Farmacocinética básica e aplicada [1ª ed.]
 9788527718967

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Básica e Aplicada

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Básica e Aplicada

SÍLVIA STORPIRTIS

DANIEL ROSSI DE CAMPOS

Farmacêutica-Bioquímica. Mestre e Doutora em Fármaco e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Professora Associada do Departamento de Farmácia da FCF-USP.

Farmacêutico-Bioquímico pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre em Toxicologia pela USP. Doutor em Farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ex-Técnico da Anvisa, Ex-Professor da Universidade São Francisco (USF). Ex-Farmacêutico da Unidade Integrada de Farmacologia e Gastroenterologia da Universidade São Francisco (UNIFAG-USF) e Ex-Supervisor da EMS. Diretor Técnico-Científico da CONCEPT e Orientador da Pós-Graduação em Saúde da USF. Tem

Ministra as Disciplinas Biofarmacotécnica e Farmácia Clínica. Atuou como Diretora Técnica da Divisão de Farmácia e Laboratório Clínico do Hospital Universitário da USP (HU-USP) no período de 1992 a 2010. Foi Coordenadora do Curso de Especialização em Farmácia Clínica Hospitalar Promovido pela FCF-USP e pelo HU-USP de 1993 a 2010. Coordenadora Docente da Farmácia Universitária da FCF-USP. Membro do Grupo de Especialistas que Elaborou e Revisou as Regulamentações Técnicas para Registro de Medicamentos Genéricos e Adequação de Medicamentos Similares no Brasil no período de 1999 a 2006. Consultora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na Área de Medicamentos Genéricos, Biodisponibilidade e Bioequivalência no período de 2000 a 2006. Membro do Grupo de Trabalho de Bioequivalência da Rede de Harmonização da Regulamentação Farmacêutica Coordenada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no período de 2000 a 2006. Coordenadora do Comitê Técnico Temático de Equivalência Farmacêutica e Bioequivalência de Medicamentos da Farmacopeia Brasileira.

vasta experiência em cursos e consultorias nas áreas de Bioequivalência e Farmacocinética.

JOSÉ EDUARDO GONÇALVES Farmacêutico - Modalidade Fármacos e Medicamentos pela Universidade Federal de Alfenas. Doutor em Fármaco e Medicamentos pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). PósDoutorando do Laboratório de Estudos de Permeabilidade de Fármacos em Cultura Celulares da FCF-USP. Atua na Área de Biofarmacotécnica na Avaliação da Permeabilidade e Citotoxicidade de Fármacos com a Influência de Excipientes e Formulações Empregando Culturas Celulares.

MARíA NELLA GAi Farmacêutica Bioquímica. Doutora em Ciências Farmacêuticas. Professora Associada da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile. Responsável pelas Disciplinas de Graduação e PósGraduação de Biofarmácia e Farmacocinética. Chefe do Departamento de Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile. Atua nas Linhas de Pesquisas de Avaliação da Influência de Alimentos e Exposição a Grandes Altitudes na Farmacocinética e no Desenvolvimento de Medicamentos de Liberação Controlada. Ministrou várias Disciplinas de Pós-Graduação em Universidades do Brasil, do Peru e do Paraguai.

GUANABARA KOOGAN

• Os autores deste livro e a EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelas autoras até a data da entrega dos originais à editora. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências da saúde, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre terapêutica medicamentosa e reações adversas a fármacos, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas dosagens recomendadas ou na legislação regulamentadora. Adicionalmente, os leitores podem buscar por possíveis atualizações da obra em http://gen-io.grupogen.com.br. • Os autores e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. • Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright© 2011 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. Uma editora integrante do GEN I Grupo Editorial Nacional

Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro - RJ - CEP 20040-040 Tels.: (21) 3543-0770/(11) 5080-0770 1 Fax: (21) 3543-0896 www.editoraguanabara.com.br I www.grupogen.com.br I [email protected] ,.

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• Capa: Renato Mello Editoração Eletrônica: @" N r H AR es Projeto gráfico: Editora Guanabara Koogan

• Ficha catalográfica

F247 Farmacocinética básica e aplicada / Sílvia Storpirtis ... [et al.]. - Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2011.

ISBN 978-85-277-1896-7 1. Farmacocinética. I. Storpirtis, Sílvia. 11-2957.

CDD: 615.7 CDU: 615

Colaboradores

• Chang Chiann Bacharel (1989), Mestre (1993), Doutor (1997) e Pós-Doutora (2001) em Estatística pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Professora Doutora do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. Experiência na Área de Probabilidade e Estatística, com Ênfase em Séries Temporais e Análise de Estudos de Biodisponibilidade e Bioequivalência. • Cristina Helena Serra Farmacêutica Bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP). Professora Doutora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e Bolsista Produtividade CNPq. Atua na Área da Biofarmacotécnica com Enfase em Permeabilidade e Solubilidade de Fármacos; Bioequivalência e Biodisponibilidade de Medicamentos; Correlação in Vitro-in Vivo (CIVIV); Desenvolvimento Biofarmacotécnico de Medicamentos. A

• Edda Costa Castro Licenciada em Química e Farmácia pela Universidade do Chile. Mestre em Ciências Farmacêuticas com Pós-Graduação na Universidade de Perugia - Itália - e na Universidade de Clermont Ferrand - França. Professora Assistente da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile. Atua nas Areas de Tecnologia Farmacêutica em Desenvolvimento de Sistemas Lipídicos de Liberação Convencional e Controlada; Farmacocinética; Estudos de Biodisponibilidade e Bioequivalência e Desenvolvimento e Avaliação de Produtos Cosméticos. /

• Elkiane Macedo Rama Graduada em Ciências Farmacêuticas, com Habilitação na Modalidade Indústria, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP). Especialista em Vigilância Sanitária pela Fundação Oswaldo Cruz em Brasília e em Toxicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestranda em Toxicologia Aplicada à Vigilância Sanitária pela Universidade Estadual de Londrina. Atualmente ocupa o Cargo de Gerente-substituta da Gerência de Normatização e Avaliação da Gerência Geral de Toxicologia da Anvisa. • Flávia De Toni Uchôa Doutora em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pernambuco com Pós-Doutorado em Farmacocinética pela Universidade Federal do Rio Grande

do Sul. Atua como Pesquisadora em uma Contract Research Organization (Bilbao - Espanha) desenvolvendo projetos de Farmacocinética Pré-clínica e Clínica. • Jorge Chaves Arrué Lincenciado em Química e Farmácia pela Universidade do Chile em 1981. Pós-Graduação na Universidade de Marburg - Alemanha. Doutorado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade do Chile em 1996. Pós-Doutorado na Universidade de Bonn - Alemanha. Professor Associado da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile. Atua nas Áreas de Tecnologia Farmacêutica, Tecnologia Farmacêutica de Produtos Sólidos, Microencapsulação, Biotecnologia, Sistemas de Qualidade Aplicados à Indústria Farmacêutica e de Alimentos (GMP, HACCP, ISO 9001-2000, ISO 14001 e ISO 22000). • K.arina Santos Gomes M.Sc., PhD. Farmacêutica-Bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara (UNESP). Mestrado e Doutorado em Psicobiologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP). Pós-Doutorado em Farmacologia (UNESP). • Leoberto Costa Tavares Farmacêutico Industrial. Doutor em Fármaco e Medicamentos e Livre-Docente lotado no Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Especialista em Planejamento e Desenvolvimento de Novos Fármacos por Aplicação de Estudos de Relações Estrutura-Atividade, com Foco em Infecções Multirresistentes e em Doenças Tropicais. • Luciana Scotti Farmacêutica-Bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCFUSP) (1994). Mestrado (2002) e Doutorado (2006) em Cosmetologia e Pós-Doutorado em Fármacos na USP. Desde 2010 faz Pós-Doutorado na Universidade Federal da Paraíba, atuando nas seguintes áreas: Modelagem Molecular, QSAR e Quimiometria. • Marlane Ballerini Fernandes Farmacêutica-Bioquímica pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Doutoranda em Fármaco e Medicamentos pela FCF-USP nas áreas de Permeabilidade Intestinal de Fármacos in Silico Usando Descritores Moleculares e in Vitro Usando Culturas Celulares.

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Farmacocinética Básica e Aplicada

• Marcus Scotti Doutor em Química Orgânica no Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto II da Universidade Federal da Paraíba. Atua na área de QSAR e Quimiotaxonomia Utilizando Principalmente Descritores Moleculares Holísticos, Ferramentas Quimiométricas e Modelagem Molecular. • Rodrigo Cristofoletti Graduado em Ciências Farmacêuticas, com habilitação na modalidade Indústria, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP). Especialista em Vigilância Sanitária pela Fundação Oswaldo Cruz Brasília e em Toxicologia

pela Universidade Estadual de Londrina. Mestrando em Toxicologia Aplicada à Vigilância Sanitária pela Universidade Estadual de Londrina. Membro do Comitê Técnico Temático de Equivalência Farmacêutica e Bioequivalência da Farmacopéia Brasileira. Atualmente ocupa o cargo de Coordenador-substituto da Coordenação de Bioequivalência da Anvisa. • Teresa Da11a Costa

Ph.D. em Farmácia pela University of Florida - EUA. Bolsista Produtividade do CNPq, atua em Farmacocinética na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Nível de Graduação e Pós-Graduação, com foco de pesquisa em Farmacocinética Pré-Clínica e Modelagem PK/PD.

Agradecim.entos

Gostaria de agradecer a muitas pessoas que foram fundamentais para a realização desta obra, participando direta ou indiretamente de sua elaboração: A meus amigos María Nella Gai, José Eduardo Gonçalves e Daniel Rossi de Campos, que acreditaram no projeto deste livro e também se empenharam tanto para torná-lo realidade. A todos os colaboradores que aceitaram o convite para escrever vários capítulos, o que enriqueceu sobremaneira o conteúdo do livro. Ao Professor Aquiles Arancíbia, da Universidade do Chile, que, com seu conhecimento, didática e generosidade, conquistou e formou tantos discípulos ao redor do mundo. À Mariza Regina de Souza, que colaborou na digitação dos originais no início do projeto deste livro.

A todos os alunos que me ajudaram na tarefa de descobrir um método descomplicado para ensinar Farmacocinética nos últimos anos. Ao meu esposo Paulo, ao meu filho Matheus e à minha mãe Iracema, pela paciência e pelo apoio em todos os meus projetos. Ao mestre Sérgio Felipe de Oliveira pelos ensinamentos preciosos sobre a "Escola da Vida". Aos mestres Norberto Keppe, Cláudia Pacheco, Selma Genzani e Helena Mellander que me mostraram os caminhos da Ciência Trilógica (Trilogia Analítica). Sílvia Storpirtis São Paulo, julho de 2011

Apresentação

A Farmacocinética é aplicável a muitas áreas das Ciências Farmacêuticas. Entre elas destacam-se o desenvolvimento de novos medicamentos, a avaliação da biodisponibilidade absoluta para medicamentos inovadores e da biodisponibilidade relativa, empregando-se o critério da bioequivalência, no caso dos medicamentos genéricos e similares. Entretanto, outra aplicação extremamente importante é o que se denomina Farmacocinética Clínica, empregando-se os conceitos básicos dessa ciência para otimizar os tratamentos farmacológicos de pacientes, no contexto da terapêutica medicamentosa ou Farmacoterapia. Contudo, os tratamentos matemáticos envolvidos geralmente a tornam uma ciência pouco amigável à maioria dos profissionais que querem compreendê-la e utilizá-la no dia a dia, fato que pudemos observar ao longo dos anos de ensino e pesquisa relacionados com esse tema, e que nos motivou a elaborar a presente obra, cujo principal objetivo é disponibilizar aos leitores, alunos de graduação e de pós-graduação nas áreas de Farmácia, Medicina, Odontologia e Enfermagem, as bases para a compreensão dos principais aspectos da Farmacocinética. Além disso, os profissionais, especialmente farmacêuticos que atuam nas áreas de Desenvolvimento Farmacotécnico de Medicamentos, Controle e Garantia de Qualidade de Medicamentos, Assuntos Regulatórios ligados ao Registro de Medicamentos, Farmácia Hospitalar, Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica, poderão encontrar a teoria e a aplicação da Farmacocinética em diversas áreas, no âmbito das Ciências Farmacêuticas. Para tanto, esta publicação foi concebida em três partes: Parte 1 - Farmacocinética Básica; Parte 2 - Farmacocinética Aplicada e Parte 3 - Apêndices. Na Parte 1 os leitores vão encontrar o desenvolvimento da teoria que permite o entendimento dos conceitos e do cálculo dos principais parâmetros farmacocinéticos em várias modalidades de administração de medicamentos (dose única intravascular e extravascular, doses múltiplas e infusão intravascular). Também são abordados temas relacionados com o acúmulo de fármacos após administração de doses múltiplas, a relação entre a dose de ataque e a dose de manutenção e a farmacocinética não linear, preparando o leitor para a compreensão dos preceitos desenvolvidos na segunda parte do livro.

Na Parte 2 são exploradas aplicações dos conceitos básicos anteriormente abordados, destacando-se os capítulos relacionados com o emprego da Farmacocinética à Farmacoterapia e ao Controle Terapêutico de Fármacos e Ajustes de Doses. Também são abordados os aspectos farmacocinéticos envolvidos na realização dos ensaios pré-clínicos e clínicos utilizados durante o desenvolvimento de novos medicamentos, bem como a Relevância da Cronofarmacocinética, a Influência da Altitude sobre a Farmacocinética e os Estudos Farmacocinéticos Aplicados ao Polimorfismo Genético, temas mais recentemente desenvolvidos por pesquisadores da área. Ainda nessa segunda parte destacam-se capítulos sobre a Correlação de dados in Vitro-in Vivo, a Relação entre Parâmetros Farmacocinéticos e Farmacodinâmicos (conhecida como relação PK/PD), além de capítulos voltados para temas que demonstram a necessidade de integrar conceitos da Farmacocinética com estudos in silico (Estudos in Silico Aplicados à Avaliação Farmacocinética Toxicidade) e com técnicas de simulação (Técnicas Computacionais em Farmacocinética). Finalmente, na terceira parte do livro, o leitor encontra dois anexos. No Apêndice A são apresentados as siglas, símbolos e termos relacionados com os parâmetros mais empregados em Farmacocinética, enquanto no Apêndice B apresenta-se o tratamento matemático de dados em Farmacocinética para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos e compreender a origem das equações empregadas nesta área. Cada capítulo contém uma introdução sobre o tema que é detalhado posteriormente, destacando-se, ao final, os principais aspectos que devem ser considerados pelo leitor como um guia para sua aprendizagem, em conjunto com o item "Avalie seus conhecimentos", com perguntas cujas respostas são apresentadas no Apêndice C ao final do livro. Desse modo, convidamos os leitores ao estudo da Farmacocinética em seus aspectos básicos e suas principais aplicações, solicitando que críticas e sugestões sejam enviadas à Editora para futuro aprimoramento desta primeira versão. Bom estudo e sucesso a todos! Sílvia Storpirtis São Paulo, julho de 2011

Prefácio

A Farmacocinética é um ramo da Farmacologia que se ocupa de estudar o destino dos fármacos no organismo. O termo farmacocinética, foi empregado pela primeira vez por F. H. Dost em 1953. E uma disciplina científica da segunda metade do século passado, e, mesmo que A. Buchanan em 1847, na Inglaterra, tenha descrito que a profundidade da narcose produzida pelo éter dependia da concentração alcançada no cérebro e esta, por sua vez, dependia da concentração plasmática e que alguns trabalhos de outros autores tenham descrito de maneira quantitativa o curso no tempo de alguns fármacos e substâncias tóxicas no organismo empregando modelos matemáticos, o marco teórico dessa disciplina se consolidou nas décadas de 1950 e 1970. Nesse período, uma plêiade de notáveis investigadores, entre os quais se destacam Eino Nelson, Ekkehard Krüger-Thiemer, John G. Wagner, Gerard Levy, Sydney Riegelman, Milo Gibaldi, Leslie Benet, Arnold Becket, Malcolm Rowland e Wolfgang Ritschel, entre outros, realizaram aportes de grande significado nos aspectos teóricos e práticos dessa disciplina. Durante esse período foi desenvolvida a maior parte dos conceitos, dos modelos, das teorias e dos enfoques utilizados atualmente. Define-se Farmacocinética como o estudo do curso das concentrações dos fármacos e dos metabólitos no tempo, nos diversos líquidos e tecidos do organismo, desenvolvendo-se modelos matemáticos que permitem sua interpretação. Estuda, em termos quantitativos, os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção e corresponde ao estudo do que o organismo faz com os fármacos, diferenciando-se da Farmacodinâmica, que se ocupa do estudo do que os fármacos fazem • com o organismo. Essa disciplina constitui um dos desenvolvimentos de maior significado nos espetaculares avanços que as ciências biomédicas experimentaram nas últimas décadas. As investigações nessa disciplina contribuíram notavelmente para elucidar complexos comportamentos de medicamentos e substâncias tóxicas no organismo, tais como a eliminação pré-sistêmica e os fenômenos de efluxo, entre outros. Um dos logros mais importantes da Farmacocinética foi reconhecer a importância da relação que existe, para grande quantidade de fármacos, entre o efeito terapêutico, a concentração no sítio de ação e a concentração no sangue. Dessa maneira foi possível estabelecer a faixa ou janela terapêutica para muitos medicamentos, que representa a faixa de concentração plasmática dentro da qual existe uma probabilidade relativamente alta de obter a resposta clínica desejada e uma probabilidade relativamente baixa de ocorrer toxicidade inaceitável. Adicionalmente, uma das projeções mais importantes dessa disciplina foi o desenvolvimento da Farmacocinética Clínica, que, em sua expressão mais simples, pode ser defmida como a aplicação da Farmacocinética no manejo seguro e efetivo dos medicamentos nos pacientes. O conhecimento farmacocinético

foi fundamental para o desenho de regimes de dosagem e sua adaptação a pacientes de modo individualizado, e também para os ajustes de dose, quando necessário, por meio da monitorização de concentrações de fármaco no sangue e outros líquidos biológicos, ou da resposta clínica. A variabilidade da resposta terapêutica de um paciente a outro pode ser considerável. A variabilidade intrasujeito pode também ser relevante. No passado estas eram atribuídas à sensibilidade ou à resistência individual. Na atualidade, muitas dessas diferenças podem ser explicadas pela variabilidade inter e intrassujeito dos processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção. A Farmacocinética Clínica, ao contribuir para a melhor compreensão das causas dessa variabilidade, permite o desenvolvimento e a aplicação de regimes de dose individualizados, com a melhoria da terapia com fármacos. A informação obtida por meio da investigação farmacocinética foi extraordinariamente valiosa para advertir sobre a influência de diferentes fatores no comportamento dos medicamentos no organismo. A esse respeito cabe mencionar, entre outros, fatores fisiológicos, como peso corporal, gênero, temperatura, eliminação pré-sistêmica, variabilidade fisiológica do tubo digestivo, alterações fisiológicas por fatores ambientais; situações de enfermidade tais como insuficiências renal, digestiva e cardiovascular; estados fisiológicos especiais como gravidez, lactação, obesidade, desnutrição; fatores genéticos; em idosos, crianças e recém-nascidos; ritmos circadianos; interações com alimentos, outros medicamentos, álcool; exposição à altitude. Nos últimos 30 ou 40 anos foram produzidos avanços de grande importância no desenvolvimento de sistemas terapêuticos que controlam a liberação dos ingredientes ativos de uma formulação em locais apropriados, para sua melhor absorção, ou diretamente no local de ação, mesmo em compartimentos intracelulares, em quantidade apropriada e durante tempo definido para produzir resposta terapêutica desejada sem gerar toxicidade. Os múltiplos benefícios das formulações e sistemas inovadores de liberação de fármacos estão logrando um crescente reconhecimento, assim como melhor compreensão sobre sua função. Esses sistemas inovadores de administração de medicamentos podem melhorar a farmacoterapia ao desenvolver formulações que liberam o fármaco no momento em que a ação terapêutica é indicada ou necessária, aumentando o conforto do paciente e melhorando sua saúde e qualidade de vida. Nesses desenvolvimentos, a Farmacocinética tem sido uma ferramenta de grande utilidade. O conhecimento farmacocinético foi fundamental no desenvolvimento dos conceitos de biodisponibilidade, bioequivalência, bioisenção e equivalência terapêutica que constituem capítulos de grande importância no campo das ciências biomédicas e são aplicados aos medicamentos na atualidade. O uso de parâmetros farmacocinéticos como variáveis para orientar a síntese racional e o ensaio de novos agentes

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Farmacocinética Básica e Aplicada

terapêuticos, o emprego de modelos para a caracterização e prognóstico de curso no tempo da intensidade dos efeitos farmacológicos, a predição da farmacocinética no homem, a partir de resultados obtidos em animais, utilizando modelos com base fisiológica e fatores de escalonamento, representam outros âmbitos de aplicação dessa disciplina que será, ainda, de grande importância para enfrentar os novos paradigmas da investigação e emprego de medicamentos propostos para uso no futuro. O estudo da Farmacocinética tem sido dificultado, muitas vezes, pela complexidade dos desenvolvimentos matemáticos que se incluem no tratamento dos aspectos básicos dessa disciplina. Por outro lado, quando estes são apresentados com uma orientação mais aplicada, debilita-se o tratamento de aspectos básicos indispensáveis para a compreensão e aplicação adequadas. Farmacocinética Básica e Aplicada é um livro de autoria múltipla, no qual um grupo de especialistas em diferentes âmbitos dessa disciplina, liderados pela professora Sílvia

Storpirtis, lograram um adequado equilíbrio entre os aspectos fundamentais que fazem compreensíveis a sustentação teórica da disciplina e a lógica de sua aplicação na ampla gama de situações nas quais essa disciplina resulta útil. Os autores dos diferentes capítulos têm ampla experiência e são especialistas nos, temas tratados. E para celebrar o esforço realizado pelos autores que lograram dar forma a uma obra que vem para preencher uma necessidade nesse campo e que será de grande utilidade para estudantes e profissionais de Farmácia e Medicina, como também para pesquisadores e profissionais da área biomédica. Em resumo, essa obra facilitará o estudo dos profissionais que trabalham com medicamentos, assim como para aqueles que desejam introduzir-se neste interessante ramo da Farmacologia.

Aquiles Arancibia Academia de Ciencias Farmacéuticas de Chile Santiago do Chile , outubro de 2010

Sumário

PARTE 1

FARMACOCINÉTICA BÁSICA, 1

1 Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica), 3 Sílvia Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 3 Histórico e aplicações, 4 Objetivos da farmacocinética, 5 Cinética, 5 Processos farmacocinéticos (ADME), 7 Perfil de concentrações plasmáticas versus tempo, 13 Considerações finais, 13 Avalie seus conhecimentos, 14 Referências, 15 Bibliografia recomendada, 16

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Modelos Farmacocinéticos, 17

4 Administração Intravascular de Medicamento em Dose Única, 34 St1via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 34 Seleção do melhor modelo, 34 Administração de uma dose de medicamento por via intravascular I cálculo dos parâmetros farmacocinéticos empregando concentrações plasmáticas do fármaco segundo o modelo monocompartimental, 35 Administração de uma dose de medicamento por via intravascular I cálculo dos parâmetros farmacocinéticos empregando concentrações plasmáticas do fármaco segundo o modelo bicompartimental, 36 Considerações finais, 38 Avalie seus conhecimentos, 38 Referências, 39

St1via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

5 Administração Extravascular de Introdução, 17 Modelos compartimentais, 18 Modelos não compartimentais, 22 Considerações finais, 24 Avalie seus conhecimentos, 25 Referências, 25

3 Parâmetros Farmacocinéticos, 26 St1via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 26 Disposição cinética do fármaco e sua relação com os parâmetros farmacocinéticos, 26 Meia-vida de eliminação, 27 Volume aparente de distribuição, 29 Clearance ou depuração, 30 Cálculo da área sob a curva de concentrações plasmáticas versus tempo, 31 Considerações finais, 32 Avalie seus conhecimentos, 32 Referências, 33

Medicamentos em Dose Única, 40 Maria Nella Gai, St1via Storpirtis, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 40 Administração extravascular: modelo monocompartimental, 40 Reconhecimento do modelo farmacocinético, 41 Como os parâmetros farmacocinéticos são obtidos, 41 Como obter o tempo de latência, 42 Cálculo da concentração máxima (Cmax) e do tempo máximo ou de pico Ctmax), 42 Cálculo da área sob a curva de concentração plasmática versus tempo (ASC), 43 Modelo flip-flop, 44 Administração extravascular: modelo de dois compartimentos, 44 Determinação de perfis de absorção, 45 Considerações finais, 47 Avalie seus conhecimentos, 47 Referências, 48

xiv

Farmacocinética Básica e Aplicada

6 Excreção Urinária de Fármacos, 50 St?via Storpirtis, Cristina Helena dos Reis Serra e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 50 Mecanismos de excreção renal, 50 Cálculo de parâmetros farmacocinéticos por meio de dados de excreção urinária segundo o modelo monocompartimental (administração intravascular), 50 Cálculo de parâmetros farmacocinéticos por meio de dados de excreção urinária segundo o modelo bicompartimental, 53 Aplicação de estudos de excreção urinária de fármacos à avaliação da biodisponibilidade e bioequivalência de medicamentos, 54 Considerações finais, 56 Avalie seus conhecimentos, 56 Referências, 57

7 Administração de Medicamentos em Doses Múltiplas, 58 St?via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 58 Interpretação dos dados farmacocinéticos, 59 Relação entre a velocidade de introdução e a velocidade de eliminação, 59 Flutuação das concentrações plasmáticas, 61 Doses múltiplas em outros modos de administração, 61 Considerações finais, 62 Avalie seus conhecimentos, 62 Referências, 63

8 Acúmulo de Fármaco no Organismo após Administração de Doses Múltiplas, 64 St?via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 64 Aspectos farmacocinéticos, 65 Fator de acúmulo, 65 Considerações finais, 66 Avalie seus conhecimentos, 66 Referências , 66

9 Administração de Medicamentos por Infusão Intravascular, 67 St?via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 67 Interpretação dos dados farmacocinéticos, 67 Exemplos de fármacos administrados por infusão intravascular, 70 Considerações finais, 70 Avalie seus conhecimentos, 71 Referências, 71

10 Relação entre Dose de Ataque e Dose de Manutenção, 72 St?via Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 72 Considerações farmacocinéticas, 72 Considerações finais, 73 Avalie seus conhecimentos, 74 Referências, 74

11 Farmacocinética Não Linear, 75 Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos, Sílvia Storpirtis e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 75 Análise das consequências da cinética não linear sobre os parâmetros farmacocinéticos, 75 Cinética de Michaelis-Menten, 77 Comportamento dos parâmetros farmacocinéticos quando há um processo de eliminação não linear, 78 Como calcular a individualização da dose para um paciente sob tratamento com um fármaco que apresenta cinética não linear?, 78 Outros cálculos de interesse, 80 Considerações finais, 80 Avalie seus conhecimentos, 80 Referências, 80

PARTE 2

FARMACOCINÉTICA APLICADA, 83

12 Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Pré-clínicos, 85 Flávia De Toni Uchôa e Teresa Dalla Costa

Introdução, 85 Objetivos dos estudos farmacocinéticos pré-clínicos, 87 Tipos de estudos farmacocinéticos pré-clínicos, 87 Escolha do modelo animal para os estudos farmacocinéticos pré-clínicos, 90 Desenho experimental dos estudos farmacocinéticos pré-clínicos, 90 Abordagens para análise dos perfis farmacocinéticos pré-clínicos, 92 Conclusões, 93 Avalie seus conhecimentos, 93 Referências, 93

13 Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos,94 Daniel Rossi de Campos e Karina Santos Gomes

Introdução, 94 Estudos clínicos fase I, 94 Estudos de biodisponibilidade relativa/ bioequivalência, 97

Farmacocinética Básica e Aplicada

Considerações finais, 98 Avalie seus conhecimentos, 99 Referências bibliográficas, 99

14 Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia, 101 Daniel Rossi de Campos e Karina Santos Gomes

Introdução, 101 Princípios de farmacocinética aplicados à farmacoterapia, 101 Farmacocinética em situações especiais, 104 Considerações finais, 110 Avalie seus conhecimentos, 110 Referências, 111

15 Controle Terapêutico de Fármacos e Ajuste de Dose, 113 Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos, St?via Storpirtis e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 113 Fármacos submetidos ao controle terapêutico, 113 Fármacos não submetidos ao controle terapêutico, 114 Classificação dos fármacos que necessitam de controle terapêutico de acordo com o seguimento farmacoterapêutico, 114 Controle terapêutico, 115 Tratamento farmacocinético aplicado ao controle terapêutico, 116 Considerações finais, 117 Avalie seus conhecimentos, 117 Referências, 118

16 Cronofarmacocinética, 119 Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos, José Eduardo Gonçalves e St?via Storpirtis

Introdução, 119 Absorção oral de fármacos e cronofarmacocinética, 120 Distribuição e cronofarmacocinética, 122 Eliminação e cronofarmacocinética, 122 Produtos de liberação controlada, 123 Considerações finais, 124 Avalie seus conhecimentos, 124 Referências bibliográficas, 124

17 Farmacogenética I Polimorfismo Genético e suas Implicações na Disposição de Fármacos, 126 José Eduardo Gonçalves e St?via Storpirtis

Introdução, 126 Polimorfismos genéticos, 127 Polimorfismos genéticos que afetam o metabolismo de fármacos, 127 Polimorfismos genéticos que afetam transportadores de fármacos, 130

XV

Polimorfismos genéticos que afetam receptores, 130 Perspectivas futuras econsiderações finais, 131 Avalie seus conhecimentos, 132 Referências, 132

18 Influência da Exposição a Grandes Altitudes na Disposição Cinética de Fármacos, 133 Maria Nella Gai e Jorge Chávez Arrué

Introdução, 133 Antecedentes das alterações farmacocinéticas devido à exposição a grandes altitudes, 133 Adaptação fisiológica do ser humano à altitude, 134 Exposição do ser humano à altitude e as alterações farmacocinéticas, 134 Estudos farmacocinéticos em condições de grandes altitudes, 136 Considerações finais, 140 Avalie seus conhecimentos, 141 Referências, 141

19 Estudos in Sllico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade, 143 Mariane Ballerini Fernandes, Marcus Tullius Scotti, Luciana Scotti e Leoberto Costa Tavares

Introdução, 143 Avaliação farmacocinética e de toxicidade in silico, 144 Considerações finais, 152 Avalie seus conhecimentos, 153 Referências, 153 Bibliografia recomendada, 154

20 Aplicação da Farmacocinética aos Estudos de Correlação de Dados in Vitro-in Vivo (CIVIV), 155 Daniel Rossi de Campos, St?via Storpirtis, Maria Nella Gai e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 155 Conceitos de correlação in vitro-in vivo, 155 Aplicações da correlação in vitro-in vivo, 156 Níveis de correlação in vitro-in vivo, 156 Como realizar uma correlação in vitro-in vivo, 158 Considerações finais, 159 Avalie seus conhecimentos, 160 Referências, 160

21 Técnicas Computacionais em Farmacocinética, 162 Chang Chiann, Elkiane Macedo Rama e Rodrigo Cristofoletti

Introdução, 162 Processo de modelagem, 164 Simulação Monte Carla, 166 Aplicações, 168

xvi

Farmacocinética Básica e Aplicada

Considerações finais, 172 Avalie seus conhecimentos, 172 Referências, 172

22 Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PK/PD), 174 Rodrigo Cristofoletti, Elkiane Macedo Rama e Chang Chiann

Introdução, 174 Interação fármaco-receptor e teoria da ocupação do receptor, 175 Modelos farmacodinâmicos clássicos, 177 Modelagem PK/PD, 179 Aplicações, 185 Considerações finais, 187 Avalie seus conhecimentos, 188 Referências, 188

PARTE 3

APÊNDICES, 191

A Siglas, Símbolos e Termos Relacionados com os Parâmetros mais Empregados em Farmacocinética, 193 José Eduardo Gonçalves e Si1via Stotpirtis

B Conceitos Matemáticos Necessários para o Desenvolvimento de Modelos Farmacocinéticos, 197 Maria Nella Gai, Edda Costa, Si1via Stotpirtis e José Eduardo Gonçalves

Introdução, 197 Método das transfarmadas de Laplace, 200 Aplicação das transformadas de Laplace na solução de algumas equações empregadas em Farmacocinética, 200 Considerações finais, 202 Referências, 203

C Respostas dos Exercícios, 204 Capítulo 1 1 Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica), 204 Capítulo 2 1 Modelos Farmacocinéticos, 205 Capítulo 3 1 Parâmetros Farmacocinéticos, 205 Capítulo 4 1 Administração Intravascular de ,, Medicamento em Dose Unica, 205 Capítulo 5 1 Administração,, Extravascular de Medicamentos em Dose Unica, 207 Capítulo 6 1 Excreção Urinária de Fármacos, 210 Capítulo 7 1 Administração de Medicamentos em Doses Múltiplas, 212 Capítulo 8 1 Acúmulo de Fármaco no Organismo após Administração de Doses Múltiplas, 212 Capítulo 9 1 Administração de Medicamento por Infusão Intravascular, 212 Capítulo 10 1 Relação entre Dose de Ataque e Dose de Manutenção, 213 Capítulo 11 1 Farmacocinética Não Linear, 213 Capítulo 12 1 Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Pré-clínicos, 213 Capítulo 13 1 Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos, 214 Capítulo 14 1 Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia, 215 Capítulo 15 1 Controle Terapêutico de Fármacos e Ajuste de Dose, 215 Capítulo 17 1 Farmacogenética I Polimorfismo Genético e suas Implicações na Disposição de Fármacos, 215 Capítulo 19 1 Estudos in Silico Aplicados à Avaliação Farmacocinética e Toxicidade, 216 Capítulo 20 1 Aplicação da Farmacocinética aos Estudos de Correlação de Dados in Vitro-in Vivo (CIVIV), 217 Capítulo 21 1 Técnicas Computacionais em Farmacocinética, 218 Capítulo 22 1 Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica, 218

Índice Alfabético, 219

. . ar acoc1net1ca Básica e Aplicada /

Parte 1

Farmacocinética - - . , ásica

CAPÍTULO

1

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica) Sílvia Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

INTRODUÇÃO O conceito de equilíbrio farmacocinético e a descoberta de que a concentração p lasmática de um fármaco tem relação com seu efeito farmacológico permitiu o amplo desenvolvimento da Farmacocinética. Entende-se por equilíbrio farmacocinético um equilíbrio dinâmico que significa que a concentração plasmática é um reflexo quantitativo do que ocorre em todo o organismo, ou seja, cada vez que a concentração plasmática se modifica, modifica-se, também, de modo proporcional, a concentração plasmática em todos os órgãos e tecidos aos quais o fármaco teve acesso. Dessa maneira, pode-se utilizar a concentração plasmática como uma medida indireta da concentração do fármaco no sítio de ação. A Farmacocinética também pode ser compreendida como o estudo dos processos de absorção (A), distribuição (D), metabolismo (M) (biotransformação) e excreção (E) de um fármaco e do modo pelo qual esses processos determinam seu destino no organismo (SCHELLACK, 2005). O termo biotransformação geralmente é utilizado no caso de xenobióticos (moléculas exógenas), enquanto metabolismo refere-se às mesmas reações que ocorrem com substâncias endógenas. Nesse contexto, é comum referir-se à Farmacocinética como a disciplina dedicada ao estudo dos processos ADME. Cada um desses processos apresenta dois componentes: um cinético (refere-se à velocidade do movimento) e outro relacionado à extensão ou quantidade do fármaco envolvido no processo ou, ainda, à fração da dose absorvida, distribuída, metabolizada ou excretada. Metabolismo e excreção são geralmente englobados no conceito dos processos irreversíveis responsáveis pela eliminação do fármaco do organismo. A distribuição e a eliminação, em conjunto, são também chamadas de disposição (SCHOENWALD, 2002).

O termo disposição originou-se do francês disposición, que significa o ato de dispor de algo, ou seja, após a introdução do fármaco no organismo, que pode ser direta (via intravascular) ou indireta (vias extravasculares), ele dispõe do fármaco distribuindo-o pelos tecidos e eliminando-o, principalmente pelas vias hepática e renal. Segundo outra abordagem, a Farmacocinética também pode ser definida como o estudo das velocidades pelas quais as concentrações do fármaco e de seus produtos de biotransformação se alteram nos líquidos biológicos, tecidos e excretas, bem como o estudo da resposta farmacológica, construindo-se modelos matemáticos adequados para a interpretação de dados (WAGNER, 1975). Desse modo, a Farmacocinética ainda pode ser entendida como o estudo e a caracterização, em função do tempo, dos processos ADME e sua relação com os efeitos terapêuticos e tóxicos no organismo (GIBALDI, 1991). Evidencia-se, desse modo, uma aplicação importante dessa ciência ao manejo terapêutico individual de um paciente, o que corresponde a uma área denominada Farmacocinética Clínica. Assim, ao unir o conhecimento da Farmacocinética, da Farmacodinâmica e os preceitos matemáticos necessários à sua expressão, é possível conferir rigor e exatidão a algo tão variável quanto a resposta farmacológica em organismos vivos (ROS et al., 2008). De modo geral, a Farmacocinética refere-se a todos os processos que o organismo faz com o fármaco, enquanto que a Farmacodinâmica relaciona-se com os eventos que o fármaco desencadeia no organismo pela sua interação com receptores específicos, por exemplo, originando o efeito farmacológico. A Figura 1.1 ilustra a abrangência e o relacionamento entre a Farmacocinética e a Farmacodinâmica, duas disciplinas fundamentais para a compreensão do destino dos fármacos no organismo (BENET et al., 1996; RANG et al., 1997).

4

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

Fármaco

...

Farmacocinética

Organismo Farmacodinâmica

Absorção Distribuição Metabolismo Excreção

Efeito farmacológico

IDSTÓRICO EAPLICAÇÕES

t

t

Concentração plasmática

Concentração nos tecidos

Figura 1.1 Relação entre Farmacocinética e Farmacodinârnica. Posteriormente, esse conceito foi ampliado, empregando-se a expressão sistema IADMER para descrever a sequência de eventos que podem ocorrer com o fármaco após a administração do medicamento ao organismo (Figura 1.2). Dependendo da forma farmacêutica empregada e da via de administração, a liberação do fármaco da forma farmacêutica pode ou não ocorrer. Quando o fármaco está presente em uma solução, já está dissolvido e em condições de ser absorvido, como no caso das soluções administradas por via oral ou pelas vias intramuscular e subcutânea. Por outro lado, no caso de uma solução injetável administrada por via intravascular, a dose do fármaco é introduzida diretamente no organismo, não ocorre o processo de absorção e o fármaco já está disponível para a distribuição (RITSCHEL, 1986). Cabe ressaltar que as formas farmacêuticas sólidas de uso oral e as suspensões requerem cuidados especiais em termos de desenvolvimento farmacotécnico, uma vez que há vários fatores que podem alterar a liberação e a dissolução do fármaco a partir da forma farmacêutica, campo de estudo da Biofarmácia ou Biofarmacotécnica, ciência que avalia a inter-relação entre as propriedades físico-químicas do fármaco, a forma farmacêutica e a via de administração e sua influência sobre a velocidade e a extensão da absorção do fármaco (SHARGEL et al., 2005; STORPIRTIS et al., 2009). Liberação de dissolução do fármaco

Absorção

...

Portanto, as disciplinas de Biofarmácia (Biofarmacotécnica) e Farmacocinética também estão relacionadas e são indispensáveis para o desenvolvimento de novos medicamentos, para a avaliação da bioequivalência entre medicamentos no contexto da intercambialidade entre medicamentos genéricos e seus respectivos medicamentos de referência, bem como para as aplicações clínicas inerentes à prática da Farmácia Clínica e da Atenção Farmacêutica, como representado na Figura 1.3 (SHARGEL e KANFER, 2005; STORPIRTIS et al., 2008; STORPIRTIS et al., 2009).

Os primeiros trabalhos científicos publicados envolvendo estudos relativos à distribuição de fármacos no organismo são atribuídos a Teorell (TEORELL, 1937; TEORELL, 1937a). A palavra Farmacocinética surgiu impressa pela primeira vez em 1953 no livro Der Blutspiegel (Níveis sanguíneos) , de F. H. Dost, considerado o primeiro livro publicado na área (ARANCÍBIA, 1993). Nas décadas de 1960 e 1970 foram estabelecidos os conceitos fundamentais que constituíram a Farmacocinética como área específica dentro da Farmacologia. Entretanto, seu grande avanço ocorreu em razão do desenvolvimento de métodos analíticos seletivos e sensíveis para quantificação de fármacos e de seus produtos de biotransformação em líquidos biológicos. Entre esses métodos destaca-se a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), o que concorreu para a aplicação da Farmacocinética em várias áreas a partir das décadas de 1980 conjunto com a Biofarmácia ou Biofarmacotécnica e 1990, em ,, (ARANCIBIA, 1993), a saber: • Desenvolvimento farmacotécnico de novas formulações e sistemas terapeut1cos que apresentem comportamento biofarmacêutico e farmacocinético adequados ao objetivo terapeut1co • Otimização de formas farmacêuticas convencionais • Orientação para síntese de fármacos com características farmacocinéticas mais adequadas • Orientação de fármacos ao tecido-alvo visando à redução de efeitos indesejados • Cronofarmacocinética ( estudo das alterações rítmicas que podem ocorrer nos processos ADME para um determinado fármaco) • Toxicocinética (estudo da relação entre a quantidade de um agente tóxico que atua sobre o organismo e sua concen•

Fármaco na circulação sistêmica

A

A

...





...

Fármaco nos tecidos • • • •

Eliminação

••• • • •



Biotransformação e excreçao

Efeito farmacológico/ terapêutico

Figura 1.2 Representação esquemática da relação entre o fármaco liberado a partir da forma farmacêutica, os processos farmacocinéticos e o efeito farmacoló-

gico (adaptado de SHARGEL et al., 2005).

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

Orientação do fármaco ao tecido-alvo

Farmacogenética

Cronofarmacoci nética

Farmacoci nética

Biofarmácia ou Biofarmacotécnica Desenvolvimento de formulações e sistemas terapêuticos

5

Toxicoci nética

Controle terapêutico

Figura 1.3 Relação entre a Farmacocinética e as áreas tecnológicas e clínicas das Ciências Farmacêuticas.

tração no plasma, relativa aos processos de absorção, distribuição e eliminação do agente, em função do tempo) • Farmacogenética (estudo da suscetibilidade do indivíduo a fármacos específicos) • Estudos de biodisponibilidade e bioequivalência de medicamentos aplicáveis ao desenvolvimento de medicamentos inovadores e genéricos • Farmacocinética clínica, com o estabelecimento de regimes de dosagem e individualização de farmacoterapia para certos grupos de pacientes (controle terapêutico), pesquisa e atividades formadoras (educação continuada de profissionais da área da saúde envolvidos na otimização de regimes terapêuticos).

OBJETIVOS DA FARMACOCINÉTICA De modo geral, os principais objetivos da Farmacocinética podem ser resumidos nos seguintes itens: • Desenvolver modelos e expressões matemáticas que descrevam o destino dos fármacos no organismo • Determinar constantes de velocidade envolvidas nos processos cinéticos de transferência dos fármacos no orga• n1smo • Quantificar parâmetros relacionados à quantidade de fármaco no organismo e aos espaços líquidos nos quais ele se distribui • Efetuar predições e extrapolações com base nos modelos farmacocinéticos.

CINÉTICA Os fármacos atualmente empregados na terapêutica são, geralmente, substâncias orgânicas de médio peso molecular que se transferem de um local a outro após sua introdução no organismo. Essa transferência gera movimento e pode ser

caracterizada por uma cinética e por constantes de velocidade que são descritas matematicamente (SHARGEL et al., 2005). O termo cinética geralmente é interpretado como movimento, transferência de massa ou velocidade. Assim, a Farmacocinética pode ser associada à transferência das moléculas de fármaco através do sistema biológico, o que é caracterizado por meio de constantes de velocidade relacionadas a determinada ordem cinética.

Ordem Cinética A ordem cinética pode ser definida como o modo pelo qual a concentração ( C) ou quantidade (X) de fármaco no organismo relaciona-se com a velocidade envolvida no processo de transferência do fármaco através do sistema biológico, o que pode ser representado por dC/dt ou dX/dt. Os processos ADME estão relacionados, principalmente, com as cinéticas de primeira ordem e ordem zero.

CINÉTICA DE PRIMEIRA ORDEM No caso de uma cinética de primeira ordem, a velocidade do processo é diretamente proporcional à concentração ou quan, tidade de fármaco envolvido no processo. E também denominada cinética linear, uma vez que alguns parâmetros se alteram de modo diretamente proporcional (p. ex., quando o aumento das concentrações plasmáticas ocorre proporcionalmente ao aumento da dose administrada). Afarmacocinética linearé definida a partir de uma equação diferencial que expressa a alteração da concentração ou da quantidade do fármaco no sangue ou plasma em relação ao tempo. Como exemplo, a Equação 1.1 expressa o processo envolvido na eliminação do fármaco do organismo, sendo que K corresponde à constante de velocidade de eliminação (SHARGEL et al., 2005). dC/dt = -K · C

(1.1)

6

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

QUADRO

1.1 Representação da magnitude relativa da velocidade de eliminação de fármacos no organismo.

N. º de moléculas no sangue

Fração eliminada

N. 0 de moléculas eliminadas

Magnitude relativa da velocidade do processo

100

10%

10

Elevada

10

10%

1

Reduzida

Em geral, os processos ADME ocorrem de acordo com uma cinética de primeira ordem, nas doses comumente empregadas na terapêutica. Desse modo, a rigor, o processo deve ser denominado de cinética de primeira ordem aparente, uma vez que, na realidade, em alguns casos, um grande aumento da dose (que pode não estar dentro da faixa terapêutica normalmente empregada) pode gerar a alteração da cinética de primeira ordem para uma cinética de ordem zero. Quanto ao processo de absorção de um fármaco administrado por via oral, por exemplo, esse tipo de cinética ocorre e pode ser compreendido por meio da seguinte relação: enquanto a concentração do fármaco no trato gastrintestinal (TGI) é elevada, a velocidade de absorção é maior; entretanto, à medida que esse processo se esgota, observa-se a redução da velocidade de transferência das moléculas do fármaco do lúmen do TGI para a corrente circulatória, o que caracteriza a relação diretamente proporcional entre a variação da concentração e a velocidade do processo de absorção. Para os processos de eliminação, tal fenômeno também se verifica, ou seja, altas concentrações plasmáticas do fármaco implicam elevada velocidade de eliminação que, com o decurso do tempo, se reduz. Cabe ressaltar que há uma fração frxa da dose do fármaco sendo eliminada na unidade de tempo, como ilustrado no Quadro 1.1.

CINÉTICA DE ORDEM ZERO Esse tipo de cinética é também denominado de cinética dose dependente ou não linear. Por definição, ocorre quando a

QUADRO

velocidade do processo é constante, independente da concentração do fármaco envolvido no processo. Tal processo pode ser descrito pela seguinte expressão matemática, sendo K a constante de velocidade de eliminação. dC/dt = -K

Para exemplificar tal fenômeno tem-se o caso da introdução direta de fármacos na corrente circulatória, por meio de uma infusão intravascular, na qual a velocidade permanece constante (25 mg/min, p. ex.), bem como a administração de fármacos em sistemas de liberação modificada. Alguns fármacos, mesmo administrados em doses terapêuticas, exibem cinéticas de ordem zero para alguns processos farmacocinéticos (p. ex., fenitoína, ácido acetilsalicílico, teofilina, aciclovir, gabapentina, rifampicina, propanolol, ácido valproico, carbamazepina e verapamil). Essa ausência de linearidade pode ocorrer devido a diversos fatores, como ilustrado no Quadro 1.2. Situações fisiopatológicas também podem ser responsáveis pela cinética não linear para certos fármacos, a saber: gravidez, grandes queimaduras, hipotermia e acidose metabólica, entre outros (SHARGEL et al., 2005). Também é necessário destacar que, ao serem envolvidos processos enzimáticos, descritos por meio da cinética deMichaelisMenten, ocorre a seguinte situação: quando a concentração do fármaco é muito baixa, a cinética aparenta ser de primeira ordem; quando o sistema enzimático é saturado, a cinética aparenta ser de ordem zero. Entretanto, existe uma situação intermediária na qual a cinética não pode mais ser definida como michaeliana (ver Capítulo 11).

1.2 Principais fatores que originam cinéticas não lineares em processos farmacocinéticos. Processo

(1.2)

Fatores

Absorção

• • • • •

Baixa solubilidade do fármaco nos líquidos do TGI Saturação das enzimas envolvidas na eliminação pré-sistémica de fármacos Saturação dos transportadores no caso de a absorção ocorrer por transporte ativo Alterações no esvaziamento gástrico e na motilidade intestinal Variação do fluxo sanguíneo do TGI

Distribuição

• Saturação da ligação do fármaco às proteínas plasmáticas ou teciduais • Saturação da penetração ativa do fármaco nas células • Variação do fluxo sanguíneo tecidual

Metabolismo

• Saturação da capacidade enzimática • Indução ou inibição enzimática • Hepatotoxicidade

Eliminação

• • • • • • • •

Saturação da ligação do fármaco às proteínas plasmáticas (altera a fração livre filtrada nos glomérulos) Saturação da secreção tubular ativa Saturação da reabsorção tubular ativa Variação do pH urinário Variação da diurese Variação do fluxo sanguíneo renal Saturação da excreção biliar Nefrotoxicidade

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

CINÉTICA MISTA A cinética mista pode ocorrer quando, em baixas concentrações, o processo é linear (primeira ordem), tornando-se de ordem zero, posteriormente, após a saturação do mecanismo envolvido, o qu e ocorre, por exemplo , após a ingestão de etanol (HARVEY e CHAMPE, 2002).

PROCESSOS FARMACOCINÉTICOS (ADME)

Absorção A absorção é definida como a transferência do fármaco do local da administração para a circulação (líquido circulante no organismo; normalmente, o sangue). Para a absorção oral do fármaco são requeridas duas etapas: • Atravessar a membrana do epitélio gastrintestinal, geralmente por via transcelular ou paracelular (Figura 1.4), acessando a circulação sistêmica por meio dos capilares sanguíneos • Passar pelo sistema porta hepático intacto, alcançando a circulação sistêmica. Caso o fármaco seja metabolizado (biotransformado) antes de alcançar a circulação sistêmica, diz-se que houve eliminação pré-sistêmica ou efeito de primeira passagem (SCHOENWALD, 2002). A absorção de um fármaco por via oral está relacionada à sua permeabilidade através das membranas do TGI. As três principais propriedades moleculares que afetam, e às vezes limitam, a passagem de um fármaco através de uma dada membrana são: tamanho molecular, lipoftlicidade e carga ou grau de ionização. O transporte passivo transcelular é o mecanismo mais comum. Corresponde a um fenômeno passivo, sem gasto de energia, que ocorre em função do gradiente de concentração. Entretanto, fármacos de tamanho molecular reduzido e muito hidrossolúveis são absorvidos por meio do transporte paracelular (TOZER e ROWLAND, 2006). O atenolol e a furosemida são exemplos de fármacos cu jas propriedades relacionadas com o tamanho molecular são responsáveis por seu transporte através das junções intercelulares (REGE et al., 2001).

o

DO

7

Por outro lado, há moléculas que são absorvidas por meio de um transporte ativo mediado por carreadores de membrana, com gasto de energia. O amplo desenvolvimento da biologia molecular nos últimos anos permitiu a identificação de farru1ias de transportadores envolvidos na absorção de vários fármacos, tais como a pravastatina, o valproato e a dopamina, entre outros (TOZER e ROWLAND, 2006; GONÇALVES et al., 2009). Os transportadores de membrana também estão associados ao processo de efluxo de certos fármacos, ou seja, a molécula do fármaco entra na célula do epitélio gastrintestinal, mas é secretada por intermédio de transportadores específicos, voltando para o lúmen do TGI. O mais conhecido sistema de efluxo de fármacos é aquele que envolve a glicoproteína de permeabilidade ou glicoproteína-P (Figura 1.4), que atua sobre fármacos catiônicos ou neutros, também conhecido como receptor de resistência a múltiplos fármacos ou MDRl (TOZER e ROWLAND, 2006). A lamivudina e a zidovudina são exemplos de fármacos que sofrem esse mecanismo (SOUZA et al., 2009). A maioria dos fármacos empregados na terapêutica são moléculas orgânicas de peso molecular relativamente baixo que podem ser ácidos fracos ou bases fracas que, portanto, se ionizam em função do pH do meio. Assim, verifica-se que os fármacos ácidos (HA) liberam H+ causando a formação de um ânion (A-), enquanto as bases (BH+) liberam H+ e a base neutra (B), como demonstrado nas Equações 1.3 e 1.4, respectivamente (HARVEY e CHAMPE, 1998). (1.3) (1.4)

Um fármaco atravessa membranas mais facilmente quando se encontra na forma não ionizada (não carregada) que apresenta maior lipossolubilidade. A concentração da forma que permeia a membrana é determinada pelas concentrações relativas das formas carregadas e não carregadas, que é determinada, por sua vez, pelo pH local e pela força do ácido ou da base. Essa força é representada pelo pKa (defmido como a medida da força da interação de um composto com um próton ou como o cologaritmo da constante de dissociação do ácido

Apical

o

DO

1

(d) (a)

(b)

o

DO

o

o o

(e)

o

e)

O

•DO

'-o_

__,,

o

(f)

o

Basolateral

Figura 1.4 Mecanismos envolvidos no processo de transferência de fármacos do lúmen do trato gastrintestinal para a circulação sanguínea: (a) transporte transcelular passivo ou difusão passiva; (b) transporte mediado por carreadores de membrana; (c) permeabilidade passiva paracelular; (d) transporte vesicular; (e) efluxo (retorno da molécula ao lúmen intestinal) intermediado pela glicoproteína-P (P-gp); (f) eliminação pré-sistêmica no epitélio gastrintestinal (GONÇALVES et al., 2009).

8

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

conjugado). Quanto mais baixo o valor do pKa de um fármaco, mais forte é o ácido, enquanto que quanto mais elevado for o pKa, mais forte é a base. Fármacos altamente lipossolúveis atravessam rapidamente as membranas e, em geral, passam para os tecidos em velocidade determinada pelo fluxo sanguíneo (HARVEY e CHAMPE, 1998). A relação entre o pKa e as concentrações de ácido ou base com o pH pode ser expressa pela equação de HendersonHasselbach (Equação 1.5), descrita a seguir: pH = pKa + log (espécie não protonizada)/ (espécie protonizada)





(1.5)

Assim, tem-se: Para os fármacos ácidos: pKa - pH = log (HA)/(A-)

(1.6)



Para os fármacos básicos: pH - pKa = log (B)/(BH+) (1.7)

Essas equações são úteis na determinação da quantidade de fármaco que será encontrada em cada lado da membrana que separa dois compartimentos que apresentam diferentes valores de pH, como, por exemplo, o estômago (pH = 1,5 a 2,0 em jejum), intestino (pH = 6,0 a 6,5 em jejum) e o plasma (pH = 7,4). Há muitos fatores que afetam a absorção de fármacos. A seguir serão citados aqueles considerados mais importantes (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO, 2004): • Solubilidade. para serem bem absorvidos, os fármacos devem ser hidrossolúveis para se difundirem nos líquidos do organismo (suco gástrico e líquidos intestinais, p. ex.). Entretanto, devem também apresentar certa lipossolubilidade para serem capazes de atravessar as membranas biológicas que têm constituição lipoproteica. Por definição, solubilidade é a extensão pela qual uma molécula de um sólido é removida a partir de sua superfície por um solvente (MARTINEZ e AMIDON, 2002) • Área da superfície. determina a velocidade do processo de absorção e depende da via de administração do medicamento. As vias oral e pulmonar são consideradas vias de extensa área para absorção de fármacos • Circulação local: afeta a passagem do fármaco para os líquidos de distribuição do organismo. Alguns recursos podem ser empregados para aumentar a absorção devido ao aumento da circulação local pela vasodilatação (massagem ou compressa quente) ou para reduzi-la, prolongando, por exemplo, o efeito anestésico ou reduzindo efeitos sistêmicos indesejados pela aplicação de um vasoconstritor na intenção de reduzir a absorção de um fármaco • pH no local da absorção: este fator já foi citado anteriormente. Entretanto, cabe ressaltar que um fármaco que corresponde a um ácido fraco será mais bem absorvido em locais com pHs mais baixos, enquanto a absorção de uma base fraca será favorecida em pHs mais elevados. Entretanto, basta uma pequena fração não dissociada para que um fármaco do tipo ácido fraco possa ser absorvido de modo eficiente no intestino devido à grande superfície de absorção disponível. Outro ponto a ser considerado é que a absorção de um fármaco depende de um equilíbrio entre os parâmetros solubilidade (em água) e lipossolubilidade. Assim, um fármaco deve estar solúvel em água (considerando o pH do meio), bem como apresentar um certo grau de lipossolubilidade para ser absorvido. Fármacos como o





fosamprenavir e indinavir apresentam absorção dependente do pH (FORD, 2005; YEH, 1998) pKa do fármaco: este fator também foi citado anteriormente. Entretanto, para melhorar sua compreensão, pode-se, ainda, definir pKa como o valor do pH em que 50% das moléculas encontram-se na forma não ionizada, mais lipossolúvel e capaz de atravessar a membrana. Concentração do fármaco: o gradiente de concentração do fármaco é um fator importante, uma vez que, na maioria dos casos, a absorção ocorre por difusão passiva (transcelular). No caso de um fármaco ser absorvido por meio desse mecanismo, com uma cinética de primeira ordem, diz-se que o aumento da dose administrada corresponde ao aumento da absorção do fármaco Interação com alimentos. a interação de fármacos com alimentos quando o medicamento é administrado pela via oral ocorre principalmente em função das características de hidro/lipossolubilidade do fármaco, tipo e temperatura do alimento, formação de complexo de baixa solubilidade, efeito do alimento sobre o pH, motilidade e fluxo sanguíneo gastrintestinal. O estudo desses fatores e sua influência sobre a biodisponibilidade é fundamental durante o desenvolvimento de medicamentos (GAI, 2009) ou para alguns casos de estudos de bioequivalência entre medicamentos (LIMAFILHO e STORPIRTIS, 2009). Fármacos lipossolúveis como o cetoconazol e o itraconazol apresentam melhor absorção quando administrados com alimentos Características do fármaco: as propriedades físicas e físicoquímicas do fármaco são determinantes em relação à absorção. A redução do tamanho de partícula pela micronização é um recurso muito empregado para aumentar a superfície de contato e a velocidade de dissolução de um fármaco. O conhecimento do caráter amorfo ou cristalino de um fármaco (polimorfismo) é fundamental para o desenvolvimento farmacotécnico por influenciar as operações unitárias durante a fabricação, a estabilidade química e a atividade biológica. O uso de sais derivados de fármacos também é um fator relevante para dissolução, bem como a avaliação do estado de hidratação da molécula. Em geral, a forma anidra de uma molécula orgânica é mais solúvel em relação à sua forma hidratada (FERRAZ, 2009; CUFFINI et al., 2009) Forma farmacêutica: deve ser desenvolvida levando-se em consideração as características da via de administração que se pretende utilizar e o objetivo terapêutico do medicamento. Os fármacos presentes em solução são mais rapidamente absorvidos em relação àqueles administrados ao organismo por meio de cápsulas ou comprimidos. A dissolução do fármaco a partir de formas farmacêuticas sólidas é um fator que deve ser avaliado durante o desenvolvimento farmacotécnico, uma vez que pode ser um passo limitante para a absorção. A velocidade de dissolução pode, por sua vez, ser alterada pela adição de adjuvantes farmacotécnicos, tais como os tensoativos, que reduzem a tensão superficial, e pela mudança do pH do sítio de absorção por meio da inclusão de substâncias tamponantes à formulação (SHARGEL; WU-PONG; YU, 2005).

A velocidade e a eficiência da absorção dependem da via de administração da forma farmacêutica que contém o fármaco (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO, 2004). A única forma de garantir o aproveitamento total da dose administrada é sua introdução

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direta pela via intravascular. Nesse caso a absorção não ocorre, considerando-se, por definição, que a biodisponibilidade por esta via é igual a 100%. Por meio de outras vias, a absorção do fármaco pode não ser completa, o que causa a redução da biodisponibilidade (ABDOU, 1989; STORPIRTIS e CONSIGLIERI, 1995; STORPIRTIS et al., 1999; CONSIGLIERI e STORPIRTIS, 2000; CONSIGLIERI et al., 2000; STORPIRTIS e GAI, 2009). A relação entre a absorção, a permeabilidade e a biodisponibilidade foi estudada por Amidon et al., que propuseram uma classificação de fármacos denominada Sistema de Classificação Biofarmacêutica (SCB), visando agrupá-los segundo suas características de solubilidade e permeabilidade (AMIDON et al., 1995). As aplicações desse sistema tem sido importantes no desenvolvimento farmacotécnico de medicamentos e nos casos de bioisenção. A bioisenção corresponde à não exigência da realização de um estudo de biodisponibilidade ou bioequivalência in vivo para o registro de um medicamento, tendo como base as características de solubilidade e permeabilidade do fármaco (avaliados por meio de ensaios in vitro) e sua dissolução a partir da forma farmacêutica (OLIVERA e MANZO, 2009). O desenvolvimento de novos fármacos com características promissoras em relação à administração por via oral tem sido otimizado pela realização de ensaios que empregam culturas de células de adenocarcinoma humano (células Caco-2) nas fases iniciais do estudo. As células Caco-2 cultivadas em condições adequadas formam uma monocamada muito semelhante ao epitélio gastrintestinal e foram adotadas como modelo in vitro para a absorção, em função de apresentarem características que simulam as funções deste epitélio, fornecendo, assim, informações importantes sobre a capacidade de o candidato a fármaco atravessar as membranas e ser bem absorvido por esta via (SOUZA et al., 2007; GONÇALVES et al., 2009).

Distribuição Entende-se por distribuição a transferência do fármaco dos líquidos de circulação (sangue e linfa) para os diversos tecidos e órgãos que compõem o organismo. Esse processo é sempre reversível e permite que o fármaco atinja o tecido-alvo de sua ação terapêutica. O conhecimento das características de distribuição do fármaco é fundamental para a determinação da posologia durante a etapa fmal dos ensaios clínicos para o desenvolvimento de um novo medicamento. A distribuição depende dos fluxos sanguíneos e linfático nos diferentes órgãos, bem como da ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas, das diferenças de pH nos vários tecidos e do coeficiente de partição óleo-água de cada fármaco (lipossolubilidade). Pode-se dizer que o equilíbrio de distribuição de um fármaco é atingido rapidamente em tecidos que recebem grande circulação de fluidos (coração, pulmões, fígado, p. ex.) e lentamente naqueles que são pouco irrigados, tais como os ossos, unhas e dentes (OGA, 2003). O total da água do organismo humano varia com a idade. Pode-se dizer que, ao nascer, 75% do peso corpóreo correspondem a este líquido, chegando a 500/o no homem aos 60 anos e 45% na mulher com a mesma idade. Os compartimentos hídricos do organismo correspondem aos líquidos intracelulares (LIC; cerca de 40%) e extracelulares (LEC; aproximadamente

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20%), além da água intersticial (15%) e da água vascular (5%). Há, ainda, a água considerada pouco acessível, presente em ossos, tendões, cartilagens, dentina, esmalte e cimento (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO, 2004). A corrente circulatória transporta as moléculas do fármaco não apenas para a biofase (sítio de ação), mas também para seus locais de eliminação. As moléculas são transportadas na forma livre ou ligada a proteínas plasmáticas. Moléculas em sua forma livre são farmacologicamente ativas e capazes de atravessar membranas (SCHELLACK, 2005). Pode-se também entender a ligação de fármacos com proteínas plasmáticas como uma forma pela qual o organismo transporta e armazena temporariamente certas substâncias. Essa interação é reversível e pode envolver ligações iônicas, de Van der Waals, pontes de hidrogênio ou ligações hidrofóbicas (GIBALDI, 1991). A velocidade de ligação e de liberação do fármaco dessa interação com a proteína é muito rápida, de modo que o complexo formado pode se dissociar em milésimos de segundo para que o fármaco livre possa atravessar as membranas (BIRKETT, 1998). Fármacos de caráter ácido ou neutro ligam-se principalmente à albumina, enquanto que os de caráter básico têm maior afmidade pela a.1-glicoproteína ácida. A afinidade do fármaco pela proteína determina a extensão da ligação. A varfarina, por exemplo, é considerada um fármaco altamente ligado por apresentar uma extensão de ligação da ordem de 98% (SCHELLACK, 2005). A albumina é uma molécula que apresenta ao menos seis sítios ligantes p ara fármacos ou componentes endógenos. Dois deles são específicos para ácidos graxos de cadeia longa, enquanto outro se liga seletivamente à bilirrubina. Há também outros dois sítios chamados de I e II. O sítio I liga-se a fármacos como a varfarina e a fenilbutasona, enquanto o sítio II se liga a fármacos como o diazepam e o ibuprofeno. A a. 1-glicoproteína ácida liga-se a fármacos tais como a disopiramida e a lidocaína (BIRKETT, 1998). A ligação de fármacos a proteínas é um processo saturável. A extensão da ligação é geralmente expressa por: Fração não ligada (fn1) = [C]n1 / [C]T

(1.8)

Em que: [C]n1 = concentração do fármaco na forma livre (não ligada) [C]T = concentração total do fármaco A fração não ligada é determinada pela afinidade do fármaco em relação à proteína, pela concentração da proteína e pela concentração do fármaco relativa à concentração da proteína. A concentração da albumina no plasma é normalmente elevada, razão pela qual a saturação da ligação fármaco-albumina raramente ocorre. Entretanto, a concentração da a.1-glicoproteína ácida é relativamente baixa, o que pode causar a saturação da ligação com certos fármacos em concentrações consideradas terapêuticas (BIRKETT, 1998). Cabe ressaltar que a ligação do fármaco a uma determinada proteína é uma característica inerente à molécula do fármaco. Portanto, um fármaco que apresenta alta porcentagem de ligação, apesar da variabilidade interindividual presente nos processos farmacocinéticos, sempre apresentará esta propriedade, a menos que uma condição patológica ocorra e modifique essa característica.

1O

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Fármacos altamente ligados às proteínas plasmáticas podem ter um papel importante em relação às interações fármacofármaco de interesse na terapêutica. O efeito dessa interação por competição pelo mesmo sítio de ligação às proteínas resulta do aumento da fração livre de um dos fármacos ou de ambos, com a intensificação de suas respostas farmacológicas, tanto terapêuticas quanto tóxicas. A significância clínica dessas interações tende a ser mais preocupante à medida que a extensão da ligação sobrepassa os 80% (OGA et al., 2002). Também é necessário considerar a afinidade de certos fármacos pelos eritrócitos. Alguns estudos demonstraram que há uma relação entre a captação de moléculas de fármacos pelos eritrócitos e a afinidade dos fármacos pelas proteínas plasmáticas, como no caso do propranolol, da fenitoína, da quinidina e do haloperidol. Para a ciclosporina, um fármaco imunossupressor empregado para prevenir a rejeição de um órgão transplantado, verificou-se que sua ligação aos eritrócitos pode ser caracterizada como concentração-dependente (GIBALDI, 1991). Fármacos como tacrolimo e indapamida também apresentam afinidade pelos eritrócitos, assim como o lítio, fármaco que não se liga a qualquer proteína plasmática, mas que é captado significativamente pelas hemácias. A interação de um fármaco com lipoproteínas, eritrócitos ou outras membranas pode ser considerada mais como um fenômeno que ocorre pela dissolução do fármaco nos lipídeos das membranas do que propriamente uma ligação. Explica-se, assim, a elevada afinidade de alguns fármacos anticancerígenos pelo DNA celular (BIRKETI, 1998). Apesar de as ligações de fármacos a proteínas e aos eritrócitos serem, geralmente, reversíveis, houve um fármaco, o zomepirac, que foi aprovado como anti-inflamatório não esteroide, e posteriormente retirado do mercado em função da ocorrência de casos graves de reações imunológicas. Para este fármaco ficou comprovada a formação de ligações irreversíveis a proteínas plasmáticas tanto in vitro como in vivo (SMITH et al., 1986; GIBALDI, 1991). A extensão da distribuição de um fármaco no organismo pode ser expressa pelo volume aparente de distribuição (Vd), conceito que será abordado no Capítulo 3. Essa extensão também depende do volume de sangue que os diversos tecidos e órgãos recebem na unidade de tempo, que é uma função do débito cardíaco total. Cabe observar que o trajeto do retorno do fármaco do tecido para o sangue não é necessariamente o mesmo daquele que ocorre quando da sua saída da circulação. Um exemplo é o caso de um fármaco que é excretado pela bile, armazenado e liberado da vesícula biliar, transferido para o intestino delgado e reabsorvido novamente para a circulação, por ser ainda suficientemente lipossolúvel. Esse ciclo faz parte do processo de distribuição do fármaco e é denominado por ciclo ênterohepático (TOZER e ROWLAND, 2006). Leflunomida e micofenolato são exemplos de fármacos que apresentam ciclo êntero-hepático. Por meio da distribuição, certos fármacos que apresentam elevada lipossolubilidade (representada pelo parâmetro físicoquímico cLogP) acumulam-se nos tecidos adiposos. Como exemplo, o tiopental, barbitúrico de efeito anestésico, fica acumulado nesses tecidos, sendo liberado lentamente. Assim, caso um paciente obeso tenha recebido a mesma dose desse fármaco em relação a outro considerado magro, poderá ficar sedado por um intervalo de tempo maior (OLSON, 2002).

Há vários fatores que alteram a distribuição de um fármaco no organismo, relacionados tanto ao fármaco quanto ao próprio organismo (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO, 2004). Alguns dos principais fatores relativos ao fármaco são: • Características físicas e .físico-químicas: estado físico, solubilidade, tamanho molecular, grau de ionização, difusibilidade, estabilidade química, afinidade por proteínas e outros constituintes do organismo • Outros fármacos: administrados em associação ou presentes • no organismo • Forma farmacêutica: as diferentes formas farmacêuticas empregadas na terapêutica contribuem para a variação na distribuição do fármaco em função, também, da via de administração selecionada.

Quanto ao organismo, os fatores que podem alterar de modo mais significativo a distribuição do fármaco são: variações de pH, fluxo sanguíneo dos órgãos, fatores genéticos, idade, gravidez e enfermidades. Deve-se também considerar a distribuição de fármacos a sítios especiais tais como o sistema nervoso central, o globo ocular, a placenta e o leite materno. A barreira hematoencefálica protege o cérebro evitando o acesso de determinadas substâncias, função reforçada pelo reduzido nível de transporte vesicular, falta de fenestração e presença de enzimas. Em termos terapêuticos, várias estratégias têm sido usadas para que fármacos atinjam o sistema nervoso central, como a administração nasal de fármacos lipossolúveis, uma vez que o espaço submucoso do nariz está em contato direto com o espaço subaracnóideo dos lobos olfatórios. Como exemplo, tem-se a administração de progesterona que, por esta via, alcança concentrações no líquido cefalorraquidiano superiores às sanguíneas (FUCHS e WANNMACHER, 1998). Em relação à distribuição de fármacos administrados aos fluidos oculares, sabe-se que os humores aquoso e vítreo limitam a penetração de muitos fármacos, o que requer aplicação tópica ou injeção subconjuntival para tratamento de afecções oculares. A distribuição de fármacos pela placenta e sua passagem para o leito materno ocorre com frequência, na dependência de suas propriedades físico-químicas, o que pode gerar consequências no feto e no lactente (FUCHS e WANNMACHER, 1998).

Metabolismo ou Biotransformação O metabolismo ou biotransformação pode ser caracterizado como a conversão do fármaco em outra entidade química, o metabólito ou produto de biotransformação, o que ocorre no organismo, na maioria das vezes, em etapas sucessivas e por intermédio de várias enzimas. Geralmente, essas reações são divididas, didaticamente, em duas fases: • Fase 1, que corresponde a reações não sintéticas catalisadas por enzimas microssômicas que envolvem oxidação, redução e hidrólise • Fase 2, com reações sintéticas intermediadas por enzimas citosólicas envolvendo conjugação ou síntese (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO, 2004).

Nas reações de fase 1 os fármacos são transformados em moléculas mais polares. Nas de fase 2, um grupo polar como

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a glutationa se conjuga ao fármaco ou ao produto de biotranformação resultante da fase 1. O complexo formado apresenta maior polaridade sendo, portanto, mais hidrossolúvel e mais facilmente eliminado do organismo (OLSON, 2002). De acordo com as características físico-químicas do fármaco (solubilidade, relacionada ao coeficiente de partição óleo-água), a eliminação ocorre predominantemente por via hepática ou renal. Os fármacos muito hidrossolúveis tais como os aminoglicosídeos (antibióticos como a amicacina e a gentamicina) ou o lítio (carbonato de lítio; empregado no tratamento de pacientes com transtorno bipolar) são eliminados diretamente pelos rins sob a forma inalterada (não biotransformada), enquanto os mais lipossolúveis são biotransformados. Desse modo, a biotransformação pode ser considerada como um "artifício" pelo qual o organismo introduz grupamentos polares na molécula do fármaco, tornando-a mais solúvel para ser eliminada pela urina. Biotransformação pode ser considerada como qualquer alteração que ocorre na estrutura química do fármaco (xenobiótico) no organismo. No passado, o termo biotransformação era utilizado como sinônimo de destoxificação ou desintoxicação para indicar a inativação de agentes tóxicos. Entretanto, isso não mais se justifica, uma vez que nem sempre as substâncias são desativadas. Ao contrário, muitas substâncias são ativadas por meio das reações de biotransformação, tornando-se farmacologicamente ativas ou tóxicas. Fármacos tais como o alopurinol, a amitriptilina e a imipramina apresentam produtos de biotransformação ativos que são a aloxantina, a nortriptilina e a desimipramina, respectivamente (OGA, 2003). As enzimas que compõem o sistema citocromo P-450 (CYP) são as mais importantes dentre as reações de fase 1 p ara fármacos lipofílicos. Essas enzimas, juntamente com a NADPH citocromo P-450 redutase e a citocromo b 5 redutase, constituem o chamado sistema citocromo P-450 ou sistema oxidase de função mista ou, simplesmente, citocromo P-450. Neste sistema, o citocromo P-450 é a enzima terminal com afinidade aos diversos substratos, enquanto que a NADPH citocromo P-450 redutase é a enzima intermediária responsável pela transferência de elétrons do NADPH para o citocromo P-450. Já o citocromo b5 acompanha o citocromo P-450, funcionando como alternativa para a transferência de elétrons para o citocromo P-450. Essas enzimas encontram-se fixas aos fosfolipídeos constituintes das membranas do retículo endoplasmático dos hepatócitos, o que se denomina por fração microssômica (OLSON, 2002; OGA, 2003). O citocromo P-450 é uma hemoproteína, com átomo de ferro em seu núcleo. Seu nome deriva-se do fato de o complexo formado entre a sua forma reduzida e o monóxido de carbono apresentar um pico de absorvância espectrofotométrica no comprimento de onda de 450 nm. Estudos que empregam a tecnologia do DNA recombinante têm permitido identificar dezenas de genes relacionados ao citocromo P-450 em várias espécies animais. Assim, as isoenzimas do citocromo P-450 são representadas pela sigla CYP seguida por um algarismo que indica a farru1ia, uma letra relacionada à subfarru1ia e outro algarismo que indica o gene, como, por exemplo, a CYP3A4 (NELSON et al., 1993; OGA, 2003; TOZER e ROWLAND, 2006). Além das reações oxidativas, o citocromo P-450 também catalisa reações de redução, em baixa concentração de oxigênio, tais como a azo e a nitro redução e a desalogenação redutiva.

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Por outro lado, a hidrólise de ésteres e de amidas é catalisada por esterases e amidases que podem ser citosólicas ou m1crossom1cas. As reações de conjugação ou síntese (fase 2) ocorrem pela complexação da molécula do fármaco com substâncias sintetizadas pelo próprio organismo, em duas etapas: síntese do doador do grupo químico pelas sintetases e transferência do grupo pelas transferases. Os fármacos, assim como as substâncias endógenas, são também conjugados por meio de reações de glicuronilação, sulfatação, acilação, metilação, conjugação com glutationa e com aminoácidos (OGA, 2003). Fármacos como lamotrigina, lorazepam e oxazepam são metabolizados somente por reações de fase 2. O fígado é o órgão que contém a maior concentração de enzimas, sendo, portanto, o maior responsável pela biotransformação de fármacos. Entretanto, também ocorrem reações extra-hepáticas, uma vez que outros órgãos participam deste processo, tais como pulmões, rins, intestino, pele e mucosas. Bactérias presentes no intestino também transformam substratos em metabólitos e, sob condições anaeróbicas, promovem reações de redução. A betaglicuronidase presente no intestino contribui para modificar substratos excretados pela bile, tendo, assim, um papel importante na reabsorção de substâncias ou ciclo êntero-hepático. Há vários fatores que alteram a biotransformação. São considerados fatores internos aqueles relacionados com espécie, idade, peso corporal, sexo, aspectos genéticos, estado nutricional, temperatura corporal e enfermidades. Os fatores externos relevantes são aqueles dependentes do próprio fármaco, da via de administração e do meio ambiente (GIBALDI e PERRIER, 1982). O citocromo P-450 pode ser induzido por diversos fármacos ou mesmo por certos alimentos. A indução corresponde ao aumento da atividade do sistema que, consequentemente, metabolizará o agente indutor mais rapidamente. Como esse sistema não é específico, caso um fármaco passível das mesmas reações esteja sendo coadministrado, terá sua biotransformação intensificada, o que pode causar alteração no efeito terapêutico p retendido (OLSON, 2002). A carbamazepina, fármaco anticonvulsivante, diminui o efeito analgésico do tramadol por meio desse mecanismo de indução enzimática (OGA et al., 2002). Um exemplo comum de indução do citocromo P-450 é a tolerância ao álcool adquirida pelo indivíduo que consome bebidas alcoólicas regularmente (OLSON, 2002). Outro fenômeno comum é a inibição do citocromo P-450. Como exemplo tem-se a cimetidina, que, ao ser coadministrada com fármacos antidepressivos, é responsável pelo aumento das concentrações plasmáticas dos antidepressivos em decorrência da diminuição da velocidade de sua biotransformação (OGA et al., 2002). A cinética envolvida no processo de biotransformação ou metabolismo, catalisada por enzimas, obedece à cinética descrita por Michaelis-Menten e pode ser de primeira ordem ou de ordem zero (HARVEY e CHAMPE, 1998), conforme demonstrado a seguir (Equações 1.9 e 1.10): '

A

'

V= Vmax [C]/Km + [C]

Em que: V = velocidade de biotransformação C = concentração do fármaco Km = constante de Michaelis-Menten

(1.9)

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Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

Na maioria das situações clínicas, a concentração do fármaco no organismo é muito menor em relação ao valor de Km e a equação se reduz a V = [C]/Km, o que corresponde a uma cinética de primeira ordem. Devido a esta situação deve-se proceder com muito cuidado na interpretação do mecanismo cinético em casos de intoxicação de um indivíduo com algum fármaco, uma vez que a descrição da cinética linear que se encontra na literatura é aplicável a concentrações terapêuticas, podendo não descrever o tipo de cinética que ocorre no indivíduo intoxicado. Entretanto, para alguns fármacos, a dose usual é considerada elevada (aspirina e fenitoína, p. ex.), de modo que a concentração do fármaco torna-se muito maior que Km, o que modifica a Equação 1.8 para: V= Vmax [C]/[C] = V max

(1.10)

Nesse caso, o sistema enzimático é saturado pela elevada concentração do fármaco e a velocidade do processo permanece constante em relação ao tempo, o que caracteriza uma cinética de ordem zero, também chamada de cinética não linear, com uma quantidade constante de fármaco sendo biotransformada por unidade de tempo (HARVEY e CHAMPE, 1998).

Excreção A excreção é caracterizada como a remoção irreversível do fármaco do organismo e ocorre principalmente pela via urinária. Entretanto, há casos em que o fármaco também é excretado pelas fezes, pela bile, pelo leite, pelo suor, pelo ar exalado pelos pulmões ou por outras secreções, sob a forma inalterada ou modificada quimicamente (OGA, 2003). A excreção de fármacos também pode ser realizada por meios não naturais, como no caso da diálise peritoneal e da hemodiálise (DORCE, 2004). O sistema urinário mantém a composição e as propriedades dos líquidos do organismo por meio da depuração do sangue. Seu produto final é a urina, na qual são excretadas substâncias polares e hidrossolúveis. A formação da urina e a excreção de substâncias do organismo dependem de três mecanismos: filtração glomerular, secreção e reabsorção tubular (VAN DE GRAAFF, 2003). Os rins recebem 25% do débito cardíaco e filtram através da membrana glomerular cerca de 130 mL de água por minuto, o que perfaz 190 L em 24 h. Do volume total filtrado, apenas 1,5 L é eliminado como urina, cujo pH está entre 5 e 7. A composição do filtrado glomerular depende da permeabilidade da membrana (DORCE, 2004). Em recém-nascidos e prematuros, a filtração glomerular e o fluxo plasmático renal são cerca de 30 a 40% inferiores em relação ao adulto, o que leva a uma cinética diferente que só se aproxima à do adulto aos três meses de idade. Nos idosos, a excreção renal de fármacos também está modificada em função da redução do número de néfrons funcionantes e do fluxo sanguíneo renal. Nos casos de insuficiência renal, muitas vezes é necessário proceder ao ajuste das doses dos fármacos para evitar o aparecimento de efeitos tóxicos (FUCHS e WANNMACHER, 1998). Os fármacos ligados às proteínas plasmáticas não passam através dos capilares glomerulares, o que aumenta sua permanência no organismo. Após a filtração, as moléculas hidrosso-

lúveis são excretadas com a urina e as lipossolúveis são reabsorvidas para a circulação sistêmica. O pH da urina influencia sobremaneira a excreção de fármacos ácidos e básicos. Com a elevação do pH da urina pela administração de NaHC03 aumenta-se o grau de ionização dos ácidos como alguns barbitúricos e a aspirina, o que facilita sua excreção. Esse mecanismo é normalmente empregado no tratamento de intoxicações causadas por certos fármacos (OGA, 2003). A inulina é um polímero de carboidrato que praticamente não se liga às proteínas plasmáticas. Ela é filtrada pelo glomérulo, não sendo secretada nem reabsorvida pelo túbulo. Portanto, sua depuração a partir do plasma tem sido empregada como medida da taxa de filtração glomerular que é considerada normal no adulto sadio quando está próxima de 130 mL/min. No caso de fármacos extensamente ligados às proteínas plasmáticas, a excreção por filtração é lenta, uma vez que a taxa de filtração glomerular é inversamente proporcional à taxa de ligação fármaco-proteína no sangue (DORCE, 2004). A creatinina, substância endógena proveniente do metabolismo da creatina (proteína existente nos músculos) também é eliminada do organismo quase exclusivamente por filtração glomerular e não se liga às proteínas plasmáticas. Consequentemente, sua depuração renal é uma medida da velocidade da filtração glomerular (TOZER e ROWLAND, 2006). A secreção tubularde fármacos e metabólitos é um processo ativo que envolve gasto de energia e ocorre ao nível do túbulo contorcido proximal. Água, cloreto e sódio são isosmoticamente reabsorvidos nesse local, assim como a glicose e os aminoácidos que possuem transportadores específicos para realização deste processo. A depuração do para-amino-hipurato (PAH) é de aproximadamente 0,5 mL/min e ocorre por meio de secreção tubular, o que pode ser empregado para medir o fluxo sanguíneo renal. Considerando-se que o hematócrito corresponde a 50% de plasma, o fluxo sanguíneo renal é estimado em cerca de 1.300 mL/min por meio da depuração do PAH para ambos os rins, o que equivale aos 25% do débito cardíaco, conforme citado anteriormente (DORCE, 2004). Fármacos que apresentam clearance renal superior a 130 mL/min geralmente sofrem também secreção tubular, como é o caso da ampicilina (BIRKETT, 2003). Cabe ressaltar que os fármacos que sofrem o processo de secreção tubular são também filtrados. Parte do fármaco é removida do sangue por filtração antes de ser secretado no túbulo. Entretanto, como a secreção é muito mais eficiente, diz-se que a excreção ocorreu por secreção tubular. Neste caso, a extensão da ligação do fármaco às proteínas plasmáticas não é relevante. Entretanto, para que a fração livre do fármaco seja a fração secretada, o mecanismo envolvido é capaz de captar o fármaco ligado e torná-lo livre para a secreção. Assim, tão logo o fármaco é removido pelo epitélio tubular, a dissociação ocorre rapidamente para manter o equilíbrio entre as frações livre e ligada no plasma. O fármaco, ao ser secretado, poderá, em certas condições, ser reabsorvido ao nível do túbulo contorcido distal. Além disso, o transporte tubular também pode sofrer competição ou inibição (DORCE, 2004). Aproveitando-se do mecanismo envolvido na secreção tubular, processo ativo passível de competição entre substâncias, foi possível encontrar uma maneira de retardar a excreção da penicilina, associando-a à probenecida, substância de caráter ácido também excretada por secreção tubular. Desse modo, o tempo de ação da penicilina no organismo é prolongado (OGA, 2003).

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

A reabsorção tubular de fármacos é afetada pelo pH da urina e pelas suas propriedades físico-químicas, especialmente o coeficiente de partição óleo-água, o pKa e a afinidade pelas proteínas. A ligação às proteínas reduz a taxa de eliminação dos fármacos que são lipossolúveis no pH do fluido tubular. O grau de reabsorção depende da lipossolubilidade. Fármacos muito lipossolúveis atravessam a membrana por difusão (DORCE, 2004). Fármacos que apresentam clearance renal inferior a 130 mUmin quase sempre sofrem também reabsorção tubular, como é o caso da procainamida (BIRKETI, 2003). A excreção biliar é outro mecanismo importante a ser considerado e corresponde à passagem do fármaco do plasma para a bile e, posteriormente, para o intestino por meio das células hepáticas. Esse mecanismo pode ser classificado como excreção elevada, moderada ou baixa tendo como base a relação de concentração bile/plasma. No caso da excreção biliar elevada, o mecanismo envolvido requer um transporte ativo e pode ser, portanto, passível de saturação e competição (DORCE, 2004). Por outro lado, a excreção biliar pode ser considerada como um meio eficiente que o organismo dispõe para prevenir a intoxicação causada por xenobióticos, uma vez que as células hepáticas são uma verdadeira barreira bioquímica (OGA, 2003). Há certos aspectos que influenciam a excreção biliar de fármacos. São consideradas barreiras a este processo o próprio endotélio dos capilares sinusoides e a membrana das células hepáticas, enquanto o peso molecular (PM) do fármaco também é um fator limitante. Para fármacos ou metabólitos conjugados que apresentam PM :5 200, a excreção biliar é de cerca de 5% da dose administrada, provavelmente porque as moléculas são reabsorvidas a partir da bile primária quando esta transita pelos canalículos menores a caminho da vesícula biliar. No entanto, para fármacos com PM superior a 300, a excreção biliar adquire importância, o que pode ocorrer para ânions, cátions e moléculas não ionizadas contendo grupos polares e apoiares em equilíbrio (DORCE, 2004). Entre os ânions orgânicos excretados pela bile está a sulfobromoftaleína (BPS), empregada no teste da função hepática em razão de ser retirada da circulação pelas células hepáticas após administração intravascular em uma proporção equivalente a 90 a 100% em cerca de 30 min (DORCE, 2004). A polaridade e a estrutura molecular dos fármacos também alteram a excreção biliar. No caso de antibióticos, por exemplo, as diferenças estruturais são responsáveis pelas distintas porcentagens da dose excretada por esta via (como exemplos podem ser citadas: 24% - benzilpenicilina; 38% - meticilina; 33% ampicilina; 90% - nafcilina). De modo geral, os antibióticos excretados pela bile podem ser ativamente transferidos (nafcilina, tetraciclinas e certas penicilinas), enquanto outros não são transferidos por meio de um processo ativo, tais como a estreptomicina e a neomicina (De LUCIA e OLIVEIRA-FILHO,

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(halotano) e muito solúveis (éter diet:11ico). A solubilidade lipídica é importante na excreção do anestésico, especialmente para os de inalação, que são pouco metabolizados e excretados pelos pulmões de modo inalterado (DORCE, 2004). A excreção de fármacos pelas fezes é considerada como uma via importante de eliminação de fármacos do organismo, depois dos rins e dos pulmões. O colón permite a eliminação de fármacos de modo lento, uma vez que, em geral, são necessárias cerca de 24 h para que as fezes alcancem o reto. Por meio dessa via são eliminados fármacos que não são absorvidos ao longo do tubo intestinal, aqueles que entram no tubo digestivo por meio da eliminação intermediada pelas chamadas glândulas anexas, envolvendo a saliva e o fígado, e os fármacos administrados por via parenteral e que aparecem na composição fecal (DORCE, 2004).

PERFIL DE CONCENTRAÇÕES PLASMÁTICAS VERSUS TEMPO Como consequência dos processos ADME, produz-se um perfil de concentrações plasmáticas do fármaco em função do tempo. Para cada fármaco estabelece-se o que é denominado por margem ou janela terapêutica, que corresponde a uma faixa de concentrações plasmáticas dentro da qual se espera obter o máximo de efeito terapêutico com o mínimo de efeitos indesejados. Essa margem refere-se a concentrações plasmáticas de fármaco total Oivre + ligado às proteínas plasmáticas), como demonstrado na Figura 1.5, e seu cálculo é probabilístico. De acordo com a Figura 1.5, observa-se que, quando a concentração plasmática do fármaco sobrepassa a concentração mínima eficaz, manisfesta-se o efeito farmacológico, que, por sua vez, cessa quando a concentração decai e atinge novamente a referida concentração. Os tempos correspondentes a essas duas situações, portanto, restringem a duração do efeito, cuja intensidade geralmente está relacionada com a altura do pico de concentração plasmática. Entretanto, quando as concentrações plasmáticas terapêuticas estão muito próximas à concentração que gera o efeito máximo do fármaco, o aumento da concentração não terá uma correlação quantitativa com o aumento do efeito. Verifica-se ainda pela Figura 1.6 que a margem terapêutica defmida para esse fármaco hipotético poderia ser igual a 10 a 20 mg/ L, uma vez que nesse intervalo de concentrações plasmáticas produz-se o máximo do efeito com o mínimo de toxicidade. Concentrações plasmáticas superiores a 20 mg/mL praticamente não aumentam o efeito, porém aumentam significativamente a toxicidade. Além disso, é importante ressaltar que as curvas de probabilidade não começam no zero em virtude do efeito placebo.

2004).

As substâncias gasosas e voláteis são eliminadas do organismo principalmente pela excreção pulmonar, que envolve a excreção pelas glândulas de secreção brônquica e a excreção pelos alvéolos. Pelos alvéolos pulmonares são excretados gases e substâncias de interesse para a anestesia geral (OGA, 2003; DORCE, 2004). A solubilidade e a potência dos anestésicos variam, considerando-se que aqueles mais lipossolúveis são os mais potentes. Os anestésicos gerais podem ser considerados pouco solúveis (ciclopropano e óxido nitroso), de solubilidade intermediária

CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo Arancíbia (1993), a evolução da Educação Farmacêutica no plano mundial ocorreu em etapas. Iniciou-se por meio de uma orientação dada pela prática, seguida por outra científica, muito relacionada aos avanços tecnológicos da produção industrial de medicamentos, buscando-se, finalmente, uma orientação clínica, aplicável ao exercício profissional multidisciplinar realizado em benefício do paciente. A orientação clínica tem sido amplamente discutida como uma maneira de

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Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

Pico do efeito

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Início do efeito ~

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- - - - - - - - - - - Concentração terapêutica

1 1

Término do efeito

: 1

______ L ______ _ 1 1

1 1

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1

~ - m1n1ma , · - - - - - - - - concent raçao ef'1caz

1

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1 1

1

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Duraç~o do efeito

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1

...

Tempo (h)

Figura 1.5 Perfil de concentrações plasmáticas versus tempo resultantes dos processos ADME (absorção, distribuição, metabolismo e excreção) após a administração do fármaco ao organismo.

resgate da profissão farmacêutica, entendendo-a como uma profissão essencialmente ligada à área da saúde. Desse modo, o ensino da Farmacocinética, aliada à Biofarmácia (Biofarmacotécnica), pode ser considerado como uma ferramenta fundamental para capacitar os farmacêuticos para o desenvolvimento de medicamentos seguros e eficazes e para o manejo dos pacientes nas mais diversas situações clínicas, no contexto do trabalho desenvolvido em equipe com os demais profissionais da área da saúde. Portanto, a apresentação dos conceitos do presente capítulo, associados ao detalhamento dos temas relacionados aos capítulos subsequentes, visa ao fornecimento das bases científicas e técnicas necessárias à aplicação da Farmacocinética na prática profissional, tanto para os farmacêuticos ligados à indústria farmacêutica quanto para aqueles que exercem sua atividade nas áreas de Farmácia Hospitalar, Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica. 100

Resposta

~ o ....... Q)

-o Cll -o ··.o 50 Cll .o

Toxicidade

e a..

10

20

30

Concentração plasmática (mg/L)

Figura 1.6 Relação entre concentração plasmática, resposta e toxicidade de um fármaco hipotético.

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. Defina o termo Farmacocinética e resuma os principais objetivos dessa ciência. 2. Responda verdadeiro (V) ou falso (F) para as afirmações • a seguir: a. A cinética de ordem zero descreve a velocidade de um processo diretamente proporcional à concentração do fármaco. b. A cinética de primeira ordem é, geralmente, empregada para descrever os processos ADME. c. A liberação de fármacos de formas farmacêuticas de liberação modificada ocorre por meio de cinética de ordem zero. d. A cinética mista pode ocorrer quando o processo é não linear e posteriormente, após a saturação, ocorre de modo não linear. e. A absorção de um fármaco é dependente do equilíbrio entre a solubilidade em água e a lipossolubilidade. f. Um fármaco pouco solúvel geralmente apresenta uma boa biodisponibilidade quando administrado pela via oral. 3. Em um artigo publicado em 2005, Ford afirma que a ranitidina pode determinar a diminuição da concentração plasmática de fosamprenavir. Considerando-se que o fármaco fosamprenavir é uma base fraca, cujo valor de pKa é 6,3, que o pH estomacal em jejum é igual a 2 e após o uso de ranitidina torna-se igual a 7, empregue a equação de Handerson-Hasselbach e justifique a afirmação anterior. 4. Apresente, resumidamente, os fatores que afetam a absorção de fármacos. 5. Quais os fatores que alteram a distribuição de um fármaco no organismo? 6. Quais as fases do metabolismo hepático e quais as enzimas envolvidas nestes processos? Dê exemplos de fármacos metabolizados por meio de tais processos. 7. O fármaco cetoprofeno é um ácido fraco, cujo valor de pKa é 4,6. Empregando a equação de Handerson-Hasselbach, avalie

Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

o comportamento desse fármaco no estômago em jejum (pH = 2,0) e na primeira porção do intestino delgado (duodeno) em jejum (pH = 6,5). Utilize os resultados para justificar a presença no mercado nacional de formulações com revestimento entérico, contendo o fármaco cetoprofeno. 8. Considerando os dados de lipossolubilidade (cLogP) dos fármacos apresentados a seguir, coloque-os em ordem crescente quanto aos possíveis valores de volume de distribuição (Vd): nortriptilina (cLogP = 4,32); propranolol (cLogP = 2,75); fenitoína (cLogP = 2,08); atenolol (cLogP = -0,11) 9. O fármaco gabapentina é absorvido por meio de transporte ativo. Explique qual a cinética de absorção desse fármaco em doses baixas e qual seria a cinética de absorção, caso fosse administrada uma alta dose que saturasse o processo de transporte. 10. Responda verdadeiro (V) ou falso (F) para as afirmações • a seguir: a. A loratadina é um fármaco de baixa solubilidade em água. Assim, uma das maneiras de melhorar a solubilidade desse fármaco seria a micronização. b. O cetoconazol é um fármaco muito lipossolúvel. Assim, esse fármaco apresenta melhor absorção quando administrado em jejum. c. A varfarina é um fármaco que apresenta baixa ligação às proteínas plasmáticas e, dessa forma, apresenta um elevado valor para o parâmetro volume de distribuição. d. O atenolol é um fármaco de alta solubilidade em água. Assim, por apresentar baixa lipossolubilidade, tal fármaco não é metabolizado pelo tecido hepático. e. Fármacos como o pantoprazol e omeprazol por serem estáveis em pH ácido são, geralmente, administrados em formas farmacêuticas com revestimento gastrorresistente.

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Farmacocinética: Conceitos, Definições e Relação com a Farmacodinâmica e a Biofarmácia (Biofarmacotécnica)

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CAPÍTULO

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Modelos Farmacocinéticos Sílvia Storpirtis, Maria Nella Gai, Daniel Rossi de Campos e José Eduardo Gonçalves

INTRODUÇÃO O interesse em correlacionar o tempo e a ação de um fármaco no organismo, após a administração do medicamento, justifica-se para o conhecimento de três fatores (FUCHS e WANNMACHER, 1998): • Tempo entre a administração e o início do efeito farmacológico (tempo de latência), influenciado pela velocidade de absorção, distribuição, localização no sítio-alvo e, indiretamente, pela eliminação • Tempo necessário para atingir o efeito máximo (relacionado com a concentração máxima), resultante do balanço entre os processos que levam o fármaco ao sítio-alvo e aqueles que o retiram desse local • Duração do efeito, que depende da velocidade da eliminação e , em alguns casos, da distribuição. Em termos práticos, correlacionam-se as concentrações plasmáticas do fármaco com a amplitude dos efeitos em diferentes períodos após a administração, pressupondo-se que , depois de atingido o equilíbrio, essas concentrações refletem as concentrações do fármaco no sítio de ação. Em Farmacocinética, como citado no Capítulo 1, são propostos modelos matemáticos para interpretar os dados obtidos após a administração de um medicamento ao organismo, de modo que se encontram descritos na literatura modelos compartimentais (abordagem clássica) e não compartimentais. O modelo corresponde a uma hipótese de trabalho e não se constitui como um espaço definido no organismo. E uma representação arbitrária, que auxilia na interpretação do destino do fármaco no organismo, permitindo o cálculo dos parâmetros farmacocinéticos de interesse. Segundo os modelos compartimentais, o organismo é concebido como compartimentos que o representam do ponto de vista da cinética dos fármacos. Esses modelos podem ser classificados em: /

• Monocompartimental (um compartimento) e • Multicompartimentais (a partir de dois compartimentos).

Os modelos não compartimentais se aproximam mais da realidade fisiológica do organismo por descrever a disposição do fármaco em cada tecido ou órgão. Entretanto, perdem a universalidade devido à complexidade do tratamento matemático envolvido. Assim, do ponto de vista da aplicação dos princípios farmacocinéticos às situações clínicas (Farmacocinética Clínica), utiliza-se, na maioria dos casos, o modelo monocompartimental e , especialmente, o modelo bicompartimentai (FUCHS e WANNMACHER, 1998). Por meio desses modelos matemáticos, simulam-se os processos de absorção, distribuição e eliminação do fármaco do organismo como uma função do tempo, com os seguintes objetivos (SHARGEL et al., 2005): • Predizer as concentrações do fármaco no plasma, tecidos e urina com o emprego de determinado esquema terapêutico • Estabelecer o esquema terapêutico ótimo para cada paciente, individualmente. • Estimar o possível acúmulo de um fármaco ou de seu(s) produto(s) de biotransformação no organismo • Descrever como as alterações fisiológicas ou enfermidades podem modificar a absorção, a distribuição e a eliminação de um fármaco no organismo • Explicar casos de interações medicamentosas. Em geral, as análises compartimentais farmacocinéticas são desenvolvidas por meio do estudo contínuo das concentrações plasmáticas do fármaco, uma vez que se conhece a quantidade administrada por via intravascular, sendo p ossível, também, estimar a fração absorvida no caso da administração extravascular. O principal método empregado nessas análises é o estudo das curvas obtidas (concentrações plasmáticas versus tempo), dissociando-as em equações exponenciais (método de algoritmos com ajuste iterativo pelos quadrados mínimos). Essas equações, quando representadas em gráficos ortogonais lineares-logarítmicos (semilog) , mostram-se como segmentos lineares. Assim, graficamente, é possível conhecer, com razoável grau de precisão, o provável número de compartimentos pelos quais se distribui o fármaco em estudo CLARA, 2004).

18

Modelos Farmacocinéticos

As principais características desses modelos são descritas • a seguir.

MODELOS COMPARTIMENTAIS Os modelos compartimentais são os mais simples e têm como premissas a homogeneidade de distribuição e o equilíbrio instantâneo das concentrações do fármaco dentro do compartimento. Desse modo, obtém-se uma extraordinária simplificação das equações que descrevem o modelo. Por outro lado, nos tempos imediatamente posteriores à administração da dose ao organismo, produz-se um descompasso entre o real comportamento do fármaco e a capacidade de predição do modelo. Entretanto, na prática, esse descompasso se desfaz após o equilíbrio das concentrações plasmáticas, processo que costuma ser muito rápido para os fármacos que se ajustam, por exemplo, ao modelo monocompartimental (SOMOZA, 2008). Para a definição do modelo compartimentai que melhor se ajusta à disposição cinética de um fármaco, é necessária a transformação dos dados de concentração plasmática em logaritmo natural ("ln") da concentração e a plotagem de tais dados versus tempo. As principais características de um dado compartimento também podem ser resumidas em seis premissas, conforme Quadro 2.1 (SCHOENWALD, 2002).

Modelo Monocompartimental O modelo de compartimento único, teórico em princípio, constitui o mais simples e presume que o fármaco seja absorvido (caso da administração extravascular) e distribuído de modo instantâneo e homogêneo por todos os líquidos e tecidos do organismo CLARA, 2004).

QUADRO

2 .1 Características de um dado compartimento, segundo a

abordagem clássica dos modelos farmacocinéticos compartimentais.* Homogeneidade cinética: considera-se como um dado compartimento u m conjunto de tecidos que podem ser agrupados em função de o fármaco apresentar propriedades cinéticas semelhantes nesses tecidos, sendo que a distribuição do fármaco é rápida entre eles. Embora os tecidos de um compartimento apresentem-se homogêneos do ponto de vista da cinética do fármaco, as concentrações desse fármaco dentro do compartimento podem ser diferentes, uma vez que sua afinidade pelas estruturas dos diversos tecidos pode variar. Dentro de cada compartimento, considera-se que a distribuição é imediata e rapidamente reversível. As barreiras entre compartimentos são limitadas pelas velocidades de difusão do fármaco e podem representar o transporte entre membranas, uma conversão metabólica ou mesmo o transporte para dentro e para fora em grupos de tecidos com diferentes propriedades cinéticas. A distribuição para qualquer tecido dentro do compartimento depende do fluxo sanguíneo, do volume de sangue, das características de partição e de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas dos tecidos. Os compartimentos são representados como interconectados por constantes de velocidade de primeira ordem. As constantes de velocidade de entrada e de saída do fármaco dos compartimentos podem ser de ordem zero. •Adaptado de SCHOENDWALD, 2000.

O compartimento é um espaço que não corresponde, geralmente, a nenhuma estrutura concreta do organismo, não tem identidade anatômica ou fisiológica e unicamente agrupa aqueles locais que o fármaco consegue atingir (SOMOZA, 2008).

Esse modelo é também denominado de modelo monocompartimental aberto, assumindo-se que o organismo corresponde a um único compartimento no qual os processos de introdução e disposição podem ser interpretados como entrada, distribuição e saída (eliminação) do fármaco do sistema biológico. Corresponde a uma simplificação extrema, ou seja, ao modelo mais simples possível, uma vez que, na realidade, o organismo é um conjunto de muitos compartimentos representados por órgãos, sistemas ou tecidos. Aproxima-se desse modelo a introdução rápida de albumina sérica humana marcada com traçador radioativo (1251 é o mais utilizado; 125IHSA - 125-iodine human serum albumin) por via intravascular. Conhecendo-se a dose administrada (D) e sabendo-se também que essa substância não sai do compartimento vascular, após certo tempo (cerca de 10 min), pode-se calcular a concentração de albumina em 1 mL (C1o,niJ e determinar o volume plasmático do indivíduo (VP) por meio da relação VP = D/ClOmin (LARA, 2004).

Esse modelo pode ser caracterizado por uma /ase de distribuição tão rápida que, na prática, não é viável a quantificação e o cálculo da constante de velocidade de distribuição. Tal fenômeno também pode ser interpretado como se o fármaco, após administração, atingisse, quase instantaneamente, todos os líquidos e tecidos do organismo. Esse padrão homogêneo de distribuição não significa que sua concentração é a mesma em todos os tecidos, indicando, apenas, que as distintas concentrações encontradas estão em equilíbrio. Por outro lado, alguns fármacos não se distribuem por todo o organismo, podendo não penetrar amplamente tecidos extravasculares, como é o caso dos aminoglicosídeos. Assim, a cinética de tais fármacos também pode ser descrita pelo modelo monocompartimental, fato que é válido, do mesmo modo, para fármacos que não atravessam a barreira hematoencefálica (BHE), uma vez que esse modelo representa grande simplificação empregada para interpretar o destino do fármaco no organismo e para o cálculo de parâmetros farmacocinéticos. Esquematicamente, o compartimento pode ser representado por um bloco (Figura 2 .1).

...

e

X

K

V

Figura 2.1 Representação do modelo monocompartimental. Em que: X= quantidade de fármaco (varia em função do tempo) C = concentração (diferente nos vários tecidos; a concentração de referência é a plasmática) K = constante de velocidade de eliminação de primeira ordem aparente ou simplesmente constante de velocidade de eliminação Deve-se observar que a concentração do fármaco no compartimento (C) relaciona-se com sua quantidade (X) por meio do volume (V), ou seja, pelo parâmetro definido como

Modelos Farmacocinéticos

Vdª (volume aparente de distribuição, uma constante de proporcionalidade entre C e X), conforme demonstrado pela relação X= Vdª · C, que, por sua vez, tem origem na relação V= X/C (ver Capítulo 3). Matematicamente, a alteração da quantidade de fármaco no organismo após a administração da dose pode ser representada por uma equação diferencial (Equação 2.1): dX/dt = -K · X

(2.1)

19

-:J' O>

E o

l(Ó

~

e:

Q)

o

e:

Em que:

8

dX/dt = variação da quantidade de fármaco relacionada com variações infinitesimais de tempo K = constante de velocidade de eliminação (o sinal negativo indica o decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco em função do tempo) X = quantidade de fármaco Entretanto, sabe-se que o decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco no organismo não é um processo linear, mas exponencial, o que se torna claro quando se realiza a integração da Equação 2.1, obtendo-se uma expressão que indica a variação da quantidade de fármaco em função do tempo (Equação 2.2): X=~. e-K · 1

(2.2)

Em que: ~

= dose administrada e - K· 1 = termo que representa a monoexponencial relacionada com o processo de eliminação do fármaco do orga• rusmo Entretanto, como na prática avaliam-se as concentrações plasmáticas do fármaco em função do tempo, pode-se dividir os dois membros da Equação 2.2 pelo volume de distribuição (Vd), ou seja: X/Vd = X/Vd · e-K· 1

(2.3)

Sabendo-se que X/V corresponde a C, pode-se substituir os termos X/Vd e X/Vd da Equação 2.3, por C e C0 , respectivamente, obtendo-se a Equação 2.4, que corresponde ao modelo matemático que expressa as variações das concentrações plásmáticas do fármaco após a administração da dose, segundo o modelo monocompartimental. C = Co . e-K· t

Tempo (h)

Figura 2.2 Representação gráfica do decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco após administração da dose segundo o modelo monocompartimental.

tecidos é idêntica em todos os casos. Na verdade, a VCF depende de vários fatores, a saber:

• Fluxo sanguíneo: existem órgãos altamente perfundidos (coração, pulmões, rins, cérebro, fígado) e outros que apresentam baixa perfusão (músculos, pele, tecido adiposo etc.) • Volume ou massa tecidual • Características físico-químicas do fármaco ( coeficiente de partição óleo-água, afinidade pelas proteínas teciduais, pH do meio e pKa do fármaco). Assim, os modelos multicompartimentais seriam mais adequados para interpretar as transferências da maioria dos fármacos no organismo. Tal procedimento, na prática, é realizado transformando os dados de concentração p lasmática em "ln" da concentração e plotando-os em função do tempo. Caso o processo de eliminação possa ser descrito por mais de uma reta, tal cinética é dita multicompartimental. Entretanto, o modelo mais empregado é o bicompartimental, já que, caso

(2.4)

Em termos práticos, quando se realiza um experimento visando ao estudo da farmacocinética de um determinado fármaco, geralmente são obtidos valores de concentrações p lasmáticas em função do tempo (Figura 2.2) e, caso o gráfico relacionado com a disposição cinética do fármaco, após a plotagem dos dados de "ln" da concentração p lasmática versus tempo, apresente uma única reta (Figura 2.3), pode-se, então, inferir que tal disposição cinética é monocompartimental.

Modelos Multicompartimentais Muitas vezes é difícil conceber que a distribuição de um fármaco no organismo é homogênea em todos os tecidos, ou seja, que a velocidade de captação do fármaco (VCF) pelos

log e = -K/2,303 . t + log C0 ou ln e = -K . t + ln C0

-::J' O>

E

o

l(Ó

____..- -K/2,303

o,

~

c:10 Q)

o

--------

ou

-K

e:

8

1'----------------------• Tempo (h)

Figura 2.3 Representação gráfica do decaimento das concentrações plasmáticas do fármaco após administração da dose segundo o modelo monocompartimental (escala logarítmica).

20

Modelos Farmacocinéticos

o processo seja descrito empregando-se modelos com mais de três compartimentos, os cálculos matemáticos tornam-se muito complexos e perdem o significado em termos de aplicação clínica. A disposição cinética de fármacos como amiodarona, benazepril, ciclosporina e digoxina é descrita na literatura por meio de modelos bicompartimentais, enquanto, para fármacos empregados como anestésicos (propofol, p. ex.), são utilizados modelos tricompartimentais.

Modelo Bicomparti.mental Este modelo é empregado quando se considera qu e, em um determinado conjunto de tecidos, a distribuição do fármaco é mais rápida em relação aos demais. Deve-se lembrar que os compartimentos não são conjuntos fixos de tecidos. São conjuntos de tecidos diferentes na dependência das características do fármaco (grau de afinidade pelo tecido) e da perfusão do órgão (maior irrigação favorece o acesso do fármaco, com exceção do cérebro, que é protegido pela BHE). O modelo bicompartimentai pode ser representado como descrito na Figura 2.4.

CC ou 1

...

X1

CP ou2 K12

C1

Ili

V1

t

...

X2

K21

pelos rins: CC

CC ou 1 = compartimento central ou 1 (sangue e órgãos muito irrigados) CP ou 2 = compartimento periférico ou 2 (demais tecidos) X 1 = quantidade de fármaco no CC ou compartimento 1 C1 = concentração de fármaco no CC ou compartimento 1 V 1 = volume do CC ou compartimento 1 X2 = quantidade de fármaco no CP ou compartimento 2 C2 = concentração de fármaco no CP ou compartimento 2 V 2 = volume do CP ou compartimento 2 K12 = constante de velocidade de distribuição do fármaco do CC para o CP K21= constante de velocidade de distribuição do fármaco do CP para o CC K10 = representa a saída do fármaco do CC K20 = representa a saída do fármaco do CP (sem retornar ao CC)

K21· X2 = representa o que entra n o organismo K12· X1 - K10· X1= representa o que sai do organismo Pela Equação 2.5 pode-se verificar quais são os fatores responsáveis pela variação de X1. Entretanto, realizando-se sua integração por meio das transformadas de Laplace, obtém-se uma expressão que fornece a variação de X1 em função do tempo (Equação 2.6): XoCK21 - a) • e-at XoCK21 - f3) · e-~t X= +- - - - - - 1 (f3-a) (a - f3)

1. Quando a eliminação ocorre pelo fígado e/ou pelos rins (ocorre com a maioria dos fármacos): CC

K12 ,

(2.6)

Em que:

Xo = dose administrada ex = constante de velocidade de distribuição 13 = constante de velocidade de eliminação total

Graficamente, pode-se avaliar a evolução das quantidades de fármaco no compartimento central ou CC (1) e no compartimento periférico ou CP (2) como apresentado na Figura 2.5. Porém, em termos práticos, é mais interessante obter uma expressão que relacione a concentração do fármaco em função do tempo, o que se obtém dividindo-se X pelo volume de distribuição (Equação 2.7): Xo(K 21- ex)· e-ai

X 0(K21 -13) · e-llt

C= - - - - - - - +- - - - - - Vd(l3-ex)

Vd(ex-13)

(2.7)

X1

~

De acordo com a eliminação do fármaco do organismo, o modelo bicompartimentai pode ter as seguintes interpretações:

(2.5)

Em que:

Figura 2.4 Representação do modelo bicompartimentai. Em que:

'CP

dX1/dt = K21 . X2 - (K12 . X1 - K10 . X1)

V2 K20

K12

Dependendo das características do fármaco, V1 será maior que V2 ou vice-versa. Para avaliar a variação da quantidade de fármaco (dX1/dt), segundo o modelo bicompartimentai, deve-se considerar a possibilidade mais simples, ou seja, a administração do medicamento ao organismo por um bolus intravascular (injeção intravascular rápida). Assim, a expressão que descreve este processo corresponde à Equação 2.5, a seguir:

C2

t

K10

3. Quando a eliminação ocorre pela pele, pelo fígado e/ou

/

=0 (no ponto máximo, a derivada tem valor mínimo= zero)

Q)

-g

-

'O ·e

..• .••

Cll :::,

o

CP

K21

X2

! K10 2. Quando a eliminação ocorre através da pele:

CC

Tempo (h)

Figura 2. 5 Representação gráfica da variação das quantidades de fármaco no

organismo segundo o modelo bicompartimentai.

Modelos Farmacocinéticos

Calcula-se o valor da meia-vida de eliminação do fármaco, ou seja, ~½)J3 (cálculo descrito no Capítulo 3). Calcula-se f3 empregando-se a relação a seguir:

100

:J

Fasea

O)

-

f3 = 0,693/ ~½)J3

E o

!~

21

- ... __

cu ~10 e Q)

o

---------

Fase~

B

e

8 1L-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - ---+ Tempo (h)

Figura 2.6 Representação gráfica do decaimento das concentrações plasmáticas de um fármaco administrado por bolus intravascular, segundo o modelo bicompartimentai.

Considerando-se ~ (K21 - a)/ Vd(f3 - a) como A e a)/Vd(a - f3) como B, tem-se: C = A · e-- que correspondem aos valores relacionados com os tempos t 1, t2 e ; de coleta. 2. Em relação aos pontos c1 , c2 e c3 deve-se encontrar os pontos correspondentes e '1, e~ e e ~ na reta extrapolada da eliminação, relacionados com os mesmos tempos t1 , t2 e t3 (Figura 2.7). 3. Realizar as subtrações para encontrar os resíduos d c1 , d c2 e d c3 como descrito a seguir: 3.1 C1 - c'1 = d C1 3.2 c2 - c'2 = d C2

3.3

C3 - c'3

=d

C3

4. Plotar no gráfico os valores dos resíduos versus seus respectivos tempos e traçar a reta corrigida da distribuição ( em destaque na Figura 2.7). Extrapola-se a reta corrigida da distribuição até a ordenada, determinando-se, assim, o valor de A. Calcula-se o valor da meia-vida de distribuição (t(½):,) de modo semelhante ao cálculo de t(½Jf3· Calcula-se o valor de a por meio da relação a seguir: Q'.

+ K 21

= 0,693/~½)a

K 10 · K 21

Segundo o modelo bicompartimenta!, vários parâmetros são calculados empregando-se, didaticamente, quatro etapas, descritas a seguir. 100

Etapa 1 1 Caracterização das fases envolvidas e cálculo de a e í3 Constrói-se o gráfico das concentrações plasmáticas versus tempo utilizando-se um programa computacional adequado ou o método manual empregando o papel semilog (tempos na abscissa - escala linear; concentrações na ordenada - escala logarítmica). Segundo o modelo bicompartimenta!, poderão ser observadas duas fases, como descrito na Figura 2.6. A fase de eliminação (fase /3) é representada pela reta que une os últimos pontos do gráfico (após o equilíbrio de distribuição). Para encontrar o valor de B, deve-se extrapolar a reta resultante da fase de eliminação até a ordenada. B corresponde a um valor de concentração, cuja unidade poderá ser, por exemplo, µg/ mL.

...J

...... O)

E o

tCU

A B

(.),

~

e

10

Q)

o

e

o ü

. . C2:

Reta corrigida da distribuição

1L...__ ___..__,,___ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _____.

t1 t2

Tempo (h)

Figura 2.7 Representação gráfica da aplicação do método dos resíduos para a construção da reta corrigida referente à fase de distribuição (a).

22

Modelos Farmacocinéticos

Etapa 2 1Cálculo do Vdª Considerando-se a Equação 2.8, descrita anteriormente, quando t = O, os valores de e-' e de (;f3 1 tendem a ser iguais a 1, ou seja: C = C0 = A + B. Como no modelo monocompartimental calcula-se Vdª por meio da relação X/Co, por analogia, no modelo bicompartimental, tem-se:

multiplicando-se a constante de velocidade de eliminação pelo volume aparente de distribuição. Assim, por analogia, pode-se estabelecer-se que, para o modelo bicompartimental, o compartimento central ( CC ou 1) é representado por:

GJ ! K10

Vct ou V1 = X/A + B e V2 = V 1 · K 1/ K 21 Considera-se, ainda, que Vi + V2 = v;º'ª' = Vss (volume de distribuição após o equilíbrio, no chamado steady-state), que pode ser representado por: Vss = V 1 + V 1 · K 1/K21 ou Vss = V1 [1 + K 1/ K 21] Vale lembrar que o Vss é igual ao Vdss que foi calculado no ponto em que a derivada vale zero (Figura 2.5). Quan do dX/dt é igual a zero, K 12 · X 1 é igual a K2 1 · X 2 , ou seja, após o equilíbrio, obtém-se a seguinte igualdade:

Desse modo, pode-se considerar que a depuração nesse compartimento pode ser avaliada pela expressão: Cl = K 10 · Vz. Entretanto, pode-se também assumir que o clearance pode ser calculado pela expressão Clr = X/ASCr, que é aplicável de modo independente ao modelo que está sendo considerado. Dessa ú ltima relação pode-se, então, isolar ASCr, ou seja: ASCT = X/ClT Considerando-se que Cl = K 10 · expressão anterior, tem-se:

Vi e substituindo-se

Clr na

K12 . X1 = K21 . X2

Sabendo-se que X 1 é igual a V1 · C e substituindo-se na relação anterior, tem-se: K12 · V1· C = K21 · X2

Isolando-se X 2 e dividindo-se por C pode-se obter a relação:

Entretanto, pode-se considerar que X/V1 é igual a C0 e , portanto, ASCr = C/K1aNo entanto, sabendo-se que C0 =A+ B, pode-se substituir na relação anterior, obtendo-se: ASC,. = A + B/K10, o que permite isolar K 1o, ou seja: K10 = A + B/ASCr

X/ C = K 1/K21 · V 1 ou V 2 = V 1 · K 1/ K 21

Entretanto, desse modo o Vd55 foi estimado com base em um único ponto, o que pode ser corrigido calculando-se o parâmetro denominado por V dárea por meio da relação: (2.9) Em que:

Para o cálculo de K2 i, considera-se a relação a· K21 , isolando-se K21 , que é igual a:

13 = K 10 ·

K21 = a. . f3/K10

Para calcular K 12, emprega-se a relação a. + f3 = K10 + K12 + K21 , isolando-se K12 , ou seja: K12 = a. + f3 - K10 - K21

Xo = dose ASCr = área sob a curva de concentrações plasmáticas versus tempo f3 = constante de velocidade de eliminação total O Vdárea é uma constante de proporcionalidade que, multiplicada pela concentração, fornece a quantidade de fármaco no organismo após o equihbrio de distribuição (em qualquer ponto da fase de eliminação ou fase [3). O parâmetro ASCr é calculado por meio do método dos trapézios ou pela expressão: ASCr = A/a. + B/ [3

Etapa 3 1Cálculo da Depuração Total ou clearance (Cl1) Emprega-se a relação Clr = X/ASCr, que pode ser utilizada para o cálculo do clearance independentemente do modelo considerado, substituindo-a na Equação 2.9 anteriormente descrita, obtendo-se:

ou

Etapa 4 1Cálculo das Microconstantes K10, K12 e K21 No caso do modelo monocompartimental, calcula-se o clearance total empregando-se a expressão Clr = K · Vd, ou seja,

A determinação das microconstantes permite a avaliação dos processos de disposição (distribuição ~ a. e eliminação ~ K1J e é importante para o esclarecimento dos mecanismos de interações entre medicamentos e dos efeitos de doenças e da idade, entre outros fatores, sobre a farmacocinética de determinados medicamentos. Deve-se lembrar que, no modelo ora abordado, f3 é a constante de velocidade de disposição ( distribuição e eliminação) e K10 corresponde à constante de velocidade de eliminação do fármaco do compartimento central.

MODELOS NÃO COMPARTIMENTAIS Os métodos não compartimentais para o cálculo dos parâmetros farmacocinéticos relacionados com absorção, distribuição e eliminação do fármaco do organismo foram desenvolvidos a partir da teoria dos momentos estatísticos ( GIBALDI, 1991; YAMAOKA et al., 1978; CUTLER, 1978; BENET e GAI.EAZZI, 1979), cuja base está na probabilidade estocástica de um fato ocorrer. Segundo essa teoria, questiona-se: qual é a probabilidade de uma molécula percorrer o organismo e ser eliminada? A resposta a essa pergunta considera a permanência da molécula no organismo, também chamada de residência, que, na prática, é expressa em termos do parâmetro área sob a curva de concentrações plasmáticas do fármaco versus tempo (ASG),

Modelos Farmacocinéticos

porém de um modo diferente. Por definição, este parâmetro é denominado de área sob a curoa do primeiro momento estatístico (ASCM'), cuja sigla em inglês corresponde a AUMC(area under the first moment curoe). A relação entre a ASCM e a ASC para qualquer fármaco é considerada uma medida do seu tempo médio de residência (TMR, do inglês, mean residence time ou MRT) como representado pela Equação 2.10: (2.10)

TMR = ASCM/ASC

O TMR calculado após a administração do fármaco por via intravascular é uma analogia à meia-vida de eliminação do fármaco, obtido pela abordagem da teoria dos momentos estatísticos, que fornece uma estimativa quantitativa da persistência do fármaco no organismo. Assim como a meia-vida de eliminação, o TMR é uma função dos processos de distribuição e eliminação do fármaco (GIBALDI, 1991; PERL e SAMUEL, 1969; OPPENHEIMER et al., 1975). A comparação dos valores obtidos para o TMR após as administrações intra e extravascular de um fármaco fornece informações sobre o tempo médio de absorção (TMA, do inglês, mean absorption time [MA11) (RIEGELMAN e COLLIER, 1980). Também podem ser comparadas duas formas farmacêuticas administradas por via oral com o objetivo de obter dados relativos à absorção (GIBALDI, 1991). A teoria dos momentos estatísticos é útil para estimar o volume de distribuição de modo independente da eliminação do fármaco do organismo (BENET e GALEAZZI, 1979; OPPENHEIMER et al., 1975). Para estimar e quantificar a eliminação de um fármaco do organismo emprega-se o parâmetro denominado por clearance, que significa depuração (ver Capítulo 3). Ele depende da habilidade intrínseca de órgãos responsáveis pela eliminação (especialmente o fígado e os rins) e da velocidade de fluxo sanguíneo nesses órgãos, como ilustrado na Figura 2.8. De acordo com a representação da Figura 2.8, a concentração venosa do fármaco ( Cv) sempre será menor que a arterial (C,J, porque o fármaco será eliminado ou extraído pelo órgão durante a passagem do fluxo sanguíneo. A velocidade de entrada do fármaco é igual ao produto do fluxo sanguíneo (Q) e a concentração arterial do fármaco (C,J. De modo semelhante, a velocidade de saída do fármaco corresponde ao produto de Q por Cv, A diferença entre a velocidade de entrada e a velocidade de saída do fármaco é a velocidade de eliminação do

.

Órgão responsável pela eliminação do fármaco

Q;Cv

Metabolismo ou Excreção

Figura 2.8 Representação da eliminação de um fármaco a partir de um órgão. Q=velocidade do fluxo sanguineo através do órgão; CA e Cy =concentração do fármaco que entra e que sai do órgão, respectivamente; Cy < CA (adaptada de GIBALDI, 1991).

23

fármaco daquele órgão (VE), o que pode ser representado pela Equação 2.11, a seguir: (2.1 1) Para conhecer a razão de extração do fármaco por um determinado órgão (RE) pode-se dividir CA- Cv) por CA, ou seja, RE = (CA- Cv)ICA, obtendo-se um resultado que pode variar entre O e 1, dependendo da capacidade que o órgão tem de eliminar ou extrair o fármaco que chega até ele por meio do fluxo sanguíneo. Se um fármaco não é eliminado por este órgão, os valores de CA e Cvserão iguais e RE será igual a zero. Caso o órgão tenha elevada capacidade de extração em relação ao fármaco, o valor de Cv será muito próximo de zero e o valor de RE será muito próximo de 1 (GIBALDI, 1991). Por definição, o clearance(Cl) de um fármaco em um órgão representa o volume de sangue que é depurado do fármaco por unidade de tempo, parâmetro que pode ser interpretado como uma constante de proporcionalidade que relaciona a velocidade de eliminação à concentração do fármaco no sangue, conforme representado pela Equação 2.12.

e

Cl = velocidade de eliminação/CA

(2.12)

Considerando-se que a Equação 2. 11 anteriormente descrita define a velocidade de eliminação do fármaco pelo órgão, pode-se substituí-la na Equação 2.12, obtendo-se: Cl = Q X (CA - Cv)/CA

(2.13)

Entretanto, como demonstrado anteriormente, (CA- C1J/CA é igual à RE. Portanto: Cl = Q X RE

(2.14)

Por meio da Equação 2.14 observa-se que o clearancede um fármaco em um órgão pode ser interpretado como o produto do fluxo sanguíneo que o órgão recebe e a razão de extração do fármaco pelo órgão. Considerando-se que a velocidade de eliminação (Equação 2.12) é expressa por uma unidade de quantidade dividida por uma unidade de tempo e que a concentração é expressa por uma unidade de quantidade dividida por uma unidade de tempo, o clearance será expresso por uma unidade de volume dividida por uma unidade de tempo (por exemplo, mL/min ou L/h). Quando o processo de eliminação do fármaco do organismo é de primeira ordem, o clearance é independente da concentração do fármaco (GIBALDI, 1991). O conceito do clearance do fármaco para um determinado órgão pode ser estendido para o organismo como um todo, o que pode ser representado pelo clearance total (Clr), que é igual à razão da velocidade de eliminação total ( VEr) pela concentração do fármaco no sangue, considerando-se a VEr como a soma das velocidades de todos os processos de eliminação do fármaco do organismo. Assim, considerando-se ainda que, após a administração intravascular do fármaco, a quantidade eliminada do organismo é igual à dose administrada, pode-se expressar o clearance como a razão entre a dose (Xr) e a área sob a curva de concentrações plasmáticas do fármaco versus tempo (ASG) (Equação 2 .15). Cl = X/ASC

(2.15)

Por meio da Equação 2.15 pode-se, então, estimar o clearance total do fármaco no organismo após a administração de

24

Modelos Farmacocinéticos

uma única dose (geralmente intravascular; entretanto, pode-se aplicar a equação após administração intramuscular). Na realidade, o clearance não pode ser estimado após a administração oral, a menos que se assuma que toda a dose atinja a corrente circulatória. Portanto, quando a biodisponibilidade por via oral não é completa, o emprego desta equação leva a uma estimativa incorreta do clearance (GIBALDI, 1991). O clearance também pode ser estimado após a administração do fármaco por meio de uma infusão intravascular prolongada a velocidade constante, de modo que se atinja o estado de equilíbrio (do inglês, steady-state). Neste caso, emprega-se a Equação 2.16, a seguir: Cl = k/Css

(2. 16)

Em que: k 0 = velocidade de infusão C55 = concentração plasmática do fármaco no estado de equilíbrio Outro parâmetro que pode ser calculado é o volume aparente de distribuição do fármaco no organismo no estado de equilíbrio (V5;). Ele é independente da eliminação e reflete o espaço anatômico ocupado pelo fármaco e o grau relativo da ligação do fármaco às proteínas no sangue e no espaço extravascular. Entretanto, sua estimativa não requer que se alcance o estado de equilíbrio (BENET e GALEAZZI, 1979; OPPENHEIMER et al., 1975), uma vez que pode ser calculado após a administração de uma única dose por meio da Equação 2.17, a seguir: Yss = Dose IV (ASMC)/(ASC)2

(2. 17)

Tempo Médio de Residência O tempo médio de residência ( TMR) de um fármaco no organismo após a administração de uma dose única pode ser calculado empregando-se a Equação 2.10 anteriormente descrita. Quando a administração do fármaco é realizada por via intravascular, o TMR corresponde a uma estimativa útil do tempo de persistência do fármaco no organismo e seu significado relaciona-se ao conceito de meia-vida. Caso a distribuição do fármaco seja muito rápida, a relação a seguir demonstra-se válida (Equação 2.18): TMRIV = 1/K

(2. 18)

Em que: K = constante de velocidade de eliminação do fármaco (primeira ordem) A meia-vida de eliminação pode ser calculada pela relação 0,693/K(ver Capítulo 3) e representa o tempo necessário para que 50% da dose administrada sejam eliminados do organismo. Pela teoria dos momentos estatísticos, analogamente, o TMR representa o tempo necessário para que 63,2% da dose administrada sejam eliminados. Para um fármaco que se distribui muito lentamente e requer uma abordagem multicompartimental, o TMR é um parâmetro complexo. Entretanto, de acordo com o modelo não compartimental, pode-se empregar a relação a seguir (Equação 2.19): TMR = 1/K'

(2. 19)

Em que: K' = constante de velocidade que representa a razão do clearance pelo V55 , ou seja, (ClNsJ Considera-se, ainda, que para fármacos com características multicompartimentais .K > f3 e que para os fármacos que se distribuem muito rapidamente, .K = K (GIBALDI, 1991).

Tempo Médio de Absorção Geralmente, estima-se a extensão da ab sorção de um fármaco administrado por via oral ou por outras vias extravasculares por meio da comparação entre as áreas sob a curva de concentrações plasmáticas do fármaco versus tempo (ASC; ver Capítulo 3). Entretanto, quando se emprega a abordagem do modelo não compartimental, a estimativa da velocidade de absorção do fármaco após administração extravascular baseia-se nas diferenças em TMR após diferentes modos de administração (RIEGELMAN e COLLlER, 1980). Em geral, emprega-se a Equação 2.20, a seguir: TMA = TMRNI - TMRJV

(2.20)

Em que: TMA = tempo médio de absorção TMRNI = tempo médio de residência após administração não instantânea do fármaco (por exemplo, oral, intramuscular) TMRIV = tempo médio de residência após administração do fármaco por meio de um bolus intravascular (injeção intravascular rápida). Assim, quando a absorção é um processo de primeira ordem, o 1MA pode ser considerado igual a 1/Ka, sendo que Kª é a constante de velocidade de absorção de primeira ordem e a meia-vida é igual à relação 0,693(TMA). Caso a absorção ocorra segundo uma cinética de ordem zero, o TMA será igual a T/2, sendo que T corresponde ao tempo em que ocorre a absorção (GIBALDI, 1991). Entretanto, quando os valores de TMRNI e TMRIV são muito próximos, ou seja, quando a diferença entre eles é pequena, limita-se muito o emprego dessa análise, dificultando-se a estimativa do TMA. Por outro lado, essa teoria pode ser útil para a avaliação da absorção de um fármaco a partir de diferentes formulações. As características de absorção da furosemida foram avaliadas empregando-se a teoria dos momentos estatísticos após administração intravascular e oral. O TMRIV foi calculado em cerca de l h. Entretanto, a absorção oral foi lenta e incompleta, com biodisponibilidade igual à cerca da metade da dose administrada. O TMA foi igual a 84 min, pouco maior que o TMRIV, sugerindo que a absorção da furosemida é um processo velocidade-limitante para a eliminação ( UNO et al., 1984). .LD..J.Y.liY.I..C1.I.

CONSIDERAÇOES FINAIS Os modelos farmacocinéticos são modelos matemáticos empregados para interpretar o destino dos fármacos no organismo. Os mais empregados são os chamados compartimentais, em especial os modelos mono e bicompartimenta!.

Modelos Farmacocinéticos

Quanto maior o número de compartimentos, mais complexo se toma o tratamento matemático, o que reduz a aplicabilidade dessa abordagem na prática clínica. Por meio dessa abordagem, viabiliza-se o cálculo de parâmetros farmacocinéticos que são úteis para os estudos farmacocinéticos, aplicáveis ao desenvolvimento de novos medicamentos e ao manejo de pacientes em diversas situações clínicas (Farmacocinética Clínica).

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. O modelo compartimenta! mais simples empregado para descrever a cinética de fármacos é o: a. Modelo monocompartimental b. Modelo bicompartimenta! c. Modelo tricompartimenta!. 2. Caso um fármaco apresente cinética de eliminação de primeira ordem, podendo ser descrito por meio de um modelo monocompartimental, em qual situação a plotagem dos dados resultará em uma reta de eliminação: a. concentração plasmática versus tempo b. ln da concentração plasmática versus tempo. 3. Responda verdadeiro (V) ou falso (F): a. A fase de eliminação em um modelo bicompartimentai é descrito pela constante de velocidade ex. b. Os fármacos digoxina e ciclosporina são, geralmente, descritos por meio de modelos bicompartimentais c. Fármacos polares, geralmente, são descritos por meio do modelo monocompartimental d. Os modelos compartimentais podem ser empregados para predizer o comportamento cinético de fármacos, bem como para determinar o regime terapêutico em situações clínicas especiais e. Fármacos lipossolúveis, geralmente, são descritos pelo modelo monocompartimental f. O modelo não compartimentai utiliza a teoria dos momentos estatísticos e é empregado em estudos cinéticos de biodisponibilidade. 4. A disposição cinética de um determinado fármaco, administrado em bolus intravascular, pode ser descrita por meio da seguinte equação: C = 22,5 · e--0,5·1• Sabendo-se que a

25

dose foi de 500 mg, calcule o parâmetro Vd. Qual seria a aparência do gráfico se os dados fossem plotados em papel semilog? 5. Um determinado fármaco administrado por via intravascular em dose de 10mg descreve uma cinética bicompartimentai. A equação obtida foi: C = 0,584. e-4·272 · 1 + 0,194 · e-0,088 · 1• Calcule os parâmetros ASCT, CL, Vd, ~ i;z)cx e t K). B. Representação da disposição cinéticaflip-flop de fármaco (K.. < K).

(5.19)

Administração F:xtravascular de Medicamentos em Dose Única

Como os três termos que antecedem as funções exponenciais são constituídos por constantes, o modelo pode ser simplificado para:

e= L . e-at

+ M . e-fJt + N . e-Kat

(5.20)

A partir das constantes L, M e N não é possível obter parâmetros farmacocinéticos, já que essas contêm mais de uma incógnita: F, Vc e K21· Assim, os parâmetros farmacocinéticos que podem ser obtidos a partir desse tipo de administração são: Ka, ex, í3 e ASC. Este último é obtido pelo método dos trapézios, e os três primeiros pelo método dos resíduos, conforme explicado • a seguir. Se a ordem de magnitude das constantes é Ka >ex> í3, então a função mais lenta é í3. Desse modo, a primeira fase linear logarítmica (CIL1) corresponde a M · e-13i, sendo que í3 é obtido a partir da inclinação de ln C111 versus tempo. Aplicando o método dos resíduos, tem-se: C - Cu 1 = L · e--01 + M · e-131 + N · e-Kat - M · e-f3t = L · e-at + N · e-Kat = Cresidual 1 Assim, obtém-se uma primeira concentração residual (C residual 1), a qual apresenta duas funções: uma de ingresso (absorção) e uma de disposição (ex). Desse modo, a curva obtida apresenta uma fase ascendente, atinge um máximo e, em seguida, apresenta uma fase descendente. A segunda fase linear logarítmica (Cu2) corresponde ao processo de disposição rápida (ex), e, a partir desse dado, pode-se obter uma segunda concentração residual (C residual 2):

e residual 1 - e112 = L . e-at + N . e-Kat -

L . e-at =

100

\ •

\.

o

l(Ó

....g,

-

-

e ~ 10 e

\

'": -o.:...

\A.\-0--o.

.\

...• ~···'·.,._ LJ.

o

ü

[

f /

- "'O

-... a



--~

--

..t>.

! \K

:

····........···· ·· e residual 1 · - · - e residual 2

e

••



\

a

~

-

CLL1



Como Reconhecer um Modelo de Dois Compartimentos Em um gráfico semilogarítmico, extrapolando-se a fase linear do processo mais lento ([3, Cu1) até o tempo O, obtém-se uma reta que passa pelo meio das concentrações experimentais (ao contrário do que ocorre no modelo monocompartimental, no qual a reta passa sobre os pontos experimentais; Figura 5.10).

100

e o

l(Ó

o,

-

~ e ~ 10 e

-

--o-

o

ü

Tempo (h)

Figura 5.1 O Representação da disposição cinética bicompartimenta! de fármaco administrado por via extravascular. (C = concentração plasmática experimental; CLL1 = concentração linear logarítmica da primeira fase; J3 = constante de velocidade de eliminação.)

e residual 2 = N . e-Kat

A partir da inclinação de ln CIL2 é obtido ex, bem como a partir da inclinação de ln C residual 2 é obtido Ka (Figura 5.9).



45

CLL2

·.

••

Tempo (h)

Figura 5.9 Representação da disposição cinética bicompartimenta! de fármaco administrado porviaextravascular. (C = concentração plasmática experimental; CLL1 = concentração linear logarítmica da primeira fase; CLL2 = concentração linear logarítmica da segunda fase; Ka = constante de velocidade de absorção; a = constante de velocidade de distribuição; J3 = constante de velocidade de eliminação.)

DETERMINAÇÃO DE PERFIS DE ABSORÇÃO A aplicação do método dos resíduos está limitada à disposição cinética de primeira ordem dos processos de absorção e eliminação do fármaco. No entanto, os processos de absorção, em certas situações, não podem ser representados por essa cinética, podendo ser, por exemplo, de ordem zero ou, então, não obedecer a um modelo cinético específico. Assim, nessas ocasiões, é possível caracterizar a absorção por métodos que não requerem qualquer ordem cinética para a determinação dos perfis de absorção. Os métodos que possibilitam realizar tal tratamento de dados são os de Wagner e Nelson para modelos monocompartimentais e de Loo e Riegelman para os modelos de dois compartimentos (WAGNER e NELSON,1964; LOO e RIEGELMAN, 1968). Assim, como esses métodos são aplicados a modelos compartimentais, compartilham as seguintes características: • • • •

Estabelecem perfis de absorção Apresentam eliminação linear Não supõem uma ordem cinética no processo de absorção Requerem avaliação da absorção com base no balanço de massas • Pressupõem a realização da análise sobre o que chega à circulação, portanto, não determinam a quantidade absorvida.

Método de Wagner e Nelson O balanço de massas é realizado para estabelecer a quantidade de fármaco que foi absorvida e atingiu a circulação

46

Administração F:xtravascular de Medicamentos em Dose Única

sistêmica a qualquer tempo após a sua administração [XA]1• A quantidade de fármaco absorvida é igual à quantidade de fármaco no organismo (X), mais a quantidade eliminada (XJ por todas as vias de eliminação: (5.21) Realizando-se o cálculo diferencial em relação ao tempo, tem-se: (5.22) Como a cinética de eliminação é linear, então: dXE =K·X (5.23) dt Substituindo-se a relação anterior na Equação 5.22, tem-se: dXA =dX+K·X dt dt ou dXA = dX + K · X · dt

Dividindo-se a expressão anterior por Vd:

dX

A = de+ K · e · dt Vd

Realizando-se a integração entre o tempo zero (zero quantidade absorvida) e um tempo t qualquer (quantidade absorvida [XA] até esse tempo [t], i.é., acumulativa), obtém-se: XA

Ct

t

Id:; = I dC+

KfCdt

o

o

o

Resolvendo-se as integrais da expressão geral para esse método, tem-se: (5.24) Em que: C1 é a concentração plasmática do fármaco no tempo t, e a resolução da integral Cdt corresponde a ASC entre o tempo O e t, portanto, acumulativa.

A expressão anterior representa a fração absorvida a qualquer tempo t, uma vez que [XA]1 é a quantidade acumulada de fármaco absorvida até o tempo t e [XA] é a quantidade total absorvida. Essa relação, que pode ser expressa em porcentagem, representa o perfil de absorção do fármaco ao longo do , tempo. E necessário reforçar, nesse momento, o significado de [XAL.,: representa a quantidade total que foi absorvida e não a dose administrada, de modo que um perfil de absorção obtido por esse método sempre alcançará o valor de 100%, o que não quer dizer que 100% da dose foi absorvida. Cabe ressaltar que o método de Wagner e Nelson deve ser empregado da seguinte maneira: 00

• A partir dos dados de concentração plasmática versus tempo, verifique se o modelo que caracteriza o processo é de 1 compartimento com eliminação linear. Assim, em um gráfico lnC versust, a porção terminal deve ser uma reta, cuja extrapolação deve passar sobre os pontos experimentais • Calcule K a partir da inclinação dessa reta • Calcule as ASC parciais e, em seguida, as ASC acumuladas • Multiplique as ASC acumuladas por K e, em seguida, some a esse valor a concentração plasmática a esse tempo. Quando o processo de absorção termina (um ou dois pontos, depois de Cmax), os valores no Quadro 5.1 começam a ser constantes: esse valor é [XA]J Vd, o qual indica que o processo de absorção foi finalizado • Divida os dados obtidos no quarto item pelo valor obtido no item anterior ([XA]JVd). Desse modo, são obtidas as frações absorvidas a cada tempo (t), que, ao serem multiplicadas por 100, tornam-se porcentagens(%), obtendo-se, assim, o perfil de absorção • Avalie se os dados do perfil de absorção se ajustam a um modelo de primeira ordem ou de ordem zero, a partir do qual a constante de velocidade de absorção será obtida. Caso a regressão linear apresente melhor coeficiente de correlação (R2), quando ln da fração não absorvida é plotado versus tempo, então o modelo é de ordem zero. Entretanto, se o coeficiente de correlação apresentar-se mais adequado quando a fração não absorvida for plotada versus tempo, então, o modelo é de ordem zero. Quanto mais próximo o valor de R2 for de 1, melhor os dados experimentais se ajustam ao modelo avaliado.

Quando um período muito longo ocorre, a concentração plasmática tende a zero, já que todo fármaco é eliminado do organismo e, desse modo, a ASC obtida é a área total entre o tempo zero e o infinito. Consequentemente, nesse momento, todo fármaco já foi absorvido (XJ e a Equação 5.24 se transforma em:

O método de Wagner e Nelson pode ser aplicado sem a necessidade de ter dados obtidos a partir da administração do fármaco por via intravascular. Isso é uma das diferenças entre esse método e o de Loo e Riegelman.

[(X A) oo ] = K[ASC] oc 0 Vd

Método de Loo e Riegelman

00

(5.25)

Dividindo-se (Equações 5.24 e 5.25), o parâmetro Vd desaparece, e a expressão torna-se:

QUADRO

Cp

t

[CX A) 1 l

e, +K[Asc1i

[(X A) oo ]

K[ASQ ~

(5.26)

Como mencionado anteriormente, o método de Loo e Riegelman torna possível a obtenção de perfis de absorção em modelos de dois compartimentos. O balanço de massas, nesse caso, demonstra que a quantidade de fármaco [XA]1 que foi absorvida a qualquer tempo t é

5.1 Sistemática de aplicação do modelo de Wagner e Nelson. ASC 0 _1 parcial

ASCO-! acumulativa

ASC,rt acumulativa k

(ASC0 _1 acumulativa k) + Cp

[XA]t [XAJcc

1 - [XA]t [XAlc.,

1 (1 - [XA]t / [XA]:J

Administração F:xtravascular de Medicamentos em Dose Única

igual à quantidade de fármaco presente nos compartimentos 1 e 2, mais o que foi eliminado do organismo:

representam intervalos de concentração plasmática e tempo entre dois pontos consecutivos.

(5.27) Realizando-se o cálculo diferencial em relação ao tempo, tem-se:

dXA] = dX1 + dX2 + dXE [ dt dt dt dt

(5.28)

Como a cinética é linear, então: dXE =K ·X dt 10 1

(5.29)

Substituindo-se a Equação 5.29 na Equação 5.28, obtém-se: dXA _ dX1 + K , X + dX2 dt dt lO l dt dXA = dX1 +

K10 • X1 '

dt + dX2

Dividindo-se por Vd 1 (Vd do compartimento central) e integrando-se entre os tempos O e t, tem-se: [(xA),J = e

V1

+K t

10

[ASCJ t + [CX2) t J O V1

(5.30)

Quando um período muito longo ocorre, a concentração plasmática tende a zero, já que todo fármaco é eliminado do organismo e, desse modo, a ASC obtida é a área total entre o tempo zero e o infinito. Consequentemente, nesse momento, todo fármaco já foi absorvido (XJ e a Equação 5.30 se transforma em: 00

[(X A) oc ] = K[ASC] oo V1 o

(5.31)

Dividindo-se (Equações 5.30 e 5.31), o parâmetro Vd desaparece, e a expressão torna-se:

47

,..,

CONSIDERAÇOES FINAIS O perfil farmacocinético de fármacos administrados por via extravascular pode ser caracterizado por modelos compartimentais, tanto em dose única, como discutido neste capítulo, como em doses múltiplas (Capítulo 7). Caso tais modelos sejam empregados para a obtenção de parâmetros farmacocinéticos, com o objetivo de caracterizar a disposição de um novo fármaco, deve-se considerar que alguns parâmetros, como Vd e Cl, não poderão ser obtidos por meio de tais modelos. Obviamente, aqueles parâmetros associados com a via de administração extravascular, como Ka, c n1ax, t max, tlatência e perfil de absorção, só podem ser estimados por meio desse tipo de administração. O tratamento que se pode dar aos dados depende muito da via extravascular utilizada e da forma farmacêutica. A cinética de absorção de um comprimido de liberação imediata, cujo fármaco é solúvel nos meios gastrintestinais e a absorção é realizada por difusão passiva, poderá ser descrita por um modelo cinético de primeira ordem, e os parâmetros farmacocinéticos poderão ser estimados empregando-se o método dos resíduos. Entretanto, no caso de fármacos pouco solúveis, ou quando a formulação é de liberação modificada, a cinética de absorção pode ser descrita por um modelo de ordem zero e , nesse caso, para se estimar a absorção, devem-se empregar os outros métodos discutidos neste capítulo. Outras vias de administração extravascular apresentam características específicas. Por exemplo, a cinética de absorção após a administração transdérmica de fármacos é, geralmente, descrita por meio de uma cinética de ordem zero, devido à barreira dérmica, que deixa passar uma quantidade limitada de fármaco por unidade de tempo. E importante ressaltar também a importância dos parâmetros farmacocinéticos que caracterizam a administração extravascular, já que tais dados podem ser empregados na avaliação da biodisponibilidade e da bioequivalência de formulações farmacêuticas. /

(5.32) O termo relacionado ao compartimento periférico (Xi)1 não representa a concentração em tal compartimento, já que se apresenta dividido pelo Vd do compartimento central. Desse modo, tal concentração deve ser avaliada por meio da expressão: CX2) 1 =(X2) , e-K216.t + K12 ·CC1) 1n- l (1-e-K21llt)+ Vi Vi 1n-1 K 21 + K 12 · ll.C·lit

(5.33)

2

Ao se analisar as duas últimas equações (Equações 5.32 e 5.33) pode-se concluir que C1 e ASC são obtidos a partir de dados experimentais. Para se obter a quantidade de fármaco no compartimento 2 são necessárias as microconstantes do modelo bicompartimental (K10 , K12 e K21), as quais somente podem ser obtidas a partir de uma administração prévia do fármaco por via intravascular (ao contrário do que ocorre no modelo de Wagner e Nelson que não requer esse dado). Tal exigência constitui uma limitação para esse modelo, visto que nem sempre é possível avaliar a disposição cinética de um fármaco por meio de administração intravascular. Entretanto, uma vantagem é que a administração intravascular possibilita o cálculo da biodisponibilidade absoluta e, assim, o perfil de absorção obtido representa as quantidades reais absorvidas ao longo do tempo. Na Equação 5.33 os parâmetros ll.C e lit

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. A disposição da concentração plasmática (mg/L) versus tempo (h) após a administração de um comprimido contendo um fármaco é apresentado no Quadro 5.2. QUADRO

5.2 Tempo(h)

Cp(mg/L)

o

o

0,5 1 2 4 6 8 12 24

2,4 4 5,8 6,2 5,5 4,4 2,8 0,7

Calcule a meia-vida de eliminação, a constante de velocidade de absorção e a ASC0_oo·

48

Administração F:xtravascular de Medicamentos em Dose Única

2. Ao administrar uma dose de 500 mg de um fármaco por via oral, a equação que descreve a disposição da concentração plasmática versus tempo é: C = 28,5 (e-0,123 t - e --0,438 t) Nessa equação C está expresso em mg/L e o tempo em horas. Quais são o tmax e a meia-vida de eliminação? 3. Ao administrar um comprimido contendo o fármaco X, os níveis plasmáticos (Cp) são os indicados no Quadro 5.3. QUADRO

5.5 Tempo(h)

Cp (µg/ml.)

0,08

0,035

0,16

0,05

0,25

0,22

0,33

0,71

0,5

1,43

0,75

2,89

1

3,57

5.3 Tempo (horas)

Cp (µg/ml.)

1,5

3,96

0,5

5,2

2

3,84

1,0

20,0

3

3,24

1,5

23,0

4

2,72

2,0

25,1

5

2,38

3,0

16,8

6

2,16

4,0

11,4

8

1,81

5,0

7,6

12

1,30

6,0

5,2

18

1,10

7,0

3,5

24

0,91

Calcule a meia-vida de eliminação, a constante de velocidade de absorção e o tempo de latência da forma farmacêutica. 4. Como poderia ser planejado um experimento (desenho experimental) para avaliar se um determinado fármaco segue um modelo do tipo flip-flop? 5. Para se caracterizar o processo de absorção, podem ser empregados o método dos resíduos ou o método de Wagner e Nelson. Que características deve apresentar o processo de absorção para se aplicar cada um desses métodos? 6. Ao administrar um comprimido de liberação controlada, na dose de 300 mg, de um fármaco que segue uma disposição monocompartimental, foram obtidos os seguintes valores apresentados no Quadro 5.4. QUADRO

QUADRO

5.4

Calcule as constantes que caracterizam o modelo e determine o perfil de absorção. 8. No estudo de De Campos et al. (2010) avaliou-se o perfil de absorção de uma formulação de liberação retardada de pantoprazol 40 mg. A partir dos dados de concentração plasmática versus tempo (Quadro 5.6), apresente o perfil de absorção do fármaco. QUADRO

5.6 Tempo(h)

o

Cp(mg/L)

o o

0,5 1

42,41

1,5

255,61

2

742,85

2,5

1.404,92

3

1.808,62

Tempo(h)

Cp(mg/L)

o

o

3,5

1.428,47

0,5

0,2

4

1.236,26

1

0,6

6

431,39

2

1,3

8

179,60

3 4

1,9

12

55,91

6

4,1

8

4,2

10

3,9

12

3,6

24

2,3

36

1,3

48

0,7

2,6

a. Determine o perfil de absorção. b . Determine a constante de velocidade de absorção. 7. As concentrações plasmáticas obtidas após a administração oral de dois comprimidos de 300 mg ( dose = 600 mg) de carbonato de lítio estão apresentadas no Quadro 5.5.

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Administração F:xtravascular de Medicamentos em Dose Única

49

tica. Volumen I: Farmacocinética. Madrid: Editorial Síntesis S.A,

tica. Volumen I: Farmacocinética. Madrid: Editorial Síntesis S.A,

cap. 8, p . 133-166, 2001 . GIBALDI, M.; PERRIER, D. Pharmacokinetics (Drugs and the pharmaceutical sciences; v. 15). 2nd ed. New York and Basel: Marcel Dekker Inc, 1982. LOO, J .C.; RIEGELMAN, S. New method for calculating the intrinsec absorption rate of drugs. J. Pharm. Sei., 57:918-28, 1968. MORENO, J.; DOMÉNECH, J. Administración extravasa!. Modelo bicompartimenta!. ln: DOMÉNECH BERROZPE, J .D.; MARTÍNEZ LANAO, J .M.; PLÁ DELFINA, J.M. Biofarmacia y Farmacociné-

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CAPÍTULO

6

Excreção Urinária de Fármacos Sílvia Storpirtis, Cristina Helena dos Reis Serra e José Eduardo Gonçalves

dades instantâneas de cada um dos processos envolvidos, o que pode ser expresso matematicamente pela equação a seguir:

INTRODUÇÃO A abordagem farmacocinética e o tratamento matemático dos dados obtidos após a administração de um medicamento ao organismo podem ser realizados por meio da avaliação da excreção urinária do fármaco, desde que, pelo menos, uma parte da dose administrada seja excretada na urina sob forma inalterada (não biotransformada) (MARTIN, 2008). Entretanto, há vantagens e desvantagens no emprego de um estudo farmacocinético que utiliza coletas de amostras de urina e na seleção do método para tratamento dos dados obtidos. Portanto, neste capítulo serão abordados os principais aspectos relativos à farmacocinética e aos tratamentos matemáticos dos dados de excreção urinária de um fármaco, relacionados com as administrações intra e extravascular, de acordo com os modelos monocompartimental e bicompartimental. Também será exemplificada a aplicação dos estudos farmacocinéticos que envolvem a coleta de amostras de urina para avaliação da biodisponibilidade e da bioequivalência de medicamentos. /

MECANISMOS DE EXCREÇAO RENAL

- dXu/dt = - dF/dt + dRi/dt - dE1

(6.1)

Essa expressão relaciona-se com a perda de fármaco no organismo que, entretanto, pode ser recuperado na urina e quantificado (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001). Cabe ressaltar que a adequação do método para a quantificação do fármaco é um aspecto fundamental e deve ser realizada empregando-se método bioanalítico validado (GONÇALVES, BONATO e ZAINAGUI, 2009).

CÁLCULO DE PARÂMETROS FARMACOCINÉTICOS POR MEIO DE DADOS DE EXCREÇÃO URINÁRIA SEGUNDO O MODELO MONOCOMPARTIMENTAL (ADMINISTRAÇÃO INTRAVASCUIAR) A eliminação de um fármaco do organismo, segundo o modelo monocompartimental, pode ser representada de acordo com a Figura 6.1. Em que:

Pelos rins ocorrem três dos mais importantes e conhecidos mecanismos de transporte de fármacos através de membranas: • Difusão (através dos poros) • Difusão por permeação através da membrana lipoproteica • Transporte ativo. Esses mecanismos estão representados pela excreção renal por meio da filtração glomerular (F;), reabsorção tubular passiva (R) e excreção tubular ativa (E) (VILLODRE e PLA DELFINA, 2001). Pode-se considerar que a velocidade de excreção urinária de qualquer fármaco (dX/dt) equivale à somatória das veloci/

~

= dose administrada X = quantidade de fármaco no organismo

X

+Km M

Figura 6.1 Representação da eliminação de um fármaco do organismo segundo o modelo monocompartimental.

Excreção Urinária de Fármacos

51

~

= quantidade de fármaco eliminada por excreção renal M = quantidade de fármaco eliminada por metabolismo (biotransformação) K = constante de velocidade de eliminação (total) Ku = constante de velocidade de excreção urinária ¾ = constante de velocidade de metabolismo

ln d~ dt

..... .....

.....

Quando o fármaco (p. ex., lítio, amicacina, cefalexina, cefadroxil, gentamicina) é eliminado quase exclusivamente pela urina, tem-se Km = O e Ku = K (ARANCÍBIA, 1992). Nesse caso, para interpretar a farmacocinética, podem ser empregados dois tratamentos matemáticos que serão descritos • a seguir.

Método da Velocidade de Excreção Empregando-se o método da velocidade de excreção, verifica-se, inicialmente, como a quantidade de fármaco surge na urina em função do tempo, o que pode ser representado pela Figura 6.2. Posteriormente, verifica-se como expressar a velocidade de excreção urinária do fármaco, o que pode ser descrito pela expressao: ~/dt = Ku · X

(6.2)

Em que: ~dt

= velocidade de excreção urinária Ku = constante de velocidade de excreção urinária X = quantidade de fármaco no organismo em determinado tempo

Entretanto, deve-se considerar que a variação da quantidade de fármaco (X) em função do tempo (t) ocorre segundo a equaçao: (6.3) Em que:

Xo = dose administrada e-K · 1 = fator cinético que altera a quantidade de fármaco no organismo segundo os processos de eliminação do fármaco

x= u

-----------------------------

Tempo

Figura 6.2 Curva de excreção urinária acumulada de fánnaco. (~ = quantidade excretada na urina em função do tempo; ~ = quantidade total de fármaco excretado na urina.) 00

Tempo

Figura 6.3 Representação gráfica da excreção urinária de um fármaco administrado por via intravascular, segundo o modelo monocompartimental (escala logarítmica).

Assim, substituindo-se a Equação 6.3 na Equação 6.2, tem-se: ~ /dt = Ku

• Xo • e-K.

1

(6.4)

Aplicando-se o logaritmo neperiano a ambos os membros da Equação 6.4, obtém-se: ln ~/dt = ln

~

· Xo - K · t

(6.5)

A Equação 6.5 representa uma equação de reta do tipo: y = b- a· x, na qual b corresponde ao coeficiente linear (intercepto da reta com a ordenada = Ku · X;), enquanto a corresponde ao coeficiente angular ( = K), conforme representado na Figura 6.3. Note-se que o termo ln dX/dt representa uma velocidade instantânea, determinada no tempo t. No entanto, deve-se considerar que, na prática, não é possível coletar amostras de urina em intervalos infinitesimais de tempo, ou seja, coleta-se urina em intervalos periódicos (p. ex., a cada 30 min, 1 h, 2 h etc.), o que remete a uma questão: como é possível expressar a velocidade de excreção urinária do fármaco para um determinado intervalo de tempo (ô.X/ô.t)? Nesse caso, utiliza-se uma aproximação, ou seja: ô.X/ô.t = dX/dt, relação que será tão mais precisa quanto menor for o ô.t e que representa uma cinética de primeira ordem (no início do intervalo a velocidade de excreção será maior). Entretanto, essa aproximação dá origem a outra questão: qual é o tempo relacionado com ô.Xu, ou seja, t = O ou t = término do interoalo? Considerando-se que as velocidades de excreção urinária são determinadas experimentalmente e que, na realidade, não são instantâneas, mas velocidades médias em determinado período de tempo (dX/dt), então, a velocidade média de excreção se aproxima muito à velocidade instantânea no ponto médio de coleta da urina (t~. Assim, para resolver a questão citada anteriormente, optou-se por utilizar o tempo médio do intervalo (t,;), também conhecido como tempo de midpoint, o que torna a Equação 6.5 equivalente à Equação 6.6, a seguir. ln ~ /dt = ln Ku · Xo - K · tm

(6.6)

A Equação 6.6 está relacionada com a Figura 6.4 e possibilita o cálculo de K e Ku.

52

Excreção Urinária de Fármacos

X

......

u

=X oou -X oou

oo u

-X u = X

. e-K1

(6.11)

ocu . e-K1

(6.12)

ou

......

......

X

Aplicando-se o logaritmo neperiano a ambos os membros da Equação 6.12, obtém-se a Equação 6.13, que corresponde a uma equação de reta, cujo gráfico pode ser representado pela Figura 6.5. ln(X 00u -X u )=lnX 00u -K·t

tm

Figura 6.4 Representação gráfica da excreção urinária de um fármaco administrado por via intravascular, segundo o modelo monocompartimental (escala logarítmica), empregando-se o tempo de midpoint (tJ.

Método Sigma Menos O método Sigma Menos também é conhecido como método ARE (ARE = amount remaining to be excreted). Esse método apresenta a mesma abordagem do método da velocidade de excreção, devendo-se, inicialmente, avaliar como a quantidade de fármaco excretado na urina varia em função do tempo. Isso pode ser representado, como citado anteriormente, pela Equação 6.2, que , ao ser integrada, gera a Equação 6.7, a • seguir: ~

= (~ · Xo)/K · (1 - e-K·t)

(6.7)

Considerando-se que, no tempo infinito, o termo fTK . 1 tende a zero, se Ku = K, então X u no tempo infinito, ou seja, Xu será igual à dose administrada, e as duas Equações apresentadas a seguir, 6.8 e 6.9, serão válidas: 00

~

(6.8)

= (~. Xo)/K

x uoc =(K u ·X o)/K

(6.9)

(6.13)

Coleta de Amostras de Urina versus Amostras de Sangue Opta-se pela coleta de urina em vez de sangue em alguns estudos farmacocinéticos, principalmente em razão dos seguintes fatores: • Trata-se de método não invasivo, o que facilita a participação de voluntários em estudos clínicos • A determinação de fármacos na urina, em geral, é um processo mais simples pelo fato desse líquido biológico ser menos complexo que o sangue, o que causa menor interferência no método analítico , • E um método mais adequado no caso em que pacientes voluntários participam do estudo e estão muito debilitados para que sejam coletadas amostras seriadas de sangue.

Vantagens e Desvantagens na Seleção dos Métodos para Estudo Farmacocinético Empregando Dados de Excreção Urinária Os dois métodos apresentados anteriormente - o método da velocidade de excreção e o Sigma Menos - podem ser considerados equivalentes, em termos da obtenção dos dados de excreção urinária, aplicável a um estudo farmacocinético. Entretanto, a seleção do método deve considerar vantagens e desvantagens indicadas a seguir.

Substituindo-se a Equação 6.9 na Equação 6.7, obtém-se: ~=

x: ·Cl-e-K·t)

(6.10)

Rearranjando-se a Equação 6.10 e multiplicando-se ambos seus membros por (-1), tem-se:

MÉTODO DA VELOCIDADE DE EXCREÇÃO • Vantagem: O experimento não é invalidado caso uma amostra de urina seja perdida durante o estudo (esse fato

,----,---,----------1 1 1 1 1

1

K

Tempo

Xuc1J

Tempo

Figura 6.5 Representação gráfica da excreção urinária de um fármaco segundo o modelo monocompartimental, empregando-se o método Sigma Menos (x..i =quantidade de fármaco excretado na urina; x..i =quantidade de fármaco excretado na urina no tempo infinito; K=constante de velocidade de eliminação; ARE = amount remaining to be excreted). 00

Excreção Urinária de Fármacos

causaria apenas a omissão de um ponto na reta que é obtida após a construção da cuiva com os dados experimentais) • Desvantagem: O erro pode ser considerado alto e inaceitável, caso os inteivalos de coleta de urina não sejam relativamente curtos.

MÉTODO SIGMA MENOS Caso a meia-vida de eliminação do fármaco seja elevada, o experimento torna-se demorado e oneroso. Além disso, a perda de uma amostra de urina invalida o cálculo de Xu 00



X= F .

Xo . (~/~ _ K) . (e-K·t _ e-Ka·t)

F = fração da dose que chega à circulação a partir da forma farmacêutica administrada Xo = dose administrada do fármaco Ka = constante de velocidade de absorção K = constante de velocidade de eliminação Substituindo-se X na relação dX/dt = Ku · X, obtém-se uma função biexponencial, que representa o processo, ou seja:

• Ka •

F · Xo /

(Ka -

(6.16)

ou

No caso da administração extravascular, quando a absorção não é excessivamente rápida, é possível empregar o método dos resíduos para o tratamento matemático da curva de excreção urinária a fim de se fazer a estimativa preliminar das constantes de velocidade de eliminação e de absorção. Essa estimativa inicial deve ser reavaliada empregando-se regressão linear por meio de programas computacionais adequados (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001). Após a construção da curva de excreção urinária do fármaco versus tempo, a inclinação da reta relacionada com a fase terminal corresponde à constante de velocidade de eliminação (K), enquanto a reta obtida pelo método dos resíduos corresponde à constante de velocidade de absorção (K). O ponto obtido por extrapolação dessas duas retas até a ordenada do gráfico (Figura 6.6) corresponde a: (dXu / d t) ~rapolado = Ku

(6.15)

Em que:

ÂX/Ât = Ku . [F . Xo . (Ka/Ka - K) . (e-K·t - e-Ka·t)]

Administração Extravascular

53

(6.14)

K)

Em que: F = fração da dose que chega à circulação a partir da forma farmacêutica administrada Xo = dose administrada do fármaco Ku = constante de velocidade de excreção urinária Em relação à Equação 6.14, verifica-se que, do mesmo modo que no caso da administração intravascular, a velocidade de excreção do fármaco na urina continua sendo proporcional à quantidade de fármaco no organismo (X), ou seja, a relação dXi/ dt = Ku· X continua válida, com a diferença de que a administração é extravascular, definindo-se X por meio da função de Bateman, como descrito a seguir (VILLODRE e PLA DELFINA, 2001): ~

AX/Ât = [Ku · F . Xo . (Ka/Ka _ K)] . (e-K·t _ e-Ka·t)

(6.17)

Portanto, a curva obtida é biexponencial e o valor [Ku· F X 0 · (K/Ka - K)J representa (dX/dV°extrapolado, que, na prática, é obtido graficamente, conforme já mencionado. Cabe ressaltar que o termo (d1/dt)0extrapotadm na realidade, é zero, se considerada a Equação 6.17 no tempo igual a zero, uma vez que, nesse caso, a diferença representada pelo termo (fTK. t _ fTKa. 9 se anula. Vale observar, ainda, que, no caso em que exista período de latência prévio à absorção, este pode ser determinado empregando-se o mesmo procedimento aplicado ao tratamento da cuiva derivada das concentrações plasmáticas versus tempo (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001).

CÁLCULO DE PARÂMETROS FARMACOCINÉTICOS POR MEIO DE DADOS DE EXCREÇÃO URINÁRIA SEGUNDO O MODELO BICOMPARTIMENTAL

Administração Intravascular De acordo com o modelo bicompartimental e considerando-se que a excreção ocorre a partir do compartimento central, a velocidade de excreção do fármaco é proporcional à quantidade existente no compartimento central (X) (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001), o que pode ser representado por: (6.18) Entretanto, por definição, segundo esse modelo, no caso da administração intravascular, a relação válida é:

Ku . Ka . Xo 100 K-K u

-'a,

S 10 o 1('0

~ ~

Q) Q)

"O Q)

~

"O

8

~

3

6

9

12 15 Tempo (h)

18

21

24

Figura 6.6 Curva de excreção urinária de um fármaco administrado por via extravascular, segundo o modelo monocompartimental (adaptada de VILLODRE e PIÁ DELFINA, 2001).

54

Excreção Urinária de Fármacos

-

A'o

100

B'a-

---.e

Ol

E .........

lg

10

u,,

....

Q) (.)

X

Q) Q)

"O Q)

"O

cu

"O (.)

o

Q)

>

3

6

9

12

15

18

21

24

Tempo (h)

Figura 6. 7 Curva de excreção urinária de um fármaco administrado por via intravascular (bolus IV), segundo omodelo bicompartimentai (adaptada de VILLODRE e PIÁ DELFINA, 2001). Xe = ~:..a A



e-a · 1 + BO · e-~ · 1

(6.19)

Na Equação 6.19, os termos A 0 e B 0 são valores análogos aos termos equivalentes derivados da curva de concentrações plasmáticas versustempo, mas expressos em quantidade (unidade de massa), e podem ser considerados iguais ao produto de cada um deles pelo volume do compartimento central (V). Portanto, substituindo-se a Equação 6.19 na 6.18, obtém-se:

âX/ât = Ku · (Ao · e-ª·

1

+ B0



e-~· 1)

(6.20)

ou (6.21)

A Equação 6.21 representa, portanto, a velocidade de excreção urinária de um fármaco administrado por via intravascular, segundo o modelo bicompartimentai. Corresponde a uma curva biexponencial (Figura 6.7) construída a partir dos dados obtidos de ô.X/ô.t plotados em relação aos tempos da metade de cada intervalo (tempo de midpoint) (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001). Aplicando-se o método dos resíduos (ver Capítulo 2), é possível decompor as exponenciais e calcular as constantes de velocidade de eliminação (/3) e de distribuição (a), de modo a obter as respectivas ordenadas na origem (Ku · B 0 e Ku · Ao) e o valor da intersecção no tempo zero ( = Ku· Xo), que corresponde à soma de Ku · B 0 e Ku · A oPortanto, a partir do valor de Ku· X 0 obtido graficamente, calcula-se o valor de Ku. Por outro lado, a Equação 6.21 pode ser transformada para reproduzir exatamente os valores que são determinados pelo gráfico, o que é realizado igualando-se Ku· B 0 - B '0 e Ku· A 0 A '0 de modo a obter uma expressão mais funcional, ou seja:

~/ât = A' 0 • e-a· t + B' 0 • e-~·t

(6.22)

A partir dela, verifica-se, também, a relação a seguir: A'o+B'o=Ku · Xo

(6.23)

Administração Extravascular Empregando-se o mesmo raciocínio descrito no item anterior, é possível realizar o tratamento matemático de curvas

provenientes de dados de excreção urinária, segundo o modelo bicompartimental, quando ocorre uma absorção de primeira ordem (VILLODRE e PLÁ DELFINA, 2001). Nesse caso, é necessário realizar a decomposição das curvas obtidas com os valores de ô.x;/ô. t plotados em relação aos tempos da metade de cada intervalo (tempo de midpoint), empregando-se o método dos resíduos, o que resulta em três retas em papel semilogarítmico, com suas inclinações relacionadas com as constantes de velocidade de eliminação, distribuição e absorção, representadas pela Equação 6.24 (triexponencial) e pela Figura 6.8.

~ /ât = = A' 0 • e---0< · 1 + B' 0 • e-~· 1 - G' 0 • e-Ka · 1 (6.24)

APLICAÇÃO DE ESTUDOS DE EXCREÇÃO URINÁRIA DE FÁRMACOS ÀAVALIAÇÃO DA BIODISPONIBILIDADE E BIOEQUIVALÊNCIA DE MEDICAMENTOS A determinação da biodisponibilidade implica avaliação da extensão e da velocidade de absorção de um fármaco, a partir da forma farmacêutica administrada. Esses estudos são efetuados mediante a determinação dos parâmetros farmacocinéticos que melhor se correlacionam com os efeitos terapêuticos no organismo. O método mais utilizado para determinar a biodisponibilidade de fármacos consiste na avaliação de parâmetros farmacocinéticos obtidos a partir do perfil de concentração sanguínea do fármaco em função do tempo (STORPIRTIS e GAi, 2009). Por outro lado, a velocidade e a extensão pelas quais um fármaco é excretado na urina refletem a velocidade e a extensão de seu processo de absorção (SHARGEL e YU, 1993). Desse modo, é possível avaliar sua biodisponibilidade, assim como a bioequivalência entre duas formulações que o contém, utilizando-se parâmetros derivados da excreção urinária. Vários relatos descritos na literatura indicam que os dados de excreção urinária podem ser usados para estudos de biodisponibilidade e de bioequivalência entre formulações distintas (WAGENLEHNER et al., 2007; TUBIC et al., 2006; OTOOM et al., 2004; SHAH et al., 2002; PILLAI et al., 2001), uma vez que, ao obter um gráfico a partir da velocidade de excreção urinária do fármaco (~/dt)

Excreção Urinária de Fármacos

55

Ku. Xo

A'o

A'o-

-

, 100

o"-,..

\

,E

Ol

E .......

o l(U

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B'o

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1. ... \

...



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10

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Toxicologia pré-clínica, farmacocinética e metabolismo

:::, o

o~

------

Fase IV 1

Ano

t

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

t o

o o o

Aprovação da primeira utilização em humanos pelo CEP e agência regulatória

C,

Aprovação da comercialização pela agência regulatória

Aprovação dos experimentos com animais pelo CEUA

13

15

14

16

17

18

19

20

t

o D D

Tempo de avaliação pela agência regulatória

Estudos de indicações complementares em Fase Ili

Figura 12.1 Esquema do processo do desenvolvimento de fármacos. Alinha de tempo indica os tempos médios para cada fase de desenvolvimento e os tempos requeridos para avaliação pelaFood and Drug Administration (FDA) - USA (CEUA =Comissão de Ética no Uso de Animais; CEP =Comitê de Ética em Pesquisa)

(com base em ETIE, GARG eJAYARAJ, 2004). tados positivos desse primeiro ciclo conduzem ao segundo, que compreende a fase Ilb (confirmação da fase lia em um número maior de pacientes com maior probabilidade de serem beneficiados), e à fase m (confirmação do risco/benefício em grupo ampliado de pacientes). Se os resultados das investigações clínicas dão suporte aos efeitos terapêuticos da nova entidade química e a relação risco/benefício (eficácia/segurança) é adequada, a empresa farmacêutica solicita à agência regulatória o registro do novo medicamento que contém a NEC que, pela comprovação de eficácia e segurança, passa a ser denominada novo fármaco. A fase pós-marketing é identificada como sendo a fase IV e ocorre durante o processo de comercialização do novo medicamento. Nessa etapa são realizados estudos clínicos adicionais para melhor caracterização da atividade farmacológica do fármaco, ampliação das indicações terapêuticas e diferenciação do novo fármaco em relação aos demais concorrentes do mercado. A segurança do novo fármaco também é confirmada nessa etapa, uma vez que um número maior de pacientes é exposto a ele. Por isso, a fase IV também é denominada farmacovigilância.

Todas essas etapas, desde a descoberta da NEC até o desenvolvimento do novo fármaco, tinham custos estimados em 403 milhões de dólares em 2000, levando em conta todos os compostos que foram abandonados durante a fase de desenvolvimento. Esse valor alcançava 802 milhões de dólares se os custos de comercialização e marketing do novo fármaco fossem somados aos custos de desenvolvimento (DIMASI, HANSENB e GRABOWSKIC, 2003), correspondendo, em média, a 10 anos de trabalho. Revisões mais atualizadas dos métodos utilizados para os cálculos dos custos de descoberta, desenvolvimento e comercialização de um novo fármaco, considerando os compostos que foram abandonados durante o processo, indicam investimentos na ordem de um bilhão de dólares (ADAMS e BRANTNER, 2010). Para agilizar o desenvolvimento de novos fármacos, uma abordagem mais focada na farmacocinética tem sido adotada (ETTE, GARG eJAYARAJ, 2004), uma vez que cerca de 39% dos compostos falham em fases iniciais do desenvolvimento devido a propriedades farmacocinéticas inadequadas (KENNEDY, 1997), tais como formação de metabólito ativo e/ou tóxico, meia-vida de eliminação muito curta e acúmulo nos tecidos,

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Pré-clínicos

principalmente hepático. Em geral, compostos cuja farmacocinética pré-clínica apresenta características favoráveis como elevada biodisponibilidade oral e adequado tempo de exposição têm maior chance de sucesso em estudos clínicos. Desse modo, a investigação farmacocinética pré-clínica deve ser ampla e esclarecedora o suficiente para que a NEC não apresente pontos desfavoráveis nos estudos clínicos, que poderiam ter sido evitados em fase pré-clínica. A determinação da relação entre exposição/ resposta em animais na fase pré-clínica também é útil no desenvolvimento de regimes posológicos para humanos e pode indicar a declividade da curva dose-resposta. Por meio de modelagem, atualmente considerada crucial no desenvolvimento, é possível estabelecer a relação matemática entre farmacocinética e farmacodinâmica (modelagem PK/PD), ou seja, entre a exposição ao fármaco ou metabólito e a ação farmacológica/ toxicológica, possibilitando a caracterização da curva temporal de intensidade de efeito para cada posologia investigada (DERENDORF et al., 2000). A modelagem PK/PD tem sido utilizada em todas as fases de desenvolvimento de novos fármacos, pré-clínica e clínicas. A fase pré-clínica possibilita fazer simulações de posologias não investigadas, bem como previsões de posologias para os primeiros estudos em humanos, baseadas em resultados em animais, o que torna possível a redução de tempos e custos associados ao desenvolvimento. Este capítulo pretende descrever os objetivos, os tipos e o modo como são conduzidos e avaliados os estudos farmacocinéticos pré-clínicos em animais, indicando, sempre que possível, de que maneira eles influenciam as fases clínicas de desenvolvimento.

OBJETIVOS DOS ESTUDOS FARMACOCINÉTICOS PRÉ-CLÍNICOS A fase de desenvolvimento pré-clínica, também chamada de fase não clínica ou de fase zero, compreende estudos que duram de 1 a 5 anos, com média de 2,6 anos (LESKO et al. , 2000). De acordo com a Resolução 251/ 97 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (BRASIL, 1997), é uma condição preliminar que os estudos de uma NEC em seres humanos sejam precedidos pela avaliação farmacocinética e farmacodinâmica, incluindo estudos in vitro e estudos toxicológicos, em diversas espécies animais. Os estudos farmacocinéticos pré-clínicos têm como objetivo principal determinar os parâmetros que caracterizam a absorção e a disposição (distribuição e eliminação) da NEC no organismo, a relação entre as concentrações plasmáticas e as doses administradas, a relação entre concentração plasmática e efeito farmacológico/ toxicológico, a distribuição e o acúmulo tecidual do comp osto, assim como a ligação às proteínas plasmáticas. A avaliação farmacocinética nessa fase também envolve a investigação da metabolização da NEC, em estudos conduzidos in vitro e/ ou in vivo. Os estudos farmacocinéticos pré-clínicos podem ser divididos em três tipos básicos:/armacocinética em nível de descoberta, que auxilia na escolha dos compostos líderes para o tratamento de uma determinada doença entre um grupo de moléculas sob investigação, toxicocinética ou farmacocinética em estudo toxicológico e estudos pré-clínicos em animais propriamente ditos que darão fundamento aos estudos clínicos

87

e às exigências regulatórias para registro (NATARAJAN e ROHATAGI, 2004). Os objetivos desses estudos pré-clínicos dependem do estágio de desenvolvimento do composto. Quando no estágio de descoberta, os estudos farmacocinéticos buscam predizer as propriedades farmacocinéticas em humanos e selecionar os compostos com maior potencial para o sucesso. A partir do momento em que uma NEC é selecionada, os estudos farmacodnéticos em animais, incluindo os toxicocinéticos, visam produzir informações necessárias para protocolar, nas agências regulatórias, a solicitação de primeiro uso em humanos. No caso dos Estados Unidos, essas informações são organizadas na solicitação chamada Investigational New Drug (IND), que é submetida à Food and Drug Administration (FDA). Nessa etapa, estudos in vitro com hepatódtos isolados ou enzimas purificadas podem ser realizados para determinar a depuração metabólica da NEC. Quando se iniciam os estudos clínicos em humanos, os estudos pré-clínicos são utilizados para responder perguntas específicas, por exemplo, de que maneira ocorre a interação da NEC com determinados fármacos que, sabidamente, causam indução enzimática. Os estudos em animais auxiliam na escolha da primeira dose em humanos e na determinação do regime posológico. Eles também auxiliam na interpretação correta dos estudos toxicológicos e na escolha de formas farmacêuticas adequadas para utilização do composto sob investigação.

TIPOS DE ESTUDOS FARMACOCINÉTICOS PRÉ-CLÍNICOS Tradicionalmente os estudos farmacocinéticos pré-clínicos se referiam à farmacocinética em animais. Atualmente, uma definição mais ampla do termo inclui também os estudos in vitro, desenvolvidos com vistas a subsidiar a previsão de parâmetros farmacocinéticos em humanos em fases iniciais do processo de descoberta/ desenvolvimento, com base nas propriedades físico-químicas dos compostos como coeficiente de partição óleo/ água (LogP), pKa, peso molecular, entre outras. Esses estudos in vitro na fase de descoberta buscam determinar se os candidatos a líder apresentam propriedades características de um fármaco (drngability) , visando aumentar a chance de sucesso na fase clínica. Os estudos in vitro para previsão da permeabilidade gastrintestinal, que informa sobre o processo de absorção oral, geralmente são conduzidos em cultura de células de cólon carcinoma humano (Caco-2). A inferência sobre o volume de distribuição é derivada da avaliação da ligação às proteínas plasmáticas. A avaliação do metabolismo, que infere sobre a depuração hepática do composto, pode ser conduzida por meio de high-throughput screening com as isoformas do citocromo P-450 obtidas de microssomas hepáticos e/ ou hepatócitos (CALDWELL, 2000). Os resultados de todas essas avaliações precisam ser necessariamente confirmados com estudos em animais. De todo modo, eles são muito úteis para a seleção dos compostos líder a partir dos bits. Uma análise mais aprofundada dos estudos farmacocinéticos pré-clínicos in vitro, no entanto, não faz parte do escopo deste capítulo, que está focado no detalhamento dos estudos • • em aruma1 s. No plano de desenvolvimento de um novo fármaco, os seguintes estudos farmacocinéticos pré-clínicos em animais

88

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Pré-clínicos

geralmente são considerados (ETIE, GARG e JAYARAJ, 2004; NATARAJAN e ROHATAGI, 2004): • Desenvolvimento preliminar de método bioanalítico: visa estabelecer um método bioanalítico para dar suporte aos estudos de farmacocinética que serão conduzidos. O método analítico deve ser seletivo, sensível e reprodutível, tendo um limite de quantificação suficiente para caracterizar, pelo menos, 3 a 4 vezes a meia-vida de eliminação do composto. Atualmente os métodos são geralmente desenvolvidos por cromatografia líquida em tandem com espectrometria de massas (LC-MS/MS), que garante especificidade e limites de quantificação suficientes para possibilitar a adequada avaliação da fase de eliminação do composto. Em fase inicial de descoberta e desenvolvimento, esse método pode ser desenvolvido em laboratório que não segue as Boas Práticas de Laboratório (BPL). Em fases mais avançadas da investigação, se a NEC for levada à fase clínica, o método deve ser validado em laboratório com BPL para a repetição dos estudos farmacocinéticos que serão submetidos à avaliação da agência regulatória • Estudos f armacocinéticos preliminares em roedores e não roedores. consistem na investigação farmacocinética preliminar do composto após doses únicas intravascular (IV) e oral (VO). Nesse estágio são utilizadas 2 a 3 doses diferentes, de preferência na faixa de doses que mostrou atividade farmacológica; também são utilizados, em média, 3 animais por grupo, de 1 ou 2 espécies animais (roedor e não roedor). Os estudos são conduzidos por 24 h, e as amostras de sangue são retiradas para investigação do perfil plasmático do composto. Os resultados esperados são a determinação da biodisponibilidade (velocidade e extensão de absorção), velocidade de eliminação e presença de efeito de primeirapassagem. Nessa etapa o composto deve ser administrado como formulação inicial, estabelecida pela equipe de farmacotécnica responsável pelo desenvolvimento do produto. Esses estudos farmacocinéticos preliminares auxiliam na escolha das espécies animais para os estudos toxicológicos e não precisam ser conduzidos em laboratório com BPL • Estudo de proporcionalidade de doses em ratos. avalia a proporcionalidade de dose e exposição em roedores, visando à avaliação da não linearidade farmacocinética ou da saturação da eliminação. Os estudos são conduzidos com doses únicas, sendo 3 a 4 doses diferentes investigadas após administrações IV e VO, preferentemente das mesmas doses, e devem ser realizados em machos e fêmeas (n = 4/grupo). A partir deles, são determinados os parâmetros área sob a curva de concentração plasmática versus tempo (ASC), pico de concentração plasmática ( Cmax) e tempo para pico de concentração CtmaJ, meia-vida Ctc½Y, tempo de residência médio (MRT), volume aparente de distribuição (Vds..), depuração ( C40raJ e a ASC normalizada pela dose (ASC/D). Os resultados possibilitam determinar a proporcionalidade da absorção em relação à dose, a linearidade ou não do processo de eliminação e a influência do gênero na farmacocinética. São, portanto, úteis para a determinação das doses para os estudos toxicológicos e da dependência da absorção e eliminação em relação à dose • Estudo de proporcionalidade de doses em não roedores (cães e/ou macacos): as amostras de plasma e urina são coletadas para investigação farmacocinética. Faz-se a avaliação

inicial da proporcionalidade entre dose e exposição em não roedores, visando à determinação da não linearidade farmacocinética ou saturação da eliminação em outras espécies animais. Os estudos são conduzidos com doses únicas, sendo 3 a 4 doses diferentes investigadas após administração IV e VO, preferentemente das mesmas doses, em machos e fêmeas (n = 3/grupo). A via de administração pretendida para uso clínico pode ser utilizada nesses estudos, sendo empregada preferentemente a formulação que está sendo desenvolvida para a fase clínica I, caso a NEC chegue a essa fase. São determinados os parâmetros de exposição ASC, Cmax, ~x, ~ ½) , MRT, Vdss, CL101a1 e ASC/D. Os resultados possibilitam determinar a proporcionalidade da absorção em relação à dose, a linearidade ou não do processo de eliminação e a influência do gênero na farmacocinética, sendo úteis para a determinação das doses para os estudos toxicológicos e para estabelecer se há dependência importante da absorção e eliminação em relação à dose • Determinação da ligação a proteínas plasmáticas e da distribuição nos eritrócitos: visa determinar o potencial de interação do composto com outros fármacos. A ligação a proteínas plasmáticas é realizada in vitro utilizando técnicas de ultrafiltração ou diálise, com plasma de várias espécies animais. A determinação do coeficiente de partição nos eritrócitos também é conduzida in vitro utilizando suspensão de eritrócitos • Determinação básica dos parâmetros ADME em ratos. visa à avaliação dos processos de absorção e disposição do composto no organismo utilizando a NEC-radiomarcada, o que torna possível a inferência da segurança da NEC e a avaliação dos dados toxicológicos. O balanço de massas da dose administrada é determinado nesse estudo. Utiliza-se dose única da NEC-radiomarcada ( 14C ou 3H), em machos e fêmeas, pelas vias IV e VO, ou outra via pretendida para uso clínico. A dose deve ser farmacologicamente relevante; geralmente escolhe-se uma dose de nível intermediário. São avaliados o balanço de massas na urina, fezes, ar expirado; a quantidade total de radioatividade eliminada do organismo; as principais rotas metabólicas no plasma, urina e fluidos biológicos; o perfil de concentração plasmática por tempo do composto e metabólitos relevantes em machos e fêmeas. Os resultados possibilitam a determinação da extensão e velocidade de absorção, bem como a extensão do metabolismo; a avaliação do efeito de primeira-passagem e a avaliação preliminar do metabolismo em plasma, urina e outros fluidos biológicos; a distribuição tecidual preliminar; e indicação de diferenças farmacocinéticas em relação ao gênero. Caso não haja equilíbrio de massas, há necessidade de realizar a investigação da distribuição tecidual • Autorradiografia corporal total em ratos: objetiva obter o padrão de distribuição visual da NEC em tecidos de ratos albinos versus pigmentados. Utiliza-se dose única clínica da NEC-radiomarcada, em ratos não pigmentados (n = 4 a 5 machos/rota de administração), administrada pela via IV e pela via pretendida na clínica. Alternativamente podem ser utilizados ratos pigmentados (n = 3 a 4 machos), administrados com dose única IV que corresponde à dose do estudo de ADME, para comparação. Os dados possibilitam determinar a quantidade de radioatividade no sangue, plasma e nos tecidos. Esses estudos são necessários para os cálculos de dosimetria para os estudos de balanço de massas em

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humanos e para estabelecer que a NEC e seus metabólitos não se ligam à melanina Determinação básica dos parâmetros ADME em coelhos: objetiva obter as características farmacocinéticas básicas da NEC e a extrapolação dos dados de teratogenicidade para humanos. Dose única clínica da NEC-radiomarcada é administrada em coelhos não pigmentados, sendo utilizados 3 animais para determinação do balanço de massas e 3 animais para obtenção do perfil farmacocinético. São coletadas todas as amostras de urina e sangue por, pelo menos, 120 a 168 h. Determinam-se o perfil plasmático por tempo, a quantidade total de radioatividade excretada e o perfil farmacocinético total da radioatividade. Os resultados possibilitam determinar o balanço de massas, as rotas de eliminação do organismo e a exposição do organismo à NEC. Esses resultados são úteis para a seleção de regimes posológicos para os estudos de teratogenicidade e para extrapolação dos dados para humanos Determinação do perfil de metabolização in vitro e in vivo em diferentes espécies animais: trata-se da identificação dos metabólitos ativos ou tóxicos formados após utilização N e VO da NEC em diferentes espécies animais, com vistas a detectar a formação de intermediários ou metabólitos tóxicos e a explicar os diferentes perf1S de toxicidade entre espécies, caso existam, visando ao desenvolvimento racional do fármaco Identificação das isoenzimas importantes para o processo de metabolização e da possibilidade de indução e inibição enzimática: consiste na identificação das isoenzimas envolvidas nas diferentes rotas metabólicas que a NEC segue no organismo, o que possibilita identificar o potencial de gerar interação fármaco/fármaco, bem como o da interação da NEC com outros fármacos devido à indução ou inibição . , . enzunatica Estudos para avaliação das formulações farmacêuticas desenvolvidas com a NEC· são conduzidos em animais como os cães, principalmente, visando à otimização da formulação e/ ou forma farmacêutica desenvolvida para os estudos clínicos Estudos de correlação PK/PD: são conduzidos, sempre que possível, simultaneamente no mesmo animal experimental, coletando-se amostras após dose única N e/ ou VO para determinação do perfil de concentração p lasmática por tempo e perfil temporal do efeito, avaliado por meio do doseamento de biomarcadores, como doseamento da glicose sanguínea, no caso de a NEC ser um hipoglicemiante, ou medição de sinais esp ecíficos, como p ressão arterial, por exemplo, caso a NEC seja um anti-hipertensivo. Esses estudos visam à construção do modelo matemático PK/PD que possibilitará a racionalização das próximas etapas de desenvolvimento clínico.

Cabe ressaltar que, de acordo com a legislação brasileira (BRASIL, 2008), todos os estudos em animais devem ser apro, vados pelas Comissões de Etica no Uso de Animais (CEUA) das instituições de pesquisa. Informações sobre cuidados gerais com animais de experimentação podem ser obtidas na literatura especializada (OLFERT, CROSS e MCWILLIAM, 1993; WAYNFOR1H e FLECKNELL, 2001). As normas brasileiras para a condução de estudos pré-clínicos foram estabelecidas recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (BRASIL, 2010).

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A observação dos estudos indicados anteriormente, que são escolhidos e realizados com base no desenvolvimento de cada NEC sob investigação, possibilita a conclusão sobre as características farmacocinéticas críticas que devem ser determinadas em fase pré-clínica. São elas, em ordem de importância: • CL101a1, que indica a capacidade do organismo de eliminar o composto • ASC, que representa a exposição do organismo ao composto • fração da dose biodisponível excretada inalterada na urina, que indica indiretamente qual o percentual da dose biodisponível que sofre metabolização • perfil de concentração no sangue ou plasma, que é importante para estabelecer a relação com efeito farmacodinâmico e toxicidade e que torna possível a construção do modelo PK!PD • meia-vida de eliminação, que indica a frequência com que a dose deverá ser administrada em esquema de dose múltipla • extensão da ligação às proteínas plasmáticas, uma vez que somente a fração livre é farmacologicamente ativa; volume aparente de distribuição, que possib ilita inferir sobre o tamanho do compartimento (tecidos) no qual o composto aparentemente foi distribuído (a determinação da penetração em cada tecido é muito importante em fase préclínica, pois esses estudos não costumam ser realizados em humanos por questões éticas) • a biodisponibilidade , que possibilita conhecer o percentual de absorção da dose administrada por via que tenha fase de absorção. Os quatro componentes-chave resultantes da avaliação préclínica do sistema ADME são: a identificação da dose inicial para o primeiro estudo em humanos; o entendimento da relação entre dose-resposta no modelo animal utilizado e sua relação com a situação clínica; a determinação da janela terapêutica e concentrações-alvo no modelo pré-clínico e a validade da extrapolação do modelo pré-clínico para humanos. Na fase de avaliação farmacocinética dos compostos bits para escolha de compostos líder, os métodos analíticos e os estudos em animais podem ser conduzidos com menor rigor. No entanto, a partir do momento que uma NEC é definida, os estudos devem ser conduzidos sob as BPL, pois os resultados irão compor o arquivo de investigação desse composto, caso ele evolua para a comercialização como fármaco. Nesse momento, quantidades da NEC na ordem de gramas a quilograma são requeridas para possibilitar a realização de todos os estudos farmacocinéticos, toxicológicos e farmacodinâmicos necessários para protocolar, junto à agência regulatória, a solicitação de primeiro uso em humanos. Do mesmo modo, a síntese da NEC-radiomarcada é realizada visando à condução dos estudos de balanço de massas e autorradiografia corporal total. Pode-se observar, nos diversos tipos de estudos indicados anteriormente, que as vias IV e VO são continuamente citadas em todos os estudos propostos. A escolha dessas duas vias não é ao acaso (KWON, 2001). O perfil de concentração por tempo após administração N propicia a determinação inequívoca de propriedades críticas como depuração sistêmica e volume aparente de distribuição, bem como meia-vida de eliminação,

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uma vez que não há interferência do processo de absorção nessa via. Ao mesmo tempo, a administração IV serve como referência do nível de exposição (ASC) para a determinação da extensão de absorção, ou seja, para a biodisponibilidade das outras vias de administração. A avaliação do perfil plasmático após dose VO possibilita determinar a maior concentração obtida após administração (CmaJ e o tempo em que essa ocorre (tmaJ, assim como a biodisponibilidade dessa via e a influência da absorção na meia-vida do composto.

ESCOLHA DO MODELO ANIMAL PARA OS ESTUDOS FARMACOCINÉTICOS PRÉ-CLÍNICOS Uma vez que o efeito do agente terapêutico no organismo é uma função de sua concentração no local de ação, uma descrição espaço-temporal do comportamento do fármaco no corpo é essencial para o entendimento e predição da resposta e da toxicidade nos tecidos. Para tanto, há necessidade de se conhecer em detalhes a fisiologia do modelo animal no qual se está realizando a investigação farmacocinética e que alterações fisiológicas se esperam no ser humano em relação ao modelo animal investigado. Os animais que melhor reproduzem as condições humanas são outros primatas, mas estudos com essas espécies são caros e de difícil realização. A escolha de outras espécies animais deve levar em conta qual espécie possibilitará a melhor correlação com os resultados de humanos, pois diferenças intestinais, na atividade enzimática e no sistema circulatório, entre outras, fazem com que alguns modelos animais sejam mais adequados que outros para investigação de determinado alvo terapêutico, considerando-se a forma de administração, o local de ação e a formação de metabólitos. Os roedores são a espécie animal utilizada inicialmente na investigação farmacocinética de compostos para qualquer alvo terapêutico. Por serem animais de pequeno porte, os roedores têm uma expectativa de vida curta, que se reflete em uma frequência cardíaca e em uma velocidade de metabolização mais rápidos. Isso torna o curso das doenças nesses animais acelerado em relação ao seu curso nos humanos. Desse modo, estudos realizados em animais de porte médio como cães são necessários para complementar os estudos em roedores, antes da primeira utilização em humanos. Nesse contexto, alguns cuidados devem ser observados: • Deve-se escolher a espécie animal que mais se assemelhe aos humanos e/ou reproduza melhor a fisiopatologia da doença sob investigação. Normalmente, os estudos farmacodinâmicos anteriores ao estudo farmacocinético já utilizaram esses critérios para seleção da espécie animal na qual os compostos líder foram testados. Diferentes classes de fármacos são mais adequadamente estudadas em diferentes espécies: para o estudo de fármacos para coagulação, utilizam-se suínos; para investigação de fármacos que alteram a eletrofisiologia, cães. Da mesma maneira, há classes de fármacos que devem ser evitadas em algumas espécies animais, como antibióticos em roedores, devido a alterações da flora intestinal que podem levar a efeitos adversos graves • Estudos de biodisponibilidade oral devem privilegiar animais onívoros, para melhor mimetizar a absorção e o esvaziamento gástrico dos seres humanos

• Deve-se considerar, na escolha da espécie animal utilizada, se o composto, dependendo dos grupos funcionais presentes nele, será metabolizado de modo similar ou não nos humanos. Quando se prevê que a eliminação será principalmente renal, roedores e cães poderão ser utilizados com segurança para extrapolação dos resultados para humanos. Entretanto, quando se prevê metabolização hepática, principalmente pelo sistema do citocromo P-450, espécies com maior similaridade enzimática com os humanos, como os suínos, deverão ser escolhidas para o estudo • Deve-se atentar para o tipo de utilização prevista para o novo fármaco: profilaxia ou tratamento. Se for tratamento, é importante que se avalie a farmacocinética também no animal doente, uma vez que a fisiologia normal do animal pode estar alterada pela enfermidade e, desse modo, os parâmetros farmacocinéticos serão alterados • Investigação de compostos para utilização como antitumorais também deve ser conduzida em animais doentes, tanto em função das alterações fisiológicas que o câncer pode causar, como pela importância de se determinar as concentrações do composto obtidas no tumor. Apesar de a escolha da espécie animal mais adequada para a condução dos estudos farmacológicos e toxicológicos ser realizada de maneira criteriosa, é importante salientar que os estudos pré-clínicos nem sempre são preditivos da eficácia ou do metabolismo dos compostos em humanos, não somente em função das diferenças entre as espécies que ainda não podem ser previstas, mas também pelo fato de que muitas das doenças ainda não são conhecidas completamente.

DESENHO EXPERIMENTAL DOS ESTUDOS FARMACOCINÉTICOS PRÉ-CLÍNICOS

Estratégias de Desenho Experimental Com o advento da química combinatória, o número de compostos bits sintetizados para um mesmo alvo terapêutico é muito grande e a capacidade de realização de estudos farmacocinéticos pré-clínicos em animais é limitada em função dos custos e do tempo requerido para realização dos experimentos - etapa geralmente limitante para o desenvolvimento de novos fármacos. Nesse contexto, o desenho experimental padrão de amostragem sequencial no mesmo animal de experimentação após administração individual de cada um dos compostos líder, visando à determinação individual dos perfis de concentração por tempo e dos parâmetros farmacocinéticos, tem dado lugar a estratégias de desenho experimental que conduzem a avaliações mais rápidas. Entre as estratégias inovadoras utilizadas para agilizar os estudos farmacocinéticos pré-clínicos em animais podem ser citadas (KWON, 2001): • Dose em cassete ou coquetel: administração de coquetel ou cassete de doses de diferentes compostos no mesmo animal experimental e determinação simultânea dos mesmos em plasma, utilizando método compatível. A desvantagem dessa estratégia está na possibilidade de interação farmacocinética entre os compostos sob investigação, mascarando os resultados farmacocinéticos obtidos • Pooling de amostras ou análise em coquetel: administração de doses individuais dos compostos nos animais com posterior

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mistura das amostras de plasma para determinação simultânea dos compostos em uma única corrida analítica. Essa estratégia reduz as possibilidades de interação farmacocinética entre compostos, porém a esperada redução do tempo para a realização dos estudos não é observada. Além disso, não há redução do número de animais utilizado para os estudos • Estimação da ASC a partir de uma amostra que representa um pool de todas as amostras coletadas do mesmo animal após administração de dose única do composto: essa estratégia possibilita a determinação da exposição ao composto (ASC) com redução do tempo de análise, uma vez que apenas uma amostra é analisada, composta por uma fração predefinida de cada amostra de plasma coletada durante o experimento sequencial no mesmo animal. A composição dessa amostra única, que nada mais é do que o pool ponderado de frações das amostras individuais coletadas, é definida levando-se em consideração o tamanho dos intervalos de coleta de amostra. Essa estratégia, quando combinada com a dose em cassete, possibilita redução do tempo experimental e do tempo de análise. Apesar de a utilização das estratégias alternativas mencionadas terem crescido nos últimos anos, duas estratégias tradicionais são ainda as mais comumente utilizadas para a avaliação farmacocinética pré-clínica in viva. o estudo f armacocinético padrão e o estudo farmacocinético populacional. No método-padrão, o objetivo primário é avaliar o perfil farmacocinético da NEC, obtido por meio de perfis individuais gerados após dose única ou doses múltiplas do composto sob investigação, seguindo um protocolo sequencial predefinido de coleta de sangue no mesmo animal experimental. Nessa estratégia, os perfis individuais de concentração por tempo são avaliados para determinação dos parâmetros farmacocinéticos, e as médias e desvios dos mesmos são relatados. No estudo populacional, o objetivo principal é a determinação da segurança e eficácia da NEC por meio da avaliação de amostras esparsas de sangue de diversos indivíduos, coletadas dos diferentes animais em tempos distintos, impossibilitando a formação de perfis de concentração por tempo individuais. Nessa estratégia, os dados (concentração e tempo de coleta) de todos os animais experimentais são modelados simultaneamente, empregando-se programas de computador não lineares adequados, e os parâmetros farmacocinéticos do perfil médio são determinados, sem a possibilidade de se conhecer a variabilidade dos parâmetros gerados (SIMPSON et al., 2009). A decisão entre um método ou outro se baseia no objetivo do estudo e no estágio de desenvolvimento em que o composto se situa. Os estudos farmacocinéticos pré-clínicos iniciais, quando os compostos líder estão sendo investigados para defmição da NEC, podem ser conduzidos com a estratégia populacional. Os estudos com a NEC são geralmente realizados por meio do método padrão, que possibilita a determinação dos parâmetros individuais e o conhecimento da sua variabilidade.

Determinação dos Tempos de Coleta das Amostras O estabelecimento dos tempos de coleta de amostra, independente da estratégia de desenho experimental adotada, parte do princípio que o experimento deve ser capaz de descrever o perfil farmacocinético do composto com a máxima precisão possível. Desse modo, a escolha dos tempos de coleta deve

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ser feita com cuidado, pois a coleta em tempos inadequados, que não possibilitam caracterizar os processos de absorção e disposição do composto no organismo, coloca em risco todo o tempo e investimento feitos no estudo. Geralmente lança-se mão da realização de um estudopiloto que norteia os tempos de coleta dos estudos seguintes. O desenho experimental do estudo-piloto conta com pouca ou nenhuma informação sobre o comportamento farmacocinético do composto. Sendo assim, é comum a utilização de tempos de coleta em progressão geométrica, que possibilitam a coleta de um maior número de amostras logo após a administração da dose, espaçando-as à medida que o composto vai sendo eliminado do organismo. Um esquema de coleta nos tempos 5, 10, 20, 40, 80, 160 min após administração, e assim por diante, exemplifica essa abordagem. Com base nos resultados obtidos no estudo-piloto, os tempos de coleta podem ser ajustados visando à melhor caracterização do perfil de concentração por tempo. Em estudos iniciais devem-se coletar amostras por, pelo menos, 24 h após administração, para garantir uma adequada caracterização da fase de eliminação. Após o estudo-piloto, sendo possível estimar a meia-vida, o tempo total de coleta pode ser ajustado de modo a serem coletadas amostras por, pelo menos, 2 a 4 vezes a meia-vida de eliminação do composto. O número de amostras a serem coletadas no estudo também é importante. Após administração IV devem-se coletar, pelo menos, 5 a 7 amostras de sangue. Dessas, pelo menos, 2 devem ser coletadas até 15 min pós-dose, para caracterizar a fase de distribuição e possibilitar a estimação da concentração no tempo zero; e , pelo menos, 3 coletas devem ser feitas na fase terminal do perfil plasmático para obter-se uma estimativa confiável da meia-vida de eliminação do composto. Como regra geral, os 3 ou 4 tempos de coleta na fase terminal são escolhidos de modo que o intervalo de tempo entre o primeiro e o último seja mais do que duas vezes a meia-vida estimada a partir deles (KWON, 2001). Quanto maior for número de amostras, melhor será caracterizado o perfil farmacocinético. Entretanto, devem-se respeitar as condutas éticas e minimizar o número de coletas a fim de diminuir o volume de fluido retirado do mesmo animal experimental, uma vez que a retirada de grande volume de sangue comprometerá a volemia do animal, além de causar sofrimento desnecessário. Em animais de pequeno porte como roedores, o volume máximo de sangue que pode ser coletado em um estudo em dose única, conduzido em 24 h, sem causar choque hemorrágico sério ou anoxia tecidual, corresponde a 20% do volume total de sangue do animal (KWON, 2001). O número de coletas após administração oral também deve ser de, pelo menos, 5 a 7 amostras. Pelo menos um tempo de coleta deve ser obtido antes do tmax, e 3 tempos após esse, sendo que os tempos de coleta da fase terminal seguem os mesmos princípios indicados para administração IV. Para estimação confiável da ASC, as coletas após tmax devem cobrir um período de tempo de, pelo menos, três meias-vidas de eliminação do composto (KWON, 2001). O experimento para avaliação farmacocinética após dose VO deve ser conduzido com os animais em jejum de, pelo menos, 8 h, a menos que a avaliação da influência do alimento seja objeto de investigação. A ingestão de água pode ser permitida após 2 h da administração VO, a menos que o composto insolúvel em água tenha sido solubilizado em veículo não aquoso

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contendo polietilenoglicol (PEG) 400, visando incrementar a solubilidade do mesmo. Nesses casos, a ingestão de água pode causar precipitação do composto no trato gastrintestinal, reduzindo a extensão de sua absorção (KWON, 2001). O veículo para solubilização dos compostos para administração N e VO também deve ser considerado com cuidado. Uma solução isotônica estéril de pH 6,8 é a ideal para administração N . Como muitas vezes essa alternativa não é factível, em função da lipossolubilidade do composto ou sua instabilidade em água, a utilização de cossolventes orgânicos como dimetil sulfóxido (DMSO), etanol, PEG 400, óleos vegetais ou agentes de solubilização (como ciclodextrinas ou polissorbato 80) em água é frequente. A utilização desses compostos não deve ultrapassar 20% do volume total injetado. O pH do veículo pode ser ligeiramente ácido ou básico para facilitar a solubilização do composto. A viscosidade do veículo deve ser tal que possibilite injeção fácil (seringabilidade). O volume a ser injetado como bolus Nem ratos é de 0,5 a 1 mL/animal. Em coelhos, macacos e cães, volumes máximos de aproximadamente 1 mL/kg podem ser utilizados. O veículo para administração oral pode ser água destilada, podendo-se lançar mão dos mesmos cossolventes e solubilizantes citados para administração N . Na via oral, permite-se a administração de suspensão do composto, embora a mesma deva ser adequadamente obtida para não interferir negativamente na extensão de absorção do composto. O volume de administração oral por gavagem em ratos em jejum é de até 5 mL/kg. Maiores informações sobre tipos de cossolventes e solubilizantes e sobre limites de concentração para sua utilização na preparação de soluções/suspensões para estudos farmacocinéticos pré-clínicos podem ser obtidas na literatura (KWON, 2001; WAYNFORTH e FLECKNELL, 2001; OLFERT, CROSS e MCWILLIAM, 1993). Os estudos farmacocinéticos pré-clínicos devem ser conduzidos em animais conscientes, pois a utilização de anestésicos pode interferir nos processos de absorção e disposição do composto no organismo, levando à determinação de parâmetros farmacocinéticos equivocados.

ABORDAGENS PARA ANÁLISE DOS PERFIS FARMACOCINÉTICOS PRÉ-CLÍNICOS Duas abordagens podem ser utilizadas, tanto na fase préclínica como na fase clínica, para a determinação dos parâmetros farmacocinéticos a partir dos perfis de concentração sanguínea/ p lasmática/ sérica por tempo: abordagem não compartimenta!, que se baseia na teoria do momento estatístico, e abordagem compartimenta!, que considera o organismo como um conjunto de compartimentos farmacocineticamente distintos que se comunicam entre si. Os perfis também podem ser avaliados com base na abordagem fisiológica, que não será apresentada neste capítulo uma vez que não é comumente empregada em estudos pré-clínicos. Em função de sua versatilidade, a abordagem mais simples e mais comumente empregada pela indústria farmacêutica em estudos da fase pré-clínica é a não compartimenta!, que não requer qualquer modelo matemático compartimenta! específico para ser empregada e se aplica virtualmente a qualquer conjunto de dados farmacocinéticos que segue processos lineares ou dose-independentes. O propósito da abordagem não

compartimenta! é estimar os parâmetros farmacocinéticos como biodisponibilidade, volume de distribuição, depuração e tempo de residência médio sem ter que assumir ou entender qualquer propriedade mecanística ou estrutural do comportamento farmacocinético do composto no organismo. No Capítulo 2, essa abordagem é apresentada com detalhes. A abordagem compartimenta! baseia-se na modelagem matemática dos perfis de concentração sanguínea/plasmática/sérica utilizando equações não lineares, com auxílio de programas de computador específicos como PK Analyst® (MicroMath®) , WINNONUN®(Pharsight®) ou NONMEM (Icon®), entre outros. A adequabilidade do ajuste do modelo compartimenta! testado aos dados experimentais é feita por meio da avaliação estatística, utilizando informações fornecidas pelo software como coeficiente de regressão linear, soma dos quadrados das diferenças entre valores modelados e dados observados, informação de Akaike, critério de Schwarz, entre outros (KWON, 2001). Nessa abordagem, cada compartimento do organismo é visto como um espaço imaginário que representa um conjunto de tecidos e órgãos com a mesma afinidade pelo composto e nos quais a concentração do composto está em equilíbrio. A composição anatômica de cada compartimento é desconhecida, e seu conhecimento é desnecessário. O número de compartimentos necessários para descrever a distribuição do composto no organismo é empiricamente determinado a partir do perfil de concentração plasmática por tempo. A abordagem compartimenta! fornece um entendimento conceitua! do comportamento de distribuição do composto entre o sangue/plasma/soro com outros tecidos e órgãos do organismo, possibilitando determinar de que modo as mudanças fisiológicas afetarão os processos de absorção e disposição desse composto, bem como estimar parâmetros como constantes de velocidade, volumes de distribuição e depuração, conforme abordado no Capítulo 2. Por meio da abordagem compartimenta!, determina-se o modelo matemático que descreve os perfis de concentração versus tempo experimentais. Assim, pode-se utilizar o modelo obtido para fazer previsões de perfis em situações não investigadas, como o perfil de doses não utilizadas experimentalmente, ou o perfil da dose múltipla a partir dos dados da dose única, por exemplo. Logo, essa abordagem é a base para o estabelecimento da relação entre concentrações e efeito farmacológico/tóxico ou modelagem PK/PD. O estudo farmacocinético pré-clínico também visa verificar, por meio do escalonamento de doses, se a farmacocinética é linear ou não na faixa de doses investigada. Deseja-se que os parâmetros farmacocinéticos não variem em função da dose administrada e que não variem após a administração de doses múltiplas, o que caracterizaria dose-dependência ou tempo-dependência, respectivamente. Quando não há variação dos parâmetros em função da dose ou do tempo, a farmacocinética é dita linear. Para os compostos em que o aumento da dose causa drásticos e desproporcionais aumentos na ASC, os parâmetros farmacocinéticos como depuração, volume aparente de distribuição e meia-vida podem variar de acordo com as concentrações sanguíneas/plasmáticas/ séricas. Esse fenômeno ocorre quando há saturação de mecanismos ativos, que dependem de carreadores ou enzimas, como transporte através do trato gastrintestinal, ligação a proteínas plasmáticas ou metabolização, que pode seguir cinética de Michaelis-Menten, sendo de ordem zero quando as doses (concentrações) são altas e

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6. Assumindo que o estudo-piloto mostrou que o composto

de primeira ordem em doses baixas, quando as concentrações na circulação sistêmica são inferiores à constante de saturação do processo enzimático. No caso de compostos que seguem farmacocinética não linear, os cuidados na transposição de doses dos estudos pré-clínicos para os clínicos de fase I, primeira utilização em humanos, devem ser redobrados, visto que as diferenças nos perfis de concentração por tempo poderão resultar na inexistência de efeitos terapêuticos ou até no surgimento de efeitos tóxicos nas doses investigadas em humanos.

sob investigação segue modelo de dois compartimentos após administração IV, com meia-vida de eliminação distribuição de 5 mine meia-vida de eliminação de 2 h, quais seriam os tempos de coleta escolhidos para caracterizar adequadamente o perfil plasmático desse composto? 7. Comente as vantagens da análise dos perfis plasmáticos do composto sob investigação obtidos em animais por abordagem compartimentai e não compartimentai.

CONCLUSOES

REFERÊNCIAS

O objetivo final do desenvolvimento de fármacos é disponibilizar à população medicamentos eficazes e seguros. Esse processo se inicia com a descoberta de novos compostos para modular um alvo terapêutico específico, em estudos conduzidos in vitro, passa pela avaliação da NEC em estudos farmacológicos e toxicológicos in vivo e termina com a caracterização da eficácia e segurança do fármaco para uso clínico em humanos. Em todas as etapas, desde a descoberta até o desenvolvimento, a investigação farmacocinética desempenha papel fundamental, sendo sua avaliação inequívoca na fase pré-clínica decisiva para o sucesso das fases clínicas subsequentes. O entendimento dos tipos de estudos farmacocinéticos pré-clínicos e dos cuidados que devem ser tomados para sua execução e avaliação possibilitam otimizar essa fase, reduzindo custos e tempo para o desenvolvimento de novos fármacos.

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. Qual é a diferença entre bits, compostos líder, NEC e

2. 3. 4. 5.

fármaco? Quais são as etapas do processo de investigação de um novo fármaco e quais seus objetivos? Quais são os objetivos dos estudos farmacocinéticos em fase pré-clínica? Quais as características e parâmetros farmacocinéticos importantes que são determinados em fase pré-clínica? Por quê? Marque verdadeiro ou falso para as afirmações a seguir. Justifique as afirmações marcadas como falso. C) A biodisponibilidade oral de um composto é determinada apenas com os dados do perfil de concentração plasmática versus tempo obtido após dose oral. C) A determinação inequívoca do volume de distribuição só pode ser feita a partir dos dados do perfil de concentração sanguínea/plasmática/sérica versus tempo após dose IV. C) No estudo pré-clínico com desenho padrão, amostras sequenciais de sangue são coletadas do mesmo animal experimental visando estabelecer o perfil de concentração plasmático/sérico versus tempo. C) O estudo pré-clínico com desenho populacional possibilita a determinação dos parâmetros farmacocinéticos médios com seus respectivos desvios. C) Na análise farmacocinética com pooling de amostras, junta-se uma fração de cada uma das amostras coletadas do mesmo animal após administração de dose única do composto e determina-se a ASC a partir dessa. C) A desvantagem da estratégia de dose em cassete está na possibilidade de interação farmacocinética entre os compostos sob investigação.

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CAPÍTULO

13

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos Daniel Rossi de Campos e Karina Santos Gomes

INTRODUÇÃO Os estudos clínicos são conduzidos com o objetivo de investigar os efeitos farmacodinâmicos, farmacológicos, clínicos e/ ou outros efeitos do produto em investigação (novo fármaco ou formulação), bem como de identificar reações adversas a tal produto. Desse modo, tais ensaios avaliam a eficácia e/ ou a segurança do novo fármaco ou formulação por meio de procedimentos científicos e éticos estabelecidos em normas internacionais e/ ou nacionais (BRASIL, 1996). No caso de novos fármacos, após a condução de ensaios pré-clínicos, são realizados os estudos clínicos fases I, II, III e IV. Tais ensaios têm como propósito a obtenção de informações técnico-científicas que possibilitem o registro do novo fármaco por órgãos regulatórios (fases I, II e III), bem como o acompanhamento pós-comercialização de tal substância (fase IV). No Brasil, a norma que defme as características das diferentes fases dos estudos clínicos é a Resolução 251, de 7 de agosto de 1997 (BRASIL, 1997). A avaliação do comportamento farmacocinético de um novo fármaco ocorre, principalmente, nos estudos fase I empregando-se voluntários sadios (exceto se o estudo é realizado com fármacos antineoplásicos ou antirretrovirais). Entretanto, outros parâmetros da disposição cinética também podem ser obtidos em estudos fase lia (cinética linear e correlação farmacocinética-farmacodinâmica -PK/PD). A Resolução 251/ 97 é a única resolução nacional que apresenta uma definição oficial para o termo "farmacocinética", referindo-se às modificações que um sistema biológico produz em um princípio ativo. Operativamente, é o estudo da cinética (relação quantitativa entre a variável independente tempo e a variável dependente concentração) dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção dos medicamentos (princípios ativos e/ ou seus metabólitos) (BRASIL, 1997). A avaliação da farmacocinética de fármacos contidos em novas formulações objetivando o registro de medicamentos

genéricos, similares e novos é norteada por normas exaradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). São elas, respectivamente, as Resoluções 16/ 2007 (BRASIL, 2007), 17/ 2007 (BRASIL, 2007) e 136/ 2003 (BRASIL, 2003). Essas resoluções apresentam aspectos técnico-operacionais para a execução de estudos de biodisponibilidade relativa/ bioequivalência. Nesse capítulo serão apresentados os parâmetros farmacocinéticos obtidos nos estudos fase I e a aplicação desses dados no delineamento de estudos fase II, bem como a importância da farmacocinética na condução de estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência.

ESTUDOS CLÍNICOS FASE I Os estudos fase I visam à avaliação farmacocinética do novo fármaco em voluntários sadios ou em pacientes quando se trata de um antineoplásico ou antirretroviral. Em algumas situações, os estudos fase I podem envolver pacientes (mesmo quando os fármacos não são antineoplásicos ou antirretrovirais), quando o objetivo é avaliar, de maneira preliminar, a correlação farmacocinética-farmacodinâmica (PK/PD). Esses estudos também podem ser denominados fase IIa. As doses empregadas nos estudos fase I derivam da avaliação farmacocinética do novo fármaco em estudos pré-clínicos com o emprego de modelos animais. No caso de fármacos não citotóxicos é empregado o parâmetro NOAEL (no obseroed adverse e.ffect leve[) , porém no caso de fármacos citotóxicos é utilizado o parâmetro LD10 (dose letal 10%) (GREAVES et al., 2004). Assim, os estudos fase I, geralmente, empregam doses subterapêuticas apenas para a avaliação do perfil farmacocinético do novo fármaco. BALLOW et al. (1999) realizaram um estudo fase I com a dosagem de 100 mg de moxifloxacino, sendo que a dose empregada na farmacoterapia é de 400 mg. Nos estudos fase I, são empregados modelos farmacocinéticos (como descritos no Capítulo 2) com intuito de caracterizar

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos

Estudos pré-clínicos NOAEL LD10

Ensaios de biodisponibilidade relativa poderão ser realizados para comparar as formulações empregadas em cada fase do estudo clínico

Estudos Fase

1

Dados Farmacocinéticos Empregando-se Doses subterapêuticas

95

Estudos Fase IIA Escala de doses para avaliação cinética linear correlação PK/PD

Estudos Fase li Estudos Fase Ili Avaliação de eficácia e segurança em comparação com o tratamento padrão

Dose definida no estudo Fase IIA Intervalo de dose definida pela correlação PK/PD

ou

t1,2

Figura 13.1 Aplicação da farmacocinética nas diferentes fases dos estudos clínicos.

amplamente a disposição cinética do fármaco em diferentes condições clinicamente relevantes. Tais estudos possibilitam avaliar se a cinética é monocompartimental, como no caso do moxifloxacino (LE'I'l'IERI et al., 2001), bicompartimentai, como no caso da digoxina e do diazepam (METIVIER et al., 1984; KLOTZ et al. , 1981), ou tricompartimentai, como no caso da amiodarona, da ciclosporina (SERRE-DEBEAUVAIS et al., 1990) e da rosuvastatina (MARTIN et al., 2003). A partir desses dados, são definidas as doses e os intervalos de doses (regimes terapêuticos) que serão avaliados nos estudos fase II (Figura 13.1). Inicialmente os estudos fase I investigam a viabilidade de vias de administração, formulação e condições para a administração (jejum e pós-prandial). Por exemplo, Duquesnoy et al. (1998) avaliaram a farmacocinética e a velocidade de absorção de diferentes formas farmacêuticas para o fármaco sumatriptano (subcutânea, comprimido para a administração oral, supositório e spray para administração intranasal), bem como a correlação desses dados com a resposta terapêutica (relato de alívio da enxaqueca). Dessa maneira, a formulação subcutânea foi desenvolvida para a dose de ataque, e o comprimido para as doses de manutenção. Além disso, constatou-se que a solução intranasal possibilitou uma rápida velocidade de absorção e, consequentemente, um rápido início do efeito terapêutico em relação às demais formulações. Do mesmo modo, os estudos fase I tornaram possível a avaliação da absorção de fármacos como o indinavir e o telmisartana. Os estudos de Yeh et al. (1998) demonstraram uma melhor absorção do sulfato de indinavir em comparação à administração da b ase livre indinavir, visto que tal fármaco apresenta absorção dependente do pH gástrico. A administração do fármaco por meio de sulfato possibilita a formação de um micro meio ácido que favorece a dissolução e a absorção do indinavir (base fraca). De maneira oposta, para o telmisartana, ácido fraco com baixa solubilidade, o emprego de hidróxido de sódio e meglumina na formulação melhoram a dissolução e a absorção do fármaco (WIENEN et al., 2000).

No caso de fármacos administrados em formulações de liberação modificada, os estudos fase I avaliam se a nova formulação administrada uma vez ao dia disponib iliza a mesma quantidade de fármaco da formulação de liberação imediata, administrada várias vezes ao dia. Além disso, como no caso da venlafaxina (THASE, 1997), os estudos fase I e/ou fase lia indicaram, de modo preliminar, a menor incidência de eventos adversos gastrintestinais das formulações de liberação modificada em relação à forma farmacêutica de liberação imediata. Estudos fase I em jejum e pós-prandial avaliam o efeito da alimentação na absorção de novos fármacos. O estudo de Zimmermman et al. (1994) demonstrou melhor absorção de itraconazol em situação pós-prandial, quando comparado à administração em jejum, e a ausência do efeito da alimentação sobre a absorção do fluconazol. O estudo de Gandelman et al. (2009) evidenciou o aumento da absorção de ziprasidona quando administrada após a alimentação, p or ser um fármaco de alta lipossolubilidade (log P = 4,6). Entretanto, para alguns fármacos, a alimentação pode determinar a diminuição da absorção, ainda que sem prejuízo da resposta terapêutica, como no caso do captopril e da atorvastatina (SINGH, 1999; SCHACHTER, 2004). No caso da galantamina, a alimentação não demonstrou influenciar na absorção desse fármaco, já que se trata de uma base fraca cujo pKa é de 8,2 (FARLOW, 2003). Portanto, estudos preliminares de correlação PK/PD são importantes para a avaliação da influência da alimentação sobre a eficácia e a segurança de novos fármacos. Com os estudos fase I ou lia, também avaliam-se a correlação entre as várias dosagens e a extensão da absorção (ASC). Quando há uma correlação entre dose e concentração plasmática, a cinética é dita linear. O estudo de Stass et al. (2001) demonstrou a cinética linear entre dosagens de moxifloxacino (100 mg a 600 mg); já os estudos de Yeh et al. (1998), Chu et al. (1992), Polisky (1998) e Stewart et al. (1993) evidenciaram a relação não linear para diferentes doses, respectivamente, de indinavir, claritromicina, rivastigmina e gabapentina. No caso da gabapentina, a disposição apresenta-se não linear devido

96

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos

no caso do enalapril (pró-fármaco) e o enalaprilato (fármaco ativo). No caso das estatinas, o momento da administração da medicação (à noite ou em qualquer momento do dia) é definido pela meia-vida de eliminação do fármaco como apresentado no Quadro 13.1. Alguns fármacos, apesar de apresentarem baixos valores de meia-vida de eliminação, são administrados 1 vez ao dia, já que o regime terapêutico é baseado nos resultados dos estudos PK/PD. Como exemplo , tem-se o omeprazol (~½)= 1 h) e o pantoprazol (~½) = 2 a 3 h). Em situações em que a formulação modula a liberação do fármaco da forma farmacêutica, o intervalo de dose é definido a partir dos dados referentes à disposição farmacocinética do novo fármaco contido na formulação de liberação modificada. No caso do Adalat Oros®, a administração é realizada 1 vez ao dia, devido à lenta liberação do fármaco da forma farmacêutica, apesar de o nifedipino apresentar meia-vida de eliminação de 2 h. Os estudos fase I realizados em dose única e doses múltiplas também são empregados para avaliar o acúmulo do fármaco em estado de equilíbrio (steady-state) , bem como a amplitude dos parâmetros concentração máxima e mínima c max e Cm;n) nesse estado e o tempo necessário para atingir o platô. Fármacos cujo intervalo de dose apresenta valores superiores à meia-vida de eliminação não apresentam acúmulo, como é o caso do moxifloxacino (~½) = 12 h e intervalo de dose= 24 h) e da amoxicilina (te½) = 2 h e intervalo de dose = 8 h). Esses fármacos também atingem rapidamente o estado de equilíbrio, já que a meia-vida de eliminação é curta e o tempo necessário para atingi-lo é de 4 a 5 vezes a meia-vida de eliminação (Capítulo 7). No caso da rosuvastatina, cuja meia-vida é de 20 h, o tempo necessário para se atingir o estado de equilíbrio é de 3 a 4 dias (McTAGGART et al., 2001). Entretanto, fármacos cujo intervalo de dose é inferior ao valor da meia-vida de eliminação apresentam acúmulo significativo, como é o caso da fluoxetina (~v,) = 3 a 4 dias e intervalo de dose= 24 h) e a carbamazepina (~½) = 37 h e intervalo de dose= 24 h). A disposição cinética de fármacos que apresentam longos períodos de eliminação pode ser alterada após doses múltiplas devido, por exemplo, à saturação do metabolismo hepático. Assim, para o fármaco amiodarona, a meia-vida de eliminação é de 50 hem dose única e de 600 h após doses múltiplas. Nesse caso, os resultados dos estudos de dose única não podem ser empregados para prever a cinética do fármaco após doses múltiplas. Os estudos fase I também são empregados para avaliar o metabolismo de fármacos substratos das isoenzimas do complexo P-450 (CYP). Os fármacos metabolizados pela isoenzima CYP2D6, a qual apresenta polimorfismo genético, possibilitam a classificação dos sujeitos de pesquisa em metabolizadores rápidos e lentos. Como exemplos de fármacos que são metabolizados pela CYP2D6, citam-se o metoprolol, o clopidogrel, a galantamina e a risperidona. O estudo de Schachter (2004) demonstra que a maioria das estatinas é metabolizada

à absorção ativa do fármaco. Assim, a administração da gaba-

pentina é realizada 3 vezes ao dia com o objetivo de evitar a saturação do processo de absorção (STEWART et al., 1993). A rivastigmina apresenta cinética não linear apenas para dosagens superiores a 3 mg (POLISKY et al., 1998); no mercado brasileiro são comercializadas as dosagens de 1,5; 3; 4,5 e 6 mg. As doses empregadas nos estudos fase II são obtidas a partir dos estudos fase I, considerando a biodisponibilidade absoluta (F) do fármaco. Assim, para o moxifloxacino e gatifloxacino, a dosagem oral e intravascular são as mesmas, já que estudos fase I demonstraram valores de F superiores a 90% para tais fármacos (BALLOW et al., 1999; LACRETA et al., 2000). No caso do sumatriptano, a dosagem oral pode ser de 50 e 100 mg, e a subcutânea de 6 mg, considerando os valores das biodisponibilidades absolutas que são, respectivamente, de 14 e 100% (DUQUESNOY et al., 1998). A necessidade de doses de ataque e de manutenção para um determinado fármaco também pode ser avaliada pelos dados farmacocinéticos obtidos em estudos fase I. Como exemplo, pode ser citado o fármaco leflunomida, o qual apresenta uma longa meia-vida de eliminação (t112 = 15 dias) e, desse modo, o tempo necessário para atingir o estado de equilíbrio (4 a 5 vezes a meia-vida de eliminação) é de, aproximadamente, 60 dias. Assim, para o rápido início da resposta terapêutica é necessário o emprego da dose de ataque, que é definida com base no parâmetro farmacocinético volume de distribuição (Vd); já a dose de manutenção é definida pelo parâmetro clearance (Cl) - ambos obtidos por meio de estudos fase I. A dose terapêutica também pode ser estabelecida com base nos resultados de estudos PK/PD, como é o caso do imatinib, em que a resposta terapêutica (contagem de células da série branca) foi avaliada em regimes terapêuticos de 25 a 1.000 mg, administrados 1 vez ao dia a pacientes com leucemia mieloide crônica. O regime terapêutico de 400 mg ao dia foi definido como o mais adequado, considerando os parâmetros PK/PD e a frequência de eventos adversos (CAPDEVILLE et al., 2002). Os regimes de doses (intervalos de doses) para os estudos fase II podem ser definidos considerando-se a meia-vida de eliminação do fármaco inalterado ou metabólito, a correlação farmacocinética-farmacodinâmica ou a meia-vida de eliminação associada a formulações de liberação modificada. Tais informações são obtidas por meio de estudos fase I. Como exemplos de fármacos cujo regime de dose (3 a 4 vezes ao dia) é baseado na meia-vida de eliminação, podem ser citados os anti-inflamatórios de primeira geração, entre eles, ibuprofeno, indometacina e ácido acetilsalicílico. No caso do piroxicam, o intervalo de dose é de 24 h, já que a meia-vida de eliminação é de 50 h . Para fármacos cujo metabólito é o responsável pela resposta terapêutica, o intervalo de dose é baseado na meiavida de eliminação do metabólito, como é o caso da oxcarbazepina (metabólito: 10,11 di-hidroxi, 10-hidroxi-oxcarbazepina). Há também os pró-fármacos cujo intervalo de dose é fundamentado na meia-vida de eliminação do fármaco ativo, como

QUADRO

e

13.1 Administração de estatinas em função da meia-vida de eliminação (adaptado de Schachter, 2004).

Administração do fármaco t 112

(h)

Atorvastatina

Lovastatina

Qualquer momento do dia

A noite

14

3

.

'

Pravastatina

Sinvastatina

Rosuvastatina

A noite

À noite

Qualquer momento do dia

1,8

2

19

'

.

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos

pela isoenzima CYP3A4, com exceção da pravastatina, fluvastatina e rosuvastatina. Outros estudos fase I são conduzidos para avaliar possíveis interações farmacocinéticas. Como exemplo, pode-se citar o estudo de Aweeka et al. (2000), o qual avaliou o efeito da cimetidina na disposição cinética de ziprasidona, concluindo-se que a cimetidina não altera significativamente a absorção e/ou o metabolismo hepático da ziprasidona. Entretanto, o estudo de Miceli et al. (2000) comprovou que o uso de cetoconazol, um forte inibidor da isoenzima CYP3A4, altera a disposição cinética da ziprasidona. O estudo de McTaggart et al. (2001) demonstrou o baixo potencial de interações de rosuvastatina com fármacos que induzam ou inibam a isoenzima CYP3A4, já que estudos in vitro evidenciaram baixo ou nenhum metabolismo de tal fármaco pela CYP3A4 (McCORMICK et al., 2000). Além disso, outros ensaios de fase I são realizados com o objetivo de caracterizar a disposição cinética de novos fármacos em situações clínicas especiais, como insuficiência hepática e/ ou renal, bem como em pacientes idosos, gestantes e/ ou crianças. O estudo de Winchell et al. (2002) avaliou a disposição cinética da ciclobenzaprina em pacientes idosos e em pacientes com diferentes estágios de insuficiência hepática, concluindo que a exposição desses grupos a ziprasidona é 2 vezes superior quando comparado com indivíduos jovens e com função renal preservada. Outro exemplo é o estudo de Aweeka et al. (2000) que avaliou o efeito de diferentes estágios de insuficiência renal na disposição de ziprasidona, demonstrando a mesma biodisponibilidade relativa para esse fármaco entre pacientes saudáveis e com insuficiência renal leve e moderada. Tais estudos possibilitam avaliar a necessidade de ajuste de dose do novo fármaco em situações especiais ou quando o uso é realizado concomitantemente a outros fármacos. As informações obtidas nos estudos fases I, II e III são utilizadas na confecção do dossiê, o qual é submetido ao órgão regulatório para o registro do novo medicamento. Muitas dessas informações também estão presentes na bula do medicamento.

ESTUDOS DE BIODISPONIBILIDADE REIATIVA/BIOEQUIVALÊNCIA Os estudos de biodisponibilidade absoluta visam à avaliação da quantidade de fármaco, contida em uma formulação, que chega à circulação sistêmica após a administração extravascular, quando comparada com a administração intravascular. Tal avaliação é de suma importância para a definição da dose que será empregada nos estudos fase II. Entretanto, os estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência são conduzidos com o objetivo de avaliar a extensão e a velocidade de absorção do fármaco contido em uma formulação teste (candidata a genérico, similar ou produto novo) em relação a uma formulação referência designada pelo órgão regulatório. Tais ensaios empregam formulações que contêm o mesmo fármaco, na mesma dosagem e administrado pela mesma via de administração. Os produtos novos (novas dosagens, novas vias de administração e novas formas farmacêuticas) constituem exceções. De acordo com o que foi abordado anteriormente, os estudos fase I que avaliam a disposição do fármaco em situações especiais como em pacientes com insuficiências renal (AWEEKA et al. , 2000) e/ ou hepática, ou em idosos, gestantes e crianças em comparação, conforme o caso, com indivíduos saudáveis

97

e jovens com função renal e/ ou hepática normais, bem como em situação de jejum em comparação com a pós-prandial (LETTIERI et al., 2001), também são denominados de estudos de biodisponibilidade relativa. Os termos bioequivalência e biodisponibilidade relativa são sinônimos, porém são empregados para designar os ensaios farmacocinéticos conduzidos, respectivamente, para o registro de medicamentos genéricos e similares. As resoluções da ANVISA que apresentam tais definições são as Resoluções 16/ 2007 (BRASIL, 2007) e 17/ 2007 (BRASIL, 2007). A extensão e a velocidade da absorção são representadas pelos parâmetros farmacocinéticos área sob a curva (ASC) e concentração máxima ( Cmax). Assim, quando o quociente da quantidade e da velocidade de princípio ativo que chega à circulação sistêmica, a partir da administração extravascular de uma formulação teste versus uma formulação referência, apresenta resultados de intervalo de confiança 90% dentro dos limites de 80 a 125% (considerando os dados log-transformados), pode-se inferir que a formulação teste apresenta a mesma biodisponibilidade quando comparada à formulação referência. Os estudos de bioequivalência devem ser projetados de modo a possibilitar a obtenção de dados farmacocinéticos confiáveis. Assim, a amplitude dos temp os de coletas deve ser suficiente para caracterizar as etapas de absorção, distribuição e eliminação do fármaco contido nas formulações teste e referência. De acordo com a Resolução 1.170 (BRASIL, 2007), a qual apresenta os aspectos técnico-científicos para as etapas clínica, analítica e estatística dos estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência, os dados farmacocinéticos obtidos dos ensaios serão confiáveis quando o cronograma de coleta contemplar um tempo igual ou superior a 3 a 5 vezes a meia-vida de eliminação e o valor da razão de área sob a curva de zero ao último ponto quantificado (ASC0_J e da área sob a curva de zero ao infmito (ASC0.,J for igual ou superior a 80%. Conforme abordado no Capítulo 2, os parâmetros farmacocinéticos nos estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência são calculados empregando-se o modelo farmacocinético não compartimentai, já que os resultados são focados nos dados de ASC0_1, ASC0-oc, Cmax, T max e ~ ½) · Os parâmetros Cmax e T max são obtidos diretamente do gráfico de concentração plasmática versus tempo e os parâmetros área sob a curva, respectivamente, empregando-se o método dos trapézios (ASC0_1) e a equação: ASC0 _ = ASC0-1 + Cfinal/ K. O parâmetro K é obtido a partir da meia-vida de eliminação (K = 0,693/ t

-



Teste

o, ctl

D

Referência

E 1.500 o lctl

.... e

Q)

(.)

1.000

e

o ü 500

o o

1

2

3

5

4

6

7

8

9

10

11

12

Tempo (h)

Figura 13.2 Concentrações plasmáticas de pantoprazol 40 mg versus tempo - formulações teste e referência (adaptado de Campos et al., 2007).

QUADRO

13.2 Parâmetros farmacocinéticos para as formulações referência e teste de pantoprazol 40 mg (adaptado de Campos et al., 2007). Parâmetro

Referência

Teste

ASC0.1 (ng · h/mL)

6500,040 ± 4947,879

5981,824 ± 4180,115

ASC0 _"' (ng · h/mL)

6899,408 ± 6565,435

6347,065 + 5668,867

Cmax (ng/mL)

2840,065 + 946,983

2818,368 + 975,475

Tmax (h)

2,268 + 0,518

2,94 + 0,843

(h)

1,45 + 1,269

1,325 + 0,988

0,94

0,94

t1; 2

Razão de ASC0-t/ ASC0_"'

estudo de Campos et al. (2007), o qual demonstrou a bioequivalência entre as formulações teste e referência de pantoprazol 40 mg. Os estudos de biodisponibilidade relativa também são empregados para o registro de novas formas farmacêuticas, dosagens e via de administração de acordo com a Resolução 136/2003 (BRASIL, 2003). No caso de novas formas farmacêuticas, pode-se citar o desenvolvimento de formulações de liberação modificada ou orodispersíveis baseadas em formulações de liberação imediata. No caso de novas dosagens e/ou via de administração poderá ser solicitado também um estudo fase III pelo órgão regulatório.

Avaliação estatística da bioequivalência entre as formulações teste e referência de pantoprazol 40 mg (adaptado de Campos et al., 2007) . QUADRO 13.3

Teste/Referência CV intra

Média

Intervalo de confiança 900/o

ASC0.1 (ng · h/mL)

94,31

0,89 a 0,99

11,23

ASC0_"' (ng · h/mL)

94,36

0,89 a 0,99

11,16

Cmax (ng/mL)

98,76

0,94 a 1,03

10,16

Parâmetros

(%)

CONSIDERAÇÕES FINAIS A Farmacocinética apresenta-se como uma ciência cuja aplicabilidade permeia o desenvolvimento de um novo fármaco desde os estudos in silico até a submissão do dossiê de tal substância aos órgãos regulatórios. Os parâmetros farmacocinéticos volume de distribuição, clearance e biodisponibilidade são importantes para a definição da dose, enquanto a meia-vida de eliminação pode ser apontada como um dos parâmetros empregados para a definição do intervalo de dose. Tais dados, obtidos em estudos fase I, são empregados nos estudos fase II para a definição do regime terapêutico do novo fármaco. De acordo com De Waterbeemd et al. (2003), a inadequada disposição farmacocinética de moléculas com potencial terapêutico, seja em estudos in silico, pré-clínicos ou clínicos, é o principal fator responsável pela interrupção no desenvolvimento de novos fármacos. Ainda sobre a importância da farmacocinética, cabe destacar que fármacos como a cerivastatina e a terfenadina que foram retirados do mercado farmacêutico mundial em, respectivamente, 1998 e 2001, apresentavam características farmacocinéticas inadequadas que propiciaram o surgimento de eventos adversos graves. No caso da cerivastatina, o evento adverso grave foi a rabdomiólise, visto que o fármaco apresentava alta distribuição sistêmica, e, no caso da terfenadina, a cardioto:xicidade (prolongamento do período QT) p recipitada quando da inibição da isoenzima CYP3A4, responsável pelo metabolismo de tal fármaco.

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos

Por fun, após o término da proteção patentária de um novo fármaco, a avaliação da disposição farmacocinética apresenta-se, novamente, como uma ferramenta essencial para a caracterização da biodisponibilidade de formulações candidatas ao registro de medicamentos genéricos, similares ou produtos novos.

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. O estudo de Peng et al. (2004) avaliou a disposição cinética do imatinib em dose única e doses múltiplas ( 400 mg a cada 24 h). Sabendo-se que a meia-vida de eliminação do imatinib é 15 h e que o Cmax em dose única obtido foi de, aproximadamente, 1,8 mg/L, responda as questões a • seguir: a) Determine as concentrações máxima e mínima de tal substância em estado de equilíbrio b) Se considerarmos o regime de dosagem de 400 mg a cada 24 h, a resposta terapêutica será efetiva se for necessária uma concentração mínima no estado de equilíbrio de 0,6 mg/L? 2. No artigo de Winchell et al. (2002) encontram-se dados sobre a avaliação da disposição cinética de dosagens de 2,5; 5 e 10 mg de ciclobenzaprina. A partir dos dados de ASC do Quadro 13.4 a seguir, determine se a disposição cinética é linear. QUADRO

13.4 Dose(mg)

ASC (mg/L · h)

2,5

11,1

5

23,0

10

45,9

3. No estudo de Lettieri et al. (2001) avaliou-se a disposição cinética do moxifloxacino 400 mg em jejum e pós-prandial. A partir dos dados de ASC e Cmax do Quadro 13.5 a seguir, avalie se a alimentação altera a absorção de tal fármaco. QUADRO

13.5

T(h)

Concentração em jej11rn (mg/L)

Concentração pós-prandial (mg/L)

0,5

o

0,6

1

2,2

1,5

1,5

2,6

2

2

2,4

2,1

2,2

2,3

2,2

3

2,2

2,3

4

1,8

2,2

6

1,6

1,7

8

1,5

1,5

10

1,3

1,3

12

1,1

1

16

0,76

0,75

24

0,55

0,5

36

0,31

0,3

48

0,12

0,12

99

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AWEEKA, F.; JAYESEKARA, D.; HORTON, M. SWAN, S.; LAMBRECHT, L.; WILNER, K.D.; SHERWOOD, J.; ANZIANO, R.J.; SMOLAREK, T.A.; TURNCLIFF, R.Z. The pharmacokinetics of ziprasidone in subjects with normal and impaired renal function. Br. J. Clin. Pharrnacol., 49(1):27S-33S, 2000. BALLOW, C.; LETTIERI,J.; AGARWAL, V.; LIU, P.; STASS, H.; SULLIVAN,]. Absolute Bioavailability of moxifloxacin. Clin. Ther., 21(3): 513-522, 1999. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n º 196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes e Normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/index.htm BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n º 251, de 07 de agosto de 1997. Normas de pesquisas envolvendo seres humanos para a área temática de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos. Brasília, 1997. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/index.htm BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n º 136, de 29 de maio de 2003. Aprova o regulamento técnico para medicamentos novos ou inovadores com princípios ativos sintéticos ou semissintéticos. Brasília, 2003. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/indpex.htm BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n º 16, de 2 de março de 2007. Aprova o regulamento técnico para medicamentos genéricos. Brasília, 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/indpex.htm BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n º 1.170, de 19 de abril de 2006. Aprova o regulamento técnico para medicamentos genéricos. Brasília, 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/index.htm BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução n º 17, de 2 de março de 2007. Dispõe sobre o registro de medicamento similar e dá outras providências. Brasília, 2007. Disponível em: http://www.anvisa.gov .br/legis/index.htm CAMPOS, D.R.; VIEIRA, N.R.; BERNASCONI, G.; BARROS, F.A.; MEURER, E.C.; MARCHIORETTO, M.A.; COELHO, E.C.; CALAF.A'.I.I'I, S.A.; SOMMER, C.; COUTO, J.M.; BURANELLO, S.; SILVA, A.R.; AMARANTE, A.R.; ABIB, E.; JÚNIOR JP. Bioequivalence of two enteric coated formulations of pantoprazole in healthy volunteers under fasting and fed conditions. Arzneirnittelforschung. 57(6):309-314, 2007. CAPDEVILLE, R., BUCHDUNGER, E., ZIMMERMANN, J., MATTER, A. Glivec (STI571, imatinib), a rationally developed, targeted anticancer drug. Nat. Rev. Drug. Discov., 1(7):493-502, 2002. CHU, S.Y.; SENNELLO, L.T.; BUNNELL, S.T.; VARGA, L.L.; WILSON, D.S.; SONDERS, R.C. Pharmacokinetics of Clarithromycin, a New Macrolide, after Single Ascending Oral Doses. Antirnicrob. Agents Chemother., 36(11):2447, 1992. DE WATERBEEMD, H.V.; GIFFORD, E. ADMET in silico modeling: towards prediction paradise? Nat. Rev. Drug. Discov., 2:192, 2003. DUQUESNOY, C.; MAMET,J.P.; SUMNER, D.; FUSEAU, E. Comparative clinicai pharmacokinetics of single doses of sumatriptan following subcutaneous, oral, rectal and intranasal administration. Eur. J. Pharm. Sei., 6(2):99-104, 1998. FARLOW, M.R. Clinicai Pharmacokinetics of galantamine. Clin. Pharrnacokinet., 42(15): 1383, 2003. GANDELMAN, K.; ALDERMAN, J.; GLUE, P.; LOMBARDO, I.; LABADIE, R.; VERSAVEL, M.; PRESKORN, S. The impact of calories and fat contents of meals on oral ziprasidone absorption: a randomized, open-label, crossover triai. J. Clin. Psychiatry, 70(1):58-62, 2009. GREAVES, P.; WILLIAMS, A.; EVE, M. First dose of potencial new medicines to humans: how animais help. Nat. Rev. Drug. Discov., 3: 226-236, 2004. KLOTZ, U.; REIMMAN, I. Clearance of diazepam can be impaired by its major metabolite desmethyldiazepam. Eur.J. Clin. PharrnacoL, 21(2):161-163, 1981. LACRETA, J.P.; KAUL, S.; KOLLIA, G.D.; DUNCAN, G.; RANDALL, D.M.; GRASELA, D.M. Interchangeability of 400-mg intravenous and oral gatifloxacin in healthy adults. Pharmacotherapy, 20:59S-66S, 2000.

100

Farmacocinética Aplicada aos Ensaios Clínicos

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CAPÍTULO

14

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia Daniel Rossi de Campos e Karina Santos Gomes

INTRODUÇÃO Princípios de Farmacocinética devem ser empregados na rotina da atenção farmacêutica, com o objetivo de possibilitar o adequado seguimento farmacoterapêutico, bem como a promoção do uso racional de medicamentos. Informações sobre a disposição cinética de fármacos, geralmente contidas em compêndios, bases de dados e na bula de medicamentos, devem ser empregadas para garantir uma terapia segura e efetiva de pacientes ambulatoriais e hospitalizados. Além disso, a compreensão da importância clínica dos parâmetros farmacocinéticos por profissionais farmacêuticos tornará possível a participação ativa desse profissional na dispensação e no acompanhamento farmacoterapêutico, a fim de obter resultados que melhorem efetivamente a qualidade de vida de pacientes. Este capítulo apresentará ferramentas que possibilitarão a compreensão e a aplicação clínica de dados farmacocinéticos em ações de atenção farmacêutica, principalmente no âmbito da Farmácia Pública ou Comunitária.

PRINCÍPIOS DE FARMACOCINÉTICAAPLICADOS À FARMACOTERAPIA

Absorção Após a administração oral, a absorção de um determinado fármaco somente ocorre após a sua completa dissolução no sistema gastrintestinal, como previamente abordado no Capítulo 1. Assim, a correta orientação para a administração de fármacos em jejum ou pós-prandial se apresenta como um dos fatores determinantes do sucesso terapêutico, já que, após a absorção, o fármaco estará disponível na corrente sanguínea para atuar no tecido-alvo. Fármacos que apresentam elevada lipossolubilidade (altos valores de cLogP) geralmente são mais

bem absorvidos em situação pós-prandial, já que a liberação de sais biliares no intestino favorece a solubilidade de tais substâncias. Como exemplos, citam-se os fármacos albendazol, isotretinoína, lovastatina, propafenona, griseofulvina, cetoconazol e itraconazol. Entretanto, alguns fármacos, se administrados concomitantemente aos alimentos, podem ter sua absorção prejudicada, como é o caso de fármacos pouco lipossolúveis, como os bifosfonatos, ou fármacos que interagem com íons (presentes em carnes, leite ou antiácidos), como as fluoroquinolonas (SINGH, 1999). Alguns fármacos, apesar de pouco lipossolúveis, são administrados com alimentos com o objetivo de diminuir desconfortos gastrintestinais, como é o caso da metformina (ATANASOVA et al., 2003). Outros fármacos, como o atenolol e o alendronato, são administrados em jejum devido à alta hidrossolubilidade, visto que a alimentação pode diminuir a sua absorção pelo fato de formar uma barreira física que compromete a permeabilidade de tais substâncias (FLEISHER et al., 1999). Assim, para uma adequada farmacoterapia, as orientações presentes nas bulas dos medicamentos quanto ao modo de administração devem ser corretamente observadas, já que tais dados provêm de estudos fase 1, que avaliam a biodisponibilidade dos fármacos em situações de jejum e pós-prandial. Além disso, o uso de determinadas formas farmacêuticas pode favorecer a absorção de fármacos, bem como o sucesso terapêutico, diminuindo a incidência de eventos adversos. Como exemplo, citam-se as formulações gastrorresistentes (i. e., de liberação retardada), que liberam fármacos lábeis ao pH estomacal (pH = 1,2 em jejum) apenas no intestino delgado (pH = 6,5). Esse é o caso, por exemplo, do pantoprazol, omeprazol, lanzoprazol (SAKURAI et al., 2008) e da duloxetina (CARTER e McCORMACK, 2009). No caso da venlafaxina e da paroxetina, as formulações de liberação modificada possibilitam menores incidências de eventos adversos, como náuseas e vômito (THASE, 1997).

102

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

Distribuição Conforme previamente abordado no Capítulo 1, o parâmetro volume de distribuição (Vd) é empregado para avaliar o acesso do fármaco a diferentes tecidos. Assim, quanto maior for o valor desse parâmetro (e mais lipossolúvel o fármaco), maior será a distribuição do fármaco no organismo em relação à quantidade presente na corrente sanguínea. Fármacos anti-histamínicos que apresentam alto valor de volume de distribuição geralmente penetram mais no sistema nervoso central, causando, assim, maior sedação. Esse é o caso da dexclorfeniramina, cujo Vd é igual a 3,8 Ukg. Por outro lado, anti-histamínicos que apresentam valores menores de volume de distribuição, por serem menos lipofílicos, penetram com maior dificuldade no sistema nervoso central, e, assim, causam menor sedação. Como exemplos, têm-se a cetirizina (Vd = 0,4 L/kg), a levocitirizina (Vd = 0,4 Vkg) e a loratadina (Vd = 2,5 Vkg). No caso das estatinas, a alta lipossolubilidade e, consequentemente, o alto valor do parâmetro volume de distribuição, foi uma das causas da retirada do mercado mundial, em 2001, do fármaco cerivastatina (FURBERG e PITI, 2001). Tal fármaco, por penetrar de maneira extensa no organismo, se acumulava no tecido muscular, causando miotoxicidade (rabdomiólise). Entre as estatinas, a que apresenta menor lipossolubilidade e menor volume de distribuição é a pravastatina (Vd = 0,51/kg) (SCHACHTER, 2004). Assim, fármacos da mesma classe terapêutica p odem ser administrados em diferentes regimes terapêuticos a partir de informações sobre a sua distribuição no organismo (obtidas de bula, base de dados ou livros de Farmacologia), com o objetivo de diminuir a possibilidade de eventos adversos ou efeitos colaterais.

Clearance Segundo abordado no Capítulo 1, o parâmetro clearance (Cl) representa a quantidade de fármaco eliminada do organismo por meio do metabolismo hepático (Cl hepático) e/ou excreção urinária (Cl renal). No caso da excreção via sistema urinário, os fármacos podem ser eliminados inalterados na urina e/ou como metabólitos. Fármacos hidrossolúveis, como atenolol, metformina, enalapril, amoxicilina, gentamicina e cefalexina, são excretados em grande extensão e de forma inalterada pelo sistema urinário, e, portanto, não devem ser empregados na terapia farmacológica de pacientes com diferentes graus de insuficiência renal. Entretanto, caso o emprego de tais fármacos seja inevitável, faz-se necessário o ajuste de dose. Fármacos extensamente excretados na urina apresentam altos valores do parâmetro "porcentagem excretada na urina (fe)" como apresentado por Goodman (2001). Assim, empregando-se a equação: Cl renal = fe X Cl, quanto maior a fração inalterada excretada na urina, maior será o valor do clearance renal. No caso de antibióticos, aqueles que apresentam maior eficácia no tratamento de infecção u rinária são os que apresentam maior porcentagem excretada na urina, como nitrofurantoína (fe = 60%), ofloxacino (fe = 64%) e levofloxacino (fe = 74%) (KATSUNG, 2008). Por outro lado, fármacos extensamente metabolizados pelo sistema hepático não devem ser utilizados no tratamento de pacientes com diferentes graus de insuficiência hepática, como

é o caso, por exemplo, do metoprolol, propanolol, verapamil, imipramina, diazepam e fluoxetina. Entretanto, conforme pontuado anteriormente, caso seja imprescindível o emprego de tais fármacos na terapêutica de pacientes com comprometimento hepático, faz-se necessário o ajuste de dose. O valor do parâmetro clearance hepático (Cl hepático) pode ser calculado por meio da equação: Cl hepático = Cl - Cl renal. O metabolismo hepático, como abordado no Capítulo 1, pode ocorrer por meio de reações de Fase 1 empregando isoenzimas do complexo P-450 denominadas CYP. As principais isoenzimas são: CYP3A4 e CYP2D6. Os principais fármacos substratos da CYP3A4 são: estatinas, benzodiazepínicos, inibidores de protease, anti-histamínicos, anti-hipertensivos antagonistas do canal de cálcio; e os substratos da CYP2D6 são: anti-hipertensivos betabloqueadores, antidepressivos tricíclicos, risperidona, codeína, fluoxetina e paroxetina (FLOCKHART e OESTERHELD, 2000). Entretanto, alguns fármacos podem inibir ou induzir a atividade de tais enzimas, alterando a disposição cinética dos substratos e comprometendo o sucesso da farmacoterapia. Tabelas como as disponibilizadas pelo site http:// www.drug-interactions.com, as quais relacionam os fármacos como substratos, inibidores e indutores das diferentes isoenzimas (CYP), devem ser empregadas na orientação e no seguimento farmacoterapêutico. Alguns fármacos são metabolizados exclusivamente por meio de reações de fase 2 e, por isso, apresentam menor probabilidade de interações, como é o caso do oxazepam, lorazepam e lamotrigina.

Meia-vida De acordo com o que foi discutido no Capítulo 1, a meiavida é o tempo necessário para que a concentração plasmática diminua 50% na etapa de eliminação. Fármacos que apresentam meia-vida curta geralmente não apresentam acúmulo significativo após doses múltiplas, já que os intervalos de dose empregados em farmacoterapia (8, 12 ou 24 h) são sempre superiores ao valor da meia-vida de eliminação. Fármacos antiinflamatórios não esteroides, como ibuprofeno, diclofenaco e cetoprofeno, são exemplos de fármacos de meia-vida curta (DAVIES e SKJODT, 2000). Como o tempo necessário para se alcançar o estado de equilíbrio (steady-state) é dependente da meia-vida de eliminação, isto é, 4 a 5 vezes a meia-vida, os fármacos que apresentam meia-vida curta alcançam rapidamente o estado de equilíbrio. Assim, pode-se avaliar de imediato a resposta terapêutica de tais fármacos. Por exemplo, o antibiótico amoxicilina, que apresenta meia-vida de 1 a 2 h, alcança o estado de equilíbrio após 4 a 8 h a partir do início da terapia (ARANCIBIA et al., 1980). Uma vez que o intervalo de dose para essa medicação é, geralmente, de 8 h, pode-se concluir que a partir da segunda administração de tal fármaco já serão encontradas concentrações plasmáticas correspondentes ao estado de equilíbrio (Figura 14.1). No caso da interrupção do tratamento farmacológico com fármacos de meia-vida curta, o tempo necessário para a eliminação (wash-out) também é curto, já que a eliminação ocorre após 7 a 10 vezes a meia-vida de eliminação. Assim, no caso de antidepressivos como a paroxetina (~½) = 15 a 22 h) e a venlafaxina (t(½) = 5 h), a interrupção da terapia deve ser gradual para minimizar os possíveis efeitos da retirada, como náusea, vômito, tontura e sintomas gastrintestinais. Entretanto, fármacos

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

103

9~-----------------------------~ Amoxicilina 8 ------------------------------------------------------------------------------

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6

12

18

24

30

36

42

48

54

60

66

72

Tempo (h)

Figura 14.1 Disposição cinética do fármaco amoxicilina após administração em doses múltiplas. Foram considerados os seguintes parâmetros: dose = 500 mg; intervalo de dose =8 h; te½) =1 a 2 h.

que apresentam uma curta meia-vida de eliminação necessitam de um curto período de wash-out quando se faz necessária a substituição da terapia, desde que administrados em formulações de liberação imediata. Por exemplo, pacientes que estejam fazendo uso de metronidazol (~½) = 7 a 8 h) e necessitem iniciar terapia com varfarina, precisarão de um período de, pelo menos, 3 dias para a eliminação do metronidazol, já que a literatura (WELLS et al. , 1994) relata interação importante entre tais fármacos. Fármacos que apresentam meia-vida de eliminação longa geralmente são administrados a cada 24 h , tempo esse igual ou inferior ao tempo necessário para a eliminação de 50% da concentração plasmática máxima (CmaJ, e, desse modo, apresentam um acúmulo significativo. Assim, fármacos como fluoxetina, carbamazepina e leflunomida apresentam concentrações plasmáticas após doses múltiplas superiores às obtidas em regime de dose única. Na Figura 14.2 apresenta-se a disposição

cinética em doses múltiplas de carbamazepina. No caso de uso crônico de fármacos cuja meia-vida de eliminação é longa como a fluoxetina (t(½) = 53 h), a avaliação da resposta terapêutica somente poderá ser realizada após 12 a 14 dias, tempo necessário para se alcançar o estado de equilíbrio. Contudo, quando se requer alcançar a concentração terapêutica de imediato, faz-se necessário o emprego de dose de ataque, como é realizado para a leflunomida (t(½) = 200 h), seguido de um regime de doses múltiplas. Entretanto, para fármacos de estreita faixa terapêutica como a digoxina (~½) = 39 h) e a varfarina (~½) = 37 h), o regime terapêutico em dose de ataque não pode ser empregado por motivos de segurança. O período para a eliminação (wash-out) de fármacos de meia-vida longa requer vários dias ou meses. Desse modo, quando há necessidade de eliminação rápida de tais fármacos (por exemplo , devido a uma intoxicação), é necessário o emprego de substâncias que favoreçam o processo de excreção.

15 ~ - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ~ Carbamazepina

14 13

12 -1 1 _J

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Tempo (h)

Figura 14.2 Disposição cinética do fármaco carbamazepina após administração em doses múltiplas. Foram considerados os seguintes parâmetros: dose = 200 mg; intervalo de dose = 24 h; te½) = 37 h.

104

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

Isso ocorre para a leflunorrúda, cujo wash-outde 150 dias pode ser reduzido para 2 a 3 dias com a utilização de colestirarrúna (ARAVA, 2010). Apesar disso, as vantagens do uso de fármacos cuja meiavida é longa são: a possibilidade de interrupção da terapia sem a necessidade da retirada gradual do fármaco (p. ex., no caso da fluoxetina), já que a eliminação ocorrerá lentamente, bem como a possibilidade de não comprometimento da terapêutica devido à perda de dose, como exemplificado no caso do amlodipino (~½) = 35 a 50 h). O estudo de Hernández et al. (2001) demonstra que, em pacientes em uso crônico de amlodipino, a perda da dose comprometerá a terapêutica somente após 72 h. Entretanto, no caso do atenolol, cuja meia-vida é de 6 h, a perda da dose em pacientes em terapia crônica poderá comprometer a terapêutica em poucas horas, de acordo com Johnson et al. (1994).

Cinética Linear e Não Linear Quando existe uma relação linear entre a dose e a extensão da absorção (ASC), a cinética de um determinado fármaco é dita linear. Entretanto, devido à saturação de processos fisiológicos, a relação entre dose e ASC pode tornar-se não linear, fato esse que pode deterrrúnar uma alta ou baixa exposição sistêmica ao fármaco. No caso da rivastigrrúna, as dosagens disponíveis no mercado são de 1,5; 3,0; 4,5 e 6 mg. As dosagens de 1,5 e 3,0 mg apresentam cinética linear, entretanto as dosagens de 4,5 e 6 mg apresentam cinética não linear (EXELON, 2010). Desse modo, na farmacoterapia, o aumento da dose deve ser realizado de modo gradual, já que um aumento de dose deterrrúna um aumento desproporcional da concentração plasmática. Esse aumento gradual da dose diminui o surgimento de eventos adversos como náusea e vôrrúto. A gabapentina é um fármaco que apresenta cinética não linear, já que é absorvida por meio de transporte ativo (CUNDY et al., 2008). Assim, o aumento da dose deterrrúna a diminuição da absorção do fármaco devido à saturação dos transportadores. Com o objetivo de amenizar tal efeito, o regime terapêutico emprega baixas doses adrrúnistradas várias vezes ao dia.

Biodisponibilidade Como previamente discutido no Capítulo 1, o conceito de biodisponibilidade é dependente dos processos de absorção e metabolismo hepático. Assim, a fração da dose que alcança a circulação sistêmica corresponde à quantidade da dose absorvida que não sofre metabolismo hepático. Alguns aspectos sobre a absorção de fármacos já foram abordados anteriormente neste capítulo. Cabe aqui destacar que fatores que deterrrúnem maior ou menor absorção de um fármaco podem favorecer a farmacoterapia ou determinar a maior incidência de eventos adversos. Entre tais fatores está a administração de fármacos em jejum ou após a alimentação. Fármacos lipossolúveis e dependentes do pH para absorção, como cetoconazol e itraconazol, devem ser administrados sempre em condição pós-prandial. Entretanto, em pacientes cuja condição patológica, idade (idosos) e/ou uso contínuo de inibidores da bomba de prótons ou inibidores de histamina determinem valores de pH gástrico básicos, haverá melhora significativa na absorção de cetoconazol ou itraconazol caso

tais fármacos sejam administrados com a ingestão de bebidas ácidas (bebidas à base de cola ou suco de frutas cítricas) (CHIN et al., 1995). Já a absorção do fluconazol não é afetada pela adrrúnistração de alimentos, por se tratar de fármaco hidrossolúvel (ZIMMERMANN, 1994). Para fármacos como o levofloxacino, a administração em jejum ou pós-prandial também não altera a biodisponibilidade. Fármacos como a ondansetrona, tenoxicam, pantoprazol e paroxetina não apresentam alteração da biodisponibilidade quando adrrúnistrados com antiácidos. Já os fármacos ácidos mefenârrúco, ibuprofeno e glibenclarrúda apresentam melhor absorção quando adrrúnistrados com hidróxido de magnésio ou bicarbonato de sódio, por se tratarem de ácidos fracos cuja solubilidade em água é baixa (SINGH, 1999; FLEISCHER et al., 1999). No caso das estatinas, a alimentação pode diminuir a absorção de atorvastatina, fluvastatina e pravastatina, porém não altera a velocidade e a extensão da absorção de sinvastatina e rosuvastatina. Também é descrito na literatura que a alimentação dirrúnui a absorção de fármacos inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), como captopril, enalapril e lisinopril. Entretanto, como as estatinas e os anti-hipertensivos citados anteriormente são utilizados na farmacoterapia em doses múltiplas, tal alteração na biodisponibilidade não altera a resposta terapêutica (SINGH, 1999). Ainda assim, o farmacêutico deve estar sempre atento às informações contidas nas bulas, literatura e bases de dados para prestar a melhor orientação aos pacientes em relação à administração de fármacos em jejum ou pós-prandial, com o objetivo de se obter o melhor perfil de eficácia e segurança dos medicamentos. O item 2.3 deste capítulo tratou de parâmetros relacionados ao clearance, como o metabolismo hepático. Assim, fatores que aumentem ou diminuam o metabolismo hepático podem alterar significativamente a biodisponibilidade de alguns fármacos. A adrrúnistração de propanolol ou hidralazina em situação pósprandial determina o aumento da biodisponibilidade desses fármacos (FLEISCHER et al., 1999). Logo, alguns pacientes podem apresentar hipotensão postural quando expostos a tais fármacos em situação pós-prandial. O aumento da biodisponibilidade pode ser explicado pelo fato de esses fármacos serem de extenso metabolismo hepático e a situação pós-prandial determinar o aumento de fluxo sanguíneo para tal tecido, saturando, desse modo, o metabolismo hepático. No caso do praziquantel, a melhora na biodisponibilidade também é observada quando a adrrúnistração é pós-prandial, já que se trata de fármaco lipossolúvel e de extenso metabolismo hepático (CASTRO et al., 2000). Além disso, fármacos que inibem ou induzem o metabolismo hepático também alteram a biodisponibilidade de determinados fármacos como previamente discutido no item Volume de distribuição, neste capítulo.

FARMACOCINÉTICA EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

Pediatria Essa etapa da vida é marcada por rápidas mudanças fisiológicas, que são acompanhadas de variações marcantes em processos farmacocinéticos. As definições das diferentes idades pediátricas são encontradas no Quadro 14.1.

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

QUADRO

14.1 Definições de faixas etárias em pediatria.

Tempo médio de gestação

37 a 42 semanas

Prematuro

< 37 semanas de gestação no nascimento

Termo

Nascimento entre a 37ª e a 42ª semana

Pós-termo

Nascimento após a 42ª semana de gestação

Recém-nascido

O a 28 dias após o nascimento

Infante

1 a 12 meses

Criança

1 a 12 anos

Adolescente

13 a 18 anos

Adaptado d e Platt, 2003.

Como já discutido anteriormente, a absorção após administração oral de fármacos é influenciada pelo pH e motilidade gástrica e intestinal. O pH gástrico situa-se entre 6 e 8 em recém-nascidos, e diminui para 1 a 3 nas 24 h após o nascimento. A secreção gástrica diminui nos dias subsequentes, e o pH gástrico eleva-se, alcançando valores semelhantes aos de adultos após 1 ano de idade. O pH gástrico de prematuros permanece elevado após o nascimento devido à imaturidade da secreção ácida. Assim, valores de pH gástrico mais elevados em prematuros, recém-nascidos e infantes favorecem a absorção de fármacos instáveis em pH ácido, como a ampicilina, amoxicilina e eritromicina (NAHATA e TAKEMOTO, 2008). O tempo de esvaziamento gástrico em prematuros e recémnascidos é prolongado e irregular, podendo levar até 8 h para se completar. Dessa maneira, fármacos que são absorvidos primariamente no estômago podem ter a sua absorção facilitada pelo maior tempo de contato com a mucosa gástrica. Por outro lado, a maioria dos fármacos é absorvida no intestino, e a menor motilidade gastrintestinal pode retardar a absorção resultando em menores concentrações plasmáticas, sem, contudo, alterar a fração absorvida na maioria dos casos. A motilidade gastrintestinal alcança níveis semelhantes aos de um adulto por volta dos 6 a 8 meses de idade (FOX e BALIS, 2001). Devido à imprevisibilidade da absorção em prematuros e recém-nascidos enfermos, a administração de fármacos pela via oral é evitada, e a via intravascular é normalmente preferível para garantir a máxima biodisponibilidade. Já em infantes e crianças, a extensão e a taxa de absorção de fármacos administrados pela via oral são semelhantes às de adultos, e as alterações na absorção têm menor importância quando comparadas com as diferenças relacionadas com a idade na distribuição e excreção de fármacos. Em geral, as formas farmacêuticas líquidas são mais apropriadas para crianças com idade inferior a 7 anos. A farmacoterapia eficaz e segura requer a administração precisa

QUADRO 14.2

de fármacos, e muitas vezes o frasco graduado que acompanha os medicamentos não oferece as condições ideais para a administração de líquidos. O uso de uma seringa proporciona uma administração controlada e assegura a correta mensuração da dose (BARKER et al., 2003). A absorção após administração intramuscular ou subcutânea depende principalmente do fluxo sanguíneo nesses tecidos, tanto em adultos como em crianças. O fato de prematuros apresentarem uma pequena massa muscular e uma pobre perfusão sanguínea em vários músculos em comparação com infantes e crianças faz com que a absorção de fármacos administrados por essa via seja errática. Portanto, a via intramuscular raramente é utilizada em prematuros e recém-nascidos enfermos, exceto em casos de emergência ou quando a via intravascular é inacessível (BARKER et al. , 2003). A absorção cutânea em recém-nascidos, infantes e crianças é substancialmente maior em comparação com a de adultos, devido ao subdesenvolvimento da barreira epidérmica, maior hidratação do extrato córneo e maior área de superfície. Isso pode favorecer a presença de efeitos sistêmicos de fármacos aplicados topicamente, bem como facilitar o aparecimento de efeitos adversos. Por outro lado, a utilização dessa via minimiza a imprevisibilidade da absorção pelas vias oral e intramuscular, assim como as eventuais complicações da administração intravascular. Exemplos de fármacos administrados por via cutânea incluem a teoftlina e metilfenidato (BARKER et al. , 2003; NAHATA e TAKEMOTO, 2008). Vários fatores que determinam a distribuição de fármacos estão sujeitos a mudanças relativas à idade. Fatores importantes compreendem o volume de líquido corporal total e extracelular, ligação de fármacos a proteínas plasmáticas e a presença de enfermidades que modificam as funções fisiológicas. As variações da composição corporal em diversas idades são exemplificadas no Quadro 14.2. O conteúdo de líquido corporal e líquido extracelular diminui de acordo com a idade e alcança valores comparáveis aos de um adulto após 1 ano de idade (BAKER et al. , 2003). A água corporal aumentada em prematuros, recém-nascidos e crianças traduz-se por um volume aparente de distribuição mais elevado para fármacos hidrossolúveis, como teofilina, ampilicina e aminoglicosídeos. O volume de distribuição da teofilina em um recém-nascido é de 1 L/kg, enquanto em crianças com 6 anos de idade tal valor é de 0,48 Ukg. Na prática clínica, maiores volumes de distribuição determinam a necessidade de maiores doses na farmacoterapia (LEBLANC, 1997). Prematuros têm uma porcentagem de gordura corporal bastante menor comparada a indivíduos termos. Assim, tecidos que acumulam grandes concentrações de fármacos lipossolúveis em crianças e adultos acabam por acumular menores quantidades em indivíduos de menor idade. A maior proporção de tecido adiposo em crianças em

Composição corporal de acordo com a idade. Prematuro

Termo

Criança

Adulto

Água corporal total*

85

78

60

60

Volume de líquido extracelular*

50

35

25

19

Porcentagem de gordura corporal

3

12

30

18

*Expresso como porcentagem do peso corpóreo total. Fonte : Nahata e Takemoto, 2008.

105

106

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

relação a adultos implica em um maior volume de distribuição aparente de fármacos lipossolúveis (NAHATA e TAKEMOTO, 2008; BAKER et al., 2003). A concentração de globulinas e albumina sérica no nascimento e durante a infância é reduzida se comparada a um indivíduo adulto, o que implica em menor proporção de ligação de fármacos a essas proteínas. Desse modo, a concentração da fração livre do fármaco é incrementada, o que pode resultar em toxicidade e maior incidência de efeitos adversos, apesar de a concentração total (ligado+ não ligado) do fármaco em questão permanecer inalterada. Exemplos desses casos incluem anestésicos locais, diazepam, fenitoína, ampicilina e fenobarbital (FOX e BALIS, 2001). Em recém-nascidos e infantes, a maioria dos sistemas enzimáticos responsáveis pelo metabolismo de fármacos está ausente ou consideravelmente reduzida em comparação com os sistemas de adultos. A ocasião do desenvolvimento no qual a atividade enzimática é máxima depende do sistema enzimático em questão e é influenciada por variáveis como a exposição a fármacos (p. ex., fenobarbital) ainda no útero e pósnatal. No infante, as vias de sulfatação são bem desenvolvidas, enquanto as de glicuronidação são reduzidas. O metabolismo de fármacos pelo sistema de oxidases mistas citocromo P-450 apresenta uma ontogenia complexa. Essas enzimas são reguladas por fatores genéticos, ambientais e hormonais, e, além disso, evidências indicam que esses sistemas enzimáticos não maturam ao mesmo tempo. Enquanto a capacidade metabólica do sistema P-450 é reduzida em prematuros e recém-nascidos, um aumento dramático da taxa metabólica é observado em infantes e crianças (particularmente de 1 a 9 anos), sendo o clearance hepático de fármacos como a teofilina, fenitoína e carbamazepina até mesmo maior do que em adultos (FOX e BALIS, 2001). Nesse caso, a fim de alcançar concentrações plasmáticas similares àquelas observadas em adultos, faz-se necessária a administração de maior dose (relativa ao peso corpóreo) desses fármacos nessa população (ORREGO et al., 1993). A excreção renal (filtração glomerular, secreção e reabsorção tubular) é muito reduzida em recém-nascidos em relação a infantes, crianças e adultos; essa limitação persiste durante os primeiros dias de vida. Tomando como base a superfície de área corpórea, a filtração glomerular em um neonato é de cerca de 30 a 40% daquela observada em adultos, e esse valor é ainda menor em prematuros. A função renal aumenta substancialmente na primeira semana de vida; a taxa de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal aumentam em cerca de 50% em relação ao dia do nascimento. No final da terceira semana de vida, a filtração glomerular representa 50 a 60% da observada em adultos, e entre os 6 meses e 1 ano de vida finalmente alcança a maturidade completa (KODEN, 2007). Assim, fármacos hidrossolúveis como a ampicilina, gentamicina, canamicina e penicilina apresentam diminuição da excreção urinária em indivíduos recém-nascidos, em especial na primeira semana de vida. Um exemplo prático é observado com a gentamicina, cuja meia-vida de eliminação apresenta valores em torno de 8 h em prematuros, 5 a 6 h em recém-nascidos de até 1 semana, 3 a 3,5 hem recém-nascidos com mais de 1 semana de vida e 2 a 3 h no caso de infantes até a idade adulta (BAKER et al., 2003). Por fim, é necessário manter a atenção quanto aos efeitos do crescimento rápido em pacientes pediátricos. Por exemplo, espera-se que a maior parte dos bebês nascidos com menos de

27 semanas de gestação (e que pesam cerca de 1 kg) dobrem o peso corpóreo quando chegam a 8 semanas de idade. Uma vez que a dose de vários fármacos é calculada com base no peso corpóreo, uma revisão constante da dose se faz necessária para assegurar a eficácia da terapia, particularmente para fármacos cuja administração pode se estender por semanas, como no caso de estimulantes respiratórios e anticonvulsivantes.

Idosos A farmacoterapia em idosos pode curar ou tratar de modo paliativo várias doenças, bem como aumentar a qualidade de vida. Porém, apesar dos benefícios da farmacoterapia, a qualidade de vida pode ser comprometida por problemas relacionados aos medicamentos. A prevenção de reações adversas em idosos requer o conhecimento dos profissionais de saúde acerca das mudanças fisiológicas que alteram a disposição cinética de fármacos. A maioria dos fármacos é administrada por via oral, e, desse modo, alterações em vários processos fisiológicos do sistema gastrintestinal poderiam afetar a absorção de fármacos. Felizmente, há poucas evidências de grandes alterações na absorção de fármacos em indivíduos idosos. A maior parte dos fármacos é absorvida via difusão passiva, um processo que praticamente permanece inalterado com o envelhecimento. Algumas substâncias que dependem de processos ativos para sofrerem absorção podem ter sua biodisponibilidade reduzida (p. ex., cálcio, ferro) (SHI et al., 2008). Alterações como a redução da velocidade de esvaziamento gástrico e a elevação do pH gástrico devido à diminuição da secreção gástrica podem alterar a absorção de alguns fármacos. Assim, fármacos cuja absorção é dependente do pH ácido estomacal apresentam biodisponibilidade comprometida, como é o caso do cetoconazol, itraconazol e cinarizina. Além disso, há evidências de uma diminuição do efeito de primeira passagem hepático ou intestinal, possivelmente devido à menor perfusão hepática e intestinal, além da redução da massa hepática, o que pode resultar em marcante aumento da biodisponibilidade de fármacos que sofrem extenso clearance hepático, como propranolol, labetalol, morfina, nifedipino, nitratos e verapamil (SHET1Y e WOODHOUSE, 2003). A distribuição de fármacos no organismo também apresenta alteração em indivíduos idosos devido, sobretudo, a alterações na composição corporal, ilustradas no Quadro 14.3. Como resultado do aumento da massa de tecido adiposo, fármacos lipofílicos apresentam maior volume aparente de distribuição e prolongamento da meia-vida, conforme é observado para o diazepam. Por outro lado, a diminuição da porcentagem de água corpórea afeta fármacos hidrossolúveis, que tendem a apresentar menor volume de distribuição e, portanto, maior concentração plasmática (p. ex., digoxina, cimetidina, lítio) (SHET I'Y e WOODHOUSE, 2003; SHI et al., 2008). Em razão de o volume de distribuição ser um fator determinante para o cálculo da dose necessária para o início da farmacoterapia, pode ser necessário o ajuste na dose de fármacos hidrossolúveis, como a digoxina e aminoglicosídeos. Modificações relacionadas à ligação de fármacos às proteínas plasmáticas são tratadas como sendo de menor importância. As concentrações da albumina sérica (na qual ácidos fracos se ligam) sofrem uma queda discreta, enquanto as de

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

QUADRO

107

14.3 Alterações no processo de envelhecimento que influenciam a farmacocinética. Adultos jovens (20 a 30 anos)

Idosos (60 a 80 anos)

Água corporal*

61

53

Massa muscular*

19

12

26 a 33 (mulheres) 18 a 20 (homens)

38 a 45 36 a 38

Albumina sérica (g/dL)

4,7

3,8

Massa renal**

100

80

Fluxo sanguíneo hepático**

100

55 a 60

Variável

Gordura corporal*

*Expresso como porcentagem do peso corpóreo total. *•Expresso como porcentagem em relação a um adulto jovem. Adaptado de Katsung, 2007.

a.1-glicoproteína (na qual bases fracas se ligam) tendem a aumentar com o envelhecimento. Em geral, essas modificações não se devem exclusivamente ao envelhecimento, mas também a processos fisiopatológicos que ocorrem mais frequentemente em idosos (p. ex., doenças inflamatórias, câncer). Essas alterações nas proteínas plasmáticas têm relevância clínica somente para fármacos com reduzido volume de distribuição e janela terapêutica estreita, como é o caso da varfarina. Ainda, uma possível implicância clínica seria mais provável na administração aguda de fármacos, uma vez que, no estado de equilíbrio, a concentração plasmática de um determinado fármaco é governada mais pelos clearances renal e hepático do que pelo volume de distribuição e ligação às proteínas plasmáticas (SHI et al., 2008). Em relação ao metabolismo, uma característica predominante na população idosa é a alta variabilidade interindividual da função hepática em comparação com indivíduos adultos jovens. Além disso, estudos pré-clínicos e clínicos têm sugerido que em indivíduos idosos alguns fármacos são metabolizados mais lentamente, enquanto outros não apresentam alterações no clearance hepático. As alterações mais importantes ocorrem nas reações de fase I ou de oxidação (mediadas pelo citocromo P-450), e são devidas, sobretudo, à diminuição do fluxo sanguíneo hepático, e não à redução da atividade enzimática hepática. Desse modo, fármacos extensamente metabolizados (fármacos de alta extração hepática) apresentam aumento da biodisponibilidade e aumento da meia-vida, como é o caso do propanolol, morfina, verapamil, lidocaína e amitriptilina. Para fármacos de baixa extração hepática, como diazepam, fenitoína e varfarina, a influência da idade no metabolismo hepático é menos pronunciada do que em fármacos de alta extração hepática, cujo fator limitante é o fluxo hepático. Reações de fase II ou de conjugação (acetilação, glicuronidação) de fármacos como lorazepam e oxazepam não aparentam sofrer modificações com o envelhecimento. Condições clínicas como desnutrição e insuficiência cardíaca, que são frequentes na população idosa, podem levar à redução do fluxo sanguíneo hepático, alterando a capacidade hepática de promover o clearance de fármacos (SHI et al., 2008; SHE'I'I'Y e WOODHOUSE, 2003; ABERNETHY, 2001). A mais consistente e previsível alteração farmacocinética relacionada à idade ocorre em relação ao clearance renal. A massa e a função renal, incluindo o fluxo sanguíneo renal, a taxa de filtração glomerular e a secreção tubular diminuem com o envelhecimento. Estima-se que a filtração glomerular

(em adultos jovens: 100 a 140 mUmin) apresenta redução de lo/o ao ano a partir dos 40 anos (HUDSON e BOYTER, 1997). , E importante observar que nem sempre a redução da filtração glomerular se reflete no clearance de creatinina, uma vez que a produção de creatinina também é reduzida pela perda de massa muscular em indivíduos idosos (KATSUNG, 2007). O resultado dessas alterações é o prolongamento da meiavida de vários fármacos, cuja eliminação se dá por via renal (p. ex., aminoglicosídeos, atenolol, enalapril, metformina, lítio, ranitidina e ciprofloxacino), e a possibilidade de toxicidade, caso a posologia não seja ajustada (SHI et al., 2008; SHE'I'I'Y e WOODHOUSE, 2003; ABERNETHY, 2001). Um resumo das alterações nos parâmetros farmacocinéticos em indivíduos idosos pode ser encontrado no Quadro 14.4.

Gestantes Muitas mulheres que são portadoras de doenças crônicas (p. ex., asma, diab etes, epilepsia e depressão) continuam utilizando fármacos durante a gestação. As gestantes podem ainda desenvolver doenças agudas, ou a gestação pode induzir complicações que necessitam de intervenção farmacológica. Como princípio geral, a dose de qualquer fármaco administrado durante a gestação deve ser a menor possível. Apesar de existir maior potencial de risco com determinados fármacos, isso não significa que a exposição necessariamente resultará em consequências para o feto (PIGAREILI et al., 2008). Além da dose, fatores como a via de administração e o estágio da gestação no qual a exposição ocorre podem influenciar os resultados. Desse modo, sabe-se que, no estágio pré-embrionário (primeiras 2 semanas após a concepção), a exposição a um fármaco com potencial teratogênico resulta no chamado efeito "tudo ou nada", o qual pode tanto inviabilizar o embrião quanto não produzir qualquer problema. O período embrionário, no qual ocorre a organogênese (18 a 60 dias) representa aquele de maior risco de anormalidades estruturais induzidas pela exposição a fármacos. No segundo e terceiro trimestres (período fetal), os órgãos continuam seu crescimento e maturação, e a exposição a agentes teratogênicos pode resultar em retardo de crescimento, anormalidades neurológicas e, até mesmo, morte fetal (WOODS e DUFFUIL, 2003). Durante a gravidez, ocorre uma série de mudanças fisiológicas a fim de acomodar o crescimento e o desenvolvimento fetal. Essas alterações fisiológicas podem influenciar a farmacocinética. A gestação determina alterações no sistema gastrin-

108

Farmacocinética Aplicada à Farmacoterapia

QUADRO

14.4 Principais alterações relacionadas com parâmetros farmacocinéticos em indivíduos idosos.

Parâmetro

Alteração

Efeito

Absorção

Aumento do pH gástrico Retardo do esvaziamento gástrico

Possível redução da absorção (raramente tem significado clínico) Possível aumento de T max e redução de C max

Distribuição

Aumento de tecido adiposo Redução da massa muscular Redução da água corporal Redução da albumina sérica Aumento da a.1-glicoproteína

Aumento do Vd. e 1

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ELIMINAÇÃO E CRONOFARMACOCINÉTICA

C2

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Tempo (h)

Figura 16.4 Concentrações normalizadas de ciclosporina em sangue total (média± desvio-padrão) em pacientes transplantados hepáticos (adaptada de BARALDO, M. et al., 2003) . (C0: concentração mínima [through] ; C2: concentração 2 h após a dose.)

e eliminação pré-sistêmica. Além disso, tais fatores podem ser modulados de acordo com o ciclo circadiano. Para o fármaco tacrolimo, um imunossupressor que apresenta atividade superior a da ciclosporina, também foi relatado na literatura uma rápida e significativa absorção pela manhã quando comparado com o período da noite. O ensaio clínico foi conduzido por 14 dias e os resultados foram: ½nax 1,6 ± 0,7 versus 2,9 ± 0,6 h; p < 0,002, cmax32,2 ± 10,2 versus 19,1 ± 4,3 ng/mL; p = 0,003 e ASC 211 ± 43 versus 179 ± 45 ng X h/mL; p = 0,02) (MIN et al., 1996).

DISTRIBIDÇÃO E CRONOFARMACOCINÉTICA Os fármacos estão sujeitos aos mesmos mecanismos empregados pelo sistema cardiovascular para a distribuição pelo organismo de substâncias endógenas e, dessa maneira, o acesso de fármacos aos receptores estará também influenciado por tais fatores. A fração de gasto cardíaco que cada órgão recebe é dependente do tamanho e do requerimento metabólico (BARALDO, 2008). Assim, o gasto cardíaco até o território extraesplênico é maior em 30% no período da manhã em relação à tarde, o que explica o acesso maior de fármacos aos receptores no período da manhã. Quando um fármaco ingressa na circulação sistêmica, dependendo de suas características físico-químicas, geralmente ocorre sua ligação às proteínas plasmáticas. A concentração de proteínas plasmáticas também é dependente do ciclo circadiano (BRUGUEROLLE, 1987). Entretanto, tal ritmo na concentração de proteínas plasmáticas apresenta-se mais acentuado em indivíduos idosos do que em pacientes jovens, já que no período noturno a capacidade de ligação diminui cerca de 20% para idosos e de 10% para jovens. Tais alterações são importantes para fármacos que apresentam alta ligação às proteínas plasmáticas (> 80%) e baixo volume de distribuição C< o, 15 Vkg). Além disso, alterações no transporte através das membranas biológicas podem ocorrer de acordo com ciclos circadianos e são evidenciadas a partir de estudos que avaliam a penetração de fármacos como os anestésicos locais (lidocaína, bupivacaína, etidocaína e mepivacaína), indometacina e teoftlina nos eritrócitos (BARALDO, 2008; BRUGEROLLE, 1998).

A velocidade de filtração glomerular apresenta sua capacidade máxima durante o período diurno (112 ± 22 mL/min) e mínimo durante o sono à noite (86 ± 12 mVmin). Além disso, durante a noite produz-se um significativo aumento no fluxo de urina, da reabsorção tubular de água (KOOPMAN et al., 1989) e diminuição do pH urinário. Na Figura 16.5 observam-se as diferentes velocidades de eliminação urinária do fármaco ciprofloxacino, um antibiótico com características de ácido fraco, nos períodos diurno e noturno (MILANO e CHAMOREY, 2002). Apesar das alterações de grande magnitude na excreção urinária do ciprofloxacino, tal efeito não se traduz em modificações significativas no efeito terapêutico, já que as concentrações plasmáticas mínimas não se apresentam inferiores ao parâmetro concentração inibitória mínima (CIM) para os microrganismos suscetíveis a esse fármaco. Com o objetivo de se exemplificar um sistema de eliminação diferente do renal, pode-se descrever o caso do fármaco 5-fluoracila (FU). Tal fármaco apresenta extensa eliminação (acima de 80% da dose) por meio da di-hidropirimidildesidrogenase (DPD), a qual se encontra presente em muitos tecidos, mas de maneira significativa no tecido hepático e, tanto em humanos, quanto em animais, tem sido encontrado um ritmo circadiano para a DPG (GREM et al., 1997; HARRIS et al., 1988). Pacientes que recebem infusão contínua de baixas doses desse fármaco apresentaram concentrações plasmáticas médias máximas às 11 h e mínimas às 23 h. Assim, um estudo que avaliou a influência do horário na administração de FU por meio de infusão curta, demonstrou que o clearance apresenta-se 70% superior às 13 hem relação à 1 h. Tal comportamento é descrito na Figura 16.6, que apresenta o resultado de um estudo em que os pacientes receberam uma infusão contínua de FU por 5 dias (MILANO e CHAMOREY, 2002).

30

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14

Tempo (h)

Figura 16.5 Curvas médias de velocidade de excreção urinária de ciprofloxacino em função do tempo após a administração de 250 mg às 10 e às 22 h (adaptada de SARVESHWER, 1997).

Cronofarmacocinética

A racionalidade da terapia cronomodulada para FU baseia-se em sua atividade como antimetabólito, atuando na etapa S do ciclo celular. Levi e colaboradores (LEVI et al. , 1994) por meio de um estudo randomizado, compararam a resposta de pacientes com neoplasia colorretal avançada frente ao tratamento com FU de modo cronomodulado em comparação com a administração contínua. Os resultados de tal estudo demonstraram claramente que a administração cronomodulada apresentou-se significativamente mais efetiva e menos tóxica do que a administração sustentada do fármaco. No Quadro 16.2 apresenta-se um resumo dos estudos referentes a classes de fármacos para os quais já foram demonstradas alterações cronofarmacodinâmicas e cronofarmacocinéticas.

140

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120

E

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123

100

80

PRODUTOS DE LIBERAÇÃO CONTROLADA 7

10

13

16

19

22

1

4

7

Tempo {h)

Figura 16.6 Ritmo circadiano de 5-FU em 7 pacientes tratados com uma infusão intravascular constante por 5dias (com cisplatino às 17 h, 15 h antes de começar a infusão com FU- barras indicam erro médio) (adaptada de MILANO e CHAMOREY, 2002).

Assim, para se obter melhor efeito farmacológico, o comportamento farmacocinético de determinado fármaco deve ser estudado de maneira conjunta com a existência de ritmos biológicos de suscetibilidade dos tecidos-alvo. Em tecidos normais suscetíveis à FU, como as células progenitoras hematopoiéticas e da mucosa oral, a atividade de proliferação varia em 50% de acordo com o ritmo circadiano (SMAALAND et al., 1992; WARNAKULASURIYA e MAC DONALD, 1993).

QUADRO

Além dos efeitos farmacodinâmicos e farmacocinéticos associados às moléculas ativas, pode-se destacar também aqueles associados a formulações de liberação controlada. Tal liberação programada pode ser modificada devido ao ciclo circadiano das funções fisiológicas. Estudos realizados com três diferentes sistemas matriciais para a liberação controlada de teofilina demonstraram que as matrizes acrílicas não sofreram alterações significativas no padrão de liberação do fármaco quando administradas no período diurno ou noturno (THIELEMANN et al., 1996). Entretanto, as alterações foram significativamente maiores quando as matrizes foram do tipo hidrofílica e sérica, apresentando, respectivamente, um aumento nos valores de Cmax de 35% e 50% (Figuras 16.7 e 16.8). Tais diferenças puderam ser explicadas considerando-se que no caso das matrizes acn1icas utilizadas, o fenômeno de erosão não era dependente do pH como ocorre para as matrizes hidrofílicas e céricas (ALVA, 1998).

16.2 Famílias de fármacos com variações circadianas (adaptado de BARALDO, 2008). Estudos cronofarmacodinâmicos

Estudos cronofarmacocinéticos

Antiasmáticos

Antiasmáticos

Antineoplásicos

Antineoplásicos Cardiovasculares:

Cardiovasculares: Betabloqueadores Beta-agonistas

Betabloqueadores

Bloqueadores de canais de cálcio

Bloqueadores de canais de cálcio Nitratos orgânicos

Nitratos orgânicos

Inibidores da ECA

Inibidores da ECA

Gastroenterológicos

Gastroenterológicos

Antibacterianos

Diuréticos

Imunossupressores Anti-inflamatórios não esteroides

Endocrinológicos Anti-inflamatórios não esteroides Opiáceos Psicotrópicos Anestésicos gerais e locais Antagonistas do receptor de histamina H 1

Opiáceos Psicotrópicos

124

-

Cronofarmacocinética

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L

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2

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200

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600

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900

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HC

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a. 400

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O estudo avaliou a disposição cinética da prednisona e da prednisolona, devido à interconversão in vivo de prednisona em prednisolona. Na Figura 18.2 são apresentados os perfis de concentração plasmática e sanguínea (sangue total) versus tempo nas condi-

...J

800

600

INFLUÊNCIA DA EXPOSIÇÃO ÀALTITUDE NA FARMACOCINÉTICA DA PREDNISOLONA

-

900

,(13

ativa, de modo que a dose deve ser ajustada em pacientes em tratamento e expostos a condições de altitude. Entretanto, para se obter conclusões definitivas a respeito de fármacos excretados ionizados na urina e que apresentam baixa ligação às proteínas plasmáticas, estudos complementares devem ser conduzidos.

-

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200

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2

4

6

Tempo (h)

Figura 18.2 Perfis de concentração plasmática (esquerda) e em sangue total (direita) médios em função do tempo para prednisolona em voluntários sadios em baixa altitude (L), exposição aguda (HA) e exposição crônica (HC) à altitude (adaptada de ARANCIBIA et al., 2005).

140

Influência da Exposição a Grandes Altitudes na Disposição Cinética de Fármacos

QUADRO

18.5 Parâmetros farmacocinéticos médios de prednisolona em voluntários sadios em plasma e sangue total em baixa altitude (L),

exposição aguda (HA) e exposição crônica à altitude (HC). Os valores estão expressos como média (desvio padrão) . Sangue total

Plasma Parâmetro

L

HA

HC

L

HA

HC

K (1/h)

0,28 (0,04)

0,30 (0,10)

0,30 (0,09)

0,32 (0,04)

0,34 (0,04)

0,32 (0,04)

~) (h)

2,51 (0,37)

2,55 (0,84)

2,57 (0,87)

2,18 (0,28)

2,09 (0,23)

2,21 (0,36)

K,. (1/h)

1,59 (0,58)

1,78 (1,06)

1,28 (0,66)

1,78 (0,50)

1,95 (0,72)

2,28 (1,34)

~) abs (h)

0,50 (0,22)

0,59 (0,55)

o,69 (0,34)

0,42 (0,10)

0,41 (0,16)

0,38 (0,17)

Cl/F (mUmin)

387,63 (55,48)

357,91 (107,71)

439,96 (117,68)

440,84 (82,88)

381,21 (35,08)

381,42 C43,94)

V~ rea/F (L/kg)

1,27 (0,31)

1,13 (0,24)

1,27 (0,35)

1,24 (0,27)

1,3 (0,07)

0,99 (0,13)

ASC (µ,g/mL · h)

3,51 (0,54)

3,99 (0,97)

3,47 (1,23)

3,12 (0,55)

3,52 (0,32)

3,54 (0,45)

TMR (h)

4,19 (0,58)

4,31 (1,07)

4,46 (1,08)

3,81 (0,58)

3,71 (0,45)

3,80 (0,55)

Cmax (µ,g/mL)

0,93 (0,64)

0,87 (0,17)

0,78 (0,32)

0,71 (0,11)

0,83 (0,09)

0,81 (0,06)

Tmax (h)

1,50 (0,8)

1,50 (0,9)

1,80 (1,2)

1,50 (0,5)

1,70 (0,6)

1,50 (0,7)

ções de baixa altitude (L), exposição aguda (HA) e exposição crônica (HC) para o fármaco prednisolona. Os resultados demonstraram que o hematócrito aumentou significativamente para os grupos HA e HC. O parâmetro farmacocinético ASC apresentou-se aumentado e o parâmetro clearance diminuído em ambos os grupos expostos à altitude (Quadro 18.5). As ligações aos eritrócitos e às proteínas plasmáticas aumentaram significativamente nos grupos HA e HC em comparação com o controle (L). No caso da excreção urinária, foi avaliada a razão prednisolona/prednisona, a qual apresentou valor de 11,1 para o grupo L, de 7,3 para o grupo HA e de 45,6 para o grupo HC (ARANCIBIA et al., 2005). Com relação à aplicação clínica, os resultados do estudo indicaram que a exposição crônica à altitude interfere no processo de interconversão prednisolona/prednisona. Deste modo, considerando que a prednisona possui baixa atividade glicocorticoide intrínseca, tal interferência pode ser clinicamente importante e, assim, indicar a necessidade de um ajuste de dose em pacientes expostos à altitude. Os resultados do estudo envolvendo prednisona e prednisolona evidenciam a necessidade da realização de ensaios clínicos complementares para a avaliação do efeito da exposição à altitude na biotransformação de fármacos.

INFLUÊNCIA DA EXPOSIÇÃO ÀALTITIIDE NA FARMACOCINÉTICA DO SULFAMETOXAZOL O estudo que avaliou a influência da altitude na disposição cinética de sulfametoxazol demonstrou que a concentração do fármaco na fração aquosa do plasma diminuiu significativamente após a exposição a grandes altitudes. Consequen-

temente houve aumento significativo na ligação de fármaco às proteínas plasmáticas, sendo que para o grupo HA foi de 80,4%, para o grupo HC de 72,5% e para o grupo controle de 65,7% (p < 0,001). A ligação do fármaco aos eritrócitos foi de 6%, 6,9% e 9,3%, respectivamente, para os grupos de baixa altitude (L), exposição aguda (HA) e crônica (HC), sendo que a ligação aos eritrócitos se apresentou 55% superior para o grupo HC em relação ao grupo L (p < 0,001). No Quadro 18.6 estão apresentados os parâmetros farmacocinéticos para os grupos L, HA e HC (adaptado de LI et al., 2009). O estudo também evidenciou (Quadro 18.6) que o parâmetro meia-vida de eliminação apresentou aumento de 11,5% (p < 0,05) para o grupo HA e de 19,9% (p < 0,01) para o grupo HC em comparação ao grupo controle (L) e de 7,5% para o grupo HC em comparação ao grupo HA (p < 0,05). Os TMR foram 9% e 7,8% maiores, respectivamente, para os grupos HA (P < 0,05) e HC (p < 0,001) em comparação ao grupo controle (L). A área sob a curva (0-48 h) apresentou-se 17,8% superior e o clearance l 7 ,8% inferior para o grupo HA em comparação ao grupo L (p < 0,05).

CONSIDERAÇOES FINAIS A condução de estudos sistemáticos com o objetivo de avaliar a influência da exposição à altitude na disposição cinética de fármacos se apresenta como um grande desafio, já que tal exposição determina inúmeras e complexas alterações ao organismo humano. Os resultados dos estudos conduzidos até o momento evidenciam que possíveis modificações da ligação de fármacos aos eritrócitos e/ou às proteínas plasmáticas constituem um dos principais fatores responsáveis pelas

Influência da F:xposição a Grandes Altitudes na Disposição Cinética de Fármacos

141

18.6 Parâmetros farmacocinéticos de sulfametoxazol para os grupos L (baixa altitude), HA (exposição aguda à altitude) e HC (exposição crônica à altitude) (adaptado de LI et al., 2009) . Os valores estão expressos como média (desvio padrão).

QUADRO

Parâmetros

L

HA

HC

~) (h)

9,30 (1,11)

10,37 (0,88)

11,15 (1,53)

TMR (0-48 h) K (h-1)

12,06 (0,94)

13,15 (0,67)

13,00 (1,01)

0,076 (0,010)

0,067 (0,006)

0,063 (0,009)

1.202,5 (238,3)

1.416,3 (202,6)

1.298,5 (256,0)

Cl (Uh/kg)

1,01 (0,22)

0,83 (0,13)

0,92 (0,22)

K,. (h-1)

2,61 (2,28)

2,50 (6,09)

3,13 (1,86)

ASC (0-48 h) µ,g · h/mL

alterações na disposição farmacocinética de fármacos quando há exposição às grandes altitudes. Além disso, a alcalinização da urina também se apresenta como fator importante na modificação da velocidade de eliminação renal de fármacos, quando da exposição à altitude. Evidências de modificações na biotransformação também foram observadas em estudos científicos. A partir dos resultados dos estudos do Departamento de Ciências e Tecnologia Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile, pode-se concluir que alterações farmacocinéticas são observadas quando o ser humano é exposto a altitudes superiores a 3.000 msnm e que tais alterações devem ser consideradas no ajuste de dose de pacientes residentes em grandes altitudes, bem como de indivíduos com exposições intermitentes devido às atividades profissionais ou esportivas. Para a compreensão de como as adaptações fisiológicas em situações de hipoxia podem alterar a disposição cinética de fármacos, devem ser considerados os fatores como a ligação às proteínas plasmáticas e eritrócitos, ionização, excreção urinária e biotransformação, entre outros. Além disso, para se compreender o alcance das respostas adaptativas, é extremamente útil avaliá-las de acordo com os sistemas orgânicos, já que tais agrupamentos em farmacocinética constituem a base da teoria dos modelos compartimentais e, desta maneira, é possível definir o modelo mais adequado para descrever a disposição cinética de um determinado fármaco em função do tempo.

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS Devido às características deste capítulo não foram incluídas questões para este item. Entretanto, para melhor compreensão do tema, sugere-se a leitura dos artigos científicos publicados pelo Departamento de Ciências e Tecnologia Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Químicas e Farmacêuticas da Universidade do Chile, mencionados ao longo desse capítulo e apresentados no item Referências.

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142

Influência da Exposição a Grandes Altitudes na Disposição Cinética de Fármacos

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CAPÍTULO

19

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade Mariane Ballerini Fernandes, Marcus Tullius Scotti, Luciana ScoUi e Leoberto Costa Tavares

INTRODUÇÃO O processo de desenvolvimento de um fármaco consome investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da ordem de milhões de dólares e décadas de trabalho de equipes multidisciplinares. Estima-se o gasto entre US$ 800 milhões e 1,4 bilhão e cerca de 15 a 25 anos desde a concepção do projeto até a última fase de pesquisa clínica (KUBINYI, 1993; WERMUTH, 2003; CRUCIANI, 2006). No início da década de 1980, houve rápida evolução nos campos da química combinatória, que tornou possível a síntese de quimiotecas a partir de uma mesma reação química, e das tecnologias de alta capacidade de rastreio (high-throughput screening [HTS]), que permitiram o rastreamento da atividade dessas substâncias por meio de ensaios com base em ligações com moléculas-alvo. Dessa maneira, essas tecnologias criaram um ambiente propício para acelerar o processo de descoberta de novos fármacos, permitindo a síntese e a triagem de grandes conjuntos de compostos em curtos períodos de tempo. Tais esforços, no entanto, não foram suficientes para aumentar o número de novos fármacos lançados no mercado e muitos dos novos compostos identificados sequer chegam aos testes pré-clínicos. Entre as falhas avaliadas, 40 a 60% são atribuídas a deficiências na farmacocinética, ou propriedades ADME (absorção, distribuição, metabolismo, excreção), e problemas com toxicidade (T) (SONG, LIMAND e TONG, 2009), uma vez que um composto pode, por exemplo, ser viável com base em testes de atividade, mas em decorrência de agregação, solubilidade ou absorção limitada, não é útil como fármaco QÓNSDÓTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005). Essas falhas ressaltaram a necessidade de desenvolver alternativas que pudessem ajudar a descartar os compostos impróprios antes do esgotamento de significativa quantidade de tempo e recu rsos. Assim, um novo paradigma na descoberta de

fármacos veio em curso, tornando possível a avaliação conjunta da potência e seletividade dos candidatos a fármacos com seu potencial em relação à farmacocinética e toxicidade, auxiliando a reduzir fracassos e a acelerar o desenvolvimento bem-sucedido de novas entidades moleculares (SONG, LIMAND e TONG, 2009). A avaliação ADMET em larga escala tornou-se possível pelo desenvolvimento de ensaios HTS de solubilidade (turbidométricos, p . ex.), ensaios de permeabilidade (células Caco-2, células MDCK, PAMPA) e ensaios de metabolismo (hepatócitos, frações S9, enzimas recombinantes). Os dados obtidos com esses experimentos podem também ser empregados em processos de modelagem computacional que sejam capazes de relacioná-los a propriedades físico-químicas e a características estruturais dos compostos (YAMASHITA e HASHIDA, 2004). A probabilidade de sucesso na pesquisa, associando afinidade e seletividade pelo sítio ativo, aumentou com a inclusão de métodos de planejamento de fármacos auxiliado por computador (computer-aided drug design [CADD]). O CADD, ou aplicação de métodos in silico, estuda as origens moleculares da atividade biológica de fármacos, determinando os parâmetros físico-químicos que relacionam a estrutura química com atividade, aplicando esses fundamentos no planejamento racional dos fármacos. O uso de inovações científicas e tecnológicas, combinando conhecimentos multidisciplinares de informática, biotecnologia, química e biologia, traduz-se em um planejamento mais seguro e efetivo. Dentre essas inovações, métodos computacionais que auxiliam o processo de desenvolvimento de fármacos estão sendo cada vez mais explorados (BARREIRO e RODRIGUES, 1997; COHEN, 1996; WESTERHUIS, KOURTI e MACGREGOR, 1998). A exemplo disso citam-se ferramentas e recursos para o armazenamento, gerenciamento, análise e modelagem de compostos, incluindo programas para projetar aqueles com características físico-químicas adequadas, além de avaliação sistemática dos candidatos em potencial antes que

144

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

eles sejam sintetizados e testados. Dessa maneira, o CADD desempenha papel fundamental na busca por novas moléculas com potencial aproveitamento farmacológico, relatando-se, neste sentido, numerosos êxitos de fármacos projetados por meio deste método. Entre eles, encontram-se a dorzolamida para o tratamento do edema macular cistoide, o zanamivir para o tratamento terapêutico ou profilático de infecção de gripe, o sildenafil no tratamento da disfunção erétil masculina, e o amprenavir para o tratamento da infecção pelo HIV. O foco atual dos estudos in silico inclui melhoria na concepção e gestão de fontes de dados, criação de programas computacionais para criar quimiotecas de compostos farmacologicamente interessantes, desenvolvimento de novos algoritmos para avaliar a eficácia e a seletividade dos candidatos, e a concepção de ferramentas de previsão para identificar o potencial ADMET (SONG, LIMAND e TONG, 2009). Apresentam-se na Figura 19.1 os três caminhos aplicados à seleção de um novo candidato a fármaco. O caminho tradicional consistia em testes de atividade (P), seguidos por testes das diferentes propriedades ADMET, resultando em desenvolvimento dispendioso e demorado. Atualmente, as indústrias farmacêuticas aplicam o caminho paralelo e movem-se para o caminho futuro. No caminho paralelo, as propriedades farmacológicas e ADMET são simultaneamente avaliadas, e um perftl completo pode ser usado para a seleção de um candidato a fármaco. No caminho futuro, quimiotecas virtuais são avaliadas por meio de diferentes modelos in silico para propriedades farmacológicas e ADMET, sendo uma ou mais delas selecionadas para síntese e testadas experimentalmente. A modelagem in silico de propriedades ADMET tem sido realizada por meio de diferentes métodos, que variam desde aqueles fundamentados na estrutura do ligante, como as relações quantitativas estrutura-atividade (quantitative structureactivity relationships [QSAR]), pesquisas por similaridade, QSAR tridimensional, até métodos baseados na estrutura da biomacromolécula-alvo como ancoramento entre proteína e ligante, e modelagem de farmacóforo. O principal objetivo dos estudos ADME in silico é prever o comportamento dos compostos no sistema biológico pela inclusão de todos os processos cinéticos em um modelo global (YAMASHITA e HASHIDA, 2004),

permitindo a modelagem detalhada da farmacocinética, até a chegada do composto ao seu sítio ativo. O resultado será a obtenção de modelos realistas que devem se aproximar da complexidade envolvida na administração de fármacos, auxiliando o entendimento sobre o destino dos compostos administrados a um sistema biológico (SONG, LIMAND e TONG, 2009). Nos casos em que um composto líder tem uma atividade suficientemente elevada, porém várias propriedades farmacocinéticas necessitam ser aprimoradas, métodos in silico poderiam ser usados para modificar subestruturas da molécula com um mínimo efeito sobre o perfil de atividade (JÔNSDÔTIIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005).

AVALIAÇÃO FARMACOCINÉTICA EDE TOXICIDADE 1N SILICO A potência de um fármaco depende de sua ligação com um alvo, e a intensidade dessa interação é muitas vezes estudada mediante métodos computacionais, como, por exemplo, o ancoramento (docking) e métodos de pontuação (scoring methods). As propriedades ADMET, por sua vez, dependem de como o fármaco interage com um grande número de biomacromoléculas (NORINDER e BERGSTRÔM, 2006), uma vez que um composto deve atravessar várias barreiras fisiológicas, como a barreira gastrintestinal, a barreira hematoencefálica (BHE) e a barreira da microcirculação, para ser distribuído em tecidos e órgãos até alcançar seu sítio ativo. Além disso, enzimas específicas degradam os fármacos, que são posteriormente excretados. A variação genética nas enzimas influencia a ativação metabólica e pode causar reações adversas ou toxicidade (SONG, LIMAND e TONG, 2009). Na vigência de utilização de mais de um fármaco, interações medicamentosas são igualmente importantes, sendo, todavia, muitas vezes ignoradas (JÔNSDÔTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005). Dessa maneira, as propriedades ADMET de um composto impactam diretamente em sua utilidade e segurança (SONG, LIMAND e TONG, 2009). O desenho de fármacos representa, em grande parte, a habilidade de manipular as propriedades físico-químicas por

Caminho atual

Caminho tradicional Quimioteca

Caminho futuro

Quimioteca

Quimioteca virtual

p

Modelos in silico

A P

A

D

M

E

T

Quimioteca privilegiada

P

A

D

M

E

T

Novo candidato a fármaco (CF)

Figura 19.1 Ocaminho tradicional (esquerda), o caminho paralelo (centro) e o caminho futuro para o desenvolvimento de um novo fármaco (adaptada de NORINDER e BERGSTRÕM, 2006).

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

Ponto de fusão

Carga

Solubilidade '

Ionização

.

145

Empacotamento cristalino

.

1,.

1

Ligação de H

Dissolução

Tamanho/forma •



Lipofilicidade

Distribuição de carga

'

'



Anfifilicidade

Figura 19.2 As inter-relações-chave entre propriedades físico-químicas (adaptada de WATERBEEMD, 2009). meio de modificações moleculares, sendo as mais importantes a solubilidade, a lipofilicidade e a permeabilidade, que se relacionam diretamente com propriedades ADMET como absorção, penetração celular, permeabilidade à BHE, volume de distribuição, ligação às proteínas plasmáticas, metabolismo e toxicidade, além do comportamento biofarmacêutico. Todavia, as propriedades físico-químicas de uma substância são fortemente interligadas, conforme apresentado na Figura 19.2, tornando-se um desafio à otimização (WATERBEEMD, 2009), pois pequenas modificações estruturais visando ao aprimoramento de determinada propriedade podem prejudicar outro parâmetro farmacocinético ou até mesmo sua farmacodinâmica. As previsões ADMET na fase inicial geralmente se concentram em parâmetros farmacocinéticos simples, tais como coeficiente de partição água-octano! (log P), coeficiente de partição aparente (log D), solubilidade intrínseca (log S), entre outros. Como resultado do aumento de dados experimentais disponíveis na literatura, consideráveis esforços têm sido realizados

para prever propriedades ADMET mais "complexas", como a absorção intestinal, a partição sangue-cérebro, a biodisponibilidade oral, a depuração, o volume de distribuição e o metabolismo. As propriedades ADMET para as quais têm sido desenvolvidos modelos de previsão estão representadas na Figura 19.3 (HOU e WANG, 2008). Conforme anteriormente mencionado, cada vez mais dados experimentais físico-químicos tornaram-se disponíveis no domínio público e, particularmente, também em bases de dados das empresas farmacêuticas. Esses dados são amplamente utilizados para construir modelos computacionais de previsão de acordo com métodos de QSAR bem estabelecidos ou modelagem soft (soft modelling), como a semelhança molecular e bancos de dados look-ups (WATERBEEMD, 2009). As abordagens de relações quantitativas estrutura-propriedade (QSPR) têm sido aplicadas para a modelagem da maioria das propriedades ADMET. Tais abordagens simplesmente constroem as relações entre as estruturas moleculares e essas propriedades,

Permeabilidade em Caco-2 Absorção intestinal Transportadores (P-gp) Permeabilidade pKa Log P e log D Solubilidade

Biodisponibilidade

Metabolismo de 1ª passagem Metabolismo (P-450) Eliminação Exposição sistêmica Distribuição

VDss Barreira hematoencefálica Ligação a proteínas plasmáticas Transportadores

Figura 19.3 Modelos de previsão in silico para propriedades ADMET. Afigura não representa um fluxo lógico dos estudos ADMET, mas sim uma tentativa de agrupar diferentes modelos de previsão de acordo com a propriedade farmacocinética (adaptada de HOU e WANG, 2008). (VDs5: volume de distribuição no estado estacionário.)

146

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

ou resultar em interações medicamentosas, ambos devido a diferenças tanto na localização como na quantidade de proteínas de transporte envolvidas na absorção intestinal (KEIDENICH, 2009). Vale ressaltar ainda que a biodisponibilidade oral depende não só da absorção, mas também do metabolismo. A maioria dos modelos de QSAR procura prever a absorção oral humana utilizando log D7,4 (coeficiente de partição octanol-água no pH 7,4), tamanho molecular (considerando massa, volume e superfície) e quantidade e força das ligações de hidrogênio (aceptoras e/ou doadoras). Em 1997, Christopher A. Lipinski criou a Regra dos Cinco, muito utilizada até hoje em estudos teóricos como ferramenta para prever in silico a biodisponibilidade de um candidato a fármaco após ingestão oral. De acordo com a regra de Lipinski, para um composto ter efeito quando administrado pela via oral ele deve apresentar:

e não necessariamente consideram o mecanismo subjacente de uma propriedade ADMET. Em contrapartida, as abordagens de modelagem molecular têm sido utilizadas para investigar o possível mecanismo molecular de uma propriedade específica ou para entender as interações potenciais entre as moléculas e proteínas envolvidas em processos farmacocinéticos usando mecânica molecular, dinâmica molecular, modelagem de farmacóforo, ancoramento, modelagem por homologia, ou até mesmo cálculos de mecânica quântica (HOU e WANG, 2008). Além dessas abordagens, uma série de programas para modelagem de propriedades ADMET foram desenvolvidos recentemente, e módulos farmacocinéticos foram incluídos em alguns exemplos de softwares desenvolvidos para aplicação em modelagem molecular, conforme apresentado no Quadro 19.1 QÔNSDÔTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005). O sistema biológico é extremamente complexo, mas a modelagem de propriedades pode ser realizada mediante o estudo de vários subsistemas e suas interações com uma ampla gama de métodos computacionais e experimentais QÔNSDÔTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005). Dessa maneira, serão abordados nas próximas seções alguns métodos para a previsão das propriedades farmacocinéticas mais importantes.

• No máximo 5 ligações doadoras de hidrogênio (átomos de nitrogênio ou oxigênio com um ou mais átomos de hidrogênio) • ClogP ~ 5 • Massa molecular < 500 • No máximo 10 ligações aceptoras de hidrogênio (átomos de nitrogênio ou oxigênio) (TETKO e OPREA, 2008). A Regra dos Cinco tem grande relevância e evidencia a importância da lipofilicidade na atividade farmacológica e no planejamento racional de fármacos, sendo muitas vezes usada como primeiro filtro para a avaliação ADME'T in silico. Cabe ressaltar, contudo, que esta não é uma regra absoluta, pois algumas classes de fármacos não seguem seus preceitos (TETKO e OPREA, 2008). Atualmente, os principais parâmetros relacionados com a absorção nos estudos computacionais são a solubilidade do candidato a fármaco e sua permeabilidade.

Absorção Oral A absorção oral de fármacos e nutrientes é um processo complexo que envolve várias etapas e diferentes mecanismos. Nos últimos anos, foram feitos progressos na compreensão desses processos, especialmente por meio da identificação de parâmetros físico-químicos-chave e das principais proteínas de transporte, que levaram a melhores previsões sobre a magnitude em que um composto é absorvido e quais os fatores determinantes de sua absorção. Esses fatores são fundamentais para orientar a síntese de compostos no sentido de aumentar ao máximo sua absorção e reduzir a dependência por processos de transporte ativo, pois esses últimos podem acarretar elevada variabilidade interindividual na biodisponibilidade dos fármacos

SOLUBILIDADE E PERMEABILIDADE Em geral, a absorção oral de um fármaco pode ser dividida em duas etapas. Em primeiro lugar, o composto deve estar dissolvido no meio aquoso no local de absorção, seguido por

19.1 Softwares disponíveis comercialmente para a previsão de propriedades físico-químicas e propriedades relacionadas com o perfil farmacocinético (adaptado de JÓNSDÓTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005).

QUADRO

Software

Companhia

pKa

logP

logD

Sol

AilI

C2

Bio

Trp

BHE

PPB

Mtb

ACD/labs

ACD Labs

X

X

X

X

ADME Boxes

Pharma Algorithms

X

X

X

X

X

ADME Predictor

Simulations Plus

X

X

X

X

X

X

ADMEWORKS

Fujitsu

X

X

X

Cerius 2

Accelrys

X

X

X

iDEAADME

LION Bioscience

X

X

KnowitAll

Bio-Rad ab

X

X

Meta

Multicase

X

MetaSite

Molecular Discovery

X

NorayMet ADME

Noraybio

X

X

X

X

X

X

X

X

PreADMET StarDrop

Biofocus

Vo1Surf

Tripos

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X X

X X

X

X

X X

X X X

X

X

X

X X

X

X

X

Sol: solubilidade; AIH: absorção intestinal humana; C2: Caco-2; Bio: biodisponibilidade oral; Trp: transporte mediado por carreador; BHE: barreira hematoencefálica; PPB: ligação a proteínas plasmáticas; Mtb: metabolismo.

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

sua translocação através do epitélio intestinal para o sangue na veia porta, em uma segunda etapa (KELDENICH, 2009). A solubilidade aquosa de um composto é dependente tanto das forças intramoleculares no estado sólido como das forças intermoleculares entre suas moléculas e o fluido intestinal circundante. A previsão dessa propriedade, todavia, apresenta-se bastante complexa, uma vez que há inúmeras variáveis que a influenciam e que provocam grandes diferenças teóricas como, por exemplo, se determinada substância encontra-se em estado cristalino ou amorfo (TETKO e OPREA, 2008). Em geral, a solubilidade é baixa caso a interação entre as moléculas do fármaco seja mais energeticamente favorável que sua interação com as moléculas de água. Nesse caso, a forma sólida do composto é favorecida em detrimento de sua dissolução no meio aquoso. A análise multivariada de dados de faixa de fusão, uma propriedade que reflete a estabilidade do estado sólido, demonstrou que as moléculas que formam cristais estáveis são em geral pequenas, rígidas e polares. Por outro lado, os compostos que são hidrofóbicos, flexíveis e grandes demandam uma maior cavidade no meio aquoso para solubilizarem, podendo apresentar limitada solubilidade como resultado dessas propriedades (NORINDER e BERGSTRÔM, 2006). Os bancos de dados PHYSPROP e AQUASOL (transformado em livro) disponibilizam a solubilidade de aproximadamente 12.000 compostos, e muitos modelos já foram construídos baseando-se em dados depositados nesses bancos (TETKO e OPREA, 2008). A permeabilidade de uma substância reflete sua capacidade de atravessar a barreira intestinal. O epitélio intestinal é formado por uma monocamada de enterócitos ligados entre si por interações proteicas formando junções de oclusão. Os principais parâmetros fisiológicos dessa barreira são a tensão da água, a espessura da camada de muco protegendo a camada de células e a expressão de enzimas metabolizadoras e transportadoras pelo enterócito (KELDENICH, 2009). Um composto pode permear a parede intestinal utilizando a rota paracelular (entre as células) ou a via intracelular (através das células), sendo esta última utilizada pela grande maioria dos compostos (NORINDER e BERGSTRÔM, 2006). A permeabilidade de membrana de um composto é determinada por uma combinação de fatores, incluindo o tamanho da substância, sua solubilidade em água, capacidade de ionização (pKa) e lipofilicidade (log P) (SONG, LIMAND e TONG, 2009). Compostos que apresentam razoável hidrofobicidade (log D pH 7,4 = O a 2) e tamanho médio (PM até 500) permeiam a parede intestinal por difusão passiva transcelular (NORINDER e BERGSTRÔM, 2006). Em geral, moléculas pequenas, hidrofílicas e/ ou carregadas, que não podem permear a membrana celular lipofílica, difundem através de poros aquosos. Todavia, é amplamente aceito que as moléculas possam atravessar membranas na sua forma ionizada, além de sua forma neutra, como se presume pela teoria do pH de partição (WATERBEEMD, 2009). Moléculas maiores, com um grande número de doadores e aceptores de ligação de hidrogênio, por vezes em combinação com elevada lipofilicidade, podem utilizar os processos ativos e proteínas de transporte para atravessar as células. No entanto, essas últimas propriedades também aumentam o risco de que o composto seja transportado por proteínas de efluxo, resultando em uma secreção do composto de volta para o lúmen intestinal, o que resulta em menor concentração de fármaco alcançando o sítio ativo (NORINDER e BERGSTRÔM, 2006). A lipofilicidade é o elemento-chave em muitos processos ADMET envolvendo o

147

transporte de membrana (absorção e distribuição), mas também influencia a interação com enzimas metabolizadoras e transportadores. O conceito de lipofilicidade é baseado em uma correlação simples da concentração do soluto em fase orgânica e em fase aquosa. O cálculo in silico de log P na faixa de pH ideal (pH estomacal entre 1 e 2 e pH intestinal 6,5) pode levar a melhores simulações de absorção no trato gastrintestinal. O banco de dados MedChem (http:/ / www.biobyte.com) disponibiliza aproximadamente 60.000 medidas de log P, enquanto o banco PHYSPROP (http:/ / esc.syrres.com/interkow/ PhysPorp.htm) apresenta 13.058 medidas desta propriedade e o LOGKOW (http:/ /www.logkow.cisti.nrc.ca), 20.000 medidas de log P, log D e pKa. Alguns programas calculam o log P dos fragmentos, como ClogP, KlogP e AB/logP; outros softwares, como ALOGPS, XLOGP, VLOGP e KOWWIN, constroem modelos considerando toda geometria 3D da molécula (TETKO e OPREA, 2008). Relata-se que a superfície polar (PSA) correlaciona-se inversamente com a capacidade de penetração lipídica (SONG, LIMAND e TONG, 2009). A PSA foi originalmente proposta para estimar a penetração pela BHE, mas também apresenta-se como propriedade adequada para a previsão da absorção oral e permeabilidade de membranas em geral. Como um simples estimador para a capacidade de ligação de hidrogênio de uma molécula, a PSA se tornou um dos indicadores mais utilizados no desenho de novos medicamentos (WATERBEEMD, 2009). Muitos modelos computacionais de solubilidade e permeabilidade têm sido desenvolvidos, e a maioria deles ou possui conjuntos de dados restritos (p. ex., apenas parte do espaço amostral foi incluída na formação do modelo), ou é baseada em apenas um mecanismo (p. ex., válido para uma via específica de transporte ou de proteínas de transporte). Isso indica que, em primeiro lugar, os conjuntos de dados utilizados no desenvolvimento de modelos de absorção aplicáveis ao processo de descoberta de fármacos tem a necessidade de cobrir um grande volume de seu espaço amostral. Em segundo lugar, o desenvolvimento de ferramentas de informática é fundamental para a extração de informações corretas a partir de combinações de todos os modelos que estão disponíveis. Além disso, modelos de absorção e de permeabilidade e os conjuntos de dados em que foram baseados têm um problema em particular no que diz respeito ao transporte ativo. No passado, os conjuntos de dados eram modelados sob a suposição de que a absorção ou o processo de permeação eram desprovidos de transporte ativo, e muitos dos compostos hoje investigados provavelmente terão mecanismos de absorção identificados por transportadores ainda não conhecidos. Todavia, se um modelo com boa estatística e boa capacidade preditiva é obtido, apesar do fato de alguns compostos do conjunto de treinamento (ou seja, os compostos utilizados para obter o modelo) estarem envolvidos em transporte ativo, duas explicações podem surgir: 1) a quantidade de transporte ativo de um composto em particular é insignificante, ou 2) o modelo derivado de alguma maneira inclui também as informações relativas ao transporte ativo, embora esta não fosse a intenção inicial, na maioria dos casos (NORINDER e BERGSTRÕM, 2006). Procedimentos baseados em algoritmos genéticos (AG), redes neurais artificiais (RNA), máquinas de vetor de suporte (MVS) e modelos estatísticos têm sido amplamente utilizados para prever a solubilidade aquosa e a absorção intestinal humana. Do mesmo modo, algoritmos de aprendizado e modelos

148

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

matemáticos para prever a permeabilidade em células Caco-2 e a penetração através da BHE têm sido descritos (SONG, LlMAND e TONG, 2009). Egan et al., por exemplo, utilizaram a absorção humana e dados obtidos em células Caco-2 para construir um modelo estatístico de reconhecimento padrão de absorção intestinal passiva, com previsão entre 74 e 92%, dependendo do conjunto de dados e critério utilizado. Outros modelos utilizando métodos estatísticos com boa previsibilidade da absorção intestinal incluem o modelo de Norinder et al., que usou quadrados mínimos parciais (PLS) na construção de modelos de regressão com descritores calculados MolSurf de ligação de hidrogênio, acidez/basicidade, área de superfície e polarizabilidade, e o modelo de Winiwarter et al., que utilizou um modelo PLS com Clog P, número de doadores de ligação de hidrogênio e PSA (ROBERTS, 2001).

Distribuição Tecidual Após sua absorção, um fármaco é distribuído ao longo dos diferentes compartimentos do corpo. Este processo é afetado pela quantidade de fármaco que se liga às proteínas plasmáticas no sangue e pelo equilíbrio entre o fármaco não ligado na circulação e nos tecidos (líquido extracelular e células). O volume aparente de distribuição (VD ou Vdª -ver Capítulo 3) é um parâmetro farmacocinético que descreve como o fármaco é distribuído nos tecidos em relação ao plasma, sendo especialmente importante no desenvolvimento de medicamentos, uma vez que influencia sua meia-vida e, portanto, o intervalo de dosagem necessário para o efeito farmacológico desejado (LOBELL e SNARAJAH, 2009). Os principais parâmetros relacionados com a distribuição nos estudos computacionais são volume aparente de distribuição no estado estacionário (VDss), permeabilidade à BHE e ligação a proteínas plasmáticas. Esses .... . """ parametros sao extremamente llllportantes para a compreensao do comportamento farmacocinético de um composto (TESTA, 2001). ,..,

, VOLUME DE DISTRIBUIÇAO NO ESTADO ESTACIONARIO Quando a partição de um fármaco entre o plasma e os tecidos atinge o equilíbrio, o volume de distribuição passa a ser chamado de volume de distribuição no estado estacionário ou estado de equilíbrio - steady-state (VD5J. Apenas as moléculas de fármaco não ligadas estão disponíveis para distribuição dentro e fora dos tecidos, sendo que a distribuição e a depuração de fármacos não ligados determinam as concentrações de fármaco livre no estado estacionário (LOBELL e SNARAJAH, 2009). A previsão do VDs.s é um parâmetro farmacocinético essencial, que, juntamente com a depuração, determina a meia-vida e, portanto, impactos sobre o regime de dosagem de um candidato a fármaco. O regime de dosagem é projetado para manter uma concentração plasmática de fármaco livre maior do que a necessária para alcançar o efeito farmacodinâmico no intervalo de dose e, ao mesmo tempo, menor do que aquela responsável por efeitos colaterais. A construção de modelos in silico eficazes não só exige ferramentas computacionais eficientes, mas também bancos de dados cuidadosamente montados. Bases de dados farmacocinéticos humanos são um desafio para compilar, pois os dados normalmente derivam de estudos distintos e, geralmente, abordagens experimentais diferem de estudo para estudo. Essas variáveis incluem:

o número e os tipos de sujeitos de estudo (p. ex., saudável versus doente, sexo, idade etc.), as vias de administração e doses, horários de coleta, métodos de análise da amostra e os tipos de parâmetros farmacocinéticos relatados (BERELLlNI, SPRINGER, WATERS e LOMBARDO, 2009). É necessário ainda ressaltar que as previsões obtidas a partir de descritores moleculares não consideram potenciais transportes ativos e taxas de dissociação baixas. Smith et al. demonstraram, em 1996, por meio de uma revisão que relaciona log D (no pH 7, 4) com valores de VDs.s em humanos para compostos ácidos, básicos e neutros, que o parâmetro log D isolado não é ideal para a previsão de VD55 , uma vez que, por exemplo, dois compostos básicos poderiam ter valores similares desse parâmetro farmacocinético, apesar de apresentarem 5 unidades logarítmicas de diferença no valor de log D. Em 2006, Lombardo e outros pesquisadores desenvolveram um modelo com 31 descritores calculados (incluindo lipofilicidade, ionização, volume molecular e fragmentos moleculares), que foi desenvolvido usando-se dados VD55 de 384 substâncias, inclusive ácidas, mostrando habilidade de previsão essencialmente idêntica às abordagens com animais. Usando dados de VD55 de ratos e cães para 64 fármacos e descritores moleculares tais como peso molecular, coeficientes de partição calculados e número de aceptores de ligação de hidrogênio, Wajima et al. desenvolveram, em 2003, uma equação de regressão para a previsão de VDs.s em humanos. O método que se mostrou mais eficiente na habilidade de previsão apresentou 78% de acerto com menos de 2 unidades logarítmicas de erro e 92% com menos de 3 unidades logarítmicas de erro (FAGERHOLM, 2007). '

,

PERMEABIIJDADE A BARREIRA HEMATOENCEFALICA A BHE separa o cérebro da circulação sistêmica e a passagem através desta é uma necessidade para os medicamentos que têm como sítio ativo receptores do sistema nervoso central (SNC) (TESTA, 2001). Há alguns aspectos nessa barreira que dificultam o sucesso de um candidato a fármaco com atuação no SNC. Primeiramente, em termos de morfologia, as células endoteliais que compõem a BHE estão conectadas por meio de junções oclusivas, que limitam drasticamente o transporte paracelular. Além disso, os baixos níveis de pinocitose e a falta de fenestras na membrana aumentam a dificuldade para a passagem de moléculas hidrofílicas. A BHE inclui ainda um sistema de enzimas metabólicas e transportadores de efluxo que constituem uma barreira bioquímica à maioria dos xenobióticos. Essa combinação de barreiras físicas e bioquímicas torna esse endotélio particularmente distinto dos demais, estimando-se que a BHE previna a passagem de mais de 98% de potenciais fármacos neuroterapêuticos (GOODWIN e CLARK, 2005). A penetração pela BHE é geralmente expressa como: Log BHE = log (CcérebrJCsanguJ

(19.1)

Ou seja, o logaritmo da relação entre a concentração do fármaco no cérebro e no sangue. Valores experimentais de log BHE variam entre -2,0 e 1,0 e compostos com log BHE > 0,3 têm permeabilidade à barreira, enquanto compostos com log BHE ,(1j

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2,55

5, 10

7,64

10,19

12,74

Escores PLS (variável latente 1)

Figura 19.5 Gráfico de escores (quantifica a distribuição dos compostos nas variáveis latentes, ou LV) obtido pelo PLS (CRIVORI, 2000).

uma estrutura cristalografada da proteína não está disponível no PDB, a otimização do ligante (fármaco) é feita com aproximações indiretas baseadas em similaridades, uma vez que este banco de dados contém, frequentemente, várias estruturas cristalografadas de proteínas que podem ser relacionadas com a proteína de interesse. As análises comparativas entre estruturas de proteínas de mesma farru1ia identificam fragmentos semelhantes e também regiões diversas. Assim, modelos teóricos baseados em proteínas similares podem sugerir modificações no ligante a fim de melhorar seletividade e especificidade do fármaco (CRUCIANI et al., 2005).

O campo de força GRID, incluído em programas como o VolSurf e o MetaSite, é uma das ferramentas virtuais que aceitam formatos pdb (provenientes do PDB) sem a necessidade de conversão para outros formatos (CRUCIANI et al., 2005). O programa GRID é usado, com sucesso, em estudos de seletividade de séries análogas ou estudos de pares de alvos, baseando-se na formação de mapas de interação energética com diferentes sondas. Os dados obtidos podem receber tratamento estatístico usando-se CPCA e/ou PCA. De acordo com a Figura 19.6, o GRID obtém campos de interação molecular (Molecular Interaction Fields, MIF) por meio de forças de

Transformação dos C/M em tabela de descritores Propriedades moleculares Molécula 1

lipofílicas estéricas

Cálculo dos campos de interação molecular (CIM) por sondas

Composto ou quimiotecas

eletrônicas ligação de H

Molécula n

Matriz X

Figura 19.6 Obtenção das interações energéticas (GRID) por PCA

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

repulsão e atração entre os compostos e sondas selecionadas. Os dados obtidos usando-se o PCA ressaltam as principais diferenças entre os alvos e, usando-se o CPCA, obtêm-se os tipos de interações necessárias para uma maior seletividade. No PCA, as informações relevantes sobre a interação liganteproteína são extraídas, formando a matriz X (CAROSATI et al., 2004;. KASTENHOLZ et al., 2000; PASTOR et al., 1997). Os estudos realizados no programa GRID ressaltam a importância de maiores pesquisas sobre a seletividade de fármacos, minimizando efeitos colaterais, pois por meio do conhecimento estrutural de cada aminoácido e da análise das interações no GRID, os estudos teóricos podem sugerir modificações estruturais e/ou indicar o candidato a fármaco mais seletivo. A modelagem molecular também tem sido amplamente utilizada para melhorar a compreensão da interação dos ligantes com proteínas plasmáticas, principalmente a albumina. Subramanyam e colaboradores realizaram, em 2009, um estudo de ancoramento entre a albumina e o ácido 3-trans-feruloil maslínico (FMA), composto existente na planta Tetracera asiatica com potente atividade anticâncer, anti-HIV, antidiabética e anti-inflamatória. Com esse estudo, foi possível concluir que o FMA liga-se às cadeias polares da albumina por três ligações de hidrogênio no subdomínio IB, no qual o anel feruiol liga-se à Arg 114 e a unidade de ácido maslínico liga-se à Leu 115 e Asp 173.

Metabolismo A obtenção de informações mais detalhadas sobre rotas metabólicas, preferencialmente nos primeiros passos da pesquisa de um candidato a fármaco, pode direcionar os trabalhos no sentido de aumentar a estabilidade ou segurança do composto investigado (CRUCIANI et al., 2005). A presença ou ausência da primeira passagem intestinal e/ou metabolismo no fígado é de grande importância na determinação da biodisponibilidade oral in vivo. Maior atenção tem sido dada às reações de fase I, em especial às reações oxidativas realizadas pelo citocromo P-450 (hemoproteína responsável por cerca de 75% da biotransformação hepática em humanos), já que estas são, muitas vezes, a principal razão para que um composto não seja aceito como fármaco, uma vez que podem originar substâncias tóxicas ou que sejam prontamente excretadas. A identificação precoce de interações medicamentosas fármaco-fármaco também é importante durante a seleção de compostos. Embora haja um grande número de enzimas de metabolização induzidas por fármacos, o citocromo P-450 é particularmente importante tanto por seu envolvimento em interações medicamentosas como por originar metabólitos com efeito mutagênico (ROBERTS, 2001). Dessa maneira, a triagem da biotransformação de candidatos a fármaco permite que problemas com toxicidade, graves efeitos colaterais e até mesmo óbito sejam previamente identificados. Por meio da proteção de regiões moleculares suscetíveis à metabolização, pode-se, por exemplo, aumentar a estabilidade de um composto, diminuir a quantidade de metabólitos tóxicos formados ou introduzir grupos volumosos ao composto, causando impedimento estético na reação com o citocromo, aumentando sua biodisponibilidade (CRUCIANI et al., 2005). Dados acumulados ao longo de anos, relativos à biotransformação de fármacos, têm sido implementados em sistemas especializados, podendo ser utilizados na triagem virtual do metabolismo de bibliotecas combinatórias (ROBERTS, 2001).

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Na literatura, apresentam-se diferentes métodos computacionais usados para prever a biotransformação preferencial de candidatos a fármaco e uma série de sistemas especializados como CASE, COMPACT, DEREK, HazardExpert, MetaSite, METABOLEXPERT e TOPKAT têm sido desenvolvidos tanto para a previsão de metabolismo como da toxicidade. No sistema COMPACT, por exemplo, a previsão da reação do candidato a fármaco com o citocromo P-450 é feita pelo cálculo de energia orbitalar e análise da capacidade de doar e/ou receber elétrons pela molécula investigada, uma vez que essa reação envolve a inserção de um átomo de oxigênio em um substrato orgânico (RH), enquanto o outro átomo de oxigênio é reduzido a' agua: /

(19.2) O programa MetaSite é um dos mais rápidos e eficientes métodos que permite prever, in silico e no começo da pesquisa, a biotransformação de um composto no citocromo P-450, ou, ainda, por qualquer outro citocromo de estrutura conhecida. A obtenção da informação sobre a região molecular do composto investigado onde ocorrerá a biotransformação auxilia a busca por propriedades farmacocinéticas ideais (CRUCIANI et al., 2005). Além disso, pode-se empregar o método de ancoramento (docking), que é um estudo de modelagem molecular que, basicamente, analisa candidatos a fármaco de estrutura molecular pequena, procurando obter informações sobre a conformação preferencial de ligação de um substrato no sítio ativo de uma proteína. Na Figura 19.7 representa-se a conformação do inibidor VNF ( 4-(4-clorofenil)-N-[(lR)-2-imidazolidin-4-id-1-il1-feniletil]benzamida) complexado com o citocromo CYP51 do T cruzi, realizado com o auxílio do programa Argus.

Excreção A remoção de fármacos do organismo chama-se excreção. Em termos de espaço físico, o trato digestório e toda a região

Figura 19.7 Estrutura cristalografada do inibidor VNF complexado com o citocromo CYP51 do T. cruzi. Imagem obtida no programa Argus.

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Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

intraluminar renal e das glândulas exócrinas são considerados meio externo ao organismo. A excreção ocorre tanto na forma original do fármaco como na forma de seus metabólitos. Entre as vias de excreção, destacam-se por sua importância a via renal, a via biliar e a via pulmonar, enquanto outras, tais como a via salivar, a via mamária, a via sudorípara e a via lacrimal, são consideradas secundárias. Os órgãos excretores, com exceção do pulmão, eliminam os compostos polares de modo mais eficiente que as substâncias mais lipossolúveis. Desse modo, os fármacos lipofílicos não são eliminados rapidamente até serem biotransformados em compostos mais polares (DORCE, 2007). Apesar de sua importância, esse parâmetro farmacocinético não possui quantidade expressiva de trabalhos publicados em relação à sua previsão in silico, até o presente momento. Luo et al. descreveram, em 2010, um modelo computacional para a previsão da excreção biliar com dados de excreção em ratos de 50 compostos com grande diversidade estrutural. Verificou-se boa correlação entre a área de superfície polar e a energia livre de solvatação dessas substâncias com a excreção. Além disso, alguns modelos interessantes foram reportados no sentido de se diferenciar a rota preferencial de eliminação de fármacos. Estes foram construídos com descritores holísticos do programa VolSurf e conseguem prever se a excreção ocorrerá por via hepática ou renal. A informação obtida pode ser utilizada para alterar a molécula de acordo com a rota de eliminação desejada (GUBA e CRUCIANI, 1998).

Toxicidade A minimização dos eventos tóxicos induzidos pela administração de uma substância a um sistema biológico é um fator-chave que poderá determinar o sucesso de um projeto de desenvolvimento de um fármaco (NIGSCH et al., 2009). As tecnologias in silico de previsão da toxicidade são usadas pela indústria farmacêutica como ferramenta para avaliação e seleção inicial do potencial tóxico de moléculas candidatas a fármaco. Abordagens computacionais de previsão de toxicologia são geralmente destinadas à construção de bases de dados de toxicidade, modelagem de QSAR, métodos baseados em regra humana, métodos baseados em descritores e métodos baseados em ligante e em alvo. Há ainda algumas ferramentas de visualização de dados disponíveis, que são um híbrido de ferramentas de previsão de toxicologia como QSAR e análise de sistemas de biologia e farmacologia. Os métodos computacionais que podem ser usados para a previsão dos efeitos tóxicos diferem em alguns critérios como a fundação matemática, o algoritmo, os custos computacionais indesejados e a natureza das previsões obtidas (contínua ou discreta). Entre os fatores que influenciam a seleção do método de modelagem a ser utilizado estão o tamanho do conjunto de dados, o tipo do conjunto de dados (compostos orgânicos, inorgânicos, produtos naturais; homogeneidade/heterogeneidade das estruturas) e o tipo de resposta esperada. Todos esses métodos, porém, compartilham o objetivo de prever, com precisão, a toxicidade pré-clínica de um candidato a fármaco, seus efeitos adversos em humanos e, em alguns casos, fornecer estimativas de incerteza (VALERIO, 2009). Várias técnicas conhecidas são usadas para criar modelos de previsão, tais como quadrados mínimos parciais (PLS), o

particionamento recursivo, máquinas de vetor de suporte, redes neurais, regressão linear múltipla, árvores de decisão, vizinhos k mais próximos e análise discriminante. Quando um modelo validado é encontrado, pesquisadores podem otimizar suas moléculas contra este efeito não desejado de uma maneira mais racional (MUSTER et al. , 2008). O método mais empregado atualmente na previsão da toxicidade de um composto é a análise por QSAR. Rankings baseados exclusivamente em dados QSAR podem ser utilizados para prever produtos químicos com maior nível de preocupação com relação a sua toxicidade, bem como o menor nível (HALFON, 1986; NEWMAN, 1995). Além da seleção do algoritmo apropriado, o uso de um conjunto adequado de descritores físico-químicos é o problema mais comum no desenvolvimento de um estudo QSAR e é um pré-requisito para as previsões robustas (VALERIO, 2009). Muitos modelos de QSAR são construídos pretendendo auxiliar na transformação da estrutura química de um fármaco em descritores numéricos que possam ser correlacionados com a toxicidade pelo uso de calibração multivariada (PCR ou PLS). Alguns dos descritores mais utilizados são o logaritmo do coeficiente de partição octanol/água (log P), o logaritmo do coeficiente de partição aparente (log D; P = D [1 + l OPh-pKaJ), a energia do HOMO (EHoMo), a energia do LUMO (E1UMo) e a constante de dissociação (pKa) (GUBA e CRUCIANI, 1998). Outra abordagem de análise in silico de dados de toxicologia engloba os métodos de classificação que consideram as relações de ordem entre os elementos. Lerche et al. (2002) utilizaram as relações induzidas por diagramas de Hasse para classificar os compostos químicos de acordo com seus efeitos ambientais. A técnica de diagrama de Hasse (Hasse diagram technique [HD11) tem sido amplamente aplicada para propósitos diferentes em vários domínios. Dentre eles citam-se a avaliação de testes toxicológicos (BRÜGGEMANN et al., 1995; BRÜGGEMANN et al., 1997); a análise da gestão de resíduos (HALFON, 1989) e o ranking de produtos químicos perigosos para o ambiente (HALFON, 1986; NEWMAN, 1995). Além disso, os dados de toxicidade e descritores moleculares obtidos pela utilização dessa técnica permitem classificar e prever quais as principais características que influenciam a toxicidade de um composto.

CONSIDERAÇOES FINAIS A primeira geração de modelos in silico para a previsão da farmacocinética está agora comercialmente disponível, enquanto outros métodos estão sendo desenvolvidos, publicados e implementados. A tendência atual é o crescimento cada vez maior das aplicações de softwares, principalmente em centros de pesquisa e universidades (WESTERHUIS et al., 1998; CRUCIANI, 2006), pois as tecnologias in silico, quando comparadas com os métodos in vitro e in vivo, são menos onerosas, consomem menos tempo, apresentam maior rendimento, têm maior reprodutibilidade se o mesmo modelo é utilizado, não requerem grande quantidade de compostos a serem sintetizados, podem submeter-se à otimização constante (adicionando propriedades úteis, descritores ou novos compostos) e têm o ,potencial para reduzir o uso de animais de experimentação. E importante salientar, entretanto, que as previsões in silico não substituem nem desqualificam testes

Estudos in Silico Aplicados à Avaliação da Farmacocinética e Toxicidade

Estudo da atividade e perfil ADMET Filtros baseados em regras

Estágios da descoberta de fármacos Desenho e aquisição da quimioteca _,

___

HTS

Triagem do composto hit

QSPR/ QSAR

Otimização do composto líder Desenvolvimento pré-clínico

Estágios clínicos

Figura 19.8 Aplicação de métodos in sílica, in vitro, ein mvo nos vários estágios da descoberta de um fármaco (adaptada de GOODWIN e CLARK, 2005).

experimentais. Ao contrário, o objetivo daqueles é trabalhar em parceria com estes, como evidenciado na Figura 19.8. O ponto forte dos métodos in silico é servir como ferramenta de suporte de decisão, juntamente com outras evidências científicas relevantes (VALERIO, 2009). Portanto, ensaios de farmacocinética experimentais, in vitro e in vivo, são indispensáveis para a avaliação de um novo fármaco (WESTERHUIS et. al, 1998; CRUCIANI, 2006), sendo muitas vezes requeridos para confirmar ou validar o modelo proposto (ROBERTS, 2009). Um dos principais problemas relativos à modelagem das propriedades ADMET ainda é a qualidade e o tamanho das bases de dados usadas para construir os modelos. Para o metabolismo e toxicidade, bases de dados estão disponíveis, porém, para as outras propriedades, a informação experimental é mais escassa (JÔNSDÔTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005). Dessa maneira, uma questão crucial é fazer o máximo uso dos dados experimentais disponíveis para a construção dos modelos de previsão (WATERBEEMD, 2009). Um grande problema gerado pelas tentativas de aumentar a eficiência dos ensaios geralmente leva à concomitante redução da qualidade desses ensaios. Com isso em mente, poder-se-ia concluir que os dados gerados usando-se HTS seriam usados de maneira mais adequada para criar um ranking, em vez de estabelecer um perfil ADMET definitivo. Todavia, os modelos deveriam idealmente ser baseados em dados definitivos e espera-se que, com o avanço dos conhecimentos relacionados com a ADMET e o crescimento das bases de dados, a capacidade de previsão dos modelos in silico seja otimizada (ROBERTS, 2009). A confiabilidade dos dados teóricos é dependente das informações contidas nos bancos de dados dos programas, que são gradualmente liberados pelas

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indústrias farmacêuticas e estão sendo atualizados. O sucesso desses estudos teóricos depende da aplicabilidade das informações obtidas in silico para a realidade humana, transformando os conhecimentos adquiridos em dados confiáveis. Adicionalmente, conhecimentos precisos de transporte e de biotransformação podem ocasionar grandes melhorias na previsão do comportamento farmacocinético de um candidato a fármaco (GUBA e CRUCIANI, 1998). Embora uma maior quantidade de dados, melhoria de sua qualidade e crescimento do entendimento das relações entre os diferentes processos no sistema biológico sejam necessários, o presente nível de disponibilidade de dados já tornou os estudos in silico uma ferramenta eficiente no processo de desenvolvimento e descoberta de fármacos (JÔNSDÔTTIR, J0RGENSEN e BRUNAK, 2005), permitindo que os esforços sejam concentrados em compostos com chances elevadas de atender aos critérios ADME requeridos, contribuindo para a redução daqueles mais suscetíveis a causar problemas nos últimos estágios de seu desenvolvimento. Esses modelos devem, contudo, ser continuamente refinados por meio de aprendizado iterativo. Sendo assim, os estudos in silico aplicados à farmacocinética têm ainda um longo caminho para alcançarem plenamente seu objetivo.

AVALIE SEUS CONHECIMENTOS 1. A utilização dos estudos in silico representa uma grande vantagem na pesquisa de um novo candidato a fármaco. Qual e por quê? 2. Os estudos teóricos possibilitam sugerir modificações estruturais em um composto. Quais as vantagens disso? 3. Em modelos teóricos que analisam a permeabilidade da membrana, um parâmetro é fundamental. Qual? Explique. 4. Por que é importante predizer as rotas metabólicas e de excreção de um fármaco? 5. Quais as vantagens do GRID? 6. O que é a Regra dos Cinco? Qual sua vantagem nos estudos teóricos? 7. Cite 3 ferramentas in silico usadas para predizer a metabolização de um fármaco. 8. A capacidade de um composto atravessar a BHE nem sempre é desejável. Explique. 9. O que é o PDB? 10. Pode-se dizer que as pesquisas com estudos in silicona área da farmacocinética já alcançaram um nível de desenvolvimento avançado? Por quê?

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CAPÍTULO

20

Aplicação da Farmacocinética aos Estudos de Correlação de Dados in Vitro-in Vivo ( CIVIV) Daniel Rossi de Campos, Sílvia Storpirtis, María Nella Gai e José Eduardo Gonçalves

INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o conceito da correlação in vitro-in vivo (CIVIV) vem despertando grande interesse das áreas acadêmica, industrial e regulatória. Com relação à área acadêmica é expressivo o número de publicações sobre o tema, disponíveis nas bases de dados internacionais e nacionais nos últimos anos. Na área industrial, o conceito pode ser aplicado no desenvolvimento de novas formulações e no caso de modificações de formulações devido a resultados de não bioequivalência (bioinequivalência). Além disso, no aspecto regulatório, a CIVIV pode ser aplicada no caso das bioisenções baseadas no conceito da classificação biofarmacêutica e nas alterações pós-registro. Os ensaios de dissolução, além de serem frequentemente empregados como uma ferramenta de controle de qualidade, podem ser utilizados para prever, por exemplo, a influência da alimentação na biodisponibilidade de alguns fármacos como o cetoconazol (KLEIN e ZOLLER, 2007) e o celecoxibe (SHONO et al., 2009), bem como para mapear a liberação de fármacos em determinados locais do sistema gastrintestinal, como no caso da mesalazina (KLEIN et al., 2002). A CIVIV é uma ferramenta matemática que relaciona dados de dissolução (in vitro) e dados farmacocinéticos (in vivo). Nesse contexto, esse capítulo demonstrará que os dados farmacocinéticos, obtidos de ensaios clínicos, podem ser correlacionados com os dados de dissolução, após a deconvolução das concentrações plasmáticas em frações absorvidas em função do tempo. Além disso, parâmetros farmacocinéticos, obtidos após a aplicação de modelos compartimentais, também podem ser correlacionados com os dados in vitro.

CONCEITOS DE CORRELAÇÃO 1N VITRO-IN VIVO O termo correlação é frequentemente empregado para descrever uma determinada relação entre variáveis. Conside-

rando-se um ponto de vista biofarmacêutico, o termo correlação refere-se a uma relação entre características de dissolução in vitro e parâmetros farmacocinéticos in vivo. Os dados de dissolução que podem ser empregados na construção de uma CIVIV podem ser obtidos diretamente da curva de concentrações dissolvidas em função do tempo ou a partir de dados como o tempo médio de dissolução in vitro (MDTinvitn) ou pontos de tempos de dissolução (t50%, ½o% etc.). Por outro lado, os dados farmacocinéticos empregados são obtidos de cálculos realizados a partir das concentrações plasmáticas versus tempo, tais como: fração absorvida (obtida por meio dos métodos de Wagner-Nelson ou Loo-Riegelman), tempo médio de residência in vivo (MRTin viv;), tempo médio de dissolução in vivo (MDTin vi~, área sob a curva (ASC) e concentração máxima (Cn,ax). Os parâmetros MRT invivo e MDTinmvo foram definidos no Capítulo 2 dessa obra. As definições para CIVIV, de acordo com a Farmacopeia Americana (USP), Agência Regulatória Americana (FDA) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), estão apresentadas a seguir (EMAMI, 2006; BRASIL, 2002): • USP: "Estabelece uma relação racional entre uma propriedade biológica ou um parâmetro derivado de uma propriedade biológica, produzida por uma formulação, e uma propriedade físico-química ou característica de uma formulação" • FDA: "CIVIV é um modelo matemático preditivo que descreve a relação entre uma propriedade in vitro de uma formulação e uma resposta relevante in vivo. Geralmente, a propriedade in vitro é a velocidade ou a extensão de dissolução ou liberação, enquanto que a resposta in vivo é a concentração plasmática ou a quantidade de fármaco absorvido" • Anvisa: "Refere-se ao estabelecimento de uma relação racional entre as propriedades biológicas, ou parâmetros

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Aplicação da Farmacocinética aos Estudos de Correlação de Dados in Vitro-in Vivo (CMV)

derivados destas, produzidas por uma forma farmacêutica e suas propriedades ou características físico-químicas". Classe

APLICAÇOES DA CORRELAÇAO

Q)

"O (\1

IN VITRO-IN VIVO Os estudos de CIVIV são aplicados a formulações e/ ou fármacos cuja solubilidade é fator limitante para a absorção. No caso de formulações de liberação modificada (LM), a quantidade de fármaco disponível para a absorção é dependente da formulação. A maioria dos artigos científicos que versam sobre CIVIV utiliza formulações de liberação modificada como protótipo para estabelecer tal relação. O Quadro 20.1 apresenta referências bibliográficas de estudos recentes (2009-2010) de CIVIV que empregam formulações de LM. A CIVIV pode ser estabelecida também para formulações de liberação imediata (LI) que contenham fármacos classe II, de acordo com o conceito do Sistema de Classificação Biofarmacêutica (BCS). Esse sistema permite estimar a contribuição dos parâmetros dissolução, solubilidade e permeabilidade na velocidade e na extensão da absorção de um determinado fármaco (AMIDON et al., 1995). Assim, o conceito da classificação biofarmacêutica estabelece quatro classes de fármacos de acordo com suas características de solubilidade e permeabilidade. Os fármacos classe I são aqueles que apresentam alta solubilidade e permeabilidade, os classe II apresentam baixa solubilidade e alta permeabilidade, os classe m alta solubili-

1

"O

.o (\1 Q)

E .....

Classe IV

Classe Ili

Q)

a..

Solubilidade

Figura 20.1 Classes de fármacos de acordo com o Sistema de Classificação

Biofarmacêutica-BCS (AMIDON et al., 1995).

dade e baixa permeabilidade e os classe IV baixa solubilidade e permeabilidade (Figura 20.1). A classificação de fármacos de acordo com a BCS constitui uma etapa fundamental para se definir se uma CIVIV será estabelecida. O Quadro 20.2 apresenta as expectativas de CIVIV de acordo com a BCS. Carbamazepina (KOVACEVIC et al., 2009), cetoprofeno (CORRIGAN et al., 2003) e glibenclamida (LOBENBERG et al., 2000) são exemplos de fármacos classe II, cuja CIVIV poderá ser estabelecida para formulações de liberação imediata.

NÍVEIS DE CORRELAÇÃO IN VITRO-IN VIVO 20.1 Artigos recentes de estudos de CIVN empregando-se formulações de liberação modificada (LM). QUADRO

Publicação 1

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5

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Três níveis de CIVIV podem ser definidos e classificados em ordem decrescente de importância (de A para C) para a submissão aos órgãos regulatórios no caso de solicitação de bioisenção.

Correlação de Nível A ~

E o nível de correlação mais importante que pode ser obtido. Representa uma relação ponto a ponto entre a dissolução in vitro do fármaco, a partir da forma farmacêutica, e a velocidade de entrada desse fármaco no organismo in vivo. Nesse nível de correlação, as curvas de dissolução in vitro e in vivo são diretamente sobreponíveis, ou podem ser sobrepostas utilizando-se fatores de escala (quando os tempos de coletas in vitro e in vivo não são os mesmos). A correlação de nível A é, geralmente, obtida para formas farmacêuticas de liberação modificada, as quais apresentam liberação in vitro independente do meio de dissolução utilizado nos ensaios in vitro (EMAMI, 2006; BRASIL, 2002). A correlação nível A é estabelecida quando a fração dissolvida em função do tempo é correlacionada com a fração absorvida em função do tempo (Figura 20.2). A fração absorvida em função do tempo é obtida pelo uso de técnicas de equilíbrio de massa modelo-dependentes, tais como os métodos de Wagner-Nelson, caso a curva de absorção se ajuste a um modelo monocompartimental, ou de Loo-Riegelman, se o ajuste é significativo para um modelo de dois compartimentos. Os modelos de Wagner-Nelson e Loo-Riegelman foram discutidos no Capítulo 5.

Aplicação da Farmacocinética aos Estudos de Correlação de Dados in Vitro-in Vivo (CIVIV)

QUADRO

157

20.2 Expectativas de CMV de acordo com o Sistema de Classificação Biofannacêutica (BCS) para fármacos contidos em

formulações de liberação imediata. Classe

Solubilidade

Permeabilidade

Expectativa de CIVIV

Fator limitante para a absorção

1

Alta

Alta

Esvaziamento Gástrico

Limitada ou não esperada

2

Baixa

Alta

Dissolução

Esperada

3

Alta

Baixa

Permeabilidade

Limitada ou não esperada

4

Baixa

Baixa

Caso a caso

Limitada ou não esperada

2,5

--

1,0 0,9

o~

0,8

2,0

cu

0,7

e: o

0,6

"O

(J)

.o

cu o !~ cu .... u..

~

·s:

0,5



• 2

R = 0,8714

t~ 1,0

R = 0,9821

0,4

15 '



0,3 0,2

0,5

º· 1

o o

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

Fração dissolvida(%)

Figura 20.2 Correlação nível A. Afração dissolvida (in vitro) é correlacionada

com a fração absorvida (in vivo) em função do tempo. Os dados in vivo são obtidos por meio de deconvolução. Como a correlação de nível A permite estabelecer uma relação in vitro-in vivo ponto a ponto, diferentemente dos outros níveis (B e C), é possível utilizar, se necessário, uma única formulação para a construção da relação. Os artigos de MACHA et al. (2009), SHAH et al. (2009) e OCHOA et al. (2010) apresentam dados recentes de estudos de correlação nível A.

Correlação de Nível B A correlação de nível B utiliza os princípios da análise dos momentos estatísticos. Nesse modelo de correlação, o tempo médio de dissolução in vitro (MDT;nvitrc) é comparado ao tempo médio de residência (MRT) ou ao tempo médio de dissolução in vivo (MDTin vii) (Figura 20.3). A correlação nível B utiliza todos os dados in vitro e in vivo, mas não é considerada uma correlação ponto a ponto como a de nível A, visto que uma série de diferentes curvas in vivo podem produzir valores semelhantes de tempo médio de residência (MRT). Por esta razão, tal nível de correlação não pode ser considerado para justificar alterações pós-registro, como modificações da formulação, alterações do local de fabricação, alteração de fornecedor, dos excipientes etc. A correlação nível B emprega, necessariamente, mais de uma formulação para a construção da relação in vitro-in vivo (EMAMI, 2006; BRASIL, 2002). No artigo de Schliecker et al., (2004) ilustra-se a construção de uma correlação de nível B.

Correlação de Nível C A correlação nível C relaciona um ponto de dissolução (t50%, ½ooA> etc.) a um parâmetro farmacocinético médio tal como ASC,

o +-----....------.-------,-------.------, 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 o MDT in vitro

Figura 20.3 Correlação nível B. OMRT in vivo é correlacionado com MDT

in vitro. (MRT = mean residence time [tempo médio de residência]; MDT = mean df.> k0 , tal expressão se iguala a 1 (p. ex., quando todos os receptores estiverem ocupados pelo fármaco), e [C-R] se iguala ao [Riota1l, o que significa que a intensidade do efeito farmacológico observada será máxima (HOCHHAUS e DERENDORF, 1995; ANTMAN et al., 2006; LOWE e BALIS, 2007). Em 1956, Stephenson publicou um artigo intitulado "A modificação da teoria do receptor", por meio do qual desenvolve a teoria da ocupação com relação não linear entre a ocupação do receptor e o efeito farmacológico. Stephenson (1956) demonstrou que a administração de concentrações equimolares de uma série homóloga de compostos alquil-trimetilamônio sobre a porção terminal do íleo isolado de cobaias resultou em diferentes valores de efeito máximo (Em.aJ e dose na qual o efeito é a metade do efeito máximo (EC5o). Ou seja, o efeito observado não foi diretamente proporcional ao número de receptores ocupados, contrariamente ao que foi postulado por Clark (1933). No intuito de explicar essa diferença de efeito, Stephenson (1956) cunhou o termo eficácia, para representar a habilidade do fármaco em ativar o receptor e desencadear o efeito. De acordo com o autor, o efeito máximo poderia ser atingido sem a ocupação total dos receptores (receptores sobressalentes) e a resposta farmacológica seria uma função do estímulo aplicado (STEPHENSON, 1956): R = f(_S)

(22.6)

S= ey

(22.7)

Em que: S = estímulo e = eficácia do fármaco y = percentual de receptores ocupados.

Outras teorias foram desenvolvidas como, por exemplo, a teoria da velocidade, elaborada por Paton, e a teoria alostérica, de Changeux (PATON, 1961; CHANGEUX, 1967; ARONSON, 2007). Entretanto, a teoria de ocupação do receptor desenvolvida por Clark (1933) continua sendo a base para a compreensão dos mecanismos de ação dos fármacos (ROSS e KENAKIN, 2001). O modelo farmacodinâmico proveniente dessa teoria, modelo de E,nax, é atualmente o mais utilizado quando do desenvolvimento de modelagem PK/PD (DARTOIS et al., 2007).

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

MODELOS FARMACODINÂMICOS CLÁSSICOS A expressão "modelos farmacodinâmicos" refere-se exclusivamente aos modelos matemáticos que relacionam a concentração do fármaco no local de ação ao seu efeito ou ação farmacológica, dependendo do endpoint e/ ou biomarcador mensurado. Tais modelos possibilitam a obtenção das curvas concentração-resposta. Relações do tipo dose-resposta somente são aceitáveis quando a variabilidade farmacocinética é muito pequena. Caso contrário, a utilização de curvas dose-resposta em estudos farmacodinâmicos não contemplaria a variabilidade farmacocinética interindividual, capaz de explicar a variabilidade das respostas farmacológicas entre pacientes. Assim, há que se correlacionar a ação e/ ou efeito farmacológico com medidas de concentração do fármaco, e não com a dose administrada (DERENDORF et al. , 2000). A maioria dos modelos farmacodinâmicos clássicos foi desenvolvida sem um conhecimento detalhado da interação fármaco-receptor, sendo, portanto, dotada de um caráter empírico em vez de mecanístico. Sob condições de estado de equilíbrio farmacocinético (p. ex., administrações orais em doses múltiplas ou infusão intravascular constante), a relação concentração-resposta pode ser descrita pelos modelos farmacodinâmicos clássicos: modelo de efeito fixo, modelo linear, modelo de Emax• modelo de Emax sigmoidal e modelo log-linear. Por outro lado, quando não se alcança o estado de equilíbrio farmacocinético (p. ex., por meio de administração de dose oral única ou bolus intravascular), modelos PK/PD integrados mais complexos são requeridos para se caracterizar a relação concentração-resposta. Diferentemente dos modelos farmacocinéticos, os modelos farmacodinâmicos são tempo-independentes. Entretanto, esses modelos podem ser integrados, objetivando descrever o completo curso temporal de um efeito farmacológico, conforme será discutido adiante. Os modelos farmacodinâmicos apresentados a seguir representam respostas graduais, nas quais o sistema responsivo é capaz de apresentar um aumento progressivo na magnitude da resposta à medida que a concentração no local de ação aumenta. Ainda, assume-se que o sistema encontra-se em estado de equihbrio farmacocinético e que os parâmetros farmacodinâmicos sejam tempo-invariante durante todo o período de observação.

Modelo de Efeito Fixo O modelo de efeito fixo é o modelo farmacodinâmico mais simples. Trata-se de uma abordagem estatística que, para certa concentração de fármaco (limite), quantifica a probabilidade de um efeito definido estar ou não presente. Por exemplo, concentrações plasmáticas de um aminoglicosídeo inferiores a 2,0 ng/mL resultam em uma probabilidade inaceitavelmente baixa de se obter um bom resultado clínico (DRUSANO et al., 2007). Essa abordagem é utilizada primariamente em ajustes clínicos de regimes posológicos, entretanto, mostra-se limitada para predizer um completo curso temporal de um determinado efeito farmacológico e/ou reação adversa.

177

Isso significa que um aumento na dose provoca um aumento proporcional no parâmetro farmacocinético mensurado. Assim, o modelo farmacodinâmico linear objetiva descrever a existência de uma relação proporcionalmente direta entre a concentração do fármaco no local de ação e o seu efeito. Entretanto, diferentemente do que se constata na Farmacocinética, a aplicabilidade do modelo linear na Farmacodinâmica é muito pequena. Apesar de esse modelo descrever que na ausência de fármaco o efeito observado será zero ou representará o valor fisiológico basal, ele não é capaz de calcular o efeito farmacológico máximo. O modelo linear pode ser representado pela seguinte equação: E= m* C+ b

(22.8)

Em que: m e b = respectivamente, os coeficientes angular e linear da curva C versus E. Na existência de um valor basal de efeito, b poderá ser escrito como E0 .

Como a mensuração das concentrações do fármaco no local de ação é tecnicamente muito difícil, sendo necessária a utilização de técnicas avançadas como a tomografia por emissão de pósitrons, podem-se utilizar basicamente duas abordagens: (1) desenvolver um modelo que apresente um "compartimento de efeito" (que será abordado mais adiante) ou (2) manter constante a concentração plasmática do fármaco (e, consequentemente, sua concentração no local de ação) por meio da administração do fármaco por infusão contínua, eliminando a preocupação com a cinética de distribuição do fármaco no local de ação (!OZER e ROWLAND, 2009). A relação entre a concentração da quinidina no compartimento de efeito, criada após administração por infusão, e a alteração no intervalo QT (correspondente ao tempo, no eletrocardiograma que decorre desde o princípio da despolarização, o início da onda Q no complexo QRS, até o fim da repolarização dos ventrículos, que corresponde à onda !) foram descritas com base em um modelo farmacodinâmico linear (HOLFORD et al., 1981). Do mesmo modo, Vincent e colaboradores (1983) utilizaram o modelo linear para descrever a relação entre a concentração de doxazosina no compartimento de efeito e as alterações na pressão arterial de 6 voluntários normotensos.

Modelo de Efeito Máximo (Emax) Apesar de o modelo farmacodinâmico de efeito máximo ser empírico, ele incorpora o conceito de efeito máximo predito pela teoria de ocupação do receptor. Esse modelo assimila, também, a lei do retorno diminuído, segundo a qual um aumento na concentração do fármaco próximo de Emax causa um aumento desproporcionalmente menor no efeito mensurado. Considerando que, de acordo com a teoria de ocupação do receptor, a intensidade do efeito farmacológico é diretamente proporcional ao número de receptores ocupados (representado na Equação 22.5 pela variável C-R) , pode-se inferir que:

Modelo Linear

[C-R]=E

A maioria dos fármacos apresenta uma relação dose-concentração plasmática linear dentro da faixa terapêutica proposta.

Ainda, considerando que o efeito máximo ocorrerá quando todos os receptores estiverem ocupados (quando C >> k 0 , [C-R]

(22.9)

178

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

= Rio~ e que k0 , quando da existência de uma relação linear entre a ocupação do receptor e o efeito, representa a concentração de fármaco que induz 50% do efeito máximo, podemos criar a seguinte equação: (22.10) Em que:

Curva concentração-resposta

A 100

• • • • • • • • • •••• • ••• ••

90 80

ClS

E ·E

-~

70 60

ClS

Emax = efeito máximo obtido EC50 = concentração de fármaco capaz de induzir 50% de Emax·

De acordo com esse modelo, com o aumento na concentração do fármaco, E aproxima-se assintoticamente de Emax· O modelo de E,nax descreve duas importantes características do efeito farmacológico: (1) a curva concentração do fármaco versus efeito assume o formato de uma hipérbole, e (2) a partir de uma determinada concentração de fármaco, o efeito farmacológico observado é máximo. O formato hiperbólico da curva concentração-efeito gerada a partir do modelo Emax pode ser alterado caso a abscissa expresse o logaritmo da concentração. Com isso, tem-se a obtenção de curvas concentração-efeito sigmoidais, conforme representado na Figura 22.3. Em alguns casos o efeito de interesse apresenta um valor basal (na ausência de fármaco) como, por exemplo, pressão arterial, frequência cardíaca, temperatura corpórea etc. Nessas situações, um novo parâmetro deve ser considerado na modelagem. Trata-se do efeito basal E0 . Assim como outros parâmetros farmacodinâmicos, E0 apresenta variabilidade intra e interindividual. Ao incluir esse parâmetro no modelo de Emax, obtemos a seguinte expressão: E =E + 0

E max [C] EC 50 + [C]

EC50 + [C]

(22.11) (22.12)

(/)

....Q)

40

ClS

30

"O

~ o

O modelo de Emax sigmoidal é uma expansão do modelo de Emax· Foi inicialmente proposto por Hill (1910) para descrever a associação entre oxigênio e hemoglobina. Hill observou que a ligação de uma molécula de oxigênio a um dos grupamentos heme da hemoglobina tetramérica influencia na ligação da próxima molécula de oxigênio, ou seja, a oxigenação de uma subunidade da hemoglobina causa um aumento na afinidade de ligação de outra molécula de oxigênio (HILL, 1910). Um valor de n > l pode indicar a ocorrência de efeito alostérico ou cooperativo quando da interação entre as moléculas do fármaco e do receptor. Teoricamente, a Equação 22.1 pode ser derivada para descrever a interação entre n moléculas do fármaco e um receptor: k3

nC+R# Cn -R=} E

(22.13)

k2

= _[C]_n _* [_R] [Cn - R]

20 10

o o

400

200

600

800

1.000

Concentração

Curva concentração-resposta

B

... , l ,,.••

100

711 ,..

90 ClS

E ·-

80

-~ E -

60

....Q)

40

ClS

30

................................................................................................. ··1r

/·' .~

70

ClS

( /) o 50 a. (/)

"O

:• :• 20 .......................... .............................. •



10

.

• •

• •• ••

1

••

o +------.----,-------r----,------r------, 2,5 0,5 1 1,5 2 o 3

Figura 22.3 Curvas de concentração-resposta hiperbólica (A) esigmoidal (B), construídas utilizando-se o modelo farmacodinâmico do Emax para um fármaco hipotético. No intervalo entre 20 e 80% da resposta máxima, a relação entre o logaritmo da concentração e a resposta é linear (B).

Modelo de Emax Sigmoidal

kl

•• •• • •

Log concentração

em que 6.E representa a diferença entre E e E 0 .

D

o 50 a.

~ o

dE = E max [C]

k

ü5

(22.14)

k = [C]n *([Rtotal] - [Cn -RJ) D

[Cn -R]

(22.15)

k D = [R total] _ l [C]n [Cn -R]

(22.16)

[C -R] = [Rtotal] *[ C] n n kn + [C]n

(22.17) (22. 18)

Em que: C = logaritmo da concentração de fármaco livre no local de ação n = fator de Hill ou fator de declividade.

Pode-se verificar que o modelo de Emax é, na verdade, um caso especial do modelo de Emax sigmoidal, no qual n = 1, ou seja, uma

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

120

cu E ·-

80

(J)

60

o

a. (J)

•n=1 •n=2 .a.n = 5 X n: 10

....Q)

cu 40

-o o~

20

o

*

log C+ b

(22.19)

Em que:

100

-~

E cu

E= m

179

• o

0,5



•1



••





• ... • • .a.

.a.

,a.X

X

X

1,5

2

2,5

3

3,5

Log da concentração

Figura 22.4 Curvas de concentração-resposta semilogarítmicas, construídas utilizando-se o modelo farmacodinâmico do Ema.'< sigmoidal (equação de Hill) para quatro fármacos hipotéticos, que apresentam o mesmo valor de EC50 e diferentes valores para o fator de Hill, n. Quanto maior on, maior a declividade. No caso de valores de n > IO, operfil farmacodinâmico de uma curva concentraçãoefeito gradual assemelha-se a uma resposta quantal do tipo "tudo ou nada". única molécula de fármaco liga-se a uma molécula do receptor. No caso de valores de nmuito elevados (n > 10), o perfil farmacodinâmico de uma curva concentração-efeito gradual assemelha-se a uma resposta quantal do tipo "tudo ou nada", segundo a qual o efeito será desencadeado apenas quando se ultrapassar uma determinada concentração limite de fármaco (Figura 22.4). Ao descreverem o efeito da tocainamida sobre a supressão de extrassístoles ventriculares, Winkle e colaboradores (1976) utilizaram o modelo de Emax sigmoidal com n entre 2,31 a 12,96, ou seja, uma inclinação extremamente acentuada. Entretanto, diferentemente do caso da ligação do oxigênio à hemoglobina, para a maioria dos estudos publicados, n (fator de Hill) não tem uma base molecular e é utilizado simplesmente como um parâmetro empírico para conferir sigmoidicidade e declividade à relação concentração-efeito e, consequentemente, possibilitar um melhor ajuste dos dados observados por meio do modelo. Isso explica o motivo da existência de frações decimais para n, o que não poderia ser possível haja vista a impossibilidade de apenas uma fração da molécula ligar-se a um receptor enquanto sua fração complementar ligar-se-ia a outro receptor. Por exemplo, Cox e colaboradores (1997) utilizaram o modelo de Emax sigmoidal para descrever a relação concentração-efeito do alfentanil sobre a amplitude do eletroencefalograma (em frequência de banda de 0,5 a 4,5 Hz) em ratos. Os valores médios dos parâmetros farmacodinâmicos do alfentanil foram (média ± desvio padrão): E0 = 57 ± 4 µ V, E,nax = 95 ± 17 µV, EC50 = 202 ± 55 ng/mL e n = 1,53 ± 0,2 (COX et al., 1997). De acordo com a teoria de ocupação do receptor, o valor de n sugere que 1,53 molécula de alfentanil liga-se a um receptor. Isso indica que o significado fisiológico do valor de n estimado neste estudo, assim como em outros, não é tão bem entendido como no caso da ligação de oxigênio e hemoglobina.

Modelo Log-linear O modelo log-linear assume uma proporção direta entre o logaritmo da concentração do fármaco do local de ação e o efeito mensurado. É representado pela Equação 22.19.

m e b = respectivamente, os coeficientes angular e linear da curva logC versus E. Na existência de um valor basal de efeito, b poderá ser descrito como E 0 . Esse modelo é um caso especial do modelo de Emax, pois, quando se utiliza o logaritmo da concentração em vez de apenas concentração no modelo de Emax, a curva gerada apresenta o formato sigmoidal, sendo que no intervalo entre 20 e 80% do efeito máximo a relação entre concentração-efeito é linear. Os coeficientes angular e linear da fase linear do modelo Emax são, respectivamente, "Emax/4" e "2 - lnEC50" (HOCHHAUS e DERENDORF, 1995). Assim, a faixa entre 20 e 80% do efeito máximo do modelo de E,nax sigmoidal pode ser descrita pela Equação 22.20. E=

E

4

* ln C + (2 - ln EC 50 )

(22.20)

Uma desvantagem do modelo log-linear é que o efeito não poderá ser calculado quando a concentração do fármaco for zero, haja vista a abordagem logarítmica empregada.

MODEIAGEM PK/PD Modelos PK/PD descrevem a relação entre a concentração plasmática de um fármaco (PK) e sua ação ou efeito farmacológico (PD), propiciando um melhor entendimento da complexa relação entre dose, farmacocinética e farmacodinâmica. Como resultado desses modelos, tem-se a caracterização completa do curso temporal da resposta mensurada. Dois dos grandes desafios da modelagem PK/PD consistem em descrever a concentração de fármaco no local de ação sem que se tenha atingido o estado de equilíbrio farmacocinético (p. ex., após administração de dose única), bem como descrever a dependência do tempo para os parâmetros farmacodinâmicos tempo-variante (VENITZ, 1995). Basicamente, os modelos PK/PD são descrições matemáticas sofisticadas de uma resposta farmacológica simplificada. Em relação ao curso temporal do efeito farmacodinâmico, os modelos podem apresentar caráter meramente descritivo e empírico (apenas combinando o perfil de concentração e a resposta) ou preditivo e mecanístico (caracterizando quantitativamente os eventos moleculares e/ou fisiológicos envolvidos na produção da resposta observada) (DERENDORF et al., 2000; PLOEGER et al., 2009). Os dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos, assim como a correlação entre eles, podem ser modelados separadamente ou simultaneamente (HOLFORD e SHEINER, 1982). A estratégia utilizada na modelagem consiste em quatro passos básicos (DERENDORF et al., 2000): • Estabelecer claramente o problema ou propósito da modelagem • Estabelecer claramente as premissas assumidas na elaboração do modelo • Justificar a seleção do modelo • Validar o modelo. Os modelos integrados PK/PD podem descrever interações fármaco-receptor reversíveis ou irreversíveis, bem como

180

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

respostas graduais ou quantais. Neste capítulo serão abordados apenas os modelos PK/PD para interações reversíveis e respostas graduais. Assim, os modelos PK/PD aqui apresentados podem ser classificados em função da inter-relação dos dados farmacocinéticos e farmacodinâmicos, resultando nas seguintes alternativas: ( 1) modelos de link-direto ou indireto, (2) modelos de resposta direta ou indireta e (3) modelos tempo-variante e invariante (MEIBOHM e DERENDORF, 1997).

PD

(22.22)

),

PKIPD

E max * -D* e - k e·, vd E= ----'----"'---~-

),,

EC50 +

D* ~

(22.23)

e-ke' t

Em que: CP = concentração plasmática

Modelo Link-direto ou Link-indireto Os estudos farmacocinéticos normalmente apresentam o perfil de concentração plasmática do fármaco versus tempo. Por outro lado, os modelos farmacodinâmicos utilizam como função de entrada a concentração de fármaco livre no local de ação. Desse modo, há que se considerar a cinética de distribuição do fármaco até o seu local de ação, ou seja, há que se considerar que o deslocamento do fármaco da circulação sistêmica para o tecido-alvo pode se comportar como o passo limitante da resposta farmacológica observada. Assim, a concentração plasmática pode se correlacionar diretamente com a concentração no local de ação e, consequentemente, com o efeito. Também se pode encontrar um desequilíbrio entre a concentração do fármaco no plasma e no local de ação, culminando com uma dissociação temporal entre concentração plasmática e efeito. A primeira situação requer a utilização de um modelo PK/PD link-direto; por sua vez, a segunda situação é trabalhada utilizando-se um modelo PKIPD link-indireto. No caso de um modelo PK/PD link-direto, o equilíbrio entre o plasma e o local de ação é rapidamente alcançado, e a razão da concentração (plasma/local de ação) é constante mesmo sob condições farmacocinéticas em que não se chegou, ainda, ao estado de equilíbrio. Consequentemente, a concentração plasmática pode ser usada como função de entrada do modelo farmacodinâmico. Utilizando uma abordagem não compartimentai, Lalonde e colaboradores (1987) correlacionaram a concentração plasmática do propranolol à diminuição da frequência cardíaca (link-direto). Foi observado que para cada valor da abscissa (concentração plasmática do fármaco livre) um único valor da ordenada foi associado de maneira crescente, ou seja, nenhuma histerese foi observada. Como os autores utilizaram uma abordagem farmacocinética não compartimentai, a concentração plasmática e a resposta foram, obrigatoriamente, mensuradas ao mesmo tempo (LALONDE et al., 1987). No caso dos modelos PK/PD link-direto, a abordagem matemática empregada é muito simples. Uma vez que há um equilíbrio entre o plasma ( compartimento central dos modelos farmacocinéticos) e o local de ação, procede-se à substituição do termo [C] dos modelos farmacodinâmicos pela equação que descreve o perfil de concentração plasmática versus tempo (CP(t)). Nesse caso, não se faz necessária a mensuração concomitante de E e CP. Assim, supondo que um determinado fármaco seja administrado como bolus intravascular, e a resposta observada siga o modelo de E,nax, seria obtido o seguinte modelo PK/PD link-direto: PK

),,

C = D* P

Vd

e-ke· t

(22.21)

D = dose administrada Vd = volume aparente de distribuição ~ = constante de eliminação do fármaco. A Equação 22.23 possibilita a descrição do curso temporal completo do efeito farmacológico observado. Na prática, constata-se que a obtenção de uma correlação direta entre concentração plasmática e resposta depende do tempo necessário para se estabelecer o equilíbrio cinético entre plasma e local de ação (t(½)eq), bem como do período de observação da resposta. Por exemplo, se t(½)eq de um determinado fármaco são 2 min, e a resposta é observada a cada 60 min, provavelmente, os dados de concentração plasmática e resposta se adequariam a um modelo PK/PD link-direto, pois transcorreu tempo suficiente para o alcance do equilíbrio farmacocinético. No Quadro 22.1 são listados os valores de ~½)eq para diversos fármacos. Diante desses dados, pode-se inferir que quando da administração de uma dose única de digoxina ou ergotamina, por exemplo, o alcance do equilíbrio farmacocinético entre o plasma e o local de ação será bastante lento. Em outras palavras, haverá uma dissociação temporal entre concentração plasmática e efeito. Por exemplo, ao se relacionar a resposta à concentração plasmática de digoxina antes de 4 h ou de ergotamina antes de 10 h (antes, portanto, do alcance do estado de equilíbrio entre o compartimento central e o compartimento de efeito), tem-se como resultado a indicação de que menores concentra-

QUADRO

22.1 Tempo necessário para estabelecer o equihôrio

cinético entre plasma e local de ação (tc½)eq) para vários fármacos (adaptado a partir do compilado de dados contidos em Lalonde, 1995). Fármaco

t cv,)eq ( rnin)

Referência

D-tubocurarina

4,7

STANSKI et al., 1979

Pancurônio

1,5

EVANS et al., 1984

Vencurônio

6,0

SOHN et al., 1986

Fentanil

6,4

SCOTT et al., 1985

Alfentanil

1,1

SCOTT et al., 1985

Diazepam

1,6

BÜHRER et al., 1990

Midazolam

1,9

BÜHRER et al., 1990

Disopiramida

2

WHITING et al., 1980

Quinidina

8,5

HOLFORD et al., 1981

Digoxina

214

KRAMER et al., 1979

Verapamil

2

SCHWARTZ et al., 1989

Ergotamina

594

TFELT-HANSEN e PAALZOW, 1985

181

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

ções plasmáticas produzem respostas farmacológicas de maior intensidade. Existem duas maneiras para se trabalhar com esse tipo de situação. Uma é avaliar a relação concentração-resposta sob condições de equilíbrio farmacocinético, por exemplo, administrando o fármaco via infusão intravascular contínua sob diferentes taxas. Entretanto, esse tipo de estudo é muito difícil para se conduzir em seres humanos. A outra é empregar um modelo PK/PD lin~indireto. Graficamente essa dissociação temporal é visualizada como uma histerese anti-horária, ou seja, um mesmo valor de concentração do fármaco (abscissa) apresentar-se-á correlacionado com dois valores distintos de efeito (ordenada), representada na Figura 22.5. Em alguns casos, a distribuição do fármaco até o local de ação assemelha-se à sua distribuição até um compartimento periférico de um modelo farmacocinético multicompartimental. Com isso, obtêm-se uma relação direta entre a concentração do fármaco no compartimento periférico e a resposta observada. Tal estratégia foi utilizada na avaliação das seguintes relações concentração-resposta: efeito dietilamida do ácido lisérgico sobre o desempenho mental (WAGNER et al., 1968), efeito da digoxina sobre os intervalos de tempo sistólicos (KRAMER et al., 1979), efeitos anticolinérgicos da atropina (HINDERLING et al., 1985a e 1985b) e efeitos cardíacos e pulmonares do fenoterol (HOCHHAUS et al., 1992). Isso não implica necessariamente que o compartimento farmacocinético periférico seja idêntico ao local de ação, mas apenas que eles apresentam o mesmo comportamento farmacocinético. Na verdade, não há nenhuma razão a priori, justificativa ou racional fisiológico óbvio, para que o perfil de concentração do fármaco versus tempo seja o mesmo no local de ação e no compartimento farmacocinético periférico; trata-se apenas de uma coincidência. Sheiner e colaboradores (1979) avaliaram o efeito da infusão de D-tubocurarina sobre o movimento do polegar (adução) após a estimulação do nervo ulnar. O fármaco foi administrado inicialmente via infusão rápida de 16,8 µg/kg/ min durante 10 min, seguido de uma infusão lenta de 1,2 µg/ kg/ min até o final do experimento. A concentração plasmática da D-tubocurarina eleva-se imediatamente após o início da infusão, no entanto, seu efeito farmacológico só é detectado após 5 min do início da administração. Diante desses resultados, os pesquisadores concluíram pela necessidade da inclusão de um compartimento de efeito hipotético, ligado ao compartimento farmacocinético central por meio de uma constante de primeira ordem, ~e· A velocidade de dissipação do fármaco do compartimento de efeito seria representada por uma segunda constante de primeira ordem, ~o (SHEINER et al., 1979). O maior avanço do modelo do compartimento de efeito foi a concepção de que o próprio curso temporal do efeito poderia ser utilizado para definir as mudanças das concentrações no local-alvo, levando a um colapso da histerese anti-horária representativa da relação concentração-efeito (DERENDORF e MEIBOHM, 1999). No intuito de resolver a questão da dissociação temporal entre concentração plasmática e efeito, Holford e colaboradores (1981, 1982) detalharam o conceito de compartimento de efeito, pautados no trabalho-base de Segre (HOLFORD et al., 1981; HOLFORD e SHEINER, 1982).

A

90

40 35 C1l

E ~~ E

-

60

45

30

120 240

15

25

C1l

cn oa. 20 cn

...

15

C1l "O ~ o

10

Q)

5 • • • • • • • • • • • •

o o

1

• • • • • •

• • •

2

• • •

480 4

3

5

6

Concentração

8 120

40

---- _ _ _ 90

35 C1l

30

-~

25

tJo

20

E E a. cn ~

C1l

"O

240 300

60

/

45

I I I I

15

I I I

I

10

I

~ o

I I

5

'

...,:,:::=::::;:=====~::::::=_:~15~ -~---...

o 1·:· o

1

2

3

4

5

6

Concentração

Figura 22.5 Curvas de concentração-resposta representativas de uma histerese horária, ou proterese (A), e histerese anti-horária (B), construídas para dois fármacos hipotéticos. Otempo de amostragem hipotético é indicado próximo a cada ponto do gráfico. Aproterese (A) é a representação gráfica do fenômeno da tolerância.Já a histerese anti-horária (B) é a representação da ocorrência do fenômeno da sensibilização, bem como da dissociação temporal entre concentração plasmática e efeito, motivada pelo atraso no alcance do equilíbrio cinético entre plasma e local de ação ou por uma resposta indireta.

Na Figura 22.6 traz-se uma representação esquemática do modelo PK/PD lin~indireto que descreve um compartimento de efeito, conforme a equação: dDe -- k ce * De dt

-

k eO * D e

(22.24)

Em que: De= quantidade de fármaco no compartimento de efeito De = quantidade de fármaco no compartimento central ~ = constante de transferência de fármaco entre o compartimento central e o compartimento de efeito ~o = constante de transferência de fármaco para fora do compartimento de efeito.

Integrando a Equação 22.24, tem-se: (22.25)

182

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

...

Compartimento central (plasma)

keo

- -....IJJJo•

Efeito (E)

Compartimento de efeito

Figura 22.6 Representação esquemática do modelo PKIPD com um compartimento de efeito.

Em que:

D 0 = dose de fármaco administrada ~o = constante de eliminação do fármaco do compartimento central. O compartimento de efeito é apenas um compartimento hipotético que está ligado ao compartimento central. Como premissa básica desse modelo, tem-se que o compartimento de efeito recebe apenas uma quantidade muito pequena de fármaco, em relação à quantidade disponível no compartimento central, uma vez que ~e seria muito menor que qualquer outra constante farmacocinética. Desse modo, assume-se também que não há redistribuição de fármaco do compartimento de efeito para o compartimento central (SHARGEL et al., 2005; HOLFORD e ATKINSON, 2007). Por sua vez, ~o caracteriza o tempo para obtenção de equilíbrio entre a quantidade de fármaco no plasma e no compartimento de efeito; alguns exemplos estão dispostos no Quadro 22 .1 apresentado anteriormente. Quando o estado de equilíbrio é alcançado (dDjdt = O), tem-se o seguinte:

(22.26) (22.27) Combinando as Equações 22.25 e 22.27, tem-se: C = e

k *D* k eO

ce *(e-kco• t_e-keo'') kce * ½ *(ken - kcn)

C = e

k

O

*

D

eO O *(e-kco•t_e-keo' ') ½ *(keo - k)

(22.28) (22.29)

Em que: Vc = volume do compartimento central Cc pode ser definida como uma estimativa da concentração

de fármaco no compartimento de efeito em termos de uma concentração plasmática equivalente. Logo, o perfil de concentração no compartimento de efeito será paralelo ao perfil de concentração plasmática (LALONDE, 1995).

A partir da Equação 22.29 pode-se concluir que a concentração plasmática do fármaco não é modificada por kce, porém é controlada pelas constantes de eliminação do fármaco a partir do compartimento central (~o) e do compartimento de efeito(~. Por questões didáticas utilizou-se, a título de ilustração, um modelo farmacocinético monocompartimental, representativo de uma administração intravascular por bolus. Entretanto, o modelo do compartimento de efeito pode ser acoplado a qualquer modelo farmacocinético, resultando, consequentemente, em equações mais complexas (i. e., com maior número de exponenciais). A equação gerada pelo modelo do compartimento de efeito pode ser utilizada como função de entrada em qualquer um dos modelos farmacodinâmicos clássicos ou em outros modelos farmacodinâmicos mecanísticos, culminando com a descrição completa do curso temporal da resposta farmacológica sob estudo. Finalmente, se ~o é igual à constante de redistribuição (p. ex., k 21) de um compartimento farmacocinético periférico para o compartimento central, a concentração de fármaco no compartimento de efeito corresponderá àquela do compartimento periférico, conforme exemplificado anteriormente. Caso contrário, o modelo do compartimento de efeito deverá ser utilizado. Por exemplo, ao avaliar a relação entre a concentração de quinidina e a alteração no intervalo QT, Karbwang e colaboradores (1993) verificaram que a taxa de transferência de fármaco para fora do compartimento de efeito (~0) foi muito mais rápida que a taxa de redistribuição do fármaco do compartimento periférico para o central (k21). Consequentemente, a abordagem do compartimento de efeito foi escolhida (KARBWANG et al., 1993).

Modelo Resposta Direta ou Resposta Indireta A administração de varfarina, um anticoagulante cumarínico oral amplamente utilizado no tratamento da fibrilação atrial e da trombose venosa ou arterial, a 12 voluntários sadios do sexo masculino resultou na obtenção dos seguintes parâmetros farmacocinéticos, Cmax = 1,2 ng/mL e T1nax = 2,0 h, e farmacodinâmicos, Emax = 29 s (tempo de protrombina) e Tmax = 36 h. Nota-se que há uma dissociação temporal entre o perfil farmacocinético da varfarina em plasma e seu efeito farmacológico (TISEO et al., 1998). Mais uma vez, tem-se uma relação concentraçãoresposta assumindo, graficamente, o formato de uma histerese anti-horária, conforme representada na Figura 22.5. A varfarina atua inibindo o complexo enzimático vitamina K epóxido redutase hepático, responsável pela regeneração da vitamina K reduzida, um dos cofatores enzimáticos imprescindíveis para a ativação e carboxilação de diversos fatores de coagulação (MAJERUS e TOLLEFSEN, 2001). Considerando-se que a varfarina é uma molécula lipofílica (log P = 2,9) e que seu local de ação, o fígado, é um órgão altamente perfundido, não se espera que keo seja elevado. Assim, diferentemente dos modelos PK/PD de link-indireto, esse grande descompasso na relação concentração-resposta não se deve a um atraso na obtenção do equilíbrio farmacocinético entre o compartimento central (plasma) e o compartimento de efeito. Em outras palavras, a farmacocinética não parece ser o passo limitante da resposta observada. Na verdade, o efeito observado, aumento no tempo de protrombina, não é o efeito primário, mas sim uma consequência de um processo de transdução lento (inibição

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

da redução da vitamina K epóxido, com consequente inibição da ativação dos fatores de coagulação, redução na concentração plasmática destes e, finalmente, aumento no tempo de protrombina). Com isso tem-se que a própria farmacodinâmica é o passo limitante da resposta observada. Para esses casos, utiliza-se o modelo de resposta indireta. Consequentemente, se a cinética do processo de transdução envolvido na obtenção da resposta observada for mais rápida que a cinética de distribuição do fármaco até o compartimento de efeito, a farmacocinética será o passo limitante. Nesse caso deve-se utilizar o modelo de resposta direta. Para exemplificar, tem-se que a relação entre as concentrações plasmáticas de betaína e de homocisteína assume o formato de histerese anti-horária (MATTHEWS et al. , 2002). A homocisteína é derivada da metionina proveniente da dieta e é um metabólito intermediário na via biossintética que converte a metionina em cisteína, via enzima cistationina í3-sintetase (CBS). Por sua vez, a homocisteína remanescente deve ser remetilada e convertida em metionina. Em seres humanos, a remetilação pode ser efetivada por vias alternativas: (1) conversão realizada pela enzima metionina sintetase (MT) e (2) atuação da betaína, que é derivada da colina da dieta, como um doador de metil na conversão da homocisteína em metionina. Essa reação é catalisada pela enzima betaína-homocisteína metiltransferase (BHMf), fechando o ciclo metabólico da metionina (BYDLOWSKI et al., 1998). Na Figura 22.7 apresenta-se uma representação esquemática simplificada desse ciclo. Sugere-se que a enzima BHMT assuma seis diferentes conformações estruturais (S 1-S6) durante a transferência do grupo metil da betaína para a homocisteína (VANEK et al., 2009). Tal rearranjo estrutural complexo da BHMT durante o ciclo catalítico está em concordância com a observação de uma taxa de recuperação da atividade enzimática muito lenta, ou seja, uma resposta limitada

pela farmacodinâmica (MILLIAN e GARROW, 1998; BREKSA e GARROW, 1999). O grupo de Matthews recrutou 6 pacientes com homocisteinúria devido a uma deficiência na enzima CBS. Cada paciente recebeu uma dieta com níveis controlados de metionina, bem como uma dose única oral de 100 mg/kg de betaína (MATTHEWS et al., 2002). Um modelo PK/PD de resposta indireta foi utilizado para tentar resolver a histerese anti-horária. Tal modelo assumiu que a taxa de alteração dos níveis plasmáticos da homocisteína dependeria da quantidade de metionina ingerida (função de entrada), a qual foi considerada constante (dieta com níveis controlados de metionina), com cinética de ordem zero C~niraruJ, bem como da quantidade eliminada (função de saída) via metabolização pelas enzimas MT ou BHMT, com cinética de primeira ordem C~a1wJ (MATIHEWS et al., 2002). Tal relação é expressa pela seguinte equação: d[HCY] = k

dt

sai/a

(22.30)

Em situações de homeostasia interna, as funções de entrada e saída são balanceadas de modo a preservar a concentração da homocisteína dentro dos níveis da normalidade. A administração de betaína exógena atuará diretamente sobre a função de saída (doador de metil via enzima BHMT), objetivando reequilibrar os níveis plasmáticos de homocisteína, que foram desequilibrados pela deficiência enzimática MT ou BHMT supra (MATTHEWS et al., 2002). Assim, há que se considerar o efeito dessa administração exógena na equação anterior, como demonstrado a seguir: entrada

- k - * [HCY] * E saída

(22.31)

Em que:

Dieta

E = efeito gerado pela administração exógena de betaína, calculado utilizando-se a equação de Emax, com E 0 = 1.

.....

/ ' N,N-dimetil-glicina S-adenosil metionina

M.etionina BHMT s1ntetase

Aceptor

\

Betaína ll:....__colina

+-~

1

à'f Serina

C8SÃ



Cistationina y-cistationase ~ a.-cetobutirato Cisteína

•º·

S

- k - * [HCY]

[HCY] = concentração plasmática de homocisteína.

dt

- - - - Homocisteína (HYC)

ertradl

Em que:

d[HCY] = k

+ ----~ Metionina -

183

-2

Como a redução da concentração plasmática de homocisteína é uma resposta limitada pela farmacodinâmica, a aplicação do modelo de resposta indireta possibilita a descrição do atraso farmacodinâmico sob condições nas quais o estado de equilíbrio ainda não foi alcançado. Esse modelo também incorpora uma função de estímulo, E, para a aceleração do clearance da homocisteína desencadeado pela betaína, resolvendo, portanto, o comportamento de histerese anti-horária característico de uma relação resposta indireta versus níveis plasmáticos do fármaco (MATTHEWS et al., 2002). De uma maneira geral, quatro modelos básicos de resposta indireta foram propostos a partir da seguinte equação (DAYNEKA et al., 1993; KRZYZANSKI e JUSKO, 1998):

dR

dt = k erurada * ( 1 + H 1 (t)) -

k saída *

R

*

( 1 + H 2(t)) (22.32)

Em que:

Figura 22. 7 Representação esquemática simplificada do ciclo metabólico da

R = resposta indireta para um fármaco X

metionina, descrevendo, também, a deficiência enzimática de CBS (representada pela cruz em negrito), uma das causas da homocisteinúria (adaptada de BYDLOWSKI et al., 1998 e MATI1IEWS et al., 2002).

~trada ~a1 O são os parâmetros relacionados com a extensão máxima de inibição e estimulação, respectivamente. IC50 e SC50 são as concentrações de fármaco capazes de produzir 50% da inibição ou estimulação máxima, respectivamente. Conforme apresentado, uma dissociação temporal entre a concentração plasmática do fármaco e a resposta farmacológica é decorrente de um atraso no alcance do equilíbrio cinético entre compartimento central (plasma) e compartimento de efeito (farmacocinética como passo limitante) ou de uma resposta indireta do fármaco (farmacodinâmica como passo limitante). Dependendo do caso, um modelo PK/PD diferente deverá ser utilizado. Assim, faz-se imprescindível o desenvolvimento de ferramentas capazes de orientar tal seleção dentre os modelos PK/PD disponíveis. Wakelkamp e colaboradores (1998) estudaram a relação entre a concentração plasmática de furosemida e o seu efeito sobre a diurese e natriurese. Como resultado obtiveram uma relação representada por uma histerese anti-horária. Os autores utilizaram um parâmetro farmacodinâmico, o tempo para obtenção da resposta máxima, como ferramenta para a seleção do modelo PK/PD a ser aplicado. O modelo de resposta indireta foi indicado como o mais adequado. A avaliação do mecanismo de ação do fármaco também foi fundamental para a correta seleção do modelo PK/PD (WAKELKAMP et al., 1998).

Modelo Tempo-variante ou Tempo-invariante Os quatro modelos PK/PD apresentados anteriormente utilizaram como premissa básica o fato de os parâmetros farmacodinâmicos serem constantes em relação ao tempo, ou seja, foram considerados modelos tempo-invariante. Nesse caso, tanto a intensidade do efeito máximo (Ema,c) quanto a afinidade do fármaco pelo receptor (EC 5o) permaneceram constantes com o passar do tempo, ou seja, foram tempo-independentes. A maioria dos fármacos comporta-se segundo essa premissa. Entretanto, para alguns fármacos, os parâmetros farmacodinâmicos são tempo-dependentes. Tais situações são descritas utilizando-se modelos PK/PD tempo-variante. O efeito farmacológico dos fármacos que seguem o modelo PK/PD tempo-variante sofrerá alterações mesmo quando a concentração de fármaco no local de ação permanecer constante (como, p. ex., no caso de uma administração de fármaco via infusão intravascular contínua). De maneira geral, o efeito mensurado não é uma consequência apenas da concentração do fármaco no local de ação, mas também do tempo. A dependência do tempo para um parâmetro farmacodinâmico pode resultar em duas situações: (1) aumento na intensi-

dade da resposta mensurada com o passar do tempo e manutenção da concentração de fármaco no local de ação constante, cujo resultado gráfico é uma histerese anti-horária, e (2) redução na intensidade da resposta mensurada com o passar do tempo e manutenção da concentração de fármaco no local de ação constante, cujo resultado gráfico é uma histerese horária, ou proterese (conforme apresentado na Figura 22.5). A primeira situação representa o fenômeno da sensibilização, cujo exemplo clássico é o aumento do número de receptores (upregulation). A sensibilização é a terceira explicação possível para a histerese anti-horária da relação concentração-resposta (Figura 22.5). Dependendo do mecanismo desencadeador, a sensibilização pode ocorrer de forma aguda ou crônica. De maneira geral, pode-se estabelecer que o aumento no número de receptores deva-se à remoção do feedback negativo causado pela exposição contínua ao agonista, ou, como no caso de alguns antagonistas de receptores acoplados a proteína G, ao desempenho de uma atividade negativa intrínseca, denominada agonismo inverso (SCHUTZ e FREISSMUTH, 1992; LALONDE, 1995; KENAKIN, 1995; MILLIGAN et al., 1995). Por exemplo, o número de receptores histamínicos H 2 transfectados em células de ovário de hamster chinês foi aumentado, de maneira dose e tempo-dependente, após exposição aos antagonistas H 2 cimetidina e ranitidina (SMIT et al., 1996). Tal fato pode explicar o aumento na acidez gástrica decorrente da interrupção abrupta do tratamento com antagonistas H 2 (NWOKOLO et al., 1991). Já a segunda situação representa o fenômeno da tolerância, que pode ocorrer em função de uma redução no número de receptores (downregulation) ou diminuição da afinidade do fármaco pelo seu receptor. A descrição do desenvolvimento da tolerância para o efeito cronotrópico da cocaína foi descrito utilizando-se a seguinte equação adaptada a partir do modelo farmacodinâmico linear (CHOW et al., 1985): E=

Eo + s * Ce (t) * (€T11)

(22.37)

Em que: s = coeficiente angular

E 0 = efeito basal Ce(t) = concentração do fármaco no local de ação k = constante que governa o desenvolvimento da toleranc1a t = tempo. A

'

Entretanto, a aplicação de tal modelo implica que se a concentração da cocaína no estado de equilíbrio for mantida por tempo suficiente, seu efeito tenderá a desaparecer (CSAJKA e VEROTTA, 2006). Hammarlund e colaboradores (1985) utilizaram uma adaptação da equação de Hill (modelo de Emax sigmoidal) para descrever o desenvolvimento de tolerância aguda da diurese induzida por furosemida: E= E + Emax * U(t) n o U(t) ,o + U(t)n * U(t)n E = E + __ E max.;....._ _ _ __ __,;,;=

O

1

kfuce)dt

U o,so * e o

+ U(J) n

Em que: U(t) = excreção urinária da furosemida

(22.38)

(22.39)

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

U(t) 50 = parâmetro refletindo a afinidade da furosemida pelo

seu receptor 0 0 ,50 = valor inicial de U 50 (antes do desenvolvimento da tolerância). De maneira geral, dado um fármaco hipotético, cuja farmacodinâmica é representada pelo modelo clássico do Emax, quando da redução do número de receptores em função do tempo, tem-se uma redução no efeito máximo (Emax X e-kt). Caso a tolerância desenvolva-se em função de uma redução da afinidade do fármaco pelo receptor, verifica-se um aumento no parâmetro EC50 com o passar do tempo (EC50*ekt), sendo k a constante que governa o desenvolvimento da tolerância, e t o tempo de exposição ao fármaco (CHOW et al., 1985; PORCHET et al., 1988; GIRARD e BOISSEL, 1989).

APLICAÇÕES Todas as intervenções medicamentosas acarretam custos, e as implicações econômicas são considerações importantes quando qualquer mudança na terapêutica é proposta. Novos medicamentos e/ ou regimes posológicos são muitas vezes mais caros do que aqueles que se destinam a substituir. Assim, pode-se abordar a otimização do uso de medicamentos já existentes, utilizando modelagem PK/PD, sob uma perspectiva econômica. A b etaína, empregada no tratamento da homocisteinúria, é classificada como medicamento órfão. Em razão disso, apresenta elevados custos de produção. Atualmente, 1 grama de betaína custa, aproximadamente, R$ 25,00. O regime posológico da b etaína prevê a administração de 100 mg/ kg, assim um adulto de 70 kg faria uso de 7 g de fármaco por dia de tratamento, a um custo estimado de R$ 175,00/dia ou R$ 5.250,00/ mês. Matthews e colaboradores (2002) utilizaram um modelo PK/PD de resposta indireta para descrever a relação entre concentração-resposta da betaína. Como resultado , demonstraram que uma alteração no regime posológico para 200 mg/kg não agrega nenhum benefício clínico, uma vez que com a administração de 100 mg/kg já se obtêm a resposta máxima. O aumento da dose promoveria apenas um incremento de custo mensal de 100% (MATIHEWS et al. , 2002). Um dos principais objetivos da modelagem é identificar a influência de fatores prognósticos como, por exemplo, peso corpóreo, idade, gênero, alimentação, tabagismo ou presença de nefropatia ou hepatopatia sobre os parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos fundamentais (GOBBURU e MARROUM, 2001). Por exemplo, um estudo da relação PK/PD para o tandolapril e tandolaprilato (metabólito ativo) em 31 voluntários, cujos valores de clearance de creatinina, Clcn oscilaram entre 4 e 112 mL/min, identificou uma relação inversa entre os parâmetros farmacocinéticos Cmax e ASC0_96 do tandolaprilato e a função renal (mensurada com base em Clcr). Mudanças significativas nas concentrações plasmáticas de tandolaprilato foram observadas em pacientes com Clcr < 30 mL/ min, sugerindo que uma redução na dose de tandolapril poderia ser aconselhável nos casos de insuficiência renal severa. Entretanto, não houve correlação entre a inibição da enzima conversora de angiotensina plasmática após 24 h da administração do tandolapril e o Clcr· Do mesmo modo, não se evidenciou correlação significativa entre a alteração na pressão arterial sistólica ou diastólica, em posição supinada, e a função renal.

185

Tais dados ratificam a necessidade de se considerar tanto a farmacocinética quanto a farmacodinâmica, integradas via modelos PK/PD, ao se recomendar alterações no regime posológico em pacientes com insuficiência renal (BEVAN et al., 1993). Em 1998, a Food and Drug Administration (FDA) publicou o guia "Providing Clinicai Evidence o/Effectiveness For Human Drug and Biological Products ". Tal documento estabelece que a efetividade de um novo regime posológico ou de uma nova forma farmacêutica (p. ex., um novo medicamento de liberação modificada, produzido a partir de um medicamento de liberação imediata já existente) poderá ser comprovada mediante demonstração de semelhança entre os perfis farmacocinéticos gerados (inovação versus padrão já existente). Caso as concentrações plasmáticas sejam diferentes, pode-se, ainda, demonstrar que a inovação é eficaz desde que se disponha de uma relação PK/PD bem definida. Essas diretrizes indicam que a modelagem PK/PD tem aplicação também na área regulatória (FDA, 1998). Na área regulatória brasileira, tem-se que a base da intercambialidade entre o medicamento genérico e o medicamento de referência é dada pela demonstração da equivalência terapêutica (BRASIL, 1999). Dois medicamentos são considerados terapeuticamente equivalentes se eles são farmaceuticamente equivalentes e , após administração da mesma dose molar, seus efeitos em relação à eficácia e segurança são essencialmente os mesmos, o que é avaliado por meio de estudos de bioequivalência apropriados, ensaios farmacodinâmicos, ensaios clínicos ou estudos in vitro (BRASIL, 1999). Segundo a Lei nª 9.787/ 99, bioequivalência consiste na demonstração de equivalência farmacêutica entre produtos apresentados sob a mesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativa e quantitativa de princípio(s) ativo(s), e que tenham comparável biodisponibilidade, quando estudados sob um mesmo desenho experimental. O mesmo texto legal define ainda biodisponibilidade como sendo "a velocidade e a extensão de absorção de um princípio ativo em uma forma de dosagem, a partir de sua curva concentração/ tempo na circulação sistêmica ou sua excreção na urina" (BRASIL, 1999). Em suma, dois medicamentos serão considerados bioequivalentes, e, portanto, intercambiáveis, se os valores extremos do intervalo de confiança (IC) de 90% da razão das médias geométricas (ASC0_1 teste/ ASC0_1 referência e Cmaxteste/ Cmaxreferência) forem maiores que 0,8 e menores que 1,25 (ANVISA, 2006). Tal limite de aceitação foi empiricamente estabelecido por especialistas clínicos da FDA, que avaliaram que diferenças de até 20% entre as médias dos parâmetros farmacocinéticos dos medicamentos teste e referência, para qualquer fármaco, não seriam clinicamente significativas (FDA, 2009). Visto que tais limites são empíricos, algumas agências reguladoras como, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a European Medicines Agency (EMEA), admitem a ampliação do limite de aceitação do IC 90% para Cmax, desde que não haja implicações clinicamente significativas e o limite tenha sido previamente estabelecido no protocolo (ANVISA, 2006; EMEA, 2010). A EMEA estabelece claramente que tal ampliação pode ser aceita desde que se tenha uma relação PK/PD bem estabelecida e capaz de demonstrar que uma ampliação no intervalo de aceitação do parâmetro farmacocinético Cmax não afeta, de maneira clinicamente significativa, a farmacodinâmica (EMEA, 2010).

186

Relação entre Farmacocinética e Farmacodinâmica (PKIPD)

Para exemplificar, pode-se considerar a administração oral de um determinado fármaco X cuja relação concentração-resposta segue o modelo PK/PD de link-direto perfeitamente descrito pelo modelo farmacodinâmico do Emax (sendo EC50 = 1 ng/mL), integrado a um modelo farmacocinético monocompartimental com absorção de primeira ordem (dose= 750 mg, Vct = 50 L, kª = 0,5 h-1, ~ = 0,2 h-1, F = 60%) e farmacodinâmica tempo-invariante. Os dados já citados serão considerados representativos do medicamento de referência. O medi,,. ,, "' camento gener1co, por sua vez, apresentara os mesmos parametros farmacocinéticos que o de referência, com exceção de kª que será 2,0 h-1 • Alterando-se apenas ka, obtêm-se uma variação de aproximadamente ± 42% em Cmax (de 4,88 ng/mL para 6,97 ng/mL). Utilizando esses perfis farmacocinéticos descritos, pode-se simular o perfil farmacodinâmico. Na Figura 22.8B apresenta-se a relação concentração-resposta gerada para os medicamentos teste e referência: com uma alteração de ± 42% em Cmax, observa-se uma mudança na resposta mensurada de 41,5 (assumindo a resposta como a porcentagem de redução de alguma variável fisiológica) para 43,7, ou seja, um incremento na resposta de aproximadamente 5%. Assim, a bioinequivalência entre os medicamentos genérico e referência aqui representados (levando-se em consideração o limite de aceitação de 0,8 a 1,25) não resultaria em alterações clinicamente significativas da farmacodinâmica (assume-se, hipoteticamente, como clinicamente significativa uma alteração na resposta mensurada maior que 20%), e nesse caso o IC 90% poderia ser ampliado. Mantendo todas as premissas assumidas anteriormente e alterando-se apenas o parâmetro farmacodinâmico EC50 para 10 ng/mL, novos perfis farmacodinâmicos são obtidos. Na Figura 22.8C apresenta-se a relação concentração-resposta gerada para os medicamentos teste e referência nessa nova situação, qual seja, com uma mesma alteração de ± 42% em Cmax, observa-se uma mudança na resposta mensurada de 16,4 para 20,5, isto é, um incremento na resposta de aproximadamente 25%. Consequentemente, tal aumento na magnitude da resposta seria considerado clinicamente significativo, e nesse caso o IC 90% não poderia ser ampliado, o que leva à conclusão pela b ioinequivalência entre os medicamentos genérico e referência. No primeiro caso (Figura 22.8B), a concentração plasmática máxima é maior que EC50 (Cmax >> EC5o), e a resposta mensurada, ao redor de Cmax, é próxima ao E,nax (acima de 80% de Emax). Nessa região da curva concentração-resposta, apesar de um rápido declínio nas concentrações p lasmáticas (ver, p. ex., Figura 22.8A entre 2 e 4 h), a intensidade da resposta permanece praticamente constante, ou seja, diferenças maiores que 20% entre cmaxteste e cmaxreferência não resultaram em alterações clinicamente significativas. Por outro lado, no segundo caso (Figura 22.8C), Cmax é menor que EC50 e, durante as 6 h iniciais, a resposta mensurada está entre a faixa de 45 a 20% de Emax, havendo um declínio mais rápido após esse período. Na faixa citada, a intensidade da resposta está linearmente relacionada ao logaritmo da concentração (TOZER e ROWLAND, 2009), ou seja, diferenças maiores que 20% entre as concentrações plasmáticas máximas geradas a partir da administração de dois medicamentos distintos (p. ex., genérico e referência) produziram diferenças clinicamente significativas. Utilizando esse mesmo racional, a EMEA estabelece que em algumas situações o limite de aceitação da bioequivalência

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...> EC50• 5. (1) Desenvolver um modelo que apresente um "compartimento de efeito", como, por exemplo, um compartimento periférico de um modelo farmacocinético compartimentai ou modelo link-indireto. (2) Manter a concentração plasmática do fármaco (e consequentemente sua concentração no local de ação) constante por meio da administração do fármaco por infusão contínua, eliminando a preocupação com a cinética de distribuição do fármaco no local de ação.

Índice Alfabético

A Absorção oral de medicamentos, 3, 6, 7 - área de superfície, 8 - características do fármaco, 8 - circulação local, 8 - concentração do fármaco, 8 - cronofarmacocinética, 120 - definição, 101 - estudos in silico, 146 - forma farmacêutica, 8 - idosos, 108 - interação com alimentos, 8 - mecanismos envolvidos, 76 - pH no local, 8 - pKa do fármaco, 8 - solubilidade, 8 - tempo médio, 23, 24 Acetazolamida, influência da exposição à altitude na farmacocinética, 137 , Acido valproico, controle farmacêutico, 114 Acúmulo de fármaco no organismo após administração de doses múltiplas, 64 - aspectos farmacocinéticos, 65 - fator, 65 Adaptações fisiológicas do ser humano à altitude, 134 ADME, determinação básica dos parâmetros - coelhos, 89 - ratos, 88 Administração de medicamentos - doses múltiplas, 58-63 - - flutuações das concentrações plasmáticas, 61 - - intetpretação dos dados farmacocinéticos, 59 - - modos de administração, 61 - - relação entre velocidade de introdução e velocidade de eliminação, 59 - extravascular em dose única, 40-48 - - cálculos - - - área sob a curva de concentração plasmática versus tempo, 43 - - - concentração máxima e do tempo máximo ou de pico, 42 - - - parâmetros farmacocinéticos, 41 - - modelo - - - dois compartimentos, 44 - - - flip-jlop, 44 - - - monocompartimental, 40 - - perfis de absorção, 45 - - reconhecimento do modelo farmacocinético, 41 - - tempo de latência, 42

- infusão intravascular, 67-71 - - alcance da Css, 68 - - cloridrato de esmolol, 70 - - cloridrato de nicardipino, 70 - - concentrações plasmáticas variadas com o tempo, 68 - - intetpretação dos dados farmacocinéticos, 67 - - interrupção, 69 - - nesiritida, 70 - - quantidade de fármaco no organismo, 67 - - tempo de alcance do estado estacionário excessivamente longo, 70 - intravascular em dose única, 34-38 - - cálculo, 35, 36 - - seleção do melhor modelo, 34 composição corporal, 105 Adulto, , Agua do organismo, total, 9 Albumina, 9 Amitriptilina, controle terapêutico, 114 Amostra de urina, coleta, 52 Amoxicilina - intervalo de administração, 59 - meia-vida de eliminação, 59 - modo de administração, 59 Anestésicos, 13 , Area sob a curva - concentrações plasmáticas versus tempo, cálculo, 31 - farmacocinética não linear, 78 Atorvastatina, administração, 96 Autorradiografia cotporal total em ratos, 88

B Barreira hematoencefálica, 148 Betaína, 185 Biodisponibilidade - absoluta, 97 - relativa/bioequivalência, 97 Biofarmácia, 4 Biofarmacotécnica, 4 Biotransformação dos medicamentos, ver Metabolismo Boas práticas - clínicas, 26 - laboratório, 26

e Cálculos - área sob a curva de concentração plasmática versus tempo, 31 - clearance, 22, 23

- - aplicações, 31 - - hepático, 30 - - renal, 30 - - total, 30 - constantes de velocidade de eliminação, 28 - depuração total, 22 - individualização da dose com fármaco que apresenta cinética não linear, 78 - meia-vida de eliminação, 31 - microconstantes, 22 - volume aparente de distribuição, 30 Carbamazepina, controle farmacêutico, 114 Carbonato de lítio, influência da exposição na farmacocinética, 137 Ciclos circadianos, 120 Ciclosporina, controle farmacêutico, 114 Cinética, 3, 5 - linear, 104 - Michaelis-Menten, 77 - mista, 7 - não linear, 104 - - etapas - - - absorção, 75 - - - distribuição, 76 - - - eliminação, 77 - ordem zero, 6 - primeira ordem, 5 Citocromo P-450, 11 - polimorfismo presente, 128, 129 Clearance, 23 - cálculo, 22 - - aplicações, 31 - cloroquina, 29 - conceito, 30 - definição, 102 - digoxina, 29 - etossuximida, 29 - farmacocinética não linear, 78 - flucitosina, 29 - hepático, cálculo, 30 - renal, cálculo, 30 - total, cálculo, 30 Clonazepam - intervalo de administração, 59 - meia-vida de eliminação, 59 - modo de administração, 59 Cloroguanida - ligação às proteínas plasmáticas, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Cloroquina, 28 - clearance, 29

220

Índice Alfabético

- ligação às proteínas plasmáticas, porcentagem, 29 - meia-vida de eliminação, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Clorpromazina - ligação às proteínas plasmáticas, porcentagem, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Codeína, polimorfismo, 130 Coeficiente de Pearson, 165 Composição corporal 105 - grandes altitudes, 135 Concentrações plasmáticas versus tempo, 13 Constantes - b iológicas, 26 - velocidade de eliminação, cálculo, 28 Controle terapêutico de fármacos, 113-118 - ácido valproico, 114 - amitriptilina, 114 - carbamazepina, 114 - ciclosporina, 114 - digoxina, 114 - fenitoína, 114 - gentamicina, 114 - lidocaína, 114 - lítio, 114 - micofenolato, 114 - quinidina, 114 - sirolimo, 114 - tacrolimo, 114 - teofilina, 114 - vancomicina, 114 Correlação de dados in vitro-in vivo (CIVIV), 155-160 - aplicações, 156 - conceitos, 155 - construção de perfis - - absorção, 158 - - avaliação da aplicabilidade, 159 - - dissolução, 158 - níveis, 156 - - A, 156 - - B, 157 - - c, 157 - - C múltipla, 157 - realização, 158 Creatinina, 12 Criança, composição corporal, 105 Cronofarmacocinética, 119-124 - absorção oral de fármacos, 120 - distribuição, 122 - eliminação, 122 - produtos de liberação controlada, 123

D Depuração, ver Clearance Desenho experimental dos estudos farmacocinéticos - determinação do tempo de coleta das amostras, 91 - estratégias, 90 Desipramina, polimorfismo, 130 Digoxina - clearance, 29 - controle terapêutico, 114 - intervalo de administração, 59 - meia-vida de eliminação, 29, 59 - modo de administração, 59 - volume aparente de distribuição, 29

Disposição dos medicamentos, 3 Distribuição dos medicamentos no organismo, 3, 6, 9 - ciclo êntero-hepático, 10 - cronofarmacocinética, 122 - definição, 102 - estudos in silico, 148 - idosos, 108 - mecanismos envolvidos, 76 - volume aparente (Vd), 10 Dose - ataque, 72 - estudo - - não roedores, 88 - - roedores, 88 - manutenção, 72

E Ensaios clínicos, farmacocinética, 94 Eritrócitos, interações com fármacos, 10 Estimativa bayesiana, 117 Estudos farmacocinéticos - grandes altitudes, 136 - - acetazolamida, 137 - - carbonato de lítio, 137 - - conduzidos, 136 - - furosemida, 138 - - meperidina, 137 - - prednisolona, 139 - - protocolo, 136 - - sulfametoxazol, 140 - in silico, 143-153 - - absorção oral, 146 - - distribuição tecidual, 148 - - excreção, 151 - - metabolismo, 151 - - toxicidade, 152 - pré-clínicos - - desenho experimental, 90 - - modelo animal, escolha, 90 - - objetivos, 87 - - padrão, 91 - - populaconal, 91 - - tipos, 87 - - - autorradiografia corporal total em ratos, 88 - - - avaliação das fórmulações farmacêuticas desenvolvidas com a NEC, 89 - - - correlação PK/PD, 89 - - - desenvolvimento preliminar de método bioanalítico, 88 - - - determinação da ligação a proteínas plasmáticas e da distribuição nos eritrócitos, 88 - - - identificação de isoenzimas para a metabolização e possibilidade de indução e inibição enzimáticas, 89 - - - perfil de metabolização in vitro e in vivo diferentes espécies animais, 89 - - - roedores e não roedores, 88 Etossuximida, 28 - clearance, 28 - meia-vida de eliminação, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Excreção dos medicamentos, 3, 6, 12 - biliar, 13 - cronofarmacocinética, 122 - estudos in silico, 151 - fezes, 13 - idosos, 108

- mecanismos envolvidos, 76 - pulmonar, 13 - urinária, 50-57 - - biodisponibilidade dos medicamentos, 54 - - bioequivalência dos medicamentos, 54 - - cálculo de parâmetros farmacocinéticos - - - modelo bicompartimental, 53 - - - modelo monocompartimental, 50 - - mecanismos, 50

F Farmacocinética, 3-15 - absorção, 7 - aplicações, 4 - aplicada à farmacoterapia, 101-111 - - absorção, 101 - - biodisponibilidade, 104 - - cinética linear e não linear, 104 - - clearance, 102 - - distribuição, 102 - - gestantes, 107 - - idosos, 106 - - insuficiência - - - hepática, 109 - - - renal 108 ' - - meia-vida' 102 - - pediatria, 104 - cinética, 6 - clínica, 3 - definição, 174 - distribuição, 9 - ensaios clínicos, 94-99 - - estudos de biodisponibilidade relativa/bioequivalência, 97 - - fase I, 94 - ensaios pré-clínicos, 85-93 - - análise dos perfis, 92 - - desenho experimental, 90 - - modelo animal, escolha, 90 - - objetivos, 87 - - tipos de estudos, 87 - excreção, 12 - farmacodinâmica, relação, 174 - histórico, 4 - linear, 5 - metabolismo/biotransformação, 10 - não linear, 75-80 - - ajustes da dose, 78 - - análise das consequências sobre os parâmetros farmacocinéticos, 75 - - área sob a curva, 78 - - cálculo da individualização da dose, 78 - - cinética de Michaelis-Menten, 77 - - clearance, 78 - - etapa - - - distribuição, 76 - - - eliminação, 77 - - meia-vida 78 ' - - nomogramas, 79 - - reconhecimento do processo de absorção saturável, 76 - objetivos, 5 - perfil de concentrações plasmáticas versus tempo, 13 - populacional, 170 Farmacogenética, 126 Fármacos - carcaterísticas físicas e físico-químicas, 10 - controle terapêutico e ajuste de dose, 113-118 .

Índice Alfabético

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ácido valproico, 114 amitriptilina, 114 carbamazepina, 114 ciclosporina, 114 classificação de acordo com o seguimento farmacoterapêutico, 114 - - digoxina, 114 - - fenitoína, 114 - - gentamicina, 114 - - lidocaína, 114 - - lítio, 114 - - micofenolato, 114 - - quinidina, 114 - - requisitos essenciais, 115 - - sirolimo, 114 - - tacrolimo, 114 - - tratamento farmacocinético, 116 - - vancomicina, 114 - disposição cinética e os parâmetros farmacocinéticos, 26 - forma farmacêutica, 8, 10 - sem controle terapêutico, 114 - velocidade de captação, 19 Fenitoína - controle farmacêutico, 114 - polimorfismo, 130 Fígado, 11 Filtração glomerular, 12 Flucitosina - clearance, 29 - meia-vida de eliminação, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Fluxo sanguíneo, adaptações a grandes altitudes, 134 Formulações farmacêuticas desenvolvidas com a NEC, 89 Furosemida - influência da exposição à altitude na farmacocinética, 138 - intervalo de administração, 59 - ligação às proteínas plasmáticas, 29 - meia-vida de eliminação, 59 - modo de administração, 59 - volume aparente de distribuição, 29

G Gentamicina - controle terapêutico, 114 - intervalo de administração, 59 - ligação às proteínas plasmáticas, 29 - meia-vida de eliminação, 59 - modo de administração, 59 - volume aparente de distribuição, 29 Gestantes, farmacocinética, 107 Glicoproteína-P, 130 Grandes altitudes e disposição cinética de fármacos, 133-141 - acetazolamida, 137 - adaptação fisiológica do ser humano, 134 - antecedentes das alterações farmacocinéticas, 133 - carbonato de lítio, 137 - composição corporal, 135 - estudos farmacocinéticos, 136 - furosemida, 138 - meperidina, 137 - prednisolona, 139 - sistema - - hematológico e fluxo sanguíneo, 134

- - hepático e metabolismo, 135 - - pulmonar, 134 - - renal, 135 - sulfametoxazol, 140 - volume plasmático, 135

H Hidralazina, polimorfismo, 130

I Idosos, farmacocinética, 106 ln sílica (estudos aplicados à avaliação da farmacocinética e toxicidade), 143-153 - absorção oral, 146 - distribuição tecidual, 148 - excreção, 151 - metabolismo, 151 - toxicidade, 152 Infusão intravascular, 67 Insuficiência - hepática, farmacocinética, 109 - renal, farmacocinética, 108 Interação fármaco-receptor e teoria da ocupação do receptor, 175 Inulina, 12 Irinotecano, polimorfismo, 130 lsoenzimas, identificação para o processo de metabolização e possibilidade de indução e inibição enzimáticas, 89 lsoforma - CYP2C, 128 - CYP2D, 129 lsoniazida, polimorfismo, 130

L LADMER, sistema, 4 Lidocaína, controle terapêutico, 114 Ligação as proteínas plasmáticas - estudo in silico, 149 - porcentagem - - cloroguanida, 29 - - cloroquina, 29 - - clorpromazina, 29 - - furosemida, 29 - - gentamicina, 29 - - lítio, 29 - - miconazol, 29 Lipoproteínas, interações com fármacos, 10 Lítio - controle terapêutico, 114 - intervalo de administração, 59 - ligação às proteínas plasmáticas, porcentagem, 29 - meia-vida de eliminação, 59 - modo de administração, 59 - volume aparente de distribuição, 29 Lovastatina, administração, 96

221

Meperidina, influência da altitude na farmacocinética, 137 Mercaptopurina, polimorfismo, 130 Metabolismo/biotransformação, medicamentos, 3, 6, 10 - estudos in sílica, 151 - grandes altitudes, 135 - idosos, 108 - mecanismos envolvidos, 76 - polimorfismos genéticos, 127 Micofenolato, controle farmacêutico, 114 Miconazol - ligação às proteínas plasmáticas, porcentagem, 29 - volume aparente de distribuição, 29 Microconstantes, cálculo, 22 Modelagem, 162 - aplicações, 168, 185 - PK/PD, 179 - processo, 164 - - analisar o problema, 164 - - assumir premissas e realizar simplificações, 164 - - coletar dados, 164 - - documentar o modelo, 166 - - formular o modelo, 165 - - identificar as variáveis relevantes e suas unidades, 164 - - verificar e validar o modelo, 165 Modelo(s), 162 - farmacocinético(s), 17-25, 163 - - bicompartimental, 20 - - compartimentais, 18 - - monocompartimental, 18 - - multicompartimentais, 19 - - não compartimental, 22 - farmacodinâmicos clássicos, 177 - - efeito máximo, 177 - - - sigmoidal, 178 - - efeito-fixo, 177 - - linear, 177 - - link-direto ou link-indireto, 180 - - log-linear, 179 - - resposta direta ou resposta indireta, 182 - - tempo-variante ou tempo-invariante, 184 - físico, 162 - matemáticos, 163 - mental, 162 - simbólico, 162 - verbal, 162

N Nomogramas, 79, 117

o OAT-C (SCPlBl), 130 Ordem cinética, 5

M

p

Meia-vida de eliminação, 27 - aplicações, 29 - cálculo, 28 - cloroquina, 29 - definição, 102 - dependência, 28 - digoxina, 29 - etossuximida, 29 - flucitosina, 29 - limitações, 29

Parâmetros farmacocinéticos, 26-33 - cálculo da área sob a curva de concentrações plasmáticas versus tempo, 31 - clearance ou depuração, 30 - disposição cinética do fármaco, 26 - meia-vida de eliminação, 27 - volume aparente de distribuição, 29 Pediatria, farmacocinética, 104 Perexilina, polimorfismo, 130 Perfis farmacocinéticos pré-clínicos, análise, 92

222

Índice Alfabético

PK/PD, estudos de correlação, 89 Polimorfismo genético e suas implicações na disposição de fármacos, 126-132 - isoforma - - CYP2C 128 ' - - CYP2D, 129 - metabolismo, 127 - receptores, 130 - tiopurina metiltransferase (TPMT), 129 - transportadores de fármacos, 130 Pravastatina, administração, 96 Prednisolona, influência da altitude na farmacocinética, 139 Primaquina, polimorfismo, 130 Princípio da sobreposição, 75 Procainamida, polimorfismo, 130 Produtos de liberação controlada, 123

Q Quinidina, controle terapêutico, 114

R Ratos - autorradiografia cotporal total, 88 - determinação básica dos parâmetros ADME, 88 - estudos da proporcionalidade de doses, 88 Reabsorção tubular, 13 Relações de proporcionalidade, 26 Relógio circadiano, 119 Resistência, 22 Rins 12 ' Ritmos biológicos, 119 Roedores, estudos farmacocinéticos, 88 Rosuvastatina, administração, 96

s Secreção tubular, 12

Simulação, 162 - aplicações, 168 - Monte Carlo, 166 - - métodos para geração de números aleatórios, 167 Sinvastatina, administração, 96 Sirolimo, controle farmacêutico, 114 Sistema - classificação biofarmacêutica (SCB), 9 - hematológico, adaptações a grandes altitudes, 134 - hematopoético, adaptações a grandes altitudes, 135 - LADMER, 4 - pulmonar, adaptações a grandes altitudes, 134 - renal, adaptações a grandes altitudes, 135 Sociedade Internacional de Modelagem e Simulação, 162 Sulfametoxazol, influência da exposição à altitude na farmacocinética, 140 Sulfonamidas, polimorfismo, 130

T Tacrolimo, controle farmacêutico, 114 Taxa de filtração glomerular, 12 Técnicas computacionais em farmacocinética, 162-172 - aplicações, 168 - processo de modelagem, 164 - simulação Monte Carlo, 166 Teofilina, controle terapêutico, 114 Teoria dos momentos estatísticos, 22 Tiopurina metiltransferase (TPMT), 129 TMA (tempo médio de absorção), 23, 24 TMR (tempo médio de resistência), 23, 24 Toxicidade, estudos in sílica, 152 Tramado!, polimorfismo, 130

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Transportadores de fármacos, polimorfismos genéticos, 130 Transporte (farmacocinética) - ativo mediado por carreadores de membrana, 7 - paracelular, 7 - passivo transcelular, 7

V Vancomicina, controle terapêutico, 114 Variações circadianas, 121 - fármacos, 123 Velocidade - captação do fármaco (VCF), 19 - eliminação, constante, 28 Volume - aparente de distribuição, 22 - - aplicações, 30 - - cálculo, 30 - - cloroguanida, 29 - - cloroquina, 29 - - clorpromazina, 29 - - conceito, 29 - - digoxina, 29 - - etossuximida, 29 - - flucitosina, 29 - - furosemida, 29 - - gentamicina, 29 - - lítio, 29 - - miconazol, 29 - plasmático, adaptações a grandes altitudes, 135

X Xenobióticos, 3