administração de fármacos perioperatórios usados comumente em pacientes obesos são listados na Tabela 28.1. Deve ser observado que a relação de dose-resposta para a maioria dos fármacos em pacientes obesos não foi completamente elucidada. Para os anestésicos inalatórios, as constantes de tempo mais longas para o equilíbrio com a gordura juntamente com a má perfusão do tecido adiposo neutralizam o efeito da massa adiposa aumentada na captação. Como resultado, a obesidade não influencia os tempos de indução e afeta apenas modestamente o tempo de despertar com os anestésicos inalatórios na prática clínica de rotina, especialmente em cirurgias que duram mais do que quatro horas.

C. Avaliação pré-operatória A avaliação pré-operatória deve incluir a investigação do risco de dificuldade do manejo das vias aéreas, opções de acesso vascular, identificação de comorbidades relevantes e educação do paciente a respeito do plano anestésico perioperatório. Há uma elevada prevalência de via aérea difícil em pacientes obesos devido a presença de língua grande, tecido gorduroso perimandibular e nucal e tecido mole faringiano redundante. A AOS se correlaciona de forma independente com uma ventilação difícil por máscara. A taxa de intubação difícil em pacientes obesos varia de 5 a 15 e até 21% em pacientes com AOS. Preditores como sexo masculino, circunferência cervical e escore de Mallampati conseguem prever intubação difícil em pacientes obesos, embora esses resultados sejam inconsistentes ao longo de múltiplos estudos e o valor preditivo positivo para tais fatores seja baixo. A visualização durante a laringoscopia é otimizada em pacientes obesos mórbidos com o uso da videolaringoscopia. A posição inclinada, como descrita mais adiante, também melhora a visualização laringoscópica. A avaliação pré-operatória para AOS e a instituição do uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP, do inglês continuous positive airway pressure) em

521

522

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 28.1 Princípios para a administração de fármacos perioperatórios comuns em pacientes obesos Fármacos

Dose inicial baseada em

Tiopental

PCM

Débito cardíaco aumentado em pacientes obesos resulta em menor concentração arterial máxima e leva a um despertar mais rápido.

Propofol

PCM

A dose baseada no PCT deve ser usada para infusões contínuas e dose de manutenção.

Etomidato

PCM

Benzodiazepínicos

PCT

Maior duração de ação devido ao volume de distribuição aumentado. Doses iniciais mais altas podem ser necessárias para atingir sedação adequada, resultando em sedação prolongada.

Dexmedetomidina

PCT

Sedativo de curta ação usado em infusão que não causa depressão respiratória. Útil para intubação acordado com fibroscópio e como adjunto anestésico. Todavia, bradicardia e hipotensão podem ser significativas.

Fentanil

PCM

A depuração aumenta com o PCM. A dose baseada no PCT superestima a necessidade de dose em pacientes obesos. Titular as doses para a resposta clínica.

Sufentanil

PCM

Volume de distribuição e meia-vida de eliminação aumentados devido à alta lipofilicidade.

Remifentanil

PCM

Rápida hidrólise no plasma e nos tecidos. A dosagem pelo PCT irá resultar em aumento da incidência de efeitos colaterais.

Succinilcolina

PCT

Doses menores irão resultar em piores condições de intubação devido ao volume extracelular aumentado e aumento da atividade da pseudocolinesterase em pacientes obesos. Baixa incidência de mialgia em pacientes obesos.

Vecurônio

PCM

A dose pelo PCT resulta em duração de longa ação. As doses repetidas devem ser baseadas na monitoração neuromuscular.

Rocurônio

PCM

Início de ação mais rápido e duração de longa ação quando dosado pelo PCT. As doses repetidas devem ser baseadas na monitoração neuromuscular.

Atracúrio

PCM

Cisatracúrio

PCM

A dose pelo PCT resulta em maior duração de ação, enquanto a dose pelo PCI pode resultar em menor duração de ação.

Pancurônio

ASC

O desarranjo da via aérea e respiratória em pacientes obesos tornam indesejável o uso desse bloqueador neuromuscular de longa ação.

Sugammadex

PCI + 40%

Indisponível nos Estados Unidos até 2014.

Neostigmina

PCT, não excedendo 5 mg

Tempo prolongado para a reversão adequada (razão TOF 0,9), até quatro vezes mais lento do que para pacientes não obesos (26 min vs. 7 min).

Heparina

PCM

A resposta à dose em obesos não foi estabelecida. Pacientes obesos têm um maior risco de trombose venosa profunda e embolia pulmonar perioperatória do que pacientes não obesos.

Observações

PCM, peso corporal magro; PCT, peso corporal total; PCI, peso corporal ideal; TOF, train of four ; ASC, área de superfície corporal.

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

domicílio é recomendada. Na ausência de um estudo do sono pré-operatório formal, ferramentas como o questionário STOP-BANG ajudam a identificar pacientes com AOS. O questionário consiste em questões sobre ronco (Snoring), cansaço (Tiredness), apneia observada (Observed apnea), pressão alta (high blood Pressure), IMC (BMI) > 35, idade (Age) > 50, circunferência cervical (Neck circunference) > 40 cm e gênero masculino (male Gender), com a resposta positiva a três ou mais perguntas sugerindo risco mais alto de AOS. A avaliação pré-operatória de pacientes obesos deve incluir uma avaliação de comorbidades comuns (hipertensão sistêmica ou pulmonar, diabetes, AOS, doença cardíaca isquêmica, insuficiência cardíaca). O manejo clínico pré-operatório das comorbidades, quando possível, pode ajudar a reduzir o risco perioperatório. Pacientes com AOS devem ser instruídos sobre o uso perioperatório de CPAP.

D. Considerações intraoperatórias Equipamento e posicionamento Sempre que possível, os pacientes devem se posicionar por conta própria na mesa de cirurgia. Em casos extremos, um equipamento mecânico de elevação pode ser necessário para mover o paciente. Embora a maioria das mesas de cirurgia seja capaz de suportar pacientes moderadamente obesos, são necessárias mesas desenhadas especialmente para pacientes extremamente obesos. Suportes bem acolchoados são frequentemente necessários para posicionar os braços. Para cirurgias que requerem inclinação ou giro da mesa, a fixação do paciente à mesa pode prevenir quedas acidentais. Almofadas de gel ou espuma devem ser usadas para apoiar pontos de pressão e prevenir neuropatia periférica e ruptura da pele. A posição supina está associada com redução nos volumes pulmonares e hipoxemia, e o retorno venoso pode ser obstruído por compressão da veia cava. Em posição prona, deve ser colocada ênfase no movimento livre da parede

Efeito da posição sobre os volumes pulmonares

CRF CF

Não obeso

Obeso ereto

Obeso supino

Obeso em Trendelenburg

FIGURA 28.2 Efeitos da obesidade, posição e anestesia nos volumes pulmonares. CRF, capacidade residual funcional; CF, capacidade de fechamento; VF, volume de fechamento; VR, volume residual. (De Bucklin BA, Fernandez-Bustamante A. Anesthesia and obesity. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1277.)

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524

Fundamentos de anestesiologia clínica abdominal, com suporte para a parede torácica e a pelve. Suportes nos ombros podem causar lesão ao plexo braquial se colocados incorretamente. A posição de Trendelenburg causa o maior grau de comprometimento respiratório com uma redução na CRF e complacência pulmonar. O posicionamento lateral e a posição sentada permitem que o peso da gordura abdominal caia para longe do tórax e do diafragma (Fig. 28.2).

Monitoração e acesso vascular A monitoração não invasiva da pressão arterial superestima a pressão em grande proporção de pacientes obesos devido ao tamanho inadequado do manguito e à forma cônica do braço. Do mesmo modo, os tempos de registro podem ser prolongados, levando a um reconhecimento tardio de uma alteração na pressão arterial. Embora o uso do antebraço para a medida da pressão arterial possa ser adequado, o uso de monitoração invasiva deve ser considerado, especialmente na presença de comorbidades. O acesso venoso periférico também pode ser desafiador e pode requerer a orientação ultrassonográfica.

Manejo das vias aéreas

A melhor posição para induzir anestesia em pacientes obesos é uma posição semissentada usando uma rampa e colocando as orelhas do paciente no mesmo nível da parede torácica anterior.

De modo a reduzir a incidência e o impacto da aspiração, antiácidos, procinéticos, antagonistas dos receptores H2 ou inibidores da bomba de prótons devem ser administrados antes da indução em pacientes com um risco identificável de aspiração (discutido mais adiante). Embora seja sensato exercer pressão cricoide, o risco de aspiração deve ser ponderado contra o risco de piora da visualização durante laringoscopia. Com a indução da anestesia na posição supina, pacientes obesos experimentam uma maior redução na CRF, e a saturação de oxigênio pode cair rapidamente. As manobras que prolongam o tempo de apneia seguro durante a indução incluem a pré-oxigenação com oxigênio a 100%, o uso de 25 a 30 graus de Trendelenburg reverso ou posição semissentada, aplicação de CPAP com pressão de 10 cm H2O durante a pré-oxigenação e uso de pressão expiratória final positiva (PEEP) durante a ventilação com máscara A elevação do dorso também minimiza o risco de regurgitação passiva. A colocação de pacientes obesos em uma posição inclinada pode ser benéfica para laringoscopia e intubação. Ela pode ser conseguida com toalhas ou mantas dobradas sob os ombros e a cabeça do paciente ou com um equipamento disponível

10° 1

30°

FIGURA 28.3 A posição supina de paciente obeso na mesa cirúrgica com o uso de uma “rampa” na parte superior do corpo (ombro/cabeça) provavelmente irá melhorar a visão laringoscópica das pregas vocais e facilitar a intubação traqueal. O objetivo de tal posicionamento é trazer a linha imaginária entre o meato auditivo externo e a fúrcula esternal (linha amarela) para uma posição paralela ao plano horizontal (linha vermelha). A posição supina padrão (esquerda) demonstra uma diferença de 30° entre essas duas linhas, enquanto o posicionamento adequado da rampa (direita) reduz esse ângulo para apenas 10°.

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

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comercialmente. A cabeça, os ombros e a parte superior do corpo são elevados acima do tórax com o objetivo de elevar o meato auditivo externo ao nível da parede torácica anterior (Fig. 28.3).

Ventilação mecânica Não há evidência clara sobre o benefício da ventilação controlada por volume versus controlada por pressão em pacientes obesos. Volumes correntes de 6 a 8 mL/kg de PCI com aplicação de PEEP são recomendados para ventilação intraoperatória. Manobras de recrutamento alveolar e aplicação subsequente de PEEP moderado (10 cm H2O) ajudam a prevenir atelectasia, particularmente em pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica. A complacência respiratória reduzida pode causar altas pressões nas vias aéreas, tornando difícil manter pressões de platô < 30, especialmente com pneumoperitôneo durante cirurgias laparoscópicas. Pressões elevadas nas vias aéreas podem causar barotrauma e hipotensão. Hipercapnia permissiva pode precisar ser empregada. Contudo, hipercapnia pode resultar em aumento na resistência vascular pulmonar em pacientes com hipertensão pulmonar preexistente.

Manejo de líquidos Pacientes obesos podem sofrer maior perda sanguínea perioperatória devido às dificuldades técnicas da exposição cirúrgica. Também pode ser difícil estimar o balanço de líquidos, a adequação da perfusão periférica e a perda sanguínea. As medidas do débito urinário, das pressões venosas e do equilíbrio acidobásico podem estar indicadas.

Emergência Devem ser observadas as mesmas precauções referentes à indução. Os pacientes devem ser extubados quando o bloqueio neuromuscular tiver sido revertido por completo (preferivelmente avaliado de forma quantitativa) e o paciente estiver acordado e posicionado em posição semissentada ou em Trendelenburg reversa, com CPAP mantida para prevenir o desrecrutamento alveolar. A função pulmonar pós-operatória é melhorada com a aplicação de CPAP imediatamente após a extubação.

Sedação e suporte vital A sedação de pacientes obesos não deve ser subestimanda. Deve haver uma monitoração cuidadosa da função respiratória devido a comprometimento respiratório preexistente, maior risco de depressão respiratória com sedação e o potencial de dificuldade na ventilação com máscara e intubação. A presença de AOS aumenta o risco de hipoxemia perioperatória e a necessidade de intervenções nas vias aéreas durante a sedação. A dexmedetomidina é um agonista ␣2-adrenérgico seletivo que provê sedação sem depressão respiratória. Contudo, seu uso clínico pode ser limitado devido à instabilidade hemodinâmica.

E. Anestesia regional As diretrizes práticas de 2006 da American Society of Anesthesiologists (ASA) para o manejo de pacientes com AOS recomendam que as técnicas de analgesia regional sejam consideradas para reduzir ou eliminar a necessidade de opioides sistêmicos. Contudo, a sedação excessiva usada para a realização ou manutenção da anestesia regional pode neutralizar as vantagens.

Técnicas neuroaxiais A posição sentada permite a identificação mais fácil da linha média vertebral durante a anestesia espinal ou peridural. A ultrassonografia pode ser usada para identificar os

Para inserir uma agulha espinal ou peridural em um paciente obeso, é melhor que ele esteja sentado.

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Fundamentos de anestesiologia clínica processos espinhosos e para reduzir o número de tentativas de punção. Quando são usadas agulhas mais longas, uma avaliação cuidadosa da linha média irá evitar lesão. A realização da anestesia peridural pode ser desafiadora devido à sensação de perda de resistência durante a passagem da agulha nos planos adiposos e à dificuldade em prever a profundidade do espaço peridural. Há uma maior taxa de falha inicial nos cateteres peridurais em pacientes obesos do que em pacientes magros. Durante raquianestesia, anestésicos locais e opioides podem ter uma disseminação exagerada em direção cefálica devido à (a) diminuição do volume de líquido cerebrospinal resultante da disseminação de tecido gorduroso para dentro do forame intervertebral e veias peridurais ingurgitadas (por elevação da pressão venosa); e (b) posição da cabeça para baixo da coluna vertebral devido a grandes nádegas. Uma rampa sob o tórax eleva a coluna cervical e torácica, limitando a disseminação cefálica dos anestésicos locais hiperbáricos.

Bloqueios de nervos periféricos A dosagem de anestésicos locais para bloqueio de nervos periféricos em pacientes obesos deve ser baseada no PCI para evitar toxicidade sistêmica. Pacientes obesos apresentam uma maior taxa de falha do bloqueio do que os pacientes não obesos, particularmente com bloqueios peridurais, paravertebrais, supraclaviculares contínuos e cervicais superficiais. Embora o uso de ultrassonografia possa melhorar a taxa de sucesso e reduzir o tempo do procedimento, a imagem de ultrassom em pacientes obesos pode não ser boa devido a um maior número de superfícies refletivas e maior profundidade das estruturas. O afastamento e a fixação dos tecidos moles excessivos para longe do local do procedimento permitem o preparo estéril e facilitam o acesso aos locais de inserção.

F. Anestesia para cirurgia bariátrica O tratamento cirúrgico da obesidade geralmente é considerado se o IMC for > 40 kg/m2 (ou IMC > 35 kg/m2 com comorbidades relacionadas com a obesidade) e o paciente for incapaz de manter a perda de peso com o manejo clínico. Todas as recomendações intraoperatórias observadas previamente devem ser consideradas (p. ex., posicionamento, acolchoamento, extubação, etc.). A continuação da terapia domiciliar com CPAP no período pós-operatório imediato, juntamente com a posição semiereta ajuda na manutenção da oxigenação após a cirurgia. As náuseas e os vômitos pós-operatórios podem causar ruptura do reparo gástrico. Além dos antieméticos, a reposição adequada de líquidos reduz as náuseas e os vômitos pós-operatórios em pacientes de cirurgia bariátrica. Uma estratégia de analgesia pós-operatória poupadora de opioides inclui a infiltração do ferimento com anestésico local, paracetamol intravenoso, fármacos anti-inflamatórios não esteroides e infusão peridural torácica de anestésicos locais. A implementação de cuidados clínicos para procedimentos bariátricos melhora os cuidados com o paciente e reduz os custos. A intubação traqueal de pacientes obesos na unidade de cuidados intensivos deve ser evitada, a não ser que seja necessária. O paciente geralmente ficará melhor se outras modalidades de tratamento forem utilizadas.

G. Manejo pós-operatório, cuidados críticos e ressuscitação Além dos desafios com vias aéreas, acesso vascular e posicionamento e as diferenças farmacológicas similares àquelas do período intraoperatório, o cuidado pós-operatório em pacientes obesos apresenta um conjunto único de problemas. Macas especiais e dispositivos de elevação frequentemente são necessários para mover pacientes obesos, e as imagens radiológicas podem ser problemáticas. Pacientes obesos mórbidos apresentam risco aumentado de ventilação mecânica prolongada e longa permanência na unidade de cuidados intensivos (UTI), bem como da mortalidade relacionada a esses eventos. A mobilização, a espirometria de incentivo, a pressão positiva não invasiva nas vias aéreas e o manuseio de analgesia e sedação são necessários para prevenir a reintubação na unidade de cuidados pós-anestésicos e na UTI. A monitoração da oximetria

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

de pulso e a terapia com CPAP devem ser continuadas na enfermaria cirúrgica, especialmente em pacientes com AOS. A anticoagulação pós-operatória por um período prolongado (p. ex., heparina 5.000 a 7.500 U três vezes ao dia por 10 dias) é útil para prevenir a trombose venosa profunda e a embolia pulmonar em pacientes obesos mórbidos. A alimentação enteral hipocalórica, rica em proteínas, precocemente fornece uma vantagem anabólica, reduz complicações infecciosas e reduz a permanência na UTI em pacientes obesos. O reposicionamento frequente dos pacientes, o uso de colchões de alívio de pressão e a mobilização precoce irão prevenir as úlceras de decúbito. A dosagem antibiótica adequada e a redosagem, a prevenção de hiperglicemia e a manutenção da oxigenação arterial e tissular são necessárias para prevenir infecções no local cirúrgico em pacientes obesos. Se a reanimação cardiopulmonar for exigida, as compressões torácicas podem ser ineficazes em pacientes obesos mórbidos. Choques de desfibrilação repetidos podem ser necessários devido à elevada impedância transtorácica. Embora o manejo da via aérea por meios convencionais possa ser desafiador, o acesso cirúrgico em um pescoço grosso pode ser extremamente difícil, requerendo profissionais experientes e, assim, deve ser considerado apenas como última opção.

II. Doença hepática Pacientes com doença hepática são submetidos à cirurgia hepática e não hepática. O anestesiologista deve estar familiarizado com a fisiopatologia da cirrose e da hipertensão porta. Livros de anestesia devem ser consultados para uma discussão mais ampla da anatomia e fisiologia hepática relevantes à anestesia.

A. Avaliação da função hepática A função hepática inclui produção da bile, síntese proteica, regulação do metabolismo da glicose, metabolismo de lipídeos e proteínas, hematopoiese e depuração de fármacos e metabólitos. Evidências clínicas das doenças hepáticas podem ser sutis. Fatores de risco (alcoolismo, uso de drogas ilícitas, promiscuidade sexual, transfusão sanguínea) fornecem indícios de possíveis doenças hepáticas. Sinais e sintomas com frequência incluem perda de apetite, mal-estar, prurido, dor abdominal, indigestão, icterícia e alterações na cor da urina e das fezes. Pacientes com doença avançada podem ter ascite, angiomas aracneiformes e encefalopatia. Os testes-padrão de função hepática fornecem informações a respeito da integridade dos hepatócitos, colestase e função de síntese hepática, enquanto outros testes avaliam a extensão e a natureza da lesão hepática. A Tabela 28.2 enumera os vários testes usados comumente para avaliar o fígado.

B. Doenças hepáticas e hepatobiliares A toxicidade medicamentosa e as infecções são as causas mais comuns de doença hepática aguda, que pode progredir para insuficiência hepática aguda, se resolver espontaneamente ou progredir para insuficiência hepática crônica. Outras causas incluem hepatite alcoólica, intoxicação por fármacos que não o paracetamol e doença hepática relacionada com a gravidez. A doença hepática crônica geralmente é consequência de hepatite viral crônica, doença hepática alcoólica ou degeneração hepática gordurosa não alcoólica. A doença hepática crônica pode levar à hipertensão porta, cirrose e neoplasia maligna.

C. Cirrose e hipertensão porta Episódios recorrentes de inflamação causam necrose do parênquima hepático e fibrose, levando à cirrose. A resistência ao fluxo sanguíneo por meio do leito capilar hepático

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 28.2

Testes de função hepática (TFH)

Função

Teste

Observações

Integridade do hepatócito

AST

Anteriormente, TGO. Produzido no fígado, coração, músculo esquelético, rim, cérebro e hemácias.

ALT

Anteriormente, TGP. Produzido no fígado.

LDH

Também aumentado na hemólise, rabdomiólise, necrose tumoral infarto do miocárdio.

GST

Liberado pelas células na região centrolobular (zona 3). Marcador sensível de necrose centrolobular nos estágios iniciais. Meia-vida plasmática curta (30 min).

Albumina

Perda de proteína pelo trato gastrintestinal e rins e catabolismo aumentado também causam hipoalbuminemia. Meia-vida longa (2-3 semanas).

TP/INR

A absorção da vitamina K mediada pelos sais biliares e a síntese hepática dos fatores de coagulação são necessárias para manter TP/INR normais. Meia-vida curta do fator VII (4-6 h) torna TP/INR um indicador sensível de doença hepática aguda.

Amônia

Acentuadamente elevada em pacientes com encefalopatia hepática quando a síntese hepática da ureia está comprometida.

Função de síntese

Função excretora

Fosfatase alcalina Presente nos canalículos biliares, ossos, intestinos, fígado e placenta. Não tem especificidade para doença hepatobiliar. GGT

Elevada na doença hepatobiliar, acompanha de perto a fosfatase alcalina na linha de tempo. Marcador laboratorial mais sensível de doença do trato biliar, mas não é específico.

5’NT

Elevações são específicas de obstrução hepatobiliar.

Bilirrubina

Produto do catabolismo heme. A hiperbilirrubinemia indireta (não conjugada) acontece na doença pré-hepática, enquanto a hiperbilirrubinemia direta (conjugada) está presente na obstrução intra- ou extra-hepática dos ductos biliares. A doença hepática causa elevação de ambos os tipos de bilirrubina.

AST, aspartato-aminotransferase; ALT, alanino-aminotransferase; LDH, desidrogenase láctica; GST, glutationa S-transferase; TGO, transaminase glutâmico-oxalacética; TGP, transaminase glutâmico-pirúvica; TP/INR, tempo de protrombina/índice internacional normalizado; GGT, ␥-glutamiltransferase; 5’NT, 5’-nucleotidase.

aumenta, causando hipertensão porta. As manifestações sistêmicas de cirrose e hipertensão porta estão listadas na Tabela 28.3.

Hemostasia Os testes laboratoriais em pacientes cirróticos mostram alterações no sistema pró-coagulante. Contudo, o sistema anticoagulante também está alterado. Logo, os testes de coagulação devem ser interpretados cuidadosamente. Os pacientes também podem ter disfibrinogenemia. A trombocitopenia se desenvolve como resultado de produção reduzida e sequestro esplênico aumentado das plaquetas. Pode ocorrer fibrinólise em pacientes cirróticos devido à depuração reduzida do ativador tissular de plasminogênio.

Cardíaco A cirrose e a hipertensão porta causam um aumento na produção de vasodilatadores, geralmente levando a uma circulação hiperdinâmica com elevado débito cardíaco e baixa resistência vascular sistêmica. A pressão arterial sistólica frequentemente está 3,5

2,8-3,5

< 2,8

Tempo de protrombina Prolongamento em segundos Índice internacional normalizado

6 > 2,3

Bilirrubina (mg/dLb)

3

Ascite

Ausente

Leve a moderada

Tensa

Encefalopatia

Nenhuma

Grau I-II

Grau III-IV

Classe A = 5-6 pontos; B = 7-9 pontos; C, 10-15 pontos. Mortalidade perioperatória: Classe A: 10%; B: 30%; C: > 80%. Para doenças colestáticas, designar 1, 2 e 3 pontos para bilirrubina 10 mg/dL, respectivamente. De Kamath PS. Clinical approach to the patient with abnormal liver test results. Mayo Clin Proc. 1996; 71:1089, com permissão.

a b

xia, juntamente com atividade eletrocardiográfica característica de ondas lentas de alta voltagem. O tratamento inclui medidas de suporte, melhora da causa precipitante e lactulose oral ou neomicina para reduzir a produção intestinal de amônia.

Ascite Hipertensão porta, hipoalbuminemia, infiltração de líquido linfático a partir do fígado doente e retenção renal de líquidos estão implicados no desenvolvimento da ascite cirrótica. O tratamento inclui restrição de sal, diuréticos, paracentese e, ocasionalmente, um procedimento de shunt portossistêmico transjugular intra-hepático (TIPS, do inglês transjugular intrahepatic portosystemic shunting). É recomendado que a drenagem de grande volume de líquido de ascite (> 5 L) seja acompanhada de reposição de albumina (6-8 g/L). Os pacientes com ascite podem desenvolver comumente peritonite bacteriana espontânea devido à translocação bacteriana a partir da flora intestinal.

Varizes

Embora muitos fármacos sejam metabolizados no fígado, a duração de ação após uma dose única em geral é muito curta. Isso ocorre porque o débito cardíaco é alto na doença hepática avançada e a ação do fármaco é terminada primariamente por redistribuição.

As varizes esofágicas se desenvolvem como shunts portossistêmicos devido à hipertensão porta. Elas podem causar sangramento maciço, levando à hipovolemia pela perda sanguínea e encefalopatia hepática pela carga de nitrogênio oriunda da degradação intestinal do sangue. O tratamento inclui medidas de suporte, escleroterapia endoscópica, eletrocoagulação ou ligadura, terapia medicamentosa (vasopressina, somatostatina ou propranolol) e tamponamento por balão. Os desafios anestésicos incluem estômago cheio, fisiologia frágil, hipovolemia aguda e encefalopatia.

D. Avaliação pré-operatória Na fase pré-operatória, a gravidade da doença hepática e o risco da cirurgia podem ser estimados usando-se os sistemas de classificação de Child-Pugh modificado e o modelo para doença hepática terminal (MELD, do inglês model for end-stage liver disease). O escore de Child-Pugh é descrito na Tabela 28.4. O escore de MELD classifica pacientes de acordo com seu risco de morte por doença hepática, com base em um cálculo logarítmico da creatinina, da bilirrubina e do índice internacional normalizado do tempo de protrombina. Na avaliação pré-operatória, elevações menores assintomáticas dos testes de função hepática são, provavelmente, irrelevantes. Elevações mais significativas e a presença

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

de fatores de risco ou evidência de falência hepática devem sugerir novas investigações. Em uma análise retrospectiva de pacientes com cirrose submetidos a cirurgia cardiotorácica, aqueles com escore de Child-Pugh < 8 não tiveram aumento significativo na mortalidade ou na morbidade. Em outra revisão de mais de 700 pacientes cirróticos submetidos a cirurgia gastrintestinal, cardiotorácica e ortopédica de grande porte, o escore MELD, a idade e o estado físico ASA previu a mortalidade perioperatória. O escore MELD se correlacionou linearmente com a mortalidade, sendo que a mortalidade em 30 dias teve variação de 6 (escore MELD < 8) a > 50% (escore MELD > 20).

E. Manejo intraoperatório A monitoração hemodinâmica para pacientes com doença hepática terminal deve incluir um cateter arterial e outras monitorações invasivas, dependendo da extensão da cirurgia e das comorbidades do paciente. A ecocardiografia transesofágica é uma contraindicação relativa devido ao risco de sangramento por varizes esofágicas, embora os dados das séries de casos publicados sugiram que o risco é baixo. Ascite e varizes esofágicas podem aumentar o risco de aspiração durante a indução anestésica. As doses de indução dos agentes intravenosos apresentam curta ação a despeito da doença hepática, pois a ação é terminada por redistribuição. Contudo, com doses repetidas ou infusão contínua, uma duração de longa ação pode ser esperada. O isoflurano e o sevoflurano preservam o fluxo sanguíneo hepático e o fornecimento de oxigênio. A ação dos agentes opioides é frequentemente prolongada. Além disso, os pacientes com doença hepática geralmente têm uma resposta aumentada aos sedativos. O cisatracúrio é o bloqueador neuromuscular preferido. A manutenção do volume circulante e da perfusão renal é importante. Pacientes cirróticos podem necessitar de albumina para reposição após paracentese de grandes volumes na presença de peritonite bacteriana espontânea ou síndrome hepatorrenal. Os pacientes frequentemente exibem uma resposta reduzida aos vasoconstritores endógenos e exógenos. Hipotensão, altas pressões médias nas vias aéreas durante ventilação mecânica e estimulação simpática devem ser evitadas dentro do possível.

Veia hepática

Veia cava inferior

Fígado

Shunt

Baço Veia porta

FIGURA 28.4 Procedimento de shunt portossistêmico transjugular intra-hepático (TIPS). Um stent (ou stents) é passado pela veia jugular interna sobre um guia metálico para a veia hepática. O guia e o stent ou stents são, então, avançados para dentro da veia porta, permitindo que o sangue passe pela veia porta para dentro da veia hepática e contorne e descomprima as veias esofágicas dilatadas. (De Steadman RH, Braunfeld MY. The liver: surgery and anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1319.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

F. Procedimentos específicos Procedimento de shunt portossistêmico transjugular intra-hepático O procedimento TIPS é indicado para a descompressão da hipertensão porta diante de varizes esofágicas ou ascite intratável. Um shunt é colocado por via transvenosa, conectando a circulação portal a uma veia hepática (Fig. 28.4). Pode ser realizado sob sedação ou anestesia geral. A sobrecarga aguda de volume devido à entrada de sangue portal na circulação sistêmica é uma complicação frequente. Como o sangue desviado contorna o fígado, uma encefalopatia hepática nova ou agravada é vista em até 30 a 35% dos pacientes após o procedimento, ocorrendo logo após a inserção de TIPS.

Ressecção hepática As ressecções hepáticas são realizadas mais comumente para neoplasias malignas (hepatobiliares primárias ou metastáticas) e têm uma alta taxa de mortalidade perioperatória. O acesso vascular adequado e a hemoterapia devem estar disponíveis para combater a hemorragia maciça. A prevenção de hipotermia é essencial para permitir a hemostasia normal. Nos estágios iniciais da cirurgia, a drenagem da ascite pode levar a alterações substanciais de líquidos, e a colocação de afastadores para exposição pode causar comprometimento respiratório e hemodinâmico. A compressão da veia cava inferior (VCI) durante a exposição e o controle do suprimento vascular leva à diminuição da pré-carga. O fluxo sanguíneo hepático pode ser manipulado com o pinçamento vascular abaixo e acima do fígado, causando flutuações hemodinâmicas. A manutenção de uma pressão venosa central baixa (< 5 cm H2O) ajuda a reduzir a perda sanguínea e a transfusão. A administração de pró-coagulantes orientada por testes laboratoriais é necessária para melhorar a coagulação e evitar complicações trombóticas indesejadas. Uma queda abrupta no CO2 expiratório f inal, com elevação da pressão na artéria pulmonar, deve levantar suspeita de uma embolia aérea significativa.

G. Transplante hepático

A transfusão maciça está associada com hipocalcemia (devido ao citrato na bolsa de sangue) e hipercalemia (devido à saída de K+ das hemácias armazenadas).

A doença hepatocelular grave, crônica, induzida por álcool ou por hepatite é a indicação mais comum de transplante hepático. O sistema de escore de MELD permite a atribuição de prioridades para alocação de órgãos, com o ajuste do escore para pacientes com carcinoma hepatocelular e síndrome hepatopulmonar. A insuficiência hepática fulminante coloca o paciente no topo da lista de espera. Os pacientes que se apresentam para transplante hepático geralmente passaram por uma extensa investigação diagnóstica. A avaliação pré-operatória imediata deve incluir a investigação de alterações no estado funcional desde a última avaliação, ingestão oral recente, opções de acesso vascular e função neurológica e renal. A obtenção de acesso venoso múltiplo e de grande calibre é necessária para a administração rápida de volume, frequentemente por meio de equipamento de infusão. O cateterismo arterial e venoso central é necessário, e um cateter de artéria pulmonar ou ecocardiograma transesofágico pode ser usado para monitoração adicional. O eletrencefalograma pode ser usado para monitorar a profundidade da anestesia, permitindo a titulação dos agentes anestésicos. A inserção de cateter arterial pré-indução é recomendada, seguida por pré-oxigenação e indução de sequência rápida. Os líquidos intravenosos devem ser aquecidos, e os equipamentos de aquecimento de ar forçado devem ser usados. Fármacos imunossupressores, suas doses e o momento do seu uso devem ser discutidos com a equipe cirúrgica antes da cirurgia. O curso intraoperatório é dividido em fases pré-anepática, anepática e neoepática ou de reperfusão. A fase pré-anepática tem implicações anestésicas similares às encontradas durante a ressecção hepática. O bypass venovenoso pode ser necessário se for realizado

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

o clampeamento da VCI. A fase anepática inicia com o clampeamento do suprimento vascular para o fígado, geralmente começando com a artéria hepática. Após um período de relativa estabilidade, a reperfusão do enxerto se inicia com a inundação do líquido conservante por perfusão pela veia porta para a veia hepática e para o campo cirúrgico. A manutenção de euvolemia é importante durante essa fase de sangramento controlado. Com a reanastomose da veia hepática, acidemia e embolia podem causar hipertensão pulmonar com grave instabilidade cardiopulmonar. Vasopressores, inotrópicos e vasodilatadores pulmonares frequentemente são necessários para suportar a pressão arterial. O anestesiologista também precisa monitorar os eletrólitos séricos, a glicose e o estado acidobásico. Os pacientes têm um risco particular de hipocalcemia, devido ao alto volume de infusão de produtos sanguíneos com citrato, e hipercalemia, devido à função renal subjacente, uso de diuréticos poupadores de potássio, transfusão sanguínea, isquemia esplâncnica e acidose. No início da fase neoepática, os pacientes desenvolvem um estado hipocoagulável, fibrinolítico. A manutenção da hemostasia é obtida com orientação dos testes convencionais de coagulação e tromboelastografia. No pós-operatório, os pacientes podem desenvolver sobrecarga de líquidos, lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão e hipertensão intra-abdominal relacionada à transfusão maciça. Vazamentos anastomóticos ou estenose ou trombose de uma anastomose vascular podem requerer reexploração urgente.

III. Manejo anestésico para cirurgia gastrintestinal O cuidado de pacientes submetidos a cirurgia gastrintestinal forma a maior parte da prática anestésica na maioria dos hospitais.

A. Farmacologia O óxido nitroso (N2O) irá se difundir para dentro do intestino, particularmente se este já estiver distendido com gás intestinal. Isso pode resultar em distensão intestinal e aumento da pressão intraluminal, o que pode levar à dificuldade no fechamento abdominal e, em situações extremas, à isquemia intestinal. O N2O deve ser usado raramente. Os opioides reduzem o tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI) e diminuem a motilidade intestinal e gástrica, com frequência causando íleo paralítico e constipação em pacientes de cuidados intensivos sedados com opioides. Os opioides, particularmente a morfina, causam contração do esfíncter do ducto biliar comum, que pode ser problemático se forem feitos colangiogramas intraoperatórios. Os inibidores da colinesterase e os bloqueios neuraxiais altos podem causar hiperatividade peristáltica devido à ação parassimpática e inibição da ação simpática, respectivamente. Isso pode ser prejudicial em pacientes com obstrução intestinal.

B. Função pulmonar Pacientes submetidos a cirurgia abdominal superior estão em maior risco de complicações pulmonares pós-operatórias, provavelmente relacionadas com atelectasia, redução da tosse (dor, edema, íleo paralítico) e risco de aspiração perioperatória. No momento intraoperatório, o posicionamento supino ou com a cabeça mais baixa e os afastadores abdominais podem comprometer o movimento diafragmático e induzir atelectasia e hipóxia. Estratégias para prevenir complicações pulmonares incluem a cessação pré-operatória do tabagismo, o controle de doença pulmonar preexistente, a contenção do uso intraoperatório de bloqueadores neuromusculares de longa ação, o controle da dor e drenagem nasogástrica pós-operatória em pacientes selecionados. A evidência que favorece o uso de técnicas espinais e peridurais para reduzir complicações pulmonares pós-operatórias é sugestiva, mas não conclusiva. O impacto da cirurgia laparoscópica no sistema respiratório é discutido em outra parte deste livro.

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C. Obstrução mecânica e íleo paralítico Os pacientes podem apresentar comprometimento da motilidade gastrintestinal. O íleo paralítico pós-operatório é comum, geralmente relacionado com a manipulação física das vísceras abdominais. A motilidade do intestino delgado é recuperada dentro de poucas horas após a cirurgia, a peristalse gástrica retorna após 24 a 48 horas, e a atividade colônica retorna após 48 horas. A passagem de flatos, a presença de cólicas e o retorno do apetite significa o retorno da atividade peristáltica. O íleo paralítico também pode se desenvolver após trauma abdominal fechado, perfuração intestinal, peritonite biliar, sepse intra-abdominal, patologias extra-abdominais, como pneumonia grave, trauma, sepse e infarto do miocárdio, e anormalidades eletrolíticas. A obstrução mecânica do intestino geralmente requer o manejo cirúrgico. Os pacientes apresentam dor, distensão, vômitos e constipação. Até 7 a 9L de líquidos podem ser secretados diariamente no intestino de um adulto (aproximadamente 1L de saliva, 2L de suco gástrico, 1L de bile, 2L de suco pancreático e 1L de suco entérico), e os pacientes podem apresentar desidratação grave e anormalidades eletrolíticas. As preocupações no manejo perioperatório para o anestesiologista incluem o manejo do risco de aspiração, a reposição de líquidos e o manejo da analgesia pós-operatória.

D. Perfuração intestinal e peritonite A perfuração do trato gastrintestinal para a cavidade peritoneal leva à peritonite e sepse. O tratamento geralmente envolve o reparo cirúrgico. Idade avançada, apresentação tardia (> 24 horas), falência do órgão na apresentação, peritonite difusa generalizada e contaminação fecal do peritônio estão associadas com aumento da permanência hospitalar e da mortalidade. Pacientes com peritonite grave em geral apresentam hipovolemia acentuada. A compensação hemodinâmica pré-operatória e intraoperatória e a instituição precoce de terapia antibiótica adequada são essenciais. No pós-operatório, esses pacientes necessitam de internação em unidade de terapia intensiva.

IV. Aspiração do conteúdo gástrico Independentemente do tipo de procedimento cirúrgico, o entendimento do esvaziamento gástrico e do risco de aspiração é vital para uma anestesia segura. A incidência TABELA 28.5

Fatores predisponentes à aspiração

Cirurgia de emergência Anestesia inadequada Patologia abdominal Obesidade Uso de opioides Déficit neurológico Litotomia Intubação ou via aérea difícil Refluxo Hérnia hiatal Adaptado de Kluger MT, Short TG. Aspiration during anesthesia: A review of 133 cases from the Australian Anaesthetic Incident Monitoring Study (AIMS). Anaesthesia. 1999;54:19–26.

Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

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de aspiração pulmonar clinicamente significativa é maior em procedimentos de emergência (~1 em 600-800) e relativamente rara durante procedimentos eletivos (~1 em 2.100-3.500). A taxa de mortalidade associada com a aspiração é de 1 em 45.000 a 70.000 em uma grande variedade de populações de pacientes. A incidência de aspiração é maior na presença de íleo paralítico, de emergências obstétricas e em plano anestésico superficial. Os fatores predisponentes para um risco aumentado de aspiração são listados na Tabela 28.5. A regurgitação e a aspiração são mais comuns durante a indução da anestesia e laringoscopia.

A. Esvaziamento gástrico Pacientes que vão ser submetidos à cirurgia normalmente são orientados a permanecer em jejum. A meta de um volume gástrico < 25 a 30 mL foi extrapolada a partir de estudos em animais. Líquidos claros (água, líquidos livres de gordura e proteína, sucos de frutas sem polpa, bebidas carbonadas, chá preto e café) são esvaziados dentro de duas horas após a ingestão. O leite materno requer 2 a 4 horas para sair do estômago, enquanto o leite não humano leva até seis horas. Embora refeições leves não gordurosas (p. ex., torradas e líquidos claros) possam ser esvaziadas do estômago em seis horas, refeições maiores com alimentos gordurosos ou carne levam oito ou mais horas para sair do estômago. A aspiração por sonda nasogástrica pode reduzir o volume gástrico, mas não garante um estômago vazio. Várias condições do paciente prolongam o tempo de esvaziamento gástrico. Pacientes diabéticos comumente desenvolvem gastroparesia em correlação com o grau de neuropatia autonômica, mas não neuropatia periférica. Pacientes com insuficiência renal, independentemente do modo de diálise, também têm um retardo no esvaziamento gástrico. A gravidez causa comprometimento físico do esvaziamento gástrico. Pacientes com íleo paralítico ou obstrução intestinal têm volume gástrico aumentado. Opioides, fármacos antimuscarínicos (atropina e glicopirrolato) e trauma também podem retardar o esvaziamento gástrico.

B. Risco de regurgitação O refluxo passivo e a regurgitação do conteúdo gástrico normalmente são prevenidos pelo EEI. As doenças que afetam o tônus do EEI (hérnia hiatal, doença do refluxo gastresofágico) aumentam o risco. Pressões intra-abdominais elevadas (p. ex., laparoscopia, síndrome compartimental abdominal) podem elevar a pressão intragástrica, superar o EEI e provocar refluxo. A presença de uma sonda nasogástrica reduz a pressão no EEI e aumenta os episódios de refluxo. Opioides e fármacos antimuscarínicos reduzem o tônus do EEI, assim como as alterações hormonais na gravidez. O comprometimento do nível de consciência interfere com os reflexos das vias aéreas superiores e também está associado com tônus do EEI reduzido e com esvaziamento gástrico retardado. A metoclopramida é um antagonista da dopamina que estimula a motilidade gastrintestinal superior, aumenta o tônus do EEI e relaxa o piloro e o duodeno, reduzindo, assim, o volume gástrico. Uma dose parenteral de 5 a 10 mg administrada ao longo de 3 a 5 minutos pode ser dada 15 a 30 minutos antes da indução. A eritromicina em baixa dose (200 mg, via oral, dada 1 hora antes da indução de anestesia) também reduz o volume gástrico. O impacto real disso na incidência de aspiração é desconhecido, e os procinéticos não são recomendados em pacientes com obstrução intestinal. A pressão cricoide é o termo dado à colocação de pressão na traqueia para comprimir o esôfago contra o corpo da sexta vértebra cervical, reduzindo, assim, a regurgitação do conteúdo estomacal pelo esfíncter esofágico superior. Embora seja amplamente usada, há pouca evidência para provar que a pressão cricoide diminui a

A aplicação de pressão cricoide é a prática-padrão para prevenir o refluxo de conteúdo gástrico durante a indução de anestesia, mas sua eficácia nunca foi provada.

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Fundamentos de anestesiologia clínica incidência de aspiração. Por outro lado, a pressão cricoide pode dificultar a visualização das pregas vocais durante a laringoscopia.

C. Lesão pulmonar por aspiração A aspiração de conteúdo gástrico pode levar à lesão pulmonar aguda devido à aspiração ácida, pneumonia bacteriana ou sintomas obstrutivos relacionados com matéria particulada. Achados radiológicos podem ser visíveis dentro de poucas horas, e o curso clínico pode variar dependendo do volume, da acidez e das partículas do conteúdo gástrico aspirado. Os antagonistas do receptor da histamina-2 (cimetidina, ranitidina e famotidina) reduzem o volume e a acidez gástrica pela diminuição da secreção ácida. Os inibidores da bomba de prótons (omeprazol e pantoprazol) também reduzem a secreção de ácido gástrico e podem durar até 24 horas. Os antiácidos neutralizam o ácido do conteúdo gástrico, mas o uso dos antiácidos particulados não é recomendado. Uma única dose de citrato de sódio não particulado é dada comumente antes da indução da anestesia para aumentar o pH do suco gástrico antes de cirurgias de emergência.

D. Diretrizes para o jejum Em 2011, a ASA publicou suas diretrizes práticas para o jejum pré-operatório e a intervenção farmacológica para a prevenção de aspiração perioperatória em pacientes saudáveis (i.e., sem distúrbios que afetem o esvaziamento gástrico) submetidos à cirurgia eletiva. As diretrizes recomendam um período de jejum mínimo de duas horas após a ingestão de líquidos claros, quatro horas após o leite materno e seis horas após as fórmulas lácteas infantis, leite não humano e refeições leves. Os fármacos que reduzem a acidez gástrica ou promovem a motilidade gástrica podem ser usados em pacientes em risco de aspiração pulmonar, embora seu uso de rotina não seja recomendado.

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Capítulo 28

Considerações anestésicas para pacientes com obesidade...

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Considerando os dados de altura e peso abaixo, qual alternativa atende o critério para obesidade mórbida? A. Um paciente com 1,64 m e 104,3 kg B. Um paciente com 1,52 m e 90,72 kg C. Um paciente com 1,46 m e 81,64 kg D. Um paciente com 1,34 m e 68 kg 2. No paciente obeso, o peso corporal magro deve ser usado quando se calcula a dose inicial de todos os fármacos a seguir, EXCETO: A. Succinilcolina B. Fentanil C. Etomidato D. Propofol 3. No paciente obeso, qual das seguintes posições está associada com o maior impacto negativo na ventilação e oxigenação? A. Supina B. Lateral C. Sentada D. Cabeceira baixa 4. No paciente obeso, todas as afirmativas a seguir a respeito da medida da pressão arterial com um manguito-padrão automático são verdadeiras, EXCETO: A. O tempo necessário para fazer a medida da pressão arterial pode ser prolongado B. O manguito da pressão arterial deve ser mais longo e mais estreito C. O antebraço é um local adequado para a colocação do manguito D. A forma cônica do braço pode causar erros

5. É mais provável que a laringoscopia e a intubação traqueal sejam bem-sucedidas quando um paciente obeso é colocado em qual das seguintes posições? A. Supina com a cabeça em posição neutra em um pequeno travesseiro B. Supina com a cabeça estendida sobre a borda da mesa C. Semissentada com a cabeça em posição neutra em um pequeno travesseiro D. Semissentada em uma rampa com a cabeça estendida 6. Um paciente com um IMC de 46 kg/m2, hipertensão e diabetes melito submeteu-se a um procedimento cirúrgico bariátrico de três horas. Qual das seguintes seria MENOS vantajosa nas primeiras 24 horas pós-operatórias? A. Administração peridural torácica de anestésico local diluído B. Intubação traqueal continuada com ventilação assistida C. Administração de antieméticos D. Posicionamento do paciente em posição semissentada 7. Em relação ao uso do propofol em um paciente com cirrose hepática avançada, qual das seguintes é VERDADEIRA? A. A duração de ação de uma única dose de indução será mais curta do que a normal B. A duração de ação de uma segunda dose única, dada cinco minutos após a indução, será prolongada C. A duração de ação de uma infusão contínua será mais curta do que a normal D. Nenhuma das alternativas acima

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Fundamentos de anestesiologia clínica

8. Para pacientes submetidos a transplante hepático, o período de maior instabilidade hemodinâmica geralmente é durante a: A. Indução anestésica B. Fase pré-anepática C. Fase anepática D. Fase neoepática ou de reperfusão 9. Uma paciente irá se submeter à laparotomia para obstrução intestinal com distensão intestinal significativa associada. Qual dos seguintes agentes é relativamente contraindicado? A. Óxido nitroso B. Sevoflurano C. Isoflurano D. Fentanil

10. Um paciente saudável que iria se submeter a um reparo eletivo de hérnia inguinal ambulatorial ingeriu um copo de 240 mL de suco de maçã sem polpa e uma xícara de café preto na manhã da cirurgia. De acordo com as diretrizes da ASA, seria aceitável induzir anestesia geral após esperar um mínimo de quantas horas? A. 8 B. 6 C. 4 D. 2

Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica R. Mauricio Gonzalez Joseph Louca Sofia Maldonado-Villalba

I. Considerações gerais O manejo anestésico da cirurgia otorrinolaringológica (ORL) é complexo. Muitas variáveis precisam ser consideradas, incluindo a compreensão das indicações cirúrgicas e dos procedimentos. Dependendo da operação, o anestesiologista pode realizar o manejo da via aérea juntamente com o cirurgião. Além disso, a anatomia das vias aéreas pode estar distorcida por tumor, infecção, trauma, anormalidades congênitas, exposição à radiação ou cirurgia prévia. Diferenças específicas da idade na anatomia e fisiologia, juntamente com comorbidades existentes, também precisam ser consideradas. A avaliação das vias aéreas se estende além do exame físico. A familiaridade com as imagens das vias aéreas, particularmente a tomografia computadorizada e a imagem de ressonância magnética, é de suma importância. A revisão de vídeos digitais de exames fibroscópicos das vias aéreas deve ser feita quando disponíveis. Se não estiverem disponíveis, o anestesiologista deve considerar a realização de fibroscopia das vias aéreas sob anestesia tópica antes da indução anestésica. A seleção e a dosagem dos anestésicos e das medicações adjuvantes devem ser adequadas ao procedimento a ser realizado. Os pacientes submetidos a procedimentos ORLs devem ser monitorados cuidadosamente para a perda sanguínea, que pode ser subestimada devido ao acúmulo de sangue abaixo do campo cirúrgico, à deglutição e à distância do campo cirúrgico do anestesiologista. Os ␣-agonistas tópicos usados para vasoconstrição podem causar hipertensão e aumento do fluxo sanguíneo para a circulação pulmonar. Isso pode estar associado com edema pulmonar e morte, especialmente se os pacientes forem tratados subsequentemente com ␤-bloqueadores devido a seus efeitos inotrópicos negativos. Devido à curta duração de ação dos vasoconstritores tópicos, pode-se esperar a resolução espontânea de uma hipertensão moderada ou pode-se aumentar a profundidade da anestesia. Os vasodilatadores diretos são o tratamento adequado para uma resposta hipertensiva grave aos vasoconstritores tópicos.

II. Considerações anestésicas na população pediátrica A. Anatomia e fisiologia Doenças do ouvido em crianças podem ser mais bem compreendidas pela revisão da anatomia e fisiologia do ouvido médio e das estruturas adjacentes. O tímpano é uma fina membrana bem inervada posicionada na parte mais profunda do canal auditivo externo. Ele se limita com o ouvido médio lateralmente. O ouvido médio drena para

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Durante a infância, a trompa de Eustáquio drena mal devido a sua pequena área transversa, paredes cartilaginosas flácidas e à angulação reduzida com que ela atravessa em direção à nasofaringe. Isso explica por que a otite média tem um pico de incidência em crianças de 1 ano de idade.

a nasofaringe pela trompa de Eustáquio. Durante a infância, ele drena mal devido a sua pequena área transversa, paredes cartilaginosas flácidas e à angulação reduzida com que ele atravessa em direção à nasofaringe. Além disso, seu pequeno comprimento aumenta a exposição do ouvido médio ao muco e às bactérias da nasofaringe. Esses fatores aumentam o risco de otite média, cujo pico de incidência ocorre com 1 ano de idade. Aos 7 anos, o risco de otite média é aproximadamente o mesmo dos adultos.

B. Miringotomia com inserção de tubo de ventilação Miringotomia com inserção de tubo de ventilação no ouvido requer anestesia geral (AG) para fornecer ao cirurgião a imobilidade necessária para trabalhar sob microscopia. A curta duração do procedimento e sua natureza não invasiva permitem o uso apenas de anestésicos inalatórios. Esses procedimentos são realizados comumente sem necessidade de acesso intravenoso (IV) ou de intubação orotraqueal/inserção de dispositivo supraglótico. A indução usando uma máscara facial com uma mistura de oxigênio, óxido nitroso (N2O) e sevoflurano pode ser seguida pela manutenção com sevoflurano. O posicionamento da cabeça com 30 a 45 graus de rotação axial permite o acesso cirúrgico adequado.

C. Tonsilectomia e adenoidectomia

Miringotomia com inserção de tubo de ventilação no ouvido é um procedimento de curta duração frequentemente realizado sob anestesia geral usando-se uma máscara facial e sem acesso intravenoso.

VÍDEO 29.1 Tonsilectomia

A hipertrofia das tonsilas (amígdalas) pode ser assintomática ou levar a apneia obstrutiva do sono (AOS) e tonsilite recorrente, que são indicações frequentes de remoção das tonsilas e das adenoides. As tonsilas crescem rapidamente entre as idades de 1 e 3 anos e frequentemente são maiores entre as idades de 3 e 7 anos. Assim, essa é a faixa etária mais comum para esse procedimento. A avaliação de uma criança que vai ser submetida a uma tonsilectomia deve incluir a avaliação da função respiratória global. Casos graves de AOS podem necessitar de cuidados intensivos pós-operatórios. Os piores casos de AOS também podem ser complicados por hipertensão pulmonar com cor pulmonale e podem necessitar de suporte farmacológico cardiovascular antes da indução. Diante de uma infecção leve das vias aéreas superiores (IVAS) ou em fase de resolução, prosseguir com a cirurgia pode aumentar o risco de complicações respiratórias. Todavia, o postergamento do procedimento resulta no retorno do paciente ao seu médico por novos episódios de IVAS. Portanto, pode ser razoável prosseguir na presença de uma IRS leve porque uma otimização completa raramente é possível (1). Há uma variedade de esquemas para analgesia pós-operatória: 1. Dados antes da incisão, paracetamol (10-40 mg/kg, via retal) para analgesia e dexametasona (0,5 mg IV) para edema, náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPO) podem reduzir ou eliminar a necessidade de opioides. 2. Se os opioides forem necessários, fentanil IV (0,25-1 μg/kg) pode prover alívio eficaz enquanto reduz a incidência ou a gravidade da agitação. 3. Ibuprofeno por via oral, dado no pré- ou pós-operatório, é um analgésico seguro e eficaz, embora alguns cirurgiões estejam preocupados com sangramento pós-operatório após seu uso (2).

D. Hemorragia pós-tonsilectomia Embora rara (< 1-2% dos pacientes), a hemorragia pós-tonsilectomia pode colocar a vida em risco. Os fatores de risco incluem tonsilite crônica, maior idade (> 11 anos), perda de sanguínea intraoperatória > 50 ml e hipertensão. A hemorragia primária ocorre dentro de 24 horas da cirurgia. A hemorragia secundária ocorre comumente dentro de 5 a 10 dias da cirurgia, o período de tempo no qual o coágulo de fibrina se descola. O manejo da hemorragia pós-tonsilectomia inclui o controle das vias aéreas, da hemodinâmica e da respiração. Avalie a estabilidade cardiovascular e obtenha acesso IV.

Capítulo 29

Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

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Examine as vias aéreas, observe a presença de sangramento ativo ou de coágulo e obtenha a história de qualquer outro sangramento rapidamente. Mantenha o paciente inclinado para frente, com a face para baixo para drenar o sangue para fora da laringofaringe. Quando há um sangramento menor ou recorrente, há um risco significativo (talvez > 40%) de hemorragia grave devido à reversão do vasoespasmo ou ao deslocamento ou lise de um coágulo. É preciso notificar o banco de sangue e preparar para a reintervenção cirúrgica. Na sala de operação (SO), uma gaze ensopada em adrenalina na concentração de 1:10.000 deve estar disponível. Pressão direta pode ser aplicada na fossa tonsiliana usando uma pinça de Magill envolta com gaze. Equipamentos de aspiração e de controle de via aérea também devem estar disponíveis antes de o paciente ser colocado em posição supina. Crianças podem não tolerar manobras para realização de hemostasia enquanto estão acordadas e podem necessitar de sedação ou AG antes que essas tentativas sejam feitas. A cetamina pode ser uma excelente opção, pois tem um baixo risco de comprometimento respiratório e hipotensão em pacientes hipovolêmicos (3).

E. Emergências ou estridor O estridor, uma respiração musical de alta frequência causada por obstrução da laringe, é uma emergência médica que precisa ser considerada como risco de morte. As causas comuns incluem aspiração de corpo estranho (ACE), epiglotite e crupe (Tab. 29.1). A ACE é um problema comum em crianças, particularmente nas idades de 1 a 5 anos, que pode ser de difícil diagnóstico, a não ser na eventualidade de ser testemunhada e relatada. A ACE pode se apresentar com sibilos e tosse, redução dos sons respiratórios e estridor. Ela também pode simular alergias comuns, asma, AOS, doença do refluxo gastroesofágico, bronquiolite ou obstrução das vias aéreas por abscesso ou anomalia congênita. Embora a radiografia possa detectar atelectasia e hiperinsuflação, ela não pode excluir ACE quando o corpo aspirado é radiolucente. Se houver um elevado índice de suspeita de ACE, a broncoscopia rígida pode ser a próxima etapa necessária (Fig. 29.1). Epiglotite, uma condição que põe a vida em risco geralmente causada por uma infecção bacteriana, frequentemente afeta a epiglote, as dobras ariepiglóticas, a aritenoide e a úvula. Sua incidência tem diminuído na população pediátrica devido à ampla vacinação contra Haemophilus influenzae B (Hib). Outras bactérias, contudo, incluindo Streptococcus pneumoniae, também podem causar epiglotite. A epiglotite se apresenta com estridor, salivação, odinofagia, recusa de alimentos e líquidos, disfagia ou febre alta. Outros sinais incluem mal-estar e agitação ou uma his-

TABELA 29.1

O estridor, uma respiração musical de alta frequência causada por obstrução da laringe, é uma emergência médica e pode colocar a vida em risco.

Causas de estridor

Vias aéreas supraglóticas Laringe

Vias aéreas subglóticas

Laringomalácia

Laringocele

Traqueomalácia

Paralisia das pregas vocais

Infecção (tonsilite, abscesso periamigdaliano)

Anel vascular

Estenose subglótica

Corpo estranho

Corpo estranho

Hemangioma

Atresia das coanas

Infecção (crupe, epiglotite)

Cistos

Cistos Massa Tonsilas grandes Adenoides grandes Anormalidades craniofaciais

De: Ferrari LR, Nargozian C. Anesthesia for otolaryngologic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1363.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 29.1 Uma tira de plástico radiolucente é visível na entrada da glote (logo acima das pregas vocais) em uma criança que apresenta estridor inspiratório e expiratório. Após a remoção do corpo estranho, uma pequena laceração endotelial é visível na superfície posterior da epiglote.

Uma radiografia torácica pode detectar atelectasia e hiperinsuflação, mas não pode excluir ACE se o corpo aspirado for radiolucente. Quando há um alto índice de suspeita de ACE, a broncoscopia rígida pode ser necessária para estabelecer o diagnóstico.

tória de rápida instalação de sintomas (dentro de horas). A ausência de vacinação contra o Hib é de preocupação óbvia. A apresentação de cansaço e letargia em uma criança sugere colapso respiratório iminente, o que torna essencial a proteção das vias aéreas. Hipotensão, hipoxemia e bradicardia também são indicações de intervenção rápida. Os pacientes com suspeita de epiglotite devem ser manejados rapidamente com a obtenção de imagens radiológicas, monitoração com oximetria de pulso e administração de oxigênio suplementar. Não se deve agitar o paciente antes de um procedimento, uma vez que isso pode levar a laringospasmo. Manter a criança ereta durante o transporte e prosseguir diretamente para a SO para a indução com anestésicos inalatórios com ventilação com pressão positiva contínua nas vias aéreas. Após a indução e colocação de linha IV, analisar o benefício de prevenir o laringospasmo com um agente bloqueador neuromuscular contra o risco de abolir a respiração espontânea se a intubação traqueal falhar. Para laringoscopia direta, uma lâmina Macintosh curva colocada suavemente na valécula é, provavelmente, a melhor abordagem. O contato com a epiglote deve ser evitado, pois isso pode induzir sangramento ou edema. Um tubo endotraqueal com diâmetro 0,5 cm menor do que o normal para a idade deve ser colocado devido à probabilidade de o edema ter reduzido o diâmetro das vias aéreas. Tubos menores também devem estar disponíveis. Atropina e succinilcolina devem estar prontas para administração intramuscular para tratar depressão cardíaca ou laringospasmo. Planos de manejo de vias aéreas alternativas são essenciais e incluem acesso imediato à broncoscopia rígida, traqueostomia de emergência ou cricotiroidotomia.

Capítulo 29

Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

A sedação pós-operatória e a ventilação mecânica garantem o tempo para que a inflamação das vias aéreas ceda. A infecção também precisa ser investigada com cultura e tratada adequadamente. A extubação deve ocorrer apenas após a inspeção revelar que o edema e a friabilidade dos tecidos das vias aéreas diminuiu. Um teste de vazamento pode ser útil para determinar a possibilidade de extubação. Laringotraqueobronquite, ou crupe, é outra causa de estridor, embora tenda a ter um curso mais leve do que a epiglotite. O crupe se apresenta com uma tosse de alta frequência, em latido, e envolvimento sistêmico menos grave. Deve ser suspeitado na tosse vigorosa ou em um bebê alerta com uma voz rouca. Para o crupe em uma criança saudável em outros aspectos, é improvável que a intubação e a ventilação mecânica sejam necessárias.

III. Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica em adultos A. Ouvido médio e mastoide Procedimentos comuns do ouvido médio e problemas do mastoide em adultos incluem estapedectomia, timpanoplastia, mastoidectomia e miringotomia. Considerações intraoperatórias para cirurgia do ouvido médio e mastoide incluem preservação do nervo facial, prevenção de lesões do plexo braquial ou cervical e manejo dos efeitos adversos do N2O. A integridade do nervo facial pode ser monitorada e mantida com eletromiografia intraoperatória associada a não utilização de agentes bloqueadores neuromusculares. A avaliação pré-operatória da amplitude de movimento da coluna cervical é essencial para prevenir lesões ao plexo braquial e coluna cervical. Deve-se evitar a extensão ou a rotação extrema do pescoço durante a cirurgia. O N2O pode resultar em aumento da pressão do ouvido médio se a trompa de Eustáquio não estiver patente. A súbita descontinuação desse gás leva à rápida absorção de N2O, criando pressão negativa que pode resultar em alterações na anatomia do ouvido médio, ruptura da membrana timpânica, rompimento dos enxertos e NVPO.

B. Cirurgia nasal e dos seios paranasais A cirurgia nasal e dos seios paranasais pode ser realizada sob anestesia local com sedação ou sob AG quando há preocupação a respeito do risco de dano arterial ou extensão para o espaço intracraniano, com o último sendo uma preocupação durante cirurgia endoscópica dos seios paranasais. O sangramento intraoperatório deve ser minimizado com o uso de vasoconstrição intranasal, elevação da cabeça para facilitar a drenagem venosa e indução de hipotensão leve.

C. Trauma maxilofacial e cirurgia ortognática O trauma por impacto de alta velocidade, com ou sem evidência externa de lesão, está associado frequentemente com lesões com risco de morte. O plano anestésico deve considerar a possibilidade de lesões da coluna cervical e fraturas cranianas. A estabilização da coluna cervical antes da intubação e a intubação oral versus nasal (contraindicada na fratura LeFort III) são considerações importantes. A cirurgia ortognática para reconstrução de malformações esqueléticas faciais em geral é realizada por osteotomia de LeFort ou mandibular, portanto o entendimento desses procedimentos é útil.

D. Estrutura óssea craniofacial O conhecimento da estrutura óssea craniofacial básica é importante. O esqueleto facial compreende três partes. O terço inferior é a mandíbula. A porção média inclui o arco

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Laringotraqueobronquite, também chamada de crupe, pode causar estridor; contudo, ela tende a ter um curso mais leve do que a epiglotite.

VÍDEO 29.2 Timpanoplastia e mastoidectomia

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Fundamentos de anestesiologia clínica zigomático do osso temporal, o complexo zigomaticomaxilar, o maxilar, ossos nasais e as órbitas. Por fim, a porção superior compreende o osso frontal.

E. Artroscopia da articulação temporomandibular A artroscopia da articulação temporomandibular está indicada quando há deslocamento da cartilagem da articulação temporomandibular, causando estalido, trismo, fibrose ou osteoartrite. A intubação pode ser oral (se for conseguida imobilidade com a AG) ou com ajuda de fibra ótica nasal se o paciente estiver com trismo. O edema em torno do local cirúrgico devido à irrigação pode resultar em obstrução parcial ou completa das vias aéreas.

VÍDEO 29.3 Avaliação da articulação temporomandibular

F. Cirurgia das vias aéreas Laringoscopia e microlaringoscopia A laringoscopia e a microlaringoscopia fornecem acesso direto e visualização das vias aéreas, enquanto protegem a traqueia e mantêm a ventilação e a oxigenação. A ventilação por jato fornece uma via aérea sem o uso de intubação endotraqueal. Casos curtos (< 30 minutos) podem demandar a infusão de succinilcolina para obter um campo imóvel. A ventilação por jato de baixa pressão (30 a 50 PSI – pounds per square inch) é usada para reduzir o risco de barotrauma, que é mais provável de ocorrer em crianças, naqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica e em obesos. A estimulação da laringe pode deflagrar arritmias, taquicardia ou hipertensão. Para bloquear uma resposta simpática grave pela estimulação da laringe, pode ser administrada lidocaína (IV ou tópica), opiáceos (p. ex., infusão de remifentanil para recuperação mais rápida) ou podem ser administrados ␤-bloqueadores (Fig. 29.2). A cirurgia a laser das vias aéreas pode ser usada para microcirurgia das vias aéreas superiores ou da traqueia. Os benefícios incluem a coagulação dos pequenos vasos, inflamação tissular reduzida e melhor precisão. Uma complicação grave é o fogo nas vias aéreas. Usar tubos endotraqueais impregnados, resistentes ao fogo ou protegidos, e uma baixa fração inspirada de oxigênio e evitar N2O são medidas prudentes (4).

Broncoscopia A broncoscopia pode ser flexível ou rígida. A broncoscopia flexível é usada para examinar as pequenas vias aéreas. A broncoscopia rígida é usada quando há sangramento das vias aéreas ou para realizar biópsias das grandes vias aéreas, dilatar as vias aéreas ou remover corpos estranhos. A broncoscopia rígida é realizada sob AG para prevenir lesão das vias aéreas devido à tosse, lesão direta ou estiramento. A ventilação é administrada por meio de uma entrada lateral do broncoscópio rígido. Em casos de emergência, pode-se pros-

A

B

FIGURA 29.2 A. O laringoscópio cirúrgico e a agulha do ventilador a jato B. A visão cirúrgica do laringoscópio posicionado na faringe do paciente e conectado a um oxigênio de fluxo contínuo por meio da agulha do ventilador a jato.

Capítulo 29

Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

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seguir com uma ventilação assistida com máscara, via aérea laríngea com máscara ou intubação endotraqueal. A intubação endotraqueal pode ser necessária se o paciente tiver recebido agentes bloqueadores neuromusculares ou se os reflexos de proteção das vias aéreas estiverem comprometidos.

Traqueostomia A traqueostomia está indicada quando há grave obstrução das vias aéreas superiores, perda dos reflexos de proteção ou paralisia das pregas vocais. Em pacientes conscientes com sofrimento respiratório, é importante realizar um exame físico e determinar se uma traqueostomia deve ser feita com o paciente acordado ou sob AG.

VÍDEO 29.4 Traqueostomia

G. Infecção Infecções dos ouvidos, nariz e garganta são causadas principalmente por bactérias gram-negativas. Essas podem estar associadas com febre, calafrios, salivação e dificuldade de deglutição e fala.

Abscesso periamigdaliano ou retrofaringeano e angina de Ludwig Ocasionalmente, um abscesso deve ser descomprimido sob anestesia local antes da indução. Isso diminui a obstrução das vias aéreas e o risco de ruptura do abscesso durante a colocação do tubo endotraqueal. A intubação difícil devido a uma anatomia distorcida ou trismo pode requerer intubação acordado, indução por máscara com respiração espontânea ou traqueostomia (Fig. 29.3). A angina de Ludwig é uma celulite da região submandibular que desloca a língua para cima e obstrui as vias aéreas.

Abscesso periamigdaliano

Abscesso periamigdaliano

FIGURA 29.3 Radiografia anterior do pescoço (esquerda) e tomografia computadorizada (direita) de um paciente com abscesso periamigdaliano. Observe o deslocamento das vias aéreas para a esquerda e compressão externa das vias aéreas supraglóticas. (De Ferrari LR, Nargozian C. Anesthesia for otolaryngologic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1360–1361.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

H. Dissecção do pescoço e retalhos livres Pacientes com câncer da cabeça e do pescoço frequentemente têm uma história de tabagismo intenso e consumo de álcool com desnutrição subjacente e doença pulmonar e cardiovascular. Preparações para intubação difícil precisam ser realizadas. Um retalho livre é uma transferência de tecido cutâneo e subcutâneo de uma parte do corpo para outra. O suprimento vascular é interrompido durante a transferência e reestabelecido por microcirurgia. Os vasopressores podem comprometer a viabilidade do retalho e devem ser evitados.

IV. Extubação É necessário manter uma comunicação efetiva com toda a equipe cirúrgica e ter uma abordagem sistemática padronizada para a extubação traqueal. Todas as decisões precisam ser individualizadas para cada paciente e levar em consideração múltiplos fatores (5).

V. Anestesia para cirurgia oftalmológica A. Anatomia ocular O olho é formado pela órbita, o globo, os músculos extraoculares, a pálpebra e o sistema lacrimal. A camada fibrosa externa forma a esclerótica, a córnea e a junção córneo-escleral. A camada média é formada pela coroide, o corpo ciliar, os processos ciliares e a íris. A coroide contém um leito vascular denso, enquanto o corpo ciliar controla a espessura do cristalino. A pupila é uma abertura cujo diâmetro é controlado pelo esfíncter pupilar (inervação parassimpática) e pelo dilatador da pupila (inervação simpática). O primeiro contrai a pupila e o último a dilata (Fig. 29.4).

B. Fisiologia ocular Formação e drenagem do humor aquoso

O humor aquoso é produzido continuamente pelo corpo ciliar e é secretado por trás da íris através da pupila.

A produção e a drenagem do humor aquoso são aspectos vitais da manutenção da pressão intraocular (PIO) normal e da visão. O humor aquoso é produzido continuamente pelo corpo ciliar e é secretado por trás da íris através da pupila. A estimulação dos receptores ␤2 aumenta a produção do humor aquoso. A estimulação dos receptores ␣2 diminui sua produção. A secreção de cloro pelo epitélio ciliar leva a uma entrada osmótica de líquidos, um mecanismo secundário mediado pela anidrase carbônica. A drenagem do humor aquoso ocorre primariamente por meio do canal de Schlemm. O humor aquoso também pode ser reabsorvido pelo músculo ciliar. Esse fluxo uveoescleral é aumentado pelo relaxamento do músculo ciliar e geralmente é mediado pelas prostaglandinas. Portanto, os análogos tópicos da prostaglandina podem ser usados para aliviar a PIO. Os ␤-bloqueadores tópicos também podem diminuir a PIO por reduzirem a produção do humor aquoso.

Manutenção da pressão intraocular

Os anestésicos voláteis e os sedativos ou hipnóticos (com a exceção da cetamina) reduzem a PIO.

Os anestésicos voláteis e os sedativos ou hipnóticos (com a exceção da cetamina) reduzem a PIO. Os opioides não têm efeito direto sobre a PIO. Os paralisantes adespolarizantes reduzem indiretamente a PIO por atenuarem os reflexos mecânicos que elevam a PIO, como a tosse. A succinilcolina pode causar uma elevação na PIO, mas não está claro se o efeito tem significado clínico. Como esse é o fármaco de escolha para a paralisia de instalação rápida, os riscos de PIO elevada devem ser pesados contra o risco de não obtenção de condições ideais de intubação (6).

Capítulo 29

Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

Córnea Humor aquoso (câmara anterior) Íris

Pupila

Processo ciliar Cristalino

Ligamento suspensor do cristalino

Músculo reto superior

Músculo reto medial Humor vítreo (câmara posterior)

Retina coroide Coroide Esclerótica

Disco ótico

Esclerótica Nervo ótico (NC II) Artéria e veia central da retina

A Córnea Humor aquoso (câmara anterior) Corpo ciliar

Íris Pupila

*

Cristalino Músculo ciliar Ligamento suspensor do cristalino Corpo vítreo (câmara posterior)

B

FIGURA 29.4 Diagrama da anatomia ocular. (Adaptado de Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2013, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

O reflexo oculocardíaco, que é mediado pelo nervo vago, pode deflagrar hipotensão, síncope, bradicardia e até mesmo assistolia.

VÍDEO 29.5 Reflexo oculocardíaco

Para aliviar agudamente a PIO, deve-se elevar a cabeça e prevenir outras causas de congestão venosa. Sob AG, pode ser usada hipocapnia. Táticas adicionais incluem o uso de relaxantes musculares durante a intubação, o manejo da via aérea com máscara laríngea em vez de intubação, a extubação profunda ou a realização de anestesia local nas vias aéreas. Os agentes IV também podem aliviar rapidamente a PIO.

Reflexo oculocardíaco Por meio do reflexo oculocardíaco, a estimulação ocular pode deflagrar hipotensão, síncope, bradicardia e até mesmo assistolia. O tratamento começa com cessação de qualquer estímulo e garantia da via aérea e ventilação adequadas. Se essas medidas não forem bem-sucedidas, devem ser administrados agentes antimuscarínicos por via intravenosa. A atropina (20 μg/kg) ou o glicopirrolato (15 μg/kg) são bons agentes para tratamento ou profilaxia. O aprofundamento da anestesia, local ou geral, também atenua o reflexo.

C. Glaucoma O glaucoma é uma condição de aumento de pressão dentro do globo ocular, causando perda gradual da visão. Há dois tipos de glaucoma: o glaucoma de ângulo aberto e o de ângulo fechado. Diante de qualquer tipo de glaucoma, aumentos agudos adicionais na PIO durante o período perioperatório podem colocar a visão da paciente em grande risco. A constrição pupilar move a íris para longe do canal, o que reduz a resistência à saída do humor aquoso. Portanto, os antagonistas muscarínicos ou os agonistas simpáticos ␣1, que causam midríase, reduzem o fluxo de saída. Por outro lado, os colinérgicos e os inibidores da acetilcolinesterase, cujas formas tópicas são indicadas para o tratamento do glaucoma, aumentam a saída de líquidos (7).

VI. Implicações anestésicas dos fármacos oftálmicos A absorção dos fármacos oftálmicos tópicos pode ser suficiente para causar efeitos sistêmicos. Adicionalmente, algumas medicações que são administradas sistemicamente podem ter efeitos oftálmicos substanciais. A comunicação constante entre a equipe anestésica e a equipe cirúrgica a respeito de todas as medicações e as doses administradas é necessária. O ecotiofato (iodeto de fosfolina), que é usado no tratamento do glaucoma refratário, resulta em uma redução na atividade da pseudocolinesterase, causando uma maior duração de ação para a succinilcolina e de anestésicos locais do tipo éster.

A. Agentes anticolinesterásicos Os agentes anticolinesterásicos tópicos de longa ação, como o ecotiofato (iodeto de fosfolina), são usados no tratamento do glaucoma refratário. Eles resultam em uma redução na atividade da pseudocolinesterase, que pode durar várias semanas. Devido a seu uso, pode ser esperada maior duração da succinilcolina (apneia prolongada) e dos anestésicos locais do tipo éster; pode ser necessária uma menor dose dessas medicações.

B. Ciclopentolato O ciclopentolato é usado como um agente midriático. A toxicidade ao sistema nervoso central dependente da concentração ocorre com o seu uso. Manifestações de toxicidade ao sistema nervoso central incluem disartria, desorientação e episódios psicóticos. Convulsões foram observadas em crianças. O uso deve ser limitado a concentrações abaixo de 1%.

C. Adrenalina A adrenalina (2%) é útil no tratamento do glaucoma de ângulo aberto. Contudo, a absorção sistêmica pode resultar em hipertensão, cefaleia e arritmias cardíacas (especialmente na presença de halotano). O Dipivefrin é uma pró-droga da adrenalina que reduz a produção do humor aquoso, aumenta sua saída e tem menos efeitos colaterais do que a adrenalina.

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D. Fenilefrina A fenilefrina diminui a congestão capilar e causa midríase. A absorção sistêmica pode resultar em hipertensão, cefaleia, tremores e bradicardia. Em pacientes com doença arterial coronariana, ela pode desencadear isquemia miocárdica. Uma solução de fenilefrina a 2,5% deve ser usada em vez da solução a 10% em crianças pequenas e em idosos. Para minimizar a absorção, seu uso deve ser limitado ao momento anterior da incisão.

E. ␤-Bloqueadores tópicos

O timolol é um ␤-bloqueador não seletivo que diminui a produção do humor aquoso. A absorção sistêmica pode causar bradicardia, broncoespasmo, insuficiência cardíaca congestiva, exacerbação de miastenia grave e apneia pós-operatória em recém-nascidos. Deve-se ter cautela com o uso em pacientes com doença reativa das vias aéreas preexistente, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e anormalidades da condução cardíaca mais graves do que bloqueio cardíaco de primeiro grau. O betaxolol é um ␤-bloqueador antiglaucoma mais novo que é mais oculosseletivo do que o timolol e tem mínimos efeitos sistêmicos. Todavia, ele pode potencializar os efeitos dos ␤-bloqueadores sistêmicos e é contraindicado em pacientes com bradicardia sinusal, bloqueio cardíaco de primeiro grau ou mais, ICC e choque cardiogênico.

F. Hexafluoreto de enxofre intraocular O hexafluoreto de enxofre (SF6) intraocular e outros gases são usados no reparo do descolamento da retina para substituir o volume do humor vítreo perdido durante a cirurgia. A baixa hidrossolubilidade do SF6 garante persistência da bolha intraocular por vários dias a semanas. O N2O é 34 vezes mais solúvel do que o nitrogênio, de modo que ele pode entrar na bolha mais rapidamente do que o nitrogênio pode sair. Essa “absorção” do N2O causa expansão da bolha de gás, aumentando a PIO e comprometendo potencialmente o fluxo sanguíneo para a retina, especialmente na presença de hipotensão sistêmica. O N2O deve ser descontinuado 15 minutos antes da injeção de SF6 ou de qualquer outro gás. A descontinuação abrupta do N2O após a injeção de SF6 irá resultar em uma redução aguda no volume da bolha com uma queda correspondente na PIO abaixo dos níveis do paciente acordado, possivelmente pondo em risco o reparo cirúrgico. O N2O deve ser evitado até cinco dias após a injeção de ar, 10 dias após a injeção de SF6 e 70 dias após a injeção de perfluorocarbonos. Uma pulseira de Alerta Médico deve ser considerada após o uso de perfluorocarbonos.

G. Fármacos sistêmicos Glicerol oral O glicerol oral é usado para reduzir a PIO durante o tratamento de crise de glaucoma agudo. Seus efeitos colaterais incluem hiperglicemia, glicosúria, desorientação e convulsões.

Manitol O manitol é usado para reduzir a PIO de modo a melhorar a exposição cirúrgica (obter um “olho macio”) e, ocasionalmente, tratar o glaucoma. A administração rápida de grandes doses de manitol tem sido associada com insuficiência renal, ICC, sobrecarga de líquidos, desequilíbrio eletrolítico, hipertensão por aumento rápido da pressão oncótica intravascular, hipotensão pela diurese subsequente e isquemia miocárdica. Também foram descritas reações alérgicas.

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Acetazolamida A acetazolamida, um inibidor da anidrase carbônica, é usada para reduzir a PIO. Devido a seus efeitos nos túbulos renais, a acetazolamida pode resultar em perda de bicarbonato de sódio e potássio. Acidose metabólica e arritmias cardíacas também foram descritas. A acetazolamida não deve ser usada em pacientes com disfunção hepática ou renal grave.

VII. Avaliação pré-operatória Todos os pacientes que vão ser submetidos a cirurgia oftalmológica devem passar por uma avaliação pré-operatória (pré-anestésica) ampla realizada por um anestesiologista. O momento da avaliação pré-anestésica baseia-se na complexidade do procedimento e nas condições clínicas gerais do paciente. Os componentes da avaliação pré-anestésica são uma história clínica completa – incluindo alergias e medicações –, história anestésica (pessoal e familiar) e exame físico focado. Um relato completo do uso de todas as medicações tópicas e sistêmicas é necessário. Isso inclui as medicações de venda livre e as terapias alternativas. Devem ser dadas instruções claras ao paciente sobre quais medicações ele deve tomar e quais deve evitar antes da cirurgia. Deve ser dada atenção especial aos anticoagulantes e antiplaquetários. A varfarina deve ser continuada (pelo menos na cirurgia de catarata) devido à ausência de evidência de aumento clinicamente significativo no risco de hemorragia. A terapia antiplaquetária dual deve ser continuada em pacientes com stents cardíacos durante o período perioperatório. A consulta com o cardiologista do paciente, o médico generalista e o oftalmologista a respeito do manejo dos anticoagulantes e antiplaquetários é necessária. O exame físico deve incluir, no mínimo, a condição geral e os sinais vitais, o exame das vias aéreas (incluindo a amplitude de movimento da coluna cervical) e os exames dentários, cardíaco e pulmonar.

VIII. Técnicas anestésicas Vários tipos de bloqueios podem ser usados para cirurgia intraocular.

A. Bloqueios retrobulbar, peribulbar e subtenoniano Para o bloqueio retrobulbar, o paciente é colocado em posição supina com o olho em posição neutra. Uma agulha calibre 23 a 25 é inserida através da pálpebra inferior ou conjuntiva ao nível da borda orbital inferior no quadrante inferotemporal. A agulha é avançada em direção ao ápice da órbita até que seja sentida a perda de resistência (um “pop”). Então 4 a 6 mL de anestésico local são injetados dentro do cone muscular (quatro músculos retos e dois músculos oblíquos), obtendo-se anestesia rápida e confiável e acinesia (Fig. 29.5). Para o bloqueio peribulbar, a agulha é avançada ao longo do assoalho orbital inferior paralelo ao globo, e os anestésicos locais são injetados no espaço extraconal, difundindo-se para os tecidos adjacentes. Quantidades maiores de anestésicos locais são necessárias quando comparado com o bloqueio retrobulbar, aumentando a preocupação com a elevação da PIO, perfuração do globo e miotoxicidade. A aspiração antes da injeção é necessária para ambos os bloqueios, seguida por uma massagem suave ou compressão orbital para promover a distribuição do anestésico. Para o bloqueio episcleral (subtenoniano), o anestésico local é injetado no espaço episcleral (espaço subtenoniano posterior) usando-se uma cânula. A entrada da agulha é em um fórnice no ângulo tangencial ao globo, entre a dobra semilunar conjuntival e o globo. Na entrada na conjuntiva, a agulha é desviada medialmente e avançada posteriormente até ser sentido um estalido (8).

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Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

A

B

FIGURA 29.5 Ilustração esquemática (A) e demonstração esquelética (B) da colocação adequada da agulha para bloqueio retrobulbar. (De McGoldrick KE, Gayer SI. Anesthesia for ophthalmologic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1384.)

As complicações dos bloqueios oculares regionais incluem trauma do nervo óptico, anestesia do tronco cerebral (amaurose, paralisia do olhar conjugado, dilatação da pupila contralateral, parada cardíaca), hemorragia retrobulbar (proptose do olho), perfuração do globo, reflexo oculocardíaco, convulsões e depressão miocárdica.

B. Anestesia tópica A anestesia tópica inclui o uso de gotas ou géis. Os anestésicos locais incluem proparacaína (menos irritante), lidocaína, bupivacaína e tetracaína. Os benefícios da anestesia tópica incluem ausência do risco de hemorragia, de anestesia do tronco cerebral, de dano ao nervo óptico ou de perfuração do globo. As desvantagens incluem ausência de acinesia e uso limitado para cirurgia de catarata.

C. Escolha do anestésico local, dos adjuvantes para bloqueios e adjuntos A abordagem anestésica para cirurgia oftalmológica é baseada na duração e no tipo do procedimento. A anestesia tópica combina anestésicos locais e vasoconstritores. Os vasoconstritores retardam a eliminação dos anestésicos locais, prolongando sua ação. Adjuvantes como a clonidina, o bicarbonato de sódio, o sulfato de morfina, o vecurônio e a hialuronidase (aumento da permeabilidade tissular) também podem ser usados para prolongar a duração dos bloqueios.

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Fundamentos de anestesiologia clínica A PIO aumentada após a administração de anestésicos locais pode ser reduzida com a ajuda de agentes osmóticos IV ou equipamentos mecânicos para comprimir o globo. Equipamentos mecânicos podem comprometer o fluxo sanguíneo e resultar em neuropatia ótica isquêmica ou oclusão da artéria central da retina.

D. Cuidados anestésicos monitorados (sedação) Os objetivos são prover sedação profunda durante a administração de anestesia regional e manter o paciente confortável durante o procedimento. O paciente deve estar responsivo, cooperativo e capaz de proteger as vias aéreas.

E. Anestesia geral para cirurgia oftalmológica A AG é indicada em procedimentos que requerem um campo cirúrgico imóvel ou em pacientes incapazes de permanecer quietos. O despertar deve ser suave, com tosse, toques ou engasgos mínimos. O paciente deve respirar espontaneamente, e a pré-medicação com opioides ou lidocaína para atenuar o reflexo da tosse pode ser administrada antes da extubação.

IX. Manejo anestésico de situações específicas A. Risco do olho aberto, estômago cheio

Com um globo ocular aberto, bloqueios nervosos penetrantes estão contraindicados porque a dor da injeção e o líquido injetado podem elevar a PIO.

O manejo de um paciente com uma laceração do globo e um estômago cheio requer o conhecimento dos riscos. O aspecto mais controverso é como garantir rapidamente uma via aérea segura em um paciente com risco de aspiração sem causar um aumento significativo na PIO, que poderia expulsar o conteúdo ocular e causar cegueira. Uma grande dose de um agente de indução como o propofol (2 mg/kg) resolve ambos os problemas por facilitar condições para a intubação endotraqueal enquanto reduz o risco de estiramento ou tosse. Embora a succinilcolina seja o paralisante mais adequado para indução de sequência rápida em um paciente com risco de aspiração, sabe-se que ela aumenta a PIO em 10 a 20 mmHg, com um pico em 2 a 4 minutos e duração de 7 a 10 minutos. Há também evidência anedotótica de a succinilcolina causar extrusão do humor vítreo em um globo aberto. Não há evidência de que a succinilcolina cause dano a um globo intacto que tenha PIO elevada, como no glaucoma. Alternativamente, uma alta dose de agente adespolarizante (p. ex., o rocurônio 2 mg/kg) tem mostrado prover paralisia dentro de 60 segundos em 90% das vezes. A principal desvantagem é a paralisia prolongada, com risco de impedir o paciente de recuperar o seu esforço respiratório no caso de uma intubação difícil. Se for contraindicada a AG, a anestesia local deve ser considerada. Com um globo acular aberto, bloqueios nervosos penetrantes estão contraindicados, pois a dor da injeção e o líquido injetado podem elevar a PIO. Os agentes tópicos são uma alternativa mais segura nessas situações. Medidas importantes a serem tomadas, independentemente do tipo de anestésico usado, incluem eliminar qualquer aumento agudo na PIO, manter a cabeça elevada, não comprometer a drenagem venosa no pescoço por meio da aplicação de pressão cricoide ou palpação da artéria carótida, evitando a pressão direta no globo (p. ex., máscara facial) e evitar estímulos dolorosos ou intensos do olho antes da instalação completa do anestésico escolhido.

B. Cirurgia do estrabismo O estrabismo corresponde a um mau alinhamento persistente dos campos visuais, geralmente corrigível por cirurgia para neutralizar o desvio. O reparo cirúrgico fornece maior benefício quando realizado antes dos cinco anos de idade, quando as vias neurais envolvidas estão próximas da maturação (6).

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Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

Geralmente, esses reparos são realizados sob AG devido à necessidade de imobilização para a correção e à dor das incisões na pele e nos músculos. A intubação endotraqueal é preferida para garantir vias aéreas seguras devido a sua proximidade com o campo cirúrgico e o risco de contato inadvertido com o mesmo. O paracetamol pode combater a irritação ocular sentida no pós-operatório. O fentanil IV também é um adjunto apropriado. O reparo do estrabismo tem uma das maiores taxas de NVPO quando comparado a qualquer outra cirurgia realizada comumente, com alguns estudos mostrando até 80% em pacientes que não recebem profilaxia. A dexametasona (0,5 mg/kg IV até 4 mg), ondansetron (0,15 mg/kg IV até 4 mg) e a reposição completa do déficit de líquidos com cristaloides mostraram reduzir a incidência de NVPO. Considere o esvaziamento gástrico com a sonda orogástrica enquanto o paciente ainda está profundamente anestesiado, na ausência de qualquer contraindicação.

C. Cirurgia intraocular A maioria das cirurgias intraoculares é realizada com anestesia local em vez de AG, com essa última tendo uma morbidade mais alta, maior consumo de recursos e permanência hospitalar mais longa. Vários bloqueios nervosos são usados para prover analgesia cirúrgica, mas também são críticos para atenuar o reflexo oculocardíaco. As contraindicações ao uso de anestesia regional para a cirurgia ocular incluem – mas não são limitadas a – incapacidade de deitar em posição supina, procedimento que dura mais que duas horas, alergia aos anestésicos locais e incapacidade de permanecer quieto e acordado durante a cirurgia. Alguns cirurgiões podem admitir um paciente adormecido, embora essa situação traga o risco de movimentação súbita ao despertar.

D. Cirurgia do descolamento da retina Assim como outras cirurgias oftálmicas, a preocupação primária é a escolha de AG versus bloqueio nervoso. Para cirurgia vitreorretiniana, uma bolha de gás geralmente é colocada pelo cirurgião para fornecer uma pressão contínua que irá ajudar a reincorporação da retina no epitélio pigmentar. O N2O deve ser evitado durante a cirurgia e, dependendo do tipo de gás instalado no olho, pelas próximas 2 a 12 semanas (9).

X. Complicações oculares perioperatórias A. Abrasão de córnea As abrasões de córneas são as complicações oftálmicas mais comuns após a anestesia. A produção lacrimal diminuída e o fechamento palpebral incompleto aumentam a suscetibilidade da córnea ao trauma mecânico. O trauma químico e as lesões pelo laser também podem ocorrer. Vários fatores de risco foram correlacionados com a abrasão corneana, incluindo a idade avançada, a perda acentuada de sangue, a posição de Trendelenburg, a longa permanência na unidade de cuidados pós-anestésicos e a suplementação de oxigênio durante a recuperação. Pacientes com abrasão corneana relatam uma sensação de corpo estranho, fotofobia, lacrimejamento, visão borrada e dor que tende a aumentar com o piscar de olhos. As abrasões corneanas cicatrizam dentro de 24 a 48 horas e raramente resultam em sequelas no longo prazo. Os anestesiologistas precisam avaliar pacientes que se queixam de sintomas sugestivos de uma abrasão de córnea. Um exame ocular geralmente revela injeção conjuntival com pupilas normalmente reativas. Uma recomendação é iniciar o uso de pomadas de antibióticos oftálmicos imediatamente e continuar quatro vezes ao dia

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Fundamentos de anestesiologia clínica por 48 horas. Eritromicina é a terapia de primeira linha, enquanto a bacitracina pode ser usada em pacientes com contraindicação à eritromicina. Os pacientes precisam ser avaliados por um oftalmologista enquanto estão no hospital ou logo após a alta, dependendo da gravidade dos sintomas. Os fármacos tópicos anti-inflamatórios não esteroides podem mascarar a lesão não resolvida e não devem ser usados, pois a dor não resolvida é um motivo importante para o acompanhamento de pacientes. Não oclua o olho afetado, pois isso não mostrou melhorar os sintomas, e a perda da visão binocular pode colocar o paciente em risco de quedas ou outros acidentes. As precauções na SO precisam ser consideradas conforme cada caso. A oclusão ocular é o método preferido de proteção ocular. A aplicação e remoção agressiva da oclusão ocular tem sido associada com abrasão corneana e dano aos tecidos moles perioculares. As pomadas devem ser usadas com cuidado. Tanto as pomadas à base de vaselina como aquelas à base de metilcelulose podem resultar em irritação ou reações alérgicas e podem induzir o paciente a esfregar os olhos.

B. Perda visual perioperatória A perda visual perioperatória (PVPO) é uma complicação rara, porém devastadora, com uma prevalência de < 0,1%. A cirurgia cardíaca e a cirurgia da coluna têm a maior frequência de PVPO. Há dois tipos principais de PVPO: oclusão da artéria retiniana (central e ramos) e neuropatia óptica isquêmica.

Oclusão da artéria retiniana A oclusão da artéria central da retina (OAR) afeta toda a retina e está associada com o posicionamento impróprio e pressão externa direta ao olho. A OAR seccional tem um déficit de distribuição segmentar que provavelmente é o resultado de microêmbolos ou vasoespasmo. A OAR seccional está associada com perda visual após cirurgia cardíaca. A hemorragia retrobulbar pode resultar em síndrome do compartimento ocular isquêmico. Todos os tipos de OAR têm mau prognóstico e não possuem nenhum tratamento efetivo. Portanto, a prevenção é crítica. Pacientes em posição prona devem usar suportes de cabeça modernos com espuma e com recortes e não devem ser usados óculos de proteção. O posicionamento do paciente e de seus olhos devem ser verificados a cada 20 minutos. Suportes de cabeça em ferradura não devem ser usados.

Neuropatia óptica isquêmica Os fatores causais da neuropatia óptica isquêmica (NOI) são pouco compreendidos, mas sabe-se que a NOI resulta da ruptura do suprimento sanguíneo para o nervo óptico. A NOI anterior está associada com cirurgia cardíaca. A NOI posterior está associada com cirurgias prolongadas da coluna (~ 6,5 horas) quando realizadas em posição prona com perdas sanguíneas elevadas. Há também relatos de casos de NOI associados com posição de Trendelenburg acentuadas durante prostatectomias radicais laparoscópicas robóticas. Assim como a OAR, não há tratamento eficaz para a NOI, de modo que a prevenção é fundamental. O Postoperative Visual Loss Study Group identificou recentemente o uso de uma estrutura de Wilson como um fator de risco significativo independente. É o único fator de risco significativo que é facilmente controlável. A American Society of Anesthesiologists recomenda o posicionamento da cabeça ao nível do coração ou mais alto e em posição neutra para prevenir congestão venosa (10). Os pacientes considerados em alto risco de PVPO após cirurgia espinal devem ser avaliados imediatamente no pós-operatório. No caso de achados positivos ou de suspeita diagnóstica, deve ser obtida uma consulta oftalmológica imediata. Sem demora, devem ser corrigidos o nível de hemoglobina ou o hematócrito, a hemodinâmica e

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Anestesia para cirurgia otorrinolaringológica e oftalmológica

a oxigenação. Considera-se a realização de ressonância magnética para se excluir uma causa intracraniana.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual dos seguintes fatores aumenta o risco de otite média em crianças? A. Durante a infância, a trompa de Eustáquio tem uma grande área transversa B. Durante a infância, a trompa de Eustáquio é relativamente curta C. As crianças têm um sistema imunológico pouco desenvolvido D. Durante a infância, a trompa de Eustáquio tem paredes mais rígidas 2. Miringotomia com inserção de tubo de ventilação no ouvido é realizada mais frequentemente com qual das seguintes técnicas anestésicas? A. Indução intravenosa de anestesia geral B. Anestesia local com sedação moderada C. Anestesia geral com intubação endotraqueal D. Indução inalatória com máscara facial 3. Uma criança se apresenta à sala de emergência com estridor, salivação, odinofagia, disfagia e febre alta. O diagnóstico mais provável é: A. Reação alérgica B. Aspiração de corpo estranho C. Crupe D. Epiglotite

4. Um paciente está sendo submetido à cirurgia para corrigir estrabismo. Subitamente, a frequência cardíaca diminui para 20 batimentos por minuto. O próximo passo deve ser: A. Administração de adrenalina intravenosa B. Remoção de qualquer estímulo C. Administração de atropina intravenosa D. Diminuição da profundidade da anestesia 5. Qual dos seguintes fármacos deve ser evitado em pacientes que receberam hexafluoreto de enxofre ocular? A. Desflurano B. Óxido nitroso C. Timolol D. Fenilefrina

Anestesia para cirurgia neurológica John F. Bebawy Antoun Koht

A neuroanestesia é a prática da anestesia relacionada ao tratamento de lesões neurológicas existentes ou iminentes do sistema nervoso central (SNC) ou do sistema nervoso periférico (SNP). O SNC engloba o cérebro e a medula espinal, enquanto o SNP inclui todos os nervos periféricos do corpo que saem da medula espinal. Como tal, a neuroanestesia engloba a administração de anestesia e analgesia para uma variedade de intervenções – incluindo procedimentos invasivos, minimamente invasivos e neurointervencionista – que envolvem o cérebro, a medula espinal e os nervos periféricos.

I. Neuroanatomia O cérebro adulto é responsável por apenas 2% do peso corporal total e 20% do consumo corporal total de oxigênio. As diferentes regiões do cérebro e da medula espinal são responsáveis por funções distintas (Tab. 30.1). O fluxo sanguíneo para o cérebro é realizado anteriormente pelas duas artérias carótidas (70%) e posteriormente pelas duas artérias vertebrais formando a artéria basilar (30%), que posteriormente convergem para formar um anel anastomótico na base do crânio, conhecido como polígono de Willis (Fig. 30.1). A coluna vertebral é composta por 33 vértebras (7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares e 9 vértebras sacrais e coccígeas fundidas), com raízes nervosas que saem da medula espinal situada dentro do canal vertebral por meio dos forames intervertebrais correspondentes. O fornecimento de sangue para a medula espinal envolve uma artéria espinal anterior e duas artérias espinais posteriores. A artéria espinal anterior se origina das artérias radiculares que se ramificam da aorta, das quais a maior é a artéria de Adamkiewicz (geralmente em L1 ou L2). As artérias espinais posteriores se originam a partir da circulação cerebral posterior (Fig. 30.2). Em adultos, a medula espinal propriamente dita termina em L1 ou L2 na forma de estruturas conhecidas como o cone medular terminal e o filamento terminal.

II. Neurofisiologia A taxa de consumo metabólico de oxigênio cerebral (CMRO2, do inglês cerebral metabolic rate of oxygen) normalmente é de 3 a 3,8 mL/100 g/min em adultos. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é de 50 mL/100 g/min em repouso, enquanto o consumo de glicose é de aproximadamente 5 mg/100 g/min. O cérebro depende de um suprimento contínuo de oxigênio e glicose, sendo que a privação e a lesão hipóxica ocorrem após cerca de cinco minutos de isquemia global. Os resultados da isquemia focal são menos definidos.

30

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 30.1

Funcionalidade das estruturas do sistema nervoso central

Localização anatômica

Estrutura

Função

Giro pós-central Giro pré-central Lobo occipital Lobo temporal Área de Wernicke (giro angular do hemisfério dominante) Lobo frontal Cérebro medial Cérebro medial Cérebro medial Tronco cerebral Tronco cerebral Medula espinal

Córtex somatossensorial primário Córtex motor primário Córtex visual primário Córtex auditivo primário Córtex primário de associação da linguagem

Sensorial Movimento Visão Audição Linguagem

Córtex primário da personalidade Córtex límbico Hipocampo Hipotálamo Sistema reticular ativador Sistema vasomotor Corno dorsal (sensorial)/corno ventral (motor)

Personalidade/intelecto Emoção Memória Regulação vegetativa Consciência Controle circulatório/respiratório Movimento/sensorial/reflexo

Artéria comunicante anterior

Artéria cerebral anterior Artéria oftálmica

Artéria coroide anterior

Artéria cerebral média

Artéria carótida interna

Artéria comunicante posterior

Artéria cerebral posterior

Artéria cerebelar superior

Artérias pontinas

Artéria basilar

Artéria cerebelar anterior inferior Artéria vertebral

Artéria cerebelar posterior inferior Artéria espinal anterior

FIGURA 30.1 posterior.

Polígono de Willis, demonstrando o suprimento sanguíneo cerebral anterior e

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

Tronco basilar Artéria vertebral

1

Artéria espinal anterior

2 3 Artéria radicular C3–C4

4 5 6 7

Artéria radicular C5–C6 Artéria radicular C7–C8

1 2 3 4

Artéria radicular T3–T4

5 6 7 8

Suprimento arterial espinal posterior e radicular

9 10 11

Artéria de Adamkiewicz (artéria radicular T11–T12)

12 1 2 3

Artéria radicular lombossacra

4 5

FIGURA 30.2 Suprimento sanguíneo medular. Note que a medula cervical é suprida pela circulação posterior que se origina do polígono de Willis.

A pressão de perfusão cerebral (PPC) é a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC) ou a pressão venosa central (PVC), dependendo de qual é maior. Felizmente, mesmo grandes oscilações na PAM produzirão um FSC constante de 50 mL/100 g/min, graças à autorregulação, que permanece intacta entre uma PAM de aproximadamente 60 a 160 (Fig. 30.3). A curva de autorregulação é deslocada para a direita em casos de hipertensão crônica. Acima e abaixo desses limites, a FSC se torna dependente da pressão, já que os vasos cerebrais estão dilatados ao máximo (limite inferior da autorregulação) ou contraídos (limite superior da autorregulação). Além da PAM, outros parâmetros fisiológicos desempenham um papel importante no controle do FSC. A tensão arterial de dióxido de carbono (PaCO2) é a mais importante dessas variáveis. O FSC está linearmente associado a uma PaCO2 entre 20 e 80 mmHg. Assim, a hiperventilação e a hipoventilação (realizadas pelo paciente ou iatrogênicas) desempenham um papel crítico na manutenção, na redução (com hiperventilação) ou no aumento (com hipoventilação) do FSC (Fig. 30.4). A pressão de oxigênio no sangue arterial (PaO2) desempenha um papel menos importante no controle do FSC, a menos que ocorra uma hipoxemia acentuada (PaO2 < 50 mmHg). Nesse caso, o FSC

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Fluxo sanguíneo cerebral

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Platô autorregulatório

Pressão de perfusão cerebral

FIGURA 30.3 Autorregulação no sistema venoso central. O fluxo sanguíneo permanece constante entre as pressões arteriais médias (denominadas aqui de pressão de perfusão cerebral) de 60 a 160 mmHg.

aumenta dramaticamente (Fig. 30.5). A temperatura também é um determinante importante do FSC, com uma redução de 6 a 7% a cada grau de queda na temperatura corporal. A fisiologia medular é muito semelhante à fisiologia cerebral, na qual a autorregulação é mantida e a pressão de perfusão medular é igual à PAM menos PIC (pressão no espaço subaracnoide).

III. Fisiopatologia

Fluxo sanguíneo cerebral

VÍDEO 30.1 Hipertensão intracraniana

A hipertensão intracraniana corresponde a qualquer condição na qual a PIC está aumentada acima de 15 mmHg. O crânio é um compartimento fechado, composto por tecido cerebral, sangue e líquido cerebrospinal (LCS). Quando um desses componentes aumenta em tamanho e passa a ocupar mais espaço (p. ex., tumor cerebral, hemorragia), ocorre uma compensação geralmente decorrente de vasoconstrição e drenagem do LCS para fora do crânio e para dentro da coluna vertebral. Esse fenômeno é chamado de elastância intracraniana, embora, e torna-se muito limitado à medida que a PIC atinge um ponto crítico no qual até pequenos aumentos no volume podem levar

Pressão parcial de dióxido de carbono arterial

FIGURA 30.4 Autorregulação no sistema nervoso central. O fluxo sanguíneo cerebral varia de modo linear entre as pressões parciais de dióxido de carbono arterial de 20 a 80 mmHg.

Anestesia para cirurgia neurológica

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Fluxo sanguíneo cerebral

Capítulo 30

Aproximadamente 50 mmHg Pressão parcial de oxigênio arterial

FIGURA 30.5 Autorregulação no sistema nervoso central. O fluxo sanguíneo cerebral permanece constante acima de uma pressão parcial arterial de oxigênio de 50 mmHg.

Pressão intracraniana

a aumentos dramáticos na pressão dentro do crânio (Fig. 30.6). Os resultados podem ser neurologicamente devastadores, com herniação do cérebro para dentro do forame magno e danos irreversíveis subsequentes ou até mesmo a morte. Por isso, cuidados meticulosos em pacientes nos quais haja suspeita de PIC elevada são fundamentais (p. ex., evitar hipoventilação, descompressão cirúrgica emergencial ou drenagem do LCS). Da mesma forma, para a medula espinal, os danos podem ser agudos (levando à fraqueza, perda sensorial ou paralisia) ou crônicos (causando dor e deformidade). A compressão medular aguda decorrente de trauma ou tumor geralmente é uma emergência cirúrgica, uma vez que o tempo para a descompressão está correlacionado com o resultado funcional. Os pacientes podem estar inicialmente flácidos e gravemente hipotensos, devido a uma simpatectomia relativa. A reanimação e o apoio hemodinâmico são os pilares do tratamento nesse momento. O papel dos esteroides na prevenção de lesão secundária é muito mais controverso. Lesões cervicais demandam um controle cuidadoso da via aérea. Essas lesões estão associadas com perturbações fisiológicas maiores do que as lesões mais baixas, incluindo paralisia diafragmática, distúrbios cardíacos e morte.

VÍDEO 30.2 Curva de complacência intracraniana Massa intracraniana

FIGURA 30.6 A curva de elastância intracraniana é composta por três partes. (1) A pressão intracraniana permanece baixa e relativamente constante em volumes baixos até que se atinge o “cotovelo” da curva. (2) Nesse ponto, pequenas alterações no volume levam a alterações moderadas da pressão. (3) Quando é atingido um volume intracraniano crítico, a pressão aumenta subitamente.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

IV. Monitoração A. Função do sistema nervoso central O monitor mais importante da função do SNC é um paciente acordado e responsivo que pode ser submetido ao exame neurológico. Raramente, a neurocirurgia pode ser realizada em um paciente acordado. Sob anestesia geral, no entanto, são necessárias outras maneiras de monitorar o SNC. A monitoração eletrofisiológica (potencial evocado) é comumente usada na sala de cirurgia para avaliar a integridade funcional do SNC durante as cirurgias que possam colocar em risco estruturas do sistema nervoso central (1). As modalidades mais usadas de monitoração de potenciais evocados são os potenciais evocados somatossensoriais (PESSs), os potenciais evocados motores (PEMs) e a eletromiograf ia (EMG), com potenciais evocados auditivos do tronco cerebral e os potenciais evocados visuais, que são menos utilizados. Os PESSs são obtidos a partir de um nervo periférico (p. ex., mediano, ulnar, tibial posterior) e geralmente são medidos ao nível cortical ou subcortical. Essa modalidade é especialmente útil para a monitoração da integridade das colunas dorsais da medula espinal e do córtex sensorial do cérebro, para onde as fibras se dirigem. Os PEMs são produzidos no nível cortical por meio de estimulação direta ou indireta, sendo medidos como potenciais de ação muscular compostos no nível muscular. Os PEMs são úteis para avaliar o córtex motor e o trato espinal anterior (tratos corticospinais) durante cirurgias que podem colocar essas estruturas em risco. A EMG é um monitor que avalia continuamente a integridade de um nervo ou raiz nervosa distinta, espontaneamente ou por corrente provocada, e é sensível a danos mecânicos e térmicos dessas estruturas. Outras modalidades de monitoramento usadas para a monitoração do SNC (muitos referenciados a seguir) incluem a ultrassonografia transcraniana com Doppler, eletroencefalografia (EEG) com dados brutos ou processados, oximetria cerebral e ressonância magnética, entre outros.

B. Influência da técnica anestésica Os fármacos anestésicos desempenham um papel importante no grau de sucesso dessas modalidades de monitoração neurológica. Anestésicos voláteis potentes têm um efeito inibitório maior sobre a obtenção de sinais fortes de potenciais evocados (diminuição da amplitude, aumento da latência) (PESS, PEM). Isso ocorre de forma dose-dependente especialmente em relação aos PEMs. Seu efeito sobre a EMG é mínimo. O óxido nitroso diminui a amplitude do sinal com pouco efeito sobre a latência. Os anestésicos intravenosos têm menos efeitos sobre PESS, PEMs e EMG, mas altas doses de propofol podem deprimir esses sinais. O etomidato e a cetamina podem aumentar a amplitude de PESSs, enquanto os opioides geralmente têm pouquíssimo efeito sobre os potenciais evocados. Os fármacos bloqueadores neuromusculares inibem os PEMs e a EMG atuando diretamente na junção neuromuscular, mas com frequência melhorarão os PESSs removendo a interferência miogênica (2).

V. Perfusão cerebral A. Fluxometria por laser-Doppler A fluxometria por laser-Doppler (FLD) é uma técnica relativamente nova no estudo da hemodinâmica para quantificar o fluxo sanguíneo em tecidos humanos tais como o cérebro. A FLD emprega um laser muito pequeno que pode ser implantado dentro do cérebro para medir a “dispersão” ou desvio Doppler causado pela passagem de hemácias em vasos sanguíneos microscópicos. Tais medidas são úteis na detecção dos efeitos de várias alterações fisiológicas (p. ex., anemia, hiperventilação) no FSC. Estu-

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

563

dos recentes demostraram que FLD fornece medidas de FSC semelhantes ao xenônio (Xe133), que é um isótopo cuja decomposição é medida no cérebro como um marcador de FSC. É considerado o padrão-ouro da medida experimental de FSC (3).

B. Ultrassonografia transcraniana com Doppler A ultrassonograf ia transcraniana com Doppler (UTD) é uma ferramenta usada no cuidado neurocirúrgico e no cuidado neurológico intensivo no qual uma sonda de ultrassom é posicionada sobre uma “janela” (geralmente o osso temporal) para medir as velocidades de fluxo dos grandes vasos cerebrais (geralmente a artéria cerebral média). A velocidade do fluxo sanguíneo é registrada pela sonda de ultrassom, que emite uma onda sonora de alta frequência. Essa onda sonora incide sobre as hemácias e retorna à sonda. A velocidade do sangue em relação à sonda leva a um desvio de fase, com uma frequência alta e baixa diretamente correlacionada com uma velocidade mais alta ou mais baixa, respectivamente. As alterações nessas velocidades de fluxo (velocidades mais altas) podem indicar estenose, embolia ou vasoespasmo desses vasos. Notavelmente, a UTD não é capaz de determinar o FSC real; é, na verdade, uma técnica para medir primariamente as alterações relativas no FSC durante um período de tempo (4).

C. Monitoração da pressão intracraniana A monitoração da PIC é uma ferramenta útil para os pacientes que apresentam uma PIC aumentada por qualquer causa (p. ex., traumatismo cerebral, hemorragia, massa intracraniana). A PIC normal é de 5 a 15 mmHg, e a monitoração ou tratamento geralmente é iniciado quando a PIC > 20 mmHg. As formas de onda da PIC podem ser transduzidas (ondas A, B e C) e podem ser úteis do ponto de vista diagnóstico ao longo do tempo. A monitoração da PIC pode ser feita usando uma variedade de dispositivos, e todos são invasivos. A forma mais usada é a drenagem ventricular externa, que mede a PIC por meio de um transdutor conectado com o ventrículo por um tubo. O dispositivo também permite a remoção de LCS para aliviar a PIC. Outras formas de monitoração da PIC incluem a trepanação subdural com inserção de cateter (geralmente realizado em situação emergencial) atravessando o osso craniano e a dura-máter, um sensor peridural colocado entre o osso e a dura-máter ou um sensor tissular colocado diretamente no parênquima cerebral. Esses métodos não permitem a drenagem do LCS.

D. Monitores da oxigenação e metabolismo cerebral Existem outros dispositivos utilizados para monitorar a homeostasia cerebral, incluindo a oxigenação e o metabolismo, de uso frequentemente experimental e não usados comumente no contexto clínico. A oximetria venosa do bulbo jugular é a mais comum dessas técnicas, envolvendo um cateter de fibra óptica posicionado de modo retrógrado na veia jugular. Esse cateter é capaz de medir a tensão mista de oxigênio venoso cerebral, que é um indicador do consumo ou extração de oxigênio cerebral. Outros monitores usados para medir o metabolismo cerebral incluem cateteres de microdiálise, que são cateteres de múltiplos parâmetros, capazes de detectar a tensão de oxigênio tissular cerebral focal, e os níveis de glicose, piruvato, lactato e glutamato. Esses cateteres estão se tornando cada vez mais populares em unidades de cuidados neurológicos críticos, mas ainda são altamente experimentais (5). Por fim, a oximetria cerebral está se tornando mais prevalente no cenário clínico, envolvendo uma determinação não invasiva da oxigenação do sangue cerebral regional sobre o córtex frontal bilateral. A oxigenação é fornecida em porcentagens, refletindo a contribuição do sangue arterial (25%) e venoso (75%) (6).

A ultrassonografia com Doppler transcraniano pode avaliar de modo não invasivo as alterações no fluxo sanguíneo cerebral.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

VI. Proteção cerebral O cérebro é particularmente suscetível à lesão isquêmica aguda devido a seu alto consumo de oxigênio e glicose, incapacidade de armazenar substrato e incapacidade de eliminar metabólitos tóxicos.

A. Isquêmica e reperfusão Devido a seu alto consumo de oxigênio e glicose, incapacidade de armazenar substrato e incapacidade de eliminar metabólitos tóxicos, o cérebro é especialmente suscetível à lesão isquêmica. Com o acúmulo intracelular de cálcio sob essas condições isquêmicas, o dano neuronal ocorre rapidamente, sendo agravado pelo acúmulo de ácido láctico. A isquemia global, como se observa em condições como a parada cardíaca, é sensível a intervenções que restauram a perfusão cerebral total e a capacidade de transporte de oxigênio, tais como a reanimação cardiopulmonar ou a transfusão de hemácias. A isquemia focal, por outro lado, geralmente é decorrente de um dano regional, tal como um êmbolo ou comprometimento arterial intencional ou não intencional. O tratamento deve ser focado na restauração da perfusão para a região acometida. Em casos de isquemia focal, uma zona de penumbra ao redor de tecido viável (divisor de águas) geralmente circunda a área lesionada. Todos os esforços devem ser direcionados para “salvar” esse tecido, que está sendo suprido em algum grau pela circulação colateral. Muito da pesquisa que atualmente está sendo realizada sobre proteção cerebral lida com esse conceito de “salvamento da penumbra”. Métodos práticos incluem aumento da PPC e redução do edema cerebral em casos agudos (ver abaixo). Outra área que está sendo fortemente estudada é a reperfusão e a “lesão de reperfusão”, na qual a reperfusão de tecido cerebral previamente isquêmico pode, na verdade, piorar os resultados neurológicos em grande parte devido à produção de radicais livres derivados do oxigênio e dos mediadores da inflamação.

B. Hipotermia A investigação sobre os efeitos protetores cerebrais em seres humanos no que se refere à hipotermia tem sido decepcionante, apesar de alguns estudos encorajadores em animais. Teoricamente, a hipotermia deveria ser extremamente protetora para o cérebro e a medula espinal, pois reduz a CMRO2 para o SNC a um grau muito maior do que os anestésicos o fariam. Embora os anestésicos possam causar um EEG isoelétrico (silêncio elétrico), reduzindo a atividade metabólica cerebral em até 60%, a hipotermia pode fazer muito mais, reduzindo até mesmo a necessidade homeostática cerebral (p. ex., mitocondrial) de oxigênio, necessária para a sobrevivência neuronal básica. Apesar disso, reduções leves a moderadas da temperatura central no cenário da isquemia cerebral não produziram resultados de proteção em estudos humanos e têm sido associadas com piora imunológica e da função de coagulação (7).

C. Tratamento medicamentoso para a proteção cerebral Semelhante à hipotermia, o tratamento medicamentoso para proteção cerebral e sua aplicação em seres humanos têm sido difíceis de avaliar. Os anestésicos, em especial os barbitúricos, têm sido amplamente utilizados na tentativa de reduzir o grau de isquemia sobre os neurônios. Quase todos os anestésicos (entre os quais a cetamina e o etomidato em baixas doses são exceções notáveis) podem diminuir a CMRO2 e, teoricamente, proteger o cérebro, mas apenas os barbitúricos demonstraram fornecer alguma proteção em seres humanos contra a isquemia focal (não global). Nenhum agente demonstrou ser capaz de fornecer proteção contra a isquemia global. A nimodipina, um bloqueador do canal de cálcio, é frequentemente utilizada no quadro da hemorragia subaracnoide. Ela pode ter o benefício de proteção neurológica contra a isquemia cerebral, embora seu mecanismo de proteção permaneça indefinido. A metilprednisona (um esteroide) foi usada para limitar o grau de lesão secundária decorrente do edema dentro de oito horas após uma lesão medular aguda, embora existam controvérsias sobre essa técnica. Outros agentes mais experimentais, como lidocaína,

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

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mesilato de tirilazad (esteroide), magnésio, dexmedetomidina (agonista ␣2) e vitamina E (antioxidante), têm sido usados em vários cenários isquêmicos, e todos apresentaram resultados mistos em relação a proteção neurológica e desfechos.

D. Glicose e isquemia cerebral Como mencionado anteriormente, a isquemia é rapidamente prejudicial ao sistema nervoso, não apenas devido à falta de oxigenação, mas também porque a glicose é o único substrato que pode ser metabolizado aerobiamente pelo cérebro sob condições normais. A glicose não é armazenada no sistema nervoso, por isso, quando a glicose não está presente devido à circulação cerebral limitada ou ausente, o trifosfato de adenosina fica indisponível para os neurônios, e a lesão celular se inicia rapidamente. O consumo de glicose cerebral (5 mg/100 g/min), em uma escala de tempo, assemelha-se a CMRO2, de modo que a hipoxemia e a hipoglicemia são igualmente prejudiciais para o cérebro. Com a isquemia e a hipoglicemia cerebral, o lactato é metabolizado até determinado ponto no cérebro, mas com uma eficácia muito menor do que a glicose. A hiperglicemia (glicemia > 180 mg/dL) no quadro de isquemia cerebral também demonstrou piorar os resultados neurológicos, presumivelmente por meio do agravamento da acidose cerebral em um ambiente anaeróbio no qual a glicose é convertida em ácido láctico (8).

E. Uma abordagem prática A proteção cerebral “verdadeira” é difícil de alcançar ou provar, mas, em termos práticos, algumas técnicas são comumente usadas devido a seu possível benefício. Os anestésicos inalatórios e intravenosos geralmente são “protetores”, com base em seu conhecido efeito sobre a CMRO2. Para cirurgias nas quais está planejada uma isquemia regional (p. ex., no clampeamento temporário de vasos cerebrais durante a cirurgia de aneurismas), o propofol administrado em um grande bólus (1-2 mg/kg) seguido de uma infusão em dose elevada (150 μg/kg/min) é, com frequência, usado e titulado para induzir a supressão de surto no EEG antes da isquemia planejada (precondicionamento isquêmico). Em cirurgias cardíacas ou neurológicas nas quais se planeja uma parada circulatória (cirurgia de reparação do arco aórtico, clampeamento de aneurisma basilar gigante), a hipotermia profunda (12-18 °C) tem sido usada para “proteger” o sistema nervoso aparentemente com grande sucesso. Outro exemplo prático de proteção neurológica envolve a realização de drenagem liquórica para diminuir a pressão do LCS e, ostensivamente, manter a perfusão medular quando artérias radiculares provenientes da aorta estão em risco cirúrgico.

VII. Manejo anestésico A. Avaliação pré-operatória A avaliação pré-operatória do paciente neurocirúrgico é fundamental para garantir uma anestesia segura e bem-sucedida. Para pacientes com lesões de massa intracranianas, o fato mais importante é determinar a presença e extensão da hipertensão intracraniana ou PIC elevada, o que deve ser presumido até a obtenção de informações que provem o contrário. Essa informação pode ser mais facilmente obtida a partir da história e do exame físico, da tomografia computadorizada (TC) e da ressonância magnética (RM), além de medidas da PIC (quando disponíveis). Pacientes com PIC elevada podem se queixar de cefaleia, tontura, distúrbios visuais ou da marcha, náusea, vômitos e convulsões. Ao exame físico, tais pacientes podem apresentar anormalidades tais como papiledema, perda da força ou sensibilidade e disfunção de nervos cranianos. A TC ou ressonância magnética cerebral geralmente são úteis na quantificação da gravidade da elevação da PIC. Ventrículos achatados e um desvio da linha média > 5 mm indicam patologia avançada. Por fim, uma avaliação cuidadosa dos resultados

A glicose é o único substrato que pode ser metabolizado aerobiamente pelo cérebro sob condições normais.

A razão pela qual a lesão celular se inicia mais rapidamente no tecido nervoso é porque a glicose não é armazenada no sistema nervoso; por isso, quando não há glicose devido à circulação cerebral limitada ou ausente, a adenosina trifosfato deixa de estar disponível para os neurônios, e a lesão celular se instala rapidamente.

A hiperglicemia (glicose sérica > 180 mg/dL) no quadro de isquemia cerebral também demonstrou piorar os resultados neurológicos, provavelmente por piorar a acidose cerebral em um cenário anaeróbio no qual a glicose é convertida em ácido láctico.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) cerebral geralmente são mais úteis para quantificar o grau de comprometimento da PIC.

A PIC pode ser melhor controlada durante a indução anestésica com o uso de uma dose generosa de opioide e lidocaína intravenosa (1,5 mg/ kg) antes do uso do agente de indução para diminuir a resposta simpática à laringoscopia, garantindo simultaneamente a eucapnia.

Até que a duramáter seja aberta, o controle rigoroso da pressão sanguínea é importante, uma vez que um aumento rápido da pressão arterial irá piorar a PIC, enquanto a hipotensão diminui a PPC – e ambos são prejudiciais.

de exames laboratoriais pode demonstrar distúrbios eletrolíticos, que podem ser decorrentes de patologia hipofisária (p. ex., síndrome da secreção inapropriada de hormônio antidiurético – SIADH, do inglês syndrome of inappropriate antidiuretic hormone secretion), diuréticos ou anticonvulsivantes tomados pelo paciente. Em pacientes com PIC elevada, a pré-medicação sedativa ou ansiolítica deve ser cuidadosamente titulada ou totalmente evitada. Os benzodiazepínicos e opioides, mesmo em pequenas doses, podem deprimir a respiração, levando a um aumento da PaCO2 e herniação cerebral subsequente. Por outro lado, os esteroides (p. ex., a dexametasona) e os anticonvulsivantes devem ser mantidos no período pré-operatório. A avaliação pré-operatória de pacientes que se apresentam para cirurgia da coluna vertebral, especialmente durante a fase aguda, deve se concentrar em (a) nível da lesão, (b) grau de comprometimento neurológico (completo versus incompleto), (c) momento da lesão (menos ou mais de oito horas), (d) exame neurológico completo, (e) condições hemodinâmicas atuais e (f ) exame da via aérea. O planejamento cuidadoso da intubação endotraqueal e o manejo hemodinâmico subsequente desses pacientes são vitais. Técnicas avançadas de via aérea (p. ex., a intubação acordada com fibra óptica) e o manejo criterioso de fluidos com uso concomitante de vasopressor podem ser necessários (p. ex., durante o choque medular).

B. Indução da anestesia e manejo das vias aéreas A indução adequada da anestesia e o manejo das vias aéreas são extremamente importantes na neuroanestesia, em especial naqueles pacientes com PIC elevada e aneurismas cerebrais não clampeados ou com lesão da medula espinal. A PIC elevada requer atenção constante durante a indução e intubação; a PIC deve ser controlada enquanto a PPC deve ser mantida. Para esse efeito, a indução dos pacientes com PIC elevada deve ser lenta e controlada, com atenção constante à pressão arterial ao longo do procedimento. Em muitos casos, a cateterização arterial pré-indução, diurese osmótica e drenagem de LCS podem ser úteis. Os pacientes com PIC elevada devem receber uma dose generosa de opioide e lidocaína intravenosa (1,5 mg/kg) antes do fármaco indutor para diminuir a resposta simpática à laringoscopia, mantendo ao mesmo tempo normoventilação ou até hiperventilação para garantir a eucapnia. Após a indução e o relaxamento muscular, a hiperventilação deve ser realizada em antecipação do período de apneia que acompanhará a tentativa de intubação. Durante a intubação, o controle rigoroso da pressão arterial é importante, pois um rápido aumento da pressão arterial agravará a PIC, enquanto a hipotensão e a PPC diminuída também serão prejudicais. No caso de uma lesão da medula espinal cervical, a manutenção da PAM é importante durante a indução, enquanto o desempenho real da intubação pode exigir técnicas mais complexas (p. ex., intubação acordada com fibra óptica, estabilização da linha média, etc.) para garantir que a medula espinal não seja ainda mais comprometida.

C. Manutenção da anestesia A manutenção da anestesia em pacientes neurocirúrgicos requer regimes que variam dependendo dos objetivos hemodinâmicos e da monitoração para aquele procedimento. De modo geral, para cirurgias intracranianas, o controle da PIC é primordial até a abertura da dura-máter. Para esse fim, depois que a fixação da cabeça com suporte de Mayfield e o posicionamento estiverem concluídos com segurança, administra-se manitol (0,5-1,5 g/kg), assim como esteroides (p. ex., dexametasona 10-20 mg) e, em alguns casos, um anticonvulsivante profilático. O regime anestésico depende da PIC e do emprego ou não de monitoração neurológica. Para pacientes com PIC elevada, o uso dos anestésicos voláteis geralmente é limitado a 0,5 de concentração alveolar mínima (CAM) para minimizar a vasodilatação cerebral e a inibição da autorregulação associadas

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

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a seu uso. A anestesia é suplementada com agentes intravenosos, como o propofol ou um opioide, em infusão contínua. Esse regime funciona também em casos de uso de monitoração neurológica, quando > 0,5 CAM do agente volátil pode interferir com o monitoramento PESS e PEM (PEM é mais sensível do que PESS). Os relaxantes musculares são empregados com frequência, a menos que sejam indesejados devido ao uso da monitoração PEM. O óxido nitroso geralmente é evitado devido a seus efeitos vasodilatadores leves, potencial de expansão do pneumoencéfalo e efeitos desaforáveis sobre a monitoração neurológica. Ao longo do procedimento, a PPC deve ser mantida (e muitas vezes requer o uso de um vasopressor). Se a autorregulação estiver muito inibida devido ao processo patológico ou anestesia, o FSC estará diretamente dependente da PAM (ou PPC). Durante a manutenção da anestesia em casos de lesão medular aguda, muitos desses princípios são aplicáveis, uma vez que a perfusão medular (especialmente na cirurgia da coluna vertebral) e a capacidade de realizar a monitoração neurológica são essenciais.

D. Manejo da ventilação O manejo ventilatório dos pacientes submetidos à neurocirurgia também é uma questão importante. Para pacientes submetidos a um procedimento intracraniano, o volume corrente deve ser mantido entre 6 a 8 mL/kg (ou seja, uma estratégia de ventilação pulmonar protetora) para minimizar o risco de potencial lesão inflamatória para os pulmões, com manutenção da pressão de pico < 40 cm H2O. Esses princípios são especialmente importantes para pacientes com hemorragia subaracnoide, pacientes que já apresentam lesão pulmonar aguda ou na síndrome de desconforto respiratório do adulto. A pressão expiratória positiva final (PEEP) deve ser evitada, a menos que seja necessária para melhorar a oxigenação, pois aumenta a pressão intratorácica e pode impedir a drenagem venosa cerebral. A ventilação com pressão positiva geralmente é utilizada para procedimentos neurocirúrgicos, pois permite o controle direto da PaCO2. Ela é especialmente benéfica durante craniotomias na posição sentada, na qual a pressão intratorácica negativa que ocorreria na posição sentada pode contribuir para o desenvolvimento da embolia aérea venosa.

E. Fluidos e eletrólitos Por muitos anos, os ensinamentos a respeito da manutenção de fluidos durante uma craniotomia foram de manter o paciente “seco”, de modo a minimizar a quantidade de edema cerebral reativo, tanto durante a cirurgia como no pós-operatório. Isso geralmente não é considerado ideal, pois sabe-se agora que o objetivo principal do manejo de fluidos, nesse caso, deve ser a manutenção da perfusão cerebral, que é um alvo mais importante e que por si diminui o edema cerebral. Por isso, o objetivo do manejo de fluidos deve ser manter o paciente euvolêmico em todos os momentos. As soluções isotônicas (p. ex., solução fisiológica 0,9%) devem ser sempre utilizadas, uma vez que soluções hipotônicas (p. ex., 0,45% ou metade da solução fisiológica) em quantidades maiores podem contribuir para o edema cerebral. Soluções contendo glicose devem ser evitadas, pois a hiperglicemia é prejudicial para o metabolismo cerebral (ver acima) e porque a glicose é rapidamente metabolizada e não é osmoticamente ativa, o que resulta em água livre hipotônica, que pode agravar o edema. Dependendo das comorbidades do paciente e da duração da cirurgia, os distúrbios eletrolíticos podem ser comuns e devem ser acompanhados de perto. Certamente, pacientes com SIADH intraoperatória ou diabetes insípido (DI) requerem uma monitoração cuidadosa dos eletrólitos. A suplementação com solução fisiológica (3%) (administrada lentamente para evitar a mielinólise pontina central) também pode ser necessária. O manitol, especialmente em doses elevadas, pode causar desequilíbrios eletrolíticos leves, que geralmente são fugazes (p. ex., hiponatremia, hipercalemia). Esses também

VÍDEO 30.3 Edema cerebral

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Fundamentos de anestesiologia clínica devem ser monitorados. Administrado em grandes quantidades, o soro fisiológico a 0,9% pode causar acidose hiperclorêmica, e medidas devem ser tomadas para evitar isso.

F. Tratamento transfusional A transfusão de sangue e produtos derivados do sangue com frequência é necessária durante procedimentos neurocirúrgicos. No pré-operatório, devem ser feitos exames de coagulação. Os anticoagulantes devem ser suspensos após consulta com o médico que prescreveu a medicação. Pacientes neurocirúrgicos submetidos à cirurgia não emergencial devem ter uma contagem de plaquetas > 100.000 mm3. Hemácias submetidas à tipagem e provas cruzadas devem estar disponíveis para a maioria das craniotomias, especialmente para procedimentos neurovasculares (p. ex., clipagem de aneurisma, ressecção de malformação arteriovenosa [MAV]) ou para ressecção de tumores que invadam os seios cranianos. As coagulopatias podem se desenvolver após a liberação da tromboplastina do tecido cerebral. Essas devem ser tratadas com plasma fresco congelado, plaquetas ou crioprecipitado, conforme necessário. A cirurgia complexa da coluna vertebral (especialmente as osteotomias planejadas ou decorrentes de tumor) geralmente estão associadas com perda sanguínea mais intensa e terapia de transfusão. Nesses casos, várias unidades de produtos derivados do sangue devem estar imediatamente disponíveis e por perto, e o monitoramento periódico do nível de hemoglobina e de exames de coagulação devem ser feitos.

G. Manejo da glicose

A hipertensão pós-craniotomia é prejudicial porque pode aumentar o sangramento cerebral a partir do leito de resseção e piorar o edema cerebral.

A tosse durante o despertar deve ser evitada para todos os pacientes porque aumenta o risco de sangramento e elevação da PIC.

Como discutido anteriormente, a administração de glicose é muito importante em casos neurocirúrgicos nos quais se tenta evitar tanto a hipoglicemia como a hiperglicemia. Alguns autores têm defendido o “controle estreito da glicemia ”, no qual a variação do nível sérico de glicose aceitável é muito restrita (p. ex., 90-120 mg/dL) e firmemente controlada com a insulina. Outros discordam de tal controle intensivo da glicemia, argumentando que a incidência de hipoglicemia é maior com essa estratégia. De qualquer modo, a maioria dos neuroanestesiologistas concorda que, durante procedimentos neurocirúrgicos, a glicose sérica deve ser mantida entre 90 e 180 mg/dL. Para casos de hiperglicemia acima dessa variação, a insulina regular deve estar prontamente disponível e pode ser administrada na forma de bólus, com ou sem uma infusão. Nesses casos, a monitoração da glicose sérica deve ser frequente o suficiente para identificar episódios de hipoglicemia. Em casos de hipoglicemia, a dextrose (p. ex., dextrose 50% em água) deve ser administrada em doses de 20 a 50 mL, dependendo do grau de hipoglicemia.

H. Despertar da anestesia O despertar da anestesia após procedimentos neurocirúrgicos requer atenção meticulosa para manter os parâmetros hemodinâmicos e ventilatórios estáveis, verificando se o paciente está suficientemente responsivo para permitir um exame neurológico imediatamente após a cirurgia. A hipertensão pós-craniotomia é um fenômeno bem-descrito, ainda que pouco compreendido, mas que certamente pode ser prejudicial, uma vez que pode aumentar o sangramento cerebral a partir do leito de ressecção e piorar o edema cerebral. A analgesia cuidadosa (de modo a não deprimir o paciente no pós-operatório) é útil no controle dessa hipertensão, mas geralmente medicamentos anti-hipertensivos também são necessários (p. ex., labetalol, nicardipina). Os pacientes que despertam após uma ressecção de MAV cerebral são particularmente vulneráveis, uma vez que o leito de ressecção tem maior probabilidade de sangrar. Os pacientes submetidos a cirurgia de fossa posterior, que também podem ter um comprometimento do tronco cerebral, podem despertar mais lentamente, e o período de tempo para uma extubação segura pode ser prolongado. Durante o despertar, a tosse deve ser evitada para todos os pacientes, pois aumenta o risco de hemorragia e elevação da PIC. Uma infusão intravenosa de

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

opioides em dose baixa ou lidocaína pode ser útil, nesse caso. Da mesma forma, náuseas e vômitos devem ser tratados profilaticamente nesses casos e pelas mesmas razões.

VIII. Procedimentos cirúrgicos comuns A. Cirurgia de tumores A neurocirurgia é comumente feita para remoção de tumores benignos ou malignos que se originam do SNC ou SNP ou que se disseminam para eles. Tumores primários comuns incluem meningeomas, astrocitomas, glioblastomas, schwannomas e oligodendrogliomas, enquanto tumores metastáticos podem se originar de diversos locais primários (p. ex., pulmão, mama, pele). Independentemente de sua histologia, a mortalidade de tumores cerebrais está associada com seu tamanho, taxa de crescimento e proximidade ou invasão de estruturas próximas. Pacientes com aumento pronunciado na PIC no período pré-operatório podem requerer drenagem pré-operatória do LCS e glicocorticoides intravenosos. De modo geral, a cirurgia de tumores intracranianos pode ser realizada com segurança com os regimes de indução e de manutenção anteriormente citados, com a normoventilação ou hiperventilação e com acesso vascular adequado (geralmente dois cateteres intravenosos periféricos e um cateter arterial). A PIC e a PPC são uma grande preocupação para esses casos. Um cateter arterial é muito útil para o acompanhamento cuidadoso da PPC e, ao mesmo tempo, possibilita a titulação de PaCO2 pelo cálculo do gradiente com o dióxido de carbono expirado medido na gasometria arterial. Normalmente, os pacientes são extubados na sala de cirurgia, no momento da conclusão do procedimento.

B. Cirurgia hipofisária Embora a PIC aumentada seja de grande importância para massas supratentoriais e infratentoriais, isso geralmente não é um problema grave na cirurgia hipofisária, pois o espaço selar em geral é suficiente para acomodar a maioria dos tumores. A cirurgia hipofisária normalmente é feita por via endoscópia e transnasal. As preocupações anestésicas na cirurgia da hipófise incluem a compressão do quiasma (levando à compressão do terceiro nervo craniano e, classicamente, a uma hemianopsia bitemporal), acromegalia, distúrbios hidroeletrolíticos, causados por SIADH ou DI, e invasão cirúrgica não intencional do seio cavernoso ou da artéria carótida interna. Pacientes com uma massa selar (geralmente um adenoma hipofisário ou craniofaringeoma) podem apresentar defeitos do campo visual. É importante diferenciar entre causas orgânicas e anestésicas de problemas visuais após a cirurgia. Tumores que secretam hormônio de crescimento podem causar comumente acromegalia, que é de vital importância para o anestesiologista, uma vez que a via aérea e o manejo hemodinâmico podem ser muito mais difíceis. Apesar de uma abertura oral adequada, pacientes com acromegalia tendem a apresentar tecidos moles faríngeos abundantes e uma pequena abertura da glote, o que pode ser um desafio para a ventilação por máscara e intubação, podendo exigir um tubo endotraqueal de tamanho menor e intubação acordada com fibra óptica. Além disso, pacientes acromegálicos de longa data têm propensão a distúrbios do ritmo cardíaco e miocardiopatias, e recomenda-se cuidado com medicamentos depressores do ritmo cardíaco. A SIADH é comum com tumores da região selar devido à compressão da hipófise anterior e uma secreção excessiva de hormônio antidiurético (ADH), o que pode levar à sobrecarga de volume intravascular e hiponatremia. A água corporal extracelular com frequência é normal, e edema ou hipotensão geralmente não são observados. O tratamento da SIADH perioperatória envolve restrição criteriosa de água, remoção da causa subjacente (o tumor) e uso de demeclociclina (um inibidor de ADH de longa ação, mas menos útil no quadro agudo). No período perioperatório, o DI também é visto ocasionalmente (devido a uma falta de secreção de ADH), caracterizado por um débito

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Fundamentos de anestesiologia clínica urinário alto e diluído. O DI pós-operatório normalmente é de curta duração e pode ser tratado com restrição de fluidos. A desmopressina exógena raramente é necessária. Como a invasão cirúrgica acidental do seio cavernoso ou da artéria carótida interna é uma complicação potencial, embora pouco frequente, da cirurgia de hipófise, recomendam-se dois cateteres intravenosos e um cateter arterial. A hiperventilação intraoperatória geralmente não é usada na cirurgia da hipófise e pode dificultar ainda mais o acesso endoscópico das estruturas selares. Da mesma forma, muitas vezes é colocado um cateter no espaço subaracnoide lombar antes ou após a cirurgia hipofisária, seja para injetar solução fisiológica estéril para facilitar a exposição cirúrgica, seja para drenar LCS no pós-operatório para reduzir a pressão do LCS, quando for usado um selante dural ou enxerto de gordura.

C. Cirurgia de aneurisma cerebral e tratamento endovascular

VÍDEO 30.4 Administração de adenosina na neurocirurgia

A anestesia para clipagem de aneurisma cerebral requer uma pressão arterial estável, de modo que o aneurisma não se rompa antes da exposição, manutenção da PPC e um plano caso ocorra uma ruptura intraoperatória. O regime de manutenção deve permitir o uso da monitoração neurológica para detecção de isquemia regional. Durante a exposição do aneurisma, procura-se muitas vezes obter a taxa de supressão no EEG (Fig. 30.7) para reduzir a carga isquêmica iminente no cérebro, decorrente da oclusão temporária de grandes vasos cerebrais. Um vasopressor adicional pode ser necessário durante esse período. Antes do clampeamento direto do colo aneurismático, o cirurgião pode colocar clipes temporários para “suavizar” o colo, tornando-o mais favorável ao clampeamento direto e minimizando as chances de ruptura. Alternativamente, quando o posicionamento de clipes temporários é anatomicamente difícil, a adenosina 0,3 a 0,4 mg/kg pode ser administrada com segurança na forma de bólus para causar a parada transitória da circulação e hipotensão profunda, permitindo a colocação segura do clipe permanente (9). A ruptura não intencional pode ocorrer durante a dissecção ao redor do aneurisma. O plano para isso deve incluir a disponibilidade de produtos derivados do sangue e adenosina para o resgate. Assim, o acesso intravenoso caloroso é necessário para esses casos, e o acesso venoso central é recomendado. Cateteres arteriais são comumente usados para a cirurgia de aneurisma. O tratamento endovascular de aneurismas envolve o acesso arterial femoral e bobinas implantadas no saco aneurismático para causar trombose e eventual obliteração do aneurisma. A anestesia geral é usada, e a movimentação deve ser evitada. Um cateter arterial é necessário para monitorar de perto a pressão arterial e para a obtenção de amostras de sangue para medidas de coagulação em intervalos repetidos, uma vez que

FIGURA 30.7 Eletrencefalograma com supressão de surtos. Note a atividade elétrica de “surtos”, seguida por um período de “supressão”, seguida novamente por um “surto”.

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

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a heparina é administrada periodicamente. O anestesiologista deve estar em contato direto com o intervencionista durante todo o procedimento, uma vez que qualquer extravasamento de corante dentro do parênquima cerebral pode ser indicativo de ruptura vascular. As bobinas podem levar à embolização de outras partes cerebrais. Assim, o exame neurológico imediato no momento da conclusão do procedimento é importante.

D. Malformações arteriovenosas As MAVs cerebrais são anomalias congênitas nas quais um plexo de artérias e veias “arterializadas” são agrupadas conjuntamente, podendo levar à hemorragia cerebral, cefaleias ou convulsões, geralmente entre os 10 e 40 anos de idade. Essas lesões podem ser embolizadas na sala de radiologia intervencionista (no pré-operatório ou de modo curativo), irradiadas ou removidas cirurgicamente. Mais do que qualquer outro procedimento neurocirúrgico, o acesso vascular é de grande importância, e um cateter venoso central é fortemente recomendado. O maior risco da ressecção de uma MAV é a hemorragia, tanto no intraoperatório como no pós-operatório, e é necessário um controle rigoroso da pressão arterial para manter a PPC sem piorar a perda sanguínea decorrente da ressecção do leito da MAV. Os produtos derivados do sangue devem estar imediatamente disponíveis, e os vasodilatadores muitas vezes são necessários, em especial no momento do despertar. O fenômeno de disfunção da pressão de perfusão normal é um tipo de inibição da autorregulação causado pela MAV, afetando o cérebro “normal” circundante, no qual os vasos cerebrais previamente normais encontram-se dilatados ao máximo devido ao “roubo” de longa data causado pela MAV. Após a ressecção da MAV, esses “vasos plégicos” não são capazes de contração, levando à hiperemia cerebral, congestão cerebral, cefaleia e, possivelmente, piora do sangramento pós-operatório. A monitoração neurológica está sendo cada vez mais usada para resseções de MAVs cerebrais. A cateterização arterial e a indução e intubação cuidadosas, tais como descritas para aneurismas cerebrais, são o padrão de atendimento.

E. Cirurgia de carótida A endarterectomia carotídea para a remoção de placas carotídeas causando oclusão ≥ 70% é realizada com o paciente acordado (técnica regional) ou dormindo (anestesia geral). Nenhuma das duas técnicas provou ser superior em termos de resultado neurológico. A cirurgia da carótida com paciente acordado geralmente envolve um bloqueio do plexo cervical superficial e, algumas vezes, do plexo cervical profundo, juntamente com analgesia em baixa dose e sedação (p. ex., remifentanil, propofol), assegurando que o paciente responda a comandos e seja capaz de realizar tarefas manuais no lado contralateral. A cirurgia da carótida com o paciente dormindo emprega a anestesia geral endotraqueal. Frequentemente, é usado algum tipo de neuromonitoração (por exemplo, EEG, PESS, oximetria cerebral) ou é feita a medição da pressão do coto carotídeo (> 50 mmHg é o desejável) para assegurar um FSC adequado durante o pinçamento. Em ambos os casos, a monitoração da pressão arterial está indicada, uma vez que a morbidade operatória em geral é devida a complicações neurológicas, enquanto a mortalidade comumente é devida a complicações cardíacas, e o controle da pressão arterial é fundamental. Durante a manipulação do barorreceptor carotídeo, a bradicardia é frequente, e o cirurgião pode infiltrar o seio carotídeo com lidocaína para evitar essa resposta. A denervação cirúrgica do barorreceptor carotídeo causa hipertensão e taquicardia após o despertar, e elas devem ser rigorosamente controladas. Como os vasos cerebrais distais em relação à carótida foram dilatados ao máximo por um período de tempo prolongado, a autorregulação não está intacta, podendo ocorrer um fenômeno de “roubo”, com hiperemia cerebral e sangramento em potencial. Os ␤-bloqueadores são úteis nesse sentido. Por fim, o anestesiologista deve estar bem consciente do potencial de hematoma cervical no pós-operatório, que pode comprometer rapidamente a via aérea. Nesses casos, intubação imediata, que pode ser mais difícil, e exploração cirúrgica da ferida tornam-se necessárias.

VÍDEO 30.5 O uso de indocianina verde em neurocirurgia

VÍDEO 30.6 Shunt carotídeo

VÍDEO 30.7 Estimulação do seio carotídeo

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Fundamentos de anestesiologia clínica

F. Cirurgia da epilepsia e craniotomia acordada A cirurgia para epilepsia intratável e não responsiva ao manejo medicamentoso requer uma profunda compreensão dos efeitos farmacológicos dos anestésicos e anticonvulsivantes. Os anticonvulsivantes tomados pelo paciente podem induzir as enzimas hepáticas em grande extensão e, geralmente, causam um aumento do metabolismo de relaxantes musculares e opioides. Isso leva a uma “resistência” aos efeitos desses medicamentos e à necessidade de doses mais elevadas. Por outro lado, os anestésicos têm efeitos mistos e variáveis e efeitos inibitórios sobre a atividade convulsiva – e, se forem usados de forma inadequada, podem ser prejudiciais para o mapeamento do foco convulsivo. De modo geral, os benzodiazepínicos devem ser evitados quando se planeja o uso da eletrocorticografia (ECoG). A indução da anestesia com propofol, relaxante muscular e opioide é aceitável. Durante a manutenção da anestesia e antes da ECoG, qualquer regime anestésico adequado para uma craniotomia pode ser usado, mas, 30 minutos antes do início da ECoG, a infusão de propofol deve ser interrompida, e os anestésicos voláteis potentes devem ser interrompidos ou mantidos em mínima concentração. Para evitar a consciência, podem ser usados a escopolamina, o óxido nitroso e uma infusão opioide em alta dose com pouco efeito adverso sobre a ECoG. O paciente sempre deve ser aconselhado sobre a possibilidade de consciência intraoperatória. Em alguns casos, o metoexital ou etomidato podem ser utilizados para induzir a atividade convulsiva. Assim que o ECoG estiver concluído, pode ser retomada uma anestesia geral “de rotina” durante a ressecção. A craniotomia acordada ganhou popularidade em algumas instituições e é usada em casos nos quais a lesão craniana situa-se adjacente ao córtex “eloquente”, motor ou sensorial. A vantagem da craniotomia acordada reside na sua capacidade de permitir o mapeamento motor, sensorial e da fala em tempo real, facilitando, portanto, uma ressecção subtotal do tumor e evitando a perda dessas funções. O anestesiologista deve estar atento às necessidades analgésicas, ventilatórias e emocionais do paciente. Assim, a comunicação constante com o paciente é fundamental. De modo geral, um cateter arterial é implantado, e usa-se sedação muito leve ou analgesia (p. ex., propofol, remifentanil, dexmedetomidina). Um bloqueio nervoso do couro cabeludo pode ser feito no pré-operatório, seja lateral ou bilateral, bloqueando os seis nervos em cada lado que inervam o couro cabeludo e a dura-máter. O cérebro, em si, não tem receptores para a dor ou sensoriais, portanto, apenas o couro cabeludo e a dura-máter necessitam de anestesia.

IX. Anestesia e lesão cerebral traumática A. Visão geral da lesão cerebral traumática A lesão cerebral traumática é frequentemente associada a outros traumatismos (p. ex., danos torácicos, abdominais e ortopédicos) e é uma causa comum de óbito e incapacidade em adultos jovens. O óbito após lesão cerebral traumática muitas vezes está associado com danos secundários, que podem ser minimizados pelo manejo de urgência e da anestesia. Pacientes com lesão cerebral traumática são classificados de acordo com a escala de coma de Glasgow (ECG) no momento da apresentação (pontuação de 3-15) e são intubados quando a ECG é de 8 ou menos, o que corresponde a uma mortalidade de 35% (Tab. 30.2). A tomografia computadorizada sem contraste que mostra um desvio da linha média > 5 mm ou ventrículos colabados também deve levar à intubação imediata, pois, nesses casos, a PIC é muito alta e a ventilação deve ser controlada. A monitoração da PIC é, com frequência, usada nesses casos e pode ser instituída no pronto-socorro por meio de uma drenagem ventricular externa, em que o manitol, a hiperventilação e o propofol são usados para o controle da PIC elevada. A correção cirúrgica normalmente é indicada para fraturas com depressão do crânio e hemorragia cerebral em expansão, incluindo hematomas subdurais e peridurais.

Capítulo 30 TABELA 30.2

Anestesia para cirurgia neurológica

Escala de coma de Glasgow

1

2

3

Não abre

Abertura com estímulo doloroso

Verbal Não emite sons

Som incompreensível

Motor

Extensão a estímulo Flexão ao estímulo doloroso (movidoloroso (movimento de desceremento de decortibração) cação)

Olho

573

Não faz movimentos

4

5

6

Abertura à estimula- Abertura esponção verbal tânea.

NA

NA

Palavras inapropriadas

Desorientado, confuso

Fala normal

NA

Movimento de retirada a estímulo dolorosos

Localiza estímulo Obedece a doloroso comandos

NA, não aplicável. Note que a pontuação mais baixa possível é 3 e a maior é 15.

B. Manejo anestésico Presume-se que os pacientes com lesão cerebral traumática tenham lesão concomitante da coluna cervical, e o plano de intubação deve levar isso em consideração. A hipoxemia é comum, podendo ser ainda mais exacerbada por uma lesão pulmonar. As doses de indução dos anestésicos devem ser tituladas de modo a evitar o agravamento da hipotensão sistêmica. O uso de succinilcolina é controverso na presença de um traumatismo craniano fechado, pois pode elevar transitoriamente a PIC, mas a maioria dos anestesiologistas irá utilizá-la para facilitar o acesso da via aérea de modo rápido e previsível. A intubação nasal é contraindicada na presença ou suspeita de uma fratura basilar de crânio. Uma vez garantida a via aérea, a atenção deve ser voltada à hemodinâmica, uma vez que a pressão arterial sistólica < 80 mmHg está associada a um resultado neurológico pior. A fluidoterapia e os vasopressores são necessários para garantir uma pressão sistêmica e pressão de perfusão cerebral adequadas. O acesso intravascular deve incluir um cateter arterial e cânulas intravenosas de grande calibre, se não um cateter venoso central. O manejo anestésico depende de uma boa compreensão do manejo da PIC (ver acima), com agentes intravenosos e inalatórios usados em equilíbrio para evitar a vasodilatação cerebral excessiva. Pode ser administrado manitol adicional, mas a hiperventilação não deve ser mantida por mais de 2 a 6 horas, pois a normalização do pH no LCS começa a ocorrer e seu efeito fica restrito apenas à redução da perfusão cerebral. Note-se que a liberação da tromboplastina tissular cerebral pode levar à coagulação intravascular disseminada e à coagulopatia, que deve ser ativamente pesquisada e tratada. Da mesma forma, pode existir um edema pulmonar neurogênico, e pode ser necessária uma “estratégia de ventilação protetora pulmonar” usando PEEP e baixos volumes correntes para manter a oxigenação. A extubação no final da cirurgia depende do grau de elevação da PIC e da gravidade da lesão. A maioria desses pacientes é admitida na unidade de cuidados neurológicos intensivos, onde permanece intubada e sedada.

X. Anestesia para traumatismo de coluna e cirurgia complexa da coluna A. Lesão medular A lesão medular aguda com frequência demanda cirurgia de emergência para estabilização da coluna vertebral e prevenção de lesão secundária. As lesões medulares, tal como as lesões cerebrais traumáticas, em geral envolvem pessoas jovens e podem ser decorrentes de acidentes com veículos, quedas, violência ou acidentes relacionados a esportes. As lesões da coluna cervical são as mais comuns, pois é a região com maior

574

Fundamentos de anestesiologia clínica mobilidade da coluna, seguida pelas lesões torácicas e lombares. A tetraplegia incompleta (C3-5) é o dano neurológico mais comum, seguido por paraplegia completa (T1 e abaixo), tetraplegia completa e paraplegia incompleta. As lesões cervicais são as mais devastadoras do ponto de vista de perspectiva neurológica, uma vez que lesões cervicais altas podem comprometer a função respiratória vital (C3-5) e as fibras cardíacas aceleradoras (T1-5), demandando traqueostomia permanente e suporte ventilatório. Após uma lesão medular aguda, ocorre o comprometimento da autorregulação medular e pode haver um “choque medular”, caracterizado por paralisia flácida e redução da perfusão medular, durando 24 horas. Durante esse período, é fundamental prevenir lesão secundária com o fornecimento de suporte hemodinâmico agressivo.

B. Lesões comórbidas Até 42% dos pacientes que apresentam lesão medular aguda também podem ter uma lesão concomitante. Lesões que põem a vida em risco devem ser abordadas, garantindo, ao mesmo tempo, que o alinhamento da coluna vertebral seja mantido para evitar lesões medulares secundárias.

C. Manejo inicial Pacientes com lesão medular aguda devem ser imediatamente avaliados para verificar se existe comprometimento da função ventilatória e hemodinâmica. O manejo das vias aéreas em lesões medulares cervicais concentra-se na manutenção da estabilização em linha durante todo o processo de intubação e pode requerer o uso de intubação com fibra óptica. Em um paciente estável, estudos radiográficos são úteis na avaliação do grau de lesão cervical e opções para intubação. A succinilcolina é segura nas primeiras 24 horas após a lesão medular. Nesse período, receptores nicotínicos extrajuncionais, que podem causar uma resposta hipercalêmica, ainda não foram totalmente desenvolvidos. A reanimação com fluidos e produtos derivados do sangue, bem como vasopressores e inotrópicos, é, muitas vezes, necessária para manter a pressão arterial, o que é importante do ponto de vista sistêmico, e para evitar lesão medular secundária decorrente de isquemia e piora do edema decorrente da disfunção celular. O monitoramento da pressão arterial e os acessos intravenosos de grande calibre (preferencialmente acesso venoso central) são necessários. Outras estratégias para a proteção medular, tais como corticosteroides, naloxona ou hipotermia, podem ser instituídos nesse momento, mas dados convincentes para essas terapias são escassos. A maioria dos anestesiologistas, no entanto, mantém a pressão arterial média acima de 85 mmHg para assegurar a perfusão medular adequada (recomendado durante pelo menos sete dias a partir da data da lesão).

D. Manejo intraoperatório A escolha anestésica durante a manutenção anestésica para lesão medular deve se concentrar em dois aspectos fundamentais: manter a pressão arterial (média > 85 mmHg) e permitir o monitoramento neurológico intraoperatório (PESS, PEM, EMG). A cirurgia complexa da coluna, que com frequência envolve múltiplos níveis de fusão e osteotomias, também deve levar em conta a possibilidade real de hemorragia cirúrgica significativa (às vezes, múltiplos volumes de sangue) e a necessidade de ventilação mecânica pós-operatória em função da transfusão maciça. Um acesso intravascular adequado é de importância vital. As medidas de gasometria arterial, dos parâmetros de coagulação e dos níveis de hemoglobina devem ser feitas com frequência. A comunicação estreita com o neurocirurgião é importante. Em casos não infecciosos e não tumorais, o uso do “cell saver” pode ser muito útil na redução da quantidade total de sangue alogênico transfundido. Outras técnicas de preservação de sangue, tais como a hemodiluição normovolêmica aguda e a hipotensão deliberada, caíram em desuso devido aos efeitos prejudiciais conhecidos de anemia e hipotensão sobre o sistema neurológico e cardiovascular.

Capítulo 30

Anestesia para cirurgia neurológica

E. Complicações da anestesia para cirurgia da coluna vertebral As complicações especificamente relacionadas à anestesia para cirurgia da coluna vertebral são raras, mas, quando ocorrem, são muitas vezes devastadoras. A perda visual pós-operatória (PVPO) é uma dessas complicações, com uma incidência de 0,3% após cirurgia da coluna (10). Acredita-se que a maioria dos casos de PVPO seja decorrente de uma neuropatia óptica isquêmica posterior, enquanto a oclusão da artéria central da retina e cegueira cortical são menos comuns. Os fatores de risco para PVPO (associados, mas não necessariamente causais) incluem hipotensão, anemia, perda sanguínea > 1.000 mL, duração da cirurgia > 6 horas e a própria posição prona (levando a um aumento da pressão intraocular). A consulta oftalmológica deve ser feita imediatamente quando se suspeita dessa complicação. Outra complicação da cirurgia da coluna vertebral na qual a técnica anestésica pode estar implicada é a síndrome da artéria espinal anterior, que é causada por uma hipoperfusão sustentada da artéria espinal anterior, levando à fraqueza motora. Por fim, a hipotensão deliberada, hipotermia e hipovolemia podem predispor os pacientes submetidos a cirurgia da coluna vertebral à formação de trombose venosa profunda (TVP) e subsequente embolia pulmonar (EP). A fusão lombar está associada a uma incidência de TVP sintomática de até 4%, com uma incidência de 2% de EP. Como a profilaxia com um anticoagulante muitas vezes é impossível antes da cirurgia da coluna vertebral (por medo de piorar a perda sanguínea e formação de hematoma peridural), um filtro de veia cava inferior é muitas vezes colocado antes dessas cirurgias para minimizar a possibilidade de desenvolvimento de uma EP significativa.

Referências 1. Isley MR, Edmonds HL Jr, Stecker M. American Society of Neurophysiological Monitoring. Guidelines for intraoperative neuromonitoring using raw (analog or digital waveforms) and quantitative electroencephalography: A position statement by the American Society of Neurophysiological Monitoring. J Clin Monit Comput. 2009;23(6):369–390. 2. Sloan TB, Heyer EJ. Anesthesia for intraoperative neurophysiologic monitoring of the spinal cord. J Clin Neurophysiol. 2002;19(5):430–443. 3. Sutherland BA, Rabie T, Buchan AM. Laser Doppler flowmetry to measure changes in cerebral blood flow. Methods Mol Biol. 2014;1135:237–248. 4. Kalanuria A, Nyquist PA, Armonda RA, et al. Use of transcranial Doppler (TCD) ultrasound in the neurocritical care unit. Neurosurg Clin North Am. 2013;24(3):441–456. 5. Kitagawa R, Yokobori S, Mazzeo AT, et al. Microdialysis in the neurocritical care unit. Neurosurg Clin North Am. 2013;24(3):417–426. 6. Ghosh A, Elwell C, Smith M. Cerebral near-infrared spectroscopy in adults: A work in progress. Anesth Analg. 2012;115(6):1373–1383. 7. Todd MM, Hindman BJ, Clarke WR, et al. Intraoperative Hypothermia for Aneurysm Surgery Trial (IHAST) Investigators. Mild intraoperative hypothermia during surgery for intracranial aneurysm. N Engl J Med. 2005;352(2):135–145. 8. Pasternak JJ, McGregor DG, Schroeder DR, et al. IHAST Investigators. Hyperglycemia in patients undergoing cerebral aneurysm surgery: Its association with long-term gross neurologic and neuropsychological function. Mayo Clin Proc. 2008;83(4):406–417. 9. Bebawy JF, Gupta DK, Bendok BR, et al. Adenosine-induced flow arrest to facilitate intracranial aneurysm clip ligation: Dose-response data and safety profile. Anesth Analg. 2010;110(5):1406–1411. 10. American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Practice advisory for perioperative visual loss associated with spine surgery: An updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Visual Loss. Anesthesiology. 2012;116(2):274–285.

575

576

Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O suprimento sanguíneo da medula cervical se origina: A. Das artérias carótidas internas bilateralmente B. Do arco aórtico C. Do polígono de Willis posterior D. Da artéria de Adamkiewicz E. Das artérias carótidas externas bilateralmente 2. A pressão de perfusão cerebral é calculada como a diferença entre: A. Fluxo sanguíneo cerebral e resistência vascular cerebral B. Pressão arterial média e pressão intracraniana C. Pressão venosa central e pressão intracraniana D. Pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica 3. A autorregulação cerebral dentro de uma faixa de variação de pressão arterial é responsável por: A. Pressão intracraniana B. Pressão de perfusão cerebral C. Resistência cerebrovascular D. Fluxo sanguíneo cerebral E. Pressão venosa jugular 4. O fluxo sanguíneo cerebral é controlado diretamente por todos os parâmetros fisiológicos abaixo, EXCETO: A. pH B. PaCO2 C. PaO2 D. PAM E. CMRO2 5. Todas as técnicas abaixo são conhecidas por diminuir os efeitos da hipertensão intracraniana, EXCETO: A. Administração de manitol B. Administração de hiperventilação C. Anestesia intravenosa total D. Administração de opioides E. Elevação da cabeceira da cama

6. Os agentes bloqueadores neuromusculares podem limitar o sucesso de qual das modalidades de monitoração neurológica abaixo? A. Potenciais evocados somatossensoriais (PESSs) B. Eletroencefalografia (EEG) C. Potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (PEATCs) D. Potenciais evocados visuais (PEVs) E. Eletromiografia (EMG) 7. A proteção cerebral para isquemia global em humanos ocorre com: A. Esteroides B. Hipotermia leve C. Barbitúricos D. Hiperglicemia E. Nenhuma das alternativas acima 8. Todas as alternativas abaixo são considerações importantes para reduzir a morbidade e mortalidade após uma lesão cerebral traumática, EXCETO: A. Manter a pressão arterial sistólica > 80 mmHg B. Administrar hiperventilação durante 48 horas C. Garantir uma oxigenação adequada D. Intubar de urgência com uma pontuação da escala de coma de Glasgow < 8 E. Administrar manitol durante 24 horas 9. A lesão medular aguda pode causar _______. Qual das alternativas abaixo não completa a frase corretamente? A. Hipertermia B. Bradicardia C. Comprometimento respiratório D. Hipotensão E. Paralisia flácida

Anestesia obstétrica Melissa L. Pant Barbara M. Scavone

31

I. Alterações fisiológicas da gravidez A gravidez induz muitas alterações f isiológicas, a maioria das quais são adaptações para suportar o fluxo sanguíneo e o fornecimento de oxigênio para o feto.

A. Alterações hematológicas O volume sanguíneo aumenta em 40% para aproximadamente 100 mL/kg; o volume plasmático aumenta em 30 a 50%; e o volume de hemácias, em 20 a 30%, causando uma anemia f isiológica da gravidez (Tab. 31.1). A viscosidade do sangue é reduzida, permitindo um fluxo mais fácil para o feto. A faixa normal de hemoglobina durante a gravidez é de 10,5 a 14 g/dL e é mais baixa no segundo trimestre (Tab. 31.2). A gravidez é um estado protrombótico, e pacientes grávidas têm um maior risco de tromboembolismo venoso. A produção de todos os fatores de coagulação, exceto os fatores XI e XIII, aumenta. Os níveis de fibrinogênio aumentam significativamente e normalmente são > 400 mg/dL no terceiro trimestre. Uma fibrinólise secundária ocorre tardiamente na gravidez, e as alterações na coagulação lembram um estado de coagulação intravascular disseminada (CID) compensada. A contagem de plaquetas pode diminuir durante a gravidez devido à diluição e ao aumento no consumo. Trombocitopenia gestacional é comum, ocorrendo em 8% das gestações, e não está associada com um risco aumentado de hematoma neuroaxial. Leucocitose leve é normal durante a gravidez. Contudo, a gravidez é um estado imunossuprimido, e mulheres grávidas não toleram bem os efeitos fisiológicos de infecção sistêmica, além de a mortalidade por sepse ser aumentada. Em geral, as doenças autoimunes melhoram durante a gravidez devido à imunossupressão relativa.

B. Alterações cardiovasculares Devido ao aumento no volume sanguíneo, no volume de ejeção e na frequência cardíaca, o débito cardíaco aumenta em até 45% ao final do primeiro trimestre. Durante o trabalho de parto, o débito cardíaco aumenta em mais 50%, e em até 80% acima dos valores pré-trabalho de parto imediatamente após o parto. As alterações cardiovasculares se resolvem vários dias após o parto. A resistência vascular sistêmica diminui, às vezes causando uma redução leve na pressão arterial. Pacientes grávidas são menos responsivas aos vasopressores e mais sensíveis a reduções na pré-carga. Após 20 semanas de gestação, pacientes grávidas podem apresentar síndrome de hipotensão supina quando deitam em superfície plana, pois o útero gravídico pode comprimir a veia cava inferior (VCI) e reduzir o retorno venoso. Portanto, o deslocamento uterino para a

A anemia da gravidez é causada por um aumento desproporcional no volume plasmático em relação ao volume de hemácias.

578

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 31.1

Resumo das alterações fisiológicas da gravidez a termo

Variável

Alteração

Quantidade

Volume plasmático



40-50%

Volume sanguíneo total



25-40%

Hemoglobina



11-12 g/dL

Fibrinogênio



100%

Atividade da colinesterase sérica



20-30%

Resistência vascular sistêmica



50%

Débito cardíaco



30-50%

Pressão arterial sistêmica



Leve

Capacidade funcional residual



20-30%

Ventilação-minuto



50%

Ventilação alveolar



70%

Capacidade residual funcional



20%

Consumo de oxigênio



20%

Produção de dióxido de carbono



35%

Tensão arterial de dióxido de carbono



10 mmHg

Tensão arterial de oxigênio



10 mmHg

Concentração alveolar mínima



32-40%

Reimpresso de Braveman FR, Scavone BM, Blessing ME, et al. Obstetrical anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1144–1177, com permissão.

TABELA 31.2

Valores laboratoriais normais em pacientes grávidas

Valor laboratorial

Mulher não grávida

Primeiro trimestre

Segundo trimestre

Terceiro trimestre

Hemoglobina (g/dL)

12-16

11,5-14

9,7-15

9,5-15

160-420

180-400

155-420

145-420

Leucócitos (×10 /mm )

3,5-9

6-14

5,5-15

6-17

Creatinina (mg/dL)

0,5-0,9

0,4-0,7

0,4-0,8

0,4-0,9

Fibrinogênio (mg/dL)

230-490

245-500

290-540

370-620

pH

7,38-7,42

7,39-7,45

PCO2(mmHg)

38-42

25-33

Bicarbonato (mEq/L)

22-26

16-22

PO2 (mmHg)a

90-100

92-107

9

Plaquetas (×10 /L) 3

a

a

3

Valores dos gases sanguíneos são arteriais.

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

esquerda (DUE) é a posição preferida para mulheres grávidas com mais de 20 semanas de gestação.

C. Alterações respiratórias O consumo de oxigênio aumenta em 20 a 50%, e a ventilação-minuto, em 50% no termo. A ventilação-minuto aumenta principalmente devido a um aumento no volume corrente e em menor extensão na frequência respiratória. Essa hiperventilação fisiológica diminui os níveis da pressão parcial arterial de dióxido de carbono (PaCO2) para 28 a 32 mmHg e pode causar um discreto aumento nos níveis de pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2). Ocorre acidose metabólica compensatória, os níveis de bicarbonato normalmente são de 18 a 22 mEq/L e o pH aumenta apenas discretamente (7,45). A capacidade vital e o volume de fechamento permanecem os mesmos, mas o volume expiratório de reserva e a capacidade residual funcional diminuem, fazendo a paciente grávida dessaturar rapidamente durante períodos de apneia, em particular na posição supina. Ocorre um desvio para a direita na curva de dissociação da hemoglobina-oxigênio, facilitando a transferência de oxigênio para o feto.

D. Alterações nas vias aéreas Há edema de mucosa e ingurgitamento capilar à medida que a gravidez progride, e a classe de Mallampati aumenta com o termo. A incidência de ventilação difícil com máscara e laringoscopia também aumenta, com intubação difícil ou falha ocorrendo em 1 de 224 pacientes grávidas versus 1 em 2.500 na população cirúrgica em geral (1). Um segundo estágio do trabalho de parto mais longo e pré-eclâmpsia estão associados com aumento do edema das vias aéreas. O posicionamento e a pré-oxigenação adequados assumem importância adicional durante a indução de anestesia geral e intubação de pacientes grávidas versus não grávidas (Fig. 31.1).

579

VÍDEO 31.1 Deslocamento uterino para a esquerda

O deslocamento uterino para a esquerda deve ser usado para pacientes grávidas com mais de 20 semanas de gestação para prevenir a compressão da veia cava inferior pelo útero gravídico.

A pressão parcial arterial de dióxido de carbono normal durante a gravidez é de 28 a 32 mmHg.

E. Alterações gastrintestinais O útero gravídico causa disfunção mecânica do esfíncter gastroesofágico. A progesterona diminui o tônus do esfíncter esofágico inferior, predispondo as pacientes grávidas ao refluxo do conteúdo estomacal para a orofaringe. Além disso, o útero gravídico aumenta a pressão abdominal e, assim, a pressão intragástrica, piorando o refluxo do conteúdo estomacal. A secreção de gastrina pela placenta causa maior acidez do conteúdo do estômago. Por fim, a progesterona diminui o esvaziamento gástrico e a mobilidade gastrintestinal. Mulheres grávidas frequentemente têm um volume gástrico de mais de 25 mL com pH < 2,5, ambos associados à síndrome de pneumonite por aspiração. A administração de um antiácido não particulado é a única forma confiável de alterar o pH do conteúdo gástrico e possivelmente reduzir a chance de síndrome de pneumonite por aspiração caso a aspiração ocorra.

F. Alterações neurológicas e musculoesqueléticas A concentração alveolar mínima (CAM) diminui em 40% durante a gravidez, possivelmente devido a níveis elevados de progesterona, e retorna à linha de base em 1 semana após o parto. Gestantes também são mais sensíveis aos anestésicos locais neuroaxiais e requerem doses mais baixas do que as pacientes não grávidas. O volume do espaço peridural é reduzido devido ao ingurgitamento das veias peridurais, e o pH do líquido cerebroespinal (LCE) está diminuído. Ocorre relaxamento ligamentoso, e a lordose lombar é acentuada, elevando a linha intercristal de L4-5 em pacientes não grávidas para L3-4 em pacientes grávidas.

A incidência de ventilação por máscara e laringoscopia difíceis é maior em pacientes grávidas do que na população cirúrgica em geral.

580

Fundamentos de anestesiologia clínica

Induzir anestesia geral

Falha em intubar

Ventilação por máscara adequada?

Não

Sim Algoritmo ASA (Via de emergência)

Sofrimento fetal Sim

Não

Extra seguro Máscara com pressão cricoide*

Lógico

Via aérea cirúrgica

Acordado

Falha

Intubar

Sucesso

Regional

Falha

Sucesso

Extubar com sonda-guia (jet stylet)

FIGURA 31.1 Manejo de vias aéreas difíceis na gravidez com referência especial à presença ou ausência de sofrimento fetal. Quando a ventilação com máscara não é possível, o anestesiologista é direcionado para o algoritmo da American Society of Anesthesiologists para o manejo de emergência das vias aéreas. *Máscara facial convencional ou via aérea por máscara laríngea. (De Braveman FR, Scavone BM, Blessing ME, et al. Obstetrical anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1144–1177, com permissão.)

G. Alterações endócrinas Controle da glicose A gravidez é um estado diabetogênico, devido aos efeitos anti-insulínicos do lactogênio placentário humano. O rastreamento de rotina para diabetes gestacional é feito por meio de carga de carboidratos entre 24 e 26 semanas. Mulheres com diabetes gestacional ou pré-gestacional estão em maior risco de macrossomia fetal e complicações da gravidez. O controle rígido da glicose durante o trabalho de parto é o padrão de cuidados em mulheres diabéticas com uma meta para a glicose sanguínea entre 80 e 110 mg/dL, de modo a evitar hipoglicemia neonatal.

Tireoide A gonadotropina coriônica humana é similar em estrutura ao hormônio estimulante da tireoide e causa aumento dos níveis do hormônio da tireoide durante a gravidez.

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

581

O estrogênio estimula a produção da globulina de ligação da tireoide, permitindo a circulação de mais hormônio da tireoide.

H. Alterações renais e hepáticas O fluxo sanguíneo para os rins e a autorregulação renal permanecem inalterados durante a gravidez desde que a pressão arterial permaneça estável. O aumento da taxa de filtração glomerular com diminuição da creatinina ocorrem devido a aumentos no débito cardíaco, e uma creatinina sérica acima de 0,8 é anormal. A proteinúria é comum, assim como a bacteriúria assintomática. O tônus ureteral diminui, e a bacteriúria assintomática pode levar à pielonefrite. Portanto, a urina é rastreada para infecção durante as visitas pré-natais de rotina. O fluxo sanguíneo hepático não é alterado durante a gravidez. Níveis elevados de fosfatase alcalina são vistos devido à secreção pela placenta. Níveis de transaminases hepáticas estão inalterados. A osmolalidade plasmática é mais baixa, levando a edema tissular. Os níveis de pseudocolinesterase diminuem, sem muito significado clínico. A produção dos fatores de coagulação aumenta. A colestase da gravidez pode ocorrer devido aos efeitos do estrogênio e causa prurido e um risco aumentado de natimortalidade.

II. Circulação fetal e uteroplacentária O útero recebe 15% do débito cardíaco no termo – o fluxo sanguíneo uterino normal é de 700 a 900 mL/min. O fluxo sanguíneo uterino é derivado das artérias uterinas e adicionalmente por meio das colaterais das artérias ovarianas e cervicais. O fluxo sanguíneo uterino (e, portanto, placentário e fetal) é diretamente proporcional à pressão de perfusão uterina (definida como a diferença entre a pressão arterial uterina e a pressão venosa uterina), e inversamente proporcional ao tônus vascular da artéria uterina. A vasculatura uterina está maximamente dilatada durante a gravidez. Uma falta de autorregulação uterina torna o fluxo sanguíneo proporcional à pressão de perfusão. A vasculatura uterina mantém a responsividade aos vasoconstritores. Aumentos no tônus do músculo liso uterino contraem os vasos uterinos, reduzindo o fluxo. O feto troca gases e nutrientes com sua mãe por meio da placenta. Os vilos placentários fetais contendo capilares fetais são banhados no sangue materno suprido pelas artérias espiraladas, que são ramos das artérias uterinas. Um cordão umbilical normal tem três vasos: uma veia contendo sangue oxigenado da placenta e duas artérias contendo sangue desoxigenado e detritos de volta para a placenta. Há inúmeros mecanismos de transporte da mãe para o feto e de volta, incluindo difusão simples (mais comum, devido ao gradiente de concentração fetal ou materno), transferência transcelular e endocitose e exocitose. A troca de oxigênio e dióxido de carbono ocorre por difusão simples; a PaO2 materna mais alta favorece a difusão para o feto, e o CO2 fetal é mais alto do que o CO2 materno, favorecendo a difusão de volta para a mãe. A hemoglobina fetal tem maior capacidade de transporte de O2. O efeito Bohr é mais profundo no feto porque a hemoglobina fetal encontra mais íons hidrogênio (H+) no feto, que é relativamente mais acidótico do que na mãe, e é mais provável de liberar o O2 que está carregando para os tecidos fetais. A circulação fetal difere da circulação de adultos porque ela contorna os pulmões (Fig. 31.2). A maioria dos fármacos administrados à mãe será levada ao feto pela placenta. A proporção fetal/maternal descreve a concentração do fármaco na veia fetal umbilical versus a concentração sérica materna. Os fármacos lipossolúveis, não ionizados, não ligados à proteína e com pesos moleculares abaixo de 600 Da atravessam facilmente a placenta. Grandes fármacos hidrofílicos ionizados são menos prováveis de ser transferidos. A maioria dos fármacos anestésicos atravessa a placenta, exceto os agentes

A troca de oxigênio e dióxido de carbono ocorre por difusão simples; uma PaO2 materna mais alta favorece a difusão para o feto, e o dióxido de carbono fetal é mais alto do que o dióxido de carbono materno, favorecendo a difusão de volta para a mãe.

A maioria dos fármacos anestésicos atravessa a placenta, exceto os agentes paralisantes e o glicopirrolato. A heparina e a insulina também não atravessam a placenta.

582

Fundamentos de anestesiologia clínica

DA

A

B

FIGURA 31.2 A. Representação esquemática da circulação fetal. O sangue oxigenado deixa a placenta pela veia umbilical (vaso sem pontilhado). O sangue umbilical se junta ao sangue das vísceras (representadas aqui pelos rins, intestino e pele) na veia cava inferior. Aproximadamente metade do fluxo da veia cava inferior passa pelo forame oval para o átrio esquerdo, onde ele se mistura com uma pequena quantidade de sangue venoso pulmonar. Esse sangue relativamente bem-oxigenado (pontilhado leve) supre o coração e o cérebro por meio da aorta ascendente. A outra metade do fluxo da veia cava inferior se mistura com o sangue da veia cava superior e entra no ventrículo direito (o sangue no átrio e ventrículo direito tem pouco oxigênio, que é indicado pelo pontilhado intenso). Como as arteríolas pulmonares são contraídas, a maior parte do sangue na artéria pulmonar principal flui pelo ducto arterioso (DA), portanto o sangue da aorta descendente tem menos oxigênio (pontilhado intenso) do que o sangue na aorta ascendente (pontilhado leve). B. Representação esquemática da circulação no recém-nascido normal. Após a expansão dos pulmões e da ligadura do cordão umbilical, o fluxo sanguíneo pulmonar e as pressões atrial esquerda e arterial sistêmica aumentam. Quando a pressão atrial esquerda excede a pressão atrial direita, o forame oval se fecha de modo que todo o sangue da veia cava inferior e da veia cava superior deixa o átrio direito, entra no ventrículo direito e é bombeado pela artéria pulmonar para o pulmão. Com o aumento da pressão arterial sistêmica e diminuição da pressão na artéria pulmonar, o fluxo pelo ducto arterioso se torna da esquerda para a direita e o ducto se contrai e fecha. O curso da circulação é o mesmo em adultos. (De Hall SC, Suresh S. Neonatal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1179, com permissão.)

paralisantes e o glicopirrolato. A heparina e a insulina também não atravessam a placenta. A depressão fetal ou neonatal transitória pode ser vista após a administração de agentes de indução, gases anestésicos, opioides e benzodiazepínicos. Os efeitos no longo prazo dos agentes anestésicos gerais sobre o desfecho neonatal são desconhecidos. Teoricamente, o óxido nitroso pode interferir com a síntese do DNA por meio da oxidação da vitamina B12. Contudo, em estudos animais apenas a exposição prolongada (> 24 horas) ao óxido nitroso em alta concentração produz perda fetal.

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

III. Vias da dor no trabalho de parto, anatomia da coluna e analgesia e anestesia neuroaxial A dor é transmitida por diferentes meios em diferentes estágios do trabalho de parto. A dor durante o primeiro estágio do trabalho de parto, que começa no início das contrações regulares e da dilatação cervical e termina na dilatação cervical completa, é transmitida por meio de fibras aferentes viscerais que entram na medula espinal em T10 a L1. Durante o segundo estágio, que começa com a dilatação cervical completa e termina com a expulsão do feto, a dor adicional é causada pelo estiramento dos tecidos vaginais e perineais e é transmitida por meio de fibras somáticas sacrais. O terceiro estágio do trabalho de parto começa após a expulsão do feto e termina com o livramento da placenta, e a dor durante esse estágio também é transmitida pelas fibras somáticas sacrais. A coluna tem 33 níveis: 7 cervicais, 12 torácicos, 5 lombares, 5 sacrais e 4 coccígeos. Os níveis dos dermátomos cutâneos correspondem ao nível vertebral no qual as raízes nervosas entram (Fig. 31.3). A medula espinal é protegida pela coluna óssea, pelos ligamentos e pelas camadas de tecido conectivo e é banhada pelo LCE. A medula espinal é recoberta por três membranas, chamadas de meninges espinais. A camada mais externa é a dura-máter, mais abaixo fica a aracnoide, sob essa camada fica o LCE, e a pia-máter é aderente à medula espinal. A medula espinal se estende desde o seu início no tronco cerebral, através do forame magno e continua até L1 na maioria dos adultos. Cerca de 10% dos adultos têm uma medula espinal que termina mais abaixo, em L3. Portanto, é prudente realizar procedimentos neuroaxiais abaixo desse nível.

C2

C3

C2 C3 C4

C4

T2

T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10 T11 T12

T3 C5

T4

C5 T2

C5

T5 T6 C6

T7 C6

T8

T1

T1

T1 C6 T9

T11 L1

T12

L1

L2

S23

L2

S2 C8

C7

L3

L4

L5

S1

C6

T1

L1 L2 L3

T10

C8

C5

C7

S2

S3 S3 S4 S5

C8 C7

C8 C7

L3

L4

S2

S2

L5

S2

S2

L5

S2

L5

FIGURA 31.3 Dermátomos sensoriais humanos. (De Bernards CM, Hostetter LS. Epidural and spinal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:905–933, com permissão.)

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A dor durante o primeiro estágio do trabalho de parto, que começa no início das contrações regulares e dilatação cervical e termina na dilatação cervical completa, é transmitida por meio de fibras aferentes viscerais que entram na medula espinal em T10 a L1.

VÍDEO 31.2 Vias da dor no trabalho de parto

584

Fundamentos de anestesiologia clínica C1 Cervical T1

30%

T12

Torácica

60%

T12 10% L3

B L5

Lombar

Sacral C A

FIGURA 31.4 Visão posterior (A) e lateral (C) da coluna espinal humana. Observe a inserção (B), que mostra a variabilidade no nível vertebral no qual a medula espinal termina. (De Bernards CM, Hostetter LS. Epidural and spinal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:905–933, com permissão.)

VÍDEO 31.3 Baricidade no bloqueio subaracnoide

A meta de evitar o bloqueio motor excessivo, enquanto ainda provendo analgesia adequada, é obtida comumente pela administração de anestesia peridural controlada pelo paciente, em alto volume e baixa concentração (bupivacaína 0,0625%-0,125%, com pequenas quantidades de opioides nas soluções).

A medula espinal termina como a cauda equina, e o saco dural se estende para S2. O espaço peridural vai do forame magno ao hiato sacral. É um espaço potencial e contém raízes nervosas, gordura, veias sem válvulas, vasos linfáticos e artérias espinais (Figs. 31.4 e 31.5). Os anestésicos locais administrados neuroaxialmente causam bloqueio do estímulo simpático, sensorial e motor e, dependendo da dose, podem prover analgesia ou anestesia completa. Pequenas fibras nervosas ativas mielinizadas de disparos rápidos são mais sensíveis ao bloqueio anestésico local do que as grandes fibras não mielinizadas. O grau de bloqueio, desde o maior para o menor, após a administração do anestésico local neuroaxial, é o seguinte: sensação de temperatura, tônus vasomotor, sensibilidade e, por fim, motor. A raquianestesia ocorre por ação direta do anestésico local na medula espinal, e o nível do bloqueio depende de vários fatores, dos quais a baricidade e a dose são os mais significativos. A anestesia peridural ocorre por meio da ação anestésica local nas raízes nervosas e, em menor extensão, tem um efeito direto na medula espinal, por difusão do anestésico local para o espaço intratecal. Geralmente 1 a 2 mL do anestésico local peridural é necessário por dermátomo lombar que requer o bloqueio. A analgesia neuroaxial do trabalho de parto fornece excelente alívio da dor sem efeito nos desfechos fetais ou no trabalho de parto, exceto por um discreto aumento na duração do primeiro e segundo estágios do trabalho de parto e o risco de parto vaginal instrumentado (2). Evitar o bloqueio motor excessivo, enquanto ainda provendo analgesia adequada, é o ideal no trabalho de parto. Essa meta é atingida comumente pela administração de anestesia peridural controlada pelo paciente (PCEA, do inglês patient-controlled epidural anesthesia), com alto volume e baixa concentração (bupivacaína 0,0625%-0,125%) e com pequenas quantidades de opioides nas soluções. Após a história, o exame físico e a determinação de que a paciente é candidata para anestesia neuroaxial (Tab. 31.3), começa a preparação para aplicação de bloqueio neuroaxial. Um acesso intravenoso funcionante, equipamentos de ressuscitação e monito-

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

Saco dural Veia peridural

Espaço interlaminar Lâmina Ligamento amarelo Ligamento supraespinhoso Ligamento intraespinhoso Processo espinhoso

Processo transverso FIGURA 31.5 Detalhe da coluna espinal lombar e espaço peridural. Observe que as veias peridurais são amplamente restritas ao espaço peridural anterior e lateral. (De Bernards CM, Hostetter LS. Epidural and spinal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:905–933, com permissão.)

ração da pressão arterial e frequência cardíaca são necessários, assim como precauções de assepsia como gorro, máscara, higiene das mãos e luvas. A paciente é colocada em posição sentada ou em decúbito lateral, e o nível lombar desejado é identificado por palpação da crista ilíaca e dos processos espinhosos. A maioria dos cateteres neuroaxiais para trabalho de parto é colocada entre L2-3 a L5-S1. Após esterilizar as costas com um antisséptico e colocar um campo estéril, o anestesiologista injeta um botão anestésico cutâneo no local pretendido para introdução da agulha. É possível uma abordagem na linha média ou paramediana para o espaço peridural. A linha média é mais comum e mais fácil de ser realizada por profissionais iniciantes. As camadas atravessadas pela agulha peridural durante a colocação do bloqueio peridural incluem, de superficial para profundo, a pele, o

TABELA 31.3

Contraindicações ao bloqueio neuroaxial

Recusa da paciente Hipovolemia grave ou choque Coagulopatia Condições nas quais a hipotensão é fisiologicamente muito indesejável (i.e., falência do coração direito, estenose aórtica grave) Pressão intracraniana elevada Infecção no local do bloqueio

585

586

Fundamentos de anestesiologia clínica Ligamento interespinhoso

FIGURA 31.6 Posicionamento adequado das mãos ao usar a técnica da perda de resistência para localizar o espaço peridural. Após introduzir a ponta da agulha no ligamento amarelo, é conectada uma seringa com 2 a 3 mL de solução fisiológica e uma bolha de ar. A mão esquerda repousa de forma segura por trás e os dedos da mão esquerda seguram a agulha firmemente. A mão esquerda avança a agulha lentamente e sob controle girando o punho. Os dedos da mão direita mantêm a pressão constante no êmbolo da seringa, mas não ajudam a avançar a agulha. Se a ponta da agulha estiver engajada adequadamente no ligamento amarelo, deve ser possível comprimir a bolha de ar sem injetar solução fisiológica. À medida que a ponta da agulha avança no espaço peridural, haverá uma perda súbita de resistência, e a solução fisiológica será injetada subitamente. (De Bernards CM, Hostetter LS. Epidural and spinal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:905–933, com permissão.)

tecido subcutâneo, o ligamento supraespinhoso, o ligamento interespinhoso e o ligamento amarelo. O espaço peridural é um espaço potencial que se localiza profundamente em relação ao ligamento amarelo. A agulha oca de grande calibre com um mandril é colocada nos ligamentos superficiais, o mandril é retirado, e uma seringa com ar ou solução fisiológica é conectada. A seringa irá transmitir a resistência tátil quando empurrada até que o ligamento amarelo seja atravessado, e o espaço peridural é penetrado, quando, então, a resistência desaparece. A espessura do ligamento amarelo e a profundidade do espaço peridural são geralmente de 3 a 5 mm. Quando o espaço é penetrado, uma solução fisiológica pode ser injetada para confirmar a perda de resistência, e a profundidade na qual o espaço peridural foi penetrado é anotada (a maioria das agulhas peridurais tem marcação em centímetros). Um cateter macio é, então, introduzido de 3 a 5 cm no espaço. Uma dose-teste de lidocaína misturada com 15 μg de adrenalina comumente é administrada pelo cateter para garantir que ele não está em posição intravascular ou intratecal. Os critérios para uma dose-teste intravascular positiva incluem um aumento na frequência cardíaca em 20 batimentos por minuto ou um aumento na pressão arterial sistólica em 15 mmHg dentro de 45 segundos da administração. O cateter deve ser removido e reposicionado no mesmo ou em outro interespaço se houver um teste positivo. Um bloqueio sensorial e motor profundo dentro de cinco minutos após a administração da dose-teste confirma uma posição intratecal. Se um cateter for colocado acidentalmente em posição intratecal, ele pode ser usado para analgesia do trabalho de parto com a dose adequada ou pode ser removido e colocado em um nível diferente (Fig. 31.6). A ativação peridural começa com um bólus inicial de anestésico local diluído misturado com um opioide lipossolúvel, como a bupivacaína 0,125% misturada com fentanil, 50 a 100 μg, administrada em incrementos de 5 mL até um total de 10 a 20 mL. O tempo até a analgesia é, geralmente, de 10 a 20 minutos. Alternativamente, a anestesia combinada raquiperidural (ACRP) tem ganhado popularidade, pois o tempo até a analgesia inicial é mais curto (3). A colocação lembra

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

587

um procedimento peridural, espera-se que, uma vez que o espaço peridural tenha sido localizado, uma agulha espinal longa, não cortante e de pequeno calibre, seja inserida pela agulha peridural. Então, uma dose intratecal de opioides lipossolúveis, como o fentanil ou o sufentanil com ou sem uma dose baixa de anestésico local, é administrada. O anestesiologista geralmente administra uma dose-teste, mas não é necessário um bólus peridural, e o tempo até a analgesia geralmente é < 5 minutos. O risco de cefaleia pós-punção dural não é aumentado, e o risco de falha peridural pode ser menor com ACRP, embora os dados produzam resultados conflitantes (3, 4). Se for colocado um cateter intratecal, a dose é cerca de um décimo do volume de uma dose peridural típica, administrada como infusão contínua ou por meio de bólus intermitente administrado pelo anestesiologista a cada 1 a 2 horas. A enfermeira do paciente e qualquer anestesiologista subsequente deve ser notificado se o cateter estiver intratecal, e o cateter e a bomba devem ser rotulados claramente de modo que não ocorra uma overdose acidental. O uso de uma orientação ultrassonográfica para colocação de cateteres neuroaxiais está se tornando mais comum e pode ser útil em pacientes obesos ou em pacientes com anormalidades espinais. A localização da linha média, a avaliação acurada do nível lombar e a medida da profundidade dos espaços peridural e intratecal são possíveis por meio do ultrassom.

IV. Anestesia para cesariana Nos Estados Unidos, 32% dos bebês nascem por cesariana (5), e o parto vaginal está perdendo popularidade devido aos riscos percebidos pelas pacientes e provedores de saúde. A maioria das cesarianas é realizada sob anestesia neuroaxial: raquianestesia, peridural ou ACRP. As cesarianas eletivas são realizadas a termo ( ≥ 39 semanas), sob anestesia neuroaxial, a não ser que haja uma contraindicação, pois o risco para a mãe e o feto é menor com a anestesia neuroaxial do que com anestesia geral. Em preparação para cirurgia, as pacientes são instruídas a não comer sólidos por oito horas antes da cirurgia e a não beber líquidos claros por duas horas antes da cirurgia. Os exames laboratoriais pré-operatórios podem incluir um hemograma completo com tipo sanguíneo e fator Rh. Um acesso venoso periférico de calibre 18 ou maior é colocado, e uma solução fisiológica balanceada é administrada. A incisão cutânea de Pfannenstiel com baixa incisão uterina transversa é o tipo mais comum de abordagem cirúrgica. Para fornecer anestesia adequada para a cesariana, o bloqueio precisa incluir as fibras da dor incisionais ou somáticas e peritoneais até o plexo celíaco. Portanto, é necessário um bloqueio dos dermátomos de pelo menos T6 até o sacro. Os anestesiologistas comumente empregam raquianestesia ou anestesia peridural para atingir esse nível. A bupivacaína espinal (dose de 10-12 mg) ou lidocaína (60-100 mg) representam uma opção viável para a anestesia para a cesariana. A lidocaína espinal intratecal tem se tornado menos popular devido à preocupação com os sintomas neurológicos transitórios (SNT). O anestesiologista comumente administra opioides intratecais de curta e de longa ação juntamente com anestésicos locais. Em geral, é administrado fentanil (10-20 μg) ou sufentanil (2,5-5 μg). A duração de qualquer um deles é de duas horas, e dor, náuseas ou vômitos intraoperatórios ocorrem menos frequentemente quando eles são usados. A morfina hidrofílica de longa ação provê analgesia pós-operatória. A hipotensão comumente acompanha o início da raquianestesia para a cesariana e pode ser evitada ou reduzida pela colocação do paciente em deslocamento uterino esquerdo e administrando uma dose de cristaloide de 10 a 20 mL/kg ou de coloide

A náusea é comum após o início da raquianestesia e pode estar relacionada com a hipotensão ou com o aumento do tônus vagal por simpatectomia.

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Fundamentos de anestesiologia clínica 5 mL/kg. A infusão profilática de fenilefrina diminui a incidência de hipotensão, náusea e vômitos relacionados à raquianestesia (6). A náusea é comum após o início da raquianestesia e pode estar relacionada com a hipotensão ou com aumento do tônus vagal por simpatectomia. A anestesia peridural para cesariana é obtida com o uso de lidocaína 2%, ou clorprocaína 3%, 15 a 25 mL, em doses incrementais em situações eletivas. Em situações de emergência, a 2-clorprocaína 3%, 20 mL, é preferida porque tem o menor tempo para o início de ação (3-4 minutos) e perfil de segurança materno e fetal desejável. É digno de nota que a clorprocaína pode reduzir a eficácia dos opioides e anestésicos locais administrados subsequentemente. A adição de bicarbonato de sódio irá reduzir o tempo até o bloqueio pela conversão de mais anestésico local na forma não ionizada. A dose é, geralmente, 1 mEq/10 mL do volume de anestésico local. A adrenalina (5 μg/mL) pode ser adicionada para aumentar a densidade e extensão da duração do bloqueio e para uma dose-teste do cateter peridural de trabalho de parto que será usado para anestesia de parto cesariano. A morfina sem conservantes pode ser dada por meio do cateter peridural para analgesia pós-operatória, geralmente após clampeamento do cordão umbilical. A anestesia geral para cesariana normalmente é reservada para casos de emergência ou para quando há contraindicações à anestesia neuroaxial. O padrão de cuidados requer a monitoração e preoxigenação-padrão da American Society of Anesthesiologists (ASA). O posicionamento e a preoxigenação adequados ajudam a mitigar a dessaturação que ocorre, e eles assumem importância especial em mulheres grávidas que são particularmente propensas à dessaturação após um período de apneia. A administração de um antiácido não particulado e a indução e intubação de sequência rápida, com um assistente fazendo pressão cricoide, também são padronizadas, devido ao risco aumentado de aspiração. O cirurgião prepara e cobre o abdome da paciente antes da indução para estar pronto para realizar a cirurgia imediatamente após a confirmação da intubação endotraqueal. Historicamente, a indução era realizada com tiopental; contudo, o propofol substituiu o tiopental como agente de indução preferido, principalmente devido à sua disponibilidade. A succinilcolina (1 mg/kg) dada com a indução fornece relaxamento muscular. Quando a traqueia for intubada, o anestesiologista notifica o obstetra, e a cirurgia começa. A monitoração da temperatura e a descompressão do estômago com uma sonda orogástrica geralmente são recomendadas. O oxigênio e os anestésicos inalatórios são administrados até a expulsão do feto. Anestésicos inalatórios acima de 1 CAM podem diminuir o tônus uterino, então, após a expulsão do feto, a mistura de oxigênio nitroso é iniciada, juntamente com baixa concentração de anestésico inalatório. Um analgésico, um amnéstico e, às vezes, um relaxante muscular adicional são dados. Após o desprendimento da placenta, é iniciada uma infusão de ocitocina, e uterotônicos adicionais são dados conforme necessário.

A. Analgesia pós-operatória A morfina intratecal ou peridural fornece analgesia duradoura e parece ter um efeito máximo em torno de 150 μg (intratecal) e 3 a 4 mg (peridural) (7,8). Doses maiores não aumentam a analgesia e causam mais náuseas, depressão respiratória e prurido. O efeito máximo da morfina ocorre cerca de seis horas após a administração e cessa em torno de 12 a 18 horas após a administração. As recomendações publicadas da ASA iniciam a monitoração da sedação e da frequência respiratória a cada hora durante as primeiras 12 horas e a cada duas horas pelas próximas 12 horas após a dose (9). As medicações para tratar os efeitos colaterais incluem a naloxona para tratar a depressão respiratória ou a sedação, um opioide misto agonista ou antagonista para tratar o prurido e um antiemético intravenoso. Analgésicos orais devem ser prescritos, como o paracetamol e os fármacos anti-inflamatórios não esteroides. Opioides adicionais

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

589

podem ser administrados se necessário, desde que ocorra a monitoração vigilante. A profilaxia com uma dose intraoperatória de antieméticos reduz a incidência de náuseas e vômitos associada com a morfina neuroaxial. Alternativamente, o anestesiologista pode deixar o cateter peridural no local e administrar a APCP com anestésico local em baixa concentração e opioide lipossolúvel geralmente por 24 horas pós-parto. Em pacientes que não recebem morfina ou PCEA neuroaxial, o bloqueio do plano abdominal transverso (TAP block, de transversus abdominis plane) melhora a analgesia por diminuir a dor incisional. O bloqueio TAP pode ser realizado imediatamente no pós-operatório com orientação de ultrassonografia, geralmente com anestésico local de longa ação, 10 a 15 mL por lado.

V. Avaliação fetal e ressuscitação neonatal A monitoração da frequência cardíaca fetal (FCF) durante o trabalho de parto tenta identificar hipoxemia ou acidose fetal e evitar dano neurológico fetal ou morte resultantes. A monitoração da FCF pode ser intermitente, por meio de ausculta ou Doppler, ou contínua, por meio de Doppler externo ou eletrocardiografia (ECG) fetal. O ECG fetal requer a colocação de monitor interno no escalpo fetal. A mãe precisa estar já dilatada e incisionada para que isso ocorra. A monitoração contínua da FCF é recomendada pelas principais organizações obstétricas e acompanha quase 90% dos partos nos Estados Unidos (10). Apesar da ênfase nos padrões da FCF e no desfecho neurológico neonatal, a paralisia cerebral é devida, mais frequentemente, a um evento antes do parto, não intraparto. A monitoração contínua da FCF está associada retrospectivamente com menores taxas de paralisia cerebral e morte. Todavia, nenhum dado prospectivo randomizado está disponível devido a aspectos éticos. A monitoração fetal intermitente versus contínua tem sido comparada prospectivamente, e a única diferença no desfecho é uma taxa maior de cesariana sem benefício para o neonato, e em geral um menor risco de convulsões neonatais (11). A interpretação do traçado da FCF é muito sensível, mas não muito específica. Portanto, uma FCF normal e variabilidade sem desacelerações quase sempre indica um feto não acidótico, mas um feto saudável pode ter anormalidades na FCF não causadas por acidose ou sofrimento. A taquicardia fetal pode ser devida à hipoxemia, mas também pode resultar de febre ou infecção materna ou fármacos administrados à mãe (␤-agonistas em particular). Muitos fármacos administrados à mãe, incluindo o magnésio e os opioides, podem reduzir a variabilidade da FCF (Fig. 31.7). O American Congress of Obstetrics and Gynecology (ACOG) classifica os traçados de FCF em três categorias (10). O traçado de Categoria I é altamente preditivo de um feto não acidótico saudável e precisa ter as seguintes características: frequência cardíaca basal normal, variabilidade normal e ausência de desacelerações, exceto as precoces. Uma designação de Categoria III está associada com acidose fetal e tem as seguintes características: variabilidade ausente acompanhada por desacelerações tardias ou variáveis ocorrendo com > 50% das contrações ou padrão sinusoidal. A Categoria II inclui qualquer traçado que não atende aos qualificadores das Categorias I ou III (Fig. 31.8).

A. Ressuscitação intrauterina Fetos com traçados na Categoria III ou com bradicardia prolongada requerem tratamento rápido. O tratamento da hipotensão materna com posicionamento lateral, bólus de líquidos e vasopressores, administração de oxigênio de alto fluxo por máscara facial e cessação de contrações uterinas com nitroglicerina ou terbutalina são a terapia primária. Se não for vista melhora, está indicado o parto imediato.

A monitoração contínua da frequência cardíaca fetal é recomendada pelas principais organizações obstétricas e acompanha quase 90% dos partos nos Estados Unidos.

A interpretação do traçado da frequência cardíaca fetal é muito sensível, mas não muito específica. Assim, uma frequência cardíaca fetal normal e uma variabilidade sem desacelerações quase sempre indicam um feto não acidótico, mas um feto saudável pode ter anormalidades na frequência cardíaca fetal não causadas por acidose ou sofrimento.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Formato uniforme 180 FCF 100 Início precoce Início precoce Início precoce 50 CU 0 Desacelerações iniciais (CC)

Compressão da cabeça

180 FCF 100 Compressão dos vasos

Formato uniforme

Início tardio

Início tardio

50 CU 0

Insuficiência uteroplacentária

1 min.

Desacelerações tardias (IUP) Formato variável

Cordão umbilical

180 FCF 100 Início variável

Início variável

50 CU 0 Compressão do cordão umbilical

Desacelerações variáveis (CCU)

FIGURA 31.7 Classificação e mecanismo dos padrões da frequência cardíaca fetal. CC, compressão da cabeça; IUP, insuficiência uteroplacentária; CCU, compressão do cordão umbilical. (De Braveman FR, Scavone BM, Blessing ME, et al. Obstetrical anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1144–1177, com permissão.)

A bradicardia fetal prolongada irá levar à cesariana de emergência se as medidas de ressuscitação intrauterina forem ineficazes. Um cateter peridural existente pode receber uma dose de 20 mL de clorprocaína a 3%, que deve prover um nível cirúrgico dentro de 3 a 4 minutos.* A anestesia geral normalmente é escolhida se a bradicardia fetal persistir na sala de cirurgia e não houver um cateter neuroaxial presente.

B. Testes fetais auxiliares

O escore de Apgar é uma avaliação global do estado neonatal imediatamente após o nascimento; o escore é usado para orientar a intervenção aguda, não para prover diagnóstico.

Fetos ou gestações de alto risco requerem, às vezes, monitoração rígida ou testes adicionais para avaliar o estado fetal. Um teste de não estresse (NST, do inglês nonstress test) consiste em 30 minutos de monitoração externa contínua da frequência cardíaca fetal; durante esse tempo, precisam ser vistas pelo menos duas acelerações de pelo menos 15 batimentos por minuto durando 15 segundos ou mais, o que indica um feto saudável. Os NSTs são feitos semanal ou diariamente dependendo do diagnóstico. Um perfil biofísico avalia melhor o estado fetal. Ele tem cinco componentes, cada com um máximo de dois pontos, incluindo um NST, medida do índice do líquido amniótico, tônus fetal, movimento fetal e tentativas de respiração fetal. Escores mais baixos são

* N. de R.T. No Brasil, utiliza-se lidocaína a 2% em volume semelhante em vez de clorprocaína, a qual não se encontra disponível no país para uso neuroaxial.

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

591

Sistema de interpretação da frequência cardíaca fetal de três classes

Categoria I Os traçados de frequência cardíaca fetal (FCF) Categoria I incluem todos os seguintes: • • • • •

Frequência basal: 110-160 batimentos por minuto (bpm) Variabilidade da FCF basal: moderada Desacelerações tardias ou variáveis: ausentes Desacelerações precoces: presentes ou ausentes Acelerações: presentes ou ausentes

Categoria II Os traçados de FCF Categoria II incluem todos os traçados de FCF não classificados como Categoria I ou Categoria III. Os traçados de Categoria II podem representar uma fração apreciável daqueles encontrados nos cuidados clínicos. Exemplos de traçados da FCF Categoria II incluem qualquer dos seguintes: Frequência basal • Bradicardia não acompanhada por variabilidade basal ausente • Taquicardia Variabilidade da FCF basal • Variabilidade basal mínima • Variabilidade basal ausente não acompanhada por desacelerações recorrentes • Variabilidade basal acentuada Acelerações • Ausência de acelerações induzidas após estimulação fetal Desacelerações periódicas ou episódicas • Desacelerações variáveis recorrentes acompanhadas por variabilidade basal mínima ou moderada • Desaceleração prolongada ≥ 2 minutos, mas < 10 minutos • Desacelerações tardias recorrentes com variabilidade basal moderada • Desacelerações variáveis com outras características, como o retorno lento à linha de base, “rebote” ou “ombro” posterior

Categoria III Os traçados de FCF Categoria III incluem qualquer um dos seguintes: • Variabilidade da FCF basal ausente e qualquer dos seguintes: - Desacelerações tardias recorrentes - Desacelerações variáveis recorrentes - Bradicardia • Padrão sinusoidal

FIGURA 31.8 Sistema de interpretação da frequência cardíaca fetal de três categorias. (Do 2008 National Institute of Child Health and Human Development Workshop on Electronic Fetal Monitoring: Updates on definitions, interpretations, and research guidelines. Obstet Gynecol. 2008;112:661, com permissão.)

indicações para admissão e monitoração contínua e, às vezes, de parto. Estudos Doppler da artéria umbilical são realizados em fetos com restrição de crescimento ou em mães com hipertensão ou anormalidades placentárias para monitorar sinais de piora da perfusão fetal (indicada por baixo fluxo na diástole ou elevação na resistência placentária). A proporção de fluxo na sístole versus diástole é medida, e um escore acima de 3 é preocupante. O índice de resistência também é medido, e um escore de > 0,6 é indicativo de resistência placentária elevada. O fluxo diastólico final ausente (FDFA) ocorre quando o fluxo na diástole para devido ao aumento na resistência placentária. O fluxo diastólico final reverso (FDFR) ocorre quando o fluxo na diástole se move da placenta para o feto na artéria umbilical, indicando uma resistência placentária muito elevada. O FDFR é sempre uma indicação para o parto. O FDFA é uma indicação

592

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 31.4

Escore de Apgar

Sinal

0

1

2

Frequência cardíaca Ausente

< 100 bpm

> 100 bpm

Esforço respiratório

Ausente

Lento, irregular

Bom, chorando

Tônus muscular

Débil

Alguma flexão das extremidades

Movimentação ativa

Irritabilidade reflexa Sem resposta

Careta

Tosse, espirro ou choro

Cor

Corpo rosado extremidades azuis

Completamente rosado

Pálido, azul

Reimpresso de Braveman FR, Scavone BM, Blessing ME, et al. Obstetrical anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1144–1177, com permissão.

para o parto dependendo da idade gestacional e de outros fatores. Ambos estão associados com aumento da morbidade e da mortalidade fetal. O escore de Apgar é uma avaliação global do estado neonatal imediatamente após o nascimento. O uso do escore é para orientar a intervenção aguda, não para prover o prognóstico. A respiração, a frequência cardíaca, a reação ao estímulo, o tônus e a cor neonatal são avaliados cada um em 1, 5 e às vezes 10 minutos após o nascimento, e é atribuído um escore de 0 a 2 por categoria. Um escore ≥ 7 é considerado normal. Escores < 7 necessitam de mais intervenção (Tab. 31.4 e Fig. 31.9).

VI. Comorbidades e doenças obstétricas A. Distúrbios hipertensivos induzidos pela gravidez Os distúrbios hipertensivos induzidos pela gravidez incluem a hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia e a síndrome de enzimas hepáticas elevadas com plaquetopenia (HELLP, do inglês hemolysis-elevated liver enzimes with low platelets). A gravidez normalmente causa um discreto aumento na pressão arterial. A pressão arterial elevada na gravidez é patológica e está associada com morbidade e mortalidade fetal e materna. A hipertensão gestacional é definida como pressão arterial elevada que ocorre após 20 semanas de gestação sem proteinúria associada. A pré-eclâmpsia é definida por pressões arteriais elevadas após 20 semanas de gestação, acompanhada por proteinúria ou outros efeitos em órgãos e sistemas. A eclâmpsia é a pré-eclâmpsia com convulsão (12). A síndrome HELLP é uma variante da pré-eclâmpsia grave associada com disfunção hepática e trombocitopenia. A pré-eclâmpsia pode ser classificada ainda como grave se qualquer das seguintes condições forem atendidas: pressão arterial sistólica elevada acima de 160 mmHg ou diastólica acima de 110 mmHg ou disfunção de órgão-alvo, que pode se manifestar como cefaleia grave, distúrbio visual ou cerebral, edema pulmonar ou cianose, oligúria ou insuficiência renal, disfunção hepática ou dor epigástrica grave. A proteinúria grave e a restrição ao crescimento fetal não são mais usados como indicadores de característica grave, mas frequentemente ocorrem com o distúrbio (12). A etiologia da pré-eclâmpsia ainda está sendo estudada, mas anormalidades no implante da placenta e a produção de tromboxano e prostaciclina pela placenta podem ter um papel. A má perfusão da placenta causa disfunção endotelial sistêmica e ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando em hipertensão arteriolar e edema. A agregação plaquetária ocorre em locais de lesão endotelial, resultando em coagulopatia.

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

593

Tempo aproximado

Nascimento

• Gestação a termo? • Líquido amniótico claro? • Respirando ou chorando? • Bom tônus muscular?

Cuidado de rotina • Aquecer • Limpar as vias aéreas se necessário • Secar • Avaliar a coloração

Sim

Não

30 seg

A

• Aquecer • Posicionar, limpar as vias aéreas (como necessário) • Estimular a seco, reposicionar

Avaliar respirações, FC e coloração

Respirando FC > 100 e rosado

Cuidados observacionais

Respirando FC > 100 e rosado

30 seg

Apneico ou FC 100

Dar oxigênio suplementar

Rosado

Persistentemente cianótico B

• Prover pressão positiva FC < 60

C 30 seg

Ventilação eficaz FC > 100 e rosado

Cuidados pós-ressuscitação

FC > 60

• Prover ventilação com pressão positiva • Administrar compressões torácicas FC < 60

D

Administrar adrenalina e/ou volume

FIGURA 31.9 Algoritmo para ressuscitação neonatal. FC, frequência cardíaca. (De Kattwinkel J, Perlman JM, Aziz K, et al. Special report–Neonatal resuscitation; 2010. American Heart Association guidelines for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2010;122:S9, com permissão.)

A hipertensão grave pode causar isquemia cerebral focal, edema cerebral ou hemorragia, levando à eclâmpsia ou convulsões e morte ou incapacidade maior. Um Resumo Executivo do ACOG (Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas) recomenda controle imediato da pressão arterial com anti-hipertensivos intravenosos para prevenir a morbidade e mortalidade (12). Labetalol e hidralazina intravenosos são

594

Fundamentos de anestesiologia clínica usados mais comumente, e pode ser necessária a monitoração direta da pressão arterial. A infusão de magnésio previne a eclâmpsia (13). O magnésio aumenta o limiar para convulsões e tem muitos efeitos colaterais indesejados. Sedação, diminuição dos reflexos, fraqueza muscular e potencialização de bloqueio neuromuscular e depressão ou parada respiratória e cardiovascular estão associadas com overdose de magnésio, que ocorre mais frequentemente em pacientes com disfunção renal. O médico deve examinar o estado neurológico do paciente e monitorar os níveis de magnésio para prevenir overdose. O cálcio intravenoso é o tratamento primário para a parada relacionada com overdose de magnésio. Por fim, o tratamento da pré-eclâmpsia requer a indução do parto e remoção da placenta. A pré-eclâmpsia precoce sem características graves pode ser manejada de forma expectante com monitoração materna e fetal cuidadosa e anti-hipertensivos de modo a prevenir o nascimento pré-termo. A pré-eclâmpsia com características graves geralmente representa uma indicação para o parto quando a paciente estiver estabilizada e os esteroides tiverem sido administrados para acelerar a maturidade pulmonar fetal. A anestesia neuroaxial não é contraindicada a não ser que haja coagulopatia. Se for necessária anestesia geral para parto cesariano, a laringoscopia e a intubação podem ser difíceis devido a edema sistêmico e das vias aéreas, devendo ser usados anti-hipertensivos intravenosos de curta ação para prevenir hipertensão durante o manejo das vias aéreas.

B. Diabetes melito A gravidez é um estado diabetogênico, e as mulheres podem desenvolver diabetes relacionado com a gravidez (diabetes melito gestacional). O diabetes preexistente comumente requer terapia insulínica. O controle da glicemia é muito importante durante a gravidez para evitar malformações fetais cardiovasculares e do sistema nervoso central e morbidade e mortalidade fetal. Os bebês nascidos de mulheres diabéticas com mau controle da glicose têm taxas mais elevadas de macrossomia, distócia do ombro, sofrimento respiratório, miocardiopatia, policitemia e hipertensão pulmonar persistente e admissão à unidade de cuidados intensivos neonatais. Durante o trabalho de parto, o controle rígido da glicose irá ajudar a prevenir a hipoglicemia neonatal.

C. Obesidade A maioria dos americanos tem sobrepeso, é obeso ou obeso mórbido. Muitas das implicações fisiológicas da obesidade espelham aquelas da gravidez, e as duas podem se combinar para produzir efeitos indesejados exagerados. Em particular, as pacientes obesas têm débito cardíaco aumentado, trabalho respiratório aumentado, aumento do consumo de oxigênio, redução dos volumes pulmonares e mais tecido redundante, tornando-as mais propensas a complicações durante a indução e manejo das vias aéreas. Parturientes obesas exibem compressão aortocaval exagerada quando em posição supina. A obesidade piora os desfechos obstétricos e neonatais, aumentando as taxas de trabalho de parto disfuncional e cesariana, doenças hipertensivas da gravidez, diabetes, macrossomia fetal, distócia do ombro e morte fetal intrauterina. No pós-operatório, essas pacientes demonstram taxas aumentadas de infecção, deiscência da ferida operatória e doença tromboembólica. Técnicas anestésicas neuroaxiais são repletas de dificuldade, e a orientação por ultrassonografia pode facilitar a aplicação do bloqueio. O manejo das vias aéreas durante a administração de anestesia geral deve causar preocupação pela falha em ventilar, falha na intubação e aspiração de conteúdo gástrico. O anestesiologista deve ter um baixo limiar para intubação acordada com fibroscópio. Parturientes obesas devem ser avaliadas logo após a admissão à unidade de pré-parto e sala de parto, e a analgesia

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

neuroaxial precoce é encorajada para reduzir o risco de a anestesia geral ser requerida no caso de ser necessário uma cesariana de emergência.

D. Febre e infecção A gravidez é um estado imunossuprimido, e uma infecção sistêmica é mal tolerada. Corioamnionite é uma infecção grave comum em mulheres grávidas que pode levar a trabalho de parto pré-termo, atonia, hemorragia e sepse. Infecções do trato urinário também são frequentes e podem levar à infecção ascendente e pielonefrite devido ao mau funcionamento da válvula ureteral na gravidez. A síndrome de resposta inflamatória sistêmica e a sepse são tratadas da mesma forma como em mulheres não grávidas, mas as taxas de mortalidade são mais altas em pacientes grávidas. O vírus da herpes simples (HSV) genital é uma doença sexualmente transmitida comum e é uma indicação para cesariana se houver lesões genitais ou cervicais ativas devido ao risco de infecção neonatal por HSV. A infecção primária por herpes está associada com sintomas gripais e lesões genitais. A anestesia neuroaxial é controversa durante a infecção primária devido ao risco potencial. Muitos anestesiologistas não administram anestesia neuroaxial até que as lesões associadas com HSV primário comecem a cicatrizar e não haja sinais e sintomas de infecção sistêmica. Infecções secundárias não são consideradas uma contraindicação à técnica neuroaxial. O HSV oral recorre mais comumente em pacientes que recebem morfina neuroaxial. A etiologia da recrudescência não é clara e pode estar relacionada com imunomodulação ou com prurido e arranhão facial. Mulheres grávidas com vírus da imunodeficiência humana (HIV) são tratadas com terapia antirretroviral altamente eficaz, com a meta da carga viral sendo < 1.000 cópias/mL. O parto vaginal é permitido se a carga viral for < 1.000 cópias/mL. Se a carga viral for > 1.000 cópias/mL, a cesariana ajuda a prevenir a transmissão vertical para o bebê. Durante o trabalho de parto e o parto, a administração de zidovudina intravenosa diminui a taxa de transmissão vertical do HIV. A amamentação é contraindicada. A analgesia e a anestesia neuroaxial não são contraindicadas.

E. Febre materna A temperatura sobe cerca de 0,4 grau por hora em mulheres com analgesia peridural no trabalho de parto comparadas com aquelas sem analgesia, mesmo quando controladas para outros fatores como a medicação para dor e infecção (14). A etiologia dessa elevação da temperatura não é clara, e o significado clínico real da diferença de temperatura também não é claro. Mulheres com febre relacionada à analgesia peridural durante o trabalho de parto podem ser diagnosticadas de forma incorreta com corioamnionite.

F. Distúrbios hemorrágicos A doença de von Willebrand representa a coagulopatia hereditária mais comum em mulheres grávidas. O fator de von Willebrand (FvW) é importante para a hemostasia normal, já que ele causa adesão das plaquetas aos tecidos lesionados e serve como cofator para o fator VIII. Há três subtipos de deficiência de FvW, com deficiências quantitativas ou qualitativas. O subtipo mais comum, deficiência de FvW do tipo 1, é um resultado da diminuição nos níveis de FvW circulante. A gravidez aumenta os níveis circulantes de FvW e pode reduzir os sintomas ou a necessidade de tratamento. Se necessário, a terapia inicial para o tipo 1 é com a desmopressina (DDAVP), que aumenta a liberação de FvW, duplicando a quadruplicando as concentrações circulantes. A DDAVP intravenosa ou intranasal começa a agir em 30 a 60 minutos e dura seis horas. O tipo 2 tem quatro subcategorias e é um resultado de anormalidades qualitativas

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Fundamentos de anestesiologia clínica no FvW, levando à função anormal. O subtipo 2b está associado com trombocitopenia e trombose quando a DDAVP é dada. Portanto, a terapia precisa incluir concentrado de fator VIII contendo FvW (Humate). Plasma fresco concentrado (PFC) e crioprecipitado também contém FvW. Contudo, o concentrado de fator VIII é recomendado quando disponível devido ao menor risco de transmissão de doença viral. O tipo 3 é um grave distúrbio recessivo com níveis muito baixos de FvW circulantes e sangramento grave. Uma consulta hematológica pode orientar a terapia. Coagulopatias adquiridas em geral ocorrem associadas com hemorragia e são devidas à diluição ou CIVD. Coagulopatia dilucional ocorre após hemorragia maciça, quando a ressuscitação consiste primariamente de concentrado de hemácias (CH) sem plasma ou plaquetas. Adicionalmente, a CVID está associada com descolamento da placenta e embolia por líquido amniótico. A terapia da coagulopatia adquirida é de suporte e inclui a transfusão de plasma, crioprecipitado e plaquetas.

VII. Emergências VÍDEO 31.4 Gravidez ectópica rota

A hemorragia anteparto ocorre devido a anormalidades agudas associadas com o útero ou a placenta (descolamento placentário ou ruptura uterina) ou implantação anormal da placenta (prévia). O descolamento prematuro da placenta ocorre quando uma porção da placenta se separa prematuramente do seu local de implante no útero. Grandes descolamentos podem causar perda sanguínea significativa, CIVD e instabilidade materna, além de sofrimento ou morte fetal. Os fatores de risco para descolamento da placenta incluem idade avançada, hipertensão, diabetes, tabagismo, trauma e uso de cocaína. O tratamento é o parto e a administração de líquidos e hemoderivados. A coagulação deve ser monitorada, inclusive com o nível de fibrinogênio. A ruptura uterina ocorre mais frequentemente em mulheres com uma história de cesariana prévia, em particular com uma cicatriz uterina vertical “clássica”. A ruptura uterina é uma emergência cirúrgica e pode estar associada com sangramento grave; é menos comum se houver uma cicatriz uterina transversa baixa, e uma tentativa de trabalho de parto vaginal (TTPV) pode ser oferecida às pacientes adequadas. Uma equipe deve estar imediatamente disponível para oferecer uma cesariana para pacientes submetidas à TTPV. A placenta prévia ocorre quando a placenta se implanta muito perto ou completamente sobre o orifício cervical. O parto vaginal não é possível sem consequências maternas e fetais. A placenta prévia está associada com hemorragia materna e com outras anormalidades da placentação como a placenta acreta. Quando ocorre placenta prévia diante de cinco ou mais cesarianas, o risco de placentação invasiva ou acreta é de pelo menos 75%. O sangramento continuado por placenta prévia é uma indicação de cesariana de emergência. Vasa prévia ocorre quando os vasos fetais não protegidos se localizam sobre o orifício cervical. Qualquer sangramento vaginal pode ser fetal e, portanto, representa uma emergência obstétrica requerendo parto imediato. A mortalidade fetal (em fetos normais em outros aspectos) é mais alta com vasa prévia do que em qualquer outra condição. Portanto, as mães são internadas, e os fetos, monitorados continuamente até uma cesariana precoce planejada. Pacientes com placenta prévia ou vasa prévia são mais propensas a experimentar hemorragia pós-parto, de modo que deve ser feito o teste de tipagem sanguínea e reação cruzada e colocado um acesso venoso adequado antes da cesariana. A hemorragia pós-parto (HPP) é a causa primária de morte materna em todo o mundo e o principal contribuinte para a mortalidade materna e morbidade grave

Capítulo 31 TABELA 31.5

Anestesia obstétrica

Terapia uterotônica

Fármaco

Dose

Efeitos colaterais

Ocitocina

20-40 UI em 1000 mL RL por infu- Hipotensão, taquicardia são IV contínua

Alcaloides do Ergot (Methergin)

0,2 ng IM a cada 2-4 h prn

Hipertensão, vasoconstrição Vasoespasmo coronariano Incompatibilidade V/Q (ventilação/perfusão), resistência vascular pulmonar aumentada, náuseas e vômitos

Carboprost (prostaglandina F2 ␣/hemabate)

0,25 mg q15 min × 8 doses, máximo 2 mg

Resistência vascular pulmonar Broncoespasmo Diarreia/náuseas Febre

Misoprostol

800-1000 mg VR/VV/VO a cada 2h

Febre Náuseas

Dinoprostona

20 mg VO a cada 2 h

Hipotensão Náuseas

RL, ringer lactato; IV, intravenoso, IM, intramuscular; prn, conforme necessário; VR, via retal; VV, via vaginal; VO, via oral. Reimpresso de Braveman FR, Scavone BM, Blessing ME, et al. Obstetrical anesthesia. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health; 2013:1144–1177, com permissão.

nos Estados Unidos. A HPP complica 3% dos partos (16) e é definida classicamente como uma perda sanguínea estimada maior do que 500 mL para um parto vaginal ou 1.000 mL para cesariana. Contudo, na prática clínica, esses valores se aproximam da média de sangue total perdido. Uma forma melhor de definir a HPP pode ser o sangramento intenso associado com sintomas ou necessitando de reposição de líquidos ou transfusão de sangue. O fluxo sanguíneo uterino no termo é de 700 a 900 mL/min. O útero normalmente se contrai no pós-parto, causando obstrução mecânica dos vasos sangrantes para impedir uma hemorragia materna maior. A ausência de contração uterina pós-parto é chamada de atonia, e 80% das HPPs são decorrentes da atonia uterina (16). Os fatores de risco para atonia incluem uma história de atonia em uma gravidez prévia, placenta retida, corioamnionite, trabalho de parto aumentado ou prolongado, relaxante uterino e um útero superdistendido (feto macrossômico, poli-hidrâmnio, gestação múltipla). O tratamento da atonia inclui massagem uterina bimanual, fármacos uterotônicos, descontinuação dos fármacos que podem comprometer a contração uterina (anestésicos inalatórios) ou compressão interna (balão de Bakri) ou externa (sutura B-Lynch) do útero. A histerectomia está indicada para atonia grave não responsiva. As medicações usadas comumente para atonia incluem ocitocina, prostaglandinas e metilergonovina (Tab. 31.5). As anormalidades da placentação representam uma fonte importante de hemorragia obstétrica maciça. A placenta acreta, increta e percreta ocorrem quando a placenta adere anormalmente (acreta) ou invade (increta) o miométrio uterino ou a serosa (percreta). As cesarianas prévias ou a cirurgia uterina estão associadas com anormalidades na implantação da placenta. A acreta pode ser diagnosticada por meio de ultrassonografia ou ressonância magnética (RM), embora ambos permaneçam imperfeitamente sensíveis ou específicos. O planejamento para a cesariana e a possibilidade de grande perda sanguínea são cruciais, e o acesso intravenoso de grande calibre ade-

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Fundamentos de anestesiologia clínica quado e hemoderivados testados por reação cruzada são necessários. O manejo cirúrgico seguro da histerectomia em pacientes com placenta percreta requer o envolvimento de subespecialidades, incluindo radiologia intervencionista, ginecologia, oncologia e cirurgia geral. A perda sanguínea maciça e transfusão podem ocorrer em pacientes obstétricas. Muitos hospitais estão criando protocolos de transfusão maciça para facilitar o fornecimento em tempo de hemoderivados quando necessário. Elevadas proporções de PFC em relação ao CH são recomendadas diante de perda continuada e transfusão. Embora a proporção ideal permaneça controversa, a maioria dos especialistas endossa a administração de 1:1 ou 1:2 PFC para CH. Uma unidade de crioprecipitado e uma unidade acumulada de plaquetas deve ser dada para cada seis CHs transfundidos ou com base nos valores laboratoriais. Os especialistas recomendam a identificação inicial e o tratamento agressivo da coagulopatia, e a monitoração laboratorial frequente pode ajudar a orientar a terapia (p. ex., hemograma completo, tempo de protrombina e índice internacional normalizado, tempo parcial de tromboplastina, fibrinogênio ou tromboelastograma). O salvamento de células (cell saver) pode ser usado durante hemorragia maciça ou em pacientes que recusam transfusão sanguínea. A embolia por líquido amniótico (ELA) ocorre quando o líquido amniótico entra na circulação materna e causa uma resposta inflamatória grave. A ELA ocorre com frequência logo após o parto, e a taxa de sobrevida sem sequelas permanece baixa. Broncoespasmo, hipertensão pulmonar aguda, choque circulatório e CIVD podem ocorrer com ELA. O tratamento é de suporte e pode incluir transfusão maciça para CIVD e hemorragia resultante.

A. Parada cardiorrespiratória A incidência de parada cardiorrespiratória (PCR) materna periparto é de 1 em 30 mil partos (17). A PCR materna tem muitas etiologias, incluindo embolia pulmonar ou de líquido amniótico, erro medicamentoso, comorbidades maternas, como pré-eclâmpsia, doença arterial coronariana ou doença valvar grave, ou complicações da anestesia geral ou neuroaxial. O tratamento inicial é a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) modificada para a paciente grávida, usando o deslocamento uterino esquerdo manual ou uma cunha de Cardiff, ou uma “cunha humana” nos joelhos de um profissional da saúde. Outras modificações da RCP devido ao estado gravídico incluem a colocação esternal discretamente mais alta das mãos para as compressões torácicas, uso de pressão cricoide durante a ventilação por bolsa-máscara até que a traqueia seja intubada e um alto índice de suspeição para erros medicamentosos, em particular overdose de magnésio. O uso de desfibriladores, vasopressores e inotrópicos permanece inalterado em relação às diretrizes de suporte cardíaco avançado à vida para adultos. A RCP materna é quase sempre subótima devido ao útero gravídico. Se a fonte da parada cardíaca for desconhecida ou não for reversível imediatamente, a cesariana deve ser realizada na sala de pré-parto ou sala de parto dentro de cinco minutos da parada. Para atingir essa meta, a equipe precisa tomar a decisão de realizar a cesariana e fazer a incisão dentro de quatro minutos da parada. Com a expulsão do feto, a RCP adequada pode ser aplicada à mãe. Intervalos maiores entre a parada e o parto estão associados com piores desfechos neonatais e maternos.

B. Mortalidade materna O coeficiente de mortalidade materna se refere ao número de mortes maternas durante um determinado período de tempo por cem mil nascimentos vivos. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, o coeficiente de mortalidade materna é 14,5 em cem mil (18). Os principais contribuintes para a mortalidade nos Estados Unidos

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

são hemorragia, tromboembolismo venoso, infecção, doença hipertensiva, miocardiopatia, comorbidades cardiovasculares e comorbidades não cardiovasculares. Globalmente, o coeficiente de mortalidade materna é 260 por cem mil nascidos vivos (19). Hemorragia, sepse e hipertensão induzida pela gravidez são as principais causas de morte materna em países não desenvolvidos. O coeficiente de mortalidade materna relacionado com a anestesia é de 1,2 em 1 milhão; a anestesia é a causa em cerca de 1,5% das mortes maternas nos Estados Unidos (20).

VIII. Complicações da anestesia neuroaxial A. Cefaleia pós-punção dural ou tampão sanguíneo (blood patch) peridural A cefaleia pós-punção dural (CPPD) ocorre após a punção da dura com resultante vazamento de LCE. Há uma teoria de que a cefaleia associada ocorre porque a perda de LCE é maior do que a produção, resultando em baixos volume e pressão de LCE. Ocorre, então, vasodilatação cerebral reflexa, causando cefaleia. A cefaleia é classicamente frontal ou occipital, pode estar associada com rigidez ou dor no pescoço, aumenta em gravidade com a posição sentada e é aliviada pela posição supina. Ela pode ser acompanhada por paralisia dos nervos cranianos (a paralisia do abducente é mais comum), náuseas e vômitos ou zumbido. A maioria das CPPDs se resolve dentro de uma semana, mas algumas podem persistir por mais tempo. O desenvolvimento de CPPDs após uma punção dural é maior em pacientes jovens, magras, com história de cefaleia e quando são usadas agulhas cortantes de grande calibre. O risco de desenvolvimento de cefaleia em mulheres grávidas após punção dural com uma agulha peridural (17 ou 18 gauge) é maior do que 50% (21). O tratamento de CPPD é conservador (líquidos intravenosos, cafeína e analgésicos orais) ou com tampão sanguíneo (blood patch) peridural (TSP). Durante o TSP, o anestesiologista retira o sangue da paciente de forma estéril e o injeta no espaço peridural, “tamponando” o orifício dural com um coágulo e cessando o vazamento de LCE. Geralmente são introduzidos 15 a 20 mL de sangue. Às vezes o desenvolvimento de dor nas costas ou no pescoço com a injeção limita o volume de sangue administrado. O TSP em geral alivia a dor imediatamente, mas pode ser necessário ser repetido se a cefaleia recorrer no caso de o coágulo ser reabsorvido. Quando a CPPD não responde ao TSP ou está associada com febre ou outras anormalidades neurológicas, mais testes diagnósticos estão indicados para excluir meningite ou hemorragia ou trombose intracraniana.

B. Overdose de anestésicos locais Os cateteres peridurais podem, de modo não intencional, se tornar intravasculares durante a colocação inicial ou por migração tardia. Se uma dose maior de anestésico local IV for dado acidentalmente, pode ocorrer toxicidade sistêmica. A neurotoxicidade geralmente se manifesta antes da cardiotoxicidade e inclui alterações no estado mental, convulsões e obnubilação. Os efeitos cardiovasculares primeiro se tornam evidentes, como alargamento do complexo QRS, e progridem como taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular e parada cardíaca. Ao primeiro sinal de overdose, os anestésicos locais devem ser descontinuados e devem ser administrados oxigênio e emulsão lipídica. A emulsão lipídica se liga ao anestésico local livre para prevenir mais bloqueio dos canais de sódio cardíacos. Contudo, os canais que já estão afetados não serão alterados. Portanto, suporte circulatório, RCP e mesmo bypass cardiopulmonar podem ser necessários para o resgate, particularmente no caso de overdose de bupivacaína (Fig. 31.10).

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Sociedade Americana de Anestesia Regional e Medicina da Dor

Lista de verificação para o tratamento de toxicidade sistêmica dos anestésicos locais O tratamento farmacológico da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais (LAST, do inglês local anesthetic systemic toxicity) é diferente de outros cenários de parada cardíaca Obter ajuda Foco inicial Manejo das vias aéreas: ventilar com oxigênio a 100% Supressão de convulsões: os benzodiazepínicos são preferidos; EVITAR propofol em pacientes com sinais de instabilidade cardiovascular Alertar as instalações mais próximas que têm capacidade para bypass cardiopulmonar Manejo das arritmias cardíacas Suporte cardíaco básico e avançado à vida (ACLS, do inglês advanced cardiac life support) irá necessitar de ajuste das medicações e talvez esforços prolongados EVITAR vasopressina, bloqueador dos canais de cálcio, ␤-bloqueadores ou anestésicos locais REDUZIR doses individuais de adrenalina para < 1 mcg/kg Terapia com emulsão lipídica (20%) (valores em parênteses são para pacientes com 70 kg) Bólus 1,5 mL/kg (massa corporal magra) intravenoso durante 1 minuto (~100mL) Infusão contínua a 0,25 mL/kg/min (~18 mL/min; ajustar pela pinça rolete) Repetir o bólus 1 ou 2 vezes se o colapso cardiovascular for persistente Duplicar a velocidade de infusão para 0,5 mL/kg/min se a pressão arterial permanecer baixa Infusão contínua por pelo menos 10 minutos após atingir estabilidade circulatória Limite superior recomendado: Aproximadamente 10/mL/kg de emulsão lipídica nos primeiros 30 minutos Postar os eventos LAST em www.lipidrescue.org e relatar o uso de lipídeo em www.lipidregistry.org

FIGURA 31.10 Lista de verificação para o tratamento da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais. (De Neal JM, Bernards CM, Butterworth JF, et al. ASRA practice advisory on local anesthetic systemic toxicity. Reg Anesth Pain Med. 2010;35:152–161, com permissão.) (Continua)

Capítulo 31

ESTEJA PREPARADO • Aconselhamos que aqueles em uso de anestésicos locais (AL) em doses suficientes para produzir toxicidade sistêmica por anestésicos locais (LAST) estabeleçam um plano de manejo dessa complicação. É encorajado preparar um Kit para Toxicidade aos Anestésicos Locais com instruções para o seu uso.

REDUÇÃO DE RISCO (SEJA SENSÍVEL) • Use a menor dose de AL necessária para obter a extensão e duração desejada do bloqueio. • Os níveis sanguíneos dos anestésicos locais são influenciados pelo local da injeção e pela dose. Os fatores que podem aumentar a probabilidade de LAST incluem idade avançada, insuficiência cardíaca, doença cardíaca esquerda, anormalidades de condução, doença metabólica (p. ex., mitocondrial), doença hepática, baixa concentração de proteínas plasmáticas, acidose metabólica ou respiratória e medicações que inibem os canais de sódio. Pacientes com disfunção cardíaca grave, particularmente fração de ejeção muito baixa, são mais sensíveis a LAST e também mais propensos a injeções “acumuladas” (com resultante elevação nas concentrações de AL nos tecidos) devido ao tempo de circulação mais lento. • Considerar o uso de um marcador farmacológico e/ou dose-teste, como, por exemplo, adrenalina 5 mcg/mL de AL. Conhecer a resposta esperada, início, duração e limitações da “dose-teste” na identificação de injeção intravascular. • Aspirar a seringa antes de cada injeção observando a presença de sangue. • Injetar de modo incremental observando sinais e perguntando sobre sintomas de toxicidade entre cada injeção.

DETECÇÃO (ESTEJA VIGILANTE) • Usar a monitoração padrão da American Society of Anesthesiologists (ASA). • Monitorar o paciente durante e após o término da injeção, uma vez que a toxicidade clínica pode ser retardada em até 30 minutos. • Comunicar-se frequentemente com o paciente para indagar sobre sintomas de toxicidade. • Considerar LAST em qualquer paciente com estado mental alterado, sintomas neurológicos ou instabilidade cardiovascular após anestesia regional. • Sinais do sistema nervoso central (podem ser sutis ou ausentes) ° Excitação (agitação, confusão, espasmos musculares, convulsão) ° Depressão (torpor, obnubilação, coma ou apneia) ° Inespecífico (gosto metálico, dormência perioral, diplopia, zumbido, tontura) • Sinais cardiovasculares (com frequência a única manifestação de LAST grave)

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°

Inicialmente pode ser hiperdinâmica (hipertensão, taquicardia, arritmias ventriculares), depois ° Hipotensão progressiva ° Bloqueio de condução, bradicardia ou assistolia ° Arritmia ventricular (taquicardia ventricular, torsades de pointes, fibrilação ventricular) • Fármacos hipnóticos sedativos reduzem o risco de convulsão, mas mesmo a sedação leve pode abolir a capacidade do paciente de reconhecer ou relatar sintomas de elevação das concentrações de AL.

TRATAMENTO • O momento da infusão de lipídeos na LAST é controverso. A abordagem mais conservadora, esperando até após o ACLS, se mostrou sem sucesso e não é racional, pois o tratamento precoce pode prevenir o colapso cardiovascular. A infusão de lipídeos ao primeiro sinal de LAST pode resultar em tratamento desnecessário, uma vez que apenas uma fração de pacientes irá progredir para toxicidade grave. A abordagem mais adequada é instituir a terapia lipídica com base na gravidade clínica e na velocidade de progressão da LAST. • Há evidência laboratorial de que a adrenalina pode comprometer a ressuscitação da LAST e reduzir a eficácia do resgate com lipídeo. Portanto, é recomendado evitar altas doses de adrenalina e usar doses menores, por exemplo, < 1 mcg/kg, para tratar hipotensão. • O propofol não deve ser usado quando há sinais de instabilidade cardiovascular. O propofol é um depressor cardiovascular com conteúdo lipídico muito baixo para prover benefício. O seu uso é desencorajado quando há um risco de progressão para colapso cardiovascular. • A monitoração prolongada ( > 12 horas) é recomendada após qualquer sinal de toxicidade sistêmica por AL, uma vez que a depressão cardiovascular devida aos anestésicos locais pode persistir ou recorrer após o tratamento. © 2012. Sociedade Americana de Anestesia Regional e Medicina da Dor A ASRA concede aos médicos o direito de reproduzir esse documento como uma ferramenta para o cuidado de pacientes que recebem doses potencialmente tóxicas de ALs. A publicação dessas recomendações requer a permissão da ASRA. O Aconselhamento Prático da ASRA sobre Toxicidade dos Anestésicos Locais é publicado na publicação oficial da sociedade Anestesia Regional e Medicina da Dor e pode ser baixada a partir do site da revista na Internet em: www.rapm.org. Neal JM, Bernards CM, Butterworth JF, Di Gregorio G, Drasner K, Hejtmanck MR, Mulroy MF, Rosenquist RW, Weinberg GL. ASRA practice advisory on local anesthetic systemic toxicity. Reg Anesth Pain Med 2010;35:152-161.

FIGURA 31.10 Lista de verificação para o tratamento da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais. (De Neal JM, Bernards CM, Butterworth JF, et al. ASRA practice advisory on local anesthetic systemic toxicity. Reg Anesth Pain Med. 2010;35:152–161, com permissão.) (Continuação)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

C. Lesão nervosa As lesões nervosas podem se originar independentemente de intervenções obstétricas ou anestésicas. Elas ocorrem em uma frequência de 0,8% e parecem ser devidas à compressão dos nervos pela cabeça fetal durante a passagem pela pelve, estiramento ou compressão nervosa pela posição da paciente durante o trabalho de parto e o parto. A duração média da lesão é de 2 a 3 meses. O nervo cutâneo lateral femoral é o mais comumente afetado e se apresenta como dormência na lateral da coxa. O nervo femoral é o segundo local mais comum de lesão, e paralisias desse nervo podem ser sensoriais, motoras ou mistas e, em algumas ocasiões, ocorrem bilateralmente. Nuliparidade, macrossomia fetal, segundo estágio do trabalho de parto prolongado e duração prolongada da hiperflexão do quadril estão associados com taxas aumentadas de lesão. A analgesia regional no trabalho de parto não foi associada com lesão nervosa em um grande estudo prospectivo (22). Ocasionalmente, lesões de raiz ou radiculopatias podem se apresentar no pós-parto devido à exacerbação de patologias subjacentes como a hérnia de disco. Durante o bloqueio neuroaxial, uma agulha ou cateter pode traumatizar diretamente os nervos, resultando em lesão. Tal lesão geralmente é precedida por parestesias durante a aplicação do bloqueio. A persistência de parestesias ou dor grave durante uma técnica neuroaxial deve indicar a retirada da agulha ou do cateter. A documentação do exame neurológico e dos déficits preexistentes antes dos procedimentos neuroaxiais é importante, e as lesões nervosas intrínsecas devido ao trabalho de parto e ao parto precisam ser distinguidas daquelas resultantes de anestesia neuroaxial. O eletromiograma pode ser útil na determinação da quantidade de tempo que um déficit está presente.

D. Hematoma ou abscesso neuroaxial O sangramento ou abscesso peridural podem ser catastróficos devido à pressão exercida na medula espinal ou na cauda equina. O hematoma neuroaxial é um evento raro, mas a colocação traumática ou difícil e a coagulopatia ou o uso de anticoagulante aumentam a probabilidade de ocorrência. As recomendações da American Society of Regional Anesthesia para o uso de anticoagulantes e aplicação de anestesia neuroaxial podem ser vistas no site na Internet. A paresia motora que persiste ou piora a despeito da descontinuação dos anestésicos locais é a apresentação mais comum de um hematoma neuroaxial. A dor nas costas às vezes acompanha a paresia. O tempo é importante nos casos de hematoma neuroaxial porque os desfechos neurológicos são piores quanto mais o tratamento é retardado. A RM representa a melhor modalidade de imagem para o diagnóstico. O hematoma neuroaxial necessita de avaliação neurocirúrgica imediata para possível descompressão de emergência do coágulo. A infecção neuroaxial pode se manifestar como meningite ou abscesso; ambos são eventos muito incomuns. Contaminantes que causam meningite tendem a se originar da nasofaringe do profissional de saúde que efetuou o bloqueio. Abscessos podem ser devidos à flora cutânea do paciente. Preparação estéril, campos e uso de uma máscara cirúrgica são o padrão durante a aplicação de bloqueios neuroaxiais para prevenir infecção iatrogênica.

IX. Anestesia para cirurgia não obstétrica durante a gravidez A cirurgia eletiva não obstétrica durante uma gravidez desejada não é recomendada. Ocasionalmente, condições de emergência necessitam de cirurgia durante a gravidez, sendo as mais comuns a apendicite ou o trauma. O momento mais seguro para realizar a cirurgia durante a gravidez é o segundo trimestre, pois a cirurgia no primeiro trimestre está associada com aborto espontâneo e, no terceiro trimestre, com trabalho de

Capítulo 31

Anestesia obstétrica

parto pré-termo. A organogênese ocorre precocemente no primeiro trimestre, e ainda não estão claros quais efeitos os agentes anestésicos podem ter no feto em desenvolvimento. A confirmação dos sons cardíacos fetais tanto no pré quanto no pós-operatório é recomendada. Em certos casos, a monitoração fetal contínua pode estar indicada, especialmente se o feto for viável e se pessoal qualificado a realizar cesariana de emergência estiver disponível. A maioria das cirurgias abdominais dispensa o uso de monitoração fetal contínua. A observação pós-operatória geralmente é recomendada devido ao risco aumentado de trabalho de parto pré-termo. A anestesia regional é preferida sempre que possível, incluindo para cirurgias abdominais abertas, curtas e não complicadas, como a apendicectomia. Se não for possível (p. ex., cirurgia laparoscópica), a anestesia geral deve ser induzida por meio de indução e intubação de sequência rápida com pressão cricoide. Pacientes com mais de 14 semanas de gestação devem ser posicionadas em deslocamento uterino esquerdo, se exequível. Normotensão, manutenção de eucarbia e oxigenação adequada irão prover o feto e a mãe com perfusão e oxigenação adequadas. A maioria dos agentes anestésicos, que não os agentes bloqueadores neuromusculares, atravessa a placenta com efeitos fetais desconhecidos. Os agentes de reversão do bloqueio neuromuscular atravessam a placenta, mas o glicopirrolato não o faz. Portanto, o anestesiologista deve reverter o bloqueio com atropina para evitar os efeitos fetais da reversão, incluindo bradicardia. Em resumo, prover cuidados anestésicos ideais a pacientes grávidas requer consideração a respeito das inúmeras alterações fisiológicas maternas que a gravidez induz, bem como o reconhecimento dos efeitos da anestesia tanto na mãe quanto no feto. O anestesiologista é responsável por prover analgesia para o trabalho de parto e também por orientar a resposta a situações clínicas complexas médicas e emergenciais. Um conhecimento amplo da história médica das pacientes que são admitidas para trabalho de parto e parto, bem como cuidados multidisciplinares coordenados, é extremamente importante para garantir o melhor desfecho tanto para a mãe quanto para o bebê.

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Capítulo 31

Anestesia obstétrica

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A anemia fisiológica da gravidez é causada mais frequentemente por: A. Hematopoiese diminuída e redução da produção de hemácias B. Aumento desproporcional no volume plasmático em relação ao volume de hemácias C. Menor vida circulante das hemácias D. Deficiência de ferro em mulheres grávidas 2. Qual é o motivo mais comum para ventilação por máscara e laringoscopia difíceis em pacientes grávidas?: A. Mulheres grávidas têm menos mobilidade no pescoço, tornando difícil a inclinação da cabeça necessária B. Mulheres grávidas tendem a ter escores de Mallampati mais altos C. Mulheres grávidas têm dificuldade em respirar em posição supina D. Mulheres grávidas desenvolvem edema de mucosa e obstrução mecânica e ingurgitação capilar, criando obstrução mecânica para os instrumentos usados 3. Por qual mecanismo o oxigênio e o dióxido de carbono se movem da circulação placentária materna para a circulação fetal? A. Por difusão B. Por transferência celular C. Por endocitose D. Por exocitose 4. Quais anestésicos usados comumente não atravessam a placenta e não influenciam o feto? A. Propofol B. Sevoflurano C. Succinilcolina D. Fentanil

5. Qual nível de fibras espinais deve ser o alvo para receber fármacos anestésicos locais quando um cateter peridural for usado para analgesia no primeiro estágio do trabalho de parto? A. T1-10 B. T10-L1 C. L1-5 D. T6-S5 6. Qual é a melhor estratégia para fornecer analgesia adequada para trabalho de parto enquanto se evita bloqueio motor excessivo? A. Administrar anestésicos locais peridurais em baixa concentração B. Encorajar a parturiente a deambular C. Adicionar adrenalina ao anestésico local peridural D. Administrar doses subsequentes de anestésico local peridural apenas após a avaliação por um médico da equipe de trabalho de parto e parto 7. Quando um feto saudável exibe alterações na frequência cardíaca ou na variabilidade, é possível concluir que: A. O feto está quase certamente acidótico ou em sofrimento B. Uma cesariana é iminente C. Há fatores maternos que podem estar causando essas alterações D. A infusão de magnésio à mãe deve ser descontinuada

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Anestesia para trauma e queimadura Joshua M. Tobin Andreas Grabinsky

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I. Avaliação inicial do trauma e ressuscitação O tratamento de pacientes gravemente feridos é sensível ao tempo e requer uma abordagem coordenada e sistemática por todos os provedores de cuidados médicos. Isso deve incluir aqueles com treinamento em anestesiologia que fornecem cuidados agudos de reanimação no ambiente de emergência ou perioperatório na sala de cirurgia e na unidade de cuidados intensivos (1). A avaliação rápida das lesões e a instituição de terapias salvadoras são orientadas por princípios do programa de Suporte Avançado à Vida no Trauma (ATLS, do inglês advanced trauma life support) do American College of Surgeons. O manejo de pacientes lesionados, de acordo com o ATLS, consiste em avaliação primária (identificação das lesões com risco à vida), ressuscitação (tratamento imediato de tais lesões à medida que forem identificadas), avaliação secundária (avaliação ampla de todas as outras lesões e condições associadas) e cuidados def initivos (cuidados médicos, cirúrgicos e críticos).

A. Avaliação e manejo das vias aéreas Avaliar e garantir vias aéreas seguras ao paciente que sofre um traumatismo é o primeiro passo da avaliação primária e da reanimação associada. O Capítulo 20 fornece amplos detalhes sobre o manejo das vias aéreas em situações eletivas e de emergência, incluindo a aplicação do algoritmo da American Society of Anesthesiologists (ASA) para vias aéreas difíceis (ver Apêndice F). A avaliação das vias aéreas (Tabs. 20.4, 20.5 e 20.6) pode ser limitada em situações de trauma pela falta de cooperação do paciente e impede o uso da classif icação de Mallampati (Fig. 20.3). Assim, a avaliação das vias aéreas no trauma depende amplamente da inspeção visual da face, da cabeça e do pescoço do paciente. Um pescoço curto e gordo, com menos de três dedos de largura da cartilagem tireóidea até a ponta do queixo (i. e., distância tireomentoniana), é uma preocupação para vias aéreas difíceis. Uma assimetria facial óbvia sugere uma anormalidade anatômica subjacente, seja ela traumática, congênita ou neoplásica. A amplitude de movimento reduzida do pescoço também sugere uma via aérea mais desafiadora, embora o movimento cervical não deva ser avaliado em pacientes com suspeita de lesão da coluna cervical. A ventilação por máscara e a intubação traqueal podem ser um desafio em pacientes vítimas de trauma devido a lesões na cabeça e no pescoço, ingestão oral recente, que aumenta o risco de aspiração e possível lesão pulmonar, o que pode impactar negativamente tanto a oxigenação quanto a ventilação. A adesão ao algoritmo da ASA para

A avaliação primária e a ressuscitação inicial de pacientes gravemente feridos segue o acrônimo ABCDE: Vias Aéreas, Respiração (Breathing), Circulação, Incapacidade (Disability) e Exposição (expor e examinar completamente o paciente de modo que nenhuma lesão seja negligenciada).

608

Fundamentos de anestesiologia clínica vias aéreas difíceis é essencial, incluindo o planejamento e a preparação de múltiplas técnicas alternativas de manejo das vias aéreas. Para ajudar o laringoscopista com a visualização das pregas vocais, geralmente é aplicada pressão cricoide para trás, para cima e para a direita (ou seja, BURP, do inglês backward and upward rightward pressure). Embora essa prática seja comum, a literatura de suporte a essa técnica é controversa, e ela pode, em alguns casos, interferir com a visualização das pregas vocais ou a colocação do tubo traqueal. A pressão cricoide não pretende impedir a aspiração em um paciente que está vomitando, mas sim prevenir o refluxo passivo de conteúdo gástrico para a faringe posterior e facilitar a visualização da laringe. De fato, se um paciente começa a vomitar, deve-se liberar a pressão cricoide, girar o paciente para o lado (se possível) e aspirar o vômito. A manutenção da pressão cricoide durante o vômito ativo põe em risco de lesão esofágica. A estabilização manual em alinhamento (MILS, do inglês manual in-line stabilization) da coluna cervical é usada rotineiramente no manejo de emergência das vias aéreas em pacientes vítimas de trauma nos quais há suspeita de lesão medular. Pacientes com lesão documentada da medula espinal raramente têm piora da lesão neurológica com uma MILS adequada durante laringoscopia direta e intubação traqueal. Estudos em cadáver têm mostrado, contudo, que a MILS não garante imobilidade da coluna. Persistir com a rígida adesão à MILS no contexto de uma má visualização das pregas vocais pode aumentar a dificuldade e a duração da intubação traqueal; portanto, a aplicação e o possível relaxamento da MILS precisam ser considerados no contexto do quadro clínico global.

B. Avaliação e manejo da respiração A avaliação da respiração é um componente crítico da avaliação primária e das fases da ressuscitação. Indicações para a intubação traqueal incluem sofrimento respiratório óbvio, incapacidade de falar frases completas, frequência respiratória elevada, má oxigenação, má ventilação ou lesão cerebral traumática significativa. Pacientes que chegam com um tubo colocado nas vias aéreas antes da entrada no hospital devem ser avaliados imediatamente para verificar a posição e o funcionamento adequados do equipamento. O dióxido de carbono expiratório final e a presença de sons respiratórios bilaterais devem ser avaliados e documentados para confirmar uma ventilação satisfatória. Equipamentos alternativos para as vias aéreas como a via aérea King LT (King System, Noblesville, IN), Combitube (Moore, Medical, Farmington, CT) ou máscaras laríngeas não protegem as vias aéreas de aspiração do conteúdo gástrico, sangue, saliva ou fragmentos dentários. Eles devem ser substituídos por tubos endotraqueais com balonete logo que possível. Uma sonda gástrica também deve ser colocada logo após a intubação traqueal para reduzir ainda mais o risco de aspiração.

C. Avaliação da circulação e manejo do choque O choque é definido como perfusão tissular inadequada. O retardo do enchimento capilar, pele fria e pegajosa, comprometimento da consciência e oligúria são sinais clássicos em pacientes vítimas de traumatismo que sugerem mais frequentemente choque hipovolêmico por hemorragia maciça. A pressão arterial e a frequência cardíaca podem ajudar a fornecer uma avaliação mais quantificável da perfusão sistêmica e do choque. Por exemplo, a pressão arterial baixa é compensada geralmente com uma frequência cardíaca elevada (ver Cap. 3). A avaliação do escore de consumo sanguíneo (Tab. 32.1) é uma ferramenta que usa quatro avaliações clínicas simples para determinar a probabilidade de choque hemorrágico e a necessidade associada de transfusão sanguínea maciça precocemente. As metas do tratamento imediato para o choque hemorrágico são parar o sangramento continuado e restaurar a perfusão tissular pela reposição do volume intravascular (ver Cap. 23). O uso de torniquetes para sangramento maciço nas extremida-

Capítulo 32 TABELA 32.1

Anestesia para trauma e queimadura

Avaliação do consumo sanguíneo

Mecanismo da lesão penetrante?

SIM/NÃO

Pressão arterial sistólica < 90 mmHg?

SIM/NÃO

Frequência cardíaca > 120 batimentos por minuto?

SIM/NÃO

Exame FAST positivo?

SIM/NÃO

Se duas ou mais respostas SIM, então ativar protocolo de transfusão maciça. FAST, avaliação ultrassonográfica focada para o trauma.

des é apoiado por experiências militares recentes com lesões por explosivos. Por fim, qualquer paciente em situação extrema precisa ter seu volume sanguíneo restaurado e ser transportado rapidamente para a sala de cirurgia para controle definitivo do sangramento interno e externo.

D. Avaliação e manejo neurológico Uma avaliação neurológica imediata durante a investigação primária é importante para estabelecer um exame basal para tratamentos futuros. Considerando que o anestesiologista normalmente é a última pessoa a falar com um paciente consciente antes da indução de anestesia ou intubação traqueal, uma compreensão da escala de coma de Glasgow (GCS) (Tab. 32.2) é crítica para avaliar rapidamente o estado mental e o funcionamento motor de pacientes de trauma. Ela também orienta a necessidade de intubação traqueal em pacientes com lesão cerebral traumática (LCT). É importante saber que a íris não contém receptores nicotínicos de acetilcolina; portanto, agentes bloqueadores neuromusculares não afetam o tamanho da pupila. A LCT é a principal causa de morte no trauma. Qualquer suspeita de LCT deve ser avaliada com uma tomografia computadorizada (TC) do crânio para identificar lesões primárias (p. ex., hematoma intracraniano) que requerem cirurgia imediata TABELA 32.2

Escala de coma de Glasgow

Motor 6 = Obedece comandos 5 = Localiza a dor 4 = Movimento de retirada 3 = Flexão decorticada 2 = Extensão descerebrada 1 = Flácida Verbal 5 = Orientado e adequado 4 = Desorientado 3 = Palavras inadequadas 2 = Sons incompreensíveis 1 = Nenhum Olhos 4 = Abrem espontaneamente 3 = Abrem com estímulo verbal 2 = Abrem com dor 1 = Nenhum Se GCS 90 mmHg e a saturação de oxigênio seja > 90% em todos os momentos. Mesmo reduções transitórias na pressão arterial ou na saturação de oxigênio podem afetar profundamente a mortalidade desses pacientes (2). O manejo anestésico perioperatório da LCT é discutido em detalhes no Capítulo 30. Em pacientes que apresentam lesão medular (LM), é importante avaliar o nível anatômico do déficit neurológico logo após o evento. O nível sensorial é determinado pelo nível do dermátomo do toque ou da dor. A função motora é avaliada usando o escore da American Spinal Injury Association (ASIA) (Tab. 32.3). A avaliação do esfíncter anal também é um componente importante do exame motor. No passado, pacientes com LM eram tratados com infusões de metilprednisolona para reduzir o edema medular e melhorar a recuperação da função. A literatura recente, contudo, não demonstrou um benefício significativo de tal terapia; ao contrário, mostrou um risco aumentado de infecção. Assim, a administração de esteroides não é recomendada atualmente na LM. O manejo inicial da suspeita de lesão da coluna cervical inclui a colocação de um colar cervical rígido para minimizar a movimentação cervical. Como é sempre um desafio excluir a LM em pacientes intoxicados ou com traumatismo craniano, esses pacientes devem permanecer com um colar cervical até que exames definitivos por imagem possam ser realizados. Dados recentes apoiam a remoção do colar cervical em pacientes adultos com TC da coluna cervical normal que movimentam espontaneamente as quatro extremidades.

E. Outras lesões vasculares importantes A abordagem inicial de lesões vasculares importantes inclui a avaliação das extremidades afetadas quanto a presença e o caráter do pulso bem como da cor da pele e da temperatura. Um membro frio e mal-perfundido deve ser avaliado imediatamente para possível lesão arterial e revascularização. Do mesmo modo, a lesão vascular óbvia com hemorragia externa deve ser abordada imediatamente com controle da hemorragia e reposição de líquidos. A colocação de torniquetes temporários em um membro com sangramento com risco à vida é uma medida hemostática simples e eficaz. Nos

TABELA 32.3 Classificação da lesão medular de acordo com a American Spinal Injury Association Escore

Tipo de lesão

Descrição

A

Completa

Ausência de função motora ou sensorial em S4-5

B

Incompleta

Ausência de função motora ou sensorial preservada abaixo do nível da lesão incluindo S4-5

C

Incompleta

Função motora e sensorial está preservada abaixo do nível da lesão (força motora < 3/5 em metade dos músculos principais)

D

Incompleta

Função motora e sensorial está preservada abaixo do nível da lesão (força motora ≥ 3/5 em metade dos músculos principais)

E

Normal

Funções motora e sensorial estão intactas

Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

casos de trauma pélvico significativo e sangramento retroperitoneal, a colocação de um f ixador pélvico pode reaproximar fraturas pélvicas em um grau suficiente para limitar temporariamente a perda sanguínea. Técnicas radiológicas endovasculares intervencionistas são usadas com frequência para controlar o sangramento pélvico e hepático, evitando, assim, as complicações associadas com reparos cirúrgicos abertos. As lesões aórticas são avaliadas com a TC com contraste do tórax e do abdome. A ecocardiografia transesofágica pode ser usada para avaliar a aorta ascendente, o arco aórtico e a aorta descendente para potencial ruptura.

F. Gerenciamento interdisciplinar baseado em equipe O gerenciamento dos recursos da equipe é um conceito desenvolvido pela indústria aeronáutica no qual cada membro da equipe multidisciplinar é igualmente responsável pela segurança do passageiro. Por exemplo, qualquer membro de uma tripulação de voo pode alertar o piloto em comando sobre um perigo potencial. Esse conceito é particularmente relevante para o trauma quando o cuidado é necessariamente multidisciplinar e eventos críticos precisam ocorrer no momento certo. Fundamental ao conceito de gerenciamento dos recursos da equipe é a comunicação livre e clara entre todos os membros, independentemente da hierarquia. Quando vários eventos e terapias precisam ocorrer simultaneamente, é valioso usar uma lista de verificação para garantir que nenhuma etapa crítica seja negligenciada (3). A lista de verificação recomendada para o trauma e a anestesia de emergência é apresentada na Fig. 32.1. A alocação de posições predeterminadas a membros da equipe anestésica de reanimação também é um modo eficaz de manter a organização na sala de cirurgia de trauma (Fig. 32.2).

II. Manejo cirúrgico: considerações gerais A. Monitoração A monitoração-padrão da ASA é descrita no Capítulo 15. Nas emergências, a monitoração da saturação de oxigênio pode prover uma frequência cardíaca razoavelmente acurada e informação numérica da saturação de oxigênio. Ela também é um indicador indireto da perfusão periférica, uma vez que um formato de onda de má qualidade sugere uma má perfusão periférica. Um acesso arterial pode fornecer uma medida acurada batimento a batimento da pressão arterial e facilitar a amostragem sanguínea frequente. Ela também pode usar tecnologias emergentes para análise da onda de pulso arterial (ver Cap. 23) para estimar o débito cardíaco e o estado do volume intravascular. A colocação de um acesso arterial, contudo, nunca deve retardar o início de um caso cirúrgico de emergência.

B. Anestésicos e fármacos adjuntos Pacientes gravemente feridos que apresentam hipovolemia são muito suscetíveis aos efeitos inotrópicos negativos e vasodilatadores dos anestésicos, em especial os anestésicos voláteis. Assim, todos os fármacos anestésicos devem ser titulados lenta e cuidadosamente para evitar colapso cardiovascular em tais pacientes. Uma lista parcial de anestésicos e fármacos adjuntos usados comumente, junto com cuidados específicos para uso em pacientes de trauma, é fornecida na Tabela 32.4.

C. Indução e manejo das vias aéreas A indução em sequência rápida (ISR) é o processo pelo qual um tubo endotraqueal é colocado rapidamente por laringoscopia direta durante o manejo de emergência das vias aéreas (ver Cap. 20). A ISR é empregada comumente em pacientes vítimas de trauma. Quando ela é combinada com MILS em pacientes em risco de lesão medular cervical, é um método seguro e eficaz de proteger as vias aéreas. Quando um colar cer-

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Fundamentos de anestesiologia clínica

ANTES DA CHEGADA DO PACIENTE Temperatura ambiente 25 ºC ou mais alta Linha IV aquecida Verificação das máquinas Equipamento de vias aéreas Medicações de emergência Banco de sangue: “6U CH O Neg, 6U PFC AB, 5-6 Unidades de plaquetas doadores aleatórios (1 dose adulto-padrão) disponíveis.”

CHEGADA DO PACIENTE Paciente identificado para cirurgia trauma/emergência? Banco de sangue: “Enviar sangue para tipagem e cruzamento e iniciar PTM imediatamente!” Acesso IV Monitorar SaO2, PA, ECG CIRURGIÃO: “PREPARAR-SE E COLOCAR OS CAMPOS CIRÚRGICOS” Pré-oxigenação INDUÇÃO Sedativo hipnótico (cetamina vs. propofol vs. etomidato) Bloqueio neuromuscular (succinilcolina vs. rocurônio) INTUBAÇÃO ETCO2 (+) CIRURGIÃO: “INICIAR!” Colocar sonda orogástrica ANESTÉSICO (Anestésico volátil e/ou benzodiazepínico) + narcótico Considerar TIVA Inserir acesso IV adicional se necessário e um acesso arterial RESSUSCITAÇÃO Enviar exames laboratoriais basais Seguir a tendência da PAM Meta PFC: CH é controverso, mas considerar PFC precocemente Meta do débito urinário 0,5-1 mL/kg/h Considerar ácido tranexâmico se < 3 h após a lesão; 1 g durante 10 min × 1, depois 1 g durante 8 h Considerar cloreto de cálcio, 1 g Considerar hidrocortisona 100 mg Considerar vasopressina 5-10 UI Administrar antibióticos apropriados Considerações especiais para LCT (PAS > 90-100 mmHg, SaO2 > 90%, pCO2 35-45 mmHg) FECHAMENTO/PÓS-OPERATÓRIO UTI: Há um leito? Iniciar ventilação com baixo volume pulmonar (VT = 6 mL/kg peso corporal ideal)

Enquanto a indução em sequência rápida e a intubação geralmente são um procedimento de duas pessoas, é necessário um mínimo de três profissionais quando se realiza o procedimento em um paciente com possível lesão da coluna cervical: um para segurar o alinhamento manual do pescoço estabilizado, um para prover a pressão cricoide e um para realizar a intubação traqueal.

FIGURA 32.1 Lista de verificação para emergência e trauma. Preparação crítica e estratégias de tratamento são apresentadas para cada etapa sucessiva nos cuidados emergentes e perioperatórios da vítima de trauma maior. CH, concentrado de hemácias; PFC AB, plasma fresco congelado tipo AB; PTM, protocolo de transfusão maciça; SaO2, saturação arterial de oxigênio; PA, pressão arterial; ECG, eletrocardiograma; ETCO2CF, concentração expiratória final de dióxido de carbono; AIVT, anestesia intravenosa total; PAM, pressão arterial média; LCT, lesão cerebral traumática; PAS, pressão arterial sistólica.

vical rígido está em posição, a parte frontal do colar pode ser removida (com aplicação de MILS) imediatamente após indução para facilitar a subluxação da mandíbula e a visualização da laringe. A videolaringoscopia (p. ex., Glidescope, Verathon Inc., Bothel, WA) está sendo usada cada vez mais em situações de emergência. Embora a videolaringoscopia possa melhorar a visualização das pregas vocais, ela não reduz o tempo para a intubação ou melhora o sucesso da primeira tentativa de intubação (4). O benefício da videolaringoscopia pode ser confinado aos pacientes com anatomia difícil das vias aéreas (p. ex., abertura limitada da boca ou limitação da mobilidade do pescoço) ou a profissionais iniciantes ou que não realizam laringoscopia direta regularmente (5). Os dispositivos supraglóticos (p. ex., máscara laríngea) permitem uma inserção às cegas como alternativa à intubação traqueal. No ambiente pré-hospitalar, tais equipamentos podem ser fáceis de colocar por profissio-

Capítulo 32

de

Mesa de anestesia ETE

o lh re a Ap

a si te es n a

Anestesia para trauma e queimadura

DIRECIONAMENTO DA EQUIPE

Carro de punção

TÉCNICO DE ANESTESIA

Anestesiologista principal

Infusor rápido CABEÇA DO PACIENTE

Residente Junior/ CRNA

Residente Senior/ CRNA*

U/S

REGISTRO DAS INTERVENÇÕES

Anestesiologista adicional Técnico em anestesia adicional

Mesa cirúrgica

Refrigerador para sangue (fora da sala de cirurgia)

Carro de parada (fora da sala de cirurgia)

FIGURA 32.2 Diagrama de fluxo de trabalho da equipe de anestesia no trauma. A montagem ideal da planta da sala para cuidados anestésicos de pacientes vítimas de traumatismo de grande porte inclui espaços determinados para vários anestesiologistas, estações de trabalho de anestesia e equipamentos de emergência. * N. de R.T. CRNA corresponde a “Certified Registered Nurse Anesthetist” ou seja, o (a) “enfermeiro(a) anestesista”, posição não existente no Brasil. Da mesma forma, a função de “técnico de anestesia” também não existe aqui, sendo esse auxílio desempenhado pelo técnico de enfermagem circulante da sala.

nais com experiência limitada em intubação traqueal. No ambiente hospitalar, eles servem como equipamento de resgate efetivo em cenários “não intubo, não ventilo”.

D. Hipotensão Como observado anteriormente, a perda sanguínea continuada com frequência leva a choque hipovolêmico em pacientes com lesões múltiplas ou de grande porte. A ressuscitação agressiva na presença de lesões não tratadas pode, na verdade, piorar a perda sanguínea por aumentar a pressão intravascular nos vasos lesionados. O conceito de “ressuscitação hipotensiva” tem por objetivo atenuar a perda sanguínea nesses casos, tendo como alvo uma pressão arterial abaixo do normal – mas fornecendo perfusão dos órgãos vitais – até que o controle da fonte de hemorragia seja atingido. Embora modelos animais tenham oferecido resultados encorajadores com a ressuscitação hipotensiva, dados em humanos têm sido menos promissores, e os benefícios documentados parecem limitados a vítimas de lesão penetrante.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 32.4 Medicação

Anestésicos e fármacos adjuntos usados comumente para anestesia no trauma e na reanimação Dose

Mecanismo de ação

Comentários

Sedativos/hipnóticos Propofol

1,5-2,5 mg/ kg

Agonista do ácido ␥-aminobutírico (GABA)

Pode reduzir a resistência vascular sistêmica (RVS) e a pressão arterial

Cetamina

1-2 mg/kg

Antagonista do N-metil-D-aspartato (NMDA)

Mantém os reflexos das vias aéreas e a RVS

Etomidato

0,2-0,3 mg/ kg

Agonista GABA

Doses únicas para indução podem suprimir temporariamente o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal

Agentes bloqueadores neuromusculares Succinilcolina

1 mg/kg

Relaxante muscular despolarizante

Pode causar hipercalemia com risco à vida nas queimaduras e na lesão medular após 48 horas

Rocurônio

0,6-1 mg/kg

Relaxante muscular adespolarizante

Pode ser usado de maneira eficaz na indução de sequência rápida

Cisatracúrio

0,1-0,2 mg/ kg

Relaxante muscular adespolarizante

Eliminado por degradação de Hoffman; útil na insuficiência renal

Vecurônio

0,1 mg/kg

Relaxante muscular adespolarizante

Duração prolongada na disfunção hepática

Adjuntos Ácido tranexâmico 1 g durante Derivado sintético da lisina e antifi10 minubrinolítico tos, depois 1 g durante 8 horas

Melhora na mortalidade por trauma quando administrado dentro de três horas da lesão

Fator VII recombinante

20-100 μg/kg Acelera a formação da trombina no local da lesão endotelial

Os benefícios no trauma não estão claros; riscos potenciais de trombose; caro

Vasopressina

5-20 UI

Vasoconstritor potente

Desvia sangue para os leitos vasculares cerebral, cardíaco e pulmonar

Cloreto de cálcio

1g

Facilita a contração do músculo liso

Usado para restaurar os baixos níveis de cálcio e o inotropismo durante a transfusão maciça

Hidrocortisona

100 mg

Mineralocorticoide potente

Trata a supressão da suprarrenal vista nos casos críticos

Embora seja difícil quantificar a meta ideal da pressão arterial durante a ressuscitação, a tendência da pressão arterial média frequentemente fornece uma melhor avaliação do progresso da reanimação do que a dependência nos valores da pressão arterial sistólica. A literatura recente sugere que o risco de lesão renal ou miocárdica aguda aumenta com uma pressão arterial média abaixo de 55 mmHg (6), suportando, assim, esse valor como o limite inferior durante a reanimação. A ressuscitação frequentemente é iniciada com líquidos cristaloides isotônicos como o Plasma Lyte ou o Ringer lactato. Cloreto de sódio a 0,9% deve ser evitado devido ao risco associado de lesão renal aguda (ver Cap. 23). A reposição de volume deve ser convertida para hemoderivados o mais rápido possível. O uso precoce de concentrado de hemácias e a administração empírica de plasma fresco congelado antes do desenvolvimento de uma coagulopatia documentada tem melhorado a sobrevida de

Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

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pacientes gravemente feridos por trauma tanto em ambiente de combate quando na população civil (8). Uma proporção de concentrado de hemácias em relação ao plasma fresco congelado e plaquetas próxima de 1:1:1 é a meta geral de tal reanimação no trauma, embora a proporção relativa exata ainda precise ser determinada. O ácido tranexâmico é um derivado sintético da lisina que inibe a fibrinólise e pode reduzir a perda sanguínea em alguns procedimentos cirúrgicos de alto risco (p. ex., transplante hepático, cirurgia de grande porte da coluna). Sua administração precoce também tem mostrado reduzir a mortalidade em pacientes que sofreram um grave trauma (9) e está sendo cada vez mais usado nessa situação. O uso de vasopressores (com a possível exceção da vasopressina) está associado com aumento da mortalidade na ressuscitação do trauma, e seu uso deve ser evitado (10). Como o choque em situação de trauma geralmente é devido à hipovolemia, os esforços terapêuticos devem ser direcionados ao controle da hemorragia e à reposição do volume intravascular perdido.

E. Hipotermia A “tríade letal” da ressuscitação no trauma consiste em hipotermia, coagulopatia e acidose. Para evitar hipotermia no cuidado perioperatório do trauma, a sala de cirurgia deve ser aquecida ao máximo possível (mesmo ao ponto de desconforto para a equipe cirúrgica); os líquidos intravenosos, aquecidos; e equipamentos de aquecimento convectivo, usados para manter a temperatura central o mais próximo possível do normal. A hipotermia terapêutica tem demonstrado melhorar a recuperação neurológica em pacientes que sofreram parada cardíaca fora do hospital, e modelos animais têm sugerido um benefício potencial diante de choque hipovolêmico. Contudo, nesse momento, não há dados clínicos para apoiar essa prática no trauma.

F. Anormalidades da coagulação Embora a administração empírica de plasma fresco congelado antes de uma coagulopatia documentada melhore a sobrevida, como observado anteriormente, a avaliação acurada do estado da coagulação permanece um componente importante da ressuscitação no trauma. Tradicionalmente, as amostras de sangue são enviadas para reação cruzada, bem como para dosagem de tempo de protrombina (TP)/índice internacional normalizado (INR, do inglês international normalized ratio), tempo parcial de tromboplastina (PTT, do inglês partial thromboplastin time), hemoglobina/hematócrito, contagem de plaquetas e fibrinogênio. A baixa contagem de plaquetas, hemoglobina/hematócrito e fibrinogênio é tratada com plaquetas, concentrado de hemácias e crioprecipitado, respectivamente. O TP/INR e o PTT elevados são tratados com plasma fresco congelado. Mais recentemente, a tromboelastograf ia tem sido usada para avaliar vários aspectos funcionais da coagulação (Figs. 32.3 e 32.4). O tempo de reação (R) e o tempo da cinética de coagulação (K) são medidas no processo enzimático da formação do coágulo. O prolongamento de qualquer um deles é tratado com plasma fresco congelado. A amplitude máxima (AM) e o ângulo ␣ são medidas da cinética do coágulo e da reação cruzada. Um ângulo ␣ raso e um AM reduzido são tratados com infusões de plaquetas. A lise do coágulo é medida em intervalos específicos durante todo o processo e indica o estado da fibrinólise. Formatos de onda anormalmente estreitos podem ser tratados com antifibrinolíticos como o ácido tranexâmico.

G. Distúrbios eletrolíticos e acidobásicos Durante a transfusão maciça, o conservante citrato no concentrado de hemácias pode quelar o cálcio, diminuindo o nível de cálcio sérico e contribuindo para hipotensão. O cálcio é altamente ligado com proteínas; portanto, o teste bioquímico para o cálcio

VÍDEO 32.1 Hipocapnia

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Fundamentos de anestesiologia clínica

α 50 mm

MA

A60

R K

15 min Trombose

F (Fibrinólise)

Valores normais R = 6-8 min

K = 3-7 min

α ângulo = 50-60 graus

AM = 50-60 min

A60 = AM-5

F = 300 min

Índice de lise do coágulo (ILC) = A60/MA × 100% Faixa normal do ILC > 85%

FIGURA 32.3 Valores normais de tromboelastograma normal (ver texto para detalhes). R, intervalo da deposição do sangue no tubo até uma amplitude de 1 mm no tromboelastograma; K, tempo entre o final de R e um ponto com uma amplitude de 20 mm no tromboelastograma; ângulo ␣, inclinação da divergência externa do traçado a partir do valor de R; AM, amplitude máxima do tromboelastograma; A60, amplitude do tromboelastograma 60 minutos após a amplitude máxima; F, tempo de AM para retornar a amplitude 0 (normal, > 300 minutos). (De Capon LM, Miller SM, Gingrich KJ. Trauma and burns. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1490–1534, com permissão.)

Normal

Anticoagulantes/hemofilia

Bloqueadores de plaquetas

Fibrinólise

Hipercoagulabilidade

FIGURA 32.4 Exemplos de traçados anormais do tromboelastograma. (De da Luz LT, Nascimento B, Rizoli S. Thrombelastography (TEG®): Practical considerations on its clinical use in trauma resuscitation. Scand J Trauma Resusc Emerg Med. 2013;21:29, com permissão.)

Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

ionizado fornece uma estimativa mais acurada do nível de cálcio total. A hipocalcemia está associada com aumento da mortalidade, e níveis de cálcio ionizado abaixo de 1 mmol/L devem ser tratados imediatamente com cloreto de cálcio. A lise de hemácias durante a transfusão de sangue pode resultar em hipercalemia. Isso é particularmente verdadeiro quando hemoderivados mais velhos são usados em crianças pequenas. A hipercalemia é caracterizada por ondas T apiculadas no eletrocardiograma. Níveis de potássio > 5 mEq/L devem ser tratados com cloreto de cálcio para estabilizar os potenciais de membrana cardíacos. A insulina também pode ser administrada para empurrar o potássio para dentro da célula, reduzindo o nível sérico do potássio. Deve-se ter cuidado para evitar hipoglicemia; assim, a glicose sanguínea deve ser verificada com frequência, e glicose deve estar prontamente disponível para uso se necessário. O déf icit de base é a quantidade de base necessária para normalizar a amostra sanguínea a 37 ˚C para um pH de 7,4 com uma tensão de dióxido de carbono assumida de 40 mmHg. Ao eliminar o componente respiratório da avaliação acidobásica, é possível uma medida mais específica do componente metabólico. O déficit de base está disponível rapidamente e é mais prontamente responsivo às intervenções terapêuticas do que outros testes bioquímicos (p. ex., o lactato sérico).

III. Manejo anestésico de lesões específicas A. Lesão cerebral traumática ou trauma craniano A consideração mais importante no manejo anestésico de pacientes com lesão cerebral traumática (LCT) é a prevenção de lesão neurológica secundária. Como observado anteriormente, quedas na pressão arterial ou na oxigenação contribuem significativamente para a mortalidade e devem ser evitadas em pacientes com traumatismo craniano. O manejo anestésico perioperatório da LCT é discutido em detalhes no Capítulo 30.

B. Lesão da coluna e da medula espinal Como observado anteriormente, os esteroides não estão indicados na LM e podem piorar o desfecho por aumentar o risco de infecção. Assim como a LCT, é importante evitar a lesão neurológica secundária. A melhora da recuperação neurológica com a hipotermia intencional é uma linha de pesquisa interessante, mas não tem suporte atualmente na literatura. O manejo anestésico perioperatório da cirurgia da LM e da coluna é discutido em detalhes no Capítulo 26.

C. Lesão dos tecidos moles do pescoço O pescoço é dividido em três zonas anatômicas: a zona 1 se estende da clavícula à cartilagem cricoide; a zona 2 vai da cartilagem cricoide ao ângulo da mandíbula; e a zona 3 vai do ângulo da mandíbula ao mastoide. As lesões nas zonas 1 e 3 geralmente são tratadas com observação cuidadosa e radiologia intervencionista devido ao desafio da exposição cirúrgica. As lesões da zona 2 que penetram o platisma são exploradas geralmente na sala de cirurgia. A consideração anestésica primária com essas lesões é o manejo das vias aéreas, uma vez que a traqueia pode estar envolvida. Grandes hematomas fora das vias aéreas podem causar um desvio da linha média da traqueia. A lesão direta à traqueia pode criar uma falsa passagem para o tubo endotraqueal, mesmo após ele ser visualizado passando pelas pregas vocais. Sinais de lesão da traqueia ou da laringe no paciente de trauma com lesão do pescoço incluem dificuldade com a fonação ou fonação alterada, rouquidão, estridor e enfisema subcutâneo. Assim como no manejo de qualquer via aérea traumatizada, a pré-oxigenação cuidadosa, ISR e laringoscopia direta geralmente são seguras. Contudo, se houver preocupação significativa com o envolvimento das vias aéreas, a intubação com o paciente acordado com fibroscópio está indicada.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

D. Lesão torácica

VÍDEO 32.2 Pneumotórax de tensão

VÍDEO 32.3 Inserção de dreno torácico

As lesões torácicas podem envolver o coração, os pulmões, os grandes vasos e o trato aerodigestivo. A avaliação primária inclui a avaliação dos sons respiratórios e das bulhas cardíacas. Sons respiratórios ausentes ou assimétricos sugerem pneumotórax ou hemotórax, enquanto bulhas cardíacas distantes, especialmente quando acompanhadas de veias jugulares distendidas, sugerem tamponamento cardíaco. Uma radiografia torácica portátil pode confirmar o pneumotórax ou o hemotórax, mas não deve retardar a descompressão imediata de um pneumotórax de tensão se houver instabilidade cardiovascular. O hemotórax e o pneumotórax são ambos tratados com a colocação de um dreno torácico. Se mais de 2 L de sangue forem drenados pelo dreno torácico, ou se mais de 150 mL de sangue drenarem a partir do dreno torácico por hora, então está indicada uma toracotomia exploradora. O cirurgião frequentemente solicita a ventilação monopulmonar nesses casos, necessitando da colocação de um tubo endotraqueal de duplo lúmen ou bloqueador brônquico (ver Cap. 34). Em uma emergência, um simples tubo endotraqueal pode ser avançado às cegas para o brônquio principal direito para isolar o pulmão esquerdo. O tamponamento cardíaco no trauma é uma condição com risco de morte na qual o sangue enche o pericárdio e restringe o retorno venoso e o débito cardíaco. As pressões cardíacas direita e esquerda se equalizam e o fluxo anterógrado para, resultando em parada cardíaca. A ultrassonografia transtorácica é usada para avaliar rapidamente a função cardíaca e a presença de líquido em torno do coração. O tamponamento cardíaco pode ser aliviado por pericardiocentese ou na sala de cirurgia por uma janela pericárdica. Enquanto a equipe cirúrgica está se preparando para esse procedimento, deve-se ter cuidado em minimizar a pressão intratorácica positiva (facilitando o retorno venoso) e manter a resistência vascular sistêmica (p. ex., fenilefrina) para garantir uma perfusão coronariana adequada.

E. Lesões abdominais e pélvicas

A “cirurgia de controle de danos” se refere a procedimentos cirúrgicos de emergência ou procedimentos de radiologia intervencionista de emergência com a meta específica limitada de identificar e tratar rapidamente a perda sanguínea ou outras condições com risco de morte, porém adiar temporariamente o reparo cirúrgico definitivo até que o paciente possa ser estabilizado clinicamente.

A avaliação ultrassonográf ica focada para o trauma (FAST) avalia o pericárdio, o recesso hepatorrenal (saco de Morison), a região esplenorrenal e o assoalho pélvico. Sinais hipoecoicos (escuros) representam líquido livre (sangue) e sugerem a necessidade de cirurgia exploradora em vítimas de trauma abdominal fechado. Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma TC abdominal identifica lesões intra-abdominais e pélvicas com mais especificidade anatômica do que o exame FAST. Pacientes instáveis, contudo, devem ser levados imediatamente para a sala de cirurgia sem imagem de TC. O trauma abdominal maior inclui lesão devastadora de órgãos sólidos, lesão vascular considerável e contaminação de órgãos ocos. Para facilitar a exposição cirúrgica de toda a cavidade peritoneal, o relaxamento da parede abdominal deve ser mantido durante toda a cirurgia. Nos casos de lesão hepática, lesão esplênica e lesão vascular maior, uma transfusão maciça deve ser antecipada. Em tais casos, deve-se estar alerta para o fato de que a compressão manual realizada pelo cirurgião na veia cava inferior pode obstruir intermitentemente o retorno venoso e ser uma causa oculta de hipotensão. Quando um sangramento não arterial não pode ser controlado facilmente, os cirurgiões podem optar por realizar uma cirurgia de “controle de danos”, com as metas limitadas de tamponar os locais de maior hemorragia e fechamento abdominal temporário. Isso é seguido por planos de retornar à sala de cirurgia algumas horas mais tarde para reparo cirúrgico definitivo após reanimação, correção de hipotermia, coagulopatia e acidose. Antibióticos de amplo espectro podem ser dados empiricamente a pacientes com contaminação peritoneal disseminada resultante de lesão intestinal para prevenir o desenvolvimento de choque séptico. Lesões vasculares pélvicas são cada vez mais tratadas por radiologia intervencionista, como dito anteriormente. Portanto, essas instalações irão necessitar do mesmo

Capítulo 32 TABELA 32.5

Anestesia para trauma e queimadura

Perda sanguínea interna (oculta) estimada para fraturas fechadas em adultos

Fratura pélvica

2-3 litros

Fratura do fêmur

1-2 litros

Fratura proximal da tíbia

0,5-1 litro

Fratura do úmero

~ 0,5 litro

nível de equipamento e pessoal de anestesia que o de uma sala de cirurgia-padrão para garantir cuidados adequados nesses locais não tradicionais para reanimação anestésica.

F. Lesão das extremidades As lesões das extremidades podem envolver o espectro desde fraturas fechadas isoladas e simples lacerações até amputações traumáticas secundárias a lesão por explosão. A perda sanguínea por lesão das extremidades pode ser surpreendentemente alta (Tab. 32.5) e deve ser antecipada. O controle da dor é uma meta importante durante todas as fases do cuidado do trauma. A analgesia apropriada não é apenas humana, mas também reduz os marcadores inflamatórios e a resposta ao estresse, com benefícios teóricos na cicatrização do ferimento. O sangramento óbvio a partir de uma extremidade deve ser controlado de imediato, inicialmente com pressão direta e elevação da extremidade. Torniquetes devem ser considerados precocemente nos casos de hemorragia não controlada e podem ser deixados no local por 2 a 3 horas e ser liberados apenas quando a equipe estiver totalmente preparada para a intervenção cirúrgica.

G. Lesões vasculares maiores A hemorragia de troncos arteriais (p. ex., artérias ilíacas, aorta) apresenta um desafio único no qual os torniquetes não são uma opção e a pressão direta com cintas pélvicas ou abdominais têm utilidade limitada. O sangramento por lesões vasculares retroperitoneais maiores pode ser autolimitado transitoriamente pelo efeito de tamponamento por estruturas anatômicas adjacentes ou pelo peritônio. Contudo, a incisão cirúrgica para expor a lesão irá liberar o efeito do tamponamento e gerar a necessidade de potencial transfusão intraoperatória. O reparo aberto de lesões da aorta torácica ou do arco aórtico pode necessitar de esternotomia mediana, embora tais lesões sejam cada vez mais reparadas por técnicas endovasculares fechadas. Após certos reparos vasculares arteriais, o cirurgião pode solicitar a heparinização para manter a patência do vaso e minimizar a oclusão trombótica. Entretanto, o benefício da heparinização para o reparo vascular deve ser ponderado em relação ao risco de potencial sangramento catastrófico a partir de outros locais em um paciente politraumatizado. Uma discussão multidisciplinar é necessária para priorizar os vários riscos e benefícios e resolver quaisquer discrepâncias.

H. Lesões abertas do globo ocular As lesões oculares podem ocorrer por traumatismo fechado e penetrante. Deve-se ter cuidado durante a avaliação inicial e qualquer tratamento cirúrgico para evitar aumentos na pressão intraocular que possam levar à extrusão do vítreo e perda da visão. Por esses motivos, a succinilcolina deve ser evitada durante a indução, e o rocurônio deve ser usado como um bloqueador neuromuscular alternativo para ISR. Do mesmo modo, aumentos na pressão intraocular associados com tosse ou vômitos no período

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Fundamentos de anestesiologia clínica pós-operatório devem ser minimizados com o uso regular de antieméticos (p. ex., ondansetron) antes do seu surgimento.

IV. Lesões por queimaduras A. Tamanho e profundidade das queimaduras

VÍDEO 32.4 Regra dos Nove para a área de superfície corporal

As queimaduras têm sido classificadas tradicionalmente como de primeiro grau (vermelhidão dolorosa), segundo grau (vermelhidão dolorosa mais bolhas) e terceiro grau (escaras indolores). Mais recentemente, as queimaduras foram caracterizadas como de espessura parcial ou de espessura total. As queimaduras de espessura total penetram em todas as camadas da pele até a derme e requerem desbridamento cirúrgico. Uma regra geral é que a área coberta pela impressão da mão do paciente é equivalente a 1% de área de superfície corporal total (ASCT). Há inúmeros métodos para estimar a ASCT em um grande queimado, sendo o mais comum a “Regra dos Nove” (Fig. 32.5). Contudo, a Regra dos Nove com frequência superestima a ASCT queimada, especialmente em pacientes obesos.

B. Avaliação inicial e manejo das lesões por queimadura Pacientes queimados merecem considerações especiais na investigação primária do trauma devido à possibilidade de envolvimento das vias aéreas com lesão térmica ou inalação de fumaça. O edema das vias aéreas pode diminuir rapidamente a patência

9%

18% Frente 18% Dorso 9%

9%

18% 1% 18%

18% Frente 18% Dorso

18% 9%

9%

1% 14% 14%

FIGURA 32.5 Diagrama da Regra dos Nove para adulto/criança. A porcentagem de área de superfície corporal total (ASCT) para queimaduras pode ser estimada a partir de figuras específicas para a idade com porcentagens de áreas de superfície para regiões anatômicas diferentes.

Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

das vias aéreas superiores e inferiores, tornando a laringoscopia e a intubação traqueal quase impossíveis se forem adiadas. Se o paciente tiver sido ferido em um espaço fechado (p. ex., fogo doméstico), tiver escarro carbonáceo, pelos nasais tosqueados ou outros sinais que sugiram lesão por inalação, é prudente realizar a intubação traqueal imediatamente. Retardar a intubação traqueal pode permitir a formação de edema das vias aéreas – particularmente durante a reposição inicial de líquidos nas queimaduras – e tornar o manejo tardio das vias aéreas muito difícil. Como observado na Tabela 32.4, a succinilcolina pode precipitar hipercalemia com risco de morte em pacientes queimados, mas não nas primeiras 48 horas após a lesão, quando os receptores neuromusculares da acetilcolina ainda precisam ser suprarregulados. Assim, tanto a succinilcolina quanto o rocurônio podem ser usados para ISR no momento imediato pós-lesão. O monóxido de carbono (CO) tem uma afinidade com o heme na hemoglobina várias vezes maior do que o oxigênio. A intoxicação por CO pode resultar da inalação dos produtos de combustão. Os pacientes raramente apresentam a clássica complexão vermelho-cereja, e a saturação de oxigênio pela oximetria de pulso irá aparecer erroneamente normal. Em contraste, a cooximetria do sangue arterial nessa situação irá produzir valores acurados para a carboxiemoglobina elevada e a saturação de oxigênio da hemoglobina reduzida. A intoxicação por CO interfere com o fornecimento de oxigênio aos tecidos periféricos e com a respiração celular, levando à acidose metabólica grave. Ela também está associada com desmielinização central e sequelas neurológicas no longo prazo. Em caso de suspeita de intoxicação por CO, o oxigênio em alto fluxo deve ser iniciado imediatamente, e o nível de carboxiemoglobina, determinado. O oxigênio em alto fluxo estabelece um gradiente de oxigênio que irá favorecer o rápido deslocamento de CO do heme e substituição com oxigênio. A terapia com oxigênio hiperbárico pode ser usada para fornecer concentrações de oxigênio > 100%, embora tais instalações raramente estejam disponíveis e imponham aspectos logísticos para outros aspectos de cuidados intensivos e de queimados. A intoxicação por cianeto pode resultar da inalação de produtos de combustão, bem como do uso prolongado de nitroprussiato de sódio, levando ao comprometimento da respiração celular e à acidose metabólica. Quando o nitroprussiato de sódio libera óxido nítrico, o cianeto também é criado e pode atingir níveis tóxicos em pacientes recebendo infusões prolongadas em altas doses. A intoxicação por cianeto é tratada com hidroxocobalamina; ela se combina com o cianeto para formar a cianocobalamina, que é eliminada pela urina. O tiossulfato de sódio também pode ser administrado para formar o tiocianato, que é eliminado pelos rins. Os kits de antídoto do cianeto também contêm nitrito de amila, que pode eliminar o cianeto por meio da formação de metemoglobina. O nitrito de amila é uma medida temporária que deve ser usada apenas se o acesso intravenoso ou a hidroxocobalamina não estiver disponível. Pacientes queimados desenvolvem uma síndrome de extravazamento capilar no local da queimadura e em locais anatômicos distais, resultando em perda de líquido intravascular e choque hipovolêmico. A reposição agressiva de líquidos é necessária nas primeiras 24 horas e é orientada por vários algoritmos de cristaloides e coloides (Tab. 32.6), com o objetivo de manter a perfusão tissular adequada. A reposição em excesso pode levar a graves complicações (p. ex., lesão pulmonar aguda, síndromes compartimentais abdominais); assim, a reposição de líquidos deve ser titulada cuidadosamente para cima ou para baixo para manter o débito urinário em ~1 mL/kg/h e evitar a reposição em excesso.

C. Manejo perioperatório de pacientes queimados Pacientes queimados requerem cuidados perioperatórios especializados para vários riscos específicos da lesão (11). Esses pacientes estão em risco aumentado de hipotermia (devido à má integridade cutânea e terapia agressiva com líquidos intravenosos). Eles

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Mesmo se não houver sofrimento respiratório na chegada ao hospital, pacientes com queimadura facial significativa ou lesão inalatória devem ser submetidos à intubação traqueal precoce, quando o procedimento é mais fácil de ser realizado, em vez de retardar até que a reposição de líquidos e a inflamação produzam uma via aérea difícil por edema tissular maciço.

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 32.6

Diretrizes para ressuscitação hídrica inicial após queimaduras

Adultos e Crianças > 20 Kg Fórmula de Parklanda 4 mL de cristaloide/kg/% queimada/primeiras 24h Fórmula de Brooke Modificadaa 2 mL de Ringer Lactato/kg pela % queimada durante as primeiras 24h Crianças < 20 kg Cristaloides 2-3 mL/kg pela % queimada por 24 ha Cristaloide com dextrose 5% em taxa de manutenção 100 mL/kg para os primeiros 10 Kg e 50 ml/Kg pelos próximos 10 Kg por 24h Desfechos Clínicos da Ressuscitação de Queimados Débito urinário: 0,5-1 mL Pulso: 80-140 por min (dependente da idade) PAS: 60 mmHg (bebês); crianças 70-90 mais 2 × idade em anos mmHg; adultos PAM > 60 mmHg Déficit de base: < 2 PAS, pressão arterial sistólica; PAM, pressão arterial média. a 50% do volume calculado é administrado nas primeiras 8 h, 25% é administrado durante as segundas 8 h, e os 25% restantes são administrados nas 8h seguintes. De Capon LM, Miller SM, Gingrich KJ. Trauma and burns. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1490–1534, com permissão.

Os procedimentos de excisão de queimaduras e o enxerto cutâneo estão associados com perda sanguínea significativa, hipotermia, instabilidade cardiovascular, bem como dor pós-operatória considerável no local da lesão e da doação de pele, que requerem planejamento perioperatório amplo.

necessitam de esforços especiais para manter a temperatura corporal incluindo a elevação da temperatura da sala de cirurgia, equipamentos de aquecimento convectivo e líquidos intravenosos aquecidos. Os pacientes com lesão inalatória grave podem requerer estratégias especiais de ventilação (p. ex., ventilação percussiva de alta frequência) e precisam do uso de ventilador da unidade de cuidados intensivos na sala de cirurgia. Tais casos irão necessitar de anestesia intravenosa total para fornecer hipnose e analgesia. Se o bloqueio neuromuscular for necessário, a succinilcolina deve ser evitada após as primeiras 48 horas, como observado anteriormente. Os relaxantes musculares adespolarizantes são seguros, mas terão menor duração de ação em pacientes queimados devido a alterações quantitativas e qualitativas em receptores neuromusculares de acetilcolina que ocorrem nos primeiros dias após a lesão. O controle da dor pós-operatória é uma prioridade no paciente queimado, e a terapia multimodal deve ser considerada sempre que possível. A analgesia controlada pelo paciente, anestesia regional, opioides, gabapentina, paracetamol e cetamina são opções no paciente queimado, e a consulta com o especialista em dor em geral é útil.

D. Sedação e analgesia para cuidados não cirúrgicos das queimaduras A troca de curativos das queimaduras e outros procedimentos de cuidados dos ferimentos frequentemente são realizados em salas de procedimentos especiais fora da sala de cirurgia com monitoração ASA completa e capacidade de reanimação. Essa sala de procedimento é particularmente importante para pacientes pediátricos, que devem sentir uma sensação de segurança e conforto em suas próprias salas hospitalares. Propofol, doses generosas de opioides, benzodiazepínicos e cetamina são as medicações hipnóticas sedativas usadas comumente para sedação moderada ou profunda nes-

Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

sa condição. As terapias analgésicas não farmacológicas (p. ex., meditação, videogames, realidade virtual) também são usadas comumente como adjuntos na abordagem multimodal ao controle da dor em queimados.

V. Preparação para o desastre A. Casualidades em massa Qualquer evento que supera a capacidade médica de uma determinada instalação é definido como um incidente de casualidades em massa. Esses eventos correm o espectro desde desastres naturais e acidentes de transporte público até a guerra. O conceito de triagem é usado para separar os pacientes que são mais propensos a se beneficiar dos recursos médicos limitados disponíveis. Os pacientes conscientes, capazes de manter as vias aéreas e capazes de deambular são considerados “feridos deambulantes” e são rotulados como de prioridade baixa. Os pacientes em parada cardíaca são considerados casos perdidos e são manejados de forma expectante. Pacientes conscientes ou inconscientes que têm necessidade de cirurgia de emergência para salvar a vida, um membro ou a visão recebem a maior prioridade. Pacientes menos graves, incluindo aqueles que irão sobreviver por pelo menos algumas horas sem cirurgia, têm prioridade intermediária. O departamento de anestesia deve ter um plano de desastre estabelecido para estruturar procedimentos e pessoal em casualidades em massa. Esse plano deve incluir pessoal de anestesia na área de triagem ou departamento de emergência para coordenar o fluxo de pacientes para a sala de cirurgia e para coordenar os recursos em anestesia. Na sala de cirurgia, todos os casos já submetidos à cirurgia devem ser terminados, enquanto novos casos eletivos devem ser adiados. O plano de desastres departamental também deve incluir um processo para desativação de casualidades em massa e o retorno às atividades usuais.

B. Guerra biológica, química e nuclear O papel do anestesiologista em um ataque biológico, químico ou nuclear é limitado. Qualquer terapia que for realizada será de natureza básica. O treinamento adequado com equipamento de proteção química ou biológica é necessário para manejar pacientes em qualquer nível de cuidados. A descontaminação adequada é essencial antes de os pacientes entrarem em um ambiente “limpo” (p. ex., o hospital). Nos ataques biológicos, um sistema imune saudável e as vacinas apropriadas são a principal linha de defesa para provedores de cuidados. A identificação imediata do organismo envolvido pode orientar a terapia antimicrobiana. Nos ataques químicos, os agentes são dispersos rapidamente e é necessário equipamento de proteção para sobreviver às fases iniciais do ataque. Do mesmo modo, a identificação da substância química é obrigatória para orientar a terapia com os antídotos adequados. Nos ataques nucleares, a explosão inicial e a secundária causam o maior dano. A queda das partículas radiativas apresenta um risco de exposição à radiação. A única proteção contra esse tipo de ataque é um abrigo reforçado e distância do evento. O risco de câncer no longo prazo por exposição a partículas radioativas não é claro e, frequentemente, é superestimado. Os cidadãos de Hiroshima e Nagasaki passaram por taxas menores do que o esperado de câncer após os ataques nucleares de 1945. Alguns grupos advogam a suplementação de iodo no advento de um desastre nuclear (i.e., derretimento de uma planta de energia nuclear). Contudo, qualquer proteção da exposição à radiação que é fornecida pelo iodo é limitada à glândula tireoide e não é uma prática amplamente recomendada.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

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Capítulo 32

Anestesia para trauma e queimadura

625

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Todas as afirmativas a seguir a respeito da estabilização manual em alinhamento (MILS) durante laringoscopia e intubação traqueal são verdadeiras, EXCETO: A. MILS deve ser realizada sempre que o colar cervical rígido for removido de qualquer paciente vítima de trauma com lesão potencial na coluna cervical ou na medula B. MILS facilita a laringoscopia direta e a intubação traqueal por melhorar a visualização das pregas vocais pelo laringoscopista C. Durante a indução em sequência rápida, a MILS deve ser a única responsabilidade de um anestesiologista treinado adequadamente D. Pacientes com lesão da medula cervical raramente têm piora da função neurológica quando a laringoscopia e a intubação traqueal são realizadas com MILS 2. Uma mulher de 32 anos, andando de bicicleta sem capacete, foi atingida por um carro em um cruzamento, avaliada no local do acidente por paramédicos da emergência pré-hospitalar e transportada para o hospital em uma maca rígida com colar cervical. Na unidade de emergência, as vias aéreas, a respiração e os sinais vitais estavam dentro da faixa normal, e ela tinha uma deformidade grosseira no tornozelo direito, que parecia estar deslocado. No exame neurológico, não falava palavras ou frases, apenas grunhia e gemia. Ela afastava cada extremidade com o toque de picadas de alfinetes; os olhos estavam fechados e ela os abria apenas quando a perna direita era movimentada. A escala de coma de Glasgow (GCS) é: A. 6 B. 8 C. 10 D. 12 3. Você está dormindo na sala do plantão às 3 h da manhã quando recebe uma chamada da sala de cirurgia informando que uma mulher de 37 anos com um único ferimento por arma de fogo de grande calibre no epigástrio acabou de chegar à emergência. Devido aos sinais vitais instáveis (pressão arterial 72/38, frequência

cardíaca 132, frequência respiratória 36), a paciente será transportada para a sala de cirurgia dentro de 10 minutos para uma laparotomia exploradora. A “Lista de Verificação Anestésica de Emergência e Trauma” pode guiar a sua rápida preparação para esse procedimento em qual das seguintes áreas? A. Fármacos para indução de anestesia geral e intubação traqueal B. Fármacos e equipamento para ressuscitação intraoperatória C. Preparação do equipamento da sala de cirurgia e da mesa de trabalho do anestesiologista D. Todas as alternativas acima 4. Qual das seguintes afirmativas a respeito da “ressuscitação hipotensiva” de pacientes vítimas de trauma hemodinamicamente instáveis é VERDADEIRA? A. A meta hemodinâmica da ressuscitação é uma pressão arterial abaixo do normal que ainda forneça perfusão suficiente aos órgãos vitais até que a hemostasia seja atingida, após a qual a pressão arterial é normalizada B. A ressuscitação hipotensiva tem valor potencial em pacientes com lesão cerebral traumática (LCT) C. A meta hemodinâmica da ressuscitação é uma pressão arterial normal, adequada à idade, até que a hemostasia seja atingida; após a qual, a pressão arterial é reduzida farmacologicamente para níveis abaixo do normal que ainda forneçam perfusão dos órgãos vitais D. A ressuscitação hipotensiva tem maior valor em pacientes com trauma abdominal fechado do que naqueles com trauma penetrante 5. O conceito de “ressuscitação volêmica 1:1:1” em vítimas de trauma que estão hipovolêmicas e hipotensas, refere-se à administração de um número equivalente de unidades de concentrado de hemácias, plasma fresco congelado e plaquetas. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

626

Fundamentos de anestesiologia clínica

6. Ao cuidar de pacientes vítimas de trauma ou queimaduras, a hipercalemia não intencional pode resultar em todas as situações clínicas a seguir, EXCETO: A. Administração de seis unidades de concentrado de hemácias preparadas há 23 dias a uma menina com 3 anos de idade com amputação traumática da perna por acidente com cortador de grama B. Administração rápida de 12 unidades de concentrado de hemácias coletados há dois dias contendo conservante citrato a uma mulher de 53 anos submetida a uma esplenectomia de emergência por trauma abdominal fechado C. A reação hemolítica de transfusão em uma mulher de 23 anos que recebeu plasma fresco congelado inadequadamente cruzado após lesão cerebral traumática D. Administração de succinilcolina a um homem de 44 anos com 43% de área total de superfície corporal queimada no quinto dia de hospitalização 7. Um homem de 35 anos, ciclista corredor de competições, sofreu uma fratura pélvica isolada fechada (asa ilíaca e ramo púbico) em um acidente com a bicicleta. Assumindo que seu hematócrito pré-lesão era 45% e que, durante as primeiras 24 horas de hospitalização, ele manteve os sinais vitais normais enquanto era feita ressuscitação para euvolemia apenas com cristaloides isotônicos, qual é o hematócrito previsto no segundo dia de hospitalização? A. 45% B. 35% C. 25% D. 15%

8. Uma menina de 3 anos, com 21 kg, sofre uma queimadura em 29% da área da superfície corporal ao puxar uma panela de água fervendo do fogão. Usando a fórmula de Parkland para reanimação pós-queimadura, qual volume de cristaloide isotônico ela deve receber nas primeiras oito horas de hospitalização? A. ~400 mL B. ~800 mL C. ~1.200 mL D. ~2.400 mL 9. Uma mulher de 75 anos, saudável em outros aspectos, é resgatada de um incêndio doméstico e chega logo depois ao hospital recebendo oxigênio suplementar por máscara facial a 10 L/min. Ela não tem queimaduras aparentes, mas está letárgica e tossindo, com escarro carbonáceo. Qual dos seguintes exames laboratoriais você NÃO ESPERARIA observar? A. Leitura da oximetria de pulso de 95% B. Nível de carboxiemoglobina de 26% C. Gasometria arterial com pressão parcial de oxigênio (PO2) de 57 mmHg D. Saturação arterial da oxiemoglobina medida com cooxímetro de 72% 10. Em um acidente com casualidade em massa, os pacientes são triados com base na gravidade das suas lesões. Em geral, aqueles com lesões múltiplas mais graves e com maior risco de morte recebem a maior prioridade de cuidado. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

Anestesia neonatal e pediátrica Jorge A. Gálvez Paul A. Stricker Alan Jay Schwartz

I. Fisiologia A. Sistema cardiovascular Transição cardiovascular fetal normal para pediátrica O desenvolvimento da fisiologia cardiovascular normal no paciente pediátrico depende da transição da circulação fetal para um padrão de fluxo adulto (1, 2). O feto usa a baixa resistência vascular da placenta como órgão de respiração e, portanto, não necessita de fluxo sanguíneo pulmonar. O fluxo sanguíneo venoso da placenta passa pelo ducto venoso para fornecer o fluxo venoso para o átrio direito, sendo desviado por meio do forame oval e do ducto arterioso para o coração esquerdo e a aorta, evitando o fluxo cardíaco e o circuito pulmonar (Fig. 33.1). Durante o processo de parto, a eliminação da baixa resistência circulatória do leito placentário resulta em um aumento da resistência vascular sistêmica do neonato. Isso está acoplado a uma redução da resistência vascular pulmonar neonatal, o que diminui e eventualmente elimina o fluxo sanguíneo que havia sido direcionado para fora dos pulmões por meio do forame oval e do ducto arterioso. O aumento no nível de oxigênio arterial, quando o recém-nascido começa a respirar, é fundamental para manter o fluxo de sangue pelo leito vascular alveolar. Embora a resistência vascular pulmonar diminua no momento do nascimento, ela não atinge o nível adulto normal até o final do período neonatal. Qualquer fator que possa causar um aumento na resistência vascular pulmonar (p. ex., hipóxia, hipotermia, acidose respiratória ou metabólica) pode precipitar uma reversão para um padrão circulatório fetal, com reabertura do forame oval e do ducto arterioso, desviando o sangue para fora dos pulmões do recém-nascido. Existem outras diferenças na função cardíaca que distinguem o coração pediátrico do coração adulto. A diferença mais notável é o fato de que crianças de tenra idade têm um coração relativamente não complacente e que depende da frequência em vez da contratilidade para aumentar o débito cardíaco.

Malformações cardíacas congênitas comuns As malformações da anatomia cardíaca incluem muitas variações nas quais as câmaras ventriculares e atriais e as valvas cardíacas são deformadas, causando padrões de fluxo sanguíneo anormais. É difícil lembrar todas as possíveis variações anatômicas que compõem a doença cardíaca congênita. A visualização da doença cardíaca congênita como uma avaliação fisiológica permite ao médico agrupar as diversas lesões em três

33

628

Fundamentos de anestesiologia clínica Circulação fetal Ducto arterioso

Aorta Placenta Forame oval

Artéria pulmonar Pulmão

Ducto venoso

Pulmão

Fígado Rim esquerdo

Cordão umbilical

Veia umbilical

Sangue rico em oxigênio

Artérias umbilicais

Sangue pobre em oxigênio Sangue misto

FIGURA 33.1 Circulação fetal mostrando a direção do sangue a partir da placenta (artéria umbilical), permitindo que o sangue desvie dos pulmões fetais por meio do forame oval, do ducto arterioso e do ducto venoso.

categorias gerais: lesões que causam obstrução do fluxo sanguíneo sem shunt, lesões que resultam em um aumento do fluxo sanguíneo pulmonar por meio de um shunt e lesões que resultam em um decréscimo do fluxo pulmonar por meio de um shunt. A estenose aórtica congênita e a coarctação da aorta são exemplos de defeitos cardíacos congênitos que não levam a shunt e obstrução (Fig. 33.2 A, B). O maior comprometimento fisiológico é um aumento do trabalho miocárdico. A estenose aórtica congênita pode estar associada à parada cardíaca rápida quando a valva estenosada é tão estreita, que o ventrículo esquerdo é incapaz de gerar um débito cardíaco suficiente para fornecer oxigênio para a circulação coronariana. Uma diferença fundamental da estenose aórtica de adultos é que o coração pediátrico não tem tempo suficiente para se adaptar e hipertrofiar para compensar e superar a obstrução valvar. A comunicação interventricular (CIV) é a lesão cardíaca congênita mais comum (Fig. 33.2 C). Ela leva ao desvio do sangue do ventrículo esquerdo com maior pressão para o ventrículo direito, que tem uma pressão mais baixa. Enquanto o shunt por meio dessa comunicação for suficientemente grande para permitir o fluxo através dela e a

Capítulo 33

Anestesia neonatal e pediátrica

629

Estenose aórtica Coarctação da aorta Aorta estenosada

AO

AO

Estenose aórtica (válvula estenosada)

AP AE

AO = aorta

AP AE

AP = artéria pulmonar AE = átrio esquerdo AD = átrio direito

AD

VE

VE = ventrículo esquerdo

VE

AD

VD = ventrículo direito VD

Parede do VE espessada (hipertrofia)

VD

Sangue rico em oxigênio Sangue pobre em oxigênio

Comunicação interventricular (CIV)

A

B

AP AO AE AD VE Comunicação interventricular VD Comunicação interatrial (CIA)

Comunicação interatrial

Tetralogia de Fallot

C

1 Comunicação interventricular (CIV)

Átrio esquerdo

2 Estenose pulmonar 3 Hipertrofia do ventrículo direito 2

4 Dextroposição da aorta

4

Átrio direito 1

3

D

E

FIGURA 33.2 A. Estenose aórtica. B. A coarctação da aorta também pode levar a shunt intracardíaco. Dependendo da localização da coarctação em relação a um ducto arterioso permeável, o shunt intracardíaco pode ser da direita para a esquerda (pré-ductal) ou da esquerda para a direita (pós-ductal). C. A comunicação interventricular leva a um shunt intracardíaco. A direção (da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita) depende da anatomia cardíaca associada. D. A comunicação interatrial leva a shunt intracardíaco. A direção (da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita) depende da anatomia cardíaca associada. E. A tetralogia de Fallot (TF) consiste em quatro anormalidades anatômicas: (1) comunicação interventricular, (2) obstrução da via de saída do ventrículo, (3) dextroposição da aorta e (4) hipertrofia ventricular esquerda. (Quando existe um defeito atrioventricular, a malformação é denominada pentalogia de Fallot.). A TF leva a um shunt intracardíaco da direita para a esquerda. CIA, comunicação interatrial; CIV, comunicação interventicular; AD, átrio direito; VD, ventrículo direito; AP, artéria pulmonar; AE, átrio esquerdo; VE, ventrículo esquerdo; AO, aorta.

630

Fundamentos de anestesiologia clínica resistência vascular pulmonar for suficientemente baixa para permitir o fluxo do ventrículo direito para o leito vascular pulmonar, defeitos tais como a CIV aumentarão o fluxo sanguíneo pulmonar. O shunt global é da esquerda para a direita. No entanto, em qualquer momento durante o ciclo cardíaco, o fluxo pode cessar ou passar a fluir da direita para a esquerda, destacando a possibilidade distinta de embolização paradoxal da circulação venosa para a circulação arterial. Quando um defeito do septo atrial (Fig. 33.2 D) está presente (outro exemplo de uma lesão que aumenta o fluxo arterial pulmonar), a embolização paradoxal para a circulação cerebral, que leva a um acidente vascular encefálico na vida adulta, pode ser o primeiro indício diagnóstico da presença de uma comunicação intracardíaca. A tetralogia de Fallot (TF) (Fig. 33.2 E) é um exemplo de anormalidades cardíacas congênitas que resultam em uma diminuição do fluxo sanguíneo pulmonar. A obstrução ao fluxo sanguíneo normal para fora do ventrículo direito e para dentro do trato de saída pulmonar causa um shunt da circulação direita para a esquerda, por meio de uma CIV que faz parte da TF (shunt da direita para a esquerda [cianótica]). Todas as lesões cardíacas congênitas que desviam o fluxo sanguíneo para fora dos pulmões têm alguma obstrução do fluxo cardíaco direito para dentro do circuito pulmonar. Entender isso facilita a compreensão da fisiologia e anatomia das lesões congênitas. O manejo anestésico de recém-nascidos que apresentam circulação transicional e pacientes pediátricos com lesões cardíacas congênitas requer o uso de medicamentos e técnicas que promovem o controle da resistência vascular pulmonar e um equilíbrio entre as resistências vasculares pulmonar e sistêmica. O objetivo é otimizar a relação entre a circulação pulmonar e sistêmica da melhor forma anatomicamente possível.

B. Sistema pulmonar Transição normal fetal para pediátrica O sistema pulmonar está envolvido em alterações dramáticas de desenvolvimento na transição da fisiologia fetal para a fisiologia pós-natal (1, 2). Os pulmões passam por um desenvolvimento ativo durante o período gestacional e durante a infância. O desenvolvimento pulmonar ocorre primariamente no terceiro trimestre no estágio sacular (24-38 semanas), atingindo um pico no estágio alveolar (36 semanas até os 8 anos) (1). Lactentes nascidos prematuramente se beneficiam da administração materna pré-natal de glicocorticoides que promovem a maturação do pulmão fetal e a produção de surfactante. O surfactante é um dos fatores mais importantes que contribuem com a troca gasosa adequada durante a transição para a vida pós-natal. O surfactante é produzido por células endoteliais do grupo II, que proliferam durante o estágio alveolar. É formado por uma mistura de lipídeos neutros, fosfolipídeos e proteínas específicas de natureza anfipática, o que leva a uma redução da tensão superficial que estabiliza os alvéolos e permite a inflação alveolar ao diminuir as forças hidrostáticas que causam edema pulmonar. Durante a transição para a vida extrauterina, as primeiras inspirações levam a um aumento do oxigênio arterial pulmonar (PO2), o que estimula a vasodilatação pulmonar, redução da resistência vascular pulmonar e contração do ducto arterioso (Tab. 33.1).

Função respiratória A função respiratória difere significativamente entre lactentes e crianças. O consumo de oxigênio é dramaticamente maior do que em níveis adultos, de aproximadamente 7 a 9 mL/kg/min (Tab. 33.2). A demanda de oxigênio é atingida com o aumento da ventilação- minuto e com um aumento da proporção da ventilação-minuto para a

Capítulo 33 TABELA 33.1

Anestesia neonatal e pediátrica

631

Valores normais de gasometria arterial no recém-nascido

Indivíduo

Idade

PO2 (mmHg) PCO2 (mmHg) pH (u)

Feto

Antes do trabalho de parto

25

40

7,37

Feto

Final do trabalho de parto

10-20

55

7,25

Recém-nascido (a termo)

10 min

50

48

7,20

Recém-nascido (a termo)

1 hora

70

35

7,35

Recém-nascido (a termo)

1 semana

75

35

7,40

Recém-nascido (pré-termo, 1.500 g) 1 semana

60

38

7,37

PO2, oxigênio arterial pulmonar; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono. De Hall SC, Suresh S. Neonatal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen B, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1178–1215, com permissão.

capacidade residual funcional (CRF). No entanto, a CRF é relativamente baixa em comparação com a ventilação-minuto. O consumo de oxigênio é maior, portanto lactentes e crianças têm uma menor reserva de oxigênio e podem desenvolver hipoxemia rapidamente. A complacência da parede torácica é maior do que em adultos, pois as costelas e os músculos intercostais não estão totalmente desenvolvidos, o que pode levar a tiragem significativa que não fornece um esforço eficiente para a troca gasosa. O mecanismo primário do esforço respiratório em recém-nascidos é o diafragma, sendo facilmente fatigado quando o trabalho respiratório está aumentado devido ao aumento da resistência ventilatória ou hiperventilação.

Aspiração de mecônio A hipoxemia fetal pode resultar na passagem intrauterina de mecônio, que se mistura com o líquido amniótico. Os movimentos respiratórios fetais resultarão, então, em exposição pulmonar ao mecônio no período pré-natal. Durante o nascimento, os lactentes também podem aspirar o mecônio produzido durante o trabalho de parto. Esse cenário é consistente com mecônio espesso, que pode causar uma obstrução mecânica das vias aéreas. As atuais recomendações de suporte avançado para a vida pediátrica não apoiam a aspiração de rotina de recém-nascidos com líquido amniótico tinto de mecônio. A aspiração de mecônio pode resultar em dano alveolar, levando a um comprometimento da oxigenação e a um aumento da resistência vascular pulmonar.

TABELA 33.2

Valores normais da função respiratória em lactentes e adultos

Parâmetro

Lactente

Adulto

Frequência respiratória

30-50

12-36

Volume corrente (mL/kg)

7

7

Espaço morto (mL/kg)

2-2,5

2,2

Ventilação alveolar (mL/kg/min)

100-150

60

Capacidade funcional residual (mL/kg)

27-30

30

Consumo de oxigênio (mL/kg/min)

7-9

3

De Hall SC, Suresh S. Neonatal anesthesia. Em: Barash PG, Cullen B, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1178–1215, com permissão.

A indução inalatória e o despertar da anestesia são mais rápidos em lactentes e crianças devido à ventilação-minuto aumentada em comparação com a dos adultos.

632

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 33.3

Fatores que comprometem a vasodilatação da árvore vascular pulmonar

Anatômicos

Fisiológicos

Síndromes cardíacas congênitas (p. ex., hipoplasia da artéria pulmonar) Hipoxemia Prematuridade com déficit de surfactante e desenvolvimento pulmonar

Hipercarbia

Hérnia diafragmática congênita

Hipotermia

Diabetes materno

Aspiração de mecônio

Asma materna

Asfixia perinatal Policitemia Sepse Aspiração crônica (pós-natal)

Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido

Durante a reanimação de um recém-nascido com um índice de Apgar muito baixo, a aspiração pode retardar outras intervenções terapêuticas muito importantes, tais como a ventilação assistida e as compressões torácicas.

A circulação pulmonar é altamente sensível aos níveis de pH e oxigênio, bem como a outros mediadores, tais como óxido nítrico, adenosina, prostaglandinas e insuflação pulmonar (3). Durante o período de recém-nascido, certos fatores podem comprometer a vasodilatação da árvore vascular pulmonar (Tab. 33.3) e resultar em aumento da resistência vascular pulmonar. Isso pode levar a uma hipotensão sistêmica e a arritmias cardíacas, em particular se o ventrículo direito não for capaz de compensar, dando início à dilatação atrial direita.

C. Sistema renal Os rins começam a receber um fluxo sanguíneo aumentado após a transição para a circulação pós-natal. No entanto, a taxa de f iltração glomerular (TFG) permanece menor do que os níveis do adulto durante os primeiros dois anos de vida. Como resultado, os lactentes têm um comprometimento da capacidade de reter água livre. Portanto, são menos propensos a tolerar períodos de jejum prolongado, especialmente durante as primeiras semanas de vida. Sua incapacidade para regular a taxa de filtração glomerular para excretar grandes quantidades de água também leva a uma incapacidade de tolerar uma sobrecarga de líquidos sem resultar em anormalidades eletrolíticas. A produção de urina inicialmente é baixa, mas aumenta para 1 a 2 mL/kg após o primeiro dia de vida.

D. Sistema hepático A função sintética e metabólica do fígado permanece imatura em recém-nascidos a termo. As enzimas necessárias para o metabolismo e a eliminação de fármacos estão presentes, mas ainda não foram induzidas (4). Os resultados são variáveis, dependendo da medicação e das vias de eliminação. A morfina depende da biotransformação hepática para sua eliminação; consequentemente, ela tem uma meia-vida prolongada em recém-nascidos. A função de síntese também é limitada, como demonstrado pela produção reduzida de albumina e vitamina K, que é um dos medicamentos administrados de rotina no nascimento para prevenir as complicações de hemorragia pós-parto, como a hemorragia intraventricular.

E. Sistema nervoso central Recentemente, o sistema nervoso central passou por um estudo rigoroso na anestesia pediátrica. Especificamente, houve evidências de neuroapoptose induzida por anestésicos em modelos animais, que estão sendo estudados com cuidado em relação às implicações em seres humanos (5). Os dados em seres humanos são limitados a estudos retrospectivos que sugerem uma associação entre a administração de anestesia geral em

Capítulo 33

Anestesia neonatal e pediátrica

idades inferiores a 3 anos e um aumento da incidência de déficits de aprendizagem (5). Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration (FDA) comentou o assunto e recomendou que medicamentos usados para anestesia geral devem ser usados, exceto nos casos raros de um lactente ou criança submetidos a um procedimento puramente eletivo antes dos 3 anos de idade. Nesse caso, deve haver uma conversa franca entre os pais, o cirurgião e o anestesiologista detalhando os riscos e benefícios do procedimento cirúrgico proposto. A maioria dos procedimentos cirúrgicos em crianças não é puramente eletiva, e retardar o atendimento cirúrgico pode ter efeitos posteriores sobre o crescimento e desenvolvimento. Além disso, a dor não tratada pode ter efeitos prejudiciais no desenvolvimento comportamental e neurológico, devendo ser tratada (5).

II. Farmacologia A administração de doses adequadas de agentes anestésicos, analgésicos e demais medicamentos ao paciente pediátrico requer a consideração das diferenças farmacológicas entre crianças e adultos (4). Muitas variáveis afetam a farmacocinética em pacientes pediátricos. Para quase todos os parâmetros, as diferenças de desenvolvimento são maiores em recém-nascidos e bebês prematuros. Por exemplo, a água corporal total compreende 70 a 83% do peso em bebês prematuros e recém-nascidos a termo, enquanto perfaz 60% do peso em crianças de 6 meses de idade até a idade adulta. O aumento da água corporal total se traduz em maiores volumes de distribuição de medicamentos hidrofílicos, o que (presumindo farmacodinâmicas similares) se traduz como aumento das necessidades de dosagem por quilograma de peso corporal. Uma seleção de variáveis farmacocinéticas e sua influência sobre o metabolismo dos fármacos são apresentadas na Tabela 33.4. As necessidades de anestésicos voláteis em CAM são maiores por volta de 1 mês de idade.

III. Equipamento Os três fatores que afetam o design e a escolha dos circuitos respiratórios pediátricos são a excessiva resistência ao fluxo, espaço morto excessivo, bem como umidificação e calor diminuído. Por essas razões, foram desenvolvidos diversos sistemas respiratórios sem válvula (Fig. 33.3) (1, 2). A peça em T de Ayre não tem uma válvula de fluxo de gás unidirecional e é eficaz para o paciente que respira espontaneamente. É compacta, pode fornecer oxigênio suplementar e não está associada à reinalação de dióxido de carbono. No entanto, quando os relaxantes neuromusculares foram introduzidos na prática anestésica, a peça em T de Ayre se tornou ineficaz, uma vez que passou a ser difícil fornecer a ventilação com pressão positiva necessária com esse dispositivo. A modificação da peça em T de Ayre feita por Jackson Rees resolveu esse problema, mantendo o sistema sem válvula adicionando-se um saco reservatório com um sistema de oclusão variável do tipo pop-off (uma válvula de oclusão variável no balão). Embora a modificação de Jackson Rees da peça em T de Ayre tenha resolvido a necessidade de administrar ventilação com pressão positiva, ficou claro que um outro problema técnico precisava ser resolvido: o potencial de reinalação de dióxido de carbono. Mapleson introduziu variantes no sistema Jackson Rees para abordar o potencial de reinalação. Mapleson reconheceu que, embora a reinalação pudesse ocorrer porque esse sistema não continha válvulas de fluxo de gás unidirecionais, a colocação sequencial de entrada de gás fresco, o pop-off, o saco reservatório e a conexão com o paciente poderiam ser variados. Dependendo de o paciente estar respirando espontaneamente ou controladamente com pressão positiva, se o fluxo de gás fresco for suficiente, a

633

As reservas de glicogênio neonatal estão diminuídas, especialmente em lactentes pré-termo, aumentando, assim, o risco de hipoglicemia.

634

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 33.4

Variáveis farmacocinéticas e sua influência em lactentes e crianças

Variável farmacocinética

Fisiologia

Efeito

Metabolismo hepático

Vias metabólicas de fase 1/ fase 2 imaturas em recém-nascidos e lactentes

Metabolismo diminuído, meia- Fase 1: acúmulo de anestésico -vida de fármacos mais longa local tipo amida com infusão Fase 2: glucuronidação imatura da morfina em recém-nascidos e na infância precoce

Depuração renal

Taxa de filtração glomerular do adulto não é atingida até os 6-12 meses

Fármacos com excreção renal têm meia-vida mais longa em lactentes com menos de 6 meses

Água corporal total

Aumentada em recém-nascidos Aumento do volume de fáre lactentes macos com distribuição hidrofílica

Conteúdo e composi- Redução da ␣1-ácido glicoproção das proteínas teína e albumina, albumina plasmáticas fetal em recém-nascidos

Exemplo clínico

Aumento da fração livre (não ligada) para fármacos ácidos e básicos

Efeito prolongado do pancurônio, necessidades de infusão diminuídas para outros fármacos excretados por via renal (p. ex., ácido aminocaproico) Necessidade de doses aumentadas de succinilcolina em recém-nascidos e lactentes Efeitos farmacológicos potencialmente aumentados para uma ampla variedade de fármacos

reinalação de dióxido de carbono poderia ser minimizada. Existem seis variantes do sistema Mapleson, sendo o Mapleson D o mais comumente usado no tratamento do paciente pediátrico. O sistema Mapleson D situa a entrada de gás fresco perto da conexão para as vias aéreas do paciente. O pop-off está mais distante do paciente e do influxo de ar fresco, e o saco está distal em relação ao pop-off. A popularidade do sistema Mapleson D resulta de sua capacidade de reduzir a reinalação de dióxido de carbono quando o modo de ventilação usado é a ventilação controlada. A reinalação também é eliminada durante a ventilação espontânea, quando o fluxo de gás fresco corresponde a 2 a 3 vezes a ventilação-minuto do paciente. O cuidado anestésico pediátrico moderno emprega de maneira eficaz o sistema de circuito respiratório sem fornecer resistência indevida ao paciente quando da abertura das válvulas. O sistema tem a vantagem adicional de conservação de calor e

FGF

A FGF

B FIGURA 33.3 Circuitos respiratórios anestésicos. A. Modificação de Jackson-Rees da peça em T de Ayre. B. Circuito Mapleson D. FGF, fluxo de gás fresco. (De Ruitort KT, Eisenkraft JB. The anesthesia work station and delivery systems for inhaled anesthetics. Em: Barash PG, Cullen B, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia:Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1178–1215, com permissão.)

Capítulo 33

Anestesia neonatal e pediátrica

umidificação das vias aéreas do paciente. Se houver preocupação sobre a perda de calor e umidade durante a ventilação com aparelho de anestesia, um aquecedor e um umidificador podem ser incorporados ao sistema circular. Relatórios recentes demonstram que, usando um tubo endotraqueal com balonete de tamanho adequado, a capacidade de fornecer ventilação com pressão positiva foi melhorada. Também houve menos contaminação de gás anestésico na sala de cirurgia, melhor isolamento das vias aéreas em relação aos conteúdos gástricos e menor necessidade de laringoscopias adicionais na tentativa de selecionar o tubo de tamanho adequado.

IV. Manejo perioperatório A. Avaliação pré-operatória As crianças devem ser avaliadas para condições comumente coexistentes (1, 2). Uma das questões mais comuns refere-se a crianças com infecções das vias aéreas superiores em curso. Um grande estudo prospectivo avaliou crianças saudáveis agendadas para cirurgia eletiva. Esse estudo avaliou seus sintomas respiratórios referentes à secreção nasal (clara ou amarela/verde), tosse (clara ou produtiva e a cor do catarro), letargia e febre para correlação com as complicações respiratórias, incluindo broncoespasmo e laringospasmo (6). O risco relativo para complicações respiratórias foi > 1,5 para crianças com sintomas ativos, incluindo um corrimento nasal claro, corrimento nasal esverdeado, tosse úmida e febre. Deve ser feita uma discussão geral entre os pais, a criança, o cirurgião e o anestesiologista para determinar a relação risco-benefício para cada cenário. Uma discussão pré-anestésica abrangente com os pais ou tutores responsáveis deve incluir a possibilidade de admissão hospitalar para o manejo pós-operatório. A primeira observação do comportamento de uma criança fornece uma noção sobre o estágio de desenvolvimento, uma vez que as etapas de desenvolvimento nem sempre se correlacionam com a idade da criança. As crianças naturalmente expressam ansiedade em relação a estranhos e podem não tolerar um exame físico completo. O exame neurológico deve focalizar o nível de atividade da criança e verificar quaisquer anomalias, tais como contraturas, fraqueza das extremidades ou aparência anormal. O exame cardiovascular baseia-se na ausculta cardíaca, com a ressalva de que os sopros cardíacos são comuns em recém-nascidos (sopro contínuo decorrente de um ducto arterioso permeável, forame oval permeável, defeito de septo atrial e defeito de septo ventricular). A presença de um sopro justifica uma maior exploração de sinais ou sintomas de doença cardíaca, especialmente desmaios, alterações da coloração, como lábios azulados, ou incapacidade de desenvolvimento. Além disso, o exame abdominal pode revelar um fígado de tamanho aumentado ou muito pequeno, que se correlaciona com o estado de volume, bem como a capacidade do coração em lidar com a pré-carga. O exame pulmonar concentra-se na determinação da presença de movimentos anormais do ar, incluindo a ausência de sons respiratórios, estertores ou sons respiratórios rudes. A diferenciação de sons pulmonares rudes dos sons transmitidos pela via aérea superior na presença de congestão nasal muitas vezes pode ser um desafio. O exame abdominal avalia se existem sinais de traumatismo, distensão ou desconforto. Além disso, podem ser observadas hérnias abdominais. As extremidades devem ser avaliadas para a amplitude de movimento, contraturas ou deformidades, bem como para possíveis locais para o acesso venoso. Os riscos e benefícios da anestesia geral versus anestesia regional devem ser discutidos com o paciente e seus cuidadores. Os riscos da anestesia específicos para a pediatria incluem, principalmente, a depressão respiratória, particularmente em lactentes que foram prematuros, complicações respiratórias como broncoespasmo e laringospasmo, hipóxia e pneumonia aspirativa.

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636

Fundamentos de anestesiologia clínica

B. Diretrizes do jejum As crianças são particularmente sensíveis à desidratação durante o jejum perioperatório. É importante enfatizar as diretrizes mais recentemente recomendadas pela American Society of Anesthesiologists (7). Em geral, existe um consenso: 1. 2. 3. 4. Os adolescentes podem ser capazes de concordar com um procedimento, mas quem deve dar o consentimento é a pessoa que tem a guarda legal.

Líquidos claros devem ser permitidos até duas horas antes do procedimento. Leite materno, até quatro horas antes do procedimento. Fórmulas lácteas, até seis horas antes do procedimento. Sólidos, até oito horas ou mais (isto é, até a meia-noite da noite anterior) antes do procedimento.

C. Pré-medicação A pré-medicação oral com um benzodiazepínico (p. ex., midazolam 0,5 mg/kg até um máximo de 10 mg) é um método eficaz (8). O midazolam por via oral tem um início de ação rápido (5-15 minutos até o pico de efeito) e uma curta duração de ação, o que o torna adequado para procedimentos cirúrgicos ambulatoriais.

D. Presença dos pais Outra abordagem para reduzir o estresse da separação dos pais é permitir a presença de um dos pais ou cuidador durante a indução. Essa abordagem é mais eficaz quando os pais são calmos e não é eficaz para todos os pais ou crianças (8). Além de selecionar os pais ou crianças apropriados para essa abordagem, o sucesso do pai ou cuidador depende de um uma preparação adequada em termos do que pode acontecer durante a indução anestésica. Os pais devem ser orientados a respeito de como poderão ser mais úteis para seu filho.

E. Indução anestésica A indução anestésica representa um evento estressante para as crianças (e para seus pais!). Além dos objetivos obrigatórios de manutenção da função respiratória e hemodinâmica estável, as metas de uma indução pediátrica também incluem uma separação vagarosa dos pais (caso eles não estejam presentes durante a indução) e uma criança cooperativa durante o processo de indução, estabelecendo e cumprindo as expectativas dos pais durante o processo. Duas das abordagens mais usadas para reduzir o estresse da indução (que podem ser usadas isoladamente ou em combinação) são discutidas nas seções seguintes (1, 2).

Indução inalatória da anestesia Na ausência de contraindicações, uma indução inalatória da anestesia tem algumas vantagens em crianças. Ela é indolor e bem-sucedida na primeira tentativa (enquanto o cateterismo intravenoso tem uma taxa de falha inerente). Nos Estados Unidos, as induções por inalação são realizadas quase exclusivamente com sevoflurano, uma vez que a disponibilidade de halotano é muito limitada. Em pacientes cooperativos, pode ser administrado inicialmente óxido nitroso a 70% em oxigênio (que é inodoro), seguido de 8% de sevoflurano adicionado após 1 ou 2 minutos. Isso pode permitir que a criança tolere ambos e não se lembre do agente volátil menos agradável. Como as induções inalatórias são feitas em crianças antes de garantir um acesso vascular e como existe um potencial de laringospasmo e bradicardia, a succinilcolina (4 mg/kg) e a atropina (0,02 mg/kg) devem estar imediatamente disponíveis para administração intramuscular.

Capítulo 33

Anestesia neonatal e pediátrica

637

Indução intravenosa A indução intravenosa normalmente é preferida em crianças que têm um acesso venoso. Para cirurgias eletivas em crianças, alguns centros instalam um acesso intravenoso de rotina para a indução da anestesia. A pré-medicação com um benzodiazepínico e a aplicação tópica de um creme anestésico pode reduzir o estresse da colocação de um acesso intravenoso.

Indução intramuscular Ocasionalmente um paciente pode ser incapaz de cooperar com qualquer item da preparação pré-operatória (p. ex., crianças autistas) ou com a indução anestésica (incluindo a ingestão de pré-medicação oral). A injeção intramuscular de cetamina (3-5 mg/ kg) pode ser a melhor opção nessas circunstâncias, mas isso requer uma abordagem cuidadosa da equipe e a preparação familiar para que seja segura e bem-sucedida.

F. Manejo da via aérea pediátrica É necessário entender as diferenças anatômicas e fisiológicas entre adultos, lactentes e crianças para um manejo seguro e bem-sucedido da via aérea, individualizado para o lactente ou a criança. Em geral, essas diferenças e seu impacto sobre o manejo da via aérea são maiores no período neonatal e de lactente. Anatomicamente, um lactente tem uma região occipital maior, um tamanho de língua maior em relação ao tamanho da orofaringe e uma laringe mais cefálica (Tab. 33.5). A região occipital maior pode promover a obstrução da via aérea e interferir com a laringoscopia se for usada uma almofada para obter a posição clássica. Em vez disso, um rolo de ombro muitas vezes é mais útil para promover a desobstrução das vias aéreas e facilitar a laringoscopia direta. Embora tenha sido postulado originalmente que a porção mais estreita da via aérea pediátrica situa-se no nível do anel cricoide, pesquisas recentes baseadas em ressonância magnética sugerem que a abertura da glote e o nível imediatamente subvocal são os mais estreitos. Além disso, o formato da laringe é cilíndrico, como no adulto, e isso é importante lembrar clinicamente, uma vez que o ajuste do tubo endotraqueal (a resistência à passagem do tubo endotraqueal) deve ser avaliado depois que ele passou pelas pregas vocais. Tubos firmemente ajustados podem causar obstrução laríngea e estridor pós-extubação. Uma pressão de vazamento inferior a 20 a 25 cm H2O deve ser tentada para reduzir esse risco. Lactentes normais e saudáveis apresentam sobreposição de volume corrente e volume de fechamento, e sua taxa de consumo de oxigênio é quase três vezes maior do que em adultos, de modo que, sob condições anestésicas, sua capacidade funcional residual é reduzida (Tab. 33.2). O impacto clínico disso é a rápida dessaturação da oxiemoglobina após breves períodos de apneia, o que resulta em tempos mais curtos para executar as técnicas de intubação apneica. Adicionalmente, a dessaturação da oxiemoglobina ocorrerá rapidamente quando a ventilação estiver comprometida (p. ex., tosse, obstrução da via aérea). O manejo da via aérea difícil em pacientes pediátricos muitas vezes requer sedação profunda ou anestesia geral.

Condições anestésicas para laringoscopia e intubação endotraqueal Tradicionalmente, a intubação traqueal em crianças é realizada após a indução da anestesia e administração de um bloqueador neuromuscular adespolarizante. A realização da laringoscopia e intubação endotraqueal sob anestesia profunda sem bloqueio neuromuscular tornou-se uma prática comum. Isso pode ser feito com anestesia profunda com sevoflurano isoladamente, mas muitas vezes é realizada com um bólus de propofol (p. ex., 2 mg/kg) ou com um opioide de ação rápida (p. ex., remifentanil ou fentanil 2 μg/kg) após indução inalatória da anestesia com sevoflurano. Um grau insuficiente de

Lactentes e crianças de tenra idade têm uma língua relativamente grande e uma laringe mais cefalizada, encurtando efetivamente a distância na qual os eixos orais, faríngeos e traqueais devem ser alinhados para obter uma exposição laríngea durante a laringoscopia direta.

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 33.5

Diferenças anatômicas entre as vias aéreas de lactentes e adultos

Relação anatômica

Pediátricos

Adultos

Occipito

Grande

Normal

Língua

Grande

Normal

Epiglote

Relativamente mais longa, estreita e rígida

Firme

Formato da epiglote

Forma em ômega

Achatada, larga

Localização relativa da laringe Cefalizada

Caudal

Tamanho/formato da laringe

Proporcionalmente menor(cilíndrica

Cilíndrica

Nível glótico

C3-C4

C5-C6

Ponto mais estreito

Pregas vocais

Pregas vocais

Pregas vocais

Inclinação posterior para anterior

Perpendicular à laringe

Mucosa

Mais vulnerável a traumatismo

Menos vulnerável a traumatismo

Dados de Lerman J. Pediatric anesthesia. Em: Barash PG, Cullen B, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1216–1256. Litman RS, Weissend EE, Shibata D, et al. Developmental changes of laryngeal dimensions in unparalyzed, sedated children. Anesthesiology.2003;98:41–45, com permissão.

anestesia sem bloqueio neuromuscular pode resultar em tosse, laringospasmo, dessaturação da oxiemoglobina e regurgitação.

Succinilcolina No início da década de 90, o FDA dos Estados Unidos emitiu um aviso para a succinilcolina, contraindicando seu uso de rotina para o manejo das vias aéreas. No entanto, na ausência de contraindicações absolutas à succinilcolina (suscetibilidade à hipertermia maligna, história de queimaduras, etc.), seu uso é aceitável em cenários como laringospasmo e indução e intubação em sequência rápida, podendo ser o agente preferido.

Laringoscopia direta Tradicionalmente, a lâmina de intubação reta (Miller) tem sido usada em crianças, apesar de existir pouca ou nenhuma evidência comparativa indicando que essa lâmina é melhor do que a lâmina curva (Macintosh) (ver Cap. 20, Fig. 20.5). Depois de afastar a língua, a ponta da lâmina é avançada para além da valécula, e a epiglote é diretamente levantada. Alternativamente, a lâmina reta pode ser usada da mesma maneira que a Macintosh, e a epiglote pode ser levantada indiretamente com a ponta da lâmina na valécula.

Máscaras laríngeas e dispositivos supraglóticos As máscaras laríngeas são frequentemente usadas na anestesia pediátrica. Em geral, as indicações e contraindicações são semelhantes às dos adultos. Máscaras laríngeas com canais de drenagem gástrica, bem como as máscaras laríngeas desenvolvidas para facilitar a intubação, estão disponíveis em tamanhos pediátricos.

Capítulo 33

Anestesia neonatal e pediátrica

Escolha do tubo endotraqueal Historicamente, tubos endotraqueais sem balonete eram recomendados em crianças; na era atual, os tubos com balonete são, na maioria das vezes, superiores. A incidência de estridor pós-intubação é menor quando são usados tubos com balonete de tamanho adequado, possivelmente pela menor necessidade de laringoscopia repetida para troca do tubo quando inicialmente se usou um tubo muito pequeno. Os tubos endotraqueais com balonete também oferecem a vantagem de vedar melhor a traqueia – reduzindo, assim, a poluição da sala de cirurgia –, permitem fluxos mais baixos de gás fresco, melhoram o desempenho do ventilador e podem oferecer maior proteção contra macroaspiração. Embora tubos com balonete possam ser usados com segurança e muitas vezes sejam preferidos para procedimentos cirúrgicos em recém-nascidos prematuros, os tubos sem balonete são comumente usados para a ventilação a longo prazo na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). Quando é feita a intubação traqueal, é preciso escolher o tamanho correto do tubo traqueal. Mais comumente, é usada a fórmula de Cole modificada para tubos endotraqueais sem balonete, em que o tamanho previsto do tubo equivale a 4 somado à idade e dividido por 4. Em lactentes e crianças pequenas, deve ser escolhido um tubo com um tamanho meio número menor quando é usado um tubo com balonete. Por exemplo, para uma criança com 4 anos de idade, pode-se escolher um tubo sem balonete (4 + 4/4= 5) 5 ou um tubo endotraqueal com balonete (4 + 4/4 – 0,5 = 4,5) 4,5.

Intubação traqueal e posicionamento do tubo endotraqueal As indicações para a intubação traqueal em crianças são muito semelhantes às dos adultos. Além disso, muitos anestesiologistas intubam a traqueia e controlam a ventilação em recém-nascidos e lactentes pré-termo na ausência de outras indicações tradicionais. Atenção especial deve ser dada ao posicionamento da ponta do tubo traqueal na traqueia média. Pequenos movimentos do tubo podem resultar em intubação endobrônquica e extubação acidental em lactentes. A avaliação da profundidade adequada do tubo endotraqueal pode ser feita avançando deliberadamente o tubo endotraqueal para dentro do brônquio principal, enquanto se faz a ausculta simultânea, e fornecendo ventilações com uma bolsa de ventilação manual. Quando o tubo endotraqueal entra no brônquio principal direito ou esquerdo, os sons respiratórios estarão ausentes no lado oposto, respectivamente. Em seguida, o tubo é tracionado em 1 cm em lactentes e 2 cm acima da carina em crianças maiores, e os sons respiratórios devem ser usados para confirmar a ventilação de ambos os pulmões. Quando se usa um tubo com balonete, o posicionamento do tubo pode ser mais fácil e confiável, de modo que o balonete possa ser palpado como uma elevação na fúrcula supraesternal. Isso mostra que a ponta do tubo se encontra em uma localização intratorácica e médio-traqueal.

Indução e intubação em sequência rápida Uma das manifestações clínicas da alta taxa de consumo de oxigênio e CRF reduzida em um lactente sob anestesia é a rápida dessaturação da oxiemoglobina após a apneia. Se for feita uma sequência rápida de indução “tradicional”, quase todas as crianças apresentarão uma saturação de oxiemoglobina abaixo de 90% após 1 minuto de apneia. Por isso, muitos anestesiologistas pediátricos realizam uma indução em sequência rápida modificada, com suave pressão positiva adicionada à pressão cricoide antes da intubação, pois o fornecimento de oxigênio é priorizado sobre o risco de aspiração do ponto de vista do risco-benefício (9).

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Fundamentos de anestesiologia clínica

V. Manejo da temperatura As crianças anestesiadas têm um risco aumentado de hipotermia; lactentes e, em particular, lactentes prematuros e recém-nascidos apresentam o maior risco. De forma semelhante aos adultos, os modos primários da perda de calor são: 1. 2. 3. 4.

Radiação. Evaporação. Convecção. Condução.

Recém-nascidos sob anestesia apresentam um comportamento pecilotérmico; sua temperatura se aproxima da temperatura de seu meio ambiente. A hipotermia pode ser evitada, e a normotermia pode ser mantida usando-se uma combinação de estratégias adaptadas para o paciente individual. Entre os métodos disponíveis estão o aquecimento da sala de cirurgia antes da chegada do paciente (convecção ou radiação), aquecimento forçado do ar (convecção), uso de um colchão com água quente circulante (condução), gases umidificados aquecidos ou umidificador da mistura de gases (evaporação) e luzes infravermelhas de aquecimento (radiação).

VI. Manejo de fluidos e sangue A. Necessidades de fluidos intravenosos As necessidades de fluidos intravenosos em crianças em jejum geralmente são determinadas usando a regra 4-2-1. A taxa de infusão por hora é calculada em 4 mL/kg para os primeiros 10 kg, mais 2 mL/kg para os próximos 10 kg e 1 mL/kg para cada quilograma adicional. Os déficits de fluidos de jejum são calculados com base nessa fórmula e na duração do jejum da criança. Os fluidos são repostos intraoperatoriamente de maneira semelhante à dos adultos. A diretriz geralmente aceita é 50% do déficit reposto na primeira hora, seguido de 25% do déficit reposto na hora 2 e hora 3 para completar o déficit total. Lactentes com menos de 6 meses de idade e, particularmente, recém-nascidos têm um risco aumentado de hipoglicemia com durações de jejum comumente observadas na prática anestésica. Diretrizes de jejum mais liberais (p. ex., líquidos claros até duas horas antes da cirurgia) podem ajudar a prevenir a hipoglicemia e melhoram o conforto do paciente.

B. Reposição da perda sanguínea e transfusão

Hipovolemia associada à hemorragia é a causa cardiovascular mais comum de parada cardíaca perioperatória em crianças.

A subestimação da perda sanguínea, a preparação inadequada (acesso vascular, disponibilização do sangue) e a hemorragia maciça são identificadas como contribuintes para a parada cardíaca no paciente pediátrico (10-12). A perda de sangue é substituída com cristaloides (sem glicose). Embora os limiares de transfusão sejam adaptados para cada paciente e cenário clínico, na maioria dos cenários a transfusão de hemácias está indicada quando a hemoglobina está abaixo de 7 g/dL (12, 14), sendo, muitas vezes, indicada antes, dependendo da idade do paciente e do quadro clínico (10, 11). Espera-se que os concentrados de hemácias (5 mL/kg) aumentem a hemoglobina em cerca de 1 g/dL. As indicações para tratamento hemostático com hemoderivados são semelhantes àquelas para adultos. As dosagens sugeridas para tratamento com hemocomponentes são apresentadas no Tabela 33.6.

Capítulo 33 TABELA 33.6

Anestesia neonatal e pediátrica

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Administração de hemocomponentes em pacientes pediátricos

Componente

Diretriz de dosagem

Comentários

CHs

5-10 mL/kg

Aumento esperado de hemoglobina de 1-1,5 g/dL para cada 5 mL/kg. Lactentes/crianças pequenas com risco de hipercalemia com infusão rápida de CHs com armazenamento prolongado durante hipovolemia. Considere usar CHs frescos/lavados quando previsto.

PFC

10-15 mL/kg

Durante hemorragia maciça desenvolve-se coagulopatia dilucional de fatores de coagulação solúveis após perda de > 1 volume de sangue; recomenda-se tratamento PFC.

Plaquetas

10-15 mL/kg

Geralmente indicados para contagens de plaquetas < 50.000/μL; limiares mais altos podem ser usados para certos procedimentos (p. ex., neurocirurgia).

Crioprecipitado

0,1 unidade/kg

Indicado para níveis de fibrinogênio 40% apresentam baixo risco de complicações respiratórias pós-ressecção; < 40%, risco moderado; e < 30%, alto risco (1, 2).

B. Função do parênquima pulmonar O teste mais útil para troca gasosa é a capacidade de difusão do pulmão para o monóxido de carbono (DLCO). A DLCO pré-operatória pode ser usada para calcular o valor

Pacientes com um VEF1 pós-operatório previsto de > 40% apresentam baixo risco de complicações respiratórias pós-operatórias.

654

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 34.1 Resumo de valores importantes na avaliação respiratória pré-operatória Parâmetro

Valor

Risco de complicações respiratórias

VEF1%ppo

> 40% < 40% < 30%

Baixo Moderado Alto

DLCOppo

< 40% < 30%

Aumentado Muito alto

≤ 15 mL/kg/min ≤ 10 mL/kg/min

Aumentado Muito alto

. . V/O2máx

VEF1ppo, volume expiratório forçado em 1 segundo previsto no pós-operatório; DLCO . . (do inglês, diffusing capacity of the lung for carbon monoxide), capacidade de difusão pulmonar do monóxido de carbono; V/O2máx, consumo máximo de oxigênio.

ppo usando o mesmo cálculo que para VEF1, com categorias de risco similares: risco aumentado < 40% e alto risco < 30% (1, 2, 3).

C. Interação cardiopulmonar A avaliação mais importante da função respiratória. é uma investigação da reserva car. diopulmonar, e o consumo máximo de oxigênio (V/O2máx) é o preditor. do . desfecho mais útil. O risco de morbidade e de mortalidade será aumentado se o V/O2máx pré-operatório for ≤ 15. mL/kg/min e muito alto se for ≤ 10 mL/kg/min. Em pacientes . que deambulam, o V/O2máx pode ser estimado a partir da distância em metros que o paciente pode andar em seis minutos (teste . . de caminhada de seis minutos [TC6M]) dividido por 30 (i.e., TC6M de 450 m: V/O2máx estimado = 450/30 =.15. mL/kg/min). A capacidade de subir cinco lances de escada.se .correlaciona com um V/O2máx > 20 mL/ kg/min, e dois lances correspondem a um V/O2máx de 12 l/kg/min (1, 2, 3) (Tab. 34.1).

D. Investigações cardíacas A cirurgia torácica é considerada de “risco intermediário” para complicações cardíacas como infarto do miocárdio e arritmias, de acordo com as diretrizes do American College of Cardiology e da American Heart Association (ACC/AHA) para a avaliação pré-operatória de pacientes cardíacos submetidos a cirurgia não cardíaca. Pacientes com condições cardíacas ou fatores de risco (Tab. 34.2) devem ser investigados de

TABELA 34.2

Condições cardíacas e fatores de risco

Condições cardíacas ativas

Preditores de risco

Isquemia instável, IM recente

Doença cardíaca isquêmica (angina estável, IM remoto)

ICC descompensada

História de ICC

Arritmias significativas

Histórias de DCV

Doença valvar grave

Insuficiência renal Diabetes

IM, infarto do miocárdio; ICC, insuficiência cardíaca congestiva; DCV, doença cerebrovascular. Adaptado de Fleisher L, Beckman J, Brown K, et al. ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. Circulation. 2007;116:418–500.

Capítulo 34

Anestesia para cirurgia torácica

655

acordo com as diretrizes do ACC/AHA: teste de esforço não invasivo ou cateterismo cardíaco deve ser realizado nesses pacientes se eles tiverem capacidade funcional ruim ou desconhecida, três ou mais fatores de risco clínico e, mais importante, se o resultado do teste for modificar o manejo (1, 2, 4).

E. Patologias e comorbidades comuns Neoplasias A maioria dos pacientes que se apresenta para cirurgia torácica tem uma neoplasia maligna, incluindo câncer de pulmão, tumores pleurais e mediastinais e câncer do esôfago. Esses pacientes devem ser avaliados para os “4-Ms” associados com neoplasia: efeitos de Massa (pneumonia obstrutiva, síndrome da veia cava superior [VCS], etc.), anormalidades Metabólicas (hipercalcemia, síndrome de Lambert-Eaton, etc.), Metástases (cérebro, osso, fígado e suprarrenal) e Medicações (quimioterapia e radioterapia adjuvantes) (1, 2).

Doença pulmonar obstrutiva crônica Essa é a doença concomitante mais comum na população de cirurgia torácica. Os pacientes devem estar livres de exacerbação antes de cirurgia eletiva e podem ter menos complicações pulmonares pós-operatórias quando a fisioterapia torácica intensiva é iniciada no período pré-operatório. As complicações pulmonares também são reduzidas em pacientes submetidos à cirurgia torácica que param de fumar por mais de quatro semanas antes da cirurgia. Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica e tolerância ao exercício limitada ou desconhecida podem se beneficiar de uma gasometria arterial (GA) pré-operatória se os resultados se mostrarem úteis no desmame da ventilação mecânica ao término da cirurgia. Outras considerações em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica incluem a presença de doença bolhosa, hipertensão pulmonar com disfunção do coração direito e o risco de hiperinflação dinâmica devido ao aprisionamento de gás (1, 2, 3).

II. Manejo intraoperatório A. Monitoração A monitoração anestésica padrão é usada em todos os casos de cirurgia torácica. Um cateter arterial invasivo é colocado para a maioria das cirurgias. É útil medir a GA basal pré-operatória para comparação intraoperatória durante a ventilação monopulmonar (VMP), detecção de alterações súbitas na pressão arterial e desmame pós-operatório da ventilação mecânica. Um acesso venoso central pode ser necessário em alguns casos para acesso vascular ou para infusão de medicações vasoativas. A pressão venosa central (PVC) pode ser um monitor intraoperatório e pós-operatório útil, particularmente nos casos nos quais o manejo de líquidos é crítico, como as pneumectomias e as esofagectomias. O manejo de líquido para todos os procedimentos torácicos deve seguir um protocolo restritivo ou um guiado por metas. Contudo, recentemente, preocupações a respeito de lesão renal aguda trouxeram para discussão a estratégia de restrição de líquidos na cirurgia torácica (3). Nenhum líquido é dado para as perdas teóricas do “terceiro espaço”. Os coloides não mostraram melhorar o desfecho e aumentam consideravelmente os gastos. A espirometria é particularmente útil para monitorar os volumes correntes inspirados e expirados a cada respiração durante a VMP e pode alertar o anestesiologista para possível perda do isolamento pulmonar, vazamentos aéreos e desenvolvimento de hiperinflação (1, 3).

B. Fisiologia da ventilação monopulmonar Na maioria dos casos de cirurgia torácica, os pacientes passam da posição em pé, acordado e respirando espontaneamente para supino, adormecido e paralisado. Eles são então movimentados da posição supina para a posição lateral. Por fim, a VMP é ini-

Os “4-Ms” associados com neoplasia são: efeito de Massa, anormalidades Metabólicas, Metástases e Medicações.

656

Fundamentos de anestesiologia clínica ciada, e o tórax é aberto. As alterações na ventilação e na perfusão acompanham cada uma dessas circunstâncias. Primeiro, a capacidade residual funcional (CRF) é o principal fator determinante da reserva de oxigênio nos pacientes quando eles se tornam apneicos. Os pacientes irão apresentar uma redução na CRF quando em posição supina comparada com a posição ereta. Essa alteração será magnificada pela indução da anestesia e a administração de relaxantes musculares. Quando em posição ereta, a maior parte da ventilação e da perfusão atinge porções pulmonares dependentes de gravidade (i.e., as bases). Com a indução da anestesia, a maior parte da ventilação entra nas porções . . não dependentes dos pulmões, aumentando a desproporção ventilação-perfusão (V/Q). Segundo, em posição lateral, o pulmão dependente recebe mais perfusão comparado com o pulmão não dependente. Todavia, o hemidiafragma dependente é empurrado para a cavidade torácica. pelo . conteúdo abdominal, diminuindo ainda mais a CFR e piorando a desproporção V/Q. Terceiro, quando o tórax é aberto, a complacência do pulmão não dependente melhora em relação ao pulmão dependente, . . e ele é ventilado preferencialmente, aumentando ainda mais a desproporção V/Q. Contudo, quando a VMP é iniciada no pulmão dependente, ele recebe a maior parte da perfusão e da ventilação. Ainda haverá algum débito cardíaco . . desviado por meio do pulmão colapsado, não dependente, mas a desproporção V/Q pode ser melhorada por vasoconstricção pulmonar hipóxica (VPH) no pulmão não ventilado e não dependente (Fig. 34.1). A VPH pode ser inibida por muitos fatores, como pressões extremas nas artérias pulmonares, hipocapnia, vasodilatadores e agentes inalatórios (1, 3).

C. Indicações de ventilação monopulmonar As prioridades alta e intermediária para VMP são listadas na Tabela 34.3. As maiores prioridades incluem a prevenção de contaminação do pulmão saudável por infecção

Fluxo sanguíneo Ventilação de dois pulmões fracional

vs.

Pulmão não dependente

40%

PaO2 = 400 mm Hg · · Qs/Qt = 10% 60%

Ventilação Fluxo sanguíneo monopulmonar fracional

22,5%

PaO2 = 150 mm Hg · · Qs/Qt = 27,5% Pulmão dependente

77,5%

FIGURA 34.1 Representação esquemática da ventilação de dois pulmões versus ventilação monopulmonar (VMP). Os valores típicos do fluxo sanguíneo fracional para os pulmões não dependente e dependente, bem como de PaO2 e Qs/Qt para as duas condições são apresentados. Durante a ventilação de dois pulmões, presume-se que Qs/Qt seja distribuído igualmente entre os dois pulmões (5% para cada pulmão). A diferença essencial entre a ventilação de dois pulmões e a VMP é que, durante a VMP, o pulmão não ventilado tem algum fluxo sanguíneo e, portanto, um shunt obrigatório, que não está presente durante a ventilação de dois pulmões. Os 35% do fluxo total que perfundem o pulmão não dependente, que não são fluxo de shunt, presumem-se ser capazes de reduzir o fluxo sanguíneo em 50% por vasoconstricção pulmonar hipóxica. O aumento na Qs/Qt a partir de dois pulmões para VMP presume-se que seja apenas devido ao aumento no fluxo sanguíneo pelo pulmão não ventilado e não dependente durante a VMP. (De Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM. Anesthesia for thoracic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1041.)

Capítulo 34 TABELA 34.3

Anestesia para cirurgia torácica

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Indicações de isolamento pulmonar

Prioridade alta

Prioridade intermediária

Prevenção de contaminação do pulmão saudável Infecção Hemorragia

Indicação maior de exposição cirúrgica: Reparo de aneurisma aórtico torácico Pneumectomia Redução de volume pulmonar Cirurgia cardíaca minimamente invasiva Lobectomia superior

Controle da distribuição da ventilação: Fístula broncopleural Bolha unilateral Ruptura de vias aéreas

Indicação menor de exposição cirúrgica: Cirurgia esofágica Lobectomia média e inferior Ressecção de massa mediastinal Simpatectomias bilaterais

Lavagem pulmonar unilateral Cirurgia toracoscópica videoassistida

ou hemorragia; controle da distribuição da ventilação em fístula broncopleural, bolha unilateral ou ruptura de via aérea; lavagem pulmonar unilateral; e cirurgia toracoscópica videoassistida (VATS, do inglês video-assisted thoracoscopic surgery). As prioridades intermediárias para VMP incluem exposição cirúrgica no reparo de aneurisma aórtico torácico, pneumectomia, redução do volume pulmonar, cirurgia cardíaca minimamente invasiva e lobectomia superior. As indicações menores de VMP incluem exposição cirúrgica na cirurgia do esôfago, lobectomia média e inferior, ressecção de massa mediastinal e simpatectomia bilateral (1, 3).

D. Métodos de isolamento pulmonar O isolamento pulmonar pode ser obtido com o uso de um tubo de duplo lúmen (TDL) ou um bloqueador pulmonar ou por intubação brônquica com um tubo regular de lúmen simples (TLS) ou tubo endobrônquico especializado. Um TLS raramente é usado de forma endobrônquica em adultos, exceto em situações de emergência, uma vez que broncoscopia, aspiração ou pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP, do inglês continuous positive airway pressure) não podem ser aplicados ao pulmão colapsado. Os TDLs são o método mais usado de obtenção de isolamento pulmonar e VMP (Fig. 34.2). Eles estão disponíveis em configurações para o lado esquerdo e para o lado direito, com o TDL esquerdo sendo o mais usado. As vantagens do TDL incluem a capacidade de isolar qualquer pulmão, aplicar sucção, CPAP ou oxigênio pelo lúmen e realizar broncoscopia em qualquer lúmen. O TDL é menos provável de se deslocar do que outros métodos de separação pulmonar, o que o torna o método preferido de isolamento nos casos de infecção e hemorragia. As desvantagens do TDL incluem o fato de que é mais desafiador colocá-lo em uma via aérea difícil, e geralmente será necessário trocá-lo por um TLS se o paciente permanecer intubado no pós-operatório. Um bloqueador brônquico colocado por meio de um TLS também pode ser usado para obter isolamento pulmonar (Fig. 34.3). Um broncoscópio é usado para direcionar o bloqueador para o pulmão ou segmento pulmonar que precisa ser colapsado. Várias vantagens do bloqueador incluem a flexibilidade para o uso de forma oral ou nasotraqueal e para bloqueio lobar seletivo. É particularmente útil em cenários como uma via aérea difícil ou a necessidade de ventilação pós-operatória. A principal desvantagem de um bloqueador brônquico é que ele pode ser deslocado a partir de alterações na posição do paciente ou por manipulação cirúrgica. Isso é especialmente prejudicial em uma situação

VÍDEO 34.1 Descrição do tubo de duplo lúmen

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Tubo endotraqueal de duplo lúmen Balonete traqueal inflado Lúmen traqueal

Balonete brônquico inflado

Lúmen brônquico

FIGURA 34.2 Um tubo de duplo lúmen esquerdo do tipo Robertshaw construído de cloreto de polivinil (à esquerda). Quando colocado adequadamente (à direita), o “lúmen brônquico” distal é posicionado no brônquio principal esquerdo proximal ao orifício do lobo superior esquerdo, com o “balonete brônquico” inflado logo distal à carina no brônquio principal esquerdo. O “lúmen proximal da traqueia” é posicionado acima da carina, com o “balonete traqueal” inflado no meio da traqueia. O posicionamento adequado permite as opções da ventilação monopulmonar em qualquer lado (com deflação do pulmão contralateral), bem como a ventilação de dois pulmões. (De Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM. Anesthesia for thoracic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1043.)

na qual a perda da separação pulmonar pode levar à contaminação por sangue ou pus (1, 3).

E. Manejo da ventilação monopulmonar Fração inspirada de oxigênio Ao iniciar a VMP, geralmente é usada uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) de 1,0 para prevenir hipoxemia. Uma GA pode ser feita para determinar a pressão parcial arterial de O2. Se ela for adequada, a FiO2 pode ser titulada para baixo (3).

Volume corrente e frequência respiratória A tendência atual na VMP é usar estratégias de proteção pulmonar. Quer seja usando ventilação controlada por volume, quer seja por pressão, o volume corrente deve ser de aproximadamente 5 mL/kg. A frequência respiratória então é titulada para manter uma faixa aceitável de dióxido de carbono (CO2) expiratório final ou pressão parcial arterial de CO2 (35-40 mmHg). As pressões de pico nas vias aéreas devem ser mantidas em < 35 cm H2O e preferivelmente < 25 cm H2O (1, 3). Na presença de doença bolhosa, deve-se considerar pressões ainda mais baixas nas vias aéreas.

F. Manejo da hipoxemia na ventilação monopulmonar A vasoconstricção pulmonar hipóxica pode levar horas para atingir seu efeito completo. Se ocorrer hipoxemia durante a VMP, a FiO2 deve ser aumentada para 1. A broncoscopia deve ser realizada para confirmar a posição do tubo. O tratamento mais eficaz da

Capítulo 34

A

B

C

D

Anestesia para cirurgia torácica

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FIGURA 34.3 A. Visualização broncoscópica da carina por meio de abertura distal de um tubo endotraqueal padrão. Observe que os anéis traqueais em forma de C anteriormente orientam o examinador para o brônquio principal esquerdo e direito. B. Visualização broncoscópica do orifício do lobo superior direito (seta) apenas 1,5–2 cm distal à carina. Essa curta distância geralmente impede o uso de tubos de duplo lúmen do lado direito. C. Visualização broncoscópica da carina e do brônquio principal direito, demonstrando um tubo de lúmen duplo esquerdo posicionado adequadamente com o balonete brônquico azul (seta) inflado distal à carina no brônquio principal esquerdo. D. Visualização broncoscópica do bloqueador brônquico colocado por meio de tubo de lúmen simples e posicionado no brônquio principal esquerdo para permitir a ventilação monopulmonar à direita. (De Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM. Anesthesia for thoracic surgery. De: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1044–1048.)

hipoxemia é aplicar 5 a 10 cm H2O de CPAP ao pulmão não dependente. Contudo, como esse é o pulmão cirúrgico, a CPAP pode interferir com a exposição cirúrgica. Assim, a aplicação de pressão expiratória final positiva (PEEP, do inglês positive end-expiratory pressure) . .ao pulmão dependente pode ser útil para aumentar a CFR e a compatibilidade V/Q . Isso deve ser limitado a aproximadamente 10 cm H2O de modo a prevenir a superdistensão dos alvéolos, que pode elevar a resistência vascular pulmonar e aumentar o shunt. As manobras de recrutamento e a ventilação intermitente do pulmão operado podem ser realizadas se a hipoxemia persistir. Adicionalmente, como os anestésicos inalatórios são conhecidos por inibir a VPH, a anestesia intravenosa

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 34.4

Manejo da hipóxia na ventilação monopulmonar

FiO2 1,0 Confirmar a posição do tubo CPAP 5-10 cm H2O ao pulmão não dependente PEEP 10 cm H2O ao pulmão dependente Recrutamentos intermitentes, ventilação de dois pulmões Anestesia intravenosa total Clampeamento ipsilateral da artéria pulmonar na pneumectomia FiO2, fração inspirada de oxigênio; CPAP, pressão positiva contínua nas vias aéreas; PEEP, pressão expiratória final positiva.

total (TIVA) pode ser considerada. Se uma pneumectomia estiver sendo realizada, o clampeamento da artéria pulmonar irá eliminar o shunt e melhorar a oxigenação (1, 3) (Tab. 34.4).

III. Procedimentos e patologias comuns Esta próxima seção discute vários procedimentos que são realizados comumente em uma cirurgia torácica e revê as patologias relevantes e considerações anestésicas para cada uma.

A. Broncoscopia por fibroscópio flexível A broncoscopia por fibroscópio flexível é uma modalidade diagnóstica e terapêutica para as patologias das vias aéreas. Também é comum realizar broncoscopia antes de ressecções pulmonares para reconfirmar o diagnóstico ou determinar a invasão das vias aéreas. As opções incluem abordagens acordado com anestesia tópica versus anestesia geral e abordagem oral versus nasal. O manejo das vias aéreas durante a anestesia geral pode ser com um tubo endotraqueal (TET) ou por máscara laríngea. A anestesia intravenosa é preferida se esse procedimento for prolongado, uma vez que os agentes voláteis podem contaminar a sala de cirurgia (1, 3).

B. Broncoscopia rígida A broncoscopia rígida é o procedimento de escolha para dilatação da estenose traqueal com ou sem o uso de um laser, remoção de corpo estranho e hemostasia maciça. Há quatro métodos básicos de ventilação para broncoscopia rígida: ventilação espontânea; oxigenação apneica com ou sem a insuflação do oxigênio; ventilação com pressão positiva (VPP) por meio do braço lateral de um broncoscópio ventilante; e ventilação por jato com um injetor de mão ou ventilador a jato de alta frequência. A broncoscopia rígida em crianças é manejada mais comumente com ventilação espontânea e um anestésico volátil. Em adultos, a anestesia intravenosa total (TIVA) e o uso de relaxantes musculares é mais comum, com uma combinação de VPP por meio do braço lateral do broncoscópio ou ventilação a jato. A oximetria de pulso é vital durante a broncoscopia rígida porque há um alto risco de dessaturação. Contudo, a monitoração do CO2 expiratório final e dos anestésicos voláteis é menos útil, pois as vias aéreas permanecem essencialmente abertas para a atmosfera. Ao contrário do que acontece durante a broncoscopia com fibroscópio por meio de um TET, com a broncoscopia rígida a via

Capítulo 34

Artéria carótida comum direita

Anestesia para cirurgia torácica

Traqueia Mediastinoscopia

Artéria subclávia direita

Artéria inominada

Artéria subclávia esquerda

Aorta

FIGURA 34.4 Relações anatômicas durante mediastinoscopia. Observe a posição do mediastinoscópio atrás da artéria inominada direita e arco aórtico e anterior à traqueia. (De Eisenkraft JB, Cohen E, Neustein SM. Anesthesia for thoracic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1060.)

respiratória nunca está completamente segura e sempre há o potencial para aspiração, especialmente em pacientes em risco aumentado. As complicações da broncoscopia rígida incluem a perfuração das vias aéreas, dano à mucosa, hemorragia, edema das vias aéreas pós-manipulação e perda potencial do controle das vias aéreas ao final do procedimento (1, 3).

C. Mediastinoscopia A mediastinoscopia é um procedimento diagnóstico para a avaliação de linfonodos no estadiamento do câncer de pulmão e para massas mediastinais anteriores. O procedimento mediastinal mais comum é uma mediastinoscopia cervical, na qual o mediastinoscópio é inserido por meio de uma pequena incisão no entalhe supraesternal e avançado em direção à carina (Fig. 34.4). A maioria desses casos requer anestesia geral com a colocação de um TLS. Um oxímetro de pulso ou cateter arterial pode ser usado para monitorar a perfusão para o braço direito, pois pode ocorrer compressão da artéria inominada pelo mediastinoscópio. A complicação mais grave da mediastinoscopia é a hemorragia de grande porte, que pode requerer esternotomia ou toracotomia de emergência. Um acesso venoso de grande calibre deve ser colocado na extremidade inferior

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Fundamentos de anestesiologia clínica no evento de uma ruptura da VCS. Outras complicações potenciais incluem obstrução das vias aéreas, pneumotórax, paresia do laríngeo recorrente, lesão do nervo frênico, lesão esofágica, quilotórax e embolia aérea (1, 3, 5).

D. Ressecção pulmonar

VÍDEO 34.2 Crioablação nas vias aéreas

A aspiração aplicada ao dreno torácico colocado após pneumectomia pode causar desvio mediastinal, resultando em colapso hemodinâmico.

Várias técnicas e abordagens podem ser usadas para a ressecção de tecido pulmonar ou tumor. A ressecção pulmonar minimamente invasiva pode ser realizada com VATS ou cirurgia robótica. Tais técnicas podem ser usadas para ressecções em cunha, segmentectomias (consideradas procedimentos poupadores de pulmão em pacientes com reserva cardiopulmonar limitada) e lobectomias. Esses procedimentos são realizados sob anestesia geral com TDL ou um bloqueador brônquico para obter uma VMP. O anestesiologista precisa estar consciente do potencial para conversão de emergência em toracotomia aberta se ocorrer sangramento maciço. A maioria das cirurgias toracoscópicas requer a colocação de um dreno torácico com drenagem em selo d`água para que a extubação possa ser realizada de forma segura. A lobectomia é a cirurgia-padrão para o manejo do câncer de pulmão porque a recorrência local do tumor é reduzida comparada com a de ressecções menores. A lobectomia é realizada comumente por meio de toracotomia aberta ou VATS com um TDL ou um bloqueador brônquico. Os pacientes submetidos à lobectomia geralmente podem ser extubados na sala de cirurgia desde que a função respiratória pré-operatória seja adequada. A pneumectomia é realizada por meio de uma toracotomia aberta. O isolamento pulmonar pode ser realizado com um TDL, um bloqueador brônquico ou um tubo endobrônquico de lúmen simples. Quando se usa um TDL, o ideal é usar um equipamento que não interfira com a via aérea ipsilateral (i.e., um TDL esquerdo para uma pneumectomia direita). No pós-operatório, se for aplicada aspiração a um dreno torácico ou ele for conectado a um sistema em selo d`água padrão, o desvio mediastinal pode ocorrer com colapso hemodinâmico. Uma radiografia de tórax pós-operatória é essencial para avaliar o desvio mediastinal. A taxa de mortalidade após uma pneumectomia excede a da lobectomia devido às complicações cardíacas pós-operatórias e à lesão pulmonar aguda. O risco de complicações aumenta cinco vezes em pacientes com 65 anos ou mais (1, 3, 6). A complicação da herniação cardíaca será discutida na última seção deste capítulo.

E. Cirurgia esofágica

A estratégia de restrição de líquido para pacientes submetidos à cirurgia pulmonar e esofágica se tornou controversa devido a uma preocupação a respeito de seu potencial de induzir lesão renal aguda.

Considerações gerais, que se aplicam a quase todos os pacientes com problemas esofágicos, incluem um risco aumentado de aspiração devido à disfunção esofágica e à possibilidade de desnutrição. A esofagectomia é um tratamento potencialmente curativo para o câncer esofágico e para algumas lesões obstrutivas benignas. É um procedimento cirúrgico de grande porte e está associado com altas taxas de morbidade e mortalidade (10-15%). Há múltiplos procedimentos cirúrgicos para esofagectomia que combinam três abordagens fundamentais: abordagem transtorácica, abordagem trans-hiatal e cirurgia minimamente invasiva. Os desfechos são aprimorados com extubação precoce, analgesia peridural torácica e infusões de vasopressores e inotrópicos para dar suporte à pressão arterial (1, 3, 7).

F. Ressecção traqueal A ressecção traqueal está indicada em pacientes que têm obstrução traqueal como resultado de um tumor de traqueia, trauma (mais comumente devido à estenose pós-intubação), anomalias congênitas, lesões vasculares ou traqueomalácia. As vias aéreas dos pacientes com estenose traqueal congênita ou adquirida são improváveis de co-

Capítulo 34

Anestesia para cirurgia torácica

lapsar durante a indução de anestesia. Contudo, massas intratraqueais podem levar à obstrução das vias aéreas com a indução de anestesia e devem ser manejadas do mesmo modo que as massas mediastinais (ver adiante). Uma variedade de métodos para fornecer uma ventilação adequada tem sido usada durante a ressecção traqueal, incluindo a intubação orotraqueal padrão; a inserção de um TLS estéril na traqueia aberta ou brônquio distal à área de ressecção; a ventilação a jato de alta frequência com cateter por meio da área estenótica; a VPP de alta frequência e o uso de bypass cardiopulmonar (BCP). Após a ressecção da traqueia ser completada, a maioria dos pacientes é mantida em uma posição de flexão do pescoço para reduzir a tensão na linha de sutura. A extubação precoce nesses casos é altamente desejável. Se um paciente necessita de reintubação, ela deve ser realizada com um broncoscópio flexível avançando um TLS sob visão direta sobre o broncoscópio para evitar dano ao reparo (1, 3, 8).

G. Fístula broncopleural Uma fístula broncopleural pode ser causada por ruptura de um abscesso pulmonar, brônquio, bolha, cisto ou tecido parenquimal para o espaço pleural; erosão de um brônquio por carcinoma ou doença inflamatória crônica; ou deiscência de uma linha de sutura brônquica após ressecção pulmonar. Em pacientes com doença pulmonar bolhosa, como o enfisema, há um risco de hiperinsuflação da bolha e ruptura sempre que a VPP é usada. As complicações da ruptura da bolha podem pôr a vida em risco devido a colapso hemodinâmico por pneumotórax hipertensivo ou ventilação inadequada devido à fístula broncopleural resultante. Se ocorrer ruptura brônquica precocemente em pacientes pós-ressecção, isso também pode colocar a vida em risco. É possível refazer a toracotomia e ressuturar a deiscência brônquica. A ruptura pós-ressecção tardia ou crônica é manejada com drenagem torácica ou com o procedimento de Clagett, que inclui drenagem pleural aberta e o uso de uma aba muscular para reforçar a deiscência brônquica. As preocupações para o anestesiologista em um paciente com fístula broncopleural incluem a necessidade de isolamento pulmonar para proteger regiões pulmonares saudáveis, a possibilidade de pneumotórax hipertensivo com VPP e a possibilidade de ventilação inadequada devido a vazamento de ar pela fístula. A colocação de um dreno torácico deve ser considerada antes da indução para evitar a possibilidade de pneumotórax hipertensivo com VPP. Um TDL é a escolha ideal para o manejo das vias aéreas, uma vez que o isolamento pulmonar deve ser realizado antes de iniciar a VPP ou o reposicionamento do paciente. Isso é realizado mais comumente com indução em sequência rápida modificada da anestesia e posicionamento fibroscópico imediato do TDL. Contudo, dependendo do contexto, pode ser usada a intubação com o paciente acordado com manutenção da ventilação espontânea (1, 3).

H. Bronquiectasia, abscesso pulmonar e empiema Condições infecciosas, incluindo bronquiectasia, abscesso pulmonar e empiema, são indicações de cirurgia torácica, como a decorticação. Considerações anestésicas para essas condições incluem a necessidade de isolamento do pulmão para proteger as regiões pulmonares não envolvidas de contaminação por pus. Um TDL facilita a aspiração de detritos e secreções copiosas que estão presentes na árvore traqueobrônquica e está menos suscetível ao deslocamento durante a movimentação do paciente ou manipulação cirúrgica do que um bloqueador brônquico. Devido à inflamação, a cirurgia é tecnicamente mais difícil, e há um maior risco de hemorragia maciça, particularmente durante decorticação. Alguns desses pacientes podem apresentar sepse no momento da cirurgia. Se o pulmão estiver cronicamente colapsado, a expansão deve ser feita gradualmente para evitar o desenvolvimento de edema pulmonar na reexpansão (1).

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Fundamentos de anestesiologia clínica

I. Massas mediastinais

Em um paciente com uma massa mediastinal anterior, uma história de dispneia ou tosse em posição supina pode ser preditiva de colapso das vias aéreas após a indução de anestesia geral.

Tumores do mediastino anterior incluem timoma, teratoma, linfoma, higroma cístico, cisto broncogênico e tumores da tireoide. Os pacientes podem necessitar de anestesia para biópsia dessas massas por mediastinoscopia ou VATS ou eles podem necessitar de ressecção definitiva por meio de esternotomia ou toracotomia. As massas mediastinais podem causar obstrução das vias aéreas maiores ou de estruturas vasculares. Durante a indução de anestesia geral, a obstrução das vias aéreas é a complicação mais comum e temida. Uma história de dispneia supina ou tosse deve alertar o anestesiologista para a possibilidade de obstrução das vias aéreas na indução. A anestesia geral e os relaxantes musculares irão exacerbar a compressão extrínseca das vias aéreas intratorácicas devido ao volume pulmonar e aos diâmetros traqueobrônquicos reduzidos, ao relaxamento do músculo liso brônquico e à perda do gradiente de pressão transpleural normal, que dilata as vias aéreas durante a inspiração espontânea e minimiza os efeitos da compressão extrínseca das vias aéreas intratorácicas. É importante observar que o ponto de compressão traqueobrônquico pode estar nas vias aéreas distais, de modo que não pode ser contornado por um TET. A outra complicação maior é o colapso cardiovascular secundário à compressão do coração ou grandes vasos. Os sintomas de pré-síncope supina sugerem compressão vascular. Pacientes sintomáticos ou que têm evidência de envolvimento das vias aéreas ou cardiovascular nos exames de imagem devem ser submetidos a procedimentos diagnósticos sob anestesia local ou regional sempre que possível. Quando está indicada anestesia geral, a intubação da traqueia com o paciente acordado é uma possibilidade em alguns pacientes adultos, se a imagem mostrar uma área de traqueia distal não comprimida para a qual o TET puder ser avançado antes da indução. Alternativamente, a ventilação espontânea deve ser mantida com uma indução inalatória ou titulação de um agente como a cetamina. Se forem necessários relaxantes musculares, primeiro a ventilação deve ser gradualmente passada para manual para garantir que a VPP seja possível e apenas então administrar um relaxante muscular de curta ação. A compressão intraoperatória das vias aéreas com risco de morte pode responder ao reposicionamento do paciente (deve ser determinado antes da indução se há uma posição que causa menos sintomas) ou broncoscopia rígida e ventilação distal à obstrução (isso significa que um broncoscopista experiente e equipamentos precisam estar disponíveis imediatamente na sala de cirurgia para esses casos). A instituição de BCP femorofemoral antes da indução de anestesia é uma possibilidade em alguns pacientes adultos. O conceito de BCP standby (de prontidão) durante a tentativa de indução de anestesia não deve ser considerado, pois não há tempo suficiente após um colapso súbito das vias aéreas para estabelecer o BCP antes que ocorra lesão cerebral hipóxica (1, 3, 9).

J. Miastenia grave A miastenia grave é uma doença autoimune da junção neuromuscular na qual os pacientes afetados têm fraqueza devido a um número reduzido de receptores de acetilcolina na placa motora. Os pacientes podem ou não ter um timoma associado. A timectomia é realizada com frequência para induzir a remissão clínica, mesmo na ausência de um timoma. A timectomia pode ser realizada por meio de uma esternotomia completa ou parcial ou por uma abordagem minimamente invasiva por meio de incisão transcervical ou VATS. Os tratamentos clínicos para miastenia grave incluem anticolinesterásicos, como a piridostigmina, fármacos imunossupressores, como os esteroides, e plasmaférese. No dia da cirurgia, os pacientes devem manter a dose usual de piridostigmina. Pacientes miastênicos são imprevisivelmente resistentes à succinilcolina e muito sensíveis aos bloqueadores adespolarizantes. Preferencialmente, o uso de relaxamento neuromuscular intraoperatório é evitado. A indução de anestesia com propofol, remifentanil e anes-

Capítulo 34

Anestesia para cirurgia torácica

tesia tópica das vias aéreas facilita a intubação sem o uso de relaxantes musculares. Alternativamente, pode ser realizada a indução inalatória com um agente volátil. O encaminhamento precoce para cirurgia no curso da doença, a estabilização clínica pré-operatória e as abordagens cirúrgicas minimamente invasivas tornaram rara a necessidade de ventilação pós-operatória (1, 3, 10).

IV. Manejo pós-operatório A. Manejo da dor A analgesia peridural torácica (APT) tem sido considerada o padrão-ouro para controle da dor pós-operatória em pacientes submetidos à toracotomia. Quando a dor da toracotomia está controlada, o risco de complicações pulmonares é diminuído. Em pacientes com doença das artérias coronárias, os anestésicos locais peridurais torácicos também parecem reduzir a demanda de oxigênio miocárdico. Quando há uma contraindicação relativa ou absoluta à realização de uma anestesia peridural torácica, outra excelente escolha para analgesia é a infusão paravertebral de anestésico local por meio de cateter. O cateter pode ser colocado pelo anestesiologista usando referências anatômicas, por técnica orientada por ultrassonografia ou diretamente pelo cirurgião durante uma toracotomia aberta. Uma revisão sistemática recente mostrou que o bloqueio paravertebral contínuo é tão eficaz quanto a APT (11). Outras opções para analgesia incluem bloqueios intercostais e o uso de analgesia com opioides controlada pelo paciente com analgesia multimodal, como o uso de paracetamol, gabapentina e anti-inflamatórios não esteroides. As instituições diferem nas suas práticas a respeito do uso de técnicas com cateter versus analgesia intravenosa controlada pelo paciente para cirurgias torácicas minimamente invasivas (1, 3).

B. Complicações Como mencionado anteriormente, as complicações respiratórias e cardíacas respondem pela maior parte da morbidade e da mortalidade após cirurgia torácica. Há múltiplas complicações potenciais que podem ocorrer no período pós-operatório imediato, como a torsão de um lobo remanescente após lobectomia, deiscência de uma sutura brônquica, hemorragia de um grande vaso, isquemia cardíaca ou arritmia. Entre as possíveis complicações, duas serão discutidas em mais detalhes: falência respiratória e herniação cardíaca.

Insuficiência respiratória Pacientes com função respiratória reduzida pré-operatoriamente estão em maior risco de complicações respiratórias pós-operatórias. Além disso, a idade, a presença de doença arterial coronariana e a extensão da ressecção pulmonar têm papel importante em prever insuficiência respiratória pós-operatória. O uso de APT durante o período perioperatório está associado à redução das complicações respiratórias. A fisioterapia torácica, a espirometria de incentivo e a deambulação precoce também são cruciais para minimizar as complicações pulmonares após a ressecção pulmonar. Para uma ressecção pulmonar não complicada, a extubação precoce é desejável para evitar complicações potenciais que podem surgir devido à intubação e ventilação mecânica prolongadas. A terapia atual para tratar a insuficiência respiratória aguda é dirigida a medidas de suporte que fornecem melhor oxigenação, tratam a infecção e fornecem suporte aos órgãos vitais sem maior dano aos pulmões (1).

Herniação cardíaca A herniação cardíaca aguda é uma complicação rara da pneumectomia quando o pericárdio está incompletamente fechado ou o fechamento se rompe. Ela geralmente

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Uma das complicações catastróficas da pneumectomia é a herniação cardíaca, que requer tratamento cirúrgico imediato para garantir a sobrevivência.

ocorre imediatamente ou dentro de 24 horas após cirurgia torácica e está associada a mortalidade > 50%. Quando ocorre herniação cardíaca após uma pneumectomia direita, o comprometimento do retorno venoso para o coração leva a um súbito aumento da PVC, taquicardia, hipotensão profunda e choque. Uma síndrome da VCS aguda sobrevém devido à torsão do coração. Em contraste, quando ocorre herniação cardíaca após uma pneumectomia esquerda, há menos rotação cardíaca, mas a borda do pericárdio comprime o miocárdio. Isso pode levar à isquemia miocárdica, ao desenvolvimento de arritmias e à obstrução da via de saída ventricular. O diagnóstico diferencial da instabilidade hemodinâmica após cirurgia torácica deve incluir hemorragia intratorácica maciça, embolia pulmonar ou desvio mediastinal por manejo impróprio do dreno torácico. O diagnóstico imediato e o tratamento cirúrgico da herniação cardíaca por reposicionamento do coração em seu local anatômico é a chave para a sobrevivência do paciente. As manobras para minimizar os efeitos cardiovasculares incluem o posicionamento do paciente em posição lateral completa com o lado operado para cima. Vasopressores e inotrópicos são necessários para dar suporte circulatório enquanto ocorre a exploração (1).

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Anestesia para cirurgia torácica

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual é o VEF1 pós-operatório previsto em paciente com um VEF1 pré-operatório de 60% que é submetido a uma lobectomia superior direita? A. 50% B. 45% C. 40% D. 35% E. Nenhuma das alternativas acima 2. Qual é a doença concomitante mais comum identificada no pré-operatório de pacientes de cirurgia torácica? A. Hipertensão B. Doença pulmonar obstrutiva crônica C. Doença arterial coronariana D. Diabetes E. Nenhuma das alternativas acima 3. A instalação de ventilação monopulmonar no pulmão dependente em um paciente em posição lateral reduz a compatibilidade ventilação-perfusão porque: A. Aumenta a capacidade residual funcional no pulmão dependente B. Diminui a capacidade residual funcional no pulmão não dependente C. Aumenta o fluxo sanguíneo no pulmão dependente D. Aumenta a ventilação no pulmão dependente E. Nenhuma das alternativas acima 4. Se ocorrer hipóxia durante a ventilação monopulmonar, o primeiro passo no tratamento após confirmar a administração de oxigênio a 100% é: A. Pressão contínua das vias aéreas de 5 a 10 cm de H2O para o pulmão não dependente B. Manobras de recrutamento alveolar para o pulmão dependente C. Pressão expiratória final positiva de 5 a 10 cm de H2O para o pulmão dependente D. Broncoscopia para confirmar a colocação correta do tubo endotraqueal E. Nenhum dos acima

5. Em um paciente que necessita de ressecção pulmonar para tratamento de bronquiectasia à direita, o manejo ideal das vias aéreas deveria incluir: A. Um bloqueador endobrônquico direito B. Um bloqueador endobrônquico esquerdo C. Um tubo endotraqueal de duplo lúmen esquerdo D. Um tubo endotraqueal de duplo lúmen direito E. Nenhuma das alternativas acima 6. Durante mediastinoscopia, é observada hemorragia profusa a partir do local da cirurgia. Dos locais listados a seguir, qual seria melhor para fornecer reposição de líquidos? A. Veia antecubital direita B. Veia antecubital esquerda C. Veia jugular interna direita D. Veia femoral esquerda E. Nenhuma das alternativas acima

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Anestesia para cirurgia cardíaca Candice R. Montzingo Sasha Shillcutt

35

Pacientes com doença cardíaca apresentam desafios únicos para o anestesiologista. Este capítulo fornece uma visão geral desses desafios, das alterações fisiológicas associadas e das estratégias de manejo anestésico necessárias para fornecer cuidados de forma segura aos pacientes que se submetem a intervenções cirúrgicas no coração.

I. Doença arterial coronariana A doença arterial coronariana (DAC) é uma das causas mais comuns de morte nos países mais desenvolvidos. Ela resulta da formação de lesões ateroscleróticas nas artérias coronárias. A isquemia miocárdica é uma característica da DAC. Ela é causada por um desequilíbrio entre o suprimento e a demanda de oxigênio miocárdico. O anestesiologista precisa compreender os determinantes dessa delicada relação e evitar a lesão miocárdica minimizando a demanda de oxigênio miocárdico enquanto melhora o fornecimento de oxigênio para o miocárdio.

A. Demanda de oxigênio miocárdico A tensão sistólica da parede, a contratilidade e a frequência cardíaca são os determinantes primários da demanda de oxigênio do miocárdio. A tensão da parede é diretamente proporcional à pressão sistólica e ao tamanho da câmara (pré-carga) e inversamente proporcional à espessura da parede. Assim, aumentos na pré-carga aumentam exponencialmente a tensão da parede porque, à medida que a câmara aumenta, a espessura da parede ventricular precisa se afinar para acomodar o volume adicional. Aumentos na frequência cardíaca são especialmente prejudiciais porque aumentam diretamente a demanda de oxigênio e diminuem indiretamente o fornecimento de oxigênio pelo encurtamento da diástole. O ventrículo esquerdo (VE) recebe seu fluxo sanguíneo coronariano apenas durante a diástole. Portanto, aumentos na tensão da parede, na contratilidade e na frequência cardíaca acima dos níveis normais de repouso precisam ser evitados em pacientes com DAC.

B. Suprimento de oxigênio miocárdico Os dois fatores principais que contribuem para o suprimento de oxigênio miocárdico são o conteúdo de oxigênio arterial e o fluxo sanguíneo coronariano. Lembre-se que o conteúdo de oxigênio arterial é representado pela fórmula: Conteúdo de O2 = (Hemoglobina) (1,34) (% saturação) + (0,003)(PO2)

O ventrículo esquerdo recebe seu fluxo sanguíneo apenas durante a diástole, enquanto o ventrículo direito é perfundido durante todo o ciclo cardíaco.

670

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 35.1

Tratamento da isquemia intraoperatória

Manifestações clínicas Demanda aumentada ↑FC ↑PA ↑PCP

Tratar os motivos usuais, ␤-bloqueador ↑ Profundidade da anestesia Nitroglicerina

Suprimento diminuído ↓FC ↓PA ↑PCP

Atropina, marca-passo ↓ Profundidade da anestesia, vasoconstrictor Nitroglicerina, inotrópicos

Nenhuma alteração

Nitroglicerina, bloqueador dos canais de cálcio,? heparina

↑, aumento; ↓, diminuição; FC, frequência cardíaca; PA, pressão arterial; PCP, pressão capilar pulmonar. De Skubas NJ, Lichtman AD, Sharma A, et al. Anesthesia for cardiac surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, com permissão.

Como os níveis de hemoglobina e o volume sanguíneo geralmente são mantidos adequadamente durante a cirurgia cardíaca, o fluxo sanguíneo coronariano é o fator mais crítico na manutenção do suprimento de oxigênio miocárdico. O fluxo sanguíneo coronariano está relacionado diretamente à pressão de perfusão coronariana e inversamente à resistência vascular coronariana e à frequência cardíaca (tempo para perfusão durante a diástole). A pressão de perfusão coronariana é estimada como a diferença entre a pressão diastólica sistêmica (aórtica) e a pressão diastólica do ventrículo esquerdo. Em corações normais, o fluxo sanguíneo coronariano é autorregulado para pressões sistólicas entre 50 e 150 mmHg. Em pacientes com DAC, a área do coração em maior risco de isquemia é o subendocárdio do ventrículo esquerdo (VE). O ventrículo direito (VD) é perfundido durante todo o ciclo cardíaco devido à sua baixa pressão intracavitária. Assim, a baixa pressão diastólica do ventrículo esquerdo, a pressão diastólica sistêmica normal e a baixa frequência cardíaca melhoram o suprimento de oxigênio do miocárdio.

C. Monitoramento da isquemia A depressão do segmento ST achatada ou com inclinação para baixo ≥ 0,1 mV no eletrocardiograma (ECG) é o sinal de isquemia miocárdica mais confiável do ECG. Todavia, a ecocardiografia transesofágica (ETE) tem mostrado detectar a isquemia miocárdica mais cedo e com mais frequência do que o ECG e é usada muito comumente na cirurgia cardíaca. Os cateteres de artéria pulmonar podem revelar aumentos agudos nas pressões atriais esquerdas associadas com enrijecimento do VE induzido por isquemia. Contudo, os cateteres de artéria pulmonar não são um meio de monitoração sensível nem específico para isquemia miocárdica, pois muitos outros fatores influenciam a pressão do átrio esquerdo durante a cirurgia.

D. Tratamento da isquemia A isquemia miocárdica pode ocorrer a qualquer momento durante a cirurgia de revascularização do miocárdio. O tratamento depende amplamente da etiologia e pode ser visto na Tabela 35.1. Uma revisão completa dos efeitos farmacológicos dos nitratos, vasoconstritores periféricos, bloqueadores dos canais de cálcio e ␤-bloqueadores pode ser encontrada no Capítulo 13.

Capítulo 35

Anestesia para cirurgia cardíaca

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II. Doença cardíaca valvar A crescente experiência com a ecocardiografia transesofágica aumentou significativamente o papel dos anestesiologistas na avaliação intraoperatória e no manejo da doença cardíaca valvar (DCV). A DCV pode ser classificada em dois tipos primários de lesão: regurgitante e estenótico. As lesões regurgitantes levam à sobrecarga de volume, enquanto a doença valvar estenótica leva à sobrecarga de pressão. Embora a doença das valvas atrioventricular direita (tricúspide) e pulmonar apresentem desafios únicos ao anestesiologista, este capítulo irá focar as lesões do lado esquerdo, que são mais comuns. Informações adicionais são fornecidas nas “Diretrizes para o manejo de pacientes com DCV” de 2014 da AHA/ACC (1).

A. Estenose aórtica A valva da aorta normal do adulto compreende três cúspides de tamanho igual e tem uma área de 2 a 3,5 cm2. A estenose aórtica (EA) é a lesão valvar mais comum no coração e pode resultar de doença valvar congênita ou adquirida. Na EA congênita, há uma fusão parcial ou completa das comissuras entre as cúspides, resultando em uma valva unicúspide ou bicúspide. Uma valva da aorta bicúspide é o defeito congênito mais comum, afetando aproximadamente 1 a 2% da população. As valvas da aorta bicúspides estão associadas com outras anormalidades congênitas, especificamente doenças da aorta incluindo coarctação e dilatação da raiz da aorta. A estenose aórtica adquirida resulta de degeneração por calcificação ou, menos comumente, de doença reumática. O estreitamento progressivo da valva da aorta leva a um aumento do gradiente transvalvar. Isso, por sua vez, aumenta o trabalho do VE e, com o tempo, resulta em hipertrof ia ventricular concêntrica. Essa resposta compensatória permite que o diâmetro interno do VE permaneça inalterado e preserva a função sistólica e o volume sistólico. Contudo, à medida que o VE se espessa, sua função diastólica declina, causando um aumento na pressão de enchimento diastólico. Os pacientes frequentemente permanecem assintomáticos até que a área da valva seja < 1 a 1,2 cm2, correlacionando-se com um gradiente transvalvar máximo que excede 50 mmHg. A tríade clássica da EA sintomática é angina, síncope e insuf iciência cardíaca congestiva (dispneia). O desenvolvimento de qualquer um desses sintomas é de mau prognóstico, indicando uma expectativa de vida de 2 a 5 anos sem a substituição da válvula. A consequência da pressão intraventricular elevada e hipertrofia concêntrica é o aumento da demanda de oxigênio miocárdico. Ao mesmo tempo, a pressão de enchimento diastólico é aumentada, resultando em uma menor pressão de perfusão coronariana. Assim, pacientes com EA grave podem passar por isquemia miocárdica e angina na ausência de DAC, especialmente se a frequência cardíaca aumenta muito além dos níveis de repouso (ver discussão anterior na seção “Demanda de oxigênio miocárdico”). A manutenção da resistência vascular sistêmica (RVS) é crítica em pacientes com EA para garantir uma pressão diastólica aórtica adequada e, assim, a pressão de perfusão coronariana. Vasoconstritores como a vasopressina ou a fenilefrina irão aumentar a RVS sem aumentar a demanda de oxigênio miocárdico porque o aumento na pressão arterial sistêmica que eles causam não é “sentido” pelo VE devido à valva da aorta estenótica.

B. Miocardiopatia hipertrófica Embora não seja doença de uma valva, a miocardiopatia hipertrófica (MCH) pode causar uma lesão obstrutiva similar à EA. A MCH é um distúrbio genético autossômico dominante incomum com penetrância altamente variável. Ela leva à hipertrofia ventricular que ocorre em padrões variáveis, não apenas envolvendo o septo interventricular. Os sintomas de apresentação geralmente são dispneia aos esforços, má

VÍDEO 35.1 Ausculta da estenose aórtica

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Fundamentos de anestesiologia clínica tolerância ao exercício, síncope, palpitações e fadiga. Alguns pacientes permanecem assintomáticos por grande parte de suas vidas e infelizmente são diagnosticados após morte súbita cardíaca. Aproximadamente um terço dos pacientes com MCH terá hipertrofia do septo interventricular que leva à obstrução dinâmica da via de saída do ventrículo esquerdo. O gradiente de pressão resultante aumenta durante toda a sístole, criando obstrução ao débito cardíaco. Qualquer fator que diminua o tamanho do ventrículo esquerdo irá aumentar esse gradiente e obstruir ainda mais o débito cardíaco. Os exemplos incluem aumentos na frequência cardíaca e na contratilidade e reduções na pré-carga e na pós-carga. Portanto, o manejo anestésico foca em evitar taquicardia e em manter a euvolemia e a resistência vascular sistêmica normal. Hipotensão nessa população é mais bem tratada com agonistas ␣-adrenérgicos e volume. O tratamento com fármacos inotrópicos, como a adrenalina, é contraindicado e pode piorar a obstrução dinâmica e a hipotensão.

C. Insuficiência aórtica A insuficiência aórtica (IA) pode ser o resultado de doença valvar primária ou em associação com dilatação da raiz da aorta (doença de Marfan, dilatação aórtica degenerativa, dissecção aórtica) apesar de uma valva aórtica normal. A progressão natural da IA varia dependendo da fisiopatologia e da cronicidade da doença. A IA aguda frequentemente é o resultado de lesão traumática da raiz da aorta ou de endocardite valvar. As consequências da IA aguda são a sobrecarga de volume imediata e profunda do VE. Em geral, o VE não é capaz de manter o volume sistólico a despeito de mecanismos compensatórios, incluindo tônus simpático aumentado, levando à taquicardia e ao aumento da contratilidade. A rápida deterioração da função ventricular esquerda se desenvolve, levando à ocorrência de dispneia e eventual colapso cardiovascular. A IA aguda comumente requer intervenção cirúrgica de urgência ou emergência. A IA crônica resulta em um volume diastólico final do ventrículo esquerdo aumentado que, ao longo do tempo, leva à hipertrofia excêntrica (dilatação cavitária). O curso da IA crônica é gradual, limitando o aumento na pressão diastólica do ventrículo esquerdo. Não é comum que pacientes desenvolvam sintomas associados com IA até que a doença tenha evoluído por décadas, quando o VE já se dilatou consideravelmente, ocorrendo disfunção miocárdica. Quando se torna sintomática, a expectativa de vida diminui dramaticamente, com uma sobrevida esperada de apenas 5 a 10 anos. O manejo anestésico da IA foca a preservação do volume sistólico anterógrado e a redução do volume regurgitante pela manutenção de uma frequência cardíaca relativamente rápida (cerca de 90 batimentos por minuto) e RVS normal a baixa.

D. Estenose mitral

VÍDEO 35.2 Fibrilação atrial

A área da valva atrioventricular esquerda (mitral) é, geralmente, de 4 a 6 cm2, e a valva é composta por um folheto anterior e um posterior. A estenose mitral (EM) é quase sempre devida à doença cardíaca reumática e é, portanto, bastante rara nos Estados Unidos e em outras nações altamente desenvolvidas. A EM leva a um comprometimento do enchimento do VE com uma resultante diminuição no volume sistólico. Como consequência, a pressão atrial esquerda se torna cronicamente elevada, resultando em dilatação atrial esquerda e aumento da pressão venosa pulmonar. Pacientes com estenose mitral estão em alto risco de desenvolvimento de f ibrilação atrial, que pode ser o sinal de apresentação da doença. Pacientes com estenose mitral com frequência são assintomáticos por décadas até que a área da valva atrioventricular esquerda tenha diminuído para 1 a 1,5 cm2 e o coração fique diante de uma demanda aumentada por volume sistólico sistêmico (exercício, gravidez, infecção). Qualquer estado de débito cardíaco elevado ou instalação de fibrilação atrial pode causar aumentos significati-

Capítulo 35 TABELA 35.2

Anestesia para cirurgia cardíaca

673

Metas hemodinâmicas em pacientes com doença cardíaca valvar Estenose aórtica

Miocardiopatia Insuficiência hipertrófica aórtica

Pré-carga

Cheio

Cheio

Aumentar levemente

Manter; evitar hipovolemia

Aumentar levemente

Pós-carga

Manter PPC

Aumentar; tratar hipotensão de forma agressiva

Diminuir para reduzir a fração regurgitante

Prevenir o aumento

Diminuir

Frequência Evitar bradicardia Normal (diminuir o DC) e taquicardia (isquemia)

Aumentar

Normal baixo

Aumentar levemente, evitar bradicardia

Ritmo

Sinusal

Sinusal ou fibrilação atrial com frequência controlada

Sinusal ou fibrilação atrial com frequência controlada

Sinusal

Sinusal é crítico

Estenose mitral

Insuficiência mitral

DC, débito cardíaco; PPC, pressão de perfusão coronariana.

vos na pressão atrial esquerda e na pressão arterial pulmonar, levando à insuficiência cardíaca congestiva aguda. Pressões atriais esquerdas cronicamente elevadas levam a aumentos na resistência vascular pulmonar, hipertensão pulmonar, doença pulmonar restritiva e insuficiência cardíaca direita. Frequentemente, pacientes com estenose mitral receberam diuréticos no período pré-operatório para controlar a congestão pulmonar e estão relativamente hipovolêmicos. A indução da anestesia pode desmascarar a hipovolemia e comprometer o fluxo de sangue por meio da valva atrioventricular esquerda estenótica. Assim, a administração adequada de líquidos durante a anestesia é crucial, mas a administração de muito líquido pode levar a mais congestão pulmonar e edema pulmonar. Uma frequência cardíaca relativamente lenta (cerca de 60-70 batimentos por minuto) permite bastante tempo para o enchimento do VE. Uma taquicardia compromete esse enchimento e pode resultar em hipotensão grave. A RVS deve ser mantida para garantir uma pressão de perfusão coronariana adequada, especialmente para o VD, pois ele está diante de pressões aumentadas na artéria pulmonar.

E. Insuficiência mitral A insuficiência mitral (IM) resulta de movimentação excessiva dos folhetos (prolapso ou lassidão) ou da restrição aos movimentos dos folhetos (dilatação isquêmica, doença cardíaca reumática). Similar à IA, a IM leva à sobrecarga de volume. Na IM, o volume sistólico é composto de sangue ejetado na circulação sistêmica e, então, regurgitado no átrio esquerdo. O sangue regurgitado causa dilatação do átrio e do ventrículo esquerdo (hipertrofia ventricular excêntrica) e complacência ventricular aumentada. A não ser que a IM seja devida a DAC (p. ex., ruptura isquêmica de um músculo papilar), uma frequência cardíaca elevada (cerca de 90 batimentos por minuto) pode ser melhor porque irá limitar a dilatação ventricular. Contudo, o principal fundamento no manejo da IM é a redução da RVS para promover a ejeção anterógrada de sangue e limitar a regurgitação. Em pacientes com RM e outros submetidos à cirurgia cardíaca valvar, o ETE mostrou-se benéfico para avaliar o estado volumétrico, a função ventricular e, mais importante, a adequação do procedimento cirúrgico. A Tabela 35.2 resume as metas hemodinâmicas em pacientes com doença cardíaca valvar.

A base no manejo da insuficiência mitral é a redução da resistência vascular sistêmica para promover a ejeção anterógrada de sangue e limitar a regurgitação.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Artéria subclávia direita retroesofágica

Artéria carótida comum direita

Esôfago

Artéria subclávia esquerda

Artéria carótida comum esquerda

Artéria subclávia direita retroesofágica

FIGURA 35.1 Limites do mediastino superior. O mediastino superior se estende inferiormente a partir da abertura torácica superior para o plano torácico transverso. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley AF. Clinically Oriented Anatomy. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:160, com permissão.)

III. Doenças aórticas A aorta é composta da raiz aórtica, aorta ascendente, arco aórtico e aorta descendente torácica, como visto na Figura 35.1. As doenças da aorta podem estar localizadas em um ou múltiplos segmentos ou podem envolver toda a aorta. As doenças da aorta podem ser adquiridas (lesão traumática, hipertensão, doença oclusiva, inflamação, infecção) ou congênitas (coarctação, ducto arterioso patente, distúrbios do tecido conectivo) e podem levar a dissecção aórtica, aneurisma aórtico, hematoma intramural ou transecção aórtica.

A. Dissecção aórtica A dissecção aórtica ocorre devido a uma ruptura nas camadas íntima e média da aorta, que causa separação das paredes e leva à criação de um falso lúmen. O sangue passa para dentro do falso lúmen da média e pode acompanhar todo o comprimento do vaso. Rupturas da íntima geralmente se originam de uma lesão devida à hipertensão crônica ou distúrbios do tecido conectivo, como a síndrome de Marfan. À medida que o falso lúmen se propaga, a presença de trombos e camadas dissecantes pode interromper a perfusão de órgãos vitais devido à diminuição do fluxo sanguíneo para as artérias principais como as carótidas, subclávias, espinais e mesentéricas. A dissecção aórtica do tipo A, que envolve a aorta ascendente, é uma emergência cirúrgica com uma mortalidade que aumenta exponencialmente a cada hora. Em geral está associada com tamponamento cardíaco, isquemia miocárdica (devido à dissecção das artérias coronárias) e insuficiência aórtica aguda. Os sintomas podem envolver síncope, sequelas como as do acidente vascular encefálico e dor torácica. As dissecções do tipo B envolvem a aorta distal à artéria subclávia esquerda e podem ser manejadas clinicamente, a não ser que os sintomas (dor nas costas, dor abdominal ou fenômenos embólicos ou isquêmicos) persistam ou ocorra falência de órgãos-alvo. A terapia clínica foca a redução da tensão na parede da aorta e o controle da frequência cardíaca e da pressão arterial com ␤-bloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio não hidropiridínicos (2). Embora a tomografia computadorizada helicoidal contrastada seja o padrão-ouro para o diagnóstico, o ETE pode ser usado para confirmar o diagnóstico em pacientes instáveis nos quais é necessária cirurgia imediata. Do mesmo modo, o ETE tem um papel importante no diagnóstico de patologias concomitantes como insuficiência aórtica, tamponamento e insuficiência ventricular esquerda. Contudo, o ETE não pode fornecer uma imagem confiável da aorta ascendente distal e do arco aórti-

Capítulo 35 TABELA 35.3

Anestesia para cirurgia cardíaca

675

Dissecção aórtica aguda: metas hemodinâmicas

Pré-carga

Pode estar aumentada se IA aguda aumenta mais no tamponamento

Pós-carga

Diminui com os anestésicos, analgésicos, dilatadores arteriais (nitroprussiatos, nicardipina): manter a PA sistólica < 100-120 mmHg

Contratilidade

Pode estar deprimida; titular os depressores miocárdicos cuidadosamente

Frequência

Diminuir para < 60-80 bpm: usar ␤-bloqueadores; garantir que a contratilidade seja adequada

Ritmo . MVO2

Se houver fibrilação atrial: controlar a resposta ventricular

CEC

Alternar o local da canulação de entrada (arterial); possível parada circulatória hipotérmica profunda se os vasos cerebrais estiverem envolvidos

Comprometido se a dissecção aórtica envolver os vasos coronários

. IA, insuficiência aórtica; PA, pressão arterial; bpm, batimentos por minuto; MVO2, consumo de oxigênio miocárdico; CEC, circulação extracorpórea. De Skubas NJ, Lichtman AD, Sharma A, et al. Anesthesia for cardiac surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, com permissão.

co proximal. Pacientes com dissecção do tipo A requerem a colocação de um reparo aórtico e podem necessitar da substituição da valva da aorta e reconexão das artérias coronárias ou vasos do arco, dependendo da localização da dissecção. O manejo anestésico para a dissecção aórtica envolve prevenção de hipertensão, acesso intravenoso adequado, incluindo acesso venoso central, monitoração invasiva da pressão arterial (geralmente por meio da artéria radial direita) e ETE intraoperatório. As metas hemodinâmicas são listadas na Tabela 35.3.

B. Aneurisma aórtico A aorta é uma estrutura elástica que altera sua forma em cada contração cardíaca. O seu diâmetro normal é de 2 a 3 cm. Doenças degenerativas, juntamente com a idade, hipertensão, hipercolesterolemia e aterosclerose, causam perda prematura da sua elasticidade e são causas importantes de aneurismas da aorta. Doenças do tecido conectivo, como a síndrome de Marfan, causam necrose cística média, envolvendo principalmente a raiz da aorta. Homens são mais afetados do que mulheres, e a idade de apresentação é 50 a 70 anos (3). A maioria das pessoas com aneurisma de aorta é assintomática quando diagnosticada, a não ser que haja insuficiência aórtica significativa ou efeito de massa por compressão das estruturas próximas como a traqueia ou o esôfago (rouquidão, tosse, disfagia). Pacientes com um diâmetro aórtico de 5,5 cm ou mais devem ser submetidos a reparo cirúrgico. Em pacientes com síndrome de Marfan ou uma válvula da aorta bicúspide, o reparo cirúrgico está indicado quando o diâmetro aórtico atinge 4,5 cm, pois, nessas doenças, a velocidade de expansão do aneurisma é mais rápida do que em outras doenças. O reparo aórtico com ou sem implante da coronária e substituição da valva aórtica pode ser necessário em pacientes com aneurisma da raiz. O envolvimento dos grandes vasos pode requerer a parada circulatória hipotérmica profunda para reconstrução do arco aórtico. Procedimentos de proteção cerebral, como a perfusão cerebral retrógrada ou anterógrada, também podem ser usados para prover efeitos hipotérmicos de proteção nos tecidos cerebrais, eliminar toxinas e reduzir a taxa metabólica cerebral. Os efeitos protetores cerebrais são controversos, e os resultados têm sido confusos (4). O bypass do coração

Um diâmetro aórtico de > 5,5 cm é uma indicação para reparo cirúrgico.

676

Fundamentos de anestesiologia clínica esquerdo, a partir do átrio esquerdo para a artéria femoral, pode prover a perfusão aórtica retrógrada para ramos aórticos distais ao reparo para perfundir a coluna e o abdome. O manejo anestésico para pacientes com aneurismas aórticos é similar ao de pacientes com dissecção aórtica. Os drenos de líquido espinal, para aperfeiçoar a pressão de perfusão espinal durante o reparo da aorta torácica, são usados em alguns centros, mas não em outros. A ETE intraoperatória é recomendada para orientar o manejo hemodinâmico, a canulação arterial e venosa e a avaliação pré e pós-reparo.

IV. Circulação extracorpórea

VÍDEO 35.3 Circulação extracorpórea

A máquina de circulação extracorpórea (CEC) é composta por quatro partes básicas: cânulas venosa e arterial para tirar e trazer sangue do coração, um reservatório venoso para coletar e armazenar transitoriamente o sangue drenado do coração, um oxigenador de membrana para trocar dióxido de carbono e oxigênio e uma bomba para impulsionar o sangue de volta para o coração. A cânula e o oxigenador são preparados com aproximadamente 800 a 1500 mL de solução, que se aproxima da osmolaridade plasmática normal. Quando a circulação extracorpórea (CEC) é iniciada, esse volume preparado causa súbita hemodiluição do volume de sangue circulante do paciente e hipotensão transitória. O sangue é drenado do corpo por meio de uma cânula venosa de múltiplos orifícios, que é colocada no átrio direito e esvazia o sangue das veias cavas superior e inferior e átrio direito. A drenagem venosa por meio dessa cânula ocorre passivamente por gravidade e é dependente da posição adequada da cânula e de uma diferença em altura do coração até o reservatório venoso. Dentro do reservatório venoso, o sangue passa por um oxigenador de membrana semipermeável para troca de dióxido de carbono e oxigênio. A fração inspirada de oxigênio, a temperatura, a velocidade de fluxo do gás inspirado e a administração de agentes voláteis podem ser controlados pela máquina de CEC. Depois de o sangue sair do oxigenador, uma bomba de rolamento ou centrífuga impulsiona o sangue por meio da cânula arterial para a aorta ascendente proximal para perfusão sistêmica. A Figura 35.2 ilustra o circuito básico de circulação extracorpórea. A CEC requer a anticoagulação sistêmica, que geralmente é obtida por um único bólus intravenoso de 300 U/kg de heparina. A anticoagulação é crítica para prevenir a ativação da cascata de coagulação e a formação de coágulos na máquina de CEC devido à exposição de sangue ao circuito de CEC. Os tempos de coagulação ativados

Aspiração coronariana Abertura de VE Reservatório

Filtro auxiliar

Paciente

Retorno arterial

Filtro de acesso arterial (Via artéria femoral ou aorta)

Retorno venoso (Via AD ou VCS e VCI) Oxigenador

Bomba de rolamento

Troca de calor

FIGURA 35.2 Circuito básico para circulação extracorpórea. VE, ventrículo esquerdo; AD, átrio direito; VCS, veia cava superior; VCI, veia cava inferior. (De Skubas NJ, Lichtman AD, Sharma A, et al. Anesthesia for cardiac surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1076, com permissão.)

Capítulo 35

Anestesia para cirurgia cardíaca

677

(TCAs) são verificados para confirmar a anticoagulação adequada (TCA > 400 segundos) antes e durante a CEC.

A. Proteção miocárdica A proteção miocárdica é obtida por meio de dois mecanismos: (a) a administração de uma solução de cardioplegia para parar, silenciar eletricamente e resfriar o coração e (b) a remoção de sangue do coração para minimizar a tensão da parede. A solução de cardioplegia é uma solução sanguínea fria ou tépida, com alto conteúdo de potássio, fornecida às coronárias para reduzir o consumo de oxigênio do miocárdio. Ela pode ser fornecida de forma anterógrada por meio de uma cânula colocada na raiz aórtica proximal. Contudo, na presença de insuficiência aórtica, estenose coronariana grave ou cirurgia valvar, a cardioplegia é fornecida de forma retrógrada colocando-se uma cânula no seio coronário através do átrio direito. Uma cânula adicional pode ser necessária para remover qualquer ar ou sangue que se colecione no VE vindo da circulação brônquica ou do seio coronariano durante a CEC. Isso é crítico para prevenir dilatação do coração resultando em elevada tensão da parede e isquemia miocárdica. A perda de sangue cirúrgico durante a CEC é retornada para o reservatório venoso por meio de cânula de aspiração e um reservatório de “cardiotomia”.

V. Manejo pré-operatório e intraoperatório A avaliação pré-operatória de pacientes cirúrgicos cardíacos inclui elementos essenciais necessários para todos os pacientes cirúrgicos (ver Cap. 16). Além disso, a revisão de estudos cardíacos (ECG, ecocardiografia e dados do cateterismo cardíaco), valores laboratoriais de hemoglobina, glicose e função renal e o estado funcional permitem o planejamento detalhado do manejo anestésico, incluindo a conveniência da extubação precoce após a cirurgia.

A. Terapia medicamentosa atual Em geral, a maioria das medicações em uso deve ser continuada até o momento da cirurgia, incluindo ␤-bloqueadores, anti-hipertensivos, antiarrítmicos, bloqueadores dos canais de cálcio, nitratos, estatinas e ácido acetilsalicílico (AAS). A administração de insulina deve ser adequada para prevenir hiper ou hipoglicemia.

B. Pré-medicação

A maioria das medicações em uso deve ser continuada até o momento da cirurgia, incluindo ␤-bloqueadores, anti-hipertensivos, antiarrítmicos, bloqueadores dos canais de cálcio, nitratos, estatinas e AAS.

Os ansiolíticos podem ser administrados em pacientes hemodinamicamente estáveis com boa função ventricular esquerda e estímulo respiratório subjacentes. Deve-se ter cautela em pacientes com insuficiência cardíaca, insuficiência respiratória, hipertensão pulmonar ou lesões valvares obstrutivas significativas. Os benzodiazepínicos podem produzir sedação prolongada em pacientes idosos e prevenir a extubação pós-operatória precoce.

C. Monitoração A monitoração hemodinâmica é discutida no Capítulo 15. Esta seção irá abordar técnicas específicas para o paciente cirúrgico cardíaco. A monitoração direta da pressão arterial é essencial. Durante a CEC, técnicas não invasivas não irão funcionar, pois o fluxo sanguíneo não é pulsátil. Geralmente, a artéria radial da mão não dominante é canulada com esse objetivo, exceto quando essa artéria for usada para cirurgia de revascularização do miocárdio. O acesso venoso central é necessário para infusão de fármacos vasoativos e monitoração da pressão do átrio direito. O cateter da artéria pulmonar ou o ETE pode monitorar pressões pulmonares, pressões de enchimento do ventrículo esquerdo e débito cardíaco. O uso dessas técnicas é dependente de práticas da instituição e da

O fluxo sanguíneo durante a CEC não é pulsátil e, portanto, a pressão arterial durante a CEC não pode ser medida com técnicas não invasivas.

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Fundamentos de anestesiologia clínica preferência do médico e varia amplamente. Um estudo recente sobre padrões de prática de anestesiologistas cardíacos mostrou que 67% usam o ETE em cirurgia de revascularização do miocárdio, com números ainda maiores relatados para cirurgia valvar (5). O ETE fornece informações detalhadas, como novas anormalidades da movimentação da parede, anormalidades valvares, orientação da colocação da cânula, detecção de ar intracardíaco e função da valva prostética. Alguns centros usam oxímetros cerebrais, uma técnica não invasiva que emprega espectrofotometria no infravermelho-próximo (NIRS, do inglês near infrared spectometry) para monitorar a perfusão cerebral.

D. Seleção de fármacos anestésicos Estudos sobre resultados não demonstraram o agente anestésico ideal para pacientes que se submetem à cirurgia cardíaca. Comumente, um agente anestésico volátil e doses baixas a moderadas de um narcótico são usadas de forma combinada. O agente volátil reduz a demanda de oxigênio miocárdico por reduzir a pressão arterial e a contratilidade, diminui a probabilidade de consciência durante a cirurgia e, possivelmente, fornece proteção contra lesão cardíaca isquêmica por meio de um mecanismo de precondicionamento. O narcótico reduz a demanda de oxigênio por diminuir a frequência cardíaca e fornecer analgesia pós-operatória. Além disso, ele diminui a dose necessária do agente volátil, potencialmente importante em pacientes com função ventricular deprimida. Essa anestesia “balanceada” é ideal se a meta for extubar o paciente precocemente após a cirurgia (6). O óxido nitroso com frequência é evitado porque pode aumentar a pressão na artéria pulmonar e expandir as cavidades aéreas e causar embolia aérea. Técnicas com narcóticos em altas doses e benzodiazepínicos raramente são praticadas hoje porque técnicas “fast-track” (extubação dentro de seis horas após a cirurgia) são seguras e custo-eficazes. Os narcóticos e os benzodiazepínicos, quando usados concomitantemente para indução da anestesia, podem causar hipotensão e bradicardia. Esses efeitos podem ser compensados com o pancurônio, mas podem ser piorados pela administração de vecurônio ou cisatracúrio. Etomidato, propofol e barbitúricos têm sido descritos como agentes adjuntos juntamente com narcóticos e benzodiazepínicos de ação rápida para indução. A seleção de um agente em relação a outro depende da função ventricular subjacente do paciente e do tônus vascular. Em geral, o etomidato é escolhido para indução de anestesia devido a seus limitados efeitos na hemodinâmica. Todavia, nos raros pacientes com insuficiência suprarrenal subjacente, ele pode piorar a função suprarrenal.

E. Manejo intraoperatório Além das preparações usuais na sala de cirurgia, a sala de operações cardíacas requer outras preparações consideráveis para cuidados intraoperatórios do paciente: aquecedores de líquidos, transdutores de pressão para cateteres venosos centrais, arteriais e de artéria pulmonar (quando usados), infusões de inotrópicos, vasodilatadores e vasopressores e bombas de infusão para outras medicações. Sangue tipado e cruzado deve estar disponível para uso imediato e verificado para identificação correta do paciente antes da esternotomia cirúrgica. Mesmo em um ambiente preparado, a colocação de um paciente hemodinamicamente instável em CEC de emergência leva um mínimo de 15 a 20 minutos. A preparação e a lista de verificação, como encontrado na Tabela 35.4, são a chave para ajudar a prevenir erros graves. Durante a fase de dissecção da cirurgia antes da CEC, arritmias e hipotensão são comuns, resultando de manipulações cirúrgicas próximas ao coração ou no coração, especialmente em reoperações cardíacas. Durante esse tempo, o anestesiologista titula a profundidade anestésica como necessária para o nível altamente variável de estimulação cirúrgica, realiza o exame basal do ETE e coleta amostras de sangue arterial para determinação dos valores dos gases arteriais, bem como dos eletrólitos, hemo-

Capítulo 35 TABELA 35.4

Anestesia para cirurgia cardíaca

Preparação anestésica para cirurgia cardíaca

Aparelho de anestesia Verificação de rotina Vias aéreas Cânula nasal para oxigênio Equipamento para ventilação/intubação Aspiração Via aérea difícil antecipada? Equipamento especial Umidificador de gás inspirado Acesso circulatório Cateteres para acesso arterial e venosos central e periférico Bombas e equipos de infusão e líquidos intravenosos Aquecedor de líquidos Monitores Padrão ASA: Cabos de ECG, manguito de pressão arterial, oxímetro de pulso, monitor de bloqueio neuromuscular Temperatura: várias sondas (nasal, timpânica, vesical, retal) Transdutores (arterial, pulmonar e de pressão venosa central) zerados Computador de débito cardíaco: Constante apropriada inserida Monitor de consciência (BIS) Monitor de anticoagulação (TCA) Gravador Medicações Anestésicos gerais: Hipnóticos/indutores, amnésticos/benzodiazepínicos, voláteis, opioides, relaxantes musculares Heparina (pré-aspirada) Cardioativos Nas seringas: Nitroglierina/nicardipina, cloreto de cálcio, fenilefrina/efedrina, adrenalina Infusões: Nitroglicerina, inotrópicos Antibióticos Miscelânea Marca-passo com bateria Desfibrilador/cardioversor com pás externas e cabos de ECG Sistema de ultrassonografia para inserção de acesso venoso central Sangue compatível na sala de operação ASA, American Society of Anesthesiologists; ECG, eletrocardiograma; BIS, índice biespectral; TCA, tempo de coagulação ativado. De Skubas NJ, Lichtman AD, Sharma A, et al. Anesthesia for cardiac surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, com permissão.

globina e TCA basal. A esternotomia pode causar estimulação simpática significativa, que pode ser prevenida com o aprofundamento do nível da anestesia com narcóticos ou com o agente volátil. Antes da canulação aórtica e iniciação da CEC, a heparina é administrada, devendo ser obtido um TCA > 400 minutos para confirmar uma anticoagulação adequada. Durante a canulação aórtica e antes do início da circulação extracorpórea, a pressão arterial sistólica deve ser controlada para não mais de 100 mmHg para minimizar o risco de dissecção aórtica. Quando a cânula estiver no lugar e a anticoagulação adequada for confirmada, a CEC é iniciada. A cabeça do paciente deve ser examinada para qualquer descoloração que sinalize mau posicionamento da cânula (a pletora pode representar obstrução da cânula venosa ou uma cor vermelho-

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Fundamentos de anestesiologia clínica -vivo pode representar mau posicionamento de cânula aórtica), a oximetria cerebral deve ser monitorada (quando usada) e o campo cirúrgico deve ser inspecionado para a descompressão cardíaca adequada. A ventilação deve ser suspensa quando a máquina de circulação extracorpórea atingir o fluxo total, que geralmente é 50 a 60 mL/kg/min. Durante a CEC, os anestésicos voláteis ou intravenosos são fornecidos no circuito de circulação extracorpórea para manter a anestesia. Os relaxantes musculares devem ser continuados, e a pressão arterial média deve ser controlada em uma faixa de 50 a 75 mmHg com o uso de um agente volátil, vasopressor ou vasodilatador. O suporte vasopressor ou inotrópico pré-operatório é descontinuado durante a CEC. A glicose sanguínea deve ser controlada na faixa de 120 a 200 mg/dL, e o hematócrito, mantido > 20%.

F. Separação da circulação extracorpórea A CEC pode ser descontinuada quando a hemostasia cirúrgica for adequada, o paciente estiver aquecido a pelo menos 36,5 ˚C, o ritmo sinusal for restaurado a uma frequência entre 70 e 100 batimentos por minuto, a ventilação mecânica retomada e os valores metabólicos corrigidos, incluindo um pH > 7,35, o hematócrito > 20% e o potássio sérico < 6 mEq/L. À medida que o fluxo arterial da máquina de CEC é reduzido, a drenagem venosa do paciente é restrita para permitir que o coração produza débito cardíaco e pressão arterial. Quando esses estão adequados, a CEC é terminada.

TABELA 35.5 Lista de verificação antes da separação da circulação extracorpórea Valores laboratoriais Hematócrito, GA K+:? elevado (cardioplegia) Ca2+ ionizado Anestésicos/máquina Complacência pulmonar: avaliar (ventilação manual) Os pulmões estão expandidos, sem atelectasia, ambos estão ventilados (manual ou mecânica) Vaporizadores: desligados Alarmes: desligados Monitores Normotermia (37 ˚C nasofaríngea, 35,5 ˚C vesical, 35 ˚C retal) ECG: frequência, ritmo, ST Transdutores zerados novamente e nivelados Pressões de enchimento e arterial Gravador (se disponível) Paciente/campo OBSERVAR O CORAÇÃO! Não ventilado: verificar a derivação II, ETE Estimativa visual da contratilidade, tamanho, ritmo Saída de VE clampeada/removida, laçadas cavais liberadas Sangramento: Nenhum local importante (enxertos, linhas de sutura, local das conexões) Resistência vascular: Fluxo CEC ⬀ PAM ÷ Resistência Suporte Como necessário GA, gasometrial arterial; ECG, eletrocardiograma; ETE, ecocardiografia transesofágica; VE, ventrículo esquerdo; CEC, circulação extracorpórea; PAM, pressão arterial média. De Skubas NJ, Lichtman AD, Sharma A, et al. Anesthesia for cardiac surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, com permissão.

Capítulo 35

Anestesia para cirurgia cardíaca

Durante esse tempo, a pressão arterial é monitorada de perto, e o ETE é realizado para investigar a presença de ar intracardíaco e anormalidades na movimentação da parede ventricular, no enchimento e na ejeção ventricular. Os fármacos vasoativos e inotrópicos podem ser necessários para obter hemodinâmica e perfusão adequadas. Estudos têm mostrado que os fatores de risco para dificuldade no desmame da circulação extracorpórea incluem a idade > 70 anos, fração de ejeção ventricular esquerda 25% de estenose carotídea, e o acidente vascular encefálico permanece sendo a principal causa de incapacidade e a terceira causa de morte nos Estados Unidos. A doença arterial periférica (DAP) pode causar claudicação por isquemia dos membros (2% de prevalência em indivíduos senescentes). A doença aórtica aterosclerótica pode levar a aneurisma da aorta abdominal (AAA), dissecção aórtica, ateroembolia periférica, úlcera aórtica penetrante e hematoma intramural. A aterosclerose coronariana que leva ao IM é a principal causa de morte e incapacidade em todo o mundo.

Aproximadamente 30 a 40 milhões de pessoas nos Estados Unidos têm doença arterial periférica.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Doença arterial coronariana 44,6%

8,4%

Doença da artéria cerebral 16,6%

1,6% 1,2% 4,7% DAP 4,7%

FIGURA 36.1 Sobreposição típica na doença vascular que afeta diferentes territórios. Baseada nos dados REACH. DAP, doença arterial periférica. (De Smaka TJ, Miller TE, Hutchens MP, et al. Anesthesia for vascular surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1114.)

C. Tratamento clínico da aterosclerose O manejo das doenças sistêmicas contribuintes, como a hipertensão (usando anti-hipertensivos como os ␤-bloqueadores), hiperlipidemia (usando estatinas ou outros agentes liporredutores), diabetes (usando agentes hipoglicemiantes orais ou terapia insulínica) e obesidade (por meio de exercício, perda de peso e dieta), pode retardar significativamente a progressão da aterosclerose e pode reduzir a morbidade e a mortalidade perioperatórias após cirurgia vascular. O tratamento com estatinas reduz a progressão e pode causar regressão de placas ateroscleróticas, melhorar a função endotelial e reduzir eventos cardiovasculares. A terapia crônica com ácido acetilsalicílico, inibidores da enzima de conversão da angiotensina e especialmente a cessação do tabagismo mostraram reduzir significativamente ou reverter a progressão de aterosclerose. A maioria dos tratamentos clínicos, incluindo estatinas, ácido acetilsalicílico e ␤-bloqueadores, deve ser continuada por todo o período perioperatório para reduzir o risco de eventos cardiovasculares perioperatórios (Tab. 36.1).

II. Doenças crônicas e manejo dos pacientes submetidos à cirurgia vascular O paciente submetido à cirurgia vascular provavelmente tem doença vascular sistêmica complicada por problemas clínicos como doença coronariana, hipertensão sistêmica, hiperlipidemia, diabetes, obesidade e tabagismo.

A. Doença da artéria coronária em pacientes com doença vascular periférica Cerca de 25% dos pacientes submetidos à cirurgia vascular têm doença arterial coronariana (DAC) severa. A American Heart Association e outras sociedades publicaram diretrizes para avaliação e manejo cardíaco antes de cirurgia não cardíaca (Fig. 36.2) (1).

B. Revascularização coronariana pré-operatória Até 25% dos adultos que se apresentam para cirurgia vascular têm doença grave das artérias coronárias.

O estudo Coronary Artery Revascularization Prophylaxis (Revascularização de Artéria Coronariana Profilática) randomizou pacientes com doença coronariana antes de cirurgia vascular eletiva para revascularização coronariana ou para terapia clínica e não encontrou benefício na revascularização coronariana quando a terapia clínica agressiva (incluindo ␤-bloqueadores, ácido acetilsalicílico e estatinas) foi instituída. A revascu-

Capítulo 36 TABELA 36.1

Anestesia para cirurgia vascular

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Terapia clínica, efeitos colaterais e recomendações atuais

Medicações/Classe de fármaco Efeitos colaterais

Recomendações perioperatórias

Ácido acetilsalicílico

Inibição das plaquetas pode levar ao aumento do sangramento Diminuição da TFG

Continuar até o dia da cirurgia, especialmente para casos de doença carotídea e vascular periférica. Monitorar líquidos e débito urinário.

Clopidogrel

Inibição das plaquetas pode levar ao Suspender por sete dias antes da cirurgia, exceto se aumento do sangramento EAC e DAC graves ou SLF. Raros casos de púrpura trombocitopêni- Realizar prova cruzada (cross match). ca trombótica Evitar anestesia neuroaxial se não for suspenso por pelo menos sete dias.

Inibidores da HMG CoA redutase (estatinas)

Anormalidades nos testes de função hepática Rabdomiólise

Avaliar os testes de função hepática. Continuar durante a manhã da cirurgia e reiniciar logo que possível após a cirurgia. Verificar a CPK se houver mialgias.

␤-bloqueadores

Broncoespasmo Hipotensão Bradicardia, bloqueio cardíaco Indução de hipotensão Tosse

Continuar durante o período perioperatório.

Inibidores da ECA

Indução de hipotensão Tosse

Continuar durante o período perioperatório. Considerar metade da dose no dia da cirurgia.

Diuréticos

Hipovolemia Anormalidades eletrolíticas

Continuar na manhã da cirurgia. Monitorar líquidos e débito urinário.

Bloqueadores dos canais de cálcio.

Hipotensão perioperatória (especialmente com amlodipina)

Continuar durante o período perioperatório. Considerar a suspensão da amlodipina no dia da cirurgia.

Hipoglicemiantes orais

Hipoglicemia intraoperatória e perioperatória Acidose láctica com a metformina

Quando exequível, trocar para insulina perioperatória. Monitorar a glicemia no intraoperatorio e no perioperatório.

TFG, taxa de filtração glomerular; EAC, endarterectomia carotídea; DAC, doença arterial coronariana; SLF, stent farmacológico; HMG CoA, 3-hidroxi3-metil-glutaril-CoA redutase; ECA, enzima de conversão da angiotensina; CPK, creatina fosfoquinase. Adaptado de Morgan GE, Mikhail MS, Murray MJ, eds. Clinical Anesthesiology. 4th ed. New York: Lange Medical Books/McGraw-Hill, 2006.

larização pode, portanto, ter mínimo valor na prevenção de eventos coronarianos após cirurgia vascular, exceto em pacientes nos quais a revascularização é indicada para síndrome coronariana aguda. Se for colocado um stent coronário, a cirurgia eletiva deve ser postergada: para stents metálicos descobertos, um mínimo de seis semanas de terapia dupla antiplaquetária (TDAP), e para stents farmacológicos, 12 meses (ou mais) de TDAP (2). O ácido acetilsalicílico é recomendado indefinidamente para prevenir a trombose do stent. Com o advento de novos stents, o tempo necessário de TDAP e de adiamento da cirurgia provavelmente irá evoluir.

III. Outros problemas clínicos em pacientes submetidos à cirurgia vascular Além das comorbidades comuns conhecidas, como DAC, hipertensão sistêmica, hiperlipidemia, diabetes, obesidade e tabagismo, o paciente vascular pode ter outras con-

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Fundamentos de anestesiologia clínica

* Ver seções 2.2, 2.4 e 2.5 do artigo original (http://content.onlinejacc.org/ article.aspx?article=1893784) para recomendações para pacientes com insuficiência cardíaca sintomática, doença cardíaca valvar ou arritmias.

Paciente agendado para cirurgia com fatores de risco conhecidos para DAC (passo 1)

Emergência

Sim

†No artigo original, ver recomendações de práticas clínicas para angina instável/ infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST (NSTEMI)

Estratificação de risco clínico e prosseguir para a cirurgia

Não

SCA† (passo 2)

Sim

Avaliar e tratar de acordo com TMGD

Não Risco perioperatório estimado de MACE com base no risco combinado clínico/cirúrgico (passo 3)

Sem exames adicionais (Classe IIa) Excelente (> 10 METs)

Baixo risco (< 1%) (passo 4)

Risco elevado (passo 5)

Capacidade funcional moderada ou alta (≥ 4 METs) Moderada/Boa

Prosseguir para a cirurgia

(≥ 4–10 METs) Nenhum exame adicional (Classe III NB)

Prosseguir para a cirurgia

Não ou desconhecida

Capacidade funcional baixa (< 4 METs) OU desconhecida: Exames adicionais influenciarão na tomada de decisão OU nos cuidados perioperatórios? (passo 6)

Não Prosseguir para cirurgia de acordo com TMGM OU estratégias alternativas (tratamento não invasivo ou paliativo) (passo 7)

Nenhum teste adicional (Classe IIb)

Sim

Teste de estresse farmacológico (Classe IIa)

Se normal

Se anormal

Revascularização coronariana de acordo com RTCs existentes (Classe I)

FIGURA 36.2 Abordagem escalonada da avaliação cardíaca perioperatória para doença arterial coronariana. As diretrizes do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) pedem a avaliação escalonada do risco cardíaco levando em consideração fatores de risco cardíaco do paciente, capacidade funcional e procedimento cirúrgico planejado. Ver a Figura 16.1 e as legendas para detalhes. AI, angina instável; IMSEST, infarto do miocárdico sem elevação do segmento ST; RTCs, recomendações de tratamento clínico; SCA, síndrome coronariana aguda; TMGM: terapia medicamentosa guiada por metas; MACE, evento cardíaco adverso maior; METs, equivalentes metabólicos (do inglês metabolic equivalent). (De Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA Guideline on Perioperative Cardiovascular Evaluation and Management of Patients Undergoing Noncardiac Surgery: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. J Am CollCardiol. 2014;():. doi:10.1016/j. jacc.2014.07.944. Disponível em http:mentecontent.onlinejacc.org/article.aspx? articleid=1893784. Página 30 de 105).

Capítulo 36

Anestesia para cirurgia vascular

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dições não diagnosticadas, incluindo estados de hipercoagulação, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, apneia do sono e outras. Se a cirurgia for eletiva, o manejo pré-operatório deve se concentrar na otimização de todas as condições crônicas do paciente, um processo que não pode ser concluído se o paciente se apresentar apenas na manhã da cirurgia.

IV. Proteção de órgãos em cirurgia vascular Muitos procedimentos vasculares envolvem a oclusão do fluxo sanguíneo por meio da aplicação de pinças, shunts (que fornecem fluxo com uma pressão de perfusão mais baixa) ou desvios (bypasses), que dirigem o fluxo de uma região bem-perfundida para uma região com pouca perfusão. Portanto, órgãos vitais podem sofrer isquemia de duração variável.

A. Lesão de isquemia-reperfusão em pacientes de cirurgia vascular: conceitos fundamentais A redução ou interrupção do fluxo sanguíneo (isquemia) compromete o fornecimento de oxigênio, glicose e outros nutrientes essenciais para o metabolismo aeróbio e, assim, diminuem a geração de trifosfato de adenosina. Quando o trifosfato de adenosina está completamente depletado, os processos celulares falham e a integridade celular é perdida (lesão isquêmica). A duração da isquemia se correlaciona diretamente com o grau de lesão celular. Além disso, os produtos tóxicos do metabolismo anaeróbio se acumulam em regiões de fluxo baixo ou sem fluxo durante o período isquêmico. Na restauração do fluxo e recomeço do fornecimento de nutrientes, ocorre dano adicional pela geração de espécies tóxicas de oxigênio, liberação de aminoácidos citotóxicos, up-regulation da enzima óxido nítrico sintase e iniciação de apoptose celular. Além disso, os subprodutos tóxicos do metabolismo anaeróbio são liberados na circulação sistêmica, causando anormalidades eletrolíticas, pressão arterial lábil, alterações na resistência vascular sistêmica e, potencialmente, desequilíbrio acidobásico grave.

B. Prevenção de lesão miocárdica A cirurgia vascular pode resultar em alterações dramáticas na pressão arterial, especialmente durante procedimentos que requerem clampeamento aórtico. (Ver Cap. 35 para uma maior discussão sobre o suprimento e demanda de oxigênio miocárdico, bem como as técnicas de monitoração e tratamento de isquemia miocárdica.)

C. Prevenção de lesão renal A insuficiência renal aguda (IRA) pós-operatória resulta em uma maior permanência hospitalar e morbidade e mortalidade significativas. A doença renal, a doença cardíaca e especialmente a isquemia renal subjacente contribuem para o seu desenvolvimento: 15% de incidência de IRA com o clampeamento transverso aórtico suprarrenal e 5% com o clampeamento transverso infrarrenal. Os fatores de risco adicionais podem incluir idade avançada, hipovolemia e anemia. Logicamente, minimizar o tempo de isquemia renal e manter uma hemodinâmica adequada são medidas importantes para preservar a função renal. Contudo, atualmente não há estratégia clinicamente comprovada para minimizar o risco de insuficiência renal e IRA pós-operatórias.

D. Prevenção de complicações pulmonares Mais e mais procedimentos vasculares são feitos por meio de técnicas minimamente invasivas ou endovasculares para as quais as complicações pulmonares pós-operatórias devem ser mínimas. Contudo, em pacientes que requerem procedimentos cirúrgicos aber-

VÍDEO 36.1 Shunt da carótida

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Durante endarterectomia carotídea, êmbolos do local cirúrgico são a causa mais comum de acidente vascular encefálico.

tos, especialmente procedimentos aórticos, as complicações pulmonares significativas são um risco real devido a grandes trocas volêmicas e lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão. Além disso, a dor das grandes incisões pode comprometer a respiração e a tosse. As instituições manejam esses desafios de forma diferente, mas a minimização das transfusões e a otimização da analgesia pós-operatória são formas estabelecidas de melhorar os resultados. Após endarterectomia carotídea, o corpo carotídeo do lado operado é desnervado, e isso atenua a resposta ventilatória à hipoxemia e praticamente elimina essa resposta após endarterectomia carotídea bilateral. O sangramento pós-operatório no local cirúrgico após endarterectomia carotídea pode distorcer, comprimir ou ocluir a traqueia rapidamente, demandando drenagem de emergência do hematoma causal.

E. Proteção do sistema nervoso central e da medula espinal A complicação mais urgente e potencialmente devastadora da endarterectomia carotídea é a formação de coágulos no local cirúrgico e o tromboembolismo associado com a circulação cerebral.

Em pacientes de cirurgia vascular, a lesão neurológica é mais comum após endarterectomia carotídea (acidente vascular encefálico) e procedimentos aórticos torácicos (paraplegia). Durante endarterectomia carotídea, êmbolos do local cirúrgico são a causa mais comum de acidente vascular encefálico. Contudo, a hipoperfusão do cérebro no local cirúrgico pode ocorrer durante o clampeamento carotídeo se a perfusão pelo círculo de Willis ou o shunt cirúrgico em torno do local do clampeamento da carótida for inadequado. Nos procedimentos aórticos torácicos, o comprometimento do suprimento vascular da medula, especialmente da artéria de Adamkiewicz, é um risco importante. Para estratégias para melhorar o desfecho neurológico, consulte os capítulos subsequentes sobre procedimentos específicos (Fig. 36.3). Infelizmente, nenhuma intervenção farmacológica se mostrou benéfica.

V. Endarterectomia carotídea A. Manejo da estenose carotídea assintomática O rastreamento de pacientes assintomáticos para estenose carotídea não é recomendado, pois a endarterectomia carotídea (EAC) é benéfica apenas para um grupo muito seleto de pacientes assintomáticos e apenas se o risco esperado de AVE for menor com EAC do que sem ela (3).

B. Manejo da estenose carotídea sintomática O reparo endovascular dos aneurismas aórticos se tornou uma opção de tratamento de primeira linha.

Os sintomas de estenose da artéria carótida incluem perda súbita da visão unilateral (amaurose fugaz) e alterações unilaterais na função motora, disartria e afasia. Esses sintomas requerem avaliação urgente e tratamento para minimizar o risco de dano neurológico permanente. Se realizado com habilidade, a EAC é eficaz na redução desse risco em pacientes sintomáticos com estenose carotídea de grau moderado e alto.

C. Avaliação pré-operatória e preparação para endarterectomia carotídea A avaliação pré-operatória de pacientes para cirurgia vascular inclui os elementos essenciais necessários para todos os pacientes cirúrgicos (ver Cap. 16). A EAC é definida pelo American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) como um procedimento de risco intermediário, com a possibilidade de morte cardíaca ou IM não fatal sendo < 5 % (1). O algoritmo da ACC/AHA define uma abordagem baseada em evidências à avaliação pré-operatória (Fig. 36.2). Se o manejo clínico pré-operatório com fármacos anticoagulantes ou antiplaquetários não controla os sintomas de estenose carotídea, a EAC é urgente. O controle pré-operatório da hipertensão é controversa especialmente se a estenose carotídea for grave ou bilateral. A redução súbita na pressão arterial deve ser evitada.

Capítulo 36

Anestesia para cirurgia vascular

A. basilar

A. vertebral A subclávia

Colateral

A. de Adamkiewicz

FIGURA 36.3 A artéria de Adamkiewicz geralmente se origina ao nível de T11–T12 e provê o suprimento sanguíneo para a medula espinal inferior. Sua localização variável e a incerteza de suprimento sanguíneo colateral adicional explicam, em parte, a imprevisibilidade da paraplegia que segue a cirurgia da aorta descendente. (De Smaka TJ, Miller TE, Hutchens MP, et al. Anesthesia for vascular surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1122.)

D. Monitoração e preservação da integridade neurológica A monitoração da isquemia cerebral durante a EAC é controversa. Alguns centros advogam a administração de anestesia regional, justificando que o paciente acordado pode relatar alterações neurológicas de forma mais confiável. Outros defendem a anestesia geral para garantir um campo cirúrgico imóvel e baseiam-se no eletrencefalograma contínuo, potenciais evocados somatossensoriais, Doppler transcraniano ou oximetria cerebral. Cada método tem suas limitações e desafios, e nem a anestesia regional nem a geral forneceram desfechos neurológicos melhores. Com qualquer técnica, se houver sinais de isquemia cerebral, a pressão arterial deve ser normalizada (geralmente ao nível basal do paciente acordado) ou deve ser colocado um shunt, se não houver um em uso.

E. Manejo anestésico para cirurgia eletiva Nenhuma abordagem anestésica se mostrou melhor para pacientes submetidos a EAC. Tanto a anestesia regional quanto a geral são usadas com segurança (4). Com qualquer abordagem, o paciente deve estar acordado e cooperativo ao final do procedimento para avaliação neurológica continuada. Devido à incidência muito alta de doença arterial coronariana (DAC) e doença cardíaca hipertensiva nessa população de pacientes, o etomidato e o esmolol são frequentemente usados em combinação para indução de anestesia geral e supressão do estímulo da intubação endotraqueal. Em pacientes que apresentam baixo risco de hipotensão causada pelo propofol, o fármaco pode ser usado em vez do

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Fundamentos de anestesiologia clínica etomidato para reduzir o risco de náuseas e vômitos pós-operatórios. A anestesia geral pode ser mantida por anestésicos intravenosos ou inalatórios com o cuidado de que a pressão arterial seja mantida ao nível de repouso normal do paciente ou próximo a ele. O isoflurano, o sevoflurano e o desflurano reduzem o consumo de oxigênio cerebral e fornecem o pré-condicionamento isquêmico para o coração e outros órgãos. Apesar dessas vantagens potenciais, eles não mostraram melhorar o desfecho, talvez porque a maioria dos AVEs é causada por êmbolos vindos do local cirúrgico. As técnicas de anestesia regional incluem bloqueio profundo e superficial do plexo cervical, bem como anestesia cervical peridural e infiltração local. Além da monitoração padrão da American Society of Anesthesiologists (ASA), a monitoração direta contínua da pressão arterial é altamente recomendada devido ao controle da pressão arterial ser vital durante a EAC.

F. Angioplastia carotídea com colocação de stent Na última década, a angioplastia carotídea com colocação de stent tem surgido como um tratamento alternativo à EAC. Contudo, comparada com a EAC, a colocação de stent carotídeo está associada com maior risco de acidente vascular encefálico periprocedural e morte, especialmente em pacientes mais velhos. Os desfechos relativos no longo prazo permanecem a ser definidos (5).

G. Manejo pós-operatório A complicação mais urgente e potencialmente devastadora da EAC é a formação de coágulo no local cirúrgico e o tromboembolismo associado na circulação cerebral. Uma alteração neurológica de início recente após a cirurgia requer um exame ultrassonográfico imediato do local cirúrgico e reoperação se indicada. Outras complicações que se apresentam no período pós-operatório inicial incluem acidente vascular encefálico por êmbolos ou hipoperfusão durante a cirurgia, hipertensão e hipotensão graves, isquemia miocárdica, lesões cranianas e nervosas recorrentes e hematoma na ferida operatória. O controle da hipertensão grave é vital, pois, se não for controlada, está associada com aumento da mortalidade e mais complicações cardíacas e neurológicas. Adicionalmente, a hipertensão pós-operatória persistente grave aumenta o risco de síndrome de hiperperfusão cerebral, caracterizada por cefaleias, convulsões e sinais neurológicos focais. Um hematoma na ferida operatória em expansão pode obstruir as vias aéreas, necessitando de drenagem de emergência do hematoma antes que uma via aérea adequada possa ser reestabelecida.

VI. Aneurismas aórticos O manejo de pacientes com aneurismas aórticos está evoluindo rapidamente com técnicas inovadoras de colocação de stents substituindo progressivamente os procedimentos cirúrgicos abertos. Contudo, a ruptura de um aneurisma aórtico é uma emergência cirúrgica verdadeira e um dos maiores desafios do manejo anestésico.

A. Epidemiologia e fisiopatologia dos aneurismas aórticos abdominais Há aproximadamente 200 mil AAAs diagnosticados anualmente. Cerca de 45 mil desses requerem reparo cirúrgico a cada ano. Os fatores de risco para AAA incluem sexo masculino, idade avançada, tabagismo, hipertensão, níveis séricos baixos de colesterol do tipo HDL (lipoproteína de alta densidade), níveis elevados de fibrinogênio plasmático e baixa contagem de plaquetas. O risco anual de ruptura de aneurisma está diretamente relacionado com seu diâmetro: 1% para aneurismas medindo < 4 cm, 2% para aneurismas entre 4 a 4,9 cm e 20% para aneurismas > 5 cm. Deve-se considerar reparo cirúrgico ou endovascular em todos os aneurismas > 5 cm. O rastreamento

Capítulo 36

Anestesia para cirurgia vascular

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é recomendado pela Força Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA para homens > 65 anos de idade com história de tabagismo.

B. Manejo clínico versus reparo endovascular versus reparo cirúrgico aberto O manejo clínico dos aneurismas aórticos inclui cessação de tabagismo e controle da hipertensão, dislipidemia, diabetes e dieta. O manejo clínico pode diminuir, mas não cessa completamente a progressão do aneurisma. Para pacientes com AAAs medindo de 4 a 5,4 cm, a monitoração ultrassonográfica frequente para avaliação da progressão é vital. Desde os anos 1980, o reparo endovascular de aneurisma (REVA) tem se tornado progressivamente a modalidade dominante de tratamento. Nessa abordagem, a artéria femoral é usada para introduzir o stent dentro do aneurisma, prevenindo, assim, aumento adicional ou ruptura. Inicialmente, a indicação do REVA foi reservada para pacientes considerados de altíssimo risco para reparo cirúrgico aberto, mas atualmente é considerado uma opção de tratamento de primeira linha. Todavia, o REVA não é isento de complicações, incluindo vazamento do enxerto e conversão intraoperatória em reparo aberto devido à ruptura do aneurisma, lesão vascular ou incapacidade de vedar o enxerto contra a parede da aorta. Quando comparado com o reparo cirúrgico aberto, o REVA está associado com tempos de recuperação mais curtos e menores taxas de mortalidade em 30 dias (1,4% vs. 4,2%), mas não há nenhuma diferença nas taxas de mortalidade no acompanhamento no longo ou médio prazo. O custo do enxerto e os gastos com reoperação compensam as outras economias, de modo que, ao final, não há custo-benefício no REVA em relação ao reparo cirúrgico aberto. O REVA é realizado usando-se anestesia local, regional ou geral, dependendo das preferências do paciente e da equipe cirúrgica.

C. Reparo cirúrgico aberto O reparo cirúrgico aberto de um aneurisma aórtico abdominal é realizado por meio de uma incisão de laparotomia transperitoneal anterior ou uma abordagem retroperitoneal anterolateral. A exposição cirúrgica para qualquer abordagem é virtualmente idêntica, mas a abordagem retroperitoneal está associada com menores alterações volêmicas, maior retorno da função intestinal, menos complicações pulmonares e permanência mais curta na unidade de cuidados intensivos. Após a administração de heparina intravenosa, o clampeamento aórtico transversal é aplicado à aorta supracelíaca, suprarrenal ou infrarrenal, dependendo da localização do aneurisma. Quanto mais alto o nível do clampeamento transversal, maior a tensão aplicada ao ventrículo esquerdo e maior a incidência de lesão isquêmica ao intestino, ao rim e à medula espinal. A perda sanguínea intraoperatória durante reparo aberto de AAA pode ser substancial, e a dissecção cirúrgica retroperitoneal excessiva aumenta a necessidade de líquidos (até 10-12 mL/kg/h). Em adição à monitoração padrão da ASA, a monitoração direta contínua da pressão arterial é altamente recomendada devido às alterações rápidas e acentuadas na pressão arterial durante o clampeamento e desclampeamento da aorta. A monitoração da pressão venosa central e da artéria pulmonar, bem como a ecocardiografia transesofágica, são usadas com frequência dependendo das comorbidades do paciente e das preferências do anestesiologista. A anestesia geral ou a anestesia peridural e geral combinadas são abordagens comuns. A abordagem combinada tem a vantagem de prover excelente analgesia pós-operatória, mas introduz o risco de hematoma peridural devido à anticoagulação sistêmica precisar ser usada durante a cirurgia.

D. Reparo de aneurisma toracoabdominal A cirurgia de aneurisma aórtico toracoabdominal é um dos maiores desaf ios do manejo anestésico. Geralmente os aneurismas toracoabdominais envolvem a aorta torácica

VÍDEO 36.2 Clampeamento transversal aórtico: redistribuição do volume sanguíneo

A drenagem do líquido cerebrospinal durante aneurisma torácico pode ser empregada para melhorar a pressão de perfusão medular.

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 36.2 Métodos de proteção medular durante cirurgia aórtica torácica descendente Limitação da duração do clampeamento transversal da aorta Suporte circulatório distal (bypass parcial) Religação de artérias intercostais críticas Drenagem do LCE (drenagem lombar) Hipotermia

Sistêmica moderada (32-34 °C) Resfriamento peridural Parada circulatória

Manutenção da pressão arterial proximal

Farmacoterapia: Corticosteroides, barbitúricos, naloxona, bloqueadores dos canais de cálcio, eliminadores de radicais livres de oxigênio, antagonistas NMDA, manitol, magnésio, vasodilatadores (adenosina, papaverina, prostaciclina), perfluorocarbono, colchicina Intratecal: papaverina, magnésio, tetracaína, perfluorocarbono

Evitação de hipotensão pós-operatória Clampeamento aórtico sequencial Aprimoramento da monitoração para isquemia medular

Potenciais evocados somatossensoriais Potenciais evocados motores Salina saturada com hidrogênio

Evitação de hiperglicemia LCE, líquido cerebrospinal; NMDA, N-metil-D-aspartato. Adaptado de Thomas DM, Hulten EA, Ellis ST, et al. Open versus endovascular repair of abdominal aortic aneurysm in the elective and emergent setting in a pooled population of 37,781 patients: a systematic review and meta-analysis. ISRN Cardiol. 2014, Apr 2;2014:149243.

descendente até abdominal, requerem uma incisão grande que se estende para dentro dessas cavidades, ventilação monopulmonar e o uso de bypass cardiopulmonar parcial. A ventilação seletiva (um pulmão) do pulmão contralateral é necessária para otimizar a exposição cirúrgica e para prevenir o pulmão ipsilateral do trauma cirúrgico. Durante procedimentos aórticos torácicos, a isquemia medular pode ser detectada por meio do uso de potenciais evocados somatossensoriais e potenciais evocados motores (Tab. 35.2). Para melhorar a pressão de perfusão medular, pode ser usado um dreno lombar subaracnóideo para remover líquido cerebrospinal. O bypass cardiopulmonar parcial tem sido usado para fornecer perfusão distal ao local cirúrgico. De fato, a incidência de lesão neurológica nessa situação tem sido diminuída substancialmente quando a perfusão aórtica distal é combinada com a drenagem de líquido cerebrospinal. Muitas das outas considerações sobre manejo anestésico são as mesmas para a cirurgia toracoabdominal e para cirurgia de AAA. (Ver as secções no Cap. 35 sobre “Dissecção aórtica” e “Aneurisma aórtico” e Tab. 35.2 para um resumo das metas hemodinâmicas comuns para todos esses procedimentos.)

E. Manejo da cirurgia aórtica de emergência A ruptura ou o vazamento de um aneurisma aórtico é o motivo mais comum para a cirurgia aórtica de emergência. A ruptura do aneurisma aórtico tem uma taxa de mortalidade de 85%, a não ser que a cirurgia seja realizada imediatamente – e mesmo assim a taxa de mortalidade é de 50%. Se o paciente sobreviver à cirurgia de emergência,

Capítulo 36

Anestesia para cirurgia vascular

a incidência de comprometimento renal, lesão pulmonar, infarto do miocárdio e lesão medular é significativamente maior do que na cirurgia aórtica eletiva. As rupturas ocorrem mais comumente para o retroperitônio, e esse local permite o tamponamento temporário da hemorragia. Cerca de 25% dos aneurismas se rompem para a cavidade peritoneal, ocorrendo rápida exsanguinação. A grande perda de sangue irá ocorrer durante essa cirurgia e, portanto, o preparo para reposição sanguínea, incluindo equipamentos de infusão rápida, são críticas. Para essa emergência cirúrgica real, tanto o REVA quanto o reparo cirúrgico aberto são usados dependendo da instituição, dos recursos e da experiência do cirurgião (6).

VII. Revascularização das extremidades inferiores A incidência de DAP está aumentando, especialmente na população senescente. Aproximadamente 10 milhões de pessoas nos Estados Unidos têm DAP sintomática, e outros 20 a 30 milhões têm doença assintomática. As três indicações para procedimentos eletivos de revascularização incluem claudicação, dor isquêmica em repouso ou ulceração e gangrena. Procedimentos de alto risco, incluindo bypass iliofemoral, bypass femoro-femoral e bypass aortofemoral, restabelecem o fluxo sanguíneo para uma extremidade isquêmica e aliviam sintomas debilitantes de claudicação. Contudo, avanços em técnicas percutâneas minimamente invasivas tornaram os procedimentos endovasculares a modalidade primária de revascularização. A anestesia regional ou local com ou sem sedação é usada com frequência para abordagens endovasculares. A maioria dos procedimentos não é dolorosa. Contudo, a construção do enxerto e a colocação do stent podem ser bastante dolorosos e podem desencadear a movimentação do paciente ou hipertensão e taquicardia. Heparina é dada antes da colocação de enxertos ou stents, e a anticoagulação pode ser necessária no período pós-operatório para manter a patência do enxerto.

Referências 1. Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, et al. 2009 ACCF/AHA Focused update on perioperaitve beta blockade incorporated into the ACC/AHA guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. Circulation. 2009;120:e169–e276. 2. Hawn MT, Graham LA, Richman JR, et al. The incidence and timing of noncardiac surgery after cardiac stent implantation. J Am Coll Surg. 2012;214(4):658–666. 3. Raman G, Moorthy D, Hadar N, et al. Management strategies for asymptomatic carotid stenosis: A systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2013;158:676– 685. 4. Vaniyapong T, Chongruksut W, Rerkasem K. Local versus general anesthesia for carotid endarterectomy. Cochrane Database Syst Rev. 2013;12:CD000126. 5. Bonati LH, Lyrer P, Ederle J, et al. Percutaneous transluminal angioplasty and stenting for carotid artery stenosis. Cochrane Database Syst Rev. 2012;12:CD000515. 6. Open versus endovascular repair of abdominal aortic aneurysm in the elective and emergent setting in a pooled population of 37,781 patients: A systematic review and meta-analysis. ISRN Cardiol. 2014; Apr 2;2014:149243.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A aterosclerose ocorre em dois estágios; o primeiro é a lesão endotelial e o segundo é: A. Uma resposta inflamatória B. Uma resposta trombogênica C. Uma resposta citotóxica D. Uma resposta angiogênica E. Nenhuma das acima 2. Qual é a porcentagem de homens acima de 65 anos que têm estenose de carótida? A. Mais de 20% B. Mais de 30% C. Mais de 40% D. Mais de 50% E. Nenhuma das acima 3. Quanto tempo uma cirurgia eletiva deve ser postergada após a colocação de um stent coronariano farmacológico? A. 6 semanas B. 3 meses C. 6 meses D. 12 meses E. Nenhuma das acima

4. O risco de morte cardíaca ou infarto do miocárdio não fatal após endarterectomia carotídea é menor do que: A. 1% B. 2% C. 5% D. 10% E. Nenhuma das acima 5. Sinais e sintomas de síndrome de hiperperfusão cerebral após endarterectomia carotídea incluem cefaleia, convulsões e: A. Déficit neurológicos focais B. Hipertensão C. Bradicardia D. Apneia E. Nenhuma das acima 6. Com qual diâmetro um aneurisma aórtico deve ser considerado para reparo cirúrgico? A. Maior do que 4 cm B. Maior do que 4,5 cm C. Maior do que 5,0 cm D. Maior do que 5,5 cm E. Nenhuma das acima

Manejo da dor aguda e crônica Ashley N. Agerson Honorio T. Benzon

A dor é definida pela International Association for the Study of Pain (IASP) como “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano tissular real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão” (1). A dor aguda é uma resposta fisiológica normal à lesão, doença ou cirurgia e normalmente é temporalmente autolimitada. Embora desagradável, a dor é uma proteção e tem o propósito de evitar, interromper ou minimizar os danos tissulares e deve ser encarada como sintoma de uma doença subjacente. A dor crônica geralmente é definida como uma dor que dura mais de três meses. Ela pode ser decorrente de uma doença ou lesão tissular, pode persistir após a resolução ou existir mesmo na ausência de lesão. A dor crônica está associada a alterações de neuroplasticidade no sistema nervoso central e periférico, que podem se manifestar como hipersensibilidade, fenômeno de wind-up (amplificação) e alodinia. Quando essas alterações ocorrem, a dor em si pode ser considerada a própria doença. A dor nociceptiva resulta em transmissão de um estímulo nocivo por meio de um sistema nervoso intacto. A dor nociceptiva pode ser agravada por inflamação, que provoca hiperalgesia, um fenômeno que faz com que estímulos dolorosos normais sejam percebidos como mais dolorosos do que o habitual. A dor nociceptiva pode ser somática ou visceral. A dor somática origina-se dentro da pele, no tecido superficial e no sistema musculoesquelético, é fácil de localizar e é descrita como aguda. A dor visceral é tipicamente vaga, difusa, incomodativa e pode ser referida a áreas circundantes. Em contraste com a dor nociceptiva, a dor neuropática resulta de uma lesão no sistema nervoso central ou periférico. Essa dor frequentemente é descrita como tendo um caráter de choque elétrico ou sendo lancinante. Quando isso é encontrado na área de distribuição de um nervo, a dor é denominada neuralgia. A dor neuropática geralmente está associada a sensações alteradas. Parestesias são sensações anormais que podem ser espontâneas ou provocadas. Disestesias são sensações anormais desagradáveis. A alodinia é uma percepção dolorosa decorrente de um estímulo normalmente indolor (tal como o toque leve). Hiperestesia é o aumento da sensibilidade à estimulação, e a hipoestesia é a redução da sensibilidade a estímulos.

I. Anatomia, fisiologia e neuroquímica da dor A. Processamento da dor A fisiologia do processamento da dor compreende funcionalmente quatro etapas: transdução, transmissão, modulação e percepção. Esses processos são clinicamente relevantes, uma vez que fornecem alvos para o tratamento e prevenção da dor (Fig. 37.1).

37 Quando a dor crônica está associada a alterações de neuroplasticidade no sistema nervoso central e periférico que podem se manifestar como hipersensibilidade, amplificação e alodinia, a dor em si passa a ser a própria doença.

700

Fundamentos de anestesiologia clínica A transdução é a geração de um potencial de ação a partir de um estímulo químico, mecânico ou térmico nocivo. Transmissão é a propagação do sinal por meio da via aferente do nociceptor para o córtex sensorial. Modulação é a modificação positiva ou negativa do sinal doloroso ao longo da via aferente, enquanto a percepção é a integração do sinal doloroso na consciência.

B. Transdução Os nociceptores estão localizados na pele, na mucosa, no músculo, na fáscia, nas cápsulas articulares, na dura-máter, nas vísceras e na camada adventícia dos vasos sanguíneos. A maioria dos nociceptores A␦ e C é polimodal (i.e, seus terminais expressam canais transdutores que são sensíveis a estímulos múltiplos). Quando são ativados por estímulos químicos, de pressão ou térmicos, dão início ao potencial de ação. Os nociceptores podem ser ativados pela bradicinina, pela serotonina e pelos prótons e sensibilizados pelas prostaglandinas, leucotrienas e citoquinas. O glutamato, a substância P e o fator de crescimento neural também podem promover a transdução de um sinal doloroso (Tab. 37.1).

C. Transmissão A transmissão da dor ocorre por uma via aferente composta de 3 neurônios, que começa na periferia (Fig. 37.2). Os corpos celulares dos neurônios de primeira ordem estão localizados nos gânglios da raiz dorsal com fibras que se projetam para o tecido periférico, onde estão localizados os receptores. As fibras entram na medula espinal e trafegam para cima ou para baixo por meio do trato posterolateral, antes de entrar no corno dorsal, para fazer sinapse com neurônios de segunda ordem. Os corpos celulares dos neurônios de segunda ordem estão localizados no corno dorsal e correspondem a nociceptivos específicos ou de ampla variação dinâmica. Os axônios que transmitem

VÍDEO 37.1

Percepção - Opioides parenterais - Agonistas ␣2 - Anestésicos gerais

Processamento da dor

5HT NE Encefalina Trato espinotalâmico

Fibras inibitórias descendentes

Corno dorsal

Transmissão Anestésicos locais – nervo periférico, plexo, bloqueio peridural

Transdução Modulação - Opioides espinais - Agonistas ␣2 - Antagonistas dos receptores NMDA - Anticolinesterásicos, AINEs, antagonistas CCK, inibidores de NO (óxido nítrico), agonistas do canal de potássio

-

AINEs Anti-histamínicos Agentes estabilizadores da membrana Creme de anestésico local Opioides Antagonistas da bradicinina e serotonina

FIGURA 37.1 Os quatro elementos do processamento da dor: transdução, transmissão, modulação e percepção. (De Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642, com permissão.)

Capítulo 37 TABELA 37.1

Manejo da dor aguda e crônica

701

Classificação das fibras neurais

Tipo de fibra

Modalidade

Função

Receptor

Diâmetro

A␣

Proprioceptiva

Tensão muscular, comprimen- Terminações de Golgi e Ruffini, fusos to, velocidade musculares aferentes

15-20 μm

A␤

Mecanossensorial

Toque, movimento, pressão, vibração

Corpúsculos de Meissner, Ruffini e Pacini; disco de Merkel

5-15 μm

A␦

Termorreceptiva Nociceptiva

Frio Dor aguda

Terminações nervosas livres

1-5 μm

C

Termorreceptiva Nociceptiva

Calor Dor da queimadura

Terminações nervosas livres

< 1 μm

Adaptada da Tabela 57.1 em Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013.

Córtex sensorial

Tálamo

Substância cinzenta periaquedutal

Formação reticular

Vias sensoriais aferentes

Trato espinotalâmico Receptores sensoriais especializados

Fibras A␦ e fibras C

Terminações nervosas livres, neurônios nociceptivos

VÍDEO 37.2 Vias nociceptivas

Lâminas do corno dorsal I Marginal II Gelatinosa III IV V N. próprio VI Fascículo anterolateral

FIGURA 37.2 A via nociceptiva aferente. (De Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica a nocicepção somática são decussados e sobem pelo trato espinotalâmico contralateral, enquanto os axônios que transmitem a nocicepção visceral sobem por meio do lemnisco medial da coluna dorsal ipsilateral. Ambos fazem sinapse com os neurônios de terceira ordem no tálamo, cujos axônios terminam no córtex sensorial. Na face, o neurônio aferente primário tem seu corpo celular no gânglio trigeminal e faz sinapse com o neurônio de segunda ordem na medula, no núcleo trigeminal espinal. De lá, o sinal é transmitido para o tálamo, assim como os sinais dolorosos do resto do corpo.

D. Modulação A modulação da resposta dolorosa ocorre em vários níveis e pode ser positiva ou negativa (Fig. 37.3). A atividade entre os neurônios de primeira e segunda ordem é diminuída pelo feedback de interneurônios e pela inibição descendente oriunda da substância cinzenta periaquedutal, medula rostral ventromedial e tegumento pontino dorsolateral. O aumento da dor pode ocorrer como parte da transição de um quadro de dor aguda para dor crônica. A ativação repetitiva de uma variedade de neurônios pelas fibras C causa amplificação dos sinais neuronais. O brotamento axonal causa interação cruzada entre fibras diferentes, levando estímulos não nocivos a se tornarem dolorosos. Além disso, os neuromas e o brotamento axonal podem estar associados com a up-regulation (regulação positiva) do canal de sódio e a down-regulation (regulação

Córtex sensorial

Tálamo Hipocampo Vias moduladoras eferentes

Substância cinzenta periaquedutal Formação reticular

Trato rafe-espinal

Núcleo magno da rafe

Trato reticuloespinal

Corno dorsal Substância P

Fascículo dorsolateral

Neurônios encefalinérgicos Neurônio nociceptivo Encefalina e ␣-endorfinas

FIGURA 37.3 A via eferente para a modulação da nocicepção. (De Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642, com permissão.)

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

negativa) dos canais de potássio, causando desestabilização das membranas celulares e tornando-as mais propensas a formar um potencial de ação. Fibras A␤ normais não produzem substância P, mas, na presença do fator ␣ de necrose tumoral, as fibras A␤ podem secretá-la. Essa transição é denominada switch fenotípico.

E. Percepção A percepção da dor é mediada por meio de múltiplas estruturas. O córtex somatossensorial primário e secundário estão envolvidos com a discriminação sensorial da dor. O córtex frontal e a ínsula podem facilitar o aprendizado e a memória da dor. O giro cingulado anterior está relacionado à significância emocional da dor, enquanto o núcleo lentiforme e o cerebelo estão envolvidos em reflexos de autoproteção relacionados à dor.

II. Avaliação da dor A dor é uma experiência altamente subjetiva e afeta a vida de várias maneiras. Como tal, a avaliação de um paciente com dor baseia-se primariamente na informação relatada pelo paciente e deve incluir a avaliação de múltiplos domínios. Como a dor é dinâmica, ela deve ser reavaliada regularmente para ajustar o tratamento e torná-lo adequado. No cenário pós-operatório, ainda é necessário perguntar onde a dor está localizada e não presumir que ela está relacionada à incisão. Os pacientes podem apresentar dor adicional relacionada a condições preexistentes, ao posicionamento ou uso de retratores durante a cirurgia ou à imobilização. O início e o padrão temporal da dor, bem como os fatores exacerbantes e de melhora, devem ser estabelecidos. A qualidade da dor pode ajudar a indicar sua origem e as possíveis opções de tratamento – a dor incisional aguda pode responder bem a fármacos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), opioides e bloqueios nervosos, mas a dor neuropática em pontada pode responder a um antagonista do N-metil-D-aspartato (NMDA), clonidina ou fármaco antiepilético. A intensidade da dor deve ser avaliada em múltiplos contextos. O nível basal da dor é a dor que existe durante todos os momentos, enquanto a dor incidental promove aumento da intensidade, excedendo o nível basal. Existem muitas ferramentas para auxiliar a avaliação da intensidade da dor – todos arbitrários, subjetivos e com alto grau de variabilidade entre os pacientes. Apesar dessas falhas, as ferramentas são úteis para determinar as tendências de controle da dor. A escala de classificação numérica é a mais comumente usada, na qual se pede aos pacientes para avaliarem sua dor de 0 (sem dor) a 10 (a pior dor imaginável). Em crianças ou pacientes com comprometimento cognitivo, a escala de expressões faciais permite uma abordagem mais descritiva (Fig. 37.4). Como a dor pode impactar em muitas atividades, é importante investigar o estado funcional do paciente, incluindo a capacidade de se alimentar, dormir, deambular, trabalhar e fazer as atividades da vida diária. Quaisquer efeitos colaterais do tratamento da dor devem ser cuidadosamente discutidos. O exame físico deve estar voltado para possíveis etiologias da dor e deve incluir um exame neurológico e musculoesquelético completo.

III. Manejo farmacológico da dor A. Opioides Os opioides são úteis para a dor aguda e a dor relacionada com o câncer e podem ser um componente do regime medicamentoso para a dor crônica. Na dor aguda,

703

704

Fundamentos de anestesiologia clínica

Ferramenta universal para avaliação da dor A ferramenta para avaliação da dor pretende ajudar os profissionais da área médica a avaliar a dor de acordo com as necessidades de cada paciente. Explique e use a escala de 0–10 para autoavaliação do paciente. Use as faces ou observações comportamentais para interpretar a dor expressa quando o paciente não é capaz de comunicar sua intensidade da dor. 0 Escala de descrição verbal

VÍDEO 37.3 Ferramenta universal para avaliação da dor

Escala de caretas de Wong-Baker

Escala de tolerância da atividade

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Sem dor

Dor leve

Dor moderada

Dor moderada

Dor grave

A pior dor possível

Alerta sorrindo

Sério

Testa franzida, lábios fechados, prende a respiração

Nariz enrugado, lábios superiores levantados, respiração rápida

Pisca lentamente, boca aberta

Olhos fechados, gemendo, chorando

Pode ser ignorada

Interfere com as tarefas

Interfere com a concentração

Interfere com as necessidades básicas

Necessita de repouso no leito

Sem dor

FIGURA 37.4 Ferramenta universal para avaliação da dor. Podem ser usadas escalas diferentes dependendo da idade do paciente e de outras condições médicas. (De Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642, com permissão.)

É importante conhecer as diferenças entre tolerância do fármaco, dependência, adição e pseudoadição.

agentes de ação curta são, com frequência, usados isoladamente. Na dor crônica, 80% da dose diária é administrada em uma medicação basal de longa ação, e o restante é administrado na forma de um opioide de curta ação, de acordo com a necessidade da exacerbação da dor. Durante a avaliação de pacientes em uso de opioide, é importante perguntar sobre o nível de analgesia oferecido, se o estado funcional do paciente melhorou, se existem efeitos colaterais do tratamento e se o paciente apresenta comportamentos aberrantes (i.e., término precoce das cartelas de medicações, perda de comprimidos). Os opioides se ligam a receptores μ, ␬ e ␦ para causar analgesia e efeitos colaterais, tais como prurido, náusea, constipação e depressão respiratória. Os diversos opioides têm potência, biodisponibilidade e dosagem diferentes (Tab. 37.2). Para facilitar a comparação e conversão de um medicamento em outro, todos são comparados ao opioide padrão, a morfina. Ao converter um opioide em outro, é importante reduzir a dosagem esperada em 25 a 50% para levar em conta a tolerância cruzada incompleta do novo agente medicamentoso. A tolerância é o fenômeno de redução do efeito de uma determinada quantidade de medicação. Ela normalmente ocorre após a administração prolongada do fármaco. A dependência é a condição fisiológica de sintomas de abstinência quando o opioide é suspenso. Adição é uma doença marcada por um comportamento alterado para buscar a substância desejada apesar das consequências negativas. Pseudovício é o comportamento aberrante de procura do fármaco devido a um tratamento inadequado da dor. A morfina é metabolizada pelo fígado em morfina-6-glicuronídeo (M6G) e morfina-3-glicuronídeo (M3G), que é excretada por via renal. A M6G tem efeito analgésico devido à ligação aos receptores μ e é responsável pela depressão respiratória, sedação e náusea. A M3G não tem efeito μ e está associada com hiperalgesia, convulsões e tolerância. A meia-vida da morfina é de duas horas, mas sua duração de ação é de 4 a 5 horas devido a sua eliminação lenta do compartimento cerebral. A hidromorfona é cinco vezes mais potente do que a morfina e está associada a menos efeitos colaterais. É metabolizada no fígado em di-hidromorfina e di-hidroisomorfina, que são ativas, e hidromorfona-3-glicuronídeo, que não promove analgesia, mas que tem efeitos colaterais semelhantes à M3G. Seu início de ação é de 15 minutos quando administrada na via intravenosa, e sua duração de ação é semelhante à da morfina.

Capítulo 37 TABELA 37.2

Manejo da dor aguda e crônica

705

Farmacocinética dos opioides e dosagem equianalgésica

Fármaco

Início

Duração

Metabólito ativo

Dose Dose equianalgésica equianalgésica oral IV

Fentanil

IV: imed IM: 7-8 min

IV: 30-60 min IM 1-2 h Transdérmica: 72 h





100 μg

Hidromorfona

IM: 15 min VO: 30 min

4-5 h



6-8 mg

1,5-2 mg

Meperidina

VO: 15 min 2-4 h IM, SC: 10-15 min IV: imed

Normeperidina

300 mg

100 mg

Metadona

IV: 10-20 min VO: 30-60 min



Variável

Variável

4 h (t1/2 é de 8-59 h)

Morfina

IM: 10-30 min

4-5 h

Morfina-6-glicuronídeo

30 mg

10 mg

Oximorfona

5-10 min

3-6 h



10 mg

1 mg

Oxicodona

< 60 min

3-4 h



20 mg

10-15 mg

Remifentanil

Rápido

5-10 min





50 μg

Sufentanil

IV: imed Peridural: 10 min

Peridural: 1, 7 h





10-40 μg

IV, intravenoso; IM, intramuscular; SC, subcutâneo; imed, imediato; VO, via oral; t½, meia-vida. Adaptada de Benzon HT, Hurley RW, Deer T, et al. Chronic pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1645–1669.

O fentanil é 80 vezes mais potente do que a morfina e está associado a uma menor liberação de histamina e prurido. O fentanil é mais lipofílico do que a morfina, é metabolizado pelo fígado e é apropriado para pacientes com insuficiência renal. Está disponível em adesivos transdérmicos. Devido à absorção gradual do fármaco, o adesivo necessita de 6 a 8 horas para atingir concentrações plasmáticas máximas. O adesivo fornece um nível analgésico estável sem períodos de efeitos colaterais relacionados a altas concentrações séricas e períodos de dor em decorrência de baixas concentrações plasmáticas. Após a remoção do adesivo, os níveis séricos permanecem significativos, de modo que opioides intramusculares não devem ser administrados imediatamente. O sufentanil é mil vezes mais potente do que a morfina e normalmente é usado em infusão contínua no intraoperatório ou na via neuroaxial. A potência do alfentanil é 10 vezes a da morfina e tem seu pico de efeito dentro de dois minutos. O alfentanil tem uma duração de ação muito curta, < 10 minutos, e é ideal para breves períodos de estimulação intraoperatória. A potência do remifentanil é de aproximadamente cem vezes a potência da morfina. Assim como o alfentanil, ele também tem ação rápida. É eliminado por meio das colinesterases plasmáticas, de modo que sua meia-vida terminal é de 10 a 20 minutos. Seu término de analgesia é tão rápido, que pode resultar em hiperalgesia de rebote. A metadona é um opioide único porque melhora a analgesia pelo antagonismo do receptor NMDA e pela inibição da recaptação da serotonina, além de seu efeito μ. É metabolizada no fígado pelo citocromo P450 e tem muitas interações farmacológicas. Sua meia-vida de eliminação longa (entre 8-80 horas) requer uma titulação lenta

706

Fundamentos de anestesiologia clínica para evitar overdose acidental. Após uma dose única, a metadona fornece analgesia durante 3 a 6 horas, mas, com dosagem diária prolongada, a analgesia pode ser de 8 a 12 horas. A metadona pode causar prolongamento QT e Torsades de pointes e requer eletrocardiogramas periódicos. A meperidina é um opioide de curta ação e é metabolizada em normeperidina no fígado, que pode ser neurotóxica e resultar em convulsões, especialmente na presença de insuficiência renal ou com administração prolongada. Está indicada apenas para uso a curto prazo. É usada mais comumente em doses baixas para o tratamento pós-operatório de tremores. A oxicodona é ativada pela conversão em oximorfona. Ambos os fármacos estão associados a menos prurido do que a morfina. O tramadol, a hidrocodona e a codeína são considerados opioides fracos. O tramadol é um agonista μ com propriedades monoaminérgicas e tem taxas baixas de constipação, insuficiência respiratória e abuso. A codeína é um pró-fármaco metabolizado em morfina pelo citocromo P450 2D6. As reduções na atividade enzimática, observadas em crianças e certos grupos étnicos (brancos e asiáticos), causam redução da analgesia e aumento da depressão respiratória.

B. Anti-inflamatórios não esteroides O paracetamol é um inibidor COX de ação central com ação periférica mínima e que apresenta efeito analgésico e antipirético, mas que não tem efeito anti-inflamatório.

Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) atuam por meio da inibição das enzimas cicloxigenase (COX), exercendo efeitos anti-inflamatórios, antipiréticos e analgésicos. A COX-1 está presente em tecidos sadios e tem funções gastroprotetoras e hemostáticas. A COX-2 é induzida por lesões e produz prostaglandinas que sensibilizam os nociceptores periféricos para a dor e promovem hiperalgesia. Os AINEs são eficazes na redução da dor pós-operatória, diminuem o consumo de opioides e são comumente utilizados tanto na dor aguda como na dor crônica. Seus efeitos colaterais incluem disfunção plaquetária, nefrotoxicidade e úlceras gástricas. O paracetamol é um inibidor da COX central, com ação periférica mínima. O fármaco tem efeito analgésico e antipirético, mas não tem efeito anti-inflamatório.

C. Anticonvulsivantes

A lesão nervosa crônica está associada a disparos ectópicos espontâneos dos neurônios, e os anticonvulsivantes reduzem os sinais ectópicos bloqueando os canais de sódio ou cálcio. Assim, os anticonvulsivantes podem ser úteis no tratamento da dor neuropática.

A lesão nervosa crônica está associada ao disparo ectópico espontâneo de neurônios e alterações na expressão dos canais de sódio e cálcio. Os anticonvulsivantes reduzem os sinais ectópicos por meio do bloqueio dos canais de sódio e cálcio. A gabapentina e a pregabalina bloqueiam a subunidade ␣2-␦ dos canais de cálcio. Ambas demonstraram ser úteis em várias síndromes dolorosas neuropáticas, incluindo a neuralgia pós-herpética (NPH), neuropatia diabética dolorosa (NPDD), neuralgia do trigêmeo, neuropatia provocada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), dor de lesão medular, dor de membro fantasma e dor pós-acidente vascular encefálico. Na dor aguda, a administração pré-operatória de gabapentina demonstrou diminuir as necessidades de narcóticos, melhorar o controle da dor e reduzir os efeitos colaterais relacionados aos opioides. A gabapentina e a pregabalina não têm interações significativas com outros fármacos. Os efeitos colaterais de ambas incluem tonturas, fadiga, edema periférico e lentificação cognitiva.

D. Antidepressivos Os antidepressivos tricíclicos (ADT) e os inibidores da recaptação da serotonina-noradrenalina (IRSNs) exercem um efeito analgésico independente não relacionado as suas propriedades estabilizadoras do humor. Os ADTs afetam diversas vias, incluindo a inibição da recaptação da serotonina e adenosina, interação com receptores ␣, ligação de receptores opioides e bloqueio dos canais de sódio, cálcio e receptores NMDA. São eficazes no tratamento da dor neuropática, especialmente na neuralgia pós-herpética (NPH) e na neuropatia periférica diabética (NPD), mas seus efeitos colaterais fre-

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

quentes limitam seu uso. Esses efeitos incluem sedação, xerostomia, retenção urinária e visão turva e tendem a ser mais pronunciados nos idosos. A nortriptilina e a desipramina são mais bem tolerados do que a amitriptilina. Os IRSNs causam alívio da dor por meio da inibição da recaptação da noradrenalina – mais do que da serotonina. Os IRSNs (duloxetina e milnacipran) são eficazes na NPD e fibromialgia, sendo comumente prescritos em outras síndromes dolorosas neuropáticas devido a seu perfil de efeitos colaterais mínimos em comparação com os ADTs. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) não demonstraram ter propriedades analgésicas além de seu efeito benéfico sobre os sintomas depressivos.

E. Antagonistas N-metil-D-aspartato Os receptores NMDA fornecem uma estratégia não opioide para o manejo da dor e podem ser úteis em pacientes dependentes de opioides. Acredita-se que a estimulação de NMDA desempenha um papel no desenvolvimento de dor crônica, hiperalgesia induzida por opioide e amplificação. A cetamina é o protótipo de antagonista NMDA; ela tem uma baixa biodisponibilidade oral e, por isso, é usada em infusões intravenosas para reduzir a necessidade de opioides. A dosagem é limitada por seus efeitos colaterais, incluindo taquicardia, salivação e disforia. O dextrometorfano também antagoniza o receptor NMDA e a biodisponibilidade oral. Quando administrado para dor aguda ou crônica, parece reduzir a hiperalgesia secundária e reduz modestamente as necessidades opioides.

F. ␣-adrenérgicos

A clonidina e a dexmedetomidina são ␣2-agonistas centrais. A ligação causa a diminuição da produção de noradrenalina, levando a sedação, analgesia e redução da frequência cardíaca e da pressão sanguínea sem deprimir o drive respiratório. A meia-vida da clonidina é de 9 a 10 horas. Pode ser administrada por via oral, intravenosa ou intratecal. Quando administrada como um adesivo transdérmico, pode ser útil para atenuar os sintomas adrenérgicos da abstinência de opioides. A meia-vida da dexmedetomidina é de duas horas. Como é muito mais seletiva para ␣2 do que para ␣1, em comparação com a clonidina, a infusão intravenosa é usada para sedação profunda com analgesia, com uma menor incidência de bradicardia e hipotensão.

G. Glicocorticoides Os glicocorticoides, incluindo a dexametasona, inibem a fosfolipase A2 para bloquear a produção de prostaglandinas e leucotrienos e têm efeitos analgésicos e anti-inflamatórios. São úteis no pós-operatório para reduzir a dor e náusea, mas podem estar associados a uma dificuldade de cicatrização. Doses sistêmicas altas de esteroides (steroid bursts) (p. ex., hidrocortisona, metilprednisolona) podem ser úteis no manejo da dor crônica, tal como a radiculite, mas seus efeitos colaterais, tais como úlceras gástricas, osteoporose, retenção hídrica, hipertensão e hiperglicemia, limitam seu uso a longo prazo.

H. Anestésicos locais A lidocaína pode ser liberada na forma de adesivo diretamente em uma área de dor neuropática. A medicação é absorvida lentamente e bloqueia os canais de sódio localmente, em vez de um efeito sistêmico. Pode ser útil na NPH, neuropatia periférica, osteoartrite, dor miofascial e lombalgia. Pode ser necessário usar o adesivo cutâneo durante um período de até duas semanas para obtenção de alívio. A infusão intravenosa de lidocaína pode ser administrada para a dor neuropática refratária a outros tratamentos. A dose é, normalmente, de 5 mg/kg durante 30 minutos. A mexiletina é um anestésico local disponível para via oral e tem um efeito semelhante ao da lidocaína intravenosa.

707

708

Fundamentos de anestesiologia clínica

I. Agentes tópicos O mecanismo de ação da capsaicina é estimular os receptores TRPV1, que, por sua vez, causam redução da densidade de fibras nervosas. A substância P também pode ser depletada. Está disponível em cremes em concentração baixa, que devem ser aplicados três a quatro vezes por dia durante semanas para obtenção de alívio. Uma forma de apresentação como adesivo cutâneo (8%) é eficaz na NPH, NPD e neuropatia por HIV. As pomadas de anestésico local devem ser aplicados durante 1 hora antes da colocação do adesivo para reduzir a sensação de queimação; o alívio obtido com uma aplicação pode durar 12 semanas.

IV. Dor aguda A. Resposta ao estresse cirúrgico e analgesia preventiva A dor pós-operatória ocorre por meio dos mecanismos descritos anteriormente. A resposta ao estresse cirúrgico corresponde à resposta sistêmica à cirurgia, na qual são liberadas citocinas associadas a várias respostas negativas. Os mediadores químicos da resposta ao estresse cirúrgico incluem a interleucina-1, interleucina-6 e o fator ␣ de necrose tumoral, que promovem a inflamação. A dor indevidamente controlada resulta em aumento da liberação de catecolaminas, que, por sua vez, alteram o equilíbrio neuroendócrino. As alterações hormonais incluem o aumento de secreção de cortisol e glucagon, juntamente com a redução da secreção de insulina e testosterona. Tudo isso resulta em um estado catabólico com um balanço nitrogenado negativo, hiperglicemia e cicatrização inadequada da ferida operatória, perda de massa muscular, fadiga e comprometimento imunológico. Outros efeitos negativos da resposta ao estresse cirúrgico são taquicardia, hipertensão, aumento do trabalho cardíaco, broncoespasmo, pneumonia, íleo, oligúria, retenção urinária, tromboembolismo, comprometimento da imunidade, fraqueza e ansiedade. A analgesia preventiva corresponde a estratégias perioperatórias que têm objetivo de reduzir a sensibilização do sistema nervoso mediada pela dor, diminuindo, assim, a dor a longo prazo. Para ser eficaz, a analgesia preventiva deve cobrir todo o campo cirúrgico e ser intensa o suficiente para prevenir a nocicepção durante a cirurgia, bem como durante todo o período perioperatório (2).

B. Estratégias para o manejo da dor aguda Analgesia controlada pelo paciente A analgesia controlada pelo paciente (ACP) demonstrou ser uma alternativa segura de administração de bólus intravenoso intermitente de opioides para a dor aguda, melhorando a satisfação do paciente, reduzindo as necessidades de cuidados da enfermagem e o consumo de opioides. O princípio geral da técnica é a autoadministração de bólus incrementais de medicação em intervalos seguros, adaptando a dose até que se atinja uma analgesia adequada. Os agentes mais comuns usados na ACP são a morfina,

TABELA 37.3 Parâmetros comuns de dosagem para analgesia controlada pelo paciente em pacientes que nunca usaram opioides Opioide

Dose de demanda

Lockout (min)

Infusão basal

Fentanil

20-50 μg

5-10

0,60 μg/h

Hidromorfona

0,2-0,4 mg

6-10

0-0,4 mg/h

Morfina

1-2 mg

6-10

0-2 mg/h

Adaptada de Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642.

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

hidromorfona e fentanil (Tab. 37.3). Os parâmetros programáveis incluem o bólus inicial, a dose de demanda e intervalo entre as doses, a taxa de infusão basal e o limite a ser administrado em 1 ou 4 horas. A dose de demanda costuma ser uma fração da dose terapêutica normal. O intervalo entre as doses deve ser maior do que o tempo de início de ação do medicamento e menor do que a sua duração para permitir um efeito constante. Pode ser empregada uma infusão basal em pacientes usuários crônicos de opioides, mas ela não deve ser usada em pacientes que não fazem uso de opioides. Os limites de 1 e 4 horas podem ser usados para limitar a dosagem global, mas deve-se tomar cuidado para não utilizar limites muito estreitos, de modo que o paciente use todos os bólus disponíveis logo no início do intervalo de tempo e sem possibilidade de obter analgesia para o tempo restante. A ACP pode resultar em sobredosagem e depressão respiratória. Os efeitos colaterais incluem náusea, prurido e alteração do estado mental. Os fatores de risco incluem síndrome da apneia obstrutiva do sono, insuficiência renal ou hepática, lesão encefálica e alteração do estado mental.

Analgesia regional e neuroaxial A infusão peridural proporciona um melhor controle da dor ao movimento, redução das complicações respiratórias e redução de íleo paralítico pós-operatório em comparação com os opioides sistêmicos. O posicionamento do cateter deve corresponder ao nível do dermátomo da incisão cirúrgica. O anestésico local peridural proporciona analgesia somática, mas pode causar hipotensão e fraqueza. Os opioides peridurais fornecem analgesia com boa cobertura da dor visceral, mas podem causar prurido e depressão respiratória. A combinação de opioides e anestésicos locais é sinérgica e permite doses reduzidas em comparação com infusões de agente único, minimizando os efeitos colaterais. A clonidina pode ser um adjuvante útil, mas pode causar hipotensão e sedação. A hipotensão geralmente responde à administração de líquidos. O prurido é devido à ligação espinal μ e é independente da histamina. Dessa forma, o melhor tratamento é feito com uma dose baixa de opioides mistos agonistas-antagonistas, tais como a nalbufina. As infusões peridurais geralmente são contínuas e também podem incluir um bólus administrado pelo próprio paciente. Os bloqueios de nervos periféricos e cateteres contínuos também são componentes importantes do tratamento multimodal da dor. A discussão dessa área da anestesia situa-se além do escopo deste capítulo, mas encontra-se, de forma ampla, no Capítulo 21.

C. Casos especiais na dor aguda Pacientes pediátricos O manejo da dor aguda em pacientes pediátricos deve ser adaptado para cada criança e sua família. A avaliação da dor às vezes é difícil em crianças mais novas, mas a família e outros cuidadores podem auxiliar nessa avaliação. Podem ser empregadas as mesmas técnicas em crianças e adultos. Em crianças mais velhas, a ACP é segura, desde que apenas o paciente aplique uma dose de bólus. As infusões peridurais e os bloqueios de nervos periféricos guiados pelo ultrassom são úteis e são comumente posicionados após a indução anestésica, em vez de colocados no paciente acordado, como em adultos. A injeção caudal de anestésico local é um excelente tratamento para a dor pós-operatória para procedimentos perineais, da extremidade inferior, e da região abdominal inferior. Os anestésicos locais devem ser dosados de acordo com o peso.

Paciente opioide-dependente O controle da dor no paciente opioide-dependente pode ser um desafio no contexto perioperatório e normalmente requer uma abordagem multimodal. Um tratamento

709

Os parâmetros programáveis quando se administra analgesia intravenosa controlada pelo paciente incluem bólus inicial, dose de demanda e intervalo entre as doses, taxa de infusão basal e um limite de 1 ou 4 horas.

710

Fundamentos de anestesiologia clínica

As necessidades de opioides no paciente opioide-dependente são aproximadamente o dobro da sua linha basal no período pósoperatório.

bem-sucedido baseia-se na identificação desses pacientes e no estabelecimento de metas apropriadas, por isso deve-se pesquisar durante a avaliação pré-operatória quais medicamentos analgésicos estão em uso. Como regra geral, o período perioperatório não é o momento para o desmame de opioides em uso. As observações clínicas mostram que as necessidades de opioides praticamente dobram no período pós-operatório. O opioide de longa ação que o paciente toma deve ser mantido inalterado. Se o estado de jejum proíbe a administração de medicação oral, a quantidade de analgésico equivalente deve ser administrada como infusão basal na ACP. A dose de bólus deve ser calculada em 25 a 50% mais alta do que para um indivíduo que nunca fez uso de opioides. A analgesia regional e peridural são úteis na redução da dosagem opioide global, embora se deva tomar cuidado para não administrar opioides em mais de uma via. Para evitar o efeito cumulativo, as infusões peridurais muitas vezes consistem no uso de apenas anestésicos locais combinados com ACP com opioides por via intravenosa. A cetamina, os AINEs, os antiepilépticos, o paracetamol e os antidepressivos podem ajudar no controle da dor e também podem reduzir o uso de opioides. No pós-operatório, os medicamentos devem ser reduzidos à linha de base.

V. Dor crônica A. Manejo das síndromes dolorosas comuns A lombalgia é uma queixa muito comum no mundo todo, é responsável por muitas consultas nos departamentos de emergência, nos serviços de atenção básica e especialistas e gera gastos de bilhões de dólares com cuidados de saúde e perda de produtividade. A lombalgia e dor nas nádegas podem ter inúmeras etiologias possíveis, incluindo herniação discal ou distúrbio interno, síndrome da articulação facetária, síndrome do piriforme, síndrome da articulação sacrilíaca, dor miofascial e fibromialgia, bem como fraturas de compressão do corpo vertebral, lesões metastáticas vertebrais e infecções vertebrais (3).

Dor lombar baixa: síndromes dolorosas radiculares Quando a dor se irradia em uma distribuição de dermátomo, ela é considerada radicular e pode ser acompanhada de fraqueza, reflexos deprimidos, dormência e formigamento na mesma distribuição de dermátomo (Fig. 37.5, Tab. 37.4). A dor geralmente é aguda e lancinante. O exame físico frequentemente revela uma marcha antálgica, TABELA 37.4 Inervação muscular e reflexos tendíneos profundos por nível vertebral Nível vertebral

Ação muscular

Reflexos

C5

Abdução do ombro

Bíceps

C6

Flexão do cotovelo

Braquirradial

C7

Extensão do cotovelo

Tríceps

C8

Extensão do polegar



L2

Flexão do quadril



L3

Extensão do joelho



L4

Dorsiflexão do tornozelo

Patela

L5

Extensão do hálux

Tendão isquiotibial medial

S1

Flexão plantar do tornozelo

Tendão do calcâneo

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

711

C2

C5

C3

C6

C2 C3 C4 T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10

C5 T2

C6

T1

T11 T12

C4

T2 T3 T4 T5 T6 T7 T8 T9 T10 T11 T12 L1 L2

C5 T2

T1

C6

L3

L1 C6

S5

C7

C7 C8

S3 L2

C8 S3

S4

L2

S4

L3 S2 L3

S2

L5 L4

L4 L5

S1 L5 S1

Anterior Vista anterior view

Vista Posterior posterior view

FIGURA 37.5 Mapa de dermátomos para localização do nível afetado e planejamento do posicionamento peridural adequado. (De Moore KL, Agur AMR, Dalley II AF. Clinically Oriented Anatomy, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013, with permission.)

um teste de positivo na elevação da perna estendida, reflexos diminuídos ou ausentes, redução da força e diminuição da sensibilidade no nível medular afetado. A dor radicular é comumente o resultado de irritação ou disfunção da raiz do nervo espinal no espaço peridural, que pode ser devido à estenose do forame do nervo ou a uma herniação discal, causando compressão e iniciando a cascata inflamatória. O exame de imagem vertebral pode ser útil para o diagnóstico, mas as hérnias discais em geral são assintomáticas. O tratamento de síndromes de dor radicular deve ser feito de forma multimodal. Medicamentos AINEs, esteroides orais, fisioterapia, curtos períodos de repouso no leito e medicamentos para dor neuropática tais como a gabapentina ou pregabalina podem ser úteis. Se os sintomas não respondem a essas medidas, a injeção peridural de esteroide (corticosteroides) (IEE) pode reduzir a inflamação no espaço peridural por meio da redução da atividade da fosfolipase A2. Os corticosteroides também bloqueiam as fibras C, causando antinocicepção diretamente. As IEEs também demonstraram oferecer um alívio da dor radicular durante um curto prazo (< 3 meses). São mais eficazes em pacientes com radiculite aguda e menos eficazes no manejo de sintomas crônicos e dor não radicular. A cirurgia não parece produzir melhores resultados a longo prazo para a radiculite do que uma abordagem conservadora. A história

As injeções peridurais de esteroides são mais eficazes em pacientes com radiculite aguda e menos eficazes no manejo dos sintomas crônicos e na dor não radicular. A cirurgia parece não produzir resultados melhores a longo prazo para a radiculite do que uma abordagem conservadora.

712

Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 37.6 Vista lateral de uma abordagem interlaminar mostrando disseminação do contraste predominante no espaço peridural posterior, com disseminação mínima para dentro do espaço peridural anterior.

natural da dor lombar baixa e dor radicular decorrente de uma hérnia discal é a melhora gradual com medidas conservadoras. Assim, o uso de esteroides peridurais pode minimizar o uso de outros medicamentos sistêmicos e seus efeitos colaterais inerentes. A IEE é feita para dor lombar baixa, com ou sem radiculite. Uma vez localizado o nível pretendido por meio da fluoroscopia, a pele é anestesiada. Na abordagem interlaminar, uma agulha peridural é avançada através da pele, do tecido subcutâneo, ligamento supraespinal, ligamento interespinal e, por fim, ligamento flavo. A técnica da perda da resistência é usada para detectar a penetração no ligamento flavo e a localização do espaço peridural posterior. Alternativamente, pode ser usada uma abordagem transforaminal, que direciona o esteroide mais anteriormente, próximo à interface disco-nervo. Nessa técnica, o ponto de entrada situa-se fora da linha média para o lado afetado, e a agulha é dirigida através da pele e da musculatura paravertebral, trafegando medialmente em relação ao forame intervertebral. Em ambas as técnicas, uma pequena quantidade de contraste radiopaco é injetada para confirmar o posicionamento peridural, sem captação vascular, seguido de injeção de corticosteroide diluído em anestésico local ou soro fisiológico (Fig. 37.6). Existem vários ensaios clínicos randomizados que investigam a eficácia de IEE com resultados variáveis (4). A maioria mostra um alívio a curto prazo dos sintomas de radiculopatia lombar. Existem menos estudos sobre as injeções peridurais de esteroides na radiculopatia cervical, mas esses também mostram um alívio dos sintomas a curto prazo (5). Houve comparações entre as abordagens transforaminais e interlaminares, que geralmente favorecem a técnica transforaminal. A comparação transforaminal com interlaminar lateral (parassagital) mostrou melhor propagação do contraste nas injeções parassagitais, mas uma eficácia global semelhante. O alívio a curto prazo obtido com IEE pode ser útil para que o paciente volte a sua função, reduzindo a toxicidade de medicamentos sistêmicos, mas ela deve ser usada como um adjuvante da terapia multimodal e não como tratamento único.

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

A IEE é segura quando feita por um médico treinado em um paciente que possua indicação. As complicações incluem hematoma peridural e infecção, e ambos podem causar déficit neurológico irreversível. A incidência de hematoma é reduzida pela interrupção do uso de agentes antiplaquetários e anticoagulantes (6). A punção acidental da artéria radicular durante a IEE lombar transforaminal ou da artéria vertebral durante a IEE cervical transforaminal pode resultar em uma lesão traumática, vasoespasmo ou embolia de esteroides, que, por sua vez, pode causar infarto cerebral ou medular. Além disso, a absorção sistêmica de corticosteroides pode causar efeitos secundários. A pressão arterial e os níveis da glicemia sérica podem sofrer elevação durante uma semana após a IEE. Os corticosteroides exógenos podem suprimir o eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal, sendo que uma única dose pode reduzir os níveis plasmáticos de cortisol e corticotropina por semanas. A pressão arterial também pode aumentar. O paciente deve ser reavaliado 2 a 3 semanas após a IEE. Se não houver resposta a uma injeção isolada, ela pode ser repetida mais uma vez, pois alguns pacientes que não apresentaram melhoras com uma injeção podem melhorar após uma segunda aplicação. Uma terceira injeção pode ser realizada se houver um alívio parcial, mas mais do que três injeções (independentemente do alívio) não são aconselháveis.

Dor lombar: síndrome facetária Outro diagnóstico comum que causa dor lombar baixa é a síndrome facetária lombar. Existem duas colunas de articulações facetárias na coluna, localizadas posterior e lateralmente aos discos intervertebrais bilateralmente. Com frequência elas transmitem de 10 a 15% do peso corporal e estão sujeitas a artrite e sobrecarga na presença de espondilolistese e degeneração discal. A dor é axial e pode irradiar para as nádegas e região posterior da coxa no lado afetado. O exame físico é positivo para sensibilidade muscular paraespinal e dor com rotação ipsilateral durante a extensão. As articulações facetárias são inervadas pelos ramos mediais dos ramos dorsais, de modo que o alívio da dor decorrente de bloqueio do ramo medial ou de injeções da articulação facetária pode confirmar o diagnóstico. As injeções intra-articulares da articulação facetária podem produzir analgesia de longa duração. Se o alívio da dor for transitório e se houver alívio a partir de bloqueio do ramo medial, pode ser realizada uma ablação com radiofrequência dos ramos mediais (7).

Dor nas nádegas: síndrome da articulação sacroilíaca A dor da articulação sacroilíaca (SI) é comumente descrita como próxima da crista ilíaca superior posterior (CISP) e nas nádegas. Ela pode irradiar para a região posterior da coxa e panturrilha, bem como para a virilha. O exame físico é significativo para dor com palpação da CISP e manobras que estressam a articulação, tais como a manobra de FABER, Gaenslen ou Yeoman. O tratamento da síndrome articular SI pode incluir fisioterapia, AINEs, injeções intra-articulares com esteroides, denervação por radiofrequência do ramo medial L5 e ramos sacrais laterais (S1-S3) e fusão cirúrgica.

Dor nas nádegas: síndrome piriforme A síndrome piriforme é outra etiologia de dor nas nádegas e na perna. O músculo piriforme se origina na região sacral ventral, sai da pele por meio do forame isquiático maior e se insere no trocanter maior. Esse músculo roda internamente o quadril estendido e roda externamente o quadril fletido. A dor na nádega ocorre devido à irritação muscular, tal como decorrente de trauma, infecção ou cirurgia. A dor pode irradiar para a região posterior da coxa e panturrilha, indicando irritação do nervo ciático causada pelo músculo piriforme. A dor é normalmente pior quando o paciente fica sentado por tempo prolongado ou quando ele se move da posição sentada para a posição em pé. O exame físico revela dor à Flexão, Adução e Rotação Interna (FAIR, do inglês flexion, adduction, internal, rotation, Lasègue),

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Fundamentos de anestesiologia clínica dor ou fraqueza com abdução resistida com o quadril fletido (Pace) e dor à rotação interna passiva de uma coxa estendida (sinal de Freiberg). A tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética podem mostrar um piriforme aumentado de tamanho; a eletromiografia pode mostrar sinais de neuropatia ou miopatia, mas o diagnóstico é clínico. O tratamento inclui fisioterapia, AINEs e relaxantes musculares. As injeções de anestésicos locais e esteroides no ventre muscular também podem ser úteis.

Síndrome da dor miofascial Os pontos gatilho (trigger points) são áreas focais e palpáveis de dor no músculo ou na fáscia. A palpação desses nódulos pode provocar uma resposta em contração ou dor irradiada reproduzível em uma distribuição característica do músculo envolvido. A síndrome da dor miofascial é uma dor local, regional e referida que se origina desses pontos gatilho. O tratamento da síndrome da dor miofascial inclui massagem e alongamento, treinamento postural, fisioterapia, injeções nos pontos gatilho com anestésico local ou toxina botulínica e agulhamento seco.

Fibromialgia

A probabilidade do desenvolvimento de NPH é diminuída pela pronta administração de fármacos antivirais.

A fibromialgia é um distúrbio doloroso crônico associado a dor disseminada e anormalidade sensorial dos tecidos moles. O diagnóstico é feito quando existe uma história de pelo menos três meses de dor difusa e alodinia à palpação de 11 a 18 pontos dolorosos. Os sintomas associados são distúrbio do sono, fadiga e disfunção cognitiva. Outras síndromes de dor regional (cefaleias, síndrome do intestino irritável, disfunção da articulação temporomandibular, cistite intersticial) também podem estar presentes. O tratamento da fibromialgia é multimodal e deve incluir um programa de exercícios, terapia cognitiva comportamental e medicamentos. Os opiáceos são geralmente ineficazes, mas os IRSNs (p. ex., milnacipran, duloxetina), pregabalina e amitriptilina podem ser úteis.

Síndromes de dor neuropática Herpes-zóster e neuralgia pós-herpética

A síndrome de dor complexa regional apresenta diagnóstico clínico quando critérios da história e exame físico específicos são preenchidos.

A dor associada com o herpes-zóster acompanha e ocasionalmente precede a erupção das vesículas. O quadro normalmente é bem manejado com analgésicos, e a resolução ocorre com a cura da erupção, mas pode persistir por mais de três meses e tornar-se uma neuralgia pós-herpética (NPH). A incidência global de desenvolvimento de NPH situa-se entre 10 e 15%, mas a taxa aumenta abruptamente após os 65 anos de idade, de tal modo que 30 a 50% dos pacientes idosos com zóster desenvolvem NPH. Além da idade avançada, outros fatores de risco incluem a alta intensidade da dor durante o zóster, gravidade da erupção do zóster e os pródromos dolorosos. A probabilidade de desenvolver NPH é reduzida com a administração imediata de fármacos antivirais como aciclovir, famciclovir e valaciclovir. Existem dados conflitantes sobre o uso de injeções peridurais de esteroides como profilaxia contra NPH, mas elas podem ser consideradas em indivíduos de alto risco entre 2 a 4 semanas após o início da erupção. O tratamento da NPH é primariamente medicamentoso, baseado no uso de anticonvulsivantes, tais como a gabapentina e a pregabalina, e de opioides, tais como os antidepressivos e a nortriptilina. Medicamentos tópicos, como adesivos de lidocaína e capsaicina, também podem ser úteis. Se os medicamentos não forem eficazes, uma abordagem intervencionista pode ser útil. Pode-se considerar a estimulação medular e a aplicação intratecal de álcool (8).

Neuropatia diabética dolorosa A neuropatia periférica é uma consequência comum da isquemia neural crônica em pacientes diabéticos de longa data. A incidência aumenta com a idade, duração do

Capítulo 37 TABELA 37.5

Manejo da dor aguda e crônica

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Critérios de Budapeste para a síndrome da dor complexa regional

1. Dor contínua, que é desproporcional para qualquer evento desencadeante 2. Deve apresentar pelo menos 1 sinal no momento da avaliação em duas ou mais das categorias abaixo: a. Sensorial b. Vasomotora c. Sudomotora/edema d. Motora/trófica 3. Deve informar pelo menos um sintoma em três das quatro categorias abaixo: a. Sensorial b. Vasomotora c. Sudomotora/edema d. Motora/trófica 4. Não há nenhum outro diagnóstico que explique melhor os sinais e sintomas De Harden RN, Bruehl S, Stanton-Hicks M, et al. Proposed new diagnostic criteria for complex regional pain syndrome. Pain Med.2007;8:326–331, com permissão.

diabetes e gravidade da hiperglicemia. Os subtipos mais comuns são a polineuropatia distal simétrica, neuropatia do mediano e neuropatia visceral autonômica. Não se sabe por que alguns pacientes apresentam neuropatia dolorosa e outros não. Os inibidores da recaptação da serotonina-noradrenalina (p. ex., duloxetina, milnacipran) são considerados o tratamento de primeira linha devido a sua eficácia e perfil favorável de efeitos colaterais. Outros medicamentos úteis incluem gabapentina, pregabalina e nortriptilina. Se esses forem ineficazes, os opioides podem fornecer analgesia adicional. Acredita-se que os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) não sejam eficazes. Além desses medicamentos, é necessário um controle rigoroso dos níveis de glicose.

Síndrome de dor complexa regional A síndrome de dor complexa regional (SDCR) é uma síndrome dolorosa crônica que pode se desenvolver após uma lesão nervosa conhecida (tipo II, anteriormente denominada causalgia) ou na ausência de uma lesão nervosa prévia (tipo I, antigamente conhecida como distrofia simpática reflexa). Caracteriza-se por sinais e sintomas de múltiplas categorias: sensorial, sudomotora, vasomotora e motora/trófica (9). As alterações sensoriais incluem alodinia, hiperalgesia, hiperestesia ou dor espontânea. As alterações sudomotoras são alterações da sudorese ou edema. Os sintomas vasomotores são anormalidades de temperatura ou alterações na coloração da pele. As deficiências

TABELA 37.6

Medicamentos recomendados para condições dolorosas crônicas

Neuralgia pós-herpética

Neuropatia diabética Vírus da imunodeficiência dolorosa Lesão medular Fibromialgia humana

Pregabalina Gabapentina Opioide Antidepressivos Tramadol Adesivo de lidocaína

Duloxetina Pregabalina Gabapentina Antidepressivos

Pregabalina Gabapentina Lamotrigina Lidocaína IV Mexiletina

Duloxetina Pregabalina Milnacriprana Tramadol

Lamotrigina Gabapentina

IV, intravenoso. Adaptada de Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1642.

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Fundamentos de anestesiologia clínica motoras incluem redução da amplitude do movimento, fraqueza, tremor ou negligência do membro. As alterações tróficas são alterações do crescimento do cabelo e das unhas (Tab. 37.5). Os fatores de risco incluem sexo feminino, lesão relacionada ao trabalho e cirurgia prévia. O diagnóstico é clínico, mas pode ser reforçado por osteopenia nas radiografias e alterações metabólicas na cintilografia óssea de três fases. O tratamento deve ser multimodal e dirigido para a restauração funcional, manejo da dor e tratamento psicológico. A fisioterapia é útil para a dessensibilização e fortalecimento. Os medicamentos podem incluir gabapentina, pregabalina, duloxetina, nortriptilina, memantina, opioides, calcitonina e bifosfonados. Bloqueios simpáticos e estimulação medular são abordagens intervencionistas para analgesia.

Neuropatia do vírus da imunodeficiência humana A neuropatia do HIV pode ser relacionada ao vírus ou decorrente de inibidores da transcriptase reversa, usados para o tratamento da infecção. Alodinia e hiperalgesia são mais comumente localizadas nas extremidades inferiores e podem responder à lamotrigina ou gabapentina (Tab. 37.6).

Dor fantasma A sensação de membro fantasma pode ser vivenciada por até 80% dos pacientes com amputações das extremidades, mas a dor fantasma é significativamente menos comum. A incidência pode ser reduzida por meio do controle pré-operatório adequado da dor antes da amputação. A infusão peridural e os bloqueios contínuos de plexo são os métodos de controle da dor. O tratamento também prevê o uso de opioides, gabapentina e antagonistas NMDA, tais como cetamina e memantina, e antidepressivos. As técnicas não farmacológicas incluem o biofeedback, a terapia do espelho, a estimulação elétrica transcutânea de nervos e a estimulação medular.

Dor do câncer A dor do câncer é comum em até 90% dos pacientes com doença avançada. A dor pode ser somática, que responde bem a opioides, AINEs e bloqueio neural; visceral, que responde bem a bloqueios simpáticos; e neuropática, que pode ser tratada com opioides, IRSNs, antiepilépticos e ADTs. Embora os opioides sejam fundamentais para o tratamento da dor relacionada ao câncer, o manejo deve incluir uma combinação de agentes farmacológicos, tratamento antineoplásico (quimioterapia, irradiação), procedimentos intervencionistas, se necessário, e assistência psicológica (10).

Bloqueios neurolíticos para dor visceral do câncer Os órgãos abdominais, com exceção do colo descendente do intestino, são inervados pelo plexo celíaco, situado sobre a superfície anterior da aorta ao nível L1. O plexo celíaco é composto de fibras simpáticas provenientes dos nervos esplâncnicos maior, menor e mínimo, bem como de fibras parassimpáticas do nervo vago. A redução da dor oriunda dos órgãos abdominais, como a dor associada ao câncer pancreático, pode ser feita com o bloqueio dos nervos esplâncnicos na margem inferior de T12 ou o bloqueio retrocrural ou anterocrual do plexo anterior junto ao corpo vertebral L1. A assistência por fluoroscopia ou tomografia computadorizada é obrigatória. O álcool (50-100%) ou fenol (6% aquoso) são usados para coagular os nervos-alvo, fornecendo um alívio da dor durante semanas a meses antes que os nervos regenerem. As complicações podem incluir hipotensão ortostática, diarreia transitória, dissecção da aorta, dor nas costas, hematoma retroperitoneal, hematúria, pleurisia, soluços e paraplegia. Os órgãos pélvicos são inervados pelo plexo hipogástrico superior, a continuação da cadeia simpática. O plexo está localizado anteriormente em relação ao espaço

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

discal L5-S1 e pode ser bloqueado bilateralmente ou por meio de uma agulha única transdiscal. A área perineal, incluindo o reto distal, o ânus, a vulva, a vagina distal e a uretra distal, é inervada pelo gânglio ímpar, a terminação da cadeia simpática. Trata-se de uma estrutura medial, localizada anteriormente à junção sacrococcígea. A abordagem transcoccígea é a mais comumente usada, na qual uma agulha é posicionada através do ligamento sacrococcígeo até que sua ponta se encontre imediatamente anterior ao sacro distal.

Procedimentos intervencionistas Procedimentos intradiscais A discograf ia é um procedimento diagnóstico usado para determinar a presença de descontinuidade discal e para correlacionar esses achados com os sintomas. É útil quando o disco sintomático é desconhecido ou para confirmar que o disco sintomático está incluído na área de fusão prevista. Durante o procedimento, o contraste é injetado nos discos sob pressão com uso de um manômetro. A fluoroscopia é usada para visualizar a distribuição do contraste dentro do disco, e o paciente relata se a dor produzida pela pressurização é igual à sua dor habitual. As complicações da discografia incluem piora da dor, lesão discal e discite. Antibióticos profiláticos são administrados de rotina. A terapia eletrotérmica intradiscal (TEID) é um procedimento terapêutico para a dor discogênica no qual um cateter com resistência térmica é posicionado percutaneamente no disco posterior, entre o anel fibroso e o núcleo pulposo. O cateter é então aquecido, provocando a contração da cartilagem na parede discal posterior e a ruptura das fibras nervosas. Apesar da evidência para a eficácia do procedimento, a TEID raramente é realizada devido à falta de cobertura pelos planos de saúde. A nucleoplastia, uma descompressão discal percutânea, é um procedimento terapêutico para remover ou coagular parte do núcleo pulposo em um disco herniado. Uma agulha introdutora é posicionada e por meio dela um eletrodo entra no disco e vaporiza ou remove porções discais. A pressão intradiscal é diminuída, aliviando os sintomas. As evidências para a nucleoplastia são limitadas, e ela raramente é realizada. As complicações da TEID e da nucleoplastia são semelhantes e incluem lesão da raiz nervosa, dor na perna, infecção, hematoma, punção dural, quebra do cateter e lesão medular ou da cauda equina.

Procedimento de descompressão lombar minimamente invasiva O procedimento de descompressão lombar minimamente invasiva está indicado para o tratamento da estenose vertebral relacionada à hipertrofia do ligamento amarelo. Uma agulha peridural é posicionada e realiza-se uma epidurografia, seguida pelo desbastamento da lâmina e redução do tamanho do ligamento flavum. Isso descomprime parcialmente o canal central e alivia os sintomas da dor lombar e claudicação neurogênica.

Vertebroplastia e cifoplastia A vertebroplastia e a cifoplastia são procedimentos para o tratamento de fraturas dolorosas de compressão do corpo vertebral. Em ambos os procedimentos, os trocares são inseridos via percutânea no corpo vertebral fraturado, seja por meio do pedículo ou por via extrapedicular. Pode ser feita uma biópsia óssea. Na cifoplastia, um balão é inflado dentro da fratura do corpo vertebral para restaurar sua altura e corrigir o defeito cifótico. A cavidade do balão é, então, preenchida com cimento. Na vertebroplastia, o cimento é injetado diretamente na trabécula fraturada. Em ambos os procedimentos, os pacientes permanecem na posição supina por várias horas durante a observação do estado neurológico. As complicações podem incluir hematoma, vazamento do cimento

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Fundamentos de anestesiologia clínica para dentro da vasculatura, resultando em embolia pulmonar, e retropulsão dos fragmentos ósseos ou cimento para dentro do canal vertebral, causando déficit neurológico. As sequelas a longo prazo podem incluir o retorno dos sintomas dolorosos e fraturas em outros níveis vertebrais.

Neuromodulação A estimulação da medula espinal é uma modalidade usada para o tratamento da dor crônica na qual eletrodos são posicionados no espaço peridural ao longo das colunas dorsais. A estimulação desses tratos provoca uma sensação de vibração ou formigamento, que substitui a sensação de dor. O estimulador aumenta a descarga das grandes fibras A␤, responsáveis pela sensação de toque. Essas fibras A␤ causam excitação de interneurônios na substância gelatinosa, que inibem a transmissão de sinais das pequenas fibras C, mediadoras da dor. A estimulação medular pode ser útil para controlar os sintomas e reduzir o uso de opioides em pacientes com cirurgia lombar falha, dor neuropática e SDCR, angina e isquemia crônica de membros. Os pacientes devem, inicialmente, passar por um processo de triagem psicológica para determinar sua adequação ao tratamento e obter alívio adequado da dor a partir de eletrodos temporários anteriores à implantação permanente. Os eletrodos podem ser implantados por via percutânea de forma ambulatorial e são deixados no lugar por 5 a 7 dias. Eletrodos permanentes podem ser implantados por via percutânea ou por laminectomia. Os eletrodos saem do espaço peridural por tunelização e são ligados a uma bateria implantada no subcutâneo. A estimulação de nervo periférico é indicada para o tratamento da dor originária de um nervo periférico único, tal como a neuralgia occipital ou supraorbital. Os eletrodos são implantados usando-se a orientação de ultrassom para serem posicionados ao lado do nervo doloroso. De modo semelhante à estimulação da medula espinal, acredita-se que o mecanismo de estimulação do nervo periférico envolve o controle das comportas da dor.

Administração intratecal de fármaco Os sistemas de administração de fármacos por via intratecal ou por bombas intratecais consistem em um cateter intratecal tunelizado sob a pele, que vai até uma bomba internalizada e ao reservatório do fármaco. Os medicamentos infundidos podem incluir opioides, bupivacaína e clonidina. A ziconotida é usada para a dor neuropática, e o baclofeno está indicado para a espasticidade. Os opioides mais comumente usados são morfina, hidromorfona e fentanil. Os opioides intratecais estão indicados na dor maligna, quando os opioides orais e transdérmicos não conseguiram fornecer o alívio adequado apesar da dosagem apropriada ou quando os efeitos colaterais limitam o aumento da titulação de opioides. Os medicamentos são liberados no líquido espinal e atravessam a barreira hematoencefálica, permitindo doses eficazes mais baixas e tendo um melhor perfil de efeitos colaterais. Os efeitos colaterais podem incluir depressão respiratória, cefaleia, prurido, edema periférico, formação de granulomas e disfunção hormonal.

Referências 1. Merksey H, Boguk N. A current list with definitions and notes on usage. In Classification of Chronic Pain, 2nd ed. Seattle: IASP Press; 1994. Available at: www.iasp-pain. org/Education/Content.aspx?ItemNumber=1698.

Capítulo 37

Manejo da dor aguda e crônica

2. Macres SM, Moore PG, Fishman SM. Acute pain management. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1611–1644. 3. Benzon HT, Hurley RW, Deer T, et al. Chronic pain management. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:1645–1671. 4. Benyamin RM, Manchikanti L, Parr AT, et al. The effectiveness of lumbar interlaminar epidural injections in managing chronic low back and lower extremity pain. Pain Phys. 2012;15:E363–E404. 5. Diwan S, Manchikanti L, Benyamin RM, et al. Effectiveness of cervical epidural injections in the management of chronic neck and upper extremity pain. Pain Phys. 2012; 15:E405–E434. 6. Horlocker TT, Wedel DJ, Rowlingson JC, et al. Regional anesthesia in the patient receiving antithrombotic or thrombolytic therapy: American Society of Regional Anesthesia and Pain Medicine Evidence-Based Guidelines (third edition). Reg Anesth Pain Med. 2010;35:64–101. 7. Lord SM, Barnsley L, Wallis BJ, et al. Percutaneous radio-frequency neurotomy for chronic cervical zygapophyseal-joint pain. N Engl J Med. 1996;23:1721–1726. 8. Hurley RW, Henriquez OH, Wu CL. Neuropathic pain syndromes. In: Benzon HT, ed. Raj’s Practical Management of Pain. 5th ed. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2014:346–361. 9. Harden RN, Bruehl S, Stanton-Hicks M, et al. Proposed new diagnostic criteria for complex regional pain syndrome. Pain Med. 2007;8:326–331.

10. Swarm R, Abernethy AP, Anghelescu DL, et al. Adult cancer pain. J Natl Comp Canc Netw. 2010;9:1046–1086.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A dependência de fármacos é melhor descrita como: A. O fenômeno de redução do efeito de uma quantidade dada de medicamento B. A condição fisiológica de sintomas de abstinência quando o opioide é suspenso C. Uma doença marcada por alteração comportamental de busca da substância desejada apesar das consequências negativas D. Comportamento aberrante de busca do fármaco devido a um tratamento insuficiente da dor 2. Qual dos fármacos abaixo fornece analgesia e não tem efeitos anti-inflamatórios? A. Ibuprofeno B. Naproxeno C. Paracetamol D. Cetorolaco 3. Por que os anticonvulsivantes são úteis no tratamento da dor neuropática? A. Os anticonvulsivantes reduzem os sinais ectópicos dos neurônios B. A dor neuropática é causada por convulsões C. A lesão crônica do nervo periférico provoca convulsões D. Eles aumentam a transmissão por meio dos canais de sódio 4. Para quais pacientes está indicada uma taxa de infusão basal de opioide para a analgesia controlada pelo paciente? A. Pacientes cuja dor não é controlada com doses de bólus B. Pacientes que apresentam um risco de depressão ventilatória C. Pacientes tolerantes a opioides D. Pacientes idosos

5. A melhor estratégia para fornecer analgesia perioperatória para pacientes opióide-dependentes que estão em jejum é: A. Desmamar o paciente do uso crônico de opioide B. Usar infusão IV contínua de opioide para substituir o opioide oral de longa ação e fornecer a dose de demanda de opioide por ACP C. Adicionar analgésico opioide peridural à ACP IV com opioide para fornecer dose de opioide equianalgésica ao consumo oral crônico D. Evitar o uso de cetamina 6. As injeções peridurais de esteroides são mais eficazes em pacientes: A. Com dor crônica B. Com dor não radicular C. Com radiculite aguda D. Nos quais a cirurgia não alivia a dor 7. A probabilidade de desenvolvimento da neuralgia pós-herpética é reduzida mais efetivamente por meio de(a): A. Pronta administração de fármacos antivirais B. Uso de fármacos anticonvulsivantes durante a erupção aguda do herpes C. Administração de esteroides orais D. Uso de adesivo dérmico de lidocaína no dermátomo afetado 8. O diagnóstico da síndrome da dor complexa regional: A. Requer achados positivos na ressonância magnética B. Não pode ser feito sem uma radiografia plana da área afetada C. Requer a avaliação de um psiquiatra D. É um diagnóstico de exclusão

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos diagnósticos e terapêuticos especiais Karen J. Souter Isuta Nishio

A anestesia fora do centro cirúrgico (AFCC) refere-se a serviços anestésicos fornecidos fora de centros cirúrgicos tradicionais. Essas localizações incluem (mas não se limitam a) departamentos de radiologia, salas de endoscopia, salas de ressonância magnética (RM) e de tomografia computadorizada (TC), salas de cateterização cardíaca e laboratórios de eletrofisiologia (EF). Esses casos atendidos fora do centro cirúrgico são responsáveis por uma porção significativa do trabalho procedural dos hospitais, e, cada vez mais, os pacientes ou procedimentalistas exigem ou solicitam anestesia ou sedação para facilitar esses procedimentos. Este capítulo discutirá os cuidados de pacientes que necessitam de anestesia ou sedação para procedimentos realizados fora do centro cirúrgico. A anestesia para procedimentos cirúrgicos realizados em consultórios e centros de cirurgia ambulatorial é abordada no Capítulo 25, e a anestesia e a analgesia previstas para o trabalho de parto são discutidas no Capítulo 31.

I. Abordagem em três passos da anestesia fora do centro cirúrgico A AFCC abrange um espectro diversificado de pacientes, procedimentos e locais, e uma abordagem sistemática é recomendada. O paradigma simples dos três passos – o paciente, o procedimento e o ambiente – pode ser um mnemônico útil para AFCC (Fig. 38.1).

A. O paciente Os pacientes podem necessitar de sedação ou anestesia para tolerar procedimentos FCC por diversas razões (Tab. 38.1). As crianças muitas vezes necessitam de sedação ou anestesia para procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Pacientes com comorbidades significativas ou doença cirúrgica podem estar muito doentes para tolerar um procedimento cirúrgico principal, ao passo que um procedimento paliativo fora do centro cirúrgico pode ser possível. Todos os pacientes que se apresentam para AFCC necessitam de uma avaliação pré-anestésica completa e um plano anestésico seguro com níveis de monitoração adequada.

B. O procedimento Procedimentos FCC comuns para os quais o paciente pode necessitar de anestesia ou sedação estão listados na Tabela 38.2. O anestesiologista deve compreender todos os detalhes do procedimento FCC, especificamente a posição que o paciente assumirá,

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Paciente

Anestesiologista

Procedimento

FIGURA 38.1

Ambiente

Paradigma simples em três passos para a anestesia fora do centro cirúrgico.

quão doloroso será o procedimento, quanto tempo vai demorar e quaisquer necessidades especiais (tais como o uso de um meio de contraste ou a necessidade de acordar o paciente no meio do procedimento). A comunicação pré-operatória com o executor do procedimento é fundamental e deve incluir a discussão de planos de contingência para emergências e complicações.

C. O ambiente VÍDEO 38.1 Anestesia em lugares remotos

Ao contrário dos centros cirúrgicos, as condições sob as quais os serviços FCC são prestados podem variar muito em termos de espaço, equipamento e pessoal disponível. Uma série de fatores faz com que os locais FCC sejam pouco familiarizados, e os ambientes menos ideais para os provedores de anestesia (Fig. 38.2): 1. Esses locais muitas vezes foram concebidos antes ou sem considerar se uma anestesia seria necessária para os pacientes que buscam atendimento. O acesso do anestesiologista ao paciente é muitas vezes limitado por equipamentos diagnósticos e terapêuticos, como os aparelhos de TC e RM, fluoroscópios ou torres de endoscopia. 2. Existem riscos exclusivos de locais específicos, tais como a radiação na fluoroscopia e TC e o campo magnético na RM.

TABELA 38.1 Fatores do paciente que requerem sedação ou anestesia para procedimentos fora do centro cirúrgico • Claustrofobia, ansiedade e distúrbios do pânico • Paralisia cerebral, retardo do desenvolvimento e dificuldades de aprendizado • Distúrbios convulsivos, distúrbios do movimento e contraturas musculares • Dor relacionada ao procedimento ou posicionamento, ou dor não relacionada • Trauma agudo com instabilidade cardiovascular, respiratória ou neurológica • Aumento da pressão intracraniana • Comorbidade significativa e fragilidade do paciente (graus III e IV da American Society of Anesthesiologists [ASA]) • Idade da criança, especialmente crianças < 10 anos de idade

Capítulo 38 TABELA 38.2

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos...

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Procedimentos anestésicos comuns fora do centro cirúrgico

Exames radiológicos

Tomografia computadorizada Ressonância magnética Tomografia por emissão de pósitrons

Radiologia intervenDiversos tipos de imagem vascular, colocação de stent e procedimentos de embolização cionista diagnóstica Ablação por radiofrequência e terapêutica Shunt portossistêmico intra-hepático transjugular Neuroradiologia inter- Procedimentos oclusivos (“fechamento”) vencionista diagnós- Embolização de aneurismas cerebrais/malformações arteriovenosas/tumores altamente vascularizatica e terapêutica dos (p. ex., meningeomas) Procedimentos de abertura Angioplastia/colocação de stent/trombólise em acidente vascular encefálico ou vasoespasmo cerebral Radioterapia

Radioterapia Radioterapia intraoperatória Cardiologia intervencionista diagnóstica e terapêutica

Laboratório de catete- Cateterização cardíaca diagnóstica rização cardíaca Intervenções coronarianas percutâneas Técnicas intervencionistas para doença cardíaca estrutural Implantação ou troca de valda da aorta transcateter Inserção de dispositivos de assistência ventricular para suporte hemodinâmico Laboratório de eletrofisiologia

Estudos eletrofisiológicos e ablação por radiofrequência Implantação de sistemas de marca-passos biventriculares e cardioversores desfibriladores

Outros procedimentos Cardioversão e ecocardiografia transesofágica Gastrenterologia intervencionista diagnóstica e terapêutica

Endoscopia digestiva alta Dilatação e colocação de stent esofágico Colocação de tubo de gastrostomia por endoscopia percutânea Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica Colonoscopia Biópsia hepática

Psiquiatria

Eletroconvulsoterapia

Odontologia

Extrações dentárias Procedimentos odontológicos restaurativos

3. Os procedimentalistas e a equipe auxiliar podem não estar familiarizados com os requisitos para uma anestesia segura e não saberem como auxiliar os prestadores de anestesia quando esses encontram alguma dificuldade. 4. Longe do centro cirúrgico, uma ajuda imediata de outro anestesiologista em caso de emergência pode não estar prontamente disponível. A American Society of Anesthesiologists (ASA) desenvolveu normas para AFCC (1). Antes da anestesia, a presença e o funcionamento adequado de todos os equipamentos necessários para o atendimento seguro do paciente devem estar estabelecidos; isso está descrito na Tabela 38.3. A localização do equipamento de reanimação deve ser conhecida e devem existir protocolos desenvolvidos com a equipe local para lidar com emergências, incluindo a reanimação cardiopulmonar e o manejo da anafilaxia.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

FIGURA 38.2 Uma sala radiológica mostrando um braço em C e a grande quantidade de equipamentos que podem separar o anestesiologista do paciente.

II. Padrões de cuidados para a anestesia fora do centro cirúrgico

As mesmas normas para as salas do centro cirúrgico devem ser aplicadas a pacientes atendidos em todos os locais fora do centro cirúrgico.

Muitos procedimentos AFCC são realizados sob sedação ou cuidados anestésicos monitorados. Os cuidados anestésicos podem ser vistos como um processo contínuo, com uma transição gradual do estado de vigília, passando pelo aprofundamento progressivo da sedação até a anestesia geral (Tab. 38.4) (2). Com o aprofundamento da sedação pode ocorrer a supressão dos reflexos da via aérea, com o potencial de obstrução da via aérea, além de depressão da ventilação espontânea. A resposta individual dos pacientes para os diferentes agentes sedativos é variável, assim como os níveis de estimulação durante a execução do procedimento. Portanto, durante procedimento de AFCC sob sedação, o paciente pode passar para um nível mais profundo do que o pretendido, resultando em depressão respiratória e depressão das vias aéreas. Assim, é fundamental que a pessoa que fornece a sedação seja devidamente treinada para cuidar de um paciente que progride para um nível de sedação mais profundo do que o inicialmente previsto. Quando o procedimento de AFCC termina, o paciente deve ser transportado por um membro da equipe de anestesia para uma área de recuperação que esteja equipada com o mesmo padrão usado para todos os pacientes no pós-operatório.

III. Eventos adversos Mais de 80% dos pacientes cirúrgicos não sabem que possuem apneia obstrutiva do sono antes de serem submetidos à cirurgia.

Eventos adversos significativos na AFCC são raros; no entanto, o número de mortes associado com AFCC é maior do que para a anestesia feita no centro cirúrgico (3). As complicações relacionadas à via aérea e ao sistema respiratório, tais como a obstrução da via aérea e depressão respiratória como resultado da sedação excessiva, são as complicações mais comuns associadas à AFCC. Isso é particularmente relevante em pacientes portadores de síndrome da apneia obstrutiva do sono, que são mais propensos a complicações das vias aéreas e complicações respiratórias durante e após a anestesia e a sedação.

Capítulo 38 TABELA 38.3

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos...

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Normas da American Society of Anesthesiologists para locais onde se executa anestesia fora do centro cirúrgico

1. Fonte de oxigênio confiável e cilindro E de reserva cheio 2. Sistema de aspiração adequado e confiável que atenda aos padrões do centro cirúrgico 3. Sistemas antipoluição quando são administrados agentes anestésicos inalatórios 4. Equipamento anestésico • Balão autoinflável de reserva capaz de fornecer pelo menos 90% de oxigênio por meio de ventilação com pressão positiva • Fármacos e suprimentos anestésicos adequados • Aparelho de anestesia com função equivalente à dos aparelhos do centro cirúrgico e com os mesmos padrões de manutenção • Equipamento de monitoração adequado que permita a adesão às normas ASA para a monitoração básica 5. Tomadas • Suficientes para o aparelho de anestesia e monitores • Interruptores do circuito de alimentação elétrica isolados ou aterrados se houver “umidade local” 6. Iluminação adequada do paciente, aparelho de anestesia e equipamento de monitoramento • Fonte de luz de emergência operada por bateria 7. Espaço suficiente para: • Pessoal e equipamentos • Acesso fácil e rápido ao paciente, aparelho de anestesia e equipamento de monitoramento 8. Equipamento de reanimação imediatamente disponível • Desfibrilador/medicamentos de emergência/equipamento para reanimação cardiovascular 9. Pessoal adequadamente treinado para auxiliar o anestesiologista e um meio de comunicação confiável de duas vias 10. Todos os códigos de construção e segurança e as normas para as instalações devem ser observados 11. Instalações de cuidados pós-anestésicos: • Treinamento adequado da equipe para fornecer cuidados anestésicos • Treinamento adequado para permitir o transporte seguro para a unidade principal de cuidados pós-anestésicos ASA, American Society of Anesthesiologists. De Statement on Nonoperating Room Anesthetizing Locations. Committee of Origin: Standards and Practice Parameters. Approved by the ASA House of Delegates on October 19, 1994 and last amended on October 16, 2013. Disponível em: www.asahq.org/For-Members/Standards-Guidelines-and-Statements.aspx.

IV. Considerações ambientais para a anestesia fora do centro cirúrgico A. Radiografia e fluoroscopia A fluoroscopia (com braço C) é amplamente usada em muitos lugares onde se pratica a AFCC, incluindo a radiologia intervencionista, o cateterismo cardíaco, os procedimentos eletrofisiológicos e realizados na região gastrintestinal. Durante o procedimento, o braço C se move para trás e para frente em torno do paciente, requerendo muito espaço, o que limita o acesso ao paciente e pode deslocar acessos intravenosos e tubos endotraqueais (Fig. 38.2).

B. Tomografia computadorizada O procedimento tomográfico é indolor, e a maioria dos adultos não necessita de sedação ou anestesia. Para crianças ou adultos com distúrbios neurológicos ou psicológicos,

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 38.4

Definição de anestesia geral e níveis de sedação ou analgesia

Sinal vital

Sedação mínima (ansiólise)

Sedação moderada (sedação consciente) Sedação profunda

Capacidade de resposta

Resposta normal à esti- Resposta proposital à estimulação verbal mulação verbal ou tátil

Resposta proposital após estimulação repetida ou dolorosa

Não despertável, mesmo com estímulo doloroso

Via aérea

Não afetada

Sem necessidade de intervenção

Intervenção pode ser necessária

Intervenção frequentemente necessária

Ventilação espontânea

Não afetada

Adequada

Pode ser inadequada

Frequentemente inadequada

Função cardiovascular

Não afetada

Geralmente mantida

Geralmente mantida

Pode estar comprometida

Anestesia geral

De Practice guidelines for sedation and analgesia by non-anesthesiologists. An updated report by the American Society of Anesthesiologists task force on sedation and analgesia by non-anesthesiologists. Anesthesiology. 2002;96:1004–1017

Sempre assegure a via aérea e reanime hemodinamicamente pacientes instáveis antes de submetêlos à TC ou outra modalidade diagnóstica por imagem emergencial.

A intensidade da radiação é inversamente proporcional ao quadrado da distância a partir da fonte (lei do inverso do quadrado da distância).

30% dos pacientes adultos apresentam algum grau de ansiedade durante a execução da ressonância magnética.

a sedação ou anestesia pode ser necessária. A tomografia computadorizada pode ser usada para auxiliar procedimentos invasivos e dolorosos, como a localização e a drenagem de abcessos e a ablação de tumores. Pacientes com trauma torácico, abdominal e cerebral agudo muitas vezes necessitam de exames de imagem urgentes para facilitar o diagnóstico. Esses pacientes podem desenvolver choque hemorrágico, aumento da pressão intracraniana (HIC), depressão da consciência e parada cardíaca enquanto estão sendo submetidos à TC.

Riscos da radiação ionizante Os efeitos da radiação ionizante sobre os tecidos biológicos são classificados como determinísticos (a gravidade do dano tissular é dose-dependente, tais como na catarata ou na infertilidade) e estocásticos (a probabilidade de ocorrência depende da dose, tal como no câncer ou defeito genético) (4). Medidas de proteção para reduzir a exposição do paciente à radiação sempre devem ser tomadas. A exposição da equipe à radiação pode ser minimizada por: 1. Limitação do tempo de exposição à radiação. 2. Aumento da distância da fonte de radiação. 3. Uso de blindagem protetora (aventais de chumbo, escudos de tireoide e óculos plumbíferos. 4. Uso de dosímetros.

C. Ressonância magnética A RM, tal como a TC, é indolor e não requer sedação ou anestesia (5). No entanto, as sequências do exame são consideravelmente mais longas do que na TC (≥ 30 minutos), de modo que crianças mais novas e até mesmo adultos com distúrbios neurológicos ou psicológicos, incluindo claustrofobia, muitas vezes requerem sedação ou anestesia.

Riscos da ressonância magnética A RM não apresenta os riscos ligados às radiações ionizantes. No entanto, os materiais magnetizáveis e dispositivos eletrônicos são riscos potenciais para o paciente e a equipe. Por exemplo, marca-passos cardíacos podem apresentar mau funcionamento, clipes de aneurismas intracerebrais podem se deslocar, e adesivos de medicação transdérmica

Capítulo 38

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos...

podem causar queimaduras. Antes de entrar na proximidade do ímã, os pacientes e funcionários devem completar uma lista de verificação rigorosa para garantir que não portam consigo quaisquer objetos metálicos ou de ferro. Equipamentos ferromagnéticos, como suportes de soro, cilindros de gás, laringoscópios e canetas, se transformam em projéteis potencialmente letais quando levados muito perto do campo magnético. Monitores, ventiladores e bombas de infusão elétricas do paciente podem apresentar mau funcionamento na proximidade do escâner. Para esses casos, existem equipamentos disponíveis com tecnologia segura (compatível) em relação ao ímã. Em caso de emergência, as tentativas de reanimação devem ser feitas fora do escâner, pois equipamentos como laringoscópios e desfibriladores cardíacos não podem ser usados perto do ímã.

D. Agentes de contraste intravenosos

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A força do campo magnético da RM é medida em unidades Gauss (G) e Tesla (T). 1 T = 10.000 G. O campo magnético da Terra é de aproximadamente 0,3 a 0,7 G, enquanto uma RM padrão gera um campo de 1,5 a 3 T!

Os agentes de contraste intravenosos são comumente usados na TC e na RM para destacar órgãos, vasos e tumores. Podem ocorrer reações adversas a esses agentes de contraste, sendo divididas em reações adversas renais e reações de hipersensibilidade.

Reações adversas renais Os agentes de contraste são eliminados por meio dos rins, e pacientes com doença renal crônica preexistente, diabetes melito, desidratação, idade avançada e uso concomitante de medicamentos nefrotóxicos (p. ex., fármacos anti-inflamatórios não esteroides) correm o risco de desenvolver nefropatia induzida pelo contraste. As medidas preventivas contra a nefropatia induzida por contraste incluem hidratação adequada, manutenção de um débito urinário adequado e uso de infusões de bicarbonato de sódio para melhorar a eliminação do meio de contraste. Os meios de contraste contendo gadolínio usados em exames de ressonância magnética podem causar fibrose nefrogênica sistêmica em pacientes com insuficiência renal.

Reações de hipersensibilidade As reações de hipersensibilidade a meios de contraste são divididas em reações imediatas ( 1 hora). As manifestações clínicas de diversas reações de hipersensibilidade a meios de contraste estão descritas na Tabela 38.5. O tratamento das reações de hipersensibilidade moderadas e graves é idêntico ao da anafilaxia.

TABELA 38.5

Manifestações clínicas imediatas e não imediatas de reações de hipersensibilidade a agentes de contraste radiológico

Reações imediatas

Reações não imediatas

Prurido Urticária Angioedema/edema facial Dor abdominal, náusea, diarreia Rinite (espirros, rinorreia) Rouquidão, tosse Dispneia (broncoespasmo, edema laríngeo) Parada respiratória Hipotensão, choque cardiovascular Parada cardíaca

Prurido Exantema (mais frequentemente erupção macular ou maculopapular por fármaco) Urticária, angioedema Eritema multiforme menor Erupção fixa ao fármaco Síndrome de Stevens-Johnson Necrólise epidérmica tóxica Reação enxerto versus hospedeiro Eosinofilia relacionada ao fármaco com sintomas sistêmicos Exantema intertriginoso e simétrico relacionado ao fármaco e exantema flexural Vasculite

Nota: As reações mais frequentes estão em negrito.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

V. Procedimentos específicos fora do centro cirúrgico Durante procedimentos intervencionistas, o anestesiologista pode ser exposto à mesma radiação (talvez até a mais radiação) do que o médico intervencionista.

A. Radiologia diagnóstica e intervencionista Angiografia A angiografia causa desconforto mínimo e pode ser realizada sob anestesia local com ou sem sedação leve (6). Procedimentos demorados e pacientes com acidentes vasculares encefálicos recentes, depressão do nível de consciência ou aumento da PIC podem necessitar de anestesia com proteção formal da via aérea (intubação traqueal).

Neuroradiologia intervencionista A embolização endovascular pode ser usada para o tratamento de aneurismas cerebrais, malformações arteriovenosas e certos tumores vasculares, como os meningeomas. A anestesia geral e a sedação consciente são técnicas adequadas para a neuroradiologia intervencionista dependendo da complexidade do procedimento, necessidade de manipulação dos níveis da pressão arterial e necessidade de avaliação neurológica durante o procedimento.

Ablação por radiofrequência A ablação percutânea por radiofrequência guiada por TC (ARF) é executada para o tratamento de tumores primários e metastáticos em órgãos sólidos. A ventilação pulmonar seletiva e a ventilação com jato de alta frequência pode ser usada em pacientes submetidos à ARF por tumores hepáticos para reduzir o movimento associado à excursão diafragmática decorrente da ventilação-padrão.

Shunt portossistêmico intra-hepático transjugular O procedimento de colocação de shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (SPIT) é executado usando-se fluoroscopia e serve para aliviar a hipertensão portal em pacientes com cirrose avançada. O procedimento pode ser realizado sob sedação ou anestesia geral. Em geral, os pacientes que se apresentam para SPIT têm disfunção hepática significativa e necessitam de avaliação pré-operatória meticulosa e manejo intraoperatório cuidadoso.

B. Radioterapia A radiação externa é um tratamento comum para crianças com doenças malignas (Tab. 38.6) (7). As doses de radiação utilizadas são muito elevadas, e todos devem sair da sala durante o tratamento. Um sistema de interface com circuito fechado de televisão, microfones telemétricos e monitoração-padrão é usado para permitir a observação do paciente durante o procedimento. A completa ausência de movimento é crucial durante a radioterapia, e técnicas de anestesia geral ou sedação profunda com propofol ou outro anestésico de escolha são fundamentais durante esses procedimentos. TABELA 38.6

Tumores radiossensíveis comuns em crianças

Tumor primário do SNC: neuroblastoma, meduloblastoma Leucemia aguda: leucemia do SNC Tumores oculares: retinoblastoma Tumores intra-abdominais: tumor de Wilms Rabdomiossarcoma Outros tumores: histiocitose das células de Langerhans SNC, sistema nervoso central.

Capítulo 38

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos...

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C. Cardiologia intervencionista Procedimentos diagnósticos e terapêuticos intervencionistas são executados no laboratório de cateterismo cardíaco (laboratório de cateterismo) e no laboratório eletrofisiológico (laboratório eletrofisiológico) (8). Esses procedimentos estão descritos na Tabela 38.2. Sedação leve ou moderada são comumente usadas sob supervisão de um cardiologista. No entanto, a anestesia geral está sendo cada vez mais usada para procedimentos longos e complexos. A capacidade de levar o paciente rapidamente para o centro cirúrgico e a disponibilidade de circulação extracorpórea é essencial para a retaguarda de procedimentos de cateterismo e eletrofisiologia. Os estudos eletrofisiológicos (EEF) e a ablação de vias de condução anormal são realizados para o tratamento de arritmias causadas por vias de condução aberrante. Os EEFs são demorados e podem causar desconforto, especialmente quando arritmias intraoperatórias são provocadas e, em seguida, interrompidas pela estimulação rápida ou quando não bem-sucedido, por meio de cardioversão externa. Apesar de os anestésicos voláteis serem capazes de interferir na condução cardíaca, eles podem ser usados com sucesso durante os procedimentos de ablação eletrofisiológica (EF) cardíaca.

D. Cardioversão A cardioversão transtorácica é comumente usada de forma eletiva para o tratamento de arritmias, especialmente a fibrilação atrial e o flutter atrial. A cardioversão leva alguns segundos: no entanto, ela é estressante, e a sedação profunda é preferível, exceto em situações com risco de morte. Um pequeno bólus intravenoso do agente de indução, tal como o propofol ou etomidato, geralmente é suficiente para o procedimento.

E. Procedimentos cardíacos pediátricos fora do centro cirúrgico A cateterização cardíaca é feita em crianças com doença cardíaca congênita para avaliação hemodinâmica e procedimentos intervencionistas. Essas crianças com frequência estão gravemente doentes e podem apresentar cianose, dispneia, insuficiência cardíaca congestiva e shunts intracardíacos. Em pacientes com um ducto arterioso patente, a alta tensão de oxigênio pode levar ao fechamento prematuro, e infusões de prostaglandinas são em geral usadas para manter o ducto permeável.

F. Gastrenterologia Os procedimentos comumente realizados em salas de procedimentos gastrenterológicos estão descritos na Tabela 38.2. A maioria desses procedimentos pode ser feita com sedação leve (normalmente fentanil e midazolam ou infusão de propofol) sem o envolvimento de um anestesiologista. Os gastrenterologistas, no entanto, concordam universalmente que pacientes de classe ASA III e IV que são submetidos a procedimentos complexos ou que têm histórias de respostas adversas ou inadequadas à sedação necessitam dos cuidados de um anestesiologista. A condição do paciente e o procedimento específico determinam a técnica anestésica a ser usada. Um anestésico local é aplicado via spray dentro da orofaringe para facilitar a passagem do endoscópio. Isso pode abolir o reflexo de vômito e aumentar o risco de aspiração. Sob anestesia geral, os pacientes geralmente necessitam de intubação traqueal para proteger a via aérea, que é compartilhada com o endoscópio durante o procedimento.

G. Eletroconvulsoterapia A eletroconvulsoterapia (ECT) tem sido usada no manejo da depressão grave, mania e distúrbios afetivos (9). Os pacientes normalmente passam por séries de tratamentos

A implantação ou substituição transcateter de valva da aorta permite a substituição da valva da aorta por via percutânea no laboratório de cateterismo. Pacientes entre 80 e 90 anos de idade que estão em estado muito grave para serem submetidos à cirurgia cardíaca aberta podem ser tratados com sucesso com a técnica transcateter!

Fique atento para impedir que bolhas de ar entrem nos acessos intravenosos de crianças com shunts da direita para a esquerda, pois elas podem atravessar a circulação arterial, causando acidente vascular encefálico ou parada cardíaca.

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Fundamentos de anestesiologia clínica regulares (três vezes por semana durante 6 a 12 tratamentos, seguidos por manutenção semanal ou mensal). Os procedimentos normalmente são realizados na unidade de cuidados pós-anestésicos, onde há um acesso fácil para o serviço de suporte anestésico. Como alternativa, podem ser realizados na unidade psiquiátrica, onde esses serviços podem não estar facilmente disponíveis. A ECT é angustiante e possivelmente perigosa, uma vez que convulsões generalizadas podem resultar em lesões nos membros e reações cardiovasculares significativas. A anestesia geral leve com relaxamento muscular – geralmente fornecido pelo relaxante muscular de ação curta, a succinilcolina – é usada para reduzir os efeitos desagradáveis de uma convulsão generalizada. O anestesiologista deve estar ciente da medição usada pelo paciente, uma vez que podem ocorrer interações medicamentosas entre os agentes anestésicos e os medicamentos psicotrópicos, especialmente os inibidores da monoaminoxidase. O manejo habilidoso da via área por meio de bolsa-máscara de ventilação geralmente é suficiente para manter a oxigenação durante a anestesia para ECT.

Referências 1. Statement on Nonoperating Room Anesthetizing Locations. Committee of Origin: Standards and Practice Parameters. Approved by the ASA House of Delegates on October 19, 1994 and last amended on October 16, 2013. Available at: www.asahq.org/ For-Members/Standards-Guidelines-and-Statements.aspx. 2. Practice guidelines for sedation and analgesia by non-anesthesiologists. An updated report by the American Society of Anesthesiologists task force on sedation and analgesia by non-anesthesiologists. Anesthesiology. 2002;96:1004–1017. 3. Metzner J, Posner KL, Domino KB. The risk and safety of anesthesia at remote locations: The US closed claims analysis. Curr Opin Anaesthesiol. 2009;22:502–508. 4. Miller DL, Vañó E, Bartal G, et al. Occupational radiation protection in interventional radiology: A joint guideline of the Cardiovascular and Interventional Radiology Society of Europe and the Society of Interventional Radiology. Cardiovasc Intervent Radiol. 2010;33:230– 239. 5. Veenith T, Coles JP. Anesthesia for magnetic resonance imaging and positron emission tomography. Curr Opin Anesthesiol. 2011;24:451–458. 6. Varma MK, Price K, Jayakrishnan V, et al. Anaesthetic considerations for interventional neuroradiology. Br J Anaesth. 2007;99:75–85. 7. McFadyen GJ, Pelly N, Orr RJ. Sedation and anesthesia for the pediatric patient undergoing radiotherapy. Curr Opin Anaesthesiol. 2011;24:433–438. 8. Faillace, RT, Kaddaha R, Bikkina R, et al. The role of the out-of-operating room anesthesiologist in the care of the cardiac patient. Anesthesiol Clin. 2009;27:29–46. 9. Ding Z, White PF. Anesthesia for electroconvulsive therapy. Anesth Analg. 2002;94:1351.

Capítulo 38

Anestesia fora do centro cirúrgico e para procedimentos...

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Quais são as complicações mais comuns associadas com AFCC? A. Obstrução da via aérea e depressão respiratória 2. Taquicardia e hipertensão 3. Dor e agitação 4. Náusea e vômito 2. Quando um paciente necessita de reanimação dentro de um aparelho de ressonância magnética, o seguinte procedimento deve ser seguido: A. Desligar o ímã antes de entrar na sala de exame para reanimar o paciente B. Levar imediatamente um desfibrilador externo para a sala de ressonância magnética C. Remover imediatamente o paciente da sala de ressonância magnética antes da reanimação D. Aqueles que atendem à situação de emergência não devem vestir aventais de proteção de chumbo antes de entrar na sala de ressonância magnética

3. A anestesia para a eletroconvulsoterapia requer a administração de um relaxante muscular porque: A. É imperativo intubar a traqueia B. Os pacientes que convulsionam devem receber relaxantes musculares para cessar o movimento causado pela convulsão C. O uso de relaxantes musculares possibilita um tratamento hemodinamicamente mais estável D. A estimulação elétrica do córtex motor causa uma contração muscular violenta 4. Pacientes adultos submetidos à ressonância magnética necessitam de anestesia monitorada porque: A. Sentem ansiedade dentro do aparelho de ressonância magnética B. O exame de ressonância magnética pode ser doloroso para alguns pacientes C. 30% dos pacientes submetidos à RM têm diagnósticos psiquiátricos D. Os pacientes frequentemente apresentam obstrução da via aérea dentro do aparelho de RM

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Recuperação pós-operatória Roger S. Mecca

I. Selecionando o cuidado pós-operatório apropriado O nível apropriado de cuidados pós-operatórios deve ser determinado pela doença subjacente do paciente, pela complexidade da cirurgia e anestesia e pelo potencial de complicações associadas. A adequação do nível de cuidados às necessidades melhora a satisfação do paciente e otimiza o uso da sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) sem afetar a qualidade e a segurança. Os pacientes devem ser individualizados, sejam pacientes internados ou ambulatoriais. Se os pacientes atenderem aos critérios da SRPA de alta após a cirurgia, independentemente de terem passado por sedação profunda, anestesia regional ou anestesia geral, eles podem ser transferidos diretamente para unidades de cuidados de recuperação mais baixas, embora a dor ou as náuseas e os vômitos pós-operatórios (NVPOs) muitas vezes impeçam a alta da SRPA. Se existir qualquer dúvida sobre a segurança, os pacientes devem ser internados em uma unidade de cuidados pós-anestésicos completos.

II. Admissão na unidade de cuidados pós-anestésicos Após a chegada à SRPA, o anestesiologista deve elaborar um relatório completo, mas conciso, sobre o paciente (Tab. 39.1). Os cuidados mínimos na chegada do paciente à SRPA devem ser inicialmente documentados (sinais vitais, permeabilidade das vias aéreas, ventilação, saturação de oxigênio e nível de dor), repetidos três vezes a cada cinco minutos e, posteriormente, a cada 15 minutos. A temperatura, o nível de consciência, o estado mental, a função neuromuscular, o estado de hidratação e o grau de náuseas devem ser avaliados pelo menos no momento da admissão e novamente na alta do paciente. O paciente deve ser monitorado continuamente com um oxímetro de pulso e um eletrocardiograma de derivação única. A capnografia deve ser usada quando houver necessidade, e os exames diagnósticos devem ser solicitados quando indicados.

III. Manejo da dor pós-operatória O controle eficaz da dor cirúrgica com efeitos colaterais mínimos e durante e após a estadia na SRPA deve ser uma prioridade, mesmo que sejam necessárias grandes doses de analgésicos (ver Cap. 37). A correlação observada entre a percepção dolorosa do paciente e a resposta do sistema nervoso simpático (SNS) varia amplamente em decor-

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 39.1 Itens a considerar na admissão na unidade de cuidados pós-anestésicos Doença médica subjacente, medicamentos de uso crônico, cirurgia prévia pertinente Alergias ou reações medicamentosas, tempo de jejum, pré-medicação Procedimento cirúrgico, tipo de anestesia, bloqueios nervosos auxiliares Tempo e quantidade de opioides, relaxantes, agentes de reversão, anestésicos locais Perda sanguínea estimada, débito urinário, reposição de cristaloides ou produtos derivados do sangue Variações intraoperatórias de sinais vitais, achados laboratoriais, eventos inesperados Outros medicamentos (p. ex., esteroides, diuréticos, antibióticos, medicamentos vasoativos) Permeabilidade da via aérea, ventilação adequada, nível de consciência, nível de dor Variações aceitáveis para os sinais vitais e parâmetros monitorados, desfechos terapêuticos Problemas cardiovasculares, respiratórios ou renais esperados Dispositivos de longa permanência (intravenosos, intra-arteriais ou cateteres peridurais) Se intubado, posição do tubo endotraqueal, planos para ventilação e extubação Recomendações de intervenções terapêuticas, exames diagnósticos, como contatar o médico responsável?

Opioides são sedativos relativamente ineficazes, e os benzodiazepínicos são analgésicos ineficazes. É importante escolher a classe correta de medicamentos para o tratamento da dor e/ou ansiedade pósoperatória.

rência de fatores cardiovasculares, psicológicos e culturais. A avaliação do desconforto é difícil e imprecisa. O uso de uma escala quantitativa de dor fornece resultados mais confiáveis. A equipe da SRPA deve assegurar que a natureza e a intensidade da dor do paciente são apropriadas para não mascarar uma complicação em evolução. Por exemplo, taquicardia ou hipertensão podem refletir uma dor, mas também podem ser causadas por hipoxemia, hipoperfusão cerebral ou hipovolemia. A administração de analgesia pode acentuar esses fenômenos. O medo e a ansiedade acentuam a dor, de modo que a titulação de um sedativo intravenoso como o midazolam pode ser um complemento útil aos anestésicos.

IV. Critérios de alta

Alguns critérios de alta da SRPA, tais como a capacidade de urinar ou a recuperação de um bloqueio de nervo periférico, podem ser ignorados após alguns procedimentos em pacientes selecionados, mas os pacientes devem receber instruções explícitas e devem ser capazes de segui-las.

Antes da alta da SRPA, os pacientes devem ser avaliados usando critérios consistentes que assegurem que o paciente apresentará uma reserva suf iciente para tolerar uma deterioração mínima após a alta (Tab. 39.2). Existem sistemas de pontuação simples, como a escala Aldrete, que quantifica limiares do estado físico e sinais vitais, mas essas escalas não têm sensibilidade e especificidade para identificar problemas sutis. A saturação de oxigênio medida pela oximetria de pulso (SpO2) deve ser satisfatória enquanto o paciente respira ar ambiente antes da alta. Pacientes internados e pacientes ambulatoriais selecionados podem receber alta antes de urinar, desde que sejam cuidadosamente monitorados após a alta.

V. Hipotensão pós-operatória Existem várias causas para a hipotensão na SRPA. A hipotensão causa hipoperfusão de órgãos vitais, metabolismo anaeróbio e acidose láctica. Os sintomas relacionados com o cérebro ou coração (p. ex., desorientação, náuseas, perda da consciência, angina) indicam que a capacidade do paciente para compensar a hipotensão está exaurida. A

Capítulo 39 TABELA 39.2

Recuperação pós-operatória

Diretrizes para a alta da unidade de cuidados pós-anestésicos

Orientado, força muscular adequada e mobilidade para autocuidados mínimos Controle da náusea, êmese, agitação e dor: temperatura > 36 °C, tremores resolvidos Sinais vitais com variação de até 20% do valor pré-operatório, estáveis por 30 minutos Débito urinário > 30 mL/h Frequência ventilatória > 10, < 30 respirações/min, SpO2 > 93% Permeabilidade da via aérea aceitável, reflexos de proteção (deglutição, vômito) intactos Ausência de complicações cirúrgicas (p. ex., sangramento, edema, pulsos) Ausência de exacerbação de condições preexistentes (p. ex., broncoespasmo, isquemia miocárdica, hiperglicemia) Resultados de exames adequados (p. ex., hematócrito, glicemia, eletrólitos, radiografia torácica, eletrocardiograma) Unidade de destino apropriada para o estado do paciente e evolução clínica provável SpO2, saturação de oxigênio medida por oximetria de pulso. Nota: Nem todos os critérios serão cumpridos por todos os pacientes. O julgamento clínico substitui as diretrizes.

morbidade é maior em pacientes com hipertensão crônica, doença aterosclerótica, aumento da pressão intracraniana (PIC) e insuficiência renal. O baixo volume intravascular (hipovolemia absoluta) causada pela reposição inadequada do déficit de líquidos e perda sanguínea reduz o débito cardíaco. A taquicardia mediada pelo SNS, a vasoconstrição e a contração venosa compensam o déficit em 15 a 20% antes que a hipotensão ocorra. Em pacientes hipotérmicos, o reaquecimento muitas vezes desmascara a hipovolemia. Um volume intravascular “normal” pode ser inadequado para manter a pressão sanguínea (hipovolemia relativa) se a capacidade venosa aumentada (liberação de histamina, simpatectomia), a compressão das veias torácicas (ventilação com pressão positiva, pneumotórax tenso) ou um tamponamento pericárdico prejudicarem o retorno venoso. A avaliação do volume intravascular por meio do débito urinário pode ser enganosa. O comprometimento da capacidade de concentração tubular renal ou glicosúria podem manter o débito apesar da hipovolemia. A hipotensão causada pela disfunção ventricular muitas vezes indica isquemia miocárdica aguda, que pode ser precipitada pela taquicardia ou pressão diastólica inadequada. A hipoxemia ou a anemia exacerbam a isquemia. A dor torácica pode ser mascarada pela analgesia ou confundida com dor cirúrgica ou distensão gástrica. Algumas vezes, a isquemia é silenciosa em pacientes com neuropatia diabética. O segmento ST e a morfologia da onda T no eletrocardiograma devem ser avaliados, assim como as pressões da artéria pulmonar e a ecocardiografia, se disponível. Alguns pacientes com miocardiopatia não isquêmica necessitam de uma alta pressão diastólica final no ventrículo esquerdo e atividade elevada do SNS para manter a pressão sanguínea. A disfunção ventricular direita causada pelo tromboembolismo pulmonar frequentemente se apresenta com hipotensão. Uma frequência cardíaca inferior a 40-45 batimentos por minuto (bradicardia sinusal ou nodal, bloqueio cardíaco completo) reduz o débito cardíaco e a pressão arterial. Uma taquiarritmia acima de 140-150 batimentos por minutos (bpm) pode comprometer o enchimento ventricular, especialmente se a contração atrial estiver ausente. As alterações do ritmo cardíaco colocam os pacientes com estenose aórtica ou atrioventricular esquerda (valva mitral) em risco especial de hipotensão. A redução da

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Fundamentos de anestesiologia clínica resistência vascular sistêmica decorrente de anestesia geral, bloqueio ␣-adrenérgico, aquecimento ou sepse também pode gerar hipotensão. Em casos raros, a hipotensão reflete uma deficiência aguda de esteroides. As indicações para o tratamento da hipotensão incluem sintomas de hipoperfusão de órgãos vitais ou uma redução de 20 a 30% da pressão sanguínea (PA) abaixo dos níveis pré-operatórios. Um controle rígido da PA está indicado em pacientes de alto risco. Sempre deve-se confirmar que a hipotensão é real antes de tratá-la. Um manguito para medir a PA muito grande ou um transdutor inadequadamente calibrado podem produzir valores falsos. Antes de administrar fármacos potentes para tratar a PA, considere o uso de manobras simples (p. ex., reposicionamento, reduzir a pressão da via aérea) quando for apropriado. Uma solução de 500 mL de cristaloide muitas vezes melhora a hipotensão na SRPA porque a hipovolemia é, de longe, a etiologia mais comum. Os expansores do plasma ou produtos do sangue podem ser necessários em algumas circunstâncias. A administração de um vasopressor ␣-adrenérgico (p. ex., fenilefrina) pode fornecer um suporte temporário da PA até que um volume suficiente seja infundido. Tratar a isquemia miocárdica pelo controle dos fatores precipitantes, manutenção a pressão diastólica e uso de agentes bloqueadores ␤-adrenérgicos e nitratos. A bradicardia geralmente responde à atropina, glicopirrolato ou efedrina. A bradicardia refratária deve ser manejada com adrenalina ou com marca-passo cardíaco.

VI. Hipertensão pós-operatória

A medida não invasiva da PA necessita de um manguito de tamanho adequado. Um manguito muito largo resultará em medidas falsasamente baixas, e um manguito muito estreito resultará em medidas falsamente elevadas.

A hipertensão moderada em resposta a um estímulo nocivo (dor, estresse cirúrgico) é comum na SRPA. Uma PA elevada pode aumentar a perda sanguínea, tensão da parede ventricular, pressão intraocular ou PIC. As indicações para o tratamento da hipertensão incluem uma PA 20 a 30% acima dos valores basais pré-operatórios, presença de comorbidades de risco (p. ex., aumento da PIC, regurgitação mitral, lesão de olho aberto) ou evidência de complicações (p. ex., sangramento, cefaleia, alterações visuais, isquemia). Tal como no caso da hipotensão, um manguito pequeno demais ou um transdutor calibrado inadequadamente podem fornecer valores de PA erroneamente elevados. O tratamento da hipertensão na SRPA deve abordar as causas do aumento da atividade do SNS. As causas comuns incluem dor, ansiedade ou distensão vesical. Se a hipertensão persistir, medicamentos anti-hipertensivos, como labetalol, esmolol, hidralazina ou nicardipina, podem levar a um controle temporário. Vasodilatadores potentes, tais como o nitroprussiato ou a nitroglicerina, devem ser reservados para a hipertensão refratária ou profunda.

VII. Ventilação inadequada Infelizmente, a hipoventilação é comum na SRPA. As causas frequentes incluem efeitos residuais de anestésicos inalatórios ou opioides, bloqueio neuromuscular residual, dor, secreções respiratórias, edema de via aérea, hipotermia e restrição respiratória associada ao procedimento cirúrgico (p. ex., aumento da pressão abdominal). O aumento do dióxido de carbono expirado (CO2) ou da pressão arterial parcial de CO2 (PaCO2) geralmente reflete hipoventilação (ver “Distúrbios acidobásicos” adiante). A ventilação provavelmente está inadequada se (a) houver hipercarbia associada a taquipneia, ansiedade, dispneia ou aumento da atividade do SNS; (b) se o pH arterial cair abaixo de 7,30; ou (c) se houver uma diminuição progressiva do pH arterial. A hipoventilação também pode resultar da obstrução das vias aéreas, aumento da resistência das vias aéreas ou diminuição da complacência pulmonar. A alta resistência ao fluxo de gás aumenta o trabalho respiratório e a produção de CO2. Se os músculos inspiratórios não forem capazes de manter uma ventilação suficiente, pode

Capítulo 39

Recuperação pós-operatória

ocorrer acidemia respiratória e hipoxemia. O aumento da resistência das vias aéreas superiores ou a obstrução pode ocorrer na faringe (deslocamento posterior da língua, edema, colapso de tecidos moles, secreções), na laringe (laringoespasmo, edema) ou nas grandes vias aéreas (compressão extrínseca, estenose traqueal). A avaliação inicial e o tratamento desses problemas deve incluir o despertar do paciente, posicionamento lateral da cabeça, levantamento do queixo, anteriorização mandibular, aspiração da via aérea ou instalação de uma via aérea orofaríngea ou nasofaríngea. O edema de tecido mole pode responder à adrenalina racêmica via nebulização. Durante o despertar, a estimulação faríngea ou das pregas vocais pode gerar laringoespasmo, especialmente em pacientes fumantes que recentemente tenham apresentado infecções respiratórias altas ou que tenham sido submetidos à cirurgia da via aérea superior. O laringoespasmo geralmente pode ser tratado de modo eficaz com a anteriorização mandibular e a ventilação com pressão positiva com oxigênio e uma máscara facial bem acoplada. Em casos raros, pode ser necessária uma pequena dose de succinilcolina (0,1 mg/kg). A obstrução patológica da via aérea, tal como por um hematoma em expansão, pode necessitar de descompressão emergencial do hematoma, intubação traqueal ou cricotiroidotomia. A estimulação faríngea ou traqueal pode desencadear broncoespasmo reflexo em pacientes com vias aéreas reativas, assim como liberação de histamina. O fluxo pode estar tão prejudicado, que não se notam sibilos. Alguns pacientes podem necessitar de um medicamento anticolinérgico como o ipratrópio. Se o broncoespasmo colocar a vida em risco, administra-se uma infusão intravenosa de adrenalina. A baixa complacência pulmonar causa fadiga dos músculos respiratórios, hipoventilação e acidose respiratória. Os espaços aéreos colabados são difíceis de reexpandir. Excesso de água nos pulmões aumenta sua inércia e eleva a tensão superficial. Fatores extratorácicos, como tecido adiposo, roupas apertadas, distensão gástrica ou pressão intra-abdominal elevada, comprometem a expansão torácica. Colocar o paciente em uma posição semissentada pode melhorar a complacência. Note que os sinais de aumento da resistência das vias aéreas imitam os sinais de redução da complacência. Pacientes que respiram espontaneamente apresentam ventilação laboriosa, enquanto pacientes ventilados mecanicamente apresentam altas pressões inspiratórias máximas.

VIII. Problemas neuromusculares A paralisia residual compromete a ventilação, a permeabilidade e a proteção da via aérea. A paralisia parcial também é perigosa, pois um paciente sonolento com um estridor leve e ventilação superficial pode passar despercebido, promovendo a hipoventilação insidiosa ou aspiração. A sobredose de relaxantes musculares adespolarizantes ou reversão incompleta após a cirurgia pode levar à fraqueza residual na SRPA. Anormalidades neuromusculares (miastenia grave) ou medicamentos (antibióticos, furosemida, fenitoína) podem prolongar a ação dos relaxantes. Além do uso de um estimulador de nervos, a recuperação dos relaxantes musculares na SRPA pode ser avaliada pela sustentação da cabeça na posição supina, capacidade vital de 10 a 12 mL/kg ou uma pressão de inspiração mais negativa do que -25 cm H2O. Ocasionalmente, a expansão torácica dolorosa, restrição torácica, baixa complacência ou hiperventilação geram dispneia, respiração laboriosa ou respiração rápida e superficial que pode imitar uma insuficiência ventilatória decorrente de paralisia residual.

IX. Hipoxemia pós-operatória A pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) é o melhor indicador da transferência de oxigênio pulmonar. A oximetria de pulso, embora fácil de medir, traz menos informação

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Fundamentos de anestesiologia clínica sobre o gradiente alveolar-arterial. Uma PaO2 acima de 80 mmHg (saturação de 93%) com um nível aceitável de hemoglobina, assegura um conteúdo de oxigênio adequado, mas o limite inferior de PaO2 aceitável varia entre os pacientes. A elevação da PaO2acima de 110 mmHg (saturação de 100%) oferece poucos benefícios devido ao oxigênio adicional dissolvido no plasma ser negligenciável. Uma elevação da PaO2 acima dos níveis normais também pode mascarar uma hipoventilação perigosa. Isto é, a PaCO2 pode estar muito elevada, ainda que o paciente pareça estar bem ventilado, devido a uma saturação arterial de oxigênio elevada. Durante a ventilação mecânica, uma PaO2 acima de 80 mmHg com uma fração 0,4 de oxigênio inspirado e 5 cm H2O de pressão aérea positiva geralmente prevê que a oxigenação será mantida após a extubação. Uma PaO2 adequada não garante que o débito cardíaco, a pressão arterial ou a distribuição do fluxo sanguíneo manterão a entrega de oxigênio. A acidose láctica reflete melhor a oxigenação tissular inadequada. Existem muitas causas para a hipoxemia na SRPA. A redução do volume pulmonar dependente causa uma má distribuição da ventilação, descompasso da razão ventilação- perfusão (V/Q) e hipoxemia. Durante a cirurgia, a obesidade, os retratores abdominais, a insuflação peritoneal ou as posições não usuais reduzem a capacidade residual funcional (CRF), levando ao colapso das pequenas vias aéreas e atelectasias distais. Pacientes mais idosos e aqueles com doença obstrutiva da via aérea muitas vezes apresentam um fechamento das vias aéreas no final da expiração. Atelectasias do lobo superior direito são frequentes após a intubação endobrônquica direita não intencional. Durante a ventilação pulmonar seletiva, a compressão do parênquima e a obstrução linfática reduzem o volume pulmonar dependente. O edema pulmonar agudo decorrente da disfunção ventricular ou de esforço inspiratório contra uma obstrução compromete gravemente o equilíbrio V/Q. As medidas conservadoras para restaurar o volume pulmonar (posição semissentada, analgesia) com frequência melhoram a oxigenação. A tosse, espirometria de incentivo, fisioterapia torácica ou aplicação de pressão positiva contínua nas vias aéreas com máscara facial (5-7 cm H2O) ajudam a expandir a CRF. Tempo para dessaturação da hemoglobina com FAO2 inicial = 0,87 100

90

Saturação apneica de oxigênio

SaO2 (%)

VÍDEO 39.1

Adulto de 70 kg moderadamente enfermo

Criança normal 10 kg

80

Adulto normal de 70 kg

Adulto obeso 127 kg

70

Tempo médio de recuperação da contração ao estímulo simples após 1 mg de succinilcolina IV

60 0

10%

0

1

2

3

4

5

6

6,87

. Tempo de VE = 0 (minutos)

50%

8

8,5

90%

9

10 10,2

FIGURA 39.1 A taxa de saturação de oxigênio medida pela oximetria de pulso cai após o início da apneia. IV, intravenoso; SaO2, saturação arterial de oxigênio; FaO2, fração alveolar de oxigênio; VE, volume expirado por unidade de tempo. (De Benumof JL, Dagg R, Benumof R: Critical hemoglobin desaturation will occur before return to an unparalyzed state following 1 mg/kg intravenous succinylcholine. Anesthesiology.1997;87:979, com permissão.)

Capítulo 39

Recuperação pós-operatória

A hipoxemia algumas vezes reflete uma redução global da pressão parcial de oxigênio alveolar (PAO2) decorrente de hipoventilação grave. A obstrução completa da via aérea superior ou a apneia causam redução rápida da PAO2 a uma taxa que varia com a idade, compleição física, doença subjacente e PAO2 inicial (Fig. 39.1). O baixo conteúdo de oxigênio venoso decorrente de baixo volume de ejeção, anemia, tremores ou hipermetabolismo amplia o impacto gerado pelo sangue desviado na PaO2 e aumenta a extração de oxigênio dos alvéolos pouco ventilados. Não é possível prever quais pacientes tornar-se-ão hipoxêmicos durante a permanência na SRPA, por isso a monitoração com oximetria é essencial após procedimentos cirúrgicos, particularmente naqueles em que foi usada anestesia geral ou sedação profunda. Pacientes que chegam à SRPA devem receber oxigênio suplementar até que tenham sido estabilizados, sejam capazes de manter a via aérea e apresentem ventilação adequada. Os custos, as inconveniências e os riscos da administração temporária de oxigênio são negligenciáveis. No entanto, como mencionado anteriormente, o oxigênio pode retardar o reconhecimento da hipoventilação e não resolve as causas subjacentes da hipoxemia.

X. Náusea e vômitos pós-operatórios Náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPOs) são um problema comum e signif icativo na SRPA. Além do sofrimento experimentado pelo paciente, pode haver um aumento concomitante da frequência cardíaca, PA e pressão venosa central, que pode também aumentar a morbidade, especialmente em pacientes com doença arterial coronariana ou após procedimentos oculares, timpânicos ou intracranianos. Engasgos e vômitos também podem provocar respostas do sistema nervoso parassimpático com bradicardia e hipotensão. Causas graves de NVPO devem ser excluídas, tais como hipotensão, hipoxemia, hipoglicemia ou aumento da PIC. Ao tratar NVPO, muitas vezes é mais eficaz combinar agentes com diferentes locais de ação, tais como agentes bloqueadores da serotonina (ondansetron 4 mg) e dexametasona (4-8 mg). O droperidol (1-2 μg/kg; 0,625-1, 25 mg em adultos) pode ser útil para o tratamento de náuseas acentuadas, embora possa ocorrer sedação leve, inquietação transitória e hipotensão. Casos isolados de prolongamento do intervalo QT e arritmia cardíaca reduziram o uso desse agente. As propriedades antieméticas a curto prazo do propofol não se comparam aos antieméticos de primeira linha. O oxigênio suplementar e a hidratação podem reduzir a incidência ou gravidade de NVPO; no entanto, o consumo de bebidas no período pós-operatório imediato pode ser um evento desencadeante.

XI. Aspiração perioperatória O risco de aspiração pulmonar está elevado na SRPA devido a náuseas e vômito pós-operatórios juntamente com o comprometimento dos reflexos da via aérea decorrente da sedação ou fraqueza residual. Se os pacientes tiveram suas mandíbulas fixadas com arames após uma cirurgia orofacial, um cortador de arames deve estar imediatamente disponível caso o paciente apresente vômito ou obstrução de vias aéreas. A aspiração de secreções orais claras geralmente é insignificante, mas pode ocorrer tosse, irritação traqueal ou laringeospasmo transitório. O sangue estéril aspirado é eliminado por meio de transporte mucociliar e fagocitose, mas coágulos podem obstruir as vias aéreas. A aspiração do conteúdo gástrico ácido é rara, mas pode causar broncoespasmo difuso, atelectasia e pneumonite química. A morbidade aumenta diretamente com o volume e inversamente com o pH do aspirado. Partículas de alimento obstruem as vias aéreas e promovem infecção bacteriana. Após aspiração grave, a degeneração epitelial com edema intersticial e alveolar rapidamente progride para uma síndrome de angústia respiratória aguda com

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Fundamentos de anestesiologia clínica edema pulmonar de alta permeabilidade. A prevenção é fundamental, pois o tratamento eficaz é limitado. Quando são observadas secreções gástricas na faringe do paciente, elas devem ser imediatamente aspiradas, e a cabeça do paciente deve ser virada lateralmente. A intubação traqueal deve ser considerada se os reflexos da via aérea estiverem comprometidos. Após a intubação, aspirar a traqueia antes de aplicar a ventilação com pressão positiva para evitar a disseminação do material aspirado distalmente.

XII. Diurese espontânea, oligúria e poliúria

Um certo grau de acidose respiratória leve a moderada é esperado na SRPA devido à depressão ventilatória residual dos anestésicos inalatórios e opioides. Se ela persistir, devem ser investigadas outras causas.

A oligúria (≤ 0,5 mL/kg/h) na SRPA geralmente reflete uma resposta renal normal à hipovolemia, mas pode indicar uma função renal anormal, especialmente após eventos intraoperatórios como hipotensão grave ou clampeamento aórtico, que podem comprometer a função renal. A retenção urinária é comum após a administração de opioides, anestesia regional do neuroeixo e cirurgia urológica, inguinal ou genital. A medição do volume vesical com um dispositivo ultrassônico portátil pode ajudar a diferenciar entre a incapacidade miccional e oligúria. Quando indicado, a urina pode ser analisada quanto ao teor de sódio e osmolaridade, pois uma osmolaridade urinária > 450 mOsm/L ou uma concentração urinária de sódio < 50 mEq/L indicam uma capacidade de concentração tubular intacta. O tratamento inicial para suspeita de hipovolemia deve ser a administração de 5 a 7 mL/kg de cristaloide por via intravenosa. Se a oligúria persistir, considerar um segundo bólus de líquido ou furosemida 5 mg por via intravenosa. A persistência da oligúria apesar de pressão de perfusão adequada, reidratação e um desafio com furosemida pode indicar necrose tubular aguda. O débito urinário elevado na SRPA geralmente reflete uma administração generosa de líquido no período intraoperatório, mas a diurese osmótica provocada pela glicosúria também pode ser observada. A poliúria mantida (4-5 mL/kg/h) pode refletir um diabetes insípido ou uma alta insuficiência renal de alto débito, especialmente se a diurese compromete o volume intravascular.

XIII. Distúrbios acidobásicos Uma acidose respiratória moderada (PaCO2 45-50 mmHg, pH 7,36-7,32) é comum devido aos efeitos respiratórios depressores residuais dos anestésicos, opioides e sedativos. A depressão do sistema nervoso central também atenua a agitação, a taquipneia e as respostas do SNS, que geralmente são observadas com acidemia ou hipoxemia. Pacientes com respostas ao CO2 ou pH anormais (p. ex., obesidade mórbida, apneia do sono) são mais sensíveis aos efeitos depressores respiratórios de fármacos. O comprometimento da mecânica ventilatória também pode levar à hipercapnia, especialmente quando os tremores aumentam a produção de CO2. A acidose respiratória aumenta o fluxo sanguíneo cerebral e a PIC. O tratamento óbvio da acidose respiratória é a melhora da ventilação. Quando suspeitar de hipoventilação perigosa decorrente de opioides, deve-se despertar o paciente ou titular cuidadosamente a naloxona intravenosa (0,04 mg a cada 2 minutos até 0,12 mg). A acidose metabólica quase sempre reflete uma acidose láctica decorrente de oxigenação tissular insuf iciente. Avaliar o paciente para identificação de hipotensão, hipoxemia, baixo débito cardíaco, hipotermia, anemia grave ou envenenamento por monóxido de carbono. Ocasionalmente, os pacientes com diabetes tipo 1 desenvolvem cetoacidose e apresentam cetonas no sangue e na urina. Um paciente que respira espontaneamente pode hiperventilar para compensar, mas a depressão ventilatória provocada pelos anestésicos inalatórios e opioides embota essa resposta. Para tratar a acidose metabólica, é preciso esclarecer sua etiologia. A melhora do débito cardíaco, pressão arterial, hipotermia, PaO2 ou da concentração de hemoglobina reduzirá a produção de ácido láctico. A cetoacidose é tratada com cristaloides por via intravenosa, insulina, glicose e potássio. A

Capítulo 39

Recuperação pós-operatória

excreção renal de íons hidrogênio, então, restaurará o pH normal. Para a acidose grave ou progressiva, pode ser necessário usar bicarbonato ou gliconato de cálcio intravenoso. A alcalose respiratória transitória decorrente da hiperventilação é rara na SRPA, mas pode ser provocada por ansiedade, dor, reações de agitação ao despertar ou ventilação mecânica excessiva. O tratamento geralmente requer a administração de analgésicos sedativos para dor e ansiedade. A alcalose metabólica é rara, a menos que haja alcalose prévia.

XIV. Distúrbios da glicose e distúrbios eletrolíticos A hiperglicemia moderada (150-200 mg/dL) geralmente se resolve espontaneamente, mas níveis mais elevados de glicose podem causar glicosúria e diurese osmótica. No diabetes tipo 1, a hiperglicemia grave causa cetoacidose, aumento da osmolaridade sérica, desequilíbrio cerebral e até mesmo coma hiperosmolar. O tratamento consiste na administração cuidadosamente titulada de insulina. A hipoglicemia pode ser uma complicação do tratamento excessivamente agressivo da hiperglicemia, mas pode ser tratada com dextrose 50% por via intravenosa e uma infusão de glicose. É importante notar que os sinais da hipoglicemia podem ser mascarados por sedação e atividade excessiva do SNS. A hiponatremia ocorre com a absorção respiratória de água nebulizada, secreção inapropriada de hormônio antidiurético ou absorção de soluções de irrigação livres de sódio durante procedimentos cirúrgicos transuretrais. Raramente, a infusão excessiva de soro fisiológico isotônico leva à excreção de urina hipertônica e hiponatremia iatrogênica. A hiponatremia moderada causa agitação, desorientação, distúrbios visuais e náusea, enquanto a hiponatremia grave causa inconsciência, comprometimento dos reflexos da via aérea e convulsões do tipo grande mal. O tratamento inclui a administração de solução fisiológica e furosemida por via intravenosa para promover a excreção de água livre. A infusão de solução fisiológica hipertônica deve ser usada com moderação, pois pode causar mielinólise pontina central. A hipocalemia normalmente não têm consequências, mas pode causar arritmias graves quando exacerbada por alcalemia respiratória aguda, tratamento com insulina ou medicamentos ␤-miméticos. A adição de potássio a líquidos intravenosos periféricos ou a infusão lenta de uma solução concentrada por meio de um cateter central pode ser necessária. A hipercalemia muitas vezes reflete uma amostra hemolisada ou colhida perto de um acesso intravenoso contendo potássio ou sangue depositado. A hipercalemia grave ocorre em pacientes com rabdomiólise ou hipertermia maligna. A acidose aguda exacerba a hipercalemia. A hiperventilação, hidratação, medicamentos ␤-miméticos e insulina intravenosa com glicose reduzem agudamente o potássio, enquanto o cálcio intravenoso combate os efeitos miocárdicos. A hipocalcemia sintomática raramente ocorre na SRPA, embora a reposição maciça de sangue e líquidos reduza o cálcio corporal total e ionizado. Os anestesiologistas devem estar atentos para laringoespasmo decorrente de hipocalcemia após a excisão da paratireoide. A redução de cálcio ionizado durante a alcalose respiratória aguda, como durante a ventilação mecânica, pode causar anormalidades da condução e contratilidade miocárdica, redução do tônus vascular ou tetania. A administração de cloreto de cálcio ou gliconato de cálcio a pacientes hipocalêmicos melhora a dinâmica cardiovascular.

XV. Trauma incidental e efeitos adversos da cirurgia A abrasão da córnea causada pelo ressecamento ou contato acidental do olho é uma lesão ocular comum nos idosos, após posicionamento lateral ou em pronação e durante a cirurgia de cabeça e pescoço. A lesão de córnea pode ocorrer na SRPA se o olho

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Enquanto a hiperglicemia significativa é indesejável, seu tratamento excessivo pode ser potencialmente pior. A sedação oriunda da anestesia residual e a estimulação do SNS pela dor ou hipotermia podem mascarar os sinais da hipoglicemia. A medição frequente da glicemia é recomendada.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

A neuropatia periférica pósoperatória pode ser causada por compressão ou estiramento do nervo. No entanto, muitas neuropatias pósoperatórias podem ocorrer na ausência de qualquer uma dessas causas óbvias.

for acidentalmente arranhado por algum dispositivo. A abrasão causa lacrimejamento, diminuição da acuidade visual, dor e fotofobia, mas geralmente cura sem deixar cicatrizes dentro de 72 horas se o olho for ocluído. Independentemente disso, é prudente consultar um oftalmologista para avaliar a extensão da lesão. Os efeitos autonômicos locais de medicamentos administrados no período perioperatório podem comprometer a acuidade e a acomodação visual, enquanto lubrificantes oculares residuais podem obscurecer a visão. É importante estar alerta para a deficiência visual em pacientes que passaram por procedimentos cirúrgicos prolongados na posição prona. A compressão ocular pode comprometer a perfusão retiniana e causar cegueira. A atrofia óptica isquêmica também pode ocorrer sem compressão. O traumatismo oral pode ser causado por lâminas laringoscópicas, instrumentos cirúrgicos, dispositivos rígidos de vias aéreas e dentição. Tratar abrasões da língua, lábios ou palato com gelo e analgesia. Lesões penetrantes de tecidos moles pinçados entre dentes e dispositivos rígidos podem necessitar de antibióticos de uso tópico. Se a dentição for danificada pela manipulação da via aérea ou contração mandibular, solicitar uma consulta odontológica e observar se houve aspiração de corpo estranho. Dor de garganta, secura de difícil resolução e rouquidão podem ocorrer em até 50% dos pacientes após laringoscopia e intubação, variando com o grau do traumatismo, duração da intubação e uso de lubrificantes à base de anestésicos locais. Esse problema também é causado por aspiração, secura decorrente da inalação de gases não umidificados e inserção de via aérea oral ou máscaras laríngeas. Tratar com uso de vapores resfriados, analgesia, nebulização com adrenalina racêmica ou dexametasona. A intubação também pode causar disfunção da articulação temporomandibular, lesão da língua, do hipoglosso ou do nervo laríngeo recorrente, avulsão de pregas vocais ou perfuração traqueoesofágica. As lesões nervosas intraoperatórias muitas vezes se manifestam na SRPA. A lesão medular causada pelo posicionamento do pescoço ou por um hematoma após a realização de um bloqueio regional neuroaxial pode causar déficits motores agudos. Uma avaliação radiológica imediata e consulta cirúrgica são indicadas. A compressão de nervo periférico ou o estiramento do plexo decorrente da hiperextensão podem levar a comprometimento sensorial ou motor permanente. Avaliar o paciente para dano nervoso sempre que houver queixa de desconforto não cirúrgico, dormência ou fraqueza, equimoses ou perda da integridade cutânea. Muitas neuropatias não têm causas identificáveis (ver Cap. 22). A cefaleia pós-punção de dura-máter pode ocorrer após anestesia subaracnoide, punção dural durante posicionamento peridural, mielografia ou qualquer procedimento acompanhado por uma perda de líquido cerebrospinal. Tratar com hidratação agressiva, analgesia e posicionamento. Em casos graves, considerar a realização precoce de tampão sanguíneo peridural (blood patch). Após a raquianestesia, alguns pacientes apresentam sintomas neurológicos transitórios com desconforto nas pernas e dor nas nádegas, especialmente após o uso de lidocaína a 5% e posicionamento em litotomia. Esses casos devem receber tratamento de suporte. A lesão nervosa decorrente do contato com a agulha ou injeção intraneuronal durante a anestesia regional é incomum, mas pode resultar em dor, dormência focal, parestesia residual ou disestesia. A dor muscular, desconforto ou rigidez pode ser resultante da imobilização ou distensão muscular associada com o posicionamento durante a cirurgia, particularmente se o procedimento for prolongado. A fasciculação associada à succinilcolina tem sido implicada, mas a mialgia também ocorre com o uso de relaxantes adespolarizantes e em pacientes que não receberam relaxante muscular. A extensão articular excessiva pode levar a dor nas costas, dor articular e até mesmo instabilidade articular. Pode ocorrer isquemia e necrose de tecidos moles se os pontos de pressão não forem acolchoados de modo adequado, especialmente durante posicionamento lateral ou de bru-

Capítulo 39

Recuperação pós-operatória

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ços. A pressão prolongada no couro cabeludo pode causar alopecia localizada, enquanto o aprisionamento de orelhas, genitália ou dobras cutâneas pode causar inflamação ou necrose. O extravasamento de medicamentos intravenosos pode resultar em descamação, neuropatia química localizada ou síndrome compartimental. Queimaduras térmicas, elétricas ou químicas decorrentes de equipamento, como cautérios, soluções de limpeza ou adesivos, também podem ocorrer. Em caso de lesão tissular significativa ou suspeita de síndrome compartimental, é indicada uma consulta cirúrgica urgente.

XVI. Hipotermia e hipertermia A hipotermia é comum na SRPA, apesar do uso generalizado de cobertores térmicos no intraoperatório. A hipotermia aumenta a resistência vascular e a frequência cardíaca, aumenta o risco de isquemia miocárdica e promove a hipoperfusão tissular. O sequestro de plaquetas, comprometimento da função plaquetária e redução dos fatores da coagulação contribuem para a coagulopatia. Pode ocorrer hiperglicemia moderada, aumento da sedação residual, prolongamento da fraqueza decorrente do uso de relaxantes musculares e comprometimento das respostas imunológicas. Os tremores podem dobrar o consumo de oxigênio e a produção de CO2, com risco de insuficiência ventilatória em pacientes com reserva limitada ou isquemia miocárdica naqueles com doença arterial coronariana. Os tremores também promovem trauma incidental e interferem com o monitoramento. O movimento é acentuado por tremores tônico-clônicos relacionados ao despertar da anestesia inalatória. Os tremores geralmente requerem apenas reaquecimento com dispositivos de ar forçado. Vários medicamentos podem suprimir o tremor, mas a meperidina parece ser mais eficaz. Raramente, a hipertermia transitória se instala após o uso de medidas excessivamente agressivas para evitar a perda de calor intraoperatória. Algumas vezes a febre reflete bacteremia decorrente de uma infecção preexistente ou procedimento cirúrgico. A temperatura elevada decorrente de atelectasia geralmente se instala após a alta da SRPA. A febre pode indicar uma reação a fármaco ou transfusão ou um estado hipermetabólico. A refrigeração ambiental, a fisioterapia torácica, a espirometria de incentivo e os antipiréticos normalmente são suficientes para o tratamento.

XVII. Alteração do sensório Para qualquer paciente que apresenta alteração do sensório na SRPA, deve-se excluir imediatamente condições com risco para a vida, tais como hipotensão, hipoxemia, hipoglicemia, hiponatremia grave ou narcose por CO2 (PaCO2 > 150 mmHg). O não despertar da anestesia por mais de 15 minutos após a admissão na SRPA é um período de tempo prolongado e requer investigação. A causa mais comum são os efeitos residuais dos fármacos administrados durante a anestesia. Avaliar se havia disfunção cerebral preexistente, intoxicação por álcool ou fármacos ou uso de sedativos de longa ação e revisar eventos intraoperatórios não usuais. A taxa de ventilação espontânea reflete a profundidade da anestesia residual, enquanto a PA reflete a adequação da perfusão cerebral. Deve-se aplicar um estímulo tátil para provocar o despertar. O valor diagnóstico do tamanho e da responsividade das pupilas é baixo. A baixa solubilidade de anestésicos inalatórios, como o sevoflurano ou desflurano, raramente causa inconsciência prolongada. Se o nível de consciência está deprimido por opioides, uma baixa dose de naloxona por via intravenosa pode ser benéfica. O flumazenil (0,2 mg/ min por via intravenosa até 1 mg) reverte a sedação dos benzodiazepínicos. A fisostigmina (1,25 mg por via intravenosa) neutraliza, mas não reverte, a sedação causada por outros medicamentos. Se a naloxona, o flumazenil ou a fisostigmina não provocarem

VÍDEO 39.2 Delirium do despertar

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Fundamentos de anestesiologia clínica resposta, a inconsciência provavelmente não é causada por medicamentos. A paralisia neuromuscular profunda raramente apresenta-se como inconsciência e a ventilação espontânea ou a atividade reflexa eliminam essa possibilidade. Após procedimentos intracranianos de longa duração, os pacientes despertam lentamente. Crianças exaustas muitas vezes são difíceis de despertar, especialmente depois de uma cirurgia de emergência realizada à noite. Considere convulsões subclínicas, anoxia cerebral, aumento da PIC, tromboembolismo cerebral, embolia aérea paradoxal ou síndrome da embolia gordurosa. O risco de acidente vascular encefálico é maior após cirurgia cardíaca, cirurgia vascular de grande porte ou cirurgia invasiva de pescoço. Durante o despertar, alguns pacientes apresentam sonolência, desorientação (delirium do despertar) e reações mentais lentificadas que geralmente desaparecem espontaneamente. Outros manifestam oscilações emocionais, choro ou combatividade. O significado emocional do procedimento cirúrgico (p. ex., aborto terapêutico, amputação) podem desempenhar um papel. Uma reação de despertar tempestuosa causa taquicardia e hipertensão, apresenta riscos de trauma incidental e põe em risco suturas, enxertos e dispositivos de demora. O risco de lesões para o pessoal da SRPA é real. As reações do despertar são prevalentes em crianças, especialmente após procedimentos na orelha, no nariz ou na garganta. Pacientes com intoxicação preexistente, distúrbios mentais ou disfunção cerebral orgânica muitas vezes apresentam agitação na SRPA. A dor amplifica a agitação, assim como a urgência miccional, distensão gástrica, paralisia residual, náusea, o prurido ou dispneia. Após o despertar, os pacientes, muitas vezes, exibem menor tolerância a um posicionamento desagradável, contenção ou limitação do volume inspiratório. A maioria das reações do despertar desaparece rapidamente. Após a administração de escopolamina, cetamina ou droperidol, podem ocorrer desorientação, paranoia, disforia e combatividade. Tratar as reações do despertar com a eliminação das causas óbvias e verificação das partes do corpo restritas, infiltração do subcutâneo por cateteres vasculares ou pequenos dispositivos deixados debaixo do corpo do paciente. Em casos selecionados, a sedação parenteral suaviza o despertar. É importante identificar se um paciente está reagindo à dor ou ansiedade. Os benzodiazepínicos são analgésicos ineficazes, enquanto os opioides são sedativos pobres. Usar a contenção física somente como último recurso.

Referências Aldrete JA. The post-anesthesia recovery score revisited. J Clin Anesth. 1995;7:89. American Society of PeriAnesthesia Nurses. 2012–2014 Perianesthesia Nursing Standards, Practice Recommendations and Interpretive Statements. Cherry Hill, NJ: American Society of Post Anesthesia Nursing; 2012. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Postanesthetic Care: Practice guidelines for postanesthetic care. Anesthesiology. 2002;96:742. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Prevention of Perioperative Peripheral Neuropathies: Practice advisory for the prevention of perioperative peripheral neuropathies. Anesthesiology. 2000;92:1168. An updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Acute Pain Management. Anesthesiology. 2004;100:1573. Benumof JL, Dagg R, Benumof R. Critical hemoglobin desaturation will occur before return to an unparalyzed state following 1 mg/kg intravenous succinylcholine. Anesthesiology. 1997;87:979. Gan TJ, Meyers T, Apfel CC, et al. Consensus guidelines for managing postoperative nausea and vomiting. Anesth Analg. 2003;97:67. Hines R, Barash PG, Watrous G, et al. Complications occurring in the postanesthesia care unit: A survey. Anesth Analg. 1992;74:503. Sessler DI. Complications and treatment of mild hypothermia. Anesthesiology. 2001;95:531.

Capítulo 39

Recuperação pós-operatória

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Uma paciente de 40 anos de idade foi submetida à reparação cirúrgica de uma fratura do calcâneo. Foi administrado um bloqueio do nervo ciático após o término da cirurgia, antes que a paciente tivesse despertado da anestesia geral. Dez minutos após sua chegada à SRPA, ela se queixou de dor grave no pé operado. O próximo passo mais apropriado seria: A. Obter uma radiografia do pé B. Administrar 5 mg de midazolam por via intravenosa C. Administrar 25 μg de fentanil por via intravenosa D. Repetir o bloqueio do nervo ciático 2. Um homem de 72 anos de idade foi submetido a uma substituição total do quadril. Sua PA pré-operatória e sua frequência cardíaca eram, em média, 140/90 mmHg e 82 batimentos por minuto, respectivamente. Seu hematócrito era de 34% pouco antes de despertar da anestesia. Trinta minutos após sua chegada à SRPA, sua PA era de 100/75 mmHg e sua frequência cardíaca era de 105 batimentos por minuto. Ele estava acordado e coerente. O melhor próximo passo seria: A. Fenilefrina 10 mg por via intravenosa B. Efedrina 15 mg por via intravenosa C. Solução de Ringer lactato 500 mL por via intravenosa D. Repetir o hematócrito 3. Qual das alternativas abaixo causará uma medida de PA erroneamente elevada? A. Um manguito de PA muito pequeno para o braço B. Insuflação excessiva do manguito de PA C. Um transdutor de acesso arterial situado acima do coração do paciente D. Hipotermia 4. O tubo endotraqueal de um paciente foi removido eletivamente na SRPA. Imediatamente após a remoção, o paciente apresenta estridor inspiratório e retração esternal. Todos os passos abaixo são apropriados, EXCETO: A. Deslocamento anterior da mandíbula B. Administração de oxigênio C. Ventilação cuidadosa com pressão positiva com o uso de dispositivo bolsa-máscara

D. Administração de salbutamol por via inalatória 5. Na SRPA, após quais procedimentos cirúrgicos a atelectasia é mais provável? A. Tonsilectomia B. Mastectomia simples C. Colecistectomia laparoscópica D. Reparação de hérnia inguinal 6. A atelectasia é tratada de modo eficaz com todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Oxigênio administrado por meio de cateter nasal B. Pressão aérea positiva contínua da via aérea com uma máscara C. Espirometria de incentivo D. Fisioterapia torácica 7. Medicamentos eficazes para NVPO incluem todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Droperidol B. Fentanil C. Ondansetron D. Dexametasona 8. A aspiração traqueal e pulmonar de qual das seguintes substâncias abaixo tem maior probabilidade de causar doença respiratória aguda? A. Sangue não coagulado B. Ringer lactato usado para irrigação oral C. Ácido gástrico D. Pus originado de um abscesso tonsiliano roto 9. A explicação menos provável para oligúria na SRPA é: A. Necrose tubular aguda B. Volume intravascular inadequado C. Efeitos residuais da raquianestesia D. Herniorrafia inguinal 10. As estratégias eficazes para o tratamento da cefaleia pós-raquianestesia incluem todas as alternativas abaixo, EXCETO: A. Repouso no leito B. Analgésico oral C. Hidratação D. Tampão sanguíneo peridural

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Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade James E. Szalados

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Certa vez, William Osler comentou: “Medicina é a arte da incerteza e a ciência da probabilidade”. A prática da medicina se aplica tanto como arte quanto como ciência para o tratamento de indivíduos diferentes e únicos. O século XX assistiu a uma transformação da medicina, que se transmutou de uma arte humanística em um empreendimento norteado pela tecnologia que responde por um oitavo do produto interno bruto dos EUA. No entanto, muitas decisões clínicas críticas são tomadas durante a rápida deterioração dos parâmetros fisiológicos e a partir de dados relativamente escassos e de um resultado clínico subjetivo. Dada a enorme variabilidade humana e seu consequente potencial para variações biológicas e reações fisiológicas e psicológicas idiossincráticas, o risco de complicações relacionadas com a anestesia não pode ser completamente descartado no momento.

I. Riscos e complicações A. Mortalidade e morbidade significativas relacionadas à anestesia Com o advento de treinamento especializado e certificação, avanços na farmacologia e tecnologia de monitoramento e melhor atendimento médico perioperatório, o risco de mortalidade anestésica caiu de aproximadamente 1 em 1.000 procedimentos anestésicos na década de 1940 para 1 em 10.000 na década de 1970 e para 1 em 100.000 no início de 2000 e, recentemente, os números informados foram de 8,2 em 1 milhão de altas cirúrgicas hospitalares (11,7 para homens e 6,5 para mulheres) (1). A confiabilidade dessas estatísticas é prejudicada pela falta de um diretório centralizado de dados, fontes indiretas dos dados (normalmente relatórios de incidentes e códigos baseados na Classificação Internacional de Doenças), gestão multifatorial e interdisciplinar de tais casos e falta de definição da duração do período pós-operatório. Os dados disponíveis mostram, de forma geral, que a mortalidade decorrente de anestesia tem relação direta com a idade (maior em ambos os extremos de idade) e o estado físico do paciente. O risco de morbidade relacionada à anestesia também é de difícil quantificação, visto que tais dados são igualmente sujeitos à limitação da notificação e divulgação. Estima-se que mais do que 1 em 10 pacientes terão um incidente intraoperatório e 1 em 1.000 sofrerão uma lesão real, tal como danos dentários, punção acidental, lesão de nervo periférico ou dor significativa (2). Algumas morbidades, como tromboembolismo venoso, infarto do miocárdio ou infecções sanguíneas relacionadas ao cate-

VÍDEO 40.1 Taxas de complicações anestésicas selecionadas

O risco específico de mortalidade anestésica estimado está sendo reduzido constantemente de aproximadamente 1 em 1.000 na década de 1940 a 1 em 10.000 na década de 1970 para 1 em 100.000 na década de 2000.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Outra 21%

Morte 29%

Queimaduras 4% Lesão ocular 4% Sofrimento emocional 6% Lesão nas vias aéreas 6% Danos cerebrais permanentes 9%

Lesão nervosa 21%

FIGURA 40.1 Lesões mais comuns que causam processos por negligência em anestesia de 2000 a 2009. Outra categoria inclui aspiração (4%), pneumotórax (3%), dor nas costas (3%), infarto do miocárdio (3%), lesão em recém-nascido (2%), dor de cabeça (2%) e lembrança /memória durante a anestesia geral (2%). Excetuando-se os danos aos dentes e dentaduras. American Society of Anesthesiologists’ Closed Claims Project (n –9.214). (De: Posner KL, Adeogba S, Domino K. Anesthesia risk, quality improvement, and liability. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:100.)

ter, podem ser previstas e manejadas. Algumas morbidades, como aspiração, alergias previamente desconhecidas, lesões nervosas ou consciência intraoperatória podem ser reduzidas. Contudo, para algumas morbidades, como acidente vascular encefálico, não é possível se fazer previsão ou redução consistente (Fig. 40.1).

II. Gestão de risco e segurança do paciente A. Ética O termo ética deriva do grego ethos, traduzido como “costume” ou “hábito”, e é um ramo da filosofia dedicado ao estudo de valores e costumes de grupos. Em seus usos contemporâneos, ética diz respeito à análise e aplicação de preceitos como certo e errado, bem ou mal e normas para interações entre as pessoas. Uma vez que é inevitável que as divergências surjam quando as preferências individuais formam a base para os cuidados de saúde e decisões de final de vida, a ética proporciona a estrutura dentro da qual o corpo clínico reconcilia diferentes crenças e valores. Portanto, a ética é uma estrutura aberta que facilita o discurso e a resolução de problemas em dilemas clínicos altamente complexos para os quais não há respostas claras e para os quais as decisões são com frequência sujeitas a exame retrospectivo. A ética médica refere-se ao estudo sistemático de valores éticos e morais e sua aplicação na prática médica. Aborda questões como ordens de não reanimação (NR), futilidade médica, suspensão de cuidados, sedação terminal, proteção a pacientes de pesquisa, terapia com placebo, acesso a cuidados com a saúde e o significado de morte cerebral. No entanto, por ser um ramo da filosofia, a ética é tão importante para entender isso quanto o discurso – a argumentação estruturada representando pontos de vista díspares –, pois se trata de um estudo dos valores e costumes. A ética oferece a base teórica, a estrutura e o contexto para que os profissionais da área médica tenham discussões significativas com pacientes, familiares e entre si com relação a temas profundamente pessoais. Embora a ética seja um ramo da doutrina jurídica, ela se aplica igualmente a todas as profissões. No entanto, as leis se aplicam a interações entre indivíduos e entre

Capítulo 40

Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade

os indivíduos e a sociedade. Os advogados são treinados para gerenciar pontos de vista opostos e desenvolver argumentos em nome de seus clientes. Nos Estados Unidos, as leis são derivadas dos princípios éticos e morais comuns inerentes à Constituição do país. As leis, bem como os conceitos éticos, formam a estrutura e o contexto em que os advogados argumentam os méritos dos casos de seus clientes. A importante relação de profissões com a sociedade sugere que os valores prof issionais devem ser congruentes com os valores da sociedade em que os profissionais atuam. As decisões éticas tomadas no contexto médico estão sujeitas à revisão pública e devem ser muito imparciais, cuidadosamente fundamentadas, bem documentadas e com a maior transparência possível. A meta da comunicação em medicina é a formação de uma aliança terapêutica que facilita a tomada de decisão. Muitos dos chamados conflitos éticos na prática clínica podem ser atribuídos à falta de uma comunicação eficaz. Os processos por negligência médica estão intimamente ligados às percepções de pacientes e famílias relativas a comunicação franca, coesão da equipe, divulgação de eventos adversos e, portanto, suas impressões subjetivas em relação à qualidade do atendimento. Há muito mais chances de ocorrer uma ação judicial quando houver discrepância significativa entre as expectativas do paciente ou da família e as percepções referentes ao atendimento prestado. Na ausência de negligência médica real, é mais provável que os pacientes e familiares se lembrem do respeito, do cuidado e da atenção (comportamento ético) que encontraram durante o período de tratamento do paciente. Códigos de ética ou códigos de conduta em sua maioria são um conjunto de valores desejados que são os princípios éticos norteadores das profissões e que se aplicam igualmente a todos os integrantes da equipe de atendimento médico. O Juramento de Hipócrates, o Juramento de Nightingale, o Código de Ética Médica de Thomas Percival, o Juramento de Maimônides, a Declaração de Genebra e os Princípios de Ética Médica da American Medical Association representam os documentos profissionais fundamentais. Os quatro princípios formais da ética médica – beneficência, não maleficência, autonomia e justiça – representam um conjunto de preceitos que devem ser considerados em qualquer discussão de ética médica e normalmente aplicados na tomada de decisão médica. O princípio da benef icência representa que cada profissional de saúde deve conscientemente se esforçar para agir sempre no melhor interesse de cada paciente (salus aegroti suprema lex). Assim, a decisões com cuidados de saúde devem refletir o mais alto nível de cuidado com o paciente sem levar em conta o ganho pessoal, interesses da sociedade ou da família. O princípio da não malef icência está incorporado no conceito de primum non nocere – “em primeiro lugar, não fazer o mal.” Em geral, o mal pode ser interpretado de forma variada e compreender a omissão ou realização de um ato que causa angústia emocional ou psicológica, dor e sofrimento ou lesão física. A não maleficência é também inerente ao dever de lealdade (ou seja, agir no melhor interesse do paciente) que os médicos devem a seus pacientes e pode se tornar legalmente eficaz com intervenções médicas que apresentem riscos que não podem ser eliminados independentemente de quanto cuidado e atenção são dedicados. Quando uma intervenção terapêutica é prescrita na intenção de “fazer o bem” e um dano inevitável, mas conhecido, acontece, chama-se de duplo efeito. Por exemplo, a depressão respiratória causada pela administração de opioides para sedação paliativa é bem reconhecida, mas seu efeito desejado não se destina à depressão respiratória, mas ao alívio do sofrimento. Portanto, a sedação paliativa é eticamente aceitável, enquanto a eutanásia e o suicídio assistido não são. O processo é semelhante, mas a intenção é dicotômica.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Como resultado de vários casos famosos (Nancy Cruzan, Terri Schiavo), a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as pessoas competentes têm liberdade protegida pela Constituição de recusar tratamento médico, estimulando discussão mais ampla e a adoção de testamentos em vida, diretivas antecipadas e designações de responsável pelo tratamento.

O princípio da autonomia aborda o direito do paciente de escolher (voluntas aegroti suprema lex) e tomar decisões informadas, voluntárias e sem coação. A autonomia refere-se ao direito de cada indivíduo à autodeterminação. Historicamente, a cultura norte-americana tem dado grande importância e manifestado respeito ao princípio da autonomia individual, uma noção consubstanciada na Declaração de Independência, na Constituição dos Estados Unidos e na Declaração de Direitos. O princípio da autonomia é exemplificado nas obrigações de obter o consentimento livre e esclarecido, adoção de testamento em vida e diretivas antecipadas e designações de responsável pelo tratamento. Requer representantes para cuidados de saúde (procuradores) para usar julgamento substituto na tomada de decisão em que o representante decide pelo paciente da maneira que ele acredita que o paciente teria feito. O princípio da justiça divide-se em distribuição e retribuição. Justiça distributiva é um ideal que diz respeito à esperança de que todos sejam tratados da mesma forma e com transparência clara no que diz respeito ao acesso e à distribuição de recursos de saúde limitados. A justiça retributiva aborda a retaliação retrospectiva como punição ou futuros avisos de castigo iminente como um impedimento a determinadas ações. Em alguns aspectos, a justiça representa a antítese do princípio da autonomia. Enquanto a autonomia exige que os interesses do paciente sejam determinantes, o princípio da justiça distributiva exige que o médico deve considerar a alocação justa de recursos sem discriminação. A triagem em situações de emergência e em ambientes de cuidados críticos representa a aplicação do princípio da justiça distributiva. A justiça retributiva é, em grande parte, reservada à avaliação disciplinar e judicial. O princípio do paternalismo refere-se ao instinto de profissionais de tomar decisões unilateralmente em nome de terceiros sem considerar a capacidade de eles o fazerem por si mesmos. Em sua forma extrema, o provedor paternalista ignora os desejos e as necessidades do paciente, e isso não é conciliável com o preceito da autonomia. Em sua forma menos intrusiva, o paternalismo também se manifesta quando o médico retém informações essenciais na crença de que más notícias, como diagnósticos terminais ou prognósticos ruins, podem causar sofrimento emocional indevido. A tomada de decisão paternalista não é mais aceitável na medicina moderna.

B. Erros médicos e segurança do paciente O tema de erro médico e segurança do paciente tiveram destaque nacional em 2000, quando o Institute of Medicine (IOM) publicou To Err Is Human: Building a Safer Health System. Nele, o IOM sugeriu que os erros médicos respondiam por pelo menos 98 mil mortes de pacientes internados por ano, ou pelo menos 270 mortes por dia (3). O erro médico pode ser definido como um erro, ocorrência acidental ou evento não intencional na prestação de cuidados de saúde que podem ou não resultar em lesões ao paciente. O Institute of Medicine define segurança do paciente como “liberdade da lesão acidental” e sugeriu 10 recomendações para melhorar a qualidade do atendimento e a segurança do paciente (4): 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Cuidados baseados em relações terapêuticas contínuas. Personalização com base nas necessidades e nos valores do paciente. Definição do paciente como a fonte de controle. Conhecimento compartilhado e livre fluxo de informações. Tomada de decisões baseada em evidências. Segurança como prioridade. Transparência.

Capítulo 40

Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade

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8. Previsão das necessidades. 9. Redução contínua de desperdício. 10. Cooperação entre os médicos. A anestesiologia tem uma longa história de liderança em qualidade e segurança e foi a primeira especialidade a adotar uma norma nacional para melhorar a segurança e a primeira fundação nacional dedicada à segurança do paciente (Anesthesia Patient Safety Foundation). Em 1978, Cooper et al. (5) examinaram retrospectivamente o papel dos fatores humanos em incidentes anestésicos e determinaram que 82% dos incidentes considerados evitáveis envolviam erros humanos e 14% envolviam defeito nos equipamentos. Em termos menos comuns, os erros eram considerados devidos a projeto incorreto de equipamento, experiência, familiaridade insuficiente com o equipamento ou com o procedimento, má comunicação entre o pessoal, pressa, falta de precaução ou distração. Os processos cognitivos importantes que predispõem a erros incluem ações não intencionais no desempenho das tarefas de rotina, erros de julgamento e planos de ação. Além disso, os erros são classificados como falhas ativas (p. ex., violações de regras) ou falhas latentes (p. ex., processos organizacionais ou sistêmicos defeituosos). Falhas latentes são comumente não reconhecidas e têm alto potencial de repetição futura. Sistemas propensos a erros são exemplificados pelo conceito do modelo de queijo suíço de erro, em que cada camada de atividade dentro de um sistema contém falhas latentes incorporadas (buracos) que permitem a passagem de erros pelo sistema sem detecção, resultando em um evento adverso. Quando um erro penetra todas as barreiras, exceto a final, o resultado é um quase acidente. Em geral, quanto mais complexo o sistema, maior será o potencial de erro. Por último, a prática da anestesia compartilha características comuns de muitos sistemas complexos: requisitos técnicos de alto nível, necessidade de tempo de resposta rápida, operações 24 horas por dia, fadiga relacionada com longas horas e pressão de produção que, com frequência, envolve conflitos entre serviço e segurança e coordenação de equipe multidisciplinar. O modelo médico para a coordenação da equipe de prevenção de erro tem suas origens na indústria da aviação, que desenvolveu o paradigma de gestão de recursos da tripulação (CRM, do inglês crew resource management) em 1978 (Tab. 40.1). A CRM promove uma cultura organizacional que incentiva cada membro da equipe a questionar a autoridade de forma respeitosa, preservando a autoridade e a cadeia de comando. A CRM engloba conhecimentos, habilidades e atitudes incluindo comunicações, consciência situacional, resolução de problemas, tomada de decisão e trabalho em equipe. É um sistema de gerenciamento de equipe que faz o melhor uso de todos

TABELA 40.1

A estrutura da gestão de recursos da equipe

Comunicação: liderança e gerenciamento da equipe Gestão da distribuição do trabalho: planejamento de missão, gestão de estresse e distribuição do trabalho Tomada de decisão: integração e procedimentos (procedimento operacional padrão) Resolução de conflitos Liderança Gerenciamento de equipe Gestão do estresse

VÍDEO 40.2 Causas de acidentes

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Fundamentos de anestesiologia clínica os recursos disponíveis. Inclui equipamentos, procedimentos e pessoas com o intuito de promover a segurança, melhorar a eficiência operacional e incentivar o trabalho em equipe, bem como de permitir o envolvimento do paciente, transparência e responsabilização. A CRM se tornou parte integrante do treinamento em simulador de anestesia e cuidados interdisciplinares com trauma (ver Cap. 32).

C. Consentimento livre e esclarecido Um documento separado e distinto de consentimento livre e esclarecido para a anestesia e os procedimentos relacionados com a anestesia é amplamente tido como o padrão. Além disso, a capacidade de um paciente de recusar uma intervenção proposta, colocar limites, restrições ou condições em tratamento ou ignorar completamente o conselho de um médico são corolários da doutrina do consentimento livre e esclarecido. Os provedores devem compreender e respeitar o fato de que o que pode ser consentido também pode ser recusado. A documentação da recusa de consentimento é tão importante quanto a documentação do consentimento livre e esclarecido para o tratamento. A doutrina do consentimento livre e esclarecido tem como premissa o princípio ético da autonomia, que obriga os médicos a respeitar o direito dos pacientes à autodeterminação corporal e, portanto, compartilhar o poder da decisão médica com os pacientes. A pedra angular do consentimento livre e esclarecido é a comunicação válida e eficaz – um diálogo de mão dupla. Existem duas normas jurídicas distintas que são aplicadas ao processo de consentimento livre e esclarecido: a norma do médico sensato ou a norma do paciente sensato. A norma do paciente sensato é a mais comum e se coaduna com o respeito pela autonomia do paciente. Ela exige a divulgação de informação relevante que um paciente típico e sensato gostaria de saber para tomar uma decisão consciente. O processo do consentimento livre e esclarecido requer a divulgação e discussão de todos os riscos, benefícios e alternativas significativas às intervenções terapêuticas ou de investigação propostas. Todas as normas de divulgação exigem que as informações e as escolhas sejam apresentadas de forma completa e em termos claros. Isso deve incluir uma explicação concomitante do significado dos termos, as implicações potenciais de curto prazo e de longo prazo de cada opção, discussões sobre a opção de alterar o plano de cuidados em um momento posterior e as implicações de tal retirada e garantia de que tais decisões serão respeitadas. O diálogo, incluindo uma oportunidade para os doentes fazerem perguntas e receberem respostas honestas em relação ao tratamento proposto, deve ocorrer em um ambiente desprovido de qualquer sentido de coação ou coerção para que o consentimento seja realmente válido. Por fim, depois de todas as divulgações serem feitas, as opções consideradas e o acordo alcançado, o formulário assinado dentro do prontuário representará a documentação formal do processo. O consentimento é, portanto, análogo a um contrato que não só exige a divulgação fiel, contraprestação e aceitação, como também impõe deveres e obrigações às partes. Assim como com os contratos, há desafios legais potenciais quanto à validade do consentimento ou contrato. Tais desafios são fatos ou pretextos fraudulentos, coação, falta de capacidade ou discernimento prejudicado. Um paciente legalmente competente é aquele que é legalmente capaz de tomar decisões em seu próprio nome. Menores não emancipados, pessoas com incapacidade mental ou deficiência permanente são possíveis exemplos de pacientes a quem falta competência para a tomada de decisão autônoma e, portanto, a família ou um curador legal tomará as decisões em

Capítulo 40

Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade

seu nome. O termo capacidade refere-se a uma diminuição na tomada de decisão que é mais situacional no contexto, por exemplo, de medicamentos que prejudicam o discernimento e o raciocínio, distúrbios metabólicos ou estados mentais, como depressão, mania, psicose e delirium ou confusão. A maioria dos Estados tem requisitos legais em matéria de consentimento livre e esclarecido, pelos quais descumprí-los pode colocar o provedor em risco de uma acusação de negligência profissional. As condições de participação do Medicare e da Joint Commission também obrigam separadamente o consentimento livre e esclarecido. Se um curso de tratamento médico é contestado por qualquer motivo, a falta de consentimento livre e esclarecido documentado pode comprometer a defesa jurídica desse caso. Às vezes, a doutrina do consentimento implícito pode resolver uma situação clínica relativamente comum em que o prestador possa razoavelmente inferir que um paciente teria consentido o tratamento. O consentimento implícito é, essencialmente, uma questão de interpretação racional pelo provedor de que a conduta geral do paciente é coerente com a intenção de autorizar um procedimento, apesar da falta do consentimento expresso ao tratamento. O consentimento implícito deve ser reservado para o atendimento de emergência e situações em que o consentimento livre e esclarecido de um paciente ou representante legal é impraticável ou impossível. No caso em que um paciente previamente competente, ou um paciente com capacidade, expressou com clareza suas instruções, essas continuam obrigatórias, mesmo que o paciente perca a competência ou capacidade. Por exemplo, no caso de um paciente adulto Testemunha de Jeová que recusa expressamente a transfusão de sangue, e essa instrução é documentada claramente no prontuário, a maioria dos tribunais decidiu que a família não pode anular a decisão do paciente depois de ele ter perdido a capacidade.

D. A importância do prontuário médico O prontuário tem finalidades médicas, legais e administrativas. É um registro de tratamento contínuo usado para registrar e comunicar as circunstâncias do atendimento ao paciente para outros provedores, fundamentar e justificar o raciocínio médico envolvido em chegar a um diagnóstico, determinar um plano de cuidados e sustentar um pedido de reembolso. Em termos legais, o prontuário médico é o produto do trabalho da equipe de saúde (Tab. 40.2). Há dois aspectos de prontuários médicos: o prontuário físico e as informações contidas nele. O paciente tem o direito de posse e o direito de sigilo de sua informação médica. O prontuário físico é propriedade do provedor de assistência médica, que é o responsável legal pelo prontuário e assume a responsabili-

TABELA 40.2

Objetivos do prontuário médico

Documentação escrita do atendimento médico Base para comparações longitudinais do curso clínico de um paciente durante um período Comunicação e continuidade de atendimento entre a equipe de cuidados com a saúde Base para codificação e pedidos de faturamento como respaldo para o reembolso de serviços Revisão de utilização Revisão por pares e avaliações de qualidade de cuidados Coleta de dados de pesquisa

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Fundamentos de anestesiologia clínica dade por sua integridade, enquanto as informações contidas no prontuário médico são legalmente de propriedade do paciente. Com a ampla adoção do prontuário eletrônico (EMR, do inglês electronic medical record), há novos riscos para os provedores e instituições. O risco de quebra de sigilo é maior com EMRs principalmente porque dispositivos desprotegidos portáteis (perdidos ou não criptografados) podem armazenar e acessar dados remotamente. O potencial de acesso não autorizado aos repositórios de registros por meio de hacking é grande, e a transmissão eletrônica de dados pode divulgar os dados confidenciais mais rápido e mais longe do que era possível com as tecnologias de fotocópia ou fax no passado. Muitas doutrinas, leis, regulamentos e políticas abordam o sigilo da informação médica, incluindo a Lei de Portabilidade e Transparência de Seguros-Saúde de 1996 (HIPAA, do inglês Health Insurance Portability and Accountability Act) e a Lei da Tecnologia da Informação em Saúde para Economia e Saúde Clínica (Health Information Technology for Economic and Clinical Health Act) de 2009. Essas leis tratam da privacidade das informações de saúde e de segurança e preocupações com segurança associadas com a transmissão eletrônica de informação de saúde e multas por violações de divulgações não autorizadas, respectivamente. A violação de privacidade de prontuário médico é de responsabilidade do Off ice of Civil Rights. Os metadados incorporados aos EMRs contêm detalhes sobre os registros e as imagens acessados para revisão, a hora e a duração de revisão de documentos e o lançamento do registro e de todas as mudanças feitas. Assim, um registro detalhado dos dados exatos e a documentação analisada por um médico durante a avaliação de um paciente pode ser retrospectivamente reconstruído em caso de uma ação judicial. No entanto, manter a documentação de forma precisa e rigorosa no EMR pode ser um desafio, dadas as possibilidades de lançamentos atrasados, erros tipográficos e de transcrição de palavras que podem ser perpetuados com o método de recortar e colar e a rigidez dos modelos, caixas de seleção e barras de menus. Portanto, uma narrativa clara, organizada, oportuna e atentamente revista vai refletir melhor o processo de pensamento do médico, diagnóstico diferencial e julgamento clínico, bem como fornecer o produto do trabalho clínico mais justificável.

E. Como responder a um evento adverso Um evento adverso grave no período perioperatório, especialmente um que resulte em incapacidade grave ou morte de um paciente saudável durante a cirurgia eletiva, pode ter um impacto psicológico enorme sobre a equipe de anestesia. Como é rara a probabilidade de ocorrência de tais eventos durante a carreira prática do anestesiologista, a Anesthesia Patient Safety Foundation elaborou um protocolo de evento adverso para facilitar uma resposta eficaz, eficiente e coordenada a um incidente perioperatório (6). As respostas verbais, escritas e comportamentais dos prestadores envolvidos depois de um incidente perioperatório têm, potencialmente, enormes implicações legais. Portanto, um protocolo de evento adverso bem-concebido é comunicado a todos os membros da equipe de anestesia antes que um incidente ocorra. Ele deve ter sido aprovado por provedores, administradores e advogados e ser protocolizado e acionado automaticamente. A discussão formal sobre as circunstâncias que cercam um evento adverso passou a ser conhecida como “disclosure” (divulgação). O termo disclosure é usado com mais frequência no contexto de uma descrição de um erro médico. No entanto, a divulgação das circunstâncias relativas a um evento adverso que resulte em lesão ao paciente geralmente ocorre antes que seja claro que ocorreu realmente um erro médico. A veracidade é amplamente reconhecida como um princípio ético e, portanto, uma responsabilidade

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Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade

profissional dos médicos. Enquanto é de amplo conhecimento que a identificação e a análise de erros com a aplicação do ciclo de feedback corretivo (análise de causa-raiz [RCA]) são um mecanismo fundamental para melhorar a segurança do paciente, a divulgação de dados específicos sobre um evento adverso ou erro médico apresenta implicações administrativas e jurídicas para ambos, provedores e instituições. Inúmeros estudos, embora sem muito controle, sugeriram que há maior probabilidade de pacientes procurarem um advogado para explorar seus direitos legais e ajuizar uma ação na ausência de uma explicação ou pedido de desculpas formal, provavelmente devido a um sentimento inato de suspeita e uma necessidade de encontrar uma resposta. O dilema legal com relação a reuniões de disclosure é que as declarações que potencialmente admitam o evento feitas durante essas reuniões podem ser descobertas mais tarde pelos advogados dos autores e usadas como prova. Com a intenção de facilitar a comunicação fiel entre prestadores e pacientes, 36 estados dos Estados Unidos promulgaram Leis de pedido de desculpas, que são portos seguros destinados a proteger médicos que pedem desculpas aos pacientes por erros médicos. Nos termos de uma Lei de pedidos de desculpas, expressões de desculpas são excluídas da fase de exibição de provas em um processo por negligência. As Leis de pedidos de desculpas permitem “oferecer expressões de pesar” e destinam-se principalmente a incentivar a comunicação aberta por meio de conversas informais entre o paciente ou a família e o provedor de cuidados de saúde. Em geral, embora seja boa prática para o pessoal médico aderir às políticas e dos procedimentos regulatórios e administrativos que obrigam a divulgação de erros médicos, também é importante que as circunstâncias da discussão sejam cuidadosamente controladas na medida do possível. Um advogado deve ser consultado antes da implementação de uma política de divulgação e deve ser obtido um parecer jurídico antes de uma reunião de divulgação formal.

F. National Practitioner Data Bank O National Practitioner Data Bank (NPDB) foi criado em 1990 pela Lei de Proteção de Programa e Pacientes do Medicare e Medicaid (Medicare e Medicaid and Patient and Program Protection Act) de 1987 e representa um repositório federal de dados e provedores de cuidados com a saúde (Tab. 40.3). A lei HIPAA, de 1996, criou o Banco de Dados de Proteção e Integridade de Cuidados com a Saúde (Healthcare Integrity and Protection Data Bank – HIPDB) como resposta a fraudes e abusos no seguro de saúde e prestação de cuidados de saúde. Em 2013, o NPDB se fundiu com o HIPDB e agora

TABELA 40.3

Exemplos de eventos comunicáveis do National Practitioner Data Bank

Pagamentos por negligência médica Processos civis ou criminais relacionados com cuidados de saúde Ações adversas de licenciamento Ações adversas privilegiando a área clínica Ações adversas de afiliados de associações profissionais Ações da Drug Enforcement Agency Suspensão de programas de saúde com financiamento federal ou estadual Ações de organização de credenciamento particular Outras decisões devido a processo pertinentes a cuidados de saúde

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As Leis de pedidos de desculpas variam de um Estado para outro e são de dois tipos: leis sobre oferecer expressões de pesar, que protegem as expressões de pesar, remorso e condolências em geral dos médicos; e as leis de admissão de culpa que protegem as admissões de culpa ou erro dos médicos.

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Fundamentos de anestesiologia clínica serve como um órgão centralizador de dados que coleta e libera informações relacionadas com a conduta profissional e competência de médicos, enfermeiros, dentistas e outros profissionais de saúde. A finalidade do NPDB é apoiar a revisão por pares profissionais, exigindo que hospitais, conselhos de credenciamento estaduais, associações profissionais e outras entidades de saúde comuniquem ações adversas contra provedores, e também consultar o banco de dados como parte do credenciamento e o processo de privilégios. O NPDB contém informações sobre a história de negligência dos profissionais de saúde, ações adversas de licenciamento, restrições sobre associação profissional e ações de privilégio negativas por hospitais. É importante perceber que as ações adversas não contestadas, como acordos pré-julgamento em processos por negligência, negativas não contestadas de credenciamento de pessoal médico e demissões de pessoal médico, enquanto uma investigação por pares está em andamento, podem ser informadas ao NPDB.

G. Diretivas antecipadas Uma diretiva antecipada é uma declaração de instrução que está prevista para, potencialmente, ter efeito em algum momento no futuro. O propósito de uma diretiva antecipada é informar o que o paciente deseja a outras pessoas caso ele, mais tarde, perca a capacidade de se comunicar para que seus desejos sejam conhecidos e respeitados. As diretivas antecipadas representam uma aplicação prática do princípio ético respeitando a tomada de decisão autônoma. Alguns exemplos de diretivas antecipadas são testamentos em vida e procurações de saúde, mandato duradouro, pedidos de NR gerais ou documentação específica de preferências para intervenções, como ventilação mecânica prolongada, nutrição e hidratação artificiais, ou diálise, no caso de lesão incapacitante grave. Um testamento em vida é uma forma comum de diretiva antecipada que define as expectativas de um paciente a respeito dos provedores e do sistema de saúde. Quase sempre ele define os parâmetros específicos ou gerais para o início, a continuação ou a interrupção dos vários níveis de tratamento médico de suporte de vida. Os testamentos em vida podem ser preparados pelo próprio paciente ou com consulta a um médico ou advogado, o que ocorre com muita frequência. Uma limitação dos testamentos em vida é especificidade insuficiente para definir de forma inequívoca os desejos do paciente para todas as contingências. Como resultado, a maioria dos testamentos em vida é praticamente pouco mais do que um guia geral para os desejos dos pacientes. Assim, mesmo quando há um testamento em vida, os responsáveis pelo paciente ainda têm a tarefa de interpretar os desejos do paciente nessa circunstância específica. Um procurador para cuidados de saúde é um substituto com poderes de decisão nomeado específica e legalmente pelo paciente, por meio de uma nomeação por escrito, com a finalidade de tomar decisões de cuidados de saúde em nome do paciente. O procurador para cuidados de saúde não precisa ser um parente; essa pessoa substitui as hierarquias de sub-rogação definidas em lei. O procurador ou representante está meramente transmitindo de forma indireta os desejos e as instruções do paciente e não deve se envolver em tomada de decisão unilateral. Na ausência de um procurador para cuidados de saúde previamente designado, os provedores devem consultar a legislação estadual que trata de sub-rogação que definem a hierarquia dos responsáveis que podem falar em nome de um paciente. Uma procuração é um documento legal que autoriza outra pessoa com poderes de agência – a autoridade para agir em seu lugar. As procurações podem ser específicas para questões financeiras, administrativas ou de cuidados de saúde ou ser mais gerais e até mesmo sem restrições. Procurações simples estão em vigor somente enquanto o paciente também tem a capacidade de tomar decisões e tornam-se nulas quando um paciente perde a capacidade de tomada de decisões. Por outro lado, um mandato duradouro é um documento mais poderoso que mantém seu efeito mesmo depois de um paciente

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perder a capacidade de tomada de decisão. Ainda, mesmo mandatos duradouros podem ter objeto restrito e não necessariamente lidar com decisões de cuidados com a saúde. As diretivas antecipadas também compreendem ordens referentes à reanimação. Ordens de NR ou não tente reanimar (NTR) representam ordens com base no preenchimento de um formulário padronizado que define as preferências de reanimação do paciente. De modo semelhante ao testamento em vida, o formulário de NR é mais específico e, com frequência, é um formulário jurídico preparado e regulado pelas leis de cada Estado. Os formulários de NR são muito parecidos com uma recusa de consentimento para tratamento, pois especificam uma limitação de cuidados médicos. As considerações éticas e legais gerais que se aplicam ao processo de consentimento livre e esclarecido também se aplicam às discussões de final de vida e à ordem de NR. Para que uma NR tenha valor legal, ela deve ser obtida após a explanação completa a um paciente competente com capacidade e sem coação ou coerção.

III. Melhoria de qualidade e segurança do paciente A. Estrutura, processo e resultado: o alicerce da segurança O modelo de Donabedian (7) é uma estrutura conceitual para avaliar a qualidade, a concepção e as melhorias de qualidade de cuidados usando-se três categorias de análise: estrutura, processo e resultado. Estrutura descreve os fatores que causam impacto no contexto em que os cuidados ocorrem (p. ex., planta física do hospital, pessoal, treinamento, equipamento e administração). Processo refere-se aos comportamentos, relacionamentos e interações normativos (p. ex., cuidados preventivos, educação do paciente) durante todo o atendimento. Resultado refere-se aos resultados obtidos e ao efeito de achados sobre cuidados de saúde em pacientes ou populações (p. ex., mortalidade, estado de saúde, satisfação do paciente ou qualidade de vida relacionada com a saúde). O modelo de Donabedian pode ser usado para modificar uma unidade de prestação de cuidados de saúde e para avaliar os efeitos das mudanças sobre os indicadores externos de qualidade especificados. No entanto, o modelo em si não contém uma definição implícita de qualidade ou valor. O modelo de Donabedian é pertinente para as discussões sobre segurança e qualidade de atendimento ao paciente por duas razões: (a) a segurança do paciente está relacionada com a estrutura e o processo, e a qualidade descreve os resultados e a maneira pela qual elas são realizadas; (b) legisladores, reguladores, gestores de saúde e pagadores uniformemente exigem e dependem dessa estrutura. O modelo descreve como reguladores, políticos e partes interessadas analisam o sistema de saúde. Portanto, o licenciamento de cada sistema de saúde, a conformidade regulatória, a condição de requisito de participação e norma de credenciamento são, de alguma forma, uma estrutura, um processo ou uma medida de resultado. Vários outros modelos de melhoria de qualidade também se aplicam à anestesiologia, como o modelo de gestão da qualidade total, o modelo de melhoria contínua da qualidade, o ciclo planejar, fazer, estudar, agir (PDSA do inglês plan, do, study, act), o modelo Seis Sigma e modelo de análise de causa raiz (RCA, do inglês root cause analysis). O modelo RCA difere dos demais por representar um modelo retrospectivo em vez de um modelo prospectivo de melhoria da qualidade. É um processo de melhoria de qualidade de duas etapas que analisa os resultados adversos e desenvolve planos para fortalecer ou desenvolver sistemas de segurança com a coleta e análise de dados.

B. A dificuldade de medição de resultado em anestesia A qualidade de cuidados é difícil de se definir e medir clinicamente. Os primeiros indicadores de qualidade clínica baseavam-se na identificação de resultados adversos

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Fundamentos de anestesiologia clínica específicos e análise posterior por meio de revisão do caso individual para identificar problemas potenciais de qualidade de cuidados. Posteriormente, a Joint Commission desenvolveu uma série de indicadores de qualidade relacionados com a anestesia pelos quais o desempenho organizacional poderia ser continuamente monitorado e avaliado. Esse Sistema Indicador de Medição nacional avaliou duas categorias de desempenho: (a) indicadores de evento sentinela (ocorrências inesperadas envolvendo morte ou lesões graves) e (b) indicadores baseados em taxas (tendências em um determinado tipo de processo ou os resultados dos cuidados). Infelizmente, a validação de indicadores clínicos anestésicos é, em grande parte, limitada à opinião de especialistas, pois, neste momento, não há evidências suficientes para demonstrar que a adesão às melhores práticas baseadas em evidências de maneira sistemática e universal resulte em um melhor resultado para o paciente. Por exemplo, a adesão ao ␤-bloqueio perioperatório foi inicialmente instituída como um indicador de qualidade nacional depois que os dados sugeriram que o ␤-bloqueio perioperatório reduziu a incidência de infarto do miocárdio em pacientes de alto risco submetidos à cirurgia não cardíaca. No entanto, os dados subsequentes também demonstraram que o risco de morte e cegueira eram maiores em pacientes de cirurgia não cardíaca que receberam ␤-bloqueio perioperatório. A medição de resultados em anestesia também é complicada pela falta de definições padronizadas e de consenso entre os sistemas e países. Por exemplo, o Sistema de Classificação do Estado Físico da American Society of Anesthesiologists está relacionada com risco perioperatório, porém é, em grande parte, subjetiva e resulta em categorização inconsistente. A complexidade dos sistemas de cuidados clínicos é tal, que diversas variáveis estão envolvidas em cada resultado. Portanto, os resultados específicos da anestesia permanecem imperceptíveis, pois é difícil atribuir causalidade para o resultado de uma intervenção cirúrgica, anestésica ou médica específica em contraste com a totalidade do cuidado médico. Quanto ao modelo de Donabedian, as melhorias concretas de qualidade baseadas nas conexões entre processo e resultados exigem grandes amostras populacionais, ajustes por casos e acompanhamento de longo prazo. Como resultado, o impacto significativo das intervenções específicas sobre os resultados adversos de frequência relativamente baixa é perdido na complexidade do paciente individual e várias intervenções de cuidados de saúde.

C. Requisitos regulatórios para melhoria de qualidade A participação em programas de incentivo Medicare e Medicaid Electronic Health Record exige que os médicos e hospitais demonstrem o “uso significativo” do prontuário eletrônico mediante a coleta e apresentação de dados sobre medidas de qualidade clínica usando a tecnologia de prontuário eletrônico certificado.

O Relatório Flexner estabeleceu normas para a educação médica moderna e incentivou o desenvolvimento de secretarias estaduais de saúde pública que, mais tarde, foram responsáveis pela supervisão das instituições de saúde. Em 1917, o American College of Surgeons definiu padrões mínimos de qualidade para hospitais e introduziu um sistema de conformidade voluntário. Em 1946, o Congresso dos EUA aprovou a Lei Hill-Burton para fornecer fundos para os Estados construírem hospitais e condicionou os fundos a normas mínimas de manutenção e operação de instalações de cuidados de saúde. Na década de 1950, a Joint Commission on Accreditation of Hospitals – mais tarde conhecida como a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations e agora simplesmente como Joint Commission – estabeleceu um processo de credenciamento para hospitais que se tornou um padrão obrigatório para instalações que buscam licenciamento estadual e participação no Medicare. O licenciamento estadual é uma condição de participação legal para os hospitais, ao passo que o credenciamento é um meio voluntário de cumprir as condições para a participação. A supervisão regulatória para a qualidade de cuidados de saúde ocorre em muitos níveis, incluindo licenciamento profissional, condições de participação, treinamento, certificação ou acreditação, notificação obrigatória e planos de remuneração

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por desempenho. A adesão a tais exigências regulatórias fez com que o setor de cuidados com a saúde seja o mais regulamentado dos Estados Unidos.

IV. Responsabilidade profissional A. Profissionalismo e licenciamento Um profissional é aquele que atua dentro de uma profissão. Os profissionais atingiram os padrões de educação e treinamento por meio do conhecimento especializado e das habilidades adquiridas. Os padrões profissionais de conduta e ética são estabelecidos em códigos de conduta profissional específicos para a profissão. Em decorrência desse desequilíbrio em sua educação, treinamento e conhecimento, os profissionais têm o dever de lealdade para com seus clientes. É um desafio definir profissionalismo em termos mais práticos. Epstein e Hundert (8) definem o profissionalismo como o “uso habitual e criterioso de comunicação, conhecimento, habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções, valores e reflexão na prática diária para o benefício do indivíduo e da comunidade que estão sendo atendidos”. O Medical Professionalism Project (9) representa uma colaboração da American Board of Internal Medicine Foundation, da American College of Physicians Foundation e da European Federation of Internal Medicine e definiu três princípios fundamentais do profissionalismo: (a) a primazia do bem-estar do paciente, que aborda o altruísmo, a confiança e o interesse do paciente; (b) a autonomia do paciente, lidando com a importância da honestidade com os pacientes e a necessidade de capacitar os doentes na tomada de decisão médica; e (c) a justiça social, lidando com o contrato social dos médicos e a justiça distributiva considerando-se a natureza finita dos recursos de saúde (Tab. 40.4). Tetzlaff (10) definiu os fundamentos do profissionalismo incluindo (a) transparência, (b) humanismo, (c) bem-estar pessoal e (d) ética. Por último e mais prático, os três pilares da excelência clínica que afetam o profissionalismo podem ser definidos como disponibilidade, amabilidade e habilidade.

B. O sistema contraditório O sistema contraditório refere-se a um sistema jurídico do common law pelo qual os advogados representam as posições de suas partes perante uma pessoa ou grupo de pessoas imparcial, geralmente um juiz ou júri, que tenta determinar a veracidade dos TABELA 40.4

Compromissos inerentes ao profissionalismo

Competência profissional Honestidade Sigilo do paciente Relações adequadas com os pacientes Melhora da qualidade de cuidados Melhora do acesso aos cuidados Distribuição justa de recursos finitos Conhecimento científico Manutenção da confiança por meio da gestão de conflitos de interesse Responsabilidades profissionais

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Fundamentos de anestesiologia clínica fatos alegados. O paciente lesado que inicia um processo de negligência médica é o autor que procura uma remediação legal do tribunal. Se o autor lograr êxito, o juízo decidirá em favor do autor e emitirá uma ordem judicial de indenização com a intenção de socorrer financeiramente o autor por ter sido injustiçado. A parte contra a qual a queixa é dirigida é o réu. Nos processos, os casos são identificados com o nome do autor em primeiro lugar. Assim, uma ação é mencionada como “Autor vs. Réu”. Em uma ação civil, o ônus da prova recai sobre o autor, que deve estabelecer os elementos indispensáveis de seu caso por uma “preponderância de provas” de que todos os alegados fatos foram apresentados e com maior probabilidade de serem verdadeiros. A parte que inicia o processo (autor) deve ajuizar a ação em um prazo especificado, definido em lei, em um período específico em cada Estado conhecido como prescrição. A ação é iniciada formalmente quando o advogado do autor ajuíza o pedido perante a vara e o oficial emite uma citação. Nos Estados Unidos, uma ação civil é iniciada mediante a apresentação de uma citação, petição inicial ou reclamação, documentos que são chamados, em conjunto, de alegação. A alegação descreve em detalhe os erros cometidos alegados pelo réu e incluem uma solicitação de tutela jurisdicional. A ação judicial é iniciada pela entrega física das alegações ao réu. As alegações são, então, protocoladas no juizado competente para as partes, junto com uma declaração juramentada, de que foram entregues ao réu. Normalmente, a entrega da citação é feita ao médico acusado e não à seguradora, e é importante que o médico informe à seguradora imediatamente, pois ele tem um prazo limitado para contestar a ação. Se a contestação não for protocolada pelo advogado de defesa dentro do prazo legal, o autor pode obter um julgamento à revelia contra o médico acusado, que perde o direito de contestar judicialmente as alegações. Se a ação não for extinta, ambas as partes começarão um processo de exibição de provas. A exibição de provas refere-se à oportunidade de cada parte obter informações e documentos relevantes das partes do processo. A exibição de provas pode incluir interrogatórios, depoimentos das partes principais, equipe de apoio, análises de prontuários, análises periciais e determinação de materiais de apoio relevantes. Interrogatórios referem-se a questões escritas entregues às partes, enquanto depoimentos representam testemunho sob juramento oral formal obtido sob juramento e transcritos por um taquígrafo oficial. Todos os Estados têm tribunais de primeira instância onde os litígios civis são protocolados e julgados, e geralmente há um sistema de tribunais recursais, cuja decisão final será dada pelo tribunal de justiça final do Estado. Se a alegação de negligência envolver o governo federal agindo por meio de uma clínica financiada por ele ou uma unidade da Veterans Administration, a ação corre em um juízo distrital federal. Cortes federais também vão lidar com processos por negligência quando há Estados diferentes envolvidos, por exemplo, quando as partes estiverem localizadas em diferentes Estados ou se uma questão federal está em causa, como uma violação de um direito constitucional fundamental durante a conduta negligente alegada. O local onde o processo é ajuizado geralmente segue o local da ocorrência ou o domicílio das partes envolvidas e é conhecido como foro. Em vários momentos durante o processo litigioso, as partes podem optar por optar por um acordo, tentar resolução alternativa de controvérsias, como a mediação ou arbitragem, peticionar por julgamento sumário ou extinção do processo ou interromper voluntariamente a ação. Em geral, as cortes de justiça incentivam um acordo pré-julgamento no interesse da eficiência judicial. Os casos de negligência médica com frequência são resolvidos fora das salas de audiências, pois há muitas vantagens potenciais: (a) os júris são imprevisíveis; (b) as consequências negativas e a publicidade de uma sentença condenatória são reduzidas; (c) os custos com advogado de defesa, peri-

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tos e judiciais são potencialmente reduzidos; e (d) é eliminado o impacto do precedente da sentença para futuros casos semelhantes. Se o processo for a julgamento, a corte de justiça definirá uma data na pauta. Em geral, uma parte tem o direito de recorrer da sentença a pelo menos uma instância superior, que tem o poder de confirmar, anular ou modificar a decisão do juízo inferior.

C. Elementos da negligência médica Por envolver decisões de alta complexidade, a medicina é uma área profissional em que o risco de resultados adversos e litígios é alto. No entanto, os médicos devem compreender que um mau resultado não se iguala à negligência médica. Em geral, um médico não é responsável por negligência em erros de julgamento. Pelo contrário, a responsabilidade só pode ser legitimamente deduzida quando o tratamento prestado, de forma clara, está fora das normas de boa prática médica reconhecida. Para provar negligência médica, o autor deve demonstrar que o médico ou o provedor desviou do padrão de atendimento relevante para as definições específicas do tratamento em questão. O padrão de tratamento é ainda definido como o cuidado que um profissional de saúde razoavelmente competente e qualificado, com uma formação semelhante, teria fornecido em circunstâncias semelhantes. A negligência médica é um tipo específico de negligência dentro de um grupo de causas legais de ação conhecida como delitos civis e é regida por legislação civil específica em cada Estado. Para ser considerado responsável em uma causa específica da ação, a corte de justiça vai exigir que o autor demonstre cada elemento legal daquela causa particular. Os elementos legais do delito civil de negligência médica são (a) a existência de um dever, (b) uma violação desse dever, (c) a prova de que a violação do dever era a causa real e próxima do resultado adverso e (d) a demonstração de que os danos verificáveis ocorreram devido à tal violação. A negligência médica geralmente envolve questões que estão além da compreensão normal de leigos. Portanto, os juízos exigem que os elementos de negligência, incluindo padrão de tratamento, violação e causa próxima, devam ser comprovados por prova pericial. O dever é criado pela relação médico-paciente e requer que o médico cumpra esse grau de habilidade e aprendizagem que outros membros da mesma profissão normalmente têm e empregam, em situação regular, e que estão envolvidos no mesmo tipo de prática ou especialidade. Porém, as normas da prática médica geralmente aceitas, que formam a base para a definição de um padrão de atendimento relevante, não são de fácil definição, pois a literatura médica está repleta de controvérsia e novos avanços e pode haver grande variação entre os pacientes. Portanto, ambos, autor e réu, apresentarão, cada um, depoimento de peritos sobre o padrão de atendimento aplicável. Para provar que o médico acusado cometeu uma violação do dever, o autor deve demonstrar que o réu não seguiu o padrão de atendimento aplicável. O autor deve provar o nexo de causalidade, mostrando um elo causal razoavelmente estreito entre o ato (ou omissão) negligente alegado e o dano decorrente. A negligência deve ser mostrada como uma causa de fato (ou seja, causa real) de lesão do autor. No entanto, além disso, o ato de negligência alegado deve ser mostrado também como a causa imediata (ou seja, causa legal) da lesão do autor. O conceito de causação jurídica pode ser difícil para os médicos compreenderem porque não se refere a um nexo de causalidade científico rigoroso. A causação legal considera o nexo de causalidade tanto em fato quanto em previsibilidade. O nexo de causalidade em fato é definido com o teste de “condição sine qua non”, o que exige uma demonstração de que, se não fosse pelo ato ou omissão a complicação ou lesão, não teria ocorrido. A previsibilidade exige que as lesões do paciente sejam um resultado razoavelmente previsível das ações do médico acusado.

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Em casos de negligência médica, em geral, os médicos não são responsabilizados de negligência por erros de julgamento, mas podem ser responsáveis por cuidados fora dos padrões reconhecidos de boa prática médica, definidos como cuidado que um profissional de saúde razoavelmente competente e qualificado, com uma formação semelhante, teria fornecido em circunstâncias semelhantes.

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Fundamentos de anestesiologia clínica O termo indenização tenta quantificar as lesões determináveis reais sofridas pelo autor. Esse termo é amplo e compreende um leque de danos financeiros, físicos e emocionais. A intenção de indenizar em uma ação de responsabilidade civil é “socorrer financeiramente o autor” o que, nas lesões com maior vínculo médico, é uma ficção jurídica óbvia, mas ainda assim é a melhor tentativa de correção. Há dois tipos de indenização: especial e geral. Indenização especial compreende danos econômicos, como os custos subsequentes de hospitalização ou de reabilitação, os custos de assistência ou de cuidados com curatela, salários perdidos ou lucros cessantes. Indenização geral ou não econômica trata dos danos emocionais, como perda de relação conjugal, angústia mental, aflição, dor e sofrimento. Indenização punitiva também pode ser requerida se for possível demonstrar que a conduta alegada é intencional e voluntária, imprudente, fraudulenta, injustificável, negligente ou mal-intencionada. No caso de os elementos de negligência médica não poderem ser provados ou o caso ser relativamente simples, é possível pressupor uma teoria da responsabilidade médica com base na doutrina da res ipsa loquitur, que se traduz literalmente como “os fatos falam por si mesmos”. Os elementos específicos de uma reivindicação res ipsa loquitur variam em cada Estado. No entanto, em geral, um caso pode ser submetido ao júri conforme a teoria da res ipsa loquitur apenas quando o autor pode estabelecer que (a) o evento é aquele que normalmente não ocorre na ausência de negligência; (b) o evento foi causado por uma ação ou dentro do controle exclusivo do réu e (c) o evento não decorreu de qualquer ação voluntária ou contribuição por parte do autor. São exemplos de res ipsa loquitur ações que incluem instrumentos cirúrgicos deixados no paciente, lesões de posicionamento e queimaduras intraoperatórias, e elas geralmente não requerem o depoimento de peritos. As apólices de indenização de seguro de negligência médica fornecem cobertura de seguro para sinistros decorrentes de suposta negligência. A seguradora, em casos de ações por negligência tem duas obrigações principais para com o segurado: o dever de defender e o dever de indenizar. Com o intuito de proporcionar uma defesa legal, normalmente a seguradora contrata um advogado experiente e conhecedor do tema e paga os honorários advocatícios em nome do médico acusado. O dever de indenizar exige que a seguradora pague o valor de um acordo ou sentença para o sinistro dentro dos limites definidos na apólice. Existem dois tipos gerais de apólices de seguro de negligência médica. Apólices à base de ocorrência, que cobrem os incidentes que ocorrem durante a vigência da apólice, mesmo que informado no futuro, após o vencimento ou cancelamento da apólice. Apólices à base de notif icações cobrirão apenas ocorrências em que tanto o evento quanto o sinistro ocorrem durante a vigência da apólice. Uma vez que uma alegação de negligência médica é feita de 1 a 2 anos após um incidente, as apólices à base de notificações exigem que o médico adquira a cobertura durante a vigência ou retroativa com prazo suplementar para manter a cobertura durante o emprego ou nas transições seguradora a seguradora.

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5. Cooper JB, Newbower RS, Long CD, et al. Preventable anesthesia mishaps: A study of human factors. Anesthesiology. 1978;49(6):399–406. 6. Cooper JB, Cullen DJ, Eichhorn JH, et al. Administrative guidelines for response to an adverse anesthesia event. The Risk Management Committee of the Harvard Medical School’s Department of Anaesthesia. J Clin Anesth. 1993;5(1):79–84. 7. Donabedian A. The role of outcomes in quality assessment and assurance. Qual Rev Bull. 1992;18:356–360. 8. Epstein RM, Hundert EM. Defining and assessing professional competence. JAMA. 2002;287(2):226–235. 9. American Board of Internal Medicine Foundation. American College of Physicians– American Society of Internal Medicine Foundation. European Federation of Internal Medicine Medical professionalism in the new millennium: A physician charter. Ann Intern Med. 2002;136(3):243–246. 10. Tetzlaff JE. Anesthesiology. Professionalism in anesthesiology: “What is it?” or “I know it when I see it.” Anesthesiology. 2009;110(4):700–702.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual dos seguintes itens é um princípio formal da ética médica? A. Autonomia do paciente B. Beneficência C. Não maleficência D. Todas as alternativas acima 2. Qual das opções a seguir é um exemplo do princípio ético médico de “justiça”? A. Um anestesiologista decide um plano de cuidados perioperatórios com base em uma análise cuidadosa da história clínica do paciente, sem discussão com o paciente que é mentalmente competente e comunicativo B. Um anestesiologista que trabalha em um incidente de grandes proporções faz a triagem de pacientes conforme os contextos de atendimento de emergência, atendimento eletivo ou conduta expectante C. Um anestesiologista fornece o mais alto nível de cuidados sem levar em conta o ganho pessoal ou os interesses da sociedade D. O conceito de primum non nocere (primeiro, não fazer o mal) 3. Um menino sadio com 2 meses de idade, que foi um recém-nascido pré-termo, está passando por uma correção de hérnia inguinal sob anestesia geral. O paradigma “gestão de recursos da equipe” para a coordenação da equipe de cuidados perioperatórios inclui todos os exemplos a seguir, EXCETO: A. O timeout pré-operatório deve ser realizado por todos os membros da equipe para rever a lista de verificação de segurança cirúrgica B. Antes da administração de um bloqueio de campo com anestésico local, o cirurgião, a equipe de enfermagem e o anestesiologista analisam e concordam com o medicamento correto e a dose para a criança C. Quando o cirurgião e o anestesiologista discordam sobre a dose máxima de anestésico local para a criança, o procedimento é brevemente interrompido para consultar com a farmácia hospitalar

D. Em seu primeiro dia no estágio em anestesia, o estudante de medicina que auxilia o anestesiologista percebe um grande volume de ar na tubulação intravenosa, mas não diz ao anestesiologista por insegurança 4. Um homem de 55 anos – casado, com três filhos adolescentes, saudável e mentalmente competente – está prestes a sofrer uma correção aberta eletiva de um pseudoaneurisma da artéria ilíaca. O paciente é Testemunha de Jeová e anotou – por escrito, no formulário de internação hospitalar e no termo de consentimento cirúrgico – que ele não vai aceitar nenhum tipo de produto sanguíneo em nenhuma condição. O anestesiologista deve: A. Contatar a gestão de risco hospitalar para obter uma ordem judicial para transfusão de produtos sanguíneos se ocorrer hemorragia inesperada com risco de vida durante a cirurgia B. Discutir a questão com o paciente para confirmar a sua vontade (mesmo que isso pudesse colocar sua vida em perigo) e discutir tratamentos alternativos potenciais (p. ex., coleta intraoperatória e devolução do sangue) C. Providenciar a coleta intraoperatória de sangue (p. ex., cell-saver) a ser utilizado sem informar o paciente D. Recusar-se a participar no procedimento 5. O National Practitioner Data Bank coleta e libera informações relativas à conduta e competência profissional de médicos e outros profissionais de saúde, incluindo quais? A. Ações de privilégio negativo por um hospital B. Processos anteriores por negligência, independentemente de acordo C. Ações de licenciamento adversas pelas autoridades estaduais D. Todas as alternativas acima 6. Dos itens a seguir, qual é um exemplo de diretiva antecipada? A. Testamento em vida B. Ordem de não reanimar (NR) C. Mandato duradouro D. Todas as respostas anteriores.

Capítulo 40

Complicações, gestão de risco, segurança do paciente e responsabilidade

7. A negligência médica é um tipo de negligência que é julgada em uma vara civil, não em vara criminal. Com referência ao ajuizamento, local e processo recursal, todas são verdadeiras, EXCETO: A. Processos civis são ajuizados com o envio postal de uma citação, petição inicial ou documentos da reclamação ao segurador de negligência do médico acusado B. Em geral, os processos de negligência civil são ajuizados nos juízos estaduais, e a decisão judicial final é nos tribunais de recursos estaduais. C. Os processos de negligência civil podem ser protocolados em juízos federais em casos específicos quando há questões federais envolvidas D. Ao receber a citação apropriada, o médico acusado tem apenas um prazo limitado para contestar a reclamação (ou seja, prazo legal) 8. Com relação às apólices de seguro de indenização por negligência, qual das opções a seguir é VERDADEIRA? A. Em geral, os médicos acusados devem contratar seu próprio advogado de defesa B. As apólices à base de ocorrências cobrem apenas ocorrências nas quais tanto o evento quanto o sinistro ocorreram durante a vigência da apólice C. As apólices à base de notificações requerem que o médico adquira uma apólice suplementar para manter a cobertura de negligência para incidentes durante a vigência da apólice, porém a ação por negligência foi proposta após o término da apólice D. As seguradoras não são obrigadas a pagar o valor do acordo ou da sentença, mesmo que ele esteja nos limites da apólice

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9. Uma senhora de 75 anos com capacidade mental adequada e sem parentes vivos precisa ser submetida a uma cirurgia de artroplastia do quadril e outorgou uma “procuração simples” pública e documentada a uma amiga também com capacidade mental adequada e sem grau de parentesco. A afirmação a seguir é verdadeira ou falsa? “Enquanto a paciente estiver sob anestesia geral, a amiga pode tomar as decisões médicas por ela.” A. Verdadeira B. Falsa 10. O modelo de Donabedian, análise de causa-raiz, o ciclo PDSA e o modelo Seis Sigma são exemplos de qual das seguintes opções: A. Sistemas de notificação de reações adversas B. Estratégias para documentar “uso útil” de prontuários eletrônicos de saúde C. Paradigmas para a tomada de decisão em ética médica D. Modelos de melhoria da qualidade

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Medicina intensiva Matthew R. Hallman

A prática da medicina intensiva (MI) e o desenvolvimento de unidades de tratamentos intensivos (UTIs) remontam aos anos 1940 – e talvez até antes. Avanços nas intervenções cirúrgicas, juntamente com o aumento na incidência de insuficiência respiratória devido à epidemia de pólio, levaram a um aumento na demanda da especialização dos médicos nos cuidados de pacientes gravemente enfermos, especialmente pacientes com insuficiência respiratória. Para atender a essa demanda, o primeiro programa de MI foi estabelecido por Peter Safara, um anestesiologista na Universidade de Pittsburgh, nos anos 1960, mas apenas em 1986 o primeiro exame de certificação em MI foi administrado pelo American Board of Anesthesiology. Até 2010, aproximadamente 1.300 anestesiologistas haviam completado o processo de certificação em MCC. Contudo, < 10% dos intensivistas são anestesiologistas, e a maioria dos intensivistas nos Estados Unidos continua a ser pneumologistas. Para aqueles interessados nessa especialidade, espera-se que a necessidade futura de intensivistas seja muito maior do que a oferta de profissionais. O escopo da MI é amplo, cobrindo quase todos os aspectos da doença e da lesão, e envolve conhecimentos de quase todas as especialidades clínicas e cirúrgicas. É também uma especialidade que continua a sofrer muitas alterações. Novas tecnologias, equipamentos e medicações, juntamente com a maior compreensão das doenças e de sua fisiopatologia, permitem o tratamento de doentes cada vez mais graves. Mais recentemente, à medida que a racionalização econômica do fornecimento dos cuidados médicos tem recebido mais atenção, o foco em fornecer cuidados baseados em evidência, custo-eficazes, também tem aumentado. Como a UTI é uma das áreas de maior utilização de recursos intensivos nos hospitais modernos, o cuidado de pacientes na UTI foi identificado como um alvo óbvio de maior eficiência. Embora todo o espectro dos cuidados críticos esteja além do escopo deste capítulo, aspectos amplamente aplicáveis dos cuidados intensivos contemporâneos são revisados aqui. A primeira parte do capítulo aborda processos de cuidados que são aplicáveis à maioria dos ambientes de UTI, incluindo UTIs clínicas e cirúrgicas. A segunda parte do capítulo fornece uma visão geral do manejo de alguns diagnósticos encontrados comumente. Todo o capítulo se concentra em práticas baseadas em evidência que podem melhorar o desfecho do paciente e o desempenho do sistema de cuidados em saúde no ambiente perioperatório.

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A medicina de cuidados críticos e o desenvolvimento de unidades de tratamento intensivo foram iniciados em resposta à incidência aumentada de insuficiência respiratória observada durante a epidemia de pólio nos Estados Unidos nos anos 1940. O primeiro programa de treinamento em medicina intensiva foi estabelecido por um anestesiologista da Universidade de Pittsburgh, Dr. Peter Safar.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

I. Processos de cuidados A. Pessoal Avanços na terapêutica clínica e cirúrgica aumentaram a complexidade para uma população senescente e cada vez mais doente. Tornou-se claro que o provimento do melhor cuidado para essa população requer o conhecimento básico e um conjunto de habilidades altamente especializadas e que é desejável o envolvimento de intensivistas no cuidado de pacientes gravemente enfermos. Comparados com modelos de equipe de baixa intensidade, os modelos de equipe de alta intensidade (i.e., equipe liderada por intensivista ou consulta mandatória com um intensivista) estão associados com uma menor mortalidade hospitalar e de UTI e com uma menor permanência no hospital e na UTI (1). Os desfechos do paciente parecem ser melhorados pela presença de profissionais multidisciplinares na equipe liderada por um intensivista. Os exemplos incluem a participação de um farmacêutico nas visitas diárias e de enfermeiras, nutricionistas e fisioterapeutas respiratórios. Essas práticas reduzem significativamente os custos e os eventos adversos relacionados à medicação e também estão associadas com menor mortalidade do paciente (2).

B. Listas de verificação (checklist) Apesar do aperfeiçoamento na comunicação e da transferência de informação que ocorre nas equipes multidisciplinares, o estresse elevado e o grande volume de informações no ambiente da UTI podem levar a erros. O checklist tem sido amplamente introduzido nas visitas de UTI como auxílios cognitivos que servem como lembretes diários para avaliar um número limitado de intervenções, medidas preventivas, pacotes e processos de cuidados que podem melhorar os desfechos. Sua implementação está associada com redução na mortalidade e na duração da permanência na UTI, e seu custo não é significativo (3). Considerando os benefícios potenciais e o investimento econômico mínimo para a implantação do checklist, seu uso é fortemente recomendado. De fato, muitos dos processos de cuidados discutidos neste capítulo aparecem comumente no checklist e devem ser considerados para cada paciente diariamente. O conteúdo sugerido para consideração e inclusão no checklist de UTI é listado na Tabela 41.1. O conteúdo pode ser adicionado ou removido com base em considerações locais da UTI.

C. Manejo dos recursos Em 2014, o Critical Care Societies Collaborative liberou uma lista de “Cinco pontos que médicos e pacientes devem questionar” nos cuidados críticos como parte de uma campanha de “Escolhas Inteligentes” (Choosing Wisely). A campanha foi idealizada para reduzir intervenções desnecessárias que carecem de custo-eficácia e tem sido apoiada por muitas especialidades médicas. No topo da lista está uma recomendação para não solicitar exames diagnósticos (radiografia torácica, gasometria arterial, bioquímica

TABELA 41.1 Lista de verificação diária (checklist) sugerida para unidade de tratamento intensivo • Teste de despertar espontâneo • Teste de respiração espontânea • Nutrição/dieta solicitada • Controle adequado da glicose • Profilaxia de trombose venosa profunda em curso

• Descontinuação de exames laboratoriais e de imagem desnecessários • Descontinuação de antibióticos • Remoção do cateter de Foley • Remoção do cateter venoso central e arterial

Capítulo 41

Medicina intensiva

sanguínea e ECG) em intervalos regulares (diariamente), a não ser que haja uma indicação precisa. Comparados com a prática de solicitar exames apenas para responder a questões clínicas ou fazê-lo apenas quando isso for afetar a conduta médica, os pedidos de exames de rotina aumentam os custos, não beneficiam os pacientes e podem, de fato, prejudicá-los. Esse e outros esforços para minimizar intervenções desnecessárias reconhecem o impacto financeiro que as decisões da prática médica têm nos pacientes e no sistema global de saúde. Esses esforços também enfatizam o papel do médico em prover não apenas cuidados eficazes, mas também eficientes.

D. Analgesia e sedação Dor Dor, agitação e delirium (DAD) estão intimamente relacionados e com frequência são apresentados por pacientes gravemente enfermos. Há muitas causas de DAD relacionadas com as condições clínicas subjacentes e também com as avaliações e intervenções que ocorrem como parte dos cuidados. Um programa ef icaz de manejo de DAD deve ser adaptado a cada paciente individual e envolver etapas para prevenir, detectar, quantif icar, tratar e reavaliar DAD. As recomendações atuais das diretrizes são resumidas na Figura 41.1 (4). Os opioides são a modalidade primária de tratamento da dor moderada a grave em pacientes gravemente enfermos. Contudo, eles têm efeitos colaterais indesejáveis, incluindo náusea, constipação, depressão respiratória e alteração no estado mental. Quando titulado para desfechos similares, não há um opioide que tenha se mostrado superior aos outros. A fim de reduzir os efeitos colaterais relacionados aos opioides, os analgésicos não opioides como o paracetamol, os fármacos anti-inflamatórios não esteroides, os anestésicos locais, a cetamina e os análogos do ácido ␥-aminobutírico podem ser usados em conjunto com os opioides. No caso da dor leve, o paracetamol e os fármacos anti-inflamatórios não esteroides podem substituir os opioides. As técnicas de anestesia regional também podem ser úteis no manejo de uma variedade de tipos de dor, incluindo lesões das extremidades, dor incisional do tronco e fratura das costelas. A dor neuropática, comumente relacionada com o diabetes e a doença vascular, pode ser tão debilitante quanto a dor não neuropática e, portanto, merece a mesma atenção. Embora todas essas medicações possam ter um papel no manejo da dor neuropática, os análogos do ácido ␥-aminobutírico, como a gabapentina, pregabapentina e carbamazepina, são recomendados como agentes de primeira linha. Em todas as situações, deve ser feita avaliação da gravidade da dor antes e depois para orientar a administração de mais analgésico. Há inúmeros instrumentos validados de avaliação, incluindo a Numeric Rating Scale, Behavioral Pain Scale e o Critical Care Pain Observation Tool. É importante observar que os sinais vitais isoladamente não devem ser usados para avaliar a dor, mas podem ser um indício (i.e., ativação do sistema nervoso simpático induzida pela dor) para investigar mais a presença de dor.

Agitação e delirium Uma variedade de fatores pode contribuir para o desenvolvimento de agitação e delirium, incluindo dor, hipotensão, hipoxemia, hipoglicemia, intoxicação ou abstinência de álcool e outras drogas, alteração do ciclo do sono, luz, barulho e ventilação mecânica. Esses fatores contribuintes devem ser investigados e corrigidos agressivamente. Do mesmo modo que o tratamento da dor, tratar a agitação e o delirium de modo eficaz requer a avaliação do paciente seguida de uma intervenção, com uma reavaliação subsequente para determinar a eficácia da intervenção. Há múltiplas ferramentas validadas de avaliação da agitação e do delirium, incluindo o Richmond Agitation Sedation Score e a Sedation Agitation Scale para agitação e o Confusion Assessment Method para a ICU e o ICU Delirium Screening Checklist para o delirium. Todos os pacien-

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Embora tenham sido comuns nas unidades de tratamento intensivo, os exames diagnósticos agendados de rotina (p. ex., radiografia torácica diária) não são mais indicados devido ao custo elevado, benefício clínico questionável e possível dano ao paciente.

AVALIAR

TRATAR

Delírio presente se: • CAM-ICU é positivo • ICDSC ≥ 4

• Tratar a dor como necessário • Reorientar pacientes; familiarizar com as cercanias; paciente em uso de óculos e aparelhos auditivos se necessário • Tratamento farmacológico do delírio: – Evitar benzodiazepínicos a não ser que haja suspeita de abstinência de ETOH ou de benzodiazepínicos – Evitar rivastigmina – Evitar antipsicóticos se ↑ risco de torsades de pointes • Identificar fatores de risco de delírio: demência, hipertensão, abuso de ETOH, elevada gravidade da doença, coma, administração de benzodiazepínicos • Evitar o uso de benzodiazepínicos naqueles em risco ↑ de delírio • Mobilizar e exercitar os pacientes precocemente • Promover o sono (controlar a luz, ruído; agrupar as atividades de cuidado do paciente; reduzir os estímulos noturnos) • Reiniciar as medicações psiquiátricas basais, se indicadas

Profundidade da agitação, sedação definida como: • Agitado se RASS = +1 a +4 ou SAS = 5 a 7 • Acordado e calmo se RASS = 0 ou SAS = 4 • Levemente sedado se RASS = −1 a −2 ou SAS = 3 • Profundamente sedado se RASS = −3 a −5 ou SAS = 1 a 2 Meta de sedação ou DSI (Meta: paciente segue propositadamente comandos sem agitação): RASS = −2 – 0, SAS = 3 − 4 • Se subsedado,(RASS > 0, SAS > 4) avaliar/tratar a dor → tratar com sedativos s/n (não benzodiazepínicos preferidos, a não ser que haja suspeita de abstinência de ETOH ou de benzodiazepínicos) • Se sedado excessivamente (RASS < −2, SAS < 3) suspender os sedativos até a meta, depois reiniciar com 50% da dose prevista • Considerar TRE diariamente, mobilidade e exercícios precocemente quando os pacientes estiverem na meta de sedação, a não ser que contraindicado • Monitorar o EEG se: – Em risco de convulsões – A terapia de supressão de surtos esteja indicada para ↑ PIC

Tratar a dor dentro de 30 minutos, depois reavaliar: • Tratamento não farmacológico – terapia de relaxamento • Tratamento farmacológico: – Dor não neuropática → analgésicos não opioides, ± opioides – Dor neuropática → gabapentina ou carbamazepina, + opioide – S/p incisão abdominal ou torácica, fratura de costelas → peridural torácica

• Administrar analgesia pré-procedural e/ou intervenções não farmacológicas (terapia de relaxamento) • Tratar primeiro a dor, depois sedar

DELÍRIO Avaliar delírio a cada mudança e s/n Ferramentas preferidas de avaliação do delírio: • CAM-ICU (+ ou −) • ICDSC (0-8)

AGITAÇÃO Avalia agitação, sedação ≥ 4 ×/mudança e s/n Ferramentas preferidas de avaliação da sedação: • RASS (–5 a +4) ou SAS (1 a 7) • BNM → considerar o uso de monitoração da função cerebral

DOR

Avaliar a dor ≥ 4 ×/mudança e s/n Ferramentas preferidas de avaliação da dor: • Paciente capaz de auto-relatar → NRS (0−10) • Incapaz de auto-relato → BPS (3−12) ou CPOT (0−8) Pacientes em dor significativa se NRS ≥ 4, BPS > 5 ou CPOT ≥ 3

FIGURA 41.1 Implementação de Diretrizes para dor, agitação e delírio. NRS, do inglês Numeric Rating Scale; BPS, Behavioral Pain Scale; CPOT, Critical Care Pain Observation Tool; RASS, Richmond Agitation Sedation Score; SAS, Sedation Agitation Score; CAM-ICU, Confusion Assessment Method for the intensive care unit; ICDSC, Delirium Screening Checklist; DSI, Daily Sedation Interruption; TRE, teste de respiração espontânea; IV, intravenoso; BNM, bloqueio neuromuscular; ETOH, etanol; não benzodiazepínicos, propofol (uso em pacientes intubados/ventilados mecanicamente), dexmedetomidina (uso em pacientes intubados e não intubados); EEG, eletroencefalograma; PIC, pressão intracraniana. (Reproduzida de Barr J, Fraser GL, Puntillo K, et al. Clinical practice guidelines for the management of pain, agitation and delirium in adult patients in the intensive care unit; Crit Care med. 2013;41:263-306, com permissão.)

PREVENIR

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Capítulo 41

Medicina intensiva

tes devem ser rastreados diariamente com uma dessas ferramentas. Quando forem detectados agitação e delirium, é especialmente importante diferenciar a dor de outras etiologias, uma vez que o tratamento adequado da dor pode eliminar a necessidade de sedativos adicionais. Esforços também devem ser feitos com todos os pacientes para minimizar as interrupções do sono e para manter o ciclo normal de sono-vigília. Deve-se abrir as cortinas, acender as luzes, engajar o paciente em conversas, ligar a TV ou o rádio durante o dia e, durante a noite, deve-se apagar as luzes, minimizar os ruídos e os procedimentos para ajudar a atingir essa meta. Quando a intervenção farmacológica é necessária, a meta é o uso da menor quantidade de sedativo possível. Embora estados de sedação mais profunda possam tornar o cuidado do paciente mais fácil, a sedação mínima está associada com melhores desfechos, incluindo a menor duração da ventilação mecânica e menor permanência na UTI. O tratamento farmacológico da agitação envolve normalmente benzodiazepínicos, propofol e dexmedetomidina. Embora todos os três agentes sejam potencialmente úteis para o tratamento da agitação, os benzodiazepínicos estão associados com aumento do delirium e devem ser pouco utilizados, a não ser que haja suspeita de abstinência de álcool. Independentemente do agente usado, todos os pacientes devem ser submetidos diariamente a um teste de despertar espontâneo (TDE), a não ser que haja uma contraindicação específica à suspensão da sedação.

II. Desmame do ventilador e testes de respiração espontânea O desmame da ventilação mecânica é um processo que necessita, no mínimo, de oxigenação e ventilação adequadas sem assistência mecânica. Todavia, a remoção segura do tubo endotraqueal requer que os pacientes atendam critérios adicionais, incluindo a capacidade de expelir secreções e proteger as vias aéreas de aspiração e obstrução. Parâmetros objetivos e subjetivos devem ser verificados de modo a determinar a adequação de um paciente para o desmame do ventilador. A Tabela 41.2 enumera os critérios usados comumente para extubação. Os critérios objetivos requerem que o paciente seja submetido a um teste de respiração espontânea (TRE). O TRE é um teste de respira-

TABELA 41.2

Critérios para extubação

Critérios subjetivos • Não há mais indicação de permanecer intubado • Há reflexos adequados nas vias aéreas para manejar as secreções e evitar obstrução das vias aéreas superiores • Não há sinais de aumento do trabalho respiratório (p. ex., batimento das abas do nariz, uso de músculos acessórios, retrações esternais, diaforese) Critérios objetivos (com base no desempenho no teste de respiração espontânea) • Estabilidade hemodinâmica: Alteração na frequência cardíaca e na pressão arterial < 20% em relação à basal • Oxigenação adequada: SaO2 > 90%, PaO2 > 60 mmHg, PaO2/FiO2 > 150 • PEEP < 8 cm H2O e FiO2 < 0,5 • Ventilação adequada: PaCO2 < 60 mmHg, pH > 7,25 • Índice de respiração superficial rápida (FR/Vt) < 105 • Força inspiratória negativa > 30 cm H2O • Capacidade vital > 10 cc /kg SaO2, saturação arterial de oxigênio; PaO2, pressão parcial arterial de oxigênio; FiO2, fração inspirada de oxigênio; PEEP, pressão positiva ao final da expiração (do inglês positive end-expiratory pressure); PaCO2, pressão parcial arterial de dióxido de carbono; FR/Vt, frequência respiratória/volume corrente. Obs: Esses critérios são apenas diretrizes. As decisões a respeito da extubação devem ser feitas com bases individuais.

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Em pacientes sob ventilação mecânica na unidade de tratamento intensivo que estão recuperando a função respiratória, um teste de respiração espontânea (redução do suporte ventilatório enquanto a traqueia ainda está intubada) comumente é associado a um teste de despertar espontâneo (redução da administração de medicações sedativas) para determinar a probabilidade de extubação traqueal bem-sucedida.

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Fundamentos de anestesiologia clínica ção de 30 a 120 minutos com pouca ou nenhuma ajuda do ventilador. Ele pode ser realizado por uma variedade de técnicas, incluindo o teste do tubo T, testes de ventilação com pressão de suporte e testes com pressão positiva contínua nas vias aéreas, embora nenhuma técnica individual seja superior à outra. Um TRE deve ser realizado diariamente em todos os pacientes que preencham os pré-requisitos para isso. Geralmente isso inclui os pacientes ventilados mecanicamente que necessitam de uma fração inspirada de oxigênio (FiO2) < 60% e pressão positiva ao final da expiração (PEEP, do inglês positive end-expiratory pressure) < 8 cm H2O. Quando combinados com um TDE diário padronizado, o TRE diário mostrou encurtar a duração da ventilação mecânica e pode reduzir a mortalidade.

A. Tromboembolismo venoso A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo venoso (TEV) são problemas comuns em pacientes gravemente enfermos. A incidência pode ser de até 30% para TVPs e 5% para embolia pulmonar (EP) dependendo da população. O patologista Rudolph Virchow foi o primeiro a descrever a combinação de três fatores que predispõem os pacientes à trombose venosa. A tríade de hipercoagulabilidade, estase venosa e dano endotelial vascular tem seu nome, e quase todos os pacientes de UTI têm pelo menos 1 desses fatores de risco. Um sistema simples de pontuação para estratificação de risco de TEV é apresentado na Tabela 41.3. A determinação do risco de TEV é importante, uma TABELA 41.3

Modelo de avaliação de risco de Caprini para tromboembolismo venoso

1 ponto

2 pontos

3 pontos

5 pontos

Idade 41-60 anos

Idade 61-74 anos

Idade > 75 anos

AVE < 1 mês

Cirurgia menor

Cirurgia artroscópica

História pessoal de TEV

Artroplastia eletiva da extremidade inferior

História familiar de TEV

Fratura no quadril, pelve ou perna

Índice de massa corporal > 25 kg/m2 Cirurgia maior aberta > 45 min Edema de membros inferiores

Cirurgia laparoscópica > 45 min Qualquer trombofilia

Lesão medular aguda < 1 mês

Veias varicosas

Repouso no leito > 72 horas

Homocisteína sérica elevada

Traumatismo múltiplo há < 1 mês

Gravidez ou pós-parto < 1 mês

Imobilização por gesso

Trombocitopenia induzida pela heparina

História de aborto

Acesso venoso central

Uso de anticoncepcionais orais ou terapia de reposição hormonal Sepse < 1 mês

Risco alto: ≥ 5 pontos Risco intermediário: 3-4 pontos Baixo risco: 1-2 pontos Risco muito baixo: 0 ponto

Doença pulmonar grave 30), é aceitável uma subalimentação permissiva em um nível de 60 a 70% das necessidades previstas pelo peso corporal ideal. • A nutrição deve ser iniciada nas primeiras 24 a 48 horas após a admissão na UTI. Em pacientes incapazes de ter uma dieta oral por sua própria vontade, deve ser inserida uma sonda de alimentação.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

É necessária atenção ao controle glicêmico na unidade de tratamento intensivo para minimizar a morbidade associada com a hiperglicemia e a hipoglicemia, embora a faixa de glicemia sérica mais adequada nessa situação permaneça controversa.

• O posicionamento pós-pilórico da sonda de alimentação (vs posicionamento gástrico) não é necessário antes do início das alimentações por sonda. • A alimentação enteral não deve ser interrompida se volumes residuais > 500 mL, a não ser que haja outras evidências de intolerância alimentar. Caso haja intolerância à alimentação gástrica, o posicionamento pós-pilórico da sonda e os agentes procinéticos (metoclopramida, eritromicina) podem ser considerados. • A nutrição parenteral total não deve ser usada a não ser que seja esperado impossibilidade de nutrição enteral por pelo menos sete dias, uma vez que a nutrição parenteral está associada com aumento de complicações infecciosas.

C. Controle glicêmico A hiperglicemia é comum em pacientes gravemente enfermos; pode ocorrer em diabéticos e em não diabéticos. Ela resulta de um aumento primário na produção de glicose, bem como de resistência à insulina devido a mediadores inflamatórios e hormonais que são liberados em resposta à lesão. A hiperglicemia pode ser exacerbada por intervenções terapêuticas, incluindo os corticosteroides e a nutrição parenteral total. Está associada com aumento do risco de infecção e a um pior desfecho em pacientes com acidente vascular encefálico, lesão cerebral traumática e infarto do miocárdio. Considerando a associação de hiperglicemia com desfechos negativos, não é de surpreender que tenham sido feito esforços para melhorar os desfechos por meio do tratamento da hiperglicemia. Embora a meta de níveis séricos de glicose de 80 a 110 mg/dL (comumente chamado de controle rígido) tenha sido advogada no passado, a evidência mais recente sugere que esse nível de controle está associado com hipoglicemia significativa e, possivelmente, aumento da mortalidade (7). As metas atuais da glicemia sérica não estão bem definidas, mas níveis de 140 a 180 mg/dL são aceitáveis na maioria dos pacientes. À medida que os sistemas de administração de insulina e de monitoração da glicemia melhoram, pode ser possível ter uma meta segura menor do que 140 mg/dL.

D. Profilaxia da úlcera de estresse A ruptura da mucosa gástrica com gastrite e ulceração (úlcera de estresse) resultantes é comum em pacientes gravemente enfermos, mas o sangramento significativo pela ulceração é incomum. O sangramento substancial ocorre em < 4% dos pacientes de alto risco (aqueles com uma coagulopatia ou mais de 48 horas de ventilação mecânica) e em < 1% dos pacientes sem esses fatores de risco. Apesar de isso ser um evento relativamente incomum, a mortalidade por sangramento significativo (necessitando de transfusão sanguínea ou resultando em instabilidade hemodinâmica) é > 45%. Por isso, tornou-se comum o uso de agentes farmacológicos incluindo antagonistas dos receptores H2, inibidores da bomba de prótons e agentes citoprotetores, como o sucralfato, para profilaxia da úlcera de estresse (PUE). Essas medicações não são benignas e estão associadas a aumentos de custos, interações medicamentosas e reações medicamentosas adversas. Além disso, devido a alterações no pH do conteúdo gástrico, os antagonistas do receptor H2 e os inibidores da bomba de prótons podem estar associados com taxas aumentadas de pneumonia e infecção por Clostridium difficile. Considerando isso, a PUE de rotina em pacientes gravemente enfermos não é recomendada. Ainda mais, a alimentação enteral pode ser uma estratégia segura e mais eficaz para PUE do que os agentes farmacológicos. Entre os pacientes de alto risco, a PUE farmacológica pode ser considerada, mas nenhum agente se mostrou claramente superior aos outros.

E. Terapia de transfusão A anemia é comum na doença crítica. A maioria dos pacientes admitidos na UTI apresenta-se anêmica em algum momento da sua internação, e muitos irão receber

Capítulo 41

Medicina intensiva

uma transfusão sanguínea. Embora tanto a anemia quanto as transfusões sanguíneas estejam associadas com mortalidade, é importante observar que isso não implica causa e efeito e pode simplesmente refletir a gravidade da doença. A anemia na doença grave tem muitas causas, incluindo perda sanguínea pela lesão ou doença primária, perda sanguínea iatrogênica por coletas de amostras de sangue diárias, deficiências nutricionais e supressão medular. O limiar para transfusão é um assunto de debate contínuo. Historicamente, era defendida uma concentração de hemoglobina (Hb) de 10 gr/dL. Isso se baseava na suposição de que pacientes graves tinham reserva fisiológica reduzida e que esse nível era necessário para um fornecimento adequado de oxigênio aos tecidos. Contudo, a transfusão de hemácias tem um risco de infecção, lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão, sobrecarga circulatória associada à transfusão, imunomodulação relacionada à transfusão, microquimarismo e mais (ver Cap. 24). Os efeitos indesejados da transfusão podem explicar por que um grande estudo randomizado e prospectivo sobre a necessidade de transfusão na doença grave não mostrou uma diferença na mortalidade quando um limiar de transfusão restritivo (Hb < 7 gr/dL) foi comparado com um limiar mais convencional de < 10 gr/dL (8). Esses dados sugerem fortemente que a transfusão de rotina de pacientes gravemente enfermos não é necessária e pode ser prejudicial a não ser que a concentração de Hb esteja abaixo de 7 gr/dL. Baseadas amplamente nos resultados desse estudo, a maioria das diretrizes de cuidados críticos sugere atualmente um limiar de transfusão de 7 gr/dL, a não ser que haja evidência de perda sanguínea continuada, infarto agudo do miocárdio, angina instável ou possível lesão neurológica aguda.

III. Diagnósticos comuns na unidade de tratamento intensivo A. Infecções nosocomiais As infecções nosocomiais são uma fonte importante de morbidade e mortalidade em pacientes gravemente enfermos, mas muitas delas são evitáveis com intervenções relativamente simples. Há quatro tipos de infecções que são relativamente exclusivas de pacientes internados e de UTI que devem ser consideradas quando surgem sinais sugestivos de infecção. Elas são pneumonia associada ao ventilador (PAV), infecção da corrente sanguínea associada ao acesso central (ICSAAC), infecção do trato urinário associada ao cateter (ITU) e infecção por C. difficile (ICD).

Pneumonia associada ao ventilador O risco de desenvolver PAV aumenta com a duração da ventilação mecânica. Isso enfatiza a importância de qualquer intervenção que possa reduzir a duração da ventilação mecânica como os TDEs, os TREs e a diminuição da sedação. A definição exata e os critérios diagnósticos de PAV são controversos, mas a maioria concorda que as evidências radiológicas de pneumonia, febre, leucocitose, aumento da produção de escarro e resultados quantitativos de cultura podem apoiar o diagnóstico. A PAV geralmente é classificada como de início precoce (que ocorre dentro das primeiras 48 a 72 horas de intubação ou ventilação) ou de início tardio (que ocorre daí por diante). Bactérias sensíveis aos antibióticos, incluindo Hemophilus influenza, Streptococcus pneumonia e o Staphilococcus aureus sensível à meticilina são, frequentemente, os organismos causais. Em contraste, a PAV de início tardio está associada com organismos mais resistentes aos antibióticos, incluindo Staphilococcus aureus resistente à meticilina (MRSA, do inglês methicillin-resistant Staphylococcus aureus), Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter. Inúmeras intervenções simples e de baixo custo podem reduzir a incidência de PAV, incluindo a lavagem de mãos entre pacientes, posicionar o paciente com pelo menos 30 graus de elevação da cabeça, evitar o uso inapropriado de profilaxia de úlcera gás-

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Fundamentos de anestesiologia clínica trica, uso de sistemas fechados de aspiração traqueal e uso de clorexidina para descontaminação oral diária. Essas práticas devem ser aplicadas rigorosamente em todas as UTIs. Quando a PAV se desenvolve, a detecção precoce e o tratamento adequado são essenciais para a redução da morbidade e da mortalidade. Como observado previamente, os critérios diagnósticos para PAV são controversos. Contudo, uma estratégia diagnóstica invasiva é, provavelmente, mais precisa do que os critérios clínicos tradicionais para diagnosticar PAV e é recomendada sempre que possível. Estratégias invasivas geralmente envolvem a coleta de amostras brônquico-alveolares usando um lavado ou escovas protegidas e, então, quantificação do crescimento bacteriano no laboratório. Como o retardo no tratamento da PAV está associado com o aumento da mortalidade, o tratamento não deve ser retardado esperando a avaliação diagnóstica. O tratamento deve ser iniciado depois que a cultura das amostras for enviada se a suspeita clínica de PAV for alta. Os antibióticos então podem ter o espectro reduzido ou serem suspensos, dependendo do resultado das culturas quantitativas depois de 48 a 72 horas. Essa abordagem desescalonada é delineada para garantir um tratamento antibiótico inicial adequado e também evitar o desenvolvimento de resistência antibiótica. Em geral, o tratamento antibiótico para a PAV de início precoce pode ser de espectro relativamente estreito e limitado a um único agente. A PAV de início tardio requer antibióticos de espectro mais amplo cobrindo organismos gram-negativos resistentes e MRSA. A Tabela 41.4 lista seleções de antibióticos comuns para uma variedade de in-

TABELA 41.4

Esquemas antibióticos empíricos sugeridos para infecções comuns na unidade de tratamento intensivo

Pneumonia associada ao ventilador • Precoce (< 72h da intubação e admis- Ceftriaxona MAIS azitromicina são hospitalar) Considerar a adição de vancomicina ou linezolida se houver uma história conhecida • Tardia (> 72h da intubação e admissão de MRSA hospitalar) Vancomicina OU linezolida E cefepime Considerar a adição de ciprofloxacina se houver uma alta incidência de RMF BGNs Corrente sanguínea Trato urinário • Não associada ao cateter • Associada ao cateter

Diarreia por Clostridium difficile

Vancomicina OU linezolida E cefepime Ceftriaxona Ceftazidime ADICIONAR vancomicina se CGPs na coloração de Gram CONSIDERAR meropeném em vez de ceftazidime se houver preocupação com RMF BGNs ou BLEEs Vancomicina (dose oral) SE em choque, megacolo ou íleo paralítico, então ADICIONAR metronidazol intravenoso

Meningite • Não cirúrgica • Pós-cirúrgica

Dexametasona E ceftriaxona E vancomicina E ampicilina E aciclovir Cefepime E metronidazol E vancomicina

Intra-abdominal • Adquirida na comunidade • Adquirida no hospital

Ceftriaxona E metronidazol Vancomicina E piperacilina-tazobactam OU meropeném

Sepse, local desconhecido

Vancomicina E meropeném Considerar a adição de ciprofloxacina se preocupado com RMF BGNs ou BLEEs

MRSA, Staphilococcus aureus resistente à meticilina; RMF, resistente a múltiplos fármacos; BGN, bacilos gram-negativos; CGP, cocos gram-positivos; BLEE, ␤-lactamase de espectro estendido. Nota: Os esquemas antibióticos devem ser reduzidos quando os resultados das culturas estiverem disponíveis.

Capítulo 41

Medicina intensiva

fecções comuns. Contudo, a seleção antibiótica deve sempre considerar padrões locais de infecção e antibiogramas hospitalares específicos. A duração ideal da terapia não é clara, mas oito dias geralmente são suficientes, a não ser que haja organismos resistentes a múltiplas drogas. Nesse caso, podem ser adequados 14 dias ou mais.

Infecções da corrente sanguínea associadas a cateter central Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças têm uma definição complexa, porém estrita, para a infecção da corrente sanguínea associada a cateter central (ICSACC). Os critérios específicos têm se alterado ao longo do tempo e são importantes por motivos epidemiológicos e financeiros, mas de menor importância clínica. Conceitualmente, as ICSACCs são infecções que se originam da colocação ou do uso de um cateter venoso central. Elas têm recebido uma enorme atenção devido à sua ocorrência comum, alto custo associado com o seu tratamento, mortalidade significativa e, mais importante, a sua natureza evitável. As recomendações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças para práticas que minimizam o risco de infecções associadas ao cateter são resumidas na Tabela 41.5. As ICSACCs são causadas comumente por inúmeras bactérias, incluindo Staphylococcus epidermidis e S. aureus, bactérias entéricas gram-negativas, P. aeruginosa e Acinetobacter e ocasionalmente espécies Enterococcal. Embora os estafilococos coagulase-negativos sejam isolados comumente das hemoculturas, eles são, na maioria dos casos, contaminantes. Quando há suspeita de bacteremia relacionada ao cateter, as hemoculturas devem ser realizadas a partir do cateter e sítios periféricos, e deve-se considerar a remoção do cateter. Se a infecção for confirmada, o cateter deve ser removido imediatamente e substituído se necessário. Assim como com outras infecções, o início imediato de antibióticos pode ser salvador. A alta suspeita clínica de infecção deve deflagrar o início de cobertura antibiótica de amplo espectro. A Tabela 41.4 lista os esquemas antibióticos comuns para tratamento das ICSALCs.

Infecção do trato urinário associada ao cateter As ITUs são a segunda causa mais comum de infecção na UTI. Como a incidência de ITU associada ao cateter (ITUAC) aumenta com a duração do cateterismo vesical,

TABELA 41.5

Boas práticas para colocação de cateter venoso central

Veias subclávia e jugular interna são preferidas em relação às veias femorais Preparar a pele com clorexidina (se houver alergia à clorexidina, álcool 70% ou tintura de iodo são alternativas aceitáveis) Precauções completas de barreira (cobertura corporal estéril completa) Técnica estéril meticulosa (lavagem das mãos, luvas e avental estéril, máscara e gorro cirúrgico) Uso de orientação ultrassonográfica para minimizar as inserções da agulha Escolher um cateter com o menor número de lúmen possível para a situação clínica Usar uma esponja impregnada com clorexidina e curativo estéril, semipermeável, transparente Inspecionar o local do cateter diariamente para sinais de infecção Não substituir o cateter rotineiramente a não ser que haja indicação clínicaa Remover os cateteres logo que possível a

Quando a adesão a uma técnica asséptica não puder ser realizada (p. ex., cateteres colocados de emergência), o cateter deve ser substituído por uma técnica asséptica logo que possível.

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Fundamentos de anestesiologia clínica a necessidade de um cateter permanente deve ser revisada diariamente, e ele deve ser removido logo que possível. Outras estratégias para minimizar os riscos de ITUACs incluem a adesão a técnicas assépticas durante a colocação, realizando ultrassom vesical para minimizar a inserção desnecessária do cateter e mantendo a bolsa de drenagem abaixo do nível da bexiga. Os organismos responsáveis são similares àqueles que causam outras infecções nosocomiais, incluindo espécies de Staphylococcus, Enterococcus, bactérias entéricas gram-negativas e bactérias gram-negativas que não fermentam a lactose como a Pseudomonas. Quando o diagnóstico de uma ITUAC for feito, é sensato remover e substituir o cateter (se ainda for necessário) em um esforço de reduzir a carga microbiológica enquanto também se iniciam os antibióticos. O tratamento antibiótico recomendado para ITUs é apresentado na Tabela 41.4.

Diarreia por Clostridium difficile

Com a adoção, em 2012, da definição de Berlim da síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), a diferenciação prévia entre lesão pulmonar aguda e SARA foi substituída pela classificação de SARA em leve, moderada ou grave com base no grau de hipoxemia.

A ICD ultrapassou o MRSA como a infecção hospitalar mais comum. Os fatores de risco farmacológicos para ICD incluem o uso de antibióticos, agentes antineoplásicos, corticosteroides e inibidores da bomba de prótons. Embora a clindamicina, as cefalosporinas de terceira geração e a ampicilina sejam os antibióticos mais comumente implicados, quase todos os antibióticos, incluindo o metronidazol e a vancomicina, podem aumentar o risco. Outros fatores de risco significativos incluem ICD prévio, diálise crônica, cirurgia gastrointestinal, hospitalização recente e alimentação pós-pilórica. Diarreia é o sintoma mais comum, mas nem sempre está presente. Febre, dor abdominal, constipação e leucocitose (comumente com contagem de leucócitos > 20.000/mm3) devem levantar suspeita a respeito do diagnóstico, que pode ainda ser confirmado por inúmeros exames laboratoriais. Deve ser observado, contudo, que todos os exames laboratoriais disponíveis são imperfeitos, e há discussões consideráveis a respeito de qual é o melhor. Quando o diagnóstico é confirmado, os tratamentos citados na Tabela 41.4 podem ser iniciados.

IV. Lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia respiratória aguda A síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) ocorre comumente na UTI. Ela se caracteriza pelo início agudo de insuficiência respiratória hipoxêmica, dano alveolar difuso, edema não cardiogênico, complacência torácica reduzida e aumento do espaço morto e do shunt. A SARA pode ocorrer como resultado de lesão direta ao pulmão (p. ex., aspiração ou pneumonia) ou em associação com infecção extrapulmonar (p. ex., sepse) ou lesão (p. ex., trauma múltiplo). A definição de SARA mudou ao longo do tempo. Em 2012, uma nova conferência de consenso propôs a definição de Berlim, que elimina a distinção entre lesão pulmonar aguda e SARA e classifica a SARA como leve, moderada ou grave com base no grau de hipoxemia (9). O sistema de classificação é resumido na Tabela 41.6. Embora a SARA pareça ser um processo difuso pela radiografia de tórax, a imagem da tomografia computadorizada e as amostras histopatológicas demonstram heterogeneidade com áreas gravemente danificadas de pulmão coexistindo ao lado de áreas de aspecto normal. O tratamento da SARA é basicamente de suporte e consiste principalmente de tentar preservar o pulmão não lesado.

A. Ventilação pulmonar protetora A ventilação pulmonar protetora (VPP) descreve uma estratégia de ventilação mecânica que restringe os volumes correntes (Vc) a ≤ 6 mL/kg e objetiva uma pressão estática (platô) das vias aéreas de ≤ 30 cm H2O. Como a ventilação-minuto pode ser mantida

Capítulo 41 TABELA 41.6

Medicina intensiva

779

Critérios de Berlim para síndrome da angústia respiratória aguda

Tempo

Dentro de uma semana do insulto conhecido ou início ou piora de sintomas respiratórios

Imagens torácicasa Opacidades bilaterais não explicadas completamente por derrames, colapso lobar/pulmonar ou nódulos Origem do edema

Oxigenação Leve: Moderada: Grave:

Não completamente explicado por insuficiência cardíaca ou sobrecarga de líquido; precisa de avaliação objetiva (p. ex., ecocardiografia) se não houver fator de risco 200 mmHg < PaO2/FiO2 ≤ 300 mmHg; PEEP ou CPAP ≥ 5 cm H2O 100 mmHg < PaO2/FiO2 ≤ 200 mmHg; PEEP ≥ 5 cm H2O PaO2/FiO2 ≤ 100 mmHg com PEEP ≥ 5 cm H2O

PaO2, pressão parcial arterial de oxigênio; FiO2, fração inspirada de oxigênio; PEEP, pressão positiva ao final da expiração (do inglês positive end-expiratory pressure); CPAP, pressão positiva contínua na via aérea (do inglês continuous positive airway pressure). a Radiografia de tórax ou tomografia computadorizada. Adaptada de Force ADT, Ranieri VM, Rubenfeld GD, et al. Acute respiratory distress syndrome: The Berlin definition. JAMA. 2012;307:2526–2533.

apenas com o aumento da frequência respiratória, em geral é inadequado eliminar todo o dióxido de carbono produzido. Isso resulta em um estado de hipercapnia e acidose respiratória chamado de hipercapnia permissiva. A VPP é a única intervenção que mostrou reduzir significativamente a mortalidade em pacientes com SARA comparada com estratégias convencionais de ventilação que dependem de um Vc > 6 mL/kg. As estratégias de VPP resultariam em atelectasia substancial e shunt aumentado se uma redução na Vc fosse a única intervenção. De modo a manter um pulmão aberto e não atelectásico, um Vc baixo geralmente está associado com níveis elevados de PEEP. O equilíbrio ideal entre a PEEP e a FiO2 continua a ser discutido. Abordagens alternativas para a ventilação de pulmão aberto incluem o uso de pressão expiratória final intermitente de alto nível ou respirações suspirosas, ventilação controlada por pressão, ventilação de razão inversa (tempo inspiratório prolongado), posição prona e ventilação de alta frequência, que têm sido usadas com sucesso.

B. Técnicas de resgate Nos momentos em que a oxigenação está gravemente comprometida, a posição prona, os vasodilatadores inalatórios e o suporte à vida extracorpóreo (também conhecido como oxigenação extracorpórea por membrana) podem ser usados. Dessas técnicas, apenas a posição prona tem mostrado um benefício na mortalidade na SARA grave. O óxido nítrico inalatório e as prostaciclinas inalatórias melhoram a oxigenação de forma variável e transitória na SARA por meio da melhora do fluxo sanguíneo para os alvéolos ventilados, mas não têm um benefício comprovado na mortalidade. Do mesmo modo, o suporte à vida extracorpóreo pode melhorar a oxigenação, mas não mostrou melhorar os desfechos de forma confiável. Outras terapias para SARA que não têm fortes evidências para suporte de sua eficácia incluem ␤-agonistas inalatórios, infusões de albumina e esteroides sistêmicos.

C. Sepse e choque séptico O choque séptico é uma forma de choque distributivo associado com a ativação da resposta inflamatória sistêmica e geralmente é caracterizado por baixa resistência vascular sistêmica, hipotensão e redistribuição do fluxo sanguíneo regional, resultando em hipoperfusão tissular. Em pacientes com infecções sistêmicas, a resposta fisiológica pode

VÍDEO 41.1 Sepse

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Fundamentos de anestesiologia clínica ser estadiada em uma sequência contínua de uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), para sepse, para sepse grave, para choque séptico. A SIRS tem sido definida tradicionalmente como a presença de qualquer dois dos seguintes: temperatura > 38 °C ou < 36 °C, contagem de leucócitos > 11 k/mm3 ou < 4 k/mm3 ou > 10% de polimorfonucleares, frequência cardíaca > 90 batimentos por minuto, ou frequência cardíaca > 20 por minuto, ou pressão parcial de dióxido de carbono arterial < 30 mmHg. Embora haja muitas causas não infecciosas de SIRS, a presença desse quadro diante de suspeita de infecção define sepse. A sepse com evidência de hipoperfusão de órgãos é considerada sepse grave, e a persistência de hipoperfusão de órgãos apesar da reposição adequada de líquidos é considerada choque séptico. Infelizmente, esses simples critérios não têm sensibilidade. Como o tratamento efetivo de sepse depende fortemente do reconhecimento precoce, as diretrizes mais recentes para o tratamento da sepse listam um conjunto expandido de critérios que deve alertar os clínicos para sepse e hipoperfusão (Tab. 41.7) (10). O manejo clínico da sepse é resumido na Tabela 41.8. A base do tratamento precoce é a administração imediata e apropriada de antibióticos, reposição de líquidos intravasculares usando cristaloides, vasopressores se a hipotensão persistir após a reposição adequada de líquidos e inotrópicos se houver suspeita de baixo débito cardíaco.

Reposição de líquidos A sepse causa comumente um estado de vasodilatação sistêmica que resulta em um baixo volume circulante efetivo. A restauração de um volume circulante efetivo pode

TABELA 41.7

Indicadores expandidos de sepse e hipoperfusão

SRIS

Hipoperfusão

• Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 h) • Hiperglicemia (glicemia plasmática > 140 mg/dL ou 7,7 mmol/L) na ausência de diabetes • Proteína C reativa plasmática mais de dois desvios-padrão acima do valor normal • Procalcitonina plasmática mais de dois desvios-padrão acima do valor normal • Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg, PAM < 70 mmHg ou uma redução na PAS > 40 mmHg em adultos ou menos de dois desvios-padrão abaixo do normal para a idade) • Hipoxemia arterial (PaO2/FiO2 < 300) • Oligúria aguda (débito urinário < 0,5 mL/kg/h por pelo menos duas horas apesar de reposição adequada de líquidos) • Aumento na creatinina > 0,5 mg/dL • Coagulopatia (INR > 1,5 ou TTPa > 60s) • Íleo paralítico (ausência de sons intestinais) • Trombocitopenia (< 100.000 μl-1) • Hiperbilirrubinemia (bilirrubina total > 4 mg/dL) • Hiperlactemia (> 1 mmol/L) • Diminuição do enchimento capilar ou moteamento

• Hipotensão induzida pela sepse • Lactato acima do limite superior da normalidade • Débito urinário < 0,5 mL/kg/h por mais de duas horas a despeito da reposição adequada de líquidos • Lesão pulmonar aguda com PaO2/FiO2 < 250 na ausência de pneumonia como a fonte de infecção • Lesão pulmonar aguda com PaO2/FiO2 < 200 na ausência de pneumonia como a fonte de infecção • Creatinina > 2 mg/dL (176,8 μmol/L) • Bilirrubina > 2 mg/dL (34,2 μmol/L) • Contagem de plaquetas < 100.000 μL • Coagulopatia (INR > 1,5) • Alteração do estado mental • Disfunção cardíaca

PaO2, pressão arterial parcial de oxigênio; FiO2, fração inspirada de oxigênio; PAS, pressão arterial sistólica; PAM, pressão arterial média; INR, índice internacional normalizado; TTPa, tempo de tromboplastina parcial.

Capítulo 41 TABELA 41.8

Medicina intensiva

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Manejo da sepse grave e choque séptico

• Reconhecimento precoce da resposta inflamatória sistêmica ou sepse • Obtenção de culturais antes do início de antibióticos, entretanto não deve-se postergar o início de antibioticoterapia • Administrar de forma empírica antibióticos de amplo espectro dentro de 1 hora do diagnóstico • Controlar a fonte de infecção se apropriado (p. ex., intervenção cirúrgica se indicado) • Administrar cristaloides para a ressuscitação hídrica • Desafio hídrico para atingir pressões de enchimento adequadas. Redução da taxa de reposição hídrica na presença de aumento das pressões de enchimento e ausência de melhora da perfusão tecidual. • Usar noradrenalina como vasopressor de primeira linha com um alvo de pressão arterial ≥ 65 mm Hg • Considerar a associação de vasopressina em uma taxa de infusão fixa como um adjunto às catecolaminas. • Considerar dobutamina se baixo débito cardíaco persistir apesar da ressucitação hídrica. • Considerar dose de estresse de corticoide se houver pouca resposta da pressão sanguínea à reposição hídrica e vasopressores. • Ter como alvo uma hemoglobina de 7 a 9g/dL na ausência de hipoperfusão tecidual, doença arterial coronariana ou hemorragia aguda. Adaptado de Dellinger RP, Levy MM, Rhodes A, et al. Surviving sepsis campaign: International guidelines for management of severe sepsis and septic shock: 2012. Crit Care Med. 2013;41:580–637.

ser obtida aumentando o volume intravascular absoluto com a reposição de líquidos ou aumentando o tônus vascular com vasopressores. Uma ampla variedade de líquidos, incluindo hemoderivados, albumina, soluções coloides sintéticas e muitas soluções cristaloides diferentes, foi estudada extensamente (ver Cap. 23). A albumina em geral não se mostrou mais eficaz do que as soluções de cristaloides, e os coloides sintéticos estão associados com maior dano. Diretrizes mais antigas têm defendido que a transfusão de hemácias seja usada como uma forma de aumentar o fornecimento de oxigênio, mas novos dados sugerem que uma meta de Hb de 7 gr/dL, o mesmo que na maioria dos pacientes gravemente enfermos, é adequada. Os cristaloides permanecem o líquido preferido para reanimação na maioria dos pacientes sépticos.

Vasopressores Inúmeros vasopressores, incluindo fenilefrina, noradrenalina, adrenalina, dopamina e vasopressina, foram avaliados para aumento da resistência vascular sistêmica na sepse. A noradrenalina é o agente de primeira linha recomendado devido à evidência de melhora nos desfechos e redução dos efeitos colaterais. A adrenalina pode ser considerada um agente alternativo, mas está associada com aumento de arritmias. Há evidência de que a produção endógena de vasopressina está suprimida na sepse, e isso fornece as bases teóricas para considerar a adição de vasopressina à noradrenalina. Contudo, isso não mostrou melhorar os desfechos. A dopamina e a fenilefrina geralmente não são recomendadas.

Inotrópicos A depressão miocárdica é um fenômeno comum em pacientes com choque séptico e pode resultar em débito cardíaco e fornecimento de oxigênio inadequados. Quando um volume intravascular e uma resistência vascular sistêmica adequados são atingidos pela administração de terapia com líquidos e vasopressores, a dobutamina ou a adrenalina pode ser usada para aumentar o débito cardíaco. Como os cateteres de artéria pulmonar não são mais recomendados para o manejo de rotina de pacientes sépticos, a saturação venosa central da oxiemoglobina de ≥ 70% é usada comumente como um marcador substituto para débito cardíaco e fornecimento de oxigênio apropriados. Isso pode ajudar a orientar decisões sobre a adição de inotrópicos. Ambos os agentes podem precipitar arritmias.

Entre os vários vasopressores usados para aumentar a resistência vascular sistêmica diante de choque séptico, a noradrenalina é o agente de primeira linha devido à evidência de melhora nos desfechos e redução dos efeitos colaterais.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Antibióticos Identificar a fonte de infecção, obter o controle da fonte e iniciar a terapia antibiótica adequada precocemente são pelo menos tão importantes quanto fornecer suporte hemodinâmico na sepse. Culturas adequadas devem sempre ser obtidas antes de a terapia antimicrobiana ser iniciada e podem incluir sangue, escarro, urina, líquido cerebrospinal e ferimentos e outras culturas de líquidos (p. ex., líquido pleural ou ascite). A terapia antibiótica empírica deve ser iniciada dentro de uma hora do reconhecimento de sepse (ver Tab. 41.4 para recomendações antibióticas). Após o teste de suscetibilidade antibiótica estar disponível, é adequado reduzir o espectro da antibioticoterapia.

Corticosteroides O uso de esteroides em dose de estresse (p. ex., hidrocortisona, 200-300 mg/dia) na sepse é controversa. As diretrizes atuais recomendam que eles sejam considerados como um tratamento adjunto em pacientes com choque séptico que permanecem hipotensos apesar de reposição adequada de volume e terapia vasopressora. O teste de estimulação da cositropina antes do início dos esteroides não é recomendado. Os esteroides também podem ser considerados em pacientes que fizeram uso recente de esteroides.

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Capítulo 41

Medicina intensiva

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. A implementação de listas de verificação (checklist) para várias atividades na UTI está associada com diminuição da mortalidade e da permanência na UTI com custo negligenciável. Exemplos de atividades clínicas incorporadas frequentemente em tais listas de verificação incluem qual(is) das seguintes? A. Profilaxia da trombose venosa profunda B. Indicações e remoção de cateter urinário C. Colocação de cateter venoso central D. Todas as alternativas acima 2. Como são necessárias avaliações antes e depois para determinar a eficácia de uma determinada intervenção clínica, qual dos seguintes instrumentos de avaliação é validado e útil para a avaliação de agitação e delirium? A. Richmond Agitation Sedation Score (RASS) B. Behavioral Pain Scale (BPS) C. Critical care Pain Observation Tool (CPOT) D. Spontaneous Awakening Trial (SAT) 3. Uma mulher de 45 anos que se recupera de uma grave pneumonia por aspiração está sob ventilação mecânica há sete dias e está sendo avaliada para extubação traqueal. Cada uma das seguintes técnicas pode ser considerada parte de um teste de respiração espontânea (TRE) EXCETO: A. Ventilação espontânea com pressão de suporte B. Ventilação protetora pulmonar C. Ventilação espontânea em uma peça T D. Ventilação espontânea com pressão positiva contínua nas vias aéreas 4. Um homem de 66 anos de idade com obesidade mórbida com história de infarto do miocárdio está agendado para reparo artroscópico do menisco no joelho direito. Usando o Modelo de Risco de Caprini, seu risco de tromboembolismo venoso pós-operatório é: A. Muito baixo (< 0,5%) B. Baixo (~ 1,5%) C. Intermediário (~ 3%) D. Alto (~ 6%)

5. Para o paciente descrito na Questão 4, a técnica de profilaxia de tromboembolismo venoso mais adequada seria com equipamentos de compressão mecânica intermitente colocados em ambas as extremidades inferiores. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso 6. Diretrizes baseadas em evidência da American Society for Parenteral and Enteral Nutrition apoiam cada uma das seguintes práticas nutricionais no ambiente da UTI, EXCETO: A. A nutrição deve ser iniciada nas primeiras 24 a 48 horas após a admissão na UTI B. A nutrição parenteral total está associada com aumento das complicações infecciosas comparada com a nutrição enteral; portanto, a alimentação enteral é preferida C. O posicionamento pós-pilórico da sonda de alimentação é necessário antes de iniciar as alimentações por sonda D. As proteínas geralmente devem representar 15 a 20% das necessidades calóricas diárias calculadas 7. Uma mulher de 27 anos com diabetes tipo 1 insulino-dependente está internada na UTI devido a extensa infecção necrosante dos tecidos moles do braço esquerdo e choque séptico. A meta geralmente aceita de glicemia sérica no seu caso seria 140 a 180 mg/dL. VERDADEIRO ou FALSO? A. Verdadeiro B. Falso 8. Um grande estudo clínico recente multicêntrico, randomizado, controlado sobre as necessidades de transfusão em cuidados críticos relatou qual das seguintes conclusões a respeito da transfusão de hemácias? A. Limiar de transfusão de Hb < 7 g/dL era superior a Hb < 10 gr/dL B. Limiar de transfusão de Hb < 7 g/dL não era diferente de Hb < 10 gr/dL C. Limiar de transfusão de Hb < 7 g/dL era inferior a Hb < 10 gr/dL D. Limiar de transfusão de Hb < 7 g/dL era inferior a Hb > 10 gr/dL

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Fundamentos de anestesiologia clínica

9. As recomendações de melhores práticas dos Centros para Prevenção e Controle de Doenças para minimizar as infecções relacionadas ao cateter para cateteres venosos centrais incluem todos os seguintes, EXCETO: A. Remover os cateteres logo que possível B. Usar uma compressa com clorexidina para preparar a pele antes da colocação do cateter C. Usar a orientação com ultrassonografia para minimizar o número de introduções da agulha durante a colocação D. Substituir rotineiramente os cateteres a cada sete dias

10. Um homem de 57 anos previamente saudável é admitido na UTI no pós-operatório depois de uma apendicectomia aberta com achados intraoperatórios de ruptura do apêndice e contaminação fecal do peritônio. Na UTI, ele apresenta uma pressão arterial de 82/46 mmHg, frequência cardíaca de 114 batimentos por minuto, temperatura central de 39,1 °C e Hb de 7,9 g/dL e está sob ventilação mecânica. O diagnóstico presuntivo é de choque séptico. Qual dos seguintes seria o tratamento inicial mais adequado? A. Transfusão de concentrado de hemácias para restaurar o volume circulante B. Administração de dopamina para aumentar a resistência vascular sistêmica C. Administração de noradrenalina para aumentar a resistência vascular sistêmica D. Administração de hidrocortisona, 100 mg

Anestesia para cirurgia urológica Aymen A. Alian

42

Os procedimentos urológicos são alguns dos mais comuns feitos nas salas de cirurgia de muitos hospitais. Avanços nas técnicas não invasivas permitiram que a cirurgia urológica forneça maior eficácia, menor custo e melhor desfecho para os pacientes. Este capítulo fornece uma visão geral desses procedimentos e revisa as principais preocupações anestésicas associadas a eles.

I. Procedimentos transuretrais A. Cistoscopia e ureteroscopia A cistoscopia e a ureteroscopia são procedimentos endoscópicos que fornecem visualização e tratamento de doenças do trato urinário inferior e superior, respectivamente. Dependendo da extensão e da duração da cirurgia planejada, a cistoscopia pode ser realizada sob anestesia local, sedação consciente ou anestesia geral ou regional. A ureteroscopia provê acesso ao trato urinário superior e aos rins para endoscopia diagnóstica e biópsia, remoção de cálculos ureterais e renais (Fig. 42.1), passagem de stents ureterais, dilatação e incisão de estenoses, fulguração de tumores e tratamentos a laser. A ureteroscopia geralmente requer anestesia regional ou geral.

B. Ressecção de tumores vesicais O câncer da bexiga é a segunda neoplasia mais comum, com o carcinoma superficial de células transicionais respondendo por cerca de 90% dos cânceres vesicais. No diagnóstico e tratamento desse câncer, a maioria dos pacientes é submetida à ressecção endoscópica transuretral. Esse procedimento pode ser realizado com anestesia regional ou geral. Para tumores vesicais localizados lateralmente, a anestesia geral com relaxantes musculares é a técnica preferida para evitar a estimulação do nervo obturador e a perfuração inadvertida da bexiga. A perfuração vesical com extravasamento do líquido de irrigação é um risco bem-conhecido da ressecção vesical transuretral. Durante a anestesia regional em um paciente consciente, a perfuração da bexiga resulta em dor abdominal súbita e intensa. Isso frequentemente é acompanhado por dor referida a partir do diafragma para o ombro, bem como palidez, sudorese, rigidez abdominal, náusea e vômito. Se o extravasamento for suspeitado, a operação deve ser terminada o mais rapidamente possível. Pequenas perfurações com mínimo vazamento intraperitoneal raramente causam alterações hemodinâmicas e em geral podem ser manejadas com drenagem por cateter e diuréticos. As consequências de um grande acúmulo in-

A perfuração da bexiga com extravasamento do líquido de irrigação é um risco bem conhecido de ressecção transuretral da bexiga.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Nefrolitotomia percutânea

Litotripsia por ondas de choque

Ureteroscopia

FIGURA 42.1 Cálculos do trato urinário: opções de intervenção. (De Stafford-Smith M, Shaw A, Sandler A, et al. The renal system and anesthesia for urologic surgery. Em: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2013:1114.)

traperitoneal de líquido de irrigação (especialmente água estéril) pode pôr a vida em risco. A laparotomia aberta para drenagem e reparo da perfuração vesical é recomendada nesses casos.

C. Ressecção da próstata VÍDEO 42.1 Ressecção transuretral da próstata

A maioria das soluções de irrigação é hipo-osmolar e de pH ácido. Cegueira transitória está associada com irrigação de glicina, hiperglicemia está associada com sorbitol, e sobrecarga de volume está associada com o uso de manitol.

A hiperplasia prostática benigna (HPB), o tumor benigno mais comum em homens, é responsável pela maioria dos sintomas urinários em homens com mais de 50 anos e resulta na indicação de prostatectomia em aproximadamente um terço de todos os homens que vivem até os 80 anos. A ressecção transuretral de próstata (RTUP) é o tratamento primário para a HPB. Nesse procedimento, um ressectoscópio é usado para remover o tecido prostático que está se projetando na uretra com preservação da cápsula prostática. A irrigação contínua da bexiga e da uretra prostática é necessária para manter a visibilidade, distender o local cirúrgico e remover o tecido dissecado e o sangue. Durante a RTUP, a violação da cápsula prostática resulta em absorção de grande quantidade de solução de irrigação para a circulação e para os espaços periprostático e retroperitoneal.

Soluções de irrigação para ressecção transuretral da próstata O líquido de irrigação ideal deve ser isotônico, não hemolítico, não tóxico, eletricamente inerte (se for usado um eletrodo de ressecção elétrico monopolar), transparente, rapidamente excretado e de baixo custo. A maioria das soluções de irrigação é hipo-osmolar e de pH ácido, como mostrado na Tabela 42.1. Soluções de irrigação isotônicas (solução fisiológica e solução Ringer lactato) estão disponíveis, mas essas soluções eletrolíticas são ionizadas e conduzem correntes elétricas.

Capítulo 42 TABELA 42.1

Anestesia para cirurgia urológica

787

Propriedades das soluções de irrigação usadas comumente nos procedimentos de ressecção transuretral de próstata

Solução

Osmolalidade (mOsm/L) Vantagem

Água destilada

0

Melhor visibilidade

Glicina (1,5%)

200

Menos probabilidade Cegueira transitória de síndrome da RTU Hiperamoniemia Hiperoxalúria

Sorbitol (3,3%)

165

O mesmo que a glicina Hiperglicemia, acidose láctica (possível) Diurese osmótica

Manitol (5%)

275

Isosmolar Não metabolizado

Desvantagem Hemólise Hemoglobinemia Hemoglobinúria Insuficiência renal Hiponatremia

Diurese osmótica Sobrecarga aguda de volume

RTU, ressecção transuretral de próstata.

Síndrome da ressecção transuretral A absorção de grandes volumes de solução de irrigação leva a desconforto respiratório secundário a sobrecarga de volume intravascular, hiponatremia e hipo-osmolalidade (1). A quantidade média de líquido de irrigação absorvido durante RTUP é de cerca de 20 mL/min de tempo de ressecção. O volume de líquido absorvido durante o procedimento pode ser estimado com a seguinte fórmula: Volume absorvido =

Na+ sérico pré-operatório Na+ sérico pós-operatório

A absorção de grandes volumes de solução de irrigação leva à sobrecarga de volume intravascular, hiponatremia e hipoosmolalidade.

× LEC – LEC

onde LEC é o volume de líquido extracelular e Na+ é o íon sódio. A absorção do líquido de irrigação durante a RTUP está relacionada diretamente com o número e o tamanho dos seios venosos abertos, a duração da ressecção e a altura da bolsa de solução de irrigação acima da mesa cirúrgica, que determina a pressão hidrostática que empurra os líquidos para dentro das veias e seios prostáticos. O tempo de ressecção deve ser limitado a < 1 hora, e a bolsa da solução de irrigação deve ser suspensa a não mais do que 30 cm acima da mesa cirúrgica no começo da ressecção e 15 cm nos estágios finais da ressecção. Irritabilidade, inquietação, náusea, falta de ar, tontura, hipertensão e cefaleia são manifestações precoces da síndrome de RTUP. Elas fornecem um sinal inicial do desenvolvimento de hiponatremia e hipo-osmolalidade sérica. A redução aguda na concentração de sódio sérico é responsável por muitos dos sinais e sintomas da síndrome de RTUP, como mostrado na Tabela 42.2. Os sintomas relacionados com a absorção de uma solução de irrigação específica durante o procedimento podem complicar ainda mais a síndrome RTUP, como mostrado na Tabela 42.1. O tratamento imediato é necessário quando as complicações neurológicas e cardiovasculares da RTUP são reconhecidas. A Tabela 42.3 resume esses tratamentos.

Sangramento e coagulopatia Vários fatores influenciam a perda sanguínea durante a RTUP, como a vascularização e o tamanho da glândula, a duração da cirurgia, o número de seios abertos durante a

A absorção do líquido de irrigação durante a RTUP está relacionada diretamente com o número e o tamanho de seios venosos abertos, a duração da ressecção e a altura da bolsa de solução de irrigação acima da mesa cirúrgica.

788

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 42.2 Sinais e sintomas associados com alterações agudas nos níveis de Na+ sérico Na+ sérico Alterações do sistema (mEq/L) nervoso central Alterações no eletrocardiograma

A coagulopatia intravascular disseminada é a etiologia provável do sangramento anormal após RTUP.

O urologista pode suspeitar de perfuração por meio da observação de retorno irregular de líquido de irrigação.

120

Confusão, inquietação

Possível alargamento do complexo QRS

115

Sonolência, náusea

Alargamento do complexo QRS, elevação do segmento ST

110

Convulsão, coma

Taquicardia ou fibrilação ventricular

ressecção e a presença de infecção (2). A perda sanguínea é difícil de avaliar devido a sua mistura com o líquido de irrigação. Portanto, a avaliação do volume intravascular e dos valores seriados do hematócrito pode ser necessária para estimar a perda sanguínea e a necessidade de transfusão de hemácias. O sangramento excessivo após a RTUP ocorre em < 1% dos casos. Em teoria, a fibrinólise primária pode resultar de liberação do ativador tissular do plasminogênio pela próstata, que converte o plasminogênio em plasmina. Contudo, há pouca evidência para apoiar esse fator como clinicamente significativo ou para apoiar a prática de administrar um antifibrinolítico como o ácido aminocaproico. A coagulopatia intravascular disseminada é a etiologia provável de sangramento anormal após RTUP.

Perfuração vesical A incidência de perfuração vesical é de cerca de 1%, e a maioria das perfurações é extraperitoneal, resultando em dor periumbilical, inguinal ou suprapúbica em um paciente consciente. O urologista pode suspeitar de perfuração por meio da observação de retorno irregular de líquido de irrigação. A perfuração vesical intraperitoneal ocorre com menor frequência, e a dor é mais generalizada na parte superior do abdome ou referida no precórdio ou no ombro. Palidez, inquietação, sudorese, rigidez abdominal, náusea, vômitos e hipotensão geralmente acompanham esse quadro de dor generalizada.

TABELA 42.3

Tratamento da síndrome da ressecção transuretral da próstata

Garantir oxigenação, ventilação e suporte circulatório Notificar o cirurgião para terminar o procedimento logo que possível Considerar a inserção de monitores invasivos se ocorrer instabilidade cardiovascular Enviar amostra de sangue para o laboratório para dosagem de eletrólitos, creatinina, glicose e gases arteriais Obter o eletrocardiograma de 12 derivações Tratar os sintomas leves (concentração de Na+ sérico > 120 mEq/L) com restrição de líquido e diurético de alça (furosemida) + Tratar sintomas graves (se Na sérico < 120 mEq/L) com cloreto de sódio 3% intravenoso a uma velocidade < 100 mL/h

A velocidade na qual o sódio sérico é aumentado não deve exceder 12 mEq/L em um período de 24 horas para evitar mielinólise pontina Descontinuar o cloreto de sódio a 3% quando o sódio sérico > 120 mEq/L

Capítulo 42

Anestesia para cirurgia urológica

789

Bacteremia transitória e septicemia A bacteremia em geral é assintomática e tratada facilmente com combinações antibióticas usadas comumente que são eficazes contra bactérias gram-positivas e gram-negativas. Em 7% dos pacientes, pode ocorrer septicemia. Manifestações comuns incluem calafrios, febre e taquicardia. Nos casos graves, podem ocorrer bradicardia, hipotensão e colapso cardiovascular, com taxas de mortalidade de 25 a 75%. O tratamento agressivo com antibióticos e suporte intensivo usando um protocolo para sepse deve ser instituído.

Hipotermia A perda de calor resulta de irrigação, e a absorção de líquido de irrigação em temperatura ambiente pode levar a tremores e a uma redução significativa na temperatura do corpo do paciente. O uso de soluções de irrigação aquecidas tem mostrado minimizar ou prevenir esse problema.

Complicações do posicionamento A RTUP é realizada na posição de litotomia com discreto Trendelenburg. Sem o posicionamento adequado e acolchoamento, os nervos fibular comum, ciático e femoral podem ser lesionados.

Técnicas anestésicas A anestesia regional (espinal ou peridural) tem sido a técnica de escolha para RTUP devido ao paciente consciente poder alertar o anestesiologista dos sinais iniciais da síndrome de RTU ou de perfuração vesical. Um nível sensorial de T10 é necessário para eliminar o desconforto causado pela distensão vesical. A raquianestesia geralmente é preferida em relação à anestesia peridural lombar devido aos segmentos sacrais às vezes serem bloqueados inadequadamente com técnicas peridurais lombares. Todavia, a anestesia geral também pode ser usada com segurança, e a técnica anestésica deve ser moldada ao paciente individual e às necessidades cirúrgicas.

Morbidade e mortalidade após ressecção transuretral da próstata Em uma revisão retrospectiva recente de 722 pacientes submetidos à RTUP, os autores encontraram 244 complicações em 175 pacientes (3). A maioria das complicações era relativamente pequena, mas 16 pacientes necessitaram de transfusão sanguínea, 5 tiveram perfuração da cápsula, 2 tiveram tromboembolismo pulmonar, 7 tiveram infarto do miocárdio, 4 apresentaram sepse urológica, 7 tiveram síndrome RTUP e 3 morreram. A idade do paciente, as comorbidades e a duração da cirurgia foram preditores independentes de complicações.

A anestesia regional tem sido a técnica anestésica preferida para a RTUP, uma vez que o paciente consciente pode alertar o anestesiologista dos sinais iniciais da síndrome de RTUP ou de perfuração vesical.

O futuro da ressecção transuretral de próstata Os tratamentos cirúrgicos menos invasivos incluem a dilatação por balão, stents prostáticos, incisão transuretral da próstata e prostatectomia a laser. Esses procedimentos menos invasivos podem ser feitos de forma ambulatorial, uma vez que estão associados com perda sanguínea mínima e menor risco de síndrome da RTUP. Essas técnicas podem ser preferidas em pacientes idosos com comorbidades clínicas substanciais (4).

II. Litotripsia extracorpórea por ondas de choque Nos Estados Unidos, 12% da população irá apresentar doença calculosa durante sua vida. A terapia ideal baseia-se no tamanho do cálculo (< 4 mm geralmente passa espontaneamente), localização no trato urinário e composição do cálculo. Com a intro-

A litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC) se tornou o tratamento de escolha para desintegração de cálculos urinários no rim e na parte superior dos ureteres.

790

Fundamentos de anestesiologia clínica

A maioria das LEOCs pode ser realizada de forma ambulatorial e raramente requer sedação profunda ou anestesia geral.

Gravidez, distúrbios hemorrágicos não tratados ou anticoagulação e obstrução distal ao cálculo renal são contraindicações à litotripsia.

dução da litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC), apenas 5% de todos os cálculos urinários requerem procedimentos cirúrgicos abertos. A LEOC se tornou o tratamento de escolha para desintegração de cálculos urinários no rim e na parte superior dos ureteres. Ela tem a vantagem de ser minimamente invasiva, realizada de forma ambulatorial e associada com morbidade perioperatória mínima e redução substancial dos custos. O equipamento original de litotripsia de primeira geração necessitava que o paciente fosse colocado em uma cadeira especial com suporte hidráulico e ficasse imerso em água. Os equipamentos modernos não requerem imersão em água e, assim, simplificam bastante o procedimento e eliminam muitos efeitos adversos e as dificuldades da imersão em água. Como resultado, a maioria das LEOCs pode ser realizada de forma ambulatorial e raramente requer sedação profunda ou anestesia geral (Fig. 42.1). Gravidez, distúrbios hemorrágicos não tratados ou anticoagulação e obstrução distal ao cálculo renal são contraindicações à litotripsia. Pacientes com marca-passo ou desfibrilador cardíaco interno são candidatos aceitáveis para litotripsia desde que o marca-passo esteja ajustado para o modo assíncrono (se a frequência cardíaca normal do paciente for dependente do marca-passo) e o desfibrilador seja desligado durante o procedimento. O dano ao parênquima renal parece ser responsável pela hematúria que ocorre em quase todos os pacientes, enquanto o hematoma subcapsular é visto em apenas 0,5% dos pacientes após litotripsia. Uma redução no hematócrito pós-operatório deve levantar suspeita de um grande hematoma perirenal. Até 10% dos pacientes têm cólica renal significativa, ocasionalmente requerendo hospitalização e analgésicos opioides. A litotripsia por ondas de choque pode causar dano aos tecidos adjacentes como os pulmões e o pâncreas. Apesar de uma ampla gama de complicações potenciais, a mortalidade após a LEOC é muito rara.

III. Procedimentos renais percutâneos A nefrostomia percutânea (NPC) é um procedimento realizado comumente que demanda o uso de orientação ultrassonográfica para punção percutânea da pelve renal, criando um trato de nefrostomia. A NPC é usada para diagnóstico e tratamento de uma ampla variedade de problemas urológicos, incluindo o alívio de obstrução renal, remoção de cálculos, biópsia de tumores e colocação de stent ureteral (Fig. 42.1). A nefroscopia envolve a passagem de um endoscópio pelo trato da nefrostomia para examinar o rim. Para esse procedimento, o paciente é colocado em posição prona oblíqua e são feitas anestesia local e sedação intravenosa. A nefrolitotomia percutânea, um procedimento para remover cálculos renais muito grandes para serem tratados com litotripsia, é um dos procedimentos urológicos endocirúrgicos mais comuns. Anestesia (geral ou regional) é necessária para dilatação do trato de nefrostomia. Embora técnicas cirúrgicas percutâneas sejam consideravelmente menos invasivas do que procedimentos cirúrgicos abertos, pode ocorrer uma variedade de complicações. Durante a inserção do tubo de nefrostomia, o trauma às estruturas adjacentes, como baço, fígado e colo, pode resultar em perda sanguínea aguda, necessitando de um procedimento cirúrgico aberto de emergência. Lesão pleural e pulmonar podem ocorrer durante colocação do trato de nefrostomia, quando é criado o acesso acima da 12° costela ou o rim fica em uma posição mais cefálica do que o normal. De modo a melhorar o campo cirúrgico para o cirurgião durante a nefroscopia, é necessária a irrigação contínua de líquido pelo endoscópio. O extravasamento de líquido de irrigação para dentro dos espaços retroperitoneal, intraperitoneal, intravascular ou pleural é possível e pode resultar em anormalidades eletrolíticas, sobrecarga de volume e outras complicações.

Capítulo 42 TABELA 42.4

Anestesia para cirurgia urológica

791

Lasers usados para cirurgia urológica

Tipo de laser

Características

Usos

Dióxido de carbono (CO2) Calor intenso com vaporização, mínima penetração tissular

Lesões cutâneas da genitália externa

Argônio

Absorvido seletivamente pela hemoglobina e pela melanina

Coagulação dos locais de sangramento na bexiga

Luz pulsada

Gera um estímulo pulsado

Destruição de cálculos ureterais

Nd-YAG (mais versátil e amplamente usado)

Pode ser usado na água ou urina sem perda de eficácia, penetração dos tecidos profundos

Lesões do pênis, da uretra, bexiga, ureteres e rins

KTP-532 (dobra a frequência do laser Nd-YAG)

Melhor efeito de corte, menos penetração nos tecidos profundos

Estenoses de uretra e contraturas do colo vesical

Nd-YAG, neodímio-ítrio alumínio granada.

IV. Cirurgia a laser em urologia Inúmeros problemas urológicos têm sido tratados de maneira eficaz com terapia a laser, como condiloma acuminado da genitália externa, estenose ureteral ou contratura do colo vesical, cistite intersticial, HPB, cálculo ureteral e carcinoma superficial do pênis, bexiga, ureter e pelve renal. Perda sanguínea mínima, diminuição da dor pós-operatória e desnaturação tissular são as principais vantagens da cirurgia a laser em relação às abordagens cirúrgicas tradicionais. A litotripsia a laser é usada para cálculos ureterais que estão baixos no ureter e não são alcançáveis por LEOC. Os cálculos absorvem o feixe de laser, resultando na sua desintegração. Idealmente, o paciente deve ser mantido sob anestesia geral com paralisia muscular para evitar movimentação e com hidratação intravenosa generosa. Se for escolhida anestesia regional, é exigido um nível espinal de T8 a T10. Como os lasers são uma parte integral da cirurgia urológica, a compreensão das indicações e limitações de cada tipo de laser é essencial (Tab. 42.4). Óculos de proteção com lentes filtrantes apropriadas estão disponíveis para cada tipo de laser para minimizar o dano ocular. O equipamento de laser não deve ser ativado até que todo o pessoal da sala de cirurgia e o paciente estejam usando os óculos apropriados. Todo pessoal de sala de cirurgia envolvido em procedimentos com laser de dióxido de carbono (CO2) para condiloma acuminado deve usar máscaras de proteção contra o laser para evitar a inalação da fumaça da vaporização do tecido. Essa fumaça pode conter o papiloma vírus humano ativo. Além disso, a fumaça do laser deve ser removida da sala de cirurgia com um sistema de evacuação de fumaça.

V. Laparoscopia urológica Procedimentos de laparoscopia urológica tiveram uma ampla aceitação porque são minimamente invasivos e porque possuem maior precisão cirúrgica, com melhor preservação das estruturas periprostáticas vascular, muscular e neurovascular, são menos dolorosos no pós-operatório e têm menor custo do que os procedimentos cirúrgicos abertos. Os procedimentos laparoscópicos realizados em cirurgia incluem procedimentos diagnósticos para avaliação de testículos retidos, orquiopexia, varicocelectomia, correção de prolapso vesical, linfadenectomia pélvica, nefrectomia, nefrectomia parcial, nefroureterectomia, adrenalectomia, prostatectomia e cistectomia. Muitas estruturas

VÍDEO 42.2 Litotripsia ureteral por laser retrógrado

792

Fundamentos de anestesiologia clínica no sistema geniturinário são extraperitoneais (i.e., linfonodos pélvicos, bexiga, ureteres, suprarrenais, rins), e os urologistas usam a insuflação extraperitoneal durante a cirurgia laparoscópica nesses órgãos. A absorção de CO2 é maior com a insuflação extraperitoneal comparada com a intraperitoneal. A anestesia geral com ventilação controlada é o método de escolha para manter a normocarbia. A insuflação extraperitoneal resulta em enfisema subcutâneo que pode se estender para cima até a cabeça e o pescoço. No Capítulo 27, há uma discussão detalhada sobre o impacto fisiológico e as complicações potenciais da laparoscopia.

VI. Cirurgia oncológica radical

Os procedimentos cirúrgicos radicais estão associados com grande perda sanguínea, complicações relacionadas com a posição e embolia venosa aérea.

Procedimentos cirúrgicos radicais são realizados para tratar câncer de próstata, bexiga ou rim. Os procedimentos geralmente são prolongados, requerendo uma posição de Trendelenburg acentuada para facilitar o acesso cirúrgico à pelve. Como resultado dessa posição, as extremidades inferiores têm uma perfusão reduzida enquanto o cérebro experimenta uma pressão arterial média aumentada e drenagem venosa reduzida. A complacência pulmonar e a capacidade funcional residual estão diminuídas, resultando em aumento dos distúrbios ventilação-perfusão. Congestão pulmonar e edema foram relatados, bem como aumento da pressão intracraniana e da pressão intraocular. Outras complicações que resultam da posição incluem dano muscular isquêmico nas extremidades inferiores e na pelve e lesão nervosa nas extremidades superiores e inferiores. Quando o sítio cirúrgico na pelve está acima do nível do coração, o paciente está em risco de embolia aérea venosa. Além de todas essas preocupações, a cirurgia oncológica radical tem um risco substancial de grande perda sanguínea e necessidade de transfusão.

A. Prostatectomia radical

Durante procedimentos radicais, o anestesiologista deve identificar os agentes quimioterápicos usados, estar consciente dos efeitos colaterais desses fármacos e deve estar preparado para hemorragia intraoperatória significativa.

O câncer de próstata é um dos cânceres mais comumente diagnosticados em homens. Nos Estados Unidos, homens com câncer de próstata clinicamente localizado com expectativa de vida de 10 anos ou mais tendem a ser submetidos à prostatectomia radical. Essa cirurgia pode ser realizada por uma abordagem perineal, retropúbica ou laparoscópica. Durante a prostatectomia radical perineal ou retropúbica, pode ser usada anestesia geral ou regional (peridural ou espinal). Se for usada anestesia regional, é adequado um bloqueio sensorial de T6 a T8. Durante a abordagem cirúrgica laparoscópica, a anestesia geral é a técnica preferida pelos motivos citados anteriormente (a duração da cirurgia e a posição de Trendelenburg acentuada). A prostatectomia radical robótica está associada com melhor visualização e melhor dissecção cirúrgica, perda sanguínea reduzida, menos cicatrizes e dor pós-operatória, menor permanência hospitalar e retorno mais rápido às atividades diárias. Contudo, permanece um debate considerável a respeito do custo associado e o desfecho no longo prazo da cirurgia robótica.

B. Cistectomia radical A cistectomia radical envolve uma remoção em bloco da bexiga, próstata, vesículas seminais e uretra proximal em homens, enquanto em mulheres é necessário remover a bexiga, uretra e parede vaginal anterior, bem como realizar uma histerectomia total e salpingo-ooforectomia bilateral. Ao término do procedimento, é realizada uma derivação urinária, mais comumente com um conduto ileal ou colônico. Pode ocorrer hemorragia intraoperatória significativa durante cistectomia radical. A extensão e a duração dessa cirurgia demandam anestesia geral. Pacientes com câncer de bexiga podem ter sido tratados com quimioterapia antes desse procedimento. O anestesiologista deve estar consciente do uso prévio de qualquer agente quimioterápico de modo que

Capítulo 42

Anestesia para cirurgia urológica

793

qualquer possível intoxicação medicamentosa possa ser elucidada. Em particular, a doxorrubicina tem efeitos cardiotóxicos, o metotrexate pode causar toxicidade hepática e a cisplatina e o metotrexate estão associados com neurotoxicidade e lesão renal.

C. Nefrectomia radical A nefrectomia radical ou parcial é o tratamento de escolha para carcinoma de células renais (5). Ela envolve a remoção em bloco do rim e da fáscia que o cerca, da suprarrenal ipsilateral e do ureter superior. Em 5 a 10% dos carcinomas de células renais do lado direito, o tumor se estende para a veia renal, a veia cava inferior e o átrio direito. Para operar esses pacientes com segurança, a extensão da lesão deve ser definida no pré-operatório. Se houver extensão do tumor para dentro da veia cava ou para o átrio direito, geralmente é necessário bypass cardiopulmonar para ressecá-lo com segurança. A ecocardiografia transesofágica pode ter valor para confirmação da remoção completa do tumor ou para identificação de embolização intraoperatória do tumor e necessidade de instituir bypass cardiopulmonar de emergência. A nefrectomia pode ser realizada por meio de uma incisão lombar, transabdominal ou toracoabdominal. Se for usada a abordagem lombar, o paciente é colocado em posição de decúbito lateral fletido com o lado cirúrgico para cima e o suporte mecânico renal elevado acima da 12a costela. Esse suporte mecânico renal tem sido associado com hipotensão devido ao retorno venoso reduzido, dano nervoso, complacência torácica reduzida e atelectasia pulmonar. A anestesia geral é usada para pacientes colocados nessa posição porque ela é muito desconfortável. O pneumotórax pode ocorrer durante a cirurgia se o tórax for penetrado inadvertidamente. Episódios de embolia venosa aérea também são possíveis durante procedimentos de nefrectomias se a posição colocar o local cirúrgico acima do coração.

D. Cirurgia radical para câncer testicular Todas as massas intratesticulares são consideradas cancerosas até que haja provas do contrário. A orquiectomia radical é realizada para diagnóstico definitivo e como passo inicial para a maioria dos esquemas de tratamento, e a anestesia regional ou geral pode ser usada para esse procedimento. O anestesiologista deve identificar os agentes quimioterápicos usados e estar consciente dos efeitos colaterais desses fármacos. Um agente quimioterápico usado comumente, a bleomicina, é um antibiótico antitumoral usado contra tumores de células germinativas dos testículos. O uso da bleomicina está associado com toxicidade pulmonar, e insuficiência respiratória pós-operatória ocorre geralmente 3 a 10 dias após a cirurgia. Os fatores de risco para insuficiência respiratória pós-operatória incluem evidência pré-operatória de lesão pulmonar, exposição recente à bleomicina (dentro de 1-2 meses), uma dose total de bleomicina > 450 mg ou uma depuração de creatinina de < 35 mL/min. Um estudo retrospectivo observou que o manejo dos líquidos intravenosos, incluindo transfusão sanguínea, era o fator de risco mais significativo, afetando a morbidade pulmonar pós-operatória e os desfechos clínicos. Os autores recomendam que a administração de líquidos intravenosos consista primariamente de coloides e seja limitada ao volume mínimo necessário para manter a estabilidade hemodinâmica e o débito renal adequado.

Referências 1. Hawary A, Mukhtar K, Sinclair A, et al. Transurethral resection of the prostate syndrome: Almost gone but not forgotten. J Endourol. 2009;23(12):2013–2020. 2. Kavanagh LE, Jack GS, Lawrentschuk N. Prevention and management of TURP-related hemorrhage. Nat Rev Urol. 2011;8(9):504–514.

Em 5 a 10% dos carcinomas de célula renal do lado direito, o tumor se estende para a veia renal, a veia cava inferior e o átrio direito, e, assim, o uso de ecocardiografia transesofágica (ETE) tem valor crucial.

Hipotensão durante nefrectomia radical pode ser multifatorial; efeito mecânico, pneumotórax, embolia aérea e sangramento.

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Fundamentos de anestesiologia clínica 3. Mandal S, Sankhwar SN, Kathpalia R, et al. Grading complications after transurethral resection of prostate using modified Clavien classification system and predicting complications using the Charlson comorbidity index. Int Urol Nephrol. 2013;45(2):347–354. 4. Strope SA, Yang L, Nepple KG, et al. Population based comparative effectiveness of transurethral resection of the prostate and laser therapy for benign prostatic hyperplasia. J Urol. 2012;187(4):1341–1345. 5. Cohen HT, McGovern FJ. Renal-cell carcinoma. N Engl J Med. 2005;353(23):2477–2490.

Capítulo 42

Anestesia para cirurgia urológica

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Sob quais condições a anestesia geral com paralisia muscular seria preferida em relação à anestesia regional para um paciente submetido a resseção transuretral de um tumor vesical? A. O tumor envolve a parede lateral da bexiga B. O tumor envolve a parede posterior da bexiga C. O tumor envolve a parede anterior da bexiga D. O tumor envolve qualquer local de inserção uretral na bexiga E. Nenhuma das alternativas acima 2. Após uma ressecção transuretral da próstata em um paciente de 80 kg, o Na+ sérico é 120. O valor pré-operatório era 140. Considerando que o volume extracelular do paciente é 25% do seu peso, qual volume aproximado do líquido de irrigação ele absorveu durante essa cirurgia? A. 2,5 litros B. 3,5 litros C. 4,5 litros D. 5,5 litros E. Nenhuma das alternativas acima

3. A correção da hiponatremia grave após a ressecção transuretral da próstata não deve exceder: A. 8 mEq/L em um período de 24 horas B. 10 mEq/L em um período de 24 horas C. 12 mEq/L em um período de 24 horas D. 14 mEq/L em um período de 24 horas E. Nenhuma das alternativas acima 4. A anestesia regional é preferida em relação à anestesia geral para ressecção transuretral da próstata porque: A. A taxa de mortalidade é mais baixa B. A taxa de infarto do miocárdio pós-operatório é mais baixa C. A síndrome de RTUP pode ser detectada precocemente D. As taxas de transfusão são menores E. Nenhuma das alternativas acima 5. Cinco a dez por cento dos carcinomas de células renais do lado direito se estendem para: A. O intestino B. A suprarrenal C. A aorta D. A veia cava E. Nenhuma das alternativas acima

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Segurança elétrica e incêndios Christopher W. Connor Wissam Mustafa

Os princípios da física e da engenharia envolvidos no suprimento elétrico e na segurança elétrica são muito bem estabelecidos, embora possam não ser imediata e intuitivamente óbvios. Muitos clínicos, bem como a maioria dos cidadãos dos países desenvolvidos, presumem que o suprimento elétrico estará presente e o equipamento estará funcionando com segurança diariamente. Pouca consideração é dada a como isso é conseguido até que ocorra inesperadamente uma falha no sistema de energia. Além do mais, a terminologia da engenharia elétrica comumente é mal empregada por leigos, de modo que o significado se torna impreciso ou incorreto. Por exemplo, durante o curso de um procedimento cirúrgico, podem ser encontrados muitos significados sobrepostos para as palavras “terra” ou “aterrado”, como: 1. 2. 3. 4.

A superfície física da Terra. A voltagem designada, por convenção, à Terra: 0 V. Descrição de um dispositivo ou tomada elétrica que tem três pinos. O fio elétrico verde, o cabo de terra, encontrado dentro de cabos de energia elétrica. 5. O adesivo acolchoado que forma o eletrodo de retorno de dispersão para uma unidade eletrocirúrgica. 6. O ato de conectar um paciente a alguma forma de aparelho elétrico como a unidade eletrocirúrgica (“O paciente está aterrado?”). 7. Um estado de falha do sistema de energia elétrica isolado da sala de cirurgia no qual o sistema se “torna aterrado”.

Imagine o cenário de um anestesiologista realizando uma anestesia para uma artroscopia do ombro em um centro de cirurgia ambulatorial no qual estão sendo usadas câmeras de vídeo artroscópicas, instrumentos e uma unidade eletrocirúrgica. Uma grande poça de solução de irrigação começou a se acumular no chão e está se espalhando por entre os cabos e em direção aos pés do anestesiologista. O anestesiologista está seguro? Agora, imagine um anestesiologista realizando uma anestesia cardíaca de emergência à noite. Enquanto o paciente está em circulação extracorpórea, os monitores de segurança elétrica na sala começam a disparar o alarme. O que o anestesiologista deve fazer? Para responder adequadamente a essas e outras situações similares, é necessário que o anestesiologista compreenda os princípios elétricos envolvidos.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

I. Princípios da eletricidade A. Introdução A corrente elétrica (I, medida em ampères) irá fluir por meio de uma substância eletricamente condutiva (um condutor) quando há uma diferença de potencial (E, medido em volts) elétrico através daquele condutor. Portanto, se uma pessoa (sendo um potencial condutor de eletricidade) toca um fio elétrico domiciliar vivo (p. ex., a 120 V) enquanto tem um bom contato com o chão (os pés da pessoa estão a 0 V), a corrente elétrica irá fluir pela pessoa, que irá receber um choque. Contudo, na improvável situação de uma pessoa em pé sobre uma placa metálica que está em uma voltagem de 120 V enquanto toca simultaneamente o fio em uma voltagem de 120 V, ela não receberia um choque porque não haveria diferença na voltagem e não haveria fluxo de corrente. É a diferença no potencial elétrico (chamado de diferença de potencial) que gera a corrente e o fornecimento de energia, não a voltagem absoluta. Como uma analogia, imagine dois pacientes que acidentalmente caem de suas camas. Um paciente está no sexto andar do hospital, de modo que sua cama está 20 m acima do nível do chão; o outro paciente está no terceiro andar, então sua cama está 10 m acima do nível do chão. Obviamente, não é a altura absoluta do paciente no prédio (i.e., a voltagem absoluta) que importa, mas a altura da queda da sua cama para o chão dos seus quartos (i.e., a diferença de potencial). Os condutores têm uma propriedade chamada resistência (R, medida em ohms), que é a sua tendência a resistir ao fluxo de uma corrente para uma determinada diferença de potencial. A diferença de potencial, a corrente e a resistência estão relacionadas pela lei de Ohm, representada com a seguinte equação:

E = I × R ou, de modo equivalente, I = E/R A resistência elétrica do corpo humano não é constante; ela depende fortemente da umidade da pele, variando desde aproximadamente 1.000 ⍀ com a pele molhada a aproximadamente 100.000 ⍀ com a pele seca.

B. Corrente direta e corrente alternada O fluxo de corrente em um circuito pode ser por corrente direta (DC, do inglês direct current) ou corrente alternada (AC, do inglês alternating current) dependendo se a direção desse fluxo naquele circuito permanece constante ou se oscila. As baterias produzem DC; o terminal positivo da bateria permanece em um potencial elétrico mais alto constante em relação ao terminal negativo da bateria até que a bateria esteja esgotada. A corrente sempre flui do terminal positivo para o negativo. Por outro lado, como na eletricidade doméstica comum, a corrente elétrica obtida a partir do “principal” suprimento de energia é AC; a diferença de potencial do condutor vivo oscila em torno do condutor neutro. É possível converter AC em DC usando um circuito simples chamado retif icador, no qual as voltagens de AC são especificadas em termos da voltagem de DC equivalente que tornaria a mesma quantidade de energia disponível. O principal suprimento elétrico nos Estados Unidos, que é nominalmente 120 V, na verdade tem um condutor vivo cuja diferença de potencial oscila sinusoidalmente entre ± 170 V em relação ao condutor neutro 60 vezes a cada segundo. A frequência da oscilação AC é expressa em termos de Hertz (Hz); assim, a corrente domiciliar comum é de 60 Hz.

C. Capacitores e indutores, reatividade e impedância Os capacitores e os indutores são equipamentos capazes de armazenar energia elétrica (1). Um capacitor consiste em duas placas elétricas separadas por um material isolante

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

chamado de dielétrico. Assim como a voltagem de DC é aplicada ao capacitor, a carga positiva começa a se acumular em uma placa do capacitor, enquanto a carga negativa começa a se acumular na placa oposta. Eventualmente, uma carga suficiente se acumula de modo que um estado de equilíbrio é produzido no qual nenhuma corrente adicional pode fluir. O capacitor pode ser descarregado rapidamente a partir desse estado, produzindo um pulso de corrente através da porção desejada do circuito. Isso é similar ao modo de operação do flash de uma câmera. Quando o capacitor está totalmente carregado, contudo, nenhuma corrente elétrica adicional pode fluir para ele, e sua resistência à DC se torna eficazmente infinita. Um indutor consiste em uma mola de arame enrolada como um espiral em torno de um núcleo ferromagnético. À medida que uma corrente elétrica passa pela mola, um campo magnético igual e oposto é criado no núcleo. Uma voltagem elétrica oposta ocorre na mola. Nesse aspecto, um indutor é similar a um simples eletromagneto. Contudo, quando a corrente para o indutor é interrompida, o campo magnético no núcleo colapsa, induzindo uma forte espícula de voltagem oposta na mola elétrica. A partir dessas simples analogias na DC, observa-se que esses equipamentos podem armazenar carga e também produzir campos elétricos e magnéticos que podem existir além dos limites físicos do próprio equipamento. Quando a corrente alternada é aplicada a um capacitor, a voltagem nas placas do capacitor alterna a polaridade à medida que a voltagem de AC se repete. Isso leva o desenvolvimento de carga elétrica, na forma de corrente elétrica, a fluir para e das placas do capacitor. Portanto, mesmo que não haja conexão elétrica direta entre as duas placas do capacitor e a resistência elétrica eficaz para DC seja infinita, o ato de carregar e descarregar repetidamente o capacitor permite que a corrente alternada seja capaz de fluir por meio dele. Essa “resistência” à corrente elétrica é chamada de resistência indutiva. Essa é uma propriedade dos capacitores e indutores e é dependente da frequência da corrente alternada. A simples e familiar expressão da Lei de Ohm, na qual a resistência é expressa como R, é verdadeira apenas para corrente direta. Para produzir um modelo de corrente alternada em diferentes frequências, uma quantidade chamada impedância é usada. A impedância representa uma combinação de resistência e resistência indutiva. Mais precisamente, a impedância é um número complexo cujo componente real é a resistência elétrica e cujo componente imaginário é a resistência indutiva. De um ponto de vista prático, a resistência indutiva possibilita projetar circuitos que permitem que apenas sinais elétricos em certas frequências passem por eles. Essa é a base para, por exemplo, equalizadores gráficos para músicas e filtros de sinais médicos para eletrocardiogramas (ECGs) que filtram e amplificam apenas aquelas frequências associadas com a condução cardíaca. Por meio de um arranjo cuidadoso de capacitores e indutores, é possível desenhar circuitos que possam receber e responder a sinais eletromagnéticos externos, bem como a circuitos que irradiem energia eletromagnética no ambiente. Tais circuitos formam a base da recepção e transmissão do rádio. Contudo, essas propriedades também podem existir de forma indesejada em equipamentos elétricos. Por exemplo, a proximidade dos condutores elétricos dentro do cabo de energia de um equipamento ou entre os circuitos de um motor elétrico e sua caixa metálica causa perda de capacitância ou capacitância parasitária; por sua vez, esses produzem o fenômeno de interferência elétrica e vazamento de corrente.

II. Perigos do choque elétrico A. Correntes alternada e direta A corrente elétrica pode estimular os nervos e a contração muscular. Isso leva à possibilidade de seus usos terapêuticos; contudo, ela também leva ao risco de lesão ou mor-

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É possível que a eletricidade seja transmitida de um circuito a outro sem contato direto. Essa é uma parte importante do transformador de isolamento em uso na maioria das salas de cirurgia.

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Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 43.1 Efeitos físicos da exposição à corrente elétrica de 60 Hz, medida em ampères por 1 segundo Corrente elétrica

Efeito físico

Macrochoque (ao corpo, via contato cutâneo) 1 mA (0,001 A)

Limiar de percepção

5 mA (0,005 A)

Corrente máxima inofensiva

10-20 mA (0,01-0,02 A)

Corrente máxima antes que a contração muscular sustentada impeça a liberação voluntária do condutor (“limiar de soltura”)

50 mA (0,05 A)

Dor, risco de lesão mecânica por contração muscular

100-300 mA (0,01-0,03 A)

Limiar para fibrilação ventricular, o estímulo respiratório é preservado

6.000 mA (6 A)

Contração miocárdica sustentada, seguida por retomada do ritmo cardíaco; paralisia respiratória temporária; queimadura em áreas de alta densidade de corrente

Microchoque (ao coração por meio de fios ou cânulas de condução) 10 μA (0,01 mA)

Máximo vazamento de corrente recomendado a 60 Hz

100 μA (0,1 mA)

Fibrilação ventricular

A, ampère; mA, miliampère; μA, microampère.

te. A corrente direta geralmente é considerada mais segura do que a corrente alternada. A quantidade de corrente direta necessária para induzir fibrilação ventricular é em torno de três vezes maior do que a quantidade de corrente alternada necessária para produzir o mesmo efeito. A Tabela 43.1 resume os efeitos físicos experimentados pela exposição a diferentes limiares de corrente alternada de 60 Hz, como seria encontrada nos “meios” de suprimentos de energia-padrão nos Estados Unidos. A percepção da segurança da corrente direta é reforçada por experiências diárias de “meios” de corrente alternada sendo mais potentes e perigosos do que as quantidades relativamente pequenas de corrente direta que são produzidas pelas baterias-padrão. Contudo, uma grande fonte de corrente direta, como uma bateria de automóvel ou náutica, não deve ser considerada inofensiva. A descarga de corrente direta que pode ser produzida entre terminais pode causar queimaduras e lesão musculoesquelética significativas.

B. Fontes de choque Sempre que há uma diferença de potencial elétrico, a corrente irá fluir por meio de um condutor adequado colocado entre aqueles potenciais elétricos. Como consequência, sempre há um risco de choque elétrico toda vez que uma fonte externa de eletricidade for tocada. A gravidade do efeito físico do choque depende da magnitude da corrente elétrica e da duração de tempo na qual a corrente é aplicada. Com níveis de corrente menores, o choque elétrico é sentido primeiro como uma sensação de formigamento sensorial, crescendo para dor com níveis maiores de corrente. Níveis maiores de corrente são capazes de estimular diretamente a contração muscular e, além de certo nível de corrente, se torna impossível liberar voluntariamente a contração desses músculos. Ultrapassado esse limiar de “soltura”, pode não ser mais possível que a vítima se livre da fonte de choque elétrico, mantendo ainda mais a exposição elétrica (2). Aumentos maiores na corrente podem causar a instalação de fibrilação ventricular à medida que o

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

choque elétrico interfere com a condução cardíaca e causa paralisia direta dos músculos respiratórios. O fluxo de corrente elétrica no corpo também gera calor e pode destruir os tecidos por meio de lesão térmica direta. O risco de lesão por queimadura é maior nos pontos onde a corrente elétrica está entrando ou saindo do corpo, uma vez que a concentração de corrente elétrica (a densidade de corrente) é maior ali.

C. Aterramento Quando uma corrente elétrica flui por uma pessoa, causando um choque, a corrente em geral está fluindo de outro potencial elétrico para a terra. O corpo da pessoa comumente está em contato direto com a terra ou conectado eletricamente com o chão por meio do condutor como um móvel metálico. Como um choque elétrico apenas pode ocorrer quando há uma diferença no potencial elétrico, o objetivo da segurança elétrica é minimizar essa diferença de potencial de modo que a magnitude do choque elétrico seja a menor possível. Uma abordagem, vista em pequenos equipamentos à bateria, é minimizar a voltagem elétrica total usada pelo equipamento de modo que mesmo a máxima corrente de choque possível que possa ser gerada por ele seja inofensiva. Contudo, para equipamentos que requerem potência elétrica significativa, a segurança elétrica precisa ser obtida por meios mais ativos. Nesse caso, o “aterramento” se refere às várias medidas que podem ser tomadas para reduzir a magnitude do possível choque elétrico. O mais simples desses é ilustrado na Figura 43.1. À direita, é mostrado um equipamento com mau funcionamento. Ele desenvolveu uma falha na qual um condutor conectado ao fio “quente” ou “vivo” do suprimento elétrico se partiu e agora está em contato com a caixa do equipamento. Tocar a caixa traz um risco imediato de choque elétrico porque é possível que essa voltagem flua pelo corpo da pessoa para o chão. Contudo, como dispositivo de segurança, o equipamento contém um fio “terra” que está conectado à voltagem do solo, que também está conectado à caixa do equipamento. A corrente elétrica da caixa em pane é capaz, portanto, de fluir para o chão por meio do corpo da pessoa que toca o equipamento ou por meio do fio terra. Como a resistência elétrica do fio terra é muito menor do que a resistência do corpo, a maior parte da corrente elétrica irá passar preferencialmente para o solo pelo fio terra, reduzindo, mas não eliminando, a magnitude da corrente de choque elétrico que passa pela pessoa. Contudo, se o fio terra romper ou se o equipamento estiver conectado a uma tomada de dois pinos sem fio terra, então a proteção trazida pelo fio terra será totalmente per-

Suprimento elétrico

Quente

Neutro

Terra

Tomada-padrão Solo

Equipamento inseguro com um curto-circuito na caixa

Embora o curto-circuito dentro da caixa forneça uma via alternativa para o solo, a corrente elétrica pode, ainda assim, fluir pela pessoa.

FIGURA 43.1

Equipamento não seguro operando durante suprimento de energia-padrão.

801

802

Fundamentos de anestesiologia clínica dida, e a pessoa que toca a caixa do equipamento estará exposta à magnitude total da corrente de choque elétrico.

O uso de uma tomada de três pinos em uma tomada de dois pinos irá permitir que o equipamento funcione, porém irá desativar a proteção garantida pelo fio terra interno do equipamento.

III. Energia elétrica e isolamento A. Sistemas de aterramento elétrico e interruptor do circuito de vazamento para a terra A fonte de suprimento elétrico ilustrada nas Figuras 43.1 e 43.2 é chamada de sistema de energia aterrada. Ele recebe esse nome porque o potencial do fio neutro é fixo no mesmo potencial do fio terra, que, por sua vez, é fixo no mesmo potencial do solo real (i.e., a superfície física da Terra). Embora um fio terra dentro de um equipamento com mau funcionamento possa reduzir a quantidade de corrente de choque elétrico que flui por uma pessoa que toque o equipamento, ele não pode eliminar totalmente a corrente de choque. No cenário apresentado na Figura 43.1, o equipamento continuará a impor um risco continuado de choque elétrico. Além do mais, esse risco de choque provavelmente não será descoberto até que alguém toque o equipamento e sofra um choque. O sistema de energia aterrado mostrado na Figura 43.1 representa o padrão para a fiação elétrica doméstica, mas não é seguro para a sala de cirurgia (3). A Figura 43.2 demonstra um refinamento desse sistema elétrico usando-se um equipamento chamado de interruptor do circuito de vazamento para a terra (ICVT). Um ICVT é um equipamento elétrico de uso comum em localizações perigosas, como um banheiro ou em painéis externos. Esse dispositivo monitora o fio terra para detectar se alguma corrente está fluindo naquele fio. Os ICVTs estão disponíveis como unidades individuais que podem ser conectadas em tomadas elétricas normais. Alternativamente, as tomadas elétricas podem ser compradas e instaladas de modo que o circuito de ICVT esteja contido dentro da própria tomada. A Figura 43.2 mostra esse último tipo de instalação. Em condições normais de operação, nenhuma corrente elétrica deve estar fluindo pelo fio terra. Contudo, se uma parte do equipamento apresentar falha elétrica que torna o invólucro do equipamento eletricamente ativo e estiver conectado a um ICVT, então parte daquela corrente com problemas irá ser levada para longe pelo fio terra.

Suprimento elétrico

Quente

Neutro

Terra

Tomada ICVT

Equipamento inseguro com curto na caixa

Solo O fluxo de corrente é sustado pelo ICVT, efetivamente desconectando e desativando o equipamento.

FIGURA 43.2 Equipamento inseguro operando em um suprimento de energia com proteção de um interruptor de circuito de vazamento para a terra.

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

O ICVT detecta aquele fluxo anômalo de corrente. Em resposta, o ICVT interrompe automaticamente o suprimento elétrico para o equipamento, desativando a tomada elétrica e produzindo o mesmo efeito como se o equipamento com mau funcionamento fosse subitamente desligado. O ICVT também mostra uma luz de aviso na tomada (mostrada em vermelho na Fig. 43.2), indicando que as provisões de segurança do ICVT foram ativadas e que a saída de energia da tomada foi desligada. O equipamento com mau funcionamento (e qualquer um que possa tocá-lo) passa a estar eletricamente seguro, pois o equipamento não tem mais nenhuma corrente elétrica fluindo por ele; contudo, ele também se torna inativo. Em muitos aspectos, isso é uma melhora significativa em relação ao cenário precedente na Figura 43.1 onde não há ICVT. Contudo, há alguns defeitos notáveis. Primeiro, quando o ICVT é ativado, a energia elétrica para todos os equipamentos conectados àquele circuito é interrompida imediatamente. Isso pode ser perigoso se quaisquer dos equipamentos forem necessários para suporte à vida, como a máquina de circulação extracorpórea ou um ventilador. Segundo, o ICVT apenas pode funcionar se o fio terra estiver intacto. Se o fio terra estiver quebrado ou não estiver conectado ao ICVT porque está sendo usada uma tomada de dois pinos, então o ICVT não conseguirá detectar o fluxo de corrente no fio terra, e suas características de segurança são ineficazes. Terceiro, o ICVT se baseia em um disjuntor mecânico ativo para interromper a energia elétrica para o equipamento. Se o disjuntor mecânico falhar ou emperrar, então teoricamente o ICVT pode ser incapaz de interromper a energia elétrica para o equipamento. Por esses motivos, os ICVTs não são aprovados para segurança elétrica em todas as salas de cirurgia; eles podem ser instalados para segurança elétrica apenas se a sala de cirurgia for certificada como um local seco (4).

B. Sistemas de isolamento de energia, transformadores de isolamento e monitor de isolamento de linha As limitações do ICVT podem ser superadas pela criação do que é conhecido como um sistema de isolamento de energia. O objetivo do projeto de um sistema de isolamento de energia é criar um suprimento de energia elétrica que possa tolerar uma falha elétrica no invólucro de um equipamento enquanto simultaneamente: • Dispara um alarme de que uma falha elétrica ocorreu. • Permite que um equipamento com mau funcionamento continue a operar. • Previne um risco de choque pelo equipamento a uma pessoa que o toque. A Figura 43.3 ilustra uma falha elétrica que ocorre em um sistema de energia isolado. Os dois novos componentes importantes nesse diagrama são o transformador de isolamento e o monitor de isolamento de linha (MIL). Um transformador de isolamento permite que a energia elétrica seja transmitida de um circuito a outro sem a existência de uma conexão elétrica direta entre eles. Na Figura 43.3, o suprimento de energia elétrica padrão aterrado é conectado à bobina primária do transformador de isolamento. A bobina primária consiste em um único arame enrolado em espiral em torno de um núcleo ferromagnético. A corrente que flui por esse fio causa um campo magnético a ser criado no núcleo, no modo descrito anteriormente para um indutor. Contudo, nesse caso, o núcleo ferromagnético é moldado como uma alça (aqui, um quadrado), e o campo magnético é capturado dentro do corpo dessa alça. Uma bobina secundária é enrolada em torno do lado oposto do núcleo. O campo magnético gerado pela corrente na bobina primária circula por dentro dessa alça ferromagnética. À medida que o campo magnético passa pelo circuito da bobina secundária, ele induz uma diferença de potencial elétrico, permitindo que a energia seja transmitida do primário para o secundário. Em um transformador de

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Suprimento de eletricidade

Monitor de isolamento de linha Transformador (1:1)

Quente Linha um

Neutro Linha dois Primário

Secundário

Terra

Tomada hospitalar

Equipamento inseguro com curto na caixa

Solo Não há fluxo de corrente da pessoa para o solo, embora ocorra perda de isolamento, disparando o alarme MIL.

FIGURA 43.3

Equipamento inseguro operando em um suprimento de energia isolado.

isolamento, o número de circuitos nas bobinas primária e secundária é o mesmo, de modo que a corrente que flui nas bobinas primária e secundária é a mesma. O objetivo de um transformador, portanto, é converter a energia elétrica em um campo magnético e, então, convertê-la imediatamente de volta em energia elétrica. Embora isso possa inicialmente parecer redundante, produz dois efeitos importantes: 1. Uma falha elétrica em um lado do transformador não pode se espalhar para o outro lado, pois as duas bobinas do transformador são separadas fisicamente e ligadas apenas por um campo magnético. 2. O transformador transmite apenas a diferença de potencial por meio da bobina primária, não a voltagem absoluta. Há uma diferença de potencial de 120 V AC entre os fios quente e neutro ligada à bobina primária. O fio quente é o que está a 120 V AC, e o neutro é o que está fixo ao chão (0 V). As saídas da bobina secundária são chamadas de linha 1 e linha 2, e há uma diferença de potencial entre elas de 120 V AC. As voltagens absolutas da linha 1 e da linha 2 não são conhecidas; elas agora estão isoladas. Ainda assim, qualquer equipamento ligado no circuito isolado irá operar normalmente.

VÍDEO 43.1 Monitor de isolamento de linha

Suponha agora que um equipamento elétrico com uma falha interna esteja conectado a esse suprimento de energia isolado, como mostrado na Figura 43.3. As vias elétricas por meio do fio terra e da pessoa que toca o equipamento fornecem uma conexão elétrica a partir da linha isolada 1 para o chão. O efeito disso é que a linha 1 agora se tornou aterrada, e sua voltagem se tornou fixa em 0 V. Diz-se que a linha 1 perdeu o isolamento. A linha 2 irá continuar a ter uma diferença de potencial de 120 V AC relativa à linha 1, de modo que o equipamento irá continuar a operar. Contudo, como a linha 1 assumiu a mesma voltagem absoluta do solo, nenhuma corrente irá fluir pela pessoa para o solo e não é produzido um choque elétrico. O MIL monitora os potenciais elétricos e os vazamentos de corrente que existem entre a linha 1 e a linha 2 e o solo. O MIL é projetado para disparar o alarme quando o isolamento do sistema de energia elétrica tiver se degradado até um ponto que um choque maior do que 5 mA possa ser produzido com a próxima falha elétrica. Como mostrado na Tabela 43.1, uma corrente de choque de 5 mA aplicada ao corpo é o limiar abaixo do qual não resulta em nenhum dano. A Figura 43.3 mostra que o MIL detectou uma perda de isolamento e disparou um alarme de perigo.

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

Em resumo, em um sistema de energia isolado, nem a linha 1 nem a linha 2 são os fios quentes ou neutros. Contudo, se ocorrer uma falha de modo que, por exemplo, a linha 1 entre em contato com um objeto ou pessoa aterrado, então a linha 1 irá se tornar imediatamente o fio neutro (tendo perdido o isolamento e se tornado aterrado), e a linha 2 irá, por sua vez, tornar-se equivalente ao fio quente. No entanto, não ocorrerá nenhum choque, e todo equipamento irá continuar a receber energia elétrica. Um sistema de energia isolado pode, portanto, acomodar uma única falha elétrica sem produzir choque e sem ter que desligar equipamentos médicos que, potencialmente, mantêm a vida. Assim, quando ocorre uma falha e o sistema de energia isolado se torna aterrado, então ele está apenas tão seguro quanto o sistema de energia padrão aterrado, como mostrado nas Figuras 43.1 e 43.2. Se um MIL disparar o alarme durante um caso cirúrgico, o anestesiologista e o pessoal da sala de operação (SO) devem tentar identificar qual equipamento da SO está com defeito. Cada equipamento elétrico deve ser desconectado sequencialmente até que o alarme pare, assim identificando qual equipamento contém a falha elétrica. Quando o equipamento defeituoso tiver sido desconectado e colocado em quarentena, os outros equipamentos podem ser reconectados progressivamente. Se a fonte do problema não puder ser identificada ou se a falha estiver dentro de um equipamento essencial que não pode ser desconectado ou substituído, então é aceitável continuar e completar o procedimento cirúrgico, mas ciente de que a margem de segurança fornecida pelo sistema de energia isolado foi perdida e que deve ser dada atenção particular ao arranjo de equipamentos elétricos em torno do paciente. Contudo, é contraindicado começar uma cirurgia subsequente em uma sala de cirurgia na qual se sabe que há uma falha elétrica.

IV. Microchoque A Tabela 43.1 mostra que um limiar de corrente entre 100 e 300 mA é necessário para induzir fibrilação ventricular com um choque elétrico de 60 Hz AC. Contudo, esses resultados são calibrados para a corrente elétrica aplicada à superfície corporal. A corrente elétrica que contorna a pele e é aplicada diretamente ao coração pode induzir fibrilação ventricular com corrente de até 100 μA (0,1 mA) e é conhecida como microchoque. O paciente pode ser colocado em risco de microchoque por qualquer meio condutivo que esteja em contato com o miocárdio e que também se estenda para fora do corpo. Os exemplos seriam fios de marca-passo temporário ou um cateter de artéria pulmonar (AP) contendo uma solução eletrolítica condutiva como a solução fisiológica. Como o MIL geralmente não dispara o alarme até que haja uma possível corrente de choque de pelo menos 5 mA, o uso de um sistema de energia isolado e um MIL não necessariamente protegem contra o risco de microchoque. O anestesiologista precisa lembrar que o risco de microchoque para o miocárdio existe sempre que os fios do marca-passo ou os cateteres de AP são manipulados. Esses equipamentos não devem ser manuseados enquanto o anestesiologista está em contato físico simultâneo com qualquer outra parte de aparelho elétrico (5).

V. Eletrocirurgia O uso de eletrocirurgia na prática clínica foi iniciado em 1926 com uma colaboração entre o neurocirurgião Harvey Cushing e o físico William Bovie (6). Eletrocirurgia é diferente de eletrocauterização. Eletrocauterização é o processo de usar eletricidade (geralmente corrente DC) para gerar calor e depois aplicar esse calor ao tecido para cauterizá-lo. Na eletrocauterização, a eletricidade é simplesmente uma forma conveniente de converter a energia em calor no local cirúrgico. A eletrocirurgia, por sua

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Se o monitor de isolamento de linha dispara o alarme, todos os equipamentos conectados àquele circuito permanecerão em operação. Contudo, se o equipamento em pane que está causando o alarme não for identificado e removido, o MIL não mais irá prover proteção contra choque se um segundo equipamento defeituoso for conectado ao circuito.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Um grande eletrodo de dispersão (“placa de aterramento”) não é necessário para instrumentos eletrocirúrgicos bipolares. A corrente em um eletrodo é retornada para o eletrodo adjacente e não passa em outra parte no corpo.

vez, usa a corrente alternada em frequências muito altas, na ordem de 300 a 500 kHz, gerada por uma unidade eletrocirúrgica (ESU, do inglês electrosurgical unit). Essas frequências são suficientemente altas, de modo que são próximas às frequências de rádio (RF, do inglês radio frequencies) usadas para transmitir ondas médias de rádio AM. A eletrocirurgia é, portanto, chamada às vezes de eletrocirurgia RF para distingui-la da simples cauterização. A saída de energia de uma ESU em operação no modo de “corte” excede a potência necessária para simplesmente queimar ou dissecar um tecido; ela é suficiente para converter a água dentro do tecido em vapor, efetivamente explodindo ou vaporizando o próprio tecido. O uso de um eletrodo cirúrgico de ponta fina produz uma região de densidade de corrente muito alta em torno da ponta e permite a dissecção cirúrgica do tecido precisamente controlada. Contudo, quando essa corrente elétrica tiver sido introduzida no corpo, é importante considerar como essa corrente irá passar pelo corpo e retornar à ESU de modo que não ocorram efeitos destrutivos fora a região desejada. Muitas ferramentas eletrocirúrgicas têm dois eletrodos, chamados de instrumentos bipolares. A corrente é introduzida nos tecidos por meio de um eletrodo na ponta do instrumento, e um segundo eletrodo próximo recebe a corrente de retorno. Esse formato é adequado para instrumentos como tesouras laparoscópicas, nas quais as duas lâminas da tesoura agem como os dois eletrodos. A corrente transmitida para ou por meio de estruturas anatômicas vizinhas é muito pequena. Portanto, unidades bipolares também são empregadas comumente em neurocirurgia. Alternativamente, um equipamento eletrocirúrgico pode consistir apenas em um eletrodo – descrito como monopolar. Esses equipamentos requerem uma via de retorno elétrico separado do paciente para a ESU (7). Essa via de retorno é criada colando-se uma grande placa eletricamente condutiva a uma parte substancial do corpo, como a coxa do paciente. Essa placa é chamada, comumente, de placa de aterramento, mas essa descrição infelizmente é enganadora. Essa placa não produz aterramento do paciente para o potencial do solo devido ao paciente e o equipamento eletrocirúrgico serem isolados eletricamente por um sistema de energia isolado. O objetivo da placa é agir como um eletrodo para receber a corrente eletrocirúrgica. A corrente é recuperada em uma grande área de superfície tissular, de modo que a densidade da corrente no tecido é baixa; de outra forma, o tecido sob a placa pode ser queimado ou cauterizado acidentalmente. A placa de aterramento deve, portanto, de forma mais correta, ser chamada de eletrodo de dispersão. Se o eletrodo de dispersão for aplicado de forma imprópria, de modo que ele esteja em contato apenas com a pele do paciente em poucos locais pequenos, a corrente de retorno será concentrada nesses pontos, a densidade da corrente será alta e podem ocorrer queimaduras acidentais. A corrente também pode estar direcionada inadequadamente aos eletrodos do ECG. Além disso, os pacientes devem ser fortemente encorajados a remover joias de metal devido ao risco de, por exemplo, uma aliança ficar em contato com uma parte metálica da mesa cirúrgica e formar uma via eletricamente condutiva para o eletrodo de dispersão. A aliança iria agir como um eletrodo de retorno não intencional e causar, potencialmente, uma queimadura circunferencial ao dedo. As joias metálicas que não podem ser removidas podem ser cobertas com fita adesiva para formar uma camada de isolamento elétrico. A frequência da corrente eletrocirúrgica é tão alta, que não causa despolarização dos nervos ou fibras musculares. Os nervos e músculos possuem uma propriedade chamada cronaxia, que é a menor duração do impulso elétrico ao qual eles podem responder. Como a frequência da corrente AC produzida por uma ESU está em várias centenas de quilohertz, a duração de uma oscilação da corrente eletrocirúrgica é muito mais curta do que a cronaxia desses tecidos. A corrente eletrocirúrgica pode, portanto, passar pelo corpo sem deflagrar uma fibrilação ventricular, ao contrário de um choque elétrico a partir de um cabo elétrico equivalente a um suprimento de energia de

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

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60 Hz de corrente. Todavia, deve-se tomar cuidado especial com pacientes que têm um desfibrilador cardioversor automático implantado (DCAI). O DCAI monitora continuamente a atividade elétrica do coração do paciente. Ele pode interpretar erroneamente a interferência elétrica de alta frequência da corrente eletrocirúrgica como um episódio de fibrilação ventricular que requer um choque desfibrilatório. Portanto, um DCAI precisa ser desativado para não administrar choque durante a cirurgia. O DCAI pode ser reprogramado (pré e pós-cirurgia) ou pode ser temporariamente desativado por meio da colocação de um grande ímã sobre o tórax do paciente, sobre o local de inserção do DCAI. O DCAI detecta a presença desse campo magnético; ele responde emitindo um som de aviso audível, e então a ação desfibrilatória do DCAI é inibida enquanto o ímã permanece no lugar.

VI. Segurança contra fogo O desencadeamento de um incêndio requer a presença de cada elemento da “tríade do fogo” – uma fonte de ignição, um combustível para queimar e um oxidante (i.e., uma fonte de oxigênio) (8). As fontes mais comuns de ignição na sala de cirurgia são unidades eletrocirúrgicas ou fontes de laser, que geralmente estão sob controle da equipe cirúrgica. As fontes mais comuns de combustível são os campos, curativos ou gazes, que podem, adicionalmente, estar embebidos em soluções alcoólicas ou vaselina. Esses materiais geralmente estão sob controle do pessoal de enfermagem. Os oxidantes mais comuns são o próprio oxigênio, espalhado no ambiente da sala de cirurgia a partir de uma máscara facial ou cânula nasal, ou o óxido nitroso, que também é capaz de manter a combustão. Esses fatores geralmente estão sob o controle do anestesiologista. O ambiente da sala de cirurgia, portanto, contém muitos equipamentos e materiais para preencher as três partes da tríade necessária para o início de um incêndio em sala de cirurgia. Pior ainda, cada parte da tríade geralmente está sob controle de uma parte diferente da equipe da sala de cirurgia. Portanto, é possível que as três partes da tríade do incêndio se juntem no mesmo local sem que qualquer pessoa esteja imediatamente ciente de que isso ocorreu. Embora o anestesiologista precise sempre estar ciente do risco potencial de um incêndio intraoperatório, alguns procedimentos apresentam um risco claramente previsível (9). • Durante uma traqueostomia, a abertura da traqueia pode, potencialmente, liberar uma alta concentração de oxigênio no campo cirúrgico. Isso pode se combinar com a presença de gaze e instrumentos eletrocirúrgicos para produzir um risco iminente de fogo. • A solução de preparação do local cirúrgico para procedimentos no tórax superior ou pescoço (p. ex., colocação de cateter) pode tender a se acumular dentro do material dos campos cirúrgicos, produzindo uma fonte de combustível potente. Esses procedimentos comumente são realizados sob sedação, e o oxigênio a partir de uma máscara facial ou cânula nasal pode se acumular sob os campos e a solução de preparação residual. O uso de um equipamento de eletrocautério no lado cirúrgico do campo pode ser suficiente para causar ignição nos campos sobre a cabeça do paciente. Esse súbito lampejo de fogo, combinado com o derretimento de plástico da máscara facial ou cânula nasal, pode produzir queimaduras desfigurantes na cabeça e na face dentro de poucos segundos (10). • A cirurgia laringoscópica a laser envolve comumente o uso de ferramentas cirúrgicas a laser em proximidade com uma via aérea que está protegida com intubação endotraqueal. Tubos endotraqueais adequados, seguros para laser, devem ser

Embora os anestésicos inalatórios modernos sejam considerados não explosivos ou não inflamáveis, incêndios desastrosos ainda podem ocorrer devido ao oxigênio e o óxido nitroso suportarem a combustão. Deve-se ter cuidado quando esses gases entram em contato com uma fonte de ignição (p. ex., laser, ESU) e combustíveis (p. ex., papel, campos cirúrgicos, solução de assepsia, tubos endotraqueais).

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Fundamentos de anestesiologia clínica usados durante essas cirurgias, mas o risco de ignição desses tubos sempre está presente. Caso um tubo endotraqueal pegue fogo, o paciente deve ser extubado imediatamente ao mesmo tempo em que o tubo é desconectado do circuito de anestesia. O campo cirúrgico deve ser lavado com água esterilizada ou solução fisiológica, e qualquer material em combustão restante deve ser removido das vias aéreas. O objetivo primário é terminar a lesão pelo fogo no menor tempo possível. Quando o fogo nas vias aéreas for extinto, o paciente pode ser ventilado por máscara, a via aérea pode ser examinada por laringoscopia ou broncoscopia, e a via aérea pode ser restabelecida com um novo tubo endotraqueal. Quando a fonte de ignição (p. ex., laser, eletrocautério) é usada em proximidade com as vias aéreas, independentemente do tipo de anestesia empregado (local com sedação, regional ou geral), o anestesiologista é encarregado de administrar oxigênio suplementar apenas em uma quantidade que seja suficiente para manter a saturação de oxigênio sanguíneo do paciente em um nível seguro. O oxigênio fornecido deve ser diluído com o nitrogênio ou ar, mas não com óxido nitroso.

Referências 1. Horowitz P, Hill W. The Art of Electronics. 2nd ed. Cambridge, Engl.: Cambridge University Press; 1989;1125. 2. Cadick J, Capelli-Schellpfeffer M, Neitzel D, et al. Electrical Safety Handbook. 4th ed. New York: McGraw-Hill, 2012. 3. Chambers JJ, Saha AK. Electrocution during anaesthesia. Anaesthesia. 1979;34(2): 173–175. 4. Wills JH, Ehrenwerth J, Rogers D. Electrical injury to a nurse due to conductive fluid in an operating room designated as a dry location. Anesth Analg. 2010;110(6):1647–1649. 5. Baas LS, Beery TA, Hickey CS. Care and safety of pacemaker electrodes in intensive care and telemetry nursing units. Am J Crit Care. 1997;6(4):302–311. 6. O’Connor JL, Bloom DA. William T. Bovie and electrosurgery. Surgery. 1996;119(4): 390–396. 7. Brill AI, Feste JR, Hamilton TL, et al. Patient safety during laparoscopic monopolar electrosurgery–principles and guidelines. Consortium on Electrosurgical Safety During Laparoscopy. JSLS. 1998;2(3):221–225. 8. Culp WC Jr, Kimbrough BA, Luna S, et al. Mitigating operating room fires: Development of a carbon dioxide fire prevention device. Anesth Analg. 2014;118(4):772–775. 9. Kaye AD, Kolinsky D, Urman RD. Management of a fire in the operating room. J Anesth. 2014;28(2):279–287. 10. Culp WC Jr, Kimbrough BA, Luna S. Flammability of surgical drapes and materials in varying concentrations of oxygen. Anesthesiology. 2013;119(4):770–776.

Capítulo 43

Segurança elétrica e incêndios

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TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. Todas as características a seguir são comuns na eletricidade “doméstica”, EXCETO: A. O potencial elétrico é nominalmente 120 V B. A corrente oscila a 60 Hz C. A corrente sempre flui do polo positivo (preto) para o polo neutro (branco) D. A diferença de potencial entre o condutor “quente” e o neutro oscila sinusoidalmente entre ± 170 V 2. Em uma sala de cirurgia de um hospital, a forma MAIS eficaz de reduzir a possibilidade de um choque prejudicial ao pessoal é: A. Usar um sistema que transmite a energia de um circuito a outro sem uma conexão elétrica direta entre eles B. Instalar equipamentos ICVT em todas as saídas de energia C. Usar apenas equipamentos que tenham tomadas de três pinos (condutores) D. Usar apenas itens de equipamento que tenham sido revisados e verificados para a ausência de vazamento de corrente 3. Todas as afirmativas a seguir a respeito de ICVT são verdadeiras, EXCETO: A. Ele sente o fluxo de corrente no fio terra de qualquer equipamento ligado a ele B. Se deflagrado, ele irá desconectar (desligar) todos os equipamentos ligados a ele C. Se deflagrado, uma luz vermelha irá acender, mas não irá soar um alarme D. Ele irá permanecer em operação se um adaptador de dois pinos for interposto entre uma tomada de três pinos e a saída

4. Todas as afirmativas a seguir a respeito de energia elétrica suprida a uma sala de cirurgia por um transformador de isolamento, em conjunto com um monitor de linha de isolamento (MIL) são verdadeiros, EXCETO: A. A energia elétrica é fornecida por indução de um campo magnético por meio de duas bobinas separadas B. Em operação normal, a saída do transformador é por meio de dois cabos metálicos, um de 120 V e o outro de 0 V (terra) C. A energia elétrica irá continuar a ser fornecida na saída se um equipamento com mau funcionamento for conectado D. Se uma pessoa tocar um equipamento com mau funcionamento conectado a um circuito de isolamento funcionando adequadamente, alguma corrente irá atravessar aquela pessoa, mas nenhum choque será percebido 5. Se o MIL disparar o alarme, a próxima ação mais adequada para o anestesiologista é: A. Converter para ventilação manual e preparar para administrar anestesia intravenosa B. Reajustar o alarme do MIL, mas estar preparado para verificar todo o equipamento elétrico ao final da cirurgia C. Recomendar que o procedimento cirúrgico seja abortado rapidamente e providenciar para que todo o equipamento não essencial seja desligado D. Solicitar que alguém desligue sequencialmente peças individuais de equipamento até que o alarme do MIL pare e o equipamento defeituoso seja descoberto

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Fundamentos de anestesiologia clínica

6. Qual das seguintes afirmativas é VERDADEIRA? A. Uma placa de dispersão aplicada ao paciente é necessária para instrumentos eletrocirúrgicos mono e bipolares B. O uso de equipamentos eletrocirúrgicos é contraindicado quando os pacientes têm um desfibrilador cardioversor implantado (DCI) C. A frequência da corrente da unidade eletrocirúrgica é tão alta, que, se passar pelo coração, é improvável a fibrilação ventricular D. A placa de dispersão é aterrada de modo que o paciente não receba um choque

7. Todos os cenários a seguir representam um risco significativo de incêndio associado com o uso de um equipamento eletrocirúrgico, EXCETO: A. Traqueostomia durante anestesia com isoflurano, óxido nitroso a 70% e oxigênio a 30% B. Laparoscopia durante a qual o pneumoperitônio é obtido com dióxido de carbono C. Cirurgia a laser para papiloma laríngeo com anestesia geral obtida com tubo endotraqueal padrão D. Cirurgia plástica facial realizada com sedação consciente com oxigênio a 100% administrado por meio de máscara facial plástica sob os campos

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas Amy E. Vinson Robert S. Holzman

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Ao lidar com pessoas em grande sofrimento, se você sentir que está próximo de um “esgotamento”, se você se sentir desmoralizado e exausto, o melhor a fazer, para o bem de todos, é se afastar e se recuperar. É uma questão de ter uma perspectiva de longo prazo. – Dalai Lama

I. Bem-estar e o anestesiologista O bem-estar é pessoal, portanto uma única definição não é suficiente. Independentemente da diversidade cultural e espiritual dos anestesiologistas, eles atuam em um ambiente com alto estresse físico, mental e emocional. Trabalham juntos, passando por estágios na vida muito diferentes, e “bem-estar” significa algo inteiramente diferente para cada integrante da equipe. Compare (a) uma médica residente recém-formada, de 29 anos, casada há dois anos, começando sua família e pagando o empréstimo para o curso de medicina e, ao mesmo tempo, aprendendo a ser médica autônoma e professora e (b) uma médica experiente que, aos 63 anos, comemora o nascimento de sua primeira neta e pondera sobre a aposentadoria, sua própria saúde e a doença ou morte de um dos pais. Aqui, a associação de bem-estar é definida como os processos de pensamento, comportamentos, valores e atitudes coletivas que criam maior resiliência, menor esgotamento, uma sensação de bem-estar aprimorada e melhor satisfação profissional e de vida. O bem-estar é um conceito multivariado, complexo e pessoal, porém o objetivo deste capítulo não é fornecer uma guia pessoal para o bem-estar. Pelo contrário, o intuito deste capítulo é apresentar um resumo das questões de bem-estar específicas para o anestesiologista, a prática anestésica e aos líderes dentro das organizações relacionadas com a anestesia. Várias organizações incorporaram o bem-estar como um grupo de competências a serem alcançadas durante o treinamento. Por exemplo, o Royal College of Physicians and Surgeons of Canada relaciona: “Demonstrar um compromisso com a saúde do médico e práticas sustentáveis” como a terceira competência de profissionalismo em sua estrutura de 2005 (1). Mais recentemente, como parte do projeto Milestones, o bem-estar tem sido considerado um requisito de treinamento: “Profissionalismo: responsabilidade de manter a saúde emocional, física e mental”. Embora o conceito de bem-estar continue a ser um tanto nebuloso, o conceito de esgotamento já está bem estabelecido. A “síndrome do esgotamento” ganhou atenção nas décadas de 1970 e 1980, quando Maslach et al. (2) desenvolveram e comer-

VÍDEO 44.1 Princípios de bem-estar

Bem-estar é um conceito complexo e pessoal, definido por processos de pensamento coletivo, valores e atitudes que levam ao aumento da tolerância, à diminuição do esgotamento e a uma sensação de bem-estar reforçada, inclusive satisfação com a vida profissional e pessoal.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Em um amplo estudo nacional, os médicos reportaram índices mais altos de esgotamento do que a média de formados no ensino médio, enquanto aqueles com formação não médica reportaram índices menores de esgotamento do que a média de formados no ensino médio.

cializaram o Inventário de Esgotamento de Maslach (MBI, do inglês Maslach Burnout Inventory). Eles definiram burnout (esgotamento) como uma “síndrome de exaustão emocional e ceticismo que ocorre com frequência entre indivíduos que realizam algum tipo de ’trabalho com pessoas’”. O MBI caracteriza o esgotamento com base em três características psicológicas principais: exaustão emocional, despersonalização e uma baixa sensação de realização pessoal. Desde então, o MBI tornou-se o padrão-ouro na quantificação de esgotamento. Em 1999, em resposta a um crescente corpo de literatura lidando com índices mais altos de suicídio, abuso de substância e depressão entre anestesiologistas, Jackson (3) contemplou o papel do estresse, examinando de perto aspectos como tipo de personalidade, implicações físicas do estresse, mudanças no ciclo de vida, diferenças de estresse entre gêneros, autoestima e redução do estresse no local de trabalho. Ele definiu estresse como uma “resposta adaptativa não específica do organismo a qualquer mudança, exigência, pressão, desafio, ameaça ou trauma” e relacionou isso com os fatores de estresse específicos encontrados dentro da prática anestésica. Jackson propôs que uma abordagem humanista à educação médica, em conjunto com o ensino de técnicas de gestão de estresse, poderia melhorar a vida profissional e pessoal geral dos anestesiologistas. Depois disso, uma parte da literatura dedicou-se a estudar a epidemiologia e o impacto do esgotamento na comunidade médica (Tab. 44.1). Shanafelt et al. (4) pesquisaram mais de 27 mil médicos norte-americanos. 46% relataram pelo menos 1 sintoma de esgotamento (exaustão emocional, despersonalização ou sensação baixa de realização pessoal). Médicos e osteopatas relataram maiores taxas de esgotamento do que a média de alunos que terminaram o estudo médio. Contudo, um grupo de comparação de profissionais não medicos apresentou índices de esgotamento mais baixos do que a média de alunos que terminaram o estudo médio. Os anestesiologistas ocuparam a sétima posição entre 23 especialidades médicas em termos de esgotamento entre médicos. Dos entrevistados, 38% tiveram triagem positiva para depressão e 6% relataram ideação suicida nos últimos 12 meses.

II. Circunstâncias especiais Alguns estressores são tão importantes, que necessitam de intervenção para que o médico possa continuar seu trabalho. Isso originou várias leis, como descrevemos nas seções a seguir.

A. Americans with Disabilities Act The Americans with Disabilities Act (ADA – Lei sobre Americanos com Incapacidade) é “uma lei que define de maneira clara e abrangente a proibição de discriminação com base em incapacidade” que foi assinada por George H. W. Bush em 1990. A ela se seguiu, em 2008, a ADA Amendments Act (ADAAA – Lei Alteradora da ADA), que ampliou as proteções oferecidas no projeto original. Para receber a proteção da ADA, uma pessoa deve demonstrar uma incapacidade que a qualifique para a proteção e solicitar providências adequadas. Um foco importante da ADAAA foi esclarecer o significado de incapacidade e ampliar sua definição para incluir qualquer deficiência que “restrinja significativamente” uma “atividade importante da vida”. A segurança dos pacientes deve ser o foco principal, porém, ocasionalmente, haverá médicos que apresentam restrições físicas ou mentais, inclusive deficiências visuais e auditivas. Muitas vezes, é possível fazer acomodações razoáveis para que o anestesiologista tenha um desempenho aceitável. Quando isso for possível, o paciente está protegido pela ADA. No entanto, há controvérsia quando há uma questão de se as acomodações propostas são adequadas ou quando a segurança do paciente parece estar comprometida. Outras

Capítulo 44 TABELA 44.1

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas

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Esgotamento do médico: causas, consequências e epidemiologia

Estudo

Método e foco

Constatações

Shanafelt TD, Bradley KA, Wipf JE, et al. Burnout and self-reported patient care in an internal medicine residency program. Ann Intern Med. 2002:136:358-367

Pesquisa com 115 residentes de medicina interna. Maslach Burnout Inventory (MBI)

• 76% de taxa de resposta • 76% de preenchimento de critérios para esgotamento (ou por exaustão emocional ou despersonalização) • Quem sofre de esgotamento tem maior probabilidade de adotar “práticas de atendimento ao paciente abaixo do ideal”

Nyssen AS, Hansez I, Baele P, et al. Occupa- Pesquisa com 318 anestesiolotional stress and burnout in anaesthesia. gistas na University Network Br. J. Anaesth. 2003;90:333-337 da Bélgica. Estado psicológico medida de estresse, condições de trabalho e questionário de controle

• Nível de estresse de 50,6 (o mesmo que a população geral) • Fontes de estresse: falta de controle sobre o tempo, risco e planejamento do trabalho • 40,4% com alta exaustão emocional (p. ex., esgotamento), pior na coorte mais jovem

Kluger MT, Townend K, Laidlaw T. Job satisfaction, stress and burnout in Australian specialist anaesthetists. Anaesthesia. 2003;58:339-345

Pesquisa com 700 anestesiologis- • 60% de taxa de resposta tas australianos MBI • Fatores estressores da anestesia: interferência com a vida doméstica, restrições de tempo • Estresse reduzido com a presença de assistentes e melhor organização • Sintomas de esgotamento reportados por 20% (exaustão emocional), 20% (despersonalização) e 36% (baixa sensação de realização)

Thomas NK. Resident burnout. JAMA. 2004;292:2880-2889

Revisão de 15 estudos de esgota- • 15 artigos identificados – composição mento de residentes heterogênea • Dados sugerindo níveis elevados de esgotamento em residentes com impacto no atendimento ao paciente • Dados insuficientes para atribuir relação causal ou identificar fatores de risco

Kuerer HM, Eberlein TJ, Pollock RE, et al. Pesquisa de 1.519 membros da Career satisfaction, practice patterns Society of Surgical Oncology. and burnout among surgical oncologists: Esgotamento consultado (MBI) Report on the quality of life of members of e qualidade de vida (QdV) the Society of Surgical Oncology. Ann Surg Oncol. 2007;14:3043-3053

Shanafelt TD, Balch CM, Bechamps GJ, et al. Burnout and career satisfaction among American surgeons. Ann Surg. 2009;250:463-471

• 36% de taxa de resposta, 72% acadêmicos, 26% de pelo menos um quarto da pesquisa • 79% buscariam novamente a mesma carreira • 28% com sintomas de esgotamento, mais comum em pessoas < 50 anos de idade e em mulheres • Fatores associados ao esgotamento: QdV física menor, < 25% do tempo em pesquisa

Pesquisa com 24.922 membros do • 32% de taxa de resposta American College of Surgeons • 40% com sintomas de esgotamento, 30% (ACS). Dados de MBI e QdV com sintomas de depressão • 36% sentiam que sua escala de trabalho possibilitava tempo de laser suficiente • Fatores independentes associados ao esgotamento: mais jovens, ter filhos, número de noites de plantão semanais e remuneração baseada em produtividade (continua)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 44.1

Esgotamento do médico: causas, consequências e epidemiologia (continuação)

Estudo

Método e foco

Constatações

West CP, Tan AD, Habermann TM, et al. Association of resident fatigue and distress with perceived medical errors. JAMA. 2009; 302:1294-1300

Estudo de coorte longitudinal • 67,5% de taxa de resposta a pesquisas prospectivo de 430 residentes individuais (média) de medicina interna. Pesquisa: • 39% de autorrelato de pelo menos 1 erro MBI, QdV, Triagem de depresmédico significativo são por PRIME-MD, erros médi- • Erros apresenta,associação positiva com aucos por autorrelato mento na pontuação da escala de sonolência, na pontuação de fadiga e no esgotamento • Erros médicos autorrelatados com associação a fadiga e marcadores de sofrimento

Shanafelt TD, Balch CM, Bechamps G, et al. Burnout and medical errors among American surgeons. Ann Surg. 2010;251:995-1000

Pesquisa com 7.905 membros da ACS. MBI, QdV e triagens de depressão

• 32% de taxa de resposta • 8,9% reportando um erro médico significativo nos últimos três meses, com 70% citando sistemas, erros não individuais • Erro recente associado com todos os três componentes do esgotamento, QdL mental inferior e depressão

Dyrbye LN, Massie FS, Eacker A, et al. Pesquisa com alunos de medicina • 61% de taxa de resposta Relationship between burnout and profesem sete faculdades de medicina • 52,8% de incidência de esgotamento sional conduct and attitudes among US nos EUA • Notificação de comportamento não promedical students. JAMA. 2010;304:1173- MBI, triagem de depressão por fissional mais comum entre alunos com 1180 PRIME-MD < pesquisa de QdV esgotamento • Esgotamento associado com menores taxas de visões altruístas (passar para cima) Balch CM, Shanafelt TD, Sloan JA, et al. 14 especialidades cirúrgicas • Cirurgiões acadêmicos menos propensos Distress and career satisfaction among 14 de dados da ACS – dados a experimentar esgotamento, depressão surgical specialties comparing academic demográficos, satisfação com ou ideação suicida e mais propensos a ter and private practice settings. Ann Surg. a profissão promocional e parâsatisfação com a carreira 2011; 254:558-568 metros de estresse • Associações acadêmcias de esgotamento: negativas (filhos mais velhos, cirurgia pediátrica, cirurgia cardiotorácica, do sexo masculino); positivas (cirurgia de trauma, noites de plantão, horas trabalhadas) • Associações de esgotamento em clínica particular: negativas (filhos mais velhos, cônjuge médico, idade avançada); positivas (cirurgia urológica, 31-50% do tempo não clínico, remuneração baseada em produtividade, noites de plantão, horas trabalhadas) Shanafelt TD, Boone S,Tan L, et al. Burnout and satisfaction with work-life balance among US physicians relative to the general US population. Arch Intern Med. 2012;172:1377-1385

Pesquisa com 27.276 médicos nos EUA da American Medical Association Physician Masterfile, comparada com amostra baseada em probabilidade da população geral dos Estados Unidos. MBI

PRIME-MD, Primary Care Evaluation of Mental Disorders.

• 26,7% de taxa de resposta • 45,8% dos médicos com pelo menos 1 sintoma de esgotamento • Esgotamento mais comum em coortes de médicos e osteopatas do que em formados do ensino médio • Esgotamento menos comum em pessoas com pós-graduação não médica do que em formados do ensino médio • Esgotamento mais comum em medicina de emergência e medicina interna geral (anestesia foi 7 de 23 especialidades listadas)

Capítulo 44

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas

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questões (e controvérsias) ocorrem em nível local com relação a credenciamento e privilégios e ao nível de indenização com subscrição de seguros de responsabilidade civil. Esses casos são raros e, em geral, são tratados caso a caso.

B. Family and Medical Leave Act A Family and Medical Leave Act (Lei sobre Família e Licença Médica) de 1993, sancionada pelo presidente Bill Clinton, foi uma tentativa federal de proteger o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal garantindo licença não remunerada aos empregados cobertos com proteção de trabalho, licença para questões familiares – como uma doença na família –, licença militar, doença pessoal ou recuperação, gravidez ou adoção. São necessárias determinadas condições (p. ex., quem é considerado empregado coberto, inclusive emprego por 12 meses anteriores à licença), porém a maioria dos médicos e estagiários empregados enquadra-se nessa categoria. Muitos empregadores também oferecem licença remunerada para vários períodos e circunstâncias. As controvérsias persistem em relação ao uso relativamente alto de licença-maternidade para mulheres, embora pareça ter havido um aumento no uso da licença-paternidade.

III. Considerações para o médico A. O médico incapacitado A literatura atual sobre o médico com incapacidade, com poucas exceções, tem por foco o comprometimento por distúrbios causados por abuso de substâncias. No entanto, deve-se observar que outros fatores além do abuso de substância podem prejudicar o desempenho profissional. Esses incluem outras formas de dependência (p. ex., jogos de azar, sexo, alimentos), condições psiquiátricas (p. ex., ansiedade, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo) e condições médicas ou tratamentos que causam fadiga ou estado mental alterado (p. ex., síndrome da apneia obstrutiva do sono, transtorno convulsivo, narcóticos prescritos). Durante anos, os anestesiologistas têm sido considerados de alto risco para o transtorno por abuso de substâncias (TAS). Contudo, até recentemente, não havia dados robustos para sustentar essa afirmativa ou suas consequências. Em 2013, Warner et al. (5) discorreram sobre a prevalência de TAS nos candidatos a residência em anestesia credenciada pelo Accreditation Council for Graduate Medical Education entre 1975 e 2009. Seu objetivo principal era definir a incidência de TAS durante o treinamento, mas eles também descreveram os tipos de substâncias de abuso, episódios de recaída e consequências, inclusive mortes atribuídas ao TAS. As substâncias de abuso mais comuns eram opioides; sendo o fentanil por via intravenosa o mais comum. Outras substâncias de abuso eram álcool, anestésicos ou hipnóticos, maconha e cocaína, e muitos abusavam de várias substâncias. Apesar do tratamento variado e programas de apoio oferecidos aos médicos com TAS, a incidência de recaída não parece ter diminuído desde 1975. Além disso, o risco de morte era alto: 11% dos estagiários identificados com TAS durante o treinamento morreram devido a causas relacionadas ao abuso durante o período do estudo. Do ponto de vista de saúde ocupacional, os índices de mortes relativas a TAS tornam a anestesia uma atividade relativamente mais perigosa do que ser um bombeiro e apenas um pouco menos perigosa do que ser um policial. Nos Estados Unidos, em resposta aos crescentes requisitos da Comissão Conjunta, a maioria dos Estados atualmente oferece programas de apoio especializados para médicos com problemas com TAS. Esses programas variam em termos de sua relação com os conselhos médicos estaduais. Os anestesiologistas podem encontrar facilmente um programa local mediante uma busca on-line por “programa de saúde para médicos” em seu Estado. Também recomenda-se consultar o site da Federation

Para anestesiologistas que desenvolveram um transtorno por abuso de substâncias (TAS) durante seu treinamento, o risco de morte após a recaída e causas relacionadas com TAS é reportado como 11% – um índice de risco ocupacional mais alto do que o de um bombeiro e apenas um pouco menor do que o de um policial.

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Fundamentos de anestesiologia clínica of State Physician Health Programs (http://www. fsphp.org) e selecionar o Estado apropriado ou acessar links de informações agregadas no site da American Society of Anesthesiologists Wellness (http:// www.asahq.org/resources/resources-from-asa-committees/work-life-balance-asa-wellness-resources).

B. O médico idoso Com o passar do tempo, os médicos ganham experiência, alcançam conhecimento, progridem em sua área, transferem habilidades para estagiários e moldam o ambiente da prática. No entanto, os médicos idosos estão cada vez mais distantes de sua educação e treinamento iniciais e podem, ocasionalmente, sentir um declínio cognitivo e mudanças na percepção sensorial, apesar de conseguir o respeito e a admiração de seus colegas. Como a competência dos médicos idosos pode ser avaliada e a que ponto a prática clínica deve ser limitada ou terminada? Não há uma idade fixa para a aposentadoria de médicos, e essa questão vem se apresentando com maior frequência à medida que muitos médicos optaram por adiar a aposentadoria após o período de recessão econômica mais recente. Em 2013, Haddad (6) publicou uma revisão da literatura relacionada ao médico idoso. Nesse estudo, foi observado que o setor aeronáutico exige exames neurocognitivos de rotina acima dos 40 anos e estabeleceu uma idade de aposentadoria para os pilotos de aeronaves comerciais. As exigências para educação médica continuada e manutenção da certificação em anestesia foram promulgadas, em parte, para lidar com uma força de trabalho idosa. Contudo, a participação não está claramente ligada à melhora do conhecimento ou atendimento ou cuidado do paciente. Diversos estudos também demonstraram um distanciamento entre autoavaliação e desempenho cognitivo em uma população de médicos idosos, enquanto outros demonstram um aumento de certos resultados adversos à medida que o médico envelhece. Muitas instituições têm obrigado o início de testes neurocognitivos em uma determinada idade limite (normalmente 70 anos), mas esses testes estão sob questionamento devido ao baixo valor preditivo positivo e alto potencial para estresse psicológico de resultados falso-positivos. A Joint Commission recomendou avaliações mais frequentes do desempenho profissional continuado para lidar com a competência com frequência maior. Com a implementação dessas avaliações, as instituições esperam se tornar mais válidas e sensíveis aos graus de declínio cognitivo real.

IV. Rede de apoio Em algum ponto da carreira do anestesiologista, haverá um evento muito estressante que vai exigir assistência adicional com o processamento ou tratamento da situação. É lamentável que nem todos, quando confrontados com essas situações, busquem ou aceitem tal assistência. Duas situações específicas surgem durante a carreira de muitos anestesiologistas: eventos clínicos adversos e litígios de negligência (ver Cap. 40).

A. Após um evento adverso Ocasionalmente, “histórias de guerra” sobre catástrofes perioperatórias são contadas entre anestesiologistas, mas, até pouco tempo, a prevalência e o impacto desses eventos não foram inteiramente descritos. Em 2012, um estudo de levantamento foi enviado a 1.200 membros da American Society of Anesthesiologists. Gazoni et al. (7) relataram neste levantamento e descobriu-se que, com uma taxa de resposta de 56%, 84% dos entrevistados tinham passado por algum tipo de catástrofe perioperatória. Desses, 19% reportaram nunca terem se recuperado totalmente do evento, quase todos (88%) precisaram de algum tempo para se recuperar emocionalmente e 67% sentiram que o atendimento prestado nas quatro horas seguintes esteve comprometido. Apesar disso, apenas

Capítulo 44

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas

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7% receberam uma licença para se recuperar. As reações emocionais mais comuns eram reviver o incidente, ansiedade, culpa, medo de processos, depressão e insônia. Os entrevistados sentiram que, se tivessem passado por um evento catastrófico posterior, certamente teriam achado úteis essas intervenções: “conversar com a equipe de anestesia”, “reunião com toda a equipe da sala de cirurgia”, “conversar com a família do paciente”, “conversar com seu cônjuge/família” e “conversar com um conselheiro profissional”. Muitos hospitais, universidades, consultores de negligência e outras organizações oferecem apoio após eventos adversos. Pode ser na forma de apoio de colegas, aconselhamento formal, reuniões e até mesmo licença obrigatória da prática clínica. Alguns defendem uma resposta organizada e gradual após a ocorrência de um evento adverso para melhor apoio dos profissionais como “segundas vítimas” (8). Recomenda-se conhecer os recursos de apoio disponíveis no ambiente de prática, para caso tal assistência seja necessária logo após um evento clínico adverso.

B. Durante ou após um processo por negligência Apesar do papel histórico dos anestesiologistas em melhorar a segurança do paciente, eles ainda podem ser parte de um processo por negligência. Um estudo recente de processos por negligência para uma operadora nacional demonstrou que os anestesiologistas correm um risco anual de processos por negligência e pagamento similar àqueles de outros especialistas médicos (9). Isso pode ser um dos eventos mais desgastantes na vida de um médico; o sofrimento se origina na incerteza dos resultados, a natureza prolongada de muitos processos judiciais e a sensação de isolamento que pode ocorrer quando ele é aconselhado a não discutir o caso com outras pessoas. O ego, a segurança financeira e a carreira do médico parecem estar em risco durante o processo judicial, e, ainda, eles precisam vivenciar repetidamente um evento clínico adverso potencialmente traumatizante, somando-se ao impacto psicológico da experiência. Muitos profissionais que lidam com negligência médica oferecem apoio e assistência durante a difícil fase de um processo por negligência.

V. Como promover o bem-estar Embora muitos defendam que o bem-estar pessoal é uma questão individual, a contribuição da profissão em promover o bem-estar de seus membros tem sido destacada pelos dados recentes dos índices de esgotamento, TAS e morte decorrente de TAS. Além disso, cada vez mais os princípios de bem-estar estão integrados no treinamento e na prática médica, o que provavelmente será uma extensão inevitável no conceito de bem-estar como uma “obrigação devida” aos pacientes. São vários os componentes do bem-estar, mas certas abordagens para diminuir o estresse ou aumentar a tolerância têm sido bem validadas e estudadas. A boa forma física, a nutrição, o descanso adequado, a responsabilidade fiscal e o equilíbrio trabalho-vida são componentes importantes do bem-estar. No entanto, nenhum deles é tão fortemente ligado ao bem-estar do médico quanto o Programa de redução de estresse baseado na atenção plena (MBSR, do inglês mindfulness based stress reduction). O programa de redução de estresse tem muitas definições, todas expressando o conceito de uma consciência intencional, aprimorada e neutra do seu ambiente e uma inclinação para viver no momento presente. Com base na filosofia budista, a incorporação da redução de estresse na prática médica contemporânea tem sido liderada pela obra de Jon Kabat-Zinn. Foram reportadas diminuições na dor crônica e ansiedade e melhora na cura de lesões; alguns estudos recentes demonstram mudanças na arquitetura do cérebro e expressão genética. A prática de MBSR está começando a ser estudada em profissionais de saúde, e os resultados mostram melhorias claras em níveis de estresse percebidos (Tabela 44.2).

A boa forma física, a nutrição, o descanso adequado, a responsabilidade fiscal e o equilíbrio trabalho-vida são componentes importantes do bemestar; a redução do estresse baseada na atenção plena – uma consciência intencional, aprimorada e neutra de seu ambiente e uma inclinação para viver no momento presente – está mais fortemente vinculada ao bem-estar do médico.

818

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 44.2

Efeito de práticasa de meditação na função cerebral e na arquitetura e expressão gênica

Estudo

Método e foco

Constatações

Davidson RJ, Kabat-Zinn J, SchuIntervenção de MBSR (25 no grupo Aumentou a ativação anterior esquerda (associada macher J, et al. Alterations in de estudo, 16 no controle). Mediu com o sentimento positivo) no grupo que realizou brain and immune function proa atividade elétrica cerebral e resmeditação. Aumento de anticorpos hemoaglutiduced by mindfulness meditation. posta imunológica à vacina contra nantes em vacinação no grupo meditador (grau de Psychosom Med. 2003;65:564influenza aumento corresponde ao grau da ativação anterior 570 esquerda) Dusek JA, Otu HH, Wohlhueter AL, et al. Genomic counter-stress changes induced by the relaxation response. PLoS ONE. 2008;3:e2576

Perfis de transcrição no sangue total 2.209 genes expressos diferencialmente em contro19 LTMs, 19 controles, 20 no grupo les vs. LTM de intervenção RR 1.561 genes expressos diferencialmente em grupo RR vs. controles 433 de genes compartilhados entre grupos de 2.209 e 1.561 (sugerindo expressão indutiva a curto prazo) Genes envolvidos na resposta celular à resposta a estresse, estresse oxidativo e dano celular

Sharma H, Datta P, Singh A, et al. 42 LTMs provocando RR via SudarGene expression profiling in pracshan Kriya exercício respiratório titioners of Sudarshan Kriya. J SK) e 42 controles Psychosom Res. 2008:64:213-218

Grupo SK: níveis mais elevados de glutationa, glutationa peroxidase e superóxido dismutase Grupo SK: maior expressão de enzimas antioxidantes Os autores sugerem que o grupo SK tem maior resistência ao estresse oxidante e uma vantagem protetora para câncer e doenças cardiovasculares

Luders E, Toga AW, Lepore N, et al. 22 LTMs e 22 controles LTMs: volumes significativamente maiores de subsThe underlying anatomical corRM de alta resolução e morfometria tância cinzenta, particularmente no córtex orbitorelates of long-term meditation: baseada em voxel frontal direito e hipocampo direito; considera-se Larger hippo-campal and frontal que ambos podem estar envolvidos na regulação volumes of gray matter. Neuroiemocional e controle de resposta mage. 2009;45:672-678 Os autores postulam que essa mudança pode ser responsável pela estabilidade emocional, atenção plena e positividade típica da coorte LTM Hölzel BK, Carmody J, Vangel M, et Densidade de matéria cinzenta pré- Grupo MBSR: aumento da densidade de substância al. Mindfulness practice leads to -pós (morfometria baseada em cinzenta no hipocampo esquerdo, córtex cingulado increases in regional brain gray voxel, RM) em 16 participantes de posterior, junção temporoparietal e cerebelo matter density. Psychiatry Res. classe MBSR, comparado com 17 Essas regiões estão envolvidas na regulação 2011;191: 36-43 controles emocional, processamento de autorreferencial, tomada de perspectiva, aprendizagem e memória Kilpatrick LA, Suyenobu BY, Smith SR, et al. Impact of mindfulness-based stress reduction training on intrinsic brain connectivity. Neuroimage. 2011;56:290-298

RM de conectividade funcional (fcMRI) em participantes de 17 MBSR, com 15 controles Todas mulheres saudáveis

Grupo MBSR: aumento da conectividade funcional em redes auditivas e visuais, entre o córtex auditivo e as áreas de processo de atenção e autorreferencial, bem como uma maior anticorrelação entre córtices visuais e auditivos e córtex visual e de atenção e áreas de processo autorreferencial Os autores sugerem que o MBSR melhora o processamento sensorial, o foco de atenção e a consciência reflexiva (continua)

Capítulo 44 TABELA 44.2

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas

819

Efeito de práticasa de meditação na função cerebral e na arquitetura e expressão gênica (continuação)

Estudo

Método e foco

Constatações

Ives-DeliperiVL, Solms M Meintjes EM. The neural substrates of mindfulness: AnfMRI investigation. Soc Neurosci. 2011;6:231242

RM funcional (fMRI) durante medi- • A meditação reduziu o sinal das estruturas cortação de 10 pacientes LTM (após ticais de linha média (implicadas em interocepção) curso de MBSR e pelo menos qua- • A meditação aumentou o sinal no córtex cingulatro anos de meditação diária) do posterior direito • Mudança de sinal consistente entre os participantes • Autores postulam um mecanismo de desidentificação para o estado de meditação de atenção plena

Bhasin MK, Dusek JA, Chang B-H, e Alterações genômicas dependentes • Expressão de genes melhorados de RR implital. Relaxation response induces de tempo de resposta rápida antes cados no metabolismo, na função mitocondrial, temporal transcriptome changes e após meditação em 26 LTMs e manutenção de telômero e secreção de insulina in energy metabolism, insulin 26 controles (antes e após um trei- (especialmente mitocondrial de ATP sintase mitosecretion and inflammatory pathnamento de RR de oito semanas condrial), mas expressão de genes diminuída enways. PLoS ONE. 2013;8:e62817 treinando em controles noviços) volvida em respostas inflamatórias e de estresse (especialmente NF-KB) • A resposta foi mais pronunciada em LTMs • Os autores estipulam resiliência mitocondrial reforçada induzida pela RR Luders E, Kurth F, Toga AW, et al. Meditation effects within the hippocampal complex revealed by voxel-based morphometry and cytoarchitectonic probabilistic mapping. Front Psychol. 2013;4:398

Exame de ressonância magnética • Mudanças significativas observadas no subículo concentrado e detalhado do hipodo hipocampo em LTMs campo em 50 LTMs e 50 controles • Essa região é responsável, em parte, pela regulausando morfometria baseada em ção do estresse voxel • Os autores sugerem que a meditação pode levar à preservação neuronal, à resposta ao estresse atenuada e à neurotoxicidade reduzida

Black DS, Cole SW, Irwin MR, et al. Expressão de genes de células • No grupo de meditação, aumento da expressão Yogic meditation reverses NF-kB imunológicas durante a meditação de 19 genes (incluindo genes relacionados com and IRF-related transcriptome ioga em cuidadores (presume a imunoglobulina) e diminuição de citocinas pródynamics in leukocytes of family evento de vida estressante) de -inflamatórias dementia caregivers in a randopacientes com demência (23 • Bioinformática baseada em promotor sugere uma mized controlled trial. Psychoneuno grupo de meditação, 16 em redução no caminho NK-kBe aumento da atividade roendocrinology. 2013;38:348-355 controles) de IRF1 • Os resultados sugerem que a meditação pode atenuar a resposta típica de estresse imunológico Kaliman P, Alvarez-Lopez MJ, Cosin-Tomas M, et al. Rapid changes in histone deacetylases and inflammatory gene expression in expert meditators. Psychoneuroendocrinology 2014;40:96-107

Expressão de genes em células mononucleares de sangue periférico em 19 LTMs em comparação com 21 controles Intervenção foi um Trier Social Stress Test (TSST)

• Os grupos tinham níveis semelhantes de genes reguladores e inflamatórios basais • O TSST levou a uma redução da expressão de genes da histona desacetilase e genes pró-inflamatórios no grupo LTM em comparação com o grupo controle • Dois desses genes (HDAC2 e RIPK2) correlacionaram-se com um retorno mais rápido para cortisol basal

LTM, mediador de longo prazo; MBSR, redução de estresse baseada em atenção plena; RR, resposta de relaxamento; RM, ressonância magnética; ATP, trifosfato de adenosina; NF-KB, fator nuclear kappa-B. a As práticas de meditação incluem práticas mentais concentradas e intencionais, como a meditação, meditação com atenção plena, meditação de ioga e resposta de relaxamento, entre outras.

820

Fundamentos de anestesiologia clínica Muitas faculdades de medicina também estão começando a integrar MBSR em seus currículos como um conceito de redução de estresse. Esses currículos variam, porém eles geralmente buscam prevenir a diminuição da compaixão (caracterizada pela diminuição da compaixão com o passar do tempo) e o esgotamento pessoal, aumentar o envolvimento e a autoconscientização do médico e reduzir o estresse. Muitos consideram o engajamento como o oposto psicológico do esgotamento. Uma revisão recente dos currículos que contêm programas de redução do estresse apresenta um resumo destes e cria perguntas essenciais sobre quando e como a redução de estresse seria introduzida durante o treinamento médico (10).

VI. Conclusões Para oferecer um atendimento contínuo, a pessoa deve ter um grau adequado de bem-estar. Considerando os dados que se acumulam sobre esgotamento, depressão, suicídio, TAS e morte relacionada com TAS de anestesiologistas, deve haver uma preocupação considerável da existência de problemas comuns e, ao mesmo tempo, exclusivos dentro da especialidade de anestesia. Felizmente, estão surgindo pesquisas e ampla literatura sobre reconhecimento e intervenções cujo foco é reduzir o esgotamento e melhorar o bem-estar do médico.

Referências 1. Frank JR, ed. The CanMEDS 2005 Physician Competency Framework. Better Standards. Better Physicians. Better Care. Ottawa: Royal College of Physicians and Surgeons of Canada; 2005. 2. Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. The Maslach Burnout Inventory. 3rd ed. Palo Alto, CA: Consulting Psychologists Press; 1996. 3. Jackson SH. The role of stress in anaesthetists’ health and well-being. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43:583–602. 4. Shanafelt TD, Boone S, Tan L, et al. Burnout and satisfaction with work-life balance among US physicians relative to the general US population. Arch Intern Med. 2012; 172:1377–1385. 5. Warner DO, Berge K, Sun H, et al. Substance use disorder among anesthesiology residents, 1975–2009. JAMA. 2013;310:2289–2296. 6. Haddad T. Cognitive assessment in the practice of medicine–dealing with the aging physician. Phys Exec. 2013;39:14–20. 7. Gazoni FM, Amato PE, Malik ZM, et al. The impact of perioperative catastrophes on anesthesiologists. Anesth Analg. 2012;114:596–603. 8. Cooper JB, Cullen DJ, Eichhorn JH, et al. Administrative guidelines for response to an adverse anesthesia event. The Risk Management Committee of the Harvard Medical School’s Department of Anaesthesia. J Clin Anesth. 1993;5:79–84. 9. Jena AB, Seabury S, Lakdawalla D, et al. Malpractice risk according to physician specialty. N Engl J Med. 2011;365:629–636. 10. Dobkin PL, Hutchinson TA. Teaching mindfulness in medical school: Where are we now and where are we going? Med Educ. 2013;47:768–779.

Capítulo 44

Princípios de bem-estar e suporte para os anestesiologistas

821

TESTE SEUS CONHECIMENTOS 1. O Inventário de Esgotamento de Maslach é uma ferramenta que quantifica o esgotamento do médico mediante a avaliação de todas as características a seguir, EXCETO: A. Sensação baixa de realização pessoal B. Presença de abuso de substâncias C. Exaustão emocional D. Despersonalização 2. Qual lei federal a seguir é concebida para lidar com os estressores da vida associados com a adoção de um adolescente? A. Americans with Disabilities Act (ADA – Lei sobre Americanos com Incapacidade) B. Americans with Disabilities Amendments Act (ADAAA – Lei sobre Americanos com Incapacidade) C. Family and Medical Leave Act (FMLA – Lei sobre Família e Licença Médica) D. Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA – Lei sobre a Portabilidade e Responsabilidade de Seguros-Saúde) 3. De acordo com um estudo recente, o oferecimento de tratamentos e programa de apoio para os estagiários de anestesia com transtornos por abuso de substâncias entre 1975 e 2009 resultou em uma redução de quase 50% na taxa de recaída para tal uso da substância. VERDADEIRO OU FALSO? A. Verdadeiro B. Falso

4. Qual dos seguintes programas tem um alto valor preditivo positivo para a detecção de deficiências clínicas associadas com o envelhecimento? A. Desempenho de Educação Médica Continuada (CME) B. Teste neurocognitivo C. Programas de Manutenção da Certificação em Anestesia (MOCA) D. Nenhuma das opções acima 5. Todas as seguintes afirmações sobre as técnicas de redução do estresse baseada em atenção plena (MBSR) são verdadeiras, EXCETO: A. Os currículos de faculdades de medicina estão incorporando cada vez mais as técnicas de MBSR B. A consciência imparcial de seu ambiente é um conceito essencial de MBSR C. A nutrição, a boa forma e o repouso adequado são componentes essenciais de MBSR D. A MBSR tem suas raízes na filosofia budista de viver o momento

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SEÇÃO IV Apêndices A. FÓRMULAS Fórmulas hemodinâmicas Fórmulas respiratórias Volumes e capacidades pulmonares B. ATLAS DE ELETROCARDIOGRAFIA C. PROTOCOLOS PARA MARCAPASSOS E CARDIOVERSORES DESFIBRILADORES IMPLANTÁVEIS Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – Marca-passos Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – Cardioversores Desfibriladores implantáveis (CDIs) Problemas intraoperatórios potenciais com os dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis Princípios gerais do manejo perioperatório de pacientes com DCEI Estratégias de atenuação de risco Recomendações para acompanhamento pós-operatório de pacientes com DCEI Otimização de marca-passo após circulação extracorpórea (CEC) D. PROTOCOLOS DE RESSUSCITAÇÃO DA AMERICAN HEART ASSOCIATION (AHA) Adultos Suporte cardíaco avançado à vida (ACLS) – Algoritmo de parada cardíaca ACLS – Algoritmo de bradicardia ACLS – Algoritmo de taquicardia Parada cardíaca materna – Algoritmo

824

Fundamentos de anestesiologia clínica Pediátrico Suporte básico à vida em pediatria (BLS) – Algoritmo Suporte avançado à vida em pediatria (PALS) – Medicações para parada cardíaca e arritmias sintomáticas PALS – Algoritmo para parada cardíaca sem pulso PALS – Algoritmo para bradicardia PALS – Algoritmo para taquicardia PALS – Algoritmo para ressuscitação de recém-nascidos

E. PADRÕES, DIRETRIZES E ORIENTAÇÕES DA AMERICAN SOCIETY OF ANESTHESIOLOGISTS Padrões para monitoração anestésica básica Sequência de profundidade da sedação: definição de anestesia geral e níveis de sedação/analgesia Padrões básicos de cuidados pré-anestésicos Padrões de cuidados pós-anestésicos Prática consultiva para prevenção e manejo de incêndios na sala de cirurgia Algoritmo de Segurança de Incêndio da APSF Posição sobre cuidados anestésicos monitorados Distinção entre cuidados anestésicos monitorados (CAM) e sedação/analgesia moderada (sedação consciente) Diretrizes éticas para cuidados anestésicos em pacientes com ordens de não ressuscitar ou outras diretivas que limitam o tratamento Diretrizes práticas para jejum pré-operatório e uso de agentes farmacológicos para reduzir o risco de aspiração pulmonar: aplicação a pacientes saudáveis submetidos a procedimentos eletivos F. ALGORITMO DE ABORDAGEM ÀS VIAS AÉREAS E ALGORITMO PARA VIAS AÉREAS DIFÍCEIS G. PROTOCOLO PARA HIPERTERMIA MALIGNA H. MEDICAMENTOS FITOTERÁPICOS

A

Fórmulas Fórmulas hemodinâmicas Fórmulas respiratórias Volumes e capacidades pulmonares

FÓRMULAS HEMODINÂMICAS Variáveis hemodinâmicas: Cálculos e valores normais Variáveis

Cálculo

Valores normais

Índice cardíaco (IC)

DC/ASC

2,5-4 L/min/m2

Volume sistólico (VS)

DC × 1.000/FC

60-90 mL/bat

Índice sistólico (IS)

VS/ASC

40-60 mL/bat/m

Pressão arterial média (PAM)

Pressão diastólica + 1/3 pressão de pulso

80-120 mmHg

2

Resistência vascular sistêmica (RVS)

1.200-1.500 dina.seg/cm–5

Resistência vascular pulmonar (RVP)

100-300 dina.seg/cm–5

Índice de trabalho sistólico do ventrículo 0,0136 (PAP-PVC) × IS direito (ITSVD)

5-9 g-min/bat/m2

Índice de trabalho sistólico do ventrículo 0,0136 (PAP-PCP) × IS esquerdo (ITSVE)

45-60 g-min/bat/m2

FC, frequência cardíaca; PVC, pressão venosa central média; ASC, área de superfície corporal; DC, débito cardíaco; PAP, pressão média da artéria pulmonar; PCP, pressão capilar pulmonar (ou pressão de oclusão da artéria pulmonar); PAM, pressão arterial média.

826

Fundamentos de anestesiologia clínica FÓRMULAS RESPIRATÓRIAS Valores normais Tensão do oxigênio alveolar PAO2 = (PB − 47) FiO2 – PACO2

110 mmHg (FiO2 = 0,21)

Gradiente alveoloarterial de oxigênio AaO2 = PAO2 – PaO2

< 10 mmHg (FiO2 = 0,21)

Coeficiente arterial-alveolar de oxigênio, coeficiente a/A

> 0,75

Conteúdo de oxigênio arterial CaO2 = (SaO2)(Hb × 1,34) + PaO2 (0,0031)

21 mL/100 mL

Conteúdo de oxigênio venoso misto C O2 = (S O2)(Hb × 1,34) + P O2 (0,0031)

15 mL/100 mL

Diferença de conteúdo arteriovenoso de oxigênio avO2 = CaO2 – C O2

4-6 mL/100 mL

Shunt intrapulmonar s/ t = (CcO2 – CaO2)/(CcO2 – C O2) CcO2 = (Hb × 1,34) + (PaO2 × 0,0031)

< 5%

Espaço morto fisiológico d/ c = (PaCO2 – PECO2)/PaCO2

0,33

Consumo de oxigênio O2 = DC(CaO2 – CvO2)

240 mL/min

Transporte de oxigênio TO2 = DC (CaO2)

1.000 mL/min

CaO2, conteúdo de oxigênio arterial; C O2, conteúdo de oxigênio venoso misto; CcO2, conteúdo de oxigênio capilar pulmonar; DC, débito cardíaco; FiO2, fração inspirada de oxigênio; TO2, transporte de oxigênio; PB, pressão barométrica; s/ T, shunt intrapulmonar; PACO2, pressão parcial alveolar de dióxido de carbono; PaCO2, pressão parcial arterial de dióxido de carbono; PAO2, pressão parcial alveolar de oxigênio; PaO2, pressão parcial arterial de oxigênio; PECO2, pressão de dióxido de carbono expirado; SaO2, saturação arterial de oxigênio; Vd, volume de gás do espaço morto; VC, volume corrente; O2, consumo de oxigênio (minuto).

Apêndice A

Fórmulas

Volumes e capacidades pulmonares Volume pulmonar (% CPT)

VRI

VRI

45–50%

VC

10–15%

VRE

VRE

15–20%

VR

VR

20–25%

CI CV VC

CPT

CRF

Valores normais (70 kg) Capacidade vital

CV

4.800 mL

Capacidade inspiratória

CI

3.800 mL

Capacidade residual funcional

CRF

2.400 mL

Volume de reserva inspiratório

VRI

3.500 mL

Volume corrente

VC

1.500 mL

Volume de reserva expiratório

VRE

1.200 mL

Volume residual

VR

1.200 mL

Capacidade pulmonar total

CPT

6.000 mL

827

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Atlas de eletrocardiografia Gina C. Badescu Benjamin M. Sherman James R. Zaidan Paul G. Barash POSICIONAMENTO DOS ELETRODOS Eletrodos Positivo

Negativo

I

BE

BD

II

PE

BD

III

PE

BE

aVR

BD

BE, PE

aVL

BE

BD, PE

aVF

PE

BD, BE

Derivações bipolares

Unipolares aumentadas

Precordiais V1

4° EIC – BED

V2

4° EIC – BEE

V3

Ponto médio entre V2 e V4

V4

5° EIC – LMC

V5

5° EIC – LAA

V6

5° EIC – LAM

*As seções e imagens deste apêndice foram desenvolvidas, à parte, para Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia, 7th ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health/Lippincott Williams & Wilkins; 2013, e Kaplan JA, Reich DL, Savino JS, eds. Kaplan’s Cardiac Anesthesia: The Echo Era. Philadelphia: Elsevier; 2011 com permissão dos editores.

B

830

Fundamentos de anestesiologia clínica

Abreviatura

Significado

BE

Braço esquerdo

BD

Braço direito

PE

Perna esquerda

EIC

Espaço intercostal

BED

Borda esternal direita

BEE

Borda esternal esquerda

LMC

Linha mesoclavicular

LAA

Linha axilar anterior

LAM

Linha axilar média

BE

BD

PE

Ângulo de Louis

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

O ELETROCARDIOGRAMA NORMAL  CICLO CARDÍACO O eletrocardiograma normal é composto por ondas (P, QRS, T e U) e intervalos (PR, QRS, ST e QT).

QRS

T P

U

ST

R Intervalos do ECG

Segmento ST

T

Voltagem

P

Intervalo PR 0,12 – 0,20 s

QRS ≤ 0,10 s Intervalo QT < 0,38

Tempo

FIBRILAÇÃO ATRIAL Frequência: Variável (~150-200 batimentos/min) Ritmo: Irregular Intervalo PR: Ausência de onda P; Intervalo PR não discernível Intervalo QT: QRS normal Nota: Deve ser diferenciada do flutter atrial: (1) ausência de ondas de flutter e presença de linha fibrilatória; (2) flutter geralmente associado com frequências ventriculares mais altas (> 150 batimentos/min). Perda da contração atrial reduz o débito cardíaco (10-20%). Podem ocorrer trombos atriais murais. Considerada controlada se a frequência ventricular for < 100 batimentos/min.

831

832

Fundamentos de anestesiologia clínica FLUTTER ATRIAL Frequência: Rápida, atrial, geralmente regular (250-350 batimentos/min); ventricular geralmente regular (< 100 batimentos/min) Ritmo: Atrial e ventricular regulares Intervalo PR: Ondas de flutter (F) são em dentes de serra. O intervalo PR não pode ser medido. Intervalo QT: O QRS geralmente é normal; segmento ST e ondas T não são identificáveis. Nota: Manobras vagais irão reduzir a resposta ventricular, simplificando o reconhecimento das ondas F. II

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR PRIMEIRO GRAU Frequência: 60-100 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Prolongado (> 0,20 s) e constante Intervalo QT: normal Nota: Em geral, clinicamente insignificante; pode ser um sinal precoce de toxicidade medicamentosa.

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR SEGUNDO GRAU MOBITZ TIPO I / BLOQUEIO DE WENCKEBACH Frequência: 60-100 batimentos/min Ritmo: Atrial, regular; ventricular, irregular Intervalo PR: Onda P normal; intervalo PR se alonga progressivamente com cada ciclo até que um QRS completo é omitido (batimento falho). O intervalo PR após o batimento omitido é mais curto do que o normal. Intervalo QT: O complexo QRS é normal, mas omitido periodicamente. Nota: Visto comumente em atletas treinados e com toxicidade por droga.

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR SEGUNDO GRAU MOBITZ TIPO II Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Atrial, regular; ventricular, regular ou irregular Intervalo PR: Onda P normal, mas algumas não são seguidas por complexo QRS. Intervalo QT: Normal, mas pode ter um complexo QRS alargado se o bloqueio for ao nível dos feixes dos ramos. O segmento ST e a onda T podem ser anormais, dependendo da localização do bloqueio. Nota: Em contraste com o bloqueio Mobitz I, os intervalos PR e FR são constantes e os QRS omitidos ocorrem sem aviso. Quanto mais largos os complexos QRS (bloqueio mais baixo no sistema de condução), maior a quantidade de dano miocárdico.

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR TERCEIRO GRAU BLOQUEIO CARDÍACO COMPLETO Frequência: < 45 batimentos/min Ritmo: Atrial, regular; ventricular, regular; sem relação entre a onda P e o complexo QRS. Intervalo PR: Variável porque os átrios e os ventrículos batem independentemente. Intervalo QT: A morfologia do QRS é variável, dependendo da origem do batimento ventricular no sistema de marca-passo intrínseco (marca-passo atrioventricular juncional vs. ventricular). O segmento ST e a onda T são normais. Nota: O bloqueio AV representa a falência completa da condução dos átrios para o ventrículo (nenhuma onda P é conduzida para o ventrículo). A frequência atrial é mais rápida do que a frequência ventricular. As ondas P não têm relação com os complexos QRS (p. ex., elas são eletricamente desconectadas). Em contraste com a dissociação AV, a onda P é conduzida pelo nó AV e as frequências atrial e ventricular são similares. O tratamento imediato com atropina e isoproterenol é necessário se o débito cardíaco for reduzido. Deve ser dada consideração à inserção de um marca-passo. Visto como uma complicação da substituição da valva atrioventricular esquerda (valva mitral).

833

834

Fundamentos de anestesiologia clínica BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO BRE Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Normal Intervalo QT: BRE completo (QRS > 0,12 s); BRE incompleto (QRS = 0,10-0,12 s); complexo RS negativo em V1; onda R larga sem o componente Q ou S em I, aVL, V6. O segmento ST e a direção da onda T em direção oposta à direção da onda R. Nota: O BRE não ocorre em pacientes saudáveis e geralmente indica doença cardíaca grave com mau prognóstico. Em pacientes com BRE, a inserção de um cateter de artéria pulmonar pode levar a bloqueio cardíaco completo. Bloqueio de ramo esquerdo I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

BLOQUEIO DE RAMO DIREITO BRD Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Normal Intervalo QT: BRD completo (QRS > 0,12 s); BRD incompleto (QRS = 0,10-0,12 s). Padrões variáveis do complexo QRS; rSR (V1); RS, R amplo com padrão em M. O segmento ST e a onda T têm direção oposta à onda R. Nota: Na presença de BRD, as ondas Q podem ser vistas com infarto do miocárdio. Bloqueio de ramo direito

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

Doença arterial coronariana INFARTO TRANSMURAL DO MIOCÁRDIO ITM Ondas Q vistas no ECG, úteis na confirmação do diagnóstico, estão associadas com um pior prognóstico e um comprometimento hemodinâmico mais significativo. As arritmias frequentemente complicam o curso. Pequenas ondas Q podem ser uma variante normal. Para o infarto do miocárdio (IM), ondas Q > 0,04 segundos ou profundas excedem um terço da onda R. Para IM da parede inferior, diferenciam-se de hipertrofia do ventrículo direito (HVD) por desvio de eixo. INFARTO DO MIOCÁRDIO Local anatômico

Derivações

Alterações do ECG

Artéria coronária

Inferior

II, III, AVF

Q, ↑ST, ↑T

Direita

Aorta Artéria coronária esquerda Artéria coronária direita dominante

Artéria septal Artéria circunflexa Artéria marginal obtusa

Ramo marginal ventricular direito

Artéria diagonal

Artéria descendente posterior Ramo posterolateral da artéria circunflexa

Artéria descendente anterior esquerda

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

835

836

Fundamentos de anestesiologia clínica INFARTO DO MIOCÁRDIO Local anatômico

Derivações

Alterações do ECG

Artéria coronária

Posterior

V1-V2

↑R, ↓ST, ↓T

Circunflexa esquerda

Aorta Artéria coronária esquerda Artéria circunflexa Artéria marginal obtusa

Artéria descendente posterior

Artéria descendente anterior esquerda

Artéria coronária direita

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

INFARTO DO MIOCÁRDIO Local anatômico

Derivações

Alterações do ECG

Artéria coronária

Lateral

I, aVL, V5-V6

Q, ↑ST, ↑T

Circunflexa esquerda

Aorta Artéria coronária esquerda Artéria circunflexa

Artéria coronária direita

Marginal obtusa

Artéria diagonal

Ramo marginal ventricular direito

Artéria descendente anterior esquerda

Artéria descendente posterior

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

837

838

Fundamentos de anestesiologia clínica INFARTO DO MIOCÁRDIO Local anatômico

Derivações

Alterações do ECG Artéria coronária

Anterior

I, aVL, V1-V4

Q, ↑ST, ↑T

Artéria descendente anterior

Aorta

Artéria septal

Artéria circunflexa

Artéria marginal obtusa

Artéria diagonal

Artéria descendente anterior esquerda

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

INFARTO DO MIOCÁRDIO Local anatômico

Derivações

Alterações do ECG

Artéria coronária

Anterosseptal

V1-V4

Q, ↑ST, ↑T

Artéria descendente anterior esquerda

Aorta Artéria coronária esquerda

Artéria coronária direita

Artéria circunflexa

Artéria descendente anterior esquerda

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

839

840

Fundamentos de anestesiologia clínica INFARTO SUBENDOCÁRDICO DO MIOCÁRDIO ISEM Depressão persistente do segmento ST e/ou inversão de onda T na ausência de onda Q. Geralmente requer dados laboratoriais adicionais (p. ex., isoenzimas) para confirmar o diagnóstico. O local anatômico da lesão coronariana é similar eletrocardiograficamente ao do ITM. I

aVR

V1

V4 ST ↓

aVL

II

V2

V5 ST ↓

aVF

III

V3

V6 ST ↓

ISQUEMIA MIOCÁRDICA Frequência: Variável Ritmo: Geralmente regular, mas pode mostrar arritmias atriais e/ou ventriculares. Intervalo PR: Normal. Intervalo QT: Segmento ST deprimido; depressão do ponto J; inversão da onda T; distúrbios de condução. (A) Intervalos TP e PR são a linha de base para os desvios do segmento ST. (B) Elevação do segmento ST. (C) Depressão do segmento ST. Nota: A isquemia intraoperatória é vista geralmente na presença de sinais vitais “normais” (p. ex., ± 20% dos valores pré-indução). Repouso

Exercício V5

V5

ST

R P

T

P

QS Segmetno TP Segmento PR

A

B

C

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

EFEITO DIGITÁLICO Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Normal ou prolongado Intervalo QT: Segmento ST ascendente (“efeito digitálico”) Nota: A toxicidade digitálica pode ser a causa de muitas arritmias comuns (p. ex., contrações ventriculares prematuras, bloqueio cardíaco de segundo grau). Verapamil, quinidina e amiodarona causam um aumento na concentração sérica de digital. V5

V6

DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS ↓Ca2+

↑Ca2+

↓K+

↑K+

Frequência

< 100 bpm

< 100 bpm

< 100 bpm

< 100 bpm

Ritmo

Regular

Regular

Regular

Regular

Intervalo PR

Normal

Normal/ aumentado

Normal

Normal

Intervalo QT

Aumentado

Diminuído

Normal

Aumentado

Onda T achatada Presença de onda U

Onda T apiculada

Outros

Nota: As alterações do ECG em geral não se correlacionam com o cálcio sérico. A hipocalcemia raramente causa arritmias na ausência de hipocalemia. Em contraste, anormalidades na concentração do potássio sérico podem ser diagnosticadas pelo ECG. Do mesmo modo, na faixa clínica, as concentrações do magnésio raramente estão associadas com padrões característicos no ECG. A presença de onda U (> 1,5 mm de altura) pode também ser vista na doença da artéria coronária esquerda principal, com certas medicações e na síndrome do QT longo.

841

842

Fundamentos de anestesiologia clínica CÁLCIO Hipocalcemia

Normal

Hipercalcemia

I

I

I

II

II

II

III

III

III

POTÁSSIO Hipocalemia (K+ = 1,9 mEq/L)

Hipercalemia (K+ = 7,9 mEq/L)

HIPOTERMIA Frequência: < 60 batimentos/min Ritmo: Sinusal Intervalo PR: Prolongado Intervalo QT: Prolongado Nota: Vista em temperaturas abaixo de 33 °C com elevação do segmento ST (ponto J ou onda de Osborn). Tremor devido a calafrios ou doença de Parkinson pode interferir com a interpretação do ECG e pode ser confundido com flutter atrial. Pode representar uma variante normal de repolarização ventricular precoce. (A seta indica o ponto J ou ondas de Osborn.) I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

TAQUICARDIA ATRIAL MULTIFOCAL Frequência: 100-200 batimentos/min Ritmo: Irregular Intervalo PR: Ondas P consecutivas com forma variável Intervalo QT: Normal Nota: Vista em pacientes com doença pulmonar grave. Manobras vagais não têm efeito. Em frequências cardíacas < 100 batimentos/min, pode aparecer como marca-passo atrial migratório. Pode ser confundida com fibrilação atrial. O tratamento deve ser dirigido ao processo de doença causador da arritmia.

TAQUICARDIA ATRIAL PAROXÍSTICA TAP Frequência: 150-250 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Difícil de distinguir devido à taquicardia que obscurece a onda P. A onda P pode preceder, ser incluída no ou seguir o complexo QRS. Intervalo QT: Normal, mas o segmento ST e a onda T podem ser difíceis de distinguir. Nota: A terapia depende do grau de comprometimento hemodinâmico. Massagem do seio carotídeo ou outras manobras vagais podem reverter a arritmia ou reduzir a frequência cardíaca. Ao contrário do manejo da TAP em pacientes acordados, a cardioversão sincronizada, em vez do tratamento farmacológico, é preferida em pacientes anestesiados hemodinamicamente instáveis. Taquicardia atrial

Ritmo sinusal P'

II

P

843

844

Fundamentos de anestesiologia clínica PERICARDITE Frequência: Variável Ritmo: Variável Intervalo PR: Normal Intervalo QT: Alterações difusas de ST e onda T sem onda Q e visto em mais derivações do que o infarto do miocárdio. I

II

III

aVR

aVL

aVF

V1

V2

V3

V4

V5

V6

TAMPONAMENTO CARDÍACO Frequência: Variável Ritmo: Variável Intervalo PR: Ondas P de baixa voltagem Intervalo QT: Visto como alternância elétrica com complexos de baixa voltagem e amplitude variável de ondas P, QRS e T a cada batimento cardíaco. I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

II

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

PNEUMOTÓRAX Frequência: Variável Ritmo: Variável Intervalo PR: Normal Intervalo QT: Normal Nota: Anormalidades comuns do ECG incluem desvio do eixo para a direita, diminuição da amplitude do QRS e ondas T invertidas de V1 a V6. Diferenciar de embolia pulmonar. Pode se apresentar como alternância elétrica; assim, o derrame pericárdico deve ser excluído. I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

II

CONTRAÇÃO ATRIAL PREMATURA CAP Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Irregular Intervalo PR: Ondas P podem ser perdidas nas ondas T precedentes. O intervalo PR é variável. Intervalo QT: Configuração normal de QRS; segmento ST e onda T normais. Nota: Aspecto de CAP não conduzida similar ao da parada sinusal; ondas T com CAP podem ser distorcidas pela inclusão da onda P na onda T.

845

846

Fundamentos de anestesiologia clínica CONTRAÇÃO VENTRICULAR PREMATURA CVP Frequência: Geralmente < 100 batimentos/min Ritmo: Irregular Intervalo PR: Ondas P e intervalos PR ausentes; pode ser vista condução retrógrada da onda P. Intervalo QT: QRS alargado (> 0,12 s); segmento ST não pode ser avaliado (p. ex., isquemia); onda T em direção oposta ao QRS com pausa compensatória. O quarto e oitavo batimentos são CVPs.

EMBOLIA PULMONAR Frequência: > 100 batimentos/min Ritmo: Sinusal Intervalo PR: Onda P pulmonar Intervalo QT: Ondas Q nas derivações III e aVF Nota: Sinais clássicos S1Q3T3 no ECG com inversão de onda T também observados em V1-V4 e sofrimento de VD (depressão de ST em V1-V4). Pode se apresentar com fibrilação ou flutter atrial.

V1

I

II

III

aVR

aVL

aVF

V2

V4

V5

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

BRADICARDIA SINUSAL Frequência: < 60 batimentos/min Ritmo: Sinusal Intervalo PR: Normal Intervalo QT: Normal Nota: Vista em atletas treinados como uma variante normal.

ARRITMIA SINUSAL Frequência: 60-100 batimentos/min Ritmo: Sinusal Intervalo PR: Normal Intervalo QT: Intervalo R-R variável Nota: A frequência cardíaca aumenta com a inspiração e diminui com a expiração +10-20% (respiratório). Arritmia sinusal não respiratória vista em idosos com doença cardíaca. Vista também na pressão intracraniana aumentada.

INSPIRAÇÃO

EXPIRAÇÃO

II

PARADA SINUSAL Frequência: < 60 batimentos/min Ritmo: Varia Intervalo PR: Variável Intervalo QT: Variável Nota: O ritmo depende do disparo do marca-passo cardíaco na ausência de estímulo sinoatrial (marca-passo atrial 60-75 bpm; juncional, 40-60 bpm; ventricular, 30-45 bpm). O ritmo juncional é mais comum. Ondas P ocasionais podem ser vistas (onda P retrógrada).

847

848

Fundamentos de anestesiologia clínica TAQUICARDIA SINUSAL Frequência: 100-160 batimentos/min Ritmo: Regular Intervalo PR: Normal; pode ser difícil ver a onda P. Intervalo QT: Normal Nota: Deve ser diferenciada da taquicardia atrial paroxística (TAP). Com a TAP, a massagem carotídea reverte a arritmia. A taquicardia sinusal pode responder à manobra vagal, mas reaparece logo que o estímulo vagal é removido.

II

HEMORRAGIA SUBARACNÓIDEA Frequência: < 60 batimentos/min Ritmo: Sinusal Intervalo PR: Normal Intervalo QT: Inversão de onda T profunda e larga. Ondas U proeminentes são vistas. Arritmias sinusais são observadas. Ondas Q podem ser vistas e podem simular síndrome coronariana aguda.

I

aVR

V1

V4

II

aVL

V2

V5

III

aVF

V3

V6

VI

II

V5

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

TORSADES DE POINTES Frequência: 150-250 batimentos/min Ritmo: Não é visto o componente atrial; ritmo ventricular regular ou irregular. Intervalo PR: Onda P enterrada no complexo QRS Intervalo QT: Complexos QRS geralmente alargados e com variação fásica se contorcendo em torno de um eixo central (alguns complexos apontam para cima, então alguns apontam para baixo). Segmentos ST e ondas T difíceis de discernir. Nota: Tipo de taquicardia ventricular associada com intervalo QT prolongado. Visto com distúrbios eletrolíticos (p. ex., hipocalemia, hipocalcemia e hipomagnesemia) e bradicardia. A administração de antiarrítmicos-padrão (lidocaína, procainamida, etc) podem piorar as Torsades de pointes. A prevenção inclui o tratamento dos distúrbios eletrolíticos. O tratamento inclui o encurtamento do intervalo QT, farmacologicamente ou por marca-passo; a taquicardia ventricular (TV) polimórfica instável é tratada com desfibrilação imediata. Torsades de pointes: sustentada

FIBRILAÇÃO VENTRICULAR Frequência: Ausente Ritmo: Nenhum Intervalo PR: Ausente Intervalo QT: Ausente Nota: A “pseudofibrilação ventricular” pode ser o resultado de uma má função do monitor (p. ex., desconexão do cabo do ECG). Sempre verifique a presença de pulso carotídeo antes de instituir a terapia. Fibrilação ventricular grosseira

Fibrilação ventricular fina

849

850

Fundamentos de anestesiologia clínica TAQUICARDIA VENTRICULAR Frequência: 100-250 batimentos/min Ritmo: Não é visto o componente atrial; ritmo ventricular regular ou irregular. Intervalo PR: Ausente; onda P retrógrada pode ser vista no complexo QRS. Intervalo QT: Complexo QRS alargado, bizarro. Segmento ST e onda T difíceis de determinar. Nota: Na presença de comprometimento hemodinâmico, a TV com pulso é tratada com cardioversão sincronizada imediata enquanto a TV sem pulso é tratada com desfibrilação imediata. Se o paciente estiver estável, com surtos curtos de taquicardia ventricular, o manejo farmacológico é preferido. Deve ser diferenciada da taquicardia supraventricular com aberrância (TSV-A). Pausa compensatória e dissociação atrioventricular sugerem CVP. Ondas P e SR’ (V1) e diminuição da frequência em resposta ao estímulo vagal também sugerem TSV-A.

SÍNDROME DE WOLFFPARKINSONWHITE WPW  Frequência: < 100 batimentos/min Ritmo: Regular. Intervalo PR: Onda P normal; intervalo PR curto (< 0,12 s) Intervalo QT: Duração (> 0,10 s) com complexo QRS espessado (onda ␦). O tipo A tem onda ␦, BRD, com complexo QRS para cima em V1. O tipo B tem onda ␦ e QRS em V1 para baixo. O segmento ST e a onda T geralmente são normais. Nota: A digoxina deve ser evitada na presença de WPW devido a ela aumentar a condução pela via acessória (feixe de Kent) e diminuir a condução pelo nó AV; consequentemente, pode ocorrer fibrilação ventricular.

Apêndice B

Atlas de eletrocardiografia

MARCAPASSO ATRIAL Traçados de marca-passo O comando atrial, como demonstrado nessa figura, é usado quando o impulso atrial pode prosseguir pelo nó AV. Os exemplos são bradicardia sinusal e ritmos juncionais associados com reduções clinicamente significativas na pressão arterial. (As setas são espículas de marca-passo.)

MARCAPASSO VENTRICULAR Nesse traçado, o comando ventricular é evidente pela ausência de onda atrial (onda P) e espícula de marca-passo precedendo o complexo QRS. O comando ventricular é empregado na presença de bradicardia secundária a bloqueio AV ou fibrilação atrial. (As setas são espículas de marca-passo.)

MARCAPASSO DDD O comando DDD, um dos modos mais usados, comanda e sente o átrio direito e o ventrículo direito (marca-passo sequencial A-V). Cada complexo atrial e ventricular direito é precedido por uma espícula de marca-passo.

851

852

Fundamentos de anestesiologia clínica AGRADECIMENTOS As ilustrações no atlas são reimpressas de Aehlert B. ECGs made easy, 4a ed. St. Louis: Mosby/Elsevier; 2011; Goldberger AL. Clinical electrocardiography: a simplif ied approach, 7th ed. Philadelphia: Mosby/Elsevier; 2006; Groh WJ, Zipes DP. Neurological disorders and cardiovascular disease. Em Bonow RO, Mann DL, Zipes DP, et al., eds. Braunwald’s heart disease: a textbook of cardiovascular medicine, 9th ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier; 2012; Huszar RJ. Basic dysrhythmias: interpretation and management, 2nd ed. St. Louis: Mosby Lifeline; 1994; e Soltani P, Malozzi CM, Saleh BA, et al. Electrocardiogram manifestation of spontaneous pneumothorax. Am J Emerg Med 2009;27:750.e1–e5.

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis Gina C. Badescu Benjamin M. Sherman James R. Zaidan Paul G. Barash Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – marca-passos Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs) Problemas intraoperatórios potenciais com os dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis Princípios gerais do manejo perioperatório de pacientes com DCEI Estratégias de atenuação de risco Recomendações para acompanhamento pós-operatório de pacientes com DCEI Otimização de marca-passo após circulação extracorpórea (CEC)

C

854

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 1

Tabela de abreviações

Abreviação Significado 3D

Tridimensional

ASA

American Society of Anesthesiologists

MPAT

Marca-passo antitaquicardia

AV

Atrioventricular

BAV

Bloqueio atrioventricular

BPEG

British Pacing and Electrophysiology Group

bpm

Batimentos por minuto

DAC

Doença arterial coronariana

DCEI

Dispositivo cardíaco eletrônico implantável

CEC

Circulação extracorpórea

PRC

Placa de retorno de corrente

TRC

Terapia de ressincronização cardíaca

TRC-D

Terapia de ressincronização cardíaca – desfibrilação

EC

Eletrocautério

MCD

Miocardiopatia dilatada

ECG

Eletrocardiograma

ECT

Eletroconvulsoterapia

FE

Fração de ejeção

IEM

Interferência eletromagnética

MCH

Miocardiopatia hipertrófica

FC

Frequência cardíaca

HRS

Heart Rhythm Society

HV

Intervalo HV

CDI

Cardioversores desfibriladores implantáveis

VE

Ventrículo esquerdo

VSVE

Via de saída do ventrículo esquerdo

RM

Ressonância magnética

NASPE

North American Society of Pacing and Electrophysiology

NBG

N (NASPE), B (BPEG), G (Generic)

GP

Gerador de pulso

PP

Placas e pás do desfibrilador-cardioversor externo

AD

Átrio direito

RF

Radiofrequência

F&R

Frequência e ritmo

RT

Radioterapia

VD

Ventrículo direito

MSC

Morte súbita cardíaca

DNS

Disfunção do nó sinusal

IAMCSST

Infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST

ATUA

Ablação transuretral por agulha

RTUP

Ressecção transuretral de próstata

TV

Taquicardia ventricular

FV

Fibrilação ventricular

Apêndice C

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis

Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – marca-passos Os marca-passos são dispositivos que aplicam energia elétrica e controlam o sistema de condução do paciente quando necessário. Indicações comuns para implante de marca-passo permanente: (Para uma lista completa de indicações, consulte as Diretrizes da ACC/AHA/HRS 2008 para Terapia das anormalidades do ritmo cardíaco baseada em dispositivos.) 1. Disfunção do nó sinusal: • Bradicardia sintomática documentada. • Incompetência cronotrópica sintomática documentada. • Bradicardia sintomática documentada induzida por terapia médica essencial. • Síncope de origem inexplicada com bradicardia sinusal induzível ou pausas nos estudos eletrofisiológicos. • Pacientes sintomáticos com bradicardia sinusal assumida e sem outras etiologias possíveis. 2. Disfunção do nó atrioventricular (AV): • Bloqueio AV de terceiro grau. • Bloqueio AV de segundo grau do tipo II. • Bloqueio AV de segundo grau do tipo I sintomático. • Bloqueio AV de primeiro grau sintomático. • Bloqueio AV de primeiro grau assintomático com doença coexistente que pode comprometer o sistema de condução (i.e., sarcoidose, amiloidose, doenças neuromusculares). • Bloqueio AV induzido por drogas ou fármacos que parece recorrer apesar da descontinuação do agente indutor. 3. Bloqueio bifascicular e: • Bloqueio de ramo alternante. • Evidência eletrofisiológica de intervalo HV acentuadamente prolongado ≥ 100 ms. (O tempo entre o potencial do feixe de His [H] e a instalação de atividade ventricular, também conhecido como o intervalo HV, normalmente é de 34-45 ms). • Doença neuromuscular concomitante (i.e., distrofia muscular miotônica, distrofia de Erb). 4. Infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCSST) com bloqueio AV de segundo ou terceiro grau: 5. Síndrome do seio carotídeo hipersensível e síncope neurocardiogênica. 6. Pacientes de transplante cardíaco que desenvolvem bradicardia inadequada persistente. 7. Prevenção e término de certas arritmias como: • TV sustentada dependente de pausa. • Pacientes de alto risco com síndrome de QT longo congênita. • Fibrilação atrial sintomática refratária recorrente e DNS. • TSV recorrente sintomática que é terminada de forma confiável por marca-passo após falha da ablação por cateter e manejo medicamentoso. 8. Indicações hemodinâmicas: • Terapia de ressincronização cardíaca (TRC) em pacientes com classe III da NYHA ou insuficiência cardíaca classe IV ambulatorial com manejo clínico ideal e uma fração de ejeção (FE) ≤ 35% e QRS ≥ 120 ms.

855

856

Fundamentos de anestesiologia clínica • miocardiopatia hipertrófica com disfunção do nó sinusal (DNS) ou disfunção do nó AV. 9. Doenças cardíacas congênitas com bradiarritmias associadas ou bloqueio AV.

Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) – cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs) Os cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs) são equipamentos de manejo de ritmo que consistem em um gerador e um sistema de cabos. Um cabo geralmente é colocado no átrio direito, e o segundo, no ápice do ventrículo direito. Um tipo específico de CDI é o marca-passo biventricular, usado na terapia de ressincronização cardíaca (TRC). Esse equipamento tem um terceiro cabo colocado no seio coronário para comandar a parede lateral do ventrículo esquerdo (VE) em sincronia com o ventrículo direito (VD), no paciente com FE ≤ 35% e uma duração de QRS ≥ 120 msec. Indicações comuns para implante de CDI: (Para uma lista completa de indicações, por favor consulte as Diretrizes da ACC/AHA/HRS 2008 para Terapia das anormalidades do ritmo cardíaco baseada em dispositivos.) 1. Prevenção de morte súbita cardíaca (MSC) em sobreviventes de parada cardíaca prévia devido a FV ou TV instável sem uma causa reversível. 2. Doença cardíaca estrutural com TV espontânea sustentada ou síncope não especificada de outra forma. 3. TV sustentada com função de VE normal ou quase normal. 4. Síncope de origem indeterminada com TV sustentada hemodinamicamente significativa, clinicamente relevante ou FV induzida por um estudo eletrofisiológico. 5. Síncope inexplicada com disfunção significativa de VE e MCD não isquêmica. 6. Infarto do miocárdio prévio (não dentro de 40 dias) e uma FE ≤ 35%. 7. Miocardiopatia dilatada (MCD) não isquêmica e uma FE ≤ 35%. 8. TV não sustentada devido a IM prévio com uma FE ≤ 40% e uma FV induzível ou TV sustentada em estudo eletrofisiológico. 9. MCH com um ou mais fatores de risco para MSC.

TABELA 2

Código genérico de marca-passo: NASPE/BPEG Revisado (2002)

Posição I Posição II Câmara(s) de Câmara(s) de comando sensibilidade

Posição III Resposta(s) ao sensor

Posição IV Programabilidade

Posição V Comando de múltiplos locais

0 = nenhum

0 = nenhum

0 = nenhum

0 = nenhum

0 = nenhum

A = átrio

A = átrio

I = inibição

R = modulação da frequência

A = átrio

V = ventrículo

V = ventrículo

T = gatilho

V = ventrículo

D = dual (A+V)

D = dual (A+V)

D = dual (T+I)

D = dual (A+V)

NASPE, North American Society of Pacing and Electrophysiology (Sociedade norte-americana de marca-passo e eletrofisiologia), chamada atualmente de Heart Rhythm Society; BPEG, British Pacing and Electrophysiology Group (Grupo britânico de marca-passo e eletrofisiologia). Reproduzida com permissão de Practice advisory for perioperative management of patients with cardiac rhythm management devices: Pacemakers and implantable cardioverter-defibrillators. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Management of Patients with Cardiac Rhythm Management Devices. Anesthesiology 2011;114:247–261

Apêndice C

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis

10. Displasia/miocardiopatia arritmogênica do ventrículo direito com um ou mais fatores de risco para MSC. 11. Síndrome do QT longo com síncope e/ou TV devido à terapia com ␤-bloqueadores ou outros fatores de risco para MSC. 12. Síndrome de Brugada com síncope ou TV. 13. TV polimórfica catecolaminérgica com síncope enquanto faz uso de terapia com ␤-bloqueadores. 14. Doenças associadas com envolvimento cardíaco (i.e., doença de Chagas, miocardite de células gigantes, sarcoidose). 15. Miocardiopatia familiar associada com MSC. 16. Não compactação do VE.

Problemas intraoperatórios potenciais com os dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis A interferência eletromagnética (IEM) com um DCEI é mais provável quando um eletrocautério é usado acima do umbigo em um paciente com DCEI implantado na região subclavicular. A opinião atual dos especialistas afirma que a região de 15 cm em torno do gerador e dos cabos cardíacos tem maior risco de interferência IEM. Para geradores colocados em outros lugares (p. ex., no abdome), essa regra de 15 cm ainda se aplica. A IEM leva a: 1. Inibição de marca-passo por IEM. 2. Fornecimento inadequado de terapia antitaquicardia por CDI. 3. Alterações nos parâmetros dos cabos: a. Troca para modo atrial. b. Sensor atrial inadequado. c. Reajuste elétrico. d. Aumento do limiar ventricular.

TABELA 3

Código genérico de desfibrilador: (NBG) NASPE/BPEG a

Posição I Posição II Posição III Câmara(s) de Câmara(s) de marca- Detecção de comando passo antitaquicardia taquicardia

Posição IV Câmara(s) de marca-passo antibradicardia

0 = nenhum

0 = nenhum

E = eletrocardiograma

0 = nenhum

A = átrio

A = átrio

H = hemodinâmica

A = átrio

V = ventrículo

V = ventrículo

V = ventrículo

D = dual (A+V)

D = dual (A+V)

D = dual (A+V)

NASPE, North American Society of Pacing and Electrophysiology (Sociedade norte-americana de marca-passo e eletrofisiologia), chamada atualmente de Heart Rhythm Society; BPEG, British Pacing and Electrophysiology Group (Grupo britânico de marca-passo e eletrofisiologia). a Para identificação, a posição IV é expandida em seu código NBG completo. Por exemplo, um marca-passo desfibrilador biventricular com choque ventricular e funcionalidade de marca-passo antitaquicardia seria identificado como VVE-DDDRV, presumindo que a seção de marca-passo foi programada para DDDRV. Atualmente, nenhum sensor hemodinâmico foi aprovado para detecção de taquicardia (posição III). Reproduzida com permissão de Practice advisory for perioperative management of patients with cardiac rhythm management devices: Pacemakers and implantable cardioverter-defibrillators. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Management of Patients with Cardiac Rhythm Management Devices. Anesthesiology 2011;114:247–261

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858

Fundamentos de anestesiologia clínica 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

Marca-passo “fugitivo”. Conversão de VOO de volta para modo de backup (reprogramação). Perda de captura transitória ou permanente. Modo de reversão de ruído. Falência do marca-passo após contato direto com eletrocautério e cardioversão. Queimaduras miocárdicas com aumento do limiar do marca-passo se o eletrocautério é propagado por meio dos cabos para o miocárdio. O marca-passo é adaptativo à frequência (interação do sensor de ventilação-minuto com ECG/plestismografia). Oversensing e inibição com o uso de litotripsia. Ablação por radiofrequência tem um alto risco de interferência devido a longos episódios de exposição à corrente. Terapia de radiação ionizante é especialmente lesiva aos DCEIs por danificar os componentes internos.

Princípios gerais do manejo perioperatório de pacientes com DCEI • O manejo perioperatório do paciente com DCEI é por meio de uma recomendação individualizada, feita pela equipe do DCEI (cardiologista eletrofisiologista), em colaboração com membros da equipe de cirurgia/anestesia (equipe perioperatória). As recomendações não devem ser feitas pelo representante da indústria sem a supervisão de um médico que seja qualificado para manejar esses equipamentos. • A equipe perioperatória deve fornecer informação à equipe do DCEI a respeito do procedimento a ser executado (ver Tab. 4). • A equipe do DCEI deve, por sua vez, fornecer informações sobre o equipamento e uma recomendação para o manejo perioperatório do equipamento (ver Tab. 5). • O paciente com um marca-passo deve ter uma investigação do equipamento nos 12 meses anteriores ao procedimento cirúrgico, enquanto o paciente com um CDI deve ter a investigação do equipamento nos 6 meses anteriores ao procedimento agendado.

TABELA 4 Elementos essenciais da informação apresentada ao médico do DCEI • Tipo de procedimento • Localização anatômica do procedimento cirúrgico • Posição do paciente durante o procedimento • Será usado um eletrocautério monopolar? (Se afirmativo, a localização anatômica da aplicação da IEM.) • Haverá outras fontes de IEM presentes? • Será usada cardioversão ou desfibrilação? • Local cirúrgico (sala de cirurgia, ambulatório de procedimento, etc.) • Arranjos pós-procedimento antecipados (alta antecipada para casa < 23 horas, admissão do paciente internado a um leito de cuidados críticos, leito com telemetria) • Circunstâncias incomuns: procedimento cirúrgico cardiotorácico ou da parede torácica que pode comprometer/lesar ou invadir os cabos do DCEI, grandes perdas sanguíneas antecipadas, cirurgia próxima do DCEI Reproduzida com permissão de Crossley GH, Poole JE, Rozner MA, et al. The Heart Rhythm Society (HRS)/American Society of Anesthesiologists (ASA) Expert Consensus Statement on the Perioperative Management of Patients with Implantable Defibrillators, Pacemakers, and Arrhythmia Monitors: Facilities and Patient Management. Esse documento foi desenvolvido como um projeto conjunto com a American Society of Anesthesiologists (ASA) e em colaboração com a American Heart Association (AHA) e a Society of Thoracic Surgeons (STS). Heart Rhythm 2011;8(7):1114-1154.

Apêndice C TABELA 5

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis Elementos essenciais da avaliação pré-operatória de um DCEI para ser fornecida à equipe cirúrgica

• Data da última avaliação do equipamento • Tipo de equipamento: marca-passo, CDI, TRC-D, TRC-M, sistema implantável de registro de eventos (ILR, do inglês implantable loop-recorder), monitor hemodinâmico implantável • Fabricante e modelo • Indicação para colocação do equipamento • Marca-passo: síndrome do nó sinusal, bloqueio AV, síncope • CDI: prevenção primária ou secundária • Terapia de ressincronização cardíaca • Longevidade da bateria documentada como > 3 meses • Algum dos cabos tem menos de três meses? • Programação • Modo de marca-passo e programada menor frequência • Terapia com CDI • Menor frequência cardíaca para fornecimento de choque • Menor frequência cardíaca para fornecimento de MPAT • Tipo de sensor responsivo à frequência, se programado • O paciente é dependente do marca-passo? Qual é o ritmo subjacente e a frequência cardíaca, se puder ser determinado? • Qual a resposta desse equipamento à colocação do ímã? • As detecções do CDI retornam automaticamente com a remoção do ímã? Esse equipamento permite que a função de colocação do ímã seja desabilitada? Se positivo, documentar a programação do equipamento do paciente para essa característica. • Qualquer alerta de estado no gerador ou cabo do DCEI • Último limiar de marca-passo: documentar a margem de segurança adequada com a data daquele limiar Reproduzida com permissão de Crossley GH, Poole JE, Rozner MA, et al. The Heart Rhythm Society (HRS)/American Society of Anesthesiologists (ASA) Expert Consensus Statement on the Perioperative Management of Patients with Implantable Defibrillators, Pacemakers, and Arrhythmia Monitors: Facilities and Patient Management. Esse documento foi desenvolvido como um projeto conjunto com a American Society of Anesthesiologists (ASA) e em colaboração com a American Heart Association (AHA) e a Society of Thoracic Surgeons (STS). Heart Rhythm 2011;8(7):1114-1154.

• A inativação do CDI ou a programação de um marca-passo em modo assíncrono é recomendada quando a interferência eletromagnética (IEM) é provável de ocorrer. • Em pacientes nos quais a detecção de arritmia por CDI está desligada, um desfibrilador externo deve estar disponível imediatamente e pronto para fornecer terapia. • Nos casos nos quais a IEM é provável, a função do DCEI pode ser alterada por um ímã ferroso ou por reprogramação. (Ver adiante para a resposta magnética para CDI.) • Resposta magnética: a colocação de um ímã sobre o gerador de um marca-passo irá situar o marca-passo em modo assíncrono na maioria dos modelos. A colocação de um ímã sobre um CDI irá suspender a detecção de arritmia. Ele não irá trocar a função de marca-passo para modo assíncrono; portanto, em pacientes que são dependentes do marca-passo, a equipe deve estar consciente do risco de inibição do marca-passo por IEM. Se a IEM for provável de ocorrer, a recomendação é de reprogramar o DCEI antes da operação, desligando a função de detecção de arritmia e programando o marca-passo para modo assíncrono. Devido ao fato de que uma minoria de modelos não responde à aplicação de ímãs do modo descrito acima, é sempre recomendado contatar o fabricante e confirmar a resposta a um ímã para o modelo específico em uso.

859

860

Fundamentos de anestesiologia clínica

Há um DCEI presente?

Sim

Não

Marca-passo

CDI

Haverá uma IEM associada com o procedimento?

Haverá uma IEM associada com o procedimento?

Não

Sim

Não

O paciente é dependente do marca-passo?

Sim

O paciente é dependente do marca-passo?

Desativar o CDI (programador ou imã)

Não

Sim

Não

Sim

Não é necessária reprogramação

Distância do DCEI da fonte de IEM < 15 cm?

Não é necessária reprogramação

Distância do DCEI da fonte de IEM < 15 cm?

Tenha um ímã disponível

Não

Sim

Não

Sim

Não é necessária reprogramação

Reprogramar para modo assíncrono (programador ou ímã)

Consultar com equipe do DCEI se a reprogramação for desejável (ímã não irá produzir modo assíncrono)

Reprogramar para modo assíncrono (programador é necessário)

Tenha um ímã disponível

FIGURA 1 Exemplo de um algoritmo para manejo perioperatório de pacientes com dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis. (De Stone ME, Salter B, Fischer A. Perioperative management of patients with cardiac implantable electronic devices. Br J Anaesth 2011;107(Suplem 1):i16–26, com permissão.)

Apêndice C TABELA 6

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis

861

Exemplo de uma abordagem escalonada do manejo perioperatório de um paciente com um dispositivo cardíaco eletrônico implantável

Período perioperatório

Condição do paciente/DCEI

Intervenção

Avaliação pré-operatória

Paciente tem DCEI

História focada Exame físico focado Cartão de identificação do fabricante do DCEI Radiografia de tórax (sem dados disponíveis) Recursos suplementaresa História verbal Sintomas de bradiarritmia Ablação do nó atrioventricular b Sem atividade ventricular espontânea c Avaliação ampla do DCEI Determinar se os pulsos de comando estão presentes e geram batimentos comandados

Determinar tipo do DCEI (MP, CDI, TRC)

Determinar se o paciente é dependente do DCEI para função de marca-passo

Determinar a função do DCEI

Preparação pré-operatória IEM improvável durante o procedimento

Se IEM é improvável, então não são necessárias precauções especiais IEM provável; DCEI é MP Reprogramar para modo assíncrono quando indicado IEM provável; DCEI é CDI Suspender funções adaptativas da frequênciad Suspender as funções antitaquiarritmia. Se o paciente for dependente da função de marca-passo, então alterar a função de marca-passo como acima IEM provável; todos DCEI Usar cautério bipolar; bisturi ultrassônico Marca-passo temporário e cardioversão-desfibrilação disponíveis Alterações fisiológicas intraoperatórias prová- Planejar para possível interação adversa DCEIveis (p. ex., bradicardia, isquemia) -paciente

Manejo intraoperatório

Monitorização

Interferência do eletrocautério

Ablação por cateter de RF

Litotripsia

IRM Radioterapia

ECT

Monitorização eletrocardiográfica por padrão ASA Monitoração do pulso periférico EC/PRC sem corrente por meio de GP/cabos Evitar proximidade do EC com GP/cabos Pequenas incursões com a menor energia possível Usar cautério bipolar; bisturi ultrassônico Evitar contato do cateter de RF com GP/cabos Via de corrente de RF distante de GP/cabos Discutir essas preocupações com o operador Não focar o feixe de litotripsia próximo ao GP Ondas R deflagram litotripsia? Desabilitar marca-passo atrial Geralmente contraindicado Se necessário, consultar o médico solicitante, o cardiologista, o radiologista e o fabricante GP/cabos devem ficar fora do campo de RT Possível relocação cirúrgica de GP Verificar a função GP durante/após curso de RT Consultar com o médico solicitante, cardiologista do paciente, um serviço de DCEI ou o fabricante do DCEI (continua)

862

Fundamentos de anestesiologia clínica

TABELA 6

Exemplo de uma abordagem escalonada do manejo perioperatório de um paciente com um dispositivo cardíaco eletrônico implantável (continuação)

Período perioperatório

Condição do paciente/DCEI

Intervenção

Desfibrilação-cardioversão de emergência

CDI: desabilitado por ímã

Terminar todas as fontes de IEM Remover o ímã e reabilitar terapias Observar para terapias adequadas Programar para reabilitar terapias ou prosseguir diretamente com cardioversão/ desfibrilação externa Minimizar o fluxo de corrente por GP/cabos Posicionar PP o mais longe possível de GP Posicionar PP perpendicularmente ao eixo longo de GP/cabos Até o mais longe possível, posicionar PP na locação anterior-posterior Usar energia clinicamente adequada para cardioversão/ desfibrilação

CDI: desabilitado por programa

CDI: qualquer um dos acima

Independentemente do tipo de DCEI Manejo pós-operatório

Período pós-operatório imediato Investigação pós-operatória e restauração da função do DCEI

Monitorar F&R cardíaco continuamente Capacidade de reserva de marca-passo de cardioversão/ desfibrilação Investigação para avaliar a função Ajustes adequados?e O DCEI é um CDI?f Usar o serviço de cardiologia/MP-CDI se necessário

a

Banco de dados do fabricante, registros clínicos do marca-passo, consulta cardiológica. Com dispositivo de manejo do ritmo cardíaco (DMRC) programado em VVI na menor frequência programável. Idealmente, a função do DCEI avaliada por investigação, com a função alterada por reprogramação se necessário. d Na maioria das vezes isso será necessário; quando em dúvida, presumir que sim. e Se necessário, reprogramar os ajustes adequados. f Restaurar todas as terapias antitaquicardia. Reproduzida com permissão de Practice advisory for perioperative management of patients with cardiac rhythm management devices: Pacemakers and implantable cardioverter-defibrillators. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Management of Patients with Cardiac Rhythm Management Devices. Anesthesiology 2011;114:247–261 b c

Estratégias de atenuação de riscos • • • •

Ter um ímã disponível. Usar um cautério bipolar quando possível. Usar incursões curtas de cautério monopolar (5 segundos ou menos). Colocar a placa de retorno de corrente de modo a evitar que a corrente atravesse o gerador. • Ter um equipamento de resgate, inclusive marca-passo/desfibrilador externo, disponível imediatamente para todos os pacientes com DCEI. • Estar ciente de outras fontes potenciais de IEM além do eletrocautério. • Estar ciente do deslocamento dos cabos durante ablações de fibrilação atrial, inserções de cateter intravenoso central ou outros procedimentos por cateter.

Apêndice C

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis

Recomendações para acompanhamento pós-operatório de pacientes com DCEI (ver Tabs. 7 e 8) • Observe as práticas para o manejo perioperatório de pacientes com dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis: marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis determinam que “o manejo pós-operatório do paciente deve incluir a investigação e restauração da função do DCEI na unidade de cuidados pós-anestésicos ou unidade de tratamento intensivo”.

TABELA 7

Procedimentos específicos e recomendações do Comitê sobre avaliação pós-operatória do dispositivo cardíaco eletrônico implantável

Procedimento

Recomendação

Eletrocirurgia monopolar

DCEI avaliadoa dentro de 1 mês do procedimento a não ser que os critérios da Tabela 8 sejam preenchidos

Cardioversão externa

DCEI avaliadoa antes da alta ou da transferência da telemetria cardíaca

Ablação por radiofrequência

DCEI avaliadoa antes da alta ou da transferência da telemetria cardíaca

Eletroconvulsoterapia

DCEI avaliadoa dentro de 1 mês do procedimento a não ser que os critérios da Tabela 8 sejam preenchidos

Estudos de condução nervosa (eletroneurografia [ENG])

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Procedimentos oftalmológicos

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Radioterapia

DCEI avaliado antes da alta ou da transferência da telemetria cardíaca; monitoração remota ideal; alguns casos podem indicar investigação após cada tratamento (ver texto)

ATUA/RTUp

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Ablação histeroscópica

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Litotripsia

DCEI avaliadoa dentro de 1 mês do procedimento a não ser que os critérios da Tabela 8 sejam preenchidos

Endoscopia

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Iontoforese

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

Terapia fotodinâmica

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

RX/TC/mamografia

Nenhuma avaliação adicional do DCEI além da rotina

DCEI, dispositivo cardíaco eletrônico implantável; TC, tomografia computadorizada; ATUA, ablação transuretral por agulha; RTUp, ressecção transuretral prostática. a Essa avaliação tem por objetivo revelar reajuste elétrico. Portanto, uma investigação isolada é necessária. Isso pode ser obtido pessoalmente ou por telemetria remota. Reproduzida com permissão de Crossley GH, Poole JE, Rozner MA, et al. The Heart Rhythm Society (HRS)/American Society of Anesthesiologists (ASA) Expert Consensus Statement on the Perioperative Management of Patients with Implantable Defibrillators, Pacemakers, and Arrhythmia Monitors: Facilities and Patient Management. Esse documento foi desenvolvido como um projeto conjunto com a American Society of Anesthesiologists (ASA) e em colaboração com a American Heart Association (AHA) e a Society of Thoracic Surgeons (STS). Heart Rhythm 2011;8(7):1114-1154.

863

864

Fundamentos de anestesiologia clínica TABELA 8 Indicações para investigação do DCEI antes da alta do paciente ou da transferência de um ambiente com telemetria cardíaca • Pacientes com DCEIs reprogramados antes do procedimento em que o equipamento foi deixado não funcional, como, por exemplo, incapacitado de detecção de taquicardia em um CDI. • Pacientes com DCEIs que foram submetidos a cirurgias hemodinamicamente provocativas, como cirurgias cardíacas ou cirurgia vascular significativa (p. ex., reparo de aneurisma aórtico abdominal).a • Pacientes com DCEIs que passaram por eventos intraoperatórios significativos, incluindo parada cardíaca necessitando de marca-passo temporário ou ressuscitação cardiopulmonar, e aqueles que necessitam de cardioversão elétrica externa. • Cirurgia de emergência na qual o local da exposição à IEM foi acima do umbigo. • Cirurgia cardiotorácica. • Pacientes com DCEIs que foram submetidos a certos tipos de procedimentos (Tab. 7) que emitem IEM com maior probabilidade de afetar a função do equipamento. • Pacientes com DCEIs que têm limitações logísticas que iriam prevenir a avaliação confiável do equipamento dentro de 1 mês do procedimento. DCEI, dispositivo cardíaco elétrico implantável; IEM, interferência eletromagnética; CDI, cardioversor desfibrilador implantável. a O objetivo geral dessa investigação é garantir que o reajuste não ocorreu. Nesses casos, uma avaliação completa incluindo avaliações dos limiares é sugerida. Reproduzida com permissão de Crossley GH, Poole JE, Rozner MA, et al. The Heart Rhythm Society (HRS)/American Society of Anesthesiologists (ASA) Expert Consensus Statement on the Perioperative Management of Patients with Implantable Defibrillators, Pacemakers, and Arrhythmia Monitors: Facilities and Patient Management. Esse documento foi desenvolvido como um projeto conjunto com a American Society of Anesthesiologists (ASA) e em colaboração com a American Heart Association (AHA) e a Society of Thoracic Surgeons (STS). Heart Rhythm 2011;8(7):1114-1154.

Otimização de marca-passo após circulação extracorpórea Durante a separação da circulação extracorpórea (CEC), não é incomum que um paciente desenvolva uma anormalidade de condução, variando desde bloqueio AV de primeiro grau mais benigno ou bradicardia sinusal aos atrasos interventriculares mais graves ou bloqueio AV de terceiro grau. Otimização do marca-passo: 1. Colocação do cabo: cabo atrial direito (AD) – colocado na parede atrial cefálica, entre os apêndices atriais. Cabo ventricular direito – colocar ao nível da via de saída do ventrículo direito (VSVD). Para o paciente com miocardiopatia obstrutiva, o cabo de VD é mais bem posicionado no ápice do VD, para menos obstrução dinâmica da VSVE. O marca-passo biventricular pode ser iniciado para pacientes com lesões de condução intraventricular e dissincronia da contração. O cabo de VE deve ser colocado na parede basal posterolateral e os dois cabos ventriculares podem ser conectados por meio de uma peça em “Y” à via de saída ventricular da caixa do marca-passo temporário. 2. Frequência: programar para obter o melhor aumento no débito cardíaco, saturação venosa mista e pressão arterial. 3. Atraso AV: em pacientes com disfunção AV, é possível maximizar a contribuição dos átrios para a pré-carga. Usar um Doppler de onda pulsada por meio da entrada da válvula atrioventricular esquerda (válvula mitral) e modificar o atraso AV para obter formatos de onda E e A claros e garantir que a onda A termine antes do início do QRS. O fechamento da válvula atrioventricular esquerda deve ocorrer ao final da onda A, mas antes de qualquer regurgitação atrioventricular esquerda diastólica. Se a ecocardiografia não estiver disponível, ajustar o intervalo AV para obter o maior débito cardíaco.

Apêndice C TABELA 9

Protocolos para marca-passos e cardioversores desfibriladores implantáveis Tratamento da falha do marca-passo

Frequência

Respostas Possíveis

Adequada para manter a pressão arterial

1. Oxigênio, controle de via aérea 2. Posicionar ímã sobre o marca-passo 3. Atropina se bradicardia sinusal

Bradicardia grave e hipotensão

1. Oxigênio, controle da via aérea 2. Posicionar ímã sobre o marca-passo 3. Outros tipos de marca-passo (transcutâneo, esofágico ou transvenoso) se o ímã não ativar o marca-passo 4. Atropina se bradicardia sinusal 5. Isoproterenol para aumentar a frequência ventricular

Sem ritmo de escape

1. Reanimação cardiopulmonar 2. Posicionar ímã sobre o marca-passo 3. Outros tipos de marca-passo (transcutâneo, esofágico ou transvenoso) se o ímã não ativar o marca-passo 4. Isoproterenol para aumentar a frequência ventricular

De Zaidan Jr, Yougberg JA, Lake CL, et al., eds. Pacemakers, Cardiac, Vascular and Thoracic Anesthesia. New York: Churchill Livingstone; 2000, com permissão.

4. Modo de marca-passo: três modos são explicados aqui. No paciente com condução AV normal, o modo AAI permite um aumento na FC e uma despolarização fisiológica dos ventrículos. Se a inibição pelo eletrocautério for uma preocupação, usar o marca-passo assíncrono em modo AOO. Para o paciente com atraso na condução AV, deve ser usado DOO ou DDI. O modo DDI também evita perseguir frequências atriais rápidas no caso de fibrilação atrial pós-CEC. 5. Marca-passo biventricular: em pacientes com FE ≤ 35% e QRS ≥ 120 ms, o marca-passo biventricular agudo melhora a torsão e a mecânica da contração, particularmente em pacientes com insuficiência atrioventricular esquerda devido a dissincronia dos músculos papilares. Speckle-tracking, ecocardiografia 3D, definição modo M do atraso no movimento da parede septal, imagem tissular por Doppler colorido e análise da velocidade segmentar são usados para caracterizar dissincronia ventricular. Marca-passos temporários disponíveis atualmente permitem apenas o marca-passo biventricular por meio de uma conexão Y dos dois fios ventriculares epicárdicos para o débito ventricular da caixa. A TRC aguda leva a um aumento do desempenho miocárdico com um discreto aumento no consumo de oxigênio miocárdico.

865

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Protocolos de ressuscitação da American Heart Association Adultos Suporte cardíaco avançado à vida (ACLS, do inglês Advanced cardiovascular life support) – Algoritmo de parada cardíaca ACLS – Algoritmo de bradicardia ACLS – Algoritmo de taquicardia Parada cardíaca materna – Algoritmo Pediátrico Algoritmo para suporte básico à vida para provedores de cuidados em pediatria (BLS, do inglês Basic Life Support) Suporte avançado à vida em pediatria (PALS, do inglês Pediatric Advanced Life Support) – Medicações para parada cardíaca e arritmias sintomáticas PALS – Algoritmo para parada cardíaca sem pulso PALS – Algoritmo para bradicardia PALS – Algoritmo para taquicardia PALS – Algoritmo para ressuscitação de recém-nascidos Para informações mais detalhadas, o leitor deve buscar American Heart Association: 2010 American Heart Association Guidelines para ressuscitação cardiopulmonar e cuidados em emergência cardiovascular. Circulation 2010;122(Suplem. 3).

D

868

Fundamentos de anestesiologia clínica

Qualidade da RCP • Pressionar com força (≥ 5 cm) e rapidez (≥ 100/min) e permitir o retorno completo do tórax • Minimizar as interrupções nas compressões • Evitar ventilação excessiva • Alternar a pessoa que aplica as compressões a cada dois minutos • Se não houver via aérea avançada, usar uma proporção de compressões:ventilação de 30:2 • Onda de capnografia quantitativa – Se PETCO2 < 10 mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP • Pressão intra-arterial – Se a pressão da fase de relaxamento (diastólica) < 20 mmHg, tentar melhorar a qualidade da RCP

Parada cardíaca em adultos Chame ajuda / Ative a resposta de emergência 1

Iniciar RCP

• Administrar oxigênio • Conectar monitor/desfibrilador

Sim

Não

O ritmo é chocável?

2

9

FV/TV

Retorno da circulação espontânea (RCE) • Pulso e pressão arterial • Aumento abrupto sustentado na PETCO2 (geralmente ≥ 40 mmHg) • Ondas de pressão arterial espontâneas com monitoração intra-arterial

Assistolia/AESP

3 Choque 4

Energia do choque • Bifásica: Recomendação do fabricante (p. ex., dose inicial de 120-200 J); se desconhecido, usar o máximo disponível. A segunda dose e as subsequentes devem ser equivalentes, e doses mais altas podem ser consideradas. • Monofásica: 360 J

RCP 2 min

• Acesso IV/IO

O ritmo é chocável?

Não

Sim 5

6

Terapia medicamentosa • Adrenalina IV/IO: Dose – 1 mg a cada 3-5 min • Vasopressina IV/IO: Dose – 40 unidades podem substituir a primeira ou segunda dose de adrenalina • Amiodarona IV/IO: Dose – Primeira dose: 300 mg em bólus. Segunda dose: 150 mg

Choque 10

RCP 2 min

O ritmo é chocável?

RCP 2 min

• Acesso IV/IO • Adrenalina a cada 3-5 min • Considerar via aérea avançada, capnografia

• Adrenalina a cada 3-5 min • Considerar via aérea avançada, capnografia

Não

O ritmo é chocável?

Sim

Sim 7

Choque

Não 11

8

RCP 2 min

RCP 2 min

• Amiodarona • Tratar causas reversíveis

• Tratar causas reversíveis

Não

O ritmo é chocável?

Sim

12

©2010 American Heart Association

FIGURA 1

• Se não houver sinais de retorno da circulação espontânea (RCE), ir para 10 ou 11 • Se RCE, ir para Cuidados pós-parada cardíaca

Via aérea avançada • Via aérea avançada supraglótica ou intubação endotraqueal • Onda de capnografia para confirmar e monitorar a colocação do tubo ET • 8–10 respirações por minuto com compressões torácicas contínuas Causas reversíveis • Hipovolemia • Hipóxia • Hidrogênio (acidose) • Hipo/hipercalemia • Hipotermia • Tensão do tórax por pneumotórax • Tamponamento cardíaco • Toxinas • Trombose pulmonar • Trombose coronariana

Ir para 5 ou 7

Algoritmo de suporte cardíaco avançado à vida em adultos com parada cardíaca sem pulso.

Apêndice D

Protocolos de ressuscitação da American Heart Association

869

Bradicardia em adultos (com pulso)

1

Avaliar a adequação conforme a condição clínica Frequência cardíaca tipicamente < 50/min se bradiarritmia 2 Identificar e tratar a causa subjacente • Manter vias aéreas patentes; auxiliar a respiração como necessário • Oxigênio (se hipoxêmico) • Monitor cardíaco para identificar ritmo; monitorar a pressão arterial e a oximetria • Acesso IV • ECG de 12 derivações se disponível; não retardar a terapia 3 4 Monitorar e observar

Não

Bradiarritmia persistente causando: • Hipotensão? • Estado mental agudamente alterado? • Sinais de choque? • Desconforto torácico isquêmico? • Insuficiência cardíaca aguda? Sim

5

Atropina Se atropina ineficaz: • Marca-passo transcutâneo OU • Infusão de dopamina OU • Infusão de adrenalina 6

Infusão de adrenalina IV 2-10 ␮g por minuto

Considerar • Consulta a especialista • Marca-passo transvenoso ©2010 American Heart Association

FIGURA 2

Algoritmo para bradicardia.

Doses/Detalhes Dose da atropina IV: Primeira dose: 0,5 mg em bólus Repetir a cada 3-5 minutos Máximo 3 mg Infusão de dopamina IV 2-10 ␮g/kg/min

870

Fundamentos de anestesiologia clínica Taquicardia em adultos (com pulso)

1

Avaliar a adequação conforme a condição clínica. Frequência cardíaca geralmente ≥ 150 bpm se taquiarritmias.

Doses/Detalhes

2

Cardioversão sincronizada Doses iniciais recomendadas: • Estreito e regular: 50–100 J • Estreito irregular: 120–200 J bifásico ou 200 J monofásico • Largo regular: 100 J • Largo irregular: dose de desfibrilação (NÃO sincronizada)

Identificar e tratar causa subjacente • Manter vias aéreas patentes; auxiliar a respiração como necessário • Oxigênio (se hipoxêmico) • Monitor cardíaco para identificar ritmo; monitorar a pressão arterial e a oximetria

3 4

Taquiarritmia persistente causando: • Hipotensão? • Estado mental agudamente alterado? • Sinais de choque? • Desconforto torácico isquêmico? • Insuficiência cardíaca aguda?

5

Não QRS alargado? ≥ 0,12 s

Cardioversão sincronizada • Considerar sedação • Se complexo regular e estreito, considerar o uso de adenosina

Sim

Sim

6 • Acesso IV e ECG de 12 derivações, se disponível • Considerar adenosina apenas se regular e monomórfico • Considerar infusão de antiarrítmico • Considerar consulta a especialista

Não

7

• Acesso IV e ECG de 12 derivações, se disponível • Manobras vagais • Adenosina (se regular) • β-bloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio • Considerar consulta a especialista ©2010 American Heart Association

FIGURA 3

Algoritmo para taquicardia.

Dose de adenosina IV Primeira dose: 6 mg IV rápido; seguida de flush de SF Segunda dose: 12 mg se necessário Infusões de antiarrítmicos para taquicardia estável com QRS alargado Dose de procainamida IV 20-50 mg/min até a supressão da arritmia, ocorrência de hipotensão, duração do QRS > 50% ou dose máxima 17 mg/kg seja administrada. Infusão de manutenção: 1-4 mg/min. Evitar se QT longo ou ICC. Dose de amiodarona IV: Primeira dose: 150 mg em 10 minutos. Repetir como necessário se TV recorrer. Seguir por dose de manutenção de 1 mg/min nas primeiras seis horas. Dose de sotalol IV: 100 mg (1,5 mg/kg) durante cinco minutos. Evitar se QT longo.

Apêndice D

Protocolos de ressuscitação da American Heart Association

871

Parada cardíaca materna Primeiro a atender • Ativar a equipe de parada cardíaca materna • Documentar a hora de início da parada cardíaca materna • Colocar a paciente em posição supina • Iniciar compressões torácicas como no algoritmo de BLS; colocar as mãos suavemente sobre o esterno, em posição mais alta que o habitual

Atendimento subsequente Intervenções maternas

Intervenções obstétricas para pacientes com útero grávido óbvio*

Tratar usando os algoritmos de BLS e ACLS • Não retardar a desfibrilação • Dar os fármacos típicos de ACLS em doses usuais • Ventilar com oxigênio a 100% • Monitorar a onda de capnografia e a qualidade da RCP • Prover cuidados pós-parada cardíaca como apropriado Modificações maternas • Acesso IV acima do diagrama • Avaliar hipovolemia e administrar líquidos em bolus se necessário • Antecipar dificuldades respiratórias; um provedor de cuidados experiente é preferido para colocação de via aérea avançada • Se paciente em uso de magnésio IV/IO tiver uma pré-parada cardíaca, suspender o magnésio e dar cloreto de cálcio IV/IO 10 mL em solução a 10%, ou gliconato de cálcio, 30 mL, em solução a 10% • Continuar todas as intervenções de ressuscitação materna (RCP, posição, desfibrilação, fármacos e líquidos) durante e após cesariana

• Realizar deslocamento manual uterino esquerdo (DUE) – deslocar o útero da paciente para a esquerda para aliviar a compressão sobre o sistema aortocaval • Remover os monitores fetais internos e externos, se presentes Equipes obstétricas e neonatais devem se preparar imediatamente para possível cesariana de emergência • Se não houver RCE em quatro minutos de esforços de ressuscitação, considerar a realização de cesariana de emergência imediatamente • Buscar o parto dentro de cinco minutos do início dos esforços de ressuscitação *Um útero grávido óbvio é um útero que é considerado clinicamente grande o suficiente para causar compressão aortocaval

Procurar e Tratar Possíveis Fatores Contribuintes (BEAU-CHOPS) Sangramento/CIVD (Bleeding) Embolia: coronariana / pulmonar / de líquido amniótico Anestesia – Complicações Anestésicas Uterina – Atonia Cardiológicas – IAM/isquemia/dissecção aórtica / miocardiopatia Hipertensão / pré-eclâmpsia / eclâmpsia Outras: diagnóstico diferencial padrão das diretrizes de ACLS Placenta: Descolamento de placenta / placenta prévia Sepse ©2010 American Heart Association

FIGURA 4

Algoritmo para parada cardíaca materna.

872

Fundamentos de anestesiologia clínica

Algoritmo para suporte básico à vida para provedores de cuidados em pediatria 1 Não responsivo Não respirando ou apenas ofegando Enviar alguém para ativar o sistema de resposta de emergência, obter o DEA/desfibrilador

RCP de alta-qualidade • Velocidade: pelo menos 100/minuto

2 Apenas um profissional atendente: para COLAPSO SÚBITO, ativar o sistema de resposta à emergência, obter DEA/desfibrilador

3A

3 Verificar pulso: Pulso DEFINIDO dentro de 10 segundos?

Pulso definido

Sem pulso

• Administrar 1 ventilação a cada 3 segundos • Adicionar compressões se o pulso permanecer < 60 bpm com má perfusão apesar de oxigenação e ventilação adequadas • Verificar pulso a cada dois minutos

4 Um profissional: Começar ciclos de 30 COMPRESSÕES e 2 VENTILAÇÕES Dois profissionais: Começar ciclos de 15 COMPRESSÕES e 2 VENTILAÇÕES

5 Após cerca de dois minutos, ativar o sistema de resposta à emergência e obter o DEA/desfibrilador (se não tiver sido feito). Usar DEA logo que disponível.

6 Verificar o ritmo O ritmo é chocável? Chocável

7

Não chocável

8 Administrar 1 choque Retomar a RCP imediatamente por dois minutos

Retomar a RCP imediatamente por dois minutos Verificar o ritmo a cada dois minutos; continuar até os provedores de SAV assumirem ou a vítima comece a se mover

Nota: Os procedimentos descritos em caixas com bordas tracejadas são realizadas por profissionais de saúde e não por agentes de resgate leigos.

FIGURA 5

©2010 American Heart Association

Algoritmo de suporte básico à vida por profissionais de saúde em pediatria.

• Profundidade das compressões a pelo menos 1/3 do diâmetro anteroposterior do tórax, cerca de 4 cm em bebês e 5 cm em crianças • Permitir a completa recuperação do tórax após cada compressão • Minimizar as interrupções nas compressões torácicas • Evitar a ventilação excessiva

Apêndice D TABELA 1

Protocolos de ressuscitação da American Heart Association

873

Medicações de suporte avançado à vida em pediatria para parada cardíaca e arritmias sintomáticas

Fármaco

Dose (Pediátrica)

Observações

Adenosina

0,1 mg/kg (máximo, 6 mg) Repetir: 0,2 mg/kg (máximo, 12 mg)

Monitorar o ECG durante a dose Rápido bólus IV/IO

Amiodarona

5 mg/kg IV/IO Repetir até 15 mg/kg Máximo: 300 mg

Monitorar ECG e pressão arterial Ajustar a velocidade de administração à urgência Ter cautela quando administrar junto com outros fármacos que prolongam o QT

Atropina

0,02 mg/kg IV/IO 0,03 mg/kg ETa Repetir uma vez se necessário Dose mínima: 0,1 mg Dose única máxima: Crianças, 0,5 mg Adolescente, 1 mg

Doses maiores podem ser administradas com intoxicação por organofosforados

Cloreto de cálcio (10%) 20 mg/kg IV/IO (0,2 mL/kg)

Administrar IV lento para hipocalcemia, hipermagnesemia, toxicidade por bloqueador dos canais de cálcio

Adrenalina

0,01 mg/kg (0,1 mL/kg 1:10.000) IV/IO 0,1 mg/kg (0,1 mL/kg 1:1.000) ETa Dose máxima: 1 mg IV/IO; 10 mg ET

Pode repetir a cada 3-5 min

Glicose

0,5-1 g/kg IV/IO

SG10: 5-10 mL/kg SG25: 2-4 mL/kg SG50: 1-2 mL/kg

Lidocaína

Bólus: 1 mg/kg IV/IO Dose máxima: 100 mg Infusão: 20-50 g/kg/min ETa: 2-3 mg/kg

Sulfato de magnésio

25-50 mg/kg IV/IO durante 10-20 min; mais rápido na Torsades de pointes Dose máxima: 2 g

Naloxona

≤ 5 anos ou < 20 kg: 0,1 mg/kg IV/IO/ETa ≥ 5 anos ou > 20 kg: 2 mg IV/IO/ETa

Usar doses menores para reverter a depressão respiratória associada com o uso terapêutico de opioides (1-15 μg/kg)

Procainamida

15 mg/kg IV/IO durante 30-60 min Dose adulta: 20 mg/min infusão IV até uma dose total máxima de 17 mg/kg

Monitorar ECG e pressão arterial Usar cautela quando administrar com outros fármacos que prolongam o QT

Bicarbonato de sódio

1 mEq/kg IV/IO lentamente

Após ventilação adequada

ECG, eletrocardiograma; IV, intravenoso; IO, intraósseo; ET, endotraqueal. a Lavar com 5 mL de solução fisiológica e seguir com cinco ventilações. Adaptada de 2005 American Heart Association Guidelines for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation 2005;112(Suppl IV):IV.

874

Fundamentos de anestesiologia clínica Parada cardíaca em crianças

Doses/Detalhes Qualidade da RCP • Pressionar com força (≥ 1/3 do diâmetro anteroposterior do tórax) e rápido (pelo menos 100/minuto) e permitir a completa recuperação do tórax após cada compressão • Minimizar as interrupções nas compressões • Evitar ventilação excessiva • Revezar o massageador a cada dois minutos • Se não houver via aérea avançada, usar uma proporção de 15:2 de compressões:ventilações. Se houver via aérea avançada, 8–10 ventilações por minuto com compressões torácicas contínuas.

Chame ajuda / Ative a resposta de emergência 1

Iniciar RCP • Administrar oxigênio • Conectar monitor/desfibrilador

Sim

Não

O ritmo é chocável?

2

9

FV/TV

Assistolia/AESP

3 Choque

Energia do choque para desfibrilação • Primeiro choque 2 J/kg, segundo choque 4 J/kg, choques subsequentes ≥ 4 J/kg, no máximo 10 J/kg ou dose de adulto. Terapia medicamentosa • Adrenalina IV/IO: Dose – 0,01 mg/kg (0,1 mL/kg da concentração 1:10.000). Repetir a cada 3–5 minutos. Se não houver um acesso IO/IV, pode dar dose endotraqueal: 0,1 mg/kg da concentração 1:1.000) • Amiodarona IV/IO: Dose – 5 mg/kg em bólus durante parada cardíaca. Pode repetir até duas vezes para FV/TV sem pulso refratária

4 RCP 2 min • acesso IV/IO

Não

O ritmo é chocável?

Sim 5

Choque 10

6

RCP 2 min

RCP 2 min • Acesso IV/IO • Adrenalina a cada 3–5 min • Considerar via aérea avançada

• Adrenalina a cada 3–5 min • Considerar via aérea avançada

Não

O ritmo é chocável?

O ritmo é chocável?

Sim

Retorno da circulação espontânea (RCE) • Pulso e pressão arterial • Ondas de pressão arterial espontâneas com monitoração intra-arterial

Sim 7

Choque

Não

8

11 RCP 2 min

RCP 2 min

• Amiodarona • Tratar causas reversíveis

• Tratar causas reversíveis

Não

O ritmo é chocável?

Sim

12 • Assistolia/AESP → 10 ou 11 • Ritmo organizado → verificar pulso • Pulso presente (RCE) → cuidados pós-parada cardíaca

FIGURA 6

Via aérea avançada • Via aérea supraglótica ou intubação endotraqueal • Onda de capnografia ou capnometria para confirmar e monitorar a colocação do tubo ET • Quando a via aérea avançada estiver no lugar, administrar 1 ventilação a cada 6–8 segundos (8–10 ventilações por minuto)

Ir para 5 ou 7

Causas reversíveis • Hipovolemia • Hipóxia • Hidrogênio (acidose) • Hipoglicemia • Hipo/hipercalemia • Hipotermia • Tensão no tórax por pneumotórax • Tamponamento cardíaco • Toxinas • Trombose pulmonar • Trombose coronariana

©2010 American Heart Association

Algoritmo para suporte avançado à vida em pediatria (PALS) de parada cardíaca sem pulso.

Apêndice D

Protocolos de ressuscitação da American Heart Association

875

Bradicardia pediátrica Com pulso e má perfusão 1 Identificar e tratar a causa subjacente • Manter vias aéreas patentes; auxiliar a respiração como necessário • Oxigênio • Monitor cardíaco para identificar ritmo; monitorar a pressão arterial e a oximetria • Acesso IV/IO • ECG de 12 derivações se disponível; não retardar a terapia 2 Comprometimento cardiopulmonar continua?

Não

Sim 3

Comprometimento cardiopulmonar

• Hipotensão • Alteração aguda do estado mental • Sinais de choque

RCP se FC < 60/min Com má perfusão apesar de oxigenação e ventilação

4a • Suporte ABCs • Dar oxigênio • Observar • Considerar consulta com especialista

4 Não

5

Bradicardia persiste? Sim

• Adrenalina • Atropina para tônus vagal aumentado ou bloqueio AV primário • Considerar marca-passo transtorácico/transvenoso • Tratar causas subjacentes 6 Se ocorrer parada cardíaca sem pulso, ir para Algoritmo de Parada Cardíaca

Doses/detalhes Adrenalina IO/IV – Dose: 0,01 mg/kg (0,1 mL/kg da concentração 1:10.000). Repetir a cada 3–5 minutos. Se acesso IV/IO não estiver disponível, mas tubo ET estiver colocado, pode administrar a dose ET: 0,1 mg/kg (0,1 mL/kg 1:1.000). Atropina IO/IV – Dose: 0,02 mg/kg. Pode repetir uma vez. Dose mínima, 0,1 mg e dose máxima 0,5 mg.

©2010 American Heart Association

FIGURA 7

Algoritmo para suporte avançado à vida em pediatria (PALS) para bradicardia.

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Fundamentos de anestesiologia clínica Taquicardia pediátrica Com pulso e má perfusão 1 Identificar e tratar a causa subjacente • Manter vias aéreas patentes; auxiliar a respiração como necessário • Oxigênio • Monitor cardíaco para identificar ritmo; monitorar a pressão arterial e a oximetria • Acesso IV/IO • ECG de 12 derivações se disponível; não retardar a terapia 2 Estreito (≤ 0,09 s)

Largo (> 0,09 s)

Avaliar a duração do QRS

3 Avaliar o ritmo com ECG de 12 derivações ou monitor 4

5 Provável taquicardia sinusal • História compatível consistente com causa conhecida • Ondas P presentes normais • R-R variável; PR constante • Bebês: frequência geralmente < 220/min • Crianças: frequência geralmente < 180/min

6

9 Provável taquicardia supraventricular • História compatível (vaga, inespecífica); história de alterações abruptas da frequência • Ondas P ausentes/anormais • FC não variável • Bebês: frequência geralmente ≥ 220/min • Crianças: frequência geralmente ≥ 180/min

7 Pesquisar causa e tratar

10 Comprometimento cardiopulmonar? • Hipotensão • Alteração aguda do estado mental • Sinais de choque Sim

11 Considerar manobras vagais (sem retardos)

Possível taquicardia ventricular

Não

12

Cardioversão sincronizada

Considerar adenosina se ritmo for regular e QRS for monomórfico

8 • Se houver acesso IV/IO, administrar adenosina OU • Se acesso IO/IV não disponível, ou se adenosina for ineficaz, cardioversão sincronizada

13 Aconselhada a consulta com especialista • Amiodarona • Procainamida

Doses/Detalhes Cardioversão sincronizada: Começar com 0,5-1 J/kg; se não for eficaz, aumentar para 2 J/kg. Sedar se necessário, mas não retardar a cardioversão.

Dose de Adenosina IO/IV: Primeira dose: 0,1 mg/kg em bólus rápido (máximo 6 mg). Segunda dose: 0,2 mg/kg em bólus rápido (segunda dose máxima 12 mg). Dose amiodarona IO/IV: 5 mg/kg durante 20-60 minutos OU Dose de Procainamida IO/IV: 15 mg/kg ao longo de 30-60 minutos. Não administrar rotineiramente amiodarona e procainamida juntas.

©2010 American Heart Association

FIGURA 8 Algoritmo para suporte avançado à vida em pediatria (PALS) para taquicardia em bebês e crianças com ritmo rápido e evidência de má perfusão.

Apêndice D

Protocolos de ressuscitação da American Heart Association

877

Reanimação de recém-nascido Nascimento

Gestação a termo? Respirando ou chorando? Bom tônus?

Sim, ficar com a mãe

Não

Cuidados de rotina • Fornecer calor • Aspirar as vias aéreas se necessário • Secar • Realizar avaliação continuada

Aquecer, aspirar as vias aéreas se necessário, secar, estimular Não

FC abaixo de 100, dificuldade respiratória ou com apneia?

30 s

Respiração trabalhosa ou cianose persistente?

Não

Sim

Sim

Aspirar as vias aéreas, SpO2, monitoração. Considerar pressão positiva contínua na via aérea*

VPP, SpO2, monitoração

Meta do SpO2 pré-ductal após o nascimento 1 min 60-65%

60 s

FC abaixo 100?

Não

80-85%

Cuidados pós-reanimação

Sim Considerar intubação Compressões torácicas Coordenar com ventilação por pressão positiva (VPP)

FC abaixo de 60? Sim Adrenalina IV *CPAP, do inglês continuous positive airway pressure

©2010 American Heart Association

FIGURA 9

Algoritmo para reanimação do recém-nascido.

75-80% 85-95%

FC abaixo de 60?

Considerar: • Hipovolemia • Pneumotórax

70-75%

4 min 10 min

Não

Tomar medidas de correção da ventilação Intubar se não houver elevação torácica!

65-70%

3 min 5 min

Sim Tomar medidas de correção da ventilação

2 min

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Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists 1 Padrões para monitoração anestésica básica. 2 Sequência de profundidade da sedação: definição de anestesia geral e níveis de sedação/analgesia. 3 Padrões básicos de cuidados pré-anestésicos. 4 Padrões de cuidados pós-anestésicos. 5 Prática consultiva para prevenção e manejo de incêndios na sala de cirurgia. 6 Algoritmo de Segurança de Incêndio da APSF. 7 Posição sobre cuidados anestésicos monitorados. 8 Distinção entre cuidados anestésicos monitorados (CAM) e sedação/analgesia moderada (sedação consciente). 9 Diretrizes éticas para cuidados anestésicos em pacientes com ordens de não ressuscitar ou outras diretivas que limitam o tratamento. 10 Diretrizes práticas para jejum pré-operatório e uso de agentes farmacológicos para reduzir o risco de aspiração pulmonar: aplicação a pacientes saudáveis submetidos a procedimentos eletivos.

E

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Padrões para monitoração anestésica básica Comitê de origem: Standards and Practice Parameteres (Aprovados pela ASA House of Delegates em 21 de outubro de 1986, última alteração em 20 de outubro de 2010, com entrada em vigor em 1o de julho de 2011) Esses padrões se aplicam a todos os cuidados anestésicos, embora, em circunstâncias de emergência, medidas adequadas de suporte à vida tenham precedência sobre as normas. Tais normas podem ser relativizadas a qualquer momento, com base no julgamento do anestesiologista responsável. Elas são destinadas a incentivar um atendimento de qualidade ao paciente, mas observá-las não garante qualquer resultado específico para o paciente. As normas estão sujeitas à revisão contínua, de acordo com a evolução da tecnologia e da prática. Elas se aplicam a todas as anestesias gerais, regionais e cuidados anestésicos monitorados. Esse conjunto de padrões aborda apenas as questões da monitoração anestésica básica, que é um dos componentes do cuidado anestésico. Em certas circunstâncias raras ou incomuns, (a) alguns desses métodos de monitoração podem ser clinicamente impraticáveis e (b) o uso adequado dos métodos de monitoração descritos pode falhar na detecção do desenvolvimento de eventos clínicos adversos. Interrupções breves da monitoração continuada* podem ser inevitáveis. Esses padrões não se destinam ao uso nos cuidados da paciente obstétrica em trabalho de parto ou para o manejo da dor. Norma I O anestesiologista qualificado deve estar presente na sala durante todo o tempo nas anestesias gerais, regionais e no cuidado anestésico monitorado. Objetivo Devido às rápidas mudanças no estado do paciente durante a anestesia, o anestesiologista qualificado deve estar sempre presente para monitorar o paciente e fornecer os cuidados anestésicos. Se houver um risco direto conhecido para o anestesiologista, por exemplo, radiação, que exija observação intermitente remota do paciente, devem ser tomadas medidas para a monitoração do paciente. Se uma emergência requerer a ausência temporária da pessoa primariamente responsável pela anestesia, o melhor julgamento do anestesiologista será exercido comparando a emergência com a condição do paciente anestesiado e a escolha da pessoa que ficará responsável pela anestesia durante a ausência temporária. Norma II Durante todas as anestesias, a oxigenação, ventilação, circulação e temperatura do paciente devem ser continuamente avaliadas. Objetivo Assegurar uma concentração adequada de oxigênio no gás inspirado e no sangue durante toda a anestesia. Métodos 1. Gás inspirado: durante toda a administração de anestesia geral usando um aparelho de anestesia, a concentração de oxigênio no sistema respiratório do * Note que “continuada” é definida como “repetida regular e frequentemente em rápida sucessão estável”, enquanto “contínua” significa “sem qualquer interrupção a qualquer momento”.

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

paciente deve ser medido por um analisador de oxigênio com um alarme de concentração mínima de oxigênio em uso.† 2. Oxigenação do sangue: durante todas as anestesias, deve ser usado um método quantitativo de avaliação da oxigenação, tal como a oximetria de pulso.† Quando o oxímetro de pulso estiver sendo usado, o tom variável de pulso e o alarme de limiar baixo devem ser audíveis pelo anestesiologista e pelo pessoal da equipe de cuidados anestésicos.† É necessária iluminação e exposição adequadas do paciente para a avaliação de sua coloração.† Ventilação Objetivo Assegurar a ventilação adequada do paciente durante toda a anestesia. Métodos 1. Todos os pacientes submetidos à anestesia geral devem ser continuamente avaliados para verificar uma ventilação adequada. Sinais clínicos qualitativos, tais como movimento torácico, observação do balão reservatório de ventilação e a ausculta dos sons respiratórios são úteis. O monitoramento contínuo para a presença de dióxido de carbono expirado deve ser feito a menos que invalidado pela natureza do paciente, pelo procedimento ou equipamento. A monitoração quantitativa do volume de gás expirado é fortemente encorajada.* 2. Quando é inserido um tubo endotraqueal ou uma máscara laríngea, seu posicionamento correto deve ser verificado por avaliação clínica e identificação de dióxido de carbono no gás expirado. A análise contínua do gás carbônico no final da respiração, em uso desde o momento da colocação do tubo endotraqueal/ máscara laríngea até a extubação/remoção ou início da transferência para um local de cuidados pós-operatórios, deve ser feita com um método quantitativo tal como a capnografia, capnometria ou espectroscopia de massa.† Quando for usada a capnografia ou capnometria, o alarme de CO2 respiratório final deve ser audível para o anestesiologista ou para a equipe de cuidados anestésicos.* 3. Quando a ventilação é controlada por um ventilador mecânico, ele deve ter um dispositivo de uso contínuo capaz de detectar a desconexão dos componentes do sistema respiratório. Esse dispositivo deve emitir um sinal sonoro quando for excedido seu limite de alarme. 4. Durante a anestesia regional (sem sedação) ou anestesia local (sem sedação), a adequação da ventilação deve ser avaliada pela observação contínua dos sinais clínicos qualitativos. Durante a sedação moderada ou profunda, a adequação da ventilação deve ser avaliada pela observação contínua dos sinais clínicos qualitativos e monitoramento para a presença de dióxido de carbono exalado, a menos que isso não seja possível ou inválido pela natureza do paciente, pelo procedimento ou equipamento. Circulação Objetivo Assegurar a adequação da função circulatória do paciente durante toda a anestesia.

* Sob circunstâncias extenuantes, o anestesiologista responsável pode dispensar os itens marcados com †; recomenda-se que, se assim for feito, isso seja anotado no prontuário do paciente (incluindo os motivos).

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Fundamentos de anestesiologia clínica Métodos 1. Todos os pacientes submetidos à anestesia devem ter um eletrocardiograma continuamente exibido desde o início da anestesia até a preparação para deixar o local onde ela foi administrada.* 2. Todos os pacientes que recebem anestesia devem ter sua pressão arterial e frequência cardíaca determinadas e avaliadas pelo menos a cada cinco minutos.** 3. Todos os pacientes submetidos à anestesia devem ter, adicionalmente ao descrito acima, sua função circulatória avaliada continuamente por pelo menos 1 dos métodos a seguir: palpação do pulso, ausculta dos sons cardíacos, monitoramento de um traçado da pressão intra-arterial, monitoração ultrassonográfica de pulso periférico, pletismografia de pulso ou oximetria. Temperatura corporal Objetivo Auxiliar na manutenção da temperatura corporal adequada durante toda a anestesia. Métodos Todos os pacientes submetidos à anestesia devem ter sua temperatura monitorada quando alterações clinicamente significativas da temperatura corporal forem planejadas, antecipadas ou suspeitadas.

Sequência de profundidade da sedação: definição de anestesia geral e níveis de sedação/analgesia* Comitê de origem: Quality Management and Departmental Administration (Aprovada pela ASA House of Delegates em 13 de outubro de 1999, última alteração em 15 de outubro de 2014) Sedação/analgesia Sedação mínima moderada (“sedação Sedação/analgesia (ansiólise) consciente”) profunda †



Resposta intencional à estimulação repetida ou estimulação dolorosa

Anestesia geral

Responsividade

Resposta normal à estimulação verbal

Resposta intencional à estimulação verbal ou tátil

Não despertável mesmo com estímulos dolorosos

Via aérea

Não afetada

Sem necessidade de inter- Intervenção pode ser nevenção cessária

Intervenção frequentemente necessária

Ventilação espontânea

Não afetada

Adequada

Pode ser inadequada

Frequentemente inadequada

Função cardiovascular

Não afetada

Geralmente mantida

Geralmente mantida

Pode estar comprometida

* O cuidado anestésico monitorado (CAM) não descreve o processo contínuo da profundidade da sedação e sim “um serviço específico de anestesia para o qual foi solicitada a participação de um anestesiologista no cuidado de um paciente submetido a um procedimento diagnóstico ou terapêutico”. ** A retirada reflexa de um estímulo doloroso NÃO é considerada uma resposta propositada.

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Sedação mínima (ansiólise) é um estado induzido por fármacos durante o qual os pacientes respondem normalmente a comandos verbais. Embora a função cognitiva e a coordenação física possam estar comprometidas, os reflexos das vias aéreas e as funções ventilatória e cardiopulmonar não estão afetados. Sedação/analgesia moderada (“sedação consciente”) é a depressão da consciência induzida por fármacos durante a qual os pacientes respondem intencionalmente† a comandos verbais, seja isoladamente ou acompanhados de estimulação tátil leve. Não há necessidade de intervenções para manter a permeabilidade da via aérea, e a ventilação espontânea é adequada. A função cardiovascular geralmente está mantida. Sedação/analgesia profunda é a depressão da consciência durante a qual os pacientes não podem ser facilmente despertados, mas respondem intencionalmente† após estimulação repetida ou estimulação dolorosa. A capacidade de manter uma função ventilatória independente pode estar comprometida. Os pacientes podem necessitar de ajuda para manter a permeabilidade da via aérea, e a ventilação espontânea pode ser inadequada. A função cardiovascular geralmente está mantida. Anestesia geral é a perda da consciência induzida por fármacos durante a qual os pacientes não são despertáveis, mesmo com estimulação dolorosa. A capacidade de manter a função ventilatória independente muitas vezes está prejudicada. Os pacientes com frequência necessitam de assistência para manter a permeabilidade da via aérea, e uma ventilação com pressão positiva pode ser necessária devido à depressão da ventilação espontânea ou depressão da função neuromuscular induzida por fármacos. A função cardiovascular pode estar prejudicada. Como a sedação é uma sequência continuada, nem sempre é possível prever como um paciente individual responderá. Assim, os profissionais que pretendem produzir um determinado nível de sedação devem ser capazes de resgatar* os pacientes cujo nível de sedação se torna mais profundo do que inicialmente previsto. Os indivíduos que administram sedação/analgesia moderada (“sedação consciente”) devem ser capazes de resgatar** pacientes que entram em um estado de sedação/analgesia profunda, enquanto aqueles que administram sedação/analgesia profunda devem ser capazes de resgatar** pacientes que entram em um estado de anestesia geral.

* O reflexo de retirada decorrente de um estímulo doloroso NÃO é considerado uma resposta intencional. ** O resgate de um paciente de um nível de sedação mais profundo do que o pretendido é uma intervenção de um profissional proficiente no manejo da via aérea e no suporte avançado da vida. O profissional qualificado corrige as consequências fisiológicas adversas do nível de sedação mais profundo do que o pretendido (tais como hipoventilação, hipóxia e hipotensão) e traz o paciente de volta ao nível de sedação originalmente pretendido. Não é adequado continuar com o procedimento em um nível de sedação não pretendido.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Padrões básicos de cuidados pré-anestésicos Comitê de origem: Standards and Practice Parameters (Aprovados pela ASA House of Delegates em 14 de outubro de 1987 e finalmente confirmada em 20 de outubro de 2010) Essas normas se aplicam a todos os pacientes que são submetidos a cuidados anestésicos. Sob circunstâncias especiais, elas podem ser modificadas. Nesse caso, as circunstâncias devem ser documentadas no prontuário do paciente. Um anestesiologista deve ser responsável pela determinação do estado clínico do paciente e desenvolver um plano de cuidados anestésicos. Antes de fornecer o cuidado anestésico, o anestesiologista é responsável por: 1. Revisar o prontuário médico disponível. 2. Entrevistar e fazer um exame focado do paciente para: a. Discutir a história médica, incluindo experiências anestésicas anteriores e tratamento medicamentoso. b. Avaliar os aspectos da condição física do paciente que possam afetar decisões sobre o risco e manejo perioperatório. 3. Solicitar e revisar os exames e consultas necessários para a prestação de cuidados de anestesia. 4. Solicitar medicamentos pré-operatórios adequados. 5. Assegurar que o consentimento informado para os cuidados anestésicos tenha sido obtido. 6. Documentar no prontuário que os passos acima foram feitos.

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Padrões de cuidados pós-anestésicos Comitê de origem: Standards and Practice Parameters (Aprovados pela ASA House of Delegates em 27 de outubro de 2004, última emenda em 15 de outubro de 2014) Essas normas se aplicam aos cuidados pós-anestésicos em todos os locais. Elas podem ser relativizadas com base no julgamento do anestesiologista responsável. São destinadas a incentivar a qualidade do atendimento do paciente, mas não podem garantir qualquer resultado específico para o paciente. Estão sujeitas à revisão ocasional quando justificadas pela evolução da tecnologia e da prática. Norma I Todos os pacientes submetidos à anestesia geral, regional ou cuidados anestésicos monitorados devem receber manejo pós-anestésico adequado.* 1. A sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) ou uma área que fornece cuidados pós-anestésicos equivalentes (p. ex., uma unidade de tratamento intensivo cirúrgico) deve estar disponível para receber os pacientes após o cuidado anestésico. Todos os pacientes submetidos a cuidados anestésicos devem ser admitidos na SRPA ou seu equivalente, exceto quando existe uma ordem específica do anestesiologista responsável pelo cuidado do paciente. 2. Os aspectos clínicos dos cuidados na SRPA (ou área equivalente) devem ser regidos por políticas e procedimentos que foram analisados e aprovados pelo Departamento de Anestesia. 3. O design, equipamento e pessoal da SRPA devem atender aos requisitos dos órgãos de acreditação e licenciamento da instalação. Norma II Um paciente transportado para a SRPA deve ser acompanhado por um membro da equipe de anestesia que deve estar ciente da condição do paciente. O paciente deve ser continuadamente avaliado e tratado durante o transporte com monitoração e suportes adequados à sua condição. Norma III Após sua chegada à SRPA, o paciente deve ser reavaliado, e um relatório verbal deve ser fornecido à enfermeira responsável pelo membro da equipe anestésica que acompanha o paciente. 1. O estado do paciente no momento da chegada à SRPA deve ser documentado. 2. As informações relativas ao estado pré-operatório e à evolução cirúrgica/anestésica devem ser transmitidas à enfermeira da SRPA. 3. O membro da equipe de cuidados anestésicos deve permanecer na SRPA até que a enfermeira da SRPA assuma a responsabilidade pelos cuidados de enfermagem prestados ao paciente. Norma IV A condição do paciente deve ser avaliada continuadamente na SRPA. * Refere-se a Perianesthesia Nursing Standards, Practice Recommendations and Interpretative Statements, publicado pela ASPAN, para questões de cuidados de enfermagem.

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Fundamentos de anestesiologia clínica 1. O paciente deve ser observado e monitorado por meio de métodos adequados à condição clínica do paciente. Atenção especial deve ser dada ao monitoramento da oxigenação, ventilação, circulação, nível de consciência e temperatura. Durante a recuperação anestésica, deve ser empregado um método de avaliação quantitativa da oxigenação durante a fase inicial da recuperação, tal como a oximetria de pulso.* Isso não se aplica à recuperação da paciente obstétrica na qual foi usada anestesia regional durante o trabalho de parto e parto vaginal. 2. Deve ser feito um relatório preciso por escrito sobre o período na SRPA. O uso de um sistema adequado de pontuação de SRPA para cada paciente é incentivado no momento da admissão, a intervalos apropriados antes da alta e no momento da alta. 3. A supervisão médica e a coordenação dos cuidados ao paciente na SRPA devem ser da responsabilidade de um anestesiologista. 4. Deve haver regras para garantir a disponibilidade de um médico na instalação, capaz de manejar complicações e fornecer reanimação cardiopulmonar para os pacientes da SRPA. Norma V Um médico é responsável pela alta do paciente da SRPA. 1. Quando são utilizados critérios de alta, esses devem ser aprovados pelo Departamento de Anestesia e pela equipe médica. Esses critérios podem variar dependendo do tipo de alta do paciente (alta para um hospital, para uma UTI, para uma unidade de curta permanência ou para casa). 2. Na ausência do médico responsável pela alta, a enfermeira da SRPA deve determinar se o paciente cumpre os critérios de alta. O nome do médico que assume a responsabilidade pela alta deve ser anotado no prontuário.

* Sob circunstâncias extenuantes, o anestesiologista responsável pode dispensar os requisitos marcados com um asterisco (*); se assim for feito, recomenda-se que isso seja anotado no prontuário do paciente (incluindo as razões).

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Recomendação prática para a prevenção e o manejo de incêndios na sala de cirurgia ALGORITMO DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO NA SALA DE CIRURGIA • Evite o uso de fontes de ignição nas proximidades de uma atmosfera enriquecida com um oxidante • Configure os campos cirúrgicos para minimizar o acúmulo de oxidantes • Estabeleça um tempo suficiente para a secagem de soluções inflamáveis para o preparo da pele • Umedeça esponjas e gazes usadas na proximidade de fontes de ignição 1

Prevenção de incêndio:

2

Este é um procedimento de alto risco?

SIM

Uma fonte de ignição será usada na proximidade de uma atmosfera enriquecida com oxidante

NÃO

• • • •

Determine um plano de equipe e papéis da equipe para a prevenção e manejo de incêndio Notifique o cirurgião da presença/aumento de uma atmosfera enriquecida com oxidante Use tubos traqueais com cuff para a cirurgia de vias aéreas; prepare adequadamente os tubos traqueais resistentes a laser Considere o uso de um tubo traqueal ou máscara laríngea para o cuidado anestésico monitorado (CAM) com sedação moderada a profunda e/ou pacientes que dependam de oxigênio que serão submetidos à cirurgia de cabeça, pescoço ou face • Antes de ativar uma fonte de ignição: Anuncie a intenção de usar uma fonte de ignição 3 Reduza a concentração de oxigênio a um mínimo necessário para evitar hipóxia 4 Interrompa o uso de óxido nitroso

Manejo do fogo:

5

Sinais precoces de alarme de fogo Interrompa o procedimento Convoque para avaliação

O fogo não está presente; continue com o procedimento

O FOGO ESTÁ PRESENTE

6

FOGO DE VIA ÁEREA : • • • •

IMEDIATAMENTE, sem esperar Remova o tubo traqueal Interrompa o fluxo de todos os gases da via aérea Remova esponjas e outros materiais inflamáveis da via aérea Introduza solução fisiológica na via aérea

O fogo foi apagado

SEM FOGO NA VIA AÉREA: IMEDIATAMENTE, sem esperar • Interrompa o fluxo de todos os gases da via aérea • Remova os campos cirúrgicos e todos os materiais inflamáveis e em combustão • Apague o fogo dos materiais em combustão com soro fisiológico ou outros meios

Se o fogo não for apagado na primeira tentativa 7 Uso um extintor de fogo com CO2 SE O FOGO PERSISTIR: ative o alarme de fogo, evacue o paciente, feche a porta da sala de cirurgia e feche o suprimento de gases da sala

• Restabeleça a ventilação • Evite uma atmosfera enriquecida com oxidante quando clinicamente apropriado • Examine o tubo traqueal para observar se foram deixados fragmentos na via aérea • Considere uma broncoscopia

O fogo foi apagado

• Mantenha a ventilação • Avalie a presença de lesão inalatória se o paciente não estiver intubado

Avalie o estado do paciente e elabore o plano de manejo

As fontes de ignição incluem, mas não se limitam a, unidades de eletrocirurgia ou eletrocautérios e lasers. Uma atmosfera enriquecida com oxidante ocorre quando existe um aumento na concentração de oxigênio acima do nível do ar ambiente e/ou na presença de qualquer concentração de óxido nitroso. 3 Depois de minimizar o oxigênio fornecido, espere um período de tempo (p. ex., 1–3 min) antes de usar uma fonte de ignição. Para pacientes dependentes de oxigênio, reduza o fornecimento de oxigênio suplementar ao mínimo necessário para evitar hipóxia. Monitorize a oxigenação com um oxímetro de pulso e, se possível, a concentração de oxigênio exalado e/ou administrado. 4 Após interromper a liberação de óxido nitroso, aguarde um período de tempo (p. ex., 1–3 min) antes de usar uma fonte de ignição. 5 Uma faísca inesperada, chama, fumaça ou calor, sons incomuns (p. ex., um ruído semelhante a “pá”, “vrá”” ou “bum”) ou odores, movimentos inesperados dos campos cirúrgicos, descoloração dos campos ou do circuito respiratório, movimentos inesperados ou queixas do paciente. 6 Nesse algoritmo, o fogo de vias aéreas se refere a um incêndio na via aérea ou no circuito respiratório. 7 Um extintor de incêndio de CO2 pode ser usado no paciente, se necessário. 1 2

FIGURA 1 Algoritmo de incêndio na sala de cirurgia. CO2, dióxido de carbono; SC, sala de cirurgia. (De Caplan RA, Barker SJ, Connis RT, et al; American Society of Anesthesiologists Task Force on Operating Room Fires. Practice advisory for the Prevention and Management of Operating Room Fires: a report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Operating Room Fires. Anesthesiology. 2008 108:786–801, com permissão.)

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Co

m

ec

e

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ui

Algoritmo de prevenção de incêndio na SC* O paciente corre risco de incêndio cirúrgico?

Procedimentos envolvendo a cabeça, pescoço e tórax superior (acima de T5) e o uso de uma fonte de ignição na proximidade de um oxidante.

Prossiga, mas reavalie frequentemente para NÃO alterações no risco de incêndio.

Enfermeiras e cirurgiões devem evitar o acúmulo de preparados cutâneos à base de álcool e permitir o tempo de secagem adequado. Antes da primeira utilização do bisturi elétrico, deve ocorrer uma comunicação entre o cirurgião e o anestesiologista.

SIM O paciente necessita de oxigênio suplementar?

NÃO

Use sedação com ar ambiente.

SIM É necessária uma concentração de oxigênio > 30% para manter a saturação de oxigênio?

Use um dispositivo de liberação tal como um misturador ou uma saída NÃO de gás comum para manter o fluxo de oxigênio abaixo de 30%.

SIM Assegure a via aérea com um tubo endotraqueal ou dispositivo supraglótico.

Embora seja preferível assegurar a via aérea, para casos nos quais o uso de um dispositivo de vias aéreas é indesejável ou não viável, o acúmulo de oxigênio pode ser minimizado com a insuflação de ar sobre o rosto e com campos cirúrgicos abertos para fornecer uma exposição ampla do sítio cirúrgico à atmosfera.

Fornecido como um recurso educacional pelo

Anesthesia Patient Safety Foundation Direitos reservados ©2014 Anesthesia Patient Safety Foundation www.apsf.org

As seguintes organizações indicaram seu suporte ao esforço da APSF em aumentar a consciência sobre o potencial de incêndio cirúrgico em pacientes de risco: American Society of Anesthesiologists, American Association of Nurse Anesthetists, American Academy of Anesthesiologists Assistants, American College of Surgeons, American Society of Anesthesia Technologists and Technicians, American Society of PeriAnesthesia Nurses, Association of periOperative Registered Nurses, ECRI Institute, Food and Drug Administration Safe Use Initiative, National Patient Safety Foundation, The Joint Commission.

*Este não é um documento da ASA, mas está incluído devido à sua relevância para segurança conta incêndios. (http://www.apsf.org/newsletters/html/Handouts/ORFireAlgorithmPoster8.5x11.pdf )

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Posicionamento sobre cuidados anestésicos monitorados Comitê de origem: Economics (Aprovado pela House of Delegates em 25 de outubro de 2005, última alteração em 16 de outubro de 2013) O cuidado anestésico monitorado é um serviço anestésico específico para um procedimento diagnóstico ou terapêutico. As indicações para o cuidado anestésico monitorado incluem a natureza do procedimento, a condição clínica do paciente e/ou a necessidade potencial de converter para uma anestesia geral ou regional. O cuidado anestésico monitorado inclui todos os aspectos do cuidado anestésico – uma visita pré-procedimento, cuidados durante o procedimento e manejo anestésico pós-procedimento. Durante o cuidado anestésico monitorado, o anestesiologista administra ou dirige diversos serviços específicos, incluindo, mas não limitados a: • Diagnóstico e tratamento de problemas clínicos que ocorrem durante o procedimento. • Suporte das funções vitais. • Administração de sedativos, analgésicos, hipnóticos, agentes anestésicos ou outros medicamentos necessários para a segurança do paciente. • Apoio psicológico e conforto físico. • Fornecimento de outros serviços médicos necessários para terminar o procedimento com segurança. O cuidado anestésico monitorado inclui níveis variáveis de sedação, analgesia e ansiólise conforme necessário. O administrador de cuidado anestésico monitorado deve estar preparado e qualificado para converter para anestesia geral, se necessário. Se o paciente perder a consciência e a capacidade de responder adequadamente, o cuidado anestésico é uma anestesia geral, independentemente da necessidade ou não de instrumentação anestésica. O cuidado anestésico monitorado é um serviço médico fornecido a um paciente individual. Ele deve estar sujeito ao mesmo nível de pagamento da anestesia geral ou regional. Assim, o ASA Relative Value Guide® prevê o uso de valores básicos, adequados ao tempo e apropriadamente modificados como base para determinar o pagamento.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Distinguindo cuidados anestésicos monitorados (CAMs) de sedação/analgesia moderada (sedação consciente) Comitê original: Economics (Aprovado pela ASA House of Delegates em 27 de outubro de 2004, última alteração em 21 de outubro de 2009 e reafirmado em 16 de outubro de 2013) A sedação/analgesia moderada (sedação consciente, a seguir denominada sedação moderada) é um serviço médico reconhecido no sistema de códigos de procedimentos CPT. Durante a sedação moderada, um médico supervisiona ou administra pessoalmente medicamentos sedativos e/ou analgésicos que são capazes de aliviar a ansiedade do paciente e controlar a dor durante um procedimento diagnóstico ou terapêutico. Tal depressão do nível de consciência do paciente induzida por fármacos para um nível “moderado” de sedação, tal como definido pelas normas da The Joint Commission (TJC), destina-se a facilitar a realização bem-sucedida do procedimento diagnóstico ou terapêutico, proporcionando conforto ao e cooperação do paciente. Os médicos que fornecem sedação moderada devem ser qualificados para reconhecer a sedação “profunda”, manejar suas consequências e ajustar o nível de sedação para um nível “moderado” ou menor. A avaliação contínua dos efeitos sedativos ou analgésicos dos medicamentos sobre o nível de consciência e sobre a função cardíaca e respiratória é um elemento integral desse serviço. A American Society of Anesthesiologists definiu o cuidado anestésico monitorado (ver Posicionamento sobre cuidados anestésicos monitorados, atualizado em 16 de outubro de 2013). Esse serviço médico pode ser diferenciado da sedação moderada de várias maneiras. Um componente essencial dos CAMs é a avaliação da anestesia e a gestão de comprometimentos fisiológicos reais ou esperados de um paciente ou problemas clínicos que possam ocorrer durante um procedimento diagnóstico ou terapêutico. Enquanto o cuidado anestésico monitorado pode incluir a administração de sedativos e/ou analgésicos frequentemente utilizados para a sedação moderada, o provedor de CAM deve ser preparado e qualificado para converter em anestesia geral, se necessário. Além disso, a capacidade de um prestador de intervir para resgatar a via aérea de um paciente de qualquer comprometimento induzido pela sedação é um pré-requisito para as qualificações para fornecer cuidado anestésico monitorado. Em contraste, não se espera que a sedação moderada induza profundidades de sedação que possam comprometer a capacidade do próprio paciente em manter a integridade de sua via aérea. A administração de sedativos, hipnóticos e analgésicos, bem como medicamentos anestésicos comumente usados para a indução e manutenção da anestesia geral, geralmente (mas não sempre) faz parte do cuidado anestésico monitorado. Em alguns pacientes que podem necessitar apenas de sedação mínima, o CAM é com frequência indicado, pois mesmo doses pequenas desses medicamentos podem precipitar respostas fisiológicas adversas que podem necessitar de intervenções clínicas agudas e reanimação. Se a condição do paciente e/ou uma necessidade inerente ao procedimento exigir sedação em um nível “profundo” ou mesmo um período transitório de anestesia geral, apenas um profissional treinado para fornecer serviços anestésicos deve ser encarregado de manejar a sedação. Devido à forte probabilidade de que uma sedação “profunda” possa, intencionalmente ou não, passar para uma anestesia geral, as habilidades de um anestesiologista são necessárias para manejar os efeitos da anestesia geral, bem como para voltar o paciente rapidamente para um estado de sedação mais leve ou “profundo”.

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Como todos os serviços de anestesia, o cuidado anestésico monitorado inclui uma série de responsabilidades pós-procedimento além das esperadas de profissionais que prestam sedação moderada, incluindo o retorno à consciência plena, alívio da dor, manejo das respostas fisiológicas adversas ou efeitos colaterais adversos de medicamentos administrados durante o procedimento, bem como o diagnóstico e tratamento de problemas clínicos coexistentes. O cuidado anestésico monitorado permite a administração segura de uma sedação de profundidade máxima, superior àquelas fornecidas durante a sedação moderada. A capacidade de ajustar o nível de sedação da consciência plena à anestesia geral durante a evolução de um procedimento proporciona uma flexibilidade máxima para combinar o nível de sedação às necessidades do paciente e do procedimento. Em situações em que o procedimento é mais invasivo ou quando o paciente é particularmente frágil, a otimização do nível de sedação é necessária para atingir as condições ideais do procedimento. Em resumo, o cuidado anestésico monitorado é um serviço médico claramente distinto da sedação moderada, devido às expectativas e qualificações do provedor da anestesia, que deve ser capaz de usar todos os recursos anestésicos de suporte à vida para proporcionar conforto e segurança ao paciente durante um procedimento diagnóstico ou terapêutico.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Diretrizes éticas para os cuidados anestésicos de pacientes com ordens de Não Reanimar (NR) ou outras diretrizes que restringem o tratamento Comitê de origem: Ethics (Aprovadas pela ASA House of Delegates em 17 de outubro de 2001 e alterado em 16 de outubro de 2013) Essas diretrizes aplicam-se tanto aos pacientes com capacidade de decisão quanto àqueles que não a têm e que haviam expressado suas preferências. I. Com a diversidade de opiniões publicadas e culturas em nossa sociedade, um elemento essencial do preparo pré-operatório e atendimento perioperatório para pacientes com ordens de Não Reanimar (NR) ou outras diretrizes que restringem o tratamento é a comunicação entre as partes envolvidas. É necessário documentar os aspectos importantes dessa comunicação. II. As políticas que suspendem automaticamente as ordens de NR ou outras diretrizes que restringem o tratamento antes de procedimentos que envolvam anestesia talvez não tratem dos direitos do paciente à autodeterminação de uma forma responsável e ética. Se existirem, tais políticas devem ser revisadas, conforme necessário, para refletir o teor dessas diretrizes. III. A administração de anestesia envolve, necessariamente, algumas práticas e procedimentos que podem ser vistos como “reanimação” em outros contextos. Antes de procedimentos que exigem cuidado anestésico, as diretrizes existentes que restringem o uso de procedimentos de reanimação (ou seja, ordens de não reanimar e/ou diretrizes antecipadas) devem, quando possível, ser revistas com o paciente ou representante designado. Como resultado dessa revisão, a posição das diretrizes deve ser esclarecida ou modificada com base nas preferências do paciente. Uma das três alternativas a seguir pode criar resultado satisfatório em muitos casos. A. Tentativa completa de reanimação: o paciente ou representante designado pode solicitar a suspensão completa de diretrizes existentes durante o período de anestesia e o pós-operatório imediato, consentindo, então, o uso de quaisquer procedimentos de reanimação que possam tratar adequadamente os eventos clínicos que ocorram nesse período. B. Tentativa limitada de reanimação definida com relação a procedimentos específicos: o paciente ou representante designado pode optar por continuar a recusar determinados procedimentos de reanimação específicos (p. ex., compressões torácicas, desfibrilação ou intubação traqueal). O anestesiologista deve informar ao paciente ou representante designado sobre quais procedimentos são (a) essenciais para o êxito da anestesia e o procedimento proposto e (b) quais procedimentos não são essenciais e podem ser recusados. C. Tentativa limitada de reanimação definida em relação a objetivos e valores do paciente: o paciente ou representante designado pode permitir que o anestesiologista e a equipe cirúrgica/de procedimento usem a decisão clínica para determinar quais procedimentos de reanimação são adequados no contexto da situação e os objetivos e valores declarados do paciente. Por exemplo, alguns pacientes podem querer procedimentos de reanimação completos a serem empregados para gerenciar eventos clínicos adversos que se acreditem serem reversíveis de maneira rápida e fácil,

Apêndice E

IV.

V.

VI.

VII.

VIII.

IX.

X.

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

mas evitam o tratamento de condições que possam resultar em sequelas permanentes, como comprometimento neurológico ou dependência indesejada em tecnologia de suporte de vida. Quaisquer esclarecimentos ou modificações feitas à orientação do paciente devem ser documentados no prontuário médico. Nos casos em que o paciente ou representante designado solicita que o anestesiologista use a decisão clínica para determinar quais procedimentos de reanimação são apropriados, o anestesiologista deve documentar a discussão com especial atenção aos objetivos e valores declarados do paciente. Os planos para cuidados pós-operatórios/pós-procedimento indicam se ou quando a diretriz original e preexistente que restringe o uso de procedimento de reanimação será reintegrada. Isso ocorre quando o paciente sai da unidade de tratamento pós-anestésico ou quando o paciente tiver se recuperado dos efeitos agudos da anestesia e cirurgia/procedimento. Deve-se considerar se prosseguir com um teste de terapia pós-operatória/pós-procedimento limitado em tempo ou por evento ajudaria o paciente ou seu representante a avaliar melhor se o tratamento continuado seria coerente com as metas do paciente. É importante discutir e documentar se há exceções à(s) medida(s) contra a intervenção que deveria ocorrer em uma complicação reconhecida específica da cirurgia/procedimento ou da anestesia. É recomendável concordância sobre essas questões entre o médico principal (se não for o cirurgião do/responsável pelo procedimento), o cirurgião do/responsável pelo procedimento e o anestesiologista. Se possível, esses médicos devem se reunir com o paciente (ou seu representante legal) quando essas questões forem discutidas. O dever do médico para com o paciente é tão importante, que não deve ser delegado. Outros integrantes da equipe médica que estejam (ou estarão) diretamente envolvidos com os cuidados com o paciente durante o procedimento planejado devem, se possível, ser incluídos nesse processo. Se houver conflitos, recomendam-se os seguintes processos: A. Quando um anestesiologista toma conhecimento de que as decisões do paciente ou as limitações do cirurgião/responsável pelo procedimento são incompatíveis com suas próprias ideias morais, ele deve se retirar de forma isenta, oferecendo uma alternativa para cuidados em tempo hábil. B. Quando um anestesiologista toma conhecimento de que as decisões do paciente ou as limitações do cirurgião/responsável pelo procedimento estão em conflito com os padrões de cuidados de aceitação geral, práticas médicas ou políticas institucionais, ele deve se manifestar e apresentar a situação ao órgão institucional apropriado. C. Se essas alternativas não forem possíveis no prazo necessário para evitar uma maior morbidade ou sofrimento, então, de acordo com os Princípios de Ética Médica da American Medical Association, o atendimento deve prosseguir com a adesão adequada às diretrizes do paciente, considerando suas metas e valores. Um representante do serviço de anestesia do hospital deve fazer o contato com os serviços cirúrgicos, de procedimentos e enfermagem para apresentar, discutir e aplicar essas diretrizes. A equipe hospitalar deve estar ciente dos resultados dessas discussões e suas motivações. A modificação dessas diretrizes pode ser apropriada quando elas estiverem em conflito com as normas ou políticas locais e naquelas situações de emergência que envolvam pacientes sem capacidade de tomar decisões médicas e cujas intenções não tenham sido previamente expressas.

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Fundamentos de anestesiologia clínica

Diretrizes práticas para o jejum pré-operatório e uso de agentes farmacológicos para reduzir o risco de aspiração pulmonar: aplicação a pacientes saudáveis submetidos a procedimentos eletivos Resumo das recomendações do jejum Material ingerido

Período mínimo de jejum

Líquidos claros

2h

Leite materno

4h

Fórmula láctea infantil

6h

Leite não humano

6h

Refeição leve

6h

As recomendações se aplicam a pacientes jovens submetidos a procedimentos eletivos. As recomendações não se aplicam a mulheres em trabalho de parto. Seguir as diretrizes não garante o completo esvaziamento gástrico. Os períodos de jejum citados acima se aplicam a pacientes de todas as idades. Exemplos de líquidos claros incluem água, sucos de fruta sem a polpa, bebidas gaseificadas, chá claro e café preto. Como o leite não humano é semelhante a alimento sólido no quesito esvaziamento gástrico, a quantidade ingerida deve ser considerada ao determinar um período de jejum adequado. Uma refeição leve normalmente consiste em torradas e líquidos claros. Refeições que incluem alimentos fritos, gordurosos ou carne podem prolongar o tempo de esvaziamento gástrico. Tempo de jejum adicional (p. ex., oito horas ou mais) pode ser necessário nesses casos. A quantidade e o tipo de alimento ingerido devem ser considerados para determinar um período de jejum apropriado. Resumo das recomendações farmacológicas Os medicamentos e exemplos de fármacos comuns listados abaixo não são recomendados para o uso de rotina. Estimulantes gastrintestinais Metoclopramida Bloqueadores da secreção de ácido gástrico Cimetidina Famotidina Ranitidina Omeprazol Lansoprazol Antiácidos Citrato de sódio Bicarbonato de sódio Trissilicato de magnésio

Apêndice E

Padrões, diretrizes e orientações da American Society of Anesthesiologists

Antieméticos Droperidol Ondansetron Anticolinérgicos Atropina Escopolamina Glicopirrolato Agentes múltiplos Sem uso rotineiro

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Algoritmo de abordagem às vias aéreas e algoritmo para vias aéreas difíceis Algoritmo de abordagem à via aérea 1. Há necessidade de controle da via aérea?

Não

Considere infiltrativa/regional

Não

Quadro B, algoritmo de via aérea difícil

Sim 2. A laringoscopia direta pode ser difícil? Sim 3. A ventilação supraglótica pode ser usada, se necessário? Sim 4. O estômago está vazio? (existe risco de aspiração?)

Não

Quadro A, algoritmo de via aérea difícil

Sim 5. O paciente é capaz de tolerar um período apneico?

Sim

6. VTTJ?

Quadro B, algoritmo de via aérea difícil FIGURA 1 O algoritmo de abordagem à via aérea: uma árvore de decisão de abordagem para a entrada no algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists. VTTJ, ventilação transtraqueal a jato. (De Rosenblatt WH, Sukhupragarn W. Airway management. Em Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK, et al., eds. Clinical Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2013:788, com permissão.)

F

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Fundamentos de anestesiologia clínica A

B

INTUBAÇÃO ACORDADO Abordagem da via aérea por meio de intubação não invasiva

Acesso invasivo (b)* da via aérea

Bem-sucedida*

FALHA

Cancele o caso

Considere a possibilidade de (a) outras opções

INTUBAÇÃO APÓS INDUÇÃO DA ANESTESIA GERAL

Tentativas de intubação inicial com sucesso*

Tentativas de intubação inicial SEM SUCESSO A PARTIR DESSE PONTO, CONSIDERAR: 1. Pedir ajuda. 2. Voltar à ventilação espontânea. 3. Despertar o paciente.

Acesso invasivo (b) da via aérea

VENTILAÇÃO COM MÁSCARA ADEQUADA

VENTILAÇÃO COM MÁSCARA INADEQUADA CONSIDERAR/TENTAR DSG

DSG ADEQUADO* VIA NÃO EMERGENCIAL Ventilação adequada, intubação sem sucesso Abordagens alternativas (c) para intubação

DSG INADEQUADO OU IMPOSSÍVEL

VIA AÉREA EMERGENCIAL Ventilação inadequada, intubação sem sucesso

SE A MÁSCARA

Pedir ajuda

FACIAL E DSG SE TORNAREM

(e)

Ventilação emergencial não invasiva da via aérea

INADEQUADOS

Intubação com sucesso*

FALHA após múltiplas tentativas Acesso invasivo (b)* da via aérea

Ventilação com sucesso*

Considerar a possibilidade de (a) outras opções

Paciente (d) acordado

FALHA

Acesso emergencial invasivo (b)* de via aérea

*Confirmar ventilação, intubação traqueal ou posicionamento do DSG com CO2 exalado. a. Outras opções incluem (mas não se limitam a): cirurgia usando máscara facial ou anestesia com dispositivo supraglótico (DSG) (p. ex., ML, MLI, tubo laríngeo), anestesia com infiltração local ou bloqueio nervoso regional. A execução dessas opções geralmente resulta em uma ventilação não problemática com máscara. Portanto, essas opções podem ter um valor limitado caso esse passo do algoritmo tenha sido atingido por Via Emergencial. b. O acesso invasivo da via aérea inclui a via aérea cirúrgica ou percutânea, ventilação a jato e intubação retrógrada. c. A abordagem alternativa de intubação difícil inclui (mas não se limita a): laringoscopia assistida por vídeo, lâminas de laringoscópio alternativas, DSG (p. ex., ML ou MLI) como conduto de intubação (com ou sem auxílio de fibra óptica), intubação com fibra óptica, estilete de intubação ou trocador de tubo, estilete luminoso e intubação oral às cegas ou intubação nasal. d. Considere uma nova preparação do paciente para intubação acordada ou cancele a cirurgia. e. A ventilação emergencial não invasiva da via aérea consiste em um DSG.

FIGURA 2 O algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists. A. Intubação acordado. B. Intubação após indução com anestesia geral. (De Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, et al; American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Practice guidelines for management of the difficult airway: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology.2013 Feb;118(2):251-70, com permissão.)

Protocolo para hipertermia maligna Reproduzido com permissão da Malignant Hyperthermia Association of the United States (MHAUS)

G

900

Fundamentos de anestesiologia clínica

MH Hotline

1-800-644-9737 Fora dos Estados Unidos: 1-315-464-7079

Efetivado em setembro de 2011

TRATAMENTO DE EMERGÊNCIA PARA

HIPERTERMIA MALIGNA

DIAGNÓSTICO versus PROBLEMAS ASSOCIADOS Sinais de HM • Aumento de dióxido de carbono ao final da expiração (ETCO2) • Rigidez do tronco ou do corpo todo • Espasmo do masseter ou trismo • Taquicardia/taquipneia • Acidose respiratória, acidose metabólica pode estar presente • Aumento da temperatura (pode ser um sinal tardio) • Mioglobinúria

Parada cardíaca súbita/inesperada em pacientes jovens • Presuma hipercalemia e inicie o tratamento (ver#6) • Determine CK, mioglobina, gasometrias arteriais, até normalizar • Considere o uso de dantrolene • Geralmente secundária à miopatia oculta • Reanimação pode ser difícil e prolongada

Trismo ou espasmo do masseter com succinilcolina • Sinal precoce de HM em muitos pacientes • Se houver rigidez muscular dos membros, inicie o tratamento com dantrolene • Para procedimentos de emergência, continue com agentes não desencadeantes, avalie e monitore o paciente e considere o tratamento com dantrolene • Acompanhe CK e mioglobinúria por 36 horas • Cheque CK imediatamente e a intervalos de seis horas até o retorno ao normal. Observe se a urina está escura ou com cor de refrigerante de cola. Se presente, libere a ingestão de líquidos e teste para mioglobina • Observe na SRPA ou UTI por 12 horas, no mínimo

FASE DE TRATAMENTO AGUDO OBTER AJUDA. OBTER DANTROLENE – Informe o cirurgião • Interrompa os agentes voláteis e a succinilcolina. • Hiperventile com oxigênio 100% a fluxos de 10 L/min ou mais. • Suspenda o procedimento assim que possível; se despertar, continue com técnica anestésica não desencadeante. • Não perca tempo trocando o circuito respiratório e absorvente CO2 • Se disponível, coloque um filtro de carvão no circuito anestésico Dantrolene 2,5 mg/kg IV rapidamente por um acesso IV de grande calibre, se possível Para converter kg em lbs para a quantidade de dantrolene, administre aos pacientes 1 mg/lb (2,5 mg/kg são aproximadamente 1 mg/lb).

• Repita até que os sinais de HM tenham sido revertidos. • Algumas vezes são necessários mais de 10 mg/kg (até 30 mg/kg).

Resfrie o paciente com temperatura central > 39 ˚C, lavagem de cavidades corporais abertas, estômago, bexiga ou reto. Aplique gelo superficialmente. Infunda solução fisiológica por via intravenosa. Cesse o resfriamento se a temperatura for < 38 ˚C e continuar caindo para prevenir que caia para < 36 ˚C. As arritmias geralmente respondem ao tratamento da acidose e hipercalemia. • Use tratamento medicamentoso-padrão. Hipercalemia – Trate hiperventilação, bicarbonato, glicose/insulina, cálcio. • Bicarbonato 1–2 mEq/kg IV. • Para pacientes pediátricos, 0,1 unidade de insulina/kg e 1 mL/kg de glicose 50% e, para adultos, 10 unidades de insulina regular IV e 50 mL de glicose a 50%. • Cloreto de cálcio 10 mg/kg ou gliconato de cálcio 10–50 mg/kg para hipercalcemia com risco para a vida. • Cheque os níveis de glicose a cada hora.

Acompanhe ETCO2, eletrólitos, gasometria, CK, temperatura central, débito urinário, coloração da urina e estudos de coagulação. Se CK e/ou K+ aumentarem mais do que transitoriamente ou se o débito urinário cair para menos de 0,5 mL/kg/h, induza a diurese para > 1 mL/kg/h e administre bicarbonato para alcalinizar a urina e prevenir insuficiência renal induzida pela mioglobinúria. (Ver D abaixo). • Os valores da gasometria venosa (p. ex., veia femoral) podem documentar melhor o hipermetabolismo do que os valores arteriais. • Monitoração venosa central ou cateter de artéria pulmonar conforme necessário e registro da ventilação-minuto. • Coloque uma sonda Foley e monitore o débito urinário.

Bicarbonato para a acidose metabólica • 1–2 mEq/kg se os valores da gasometria sanguínea não estiverem disponíveis.

FASE PÓS-AGUDA Observe o paciente em uma UTI por pelo menos 24 horas, devido ao risco de recrudescência. Dantrolene 1 mg/kg a cada 4–6 horas ou 0,25 mg/kg/h por infusão por pelo menos 24 horas. Doses posteriores podem estar indicadas. Siga os sinais vitais e os valores laboratoriais como acima (ver #7). • Gasometrias arteriais frequentes de acordo com os sinais clínicos. • CK a cada 8–12 horas; menos frequente quando os valores tendem a baixar.

ATENÇÃO

Acompanhe a mioglobina na urina e institua tratamento para prevenir precipitação de mioglobina nos túbulos renais e o subsequente desenvolvimento de insuficiência renal aguda. Os níveis de CK acima de 10.000 UI/L são um sinal presuntivo de rabdomiólise e mioglobinúria. Siga os cuidados intensivos padrão para rabdomiólise e mioglobinúria (débito urinário > 2 mL/kg/h por meio de hidratação e diuréticos juntamente com alcalinização da urina com infusão de bicarbonato de Na e atenção cuidadosa aos valores de pH da urina e do plasma). Aconselhe a família sobre HM e demais cuidados; encaminhe-os a MHAUS. Preencha e envie o formulário Adverse Metabolic Reaction to Anesthesia (AMRA) (www.mhreg.org) e envie uma carta ao médico do paciente. Encaminhe o paciente ao Centro de Biópsia mais próximo para acompanhamento.

Este protocolo pode não se aplicar a todos os pacientes; altere para necessidades específicas.

Produzido pela Malignant Hyperthermia Association of the United States. MHAUS é uma organização sem fins lucrativos sob IRS-Code 501 ©3. Ela opera apenas por meio de fundos de contribuição. Todas as contribuições podem ser deduzidas do imposto. Para mais informações, acesse www.mhaus.org.

Medicamentos fitoterápicos Os autores empreenderam todos os esforços para garantir que a seleção de medicamentos fitoterápicos neste apêndice esteja de acordo com as recomendações atuais e a prática no momento da publicação. Os editores agradecem pela contribuição de Stella A. Haddadin, BSc, PharmD, Yale-New Haven Hospital, Department of Pharmacy Services, na preparação deste apêndice. AIPO Usos: reumatismo, gota, histeria, nervosismo, perda de peso decorrente da desnutrição, perda de apetite, cansaço, sedativo, diurético leve, antisséptico urinário, auxiliar na digestão, antiflatullência, purificação do sangue. Interação/toxicidade: potencializa fármacos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. Existe um efeito aditivo com fármacos com propriedades sedativas e pode causar aumento da resposta fototóxica ao tratamento com psoraleno e luz ultravioleta A (PUVA) devido a seu conteúdo psoraleno. ALCAÇUZ Usos: cura de úlceras gástricas e duodenais. Interação/toxicidade: pode causar hipertensão, hipocalemia e edema. ALFAFA Usos: diurético, condições vesicais e prostáticas, hiperglicemia, asma, artrite, indigestão. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a terapia anticoagulante, potencializar a fotossensibilidade induzida por fármacos e interferir com o tratamento hormonal. ALHO refere-se a produto suplementar Usos: Redução de lipídeos, anti-hipertensivo, antiplaquetário, antioxidante, anti-trombolítico. Interação/toxicidade: Potencializa fármacos anticoagulantes, especialmente na presença de drogas que inibem a função plaquetária. Potencializa os fármacos vasodilatadores e anti-hipertensivos. Pode aumentar os níveis de glicose no sangue como resultado de níveis séricos elevados de insulina.

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Fundamentos de anestesiologia clínica ANIS Usos: dispepsia e como medicamento para combate à flatulência pediátrica e como expectorante. Interação/toxicidade: doses excessivas podem prolongar a coagulação, aumentando TP/INR devido à cumarina contida no anis. Existe uma interação com o tratamento anticoagulante, inibidores da MAO e tratamento hormonal. A atividade de catecolaminas pode aumentar os valores da pressão arterial e a frequência cardíaca. ASSAFÉTIDA Usos: bronquite crônica, asma, coqueluche, rouquidão, histeria, cólica flatulenta, gastrite crônica, dispepsia, colo irritável e convulsões. Interação/toxicidade: pode aumentar o risco de hemorragia e doses excessivas podem interferir com o controle da pressão arterial. Pode irritar o trato GI e está contraindicada em pacientes com condições infecciosas ou inflamatórias gastrintestinais. BROMELAÍNA Usos: condições pós-operatórias e pós-traumáticas de edema, especialmente nas sinusites nasais e paranasais, osteoartrite. Interação/toxicidade: potencializa os fármacos anticoagulantes e antiplaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. Aumenta o nível plasmático e urinário de tetraciclinas. CAMOMILA Usos: flatulência, diarreia nervosa, inquietude, insônia, antiespasmódico. Interação/toxicidade: o uso concomitante com benzodiazepínicos pode causar efeitos aditivos e colaterais. Potencializa fármacos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. É um inibidor do sistema enzimático citocromo P450 3A4. CASCA DE SALGUEIRO Usos: dor lombar baixa, febre, doenças reumáticas, cefaleia. Interação/toxicidade: na casca do salgueiro existe salicilato suficiente para causar interações comuns com salicilatos ou ácido acetilsalicílico. Pode comprometer a eficácia de bloqueadores beta-adrenérgicos, probenecida e sulfinpirazona. Pode aumentar os efeitos, bem como os efeitos colaterais ou toxicidade do álcool, anticoagulantes, inibidores da anidrase carbônica, heparina metotrexato, AINEs, sulfonilureias e ácido valproico. CASTANHADECAVALO Usos: esclerodermia, doenças vasculares periféricas, varizes e para o alívio da dor, cansaço, tensão, edema nas pernas, prurido e edema. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibir a agregação plaquetária; inibe a fosfodiesterase e altera a regulação da glicose. Potencializa medicamentos anticoagulantes e antiplaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia e efeitos hipoglicêmicos. Pode interferir com a ligação de fármacos a proteínas.

Apêndice H

Medicamentos fitoterápicos

CEBOLAS Usos: perda de apetite, prevenção da aterosclerose, dispepsia, febre, resfriados, tosse, tendência para infecção e inflamação da boca e faringe. Interação/toxicidade: pode potencializar os efeitos de fármacos antidiabéticos e alterar o controle da glicemia. Pode aumentar a atividade de fármacos antiplaquetários e aumentar o risco de sangramento. CHÁ VERDE Usos: melhora o desempenho cognitivo, reduz o colesterol e triglicérides, auxilia na prevenção do câncer de mama, bexiga, esôfago e pâncreas. Reduz o risco de doença de Parkinson, gengivite e obesidade. Interação/toxicidade: o uso concomitante pode inibir o efeito da adenosina e antagonizar o efeito da varfarina. Devido a seu teor de cafeína, existe um aumento dos efeitos cardíacos inotrópicos de fármacos agonistas ␤-adrenérgicos, um aumento dos efeitos e da toxicidade da clozapina e um aumento do risco de agitação, tremores e insônia em combinação com a efedrina. Também pode precipitar a crise hipertensiva com inibidores da MAO. Pode reduzir os efeitos sedativos dos benzodiazepínicos. CRAVODAÍNDIA Usos: flatulência, náuseas e vômitos. Interação/toxicidade: potencializa medicamentos anticoagulantes e agregantes plaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. CÚRCUMA Usos: dispepsia, icterícia, hepatite, flatulência, distensão abdominal. Interação/toxicidade: a utilização concomitante com anticoagulantes e antiagregantes plaquetários pode aumentar o risco de hemorragia. DANDELION DENTEDELEÃO Usos: diurético, distúrbios GI e efeito anti-inflamatório. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibe a agregação plaquetária; altera a regulação da glicose. Não deve ser usado na presença de obstrução biliar. Apresenta interações com digoxina, lítio, insulina, hipoglicemiantes orais, citocromo P450, ciprofloxacina, dissulfiram e metronidazol. DONG QUAI Angelica sinensis Usos: doenças ginecológicas, sintomas da menopausa. Interação/toxicidade: potencializa fármacos anticoagulantes e antiplaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. EFEDRA Usos: auxiliar na dieta, bacteriostático, antitussígeno. Interações/toxicidade: pode causar arritmias com anestésicos inalatórios e glicosídeos cardíacos. Reação com risco de vida com inibidores da MAO. Pode causar depleção de catecolaminas e levar à instabilidade hemodinâmica perioperatória. Pode levar ao óbito.

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Fundamentos de anestesiologia clínica EQUINÁCEA Usos: resfriados comuns, infecções do trato urinário. Interações/toxicidade: pode causar hepatotoxicidade, especialmente com outras hepatotoxinas concomitantes. Antagoniza os esteroides e imunossupressores. Pode apresentar atividade imunossupressora após uso a longo prazo. ERVADESÃOJOÃO Usos: depressão, ansiedade. Interação/toxicidade: possível interação/toxicidade com inibidores da MAO e meperidina. Pode prolongar os efeitos anestésicos. Potencializa a digoxina. Pode diminuir os efeitos da varfarina, esteroides e, possivelmente, os benzodiazepínicos e bloqueadores do canal de cálcio. FENOGREGO Trigonella foenum-graecum Usos: reduz a glicemia em diabéticos. Interação/toxicidade: potencializa fármacos anticoagulantes e antiplaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. Inibe a atividade de medicamentos corticosteroides, interfere com a terapia hormonal, pode alterar o controle da glicemia e potencializar o efeito de inibidores da MAO. FLOR DE ARNICA Usos: antiflogístico, antisséptico, anti-inflamatório, analgésico. Interação/toxicidade: potencializa o efeito anticoagulante e antiplaquetário de medicamentos e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. GARRA DO DIABO Usos: osteoartrite, artrite reumatoide, gota, mialgia, fibrosite. Interação/toxicidade: pode afetar a frequência cardíaca, a contratilidade cardíaca e a pressão arterial. Pode reduzir os níveis de glicose no sangue e tem efeitos aditivos com medicamentos usados para o diabetes. Pode causar um aumento na secreção de ácido gástrico. GENGIBRE refere-se a produto suplementar Usos: antinauseante, antiespasmódico. Interação/toxicidade: inibe a tromboxano-sintetase. Potencializa os anticoagulantes. Pode alterar os efeitos de bloqueadores dos canais de cálcio. GINGKO Usos: estimulante circulatório, inibe as plaquetas. Interação/toxicidade: potencializa os anticoagulantes, especialmente na presença de ácido acetilsalicílico, AINEs, heparina e varfarina. GINSENG Usos: antioxidante. Interação/toxicidade: antagoniza os anticoagulantes. Evite usar estimulantes simpáticos, pois podem resultar em taquicardia ou hipertensão. Possui efeitos hipoglicêmicos. Potencializa a digoxina e os inibidores da MAO.

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Medicamentos fitoterápicos

GOLDENSEAL OU RAIZ AMARELA Hydrastis canadensis Usos: diurético, anti-inflamatório, hemostático. Interação/toxicidade: pode agravar o edema e a hipertensão. Apresenta atividade ocitócica. KAVAKAVA Usos: ansiolítico, analgésico. Interação/toxicidade: potencializa barbitúricos, opioides e benzodiazepínicos. MATRICÁRIA Usos: profilaxia da enxaqueca, antitérmico. Interação/toxicidade: inibe a atividade das plaquetas. Potencializa os anticoagulantes. A retirada abrupta pode causar cefaleia de rebote. Estimulante uterino. Associada à síndrome da serotonina. MIRTILO Usos: doença vascular periférica, diabetes, doenças oftalmológicas, doença ulcerosa péptica e esclerodermia. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibir a agregação plaquetária; altera a regulação da glicose. ÓLEO DE LINHAÇA Usos: doença cardiovascular, câncer de colo, doenças psiquiátricas, diabetes, doenças inflamatórias, doenças intestinais inflamatórias, câncer de mama e depressão. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibir a agregação plaquetária; altera a regulação da glicose. ÓLEO DE PEIXE Usos: doença cardiovascular, câncer de colo, distúrbios psiquiátricos, diabetes, doenças inflamatórias, doenças inflamatórias intestinais, síndrome pré-menstrual e esclerodermia Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibir a agregação plaquetária; altera a regulação da glicose; potencializa medicamentos anti-hipertensivos. PAPAÍNA Usos: inflamação e edema no paciente com faringite. Interação/toxicidade: o uso concomitante com medicamentos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários pode aumentar o risco de hemorragia. PASSIFLORA Usos: transtorno de ansiedade generalizada. Interação/toxicidade: o uso concomitante com barbitúricos aumenta o período de sono induzido por medicamentos; pode potencializar os efeitos sedativos e tranquilizantes, incluindo os efeitos sedativos dos anti-histamínicos.

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Fundamentos de anestesiologia clínica PIMENTADECAIENA Usos: espasmos musculares, dor crônica. Interação/toxicidade: a dose excessiva pode causar hipotermia. Pode causar bolhas na pele. QUÁSSIA Usos: anorexia, indigestão, febre, antisséptico bucal, anti-helmíntico para vermes, nematoides e áscaris. Interação/toxicidade: estimula o ácido gástrico e pode se opor ao efeito de antiácidos e antagonistas H2. Doses excessivas podem ter efeitos aditivos com o tratamento anticoagulante com varfarina. O uso concomitante de diuréticos depletores de potássio ou o abuso de laxantes estimulantes pode aumentar o risco de toxicidade glicosídica cardíaca como resultado da perda de potássio. RAIZDEANGÉLICA Usos: espasmo gastrintestinal, perda de apetite, sensação de plenitude e flatulência. Interação/toxicidade: pode causar fotodermatite, queixas relacionadas ao aumento da acidez estomacal, consequentemente, interfere com antiácidos, sucralfato, antagonistas H2 e inibidores da bomba de prótons. Potencializa os efeitos e efeitos adversos de fármacos anticoagulantes e antiplaquetários. RAIZ DE LEVÍSTICO Uso: para inflamação do trato urinário inferior e prevenção de “areia” nos rins; em “terapia de irrigação”, é usada como um diurético leve. Interação/toxicidade: pode aumentar a retenção de sódio e interferir com o tratamento diurético. SALSA Usos: refrescante do hálito, infeções do trato urinário e cálculos biliares ou renais. Interação/toxicidade: pode interferir com o tratamento anticoagulante oral devido à vitamina K contida na salsa. Pode interferir com o tratamento antidiurético por maior retenção de sódio. Pode potencializar o tratamento com inibidores da MAO. SÁLVIA Usos: problemas circulatórios, doenças cardiovasculares, hepatite crônica, massas abdominais, insônia decorrente de palpitações e aperto no peito, acne, psoríase, eczema; auxilia na cura de feridas. Interação/toxicidade: potencializa fármacos anticoagulantes e antiplaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. Aumenta os efeitos cardiovasculares e efeitos colaterais da digoxina. SAW PALMETTO Serenoa repens Usos: hipertrofia prostática benigna, antiandrogênico. Interação/toxicidade: potencializa os contraceptivos orais e estrogênios. Pode causar hipertensão.

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Medicamentos fitoterápicos

SEMENTE DE UVA Usos: antioxidante, distúrbios cardiovasculares, distúrbios circulatórios periféricos, esclerose múltipla, doença de Parkinson. Interação/toxicidade: o uso excessivo pode interferir com a coagulação e inibir a agregação plaquetária; pode inibir a xantina-oxidase. TREVOD’ÁGUA Menyanthes trifoliata Usos: reumatismo, perda de apetite, dispepsia. Interação/toxicidade: potencializa os medicamentos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários e, possivelmente, aumenta o risco de hemorragia. TREVODOCE Usos: na insuficiência venosa crônica, incluindo a dor e sensação de peso nas pernas, cãibras noturnas nas pernas, prurido e edema, para o tratamento de suporte da tromboflebite, congestão linfática, síndromes pós-trombóticas e hemorroidas. Interação/toxicidade: o uso concomitante com medicamentos hepatotóxicos pode aumentar o risco de hepatotoxicidade. O uso concomitante com medicamentos anticoagulantes e antiplaquetários pode aumentar o risco de hemorragia. TREVOVERMELHO Usos: fogachos. Interação/toxicidade: pode aumentar os efeitos anticoagulantes e o risco de sangramento em decorrência de seu teor de cumarina. Pode interferir com o tratamento de reposição hormonal ou com o uso de contraceptivos orais e pode interferir com o tamoxifeno devido a seus potenciais efeitos estrogênicos. Pode inibir o citocromo P450 3A4 (CYP450). ULMÁRIA Filipendula ulmaria Uso: terapia de apoio para resfriados. Interação/toxicidade: pode potencializar efeitos narcóticos. Contém um constituinte salicilato. VALERIANA Usos: sedativo, ansiolítico. Interação/toxicidade: potencializa barbitúricos e anestésicos. Pode atenuar os sintomas de retirada de benzodiazepínicos. VITAMINA E Usos: deficiência de vitamina E, doença cardíaca. Interação/toxicidade: o uso concomitante de medicamentos anticoagulantes e antiagregantes plaquetários pode aumentar o risco de hemorragia. Pode prevenir a tolerância aos nitratos.

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Respostas CAPÍTULO 1 1. B Em 16 de outubro de 1846, William T. G. Morton induziu anestesia geral com éter, o que permitiu que o cirurgião John Collins Warren removesse um tumor vascular de Edward Gilbert Abbott. Essa demonstração é considerada a primeira administração pública de anestesia para um procedimento cirúrgico. Charles Jackson, um notável médico e químico de Boston e preceptor de Morton, afirmou que aconselhou Morton a respeito do uso de éter inalado para causar insensibilidade à dor, mas não foi o primeiro a demonstrar publicamente o seu uso como anestésico cirúrgico. Priestley viveu nos anos 1700 e era conhecido por ter isolado oxigênio na sua forma gasosa e pelo óxido nitroso. Bigelow observou a demonstração de Morton e escreveu sobre ela no Boston Medical and Surgical Journal. 2. C Vários anestésicos, como cloreto de etila, etileno e ciclopropano, tinham uma variedade de desvantagens, como sua natureza pungente, fraca potência e inflamabilidade. A descoberta de que a fluoração contribuía para tornar os anestésicos mais estáveis, menos tóxicos e menos combustíveis levou à introdução do halotano nos anos 1950. Os anos 1960 e 1970 trouxeram vários anestésicos fluorados como o isoflurano, que ainda é amplamente usado nos dias de hoje.

3. D O primeiro agente bloqueador neuromuscular (BNM) usado como medicamento, intocostrin, baseou-se na droga curare. Aplicada às flechas e dardos, os seus efeitos paralisantes eram empregados originalmente para a caça e a guerra. O pancurônio e o vecurônio pertencem à classe de agentes BNM, conhecidos como adespolarizantes, e foram introduzidos na prática clínica posteriormente. A succinilcolina, um agente BNM despolarizante, foi desenvolvida em 1949 pelo ganhador do Nobel, Daniel Bovel. 4. A Em 1926, Lundy introduziu o termo anestesia balanceada para descrever uma combinação de vários agentes anestésicos e estratégias para produzir inconsciência, bloqueio neuromuscular e analgesia, o que incluía um opioide e um anestésico inalatório. 5. C A cocaína, descrita originalmente como um anestésico local pelo oftalmologista austríaco Carl Koller em 1884, se tornou a base da anestesia regional durante o início dos anos 1900. Contudo, efeitos adversos, incluindo cefaleia pós-punção dural, vômitos e sua qualidade aditiva, tornaram necessário o desenvolvimento de anestésicos locais muito mais seguros como a procaína, em 1905, e a lidocaína, em 1943. A bupivacaína foi sintetizada em 1957.

CAPÍTULO 2 1. D Não há sinais dos quimiorreceptores periféricos para os centros respiratórios quando PaO2 > 100 mmHg. A sinalização para os centros respiratórios é iniciada com uma pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) de 100 mmHg, mas a ventilação-minuto não começa a aumentar até que a PaO2

caia abaixo de 65 mmHg, no momento em que o volume corrente e a frequência respiratória são aumentados. 2. A Durante a ventilação espontânea, a ventilação e a perfusão são maiores em áreas dependentes de gravidade.

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Respostas

3. D A hipoxemia arterial não ocorre instantaneamente durante a apneia porque o sangue capilar que continua a perfundir os alvéolos extrai oxigênio da capacidade residual funcional (CRF), o volume de gás deixado no pulmão após a expiração final passiva. A extração de oxigênio é minimamente influenciada pela diminuição do consumo de oxigênio, causada por um trabalho respiratório igual a zero, e não está relacionada com a capacidade pulmonar total. A perfusão pulmonar não diminui devido à apneia; ela é determinada principalmente pelo débito cardíaco, que não se altera devido à apneia isoladamente.

4. B Durante a respiração não laboriosa (repouso), o diafragma faz a maior parte do trabalho de inspiração (ativa), e a expiração se deve principalmente ao relaxamento dos músculos inspiratórios (passiva). 5. B Os quimiorreceptores do organismo respondem primariamente à falta de oxigênio, enquanto os quimiorreceptores centrais reagem a elevações no dióxido de carbono.

CAPÍTULO 3 1. A O subendocárdio é exposto a pressões mais altas do que o subepicárdio durante todo o ciclo cardíaco, particularmente durante a sístole: logo, o primeiro requer uma maior pressão de perfusão que pode não ser possível na presença de estenose coronariana. Com um coeficiente de extração de oxigênio na circulação coronariana de ∼70%, o conteúdo de oxigênio normalmente diminui de 20 para 6 mL de O2/100 mL de sangue. O fluxo sanguíneo coronariano de repouso é normalmente de ∼5% do débito cardíaco total. A perfusão coronariana do VE é dependente da diferença entre a pressão diastólica na aorta e a pressão diastólica do VE. 2. C Como mostrado na Figura 3.10, o débito cardíaco é determinado pelo VS e pela frequência cardíaca. O VS, determinado pela fração de ejeção, é a diferença entre o VDF e o VSF no VE. A fração de ejeção é uma função da pré-carga (VDF), pós-carga (RVS) e contratilidade. Embora a contração atrial possa aumentar o VDF do VE, a pressão diastólica final do AE não determina o débito cardíaco. 3. D A disfunção diastólica ocorre quando o ventrículo não pode coletar sangue adequadamente devido ao tempo de enchimento insuficiente do VE (taquicardia), obstrução ao enchimento do VE (estenose mitral) ou resistência ao enchimento por redução da complacência da parede do VE (compressão por massa mediastinal externa). Uma pO2 venosa mista de 45 mmHg é normal e não afeta a função diastólica.

4. B A pO 2 venosa mista na artéria pulmonar é 40 mmHg. Como o P50 normal da hemoglobina A é 27 mmHg, uma pO2 de 23 mmHg em uma amostra sanguínea corresponde a uma saturação de oxigênio de 30 a 40%, que pode ser encontrada apenas próximo ao seio coronário, devido ao alto coeficiente de extração de oxigênio (∼70%) na circulação coronariana. 5. C Com a inspiração espontânea, o retorno venoso para o VD é aumentado, resultando em tempo de ejeção de VD prolongado comparado com o VE. Isso leva a válvula pulmonar a se fechar mais tarde do que a válvula aórtica, produzindo variação induzida pela respiração no desdobramento de B2 (desdobramento fisiológico). 6. D O suprimento de oxigênio miocárdico aumenta para se adequar à demanda de oxigênio sob condições normais. Quando o suprimento não pode aumentar para atender às demandas (doença da artéria coronária), a isquemia miocárdica se manifesta primeiro por uma redução na complacência de VE e aumento do VDF do VE. Se a demanda excede ainda mais o suprimento, as anormalidades no movimento da parede (ETE) aparecem a seguir, seguidas por redução na fração de ejeção de VE e, por fim, alterações no segmento ST, ICC e choque cardiogênico. 7. C Como mostrado na Figura 3.8, a área dentro da curva de pressão-volume de VE corresponde ao trabalho sistólico (TS). Se a PAM é conhecida, o

Respostas VS pode ser calculado (VS = TS/PAM). Se a frequência cardíaca (FC) também é conhecida, então o débito cardíaco (DC) pode ser calculado (DC = VS × FC). O consumo de oxigênio miocárdico requer a medida do conteúdo de oxigênio na aorta e no seio coronário e não pode ser determinado a partir do diagrama de pressão-volume. 8. B O gráfico de função ventricular de Frank-Starling requer informação para a pressão diastólica final do VE (eixo x) e do VS (eixo y). A primeira pode ser estimada a partir da pressão de oclusão da artéria pulmonar, enquanto a última pode ser calculada a partir do débito cardíaco (DC) e da frequência cardíaca (FC) (VS = DC/FC) ou a partir do trabalho sistólico de VE (TS) e PAM (VS = TS/PAM). A RVS não é necessária para construir essa curva. 9. C O retorno venoso no AD é aumentado pela combinação de contrações nos músculos das extremidades e as válvulas unidirecionais passivas nas veias das extremidades (bombas musculares), bem como

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pela ventilação espontânea (bomba toracoabdominal). A paralisia dos músculos esqueléticos dificulta o retorno venoso por comprometer tanto a bomba muscular quanto a bomba toracoabdominal. A posição de Trendelenburg melhora o retorno venoso pelo aumento do gradiente de pressão hidrostática para o AD. As válvulas unidirecionais passivas nas veias das extremidades não são afetadas pela anestesia geral. A ventilação com pressão positiva compromete o retorno venoso por meio da redução do gradiente de pressão hidrostática para o AD. 10. D A pressão oncótica plasmática é determinada primariamente pela albumina circulante; assim, a hipoalbuminemia irá reduzir a pressão oncótica, mas não irá afetar nem a pressão hidrostática nem a permeabilidade da membrana capilar. Se todas as outras variáveis na equação de Starling forem mantidas constantes, o menor gradiente de pressão oncótica por meio da membrana capilar diante de hipoalbuminemia irá favorecer o aumento do movimento de líquido do compartimento intravascular para o espaço extravascular.

CAPÍTULO 4 1. C A fisostigmina cruza a barreira hematoencefálica para exercer seu efeito central. A piridostigmina não cruza a barreira hematoencefálica e é, por conseguinte, a razão pela qual o fármaco é usado para reverter relaxantes musculares não despolarizantes. 2. A Uma complicação conhecida do bloqueio do nervo interescalênico é o desenvolvimento da síndrome de Horner decorrente de bloqueio, hematoma ou lesão do gânglio estrelado. A rouquidão é o resultado de mecanismos semelhantes atuando sobre o nervo laríngeo recorrente. 3. D Em muitos casos de vazamento do líquido cerebrospinal podem aparecer sinais oculares e auditivos. Nesse caso, a paciente está apresentando sinais neurológicos de lesão do nervo abducente (nervo craniano VI) (músculo reto externo). Isso ocorre devido a perda de líquido espinhal, pois o nervo abducente tem o trajeto mais longo dentro do crânio e, portanto, está propenso a lesões quando o efeito de amortecimento do líquido espinhal é perdido.

4. C Os dois únicos hormônios sintetizados no hipotálamo são o hormônio antidiurético e a ocitocina. À exceção desses dois compostos, o hipotálamo sintetiza fortes liberadores (por exemplo, o fator liberador da corticotropina, hormônio liberador da tireotropina, etc.), que são liberados a partir do hipotálamo para a hipófise.* 5. B No sistema nervoso somático, os corpos celulares motores estão localizados dentro do SNC. No sistema nervoso autônomo, as estruturas análogas estão situadas nos gânglios, fora do SNC. Além disso, os gânglios do sistema nervoso parassimpático estão localizados perifericamente perto do órgão-alvo. Os nervos somáticos eferentes atravessam a raiz anterior da medula espinhal. O nervo somático eferente situa-se na medula espinhal.

*N. de R.T. O hormônio antidiurético (ADH), também é conhecido como arginina-vasopressina (AVP), ou apenas vasopressina. Portanto, as respostas B e C são iguais e estão igualmente corretas. Este equívoco está presente na edição original em inglês.

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6. C Os nervos com a transmissão neural mais rápida são os α-motoneurônios mielinizados (a ∼100 m/segundos). Os neurônios da dor, por sua vez, transmitem impulsos a ∼1 m/segundo).

7. C Observa-se uma redução transitória na ejeção cardíaca. Isso está associado a um aumento mais sustentado da frequência cardíaca, como observado em pacientes com disfunção autonômica, testados com uma manobra de Valsalva. A redução da pressão arterial sistólica é significativa, com uma média de 20 a 30 mmHg.

CAPÍTULO 5 1. D Nenhum composto ou íon é transportado ativamente por meio da porção ascendente fina da alça de Henle.

6. A A TFG é usada na classificação de RIFLE, mas não para a AKIN. As outras opções são usadas em ambos os sistemas de classificação.

2. D A autorregulação da pressão arterial renal ocorre entre pressões arteriais médias de 70 a 125 mmHg e resulta na manutenção do fluxo sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular dentro de níveis relativamente estreitos.

7. A Esse paciente tem acidose respiratória. A compensação renal para esse distúrbio acidobásico é a excreção de H+ e a geração de novo HCO3– para restaurar o equilíbrio acidobásico normal.

3. C A saturação de oxigênio arterial tem pouco a ver com a autorregulação do fluxo sanguíneo renal. 4. B O óxido nítrico é o vasodilatador renal intrínseco predominante. Tanto a prostaglandina quanto o fator hiperpolarizante derivado do endotélio contribuem para uma menor ação vascular. A aldosterona é parte de uma cadeia de eventos que leva a uma pressão arterial aumentada, inclusive na artéria renal. 5. A O gráfico mostra que, conforme a TFG é reduzida, a creatinina sérica se eleva de forma assintomática.

Creatinina sérica (mg/dL)

5 4 3 2 “Normal” 1 0,5

Pequena massa muscular 0

10

20

30

40 50 60 70 TFG (mL/min)

80

90

100

8. A A ação diurética renal predominante da dopamina é a redução da reabsorção renal de Na+ nos túbulos proximais, assim produzindo natriurese. Seus efeitos cardíacos contribuem pouco para o efeito diurético. A dopamina não é protetora contra lesão renal. O fenoldopam, embora seja um diurético e seja usado por alguns clínicos para proteção renal, é aprovado pelo U.S. Food and Drug Administration apenas para tratamento da hipertensão. 9. A O túbulo é muito sensível à hipoxemia. Nessa situação, a arteríola eferente se contrai para manter a pressão glomerular e a filtração. Assim, há uma redução no fluxo sanguíneo para os capilares e o aparelho tubular. Devido à sua elevada demanda metabólica para filtração, o túbulo é altamente vulnerável à isquemia. 10. A O ibuprofeno, fármaco anti-inflamatório não esteroidal, irá contrair a arteríola aferente renal, reduzindo o fluxo plasmático renal, o que diminui a pressão glomerular. Isso resulta em uma redução na TFG, com menos creatinina filtrada, levando a um aumento na creatinina sérica.

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CAPÍTULO 6 1. C O fígado recebe 25% do débito cardíaco total, com 25% do suprimento sanguíneo vindo da artéria hepática (sangue oxigenado) e 75% da veia porta (sangue desoxigenado). Devido às diferenças no fluxo sanguíneo e na oxigenação, cada suprimento sanguíneo fornece uma quantidade similar do conteúdo de oxigênio ao fígado. 2. C Como as células hepáticas de Kupffer e as células dendríticas compreendem parte do sistema fagocitário mononuclear, a insuficiência hepática aumenta a frequência e a gravidade das infecções sistêmicas. Como o comprometimento da síntese hepática de proteínas reduz a pressão oncótica plasmática e a produção de vários fatores de coagulação, a insuficiência hepática resulta em acúmulo aumentado de líquido extravascular (edema, ascite) e comprometimento da coagulação, respectivamente. Contudo, o comprometimento do armazenamento de glicogênio em pacientes com insuficiência hepática, mais provavelmente resulta em hipoglicemia do que em hiperglicemia. 3. B Os testes laboratoriais dinâmicos da função hepática incluem a medida da meia-vida de substratos,

da capacidade de eliminação e da formação de metabólitos (Fig. 6.5); assim, eles são provavelmente mais indicativos da função hepática do que os testes estáticos (p. ex., AST e ALT plasmáticas). Contudo, os testes dinâmicos requerem ambientes e procedimentos especializados e não estão amplamente disponíveis. 4. B Uma proporção AST/ALT elevada (> 2) é, mais provavelmente, associada à hepatite alcoólica ou cirrose. A obstrução biliar devido a cálculos ou massas pancreáticas é improvável de resultar em uma proporção AST/ALT elevada, embora a FA e a GGT provavelmente estejam elevadas. A hepatite viral aguda pode resultar em AST e ALT elevadas, mas a proporção AST/ALT é improvável de estar elevada. 5. C Os fármacos com um elevado coeficiente de extração são eliminados rapidamente, com um metabolismo hepático de primeira passagem significativo. Todavia, a eliminação de tais fármacos é altamente dependente do fluxo sanguíneo hepático. Portanto, diante de choque hipovolêmico, o fármaco X será eliminado mais rapidamente no paciente NL, mas mais lentamente no paciente HS.

CAPÍTULO 7 1. D A administração oral resulta em metabolismo de primeira passagem pelo fígado e reduz a biodisponibilidade. Além disso, a menor perfusão do sistema gastrintestinal também diminui a biodisponibilidade. 2. C A administração oral resulta em metabolismo de primeira passagem pelo fígado e em menor concentração plasmática de pico e menor tempo até a concentração plasmática máxima. As concentrações plasmáticas são afetadas pela perfusão gastrintestinal. 3. A O transporte do fármaco anestésico para os tecidos ou dos tecidos geralmente não é saturável. A captação do fármaco pelos tecidos é limitada pelo

fluxo sanguíneo para o tecido (captação limitada pelo fluxo). As outras opções não terão um maior efeito no equilíbrio. 4. C O fentanil é lipofílico. Para ser excretado, ele precisa ser transformado em um composto hidrofílico ou em um glicuronídeo, que é excretado pelo rim e pelo fígado. 5. B A depuração desses fármacos é afetada pelo fluxo sanguíneo (p. ex., a redução no fluxo sanguíneo reduz a depuração). A depuração do midazolam é determinada predominantemente por uma reação enzimática. 6. B A meia-vida é útil para estimar a elevação na concentração do fármaco para o estado de equilíbrio.

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Ela combina os conceitos de distribuição de volume e clearance de eliminação. 7. C A maioria dos opioides e hipnóticos são lipofílicos (necessário para passar a barreira hematocefálica). A titulação para o peso corporal real supera a dose necessária; o cálculo pelo peso corporal ideal subestima a dose. Muitos clínicos usam uma combinação de ambos, o peso corporal farmacológico (peso corporal ideal + 0,33 [peso corporal real – peso corporal ideal]). 8. C A relação dose-resposta é incapaz de identificar corretamente se a farmacodinâmica, a farmacocinética ou ambas são responsáveis pela variabilidade interpaciente. O gráfico dose-resposta curvilinear é a maneira mais adequada na descrição desta relação. 9. C A adição de um opioide a um anestésico volátil produz um efeito supra-aditivo (sinergístico). Por-

tanto, mesmo uma pequena dose de remifentanil (i.e., uma infusão de 0,05 μg/kg/min) diminui a quantidade de sevoflurano necessária para prevenir os movimentos induzidos pela nocicepção ou respostas hemodinâmicas em 30 a 40%. O isoproterenol diminui o nível do propofol plasmático. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) diminuem a eficácia clínica da codeína. O azul de metileno pode resultar em síndrome serotoninérgica quando administrado a pacientes em uso de ISRSs. 10. D O gráfico mostra a meia-vida sensível ao contexto-dependente (CSt1/2) de quatro opioides usados comumente (fentanil [F], alfentanil [A], sufentanil [S] e remifentanil [R]). Desses compostos, o remifentanil tem o CSt1/2 mais característico, que responde pela menor latência de equilíbrio. A CSt1/2 não é um parâmetro farmacocinético, mas é derivado de uma simulação computadorizada. À  medida que a duração da infusão aumenta, a CSt1/2 aumenta, mas menos com o remifentanil.

CAPÍTULO 8 1. A O xenônio é um gás armazenado em um tanque e não requer vaporização. 2. C Os anestésicos inalatórios que têm baixa solubilidade no sangue podem induzir anestesia mais rapidamente, bem como permitir um despertar mais rápido. 3. C A indução da anestesia com os anestésicos inalatórios (velocidade de elevação de FA em relação à FI) é aumentada por uma elevação na ventilação alveolar. Ela é mais lenta quando o débito cardíaco é alto, não sendo relativamente afetada pela pressão arterial ou pela obesidade. 4. A Como o fluxo sanguíneo para a gordura é uma pequena fração do débito cardíaco total, ele não tem um papel significativo na determinação da velocidade de indução dos anestésicos inalatórios. 5. D A CAM é uma ferramenta para comparação da potência de anestésicos inalatórios. Ela é determi-

nada nos pacientes pela medição da concentração alveolar dos anestésicos necessária para prevenir um movimento em resposta a uma incisão cutânea em 50% dos pacientes. Os pacientes estão inconscientes em 1 CAM mas não estão anestesiados suficientemente para cirurgia. 6. C Todos os anestésicos inalatórios voláteis aumentam o fluxo sanguíneo cerebral, apesar de uma redução modesta na pressão arterial e no débito cardíaco. 7. B O sevoflurano causa mínima irritação do trato respiratório superior. O óxido nitroso não é um anestésico completo. A indução com desflurano e isoflurano é associada comumente à tosse e ao laringospasmo. 8. D A descontinuação abrupta do óxido nitroso e a inalação de ar podem causar hipóxia de difusão. O oxigênio alveolar é diluído pela efusão do óxido nitroso a partir do sangue para dentro dos alvéolos e pela inalação de uma concentração de nitrogênio elevada.

Respostas 9. A Todos os anestésicos voláteis produzem relaxamento da musculatura uterina. A contração do útero é necessária para controlar o sangramento após o parto.

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10. D O xenônio tem muitas propriedades de um anestésico ideal (como potência elevada, rápido início de ação, poucos efeitos colaterais, ausência de metabolismo). Contudo, como ele precisa ser extraído da atmosfera, é extremamente caro.

CAPÍTULO 9 1. B Os barbitúricos deprimem o sistema ativador reticular no tronco cerebral e acredita-se que potencializem a ação dos receptores GABAA, aumentando a duração da abertura de um canal de íon cloro associado. Os barbitúricos também diminuem a taxa metabólica cerebral de oxigênio, o fluxo sanguíneo cerebral e a pressão intracraniana. 2. D Os benzodiazepínicos podem ser revertidos farmacologicamente com o flumazenil, um antagonista competitivo específico com alta especificidade pelo sítio receptor benzodiazepina. O flumazenil é depurado mais rapidamente do que as benzodiazepinas, de modo que os pacientes precisam ser monitorados, pois a sedação pode ocorrer novamente e doses adicionais de flumazenil podem ser necessárias. 3. B Similar ao propofol, o etomidato pode causar dor na injeção. O etomidato inibe transitoriamente

a 11-β-hidroxilase (não a metionina sintetase). É  usado com frequência porque causa mínima depressão hemodinâmica. Por fim, ele é capaz de produzir potenciais de convulsão no EEG em pacientes epilépticos. 4. A Ao contrário do propofol e do etomidato, os maiores efeitos da cetamina são mediados por meio do antagonismo potente do receptor NMDA em vez da ação no receptor GABAA. A dexmedetomidina age apenas nos receptores α2. 5. C A dexmedetomidina produz sedação e analgesia por ação apenas nos receptores α2. Esses receptores não estão envolvidos com a respiração, assim é observada uma depressão respiratória mínima. Ela é metabolizada no fígado e os subprodutos são excretados pela bile e pela urina. Comparada com os benzodiazepínicos na unidade de cuidados intensivos, a dexmedetomidina está associada a uma menor incidência de delirium.

CAPÍTULO 10 1. A Os AINEs inibem a síntese de prostanoides incluindo o tromboxano A2 e a prostaciclina. Assim, os AINEs diminuem a concentração desses dois prostanoides, mas não seus efeitos inflamatórios e outros mais. O ácido araquidônico é liberado a partir de membranas celulares durante lesão tissular e não é diretamente afetado pelos AINEs. 2. C O celecoxibe é relativamente seletivo em sua inibição da cicloxigenase COX-2 e não COX-1, enzima responsável pelos efeitos plaquetários de inibidores não seletivos da COX, incluindo o cetorolaco. Rofecoxibe e valdecoxibe são inibidores COX-2 seletivos, mas foram retirados do mercado devido

ao aumento da mortalidade cardíaca e mortalidade associada. 3. D Clonidina e dexmedetomidina são agonistas do receptor α2-adrenérgico. Esses receptores são encontrados em todo o cérebro e no corno posterior da medula espinhal, local mais importante para seus efeitos analgésicos. Os outros mecanismos listados não são aplicáveis. 4. A A meia-vida sensível ao contexto de um fármaco é um parâmetro-chave quando a duração da infusão de um medicamento é significativa. Para todos os opioides, exceto o remifentanil, a meia-vida sensível ao contexto aumenta significativamente com o

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aumento da duração da infusão. Assim, a duração de sua ação também aumenta. O remifentanil é uma exceção porque é rapidamente metabolizado por esterases plasmáticas. 5. B O sufentanil é aproximadamente 10 vezes mais potente do que o fentanil, 40 vezes mais potente

que a hidromorfona e 200 vezes mais potente que a metadona. 6. B A fórmula para o cálculo é: massa de gordura modificada = massa livre de gordura + 0,4 (massa corporal total − massa livre de gordura), de modo que 70 − 0,4 (140 − 70) = 98 kg.

CAPÍTULO 11 1. B Tanto a hipermagnesemia quanto a hipocalcemia antagonizam a liberação de acetilcolina do terminal nervoso. Os canais de potássio limitam a entrada de cálcio no terminal. 2. B Potência, como descrito pelo grau de depressão da contração muscular normal, é melhor expressa como DE95. IR25-75 e TOF > 0,9 não descrevem apropriadamente a potência. 3. C O bloqueio de fase II exibe todas as características de contração de um bloqueio adespolarizante EXCETO o fato de que não pode ser revertida por um fármaco anticolinesterásico. 4. A A maneira mais consistente de reduzir as mialgias pós-succinilcolina é por meio do uso de fármacos anti-inflamatórios não esteroides. Embora sejam comumente usadas doses desfaciculantes de bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, seu efeito é inconsistente. 5. B O uso do peso corporal ideal resultará em subdosagem de succinilcolina e não funcionará para assegurar rapidamente uma via aérea. 6. C O efeito de concentração plasma/biofase explica a rapidez do início de ação do rocurônio, por exemplo. A maior diferença de concentração entre o

plasma ajuda a explicar o rápido início de ação do rocurônio porque ele é muito menos potente. 7. B Agentes inalatórios potencializam o efeito de bloqueadores neuromusculares. O desflurano potencializa ao grau máximo. A concentração maior de agentes inalatórios e a exposição prolongada ao agente potencializará ainda mais o bloqueio neuromuscular. 8. A A insuficiência muscular (miopatia) é comumente observada em pacientes de cuidados intensivos, ventilados mecanicamente. Todos os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes dividem essas características. A administração de esteroides, particularmente os de longa duração, pode aumentar a incidência de miopatia em pacientes que também recebem bloqueadores neuromusculares. 9. D O uso de TOF (TOF ≥ 0,9) para orientar o tratamento de reversão do bloqueio neuromuscular sugere que, uma vez atingido o valor basal inicial, não é necessário o uso de anticolinesterásicos adicionais. Isso não é exclusivo para o agente bloqueador neuromuscular, mas também para a detecção de bloqueio residual. 10. C O perfil farmacocinético (início) do glicopirrolato (2-3 minutos) se aproxima mais do perfil da neostigmina (∼5 minutos).

CAPÍTULO 12 1. C Nas fibras nervosas mielinizadas, os anestésicos locais se ligam aos canais de Na+ por dependentes de voltagem nos nódulos de Ranvier (tais canais não

existem sob a bainha de mielina) e não se ligam aos canais de K+ dependentes de voltagem. Os anestésicos locais não têm efeito no potencial de repouso da membrana celular ou no potencial limiar.

Respostas 2. A Apenas 1 a 2% dos anestésicos locais administrados acuradamente atingem a membrana neural devido a (a) uma fração muito pequena de anestésico local presente na forma lipossolúvel em pH fisiológico e (b) à necessidade de as moléculas do anestésico penetrarem nas paredes celulares próximas e em múltiplas camadas de tecido conectivo perineural, incluindo o epineuro, perineuro e endoneuro. 3. B As manobras que aumentam o pH da solução injetada (p. ex., adição de bicarbonato de sódio) irão aumentar a fração lipossolúvel da solução. Em contraste, as manobras que diminuem o pH (adição de adrenalina) ou condições clínicas que reduzem o pH tissular (infecção) irão reduzir a fração lipossolúvel da solução. A velocidade de injeção não afeta a fração lipossolúvel. 4. A A absorção sistêmica dos anestésicos locais depende da dose total de anestésico local, do local de administração, das propriedades fisicoquímicas dos anestésicos locais individuais e da adição de vasoconstrictores (adrenalina). A injeção de 15 mL de bupivacaína a 0,25% resulta em uma menor dose total do que 10 mL de bupivacaína a 0,50%. Como a perfusão do tecido perineural é menor no espaço epidural do que nos espaços intercostais, injeções nessa região resultam em menor captação sistêmica do fármaco. 5. B Dentro de um nervo periférico típico, as fibras nervosas na camada externa do nervo são distribuídas geralmente para estruturas anatômicas mais proximais, enquanto aquelas na camada central inervam estruturas mais distais. Portanto, após um bloqueio bem sucedido do nervo ciático, a pele na panturrilha proximal geralmente perderia a sensibilidade antes da pele na sola do pé porque a difusão do anestésico local progride da superfície externa para o centro do nervo.

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6. C A colinesterase plasmática metaboliza os anestésicos locais aminoésteres e não tem papel na eliminação das aminoamidas. 7. C A cirrose hepática compromete a ligação proteica e o metabolismo dos anestésicos locais aumentando assim o risco de toxicidade sistêmica destes. A adrenalina tem efeito mínimo no aumento da duração do bloqueio quando é usada a bupivacaína ou a ropivacaína. Em contraste, devido à substituição do seu anel piperidina e a formulação como um S-enantiômero, a ropivacaína é menos cardiotóxica do que a bupivacaína. 8. B Garantir oxigenação e ventilação adequadas é o primeiro passo na ressuscitação de manifestações no sistema nervoso central da toxicidade sistêmica dos anestésicos locais. Se isso não obtiver sucesso devido à atividade convulsiva continuada, então deve ser administrada medicação anticonvulsivante (p. ex., benzodiazepínicos, propofol) e realizada intubação traqueal, se necessário. A emulsão intralipídica pode ser administrada para aqueles que não respondem a essa terapia inicial e pode prevenir o colapso cardiovascular. 9. B O comprometimento transitório (24-48 horas) da liberação dos adrenocorticoides está associado ao etomidato, não a anestésicos locais. 10. D O bypass cardiopulmonar pode ser considerado em pacientes com arritmia ventricular refratária não responsiva aos protocolos padronizados de suporte cardíaco avançado à vida para ressuscitação, incluindo adrenalina intravenosa (dose reduzida) e amiodarona. A lidocaína é contraindicada no tratamento das arritmias ventriculares causadas por toxicidade sistêmica por bupivacaína porque o seu mecanismo similar de bloqueio dos canais de Na+ cardíacos dependentes de voltagem pode exacerbar as arritmias.

CAPÍTULO 13 1. B A opção “A” é o mecanismo responsável pela estimulação mediada por β1, incluindo o aumento da frequência cardíaca e da contratilidade ventricular. As opções “C” e “D” são distrações errôneas.

2. C O bloqueio inespecífico dos receptores β pelo propranolol atenua os efeitos vasodilatadores da adrenalina na circulação periférica e seus efeitos inotrópicos e cronotrópicos no coração. Como resultado,

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as respostas da frequência cardíaca e da contratilidade são reduzidas, e as respostas da pressão arterial e da resistência vascular sistêmica são aumentadas. 3. C A noradrenalina estimula os receptores α e β1 mas, ao contrário da adrenalina, não estimula os receptores β2. Assim, ela não tem os efeitos dilatadores periféricos causados por estimulação β2. Como resultado, os efeitos de vasoconstricção sistêmica de uma estimulação α predominam, causando um aumento acentuado na resistência vascular sistêmica e menor aumento no débito cardíaco e frequência cardíaca do que o visto com a adrenalina. Embora a noradrenalina aumente a inotropia e o retorno venoso, essas não são as causas primárias do seu maior efeito na pressão arterial. 4. A A efedrina age por meio da liberação de noradrenalina a partir de terminais pré-sinápticos de neurônios simpáticos. A administração repetida de efedrina, responsável pela diminuição da resposta,

depleta os depósitos pré-sinápticos de noradrenalina. 5. D Por meio do bloqueio dos efeitos vasoconstrictores dos receptores α nos vasos arteriolares, o labetalol diminui a resistência vascular sistêmica. Além disso, o labetalol tem efeitos agonistas diretos nos receptores β2 e, ao estimular esses receptores, propicia menor resistência vascular sistêmica. 6. C O nitroprussiato produz uma redistribuição do fluxo sanguíneo para longe do miocárdio isquêmico (roubo coronariano) por causar um maior aumento da vasodilatação coronariana nos vasos que perfundem o miocárdio normal do que naqueles que perfundem o miocárdio isquêmico. As respostas “A”, “B” e “D” são afirmativas corretas sobre o nitroprussiato, mas não são o motivo pelo qual o nitroprussiato é relativamente contraindicado em pacientes com isquemia miocárdica.

CAPÍTULO 14 1. C As modernas estações de trabalho de anestesia combinam todas as características de aparelhos mais antigos em um equipamento compacto e sofisticado que supervisiona várias tarefas anteriormente desempenhadas pelo anestesiologista. No entanto, a conveniência fornecida é obtida à custa de complexidade. Quando ocorre uma avaria, o usuário nem sempre consegue resolver o problema rapidamente. 2. B Um cilindro E de oxigênio contém aproximadamente 625 L de gás a uma pressão de 2.200 psi. À  medida que o oxigênio é usado, a pressão no tanque cai linearmente em proporção à quantidade restante. Um tanque pela metade terá aproximadamente uma pressão de 1.100 psi. 3. A Quando a válvula de liberação é ativada, o oxigênio é liberado a partir de uma fonte em linha no aparelho de anestesia a uma pressão de 50 psi, diretamente na saída de comum de gases. Os vaporizadores são desviados e o anestésico não é liberado para o paciente.

4. C As pressões da parede para oxigênio e ar são semelhantes para que o alarme de baixa pressão e proteção de falha e o sistema de distribuição do fluxômetro não sejam ativados. Leituras inesperadamente baixas no analisador de oxigênio seriam a única maneira de fazer o diagnóstico. 5. A O desflurano tem um ponto de ebulição próximo à temperatura ambiente, o que impede que ele seja usado com segurança em um vaporizador de desvio variável convencional. É necessário o aquecimento ativo do vaporizador. 6. D Uma causa comum para aumento na pressão das vias aéreas durante a ventilação espontânea é a hiperexpansão da bolsa de reinalação. Para aliviar a pressão, a válvula limitadora de pressão ajustável (LPA) deve ser aberta para ventilar o gás em excesso no sistema. 7. D A válvula limitadora de pressão de um ventilador é fechada durante a fase inspiratória da ventilação. O influxo elevado de gás fresco será um acréscimo

Respostas significativo ao volume inspiratório pré-definido e irá colocar o paciente em risco de barotrauma ao pulmão. 8. D A extração do dióxido de carbono pelo absorvedor cria calor como subproduto. Um cilindro quente indica função normal. A exaustão do absorvente de dióxido de carbono é mostrada pela mudança na cor para a tonalidade violeta, mas o cilindro ainda continuará a funcionar se estiver parcialmente exaurido. O Composto A não é detectado por capnografia. Ocorrerá a reinalação do dióxido de

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carbono exalado se houver mau funcionamento da válvula unidirecional. 9. C Se houver um furo no fole, o “gás de propulsão” (ar) entrará no fole e no sistema circular. Isso diluiria o oxigênio, diminuiria a leitura do analisador de oxigênio, aumentaria o volume corrente liberado ao paciente e permitiria que o fole entrasse em colapso parcialmente entre respirações. 10. B Uma falha do oxigênio canalizado é rara e deve ser reconhecida por um alarme de pressão em funcionamento.

CAPÍTULO 15 1. A Esses dois comprimentos de onda são absorvidos de modo diferente pelo sangue oxigenado e desoxigenado. 2. D Todas as opções acima podem aumentar o espaço morto alveolar e, portanto, diminuir a concentração do dióxido de carbono expirado, mas uma embolia pulmonar seria a mais provável para produzir uma redução grande e súbita da concentração. 3. B A isquemia cardíaca é mais bem detectada por meio do monitoramento com um ECG de cinco derivações, uma técnica que pode ter uma sensibilidade de até 80%. V3 e V4 podem proporcionar

uma sensibilidade tão boa ou melhor do que V5, mas sua colocação pode interferir com o campo cirúrgico. 4. B O transdutor é zerado abrindo-o à pressão atmosférica. Assim, as pressões medidas por ele subsequentemente estão relacionadas à pressão atmosférica do ambiente. 5. C A descendente x ocorre durante a sístole ventricular precoce quando a base do coração desce, tracionando as válvulas tricúspide e mitral e, assim, expandindo o volume potencial dos átrios, reduzindo sua pressão.

CAPÍTULO 16 1. B O paciente não apresenta limitação funcional. A idade, por si só, não é um fator de atribuição do escore de estado físico da ASA. 2. D Embora esses e outros fármacos possam ter significativos efeitos colaterais potencialmente danosos, em decorrência de interações com outros fármacos usados na anestesia, não existe contraindicação absoluta para seu uso durante uma anestesia. A decisão de interromper o tratamento deve ser baseada no paciente individual, procedimento cirúrgico e fármaco.

3. B O sangramento excessivo é mais problemático quando a cirurgia é realizada em um espaço fechado, ou seja, em procedimentos intracranianos, do ouvido médio ou intraoculares. 4. D Pacientes viciados em opioides não devem interromper o uso de seus fármacos no pré-operatório. A interrupção pode colocá-los em risco de sintomas de abstinência. Esses pacientes podem necessitar de doses imensas de opioides para o controle da dor. Técnicas anestésicas locais são particularmente benéficas quando são mantidas durante o período pós-operatório.

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5. B O peso corporal por si só não significa, de forma confiável, que a intubação será difícil. As cordas vocais podem ser facilmente visualizadas durante a laringoscopia em muitos pacientes com obesidade mórbida. 6. B Evidência de uma doença arterial coronariana instável, tal como angina de repouso, é um risco importante para complicações cardiovasculares e justifica um esclarecimento diagnóstico. 7. C O mau funcionamento de um dispositivo eletrônico cardíaco implantável, tal como o marca-passo, é mais provável quando se usa um cautério monopo-

lar e quando o sítio cirúrgico se encontra a 15 cm do dispositivo. 8. B Devido ao risco de hipoglicemia não diagnosticada durante a anestesia geral, os níveis glicêmicos devem ser mantidos um pouco acima do normal. 9. A A hipertermia maligna é uma doença hereditária não ligada à artrite reumatoide. 10. A Existe um consenso geral de que a administração profilática de antibióticos reduz a incidência de infecções cirúrgicas quando os pacientes são sadios e o procedimento cirúrgico não envolve um alto risco de contaminação.

CAPÍTULO 17 1. C A distrofia muscular de Duchenne caracteriza-se por fraqueza muscular proximal e atrofia muscular indolor. Disfunção cardíaca e retardo do esvaziamento gástrico são achados comuns. A succinilcolina é contraindicada em decorrência do risco de rabdomiólise e hipercalemia aguda.

teis potentes e succinilcolina. O diagnóstico pode ser feito clinicamente, ou seja, quando os sinais de um estado hipermetabólico – hipertermia, rigidez e hipercapnia – ocorrem na presença de agentes desencadeantes ou por meio do teste da contratura in vitro, também conhecido como o teste de contração da cafeína-halotano.

2. A A miastenia grave (MG) é uma doença autoimune cujo alvo são os receptores pós-sinápticos da acetilcolina na junção neuromuscular, responsáveis pela ligação da acetilcolina. O teste de tensilon (edrofônio) é o padrão-ouro para o diagnóstico de MG e produz uma melhora transitória na força muscular em pacientes afetados. A descompensação aguda da MG, ou crise miastênica, é imprevisível e pode ocorrer durante a gestação, progredindo para fraqueza profunda e insuficiência respiratória aguda. Os inibidores da anticolinesterase (I-AChAse) são normalmente usados como tratamento de primeira linha para o alívio do sintoma. No entanto, quando em excesso, o I-AChE pode induzir uma crise colinérgica, caracterizada por hipersalivação, fraqueza e bradicardia.

4. D A deficiência de pseudocolinesterase (PChE) é um distúrbio que resulta do metabolismo insuficiente de substrato éster. O relaxamento muscular prolongado após uso da succinilcolina geralmente revela essa deficiência. Agentes éster-específicos, tais como mivacúrio, cocaína, clorprocaína, procaína e tetracaína, sofrem retardo de metabolismo com PChE.

3. C A hipertermia maligna (HM) é uma doença hipermetabólica autossômica dominante, que pode ser provocada pela administração de anestésicos volá-

5. B A síndrome torácica aguda é uma manifestação da anemia falciforme com ameaça à vida, e se apresenta com dispneia aguda, dor torácica, tosse e hipóxia. Fluidoterapia agressiva, opioides por via intravenosa e transfusão de troca devem ser iniciados imediatamente para evitar a progressão para insuficiência respiratória e óbito. A embolia pulmonar e o infarto miocárdico podem ter apresentações semelhantes, mas são menos prováveis em um adulto jovem.

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CAPÍTULO 18 1. B A hipoglicemia pode ser difícil de reconhecer no paciente anestesiado. As alterações típicas do estado mental, pressão arterial e alterações cardíacas podem ser obscurecidas pelos anestésicos ou adjuvantes, mas os pacientes podem desenvolver taquicardia e hipertensão. Portanto, em muitos casos, acredita-se que o paciente está em “anestesia superficial”. A hipoglicemia é definida como uma glicose sanguínea < 60 mg/dL, e a hipoglicemia grave,  3), diferentemente da história de roncos (RC > 1); as demais têm uma RC > 2. 8. B Para ter uma desnitrogenação adequada, além de um fator de segurança para uma saturação periférica de oxigênio prolongada e satisfatória, tanto o acoplamento apertado da máscara quanto FiO2 alta são necessários. Em relação ao ar ambiente, o uso de oxigênio a 100% aumenta o tempo de dessaturação em aproximadamente oito minutos. 9. D Em uma via aérea comprometida pela presença de sangue, as estruturas anatômicas principais podem não ser visualizadas. As outras escolhas podem fornecer um rápido acesso à via aérea sem a necessidade de visualização direta das estruturas anatômicas. 10. C Embora sejam preferidas pressões de balonete mais baixas, pressões até 60 cm H2O são aceitáveis. A inflação adequada do balonete não é determinada pelo volume.

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CAPÍTULO 21 1. B O bloqueio unilateral do nervo frênico é o efeito colateral observado com maior frequência após um bloqueio interescalênico, embora sua incidência possa ser menor com concentrações ou volumes mais baixos. As outras complicações/efeitos colaterais ocorrem em uma frequência menor. 2. D Os bloqueios supraclavicular, infraclavicular ou axilar podem ser usados. O bloqueio de Bier não é ideal, pois requer um torniquete inflado durante toda a duração da cirurgia, o que pode colocar o paciente em risco de isquemia do membro. A bupivacaína NUNCA deve ser injetada por via intravascular. O bloqueio interescalênico, em geral usa-

do para a cirurgia do braço/ombro, provavelmente não abordará o bloqueio do plexo braquial inferior (poupa o ulnar) necessário para essa cirurgia. 3. A Os nervos tibial e fibular comum compõem o nervo ciático, que é o maior componente do plexo sacral. Os demais nervos listados (femoral, obturador, cutâneo femoral lateral) são derivados do plexo lombar. 4. C A resposta de inversão indica que os nervos tibial e fibular comum do nervo ciático estão sendo estimulados. Uma resposta em dorsiflexão ou eversão indica a estimulação do fibular comum, enquanto a flexão plantar indica a estimulação tibial.

CAPÍTULO 22 1. C Devido à força da gravidade e devido a um gradiente de pressão hidrostática, a pressão arterial será mais baixa em estruturas situadas acima do local da medida da pressão arterial. 2. B A neuropatia pós-operatória do nervo ulnar pode resultar da pressão sobre o nervo (manguito de pressão arterial, acolchoamento inadequado) e de fatores desconhecidos, como a inflamação. O nervo ulnar inerva o quarto e quinto quirodáctilos e não trafega pela fossa antecubital. 3. D As fibras motoras no nervo ulnar localizam-se primariamente em sua porção média. Os danos dessas fibras em geral são consequência de uma lesão isquêmica ou de pressão significativa, que também afeta as fibras nervosas sensoriais. A recuperação é prolongada, e o déficit nervoso pode ser permanente. 4. A A lesão do plexo braquial está mais comumente associada com esternotomia, cirurgia de ombro e procedimentos realizados na posição prona ou lateral, com um ou ambos os braços abduzidos.

5. B A lesão do nervo mediano é comum em homens com bíceps bem desenvolvidos e, primariamente, resulta do estiramento do nervo quando o braço está completamente estendido. As lesões do nervo mediano têm menos probabilidade de resolução rápida do que as lesões do nervo radial ou ulnar. 6. C O nervo cutâneo femoral lateral inerva a região alta da coxa e contém apenas fibras sensoriais. 7. A Se um paciente desenvolve uma neuropatia pós-operatória com um déficit motor apenas, é razoável acompanhar o paciente diariamente durante cinco dias. Muitos déficits sensoriais se resolvem nesse período de tempo. Se o déficit for prolongado, é indicado o encaminhamento do paciente a seu clínico geral ou a um neurologista. 8. D Quando pacientes com a síndrome do desfiladeiro torácico levantam seus braços acima de suas cabeças, ocorre uma compressão dos vasos que suprem a extremidade, e esses pacientes relatam dor isquêmica.

Respostas 9. B A genitália masculina, os estomas e o tecido mamário podem ser facilmente comprimidos e lesionados quando os pacientes se encontram na posi-

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ção prona, a despeito do uso de coxins cilíndricos colocados no tórax e na pelve. Os vasos femorais são relativamente bem protegidos e não são facilmente lesionados.

CAPÍTULO 23 1. D A compensação respiratória pode normalizar o pH dentro de minutos devido a rápidas alterações na ventilação-minuto que alteram rapidamente a PaCO2. Em contraste, a compensação metabólica requer ajustes dos níveis plasmáticos de HCO3–, que resultam de alterações na excreção e reabsorção tubular renal, e ocorrem durante um período de tempo muito mais lento. 2. B Os gases arteriais indicam uma acidose respiratória aguda não compensada. Níveis elevados de PaCO2 podem resultar de remoção insuficiente de CO2 (p.  ex., baixo volume corrente devido à pressão intra-abdominal elevada associada à laparoscopia), produção excessiva de CO2 (p. ex., hipermetabolismo associado a hipertireoidismo) ou reinalação de CO2 em um sistema circular (p. ex., cal sodada esgotada). Em contraste, a aspiração gástrica prolongada remove ácido gástrico e pode resultar em alcalose metabólica. 3. B Líquidos isotônicos são definidos como aqueles cuja osmolaridade é similar ao soro (285-295 mOsm/L). Como mostrado na Tabela 23.7, o Ringer lactato, o Plasmalyte e a solução fisiológica a 0,9% tem osmolaridade nessa faixa aproximada, enquanto a osmolaridade da albumina a 25% é 1.500 mOsm/L (hipertônica). 4. B Os cristaloides são de baixo custo, não alergênicos e não inibem a coagulação. Contudo, a sua administração resulta em edema tissular, levando à translocação da flora intestinal, má cicatrização de ferimentos, comprometimento das trocas gasosas alveolares, expansão limitada do volume intravascular e desequilíbrios metabólicos. Alternativamente, os coloides são caros, alergênicos e relacionados à insuficiência renal e coagulopatia.

5. A Devido aos limitados depósitos de glicogênio hepáticos, os bebês menores estão em risco de hipoglicemia quando a ingestão oral é restrita e, portanto, geralmente devem receber glicose (na forma de soluções de glicose intravenosa) no período perioperatório até o retorno da ingestão oral. 6. D A pressão de pulso máxima do paciente é de 36 mmHg e a mínima é de 30 mmHg. Usando a Equação 23.6, sua PPV = ([36-30]/34) × 100 = 18%. Com base nessa PPV (> 12%), o paciente é hipovolêmico e pode se beneficiar de líquidos adicionais ou reanimação com produtos sanguíneos. 7. A Ver Figura 23.5. A hiponatremia se apresenta mais comumente com osmolaridade sérica hipotônica concomitante, e as possíveis etiologias incluem síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético, polidipsia primária e insuficiência cardíaca (dependendo da osmolaridade da urina, estado do volume intravascular e estado do volume extravascular). Contudo, nesse caso de hiponatremia isotônica, uma possível etiologia é a hiperglicemia. 8. B Ver Figura 23.6. 9. A Como o cálcio no soro está amplamente ligado à albumina circulante, níveis baixos de cálcio total podem refletir hipocalcemia ou hipoalbuminemia. Assim, na presença de hipoalbuminemia, o nível de cálcio ionizado é uma medida mais acurada da homeostase do cálcio corporal. 10. D Ver a abordagem escalonada à interpretação da gasometria arterial na Tabela 23.6: 1. pH > 7,45 → alcalemia está presente

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2. PaCO2 < 40 mmHg → alcalose respiratória primária 3. Não se aplica 4. HCO3− é normal → nenhuma compensação está presente, logo o processo é agudo

5. Os resultados da GAs indicam uma alcalose respiratória aguda, sendo a causa mais provável a hiperventilação iatrogênica

CAPÍTULO 24 1. D O sangue total é indicado apenas em raras circunstâncias (como em uma zona de guerra) onde não há a possibilidade de separar o sangue total em seus componentes ou em armazenar aqueles componentes. A hemorragia pelo trauma pode ser tratada efetivamente com concentrado de hemácias e líquidos cristaloides, com administração de plasma se houver evidência de uma coagulopatia ou deficiência de fator. 2. A Em um paciente saudável em outros aspectos e que está estável hemodinamicamente, não há necessidade de tratar uma anemia moderada que possui hemoglobina > 7 gr/dL. É importante determinar a causa da anemia, mas a cirurgia não precisa ser retardada para realizar a avaliação. 3. C As indicações para PFC são para o tratamento da coagulopatia dilucional, a deficiência de fator e como agente de segunda linha para reversão de varfarina. O PFC não deve ser administrado unicamente para reposição de volume. 4. B O sangramento durante craniotomia ou procedimentos intraoculares é uma complicação grave. O limite para transfusão plaquetária é mais liberal a 48 horas devido a alterações quantitativas e qualitativas nos receptores neuromusculares de acetilcolina que acompanham as lesões por queimadura. 7. C As fraturas pélvicas são acompanhadas por hemorragia interna significativa – 2 a 3 L (ver Tab. 32.5) – devido ao sangramento a partir de fragmentos de grandes ossos, bem como de lesões a veias retroperitoneais próximas. Como aproximadamente metade do volume de sangue do paciente pode ser perdido na pelve, a reposição de cristaloides para euvolemia deve diluir a massa de hemácias restante para um hematócrito de aproximadamente 50% abaixo da linha de base. 8. C A fórmula de Parkland (Tab. 32.6) calcula a reposição de líquidos isotônicos para as primeiras 24 horas após a lesão, como 4 mL × peso corporal (kg) × % ASC queimada. Assim, o volume total de reposição em 24 horas seria (4 × 21 × 29) = 2.436 mL. Como metade desse volume deve ser administrado nas primeiras oito horas, o volume de líquido em oito horas seria (2.436/2) = 1.218 mL.

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9. C Com uma história de inalação de fumaça em um espaço fechado e a presença de escarro carbonáceo, é provável uma lesão inalatória significativa, incluindo a intoxicação por monóxido de carbono. A intoxicação por monóxido de carbono se reflete em uma carboxiemoglobina elevada e uma baixa saturação de oxiemoglobina, ambas medidas pela cooximetria sanguínea arterial no laboratório. A oximetria de pulso periférico geralmente é normal porque esse equipamento apenas mede os valores relativos da oxiemoglobina e da desoxiemoglobina, não medindo a carboxiemoglobina. A PO2 arterial seria normal porque a carboxiemoglobina não afeta a pressão parcial de oxigênio dissolvido no plasma. 10. B Como os recursos de cuidados médicos emergenciais são limitados e insuficientes para tratar todas as vítimas de acidentes com casualidades em massa, aqueles com lesões mais graves e com maior risco de morte (p. ex., parada cardíaca) são manejados de forma expectante. A maior prioridade de cuidados é dada àqueles que têm necessidade de cirurgia de emergência para salvar a vida, um membro ou a visão.

CAPÍTULO 33 1. C De acordo com as diretrizes de jejum da American Society of Anesthesiologists, líquidos claros podem ser administrados até duas horas antes da cirurgia; leite materno, até quatro horas antes; fórmula láctea, até seis horas antes; e alimento sólido, até oito horas antes da cirurgia. 2. C A única indicação pediátrica para o uso de succinilcolina de acordo com a bula é: “Recomenda-se que o uso de cloreto de succinilcolina em crianças seja restrito à intubação de emergência ou situações nas quais é necessário garantir imediatamente a via aérea”. Muitos médicos administram rocurônio nessa situação, mas modificam a dose. Administrar um bloqueador neuromuscular antes da administração da succinilcolina pode trazer complicações adicionais. 3. B O uso da fórmula de administração de fluidos 4-2-1 traz a seguinte resposta: necessidades de jejum (2 horas de NPO) = (2) (4 mL/kg × 10 kg) = 80 mL + manutenção de líquidos para hora 1 (4 mL/kg ×

10 kg) = 40 mL. De um total de 120 mL, 50% do déficit de jejum são repostos na primeira hora, seguidos de 25% do déficit reposto na segunda hora, e na terceira hora para completar o déficit inteiro. 4. B O maior risco de apneia pós-operatória é a prematuridade. As demais alternativas não apresentam um risco tão alto. 5. D Em comparação com o adulto, as cordas vocais do recém-nascido se inclinam caudalmente para sua fixação às aritenoides. 6. C O consumo de oxigênio (mL/kg/min) é três vezes maior no recém-nascido (9 cc mL/kg/min) em comparação com o adulto (3 mL/kg/min). 7. A Na estenose pilórica, o quadro eletrolítico clássico é a alcalose metabólica hiponatrêmica, hipocalêmica e hipoclorêmica com acidose respiratória compensatória.

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8. B A linha A representa a gasometria arterial (GA) fetal no final do trabalho de parto; a linha C mostra a GA do recém-nascido a termo após a hora 1, e a linha D representa a GA após 1 semana. 9. D O ajuste da máscara facial não é o objetivo principal da concepção dos circuitos pediátricos (Maple-

son). Os principais objetivos são a redução da resistência ao fluxo de gás, manutenção da temperatura corporal e volume mínimo de espaço morto. 10. D O lactente consome muito mais oxigênio do que o adulto. As variáveis situam-se dentro de uma faixa semelhante para lactentes e adultos. Ver Tabela 33.2.

CAPÍTULO 34 1. A O cálculo é feito pela fórmula: VEF1 pós-operatório = VEF1 pré-operatório × (1 – segmentos ressecados/segmentos pulmonares totais). O lobo superior direito contém 6 dos 42 segmentos pulmonares totais e, assim, 60% × (1 − 6/42) = 51%. 2. B A doença pulmonar obstrutiva crônica é a comorbidade pré-operatória estabelecida mais comumente. Muitos pacientes têm as outras comorbidades listadas, especialmente doença oculta das artérias coronárias, mas elas não se constituem em diagnósticos estabelecidos. 3. D Aumentando a ventilação para o pulmão dependente, a ventilação monopulmonar se compatibiliza com a ventilação da maior parte da perfusão, que vai para o pulmão dependente devido aos efeitos da gravidade. 4. D Embora todas as manobras listadas possam ajudar a resolver a hipóxia, problemas de posicionamen-

to com tubos endobrônquicos de duplo lúmen e bloqueadores brônquicos são muito comuns, que o seu posicionamento deve ser verificado sempre que ocorrerem alterações inexplicadas na saturação ou ventilação. 5. C Os bloqueadores endobrônquicos são muito menos estáveis do que os tubos endobrônquicos de duplo lúmen, tornando a proteção contra a disseminação de infecção menos confiável. Os tubos endobrônquicos direitos e esquerdos seriam as melhores opções, mas o tubo à esquerda se destacaria devido ao brônquio principal esquerdo ser mais longo do que o direito, tornando a obstrução do brônquio do lobo superior menos provável. 6. D O sangramento profuso durante mediastinoscopia resulta de lesão aos grandes vasos do tórax superior, incluindo a veia inominada e a veia cava superior. Os líquidos administrados por meio das extremidades superiores ou da veia jugular interna podem não atingir o coração e podem impedir os esforços para reparar o local da lesão.

CAPÍTULO 35 1. A No seu cálculo, o estresse sistólico da parede incorpora o tamanho do ventrículo (pré-carga) e a pressão arterial sistólica. A resistência vascular sistêmica pode ou não se correlacionar com o consumo de oxigênio miocárdico, mas ela não leva em consideração o tamanho do ventrículo ou a pressão arterial. 2. C Aproximadamente 1 a 2% da população nos Estados Unidos tem valvas aórticas bicúspides, um

fator de risco especial para o desenvolvimento precoce de estenose aórtica. 3. A Uma dissecção do tipo A envolve a aorta ascendente. Ela pode causar ruptura do fluxo sanguíneo para as coronárias ou para os vasos do arco, ou pode romper para o pericárdio, causando tamponamento cardíaco. A mortalidade sem correção cirúrgica aumenta exponencialmente a cada hora. As dissecções do tipo B podem ser manejadas clinicamen-

Respostas te na maioria dos pacientes. Não há dissecções do tipo C ou D. 4. D A cânula para fornecimento de cardioplegia retrógrada é colocada pelo átrio direito para dentro do seio coronariano. A solução de cardioplegia é infundida por essa cânula e corre retrogradamente pela circulação coronariana. A cardioplegia anterógrada é administrada pela raiz aórtica.

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5. C Um nível > 400 segundos impede a ativação da cascata de coagulação e a formação do coágulo na máquina de CEC devido à exposição do sangue ao circuito de CEC. 6. E Estudos sobre o desfecho não demonstraram o agente anestésico ideal para pacientes que devem ser submetidos à cirurgia cardíaca.

CAPÍTULO 36 1. A Em resposta à lesão, segue-se uma cascata inflamatória, causando o enchimento do espaço subendotelial com lipoproteínas aterogênicas e macrófagos, que formam as células espumosas.

4. C A American Heart Association define a endarterectomia de carótida como um procedimento de risco intermediário, com a possibilidade de morte cardíaca ou IM não fatal < 5%.

2. C Quarenta e três por cento dos homens e 34% das mulheres com mais de 65 anos de idade têm > 25% de estenose de carótida devido à aterosclerose, e o acidente vascular encefálico permanece a principal causa de incapacidade e a terceira causa de morte nos Estados Unidos.

5. A A hipertensão pós-operatória grave persistente aumenta o risco de síndrome de hiperperfusão cerebral, caracterizada por cefaleia, convulsões e sinais neurológicos focais. Embora a hipertensão seja muito comum após endarterectomia carotídea, ela não é um sinal de síndrome de hiperperfusão.

3. D Se for colocado um stent coronário, a cirurgia eletiva deve ser postergada: para stents de metal descobertos, um mínimo de seis semanas de terapia dupla antiplaquetária (TDAP); e para stents farmacológicos (liberadores de fármacos), 12 meses ou mais de TDAP.

6. C O risco anual de ruptura de aneurisma está relacionado diretamente ao seu diâmetro: 1% para aneurismas medindo < 4 cm, 2% para aneurismas entre 4 e 4,9 cm e 20% para aneurismas > 5 cm.

CAPÍTULO 37 1. B A tolerância é o fenômeno da diminuição do efeito de uma dada quantidade de medicação. Esse fenômeno ocorre normalmente após a administração prolongada da medicação. Dependência é a condição fisiológica de sintomas de abstinência quando um opioide é suspenso. Adição é uma doença marcada por comportamento alterado para buscar a substância desejada apesar das consequências negativas. A pseudodependência é o comportamento aberrante na procura do fármaco devido ao tratamento inadequado da dor. 2. C O paracetamol é um inibidor central de COX com ação periférica mínima. Ele causa analgesia e é an-

tipirético, mas não tem efeito anti-inflamatório. Ibuprofeno, naproxeno e cetorolaco são AINEs que atuam inibindo as enzimas cicloxigenase, exercendo efeitos anti-inflamatórios, antipiréticos e analgésicos. Os AINEs são eficazes na redução da dor pós-operatória e consumo de opioides e são comumente usados na dor aguda e crônica. Seus efeitos colaterais incluem disfunção plaquetária, nefrotoxicidade e úlceras gástricas. 3. A A lesão crônica dos nervos está associada a disparos ectópicos espontâneos dos neurônios e alterações na expressão dos canais de sódio e cálcio. Os anticonvulsivantes reduzem os sinais ectópicos por meio do bloqueio dos canais de sódio ou cálcio.

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Assim, os anticonvulsivantes podem ser úteis no tratamento da dor neuropática. A dor neuropática não é causada por convulsões e lesões crônicas de nervos periféricos não causam convulsões. 4. C Os parâmetros programáveis incluem o bólus inicial, a dose de demanda e de intervalo entre doses, a taxa de infusão basal e o limite de 1 ou 4 horas. A dose de demanda deve ser uma fração da dose terapêutica habitual. O intervalo entre as doses deve ser maior do que o tempo para o início do efeito do medicamento e menor do que o tempo para que esse efeito diminua, para permitir um efeito constante. Uma infusão basal pode ser usada em um paciente usuário crônico de opioides, mas não deve ser usada em um paciente que nunca fez uso destes. Os limites de 1 e 4 horas podem ser usados para limitar a dosagem total, mas deve-se tomar cuidado para não limitar o paciente de tal forma que ele use todos os bólus admissíveis na primeira porção do intervalo de tempo, ficando sem analgesia no restante do tempo. 5. B Como regra geral, o período perioperatório não é o momento para desmame do uso de opioides. Observações clínicas mostram que as necessidades de opioides são aproximadamente o dobro do valor basal no período pós-operatório. Os opioides de longa duração usados pelo paciente devem ser mantidos de forma inalterada. Durante períodos de jejum em que não houver a possibilidade de uso da medicação oral, deve ser fornecida uma dose equianalgésica de opioide na forma de uma infusão basal via ACP. A dose de bólus deve ser mantida 25 a 50% acima do valor usado para um indivíduo que nunca tomou opioide. A analgesia regional e peridural são úteis

para reduzir a dosagem global de opioide, embora seja necessário cuidar para não administra-lo em mais de uma via. Para evitar o efeito cumulativo, as infusões peridurais muitas vezes consistem em apenas anestésico local em associação com ACP com opioide intravenoso. A cetamina, os AINEs, os anticonvulsivantes, o paracetamol e os antidepressivos podem ajudar no controle da dor e também na redução do consumo dos opioides. Os medicamentos devem ser reduzidos à linha base no pós-operatório. 6. C As injeções peridurais de esteroides são mais eficazes em pacientes com radiculite aguda, e são menos eficazes no manejo dos sintomas crônicos e da dor não radicular. A cirurgia não parece produzir resultados melhores a longo prazo para a radiculite do que uma abordagem mais conservadora. 7. A A probabilidade de desenvolvimento de uma neuralgia pós-herpética é reduzida com a pronta administração de fármacos antivirais tais como o aciclovir, famciclovir e valaciclovir. Os dados são conflitantes em relação ao uso de injeção peridural de esteroides como profilaxia contra a NPH, mas pode ser considerado em pacientes de alto risco dentro de 2 a 4 semanas após o início da erupção. 8. D A Tabela 37.7 apresenta os critérios de Budapeste para o diagnóstico de síndrome de dor complexa regional (SDCR). O quarto critério é que nenhum outro diagnóstico explica melhor os sinais e sintomas. Os exames de imagem normalmente não são úteis no diagnóstico de SDCR. Psiquiatras podem ajudar no tratamento, mas não são necessários para o diagnóstico.

CAPÍTULO 38 1. A Eventos adversos significativos são raros na anestesia fora do centro cirúrgico (AFCC); no entanto, o número de óbitos associados à AFCC é maior do que na anestesia dentro do centro cirúrgico. As complicações relacionadas à via aérea e à depressão respiratória resultante da sedação excessiva são as complicações mais comuns associadas com AFCC. Essas complicações são particularmente relevantes em pacientes com síndrome da apneia obstrutiva

do sono, que têm uma tendência maior a complicações respiratórias e da via aérea durante e após a anestesia e sedação. 2. C Antes de se aproximar de um ímã, os pacientes e a equipe de funcionários devem completar uma lista de verificação rigorosa para garantir que não estão portando nenhum objeto de ferro ou de metal. Equipamentos metálicos, tais como suportes de soro, cilindros de gás, laringoscópios e canetas,

Respostas se transformam em projéteis potencialmente letais quando levados para perto do campo magnético. Monitores, ventiladores e bombas de infusão do paciente podem apresentar mau funcionamento próximos do escâner, e existem equipamentos compatíveis com o ímã para serem usados nessas situações. Em casos de emergência, as tentativas de reanimação devem ser feitas fora do aparelho, uma vez que equipamentos como laringoscópios e desfibriladores cardíacos não podem ser levados para perto do ímã. 3. D A anestesia geral leve, com relaxamento muscular, normalmente fornecida pela succinilcolina, um relaxante muscular de ação curta, é usada para reduzir os efeitos desagradáveis de uma convulsão generalizada. O anestesiologista deve conhecer os medicamentos tomados pelo paciente, pois podem

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ocorrer interações medicamentosas entre os agentes anestésicos e os psicotrópicos, em especial os inibidores da monoaminoxidase. O hábil manejo da via aérea usando um sistema bolsa-válvula de ventilação geralmente é suficiente para manter a oxigenação durante a anestesia para ECT. 4. A A RM, tal como a TC, é indolor e não requer sedação ou anestesia. No entanto, as sequências do exame são consideravelmente mais longas do que na TC (≥ 30 minutos), de modo que, para crianças mais novas e até mesmo para adultos com distúrbios neurológicos ou psicológicos, incluindo claustrofobia, muitas vezes sedação ou anestesia são necessárias. Aproximadamente 30% dos adultos relatam ansiedade durante o exame de ressonância magnética.

CAPÍTULO 39 1. C O tratamento da dor grave com um opioide deve ser uma prioridade imediata, seguida por uma avaliação para determinar a causa da dor. 2. C A PA do paciente era apenas 20% mais baixa do que seu valor pré-operatório. Ele estava acordado e alerta. Os vasopressores têm uma ação curta. A causa mais provável para a hipotensão moderada é a hipovolemia. Os estudos laboratoriais podem ser feitos após ser iniciada a fluidoterapia. 3. A A insuflação excessiva de um manguito de PA não irá alterar a medida. Um transdutor elevado levará a uma PA erroneamente baixa. A hipotermia não causa esse efeito na ausência de calafrios. 4. D A causa mais provável do estridor, nessa circunstância, é o laringoespasmo. A administração de um broncodilatador inalatório nesse momento seria inadequada. 5. D O colapso de uma via aérea pequena é mais provável após procedimentos abdominais associados ao uso de detratores cirúrgicos ou pneumoperitônio.

6. A A administração de oxigênio pode elevar ligeiramente a PaO2, mas não ajudará a expandir as vias aéreas colabadas e não aumentará a capacidade residual funcional. 7. B O fentanil é um opioide. Os opioides são conhecidos por causar náusea e vômito. 8. C O sangue é eliminado por transporte mucociliar. Uma solução fisiológica balanceada não é perigosa quando aspirada. Uma secreção infectada pode contribuir com a pneumonia, mas o broncoespasmo, as atelectasias e a pneumonite química associados com o material de pH baixo são as mais perigosas. 9. A A disfunção renal é rara após procedimentos anestésicos e cirúrgicos comuns. 10. A Estudos mostraram que manter um paciente em repouso no leito não reduz a incidência ou gravidade da cefaleia pós-raquianestesia.

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CAPÍTULO 40 1. D Os quatro princípios formais de ética médica são a autonomia do paciente, beneficência, não maleficência e justiça e eles formam a base para discussões de casos e aplicação para a tomada de decisão de ética médica. 2. B O princípio da ética médica da justiça tem componentes de distribuição e retribuição. A justiça distributiva aborda aspectos de acesso ao atendimento equitativo e transparente dentro dos recursos de saúde limitados (p. ex., triagem). A justiça retributiva aborda retaliação ou punição para determinadas ações e é amplamente aplicável a revisões disciplinares e legais. Tomar decisões unilaterais em nome de pacientes sem a sua opinião é uma forma de paternalismo. Proporcionar o mais alto nível de cuidados tipifica o princípio ético da beneficência, enquanto primum non nocere tipifica o da não maleficência. 3. D Como mostrado na Tabela 40.1, a estrutura geral do paradigma de gestão dos recursos da tripulação na sala de cirurgia está focada na comunicação da equipe e liderança, gestão da distribuição do trabalho, tomada de decisões estruturadas e gestão de estresse. Um princípio fundamental é que qualquer membro da equipe, independentemente de sua posição na cadeia de comando, é livre e incentivado a questionar respeitosamente questões relacionadas com a segurança do paciente. 4. B Quando documentada com clareza no registro médico, a instrução de um adulto Testemunha de Jeová, mentalmente competente de não receber produtos sanguíneos durante a cirurgia é obrigatória, mesmo depois de o paciente perder a competência ou a capacidade sob anestesia geral. O anestesiologista deve confirmar explicitamente essas instruções antes da cirurgia e concordar em segui-las. Se o anestesiologista tem objeções pessoais ou religiosas para seguir essas instruções, deve providenciar para que um colega preste o atendimento. 5. D O objetivo do National Practitioner Data Bank é apoiar revisão profissional por pares exigindo dos hospitais (privilégios de atendimento ao pacien-

te), órgãos estaduais de licenciamento (ações de licenciamento), sociedades profissionais (restrições à adesão) e outras entidades de saúde (ações por negligência) que reportem tais ações adversas. Esses dados podem ser liberados (sob estrito controle) para o credenciamento médico futuro e fins de privilégio. 6. D Exemplos de diretivas antecipadas são testamentos em vida e procurações de saúde, mandato duradouro, pedidos de não reanimar (NR) gerais ou documentação específica de preferências para intervenções, como ventilação mecânica prolongada, nutrição e hidratação artificiais ou diálise, no caso de lesão incapacitante grave. 7. A Todos os Estados têm juízos de primeira instância onde as disputas civis, como negligência médica, são protocoladas e ajuizadas, até e incluindo recursos. No entanto, quando as partes estão em Estados diferentes, se uma questão federal (p. ex., violação de um direito constitucional) estiver em jogo, ou se o atendimento ocorreu em uma unidade de saúde financiada pelo governo federal, os processos (e possíveis recursos) serão julgados em um juízo federal. Os processos por negligência médica são iniciados com a entrega física da citação, petição inicial ou reclamação para o médico acusado, que deve informar imediatamente à sua seguradora devido ao tempo limitado para contestar o processo (ou seja, prazo legal). 8. C Para cumprir suas obrigações duplas de defender e indenizar, as seguradoras (não o médico acusado) normalmente contratam um advogado de defesa experiente e também pagam o valor do acordo ou sentença para um sinistro coberto (dentro dos limites definidos na apólice). As apólices baseadas em ocorrência cobrem eventos mesmo que a reclamação seja apresentada após a validade da apólice. Já as apólices baseadas em notificações cobrem apenas eventos que ocorrem e são reivindicadas durante a vigência da apólice; assim, em geral é necessária uma apólice suplementar para tais apólices. 9. B Uma procuração simples está em vigor somente enquanto o paciente também tem a capacidade

Respostas de tomar decisões e torna-se nula quando um paciente perde a capacidade de tomada de decisões. Em contraste, um mandato duradouro mantém seu efeito após o paciente perder a capacidade de decisão. Assim, apenas alguém com um mandato duradouro público e documentado especificamente para decisões de saúde pode tomar essas decisões em nome do paciente enquanto esse estiver sob anestesia geral.

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10. D Os modelos e as estratégias citados acima podem ser usados para fins de melhoria da qualidade, fornecendo as estruturas para vincular os resultados clínicos com melhorias de qualidade de cuidados. Os principais fatores em cada abordagem são coleta de dados, identificação de erro, resultados clínicos, satisfação do paciente, medidas de processo e análise.

CAPÍTULO 41 1. D Ver Tabela 41.1. 2. A A RASS avalia especificamente a agitação e o delirium, em contraste com o BPS e o CPOT que avaliam a dor. A SAT não é uma ferramenta de avaliação, mas uma técnica usada para avaliar intermitentemente a função neurológica basal em pacientes em uso de sedativos farmacológicos. 3. B A ventilação espontânea com aplicação de pressão de suporte, com equipamento T ou com pressão positiva contínua nas vias aéreas pode ser usada durante um teste de respiração espontânea (TRE), e nenhuma técnica se mostrou superior. A ventilação pulmonar protetora (i.e., baixo volume corrente, alta frequência respiratória) é realizada diante de SARA e está associada com redução de mortalidade comparada com estratégias de ventilação, usando volumes correntes elevados. 4. D Usando a Tabela 41.3, o paciente recebe os seguintes pontos: idade 66 (2 pontos), obesidade mórbida (1 ponto), IM prévio (1 ponto), cirurgia artroscópica (2 pontos). Esse total de 6 pontos o coloca na categoria de alto risco. 5. B Há uma concordância geral de que pacientes de alto risco sem contraindicações devem receber profilaxia com heparina de baixo peso molecular. Os equipamentos mecânicos geralmente são usados em pacientes com contraindicações à anticoagulação farmacológica.

6. C O posicionamento de sonda de alimentação gástrica (pré-pilórica) é aceitável na maioria dos casos, a não ser que haja evidência de intolerância à alimentação gástrica. 7. A Embora o controle rígido da glicemia sérica (80-110 mg/dL) tenha sido proposto para minimizar a morbidade associada à hiperglicemia, evidências sugerem que esse controle rígido confere um risco considerável de hipoglicemia e possível aumento da mortalidade. 8. B Na ausência de perda sanguínea continuada, infarto agudo do miocárdio, angina instável ou possível lesão neurológica aguda, a transfusão de rotina de hemácias em pacientes gravemente enfermos não é necessária – e pode ser nociva –, a não ser que a concentração de Hb seja < 7 g/dL. 9. D Ver Tabela 41.5. 10. C O tratamento inicial do choque séptico geralmente envolve a administração de soluções cristaloides isotônicas para restaurar o volume circulante e o aumento da resistência vascular sistêmica, preferivelmente com noradrenalina. A transfusão apenas é indicada se a Hb estiver < 7 g/dL. Os vasopressores alternativos à noradrenalina incluem a adrenalina ou a vasopressina, mas geralmente não incluem a fenilefrina ou a dopamina. Os esteroides exógenos são controversos e geralmente estão indicados apenas para hipotensão refratária, apesar de reposição adequada de volume e terapia vasopressora.

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CAPÍTULO 42 1. A Quando o tumor envolve a parede lateral, ele está próximo ao nervo obturador onde o eletrocautério pode estimular o nervo e induzir os músculos da coxa a se contrair violentamente, resultando potencialmente em ruptura vesical. 2. B A fórmula para esse cálculo é: Volume absorvido = Na+ sérico pré-operatório/Na+ sérico pós-operatório × LEC − LEC Assim, (80 × 0,25) = 20 litros = LEC, e (140/120) × 20 = 23,33 − 20 = 3,33 litros absorvidos. 3. C A velocidade máxima não deve exceder 12 mEq/L em um período de 24 horas. Uma cor-

reção mais rápida tem sido associada à mielinose pontina. 4. C Os sinais mais precoces da síndrome de ressecção transuretral da próstata (RTUP) incluem irritabilidade, inquietação, náusea, falta de ar, tontura e cefaleia. Esses sinais e sintomas podem ser relatados ao anestesiologista por um paciente consciente sob anestesia regional. Eles são ocultos pela anestesia geral. A mortalidade pós-operatória, o infarto do miocárdio e as velocidades de transfusão não são diferentes entre a anestesia regional e geral. 5. D Em 5 a 10% dos carcinomas de células renais do lado direito, o tumor se estende para a veia renal, para a veia cava inferior e para o átrio direito.

CAPÍTULO 43 1. C O suprimento elétrico domiciliar usual é AC. A diferença de potencial do condutor vivo oscila de forma sinusoidal em ± 170 V em torno de um condutor neutro, mas nominalmente é 120 V. A corrente, portanto, troca a direção em uma velocidade de 60 Hz (ciclos por segundo). 2. A Nenhum sistema é absolutamente livre de falhas, mas o melhor sistema é que utiliza um transformador de isolamento que permite que a força seja suprida para a sala de cirurgia sem a necessidade de conexão direta por fios. O sistema é ainda mais livre de falhas quando combinado com um monitor de isolamento de linha. 3. D Um interruptor do circuito de vazamento para a terra (ICVT) capta o fluxo de corrente no fio terra do equipamento conectado a ele. A eliminação do fio terra pelo uso de um adaptador de dois pinos torna o ICVT inoperante. Se o equipamento funcionar mal (p. ex., o estojo metálico se torna “vivo”), o ICVT irá cortar a força para a saída e uma luz vermelha irá aparecer. Todos os itens do equipamento conectados nas saídas controlados pelo ICVT serão desligados. Nenhum alarme irá soar.

4. B O transformador de isolamento “isola” a força elétrica na sala de cirurgia por induzir o campo magnético por meio de duas fiações separadas fisicamente. A saída de corrente pelo fio secundário tem uma diferença de potencial de 120 V, mas nenhum dos cabos é aterrado (a 0 V). Se uma pessoa tocar uma peça de equipamento que não esteja funcionando bem, um fio de saída se torna aterrado, e o monitor de linha de isolamento (MIL) irá disparar o alarme, a força irá continuar a alimentar o equipamento e a pessoa não irá receber um choque. 5. D Se o MIL disparar o alarme, não é uma emergência. A corrente elétrica continuará a ser suprida, mas a segurança do circuito de isolamento terá sido contornada. Cada equipamento elétrico deve ser desligado sequencialmente até que o alarme pare. O equipamento defeituoso deve, então, ser removido ou substituído. Se for uma parte essencial, é aceitável que se continue e complete o procedimento cirúrgico. 6. C Um eletrodo de dispersão é necessário apenas para instrumentos eletrocirúrgicos monopolares. A frequência da corrente de um ESU é muito alta e

Respostas pode passar com segurança pelo coração sem risco de fibrilação. A placa de dispersão, embora referida comumente como uma placa “terra”, não é conectada ao chão. É seguro usar uma unidade eletrocirúrgica (ESU, do inglês electrosurgical unit) quando os pacientes têm um desfibrilador cardioversor automático implantado (DCAI), mas um ímã deve ser colocado sobre ele, ou o DCAI deve ser reprogramado antes da cirurgia para prevenir que interprete erroneamente o ESU como fibrilação ventricular. 7. B O dióxido de carbono não suporta a combustão, de modo que um ESU intraperitonealmente é seguro.

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O óxido nitroso suporta a combustão, portanto não deve ser administrado se o ESU precisar ser usado no momento da incisão traqueal. O oxigênio deve ser diluído com ar ou nitrogênio. Apenas tubos endotraqueais “seguros para laser” podem ser usados durante cirurgia a laser nas proximidades das vias aéreas. O oxigênio administrado por meio de máscara facial plástica pode contribuir para um incêndio devastador caso ocorra uma exposição a um ESU ou cortinas incendiadas. Administrar apenas oxigênio suficiente para manter a saturação de oxigênio como medida pela oximetria de pulso em um nível seguro.

CAPÍTULO 44 1. B O MBI é considerado o padrão-ouro para avaliar esgotamento e três características psicológicas. O uso de substâncias não é um componente da ferramenta. 2. C A Family And Medical Leave Act (FMLA) tenta proteger o equilíbrio vida-trabalho garantindo licença protegida para empregados cobertos durante períodos de necessidade familiar, como doença na família, licença militar, doença pessoal, gravidez e adoção. A ADA e a ADAAA esclarecem o significado de incapacidade e proíbem discriminação com base em incapacidade. A HIPAA protege a cobertura de seguro-saúde para empregados e seus familiares quando são demitidos ou mudam de emprego e também dispõe sobre os padrões nacionais para transações eletrônicas de cuidados com a saúde e proteção de identificadores pessoais.

3. B Apesar da expansão do tratamento e programas de apoio para estagiários de anestesia durante esse período, a incidência de recaída não parece ter diminuído nessa população específica. Parece haver algumas melhorias para anestesiologistas formados. 4. D Nem o desempenho do Desempenho de Educação Médica Continuada (CME) nem o do Programas de Manutenção da Certificação em Anestesia (MOCA) apresentam relação com a melhora do conhecimento ou atendimento ao paciente, e o teste neurocognitivo pode ter baixo valor preditivo positivo e alto potencial para estresse psicológico de resultados falsos-positivos. 5. C O MBSR é distinto de outros enfoques comuns para redução de estresse, como nutrição apropriada, boa forma física, repouso adequado e responsabilidade fiscal.

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Índice Atenção: o número da página seguido de f e t indica figura e tabela, respectivamente. α-adrenérgicos, para o manejo da dor,707 β-bloqueadores, para hipertensão, 245–248, 246–247t esmolol, 248 labetalol, 248–249 γ-glutamil transpeptidase (GGT), 115 2-clorprocaína, 224. Ver também anestésicos locais 11-β-hidroxilase, 157

A Abciximabe, 462, 463t Ablação por radiofrequência (ARF) 728 Abrasões da córnea, 553–554 Abreviaturas, 854 Abscesso peritonsilar, 545, 545f Abscesso retrofaríngeo, 545 Absorção do fármaco, 121 Absorventes do dióxido de carbono, 266–267 Aceleromiografia (AMG), 202-203, 203f Acetazolamida, para a pressão intraocular, 549 Acetilcolina (ACh), 77, 79, 187–188 Acidemia, 427 Ácido acetilsalicílico, 165, 302, 462, 463t dose de, 167 farmacocinética e farmacodinâmica, 168 indicações e contraindicações, 167 interações entre fármaco e efeitos adversos, 168 mecanismo de ação, 167 metabolismo e excreção, 168 Ácido épsilon-aminocaproico (EACA), 465 Ácido para-aminobenzoico (PABA), 221 Ácido tranexâmico (TXA), 465, 496 para anestesia de trauma e reanimação, 614t, 615 Ácido γ-aminobutírico (GABA), 152 Acidose metabólica, 427–429, 428t Acidose metabólica com AG alto (AMAGA), 428–429 Acidose metabólica não ânion gap (AMNAG), 429 Acidose respiratória, 429–430, 430t Ácinos, 17 Acromegalia, 336,337t, 569 ADA Amendments Act (ADAAA – Lei Alteradora da ADA), 812 Adenoidectomia, 540

Adenosina, 874t Administração do fármaco, vias de, 119–121, 120t, 121f Administração intravenosa (IV) de fármacos, 119–121, 120t Advanced trauma life support (ATLS), 607 AFCC. Ver Anestesia fora do centro cirúrgico Agente estimulante da eritropoiese (ESA), 458 Agentes anestésicos inalatórios, 137. Ver também Anestésicos voláteis anestésicos não voláteis, óxido nitroso, 146–147 xenônio, 147 anestésicos voláteis, 137 captação e distribuição de, 138–139 concentração anestésica alveolar/inspirada, 139, 139f distribuição, 141, 141t efeito de concentração, 139–140 efeito de segundo gás, 140, 140f metabolismo, 141 sobrepressurização, 140 classificação de, 137 e agentes bloqueadores neuromusculares, 188 efeitos cardiovasculares de, 143–144, 143f efeitos em outros sistemas orgânicos, 145–146 efeitos respiratórios, 144–145, 144f, 145f história do uso de, 4–7 neurofarmacologia de, 141–143, 142f, 142t no paciente pediátrico, 637 propriedades físicas de, 138, 138t coeficiente de partição óleo:gás, 138 coeficiente de partição sangue:gás, 138 toxicidade de, 146, 146f uso clínico de, 147 Agentes anticolinesterásicos na reversão do bloqueio neuromuscular, 204–206 no glaucoma refratário, 548 Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs), 187, 188f, 189t. Ver também Bloqueio neuromuscular adespolarizante, 187, 192–195 atracúrio, 194–195 características do bloqueio adespolarizante, 192 cisatracúrio, 195 farmacologia de, 189t, 192–193, 193t

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Índice

início e duração da ação, 193 pancurônio, 193–194 rocurônio, 194 vecurônio, 194 despolarização, 187–191 (Ver também Succinilcolina (SCh)) duração da ação, 187 fisiologia e farmacologia relacionada eventos pós-sinápticos, 186 eventos pré-sinápticos, 185–186 junção neuromuscular ( JNM), morfologia de, 187 regulação do receptor para cima de para baixo, 186–187 história do uso de, 8–9 índice de recuperação, 187 início da ação, 187 interação de fármacos antagonismo, 195 efeitos aditivos e sinérgicos, 195 potenciação, 195–196 potência do fármaco, 187 respostas alteradas a, fatores para desequilíbrio ácido básico e eletrolítico, 196 disfunção orgânica, 196 envelhecimento, 196 hipotermia intraoperatória, 196 Agentes de contraste, 727, 727t reações de hipersensibilidade, 727 reações renais adversas, 727 Agentes vaporizadores, 262–263, 262f Água, reabsorção tubular de, 93–95 Água corporal total (ACT), 433 AINEs não seletivos (AINEs-ns), 168 -169 Aipo, 902 Alanina aminotransferase (ALT), 115 Albumina, 115 Alcaçuz, 905 Alcalemia, 427 Alcalose metabólica, 429, 429t Alcalose metabólica hipoclorêmica, hipocalêmica, 646 Alcalose respiratória, 430–431, 430t Alças de fluxo-volume, 34, 35f Aldosterona, 96 efeitos fisiológicos de, 344–345 excesso, 345, 345t Alergias a fármacos, 303 Alfafa, 901 Alfentanil, 181t, 182, 705 Algoritmo de abordagem das vias aéreas, 897f Alho, 904 Alodinia, 699 Aloimunização, 456 Amantadina, 325 American Society of Anesthesiologists (ASA), 274 algoritmo de fogo na sala cirúrgica, 887f algoritmo de segurança contra incêndio, 888f algoritmo de via aérea difícil, 386–388, 387f, 388f, 898f

diretrizes éticas para pacientes com ordem de não reanimar ou outras diretivas, 892–893 jejum pré-operatório e recomendações farmacológicas 313, 314t, 478, 478t, 894–895 na avaliação pulmonar pré-operatória, 37 na continuidade da sedação profunda, 476, 476t, 879, 882–883 no cuidado anestésico monitorado, 469, 889–891 Normas para a Monitoração Anestésica básica, 278t, 880 circulação, 881–882 oxigenação, 880–881 temperatura corporal, 882 ventilação, 881 normas para salas anestésicas não cirúrgicas, 725t padrões básicos para o cuidado pré-anestésico, 884 padrões para os cuidados pós-anestésicos, 880–881 sistema de classificação do estado físico, 297, 299t verificação pré-uso da estação de trabalho da anestesia, 272, 272t American Spinal Injury Association (ASIA), classificação de lesão da medula espinal, 492t, 612t Americans with Disabilities Act (ADA), 812, 815 Amidato. Ver Etomidato Amiodarona, 874t Ampola de Vater, 109 Analgesia controlada pelo paciente (ACP), 474, 708– 709, 708t Analgesia neuroaxial do trabalho de parto, 584–587. Ver também Anestesia obstétrica Analgesia peridural torácica (APT), 665 Analgesia preventiva, 316 Analgésicos, 165 não opioides acetaminofeno, 166-167 ácido acetilsalicílico, 167–168 celecoxibe, 168–170 cetamina, 170–172 cetorolaco, 168–170 clonidina, 172 dexmedetomidina, 172 ibuprofeno, 168–170 opioides agentes de reversão e efeitos associados, 182-183 diferenças sexuais nas respostas para, estudos sobre, 180–181 efeitos adversos de, 177–178 efeitos terapêuticos, 176–177 em pacientes obesos, 181 endógenos, 172–173 farmacocinética e farmacodinâmica, 174–176, 174f, 175f farmacogenômica, 178–180 hiperalgesia, tolerância e dependência, 173–174 indicações, doses e considerações especiais, 181–182 interações medicamentosas com, 178 mecanismo de ação, 173 metabolismo e ativos metabólitos, 178

Índice receptores opioides, 173 via de administração, 174 Analisador de oxigênio, 261, 267–268, 277 Análise da gasometria arterial (GA), 431–432, 432t Análise de causa-raiz (RCA), 754 Anatomia cardiovascular e fisiológica anatomia cardíaca, 41–47 ciclo cardíaco, 47–49 diagrama pressão-volume, 51-52 fisiologia coronariana, 50–51 frequência cardíaca, controle de, 49, 50t função diastólica, determinantes de, 57–58 função sistólica, determinantes de, 52–57 microcirculação, 63–66 pressão arterial, 58–62 retorno venoso, 62–63 Anemia da gravidez, 577 em pacientes criticamente doentes, 774–775 Anemia falciforme (AF), 330 Anemia megaloblástica, 328–329 Anemia perniciosa, 329 Anemias hemolíticas, 329–330 Anemias hemolíticas autoimunes (AHAI), 329–330 Anemias hemolíticas imunológicas, 329–330 Anemias imunes por hemólise induzidas por fármacos, 330 Anemias por deficiência nutricional, 328–329 Anestesia ambulatorial, 477 ansiedade, redução da, 478 cuidados pós-anestésicos, 481 dor, 482 náuseas e vômitos, 482 preparação do paciente para a alta, 482, 483t reversão do efeito do fármaco, 481 infecção do trato respiratório superior e, 477–478 jejum pré-operatório, 478 manejo intraoperatório, anestesia caudal, 480 anestesia geral, 480 anestesia peridural, 480 bloqueios de nervos, 480 opções anestésicas, 479, 479f raquianestesia, 479–480 sedação e analgesia, 480 técnicas anestésicas regionais, 479 pré-medicação com midazolam, 478 opioides e analgésicos não esteroides, 478–479 procedimentos e seleção de pacientes, 477 triagem pré-operatória, 477 Anestesia cardíaca, 669 circulação extracorpórea, 676–677 cirurgia cardíaca minimamente invasiva, 682 considerações pós-operatórias, 682, 683t cirurgias urgentes, 682 manejo da dor, 683 crianças com doença cardíaca congênita, 683–684

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doença arterial coronariana, 669–670 doença valvar cardíaca, 670–673 doenças da aorta, 673–676 manejo pré-operatório e intraoperatório, 677 fármacos anestésicos, seleção de, 678 manejo intraoperatório, 678–680 medicamentos atuais, 677 monitoramento, 677–678 pré-medicação, 677 separação da circulação extracorpórea, 680–682, 680t Anestesia caudal, na cirurgia ambulatorial, 480 Anestesia combinada raquiperidural (ACRP), 586–587 Anestesia fora do centro cirúrgico (AFCC), 721 abordagem em três passos para, 721, 722f ambiente, 722–724, 724f paciente, 721, 722t procedimento, 722, 723t avaliação pré-anestésica, 721 comunicação pré-operatória com procedimentalista, 722 considerações ambientais para agentes de contraste intravenosos, 727, 727t radiação ionizante, perigos de, 726 raios X e fluoroscopia, 725 ressonância magnética, 726–727 tomografia computadorizada, 725–726 eventos adversos em, 724 padrões ASA para, 723, 725t padrões de cuidados para, 724, 726t procedimentos específicos ablação por radiofrequência, 728 anastomose portossistêmica transjugular intra-hepática, 728 angiográficos, 727–728 cardiologia intervencionista, 728–729 cardioversão, 729 eletroconvulsoterapia, 729–730 gastrenterologia, 729 neuroradiologia intervencionista, 728 procedimentos cardíacos pediátricos, 729 radioterapia, 728, 728t Anestesia geral, 357, 883 ações de fármacos anestésicos comumente usados, 359t avaliação pré-operatória avaliação do paciente, 358–360 consentimento informado, 361 estado nil per os (NPO) (nada por boca), 360–361, 361t plano anestésico, 360 pré-medicação, 361 cuidado pós-operatório, 370, 370t manejo intraoperatório, 361–362 emergência, 369–370 fase de manutenção, 366–368, 367t indução, 363–364, 364t, 365t manejo de líquidos, 368

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monitoração, 362 prontuário anestésico, 366 temperatura, 368–369 time out, 362–363 via aérea, 365–366 na cirurgia ambulatorial, 480 para cirurgia oftálmica, 552 para o parto cesáreo, 588 propósito/metas de, 357–358 provedores qualificados de cuidados anestésicos, 358, 390t termos e acrônimos relacionados a, 358t Anestesia intravenosa total (AIVT), 161, 485, 612f Anestesia neuroaxial, para cirurgia da coluna, 498 Anestesia no consultório, 482, 484 equipamento para, 484–485 seleção de paciente e manejo pré-operatório, 484, 484t Anestesia obstétrica, 577 analgesia e analgesia neuroaxial, 584–587 avaliação fetal e reanimação neonatal, 589 reanimação intrauterina, 589–590 testes fetais auxiliares, 590–592 circulação uteroplacentária e fetal, 581–582, 582f cirurgia não obstétrica durante a gestação, anestesia para, 602–603 coluna, anatomia de, 583–584, 583f comorbidades e doenças obstétricas diabetes melito, 594 distúrbios hemorrágicos, 595–596 distúrbios hipertensivos induzidos pela gravidez, 592–594 febre e infecção, 595 febre peridural, 595 obesidade, 594–595 complicações da anestesia neuroaxial cefaleia após punção dural, 599 hematoma ou abscesso neuroaxial, 602 lesão do nervo, 599, 602 overdose de anestésico local, 599, 600–601f emergências anormalidades da placenta, 597–598 descolamento da placenta, 596 embolia amniótica, 598 hemorragia pós-parto, 596–597 hemorragia pré-parto, 596 mortalidade materna, 598–599 parada cardiopulmonar, 598 perda sanguínea maciça e transfusão, 598 placenta prévia, 596 ruptura uterina, 596 vasa prévia, 596 gestação, alterações fisiológicas de, 577–581 parto cesáreo, anestesia para, 587–588 analgesia pós-operatória, 588–589 vias da dor no trabalho de parto, 583 Anestesia ortopédica e de coluna, 489 analgesia regional e multimodal pré-operatória, 503 avaliação pré-operatória, 489–490

cirurgia de coluna anestesia neuroaxial para, 498 cuidado pós-operatório, 497–498 decisão de extubar, 497 doença degenerativa da coluna vertebral, 492 embolismo aéreo venoso, 496–497, 497t escoliose, 491–492, 491t, 492f estratégias para prevenção de perda sanguínea, 495–496 lesões da medula espinal, 490–491 manejo da dor, 498 manejo de via aérea, 493 monitoramento da medula espinal, 495, 495t monitoramento e acesso, 494 perda visual após, 496, 496t posicionamento do paciente, 493, 493f, 494f técnica anestésica, 494, 494t cirurgia de extremidade, anestesia para, 498 escolha de, 498–499, 499t tipo de cirurgia, 499t cirurgia ortopédica pediátrica, 503 complicações e considerações da síndrome de embolia gordurosa, 504 manejo do torniquete, 503–504, 504t metil metacrilato, 504–505 tromboembolismo venoso e tromboprofilaxia, 505 extremidades inferiores, cirurgia de, 502 joelho, 502 quadril, 502 tornozelo e pé, 502, 503t extremidades superiores, cirurgia para, 499–500 cotovelo, 500 ombro e braço, 500 posicionamento cirúrgico, 500, 500t, 501f punho e mão, 501–502 Anestesia pediátrica e neonatal, 627 complicações perioperatórias agitação ou delirium emergencial, 648–649 apneia pós-operatória, 648 estridor pós-extubação, 648 laringospasmo, 648 equipamento circuitos respiratórios pediátricos, 633, 634f peça em T de Ayre, 633–634 sistema de circuito respiratório, 635 sistema Mapleson D, 635 tubo endotraqueal com cuff, 635 farmacologia, 633, 634t manejo da temperatura, 640 manejo de líquidos e sangue necessidades de líquido intravenoso, 640 reposição e transfusão da perda sanguínea, 640, 641t manejo perioperatório avaliação pré-operatória, 635–636 da via aérea, 637–640 diretrizes do jejum, 636 indução da anestesia, 636–637

Índice indução inalatória, 637 indução intramuscular, 637 indução intravenosa, 637 pré-medicação, 636, presença dos pais, 636 procedimento cirúrgico cirurgia craniofacial, 642 derivações ventriculoperitoneais, 641–642 enterocolite necrosante, 646–647 escoliose, 647–648 estenose pilórica, 646 fenda labial e palatina, 643–644, 643f fístula traqueoesofágica/atresia de esôfago, 645– 646, 646f gastrosquise, 647 hérnia diafragmática, 644–645, 644f massa mediastinal anterior, 645 mielomeningocele, 641, 641f onfalocele, 647 tonsilectomia, 642–643 procedimentos para pacientes ambulatoriais anestesia regional, 649–650 indicações e contraindicações, 649 pré-medicação, 649 sistema cardiovascular malformações cardíacas congênitas, 627–630 transição cardiovascular fetal para pediátrica, 627, 628f sistema hepático, 632–633 sistema nervoso central, 633 sistema pulmonar, 630 aspiração de mecônio, 632 função respiratória, 631, 631t hipertensão pulmonar persistente do recémnascido, 632, 632t transição fetal para pediátrico, 630–631, 631t sistema renal, 632 Anestesia peridural na cirurgia ambulatorial, 480 no parto cesáreo, 588 Anestesia regional, 395 antestesia regional intravenosa, 402 bloqueio de plexo braquial, 398, 399f bloqueio axilar, 401, 402f bloqueio infraclavicular, 400–401, 401f bloqueio interescaleno, 398–399, 399f bloqueio supraclavicular, 399–400, 400f bloqueio de extremidade inferior, considerações anatômicas, 405 plexo lombar, 405–406, 406f plexo sacral, 406–407 bloqueio de nervo peniano, 405 bloqueio do nervo inguinal, 405 bloqueio do plano abdominal transverso, 403–405, 404f bloqueios de nervos paravertebrais, 403, 403f bloqueios de nervos terminais da extremidade superior, 401–402

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bloqueios do nervo intercostal, 403 cabeça e pescoço, técnicas para bloqueio do nervo occiptal maior, 398 bloqueio do nervo supraorbital e supratroclear, 397 bloqueio do plexo cervical superficial, 397 bloqueio infraorbital, 397 complicações, prevenção de, 397 em pacientes pediátricos, 649–650 extremidades inferiores, técnicas para bloqueio do compartimento do psoas, 407 bloqueio do nervo ciático, 409–410, 409f bloqueio do nervo cutâneo femoral lateral e do nervo obturador, 407 bloqueio do nervo femoral, 407, 408f bloqueio do nervo safeno, 407, 408f bloqueio do tornozelo, 410–411, 411f história de uso de, 8 para ressecção uretral da próstata, 789 princípios e equipamento, 395 agulha com isolamento, uso de, 396–397 configuração e monitoramento, 395 estimuladores de nervos periféricos, 395 guiado por ultrassom, 395–396, 396f Anestesia regional intravenosa (ARIV), 402 Anestésicos, na insuficiência renal, 103–104 Anestésicos intravenosos, 151–152 efeitos farmacodinâmicos, 154–155, 154f farmacocinética e metabolismo, 153–154 história do uso de, 8 mecanismo de ação, 152–153, 152f propriedades fisioquímicas e clínico-farmacológicas barbitúricos, 155 benzodiazepínicos, 156–157 cetamina, 158–159 dexmedetomidina, 159 etomidato, 157–158 propofol, 155–156 reações de hipersensibilidade, 155 uso clínico de agentes de indução, 160–161 para manutenção da anestesia, 161–162 para sedação, 162–163 Anestésicos locais, 209 amino éster 2-clorprocaína, 224 cocaína, 224 mistura eutética de, 227 procaína, 224 tetracaína, 224 aminoamida bupivacaína, 233 lidocaína, 222–223 mepivacaína, 223 prilocaína, 223 ropivacaína, 223–224 e agentes bloqueadores neuromusculares, 188 farmacocinética, 217–218 absorção sistêmica, 218

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Índice

distribuição, 218 eliminação, 218 ~219 farmacocinética clínica, 219 farmacodinâmica aditivos para aumentar a atividade, 217 propriedades físico-químicas, 214–217, 216f mecanismo de ação de, 209 anatomia dos nervos, 209–211, 210f, 211t bloqueio de nervos, 213–214 canais de sódio regulados por voltagem e ligação a anestésicos locais, 212, 213 condução nervosa e canais de sódio regulados por voltagem, 211–212 para manejo da dor, 707 toxicidade de, 219 reações alérgicas, 222 toxicidade do sistema cardiovascular, 220–221 toxicidade do SNC, 219–220 toxicidade neural e miotoxicidade, 221–222 tratamento de, 221 Anestésicos locais lipossolúveis, e toxicidade do sistema cardiovascular, 220 Anestésicos não voláteis, 146–147 Anestésicos voláteis, 137. Ver também Agentes anestésicos inalatórios Anestesiologia, 3 como especialidade médica, 9 história da 9 -10 prática moderna de, 9–10 Anesthesia Patient Safety Foundation, 9 Aneurisma cerebral, 570 supressão de burst no EEG, 570f tratamento endovascular de, 570–571 Aneurismas da aorta, 675–676, 694–697 abdominal, epidemiologia e fisiopatologia de, 694 cirurgia aórtica de emergência manejo da, 697 proteção medular durante, 695t correção de aneurisma toracoabdominal, 695–696 manejo medicamentoso vs. REVA, 695 reparação cirúrgica aberta, 695 REVA vs., 695 Angina de Ludwig, 546 Angiografia, 727–728 Angiotensina I (Ang-I), 95 Angiotensina II (Ang-II), 95–96, 345 Ângulo de Cobb, 491–492, 492f Ânion gap (AG), 427 Anis, 901 Antagonistas do canal de cálcio, para hipertensão, 251–252 clevidipina, 252–253 nicardipina, 252 Antagonistas do N-metil-d-aspartato (NMDA), para o manejo da dor, 707 Antagonistas do receptor da histamina, 535 Antiácidos, 356 Antibióticos

na sepse, 782 perioperatórios, 316-317 Anticoagulantes, 463t, 464, 464t Anticonvulsivantes, para o manejo da dor, 706 Antidepressivos tricíclicos (ADTs), para o manejo da dor, 706–707 Antieméticos, uso perioperatório, 316 Antifibrinolíticos, 465 Anti-histamínicos, uso antes da indução anestésica, 315–316 Antissialogogos, uso antes da indução anestésica, 316 Aparelho justaglomerular, 88, 90f Apgar, escore, 590, 592, 592t Apixabana, 464, 464t Apneia pós-operatória, 648 Aprotinina, 465 Arco reflexo, 71 Argatroban, 463t Armazenamento de nutrientes, no fígado, 113 Artéria de Adamkiewicz, 693f Artrite reumatoide (AR), 331 Artroplastia de quadril, 502 Artroscopia da articula temporomandibular, 544 Artroscopia do joelho, 502 ASA. Ver American Society of Anesthesiologists Asa fétida, 902 Ascite, 529 Aspartato aminotransferase (AST), 115 Aspiração de corpo estranho (ACE) broncoscopia rígida para o diagnóstico de, 541, 542 em crianças, 541, 542f Aspiração de mecônio, 632 Aspiração do conteúdo gástrico, 534 diretrizes do jejum, 536 esvaziamento gástrico, 535 fatores predisponentes para, 534t lesão pulmonar decorrente de, 535–536 risco de regurgitação, 535 Aspiração pulmonar, 313–314, 739 diretrizes ASA sobre, 313–314, 316 fármacos para reduzir o risco de, 315t fatores de risco para, 313 perioperatório, 739 prevenção de, 383–384 Ataque nuclear, 623 Ataques biológicos, 623 Ataques químicos, 623 Aterosclerose fisiopatologia de, 687 tratamento médico para, 688 Atividade antagonistas NMDA, 183 Atonia uterina, 597, 597t Atracúrio, 194–195 Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) Atresia esofágica, 645–646, 646f Atrofia muscular de Duchenne, 321 e manejo anestésico, 321 Atrofina, 874t

Índice Autorregulação, 61, 61f no sistema nervoso central, 559, 560f Autorregulação homométrica, 57 Avaliação da circulação, no paciente de trauma, 608–609 Avaliação da via aérea, em paciente de trauma, 386–388, 387f, 607– 608 Avaliação neurológica, durante exame inicial, 609–610, 609t Avaliação perioperatória de risco cardíaco, 305–306, 307f Avaliação pré-operatória, 297 abordagem do paciente na, 297 avaliação pré-anestésica, 297, 298t exame físico direcionado, 304–305, 305t história médica atual e pregressa, 298–299, 299t história social, 303 procedimento cirúrgico planejado e indicações, 298 resposta a anestésicos prévios, 304 sistema de classificação do estado físico, 297, 299t artrite reumatoide (AR), pacientes com, 315 doença cardiovascular, paciente com avaliação de risco cardíaco, 305–306, 307f e dispositivos cardiovasculares eletrônicos implantáveis, 308 hipertensão, 309–310 stents coronarianos perioperatórios, 308 doença endócrina, paciente com diabetes melito, 301t, 311–312 distúrbios da tireoide e paratireoide, 312 feocromocitoma, 312 doença pulmonar, paciente com, 310, 310t síndrome da apneia obstrutiva do sono, 310–311, 311t fatores cirúrgicos, 311 fatores do paciente, 310 tabagismo, 310 e administração de antibióticos no pré-operatório, 316–317 e medicação pré-operatória, 315 analgesia preventiva, 316 antiemético, 316 anti-histamínicos, 315–316 antissialogogos, 316 benzodiazepínicos, 315 e preparação para anestesia diretrizes do jejum, 313–314, 314t fármacos para reduzir o risco de aspiração pulmonar, 314–315, 315t exames laboratoriais perioperatórios, 313, 314t medicamentos usuais e alergias a fármacos, 300 alergias a fármacos, 303 anticoagulantes orais, 302–303 fármacos que afetam a função plaquetária, 302 medicamentos cardiovasculares, 300 medicamentos endocrinológicos, 300–301 medicamentos psicotrópicos, 301–302 opioides e fármacos para dependência, 300 suplmentos fitoterápicos/complementares, 303

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na cirurgia torácica, 653–655 no paciente pediátrico, 635–636 Avaliação respiratória, no paciente de trauma, 608 Avaliação ultrassonográfica focada para o trauma (FAST), 618

B Barbitúricos. Ver também anestésicos intravenosos como agentes de indução, 160 para manutenção da anestesia, 161 para sedação, 162 propriedades de, 155 Bem-estar, 811 circunstâncias especiais, 812 Americans with Disabilities Act, 812, 815 Family and Medical Leave Act, 815 conceito de, 811–812 considerações para o médico desempenho médico prejudicado, 815–816 médico em processo de envelhecimento, 816 fornecendo apoio, 816 após um efeito adverso, 816–817 durante ou após alegação de negligência, 817 promoção de, 817–820, 818–819t Benzodiazepínicos, 156–157. Ver também Anestésicos intravenosos como agentes de indução, 160 em cuidados anestésicos monitorados, 472t, 473 para a manutenção da anestesia, 161 para sedação, 162 uso antes da indução anestésica, 315 Betaxolol, 549 Bicarbonato de sódio, 874t Bile, 110, 111f síntese e regulação, 113 Biodisponibilidade, 119 Biotransformação de fármacos, 134 Bivalirudina, 463t Bloqueadores de plaquetas P2Y12, 302 Bloqueio axilar, 401, 402f Bloqueio da extremidade inferior considerações anatômicas, 405 plexo lombar, 405–406, 406f plexo sacral, 406–407 técnicas para bloquei do nervo ciático, 409–410, 409f bloqueio de nervo femoral, 407, 408f bloqueio do compartimento do psoas, 407 bloqueio do nervo cutâneo femoral e nervo obturador, 407 bloqueio do nervo safeno, 407, 408f bloqueio do tornozelo, 410–411, 411f Bloqueio de Bier, 402 Bloqueio de nervo, mecanismo de, 213–214 Bloqueio de nervo femoral, 405 Bloqueio de nervo inguinal, 405 Bloqueio de nervo peniano, 405

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Índice

Bloqueio dependente de frequência, anestésicos locais, 213 Bloqueio diferencial, 214 Bloqueio do compartimento do psoas, 407 Bloqueio do nervo ciático, 409–410, 409f Bloqueio do nervo safeno, 407, 408f Bloqueio do plexo braquial, 398, 399f bloqueio axilar, 401, 402f bloqueio infraclavicular, 400–401, 401f bloqueio interescalênico, 398–399, 399f bloqueio supraclavicular, 399–400, 400f Bloqueio do tornozelo, 410–411, 411f Bloqueio infraclavicular, 400–401, 401f Bloqueio interescalênico, 398–399 399f Bloqueio neuromuscular avaliação de, durante anestesia, 284–286, 285t, 286f monitoração de, 197 aplicações clínicas, 204 colocação de eletrodo, 204 contagem pós-tetânica (CPT), 203, 203f estimulação tetânica, 199–200, 200f estimulação train-of-four (TOF), 199f, 201 estimulação única do nervo, 198, 198f estimuladores de nervos e monitores neuromusculares, 197–198, 197f monitoração e razão de risco-benefício, 197 registro de resposta, 201–203 sensibilidade muscular diferencial, 203–204 reversão de agentes anticolinesterase, 204–205 fatores que afetam a reversão da neostigmina, 205 neostigmina, 205–206 sugammadex, 206 Bloqueio poplíteo, 409–410 Bloqueio supraclavicular, 399–400, 400f Bloqueio tônico, anestésicos locais, 213 Bloqueios de cabeça e pescoço, 397 bloqueio do nervo occipital maior, 398 bloqueio infraorbital, 397 bloqueio superficial do plexo cervical, 397 bloqueios do nervo supraorbital e supratroclear, 397 Bloqueios de nervo intercostal, 403 Bloqueios de nervo periférico, em pacientes obesos, 526 Bloqueios de nervos paravertebrais, 403, 403f Boldo, 902 Bomba muscular, 63 Bomba toracoabdominal, 63 Brain Trauma Foundation, diretrizes da, 610 Bromelaína, 902 Bromocriptina, 326 Broncoconstrição pulmonar hipocápnica, 31 Broncoscopia, 544–545 Broncoscopia por fibra ótica flexível, 660 Broncoscopia rígida, 544–545, 660–661 Bronquíolo terminal, 17 Bupivacaína, 233. Ver também Anestésicos locais Burnout, 812. Ver também Bem-estar definição de, 812 epidemiologia e impacto de, 813–814t

C Cálcio, 446 homeostasia, 346–348, 347f, 446 CAM. Ver Cuidado anestésico monitorado Camomila, 902 Câncer testicular, cirurgia radical para, 793 Capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLCO), 36, 36t Capacidade de difusão de monóxido de carbono (DLCO), 654 Capacidade de fechamento, 32–33 Capacidade residual funcional (CRF), 32, 653 Capacidade vital, 33 Capacidade vital forçada (CVF), 33 Capacidades, 31, 32f Capnografia, 279–280, 280f, 475, 733 Capnomediastino, 515 Capnopericárdio, 515 Cápsula de Bowman, 88 Cápsula de Glisson, 109 Carcinoma de célula renal, 793 Cardiologia intervencionista, 728–729, 728t Cardioversão transtorácica, 729 Cardioversores desfibriladores implantáveis (CDIs), 856–857 Casca de salgueiro, 908 Cascata da coagulação, 460–462, 461f Castanha-de-cavalo, 905 Catecolaminas, 82, 229–238, 345–346, 346f, 347f adrenalina, 234t, 236t, 238–239 agonista α-adrenérgico, 231f agonista β-adrenérgico, 231f dobutamina, 234t, 237t, 241–242 dopamina, 234t, 237t, 240–241 efeitos circulatórios de, 230, 232–233t estruturas químicas, 229, 230f indicação clínica e variação de dose, 234–235t isoproterenol, 234t, 237t, 242 ligação ao receptor e efeitos colaterais, 234–235t noradrenalina, 234t, 236t, 239–240 programação de dose e efeitos hemodinâmicos de, 236–237t Cateter de artéria pulmonar (PAC), 293 Cateter de Swan-Ganz, 291–292, 291t, 292f, 292t Cateteres de microdiálise, 563 Cateteres de troca das vias aéreas (AECs), 386 Cateterização venosa central, 289, 289t Cebolas, 905 CEC. Ver circulação extracorpórea Cefaleia pós-punção dural (CPPD), 599 Cefazolina, para profilaxia contra ISCs, 319 Celecoxibe, 168 dose de, 169 farmacocinética e farmacodinâmica, 169–170 indicações e contraindicações, 168–169 interações de fármacos e efeitos adversos, 170 mecanismo de ação, 169 metabolismo e excreção, 170 Cell saver, 496

Índice Células de Kupffer, 109–110, 114 Células estreladas, 110 Centros respiratórios, 21 Cerebelo, 70 Cérebro, 69, 70f, 557, 558f, 558t. Ver também Neuroanestesia cerebelo, 70 diencéfalo, 69 triencéfalo, 69 tronco cerebral, 70 Cetamina, 158–159, 364t. Ver também Anestésicos intravenosos como agente de indução, 160–161 doses de, 171 farmacocinética e farmacodinâmica, 171 indicações e contraindicações, 170–171 interações de fármacos e efeitos adversos, 170–172 mecanismo de ação, 171 metabolismo e excreção, 171 na cirurgia vertebral, 494t no cuidado anestésico monitorado, 472t, 473–474 para a manutenção da anestesia, 161–161 para anesthesia do trauma e reanimação, 614t Cetoacidose diabética, 352–353, 353t Cetorolaco dose de, 169 farmacocinética e farmacodinâmica, 169–170 indicações e contraindicações, 168–169 interações de fármacos e efeitos adversos, 170 mecanismo de ação, 169 metabolismo e excreção, 170 Chá verde, 905 Choque cardiogênico, 51 Choque neurogênico, 490 Choque séptico, 779–780. Ver também Sepse, na UTI Ciclo cardíaco, 47–49 Ciclopentolato, 548 Cinética de primeira ordem, 125 Circuitos respiratórios pediátricos, 633, 634f Circulação, monitoramento de, durante anestesia, 281– 284, 281t, 282f, 283f Circulação brônquica, 17 Circulação extracorpórea (CEC), 676. Ver também Anestesia cardíaca anticoagulação prévia e durante, 676 circuito básico para, 676, 676f e proteção miocárdica, 677 separação da, 680–682, 680t, 681t Circulação pulmonar, 17 Círculo de Willis, 557, 558f Cirrose e hipertensão portal, 527–530 Cirurgia bariátrica, anestesia para, 526 Cirurgia cardíaca minimamente invasiva, 682 Cirurgia carotídea acordado, 571 Cirurgia da tireoide complicações de, 341t prioridades anestésicas em, 340–341 Cirurgia da via aérea a laser, 544

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Cirurgia de carótida com paciente em sono (anestesia geral), 571 Cirurgia de controle de danos, 618 Cirurgia de descolamento de retina, 553 Cirurgia de extremidades, 498 anestesia para, 498 escolha de, 498–499, 499t tipo de cirurgia, 499t inferior, 502 joelho, 502 quadril, 502 tornozelo e pé, 502, 503 superior, 499–500 cotovelo, 500 cotovelo, 500 posicionamento cirúrgico, 500, 500t, 501f punho e mão, 501–502 Cirurgia de hipófise, 569–570 Cirurgia descompressiva, 490–491 Cirurgia do ouvido médio e mastoide, 543 Cirurgia gastrintestinal, manejo anestésico para, 533 farmacologia, 533 função pulmonar, 533 obstrução mecânica e íleo paralítico, 533–534 perfuração intestinal e peritonite, 534 Cirurgia nasal e sinusal, 543 Cirurgia oftálmica, anestesia para anatomia ocular, 546, 547f avaliação pré-operatória, 550 cirurgia de descolamento da retina e, 553 cirurgia de estrabismo e, 552–553 cirurgia intraocular e, 553 complicações perioperatórias abrasão da córnea, 553–554 perda visual pré-operatória, 554 fármacos oftálmicos e, 548 adrenalina, 548 agentes anticolinesterásicos, 548 β-bloqueadores tópicos, 549 ciclopentolato, 548 fenilefrina, 549 hexafluoreto de enxofre intraocular, 549 fármacos sistêmicos acetazolamida, 549–550 glicerol oral, 549 manitol, 549 fisiologia ocular humor aquoso, produção e drenagem de, 546 pressão intraocular, manutenção de, 546, 548 reflexo oculocardíaco, 548 glaucoma, 548 olho aberto, risco do estômago cheio e, 548 técnicas anestésicas anestesia geral 552 anestesia tópica, 551 anestésico local, adjuvantes de bloqueio, e adjuntos, 551 bloqueio peribulbar, 550 bloqueio retrobulbar, 550

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Índice

bloqueio subetoniano, 550 cuidado anestésico monitorado, 551–552 Cirurgia ortognática, 543 Cirurgia ortopédica da coluna e extremidades, 489–490. Ver também Anestesia ortopédica e de coluna Cirurgia ortopédica pediátrica, 503 Cirurgia otorrinolaringológica, anestesia para, 539 extubação traqueal, 546 na população adulta artroscopia de articulação temporomandibular, 544 cirurgia de via aérea, 544–545, 544f cirurgia do ouvido médio e mastoide, 543 cirurgias nasais e sinusais, 543 estrutura óssea craniofacial, 544 infecção e, 545–546, 545f trauma maxilofacial e cirurgia ortognática, 543 na população pediátrica anatomia e fisiologia, 540 emergências/estridor, 541–543 hemorragia pós-amidalectomia, 541 miringotomia e inserção de tubo, 540 tonsilectomia e adenoidectomia, 540 Cirurgia torácica, 673 avaliação pré-operatória, 653 doença pulmonar obstrutiva crônica, 655 função pulmonar mecânica, 653 função pulmonar parenquimatosa, 654 interação cardiopulmonar, 654, 654t investigações cardíacas, 654–655, 654t processos malignos, 655 manejo intraoperatório isolamento pulmonar, métodos de, 657–658 monitoramento, 655 ventilação monopulmonar, 655–660 manejo pós-operatório hérnia cardíaca, 665–666 insuficiência respiratória, 665 manejo da dor, 665 procedimentos e patologias, 660 broncoscopia flexível com fibra óptica, 660 broncoscopia rígida, 660–661 bronquiectasias, abscesso pulmonar, e empiema, 663 cirurgia esofágica, 662 fístula broncopleural, 663 massas mediastinais, 663–664 mediastinoscopia, 661–662, 661f miastenia grave, 664–665 ressecção pulmonar, 662 ressecção traqueal, 662–663 Cirurgias laparoscópicas e robóticas, 509 complicações intraoperatórias complicações cardiopulmonares, 514, 514t complicações cirúrgicas, 514–516, 515t hipotermia, 516 relacionada ao posicionamento, 516 considerações pós-operatórias, 516–517 efeitos fisiológicos, 512t efeitos respiratórios, 512

efeitos sistêmicos cardiovasculares, 511 perfusão regional, 511–512, 512t manejo anestésico indução anestésica e manejo da via aérea, 513 manutenção da anestesia, 513 seleção de paciente, 512–513 prevenção da dor, 513 procedimentos ambulatoriais, 517 técnicas cirúrgicas, 509–511, 510f, 511f Cisatracúrio, 195, 365t. Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) para anestesia do trauma e reanimação, 614t Cistoscopia, 785 Citocromo P450 (CYP P450), 124 Classificação AKIN da lesão renal aguda, 97, 97f Classificação de RIFLE de lesão renal aguda, 97, 97f Clevidipina, para hipertensão, 252–253 Clindamicina, 317 Clonidina, 217 farmacocinética e farmacodinâmica, 172 indicações e dose, 172 interações de fármacos e efeitos adversos, 172 mecanismo de ação, 172 Clopidogrel, 462, 463t Cloreto de cálcio, 874t para anestesia de trauma e reanimação, 614t Clorofórmio, descoberta e história do uso de, 7 Coarctação da aorta, 628–630, 629f Cocaína, 224. Ver também Anestésicos locais Codeína, 178 Coeficiente de partição, anestésicos inalatórios, 138 Coeficiente internacional normalizado (INR), 464 Coloides, 368, 438, 439t Coma mixedematoso, 340, 340 t Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), 161 Compartimento farmacocinético, 126 Complacência, 19 Complacência da parede torácica, 19, 631 Complacência total, 19 Complexo hipotálamo-hipofisário, 335–338, 337f Complicações pulmonares, pós-operatórias, 310–311 Compressão aguda da medula espinal, 561 Concentração alveolar mínima (CAM), 141, 579 de anestésicos inalatórios, 141–143, 142t Concentrado de hemácias (CH), 451–452, 452t Concentrados de complexo de protrombina (PCCs), 464, 465 Condução decremental, 214 Condução elétrica, 45 Consentimento informado, 752–753 Constante de velocidade, 125 Consumo miocárdico de oxigênio, 51 Conteúdo de oxigênio arterial, 669 Contratilidade miocárdica, 52, 56–57, 57f Controle da glicose, em pacientes criticamente enfermos, 774 Controvérsia do éter, 5–6 Convulsões, 325–326 focais, 325

Índice generalizadas,325 Coração, anatomia de, 41– 47, 42f, 43f, 45f, 46f artéria coronária esquerda (ACE), 44 artéria coronária direita (ACD), 44 artéria pulmonar (AP), 41 artérias coronárias, 44, 46f átrio direito (AD), 41 átrio esquerdo (AE), 44 condução elétrica, 45, 47f descendente anterior esquerda (ADA), 44–45 esqueleto fibroso, 41 nó sinoatrial (SA), 44 parede cardíaca, 41 pericárdio, 45 seio coronário, 41 septo interatrial (SIA), 41 septo interventricular (SIV), 44 valva atrioventricular (AV) 41 valva atrioventricular direita, 44 valva atrioventricular esquerda , 44 valva da aorta, 44 valva do tronco pulmonar (VP), 44 válvula semilunar, 41 veia cava inferior (VCI), 41 veia cava superior (VCS), 41 ventrículo direito (VD), 44 ventrículo esquerdo (VE), 44 via de saída do ventrículo direito (VSVD), 44 via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE), 44 Corioamniotite, 595 Corpúsculo renal, 88 Correção de aneurisma toracoabdominal, 695–696 Corrente máxima, 198 Corrente supramáxima, 198 Corticosteroides, 344, 344t e agentes bloqueadores neuromusculares, 188 na sepse, 782 Craniotomia acordado, 572 Cravo, 903 Crioprecipitado, 454 Crise aplástica, 330 Crise colinérgica, 323 Crise de sequestro esplênico, 330 Crise falciforme, 330 Crise miastênica, 323 Crise vaso-oclusiva, 330 Cristaloides, 368, 438, 439t Critérios de alta, 734, 735t Cronaxia, 806 Cuidado anestésico monitorado (CAM), 469, 889–891 administração de oxigênio suplementar, 475 avaliação pré-operatória em, 470 base farmacológica, 470 equilíbrio efeito-local, 471 fármacos usados em, 471, 472t benzodiazepínicos, 473 cetamina, 473–474 dexmedetomidina, 474

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fospropofol, 472–473 opioides, 473 propofol, 471–472 função respiratória e sedativos hipnóticos, 474–475 indicações para, 469 interação de fármacos em, 471 meia-vida contexto-sensitiva, 470–471, 471f meia-vida de eliminação, 470 monitoração durante comunicação e observação, 475 padrões para, 475 toxicidade de anestésicos locais, 475–476 profundidade da sedação e analgesia, 476, 476t sedação e analgesia controladas pelo paciente, 474 técnicas de, 470 Curva da resposta ventilatória do dióxido de carbono, 23, 23f Curva de resposta ventilatória de oxigênio, 23–24, 24f

D Dabigatrana, 303, 463t, 464, 464t Danos, 762 Danshen, 903 DCEIs. Ver Dispositivos cardiovasculares eletrônicos implantáveis Débito cardíaco, 52–53 Débito urinário, monitoramento de, durante anestesia, 284 Defeito de septoventricular, 629f, 630 Deficiência de cobalamina, 328 Deficiência de ferro, 329 Deficiência de folato, 328 Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), 330 Deficiência de pseudocolinesterase (PChE), 328 Déficit de base, 617 Delirium de emergência, 648–649 Demência, 326 Dente-de-leão, 903 Dependência de opioide, 173–174 Depuração hepática de fármaco, 116 Depuração por eliminação, 125 capacidade limitada, 125 fluxo limitado, 125 Derivação ventricular externa, 563 Dermatomiosite (DM), 332 Desacoplamento do fluxo de gás fresco, 270 Descolamento da placenta, 596 Desdobramento fisiológico, 49 Desflurano, 7, 137, 138t, 263, 367t. Ver também Agentes anestésicos inalatórios na cirurgia da coluna vertebral, 494t Desintoxicação de fármacos, no fígado, 113 Deslocamento uterino para a esquerda (DUE), 579 Desmopressina (DDAVP), 465, 595 Desnitrogenação, 365–366, 374–376 Dexametasona, para prevenção e tratamento de NVPOs, 482

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Índice

Dexmedetomidina, 159, 683. Ver também Anestésicos intravenosos em cuidados anestésicos monitorados, 472t 474 na cirurgia da coluna vertebral 494,t para sedação, 162–163 Diabetes insípido (DI), 336, 338, 338t, 567, 569 Diabetes melito, 314 avaliação pré/anestésica, 311–312 classificação de 350, 351t diabetes tipo 1, 350 diabetes tipo 2, 350 diagnóstico de, 350–351 emergências diabéticas, 352–353, 353t fisiologia, 350 manejo anestésico, 351–352, 352t, na gestação, 594 tratamento de, 351 Diafragma, 15 Diagrama pressão-volume (P-V), 51–52, 52f, 53f Diálise complicações de, 103t na doença renal terminal (DRT), 102 Diarreia por Clostridium difficile, 778 Diástole, 48–49 Diazepam, 156. Ver também Benzodiazepínicos Dietil éter, história do uso de, 4–5 Difenidramina, uso antes da indução anestésica, 315–316 Difteria, 543 Dipivefrina, 548 Diprivan. Ver Propofol Diretivas antecipadas, 756 Diretivas antecipadas, 756–757 Disestesia Disfunção autonômica, 82 Disfunção diastólica, 57–58 Disfunção orgânica, marcadores de, 442, 442t Dispneia em supino, 664 Dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs), 853 desfibriladores cardíacos implantáveis, 856–857 e avaliação pré-anestésica, 308, 308t estratégias para redução de risco, 862 manejo perioperatório do paciente com, 858–859, 858t, 859t, 862 abordagem passo a passo de, 861–862t algoritmo para, 860f marca-passo, 855, 865 otimização de marca-passo após circulação extracorpórea, 864–865 problemas intraoperatórios com, 857–858 seguimento pós-operatório do paciente com, 863, 863t, 864t Dispositivos supraglóticos (DSGs), 366, 378, 380 complicações de, 380 contraindicações para, 380 em pacientes de trauma, 613 na anestesia pediátrica, 639

na falha da via aérea, 390–391 remoção de, 380 segunda geração, 380 Dissecção aórtica, 674 ETE para o diagnóstico de, 674 manejo anestésico para, 674–675 tipo A, 674 tipo B, 674 Dissecções cervicais e retalhos livres, 546 Distância tiromentoniana, 305 Distribuição de fármacos, 121–124, 123f Distrofia miotônica, 321–322 e manejo anestésico, 322 Distúrbios acidobásicos, 100, 100f acidose metabólica, 427-429, 428t acidose respiratória, 429-430 alcalose metabólica, 429, 429t alcalose respiratória, 430-431, 430t compensação fisiológica de, 431, 431t equilíbrio acidobásico e, 427 na SRPA, 733 Distúrbios da colinesterase, 327–328 Distúrbios eletrolíticos, 98–99 hipercalemia, 99 hipernatremia, 99 hiponatremia, 99 sinais e sintomas de, 98t Distúrbios hemorrágicos, na gravidez, 595–596 Distúrbios hipertensivos induzidos pela gestação, 592–594 Divulgação, 754 Doação de sangue autólogo, 458 Dobutamina, 234t, 237t, 241–242 Doença arterial coronariana (DAC), no paciente de cirurgia vascular, 688 Doença cardíaca, 669. Ver também Anestesia cardíaca doença arterial coronariana, 669 demanda miocárdica de oxigênio, 669 monitoração para isquemia, 670 suprimento miocárdico de oxigênio, 669–670 tratamento da isquemia, 670, 670t doença valvar cardíaca, 670–671, 673f estenose aórtica, 671 estenose mitral, 672–673 insuficiência aórtica, 672 miocardiopatia hipertrófica, 671–672 regurgitação mitral, 673 doenças aórticas, 673–674 aneurisma aórtico, 675–674 dissecção aórtica, 674–675, 675f Doença cardíaca reumática, 672 Doença de Addison /Crise addisoniana, 343, 343t Doença de Alzheimer (DA), 326 Doença de Cushing, 343 Doença de Parkinson (DP), 326 Doença de von Willebrand, 595 Doença degenerativa da coluna vertebral, 492 Doença hemolítica por aloimunidade, 330

Índice Doença hepática, 527 avaliação pré-operatória, 530 causas de, 527 cirrose e hipertensão portal, manifestações de, 527, 529t ascite, 529 cardíaca, 527 encefalopatia, 529 hemostasia, 527 pulmonar, 528 renal, 528 varizes, 530 função hepática, determinação da, 527, 528t manejo intraoperatório, 530–531 procedimentos específicos, 532 procedimento de shunt portossistêmico transjugular intra-hepático (TIPS), 531, 531f ressecções hepáticas transplante hepático, 532–533 Doença hepática associada à obesidade, 520 Doença pulmonar intersticial induzida por fármacos, 331 Doença pulmonar obstrutiva, considerações anestésicas em, 37 38 Doença pulmonar obstrutiva crônica, 655 Doença pulmonar restritiva, considerações anetésicas em, 38 Doença renal crônica (DRC), 101–102 causas de, 101–102 definição de, 101 efeitos de, 101t Doença vascular. Ver também Aterosclerose aspectos epidemiológicos, medicamentosos e cirúrgicos, 687–688 periférica (Ver Doença vascular periférica) sobreposição em, 388f Doença vascular periférica doença arterial coronariana em pacientes com, 688 história natural de pacientes com, 687–688 Doenças de armazenamento do glicogênio (GSD), 328, 328f, 329t Doenças vasculares do colágeno artrite reumatoide, 331 esclerose sistêmica, 332 lúpus eritematoso sistêmico, 331–332 miopatias inflamatórias, 332 Dong quai, 903 Dopamina, 234t, 237t, 240–241 Dor, 699–718 aguda, 708–710 analgesia controlada pelo paciente, 708–709, 708t analgesia neuroaxial e regional, 709 analgesia preventiva, 708 crianças e, 709 definição de, 699 estratégia de manejo para, 708–709, 708–710, 708t paciente dependente de opioide e, 709–708t resposta de estresse cirúrgico em, 708 avaliação de, 703–707f crônica, 710 -718

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aplicação de fármaco intratecal para, 718 definição de, 699 descompresão lombar minimamente invasiva procedimento para, 717 dor do câncer, 716 dor fantasma, 716 dor lombar baixa, 710–713, 710t, 711f, 712f dor nas nádegas, 713 estimulação de nervo periférico, 718 estimulação medular, 717–718 fibromialgia, 714 medicamentos recomendados para, 715t neuralgia pós-herpética, 714 neuropatia diabética dolorosa, 714 neuropatia do HIV, 716 procedimentos intervencionistas, 716–717 síndrome da dor miofascial, 713–714 síndrome de dor complexa regional, 714–715, 715t síndromes dolorosas neuropáticas, 714 terapia eletrotérmica intradiscal para, 717 vertebroplastia e cifoplastia para, 717 definição, 699 manejo farmacológico de, 704–708 α-adrenérgicos, 707 agentes tópicos, 708 AINEs, 706 anestésicos locais, 707 antagonistas do N-metil-d-aspartato, 707 anticonvulsivantes, 706 antidepressivos tricíclicos, 706–707 glicocorticoides, 707 inibidores da recaptação da serotonina – noradrenalina, 706–707 opioides, 704–706, 705t o papel de fibras neurais em, 701t pós-operatório, 733–734 práticas histórias para o alívio de, 3–4 processamento de, 700–703, 700f modulação, 702–703, 702f percepção, 703 transdução, 700 transmissão, 700–702, 701f Dor, agitação e delirium (DAD), em pacientes criticamente enfermos, 769–771, 770f Dor do câncer, 716 Dor fantasma, 716 Dor lombar baixa, 710–713, 710t, 711f, 712f síndrome facetária, 713 síndromes de dor radicular, 710–713 Dor na nádega, 713 Dor neuropática, 699 Dor nociceptiva, 699 Dor somática, 699 Dor visceral, 699 Dosagem escalar, 181 Droperidol, para náusea, 739 DSGs. Ver dispositivos supraglóticos

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E EAC. Ver Endarterectomia carotídea ECG. Ver Escala de coma de Glasgow Echinacea, 903 Ecocardiografia transesofágica (ETE), 57, 293, 670, 673–678, 682 Efedrina, 903 Efeito de concentração, agente anestésico inalatório, 140 Efeito do segundo gás, 140, 140f Efeito duplo, 750 Efeito Haldane, 27 Efeito poupador de opioide, 168 Efeito Windkessel, 60 Eixo hipotálamo-hipofisário (EHH), 344 Elastância intracraniana, 561 Eletrocardiografia arritmia sinusal, 847, 847f bloqueio atrioventricular bloqueio de Mobitz tipo I/bloqueio de Wenckenbach, 832 de primeiro grau, 832 mobitz tipo II, 833 terceiro grau, 833 bloqueio de ramo direito, 834 esquerdo, 834 bradicardia sinusal, 847, 847f colocação do condutor, 829, 830f comando DDD, 851, 851f contração atrial prematura (CAP), 845, 845f contração ventricular prematura (CVP), 846, 846f distúrbios eletrolíticos, 841 cálcio, 842f potássio, 842f efeito do digital, 841, 841f eletrocardiograma normal, 831f êmbolo pulmonar, 846, 846f estimulação atrial, 851, 851f estimulação ventricular, 851, 851f fibrilação atrial, 831 fibrilação ventricular, 849, 849f flutter atrial, 832 hemorragia subaracnóidea, 848, 848f hipotermia, 842, 842f infarto miocárdico transmural, 835, 835f–839 infarto subendocárdico do miocárdio (ISEM), 840, 840f isquemia miocárdica, 840, 840f parada sinusal, 847, 847f pericardite, 844, 844f pneumotórax, 945, 845f síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), 850, 850f tamponamento pericárdico, 844, 844f taquicardia atrial multifocal, 843, 843f taquicardia atrial paroxística (TAP), 843, 843f taquicardia sinusal, 848, 848f taquicardia ventricular, 850, 850f torsade de pointes, 849, 849f

Eletrocautério, 805–806 Eletrocirurgia, 805–807 Eletroconvulsoterapia (ECT), anestesia para, 729–730 Eletrocorticografia (ECoG), 572 Eletrólitos. Ver também Distúrbios eletrolíticos; Líquidos e eletrólitos anormalidades, 443t cálcio, 446 magnésio, 446 papel fisiológico de, 442–443, 443t potássio, 445–446, 445f sódio, 443–444, 444f Eletromiografia (EMG), 204, 562 Eliminação de fármacos, 124 Embolia gasosa, 642 Embolia por líquido amniótico (ELA), 598 Embolia venosa aérea (EVA), 496–497, 497t Embolização por dióxido de carbono, laparoscopia e, 516 Encefalopatia hepática, 113, 529 Endarterectomia carotídea (EAC), 571, 692–694 angioplastia carotídea com colocação de stent avaliação pré-operatória e preparação para, 692 estenose carotídea, manejo de assintomático, 692 sintomático, 692 manejo anestésico para cirurgia eletiva, 693–694 manejo pós-operatório, 694 monitoração e preservação da integridade neurológica em, 693 Enfermeira anestesiologista certificada e registrada (CRNA), 9, 10 Enfisema subcutâneo, 514–515 Enoxaparina, 463t Enterocolite necrosante (ECN), 646–647 Entonox, 147 Envenenamento por monóxido de carbono (CO), 621 Enzimas cicloxigenase (COX), 165 Ephedra, 147 Epidermólise bolhosa (EB), 332–333 Epiglotite, 542–543 Epilepsia, 325–326, 572 Equação de Cockcroft-Gault, 97 Equação de Frank-Starling, 54 Equação de Henderson-Hasselbach, 215, 427 Equação de Poiseuille, 65 Equação de Starling, 64, 65f, 437 Equipe de cuidados anestésicos, 9 Equivalentes metabólicos (METs) para atividades físicas comuns, 300 Eritropoietina, 458 Erro médico definição de, 750 e segurança do paciente, 750–752 falhas ativas, 751 falhas latentes, 751 gerenciamento de recursos humanos, 751–752 sistemas passíveis de erros, 751 Erva de São-João, 906 Escala de Aldrete, 734

Índice Escala de coma de Glasgow (ECG), 572, 573t, 609–610, 609t Esclerodermia. Ver Esclerose sistêmica Esclerose múltipla (EM), 324–325 Esclerose sistêmica, 332 Escoliose, 491–492, 491t, 492f, 647–648 Escopolamina, 316 Escore de Child-Pugh, 530, 530t Escore de Mallampati, 305, 305t, 374, 378f Esferocitose hereditária, 329 Esmolol, para hipertensão, 248 Esofagectomia, 662 Espaço morto, 30 alveolar, 30 anatômico, 30 Espaço perisinusoidal de Disse, 110 Espasmo do músculo masseter, após administração de SCh, 191 Espina bífida, 641, 641f Espirometria, 655 Espondilolistese, 492 Espondilolistese, 492 Estabilização manual em alinhamento (MILS), da coluna cervical, 608 Estação de trabalho anestésico, 255 anatomia funcional de, 255–256, 256f projeto de administração de gás, 256 sistema circular, 256 sistema de limpeza, 256 checagem pré-uso, 272, 272t liberação de gases por, 256–258 desflurano e Tec- vaporizador, 263, 264f leituras de pressão, 257, 257t medidores de fluxo, 258–259, 258f salvaguardas em, 259–262, 260f, 261f válvula de liberação, 259 válvula de via única, 259 vaporizadores anestésicos, 262–263, 262f sistema de limpeza, 270–271, 271f sistema respiratório, 263 absorventes do dióxido de carbono (CO2), 269 desacoplamento do fluxo de gás fresco, 270 fluxo de gás fresco, impacto de, 265–266 monitoramento gasoso no final da expiração, analisador de oxigênio, e espirometria, 267–268 saco do respirador, 266 sistema circuito, 263–265, 265f válvula limitadora de pressão regulável, 266 válvulas unidirecionais, 266 ventiladores mecânicos, 268–270, 269f Estado de volume, avaliação clínica de, 440–441, 440t Estado epiléptico, 326 Estatinas, uso perioperatório, 300 Estenose aórtica (EA), 671 Estenose mitral, 672–673 Estenose pilórica, 646 Estenose ventricular concêntrica, 628–630, 629f Esternotomia, 678

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Estiletes ópticos, 383 Estimulação em dupla salva (DBS), 201, 202f Estimulação train-of-four (TOF), 198–199, 199f, 201f, 287, 364 Estimuladores de nervos, 197–198, 197f, Estimuladores de nervos periféricos, 395 Estiramento tissular, em pacientes anestesiados, 415 Estrabismo, 552–553 Estresse, 812 Estridor, 541 causas de, 541–543, 541t Estridor após extubação, 637, 648 Estrutura óssea craniofacial, 544 Estudo clínico SAFE, 438 Estudo da profilaxia da revascularização arterial coronariana (CARP), 306 Estudos eletrofisiológicos (EEF), 729 Esvaziamento gástrico, 535 Ética. Ver Ética médica Ética médica, 748–749 autonomia, princípio de, 750 beneficência, princípio de, 749 códigos de conduta, 749 justiça, princípios de, 750 não maleficência, princípio de, 749–750 paternalismo, princípio de, 750 Etomidato, 157–158, 364. Ver também Anestésicos intravenosos como agente de indução, 160 para a manutenção da anestesia, 161 para anestesia do trauma e reanimação, 614t Evento cardíaco adverso maior (MACE), 305 Eventos casuais em massa, 623 Eventos psicomiméticos, cetamina e, 171 Extravasamento de dióxido de carbono, laparoscopia e, 514–515 Extubação traqueal, 384–395 avaliação do paciente para extubação difícil, 385–386, 386t complicações de, 385t critérios para extubacao pós-cirúrgica de rotina, 384t extubação difícil, 385

F Family and Medical Leave Act, 815 Farmacocinética, 119, 137 administração de fármacos, vias de, 119–121, 120t, 121f depuração de eliminação, 125 distribuição de fármacos, 121–124, 123f eliminação de fármacos, 124 fatores que afetam, 127–128 meia-vida, 125 modelos compartimentais, 126 tempos de decremento contexto-dependentes, 126– 127, 127f volume de distribuição, 124–125

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Índice

Farmacodinâmica, 137 limiares terapêuticos e janelas terapêuticas, 128–129, 130f relações de dose – resposta e concentração – efeito, 128, 129f sítio efetor, 129, 131 Farmacologia cardiovascular, 229 catecolaminas, 229–238 adrenalina, 238–239 dobutamina, 241–242 dopamina, 240–241 isoproterenol, 242 noradrenalina, 239–240 medicamentos anti-hipertensivos, 245 antagonistas do canal de cálcio, 251–253 β-bloqueadores, 245–249, 246–247t hidralazina, 251 nitrovasodilatadores, 249–251 milrinona, 243–244 simpaticomiméticos, efedrina, 242–243 fenilefrina, 243 uso perioperatório, 300 vasopressina, 244–245 Fármacos antirreumáticos modificadores da doença, (DMARDs), na artrite reumatoide, 331 Fármacos diuréticos dopamina, 104–105, 105t fenoldopam, 105 local e mecanismo de ação de, 104, 104t Fármacos hipoglicêmicos, manejo perioperatório de, 301t Fator recombinante VII, para anestesia de trauma e reanimação, 614t Febre peridural, 595 Fenda labial e palatina, 643–644, 643f Fenilefrina, 243, 549 Fenobarbital, 8 Feno-grego, 903 Fenoldopam, 105 Fenômeno ou escada de Bowditch, 53–54 Fentanil, 181t, 182, 367t, 470, 705 Feocromocitoma, 312, 346, 348t Ferramenta para avaliação da dor, 704f FEV1 pós-operatório previsto, 653 Fibras nervosas periféricas, 209–211,210, 211f Fibrilação atrial, 672 Fibrinogênio, 462 Fibrinólise, 462 Fibromialgia, 714 Fígado, 109 anatomia macroscópica de, 109–110, 111f, 112f anatomia microscópica de, 109–110, 111f, 112f avaliação da função hepática, 114–115, 114f funções de, 113–114 metabolismo e disposição de fármacos, 115 suprimento sanguíneo do, 112 Filipendula ulmaria, 905

Filtros de veia cava inferior no tromboembolismo venoso, 773 Fisiologia cardiovascular, no paciente pediátrico, 627, 628f Fisiologia coronariana, 50–51 Fístula broncopleural, 663 Fístula traqueoesofágica, 645–646, 646f Fitoterápicos, 901–907 Flexão do cotovelo, 417 Flor de Arnica, 902 Flumazenil 65 Fluoroscopia (braço C), 725 Fluxo arterial coronariano, 50–51, 669, 670 Fluxo expiratório forçado (FEF), 34 Fluxo laminar, 19–20, 20f Fluxo sanguíneo capilar, 64 Fluxo sanguíneo cerebral (FSC), 557, 559–560 Fluxo sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular, autorregulação de, 92, 92f estimulação do sistema nervoso simpático, 93 resposta miogênica, 92 retroalimentação tubuloglomerular, 92–93 Fluxo turbulento, 20, 20f Fluxometria por laser-Doppler (FLD), 562–563 Fluxômetros, 258–259, 258f Fondaparinux, 463t Forma da onda de pressão aórtica, 59, 59f Forma de onda pletismográfica, 278–279 Fórmula de Cole, 639 Fórmulas hemodinâmicas, 825 Fórmulas respiratórias, 826 Fosfatase alcalina (FA), 115 Fosfodiesterases, 243 Fospropofol , no cuidado anestésico monitorado, 472–473 Fração de ejeção Fraturas de quadril 502 Frequência cardíaca, 53–54 controle de, 49, 50t Função diastólica avaliação invasiva de, 58 avaliação não invasiva de, 58 câmaras cardíacas e, 57 resposta ventricular esquerda à carga, 57–58 Função endócrina, 335 diabetes melito, 350–353 glândula hipófise, 335 anterior, 335–336, 337f posterior, 336–338, 337f glândula suprarrenal córtex suprarrenal, 341–345 medula suprarrenal, 345–346 glândula tireoides, 338, 339f anestesia na cirurgia da tireoide, 340–341, 341t efeitos fisiológicos do hormônio da tireoide, 339 hipertireoidismo, 340 hipotireoidismo, 340, 341t metabolismo do hormônio tireoide, 338–339 testes da função tireoide, 340, 340t homeostasia do cálcio, 346–348

Índice hiperparatireoidismo, 348 hipoparatireoidismo, 348–349 implicações anestésicas da paratireoide, 349–350 hormônios, 335 esteroides, 335, 336f não esteroides, 335–336f resposta endócrina à cirurgia, 353–354 Função hepática, testes laboratoriais de, 114–115, 114f testes de coagulação, 115 testes dinâmicos, 115 testes estáticos, 114–115 Função respiratória, em lactentes e crianças, 631, 631t Função sistólica, determinantes de, 52, 53f bomba ventricular esquerda, 51 contratilidade miocárdica, 56–57 débito cardíaco, 52–53 fração de ejeção, 52–53 frequência cardíaca, 53–54 pós-carga, 54–56 pré-carga, 54

G Garra do diabo, 903 Gases do efeito estufa, 146 Gastrosquise, 647 Gengibre, 904 Gestação, alterações fisiológicas de, 577. Ver também anestesia obstétrica alterações cardiovasculares, 577, 579 alterações da via aérea, 579, 580 alterações endócrinas alterações renais e hepáticas, 581 controle da glicose, 580 tireoide, 580–581 alterações gastrintestinais, 579 alterações hematológicas, 577, 578t alterações neurológias e musculoesqueléticas, 579 alterações respiratórias, 579 Gestão de recursos da tripulação (CRM), 751–752, 751t Gestão de risco consentimento informado, 752–753 diretrizes antecipadas, 756–757 e segurança do paciente, 748–757 erro médico e segurança do paciente, 750–752 ética, 748–750 morbidade relacionada à anestesia, 747–748 National Practitioner Data Bank, 755–756, 755t prontuário médico, 753–754, 753t respondendo a evento adverso, 754–755 risco de mortalidade anestésica, 747 Ginko, 904 Ginseng, 904 Glândula suprarrenal córtex suprarrenal, 341–342, 342f deficiência de glicocorticoides, 343, 343t efeitos fisiológicos da aldosterona, 344–345 efeitos fisiológicos de glicocorticoides, 342 excesso de glicocorticoides, 342–343

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excesso de mineralocorticoides, 345, 345t glicocorticoterapia exógena, 344, 344t reposição de esteroides durante o período perioperatório, 344, 345t medula suprarrenal, 345–346, 347f Glaucoma, 548 Glicocorticoide, 343, 343t deficiência efeitos fisiológicos de, 342 excesso, 342–343 para o manejo da dor, 707 uso perioperatório, 707 Glicuronidação, no fígado, 167 Globo aberto, 552 Glomérulo, 88 justamedular, 88 superficial, 88 Goldenseal ou Raiz amarela (Hydrastis canadensis), 904 Grupo respiratório dorsal (GRD), 21 Grupo respiratório ventral (GRV), 21 Guiado por ultrassom, para anestesia regional, 395–396 Guias para intubação das vias aéreas, 383

H Health care proxy, 756 Health Information Technology for Economic and Clinical Health Act, 2009, 754 Health Insurance Portability and Accountability Act (HIPAA), 754 Healthcare Integrity and Protection Data Bank (HIPDB), 755 Hematoma neuroaxial, 602 Hemodiluição normovolêmica aguda, 459 Hemoglobinopatias, 330 anemia falciforme, 330 talassemia, 330–331 Hemorragia pós-parto (HPP), 596–597 Hemorragia pós-tonsilectomia, 541 Hemorragia pré-parto, 596 Hemoterapia, 451 administração de sangue, 455 alternativas perioperatórias, 457–458 doação de sangue autólogo, 458 eritropoietina, 458 hemodiluição normovolêmica aguda, 459 salvamento perioperatório de sangue, 459 substitutos do sangue, 459 cascata de coagulação fibrinólise, 462 hemostasia primária, 460–461, 460f hemostasia secundária, 461–462, 461f regulação da hemostasia, 462 compatibilidade sanguínea, 454–455 em pediatria, 640–641, 641t farmacologia relacionada com, 462–466 reações transfusionais, 455 imunomodulação relacionada à transfusão, 456–457 infecções transmitidas por transfusão, 457, 458t

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Índice

lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão, 457 não infecciosas, 456t reações transfusionais hemolíticas, 455 reações transfusionais hemolíticas tardias, 456 sobrecarga circulatória associada à transfusão, 457 transfusão de hemoderivado, 451 armazenamento e preparação de componentes sanguíneos, 452t concentrado de hemácias (CH), 451–452 crioprecipitado, 454 indicações para, 451–454 plaquetas, 454 plasma fresco congelado (PFC), 452–454 sistema sanguíneo ABO, 453–454, 453t Hemotórax, 618 Heparina, 463t Heparina de baixo peso molecular (HBPM), 463t, 773 Heparina não fracionada (HNF), 773 Hepatite do halotano, 146 Hepatócitos, 109 Hepatotoxicidade centrolobular, 166 Herniação cardíaca, 665–666 Hérnias diafragmáticas, 644–645, 644f Hexafluoreto de enxofre (SF6), 549 Hidrocortisona, para anestesia do trauma e reanimação, 614t Hidromorfona, 181, 181t, 367t, 704–705 Hiperalgesia, 699 Hiperalgesia induzida por opioide, 173 Hipercalcemia, 443t, 446 Hipercalemia, 99, 443t, 445, 445f em pacientes de trauma, 617 Hipercapnia permissiva, 778 Hiperestesia, 699 Hiperglicemia em pacientes criticamente enfermos, 774 pós-operatória, 741 Hipermagnesemia, 443t, 446 Hipernatremia na sala de recuperação anestésica (SRPA), 743 perioperatória, 284 284t Hipernatremia, 99, 443, 443t Hiperparatireoidismo, 348, 349t Hiperplasia de tonsila lingual, 381, 381f Hiperplasia prostática benigna (HPB), 786. Ver também Ressecção transuretral de próstata (TURP) Hipertensão avaliação pré-anestésica, 309–310 pós-operatória, 736 Hipertensão gestacional, 592 Hipertensão intracraniana, 560 Hipertensão pós craniotomia, 568 Hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido, 632, 632t Hipertermia maligna (HM), 306, 326–327 administração de SCh e, 191 protocolo, 899, 900f Hipertireoidismo, 340 avaliação pré-anestésica, 312

Hipertrofia de amígdalas, 540 Hipertrofia ventricular concêntrica, 671 Hipoalbuminemia, 115 Hipocalcemia, 443t, 446 em pacientes de trauma, 617 pós-operatória, 741 Hipocalemia, 443t, 445–446 pós-operatória, 741 Hipoestesia, 699 Hipófise, 335 anterior, 335–336, 337f posterior, 336–338, 337f Hipoglicemia, 436 Hipomagnesemia, 443t, 446 Hiponatremia, 99, 99f, 443t, 444, 444f pós-operatória, 741 Hipoparatireoidismo, 348–349, 350t Hipotálamo, 69 Hipotensão, pós-operatória, 743 -736 Hipotensão ortostática, 82 Hipotermia, 564 na SRPA, 742–743 no cuidado do trauma, 615 Hipótese de Starling, 64 Hipotireoidismo, 340, 340t avaliação pré-anestésica, 312 Hipoventilação na SRPA, 736–737 Hipovolemia, 436, 440–441, 672 Hipoxemia, pós-operatória, 737–739 Hipóxia de difusão, óxido nitroso e, 145 Hormônio antidiurético (ADH), 336, 434, 569 Hormônio da paratireoide (PTH), 347–348, 349f Hormônio do crescimento (GH), 336. Ver também Acromegalia Hormônio estimulante da tireoide (TSH), 338–339, 339f Hormônios liberadores, 335 Humor aquoso, 546

I IASP. Ver International Association for the Study of Pain Ibuprofeno dose de, 169 farmacocinética e farmacodinâmica, 169–170 indicações e contraindicações, 168–169 interações de fármacos e efeitos adversos, 170 mecanismo de ação, 169 metabolismo e excreção, 170 Íleo paralítico, 533 Impactos de desastre ataque biológico, químico ou nuclear, 623 casualidades de massa, 623 Impedância acústica, 396 Incompatibilidade ventilação/perfusão (V/Q), 656 Índice biespectral (BIS), 288 Indução em sequência rápida (ISR), 384, 611–612,

Índice Inervação laríngea, 373, 374t, 375t Infecção com vírus da imunodeficiência humana (HIV), na gravidez, 595 Infecção da corrente sanguínea associada a cateter central (ICSACC), 777 Infecção do trato urinário associada ao cateter (ITUAC), 777–778 Infecções do sítio cirúrgico (ISC), antibióticos pré-operatórios para, 319 Infecções nosocomiais, na UTI, 775 infecção da corrente sanguínea associada a cateter central, 777, 777t infecção do trato urinário associada a cateter, 777–778 infecção por Clostridium difficile, 778 pneumonia associada ao respirador, 775–777 Infusão alvo-controlada, 154 Inibidores da acetilcolinesterase (AChAse), 326 Inibidores da bomba de prótons, 535–536 Inibidores da recaptação de serotonina-noradrenalina (IRSNs), para manejo da dor, 706–707 Inibidores não seletivos da monoaminoxidase (IMAO), no período perioperatório, 301 Inotrópicos, na sepse, 781–782 Instrumentos eletrocirúrgicos bipolares, 806 Insuficiência aórtica (IA), 672 Insuficiência cardíaca congestiva (ICC), 51 Insuficiência mitral (IM), 673 Insuficiência renal, 97, 98t agentes anestésicos em, 103–104 Insulina, 350 Interações de fármacos, 131 absorção, 131 antagonista direto, 132 antagonistas indiretos, 132 distribuição, 131–132 metabolismo, 132 sinergia opioide-hipnótica, 133, 133f toxicidade não intencional, 132–133 International Association for the Study of Pain (IASP), 699 Interruptor do circuito de vazamento para a terra (ICVT), 802–803 Intocostrina, 9 Intubação endotraqueal, em crianças, 638, 639 Intubação por escopia flexível, 390 contraindicações para, 390t razões para a falha de, 390t Intubação por fibra óptica, 493 Intubação traqueal em crianças, 638 em paciente de trauma, 608 em pacientes com lesões por queimadura, 621 lâmina de laringoscopia direta, 382–383, 382f laringoscopia direta, 380–381, 381f Inventário de Esgotamento de Maslach (MBI), 812 I-PASS mnemônico, 370t Isoflurano, 7, 137, 138t, 367t. Ver também Agentes anestésicos inalatórios Isolamento pulmonar, 657–658

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Isoproterenol, 234t, 237t, 242 Isquemia de demanda, 281, 282f Isquemia focal, 564 Isquemia global, 564 Isquemia miocárdica, 51 Isquemia subendocárdica, 51, 281

J Joint Comission, 758 Justiça distributiva, 750 Justiça punitiva, 750

K Kava-kava Ketalar. Ver Cetamina

L Labetalol, para hipertensão, 248–249 Laparoscopia assistida por robótica, 509, 510f. Ver também Cirurgias laparoscópicas e robóticas Laparoscopia urológica, 791–792 Laringoscopia, em crianças, 638 Laringoscopia de suspensão, 544 Laringoscopia direta, na anestesia pediátrica, 639 Laringoscópio Glidescope, 383 Laringospasmo, 378, 648 Laringotraqueobronquite. Ver Difteria Laser, uso de, para cirurgia urológica, 791, 791t Lei de Laplace, 54–55 Lei de Ohm, 58 Leis sobre empatia, 755 Lesão cerebral traumática (LCT), 438 administração de líquido em, 438 manejo anestésico em, 573 no trauma, 610, 617 Lesão da córnea, na SRPA, 741 Lesão de isquemia-reperfusão, em paciente de cirurgia vascular, 691 Lesão de tecido mole cervical, em pacientes de trauma, 617 Lesão medular (LM), 573–574, 610 e complicações da anestesia, 575 lesões de comorbidade, 574 manejo inicial em, 574 manejo intraoperatório, 574–575 no trauma, 610, 610t, 617 Lesão medular traumática (LMT), 490–491 Lesão renal aguda (LRA), 101-101, 655 Lesões de extremidades, em pacientes de trauma, 619, 619t Lesões oculares, em pacientes de trauma, 619 Lesões por queimadura avaliação inicial e manejo, 620–621, 622t manejo perioperatório, 621–622 sedação e analgesia para o cuidado não cirúrgico de queimadura, 622 tamanho e profundidade da queimadura, 620, 620f

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Índice

Lesões torácicas, no trauma, 618 Lesões vasculares, em pacientes de trauma, 610–611, 619 Lesões vasculares pélvicas, em paciente de trauma, 618 Levodopa, 326 Lidocaína, 222–223, 707, 874t. Ver também Anestésicos locais Limiar apneico, 177 Líquido cerebrospinal (LCS), 72 Líquido extracelular (LEC), 433, 434 Líquidos e eletrólitos, 427 distúrbios ácido-básicos acidose metabólica, 427–429, 428t acidose respiratória, 429–430, 430t alcalose metabólica, 429, 429t alcalose respiratória, 430–431, 430t compensação fisiológica de, 431, 431t equilíbrio ácido básico e, 427 eletrólito cálcio, 446 magnésio, 446 papel fisiológico de, 442–443, 443t potássio, 445–446, 445f sódio, 443–444, 444f estado de líquidos avaliação clínica do estado de volume, 440–441, 440t avaliação clínica intraoperatória, 441–442, 441f liberação de oxigênio como meta do manejo, 442 gasometria arterial, 431–432, 432t líquido de reanimação, 435t, 437 administração de líquido hipertônico, 438–440 coloide ou cristaloide como, 438, 439t fisiologia e farmacologia, 437–438 ideal, 437 manejo de líquidos, 433 compartimentos de líquido corporal 433, 433f líquidos infundidos, distribuição de, 435–436, 435t, 436t volume de líquido extracelular, regulação de, 434– 435, 434f terapia de reposição de líquidos, 436 necessidades cirúrgicas de líquidos, 437 necessidades de glicose e dextrose, 436 necessidades de manutenção de água, sódio e potássio, 436 Líquidos hipertônicos, 438–440 Líquidos não newtonianos, 65 Líquidos newtonianos, 65 Listas de verificação de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), 768, 768t. Ver também Medicina intensiva (MI) Litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC), 789 -790 Lobectomia, para câncer pulmonar, 662 Lorazepam, 156. Ver também Benzodiazepínicos Lúpus eritematoso sistêmico (LES), 331–332

M Magnésio, 446 Malformações arteriovenosas (MAVs), 571 Manejo anestésico multimodal, 498 Manejo da via aérea algoritmo de via aérea difícil, 386–388, 387f, 388f controle do conteúdo gástrico, 383–384 distribuição de pacientes, 376 em pacientes pediátricos, 637–640, 638t extubação da traqueia, 384–386, 385t histórico do paciente e exame físico, 373–374, 376t, 377t, 379t intubação com escopia flexível, 390, 390t intubação de vias aéreas supraglóticas, 384 intubação traqueal, 380–383 manejo das vias aéreas difíceis sinais relacionados a, 376t síndromes com, 377t manejo das vias aéreas em paciente acordado, 388–390 máscara facial de ventilação, 376 pré-oxigenação, 374–376 procedimentos transtraqueais, 391 ventilação difícil, 377-378, 379t vias aéreas superiores, anatomia, 373, 374f músculos da laringe, 375t vias aéreas laringotraqueais, inervação de, 374t vias aéreas supraglóticas, 378, 380, 390–391 Manejo das vias aéreas paciente acordado, 388–390, 389f, 493 Manejo do trauma, no paciente de trauma, 608–609 Manitol, 440, 567 para pressão intraocular, 549 Manobra BURP, 382–383 Manobra de Sellick, 384 Manobra de Valsava, 82–83 Marca-passos, 855 Massas mediastinais, 663–664 Massas mediastinais anteriores, 645 Matricária, 904 Mecanismo de retroalimentação tubuloglomerular, 92–93 Mediastinoscopia, 661–662 Medicações psicotrópicas, no período perioperatório, 301–302 Medical Professionalism Project, 759 Medicamentos anti-hipertensivos antagonistas do canal de cálcio, 251–252 clevidipina, 252–253 nicardipina, 252 β-bloqueadores, 245–248, 246–247t esmolol, 248 labetalol, 248–249 hidralazina, 251 nitrovasodilatadores, 249–250 nitroglicerina, 250 nitroprussiato de sódio, 250–251 Medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), 165, 706. Ver também Analgésicos Medicamentos endócrinos, uso perioperatório, 300–301

Índice Medicina intensiva (MI), 767 controle da glicose, 774 estudos de liberação do ventilador e respiração espontânea, 771–772 critérios para extubação, 771t infecções hospitalares e, 775 infecção da corrente sanguínea associada a cateter central, 777, 777t infecção do trato urinário associada a cateter, 777–778 infecção por Clostridium difficile, 778 pneumonia associada com o respirador, 775 -777 nutrição, 773–774 processos de cuidados administração de recursos, 768–769 dor, agitação e delirium, 769–771, 770f listas de verificação de, 768, 768t locação de pessoal, 768 profilaxia da úlcera de estresse, 774 regimes empíricos de antibióticos, para infecções de UTI, 776t sepse e choque séptico, 779–780, 780t antibióticos, 782 corticosteroides, 782 inotrópicos, 781–782 reanimação com líquidos, 780–781 vasopressores, 781 síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), 778 definição de Berlim, 778, 779t técnicas de salvamento, 779 ventilação pulmonar de proteção, 778–779 terapia transfusional, 774–775 tromboembolismo venoso, 772–773, 772t Medula espinal, 70–72, 70f, 71f, 72f, 557, 558t, 559f. Ver também Neuroanestesia Meia-vida, 125 Meninges, 72 Meperidina, 181–182, 181t, 706 Mepivacaína, 223. Ver também Anestésicos locais Mesa de fratura, posicionamento em, 472–473 Metabolismo cerebral, 563 Metabolismo da hemoglobina, no fígado, 113 Metabolismo de primeira passagem, pelo fígado, 121 Metadona, 181t, 182, 706 Metil metacrilato, 504–505 Metionina sintetase, 147 Metoclopramida, 535 Método de respiração única, 36 Método oscilométrico, 283 Metohexital, 364t Metotrexato, na artrite reumatoide, 331 Mexiletina, para manejo da dor, 707 MI. Ver Medicina intensiva Miastenia grave (MG), 323, 664–665 Miastenia neonatal transitória, 323 Microcirculação controle de esfíncter pré e pós-capilar, 64–65 difusão capilar, 63–64 pressão oncótica, 64

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viscosidade e reologia, 65–66 Microlaringoscopia, 544 Midazolam, 156, 161, 162, 315. Ver também Benzodiazepínicos no cuidado anestésico monitorado, 473 Mielomeningocele, 641, 641f Milrinona, 243–244 Miocardiopatia hipertrófica (MCH), 671–672 Miopatias inflamatórias, 332 Miringotomia e colocação de tubo de ventilação no ouvido, 540 Mistura eutética de anestésicos locais (EMLA), 227 Mitoxantrona, 325 ML. Ver via aérea com máscara laríngea Modelo de Donabedian, 757 Modificação da dieta na doença renal (MDDR), fórmula, 97 Monitor de isolamento da linha (MIL), 803–805 Monitoração com eletrocardiograma contínuo (ECG), 283 Monitoração da frequência cardíaca fetal (FCF) durante o trabalho de parto, 589 Monitoração de potencial evocado, 562 Monitoração hemodinâmica, durante a anestesia, 286–287 cateter da artéria pulmonar, 291–292, 291t, 292f, 292t determinação não invasiva do débito e volume cardíaco, 292–293t ecocardiografia transesofágica, 293 monitoração da pressão venosa central, 289–290, 289t, 290f, 290t, 291t monitoração invasiva da pressão sanguínea sistêmica, 287–289, 288f, 288t Monitoração invasiva da pressão sanguínea, 287–289, 288t forma de onda subamortecida, 287, 288f, 289 forma de onda superamortecida, 287, 288f formas de onda da pressão arterial, 287, 288f indicações para, 287t riscos da colocação de cateter intra-arterial, 288t Monitoração neurológica, durante a anestesia, 286, 286t Monitoramento eletrofisiológico. Ver Monitoração de potencial evocado Monitores não invasivos do débito cardíaco, 292, 293t Monitores neuromusculares, 187–198 Monofosfato de adenosina cíclico (AMPc), 229 Morbidade, relacionada com anestesia, 757–758 Morfina-6-glicuronídeo, 179 Morfina, 181, 181t, 704 Mupirocina, para colonização por MRSA, 319 Músculos abdominais, 15 Músculos acessórios, 15-16 Músculos cervicais, 15–10 Músculos da ventilação, 15 -16

N N-acetil-p-benzoquinoneimina (NAPQUI), 167 Naloxona, 182–183, 473, 874t

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Índice

National Practitioner Data Bank (NPDB), 755–756, 755t Náuseas e vômitos pós-operatórios (NVPOs), 739 anestésicos voláteis e, 147 após cirurgia ambulatorial, 481–482 Necessidades de líquido em crianças em jejum, regra 4–2–1, 640 Necrose tubular aguda, ácido acetilsalicílico e, 169 Néfron, 87–88, 89f Nefrostomia percutânea (NPC), 790 Negligência médica, 761–762 Neostigmina, 205–206 Nervo ciático, 406 Nervo femoral, 405 Nervo genitofemoral, 406 Nervo obturador, 406 Nervo olfatório, 69 Nervos, anatomia de, 209–211, 210f, 211t Nervos simpáticos renais, 93 Neuralgia, 699 Neuralgia pós-herpética (NPH), 714 Neuroanestesia, 557 fisiopatologia, 560–562 lesão cerebral traumática, 572–573 manejo de avaliação pré-operatória, 565–566 emergência da anestesia, 568 indução da anestesia e manejo da via aérea, 566– 567 líquidos e eletrólitos, 567 manejo da glicose, 568 manejo ventilatório, 567 manutenção da anestesia, 566–567 terapia transfusional, 568 monitoração função do SNC, 562 técnica anestésica, influência de, 562 neuroanatomia, 557, 558f, 558t, 559f neurofisiologia, 557, 559–560 perfusão cerebral e monitores da oxigenação cerebral e metabolismo, 563–564 monitoração da pressão intracraniana, 563 laser fluxometria com Doppler, 562–563 ultrassonografia transcraniana com Doppler, 563 procedimentos cirúrgicos cirurgia carotídea, 571 cirurgia de aneurisma cerebral e tratamento endovascular, 570–571, 570f cirurgia hipofisária, 569–570 cirurgia para epilepsia e craniotomia com paciente acordado, 572 cirurgia para tumores, 569 malformações arteriovenosas, 571 proteção cerebral e abordagem prática de, 565 glicose e isquemia cerebral, 565 hipotermia, 564 isquêmica e reperfusão, 564

tratamento medicamentoso para, 564–565 trauma da coluna e cirurgia da coluna complicações da anestesia, 575 e lesões comórbidas da, 574 lesão da medula espinal, 573–574 manejo inicial, 574 manejo intraoperatório, 574–575 Neuroapoptose, induzida por anestésico, 633 Neuropatia do obturador, 421, 421f Neuropatia fibular, 422 Neuropatia óptica isquêmica (NOI), 554 Neuropatia periférica, pós-operatória, 742 Neuropatia tardia do cutâneo femoral, 421, 422f Neuropatia ulnar, 415–418, 417f, 418f Neuropatias do mediano, 418–419 Neuropatias radiais, 419–421, 420f Nicardipina, para hipertensão, 252 Nitrito de amila, 621 Nitroglicerina, para hipertensão, 250 Nitroprussiato de sódio, para hipertensão, 250–251 Nitrovasodilatadores, para hipertensão, 249–250 nitroglicerina 250 nitroprussiato de sódio, 250–251 Níveis sorológicos de creatinina, 96–97, 97t NMDA. Ver Antagonistas do N-metil-d-aspartato Noradrenalina, 77, 79, 217, 234t, 236t, 241–242, 874t no glaucoma de ângulo aberto, 548 Novos anticoagulantes orais (NACOs), 464 NPH. Ver Neuralgia pós-herpética Núcleos da base, 69 Nutrição, em pacientes criticamente enfermos, 773–774 NVPO. Ver Náuseas e vômitos pós-operatórios

O O sistema Mapleson D, 635 Obesidade, 519 anestesia regional em, 525 bloqueios de nervo periférico, 526 técnicas neuroaxiais, 525 avaliação pré-operatória, 521, 523 considerações intraoperatórias, 521, 523 cuidado anestésico monitorado e sedação, 525 emergência, 535 equipamento e posicionamento, 523, 523f manejo da via aérea, 524, 524f manejo de líquidos, 525 monitoração e acesso vascular, 525 ventilação mecânica, 524–525 cuidado crítico e reanimação, 526–527 fármacos perioperatórios, administração de, 522t fisiopatologia relacionada ao respiratório, 519–520, 520f sistema cardiovascular, 520 sistema gastrintestinal, 520 sistemas endócrino e metabólico, 520 manejo pós-operatório, 526 na gravidez, 594–595 princípios farmacológicos, 521

Índice Obstrução das vias aéreas, e hipoventilação, 736–737 Obstrução do desfiladeiro torácico, 432 Obstrução mecânica do intestino, 534 Oclusão da artéria central da retina (OAR), 554 Office of Civil Rights, 754 Óleo de linhaça, 904 Óleo de peixe, 904 Oligúria, na SRPA, 740 Ondansetrona, para prevenção e tratamento de NVPO, 481 Onfalocele, 647 Opioides agentes de reversão e efeitos associados, 182–183 diferenças entre sexos nas respostas a, estudo sobre, 180–181 durante anestesia geral, 367–368, 367t efeitos adversos, 177–178 efeitos terapêuticos, 176–177 em pacientes obesos, 181 endógenos, 172–173 farmacocinética e farmacodinâmica, 174–176, 174f, 175f farmacogenômica, 178–180 hiperalgesia, tolerância e dependência, 173–174 indicações, doses e considerações especiais alfentanil, 182 fentanil, 182 Hidromorfona, 181 meperidina, 181–182 metadona, 182 morfina, 181 remifentanil, 182 sufentanil, 182 interações de fármacos, 178 mecanismo de ação, 173 metabolismo e metabólitos ativos, 178 no cuidado anestésico monitorado, 473 para manejo da dor, 704–706, 705t alfentanil, 705 fentanil, 705 hidromorfona, 704–705 meperidina, 706 metadona, 70 morfina, 704 oxicodona, 706 sufentanil, 705 receptores opioides, 173 vias de administração, 174 Opioides endógenos, 172–173 Ordens de não reanimar (NR), 757 Osmolaridade, 434 Osteogênese imperfeita (OI), 328 Otite media, na infância, 540 Oxicodona, 706 Óxido nitroso, 7, 137, 138t, 143, 146–147, 257, 367t. Ver também Agentes anestésicos inalatórios camada de ozônio, efeito sobre, 146 descobrimento e história de uso de, 4 e hipóxia de difusão, 145

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Oxigenação, monitoramento de, durante anestesia, 277–279, 279t Oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), 645 Oxigenação tissular, 31 Oxigenioterapia hiperbárica, 621 Oximetria cerebral , 563–564 Oxímetros de pulso limitações dos, 279t para monitoração de oxigênio durante a anestesia, 278–279 Oxitocina, 336

P Paciente de cirurgia vascular complicações pulmonares em, prevenção de, 691–692 condições não diagnosticadas em, 691 doença arterial coronariana em, 688 insuficiência renal aguda, prevenção de, 691 lesão de isquemia-reperfusão em, 691 lesão miocárdica em, prevenção de, 691 profilaxia anti-isquêmica perioperatória, diretrizes para, 690f proteção de órgão em, 691–692 medula espinal, 692, 693f rim, 691 sistema nervoso central, 692 revascularização coronariana pré-operatória em, 689 tratamento medicamentoso, efeitos colaterais, e recomendações sobre, 689t Pacientes testemunhas de Jeová, 459 Padrão de cuidado, 761 Pancurônio, 193–194, 365t. Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) Papaína, 906 Paracetamol, 166 dose de, 166 e ingestão de álcool, 166 farmacodinâmica, farmacocinética, 167 indicações e contraindicações, 166 interações medicamentosas e efeitos adversos, 167 mecanismos de ação, 166-167 metabolismo e excreção, 167 Parafuso subdural, 563 Paralisia de nervo laríngeo recorrente, 398, 399 Paralisia do nervo frênico, 398 Paralisia familiar periódica, 322 e manejo anestésico, 322–323 paralisia periódica hipercalêmica, 322 paralisia periódica hipocalêmica, 322 Paralisia hipercalêmica periódica, 322 Paralisia hipocalêmica periódica, 322 Paralisia muscular, durante anestesia, 284 Parestesias, 699 Parto cesáreo, anestesia para, 587–588. Ver também Anestesia obstétrica Passiflora ou flor do maracujá, 906 Peça em T de Ayre, 633–634 Pênfigo vulgar (PV), 333

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Índice

Perda visual perioperatória, (PVPO), 496, 496t, 554 Perda visual pós-operatória (PVPO), 575 Perfusão tissular, marcadores de, 442, 442t Período de contração isovolumétrica, 48 Peso, efeito de, sobre parâmetros farmacocinéticos, 127–128 Peso corporal farmacológico, 128 Peso corporal magro (PCM), 521 Pexopatias braquiais, 418, 419f Pimenta-de-caiena, 902 Placenta prévia, 596 Plasma fresco congelado (PFC), 452–453, 452t Plexo lombar, 405–406, 406f Plexo sacral, 406–407 Pneumonia associada ao ventilador (PAV), 775–777, 776t Pneumoperitônio, para laparoscopia, 511–512 complicações de, 515t Pneumotórax, 618 Pneumotórax tensional, 663 Polimetil metacrilato, 504 Polimiosite (PM), 332 Polirradiculoneurite. Ver Síndrome de Guillain-Barré (SGB) Pontuação de consumo de sangue, avaliação de, 608-609, 609t Pontuação MELD (modelo para doença hepática terminal), 530, 531 Porfiria aguda intermitente (PAI), 327 Porfirias, 327, 327f Pós-carga, 52, 54–56, 55f, 56f Posicionamento cirúrgico em cadeira de praia, 500, 500t, 501f Posicionamento cirúrgico em decúbito lateral, 500, 500t Posicionamento do paciente e lesões potenciais, 413 anestesia/sedação e, 413–415 considerações para neuropatias periféricas prevenção, 422 lesão de tecido mole, mecanismos de, 415 compressão, 415 estiramento, 415, 416f neuropatias braquiais neuropatia ulnar, 415–418, 417f, 418f neuropatias do mediano, 418–419 neuropatias radiais, 419–421, 420f plexopatias da extremidade superior, 418, 419f neuropatias das extremidades inferiores, 421 neuropatia do obturador, 421, 421f neuropatia fibular, 422 neuropatia tardia do cutâneo femoral, 421, 422f problemas de posicionamento isquemia medular com hiperlordose, 423 obstrução do desfiladeiro torácico, 423 posições de Trendelenburg, 423 posições de Trendelenburg reverso, 423–424 problemas dos tecidos moles, 424 Potássio, 445–446, 445f Potenciais evocados motores (PEMs), 562 Potencias evocados somatossensoriais (PESSs), 157, 562

Pramipexole, 326 Pré-carga, 52, 54 Prednisona, na artrite reumatoide, 331 Pré-eclâmpsia, 592–594 Pré-medicação, na cirurgia ambulatorial, 478–479 Pré-oxigenação, 365–366, 374–376 Pressão arterial diastólica (PAD), 60 Pressão arterial media (PAM), 60, 559 Pressão arterial sistólica (PAS), 59–60 Pressão cricoide, 384, 535, 608 Pressão de oclusão da artéria pulmonar, 292 Pressão de perfusão cerebral (PPC), 559 Pressão de perfusão coronariana, 50 Pressão de pulso (PP), 60 Pressão de vapor, 262 Pressão intracraniana (PIC), 559, 563 Pressão intraocular (PIO), 546 Pressão oncótica, 64 Pressão parcial arterial de oxigênio, 737–738 Pressão sanguínea, 58–62 monitoramento de, durante a anestesia, 282–283, 283f Pressão venosa central (PVC) monitoração de, 289–290, 289t, 290f, 290t, 291t cateterização, complicações de, 289t forma de onda PVC, anormalidades de, 291t forma de onda PVC normal, 290f, 290t Prilocaína, 233. Ver também Anestésicos locais Procaína, 224. Ver também Anestésicos locais Procainamida, 874t Procedimentos cirúrgicos radicais, 792 cistectomia radical, 792–793 nefrectomia radical, 792 para câncer testicular, 793 prostatectomia radical, 792 para câncer testicular, 793 Procedimentos poupadores do pulmão, 662 Procedimentos urológicos, 785 cirurgia radical do câncer, 792 câncer de testículo, 793 cistectomia, 792–793 nefrectomia, 793 prostatectomia, 792 laparoscopia urológica, 791–792 litotripsia extracorpórea por ondas de choque, 789– 790 procedimentos renais percutâneos, 790 procedimentos transuretrais cistoscopia e ureteroscopia, 785, 786 ressecção de próstata, 786–789 tumores vesicais, ressecção de, 785–786 tratamento com laser, 791, 791t Processo de negligência médica, 749 Processos malignos, e cirurgia torácica, 655 Procuração, 756 Produção de colesterol e lipoproteínas, pelo fígado, 113 Pro-fármaco, 178 Profilaxia da úlcera de estresse (PUE), em pacientes criticamente enfermos, 774

Índice Programa de redução de estresse baseado na atenção plena (MBSR), 817–820, 818–819t Prontuário eletrônico (EMR), 754 Prontuários médicos, 753–754, 753t Propofol, 155–156, 364, 364t. Ver também Anestésicos intravenosos como agente de indução, 160 na anestesia da coluna, 494t no cuidado anestésico monitorado, 471–472, 472t para a manutençao da anestesia, 161 para anestesia do trauma e reanimação, 614t para sedação, 162 Prostatectomia radical assistida por robótica, 792 Protamina, 681 Proteção cerebral abordagem prática de, 565 glicose e isquemia cerebral, 565 hipotermia, 564 isquêmica e reperfusão, 564 tratamento medicamentoso para, 564–565 Protocolo de evento adverso da Anesthesia Patient Safety Foundation, 754 Protocolos de ressuscitação da American Heart Association (AHA), 867 algoritmo de bradicardia, 869f algoritmo de reanimação cardiocerebral, 871f algoritmo de suporte cardíaco avançado à vida em adultos com parada sem pulso, 868f algoritmo geral de taquicardia, 870f algoritmo para prestador de cuidados de saúde básicos pediátricos de suporte de vida, 873f algoritmo para reanimação do recém-nascido, 878f algoritmo parada cardíaca materna, 872f PALS algoritmo de bradicardia, 876f PALS algoritmo de parada sem pulso, 875f PALS algoritmo de taquicardia para lactentes e crianças, 877f PALS medicação para parada cardíaca e arritmias sintomáticas, 874,t Pulmão complacência, 19 estrutura de cavidade torácica e pleura, 16 vasculatura, 17 vias aéreas, 16–17 transporte de oxigênio e dióxido de carbono, 25–26, 25f volumes, 31, 32f, 827 capacidade de fechamento, 32–33 capacidade funcional residual, 31–32 capacidade vital, 33

Q Quássia, 906 Questionário STOP-BANG, 521 Quimiorreceptores, centrais, 21–22 Quimiorreceptores do corpo carotídeo, 22 Quimiorreceptores do corpo da aorta, 22

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R Radioterapia, 728, 728t Raiz de Levístico, 905 Raiz-de-angélica, 901 Raquianestesia, em cirurgia ambulatorial, 479–480 Rasagilina, 326 Rastreamento rápido, 482, 678 Razão de extração de oxigênio, 51 Reações de emergência, 743–744 Reações hemolíticas transfusionais agudas (RTHAs), 455 Reações transfusionais, 455 imunomodulação relacionada à transfusão (IMRT), 456–457 infecções transmitidas por transfusão, 457, 458t lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI), 457 não infecciosas, 456t reações hemolíticas transfusionais tardias, 456 reações transfusionais hemolíticas, 455 sobrecarga circulatória associada à transfusão, 457 Reações transfusionais hemolíticas tardias (RTHT), 456 Reanimação com líquidos após lesão por queimadura, 622t na sepse, 780–781 Reanimação hipotensiva, conceito de, 613 Reanimação neonatal, algoritmo para, 593f Receptor N-metil-d-aspartato (NMDA), 158 Receptores adrenérgicos, 80, 81–82t Receptores colinérgicos, 79–80 receptores muscarínicos, 80 receptores nicotínicos, 80 Receptores da adenosina, 82 Receptores dopaminérgicos (DA), 80 Reconstrução craniofacial, em crianças, 642 Recuperação pós-operatória, 733 aspiração perioperatória, 739 critérios de alta, 734, 735t cuidado pós-operatório, nível de, 733 distúrbios acidobásicos, 740 diurese espontânea, oligúria e poliúria, 740 estado mental alterado, na SRPA, 743–744 glicose e distúrbios eletrolíticos, 741 hipertensão e, 736 hipotensão e, 734–736 hipotermia e hipertermia, 742–743 hipoventilação e, 736–737 hipoxemia e, 737–739 manejo da dor, 733–734 náusea e vômito pós-operatório, 739 problemas neuromusculares, 737 trauma incidental e efeitos colaterais adversos, 741–742 unidade de cuidados pós-anestésicos, admissão a, 733, 734t Redistribuição de fármaco, 122–124, 123f Reflexo Bainbridge, 49, 50t Reflexo barorreceptor, 49, 50t, 61–62 Reflexo de Cushing, 49, 50t Reflexo de Hering-Breuer, 21

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Índice

Reflexo oculocardíaco, 49, 50t, 548 Reflexo quimiorreceptor carotídeo, 49, 50t Regra dos nove para áreas corporais, 620, 620f Relação pressão-volume diastólicos finais (RPVDF), 51 Relação pressão-volume sistólicos finais (RPVSF), 51 Relaxamento de VE, 58 Relaxantes musculares, 365t Relaxantes musculares de ação, na doença renal, 104 Remifentanil, 181t, 182, 367t, 470–471 na cirurgia da coluna, 494t Reparo endovascular de aneurisma (REVA), 695 Reserva cardiopulmonar, 654 Resistência vascular, 60–61, 61f Resistência vascular pulmonar (RVP), 56 Resistência vascular sistêmica (RVS), 56, 671 Responsabilidade profissional negligência médica, elementos de, 761–762 profissionalismo e licenciamento, 759, 759t sistema contraditório, 759–761 Resposta miogênica, 92 Ressecção pulmonar, 662 Ressecção transuretral de próstata (RTUP), 786 bacteremia transitória e septicemia, 789 complicações de posicionamento, 789 e hipotermia, 789 futuro de, 789 hemorragia e coagulopatia, 788 morbidade e mortalidade após, 789 perfuração vesical, 788–789 síndrome RTUP, 786, 788t soluções de irrigação para, 786–787, 787t técnicas anestésicas para, 789 Ressecção traqueal, 662–663 Ressecções hepáticas, 532 Ressonância magnética (RM), 726–727 Retorno venoso, 49, 62–63 REVA. Ver Reparo endovascular de aneurisma Revascularização da extremidade inferior, 697 Revised Cardiac Risk Index (Revisão do índice de risco cardíaco), 305 Rim, 87, 88f, 96–97. Ver também Lesão renal aguda (LRA); Doença renal crônica (DRC); Sistema renal Risco de mortalidade, específico da anestesia, 757 Rivaroxabana , 464, 464t Rocurônio, 194, 365t. Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) para anestesia do trauma e reanimação, 614t Ropinirole, 326 Ropivacaína, 223–224. Ver também Anestésicos locais RTUP. Ver Ressecção transuretral de próstata Ruptura uterina, 596

S Sacos respiratórios, 266 Safar, Peter, 767 Sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), 370, 743. Ver também Recuperação pós-operatória Salsa, 906

Salvamento perioperatório de sangue, 459 Sangue transporte de dióxido de carbono no, 27, 27f transporte de oxigênio no, 26, 26f SAOS. Ver Síndrome da apneia obstrutiva do sono SARA. Ver Síndrome da angústia respiratória aguda Saw Palmetto (Serona repens), 906 SDCR. Ver Síndrome de dor complexa regional Sedação consciente, 883 Sedação mínima (ansiolise), 883 Sedação profunda, 883 Segurança contra incêndio, 807–808 Segurança do paciente manejo do risco e, 748 ational Practitioner Data Bank, 755–756, 755t consentimento informado, 752–753 diretrizes avançadas, 756–757 erro médico e segurança do paciente, 750–752 ética , 748–750 prontuário médico, 753–754, 753t respondendo a evento adverso, 754–755 melhora da qualidade e, 757 exigências regulatórias, 758 medida do resultado em anestesia, dificuldade de, 757–758 modelos de melhora da qualidade, 757 Segurança elétrica e de incêndio, 797 eletrocirurgia, 805–807 força elétrica e isolamento interruptor do circuito de vazamento para a terra (ICVT) sistema de força aterrado, 802, 802f sistema de força isolado, 803, 804f transformador de isolamento e o monitor de isolamento da linha (MIL), 803–805 microchoque, 805 princípios da eletricidade, 798 capacitores e indutores, 798–799 corrente alternada e direta, 798 interferência elétrica e corrente de fuga, 799 lei de Ohm, 798 reatância e impedância, 799 riscos de choque elétrico aterramento, 801–802, 801f correntes alternadas e diretas, 799–800, 800t fonte de choques, 800–807 segurança contra incêndios, 807–808 Selegilina, 326 Semente de uva, 905 Sepse, na UTI, 779–780, 780t antibiótios, 782 corticosteroides, 782 inotrópicos, 781–782 reanimação com líquidos, 780–781 vasopressores, 781 Serotonina, 82 Sevoflurano, 7, 137, 138t, 367t. Ver também Agentes anestésicos inalatórios na cirurgia da coluna, 494t

Índice uso de, em crianças, 139, 145 Shunt, 30 Shunt portossistêmico intra-hepático transjugular (SPIT), 528, 531, 531f, 728 Shunts ventriculoperitoneais, 641–642 Simpaticomiméticos efedrina, 242–243 fenilefrina, 243 Síndrome CREST, 332 Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA), na UTI, 778 definição de Berlim, 778, 779t técnicas de resgate, 779 ventilação pulmonar protetora, 778, 779 Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), 301, 313, 709, 724 Síndrome da artéria vertebral anterior, 575 Síndrome da articulação sacroilíaca, 713 Síndrome da cauda equina, 221–222, 491t Síndrome da dor miofascial, 713–714 Síndrome da dor radicular, 710–713 Síndrome da embolia gordurosa (SEG), 504 Síndrome da permeabilidade capilar, em pacientes com lesão por queimadura, Síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), 779–780, 780t Síndrome da serotonina, 133, 302 Síndrome de Brown-Sequard, 491t Síndrome de Conn, 345, 345t Síndrome de Cushing, 342–343, 343t Síndrome de dor complexa regional (SDCR), 714–715 Critérios de Budapest para, 715t Síndrome de enzimas hepáticas elevadas com plaquetopenia (HELLP), 592 Síndrome de Guillain-Barré (SGB), 323–324 Síndrome de hipoventilação da obesidade (SHO), 519–520 Síndrome de Horner, 82, 398–399 Síndrome de infusão do propofol (SIPR), 156 Síndrome de Reye, 167 Síndrome de secreção inadequada de hormônio diurético (SIADH), 338, 338t, 566, 569 Síndrome facetária, 713 Síndrome medular anterior, 491t Síndrome medular central, 491t Síndrome medular posterior, 491t Síndrome miastênica de Lambert-Eaton (LEMS), 323 Síndrome piriforme, 713 Síndrome torácica aguda, 330 Síndrome VACTERL, 645–646 Sinergia opioide hipnótico, 133, 133f Síntese prostanoide Síntese proteica, no fígado, 113 Sintomas neurológicos transitórios (SNTs), 224 Sistema de oxigênio à prova de falhas, 261 Sistema de pontuação de Cormack-Lehane para visualização da laringe, 380–381, 381f

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Sistema de segurança com pinos indicadores, para cilindros de gás medicinal, 259, 260f Sistema fagócito mononuclear, 113–114 Sistema nervoso autônomo (SNA), 72, 75–76 funções de, 72, 73t organização de, 72, 74f receptores, 79–82 reflexos, 82–83 sistema nervoso parassimpático (colinérgico), 76–77 sistema nervoso simpático (adrenérgico), 76 transmissão, 77–79, 77t, 78f vias eferentes de, 75f Sistema nervoso central (SNC), 69, 70f, 557. Ver também Neuroanestesia anestesia pediátrica e, 633 cerebral, 69 -70 líquido cerebrospinal, 72 medula espinal, 70–72, 72f Sistema nervoso parassimpático, (SNP), 72–77 Sistema nervoso simpático (SNS), 72–76 Sistema renal anatomia e fisiologia do túbulo distal, 90–91 aparelho justaglomerular, 88, 90f fluxo sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular, autorregulação, 92–93, 92f glomérulo, 88, 89f néfron, 87–88, 89f reabsorção tubular de sódio e água, 93–95, 93t, 94f resposta vasodilatora renal, 96 rins, 87, 88f sistema renina-angiotensina-aldosterona, 95–96, 95f taxa de filtração glomerular, 91–92 túbulo proximal e alça de Henle, 90, 90f, 91t fármacos diuréticos, 104–105, 104t nefrologia perioperatória, agentes anestésicos na insuficiência renal, 103–104 disfunção renal perioperatória, 98, 98t distúrbios acidobásicos, 100 distúrbios eletrolíticos, 98–99, 98t, 99f doença renal crônica, 101–102, 101t, 102f lesão renal aguda, 100–101 prescrição de fármacos na insuficiência renal, 102–103 rim, avaliação clínica de, 96–97 Sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), 95–96, 95f, 434 Sistema respiratório, conceitos relacionados a avaliação de oxigenação tissular, 31 avaliação pulmonar pré-operatória, 37 considerações anestésicas na doença pulmonar obstrutiva, 37–38 na doença pulmonar restritiva, 38 fluxo de gás, resistência a, 19–20 função pulmonar pós-operatória e complicações, 38 músculos da ventilação, 15–16 pulmão, estrutura de, 16–17 respiração e mecânica pulmonar, 17

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Índice

complacência, 19 movimento do tecido pulmonar, 18 resistência elástica, 18 tensão superficial, 18–19 ventilação espontânea, 17–18 ventilação mecânica, 18 teste de função pulmonar, 33–36 transporte de oxigênio e dióxido de carbono, 24, 25f no sangue, 26–27, 26f, 27f nos pulmões, 25–26, 25f ventilação, 20–24 ventilação e reanimação, 27–31 volumes pulmonares, 31–33 Sistema respiratório em circuito, 256, 263–265, 265f. Ver também estação de trabalho anestésico Sistema sanguíneo ABO, 453-454, 453t Sistemas de dosagem, 261 Sistemas limpadores, 270–271, 271f Sístole, 47 Sobrecarga respiratória associada à transfusão (TACO), 457 Sódio, 443–444, 444f Sódio, reabsorção tubular de, 93–95 Solução cardioplégica, 677 Soluções intravenosas, 435, 435t, 436t Sondas de ultrassom de alta frequência, 396 Stents coronarianos, e avaliação pré-anestésica, 308, 309f Subluxação atlantoaxial, 331 Substância P, 173 Substitutos do sangue, 459 Succinilcolina (SCh), 188, 189t. Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) características do bloqueio, 190 contraindicações para o uso de, 191 efeitos colaterais de, 190–191 efeitos neuromusculares, 187, 190 farmacologia de, 190 no manejo da via aérea, 638–639 para anestesia do trauma e reanimação, 614t usos clínicos de, 191 Sufentanil, 181t, 182, 705 Sugammadex, 206 Sulfatação, no fígado, 167 Sulfato de magnésio, 874t Superpressurização, agente anestésico inalatório, 140 Suplementos fitoterápicos, efeitos perioperatórios de, 303, 304t Suporte avançado à vida em pediatria (PALS) algoritmo de bradicardia, 876f algoritmo de parada cardíaca sem pulso, 875f algoritmo de taquicardia para lactentes e crianças, 877f medicação para parada cardíaca e arritmias sintomáticas, 874t Surfactante, 630 Suspender a respiração, 22–23

T Tabagismo, e complicações perioperatórias, 303, 310 Tálamo, 69 Talassemia, 330–331 Tampão sanguíneo (blood patch) peridural (TSP), 599 Tamponamento cardíaco, 618, 682 Taxa de filtração glomerular (TFG), 92, 632 Taxa metabólica cerebral de oxigênio (CMRO2) Técnica de agulha de Verres, 509. Ver também Cirurgias laparoscópicas e robóticas Técnica de Hasson, 509. Ver também Cirurgias laparoscópicas e robóticas Técnicas anestésicas regionais, na cirurgia ambulatorial, 479 Técnicas de monitoração da anestesia e instrumentos, 277 acompanhamento neurológico, 286, 286t bloqueio neuromuscular, 284–286, 285t, 286f circulação, 281–284, 281t, 282f, 283f débito urinário, 284 monitores hemodinâmicos, avançados, 286-287 avaliação não invasiva do débito cardíaco e avaliação do volume, 292, 293t cateter da artéria pulmonar, 291–292, 291t, 292f, 292t ecocardiografia transesofágica, 293 monitoração da pressão venosa central, 289–290, 289t, 290f, 290t, 291t monitoração invasiva da pressão arterial, 287–289, 288f, 288t Normas para a Monitoração Anestésica Básica, da ASA, 277 oxigenação, 277–279, 279t temperatura, 284, 284t, 285t ventilação, 279–281, 280f, 281t Temperatura, monitoramento de, durante anestesia, 284, 284t, 285t Tempo de meia-vida contexto-dependente, 176, 470–471 Tempos de decréscimo contexto-dependentes, fármaco, 126–127 Tensão superficial, 18–19 Terapia antiplaquetária, 462, 463t Terapia de ponte, 302–303 Terapia transfusional, em doença grave, 774–775 Teste de despertar esponâneo (TDE), 771 Teste de função pulmonar alças de fluxo-volume, 34, 35f capacidade de difusão de monóxido de carbono, 34, 36 capacidade vital forçada, 33 fluxo expiratório forçado, 33 razão, FEV1/FVC, 33 ventilação voluntária máxima, 34, 34t volume expiratório forçado, 33 Teste de não estresse (NST), 590 Testes de função hepática, 528t Tetracaína. Ver também Anestésicos locais Tetralogia de Fallot (TF), 629f, 630 Ticlopidina, 462 Timectomia, 323

Índice Timolol, 549 Tiopental, 103 Tiossulfato de sódio, 621 Tireoide, 338, 339f anestesia na cirurgia da tireoide, 340–341, 341t h efeitos fisiológicos do hormonio da tireoide, 339t hipertireoidismo, 340 hipotireoidismo, 340, 341t metabolismo do hormônio da tireoide, 338–339, 339f testes de função da tireoide, 340, 340t Tireotoxicose, 340, 340t Tiroxina (T4), 338–339, 339f. Ver também Tireoide To Err Is Human: Building a Safer Health System (relatório IOM), 750 Tomografia computadorizada (TC), 725–726 Tonicidade, 434 Tonsilectomia, 540, 642–643 Tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI), 533, 535 Tônus vagal, 177 Toracotomia aberta, 662 Toxicidade do cianeto , 621 Toxicidade sistêmica dos anestésicos locais (LAST), 221 Trabalho sistólico, 51 Transfusão de plaquetas, 454 Transplante de fígado, 532–533 Transtorno por abuso de substância (TAS), 815 Traqueostomia, 545 Tratos (medulares), 72 Trauma avaliação inicial e reanimação, 607 avaliação neurológica, 609–610, 609t, 610t circulação, 608–609, 609t diagrama de fluxo de trabalho da equipe de anestesia, 613f interdisciplinar, manejo baseado em equipe, 611, 612f lesões vasculares, 610–611 lista de verificação de anestesia de emergência e trauma, 612f respiração, 608 via aérea, 607–608 lesões específicas, manejo anestésico de lesões abdominais e pélvicas, 618–61 lesão de coluna vertebral e medula espinal, 617 lesão de tecido mole cervical, 617 lesões cerebrais traumáticas, 617 lesões de extremidades, 619 lesões de globo aberto, 619 lesões torácicas, 618 lesões vasculares maiores, 619 manejo operatório anormalidades da coagulação, 615, 616f distúrbios eletrolíticos e acidobásicos, 615, 617 fármacos anestésicos e adjuntos, 5611, 614t hipotensão, 613–615 hipotermia, 615 indução e manejo da via aérea, 611–613 monitoramento, 611 Trauma abdominal, 618

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Trauma maxilofacial, 543 Trauma oral, na SRPA, 742 Trevo d’água (Menyanthes trifoliata), 902 Trevo-doce, 907 Trevo-vermelho, 906 Tri-iodotironina (T3), 338–339, 339f. Ver também Tireoide Trombocitopenia gestacional, 577 Trombocitopenia induzida pela heparina (TIH), 463 Tromboelastografia, nos pacientes de trauma, 615, 616f Tromboembolismo venoso (TEV), em pacientes criticamente enfermos, 772–773, 772t Trombose venosa profunda, após procedimentos ortopédicos, 505 Tubo de duplo lúmen (TDL), 657–658, 663 Tubo regular de lúmen simples (TLS), 657–658 Tubos de Thorpe, 258 Tubos endotraqueais (TET), 366, 373 Túbulo distal, 90–91 Túbulo proximal, 90, 90f, 91t Tumérico, 907 Tumores cerebrais, cirurgia para, 569 Tumores vesicais, ressecção de, 785–786

U Ultrassonografia compressiva com Doppler, para trombose venosa profunda, 773 Ultrassonografia transcraniana com Doppler (UTD), 563 Ureteroscopia, 785, 786f

V Valeriana, 907 Valium. Ver Diazepam Válvula de liberação, 259, 260f Válvula de liberação de oxigênio, 259, 260f Válvula de retenção de uma via, 259 Válvula limitadora de pressão ajustável (LPA), 266 Vancomicina, 317 Vaporizador Tec-6, Vaporizadores de bypass variável, 262 Varfarina, 302, 463t, 464, 464t Variação da pressão de pulso (VPP), 441–442, 441f, 683 Variação de volume sistólico (VVS), 442 Varizes esofágicas, 530 Vasa prévia, 596 Vasculatura coronariana, 44–45, 46f Vasoconstrição pulmonar hipóxica, 31, 656, 658 Vasodilatadores, renais, 96, 96t Vasopressina, 244–245, 336, 338 para anestesia do trauma e reanimação, 614t Vasopressores, na sepse, 781 Vecurônio, 194, 365t. Ver também Agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) para anestesia do trauma e reanimação, 614t Ventilação de, 20 definição de

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Índice

distribuição, 27–29, 28f e relação de perfusão, 29–31, 29f fisiologia centros respiratórios, 21 controle ventilatório químico, 21–24 monitoração de, durante anestesia, 279–281, 280f, 281t músculos da diafragma, 15 músculos acessórios, 15–16 Ventilação difícil por máscara, 377, 379t Ventilação espontânea, 17–18 Ventilação monopulmonar (VMP), 655 fisiologia de, 655–656 indicações para, 656–657 manejo da hipoxemia em, 658–660, 660t manejo de fração de oxigênio inspirado, 658 volume corrente e frequência respiratória, 658 Ventilação por jato, 544 Ventilação por máscara, 376 Ventilação pulmonar protetora (VPP), 778–779 Ventilação voluntária máxima, (VVM), 34 Ventiladores mecânicos, 18, 268–270, 269f

Via aérea com máscara laríngea (ML), 366, 378, 380, 639 Videolaringoscopia (VL), 383, 612–613 Vírus da herpes simples (HSV) genital, 595 Viscosidade do líquido, 65 Vitamina E, 907 VMP. Ver ventilação monopulmonar Volume de distribuição plasma-aparente, 124 Volume diastólico final (VDF), 52 Volume expiratório forçado em 1 segundo (VEF1), 33 Volume sanguíneo, 63 Volume sistólico, 52 Volume sistólico final (VSF), 52 Volumes de distribuição de fármacos, 125–126

W World Health Organization Surgical Safety Checklist, 363, 363f

X Xenobióticos, 116 Xenônio, 138t, 147. Ver também Agentes anestésicos inalatórios