Estética e teoria da arte: uma introdução histórica

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HAROLD OSBO'RNE

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ESTE TICA E

TEORIA DA AR TE Uma introdução hist6rica Tradução de Ocr AVIO

MENDES CAl ADO

199802 1422 7.01 OSB /est

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EDITORA CULTRIX sÃo PAULO

Título do original:

AESTHETICS AND ART THEORY An historical introduction Publicado na Inglaterra por Longmans, Green & Co. Ltd., Londres e Harlow. © H. Osborne 1968.

íNDICE INTRODUÇÃO

I.

O CONCEITO CLÁSSICO DA ARTE

29

A arte Como ofício A teoria sócio-econômica da arte Apêndice 1: A posição social do artista Apêndice 2: Teorias funcionais da beleza 2.

NATURALISMO

1

Naturalismo grego e renascentista Critérios críticos do naturalismo Apêndice: O conceito de mimese

3.

MCMLXX Direitos exclusivos para a língua portuguêsa adquiridos pela

E D I T ó R A CU L T R I X

Realismo Antüdealismo Idealismo perfeccionista Idealismo normativo Idealismo metafísico Apêndice: Simétria e proporção

38 43 52

52 61 68 73

74 76 76 78

81 89

L T D A.

Rua Conselheiro Furtado, 648. fone: 278-4811, São Paulo, que se xeserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil Printed in Brazil

NATURALISMO 2

29 33

4.

A ESTÉTICA DA ARTE PICTÓRICA CHINESA

Os seis cânones da pintura Padrões críticos

95 101 114

5.

ESTt!.TICA MEDIEVAL E DA RENASCENÇA

o

caráter teológico da estética medieval A função didática e Q critério moral São Tomás de Aquino Princípios da estética , da Renascença 6.

ESTÉTICA INqL:f:SA DO SÉCULO XVIII

A atitude desint.eressada O sentimento. como fonte' de experiência estética O padrão do gôsto

7. 8.

ACRfTICA DO JUíZO, DE KANT A ESTÉTICA DO ROMANTISMO

A Inspiração O Gênio Apêndíce: A imaginação

9.

TEORIAS DA EXPRESSÃO E DA COMUNICAÇÃO

A arte como auto-expressão A arte como comunicação emocional A arte como concretização' emocional 10.

A ESTÉTICA DO SÉCULO XX

A filosofia analítica Arte e emoção A autonomia da obra de arte A unidade orgânica O valor estético Apêndice 1: A apreciação como atividade auto-remunerativa Apêndice 2: A arte como jôgo LEITURAS ESCOLHIDAS

118 119 123 125 128

133

íNDICE DE ILUSTRAÇÕES

137 145 148

Entre as pp. 64-65

155 178 185 189 193

Desenho pata escultura de Viilard de Honnecourt, século XIII, A.D. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 2. Hércules Como Fortaleza, de Nicolo Pisano. Detalhe do púlpito no Batistério, Pisa, século XII, AD. . Coleção Mansell de Fotografias. Foto: Alinari. 3. A Lamentação de Crísto (Maesta) de Duccio di Bonínségna século XIII A.D. Opera del Duomo, Sienau. ' Coleção Mansell de Fotografias. Foto: Alinari. 4. Laocoonte. Gravura de L'Antíquité expliquée de Montfaucon, 1n9~4.

209 210 223 . 229 236

5.

6. 7. 8.

236 244

9.

247

10.

256 265 270 274

12.

274

13.

11.

'

Cortesia da Instituição de Arte Courtauld. Massacre dos Bretões Pelo Bando de Hengist em Stonehenge. Esfregaço de John Flaxman, 1783. Cortesia do Museu Firzwilliam, Cambridge. Litografia de Picasso. Coleção do autor. Mobília Artek, c. 1933. Cortesia de Danasco. Mastro totêmico, Colúmbia britânica. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. Tôrre de Pesquisa, Radne, Wisconsin.. Cortesia do Serviço de Informações dos Estados Unidos. '. Lírio e Romãs. Desenho de papel de parede por William Morris. Cortesia do Museu Victoria & Albert. O Mofor da Rosa, Alemanha, c. 1750. Direitos de propriedade do Science Museum. Sêlo cilíndrico sumeriano de aragonita, c. 2500 a. C. Cortesia dos curadores do' Museu Britânico. Nen-kheft-ka. Pedra calcária de Deshasheh, c. 2750 a.C. Cortesia dos curadores do Museu·' Britânico;

14. Assur-Nasir-Pal, c. 860 a.c. Cortesia dos curadores do Museu Britânico.

15. Kouros grego, início do século V a.C. Cortesia dos curadores do Museu Britânico.

16. Pedra tumular de Teano, Atenas. Fotografia: Hirmer Fotoarchiv. 17.

Grupo eqüestre do frontão do Pártenon. Cortesia dos curadores do Museu Britânico.

18. Afrodite no Regaço de Dione, do Pártenon. Cortesía dos curadores do Museu Britânico. 19. Cerâmica vermelha desenhada: estilo livre. Ateniense, século V a.C. Cortesia do Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque, Fundo Rogers, 1907. 20. Frente do trono Ludovisi. Museu TeIme, Roma. Fotografia: :Hirmer Fotoarchiv.

21. Afrodite Ensinando Eros a Atirar. Luvre. Fotografia: Giraudon. 22. Alexandre, o Grande, de Lisipo, idealismo helenistico, século IV a.c. Museu de Istambul. Fotografia: Hirmer Fotoarchiv. 23. Cícero. Realismo romano. Museu Lateranense. Coleção Mansell de Fotografias. Fotografia: Anderson. 24. Retrato de um menino grego! século ~ II A.D. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 25. Cabeça de Buda. Gandara, séculos II-lII A.D. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 26. Cabeça de Buda. Khmer, século XII A.D. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 27. Estátua§retrato pré-colombiana de um prisioneiro! c. 200 A.D. Coleção Kemper. 28. Auto-Retrato de Chardin, 1699-1779. Luvre. Coleção ManseIl de Fotografias. Fotografia: Alinari. 29. Isabel Codos de Porcel, de Goya, 1764-1828. Cortesia da National Gal!ery. 30. Detalhe de Las Meninas, de Velasquez, 1656. Prado. Coleção Mansel! de Fotografias. Fotografia: AlinarÍ. 31. Sra. Thomas Bolyeston, de John Singleton Copley, 1766. Cortesia do Museu Fogg de Arte, Universidade de Harvard. 32. Kahnweiler de Picasso! 1910. Cortesia do Instituto de Arte de Chicago. 33. Cabeça de Modigliani. Cortesia da Galeria Tate.

Entre as pp. 192-193 34. Caligrafia chinesa por K'ang Yu-wei, 1858-1927. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 35. Brotos de Bambu, de Wu Chen 1280-1353 de Chekiang. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 36. O Poeta Lin P}u Vagando ao Luar. Tu Chín, ativo c. 1465-1487. Cortesia do Cleveland Museum of Art, Fundo Severence. 37. Auto-Retrato, de Hokusai, 1760-1849. Cortesia do Museu Guimet.

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L.

38. Tocador de Flauta Sentado Num Búfalo d'Água, por Kuo Hsü, c. 1456. Museu de Nanquim. 39. Coelho com Figos. Pintura de parede de Herculano. Museu Nacional de Nápoles. 40. O Rinoceronte. Gravação em madeira de Albrecht Dürer, 1515. Cortesia do Courtauld Institute of Art: Witt Library. 41. Cabeça de puma de Tiahuanaco, 500-700 A.D. Coleção do autor. 42. Pano de algodão pintado de Chancay, Andes Centrais, c. 200 a.c. Coleção Kemper. 43. A Frigideira, de William Scott. Cortesia do Arts Coundl of Great Britan. 44. O Mosaico do Bom Pastor, século V A.D. Mausoleo di Galla Placidia. Ravena. Coleção Mansell de Fotografias. Fotografia: Anderson. 45. Fuga Para o Egito. Miniatura do Código de Nero. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 46. A Vitória de Davi Sôbre Golias. Museu de Arte Catalã, Barcelona. 47. Luca Pacioli Acompanhado por um Discípulo, de Jacopo de'Barbari. Museu Nacional de Nápoles. Coleção Mansel! de Fotografias. Fotografia: Anderson. 48. Estudo da forma humana, dos Canone de Proporzioni} de Leonardo da Vinci, 1452-1519. Coleção Manse1l de Fotografias. Fotografia: Alinari. 49. Ilustração do manuscrito La divina proporcion} 1509. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 50. Comédia. Gravura em madeira de O Primeiro livro de Arquitetura, de Sebastiano Serlio, Veneza, 1545. Cortesia dos curadores do Museu Britânico.

51. Deus, de William Blake. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 52. Le Chahutde Seurat. Cortesia do Rijkmuseum Kõl1er-Müller, OtterIo, Holanda. 53. Cabeças grotescas. Leonardo da Vindo Castelo de Windsor. Reproduzido com a bondosa permissão de Sua Majestade a Rainha. 54. Espanto de T€tes d'expression, de Chatles le Brun, Luvre. Coleção Mansell de Fotografias. Fotografia: Giraudon. 55. Paisagem Rochosa com Figuras, de Marcellus Larron. Cortesía do Courtauld Institute of Art: Witt Collection. 56. Siva e Parvati. Ovissa, séculos XII-XIII A.D. Cortesia dos curadores do Museu Britânico. 57. A queda de Babilônia, de John Martin. Cortesia dos curadores' do Museu Britinico. 58. Epouvantée de l'Heritage, de Houoré Daumier. Coleção Mansell de Fotografias. 59. Calavera Huertista, de José Guadalupe Posada. Cortesia do Instituto Nacional de Belas Artes e Letras, Cidade do México. 60. O Grito, de Edvard Munch, 1895. . Cortesia do Courtauld InstÍ!ute of Art: Witt Col1eetion. 61. Sakia na Cama. Desenho de Rembrandt. Cortesia da Staatliche Graphische Sammlung, Munique. 62. Bretonnes à la Barriere. Zincogravura de Paul Gauguin, 1889. Cortesia da Biblioteca Nacional de Paris. 63. O Onibus, de Honoré Daumier. Cortesia daWalters Art Gallery. 64. Desenho de capa para La Mort d'Arthur, de Beardsley. Cortesia de J. M. Deut and Sons. 65 .. Les Demoiselles d'Avignon, 1907, de Picasso.. Museu de Axte Moderna, Nova Iorque, adquirido através de doação testamentária de Lillit P. Bliss. 66. Composição em Vermelho, Amarelo e Prêto, de Piet Mondrian. Cortesia da Tate Gallery. 67. Tempo Transfixado, de Renê Magritte. Cortesia da Tate Gallery.

INTRODUÇÃO ~'cli'Çlr()

não é uma história da Estética como ramo da , nem se limita às doutrinas da arte e da beleza tais ,~p'arece1n nos escritos dos grandes filósofos. É um estu''''história das idéias num sentido lato e trata -ae concêitos

qu~-:mag~starr;~1i?~"c~or'tãmento'e:.Eãs-""siipõ~

.~ artIstas e .E~s pratISl!,s, a~~I~ormulaçõês Ist~"~.,~~g} .~,,,J!~!ªéias, '~_ª?" rar(), . 13._~~!Q._!l~~px~t!ca muito

.:.. se artIcularem· nos escrItos dos teoristas profissiotiãIs.'

etIêa~'ftmmd;"como a ""C"õtínécemos ,éumâ~~re'êém:.chegadá

. stória do pensamento hum-ano. Mas os homens pondera; especularam, tiveram as suas convicções acêrca qª, nªtl.1~ :Ij~~~ .da. arte, do. porquê e, elo "~O p~!a ,gu~ da atividade. 'artística, ,':~tes""dõ"século XVIII.' 48' ,Cliter~ntes' 'épõCãS'edílturas um ponto de vista diferente-s6breêsse's"assuntos"mãnT:' õ""nã~~I~:~~Õ.cj~:~·'OS~~~l~tâ·s·cH~~e~~Ia~~:r:,!~zer .~tl;=!~51~e~~~ rava que flzessem, mas tambem nos ctltenos pelos quaIs ,~~•.• ,~Y~!~'!~~~E_~?ª§·.Qº~~~.~ . __:PQr. ~.~s.~.",!ª~?!2,-ªLgfu;,~fvàções-:-ª .~ ... ,,,,~e!~!,~~~,,,_,~_~lJ,1l1 . . _.m9r~~~~ .t~.Quãndo7-pór~, SI e~a a um o, lUa ou ramo da incfúsTriã"Cie=ô1íêinã, ttlsta na so~ ãereeã'es1mi>ã"que .1Ee~"e"cõncéCl1da etao a at1t~_Sosm=J?2E~=:cõm-õs'"ttãEáIhadõtes " m conexão, portanto, com a~·atrrudê'·s6êr;"êcon6mic4a . icada em gran~e_parte da teoria da arte grega, faremos ap,anhado da pOSlçao social do artista na medida em que -vanou .co~ as mudanças sofridas pelo conceito de arte ge a Antlgwdade clássica até Willíam Morris. :~>A sociedade grega baseava-se numa aristocracia de cidas.sobrepo~ta a um corpo de artesãos e mercadores, de oriestr~ngelta, ~om uma população escrava qUe' executava os smaIS grossel'::os de t~ab~~o.. manual e os serviços domés: A. concerçao da ?ign:dade d? tra.balbQ não fazja parte sofIa re a. O cIdadao nascIdo livre que realízasse ali traba~o manual desda da sua dignidade, mais ou menos (;gIP;o descIa ~~ sua, o. g~ntlema,! que, nos tempos' vitorianos, se :s~sse ao comerCIO. ASSlID sendo, os artistas consideraar uma dass de trabalha oresartI Ices não ocu ava ,_~l~te~~~c~,...,.',' ~m ara este .O~~f~Platão, por e~emp o, ~lra ar .os prlll~lplOS a arte egIpcIa, censurava a distorção , da perspectiva pr~lcada na esc~1tura monumental grega a fim ",.,x;j;e que as proporçoes de uma flgura parecessem corretas ao espectador colocado muito abaixo dela. . Houve ou~ros perío~os de naturalismo na arte, como, por exemplo, o penado mochlca no Peru pré-columbiano. Historicame.nte, porém; o na~ur~lismo grego é importante porque de~ .. ~ermlUou o ca.-rater pn?-clpal da arte européia na Antiguidade e ~orque, apos um hiato durante a Idade-Média, a tradição revlVeu na Renascença e conservou o seu predomínio até o. pre.sente século. Os historiadores cujos interêsses estão intima1llent~~ li~ados à tradição européia da arte referem-se em têrmos entUslaStlCOS a essa conquista grega. O Professor Gombrich ~Ot ~xemplo, em Art and Illusion (1960), esposou o pont~ de VIsta segundo o qual: "Foram necessárias a extensão dos nossos horizontes históricos e a nossa consciêndaaumentada ?a arte de outras dv:ilizaçães para nos fazer ver claro o que )1:lstah.J.ente se deno1n1nou o ('milagre grego", a unicidade da atte gr:ega." Outros historiadores propenderam a considerar o ~tu:ahsmo, que encontr~u su_a primeira efIorescência na arte aSSlca grega e sua contllluaçao na arte européia como uma e:x:ceção se~ n-ao uma ab erraçao, - d o curso ger a1 d a arte ' mundial. l1~~al~ Slte?, ,P0lrdexet:;plo, grande autoridade em arte chinesa, ~ vro 1Ut1t~ a o Essentials in Art (1919), assim descreve catater espeCIal da tradição ocidental da arte:

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9 . 4a arte mais geralmente aplicado no mundo ocidental é ~lmente, o da hdelida e a nafurezã...... ós, os ocr cntais, tzemo~ ;; posslVel [email protected] a arte ao mundo dos fenômenos naturaIS, fizemCi6 da fidelicLide da reprodução a IDa.1S excêlsa virtude ..liã .pintura e na esciiltura~amosMe a ~rfeiç:ã.o da atle ~de no poder do artista de criar wtaCÕes ilu,&rias da natureza. 52

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um s.oIdado s?brecarregado de ~rmas numa corrida, que· êste parecla transpuar enquanto corna, e outro enquanto depunha as armas, cujos ofegas temos a impressão de ouvir. Numa competição com Zêuxis, Parrásio pintou umas uvas tão parecidas com uvas verdadeiras que os passarinhos acudiam a bicá-las. Diante disso, Patrásio pintou uma cortina em tôdaa extensão do quadro, que enganou o próprio Zêuxis; êste lhe pediu que descerrasse a cortina para poder ver o quadro. Outra história de Zêuxis, cO,ntada por Shakespeare, é a seguinte: Zêuxis pintou um menino carregando uvas com tamanho realismo que os passarinhos se aproximaram e bicaram as uvas. Diante disso, Zêuxis confessou o seu malôgro, pois se tivesse pintado o menino com o mesmD realismo com que pintara as uvas, os passarinhos teriam tido mêdo de aproximar-se. O valor atribuído à meticulosa exatidão do pormenor é ilustrado por uma anedota de Apeles, que costumava expor os sem; quadros junto à via pública e esconder-se para ouvir os comentários dos que passavam. De uma feita, ouviu um sapateiro censurar-lhe a representação de uma sandália porque esta possuía uma correia a menos. Apeles corrigiu o êrro e voltou a expor o quadro. Vendo que a sua crítica produzira frutos, o sapateiro,exorbitando, principiou a criticar a perna. Saindo do esconderijo, Apeles chamou-o à ordem: "Seu borra-botas, lembre-se de que é apenas sapateiro; aconselho-o, portanto, a não ir além dos sapatos." Dessa história vem o provérbio ne sutor supra crepidam (sapateiro, não passes do calçado). Os antigos admiravam o que quer que tivesse a natureza de um four de force. Polignoto, por exemplo) pintou um quadro famoso de um guerreiro com um escudo, que não se poderia dizer se estava subindo ou descendo uma escada. . . . . Na Renascença, a semelhança voltou a ser um lucrar-comum da apreciação e Vasari em suas Vidas dos pintores) b escultores e arquitetos mais eminentes (1550) inclui anedotas querivalizatu com as de Plínio e Aeliano: os morancros num afrêsco de ~ernazzone foram b~cado~ po~ pavões, um c:chorro num quadro de Francesco Monslgnorl f 01 atacado por um cão verdadeiro e a~sim por diante. A respeito de Giotto conta que, aind~ menmo e estudando com Cimabue, pintou certa vez uma môsca nariz de. um retrato em que Cimabue estava trabalhando e de forma tão real que Cimabue a tomou por uma môsca

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verdadeira e tentou enxotá·la. O contador de histórias Boc· cacdo, autor do Decameron, escreveu, a propósito de Giotto: "êle era de um espírito tão excelente que, ainda que a natureza, mãe de todos, sempre operante pela continua revolução dos céus, modelasse o que bem entendesse, êle, com o seu estilo, a sua pena e o seu lápis, o retrataria de tal modo que parecesse não a sua semelhança, mas a própria coisa~ de maneira que o sentido visual dos homel.1s fteqüentemente se enganava a seu respeito, tomando pelo verdadeiro o que era apenas pintado". Isto se nos afigura extravagante, se não incompreensível. Os quadros de Giotto e dos seus seguidores já não nos parecem acentuadamente ilusionísticos. É por outras, mais duradouras, qualidades estéticas que ainda os admiramos. Pouco ou nada da pintura grega clássica sobreviveu mas, a julgar pelas relíquias da pintura grega provinciana que ainda se encontram no sul da Itália, temos muitíssimas razões para supor que os quadros dos famosos artistas gregos não se nos afigurariam, notàvelmente ilusionísticos. Pareciam-no aos seus contemporâneos, como o pareceram os quadros de Giotto em contraste com que se fizera antes dêle. A significaç'ão das histórias .é a sua indicação de novos padrões de julgamento, novas manel-, ras de encarara arte gráfica~ que se põem em evidência nos períodos em que o naturfl.lismo, é preeminente. Sucede amiúde que as atitudes' e crenças aceitas, a matéria-prima da filosofia não expressa, se refletem no tipo de lendas e ~nedotas que entram em circulação. A veracidade delas.' não está em jôgo; o que importa ao nosso pr0pósito é a espécie de história que se conta. A lenda grega atribuía a origem da escultura ao mítico Dédalo~ 'o primeiro a' fazer estátu.as com os olhos abertos e re presentando. figuras em movimento. A semelhança das suas obras com os temas representados era um lugar-comum na lite ratura grega e latina. Na Hécuba Oi. 836-40) e num fra menta que ainda nos ficou da peça partida Euristeu, Eurfpid alude ao mito de que as suas estátuas dão a impressão de ro ver-se e ver. Numa peça chamada Dédalo, o grande poet cômico Aristófanes referiu a história segundo a qual, ao pasS que 'os escultores mais antigos modelavam imagens sem vis Dédalo foi o primeiro a abrir O§ olhos das suas estátuas, modo que elas parecessem estar vivas, mover-se e falar: "E p

°

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isso dizem que uma das estátuas ~feitas por Dédalo precisou ser amarrada pelo pé para não fugir." No diálogo Meno, . de Platão, Sócrates alude à história como se se tratasse de fato sabido (97d), e o poeta cômico Platão faz menção de um Hermes de madeira, esculpido por Dédalo, que era capaz de andar e falar. As primeir s literárias ao naturalismo na arte destacam as mesmas ualidades: a a 11 a e técniCa o atti Ice na rodu ão do simu acro, uma 1 usaó no sentIdo o trompe d'oeil, sobretudo uma I usao e VI a. Na lliada (xviü, 548) Homero remata longa descrição de um escudo cinzelado, feito pelo deus metalúrgico Hefesto para Aquiles, com uma cena de aração: "E atrás do arado a terra ficava negra, como fica um campo depois de lavrado, embora fôsse feita de ouro: verdadeira maravilha de lavor." Na Odisséia há uma descrição de uma fivela de ouro com um desenho esculpido na superfície: "um sabujo segurando um corçozinho malhado e despedaçando-o à medida queêste forcejava por escapar. Tôda a gente admirava o lavor, o sabujo rasgando e estrangulando o corçozinho, êste dando chicotadas com as patas ao procurar fugir, e a cena tôda feita de ouro". Eurípide~, no quinto século, em sua peça Alceste~ faz Admeto planeJar a encomenda de uma estátua-retrato para consolá-lo da perda da espôsa morta: "Encontrarei um hábil escultor que e~culpa a tua imagem e esta será colocada em nossa cama; aJoelhat-me-ei ao lado dela, enlaçá-la-ei com os braços, direi o te~ nome, Alceste! Alceste! e cuidarei aconchegar de mim a tnInha querida espôsa." A história do lendário rei de Chipre que se apaixonou por uma estátua de mármore preservou-se hum fragmento do poeta Aleixo, tio do mais famoso Menand:-o, e através de Filémon, poeta da Comédia Nova. A histórIa foi contada por Ovídio e mencionada por Luciano. A'

ema da habilidade dos artistas em produzir uma semen a de vi a ersIstlU urante to a a tIgUl a e c ásSIca. Irgílio alu· e t picamente a " ronzes que respIram suavemefr' e rostos vivos feitos de mármore" (Eneída, vi, 847). Por l~a do século IV A. C. convertera-se em lugar-comum de rerIca, como. nas descrições críticas de Calístrato. Sôbre uma cante de Escapas, escultor do quarto século famoso pela sua presentação das emoções, escreve êle o seguinte:

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.~.

fi.

II

Era a estátua de uma bacante feita de mármore de Paras e, não obstante transformada em verdadeira bacante. Pois embora conservasse 'a própria natureza, a pedra parecia transcender as ~uas limitações; se bem estivéssemos realmente con~em'plando uma Imagem,. a perlcIa do artIsta transformara a~Ilaçao ~ "Percebia-se que, 'a despeM da sua dureza, a peê!!a, aõranâãCtã, assumira visas de feminilidade e, conquanto não tIvesse o poder do movimento, sabia dançar a dança báquica e responder ao impulso do delírio báquico. Quar:do olhamos" para o retsto! quedamo.s sem fala tão vislvelmente manIfesta era nêle a aparencIa da senSIbilidade,' pôsto lhe faltasse sensação. .. embora desprovido de vida, possuía, sem embargo, a vitalidade da vida.

A respeito de um bronze, Eros, de Praxíteles, escreveu: Podia ver-se o bronze assumir a suavidade da carne e uma delicada nediez. Brando sem efeminação, se bem conservasse a côr própria do bronze, tinha a aparência de um viço saudável. Pôsto lhe faltasse o poder real do movimento, estava pronto para o revelar e, conquanto estivesse firmemente prê~o a um pedestal, iludia o contemplante fazendo-o supor que sena capaz de voar. Exultante até o riso~ o olhar que despedia dos olhos era, a um tempo, ardente e melífluo. [ ... ] Enquan~o eu cont;m:plava essa peça de artesanato, senti-me pronto a acreditar que De~alo chega!a a fazer um grupo de dançarinos em movimento e cor:ferIr.a "se~saçao ao ouro, ao passo que Praxiteles quase pusera lllteligencIa na imagem de -Eros e a afeiçoara para cortar os ares com as asas.

A representação da emoção ou do caráter pelas imagens visuaIS dlrelas, ao lnvés de representa-los slml3õllc~!p~nt_" pelas convénçoe,;- traêücIOJ:1aI~ sempf~:::_!l!S~pãriicüIar fasdnaç.,'!o num período de naturalismo e 12~receu contrIbuir de manelfa ootáve1 para a imp.J:essãCL..de.-"r~aIí?m.2.~_~,_(I,;:~~,!ra_ a art;= :naturalista. Os__ gregoschamavam a Isto Imltaçao na ã1:mã' . Expõem-no de forma interessante duas conversaç6"es relatadas por Xenofonte (Memorabilia, L. IH, Capo x), uma entre Sócrates e o pintor Parrásio e outra entre Sócrates e o escultor Cleito. Na primeira, Sócrates obtém de Parrásio que concorde em que o into! o Uimitar" jOvial ou triste, um o ar amistoso ou hostil. ou qualidades de caráter como ·"" a nobreza e a enetosidade, a vileza e ames ui1Jhez, a modéstia e a inte igênda, a inso ência e a estupl ez", que se reve· am nõS olhares e nos gestos dos homens, estejam eles im6vei,L.ou eri'ili16Viffiêilfo.-J\Ta conversaçao com Clelto, S6crates principia com o truísmõ(como era considerado) segundo o qual a "apar

-

rênda de realidade" nas estátuas é o ue " e si os olhos dos contemp antes e, a seguir, demonstra.o argumento, para nós Igualmente obvio, de que o escultor "faz que as suas estátuas pareçam mais reais assemelhando a sua obra às figuras dos vivos". Afirma a .seguir que "a representação as aixões dos homens em enhados num ato qualquer" despeEEa cer,~o prazer n~gue e_.:Ic:':.!_c:.·~

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Tudo isso parece elementaríssimo a leitores que herda· ram dois mil anos de pressuposições naturalistas, mas era, sem dúvida, nôvo e emocionante no tempo de Sócrates. Um interêsse idêntico pela representação visual direta da emoção, em lugar da representaçao através do SImbolismo convenCIOnar, patenteIa-se na crltlca e J:1_0_s_.set o

XX..JllJ.audQ~,~etitic.º~~Q.ti!Lç~t~m *~L..QÇ...tÍ.rul~.~s

quãIícfades. estéticas da obra de arte em lugar de seu conteúdo

1ep-~s"enfâtiVô~~"~1tS'·'êntt1i'tm6s~'eiii~···êoEEitci=·cõIDüillãtr'ãdiçãô

...~, como a chinesa, que tem falado sôbre a obra

····de arte como coisa que vale por si mesma e não apenas como . espelho de reflexão, a diferença se nos patenteia na extrema dificuldade que sentimos em descobrir equivalentes lingüísticos até para os seus têrmos mais comuns. Dentro do âmbito. do. naturalismo, se dermos atenção à

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ela,. será,.2, .Eadt~:ií~~:,fQiri~q~:EEâ'tãZ)··~e-~néráJ?d; >arttsfa.. Isto, com efeito, era assaz e;idê~tepara os' esêritóre"s" ~A:t:ltiguidade. Ilustrando um ponto tanto· ou quanto abstrui SO de ('correção" no tocante a execuções musicais, Platão vai buscar um exemplo nas artes visuais. Agora suponhamos que, neste caso, o homem também não soubesse o. 9ue eraI? os vários corpos representados. Ser-lhe-ía possível aJ,wzar da Justeza da obra do artista? Poderia êle, por exemplo, dizer se ela mostra os membros do corpo em seu numero verdadeiro e natural e em suas situações reais, dispostos de tal forma em relação uns aos outros que reproduzam o agrupamento natural para não falarmos na côr e na forma - ou se tudo isso está confuso na representação? Poderia o homem, ao vosso parecer decidir a questão se simplesmente não soubesse o que era a criatur; retratada?

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;;mesm~:im.~maneil"fl.LE~~_ êle, 1?e1~ qua..~ci!ríamos os obje:'"tõSnaturaIs retrataªos ou descntos:--:ttte no ~ .,:.. . dâ tendTãm a reladonar-se maIS estreitamente com a obra, .,H,.;~s descrições críticas, eram, por via de regra, essencialmente id."esctÍções do tema. O crítico e esteta moderno André Mali .. observou com agudeza que os escritos de Stendhal em /Iouvor de Correggio poderiam aplicar-se, palavra por palavra, ·a uma grande atriz (La Voix du Silence 1951, p. 93). :Ele 'i"'iião fala do quadro, fala da mulher pintada no quadro. E isto · ..>.se aplica à maior parte da crítica européia até O momento em 'que a fotografia comercial privou da sua razão de ser a críti.êa descritiva. ,Um dos result,ados da_çon.ce!!!r..-ª,Ç.ªº--~o na coisa representada f,5li ~.qão.2.~~LSli:ô!..g:.Q..._Ym~ID1ino~ . ãPropositad.~ para s~J3~,~~ª1?t;Ew.3.Jâ2!JQªJ~S_ .. ª.~.> ~'I~~ ..2:"~::~':e~e~~~a_ co()pér~f·r1a.__ qu~, . o ... sentimento 'l as, Nisto se Ilin ava rrmação de Sãõ-romás õeKqumõ,ségundo o qual "a deviproporção ou harmonia" era um dos ingredientes da beleza, continuou a ser a base da crença renascentista quando se em· eenderam meticulosas investigações matemáticas, que incluíam série Fibonacci, na esperança de descobrir a fórmula da 'leza. A idéia de uma normamatemáticae cósmica da beleza ntinuõü-,;:----exerce!1i1ffliêndL_até '-õ' s;§culoxVfn-;-..:êiiiÍtn.do nQÇãQ~ássíÇ'a-díl eip.;rI~D~Ia ..~.sj:ética.,.como..foima.de,_,intuiaro:_ .opal ou int",lectlJª1 ptil1çjpiolLag'!t J:L1g~J:.."_1Jfll.a" noção de Mas eza basead'Lem ...sensações--.e...s.entimen.tQL_ê-u]:>jeti~os. nquanto a idéia da proporção matemática f6sse estranha ao nto de vista da época, não desapareceu de todo. Mais ou que nos em meados do século XIX, a Seção de Ouro via sido denominada a "Divina Proporção" e à qual foram tribuídas propriedades místicas por Luca Pacioli, amigo de eonardo e Piero delIa Ftancesca e o mais notável matemático .0 seu tempo voltou a granjear preeminência como chave 'versal da beleza na natureza e na arte, graças a um alemão, . Ziesing. A obra de Zíesing foi repetida mais cientlficaente e com maIor compreensão por Sir Theodore Cook em The rVes of Life (1900), e persistiu o interêsse pelas tentativas de ,contrar princípios de forma comuns não só às construções esté· as, mas também às formas naturais, como o crescimento orgâni, as estruturas cristalinas e as formações microscópicas ou astromicas. O intetêsse deu origem a estudos, como os que se refIe· . am num simpósio, Aspects of Form, publicados com um preácio de Sir Herbert Read em 1951. As teorias de Ziesing aÍtam a atenção do psicólogo Gustav Theodor Fechner

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(1834-87) e, seguindo-lhe a esteira, consagrou-se ~uito tempo e muito esfôrço na esté~ica experimenta~ à. tentat;,:a d~ p~o­ var emplrlcamente que existe uma_..PLefu.tell:~:s.te,g,Ç1L~n­ tiva ~eral,por -?hj(;:~9§... ~Cll!~_~~!J,Ç.é':!:f!'lJ!l~,1~gL.nfll.ls;.lPULmatemat1ÇQ ªe~.E.!2129rçãQ~~corno a ~eção: de Ou:o. :Qe tempos a_tempQ§., os artistas modernos tem sido atraic!..o§ Q~Jg-PX2:l2QIÇ.aO---c.9..mo EI.in.qíp~:E.:!iglO~,i1~!.~en:IS~?_~~~.u:':t':~:.~~.~:,.~..~uito.. Se disso dêpen. esse:nos, e~es, s.enam l~oJe para nos pouco maIS que objetos de mteresse histonco, pOIS os valôres extra-estéticos de que foram outrora os veículos desapareceram com o correr do tempo. Encontran;os, porém, outras maneiras de apreciá-los e respondemos emoclOnalmente, não aos valôres perdidos senão aos veículos, aos quais atribuímos os novos valôres da arte. E isto acontece porque - acaso pela primeira vez em escala extensa _ somos capazes de abstrair-nos dos valôres históricos e mutáveis que as obras de arte se destinavam a comunicar e a confirmar porque somos capazes de apreciá-las como obras de arte. i\nti~ g~ente, o poder de apreciar a arte em outras tradições' que nao a nossa se restringia à disseminação real das idéias e da tecque fôsse estrangeiro parecia bárbanologia: fora disso, tudo r? e !,ro~es