Educação Patrimonial no Ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental: conceitos e práticas [1 ed.]
 9788576759843

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solilos MESTRES

Educação patrimonial no ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental: conceitos e práticas Cristina Aparecida Reis F·g Jeira Doutora e Mestra em Educação: História, Política, Sociedade. pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Sociologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Licenciada em História pela Faculdades Integradas de Filosofia, Ciências e Letras de Guarulhos. Licenciada em Pedagogia pela Universidade de Guarulhos. Professora do Ensino Superior e em escolas da rede pública de ensino.

L1lian de Cáss1a Mirandd de Gioia História Social pela Faculdade de Filosofia. Letras

São Paulo

Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Bacharela e

1! edição

Licenciada em História pela USP. Professora universitária e pesquisadora.

2012

Doutora e Mestra e

em

Educação patrimonial no ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental: conceitos e práticas ©Edições SM Ltda.

Todos os direitos reservados Direção de conteúdos didáticos

Márcia Takeuchi

Design Alysson Ribeiro Gerência de p r ocessos editoriais

Rosimeire Tada da Cunha

Coordenação editorial João Guizzo Edição de texto Helena Alves Costa. Lucia Leal Ferreira, Lizete Mercadante Machado Preparação de texto Revisão

Mitsue Morissawa

Cláudia Rodrigues do Espírito Santo (Coordenadora), Alzira Aparecida

Bertholim Meana (Assistente), lzilda de Oliveira Pereira. Liliane Fernanda Pedroso. Rosinei Aparecida Rodrigues Araujo, Valéria Cristina Borsanelli Coordenação de arte

Eduardo Rodrigues

Edição de arte

Rosangela Cesar de Lima Braga, Renata Milan

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Erika TiemiYamauchi

Capa

Alysson Ribeiro, Erika Tiemi Yamauchi, Adilson Casarotti

Iconografia Jaime Yamane. Silvia Nastari Tratamento de imagem Editoração eletrônica

Robson Mereu

Signorini Produção Gráfica

Fabrícação Toninha Freire Impressão

Gráfica Ideal

Dados Internacionais de Catalo gaçã o na Publicação (CIP) (Câmara Brasi l eira do Livro, SP. Brasil) Figueira, Cristina Aparecida Reis Educação patrimona i l no ensi no de história nos anos fmais do ensino fundamental : conceitos e práucas I Cristina Aparecida Reis Figueira, Lillan de Cássia Miranda de Gioia. - São Paulo : Edições SM. 2012.- (Somos mestres) ISBN 978-85-7675·984·3 1. História (Ensino fundamental) 2. História · Estudo e ensino 3. Prática de ensino 4. Professores · Formação I. Gioia. Ulian de Cássia Miranda da. 11. Tftulo. 111. Série. CDD-907

12-05036 lndlccs para catálogo sistemático: 1. H1st6ria : Estudo e ensino 907

1• edição, 2012

li

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Água Branca 05036-120 São Paulo SP Brasil

Tel. 11 2111·7400

[email protected] www.edicoessm.com.br

CAPI ULO

COMPREENDER PARA VALORIZAR

07

CAPJTt..LO

A QUESTÃO PATRIMONIAL NO BRASIL: HISTÓRIA E POLÍTICA

28

CAPIT LO

MEMÓRIA E IDENTIDADE

45

CAPJTL;Io

PATRIMÔNIO CULTURAL E EDUCAÇÃO

65

CAPITL.LO '

METODOLOGIAS DA EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

81

CAPITLLO

HISTÓRIA LOCAL, IDENTIDADE E PATRIMÔNIO CULTURAL

CAPJluLO

1 PATRIMÔNIO CULTURAL

E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:

MATERIALIDADE E !MATERIALIDADE CAPITIJLO

101

120

MUSEUS E ARQUEOLOGIA: HISTÓRICO E INICiATIVAS ATUAJS ACERCA DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO

REFERE Cl S BIBLIOGRAFICAS

146 174

Prezado professor, O presente livro tem como objetivo oferecer subsídios conceituais.

procedimentais e atitudinais para os interessados em desenvolver, em sua prática docente cotidiana com alunos dos anos finais do Ensino Fun� damental, projetos e metodologias voltados à educação patrimonial. Buscou-se, nas páginas que seguem, refletir sobre temas funda� mentais que compõem e permeiam a questão da educação patrimonial na escola brasileira contemporânea: a memória, a história, o percurso da questão patrimonial no mundo e no Brasil, o tema da diversidade e da pluralidade cultural, as distintas heranças culturais com base na compreensão da identidade cultural local e nacional em tempos de globalização, a conceituação de cultura popular, cultura material e ima� teria! no contexto do patrimônio cultural brasileiro e as iniciativas con­ temporâneas no que se refere aos museus e à arqueologia no pais. Ao mesmo tempo, sugerimos práticas e formas de aplicação de metodologias de educação patrimonial para incentivar os alunos e a comunidade - com todas as suas singularidades e posicionamen­ tos diversos - a pensar criticamente sobre os sentidos da preserva­ ção e da valorização do riquíssimo patrimônio cultural brasileiro. O objetivo final é colaborar para a construção da cidadania plena, o que não pode estar desvinculado de conhecermos quem somos, de estudarmos nossas singularidades e de valorizarmos o nosso patri� mônio cultural. Bom trabalho! As AUTORAS

CAPÍTULO

Co m p ree n d e r pa ra va lo riza r

A escola é uma instituição destinada a formar cidadãos. e não apenas a fornecer informações e teorias. Depois da família, a escola é o principal lugar de aprendizado e de sociabilidade das crianças e dos adolescenres. Assim, ela deve ser capaz de oferecer uma base culrural comum a todos os alunos. Na escola os alunos formam suas identidades no âmbiro individual e coletivo e estabelecem relações com diferentes grupos sociais. Por tudo isso o processo de ensino e aprendizagem deve. neces­ sariamente, incluir diversas possibilidades pedagógicas que estimu­ lem um olhar mais abrangenre sobre a diversidade cultural humana.

Ensino de História e educação patrimonial Para atingir esse objetivo nada melhor que a educação patrimo­ nial. que abre um leque de interessantes possibilidades para a constru­ ,

ção das idemidades e memórias coletivas e de noções que envolvem a cidadania. como os direiros humanos e os valores da alteridade, da ética, da solidariedade. Além disso. a educação patrimonial tem o paEDUCAÇÃO PATRI�10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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pel de conscientizar nossos aprendizes da responsabilidade de cada um pelo bem geral, no lugar onde vive e na sociedade como um rodo. O ensino de História cumpre especial papel na discussão, na rea­ lização de atividades e na proposição de projetos voltados para a edu­ cação patrimonial. Como componente curricular, deve proporcionar situações didáticas que permitam aos aprendizes conhecer os bens culturais. a fim de poderem compreender e valorizar aquilo que é co­ mum a determinado grupo social. Nesse sentido. é de fundamental imponãncia que a área de História desenvolva na escola propostas interdisciplinares e ações pedagógicas voltadas para a construção do conceito de patrimônio cultural. Nossa riqueza patrimonial está relacionada a todas as áreas do conhecimenro. Assim. o estímulo ao desejo de conhecer e de com­ preender. o desenvolvimento de ações para valorizar e preservar nos­ sos bens culturais e o incentivo a sentimentos de pertencimento a um lugar compõem movimentos essenciais que podem ser trabalhados pela área de História e estendidos a rodas as outras áreas de conhe­ cimento que formam o currículo escolar. Em suas múltiplas possibi­ lidades. o trabalho com o patrimônio cultural deve ser contemplado como parte do projero político-pedagógico da escola. A educação patrimonial possibilita ao aluno perceber que o pa­ trimônio cultural faz parte de sua própria história. Tal percepção lhe propicia a oportunidade de conhecer e vivenciar os costumes e a cultura locais. construindo laços de afetividade e de solidariedade com as pessoas e o lugar onde vive. O acesso ao conhecimento e às vivências relacionadas às diversas manifestações culturais ajuda o professor a explorar a percepção e o entendimento sobre o que vem a ser patrimônio cultural como prática social. Neste capítulo. a abordagem inicial incidirá sobre a construção dos conceitos de monumento histórico, patrimônio histórico e pa­ trimônio cultural ao longo do tempo. indicando os acontecimentos históricos específicos que foram decisivos para o desenvolvimento e a disseminação mundial da ideia de preservação dos bens naturais e culturais e elucidando, assim, o surgimento do conceito de patrimô­ nio mundial.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

lmponames fomes de pesquisa nos ajudaram a acompanhar as transformações e as permanências que envolvem as noções relativas ao patrimônio. Uma delas é A alegoria do patrimônio'. da historiado­ ra Françoise Choay. com enfoque na questão patrimonial francesa. O

patrimônio em processo2•

da pesquisadora brasileira Maria Cecília Lon­

dres Fonseca, é um estudo que percorre a história das políticas públi­ cas relacionadas ao patrimônio no Brasil. As instigantes reflexões do historiador francês jacques Le Goff, em seu livro História e memória3, comparecem no capitulo para auxiliar na análise do tema, enfocando o monumento como documento, a relação monumento-documento e o papel do historiador no trabalho de sua análise e interpretação. Outros textos relacionados à educação patrimonial. como "Me­ mória e ensino de História". de Ricardo Oriá4 , e "Cultura imaterial e patrimônio nacional", de Marcha Abreu5 serviram de base para in­ troduzir as considerações acerca da prática da educação patrimonial na escola. ,

Acreditamos ser de fundamental importância que a área de Histó­ ria desenvolva na escola propostas imerdisciplinares e ações pedagó­ gicas voltadas para a construção conceitual de patrimônio cultural. O ensino de História deve estimular questionamentos como o que é, como é formado, para que serve e que valor tem o patrimônio cul­

tural. É necessário que, na abordagem escolar, ele seja considerado uma prática social e que, a partir daí, desenvolvam-se atividades que levem os alunos a compreender a importância da sua valorização e preservação.

1 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade/Ed. da Unesp. 2001. 2 FoNSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de

preservação no Brasil.

3. ed. Rio de janeiro: UFRJ!Iphan, 2009.

3 LE GoFF. jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão et ai. 5. ed. Campinas: Ed. da Unicamp. 2003.

4 ORlA. Ricardo. Memória e ensino de História. In: BmENCORT. Circe (Org.). O saber histórico na

sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto. 2001.

5

AnRw. Manha. Cultura imaterial e patrimônio histórico nacional. In: ABREU. Manha; SoiHET, Rachei; GoNTIJO. Rebeca (Org.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de janeiro: Civilização Brasileira/Faperj. 2007.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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As marcas compreendidas como bens de nossa história O principal objetivo da educação patrimonial é promover um novo olhar sobre o patrimônio cultural local, nacional e global. Esse novo olhar deve despertar nos alunos a curiosidade e o interesse em conhecer a diversidade dos bens culturais. Assim, um bom começo é trabalhar na identificação das marcas da humanidade. Nosso mundo está repleto de marcas - seja de eventos naturais, de­ correntes de transformações geológicas e geográficas, seja resultantes da interação da humanidade com o ambiente. As marcas são os testemu­ nhos desses eventos, e cabe à História reconhecer. analisar, compreen­ der. interpretar e construir seus significados no espaço e no tempo. Podemos classificar essas marcas da seguinte maneira: •

as que existem independentemente da ação humana são deno­ minadas bens ambientais naturais;

• as que decorrem da ação do ser humano são chamadas bens ambientais culturais; •

as que resultam da dinâmica de interação com a nacureza e de sua transformação são conhecidas como bens sociais;

Bens ambientais naturais: o ambiente natural de um pais precisa ser preservado como

patrim ôn io natural. Suas marcas são testemunhos de nossa vida no

passado atestam nossa realidade ,

no presente e indiciam a nossa existéncia futura.

10 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

• as que representam as expressões da produção humana são de­

nominadas bens culturais. e consrimem o patrimônio cultural de uma comunidade, povo, nação. Dizem respeito a rudo aquilo que possibilita aos homens e mulheres conhecerem a si mesmos e tomarem consciência de seu lugar no mundo: os saberes, os fazeres, as tradições. em formas que variam conforme o modo de pensar e os valores que orientam suas práticas de sociabilida­ de. Está presente nos diferentes espaços da vida cotidiana, nas construções, nos bens móveis, nos modos de trabalho e de lazer, nas manifestações arrísricas. na literatura, nas práticas religiosas etc. O patrimônio cultural faz de um povo o que ele é. Seu tecido forma a identidade coleriva. Os bens culturais constituem mar­ cas que podem ser convertidas em fonte e em objeto do conhe­ cimento histórico.

Piauí. em 2003. ambientais culturais são os sírios arq ueológicos

Trabalho de conservação no Parque Nacional Serra da Capivara. Interessantes exemplos de bens

com pi n turas rupesrres. como os desse Parque Nacional.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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O sentimento de pertencer a um lugar está condicionado ao re­ conhecimento da existência dos bens culturais e envolve a confor­ mação das identidades e dos valores que orientam as práticas sociais de um povo. Como prática social, os bens culturais adquirem valores que lhes são acribuidos gradativamente, em determinadas circuns­ tãncias, e ao longo do rempo moldam sentidos e significados diver­ sos. As representações dos bens culturais construídas ao longo do tempo e condicionadas por diferentes contextos históricos compõem as identidades coletivas.

A farmácia natural na feira de /\racati, Ceará, em foto de 2012. Além do parrimõnio arquitetõnico.

a cidade de Aracati conta com um elemento de sua identidade: uma farmácia natural com ervas e

sementes que a população local acredita ser eficiente na cura de doenças.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Classificação do patrimônio cultural O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (lphan) adotou a classificação de patrimônio cultural definida pela Organiza­ ção das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unes­ co), a qual compreende a divisão em dois grupos: o patrimônio ma­ terial e o patrimônio imaterial. • O patrimônio material constitui-se de um conjunto de bens

culturais classificados segundo sua natureza: históricos, arqueo­ lógicos, paisagísticos, etnográficos, belas-arres e artes aplica­ das. Eles estão divididos em bens imóveis (núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos) e bens móveis, individuais e nacionais (coleções arqueológicas, acervos museológicos, do­ cumen.tais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográfi­ cos e cinematográficos)6 .

Ouro Preto, em Minas Gerais, teve o seu conjunto arquitetõnico considerado patrimõnio cultural da humanidade,

em 1980.

6

Conforme abordagem conceitual adotada pelo lphan. Disponível em: < tmp:l/www.brasil. gov.br/sobrc/cultura/patrimonio/patrimonio-matcrial-e-imaterial>. Acesso em: 16 set. 2011.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FltiAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Ensaio de roda de capoeira de Angola em Ilhêus (BA). em Foto de 2008. O oficio dos mestres de capoeira 7 Foi regisrrado. em 2008, como bem cultural de narureza imarerial no Livro de registro dos saberes .

• O patrimônio imaterial compreende

p ráticas

,

representações,

técnicas reconhecidos pelas comu­ nidades como parte integrante de seu patrimônio cultural. É ca­ expressões, conhecimentos e

racterizado por sua transmissão de geração a geração e por sua constante recriação. em função do ambiente, da interação com a natureza e da história. Esse processo de construção e reconstru­ S ção gera um sentimento de identidade e de continuidade .

7 Livro de registro dos saberes. lphan. v. 1 Disponível em: < lmp:ponal.iphan.gov.br/ponall

baixaFcdAnexo.do?id- 960? > . Acesso em: 22 nov. 2011.

8

Conforme abordagem conceitual adorada pelo lphan. Disponível em: < hup:l/www.brasil.

gov.br/sobre/culrura/patrimonio/parrimonio·marerial-e-imaterial >. Acesso em· 16 set. 2011

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Patrimônio - noção construída ao longo do tempo O significado mais usual da palavra patrimônio esteve, durante muito tempo, relacionado principalmente às propriedades e a outros bens móveis adquiridos em vida e transmitidos após a morte aos descendentes de uma família como herança. Sua acepção posterior nas expressões patrimônio nacional, patrimônio histórico e patri­ mônio cultural adquiriu diferentes significados. prevalecendo, por fim. um sentido de referência, que é o de bens representativos da memória coletiva de um povo. de uma civilização. Até a construção da noção de patrimônio histórico e, mais re­ centemente, de patrimônio cultural, registraram-se usos do termo monumento como referência a bens móveis e imóveis ligados à me­ mória de uma civilização e aos feitos de personalidades expressivas para o segmento detentor do poder. já a utilização da expressão mo­ numento histórico coincide com as transformações dos conceitos de história e de arte no século XVI, quando se esboça a ideia de nação e, com ela, outras referências, como as de bens da civ ilização , bens de um povo, bens da nação ou bens nacionais. A atenção aos usos desses termos ao longo do tempo é um pro­ cedimento que nos ajuda a compreender os deslocamentos e as mu­ danças de seus significados. Trata-se. portanto, de uma estratégia que nos auxilia a compreender como foram constituídas as noções de monumento histórico e de patrimônio histórico nacional. Quando relacionadas aos acontecimenros e à mentalidade de cada período, percebe-se que seus sentidos estão repletos de hisroricidade. Hoje, o conceito de patrimônio histórico tem seus nexos de inteligibilidade ligados tanto à comunidade local como às esferas do nacional e do global. O termo é atribuído a uma diversidade de objetos agrupados por um passado comum à população de determinado lugar e consti­ tuído de bens tanto materiais como imateriais. Na França, o significado do termo patrimônio como bens de propriedade de determinado povo, como representação da memória coletiva construída sobre aconrecimentos comuns à história desse povo. coincide com os atos jurídicos da Constituinte de 2 de outubro

EDUCAÇÃO PATRH40NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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de 1789, no contexto da Revolução Francesa, quando os bens do clero e da aristocracia foram colocados à disposição da nação9 , in­ tensificando-se assim as ações de preservação de objetos por razões religiosas, políticas e culturais. Cabe mencionar que ações preserva­ cionistas são registradas desde a Antiguidade. No entanto, o uso dos termos monumento e monumento histórico para designar edifícios, monumentos e obras de arte como propriedades do Estado-nação tornou-se mais corrente no século XVIII, na Europa, após as chama­ das revoluções burguesas na França e na Inglaterra. Tais noções, contudo, começaram a se desenvolver j á no século XVI, durante o chamado Renascimento cultural e cientifico. fase da história europeia marcada pela retomada do interesse nas produções das antigas civilizações grega e romana. O distanciamento temporal decorrente dessa retomada permitiu aos intelectuais e arriscas do pe­ ríodo lançar um olhar analítico sobre o que restou do passado. Assim, a partir do Renascimento, as obras arquitetõnicas e ar­ tísticas, a literawra e a filosofia greco-romanas passaram a ser en­ caradas como legado de civilizações passadas a ser conhecido e preservado. Esse "testemunho do passado". materializado princi­ palmente em obras de arte e edificações arquitetônicas, passou a ser denominado monumento histórico. Tal expressão era empre­ gada pelos sujeitos do período para designar bens móveis e imó­ veis com reconhecido valor histórico ou artístico. O valor histórico esteve vinculado aos bens relacionados às civilizações passadas e aos feitos de seus protagonistas; já o valor artístico foi associado ao sentimento de fruição e de prazer. ligado à concepção de arre em constante transformação lO_

Pode-se dizer que o conceito de monumento histórico ganhou for­ ma quando o Estado como instituição de poder passou a ser o repre­ sentante da nação. registrando a materialidade do passado a partir da conservação. da preservação e do culto aos monumentos e. dessa forma. organizando os signos representantes da identidade nacional.

9

CuOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. p.

to

16

CHOAY. Françoise. A alegoria do patrimônio. p.

98. 95-97.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS 00 ENSINO FUNOA�IENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Em seu sentido mais básico, pode-se afirmar que monumento passou a referir-se a rudo aquilo que foi produzido por uma comu­ nidade com o objetivo de rememorar acontecimentos ou trazê-los à memória das gerações seguintes. Assim, como defende a histo­ riadora Françoise Choay, em seu já eirado livro A alegoria do patri­ mônio, pensar em monumento de forma mais complexa implica considerar que sua essência está na rememoração de um passado mergulhado de encantamento tanto para aqueles que o edificaram como para os destinatários das lembranças de que é portador. Nes­ sa abordagem, a autora considera o monumento como "lembrança característica de uma determinada sociedade" 11 . Essa proposição, contudo, é ligeiramente diferente nos escritos de jacques Le Goff, em seu também já citado livro História e memó­ ria. Esse historiador francês concebe o monumento como vestígio . humano vivo de uma memória coletiva, como aquilo que é evocado do passado. Para Le Goff, a memória coletiva tem seus materiais apresentados sob duas formas principais: os monumentos, heran­ ça do passado, e os documentos, uma escolha do historiador 1 2 . Segundo ele, o monumento tem como características o ligar-se ao poder de perpetuação. voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado à memória coletiva) e o reenviar a testemu­ nhos dos quais só numa parcela mínima se constitui de testemu­ nhos escritos 1 3 . Diz Le Goff: "Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo". A função do historiador é usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimen­ to de causa 1 4. De acordo com Zumthor, citado por Le Goff, o monumemo é con­ vercido em documento quando é utilizado pelo poder 1 5 e é submetido à crítica historiográfica

li CHOAY. Françoise. A alegoria do património. p.

12 LE Gorr, jacques. História e memória. p.

1 8.

525.

13 LE Gorr. jacques. Históna e memória. p. 526.

14LJ GoFF. jacques. História e memóna. p. 535·536.

15 ZuMTIIOR. Paul. Apud LE Gorr. jacques. Htscória e memória. p. 535.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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A concepção de monumento histórico na França Na França, as primeiras ações de preservação de monumentos históricos ocorreram durante a Revolução Francesa. quando a des­ truição de igrejas. as decapitações de estátuas e os ataques e saques aos castelos levaram os comitês revolucionários a ações de preser­ vação. A primeira medida da Constituinte de outubro de 1789 foi a transferência à nação dos bens do clero e dos emigrados. Logo se intensificou a circulação de termos como herança, sucessão, patri­ mónio. conservação, etc., integrados ao vocabulário como efeito da nacionalização 1 6 . O conjunto de bens apropriados da aristocracia e do clero foi assumido como patrimônio nacional, justificando a criação de uma Comissão de Monumentos, que deveria tombar as diferentes cate­ gorias dos bens recuperados pela nação. O tombamento implicava a retirada de circulação desses bens, a fim de protegê-los até ser resolvida sua destinação definitiva. Os passos seguintes foram rea­ lizar um inventário dessa herança e definir as regras de gestão, a administração da guarda e o controle desses bens nacionais, por meio da Comissão de Monumentos. Entre as saídas encontradas para tais questões, destaca-se a venda desses bens a particulares e sua transferência a depósitos abertos ao público - a partir de então denominados museus - com a finalidade de "servir à instrução da nação" 17 . A concepção de patrimônio histórico nacional e do conjunto de bens que o constitui consolidou-se como consequência da reforma urbana ocorrida na França e na Inglaterra ao longo do século XIX. As crescentes demolições dos edifícios de Paris e de Londr�s e a cons­ trução de avenidas largas. vilas operárias. edifícios e monumentos em nome do "progresso" e do "sanitarismo" fizeram desaparecer

16CHOAY, Françoise. A alegoria do património. p. 97. 17CHOAY. l'rançoise. A alegoria do patrimônio. p. 98- IOl .

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EDUCAÇÃO PATRIMOtiJAl N O ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

as "cidades antigas". Delas sobraram reminiscências, testemunhos. marcas que precisavam ser conservadas e preservadas. Na ambi­ ência histórica, a emergência das "novas cidades" constituiu um novo traçado urbano que também demandava preservação. tanto pelas reminiscências do passado das "velhas cidades" escondidas sob seus alicerces quanto como símbolos da nova realidade de "ci­ vilização e progresso".

O Museu do Louvre, abrigado em um antigo palácio real localizado na margem direita do rio Sena. em Paris. tem sofrido transformações desde o século XVI.

Assim, aos poucos. a noção de patrimônio histórico foi se delineando para designar não só os monumentos históricos. mas rodos os bens móveis e imóveis aos quais era atribuído valor es­ tético ou histórico. No Brasil. essa noção começou a aparecer nos discursos de intelectuais na década de 1920. A apresentação da França como modelo de civilização era a tônica desses discursos. e as propostas de preservação das riquezas nacionais se justificavam sob o argumento de que faziam pane do ·'progresso da nação" e demonstravam "civilização".

EDUCAÇÃO PATRII·10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEIT OS E PRÁTICAS

19

Ações que contribuíram para uma política patrimonial em escala global Na história da formação da ideia de patrimônio da humanidade. há alguns acontecimentos que. por terem repercutido em ações con­ cretas na questão patrimonial em escala mundial, ajudam a compreen­ der a trajetória desse conceitO até seu significado atual: "passado vivo no presente". riqueza de toda humanidade. Após o estabelecimento da Comissão de Monumentos na Fran­ ça, foi criada, em 1830. a Comissão de Inspetoria de Monumentos. com o objetivo de fazer um levantamento dos monumentos históricos daquele pais. Os primeiros dispositivos legais para a proteção desses monumentos. contudo, foram desenvolvidos no início do século XX. A lei de 31 de dezembro de 1913 criou o classement, proibindo e punindo a alteração, mutilação ou destruição dos monumentos históricos. Essa prática espalhou-se pela Europa, sendo adotada em vários países. Alguns congressos internacionais foram organizados com o intuitO de encontrar soluções para os problemas decorrentes do crescimentO urbano, da perda de qualidade de vida e da necessidade de preserva­ ção de determinados patrimônios históricos. artísticos e paisagísticos. Destaca-se. em 193 1 , a Conferência Internacional para a Conservação de Monumentos Históricos, em Atenas, no I Q Congresso Internacional de ArquitetOs e Técnicos de Monumentos Históricos. Nesse congresso, foi elaborada a Carta de Atenas, com direcionamentos relacionados ao restauro de monumentos históricos e ao endosso a uma tendência geral das formas de administração e legislação dos monumentos his­ tóricos: os congressistas estabeleceram critérios para a conservação desses bens e deliberaram que haveria uma ação conjunta i nterna­ cional com esse objetivo. O foco deveria ser pensar formas para o crescimento urbano sem a destruição dos monumentos. Outro evento dessa natureza a ser destacado ocorreu em 1964, em Veneza, no 22 Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Mo­ numentos Históricos. Nesse evento, atualizaram-se e aprofundaram-se as diretrizes até então determinadas. e elaborou-se a Carta de Veneza, na qual se ampliou a noção de monumento histórico e se estabelece­ ram os princípios de conservação e restauração de monumentos e si20 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

tios monumemais, a documentação dessas atividades e as práticas de escavações arqueológicas 1 8 . Esse congresso contou com a participação de três países não europeus: a Tunísia, o México e o Peru. Em 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, deu-se a criação da Unesco - United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação. a Ciên­ cia e a Cultura) -, uma agência da ONU (Organização das Nações Uni­ das). O objetivo da Unesco foi estabelecer compromissos de paz entre os países e defender pactos de fins humanitários. Ela ocupou-se. desde sua origem, da defesa dos direitos humanos e da discussão de políticas vol­ tadas à preservação das condições ambientais do planeta. encampando as questões da educação para a construção da cidadania 19 . A representação da Unesco no Brasil foi estabelecida em 19 de junho de 1964, mas as atividades em seu escritório em Brasília se iniciaram em 197220_

Nesse ano, foi criada a Convenção do Patrimônio Mundial, para estimular a preservação de bens considerados significativos para a humanidade. A partir de emão. os países signatários dessa conven­ ção passaram a indicar bens a serem inscritos na Lista do Patrimônio Mundial. Para a avaliação dessas indicações ou candidaturas, foram criados dois órgãos de caráter consultivo: o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (lcomos)21 • para bens culturais; e a União

1 8 A Carta de Atenas de 1931 c a Carta de Veneza de 1 964 podem ser acessadas no site do Con­ selho Internacional de Monumentos e Sítios- !cornos. A Cana de Atenas está disponível em: < hup://www.icomos.org.br/canas/Cana_de_Atcnas_I931 .pdf> c a Carta de Veneza está dis­ ponível em: < http://www.icomos.org.brlcanas/Carra_de_Veneza_I964. pdf>. Acessos em:

28 abr. 2012.

I. Acesso em:

22

28 abr. 2012.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Termas romanas em Bath,

Inglaterra.

A cidade inglesa

de Bath é

considerada uma das mais bonitas do mundo.

Um dos seus pomos mais

visitados são as termas romanas ladeadas pelas construções históricas. Ela foi tombada como

patrimônio

histórico da humanidade pela Unesco.

As ações decorrentes das convenções e dos encontros organiza­ dos pela Unesco para a consagração do conceito de patrimônio da humanidade movimentaram ramo a comunidade científica como a sociedade e contribuíram para a educação patrimonial em seu contex­ to mais amplo. De acordo com o documento pertinente da Unesco: [ . ] o que faz com que o conceito de Patrimônio Mundial seja excep­ cional é sua aplicação universal. Os sítios do Patrimônio Mundial per­ tencem a rodos os povos do mundo, independentemente do territó r io em que estejam localizados24. ..

Na Carta de Amsterdã, de 1975, são apresentadas menções so­ bre o tombamento de cidades históricas como patrimônio mundial e prescrições voltadas para a educação patrimonial como as que vemos a seguir.

24 UNESCo. O património: legado do passado ao futuro. Disponivcl em: . em: 28 abr. 2012

Acesso

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL N O ENSIIIO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

23

[

. . .

]

b. O patrimônio cultural inclui não só os edifícios individuais de ex­ cepcional qualidade e as suas envolventes, mas também todas as áreas das cidades ou das vilas com interesse histórico ou cultural. [. .] .

i. O patrimônio cultural só conseguirá sobreviver se for apreciado pelo público e, em particular, pelas gerações mais novas. Os pro­ gramas educacionais para todas as idades devem, portanto, prestar atenção redobrada a este assunto.

j. Devem ser encorajadas as organizações independentes - interna­ cionais, nacionais e locais - , o que ajudará a potenciar o interesse público. [ ... f5

Em 1985, o !cornos estabeleceu a Carta Internacional para a Sal­ vaguarda das Cidades Históricas, também conhecida como Carta de Washington, que definiu métodos de planejamento e proteção de conjuntos históricos, cidades, vilas, centros ou bairros históricos, e mencionou a necessidade de se criar uma cultura de preservação, de modo que assegurasse a participação e o envolvimento dos habitan­ tes desde a idade escolar nesse processo. No século XXI cabe destaque à Conferência Geral da Unesco, ocorrida em Paris em 2003, que aprovou a recomendação da Unes­ co sobre a salvaguarda da cultura tradicional popular, de 1989, em reconhecimento da importância da cultura imaterial. O documento esclarece que o patrimônio imateriat se manifesta nos seguintes cam­ pos: tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do patrimônio cultural imaterial; expressões artísticas; práticas sociais, rituais e atos festivos; conhecimentos e práticas relacionados à natu­ reza e ao universo; técnicas artesanais tradicionais26.

25 Declaração de Amsterdã. In: COngresso sobre o Património Arquitetônico Europeu- 21-25 de

outubro de 1975. Disponivel em:

< http://5cidadc.files.wordprcss.com/2008/03/declaracao­

deamsterdam.pdf> Acesso em: 2 out. 2011. 26 Convenção para a Salvaguarda do Patrimõnio Cultural Imaterial. 32° sessão. realizada em Pa·

ris. em 2003. Disponível em:


. Acesso em: 28 abr. 2012.

24

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS F!NAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Na década de 1970, registrou-se uma importante exposição conceitual de patrimônio cultural pelo professor francês Hugues de Varine-Boham, que naquela época era diretor do !com (Conselho Internacional de Museus). Esse intelectual, na posição de assessor téc­ nico internacional da Unesco, propôs provavelmente a primeira classificação explicativa do termo patrimônio cultura t27, que, para ele, pode ser classificado em três vertentes: 111) meio ambiente (patrimônio ambiental) - todos os elementos inerentes à natureza e aos recursos naturais: os rios, os peixes, os vales, as montanhas que formam o hábitat natural; 211) conhecimento (patrimônio do conhecimento) - os costumes, as crenças e o saber fazer; corresponde aos elementos não tangíveis que envolvem toda a capacidade de sobrevivência humana; 311) bens culturais (patrimônio dos bens culturais) - o conjunto de artefatos, obras e constru­ ções e tudo que envolve esforço de transformação a partir do ambiente e do saber fazer.

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No texto a seguir a historiadora Sandra C. A. Pelegrini nos chama a atenção para a im­ portância de fazer despertar a consciência e o apreço para os bens culturais, demonstrando que é necessário conhecê-los para valorizá-los: [ ] ...

Desde a década de 1990 o patrimônio cultural e natural tem sido cada vez mais reconhecido como um instrumento poderoso para se salvaguardar a independência, a soberania e as iden· tidades culturais dos povos latino-americanos. No entanto, os grandes desafios para aqueles que se dedicam à defesa dos bens culturais não se circunscrevem à descoberta dos meios eficazes para o desenvolvimento da educação patrimonial ou da educação ambiental, mas englobam o despertar da consciência e do apreço a esses bens. Se for verdade que as identidades latino-americanas podem ser conservadas por meio da pre­ servação de seu patrimônio, a educação patrimonial e ambiental pode contribuir para avivar a consciência do valor cultural e simbólico de distintos bens. A educação nesse campo deve

27 l..E\Ios, Carlos A. C. O que é pacnmômo hiscórico. São Paul o: Brasiliense. 1981. p. incemacíonal:

notas de aula São Paulo: FAU·USP/lphan. 1974.

8·10: V"RI�E-Boti,.N. H. A

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO EllSitiO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: 25 CONCEITOS E PRÁTICAS

experiência

iniciar-se pela percepção direta de que o patrimônio não se restringe somente aos bens culturais móveis e imóveis representativos da memória nacional, como monumentos, igrejas ou edifícios pú blicos. Pelo contrário, o conceito de patrimônio cultural é muito mais amplo, não se circuns­ creve aos bens materiais ou às produções humanas, ele abarca o meio ambiente e a natureza, e ainda se faz presente em inúmeras formas de manifestações culturais intangíveis.

A percepção d a herança imaterial torna-se fundamental para a integração d a população com suas· próprias condições d e existência, com a natureza e o meio ambiente. Essas re­ lações constituem o espírito dos países que compõem o continente e se manifestam por intermédio de cerimônias, linguagens do povo materializadas em atividades artesanais e produções artísticas ou literárias, canções. festas, receitas culinárias e saberes medici­ nais, entre outras manifestações sociais ou coletivas. Desse modo. a educação patrimonial e ambiental torna-se tarefa prioritária, uma vez que consiste em revelar a diversidade e pontuar as mudanças culturais. sociais e ambientais que se vêm processando com o passar dos tempos, sem dissimular os conflitos de interesses dos distintos segmentos sociais. O ensino e a aprendizagem na esfera do patrimônio devem tratar a população como agentes histórico-sociais e como produtores de cultura. Para isso deve va­ lorizar os artesanatos locais, os costumes tradicionais. as expressões de linguagem regional, a gastronomia, as festas, os modos de viver e sentir das diversas etnias latino-americanas28.

)) Nesta seção de cada capítulo sugerimos uma ou mais atividades que podem ser de­ senvolvidas com os alunos. Roda de conversa: O que faz parte do patrimônio cultural brasileiro? É importante que o trabalho pedagógico com a educação patrimonial tenha como pon­ to de partida os conhecimentos prévios dos estudantes. Assim, o professor pode montar uma roda de conversa de acordo com os seguintes passos: L Inq u i ri r os alunos sobre as manifestações culturais que eles conhecem. Esse proce­ dimento os ajudará a identificar os bens culturais que os cercam ou que são por eles conhecidos. O objetivo é i n tro duzi-los à t e m á t ica do patrimônio cultural. 2. Listar os bens culturais por eles mencionados, caracterizando-os para que possam identificar bens materiais e imateriais. O objetivo é que construam uma classificação ou categorização inicial. exemplificando manifestações do patrimônio cultural. 28 PELF.C�I\INI, Sandra C. A. Cultura e natureza: os desafios elas práricas prescrvacionisras nil esfera do patrimônio culrural e ambiental. Revista Brasíleira de História. Sao Paulo, v. 26. n. 5 1 . jan./jun. 2006. Oisponivcl em: < http://www.scielo.

brfscielo.php?pid - SOl 02-01 8820060001 00007&script

=

sci_amexr >. Acesso em: 28 abr. 2012.

26 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS DO EtlSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

1

3. Questionar os alunos sobre a importância dos itens apresentados na lista para a co­ munidade local. para o país e no contexto da humanidade. O objetivo é provocar a reflexão sobre os valores atribuídos aos bens listados. É possível que os alunos façam referências à história. à cultura. à arte, à memória. entre outras. Com base nas expressões dos alunos. trabalhar a construção dos conceitos de patrimônio material e imaterial em uma abordagem introdutória. Registre e organize na lousa as informações levantadas pelos alunos; pode ser feito um quadro como o que segue (que os alunos podem reproduzir no caderno): Bens culturais

Materiais

Imate riais

///////hW/

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Importância

t Local

Pais

//////

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-

Humanida de

/ / / / / h /W/ //// / / // // / //

Avaliação Faça uma avaliação da atividade. Pode ser utilizada a avaliação diagnóstica. Este é um procedimento investigativo do trabalho pedagógico docente pelo qual o professor pode analisar o que o aluno já sabe, o que ainda precisa saber. o que faz sozinho e o que faz com ajuda de um colega ou do professor. Por meio desse tipo de avaliação, o professor poderá na atividade levantar informações que o ajudam a refletir sobre as temáticas que mais chamam a atenção dos alunos e definir os conteúdos, objetivos e estratégias para a abordagem das temáticas que podem ser trabalhadas com as turmas.

''

n�r::t n orofessnr • A alegoria do patrimônio, de Françoise Choay. São Paulo:

Ed. da Unesp, 2001. Essa histo­ riadora, especialista em formas urbanas, traz em seu livro noções e aspectos da história patrimonial francesa. • Ensinar História no século XXI: em busca do tempo entendido, de Marcos Antonio da Silva e Selva Guimarães Fonseca. Campinas: Papirus. 2007 (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). O livro apresenta as possibilidades do ensino de História no século XXI, discute alternativas de trabalho com diferentes linguagens da cultura material, como visitas a museus, leitura e análise de documentos e filmes, incursões a acervos virtuais, diálogo com poemas e outras fontes que podem ser usadas no trabalho historiográfico.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

27

CAPÍTULO

2

A q u estão p a t ri m o n i a l n o B ra si l: h i stó ria e p o lítica

No Brasil, a temática do patrimônio começou a ser considerada politicamente, com envolvimento do Estado, a partir da década de 1920. Segundo Maria Cecília Londres Fonseca, ela deve ser analisada à luz de dois fatos. O primeiro deles é o movimento modernista, cujos intelectuais foram protagonistas dos projems patrimoniais por ocupa­ rem as direções dos órgãos nacionais criados para a gestão do patri­ mônio no Brasil. O segundo fam determinante deve-se à ambiência histórica do Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), período marcado por uma dicotomia: de um lado, a imensa censura; de outro, espaço para realização de projems 1 • Assim, ao mesmo tempo em que o governo Vargas criava a Agên­ cia Nacional e o Deparramemo de Imprensa e Propaganda (OI P) - cuja função era censurar. cercear manifestações contra o governo -. cria­ va também o Ministério da Educação e Saúde (MES). órgão que abria interessantes espaços para o desenvolvimento de projetos culturais. como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan).

I

FoNsECA, Maria Cecilia Londres. O património em processo: t r ajetória da política federal de preservação no Brasil. 3. ed. Rio de janeiro: UFRJIIphan. 2009. p. 81.

28

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

o Conselho Nacional de Cultura, o Conselho Consultivo do Sphan, o Instituto Nacional do livro, o Serviço Nacional do Teatro, o Instituto do Cinema Educativo, o Serviço de Radiodifusão Educativa.

O papel de Mário de Andrade Um dos ícones desse movimento foi Mário de Andrade. No debate sobre a cultura brasileira, esse intelectual paulista teve intensa partici­ pação nas propostas preservacionistas voltadas ao patrimônio. A carac­ terística preponderante da mentalidade desse período era o desejo de conhecer e explicar a identidade brasileira por meio da arte, da ciência, da literatura e do conhecimento das tradições brasileiras, quase sem­ pre categorizadas como folclore brasileiro. Um dos temas centrais do debate, na época, era o tema da identidade cultural brasileira. Os modernistas refletiam e escreviam sobre o descaso com as ri­ quezas do patrimônio nacional e, ao mesmo tempo, encaminhavam projetos a serem implementados pelo Estado, com o objetivo geral de disseminar e proteger a cultura brasileira. Quase todos eles par­ tilhavam da opinião de que a literatura e a ciência tinham a função de explicar o que era o Brasil. Sobre a política cultural do governo de Getúlio Vargas na vigência do Estado Novo, Mário de Andrade as­ sim se expressava em carta enviada ao jornalista e professor paulista Paulo Duarte: Há que forçar um maior entendimento mútuo, um maior nivelamen­ to ge ral da cultura que, sem destruir a elite, a torne mais acessível a todos, e em consequência lhe dê uma validade verdadeiramente fun­ cional. Está claro, pois, que o nivelamento não poderá consistir em cortar o tope ensolarado das elites, mas em provocar com atividade o erguimento das partes que estão na sombra, pondo-as em condição de receber mais luz. Tarefa que compete aos governos2 .

2 Carta a Paulo Duarte. 1937. Apud IPHAN. Revista eletrônica Patrimônio. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 201 2 .

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL N O ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: 29 CONCEITOS E PRÁTICAS

Mário de Andrade foi poeta, contista, romancista. músico. cronista, etnógrafo e diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, em 1930. Para ele. bem como para a rede de intelectuais da épo­ ca, a identidade cultural brasileira era uma questão central. O entendi­ mento sobre o que era o Brasil se expressava por meio da literatura, da ciência, da observação e da pesquisa ernográfica. Foi ele quem elaborou o anteprojeto que deu origem ao Sphan, no qual se desenvolveu uma concepção de património muiro interessante em seu tempo.

Mário de Andrade.

pimura

de Thrsila do Amaral, 1922.

O Sphan A concepção sobre esse serviço reunia arte e manifestações eruditas e populares. e com isso afirmavq, os aspectos do particular, do nacional e do universal. A redação final do projeto que deu origem a esse órgão do patri­ mónio nacionaL contudo, foi do intelectual mineiro Rodrigo M. F. de Andra­ de. O Sphan começou a funcionar em caráter experimental em 1936.

30 EDUCAÇÃO PATRI�ION!Al NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Como desdobramento do debate sobre as questões de preser­ vação do património histórico e artístico brasileiro, apareceu pela primeira vez na Constituição - a de 16 de julho de 1934, artigo 10 - uma referência oficial a património: "Compete concorrentemente à União e aos Estados: [ . . . ) 111 - proteger as belezas naturais e os mo­ numentos de valor histórico ou artístico. podendo impedir a evasão de obras de arte"3. O Sphan, porém, só foi criado oficialmente com a Lei 378, de 13 de janeiro de 1937, ligando-se à estrutura do Ministério da Educação e Saúde do governo Vargas. Era o primeiro órgão público preservacionista do Brasil. No artigo 1 º do capítulo l do Decreto-lei n2 25, de 30 de novembro de 1937, o termo património histórico e artístico designava:

Rodrigo Melo Franco de Andrade. fundador do lnstituw do Património Histórico e Artístico Nacional - lphan. em foto de 1 953.

>

Constituição de 1934. Disponível em· . Acesso em: 28 abr. 2012.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

31

[ . . .) o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no pais e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a faros memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor ar­ queológico ou emográfico. bibliográfico ou arrísrico4 .

Esse decrero organizou a proteção do patri mô n io histórico e ar­ tístico nacional e iniciou uma política de tombamentos e restaurações com a finalidade de garantir a integridade dos acervos arquitetôni­ co. urbanístico. documental e etnográfico do Brasil, assim como das obras de arte e dos bens móveis.

Interior da Casa de Mario de Andrade. A primei ra sede do Sphan foi instalada na residência de Mario de Andrade e se localizava na rua Lopes Chaves, ng 546, em São Paulo. Em carta enviada a Rodrigo Mello Franco de Andrade. em 13 de dezembro de 1937, o escriLOr reclamava da falta de espaço: "[ ... ) também preciso muito falar com você sobre as instalações da Sexra Região. O acervo de livros, roros, papelório se avolumando, a necessidade imprescindível de fichários. já não cabe mais na minha casa"5

4

Disponivel em: . Acesso em:

28 abr. 2012. 5

Acervo lphan. informação e imagem do site. Disponivcl em: . !\cesso em: 28 abr. 2012.

32 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

As ações preservacionistas do Sphan incidiram no tombamento de casas e sobrados dos senhores de escravos, mas não contempla­ ram as senzalas, os quilombos, as vilas operárias, os cortiços, etc. Os bens relacionados às classes populares não faziam parte dos "fatos memoráveis da história do Brasil" e estavam, porranto, fora desse cri­ tério, muito embora alguns aspectos da cultura popular agradassem, como manifestações do folclore. A partir de 1968, em São Paulo, o Sphan passou a atuar junto ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaar)6 , responsável pelo tombamento do patrimô­ nio do Estado de São Paulo. Em meados de 1970, os critérios adota­ dos pelo Sphan - desde então denominado Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (lphan) - começaram a ser objeto de debates que encaminharam mudanças, as quais levaram a uma nova perspectiva de preservação de bens culturais; entre elas, destaca-se a inserção da noção de referência cultural. Algumas questões foram levantadas: •

Quem deveria rer legitimidade para selecionar o que deveria ser preservado?

• Que valores deveriam embasar essa seleção? • Em nome de que interesses e de que grupos essas políticas

sociais deveriam estar direcionadas? Com tais questionamentos, começavam a se modificar as di­ mensões social e política da preservação patrimonial e cultural. Antes desse debate, a visão predominante sobre o patrimônio era bastante técnica 7 .

6

7

Esse órgão foi criado pela Lei n. I O 247. de 22 de outubro de Roberto de Abreu Sodré.

1968, assinada pelo governador

FoNsEcA.

Maria Cecilia Londres. Referencias culturais: base para novas políticas de patrimõ· nio. Disponível em . Acesso em: 28 abr 2012

EDUCAÇÀO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HI�TORIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNOAMEIHAL: 33 CONCEITOS E PRÁTICAS

As referências culturais Assim, ao longo da década de 1970 estabeleceu-se um consenso em torno da questão das "referências culturais" e se fortaleceu cada vez mais a concepção de que o patrimônio cultural brasileiro não deveria se restringir aos grandes monumentos, aos testemunhos da história oficial, mas deveria incluir também as manifestações cultu­ rais representativas dos diversos grupos que compõem a população brasileira: os povos indígenas, os afrodescendentes, os imigrantes. as classes populares em geral8.

Homens realizando o ritual do Kuaru p . no Parque Indígena do Xingu (MT). em 2003. As comunidades indígenas fazem parte do patri mónio cultural brasileiro. que engloba bens relacionados à identidade e à memória dos diferentes grupos que formaram a sociedade brasileira.

s FoNSECA.

34

Maria Ceci lia Londres. Referéncias culrurais.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Nas duas décadas posteriores. a ocorrência de movimentos so­ ciais das diversas vertentes populares (trabalhadores, mulheres, afro­ descendentes, povos indígenas. etc.) em prol da conquista de direitos e de acesso pleno à cidadania imprimiu nesses segmentos sociais o interesse pela reconstituição da memória de suas lutas.

O papel da Constituição de 1988 Cal:>e destacar que a Constituição de 1988, apelidada "Constitui­ ção cidadã", estabeleceu, em seu artigo 2 1 5, a parceria entre o Esta­ do e a sociedade para defender nosso patrimônio cultural e, no artigo 2 1 6, a composição desse patrimônio por bens materiais e imateriais relacionados à memória dos diferentes grupos que conformam a so­ ciedade brasileira. Art. 2 1 5 -

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos

culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentiva­ rá a valorização e a difusão das manifestações culturais. §

I 12 -

O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro brasileiras e das de outros grupos participantes do -

,

processo civilizatório nacional. §

2.u -

A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de al ta

significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. § 3º - A lei estabelecerá o Plano Naci onal de Cultura, de duração plu­ rianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à in tegração das ações do poder público que conduzem à: I-

defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

li - produção, promoção e difusão de béns culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas

múltiplas dimensões; I V - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional. Art. 216 -

Constituem patrimônio cultural brasilei ro os bens de natu­

reza material e imaterial, comados individualmente ou em conjunto, porcadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferen­ tes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

EDUCAÇÃO PATRI�10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

35

I - as formas de expressão;

11 - os modos de criar, fazer e viver: 111 - as criações científicas, arrísticas e tecnológicas: IV-

as obras, objews, documentos, edificações e demais espaços des­ tinados às manifestações artístico-culturais:

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, ar­ tístico, arqueológico. paleontológico, ecológico e científico9

Ao longo da década de 1990, as esferas pública e privada criaram instâncias de preservação de nosso patrimônio cultural, com a funda­ ção de cencros de memória e núcleos de documentação, realização de mostras de fotografias, vídeos e outras formas de registro, como a gravação e transcrição de entrevistas com relatos de memória e depoimentos diversos1 0 . Na política recente do Iphan, foi instituído o Registro dos Bens Culturais, por meio do Decreto n. 3 551 /2000 11 . Esse decreto definiu os bens culturais i ntangíveis, de natureza imaterial, e estabeleceu seu registro. assim como o dos bens materiais. A partir de então, tornou-se possível ao Estado brasileiro alcançar maior sintonia com as questões que envolvem a diversidade da nossa cultura e com tudo que diz respeito ao nosso patrimônio cultural1 2 . A concepção de patrimônio descolada das classes populares da sociedade bra­ sileira foi alterada e substituída pela noção de paisagem cultural brasileira. Nessa conceituação, o patrimônio cultural é visto como

formado por:

9 Constituição Federal. Disponível em:

< hnp:f/www.dji.eom.br/constituicao_federal/cf2 15a

2 1 6.htm > . Acesso em: 28 abr. 2012.

10 ORlA. Ricardo. Memória c ensino de História. In: BmwcouRr. Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001. p. 128.

u O Decreto n. 3 551 foi publicado em 4 de agosto de 2000. assinado pelo ministro da Cultura

e pelo presidente da República. que na época eram Francisco Weffort e Fernando Henrique

Cardoso. respectivamente.

12 Registro de bens culturais de natureza imaterial. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2012.

36 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

[ . . ] bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente .

ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à me­ mória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico. arqueológico, paleontológico, ecológico e científico [ . . ] D .

�exe, ren1exe, rebola

é tan?bor de crioula A ginga descente envolvente

é tan?bor de crioula...

Mulheres durante a dança do tambor crioula, em São Luís (MA), em 2005. o tambor crioula é uma dança de origem africana praticada em diversas regiões brasileiras. Essas e outras manifestações culturais são consideradas bens culwrais de natureza im aterial .

1 3 Portaria n . 1 27, de 30 de abril de 2009. Diário Oficial da Unido n. 83, p. 1 7 , 5 maio 2009. Disponível em: . Acesso em:

EDUCAÇÃO PATRI�IONIAL N O ENSINO D E HISTÓRIA N O S ANOS FINAIS 0 0 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

37

O patrimônio como bens culturais Como vimos, pode-se dizer que a temática referente ao pa­ trimônio cultural adquiriu expressiva importância nas quatro últi­ mas décadas. De um discurso patrimonial que se referia aos mo­ numentos como fatos do passado, transitou-se para a concepção de patrimônio como bens culturais, referente às idenridades e às memórias coletivas. Dessa maneira, múltiplas paisagens, arquite­ turas, tradições, gastronomia, expressões de arte, documentos e sítios arqueológicos passaram a ser reconhecidos e valorizados por comunidades e organismos governamenrais nas esferas local, esta­ dual, nacional e global. O patrimônio cultural é constituído pelos bens intangíveis (crenças, costumes, fazeres, saberes, ideias, danças, canrigas, can­ torias, tradição oral, entre diversas manifestações que constituem as idenridades e as memórias coletivas) e pelos bens tangíveis, (móveis e imóveis). Os bens móveis são representados por diversos objetos relacionados à arte, à religião, ao trabalho, aos livros e aos documentos, aos achados arqueológicos, às coleções e aos acervos museológicos, e às diversificadas fontes documentais e de arquivos. Os bens imóveis são os monumentos, os templos religiosos, os bens individuais, os núcleos urbanos, as edificações, os sítios arqueológi­ cos, históricos e paisagísticos. Os bens culturais têm seu valor declarado oficialmente quando são inscritos pelo lphan, por meio dos Livros de Tombo. Os bens culturais de natureza material são registrados em quatro livros: • Livro de Tombo Arqueológico. Etnográfico e Paisagtstico

no qual se inscrevem os bens perrencenres às categorias de arte arqueo­ -

lógica, etnográfica, ameríndia e popular, bem como os monu­ mentos naturais, sítios e paisagens; • Livro de Tombo Histórico

no qual se inscrevem obras de arte históricas e outros bens de inreresse histórico; -

• Livro de Tombo das Belas Artes no qual se inscrevem bens de arre erudita, nacional ou estrangeira; -

38

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS AtlOS FINAIS DO ErlSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

• Livro das Artes Aplicadas

- no qual se inscrevem as obras que

se inclue·m na categoria de arces aplicadas, nacionais ou es­ trangeiras 1 4 . Após o tombamento, são n ecessários os seguintes procedimentos: •

a obrigação de levar o tombamento a registro;



restrições à alienabilidade e à modificação da coisa tombada;



o. órgão de tombamento exercerá vigilância, vistoria e fiscaliza­ ção sobre a coisa tombada 1 5 .

Quanto aos bens intangíveis, são inscritos nos seguintes Livros de Registro de Bens Imateriais: • Livro de Registro dos Saberes - conhecimentos e modos de fazer

enraizados no cotidiano das comunidades; • Livro de Registro das Celebrações

rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade. do entreteni­ mento e de outras práticas da vida social; -

• Livro de Registro das Formas de Expressão - manifestações lite­

rárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; • Livro de Registro de Lugares

- mercados. feiras, santuários, pra­ ças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práti­ cas culturais coletivas 1 6 .

14 Bens móveis e imóveis inscritos nos livros do tombo do Instituto do Património Histórico e Arcístico Nacional Anexo.do?id

=

1356>

193 8-2009.

Disponível em: . Acesso em: I J nov. 2 0 1 1 .

6 8 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

N o entanto, ainda são poucas as atividades de formação de pro­ fessores para a aplicação das metodologias nessa área e cada vez mais se torna necessário buscar possibilidades pedagógicas que pos­ sam ser ajustadas a cada realidade escolar. A realidade escolar, no Brasil. é marcada pela diversidade: há abundância ou falta de materiais e suportes didáticos nas institui­ ções de ensino. Isso faz com que o professor tenha de adaptar os recursos de que dispõe e de criar ambientes de aprendizagem, o que pode ser feito por meio de uma rica interlocução com seus alunos. pares, funcionários e moradores da comunidade na qual a escola está inserida.

A inserção curricular da educação patrimonial É importante lembrar que a inserção curricular da educação vol­ tada ao patrimônio cultural tem como marcos a formulação dos Parâ­ metros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais3 concernentes à educação das relações étnico-raciais e ao ensino de história da cultura afro-brasileira e dos povos indígenas4 Os PCN sugerem diferentes maneiras de trabalhar a interdiscipli­ naridade e a transversalidade nos currículos escolares e preveem a educação patrimonial no ensino de História. Sobre a transversalida­ de, o documento afirma que: "[ . .] diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educati­ .

va, uma relação emre aprender na realidade e da realidade de conhe-

3 As Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, introduzida pela Lei n. 9394 de 1996, deter­

minaram que um dos princípios do ensino no pais deve ser a divulgação da cultura e, para ranro. instituem que os currículos da educação básica devem rer uma base diversificada de acordo com as características regionais c locais da sociedade e da cultura.

4 O documento Educação escolar indígena: diversidade sociocultural indígena ressignificando a escola aborda as questões das diversidades - étnico-raciais, de gênero, de diversidade sexual, geracionais, regionais e culturais, bem como os direitos humanos e a educação ambiental. Disponível e m : < http:/lportal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoindigcna.pdf>. Acesso em:

24 out.

2011.

EDUCAÇÃO PATRH·10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNOAt·IENTAL: 69 CONCEITOS E PRÁTICAS

cimentos [eoricameme sislema[izados (aprender sobre a realidade) e as queslões da vida real (aprender na realidade e da realidade)5 .

Os PCN sugerem também que o processo de ensino e aprendiza­ gem vise proporcionar ao aluno a possibilidade de conhecer caracterís­ ticas fundamentais do Brasil nas dimensões social, material e cultural, a fim de que possa construir progressivamente a noção de identidade na­ cional e pessoal e o sentimento de pertencimento ao país. O documento também orienta que o aluno seja estimulado a conhecer e valorizar a pluralidade do patrimõnio socioculrural brasileiro para que, assim, ele se mrne capaz de se posicionar e de se opor a quaisquer formas de discri­ minação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crença de sexo, de etnia e de outras características individuais e sociais6 ,

Entre as repercussões dessas orientações curricula res destacam­ -se, em seu contexto mais amplo: • a criação de centros de memória; •

a execução de projetos de revitalização de sítios históricos e urbanos por mdo o país;



a instalação de núcleos de documentação e pesquisa;

• a criação de memoriais; • a abertura e a reforma de museus; • o estímulo a programas de história oral;

• o incentivo à p rodução de vídeos e de documemários como registros de projetos voltados ao patrimõnio cultural realizados por comunidades, nos bairros e nas escolas. Tais iniciativas estão relacionadas ao fortalecimento da identida­ de nacional, à preservação das culturas locais e à defesa e preserva­ ção de nossa diversidade cultural .

5

BRASIL Ministério da Educação e Cultura Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros .

Curriculares Nacionars. Apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1997. 6

p. 40.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: história e geografia. Brasílía: M EC/SEF. 1997. p. 9.

70

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Em relação à publicação editorial, a orientação é de que a edu­ cação deve ser voltada ao desenvolvimento da cidadania, por meio da valorização das diversas culturas de nosso país, da disseminação de atitudes e de valores éticos, tais como respeico e colerância às dife­ renças, e da defesa incondicional da pluralidade cultural. Nos livros didáticos, as abordagens de conteúdos e procedi­ mentos metodológicos buscam atender aos editais de avaliação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) 7 , que, por sua vez, corroboram significativamente o que dizem os documentos curri­ culares oficiais: os conteúdos didáticos devem ser selecionados, or­ ganizados e desenvolvidos em atenção às pesquisas acadêmicas de cada área do conhecimento e ao debate educacional sobre a prática docente em sala de aula. A· dinâmica inerente de elaboração, cir­ culação e distribuição do livro didático garante que alunos de todo o país acessem conteúdos e compartilhem objetivos educacionais comuns em todo país. No que diz respeito à educação patrimonial, pode-se dizer que há uma tendência, especialmente nas coleções didáticas de História e de Geografia, de apresentar conteúdos e atividades sobre temáticas relacionadas ao patrimônio material e imaterial. Em algumas obras, essas temáticas apresentam-se articuladas aos demais conteúdos; em outras. reservam-se capítulos específicos para a abordagem do patrimônio cultural material e imaterial; há ainda as que abordam a temática patrimonial nas atividades de temas transversais. Assim, é de fundamental importância que o professor observe essas peculiari­ dades no período de escolha dos livros didáticos. De toda forma, constata-se que a maioria das obras didáticas tem buscado explorar a diversidade e a pluralidade cultural brasi­ leira, trabalhando com conteúdos relacionados ao patrimônio e à

7 Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Ministério da Educação. Fundo Nacional de De· senvolvimcmo da Educação. Conselho Deliberativo. Resolução n. 60, de 20 de novembro de Disponível em:< hnp:l/www.cenpec.org.br/biblioteca/educacao/marco-legallprogra·

2009.

ma·nacional-do·livro-didatico·pnld > . Acesso em: 28 abr. 2012. Trata-se de uma imponamc politica publica criada há mais de secenra anos c que, no final do distribuição de obras didáticas ern escala nacional.

século XX, disseminou a

EDUCAÇÃO PATRI�IONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

71

formação da identidade cultural e da cidadania. Essa evidência tem contribuído para uma real inserção curricular da educação patrimo­ nial, a julgar pelas crescentes iniciativas de projetos educativos so­ bre o nosso patrimônio cultural e natural. Além disso, as atividades propostas nos livros didáticos intensificam cada vez mais a aborda­ gem de aspectos relacionados ao patrimônio cultural e natural em sala de aula. Como sabemos, a área de História é responsável por desenvol­ ver práticas de educação patrimonial. Todavia é recomendável que as atividades e os projetos interdisciplinares contemplem os temas transversais e sejam planejados de modo que envolvam a comunida­ de escolar. Assim, para inserir efetivamente a educação patrimonial no currículo de cada escola, é necessário que os professores plane­ jem possibilidades didáticas de trabalho que visem levar os alunos a conhecer as características da cultura local e a identidade social do grupo no qual está inserido e a desenvolver o sentimento de afetivi­ dade pelos bens culturais. Só por meio da educação patrimonial será possível levar os alu­ nos a compreender que os bens culturais e naturais são uma riqueza da humanidade a ser preservada e valorizada e, assim, torná-los ap­ tos a praticar a cidadania por meio de atitudes de respeito ao patri­ mônio. Destarte, pela via educativa, poderemos fazer desaparecer os cenários de depredação, intolerância e indiferença para com nossa riqueza culturaL Essas são algumas das premissas para a inserção real da edu­ cação patrimonial no currículo escolar. Cabe ainda ressaltar que a consciência sobre isso pode levar professores, alunos e a comunidade escolar como um todo a desenvolver interessantes estratégias para o trabalho com a memória e o patrimônio cultural na escola. As ações educativas voltadas aos bens patrimoniais tangíveis ou intangíveis de uma comunidade são condutas de ensino e aprendiza­ gem de formação para a cidadania porque fortalecem os valores da alteridade, da solidariedade, do respeito a si mesmo e aos outros.

É

importante, pois, que elas possibilitem aos estudantes relacionar os diversos lugares de memória ao patrimônio cultural.

72

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Os lugares de memória e o trabalho com educação patrimonial O conceiro de lugares de memória refere-se aos rituais, festivi­ dades, danças, cantigas e técnicas de trabalho que transformam a matéria-prima em artesanato e outras manifestações que são trans­ mitidas de geração para geração (caso contrário, tendem a cair no es­ quecimento). Trata-se de ingredientes da identidade do grupo de que se originam, e o sentimento que neles prevalece é o de continuidade. A seleção de lugares de memória para fins didáticos pode recair tanto numa dimensão mais local como num contexto mais abrangente - o de uma sociedade ao longo do tempo, por exemplo. O historiador francês Pierre Nora, em seu artigo "Entre memória e história: a problemática dos lugares"8 , caracteriza a situação que vivemos hoje como processo de globalização ou mundialização, no qual o passado vai cedendo seu lugar à ideia de eterno presente. Nora emprega a expressão aceleração da história, entendida como: [ .. ] uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitiva­ mente morro, a percepção global de qualquer coisa como desapare­ cida - uma ruptura de equilíbrio. O arrancar do que ainda sobrou de vivido no calor da tradição, no mutismo do costume, na repetição do ancestral, sob o impulso de um semimemo histórico profundo [ .. . ] 9

Marcar os traços, os vestígios. os objetos. as construções. etc. foi a forma de resistência encontrada para fazer frente ao efeito devastador e diluidor da rapidez contemporânea. Para Pierre Nora, nas fronteiras entre a memória e a história identificam-se os lugares de memória, noção compreendida como limiar entre o momento histórico passado - o que éramos -. num quadro-rural-local, e o momento histórico pre­ sente - o que somos -, num quadro metropolitano-universal. Ainda segundo Pierre Nora, os lugares de memória têm relação com o conceito de identidade (e com a ameaça de sua perda): a iden-

s Revista 9

Projeto Hiscória. São Paulo. PUC, n.

8

10. p. 7-2 , dez. 1993.

Revista Projeto História, p. 7.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

73

tidade de determinado grupo relaciona-se a uma situação de existên­ cia coletiva vivenciada em certos momentos históricos, que serve de referência na identificação desse grupo. Para marcar o calendário das lutas operárias entre o final do sé­

XIX e o início do XX, era recorrente nos jornais operários a re­ ferência à luta dos mártires de Chicago em prol da jornada diária

culo

de oito horas de trabalho. Os jornais funcionavam como espaços de memória para as classes operárias do período:

Ilustração de Walter Crane publicada na revista

O jornal A Revolta, Santos (SP), rememorava em seu

anarquistas presos pela polícia de Chicago.

maio de 1886 em Chicago (EUA) e a organização do

londrina Liberty, em 1894, lembrando os

Acusados de um crime nunca provado. em maio de !886, quatro deles foram enforcados.

74

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO CONCEITOS E PRÁTICAS

número 7, de 1 Q de maio de 1914, o episódio de

1 9 de maio de 1914. Acervo do Arquivo de Memória

Operária do Rio de janeiro (Amorj).

DE

HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAL:

A noção de lugares de memória refere-se ao desejo de retorno a ritos que identificam e diferenciam os segmemos sociais: museus, arquivos, cemitérios, coleções, fescas, aniversários, tratados, proces­ sos verbais, monumentos, santuários, associações, etc. Trara�se de marcos que testemunham outra era, que criam ilusões de eternidade. Os lugares de memória:

[ . . .] nascem e vivem do sentimento de que não há memória espon­ tânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniver­ sários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar acas, porque essas operações não são nacurais. É por isso que a defesa pelas minorias de uma memória refugiada sobre focos privi­ legiados e enciumadameme guardados nada mais faz do que levar à incandescência a verdade de todos os lugares de memória. Sem vi­ gilância comemorativa, a história depressa as varreria. São bastiões sobre os quais se escora. Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de constituí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que elas envolvem, eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apode­ rasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los, eles não se tornariam lugares de memória. É este vai-e-vem que os constitui: momentos de história arrancados do movimento da histó­ ria, mas que lhe são devolvidos. Não mais inteiramente a vida, nem mais inteiramente a morte, como as conchas na praia quando o mar

se retira d a memória viva 1 O.

A proposta da educação patrimonial envolve o trabalho com a noção de lugares de memória: deve-se estimular o aluno a perceber como esses lugares vão sendo recorrentemente construídos na famí­ lia, n a escola, na comunidade local e nos mais diversos segmentos sociais, ao longo da temporalidade da história. Assim, os professores podem e devem trabalhar com diferen­ tes lugares de memória, a fim de estimular o aluno a identificar e a compreender as possíveis relações entre os lugares de memória exa-

10 Revista Projeto História, p. 1 3 .

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS D O ENSINO FUNDMIENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

75

minados e os segmentos sociais aos quais estão relacionados. Para a consecução desses objetivos, o professor poderá: • indagar-lhes sobre a construção de certos lugares de memória

e sobre a necessidade de destruição de outros; • incentivar os educandos a buscar evidências sobre lugares de memória; •

encaminhá-los a observar e a analisar as bases das decisões sobre a preservação, destruição ou indiferença em relação a determinados lugares de memória;

• levá-los a refletir sobre os segmentos ou representantes sociais

relacionados aos lugares de memória e, assim, a compreender suas diversas significações; •

encaminhá-los a descobrir as razões que explicam por que al­ guns grupos sociais são representados como vencedores e a perceber a ausência de representações de outros grupos sociais em determinados lugares de memória.

O casarão que abrigou o Externam do Colégio Pedro 11. hoje Unidade Escolar Cemro, foi rombado em 1983 pelo Patrimônio Histórico. Trata-se de um lugar de memória da educação brasileira. Foto de 2008.

76

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Como se pode perceber, são diversas as possibilidades de trabalho com a educação patrimonial: o essencial

é desenvolver a consciência

crítica dos educandos sobre a importância da preservação dos bens culturais. Pode-se dizer que há dois tipos de memória: a individual e a coletiva ou social. Para nos reporcarmos dua l , frequentemente recorremos

à memória indivi­

à memória do convívio social.

já a memória coletiva constitui-se do que

é comum ao grupo, do

que é selecionado e do que é excluído por ele. Em outras palavras. trata-se de uma operação em que o segmento social em questão, de uma forma ou de outra, colabora para a perpetuação da memó­ ria ou para seu esquecimento, ou seja, na construção ou não de lugares de memória. Indagar e refletir sobre esse processo - como por quem e para que foram criados os lugares de memória na so­ ciedade brasileira - são procedimentos importantes para o debate em sala de aula. Na educação patrimonial há métodos de aplicação dentro e fora de sala de aula que contribuem para o trabalho interdisciplinar na escola. Com base no contexto amplo das mudanças curriculares, o próximo capítulo abordará diversas possibilidades de trabalho com a metodologia da educação patrimonial na escola.

oc

Paulo Freire: Paulo Reglus Neves Freire nasceu na cidade de Recife. Pernambuco, em 1921. e morreu em São Paulo, em 1997. Foi um dos mais importantes educadores brasilei­ ros e reconhecido em todo o mundo pela importância de sua obra no campo da educação de adultos, da educação popular e da educação para a ci dad an i a. É o autor da chamada pedagogia da libertação, referência mundial no entendimento d e que a educação é um processo po lít i co que deve contribuir para a transformação soci al . Parâmetros Curriculares Nacionais: são referência para os ensinos fundamental e médio em todo o país, a fim de garantir, independentemente da situação socioeconômica e da localização geográfica de crianças e adolescentes de todo o país, um conjunto de conhecimentos indispensáveis para a cidadania.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

77

O texto a segu i r, de Circe Maria Fernandes Bittencourt. nos convida a pensar sobre os de memória da sociedade brasileira e nos alerta sobre o compromisso de traba­ l h a r mos com os alunos as dimensões da relação entre o patrimônio cultural, a memória social, a identidade e a p l u r a li dad e c u ltu r a l l u ga r es

.

Existem inúmeros relatos de experiências de estudos do meio realizados por professores de

H i stória. A maior parte delas ocorre em cidades históricas, lugares com monumentos histó­

ricos consagrados. A prefe rê nci a por estudos do meio em cidades com esse perfil indica a necessidade de se deter na concepção de patri mô nio histórico e na constituição dos luga res "

de memória" da sociedade brasileira. A educação pa tr i m o nia l i nte gra atualmente os planejamentos e sco lares e es pecia l m e nte os ,

professores de História têm sido convocados e sensibilizados para essa tarefa, que envolve o d ese nvo lvimento de atividades lúdicas e de ampliação do conhecimento sobre o passado e

sobre as relações que a sociedade estabelece com ele: como é preservado, o que é preservado e por quem é preservado. Essas preocupações originam-se da necessidade de refletir sobre o que te m sido constituído como memória social, como patrimônio da sociedade e in daga r se o resgate da memória de todos os setores e classes sociais se tem efetivado. Entre nós, tem-se sedimentado a ideia de que somos "um país sem memória", mas cabe se questionar qual memória tem sido esq uec i d a e como r esgatar um passado que possa contribuir para atender às reivindicações de parce la s

consideráveis da população às quais tem sido negado o d i rei to à memória". "

[...] A atual legislação ampliou o conceito de patrimônio cultural. entendendo que preservação atinge bens culturais históricos, ecológicos, artísticos e ci entífico s

.

O conceito mais abrangente de patrimônio cultural abre pe rs pe cti vas de adoção de políticas de preservação pat ri mo n ia l O compromisso do setor educacional articula-se a uma educa­ .

ção patrimonial

para as atuais e futuras gerações. centrada no pluralismo cultural. Educação

que não visa apenas evocar fatos históricos "notáveis", de consagração de determinados valores de setores sociais privilegiados, mas também de concorrer p a ra a rememoração e preservação daq ui lo que tem significado para as diversas comunidades locais, regionais e de caráter nacional. A preservação do patrimônio histórico-cultural deve pautar-se pelo co mpro mi s s o de contribuir com a identidade c u ltura l dos diversos grupos que formam a

sociedade nacional. O compromisso educacional orienta-se por objetivos associados à pluralidade de nossas raí­ zes e matri z es étnicas e deve estar inserido no currículo re a l em todos os níveis de ensino.

Várias atividades de campo têm mostrado essa preocupação e se constituído em prát icas iniciadas a partir do p rocesso d e a lfa beti za ção. [...]

78

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDA�IENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

É importante ter como critério a escolha de lugares diversos. Ao li mitar o estudo a espaços considerados "monumentos históricos", tombados pelo patrimônio histórico. pode-se con­ duzir os alunos a equívocos sobre a própria concepção de história e sedimentar a ideia de que a memória histórica deve ater-se apenas a determinadas esferas de pode r. Normalmente os m onum en t os históricos são marcos de pessoas pode rosa s ou do poder oficial e, porta nto

,

esses poderiam ser vistos como construtores exclusivos da memória histórica.

[ ...] O importante é saber explorar historicamente qualquer "lugar", fazer um direcionamen­

to do "olhar" do aluno. levando-o a entender o que são fontes históricas não escritas: as construções, os telhados das casas, o planejamento urbano. as plantações, os instrumentos de trabalho, as informações obtidas pela memória oral de pessoas comuns. As marcas do passado são as fontes históricas que se t ra ns fo rma m em material de es t u do11.

)) A caixa de lembranças de família Proponha aos alunos que construam, com a participação de seus familiares, uma "cai­ xa de lembranças de família". O objetivo da atividade é estimular os alunos a construir uma espécie de memorial familiar. a) Oriente os estudantes a recolherem em casa evidências que possam contar a história de sua família, a fim de colocá-las em uma caixa. Essas evidências podem ser: foto­ grafias de acontecimentos familiares (passeios, festas de aniversário. rituais religio­ sos. casamentos, etc.); objetos, utensílios, roupas. recortes de jornais, documentos pessoais, brinquedos. livros, etc. Se julgar necessário, o professor poderá combinar previamente com os alunos qual deverá ser o tamanho da caixa e quantos objetos serão necessários. Entretanto é interessante que o estudante tenha liberdade para selecionar e organizar na caixa os objetos que ele e/ou sua família considerem signi­ ficativos em sua história. Esse procedimento o ajudará a compreender os significados e as representações de cada objeto introduzido na caixa. b) Peça aos alunos que listem os objetos. atribuindo a cada um deles um comentário que explique a razão pela qual foi inserido na caixa de lembranças. Essa lista pode ser organizada em um quadro como o que segue, que os alunos podem reproduzir no caderno ou em uma folha: '' BmENCOuKr. Circe Maria Fernandes. Enszno de história. p. 277-280.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

79

Memória de família Conteúdo do

Data em que

A quem

objeto

foi produzido

pertenceu

//////

//////

//////

N. do objeto //////

Comentário

-,------,--

/#/////

c) Marque uma aula para que os alunos possam relatar sua história familiar usando os objetos da caixa de lembranças. Isso os ajudará a perceber a relação entre memória e história. Com base nos relatos apresentados pelos alunos, o professor poderá destacar-lhes alguns pontos importantes para a compreensão do sentido da atividade e avaliação. • falar sobre a memória histórica de famílias que. juntas, constroem a história de um lugar; • refletir com os alunos sobre o sentido que cada família imprimiu aos objetos da cai­ xa e ampliar essa reflexão para o sentido da preservação dos bens culturais em geral; reconstituir com os alunos as etapas da atividade - pesquisa, armazenamento e análi­ se de objetos -. explicando-lhes que essas etapas fazem parte do trabalho sobre fontes históricas. constituindo documentos que nos ajudam a reconstituir a história.

r

�IIPtU;tnPC: rfe leitllr? ..,...,,..., n nrnfPC:SQr

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organizado por Elba Si­ queira de Sá Barreto. Campinas: Autores Associados; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1998. Obra que discute a questão curricular no Brasil para o ensino fundamental e conta com capítulos específicos para as distintas disciplinas que compõem o currículo escolar. trazendo, ainda, considerações sobre os temas transversais. Didática e prática de ensino de História. de Selva Guimarães Fonseca. 11. ed. Campinas: Papirus, 2003. Livro que aborda aspectos da didática, da metodologia e das práticas do ensino de História desenvolvidas no ensino fundamental e médio. Dividido em duas partes, analisa, na primeira delas. as principais dimensões do ensino de História e, na segunda, questões da prática docente, experiências. relatos e técnicas de ensino.

• Os currículos do ensino fundamental para as escolas brasileiras.



80

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

C AP ÍT U L O 5

M et o d o logi a s d a e d u ca ç ã o p a t ri m o n i a l

O presente capítulo busca contexrualizar a criação da metodo­ logia da educação patrimonial, discutir e sugerir formas de trabalho com o patrimônio cultural e natural e sugerir processos de aplicação da educação patrimonial: conhecimento, apropriação e valorização dos bens culturais tangíveis e intangíveis na escola.

Metodologia da educação patrimonial: contexto de criação A metodologia da educação patrimonial compreende um conjun­ tO de práticas e experiências voltadas à percepção, ao conhecimento, à apropriação, à compreensão, ao reconhecimento. à valorização e

à preservação dos diversos bens, tangíveis e intangíveis, de nosso patrimônio culwral. Sua principal proposta é orientar a organização de atividades e estu­ dos interdisciplinares a fim de suplantar a fragmentação dos conteúdos nos wrrículos escolares e transdisciplinares. Para tanto,

é necessário

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTORIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

81

propor e realizar projews de trabalho nos quais o aluno seja estimulado a fazer uma leitura crítica da realidade e. consequentemente, tornar-se capaz de propor soluções para a resolução de problemas, proporcionan­ do-lhe a experiência da relação direta com os bens e as manifestações culturais. A educação patrimonial envolve os conceitos. os procedimen­ tos, os méwdos e as técnicas da área de História, muitos deles também usuais em outras ciências humanas. como a Antropologia. Sua perspectiva deve se pautar na análise direta dos bens ma­ teriais e imateriais de modo que wrne o aluno apto a compreender as múltiplas relações entre passado e presente. entre memória e história. As ações pedagógicas devem focar os mais diversos bens culturais, e nisso a criatividade do professor tem papel preponde­ rante, uma vez que cabe a ele escolher os procedimentos mais ade­ quados a facilitar a percepção e o entendimento do aluno sobre o património cultural. Os princípios da metodologia para a educação patrimonial fo­ ram desenvolvidos na década de 1 970, na Inglaterra (Heritage Edu­ cation) e disseminaram-se em outros países do mundo. No Brasil, foram introduzidos pela museóloga Maria de Lourdes Parreiras Hor­ ta a partir de 1983, por ocasião do t l! Seminário sobre o Uso Educa­ cional de Museus e Monumentos. organizado pelo Museu Imperial, em Petrópolis

(Rj). Após a realização desse seminário - considera­

do pelo lphan o marco inicial da educação patrimonial em nosso país -. projetos e ações relativos

à aplicação dessa metodologia fo­

ram desenvolvidos em diversos lugares do país Essas experiências .

foram registradas. com o apoio do Iphan e do Ministério da Cultura, no Cuia Básico da Educação Patrimonial, como incentivo ao conheci­ mento do nosso património. De acordo com Maria de Lourdes Horta, a meLOdologia da edu­ cação patrimonial deve ser um processo permanente e sistemático, podendo ser aplicado a qualquer evidência material ou imaterial, aos bens tangíveis e intangíveis, seja no exame direto de um único obje­ w, seja na análise de um conjunto de bens culturais: uma paisagem, um sítio arqueológico, um parque, uma área de proteção ambiental, uma manifestação da cultura, processos de trabalho artesanal ou in­ dustrial, saberes e fazeres da cultura popular e quaisquer outras ex-

82

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

pressões decorrentes da relação trabalho humano-ambiente. A abor­ dagem da evidência material ou imaterial escolhida deve ser feita de forma direta, como fonte primária de conhecimento individual e coletivo 1 . Essa metodologia constitui-se de quatro etapas:

1 . Observação: consiste na identificação dos objetos. saberes e rituais próprios do lugar onde se desenvolve a atividade, bem como a percepção e caracterização de suas respectivas fun­ ções e seus significados. O objetivo dessa etapa é que se al­ cance a percepção visual e simbólica da evidência investigada, por meio do processo de coleta de entrevistas e de relatos de memória direcionados pelos procedimentos da história oral.

2. Registro: trata-se do registro dos bens observados, por meio de desenhos, descrição verbal ou escrita, gráficos, fotografias, vídeos, maquetes e plantas arquitetônicas, etc. O objetivo é mensurar ou estabelecer o valor patrimonial desses bens para a comunidade.

3. Exploração: consiste no desenvolvimento da capacidade de aná­ lise. de julgamento crítico e de interpretação das evidências in­ vestigadas no bem patrimonial. Essa etapa implica a realização de procedimentos de análise do problema. levantamento de hi­ póteses, discussões e pesquisas em bibliotecas e outros acervos.

4. Apropriação do bem cultural: nessa etapa, espera-se que os educandos e/ou a população envolvam-se efetiva e afetiva­ mente com os bens culturais, participando de forma criativa de "releituras" desse patrimônio e expressando-as de diferen­ tes formas: textos, músicas, danças, pinturas, dramatizações. fotografias, vídeos, etc. 2 .

As experiências de aplicação dessa metodologia da educação pa­ trimonial e de outras práticas educativas relacionadas ao conhecimen­ to,

à valorização e à compreensão dos sentidos de preservação dos

I HoRTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUMBERG. Evelina; MoNTEIRO, Adriane Queiroz. Guia básico da educação patrimonial. 4. ed. Brasília: lphan/Museu Imperial, 2009. p. 6.

2

lioRT,\, Maria de Lourdes Parreiras; GRUMBERG. Evelina: MoNTEIRO. Adriane Queiroz. Guia básico da educação patrimonial. p. 1 1 .

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL N O ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS D O ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

83

bens tangíveis e intangíveis de nosso patrimônio cultural intensifica­ ram-se nos currículos escolares a partir dos anos 1990, principalmente em função das prescrições dos Parâmetros Curriculares Nacionais, das abordagens da temática nos livros didáticos de História e de Geografia e da ênfase ao trabalho interdisciplinar com os temas transversais.

Como trabalhar com educação patrimonial? o trabalho com a memória e o patrimônio cultural na escola pode ser realizado de diversas maneiras.

É recomendável

que o grupo

de professores de diferentes áreas se reúna para discutir e planejar sequências de ações didáticas e projetos educativos voltados ao pa­ trimônio cultural e natural na escola.

É

importante que essas ações

envolvam alunos e demais membros da comunidade escolar, como funcionários, pais de alunos e moradores do bairro. O trabalho com os temas transversais, especialmente Meio Ambiente e Pluralidade Cultural, previstos nos PCN, favorecem esse estudo integrado. Quanto à escolha da temática patrimonial que será desenvolvida como projeto de trabalho na escola, é recomendável que o profes­ sor leve em consideração as manifestações culturais e os lugares de

memória que cercam os alunos; dessa maneira, eles poderão reco­ nhecer no objeto de estudo escolhido suas identidades individual e coletiva. Tal procedimenro ajudará a despertar no aluno a afetividade em relação ao que se pretende estudar, o que fará com que o profes­ sor, por sua vez, tenha mais possibilidades de estimular os alunos a empreender o estudo proposro.

É

importante que também o professor tenha apreço pelo tipo

de bem cultural que pretende trabalhar com seus alunos; com isso, poderá potencializar ainda mais sua motivação para reunir material de informação para o preparo das aulas e, assim, transmitir a eles seu entusiasmo com a pesquisa. Sugere-se também que as escolhas temáticas variem de acordo com o ciclo escolar a que se destinam, e que contemplem diferentes tipos de bens patrimoniais. Assim, ao longo do término do Ensino

84

EDUCAÇÃO PATRI�1DN!Al NO ENSINO OE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDA�IENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Fundamemal ll, os alunos terão se aproximado de diferentes conreú­ dos e conceiros relacionados à temática da educação patrimonial. Por exemplo, ao escolher um lugar de memória do bairro ou da cidade, convém indagar aos alunos, na fase de identificação do bem patrimonial: • Como ele é preservado? • O que é preservado? •

Por que razões é preservado?



Quem o preserva?



Convém também classificar, com os alunos, o bem patrimonial que se escolheu estudar: • trata-se de um bem cultural material (construções. monu­

mentos, igrejas. terreiros. feiras. fábricas. objeros. etc.)? • trata-se de um bem cultural imaterial (canções. danças, festas.

técnicas de anesanam, modos de falar. rezas. culinária. etc.)? •

trata-se de um bem natural (meio ambiente. paisagem. etc.)?

Essa classificação contribuirá sobremaneira para que, com seus alunos. o professor: •

providencie os materiais informativos;

• decida quais procedimentos serão necessários para coletar da­

dos. organizar e registrar as descobertas; •

defina os conceitos que ainda deverão ser construídos e planeje as etapas subsequenres do trabalho.

Algumas atividades com patrimônio cultural costumam ser dife­ renles das que são desenvolvidas em sala de aula e, por isso, apre­ sentam obstáculos a serem enfrentados. Tais adversidades. porém, podem ser superadas pelos educandos mediante as orientações do professor, baseadas em seu bom-senso e em suas estratégias de co­ municação com seus alunos. Assim, em um trabalho de campo. por exemplo, caberá ao professor orientar os estudanLes sobre a conduta que devem adotar. o que devem e o que não devem fazer, etc. EDUCAÇAO PAtRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSTNO FUNDAMENTAl: 85 CONCEITOS E PRÁTICAS

Para que os alunos se sintam estimulados a participar das ativida­ des com os bens patrimoniais, o professor precisa trabalhar com os conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto em estudo, permi­ tindo assim que façam conexões com seu universo cultural, estabele­ çam relações entre saberes e desenvolvam sentimentos de afinidade com o objeto de estudo e sintam prazer em fazer descobertas. Como afirmou a museóloga Maria de Lourdes Parreira Horra: A educação patrimonial consisre em provocar situações de aprendi­

zado sobre o processo culrural e seus produtos e manifestações que despertem nos alunos o inceresse em resolver questões significativas para sua própria vida pessoal e coletiva3 . Antes de iniciar uma atividade relacionada a um tema do patri­ mónio cultural, é necessário definir quais são os objetivos e resulta­ dos pretendidos. Se a atividade planejada for um projeto de trabalho, poderá culminar e!ll um produto final que sintetize ou represente o processo de execução. O professor deve então definir quais são os conceitos, as habilidades e os conhecimentos a serem desenvolvidos com a atividade.

O passo seguinte é pesquisar, selecionar e organizar

material de consulta sobre o tema: livros, revistas, jornais, filmes, músicas, vídeos, etc. Nessa erapa inicial, portanto, o professor deve ser também um pesquisador (parafraseando o educador Paulo Freire: não existe ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino). Nesse sentido, os livros didáticos de História são de grande utili­ dade, pois propõem procedimentos importantes no trabalho de cole­ ta de informações em pesquisa de campo: • roteiro de observação; •

entrevistas;



construção de uma linha do tempo;



leitura de representações imagéticas, como fotografias, obras de arte e pinturas;

• exame de um texto literário como fonte de informação, etc.

3 HoRTA. Maria de Lourdes Parreiras: G11u�1BERG. Evelina: MoNTEIRO. Adrianc Queiroz. Guia básico da educação patrimonial. p. 8.

86 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Com esse suporte didático, acessível nas escolas de wdo o país. o professor poderá encontrar material de apoio e adaptá-lo de acordo com as necessidades impostas pela atividade que ele escolheu reali­ zar com seus alunos. O trabalho de campo impõe a adoção de diversos procedimentos. e sua escolha depende da especificidade da temática ou evidência escolhida. Cada objeLO, cada lugar de memória. cada manifestação cultural carrega diferentes significados e diversas representações.

Cazuza. Memórias de um menino de escola. Viriato Corrêa. São Paulo: Companhia

Editora Nacional. 1 938. Este exemplar é

o da t• edição, de 1 938. Trata-se de uma narrativa memorialisra muito popular

sobre a escola primária do interior (MA) e o colégio da cidade (R)). Coleção Escola Estadual Caetano de Campos - São Paulo (SP).

Carteira escolar dupla, em madeira e ferro fundido. com reservatório de rima ao cemro, usada em escolas do início do século XX. Coleção Escola Rural de Cunha (SP).

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: 87 CONCEITOS E PRÁTICAS

Assim, para a realização do escudo, é necessário encaminhar os alunos a um processo composw pelas seguintes etapas: • percepção do objeto em estudo; • análise desse objeto : o que é, para que serve, como foi utiliza­ do, qual sua função atual;

• interpretação das informações coletadas e analisadas; • registro, releitura ou representação do objeto em estudo. em que o estudante possa exteriorizar as descobertas feitas. As atividades com patrimônio cultural ou natural podem e devem proporcionar o desenvolvimento da criatividade de professores e de alu­ nos. dando-lhes a oponunidade de conhecer diferentes modos de viver, gostos, tradições. etc. de nosso país. Por meio dessas atividades,

o pro­

fessor poderá estabelecer conexões entre saberes de diferentes áreas do conhecimento, tornar as aulas mais interessantes, realizar debates sobre temas atuais e. sobretudo, levar os alunos a se posicionar criticamente sobre problemas sociais e culturais, movimento importantíssimo para que se tornem capazes de interferir em sua realidade e realizar escolhas solidárias. éticas e de respeiw às pessoas e ao lugar onde vivem. Cabe ao professor escolher a atividade ou temática mais adequa­ da para o trabalho em cada ano dos ciclos escolares. Em discussão com seus pares de trabalho, o docente que está coordenando ou pro­ pondo o trabalho deve: •

determinar um cronograma das etapas da atividade, sequência didática ou projew;

• definir o nível de aprofundamento das tarefas planejadas; • delimitar recortes temporais e espaciais do estudo a ser rea­ lizado. Ao longo da execução de uma atividade, sequência didática ou projeto, o professor deve ainda prever momentos e situações em que os alunos tenham a oportunidade de compartilhar seus sentimentos e descobertas com a classe, expressando-se, ouvindo os colegas. tro­ cando opiniões e defendendo posições.

88 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Processos d� aplicação da educação patrimonial: conhecimento, apropriação e valorização São diversas as atividades, as sequências didáticas e os projetos que podem ser executados na área de educação patrimonial.

U m i mportante ponto a ser explorado com os alunos é a diversi�

dade de fontes, nas quais pode se basear para obter um estudo sobre nosso patrimônio cultural: exame e análise de documentos escritos e não escritos (fotos, objetos, indumentárias, etc. ) ; visita a lugares de memória (museus, arquivos, praças, monumentos, construções, igre­ jas, terreiros, etc.); observação de diferentes modos de viver (brinca­ deiras. culinária, canções, linguajares, artesanatos, erc.). Tais manifes­ tações devem ser tratadas como evidências investigadas que ajudam a conhecer, compreender e valori zar o nosso patrimônio cultural e, com isso, a realizar importantes descobertas sobre nossa identidade individual e coletiva. Outra questão importante

é a contextualização do objeto de es­

tudo no tempo e no espaço, admitindo-o como fonte primária de conhecimento. As atividades planejadas de maneira interdisciplinar devem envolver também a percepção e a análise das mudanças e das p erma n ênci as, das di ferenças, semelhanças e transformações pelas

quais o objeto de estudo passa ao longo do tempo. Propomos a seguir uma atividade que consiste em explorar a orali­ dade a Fim de construir um documento histórico: o depoimento oral. • O professo r propõe aos alunos que convidem uma pessoa ido­ sa - que tenha nascido ou que more há décadas no bairro em que se situa a escola - para dar seu depoimento na classe, con­ tando como era viver na comunidade em outros tempos. Uma atividade dessa natureza levará os estudantes a perceber que as memórias de cada um de nós são importantes para compor a história individual e coletiva de um lugar: em seu relato, o depo­ ente falará sobre as transformações ocorridas na comunidade (por exemplo, as decorrentes do surgim ento dos computado­ res, telefones celulares, etc.). Cabe mencionar que esse procedi­ mento proporciona ao estudante relacionar as memórias a um

EDUCAÇÃO PATI>Il-IONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: 89 CONCEITOS E PRÁTICAS

contexto mais amplo, pois o idoso terá também a oportunidade de expressar suas percepções acerca de acontecimentos de al­ cance nacional ou mesmo mundial. • Depoimentos e entrevistas demandam procedimentos prévios. Assim, será preciso elaborar um roteiro de perguntas: os alu­ nos refletirão sobre o que querem saber com base em objeti­ vos previamente combinados com o professor. Nunca é demais lembrar os estudantes de que eles precisam ouvir o depoente com atenção e não interromper suas falas.

• Outra providência importante é combinar previamente com os alunos de que modo a entrevista será registrada: por meio de anotações, gravações ou vídeos.

• Uma vez terminada a atividade, o professor poderá promover um debate com os estudantes sobre a entrevista: o que apren­ deram, o que descobriram, que conexões estabeleceram en­ tre a fala do depoente e suas próprias vivências. Esse debate também poderá ser registrado, a fim de compor um quadro avaliativo da experiência.

É importante explicar aos alunos que.

depois de receber essa abordagem, o depoimento torna-se um documento construído e pode servir de evidência da experiên­ cia vivida. Outra possibilidade interessante para o trabalho com património na escola é o estudo de meio: conhecer o entorno da escola, do bair­ ro ou de determinadas localidades da cidade por meio da exploração de diferentes lugares de memória. O estudo de meio é uma estratégia didática que possibilita o contato direto dos alunos com o lugar ou com o fenômeno a ser co­ nhecido. Trata-se de uma prática educativa usual há décadas na his­ tória da educação brasileira: as escolas anarquistas e liberrárias das duas décadas iniciais do século

XX, por exemplo, a realizavam com

frequência. Hoje, essa estratégia é geralmente planejada de maneira interdisciplinar. De acordo com a historiadora Circe Maria Fernandes Biuencourt, em seu livro Ensino de história:fundamentos e métodos, o estudo de meio abarca objetivos expressos em rrês aspectos:

90 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANO$ FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

CONCEITOS E PRÁTICAS

[. . ] o aprofundamento de conteúdos (conceitos, informações de cada .

uma das discipl inas envolvidas). a socialização dos alunos e a sua for­ mação intelectual (observação, comparação, analogias) 4 . Para realizar um estudo de meio, o professor pode considerar as orientações a seguir. • Escolher um lugar no bairro onde fica uma escola, uma capela, uma igreja, um terreiro, uma praça, um parque, a casa de um amigo morador, um museu, um centro de memória, uma ferrovia, etc.; • Orientar os alunos sobre os objetivos da atividade.

É importante

que a visita não se limite ao estudo da memória oficial, isto é, a construções, monumentos, estátuas e outros objetos preser­ vados e relacionados

à

elite detentora do poder. Assim, ames

da visita, o professor pode chamar a atenção dos alunos para a ação de sujeitos históricos anônimos que contribuíram para a construção do lugar. • Combinar previamente as regras de conduta necessárias para o sucesso do escudo, como levar um bloco de anotações para o registro de informações sobre o lugar visitado, respeitá-lo e zelar por sua integridade, etc. •

Durante a visita, provocar a percepção dos alunos, propondo­ -lhes indagações que os levem a fazer constatações, a estabele­ cer conexões e a construir analogias, especialmente no que diz respeito a conceitos e informações das diversas disciplinas do currículo escolar.



É

recomendável que os alunos troquem com os colegas e o pro­

fessor constatações e impressões baseadas na observação. Tal procedimento deve ocorrer em momentos pontuais na visita e após seu término. Para efeito de avaliação, o professor pode­ rá mensurar o aproveitamento dos alunos tendo por base esses momentos em que eles podem compartilhar e problematizar so­ bre o que aprenderam.

4 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história. p. 2 8 1 .

EDUCAÇÃO PATRI�10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAI S D O ENSINO FUNDAMENTAL:

CONCEITOS E PRÁTICAS

91

• Como produto final da atividade, o professor pode propor a ela­ boração de um mural com os registros do estudo de meio, fazendo uso de fotografias. desenhos. colagens e cartazes com as informa­ ções obtidas. Esse mural poderá também ser compartilhado com a comunidade escolar, a fim de socializar a experiência realizada. Algumas atividades apresentadas nos livros didáticos de História po­ dem se adequar a diversas realidades escolares e, assim, contribuir para o trabalho com o patrimônio cultural, embora muitas delas estejam rela­ cionadas aos conteúdos do livro didático de cada ano letivo. Para que isso aconteça com sucesso, elas precisam ser mediadas pelo professor. Trata­ se de trabalhar com documentos históricos na sua acepção mais ampla: documentos escritos e não escritos. objetos de memória, monumentos. construções, terreiros. igrejas. modos de fazer artesanato, jeitos de falar, cantigas, festas populares. manifestações da cultura material e imaterial, além do patrimônio natural e sua relação com os modos de viver. Essa mediação pode ocorrer de diversas formas.

O ponto de par­

tida é trabalhar a valorização dos documentos. explicando aos alunos que eles são fomes históricas, isto é, deles que se extrai o material para a escrita da História. Para isso, é necessário que o professor tenha clareza do valor dos documentos de natureza material e ima­ terial: esse é o primeiro passo para a construção dessa noção com os alunos. Além disso, é de fundamental imporrância que os estudantes vivenciem situações nas quais as manifestações culturais revelem sua importância para a memória social do lugar. Essa percepção pode ocorrer se essas situações se derem no contexto da vida dos educan­ dos, na comunidade na qual eles estão inseridos. Antes de iniciar o trabalho com uma temática patrimonial, o pro­ fessor deve selecionar textos introdutórios que ajudem a mobilizar os conhecimentos dos alunos em relação

à temática a ser

abordada.

Um repertório inicial desperta a atenção do aluno e o desejo de co­ nhecer a temática, e o estimula a problematizar o assunto em estudo. Além de textos introdutórios. o professor pode usar fotografias, char­ ges, cantigas, vídeos com danças, etc.

O trabalho com matérias jornalísticas é uma estratégia interes­ sante para o estudo do patrimônio.

92

O aquecimento global e o desma-

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

ramemo, por exemplo, são remas bastante divulgados na imprensa, e podem sensibilizar os alunos para a importãncia da preservação do patrimônio natural. Filmes e documentários relacionados ao meio ambiente também podem ser material de apoio no trabalho com as dimensões, os conceitos e as representações que envolvem as temá­ ticas do patrimônio ambiental e arqueológico. Para que esse tipo de atividade funcione da melhor forma, é ne­ cessário que o professor veja o filme antes de trabalhá-lo com os alu­ nos e que, depois, abra um espaço para que os estudantes debatam a obra em sala de aula, a fim de que suas percepções e observações sejam valorizadas. Os registros fotográficos constituem um rico material para o trabalho com a memória individual e a memória social. Com base neles é possível trabalhar as histórias da escola, da comunidade, da cidade, do país e do mundo. O trabalho deve conrar com os seguin­ tes procedimentos: • Escolher a temática que se quer trabalhar, estabelecer os obje­ tivos que se pretendem alcançar com a atividade. •

Coletar e selecionar os registros fotográficos relacionados a temática escolhida.



Observar e explicitar o rema central das fotos, procurando cons­ tatar se estão relacionadas a memórias individuais ou coletivas.

• Registrar data, autoria, se é anônima, se originária de acervos públicos ou particulares. • Encaminhar a descrição da foto de modo que os alunos obser­ vem as personagens, as paisagens representadas.

É imporrante

orientar os alunos acerca da intencionalidade do fotógrafo, in­ dagando sobre o que buscou representar e o que aparece re­ presentado. • Perceber evidências na foto que podem ajudar a conhecer e compreender, por exemplo, as transformações da localidade, das temporalidades e dos acontecimentos que possivelmente estão a ela relacionados.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: 93 CONCEITOS E PRÁTICAS



organizar os registros fotográficos e entrecruzar as evidências in­ vestigadas a outras fomes de informação. como textos. registros de depoimentos orais. matérias jornalísticas, para que os alunos possam perceber o contexw mais amplo das fotografias e coletar dados de pesquisa sobre a temática escolhida para o estudo.

• O desfecho de uma atividade com fotografias pode ser: a pro­ dução de um texto em que os alunos relatem seus achados de pesquisa; uma roda de conversa sobre as evidências investiga­ das; uma dramatização sobre suas descobertas, entre outras possibilidades didáticas

.

• Avaliação diagnóstica: após o término da atividade, o profes­ sor deverá refletir sobre o envolvimento e as constatações dos alunos, procurando perceber quais dos objetivos propostos ini­ cialmente foram alcançados. analisando e compartilhando seus resultados com os alunos.

Indígena do povo Saterê-Maué fazendo cestaria - trançado de arumã. Aldeia Inhaã-Bé - Igarapé do Tiú. Manaus (AM),

2010. A produção

dos povos indígenas faz parte de seu patrimônio cultural.

94 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNOA�IENTAL: CONCEITOS E PRÃTICAS

O trabalho com o patrimônio indígena é importante para ex­ plorar as origens da sociedade brasileira. A cultura material indígena pode ser vista nos traços, símbolos e desenhos do artesanato em geral. Assim, é possível abordar aspecws interessantes da cultura dos povos indígenas com base em diferentes trançados dos cestos de pa­ lha, ao examinar suas diferentes moradias e aldeias, ao conhecer os mitos de origem, as pinturas. Para o trabalho com a cultura imaterial dos povos indígenas, o professor poderá destacar materiais relacio­ nados aos conhecimentos desses povos sobre a natureza, o trabalho, os rituais, as festas e a língua falada. A abordagem da temática indígena de maneira sistemática pos­ sibilita a percepção do aluno de que a preservação da cultura dos povos indígenas está condieionada ao respeito aos seus direitos à terra, à diversidade da cultural e às permanências das práticas de suas tradições.

Homens do povo Kalapalo panicipam do ritual do Kuarup na Aldeia Aiha, Parque Indígena do Xingu (MT), em 2009, em homenagem aos mortos.

EDUCAÇÃO PATR1�10N!Al NO ENSINO DE rliSTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: 95 CONCEITOS E PRÁTICAS

O trabalho com as manifestações culturais de origem africana deve fazer parte do repertório de atividades relacionadas a educação patrimonial. O jongo, o samba de roda. a capoeira, a culinári.a, as contribuições das diversas línguas africanas para a língua portuguesa são interessantes temáticas para construir com os alunos os sentidos de valorização e de preservação de aspectos de nossa cultura e de nossas origens africanas.

A realização de atividades como as mencionadas certamen­ te tornará os estudantes mais atemos aos temas esrudados

e de­

sejosos de mais informações, com maior aptidão para formar uma opinião mais embasada e crítica acerca das temáticas ligadas ao pa­ trimônio cultural, natural, antropológico. etc.

Dança do jongo em Piquete (SP). O jongo é uma manifestação cultural rural de origem africana e está intrinsecamente relacionado ao samba de roda.

96

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HI S TÓR IA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Fontes históricas: como afirma Marc Bloch, em seu livro Introdu­ ção à história, q ua lq ue r v es t ígio pode ser convertido em fonte histó­ rica se submetido ao i nqué ri to do historiadors. Dessa forma, todos os documentos podem ser convertidos em fontes de informação para a escrita da história. Na contemporaneidade houve ampliação da con­ cepção do que pode ser considerado fonte histórica: vestígios mate­ riais, manuscritos, diários. docu mentos oficiais e pessoais, atas de reunião, inventários, cartas. relatórios de i nvestigação po licia l, foto­ grafias. matérias jorna lísticas, objetos, re latos orais, canções, char­ ges quadrinhos pinturas, discursos, artefatos de trabalho, li t eratu­ ra, e t c. Esses e o ut ros materiais tornam-se fontes históricas quando são submetidos ao diálogo historiográfico, isto é, a procedimentos como prob lemati zação, organi z ação e críti ca documental. Análise documental: di z respeito a um conjunto de procedimen tos metodológicos e técnico s para extrair informações dos documen­ tos. Por meio de uma espécie de inquérito investigativo. o documen­ to passa a ser objeto de análises e interpretações que confirmem ou desmintam hipóteses previament e levantadas pelo pesquisador ,

,

­

.

Para conhecer mais A diversidade religiosa brasileira: tradições e sincretismos No caldeirão brasileiro. talvez a diversidade religiosa seja o aspecto mais significativo e que. por isso mesmo. tem merecido atenção, quando se trata de patrimônio cultural imaterial. [ ...] No catálogo das festividades religiosas, não se pode esquecer de que comunidades brasilei­ ras preservam e recriam uma infinidade de festas que já pereceram em seus locais de origem e que aqui encontram-se vivificadas também pelo contato com nossa diversidade. Assim, temos numerosíssimas comunidades libanesas, cujas festas e tradições por vezes já não exis­ tem no Líbano. O mesmo se pode dizer de rituais da península Itálica e da Europa Oriental

5

BL.OCH. Marc. Incrodução à hiscóna. Usboa Publicações Europa-América. 1997. p. 60.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

97

praticados por um grande número de grupos étnicos dispersos pelo Brasil. Como o número de praticantes não é o que importa, os rituais de grupos indígenas ou das comunidades judaicas também representam parte substancial de nossa cultura religiosa imaterial. Contudo esteja· mos atentos. Mesmo as comunidades mais fechadas não mantêm, apenas, os rituais. Como vimos. eles são recriados a cada momento e os influxos mútuos não deixam de consubstanciar as próprias tradições que se tornam, assim, características de nosso país. As celebrações místicas geralmente apresentam elementos multifacetados e interfaces com diferentes religiões. Agregam distintos mitos fundadores que, por uma via ou outra, tendem a explicar a origem e o sentido da existência humana. Não são raros os exemplos de sincretismos religiosos, tampouco os processos de apropriação de santos ou entidades, que produzem res· significações da relação do homem com a divindade. A celebração do Círio de Nossa Senhora de Nazaré e da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes constituem exemplos significativos desse processo 9e assimilação ritual e de transformação que ocorrem ao longo do tempo. As duas festas apresentam similaridades e foram inspiradas nas práticas de devoção a Nossa Senhora, respectivamente no século XII e no século XV. Logo a origem das duas celebrações remetem ao catolicismo português medieval e consubstanciam em m anifestações rituais cole· tivas, nas quais se mesclam signos do sagrado e do profano e se fundem ações associadas a o espaço público e ao privado. E m ambos os casos. essas práticas remontam a práticas milena­ res, muito anteriores mesmo ao surgimento do cristianismo. Essas características são capazes de nos revelar particularidades das identidades étnicas e tradições regionais seculares. [...] Por certo, a teatralização das procissões e a ritualização da comensalidade abalizam os ciclos de interação social. caracterizados por atitudes de cerimoniais, que conjugam a adoração aos santos reverenciados e o entretenimento satisfeito por meio de consumo abastado de bebidas e comidas típicas. da apresentação de folguedos e cantorias. elementos que tradicionalmente completam um circuito recorrente de festas de santo que articularam as práticas do "rezar". "comer" e "dançar". Essa sucessão de atividade evoca conhecimentos tradicionais relaciona· dos ao saber fazer de sistemas culinários. bailados e folias que combinam traços, simultane­ amente. regionais e universais. Em síntese, a coesão, e as tensões sociais e as manifestações públicas de religiosidade pro· clamadas por meio da fé, do lazer e dos costumes alimentares, contribuem para ratificar tra­ dições, revigorar os sentidos de pertencimento. explicitar, fortalecer e contestar hierarquias. além de fortalecer as intrincadas identidades nacionais, regionais, étnicas e religiosas, reve­ ladoras de aspectos d a vida social e d o patrimônio cultural de inúmeras comunidades6.

6 PELECRINJ. Sandra C. A.: f'uNARI, Pedro Paulo. A diversidade religiosa brasileira: tradições e

sincretismos. In: O que é patrimônio imaterial. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 53-99 (Coleção Primeiros Passos).

98 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Proposta de atividade

))

As festas brasileiras 1.

Divida a sala em grupos e proponha que cada um pesquise uma festa popular. O obje­ tivo da atividade

é

levar os alunos a conhecer a manifestação cultural investigada para

valorizá-la.

2. Oriente os alunos a seguir um roteiro em que procurem evidenciar os seguintes aspec­ tos como roteiro de pesquisa: a) o significado do nome da festa; b) a origem;

c) onde é praticada; d) por quem é praticada; e) se existem diferenças de acordo com o lugar onde é praticada; f) as palavras relacionadas a sua prática; g) as músicas e as danças que a acompanham; h) os pratos que compõem a culinária da festa. 3. Propor q u e organizem um texto utilizando como roteiro as questões do item

2. Sugira

que insiram imagens, cantigas e entretenimentos da festa.

4. Selecione momentos das aulas para que os alunos compartilhem com os colegas seus achados. a exposição do texto e das imagens.

S. Ao final das apresentações dos grupos, proponha uma roda de conversa para a auto­ avaliação dos grupos acerca dos diferentes momentos da atividade, a percepção de outras possíveis m a nifestações associadas àquilo que foi pesquisado, as semelhanças e

diferenças entre as festas.

6. Com base nas falas dos alunos, o professor pode evidenciar-lhes os momentos de pes­ quisa, coleta de dados, organização das informações, registro e análise das evidências investigadas.

7. A construção dos sentidos de valorizar, compreender e preservar as festas populares en­ tre os alunos poderá ser avaliada pelo professor, apoiada n a percepção do envolvimento dos alunos com a pesquisa, de seu entusiasmo com as descobertas, de suas perguntas, de seus destaques e de suas constatações a respeito do que foi pesquisado e exposto.

EDUCAÇÃO PATRI�10NIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAI·1ENTAL: 99 CONCEITOS E PRÁTICAS

Suo�"tnPc: de leitur� n�r� n nrof�c;c;nr de Maria de Lourdes Parreira Horta, Evelina Grumberg e Adriana Queiroz Monteiro. 4. ed. Brasília: Iphan/Museu Imperial, 2009. A obra apresenta atividades aplicadas em instituições de guarda e preservação de bens culturais e da me­ mória voltadas à educação patrimonial. O objetivo principal desse guia é fazer interagirem escolas, arquivos, museus, bibliotecas, cen­ tros históricos e sítios arqueológicos. • Ensino de História: fundamentos e métodos, de Circe Maria Fernan­ des Bittencourt. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009 (Coleção Docência em Formação - Ensino Fundamental). A obra aborda o ensino e a aprendizagem de História: trabalha aspectos teóricos, conceituais e metodológicos da área; apresenta sua conformação como disciplina escolar; evidencia os materiais e suportes didáticos; proporciona re­ flexões sobre o ensino de História em sala de aula. • Site do Instituto Socioambiental (ISA): . É um espaço de pesquisa em que o professor poderá aces­ sar informações sobre os povos indígenas, notícias, artigos e saber sobre as ações preservacionistas relacionadas tanto ao patrimônio cultural material como o imaterial. • Site do Museu Afro Brasil . Tra­ ta-se de um interessante espaço de pesquisa para informações sobre a cultura afro-brasileira. • Guia básico da educação patrimonial,

100 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS F INAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

CAPÍTULO

H i stória loca l, i d e n ti d a d e e p a t ri m ô n i o c u lt u ra l

N a última merade do século XX. acentuou-se o sentimenco de que vivemos em um mundo cada vez menor e cada vez mais global. ou seja. as distâncias, as peculiaridades de cada região e as carac­ terísticas parriculares de uma nação se suavizam diante da cons­ tatação. obtida por televisões a cabo, redes sociais, comunicações instantâneas, internet, voos transcontinentais, etc., de que vivemos em plena aldeia global. Se, por um lado, esse faco mostra-se extremamente rico e promis­ sor, no que se refere à circulação de ideias e à maior facilidade de acesso à informação e às produções artísticas e literárias, por outro. percebe-se que a história local e regional, a memória coletiva de espaços delimita­ dos e a identidade local ressentem-se desse estrondoso movimento. Nessa perspectiva, portanto, conhecer, conservar e preservar o pa­ trimónio cultural torna-se cada vez mais um desafio para os educadores, . para as políticas públicas e para as comunidades de todo o planeta. Atualmente a construção da identidade tornou-se aspecto central dos objetivos e da missão do ensino de História. Para tanto. é preciso conhecer. identificar o património cultural que nos faz sermos diver­ sos de outros povos, mesmo em meio a um processo que, contradito-

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

101

6

riamente, nos carrega em direção à globalização e

à massificação de

ideias e ao consumo dos produtos da indústria culrural. Afinal, é faro que a globalização não afeta igualmente todas as partes do planeta. Para discutir essa complexa relação e encaminhar melhor a re­ lação entre história, património cultural e identidade no mundo con­ temporâneo, é necessário pensar sobre a história local e suas impli­ cações historiográficas.

Definições de história local O que se entende por história local ou regional? Entendemos que história local é aquela que considera objeto de estudo o espaço delimitado por diferentes critérios, observando, assim, como Marcos Lobato Martins, as "dinâmicas históricas no espaço e através do espaço, obrigando o historiador a lidar com os processos de diferenciação de áreas" 1 . Em outras palavras, a história local é aquela que não vê o território como ponto inerte e imutável, mas sim como elemento vivo que participa da experiência histórica de diferentes grupos sociais. Entendemos, ainda, quando nos referimos à história local, que não deve existir uma separação radical entre as dimensões local e global, uma vez que ambas se articulam permanentemente na histó­ ria. Assim, como assinala Joana Neves, "o local, fora de um contexto geral, é apenas um fragmenro, e o geral, sem o respaldo das reali­ dades locais, é apenas uma abstração; e, neste caso, ambos estarão destituídos de sentido" 2 . A primeira consideração que se faz necessária diz respeito à ar­ ticulação do espaço na construção da história. Com efeito, segundo o historiador Fernando Novais, a história tem "dois significados; o

I MARTINS, Marcos Lobato. História regional. In: PINSKY, Carla Bassanczi (Org.). Novos temas nas aulas de história. São Paulo: Contexto, 2010. p. 143. 2 NEvEs, Joana. História local e construção da identidade social. Revista Saeculum, Universidade Federal da Paraíba. p.

102

22. jan./dez. 1997.

EDUCAÇÃO PATRH�ONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDA�1ENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

primeiro significa todo acontecer humano em lOdo o tempo e em qualquer lugar. O segundo é a narrativa desse acontecer"3 . Nessa afirmação, aparemememe simples. coloca-se a questão cemral do trabalho do historiador com a dimensão espacial e temporal; assim sendo, as mudanças e permanências ocorridas nos processos históri­ cos ocorrem sempre no âmbito do espaço. Não é demais lembrar que o historiador francês Michel de Certeau considera extremameme importante a relação entre espaço e tempo construída pelo historiador para a escrita da história4 , pois essa escolha afeta as fronteiras espaciais e documentais da pesquisa. Para Ceneau, "toda pesquisa historiográfica se articula com um local de produção so­ cioeconõmico, político e cultural''5. Segundo José d'Assunção Barros:

[ . . . ] as ações e transformações que afetam aquela vida humana que pode ser historicameme considerada dão-se em um espaço que mui­ ras vezes é um espaço geográfico ou político, e que, sobretudo, sem­ pre e necessariamente se constituirá em espaço social6. Outro historiador que é enfático ao assinalar a importância do local para o historiador é jacques Le Goff, cuja advertência desraca o fato de que, além de fundamental, o espaço é lambém criador da 7 história humana e não apenas "um continente inerte" . Não se pode tratar das relações entre a história e a dimensão espacial. contudo, sem mencionar Fernand Braudel, historiador da segunda geração da escola dos Annales, cujas pesquisas atribuíram enorme importância à geografia8 .

3 NovAIS, Fernando . Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: CosacNaify, 2005. p.

378.

4 CERTEAu. Michel de. A escrita da história. Rio de janeiro: r=orcnse Universitária, 2008. p. 66. 5 CeRTEIIU. Michel de. A escrita da história. p. 66. b

BARRos. José d'Assunção. História. região e espacialidadc. Revista de llistória Regional. v. tO, n. 1 . p. 95· 1 2 9 . 2005.

7 LE GoFF. jacqucs. Centro/Periferia. In: LE GoFF. jacques; ScHMITT, jcan-Claude. Dicionário cemá· cico do Ocidente medieval. São Paulo: lmesp. 2002. v. 1 . p. 201.

8 BRAuoa. Fernand. O Meduerrãneo e o mundo mediterrãneo à época de Filipe 11. Lisboa: Dom

Quixote. 1983.

EDU(AÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

103

Em Porrugal, foi o grande historiador Alexandre Herculano quem em primeiro lugar destacou a significãncia dos estudos de história local, promovendo a publicação de Portugaliae monumenta histórica. obra de grande fôlego na qual foram publicados os documentos de cartórios con­ ventuais portugueses. Sua obra, em favor da história local e regional,

[. . . ) culminou com a publ icação da portaria de 184 7

8

de Novembro de

que recomendava às Cãmaras Municipais a coordenação e orga­

nização da sua his[ória a[ravés da publicação e recolha nos Anais do Município de wda a facwlogia socialmente importante que ocorresse nos concelhos9. No Brasil, Sérgio Buarque de Holanda deu enorme contribui­ ção aos escudos hisroriográficos, mostrando as interações entre o ho­ mem, o meio natural e a geografia no processo de colonização 10 . Fica patente. pois, que a pesquisa e a reflexão hisroriográfica não podem prescindir da dimensão espacial em suas considerações.

É

preciso observar também que o avanço nos escudos dos geógrafos tem marcado cada vez mais as análises de historiadores. amropólo· gos e sociólogos, com a constante ampliação de conceiros que pas­ sam a abarcar também uma dimensão do espaço imaginário das ações e realizações humanas. Ao longo do século XX, a concepção de espacialidade foi se alar· gando, partindo da noção inicial de espaço físico, passando pela de espaço social, político e imaginário até chegar à concepção do espaço como campo de forças onde se materializam e se enfrentam as prá­ ticas discursivas. Ao assinalar a importância da história local, o historiador francês Pierre Goubert, uma das maiores referências nesse campo, destaca que, até o fim do Período Moderno. as sociedades humanas estavam muito mais confinadas em seus próprios espaços pois as fronteiras .

das aldeias. dos burgos e dos povoados, na Europa Ocidental, raramen-

9

NuNES, Graça Maria Soares. A história regional c local: contriburos para os estudos das identi­ 8, p. 72. 1996.

dades locais. Cadernos de Sociomuseologia. n. 10

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos efronteiras. São Paulo: Companh•a das Letras.

104

1994.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

te eram ultrapassadas 1 1 . O referencial de mundo era. portanto, a esfera local, aquele espaço de uma ou poucas aldeias, povoados ou cidades. Além disso, o confinamento acabava por levar os estudiosos a se deb ruçar sobre os textos clássicos dos autores gregos e romanos e sobre a história da localidade, o que significava buscar as origens das famílias proeminentes da região.

Vista aérea de Durham (Inglaterra), incluindo o castelo, a catedral da cidade e o rio Wear. A concepção de próximo e de distante permaneceu praticamente inalterada ao longo de séculos, uma vez que a maioria dos deslocamentos era feita a pé.

Entre os historiadores franceses, esses estudos se multiplicaram ao longo do século XIX, e histórias locais eram escritas por magistrados, eruditos, notários e padres. Normalmente essas histórias eram excre� mamente elogiosas em relação à memória da elite local e de filhos ilustres da terra. Pouco se aproveitou desses trabalhos, ainda mais em um momento em que a concepção dominante de história acadêmica pouca ou nenhuma importância atribuía à história local, uma vez que o foco da História como disciplina estava no estudo da nação. Ao longo do Oitocentos naquele país, nomes importantes no cená� rio intelectual se utilizaram de referências de história local, como é o caso de Alexis de Tocqueville, que, a fim de compreender as implica-

11 GousERT. Pierre. Histõria local. Trad. Maria M. Lago. Revista Arrabaldes, Rio de janeiro: Univer­

sidade Federal Fluminense, ano I , n. 9. p.

69·82,

maio/ago. 1988.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

105

ções e significados do fim do Antigo Regime e os efeitos da Revolução Francesa, debruçou-se sobre a documentação burocrática da província de Tours 1 2 . Outro nome importante no mesmo período foi o de Al­

phonse Feillet. que estudou profundamente a documentação de vilas, aldeias e povoados na França entre

1640 e 1660 para avaliar as priva­

ções e crises de fome a que camponeses estavam submetidos 13.

A abordagem recente da história local Apesar da existência dessas tentativas. foi apenas muito recen� temente que a hisroriografia fez uma abordagem mais sistemática da questão da história local. Para Goubert, a explicação para esse interesse ocorre em razão da "insatisfação em relação aos métodos históricos vigentes e da preocupação com o estabelecimento de no­ vos tipos de questões históricas" 1 4 . Goubert assinala, ainda, que a re­ novação do interesse por uma história social mais ampla acabou por dirigir o olhar para as pessoas comuns e para a experiência histórica desses grupos. e não apenas para a análise da vida dos dirigentes políticos. dos grandes heróis e das elites. A multiplicação de monografias. cuidadosamente recortadas em termos espaciais e com problemas e indagações postos claramente à documentação em estudo permitem. segundo Goubert, desmitificar noções muito arraigadas na historiografia ou aprofundar aspectos an� tes apenas esboçados. De acordo com Marcos Lobato Martins. algumas questões concor­ reram para explicar por que a dimensão do local perdeu tanta impor­ tância diante da dimensão global. Em primeiro lugar. o amor assinala que a expansão da economia de mercado no continente europeu ge­ rou forças integradoras e unificadoras em seu interior. Em segundo lu­ gar, Martins destaca a constituição e consolidação do Estado Moderno. que combateu implacavelmente os particularismos locais para forjar a

12 TocQuF.vtt.t.F., Alexis de. O antigo regime e a revolução. São Paulo: Martins Fomes. 2009.

1 3 FEtLLET. Alphonsc. Apud GousERT. Pierre. Histõria local, p. 14 GouBERT, Pierre. Histõria locaL p. 73.

72.

106 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

ideia de nação. Por fim, o terceiro elemento elencado pelo autor que concorreu para desprestigiar o local em detrimento do nacional foi a Ilustração, cujos objetivos mais gerais buscavam a evolução e a unifor­ mização das sociedades no caminho do progresso material, científico

e intelectual da humanidade a partir da conquista da razão 1 5 _

A escola dos Annales fortaleceu, em larga medida, a noção de uma história rotalizante e global, e sua influência repercutiu em todo o mun­ do. Após a Segunda Guerra Mundial, entretanto, a história regional e local - que, diga-se de passagem, nunca havia desaparecido - voltou a ganhar força em razão da expansão das universidades nas províncias, da questão da análise dos documentos utilizando a abordagem da "lon­ ga duração" e também como resultado do crescimento de uma maior sensibWdade em relação à vatorização da cultura local e popular. O trabalho de Emmanuel Le Roy Ladurie em Les paysans de Lan­

guedoc demonstrou as potencialidades do recorte e da abordagem da história local ao trabalhar a "imobilidade" da sociedade rural francesa durante o Amigo Regime. Pierre Vil ar, marxista francês, destacou as virtudes da observação local dos fenômenos históricos como um gran­ de comributo para as dinâmicas próprias da região e da localidade, mas também como elemento para o conhecimento das estruturas globais. N a década de 1960, a Universidade de Leicester, na Inglaterra, destacaria a relevância da história local como um saber derivado da imponância do vínculo das famílias e da comunidade com o espaço local. Para Allan Lichtman e H. P. R. Finberg, membros do grupo de historiadores defensores da história global em Leicester, segundo relata Afonso de Alencastro Graça Filho,

[ . . ] a história local não é parte ou fragmemo desta última, mas um objew com mérito próprio de estudo. Lichtman ainda ressalta a pre­ cisão da história local, capaz de revelar os detalhes mais finos e varia­ dos da experiência humana, corrigindo as generalizações apressadas que distorcem a realidade t 6

1 5 MARTINS, Marcos Lobaro. História regionaL In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de história. São Paulo: Conrcxw, 2010. p. 136·137.

16 GMÇA fiLHo. Afonso de Alencastro. História. região & globalização. Belo Horizome: Autênrica, 2009. p. 48.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDA�1ENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

107

Ao longo de tOdo o século XIX. nas Américas e na Europa, a ideia de nação se fortaleceu e com ela ocorreu a diminuição da importância da esfera local. Nessa imagem temos o

famoso quadro

Grito do Ipiranga

ou Independência ou morte, de Pedro América,

pimado em 1888,

que representa o nascimento do Brasil como nação independente.

Atualmente as profundas alterações que foram impostas pela globalização em termos econômicos. mas especialmente no sentido cultural. acabaram por trazer novamente

à ordem do dia questões

sobre o papel da nação. da cultura popular e da massificação cultural, assim como a relevância cada vez maior que as instituições de poder supranacionais passaram a desfrutar em nosso mundo. Nesse semi­ do, autores como Roger Chartier têm conduzido sua análise para di­ mensionar o que significa a territorialidade e as fronteiras nacionais di ame da força da globalização e da indústria cultural 1 7 .

A micro-história Em fins da década de 1970, ocorreu na Itália um movimento de renovação hiswriográfica que acabou dando novo impulso aos estudos de história local. Historiadores como Giovanni Levi, Carlo

Ginzburg e Carlo Poni publicaram trabalhos numa linha denominada micro-história. O impulso para os estudos de micro-história relacio­ nou-se com o panorama hiswriográfico europeu daquele momento. notadamente no que tocava

11 CHARTIER. UFRGS.

à França e à Itália.

Roger. Ã beira dafalésia: a his1ória emre cerrczas e inquierudcs 2002.

Pono Alegre: Ed. da

108 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: COijCEITOS E PRÁTICAS

Para chamar a atenção para as peculiaridades italianas, inclusi­ ve no campo da documentação, esses historiadores se dedicaram a explorar em outra perspectiva as especificidades locais, passando a criticar a mera importação de modelos historiográficos provenientes da França. A micro-história nasceu, portanto, motivada pela necessi� dade de explorar o local e o específico. Segundo Levi, a micro-história "é essencialmente u�a prática histori ográfica em que suas referências teóricas são variadas e, em certo sentido, eclécicas" 1 8 Levi acredita que, quando essa prática his­ toriográfica surgiu, ela veio, de alguma forma, tentar responder às inquietudes provocadas pelo quadro geral de mudanças que o mundo passava com aquilo que se convencionou chamar de "fim das uto­ pias". Como prática historiográfica, a micro-história está baseada na observação "em uma escala microscópica e em um estudo intensivo do material documental'' 1 9 , para assim revelar "fatores previamente não observados"20 . Consideramos que uma das maiores contribuições da micro-histó­ ria reside justamente no fato de que essas pesquisas privilegiam o par­ ticular, o pormenor e o empírico, permitindo ao pesquisador visualizar contradições e incongruências do processo histórico e, dessa forma, re­ velar as estratégias de sobrevivência usadas pelos grupos sociais em sua vida cotidiana. O interessante é destacar que essa abordagem permite ao historiador "contribuir para o conhecimento mais aprofundado do contexto histórico em suas múltiplas possibilidades, que podem acenar para-uma futura sintese"2 1 . Outro ponto que merece ser mencionado é o fato de que não há incompatibilidade entre a análise do local e do global, uma vez que a experiência e a vivência do microssocial possibi· litam perceber interações, tensões e contradições com o global.

1 8 L�vr, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BuRKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas pers· pectivas. São Paulo: Ed. da Uncsp. 1 992. p. 133. 1 9 LF.vr, Giovanni. Sobre a micro-história. In:

pectivas. p.

136.

20 LEv!, Giovanni. Sobre a micro-história. In:

pectivas. p.

1 39.

BuHKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas pers­

BuRKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas pers·

21 GRAçA FrLHo, Afonso de Alencastro. História. região & globalização. p. 58

EDUCAÇÃO PATRI�IONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

109

Estudos de história local e regional no Brasil No Brasil, a partir de meados do século XIX e princípios do século

XX, os estudos sobre história local estiveram profundamente ligados à atuação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). criado em 1838 com sede no Rio de Janeiro, então capital da República, e dos institutos regionais. Nesses institutos. dominava a produção feita por membros ilus­ tres das comunidades locais que escreviam sobre as principais famí­ lias. os feitos do passado, o folclore, a geografia e a história dos muni­ cípios. Esse tipo de produção chamava-se

corografia e era

composta

de "monografias municipais e regionais, que misturavam história, tradição e memória coletiva. Esses espaços tomavam como funda­ mento espaços bem recortados politicamente, que eram estudados em si mesmos" 22 . Nas corografias. dificilmente havia articulação en­ tre o local, o regional e o nacional: essa última esfera só era relaciona­ da quando eventos marcantes exerciam influência sobre o local. As elites locais eram as grandes protagonistas da história, e a memória era a dos grandes heróis. O Instituto Histórico Geográfico de São Paulo, por exemplo, foi pródigo na divulgação das corografias das famílias "quatrocentonas" e de seu passado bandeirante. No Brasil, "essa tradição dos estudos locais ficou registrada nas formas populares 23 das corografias municipais, dos almanaques e das efemérides" . Apesar de wdos os seus problemas - a frágil articulação entre história e geografia. a fraca conexão estabelecida entre a esfera do micro e do macro e o caráter sempre elogioso dos escritos em relação às figuras proeminentes da história local - , essas corografias foram a base para os textos didáticos elaborados e utilizados nas diferentes localidades espalhadas pelo país. A partir das décadas de !960 e !970, a expansão do Ensino Su­ perior no Brasil e o consequente aumento do número de cursos de

22 MARTINS, Marcos Lobaw. História regional. In: aulas de história. p. 140-141.

P1NSKY, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas

23 GRAçA FILHO. Afonso de Alencastro. História. região & globalização. p. 48.

110

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDA�1ENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Sede atual do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). no bairro da Glória. no Rio de Janeiro. Assim como os Institutos Históricos e Geográficos locais eram responsáveis por construir e divulgar a memória das elites locais, o IHGB contava com sede no Rio de Janeiro e difundia a história oficial da nação.

pós-graduação foram aos poucos modificando esse quadro. Os tra­ balhos, entretanto, tiveram forte influência da visão nacional e do sentimento de repúdio às desigualdades regionais, e o resultado disso foram monografias, dissenações e teses que identificavam a história paulista com a história do país como um codo, sem atentar para as peculiaridades e especificidades de cada região. Depois da década de 1980, com uma maior descentralização dos cursos de pós-graduação no país, esse quadro começou a mudar, e os trabalhos sobre história local passaram a ser escritos com base nas fontes locais e com recortes adequados aos temas e problemáticas que se buscava discutir. O panorama que se percebe atualmente nas universidades bra­ sileiras e em outros importantes centros universitários pelo mundo tem demonstrado maior receptividade aos estudos de história local e regional. Talvez esse crescimento esteja ligado às próprias vicissitu­ des e uansformações aceleradas que se vivem, atualmente, em fun­ ção da realidade incontestável da globalização econômica e cultural que atinge em cheio todo o planeta.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDA�1ENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

111

Identidade, história local e globalização Cabe agora definir, de modo um pouco mais preciso, o que sig­ nifica globalização.

Há muitas definições criadas por pensadores de

diferentes campos de saber sobre a ideia da presença de uma uni­ dade sistêmica no mundo24 Uma vez que discutir cada uma dessas definições e implicações foge ao propósim direm deste livro, procu­ ramos partir da definição de globalização como fenõmeno social de abrangência global iniciado em princípios da Época Moderna, com as Grandes Navegações e a decorrente expansão comercial e marítima. Ao longo de todo o século XIX e do século XX. as bases da econo­ mia capitalista ultrapassaram as fronteiras locais e nacionais. Em fins do século passado e no inicio do presente, a integração das esferas econõmica, social, cultural e política ao redor do planeta se acelerou. A globalização provocou e continua a provocar um encunamento das distâncias devido às transformações ocorridas, sobretudo nos meios de transportes e nas telecomunicações. ao mesmo tempo em que se tem a impressão de um mundo cada vez mais interligado e uniforme. Numa perspectiva bastante ampla, pode-se dizer que o processo de globalização foi resultado das necessidades do capitalismo em sua fase mais avançada, presente de maneira mais acabada nos países desenvolvidos. Porém, abordaremos a globalização em suas implica­ ções culturais. Um dos aspectos mais significativos da globalização - também co­ nhecida como mundialização - refere-se ao campo das fronteiras cul­

turais: as culturas estão cada vez mais integradas às redes sociais e de comunicação mundiais. É extremamente complexo definir e demarcar

24 Há autores que distinguem e preferem usar o termo mundialização para descrever a forma­ ção de uma cartografia humana que passa a envolver todo o planeta. Podemos citar Serge Gruzinski como exemplo dessa abordagem. pois para ele o termo globalização se refere ao fe· nômeno mais contemporâneo e cujo centro seriam os Estados Unidos. Outros. como Armand

Mattelart. emendem que a mundialização trataria do fenômeno em sua dimensão geográfica.

enquanto a globalizaçào trabalharia com a ideia de uma unidade sistêmica ou tolalizamc. Ain·

da outros. como o economista· franccs François Chesnais, destacam os aspec1os econômicos

do fenômeno mundialização. De todo modo, data da dccada de 1990 o aumento dos debates e das discussões em torno do tema da globalização c da mundialização.

112

ED UCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DD ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

as fronteiras nacionais e perceber como se processa atualmente a for­ mação das identidades locais e nacionais em meio ao intenso entre­ cruzar de culturas. Não obstante essa constatação, é preciso lembrar que as culturas humanas sempre trocaram conhecimentos, visões de mundo, costumes e hábitos.

O que mudou com a globalização ocorrida

desde meados do século XX foi a intensidade desse fenômeno. Os críticos da globalização destacam a padronização sem prece­ dentes que a cultura norte-americana exerceria sobre outros povos e a subordinação desses últimos à indústria cultural globalizada. Au­ tores como o norte-americano Frederic Jameson entendem que as culturas locais se encontram fortemente ameaçadas por aquilo que ele denomina "americanização da cultura", em um processo nada democrático25 . O antropólogo brasileiro Renato O rtiz sublinha que um dos efeitos mais danosos da globalização

é a universalização dos

gostos, que acaba por marginalizar a cultura nacional, considerada menos importante que as manifestações culturais mundializadas. Outra questão seria a construção de identidades sociais, iden­ tidades "líquidas e fluídas", como destaca o sociólogo polonês Zyg­ munt Bauman, para quem faltaria o vínculo com o local, com o pas­ sado e com a comunidade. Nesse universo de transformações,

é mais que necessário incen­

tivar a construção do espírito crítico e indagativo das novas gerações, a fim de que possam responder, de modo consequente e conscien­

te, aos desafios do mundo contemporâneo2 6 . Cabe refletir detida­ mente, sobretudo, sobre o espaço das práticas educativas, baseando­

-nos nestas considerações de Afonso de Alencastro Graça Filho:

[. . .] ainda mais preocupante do que a "pasteurização" das diferen­ ças regionais na cultura glo ba lizada , que de alguma forma abre uma brecha para a diversidade, é o espaço cada vez mais restrito para a crítica e o risco de inovação quando as sondagens de consumo e a visão tecnocrata dos produtores sinalizam

27 abrangência de mercados .

para o lucro fácil e a maior

25 JAMESON, Frederic. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001 .

26 BAUMAN. Zygmunt. G/obalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

27 GriAÇA Fu.Ho. Afonso

de Alencastro. História. região & globalização. p.

114.

EDUCAÇÃO PATRI�10NIAL NO ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 0 0 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

113

Um dos aspectos mais acentuados da globalização, profundamente marcada pelo largo uso da tecnologia (internet, redes sociais, meios de co­ municação de massa e experiências virtuais), é o fato de que hoje em dia essas experiências parecem simular o real, empobrecendo ou mesmo excluindo da vivência das pessoas as experiências social e coletivamente vividas. Apesar de largamente difundida ao redor do planeta, a tecnologia da informação e da comunicação é, ainda, altamente excludente, pois milhões de pessoas não têm acesso a esses produtos e possibilidades. Por certo é correto afirmar que convivemos com uma superexposi­ ção de elementos do modo de vida e dos valores culturais da sociedade norte-americana no mundo contemporâneo e que, diante disso, as cul­ turas locais e as identidades sociais, fundadoras de ações conscientes e rransformadoras da realidade, encontram novos e complexos desafios.

Final do Campeonaw Brasileiro de Counter Stríl�e. jogo de computador. disputado por equipes. em São Paulo,

em 2009. A difusão do uso da internet e de todas as suas possibilidades criou nas pessoas a noção de simultaneidade e da comunicação que se fortalecem virtualmente em detrimento. muiras vezes, dos contatos reais.

Parece-nos, porém, que cada vez mais, ao redor do globo, manifes­ tações e movimentos políticos e sociais têm buscado discutir e investir nas ações afirmadoras das identidades locais e nacionais em detrimen­ to da simples pasteurização cultural. O fortalecimento da cultura local, do resgate da memória e da história local pode ser entendido como uma espécie de antídoto contra a padronização da cultura.

A importância dada à cultura e à identidade locais não aponta. a nosso ver, para a intolerância cultural ou para o repúdio das culturas estrangeiras, pois, como já foi dito anteriormente, as culturas huma-

114

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNOAMEtiTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

nas são fruto de múltiplas influências, comatos e troca de saberes e experiências; ela apenas destaca a necessidade da valorização de nossa idemidade cultural e do conhecimento das especificidades de nossa história demro de um quadro geral de multiculturalismo. Se­ gundo Graça Filho, diversos analistas da globalização defendem que a cultura global se sustema pela diversidade, e não por uma homoge­ neização de sistemas de significados e de expressões28 .

No que tange aos fenômenos culturais, à questão da conservação e valorização do patrimônio cultural e ao resgate e valorização da memória e da história locais, é preciso estar alerta para o fato de que os fenômenos culturais e suas fronteiras são aspectos de altíssima complexidade que colocam em xeque as abordagens que partem de visões territoriais limitadas e fechadas. Nota-se a presença, na atualidade, de tensões enrre as característi­ cas locais, o patrimônio cultural local e nacional e a globalização, isto é, a presença de embates enrre as culturas locais e regionais e as tendên­ cias uniformizadoras da globalização.

A forma mais eficaz de respon­

der às tendências padronizadoras é a revalorização da cultura local, de suas tradições, costumes e vivências, e da construção de idemidades sociais, uma vez que o local e o cotidiano como espaços da memória são constitutivos de possibilidades educativas e formadoras.

A educação patrimonial comprometida com a cidadania é ca­ paz de incentivar a construção de um mundo mais toleranre, plural e verdadeiro.

c:

or

es

História local: refere·se ao conhecimento histórico da perspectiva do local enquanto objeto de conhecimento e como espaço de referência para o conhecimento. Globalização: expressão muito utilizada num sentido marcadamente ideológico, re­ ferindo-se a um processo de i ntegração econômica e cultural que vigoraria em todo o mundo, caracterizado pelo predomínio dos interesses financeiros e pelo abandono do estado de bem-estar social. Em termos culturais, a globalização estaria profundamente 28 GRACA FIUiO. Afonso de Alencastro. HIStória. região & globa/ização. p. 104.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

115

marcada pelo predomínio da indústria cultural sob a égide dos Estados Unidos e levaria a uma padronização da cultura e do modo de vida em todo o planeta. Mundialização: conceito referente ao processo histórico, acelerado na segunda meta­ de do século XX. cuja principal característica seria a inter-relação abrangente e constante entre diferentes partes do globo. O incremento das vias de comunicação entre os vários países, a expansão e o aprimoramento das telecomunicações e das tecnologias de infor­ mação (de que decorre um maior acesso à informação) são algumas das raízes desse pro­ cesso. Em termos econômicos. a mundialização teve como consequência a globalização dos mercados e a padronização das preferências dos consumidores em todo o mundo.

Leia, a seguir, um trecho do livro Fazer e ensinar história: anos iniciais do Ensino Fun­ damental, de Selva Guimarães Fonseca. Ele aborda a necessidade de trabalhar com a história local e o cotidiano no Ensino Fundamental, e suas implicações. O texto destaca ainda o fato de o Brasil ser, ao mesmo tempo, um país p l ura l e uma nação una, em que a identidade local e a nacional estão em permanente estado de reconstrução. O estudo da história local e do cotid ia no

Neste texto tenho como objetivo analisar algu ma s

dificuldades,

problemas

relacionados

ao

ensino da história local, e também discutir possibilidades, caracte ri za r experiências pedagó· gicas e propostas de

ens i no. [...]

Durante muito tempo os a n os iniciais

do ensino fu n dam e n ta l

na educação escolar brasileira

constituíram, em primeira mão, um lugar p rivi legiado para a difusão de uma dada memó· ria, uma história marcada por preconceitos, estereótipos e mitos políticos conservadores. As intenções das

elites dominantes, controladoras da

bretudo nos períodos

difusão do conhecimento oficial. so­

ditatoriais no Brasil, eram explícitas

nos

currículos

e

nos

materiais

educativos. Nos primeiros anos da escolaridade, dever-se-ia desenvolver nos alunos deter· minadas noções e

tendo em vista

atitudes visando "ajustá-los", "integrá-los" à realidade social e histórica,

que

grand e

parte d a

população estu da n til

brasileira

não ultrapassava os

limites da 54 sé ri e do ensino fundamental (denominado ensino primário e depois

ensino d e

1° g rau ). A d isci plina d e "Estudos Sociais" cumpriu essa função em grande parte da história

da educação

brasileira. na segunda metade do século

XX. Além disso, os argumentos locais

e regionais eram e são. muitas vezes. usados como forma de mascarar os conflitos e contra­ dições presentes na sociedade. [...)

116

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

O l oca l em um país diverso e plural: problem as e desafios do ensino

A realidade brasileira é diversa . plural e complexa, com diferenças regionais marcantes, geografias variadas e níveis sociais, econômicos e culturais distanciados. O que nos une? Um território, uma pátria, uma língua, um Estado, uma nação, uma Constituição. Vivemos um tempo de globalização econômica. Neste mundo contemporâneo. o que significa falar em nação. identidades locais. regio­ nais e mesmo identidade nacional? O que é ser mineiro, gaúcho ou nordestino em nosso país uno, diverso e plural? Como o ensino de História na educação básica tem tratado essa problemática? Viajando por este Brasil, aonde quer que vá, para além das fronteiras de su a região. um mi­ neiro. um gaúcho. um nordestino ou um baiano depara com algumas construções imaginárias que preconceituam sua identidade. Fernando Sabino, depois de mu ito ouvir falar sobre minei­ ridade e mineirismos, sintetizou o que é ser mineiro por esse Brasil afora: É esperar pela cor da fumaça. É dormir no chão pra não cair da cama. É pla nta r verde para colher maduro. É não meter a mão em cumbuca. Não dar passo maior que as pernas. Não amarrar cachorro com linguiça. Porque mineiro não prega prego sem estopa. Não dá ponto sem nó. Mineiro não perde o trem. Mas compra bonde. Compra e vende pra paulista. (Revista

Veja. Minas Gerais, ano 24. n. 17. p. 11, abr. 1991). Os paulistas, por sua vez, retrucam a última definição de Sabino e dizem: "Mineiros são baia­ nos cansados, que vinham do Nordeste e não conseguiram chegar até São Paulo" (ditado po­ pular). Aqui encontramos a imagem unificadora dos nordestinos que se deslocam para o sul: são todos "baianos" para os paulistas ou "paraíbas" no Rio de Janeiro. À primeira vista, isso pode parecer "conversa mole" de brasileiro. Observo que essas "conversas", "disputas", "casos", "piadas" estão presentes em nosso cotidiano e fazem parte do processo de construção e reconstrução de nossa identidade - que é plural - e da memória coletiva deste País. Nesse processo podemos refletir sobre as experiências vividas no pas­ sado e no presente, no local, na região, no País; podemos organizá-las, registrá-las, reconstruí-las, de forma que elas não se percam e passem a fazer parte da nossa cultura, das nossas tradições29.

))

Proposta de ativ'dade Atividade de campo

Uma das experiências mais ricas que o trabalho com a educação patrimonial proporcio­ na é a possibilidade de promover a construção da identidade social e da noção de pertenci­ menta à comunidade onde se vive. Isso se consegue por meio do estudo e do conhecimento

29 FoNSP-CA. Selva Guimaraes. Fazer e ensinar História. Belo Horiwme: Dimensão, 2009. p. 113-116.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDA�IENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

J

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da memória social e da história local. A promoção, por parte do professor, de atividades de campo dá condições ao estudante de ouvir, vivenciar e "ver" a história que se desenrola nos espaços públicos da comunidade. Propomos aqui uma atividade de campo em grupos. cujo foco será a montagem de uma espécie de reconhecimento da memória social e da história local por parte dos alunos. a) Em primeiro lugar, é necessário buscar os textos geradores que darão subsídios ao conhecimento da memória e da história locais. Os cronistas das cidades e os textos escritos pelos órgãos públicos podem ser um bom começo. Em seguida, deve-se divi­ dir a sala em grupos de trabalho. b) Depois de feito o levantamento, a leitura em voz alta desses textos pode ser realizada em sala de aula pelo professor e pelos alunos de cada um dos grupos. Antes. porém, é preciso considerar alguns pontos: quem é o autor do texto e qual é o seu papel na comunidade; quando o texto foi escrito; onde foi veiculado e qual a sua finalidade (por exemplo. foi escrito para uma festa comemorativa da localidade). c) Na sequência, deve-se discutir com os grupos os encaminhamentos do trabalho de campo: os materiais necessários para a visita técnica (providenciar uma máquina fo­ tográfica. por exemplo, para registrar os pontos altos da visita, conforme explanado no item d); a criação de um roteiro para a pesquisa (por onde começar; que elementos das paisagens urbana, humana, social e local devem ser observados - por exemplo, se o destaque for para a paisagem urbana e os monumentos locais, deve-se descobrir quando foram realizados, por quem, com que finalidade, etc.). d) A etapa seguinte é a produção por cada grupo de um texto coletivo e de uma mostra de fotografias da experiência de trabalho de campo. É imprescindível que se valorizem a história local e a memória social da localidade, para que os estudantes possam saber claramente de onde eles provêm, quais são as suas raízes. como foi constituído histo­ ricamente o local onde moram. etc. e) A título de advertência, é importante lembrar que o trabalho de história local, caso não seja bem direcionado. pode levantar sentimentos de bairrismo e intolerância com aqueles que não pertencem à comunidade. Cabe, portanto. relembrar que destacar e valorizar o local não significa excluir ou discriminar o não local; pelo contrário: valo­ rizar o local é combater a intolerância, que é sempre fruto da ignorância. Onentações para a avaliação Após a realização da atividade, é importante planejar antecipadamente o processo de avaliação dos resultados da atividade. Essa pode ser feita de várias formas e caberá ao professor avaliar quais procedimentos são mais apropriados para seus alunos. A avalia­ ção pode ocorrer, por exemplo. das seguintes formas:

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EDUCAÇÃO PATRJI�ONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

a) discutindo-se as observações e os dados coletados, procurando-se, dessa forma, per­ ceber de que maneira foram sistematizados os conhecimentos adquiridos; b) solicitando-se um relatório escrito de conclusão de cada aluno ou do grupo sobre a experiência de trabalho e aprendizagem; c) solicitando-se uma exposição oral por parte do grupo, a fim de comunicar os resulta­ dos para toda a turma.

''

C\uges ões rie leit. a para o professor

de Afonso de Alencastro Graça Filho. Belo Horizonte: Au­ têntica, 2009. Neste livro trabalham-se os desafios, a conceituação teórica e os debates contemporâneos ligados à questão das fronteiras culturais e da globalização, assim como o lugar da região e do local em meio a todas essas intensas transformações. • República em migalhas: história regional e local. Organizado por Marcos A. Silva. São Paulo: Marco Zero/CNPq, 1990. Colétânea de textos de historiadores brasileiros que por meio de diferentes percursos teóricos e metodológicos refletem sobre o tema "história e região" e dão um panorama da diversidade de abordagens que a história local e regional proporciona ao pesquisador. Na primeira parte discutem-se questões teóricas e na se­ gunda parte da obra estudos de caso. • Revista de História Regional. Ponta Grossa: Departamento de História/Universidade Esta­ dual de Ponta Grossa. Revista criada em 1995 pelo Departamento de História da Universi­ dade Estadual de Ponta Grossa (DEHIS), cujas principais finalidades são enfocar questões teórico-historiográficas ligadas à história regional e propiciar o debate teórico e historio­ gráfico na área de história regional e história local. • História, região & globalização,

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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CAPÍTULO 7

Patri m ô n i o c u lt u ra l e e d u c a ç ã o p a t ri m o n i a l: m a t e ri a li d a d e e i m a te r i a lid a d e

Nos capítulos anteriores, vimos que a educação patrimonial cumpre um papel de suma importância na formação de nossos es­ tudantes: contribui para que se conscientizem das tendências alta­ mente homogeneizadoras do mundo contemporâneo e respondam a elas por meio do conhecimento e da valorização das tradições culturais. Vimos também que, pela educação patrimonial, o aluno torna-se capaz de conhecer e de vivenciar a cultura do local que habita. de criar vínculos com a memória de sua localidade e, dessa forma, de construir sua identidade social e cultural. Vimos, finalmen­ te. que a educação patrimonial, ao instigar o aprendizado do proces­ so cultural com base em suas variadas manifestações. desperra no estudante a curiosidade de compreender a experiência coletiva do espaço que integra. Neste capítulo, vamos discutir a conceituação de cultura material e imaterial como fontes históricas primárias; isso é de grande im-

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

ponãncia para que o aluno possa compreender mais precisameme o significado do conceito de patrimônio cultural, fundamental na edu­ cação patrimonial.

O conceito de cultura material A noção de cultura material está relativamente difundida na his­ toriografia e. embora em menor grau, também em outras ciências hu­ manas, como a antropologia, a sociologia e, sobretudo, a arqueologia. Na produção de grande parte dos autores que trabalham com cultura

material, não há conceituações bem estabelecidas e, em geral, nota­ ·se muiro mais urra prática de pesquisa do que propriamente um enunciado formal do objeto cultura material. primeira observação que deve ser feita a respeito de cultura material é o faro de que essa expressão é polissêmica - isto é, tem A

uma multiplicidade de sentidos -, o que faz com que sua compreen­ são seja, muitas vezes, ambígua. Essa polissemia recai tanto no ob­ jeto de estudo como na forma de conhecê-lo, isro é, na proposta de mérodo de pesquisa e de reflexão. A formulação dos variados concei­ tos de cultura material está sempre diretamente ligada à visão que os aurores têm da própria noção de cultura em sua roralidade. Como assinala Marcelo Rede, estudioso da questão: Ao mesmo tempo, as posições sobre as relações entre o universo ma­ terial e a cultura definirão, de algum modo, os limites das propostas de estudo e as formas de mobilização dos elementos físicos na com­ preensão dos fenômenos históricos 1



Na tentativa de definir cultura material, Richard Bucaille e Jean afirmam que, apesar de a ideia parecer clara e evidente, houve e há, entre os pesquisadores, muita imprecisão e falta de elaMarie Pesez

I REDE. Marcelo

.

llistória a part1r das co1sas: tendências recenres nos estudos de cultu ra mate· 265-282, jan./dez. 1996

ria!. Anais do Museu Pau:1sta, São Paulo Nova Sêrie. v. 4, p. .

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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reza conceitual. Em seu entendimento, a cultura material seria com­ posta pelas formas materiais da cultura - mas não apenas por elas - e poderia ser definida como a cultura do grosso da população, ou seja, como aquela que diz respeito à imensa maioria das pessoas. As­ sim, a cultura material seria o domínio do coletivo, contrapondo-se, sobretudo, à individualidade2 , e estaria diretamente ligada às formas materiais da cultura, que exprimiriam a relação entre os homens e os objetos que são social e culturalmente produzidos. O campo da cultura material teria nos artefatos o seu campo de investigação documental e, com isso toda a gama das atividades hu­ manas marcadas pelo signo do cotidiano, do habitual e do repetitivo - em outras palavras, de tudo que se refere às tradições das socieda­ des. Essa maneira de se aproximar da história humana contrapõe-se às abordagens que privilegiam o excepcional, o acontecimento e a individualidade. Outro ponto imponante a assinalar é o fato de que a cultura ma­ terial é bastante heterogênea e rica em matizes no que diz respeito à forma como se lê o objeto-documento. A esse respeito. o pesquisador Ulpiano Bezerra de Meneses afirma que a cultura material seria: [ . .) aquele segmento do meio físico que é socialmente apropriado .

pelo homem. Por ap ropriação social convém supor que o homem intervém. modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósiros e normas sociais. Essa ação, porranto, não é aleatória, casual, individual. mas se alinha conforme padrões, entre os quais se incluem objetos e projetos. Assim. o conceito pode tanto abran

­

ger arrefaros, estruturas. modificações da paisagem. como coisas animadas (uma sebe, um animal doméstico). e também. o próprio corpo, na medida em que ele é passível desse tipo de manipulação ou. ainda, os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma ceri­ 3 mônia litúrgica) .

2 BUCAILLE. Richard;

IN-CM. v. 16, 1989.

PF.sEz. jean-Marie. Cultura material. In: Enciclopêdía Eínaudi. Lisboa:

> ME,ESES. Ulpiano Bezerra de. A cultura material no estudo das sociedades amigas. Revisca de

História. São Paulo. Nova Série, n. 11 5.

122

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO CONCEITOS E PRÁTICAS

ENSINO

p. 1 1 2 , 1983.

DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL:

Para estudiosos como Bezerra de Meneses. a separação rígida que se estabelece entre cultura material e imaterial não é satisfatória: é necessário atentar para a apropriação e a intervenção do homem em relação ao meio físico. realizada em conformidade com padrões. crenças e ideias. próprios de campos imateriais da cultura. Assim, ainda segundo o autor aqui citado. seria proveitoso superar a separa­ ção entre o material e o não material uma vez que: [ . ] ci ndi r radicalmente a cultura material da não marerial é igno­ ..

rar a ubiquidade das coisas materiais, que penetram rodos os poros da ação humana e todas as suas circunscãncias. [ . .) Finalmente, não .

se pode desconhecer que os anefacos - parcela relevante da cultura material -. se fornecem informação em relação à sua própria mate­ rialidade (matéria-prima e seu processamento, tecnologia. morfolo­ gia e funções etc.), fornecem também, em grau sempre considerável. informação de nal U reza relaciona!. Isto é, além dos demais níveis,

sua carga de s:gnificação refere-se, em última instância, às formas de organização da sociedade que os produziu e os consumiu4 .

Nessa perspectiva, portanto, se o objeto-documento é um im­ portante testemunho das condições sociais, das relações de craba­ lho, das necessidades e desejos sociais, é também fator de trans­ formação. pois impulsiona e participa das relações sociais. como produto e vetor. Marcelo Rede mostrou. em um arcigo5 • que o campo da cultura material defronta-se com problemas de ordem epistemológica, como o fato de que muiws estudos separam o documento material e o fenô­ meno social, o que leva o primei ro a ser considerado mero reflexo do segundo. Outro problema seria o processo de transformação do objeto em fetiche. o que faria com que os sentidos que lhe são atribuídos pela sociedade fossem vistos como características imanentes a ele.

4 5

ME�ESES, Ulplano Bezerra de. A cultura material no esrudo das sociedades amigas. p. 107·108.

R.EoE, Marcelo. Estudos de cultura material: uma veneme francesa. Anais do Museu Paulista.

São Paulo, Nova Série. v. 8-9. p. 281·291. 2000·2001. Neste trabalho, não serão analisados os

aspectos teóricos que a abordagem antropológica acarreta para os esrudos de cultura mate· ria!, pois ultrapassanam os limites aqui propostos.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTOR!A NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Formação e .desenvolvimento dos estudos em cultura material Segundo os já citados Richard Bucaille e jean-Marie Pesez, em meados do século XIX o campo da cultura material começou a se estruturar. Os pesquisadores que se dedicaram a esse estudo estavam profundamente marcados pelos trabalhos dos pensadores alemães Karl Marx ( 1 8 1 8-1883) e Friedrich Enge l s ( 1820-1895), do antropólo­ go britânico Edward Burnett Tylor (1832-191 7) e do também britâni­ co naturalista Charles Darwin ( 1809-1882). Esses trabalhos estabeleceram um importante cone epistemológico no estudo das sociedades humanas, que passaram a ser analisadas de acordo com padrões e métodos científicos que se apoiam em provas e objetos materiais para realizar suposições e lançar hipóteses. À vista dis­ so, os artefatos acabaram por ser considerados elementos significativos das investigações. "Passa-se portanto ao exame exigente de realidades tangíveis; simplificando um pouco, pode se dizer que é nessa altura que o pragmatismo tem enorme vamagem sobre o idealismo.6" -

Não se pode afirmar que. nesse momento, a noção de cultura material já estivesse pronta; entretanto é certo que seu embrião viria à tona imbricado com o campo das pesquisas arqueológicas, espe­ cialmente as realizadas por Bouc�er de Perthes ( 1 788-1868), o pri­ meiro a dirigir o foco de suas investigações ao objeto comum, e não ao anefato excepcional. Outro fator que deve ser citado quando se buscam as origens da ideia de cultura material refere-se ao nascimento e à afirmação da sociologia como campo importante para a compreensão das dinâ­ micas sociais. Nesse aspecto, vale destacar as pesquisas realizadas p or É mile Durkheim (1858-1917), nas quais, ao menos em termos teórico s7 , estariam contemplados todos os elementos e fenômenos da vida social e cultural, o que inclui os objetos e os anefatos.

6

BcCIIIU.F, Richard; I'EsEZ, jean-Maric. Cultura marerial. In: Enciclopedia Einaudi. p.

5.

emprcendimenro cientifico realizado por Durkheim o levana mais tarde a investigar muiro mais profundamente o domínio das supraestruturas. ou seja. o dominio·simbólico das culruras.

7 O

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HiSTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Boucher de Perthes ( 1 788-

1868), um arqueólogo amador

francês que, no século XIX. fez importantes descobertas sobre homens "pré-históricos" no sítio arqueológico de Saint· ·Acheul.

No século XX, a noção de cultura material se adensa e avoluma, tornando-se indispensável para a arqueologia e para os conhecimen­ ws sobre a Pré-história. Também entre alguns historiadores marxistas a noção de culrura material se difundiu: em 1919. um decreto de Vla­ dimir Lênin criou. na Rússia, a Academia Histórica de Cultura Ma� terial, passo importante para o reconhecimento desse campo e que denowu já haver cerro grau de maturidade intelecrual pertinente. Dos anos 1920 até o fim da Segunda Guerra Mundial foi entre os historiadores da escola francesa dos Annales que a noção de cultura material encontrou campo mais fértil para seu desenvolvimento, so­ bretudo nos trabalhos de seus fundadores, Marc Bloch ( 1886- 1 944) e Lucien Febvre (1878-1956). Neles, as esferas do cotidiano e do roti­ neiro eram vistas como parte fundamental ou mesmo primordial do conhecimenw histórico. Bloch esrudou elementos materiais da socie­ dade rural francesa no período medieval: guiado por perguntas como o que produziam os camponeses, como moravam, se vestiam, etc., identificou importantes aspectos da vida econômica da época (fato-

ED UCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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res técnicos e de produção, por exemplo). Tudo isso abriu caminho para que gerações de historiadores passassem a conferir ao objeto concreto grande significãncia como fome documental. Aliás, nesse domínio a escola dos Annales influenciou indireta­ mente a cultura material, uma vez que, para esses historiadores. era necessário que a noção de documento histórico ultrapassasse o domí­ nio exclusivo do documento escrito. Essa necessidade era sentida de maneira mais intensa à medida que se recuava no tempo, uma vez que os documentos históricos escritos vão se escasseando e. portanto, a contribuição da cultura material torna-se absolutamente indispensável. Além disso. percebeu-se também que o acesso ao artefato colocava o arqueólogo e o historiador diante de inúmeras indagações que apenas a materialidade e a concrerude do objeto eram capazes de proporcionar. Dentre os autores dos Annales foi, certamente, Fernand Braudel ( 1 902- 1 985) o que mais avançou nesse campo. Em sua magistral obra Civilização material, economia e capitalismo8, dedicou páginas e páginas ao estudo da cultura material europeia no período compreen­ dido entre os séculos XV e XVIII. Embora não tenha definido de ma­ neira precisa o que seria cultura material (campo por ele chamado de civilização material), Braudel analisou a alimentação, a habitação, as formas de vestimenta, o crescimento populacional, etc, consideran­ do-os elementos centrais para que se pudesse compreender a gênese do capitalismo no mundo europeu. Richard Bucaille e jean-Marie Pe­ sez assim comentaram o notável trabalho de Fernand Braudel: [... ] lá está a obra no seu conjumo para afirmar a dignidade do es­ lUdo da cultura material, proclamando o interesse proeminen te da história das massas. derrubando os esquemas habituais da história, colocando em primeiro lugar precisamente essas massas. abrindo as suas páginas à 'civilização material', aos gestos repetitivos, às histó­ rias silenciosas e quase esquecidas dos homens, a realidades perenes

cujo peso foi imenso, mas cuja repercussão foi apenas pe rceptível 9 . ''

s

BRAuo�t.. Fernand. Civflfzaçáo material. economia e capirallsmo: séculos XV-XVI I I . São Paulo:

9

BuCAilJ.f. Richard; PEsEz. jean-Marie. Cultura material. In: Enciclopédia Einaudi. p. 22. (Grifo

Martins Fontes,

1 996.

dos auiores).

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Em estudo recente sobre o mobiliário e utensílios domésticos uti­ lizados entre 1850 e 1900 na cidade de Campinas (SP), Eliane Morelli Abrahão comenta que, ao tratar de cultura material. os historiado­ res necessariamente se remetem a Fernand Braudel, ramo em razão de seu pioneirismo como em função da forma como ele abordou as ações cotidianas em que as sociedades humanas estão envolvidas (morar, vestir-se, alimentar-se, usar as técnicas, etc.1 0 ). A mesma autora destaca, ourrossim, as contribuições de outro historiador francês, Daniel Rache ( I 935-}, que, na esteira de Braudel, pesquisou a "vida no nível do rés do chão". Em seu livro História das coisas banais 1 1 , que foi publicado inicialmente na França em 1997, Rache busca historiar o nascimento das formas modernas de consu­ mo e, para isso, lança mão dos conhecimentos da cultura material, imprescindíveis para a compreensão de aspectos fundamentais da vida cmidiana, como as alterações nos padrões de sociabilidade em face das mudanças ocorridas no universo produtivo. Para Abrahão: [ao] acrescentar um projeto de história cultural sensível às ideias. prá­ ticas e represemações do mundo social para imerprerar os objews do cotidiano, Roere mostra-nos que o interesse nesse tipo de abordagem ultrapassa o caráter descritivo e, dessa forma, é possível ir além de uma história positiva e desconstruída de um problema histórico. Em outras palavras, estudar a cultura material não seria estudar apenas os anefatos mas, por intermédio deles, esrudar as sociedades" 1 2 .

já nos Estados Unidos, a cultura material tem reunido pesquisa­ dores de várias áreas do conhecimento, e a reflexão sobre as possibi­ lidades desse campo tem conquistado avanços importantes. Em abril de 1989, a Smithsonian Institution realizou um congresso denomina­ do History jrom things: the use oj objets in understanding the past, no qual vários especialistas debateram a problemática da história e da

to ABRAHÃO, Eliane Morelli. Morar e viver na cidade:

201 0. p. 32.

" RocBE,

Campinas (1 850·1900). São Paulo: Alameda.

Daniel. Hisrória das cotsas banais: nascimento do consumo século XVII-XIX. Rio de

Janeiro: Rocco,

2000.

1 2 AsRAHAo, Eliane Morelli. Morar e viver na cidade. p. 33.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL MO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS filiAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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cultura material. Muitas das contribuições apresentadas nesse con­ gresso foram publicadas em 1993 no livro Historyjrom things: essays on material culture 1 3 .

Ao lê-lo, percebe-se que havia grandes divergências nas posturas teó­ ricas e metodológicas defendidas pelos debatedores e toma-se conheci­ mento dos estudos de cultura material que têm se tornado mais comuns nos Estados Unidos nos últimos trinta anos. Entretanto, essa coletânea de artigos nâo pode ser tomada como um apanhado dos posicionamen­ tos gerais da área: para os historiadores e professores brasileiros interes­ sados no campo da cultura material, a maior virtude dessa publicação é destacar o estado dos estudos que vêm sendo realizados na área da cultura material e ratificar o fato de que a contribuição da interdisciplina­ ridade é extremamente valiosa para estudos dessa natureza. Como se pode ver, os estudos sobre cultura material ainda care­ cem de maior definição e aprofundamento, embora seja inegável que o campo continua fértil - muitas pesquisas continuam a ser feitas a partir da materialidade dos artefatos e objetos, acumulando-se, as­ sim, as reflexões a respeito.

Os conceitos de cultura imaterial e de cultura popular Como vimos. o conceito de cultura material, por seu caráter po­ lissêmico, levou um longo tempo para ser definido, ou mesmo para que certo entendimento a seu respeito pudesse ser partilhado pelos estudiosos do tema. Os vários campos do saber desenvolveram abor­ dagens específicas para trabalhar com os artefatos e objetos confec­ cionados pelas diferentes sociedades ao longo da história. No que range à cultura imaterial, as reflexões sobre seus múltiplos e complexos significados e sobre os problemas teóricos e epistemoló-

13

WliAI\ Steven: KINGRHY, W. David (Ed.). Historyjrom things: essays on material culture. Washing­ ron: Smirhsonian lnstirurion Prcss, 1993. Para uma resenha crítica dessa publicação, ver REDE.

.

Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos de cultura material Anais

do Museu Paulista, São Paulo, Nova Série, v. 4. p. 265-282. jan./dez. 1996.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HISTÓ RIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

gicos que essa conceituação coloca para a questão do patrimônio cul­ tural são muiLO recentes. Grosso modo, pode-se entender que a noção de cultura imaterial refere-se aos produms das interações humanas que não podem ser meados, ou seja, aqueles que são intangíveis. Diferentemente da cultura material, que possui uma face concreta, a cultura imaterial em geral não pode ser guardada na íntegra e não pode ser '"restaurada".

Samba de roda. grupo Ganhadeiras de ltapoan, Bahia, em 2010.

Outra particularidade que se pode atribuir à cultura imaLerial é o fam de se tratar de fenômeno percebido, experimentado e viven­ ciado mediante a interação humana. o que faz com que não produ­ za resíduo mareria: concreto. Por exemplo, a música não se resume assim como a dança típica de uma região não se resume ao movimento corporal: essas manifestações encerram em si múlliplos

ao som.

significados, comunicam visões de mundo de uma época e de uma sociedade especificas e. ponamo, "dependem" do p úblico para que possam existir como experiência completa.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO EIISHIO DE HISTORIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNOA�IEIITAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Em outras palavras, a cultura imaterial só tem existência median­ te as interações humanas, ou seja. são as interações sociais e cultu­ rais que lhe conferem sentido. Por meio da extrema complexidade das ações vividas pelos seres humanos. a cultura imaterial se mani­ festa e pode comunicar formas de ser, saberes ancestrais, expressões artísticas, enfim, toda a riqueza das produções culcurais humanas. Outro aspecto marcante e fundamental da noção de cultura ima­ terial é o fato de ela se referir notadamente ao universo da cultura isto é, àquelas formas de cultura produzidas e vivenciadas pelas camadas economicamente menos privilegiadas da sociedade.

popular,

Isso não significa, em absoluto, que exista um fosso entre a cultura das elites e a popular, mas, sim, que a popular estaria diretamente vinculada aos saberes, às tradições, aos costumes construidos e vi­ venciados pela população de uma localidade, de uma região ou de um pais. Todavia, é preciso admitir que a advertência feita pelo antro­ pólogo francês Mareei Mauss (1872-1 950) na década de 1920 ainda é válida: em seu Manuel d'étnographie, livro publicado em 1926, o

autor sublinhava que as noções de tradição, crença e até mesmo de religião e superstição são extremamente imprecisas do ponto de vista conceitual. No século XIX, o folclore - termo criado pelo antropólogo britâ­ nico Will iam John Thoms em 1846 e logo adotado pela maior pane das línguas europeias - passou a ser o campo responsável por estu­ dar e compilar as manifestações oriundas das camadas populares. O folclore estudava naquele momento: "o saber tradicional preservado pela transmissão oral entre os camponeses e [que] substituía outros [termos] que eram utilizados com o mesmo objetivo - 'antiguidades populares', 'literatura popular"' 1 4 Ao longo do século XIX, em virtude do avanço do imperialismo nas áreas coloniais da África e da Ásia, o universo do popular passou a des­ pertar interesse nos europeus "civilizados" que pretendiam registrar e estudar a cultura dos povos nativos dessas regiões (arte popular, lendas,

14 CATENACCI. Vivian. Cultura popular entre a tradição e a transformaçAo. Revista São Paulo em

Perspectiva. v. 15. n. 2, p. 28. 2001.

130 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

cultos religiosos, etc.). Mas não foram apenas os "povos incivilizados" que se tornaram foco das investigações das manifestações tradicionais: "sábios" de província e intelectuais da época passaram a observar e a estudar a cultura rural dos próprios europeus ames que os efeitos da industrialização e urbanização fossem sentidos plenamente 1 5. Assim, aos poucos, a arte e as manifestações culturais populares tornaram-se um objeto digno da investigação de especialistas e de estudiosos. A despeito disso, foram poucos os avanços na busca de definições, delimitações e conceitos mais precisos lígados à cultura popular: os trabalhos realizados nesse período revelam as muitas in­ terrogações que essa área levantava, o que levou a um acúmulo de entendimentos, muitas vezes contraditórios entre si. Segundo o historiador francês Roger Chartier, são dois os gran­ des modelos de descrição e interpretação da cultura popular. O primeiro. no intuito de abolir toda forma de etnocentrismo cultural, concebe a cultura popular como um sistema simbólico coerente e

autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutível da cultura letrada 1 6 . Já o segundo estaria preocupado em "lembrar a existência das rela­ ções de dominação que organizam o mundo social" e percebe a cultura popular "em suas dependências e carências em relação à cultura dos dominantes" 1 7 . Em outras palavras, de acordo com a primeira definição, a cultura popular formaria um mundo à parte, separado e autõnomo, enquanto, na segunda, ela decorreria da privação ou da dependência do universo eruditO. Esses dois modelos estariam presentes nas várias disci­ plinas que se ocuparam em estudar o universo da cultura popular. Historiadores como Robert Muchambled e Peter Burke assinala­ ram que um processo intenso de clivagem entre as elites letradas e o

quadro da situação das ciências humanas no século XIX. ver HosssllwM. Eric. A era do capital. Rio de janeiro: Paz e Terra. 2003 (especialmente o capi[UIO Ciência. religiao e ideologia).

15 Para um

16 CHIIRTIER.

Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Revista Estudos His­

tóricos. Rio de janeiro. v 8. n.

16. p. 1 79. 1 995.

1 1 CHIIRTIEII. Roger. Cultura popular. p.

1 79.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

131

povo se formou na Europa a partir do século XV, o que se teria dado em parte também pela ação dos cleros católico e protestante, ávidos em disciplinar as massas. Todavia Chanier considera que essas afirmações precisam ser tomadas com cautela. uma vez que em outros períodos históricos também se assinalou a "morre" da cultura popular. Assim, segundo esse autor, mais do que buscar periodizações que atestam o "fim" da cultura popular. o essencial é procurar enten­ der, em cada época. as relações entre as formas culturais impostas e aquelas que são reprimidas pelos poderes dominantes. Para Char­ tier, é arriscado considerar homogênea e pura a cultura feita e con­ sumida pelas elites letradas, pois essa também apresentaria riqueza e multiplicidade de formas. Logo, seria preciso levar em conta os compartilhamentos realizados por meios sociais diferentes, uma vez que o popular se caracterizaria por "um tipo de relação, um modo de utilizar objetos ou normas que circulam na sociedade. mas que são recebidos. compreendidos e manipulados de diversas maneiras" 1 8 . Nessa perspectiva, é preciso enfatizar a pluralidade dos usos e dos entendimentos sobre o universo das representações. dos saberes, dos fazeres e das tradições da culrura popular: só assim se podem conceber as práticas coletivas, sejam elas de ordem oficial e/ou edu­ cacional. que levam ao reconhecimento, à proreção e à conservação do patrimônio cultural no país. Em suma, vimos, nesre capítulo. o percurso histórico traçado pelo estudo e conhecimento da cultura material e imaterial. e. a partir de agora, vamos nos concentrar na avaliação da ação política na contem­ poraneidade e na criação do conceito de patrimônio cultural 19 , cujo

ISCt tARTIER, Rogcr. Cultura popular. p. 184.

IQ Dtf\EZE. Gérard. De La culrure populaire au patrimoinc immatcricl. Disponível em: < http://do· cuments.irevues.inisr.frlbirsrream/handlc/2042/8981 /HERMES_2005_42_4 7.pdf:jsessionid

FI B7C I F9D2FOOEAE3EDC5D8762D71 ?sequenc

c=

=

F51

1 > /\cesso em: 29 nov. 2011. O pesqui·

sador belga comenta, em artigo recente, o processo de passagem do desenvolvimento dos esru­ dos sobre culrura popular para o desenvolvimento da noç. 'o de património imaterial na esfera

da ação política na Europa. De acordo com ele. "[.. .) as inslituições e os atores politicos. tanto

regionais como nacionais ou internacionais. não permaneceram insensíveis a essa questão da

culrura c das tradições populares. Diferentes terminologias foram utilizadas. mas hoje a noção de ·patrimônio imaterial' tende a se impor no setor da aç;io política. (fradução do autor.)

132

EDUCAÇÃO PATRIMOtHAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

pomo de partida está no reconhecimemo dos bens culturais que for­ mam a "expressão da alma dos povos·-20 . no semimenro de pertenci­ memo e nos vínculos de idemidade.

Algumas considerações sobre patrimônio imaterial e cultural Como vimos nos capítulos anteriores, o conceito de patrimônio cultural é resultado de uma série de reflexões acerca da importância, do significado e das características da cultura no mundo ocidemal. Desde a Antiguidaée a preservação para as futuras gerações das rea­ lizações culturais produzidas pelo homem é considerada importante. O Renascimento aprofundou ainda mais essa visão. e a produção arquitetõnica e artística passou a ser encarada como tesouros e pa­ trimônios a serem conservados e protegidos. Mas com a Revolução Francesa essa concepção se aprofundou: formas especificas de tra­ tamento para os bens culturais foram criadas21 pelo Estado, a fim de preservar a memõria dos franceses. Ao longo do século XIX, os Estados europeus criaram instituições ou departamentos de Estado com o intuito de preservar e conser­ var os bens culturais. que passaram a ser considerados patrimônios. A parrir de 1850, a noção de monumento histõrico estava consagrada em toda a Europa. Para Françoise Choay: [a] revolução industrial como processo em desenvolvimemo planetário dava, virtualmeme. uma dimensão universal ao conceito de monumen­ to histórico aplicável em escala mundiaL Como processo irremediável. a

industrialização do mundo comribuiu, por um lado. para generalizar

e acelerar o estabelecimento de leis visando à proteção do monumcn-

20 Exp ressão presente

em vários docurnenros da Organização das Nações Unidas para a Edu·

cação. a Ciência e a Cultura (Unesco). Disponível em: em: 27 fev. 21 CHoi\Y,

2012.


. Acesso

Françoise. A alegoria do património. Trad. Luciano Vieira Machado. São Paulo: Escação

Liberdade/Ed. da Unesp.

2001

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

133

w histórico e,

por outro lado, para fazer da restauração uma disciplina

i ntegral que acompanha os progressos da história da arte22 . .

Naquela altura, apenas as edificações, os monumentos e as obras de arte consideradas de valor excepcional eram vistas como bens cul­ turais. Foi novamente a França que saiu como pioneira na política de conservação e proteção ao patrimônio: em 1830, criou-se nesse país a Inspetoria dos Monumentos Históricos para fins de recenseamento desses bens; em 1887, veio a público a primeira lei sobre os monu­ mentos históricos. já no século XX, mais precisamente em 1 9 1 3 , a sal­ vaguarda dos bens culturais tornou-se oficial: o Estado francês promul­ gou uma legislação especifica para esse fim e implantou instrumentos legais para a proteção e a conservação do patrimônio histórico. Além disso, o crescimento urbano e populacional - assim como as péssimas condições de vida nas grandes cidades do mundo - passou a motivar a organização de congressos internacionais para discutir a questão do patrimônio histórico e artístico dos Estados. Foi a partir daí que come­ çaram a ser redigidas as chamadas Cartas Patrimoniais, cujo fim era o estabelecimento de diretrizes para encaminhar e solucionar os graves problemas que as cidades viviam em várias partes do mundo. A Segunda Guerra Mundial interrompeu esse processo e, com o fim do conflito, em 1945, passou-se a entender a necessidade de formar organismos que pudessem encaminhar, em termos mundiais, questões que diziam respeito a toda a humanidade. Foi, portanto, com esse espírito que se fundou a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), organismo que, en­ tre outras coisas, passou a estabelecer critérios e a protagonizar ações a favor da preservação do patrimônio histórico. Além disso, a atuação da Unesco foi fundamental para incentivar políticas públicas no sen­ tido de conservar os bens culturais em todo o mundo, incluindo-se aí o Brasil. Nesse momento foram assinados vários documentos e compromissos internacionais a fim de garantir e incentivar a forma­ ção das novas gerações, no sentido de transmitir-lhes o significado e

22 CIIOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. p. 127.

134

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

a importância da preservação e da proteção ao patrimônio histórico e artístico. Nesse momento, contudo, ainda não havia uma concepção de patrimônio que abrangesse também os bens de ordem imaterial: somente em meados da década de 1970 as primeiras reflexões e con­ siderações nesse sentido passaram a ser feiras. Segundo a Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, sancionada pela Unesco em 2003, patrimônio cultural ima­ terial corresponde ao"legado vivo" das criações anônimas - práticas, expressões, representações, processos culturais, conhecimentos e téc­ nicas (assim como os instrumentos, artefatos, objetos e lugares que lhes são associados) - que as comunidades - ou mesmo, excepcio­ nalmente, os indivíduos - reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Ao longo dos últimos trinta anos, a Unesco tem frisado a importância desse patrimônio e alertado para a complexi­ dade que envolve sua proteção. Nesse sentido, tem-se buscado esti­ mular os Estados, as organizações não governamentais (ONGs) e as próprias comunidades locais a reconhecer, valorizar e preservar o seu patrimônio imaterial23 , ou seja, os elementos que constituem aspec­ tOs fundamentais da cultura popular e tradicional de dada população. Cumpre atentar, ainda, para o fato de que o patrimônio intangível é algo transmitido de geração em geração, e continuamente recriado pelas comunidades e grupos em função tanto de sua própria história como de um contexw social mais amplo, que contempla as relações entre o global e o local, assim como com o meio natural. Isso permite que os indivíduos desenvolvam o sentimento de identidade e de per­ tencimento, contribuindo assim para promover o respeito à diversi­ dade cultural, à pluralidade das visões de mundo e à criatividade das sociedades humanas.

23

PELECftiNI, Sandra C. A. �>atrim6nio cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, .

2009. Segundo a autora, é preciso notar que, se entre as civilizações ocidentais, é bastante nova a percepção da necessidade de valorizar e preservar os bens de natureza imaterial. entre os povos orientais essa compreensão é bastante amiga. De acordo com ela: "Nesses últimos anos. a preservação das amigas tradições incidiu, principalmente, sobre a valorização da transmissão dos saberes referentes ao processo de produção artesanal, mais do que acerca dos objetos resultantes de rais conhecimentos. Desse pomo de vista, parece haver uma integração maior entre os elementos da tradição e as praticas coletivas do presente" (p. 2 1 ).

EDUCAÇÃO PATRIMONIA. NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CmKEITOS E PRÃTICAS

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Queijo Canastra produzido em Alto da Serra da Canastra. localidade de Vargem Bonita (MG). em 2007. O modo artesanal de fazer queijo de Minas Gerais também faz pane do patrimônio imaterial brasileiro. As regiões de Serra, Serra da Canastra c Serra do Salitre receberam o registro do lphan graças ás características particulares de seu modo de fazer.

No Brasil. as políticas de Estado voltadas para a questão do patri­ mônio cultural e, mais especificamente, do patrimônio imaterial foram reformuladas na Constituição de 1988, marco imporrantissimo para a difusão de uma visão mais ampla sobre nosso legado e nossas referências culturais. Segundo essa Constituição, a cultura popular e tradicional brasileira ''designa as práticas e os objews por meio dos quais os grupos representam, realimenram e modificam a sua iden­ tidade e localizam a sua territorialidade"24 . Além disso, nossa atual -

-

Constituição explicimu a diversidade como um princípio "inerente à identificação dos sujeitos das ações patrimoniais, portanto, dos de­ tentores dos direitos próprios a esse campo 25 . "

24 ARANTES.

Antônio Augusto. A salvaguarda do património cultural imaterial no Brasil. In: BAI\l\JO. Ángel Espina: Mo nA Antonio: GoMES. Mário Hélio (Org.). /IWl'ação cu/curai. parrimõnro e educa­ .

ção. Rec1Fe: Fundação Joaquim Nabuco/Mass11ngana. 2010. p. 54

25 AIIA,TES, Antônio Augusto. A salvaguarda do patrimómo cultural imaterial no Bras1l In: BAR· RIO,

Ángcl Espina: Mona. Antonio: Go,IES. Máno Hélio (Orgl. Inovação cu/rural. pammõmo e

educação. p. 54.

136

EDUCAÇÃO PATniMONIAL NO ENSINO CDNCEI TOS E PRÁTICAS

DE HISTóRIA

NOS ANOS

FI NAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAL:

Nas décadas seguintes, as reivindicações por direitos intelectuais e culturais de minorias étnicas e sociais se fortaleceram. em razão inclusive do tom da Carta Magna, que não mais concebe a sociedade brasileira como urr. todo homogêneo mas, sim, como uma nação so­ cialmente heterogênea e essencialmente plural em termos culturais. É, pois. em meio a esse quadro histórico e social que se coloca a mu­ dança de percepção acerca da salvaguarda do patrimônio intangível brasileiro e que se passou a inserir e valorizar os marcos étnicos e po­ pulares26 nas representações simbólicas da nação. Segundo Sandra C. A. Petegrini, a princípio as leis e os decretos voltados à proteção e ao tombamentO do patrimônio histórico brasileiro preteriram "os bens culturais de etnias não europeias, que foram participes do pro­ cesso de formação da identidade nacional"27 . Aos poucos. porém, as lutas protagonizadas por vários grupos sociais excluídos foram modi­ ficando esse panorama. Além de provocar os efeitos já citados. a chamada Constituição Cidadã abriu caminho, por meio de seu artigo 2 1 6, para que, no ano de 2000, se criasse um novo instrumento de preservação no pais: o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. implantado pelo Decreto n. 3 5 5 1 . Fonalecia-se, assim, a autoridade intelectual das chamadas "comunidades culturais" na interpretação e no entendi­ mento de seus modos de vida, legitimando, por esse instrumento, o saber local. Ao mesmo tempo, esse decreto incentivou as comu­ nidades a se colocarem no papel de protagonistas nos processos de salvaguarda e de preservação, fortalecendo a definição de estra­ tégias políticas e de prioridades no que diz respeito ao seu próprio desenvolvimento cultural.

26 Segundo Arames (A

sal·�aguarda do pat rimônio culwral imaterial no Brasil. p.

56).

mesmo

apõs a inclusão das perspectivas populares na detlnição do p;mimônio i material brasileiro. a elaboração de políticas públicas ainda são, muitas vezes, perpassadas de noções e valores eliristas sobre as culturas nacionais. favorecendo perspectivas ideolõgicas que privilegiam as referências culturai!> brancas. catôlicas e coloniais, isto e, aquelas vindas da tradição europeia. ECH"'· Sandra 27 Pt :�

C. A.

A gestão do patrimônio imaterial brasileiro na conremporaneidade.

Revista Hisrória. São Paulo. v 27. n.

2. p.

151-152. 2008.

EDUCAÇÃO PATRI�IONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

137

Exemplos de patrimônio imaterial no Brasil A partir do momento em que, no Brasil, as minorias étnicas e os grupos excluídos passaram a se mobilizar, na esteira do processo de redemocratização do país nas décadas de 1980 e 1990, mais e mais valores patrimoniais associados a esses grupos foram integrados à lista de valores culturais significativos e a compor o rol de bens do patrimônio imaterial brasileiro. Nesse sentido, as agências brasileiras de preservação passaram, por exemplo, a enfrentar as demandas das populações indígenas e afrodescendemes com o fito de proteger e valorizar suas artes específicas e seus ofícios próprios. "Desde então, e cada vez mais, rem estado em jogo, claramente, a plena inclusão dessas camadas da sociedade no processo político formal e o seu efetivo acesso aos direitos da cidadania"28 . Exemplo marcante desse novo estado de coisas foi a inclusão, nos Livros de Registro do Patrimônio Nacional, da casa de candom­ bléTerreiro da Casa Branca e das ruínas do Quilombo de Palmares, em 1984 e em 1986, respectivamente. Essa inclusão modificou o pa­ norama e a maneira de compreender o patrimônio cultural do país, ainda que esse processo tenha sido acompanhado de grandes polê­ micas e de acaloradas discussões. A principal questão que se colocou a partir daí dizia respeito à per­ cepção de que o reconhecimento, a valorização e a consequeme pre­ servação de um patrimônio dessa natureza eram fundamentais para a referência cultural de grupos sociais pertencentes à sociedade brasi­ leira, como os afrodescendentes e as nações indígenas, não oriundos das elites dominantes econômica e intelectualmente no país. Todavia a questão do reconhecimento da cultura imaterial de uma população excluída vai além do âmbito exclusivamente cultural, estendendo-se também às esferas social e política - daí a necessidade de mecanismos e de políticas de Estado que atendam e respondam a essa realidade.

28 ARANTES, Antonio Augusto. A salvaguarda do património cultural imaterial no Brasil. In: BARRIO.

Ânget Espina; MorrA, Antonio; GoMES, Mário Hélio (Org.l Inovação cultural. patrimônio e edu·

cação. p. 57.

138

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Os efeitos da globalização, já avaliados no capítulo anterior, tam­ bém colocam importantes desafios para as culturas populares de todo o planeta - mais especificamente no que se refere ao patrimônio in­ tangível. Tanto a legislação brasileira como a ação de organizações não governamentais e de comunidades espalhadas pelo país têm buscado proteger e preservar conhecimentos e formas tradicionais de expres­ são associados a grupos sociais específicos, como as populações ri­ beirinhas ou os quilombolas. Essas ações, porém, não dizem respeito apenas aos setores em questão, mas à totalidade da população do pais, pois fazem frente ao perigo da homogeneização cultural. Esse é, portanto, o outro aspecto essencial que essas ações aca­ bam por tocar: a percepção de que é absolutamente necessário pre­ servar a diversidade cultural tanto no âmbito dos saberes, dos co­ nhecimentos ancestrais, da culinária e das técnicas como no campo das artes, das celebrações, das festas, das danças e das músicas que formam o patrimônio de grupos sociais específicos que integram a plural sociedade brasileira. No que se refere diretamente ao patrimônio imaterial brasileiro, os primeiros bens a serem reconhecidos no país foram o ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES), em dezembro de 2002, e a arte kusiwa dos índios Waiãpi (AP), no mesmo mês e ano. Na sequência desse movimento, ocorreram ações e mobilizações que levaram ao registro oficial de diversas manifestações, algumas delas elencadas a seguir. • Em 2004: o samba de roda do Recôncavo Baiano. • Em 2005: o modo de fazer viola de cocho (MT/MS); o oficio das

baianas de acarajé; o Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA); o jongo no Sudeste. •

Em 2006: as cachoeiras de lauaretê (AM); a feira de Caruaru (PE); o frevo.

• Em 2007: o tambor de crioula (MA); o samba do Rio de janeiro. •

Em 2008: o modo artesanal de fazer queijo Minas; a capoeira; o modo de fazer renda irlandesa produzida em Divina Pastora (SE).

EDUCAÇÃO PATRI�IONIAL NO ENSIIIO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

139



Em 2009: o wque dos sinos e o oficio de sineiro em Minas Gerais.



Em 2010: a Festa do Divino EspiriLo Santo de Pirenópolis (GO); o riLual Yaokwa do povo indígena Enawené (MT); o sistema agrícola tradicional do Rio Negro (AM); a Fesra de Sam'Ana de Caicó (RN).



Em 201 1 : o complexo cultural do bumba meu boi (MA).

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Produção anesanal de panelas de barro. na Associação

das Paneleiras de Goiabeiras -

Vitória (ES), em 2011.

Todas essas ações foram realizadas para preservar os bens cultu­ rais, a diversidade e singularidade cultural da população brasileira. Vimos que os conceitos de cuiLura material, cultura popular e cultura imaterial são fundamentais para que se compreenda de modo mais abrangente a consolidação da noção de património cultural. Vi­ mos também que, na contemporaneidade, as ações preservacionisras

140

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA 1WS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

do patrimônio cultural no Brasil baseiam-se na ideia de que é absolu­ tamente necessário que as comunidades de todo o país tomem posse de sua cultura tradicional, local e popular (bens materiais e imate­ riais), reconhecendo-a como uma dimensão indissociável do forra­ lecimento das idemidades sociais e coletivas e. consequentemente, imprescindível para a efelivação da cidadania. O reconhecimento da importância do patrimônio cultural reforça a noção de sermos um país com uma história rica e diversificada em ter­ mos sociais, religiosos. artísticos e técnicos. o que se expressa em nossas inúmeras manifestações de lazer, nas tradições culinárias. nas formas de fazer, e assim por diante. Isso nos faz pensar que é preciso fortalecer os elos emre as práticas de conservação do patrimônio cultural e incentivar a educação patrimonial, um dos meios pelos quais as diversas comunida­ des do país podem tomar posse de suas tradições. costumes e história. Temos, ponanlo, diferentes formas de viver e de expressar nos­ sos sentimentos e ideias. Conhecer. valorizar e preservar o patrimô­ nio culwral deve ser um caminho para que se respeitem as diferenças e para que se perceba que elas não nos dividem como nação; ao contrário, apenas nos enriquecem.

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Of?d"lliiPc; irnnnrt::a ntec;

Cultura: conceito dos mais complexos da área das ciências humanas, essencialmente polissêmico. Em poucas palavras podemos dizer que cultura é o conjunto de conhecimen­ tos, comportamentos e valores compartilhados pelos indivíduos de determinada popula­ ção. É também o conjunto de objetos e fenômenos materiais e i mate ria is prod uzidos por uma comunidade, 3Ssim como os modos de sentir e de pensar nela predominantes. O modo de produzir e reproduzir o viver material que prepondera em determinada sociedade tam­ bém pode definir cultura: manifesta-se como fenômeno social cujos "produtos" são extre­ mamente variáveis, indo do alimento pro d uzi d o a um conjunto de ideias e de realizações artísticas. Pode-se afirmar, ainda, que a cultura é essencialmente um produto social co m ­ p lexo que comanda as formas de fazer. de pensar e de sentir de determinada população. Cultura material: em termos genéricos. é o conju nto de produtos ou resultados tangí­ veis e palpáveis do complexo d e interações e ações humanas. Constitui-se de coisas que se podem tocar diretamente, que se podem guardar e proteger da ação humana e da ação do tempo, e que são passíveis. algumas vezes, de restauração. EDUCAÇÃO PATRI�IOfliAL fiO EflSIIIO DE H!SíÓRI.t NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Cultura imaterial: compreende os produtos das interações humanas que não são tan­ gíveis e que, geralmente, não se podem guardar na íntegra nem restaurar. Os objetos de cultura imaterial não têm existência própria e deixam poucos resíduos concretos, uma vez que são fruto das interações humanas que lhes conferem existência. Logo, é na dinâ­ mica das ações dos homens que a cultura imaterial se manifesta e se faz conhecer.

Pa.-:t rol"'horo.- maic; Os dossiês de inclusão de bens culturais nos diferentes Livros de Registro do pa­ trimônio imaterial no país, produzidos pelo Instituto do Patrimônio H istórico e Artísti­ co Nacional, estão disponíveis para consulta on-line. Assim, todos os interessados em acompanhar e entender melhor de que forma ocorre esse processo de inclusão podem acessá-los fácil e gratuitamente. O texto a seguir é parte do dossiê número 6, que trata especificamente do ofício das baianas de acarajé. Nele são apresentados alguns dos significados desse trabalho tão importante para a cultura local na Bahia e para as tradições brasileiras. O acarajé, bolinho de feijão-fradinho (Phaseolus angulares Wild). cebola e sal. frito em azei­ te de den dê (Eiaesis guineensis L), é de origem africana; seu nome original é, em locais do Golfo do Benim, África Ocidental, acará, q ue em iorubá, significa "comer fogo" acará (fogo) + ajeum (comer) - e advém do modo como era apregoado nas ruas : "acará, acará ajé, ,

-

acarajé". Su a tradição, na Bahia, vem d o período colonial, quando as mulheres - escravas

ou libertas - preparavam-no e, à noite, com cestos ou tabuleiros na cabeça, saíam a vendê­ la nas ruas da cidade. Tal prática de comércio ambulante de alimentos já era realizada na costa ocidental da África como forma de autonomia das mulheres em relação aos homens, o que, com freq uência, lhes conferi a o papel de provedoras de suas famílias. No Brasil, desde tempos coloniais, assim como na África, o ga nh o de comidas realizado por escravas permitia, além de prestação de serviços a seus senhores, maior sociabilização entre escravos urbanos, o que contribuiu para o cumprimento dos ciclos de festas-obrigações do candomblé e, muitas vezes, para a criação de irma ndades religiosas. Após o período escravocrata e até nossos dias, com finalidade religiosa ou comercial, a venda de acarajé permite que as mu lheres aprendam uma profissão que ainda suste nta grande parcela da população de Salvador, e que assumam seus múltiplos papéis como chefe de família. mãe e devota religiosa. As histórias de vida das baianas de acarajé apresentam m u itos pontos em comum. Em geral provenientes de

142

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

estratos mais baixos das camadas médias da sociedade da Bahia, iniciam-se na atividade por instrução de suas mães e avós ou, ainda, de outras baianas, pois o ofício atualmente é organizado nos moldes de pequenas empresas domésticas e realiza-se como estratégia de sobrevivência ou de complementação de renda familiar. Herdeiras dos ganhos, as baianas de tabuleiro. baianas de rua, baianas de acarajé ou sim· plesmente baianas, segundo o costume regional, preservam receituários ancestrais africanos, sobretudo da costa ocidental, com destaque para os dos Jorubá. Verdadeiras construtoras do imaginário que :dentifica a cidade de Salvador - com suas comidas, sua indumentária, seus tabuleiros e suas maneiras de vender -, essas mulheres, monumentos vivos de Salvador e dos terreiros de candomblé, são um tipo consagrado, revelador da história da sociedade, da cultura e da religiosidade do povo baiano. Ao estabelecerem elos entre os terreiros de candomblé e os espaços da cidade, as baianas de acarajé tornam públicos cardápios sagrados. geralmente desenvolvidos nos terreiros pelas ia· bassês, conhecedoras dos ingredientes e das maneiras ritualizadas de preparar comidas de san·

tos. Assim, na mistura dos temperos, como pimenta-da-costa e outras pimentas, com azeite de dendê, quiabo, feijões, camarão seco e gengibre, por exemplo, transferem para os tabuleiros heranças simbólicas em forma de acarajé, abará. acaçá, bolinho de estudante, cocadas, bolos... Esses elos são reafirmados por utensílios de trabalho (mocós, balaios, cestos), indumentária e relações sociais que se estabelecem entre a baiana e aqueles que consomem o acarajé. Enquanto testemunhos patrimoniais integrados à religião, à arquitetura, à população, ao turismo, as baianas de acarajé mantêm viva uma tradição ancestral, importante componente de um siste· ma culinário que, além de alimentar e satisfazer o paladar, articula diferentes dimensões da vida social: liga os homens aos deuses, o sagrado ao profano, a tradição à modernidade. Imerso na di· nâmica cultural das grandes metrópoles brasileiras, sobretudo em Salvador, o acarajé está sujeito a variados processos de apropriações e ressignificações nos diferentes segmentos da sociedade, sem, contudo, perder seu vínculo com um universo cultural especffico e fundamental na formação da identidade brasileira. Nesse contexto, as baianas de acarajé integram e compõem o cenário urbano cotidiano e a paisagem social daquela cidade. Representam tradições afrodescendentes fundamentais das identidades da população que mora e transita nas áreas centrais e antigas, em que se destaca o conjunto arquitetônico do Pelourinho. Assim, ao olhar patrimonial une-se o olhar cidadão, no intuito de identificar ou pontuar na geografia urbana lugares tradicionais - pontos de venda - onde, diariamente, é celebrado o hábito de provar comidas de santo e de gente29.

29 Dísponivel em: < hnp:l/ponal.íphan.gov.brfponal/baíxaFcdAnexo.do?íd = 919 > . Acesso em: 29 nov. 2011 .

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

143

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Prnnnc;ta de ativirl;:uiP

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Vimos que a descoberta e a valorização do patrimônio imaterial é extremamente im­ portante para fortalecer as identidades individuais e coletivas. assim como para o exer­ cício pleno da cidadania. A atividade que propomos a seguir visa levar os estudantes a aprofundar seus conhecimen­ tos sobre o patrimônio imaterial brasileiro por meio de um trabalho a respeito do ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES). primeiro bem imaterial inscrito no Livro de Registro de Saberes do lphan. O dossiê completo sobre esse ofício está disponível na seguinte página do sítio ele­ trônico dessa instituição: . Para realizar esta atividade - e. assim, contribuir para que os alunos conheçam e com ­ preendam melhor a extraordinária riqueza que um oficio tradicional como esse encerra -. é preciso cumprir alguns passos: • re a l iza r um registro detalhado sobre as técnicas. as formas de fazer e os sign ifi cad os associados ao ofício de fazer panelas de barro em Goiabeiras. bairro da capital do Espírito Santo (vale lembrar que se trata de ofício eminentemente feminino. passado de mãe para filha); localizar a origem histórica do ofício e de suas técnicas; elaborar uma descrição de como são realizadas as panelas: técnicas, matérias-primas e instrumentos de trabalho empregados; • caracterizar a produção: onde são produzida s as panelas, em que cond ições específi­ cas. quais as etapas do trabalho e como ele é dividido; • descobrir as relações existentes e ntre o ofício e o meio ambiente; • fazer um levantamento dos pratos que são tradicionalmente preparados nas panelas de barro. assim como das características desses pratos (os ingredientes e suas origens históricas) e de suas formas de consumo; • pesquisar as características econômicas do ofício - a renda obtida pelas trabalhadoras; • descobrir a q u e outras manifestações c u lturais está associado o ofício das paneleiras. Orientações sobre a avaliação Depois de cumpridas essas etapas. o professor poderá solicitar aos alunos: que elaborem uma síntese por escrito dos resultados da pesquisa, em que se poderá avaliar os conhecimentos adquiridos; • que façam uma apresentação oral (para a escola ou mesmo para a comunidade) sobre os conhecimentos adquiridos a respeito do ofício das paneleiras de Goiabeiras. para que se possa mensurar o grau de independência e de reflexão própria que se desenvolveu a partir da atividade.



144

EDUCAÇÃO PATRT�IONTAL NO ENSTNO DE HISTÓRIA NOS ANOS FTNATS DO ENSINO FUNDA�IENTAL:

CONCEITOS E PRÁTTCAS

Caso haja interesse, é possível realizar tarefa semelhante com outros ofícios e saberes típicos da cultura de onde a escola está inserida, e o professor poderá. dessa forma, ava­ iar o interesse que a temática despertou nos alunos e também diagnosticar de que forma os processos de generalização e síntese estão se

L

desenvolvendo.

J

'' organizado por Ángel Espina Barrio, Anto­ nio Motta e Mário Hélio Gomes. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana. 2010. Essa coletânea de artigos de pesquisadores de diferentes nacionalidades acerca da tem á t ica da cultura, do p at ri m ô nio e da e du ca ç ã o visa dar um panorama das m ú lt i p las e estudos q u e vêm sendo realizados nesses campos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, publicado pelo Iphan e pelo Ministério da Educaçâo e Cu lt u ra (MEC). Revista impressa, fundada em 1937. logo após a criação do Instituto Nacional de Patrimônio Artístico e Cultural, interessante fonte de consulta para os temas relativos ao patrimônio cultural no Brasil e no mundo.

Inovação cultural, patrimônio e educação.

visões



EDUCAÇÃO PATRI�IONIAl �O ENSINO DE HISTÓRIA 1105 AIWS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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CAPÍTULO 8

M us e u s e Arq u eologi a : histórico e i n i ci a tiva s a t u ai s a c e rca d o p a t ri m ô n i o c u lt u ra l b rasi lei ro

Em capítulos anteriores, discutimos que, por meio da educação parrimonial, o aluno torna-se capaz de conhecer e vivenciar a cultura do meio em que está inserido, de criar vínculos com a memória de sua localidade e, dessa forma. construir sua identidade social e cul­ tural. Neste capítulo. abordaremos a concepção contemporânea de mu­ seu e as possibilidades de trabalho com a cultura material e a culcura imaterial como fontes históricas primárias. Apresentaremos também alguns exemplos de projetos voltados ao patrimônio cultural do ponto de vista da Arqueologia. Nosso principal objetivo é apresentar outras possibilidades de trabalho com a educação patrimonial e incentivar o desejo de pesquisa do professor. além de exemplificar iniciativas que estão revelando aos brasileiros o seu riquíssimo patrimônio cultural, seja nos museus, seja no campo das pesquisas arqueológicas.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS F JNAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

As possibili�ades pedagógicas da visita a museus Em primeiro lugar, como conceituar um museu? Como ral insti­ tuição adquiriu a organização e o modo de funcionamento que co­ nhecemos na atualidade? Que relações podem ser estabelecidas en­ tre os museus e a preservação das memórias local, nacional e global? Quais papéis eles desempenharam e desempenham na construção da concepção de património ao longo do tempo? Como trabalhar com museus na perspectiva atual da educação patrimonial? Sem pretensão de esgotar tais questões, elas nos servem para orientar a reflexão acerca das possibilidades do trabalho pedagógico com museus, no sentido mais amplo da acepção do termo e como dispositivo para o trabalho com a educação patrimonial.

A origem da palavra museu e o hábito de formar coleções A palavra "museu" está relacionada a museum do latim e à palavra grega mouseion, termo mitológico relacionado ao templo grego erigido às musas. filhas de Zeus com Mnemosine, a deusa da memória, res­ ponsável por lemb�ar rodas as coisas que aconteceram. O mouseion ou Casa das Musas foi construído como palácio real em Alexandria por Ptolomeu Filadelfo. no século 111 a.C., sob a inspiração da deusa da memória segundo a tradição dos gregos antigos. O Mouseion tinha como função guardar e proteger as obras humanas, os saberes das artes, ciências e filosofias. O termo museu é utilizado em referência às coleções de objetos considerados importantes dos pontos de vista histórico e artístico. No século XVI, o termo passou a ser empregado na Europa, na fase do Renascimento cultural. No entanto, cabe destacar que o hábito de reu­ nir, guardar e colecionar objetos é muito anterior à invenção do termo "museu", remontando aos primórdios da humanidade. Os achados arqueológicos em sambaquis e outros sítios arqueológicos são evidên-

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS D O ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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cias desse costume entre nossos ancestrais. Eles criaram coleções por motivos diversos. como religiosos, para preservação da memória, de­ monstração de poder, por prazer. etc. As ações de coletar e guardar imagens e objetos correspondem à necessidade humana de organização de fragmentos de um mundo que se deseja conhecer ou que se pretende dominar. Podem advir da ne­ cessidade de compreender uma sociedade e. a partir disso. reescrever sua história, ou ser iniciativa individual ou de um grupo com o objetivo de documentar experiências e preservar a memória do vivido. Resul­ tam da busca de reconstituir ou evocar o passado e. assim, significar as marcas do vivido, de um acontecimento importante para um grupo ou para uma sociedade, ou. ainda. de reconstruir a memória de uma experiência que se deseja representar e transmitir como marcante. Ao longo da história humana, a concepção de museu passou por várias mudanças. Na Antiguidade clássica, na Grécia e Roma amigas, os museus eram espaços que abrigavam coleções relacionadas ao sa­ grado e aos momentos de batalhas. Na Idade Média, as coleções eram organizadas pelo viés do sa­ grado e a Igreja católica foi a instituição guardiã dos objetos doados, reunindo tesouros constituídos por peças em ouro, prata. pedras preciosas. manuscritos. livros. relíquias. instrumentos musicais e muitos outros. Com a intensa movimentação de mercadorias que marcou o Renascimento comercial (séculos Xll a.XIV), intensificou-se o inter­ cãmbio e a guarda de objetos de outras culturas. Muitos deles. por exemplo, os importantes textos filosóficos e os achados arqueológi­ cos provenientes das civilizações grega e romana. foram recolhidos e difundidos pelos árabes. Nos séculos XV e XVI, com as Grandes Navegações e o Renasci­ mento cultural, foram organizadas diversas coleções, relacionadas, em geral, à natureza, à fauna. à flora e a pinturas. textos e objetos do mun­ do antigo (Índia e China. principalmente) e do chamado Novo Mundo (Américas). Essas coleções pertenciam à nobreza, aos príncipes e reis desse período. Seus materiais foram levados da América, da África e da Ásia pelos navegadores europeus.

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EDUCAÇÃO PATRII�ONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

A partir do século XVIII, surgiram os primeiros museus modernos organizados com coleções expropriadas da Igreja católica e da no­ breza logo após a Revolução Francesa 1 . No processo de constituição do moderno conceiro de Estado-nação, iniciativas com a perspec­ tiva museológica moderna materializaram-se com a fundação do Museu Britânico, em Londres, na Inglaterra ( 1753), e do Museu do Louvre, criado em Paris, França, em 1793. Ao longo dos séculos XIX e XX, surgiram os museus temáticos, instituições cujas coleções e acervos eram especializados em His­ tória, Arqueologia, Ciências, Anes. Entretanto, apenas nos anos 1970 assinalou-se a tendência do trabalho museológico de incen­ tivo a ações sociais caracterizadas pela experimentação e sociali­ zação do conhecimento com ênfase nas referências culturais de cada lugar. Essa tendência se intensificou na última década do século XX e no início do século XXI, e as iniciativas educativas de âmbito mate­ rial e imaterial ampliaram consideravelmente o entendimento sobre o que é um museu. Como espaço educativo voltado à construção de conhecimento, à pesquisa e à preservação da memória, as insti­ ruições museais são hoje compreendidas em sentido amplo como espaços de aprendizagem voltados à comunidade, à escola e a todos os envolvidos com objetivos de preservação dos testemunhos do passado. Em diálogo constante com o tempo presente, atuam para a preservação da memória, das inesgotáveis possibilidades de pes­ quisas, favorecendo os questionamentos, as problematizações e re­ flexões acerca da constituição de identidades. Em resumo, museus são locais propícios à produção do conhecimento e à formação da consciência de um património cultural.



No capitulo 1 abordamcs a construção da concepção de monumento. as políticas prcserva­

cionistas na França e na Inglaterra c a sua relação com a ideia de nação à luz das obras de Françoisc Choay (2001) e Maria Cecilia Londres Fonseca (2009).

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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O conceito de museu e as suas potencialidades educativas Os museus são espaços educativos que abarcam as dimensões da coleta, da pesquisa, da guarda. da conservação. da comunicação de saberes e fazeres. Organizam as marcas e os testemunhos pas­ sados que se deseja preservar. mantendo diferentes temporalidades e uma constante relação com o momento e os desejos do presente. Como país participante do Conselho Internacional de Museus (lcom). o Brasil adota a definição básica de museu, reconhecendo-o como uma instituição sem fins lucrativos, permanente, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Como instituição aberta ao pú­ blico, adquire peças e constitui acervos, além de pesquisar. conservar. divulgar e expor resultados para fins de estudo, educação, diverti· mento e testemunho material do povo e seu meio ambiente. Além daquelas que durante muito tempo foram designadas como museus. outras instituições. pela ampliação conceitual. hoje também são con­ sideradas museológicas: I. monumentos e sítios naturais arqueológicos e emográficos de na­ tureza museal materiais do

q ue adquirem, conservam e divulgam evidências

povo e seu meio ambiente;

11. instituições que m antêm coleções de espécimes vivos de plantas e an i mais e que expõem. como jardins botânicos e zoológicos. aquários e viveiros: .

111. centros científicos e planetários: IV. institutos de conservação

e salas de exposição mantidos perma­

nentemente por bibliotecas e arquivos históricos:

V.

reservas naturais ;

[. ..]2

Essa ampliação conceitual admite a ideia de que em todo lugar pode ser construído um museu. por abrigar património significari-

2

Artigo 2c. § 1, dos Esraruros do Conselho Internacional de Museu. Conselho Internacional Museus (lcom). Rev1sta Museu. Disponivel em: < www.revisramuseu.eom.br/legislacao/ museologia/ericaicom.hrm >. Acesso em 26 dez. 2011.

de

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

vo para a comunidade local. A partir dos anos 1990. o debate em torno da questão patrimonial abarcou o reconhecimento das práti­ cas culturais passíveis de serem preservadas como heranças intan­ gíveis e das atividades criativas do mundo digital como instâncias museológicas. A concepção de patrimônio vivo está na essência dos museus de hoje, pois, como é abordado no Guia básico da Edu­ cação Patrimonial: O Patrim ôn io Cultural Brasileiro não se resume aos objeros históri­ cos e artísticos. aos monumentos representativos da memória na­ cional ou aos centros históricos já consagrados e protegidos pe las instituições governamentais. Existem outras formas de expressão cultural que constituem o patrimônio vivo da sociedade brasileira: artesanatos. maneiras de pescar, caçar, plantar, cultivar e colher, de utilizar plantas como alimentos e remédios, de construir moradias, a culinári a as danças e músicas, os modos de vesti r e falar. os rituais e .

festas religiosas e populares, as relações familiares revelam os múl· tiplos aspectos que pode assumir a cultura viva e presente de uma comun idade3 .

A disseminação do uso da internet permitiu o surgimento dos museus virtuais e de suas interessantes possibilidades, como a con­ sulta prévia a catálogos eletrônicos das exposições. das coleções e dos acervos dos museus. Tal dispositivo tecnológico tem contribuído sobremaneira para as ações educativas dos museus em conexão com a comunidade e com o universo escolar. A comunicação virtual ajuda a divulgar as ações educativas dos museus e permite ao professor planejar visitas, incluindo essa ativi­ dade como estratégia pedagógica das aulas. As parcerias entre ins­ tituições museais e secretarias municipais e estaduais de Educação criam possibilidades para a elaboração de interessantes projetos vol­ tados à educação patrimonial.

3 HoRTh, Maria de Lourdes Parreiras; GRLMBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Gula bdslco da educação parrimonial. Brasilía. lphan/Museu Imperial. 1999. p. 7.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl llO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FltlAIS DO ENSINO fUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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U m museu para a língua portuguesa

Estação da Luz,

em São Paulo (SP). onde esrá instalado o Museu da Língua Portuguesa. Foto de 201 1 .

Interior do Museu da Língua Portuguesa. São Paulo (SP). As exposições

cêm apresentado importantes

auwres da lingua portuguesa. como Guimarães Rosa, Machado de Assis. Fernando Pessoa e Cora Coralina.

O Museu da Língua Ponuguesa foi inaugurado em 2006 e está localizado na antiga Estação da Luz, na cidade de São Paulo (SP), num edifício tombado como patrimônio histórico. Seu acervo constitui-se de nosso idioma como patrimônio imaterial que deve ser compreen­ dido em sua diversidade. Há nesse museu, como em outros museus temáticos espalhados pelo Brasil. diversas ações educativas, como visitas monitoradas para escolas, além de um espaço repleto de dis­ positivos virtuais interativos.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 0 0 ENSINO FUNDAMCNTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Museu da Pessoa: um espaço virtual que valoriza histórias de vida Outro exemplo de museu temático é o Museu da Pessoa. Trata-se de um espaço virtual disponível à comunidade em geral. Seu prin­ cipal objetivo é reunir depoimentos de pessoas comuns, para que tenham oportunidade de preservar sua história de vida, rornando-se visíveis na memória social. A ampliação do projeto Museu da Pessoa teve como marco a conferência Museums and Web, ocorrida em New Orleans, nos Esta­ dos Unidos, em 1 999. A partir desse encontro. que reuniu diversos países. o projeto do Museu da Pessoa expandiu-se e uma rede inter­ nacional de histórias de vida foi construída. contando com quatro núcleos - Brasil, Canadá, Estados Unidos e Portugal. Esses núcleos organizam-se de maneira autônoma e buscam sua autossustentabi­ lidade. De acordo com as informações disponibilizadas no porta14 , contam com banco de museus. CD-roms e realizam projeros de me­ mória institucional, de desenvolvimento local e educacionais. Direcionado a instituições escolares da rede pública do Ensino Fundamental em diferentes estados do Brasil. destaca-se o projero Memória Viva na Escola. Desenvolvido em parceria com o Instituto Avisa Lá, secretarias municipais e estaduais de Educação e de Assis­ tência Social. conta com o patrocínio de empresas e instiruros pri­ vados, alguns por meio da Lei Rouanet. O principal objetivo desse projeto é: [ ... ) registrar a memória de comunidades. envolvendo os alunos no resgate das histórias dos municípios por meio da técnica de memória oral, com metodologia desenvolvida pelo Museu da Pessoa. Ao ouvir, representar, reproduzir e recontar histórias de vida, as crianças têm um ap rend izado mais completo, com ênfase em cidadania e na valo­ rização do cidadão comum. Oportunidade para estreitar as relações

4

Porra! Museu da Pessoa. Nossa história. Disponivel em: < www.museudapessoa.netloquee/ oque_nossahiswria.shtml >. Acesso em: 27 dez. 2011.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO EllSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 0 0 ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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humanas na comunidade. o desenvolvimento do programa estimula importantes aprendizagens ligadas à leiLUra. escrita, oralidade, pes­ quisa na internet e produção de conreúdo5.

Para a museóloga Rosali Henriques, o museu virtual é um espaço de mediação e de relação do patrimônio com os utilizadores. Como uma espécie de museu paralelo e complementar, privilegia a comuni­ cação, proporciona cerro envolvimento aos visitantes virtuais, dando a conhecer determinado patrimônio e possibilitando a aproximação encre um museu físico e um vircual 6 . N r-------·---,

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Museu da Pessoa

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NOSSA CAUSA



de histórias de vida

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O Museu I Histórias I COnte sua História

busca

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Este é um museu virtual

aberto à pattldpaç:lo gratuita de toda pessoa que queira compartllhar

sua história. Mais ,.

DOADORES DE SABEDORIA

ENTRE A FICÇÃO E A REAUDADE

Nesta parceria entre Museu da Pessoa, In Futuro e Instituto

E mOia e Alzira n3o

sabiam ler ou escrever. Mas foi a tonvivlnda

õ Oncogula, padentes com dOenças graves

com elas que moldou o talento dO esaitor Luiz

etemlzam suas

Galdino.,.

experiéndas e

aprendizados. ,. Rua Natlngul, 1100



53o Paulo, SP

fone: +55 11 2144·7150



portalll!lmuseudapessoa.net

fax: +55 11 2144·7151

Página inicial do portal do Museu da

Pessoa. Acesso

em 9 abr. 2 0 1 2 .

5 Porra!

Museu da

Pessoa. Memória local. Disponível em:

mcmorialocal/memorialocal.hrm>. Acesso em:

< www.museudapcssoa.net/

28 abr. 2012

" HENI\IQUf.S. Rosali. Museus vinuais c cibermuscus: a internet c os museus, 2004. Portal Mu· seu da Pessoa. Biblioteca. Disponível em: < www.muscudapcssoa.net/oqucc/biblioteca/rosa· li_henriques_museus_virtuais.pdf>. Acesso em: 27 dez.

2011.

154 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Sugestão de atividade para o trabalho escolar em museus Uma de nossas tarefas como educadores é proporcionar aos alunos acesso aos bens culturais. Nesse sentido é de fundamental importância que o professor organize projetos de visita dos alunos ,

aos diversos museus e espaços culturais da cidade. Compreender que museus são espaços de memória e que podem estar em todos os lugares aguça nosso olhar no momento de planejar as atividades de visita a esses locais. Assim, para escolher espaços culturais compatíveis, complemen­ tares aos conteúdos trabalhados no currículo escolar, é muito impor­ tante que o professor: •

visite antes os locais e observe as coleções e os objetos que serão vistos pelos alunos. Algumas instituições oferecem pales­ tras e oficinas de orientação e formação para professores sobre temas ligados aos acervos e outros;



realize uma pesquisa prévia sobre conteúdos a serem explora­ dos com os alunos e as potencialidades da exposição ou dos acervos, o que contribui para enriquecer e facilitar o trabalho de análise das culturas macerial7 e imaterial e de problematiza

­

ção e reflexão sobre o que foi observado. A partir dessas premissas. podemos sintetizar alguns procedi­ mentos recomendáveis antes, durante e depois da visita: •

escolher o museu ou espaço cultural adequado aos conteúdos trabalhados em sala de aula;



visitar o museu previamente para conhecer o acervo e a lógica da exposição, examinando os catálogos e buscando conhecer o trabalho de monitoria disponibilizado se houver; ,

7

BrrrE:-.covRr. Circe Maria Fernandes. Ensino de Hrstória: fundamentos c métodos. 3. ed. São Paulo: Cortez. 2009. p. 355.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

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ENSINO D E HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

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elaborar os objetivos que se pretende acingir com a atividade da visita. em harmonia com os objetivos do trabalho de moni­ toria da instituição;



conversar com os alunos, orientando-os sobre os principais procedimentos da observação, da problematização e do regis­ tro no momento da visira. É imporranre também despertar nos alunos a expectativa por uma atividade lúdica prazerosa pri meiro passo para formação de um hábito que se deseja para a ,

-

­

vida inteira; •

disponibilizar info rmações e conceitos necessários para que os alunos sejam capazes de estabelecer conexões entre suas no­ vas descobertas e seu conhecimento prévio;



após a visita, realizar atividades de sistematização da aprendi­ zagem da visita. como roda de conversa, debate, elaboração de mural de texto, etc. Essa finalização oferecerá ao professor rico material para avaliar se os objetivos propostos foram atingidos e também para definir os próximos passos.

Museu Ferroviário Vila Velha, antiga Estação Pedro Nolasco. no bairro das Argolas. Vila Velha (ES). em 2008.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE rliSTORIA PIOS ANOS FHIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Arqueologia e patrimônio cultural Há uma profunda ligação emre os museus e a prática arqueoló­ gica, visto que a coleta de evidências, de materiais, sua catalogação, a pesquisa para chegar à exposição e a divulgação de resultados e de abordagens estão inseridos no mesmo longo e complexo percurso. Neste tópico vamos discutir o que é arqueologia, como esse saber se constituiu e como vem sendo refletido e praLicado no Brasil. Em seguida, passaremos a exemplos de como a atual visão arqueológica busca incluir as mais variadas e amplas experiências históricas do passado que constituem nosso patrimônio cultural. Para iniciar essa discussão é necessário, em primeiro lugar. con­ ceituar arqueologia. Entendemos arqueologia como o campo do sa­ ber na área das ciências sociais cuja finalidade é o estudo dos dife­ rentes modos de vida, de aspectos sociais, econômicos e culturais de comunidades humanas que deixaram suas marcas em locais espe­ cíficos, denominados sítios arqueológicos. Assim, a arqueologia se ocupa de estudar essencialmente os artefatos da produção humana ao longo do tempo ramo em suas dimensões materiais como em seus múltiplos significados imateriais. A arqueologia é considerada, atualmente, como uma disciplina independente, porém profunda­ mente relacionada com a história e outras ciências sociais, como a antropologia. Divide-se, grosso modo, em dois grandes grupos, o da arqueologia pré-histórica. que se ocupa dos povos sem escrita, e o da arqueologia histórica, aquela que encontra suporte escrito para os povos que conheciam ou viviam em sociedades com presença do registro escrico. Como disciplina, data do século XIX, no contexto do nascimento das ciências sociais. Como a sociologia e as demais ciências sociais nascidas nesse período, a antropologia se relaciona historicamente à questão da consolidação do Estado-nação e do imperialismo da se­ gunda metade do século XIX. Como se sabe, no âmbito do liberalismo pós-revoluções burguesas, especialmente na Europa, a legitimação do Estado-nação teve como um dos principais pilares o destaque para os aspectos culturais e linguísticos que davam conformidade à popu­ lação e criavam aquilo que o historiador inglês Benedict Anderson

EDUCAÇÃO PATRII�DN!Al NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS filiAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁIICAS

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denominou "comunidades imaginadas"8 . A história e a arqueologia foram legitimadoras desses processos históricos cujas consequências podem ser sentidas ainda hoje. Nessa perspectiva, a arqueologia, entendida naquele momento ainda como um saber auxiliar da História. passou a ser vista pelos nascentes Estados burgueses europeus como ponto essencial para forjar a identidade nacional. Era fundamental, naquela altura, en­ tender a suposta evolução e superioridade do homem europeu por meio do conhecimento de sua cultura e de seus artefatos produzidos no passado. Foi, especialmente, a tradição da arqueologia greco-ro­ mana ou aquela ligada às grandes civilizações do Oriente Próximo, como a egípcia ou a mesopotâmica, com suas esculturas. arquitetu­ ra e textos escritos, a mais valorizada. A constituição de inúmeros museus que expunham esses objetos e manifestações comprova a extrema importância que as nações europeias atribuíam a esse passado. Conjuntamente com a abertura dos museus, estava a profissiona­ lização dos arqueólogos - então não mais chamados de antiquários -, e, em países como França, Espanha, Inglaterra e Dinamarca, escolas superiores passaram a formar esses profissionais. Na Dinamarca, foi criada a primeira cátedra para o ensino da pré-história na Universida­ de de Copenhague, em 1855. Curiosamente, entretanto, na Europa os artefatos pré-históricos foram enviados preferencialmente para os museus de história natural e não para os museus históricos, tendência essa que se manteve aré princípios do século XX, sobretudo em razão do evolucionismo, que não aceitava a pré-história como parre da história. Somente no início do século XX, a pré-história, principal campo até então da arqueolo­ gia, passou a ser entendida como parte integrante da história. Porém, no que se refere às áreas de dominação colonial, fruto imperialismo do século XIX, a arqueologia colocava questões imdo

8 ANoF.RSO". Benedicr.

Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras. 2008. Ver

também para essa temática em HossSAWM, Eric. Nações e nacionalismo. Rio de Janeiro: Paz e

Terra. 1989.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSWO DE HISTÓRIA NOS ANOS fiNAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

No sêculo XIX foram consLiLuidos os

pri meiros museus na Europa desLinados a conservar

e preservar o resultado das pesquisas arqueológicas. Nessa foto há uma amostra do acervo do Museu de Arqueologia Mediterrânea, Marselha, França. Fmo de 2008.

porrantes. Os achados arqueológicos, sobretudo os da pré-história, eram tidos pelos europeus como prova do atraso dessas populações (africanas, asiáticas ou ameríndias) em relação à Europa. Os artefa­ tos encontrados nos sítios arqueológicos comprovavam, segundo a ótica europeia, a inferioridade cultural e genética dessas populações. MuitOs museus foram consticuídos com base na ideia de que, sem evolução, o destino dessas populações seria a natural exLinção. As­ sim, era preciso preservar e conservar esses achados em razão do provável desaparecimenro desses povos. Mais tarde, quando foi fican­ do evidente que eles não desapareceram, as coleções passaram a ser montadas para que se pudesse conhecer melhor a cultura dessas po­ pulações - e a ideia subjacente era a de que os povos desenvolvidos tinham a missão de ajudar os "atrasados" a se desenvolver9 . Especialmente na Alemanha, em meio ao clima de nacionalismo da passagem do século XIX ao século XX, a arqueologia operou uma mudança importante. Na medida em que a pré-história passou a ser visLa como espécie de início da história da nação, consolidou-se a

'l

OJAZ·ANDREU.

Margarira. Nacionalismo e arqueologia: o comex10 político de nossa disciplina. Re­ Dossiê Identidades Naciona1s. n. 2. p. 17-18, out.lnov. 2006. Disponível em: < hrrp:/1 www.unicamp.br/"' aulaslvolume02/pdfs/nacionalismo_2.pdf >. Acesso em: 7 mar. 2012.

vistaAulas.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

159

ideia de que os alemães partilhavam uma mesma cultura desde o inicio dos tempos, o que ajudou a fomentar e a justificar ainda mais o nacionalismo. Essa mesma tendência foi difundida pela maioria dos Estados da Europa Central, e também no Canadá e nos Estados Unidos. Como comenta Margarida Diaz�Andreu: O trabalho dos arqueólogos - e das primeiras arqueólogas que já come­ çaram a trabalhar nesses anos [. .] .

-

oferecia ao nacionalismo símbolos

materiais politicamente efetivos. e não é por acaso que nesse período entre guerras se visse. pela primeira vez. uma inversão estatal impor­ tante para a escavação, sobretudo de sítios assinalados para o discurso nacionalista. O que pretendia o Estado-nação era criar uma paisagem nacional própria, fixar uma memória histórica compartilhada por todos os membros da nação. Assim, determinados sítios-chave para o discurso nacionalista, que já chamaram a atenção nas últimas décadas do século

XIX, mas sem uma grande repercussão no longo prazo, como Alésia, na França, ou Numancia. na Espanha. voltaram a ser foco de atenção 10.

Portanto, a arqueologia cumpriu papel fundamental na constitui­ ção de elementos justificadores do nacionalismo. Segundo o pesqui­ sador brasileiro Pedro Paulo Funari, a arqueologia só pode ser enten­ dida em seu contexto histórico e social como segue: Herdeira do nacionalismo do século

XIX, a arqueologia tem no mo­ A partir da noção

delo histórico-cultural sua teoria mais difundida.

de que cada nação seria composta de um povo (grupo étnico, defini­ do biologicamente). um território delimitado e uma cultura (entendi­ da como língua e tradições sociais). formou-se o conceitO de culcura arqueológica. Esta seria um conjunto de artefatos semelhantes, de determinada época, e que representaria, portanto, um povo, com 11 uma cultura definida e que ocupava um território demarcado .

lO

11

OIIIZ·ANI>I�. Acesso em: 28 abr. 2012.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Na segunda metade do século passado, esse discurso perdeu força e outras escolas de arqueologia, como a norte-americana, pas­ saram a reivindicar uma ligação mais estreita entre a arqueologia e a antropologia. Esse movimento dos anos 1960 denominou-se New Archaeology ou Arqueologia processual. A principal diferença na abordagem dessa escola em relação à abordagem europeia era que, para a antropologia norte-americana. a história procuraria os eventos e as culturas singulares, enquanto a antropologia buscava encontrar as regularidades no comportamenro humano. Como as­ sinala Funari, esses pesquisadores buscavam "leis transculturais de componamento" 1 2 nas pesquisas arqueológicas e, com isso, pouco espaço era dado para as diversidades culturais, privilegiando os as­ pectos materiais. Nos anos 1980 essa escola perdeu força, em parte pela populari­ dade que o pós-estruturalismo ganhou na universidade. Essa escola criticou fortemente as anteriores. afirmando que ambas estavam a serviço do imperialismo e da exploração. Tal ataque foi capitanea­ do por Michael Shanks e Christopher Tilly no livro Re-Constructing Archaeology.

de 1987.

Na década seguinte, a ênfase dos pesquisadores recaiu nas di­ mensões públicas da arqueologia e na sua estreita ligação com os direiros humanos e as questões patrimoniais, mas é possível dizer que nos dias atuais domina o pluralismo interpretativo.

Arqueologia brasileira No Brasil, os estudos arqueológicos são tardios em razão da au­ sência da disciplina nas universidades até pelo menos meados do século XX. Foi somente na década de 1960 que se iniciou uma produ­ ção mais sistemática realizada por especialistas.

12 Funari. Pedro Paulo A. Teonas e métodos na arqueologia contemporânea: o comexto da arqueologia histôrica p.

2.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

161

No século XIX, uma espécie de arqueologia amadora foi realiza­ da, especialmente por membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, mas sem que resultados significativos fossem alcançados. Já no século XX, iniciativas isoladas e fruto da vontade pessoal de pesquisadores como o alemão Hermann Kruse ou Loureiro Fernan­ des foram feitas, mas também esses estudos não chegaram a frutifi­ car e os resultados de pesquisa nem mesmo foram publicados 1 3 . Na década de 1950, em função das iniciativas de Paulo Duarte, foram realizados os primeiros trabalhos acadêmicos no Brasil, o que daria impulso para a criação da Comissão de Pré-História, que se transformaria no Instituto de Pré-História. A arqueologia brasileira começou a se desenvolver como atividade de pós-graduação, uma vez que não havia graduação específica na área. Sublinhavam-se, no processo de formação dos arqueólogos, notadamente as técnicas de campo e laboratório, mais do que o conhecimento acadêmico, em razão da forte influência dos especialistas franceses que para cá vieram. Isso acabou por ter como consequência uma dissociação entre a pesquisa empírica e a análise na produção desses primeiros especialistas. Pode-se afirmar em linhas gerais que foram duas as escolas que, mais tarde, influenciaram os estudos e a formação dos pesquisadores brasileiros: a escola francesa e a norte-americana. A escola francesa tinha como principal característica o olhar mais etnográfico de des­ crição do modo de vida das populações pré-históricas, enquanto a escola nane-americana preconizava uma abordagem antropológica, descontextualizada e, em certo sentido, a histórica das cullUras 1 4 . No Brasil contemporâneo, há estudos e pesquisas sendo realiza­ das tanto no campo da arqueologia pré-histórica como no campo da arqueologia histórica. Segundo Pedro Paulo Funari, na origem e no cerne da arqueologia histórica no Brasil está a questão do património,

1 3 LIMA, Tânia Andrade. Arqueologia histórica no Brasil: balanço bibliográfico ( 1960-1991 ). Anais do Museu Paulista, São Paulo. Nova Série, n. 1 . 1993.

14 Para aprorundar a questão, ver: ALvEs, Maria Angelina. Tcona. mctodos. técnicas e avanços na arqueologia brasileira. Canindê, Xingó. n. 2. dez. 2002 Disponível em: < www.max.org. brlbiblioteca/Revista/Caninde-02/P9-51 TcoriasMctodos.pdb Acesso em: 26 rev. 2012.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

do bem material de alto valor e o símbolo da apropriação do trabalho alheio. ou seja. do trabalho escravo. Assim: Patrimônio é aquilo que poucos têm, é o cabedal a ser passado de pai para filho. de proprietário a proprietário, apanágio de poucos. Desse sentido jurídico de patrimônio deriva o uso cultural do termo. Trata­ ·se. pois. de bens que demonstram a proprietários e não proprietários seu devido luga r na ordem sociaL Também em nosso meio. pois. a disciplina surge como reforço material de narrativas hegemõnicas. ainda que os d iscursos dominantes sejam diversos daqueles prevale­ centes nos Estados Unidos ou na Europa. [ . ..] enquanto no Brasi l as narrativas dor.1inanres fundam-se no pat riarcal ismo escravista. [.. . ] No B rasi l , não há individualismo capitalista nem tradi ção aristocrática que resistam à escravidão e à exclusão social de amplas maiorias. ademais heterogêneas ao extremo: de negros a indígenas. de pobres im ig rantes a judeus errantes, de sertanejos a seringueiros 15.

Portanto. no Brasil, trabalhar com a arqueologia histórica signi­ fica confrontar-se com a questão da cultura material e com as hie­ rarquias sociais extremamente complexas e fluidas ainda presentes como resultado do processo de colonização e da manutenção do re­ gime escravista até o fim do período imperiaL Do que se conclui que é necessário pensar n a singularidade da cultura e da sociedade brasileira com seus sujeitos sociais heterogêneos, e não apenas im­ portar reflexões e metodologias que foram desenvolvidas para outros contextos sociais e históricos. A título de final ização . pode-se dizer que faz bastante sentido o desenvolvimento que a arqueologia tem tido em nosso pais, justamen­ te porque se volta para o resgate de vozes. experiências e vivências de índios, negros escravizados, quilombolas e do "povo comum". Essa nova forma de encarar as contribuições da arqueologia. por outro lado, é cada vez mais importante em todo o mundo. o que permite o diálogo dessa ciência aqui realizada com a praticada em outros países.

15 FuNARI, Pedro Paulo A. leorias e métodos na arqueologia contemporânea: o contexto da ar· queologia histórica. p. 4-5

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSIIW DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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Machadinha e ouuas peças no Museu do Homem Americano. de São Raimundo

Nonaro (Pl). em

2010.

Exemplos de iniciativas acerca do patrimônio cultural no Brasil Nas últimas três décadas. parcerias entre pesquisadores, univer­ sidades. órgãos de fomemo à pesquisa órgãos governamentais e mu­ seus têm tornado possível trazer à luz as experiências de mulheres ,

e homens comuns. muims vezes indivíduos à margem da sociedade bem nascida. que viveram séculos atrás ou mesmo mais recentemen­ te. mas tiveram suas marcas e vozes esquecidas e enterradas. Esses projetOs têm comribuído para que a sociedade brasileira possa se conhecer melhor, entender de onde vêm seus diferentes modos de ser e de existir. É uma possibilidade de refletir sobre o passado e, assim, tomar decisões que possam mudar o presente e o futuro. valorizando cada vez mais a diversidade de nossa formação cultural. Passemos aos exemplos: Arqueologia de Canudos Na Universidade do Estado da Bahia, nos anos 1990, foi realizado um projeto de resgate da memória regional aproveitando a aproximação do centenário de Canudos. Vários pesquisadores de diversas áreas do co­ nhecimenlo. como arqueólogos, historiadores. antropólogos e geólogos 164

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO OE HISTÓRIA NOS ANOS FH. Acesso

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENS!IoO OE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDA�IENTAL· CONCEITOS E PRÁTICAS

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Por meio do levanramemo arqueológico foi possível perceber tam­ bém a mudança por que a paisagem natural vem passando há mais de um século. Além disso, descobriu-se que aquela área foi local de mora­ dia de populações ainda desconhecidas, que viviam perro do rio e tira­ vam da vegetação e do meio natural existente recursos para sobreviver. Perto do Parque há inscrições rupestres que indicam presença humana muito amiga na região. Em razão dos vestígios encontrados. a pesqui­ sa pôde ser ampliada e deixou de narrar o conflitO apenas do ponto de vista bélico, para também incluir observação e análise do modo de vida da população de Canudos, seus hábicos, costumes, conhecimen­ tOs e domínio do meio. Foram revelados aspeccos fascinantes, como a presença feminina nos campos de batalha. Desnecessário dizer, quanto à importância dessa pesquisa e da iniciativa de combinar a produção do conhecimento, o que esse sítio proporciona com a divulgação dos resultados em forma de material didático para o público em geral. "

Ê

O Parque Estadual de Canudos. localizado a 450 quilõme[ros de Salvador {BA). abriga boa parte da

história da Guerra de Canudos, ocorrida no final do século XIX. Na fow. portal de entrada do conjunto histórico. em 2010.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

Iniciativas como a pesquisa de Canudos significam. em última análise. a possibilidade de os brasileiros descobrirem aspectos enco­ bertos e obscuros de seu passado, um dos pontos mais importantes para que se tome posse, de faro. da cidadania. É necessário que pro­ fessores. estudantes e a sociedade civil como um todo acompanhem e participem de projetos dessa natureza. .cobrando dos organismos envolvidos continuidade e divulgação de resultados parciais. Arqueologia de Palmares O Projeto Arqueológico Palmares tem como objetivo central ob­ ter mais informações sobre a vida diária em Palmares - comunidade quilombola formada de escravos, libertos, livres e indígenas na região da Serra da Barriga. na então capitania de Pernambuco - sobretudo por meio dos vestígios materiais e. portanto, da arqueologia. Quase tudo que se conhecia até então sobre a história do maior quilombo da América Porruguesa era proveniente de documentos escritos por membros do poder estabelecido no mundo colonial. Os importantes aspectos das formas de organização social, econômica, política e sim­ bólica daquela sociedade eram, portanto, totalmente ignorados. Até a elaboração e realização do projeto arqueológico Palmares nada se sabia nem mesmo sobre a cultura material do quilombo. Assim, a pesquisa empenhou-se em localizar diferentes tipos de ar­ tefacos lá feitos e utilizados. pelos quais se poderia desvendar os pormenores do coridiano, das atividades rotineiras desempenha­ das em Palmares. Segundo o pesquisador Pedro Paulo A. Funari, realizaram-se: [. . . ] duas etapas de campo de caráter prospectivo,

visando localizar

sítios arqueológicos em superfície e realizar algumas trincheiras e/ ou quadrículé.s, apenas na Serra da Barriga, único local seguramente identificado como parte do antigo quilombo 1 7 .

'7

FuNARJ, Pedro Paulo A. A República de Palmares e a arqueologia da Serra da Barriga. Revisca

USP. São Paulo. n. 28, p. 8. dez. 1995/fcv. 1996.

EDUCAÇÃO PATRI�10NIP.L NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS 00 ENSINO FUNOA�1ENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

167

A metodologia usada pelos pesquisadores na etapa de campo con­ sistiu em um levantamento ou "prospecção pedestre. visando localizar vestígios materiais arqueológicos superficiais" 1 8 . Após a identificação dos artefatos encontrados na superfície, realizaram-se alguns testes com pás para determinar a profundidade e o grau de preservação dos restos arqueológicos. Assim foi possível mapear os sítios arqueológicos e avaliar as chances de realização de trabalhos fU[uros. O trabalho de pesquisa sobre a cerâmica encontrada no sitio ar­ queológico demonstrou. até agora - contrariando teses anteriores sus­ tentadas pela historiografia. que defendiam a ideia de Palmares ter sido uma espécie de acampamento angolano - que provavelmente no quilombo conviviam pessoas de diversas origens étnicas e culturais, em função de sua situação histórica e estratégica. A continuidade dos trabalhos permitirá passar da fase das prospecções para o momento das escavações e. assim, conhecer e analisar dados inéditos para des­ vendar a história do quilombo que ousou enfrentar as forças coloniais e o terrível sistema escravista da época moderna.

Fragmentos de

cerâmica majólica 1

9

encontrados em um dos sítios arqueológicos de Palmares.

.. -

-

7cm

-

18 FuNARI, Pedro Paulo A. A República de Palmares e a arqueologia da Serra da Barriga. p. 8.

1 9 Ceràmic a vidrada encontrada nas escavações do Projeto Arqueológico Palmares. na Serra da Barriga (AL).

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO EN�INO DE HISTÓRIA NOS AtiOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICA�

Conselho Internacional de Museus (Icom): é uma organização internacional de museus e profissionais de museus cujas funções são a conservação, a preservação e a difusão do patrimõnio mundial- cul­ tural e natural. presente e futuro, material e imaterial - contemplan­ do os interesses :las sociedades. Trata-se de uma organização não governamental cr'ada em 1946 que mantém relações com a Unesco e possui status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU20. Acervo: termo que se refere a segmentos de coleções conectados por meio de determinado projeto museológico. O conceito abrange o processo cotidiano de reconhecimento e formulação de sentidos para tais coleções e pressupõe debate constante e estabelecimento de pla­ nos e metas. de acordo com a realidade do museu.

O texto a seguir argumenta sobre a ampliação do conceito de mu­ seu, contextualiza a organização de museus temáticos e procura de­ monstrar que a visita a museus é um exercício de cidadania. Na segu nda metade do século XX, o movimento de renovação historio­ gráfica, que amplia os objetos e as fontes da História e a organização dos movimentos sociais de luta pela ampliação de direitos, coloca em cena a reivindicação da reconstrução das memórias das chamadas minorias sociais. Esses movimentos chegam aos museus com uma proposta de espaços singulares, nos quais as finalidades dos objetos seriam trazer à cena a memória e a história de grupos "oficialmente esquecidos". Emer­ gem, então, os museus temáticos: da mulher, da criança, da educação, do povo judai c o, dos operários, dos afrodescendentes, etc. A ampliação da noção de pa trimôn io do papel educativo dos museus e de outros cen­ ,

tros de cultura e memória, incorpora espaços além dos muros e prédios

20 Informações ex cra1das do portal do lcom. Disponível em: cfm?canal icom > Acesso em 28 abr. 2012.

< www.icom.org.br/index.

=

EDUCAÇÃO PATRIMONI�l NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDA�IENT�L: COtlCEITOS E PRÁTICAS

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institucionais. Estes são apropriados como "objetos" de conservação, preservação, pesquisa, lazer e ed u cação. Os ecomuseus, os museus ao "ar livre", museus comunitários e, mais recentemente, os museus virtu­ ais, dão novos significados aos conceitos de "tempo e espaço" museo­ lógico, possibilitando ao público o estabelecimento de relações diferen­ ciadas com o q u e, historicamente, se definiu como "museu".

A diversidade de formas propostas dos museus da atualidade amplia seu significado para educação histórica na medida em que se apresen­ tam como instituições de caráter educativo e. principalmente, pela forma

como o fazem. Quando visitamos um museu, temos contato com seu acer­ vo, suas coleções de objetos e outros documentos por meio da exposição. Toda exposição é construída para narrar ou dizer algo sobre o tema em questão. Os objetos expostos foram adq ui rid os pelo museu ao longo do

tempo seguindo diferentes critérios: políticos, técnicos, artísticos, históri­ cos, científicos. entre outros. Sua conservação, restauro, pesquisa e expo· sição foram pautados por critérios artísticos, políticos, sociais. Assim, não

basta "olhar" os objetos expostos para que haja um processo educativo. É preciso perguntar: "o que significa"? [ .] Mais do qu e "ver a História", os ..

museus nos convidam a problematizá-la. [. .] .

O aprendizado com objetos e obras expostas nos museus começa com u m olhar ativo que, aliado à problematização proposta. ajuda a conhece r e re­ conhecer, recortar, caracterizar, interpretar, pensar... Nesse sentido. a vi· sita ao museu pode ser organizada pragmaticamente pelo professor: pode considerá-lo um templo, um espaço de contemplação, ou a visita pode ser revestida de um aprofundamento pedagógico ao entendê-lo como fórum, espaço da pergunta. dos debates, dos questiona mentos [... ] .

Assim, visitar museus é um exercício de cidadania, pois possibilita o conta­ to com temas relativos a natureza. sociedade, política, artes, religião. Leva a conhecer espaços e tempos próximos e distantes. estranhos e fa milia res e ,

a refletir sobre eles; aguça a percepção por meio da linguagem dos objetos, da ico n ogra fia desafia o pensamento histórico com base na visualização .

das mudanças históricas, p ermitind o pensar o cotidiano. [...]

ABUD, Katia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso. Espaços da História: ensino e museus. In: Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010. p. 134-136.

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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

Propos a d

))

a iv'dade

Construinrjn um museu: a história da escola

A proposta é organizar um museu, u m lugar de memória. a partir da montagem de uma exposição sobre a história da escola. Pr nc1p ts ou, ..,•vo.. Cjue cl•recionam a atividade Estimular os alunos a construir um museu no espaço escolar com base na montagem da exposição de objetos da cultura material e de memórias de ex-alunos e funcionários mais velhos. • Enfatizar a ideia de que o museu não deve ser pensado como um lugar fechado entre quatro paredes e a percepção de que em todo local de vivência pode haver u m museu, u m patrimônio que precisa ser conhecido, compreendido e valorizado. • Proporcionar aos alunos a experiência da pesquisa histórica: a coleta, a seleção, a organização e a interpretação de fontes históricas. • Desenvolver no aluno o sentimento de pertencimento e afetividade em relação à escola. •

Etapas

O primeiro pêsso é propor aos alunos que reflitam sobre o que é um museu e por que visitá-lo. A problematização oferece ao professor a oportunidade de conhecer o que os alunos pensam sobre a temática, permitindo começar a construir com eles o conceito ampliado, que enfatizará seu papel como espaço de memória, de cons­ trução do conhecimento, de aprendizagem e de preservação do patrimônio cultu­ ral. O professor deve anotar as falas mais recorrentes dos alunos e as proposições diferenciadas. Esse material será útil para mensurar a aprendizagem dos a l u n o s a o final d a atividade. 2. O passo seguinte é indagar quais materiais e informações os alunos precisam coletar para a pesquisa sobre a história da escola. Possivelmente eles mencionem que necessi­ tam conhecer a história do prédio escolar, o mobiliário, os materiais didáticos. a origem do nome, a data de fundação, os eventos ocorridos na escola, como festas e comemo­ rações que apareçam em documentos e fotografias da escola. Sugira possibilidades de fontes históricas que eles possam investigar. como jornais de época com notícias sobre a escola, e evidencie a possibilidade de ent revista r pessoas mais velhas, por exemplo ex-professores, ex-alunos e ex-fun ci on ários. 3. Oriente os alunos sobre como devem fazer a coleta, a seleção e a organização das fon­ tes pesquisadas. Eles podem fotografar e representar evidências observadas por meio 1.

EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSWO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO fUNDAMENTAl: CONCEITOS E PRÁTICAS

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de desenhos, colagens e textos descritivos. para organizar e registrar as suas desco­ bertas. Para as entrevistas, é recomendável que o professor oriente os alunos sobre os procedimentos necessários, como a elaboração de um roteiro prévio, desenvolvido com base nos objetivos da pesquisa. Proponha-lhes refletir sobre o que querem saber a respeito da escola. 4. Escolha uma data e um espaço na aula para que os alunos tragam o material pesquisa­ do. os textos. os desenhos elaborados. Nessa etapa, o professor pode ajudar a montar a exposição por temas que ajudam a contar a história da escola. Oriente-os para que insiram título e legenda em todas as imagens e que façam textos com informações objetivas e fidedignas. É importante propor aos alunos que organizem a exposição com determinada lógica, mas, se eles tiverem dificuldades, o professor poderá sugerir um roteiro temático, como o exemplificado a seguir: a) o prédio - quando foi construído; suas características arquitetônicas; evidências que podem ser observadas; b) o nome da escola - por que a escola tem esse nome; c) a mobília, os materiais escolares, os uniformes - informações que podem ser evi­ denciadas sobre o modo de vida dos estudantes no passado com base no material investigado; d) as histórias que contam os ex-alunos, ex-professores ou ex-funcionários da escola. S. Depois de montada a exposição, oriente os alunos para que divulguem, convidem e or­ ganizem as visitas ao Museu A história da Escola. 6. Para finalizar a atividade, proponha uma apresentação coletiva sobre as descobertas realizadas, procurando evidenciar as transformações e as permanências do funciona­ mento da escola ao longo do tempo, para que percebam semelhanças e diferenças entre o cotidiano escolar do passado e do presente. Proponha que relatem os procedimentos utilizados em cada uma das etapas da atividade.

Ao final da atividade, o professor pode formar uma roda de conversa para que os alu­ nos falem ou escrevam sobre o que aprenderam com a atividade. É recomendável que se repitam as indagações propostas no primeiro passo da atividade perguntando novamente aos alunos: o que é um museu? Por que visitamos museus? Por meio da comparação en­ tre as respostas apresentadas no início e no final da atividade. os avanços conquistados poderão ser avaliados. verificando-se se os objetivos foram alcançados.

172

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: CONCEITOS E PRÁTICAS

SqgPc::tõe riP IPitur;:� n:::� r::� o orofessor de André Prous. Brasília: Unb. 1992. O objetivo principal do livro é demonstrar que a pré-história brasileira merece todo interesse. por ser relevante no quadro mundial da Arqueologia e focar o estudo das diversas culturas arqueológicas com base nas pesquisas mais recentes. Após um histórico das pes­ quisas arqueológicas no Brasil. apresenta um estudo das condições naturais em que estas se realizam. Salto para o íuturo, programa da TV Escola, Ministério da Educação, que apresentou a série Lugares de memória: ensino e educação, espaços educativos e ensino de His­ tória, partes 1, 2 e 3. com a participação das historiadoras Circe Maria Fernandes Bittencourt, Marta Abreu e Helena Araújo. Há uma interessante discussão acerca do papel do museu no espaço escolar, evidenciando o sentido amplo desses espaços educativos para o ensino de História. Os programas estão em domínio público e podem ser acessados nos seguintes endereços (acessos em: 26 fev. 2012): L < w w w . d o m i n i o p u b I i c o . gov. b rI pesq u i sa/0 e ta Ih e O b ra F o r m . do? s e I e ct_ action=&co_obra=51504> 2. < w w w . dom i n i o p u b I i c o . gov. b rI pesq u isa/0 e ta Ih e O b r a F o r m . do? s e I e c t_ action=&co_obra=51505> 3. < w w w . dom i n i o p u b I i co.gov. b rlpesq u i s a / 0 e ta I h e O b r a F o r m .do? s e I e c t_ action=&co_obra=S1506> Arqueologia brasileira.

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176 EDUCAÇÃO PATRIMONIAl NO ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAl:

CONCEITOS E PRÁTICAS