Tratado de direito comercial brasileiro - Vol. 2 - Dos comerciantes e dos auxiliares dos comerciantes [2, 6ª ed.]

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TRATADO DE

OIRflTO

COMfRCIAl

BHASILflRO

POR

,

JOSE XAVIER CARVALHO DE MEHDOHÇA ADVOGADO 6.ª EDIÇÃO POSTA EM DIA

POR ROBERTO CARVALHO DE MENDONÇA VOLUME

II

Livro 1

DOS COMERCIANTES E SEUS AUXILIARES PARTE I

DOS COMERCIANTES EM GERAL PARTE II

DOS AUXILIARES DOS COMERCIANTES

1Jo'lania, RIO DE JANElRO Lar110 da Carioca

• 1'leitas Bastas s/a. slo

1957

PAULO ,

R. 15 de NoTembro, 61/68

Todos os exemplares são numerados.

M

508

Advertência da 2.ª Edição

As alterações, supressões e adições que se encontram nesta edição do clássico Tratado de Direito Comercial Brasileiro, são do próprio autor no exemplar do seu uso. O que é dos organizadores da edição é somente o trabalho de pôr em dia com a legislação, a obra do eminente jurisconsulto. São as anotações sob asteriscos. Rio, setembro de 1953.

ACCHILES BEVILÁQUA RoBERTO CARVALHO DE MENDONÇA

O

Tratado de Direito Comercial Brasileiro I

Quando, em 1928, José Xavier CARVALHO DE MENDONÇA publicou o último volume, o undécimo, do seu Tratado de Direito Comercial Brasileiro, o mundo jurídico do pais, no Rio, em São Pauw, no Recife, no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Espírito Santo, em Minas Gerais, ergueuse para saudar a obra extraordinária e homenagear o seu insigne autor (1), que ficara dezoito anos na forja, de 1910, quando apareceu o primeiro volume, a 1928, quando as vitrinas das livrarias, jubilosas, expuseram o último. Fôra, realmente, um acontecimento nacional a conclusão dêsse vasto empreendimento, para cuja realização se associaram, em íntima comunhão, forte zêlo patriótico e amor intenso ao Direito. Nas Palavras Finais do VI volume, Parte III, MENDONÇA caracteriza o seu Tratado como obra nacional elaboborada em nosso meio e para o nosso meio. E, no discurso proferido no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, desta cidade, na sessão de 16 de agôsto de 1928, acrescentou:

é um livro de consciência, liberto de preconceitos e expurgado de todo o subjetivismo jurídico. Nessas duas afirmações, que brotaram espont formando dois volumes, o primeiro dos quais consagrou o. jurisconsulto editor à exposição da história do comércio.

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J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

E sendo a prinieira exposiçã.o metódica do Direito Comercial Brasileirn, tendo de vencer grm.:es dificuldades para sistematizar êsse ramo o'o Direito. o Tratado de CARVALHO DE MENDONÇA, não foi superado pelos que vieram depois, quer no escrúpulo em mendonar tudo que se publicou, entre nós, quer na preocupação de pôr o seu trabalho em dia com a ciência do tempo, e, ainda, na forma límpida e escorreita. Sistematizando o nosso Direito Comercial, MENDONÇA criou a doutrina do Direito Comercial Brasileiro, que se reflete, no seu Tratado, com nitidez admirável por ser extraída de elementos muitas vêzes incongruentes, e acentuada- feição própria, que é a expressão da individualidade do autor emergindo do meio jurídico brasileiro . Rio de Janeiro, 28 de julho de 1933. CLÓVIS BEVILÁQUA.

Livro Segundo Dos comerciantes e seus auxiliares Sumário:

-

1.

Objeto

do

livro

segundo.

1. O livro segundo do presente tratado se destina especialmente às pessoas em Direito Comercial. É a disciplina jurídica da profissão mercantil que vai ser estudada. Para ordenar a exposição da matéria, êste livro subdividir-se-á em três partes, ocupando-se: a primeira dos comerciantes em geral; a segunda dos auxiliares dos comerciantes; e a terceira das sociedades comerciais.

PARTE

I

Dos comerciantes em geral TiTULO I Das noções fundamentais e do sistema legislativo pátrio Sumário: 2. O Código Comercial destinou o primeiro lugar à pessoa do comerciante. Razão de ordem.

2. O Código Comercial, na coordenação das suas normas, destinou o primeiro lugar à pessoa do comerciante. O plano apreciado làgicamente não merece censura. A pessoa é o primeiro elemento gerador de tôda relação de direito. Com o escopo de pautar a disciplina legal da profissão mercantil, o Código, preliminarmente, pôs em relêvo, tal c_on:o concebeu, a feição jurídica dos que exercem essa proflssao, estabelecendo os extremos substanciais que identüicam o comerciante, por outra, declarando quais os elementos formadores da qualidade de comerciante. Dizemos qualidade de comerciante e não estado de comerciante (como fazem alguns escritores) para respeitar a expressão técnica, adotada pela nossa legislação (regulamento n. 737, art. 18). Trata-se de fixar as condições que caracterizam, nas relações jurídicas, aquêle que emprega a sua atividade no comércio, seguindo uma profissão, para cujo exercício a lei, no interêsse geral, impôs regras e preceitos especiais. Se, no uso comum de falar, a frase estado de comerciante é própria para designar a profissão daquele que exerce a indústria mercantil ( 1) , não sôa bem na linguagem jurídica, que reserva a palavra estado para exprimir as qualidades inerentes à pessoa, excluídos os qualificativos (1) Veja-se FREI FRANCISCO DE S. LUtS, Ensaio sôbre alguns sinônimos da língua portuguêsa, vol. 2, pág. 93.

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que esta, por ventura, tenha em razão da sua ocupação ou emprêgo (2).

Antes, porém, de estudar os nossos princípios legislativos sôbre a qualificação jurídica de comerciante, apreciaremos, brevemente, os sistemas principais sôbre êsse assunto. Tal será o objeto do capítulo I dêste título. No Capítulo II diremos, em particular, do sistema adotado pelo Código. CAPÍTULO I Dos sistemas para a determinação da qualidade jurídica de comerciante Sumário: 3. Sistemas. - 4. O francês. 5. O espanhol de 1829. 6. O de MUNZINGER. 7. O do Código alemão de 1897.

3. Na qualificação jurídica de comerciante notam-se os seguintes sistemas, que podem servir de tipo: l.º)

o sistema do Código francês;

2. 0 )

o sistema do Código espanhol de 1829;

3.º)

o sistema de MUNZINGER;

4. 0 )

o sistema do Código alemão de 1897.

4. O sistema francês caracteriza a qualidade de comerciante pelo exercício habitual e profissional de atos de comércio. As sociedades comerciais necessitam ter, porém, os seus contratos institucionais arquivados ou inscritos no registo do comércio . Além do Código Comercial francês, adotam êsse sistema os Códigos belga (arts. 1.º e 10), holandês (art. 2. 0 ), italiano (2) TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, art. 408, nota 100; RIBAS, Direito civil brasileiro, vol. 2. 0 , pág. 47; SAVIGNY, Sistema dei diritto romano attucile, trad. SCIALOJA, vol. 2. 0 , apêndice VI, à pág. 439 e segs.; PLANIOL, Traité de droit civil, vol. I. 0 , n. 401 . CLóVTS BEVILÃQUA define o estado das pessoas o se11 modo particular de existir (Teoria geral do direito civil, § 7. 0 , pág. 92).

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(art. 8. 0 ), austríaco (art. l.º), húngaro (art. 3.º) e português de 1888 (art. 13). Um grupo dêsses códigos estabelece a obrigação do registo de firma, com sanção mais ou menos extensa, como o austríaco (arts. 12 a 14), o húngaro (art. 16) e o português (arts. 26, 45 e segs.). A exigência do registo da firma não influi, porém, sôbre os elementos característicos da qualidade de comerciante. 5. O Código Comercial espanhol de 1829 dispunha, no art. 1.º: "Se reputan en derecho comerciantes, los que, teniendo capacidad legal para ejercer el comércio, se han inscrito en la matricula de comerciantes, y tienen por ocupación habitual y ordinaria el tráfico mercantil, fundado en el su estado político", acrescentando, no art. 11: "Toda persona que se dedique al comercio está obligada a inscribirse en la matricula de comerciantes de la província ... ". Acompanharam o Código espanhol de 1829 os de Costa Rica (art. 1.º), Uruguai (art. 22) e Equador, dispondo êste, no art. 22: "Tôda persona que quiera ejercer el comércio se hará inscribir en el registro dei cantón". Conforme êsse sistema, a qualidade jurídica de comerciante caracteriza-se por dois elementos: a matrícula e o exercício profissional de atos de comércio. Era êsse o sistema adotado, também, nos textos do Código Comercial português de 1833, que, no art. 4. 0 , declarava: "Todavia para que as operações, atos e obrigações ativas e passivas do que exerce comércio sejam reguladas e protegidas pela lei comercial, e necessário que aquêle que intenta ser comerciante se matricule no Tribunal do Comércio de seu domicílio" ( 1) . 6. MUNZINGER abriu o seu projeto de Código Comercial suíço, de 1864, com a seguinte disposição: "Est réputé commerçant quiconque est inscrit comme tel ou tenu de (1) Na prática assim não se entendeu, tal como entre nós. Veja-se FORJAZ SAMPAIO, Anotações do Código de Comércio português, 2.ª ed .. págs.

3 e 5.

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s'inscrire au registre du commerce", justificando-a nestes têrmos: "Antes de tudo, é reputado comerciante quem se acha inscrito como tal no registo do comércio, e desde que existe a inscrição, não há necessidade de indagar se a pessoa inscrita devia efetivamente figurar no registo. A inscrição é por si só decisiva e dispensa investigação. Essa definição, baseada em fato material de fácil verificação, oferece fundamento certo e seguro. O comerciante, que negocia a crédito, ou que empreende relações comerciais, pode, consultando o registo oficial do comércio, informar-se, com certeza, segurança e rapidez, se aquêle com quem trata é ou não comerciante. R e s u 1ta r á daí, naturalmente, que os comerciantes procurarão negociar somente com pessoas inscritas, e, portanto, todo comerciante que desejar ter crédito, inscreverse-á no registo, sem necessidade de odiosas penas. O comerciante, desde que se trata de seus interêsses, não precisa inquirir do legislador o caminho a seguir; em geral, conhece-o melhor que ninguém. O nosso sistema evita, em grande parte, as discussões diàriamente levantadas nos tribunais francêses e alemães sôbre a definição de comerciante . A definição doutrinal não conseguirá determinar e fixar a noção de comerciante, porque esta noção é em si indecisa e vacilante; a nossa definição extrínseca é muito mais segura, porque faz derivar de um fato explícito, a inscrição no registo, a qualidade de comerciante. É verdade que o registo do comércio, não obstante público, só é conhecido na Suíça. O comerciante estrangeiro que desejar relações comerciais em nosso país, poderá mandar consultar êste registo por seu correspondente suíço, a fim de saber se a pessoa designada está inscrita. No sistema da lei alemã, êle deverá consultar também um jurisconsulto e ainda não estará seguro do seu negócio . > Considerando negociante, como dissemos, todo aquêle que se inscrever no registo do comércio, mesmo no caso em que esta inscrição materialmente não devesse ser feita, o nosso projeto não prejudica a pessoa inscrita, que se apresentou voluntàriamente, nem a terceiros.

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Questão além dessa, entretanto, é saber se o Juiz deve reputar comerciante aquêle que sendo, na verdade, obrigado a se inscrever, deixou de fazê-lo.

O projeto resolve afirmativamente a questão. Com efeito, deve permitir-se ao negociante negligente ou àquele que procura evitar a publicidade da inscrição para pescar em águas turvas, colocar-se fora das disposições da lei? Deve ficar ao seu arbítrio fugir à lei comercial, deixar de fazer o que se exige dos comerciantes? Estamos certos que tais casos só raramente se apresentariam, mas, nem por isso, a autoridade da lei e o respeito que lhe é devido perderiam a fôrça. Se, por exemplo, a pessoa obrigada a inscrever-se, sem cumprir êste dever, outorga uma procuração, o importante princípio consagrado no art. 29, em virtude do qual a procuração mercantil é ilimitada, deve ser aplicado, e o constituinte não se pode prevalecer, relativamente a terceiros, das restrições da sua procuração. Assim também, se os sócios em nome coletivo não registam a sociedade, como são obrigados, esta nem por isso deixa de ser considerada sociedade comercial e pessoa comerciante. Ainda, se, durante a sociedade, um sócio se retira, aplicam-se ao caso as disposições dos arts. 8. 0 e 10, relativas à averbação das mudanças, de modo que, faltando esta, a sociedade não pode opor a terceiro a retirada do sócio, a menos que prove que êste terceiro tinha conhecimento do fato. Enfim, a mesma regra deve também ser seguida, quando se trata da escrituração do~ livr~s e da falência. Todos convêm em que o estado de falido nao pode ser subordinado à condição de o devedor ter cumprido a obrigação de se inscrever no registo do comércio. Por conseguinte, o projeto considera comerciante e declara tal, não só o que está inscrito no registo, mas ainda aquêle que é obrigado a se inscrever. Esta segunda parte da nossa definição, deduzida da obrigação de se inscrever, não tem menos que a primeira caráter extrínseco, porque resulta igualmente de um fato

complexo, é verdade, porém material, a exploração de certas emprêsas cuja natureza reveste o empresário da qualidade de comerciante" ( t) . ( 1) Motifs du projet de Code de Commerce suisse, trad. de MARC DUFRAISE, Zurich, págs. 23 a 26.

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A Suíça, como se sabe, não adotou o Código de Comércio, organizando, em 1881, o Código Federal das Obrigações.

Neste Código foi instituído o registo do comércio (art. 859), de caráter obrigatório e, ao mesmo tempo, facultativo. Obrigatório: a) a todos os que, individualmente, exercem ou exploram emprêsas comerciais ou industriais (art. 865); b) às sociedades em nome coletivo (art. 552), em comandita (art. 590) e anônimas (art. 621) e às associações tendo um fim econômico ou financeiro (art. 678).

Tôdas as pessoas e sociedades obrigadas à inscrição têm, pelo gênero de seus negócios e pela própria natureza, o caráter de comerciantes. Entretanto, a inscrição, que para as sociedades é condição vital, não exerce influência sôbre o caráter comercial ou não comercial das pessoas a ela obrigadas (1). Facultativo a qualquer pessoa capaz de se obrigar por contrato e às sociedades que tiverem fins científicos, religiosos, beneficentes, etc., com o intuito de gozarem o direito exclusivo da firma e ficarem sujeitas às regras especiais do processo em matéria de letras de câmbio, e à falência.

Essa inscrição facultativa não confere a qualidade de comerciante a quem não a tem realmente; procura facilitar e garantir o crédito de quem se inscreve. O comerciante deve, o não comerciante pode inscrever-se, mas êste último, inscrevendo-se, não passa para a classe dos comerciantes, explica ROSSEL; a inscrição produz para o não comerciante tão somente certas conseqüências (2). O legislador helvécio não fêz da inscrição a base da distinção legal entre comerciantes e não comerciantes, escreve outro jurista suíço; respeitou esta distinção de fato e obrigou a registo unicamente as pessoas e sociedades, que, em virtude ( l) HENRI LE FORT, Régistre du commerce et raisons de commerce, Génova, 1884, pág. 29. (2) . Droil fédéral des obligations, 2.ª ed., n. 1.075.

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do gênero de negócios, deviam forcosamente ser consideradas comerciantes ( 1). , O Código Federal Suíço das Obrigações, aproveitando as idéias de MUNZINGER (que, aliás, tinham a fonte na legislação das antigas cidades suíças e alemães), modificou-as um pouco, como se vê da exposição que acabamos de fazer. O registo que êste Código criou não foi reservado aos comerciantes; nêle podem matricular-se, como dissemos, todos os que gozam capacidade contratual. Aquêle Código, em razão do seu caráter unificador, disciplina tanto os contratos civis como os comerciais. Não fixa distinção entre êles, nem mesmo observa formal e claramente a separação entre comerciantes e não comerciantes. HENRI LE FORT resume nestes têrmos a doutrina do Códig·o Federal Suíço: "O fato da inscrição, quer obrigatória, quer facultativa, no registo do comércio, não exerce influência sôbre o caráter comercial ou não comercial das pessoas e sociedades inscritas. A obrigação de se inscrever é imposta sómente às sociedades e pessoas comerciantes por sua natureza e gênero de seus negócios. ''.

A inscrição voluntária não tem por efeito conferir às pessoas e às sociedades, que se aproveitam dessa faculdade, a qualidade de comerciantes. A lei determina em casos particulares as conseqüências da inscrição quanto aos direitos e obrigações das pessoas e quanto à personalidade civil das sociedades inscritas. Ela não confere a essa inscrição uma só conseqüência, nem a estabelece como base da distinção dos comerciantes e dos não comerciantes. Enfim, o registo do comércio não é destinado ao comércio sómente, no sentido restrito dado habitualmente a essa palavra, e teria sido mais exatamente chamado: registo das

inscrições oficiais" (2) . Diferentes são o sistema de MUNZINGER, no projeto do Código Comercial, e do Código Federal das Obrigações. O (1) HENRI LE FORT, Obra citada, pág. 29. (2) Régistre du commerce et raisons de commerce, pág. 35. Conf. VIRGILE ROSSEL, Droit fédéral deJ ohligatio11s, 2.ª ed., n. 1.075. :~ Em nota acrescenta HENRI LE FORT: "Tandis que le texte français porte "raison ele commerce", et "registre d11 commerce", le texte allemand emploie deux mots différents: Geschiifts - Firmen et II andeis - Register".

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dêste último não pode servir de tipo para um código de comércio, como aliás asseveraram diversos escritores sem se lembrarem de que na Suíça não há legislação especial para os comerciantes . 7. O Código alemão de 1897, adotando o sistema subjetivo (veja-se o n. 5 do 1.0 vol., 2.ª ed.), estabelece duas classes de comerciantes: a primeira compreende aquêles que exercem a profissão mercantil, reputando-se tal o exercício da indústria dos atos enumerados no parág. 1.º; a segunda abrange as pessoas que, explorando emprêsa com objeto diverso dos especificados no parág. 1.0 , para lhe imprimir a organização comercial indispensável em virtude da sua natureza e extensão (Art und Umfang), inscrevem a firma no registo do comércio (parág. 2. 0 ) .

A pessoa que compra para revender bens móveis ou títulos, as emprêsas de manufatura e de transportes, os bancos, etc., são comerciantes por disposição do Código Kaufleute kraft Gezetzes, chama-os COSACK ( 1) . Aquêles que con1pram imóveis para revender ou que exploram minas, os empresários de inf armações públicas, de espetáculos públicos, de ensino de línguas, ·etc., atos que se não acham enumerados no § 1.º do Código, podem tornar-se comerciantes, inscrevendo a firma no registo do comércio · São comerciantes voluntários, ou como diz COSACK, por fôrça_ da insc1ição no registo: Kaufleute kraft Eintrangung im Ílandel.sregister (2) .

CAP1TULO II Do sistema do Código Comercial Brasileiro Sumário: - 8. O sistema do Código Comercial e suas atenuações. 9. Quem se reputa comerciante. 10. Siaonímia legal da palavra comerdante. 11. Expressões para designarem espccialirtades profissionais.

8. O nosso Código Comercial inspirou-se nos códigos espanhol de 1829 e português de 1833, apresentando-se como (l)

(2)

Lehrbuch des H andelsrechts, 6. ª ed., pág. 21 . Obra citada, pág. 25.

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uma lei de classe, o Código dos comerciantes. Já dissemos como dêste sistema subjetivo êle resvalou para o misto (veja-se o n. 40 do 1:i volume, 2. 8 edição). Leis subseqüentes ao Código tiraram o prestígio da matrícula, acabando, dêsse modo, com a distinção acentuada entre comerciantes de direito e comerciantes de fato.

Mais tarde, instituiu-se o registo das firmas com caráter facultativo ( I) . Nem a matrícula nem a inscnçao da firma caracterizam a qualidade jurídica do comerciante; quando muito, autorizam uma simples presunção. A pessoa que tem a firma registada ou que se matricula na junta comercial é comerciante aparente ou putativo. Somente o exercício profissional da mercancia lhe imprime o verdadeiro caráter de comerciante (*). 9. O Código não deu definição precisa do comerciante; contentou-se com declarar as condições necessárias para ser caracterizada ou reconhecida juridicamente essa qualidade. São reputados comerciantes: 1. 0 ) Os indivíduos que, no gôzo da capacidade jurídica, fazem da mercancia profissão habitual; por outra, os que praticam habitual e profissionalmente atos de comércio prõpriamente ditos, por natureza, atos que se relacionam com o ramo da atividade econômica: o comércio (**).

2. 0 ) As sociedades comerciais, pessoas jurídicas constituídas especialmente para o exercício do comércio. Essa noção tem o seu fundamento no art. 4. 0 do Código Comercial, com as modificações por que passou, na teoria dos (1) Dec. n. 916. de 24 de outubro de 1890. (•) Aqui acrescentou o autor, no exemplar que usava: "Fique pois assentado que para su comerciante nenhum requisito formal se exige". (.,.) O autor acrescentou: "Somente êsses atos são idôneos para constiJuir 11ma profissão habitual".

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atos de comércio, que ficou explicada no livro primeiro dêste tratado, e está de acôrdo com a doutrina (1) (*). 10. Mercador era o têrmo genérico empregado em nosso antigo Direito para designar o comerciante (2). H amem de negócio ou negociante era o mercador que gozava dos privilégios conferidos à profissão mercantil (3) . '(~~t.

···o

Essa distinção entre mercador e negociante, desde tempo de SCACCIA era fragilíssima: "negotiatio et mercatura, seu negotiari et mercari sicque negotoator et et mercator videntur unum et idem".

O Código Comercial português de 1833, que serviu de modêlo ao nosso, distinguia, sutilmente, comerciante, negociante e mercador-comerciante, palavra genérica, compreendia o negociante e o mercador (art. 35); negociante significa( 1) Alguns Códigos declaram comerciantes as sociedades comerciais, como: Cód. Com. italiano, art. 8.ª: "São comerciantes os que exercitam atos de comércio por profissão habitual e as sociedade.~ comerciais". Cód. Com. português de 1888, art. 13: "São comerciantes: 1. 0 ) as pessoas que, tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem dêste profissão; 2.º) as sociedades comerciais". Outros Códigos limitam-se a dizer que as disposições relativas aos comerciantes aplicam-se às sociedades comerciais. Códs. Coms. húngaro, art. 4.º; austríaco, art. 5. 0 ; romeno, art. 7. 0 ; espanhol, art. t. 0 ; mexicano, art. 3. 0 ; alemão, art. 6. 0 • Que na palavra genérica comerciante o nosso Código compreendeu as sociedades comerciais prm•a-se com as disposições dos arts. 10, 22, 797 e muitas outras. A lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908 ( * *) nos arts. 1.º e 2.º última alínea, e em muitos outros, compreende as sociedades comerciais sob a designação de comerciantes. (2) Ord. Iiv. 4, títs. 33 e 67 § 8. 0 • ( ,, ) O autor suprimiu, neste período, o trecho a partir da palavra - passou. ( ,, ·~) id. no Decreto-lei 7. 661 de 21-6-1945. (3) Carta de Lei de 30 de agôsto de 1770, § 3. 0 ; VISCONDE CAIRU, princípios de direito mercantil, ed. CÂNDIDO MENDES, vol. 2. 0 , pág. 511: FERREIRA BORGES, Dicionário jurídico comercial, verb. Negociante. ~tes privilégios eram concedidos com o fim de promover o comércio e consistiam principalmente em a nobreza, a fé que inspiravam os livros e o benefício dos falidos. PEREIRA E SOUSA, Dicionârio jurídico, verb. Negociante. . . , . . . . . . . d. No direito estatutano 1ta1iano mercator m 1cava o comerciante mscnto na corporação e negotintor o negociante de fato sem essa inscrição. LATIES, li diritto 11e/la legislazione statutaria, pág. 81.

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va restritamente o que professava o comércio externo (art. 36); mercador o que limHava o seu trato e mercancia ao Reino (art. 93). O nosso Código isso evitou, empregando sempre a palavra genérica cornerciante, para des1gnar os que exercem a profissão comercial. Quando se serviu, aliás raramente, do vocábulo negociante foi como sinônimo de comerciante (artigos 7 e 909). Houve quem no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros dissesse que: "a nossa legislação comercial, quando trata do comerciante matriculado, usa simplesmente da expressão comerciante, enquanto que, quando se refere ao comerciante não matriculado, usa da expressão negociante" ( 1) . O art. 7.° do Código refere-se a negociante matriculado, e isso basta para derrocar a distinção assinalada (2). Para designar especialidades da profissão mercantil, as leis empregam as palavras: banqueiro (Cód. Com., art. 119), trapicheiros (Cód. Com., art. 87), fabricantes (hoje em desuso, dec. legisl. n. 2.682, de 23 de outubro de 1875; Dec. n. 4.697, de 12 de dezembro de 1902), industriais (dec. legisl. n. 3.346, de 14 de outubro de 1887) comissários (Cód. Com., art. 155), armadores (Cód.. Com., art. 484), importadores e exportadores (usadas especialmente nas leis aduaneiras e em outras, como a de n. 1.185, de 11 de junho de 1904, art. 3. 0 ) , droguistas (dec. n. 2.485, de 10 de fevereiro de 1897, art. 56), comerciantes ambulantes (lei n. 2.024, de 1908, art. 7. 0 ) , comerciantes de retalho e em grosso (Cód.. Com., arts. 12 e 191, parte 2.ª, etc.). 11 .

Essas denominações particulares não têm valor jurídico perceptível. Todos os comerciantes são caracterizados pelos ine:3mos princípios e submetidos às mesmas obrigações. ( 1) Revista do Instituto, vol. 4. 0 • pág. 124. ( 2) Em nossa lexicografia encontramos: tratante significando propnamcnte o que trata, o que se emprega no trato, no sentido de comércio, negócio, trâf ico de mercadorias. Atualmente se tem em mau sentido; é ql!ase sinônimo de traficante; diz-se dos que fazem negócio com dolo e fraude. (FERREIRA BORGES, Dicionário jurídico, verb. Tratante). Chatim, palavra de origem asiática, designando o negociante astuto, talvez de pouca importância, que confia mais na esperteza do que na lisura do trato e valia dos seus cabedais.

J. X. CARVALHO DE MENDONÇA

A distinção entre o grande e o pequeno comerciante (negociante por menor) é mais apreciável para certos efeitos, aliás restritos, sôbre os quais falaremos oportunamente (1) (*).

(1) Veja-se Regul. n. 738, de 1850, art. 15. Dec. n. 596, de 19 de julho

poder marital e da ausente. 95. A mulher casada comerciante em juizo. 96. Efeitos dos atos praticados pela mulher casada ~em a habilitação comercial. 97. Quando a mulber faz acreditar que é solteira ou se habilita por manobras ou artifícios fraudulentos.

76.

Cumpridas as formalidades expostas em o n. 60

supra, a mulher casada estâ habilitada para ser comer-

ciante. Desde então, readquire grande parte do exercício da capacidade que o casamento paralisou; está apta para praticar todos os atos que se relacionam com a profissão mercantil. Quanto aos atos civis a sua situação não se altera. ~tes continuam sujeitos ao direito comum. Aquelas formalidades são essensiais e traduzem a deliberação ou resolução por parte da mulher casada de exercer o comércio. Se o marido adquirisse ou montasse um negócio

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em nDme da mulher, independentemente dessas formalidades, ela não adquiriria a qualidade de comerciante. 77. Desde que se habilita para comerciar, a mulher casada goza as vantagens e fica sujeita às obrigações estabeleddas em geral para os comerciantes, salvo as restrições expostas em o n. ~6. 78. Note-se que não é o simples fato da habilitação comer.eia! que atribui à mulher a qualidade de comerciante; é tão-sàmente um dos elementos ou condições constitutivas dessa qualidade. Se, depois de habilitada, ela não faz da mercancia profissão habitual, não é comerciante, não goza as faculdades e os favores e não está sujeita às obrigações que a lei comercial estabelece ( 1). 79. A redação obscura e defeituosa do art. 27 do Cód. Comercial tem sido tormento para os intérpretes, ao assentarem a responsabilidade da mulher comerciante pelas obrigações originadas do comércio, e os direitos que lhe assistem para dispor de imóveis. O decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890 (lei sôbre o casamento civil), retocando a segunda parte daquela disposição (2), o decreto n. 169-A, de 19 de janeiro de 1890, art. 2.º, § 5.º, e o decreto n. 370, de 2 de maio do mesmo ano, art. 120 (leis hipotecárias), mantendo a capacidade das mulheres casadas comerciantes para a hipoteca, não solveram as dúvidas aninhadas no referido art. 27. TEIXEIRA DE FREITAS (3) e LAFAYETTE (4) ofereceram valioso contingente para a interpretação do malsinado artigo. Infelizmente, a jurisprudência dos tribunais não aplainou os embaraços, aplicando e desenvolvendo a lição dêsses mestres. A família brasileira prima pelo recato. (1) Sentenças do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de agôsto de 1947, n'O Direito, vol. 5. 0 , pág. 97; de 4 de novembro de 1847, n'O Direito, vol. 6.0 , pág. 411; e acórdão 1evisor da Relação de Pôrto Alegre, de 10 de dezembro de 1847, n'O Direito, vol. 6. 0 , pág. 431. (2 J Dec. n. 181, art. 60: "A faculdade conferida pela segunda parte êlo art. 27 do Código Comercial à mulher casada para hipotecar ou alhear 0 seu dote, é restrita às que, antes do casamento, já eram comerciantes". ( 3) Consolidação das leis civis, nota 18 ao art. 124. ( 4) Direitos de família, nota Ili, à pág. 344.

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Poucas, raras são as mulheres casadas que seguem a profissão do comércio. Quase não há espécies julgadas. 80. Como primeiro subsídio à interpretação do art. 27 do Código, devemos estudar as suas fontes. Conforme o Código Comercial francês, as mulheres comerciantes podem obrigar (engager), hipotecar e alie~ imóveis, menos os dotais, salvo nos casos expressos e mediante as formalidades do Direito Civil (art. 7.º). A mulher casada comerciante, no sistema francês, tem direito mais extenso que os menores comerciantes, os quais não podem alienar imóveis sem as formalidades do Direito Civil (art. 6.º). Os códigos espanhol de 1829 (arts. 5. 0 e 7. 0 ) e o português de 1833 (arts. 24 a 26) prescreviam: a) os bens dotais e todos os direitos em que há comunhão respondem pelas obrigações que a mulher contrair em seu tráfico; b) a mulher pode empenhar e hipotecar os seus imóveis em garantia das obrigações que, como negociante, contrair;

e) a mulher habilitada para comerciar não pode gravar ou hipotecar os imóveis próprios do marido, nem os que pertencem em comum a ambos os cônjuges, se na escritura de autorização não lhe foi conferida expressamente esta faculdade. Cotejando-se o art. 27 do Código com as disposições das suas fontes próximas, sobressaem a imperleição e a insuficiência da redação. Como as suprir? O art. 27 do Código deve ser interpretado à luz do instituto dos regímens matrimoniais e das disposições especiais das leis que o completam e explicam, sem desprezar o adminículo que as mencionadas fontes oferecem. É o que tentamos fazer apreciando-o relativamente aos três tipos fundamentais dêsses regímens:

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a)

o da comunhão;

b)

o da separação; e

e)

o dotai.

81. Regímen da Comunhán ·- No regímen da comunhão (sociedade universal) são princípios cardeais: 1.º) o que cada cônjuge traz para o casal ou adquire, a qualquer título se torna comum, e sujeito à lei da sociedade universal predominante entre marido e mulher;

2.º) as dívidas contraídas na constância do casamento pelo marido, ou pelo marido juntamente com a mulher, ou pela mulher nos casos em que legalmente pode contratar, tomam-se comuns. Marido e mulher constituem um só devedor ( I ) . 82. Se, pois, os bens dos cônjuges acham-se sujeitos ao regímen da comunhão, todos (móveis e imóveis) respondem pelas obrigações comerciais da mulher comerciante devidamente habilitada. Os têrmos do art. 27 do Código parecem dizer que os imóveis da comunhão não ficam obrigados pelas dívidas comerciais da mulher comerciante, salvo no caso de especial autorização do marido. Puro engano. Seria absurdo e injusto presumir-se vertido em proveito comum dos cônjuges o resultado das obrigações comerciais do marido, contraídas sem outorga da mulher, respondendo por elas todos os bens (móveis e imóveis) comuns, e não se adotar a mesma regra para as dividas da mulher comerciante. As razões são as mesmas nos dois casos. A dívida mercantil contraída pela mulher comerciante é dívida do marido, quando o regímen do casamento é o da comunhão: é dívida do casal. Os bens dêste, sem distinção de móveis e imóveis, respondem pelas dívidas que o oneram. O que a mulher não pode é alienar ou hipotecar os imóveis comuns sem autorização especial do marido, isto é, sem outra autorização além da necessária para exercer o comércio. Essa interpretação está de acôrdo (1)

Veja-se LAFAYETIE, Direitos de famflia,

§§ 55

e 61.

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cem as fontes do art. 27 e é adotada por TEIXEIRA DE FREITAS ( 1).

Se a mulher, ao tempo do casamento, era comerciante~ pelas dívidas então existentes respondem os bens que ela trouxe para o casal e a sua meação nos adquiridos depois do casamento (2). 83. A mulher comerciante, casada sob êsse regímen, tem direito de, para fins comerciais: a) dispor livremente dos bens móveis comuns trazidos por ela ou pelo marido para o casal ou adquiridos por qualquer dêles na constância do casamento ou pela mulher no exercício do comércio (3); b) alienar e hipotecar os imóveis do casal, obtendo especial autorização do marido, provada por escritura pública, inscrita no registo do comércio (4). Esta autorização (1) Consolidaçiió das leis cms. nota 6, ao art. 115: Comunicam-se as dívidas contraídas pela mulher. . . "quando é pelo marido autorizada ou reputa-se autorizada, como se é comerciante nos têrrnos dos arts. 1. 0 , n. 4, e 28 do Código Comercial ou se já era comerciante ao tempo do casamento, nos têrmos do art. 29 do citado Código".

(2) Ord., Liv. 4, Tít. 95, § 4. 0 • Vejam-se TEIXEIRA DE FRFIT AS, Obra citada, arts. 115 e 116, e nota 6 ao art. 115; LAFAYElTE, Direitos de família, § 62. (3) Cód. Com., art. 27, 2.ª parte; TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidarão das leis civis, nota 18 ao art. 124. Assim entendemos as palavras do art. 27, 2.ª parte: "adquiridos no seu comércio", com relação ao regímen da comunhão. Se êsses bens adquiridos no comércio são im6veis, desde o momento da aquisição, tornam-se comuns e sujeitos à lei da comunhão, prevalecendo a regra geral do art. 27. 1. ª parte, do Cód.; a mulher comerciante não pode dispor dos hens de raiz, que pertencem em comum a ambos os cônjuge

firma nomes de pessoas que não fôssem sócios comerciantes; no art. 311, prescreveu que nas sociedades em comandita houvesse pelo menos um sócio comerciante, devendo êste dar o nome à firma; no art. 318, mandou que nas sociedades de capital e indústria com firma, alguns sócios fôssem comerciantes e que somente êstes pudessem fazer parte da razão social . O decreto n. 916, de 24 de outubro de 1890, no art. 3.º,. § 1.º, dispôs que não podia fazer parte da firma da socie-

dade em nome coletivo pessoa não comerciante. Os sócios solidários nunca deixam de ser aceitos à matrícula nas juntas comerciais, quando o requerem; são reconhecidos comerciantes. Não obstante tudo isso, as idéias atuais sôbre o conceito das sociedades mercantis são outras que as de 1850, quando foi publicado o Código Comercial, e essas idéias exercem natural influência na interpretação dos textos. O direito comercial não ficou paralisado com a codificação (n. 76 do 1.0 volume, 2.ª edição). Permite-se qualquer interpretação. científica desde que não seja contrária à letra expressa, clara, evidente (n. 171, do 1.º volume, 2.ª edição). Ora, as sociedade comerciais são comerciantes, têm individualidade distinta das pessoas dos sócios, têm patrimônio social pró-prio e independente (Código Comercial, art. 350; lei n. 2.024,. de 17 de dezembro de 1908, arts. 75 e 132). É a sociedade que exerce o comércio no nome próprio, que se assina nos atos que lhe são referentes (decreto n. 916 citado, art. 2. 0 ). O sócio ou sócios gerentes são apenas os seus órgãos exteriores, usam ou empregam a firma individual dêles. É a. sociedade, formada com escopo comercial, que exerce a profissão de comerciante, que assume as obrigações impostas por lei a quem segue esta profissão. Não é o sócio obrigado a ter os livros do art. 11 do Código Comercial, a registrar a sua firma, porque firma comercial não tem, a levantar o balanço anual do seu ativo e passivo, etc. Dois são os argumentos que se invocam para provar que os sócios de responsabilidade ilimitada são comerciantes. O primeiro é responderem êles para com terceiros credores sociais, sem limitação e in solidum, por tôdas as obrigações da sociedade. A isso se replica que essa responsabilidade é uma garantia pelas operações da sociedade, e não.

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basta ser garante ou fiador solidário de um comerciante para se transformar em comerciante. O segundo é serem êsses sócios declarados fali dos conjuntamente com a sociedade (lei n. 2.024, de 1908, arts. 6 ·e 16, a). Atenda-se, porém, a que não é a impontualidade do sócio, não é a sua qualidade de comerciante que devem ser provados para a declaração da falência da sociedade, sim a impontualidade da sociedade e o seu caráter comercial. Cessando pagamentos a sociedade, o credor não pode requerer primeiramente a falência do sócio solidário; esta somente poderá ser acarretada pela falência da sociedade. A providência legislativa visa manter o crédito das sociedades, facilitando a execução coletiva dos credores sôbre os bens que lhes servem de garantia. O exímio TEIXEIRA DE FREITAS, desde o ano de 1878 (muito antes de na Itália se levantar a questão, porque foi daí que se vulgarizou a nova doutrina), dizia que ser sócio em sociedades comerciais não era ser comerciante (1). Verdade é que o mestre não partia de princípios gerais, yeio menos não deu as razões da sua opinião; mas concluunos das suas palavras que achou dificuldade em justificar a tese contrária (2). A nossa jurisprudência vai assentando que os sócios de responsabilidade ilimitada não são comerciantes (3). (I) Aditamento ao código do comércio, pág. 318. . (2) Essa questão despertou, ultimamente, o estudo de dois distintos Professôres da Faculdade de Direito de S. Paulo, o dr. GABRIEL RESENDE (Os .Yócios de uma sociedade comercial são comerciantes?), brochura de 14 págs. impressa em S. Paulo em 1903. (A mesma monografia encontra-se na Revista da Faculdade de Direito de S. Paulo, 1902, págs. 67-68), e o dr. FREDERICO STEIDEL (Os sócios de responsabilidade ilimitada de uma sociedade mercantil são comerciantes? monografia na Revista de Direito, vol. 3, pág. 269 e segs.), sustentando o primeiro que os sócios de responsabilidade ilimitada das sociedades comerciais não são comerciantes e batendo-se o segundo pela tese contrária. São trabalhos interessantes e dignos de leitura. (3) O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 15 de março de 1909, negou a declaração da falência de um comerciante matriculado, sócio solidário e gerente de uma sociedade em comandita, sob o fundamento de que êste sócio não exercia a profissão comercial individualmente, mas nos têrmos dos arts. 301 e 302 do Cód. Com. (S. Paulo Judiciário, vol. 19, pág. 360, e O Direito, vol. 110, pág. 395). A i.a Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 21 de junho de 1909, julgou no mesmo sentido (Revista de Direito, vol. 13, pág. 138). A 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 18 de outubro de 1912, também assim julgou. (Revista de Direito, vol. 27, pág. 372).

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m

Da profissão ou hábitos do exercício de atos de mercancia S•m•rto1 109. O exercfclo proílssional da mercancla. 110. A rrase profissão habitual. 111. O que 1opõe a prorIMão. 112. A pr!tlca de atos ~ lad09, acidentalg. 113. A declaração judicial oa extrajudicial não ~ prova da qualldal!~ de comerciante. 114. O mesmo assunto. 115. A aentença que reconhece a qualidade de comerciante não ~ prova absoluta desta qualidade. 116. Não E preciso que a proíiMão seja notória. t 17. A profissão pode não ser a exclusiva ocupação da pessoa, nem a principal. 118. O comerciante pode exercer a profissão por procurador 119. Presunção do efetivo exerckio do comércio. 120. A contestação sôbre a profissão como 5e decide.

109. O terceiro elemento para qualificar a qualidade jurídica de comerciante é o exercício da mercancia com Na França, a jurisprudência e a doutrina estão de acôrdo em reconhecer como comerciantes os sócios solidários, desde P ARDESSUS, Cours de droit commercial, até LYON CAEN et RENAULT, Traité de droit commercial, vol. l, n. 204, bis, e vol. 2. 0 , parte primeira, n. 163 bis, 4.ª ed.; THALLER, Traité ilémentaire de droit commercial, ns. 308, 332 e 333; PIC, Des Sociétés Commerciales, vol. 1. 0 , n. 381. Consultai também Pandectes françaises, ver. Com1nerçants, n. 402, e verb. Faillite, os. 508 a 510. Na Bélgica, a jurisprudência é no mesmo sentido, corno se pode ver em BELTIENS, Encyclopédie d11 droit commercial belge, vol. 2, Des sociétés commerciales. Na Itália, VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. 1, 5.ª ed., n. 186; BOLLAFIO, Il codice di commercio, Comentário de Verona, vol. 1, n. 111; CASTAGNOLA, Nuovo codíce dí commercio, Comentário de Turim, vol. 1. 0 , o.. 188; MANARA, Delle socíetà, vol. 1, ns. 6 e segs., e outros sustentam a mesma tese acima; em contrário, negando aos sócios de responsabilidade ilimitada o caráter de comerciantes, alistam-se VIV ANTE, Trattato di diritto commerciale, vol. 1.º, 3.ª ed., n. 107; BONELLI, li codice commerciale, Comentário de Milão, vol. 8. 0 , n. 35; PAGANI, no mesmo Comentário, vol. l; ROCCO, no li diritto commerciale, revista de SUPINO, vol. 17 (1899), cols. 857 e segs.; REZZARA, na mesma revista, vol. 21 (1903), cols. 323 e segs. Na Alemanha, a doutrina e a jurisprudência são uniformes em atribuir a qualidade de comerciantes aos sócios solidários . Podem-se ler BEHREND, Lehrbuch des Handelsrechts, § 25; GOLDSCHMlDT, Handbuch, pág. 333, nota 11; THOL, Trattato dí diritto commerciale, trad. italiana, vol. 1. 0 , pág. 119. Na República Argentina, SEGOVIA sustenta a mesma tese, na Explicaci6n y critica de[ nuevo codigo de comercio, notas 17 e 1. 098. Co11tra: SIBURú Código de comércio argentino, vol. 2, pág. 23 .

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caráter habitual, por profissão, ou, na frase expressiva de PARDESSUS, desenvolvida por VIDARI, é o exercício de atos de comércio com a vontade constante, repetindo-se quase orgânicamente, de modo a formar uma condição especial de existência e vida social ( t) . A pessoa deve fazer desta atividade profissional fonte permanente de lucro. A frase profissão habitual do art. 4.º do Código vem do Código de Comércio francês, e está adotado pelo belga (art. l.º), italiano (art. 8. 0 ) , chileno (art. 7.º), argentino (art. l.º). 110.

A expressão tem parecido pleonástica, pois a idéia de profissão implica a de hábito; o hábito constitui a profissão,

como a profissão o hábito. BESLAY justifica a redundância para perfeita inteligência da idéia (2); THALLER (3) e VIDARI (4), acham inútil o qualificativo habitual. Os autores do Código italiano, de 1882, sem desconhecerem as censuras, mantiveram aquelas palavras por dois motivos: l.º, pelo fato de muitas vêzes a pessoa desempenhar uma profissão, não tendo ocasião ou vontade de exercê-la continuamente e o simples hábito da repetição de atos não bastar para atribuir ao agente o verdadeiro exercício profissional; 2.º, para não modificar desnecessàriamente. a fórmula empregada sem dificuldade na sua inteligência, desde o comêço do século passado, por quase tôdas as províncias italianas (5). O Código Comercial francês e os que empregaram a frase profissão habitual referem-se genericamente a atos de (1) PARDESSUS, Cours de droit commercial, vol. 1. 0 , 6. ª ed., n. 78: "On doit entendre par ce mot (profession habituelle) un exercise assez fréquent et assez suivi pour constituer, en quelque sorte, une existence sociale"; VIDARI, Corso di diritto commerciale, vol. t. 0 , 5.ª ed., n. 179. Veja-se também a Relazione MANCINI, apud MARGHIERI, 1 motivi dei nuovo codice di commercio italiano, vol. 4. 0 , pág. 28. (2) Des commerçants, n. 70: "Il est plus naturel et plus juste d'y voir un pléonasme, utile à la parfaite intelligence de l'idée". ( 3) Traité élémentaire de droit commercial, 3. ª ed., n. 77: "Le qualificatif habituelle n'ajoute rien au mot profession". (4) Corso di diritto commerciale, vol. 1, 5.ª ed., n. 179. (5) Veja-se a relazione MANCINI, apud MARGHIERI, J motivi dei nuovo codice di commercio italiano, vol. 4, págs. 28 e 29.

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comércio: "Sont commerçants ceux qui exercent des actes de commerce et en font leur profession habituelle" (art. l.º).

Essas últimas palavras realçam o pensamento legislativo, que não visa os a tos isolados de comércio ou declarados tais por lei (atos arbitrários), mas os atos de comércio própriamente ditos, praticados profissionalmente, ou, como fazem sentir os comentadores, os atos habitual constantemente empreendidos e realizados com o fim de especulação ( 1) . O nosso Código, no art. 4. 0 , não se referiu a atos de comércio em geral, porém, a ato de mercancia. Ora, mercancia quer dizer a arte de mercadejar, a prática do comércio (veja-se n. 312 do 1.0 vol., 2.ª edição ) . A palavra profissão, que, por sua vez, significa o modo de vida que cada um segue e exerce, unida ao vocábulo mercantia (profissão da mercancia) , bastaria para traduzir a idéia que o Código procurou acentuar. O Código Comercial espanhol de 1829, evitava a crítica, dispondo no art. 1.º que: "Se reputam en derecho comerciantes, los que. . . tienen por occupación habitual y ordinaria el tráfico mercantil. .. " (2) .

111. Esta profissão constitui-se pelo exercício ininterrupto, regular, assíduo de atos relativos a o exercício do comércio; supõe a intenção de praticar atos de mercancia, acompanhada essa intenção de fatos exteriores que firmam a idéia de uma continuidade orgânica. Não é comerciante aquêle que tem a simples intenção ou vontade de ser tal, mas quem, tendo essa vontade ou intenção efetivamente o é; quem, pela profissão, fica pertencendo à classe dos comerciantes (3). A qualidade de comerciante resulta da prática efetiva, da continuidade da re( 1) Muitos escritores franceses, caracterizando o comerciante, realçam que os atos de comércio a que o Código se refere no art. l. 0 , são os realizados com o fim de especulação (BÉDARRIDE, Des commerçants, n. 24). Pondera, porém, NOUGUIER: "Dizer comerciante o que tem o hábito e a profissão da prática de operações comerciais, é dizer bastante para denotar que a vontade da especulação se acha na essência dos atos que êle realiza". (Des actes de commerce, vol. 1, n. 469). (2) O Cód. Com. mexicano de 1889 adotou, no art. 3. 0 , a fórmula do Cód. espanhol de 1829: "São reputados em direito comerciantes: 1. As pessoas que, tendo capacidade legal para o exercício do comércio, fazem dêle sua ocupação ordinária ... ". (3) "La professione fa l'uomo di un tal ordi11e di una tal classe", PA· GANI, II Godice di Commercio, Comentário de Milão, vol. l.º, n. 83.

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petição reg·ular de atos de mercancia, ou melhor, dos próprios fatos. Da mihi factum et dabo tibi jus. Pouco importa que o comerciante pratique atos divergentes, heterogêneos de comércio, à medida que se apresentem, para não perder ocasião de realizar lucro ( 1) . Se o indivíduo inscreve o nome no registo das firmas se paga impostos (2), se se limita a adquirir ou abrir um esta~ PIPIA, vol. 1. 0 , n. 159. A certidão negativa de não haver pago o impôsto de indústria e profissão como comerciante, é prova de que se não exerce essa profissão; assim decidiu errôneamente a Relação da Côrte, em acórdão de 25 de novembro de 1873, confirmando a sentença do juiz de l.ª instância. Comentou o dr. MONTE, n'O Direito, vol. 2. 0 , pág. 181: .. Reputamos anômala a doutrina contida nestas decisões: um indivíduo pode ter casa denegócio aberta, e ser portanto comerciante, sem ter pago impôsto de indústria e profissão, ou porque houvesse descuido dos agentes fiscais no procederem ao lançamento, ou porque houvesse aberto o seu estabelecimento depois da época do lançamento". Acrescente-se: o comerciante pode gozar isenção do impôsto ou para iludir o fisco obter do funcionário a exclusão da coleta. Acertada foi, em contrário à da Relação da Côrte, a decisão do Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 12 de maio de 1897: "não é o pagamento do impôsto, mas o exercício do comércio, que caracteriza o comerciante· (Revista mensal, vol. 5. 0 , pág. 520, ag. n. 1. 090, e Gazeta Juridica de S. Paulo, vol. 15, págs. 262-267). Em acórdão de 10 de maio de 1899, o mesmo tribunal, em face da simples alegação pela parte de não ser comerciante e da exibição do documento probatório de ter pago o impôsto de profissão como comerciante, bem resolveu que se devia considerar comerciante e, portanto, sujeito à falência no caso de impontualidade (Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol. 20, pág. 364). A antiga Relação do Pará, pelo acórdão de 14 de fevereiro de 1890, confirmou a sentença do juiz da capital, onde se mandou para o fôro civil uma causa promovida por comerciante estrangeiro para haver o saldo de transação mercantil, sob o fundamento de não ter o autor provado a sua qualidade de comerciante "exibindo o conhecimento do impôsto de indústria e profissão, formalidade que tem a dupla vantagem de garantir o pagamento à Fazenda e de firmar a competência comercial, que é especial" (O Direito, voL 67, pág. 254). Não se acredita que Juízes assim sentenciassem! Embargando aquêle acórdão, o Tribunal de Justiça, que sucedeu à Relação, reformou-o, expondo a boa doutrina: "Atendendo a que não se pode duvidar seriamente. . . de que XX são negociantes de grosso trato na praça de Londres e a exigência da prova do pagamento do impôsto da sua profissão no Brasil (quando tivessem os regulamentos a latitude que lhes deu aquêle despacho) foi descomunal, sem apoio em lei, sem jurisprudência ou doutrina conhecidas dos acordantes" (0 Direito, vol. 67, págs. 257-258). O mesmo Tribunal, sob o fundamento de que não podia na instância de apelação conhecer dos interlocutórios proferidos no curso do processo, restaurou o absurdo acórdão de 14 de fevereiro de 1890! (O Direito, vol. 67, págs. 259-265). (1) (2)

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belecimento comercial ( 1), se faz anúncios públicos, se tem livros, mas não exerce efetivamente a profissão mercantil, se não pratica sistemàticamente atos de mercancia, não é comerciante. Essas circunstâncias seriam indícios ordinários, presunções comuns da profissão de comerciante, mas nenhuma por si só constitui ou define o comerciante. A realidade dos fatos destrói tais presunções, ou indícios. Do mesmo modo, imprimir a qualidade Regul. n. 737 admite a lidade do comerciante

a simples matrícula não basta, para de comerciante (2). O art. 17 do possibilidade de ser contestada a quamatriculado.

( l) O Juiz de direito da capital da Bahia, em sentença de 8 de fevereirode 1893, repetiu o que dizem alguns escritores franceses: "há certos fatos que fazem presumir a qualidade de comerciante e tornam inútil a indagação ulterior do número e da natureza dos atos característicos desta profissão, tal é a abertura de um armazém. O que anunciou a abertura de uma loja, por êste único fato, pode ser reputado comerciante". O Tribunal de Apelação, em dois bem fundados acórdãos, de 16 de junho e 29 de agôsto de 1893, n'O Direito, vol. 66, págs. 496 a 502, reformou essa sentença, analisando minuciosamente a prova oferecida pelo réu para firmar a sua qualidade de comerciante invocada, a fim de libertá-lo, por meio da prescrição, do pagamento de uma nota promissória que havia assinado. As decisões dêste tribunal são criteriosas, e oferecem modêlo para casos idênticos. O fato, a realidade das cousas é o que somente se atende nesse assunto. Quando dizemos que a abertura do estabelecimento não basta para caracterizar a profissão de comerciante, referimo-nos ao simples fato de o indivíduo preparar a casa, e nela se instalar. Se êle compra mercadorias e enche o estabelecimento com a intenção de realmente 'ser comerciante, basta para lhe atribuir todos os efeitos decorrentes da qualidade de comerciante. Não é o fatoda revenda que vem caracterizar o comerciante. A intenção, nesse caso, está bem acompanhada pelo fato, pela prática de atos de comércio (veja-se o acórdão do Supremo Tribunal do Rio Grande do Sul, de 24 de novembro de 1905, em a nota 2 ao n. 361 do 1.º volume, 2.ª ed. dêste Tratado). Não nos parece exata a doutrina daqueles escritores franceses, que entendem que certos indícios caracterizam a qualidade de comerciante. (2) Acórdão do Conselho do Tribunal Civil e Criminal do Distrito Federal, de 16 de novembro de 1899: "A qualidade de comerciante foi oposta pelo agravante na execeção de fls. 10, e, por isso, incumbia-lhe o ônus dessa prova (Dig., de except proescript et preajud., fr. 1). O documento a fls. 12 e a carta de matrícula a fls. 25 provam que o agravante é comerciante matriculado, porém, não que êle faça da mercancia profissão habitual, condição, aliás, necessária para ser reputado comerciante (Cód., art. 4. 0 ). &ta prova sópodia ser feita à vista de atestados da Junta Comercial (Regul. n. 737, art. 17; Decreto n. 6. 384, de 30 de novembro de 1876, art. 6. 0 ; Dec. n. 596, de 19 de julho de 1890, art. 12, § l.º): a disposição do art. 9. 0 do Código constitui uma presunção, que só prevalece quando não se pode provar pelos atestados 0

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112. A prática de atos de comércio isolados, acidentais, ou a de atos considerados tais por autoridade da lei, êstes embora iterativos e habituais, não atribuem ao agente a qualidade de comerciante, porque não constituem a sua profissão, ainda que todos êsses atos estejam submetidos à lei comercial ( I). É o complexo de negócios, de atos de comércio por natureza, constituindo objeto da atividade mercantil, atividade exercida como fonte permanente de lucro (veja-se n. 103), que caracteriza essa qualidade. Assim, -0 indivíduo pode comprar um objeto para revender com o fim de ganhar na transação, pode pagar os seus débitos .aceitando letras, pode descontar habitualmente títulos cambiais para obter recursos, sem se tornar comerciante, por.que não faz, com isso, a profissão. O banqueiro, porém, ainda que se limite a desconto de letras, é comerciante . 113. A declaração que, em atos judiciais ou extrajurciante é anterior ao exercício das operações a que ela: se propõem, e a êste exercício são exclusivamente destinadas. A sua aptidão à comercialidade é inata. Para serem comer~iantes não dependem da prática habitual dos atos de mercancia, como acontece com as pessoas naturais ( 1). 123. As sociedades comerciais estrangeiras podem exercer o comércio no Brasil, fixando aqui o seu principal estabelecimento ou abrindo filiais ou sucursais. Devem, porém, antes de começar as suas operações, registrar na Junta Comercial o seu contrato institucional (2).

Sociedades comerciais estrang·eiras são as estipuladas em países estrangeiros, mantendo a nacionalidade de origem. 124. Na parte terceira do livro segundo, que constituirá o 3.º volume dêste tratado, estudaremos as sociedades em sua vasta complexidade.

CAPÍTULO III

Das pessoas administrativas quando exercem o comércio Sumário: 125. Razão de ordem. 126. As pessoas de direito administrativo podem praticar habitualmente atos de mercancia; não são, porém, comerciantes. 127. Conseqüências dê~te princípio·

125. Antes de deixar o estudo sôbre os requisitos que qualificam legalmente o comerciante, indagaremos se as pes( 1) GIANNINI pensa que os elementos que concorrem para caracterizar comerciante.t'.ldos, o interessado pode pedir certidão, e, se esta fôr negada ou se houver fundados motivos da falsidade intrínseca da certidão, não conhecemos lei que se oponha ao exame parcial dos livros da administração públtca na pendência da lide. (2) D~. n. 3.084, de 5 de novembro de 1889, P. 3.ª, art. 532. Temos caso análogo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 26 de outubro de 1907, confirmando o despacho do juiz federal da 2.ª Vara da Capital Federal, o ilustrado Dr. PIRES DE ALBUQUERQUE, n'O Direito, vol. 105, págs. 446-461.

TíTULO III Das incompatibilidac'..es ou proibições legais do exercício do comércio Sumário:

128. As incompatihilidadcs ou rro:biçf>e~ devtm ser estabelcddas por leis esrcão responsáveis para com esta e para com terceiros pelos prejuízos causados em virtude de infração dos estatutos e de excesso dos poderes. A associação responde para com terceiros somente quando lucra (art. 9. 0 ). O Cód. Com. po11uguês de 1888, art. 17, parágrafo único, dispõe que as misericórdias, asilos e mais institutos de beneficência e carirlade não podem ser comerciantes. ( 4) Veja-se Rivista dei Diritto Commerciale, vol. 17 (19 l 9), purte segunda, pág. 446.

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sões e a de comerciante (1). Não são incapacidades no sentido jurídico da palavra. Contra pessoas capazes é que são ditadas. Deduz-se daí que não são nulos os atos praticados pelos proibidos de comerciar (2) . Se essas pessoas transgridem o preceito legal, os seus atos comerciais são válidos, e produzem os jurídicos efeitos (3); ficam sujeitas, no caso de infração, às penas criminais, administrativas ou civis estabelecidas. Quanto aos corretores e agentes de leilões, o Cód. Com., além de cominar a pena de perda do ofício, fulminou os atos de mercancia alheios aos seus ofícios, e por êles praticados com a nulidade (4). TEIXEIRA DE FREITAS, vendo no art. 2. 0 do Código Comercial casos de incapacidade legal, ensina que são nulos os atos praticados pelos proibidos de comerciar (5). A doutrina do mestre não é correta, dê-se-nos vênia para dizer. As proibições para ser comerciante não têm por causa ou fundamento a incapacidade; são meras incompatibilidades entre profissões. Não há nulidade sem declaração expressa em lei (Regul. n. 737, art. 682, § l.º), e nesta não foi decretada a nulidade dos atos que os incompatíveis praticassem, exercendo o comércio. (1) Os velhos Códs. Coms. espanhol de 1829, art. 8. 0 , e português de 1833, art. 28, modelos do nosso, acentuaram bem o caráter dessas proibições: "É proibido o exercício do comércio por incompatibilidade de estado: 1. 0 •.• "

O Cód. Com. argentino, no art. 22, emprega idênticas expressões. (2) Veja-se ORLANDO, CMigo Comercial, 6.ª ed., nota 16. nota 20 da 5.ª edição, discute-se bem a questão.

Em

:i

O Cód. húngaro, art. 263, e a lei inglesa de 14 de agôsto de 1858, artigo 21, declaram válidos os atos de comércio praticados pelos proibidos de exercer a profissão mercantil. (3) Ac. da l.ª Câmara, de 20 de dezembro de 1922, na Revista tfe Direito, vol. 71, pág. 579.

( 4)

Cód. Com., arts. 59, ns. 1 e 68.

(5)

Aditamentol· ao Código do Comércio, págs. 310 e 311.

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Os proibidos de comerciar infringindo o preceito legal tornam-se comerciantes, e são por isso sujeitos à falência, forma extraordinária de execução, salvaguarda do crédito mercantil e garantia dos interêsses dos credores ( t). Essa falência será sempre culposa, salvo a prova de fraude, caso em que serão aplicadas as penas da falência fraudulenta (2).

( 1) Nesse sentido manifestou-se a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 6 de agôsto de 1907, na Revista de Direito, vol. 6, pág. 190. ( 2) Lei n. 2. 024, de 17 de dezembro de 1908, art. 170, IV ( •)). ( '-') A lei de falências atual (Dec.-lei n. 7. 661, de 21 de junho de t 945), não denomin~ quais os crimes falimentares dolosos ou culposos abrangendo o todo no T1t. XI (arts. 186 e segs.).

TfTULO IV Da matrícula dos comerciantes Sumário: 139. A matrícula no Código e no Regul. n. 737. Dúvidas. 140. O Dec. n. 1.597, de 1855. 141. Prerrogativas dos comerciantes no estado atual do nosso direito: membros dos códigos comerciais. 142. Procuração. !43. Dispensa de caixeiros do servi.,:o da guarda nacional. 144. O que não constitui prerrOgativas dos comerciantes matriculados. 145. Continuação. 146. A matrícula é instituição caduca. 147. Fonte histórica cio Código. 148. As leis portuguêsas. 149. O Código argentino. o espanhol e o por•uguês. 150. Pe,soas q:1c se podem matricular. 151. As sociedades anônimas. 152. A matrícula das sociedades não se estende aos sócios. 153. As juntas comerciais têm a seu cargo a matrícula. Processo. 154. Egigências especiais para a macrícula das sociedades. 155. Para a dos menores e mulheres casadas. 156. Deliberação das juntas comerciais. 157. A matrícula anterior ou subseqüente ao CJICrcicio do comércio. 158. Publicação. 159. Recursos. 160. Alterações e modificações. 161. Cassação da matrícula. 162. Expedição do título. 163. Direito fiscal.

139. O Código Comercial exigm que o comerciante se matriculasse para gozar a proteção liberalizada em favor do comércio (art. 4.º). Não explicou, porém, em que consistia essa proteção . O Regul. n. 737, no art. 15, acompanhando o pensamento do Código, dividiu os comerciantes em duas classes, matriculados e não matriculados, acrescentando que somente aos matriculados competiam as prerrogativas e a proteção que o Código liberalizava em favor do comércio e referiu-se aos arts. 21 e seguintes, 310 e 908 do Código, isto é, considerou como prerrogativas e proteção em favor do comércio o direito de o comerciante: l.º)

(art. 21).

passar e assinar ou somente assinar procuração

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2.º) assinar escrito particular de obrigação mercantil de qualquer valor, desde que se não exija escritura pública (art. 22); 3. 0 )

ter livros com fôrça probante (arts. 23 e segs.);

4. 0 )

ser nomeado administrador e fiscal nos casos do art. 31 O do Código; e - º) :J.

ficar sujeito ao processo de falência (art. 908).

É difícil dizer qual o critério que orientou o Regulamento n. 737.

O Código, no capítulo II (arts. 10 a 20), declarou quais as obrigações comuns a todos os comerciantes (é a rubrica dêste capítulo), e no capítulo III (arts. 21 a 25) tratou das prerrogativas dos comerciantes. Parecia, pois, que a matéria do capítulo II se aplicava tanto aos comerciantes matriculados ccmo aos não matriculados, e a dêste último constituía, justan1ente, a proteção liberalizada ao comércio, para cujo gôzo era indispensável a matrícula, como diz expressamente o art. 4. 0 . Conseguintemente, no capítulo III (arts. 21 a 25), achavam-se os favores e privilégios (prerrogativas) dos comerciantes matriculados, aos quais o artigo 908 ajuntou outro, ·a falência. Como quer que seja, logo em início da execução do C_ódigo, grandes dúvidas se levantaram sôbre a determinaçao dêsses f a vares ou privilégios. A primeira das prerrogativas que o Código liberalizava em favor do comércio era a legislação e o fôro comerciais. Esta prerrogativa não foi incluída no capítulo III (artigos 21 a 25), mas o art. 21 do título único do Código a contemplara. Nessas condições, sómente aos comerciantes matriculados, dizia-se, cabia o fôro comercial para as causas oriundas de dívidas ou contratos mercantis. Alguns comerciantes matriculados da Província do Maranhão dirigiram-se ao govêrno imperial, solicitando a definitiva decisão dêsse ponto. O Aviso n. 16, de 17 de janeiro de 1852, expedido ao presidente daquela Província pelo mesmo Ministro da Justiça, que havia referendado o Código Comercial e o Regulamento n. 737 (EUSÉBIO DE QUEIRÓS),

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declarou: "conformando-se o govêrno com o parecer a êsse :·:"::peito dadc pelo trJbunal do comércio da Capital do i:mpéüo, rnan.da declarar a V. Excia., que, nas causas de que se trata, é competente, para os comerciantes em geral, o fôro c:omc:rci;il poi.s, aincia que o Código do Comércio disponha, no art. 4. 0 , que:: ning:i.:i§m é reputado comerciante para efeito de c;ozar da rrcfcçáo que êle liberaliza aos comerciantes, sem que s2 tenha matriculado em algum dos tribunais do comércio, é, todavia, certo que o fôro comercial, bem que considerado como um privilégio de ·Causa por utilidade pública e pela natureza da leg·islação, que exige uma jurisdição e::pecial, n8,0 deve ser entendido como proteção ou liberalidade, no s~ntido em que o art. 4. 0 do referido Código, combinado com tod::i êle, emprega essa palavra. Esta doutrina é fundada nos arts. 10 e 11 do Regul. n. 737, nos quais tratando-se àa jurísàição comercial em razão das pessoas e dos atos, e em referência ao art. 18 do título único do Código, sómente se vê disposto que a competência do fôro comercial nasce da natureza da dívida, que deve ser comercial e da profissão das partes, das quais pelo menos uma deve ser comer.ciante, seja ou não matriculado" ( 1). Discutiu-se, ainda, se as obrigações que o Código impunha aos comerciantes no capítulo II (arts. 10 a 20) eram exclusivas dos comerciantes matriculados. O Regul. n. 737, no art. 100, referindo-se ao registo do com.ércio, dizia: "os documentos que os comerciantes matriculados são obrigados a inscrever no registro público do comércio ... ". Entendeu-se que aos comerciantes não matriculados não cabia a obrigação de inscrever documentos. Alegava-se ainda que a obrigação de ter livros com as formalidades legais e externas visava garantir a prova dêles decorrente, e se livros com fôrça probante (art. 23 do Cód.) sàmente podiam ter os comerciantes matriculados, conforme (1) ~ste Aviso mereceu a censura de TEIXEIRA DE FREITAS, não pela decisão, que foi acertada, mas pelos fundamentos em visível contradição com as palavras do art. 4. 0 do Cód., que procurou proteger o comércio e não os comerciantes (Aditamentos ao Código do Comércio, pág. 322). O Dec. número 1. 597, de 1. 0 de maio de 1855, de acôrdo com o pensamento da Lei n. 799, de 16 de setembro de 1854, dispôs, no art. 1.º: "A jurisdição comercial. . . compreende a todos os comerciantes matriculados ou não matriculados".

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a referência do art. 15, in fine do Regul. n. 737 epígrafe do capítulo III do Código, lógico e justo era concluir que os ccmercinntes não matriculados estavam dispensados de ter os ltvros legais. Veio corroborar essa opinião o decreto n. 930, de 10 de março de 1852, que, no art. 1.º, incumbiu as juntas comerciais da rubrica dos livros dos comerciantes matriculados e no art. 2. 0 , deu a entender que somente êstes comerciantes' er~m. obligados a inscrever documentos no registro do comerc10. O Aviso do Ministério da Justiça, n. 168, de 20 de julho de 1853, ao Presidente da Província de São Paulo ' solvendo , a duvida levantada pelo juiz de diretto de Mogi-Mirim, relativamente aos livros que deviam ter os negociantes não matriculados, declarou que todo o capítulo II do Código, por sua epígrafe e por sua generalidade, obrigava a todos os comerciantes .

Posteriormente, pelo Assento n. IV, de 6 de julho de 1857, do tribunal do comércio da capital do Império, de acôrdo com os tribunais da Bahia, Pernambuco e Maranhão, se decidiu que as disposições do capítulo II do Código obrigavam a todos os comerciantes, matriculados ou não, "pois as obrigações nêle impostas são comuns a todos os comerciantes, como se vê da sua epígrafe, sendo que, portanto, compreende todos os que fazem da mercancia profissão habitual, ainda que não se hajam inscrito como tais, perante os tribunais de comércio (hoje juntas comerciais), e embora só os matriculados gozem a proteção que o Código liberaliza em favor do comércio, nos têrmos do art. 4. 0 , o qual não se pode admitir inteligência extensiva a tôdas as disposições do mesmo Código, impostas aos comerciantes em geral e obrigatórias para todos êles" ( 1) .

o

que dizemos dos livros comerciais, aplica-se aos escritos particulares de obrigações mercant~ (art. 22 do Cód.), a cujo assunto voltaremos em o n. 167 infra. Essas dúvidas e objeções eram de esperar, desde que o Código, traçando as suas disposições primeiras e fundament Assento não foi tomado depois do Dec. n. l . 597, de 1. o de ( 1 ) r-. c,S C f . t ")o d~ d maio de J 855, e é de admirar que se nao re ensse ao ar . -· este ecreto.

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tais sob a influência do sistema subjetivo que francamente adotara, logo depois tudo perturbou, abraçando outro sistema (veja-se n. 8 supra e n. 40 do 1. 0 vol., 2.ª ed.). 140. No intuito de cessar a incerteza em que o Código Comercial e o Regulamento n. 737 deixam tão importante assunto, o decreto n. 1.597, de 1. 0 de maio de 1855, que, em virtude do art. l.º da lei n. 799, de 16 de setembro do ano anterior, deu regulamento para os tribunais do comércio, achou conveniente definir a proteção que o Código no art. 4.º liberalizava em favor do comércio e da qual somente podiam gozar os comerciantes matriculados. Esta proteção consiste, dispôs o decreto n. 1.597, em seu art. 2.º, nas prerrogativas estabelecidas pelos arts. 21, 22, 309, 310, 825 e 898 do Código, 14 e 15 do título único, e 3. 0 , § 1. 0 , 321 e 343, § 3.º, do Regulamento n. 737. O decreto n. 1.597 converteu a proteção ao comércio em prerrogativas dos comerciantes, anomalia que se observa entre o art. 4.º do Código e a epígrafe do capítulo III (arts. 21 a 25), e a sua infelicidade começou com a referência ao art. 28 da lei de 19 de setembro de 1850, artigo êste que não figura na lei publicada em a data citada, a lei n. 602, sob a epígrafe Nova organização à guarda nacional do Império ( 1). O poder executivo exorbitou no ato de l.º de maio de 1855, conLo adiante mostraremos, e leis posteriormente publicadas restringiram tais prerrogativas. 141. No estado atual da legislação, as prerrogativas dos comerciantes matriculados limitam-se às seguintes: (1) Entende ORLANDO, Código Comercial, 5.ª ed. (na 6.ª não foi publicado o Decreto n. 1. 597), nota 2 ao Decreto n. 1. 597, que o art. 2. 0 dêste decreto quis falar do art. 15, § 5. 0 da Lei de 19 de setembro de 1850 (organização da guarda nacional), ou do art. 28 do Dec. n. 722, de 25 de outubro do mesmo ano, dando instruções para essa lei. O que nos parece é que as palavras "art. 28 da Lei de 19 de setembro de 1850", que se acham no final do art. 2. 0 do Dec. n. 1.597, não deviam estar entre parênteses. Êste decreto quis incluir entre as perrogativas dos negociantes matriculados a dispensa até três caixeiros do ~erviço da guarda nacional.

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1.ª prerrogativa: se brasileiros no gôzo de direitos CIVIS e políticos, formam êsses comerciantes o colégio comercial para a eleição de deputados e suplentes às juntas comerciais, com direito a voto ativo e passivo (veja-se n. 234 do 1.º vol., 2. a edição) .

142. 2.ª prerrogativa: passar procuração somente por êle assinada ( *) . O art. 21 do Código concedia-lhes o direito de fazer procuração pela sua própria mão ou somente assiná-la, tendo a mesma validade que se fôsse passada por tabelião público.

Tôdas as pessoas habilitadas para os atos da vida civil podem, hoje, constituir procurador por instrumento particular de próprio punho, para atos judidais e extrajudiciais, com poderes de representação, salvo a restrição da Ord., Livro 4, Título 48 princ. (lei n. 79, de 23 de agôsto de 1892). Resta aos comerciantes matriculados o favor de assinar as suas procurações passadas por alheio punho . Assim mesmo, dúvidas têm aparecido sôbre a subsistência desta prerrogativa, quer em face da Constituição Federal, quer da lei n. 79, de 1892. A faculdade excepcional de constituir mandato por in~­ trumento escrito por mão de outrem e simplesmente assinada não ofende à igualdade do art. 72, § 2.º da Constituição. É favor concedido a certa classe de comerciantes no interêsse dos negócios, que exigem celeridade ( 1). ( *) A Lei n. 3. 167 de 3-6-1957 dando nova redação ao art. 1 . 289 do Cód. Civil, extinguiu esta prorrogativa. ( 1 ) Acórdão do Conselho do Tribunal Civil e Criminal, de 16 de maio de 1904, na Revista de Direito, vol. 2.º, pág. 580; acórdão da 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, de 1.0 de julho de 1908, na Revista de Direito, vol. 10, página 598; sentença do juiz de direito de S. Paulo de Muriaé, confirmada pelos acórdãos da Câmara Civil do Tribunal da Relação de Minas Gerais, de 20 de julho e 13 de novembro de 1907, na Revista Forense, vol. 11, págs. 457 e segs. Aviso do Ministério da Fazenda n. 54 de abril de 1891, nestes têrmos; "Declaro ao sr. inspetor da Caixa de Amortização, em resposta ao seu ofício n. 42, de 2 de março próximo passado, que devem continuar a ser aceitas as procurações passadas por instrumento particular, nos têrmos do Aviso número 82, de 30 de março de 1849, e do art. 21 do Cód. Com., uma vez que não se pode retrotrair a disposição do art. 72 da Constituição da República, para aniquilar direitos fundados em leis que a mesma Constituição manda

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Por sua vez, a lei n. 79, disse-o muito bem o Superior Tribunal de Justiça do Maranhão, em acórdão de 23 de agôsto ele 1882, "encerrando uma disposição genérica, pela qual é concedida a tôdas as pessoas no gôzo de di•reitos civis passar procuração de próprio punho, não revogou a disposição especial do art. 21 do Código Comercial de poder passar o negociante matriculado procuração, feita por sua própria mão ou por êle sàmente assinada, não só pelo muito conhecido preceito de direito, a lei geral não revoga a especial, como por não existir incompatibilidade alguma entre o citado artigo do Código e o Dec. Legislativo n. 79: aquêle, simples prerrogativa concedida ao negociante matriculado, devido à natureza de sua profissão; êste, concessão geral a tôdas as pessoas habilitadas para os atos da vida civil, de passar procuração por próprio punho" ( 1). De ordinário, os comerciantes matriculados usam fórmulas impressas, enchendo os claros com o nome do procurador e com os poderes que conferem, o que ficou atorizado pela lei n. 3.510, de 31 de julho de 1918, que aliás exige duas testemunhas e firma reconhecida. As procurações por instrumento particular dos negociantes matriculados valem tanto para os atos comerciais como para os civis (2). As mulheres casadas gozam os mesmos direitos do marido, que, pela legislação brasileira, se possam comunicar a ela (3). respeitar no art. 53, enquanto não forem expressamente revogadas pelo Congresso Nacional; tanto mais quanto a faculdade de passar procuração do próprio punho consiste em regalia de direito privado, que não contraria o sistema firmado pela mesma Constituição. - T. de Alencar Araripe." (1) O Direito, vol. 85, pág. 275; Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça do Maranhão, vol. de 1900, 2. 0 semestre, pág. 34. No mesmo sentido julgaram o Superior Tribunal de Justiça da Paraíba, em acórdão de 28 de setembro de 1906, na Revista do Fôro, da Paraíba, vol. 1.0 , pág. 177, e Revista de Direito, vol. 4, pág. 477, e a 2.ª Câmara da Côrte de Apelação, em acórdão de 1O de julho de 1908, confirmado pelo das Cimaras Reunidas, de 2 de agôsto de 1911, na Revista de Direito, vol. 23, págs. 356-360. (2) ORLANDO, Código comercial, 6.ª ed., nota 41 ao art. 21; TEIXEIRA DE FREITAS, Aditamentos ao Código do comércio, pág. 395; Con-· solidação das leis civis, art. 457, § 6. 0 , e nota 4. (3) Dec. n. 181, de 24 de janeiro de 1890, art. 56, § 4. 0 •

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Estão nessas condições as mulheres dos comerciantes matriculados; podem assinar as procurações por outrem passadas . Assim sempre se entendeu ( t ) • CARLOS DE CARVALHO ensina que a faculdade de passar procuração conferida aos comerciantes matriculados sàmente prevalece enquanto exercem o comércio (2). Não nos parece rigorosamente legal essa opinião. Deduz-se do art. 14 do título único do Código Comercial que os comerciantes uma vez matriculados não perdem os seus direitos ou prerrogativas, embora tenham deixado de exercer profissionalmente o comércio (3) . 143. 3.ª prerrogativa: no caso de prisão, serem recolhidos à sala livre (decreto n. 2.592, de 12 de agôsto de 1915, art. 71). 144. Não constituem prerrogativas dos comerciantes matriculados:

Celebrar, por instrumento particular, contratos relativos a transações mercantis, qualquer que seja o valor, nos casos em que se não exige escritura pública (art. 22 do Código). Vejam-se as razões por que em o n. 167 infra. 1.º)

2.º) A nomeação de caixa ou gerente quando a sociedade tiver de liquidar-se por falecimento de algum dos sócios, nos casos do art. 309 do Cód. Comercial. Ordem do Tesouro, n. 82, de 30 de março de 1849, art. 8. 0 ; TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das leis civis, art. 459; Aviso do Ministério da Fazenda, n. 206, de 30 de abril de 1881: "o privilégio de dar procuração por instrumento particular, somente assinado pelo outorgante, de que goza o negociante matriculado, persiste na sua viúva enquanto se conserva nesse estado, sem ser para isso preciso que faça profissão habitual da mercancia, uma vez que o marido, por ocasião do seu falecimento, estivesse no gôzo dêsse privilégio". (2) Nova consolidação das leis cii:is, art. 1. 336. Nesse sentido, também, o acórdão do Conselho do Tribunal Civil e Criminal, de 16 de maio de 1904, na Revista de Direito, vol. 2, pág. 580. (3) Corroboram o que sustentamos, a doutrina do Aviso do Ministério da Fazenda n. 472, de 14 de novembro de 1877, e o Aviso n. 206, ele 30 de abril de 1881, transcrito em a nota 4 da pág. 113. (1)

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O Cód. Com., na 3.ª parte do art. 309, limita-se a dizer que a nomeação deverá recair sôbre sócio ou credor que seja comerciante . O decreto n. 1.597 considerou o caso dêsse art. 309 como privilégio do comerciante matriculado. Não exorbitaria êste decreto? Atualmente está esquecida a disposição do art. 309, que não é fácil de ser aplicado, atendendo aos casos especialíssimos de que cogita. 3.º) A nomeação de administradores e fiscal para arrecadar, administrar e liquidar a herança e satisfazer tôdas as obrigações do comerciante ou mesmo do não comerciante, que, falecido sem testamento nem herdeiros presentes, tiver deixado credores comerciantes: caso do art. 310 do Código Comercial. O Regulamento n. 737, no art. 15, referindo-se ao caso do art. 310 do Código, que, aliás, nunca vimos em prática. Se não há negociantes matriculados ou se êstes recusam a nomeação, tem-se entendido que devem ser nomeados os não matriculados ( l). Onde está o privilégio, a prerrogativa de que fala o art. 2. 0 do decreto n. 1.597? 4. 0 ) A prestação de alimentos no caso de falência (art. 825 do Cód. Com.). Desde o decreto n. 917, de 24 de outubro de 1890, foi abolido êste privilégio do comerciante matriculado. Atualmente os falidos nã.o têm direito a socorros alimentícios, mas à remuneração, nos têrmos do art. 42 da lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908 (*). 5. 0 ) A obtenção da moratória (art. 898 do Código). O decreto n. 917 permitira a todos os comerciantes, matriculados ou não, requererem a moratória (art. 107). A lei n. 859, de 16 de ag·ôsto de 1902, aboliu êste instituto, e a lei n. 2.024 manteve a abolição. 6.°) Dispensa de o estrangeiro comerciante matriculado seguir a sua lei nacional nas questões de estado e idade, ( 1) ((')

ORLANDO, Código Comercial, 5.ª ed., nota 433. Art. 38 do Dec.-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945.

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sendo estas reguladas pelas leis brasileiras (art. 3. 0 , § 1.0 do Regul. n. 737). Não sabemos como se podia considerar o caso prerrogativa do comerciante matriculado. Acresce que essa disposição do art. 3.º, § 1.º do Regul. n. 737 não tem apoio sólido no direito internacional privado (veja-se n. 156 do 1. 0 vol., 2.ª edição dêste Tratado). Disse muito bem TEIXEIRA DE FREITAS: "repute1n-se não escritas as palavras não sendo os mesmos estrangeiros comerciantes matriculados na f arma do art. 4. o do Cód. Com." ( 1) , palavras que se acham no citado art. 3. 0 , § l.º, do Regula-

mento n. 737. 7.º) A isenção do embargo ou arresto, caso do art. 321 do Regul. n. 737.

., .. -

Tendo o Código Comercial determinado, no art. 908, que as disposições referentes às falências seriam somente aplicáveis aos comerciantes matriculados, o Regul. n. 737 isentou êstes comerciantes do arresto, cujo fundamento traduz a cessação de pagamentos, caracterizando a falência. O citado Regulamento, no art. 321, in fine, declarou que as disposições sôbre o embargo ou arresto não compreendiam o negociante matriculado a respeito do qual se guardaria a parte III do Código, isto é, devia a falência ser requerida pelo credor ou decretada ex-officio. O decreto n. 1.597 acabou com a distinção entre o co-

merciante matriculado e o não matriculado para os efeitos da falência (salvo o caso do art. 825 do Código acima referido) . A conclusão era: ou todos os comerciantes, sem diferença entre matriculados e não matriculados, estavam sujeitos a embargo ou arresto em seus bens, por haver desaparecido a prerrogativa atribuída aos primeiros, ou todos êles não podiam sofrer essa medida violenta, pois ao invés de ordená-la, o juiz devia declarar ex-officio a falência. Esta última conclusão, parece a mais lógica, não obstante importar em dizer que o decreto n. 1.597 abolira o remédio preventivo do embargo ou arresto contra comerciantes. Não sabemos se se levantara essa dúvida depois da publicação do decreto n. 1.597; nenhuma decisão judiciária (1)

Aditamentos ao Código de comércio, págs. 298 e 319.

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encontramos nas coleções que possuímos, deixando vestígios (I) . Sómente depois de publicado o decreto n. 817, de 24 de outubro de 1890, apareceu a questão, aliás, debaixo do verdadeiro aspecto, manifestando-se o Tribunal de Apelação da Bahia e o Tribunal Civil do Rio de Janeiro. O primeiro, em acórdão de 11 de junho de 1897, decidiu que negociante matriculado, que, por mais de dois anos, deixasse de exercer a profissão mercantil, estava sujeito ao arresto, porque contra êle já não podia ser decretada a falência (2) . O segundo, em acórdão de 20 de dezembro de 1897, foi radical, decidindo que a nova legislação sôbre falências aboliria implicitamente a prerrogativa do negociante matriculado quanto ao arresto, desde que derrogara a disposição do Código Comercial que permitia a declaração da falência ex-officio (3) . A doutrina dêste último tribunal parece razoável (4). Não temos atualmente a falência ex-officio. Os casos de

anesto mencionados no art. 321 do Regul. n. 737 autorizam a declaração da falência com fundamento no art. 2. 0 da lei n. 2.024, de 17 de dezembro de 1908. Se o credor prefere o arresto como preparatório da execução singular, trate-se de ( 1 ) As decisões limitam-se a dizer que os comerciantes matriculados não estão sujeitos ao arresto. Veja-se ORLANDO, Código Comercial, 6.ª ed., nota 206 ao Regul. n. 737. (2) Revista dos Tribunais da Ba/Jia, vol. 10, pág. 243. (3) Revista de Jurisprudência, vol. 2. 0 , pág. 319. ( 4) Em acórdão de 20 de setembro de 1906, a i.a Câmara da Côrte de Apelação reconheceu a isenção do embargo quanto aos negociantes matriculados, devendo ser aberta a falência (O Direito, vol. 1O1, pág. 340, e Revista de Direito, vol. 2. 0 , pág. 152). O Tribunal de Justiça de S. Paulo, em acórdão de 29 de março de 1895, decidiu que o comerciante matriculado estava sujeito ao arresto, na qualidade individual, por dívidas civis, desde que estas não podiam determinar a falência (Gazeta Jurídica de S. Paulo, vol. 8. 0 , pág. 128). Com a doutrina que expendemos em o n. 144, 6. 0 , manifestou-se de acôrdo PEDRO LESSA, no seu voto, que se encontra na Rel'. do Sup. Trib., vai. 2. 0 , parte I .ª, pág. 383. De acôrdo com a nossa doutrina os acórdãos da 2. ª Câmara da Côrte ue Apelação, de 11 de outubro de 1912, na Revista de Direito, vol. 26, págs. 386 e 387, e de 13 de setembro de 1912, na mesma Revista, vol. 27, página 145 e 146.

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comerciante matriculado ou não matriculado, é seu direito requerê-lo. Pode ter a sua diligência frustrada com a superveniência da falência do devedor, promovida por outro credor, mas se lhe não pode negar o direito de acionar o devedor, e, portanto, o de recorrer ao remédio preventivo do arresto. 8.°)

A isenção da detenção pessoal, caso do art. 343,

§ 3. 0 , do Regul. n. 737 (1).

Não sabemos como o decreto n. 1.597 incluiu êste caso como prerrogativa do negociante matriculado. O art. 343, § 3.°, do Regul. n. 737 não estabeleceu a prerrogativa aludida; ao contrário, tornou expresso que em detenção pessoal também incorria o negociante matriculado. Eis os seus têrmos: "Quando qualquer comerciante, matriculado ou não . .. " O decreto n. 1.597 regulamentou a lei n. 799, de 16 de setembro de 1854, e esta, também, não criou êsse privilégio para o comerciante matriculado. Nem o citado decreto 1.597 podia por sua própria autoridade modificar o Regul. n. 737, que era uma lei delegada (art. 27 do título único do Cód. Comercial).

145. Duas outras prerrogativas tiveram os comerciantes matriculados, hoje ah-rogadas. '~'"'

A primeira, de fazerem parte da comissão verificadora das cotações oficiais (decreto n. 6.132, de 4 de março de 1876, art. 4.º). As leis e regulamentos que organizaram a corporação dos corretores de fundos públicos e estabeleceram as juntas de corretores de navios e mercadorias revogaram essa medida .

( 1) Em sentido contrário julgou o Tribunal de Justiça de S. Paulo em acórdão de 28 de dezembro de 1908, sob o fundamento seguinte: "Que é êsse um privilégio do negociante matriculado, deduz-se do disposto no art. 2. 0 , 2.ª alínea, do Dcc. n. 1. 597, de 1.º de maio de 1855, regulamentando a Lei n. 799, de 16 de setembro de 1854. Nem outra pode ser a interpretação do citado decreto, quando considera o texto do art. 343, § 3. 0 do Dec. n. 737, de 1850, como proteção que o regulamento comercial liberaliza a favor dos comerciantes matriculados ad instar do que dispõe em relação ao embargo ou arresto no art. 321, § 5. 0 , última parte". (S. Paulo Judiciúrio, vol. 18, pág. 368, e Gazeta Jurídica, volume 49, pág. 64). No mesmo sentido, o acórdão de 7 de julho de 1913, do aludido Tribunal, no S. Paulo Judiciário, voJ. 32, págs. 282 e 283, e na Revista dos Tribunais, vol. 7. 0 , págs. 76 a 79.

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A segunda, de servirem de adjuntos para julgarem os crimes definidos na lei de falências, nas sedes das juntas comerciais (art. 82 do decreto n. 917, de 24 de outubro de 1890). Hoje não subsiste esta disposição, revogada desde a lei n. 859, de 16 de agôsto de 1902. 146. A instituição da matrícula, que traz à lembrança. as antigas corporações de mercadores, dividia os comerciantes em comerciantes de direito e de fato. O seu valor atual é nulo, como temos demonstrado. O sistema amplo de informações por meio da imprensa e do telégrafo e a fundação de associações comerciais, temlhe roubado a utilidade. Somente vale e merece o nome de· comerciante quem faz da mercancia a profissão ou o modo de vida. O que se matri~ula ou inscreve no registo do comércio, sem, de fato, exercer a profissão que se arroga, investe-se de qualidade fictícia, que, perante o direito, nada significa. A matrícula estabelece presunção comum do exercício efetivo do comércio (Cód. Com., art. 9.º). 147. O nosso Código, estabelecendo a matrícula dos comerciantes, embora facultativa, inspirou-se nos Códigos espanhol de 1829 (1) e português de 1833, e manteve, mais ou menos, a legislação do seu tempo, guardando a tradição do velho direito italiano. Na última fase da legislação estatutária das cidades italianas, conquanto a matrícula na corporação não fôsse o único elemento que caracterizava a qualidade de comerciante, aos mercadores era imposta a obrigação de pertencer ao sodalício, prendendo-se a êste por juramento sob graves penas. LATTES informa-nos, entretanto, que o número dos que exerciam o comércio sem pertencerem à corporação era. tão notável que, não obstante o gôzo de certos privilégios, se limitasse aos membros daquela corporação, o benefício mais importante, a aplicação das leis e da jurisdição comer( l) O Cód. espanhol de 1829, nos arts. 11 e 12, ohriga1·a o comerciante a matricular-se. Só depois de matriculada, supunha-se que a pessoa exercitava habitualmente o comércio e era comerciante (art. l.º). A tradição do direito espanhol era também nesse sentido, como informa ESTASl'.::N, lmtilllciones de ,/ereclw mercantil, vol. 2. 0 , ns. 47 e segs.

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cial, era a mesma, sem distinção, a todos os que exerciam b.abitualmente o comércio ( t) .

A antiga doutrina italiana, pela voz de STRACCA, dizia: "'Is qui in alba mercatorum descriptus est, nudum mercato-

ris nomen consequatur; eo solo immunitatibus et privilegiis mercatoribus concessis non fruitur; necesse est enim mercuturae officium exerceat, ut immunitatibus gaudeat" (2); "non sola matricula sed mercatura facit mercatorem, illa .saltem probet" (3) . 148. A lei portuguêsa de 30 de agôsto de 1770 ( 4) mandava que os comerciantes nacionais, que formavam o corpo da praça de Lisboa, se matriculassem na Junta do Comércio (§ 1. 0 ). Essa matrícula era facultativa, mas somente os que ,se inscreviam como homens de negócio, podiam usar esta denominação em seus requerimentos e gozar tôdas as graças, privilégios e isenções concedidas a favor dos comerciantes (§ 3. 0 ), e formar sociedades comerciais por escrttura par-

ticular. Para a admissão à matrícula era mister que o comerciante tivesse os requisitos da probidade, da boa fama e da -verdade e boa-fé, não podendo ser inscritos no respectivo livro os pretendentes que tivessem quaisquer vícios notórios, pelos quais se fizessem indecentes ou onerosos à útil corporaçã.o (§ 2.º).

Os principais privilégios que g·ozavam os comerciantes matriculados eram: Os de cabedal de mais de cem mil réis estavam isentos de pena vil (Ord., liv. 5. 0 , tít. 139). 1. 0 )

2.º) Os seus escritos particulares e procurações tinham fôrça de escritura nos negócios de seu comércio (Assento da ( 1) /[ dirillo commerciale ne/la legislazione statutaria dei/e città ita1iane, § 7. 0 • (2) De mercatura, parte 1.ª, n. 9. ( 3) Obra citada, parte I, ns. 1O e 65. ( 4) Antes dessa lei de 1770, os estatutos dos mercadores de retalho confirmados pelo alvará de 16