Videojogos em Portugal. História, tecnologia e arte 9789727227655

História dos desenvolvimentos da indústria de videojogos portuguesa que pretende dar resposta ao seguinte conjunto de qu

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Videojogos em Portugal. História, tecnologia e arte
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Videojogos em Portugal: História, Tecnologia e Arte Nelson Zagalo

Introdução: A nossa história 1. Motivação e objectivos 2. Metodologia 3. Estrutura 1. Nascimento dos Videojogos [1940-1980] 1.1. A inevitabilidade tecnológica 1.2. Do TTL ao Microprocessador 1.3. A Revolução que veio de Inglaterra 2. Pioneiros Portugueses [1970-1990] 2.1 Cultura da informática nacional 2.1.1 ENER 1000 - O primeiro computador Português 2.1.2 Timex Portugal 2.2 Os primeiros jogos 2.2.1 Primeiro videojogo 2.2.2 Primeiro jogo ZX Spectrum 2.2.3 Primeiro jogo comercializado 2.3 Os jogos do ZX Spectrum 3. Do DOS ao CD-Rom [1990-2004] 3.1 Tecnologias criativas 3.1.1 Sistemas Operativos e Tecnologias 3.1.2 Software de criação visual 3.1.3 Authoring Multimedia 3.2 MS-DOS e Amiga 3.2.1 MS-DOS 3.2.2 Amiga 3.3 A época do CD-Rom 3.3.1 Descobrimentos 3.3.2 Educação 3.3.3 Entretenimento 4. Criação da Comunidade Nacional [1998...] 4.1 Tecnologia dos Motores de Jogo

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4.2 Motores de Jogos Nacionais 4.2.1 True Dimensions [1999-2002] 4.2.2 Gamelords [2000-2004] 4.3 Fórum GameDev-Pt 4.3.1 RC Mania 4.3.2 Knowledge Box 4.3.3 Competições da GameDev-PT 4.3.4 Associação de Produtores de Jogos Eletrónicos (Aproje) 4.4 Academia 4.4.1 Os primeiros eventos nacionais

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5. Início do Móvel [2002-2006] 5.1 Aparecimento do móvel 5.2 Independentes nacionais 5.3 Consagração internacional 5.4 Último suspiro 6. Mundo Online [2003...] 6.1 O aparecimento dos jogos online 6.1.1 Economia e Tecnologia Flash 6.1.2 Tecnologias dos Jogos Descarregáveis 6.2 Portais Nacionais 6.3 Multiplayer Online e MMO 6.4 Jogos Universitários 6.5 As empresas nacionais 6.5.1 Ework Studios 6.5.2 Ignite Games 6.5.3 RTS - Real Time Solutions 6.5.4 Blitpop 6.5.5 Gameinvest 6.5.6 Camel Entertainment/101 6.5.7 Vortix Games Studio 6.5.8 Serius Games 6.5.9 Moonberry Studios 6.5.10 Outsourcing... 7. Entrada nas Consolas [2008...] 7.1 A Elite 7.2 A Tecnologia 7.3 As primeiras tentativas



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7.3.1 A saga de Ugo Volt 7.4 Nintendo com a Biodroid 7.5 Playstation 3 com a Seed Studios 7.5.1 A revolução Under Siege

8. A Nova Distribuição [2009...] 8.1 Novo mundo chamado App Store 8.2 Tecnologias e Motores de Jogo 8.3 A produção nacional móvel 8.4 Facebook como plataforma de jogos Conclusão: Quem somos e o Futuro 1. Quem somos e o que fizemos 2. A inconstância e o nosso futuro 2.1 Educação e Experiência 2.2 Produção 2.3 Distribuição

. Anexos

. Cronologia dos Videojogos 1982-2012 . Lista completa de jogos 1982-2012

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Introdução

A nossa história O livro que tem nas mãos é fruto de um projeto sobre a história dos videojogos portugueses iniciado em 2009 como primeiro empreendimento da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos (SPCV) fundada nesse mesmo ano. Foi inicialmente conduzido como um projeto sem financiamento, com base no tempo e voluntarismo de todos os envolvidos. Ao longo de três anos foram investidos nesta investigação vários milhares de horas, contributo que veio de membros e não membros da SPCV. Nesse sentido o projeto foi conduzido com total liberdade editorial, procurando assim assegurar a imparcialidade necessária ao levantamento dos factos históricos. Já no final e depois do livro terminado, o livro foi então apoiado financeiramente pela Biodroid e pela SPCV para poder fazer face aos custos de publicação.

1. Motivação e objectivos A principal motivação deste projeto surgiu a partir da constatação da ausência de uma base de conhecimento de referência sobre a história dos videojogos em Portugal. Ao longo dos anos verificou-se ser difícil conseguir informação sobre a área no país uma vez que os registos dos últimos 30 anos ou não existiam ou estavam repartidos e desorganizados. Tendo em conta o tamanho da nossa indústria, pensámos que este projeto poderia representar uma oportunidade para analisar a área em extensão e profundidade, não só para criar uma base de dados, mas acima de tudo para podermos aprender mais sobre nós e desse modo contribuir para o © FCA – Editora de Informática

interconhecimento entre todos os envolvidos. Julgamos que este projeto pode ajudar na construção de uma base empresarial mais colaborativa e mais sólida. O desenvolvimento de videojogos em Portugal está repleto de projetos pontuais, alguns deles de grande qualidade mas sem continuidade, e acreditamos que em grande parte isto se deve à falta de uma estrutura agregadora de know-how, mas também de conhecimento mútuo. Deste modo julgamos que este livro nos ajudará a ganhar uma compreensão mais cabal



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da nossa indústria e com isso se possa contribuir para lançar amarras para um futuro do país mais eficiente e competitivo na indústria de desenvolvimento de videojogos internacional.

2. Metodologia O método seguido para a elaboração deste estudo foi baseado na metodologia científica fazendo uso das tradicionais técnicas de investigação do campo das ciências sociais – questionários, entrevistas, e o levantamento de informação em registos múltiplos. Como tal, e tendo em vista a dimensão reduzida da amostra, procurou-se entrevistar e questionar o máximo número de pessoas que em Portugal tiveram envolvimento com o desenvolvimento de videojogos. Foram entrevistadas dezenas de pessoas, e questionadas através de inquérito cerca de 100 pessoas programadores, produtores, designers, artistas visuais, e músicos. Foram ainda analisados mais de 300 videojogos, uma boa parte com recurso a emuladores, outros foram devidamente validados através do cruzamento de informação de screenshots, vídeos, materiais promocionais, e imprensa da altura. Apesar da procura de levantamento exaustivo de informação, a análise teve o cuidado de se orientar sempre por uma racional de ordem qualitativa. Nesse sentido toda a informação recolhida de entrevistas e inquéritos foi cruzada entre si, e com outras fontes, desde os registos na imprensa nacional em papel, aos registos digitais, passando pelos próprios perfis de cada um dos envolvidos em páginas pessoas e redes sociais. O objectivo passou por compreender a natureza dos processos criativos, as suas envolvências e estímulos, e não meramente levantar dados de quantificação da indústria. O projeto teve uma incidência maioritária sobre os jogos como artefactos e os seus aspetos de desenvolvimento. A seleção dos jogos foi realizada de modo a excluir o mínimo de títulos possível, tendo sido analisado todo o período histórico dos últimos 30 anos, de 1982 a 2012. Deste modo trabalhámos todos os jogos criados em Portugal comercializados ou não, desde que tenham tido algum tipo de apresentação pública em data verificável. A razão porque consideramos a distribuição não-comercial prende-se com o facto de que um jogo que sai hoje na App Store não é diferente de um jogo feito para o ZX Spectrum e que nunca passou do bairro. Aliás em termos de produção era bem mais complexo criar um jogo nos anos de 1980 para o ZX Spectrum porque a informação sobre como o fazer era muito escassa.

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Quando dizemos todos os jogos, não queremos dizer que não existiram ainda assim jogos excluídos. As exceções que não couberam na listagem final, que se pode ver no final do livro, dizem essencialmente respeito a jogos em que para além dos conceitos não serem originais, nada era acrescentado a esses mesmos conceitos. Passámos por vários jogos de estudantes de informática sem grande relevância por falta de apresentar algo próprio. Também não listámos jogos que não tenham sido terminados, ou que nunca tenham chegado a funcionar pelo menos em apresentações públicas.

3. Estrutura Seguiu-se a evolução da história dos videojogos portugueses numa cronologia multilinear de três frentes: § § §

Análise das plataformas e tecnologias utilizadas na criação; Análise dos videojogos chave criados em Portugal; Análise das pessoas e empresas nacionais envolvidas.

Cada um dos capítulos procura dar resposta a estes três pontos situados no período em análise. Os oito capítulos representam assim a evolução cronológica da história portuguesa. Cada capítulo corresponde a uma época na história. Sendo que o primeiro capítulo é o único que diz respeito à história internacional no sentido de contextualizar o nascimento dos videojogos portugueses que começa verdadeiramente apenas no segundo capítulo. Apesar de situarmos a análise das obras e as entrevistas no espectro que vai de 1982 a 2012, a análise teve o cuidado de situar Portugal no contexto internacional em termos tecnológicos, recuando para isso aos anos 1940.

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O primeiro capítulo apresenta o nascimento do campo a nível internacional, nomeadamente os desenvolvimentos ocorridos na academias das ciências da computação e depois o desenvolvimento industrial. No segundo capítulo inicia-se uma breve resenha sobre o nascimento da área da informática em Portugal de modo a tentar perceber porque é que o primeiro jogo nacional aparece apenas nos anos 1980, por oposição às primeiras experiências internacionais datadas dos anos 1950, 1960 e 1970. Neste capítulo são ainda apresentados os vários pioneiros nacionais, tanto no campo do desenvolvimento de microcomputadores como no que refere aos primeiros jogos e primeiros sucessos nacionais. No terceiro capítulo saímos dos microcomputadores, e entramos no desenvolvimento para PC e que prossegue no capítulo quatro. Neste quarto capítulo dá-se conta do surgimento de alguns dos primeiros motores de jogos nacionais e das primeiras estruturas nacionais de criação de comunidade com interesse



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partilhado pelos videojogos. Apresentam-se assim as primeiras equipas de desenvolvimento amadoras e dá-se a conhecer o trabalho nobre do fórum GameDev-Pt capaz de potenciar a partilha de informação entre as várias pessoas que trabalhavam em empresas da área e a comunidade estudantil. No capítulo cinco apresenta-se a primeira fase dos jogos para telemóvel antes do aparecimento do iPhone. Depois o sexto capítulo apresenta o fervilhante mundo do desenvolvimento online que levaria ao surgimento de mais de duas dezenas de empresas especializadas no desenvolvimento exclusivo de videojogos ao longo da primeira década dos anos 2000. Tendo em conta os desenvolvimentos ocorridos com o online o acesso às consolas era uma questão de tempo e é isso que se demonstra no capítulo sete, apresentando-se os primeiros falhanços e o caminho árduo percorrido para chegar à publicação final numa grande consola (PS3), conseguido pela Seed Studios em 2011 com Under Siege. Finalmente no capítulo oito apresentam-se todos os grandes desenvolvimentos e alterações no mercado de distribuição produzidos pelo surgimento das App Stores da Apple e Google. O relato histórico termina na nova geração da distribuição móvel mas a análise desse mercado e dos problemas da indústria nacional assim como alguns números e a cronologia da nossa história são apresentadas no texto de fecho do livro, a conclusão, intitulada “Quem somos e o Futuro”. Esperemos que todo este trabalho sirva na agregação e tomada de conhecimento do que somos e do que podemos fazer como país e como indústria. O nosso potencial é enorme.

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Capítulo 1

Nascimento dos Videojogos Se eu não o tivesse feito, outra pessoa qualquer teria feita algo igualmente excitante, se não ainda mais, nos seis meses seguintes. Simplesmente aconteceu eu chegar lá primeiro. Steve Russell

1.1 A Inevitabilidade Tecnológica

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Não é possível definir exactamente quem criou os videojogos, ou quem criou o primeiro videojogo. Primeiro porque a própria ideia de jogo já existia antes de chegar ao formato digital. Ou seja, a ideia de criar objetos lúdicos não surge com a tecnologia digital, esta é antes uma extensão da actividade ludológica. Uma atividade que vem desde os primórdios da produção de cultura e tecnologia por parte dos seres humanos. Segundo porque como nos diz Kevin Kelly, em What Technology Wants? (2010), o processo natural da evolução tecnológica, leva a que cada nova tecnologia surja como uma inevitabilidade, como que empurrada pelas tecnologias que a precedem. Neste caso os videojogos estão intimamente ligados ao aparecimento da computação, mas mais do que isso, são fruto de um caldo combinatório de quatro ciências base: a Matemática, a Electrónica, a Computação e a Comunicação. Antes de se tornarem uma realidade jogável os jogos começaram por aparecer em esboços de ideias no papel. Em 1945 Vannevar Bush escreve o texto “As We May Think” onde lança a ideia central daquilo que viria a ser conhecido mais tarde como hipertexto, hipermedia, media interactivos. É um texto fundamental na história da computação porque está na base de toda a lógica que precede o funcionamento da rede, e do potencial do cruzamento de informação entre bases de dados através da máquina. Bush o que fez foi identificar o modo como o nosso cérebro atua sobre a informação que recebe, como a processa, e tentou imaginar como seria uma máquina a fazer o mesmo, daí o título do artigo. Esta ideia está assim na base de qualquer sistema interactivo entre o homem e a máquina desde os videojogos, aos motores de busca. Em 1947 os físicos americanos Thomas T. Goldsmith Jr. e Estle Ray Mann submeteram a primeira patente1 de um sistema electrónico de diversão chamado de Cathode-Ray Tube Amusement

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patente pode ser consultada no Google Patents (http://www.google.com/patents?vid=2455992)

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Device (Figura 1.1). Existe a discussão sobre o real valor deste experimento enquanto videojogo, e a razão pela qual se coloca a hipótese deste projeto na análise histórica, é dupla: a primeira explicação surge do facto do projeto ter sido patenteado e por isso ter sobrevivido, diferentemente de muitas outras invenções que desapareceram; a segunda razão porque faz uso de um tubo de raios catódicos, o elemento base do ecrã de televisão.

Figura 1.1 Simulação gráfica de um tubo de raios catódicos.

Da nossa análise não consideramos que este experimento se possa enquadrar na definição de videojogo, porque se trata de um brinquedo mecânico, ou seja não existe qualquer suporte à programação do aparelho, o que limita os níveis de interatividade à mera reatividade. O jogador simplesmente ajusta uns pequenos botões de voltagem que permitem ajustar os raios de luz no interior do tubo, na tentativa de tentar atingir com a luz um alvo impresso no vidro. Apesar de fazer uso de um tubo de raios catódicos, como poderão ver na imagem acima, isso não faz do sistema, um ecrã gráfico. Deste modo podemos apenas considerar esta invenção como um brinquedo, ainda que electrónico. Aliás, bastaria olhar para o nome dado à patente, para se ficar com esta ideia mesmo. Conhecemos este artefacto hoje apenas através da sua patente registada nos arquivos americanos, não existe qualquer máquina sobrevivente dessa altura, nem mesmo uma implementação simulada da experiência que nos permita aferir o real valor do esboço patenteado. Deste modo, este projeto serve-nos hoje, enquanto artigo que explica o possível processo de criação de um sistema electrónico de diversão. Aliás do mesmo modo que o inglês Alan Turing criaria no ano seguinte, em 1948, um programa informático, apenas escrito em papel, para simular um jogo de xadrez jogado por uma máquina.

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Nesse ano de 1948 Norbert Wiener lança o livro seminal “Cybernetics, or control and communication in the animal and the machine” que vai pegar na teorização de Vannevar Bush e levá-la mais longe, procurando perceber não apenas o espírito associativo entre a informação presente na base de dados, mas antes o modo como o indivíduo se vai relacionar com a máquina. Aliás neste livro Wiener tem um capítulo dedicado a descrever como é que o jogo de xadrez poderia ser programado através de uma função de pesquisa e de avaliação. Wiener era um matemático, mas ao abrir este novo campo de estudos da cibernética, estava a criar todo um novo campo que hoje designamos por Ciências da Comunicação. Ou seja, este capitulo é relevante no sentido em que vai lançar as bases para análise, compreensão e consequente melhoria do design da relação entre o jogador e o jogo. Em 1950 Alan Turing, depois do seu programa de xadrez não implementado, escreve o seu mais importante artigo “Computing machinery and intelligence” no qual apresenta o chamado algoritmo de Turing, popularmente imortalizado no filme Blade Runner (1982), e que pretendia responder à questão: “podem as máquina pensar?” Este é um passo muito importante na computação porque abre todo um novo domínio, o do estudo da Inteligência Artificial (IA), tornando-se assim fulcral no nascimento dos jogos. Tirando os jogos em que o computador pode estar a servir de mero mediador entre seres humanos, a experiência dos videojogos depende sempre da existência de um opositor virtual, que é a máquina. Para tal esta precisa de ser capaz de reagir às ações do jogador e logo possuir, ainda que de forma básica, um qualquer sistema de inteligência.

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Ainda neste mesmo ano Claude Shannon, o matemático que viria a definir o primeiro modelo de análise das ciências da comunicação, publica o artigo "Programming a Computer for Playing Chess". Turing tinha já feito uma experiência simulatória em papel em 1947, mas aqui Shannon define a algoritmia por detrás de uma possivel implementação do jogo xadrez. Será baseado neste algoritmo de Shannon que Arthur Samuel virá a implementar um dos primeiros programas informáticos do Jogo de Damas, para correr num IBM 701 em 19522. Interessante perceber que foi também neste ano de 1952 que A.S. Douglas fez a primeira implementação, conhecida, do Jogo do Galo num computador. Nought and Crosses ou simplesmente 0X0 (Figura 1.2), foi criado num dos primeiros grandes computadores da história da informática, o ESDAC, percursor britânico do americano ENIAC. O seu objectivo era demonstrar questões de Interação Humano-Computador no âmbito do seu projeto de

Mais informação sobre algoritmo do programa de damas e os objetivos dos estudos podem ser consultadas no livro: Sutton, R., Barto, A., (1998), "Reinforcement Learning: An Introduction", MIT Press, Cambridge, A Bradford Book 2



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doutoramento. Em termos de objeto de jogo, regras ou arte, o jogo do galo, nada mais era do que a simples emulação do jogo de tabuleiro já existente. O artefacto era constituído por um ecrã com uma resolução gráfica de 35×16, e o controlador das ações do jogo, ou por onde se inseriam as jogadas, era um comum disco de números de telefone analógico. Na Figura 2 podemos ver uma emulação totalmente gráfica do sistema. A inovação introduzida advinha do lado da IA, do facto de o jogador poder passar a jogar sozinho, ou melhor, contra uma máquina, não precisando de um segundo humano para jogar. Não era apenas o jogar sozinho, mas era jogar contra algo "inteligente", algo que podia ler as jogadas do jogador, "aprender", e jogar de acordo com as mesmas, assim como com as expectativas das próximas jogadas. Ou seja, não se tratava da máquina apenas ir colocando cruzes nos espaços vazios de modo aleatório, mas tinha de o fazer em consequência, ou seja criando um verdadeiro ciclo de interactividade entre o jogador e a máquina.

Figura 1.2 Emulação em PC, do videojogo Nought and Crosses (1952) de A.S. Douglas.

Este videojogo demorou algum tempo a chegar ao conhecimento público, porque para além da máquina ser enorme, praticamente inamovível, existiam também poucos computadores iguais aonde se pudesse correr o jogo, daí que tenha apenas ficado no conhecimento de quem assistiu à defesa de doutoramento de AS Douglas, e que provavelmente estava mais atento às questões de IA do que propriamente da criação de um pequeno jogo do galo. Em 1958 William Higinbotham, diretor da divisão de Instrumentação do Brookhaven National Laboratory, cria algo verdadeiramente novo em termos de jogo, apesar da sua representação gráfica continuar a evocar um jogo tradicional. Aliás o próprio nome dado ao jogo, Tennis for Two, (Figura 1.3) é levado nesse sentido. Contudo o que aqui temos é a criação de algo a partir

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da imposição tecnológica, ou seja o artefacto até se pode assemelhar ao jogo de ténis, mas na verdade é um objeto lúdico completamente novo.

Figura 1.3 Imagem da exposição realizada em 1958, onde se pode ver destacado Tennis for Two.

Aliás a ideia de Higinbotham não terá partido do desporto de Ténis, mas antes das visualizações dos cálculos de balística que eram realizados no laboratório com computadores analógicos e que se serviam dos monitores dos osciloscópios para apresentação das representações gráficas. Com as instruções para a representação de balística e mísseis, criou toda uma nova representação gráfica, que lembrava um jogo de ténis, e construiu dois controladores para controlarem, as balas, ou melhor a bola.

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A sua ideia foi criar algo que permitisse às pessoas interagir de perto com a tecnologia exposta nas visitas anuais à exposição organizada pelo laboratório, que normalmente estava mais centrada na apresentação de cartazes e maquinaria, sem qualquer interação. Higinbotham centrou-se na ideia de tornar a exposição mais divertida, “it might liven up the place to have a game that people could play, and which would convey the message that our scientific endeavors have relevance for society"3. Desse modo a apresentação de Tennis for Two aconteceu em 18 de Outubro de 1958, tendo levado à criação de filas com centenas de pessoas que desejavam também sentir aquela nova experiência. Estava criada a semente para uma nova arte.

Notas de William Higinbotham disponivilizadas (http://www.bnl.gov/bnlweb/history/linkable_files/HiginNotes.pdf) 3



pelo

Brookhaven

National

Laboratory

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Ao contrário de 0X0, o que é novo não é o processamento da máquina, aliás continuamos a precisar de dois seres humanos como no jogo físico. O que é novo é o facto de termos um artefacto electrónico a mediar uma experiência lúdica entre dois seres humanos. Não precisamos de correr, ou investir fisicamente, para obter a experiência cognitiva do ténis, podemos fazê-lo pela primeira vez de uma forma totalmente simulada. Uma simulação que por ser mediada pela tecnologia, que decorre em tempo real, e consegue aproximar a experiência simulada ao real. Em termos históricos interessa ainda salientar que esta inovação de Higinbotham representa a semente original daquilo em que viria tornar-se a real indústria dos videojogos. Ou seja este seu artefacto viria a ser mais tarde emulado por Raph Bauer, e depois novamente por Nolan Bushnell e Allan Alcorn criando assim o primeiro grande sucesso da arte dos videojogos, Pong (1972). Apesar de Raph Baer autodenominar-se o inventor do conceito de Pong, isso não é propriamente assim, como podemos aferir pelos dados apresentados, que acabam por mais uma vez dar razão à "inevitabilidade tecnológica". Nos anos 1959 a 1961 uma equipa de investigadores do MIT - Wayne Witanen, J. Martin Graetz e Stephen R. Russell - todos com cerca de 25 anos, começaram por explorar a criação de videojogos no computador TX-0. Terão desenvolvido no sistema TX-0, dois jogos, Mouse in the Maze e Tic-Tac-Toe (Graetz, 1981). No primeiro desenhávamos um labirinto com a caneta no ecrã, e espalhávamos os queijos pelo labirinto, e depois competia ao rato encontrar os queijos. O segundo era o normal jogo do galo, já implementado por Douglas como vimos antes. Não existiu qualquer publicação dos jogos, nem foram emulados depois disso, ou seja não possuímos nenhuma informação que demonstre os jogos, assim como não existe qualquer imagem.

Figura 1.4 Spacewars no PDP-1.

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Mas foi quando chegou a laboratório destes investigadores, no MIT, a primeira máquina PDP-1 em 1961 (Figura 1.4), que algo de extraordinário na história dos videojogos aconteceu. Esta equipa já com algum treino na criação de jogos no TX-0, decidiu traçar objectivos para o uso da potencia do novo PDP-1, para tal definiram os seguintes parâmetros para a criação de uma nova aplicação informática (Graetz, 1981): n n n

Deve demonstrar o máximo de recursos do computador possíveis, e levar esses recursos ao limite; Fazendo uso de um quadro de trabalho, deve ser interessante, no sentido em que cada vez que se usa deve ser diferente; Deve envolver o interactor de um modo activo e prazeroso - em síntese, deve ser um jogo.

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Ou seja, Spacewar (1962) (Figura 1.5) vai nascer do impulso tecnológico e da vontade exploratória de maximizar essa tecnologia, o que poderá ter sido responsável pela forma como o videojogo surge numa direcção explicitamente nova e diferente de qualquer objeto lúdico que existia até àquele momento. Mas não só, pela primeira vez um jogo não nasce da influência de outro jogo tradicional, mas antes de um conjunto de elementos culturais, nomeadamente literários. J. Martin Graetz refere como grande influência no desenho de Spacewar, a obra The Skylark of Space (1946) de Edward E. Smith. Uma obra de ficção científica escrita nos anos de ouro da FC literária, tendo primeiro sido publicada pela Amazing Stories, e só depois mais tarde agregada em formato de livro.

Figura 1.5 Spacewars (1962) de Steve Russel



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O gameplay de Spacewars consiste em cada jogador controlar uma nave nas extremidades do ecrã, com uma estrela no centro que exerce uma força de gravidade sobre as naves, e ao mesmo tempo protege dos tiros do outro jogador. Ou seja os jogadores precisam de evitar a força de gravidade da estrela que os atrai e destrói, e ao mesmo tempo evitar ser morto pelo outro, assim como precisam de matar o outro para ganhar o jogo. Em termos históricos e técnicos, temos uma fusão entre OXO com a máquina a ser capaz de reagir de forma inteligente à interacção do jogador, mas temos ao mesmo tempo o uso do multiplayer, com dois jogadores, como já nos tinha sido apresentado em Tennis for Two. Spacewar seria depois emulado em 1971 por dois jogos, Computer Space, de Nolan Bushnell, e Galaxy Game de um grupo de estudantes de Stanford. Ambas as emulações foram realizadas com o intuito de criar uma máquina operada por moedas. Ainda que no caso de Computer Space a tecnologia de base fossem os chips TTL e no caso de Galaxy Game fosse um PDP-11/20. Passados 20 anos sobre 0X0, 1972 vai tornar-se um ano charneira para o mundo dos videojogos através de duas marcas, a Magnavox Odyssey da Sanders, criada a partir de um protótipo de Raph Bauer, e a Atari de Nolan Bushnell, e claro o videojogo Pong. A Magnavox aparece como um novo conceito de máquina de jogos para o lar (Figura 1.6), uma máquina capaz de apresentar vários jogos, e que se podia ligar a um qualquer aparelho de televisão. Associado a isto, o seu preço acessível ($99 em 1972) vai fazer com que esta se transforme na primeira geração de consolas de videojogos. Ao mesmo tempo surge a Atari, a primeira empresa comercial de produção de videojogos para salão.

Figura 1.6 Pessoas a jogar Table Tennis na Magnavox Odyssey.

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Assim neste ano, a Magnavox é lançada com um primeiro cartucho de jogos que continha um jogo chamado Table Tennis. E a Atari lança Pong como máquina de jogos de salão (Arcade). A Magnavox é um sucesso, mas Pong é um sucesso ainda maior à escala global. Raph Bauer e a Sanders não gostaram, como tal resolveram processar a Atari por plágio no caso de Pong. Na verdade Bushnell tinha estado presente na feira de apresentação da Magnavox, e jogou Table Tennis, como prova disso, deixou a sua assinatura no livro de convidados da feira. Além disso Allan Alcorn dirá que Bushnell só teve a ideia depois de ter visto Table Tennis. De Raph Bauer.

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Apesar de tudo isto, do nosso lado e apesar de aceitarmos o valor da Magnavox Odyssey, não vemos muito bem esta acusação de plágio. Primeiro porque como já vimos, nem o conceito em Pong, nem o de Table Tennis da Magnavox eram novos. Não podemos esquecer que 14 anos antes Higinbotham tinha criado Tennis for Two. Aliás o processo esteve em tribunal, e Higinbotham foi chamado a depor, mas o processo acabou por ser decidido por acordo entre as partes à margem do tribunal, como se pode ler numa das notas deixadas por Higinbotham4. Com este processo ganho a Magnavox passou a receber direitos de todas as empresas que faziam clones de Pong. Mais tarde a Nintendo tentou rebater a autoria, alegando o caso do jogo Tennis for Two de Higinbotham, mas sem sucesso. O tribunal considerou que o facto de Tennis for Two ser jogado numa plataforma analógica, não podia ser comparado com um jogo numa plataforma digital.

Figura 1.7 Pong (1972) de Nolan Bushnel e Alan Alcorn

Mas mais interessante que os detalhes legais, é perceber que Pong era todo um artefacto desenhado a pensar na experiência do jogador, muito além das experiência básica gerada por Tennis for Two ou Table Tennis. Allan Alcorn foi o engenheiro responsável por desenvolver Pong

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Idem

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na Atari, e foi quem acabou por aperfeiçoar a ideia de jogo que Nolan Bushnel queria criar. Alcorn introduziu três variações essenciais: 1.

Dividiu a pá da raquete em 8 secções, o que permitia atribuir diferentes ângulos de retorno à bola consoante a zona da raquete em que a bola batia. 2. A bola acelerava quanto mais vezes fosse batida entre as raquetes, sendo a sua velocidade reiniciada sempre que se perdia. 3. Introduziu um sistema de pontuação. Na California, graças à capacidade das Universidades americanas em transferirem tecnologia para a sociedade, e graças ao grande empreendedorismo dos seus cidadãos, começava a emergir Silicon Valley, a cidade dos computadores. A Atari recebia Steve Jobs em 1974, que sob o comando de Alcorn e com a ajuda de Steve Wozniak iria desenhar Breakout em 1976. No ano seguinte Steve Jobs saiu da Atari, para criar a Apple. A Apple por sua vez tinha como director de marketing, Trip Hawkins, que em 1982 saiu para criar a Electronic Arts. Nos dias de hoje Silicon Valley, é a sede da Atari, Electronic Arts, Apple, Microsoft, Adobe, IBM, IDEO, AMD, Intel, Cisco, Ebay, HP, Facebook, Google, Nvidia, Oracle, entre muitas outras.

1.2 Dos TTL aos Microprocessadores 1971 é um ano central na história do nascimento dos videojogos por duas razões: 1) a ocorrência da primeira comercialização de um videojogo, Computer Space, de Nolan Bushnell e Ted Dabney; 2) e o aparecimento da primeira máquina de jogos a moedas, na qual se podia jogar Computer Space. Mas esta data é também importante, por ser o ano em que surge o Microprocessador, o 4004 da Intel. Ainda que o seu impacto nos videojogos se tenha começado apenas a sentir mais tarde, este ano marca o surgimento de um dos elementos mais importantes na criação e desenvolvimento da indústria dos videojogos tal como a conhecemos hoje. A base de toda a electrónica moderna está baseada no pilar único do componente designado de transístor. O transístor é um pequeno componente bastante simples capaz de alternar a passagem de corrente eléctrica (ligado ou desligado, isto é 0 ou 1). Mas para o aparecimento do microprocessador ainda foi preciso criar um segundo componente essencial da electrónica, o chip. O chip era um circuito integrado que permitia soldar inúmeros transístores numa placa única de silício, e assim reduzir o tamanho e consumo de energia, permitindo associar mais transístores, ou seja aumentar a quantidade de processamento ou cálculo associado às máquinas.

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Antes do aparecimento do microprocessador já tínhamos computadores que eram desenvolvidos sobre uma base de circuitos integrados numa lógica simples de transístor a transístor, os chamados TTL. Estes por sua vez podiam ser programados por software, mas a capacidade de resposta dos sistemas era mais lenta, do que quando os sistemas eram programados em hardware, ou seja em que os módulos de TTL eram escolhidos de acordo com a função final esperada da máquina. Mas os transístores eram caros, e por isso tinham de ser utilizados no mínimo número possível, obrigando a reduzir as máquinas de jogos apenas ao verdadeiramente essencial em termos de TTL. Tendo em conta que uma máquina de salão não precisava de realizar todas as funções de um computador genérico, esta redução era significativa, mas tinha o problema de obrigar a que cada nova máquina de jogos fosse desenhada de acordo com as necessidades do jogo em questão.

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Foi isso que aconteceu por exemplo na célebre história dos transístores do jogo desenhado por Steve Jobs e Steve Wozniak para a Atari. Nolan Bushnell terá chamado Steve Jobs para este implementar uma variante de Pong (1972), o jogo Breakout (1976), e terá proposto a Jobs um bónus por cada placa TTL transístor a menos que conseguisse abaixo das 50. Os sistemas de jogos dessa altura usavam em média entre 70 a 170 transístores, mas Bushnell conhecia Steve Wozniak o amigo de Jobs, que já lhes tinha mostrado um desenho para um circuito do jogo Pong em que este tinha conseguido reduzir acentuadamente o número de TTL usados pela Atari. E foi assim que Wozniak conseguiu apresentar um desenho para o circuito de Breakout que precisava de apenas 46 transístores. Para a história, ficou o facto de Jobs nunca terá revelado a Wozniak a existência desse bónus, e nunca ter dividido o bónus com ele. A passagem dos TTL para os microprocessadores era essencial, porque sem isso continuaríamos presos ao paradigma, uma máquina um jogo, o que tornava todo o processo industrial muito limitado. Mas os microprocessadores de 4 bits tinham um processamento ainda bastante insuficiente, foi necessário esperar pela segunda geração de 8 bits para poder dispor de um conjunto suficientemente de instruções de linguagem máquina. Em meados dos anos 1970 vai começar a desenhar-se uma das guerras mais duradouras de sempre da tecnologia informática, a divisão entre os processadores da Intel e da Motorola. Mais especificamente a Intel com o seu 8080 de 8bits, e a Motorola com seu 6800 também de 8 bits. Ao longo de várias décadas a Intel irá equipar os computadores da IBM desde o seu Personal Computer em 1981, enquanto a Motorola funcionará como base da Apple a partir do Lisa em 1983. Mas no final dos anos 1970 ambos estes processadores eram demasiado caros para serem utilizáveis pela indústria de videojogos entre outras, o que faz surgir no mercado concorrentes a metade do preço. Assim para o Intel 8080, surge o concorrente, Zilog 80 (1976), ou só Z80, enquanto para concorrer com



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o Motorola 6800, surge o MOS Technology 6502 (1975). Não que não tenham existido jogos a ser equipados com o Intel 8080, mas terão sido poucos, e desses destaca-se o mais conhecido, Space Invaders (1978) da Taito. A grande maioria dos restantes jogos passaram a utilizar uma das duas opções mais baratas, o Z80 era por exemplo utilizado para Pac-Man (1980), e o MOS 6502 era utilizado para construir Asteroids (1979). A concorrência do Z80 e MOS 6502 gerou um conturbada guerra com os impérios instalados da Intel e da Motorola, como se pode ver pelo anúncio da Figura 1.8, mas o mercado não perdeu muito tempo com isso. Para além disso como o Z80 tinha sido feito por engenherios que tinham trabalhado no Intel 8080, alguns dos problemas vinham melhorados, e o processador conseguia mesmo ser mais rápido, mantendo a vantagem de ser totalmente compatível em termos de instruções de Assembler com o Intel 8080. O Z80 iria assim tornar-se num dos microprocessadores mais populares dos 8-bits, sendo usado nos Sinclair ZX80, ZX81, ZX Spectrum, no Timex Computer 2048, no Amstrad CPC e ainda no Nintendo Game Boy.

Figura 1.8 Cartaz publicitário do Z80 que refere a guerra aberta com o Intel 8080

Pelo seu lado o MOS 6502 saiu para o mercado com um preço tão competitvo, 1/6 dos 8 bits da Motorola e Intel, que tornou possível o sonho do Personal Computer de um dia para o outro. Steve Jobs adoptou-o para o Apple I e II, o BBC Micro Family também o utilizou, a Comodore equipou o PET (Personal Electronic Transactor), seguido do VIC-20 e do seu mais famoso modelo de sempre, o Comodore 64. Do lado das consolas à Atari 2600, seguiu-se a Nintendo Famicon e depois a NES.

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Videojogos em Portugal

1.3 A revolução que veio de Inglaterra Os microprocessadores foram criados em Silicon Valley nos EUA, mas a revolução da indústria de criação e desenvolvimento de videojogos veio de Inglaterra, mais concretamente lançada por um senhor chamado Clive Sinclair, e em parte fortemente estimulada pelo emblemático projeto britânico da BBC sobre Literacia dos Computadores (BBC Computer Literacy Project). Clive Sinclair foi precoce em invenções, na busca por novas respostas, novas soluções para problemas efetivos. Marcou vários momentos na história britânica com as suas invenções, e criou fortunas com isso. Mas o momento mais alto da sua história, foi muito para além das fronteiras do seu país, criando um grande impacto internacional e fazendo com que o seu nome ficasse para sempre ligado à história da informática e dos videojogos, sob a forma de um pequenino computador, o ZX Spectrum. Em 1977 Sinclair cria a empresa Science of Cambridge Ltd, e através dessa lança em 1978 o seu primeiro microcomputador em forma de kit, o MK14. Este kit tinha sido desenvolvido sob o comando de Chris Curry, era feito a partir de um produto anterior do Sinclair, uma calculadora de pulso, com recurso ao microprocessador SC/MP da National Semiconductor. Curry queria continuar a melhorar o MK14, mas Sinclair não estava muito interessado porque estava a trabalhar num projeto maior, por isso Curry saiu para criar a sua própria empresa e lançar a sua própria máquina. Deste modo Curry lança o seu primeiro computador, o Acorn Microcomputer em 1979, e Sinclair lançaria o ZX-80 apenas em 1980.

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Em 1980 a BBC dava início a um grande projeto nacional sobre literacia para os computadores. Para isso precisava de um computador que pudesse ser adquirido massivamente pelas escolas britânicos, algo do tipo do Magalhães português. Fez então uma lista das especificações que achavam ser necessárias para o projeto que tinham em mente, e lançaram um concurso. A esse concurso compareceram as empresas de Sinclair e de Curry, e Curry acabaria por levar a melhor5.

Esta guerra entre dois pequenos génios da microinformática é de tal forma emblemática na história britânica que em 2009 a BBC criou uma dramatização dos eventos em jeito de documentário, Micro Men (2009) realizado por Saul Metzstein. 5



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Figura 1.9 BBC Microcomputer (1981)

Assim em 1981, quando a Sinclair lançava o seu ZX-81, a BBC e Chris Curry lançavam o BBC Microcomputer (Figura 1.9). O BBC Micro chegaria a 80% das escolas britânicas, e seria responsável por uma das maiores campanhas de sempre de literacia informática, contribuindo fortemente para a criação do interesse em informática nos jovens ingleses. Deste modo quando em 1982 o ZX Spectrum (Figura 1.10) sai para o mercado, o potencial público os jovens adolescentes, estava preparados para o receber, e mais do que isso, estavam desejosos de possuir uma máquina com aquelas características e por aquele preço.

Figura 1.10 ZX Spectrum (1982)

O ZX Spectrum iria desencadear uma tal febre de criação de conteúdos, e principalmente videojogos em Inglaterra, que rapidamente se espalharia pelo resto da Europa, chegando a Portugal em 1983. Ou seja, o sucesso alcançado pela máquina na Europa, não se deveu à

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máquina em si, mas antes ao software que era criado pelos adolescentes britânicos. Não era apenas criado em quantidade, mas em qualidade. Enquanto a Sinclair Research se preocupava com conteúdos que pudessem competir com o BBC Micro no campo da educação ou da informatização de serviços, os adolescentes estavam mais preocupados em simular os jogos que jogavam nos salões de jogos e em ganhar reconhecimento da comunidade com isso. Nascia aqui um dos mais importantes alicerces da criatividade digital comunitária, algo que foi preciso esperar vinte anos para voltar a ver florescer com tanta força, falamos da Web 2.0. Em demonstração deste poder criativo comunitário que estava nas mãos dos adolescentes, repare-se como apesar da Sinclair ter lançado no mercado um sistema de memória chamado ZX Microdrive, muito superior às cassetes de áudio, as pessoas continuaram a utilizar as cassetes e a drive acabou por cair no esquecimento. Isto porque era muito mais fácil distribuir massivamente por toda a Europa numa cassete audio, que qualquer um podia duplicar em poucos minutos, num qualquer gravador de cassetes. Ou seja, como podemos ver aqui, a chamada ilegalidade ou pirataria se assim quiserem definir a prática, foi a grande responsável pelo sucesso dos videojogos do ZX Spectrum. Sem um sistema tecnologicamente básico, de acesso muito alargado, seria impensável distribuir por toda a Europa milhares de jogos feitos por centenas de adolescentes diretamente a partir das suas casas e sem intermediários institucionais. Não podemos esquecer que em 1982 não existia internet na casa das pessoas ainda, por isso a distribuição tinha de ser feita por correio físico, começava nos pátios das escolas, passava pelas fanzines e podia chegar mais tarde às revistas da especialidade.

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A.

B.

C.

Figura 1.11 A. Manic Miner (1983), B. Chuckie Egg (1983), C.Jet Set Willy (1984)

Alguns dos jogos mais famosos de sempre do ZX Spectrum, e da história dos videojogos foram criados por adolescentes ingleses com idades entre os 14 e os 18 anos. Matthew Smith de Wallasey (Inglaterra) cria com 17 anos, Manic Miner (1983), e no ano seguinte Jet Set Willy



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(1984); Nigel Alderton (Inglaterra) com 16 anos cria Chuckie Egg (1983): Philip e Andrew Oliver (Inglaterra) com 17 anos criam Super Robing Hood (1986) e lançam a série Dizzy (1986) (Figura 1.11). A realidade não era diferente no campo do software de design de jogos. Existia um espírito de mútua compreensão por parte da comunidade, na qual quem sabia programar muito bem criava pacotes de software para que outros, os que não sabiam programar pudessem criar também os seus próprios jogos. E é assim, de forma totalmente amadora e comunitária que vão nascer os primeiros pacotes de software de authoring multimédia. Um tipo de software que permite criar artefactos a partir da integração de vários elementos distintos: programação, imagens, texto e som.

Figura 1.12 Games Designer (1983) capa da cassete, e capturas de ecrã.

Existe alguma discussão sobre o primeiro software do género. Porque a Electronic Arts, acabada de criar em 1982, lançou nesse ano Pinball Construction Set, desenhado por Bill Budge para o Apple II. Mas na verdade isto não passava de um jogo no qual se podia variar um pouco o posicionamento dos objectos no tabuleiro de pinball. No fundo falamos de um jogo com opções muito limitadas de transformação do gameplay. Assim o primeiro sofware ao qual poderemos chamar de verdadeira plataforma de criação de novos jogos para não programadores, é para nós, Games Designer, criado em 1983 por John Hollis para o ZX Spectrum. Apesar de se apresentar com oito jogos predefinidos como modelos (Attack of the Mutant Hamburgers, Cyborg,

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Reflecttron, Turbo-Spider, Tanks a Lot, Halloween, Splat and Qbix), era possível remisturar todos elementos e criar novos modelos a partir dos existentes. Sobre este tipo de novos softwares John Gilbert escrevia na Sinclair User em Fevereiro de 1984 que "o clube de elite [dos criadores de jogos em código máquina] foi quebrado por várias companhias de software que produziram pacotes nos quais até os iniciantes podem produzir competentes jogos de arcade e aventura. Esses pacotes contém rotinas de código máquina que podem ser manipulados para produzir os sons e imagens necessárias à criação de jogos (..) o seu uso está apenas limitado pelo engenho do criador".

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Figura 1.13 Capas das cassetes de The Quill e The Illustrator.

Por estes anos foram vários os pacotes de software que emergiram na área, dada a natural existência de apetência pelo desenvolvimento de jogos, mas incapacidade ou falta de know-how para o fazer em termos de programação. Nesse sentido um dos mais populares, e utilizado para fazer mais de 500 jogos comerciais6, foi The Quill Adventure System criado por Graeme Yeandle no final de 1983. Inicialmente criado como software de criação de aventuras em texto, mas para o qual Tim Gilberts criaria em 1984, o add-on The Illustrator por forma a possibilitar a criação de aventuras gráficas.

Todos os 500 jogos criados com The Quill podem ser vistos na página do software no site World of Spectrum (http://www.worldofspectrum.org/infoseekid.cgi?id=0006857). 6



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Figura 1.14 Capas das cassetes de The Quill e The Illustrator.

Em 1985 surge um outro pacote de carácter mais profissional e amadurecido, The Graphic Adventure Creator por Sean Ellis. Mais avançado que The Quill em termos de possibilidades de comandos, e com interface gráfica já integrada. Responsável pela criação de mais de 130 títulos7, seria utilizado em Portugal por José Antunes para criar o primeiro jogo a ser registado na Direcção Geral dos Espetáculos e do Direito de Autor, do qual falaremos no Capitulo 2. A revista Crash de Setembro de 1986 fazia a apologia da mesma, ditando o fim de Quill, sem contudo deixar de avisar quem desejasse criar jogos. "Graphic Adventure Creator é um pacote de escrita sofisticada de aventuras (..) A única coisa que precisa de se lembrar é que não importa o quão bom é o utilitário, você não vai criar bons jogos a menos que tenha a imaginação para escrever algo emocionante e divertido, e ter o desejo de obter o melhor do programa. Jogar uma aventura escrita em GAC pela primeira vez é uma experiência e tanto."8

RESUMO Ao longo deste capítulo ficámos a conhecer o modo como os videojogos surgiram, as suas limitações iniciais e a sua evolução. Falámos do processo evolutivo ocorrido com a passagem dos TTL para o microprocessador, e procurámos ainda descrever os eventos em Inglaterra relacionados com Clive Sinclair o criador do Zx Spectrum. Finalmente foram apresentadas algumas das ferramentas criadas por alguns jogadores para que outros pudessem criar também os seus próprios jogos.

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Todos os mais de 130 jogos criados com GAC podem ser vistos na página do software no site World of Spectrum (http://www.worldofspectrum.org/infoseekid.cgi?id=0006391) 8 Informação online em http://www.worldofspectrum.org/infoseekid.cgi?id=0006391

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Capítulo 2

Os Pioneiros Nacionais [1970-1990] Nos anos 1970 iniciam-se em Portugal as primeiras licenciaturas em Informática e com estas abre-se o interesse pela informática a uma mais vasta população que nos anos 1980 vai passar a ter acesso a microcomputadores em casa e com os mesmos poder começar a desenvolver ideias que até ali apenas podia sonhar ou escrevinhar num papel sem consequência.

2.1 Cultura Informática A cultura informática aparece aqui como uma necessidade inicial de recuar o mais possível na história nacional de modo a encontrar o primeiro sistema que pudesse ter servido ao lançamento do primeiro videojogo nacional. Desse modo fomos levados a estudar os trabalhos publicados pelo Museu Virtual de Informática (Almeida, 2008), uma enciclopédia da história nacional de informática criada por Fernandes de Almeida e sediada no Departamento de Sistemas de Informação da Universidade do Minho. Para além deste museu foram ainda consultados os livros “Memórias das tecnologias e dos sistemas de informação em Portugal” de Eduardo Beira e Manuel Heitor e “Protagonistas das Tecnologias de Informação em Portugal” de Eduardo Beira, e ainda o artigo “Engenharia Informática, Informação e Comunicações” de António Dias Figueiredo que apareceu no livro “A Engenharia em Portugal no séc. XX” de Manuel Heitor. Desta análise ficamos a saber que a informática está presente em Portugal desde bastante cedo, tendo sido o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) responsável por importar as primeiras máquinas, a partir de 1957 (ex. IBM 602-A, IBM-604, NCR Elliot 803), o mesmo ano em que a RTP iniciou as suas emissões regulares. O Stantec-Zebra chega ao LNEC em 1959 e é utilizado por J. Ferry Borges para realizar cálculos inovadores no âmbito da concepção da Ponte 25 de Abril. Um facto depois aproveitado pela empresa para promover o poderio de cálculo da própria máquina como se pode ver na Figura 2.1.

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Figura 2.1 Capa do artigo “Computer Analysis of Structures” (1961) de J. Ferry Borges publicado pela britânica “Standard Telephones and Cables Limited”.

Em 1967 é instalado um grande computador, o NCR 4100, na Universidade do Porto, e outro na Fundação Calouste Gulbenkian. No ano seguinte Raul Verde lança o primeiro livro português sobre Informática, “Computadores Digitais”. Em 1974, o LNEC cria a divisão de informática e aí instala o PDP-10, uma máquina popular entre as Universidades internacionais da altura. Aliás tal como vimos no primeiro capitulo, Space2ars de Steve Russell foi criado num PDP-1 em 1961. Em termos universitários em 1975 a Universidade Nova de Lisboa cria a primeira Licenciatura em Engenharia Informática de apenas 2 anos9. Em 1978 a Universidade do Minho cria um ramo em

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Sistemas de Informática no âmbito da licenciatura em Engenharia de Produção. Depois em 1980 surge o INESC - Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores como parceria privada entre o Instituto Superior Técnico, a Portugal Telecom SGPS, SA, a Universidade do Porto, a PT Comunicações, SA, a Universidade de Aveiro, a Universidade Técnica de Lisboa, a Universidade de Coimbra e os Correios de Portugal, SA, com o objectivo de estabelecer uma relação forte entre a universidade portuguesa e a indústria. Mas teríamos de esperar até 1983 para aparecerem as duas primeiras licenciaturas completas na área, a Licenciatura em Sistemas e Informática na Universidade do Minho, e a Licenciatura em Engenharia Informática na Universidade Nova de Lisboa.



9 Apenas os alunos que tivessem realizado pelo menos 3 anos de outra licenciatura, podiam candidatar-

se.



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Será também na Universidade do Minho que em 1985 vai acontecer a primeira ligação à internet, com o envio de um e-mail a 200 bits por segundo entre a Universidade do Minho e a Universidade de Manchester no Reino Unido. Contudo a primeira página nacional, a Homepage de Portugal, seria criada apenas em 1991 na Universidade do Minho também.

2.1.1 ENER 1000 - O primeiro computador português

Figura 2.2 ENER 1000 (1982)

Apesar de todo o acompanhamento inicial do que se fazia lá fora em termos de desenvolvimento de maquinaria de computação, teremos de aguardar até 1979 para aparecer o primeiro protótipo de uma máquina nacional. A máquina denominada de ENER 1000, será fruto de um projeto liderado por António Dias Figueiredo na Universidade de Coimbra. A sua primeira apresentação pública acontece no Portugal Workshop on Signal Processing and its Applications, na Póvoa do Varzim em 1982. O ENER 1000 apresentava uma arquitectura modular que permitia a adequação e expansão a qualquer necessidade aplicada (Ver Testemunho).

TESTEMUNHO “O ENER 1000 tinha uma arquitectura baseada numa placa de circulação de dados (uma espécie de auto-estrada só para a circulação de dados) na qual encaixavam placas, ou módulos, de circuitos integrados que constituíam as partes do computador (placa de unidade central, placas de memória, placa controladora de disquetes, etc.). Na altura foram projectadas várias placas de unidade central, usando os microprocessadores mais populares do mercado: Intel 8080, Zilog Z80, e Motorola 6809. Como o Zilog Z80 tinha uma arquitectura funcional muito semelhante à do 8080, mas possuía muito mais registos de trabalho (era quase uma duplicação do 8080), e ambos se prestavam à instalação do sistema operativo CP/M, rapidamente se optou pelo Z80. Quanto ao Motorola 6809, que tinha uma arquitectura muito mais poderosa para aplicações de controlo industrial, passou a

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ser usado nesse tipo de aplicações. Havia, assim, duas versões do ENER 1000: uma para o mercado tradicional, que era vendida com o sistema operativo CP/M e usava o processador Z80; e outra para aplicações específicas de controlo industrial, que usava os mesmos módulos que a primeira versão, apenas com a excepção do processador Motorola, que era programado em linguagem "assembly" para satisfazer necessidades específicas dos clientes (por exemplo, o controlo de fornos em empresas de cerâmica). A grande vantagem do IBM PC, entretanto surgido, relativamente ao ENER 1000 era que o IBM PC não usava uma placa dedicada exclusivamente circulação de dados: tinha a maior parte das componentes instaladas numa placa-mãe, e apenas aceitava um número reduzido de placas adicionais como módulos especializados. O resultado era que poupava significativamente no número de fichas de ligação dos módulos à placa, cujo custo contribuía de forma significativa para o custo final do ENER 1000.“ António Dias Figueiredo, Fevereiro 2012

O projecto português não aparece isolado, mas é antes potenciado pela massificação do Computador Pessoal (PC) conseguido pelo Apple II, criado por Steve Jobs e Steve Wozniak em 1977. Com a massificação, veio a padronização e o baixo custo dos componentes electrónicos, que levaria então ao aparecimento de várias primeiras máquinas, no final dos anos 1970, não apenas em Portugal, mas também em França, Suécia e Reino Unido. O projecto Português, assim como todos os outros, à excepção da Apple, duraram muito pouco. Em 1981 aparece o IBM PC que com o seu sucesso mundial impõe no mercado a sua arquitectura e o seu software levando a que todas as outras propostas tivessem de se adaptar ao modelo da IBM, emulando-o. Ainda assim e devido ao facto de o IBM PC ter chegado a Portugal apenas em 1985, o ENER 1000 acabou por conseguir ser produzido e comercializado pela ENERTRÓNICA da Figueira da Foz. O ENER 1000 viria mesmo a ser adoptado numa das primeiras experiências piloto nacionais de informática nas escolas, distribuindo-se cerca de 12 unidades a cada escola secundária da Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Coimbra, Viseu e Guarda. Podemos dizer que o ENER 1000, foi o Magalhães dos anos 1980, e o verdadeiro primeiro computador nacional.

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2.1.1 Timex Portugal A Timex é uma fabricante de relógios americana criada no século XIX que se instalou em Portugal nos anos de 1970 na Charneca da Caparica, aonde ainda hoje se encontra. A sua história é relevante no mundo dos videojogos, porque nos anos 1980 o seu CEO Fred Olsen realizou uma grande transformação em todos os processos de fabricação, fechando fábricas e introduzindo novas tecnologias nas que restaram. Mas mais importante do que isso, encontra Clive Sinclair em 1981, e realiza um acordo com este: a Timex Corporation passaria a fabricar e a distribuir os microcomputadores do Sinclair. Na Europa o produto chamar-se-ia Sinclair, e seria fabricado na fábrica da Timex, na Escócia. Para o mercado dos Estados Unidos, América Latina, e Europa de Leste o produto, chamar-se-ia Timex Sinclair, e era fabricado em Portugal. Apesar de inicialmente se ter previsto apenas a assemblagem em Portugal, o facto de ter assumido o planeamento da



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fábrica Álvaro Oliveira, um doutorado em Engenharia Eletrotécnica, fez com que a fábrica assumisse também uma vertente de investigação e desenvolvimento.

Figura 2.3 Timex Sinclair TS 1000 (1981), a versão portuguesa para o mercado dos EUA do ZX-81.

A Timex Portugal começa a fabricar o Timex Sinclair TS1000 (Figura 2.3), que era o ZX-81, para vender nos EUA. Mas a Sinclair falha totalmente a entrada no mercado americano. A Commodore apoderou-se do mercado através de uma política de preços fortemente agressiva, oferecendo cupões de desconto elevados a quem entregasse consolas ou máquinas que possuísse na compra das suas máquinas. Desse modo em pouco tempo o TS1000 estava fora do mercado americano, e já é em Portugal que se desenha o novo Timex Sinclair para o mercado americano, o TS1500 (Figura 2.4), que será um intermédio entre o ZX-81 e o ZX Spectrum, com 16Kb de Ram. No entanto será um esforço gorado, porque chega tarde, quando o ZX Spectrum/TS 2068 já estavam também a chegar ao mercado.

Figura 2.4 Timex Sinclair TS 1500 (1983), feito em Portugal apenas para o mercado dos EUA.

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Videojogos em Portugal

Figura 2.5 Timex Computer TC 2048 (1984), o microcomputador nacional.

Apesar do mercado americano não comprar os números esperados, a produção era ainda bastante significativa para a fábrica portuguesa, e assim rapidamente se atingiram as mil pessoas a trabalhar, e uma produção de 10 mil máquinas/dia. O desenvolvimento realizado em Portugal ia desde os circuitos integrados de electrónica, aos moldes das caixas em plástico, às membranas para teclados e mesmo inovadoras tintas metálicas isolantes. Com a saída do ZX Spectrum a Timex Portugal cria o TC 2048 (Figura 2.5), que acabou por ser uma máquina maioritariamente vendida em Portugal e na Polónia.

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Para além dos microcomputadores a fábrica portuguesa em conjunto com o INESC viria a desenvolver um add-on para o TC 2048, o FDD 3000 (Figura 2.6), que consistia praticamente num computador que era ligado ao TC 2048 para expandir o processamento (através de um Z80@4MHz) e a memória (com 64K Ram + Floppy Drives de 3”). Tinha inclusivamente um Sistema Operativo desenhado com base no CP/M pelo INESC, a mesma base usada para o ENER 1000.

Figura 2.6 Timex FDD 3000 (1985).



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TESTEMUNHO* “O papel da Timex Portugal no despertar do interesse do país pela informática foi particularmente importante, ao colocar no mercado português uma elevadíssima quantidade de computadores pessoais, Spectrum e Timex, de muito baixo preço, que em meados de 1985 atingiam um volume interno superior a 150 mil unidades, uma das taxas de penetração por família mais elevadas da Europa.“ António Dias Figueiredo, em *A Engenharia em Portugal no séc. XX, 2004

Depois desta aventura pelos microcomputadores, a Timex Corporation e a Timex Portugal acabariam por retornar ao mundo dos relógios. Como vimos no caso do ENER 1000, o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 foram anos de procura de standard informáticos, e coube à IBM vencer essa corrida, impondo a sua arquitectura informática a toda a indústria, com excepção da Apple. Interessa apesar disso salientar que apesar da Timex não ser uma marca portuguesa, o seu impacto no país foi tremendo (ver Testemunho). Ou seja, o facto de o país ter pessoas com capacidade para atrair investimento e know-how, foi numa fase inicial essencial para a criação de emprego, mas o impacto foi muito maior do que isso porque gerou a criação de toda uma nova indústria nacional. Neste sentido, a história da Timex é uma das histórias da indústria de videojogos nacional de maior sucesso. Apesar de não ter contribuído de modo directo para a criação de títulos, contribuiu imenso para a criação da cultura nacional de adesão a todo um novo mundo tecnológico, e com isso da aceitação de uma nova forma de expressão artística, os videojogos.

2.2 Primeiros Videojogos Analisada a história da introdução da informática em Portugal, e de dois dos seus projectos mais emblemáticos, vamos agora tentar perceber como acontece a criação do primeiro jogo nacional. De salientar que apesar de internacionalmente se terem feito experiências com videojogos com sistemas computacionais industriais como o ESDAC no Reino Unido, como o IBM TX-0, e o PDP-1 no MIT nos EUA, em Portugal não conseguimos encontrar qualquer vestígio disso. A olhar para este cenário só podemos pensar que em Portugal, aliás como seria expectável, dada a nossa reduzida cultura de risco, pensavam-se os computadores como ferramentas de trabalho muito sério, não abrindo dessa forma qualquer espaço à inovação e criatividade, menos ainda diversão. Aquilo que a equipa de Steve Russell faz no MIT quando cria o Spacewar em 1961 estava totalmente fora do alcance da mentalidade portuguesa dessa época. Talvez efeitos dos tempos de ditadura que se viviam, ou razões culturais mais profundas, mas que não deixa de ser uma constatação da realidade nacional que podemos extrapolar a vários níveis criativos, por comparação com a pujança inovadora americana.

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Videojogos em Portugal

2.2.1 Primeiro Videojogo A 28 de Junho de 1980 José Oliveira, com 17 anos, recebe o livro A Revolução dos Computadores (1972) de Nigel Hawkes (Figura 2.7), um prémio atribuído aos finalistas das Mini-Olimpíadas de Matemática, organizadas pelo Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra na Escola Secundária da Figueira da Foz. Esse livro abriria para José todo um novo mundo, o da programação de computadores, e viria a tornar-se na inspiração para a criação dos primeiros jogos electrónicos nacionais.

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Figura 2.7 A Revolução dos Computadores (1972) de Nigel Hawkes

O livro de Hawkes procurava comunicar o significado do potencial dos computadores a leigos. O objectivo era desmistificar a ideia do computador, na altura muito ligada às ideias propaladas pela ficção científica e pela televisão, através da exemplificação ilustrativa de aplicações do computador. Hawkes não se limitou a apresentar as potencialidades comuns de cálculo, depósito de informação ou ajuda à decisão muito úteis às áreas da Gestão e Economia, mas apresentava já nessa altura o potencial da simulação, para áreas como o treino de astronautas ou a simulação de jogos de guerra. Da simulação à exemplificação do uso do computador nas artes seria um pequeno passo, falando da criação de arte visual, sonora ou até mesmo poesia. Claro que isto faria com que o assunto da Inteligência Artificial aparecesse também, e seria exatamente este o tópico que iria apaixonar e levar José Oliveira a ter vontade de experimentar comunicar com as máquinas, de criar simulações do humano na própria máquina. Daí que a sua primeira tentativa para criar um jogo tenha sido exatamente a recriação do Jogo do Galo, ou seja, fazer do computador um oponente inteligente. Aliás aqui em total sintonia com a estratégia de A.S. Douglas aquando da criação do seu primeiro experimento de Inteligência Artificial em 1952, como falámos no primeiro capítulo. Mas sem acesso a um computador, e conhecimentos rudimentares de programação, José Oliveira, diz-nos que “nesse livro [A Revolução dos Computadores] mostrava um fluxograma na pág. 116, e então eu resolvi fazer um



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programa de jogo do galo. Como não sabia nenhuma linguagem de programação, fiz em algoritmo.” (Figura 2.8)

Figura 2.8 Primeiro algoritmo do Jogo do Galo de José Oliveira, 1981.

O Jogo do Galo iria acompanhar José Oliveira ao longo de várias investidas em cada máquina nova a que tinha acesso. Assim em Setembro de 1982 com recurso a uma calculadora programável, a Texas Instruments TI-57, criou uma versão simplificada do jogo do galo10 (Figura 2.9). Simplificada porque a memória disponível não era suficiente para um implementação completa, a máquina permitia um máximo de 50 passos, e 8 registos de memória. Como não possuía memória volátil, depois de desligada o programa desaparecia, e era preciso voltar a inserir todo o programa para jogar de novo.

Figura 2.9 Texas Instruments TI-57 e um programa simplificado do jogo do galo de José Oliveira, 1982.

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O código apresentado na Figura 2.9, funciona e pode ser testado numa máquina, ou num emulador da TI-57.

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Videojogos em Portugal

A programação era realizada numa base primitiva de macro assembler, em que qualquer tecla podia ser gravada, e se podiam gerar comandos de fluxo, assim como pequenos testes de condição. A TI-57 estava ainda muito distante dos modelos gráficos, como a TI-82, que a Texas Intruments viria a lançar no início dos anos 90 com ecrãs com uma resolução de 96x64, e que levaria ao aparecimento de uma grande quantidade de pequenos jogos a nivel internacional11.

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Com toda esta paixão, não meramente declarada, mas posta em prática, ainda que maioritariamente em simulações em papel, o pai de José Oliveira decidiu oferecer-lhe no Natal de 1982, um Sinclair ZX-81. O que aconteceu a seguir, apesar de expectável, surpreende, José Oliveira diz-nos que fez “50 programas durante as férias de Natal”. Claro que estamos a falar de pequenos programas, uma página ou um ecrã de código, a memória disponível de origem estava limitada a 1KB, apesar do sistema permitir a sua expansão até 16KB. E claro, mais uma vez tentaria o Jogo do Galo, em várias versões, mas sem grande sucesso - o computador não tinha memória suficiente para criar a jogabilidade pretendida. Depois de várias tentativas, resultou um programa que jogava aleatoriamente

Figura 2.10 Jogo do galo em BASIC, com jogabilidade aleatória (1982).

Com a meia centena de programas criados, e enquanto lutava contra a falta de memória para criar o desejado jogo do galo, viriam aqueles que poderemos considerar para efeitos de análise

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No site não oficial das calculadoras da Texas Instruments, http://www.ticalc.org, mantido por várias pessoas de forma voluntária, é possível encontrar pequenos jogos internacionais para vários modelos de calculadoras gráficas.



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histórica deste livro, os primeiros dois jogos nacionais de sempre, LASER (1982) e BALA (1982). Depois de ter implementado um programa para desenhar funções matemáticas (Y=f(x)), José foi mais longe e resolveu atribuir um objectivo ao gráfico traçado no ecrã. Assim os dois jogos tinham uma mecânica muito similar, que consistia no pedido de um ângulo de lançamento ao jogador. Em LASER o lançamento era linear, imitando um feixe de laser (Figura 2.11), ao passo que em BALA existia uma variável simulatória de gravidade que criava uma curvatura, típica do lançamento de bala de canhão (Figura 2.12). Em qualquer deles o objetivo passava por acertar em pontos (pixel) que apareciam aleatoriamente no ecrã quando era feito o lançamento. O jogo trazia já implementado um sistema de pontos, assim por cada vez que se acerta no pixel no ecrã, recebe-se não só uma mensagem de felicitações mas também um ponto que vai sendo incrementado à pontuação conseguida. Podemos definir estes jogos como shooters, sendo que no caso de BALA, e tendo em conta a particularidade do ângulo de física, temos aqui em certa medida, a base da mecânica utilizada por exemplo em Angry Birds (2009).



Figura 2.11 Videojogo LASER (1982) de José Oliveira.





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Videojogos em Portugal









Figura 2.12 Videojogo BALA (1982) de José Oliveira.

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2.2.2 Primeiro jogo ZX Spectrum Apresentados os dois primeiros jogos nacionais, falta perceber quando é que o José Oliveira viria a conseguir implementar o seu jogo do galo, e isso vai acontecer logo no ano seguinte. No Verão de 1983, mais uma vez movido pela paixão do filho e pelo espanto criado pela evolução tecnológica, o seu pai oferece-lhe um ZX Spectrum 48K. Finalmente podia fazer programas como desejava, tinha liberdade de memória e processamento, e é assim que irá surgir o primeiro jogo nacional para ZX Spectrum, em 1983. O primeiro jogo para ZX Spectrum será, o Jogo do Galo, ou como ele o designou “JIM – Jogo de Inteligência Memórica” (Figuras 2.13 e 2.14), porque o jogo tinha um sistema de inteligência embebido que lhe permitia aprender com a experiência. José refere ter ficado intrigado com a questão da aprendizagem por parte da máquina depois de ter visto um documentário da BBC. Assim no seu jogo, a máquina não se limitava a colocar cruzes de modo aleatório nas zonas vazias, mas gravava todas jogadas e procurava ganhar recordando as melhores jogadas gravadas na memória.



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Figura 2.13 Algoritmo e design de interface do Jogo do Galo ou JIM (1983).

Figura 2.14 Videojogo JIM (1983) de José Oliveira.

Depois de JIM, José Oliveira continuou a fazer jogos e outros programas. Eis dois jogos para o ZX Spectrum que os seus filhos ainda jogam passados mais de 28 anos de terem sido criados: Labirinto 3D que saiu em Julho de 1984; e Poker, no Natal de 1984 (Figura 2.15). O Labirinto 3d,

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Videojogos em Portugal

consistia num labirinto tridimensional, desenhado através de coordenadas inseridas pelo utilizador, e a mecânica essencial consistia em encontrar a saída do labirinto, podendo aumentarse o interesse do jogo caso se optasse por jogar contra um tempo determinado. No caso do Poker, passou pela conversão de um jogo de salão da altura que simulava o jogo de cartas de Poker. O jogo de salão acabaria por ser banido, dado o facto de se enquadrar no âmbito dos jogos a dinheiro, proibidos pela legislação portuguesa quando fora de lugar homologado para o efeito, e assim José resolveu recriar o Poker para os seus amigos.

Figura 2.15 Labirinto 3D (1984) e Poker (1984), ambos de José Oliveira.

Com um percurso totalmente dedicado ao mundo da Informática, em 1985 José Oliveira viria a entrar para o grupo dos primeiros alunos do curso da recém-criada (1983) licenciatura em Engenharia de Sistemas e Informática na Universidade do Minho.

2.2.3 Comercialização e distribuição internacional Em 1984 Marco Paulo Carrasco e o Rui Tito, de Portimão, ambos com 15 anos, depois de uma primeira experiência da qual não existem quaisquer registos, vão conseguir realizar a primeira distribuição comercial de um jogo português (Ver testemunho de marco Paulo Carrasco). TESTEMUNHO © FCA – Editora de Informática

“Em 1983 fizemos o primeiro jogo (Galaxy Patrol, apenas em Basic) que não conseguimos comercializar e em 1984 fizemos o Mr.Gulp (Figura 2.16A), uma versão de uma Pac-Man (já com 90% assembler e 10% Basic) que foi comercializado pela Wizard Software, através de um contacto obtido numa revista da especialidade. Para este jogo compus o todo o tema musical original, parte dos gráficos e muitas horas de programação.



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A.

B.

Figura 2.16 A. Anúncio da Wizard Software do seu novo lançamento, Mr. Gulp, publicado na revista ZX Computing, de Novembro de 1984. B. Livro Super Programas de Rui Tito e Marco Paulo Carrasco.

Para nós foi determinante o aparecimento das revistas portuguesas Cérebro e mais tarde a revista bi-mensal Mini-Micro (editada pela editora Socedite). Esta revista (Mini-Micro) foi um estímulo para começarmos a programar jogos para publicação. Em 1985 a Mini-Micro lança um concurso de programação de jogos para incentivar a criação de programas. Concorremos e ganhámos uma impressora matricial para o ZX Spectrum, um luxo na altura. Depois disso o editor da Mini-Micro faz-nos o convite para passarmos a colaboradores regulares da revista e lança o desafio para elaborar um livro de programação em código máquina, Super Programas em Basic e Código Maquina (1986), (que naturalmente aceitamos e realizamos em dois meses de verão). Em resultado do falhanço comercial do jogos que entretanto tínhamos realizado para a Wizard Software (Mr. Gulp, Moon Defenders e Megatron) os quais considero ainda hoje que estavam acima da média para os jogos da fase inicial do Spectrum, desistimos dessa Software House (ganhamos com estes jogos pouco mais de 200 Libras). Decidimos então começar outro projecto de jogo mais ambicioso, Alien Evolution, que concluímos em 1987 e que foi comercializado pela Gremlin Graphics (uma Software House de referência na época). Dessa vez, fomos a convite conhecer a empresa a Sheffield, no Reino Unido e todo o processo de produção dos jogos. Na época já uma software house com uma equipe com mais de 30 pessoas (entre programadores, artistas gráficos e músicos). Estes não queriam acreditar que dois miúdos de 18 anos tinham desenvolvido um jogo individualmente com um gravador de cassetes para carregar o assembler de código máquina. Dessa experiência ganhámos um total de cerca de 20,000 libras que

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Videojogos em Portugal

investimos na aquisição de novas máquinas.” Marco Paulo Carrasco, Abril 2011

Esta dupla de sucesso ganhou não uma, mas várias impressoras nos concursos realizados pela Mini-Micro. A sua vontade de criar era apenas igualada pela vontade partilhar, por isso criaram um clube no Algarve, o 7K Spectrum Clube. Aí ajudavam os amigos e colegas a construir jogos. Aliás o livro editado pela Socine traz mais de dez jogos em código máquina para que qualquer pessoa pudesse digitar e começar a jogar sem qualquer custo adicional. Jogos como: Duelo, Abismo e Karting 2000, Pesquisador, Turbo, Lagarta, Invasão China, Monstros, Perigo!!!, Combate e Zig Zag.

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Figura 2.17 Capa da cassete criada pela revista Your Sinclair, e capturas de ecrã de Alien Evolution (1987) de Marco Paulo Carrasco e Rui Tinto.

Como nos fala Marco Paulo Carrascos em 1987 voltaram a produzir um novo título, Alien Evolution (Figura 2.17), para ser distribuído internacionamente pela Gremlin Graphics. O jogo aparece em várias das mais importantes revistas inglesas de videojogos dos anos 1980 - Your Sinclair, Crash, Sinclair User e Computer & Video Games12 -, com muito boas críticas. Alien Evolution gerou um lucro para os autores de quase 20 mil libras, tornando-se no primeiro sucesso

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Para aceder às criticas realizadas por estas revistas a Alien Evolution em 1987, basta aceder ao site do World Of Spectrum. URL: http://www.worldofspectrum.org/infoseekid.cgi?id=0000149



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internacional português. O sucesso foi de tal ordem que o jogo voltaria a ser reeditado em Espanha pela ERBE Software SA. A narrativa subjacente a Alien Evolution dizia-nos que depois de um holocausto nuclear a superfície da terra tinha-se transformado num lugar estéril e hostil, incapaz de suportar vida humana. Os sobreviventes tinham-se recolhido em complexos subterrâneos, e criaram um androide, o Cyborg 64, para perscrutar a superfície da terra, por eles, em busca de uma zona aonde a vida humana pudesse voltar a germinar. O jogador controlava então o androide e tinha uma missão muito clara, embora bem difícil. TESTEMUNHO “Pela altura em que foi feito, por ter contado com duas pessoas apenas, e por terem sido utilizados equipamentos tão rudimentares. Nesta altura os jogos eram gravados numa cassete de música. Cada alteração ao jogo levava 10 minutos para se poder rodar o jogo, e testar. Para além de tudo, feito em Assembler. “ Rui Tito, Agosto 2011

O gameplay de Alien Evolution era bastante evoluído para a altura, fazendo uso do melhor stateof-the-art internacional. A ação decorria numa perspectiva 3d, visto a 45º, com uma navegação em scrolling completa do ecrã sobre o mapa do mundo. Tanto Marco Paulo Carrasco como o Rui Tito aquando das entrevistas que lhes realizámos, consideraram Alien Evolution como o melhor dos seus trabalhos de sempre na área dos videojogos (ver Testemunho de Rui Tito).

2.3 A produção nacional para ZX Spectrum A era do ZX Spectrum em Portugal começa em 1983 e vai até 1990. Daquilo que conseguimos apurar, ao longo destes 8 anos foram criados 28 videojogos em Portugal. Acreditamos que muitos mais tenham sido criados, mas por várias razões não conseguimos chegar até eles. Algumas razões andam à volta: da dificuldade em preservar os registos que eram realizados em cassetes de fita magnética; ou do facto de muitos desses jogos não serem originais mas apenas pequenas modificações de códigos retirados de revistas e/ou livros; ou ainda de muitas das experiências não terem passado disso mesmo, experiências não terminadas, não comercializadas ou divulgadas. Por outro lado em Portugal viviam-se os primeiros anos da democracia e era tudo ainda muito pouco regulamentado, os direitos de autor não eram uma preocupação nacional no campo dos videojogos. António Saraiva (aka Dr. Bakali) e hoje colaborador da Biodroid, conta-nos como chegavam os jogos aos portugueses (Ver testemunho). TESTEMUNHO “Nos anos 1980 trabalhava numa loja de informática em Lisboa, que vendia jogos para ZX Spectrum entre outras coisas. O pessoal chegava e pedia um determinado

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Videojogos em Portugal

jogo, eu dizia-lhes que fossem tomar um café e que quando voltassem o jogo estaria pronto. Ia ao gravador de cassetes colocava de um lado a cassete do jogo pedido, do outro uma cassete virgem, e fazia a cópia em alta-velocidade em minutos.“ António Saraiva, Julho 2012

A pirataria com cassetes de áudio tinha muitas formas, apesar da perda de qualidade acentuada pelo carácter analógico do suporte, o engenho dos jogadores para chegar aos ambicionados jogos chegava a ultrapassar a ficção. Um dos casos mais interessantes terá sido o das rádio piratas que emitiam jogos em onda FM, como nos conta Rui Ferreira que gravou imensos jogos “vindos pelo ar” nessa época (Ver testemunho de Rui Ferreira). TESTEMUNHO “Piratas do Spectrum havia muitos, de várias modalidades. Havia os das cópias de fim de semana com os amigos. Os dos ímanes para desmagnetizar cassetes a serem usados após comprar, copiar e devolver à loja um original por este estar "estragado". Os de racks múltiplos de leitores de cassetes ligados a uma fonte de sinal comum entre eles permitindo em simultâneo até oito cópias de originais! Enfim, eram os anos 80 e piratas havia muitos, mas a situação mais fascinante foi uma passada nos ares etéreos de Alverca do Ribatejo e arredores, com a Rádio Pirata. Naquela época era moda fazer umas brincadeiras com a electrónica, usar placas de circuito com osciladores e desmoduladores de sinal. O suficiente para criar uma Rádio, e por um qualquer prazer pessoal, deixar o aparelho amador a emitir sessões contínuas com rondas de hits ou misturas alternativas. Uma destas estações tinha um aspecto muito particular. Quem sintonizasse o seu sinal tinha acesso a um canal de rádio única e exclusivamente dedicado a horas intermináveis de sinais modulados de áudio respeitantes a jogos do ZX Spectrum! Havia uma lista passada de mão em mão, e mais tarde em BBS, muitas vezes obtida a custo, favores e contactos pessoais. Era a lista mãe da Rádio Pirata. Nela jaziam as horas a que determinado jogo fazia a sua divulgação anónima. Assim que era sabido que tal jogo tão ambicionado estava a passar era só observar as mãos a carregar em simultâneo no Play e no Rec dos gravadores de áudio. Tudo na animada expectativa de consolidar as suas horas de diversão com mais um título na carteira.“

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Rui Ferreira, Agosto 2010

Dos 28 jogos selecionámos apenas alguns para tratar aqui de modo mais detalhado, essencialmente os que por alguma razão específica se fizeram notar aquando da sua divulgação. No entanto serão ainda abordados jogos que se evidenciam pelo facto de terem inovado em termos de desenvolvimento nacional. Já falámos acima dos jogos criados em 1983 e 1984 por José Oliveira (JIM (1983), Labirinto 3d (1984), Poker (1984)) e Marco Paulo Carrasco e Rui Tito (Mr. Gulp, Moon Defenders e Megatron). Mas em 1984 ainda foi criado ainda um outro jogo, por Pedro Brito E. Cunha, um manager de Formula 1 (Figura 2.18). O jogo coloca seis equipas em



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competição, e podem jogar simultaneamente até 6 jogadores. Por cada corrida que realizamos recebemos pontos e financiamento que podemos utilizar para gerir o nosso carro (motor, chassi, suspensão, entre outros componentes).







Figura 2.18 Brum-Brum (1984) de Pedro Brito E. Cunha.

Em termos visuais podemos apenas ver a área de partida e chegada em top-down, os carros são constituídos desenhados por 4 letras (BDCE) e distinguem-se apenas pela cor. Os carros arrancam saem de cena pela direita, e ficamos à espera que o computador simule a corrida e no final nos apresente os carros a chegar pela esquerda do ecrã. 1985 será o ano da incursão portuguesa nos jogos de adultos, criando não um, mas dois jogos do género: Paradise Café (1985) e Sex Crime (1985). Paradise Café (Figura 2.19) vai transformar-se muito rapidamente no jogo mais famoso de sempre realizado em Portugal. Será rara a pessoa que tenha tido um ZX Spectrum em Portugal nos anos 1980 e não conheça o jogo, mas mesmo quem não teve, se foi adolescente nesses anos, com certeza terá ouvido falar do mesmo. Depois de várias tentativas goradas para identificar o autor ao longo das últimas décadas, por revistas da especialidade, e sites mais recentes de retro-gaming, o autor nunca deu a cara. Conhecemos assim apenas o seu pseudónimo, Damatta. Analisando-se o conteúdo do jogo facilmente se poderá perceber porque razão o autor permanece desconhecido.

Figura 2.19 Paradise Café (1985) de Damatta.

Paradise Café não se tornou famoso apenas por tratar temas adultos, e menos ainda pela fraca qualidade do seu gameplay, um dos elementos que mais terá contribuído para o sucesso do jogo, foi o facto de ele ser baseado no chamado boato “Reinaldo” que era tema de conversa de café

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Videojogos em Portugal

por todo o país. O mito urbano diz-nos que em 1984 um jogador de futebol, de nome Reinaldo, teria mandado para o hospital uma cantora, de uma girl-band de música pop portuguesa, depois de terem tido relações. Esses elementos transferidos para o jogo conferiram-lhe uma relação muito direta com os aspectos sociais do momento, despoletando uma intensa propagação via boca-a-boca.

Figura 2.20 Sex-crime (1985) de Paulo Jacob e Miguel França.

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Nesse sentido Sex Crime (Figura 2.20) lançado no mesmo ano passou quase despercebido, faltoulhe este elemento de ligação ao real. Mais do que isso até, Paradise Café baseou o seu sucesso no conteúdo picante mas com um carácter cómico, enquanto Sex Crime, aparece a tratar o tema de um modo muito mais perverso, o que provavelmente não terá deixado as pessoas indiferentes. Podemos até dizer que o gameplay de Sex Crime é mais interessante, mas o tema acaba por derrubar a hipótese de massificação.

Figura 2.21 Corrida de Caracóis (1984) de Pedro Osório.

1986 por seu lado é um ano em antítese do anterior, passamos dos jogos de adultos aos jogos educacionais. A Corrida de Caracóis (1986) será dos primeiros, se não mesmo o primeiro jogo educacional de Matemática nacional (Figura 2.21). Criado pelo maestro Pedro Osório, com o objectivo de criar uma experiência diferente para os seus filhos, que não envolvesse qualquer tipo de violência, acaba por criar um jogo que é enaltecido pela academia portuguesa das ciências da matemática (Silva, 1988). O jogo trata um sistema de apostas em corridas de caracóis, mas a forma como está desenhado acaba por levar o jogador a processar todo um conjunto de



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atividades de cálculo mental e de estimação sobre probabilidades. O jogo foi distribuído em Portugal pela Triudus. 1987 é um ano de amadurecimento da atividade criadora nacional de videojogos, que ficará marcado por ter três importantes jogos da nossa pequena história. Um desses jogos é Alien Evolution de Marco Paulo Carrasco e Rui Tito, o primeiro sucesso internacional, e de que já falámos anteriormente no ponto 2.2.3. Depois veio Talismã de José Antunes e Moutinho Pereira, que marca o primeiro jogo nacional a ser registado na Direcção Geral dos Espetáculos e do Direito de Autor, e assim a garantir o reconhecimento dos videojogos enquanto obras criativas e detentoras de propriedade intelectual de uma perspectiva legal nacional (Figura 2.22 A). Talismã é um jogo de aventura gráfica clássica, desenhado com recurso ao editor Graphic Adventure Creator. Conta-nos a história de um reino que entrou em declínio depois do seu Talismã se ter fragmentado em quatro partes. O jogador fica encarregado de encontrar os fragmentos para os voltar a juntar e assim conseguir trazer de novo a paz ao reino. O jogo é situado em Portugal, na zona de Oeiras e Sintra de modo a conferir uma maior aproximação com os jogadores portugueses. A.

Figura 2.22

B.

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Videojogos em Portugal

A. Primeiro registo nacional de direitos de autor de um videojogo português, Talismã em 7 de Abril de 1987. B. Imagens do jogo Talismã (1987) de José Antunes e Moutinho Pereira.

Ainda neste ano de 1987, acontece um terceiro lançamento de relevo com o jogo Elifoot. André Elias com apenas 17 anos quis criar um jogo que ele próprio pudesse jogar com os vários amigos. Um jogo no qual a estratégia seria tão aberta que outros jogadores poderiam ser mesmo melhores do que ele no seu próprio jogo. Criou então o primeiro football manager nacional, um jogo no qual as nossas ações são baseadas nas funções de um treinador de futebol. Cada equipa podia jogar com quatro jogadores apenas, e podiam existir até 8 equipas no total. Eram as limitações de memória impostas na altura com os 48 KB disponíveis para programa e dados (Figura 2.23). O André Elias refere que o jogo terá sido jogado por mais de 30 mil pessoas no tempo do ZX Spectrum. Passados 25 anos, e mais de dez versões depois, Elifoot continua a ser jogado por milhares de fãs, espalhados pelo mundo lusófono, com especial incidência no Brasil13 e Portugal. Esta longevidade não pode ser alheia à qualidade do algoritmo criado por André Elias para a gestão do jogo. Vários jogadores referem o tema do futebol aliado à simplicidade do modelo de gestão das equipas e jogadores como os principais factores para tornarem o jogo tão aditivo e duradouro.

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Figura 2.23 Elifoot (1987) de André Elias (imagens de Elifoot II na sua versão PC).

Depois em 1988 um grupo de estudantes da Universidade de Aveiro, Manuel Lemos e Paulo Gordinho, e Ricardo Pinho da Universidade do Porto, realizam um port completo do arcade japonês City Connection (1985) da Jaleco (Figura 2.24). Estamos em 1988 e o know-how para controlar um ZX Spectrum era bastante maior, ainda assim realizar um port com a qualidade aqui apresentada, foi um trabalho de carácter praticamente profissional. Manuel Lemos referiu numa entrevista à RTP que foram investidos 2 anos para a realização do port. Numa entrevista realizada por nós, deu-nos muito mais detalhe sobre as dificuldades e soluções encontradas para chegar a este resultado.

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Na minhas viagens ao Brasil para participação em conferências de videojogos, tenho encontrado pessoalmente várias pessoas que jogaram Elifoot no tempo do ZX Spectrum e que continuam hoje ainda a acompanhar as evoluções do jogo.



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Figura 2.24 City Connection (1988) de Manuel Lemos.

TESTEMUNHO “Fomos além dos limites expectáveis do ZX Spectrum. Conseguimos, por exemplo, reproduzir som digitalizado. Mesmo sendo difícil de compreender, era quase um milagre tecnológico digitalizar e tocar som digital. A memória era escassa para comportar tantos cenários gráficos. Contornámos o problema sacrificando 3 colunas (24 pixels) de resolução na área de jogo, de cada lado do ecrã. Usando atributos de cor escondíamos nessas colunas dados gráficos dos cenários adicionais que eram trocados quando o jogador mudava de nível. O scroll de resolução do ecrã inteiro de 1 pixel era difícil no ZX Spectrum porque consumia todo o CPU, mas tinha de ser executado em menos de 40 milissegundos para que ficasse suave. Usávamos a técnica double-buffer para atualizar cada ecrã invisível na RAM e trocávamos e copiávamos o ecrã sincronizado com o varrimento do ecrã para não se notar qualquer corte. Aliado a isso havia a limitação do Spectrum que apenas permitia usar duas cores em cada quadrado de 8x8 pixels. Tínhamos de usar grandes blocos opacos para disfarçar as regiões onde havia mudança de cores na horizontal. Tudo isto era um grande desafio tecnológico, especialmente porque contávamos apenas com um CPU Z80 a 3.5MHz. Mas foi uma grande satisfação, termos conseguido estas proezas tecnológicas, apesar de não termos tido sucesso na comercialização do trabalho.“ Manuel Lemos, Setembro 2011

E chegamos a 1990, o último grande ano de jogos ZX Spectrum. É interessante notar que neste ano ainda temos seis jogos, quase o dobro da média dessa época, e acaba. Em 1990 já aparecem alguns jogos de Amiga e de PC, e depois em 1991 temos zero jogos de Spectrum. Desses seis destacamos aqui apenas Kraal publicado em Inglaterra pela Hewson Consultants Ltd. e Breakneck publicado pela revista Sinclair User. Kraal era mais um jogo arcade de ficção-científica na senda dos trabalhos anteriores de Rui Tito como Alien Evolution de que já falámos aqui, desta vez criado

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Videojogos em Portugal

em parceria com Carlos Leote e Pedro Fortes. Na Figura 2.25 está uma sinopse do jogo publicada na revista inglesa Your Sinclair em Agosto de 1991, que dizia: “Agora este é mesmo nojento. Está cheio da coisa mais nojenta que provavelmente a mão natureza já inventou – larvas (..) Capaz de fazer Alien parecer A Pequena Sereia. Depois não digam que não vos avisámos.” (Figura 2.25).

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Figura 2.25 Ecrãs e sinopse de Kraal (1990) na Your Sinclair de Agosto 1991

Figura 2.26 Ecrãs e sinopse de Breakneck (1990) na User Sinclair de Junho 1992.



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O último jogo para ZX Spectrum que destacamos neste livro é Breakneck, de uma equipa de estudantes da Universidade da Madeira, constituída por Laurindo Sobrinho, Lúcio Quintal e Tony Sobrinho. Breakneck é terminado em 1990, mas é depois publicado numa colectânea, Great Eight, do número 124, da revista Sinclair User em 1992. No desenvolvimento foram utilizados para os gráficos o ArtStudio, para o som e música o MusicBox e para a codificação o HiSoft Devpac. O gameplay aborda o shooter com side scrolling. Temos uma barreira elétrica que vem sempre atrás de nós e nos obriga a mover para a direita continuamente, atirando e destruindo cubos para que possamos passar, e ainda apanhando as chaves que permitem desligar as barreiras que se encontram à nossa frente. Apesar da lentidão do sistema, é um jogo que imprime um ritmo elevado e cria doses massivas de adrenalina. O ritmo do gameplay está bastante equilibrado e torna-se rapidamente aditivo, deixando uma clara impressão em quem joga. De tal modo o jogo o consegue que Alex Hopkins, aluno da Universidade Abertay Dundee na Escócia, resolveu realizar um remake14 completo de Breakneck para a sua cadeira de Programação Gráfica em 2010. Exatamente vinte anos depois da criação do jogo original (ver Testemunho). TESTEMUNHO “Quando era criança, joguei BreakNeck da capa de uma revista de ZX Spectrum e adorei. Eu não conseguia parar de jogar e queria tanto chegar aos últimos níveis, mas nunca consegui. Quando tive a hipótese de refazer um jogo antigo na Universidade, decidi que iria utilizálo. Eu queria usar os gráficos antigos para conseguir modo de retro, acho que ficaria melhor do que os gráficos que eu fiz no Photoshop. O jogo é muito simples mas viciante. É também muito difícil. Eu tive que usar um emulador de Spectrum para carregar/salvar os estados de jogo para poder ver todos os níveis (e poder copiá-los).

Figura 2.27 Breakneck Remake (2010) de Alex Hopkins. O jogo não parece ser muito conhecido neste país (Reino Unido), mas muitos dos meus amigos na Universidade gostaram de jogar meu remake o que é uma prova de como um jogo simples, com apenas algumas regras pode ser divertido. " Alex Hopkins, Janeiro de 2012

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Pode ver-se um vídeo do remake no YouTube em http://www.youtube.com/watch?v=xZkj7ZEZOkw

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Videojogos em Portugal

RESUMO Neste curto capítulo pudemos ver como surgiram os primeiros videojogos em Portugal, perceber as suas ligações ao meio da informática, e compreender parte das dificuldades associadas ao meio em cada época. Fica bastante claro desta súmula que os videojogos em Portugal foram sempre vistos como uma categoria menor, algo que não merecia o empenho das pessoas mais doutas. Desse modo o nascimento da indústria nacional ficou a cargo de alguns adolescentes que fascinados pelo mundo novo que nos chegava de fora resolveram enveredar e trilhar caminhos nunca antes trilhados em Portugal.

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Capítulo 3

Do MS-Dos ao CD-Rom [1990 -2004] Neste capítulo aborda-se numa primeira parte o desenvolvimento das tecnologias no âmbito do PC durante a década dos anos 1990. Na segunda parte apresenta-se o desenvolvimento nacional iniciado com as tecnologias em arquitetura PC IBM. Esta segunda geração de jogos nacionais acabaria por ter dois momentos distintos, uma primeira fase em MS-Dos evolutiva do ZX Spectrum, e uma segunda fase de consolidação, com a evolução para o uso da fotografia, do vídeo e 3d suportado no CD-Rom.

3.1 As tecnologias dos anos 1990 Os anos 1990 funcionaram como uma verdadeira vaga tecnológica, que mudariam muito do que vinha ainda da década passada, e preparariam a revolução da década seguinte, no sentido de dar o poder computacional aos utilizadores. Se nos anos 1980 apenas as pessoas ligadas à informática pensavam em computadores, os anos 1990 viriam transformar tudo isso. Os microcomputadores tinham sido introduzidos pela Sinclair, mas a verdadeira democratização do Personal Computer (PC) aconteceria com a Intel e a Microsoft.

3.1.1 Sistemas operativos e tecnologias É comummente aceite o ano de 1981, como o do lançamento do primeiro PC, o IBM PC. Mas a realidade é que essa data marcou apenas o início de uma caminhada que demoraria quase uma década a concretizar-se. Pelo meio tivemos os micro-computadores ZX Spectrum e Timex que vimos no capítulo anterior. Tivemos o PC da Apple em 1984, o revolucionário Macintosh. Tivemos ainda o híbrido entre o micro e o PC, o Amiga 500 em 1987 da Commodore. Mas no final da década de 1980 a relação entre a Intel e Microsoft começava a acentuar-se, e a arquitetura criada pela IBM em 1981 começava a dominar a indústria e o mercado.

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Videojogos em Portugal

Figura 3.1 Interface do Microsoft Windows 3.0 (1990).

Em 1990 a Microsoft lançava no mercado o Windows 3.0 a primeira versão verdadeiramente utilizável no sentido em que permitia ao utilizador fazer quase tudo em ambiente gráfico, tendo apenas de iniciar o sistema no ambiente MS-DOS para carregar o sistema gráfico Windows (Figura 4.1). Isto não era revolucionário tecnologicamente, uma vez que esta interface gráfica tal como apresentada pela Microsoft, não passava de uma cópia da interface do Macintosh da Apple lançado em 1984. O que o tornaria revolucionário, seria a sua maciça adopção. A Apple nesta altura já não contava com Steve Jobs, criador de Macintosh, deixando o caminho totalmente livre para que Bill Gates tomasse conta da indústria do computador pessoal a nível mundial, e impusesse a sua visão em toda a sua extensão. A ligação Intel e Microsoft funcionaria em total simbiose, e com o aparecimento de cada nova geração de processadores, teríamos novas gerações de Sistemas Operativos da Microsoft mais poderosos, e mais robustos.

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A Intel contava com a sua linha x86, passando do 8086 nos anos 1970, aos modelos 286 e 386 durante os anos 1980, e logo no início dos anos 1990 fazendo surgir o 486, o primeiro grande modelo adoptado pela indústria dos videojogos. Nomeadamente o modelo DX2 que sairia em 1992 ligado ao aparecimento de um novo bus mais rápido, VESA Local Bus, que permitiria o uso de placas gráficas de maior rendimento. Pelo seu lado a Apple apesar de numa fase menos boa, continuava o seu caminho com os processadores da Motorola, e lançava no mercado em 1991 o Macintosh Quadra com o novo 68040, dando cartas no mundo do design gráfico e do publishing. Enquanto isso Steve Jobs, que tinha saído da Apple, e criado a NeXT, dedicava-se à criação de workstations de alto rendimento computacional para uso em laboratórios das universidades americanas. A NeXT lançava em 1990 o NeXTstation com base no Motorola 68040, e com o sistema operativo NeXTSTEP (Figura 4.2).



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Figura 3.2 Interface do NeXTSTEP 1.0 (1989).

É no meio deste cenário, com três arquitecturas no mercado, o PC da IBM e todos os seus clones, o Quadra da Apple e o NeXTstation da NeXT que em 1993 a indústria dos videojogos irá ver nascer dois dos mais importantes marcos da sua história: Doom da id Software e Myst da Cyan. As marcas de ambos não se limitaram às questões comerciais, ambos se tornaram nos jogos mais jogados e vendidos da década de 1990, mas fizeram sentir-se em toda a indústria da computação pessoal. Na id Software enquanto John Romero e a restante equipa utilizava o motor de jogo de Wolfstein 3D (1992) para criar a sequela Spear of Destiny (1992), John Carmack isolava-se no seu escritório para tentar conceber um novo motor que permitisse apresentar um mundo tridimensional mais credível. Para tal recorreu às poderosas workstations da NeXT e trabalhou sobre o sistema operativo NextSTEP15. O novo motor era composto por um motor de renderização gráfica 3d que permitia estruturar os níveis e gerir a interactividade do jogo. O núcleo do motor de jogo foi feito em C, e as ferramentas de edição dos objectos do jogo foram criadas em Objective-C. O jogo seria depois compilado com o compilador de C da Intel para o MS-DOS para poder correr nos PCs. Enquanto Carmack e Romero criavam todas as ferramentas de raiz para desenvolver Doom, os irmãos Miller recorriam apenas aos pacotes de software existentes no mercado para desenvolver Myst. Fazendo uso de vários Apple Macintosh Quadra modelaram e animaram os mundos 3d com recurso ao Stratavision 3D, compuseram as imagens graficamente com o Photoshop 1.0, e editaram os vídeos com o Premiere 1.0. Para a construção da interatividade com 3d, e uma vez

15

Informação recolhida em Development of Doom, URL: http://doom.wikia.com/wiki/Development_of_Doom.

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que este era pré-renderizado, fizeram uso do Hypercard, uma ferramenta de authoring da Apple. Como diz Robyn Miller "com o HyperCard, podíamos mudar um gráfico num instante, ou trocar um som sem qualquer problema… a minha intuição diz-me que se tivéssemos criado Myst em C ou Pascal, ainda agora estaríamos a trabalhar nele”16. Doom e Myst são dois jogos que fazem uso de gráficos 3d, mas com abordagens totalmente opostas (Figuras 4.3 e 4.4). Em Doom temos 3d a correr em tempo real, enquanto em Myst temos 3d pré-renderizado. Deste modo a experiência de interatividade é totalmente distinta sendo mais rica e realista em Doom. Por outro lado a experiência visual, por não estar limitada à máquina final que renderizaria os elementos visuais, é muito mais expressiva em Myst. Aliás este é um posicionamento que podemos ver bem expresso na visão de ambas as equipas de criação.

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Figura 3.3 Ecrã de Doom (1993).

O primeiro director criativo de Doom, Tom Hall, pretendia criar um jogo muito mais narrativo do que tinha sido Wolfenstein 3D. Partia de uma ideia de misturar o mundo de Alien (1979) com Evil Dead II (1987). Mas John Carmack não queria qualquer narrativa, queria criar um jogo que vivesse da pura sensação de interatividade 3d. Esta guerra levou a que Hall saísse da id Software antes mesmo de Doom ser lançado. Carmack emitiria na altura um dos comentários mais grosseiros de sempre sobre a relação entre o jogo e narrativa: “A história nos videojogos é como a história num filme porno. Espera-se que ela esteja lá, mas não é assim tão importante.” 17



Milano, D. (1995). Case study: The making of Myst with an interview with Robyn Miller, Interactivity, I , 37-45 Declaração registada no livro de David Kushner, Masters of Doom: How Two Guys Created an Empire and Transformed Pop Culture, 2004, capítulo 8, p. 120. 16 17



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Figura 3.4 Ecrã de Myst (1993).

Em oposição discursiva, temos Rand e Robyn Miller que para criar o universo de Myst escreveram vários livros de back story para suportar a complexidade narrativa do jogo, e que seriam depois comercializados além do jogo. A sua maior preocupação era não permitir que a tecnologia interferisse com o conteúdo, e para isso escolheram o Hypercard. Como diz Rand "nós precisávamos de uma ferramenta de desenvolvimento que nos pudesse dar total controlo criativo e técnico"18. Myst procurava afirmar-se pelo labor estético tanto no campo narrativo, como visual e sonoro, mas para isso teve de sacrificar o realismo da interação e feedback em tempo real conseguido em Doom. Podemos ir mais longe em termos de análise e dizer que Doom, apesar de longe ainda do realismo gráfico, apresentava desde já uma preocupação com o realismo da experiência de jogo. Por outro lado Myst estava mais preocupado em criar uma experiência estética capaz de expressar uma ideia, passar uma mensagem. Ou seja falamos aqui de uma dicotomia antiga, o Realismo versus Formalismo, explorado no aparecimento da fotografia por oposição à pintura, e novamente no aparecimento do Cinema com os irmãos Lumiére e Georges Méliès. Em termos tecnológicos, comparando as experiências, Myst e Doom, era inevitável pensar que o ideal seria cruzar os dois mundos, tal como viria a acontecer com o cinema, entre Lumiere e Méliès. E é daí que vai surgir toda a necessidade avassaladora de dotar o PC de sistemas 3d capazes de criar experiências com a qualidade de jogo de Doom, e com a qualidade visual de Myst. Podemos assim dizer que existe um antes e um depois de Doom e Myst na visualização 3d em tempo real no PC. Depois de Doom todos queriam experimentar mundos 3d, e em primeira

Declaração retirada do texto “HyperCard Success Story #1” de 1995, URL: http://www.smsweb development.com/development/HTML/apple/hypercard/success/story1.html 18

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Videojogos em Portugal

pessoa, por outro lado desejavam que a experiência estética fosse tão rica como em Myst. Para isso era preciso a indústria melhorar não apenas as capacidades de processamento central, mas também as capacidades de renderização gráfica. Ou seja, Doom e Myst seriam responsáveis pela criação de todo um novo domínio nos computadores pessoais, o das placas gráficas 3d, que iria elevar o patamar das possibilidades criativas do PC. Nos anos que se seguiram à saída de Doom e Myst apareceram placas gráficas19 que davam suporte aos processadores centrais, como a Voodoo da 3dfx, a Virge (sigla de Virtual Reality Graphics Engine) da S3, a Rage 3D da ATI, a Riva 128 da Nvidia, a Mystique da Matrox, ou ainda a Verite da Rendition que em parceria com John Carmack lançaria uma versão específica de Quake (1996), o VQuake, para garantir o máximo de optimização gráfica. Tinha sido através do poder gráfico embebido nas placas gráficas que a IBM tinha evoluído os sistemas de cores apresentados nos ecrãs dos PCs. A IBM tinha começado os anos 1980 com a conversão do modo monocromático, em CGA (Color Graphics Adapter), depois em EGA (Enhanced Graphics Adapter), acabando a década com o VGA (Video Graphics Array). O CGA tinha uma resolução de 320x200, com uma palete de 16 cores, mas que podia apresentar no ecrã apenas 4 cores de cada vez. O EGA veio permitir o uso de 64 cores RGB, ainda que apenas 16 pudessem ser apresentadas simultaneamente, e aumentando a resolução gráfica para 640x350. No final dos anos 1980 a IBM lança então o sistema VGA que abriria todo um novo mundo para os sistemas PC. A resolução standard era agora o 640x480, embora aqui continuasse limitado às 16 cores, mas quando reduzíamos para 320x240 podíamos utilizar uma palete completa de 256 cores. Este modo passou a ser então o modo standard dos jogos PC no início da década de 1990, sendo utilizado em Doom e Myst. Ao longo da década, o VGA passaria a Super VGA e XGA e as resoluções passavam para 800x600 em S-VGA, e depois 1024x768 em XGA, com as paletes a

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passar dos 8bits para os 16bits. Neste sentido a partir de 1995 a Microsoft deixava de vez de contar com o sistema operativo de comandos, MS-DOS, em modo monocromático, e adoptava o Windows 95 cheio de cor e através do qual se podia realizar qualquer operação computacional em ambiente gráfico. Isto aliado ao desenvolvimento de grande processamento proporcionado pela Intel, fazendo surgir no mercado um dos seus maiores sucessos de sempre, o processador Pentium. A segunda metade desta década viu assim o computador tornar-se poderoso, barato e comum. O sonho de Bill Gates de dotar todos os lares de um PC, estava a concretizar-se.

Informação retirada de História das placas gráficas 3d no URL: http://www.maximumpc.com/article/features /voodoo_geforce _awesome_history_3d_graphics. 19



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No final da década e com toda a evolução ocorrida nos processadores, e no seio das placas gráficas, já pouco diferenciava uma workstation gráfica dedicada, de um normal PC com uma boa placa gráfica. Ao mesmo tempo os salões de jogos entravam em decadência pela incapacidade de oferecer mais do que aquilo que tínhamos em casa. As próprias consolas da Nintendo, Sega ou Playstation passaram a contar com um concorrente de peso, porque era mais fácil convencer os pais a comprar um computador do que uma consola. A.

B.

Figura 3.5 A. Grim Fandango (1998). B. Half-life (1998)

E na verdade em termos criativos, a diferença era total, as consolas não permitiam qualquer ação criativa por parte dos jogadores, era o consumo pelo consumo. As capacidades de criação de grafismo tridimensional em tempo real não podiam ainda confundir-se com a fotografia, mas permitiam já o desenvolvimento robusto de narrativas complexas em ambientes 3d fluídos e perfeitamente interativos. Exemplos disso são dois outros marcos da indústria PC do final da década, Grim Fandango (1998) e Half-Life (1998) (Figura 4.5).

3.1.2 Software de criação visual Tendo em conta o desenvolvimento de hardware no campo do processamento visual, e o acesso facilitado acima descrito, não seria de esperar outra coisa que não fosse uma natural explosão de software dedicado às artes visuais digitais. Esta seria uma explosão que cresceria de mãos dadas com a tecnologia, começando logo em 1990 com títulos como o 3d Studio ou o Photoshop.

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Videojogos em Portugal

A criação de elementos gráficos digitais tridimensionais começa em 1972 em pequenas experiências exploratórias na Universidade de Utah por Ed Catmull e Fred Park20. Em 1976 o trabalho de Ed Catmull e Fred Park seria utilizado no filme Futureworld (1976), fazendo deste o primeiro filme a usar imagens 3d. Vários outros filmes se seguiriam na exploração das técnicas, sendo o mais audaz Tron que em 1982 apresentaria 15 minutos completos de animação 3d. Durante a década de 1980 as soluções de criação 3d eram fundamentalmente proprietárias e de carácter industrial.

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É em 1990 que sai a primeira versão da aplicação 3d Studio para MS-DOS da Autodesk, uma aplicação que pretendia tornar possível a criação de gráficos 3d de nível industrial num regular PC (Figura 4.6). Inicialmente previsto para Macintosh dada a sua reconhecida proximidade com os ambientes gráficos, acabaria por ser desenvolvido para PC porque a IBM se preparava para lançar o novo sistema gráfico (VGA) que permitiria uma resolução de 256 cores21. Neste mesmo ano a NewTek lança uma solução integrada de vídeo feita de hardware e software para o Amiga 2000 no qual vinha integrado a primeira versão do Lighwave 3d. O Lightwave 3d ganharia reconhecimento e autonomia em 1994, mas o facto de o 3d Studio operar em PC deu-lhe margem para facilmente se tornar na ferramenta de eleição do mercado não-industrial de 3d. Em 1996 o 3d Studio deixaria o MS-DOS, e passaria para o Windows NT e depois 95, mas agora com um novo nome, o de Kinetix 3D Studio Max, com o tempo deixou cair o Kinetix e depois o Studio, e hoje dá pelo nome simples de 3ds Max.

Figura 3.6 Interface de 3d Studio DOS 4 (1994)

Ed Catmull fundaria em 1986 a Pixar, e é hoje o presidente da Walt Disney Animation Studios. Para ver o primeiro filme de sempre criado com imagens digitais tridimensionais, A Computer Animated Hand (1972) (https://vimeo.com/16292363). 21 Estas informações podem ser confirmadas numa entrevista com um dos criadores do 3d Studio, Tom Hudson http://www.maxunderground.com/the_history_of_3d_studio/3 20



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Ao longo da década ferramentas que antes eram apenas acessíveis ao mercado industrial foram sendo portadas para sistemas Windows. Pacotes como o Softimage 3D que serviu a Industrial Light and Magic na criação dos dinossauros de Jurassic Park (1993), a Nintendo na criação de Super Mario 64 (1996), a Cyan na criação de Riven (1997), a sequela de Myst (1993), ou o pacote PowerAnimator da empresa Silicon Graphics que tinha ajudado a criar o alien de água para The Abyss (1989), ou o T1000 para Terminator 2 (1991), ressurgiria como Maya em 1998 e estavam cada vez mais acessíveis. Aos poucos juntamente com as constantes inovações nas placas gráficas, com o aumento de potência dos processadores centrais, as soluções de 3d para cinema e videojogos, todos estes pacotes de criação 3d deixaram de ser exclusivos de uma elite, e passaram a poder ser produzidas por massas de modeladores e animadores de 3d. Na mesmo lógica evolutiva e de democratização do acesso às ferramentas a empresa americana, a Adobe, encetou uma lógica de aquisição e massificação de ferramentas digitais de criação visual ao longo de toda a década de 1990. Começando ainda em 1988 com o Illustrator 88 dedicado à ilustração, depois em 1990 o Photoshop 1.0 dedicação a edição de imagem, em 1991 o Premiere 1.0 dedicado a edição de vídeo, e em 1993 After Effects 1.0 dedicado à composição digital.

3.1.3 Authoring Multimedia Os sistemas de authoring multimédia que vão aparecer nos anos 1990 eram descendentes dos editores de criação de jogos do ZX Spectrum de que falámos no primeiro capitulo. Agora com maior capacidade de processamento, vai ser possível criar ferramentas com rendimento muito superior, capazes de criar produtos finais, que pouco ou nada diferiam de produtos criado diretamente em código. Nesse sentido as plataformas de authoring vão aproximar-se da ideia de game engines permitindo ambas aos criadores operar interatividade sobre elementos multimodais – texto, som, imagem, vídeo, e gráficos. Ainda assim as primeiras ferramentas de authoring dos anos 1990 vão dedicar-se quase em exclusivo ao 2d e ao vídeo. Ao passo que os game engines que aparecem a meio dos anos 1990, ficam conotados com a criação e gestão de mundos em 3d. Contudo estas diferenças vão esbater-se muito rapidamente no final dos anos 1990 com as ferramentas de authoring a permitirem trabalhar em 3d, assim como com o aparecimento de game engines 2d, e de que falaremos no próximo capítulo. Vamos passar aqui muito rapidamente em revista as ferramentas de authoring multimédia mais importantes da década de 1990, e no próximo capitulo apresentaremos o surgimento dos game engines.

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Figura 3.7 Interface de Hypercard 2 (1996)

Em 1987 surgiu o HyperCard como parte integrante do Sistema Operativo da Apple (Figura 4.7). O HyperCard vinha assim pré-instalado em todas as máquinas da Apple, nunca chegando a ser portado para qualquer outro sistema. O software era bastante simples e passava pela união de um sistema de base dados agregado a um sistema de cartões gráficos acedidos numa lógica de empilhamento. O que tornava o HyperCard verdadeiramente poderoso em termos de desenvolvimento de aplicações hypermedia, era a sua linguagem de programação, o HyperTalk que permitia transformar totalmente o ambiente gráfico do utilizador e assim criar aplicações verdadeiramente não-lineares, de um modo bastante acessível. Como vimos acima, o HyperCard seria a ferramenta utilizada pela Cyan para desenvolver o videojogo Myst em 1993.

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Em 1988 a Macromind criava uma aplicação multimédia, o Director, para competir no ambiente Apple com o HyperCard mas sem grande impacto. No entanto esta ferramenta seria depois adquirida em 1993 pela Macromedia que faria do Director uma das ferramentas mais populares de criação de CD-Roms multimédia da década de 1990 (Figura 4.8). O Director seria portado para PC em 1994, e em 1996 ganharia um dos seus mais importantes aliados o Shockwave, um plug-in que permitia transpor aplicações multimédia para ambiente web. À semelhança do HyperCard com o HyperTalk, a mais valia do Director estava na sua poderosa e muito acessível linguagem de scripting, o Lingo.



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Figura 3.8 Interface de Macromedia Director 7 (1998)

Em 1996 a Macromedia iria adquirir o software FutureSplash Animator, ronomeá-lo e lancá-lo no mercado no final desse ano como Flash 1.0. Aqui começaria o declínio do Macromedia Director. O Flash apresentou-se como um rival de peso para o Director essencialmente por trabalhar a animação e a interactividade em ambientes vectoriais. Não sendo 3d mas que por ser vectorial conseguia optimizações de ao nível do peso dos ficheiros, muito importantes na web dos anos 1990. Para além disso o seu player na web conseguia resultados na qualidade da animação muito superiores ao Shockwave do Director. O seu maior problema no início foi o facto de apresentar uma linguagem de scripting distinta do Lingo. O Actionscript 1.0 não era mais complexo, mas era diferente, e para quem trabalhava na indústria tornava-se moroso aprender uma nova linguagem para fazer quase o mesmo. Mas no início dos anos 2000 o Flash já dominava por completo o hipermédia online e os CD-Roms, como veremos no Capítulo 6.

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Videojogos em Portugal

Figura 3.9 AMOS - The Creator (1990) de François Lionet

À semelhança do Hypercard que era exclusivo do Mac OS, a Commodore passou a ter a sua ferramenta exclusiva de authoring, o AMOS para o Amiga 500, em 1990. Por outro lado e ao contrário das ferramentas acima, que criaram sintaxes de scripting próprias, o AMOS limitou-se a realizar uma adaptação do já existente BASIC, para o AMOS BASIC, facilitando o acesso a quem já tinha usado o BASIC previamente. O AMOS vinha com um editor e compilador de AMOS BASIC, e um Editor de Sprites que permitia a gestão de toda a componente gráfica, incluindo animação de sprites, e um editor de som (Figura 4.9).

3.2 MS-Dos e Amiga

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Em Portugal em 1990 ainda se criaram vários jogos para o ZX Spectrum, mas foi verdadeiramente o último suspiro. Neste mesmo ano começaram a aparecer jogos criados em várias outras linguagens nomeadamente em C e Pascal, e continuámos a ter Assembler e BASIC agora para o MS-DOS, para correrem nos computadores pessoais (PC), de arquitetura IBM, que se tornavam cada vez mais acessíveis no nosso país. Os primeiros jogos nacionais desta geração corriam em processadores Intel 286 e 386, e sob as resoluções de cor do modo CGA. O CGA funcionava com um denominador de 16 cores possíveis, mas que apresentava apenas 4 de cada vez no ecrã. Existiam dois modos base que vinham pré-configurados, a Palette 1 e a Palette 0, como podemos ver na Figura 4.10. Estes dois modos serviram assim a construção dos primeiros jogos desta segunda geração nacional.



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Figura 3.10 Modos de cor no Color Graphics Adapter (CGA) da IBM

O modo como os jogos para PC surgiram não deixa de ser também interessante, e importante para tentarmos perceber um pouco melhor como funcionavam as coisas na altura. Em 1989 surgia no mercado uma revista de informática, a Spooler, dirigida por Renato Casquilho que teve a ideia de promover um passatempo “Melhor Jogo Spooler”. Este passatempo não era propriamente algo menor, porque tinha agregado não apenas a promoção do jogo pela revista, mas ainda três primeiros prémios: 60, 40 e 20 mil escudos. Em valores de hoje estamos a falar de qualquer coisa como 600 euros para o primeiro prémio, não sendo uma fortuna, era muito dinheiro para um adolescente. O concurso acabou por ser realizado em dois momentos distintos porque a primeira jornada não teve o sucesso esperado em termos de qualidade. Foi atribuído apenas o segundo lugar a Spoogame (1990), de Jorge Gomes Fonseca de Mortágua, criado em Assembler e o terceiro lugar a Jogos de Vício (1990), de Ricardo Santos, de Caldas da Rainha, criado em Pascal. Esta foi uma decisão imensamente acertada por parte da revista que levou a que na segunda fase a qualidade dos jogos se elevasse, nomeadamente em termos de originalidade das ideias apresentadas.

Figura 3.11 Revista de Informática dedicada ao PC, na qual foram publicados a maior parte dos jogos criados, em MSDos, na primeira metade dos anos 1990.

Para além deste primeiro concurso a Spooler (Figura 4.11) realizaria ainda um segundo concurso dedicado especificamente “Jogos Didáticos” em 1991. Para além destes dois concursos a revista manteria uma coluna mensal até 1995 chamada “A Colaboração do Leitor”, na qual várias das

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Videojogos em Portugal

colaborações apresentadas eram jogos. Assim os primeiros jogos que vamos poder aqui ver e que abrem a Segunda Geração, são na sua maioria jogos provenientes do trabalho de divulgação levado a cabo pela revista Spooler que acabou por servir de inspiração para muitos dos que desenvolveram jogos em Portugal nesta primeira metade dos anos 1990.

3.2.1 MS-Dos

Figura 3.12 LABO (1990) de Rui Curado, vencedor do concurso “Melhor Jogo” da Spooler.

Assim do primeiro concurso o “Melhor Jogo”, e ao fim de duas fases, o grande vencedor foi LABO de Rui Curado, da Marinha Grande (Figura 4.12). O jogo foi desenvolvido em Pascal para MS-DOS, fazendo uso da “Palette 0” do sistema de cores CGA. O jogo foi fruto de uma acumular de conhecimentos em programação e composição gráfica desenvolvidos através de pequenas experiências no ZX Spectrum. Rui Curado refere que “a liberdade criativa que os jogos permitiam atraía-me” e por isso LABO funcionou como a materialização de um desejo de conceber um jogo que já trazia do ZX Spectrum. Em termos técnicos Rui Curado dá-nos mais detalhe sobre o desenvolvimento de Labo (ver Testemunho). TESTEMUNHO

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“LABO foi desenvolvido em 1990 para o MS-DOS, em Turbo Pascal, cujo código-fonte foi publicado na revista Spooler aquando da apresentação dos resultados do concurso. Os gráficos eram “sprites” adaptadas e originárias de outros jogos do ZX Spectrum. Foi usado um editor gráfico para pintar as Sprites que originalmente eram monocromáticas. O jogo foi desenvolvido durante dois meses, primeiro num Compaq DeskPro 16Mhz, depois num Amstrad PC 1512 (sem disco rígido).” Rui Curado, Outubro 2010



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Figura 3.13 Genio (1990) e Mestre (1991) ambos de Vitor Monteiro.

Em 2º lugar do “Melhor Jogo” ficou o Vitor Monteiro de Sacavém, com o jogo Genio (1990). O Vítor Monteiro acabaria por concorrer também ao concurso seguinte “Jogos Didáticos” com uma nova versão, mais elaborada, o Mestre (1991) e aí ganharia o 1º lugar (Figura 4.13). Ambos os jogos trabalham no género pergunta e resposta, com competências a serem exigidas em vários domínios do saber. O jogo foi desenvolvido na linguagem Clipper, uma linguagem popular nessa altura para criação de bases de dados em ambiente MS-DOS.

Figura 3.14 4 em Linha (1990) e Onde Fica? (1991) ambos de Paulo Ferreira e Rui Ferreira.

Em 3º lugar do “Melhor Jogo” tivemos a dupla de irmãos Ferreira, de Vila Franca de Xira, que tal como o Vitor Monteiro também iriam concorrer ao segundo concurso de “Jogos Didáticos”, e tal como este, também subiriam um lugar, passando de 3º no primeiro concurso, para 2º no segundo concurso. Ambos os jogos foram criados em BASIC para MS-DOS. O primeiro jogo, 4 em Linha, era um simulador de Connect Four (1974) o famoso jogo da Milton Bradley, que aqui podia ser jogado por uma pessoa sozinha contra a máquina, o que implicou trabalho árduo ao nível das rotinas de IA. No segundo concurso, a dupla de irmãos, tendo em conta a necessidade do

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Videojogos em Portugal

carácter pedagógico, criou um jogo de perguntas que incidia sobre conhecimentos de geografia. O Rui Ferreira explicou-nos um pouco melhor o desenvolvimento e objectivos (ver Testemunho). TESTEMUNHO “Consistia numa base de dados organizada por conteúdos de cultura geral sobre lugares interessantes do planeta Terra e um jogo de perguntas contra-o-tempo acerca desses lugares. Muita da informação foi retirada de colecções temáticas da biblioteca de Vila Franca de Xira, pois era um local que eu frequentava e onde conhecia os funcionários. Ainda me lembro do trabalho árduo de edição e entrada de dados. Não foi apenas juntar informação, era igualmente, averiguar entre várias fontes, as informações mais importantes, colectar estatísticas para um módulo do programa onde esses dados eram mostrados em formato gráfico. Fazer mapas "à unha" - literalmente estive dias e dias a desenhar mapas mundo pixel a pixel - para serem usados numa camada de informação geográfica no jogo, onde os lugares podiam ser encontrados nesse mapa com um pequeno cursor de visualização.” Rui Ferreira, Agosto 2010 A.

B.

Figura 3.15 A. Matrecos (1990) de Luís Cerdeira; B. DOS (1991) de João Pereira.

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No 3º lugar do concurso Melhor Jogo, a Spooler colocou para além de 4 em Linha (1990), e em ex-aequo, o jogo Matrecos (1990) de Luís Cerdeira Silva, de Barcelos. O jogo tinha sido desenvolvido em Pascal e simulava o jogo de mesa com o mesmo nome. Enquanto no 3º lugar do concurso “Jogos Didáticos” ficaria o jogo “DOS” (1991) de João Pereira, um jogo criado em Pascal, de ensino da linguagem MS-DOS (Figura 4.15).



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A.

B.

Figura 3.16 A. Tutti-Fruti (1993) de João Zigue; B. Hercules (1995) de Fernando Abreu.

Apresentados os jogos vencedores dos dois concursos criados, resta agora apresentar os jogos apresentados ao longo de toda a primeira metade dos anos 1990, na coluna “A Colaboração do Leitor”. Os jogos apresentados nesta coluna tinham quase sempre como objectivo permitir que os leitores aprendessem a desenvolver os mecanismos de cada jogo na linguagem em que eram feitos. O código vinha na disquete que era distribuía com a revista, e com isso os leitores podiam aprender e evoluir com o trabalho de quem ali publicava. Podemos dizer que esta coluna do leitor realizava um serviço claro de ensino da programação, dado o seu carácter didático. Dois dos jogos mais interessantes apresentados ao longo destes anos foram Tutti-Fruti de João Zigue e Hercules de Fernando Abreu (Figura 4.16). Dois jogos de base arcade, baseados na lógica do labirinto visto de cima, do tipo Pac-Man. Enquanto Hercules era ainda feito apenas em BASIC, Tutti-Fruti era completamente desenvolvido em C, o que faria deste um jogo várias vezes referenciado como influente no desenvolvimento de outros jogos seguintes. Tutti-Fruti era um jogo que para altura apresentava já bastante diversidade, com 26 níveis, e 13 labirintos distintos. Possuía umas portas de teleporte que transportavam o jogador para áreas inacessíveis e o obrigavam a jogar com o puzzle do labirinto e a velocidade. Todos os ficheiros C incluindo os de desenho das matrizes do labirinto seriam disponibilizados pela revista, o que permitia que qualquer pessoa pudesse editar e construir novos labirintos. Os gráficos seriam feitos numa ferramenta de authoring da altura que nunca conseguiu grande projeção, o GRASP22.

Mais sobre GRASP pode ser visto na wikipedia. URL: http://en.wikipedia.org/wiki/GRaphics_Animation _System_for_Professionals 22

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Videojogos em Portugal

A.

B.

Figura 3.17 A. Crise no Golfo (1994) de Carlos Friaças; B. Batalha Naval (1993) de Paulo Caridade.

Na primeira metade da década, a Guerra do Golfo dos EUA sobre o Iraque em defesa do Kuwait, ocupava muitas das conversas e do imaginário das nossas inquietações. Nesse sentido em 1994 Carlos Friaças lembrou-se de pegar na estrutura de um simples Jogo da Glória e adaptá-lo tematicamente às questões política por detrás dessa guerra, atribuindo-lhe o nome de Crise no Golfo. O jogo era feito em Pascal para correr em MS-DOS. No ano anterior Paulo Caridade tinha submetido à Spooler um jogo que simulava o clássico de tabuleiro, Batalha Naval. (Figura 4.17). A.

B.

Figura 3.18 A. Dados da Sorte (1994) de Nuno Brito; B. Master Mind (1994) de Pedro Nunes.

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A emulação de jogos de tabuleiro é uma constante nesta altura. Denota uma maior preocupação com a construção técnica, do que propriamente com o design de jogo. Em 1994 o Pedro Nunes apresenta uma versão de Master Mind em Pascal, enquanto o Nuno Brito simulava o programa de televisão a Roda da Sorte, no jogo Dados da Sorte, também em Pascal (Figura 4.18).



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A.

B.

Figura 3.19 A. Poker (1994) de António Virgílio; B. Poker (1995) de Raquel Ferreira.

Logo depois iriam aparecer mais três simuladores de jogos de casino. O primeiro seria Slot Machine de Pedro Meireles feito em Visual Basic em 1994. Ainda nesse ano António Virgílio criava uma primeira versão de Poker em BASIC, e depois em 1995 seria a vez de Raquel Ferreira lançar uma segunda versão agora em Visual Basic (Figura 4.19). A.

B.

C.

D.

Figura 3.20 A. Jaime (1994); B. Voos (1994); C. Pik-Pok (1994); D. Glug-Glug (1994). Todos de Paulo Moreira.

Um dos contribuintes mais profícuos da “A Colaboração do Leitor” seria Paulo Moreira que entre 1994 e 1995 publicaria na revista quatro jogos. Os primeiros dois – Voos e Pic-Pock – em BASIC, e os segundos – Jaime e Glu-Glu – já em Pascal (Figura 4.20). Nos gráficos o Paulo Moreira utilizava

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Videojogos em Portugal

o Storyboard Plus, referindo que a sua entrada nos jogos em Pascal teria acontecido com a ajuda do jogo LABO (1990), o grande vencedor do concurso do Melhor Jogo em 1990.

3.2.2 Amiga

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Durante esta primeira metade dos anos 1990, Portugal veria ainda aparecer os seus primeiros e únicos jogos para o sistema Amiga da Commodore. Apesar de ser uma plataforma distinta do IBM, e utilizando um Sistema Operativo próprio, os jogos continuavam a ser criados em BASIC num dialecto próprio do Amiga, o AMOS BASIC. Tendo em conta os resultados e a data em que foram realizados é nosso entendimento que devem aparecer aqui enquadrados no âmbito dos jogos nacionais de Segunda Geração.

Figura 3.21 Total War (1992) de Paulo Laureano.

Paulo Laureano será o único criador nacional a desenvolver um jogo para uma das plataformas mais emblemáticas do final dos anos 1980, o Amiga 500. Nos gráficos teria a ajuda de Francisco



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Cordeiro, e para a programação utilizaria o AMOS. Tendo iniciado o desenvolvimento de Total War ainda nos anos 1980, só em 1992 é que este consideraria ter atingido o nível de jogabilidade suficiente para dar inicio à sua distribuição no formato de shareware através das BBS internacionais. Total War era um jogo de estratégia turn-based em que o objectivo passava por dominar o mundo (Figura 4.21). Em 1995 veríamos aparecer o segundo jogo nacional para Amiga, agora já para a versão 1200, com o processador 68020. Maniacos do Guito seria criado por Eurico Moita com grafismo de Luís Santos e música e som de Carlos Miguel. O Eurico Moita estava no 1º ano da Licenciatura em Informática, na Universidade de Lisboa, mas dava-se conta que o curso não cumpria as expectativas, nomeadamente no campo da programação, referindo que “estando desmotivado com o curso passava imenso tempo com a concepção do jogo como forma de escape”23. Ao fim de nove meses o jogo estava pronto para ser distribuído sendo feito por via de amigos, e ainda através da loja Centro Amiga em Lisboa, que oferecia uma cópia do jogo com a compra de cada novo Amiga.

Entrevista realizada por Instant Messaging a 1 de Abril de 2012. Apesar da desmotivação inicial, o Eurico Moita acabaria por se interessar pelo curso no ano seguinte e viria a terminar o mesmo em 2000, e ainda faria um Master em Criação de Jogos na Pompeu Fabra, Barcelona, em 2004. 23

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Figura 3.22 Maniacos do Guito (1995) de Eurico Moita.

O jogo apresenta-se como uma versão de T.G.I.F lançado em 1983 para o microcomputador Atari 800. T.G.I.F era um jogo social para mais de dois jogadores que consistia em angariar dinheiro ao longo da semana, terminando quando chegavam à sexta-feira (daí o nome do jogo, Thank Goodness It’s Friday). Em TGIF o gameplay era fundamentalmente baseado numa lotaria e na caça ao tesouro, em Maniacos do Guito, foram adicionados a compra e venda de itens, um concurso de bebida, e um campeonato de Pong. Maniacos do Guito, tal como T.G.I.F, faziam parte do género denominado de Party Games, a essência da sua jogabilidade estava na gestão da socialização entre os jogadores. Daí que não seja de estranhar que passados tantos anos Eurico Moita ainda receba e-mails de jogadores que recordam o jogo com nostalgia.

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3.3 A época do CD-Rom A meio da década de 1990 os jogos nacionais, continuavam a fazer a uso da plataforma IBM PC, mas deixavam para trás o suporte de registo em disquete e adoptavam o CR-Rom. Esta mudança não foi mero fruto da evolução tecnológica, mas antes uma necessidade, uma vez que os jogos passavam a apresentar em vez de gráficos vectoriais, imagens bitmap, em vez de som polifónico, música com qualidade CD. No caso da imagem em movimento, passámos a contar com vídeo completo, ainda que nos primeiros anos se tivesse recorrido a técnicas de grande compressão da qualidade, inclusive a redução do número de imagens por segundo, de 30 para 15. A época do CD-ROM irá dividir-se em 3 fases principais: (a) descobrimentos, (b) educação; e (c) entretenimento. Assim a primeira fase dirá respeito aos apoios provenientes da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, que estaria ativa entre 1982 e 2002. A segunda fase corresponde à descoberta do multimédia com o aparecimento do formato CD-i da Philips logo seguido pelo standard CD-ROM que a Educação soube agarrar muito bem. Esta fase foi muito impulsionada por dois concursos nacionais de software educativo - o Concurso Nacional de Software da Microsoft que surge em 1996, e o programa Nónio-Século XXI que surge em 1996



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e duraria até 2002. A terceira fase emerge de forma natural a partir do interesse de pequenas equipas em criar em Portugal um videojogo com todas as qualidades estéticas e tecnológicas capaz de ombrear com os jogos internacionais que chegavam até nós.

3.3.1 Descobrimentos Em 1991 a Comissão das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, presidida por Vasco Graça Moura, em conjunto com o Ministério da Educação lançam um Concurso Nacional de Ideias. José Luís Ramos professor da área de História da Universidade de Évora concorre com um projeto para um jogo sobre a viagem de Bartolomeu Dias (Figura 3.23). A proposta foi aprovada, e a equipa de produção passou a constituir-se por José Luís Ramos na coordenação, com quatro programadores José Gonçalo Pedro, Vicência Maio, Pedro Próspero Luís, Pedro Luis Seabra para o desenvolvimento do motor de jogo e interatividade, e um artista, o Francisco Bilou (Figura 3.24).

Figura 3.23 Viagem de Bartolomeu Dias (1995) coordenado por José Luís Ramos.

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Figura 3.24 Aguarelas de Francisco Bilou para Viagem de Bartolomeu Dias (1995).

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Iniciada a programação em C para MS-DOS, decidem mudar para C++ por forma a facilitar a criação de editores do motor de jogo para ambiente Windows. Os cenários são integralmente criados em aguarela e depois digitalizados. O José Luís Ramos refere como principal influência para a criação de Viagem de Bartolomeu Dias (1995) o jogo da Lucas Arts, The Secret of Monkey Islands (1992). O jogo seria terminado em 1994, e em 1995 o Ministério da Educação edita e distribui o jogo por várias escolas do país.

Figura 3.25 Prometeu. Gerador de Aplicações Gráficas Pedagógicas (1994).

Tal como sucedia com a Lucas Arts que tinha criado uma linguagem/motor de jogos, o SCUMM, para desenvolver os seus jogos, o grupo de José Luis Ramos sentiu também necessidade de criar o seu próprio motor de jogo, o Prometeu Gerador de Aplicações Gráficas Pedagógicas (Figura



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3.25). O editor tinha por base cinco elementos estruturais: 1. As personagens; 2. Os contextos ou cenários onde as personagens desenvolvem as acções; 3. Os objectos; 4. As acções que podem ser animação ou diálogos; 5. Indicadores de estado/mecanismos de controlo sobre as acções. Por detrás do desenvolvimento do jogo, e tendo em conta o carácter didático do projecto, existia ainda a ideia de que o motor por permitir um acesso facilitado ao desenvolvimento de aplicações multimédia poderia servir os professores no desenvolvimento de aplicações e jogos para as suas necessidades educativas. Como se tratava de um projeto financiado por dinheiros públicos, o motor não seria comercializado mas libertado juntamente com o jogo pelo Ministério da Educação em 1995. Apesar desta caracterização e tentativa de lançar o uso do motor junto da classe docente, não se conhece até à data nenhuma outra aplicação do motor para além de Viagem de Bartolomeu Dias (1995). Em 1996 o grupo Forum inicia as suas actividades na área do multimédia lançando a primeira versão do seu reconhecido Guia de Profissões em formato CD-Rom, criando know-how para o boom de CD-Rom que se seguiria, quase todos no formato Macromedia Director. Com um investimento muito forte na história nacional, não só por causa dos apoios da Comissão das Comemorações dos Descobrimentos Portugueses mas também do evento Expo 9824, mas com uma orientação sempre enfatizada pelos aspectos educacionais. É preciso salientar aqui, que dos mais de vinte CD-Roms desenvolvidos pelo grupo Forum nesta época, apenas dois se caracterizam como videojogos, não passando os restantes de meras bases de dados ilustradas digitais. Aliás algo que fica bem exemplificado nas palavras de Marco Morais, coordenador do primeiro videojogo do grupo Forum, As Aventuras da Peregrinação (1997) (Figura 3.26) (ver Testemunho). TESTEMUNHO “Porque desde de que comecei a programar, sempre tive a ambição de fazer um jogo em Portugal, não foi uma tarefa fácil convencer as pessoas do Grupo a apoiarem a aventura de fazer um jogo, uma das formas que consegui, foi conciliar uma vertente "educacional" com um jogo.” Marco Morais, Abril 2012

A Expo 98, ou Exposição Mundial de 1998, realizou-se em Lisboa, Portugal de 22 de Maio a 30 de Setembro de 1998 sob o tema "Os oceanos: um património para o futuro". 24

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Figura 3.26 Prometeu. Gerador de Aplicações Gráficas Pedagógicas (1994).

Em 1997 o Grupo Forum dedica o seu primeiro videojogo ao explorador português Fernão Mendes Pinto, desenvolvendo As Aventuras da Peregrinação como uma obra dividida em seis quadros narrativos ou seis níveis. O videojogo apresenta-se como uma dramatização da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, que em seis momentos da história dá a possibilidade de, através de mecânicas de jogo, resolver alguns dos problemas que Fernão Mendes Pinto terá enfrentado na sua viagem. Neste processo o videojogo coloca o jogador no lugar do explorador, criando um forte sentimento de identificação e assim facilitando a aprendizagem dos eventos por

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parte do jogador (Figura 3.27).



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Figura 3.27 Ecrãs de As Aventuras da Peregrinação (1997) do Forum Multimedia.

O videojogo foi coordenado por Marco Morais, responsável também por toda a programação, contando na parte gráfica com Carlos Caetano, e ainda no apoio à ilustração, som e música com mais três pessoas. Estas cinco pessoas demoraram entre quatro a seis meses a desenvolver todo o jogo, o que demonstra bem todo o poder da plataforma da Macromedia, o Director, para o desenvolvimento deste tipo de projectos.

Figura 3.28 Vasco da Gama: A Grande Viagem (1998) do Forum Multimedia.

Depois em 1998 o Grupo Forum vai dedicar o seu segundo videojogo a Vasco da Gama, com a obra intitulada, Vasco da Gama: A Grande Viagem (1998) (Figura 3.28). A Grande Viagem, foi um

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projecto grande em termos de criação de experiência multimédia. O videojogo vinha num CDRom, tal como a Peregrinação, mas para além deste trazia a acompanhar um Diário de Bordo com actividades para estimular a interacção do jogador com os eventos do jogo e que podia ser utilizado nas salas de aulas. Na caixa vinha ainda um segundo CD, um CD-Áudio com toda a banda sonora do jogo. A experiência era depois complementada por um sítio na internet com informação específica para os professores ou pais. Na componente on-line era ainda possível descarregar mais jogos, nomeadamente os correspondentes à viagem de regresso de Vasco da Gama.

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O jogo criado por Alice Alcobia, Luís Alcobia e Paulo Pinho optou por apresentar uma perspectiva colectivista da viagem, retirando protagonismo na acção a Vasco da Gama, colocando-o mais no lugar de contador da história da viagem. Deste modo o jogador tem oportunidade descobrir as necessidades inerentes à condução de um barco através do alto-mar como, e assim compreender que se tratava de algo impossível sem o esforço colectivo (Figura 3.29).

Figura 3.29 Ecrãs de Vasco da Gama: A Grande Viagem (1998) do Forum Multimedia.



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3.3.2 Educação A área da educação assumiu nesta fase do desenvolvimento de videojogos nacionais o seu ponto mais alto. Mesmo na fase anteriormente descrita como a dos Descobrimentos, pudemos perceber que o objectivo passava sempre por assumir um carácter educacional por forma convencer entidades financiadoras. Em suma, tendo em conta as verbas necessárias à produção com qualidade de materiais digitais interactivos, quem trabalhava na área em Portugal viu-se obrigado a ceder em toda a linha de conteúdos por forma a poder tornar sustentável financeiramente a produção. Ainda assim, os CD-Roms que podemos entender como obras com características explicitas de videojogo, ou seja como objetos completos com um objectivo e uma linha lúdica com princípio, meio e fim, são em número muito reduzido. A grande maioria dos CDRoms produzidos nesta fase, tendo ultrapassado aquilo que no ponto anterior designámos de bases de dados ilustradas, passaram apenas a incluir mais animação, e alguns mini-jogos básicos, em que as suas mecâncias de jogabilidade tinham pouca ou nenhuma relação com a essência temática do CD-Rom. Mini-jogos do tipo caça-palavras, o enforcado, palavras-cruzadas e muitos Quizzs, que para além de serem demasiado simples para serem englobados nesta resenha histórica, muitos deles não passavam de cópias com tradução, de mini-jogos presentes em CDRoms estrangeiros com objectivos semelhantes. Deste modo nesta fase destacamos o videojogo, Jardim Encantado (1999) de Graça Gonçalves. Uma obra financiada pelo Serviço de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito de um projecto pedagógico europeu para alunos do ensino básico e secundário. O jogo global realizado no âmbito do projecto dizia respeito aos Jardins da Europa, tendo sido escolhido para o caso português o Jardim da Quinta da Bacalhoa. O jogo funciona no modelo tradicional de aventura gráfica com recurso a enigmas e pistas, como se pode ver na sinopse (ver testemunho). TESTEMUNHO* “A resolução do mistério passa por encontrar nove tesouros. Ao descobrir cada um destes tesouros conquista-se uma carta. Uma conquista que evolve três enigmas. Por isso, a carta está dividida em três partes e só vai ficando nítida à medida que os respectivos enigmas forem solucionados. Cada carta tem escrito um sentimento, uma maneira de sentir, que se refere a esse tesouro. Nesse sentimento está destacada uma letra. Depois de se terem conquistado as nove cartas, juntando todas as letras (destacadas nos vários sentimentos) descobre-se finalmente o mistério.” Sinopse no *CD-Rom Jardim Encantado 1999

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Em 1998 Carla Vieira de Faria depois de ter ficado desempregada juntamente com o marido, e com um filho portador de paralisia cerebral, resolve abordar as possibilidades multimédia dos computadores. Assim inicia uma série de videojogos dirigido a crianças com deficiência e sem. O primeiro jogo a sair será A Cabana do Papim (1998), que cria a imagem de marca e propriedade intelectual para Carla Faria. O jogo torna-se um sucesso de vendas, atingindo vários TOPs nacionais. Como todo esta recepção Carla Faria continua o caminho aberto, e desenvolve O Meu Baú dos Brinquedos (1999), e a fechar a trilogia, Aventura na Ilha das Cores (2001) (Figura 3.30). Todos estes tiveram grande recepção, tendo sido agraciados com vários prémios do Concurso Nacional de Software Educacional do Ministério da Educação e ainda da Microsoft Portugal. Em termos de vendas todos atingiram pelo menos a 6ª edição.

Figura 3.30 A trilogia de jogos para crianças de Carla Faria e Pedro Faria.

Segundo Carla Faria, os três jogos funcionam como um caminho evolutivo, partindo dos jogos mais simples em A Cabana do Papim, no qual não é necessário saber ler e os jogos aparecem de modo isolado, até atingir um ambiente mais intrincado em Aventura na Ilha das Cores.

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TESTEMUNHO* “A "Ilha das Cores" é o ponto de partida num jogo onde o objectivo principal é recuperar as sete cores do Mundo da Fantasia, roubadas por duendes malvados, para que a máquina do Arco-Íris volte a funcionar. Para isso existem sete caminhos que levam, cada um deles, a um desafio diferente apresentado por uma nova personagem. Ao ajudar a personagem, com sucesso, o desafio é ultrapassado e é ganha a cor correspondente.” Sinopse no *CD-Rom Aventura na Ilha das Cores, 2001



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3.3.3 Entretenimento A dimensão do entretenimento é, sem surpresa, a que menos desenvolvimentos teve neste período em Portugal. Como dissemos em relação aos jogos educacionais, os custos de desenvolvimento eram caros, e as empresas portuguesas não estavam habituadas a entrar com capital próprio de risco, sendo sempre demasiado dependentes de financiamentos do estado ou instituições fundacionais. Deste modo neste campo podemos apenas fazer menção a dois projectos comerciais completos, Gambys saído em 1995 (Figura 3.31), e Portugal 1111 saído em 2004. Pelo meio tivemos outros projectos menores como Golo 98 (1998), ou ainda Tubyc (1999).

Figura 3.31 Gambys (1995) da Portidata.

Em 1993 um dos membros da equipa que tinha criado os primeiros jogos comerciais para ZX Spectrum, Rui Tito, volta a encetar uma nova incursão no mundo dos videojogos. Desta vez juntase ao ilustrador e animador Luís Peres, ao programador Carlos Leote, e Nelson Russa no game design, sob o nome Portidata. A ideia era criar um videojogo evoluído graficamente, muito além das limitações do Spectrum dos anos 1980. As máquinas utilizadas para o desenvolvimento eram 486 a 66Mhz, sendo o software base para todo o 3d, o 3d Studio 2.0. No gameplay Gambys foi desenhado com uma centena de níveis que nos levam através de dezenas de puzzles que garantem o sentimento de progressão através do aumento contínuo dos

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níveis de dificuldade, conseguindo garantir mais de oito horas de entretenimento. O tema do jogo gira em volta de uma iminente catástrofe ecológica no planeta Terra e dos esforços de salvação, a levar a cabo pelo jogador no controlo de uma das espécies mais antigas do planeta, os Gambys.

Figura 3.32 Ecrãs de Gambys (1995) da Portidata.

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Gambys acabaria assim por marcar a história portuguesa de desenvolvimento em várias frentes, sendo o primeiro jogo nacional a fazer uso de animação 3d, o primeiro jogo nacional a ser vendido em caixa nas lojas, e a primeira equipa a trabalhar a tempo inteiro profissionalmente no desenvolvimento de um jogo durante dois anos. TESTEMUNHO* “Tecnicamente bom sem necessidade de acrescentar-se o “para Portugal”, Gambys é um produto que pode bem ser “cartão de visita” no mercado internacional.” José Antunes, in *Mega Score, Novembro 1995



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Gambys foi muito bem recebido em Portugal (ver Testemunho) e Espanha, mas não saiu destes dois mercados, apesar de trazer no CD-Rom versões em Português, Espanhol, Inglês, Francês e Alemão. Luís Peres conta-nos que existiam negociações entre e Portidata e a Psygnosis para o lançamento mundial, que inclusive esta tinha enviado pessoas a Portugal para acompanhar o projecto. Mas depois aconteceu o inesperado como nos diz Luís Peres (ver Testemunho). TESTEMUNHO “Tivemos o grande azar de termos aparecido com o GAMBYS ainda em DOS, numa altura em que o Windows 95 estava a chegar. Apesar de termos um produto de reconhecida qualidade ficámos encalhados porque na altura do lançamento o que estava a dar eram os primeiros jogos a serem produzidos para Windows e todas as companhias deixaram de arriscar investir em jogos DOS precisamente no momento em que acabámos o GAMBYS. Deste modo o nosso jogo acabou por não fazer carreira internacional, porque tanto a Psygnosis como a Virgin Games acabaram por avançar para a fase Windows deixando para trás as produções em DOS.” Luís Peres, Outubro 2010

Esta é uma realidade complexa para uma pequena equipa, porque numa situação destas não tem capacidade de resposta, para poder rapidamente realizar os ajustes necessários à mudança do Sistema Operativo. O mercado nacional e espanhol foram suficientes para cobrir os custos, mas nos anos que se seguiram, e dado o elevado valor de produção e os risco da produção de videojogos, a Portidata dedicou-se quase em exclusivo à produção de software de gestão. Por outro lado no final dos anos 1990 as tecnologias existentes permitiam voltar a sonhar, criar jogos com pequenas equipas de uma ou duas pessoas. E foi assim que em 1999, estimulados por uma cadeira laboratorial do curso de Novas Tecnologias da Comunicação na Universidade de Aveiro, Nelson Zagalo e Luís Mouta desenvolvem o seu primeiro jogo completo para cd-rom, Tubyc – O tesouro do arco-íris (Figura 3.33). O jogo era fortemente inspirado em Myst (1993) tanto no gameplay baseado em enigmas, como no modelo de interação. O resultado foi uma aventura gráfica totalmente pré-renderizada em 3d Studio Max, sobre a qual se interagia através de uma camada de interactividade “point-n-click” desenvolvida no Macromedia Director. O gameplay de Tubyc estava assente nos tradicionais modelos da aventura gráfica, em que em cada nível precisávamos de encontrar um número de objetos, que iriam servir para permitir a passagem ao nível seguinte. Em termos de personagens, o Tubyc era central mas existia uma personagem secundária, que era o ajudanta do jogador o Potinho.

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Figura 3.33 Tubyc. O tesouro do arco-íris (1999), de Nelson Zagalo e Luís Mouta.

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O jogo era constituído por três níveis distintos: o labirinto, o corredor, e a sala final. O labirinto apesar de possuir uma navegação em “point n click” foi desenvolvido sob um sistema complexo de construção inter-sprites que permitia gerar novas configurações do mesmo sempre para evitar que se pudesse memorizar o mesmo. O jogo trazia mesmo um editor que permitia ao jogador construir ele próprio novos labirintos. O jogo apresentava conteúdos gráficos, textuais, musicais e vários vídeos com animações 3d construídas seguindo a lógica de cutscenes. O jogo seria apresentado publicamente pela primeira vez no Dia Aberto da Universidade de Aveiro em 1999. O mercado do CD-Rom foi muito forte na segunda metade dos anos 1990, mas o início dos anos 2000 viu este formato entrar muito rapidamente em declínio, com o aparecimento de tecnologias como o Macromedia Flash era possível criar todo o tipo de conteúdos que se criavam num CD-Rom mas agora online, com todas as vantagens que daí advinham. Contudo em Portugal ainda vamos poder assistir a um último grande lançamento neste formato. Na primeira metade da década de 2000, mais precisamente a 22 de Abril de 2004, juntamente com a revista Visão e pelo preço adicional de 9,50 euros, era lançado o videojogo Portugal 1111 (Figura 3.34).



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Figura 3.34 Portugal 1111 (2004), da Ciberbit.

Figura 3.35 Ecrãs de Portugal 1111 (2004), da Ciberbit.

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Portugal 1111 recriou a conquista do território português aos mouros, através de um jogo de simulação de luta em tempo real, pela sobrevivência de uma comunidade medieval num território disputado entre duas civilizações (Figura 3.35). O jogo foi criado pela Ciberbit, contando com o investimento da Câmara Municipal de Soure e a consultoria científica de investigadores de História da Universidade de Coimbra. Em termos de gameplay Portugal 1111 identifica-se com jogos como Age of Empires, não ficando atrás em nada, apresentando uma qualidade notável tanto a nível gráfico como no controlo de inteligência artificial. Todos estes atributos fazem de Portugal 1111, um dos jogos mais importantes da história nacional. O projecto que deu origem ao jogo, foi desde o seu início pensado e coordenado com muita convicção e motivação pelo professor da Universidade de Coimbra, Joaquim Carvalho. Deste modo, a melhor forma para percebermos o que está por detrás de Portugal 1111 é ler as respostas de Joaquim Carvalho às questões que lhe colocámos (ver Testemunho). TESTEMUNHO 1 - Como começou tudo? “A ideia do jogo surgiu em 1998 fruto de uma confluência de circunstâncias: 1) Eu tinha colaborado em 1998 com a Ciberbit, em especial o Eng. Nuno Gouveia na elaboração de um CDROM [25 de Abril - Uma Aventura democrática, 1998] e durante os trabalhos várias vezes partilhámos um interesse comum em fazer um projecto na área de jogos. Fiquei convicto que a Ciberbit tinha o know-how e talento para fazer um jogo de qualidade. 2) A minha tese de doutoramento tinha sido sobre a História de Soure, embora num período diferente do tratado no jogo. Em 1998 estava muito interessado em modelos computacionais da vida social e da evolução histórica, e tinha publicado sobre isso. Usava muito um software de simulação chamado AgentSheets que ajudava a perceber que um jogo é basicamente um modelo computacional com um interface sofisticado. Era possível fazer um mini SimCity com facilidade nesse software.

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3) Ainda em 1998 tive uma conversa longa com o presidente da Câmara de Soure em que falámos de diferentes formas de valorizar a rica história de Soure e sugeri, entre muitas outras coisas, a elaboração de um jogo. O Dr. João Gouveia ficou muito entusiasmado e pediu-me uma proposta concreta. O passo seguinte foi uma proposta que elaborei, depois de um processo de negociação com a Ciberbit que definia três objectivos para o jogo: 1. divulgar a história do concelho, 2. ter um conteúdo pedagógico e socialmente positivo



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3. inovar na indústria de jogos. A proposta definia ainda um modelo financeiro em que a câmara financiava a produção suportando o que estimávamos ser metade dos custos, obtendo em troca 3000 exemplares do jogo mas deixando os direitos de exploração comercial à Ciberbit. Esse modelo revelou-se muito eficaz, porque a empresa tinha interesse em ter um produto com relevância comercial e tinha o investimento necessário atenuado; a câmara obtinha exemplares suficientes para colocar em todas as escolas do país mas beneficiava ainda sem custos da promoção e difusão comercial do jogo (que acabou por ser feito junto com a revista visão, vendendo 22.000 exemplares em poucos dias).” 2 - Porquê um jogo, e não um CD-Rom educativo? “O que se queria era mesmo fazer um jogo. Um CD-Rom educativo nunca foi uma opção (suponho que se refere a produtos simples, feitos com ferramentas simples). Do nosso ponto de vista um jogo, sobretudo um jogo baseado num modelo computacional cuidado, tem uma eficácia educativa muito mais elevada do que qualquer CD-Rom Interactivo.” 3 - Quem financiou o projecto? “O projecto foi financiado pela Câmara de Soure e pela Ciberbit. Do lado da Câmara o investimento foi de cerca de 100.000 euros aos valores de hoje. Não consigo estimar o valor do lado da Ciberbit, que foi em desenvolvimento. Recordo que o jogo vendeu 22.000 exemplares com preço de venda final de 9.50 euros. Não vendeu mais porque se não fizeram mais, infelizmente.” 4 - Quantas pessoas e com que perfis trabalharam no desenvolvimento? “No total cerca de 14 pessoas trabalharam no jogo, em diferentes momentos, incluindo: historiadores, programadores, artistas gráficos, modeladores 3D, músicos, sonoplastas e pessoas de apoio.” 5 - Esta foi uma experiência isolada, porquê? “Havia experiência de produtos multimédia anterior, mas jogos com o grau de sofisticação do Portugal 1111 não houve mais, infelizmente, porque nunca arranjámos um co-financiador semelhante à Câmara de Soure.” 6 - O que foi mais complicado desenvolver? “Eu não consigo avaliar as dificuldades técnicas associadas ao "motor" do jogo [Wonabit], que é algo de extrema complexidade porque tem toda a parte gráfica, animações, execução do modelo subjacente, música, sonoplastia, interacção com o utilizador, tudo em tempo real como é próprio de um RTS. Do meu ponto de vista o mais complexo, porque é o que determina a jogabilidade, é o modelo subjacente, ou seja aquilo que determina a interacção entre recursos,

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estruturas, agentes, geografia, tempo, etc... No caso do PT 1111 esse modelo tinha não só que produzir um jogo interessante de jogar mas tinha também de manter uma relação estreita com a realidade histórica, porque era um requisito que o jogo tivesse um valor pedagógico. A definição do modelo foi um processo altamente criativo que envolveu não só os historiadores mas também os programadores, que descobriram formas realmente criativas para representar aquilo que os historiadores achavam ser importante. Não estamos a falar de grafismos estamos a falar de processos causais entre as representações da sociedade da época. Isso é complicado.” Entrevista com Joaquim Carvalho, Abril 2012

Nos restantes anos da década de 2000, os CD-ROMs que já tinham dado lugar ao on-line, ainda tiveram uma última encarnação no formato de DVD-Rom, mas este foi um modelo que acabou por desaparecer em Portugal, tendo o seu auge ficado marcado como pudemos ver, pelo final dos anos 90.

RESUMO Ao longo deste capítulo pudemos ver a evolução ocorrida dos jogos desenvolvidos com recurso a poucos recursos de multimédia ao aparecimento do CD-Rom e a consequente entrada de todas as valências multimédia no domínio da informática. Pudemos ainda ver como a dependência do estado para criar projetos maiores condicionou esses projetos a temáticas educacionais, sendo que apenas um fracção desses projetos apresentava um verdadeiro trabalho de desenho de jogo, estando muito mais preocupados com a transmissão do conhecimento do que com a experiências geradas. Ainda © FCA – Editora de Informática

assim de salutar os jogos desenvolvidos no âmbito das comemorações dos Descobrimentos, e claro todos os projetos desenvolvidos de forma livre, sem condicionamentos temáticos.





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Capítulo 4

Criação de Comunidade Nacional [2002...] No capítulo anterior discutimos as plataformas de desenvolvimento de jogos em CD-ROM, que na sua maioria eram denominadas de ferramentas de authoring multimédia. Interessa-nos agora perceber como apareceram os motores de jogo antes de avançarmos para análise dos desenvolvimentos nacionais. Nesse sentido vamos não apenas procurar compreender como surgiram mas também que suporte tinham em termos de comunidade, tanto no campo da indústria como no campo da Academia.

4.1 Tecnologia dos motores de jogo A O termo motor de jogo vai aparecer a meio dos anos 1990, com o aparecimento dos primeiros sistemas que permitiam desenvolver ambientes 3d interactivos. O primeiro a aparecer com esta designação seria o Doom Engine que apesar de não ser integralmente 3d, no sentido em que não permitia criar níveis sobrepostos devido ao modo como as verticais eram desenhadas, seria reutilizado para criar Doom II, e licenciado por outras equipas como por exemplo a Raven Software que faria HeXen (1995) e Heretic (1996). Com o motor de Doom vão aparecer os primeiros Level Editors criados pelas comunidades de programadores. Estes editores eram disponibilizados online pela comunidade e permitiam que qualquer pessoa alterasse e recriasse completamente os níveis do jogo, incluindo criar níveis completamente novos. Para que isto fosse possível, John Carmack que tinha assistido a tentativas de transformação por parte dos jogadores sobre Wolfstein 3d, resolveu criar o motor de Doom de modo a que todos os conteúdos do jogo estivessem em ficheiros separados (os famosos WAD files), bastando depois alterar os conteúdos desses ficheiros para alterar os níveis. John Carmack e John Romero defendiam a ideologia hacker do “copy left”, de permitir que as pessoas partilhassem e construíssem sobre o trabalho dos outros. Ideias que lhes levantariam imensos problemas internamente na id Software mas que claramente viriam a justificar-se no enorme sucesso de Doom. Quando Doom sai em versão shareware, rapidamente programadores por todo o mundo começam a entrar no motor de Doom e a procurar modificar partes do jogo. O

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processo de modificação torna-se tão vasto junto da comunidade de fãs, que começam a surgir ferramentas para editar o motor, incluindo o Doom Editing Utility. Todos estes níveis criados por fãs passam a receber a designação de MOD, fruto da palavra Modification. Através dos WAD files era apenas possível alterar os conteúdos, o que fazia com que toda a jogabilidade, os comportamentos e regras do jogo permanecesse muito iguais de nível para nível. Nesse sentido a comunidade rapidamente disponibiliza DeHackEd um editor para o ficheiro executável de Doom que iria permitir que os programadores alterassem não apenas os conteúdos, mas toda a programação do motor, incluindo os comportamentos dos objectos, personagens e cenários. TESTEMUNHO* “Ainda me lembro da primeira vez que vi o Mod original de Star Wars DOOM. Vendo como alguém tinha colocado a Estrela da Morte no nosso jogo fez-me sentir incrivelmente bem. Eu estava tão orgulhoso do que tinha sido possível, e estava completamente certo de que fazer jogos que poderiam servir como uma tela para outras pessoas poderem trabalhar era a direção correcta a seguir.” John Carmack em entrevista à *Slashdot em 199925

Em 1996 a id Software lançaria Quake, e com este o Quake Engine criado por John Carmack, o primeiro motor com renderização realista de 3d integral em tempo-real para PC. Nesse sentido o Quake Engine torna-se o motor de jogo mais re-utilizado, sendo utilizado como base de partida, na segunda metade da década dos anos 1990 em quase todos os grandes jogos first-person shooter, incluindo Half-Life (1998). Aliás o seu uso vai mesmo para além dos anos 1990, podendo ainda hoje encontrar-se ramificações derivativas do mesmo em séries de jogos como Star Wars

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Jedi Knight, Call of Duty, Medal of Honour, Half-life, Soldier of Fortune, ou Portal. Agregado ao motor vão aparecer vários editores para criação de mundos tridimensionais interactivos, sendo o mais importante Worldcraft (Figura 4.1), que depois evoluiria para se tornar no Hammer o editor de mapas do motor Source da Valve.

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Entrevista dada ao Slashdot em 1999 - http://slashdot.org/story/99/10/15/1012230/john-carmack-answers

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Figura 4.1 Interface do editor de mapas de Worldcraft (1996).

No final da década em 1998 a maior parte destes motores eram desenhados já tendo em mente a reutilização por terceiros. As equipas começaram a perceber que os motores podiam servir como uma fonte de rendimento adicional, para além de facilitarem e acelerarem a criação de sequelas. Os dois mais conhecidos e utilizados na indústria seriam o de Quake III Arena da id Software, e o de Unreal da Epic’s Games. A.

B.

C.

Figura 4.2 A. 3D GameStudio (1995); B. DIV Games Studio (1998); C. Blitz3d (2001).

Ao mesmo tempo, no final da década de 1990 e início de 2000, o mercado de motores acessíveis vai explodir, com ofertas vindas de todo o globo. Estes pacotes de software eram desenhados segundo o espírito das ferramentas de authoring que discutimos no capitulo anterior. Pacotes que pretendiam criar atalhos, e eram por isso mesmo apelidados de middleware, na criação dos videojogos, facilitando aos designers de jogos a implementação e teste de ideias em protótipos jogáveis. Foram vários os pacotes internacionais utilizados em Portugal: o alemão 3D GameStudio (Figura 4.2A), lançado em 1995; o espanhol DIV Games Studio lançado em 1998 (Figura 4.2B); o

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Videojogos em Portugal

americano Genesis3D também de 1998; o britânico DarkBASIC em 1999 : o holandês Gamemaker em 1999; e o neozelandês Blitz3d lançado em 2001 (Figura 4.2C). Paulo Faria será um dos criadores nacionais que mais eficazmente vai tirar partido desta nova corrente. Depois de ter investido alguns anos no desenvolvimento de jogos do tipo point-andclick, é em 2000 que vai lançar Fog Town (Figura 4.3A) uma demo de um FPS, do tipo Doom, desenvolvido no motor Genesis 3d. Depois em 2003 faz a sua primeira experiência com a versão A6 do 3D GameStudio, criando a demo Plat Balls (Figura 4.3B). A.

B.

Figura 4.3 A. Fog Town (2000); B. Plat Balls (2003).

Com toda experiência acumulada em 2005 Paulo Faria lançará um jogo completo que se tornará um sucesso nacional, TranceBall. Criado também através do 3D GameStudio, será objecto de pedagogia por parte da revista Mega Score que irá publicar de Julho de 2004 a Maio de 2005 artigos mensais na forma de “Diário de Desenvolvimento” (Figura 4.4). Paulo Faria aproveita estes textos para explicar detalhadamente os desenvolvimentos e problemas mês a mês, pode-se perceber os problemas que enfrenta um game designer, e o tempo que pode levar o desenvolvimento de um jogo que no momento em que o jogamos nos parece algo coisa simples

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e fácil de desenvolver.



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Figura 4.4 Diário de desenvolvimento do jogo Tranceball (2005) nas páginas da revista Mega Score (Julho 2004 a Maio 2005).

Ao longo deste diário e jogando o jogo podemos perceber claramente os problemas que enfrenta um designer de jogos quando é obrigado a recorrer a um motor de jogo previamente criado. O mais evidente é sem dúvida a falta de flexibilidade do sistema, para se adaptar às necessidades concretas do designer, o que implica constantes ajustes no design e nos objectivos do jogo ao longo da sua implementação. Demonstrando de algum modo porque é que que as grandes casas de criação de jogos continuam ainda nos dias de hoje a investir muito dinheiro na criação de motores proprietários para cada jogo. Contudo isto não tira o valor aos motores de jogo que podem continuar a servir a criação quando se trata de equipas pequenas como era este caso. É muito difícil a uma pequena equipa independente desenvolver o seu próprio motor e em cima deste todo o jogo com apenas uma mão cheia de pessoas.

4.1 Motores nacionais No final dos anos 1990 vai dar-se uma revolução em Portugal no campo da criação de motores gráficos em tempo real para desenvolvimento de videojogos. A internet torna-se acessível, o conhecimento é democratizado e em várias partes do país, jovens que estão a acabar os liceus nacionais e à procura de Universidades para estudar, começam a fazer uso da informação disponível na rede, nomeadamente informação sobre métodos de computação gráfica (ver

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testemunho de Tiago Sousa). Assim e apesar das dificuldades enunciadas anteriormente no desenvolvimento de motores proprietários por pequenas equipas, Portugal vai dar origem a várias equipas que vão desenvolver os seus próprios motores de jogo. TESTEMUNHO “Foi graças à internet e partilha de informações que aprendemos nessa altura bastante sobre computação gráfica. Ainda me lembro de ir para o cyber café do Forum Picoas ler os velhinhos tutoriais do “Denthor of Asphyxia ” sobre transformações / rasterização.” Tiago Sousa, Abril, 2012

As razões que levaram essas equipas a seguir pelo caminho do motor proprietário assentava essencialmente sobre três factores: falta de flexibilidade; custos de aquisição; e vontade de aprender e dominar a arte da computação gráfica. Quando questionei o Diogo Teixeira porque é que nos projetos nacionais por onde passou nunca optaram por usar motores de terceiros Director, 3d Game Studio ou DIV - a reposta foi o testemunho que se pode ler abaixo. TESTEMUNHO

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“Estes serviam para certo tipo de jogos mas não para outros, eram limitados e não eram baratos do ponto de vista de um grupo de jovens sem rendimentos. Por estas e outras razões, eram vistas como ferramentas inferiores pela indústria e possuíam um estigma associado; eram mesmo desaconselhados pelos veteranos. Ninguém numa boa posição na indústria iria contratar programadores que usassem estas ferramentas. Já no caso do Quake ou Half-Life eram ambos extremamente limitados a FPS, não possuíam qualquer tipo de documentação oficial e a pouca que existia, além de ser escrita por amadores era críptica e dispersa. Isto para não falar na questão do licenciamento. Eram motores de licenciamento dispendioso e exclusivo. Rapidamente percebemos que as alternativas, na altura, eram poucas e de baixa qualidade. Depois há a razão mais importante de todas: reinventar a roda é importante e moldou positivamente o desenvolvimento de todos os elementos da equipa.” Diogo Teixeira, Abril 2012

O primeiro motor de desenvolvimento de videojogos nacional terá sido Prometeu de 1994 de que falámos no capítulo anterior. Como nos disse José Luís Ramos o motor foi financiado por dinheiros públicos e por isso era gratuito, contudo não foi utilizado além da “Viagem de



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Bartolomeu Dias” (1995). A falta de divulgação, apanágio de muitos dos projetos científicos, para isso terá contribuído. Deste modo em 1998 Diogo Teixeira26 com apenas 16 anos resolve criar o seu próprio motor gráfico, o Hyper32. A viver na Figueira da Foz, partiu para o desenvolvimento do seu primeiro motor para a criação de jogos 2d, em ambiente Pascal. Depois seguiu-se o Hyper64 já em Delphi, mas ainda para 2d em 2000, ano em que lança o seu primeiro motor 3d, o motion3d. Sempre em ambientes Pascal, é apenas em 2003 que Diogo resolve criar o seu primeiro motor 3d em C++, o motion e que seria utilizado como motor de base para o projeto nacional RC Mania. Como se pode deduzir das suas palavras acima, o seu objetivo nunca foi criar jogos fantásticos, mas antes desenvolver a melhor tecnologia possível para permitir a outros criar jogos fantásticos.

Figura 4.5 Imagens do jogo Skull 3 (2000) de Diogo Lapa. Criado sobre o Hyper32).

A prova disso é que o Hyper32 foi utilizado em 2000 por Diogo Lapa para criar uma versão da sua série de jogos de plataforma, Skull (Figura 4.5). Diogo Lapa tinha começado a desenvolver as suas primeiras experiências no motor espanhol DIV. A sua série Skull foi um enorme sucesso além fronteiras tendo ganho o prémio Best Gameplay da competição DIV Games Creator 2000 da revista britânica PC Zone em 2001 (Figura 4.6).

Detalhes sobre cada um dos motores desenvolvidos por Diogo Teixeira podem ser vistos na sua página em http://diogo.codingcorner.net/category/oldengines/ 26

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Figura 4.6 Prémio para Skull de Diogo Lapa reportado pela revista britânica PC-Zone em 2001.

Com o sucesso conseguido fazendo uso do DIV, Diogo Lapa resolveu experimentar o motor do Diogo Teixeira, para criar Skull 3, e foi assim que surgiu o primeiro Skull da série criado com ferramentas nacionais. Por outro lado o Hyper 64 viria a ser utilizado por Mário Luzeiro e Fábio Pereira para criarem demos para o Inercia 2001, o festival de demoscene nacional (Figura 4.7).

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A.

B.

Figura 4.7 A. Imagem de the 1st revelation (2001) de Mário Luzeiro; B. Imagem de Never Finished (2001) de Fábio Pereira. Ambos criados sobre o Hyper64.

Assim no final dos anos 1990, tínhamos na Figueira da Foz, o Diogo Teixeira a iniciar-se na criação de motores gráficos 3d em tempo real. Em Lisboa tínhamos o Tiago Sousa com o seu motor gráfico a criar a primeira equipa amadora de 3d, a True Dimensions, com Marco Vale. No Porto tínhamos o Bruno Ribeiro partindo do seu motor para lançar a equipa amadora 3d, a Gamelords,



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com Jeffrey Ferreira e Filipe Pina. E na Madeira, Roberto Varela e Rogério Silva iniciam-se na criação do seu motor 3d para o projecto Doshowbiku. Tínhamos em Portugal toda a massa crítica necessária ao desenvolvimento de projectos de qualidade internacional. Vale a pena ver em maior detalhe o que fizeram estas pessoas em Portugal, e internacionalmente.

4.2.1 True Dimensions [1999-2002] Em 1998 Tiago Sousa começou a enviar pequenos jogos para a revista Megascore, que os disponibilizava no CD-Rom da revista. O Marco Vale, a viver em Barcelos, gostou de jogar os seus jogos, mas achou que a arte podia ser melhorada, resolveu então contactar o Tiago e oferecer-se para criar a arte para os seus próximos jogos. E assim começa a história da True Dimensions. A primeira colaboração entre ambos vai acontecer com Ninja Bear, uma ideia original de Tiago Sousa com arte de Marco Vale para um concurso organizado pela Infogrames e a Megascore em 1999.

Figura 4.8 A equipa True Dimensions, no Verão de 2002, em Aveiro. Com Tiago Sousa, Mário Luzeiro, Diogo Teixeira, Vitor Marques e Marco Vale.

Em pouco tempo a equipa de duas pessoas seria ampliada, entrando para a mesma vários programadores, o Diogo Teixeira criador do Hyper32, para fazer código para animação, o Márcio Martins para código de física, Jorge Santiago para inteligência artificial, além destes entrou ainda Vitor Marques para a arte, e o Mário Luzeiro para música. Um dos maiores desafios que a True Dimensions teve de enfrentar foi a distância, com cada um dos elementos a viver espalhados por várias cidades do país - Lisboa, Barcelos, Figueira da Foz, Tomar, Valença, Aveiro. No entanto

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mantinham-se em contacto constante graças ao e-mail e ao IRC, realizando reuniões de tempos a tempos na Figueira da Foz em casa do Diogo Teixeira, por ser o geograficamente conveniente para todos. No verão de 2002 juntaram a equipa em Aveiro no apartamento de estudante de Mário Luzeiro, durante quinze dias seguidos para fazer avançar os seus trabalhos (Figura 4.8). TESTEMUNHO “Fomos fazendo vários projectos internos, que serviram de plataforma de aprendizagem dado que compreensivelmente não existiam as facilidades de hoje em dia, nós não faziamos a mínima ideia do que era preciso saber para fazer jogos na altura e não havia o flood de informação na internet que há nos dias que correm. Mas o principal, na minha opinião estava lá, a paixão/mentalidade/vontade de aprender e de querer fazer jogos.” Tiago Sousa, Abril, 2012

Todo este espírito empreendedor permitiu à equipa desenvolver vários projectos na forma de pequenas “tech demos”, demonstrações tecnológicas, das capacidades do seu motor 3d. Projectos como Blood & Honour (2001) (Figura 4.9), TrashD (2001), ou Homo-machus in Space (2002) vencedor do festival Inercia 2002 (Figura 4.10). Tudo feito com base em OpenGl, Dx8, Visual Studio, 3d Studio Max e Photoshop (Ver Testemunho abaixo de Tiago Sousa).

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Figura 4.9 Imagens de Blood & Honour (2001) da True Dimensions.



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A.

B.

Figura 4.10 A. Demo de Homo-machus in Space (2002); B. Demo de TrashD (2001).

TESTEMUNHO “Andávamos a construir um motor gráfico relativamente interessante para a altura, que suportava tecnologias interessantes: shader model 1.1 (apenas com umas luxuosas, 8 instrucções programáveis, dava para diffuse / specular / attenuação por pixel), per-pixel shading, shadow volumes, occlusion culling, baking de normal maps, skeletal animation, e não sei que mais. São tecnologias que na altura eram a vanguarda, para onde apenas o John Carmack andava a apontar - mas hoje em dia (ao fim de mais de 10 anos) estão completamente estandardizadas.” (Figura 4.11) Tiago Sousa, Abril, 2012

Figura 4.11 Illuminatu (2002), tech demo da True Dimensions, que demonstrava as propriedades de iluminação fazendo uso de Shader Model 1.1.

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No final de 2002 o Tiago Sousa foi convidado pelo CEO da Crytek, que conheceu o seu talento através das demos que a True Dimensions ia disponibilizando on-line. Depois de uma entrevista, foi contratado e consigo partiu para Frankfurt também Márcio Martins. O Tiago continua hoje ainda na Crytek aonde ganhou um enorme reconhecimento internacional no campo da investigação em computação gráfica para jogos, tendo trabalhado no CryEngine 2 e CryEngine 3. O Márcio Martins mudou-se em 2011 para a Blizzard Entertainment nos EUA. Com a saída do Tiago Sousa a True Dimensions entrou em modo de pausa, e vários membros começaram a procurar novas equipas numa vertente mais profissional. O Marco Vale foi trabalhar para uma nova empresa nacional a EWorks, responsável pelo jogo Quinta das Celebridades. Dai seguiu para a RTS Real Time Solutions aonde desenvolveria arte parte dos grandes sucessos downloadable da empresa. Em 2008 funda a Vortix Studios, com Ricardo Vladimiro, aonde ainda trabalha no desenvolvimento de jogos no formato Flash. O Diogo Teixeira seguiu para a Move Interactive, aonde trabalharia em Floribella (2007) e Ugo Volt (não terminado). Depois disso passaria pela inglesa Splash Damage aonde trabalharia em Brink (2008). Mais tarde acabaria por fundar a sua própria empresa a Insidous Technologies dedicada ao desenvolvimento de middleware para videojogos.

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4.2.2 Gamelords [2000-2004] À semelhança da True Dimensions, a equipa Gamelords inicia-se a partir do final dos anos 1990, quando tal como o Tiago Sousa, o Bruno Ribeiro se encontrava a acabar o secundário. As suas fontes de informação começaram por ser as revistas espanholas de programação, e mais tarde a internet. O seu grande objectivo era desenvolver um motor de jogo, como ele nos diz, destinavase a “combinar tudo de modo a ter uma base para criar jogos (..) criar uma base modular para evitar reinventar a roda a cada vez”27. Depois veio a Universidade, em Aveiro, aonde o Bruno Ribeiro encontrou o Victor Martins, tendo iniciado juntos o desenvolvimento da tech demo Survivors (2000) (Figura 4.12). Esse projecto inicial levou-os a estabelecer contacto online com Filipe Pina que estava em Lisboa a trabalhar na Sigma 3, e depois ao Jeffrey Ferreira que também estudava na Universidade de Aveiro. O Bruno era o único centrado na programação bruta do motor de jogo, o Filipe Pina dedicava-se mais à produção e arte, o Jeffrey Ferreira e o Victor Martins dedicavam-se ao 3d.

27



Entrevista a Bruno Ribeiro em 18 Abril 2012.

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Figura 4.12 Imagens da demo Survivors (2000).

Assim em 2000 iniciava-se a equipa amadora Gamelords, que tal como a True Dimensions, se mantinha em contacto através da internet. Encontravam-se periodicamente aos fins-de-semana para trabalhar em conjunto, e chegaram a juntar-se por um período de 3 semanas ininterruptas em Ovar em casa do Bruno Ribeiro, para avançar os projectos em que estavam envolvidos. O objectivo em termos de motor de jogo, era como nos diz Bruno Ribeiro aqui no seu testemunho. TESTEMUNHO “Como único programador da equipa, um dos focos foi a criação de ferramentas e sistemas que permitissem passar o máximo de coisas para as mãos dos artistas. Isto passou por implementar suporte para scripting, melhorar as ferramentas de exportação e a implementação de um modo de edição WYSIWYG para o posicionamento de modelos no terreno, modelação e pintura do mesmo, etc.” Bruno Ribeiro, Abril, 2012

Figura 4.13 Imagens da demo de iluminção Room (2001).

Diferentemente da True Dimensions, a Gamelords tinha uma postura mais profissional. Não estavam apenas à procura de desenvolver o último grito tecnológico, mas tinham objetivos muito bem delineados no sentido de conseguir arranjar financiamento para permitir a criação de um videojogo completo. Aqui pode-se dizer que uma das grandes diferenças, terá sido o facto de a

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Gamelords contar com uma pessoa, o Filipe Pina, na área de Produção. Assim em 2001 criam uma demo de um ambiente de uma sala, Room (2001) (Figura 4.13), que fazia uso de iluminação dinâmica e sombras e conseguem chamar a atenção de algumas empresas/instituições nacionais, TESTEMUNHO “Conseguimos três reuniões para mostrar trabalho, uma numa empresa em Lisboa que não correu nada bem pois pedimos um PC poderoso para mostrar a Demo da Sala a correr e o que encontrámos no dia da reunião foi um Desktop simples que não correu nada. A Segunda foi também em Lisboa no IPJ com o director da altura mas quis o destino que essa reunião estivesse marcada para o dia 11 de Setembro de 2001, a meio da manhã as notícias na TV sobre o ataque ao WTC pararam a reunião e nunca mais a conseguimos remarcar. A última foi no Porto na Linha de Terra já em 2002 onde começámos a dar os primeiros passos de uma aprendizagem e esforço conjunto que dura ainda hoje.” Filipe Pina, Setembro, 2011

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Figura 4.14 Imagens da demo Avenida dos Aliados (2002).

Da Linha de Terra veio o primeiro pedido profissional para a realização de uma demo da Praça da Liberdade em 2002 (Figura 4.14). O objectivo era cativar investidores para desenvolverem um videojogo para o Euro 2004. Ao pequeno investimento da Linha de Terra, a Gamelords responde com 3 meses de trabalho contínuo, sem paragens de fim-de-semana, todos juntos em Aveiro. Sendo uma demo em terceira-pessoa exigiria alterações ao motor que vinham desenvolvendo, como nos disse Bruno Ribeiro (ver terstemunho). TESTEMUNHO “Para isto foi necessário acrescentar varias novas características ao motor que tínhamos, incluindo melhorias ao sistema de animação, física para veículos, um novo



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sistema para lidar com oclusão de modo a conseguir aguentar com o ambiente urbano, e optimizar o sistema de iluminação mais uma vez para lidar com um cenário tão complexo.” Bruno Ribeiro, Abril, 2012

No final tinham uma demo que reproduzia muito fielmente a Avenida dos Aliados em 3d, com pombos animados pelo meio, e ao estilo de GTA era possível controlar o personagem, entrar num carro e guiar na Avenida. Infelizmente a licença para produção do jogo do Euro 2004, seria entregue sem surpresa à Electronic Arts, e a ideia ficou-se pela demo. Apesar do projecto da Praça da Liberdade não ter chegado ao fim, a colaboração entre a Gamelords e a Linha de Terra não abrandou. Assim em 2003 a Linha de Terra juntamente com a Norhold-Gestão Investimentos e Participações resolveram financiar o primeiro grande projecto da Gamelords, o Holy War, com um financiamento para trabalhar durante 2 anos. Com este projecto a equipa deixava definitivamente o estatuto de amadora para trás, e assumia sem receios o perfil de profissional. Holy War marca assim o término da Gamelords e o início da empresa nacional Seed Studios. Mas sobre Holy War e a Seed Studios falaremos mais à frente no capítulo 7. Existiram em Portugal outros projectos de desenvolvimento de videojogos com equipas amadoras, umas mais profissionais outras menos, embora mais nenhuma tivesse conseguido permanecer tanto tempo junta e em modo continuado. Estas duas equipas foram responsáveis, por um lado por colocar portugueses nas empresas mais importantes de videojogos da atualidade, assim como foram capazes de lançar o primeiro grande jogo nacional com valores de produção acima do milhão de euros. Mas além disso eu destacaria ainda o seu enorme contributo para a criação de um fórum online nacional, o GameDev-PT, no qual partilharam humildemente todo o conhecimento que foram desenvolvendo, permitindo assim que outras pessoas no país pudessem ter acesso a conhecimento de modo directo. Ou seja, é muito diferente ler um tutorial explicativo de um qualquer especialista internacional, a poder discutir directamente com os criadores em fóruns, por e-mail, no IRC, ou ainda nos vários jantares que o grupo GameDev-PT organizou ao longo dos anos. Nesse sentido o próximo ponto pretende explicar o que foi o GameDev-PT e apresentar alguns dos projectos que foram entretanto debatidos no seu seio e desenvolvidos por várias equipas.

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4.3 GameDev-PT A história do fórum Gamedev-PT inicia-se nos canais de comunicação síncrona da rede IRC. Começou por aparecer um canal dedicado a programação/computação gráfica, o #CodersPT, depois a equipa da True Dimensions resolveu criar o #truedimensions. Mas com o interesse na área a aumentar resolveram criar um canal que pudesse congregar todos os interessados na cena de desenvolvimento de jogos em Portugal e daí surgiu o canal #gamedev. Passado algum tempo, mais concretamente a 17 de Janeiro de 2002, o Diogo Teixeira e o Márcio Martins resolvem criar um fórum com o mesmo nome do canal de IRC, alojando este no servidor da True Dimensions. Os objectivos do fórum são aqui identificados pelo Diogo Teixeira no seu testemunho. TESTEMUNHO “O objectivo era criar um registo persistente das discussões que aconteciam no canal #gamedev e, de alguma forma, tentar fazer crescer aquela pequena comunidade que frequentava IRC para além desse domínio. Informação que hoje partilhamos em blogs, facebook, twitter, etc.. eram naquela altura partilhados no IRC e no fórum. O espírito que tentámos incutir sempre foi o da transparência, partilha, colaboração e entreajuda.” Diogo Teixeira, Abril, 2012

Em 2003 a coordenação do fórum passaria a ser assegurada por Mário Leite, com apoio do Marco Vale e contando com a moderação dos fóruns por vários elementos da cena nacional de desenvolvimento dos videojogos. O fórum passou por vários momentos ao longo da sua história, tendo sido tentada a criação de um portal com informações e notícias atualizadas, mas por falta de envolvimento da comunidade e tendo em conta o trabalho adicional que representava nunca conseguiu vingar. Em 2008 o fórum chegou mesmo a mudar de nome, para Jogos Tugas, embora mantendo sempre a mesma filosofia de base, tanto que em 2010 voltaria ao nome original, GameDev-PT (Figura 4.15), agora com o subtítulo “Comunidade Portuguesa de Desenvolvimento

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de Videojogos”.



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Figura 4.15 Logotipo atual da GameDev-PT.

Apesar de parecer apenas mais um fórum, existia por detrás do Gamedev-PT uma clara vontade de fazer mexer a comunidade, nesse sentido e ao longo de todos estes anos foram pensadas várias estratégias para incentivar à participação e colaboração da comunidade. Numa análise geral das estratégias e actividades desenvolvidas, acreditamos que as mais representativas porque com resultados efectivos foram: RC Mania, Knowledge Box e as Competições. Além das estratégias a comunidade do GameDev-Pt chegou mesmo a tentar a profissionalização do espírito da comunidade, criando uma associação sem fins lucrativos em 2005, a Aproje, mas que sem sucesso se extinguiria ao fim de 2 anos.

4.3.1 RC Mania Sendo o objectivo principal do fórum GameDev-PT ajudar a criar uma comunidade de criadores de jogos nacionais, os seus mentores não se quiseram ficar apenas por um fórum de discussão, mas resolveram ir muito mais longe, e criar o primeiro projeto criativo nacional no modelo de crowdsourcing online. Em 2003 lançaram o projeto RC Mania no seio do fórum de discussão convidando toda a comunidade a participar no seu desenvolvimento.

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Figura 4.16 Imagens do RC Mania.

O RC Mania não era apenas mais uma equipa a tentar fazer uma demo ou um jogo, ou um conjunto de pessoas a tentar optimizar recursos. O RC Mania era um projecto em toda a sua dimensão, colaborativo e educacional, e podemos mesmo dizer pedagógico. Um projeto que se moveu com o único objectivo de promover o conhecimento e ajudar a aprender. Na página do projecto, podemos ler a descrição aqui em Testemunho. TESTEMUNHO

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“O resultado desta iniciativa será devolvido à comunidade no formato de Código Fonte para poder ser utilizado em outros projectos de videojogos Free e Open Source, assim como no formato de um jogo divertido. Além disso os criadores menos experientes, terão a oportunidade única, de trabalhar ao lado dos mais experientes. O jogo será também convertido para outras plataformas, incluindo Linux e UNIX, e planeamos ainda no futuro converter para plataformas móveis como handhelds e telemóveis, para poder levar o jogo e a voz da comunidade o mais longe possível. O jogo contará com modos de corrida inovadores e jogabilidade divertida.”



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Sinopse de RC Mania28

RC Mania como software era um editor de jogos 3d direcionado para jogos de corridas de carros (Figura 4.16). A base partiu do motor gráfico, motion de Diogo Teixeira, um motor desenvolvido em C++ e que corria em Windows, Linux e Mac. Permitia renderizar em 2d e 3d, permitia o controlo de cenas, e de animações, detecção de colisões e o carregamento dos ficheiros próprios e de TGA (Figura 4.17). Para o editor foram ainda iniciados trabalhos para desenvolver o motor de Física pelo Diogo Lapa. No campo do som, o editor estava a cargo do Diogo Neves. Na arte e modelação 3d tínhamos Marco Vale, Marco Leal e Jaerder Sousa, e vários dos colaboradores iam constantemente fazendo chegar mais material para usar no editor. Ao todo terão estado envolvidos no projecto cerca de 12 pessoas.

Figura 4.17 Editor do RC Mania.

4.3.2 Knowledge Box Dentro do mesmo espírito do RC Mania, mas agora numa perspectiva de criação mais individualizada, em 2005/2006 o Gamedev-PT criou uma secção denominada de Knowledge Box. O projecto começou através do Marco Vale que lançou os primeiros tutoriais vídeo que seriam simultaneamente disponibilizados no fórum e na revista Megascore. Depois disso o objectivo era incentivar os utilizadores do fórum a contribuir com tutoriais estruturados sobre temas relacionados com o desenvolvimento de videojogos. A secção servia de repositório de tutoriais

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Texto traduzido do inglês, na página do projecto RC Mania, em http://rcmania.gamedev-pt.net/

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criados pelos desenvolvedores mais experientes do fórum, tendo chegado a desenvolver-se mais de vinte tutoriais em vídeo e pdf.

Figura 4.18 Logotipo da Knowledge Box e imagens de alguns tutoriais.

A maior parte dos tutoriais tratavam a arte dos videojogos, desde a modelação 3d, à pixel art, passando pela animação, pela texturização, construção de sprites, pintura digital, etc (Figura 4.18). A grande maioria dos tutoriais foram desenvolvidos por Marco Vale, mas a secção contou ainda com a participação do Luis Melo, Frederico Martins, Ricardo Vladimiro e Pedro Nande.

4.3.2 Competições da GameDev-PT

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Depois do projecto RC Mania e da Knowledge Box, falta apenas perceber o que foram as Competições na Gamedev-PT e que resultados produziram. Sendo que os mais evidentes, terão sido a contratação de Vasco Freitas pela RTS depois deste ganhar uma das competições, assim como de Diogo Neves pela Vortix Studios. 1ª Competição GameDev-pt Tema: Remakes Data: Jan 23, 2005



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Descrição: “O objectivo da competição será pegarem na ideia de um jogo já existente e revitalizarem-na, alterando o que acharem bem (notem que se trata de fazer um jogo de base, não um mod de algum jogo já existente). Para além da jogabilidade, gráficos e som, vamos avaliar as participações pela originalidade de modificações que possam introduzir na vossa nova versão, e principalmente pelas melhorias que essas alterações possam vir a trazer à ideia e jogabilidade originais que o jogo possuía. Sugestões: Sugere-se o uso do motor Hyper64 de Diogo Ribeiro Prémios: 1ª Lugar - Livro "Tricks of the 3D Game Programming Gurus: Advanced 3D Graphics and Rasterization" de Andre LaMothe; 2º e 3º lugar – estrelas de modaração no forum. Foram submetidos seis jogos a concurso, e a 22 Abril 2005 foram anunciados os três vencedores. 1 - Gearflux - remake de Idinaloq - Luís F.Loureiro e David Costa 2 - Mazes - remake de Sokoban - Sérgio Santos e Joana Santos 3 - Mine Soldiers - remake de Mine Sweeper - por Eduardo Teixeira 2ª Competição GameDev-PT Tema: GameArt "I'm a hero!" Data: 1 de Junho 2005 Descrição: O que se pede nesta competição é que os participantes entrem numa espécie de exploração criativa, da qual terão que criar a versão digital da sua pessoa, mas sob uma temática de super-heroi. Imaginem como seriam, se fossem um Super-Heroi. Explorem o conceito tendo em mente que superpoderes gostariam de ter, de um modo a que isso vos tornasse num superheroi divertido. Sejam egositas e escolham 3 Super-poderes para o vosso próprio prazer e diversão. Limites: Formato tridimensional de baixo poligono. O limite são 1500 poligonos. Podem usar uma textura de 1024 ou duas de 512. Prémios: 1º Lugar – Livro "As bases do Desenho 1" da colecção Leonardo (em espanhol) + t-shirt GameDev-PT; 2º Lugar – T-shirt GameDev-PT; 3º Lugar – Prémio Taça-Avatar de 3º classificado Foram submetidos quatro personagens a concurso, e a 23 Julho 2005 foram anunciados os três vencedores. Ver Figura 4.19. 1 - Marco Leal com 16 pontos 2 - Pedro Amorim com 14 pontos 3 - Jaerder Sousa com 11 pontos

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Figura 4.19 Personagens vencedores da 2ª Competição. Da direita para a esquerda, os personagens de: Marco Vale, Pedro Amorim e Jaerder Sousa. 3ª Competição GameDev-PT Tema: Spectrum Remakes de Natal Data: 16 de Outubro de 2005 Descrição: O objectivo da competição é premiar os melhores remakes de jogos disponíveis para o Spectrum, fomentar o desenvolvimento de bom software por parte de programadores e o interesse dos artistas por pixel art e arte 2D em geral. E também passar um bom bocado a reviver os velhos tempos, a criar jogos porreiros e animar um bocado esta época natalícia em que estamos a entrar. Prémios: T-shirts da GameDev-PT Foram submetidos 3 jogos a concurso, e a 26 de Dezembro de 2005 foi anunciada a votação. 1º - Evil Santa Claus Jetpac - Filipe Pina, Bruno Ribeiro e R. Pina (Ver Figura 4.20) 2º - Arkanoid Remake - Nuno Ramiro © FCA – Editora de Informática

3º - Ping - Sérgio Flores



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Figura 4.20 Evil Santa Claus JetPac (2005) de Filipe Pina, Bruno Ribeiro e R. Pina. Vencedor da 3ª Competição GameDev-PT. 4ª Competição GameDev-PT Tema: Casual Game Data: 20 de Fevereiro de 2007 Descrição: Protótipo jogável de um Casual Game. A organização pretende com esta competição fomentar a formação de equipas e o desenvolvimento de metodologias de criação de jogos com preocupações comerciais tendo em vista um mercado específico. Prémio: O protótipo vencedor terá a possibilidade de prosseguir o seu desenvolvimento em conjunto com as equipas da RTS com o objectivo de ser distribuído mundialmente. Foram aceites a concurso 4 jogos, e a 28 de Maio 2007 foi divulgada a votação. Como resultado Vasco Freitas é contratado pela RTS. 1º Ray of Light - Vasco Freitas (Figura 4.21) 2º John the Miner - Graciano Coelho 3º Be nice to the Mice - Jorge Graça e Bruno Correia Menção Honrosa: Pedro Nande – SpellOut

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Videojogos em Portugal

Figura 4.21 Ray of Light (2007) de Vasco Freitas. Vencedor da 4ª Competição GameDev-PT.

5ª Competição GameDev-PT Tema: Programacão+arte Data: 29 de Novembro de 2008 Descrição: Criação de jogo em duas fases, primeiro a programação depois a arte. A fase da arte nunca se chegou a realizar. A arte que podemos ver no jogo abaixo foi desenvolvida à posteriori do concurso. A vitória foi assim inteiramente para o conceito e sua programação. Os resultados da fase de programação foram anunciados a 19 de Janeiro.

1º Lugar: G-Switch de Vasco Freitas (Figura 4.22) 2º Lugar: Tower Defense Clone de Gilberto Medeiros 3º Lugar: Santa's Christmas Rampage de João David Costa 4º Lugar: Jogo Contra 3 de Frederico Martins © FCA – Editora de Informática

5º Lugar: Lift Me Up de Marco Fernandes 6º Lugar: Honey Rainbow de Rui Martins 7º Lugar: Attached 2D de Nuno Monteiro e André Almeida 8º Lugar: Adondanda de Marco Vale



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Figura 4.22 G-Switch (2009) de Vasco Freitas. Vencedor da 5ª Competição GameDev-PT.

4.3.2 Associação de Produtores de Jogos Eletrónicos (APROJE) Em 2005 com uma comunidade cada vez mais consolidada a GameDev-PT dará um passo que terá um grande impacto na cena nacional de criação de videojogos. Mário Leite e Filipe Pina ambos grandes impulsionadores do projecto GameDev-PT acreditam que é chegada a altura de profissionalizar o fórum, de o dotar de uma estrutura mais capaz na congregação da comunidade nacional. É nessa altura que aparece também na cena nacional Paulo Gomes. Os três vão lançar a Associação de Produtores de Jogos Eletrónicos (Aproje). A primeira direcção seria constituída por Nelson Calvinho da revista MegaScore, António Saraiva (Biodroid), Rui Lança (Etic) e Nelson Patriarca (Sigma3). Como Presidente da Mesa da Assembleia aparecia José Dionísio (professor do IST). TESTEMUNHO “Começou tudo muito bem, com discussões acesas e reuniões sobre quem ia dirigir, como se ia fazer e quais os objectivos da sociedade. O grupo da direcção era também bastante interessante pois aglomerava pessoas de diferentes áreas. Conseguiu-se na altura uma sede física em Portalegre para onde nos mudámos com alguma relutância pois era muito fora de mão, mas visto que havia muito boa vontade em conseguir financiamentos lá e a formação de uma empresa que poderia financiar os projectos de equipas aceitámos. Decidiu-se em 2005 fazer a Games 2006 em Setembro e acabou por ir também para Portalegre por se estar a conseguir investimento lá. Em Janeiro 2006 o Paulo Gomes anunciou a GameInvest, da qual a Aproje seria detentora de 1% (em regime de golden share).” Filipe Pina, Abril 2012

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A APROJE não teve uma vida fácil enquanto associação sem fins-lucrativos e de congregação da indústria de desenvolvimento nacional. A associação sofreu de um mal bem conhecido, a megalomania, incutida por Paulo Gomes. Entre 2005 e 2007 fez-se correr muita tinta sobre a comunidade e sobre o potencial de Portugal neste mercado internacional, mas em termos de ações foram muitos os problemas criados, com projectos lançados que não foram terminados, com muito dinheiro investido sem qualquer retorno, com projectos de ensino que se revelaram verdadeiros logros tendo mesmo chegado à barra dos tribunais. Tudo isto contribuiu para uma certa desagregação da comunidade criada, uma perda de alento e que se iria reflectir em alguma pausa nas atividades da comunidade nacional. Como nos diz o Filipe Pina “foram tempos negros de alguém que se aproveitou de um grupo de pessoas que queria era trabalhar e fazer as coisas andar para a frente”. Por outro lado e visto agora à distância, podemos dizer que a APROJE teve alguma influência e deixou a sua marca no tecido nacional. Nomeadamente no acreditar que era possível. Muitos projetos de novas empresas foram lançados, conhecimento sobre a sua criação foi partilhado e potenciado. Deste modo a APROJE deixa como legado positivo a realização de um dos maiores eventos de sempre em Portugal sobre videojogos, a Games 2006, e uma empresa a Gameinvest que produziu alguns dos primeiros jogos nacionais para a Nintendo, estando atualmente a trabalhar exclusivamente para o mercado dos jogos descarregáveis, como poderemos ver no capítulo 6.

4.4 Comunidades da Academia Apesar da internet aparecer como o centro nevrálgico de início de todo o movimento de criação de demos e motores 3d, também é verdade que a generalidade dos envolvidos começou esta saga depois de chegar à Universidade. Praticamente todos os envolvidos no desenvolvimento

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computacional estiveram inscritos nos cursos de ciências da computação das Universidades de Lisboa, Aveiro, Minho, Coimbra entre outras. Mesmo sabendo que uma boa parte destas pessoas nunca terminou os seus cursos, não deixa de ser relevante o facto de que a Universidade permitiu conhecer e aceder a conhecimento que antes não estava acessível. Permitiu ainda que as pessoas se encontrassem e construíssem relações com base em interesses comuns. E nesse sentido interessa perceber como é que a Universidade portuguesa se envolveu com toda esta área emergente. Em 1988 foi criado em Portugal o Grupo Português de Computação Gráfica (GPCG), grupo que se iria revelar como um dos principais impulsionadores do ensino da computação gráfica nas



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Universidades nacionais fazendo parte do mesmo pessoas como Adérito Marcos, Miguel Salles Dias, Mario Rui Gomes, António Ramires, Augusto Sousa, Luis Paulo Santos, Paulo Dias ou João Madeiras. O GPCG não se isolou, mas trabalhou sempre em cooperação com alguns dos melhores grupos internacionais na área da computação gráfica. A sua forte relação com o Prof. Luís Encarnação fundador do Fraunhofer Institute para isso muito contribuiu. Ao longo dos anos o Grupo Português de Computação Gráfica promoveu anualmente a reunião de carácter científico designada por Encontro Português de Computação Gráfica. Numa segunda fase em 2004 lançou a Conferência Nacional em Interacção Homem-Máquina, na qual se realizou o primeiro encontro científico nacional ligado aos videojogos, o Games 2004. É bem verdade que na área especifica dos videojogos muita da inovação que hoje conhecemos não foi diretamente criada nem nas universidades nem nos grandes institutos de investigação, mas antes nas empresas diretamente ligadas ao ramo. O impulso fortíssimo da procura por mais poder gráfico a isso obrigou as empresas, que sempre contrataram os melhores para os seus laboratórios. Laboratórios esses que trabalham à porta fechada e com muito pouca divulgação. Ainda assim é inevitável reconhecer que a grande maioria dos engenheiros e doutorados que trabalham nessas empresas se formaram em Universidades um pouco por todo o mundo. E isto coloca em evidência a clara diferença que existe entre a missão de uma Universidade e a missão de uma Empresa. Além das Ciências da Computação, houve uma segunda área científica da nossa academia que se interessou fortemente pelos videojogos, as Ciências da Comunicação, tendo ambas contribuído para o movimento que se instaurou em Portugal nos anos 2000 para o reconhecimento dos videojogos como uma área de estudos científica. Curiosamente ambas as áreas foram iniciadas na academia portuguesa recentemente e quase simultaneamente no final dos anos 1970. A primeira associação nacional de ciências da comunicação, a SOPCOM, responsável por congregar vai aparecer dez anos depois do GPCG, em 1998. Contudo a área da comunicação será a primeira a publicar um estudo académico com profundidade sobre os videojogos, em 2000. No âmbito da tese de mestrado de Jorge Martins Rosa realizado na Universidade Nova de Lisboa, seria publicado pela Vega sob o nome No Reino da Ilusão, a Experiência Lúdica das Novas Tecnologias, hoje uma obra de referência no campo. Em termos de monografias científicas sobre videojogos, as mais importantes serão todas oriundas das Ciências da Comunicação. Em 2003 surge o quarto número da revista Caleidoscópio – Revista de Comunicação e Cultura, número temático sobre ‘Cultura de Jogos’, organizado por Luís Filipe Teixeira. Com textos de Espen Arseth, Luís Filipe Teixeira, Patrícia Gouveia, Jorge

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Martins Rosa, entre outros. Depois em 2009 sai o livro Emoções Interactivas. Do cinema para os videojogos de Nelson Zagalo editado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho e por Grácio Editor. E em 2010 é publicado Artes e Jogos Digitais, Estética e Design da Experiência Lúdica de Patrícia Gouveia (2010), editado pela Edıções Unıversıtárıas Lusófonas da Universidade Lusófona.

4.3.2 Eventos nacionais Neste sentido vejamos o que se passou em termos de encontros nacionais no campo a partir do ano charneira de 2004. Em termos de divulgação nacional na área tivemos neste ano em Portugal três eventos totalmente dedicados ao campo dos videojogos. Alguns mais outros menos, mas todos com chancela das várias universidades nacionais. Deste modo a 14 Abril 2004 surge o primeiro evento nacional, ACEE 2004 - Amateur Computer Entertainment Expo, na Universidade de Coimbra. O evento foi organizado por Pedro Amaro, Marco Silva e Raul Nery todos alunos de Engenharia Informática, contando com o apoio do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra. O seu objectivo era essencialmente dar a conhecer trabalhos e gerar interacção entre os criadores nacionais. O ACEE voltaria a repetir-se em 2005, no Instituto Politécnico de Castelo Branco, terminado aí.

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No dia 1 de Maio 2004, surge o FUGA 2004 - Future Gaming, organizado pela empresa Y-Dreams, acontecerá na Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa. Um evento misto com muita participação da indústria nacional - Beactive, Ciberbit e YDreams - assim como internacional – Crytek, Novorama, e Reverie World Studios-. No campo académico esteve presente Daniel Crespo professor de desenho e desenvolvimento de videojogos da Universidade Pompeu Fabra. Para além disso decorreram vários workshops com Diogo Andrade, Tiago Carita entre outros. O FUGA à semelhança do ACEE seria repetido em 2005, mas terminava também por aí.

Figura 4.23 Logotipo da Games 2004, por Marco Vale.



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Finalmente a 12 de Julho 2004 acontece o Games 2004 - 1º Workshop em Entretenimento e Jogos Interactivos (Figura 4.23) de todos os deste ano, o mais assumidamente académico. Fazendo uso de uma estrutura académica, com tempos formais para apresentação de artigos científicos, mesas redondas, e espaços para apresentação de Demos. A Games 2004 seria organizada e dirigida por José Dionísio como um workshop científico conjuntamente com a ARTECH 2004 - 1º Workshop Luso-Galaico de Arte e Tecnologia, ambos no âmbito da conferência Interacção 2004 1ª Conferência Nacional em Interacção Pessoa-Máquina. No Games 2004 foi realizada a primeira sessão pública de apresentação do projecto RC-Mania. Sendo que no campo dos motores gráficos foi ainda apresentado “Lost Ages” de G.Santos, H.Mardolcar, R.Casais, J.Pereira do IST/INESC, e “Reaktor: a game engine prototype” de J. Salles Dias, T.Rodrigues, R.Pires do ISCTE. No campo das comunicações científicas Licínio Roque realizou a keynote “Trolls and Elves on the path to Online Interactive Experience Development”, e Nelson Zagalo recebeu o prémio de Melhor Comunicação Científica com “Emoção e Suspense no Storytelling Interactivo”. Em jeito de continuidade do Games 2004, o grande evento promovido pela Aproje, seria denominado de Games 2006. No âmbito do seu extenso programa de 5 dias realizados em Setembro 2006, dois seriam inteiramente dedicados à conferência, International Digital Games Conference (iDiG). A presidência do evento científico coube a António Ramires Fernandes da Universidade do Minho e José Dionísio do IST. Na conferência estiveram nomes de relevo internacional como Chris Crawford, Jason Della Rocca (director executivo da International Game Developers Association (IGDA), ou Joseph Olin (presidente da Academy of Interactive Arts & Sciences) (Figura 4.24).

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Videojogos em Portugal

Figura 4.24 Cartaz da Games 2006.

Para além da conferência científica, o evento contava ainda com um Festival de Criação de Jogos Electrónicos, uma Demo Party, uma Lan Party, Workshops, e uma área de Exposição. Em termos de jogos finalizados, foram apresentadas quase vinte criações, com destaque para: Orion’s Belt de Pedro Santos; Magnetic de Rui Martins; 500 Manager de Luís Mouta; Vatan de Ricardo Cesteiro;. Entre a Games 2004 e 2006, um novo evento foi criado, o Videojogos.05, um encontro dedicado à discussão académica sobre o campo em Portugal. Decorreu em Aveiro, como workshop integrante da SOPCOM IV, a Conferência Nacional de Ciências da Comunicação. O evento foi coordenado por Nelson Zagalo, Óscar Mealha e Luís F. Teixeira. No evento estiveram presentes e fizeram comunicação vários académicos nacionais, Luís F. Teixeira (ULHT), Paulo Dias (UA); Licínio Roque (DEI/UC), Leonel Morgado (UTAD), Paulo Lopes (UC), Nelson Zagalo (UA). A experiência seria repetida com Videojogos.06 em 2006, agora na Universidade de Coimbra, contando com a organização de Licínio Roque e Nelson Zagalo. E depois em 2008, realizar-se-ia já não um encontro ou workshop mas uma conferência nacional científica, a Digital Games 2008, coordenada por Rui Prada e Nelson Zagalo.

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Estes três eventos serviram essencialmente para reunir as pessoas interessadas no campo científico em Portugal, gerar discussão e preparar o terreno para a criação da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos que viria a acontecer a 11 de Março 2009 (Figura 4.25).

Figura 4.25 Logotipo da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojgos, criada a 11 de Março 2009.

A Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos - SPCV foi criada como associação sem fins lucrativos com o objectivo de promover e desenvolver as ciências dos videojogos em Portugal. Para realizar este objectivo, a SPCV, para além de procurar congregar todas pessoas interessadas



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na área dos videojogos, procurou estimular iniciativas de divulgação e intercâmbio científico, das quais as conferências nacionais anuais (Figura 4.26) têm sido o elemento mais importante. As conferências produzem, além da discussão e colaboração nacional, atas anuais dos artigos e jogos apresentados que são depois publicadas sob a forma de livro digital e colocadas online em acesso gratuito29.

Figura 4.26 Cartazes de todas as conferências organizadas pela Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos entre 2008 e 2011.

Assim em 2009 tivemos a Videojogos 2009 organizada por Ana Veloso e Óscar Mealha, a decorrer na Universidade de Aveiro. Nesta conferencia foram apresentados artigos nas áreas de: Game design, Educação, Desenvolvimento, Narrativa e Arte. Depois em 2010, a conferência Videojogos 2010 decorre no Instituto Superior Técnico, no TagusPark, ficando a coordenação a cargo de Pedro Santos e Carlos Martinhos ambos do IST e de Filipe Pina da Seed Studios. Aqui voltamos a ter o Game design, Desenvolvimento e a Educação mas em vez de arte a conferencia desviou-se mais para as preocupações com os impactos sociais dos videojogos. Finalmente em 2011, a Videojogos 2011 volta ao Porto agora à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, sendo coordenada por Verónica Orvalho e Augusto Sousa ambos da UP, tendo como tópicos os mesmos do ano anterior: Game design, Desenvolvimento, Educação e impacto social. Em termos gerais analisando toda a produção apresentada podemos dizer que o Game Design e o Desenvolvimento são responsáveis por quase 60% dos artigos propostos, dividindo-se os restantes 40% entre a Narrativa, Psicologia, Educação e Arte.

29

Todas as publicações realizadas pelas SPCV podem ser acedidas no URL: http://www.spcvideojogos.org

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RESUMO Neste capítulo pudemos ver como o surgimento da massificação da internet potenciou o aparecimento de comunidades capazes de fortalecer o conhecimento nacional através da partilha e colaboração. Esta colaboração aconteceu tanto ao nível da indústria, ainda que inicialmente amadora, como da academia. As equipas amadoras que aqui começaram o seu desenvolvimento vamos poder ver como evoluíram para o meio empresarial no capítulo 6. Neste sentido não nos faltou know-how, nem vontade para criar uma comunidade sólida e alargada à volta dos videojogos.

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Capítulo 5

Fase Móvel [2002-2006] Em 2002 enquanto a maioria dos grupos da comunidade de desenvolvimento portuguesa se dedicava à criação de motores de jogo 3d e de pequenas demos 3d para PC, como forma de entrar no mercado dos jogos, dois grupos resolveram investir os seus esforços noutra plataforma para chegar à produção comercial. Os dois grupos era constituídos por dois irmãos de Coimbra e uma empresa da Caparica. A plataforma era o telemóvel.

5.1 O aparecimento do móvel A indústria móvel de videojogos é bastante recente, contudo teve já vários momentos altos que vale a pena aqui detalhar por forma a percebermos melhor o desenvolvimento nacional neste campo. Em relação à história trabalhada nos capítulos anteriores, os jogos mobile distinguem-se essencialmente na mudança de paradigma da plataforma subjacente ao género. Enquanto os jogos nacionais para trás estavam todos associados à necessidade de uma plataforma computacional estática, esta fase caracteriza-se pela utilização de plataformas móveis.

Figura 4.1 As primeiras máquinas de jogos portáteis, da Mattel. Auto Race (1976) e Basketball 2 (1979).

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O mundo dos jogos móveis é hoje comummente associado a plataformas do tipo telemóvel, numa primeira fase, e do tipo smartphone, numa segunda fase, contudo a mobilidade é algo anterior ao aparecimento dos telefones portáteis. Muito antes de tudo isto, e ainda nos anos 1970 a Mattel desenvolvia os primeiros sistemas de jogos portáteis. Algo que segundo Michael Katz, diretor de produto da Mattel, se terá iniciado através da simples ideia de criar um máquina de jogos do tamanho de uma calculadora. Estas máquinas portáteis à semelhança das máquinas de salão, eram desenvolvidas sobre um circuito electrónico especificamente desenhado para cada jogo, o que obrigava a que cada pequena máquina contivesse apenas um jogo. Por esta altura surgem também as primeiras máquinas calculadoras programáveis, alfanuméricas, que vão dar origem uma outra corrente de jogos móveis, afirmando-se mais tarde com o aparecimento das calculadoras gráficas da Texas Instruments30.

Figura 4.2 As primeiras máquinas de jogos portáteis, da Mattel. A. Auto Race (1976) e B. Basketball 2 (1979).

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Deste modo as consolas portáteis do final dos anos 1980 – Game Boy, Sega Game Gear e Atari Lynx – são evoluções naturais das máquinas portáteis da Mattel, enquanto os PDAs (personal digital assistant) ou Pocket PCs são evoluções das máquinas calculadoras programáveis. As consolas evoluem no sentido de permitir usar vários jogos numa mesma consola, através de cartuchos de memória. Os PDAs abrem todo um novo mundo de possibilidades criativas, que acaba por nunca chegar a ser propriamente explorada, nem em Portugal nem no resto do mundo. Será assim na presença destes dois modos de acesso ao mundos dos jogos digitais, que iremos ver aparecer os telemóveis nos anos 1990 como uma terceira via de desenvolvimento do mercado dos videojogos.

Uma grande parte dos jogos criados para as máquinas da Texas Instruments pode ser acedida no site TIcalc (http://www.ticalc.org/pub/83plus/basic/games/) (consultado em 30 de Julho de 2012). 30



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Figura 4.3 Game Boy (1989) da Nintendo e Game Gear da Sega (1990)

Em 1997 a maior fabricante de telemóveis do mundo, a Nokia, coloca no mercado o telemóvel 6110, com este vem incluído o conhecido jogo Snake desenhado por Taneli Armanto. Snake não era original, era antes a reencarnação de um sucesso do tempo dos jogos de salão, Blockade (1976) da Gremlin. Contudo o seu sucesso nas plataformas móveis permitiu que este sofresse nove evoluções ao longo do lançamento de novas gerações de telemóveis da Nokia, e fosse distribuído em cerca de 400 milhões de telemóveis no mundo inteiro.

Figura 4.4 Nokia N-Gage (2003) e N-Gage QD (2008)

No final dos anos 1990 e início de 2000 a Nokia era uma marca sem rival, daí que se tivesse empenhado em procurar criar novos mercados. Snake era apenas a primeira pedra de uma longa caminhada na procura do desenvolvimento de uma nova cultura de videojogos. A evolução dos sistemas era contínuo, e em 2003 a Nokia lançaria um sistema híbrido, uma mistura entre o telemóvel e uma consola de jogos, a N-Gage. A consola da Nokia não era apenas híbrida, ela atrevia-se a ir além das consolas portáteis dedicadas como o Game Boy, em termos tecnológicos, nomeadamente oferecendo pela primeira vez a experiência de jogos tridimensionais num

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formato portátil. Mas não foi apenas na tecnologia que a Nokia investiu forte, para criar todas as condições ao desenvolvimento do novo mercado, da nova cultura, a Nokia realizou um port do clássico Tomb Raider (1996) para a N-Gage. Todas as condições tinham sido criadas, mas o projecto foi um fracasso. Hoje há distância podemos desenvolver várias teorias sobre as razões deste fracasso. Existe quem aponte o dedo à Nokia por ter sido ambiciosa demais ao levar a tecnologia 3d para o móvel em 2003, quando a Nintendo ainda não o tinha feito. Isto porque os processadores não sendo suficientemente potentes, faziam arrastar o jogo, e retiravam-lhe algumas das essências de um videojogo, a fluidez e o feedback constante e imediato. Por outro lado podemos também especular sobre o facto de a sociedade não estar nessa altura ainda preparada para aceitar esta nova cultura. Em 2003 a indústria apesar de grande, ainda vivia muito ligada a um público muito específico, os chamados jogadores hard-core, um público leal mas insuficiente para rentabilizar todo investimento realizado pela Nokia. Apesar deste flop, a Nokia tinha conseguido introduzir tecnologias como o GPS que conjuntamente com o potencial da rede de internet móvel criariam condições para criação de novos géneros de jogo do tipo multiplayer location-based, o qual Portugal soube aproveitar bem, como veremos já a seguir. Este capítulo enquadra apenas a história do móvel nacional até ao aparecimento do iPhone. O surgimento do iPhone trouxe consigo novos modelos de distribuição - AppStore e Google Play – que pela sua importância serão tratados mais à frente, no oitavo capítulo dedicado às mais recentes plataformas de distribuição de videjogos.

5.2 Independentes nacionais

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A história dos primeiros jogos mobile nacionais começa exatamente com o aparecimento do profile “Mobile Media API” para a plataforma J2ME (Java 2 Platform, Micro Edition) em 2002. Este profile passa a suportar de modo integrado som e multimédia, o que facilitaria todo o processo de criação de jogos para as plataformas móveis. Apesar do profile em J2ME facilitar todo o processo de desenvolvimento, a verdade é que continuavam a existir imensos problemas no desenvolvimento, nomeadamente as grandes diferenças em termos de suporte tecnológico por parte de cada telemóvel, o que obrigava a que cada jogo fosse desenvolvido em função da especificidade de cada telemóvel.



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De notar ainda que em 2002 as capacidades de processamento dos telemóveis era ainda bastante baixo, desse modo o desenvolvimento de jogos para estas plataformas obedecia enormes limitações. Em termos genéricos, podemos dizer que era espécie de regresso ao tempo do ZX Spectrum em termos de potencial game design. Por outro lado no campo da programação estava tudo muito mais dificultado, porque não existia estandardização do hardware, como tal cada telemóvel era um novo desafio. Todos estes factores faziam com que a grande indústria não visse a plataforma móvel nestes anos como credível, e no campo independente existiam apenas um punhado de pequenas empresas a criar jogos para o meio.

Figura 4.5 Colourama (2002) de Pedro Amaro.

À semelhança do que já tinha acontecido com o aparecimento das primeiras demos 3d nacionais, os primeiros jogos para móvel vão surgir por parte de pessoas recém-chegadas à academia. Pedro Amaro estava no curso de Engenharia Informática na Universidade de Coimbra, aonde começou a explorar o desenvolvimento de pequenos jogos em applets de Java para a web. A par da sua frequência universitária Pedro Amaro era um frequentador assíduo do fórum internacional GameDev.net aonde ia apresentado e recebendo feedback do seu trabalho. Em 2002 resolveu criar o seu primeiro jogo para telemóvel, Colourama em J2ME, e comercializá-lo através da distribuidora internacional Handango. Colourama era um jogo simples, como exigia a plataforma móvel em 2002, e podia correr nos seguintes telemóveis, Nokia 7650, Motorola T720, Nokia 7210 e Sony Ericsson T610. Do que pudemos descobrir, Colourama terá sido o primeiro jogo nacional desenvolvido para telemóvel, e mais certamente o primeiro a ser publicado comercialmente. Colourama sai em Agosto 2002 e vende cerca de 2500 unidades, no final desse ano Pedro Amaro lança Energox (2002) que chegas às 10 000 cópias, e logo no inicio de 2003 lança Cube (2003) que se ficaria pelas 6000 cópias. Energox e Cube acabariam por ser escolhidos pela Vodafone España como jogos de lançamento do Sony Ericsson T610.

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Videojogos em Portugal

Estes desenvolvimentos como independente levariam Pedro Amaro a conseguir uma posição na CSP Mobile, uma software house alemã, aonde começa como programador de porting (converter jogos de um modelo para outro), passando depois a programador principal, e mais tarde a Project Manager. Na CSP Mbile estaria envolvido em mais de 70 jogos para telemóvel. Para além desta posição profissional no estrangeiro, Pedro Amaro continuaria a desenvolver trabalho em Portugal, mas no campo da escrita para revistas, tendo escrito para a MegaScore, Hype e depois a Foneplay.





Figura 4.6 Cube (2003) e Energox (2002), ambos de Pedro Amaro.

De 2003 a 2006 Pedro Amaro estava completamente focado no trabalho que desenvolvia na empresa alemã, deixando de lado o desenvolvimento de jogos independentes. Durante os anos de interregno o irmão mais novo de Pedro Amaro, Telmo Amaro, resolve enveredar pelo mesmo caminho e começar a publicar jogos móveis também de forma independente. Telmo Amaro conta-nos como foi começar,

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TESTEMUNHO “A programação de jogos surgiu como passatempo. Na altura tinha 14-15 anos e aprender a programar sozinho foi um bocado confuso. Ainda que muitas vezes por experimentação fui compreendendo como funcionava a linguagem de programação e ao fim de um ano os jogos para J2ME começaram a sair rapidamente. Como apanhei a plataforma nos seus primeiros tempos de vida, foi possível desenvolver produtos com valor comercial uma vez que não havia na altura muita oferta.“ Telmo Amaro, Agosto 2011

Deste modo entre 2002 e 2005, Telmo Amaro vai criar e distribuir comercialmente uns impressionantes 11 jogos completamente sozinho. Em 2002 saem os seus primeiros três jogos em J2ME, Incoming Storm, seguido de NetSquash 2 (a primeira versão tinha sido desenvolvida



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em 2001 como web applet) e Elven Archer. Depois em 2003 mais quatro jogos, Cannon Tower, ManaHarvest, Incoming Storm 2, Shoot'em Down!. Em 2004 lança, OpenFire!, MobileSquash, Elven Sniper, e finalmente em 2005 Flagship. De toda a sua produção Telmo destaca Elven Sniper como o jogo que melhor recepção gerou, e que ainda hoje com uma rápida busca no Google podemos encontrar em dezenas de sites para fazer download.

Figura 4.7 Elven Sniper (2004) de Telmo Amaro.

Em 2006 Pedro Amaro reaparece, criando a empresa Orama Technologies, lançando-se na criação de uma equipa de desenvolvimento de jogos internacional. Sabendo das suas fragilidades na componente gráfica e sonora, busca pessoas que queiram participar no desenvolvimento nestas áreas e assim consegue para a arte, Lai Kwan e para o som e música, Paul David Bergel, ficando Pedro Amaro encarregue do game design e programação. Juntos vão lançar o primeiro e único jogo, Blokkos (2006). Em termos comerciais, a estratégia era lançar o jogo em modo gratuito na web, e modo pago nos telemóveis. De resto a empresa criada por Pedro iria dedicarse a comercializar os jogos desenvolvidos por ambos os irmãos ao longo dos anos anteriores.

Figura 4.8 Blokkos (2006) de Pedro Amaro.

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5.3 Consagração internacional Em 1999 António Câmara regressa dos Estados Unidos, onde passou um ano como professor no Massachusetts Institute for Technology (MIT), decidido a criar uma empresa que transformasse ideias de investigação académica em produtos inovadores. Junta-se a Eduardo Dias, Edmundo Nobre, Miguel Remédio e Nuno Correia, que tinham trabalhado juntos no GASA, um laboratório de Investigação da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciência e Tecnologia, e fundam a YDreams em Junho de 2000. Tinham como objectivo, avançar no terreno das novas tecnologias de comunicação, uma área fortemente híbrida, e para isso rodearam-se de pessoas com diferentes formações, desde as tecnologias de informação e comunicação, processamento de imagem, sistemas de informação geográfica às artes e design.

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Dessa massa de pessoas surge em 2002 na YDreams uma demonstração interna de um jogo em J2ME desenvolvido em parceria externa com Luís Lampreia. Esta demo despoleta a luz verde para que Eurico Moita, Ricardo Andrade e Tiago Carita desenvolvam o primeiro jogo da YDreams para telemóveis, a ser lançado pela Vodafone em Novembro. O jogo recebia o nome RockStar, funcionava no género de plataformas, e tinha como pano de fundo a ideia do jogador se passar por um astronauta que acreditava ser cantor. O jogo chegou ao primeiro lugar dos mais jogados do Vodafone Live. Com o sucesso conseguido a mesma equipa agora também com Hugo Abreu e Sérgio Estevão desenvolveria RockStar 2 – Staying Alive, também vendido à Vodafone.

Figura 4.9 RockStar 2: Staying Alive (2002) da YDreams.

Desta equipa Ricardo Andrade contava com a formação de um master em Criação de Jogos, na Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, o mesmo que Eurico Moita faria em 2004. Por seu lado Tiago Carita tinha a experiência de desenvolver arte para artefactos interactivos que tinha ganho durante a sua passagem pelo CITI - Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas. As



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equipas de desenvolvimento de jogos na YDreams eram pequenas, e os projectos não duravam mais de 2 a 4 semanas. O desenvolvimento era levado a cabo numa plataforma proprietária da YDreams, inicialmente desenvolvida por Eurico Moita e depois melhorada ao longo dos vários jogos. Na arte trabalhavam num ambiente 2d, ainda assim Tiago Carita desenvolvia alguns cenários e animações em 3d que depois eram convertidas em sprites 2d. Em 2003 a Blast Theory em conjunto com Mixed Reality Lab da Universidade de Nottingham apresentam na Ars Electrónica o jogo experimental, Can You See Me Now? (2003). Este jogo desenvolvia-se como uma “caça urbana” fazendo uso de sistemas de GPS integrados em PDAs. Can You See Me Now? despoleta um enorme interesse em sistemas e conteúdos baseados na localização aplicadas ao entretenimento em toda a comunidade científica e artística ligadas aos media digitais, ao qual a YDreams não foi indiferente. Assim em 2003 a YDreams entra para a história do desenvolvimento de videojogos internacional ao desenvolver os primeiros jogos comerciais para telemóvel baseados na localização. Undercover surge como uma primeira experiência baseada na localização e no multiplayer limitado. Depois de um roubo de documentos russos com dados sobre armas biológicas, por um grupo de terroristas, o jogador assume o papel de um agente da TIA (Terrorism Intelligence Agency) com a missão de salvar o mundo da guerra eminente. Para tal precisa de usar a sua localização para poder agir, abrigar-se em abrigos pré-definidos nas cidades para evitar os ataques terroristas, assim como poder “teletransportar-se” para outras zonas do mapa.





Figura 4.10 Undercover (2003) da YDreams.

Com o know-how criado, pegaram na história entretanto desenvolvida para Undercover e criara uma sequela. A sequela ficaria pela narrativa, todo o sistema era agora mais complexo, levando a YDreams a criar aquele que provavelmente terá sido o primeiro videojogo MMO (Multiplayer

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Massivo Online) comercial para móveis, baseado em localização real, Undercover 2: Merc Wars. O jogo seria comercializado em Portugal e na China, e para sabermos mais detalhes, falámos com o Tiago Carita. TESTEMUNHO “O Undercover 2 foi sem dúvida um marco pioneiro em toda a minha carreira de jogos, o jogo tinha uma premissa tecnológica complicada, tinha de ser LBG (Location Based Game) e ter mapas reais como background de jogo. Pegando nisto fizemos a loucura total: criámos um RPG (Role Playing Game) com diversos personagens; tínhamos uma imensidade de armas e equipamentos; podíamos equipar o personagem e mudava os pontos de combate e movimento; tínhamos as personagens a moverem-se em tempo real nos ecrãs dos Nokias S60 com explosões, tiros de energia e até lança chamas; tínhamos um sistema de missões muito evoluído com multinível em garfo, ou seja dependendo das opções do jogador as missões adaptavam-se ao mesmo; o jogo funcionava via GPRS e conseguimos ter até perto de 500 jogadores a jogar em simultâneo, numa época em que aceder à internet pelo telefone era muito caro, lento e ainda tínhamos de carregar os mapas reais. O jogo tinha sido criado como um jogo global que corria em todas as operadoras e toda a gente jogava uns contra os outros.”

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Tiago Carita, Agosto 2011

Figura 4.11 Undercover 2: Merc Wars (2003) YDreams.



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No final de 2003 e para o lançamento muito aguardado do híbrido móvel/consola, o Nokia NGage, a YDreams cria Lex Ferrum, que é lançado na Nokia Conference 2003 em Portugal. Lex Ferrum deixa o Java de lado e avança para o C++ fazendo uso do framework Symbian da Nokia. À semelhança de Undercover, Lex Ferrum era um jogo de ação multiplayer e fazia também uso da localização real dos jogadores. O jogador entrava no jogo e escolhia um lado da batalha para entrar em acção. O sistema detectava o ambiente e outros jogadores de proximidade fazendo uso de Bluetooth, um protocolo que vinha nativamente com o N-Gage. Os jogadores podiam usar machados, espadas e feitiços que tinham de adquirir em locais reais no mundo físico. Na Nokia Conference tinham sido instaladas tendas decoradas com representações do jogo, quando os jogadores se aproximavam, o jogo activava imediatamente o cenário correspondente ao local. Esta mistura entre o real e o virtual, entre as acções num jogo com efeitos no mundo real, criava experiências de grande imersividade nos vistiantes da conferência, e era em todos os sentidos inovador para a tecnologia existente em 2003.

Figura 4.14 Lex Ferrum (2006) YDreams.

Este foi um dos pontos altos da história nacional de desenvolvimento de videojogos, contudo e apesar da grandeza do feito, foram muitos os problemas que surgiram e fizeram com que mais uma vez não fosso possível agarrar a onda, sedimentar, solidificar e criar algo totalmente diferente em Portugal. É verdade que muitos dos problemas que conduziram ao desinvestimento nesta inovação se prendiam mais com factores externos do que internos da própria YDreams. Estávamos em 2003, e as tecnologias móveis ainda estavam muito longe de um iPhone ou de um

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Android. Para além disso desenvolver um jogo que corresse de forma global enfrentava os interesses instalados das operadoras, que não viam nenhum interesse em patrocinar uma plataforma aonde os seus clientes, e os dos outros, partilhassem de forma igual os conteúdos. A acrescentar a tudo isto existia ainda o problema da falta de estandardização dos móveis. Tiago Carita chega referir que “para cada família de aparelhos o jogo tinha de ser reprogramado e redesenhado, às vezes até na mesma família (por exemplo nos Nokia S60 existiam dois tipos de resolução e teclados diferentes) e por isso cada jogo chegava por a ser refeito quase 10 vezes para abranger um número de aparelhos que as operadoras considerassem relevante.”

Figura 4.12 Alqueva Water Sports (2004) YDreams.

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Com todos estes problemas pela frente, em 2004 a YDreams vira-se para a produção de jogos de simulação para PC, deixando em stand by a produção móvel. Nesse ano lança três jogos de simulação, fazendo uso da plataforma do momento, o Virtools. O primeiro, Ecocasa, dedicado ao imobiliário ecológico, no qual éramos recompensados pelas opções ambientais tomadas. O segundo jogo era uma proposta mais arriscada, ainda com o Virtools mas suportada pela plataforma .net da Microsoft, a YDreams cria o seu primeiro MMOG 3D, o Fishualis. Para tal o Sérgio Estevão teve de desenvolver um framework de visualização, o Virtual Landscape, que permitia a visualização em tempo real de dados GIS. Fishualis era uma espécie de RPG de simulação, no qual podíamos jogar do ponto de vista de três forças marítimas, “predadores (tubarão)”, “presas (cardumes de peixes)” e “pescadores (traineiras)”. Sendo o que objectivo passava pela experiência da sobrevivência, que variava em função do perfil de jogador escolhido. O framework Virtual Landscape serviria ainda na criação de um terceiro jogo de simulação, Alqueva Water Sports, no qual se podia praticar vela virtual na barragem do Alqueva com mapas reais.



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Em 2005 a YDreams volta ao mercado móvel e cria o jogo “Carlos Sousa - Galp Lisbon Dakar Race 2005”, na plataforma J2ME para S60 e compatíveis. O jogo apresentava-se num regular top-down de corridas de carro, e foi distribuído pela Galp no Lisboa - Dakar de 2005.

Figura 4.13 Carlos Sousa - Galp Lisbon Dakar Race (2005) YDreams.

Mas será no ano de 2006 que a YDreams voltará a aparecer em força na cena do desenvolvimento internacional de jogos móveis, lançando dois grandes jogos: Wall Street Figher e Cristiano Ronaldo Underworld Football. Wall Street Fighter (WSF) era um jogo de luta, em J2ME que permitia agora chegar a quase 60% do Mercado móvel. WSF funcionava num modo multiplayer online com rankings online e consistia numa forma de jogo “Pedra, Tesoura, Papel”, mas usando um pentagrama para os combates que eram “turn-based”. WSF chegou à fase de semi-finalista no concurso 2007 NAVTEQ Global LBS Challenge , aonde foi elogiado pelo gameplay.

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Figura 4.14 Wall Street Fighter (2006) YDreams.

E assim chegamos ao último jogo criado pela YDreams, Cristiano Ronaldo Underworld Football (2006) uma clara aposta nos conteúdos com propriedade intelectual, trazendo assim para o marketing do jogo a mais valia do reconhecimento mundial do jogador de futebol português. O jogo foi lançado no Pavilhão do Conhecimento com grande alarido, contando com a presença de Cristiano Ronaldo, do Ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago e da Vodafone Portugal. No jogo Cristiano Ronaldo capitaneia uma equipa de jogadores humanos contra uma equipa de monstros - esqueletos, diabos verdes, trolls -, num jogo 5 contra 5. Ao longo do Underworld Tournament os jogadores humanos vão ganhando poderes que lhes permitem lutar contra monstros cada vez mais fortes.

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Figura 4.15 Lançamento do jogo Cristiano Ronaldo Underworld Football (2006).

Apesar de ter tudo para ser um enorme sucesso, na altura Ronaldo jogava no Manchester United, e o jogo era imensamente aguardado em Inglaterra, acabou por não passar de mais um jogo móvel. A empresa contratada para distribuir o jogo internacionalmente entrou praticamente em falência pouco depois de adquirir os direitos do jogo, e enquanto se restruturava internamente a grande janela de oportunidade temporal, para a qual tinham sido criadas as expectativas fechouse. E esta terá sido uma das gotas de água que fez transbordar o copo da YDreams e que a levou a tomar decisão de desistir nesse ano do investimento em jogos digitais. O investimento no mercado de jogos móveis, era já elevado e com as grandes empresas a quererem agora entrar no mercado os valores de produção envolvidos na criação de cada jogo aumentavam ainda mais. Além de tudo isso o desenvolvimento para o mercado de jogos era visto



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como um investimento de grande risco, como se confirmou com o jogo de Cristiano Ronaldo. Dessa forma a YDreams resolveu focar-se no domínio dos serviços e deixar o entretenimento de lado. A sua equipa de desenvolvimento de jogos que não se revia nesta estratégia resolveu ir à procura de um lugar aonde fosse possível focar-se totalmente em jogos. A Gameinvest S.A. estava a contratar, e foi assim que muitos dos elementos da equipa da YDreams foi parar à Gameinvest S.A.

5.4 Últimas criações Em 2005 era criada em Portugal a empresa BSure Interactive que ao longo dos anos 2006 e 2007 vai lançar no mercado oito jogos. Aproveitando os desenvolvimentos que aconteciam com a plataforma de authoring Flash, nomeadamente a criação do player Flash Lite para telemóveis, a BSure lança vários jogos com um detalhe gráfico que poderia quase rivalizar com os jogos desktop. Dos jogos lançados destacam-se particularmente Tic Tac Eclipse, Swat Academy, Baby Santa, e Glitch (Figura 4.16).

Figura 4.16 Ecrãs dos jogos Tic Tac Eclipse, Swat Academy, Baby Santa, Glitch lançados pela BSure entre 2006 e 2007.

Para fechar o capítulo dedicado aos móveis pré-iPhone, temos ainda de apresentar o trabalho realizado pela empresa Float Studios Lda. que se viria a notabilizar como única empresa nacional dedicada aos jogos de cartas portugueses. Não se falava aqui dos tradicionais Poker ou Solitário mas dos nacionais jogos de cartas - Bisca, Sueca, Lerpa, Copas, Sobe e Desce - todos de 2009 (Figura 4.17). Além disso quando comparados com os antigos jogos de Poker, estes estavam assentes numa plataforma móvel, que permitia que os jogadores jogassem multiplayer em

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tempo-real, porque os acessos à informação no ecrã se realizavam de modo individual. A Float desenvolveu um framework de programação que trabalhava o multiplayer através do protocolo Bluetooth.

Figura 4.17 Imagens de dois telemóveis a correr um jogo em tempo real de Lerpa (2009) da Float Studios.

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Desta resenha realizada à volta do desenvolvimento de videojogos para telemóveis em Portugal, é de salientar que da empresa mais promissora no campo dos jogos móveis, a YDreams, terminam em 2006. Apesar de ter conseguido produzir um número alargado de jogos, com projeção mundial, e alguns deles até apresentando inovação tecnológica, mais uma vez o sonho de criar uma indústria sólida na área em Portugal é malogrado. É claro que apesar das conquistas descritas, ainda estávamos longe de ter o investimento que se requer a uma indústria nesta área. Assim como a YDreams percebeu que não tinha como fazer frente ao investimento das grandes empresas, os independentes também o perceberam. Tudo isto hoje visto à distância, e sabendo que o iPhone e o Android saem apenas um ano depois, em 2007, coloca-nos imensas questões. Podemos hoje apenas especular sobre tudo isto, mas interessa-nos tentar perceber se poderia ter sido diferente esta oportunidade entretanto criada pela YDreams. Como por exemplo, o que teria acontecido se a YDreams tivesse mantido viva a área dos jogos digitais? Talvez pudesse ter sido uma das primeiras empresas mundiais a fazer uso de todas as inovações que esta nova plataforma trazia para área. Por outro lado a manutenção de uma empresa com o prestígio e a dimensão entretanto adquiridas, poderia ter servido para alavancar várias outras empresas na área, não apenas realizando-se como spin-of mas talvez até funcionando em regimes de outsourcing.



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RESUMO Neste capítulo pudemos ver como surgiu a primeira fase de jogos móveis, pré-iPhone, em Portugal, quais os seus impulsionadores e conquistas. Percebemos que apesar de tudo o sucesso conseguido, não foi ainda suficiente para lançar as base de uma nova indústria no campo em Portugal. Contudo foram momento importantes que fazem hoje parte da história nacional.



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Capítulo 6

Mundo Online [2003...] No início dos anos 2000 a internet começa a tomar o lugar do formato CD-Rom, o aparecimento das tecnologias Shockwave e Flash da Macromedia tornam possível o desenvolvimento de aplicações graficamente dinâmicas e complexas em ambientes online. Os jogos educacionais nacionais em CD-Rom mudam-se para a web e criam grandes portais online para crianças. Criam-se portais nacionais de jogos gratuitos em Flash e criam-se dezenas de jogos Flash gratuitos ao longo de toda a década. Durante a segunda metade da década 2000 aparecem os jogos casuais descarregáveis pagos e conseguem-se vários tops mundiais.

6.1 O aparecimento dos jogos online Os jogos online apareceram antes mesmo da internet, com o aparecimento da própria Arpanet31. Os primeiro jogos a fazer uso desta ligação entre máquinas à distância davam pela designação de MUD32 tendo Colossal Cave Adventure sido um dos primeiros, criado em 1975 por Will Crowther num DEC PDP-10, logo seguido por um dos mais famosos Zork criado em 1977 por um grupo de estudantes do MIT também num PDP-10. O conceito de jogos online não está apenas associado à ideia de jogar jogos multiplayer em rede, mas diz também respeito a jogos que se podem jogar diretamente na rede, ou que podem ser descarregados da rede. Um dos verdadeiros sistemas percursores dos jogos descarregados, terá sido o Gameline da Atari. Um sistema criado em 1980 que permitia que os jogadores descarregassem jogos via linha telefónica diretamente para o Atari 2600, nos EUA. Neste sistema era possível encontrar exclusivos que não existiam à venda fisicamente, algo inovador e muito à © FCA – Editora de Informática

frente do seu tempo. O sistema acabaria por desaparecer com o crash de 1983.

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A ARPANET foi a antecessora da Internet, surge em 1969, inicialmente desenvolvida pelo Departamento de Defesa dos Estados a ARPANET constituiu um sistema para que os computadores militares pudessem trocar informações entre si, de uma base militar para outra. 32 MUD serviu de acrónimo para "Multi-User Dungeon" e mais tarde também para “Multi-User Dimension”, referindo-se a jogos multiplayer em tempo real jogados num ambiente virtual baseado em texto.



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Entretanto a Internet alargava-se e as as restrições no seu uso diminuem, levando ao aparecimento dos primeiros MMORPGs, que se distinguiriam dos MUDs não apenas pelo número massivo de pessoas que podiam jogar simultaneamente mas essencialmente por possuírem representação gráfica e som. “Ultima Online” de 1997 é comummente assumido como um dos primeiros grandes MMORPG. Sendo nesta altura com o alargamento do acesso à internet e com o aparecimento de browsers tecnologicamente mais evoluídos que se vai dar o grande boom dos jogos online, inicialmente fazendo uso do HTML e do Javascript, seguido depois do Shockwave, seguido pelo Flash e Java applets. No final dos anos 1990 começam a aparecer os primeiros portais de jogos gráficos online. A facilidade em realizar actualizações dos produtos e a diminuição de custos dos suportes leva muita da indústria dos jogos CD-Rom educacionais ou para crianças a mudar-se para o online. Inicialmente os conteúdos dos CD-Roms são convertidos através da nova ferramenta da Macromedia, o Shockwave, para o online. Contudo o peso dos objectos finais é ainda grande tendo em conta que os acessos à internet se fazem com modems a 28k. Para dar resposta a este problema a Macromedia lança no mercado a ferramenta que iria revolucionar o mundo dos gráficos dinâmicos e jogos online, o Flash.

6.1.1 Economia e Tecnologia Flash O Flash ao contrário das ferramentas anteriores tratava os gráficos de modo vectorial, o que permitia traduzir jogos que podiam ter à volta de 10 Mb em pouco mais de 100 ou 200 Kb. Esta valência apenas, faria do Flash a ferramenta de eleição dos criativos online, e faria com o que o plug-in de leitura de conteúdos Flash se tornasse quase omnipresente em todos os browsers de todos os computadores. Deste modo os portais que tinham surgido para substituir os CD-Roms transformavam-se agora em portais de jogos Flash. Alguns dos jogos Flash de maior sucesso da última década - Bejeweled (2001), Line Rider (2006), Meat Boy (2008), Machinarium (2009), Continuity (2010) – foram entretanto portados para outras plataformas, inclusive para consolas. Responsáveis por muito deste sucesso foram também os grandes portais internacionais dedicados exclusivamente aos jogos Flash o Newgrounds e o Kongregate, assim como o Armor Games, o Agame, o Addicting Games, ou ainda o resistente Shockwave. Os jogos Flash tinham uma enorme vantagem face a qualquer outra plataforma, que era o facto de serem independentes do Sistema Operativo, tanto podiam ser jogados num ambiente Linux, como Mac OS como Windows, eles dependiam apenas do browser, e por isso eram também apelidados de Browser Games.

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Os conteúdos Flash foram desde o início associados ao mundo dos conteúdos grátis da internet, no caso dos jogos mais recentemente apelidados de “free-to-play”. Se por um lado isso era sustentável para os grandes portais, e do interesse dos sites que os usavam para atrair visitantes, os criadores não tinham a vida facilitada em termos de retorno. A maioria do software e jogos noutras plataformas é normalmente vendido diretamente aos utilizadores, ou a um editor que depois o vende aos utilizados, mas no caso dos jogos Flash estes são grátis para os jogadores. Por isso o funcionamento do mercado Flash é bastante complexo para quem cria jogos, e passa essencialmente pela tomada de decisão entre sistemas de licenciamento e leilão ou de publicidade.

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A essência dos jogos Flash assenta na criação de tráfico web, quanto mais interessante e viciante for um jogo maior é a probabilidade de ter jogadores a aceder a uma determinada página aonde o jogo esteja, assim como maior será a probabilidade de o jogador clicar em links publicitários no interior do jogo. Os jogos online têm demonstrado ao longo do tempo ser dos mais eficientes veículos na geração e manutenção de tráfico web. Uma das maiores evidências desta questão é o sucesso do Facebook que baseou o alargamento da sua base demográfica nos jogos sociais por forma a despoletar o interesse em pessoas que dificilmente teriam acedido ao site. De uma forma geral os criadores de jogos Flash podem rentabilizar os seus jogos inicialmente pelo número de visualizações que obtenham num determinado portal, e depois pela publicidade apresentada. No final dos anos 2000 surgiram os sistemas de Licenciamento dos jogos que vieram contribuir com uma maior segurança para quem cria. Os criadores desenvolvem um jogo e colocam-no num portal de licenciamento (ex: Flash Games Licensing). Os portais e anunciantes acedem ao site e experimentam os jogos, se gostarem e o quiserem adquirir para os seus portais ou para colocar publicidade, podem oferecer desde logo um valor pelo jogo ao criador. As ofertas funcionam em sistema de bolsa, quem oferecer mais ganha o jogo. A compra neste caso pode funcionar em variadíssimas variantes, por exemplo um comprador pode adquirir desde o direito de colocar um logo publicitário, a adquirir o direito de exclusivo do jogo para o seu portal, que pode ser realizado no tempo, por uma semana, um mês ou mais, ou até mesmo adquirir todo o código do jogo podendo depois transformá-lo como desejar. A complexidade e o interesse nestes sistemas tem dado origem a imenso debate online, no qual têm participado vários dos criadores nacionais, nomeadamente o Ricardo Vladimiro da Vortix Games. Toda esta lógica económica que se gerou em redor dos jogos Flash, free-to-play, levou a que as tecnologias de criação e desenvolvimento não tivessem parado de evoluir ao longo de toda a última década. Desde logo a própria empresa detentora da ferramenta, agora a Adobe depois de



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ter adquirido toda a casa mãe do Flash a Macromedia, tem trabalhado no sentido de evoluir não apenas a ferramenta de edição proprietária, o Flash Professional, mas e mais importante de tudo, a linguagem de scripting que suporta a essência dos jogos. Inicialmente o Actionscript (AS) 1.0 não passava de um esboço de comandos com capacidade para permitir animação web evoluída e algumas brincadeiras ao nível da interatividade. O AS 2.0, em 2004 foi uma grande evolução e com ele os jogos começaram a multiplicar-se na web. Mas foi com a introdução do AS 3.0 em 2006 que a indústria dos jogos Flash se revolucionou. O AS 3.0 deixou de ser um mero adereço de scripting do Flash Professional, e passou a funcionar como uma linguagem totalmente independente, e mais do que isso passou a integrar todas as propriedades dos paradigmas das linguagens orientadas a objectos. Com o AS3.0 surgiram IDEs gratuitos como o FlashDevelop que permitem que qualquer criador desenvolva os seus jogos Flash num ambiente completamente grátis e aberto. Com esta revolução apareceram os primeiros frameworks desenvolvidos exclusivamente para a criação de jogos, dos quais o Flixel e o FlashPunk são os maiores expoentes, não apenas por serem poderosos mas também por serem gratuitos. Deste modo hoje qualquer autor pode criar os seus jogos Flash sem gastar um tostão em software.

6.1.2 Tecnologias dos Jogos Descarregáveis33 A meio da década de 2000 começa a surgir um modelo de jogos online que não podia ser jogado diretamente no browser, mas que obrigava a que os jogos fossem descarregados para o computador para poderem ser jogados, estes passaram a designar-se por “jogos descarregáveis”. Os primeiros grandes sucessos neste modelo de jogos online, foram Dinner Dash (2003) de Nicholas Fortugno, publicado pela PlayFirst, juntamente com Zuma (2003) da PopCap Games. Apesar de mais ligados ao género de jogos casuais, os jogos descarregáveis iriam ver aparecer sucessos noutros géneros, como a aventura gráfica, com jogos como Dream Chronicles (2007) do espanhol Miguel Tartaj. À semelhança do modelo Flash, os jogos descarregáveis funcionam a partir de grandes portais internacionais - BigFishGames, iWin, GameHouse – tornando-se estes no modelo de distribuição. Mas aqui e ao contrário do Flash, os modelos de negócio foram simplificados, no sentido em que o jogador tem de pagar para jogar. Uma das variantes criadas pelos jogos descarregáveis mais interessantes foi permitir que o jogador jogasse durante 60 minutos o jogo até que este fosse



33 O termo “jogos descarregáveis” é a tradução do autor para o género em inglês “downloadable

games”.

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bloqueado. Assim em vez de se criarem demos ou trailers, o jogador podia jogar o jogo real e completo durante um curto espaço de tempo. Jogos como Dinner Dash foram enormes sucessos à custa deste modelo, as pessoas jogavam de graça durante uma hora, até ficarem completamente dentro do ritmo e fluxo do jogo, quando começavam a gostar a sério a experiência era bloqueada, e aí a compra tornava-se irresistível. Ao contrário do Flash, os jogos descarregáveis por serem jogados na máquina dos jogadores, dependiam dos sistemas operativos das máquinas. Nesse sentido a grande maioria era criada para sistemas Windows, existindo alguns jogos também em formato MacOS. Em termos de tecnologias e plataformas no início muitos dos jogos eram desenvolvidos com motores proprietários em C++ em Microsoft Visual Studio ou fazendo uso de IDEs gratuitas (ex: Code::Blocks, MinGW GCC). Nalguns casos havia o recurso a motores de terceiros como o Torque. Com o passar dos anos os motores de grandes jogos foram-se tornando mais acessíveis e houve quem começasse a usar o UDK da Epic Games. Mas um dos frameworks com mais impacto no seio destes jogos terá sido o aparecimento do XNA da Microsoft. Primeiro porque mantinha toda a estrutura do Visual Studio, segundo porque com o framework desenhado em C++ era possível depois programar tudo diretamente em C#.

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No início dos anos 2000 surgia no mercado a Virtools, uma ferramenta que se propunha resolver todos os problemas da criação de jogos 3D, através de um framework e editor integrados, à la Flash. A ferramenta ainda foi utilizada em vários jogos nacionais mas os bugs e a instabilidade desta fizeram com que em poucos anos a mesma desaparecesse. Depois tivemos o Torque, mais poderoso mas também com vários problemas. Até que surge o Unity (Figura 6.1) e começa lentamente a abrir mercados, com um editor bastante estável, poderoso e flexível permitindo programar jogos em Javascript e C#.



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Figura 6.1 Ecrã do editor Unity

O Unity começou por ser um mero editor de criação de jogos 3D, uma espécie de passo à frente do Flash que sempre se limitou ao 2d. E foi desenvolvendo o editor no sentido de facilitar cada vez mais a vida aos designers de jogos. Ao contrário do Flash, o Unity nunca se assumiu como uma ferramenta de todos os propósitos, mas sempre como uma plataforma de criação de jogos, e isto terá ajudado à sua evolução e maturação. Em poucos anos tornou-se numa plataforma incontornável, permitindo atualmente criar jogos para praticamente qualquer plataforma digital, seja online, móvel, consolas ou outra.

6.2 Os Portais Nacionais Em 1998 surge na Universidade de Aveiro a ideia de criar o Ciber Parque de Jogos (CPJ). Óscar Mealha e Rui Raposo produzem uma proposta nesse sentido para ser submetida ao Programa Aveiro Cidade Digital desse ano. Pode ler-se no texto da proposta, TESTEMUNHO* “Apoiado na Internet como infraestrutura primordial de transporte de informação, secundado pela possibilidade de jogar localmente "contra a máquina" ou numa rede local no próprio estabelecimento, o Ciber-Parque de Jogos tem como intenção a manipulação metafórica de temas como o comportamento cívico, a consciência ecológica, a História e a segurança rodoviária. Recorrendo a jogos tradicionais ...” Óscar Mealha e Rui Raposo, *texto do sítio34 online do CPJ, 2000

O CPJ (ver Figura 6.2B) em si, resultou num produto aquém das expectativas, embora fosse um projecto académico que pretendia apenas demonstrar o conceito, tinha ainda de lidar com a ausência de tecnologias que suportassem de forma simplificada as ideias em questão. Os jogos que foram implementados no CPJ ainda o foram em Shockwave, o que dificultaria a criação de um produto integrado. Para além disso era um projecto de trabalho no terreno complexo, lidava diretamente com dezasseis instituições do Centro de Área Educativa de Aveiro nas faixas dos 4-6 e 6-10 anos. Apesar de tudo estava lançada a primeira pedra para o aparecimento de vários portais nacionais com o mesmo desígnio. Alguns dos portais que apareceram nessa época em Portugal não passaram de meras traduções de portais internacionais, como o Disney Blast ou o Clube



34 O sítio do Ciber Parque de Jogos pode ser visitado em http://www.cpj.ua.pt.

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Nesquick. Ainda assim surgiram pelo menos três grandes portais nacionais, no Porto o ClickIn pela Porto Editora, em Aveiro o Cidade da Malta (ver Figura 6.2C) pela empresa Autor, New Media, e em Lisboa o Casquides pela Telecel (antiga Vodafone) (ver Figura 6.2A).

Figura 6.2 (A) Portal Casquides. (B) Entrada do Ciber Parque de Jogos. (C) Portal da Cidade da Malta.

Todos estes portais tinham como público-alvo as crianças do primeiro ciclo até aos 10 anos. No caso do ClickIn existiam uma divisão por idades mais definida com o Mini-Click para crianças com idade inferior aos 8 anos, o Planeta Click para idades entre os 8 e os 10 anos, e o SuperClick para crianças com mais de 10 anos. Os seus conteúdos funcionavam numa lógica de bazar multimédia com várias atividades do tipo desenhos para colorir, histórias para ouvir e ler, músicas, pequenas animações e claro as ferramentas de discussão online síncronas (salas de chat) e assíncronas (fóruns). Não sendo uma inovação no campo internacional, estes projectos fizeram parte da primeira fase de criação de portais e redes sociais para crianças, bastante antes do atual Club Penguin (2005) da Disney. As suas ferramentas de comunicação, ainda que básicas e para crianças muito pequenas, exigiam já a contratação de moderadores com formação no campo do guionismo, capazes de ajudar a perpetuar o universo do site, e a fazer estender a fantasia dos seus personagens.

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Os jogos implementados nestes portais não eram propriamente muito criativos nem originais. Os portais eram pensados como um ambiente virtual para se estar, encontrar amigos e falar sendo que nenhum destes portais nacionais e mesmo internacionais foi capaz de entender o poder de envolvimento e imersão criado pelos jogos digitais. Falharam no modo como foram incapazes de cruzar o jogo digital e o portal, potenciando assim a ligação da base de seguidores e o incremento do seu públicos por esta via. Alguns jogos chegaram a apresentar evoluções interessantes, como o Jogo do Galo 3D de Luís Mouta (Figura 6.3) para a Cidade da Malta que fazia uso da introdução das capacidades 3D no Macromedia Director e da exportação Shockwave para a web. Apesar disto a ligação com a rede de comunicação das crianças, e a falta de visão para fazer dos jogos o



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aspecto central dos portais levaria os mesmos à autoextinção. Aliás não muito diferente do que já se tinha passado com os CD-Roms educativos nos anos 1990.

Figura 6.3 Ecrã de Jogo do Galo 3D (2002) de Luís Mouta.

Mais tarde, em 2003, vão surgir outros dois portais nacionais com uma abordagem diferente, o Jogar Online de Nuno Fatela e o Live2Play de Hugo Mendes e Fernando Fonseca da empresa AfterYou. Primeiro o seu público-alvo deixava de ser as crianças, dirigindo-se à generalidade dos utilizadores da internet. E em segundo lugar, os portais tinha como único objectivo os jogos, não existindo diversão com mais qualquer outro elemento multimédia. Neste sentido ambos os portais albergavam dezenas de jogos em Flash todos criados pelos detentores dos portais. O portal Jogar Online funcionava mais como mero repositório de jogos do autor, sem aproveitar o potencial do facto de se tratar de uma plataforma de agregação. Já o Live2Play inicialmente criado como mera atividade amadora, acabaria por tornar-se numa plataforma profissional que dura até aos dias de hoje. Para o sucesso de Live2Play contribuiu certamente a quantidade (lançando em média um jogo novo a cada dois mês ao longo dos últimos 8 anos) e qualidade dos jogos criados, mas também muito a estrutura de funcionamento do portal. O portal todo desenvolvido em PHP permitia a total personalização através de skins e avatars, e no campo da comunicação faz-se uso de mensagens interna e fóruns. Além disto parece-nos que as duas mais importantes funcionalidades do portal passam pela Newsletter e essencialmente pelo Ranking de Jogadores. A newsletter permite aos jogadores acompanharem e manter-se ligados aos desenvolvimentos no portal. O ranking cria as condições para um envolvimento total com a comunidade de jogadores e claro com o próprio portal.

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Figura 6.4 (A) Ecrã de Hit and Run (2006). (B) Ecrã de Trivia (2003).

Para o portal Live2Play e até 2011 a After You desenvolveu quase cinquenta pequenos jogos Flash, dos quais os autores referem como os que mais sucesso têm alcançado no portal: Picture It (2003) um jogo multiplayer baseado na ideia do Pictionary; Trivia (2003) (ver Figura 6.4B) um dos primeiros jogos de questões online com base de dados totalmente em português, e com a base de perguntas periodicamente aumentada; Collapse4Two (2006) um jogo match 335 em multiplayer; Hit and Run (2006) (ver Figura 6.4C) jogo de destreza e velocidade; Placer (2006) um dos mais jogados do portal; Calculator (2007) um jogo que puxa pela capacidade de calculo dos jogadores. Para além dos jogos para o portal, a After You tem estado envolvida no desenvolvimento de jogos institucionais em parceria com outras empresas nacionais. No caso do Enerfixe (2009) trabalharam com a Ydreams e a Blueshark, para o Aldeia Simplex (2010), fizeram parceria com a Blueshark Studios e no PASSE (2011) trabalharam com a Seed Studios e a Vortix Studios e estiveram ainda envolvidos com a Planetarium Games no desenvolvimento de sistemas de base dados para os seus jogos online.

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6.3 Multiplayer Online e MMO A particularidade dos multiplayer online assenta no potencial que existe latente no facto dos browser games serem jogados sempre online. Ou seja, a existência de uma rede que mantêm continuamente conectados milhões de pessoas potencia possibilidade de desenvolver jogos que tirem partido da existência constante de pessoas online numa qualquer parte do mundo. Neste campo podemos ter simples jogos multiplayer que permitem um número limitado de jogadores



35 O género match 3 diz respeito aos jogos em que a mecânica principal assenta em encontrar três ou

mais objetos iguais.



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online simultaneamente, ou podemos ter os MMO. Os MMO, como o nome indica são jogados por milhares de pessoas em simultâneo, mas mais importando do que isso, são universos de jogos persistentes. Ou seja mesmo quando o jogador desliga do jogo, o jogo mantén-se ativo e em progressão. Isto faz com que os modelos sejam muito diferentes, mesmo tecnologicamente o MMO necessita de um server dedicado que possa ter o universo a correr continuamente. Nesta área tivemos em Portugal já três MMO de sucesso e que são referenciados internacionalmente em vários listagens de browser MMO, Orion’s Belt (2003), Astro Empires (2006) e Almansur (2007). Começando pelos jogos multiplayer, o género que maior sucesso conheceu no nosso país foi o dos “managers” de futebol. Podemos mesmo traçar esta história até ao ZX Spectrum em 1987, quando se iniciou o Elifoot, o primeiro jogo de gestão nacional de jogos mutiplayer local. O Elifoot não parou de se desenvolver e em 25 anos leva já com 12 versões do sistema inicial. Outros jogos ao longo da nossa história não foram tão acarinhados e assim como apareceram, também desapareceram, em 1989 tivemos ainda no ZX Spectrum o Treinador de Futebol por Tiago Martins. Depois em 1994 Football Manager por Alfredo Santos e Miguel Rosário criado em Pascal para MS-DOS. Em 1998 tivemos direito a um manager que seria mesmo distribuído em CD-Rom nos quiosques nacionais, Golo 98 de Marco Morais. Em 2007 a Ignite Games lançaria ainda o Netliga (2007) (mais informação sobre este jogo pode ser vista no ponto 6.5.2). Pelo meio de todos estes desenvolvimentos vai surgir em 2002 a primeira empresa de jogos online nacional inteiramente dedicada aos managers de futebol, a Planetarium Games. Esta lança em 2002 o Planetarium Manager36 (PM), a que se seguirá Football Star37 (2006) e Ball Manager38 (BM) (2010). PM (Figura 6.5) de 2002 continua ativo e em 2011 está traduzido em 31 línguas, contando com cerca de 10 mil jogadores, provenientes de 66 países. O jogo continua a ser grátis, existindo uma versão premium para quem queira aceder a funções estatísticas especiais ou realizar torneios por medida. O objectivo em PM passa por treinar jogadores em equipas procurando ganhar os torneios.



36 O jogo pode ser jogador em http://www.pmanager.org 37 O jogo pode ser jogador em http://www.footstar.org

38 O jogo pode ser jogador em http://www.ballmanager.abola.pt

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Videojogos em Portugal

Figura 6.5 Ecrã de Planetarium Manager (2002)

Em Outubro de 2006 a Planetarium Games lança Football Star (FS) em que o objectivo passa por conduzir um jogador de futebol ao estrelato, podendo o utilizador controlar os esquemas de treino, comprar bens para aumentar a moral, dar entrevistas, entre outras possibilidades. FS está traduzido em 35 línguas, e conta com 31 mil jogadores provenientes de 84 países. À semelhança de PM o jogo é gratuito e possui um modo premium. FS demorou cerca de 10 meses a desenvolver, com um ciclo de testes de 3 meses. Em 2010 surge Ball Manager indo de encontro ao conceito mais tradicional dos managers, em que o jogador gere um clube de futebol. Este novo jogo resultou de uma parceria entre a Planetarium Games, a ONEbase e o jornal A Bola.

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No campo dos MMO em concreto uma das áreas em que mais investimos tem sido as aventuras espaciais, começando pelo primeiro MMO nacional, Orion’s Belt em 2003, criado por Pedro Santos e Nuno Silva sobre a plataforma Microsoft .net com ASP.NET e C#. Um jogo iniciado ainda nos tempos de estudante, fruto de um projeto conjunto para duas disciplinas - Tecnologias de Informação e Engenharia de Software – no ISEL. Orion’s Belt é baseado em jogos como DarkGalaxy e Master of Orion, sendo que apresentava como inovação o sistema de batalhas em jogo de tabuleiro (ver Figura 6.6), funcionando numa lógica de batalha naval no espaço.



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Figura 6.6 Ecrã de Orion’s Belt (2003).

Para além das batalhas o jogo desenrola-se como as lógicas de um manager persistente, como podemos ver na descrição de Pedro Santos, TESTEMUNHO* “O jogo passa-se em turnos. Cada planeta e cada jogador tem recursos próprios, por exemplo, um planeta terá recursos como dinheiro, espaço disponível, cultura, comida, habitações, etc. A cada turno os edifícios existentes no planeta vão manipular estes recursos: uma quinta gera comida, um mercado gera dinheiro, uma escola gera cultura. É tarefa do jogador criar os edifícios necessários para que haja uma produção de recursos coerente com os seus objectivos. Podem haver planetas mais vocacionados para produzir cultura, outros mais vocacionados para a produção de unidades de combate. Por outro lado, o jogador nunca se pode esquecer da população, tem de providenciar comida para os trabalhadores e um nível de vida adequado.” Pedro Santos, em entrevista à *G4mers, Junho 2005

O jogo foi publicado em Open Source no SourceForge.net e foi visto pelos media como uma promessa no campo dos jogos nacionais, tendo sido destacado em vários programas de televisão na RTP e no AXN, assim como em várias revistas da especialidade. Em 2006 ganha os prémios Best Technology e o Best Internet Game na Games 2006. Mas terminado os cursos e sem terem encontrado um modo de financiamento sustentável, os criadores veem-se obrigados a desenvolver trabalho noutras áreas, sem nunca desistir de Orion’s Belt mantendo o jogo nas horas livres, e em servidores pagos com o dinheiro que ganhavam nos seus empregos.

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Videojogos em Portugal

Figura 6.7 Arte de Orion’s Belt por Marco Vale da Vortix.

É em 2008 que Pedro Santos e Nuno Silva encontram na PDM&FC uma empresa capaz de fazer avançar Orion’s Belt como estes pretendiam, e assim em 2009 lançam Orion’s Belt 2.0, agora com a arte a cargo da Vortix Games (ver Figura 6.7), transformando um simples jogo de estudantes num jogo profissional.

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Orion’s Belt não foi o primeiro MMO da PDM&FC, antes em 2007 tinha já iniciado a comercialização de Almansur Battlegrounds criado por Pedro A. Santos, professor de Matemática Aplicada do IST. Almansur aproxima-se de Orion’s Belt no género de gameplay, um MMO de estratégia textual baseado em turnos, mas o tema é totalmente distinto, Almansur opera sobre a estratégia política, económica e militar na idade média. O jogador é agora um líder medieval em busca da grandeza e glória para o seu país. As ações de estratégia passam por desenvolver uma economia e tornar-se num império comercial, e que pode ser feito seguindo uma lógica de dominação, recrutando exércitos para conquistar e submeter os vizinhos, ou de cooperação criando alianças com os outros jogadores. Almansur foi inicialmente desenvolvido com o Framework MVC em Ruby-on-Rails e fazendo uso do Flash para partes específicas do editor do jogo a ser usado pelo jogador. No campo da arte a PDM&FC colabora mais uma vez com Marco Vale da Vortix Games (ver Figura 6.8).

Figura 6.8 Arte de Almansur (2007) por Marco Vale da Vortix.

Em 2010 Luís Landeiro, um dos atuais responsáveis pelo desenvolvimento na PDM&FC esteve na conferência Videojogos 2010 e deixou alguns dados sobre Almansur e Orion’s Belt. Assim ambos



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os jogos contam com milhares de jogadores registados e muitos realizam micropagamentos dentro dos jogos regularmente. Ambos os jogos realizaram um retorno em 2009 de 100 mil euros, sendo que mais de metade é internacional e vem dos EUA, Alemanha e Brasil. Entretanto Almansur teve uma segunda versão totalmente remodelada com apoio do programa europeu MEDIA. Se Orion’s Belt é o MMO mais conhecido e referenciado em Portugal, Astro Empires não fica atrás em reconhecimento internacional (ver Figura 6.9). E não deixa de ser interessante verificar o forte interesse da temática espacial em Portugal, já que em 2007 tivemos ainda System Empires criado pela equipa - Bruno Monteiro, Dália Pedro e André Costa – mas com pouco sucesso acabou por desaparecer rapidamente. Astro Empires foi criado um ano antes de System Empires, em 2006 por Nuno Rosário, de Faro, nos seus tempos livros, enquanto mantinha a sua atividade principal na Engenharia Civil. Demorou cerca de dois anos a desenvolver em ASP.NET mas em pouco mais de um ano conseguiu apelar ao interesse de milhares de jogadores, sendo a maioria destes oriundos dos EUA. Em 2009 ganharia o prémio de "Jogo Mais Popular" do portal Best Browser Games39. Em 2010 Astro Empires atingia os 40 mil jogadores, e contava com tradução em 11 línguas. O jogo está distribuído por 9 servidores os quais são pagos com a publicidade dentro do jogo, permitindo assim que o jogo seja gratuito para a comunidade. Existe ainda o modelo de contas premium em que os jogadores são libertados da publicidade.

Figura 6.9 Ecrã de Astro Empires (2006).

As influências de Astro Empires são à semelhança de Orion’s Belt, Masters of Orion, mas também se vive muito o culto de Star Wars. O jogo funciona como um Simcity, mas em vez de construirmos uma cidade, temos de construir um império galáctico, tudo baseado em texto e tabelas de valores. Os jogadores controlam planetas, os “Astros”, e têm de conquistar e gerir o maior número destes, para isso precisam de trabalhar em três frentes – Economia, Armada e



39 Os premiados podem ser vistos no link

http://contest.bbgsite.com/gameprize/webapps/?controller=prizeitem&id=17

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Videojogos em Portugal

Investigação. Para avançar no jogo torna-se inevitável a associação a equipas (guildas), porque sozinho somos alvos fáceis de abater pelos jogadores mais experientes.

Figura 6.10 Arte de Astro Empires (2006).

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Com a evolução favorável da publicidade e das contas premium, Nuno Rosário criou a empresa Cybertopia para gerir o jogo, e contratou várias pessoas para a equipa. Assim neste momento além do criador temos mais seis pessoas a trabalhar em Astro Empires - Bruno Rodrigues (gestor), Colin Palin (gestor de comunidade), Sónia Mangerona (suporte ao cliente), Miguel Ramos (Programador) e Luís Correia e Helder Baptista (artistas 3D). Apesar de ser um jogo em formato texto, a procura por desenvolver nos jogadores a experiência mais rica possível foram contratados artistas 3D para darem corpo às armadas e cenários do jogo (ver Figuras 6.10 e 6.11). Entretanto já em 2012 o jogo foi portado para iOS podendo ser jogado agora a partir de plataformas móveis.

Figura 6.11 Arte de Astro Empires (2006).

Uma das questões mais interessantes em Astro Empires é a sua estratégia de comunicação. Não temos apenas um grupo de pessoas dedicadas ao desenvolvimento do melhor jogo possível, antes temos uma equipa interessada em criar a melhor experiência possível para a sua



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comunidade de jogadores. Para isso são precisos recursos, e Astro Empires destaca-se da grande maioria dos jogos nacionais ao possuir no site um completo Kit de Imprensa em português e em inglês, o qual traz incluído vários formatos de banners que ganham relevo não para a imprensa mas para a comunidade poder assim potenciar a atração ao jogo em blogs e fóruns. Para além do kit, temos o tradicional fórum que é a ferramenta central de qualquer MMO, e que neste caso não é descurada, tendo para além das pessoas da Cybertopia, vários moderadores internacionais. A questão da tradução em várias línguas é outro ponto a favor e que faz efervescer as comunidades. Mas o mais interessante é a constante promoção de atividades e concursos paralelas ao jogo e que garantem, não só a manutenção do interesse, mas o aumento da demografia do jogo. Uma das atividades mais interessantes promovidas pela equipa foi as Astro Empires Stories, no qual os jogadores são convidados a escrever histórias e a enviá-las para serem apresentadas no site do jogo. Em menos de um ano o número de histórias no site é incrível, e algumas delas podemos mesmo dizer que são pequenas pérolas do conto de ficção-científica. Se o jogo é por si só cativante, toda esta construção de comunicação eleva-o para um patamar de complexidade muito mais interessante e envolvente, e a Cybertopia sabe disso. Em 2008 Sofia Ester Reis desenvolve um interessante conceito para o jogo multiplayer online, Escola de Magia de Lisboa (Figura 6.12) A Escola da Magia nunca se assume como jogo nem ficção, apresentando-se como uma escola situada em Lisboa, onde os alunos se podem matricular e tornar-se feiticeiros. Os alunos recebem um cartão de aluno e a comunicação acontece via fórum e e-mail. A ilusão funciona ao ponto de vários jogadores enviarem e-mails a perguntar se a Escola é real, e qual a sua morada. O jogo foi baseado nos livros Adozinda (1995) escritos anteriormente pela autora do jogo. Apesar de anterior a Harry Potter (1997), podemos aqui encontrar muito dos imaginários emanados de Hogwarts de J.K. Rowlands.

Figura 6.12 (A) Entrada da Escola da Magia de Lisboa. (B) Quadro de Honra da Escola.

Depois em 2009, João Costa com Ana Costa, criam Bullet Drive, um MMO de gestão e tunning de carros (Figura 6.13). O jogo foi criado na plataforma Flash, e apresentava alguns atributos técnicos inovadores na altura, como o som dos carros sintetizado em tempo real, a física dos carros com diferenças entre tipos de tração (frente, atrás, ou 4x). Questionamo-nos sobre o facto de ao longo de três décadas, termos tido oito jogos de gestão de futebol, e apenas dois de gestão de carros, dado a popularidade de ambos os géneros internacionalmente. Antes de Bullet Drive só tínhamos tido em 1984, Brum-Brum de Pedro Cunha para ZX Spectrum.

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Videojogos em Portugal

Figura 6.13 (A) Site de Bullet Drive. (B) Ecrã de Bullet Drive (2009).

6.4 Jogos Universitários

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Os jogos de estudantes são uma constante em toda a história nacional de produção de videojogos, muitos têm aparecido com o início na Universidade das primeiras cadeiras de informática como vimos ao longo deste livro, dos quais os jogos de Gil Costa – Tetrasaurus (2004) e Magnetoid (2005) – feitos em Pascal são um bom exemplo. Ou o autor do portal Jogar Online de que já falámos neste capítulo, e que desenvolveu os seus jogos mais elaborados - 1755 Reconstruir Lisboa (2006) e Tugalândia (2008) - no âmbito do seu Mestrado em Sistemas de Comunicação Multimédia na ULHT. Entretanto com o aparecimento de disciplinas especificamente dedicadas aos videojogos em cursos universitários de informática, comunicação e artes começaram a aparecer cada vez mais jogos elaborados para browser e descarregáveis. Temos demonstrações e protótipos das Universidades de Aveiro, Minho, Porto, Coimbra, Covilhã do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. De todos o curso de Mestrado em Engenharia Informática, ramo de Sistemas multimédia do IST, tem sido o mais produtivo, com mais de uma dezena de jogos produzidos e vários prémios nas conferências da Videojogos ao longo dos últimos anos. Não sendo fácil o acesso aos materiais produzidos internamente nas Universidades, e menos ainda apurar a qualidade e impacto obtido, optamos aqui por listar apenas os jogos que foram selecionados para as conferências científicas organizadas pela Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos desde 2008. 2008 foi o ano da pré-conferência Videojogos, tendo sido intitulada de Digital Games, decorreu na Universidade Católica do Porto. Como evento ainda sem tradição, foram realizados apenas a apresentação de três protótipos. Attached! de Nuno Monteiro, André Almeida, Miguel Barreiro do IST, desenvolvido na plataforma Ogre3D. Também do IST, veio o interessante Geometry Friends de José Rocha e Samuel Mascarenhas desenvolvido em XNA e com controlo Wiimote. A particularidade de Geometry Friends assentava no factor de cooperatividade, sem o qual era impossível avançar no jogo, tornando-o um desafio relevante tanto no campo das competências cognitivas como sociais. Da Universidade de Aveiro veio Super Mario Sketch, criado por Ana Oliveira, Rita Oliveira, Bruno Abrante e Marta Ferreirinha, na plataforma Flash. Como o nome indica, tratava-se de uma versão de Mario (Figura 6.15), no formato 2d side-scroller, e que foi



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apresentado na Digital Games 2008 com o PC envolvido por uma caixa de esferovite que simulava uma máquina de salão de jogos.

Figura 6.15 Ecrã de Super Mario Skecth (2008).

Em 2009 a primeira conferência com o nome Videojogos decorreu na Universidade de Aveiro. Aqui foram apresentados mais de uma dezena de jogos, tendo ganho o primeiro prémio o jogo Snake Defender de Ruben Simões, António Soares, Marco Rodrigues do IST, pelo qual receberam uma Xbox360. Foram depois atribuídas duas menções honrosas, uma para Inês Rocha, Ana Isabel Veloso e Óscar Mealha pelo projecto IMP.cubed. A segunda foi para João Cabeleira com o jogo Mass Combat Vector (Figura 6.16) e que no mês seguinte viu o publicado com a revista BGamer (Janeiro de 2010). Contudo a estrela da apresentação de João Cabeleira não tinha sido propriamente o jogo, mas antes o seu game engine, Voltaico (Figura 6.16). João Cabeleira já tinha desenvolvido um primeiro jogo, Creepy Escape com Ricardo Mendes e Fernando Benevides no IST mas com recurso ao Ogre3D. Mass Combat Vector foi a oportunidade de dar a conhecer Voltaico, um motor que o autor passou alguns anos a desenvolver. Tendo em conta as funcionalidades apresentadas para Voltaico40 - Rendering, Animations, Terrain, Atmospheric effects, Physics, Audio, Editor, Artistic pipeline – e os motores já aqui referenciados podemos dizer que estavamos perante um motor bastante evoluído. Aliás o João Cabeleira apresentaria como projecto de tese no seu mestrado em Engenharia Informática do IST, um motor específico – Serenity - no campo da iluminação em tempo-real.



40 Mais detalhes podem ser vistos no site http://www.voltaico.net

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Videojogos em Portugal

Figura 6.16 (A) Interface do motor Voltaico. (B) ecrã do jogo Mass Combat Vector (2010).

Para além dos premiados foram apresentados ainda DooooColors de Ana Mourato e Vânia Rodrigues da Universidade do Porto; assim como Captain Mhytra - And The Ultimate Quest To Save The Earth From Pollution And Ancient Evil Alien Forces (Figura 6.17) criado por Dinis Simões, Francisco Baião, Samuel Traquina e Rui Silva da Universidade de Aveiro na plataforma Flash. Captain Mhytra era um jogo com preocupações retro ao nível do ZX Spectrum, e apresentava uma boa duração para jogo de estudante, com sete níveis sendo que o último nível possuía dois finais diferentes e quatro side quests. Captain Mhytra foi publicado no portal Newsgrounds41 aonde conseguiu obter uma recepção interessante.

Figura 6.17 Ecrã de Captain Mhytra (2009).

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Em 2010 a Videojogos decorreu no IST, e como não podia deixar de ser neste ano a presença de jogos criados por alunos deste Instituto seria ainda maior, contando com 6 jogos, e vencendo todos os prémios a concurso. Assim o primeiro lugar foi para Xinky's World (Figura 6.18) de Tiago Garrochinho, J. Edmundo, R. Félix e C. Raposo, desenvolvido em UDK. Depois de premiado Xinky’s World foi ainda selecionado para o Indie Games Festival de 201142. O 2º lugar, ou menção honrosa, foi para outro jogo em UDK do IST, Grim Business de Rodrigo Dias, André Veiga, Pedro Sousa e António Painha, e foi aina atribuído um 3º lugar a Déjà Vu de Carlos Fraga, Guilherme Fernandes, Tiago Ribeiro, Rui Santos, Tiago Duarte, Tiago Francisco (UDK/Gamemaker).



41 O jogo pode ser jogado no link: “http://www.newgrounds.com/portal/view/480730” 42



Mais sobre a presença no IGF pode ser visto em http://www.igf.com/php-bin/entry2011.php?id=518

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Figura 6.18 Ecrãs de Xinky’s World (2010).

Além destes o IST apresentou ainda: The UnDad: Because brain matters de João Oliveira, David Lucas, Daniel Mendes e Paulo Figueiredo (Gamemaker); Lagoon Crossing de João Cabeleira, Marco Santos, e Hugo Antunes; e The Friendly Blacksmith de André Matias (Neverwinter Nights Mod). Da Universidade da Beira Interior veio Castle Defender de André Barbosa, Abel Gomes e Frutuoso Silva e do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave veio Patrulha SEPNA de Luís Torrão e Nuno Rodrigues. No ano de 2011 a conferência voltou ao Porto, agora na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e a participação diversificou-se. O IST esteve ausente não por falta de jogos, ou submissão mas por indisponibilidade para se deslocarem ao Porto. A demo vencedora do evento foi Whack ‘Em All – Head Mounted Display Interaction Enabled by Motion Trackers43, do António Gomes desenvolvido na cadeira Building Virtual Worlds do mestrado Entertainment Technology conjunto entre a Universidade da Madeira e a Carnegie Mellon University. Depois da Universidade da Beira Interior veio Math Cat de André F. S. Barbosa, Pedro Pereira, João Dias, Frutuoso G. M. Silva; do ISCTE veio Learn English With Inspector Flops de Teresa Futscher de Deus, Tiago Marques, Paulo Alexandre, Isabel Machado Alexandre, Pedro Faria Lopes; e da Universidade do Minho veio Zun - A Math Exergame de José Gabriel Teixeira e Pedro Pinto Teixeira. Um dos jogos mais interessantes conceptualmente apresentados neste ano foi Murky Shooting44 (Figura 6.19) de João Cordeiro da Universidade Católica Portuguesa, que nos trouxe um “audio game”, um shooter, em que o jogador faz uso apenas da audição para acertar no alvo.



43

Pode ver-se uma demonstração do jogo no YouTube. URL: http://www.youtube.com/watch?v=yxLMvK4PCGY

44 Cordeiro, João, (2011), Murky Shooting: em busca da primazia sonora nos videojogos, in Atas da 4ª

Conferência de Ciências e Artes dos Videojogos, 2 a 4 de dezembro de 2011, Porto, Portugal (307-308)

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Videojogos em Portugal

Figura 6.19 Interface gráfica do áudio-jogo Murky Shooting (2011). (A) Interface versão dia para o jogador poder treinar. (B) Interface da noite para jogar apenas através do som.

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A produção de jogos de estudantes não se limitou ao que foi apresentado nas conferências, e desse modo existem ainda alguns exemplos que valem a pena ser aqui referenciados, nomeadamente dois jogos mais ligados às escolas de artes da Universidade Católica do Porto, e da Universidade de Belas Artes do Porto. Na Católica foi produzido como projeto de fim de curso, na licenciatura em Som & Imagem, o jogo Fusebox (2010) por Diogo Barbosa, Joana Pinho, Francisco Araújo. Usando uma interação simples de point&click que implementaram com recurso à plataforma Wintermute, sendo que a sua mais-valia estava na arte do jogo (Figura 6.20). Joana Pinho já tinha antes realizado um interessante trabalho em Flash, para uma disciplina do curso, A Menina dos Fósforos (2009).

Figura 6.20 Concept art para o jogo Fusebox (2010)

Mas é das Belas Artes do Porto que vai surgir um dos jogos nacionais mais controversos em termos de narrativa e mensagem, Fatima (2010) criado por Joana Sobral, Luis Lucas Pereira, Mafalda Maia, Mafalda Nobre, Pedro Santa, Tiago Alves. O jogo realizado em Flash funciona numa base simples de point&click obrigando o jogador a gerir eventos que possuem além da



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manutenção dos objectivos jogo, leituras e significados que podem afectar quem joga (Figura 6.21). O autores em entrevista ao jornal “i” referiram, TESTEMUNHO* “A ideia essencial é propor ao jogador o dilema entre o material e o espiritual. O fenómeno de Fátima tem o contexto ideal para esta dualidade, pondo o jogador no papel de uma pastorinha que tem de optar entre orar à Virgem (dimensãoo espiritual) e cuidar do rebanho (material).” Autores de Fátima, em *entrevista ao i, 17/18 Julho 2011

Figura 6.21 Ecrãs de Fátima (2011).

Já no ano de 2012 vimos aparecer na Universidade do Minho um dos primeiros “cartoon games” nacionais, Missão Cavaco (Figura 6.22) criado por Pedro Nogueira, em Flash, no âmbito do Mestrado em Media Interactivos da UM. O jogo surgiu depois do presidente da república, Cavaco Silva, ter emitido declarações no sentido da sua reforma, de cerca de 10 mil euros, ser insuficiente para sobreviver, o que gerou uma enorme agitação nos media e na população. Pedro Nogueira refere no testemunho que se segue. TESTEMUNHO “Vi as declarações do Cavaco Silva, pus-me a pensar se haveria alguma possibilidade de adaptar aquilo para um jogo. Não sabia de que forma o iria fazer, mas algo me dizia que poderia surgir dali um jogo engraçado, tal como aconteceu com os jogos do sapato do Bush ou da mosca do Obama (nunca imaginei foi que isto viesse a atingir estas proporções).” Pedro Nogueira, 5 Fevereiro 2012

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Videojogos em Portugal

Figura 6.22 Ecrãs de Missão Cavaco (2012).

O jogo tornou-se num viral nacional, sendo fortemente discutido e partilhado nas redes sociais, assim como nos portais Newgrounds e Kongregate chegando em poucos dias a mais de 60 mil visualizações. Nos media tradicionais a notícia atingiu os milhares de visitas por onde passou, chegando aos 10 mais lidos da semana online nos jornais JN, Visão, Expresso, tendo sido ainda motivo de reportagem no telejornal da TVI.

6.5 As empresas nacionais

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Depois da criação dos motores de jogo, competições, grupos e fóruns do início da década de 2000 que discutimos no capítulo 4, a segunda metade da década viu surgir um boom de empresas nacionais dedicadas ao desenvolvimento de videojogos. Como vimos, depois no capítulo 5, a aposta no móvel foi pequena apesar de significativa, mas a grande parte decidiu seguir o rumo dos jogos online. Destas, grande parte começou por criar jogos na plataforma Flash e depois desenvolver os seus próprios frameworks em C++ para o desenvolvimento de jogos de descarregáveis. De forma resumida podemos dizer que 2008 marca mais um momento charneira na história da indústria de jogos portugueses, com o reconhecimento dos jogos online nacionais. Será neste ano que a empresa RTS lança o jogo a descarregável Farmer Jane através de um dos maiores portais de jogos online, o BigFishGames, e consegue assim primeira entrada de um jogo português para o Top 10. Desde então vários outros jogos nacionais conseguiram entrar nos tops internacionais como vamos poder ver. Mais especificamente no mercado Flash, tivemos também em 2008, Atomik Kaos da Vortix como um caso de sucesso com 4 milhões de visualizações45, e um prémio de 150 dólares da Kongregate, mais um terceiro lugar diário no Newgrounds. Algo que viria a ser ultrapassado por G-Switch de Vasco Freitas em 2010 com 6 milhões de views, sendo no ano seguinte nomeado para melhor jogo do ano no Newgrounds. O mesmo Vasco Freitas conseguiria em 2011, chegar aos 35 milhões de visualizações com o jogo Freeway Fury 2.



45 A visualização corresponde ao carregamento do jogo numa página web. Não indica alguém tenha

mesmo jogado, apenas que alguém acedeu ao jogo e o descarregou no seu browser. É contudo utilizado com uma unidade de medida do sucesso dos jogos Flash.



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Veremos tudo isto em maior detalhe analisando empresa a empresa, jogo a jogo desta que foi uma das fases dos jogos nacionais mais produtivas. Mas antes de começar a analisar cada empresa, será interessante verificar como se compõe o panorama das empresas nacionais em termos de interligações e interdependências (Figura 6.23). No diagrama abaixo podemos ver como alguns dos grupos de que falámos no capítulo 4, foram responsáveis pela criação de algumas das grandes empresas nacionais existentes hoje. Assim da equipa True Dimensions, saíram elementos para a Crytek (Alemanha) em 2002, que em 2011 seguiriam para a Blizzard Entertainment (EUA), outros saíram para a Eworks em 2003. Por sua vez a Eworks iria desaparecer dando origem à criação de duas novas empresas em 2006, a Ignite e a RTS. Alguns dos colaboradores da Eworks optariam por sair da Eworks para a Move, por sua vez quando a Move terminou alguns colaboradores criariam a ZPX e outros rumariam para a Ninja Theory (Inglaterra). Da Ignite vamos ter pessoas a sair mais tarde para a RTS, Blitpop, a Gameinvest, e a Miniclip. Da RTS sairiam elementos para a Vortix, a Blitpop, a Miniclip e a Serius Games. A Vortix iria depois colaborar com arte para empresas como a PDM&FC, a Serius Games e a After You.

Figura 6.23 Diagrama das relações entre empresas nacionais de desenvolvimento de jogos. A cinza as empresas que terminaram ou deixaram o desenvolvimento de jogos.

Do outro lado a YDreams, empresa responsável pelos jogos móveis de que falámos no capítulo anterior, iria desistir da criação de videojogos dando assim origem a uma saída de pessoas que iria alimentar as recém-criadas Gameinvest e a Blueshark. Por seu lado a Gameinvest e o seu sistema de apoio às empresas nacionais iria colaborar em vários projectos com a Spellcaster, a Blueshark, a Camel e a RTS, assim como com a Seed Studios, empresa criada pelos membros da equipa GameLords. Da Seed sairiam colaboradores para a Crytek em 2009, e depois em 2012 para a Blizzard Entertainment (EUA). Da Gameinvest sairiam depois alguns elementos, como por exemplo o António Saraiva, para criarem a Biodroid. Sobre a Biodroid e a Seed Studios falaremos,

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Videojogos em Portugal

tal como da Move, apenas no capítulo oito. Sobre a ZPX, a Different Pixel, e a Miniclip falaremos apenas no capítulo nove.

6.5.1 Ework Studios

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Tendo iniciado a sua atividade em 2002 com várias tentativas falhadas para desenvolver jogos para consolas, de que falaremos no próximo capítulo, é antes de tudo o mais importante mencionar a Eworks (ver Fig 6.24) pelas a empresas a que deu origem. Não apenas pelas empresas que se formaram pela divisão desta – Ignite e RTS -, mas por todas as empresas nacionais de videojogos que os seus colaboradores viriam a fundar ou a colaborar. Assim: David Rodrigues fundaria a Ignite Games; Pedro Costa fundaria a RTS; Diogo Teixeira trabalharia na Move, ZPX, e fundaria a Insidious; Guilherme Santos trabalharia na Move e fundaria a ZPX; e Marco Vale trabalharia na RTS e fundaria a Vortix; Tiago Godinho trabalharia na Ignite, Camel, Gameinvest, e Miniclip; Frederico Martins trabalharia na Ignite, RTS, BlitPop, Miniclip e Serius Games; Tiago Pimentel trabalharia na RTS e Blitpop; Gilberto Medeiros trabalharia na RTS e Miniclip; Marco Gomes trabalharia na RTS; e Luís Melo trabalharia na Ignite. Podemos assim dizer que a Eworks daria origem a pelo menos cinco novas empresas e ramificando-se por um total de 11 empresas na indústria de videojogos nacionais.

Figura 6.24 Estúdio da Eworks em 2004.

O único jogo finalizado e comercializado pela Eworks foi a “Quinta das Celebridades” (2005) para a TVI/Endemol. Lançado em Junho de 2005, o jogo foi desenvolvido num software muito em voga nessa altura, o Virtools. Por isso apresentava uns impressionantes gráficos 3D em real-time, e fazia uso de uma ilustração cartoon (ver Figura 6.25) e animação fluída, tudo a correr diretamente no browser.



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Figura 6.25 Esboços no estilo cartoon do jogo Quinta das Celebridades (2005) por Marco Vale.

O jogo era do género task based, e o jogador era convidado a escolher uma das celebridades do programa de televisão, e a fazer uma série de tarefas tentando manter os seus níveis de popularidade de modo a não ser nomeado ou expulso (ver Fig 6.26). Para um simples jogo de base televisiva o jogo estava muito bem conseguido, demonstrava um forte empenho por parte da empresa e apresentava argumentos ganhadores para continuar a criar mais jogos do género.

Figura 6.26

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Videojogos em Portugal

Ecrãs do jogo Quinta das Celebridades (2005).

Mais jogos criados pela equipa viriam a acontecer mas já sob diferentes nomes de empresas. Em 2005 a Eworks tinha a equipa dividida com dois projectos, “Steam” liderado por David Rodrigues e “Lumen” por Pedro Costa. E assim nesse ano em Outubro, David Rodrigues sai e funda a Ignite Games para lançar “Steam”, e Pedro Costa funda a Real Time Solutions (RTS) e lança “Lumen”.

6.5.2 Ignite Games

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A Ignite Games duraria pouco mais de dois anos, mas seria o suficiente para colocar no mercado três jogos, mais um inacabado. Steam - The global Candy Theft! (Figura 6.27) será o seu primeiro o jogo, e o mais representativo da curta história da Ignite Games. Lançado em vários portais online - Big Fish Games, Pogo, PlayFirst – conseguiu entrar no Top 10 do portal Boonty. Em Steam controlamos a pequena Tischa nas terras de Sweetopia combatendo malvados com bolas de rebuçado, ao longo de 80 níveis, contra vários “bosses” procurando resolver o mistério por detrás do roubo global de doces. Para tornar mais doce todo tema das guloseimas, o jogo conta com arte de excelência, tanto no campo visual por Luís Melo e Frederico Martins, como sonora por Francisco Furtado. Na programação estava Tiago Godinho.

Figura 6.27 Ecrãs do jogo Steam - The global Candy Theft! (2007).

Depois foi a vez do projecto Netliga (2007) que já vinha de trás, tinha já sido apresentado à ONI em 2000 pela Ruído Visual Telecomunicações Interactivas, mas o rebentar da bolha dot.com neste período levaria a ONI a repensar todo o seu investimento online e o projecto acabaria por não avançar. Assim em 2007 cabe à Ignite juntamente com o portal Sapo pôr o projeto a andar.



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Diga-se que conceptualmente era um projeto importante porque baseado na ligação à realidade portuguesa, em que os plantéis de jogadores usados nos jogos correspondiam aos das equipas portuguesas, colocando o jogador no lugar de gestor dos recursos existentes em cada época. Apesar disso Netliga ao contrário dos MMO de futebol criados pela Planetarium Games revelarse-ia um insucesso.

Figura 6.28 A. Ecrã do jogo Ignite Assembly Line (2007). B. Ecrã do jogo inacabado Starwheels.

No final a Ignite desenvolveu um pequeno jogo, Ignite Assembly Line (2007) (Figura 6.28 A) que seria lançado no Big Fish Games, e deixaria inacabado Starwheels (Figura 6.28 B) apesar de contar já com banda sonora completa46 de Francisco Furtado e muita arte gráfica.

6.5.3 RTS – Real Time Solutions A RTS é resultado da divisão da Eworks, mas a sua origem está na paixão de Pedro Costa pelos videojogos, que com orgulho no que fazia, fez da RTS um dos melhores exemplos empresariais na área dos videojogos em Portugal. A sede da RTS passou a ser a casa de família em Carcavelos aonde Pedro Costa tinha morado quando era mais jovem, e onde deu os primeiros passos na programação no ZX Spectrum. Depois disso fez Engenharia Informática no IST e aí teve oportunidade de trabalhar em projectos para a TMN, NEC e Agência Espacial. Mas terminado o curso, a sua atração pelos videojogos levou-o até à Eworks, e daí a fundar a RTS. Inicialmente fazendo pequenos serviços de informática em outsourcing, em 2008 a RTS tornava-se uma empresa exclusivamente dedicada aos videojogos. Fizeram parte da RTS vários colaboradores vindos da Eworks - Gilberto Medeiros, Marco Gomes, Tiago Pimentel, e Marco Vale – aos quais se juntaram Luís Brilha, Filipe Amim, Rui Apolinário, David Sequeira, Joana Muge, e Bruno Covachã.



46 A banda sonora de Francisco Furtado pode ser ouvida em http://franciscofurtado.

bandcamp.com/album/project-starwheels

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Videojogos em Portugal

Figura 6.29 Ecrãs do jogo Lumen: The Way to Atlantis (2006).

O primeiro jogo desenvolvido pela RTS foi um projeto que já vinha da Eworks, Lumen: The Way to Atlantis (Figura 6.29). Uma primeira versão chegou a ser desenvolvida sob o nome de Deflector 3D num 3D básico na Eworks ainda. Depois a RTS pegou no conceito e criou um puzzle gráfico 2D, com gráficos 3D vistos a 45º. Em cada nível temos de descobrir a forma de fazer passar a luz fazendo uso de espelhos, tudo num determinado limite de tempo. São 115 níveis distribuídos por 8 temas de civilizações antigas. As influências de Lumen podem ver-se no testemunho que se segue, TESTEMUNHO* “A ideia do Lumen surgiu no sentido de inovar e tentar trazer para o mercado dos jogos casuais mecânicas de jogo dos anos 80 devidamente adaptadas à realidade dos jogos actuais. Desse modo, jogos como Deflektor e Pipemania serviram de inspiração.”

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Pedro Costa, in *GameOver, Março 2007



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Figura 6.30 Ecrãs do jogo Aquapark (2006), Windows e Mac.

Logo a seguir foi lançado Aquapark (Figura 6.30) que atingiu os 100.000 downloads nas primeiras duas semanas. Longe dos TOP 10 mais conhecidos, conseguia ainda assim chegar ao primeiro lugar do portal Zylom. O conceito do jogo era muito interessante, o jogador tinha de colecionar peixes para um oceanário, e para isso tinha de se deslocar a várias zonas geográficas para encontrar os peixes necessários. Mais uma vez a parte gráfica fazia as delícias dos jogadores, bem acima da qualidade média internacional deste tipo de jogos.

Figura 6.31 Ecrãs do jogo ColorTrail (2007).

Em 2007, e enquanto desenvolviam um novo motor de jogo 3D a RTS lança ColorTrail (Figura 6.31) um pequeno jogo, no género match 3, seguindo o caminho de Bejeweled. Mas é o ano de 2008 que ficará para a história da RTS e dos videojogos nacionais. Depois dos vários jogos desenvolvidos e lançados nos portais internacionais conseguiu chegar a um acordo de produção em exclusivo para o BigFishGames. E assim em julho de 2008 surge Farmer Jane, o primeiro videojogo português a figurar num Top 10 Internacional de jogos descarregáveis. O quarto lugar no portal da BigFishGames, e os 15 dias em que esteve no Top, permitiu a Farmer Jane chegar a meio milhão de downloads, feitos em todo o mundo e credibilizou a indústria nacional de desenvolvimento de videojogos.

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Videojogos em Portugal

Figura 6.32 Ecrãs do jogo Farmer Jane (2008), o primeiro jogo nacional no Top 10 do BigFishGames.

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Farmer Jane (Figura 6.32) foi desenvolvido sobre um motor de jogo 3D proprietário da RTS desenvolvido internamente por Bruno Covachã e Filipe Amim. A arte visual seguiu um rumo pouco comum na altura para jogos casuais descarregáveis, todo o jogo corria em 3D tempo real, e ficou a cargo de Marco Vale, com ajuda de Joana Muge e David Sequeira. O game design, várias vezes elogiado em análises pela comunidade nacional e um dos grandes responsáveis pelo sucesso, é da responsabilidade de Vasco Freitas, colaborador contratado a partir de uma competição realizada na GameDev-PT (ver Capítulo 4.2.3). Finalmente toda a produção e gestão de projecto ficou a cargo de Pedro Costa. Farmer Jane é um jogo de time management com o tema da agricultura por detrás, um tema bastante em voga nestes anos nos jogos casuais, tanto que em 2009 Farmville se tornaria no jogo de maior sucesso do Facebook. Farmer Jane vem envolvido numa história sobre a quinta do Avô de Jane que está com problemas cabendo ao jogador realizar uma gestão ativa da quinta para que no final de cada mês consiga manter todos satisfeitos. Em termos de funcionalidades, podemos escolher o personagem e personalizá-lo, algo pouco usual para um jogo casual, assim como os cenários 3D que deslumbram o jogador mas atiram o jogo para valores de produção bastante acima dos comuns jogos casuais. O sucesso obtido com Farmer Jane levaria a RTS a recrutar mais pessoas, e a lançar-se na produção de jogos cada vez mais elaborados. Esta estratégia viria a revelar-se pouco acertada, aliás como vimos Farmer Jane era já um jogo bastante elaborado face à concorrência. Deste modo o aumento da qualidade, viria a implicar aumento de custos, o que para se manter no



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mesmo mercado e com um retorno muito flutuante era muito arriscado. Deste modo a RTS acabaria por se retirar do mercado de desenvolvimento de jogos online em 2010.

Figura 6.33 Ecrãs do jogo Mall-A-Palooza (2010), descarregável Windows e Mac.

Ainda assim os dois projetos iniciados após Farmer Jane foram ambos terminados e lançados em 2010. Mall-A-Palooza (Figura 6.33) que apesar de não conseguir entrar no TOP 10 do Big Fish Games, ficou muito perto em 11º lugar, e ocuparia o primeiro lugar da tabela iWin e MSN Games, e vários segundos lugares – Yahoo Top, WildGames, ArcadeTown. Com críticas favoráveis da Gamezebo e do Jay is Games, assim como nos muitos comentários deixados pelos utilizadores nos portais, Mall-A-Palooza, não ficava atrás de Farmer Jane. O conceito tinha-se mudado da agricultura para os centros comerciais, e a mecânica já não era baseada na gestão de tempo, mas na simulação de papéis e ações.

Figura 6.34 Ecrãs do jogo The Crop Circles Mystery (2010), descarregável Windows e Mac.

O segundo projeto, e o último da RTS para o mercado online de descarregáveis, The Crop Circles Mystery (Figura 6.34), era um jogo dentro do género hidden object47. Mas este iria demonstrar



47 Hidden Object é um género de jogos dentro do grande género dos jogos casuais, e que consiste em

procurar pistas que estão escondidas em imagens do jogo, regularmente conduzidas por uma história de fundo.

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Videojogos em Portugal

que apesar dos valores de produção em causa, quando o jogo não mexe com as pessoas, quando lhe falta o factor “X”, torna-se difícil obter o retorno necessário, daí o risco de investimentos altos. Ainda assim The Crop Circles Mystery seria o segundo jogo da RTS a entrar no TOP 10 do Big Fish Games, durante nove dias, chegando apenas até ao oitavo lugar, conseguindo ainda um quarto lugar no iWin. A RTS estaria ainda envolvida num último projecto de um jogo para consola, Aquatic Tales, em colaboração com a Gameinvest e a Seed Studios. A RTS ficou responsável pela versão Wii do jogo, e a Seed Studios pela versão Nintendo DS. Mas no final a Gameinvest não conseguiria lançar o jogo, ficando este em estado indefinido.

6.5.4 Blitpop A Blitpop foi fundada por Ricardo Serrazina em 2004, e já teve nos seus quadros várias elementos de várias empresas nacionais de videojogos, assim como tem trabalhado com vários artistas em regime de freelance. Frederico Martins e Tiago Pimentel que estiveram na RTS, passaram mais tarde pela Blitpop. Em termos de artistas 3D passou por lá Bernardo Bordeira, Ricardo Teixeira, Samuel Santos, Tiago Silva e Guilherme Gonçalves. Todos estes artistas 3D não serão alheios à excelência do trabalho de ilustração 3D que vamos poder testemunhar nos jogos da Blitpop.

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Em 2004 começaram a trabalhar num projeto, Toon Soccer Madness para GameBoy Advance, que tinha como pano de fundo o Euro 2004. Este projeto, à semelhança de um projeto semelhante da Linha de Terra e da equipa Gamelords (ver ponto 4.1.2) não veria a luz por falta de licenciamento. Todo o licenciamento do Euro 2004 foi para as mãos da Electronic Arts. Os primeiros publicados pela Blitpop serão para a plataforma Flash, em 2007 Turti Trop, é publicado no BigFishGames, seguido de Merlin's Playground no mesmo ano e ABC Cubes: Teddy's Playground já em 2008 (ver Figura 6.35).

Figura 6.35 (A) Ecrã de Turti Trop (2007). (B) Ecrã de Merlin’s Playground. (C) Ecrã de ABC Cube: Teddy’s Playground (2008).

Mas é em 2009 que a Blitpop vai perceber que está no rumo certo, criando o jogo Alexandra Fortune: Mystery of the Lunar Archipelago (Figura 6.36) conseguindo entrar no Top 10 do BigFishGames (sétimo lugar) e entrar para o primeiro lugar do Top 10 do portal iWin. Alexandra Fortune é o primeiro jogo hidden object e que surge numa altura em que o género está ao rubro nos jogos descarregáveis. O jogo apresenta cerca de 29 objectos escondidos, e 12 mini-jogos,



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através dos quais o jogador vai ajudar a personagem a encontrar o seu avô e a resolver o mistério do arquipélago lunar.

Figura 6.36 Ecrãs de Alexandra Fortune: Mystery of the Lunar Archipelago (2009).

Em 2009 ainda será lançado Amazing Seaworld um pequeno jogo de puzzles, mas é em 2010 que vai surgir mais um sucesso para a Blitpop, com Grace's Quest: To Catch an Art Thief (Figura 6.37), apesar de não chegar ao Top 10 do BigFishGames, consegue mais um primeiro lugar no iWin, e entra em vários Top 10 - Game House, Yahoo, SpinTop, GameFools, Arcade Town. Se o trabalho de ilustração 3D em Alexandra era já de alto nível, em Grace’s Quest é simplesmente de excelência.

Figura 6.37 Ecrãs de Grace's Quest: To Catch an Art Thief (2009).

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Videojogos em Portugal

Em 2011 a Blitpop vai começar a mover-se para o mercado iOS, aproveitando para reciclar alguns jogos de Flash para iPhone/iPad (como Turti Trop ou Abc Cube). Entretanto neste ano ainda lançaria mais um jogo descarregável, Echoes of Sorrow, (Figura 6.38) no género hidden object, conseguindo subir ao quarto lugar do Top 10 do BigFishGames e aí permanecer por 20 dias, além de conseguir mais um primeiro lugar no iWin e no GameHouse.

Figura 6.38 Ecrãs de Echoes of Sorrow (2011).

6.5.5 Gameinvest

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A Gameinvest foi criada em 2006 a partir do movimento iniciado com a criação da Aproje (ver ponto 4.2.4). Entre 2006 e 2008 a direção esteve a cargo de Paulo Gomes que conseguiu vários investimentos por parte de grupos nacionais, mas não lançaria qualquer jogo. Durante estes dois anos a estratégia da Gameinvest esteve mais direcionada para o apoio à produção de projetos por outras empresas - Camel Entertainment, Blueshark Studios, SpellCaster, RTS, e a Seed Studios. Em 2008 a Gameinvest é assumida por Mariana Cardoso, uma especialista em publicidade e marketing que chegou à Gameinvest em 2007 depois de ter passado pela equipa de jogos da YDreams. Os jogos começam a ser publicados e a Gameinvest começa a lançar os seus próprios projetos, criando uma equipa própria com mais de 20 colaboradores. Assim em 2008 começam a aparecer os primeiros resultados da Gameinvest, o primeiro resultante da parceria com a Seed Studios, Toy Shop para Nintendo DS de que falaremos no próximo capítulo quando falarmos da Seed Studios. Ainda durante o ano de 2008 a Gameinvest colocaria no mercado os seus dois primeiros jogos casuais downloadable, Enigma 7 desenvolvido em parceria com a Camel Entertainment e Hospital Hustle com a Blueshark Studios. Enigma 7 era um pequeno de match 3, que no meio da enorme concorrência não se conseguiu destacar. Já Hospital Hustle apesar de ficar à porta do Top 10 da BigFisgGames (13º) conseguiria o primeiro lugar do iWin e o segundo lugar no Real Arcade, assim como vários TOP 10 – Arcade Town, PlayFirst, Shockwave, Spin Top, WildGames, Yahoo. Hospital Hustle levava o jogador a assumir o papel de uma jovem enfermeira saída da universidade que começa por gerir as urgências de um pequeno hospital, no qual tem de atender às necessidade dos pacientes com tempos limite. A boa execução das tarefas no tempo indicado permite-lhe progredir para



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hospitais maiores e mais conceituados. Parte do sucesso de Hospital Hustle deve-se a escolha da mecânica de time management, muito em voga nestes anos, Hospital Hustle não se diferencia muito de Dinner Dash, o maior sucesso do mundo casual, só que em vez de gerir um restaurante temos de gerir as urgências de um hospital. Além disso o jogo foi desenhado para um público americano, os maiores consumidores deste tipo de jogos, veja-se a (Figura 6.39.A)

Figura 6.39 Ecrãs de Hospital Hustle (2008), descarregável Windows e Mac.

Em 2009 a Gameinvest lança o seu segundo e último jogo para consola - Hysteria Hospital: Emergency (2009) (ver Figura 6.40) – que sairia para Nintendo WII, DS e para PC. O jogo à semelhança de Hospital Hustle foi realizado em parceira com Blueshark Studios e apresentava uma jogabilidade semelhante também baseada no time management. O jogo seria distribuído internacionalmente pela inglesa Oxigen Interactive, mas as críticas não foram as melhores. Na comparação com Theme Hospital (1997) da Bullfrog a crítica apontou a repetição de mecânicas e objectivos de nível para nível, apenas aumentando a dificuldade sem recompensa para o jogador.

Figura 6.40 Ecrãs de Hysteria Hospital: Emergency Ward (2009), Nintendo DS, Wii e PC.

Ainda neste ano a Gameinvest vai lançar dois jogos produzidos internamente e colocar ambos no Top 10 do BigFishGames - Defenders of Law: The Rosendale File e World of Zellians. Defenders (Figura 6.41) sai em Julho e chega ao quinto lugar, permanecendo 15 dias no Top 10. Fazia uso de uma mecânica hidden object e com um tema de fundo policial, o jogador era levado a descobrir as pistas para encontrar o misterioso assassino. Como temos visto na análise da produção

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Videojogos em Portugal

nacional o género hidden objects é um dos maiores sucessos dos jogos casuais, se bem feito é capaz de atrair imensos jogadores.

Figura 6.41 Ecrãs de Defenders of Law: The Rosendale File e World of Zellians. (2009), decarregável Windows e Mac.

Apesar disso World of Zellians (Figura 6.42) vai tentar um outro género mais complexo, o da simulação e construção de mundos, no seguimento de jogos como SimCity ou Civilization. O jogador é convidado a criar e a gerir uma nova civilização, os Zellians. Inicialmente previsto para ser multiplataforma – PC, Xbox, Wii – acabaria por sair apenas como descarregável PC, conseguindo o oitavo lugar no Top 10 do BigFishGames e aí permanecendo uma semana.

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Figura 6.42 Ecrãs de World of Zellians (2009).

De 2010 a 2012 a Gameinvest publica quatro novos jogos do género hidden objects, para Windows e Mac OS. Um destes, The Dream Mysteries – Case of the Red Fox (2011) em parceria com a Blueshark Studios, os restantes todos produzidos internamente. Dr. Wise: Medical Mysteries (2010) consegue dois primeiros lugares, no GameHouse e iWin, e fica um mês no Top 10 do GameHouse Mac, entre vários Top 10 – WildGames, SpinTop, Shockwave, Oberon, MSN Games e Arcade Town. Paranormal Crime Investigations: Brotherhood of the Crescent Snake (2011) sai em exclusivo no BigFishGames, em duas versões, a normal e a Collector’s Edition e consegue o quarto lugar. The Dream Mysteries – Case of the Red Fox (2011) chega ao primeiro



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lugar do GameHouse e do Yahoo, ficando mais de um mês no Top 10 do GameHouse (ver Figura 6.43).

Figura 6.43 (A) Ecrã de Dr. Wise: Medical Mysteries (2010). (B) Ecrã de The Dream Mysteries – Case of the

Red Fox (2011). (C) Ecrã de Paranormal Crime Investigations: Brotherhood of the Crescent Snake (2011) Finalmente em 2012 lança Fantastic Creations: House of Brass, (Figura 6.44) mais um exclusivo para o portal BigFishGames, com direito a Collector’s Edition, conseguindo assim chegar ao segundo lugar do BigFishGames. Fantastic Creations será o primeiro jogo nacional a permanecer mais de um mês no Top 10, para isso também contribuiu o facto de ser um exclusivo no portal. De notar que apesar de se tratar de uma jogo casual para PC/Mac, Fantastic Creations foi comercializado a 19,99 dólares, um preço superior a Under Siege (2011) um jogo para consolas (PS3), lançado na loja online da Sony por apenas 14,99 dólares.

Figura 6.44 Ecrãs de Fantastic Creations: House of Brass (2012).

A Gameinvest começou por ser uma sociedade de apoio à criação de empresas nacionais de desenvolvimento de videojogos, e acabou por se tornar ela própria numa das mais bem sucedidas empresas nacionais de videojogos. A sua posição no mercado internacional de jogos casuais descarregáveis é hoje incontornável, sendo também a única empresa nacional a trabalhar exclusivamente nesta área. Depois da RTS ter praticamente terminado e as restantes empresas que se dedicavam aos descarregáveis se terem começado a dedicar ao mercado móvel.

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Videojogos em Portugal

6.5.6 Camel Entertainment/101 A Camel Entertainment foi uma das empresas criadas a partir da Gameinvest em 2006. Depois da participação dos irmãos Ricardo Cesteiro e Bruno Cesteiro na Games 2006 com o jogo Vatan a correr sobre um motor de jogo 3D, desenvolvido pelos próprios em C++, a Gameinvest decidiu apostar na dupla. A Gameinvest quis apostar nos novos jogos e não no motor de jogo nem em Vatan, por representarem um investimento demasiado alto. Deste modo a dupla começou a desenvolver os seus novos jogos em Torque. A parceria entre a Gameinvest e a Camel Entertainment resultaria num único jogo, o Enigma 7 (2008). Depois disso os irmãos Cesteiro resolvem continuar sozinhos e renomeiam a empresa para Camel 101.

Figura 6.45 (A) Ecrã de Enigma 7 (2008). (B) Ecrã de Lost City of Aquatica (2009). (C) Ecrã de Tikibar (2009)

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Assim em 2009 a Camel 101 lança os seus dois primeiro jogos, Lost City of Aquatica, um jogo na senda de Enigma 7, (ver Figura 6.45) com vários puzzles de matching e uma história de suporte à progressão do jogo. O segundo jogo Tikibar (Figura 6.46) uma espécie de time-management com mistura de aventura gráfica. E em 2011 sai o terceiro jogo, Epic Escapes – Dark Seas, um hidden object com fundo de aventura gráfica. Todos estes jogos tiveram uma recessão mediana, tendo conseguido passar poucos dias cada um pelo Top 10 da iWin e pouco mais.

Figura 6.46

(A) Ecrã de Tikibar (2009). (B) Ecrã de Epic Escapes – Dark Seas (2011).



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Contudo a Camel 101 não desejava ficar-se pelos pequenos jogos online apenas e estabelece uma parceria com a editora holandesa Iceberg Interactive para o seu novo jogo, Gemini Wars (Figura 6.47). Assim depois de terem criado o seu próprio motor em 2005, e de terem utilizado o Torque Game Builder em vários trabalhos, tinham encontrado no Unity 3D uma ferramenta estável e com potencial para colocar em prática algumas ideias mais arrojadas.

Figura 6.47

Ecrãs de Gemini Wars (2012). Gemini Wars é um jogo de estratégia em tempo real (RTS) com fundo de aventura espacial, onde dominam as grandes naves, e as batalhas que nos levam através de 16 missões. Gemini Wars foi lançado em junho de 2012, em caixa com um preço de 39.99 dólares. A recepção não foi entusiasmante, vários reparos foram feitos ao nível do desenho de personagens 3D, ao nível da simplicidade da estratégia e alguma falta de profundidade, mas de um modo geral o jogo foi considerado razoável e indicado para os jogadores do género.

6.5.7 Vortix Games Studio Em Abril de 2007 Marco Vale que tinha já passado pela Eworks e RTS junta-se a Ricardo Vladimiro e Diogo Neves e fundam a Vortix Games Studio. Apesar do seu primeiro projecto ser um jogo descarregáveis, a Vortix irá especializar-se nos jogos Flash e tornar-se na primeira empresa nacional com forte impacto internacional nesta área. Em 2011 a Vortix encontrava-se no TOP 50 mundial das empresas que conseguiram arrecadar mais financiamento no portal Flash Game Licensing.

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Videojogos em Portugal

Figura 6.48 Ecrã do jogo Ballon Bliss (2008).

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Em Março de 2008 sai o primeiro jogo da Vortix, Ballon Bliss, o primeiro e único descarregável realizado e lançado nos portais BigFishGames e iWin. Ballon Bliss era um jogo do género “match3” com variantes de matriz e de grupo. Apesar de se assemelhar a Bejeweled, Ballon Bliss destacava-se pelo carácter artístico providenciado tanto pelo grafismo como pela narrativa que envolvia o jogo (Figura 6.48). O jogo explora a magia do balão que sobe, faz-nos fixar o olhar, e inculca o desejo de o seguir voando, que nos levanta questões sobre o que estará à sua espera. Assim Ballon Bliss (Figura 6.49) não se limitava a um mero puzzle visual de conquista de pontos, mas construía toda uma experiência progressiva com níveis, com um princípio, meio e fim. O jogo foi desenvolvido com o Torque Game Builder, usando a componente 2d.



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Figura 6.49 Ecrãs do jogo Ballon Bliss (2008).

Em Setembro de 2008 a Vortix vai desenvolver o seu primeiro sucesso no mundo Flash, com Atomik Kaos, um puzzle visual de reações encadeadas. O sucesso gerado vai levar a Vortix a criar a primeira sequela nacional de um jogo, Atomik Kaos 2 Orbits em Março de 2009, e ainda uma terceira sequela Atomik Kaos 3 Crytals lançada em 2012 (ver Figura 6.50). Atomik Kaos é sponsorizado pela Spill Game, mas Atomik Kaos 2 e 3 são ambos sponsorizados por um dos maiores patrocinadores de jogos Flash, a Armor Games. Em 2008 para além de Atomik Kaos, a Vortix lança Tech Wars, um shooter, em Agosto sponsorizado por Arcade Reign, e Touch my Neon Balls, o seu primeiro multiplayer, em Setembro. Em Fevereiro de 2009 sai Lucy Swashbuckler and the Mystery Masks mais um puzzle visual.

Figura 6.50 (A.) Ecrã de Atomik Kaos (2008). (B) Ecrã de Atomik Kaos 2 Orbits (2009). (C) Ecrã de Atomik Kaos III Crystals (2012).

Entre 2008 e 2010 a Vortix trabalhará em regime de outsourcing para o desenvolvimento de jogos estrangeiros, chegando a colaborar com os Aardman Studios no desenvolvimento de Mold Rush (2009) para o Cartoon Network. Assim em 2010 a Vortix não lançará qualquer jogo exclusicamente nacional, dedicando-se a dar resposta aos pedidos internacionais de Ben Olding e Mark Loika.

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Figura 6.51 (A.) Esboço da arte de Hajime por Marco Vale. (B.) Esboço das mecânicas de jogo de Hajime.

Depois em 2011 a Vortix volta ao mercado nacional e lança dois dos seus melhores jogos, pela sua maturidade e completude (Figura 6.51), Hajime e The Adventures of Dear Explorer. Hajime (Figura 6.52) era uma mistura entre um jogo de plataformas e luta com um fundo temático de samurais do século XVII. Hajime conta com banda sonora48 de Francisco Furtado.

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Figura 6.52 (A) Ecrã do jogo Hajime (2011). (B) Personagens do jogo em 3D.

Por seu lado The Adventures of Dear Explorer (Figura 6.53) apresenta como cenário os anos 1950 americanos mesclados com a pop culture dos anos 1980. The Adventures of Dear Explorer é o tradicional jogo sidescroller em Flash, no qual deambulamos por um mundo desconhecido atrás da namorada raptada. O jogo junto diferentes tipos de gameplay, desde a aventura gráfica, ao shooter, com uns pozinhos de RPG, salteado com puzzles. Os níveis funcionam como grandes labirintos a serem decifrados, minados de inimigos. Apesar de ser um pequeno jogo Flash, tem muito para oferecer: 16 níveis, 9 tipos de inimigos, 3 bosses, 33 pequenos objetivos, 9 grandes conquistas. A música de Francisco Furtado está totalmente ao serviço do tema nostálgico dos anos 1980, mas mais impressionante é a forma como consegue criar as atmosferas de cada zona do jogo.



48 A banda sonora pode ser ouvida em http://franciscofurtado.bandcamp.com/album/hajime-ost



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Figura 6.53 Ecrãs do jogo The Adventures of Dear Explorer (2011).

6.5.8 Serius Games A Serius Games é constituída por vários elementos que trabalham a solo e em regime de freelancer – Vasco Freitas, Frederico Martins, David Sequeira e Francisco Furtado - sendo que quem dirige os projectos da Serius Games é Vasco Freitas. Como já vimos Vasco Freitas veio da RTS, empresa onde realizou o game design de Farmer Jane, Mall-A-Palooza e Aquatic Tales, sendo ainda autor da história do jogo The Crop Circles Mystery. Depois da RTS ainda teve uma breve passagem pela Miniclip, mas pouco depois criou a Serius Games e passou a dedicar-se exclusivamente à criação de jogos Flash, tendo conseguido três enormes sucessos internacionais seguidos.

Figura 6.54 Ecrãs do jogo G-Switch (2010).

O primeiro jogo da Serius Games, G-Switch (2010) (Figura 6.54), vem de trás, o conceito original foi submetido a um dos concursos da GameDev-Pt (ver Capítulo 4.2.3) depois disso o gameplay foi melhorado, e foi adicionada arte criada por Frederico Martins. O conceito criado por Vasco Freitas era completamente original, baseando todo o gameplay num único botão, e mexendo com a gravidade do personagem principal, era possível agarrar o jogador completamente. O jogo foi um verdadeiro sucesso, conseguindo 6 milhões de visualizações em poucos meses. O portal Newgrounds fez questão de utilizar G-Switch em várias promoções do portal, e nomeou-o depois

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Videojogos em Portugal

para os jogos do ano de 2010. G-Switch seria mais tarde convertido pela Miniclip para iPhone sob o nome, Gravity Guy.

Figura 6.55 Banda desenhada que serve de introdução a Freeway Fury 2 (2011).

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Ainda em 2010 a Serius Games lança, Freeway Fury (2010) (Figura 6.55), outro sucesso internacional, mais do que triplicando os valores de G-Switch, conseguindo uns impressionantes 20 milhões de visualizações. Devido ao sucesso Vasco Freitas realizaria uma sequela, Freeway Fury 2 (2011) (Figura 6.56) que ultrapassaria os 35 milhões de visualizações, sendo o jogo nacional Flash mais jogado de sempre.

Figura 6.56 Ecrãs de Freeway Fury 2 (2011).



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6.5.9 Moonberry Studios A Moonberry foi criada em 2009 por Eduardo Barandas e Isabel Alves. Ambos formados em Ciência de Computadores na Universidade do Porto, estiveram inicialmente a trabalhar no campo da web até que decidiram dar o salto e criar a própria empresa dedicada exclusivamente aos videojogos. A Moonberry à semelhança da Vortix e da Serius são as únicas três empresas nacionais que se dedicam exclusivamente ao desenvolvimento em ambiente Flash, muito provavelmente porque conseguiram obter sucesso internacional significativo com essa aposta.

Figura 6.57 (A) Ecrã de Picma – Picture Enigmas (2009). (B) Ecrã de Picma Squared (2011).

O primeiro jogo da Moonberry continua a ser a sua maior conquista, Picma - Picture Enigmas (Figura 6.57). No primeiro mês no Newgrounds ganhou logo o prémio mensal de 250 dólares, prémio atribuído aos cinco jogos mais votados do mês. O jogo teve uma enorme aceitação online e por isso mesmo em 2011 a Moonberry lançou Picma Squared. Ambos fazem uso de muita tecnologia PHP/MySQL do lado do servidor e de suporte ao jogo em Flash, permitindo assim que os jogadores criem os seus próprios puzzles e os colecionem. Todos os puzzles submetidos são previamente avaliados por algoritmo criado pela Moonberry que os valida. O número de puzzles submetidos até à data vai para cima de 6000.

Figura 6.58 (A) Ecrã de Cloudy with Occasional Presents (2010). (B) Ecrã de The Gingerbread Factory (2010).

Apesar da Moonberry trabalhar exclusivamente em ambiente Flash em 2010 desenvolveu Cloudy

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Videojogos em Portugal

with Occasional Presents (Figura 6.58A) e através do Air da Adobe lançou-o na plataforma Android. Cloudy ficaria em sexto lugar no meio de 250 jogos a concurso numa competição organizada pela Flash Game License49 . Para além destes jogos, a Moonberry está constantemente a desenvolver pequenos jogos, alguns dos quais do tipo micro-jogo, como por exemplo The Gingerbread Factory (2009) (Figura 6.58B), Daily Picma (2010), Flipping Fantastic (2010) e Gembinder (2010).

6.5.10 Outsourcing Os exemplos apresentados não são casos únicos, existem outras empresas em Portugal que ajudaram a criar parte da nossa cultura e história. Empresas que tiveram a área de desenvolvimento de jogos em paralelo com outras atividades ou que se dedicaram mais ao outsourcing, e por uma razão ou por outra ganhariam menor visibilidade. O outsourcing é uma atividade muito comum na indústria dos videojogos, tanto a nível nacional como internacional.

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A Spellcaster Studios foi criada em finais de 2003 por Diogo Andrade e Carlos Oliveira, entre 2004 e 2006 criou 3 jogos, mas publicou apenas um, Shadow Stars - The Ventrui Belt (2004) (Figura 6.60). Em 2006 realizou uma parceria com a Gameinvest para a realização do projecto Blitz and Massive, mas que nunca chegaria a ser fechado e publicado. Para sustentar a atividade da Spellcaster os mentores da empresa dedicaram sempre muito esforço ao outsourcing em serviços de informática o que tornaria muito complicado o investimento no desenvolvimento de jogos.

Figura 6.60 Ecrãs de Shadow Stars - The Ventrui Belt (2004).

A Blueshark Studios é uma das empresas nacionais que trabalha quase exclusivamente no modelo de outsourcing, realizando trabalho de desenho de jogo, e arte para videojogos 2d e 3d. Criada em 2004 por Tiago Carita enquanto este ainda trabalhava na Ydreams, vai assumir um papel mais activo a partir de 2006 depois da Ydreams desistir da área de jogos. Assim em 2006 inicia uma parceria com a Gameinvest que vai resultar no desenvolvimento de três projectos -



49 Ver a listagem da competição em: www.gameanyplace.com.



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Hospital Hustle (2009), Hysteria Hospital: Emergency Ward (2009) e The Dream Mysteries – Case of the Red Fox (2011). Em 2009 a Blueshark trabalhará em parceria no desenvolvimento do jogo Enerfixe (2009) com a Ydreams e a AfterYou, e em 2010 novamente com a AfterYou para o Aldeia Simplex (2010) (Figura 6.59).

Figura 6.59 Ecrãs de Aldeia Simplex (2010).

A Battlesheep, criada por Nélio Códices e Pedro Candelária em 2008 depois de ambos terem passado pela YDreams, seguida da Gameinvest. A Battlesheep especializou-se inicialmente na produção de pequenos jogos para promoção de marcas online, uma espécie de outsourcing de serviços de produção de jogos por encomenda. No entanto a partir de 2011 começou a produzir para o mercado dos jogos free-to-play, tendo produzido nesse ano três jogos - Sports Challenge: Free Throw Frenzy; Jewel Shot; e Gem Poppers - e em 2012 mais quatro jogos - Food Flinger; Over the Moon; Goat Kart Racer; e Sunset Flavors. Ainda em 2012, com a entrada de novo sócio, Pedro Nande, especialista em jogos móveis vindo da Miniclip Portugal, inicia o desenvolvimento de um motor de jogo próprio sobre o Adobe Air, para começarem a desenvolver jogos para as novas plataformas móveis.

Figura 6.61 Ecrãs de Jewel Shot (2011) e de Over the Moon (2012) ambos da Battlesheep

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Para além das empresas devemos salientar ainda que muitas vezes a música presente nos jogos online nacionais foi criada em regime de outsourcing por músicos em regime de freelance. Francisco Furtado trabalhou para vários projetos da Ignite, Gameinvest, Blitpop, Camel 101, Serius Games e Vortix. João Camacho trabalhou para a Spellcaster Studios, Camel Entertainment e ganhou o prémio de melhor música na Games 2006 pelo seu trabalho no jogo Magnetic de Rui Martins. Na categoria da música é de salientar o compositor Pedro Macedo Camacho que apesar de nunca ter trabalhado em projetos nacionais, conseguiu arrecadar pelo seu trabalho internacional um Excellence in Audio Award no Independent Games Festival 2008 no jogo Audiosurf. RESUMO Neste capítulo pudemos ver como surgiram os jogos online em Portugal, como estes foram de algum modo responsáveis pela criação do primeiro grupo de empresas dedicadas exclusivamente ao desenvolvimento de videojogos em Portugal.

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Capítulo 7

Entrada nas Consolas [2008...] Portugal passou por várias tentativas falhadas para criar um grande jogo para o mercado de consolas. Um mercado desde sempre rotulado como mercado elitista, ao qual apenas as grandes empresas com créditos firmados conseguiam aceder. O surgimento da internet e a massificação de produção de jogos de porte médio para o mercado online levou a alterações nestes perfis. No final dos anos 2000 Portugal vai ver aparecer as primeiras produções para consola, começando pelas portáteis e atingindo as consolas de sala com um dos jogos mais importantes da nossa história.

7.1 A Elite As consolas de jogos estão associadas desde cedo ao mundo dos jogos digitais. Pong (1972) apesar de aparecer primeiro nos salões de jogos ao público foi desenvolvido por Raph Bauer para a primeira consola de sempre para sistemas de televisão, Magnavox Odyssey, em 1972. Desde então a evolução tecnológica dos sistemas de consolas ligadas à televisão para jogar nunca mais parou. Aliás as consolas, apesar de os primeiros jogos terem sido desenvolvidos para computadores programáveis nos anos 1950 e 1960 e de as máquinas de salões de jogos terem sido responsáveis pelo início de toda a indústria dos videojogos nos anos 1970, tornaram-se ao longo dos últimos 30 anos no centro do mundo dos videojogos. A indústria dos jogos de salão entrou em declínio nos anos 1990 e praticamente desapareceu, por outro lado e apesar de se terem desenvolvido terminologias para distinguir os jogos de consola dos jogos de computador, a evolução da indústria e da arte fariam estas terminologias perderem todo o sentido. A consola não é mais do que um computador especificado para videojogos. Apostando em processadores centrais menos desenvolvidos e de custos mais reduzidos revertendo esse investimento para o desenvolvimento do processador gráfico, criam-se verdadeiras máquinas centrais dedicadas ao jogo. Por outro lado isto torna as consolas em computadores menos versáteis, o que levanta a natural dúvida sobre o que as torna tão atrativas ao ponto de se tornarem nos centros da indústria. Neste sentido interessa compreender os vários atributos das consolas que não se limitam ao potencial gráfico

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As consolas são sistemas mais baratos do que os computadores. Produzidos em série e aliadas à venda dos jogos conseguem baixar os seus preços. No mercado dos computadores só a placa gráfica pode custar o valor da consola. O facto de serem sistemas fechados, obriga a que os criadores cumpram uma série de obrigações para com o desenvolvimento de jogos para cada consola. Deste modo os jogos não sofrem de problemas de incompatibilidades com drivers sejam gráficos, áudio ou de controladores. Este modo de desenvolvimento permite também que os criadores conheçam previamente as máquinas para que estão a trabalhar e desse modo os jogos em consola podem oferecer maior fluidez nos carregamentos iniciais e ao longo do jogo, porque não há lugar a esperas de instalação ou verificação de sistema. Além de tudo isto as consolas são desenhadas para serem parte dos sistemas caseiros de entretenimento, podendo ser ligadas aos sistemas de televisão e áudio de modo extremamente fácil sem quaisquer requisitos técnicos complexos. Deste modo as consolas ocupam o lugar central das casas e tornam os jogos mais acessíveis às pessoas.

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No passado a produção de jogos para consola estava praticamente vedada a uma elite. Uma das condições quase sempre impostas a uma equipa que quisesse criar um jogo para qualquer consola, era saber se no CV do produtor ou game designer estava algum jogo já publicado em consolas. Com estas imposições procurava-se garantir o cumprimento de níveis mínimos de qualidade, mas isto foi também responsável por fechar o acesso a grupo bastante reduzido de criadores. Com o surgimento da massificação da internet e a ligação das consolas à mesma estas exigências começaram a baixar. Primeiro com a possibilidade de criação de “patchs”50 que viria retirar muito peso às obrigações de qualidade dos sistemas fechados. Até aí, um jogo lançado num Cartucho, CD, ou DVD era um produto final, não passível de alterações no seu ciclo de vida, ou de alterações muito reduzidas em caso de re-edições. Isto obrigava a que o produto passasse por um crivo dantesco de qualidade para garantir que o produto não teria bugs no final. Em segundo, e mais importante ainda, a internet abriu imensamente as possibilidades de distribuição de jogos o que levou ao aparecimento de milhares de equipas independentes a criar os seus próprios jogos e a disponibilizarem os mesmos na rede. Isto demonstraria a apetência do público por outros jogos, e faria com que a indústria das consolas no final dos anos 2000 criasse os seus próprios sistemas de jogos online – PSN, Xbox Live, ou WiiWare - com jogos lançados exclusivamente aí.



50 Os “patchs” são pequenos programas de atualização que se descarregam da internet. Normalmente

dizem respeito a eliminação de problemas entretanto encontrados já pós-comercialização.



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7.2 Tecnologias para consola No campo das tecnologias de produção as ferramentas usadas para consola não se diferenciam muito da produção de jogos 3d para computador. Em termos de linguagem o C++ domina toda a paisagem de desenvolvimento, dado o seu reconhecido alto desempenho em termos gráficos. Inicialmente e tal como no mundo PC as empresas desenvolviam todo o pipeline de produção, incluindo motores 3d próprios, mas isto começou a mudar no início dos anos 2000, com o aparecimento de três motores de jogo: o RenderWare; o Gamebryo; e o Unreal Engine. RenderWare seria adoptado pela Rockstar servindo Grand Theft Auto III (2001), GTA: Vice City (2002) e GTA: San Andreas (2004), assim como Max Payne 2, Manhunt (2003) ou Rayman 2 da Ubisoft. Em 2004 a Criterion, empresa por detrás de RenderWare é aquirida pela Electronic Arts, e termina o uso generalizado da plataforma, passando a ser usada como plataforma integrada no pipeline proprietário da EA. Quem já detinha a plataforma à data como a Rockstar pôde continuar a usar, nesse sentido em 2006 ainda veríamos Bully ser criado sobre o RenderWare. O Gamebryo apesar de aparecer pela mesma altura, seria pouco utilizado inicialmente para consola, sendo mais utilizado para Windows e Mac, apesar disso o estúdio Bethesda adopta-o de imediato para criar The Elder Scrolls III: Morrowind (2002), e surgem ainda casos como Futurama (2003) ou Playboy Mansion (2005). No final de 2005 passa por algumas fusões empresariais e começa a ser utilizado mais intensivamente a partir de 2006 já com a geração seguinte de consolas – PS3, Xbox360, Wii. A Disney serve-se deste para criar Epic Mickey (2010) e Epic Mickey 2 (2012). Alguns jogos de culto enveredam também pelo seu uso El Shaddai: Ascension of the Metatron (2011) e Catherine (2011). E do Bethesda surgem The Elder Scrolls IV: Oblivion (2006), Fallout 3 (2008), e Fallout: New Vegas (2010). No entanto em 2011 quando é lançado The Elder Scrolls V: Skyrim (2006) este já não é suportado no Gamebryo, mas antes num novo motor proprietário chamado Creation Engine. Quanto ao Unreal Engine (UE) começa por ser inicialmente apenas utilizado em jogos de primeira-pessoa, do tipo first person shooters na versão UE1 e em parte UE2. Deus Ex (2000) usa UE1 para desenvolver a versão PC, e volta a utilizá-lo para a versão Playstation 2 em 2002. O estúdio Ubisoft adopta depois o UE2 para criar várias séries para PS2 baseadas no trabalho de Tom Clancy, - Splinter Cell (2002, 2004, 2005), Rainbow Six (2003), Ghost Recon (2004, 2006). Apesar da terceira geração do UE aparecer no final dos anos 2000, o estúdio 2K ainda vai utilizar UE2 para criar BioShock (2007) e Bioshock 2 (2010), assim como a Ubisoft o utiliza em 2012 para criar I Am Alive. O UE3 torna-se rapidamente na plataforma standard da indústria para que

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desenvolve para consolas – PS3 e Xbox – com títulos como Batman: Arkham Asylum (2009) e Arkham City (2011), Alice: Madness Returns (2011), Army of Two (2008), a série Borderlands (2009 e 2012), a série Gears of War (2006, 2008, 2011), Homefront (2011), ou a série Mass Effect (2007, 2010, 2012). Falámos aqui dos motores para desenvolvimento dos jogos da grande indústria comercial, mas como dissemos antes, no final de 2000 as consolas viram-se obrigadas a abrir os seus sistemas a equipas com menos recursos, facilitando-lhes o canal do online - PSN, Xbox Live, ou WiiWare. Neste sentido começam a aparecer motores e frameworks mais acessíveis como o XNA da Microsoft que tira partido das enormes capacidades de computação existentes e permite aos criadores trabalharem com linguagens simplificadas do tipo C#. A Sony pelo seu lado disponibiliza gratuitamente o PhyreEngine mas apenas a empresas licenciadas. Além destas soluções, surgiram outras soluções como o Torque ou o Unity de que já falámos no capítulo 6.1, e que começaram a permitir a exportação dos projetos para praticamente todas as plataformas de jogos, desde o online, ao móvel, passando pelos consolas principais e suas versões portáteis.

7.3 As primeiras tentativas Como pudemos perceber o acesso ao mercado da consolas foi durante décadas muito elitista, e não existindo em Portugal uma grande tradição de desenvolvimento de videojogos, foi muito complicado conseguirmos aceder a esta área do desenvolvimento de jogos. Não foi falta de know how e menos ainda talento, mas fez parte dos entraves de que já falámos acima. Da necessidade de conhecer as pessoas certa nas posições certas, a quem poder mostrar uma demo, e que pudesse acreditar no projecto. Nesse sentido existiram várias tentativas ao longo dos últimos quinze anos para conseguir chegar às consolas. Dessas falaremos apenas dois projetos, 9th Power e Ugo Volt. O primeiro por ser a primeira tentativa real, com trabalho feito e contactos

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estabelecidos, o segundo por se ter concretizado o primeiro passo, ter chegado a existir financiamento, mas ainda assim não ter sido suficiente levar o projeto até à sua conclusão. O projeto 9th Power foi não só o primeiro projeto iniciado para consola em Portugal como representou o primeiro projeto da empresa Eworks (da qual já falámos no capítulo 6.5). Um projeto liderado por David Rodrigues e Pedro Costa e iniciado em 2002, tendo conseguido marcar presença com um protótipo em algumas feiras internacionais em busca de investimento em 2003. O protótipo tinha sido desenvolvido com o motor Alchemy da Intrinsic Graphics Inc. e o Havok Physics. Deste modo conseguiram chamar a atenção de alguns interessados, nomeadamente houve contactos com a Take 2, e chegaram a receber uma consola PS2 de testes



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para avançar com o desenvolvimento já com tecnologias da Sony. Passado algum tempo o interesse esmoreceu e o projeto acabaria por ser cancelado.

Figura 7.1 Ecrãs do projecto 9th Power (cancelado) da Eworks para a Playstation 2.

Em termos de jogabilidade 9th Power era um jogo de ação e aventura com traços de RPG, com um tema de fundo ligado à ficção científica. Um dos factores que diferenciava o jogo era o facto de ter objetos destrutíveis no cenário, que eram “pré-cortados” por uma ferramenta interna em 3DS Max e depois geridos pelo Havok em tempo real.

7.3.1 A saga de Ugo Volt Ugo Volt é um dos projetos nacionais de videojogos mais emblemáticos da nossa curta história. Conseguiu financiamento público e de capitais de risco, foi apresentado na E3 em Los Angeles, teve direito a análises e previsões na imprensa internacional, e várias entrevistas na televisão nacional, geraram-se imensas expectativas à volta do jogo que poderia ter sido o primeiro grande

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jogo nacional de consola (Xbox 360). Apesar de nunca se ter conseguido terminar e publicar, a sua existência enquanto projeto permanece na mente de toda a comunidade nacional, tendo inclusive contribuído para que várias pessoas em Portugal tivessem enveredado por esta arte. Internacionalmente a revista britânica T3 elegeu Ugo Volt um dos “50 Jogos Cancelados que desejávamos ver terminados”51.

Figura 7.2 Imagem de promoção de Ugo Volt mais difundida.

Ugo Volt (Figura 7.2)foi um projeto de vida dos irmãos Rogério e Roberto Varela, da Madeira, que durou de 2001 a 2008. Roberto Varela explica o ponto de partida num testemunho. TESTEMUNHO*

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“O meu irmão era um autodidata. Quando tinha 17 anos de idade, começou a modificar videojogos que já existiam no mercado e a colocá-los na Internet. Mais tarde, as suas adaptações de Tomb Raider estavam entre os top de downloads internacionais. Foi assim que surgiu a ideia de criar Ugo Volt, um videojogo sobre Lisboa no ano de 2055, sob os efeitos do aquecimento global.” Roberto Varela, citado por *Nascimento (2011), no livro Case studies book on Entrepreneurship and Innovation

Começaram por criar a GraficWEB em 2001 com o único objectivo de desenvolver uma grande jogo de acção e aventura 3d. Em 2002 ganharam o prémio Madeira Business Innovation atribuído



51 Artigo da revista T3 “50 Cancelled games we wish they finished” por Michael Sawh, Novembro 2011,

URL: http://www.t3.com/features/50-games-you-will-never-play/ugo-volt-jpg



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pelo Centro de Empresas e Inovação da Madeira que lhe abriu as portas para se instalarem na incubadora do Centro de Inovação da Madeira. Nesse ano ainda concorreram a um financiamento europeu de ajuda ao desenvolvimento tecnológico de empresa, o programa SIPPERAM coordenado pelo governo da Madeira, e conseguiram um financiamento de 140 mil euros (Nascimento, 2011). Com esta verba desenvolveram uma primeira demonstração e apresentaram-na na Game Connection 2003, em Lyon, França. Houve logo reações positivas mas os investidores queriam ver mais antes de investir. O problema era não haver dinheiro para fazer mais demos, por isso a GraficWEB teve de procurar alternativas ao mercado de jogos, e começou a fazer web design e motion graphics para a RTP.

Figura 7.3 Cartaz de Ugo Volt na E3 2006, Los Angeles, EUA. Imagem de Nuno Catarino para a revista BGamer.

Em 2005 resolveram procurar capital de risco. Fizeram uma apresentação no European Venture Capital Congress e conseguiram o interesse da InovCapital e depois do BaniffCapital, nessa altura mudaram o nome para MoveInteractive. Ambas as partes concordaram num financiamento faseado, sendo que a primeira fase corresponderia à criação de um protótipo, e a segunda ao desenvolvimento e comercialização. Para a primeira fase a Move recebeu 595 mil euros (Nascimento, 2011), e só poderia passar à segunda fase se o protótipo obtivesse uma boa recepção internacional. A Move cumpriu, criou um trailer e uma pequena demo e apresentou-os na E3 em 2006 aonde conseguiu obter boas reações52. Desse modo passou à segunda fase, tendo ficado acordado o valor de 2.2 milhões de euros (Nascimento, 2011). Mas ao final de dois meses, ainda não havia nada assinado oficialmente nem dinheiro. A InovCapital tinha sofrido alterações



52 A IGN realizou uma previsão após a experimentação da demo na E3 em 2006. URL:

http://uk.ign.com/articles/2006/05/17/ugo-volt

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ao nível da direção e a nova direção tinha decidido desinvestir no projeto. Resultado, das 13 pessoas a trabalhar a tempo inteiro, passaram a sete, comprometendo completamente a hipótese de levar a bom porto o projeto.

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Figura 7.4 Ecrãs do jogo de Floribella (2007) para PC.

Como resultado de tudo isto em 2007 a Move decide procurar novas formas de financiamento mais uma vez, e resolve desenvolver o videojogo Floribella (Figura 7.3) para crianças em parceria com o canal de televisão SIC, para o mercado PC. Apesar de ter tido algum sucesso não era o suficiente para poder suportar os custos de Ugo Volt. A Move ainda tentou novos capitais de risco, mas estes não acreditavam na possibilidade de uma equipa tão pequena poder fazer um jogo tão exigente como o que lhes era apresentado, e assim em 2008 o projeto era dado como cancelado indefinidamente.



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Figura 7.4 Ecrãs do jogo inacabado de Ugo Volt para Xbox 360.

Como jogo Ugo Volt pertencia ao género de ação e aventura, com a particularidade de ser jogado em primeira e terceira-pessoa (Figura 7.4). Ugo Volt era o líder da rebelião contra a World Order Corporation que tinha imposto um regime ditatorial num cenário devastado pelos efeitos do aquecimento global. Ugo era o primeiro humanoide híbrido com implantes que lhe permitiam controlar a eletricidade de diferentes maneiras, formando assim a base do seu gameplay. Em termos de tecnologias utilizadas Ugo Volt arrancou com o objectivo de utilizar o Unreal Engine, mas por esta altura os custos de licenciamento eram ainda muito elevados, o que levou a Move a desenvolver o seu próprio motor de jogo em 2006. Diogo Teixeira explica-nos como foi trabalhado a questão do motor de jogo num testemunho. TESTEMUNHO* “Decidimos optar por desenvolver um motor proprietário, denominado Flow Engine. Tínhamos a equipa certa para o fazer e conseguimos alcançar o objectivo em apenas 5 meses. Foi nesta altura que terminámos a primeira versão funcional do motor que foi utilizada para o trailer, tech demos e protótipo. Mais tarde, já depois de conseguirmos acesso ao kit de desenvolvimento da Xbox 360, convertemos tudo

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para esta plataforma em apenas um mês. É importante reforçar que a opção de criar tecnologia proprietária nunca foi um obstáculo para a equipa fantástica que tínhamos na altura.” Diogo Teixeira, Abril 2012

Depois com a redução da equipa foi mesmo necessário passar ao uso de motores de terceiros. Para o Floribella utiizaram o Game Torque Engine, mas para Ugo Volt voltaram a contactar a Epic que tinha entretanto relaxado os processos de licenciamento do Unreal Engine, e conseguiram uma licença para usar o UE3. Em Março de 2008 saía o último protótipo de Ugo Volt agora a correr no Unreal Engine. A equipa que trabalhou em Ugo Volt ultrapassou a dezena de pessoas, dessas destacam-se alguns nomes que viriam a sair para grandes empresas internacionais ou a continuar as suas carreiras na área em Portugal - Roberto e Rogério Varela, Guilherme Santos, Diogo Teixeira, Ricardo Sabino, Bruno Covachã, Ricardo Teixeira, e Marco Leal.

7.4 Nintendo com a Biodroid

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Em 2008 surgia em Portugal a Biodroid uma nova empresa de desenvolvimento de videojogos com vontade de mudar o panorama nacional e contribuir para colocar o país no mapa dos criadores de jogos internacionais. A sua abordagem é distinta em Portugal, pautando-se por trabalhar em cada jogo propriedade intelectual (PI) de terceiros – a Miffy, os surfistas da Billabong, ou a marca de Cristiano Ronaldo. Esta abordagem garante à partida que o trabalho é feito em parceria e colaborativamente com os detentores da IP, mas mais interessante ainda é que garante níveis de visibilidade acima da criação de IPs de raiz. Como desvantagens tem o facto de não garantir a criação de IP nova e própria. Na sua curta carreira de 2008 a 2012 a Biodroid já desenvolveu mais de uma dezena e jogos, e foi nomeada/premiada vária vezes. O jogo Billabong Surf Trip ganhou o terceiro lugar na categoria "Conteúdos e Aplicações Multimédia" do Premio Zon 201253. O mesmo jogo seria nomeado em 2011 na categoria “Best Sports Game” para o 7º International Mobile Gaming Awards54. Ainda em 2011 a Biodroid recebeu o prémio de “Empresa Inovação” no XI Venture Capital IT55. Já em



53 Os resultados do Premio Zon 2010 podem ser consultados em http://virtual-illusion.blogspot.pt

/2011/01/premio-zon-2010-reconhecida-arte-dos.html 54 Os nomedados do IMGA podem ser consultados em URL: http://www.imgawards.com/EN/previousyears-7th.php 55 Os premiados desse ano podem ser consultados em URL: http://www.gesventure.pt/vcit2011/ premiados.htm



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2012 o jogo CityOn era nomeado para Best Corporate Games nos Digital Communication Awards 201256. A Biodroid começou a sua produção em 2008 com o lançamento de Let's Play Pet Hospitals (Figura 7.5)para a consola portátil Nintendo DS, numa parceria com a Preloud do Brasil. Um dos sócios da Preloud tinha vindo para Portugal trabalhar na Biodroid e a partir daí surgiu a ideia da parceria. A Preloud tinha uma pequena demo, que foi depois retrabalhada e finalizada pela Biodroid, tendo ainda sido a Biodroid quem realizou o trabalho de procura de editor e de definir as condições contratuais. O jogo seria distribuído pela alemã Deep Silver.

Figura 7.5 Capa e ecrã de Let's Play Pet Hospitals (2008) para Nintendo DS.

Depois desta primeira experiência a Biodroid inicia uma área de desenvolvimento especializada em advergames, chamados jogos publicitários. Ainda em 2008 lança para telemóvel (Java) o jogo Popota Superstar desenvolvido em parceria com a Brandfiction e a rede supermercados Modelo. Depois em 2010 lança um portal online na forma de jogo para o Banco Espírito Santo, Planeta BES, desenvolvido em 3d sobre a plataforma Virtools. Neste ano ainda lança Supersorrisos, um jogo online realizado em Flash, de publicidade à marca Elgydium. Supersorrisos foi desenvolvido em parceria com a empresa Curiosidade especializada em Flash. No ano seguinte desenvolve um jogo online multiplayer, no formato 3d sobre a plataforma Unity, para a EDP. O jogo foi desenvolvido em parceria com o Instituo Superior Técnico. Todo este investimento em advergaming estava focado no âmbito nacional. Nesse sentido não eram propriamente o foco principal da empresa, mas uma área paralela ao investimento



56 Os nomeadaos do DCA podem ser consultados no http://www.digital-awards.eu ano de 2012.

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internacional. Dessa forma 2010 torna-se num ano charneira a nível internacional para a Biodroid porque é com o lançamento de dois novos jogos, Billabong Surf Trip (iOS) e Miffy’s World (Wii e DS) que o seu nome vai passar a ser reconhecimento na cena internacional de desenvolvimento de jogos. Tendo em conta que nos interessa neste capítulo focar a área das consolas, falaremos de Billabong Surf Trip e dos restantes jogos para iOS e Facebook da Biodroid no próximo capítulo, dedicado às novas plataformas de distribuição.

Figura 7.6 Ecrãs de Miffy’s World (2010) para Nintendo Wii.

Miffy’s World (Figura 7.6) é um dos jogos mais relevantes da carteira da Biodroid até ao momento. O produtor responsável pelo jogo foi o António Saraiva, que ocupa a posição de Caça IP, na Biodroid. Saraiva é responsável por encontrar conteúdos relevantes e convencer os detentores dos seus direitos a trabalhar com a Biodroid. No caso do personagem Miffy a autoria é do ilustrador holandês Dick Bruna, mas o licenciamento pertence à Mercis Publishing, Amsterdam. Leia-se o testemunho do António Saraiva dado em entrevista ao GameOver para perceber o modo como foi conseguido o licenciamento para Biodroid.

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TESTEMUNHO* “Eles [Mercis] tinham ainda um certo preconceito em relação aos videojogos. Levoume várias reuniões em Nova Iorque, Cannes ou Paris para convencê-los. Hoje temos uma relação não tanto de licenciamento, mas até mais de parceria. Uma vez feito o game design e mostradas as primeiras demos chegaram à conclusão de que o jogo não iria fazer qualquer mal às crianças e até sugeriram que fizéssemos a versão DS.” António Saraiva, entrevista à GameOver, Setembro 2009

Miffy’s World foi lançado em Outubro de 2010 no formato Nintendo Wii na WiiWare e no formato Nintendo DS (Figura 7.7). É preciso ter noção que estamos a falar de uma empresa pequena, e realizar versão para DS e Wii não é simplesmente copiar e colar. A existência de dois



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ecrãs na DS obrigou a repensar várias estratégias no design do jogo. Apesar de se poder reutilizar todo o material gráfico e sonoro, a sua integração requeria novas abordagens e por vezes mesmo a criação de novos elementos. Neste sentido a Biodroid teve de utilizar diferentes motores de jogo. Para desenvolver a versão Nintendo DS a equipa de António Saraiva recorreu ao motor BitEngineDS da empresa alemã BitField GmbH Já para a versão Wii foi usado o Torque Game Builder da Garage Games. O mesmo motor seria depois utilizado em 2012 para converter a versão Wii para PC.

Figura 7.7 Ecrãs de Miffy’s World (2010) para Nintendo DS.

O jogo foi desenhado para crianças, tendo um nível de complexidade reduzido. Nesse sentido vem com dois modos, single player em que a criança joga sozinha, e o modo two player em que é suposto jogar com os pais. A jogabilidade baseia-se no percurso por várias áreas dos livros da Miffy nas quais se vai interagindo com outros personagens, e realizando pequeno puzzles educativos. Graficamente entramos no mundo de Dick Bruna, que não foi retocado de modo a manter toda atmosfera original dos livros pequenos ilustrados.

7.5 Playstation 3 com a Seed Studios O caminho da Seed Studios começou a ser traçado no início dos anos 2000 quando um grupo de estudantes se juntou para criar a equipa amadora Gamelords. Sobre os desenvolvimentos realizados por esta equipa de 2000 a 2004 já falámos no capítulo 4.1.2. Aqui vamos apenas falar

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sobre os projetos realizados por esta equipa já enquanto empresa Seed Studios. Uma empresa liderada por um pequeno grupo de pessoas que passaram por várias provações até conseguirem realizar o sonho original, lançar um jogo numa grande consola – Under Siege para a Playstation 3. Um feito único em Portugal e que lhes garantiu três prémios: dois no concurso Premio Zon57, o “Grande Prémio 2010” no valor de 50 mil euros, e o primeiro lugar da categoria “Applications and Multimedia Contents” que lhes valeu mais 30 mil euros; e o terceiro da revista Exame Informática para o melhor Software de 2011.

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Começando pelo primeiro projeto da Seed Studios, que à semelhança de Ugo Volt, criou bastante expectativa no país. As primeiras imagens de Holy War (Figura 7.8) colocadas a circular online em 2004 apesentavam uma qualidade que parecia querer ombrear com as de Gran Theft Auto: San Andreas (2004). Mas continuando com as semelhanças com Ugo Volt, Holy War seria mais um projeto nacional que não chegaria ao fim. Era um projeto muito ambicioso, e com um tema demasiadamente sensível. Holy War tinha como pano de fundo a guerra entre Israel e a Palestina, o que não deixava descansados os investidores que viam na polémica um mau prenúncio de retorno. Assim ponderado o grau de complexidade e o tema, o jogo acabaria por ser cancelado.



57 Premio ZON 2010 - Reconhecida a Arte dos Videojogos em Portugal, 28.01.2011. URL: http://virtual-

illusion.blogspot.pt/2011/01/premio-zon-2010-reconhecida-arte-dos.html



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Figura 7.8 Imagens de Holy War (inacabado).

Depois de Holy War a Seed Studios faz uma espécie de reinício ao seu modelo de produção, deixando de lado a complexidade dos ambientes 3d para abraçar uma nova fase 2d. Nesta nova fase vai criar dois jogos - Sudoku for Kids e Toy Shop . Sudoku for Kids é lançado para PC em 2006 pela distribuidora americana, Individual Software (Figura 7.9). A Seed criou uma versão para a Nintendo DS que vendeu à Gameinvest, mas que nunca chegou a ser editada. Sudoku for Kids é dirigido a crianças dos 4 aos 8 anos o que levou a criar uma nova abordagem à lógica do Sudoku tendo sido implementado não apenas o normal sistema com números, mas também com símbolos de família, animais, flores, transportes e ainda letras. É um jogo simples em termos de desenvolvimento mas capaz de proporcionar forte envolvimento, uma vez que utiliza a lógica de jogo do bem conhecido Sudoku. O jogo saiu localizado em Inglês, Francês, Espanhol e Português.

Figura 7.9 Ecrãs de Sudoku for Kids (2006) para PC.

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Em 2008 a Seed Studios alia-se à Gameinvest para em conjunto criarem aquele que seria o primeiro jogo integralmente nacional a ser lançado numa consola - Nintendo DS. Toy Shop saía em Abril de 2008 no mercado americano distribuído pela Majesco. Em Setembro desse ano saía na Europa, Austrália e Nova Zelândia com o nome Toy Shop Tycoon, distribuído pela Codemasters na Europa e Atari Austrália e Nova Zelândia. Toy Shop apresentava localizações em português, inglês, francês, italiano e alemão. Toy Shop (Figura 7.10) é um jogo do género simulação de negócios, em que somos encarregados de salvar o negócio, a loja de brinquedos, do nosso avô que entretanto faleceu. Temos um tempo limitado para salvar a loja, e torná-la num comércio rentável, ou então esta será entregue à cidade. O jogo teve algumas críticas duras58, mas também teve críticas boas59. O maior problema do jogo aparece pelo lado da repetitividade e morosidade das acções, que no fundo fazem parte de uma simulação realista daquilo que é gerir uma loja. Provavelmente tendo utilizado melhor a música e as animações se pudesse ter aliviado um pouco um sentimento de aborrecimento citado por alguns críticos.

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Figura 7.10 Imagens de Toy Shop (2008), o primeiro jogo português publicado para uma consola (Nintendo DS).

Depois de fechado e distribuído Toy Shop a Seed resolveu voltar às origens do desenvolvimento 3d, e avançar para o seu projeto mais ambicioso de sempre, e que iria levar mais de dois anos a



58 Jack DeVries, IGN, 1.5.2008. URL: http://uk.ign.com/articles/2008/05/01/toy-shop-review 59 Jeff Gedgaud, Game Chronicles, 6.6.2008. URL:

http://www.gamechronicles.com/reviews/nds/toyshop/toyshop.htm



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concluir. Under Siege foi iniciado em 2009, e chegaria às lojas online da Sony a 2 de Junho 2011. Desta vez o trabalho foi recompensado pela crítica, as revistas britânicas deram boas pontuações, com a Games Master a dar 84/100 e a EDGE e a Eurogamer a darem ambas 7/10. A alemã Media Review apontou também para os 82/100, e as revistas nacionais MyGamer deu um 82/100, e a Eurogamer.pt um 80/100

7.4.1 A revolução Under Siege Under Siege (Figura 7.11) não só é o primeiro jogo português para a PS3, como é o jogo mais caro da história dos videojogos nacionais. Um milhão e 400 mil euros representa um volume de investimento superior à grande maioria das produções cinematográficas nacionais. Apesar destes valores, estamos a falar de um investimento médio baixo para tudo aquilo que a Seed nos oferece em termos de valores de produção. Under Siege pode ser facilmente confundido um jogo AAA, um blockbuster de 10 milhões de dólares. A qualidade da arte visual e musical, assim como a arte da escrita dos diálogos superam a grande maioria dos jogos médios lançados na loja online da Sony. A qualidade técnica é muito elevada e só se compara ao que normalmente encontramos nos jogos de grande produção. Aliás isto mesmo veio a comprovar-se quando a Sony publicou a lista dos 10 jogos independentes mais vendidos60 na Playstation Network, e lá estava Under Siege, ao lado de outros jogos como Limbo, Braid.

Figura 7.11 Imagens de Under Siege (2011) o primeiro jogo português para a Playstation 3.



60 Celebrating PSN’s Top-Selling Indie Games of 2011, 13.12.2011, http://blog.us.playstation.com

/2011/12/13/celebrating-psns-top-selling-indie-games-of-2011/

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Apesar de se tratar de um RTS o jogo está baseado em batalhas, e não se limita a simples gestão de recursos, é muito fluído, equilibrado, dando tempo ao jogador para se enquadrar e aprender. Com um acesso ao mundo em 45º, podemos controlar a câmara como se de um jogo de ação e aventura se tratasse. Os objetivos estão bem sintonizados na narrativa que é apresentada ao longo de cinco capítulos da campanha. Em termos de desenvolvimento Under Siege foi inteiramente conceptualizado e desenvolvido em Portugal e por portugueses. Na pré-produção estiveram apenas envolvidos um programador e um artista conceptual, já na produção foram necessários um total de três programadores, oito Artistas ( 2D, 3D, Animação, Som ), um músico externo e um produtor. Contabilizando a área de gestão administrativa e financeira estamos a falar de uma equipa de cerca de 15 pessoas. Na tecnologia foram utilizadas as ferramenta providenciadas pela Sony nomeadamente o PhyrEngine que permitiu isolar as complexidades do hardware da consola e começar de imediato a fazer testes diretamente na consola. No campo da física foi ainda utilizado o Havok. A programação decorreu toda em C++ sobre o Visual Studio 5.0, enquanto a arte 3d foi assegurada pelo Softimage XSI e a 2d pelo Adobe Photoshop. Under Siege vem integrado com um editor poderoso de mapas e missões, abrindo-se à produção de conteúdo pelos próprios jogadores. Depois de completar cada missão, ganha-se acesso ao mapa da missão que pode então ser totalmente transformado pelo jogador. O jogador pode ainda escolher criar um cenário a partir do zero, como explica o Bruno Ribeiro (programador principal) em entrevista à iWaggle3d (ver testemunho). TESTEMUNHO* “Começa-se por definir o tamanho do mapa, o tema (montanha, pântano, etc), e seguindo-se a moldagem usando as ferramentas de terraformação. Depois adicionam-se os adereços como casas ou árvores, e as unidades amigáveis ou inimigas. Pode-se alterar os parâmetros de nevoeiro, iluminação e exposição, para dar ao mapa a aparência que se desejar. Finalmente, pode-se usar as ferramentas lógicas (baseados em triggers semelhantes aos dos editores da Blizzard) para personalizar o fluxo e a forma como se joga o nível.

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Assim como em LittleBigPlanet (2008), o nosso editor foi construído em primeiro lugar e então utilizado pela equipa para construir os níveis incluídos, tanto os singleplayer, como o multiplayer. Todo o desenho de níveis foi feito com uma prancha em frente à TV, em vez de utilizar um computador com um rato e um teclado. Sentimos que seria a única maneira de descobrir aspectos de controlo mal implementados ou quaisquer recursos não expostos ainda. No final serviu para prototipagem rápida de níveis, e nós sentimos que os jogadores teriam aqui uma ferramenta altamente criativa para brincar (..) Se não gostarem do modo como fizemos alguma coisa no jogo, são livres para mudarem o que quiserem.” Bruno Ribeiro, entrevista à *iWaggle3d, Agosto 2010



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Para terminar é necessário falar ainda do âmbito promocional, no qual foram investidos quase 20% do custo total do jogo. Além da apresentação em várias feiras internacionais, a Seed criou um livro de banda desenhada, A Arte de Under Siege (Figura 7.12), com arte excepcional, numa impressão de 64 páginas, com capa dura. Mas o elemento mais marcante da campanha promocional viria no formato de trailer (Figura 7.13), criado pela escocesa Axis Animation, uma empresa reconhecida mundialmente pela sua especialização em trailers. A arte do trailer foi produzida pela Seed, tendo a Axis ficado encarregada de criar o filme e realizar a pós-produção.

Figura 7.12 Página do livro A Arte de Under Siege (2011) editado pela Edições ASA.

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Figura 7.13 Imagem do trailer do jogo Under Siege (2011) criado pela Axis Animation.

Com Under Siege terminamos este capítulo inteiramente dedicado ao desenvolvimento de jogos nacionais para consola. Under Siege termina o capítulo de forma verdadeiramente climática, com a sensação de dever cumprido por parte da comunidade nacional. Foi um caminho longo, 30 anos, mas conseguimos responder ao mais alto nível.

RESUMO Neste capítulo pudemos ver como foi difícil a conquista do mercado de consolas. Passamos em revista vários projetos falhados como Ugo Volt ou Holy War. Passámos em revista o trabalho desenvolvido por duas das empresa nacionais mais promissora no mercado dos videojogos, a Biodroid e a Seed Studios. Concluímos compreendendo que quando se luta muito, e se acredita numa ideia, é possível levar essa ideia até ao final. Portugal teve muita dificuldade em chegar às consolas, mas entrou em grande.

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Capítulo 8

A Nova Distribuição [2009...] No final da primeira década dos anos 2000 surgiram novas plataformas e novos canais de distribuição que iriam mudar o modo como os criadores de videojogos se passariam a relacionar com os seus jogadores. O aparecimento de lojas de aplicações para telemóveis, as App Stores, foram as que mais contribuíram para uma profunda alteração dos números da produção portuguesa. Conjuntamente com o móvel, as redes socais passaram também a disponibilizar jogos como forma de cativar os utilizadores. Portugal também marcou aqui presença, mas a adesão foi muito menor quando comparada com a ocorrida no mercado móvel.

8.1 Novo mundo chamado App Store Como pudemos ver ao longo do capítulo anterior, o elitismo das consolas – Sony, Microsoft, Nintendo - como plataformas de distribuição foi um grave problema na história do desenvolvimento de videojogos, tanto nacional como internacional. Só com a sétima geração de consolas, estas se começam a abrir através da criação dos novos canais de distribuição online em cada consola. A Microsoft lança o Xbox Live Marketplace em Novembro e 2005, a Sony a lançou a PlayStation Store em Novembro de 2006, e a Nintendo a WiiWare em Março 2008. Estava aberto um novo capítulo na histórias das plataformas de distribuição de videojogos, mas isto era apena o início de uma revolução maior. Simultaneamente com o lançamento da sétima geração de consolas, vai surgir no mercado um outro aparelho electrónico, o iPhone em Junho 2007, que irá ser responsável por uma das maiores revoluções ocorridas no campo do hardware computacional em 50 anos. O toque múltiplo, a mobilidade, o acesso à rede de internet, a memória e o ecrã para uso de conteúdos multimédia, assim como uma interface com um paradigma de interação completamente novo e extremamente intuitiva, tornaram aquilo que poderia ter sido apenas mais um gadget da electrónica, na plataforma computacional que todos queriam utilizar, e que em pouco tempo todos começaram a usar. Todos, porque aquilo que tinha sido inventado pela Apple, espalhou-se rapidamente como um vírus por todas as outras empresas do ramo. Passados cinco meses apenas, em Novembro de

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2007, a Google publicava o seu sistema operativo Android específico para plataformas móveis, com o apoio de 86 outras empresas da área das telecomunicações, software e hardware. Todos os outros sistemas que existiam por essa altura, e eram até grandes sucessos como o Black Berry e o seu miniteclado QWERTY ou a Nokia respeitada como o sólido nº1 mundial de telemóveis, começaram a cair, e em poucos anos definhar, ao ponto de terem sido obrigadas a converter-se ao modelo único imposto pelo iPhone.

Figura 8.1 A. iPhone 3Gs (2009); B. iPad 1 (2010).

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O iPhone (Figura 8.1A) tinha aberto o caminho à Apple, mas todo o sucesso não se deve apenas ao iPhone enquanto gadget electrónico, este nunca teria alcançado o sucesso que teve se a Apple não tivesse criado em Julho de 2008 a sua plataforma de distribuição de software digital, a App Store. Algo que dificilmente poderíamos ter imaginado que teria o impacto que teve, mas é a ela que a Apple deve o sucesso do iPhone, e em seguida do iPad (Figura 8.1B). A App Store representa um ponto de viragem enorme na produção e consumo de conteúdos digitais. O seu aparecimento vai ter impactos tremendos sobre o: 1) Acesso para criadores: Qualquer pessoa individual, ou pequena empresa, pode produzir um conteúdo e colocá-lo na App Store. 2) Sistema Fechado: Só é possível aceder aos conteúdos através de uma conta individual. Assim a App Store resolvia por um lado o problema da democratização criativa, e por outro o problema da pirataria de conteúdos, já que os consumidores deixavam de poder usar conteúdos que não tivessem sido adquiridos através da sua conta. À semelhança do que tinha acontecido com o iPhone, a Google voltou a seguir a Apple, e assim, mais uma vez ao final de 3 meses, em Outubro de 2008, divulga o Android Market. O Android Market era em tudo semelhante à App Store, tinha apenas uma questão em que era completamente diferente, era um sistema aberto por oposição ao fechamento que a App Store



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protagonizava. Este questão viria no então a sofrer profunda alterações, com as várias evoluções, até que em 2012, com o rebranding de Android Market para Google Play se assistem a mudanças profundas do funcionamento da loja ao nível da filtragem dos conteúdos que podem ser distribuídos, e a forma como são distribuídos tornou-se também mais apertada que antes. No meio de todas esta história faltam duas marcas de peso, a Nokia do mercado de telemóveis, e a Microsoft da computação e das consolas. A Nokia foi talvez a marca que mais perdeu com o aparecimento do iPhone, e demorou imenso tempo a reagir, tentando impor o seu sistema operativo Symbian que ninguém parecia querer. Assim em Fevereiro de 2011 a Nokia resolve juntar-se à Microsoft e fazerem uma aliança contra o poderio da Apple e Google. Isto seria bom para ambas, os Windows Phones nunca conseguiram atrair público suficiente para que fosse rentável produzir conteúdos para essa plataforma. A aliança com a Microsoft abriu acesso a milhões de novos utilizadores, e ajudou a recolocar a Nokia no mapa de interesses dos utilizadores. A Windows Phone Store apenas criada em 2010 ganhou um novo impulso, ainda assim continua bem longe da suas congéneres. A App Store e a Google Play conta cada uma com cerca de 700 mil aplicações nas suas lojas, (a grande maioria são a mesma aplicação, apenas em versões adaptadas a cada SO), enquanto a Windows Phone Store se pauta pelas 150 mil. O peso destas Stores de conteúdos digitais não deve o seu sucesso apenas ao mercado dos telemóveis, acreditamos que um dos elementos que mais contribuiu para a imposição da sua universalidade na sociedade, se prendeu com o aparecimento de mais uma plataforma introduzida pela Apple em Abril de 2010, o iPad. Inicialmente muito criticado, e incompreendido, viria a revelar-se mais um gigantesco sucesso como plataforma de computação. Tanto que a Google mais uma vez seguiria os seus passos, agora em parceira com a Samsung, passados apenas seis meses, em Setembro 2010, a Samsung revelaria o Samsung Galaxy Tab. A Microsoft pelo seu lado iria demorar, como já tinha acontecido antes, cerca de dois anos a responder, anunciando o tablet Surface apena em Junho 2012. Toda esta história das tecnologias móveis e plataformas de distribuição dos últimos cinco anos é importante no sentido de compreendermos mais corretamente como é que a indústria dos videojogos se começou a alterar a partir de 2009. Apesar do iPhone ter aparecido em 2007, e a App Store se ter iniciado em 2008, o desenvolvimento de videojogos para plataformas móveis só se iniciou seriamente com o aparecimento do iOS 3.0 que aconteceu em Julho 2009, e acentuouse ainda mais com o aparecimento do iPad em 2010. Assim entre 2009 e 2010 iniciou-se um movimento criativo de produção de videojogos à escala global que veio transformar a App Store numa das lojas de videojogos mais importantes do mundo. A título de exemplo em 2012 Angry

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Birds é já um dos jogos mais jogados de sempre, com mais de 700 milhões de downloads, e Cut the Rope aparece também bastante bem posicionado com mais de 100 milhões de downloads. As razões essenciais deste acontecimento, são as que já apontámos acima: por um lado a facilidade com que uma pequena equipa de pessoas consegue colocar um jogo à disposição de milhões de pessoas; por outro, a capacidade da App Store para garantir retorno evitando a fácil pirataria dos conteúdos digitais. Claro que a juntar a isto, temos o facto de a plataforma hardware ser imensamente atrativa, e garantir boas experiências no campo interativo, através da nova linguagem gestual multi-toque. Isto ficou bem demonstrado nos vários estudos61 que foram sendo feitos sobre o uso dos tablets, nomeadamente do iPad em que a esmagadora maioria dos utilizadores referem jogar mais do que ler ou ver vídeos. O aparecimento das App Stores teve ainda um outro contorno interessante que proporcionou todo este interesse por parte das pequenas equipas mundialmente. É que tal como o PC, e ao contrário das consolas, as plataformas móveis permitiam que se desenvolvessem outro tipo de aplicações, não se fincando limitados aos jogos. Isto era muito importante no âmbito das pequenas equipas que precisavam de ter estratégias diversificadas para garantir retorno. Deste modo aprender uma nova linguagem, uma nova plataforma, não era algo que tinha apenas o desígnio do desenvolvimento de jogos, mas todas essas competências podiam ser depois reaproveitadas para outros desenvolvimentos caso fosse necessário. Neste sentido interessa-nos passar aqui em análise as ferramentas de eleição por quem tem desenvolvido videojogos para estas plataformas.

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8.2 Tecnologias e Motores de Jogo Devido à magnitude do impacto das novas plataformas de distribuição, o número de motores de jogo não tem parado de crescer. São muitas as opções que vão aparecendo, umas grátis, outras pagas, umas para iOS outras para Android ou Windows Phone. Contudo o número de ferramentas que se têm dedicado a facilitar o desenvolvimento de videojogos móveis tem sido fortemente direcionado para o mercado iOS. As ferramentas para Android aparecem mais tarde, continuando a sua grande base ligada aos IDE abertos de Java. Já no caso do Windows Phone está-se limitado essencialmente às ferramentas oficiais da Microsoft. No âmbito deste livro interessa destacar as ferramentas que têm sido utilizadas pelos criadores nacionais e aquelas que



61 Um dos estudos, “Tablet Survey” foi realizado pela Google em março de 2011, URL:

http://services.google.com/fh/files/blogs/AdMob%20-%20Tablet%20Survey.pdf



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se configuram como mais promissoras para o futuro do desenvolvimento de videojogos em cada plataforma. Apesar da existência destas ferramentas as tecnologias mais utilizadas no desenvolvimento de jogos para qualquer um dos três sistemas continuam a ser os IDEs das próprias marcas. Assim para iOS temos o Xcode (Figura 8.2 A) um IDE da Apple gratuito criado para o desenho de aplicações para Mac, que suporta o iOS SDK permitindo assim o desenvolvimento para iPhone e iPad. O Xcode integra num único ambiente de desenvolvimento todas as necessidades ao desenvolvimento de jogos – edição de código, componente para design de interfaces, testes e debugging. A programação é bastante diversa, podendo usar-se o C++ ou Objective-C, suportando ainda Java, Ruby e Python. Entretanto algumas empresas têm-se especializado em adicionar suporte para outra linguagens mais acessíveis como o C# ou o Pascal. Juntamente com o Xcode, os criadores de videojogos, usam um framework open-source específico para jogos 2d, que traz integrado dois motores de física o Box2D e Chipmunk que facilita bastante todo o processo de desenvolvimento.

Figura 8.1 A. Interface de Xcode da Apple; B. Interface de ADT em Eclipse.

No caso do Android temos o plugin Android Development Tools (ADT) (Figura 8.2 B) criado pelo consórcio que desenvolve o próprio Android. Integrando suporte para o Android SDK corre sobre plataforma de desenvolvimento Java aberta, o Eclipse. O ADT funciona de modo muito similar ao Xcode da Apple. A programação é feita em Java. No caso do Windows Phone, a Microsoft disponibiliza o Windows Phone SDK que é um kit que vem com todas as ferramenta necessárias ao desenvolvimento para a plataforma móvel. A plataforma de desenvolvimento funciona sobre o Microsoft Visual Studio a base de todo o desenvolvimento Microsoft. No caso específico dos videojogos a Microsoft disponibiliza o XNA Game Studio que é um IDE desenhado para o desenvolvimento de jogos para Xbox 360 e Win PC, tendo sido entretanto estendida ao Windows Phone.

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Para além dos IDE de cada plataforma, existem depois várias ferramentas de authoring especificamente desenhados para facilitar a criação de videojogos, sem a necessidade de mergulhar na complexidade de cada IDE. Algumas desta ferramentas já foram apresentada ao longo deste livro, tendo sido mais tarde adaptadas ou criadas soluções como plugins ou extensões para permitir o desenvolvimento para cada uma das plataformas móveis. Falamos de ferramentas poderosas como o Unity, o Torque ou o Unreal UDK. Além destas existem outras ferramentas de nível intermédio que se adaptaram ou foram recentemente criadas, como o GameMaker ou o GameSalad.

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Além destas ferramentas interessa aqui falar do Adobe Flash que fez correr imensa tinta desde o lançamento do iPad em 2010 e mais concretamente do iOS 4.062, com Steve Jobs a assumir o seu desentendimento com a Adobe, com troca de cartas abertas de parte a parte63, e com isso impedindo que o Flash pudesse ser utilizado como ferramenta de desenvolvimento para iPhone e iPad. O conflito desenvolveu-se ao longo de mais de um ano, até que a Adobe cancelou o suporte ao Flash Player para plataformas móveis tendo começado a movimentar-se no sentido das suas ferramentas exportarem diretamente para HTML5. Contudo esta alteração não conduziu ao fim do Flash nem tão pouco da sua linguagem de programação, o ActionScript. O que aconteceu foi uma mudança de política, a Adobe deixou de considerar o Flash como o meio universal de apresentação de conteúdos online, e passou a concentrar o seu desenvolvimento para a área dos videojogos. Esta mudança de política da Adobe fazia todo o sentido dado o enorme sucesso da plataforma no desenvolvimento de jogos online como já pudemos ver no capítulo 6. Ou seja existia uma base enorme de potenciais criadores de videojogos que dominavam a plataforma, e por isso era necessário encontrar soluções para esses criadores. Nesse sentido a Adobe desenvolveu formas de permitir que os jogos realizados em Flash pudessem correr em múltiplas plataforma através do Adobe AIR. A Adobe dava resposta a um dos maiores problemas das pequenas empresas, a conversão de um jogo para diferentes plataformas. Com o Flash e o AIR passou a ser possível utilizar o mesmo código, criado em Actionscript 3.0, não apenas no browser para Windows, Mac OS ou Linux, mas também para qualquer plataforma móvel iOS (iPhone/iPad), Android, ou Windows Phone. A tudo isto a Adobe acrescentou ainda a biblioteca de desenvolvimento



62 Para saber mais sobre o que se passou em 2010 aconselha-se a leitura de “Flash = Adobe vs. Apple”

no Virtua Illusion. URL: http://virtual-illusion.blogspot.pt/2010/04/flash-adobe-vs-apple.html 63 Em Abril de 2010 Steve Jobs escreveu a carta aberta, Thoughts on Flash e a 13 de Maio de 2010 os fundadores da Adobe respondiam também a carta aberta, Our Thoughts on Open Markets. Ambas podem ser vistas no URL: http://virtual-illusion.blogspot.pt/2012/12/apple-e-adobe-cartaabertas.html.



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Stage3D que viria a permitir o desenvolvimento de jogos 3d na plataforma. Ficam aqui alguns dos exemplos demaior sucesso criados em Flash e lançados no iOS entre outras plataformas móveis Machinarium (2011), Wonderputt (2011), Lume (2011), Super Hexagon (2012). Esta é contudo uma área em constante mutação, com cada novo sistema operativo, ou nova versão e tablets e smartphones, surgem novas possibilidades e novas necessidades. Nesse sentido não é possível estabelecer aqui um panorama futuro, além do fato de no âmbito de um livro de análise histórica estarmos mais interessados em perceber o que foi feito até aqui. Cabe ao leitor poder utilizar esta informação para o ajudar a tomar melhor decisão em cada novo momento da evolução tecnológica.

8.3 A produção nacional As novas plataformas de distribuição criaram condições ideais para o modelo de empresas portuguesas, por ser formado essencialmente por pequenas empresas fortemente motivadas para desenvolver jogos. Até aqui estas equipas estavam limitadas ao mercado PC online com pouca visibilidade e às consolas de difícil acesso. O aparecimento das novas plataformas fez surgir um boom na produção nacional entre 2009 e 2011, capaz de elevar a produção nacional ao ponto de nestes três anos apenas, se ter produzido 46% de toda a produção nacional dos últimos 30 anos. A plataforma eleita pelos criadores nacionais foi sem dúvida o iOS que entre 2009 e 2011 viu serem criados mais de 30 novos jogos, já para o Windows Phone 7 tivemos nestas datas apenas 9 jogos, e para o Android apenas 4 (sem contar com jogos convertidos de iOS para Android). Ou seja os jogos criados para iPhone e iPad entre 2009 e 2011 correspondem a 70% de todo o desenvolvimento nacional para plataformas móveis. Uma das razões que poderá ter contribuído para esta aposta terá sido o relativo sucesso de alguns jogos nacionais64, com particular destaque para os desenvolvidos pela Miniclip Portugal e pela Biodroid.



64 A análise do sucesso dos jogos foi realizado com recurso a vários dados: o número de downloads

fornecidos pelos criadores, o impacto nos media, e ainda as posições em tabelas diárias da AppStore consultadas no site App Annie. No caso da Tabelas diárias tivemos em atenção apenas a tabela de Jogos e a Geral que reporta todas as vendas de cada loja.

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Figura 8.3 Banzai – Ninja Sports (2009) de João Caxaria e Nuno Monteiro

A produção nacional de jogos na App Store começa com o boom dos jogos iPhone em 2009 que está ligado ao aparecimento do iOS 3.0. Deste modo o primeiro jogo nacional a ser desenvolvido e publicado na App Store terá sido Banzai - Ninja Sports (Figura 8.3) de João Caxaria e Nuno Monteiro, a 4 de Agosto de 2009. Em termos de mecânica o jogo não era original já que se baseava fortemente em Globulos (2008), embora aqui aplicado ao tema original do universo ninja.

Figura 8.4 A. iStunt Reload (2009) do André Almeida; B. iStunt 2: Snowboard (2011) da Miniclip.

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Em Dezembro 2009 André Almeida lança iStunt Reload (Figura 8.4) que se tornaria no primeiro grande sucesso iPhone português na App Store. Entre 2009 e 2012 iStunt Reload atingiu TOP 10 da tabela de jogos de mais de 20 países, tendo mesmo chegado ao primeiro lugar da tabela geral da Áustria. No total, iStunt conseguiu a impressionante marca de 2.6 milhões de downloads gratuitos, e mais de 100 mil pagos (ver Testemunho). TESTEMUNHO “A ideia para o iStunt surgiu no início do ano de 2009 quando recebi o iPhone 2G - o primeiro que saiu - como prenda de anos do meu Pai. Comecei a explorar o mercado da AppStore e reparei que na altura existiam alguns jogos de snowboard em 3D (o snowboarder descia a montanha em profundidade). Nessa altura pensei que a



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mesma ideia aplicada a um mundo a duas dimensões com sidescrolling e com uma física bem implementada podia ser interessante. Fiz um protótipo básico pra testar a ideia e de facto senti de imediato que tinha potencial. Foi então que decidi entrar no projecto mais a sério, trabalhando aos finais do dia e fins de semana porque durante o dia trabalhava numa consultora.” André Almeida, Dezembro, 2012

Tendo em conta o enorme sucesso, a Miniclip Portugal abordou o André e propôs-lhe que desenvolvesse o iStunt 2: Snowboard (Figura 8.4) com produção da Miniclip. O jogo ganha assim uma arte de maior qualidade, e alguma das rotinas de jogo são também melhoradas. Com estas inovações, iStunt 2 vai conseguir o top 10 de jogos em 83 países, dos quais 32 primeiros lugares, e desses 11 serão mesmo o primeiro lugar da tabela geral de vendas. Isto é algo que a Miniclip tem por hábito fazer, já o tinha feito com G-Switch (2010) o jogo Flash de Vasco Freitas (de que falámos em 6.5.8), quando o converteu para iOS com o título GravityGuy (Figura 8.5). Se G-Switch era um sucesso em Flash, GravityGuy tornou-se num dos jogos de maior sucesso para iPhone de sempre, conseguindo entrar no Top 10 em mais de 100 países, metade dos quais atingindo o primeiro lugar, sendo que em 9 deles atinge o primeiro lugar das vendas gerais das lojas.

Figura 8.5 GravityGuy (2011) da Miniclip

A Miniclip veio para Portugal (TagusPark) em 2010 com o objectivo de criar uma equipa de desenvolvimento exclusivo para iOS que se tornaria na divisão Móvel da Miniclip Global. Tendo em conta a dificuldade de tornar os jogos conhecidos na App Store, a Miniclip traçou uma estratégia que passava por aproveitar o seu portal online de jogos, com 65 milhões de visitantes mensais, para gerar tráfego para os jogos na App Store. A ideia de instalar a equipa em Lisboa foi de António Sergio Varanda, que tinha acabado de ser contratado pela Miniclip depois de ter saído da Skype. Sergio Varanda tinha-se formado em Engenharia Informática no IST por isso quando lhe pediram para escolher um local onde para criar uma equipa específica para o

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desenvolvimento iOS propôs de imediato Lisboa. Voltou para Portugal para liderar a equipa de cerca de dez pessoas. Além de iStunt 2 e Gravity Guy, a Miniclip Portugal desenvolveu ainda Mini Pets (2011), Monster Island em 2012 (Top 10 jogos em mais de 60 países) e Hambo em 2012 (Top 10 jogos em mais de 50 países) (Figura 8.6).

Figura 8.6 A. Monster Island (2012). B. Hambo (2012). Ambos da Miniclip.

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Nesta altura a Blitpop de que falámos no ponto 6.5.4, realiza uma parceria com a Miniclip Portugal para o desenvolvimento colaborativo de Feed the Dragon (2012) atingindo o Top 10 jogos em mais de 60 países. Por outro lado a RTS (de que falámos no ponto 6.5.3) vai converter o seu jogo Aquapark, um descarregável para PC, para iOS em 2011. A própria Seed Studios depois de lançar Under Siege na PS3 como vimos no capítulo anterior, iria dar o ar da sua graça no iOS com R3: Ridiculous Road Racing (2011), uma espécie de jogo de teste ao mercado App store (Figura 8.7).

Figura 8.7 A. Feed That Dragon (2012) da BlitPop; B. R3: Ridiculous Road Racing (2011) da Seed Studios.

Aliás os anos de 2010 e 2011 ficarão marcados como anos de muita produção nacional, uma grande maioria claramente a servir de teste ao funcionamento da App Store. Um período que apenas se assemelha aos tempos iniciais dos ZX Spectrum, com o aparecimento de várias



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pequenas equipas com menos de três pessoas, algumas até apenas com uma pessoa. A grande maioria são pequenas implementações de ideias, algumas delas não passariam do primeiro jogo, deixando a área dos videojogos para se dedicarem a outras áreas. Alguns dos melhores exemplos deste período são: Pinball Yeah (2010) da equipa Coderunners, Dropoly (2010) da Inovaworks, Panic Plane (2011) da Castaway Studios, Kamikaze Bird (2011) da Reality6, PhittyFunWords (2011) da Phit - Tecnologias Moveis, Sushi Quest (2011) de Sérgio Flores, e Vizati (2011) da Different Pixel. A 1 de Abril de 2010 a Apple lança o iPad, e com ele vai surgir uma nova vaga de jogos, mais elaborados e complexos. A primeira empresa naciona a aproveitar este lançamento foi a TecField de Braga que lançou o seu jogo Smuggi (Figura 8.8) no mesmo dia em que foi lançado o iPad nos EUA. Sendo um criador licenciado pela Apple tinha antes sido convidada a desenvolver uma aplicação para o lançamento do iPad pela própria Apple. Smuggi seria desenvolvido em Flash e depois convertido através do Adobe AIR para iOS. A TecField tinha desenvolvido em 2010 um pequeno jogo experimental para iOS, o Tap Ball.

Figura 8.8 Smuggi (2010) da Tecfield

Ainda em 2010 a Biodroid resolve também experimentar o terreno do iOS e apresenta o jogo nacional de iPad de maior sucesso de sempre, Billabong Surf Trip (Figura 8.9). O jogo atinge o Top 10 de Jogos em 17 países, em cinco dos quais chega ao primeiro lugar, atingindo a marca de 1.5 milhões de downloads (pagos e gratuitos). Billabong é premiado no Premio Zon 2011 e nomeado para o 7º International Mobile Gaming Awards 2011. O jogo tinha dois trunfos muito fortes: ser um dos primeiros, se não o primeiro, simulador de surf para iOS; e ter o apoio de surfistas de renome mundial como Andy Irons, Taj Burrow, Joel Parkinson and Tiago Pires. Além disto Billabong não se limitava a simular a prática de surf, cada uma das 11 praias apresentadas são simuladas nas suas particularidades do tipo de ondas por que são conhecidas pelos surfistas,

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criando assim mais um elemento de grande atracção para todos os surfistas que conhecem essas mesma particularidades. A Biodroid voltaria a repetir a mesma formula com Cristiano Ronaldo Freestyle em 2011 e com MegaRamp em 2012 de que falaremos à frente no âmbito do Android.

Figura 8.9 Billabong Surf Trip (2010) da Biodroid

Depois do fracasso do jogo da YDreams, Cristiano Ronaldo Underworld Football (2006), de que falámos no ponto 5.3, Cristiano Ronaldo Freestyle (Figura 8.10) não sendo um fracasso, não passaria também de mais um jogo para iPhone. Chegou ao Top 10 de jogos em apenas seis países, e conseguiu um único primeiro lugar de vendas, que foi em Portugal. Em certa medida isto quer dizer que não chega ter uma celebridade para vender um jogo, é preciso que o jogo corresponda. Comparando com Billabong ou Megaramp podemos talvez questionar o facto de existir já muita oferta no campo do futebol, o que torna mais difícil apresentar algo de inovador,

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além da presença do jogador estrela.

Figura 8.10 Cristiano Ronaldo Freestyle (2011) da Biodroid



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Em 2011 surge um novo jogo nacional para iPad, Magic Defenders (Figura 8.11) que consegue projeção nacional e internacional através do reconhecimento realizado pelo Corona Labs, em Agosto 2011, como App of the Week65. Magic Defenders era um dos milhares de jogos que tinham utilizado a plataforma Corona SDK como motor de desenvolvimento. Os criadores eram dois alunos da Universidade do Minho, Ricardo Graça de Arquitectura e Manuel Costa de Ciências da Computação. O sucesso e reconhecimento internacional levou a que o jogo fosse referido em vários meios de comunicação social nacional, incluindo entrevistas pela televisão nacional, chegando assim ao primeiro lugar do top nacional. O jogo abordava o género tower defense numa linha simplificada, com um defensor das muralhas que vai ganhando acesso a diferentes magias, sem torres para instalar e gerir.

Figura 8.11 Magoc Defenders (2011) de Ricardo Graça e Manuel Costa

Ainda em 2011 é lançado StringZ (Figura 8.12) com um gameplay de excelência desenvolvido pela WingzStudio, Lda, uma pequena empresa Coimbra, constituída por Bruno Antunes (programador), João Ferrand (designer), e João Melo (produtor). O gameplay consistia em colocar algumas cordas ao longo de um percurso para guiar um pequeno extra-terrestre no regresso à sua nave. O jogo assenta a sua lógica no domínio dos puzzles de física muito em voga internacionalmente com exemplos de grande sucesso como Cut the Rope. StringZ venceu o Prémio Nacional Multimedia 2012 na categoria de Aplicações Mobile e recebeu uma Menção Honrosa no Premio Zon 2011 Aplicações e Conteúdos Multimédia.



65 Mais informação sobre este reconhecimento pode ser lido no site da Corona Labs. URL:

http://www.coronalabs.com/blog/2011/08/29/app-of-the-week-august-28-2011-magic-defenders

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Videojogos em Portugal

Figura 8.12 StringZ (2011) da WingzStudio

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No âmbito do Windows Phone o maior sucesso nacional foi conseguido por Andreas Vilela, estudante de Informática da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em Dezembro de 2010 com Kill the Duck (Figura 8.13), uma imitação de Duck Hunt (1984) da Nintendo. Lançado apenas em versão gratuita, atingiu em pouco dias o 2º lugar do Top da Windows Phone Store, tendo conseguido mais de 650 mil descargas. O jogo tornou-se uma referência na comunidade internacional no campo dos jogos de estudante, e foi batante referenciado na comunicação social nacional tendo sido referido em vários órgãos de referência - Expresso, DN ou Sábado – sendo o autor ainda entrevistado pelas cadeias de televisão nacional TVI e RTP. Depois desta experiência Andrea Vilela ainda desenvolveu AntsSurvive (2011) mas sem o mesmo sucesso.

Figura 8.13 Kill the Duck (2011) de Andreas Vilela

No campo empresarial, a empresa que mais investiu no desenvolvimento para a plataforma Windows Phone foi a ZPX, uma empresa criada em 2008 com elementos que tinham saído da



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Move Interactive depois do cancelamento e Ugo Volt. Em 2010 a ZPX criou e publicou três jogos em WP7: Orange Game (2010), Puzzle Jumble (2010), Think Fast! (2010). No âmbito do Android a produção nacional tem sido bastante reduzida, os jogos que têm sido desenvolvidos para este sistema são maioritariamente conversões dos jogos criados para iOS. Apesar disso podemos destacar Return Zero (2011) (Figura 8.14) de uma pequena equipa do Porto os WeCameFromMars, constituída por Filipe Abrantes e Rui Guedes na proagramação, e Joana Pinho e Diogo Barbosa na arte 2d e 3d. Return Zero oferece-nos um jogo de corridas com uma nave espacial, muito semelhante a Wipeout Pulse (2009) na PSP, mas fazendo aqui uso do sensor de movimento para controlar a nave espacial. A arte foi inspirada em Tron: Legacy (2010). O jogo teve uma boa recepção no Google Play conseguindo perto de meio milhão de downloads.

Figura 8.14 Return Zero (2011) de WeCameFromMars

O segundo jogo para Android é da Biodroid e resulta de uma parceria com a Megaramp Events uma empresa responsável pela criação de eventos a nível mundial na área do Skateboard e BMX. MegaRamp: The Game (Figura 8.15) saiu em Novembro 2012 em exclusivo para o modelo Xperia da Sony, que funciona sobre Android. Depois em Dezembro o jogo foi aberto a toda a comunidade Android, e a Biodroid lançou também a versão iOS. Apesar do exclusivo inicial o jogo ultrapassou os 150 mil downloads em pouco tempo e está a seguir um caminho parecido com Billabong Surf Trip, até porque a Biodroid procurou implementar a mesma formula de sucesso. Ou seja, desportos que possuem poucas aplicações concorrentes, Skate e BMX, e ainda a parceria com uma marca respeitada no meio, que trouxe consigo nomes importantes de cada desporto. No Skate conta com nomes como Danny Way, Pierre Luc Gagnon (PLG), e Adam Taylor; na BMX com Kevin Robinson, Vince Byron, e Morgan Wade.

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Videojogos em Portugal

Figura 8.15 MegaRamp: The Game (2011) de Biodroid

A história dos jogos para iOS, Android e Windows Phone não acaba aqui, aqui acaba apenas o nosso relato no tempo. O futuro parece promissor para as empresas nacionais que se dedicam ou queiram dedicar ao desenvolvimento de videojogos em Portugal. Os jogos sempre foram uma indústria dependente da exportação, devido à necessidade de escala para rentabilizar o investimento realizado. Desse modo, nunca como hoje foi tão fácil aceder a esse mercado de escala. O acesso não é garantia de vendas, mas é uma porta aberta, que se inteligentemente aproveitada poderá trazer imensos proveitos.

8.4 Facebook como plataforma de jogos Ao mesmo tempo que explodia o mercado dos jogos para iPhone em 2009, explodiam também os jogos na rede social Facebook. Um dos seus maiores sucessos era Farmville que atingia os 80 milhões de jogadores mensais, muito acima dos 10 milhões que conseguiam grandes MMO como World of Warcraft. Os jogos sociais, como ficariam conhecidos, eram desenvolvidos em Flash, e corriam diretamente sobre o Facebook. Desse modo podiam utilizar os dados sociais existentes na plataforma, e assim potenciar a persuasão dos jogadores.

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Em Portugal foram feitos apenas quatro jogos para o Facebook, dos quais três são “jogos sérios” realizados em contexto de projetos de investigação europeus. Bomb Express foi o único jogo de puro entretenimento lançado no Facebook por portugueses até à data, e consiste em colocar o jogador a partilhar com amigos uma bomba prestes a explodir, que por sua vez terão de enviar a outro utilizador da sua própria rede de contactos (Figura 8.16). A pontuação recebida por quem iniciou a corrente irá variar consoante o número de pessoas pelas quais passou a bomba até ao momento em que acontece a explosão que resulta num momento divertido e cómico. Bomb Express foi criado por Miguel Falcato, André Abreu e Pedro Vieira, elementos da DJomba uma agência de publicidade digital. O jogo gerou uma reação grande na comunidade nacional, e atraiu a atenção dos media, desde os regionais aos nacionais (Exame Informática, Sol, Sábado, Sapo



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Tek, PC Guia, BGamer, i, TVI24). Muito do interesse gerado deve-se ao facto de ter sido o primeiro jogo a ser desenvolvido em Portugal para a maior rede social de sempre. Por outro lado o jogo fazia um bom uso do potencial de socialização disponibilizado pela rede social, o que lhe garantiu uma enorme visibilidade aquando do lançamento.

Figura 8.16 Bomb Express (2010) da Djomba

Ainda em 2010 surgiu o segundo jogo para Facebook, PLAYER, fruto de um projeto europeu, desenhado e implementado por Pedro Neves, Jorge Lima e Leonel Morgado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O jogo consistia na junção das lógicas de jogo com as valências de colaboração das redes sociais para motivar jovens para o empreendedorismo66. Depois em 2011 surge MyVillage implementado pela Novabase também para um projeto europeu que pretendia “sensibilizar os cidadãos para a relevância da temática ”Recuperação Económica e Coesão Social” através de um simulador social, no qual os jogadores são nomeados Presidentes de Câmara de uma pequena Vila, tornando-se assim responsáveis pela prosperidade da mesma e dos seus cidadãos.

Figura 8.16 Rural Value - The Farm Sustainability Game (2010) da Biodroid



66 O jogo PLAYER foi apresentado na secção de Demos da Videojogos 2010 em Lisboa. URL:

http://gaips.inesc-id.pt/videojogos2010/actas/Actas_Videojogos2010.html

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Videojogos em Portugal

O quarto e último jogo nacional para o Facebook, Rural Value – The Farm Sustainability Game (2011) foi produzido pela Biodroid, mas resulta também de um projeto europeu, envolvendo uma parceria entre: a Liga para a Protecção da Natureza, o IST, o Instituto Nacional de Recursos Biológicos e a Câmara Municipal de Castro Verde. O jogo resume-se a uma tentativa de divertir e sensibilizar o jogador para a importância da agricultura como atividade, procurando assim atrair pessoas para a agricultura, levar as pessoas a questionar-se sobre os produtos e serviços ambientais e de sustentabilidade das explorações agrícolas.

RESUMO Neste capítulo pudemos ver como como o aparecimento das novas plataformas de distribuição digital móvel, as chamadas App Stores, contribuíram para uma mudança completa nos modelos de produção nacional, contribuindo fortemente para o aumento dos números de jogos desenvolvidos em Portugal.

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Capítulo 9

Conclusão: Quem somos e que Futuro

9.1. Quem somos e o que fizemos Em Dezembro de 2012 comemorámos 30 anos sobre aquele que será provavelmente o primeiro jogo português, LASER, criado por José Oliveira no Natal de 1982. Ao longo de todos estes anos foram produzidos mais de 350 jogos em Portugal, entre jogos comercializados e jogos não comercializados, mas finalizados e com apresentação pública. Com uma produção tão vasta não é possível encontrar um género que defina toda a nossa produção. Tivemos jogos de quase todos os géneros, desde os mais simples arcades aos mais complexos de estratégia, desde o puzzle à plataforma, passando por shooters, jogos de ação, aventuras gráficas, RPGs, cartas, corridas, art games, satíricos, jogos para adultos, quizz, tower defense, pinball, MMO, simulação, educacionais, casuais, etc. No campo do perfil do criador nacional podemos dizer que houve alterações significativas ao longo das três décadas. O perfil nos anos 1980 começou por enquadrar sujeitos quase exclusivamente do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 14 e os 18 anos, e um forte interesse por microinformática. Ao longo dos anos 1990 manteve-se o domínio do sexo masculino, mas os rapazes cresceram começaram a entrar para a Universidade, a grande maioria para cursos de Informática. No final dos anos 1990 e início de 2000 apareceram os projetos com equipas profissionais alargadas, e com esta os perfis mais diversificados. Assim em 2012 o perfil do criador português é ainda maioritariamente masculino, mas aparecem as primeiras mulheres a trabalhar no guionismo, na arte e no design. A informática ainda domina, mas agora o Design e as Belas Artes estão muito mais presentes, assim como se podem encontrar vários outros perfis ligados aos novos cursos superiores nacionais de Tecnologias da Comunicação, de Audiovisual e Multimédia. As idades são agora muito mais abrangentes situando-se entre os 20 e os 40 anos.

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Videojogos em Portugal

Figura 1 Distribuição por anos dos videojogos portugueses, criados entre 1982 e 2012. O ano de 2012* não apresenta ainda toda a produção. O único ano não presente no gráfico é o de 1996 por não existir qualquer jogo produzido nesse ano.

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Na Figura 1 podemos ver a distribuição dos 355 jogos nacionais criados por cada ano entre 1982 e 2012. Sendo que o único ano em que não houve qualquer jogo produzido, ou pelo menos que tenhamos encontrado, é o ano de 1996. Do gráfico facilmente podemos verificar como a produção nacional acelerou com o surgimento do online no início de 2000, tendo-se produzido mais de 75% de toda a nossa produção desde ano 2000. Depois em 2009 existe um novo pico de aceleração na produção motivado pelo aparecimento das App Stores nesse, fazendo com que 43% de toda produção nacional tenha surgido a partir de 2009. Ao longo das últimas três décadas tivemos vários momentos importantes, como o primeiro jogo criado em 1982 ou o primeiro sucesso comercial Alien Evolution para ZX Spectrum que arrecadou 20 mil libras. Ou quando em 2003 a YDreams criava Undercover 2 (2003) o primeiro MMO comercial para móveis, baseado em localização real, a nível mundial. Ou ainda em 2007 quando a Move Interactive criou a demo de Ugo Volt tornando-se no primeiro jogo nacional a ser apresentado na E3 em Los Angeles, gerando enormes expectativas e interesse na comunidade internacional. Outros exemplos ainda, como em 2008 a RTS colocar Farmer Jane no Top 10 da BigFishGames, ou neste ano ainda ser lançado primeiro jogo para consola, Toy Shop na Nintendo DS pela Seed Studios. Já em 2010 a Biodroid criava o primeiro jogo para a Nintendo Wii e em



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2011 a Seed Studios criava o primeiro jogo para a Playstation 3. Este são apenas alguns dos marcos históricos mas como é natural ao longo de 30 anos momentos importantes não faltam, por isso resolvemos criar um mapa cronológico visual da produção nacio onal. Este mapa pretende dar uma visão rápida sobre esses momentos importantes e progresso conseguido ao longo de três décadas. Não seria possível fazer um mapa com todos os jogos ou momentos importantes, nesse sentido fizemos uma seleção de apenas 30 jogos que de algum modo representam melhor o desenvolvimento nacional.

9.2. A inconstância e o nosso futuro Uma coisa fica bem evidente da análise da nossa história, que conta já com 30 anos, somos capazes de criar ao mais alto nível, e somos capazes de criar para qualquer plataforma. Por outro lado existe uma outra evidência que ressalta desta análise e que assenta no facto de nunca termos conseguido aproveitar as grandes conquistas para lançar a nossa indústria, para criar estabilidade produtiva. A cada momento alto corresponde invariavelmente um grande declínio. Neste sentido é muito importante refletirmos sobre as razões desta inconstância e é isso que procurarei fazer nas próximas linhas. Assim tendo em conta toda a história nacional que analisei ao longo dos últimos três anos, tendo em conta a realidade das outras indústrias culturais nacionais, nomeadamente o Cinema, e ainda realizando comparações com outros países, concluo que os principais argumentos para esta inconstância assentam em quatro pilares: educação, experiência, produção e distribuição. Passo a detalhar cada um dos argumentos.

9.2.1 Educação e Experiência "O know-how é também um problema, porque a experiência ainda conta. Podemos ter gente qualificada mas não temos pessoas experientes." António Saraiva, produtor de Miffy’s World

Começando pela Educação nacional, o seu figurino ao longo do último século foi totalmente incompatibilizado com as necessidades da indústria nacional. Não responsabilizo os políticos atuais, nem os professores, ou as escolas, muito foi feito nos últimos 30 anos a bem da Educação Nacional. Mas temos um problema grave que vem de trás, tivemos de saltar fossos grandes que outros países passaram a seu tempo enquanto foram fazendo o seu desenvolvimento industrial. Passámos quase diretamente do sector primário (Agricultura) para o terciário (Serviços) deixando a meio o sector secundário (indústria) e consequentemente a educação para a suportar. Tanto o atraso na industrialização como na educação do nosso país são uma consequência inequívoca de

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Videojogos em Portugal

meio século de ditadura que impôs a não educação como forma de submissão da população. E se por um lado isso serviu para manter um país aparentemente calmo, pois quem não sabe não reclama, os efeitos secundários dessa política foram catastróficos, porque quem não sabe também não é capaz de desenvolver indústria. Dito tudo isto, os últimos 30 anos serviram para recuperar o atraso gigantesco que nos impediu de ter um desenvolvimento ao mesmo ritmo dos nossos colegas europeus. Neste sentido o ensino focou-se totalmente na formação de alunos para o Ensino Superior para poder responder ao sector terciário. Por outro lado tendo em conta as falhas existentes nas áreas consideradas essenciais ao funcionamento da sociedade, o campo das indústrias culturais e criativas foi completamente menosprezado. Só na última década começámos ver os números de alunos no ensino técnico-profissional subir, e de seguida começámos a ver surgir reais preocupações com a criatividade, a cultura, e a arte. No ensino superior as áreas de investimento não tiveram sorte diferente, até às mudanças operadas com Bolonha, existia em Portugal muito pouca escolha em áreas criativas adjacentes aos videojogos como o multimédia, o audiovisual, o cinema. Durante décadas tivemos em Portugal praticamente só um curso público no campo do cinema - Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa. Claro que tínhamos as clássicas Belas Artes, mas estas estavam demasiado distantes em termos tecnológicos dos mundos de produção dos videojogos. O ensino superior era visto como um local sério, aonde se estudavam coisas importantes, aonde mudar o mundo era apenas possível através da medicina ou da engenharia, e aonde se permitia alguma arte por via da literatura, apenas porque era preciso saber escrever melhor, para apresentar as grandes ideias da ciência nobre.

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Com o tempo foram surgindo outras portas de entrada e depois de Bolonha a paisagem do ensino superior português é agora muito diferente. A quantidade de ofertas públicas e privadas no campo da comunicação audiovisual e multimédia aumentou drasticamente, tendo inclusive sido criados três cursos superiores especificamente no campo dos videojogos67. Ainda assim para Portugal poder criar uma marca de electrónica, uma marca de carros, ou um grande jogo AAA, com projeção internacional, não chega ter 14% de licenciados quando os nossos colegas da OCDE têm em média 28%. Nem chega ter 14% de pessoas com qualificações ao

Mais informação sobre a formação superior nacional em videojogos pode ser conseguida na página de Educação da Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos. URL: http://www.spcvideojogos.org/ensino 67



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nível do 12º ano, quando OCDE tem 44%68. Mas mais grave ainda é que não nos podemos dar ao luxo de ter 14% com o 12º ano apenas preparados para continuar a estudar na Universidade, precisamos de ter técnicos com o 12º ano altamente qualificados em Informática, em Design, em Audiovisual, em Multimédia, em Mecânica, em Eletrónica, em Gestão, em Secretariado. De que nos adianta ter milhares de miúdos com 18 anos que sabem muito de Português ou Matemática, mas não sabem fazer nada de concreto! Para piorar tudo isto a grande massa, 72%, não vai além do ensino básico do 9º ano, e com esta escolaridade não servem a nenhuma empresa que precise de competir internacionalmente, menos ainda no campo dos videojogos. De certo modo esta análise da educação portuguesa acaba por explicar a razão porque nos falta a experiência. A baixa formação especializada dirigida às áreas, levou a que existissem números baixos de pessoas com competências a trabalhar no campo. Consequentemente quem se dedica a trabalhar na área fá-lo de forma quase isolada. Ao primeiro contratempo está-se completamente desamparado e a queda torna-se inevitável. Os criadores ficam com apenas duas opções, mudar de área ou emigrar. Nesse sentido torna-se muito difícil ter em Portugal pessoas que tenham atravessado grandes projetos e se tenham mantido no ramo. Porque só estas pessoas podem levar a nossa produção além do problema da inconstância. É preciso ter as qualificações académicas, mas é ainda mais preciso ter know-how construído no tempo e no terreno. Porque a indústria é muito complexa, e qualquer má decisão pode conduzir uma empresa à sua insolvência.

9.2.2 Produção O campo da produção inevitavelmente sofre dos problemas já evidenciados anteriormente, a falta de recursos humanos experientes tem impedido as estrutura de crescer e encontrar os seus modelos de financiamento. A grande maioria dos videojogos nacionais foram financiados pelos próprios criadores, com recurso a materiais próprios e a tempo próprio. Uma outra parte foi financiada com verbas de atividades adjacentes, nomeadamente em empresas que trabalham com informática e podem manter um ou outro pequeno projeto em paralelo de retorno incerto. Por outro lado os investimentos maiores têm sido feitos com recurso a fundos estatais e europeus. Mesmo quando falamos de business angels e capital de risco em Portugal, muitas vezes estamos a falar de entidades que estão encarregadas de gerir investimento público. No entanto os apoios públicos têm sido muitíssimo reduzidos quando comparados com o investimento no cinema nacional. Com isto não queremos dizer que se deve retirar ao cinema

Toda a informação retirada do Education at a Glance 2010: OECD Indicators. URL: http://www.oecd.org/ education/highereducationandadultlearning/educationataglance2010oecdindicators.htm 68

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Videojogos em Portugal

para dar aos videojogos, antes pelo contrário deve-se investir mais no cinema e mais nos videojogos. Pela simples razão de que estes são fundamentais para garantir a nossa identidade cultural. O sistema europeu difere bastante do americano em termos de financiamento de projectos, criativos ou tecnológicos. No sistema americano o Estado cobra poucos impostos a quem tem muito e por isso acaba por não poder realizar um verdadeiro trabalho de redistribuição. Nesse sentido quem mais tem, pode ele próprio contribuir diretamente para ajudar os projetos que quer. Quando isto acontece qualificamos a ação de filantropia e o investidor de business angel, e daqui surge a iniciativa privada. Ou seja, alguém com dinheiro pode decidir investir meio milhão no Facebook, se funcionar bem pode ficar rico, ele mais quem criou o Facebook, mas a restante sociedade nada terá a ver com tudo isso.

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Por outro lado o sistema mais comum na Europa social em que ainda vivemos, é baseada numa forte regulação por via do Estado. O que esta regulação faz é criar regras que obrigam a uma constante redistribuição de bem-estar por todos, na forma de apoios ou subsídios. O objectivo aqui é servir-se de uma estrutura central tal como um elo agregador de todos, que serve fluidamente todas as pessoas quando estas precisam e em função daquilo que a comunidade como um todo acredita ser importante em cada momento. Desse modo as obras podem ser financiadas em função da apresentação de propostas de projetos, com planificações detalhada a concursos estatais, que são depois avaliadas em função do interesse da sociedade, e assim se decidindo da aprovação ou não de investir no projeto. A diferença é que aquilo que vai ser criado, não é fruto do desejo de alguém com dinheiro, mas da vontade de uma sociedade alargada. Neste sentido torna-se de extrema relevância a comunidade nacional de videojogos encetar esforços para levar o Ministério da Cultura português a reconhecer a importância da arte, e com isso a abrir concursos públicos anuais para financiamento de obras, tal como já se faz com o cinema. De qualquer modo a resolução dos meios de produção não resolve os problema dos meios de distribuição. Aliás um dos grandes problemas em Portugal da falta de investimento em cultura e arte deve-se em grande medida à total falha dos sistemas de distribuição. Estes por serem incapazes de garantir retorno geram uma desconfiança por parte de quem investe sobre a qualidade das produções e dos criadores nacionais. Quando olhamos para o cinema nacional e percebemos que os filmes que se vão realizando raramente se pagam a si próprios, fica muito complicado convencer alguém a investir.

9.2.3 Distribuição

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A Informação infinita que nos é oferecida pelos motores de busca, traduz-se em conhecimento zero. Se não houver uma seleção da informação relevante, e o estabelecimento de vínculos entre as informações relevantes, a informação infinita tende a zero. Gustavo Reis, TedXUnisinos, Brasil

Esta afirmação de Gustavo Reis aplica-se a toda a informação que existe na rede, seja um jogo, um livro ou filme. Não basta que a informação esteja na internet, é preciso que existam pessoas que conheçam essa informação, que a selecionem, analisem, e a deem a ver, ouvir e jogar a outras pessoas. O gatekeeping não morreu e o caso das App Stores é paradigmático da ausência de gatekeepers69. A App Store possuía no final de 2012 cerca de 700 mil aplicações, uma larga maioria das quais eram jogos. Ora isto é o mesmo que dizer que a oferta para os jogadores é infinita e que estes mesmo que quisessem nunca poderiam jogar tudo o que ali existe. Além disso o dinheiro e o tempo de atenção dedicado ao entretenimento diário de cada um dos jogadores é limitado, o que obriga a fazer uma seleção cuidadosa daquilo que se compra e joga. Nesse sentido os jogadores procuram saber quais são os jogos mais vendidos de sempre ou mais populares no momento através das tabelas diárias das próprias lojas. O problema é que ao fim de pouco tempo os jogadores começam a perceber que as tabelas mudam pouco, os títulos ali presentes são quase sempre os mesmos. Por outro lado aceder às tabelas de novidades torna-se cansativo e caro porque é preciso avaliar muitos jogos maus até encontrar um bom. Ou seja, a grande maioria dos jogos lançados na App Store, são jogados à sua sorte. Não existem anúncios de tv, rádio, jornal, revista, ou mesmo online. Mais importante do que isso, existem muito poucas análises de jogos da App Store nas revistas de referência nacionais e internacionais. Se compararmos isto com a loja gémea da Apple a iTunes vemos diferenças enormes. A iTunes tornou-se na maior loja de venda de música, não apenas porque criou uma loja que funciona e tem praticamente todos os títulos que procuramos, mas porque as editoras continuaram a investir na promoção dos seus autores. O marketing de um produto é condição essencial para que este gere retorno. Ou seja para garantir que o dinheiro que foi investido a criar algo, possa voltar para quem o investiu, de preferência com algum adicional para se poder investir em novas criações. O marketing não é apenas publicidade, o marketing corresponde a uma estratégia de fundo que consiste em fazer chegar um conteúdo ao máximo de pessoas. Para isso é preciso publicitar, mas mais do que isso é preciso pôr outras pessoas a falar sobre os conteúdos. Investir



69 Os gatekeepers são todos aqueles que contribuem para a disseminação ou filtragem de informação.

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em cerimónias de lançamento dos produtos, criar kits de imprensa de qualidade, levar os criadores a entrevistas a vários media, tudo isto e muito mais para que os jornalistas (desde as grandes revistas aos blogs) conheçam a nova criação e se sintam motivados a falar da mesma e assim a informação possa chegar aos jogadores. Tudo isto custa em média 30 a 40% do valor de lançamento de um novo jogo AAA, de um novo filme de Hollywood, ou de um novo álbum que chega à MTV. A solução alternativa, que ainda assim não elimina a necessidade promoção, passa por conseguir colocar os jogos em plataformas com verdadeiro gatekeeping à entrada. Isto é, a única coisa que impede um jogo de entrar na App Store é a mensagem tocar nalgum assunto político delicado ou tratar temáticas pornográficas. E é por isso que a App Store apresenta 700 mil aplicações. Já para se conseguir entrar numa Playstation Network ou Xbox Live (XBLIG) é preciso passar por várias pessoas que analisam previamente o potencial do jogo e dão o aval para este ser colocado na lista da loja. O mesmo acontece com a maior plataforma de jogos PC, a Steam. Aliás a Steam até procurou democratizar um pouco mais o seu processo de gatekeeping, com a plataforma Steam Greenlight. Esta plataforma consiste em permitir que os criadores apresentem o seu jogo em imagens e vídeo aos jogadores, e depois estes possam votar nos jogos que gostariam de ver disponibilizados no portal.

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Figura 3 A Walk in the Dark (2012) foi colocado na plataforma Steam Greenlight.

O jogo nacional de 2012, A Walk in the Dark, criado pela equipa Flying Turtle Software70, foi colocado no Steam Greenlight71 mas não conseguiu luz verde para avançar para o portal. O jogo foi até muito bem trabalhado do ponto de vista de imagem promocional. Antes do jogo sair foi lançado um trailer para angariar o interesse da comunidade, que gerou interesse em portais independentes, como IndieGame.com. Quando saiu apesar de não trazer tudo o que tinha prometido teve direito a aparecer em sites de referência internacionais como, Rock, Paper

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Mais informação sobre o jogo e a equipa pode ser visto no URL: http://flyingturtlesoftware.com/ Página do jogo no Steam Greenlight. URL: http://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=92918945

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Shotgun ou o Joystick. No final faltou-lhe um factor de diferenciação face aos jogos já existentes no mercado. A equipa acabaria por lançar o jogo apenas na sua própria página, o que viria a tornar impossível rentabilizar o investimento feito. Nos casos em que existe gatekeeping direto – Steam, XBLIG, etc. - os jogos precisam de garantir algum tipo de elemento que capte a atenção dos especialistas dos portais. Por outro lado os jogos que são lançados em sistemas abertos como a App Store ou a internet aberta, precisam de garantir algo completamente único, nunca antes visto. Ainda assim em qualquer dos casos, a existência de um editor que faça a promoção de forma profissional do jogo é uma condição indispensável para o sucesso do jogo. A ideia de que a internet traria o fim do gatekeeping não passa de um mito. É verdade que a internet democratizou o acesso, e qualquer pessoa pode colocar as suas criações online, mas isso está muito longe de garantir que qualquer pessoa possa viver da simples exposição dada pela internet. Os sucessos nacionais encaixam-se todos nestas duas categorias: ou tiveram editoras associadas; ou foram completamente inovadores. Começando nos anos 1980 com o Marco Paulo Carrasco e o Rui Tito do Algarve, que conseguiram 20 mil libras com Alien Evolution, trabalharam com a Gremlin Graphics Software Ltd. Depois a RTS conseguiu o primeiro jogo nacional no Top 10 mundial do portal da Bigfishgames, depois de fazer um contrato com a própria BigFishGames. A Biodroid conseguiu que Billabong Surf Trip fosse lançado pré-instalado no iPad 2, porque tinha como editora a Chilingo. Os jogos da Miniclip Portugal têm conseguido quase todos estar no primeiro lugar de vendas de dezenas de países porque os jogos são previamente promovidos pelo site da casa mãe, o Miniclip que tem 65 milhões de visitantes mensais. Por outro lado a Ydreams atingiu o reconhecimento internacional com Undercover porque este era o primeiro jogo comercial MMO para móvel baseado em localização real. Posto tudo isto as novas oportunidades de distribuição geradas pelo online e pelas App Stores são muito importantes e podem ajudar mas não servem para substituir uma construção sólida de parcerias com editoras. Ou seja, se o acesso às consolas era difícil, o online e as App Stores não resolveram ainda assim todos os problemas de distribuição dos criadores nacionais. No final acreditamos que o futuro nos reserva ainda muito para descobrir, o país tem capacidade para criar verdadeiros polos criativos na área. O desenvolvimento da nossa história permite-nos perceber que demorámos muito a atingir determinadas metas, mas estas foram alcançadas. Agora resta-nos aprender a lidar com a inconstância, juntar esforços, definir parcerias e colaborações e avançar.

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Videojogos em Portugal

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Cronologia dos Videojogos Portugueses (1982-2012)

Paradise Café (1985) de Damatta, ZX Spectrum. O jogo nacional mais recordado.

Timex Computer TC 2048 (1984). O microcomputador nacional, compatível com o ZX Spectrum.

G

Alien Evolution (1987) de Marco Paulo Carrasco e Rui Tito, ZX Spectrum Primeiro sucesso internacional

M

1980 1990

Laser (1982) de José Oliveira, ZX-81 Primeiro videojogo português.

1º registo de direitos de autor de um videojogo português, O Talismã (1987) de José Antunes.

Gambys (1995) da Portidata. Primeiro jogo nacional com gráficos 3D, e primeiro jogo comercializado em CD-Rom.

Elifoot 98 (1998) de André Elias. Primeira versão comercial do jogo iniciado em 1987 no ZX Spectrum e ainda ativo.

A Viagem de Bartolomeu Dias (1995) de José Luís Ramos. Primeiro jogo dedicado aos Descobrimentos.

Criação da comunidade nacional GameDev-PT em 17 de Janeiro 2002

Planetarium Manager (2002) da Planetarium Games. MMO de futebol com 10 000 utilizadores, e com suporte em 31 línguas.

2000

Undercover 2 (2003) da YDreams. O primeiro, a nível internacional, MMO comercial para móveis, baseado em localização real.

Portugal 1111 (2004) da Ciberbit. Um dos jogos nacionais mais conhecidos, foi distribuído em caixa com a revista Visão.

2005

Quinta das Celebridades (2005). Jogo produzido pela empresa Eworks que seria responsável pela criação de várias empresas nacionais.

Orion’s Belt (2003) de Pedro Santos e Nuno Silva. Primeiro MMO de ficção-científica, ganhou o Games 2006.

Cristiano Ronaldo Underworld Footbal (2006) da YDreams. Primeira associação com Cristiano Ronaldo e que voltaria a ser repetida em 2011 pela Biodroid. PICMA - Picture Enigmas (2009) da Moonberry Studios. Sucesso nacional no mercado Flash. iStunt (2009) de André Almeida. Primeiro sucesso nacional na App Store. Mais de 2.5 milhões de downloads. Astro Empires (2006) de Nuno Rosário. O MMO com maior reconhecimento internacional, com mais de 30 mil jogadores.

2006

2009

Farmer Jane (2008) da RTS. Primeiro jogo português no Top 10 da BigFishGames.

s

a,

Ugo Volt (cancelado) da Move Interactive. O protótipo que todos conhecem e gostariam de ter visto como jogo finalizado

Toy Shop da Seed Studios. Primeiro jogo português a lançado numa consola.

Criação da Sociedade Portuguesa de Ciências de Videojogos em 11 Março 2009.

Freeway Fury (2010) de Vasco Freitas. Jogo flash com mais de 46 milhões de downloads.

Bom Express (2010) da Djomba. Primeiro jogo nacional no Facebook.

s.

G-Switch (2010) de Vasco Freitas. Jogo flash com mais de 26 milhões de downloads e nomeado para melhor jogo Newgrounds em 2010

2010

Smuggi (2010) da TecField. Primeiro jogo para iPad, lançado no próprio dia do lançamento do iPad internacional. Kill the Duck (2010) de Andreas Vilela. O primeiro sucesso nacional na Windows Phone Store.

Kill Billabong Surf Trip (2010) da Biodroid. Jogo para iPad com mais de 1.5 milhões de downloads na App Store.

StringZ (2011) da Wingz Studio para iPad. Prémio Nacional Multimedia 2012 na categoria de Aplicações Mobile. Miffy’s World (2011) da Biodroid. Primeiro jogo nacional na Wii.

Em 2011 a empresa Vortix Games Studio entra no exclusivo Top 50 de Selling Developers do FlashGameLicense.

Magig Defenders (2011) de Ricardo Graça e Manuel Costa para iPad. Considerada App of the Week pelos Corona Labs.

2011

Fátima (2011) de Joana Sobral et al. Flash. Art game nacional, jogo que deixou a imprensa intrigada pelo que questiona.

2012 A Walk in the Dark (2012) da Flying Turtles para PC. Último jogo de 2012, analisado no Rock, Paper, Shotgun e na JoyStick

Under Siege (2011) da Seed Studios. Primeiro jogo nacional para PS3. Vencedor do Grande Prémio Zon 2011. Monster Island (2012) da Miniclip Portugal. Top 10 de jogos pagos da App Store em mais de 60 países.

Lista dos Videojogos Portugueses criados entre 1982 e 2012 Ano Título

Autores

Plataforma

1982

BALA

José Oliveira

ZX-81

1982

LASER

José Oliveira

ZX-81

1983

Jogo Inteligência Memorica (JIM)

José Oliveira

ZX Spectrum

1984

Labirinto 3D

José Oliveira

ZX Spectrum

1984

Poker

José Oliveira

ZX Spectrum

1984

Spaceship

José Oliveira

ZX Spectrum

1984

Megatron

Marco Paulo Carrasco e Rui Tito

ZX Spectrum

1984

Moon Defenders

Marco Paulo Carrasco e Rui Tito

ZX Spectrum

1984

Mr. Gulp

Marco Paulo Carrasco e Rui Tito

ZX Spectrum

1984

Brum-Brum

Pedro Brito E. Cunha

ZX Spectrum

1985

Good Luck!

Antonio Carlos Braga Morais Mateus

ZX Spectrum

1985

Paradise Café

Damatta

ZX Spectrum

1985

Sex Crime

Paulo Jacob e Miguel Franca

ZX Spectrum

1986

Corridas de Caracóis

Pedro Osório

ZX Spectrum

1986

Mad in Ca$hcais

Virgilio e João

ZX Spectrum

1987

Elifoot (1987-2011)

André Elias

ZX Spectrum

1987

Talismã

José Antunes e Moutinho Pereira

ZX Spectrum

1987

Alien Evolution

Marco Paulo Carrasco e Rui Tito

ZX Spectrum

1988

Puzzles

Manuel e Nuno Albuquerque

ZX Spectrum

1988

City Connection

Manuel Lemos

ZX Spectrum

1988

Play for Peace

Nuno Miguel Almeida

ZX Spectrum

1989

Ricochet

Antonio Carlos Braga Morais Mateus

ZX Spectrum

1989

Treinador de Futebol

Tiago Martins

ZX Spectrum

1990

Matrecos

Luís Filipe Cerdeira da Silva

MS-Dos

1990

4 em Linha

Paulo Ferreira e Rui Ferreira

MS-Dos

1990

LABO

Rui Jorge dos Santos Curado

MS-Dos

1990

Spoogame

Jorge Gomes Fonseca

MS-Dos (Assembly)

1990

Genio

Vitor Monteiro

MS-DOS (Clipper)

1990

Jogos de Vício

Ricardo Santos

MS-Dos (Pascal)

1990

Nave

Laurindo Sobrinho; Lucio Quintal

ZX Spectrum

1990

BreakNeck

Laurindo Sobrinho; Lucio Quintal; Tony Sobrinho

ZX Spectrum

1990

MasterMind

Lucio Quintal

ZX Spectrum

1990

Para Cima ou Para Baixo?

Nuno Tomé

ZX Spectrum

1990

Kraal

Rui Tito, Carlos Leote, Pedro Fortes

ZX Spectrum

1990

Klimax

Rui Tito, Pedro Fortes

ZX Spectrum

1991

Onde Fica?

Paulo Ferreira e Rui Ferreira

MS-Dos (BASIC)

1991

Mestre

Vitor Monteiro

MS-DOS (Clipper)

1991

DOS

João Pereira

MS-Dos (Pascal)

1992

Total War

Paulo Laureano; Francisco Cordeiro

Commodore Amiga 500

1992

Defensor da Terra

Ricardo Pereira, Luciano Oliveira e Nelson Sousa

MS-Dos (BASIC)

1993

Batalha Naval

Paulo H. L. Caridade

MS-Dos

1993

Tutti-Fruti

João António Zigue

MS-Dos (C)

1993

Jogo das Palavras

Nuno Morgado

MS-Dos (Pascal)

1994

Poker

Antonio Virgilio

MS-Dos (BASIC)

1994

Jogo do Alfinete

Hugo Ferreira

MS-Dos (BASIC)

1994

Pik Pok

Paulo Moreira

MS-Dos (BASIC)

1994

Voos Loucos

Paulo Moreira

MS-Dos (BASIC)

1994

Football Manager

Alfredo Santos e Miguel Rosário

MS-Dos (Pascal)

1994

Crise no Golfo

Carlos Friaças

MS-Dos (Pascal)

1994

Dados da Sorte

Nuno Brito

MS-Dos (Pascal)

1994

Jaime

Paulo Moreira

MS-Dos (Pascal)

1994

Master Mind

Pedro Nunes

MS-Dos (Pascal)

1994

Slot Machine

Pedro Meireles

Windows (Visual Basic)

1995

Maniacos do Guito

Eurico Moita; Luis Santos; Carlos Miguel

Amiga 1200 (> 68020)

1995

Hercules

Fernando Abreu

MS-Dos (BASIC)

1995

Glu-Glu

Paulo Moreira

MS-Dos (Pascal)

1995

Gambys

Portidata

MS-Dos (S-VGA)

1995

A Viagem de Bartolomeu Dias

José Luís Ramos e Pedro Luis Seabra

Windows

1995

Poker

Raquel Ferreira

Windows (Visual Basic)

1997

Aventuras da Peregrinação

Forum Multimedia

Windows (S-VGA)

1998

Vasco da Gama. A grande viagem

Forum Multimedia

Windows (S-VGA)

1998

Golo 98

Marco Morais

Windows (S-VGA)

1999

TUBYC - o tesouro do arco-iris

Nelson Zagalo e Luís Mouta

Windows (S-VGA)

2000

Skull

Diogo Lapa

Windows (S-VGA)

2000

Fog Town

Paulo Faria

Windows (S-VGA)

2001

Pote d'Ouro

DJomba

Flash

2001

Zé Galinha

DJomba

Flash

2001

Duelo

Nuno Fatela

Flash

2001

Euro Memory

Nuno Fatela

Flash

2001

Euro Invaders

Nuno Fatela

Flash

2001

NetSquash

Telmo Amaro

Online (Java Applet)

2001

Caverna

Pedro Amaro

Web Applet

2002

Planetarium Manager

Planetarium Games

Browser

2002

Guerra ao Taliban

Nuno Fatela

Flash

2002

A Feira da Política

Nuno Fatela

Flash

2002

Headball

Nuno Fatela

Flash

2002

1On1 Racing

Nuno Fatela

Flash

2002

Super F1

Nuno Fatela

Flash

2002

Elven Archer

Telmo Amaro

Mobile

2002

NetSquash 2

Telmo Amaro

Mobile

2002

Rock Star

Ydreams

Mobile

2002

Rock Star II

Ydreams

Mobile

2002

Incoming Storm

Telmo Amaro

Online (Java Applet)

2002

Contamination

Pedro Amaro

Web

2002

Save the King

Pedro Amaro

Web Applet

2002

Colourama

Pedro Amaro

Web e Mobile

2002

Colourama LE

Pedro Amaro

Web e Mobile

2002

Energox

Pedro Amaro

Web e Mobile

2002

Jogo do Galo 3D

Luís Mouta

Windows

2002

MindPics

Paulo Faria

Windows

2003

Orion’s Belt

Pedro Santos e Nuno Silva

Browser

2003

Picture It

After You

Flash

2003

Trivia

After You

Flash

2003

Khryo

Pedro Amaro, Manuel Araújo, Raul Sá

Flash

2003

Space Fight

Nuno Fatela

Flash

2003

S-Pac

Nuno Fatela

Flash

2003

A Forca

After You

Flash

2003

Absolut Darts

After You

Flash

2003

ArkaDreams

After You

Flash

2003

Bubbles Chaos

After You

Flash

2003

Logic Masters

After You

Flash

2003

O Atirador

After You

Flash

2003

Tetrix

After You

Flash

2003

The Snake

After You

Flash

2003

Cannon Tower

Telmo Amaro

Mobile

2003

Incoming Storm 2

Telmo Amaro

Mobile

2003

ManaHarvest

Telmo Amaro

Mobile

2003

Shoot'em Down!

Telmo Amaro

Mobile

2003

Lex Ferrum

Ydreams

Mobile

2003

Undercover

Ydreams

Mobile

2003

Undercover 2: Merc Wars

Ydreams

Mobile

2003

Cube

Pedro Amaro

Online (Java Applet)

2003

Jogo do Risco

Luís Mouta

Windows

2003

Platballs

Paulo Faria

Windows

2004

Marte Ataca

After You

Flash

2004

Troca Palavras

After You

Flash

2004

Greedy

Paulo Laureano

Mac OS

2004

Elven Sniper

Telmo Amaro

Mobile

2004

MobileSquash

Telmo Amaro

Mobile

2004

OpenFire!

Telmo Amaro

Mobile

2004

Portugal 1111

Ciberbit

Windows

2004

Shadow Stars - The Ventrui Belt

Spellcaster Studios

Windows

2004

Tetrasaurus

UNL - Gil Costa

Windows

2005

Quinta das Celebridades

Eworks

Browser

2005

4 em Linha (Multiplayer)

After You

Flash

2005

Batalha Naval

After You

Flash

2005

Collapse

After You

Flash

2005

Darts Challenge

After You

Flash

2005

Mah Jong

After You

Flash

2005

Quadrix

After You

Flash

2005

Reverse Scrabble

After You

Flash

2005

Sudoku

After You

Flash

2005

Sudoku Multiplayer

After You

Flash

2005

Trivia Duel

After You

Flash

2005

Troca Palavras Online

After You

Flash

2005

Flagship

Telmo Amaro

Mobile

2005

Evil Santa Claus Jetpac

Filipe Pina, Bruno Ribeiro e Rafael Pina

Windows

2005

Tranceball

Paulo Faria

Windows

2005

Magnetoid

UNL - Gil Costa

Windows

2006

Netliga

Ignite Games

Browser

2006

Planetarium Football Star

Planetarium Games

Browser

2006

Collapse4Two

After You

Flash

2006

Hit and Run

After You

Flash

2006

Placer

After You

Flash

2006

Turti Trop

BlitPop

Flash

2006

1755 - Reconstruir Lisboa

Nuno Ricardo Fatela / Rui Pereira

Flash

2006

Concentration

After You

Flash

2006

Get da Word

After You

Flash

2006

Neighbours

After You

Flash

2006

Olympic Shooter

After You

Flash

2006

Racing Fever

After You

Flash

2006

SMS Mania

After You

Flash

2006

Space Quest

After You

Flash

2006

The Wall

After You

Flash

2006

Total Control

After You

Flash

2006

Cristiano Ronaldo Underworld Football

Ydreams

Mobile

2006

Wall Street Fighter

Ydreams

Mobile

2006

Astro Empires

Astro Empires

Web

2006

Blokkos

Pedro Amaro

Web e Mobile

2006

Merlin's Playground

Eggzact Studios (BlitPop)

Windows

2006

Fiat500 Manager

Luís Mouta

Windows

2006

Oporto Wine Race

Paulo Lage, Jorge Vieira, Marco Oliveira...

Windows

2006

Aquapark

RTS

Windows

2006

Lumen : The Way to Atlantis

RTS

Windows

2006

Magnetic

Rui Martins e João Camacho

Windows

2006

Sudoku for Kids

Seed Studios

Windows

2006

Jogo da Glória

Luís Mouta

Windows / Mac

2007

Almansur

PDM & FC

Browser

2007

Calculator

After You

Flash

2007

Balance

After You

Flash

2007

Blackjack

After You

Flash

2007

Caesar Code

After You

Flash

2007

Centrix

After You

Flash

2007

Collision

After You

Flash

2007

Find the Exit

After You

Flash

2007

Kill The Bug

After You

Flash

2007

Sunbath Defender

After You

Flash

2007

Trivia Desporto

After You

Flash

2007

Steam

Ignite Games

Windows

2007

Floribella

Move Interactive

Windows

2007

Color Trail

RTS

Windows

2007

Space Rock

Nuno Miguel Penedo

ZX Spectrum

2008

Escola de Magia de Lisboa

Sofia Ester Pereira Reis

Browser

2008

Tugalândia

Nuno Ricardo Fatela

Flash

2008

Atomik Kaos

Vortix Games

Flash

2008

Tech Wars

Vortix Games

Flash

2008

Touch my Neon Balls

Vortix Games

Flash

2008

Tugalândia

Nuno Fatela

Flash

2008

Clock Tiles

After You

Flash

2008

Popota Superstar

Biodroid

Mobile

2008

Let's Play Pet Hospitals

Biodroid

Nintendo DS

2008

Toy Shop

Seed Studios / Gameinvest

Nintendo DS

2008

ABC Cubes: Teddy's Playground

BlitPop

Windows

2008

Alexandra Fortune: Mystery...

BlitPop

Windows

2008

Enigma 7

Camel / Gameinvest

Windows

2008

Hospital Hustle

Gameinvest / Blueshark Studios

Windows

2008

Geometry Friends

José Rocha, Samuel Mascarenhas

Windows

2008

Attached!

Nuno Monteiro, André Almeida, Miguel Barreiro

Windows

2008

Farmer Jane

RTS

Windows

2008

Balloon Bliss

Vortix Games

Windows

2008

Quebra-cabeças

Jorge Soares

ZX Spectrum

2009

Orion’s Belt 2

PDM & FC

Browser

2009

Supersorrisos 1

Biodroid

Flash

2009

ABC Cubes: Teddy's Playground

BlitPop

Flash

2009

Bullet Drive

Bullet Drive

Flash

2009

Noid

David Duarte

Flash

2009

Menina dos Fósforos

Joana Pinho

Flash

2009

PICMA - Picture Enigmas

Moonberry Studios

Flash

2009

Atomik Kaos 2 Orbits

Vortix Games

Flash

2009

Lucy Swashbuckler Mystery Masks

Vortix Games

Flash

2009

Enerfixe

Ydreams

Flash

2009

Simple Sliding Puzzle

Nuno Fatela

Flash

2009

My Coffe Shop

Nuno Fatela

Flash

2009

Campaign Tour

Nuno Fatela

Flash

2009

Beach House

Nuno Fatela

Flash

2009

City Traffic

Nuno Fatela

Flash

2009

The Gingerbread Factory

Moonberry Studios

Flash

2009

Diferenças

After You

Flash

2009

Puzzle Time

After You

Flash

2009

Reflex

After You

Flash

2009

iStunt Reloaded

André Almeida

iOS

2009

Miniheli

David Duarte

iOS

2009

Banzai - Ninja Sports Lite

João Caxaria e Nuno Monteiro

iOS

2009

Atlas!

João Fernandes, Bruno Loureiro, Carlos Saraiva

PC/Xbox (XNA)

2009

Hysteria Hospital: Emergency Ward

Gameinvest / Blueshark Studios

Wii, DS, Windows

2009

Amazing Seaworld

BlitPop

Windows

2009

Grace's Quest: To Catch an Art Thief

BlitPop

Windows

2009

Lost City of Aquatica

Camel101

Windows

2009

Defenders of Law: The Rosendale File

Gameinvest

Windows

2009

Dr. Wise: Medical Mysteries

Gameinvest

Windows

2009

World of Zellians

Gameinvest

Windows

2009

Mass Combat Vector

João Cabeleira

Windows

2009

Snake Defender

Ruben Simões, António Soares, Marco Rodrigues

Windows

2009

Jogo Plataformas Weber

Luís Mouta e João Laranjeiro

Windows

2009

Jogo Tetris Weber

Luís Mouta e João Laranjeiro

Windows

2009

SimKids

ZPX

Windows

2009

Tikibar

Camel101

Windows / Mac

2009

Creepy Escape

João Cabeleira, R. Mendes e F. Benevides

Windows

2009

Captain Mhytra - And The Ultimate...

D. Simões, F. Baião, S. Traquina e R. Silva

Flash

2010

Ball Manager

Planetarium Games

Browser

2010

Bomb Express

DJomba

Facebook

2010

PLAYER

UTAD

Facebook

2010

Supersorrisos 2

Biodroid

Flash

2010

Aldeia Simplex

Blueshark Studios / After You

Flash

2010

Fátima

J. Sobral, L. L. Pereira, M. Maia, P. Santa

Flash

2010

Cloudy with Occasional Presents

Moonberry Studios

Flash

2010

The Honey Path

Nuno R. Fatela, Samuel Tinoco

Flash

2010

Bodyboard Soul Rider

Nuno R. Fatela, Samuel Tinoco

Flash

2010

Freeway Fury

Vasco Freitas

Flash

2010

G-Switch

Vasco Freitas

Flash

2010

Daily Picma

Moonberry Studios

Flash

2010

Postal Delivery

Nuno Fatela

Flash

2010

Flipping Fantastic

Moonberry Studios

Flash

2010

Gembinder

Moonberry Studios

Flash

2010

Billabong Surf Trip

Biodroid

iOS

2010

GravityGuy

Miniclip

iOS

2010

Smuggi

TecField

iOS

2010

Tap Ball

TecField

iOS & Android

2010

Pinball Yeah

Coderunners

iOS, Win e Mac

2010

Orange Game

ZPX

iOS, Windows Phone 7

2010

iSwivel

Antonio Silva

iPhone

2010

Dropoly

Inovaworks

iPhone

2010

Bisca

FloatStudio

Mobile (multiplayer)

2010

Float Chess

FloatStudio

Mobile (multiplayer)

2010

Sueca

FloatStudio

Mobile (multiplayer)

2010

Jantes em Brasa

Biodroid

Online

2010

Planeta BES

Biodroid

Online

2010

Miffy’s World

Biodroid

Wii / DS

2010

Panda e os seus Amigos

BlitPop

Windows

2010

Euroskills

Blueshark Studios

Windows

2010

Fusebox

Diogo Barbosa, Joana Pinho, Francisco Araújo;

Windows

2010

The UnDad: Because brain matters

J. Oliveira, D. Lucas, D. Mendes, P. Figueiredo

Windows

2010

Déjà Vu

C. Fraga, G. Fernandes, T. Ribeiro, R. Santos...

Windows

2010

Witch Doctor

Henrique Figueiredo, Nuno Moreira, Bruno Melo

Windows

2010

Lagoon Crossing

João Cabeleira, Marco Santos, Hugo Antunes

Windows

2010

Grim Business

R. Dias, A. Veiga, P. Sousa, A. Painha

Windows

2010

Mall-a-Palooza

RTS

Windows

2010

The Crop Circles Mystery

RTS

Windows

2010

Xinky's World

Tiago Garrochinho, J. Edmundo...

Windows

2010

Vizati

DifferentPixel

Windows & iOS

2010

Balling Mind

Andreas Vilela

Windows Phone 7

2010

Kill the Duck

Andreas Vilela

Windows Phone 7

2010

Samarium Wars

Flying Turtle

Windows Phone 7

2010

Puzzle Jumble

ZPX

Windows Phone 7

2011

Poxel

Luís Torrão

Android

2011

Contamination

Telmo Amaro

Android

2011

Return Zero

WeCameFromMars

Android

2011

Rural Value

Biodroid / IST

Facebook

2011

MyVillage

Novabase

Facebook

2011

Gem Poppers

Battlesheep

Flash

2011

Jewel Shot

Battlesheep

Flash

2011

Sports Challenge: Free Throw Frenzy

Battlesheep

Flash

2011

Tzolkin

David Duarte e João Vinagre

Flash

2011

Heart Breakerz

Divyati Games

Flash

2011

Luminous Symphony 1.1

Moonberry Studios

Flash

2011

Picma Squared

Moonberry Studios

Flash

2011

Computer Defense

Nuno Ricardo Fatela/João Albuquerque

Flash

2011

3xPASSE

Seed Studios, Vortix Games e After You

Flash

2011

Freeway Fury 2

Vasco Freitas

Flash

2011

Key Krusher

Vasco Freitas

Flash

2011

Hajime

Vortix Games

Flash

2011

The Adventures of Dear Explorer

Vortix Games

Flash

2011

Melody Maker

After You

Flash

2011

Ca'crise Moço

No3xit

Flash

2011

Cristiano Ronaldo Freestyle

Biodroid

iOS

2011

Box Up

BlitPop

iOS

2011

Crates: Night Shift

BlitPop

iOS

2011

Teddy's Playground

BlitPop

iOS

2011

Turtle Island

BlitPop

iOS

2011

Panic Plane

Castaway Studios

iOS

2011

Anadea

DifferentPixel

iOS

2011

Moustachos

Kinetics Game Studio

iOS

2011

Fragger

Miniclip

iOS

2011

iStunt 2

Miniclip

iOS

2011

Mini Pets

Miniclip

iOS

2011

Monster Island

Miniclip

iOS

2011

PhittyFunWords

Phit - Tecnologias Moveis LDA

iOS

2011

Kamikaze Bird

reality6

iOS

2011

Magic Defenders

Ricardo Graça e Manuel Costa

iOS

2011

Aquapark iOS

RTS

iOS

2011

R3: Ridiculous Road Racing

Seed Studios

iOS

2011

Icarus Sky

Sergio Flores

iOS

2011

Splash Ball

Sergio Flores

iOS

2011

Sushi Quest

Sergio Flores

iOS

2011

Colourama

Telmo Amaro

iOS

2011

StringZ

Wingz Studio

iOS

2011

Parashoot

WeCameFromMars

iOS, Android, Online

2011

Flying Nexus III

FloatStudio

Mobile

2011

City ON

Biodroid

Online

2011

Under Siege

Seed Studios

Playstation 3

2011

Echoes of Sorrow

BlitPop

Windows

2011

Epic Escapes: Dark Seas

Camel101

Windows

2011

Paranormal Crime Investigation

Gameinvest

Windows

2011

The Dream Mysteries - Case Red Fox

Gameinvest / Blueshark Studio

Windows / Mac

2011

AntsSurvive

Andreas Vilela

Windows Phone 7

2011

Kill the Duck: Town Invaders

Andreas Vilela, Jessica Simoes, Fabio Santos

Windows Phone 7

2011

Pirates Assault

Dagari Studios

Windows Phone 7

2011

Kill the Enemy

Diogo Rocha

Windows Phone 7

2011

Jumping Jack

ZPX

Windows Phone 7

2011

Think Fast

ZPX

Windows Phone 7

2011

Kill the Duck: Carnival Edition

Andreas Vilela

Windows Phone 7

2011

Murky Shooting

João Cordeiro

Flash

2011

Missão Cavaco

Pedro Nogueira

Flash

2012

MegaRamp

Biodroid

Android e iOS

2012

Bitclubs

Planetarium Games

Browser

2012

Ca'Pingo Moço

No3xit

Facebook

2012

Food Flinger

Battlesheep

Flash

2012

Goat Kart Racer

Battlesheep

Flash

2012

Over the Moon

Battlesheep

Flash

2012

Sunset Flavors

Battlesheep

Flash

2012

Feed the Dragon

Miniclip

iOS

2012

Hambo

Miniclip

iOS

2012

Monster Island

Miniclip

iOS

2012

Manic Math

Paulo Carrasco

iOS

2012

A Walk in the Dark

Flying Turtle Software

Windows