O Diretório dos Índios: um projeto de "civilização" no Brasil do século XVIII
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Rita Heloísa de Almeida FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Reitor João C laudio Todorov

Vice-Reitor E rico P. S. W eidle

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Diretor A lexandre L im a

C o n s e l h o E d it o r ia l

Presidente

O Diretório dos índios Um projeto de "civilização” no Brasil do século XVIII

E m anuel A raújo A lexandre L im a Á lvaro Tam ayo Aryon D ali’ Igna R odrigues D ourim ar N unes de M oura E m anuel A raújo E uridice C arvalho de Sardinha F erro Lúcio B enedito R eno Salom on M arcel A uguste D ardenne S ylvia Ficher Vilma de M endonça F igueiredo V olnei G arrafa

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Direitos exclusivos para esta edição: EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA SCS Q.02 Bloco C N“ 78 Ed. OK 2“ andar 703000-500 Brasília - DF Fax: (061)225-5611 Copyright © 1997 by Rita Heloísa de Almeida Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por escrito da Editora.

Impresso no Brasil S upervisão editorial A írton L ugarinho P reparação de originais W ilma G onçalves R osas S altarelh R evisão J oelita de F reitas A raújo C apa C hico R egis E ditoração eletrônica M agda H ayata de A zevedo S upervisão gráfica E lmano R odrigues P inheiro

ISBN: 85-230-0433-5

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília A447

Almeida, Ritá Heloísa de O Diretório dos índios: um projeto de civilização no Brasil do século XVIII. / Rita Heloísa de Almeida. — Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1997. 430 p. : il. Anteriormente publicado como tese da autora. 1. Antropologia cultural. 2. História do Brasil. I. Título. CDU-39 (81-082) 981.025

Dedico este trabalho aos meus pais Márcia e Manoel e aos meus filhos Fausto e Consfança.’

— O ra, achas que a habilidade de um pintor fica dim inuída se, depois de ter pintado o mais belo modelo de homem e dado à sua pintura todos os caracteres adequados, for incapaz de dem ons­ trar a existência de semelhánte homem? Platão, A República

Agradecí m en tos

E ste tra b a lh o fo i o rig in alm en te tese d e d o utorado o rien tad a pelo p ro fesso r Jo ão Pacheco d e O liveira Filho e apresentada em abril d e 1995 ao P ro g ram a de P ós-G raduação em Antropologia Social do M useu N acio­ nal, U niversidade F ederal d o Rio de Janeiro. Q u ero ag ra d ece r a to d o s o s professores do M u seu N acio n al, p rin­ c ip a lm e n te a a ju d a d a d a p e lo s professores L uís F ern an d o D ias D uarte, O távio G uilherm e C ardoso A lves Velho e pelo historiador Ronaldo Vainfas, professor d a U niversidade F ederal Fluminense. Sou grata aos professores do D ep artam en to d e C iên c ias Sociais da U niversidade de B rasília, em especial M ariza G om es e S o u za Peirano e Julio C ezar M elatti. A gradeço o acolhim ento que me dispensaram em L isboa os pesquisa­ dores do C entro de A n tro p o lo g ia Cultural e Social do Instituto d e Investi­ gação C ien tífica e T ropical. D e modo geral, agradeço a todos qu e trabalha­ vam nos arquivos, bibliotecas e museus consultados durante a pesquisa realizada no Rio de Jan eiro e em Lisboa, entre 1991 e 1992. Em particular, agradeço a colaboração d e Jo sé Sintra M artinheira, do A rquivo H istórico U ltram arino.

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E sta pesquisa contou com o apoio de bolsas de cursos e d e pesquisa fo rn e cid a s p elo C o n selh o N acional de D esenvolvim ento C ientífico e T ecnológico (CN Pq), o au x ílio para redação dado pela Fundação Ford e a A ssociação N acional de Pós-G raduação e Pesquisa em Ciências Sociais (A npocs), além d a co n trib u ição da Fundação N acional do ín d io (Funai), que m e concedeu tem po e condições para term iná-la.

S umário

I ntrodução, 1 3 P rimeira P arte A s I déias C apítulo 1 - C ivilizar índios foi sempre uma forma de colonização , 2 5 U ma intenção de incorporação em meio a leis de escravidão, 2 9 Í ndio : um assunto de E stado, 3 6 O s ESPAÇOS ONDE OCORREM EXPERIÊNCIAS DE CIVILIZAÇÃO, 4 5

C apítulo 2 - C olonizar: o povoamento e a edificação DE CIDADES, 5 3 N acionalidade e colonialismo, 5 4 C onhecendo um pouco mais a matéria- prima do V elho M undo, 5 9 E xemplos de transposição, 6 5 C apítulo 3 - 0 governo da conquista,7 5 A s PRIMEIRAS experimentações de vida urbana em P ortugal, 7 6 R egimentos, alvarás, instruções: as primeiras constituições brasileiras, 86 L ições de costumes: apontamentos militares e máximas sobre o bom governo , 9 7 C apítulo 4 - E nsaios, esboços, projetos, 115 O sentido da secularização, 116 A correspondência entre governantes, 1 2 0

Os AUTORES DE PROJETOS, 128 Os PROJETOS, 132 S egunda parte

Introdução

A s T ransposições

C apítulo 5 - U m projeto em experimentação: o D iretório dos índios, 1 4 9 O contexto do D iretório , 1 5 2 O D iretório por ele mesmo , 1 6 5 C apítulo 6 - Q uestionando a realidade das normas, 227 C riação de uma economia extrativista, 227 F ormação de hábitos de trabalho, 236 As alianças nativas, 249 T erceira parte As T raduções C apítulo 7 - O s primeiros registros, 2 6 1 C onhecer a terra , conhecer a gente, 2 6 3 A FACE FANTASIOSA DA OBSERVAÇÃO: AMAZONAS, GENTIO DE CORSO,

Anões, caudados, canibais, 2 7 1

Focos de resistência nas entrelinhas das descrições: T o p in a m b á , A

j u r ic a b a ,

C

aboquena,

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Dois CASOS DE TRADUÇÃO E DE AJUSTAMENTO de códigos culturais,

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C apítulo 8 - O s primeiros testemunhos, 2 9 1 C onclusão , 3 2 1 L ista de I lustrações, 3 5 1 F ontes e B ibliografias, 3 5 3 A pêndice - D iretório que se deve observar nas povoações dos índios do P ará e do M aranhão enquanto sua majestade não mandar o contrário , 3 7 1

Este texto apresenta os resultados de meus estudos sobre uma lei colonial chamada Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão. A pesquisa começou a delinear-se quando, pela primeira vez, li “O semeador e o ladriihador”, capítulo do livro Raízes do Brasil (1936/1981), de Sérgio Buarque de Holanda. Nele, o historiador ava­ lia as ações cólonizadoras de portugueses e espanhóis tomando como termos referenciais as concepções de espaço social deixadas impres­ sas nas cidades que ambos implantaram na América. Faz, a propósi­ to, uma bela análise da postura de cada um, levantando questões que vêm motivando muitas investigações na História e na Sociologia. No entanto, como que diante de uma imaginada balança, tende a considerá-los termos opostos. Ao espanhol coube um perfil regular. Para Sérgio Buarque de Holanda, o traço retilíneo das cidades da América espanhola expri­ me a personalidade de um construtor que dirige suas ações a um “fim previsto e eleito” (1981, p. 62). Quanto ao colonizador português, Buarque de Holanda desenha a silhueta de quem prefere agir por “experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, a traçar de antemão um plano para segui-lo até o fim” (idem, p. 76). Postura que, a seu ver, está impressa na harmonia com que suas cidades se acercam da natureza, sem intervenções que a contradigam. Ao ler esses comentários, veio-me à lembrança um material que sugeria a formação de opinião diversa da que, mediante a observa­ ção das cidades, conduziu o historiador a conceitualizar certa ausên­ cia de planejamento nas ações colonizadoras dos portugueses na América. Esse material é encabeçado pelo mesmo Diretório acima

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-4- um documento jurídico que regulamentou as ações colonizadoras dirigidas aos índios, entre os anos de 1757 e 1798. É preciso assinalar que todo documento jurídico que no período colonial se relacionava com os índios do Brasil tem aspecto de lei geral. Esta observação é especialmente apropriada à compreensão do Diretório, pois sua aplicação aos índios do Brasil tinba, além de um propósito evangelizador, o objetivo de solucionar grandes pro­ blemas da defesa territorial e do povoamento, apresentando como sugestão um plano de secularização no serviço da administração dos índios, o qual, entre outras medidas, visava à substituição dos missio­ nários regulares por funcionários civis e militares. Aparentemente, o Diretório suscitava rupturas, mas ao longo deste trabalho veremos que esse regimento continua e consolida as ações colonizadoras anteriores. Situado em seu próprio tempo e es­ paço, o Diretório teve o cunho de carta de orientação da amplitude equivalente às Constituições que atualmente regem as nações. Para demonstrar o que acima se afirma, listamos sucintamente algumas de suas instruções. Pelo Diretório ficava estabelecido o uso exclusi­ vo da língua portuguesa, estimulava-se o casamento entre índios e brancos, assim como um convívio social e comunitário nas novas povoações ou nas antigas missões que então se elevavam a vilas. No interior destas povoações ficariam seus habitantes, índios e brancos sujeitos às mesmas leis civis que regiam as populações urbanas de Portugal, os quais contariam, nas administrações locais, com repre­ sentações da Justiça e da Fazenda, e gozariam do direito a ocupar cargos públicos. O trabalho agrícola, o comércio e demais ativida­ des econômicas sugeridas pelo ambiente de cada povoação, o traba­ lho remunerado, o sistema de tributação são alguns dos aspectos referidos nas instruções que organizam o governo econômico dessas povoações. Os dados mostram que o Diretório foi um plano de civilização dos índios e um programa de colonização. Dirigido inicialmente às povoações indígenas do norte do Brasil, seria logo aplicado às de­ mais regiões onde já havia trabalho missionário e, ao mesmo tempo, utilização de índios em atividades econômicas de colonos e gover­ nos coloniais. O Diretório contou com oportunidades políticas favoráveis. Sua autoria está afinada e comprometida com a máquina político-admi-.

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nistrativa que dirigia Portugal e empreendimentos coloniais. Con­ tou, inclusive, com a preparação de um ambiente social que fosse sensível às transformações que supunha o ato de restituir a liberdade aos índios. Em que pesem as circunstâncias políticas favorecendo essas me­ didas — por certo, inovadoras — , teremos oportunidade de verificar que o Diretório não se constituía uma novidade, em termos de ins­ trumento jurídico de políticas coloniais. E neste aspecto será aqui considerado o processo colonizador, de onde podemos depreender seus significados e discursos convincentes, assim como as ambigui­ dades e também as justificativas para melhor empenho e eficácia. É preciso saber que o Diretório, regulamentando as condições em que se fazia legítima a liberdade dos índios, ainda deu margem à conti­ nuidade de certas práticas de escravidão. Esta pesquisa, pelo modo como aqui está sendo reproduzida, privilegia as fontes primárias. Em primeiro lugar, porque constitu­ em material de interpretação polêmica, sugerindo como alternativa de análise abrir neste texto espaços discursivos para que tais fontes falem por si. Segundo, por ser este um procedimento equivalente ào adotado pelo antropólogo no que tange a fazer análises a partir da observação direta do objeto de estudo. Trabalhar com material histórico, tal como o antropólogo faz em pesquisa de campo, tem seus problemas. No caso da presente pesquisa, analisar uma lei escrita em outro tempo, com conceitos amparados em valores e significados bastante diferentes daqueles com que estamos mais familiarizados, levanta o problema da tradu­ ção, isto é, como ver e transmitir nossa observação sobre o dado. Traduzir implica o esforço de transportar nossa percepção para o tempo em que decorre o acontecimento. Este exercício tem sido realizado nas ciências sociais com resultados fecundos. Exemplo pioneiro de trabalho sociológico sobre material biblio­ gráfico e documental vem de Florestan Fernandes.1Em seu procedi­ 1 Para esta discussão foi valiosa a leitura dos artigos de Mariza Peirano. Minhas observações sobre o objeto da Antropologia começam por esta leitura e toda uma bibliografia lida nos cursos de História da Antropologia e Indivíduo e Sociedade organizados pela professora em 1981 e 1982 para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (Peirano, 1992).

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mento analítico, ele percorre os seguintes passos. Primeiro, selecio­ na autores que apresentam informações sobre os Tupinambá, avali­ ando a importância da contribuição de cada um a partir da análise das condições em que foram colhidas as informações: se tais obser­ vadores chegaram a conviver intimamente com os índios, se manti­ veram contatos episódicos, ou se os dados provêm de terceiros. A seguir, procede a um inventário das informações, examinando criti­ camente seu conteúdo etnográfico, mediante a análise da origem e da qualidade das fontes, bem como o julgamento de critérios de con­ sistência, coerência e profundidade medidos por meio do cotejo das mesmas observações em todos os autores selecionados (1975, pp. 191-289). Em outras palavras, Florestan Fernandes transplanta procedi­ mentos típicos do trabalho de campo antropológico e da pesquisa com amostragens, com o intuito de suprimir as evidentes falhas de um estudo de finalidade etnográfica sobre uma sociedade tribal ex­ tinta, da qual não se dispõe de registros próprios e sobre a qual há somente registros produzidos por observadores a ela estranhos — em certo sentido, seus inimigos ou representações potenciais destes. Tal procedimento, Original e exaustivo, exige riqueza de fontes, como, de fato, é o caso de Florestan Fernandes, no estudo dos Tupinambá. Todavia, seus resultados encaminham muito mais a um inventário de conceitualizações dos europeus sobre os Tupinambá que a uma reconstituição etno-histórica deles, o que não invalida os resultados analíticos obtidos pelo antropólogo. Apenas ressente-se da falta de um exercício de sociologia sobre a produção intelectual das fontes. Por quê? Florestan Fernandes considerou corretamente o registro históri­ co do cronista um dado de valor etnográfico, pois obtido mediante a observação e, muitas vezes, a participação do observador no aconte­ cimento registrado. Mas não previu analiticamente o exame do dado no contexto histórico em que foi produzido, por meio do qual pode­ ría discernir o pensamento europeu sobre outros povos, as atitudes e expectativas ordinárias dos colonizadores em contato com popula­ ções nativas e as políticas condicionantes e quase sempre deter­ minantes de uma maneira de interpretar o que é assistido e vivenciado. Estas precauções não estão restritas aos estudos históricos, mas neles incidem, porque resultam da percepção de pesquisadores de

outras áreas sobre os limites das próprias observações de campo como recurso para compreensão do objeto de estudo. Explico melhor: cada vez mais estudos no campo da Antropologia e da História tendem a considerar relevante as condições em que foram observados os da­ dos, pelo que informam a respeito do tempo social dos observadores e, fundamentalmente, dos valores que sustentam suas conceitua­ lizações e formas de registro. Portanto, inventariar registros de for­ mas habitacionais nativas ou trazidas pelos portugueses e africanos permite-nos mais a rec onstituição da “visão de mundo” dos observa­ dores e menos a dos seus artistas e construtores, objetos de obser­ vação e registro. Um inventário que não deixa de ser também um levantamento de subsídios ao estudo da gênese de aspectos da atua­ lidade, constituídos desde o início da colonização, ou seja, ò concur­ so de conhecimentos e estratégias trazidos pelos povoadores do Bra­ sil na composição de soluções hoje assimiladas como cultura. Repisando as questões suscitadas pela leitura de Florestan Fernandes, não se poderia dizer que tenha havido de sua parte um descuido consciente ao não confrontar o dado com o contexto social de sua produção intelectual. Intitulando sua proposta de método de interpretação funcionaiista, o sociólogo assume o empenho desta Escola em fornecer uma visão “totalizadora ou globalizadora” (1975, p. 277) de seu objeto de estudo, o que não exclui de suas reflexões considerar os condicionamentos históricos sobre os autores que re­ gistram a informação. Ocorre que o amadurecimento dessas questões metodológicas também transcorre em ritmo condicionado pelas experiências de campo e pela percepção de seus resultados como causa da escolha de tal ou qual perspectiva. Há um crescente reconhecimento, nas pesquisas sociais recentes, de que é a tomada de perspectiva a esco­ lha do ângulo que define o teor das descobertas que serão feitas, bem como o grau de compreensão do objeto de estudo e a forma de transmissão ao público. Cresce a percepção de que os resultados da pesquisa já estão definidos no momento da adoção do método. Pode­ riamos, então, concordar que os estudos sobre sociedades e culturas têm por objeto empreender exercícios de autoconhecimento e reco­ nhecimento de nossas convicções e aspirações, não sendo estas nada mais que sentimentos produzidos no meio social em que vivemos, e que ao final cumprimos o papel de registrar observações de nosso

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R ita H elo ísa d e A lm eida

tempo (e de nossa ordem de valores). Mas, se hoje nos prendemos ao aspecto frágil que tal constatação imprime às nossas análises, vendo (e lamentando) a relatividade de seu peso para o processo cumulativo de conhecimento (nem sempre progressivo e ascendente), aó menos nos livramos da atitude de exigir que nossos autores (e atores sociais), situados no passado, percebam a realidade ém que vivem com os olhos de quem os observa duzentos anos depois. O trabalho de seleção dos temas, qualificação dos dados e orga­ nização segundo a ordem da relevância, precisão e confiabilidade da informação, representa a contribuição de Florestan Fernandes aos estudos de Antropologia e História. Ele faz justiça ao ofício do etnógrafo, no que tange ao empenho de registrar com fidelidade suas observações, ou melhor, ele abstrai o empenho e transplanta a ima­ gem para uma situação em que inexiste a observação direta, fazendo suas as impressões dos autores quinhentistas e seiscentistas. Creio que esta fórmula vem sendo experimentada com intenções e resul­ tados diferentes. O historiador Carlo Ginzburg, ao perscrutar o raciocínio sinuo­ so de Menocchio, um obscuro moleiro perseguido pela Inquisição por supor que o mundo tinha sua origem na putrefação, vasculha o processo de julgamento, mas segue adiante reconstituindo a biblio­ teca de seu personagem, por desejar entender o porquê daquela sua declaração (1989: pp. 11-12). Neste caso, o material literário confi­ gura o universo de valores, idéias e sentimentos que deram sustenta­ ção a essa explicação sobre a origem do mundo, permitindo a Ginzburg explorar, por este ato herético, contestador do pensamento dominante, o difícil caminho, o pouco registrado campo da cultura popular, da luta de classes, em suma, o pensamento e o cotidiano das classes subalternas. Sua intenção foi fazer uma etriografía sobre o que não chegou a ser registrado e uma arqueologia do irrevelado, procurando saber quais as motivações ideológicas do encobrimento social de seus significados. Já o antropólogo Edward W. Said faz uso distinto do material literário de sua pesquisa. Assume as implicações sociais sobre a pro­ dução literária como a via pela qual se pode visualizar um discurso europeu sobre o Oriente como a expressão inversa do conjunto de valores da civilização ocidental. Sua intenção foi fazer uma arqueo­ logia das questões mais profundas do relacionamento humano, qual

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seja, a de saber como afloram os sentimentos de pertencimento e estranhamento no encontro com o Outro (Said, 1990). M inha perspectiva aproxima-se daquela com que Said trabalha, quando defino que são os autores dos textos examinados os atores da cena que estudo. As fichas de anotação que utilizei a partir da leitura do material de arquivos têm aqui o mesmo tratamento analí­ tico sugerido por Florestan Fernandes, no que diz respeito a produ­ zir amostras deste discurso pensando em uma composição. Uma per­ gunta que presidiu toda a fase de pesquisa dos dados foi o que tomar como peças da composição, algo correspondente à indagação de Florestan Fernandes, isto é: o que considerar etnográfico. O Diretório exprime uma visão de mundo, propõe uma trans­ formação social, é o instrumento legal que dirige a execução de um projeto de civilização dos índios articulado ao da colonização. Em suma, um objeto de intervenção amplo, que abrange a pretensão de construir uma nova ordem social. As anotações que fiz procuram traçar uma linha em tomo desta abrangência. Selecionei como mate­ rial documental: a correspondência dos governantes, os relatórios de funcionários coloniais, as memórias e outros escritos de cunho oficial que tratam do projeto colonizador. Nestes registros, os índios são objeto de transformação, e, quando o conhecimento de seu modo de viver não possui interesse como material estratégico, são rarefeitas as observações. Em resumo, é um material que só fornece as falas dos coloniza­ dores e, basicamente, a do governo colonial. Aqui se repete, sem ilusões, a viagem de retorno realizada por Edward Said e, especial­ mente, Bernard Daniel McGrane, em sua proposta de ler a história das concepções sobre o Outro, formuladas pela civilização ociden­ tal desde o século XVI até o presente e que lhe dera como rastro a história desta problematização na Antropologia (McGrane, 1976). Sem ilusões, porque serão tratadas aqui, principalmente do discurso colonizador, a tradição a partir da qual ele se forma e as diferentes experiências históricas de que o Diretório é exemplo. Assim, à medida que avançavam as anotações e o entendimento das questões, foram se definindo aspectos da configuração histórica que cerca o Diretório, com temas que começam com o próprio, sua discussão como política de civilização e incorporação dos índios à colonização. Abrangendo tudo: os acontecimentos decorrentes do

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Tratado de Madri, a expulsão dos jesuítas, a secularização das al­ deias, as reformas institucionais em Portugal e no Brasil. Esses aspectos que cercam o estudo do Diretório são temas simultâneos que muitas vezes incidem em um mesmo documento, negando-se mutuamente, sem permitir mensurações sobre a efeti­ vidade do projeto. Este tipo de material pode confundir o pesquisa­ dor, se adotado como procedimento escolher um dado entre outros, usando como medida critérios estranhos ao universo de significados do objeto de estudo. Neste caso, encerra-se a adoção do procedi­ mento de Florestan Fernandes com o recorte do campo do objeto de estudo já bem delimitado e dá-se início a um roteiro de interpretação em que os dados são lançados ao texto, quero dizer, expõem-se os discursos e discute-se seu teor. Todavia, a questão não se restringe à definição do procedimen­ to de pesquisa. Voltamos ao domínio do objeto de estudo e da pri­ meira razão anteriormente citada, para justificar uma descrição db Diretório, entremeando trechos originais com comentários nossos, procurando, deste modo, partilhar com o leitor a interpretação do texto. Note-se que, no fundo, todas essas explicações e cautelas exprimem uma vontade de manter a postura de observação e registro como linha fronteiriça a separar o pesquisador do objeto. Isto, por­ que no uso de documentos que representam a linguagem de uma política, a emergência de contradições não é fato que ieve a descar­ tar um dado por outro eventualmente mais coerente e confiável. De fato, a contradição entre as informações constitui um dado. Nosso objetivo é chegar a uma composição das peças do discurso. Assim, cada anotação em ficha pode ser vista como uma amostra, na medi­ da em que representa uma leitura de um documento particular, uma carta, uma lei, uma memória, que chama nossa atenção por falar sobre um e outro tema anteriormente relacionados. Esta maneira de trabalhar os dados é orientada pelos conceitos de “processo”, “configuração” e “hegemonia” de Norbert Elias, e naturalmente os de “cultura” e “civilização”, como um material que se forma lenta e espontaneamente nos processos sociais (1990,1993, 1982, 1985). Não se esgotam aí as influências, os empréstimos de perspecti­ va e as lições dos autores sobre o método de estudar. A leitura de Foucault (1977, 1978, 1982) sobre “poder” como um movimento

que desencadeia forças, bem assim seu estudo sobre “modelos de verdade”, que constituem áreas de conhecimento como o Direito. Finalmente, cabe dizer que o conceito de “disciplina” de Foucault foi-me de grande valia por aproximar-se das interpretações de Elias quando este transmite a idéia de processo civilizador como aprimo­ ramento do controle sobre as emoções. De Richard Morse (1988), foi trazida para este trabalho a idéia sobre os desdobramentos da colonização na América, como resultantes de opções culturais cons­ tituídas conceitualmente em tempos remotos da formação das na­ ções européias. O material reunido neste trabalho é resultado de minha pesqui­ sa nos arquivos do Rio de Janeiro e Lisboa, havendo ainda alguma contribuição colhida no Arquivo Público Mineiro e no Arquivo His­ tórico de Goiás. No Rio de Janeiro, enquanto participava das ativi­ d a d e s do c u rso de dou to rad o previstas pelo Program a de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (1990 a 1992), tive a oportunidade de consultar a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, a Mapoteca do Itamarati, o Real Gabinete Portu­ guês de Leitura, tendo conhecido bem o acervo do Instituto Histó­ rico e Geográfico do Brasil. Nos seis meses passados em Lisboa (1992), trabalhei no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Histórico Ultramarino, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca Nacional, Sociedade de Geografia e Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar. A lista extensa de arquivos indica os rumos da presente pesqui­ sa. Em cada um desses arquivos, o propósito foi sempre identificar todo documento que viesse compor a situação que cerca o Diretório. É com o sentido de esclarecer a documentação oficial sobre o Diretório que virão ao presente trabalho os conceitos que estavam sendo elaborados por Morus, Rousseau, Bentham e Locke. Não hou­ ve, entretanto, uma preocupação em estudar detidamente o pensa­ mento destes filósofos. Como autores próximos ou mesmo con­ temporâneos ao Diretório (exceto Morus), seus escritos foram consultados com o mesmo interesse de quem busca o significado de uma palavra no dicionário da época em que estava sendo empregada. Todas as transcrições aqui reproduzidas são fiéis aos documen­ tos consultados. Adotei a atualização ortográfica das palavras, sem entretanto modificar a estrutura das frases, a pontuação e, principal-

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mente, o conteúdo. Deste procedimento excluí os nomes de etnias e . lugares, cuja grafia está conforme os padrões de escrita da época em que foi registrado o documento. Nas citações, todos os grifos são meus, quando não menciono a autoria. O presente trabalho está dividido em três partes. Na primeira, procurei identificar aspectos da cultura do colonizador europeu que estão presentes na organização dos governos implantados na Améri­ ca. Na segunda, a experiência do Diretório é avaliada como exem­ plo de transposição cultural, na medida em que se trata de um plano de civilização de índios e, ao mesmo tempo, de um roteiro de empre­ endimento colonizador. A terceira parte realiza um inventário das concepções expressas por brancos sobre eles próprios, os índios e a. civilização. A intenção é apresentar, no último capítulo, um material inédito relativo aos índios que foram interrogados pela Inquisição. Pode-se dizer, sem sombra de dúvida, que estes depoimentos consti­ tuem as primeiras comunicações diretas com o pensamento do índio do século X V m . Tais depoimentos nos permitirão, inclusive, ava­ liar os efeitos da aplicação do Diretório nos indivíduos.

Primeira Parte As Id éia s

Capítulo 1 Civilizar índios foi sem pre uma form a de colonização

Civilização é um “conceito que expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo”, define Norbert Elias em O processo civilizador (1990, p. 23). Representa “um processo ou, pelo menos, seu resultado”, acrescenta o autor, observando os significados que pode assumir o conceito em cada sociedade e em cada situação his­ tórica que nele encontra expressão e uso (id, p. 24). No vocabulário próprio desta pesquisa, constituído pelo que emana do material colhido nos arquivos, entende-se “civilização” como uma ação deliberada sobre os índios do Brasil, no sentido de sua conversão aos valores e comportamentos dos colonizadores por­ tugueses. Poder-se-ia comparar e reconhecer este mesmo sentido nos procedimentos adotados pelos espanhóis, franceses, ingleses e holandeses em suas ex p eriências de conquista de povos e apossamento de novas terras. É mesmo possível aquilatar todas es­ tas experiências de conhecimento de realidades extra-européias, reduzindo-as a uma só pelo passeio imaginário dos olhos sobre o globo terrestre, tendo como referência temporal a não menos vaga noção de meio milênio de descobertas e conquistas. Mas nem sempre tal conceito esteve claramente associado a uma intervenção sobre o outro extra-europeu, em nosso caso os índios do Brasil. Foi mediante o gradativo acúmulo de conhecimentos e prá­ ticas que o conceito de civilização se tomou sinônimo de ação sobre os índios, entendendo-se no transcurso de meio milênio de contato a

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experimentação de vários modelos com distintas doutrinas e estraté­ gias. Somente em nosso século assiste-se à associação do sentido do conceito ao exercício de um a política que tem representação institucional no Estado e participa em programas de governo como tópico específico e articulado às questões da economia e do desenvol­ vimento interno do país. Como se pode ver, civilização é um conceito de plena atualida­ de institucional, que guarda em si uma idéia muito antiga. E para começar a sobre ele discorrer, nada mais apropriado que tentar ima­ ginar as sensações de quem experimenta o deslocamento do familiar ao desconhecido e qual bagagem leva consigo. Alguns elementos, no caso, podem ser extraídos de uma entrevista com Salman Rushdie, o escritor condenado à morte pelo Aiatolá Khomeini por haver su­ postamente ferido instituições islâmicas em seus escritos, desde en­ tão vivendo a experiência de estar sempre escondido e obrigado a freqüentes trocas de esconderijos. Indagado sobre a bagagem que carrega consigo, responde-nos o escritor algo profundam ente esclarecedor à reflexão sobre o conceito de civilização:

O exemplo da escritora reforça o argumento de que um conjun­ to de convicções, calcadas em sentimentos de motivação pessoal, política e cultural, é perfeitamente adaptável e transportável a qual­ quer contexto. Tal como Luxemburgo, Rushdie reverte a adversi­ dade, transportando consigo, em “um pouco mais do que uma mala”, a necessidade afetiva de todo escritor — de estar no mesmo quarto, com o mesmo material, o mesmo silêncio. Este é um ponto referencial extremo, que informa a constitui­ ção básica da identidade pessoal e as condições mínimas à sua so­ brevivência. É o mesmo referencial que serviu ao viajante Rafael Hitlodeu, personagem principal de A Utopia, para definir o que seria um bom presente a ser oferecido aos seus amigos insulares. Relata esse viajante, pela pena de Thomas Morus, que em sua quarta via­ gem à Utopia decidira embarcar com uma pequena biblioteca, “re­ solvido que estava de só regressar à Europa depois de longo tempo” (p. 122). Ao retomar, em lugar de mercadorias, deixaria aos utopianos idéias européias constituídas a partir da matriz greco-romana que está representada nos livros de Platão, Aristóteles, Homero, enfim, na pequena biblioteca que levara consigo. É preciso ter em conta que obras como A república, de Platão, A Utopia, de Thomas Morus, e A cidade do sol, de Thomás Capanella, podem ter sido a biblioteca-valor de Karl Marx, George Orwell e Fidel Castro. Cada um, a seu modo, transportou o conceito de “uto­ pia” para o quadro das questões urgentes de sua vivência. É curioso observar que uma obra como A Utopia teve como matéria-prima os relatos de viajantes sobre mundos extra-europeus. Com certeza, os projetos de construção do novo mundo, da nova Europa na América, por portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses, inspi­ raram-se nesses livros construídos sobre o imaginário dos viajantes. As impressões registradas sobre o estranho e o exótico convertemse em valores (ideais europeus) que seriam aplicados àqueles que foram fonte de inspiração. A este estranho retorno dedico atenção, pensando não só no Diretório como um instrumento jurídico criado para viabilizar a implantação de um projeto de civilização dos índios na Amazônia, mas também em nossas mais recentes utopias, as que desmoronaram há pouco tempo e as que permanecem como programas (ideais) da humanidade.

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Um pouco mais do que uma mala [...] Quando preciso de um livro, peço a alguém para mo comprar. É uma experiência muito frustrante. A biblioteca de um escritor é um pouco como o seu sexto sentido. Às vezes, procura-se esta ou aquela frase, de Diderot ou de qualquer outro, e não se tem o livro. Normalmente, tem de se encontrar o livro logo. E sabe-se onde o encontrar. Mas quan­ do se tem 200 livros que transportamos conosco e que temos de estar sempre a empacotar, uma pessoa deixa de saber de que terra é [Público, 23 de outubro de 1992, pp. 4-5]. Há, portanto, uma bagagem essencial à sobrevivência psíquica de qualquer indivíduo, mesmo vivendo em condições de prolongada adversidade. A mesma questão pode ser entrevista em uma carta de Rosa de Luxemburgo (1983), na qual relata a condição de estar den­ tro de uma cela mínima, contendo quase nada a observar, exceto as rachaduras e manchas da parede. Ela nos mostraria como esta opera­ ção, repetidas vezes, de observar a mesma parede, permitiu-lhe en­ xergar desenhos que tiveram o efeito de atenuar o estado de isola­ mento em que se encontrava (Carta de 23 de setembro de 1904 1983, p. 153).

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É com esta perspectiva que inicio a discussão sobre a experiên­ cia de aplicação do Diretório à civilização dos índios do Brasil colo­ nial. O que vem a ser este regimento publicado na segunda metade do século XVIII? O Diretório não surgiu do nada. Extensa legisla­ ção o precede, como experiência de conceitualização do índio e expectativa de sua inclusão ou exclusão do mundo civilizado. Será preciso fazer um sobrevôo nesta legislação, identificando os pontos em torno dos quais foi delineado um plano de civilização no Diretório, para, em seguida, verificar o que de inovação e de repetição surgiu nele e na legislação posterior. O conjunto desta legislação tem sido a biblioteca de todo jurista, político ou qualquer pessoa relacionada com a formulação e execução de leis, planos e estratégias de civili­ zação dos índios. Um exame desse material por certo mostrará que todos os procedimentos criados para reduzir impasses e contradições, gravitam sempre em torno de uma mesma solução-fim, qual seja, a incorporação dos índios, a sua conversão aos valores e modos de vida da civilização ocidental. Antes, porém, cabe uma menção aos problemas metodológicos que eventualmente serão encontrados na leitura deste tipo de mate­ rial. Uma leitura analítica de textos legais é sempre incompleta se destituída de atenção a seu contexto formador. Pelo menos este é o caso de leis destinadas a estabelecer normas para situações de po­ tencial ou efetivo conflito. A melhor via de interpretação deve ser a leitura do texto formal, contemplando as realidades históricas em que foram aplicadas e as possíveis leituras daí resultantes. A tarefa que se impõe é saber discernir o que são e quando ocorrem leituras de ocasião. Teriam estas leituras um significado contínuo e coeren­ te, em se tratando de leis destinadas a nortear as relações de trabalho entre brancos e índios? É claro que não. E a situação colonial e os seus desdobramentos na atualidade das relações entre índios, fazen­ deiros, posseiros e outros no meio rural brasileiro bem o demonstram. Os exemplos historiográficos e etnográficos também atestam que a conjuntura dita o argumento do texto formal da lei, mas as interpretações de ocasião podem distorcer a intenção dos legislado­ res, ainda que estes tenham sido chamados a organizar (normatizar) determinadas realidades conforme suas necessidades e exigências.

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Deve-se observar, inclusive, que uma leitura da legislação, atenta somente às determinações conjunturais, pode resultar em meia com­ preensão ou em uma compreensão também conjuntural e conforme Com a perspectiva de quem analisa. Daí adotarmos a via dos concei­ tos para um inventário das idéias que formam a base comum de leis e planos que objetivaram a civilização dos índios, deixando em ní­ vel secundário o exame dessas leituras de ocasião, certamente as que deram vida ao texto formal, suscitando alterações e mesmo a substituição de uma legislação em nome de outras.

Uma intenção de incorporação em meio a leis de escravidão Quando lemos a palavra “civilização” nos documentos relati­ vos à colonização portuguesa, podemos começar por entender uma intenção educadora no sentido de uma transformação. Contendo em si esta intenção, o conceito civilização estará sempre associado a uma ação autoritária. Mas, apesar de esta ação supor uma relação assimétrica, alimentada por convicções de superioridade, nem sem­ pre implicou uma atitude de beligerância e extermínio. Com o pro­ pósito de preservação, a longo prazo uma conquista completa estará assegurada mediante um processo gradual do qual fazem parte a guerra justa, a anexação de terras, a escravização dos vencidos e seu adestramento por meio da catequese e do trabalho devido ao con­ quistador. O que, em verdade, estamos visualizando são graduações de um processo de aniquilamento da soberania do vencido dentro de uma lógica em que seu conquistador tem um propósito de preserva­ ção física. Planos e políticas de civilização tiveram sempre este mesmo propósito, diferenciando-se entre si pela forma de agir sobre o índio. Um estudo sobre tais formas também pode ser descrito como o cresci­ mento gradativo da capacidade do branco e de sua civilização, de entender e permitir atenuações nesse propósito de incorporação e convívio. Nessa atitude conservadora, a liberdade dos índios sempre foi artigo resguardado. Em todo o período colonial manteve-se essa inten­ ção, ainda que sob ressalvas que permitiam a escravidão de índios

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nos casos ]) dos que estivessem envolvidos em “justa guerra” com os brancos; 2) daqueles que estivessem impedindo a pregação evan­ gélica; 3) dos que fossem surpreendidos presos à corda por outros índios para serem vítimas do canibalismo; finalmente, 4) dos que já se encontravam cativos, em razão de guerras tribais. As mesmas condições são encontradas figurando como justifi­ cativa para o resgate de escravos da costa de África. A escravidão seria, assim, explicada como uma lei em tempo de guerra, podendo apresentar-se ilusoriamente como redentora, uma vez que liberta — literalmente, resgata — prisioneiros da idolatria e da barbárie, cristianizando-os e convertendo-os em bens de utilidade econômica. Em suma, sob o resguardo destas e outras considerações, formas manifestas ou indiretas de escravidão foram legitimadas como um mal menor, com possibilidades de correção moral a longo prazo.1 No caso dos índios, em certas ocasiões essas exceções seriam abolidas em nome da liberdade absoluta, permanencendo, significa­ tivamente, apenas uma: a que mantém como escravos os que fossem “filhos de pretas escravas”.*2 Vê-se, nesta ressalva, como os oriun­ dos do continente africano estariam em todo o período de coloniza­ ção portuguesa no Brasil, inclusive durante o Império, inexora­ velmente associados à instituição da escravidão e às condições morais de “infêmia” e “vileza” nela subjacentes. Já os índios, em determi­ nadas circunstâncias, estariam liberados da escravidão e resguar­ dados como naturais habitantes do Brasil.

A situação histórica em que foi implantado o Diretório consti­ tui exemplo. No momento de definição da fronteira entre Portugal e Espanha na América do Sul, quando programas de colonização fo­ ram criados para desencadear movimentos artificiais de “nacionali­ zação” das terras e índios, o conceito de “vileza”, associado à pala­ vra “negro”, e o seu emprego expressamente proibido no Diretório para referir-se a índios indicam a direção por onde fluiu a legislação a eles relativa. A expressão “os próprios nacionais” é comumente encontrada na documentação administrativa relativa aos assuntos coloniais por­ tugueses. Ela denota um procedimento colonial pautado pela forma­ ção de alianças políticas com populações nativas encontradas nas “conquistas” portuguesas. Os textos dirigidos ao rei, em que se con­ sulta ou se requer algo,'são reveladores desta postura, desde cedo marcada pela intenção de preservar os índios do Brasil. Veremos, adiante, que a discussão de casos particulares, locais e circunstan­ ciais foi a matéria-prima para elaboração de leis e políticas colo­ niais. Os Manuscritos da Livraria, pertencentes ao Arquivo da Torre do Tombo, fornecem os primeiros exemplos. Comecemos por um Memorial (ANTT, Manuscritos da Livraria, livro 1116, fls. 593598) em que religiosos capuchos consultam o rei sobre as condições em que poderiam servir-se do trabalho escravo exercido pelo índio. Os casos listados mostram que são os preceitos morais a estabe­ lecerem formas graduais de escravidão. Considerou-se passível de escravidão o índio já cativo e/ou condenado ao canibalismo. Nestes dois casos prescrevia-se o cativeiro perpétuo. Já quanto ao índio que voluntariamente vendia sua liberdade para satisfação de suas neces­ sidades materiais de sobrevivência, cabia a seu comprador estabelecer a duração do cativeiro. Constata-se, pois, que o trabalho remune­ rado e livre pode ter-se originado de circunstâncias concebidas como forma de servidão voluntária e temporária. Para os índios aprisionados em guerra, a recomendação obede­ ce a uma postura universal nas relações entre os europeus e os nati­ vos encontrados nas terras descobertas:

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' Estas justificações, entre outras, foram alinhavadas por Azeredo Coutinho em texto escrito quando a escravidão já começava a ser combatida. O próprio mo­ mento crepuscular da instituição imprimiría ao pensamento deste autor um derra­ deiro vigor. O que por muitos séculos foi consensual e consentido pelas socieda­ des da civilização ocidental encontra-se cristalinamente sintetizado na seguinte frase do autor: “A liberdade dos homens no estado da sociedade não é nem pode ser absoluta, mas, sim, restrita aos limites marcados pelas leis da mesma socieda­ de” (1808/1966, p. 239). 2 A única exceção relativa à liberdade concedida aos índios foi dirigida aos des­ cendentes de pretas escravas. Mas esta exceção também podia ser anulada medi­ ante o julgamento de cada caso. Ainda voltaremos a esta questão, no quinto capí­ tulo, sessão O contexto do Diretório”. Lei porque V. Majestade há por bem restituir aos índios do Grão-Pará, e Maranhão a liberdade das suas pessoas, bens e comércio na forma que nela se declara — 6 de Junho de 1755 (Moreira Neto, 1988, p. 158).

N o ano d e 1595 passou um a lei na qual dá form a, contra a qual não podem os B razis ser cativos; pela qual em favor da fé, e con­

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versão da gentílidade do B razil proíba cativarem -se índios ainda que tom ados em guerra ju sta, com o o Im perador C arlos V, e os reis católicos seus sucessores proibiram absolutam ente cativa­ rem -se índios nas Províncias da Conquista de C astela, ainda em caso d e rebelião deles, e tam bém El Rei D om S ebastião em par­ ticular favor da [conquista?] do Japão, proibiu universalmente

semelhantes cativeiros dos naturais daquelas partes [Manuscritos da Livraria, fl. 596], Um controle sobre a administração dos índios cativos já se deli­ neava, portanto, desde cedo, como atribuição do Estado. Deste modo, em situações de guerra, os índios cativos da tribo vencida deveríam ser ordinariamente devolvidos a seus donos, salvo em caso de guer­ ras ordenadas pelo príncipe e nas quais se configuram as condições da “justa guerra” e do “resgate dos cativos” que nestas contendas forem surpreendidos. Os descimentos — isto é, operações de resga­ te para fins de escravidão — seriam regulamentados segundo a mes­ ma lógica, não resultando os cativos em posse de quem tivesse efe­ tuado a operação: Seria m uita razão e ju s tíç a S u a M ajestade m andasse an u lar a pro­ visão de que se fala por ser declaradam ente injusta, e contra as provisões reais. O fundam ento é porque descer algum gentio do sertão, ainda que seja por sua vontade em co m panhia d e algum branco, não dá ao branco título algum para se se rv ir dele, e o ter cativo [id, fl. 597].

A preocupação com a preservação da população nativa está implícita na sugestão de liberar as “índias de resgate” quando asso­ ciadas a “índios forros”, ainda que tivessem sido “de corda”, toma­ das em guerra ou condenadas à morte. O argumento é estratégico em uma situação de organização do governo da conquista: cuídava-se em não provocar inquietações entre os índios. O cuidado com o controle sobre o que acontece no ambiente colonial também está presente no referido Memorial, em que os capuchos solicitam a vinda de um clérigo. Diz o consulente, concordando com a existên­ cia de hierarquia, que é necessário o respeito com poderes bastantes porque desta m an eira se acudi­ rá a necessidade, e também guardará a devida subordinação no

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governo eclesiástico, no qual sem pre de notável prejuízo haver m uitas cabeças independentes [id, fl. 597].

O Memorial conclui com recomendações específicas sobre o povoamento e a implantação de organizações políticas: assim m esm o será mui decente, e ainda necessário que Sua M a­ jestad e m ande fazer Repúblicas nas povoações que de novo se fundarem conform e a grandeza de cada uma delas, e todas subor­ dinadas a um a cabeça [id, fl. 598].

O segundo texto apresentado à discussão é o Parecer sobre ín­ dios do Brasil, que também se encontra no mesmo volume conhe­ cido por Manuscritos da Livraria. Nele, o consulente indaga ao rei quanto ao tratamento a dar aos índios que oferecem resistência à colonização portuguesa, formando aliança com outros europeus ou colocando-se em atitude de beligerância contra qualquer coloniza­ dor, embora já tivessem sido contactados e sujeitos a processos de catequese. Aqui, verifica-se que o propósito de incorporação não retroage em função da resistência indígena. A evangelização, assim como a condição de ser habitante nativo em terras sob domínio portu­ guês, resguarda os índios da escravidão, p orque se são batizados [os Brazis] é contra o direito expresso, se o não são, com o vivem em nossas terras e vieram debaixo da p alavra de S. M ajestade que seriam livres, devem ser tratados com o vassalos [id, fl. 604].

O terceiro texto traz a indagação de um governador, Mathias de Albuquerque (ANTT, Manuscritos da Livraria, fl. 610), sobre qual procedimento adotar quanto ao destino dado a índios sublevados e aliados a outros europeus em episódios de reconhecida relevância na história colonial do Brasil. Com exceção de apenas uma rebelião ocorrida no ambiente dos engenhos do Nordeste, quando índios sa­ quearam e mataram brancos e negros, todos os casos foram julgados a partir da sugestão de comutar a pena capital pela do cativeiro. Em casos específicos, estes índios rebelados seriam destinados ao servi­ ço de moradores, recebendo “soldadas” como pagamento. No texto, este valor correspondente a um par de roupas dado a cada índio que

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prestasse serviço a moradores denuncia a condição servil sobre a qual f o r a m definidas tais relações de trabalho remunerado. Todavia, a decisão de preservar rebelados e traidores, eliminando-se somente os líderes para assinalar com a pena de morte o castigo exemplar, révelar-se-ia estratégica em tempo de definição da conquista, quan­ do disputas entre europeus pela posse de extensões territoriáis rela­ tivas ao Brasil fizeram do índio um potencial aliado a ser também conquistado. 0 quarto exemplo, uma Proposta a S. Majestade sobre a escravaría (ANTT, Manuscritos da Livraria, fls. 620-631), abrange todas as conquistas de Portugal, apresentando ao rei sugestões relativas aos casos em que poderia haver escravidão. O autor do texto baseou-se no conhecimento das distorções que tais leis sofriam quanr do chegavam às conquistas e eram aplicadas pelos povoadores e portavozes das intenções da Coroa Portuguesa. Ocupa-se, assim, em resguardar os índios da ilusão que possa representar a servidão voluntária e temporária:

e conservar Portugal em igualdade ideológica com os demais países da Europa. Em princípio, a sugestão ao rei tinha um caráter abrangente e extensivo a povos habitantes de todas as conquistas da Coroa. Para tanto, a justificativa geral é cristã:

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Os portugueses persuadiam aos índios que se vendessem, e com o por sua rudeza não entendiam quanto isto importava, vendiam -se assim mesmo por uma roupeta de algodão, e uns calções que de­ pois gastavam em serviço de seus próprios senhores, e quando depois entendiam o engano, se lhes não era possível fugir, uns morriam de paixão, outros viviam em perpétua desconsolação. O que se suspeita com muita probabilidade que acontece também hoje em outras semelhantes partes, com o de Guiné, C afraria [id, fl. 621].

Conforme recomenda o autor deste texto, os escravos utilizados em empreendimentos coloniais deveriam ser tão-somente os que as­ sim já estivessem definidos nesta condição em suas próprias socieda­ des. Por outro lado, a escravidão poderia ser abolida do Reino em razão dos problemas sociais e econômicos ali existentes e que só se agravariam se fosse mantida numerosa a população escrava. Entre­ tanto, o aspecto determinante desta preocupação é o contexto histó­ rico em que alguns países europeus já haviam adotado tal medida. Argumentando-se quão vergonhoso era o comentário de estrangeiros, segundo o qual “lhes vendemos a cristandade pelo cativeiro”, a medi­ da teria por fim atender à consciência cristã (no continente europeu)

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Se ganharão os ânimos de todas aquelas nações [porque] o prin­ cipal intento de os conquistar é a conversão, e a salvação de suas alm as, e ficarão estas duas conquistas nas mãos [?] de S. M ajes­ tade [id, fl. 621],

Para o Brasil, a medida teria uma razão política. Ao lembrar perdas populacionais já sofridas ao longo da fralda do mar, em guer­ ras e injustos cativeiros inflingidos aos índios, a medida vinha fazer justiça em fatos como: O risco dos pretos da G uiné que andam em grande m ultidão nos engenhos [do Brasil] se levantarem por toda aquela costa, com o já tentaram em algumas partes com grande perigo dos portugue­ ses que para se defenderem deles se valeram dos Brazis que são os muros e, baluartes daquele Estado, segundo dizem os portugue­ ses que lá vivem [id, fl. 629].

A medida, porém, continuava restrita aos limites da exclusão dos índios já cativos, a fim de não aumentar os danos políticos que pudessem advir da insatisfação dos colonos. Depreendem-se deste argumento as razões conjunturais pelas quais uma intenção de incorporação à colonização haveria de alter­ nar-se sempre com avanços e retrocessos no atendimento a interes­ ses dissonantes, representados tanto pelos moradores, no anseio de adquirir força de trabalho para seus empreendimentos, quanto pelas parcelas identificadas com a Igreja e o próprio Estado diretamente relacionados com a civilização dos índios.3 3 Os textos emitidos pela Igreja têm uma conotação de porta-vozes universais da civilização ocidental. Testemunham uma política de civilização para o mundo pagão. O breve do papa Urbano VIII, Commissum Nobis, de 22 de abril de 1639, refere-se “a todos os índios, tanto aos moradores nas províncias chamadas de Paraguai, Brasil e do Rio da Prata, quanto em quaisquer outras regiões e lugares

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índio: um assunto de Estado Uma clara e contínua intenção de incorporar nativos à coloniza­ ção pode ser vista como a política que, desde o início, definiu a relação dos portugueses com òs índios no Brasil. Analisando-se os principais textos legais, desde aqueles promulgados nos primeiros anos de colonização até os mais recentes, pode-se afirmar que as questões suscitadas pelo índio foram sempre consideradas assunto de Estado. Tal afirmação parece elementar, mas é a partir dela que se torna possível uma nova abordagem da história da legislação relati­ va aos índios. O enunciado é simples. Missionários de ordens regulares, páro­ cos, procuradores-gerais, procuradores de aldeias, tesoureiros, clé­ rigos, diretores de aldeias, diretores-gerais, inspetores, chefes de postos, sertanistas, enfim todas estas representações tutelares, só es­ tiveram à frente de trabalhos de atração, civilização, catequese e assistência aos índios mediante concessão do Estado. As priorida­ des e as exclusividades dadas a uma e outra destas representações tutelares e o trabalho em conjunto ou desenvolvido apenas pelo Es­ tado é que deram tonalidades diferentes à história da tutela como instituição. Mais do que tonalidades, estas diferentes representações tutela­ res indicam a configuração de distintos modelos de intervenção na vida indígena, gerados no bojo de exigências e de necessidades dita­ das por realidades históricas específicas e, naturalmente, pelo ama­ durecimento da questão, o conhecimento cada vez maior da nature­ za do índio e de suas expectativas frente à sociedade que o tutora. Estamos encaminhando a discussão para a afirmação de que a história da legislação indígena do período colonial pode ser escrita nas índias Ocidentais e Meridionais” como estando livres de quaisquer formas de sujeição. Para tanto, ordena “a todas e quaisquer pessoas, tanto seculares quanto eclesiásticas de qualquer estado, grau, condição e dignidade, ainda que sejam dignos de especial nota e menção, e a quaisquer regulares de qualquer ordem, congregação, companhia, religião, e institutos mendicantes, e não-mendicantes, ou monacais que daqui em diante não cativem, vendam, comprem, troquem, dêem, apartem de suas mulheres e filhos, privem de seus bens, levem ou passem para outros lugares, ou de outro qualquer modo privem de liberdade ou retenham em servidão aos sobreditos índios...” (Beozzo, 1983, pp. 103-105).

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ou lida no contexto das relações de trabalho. Isto porque todas as leis gravitam em tomo da questão sobre quem exerce o controle e a administração dos índios, no que de fundamental riqueza represen­ taram durante a colonização, ou seja, como população e força de trabalho. Uma das mais antigas é a Lei de 26 de julho de 1596, que asse­ gura a liberdade dos índios e atribui tutoria aos padres missionários da Companhia de Jesus (em Beozzo, 1983). Está claro que ainda não se trata propriamente de um exercício de tutela. Legislando desde cedo em torno de questões prementes, como a do povoamento e o trabalho feito pelo índio nos empreendimentos coloniais, os alvarás, os regimentos, as cartas régias produzidos sob esta determinação haveríam de definir um representante civilizado para exercer muito mais uma função de gerência do que uma tutoria, na moderna acepção do termo. No ambiente colonial em que transcorria o ano de 1596, ao missionário cabia apenas dirigir os descimentos e fiscalizar as normas de repartição dos índios entre os moradores, o Estado e eles próprios, missionários, observando o cumprimento de um turno de dois meses e o pagamento de salários pelos serviços prestados. Na referida lei é criada a figura tutelar do “procurador do gen­ tio”, que deveria servir a cada aldeia ao longo de três anos. Seria um serviço pago pelo Estado e estaria vinculado aos governadores, não estando, no entanto, evidenciadas no texto a forma como deveria ser feita a escolha destes procuradores nem as qualidades requeridas para o preenchimento do cargo. Já as funções de “juiz de aldeia” estão claramente definidas. O destaque dado à exigência de que fos­ se sempre uma pessoa de origem portuguesa demonstra a importân­ cia desta função no acompanhamento e julgamento de demandas entre índios e moradores. No século seguinte, em dois regimentos missionários consecu­ tivos, vêem-se as mesmas condições presidirem à elaboração dos artigos em torno de quem seria o administrador do índio. Aliás, es­ tes regimentos parecem haver sido rascunhados seguidas vezes pe­ los jesuítas, em cartas escritas do Brasil para Portugal. De maneira geral, os missionários eram os informantes de que a Coroa Portu­ guesa dispunha em suas “conquistas”. Eram as testemunhas ocu­ lares das situações de disputa, guerra e escravização envolvendo

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índios e moradores portugueses. A administração desses conflitos — seu govemo a longa distância — seria viabilizada por legislação formulada a partir das opiniões emitidas por esses poucos observa­ dores da vida colonial que sabiam ler e escrever. Embora esses mis­ sionários estivessem comprometidos com a manutenção do regime de trabalho escravo e dele necessitassem em seus próprios empreen­ dimentos coloniais, estavam, em sua maioria, francamente conven­ cidos de que tinham uma missão civilizadora a cumprir. As linhas mestras da política seguida por Portugal até o Diretório estão expressas de modo claro nas cartas de Antônio Vieira, escritas três décadas antes da elaboração dos regimentos das missões. Há um longo trecho que vale transcrever por inteiro, para; melhor acompa­ nhar-se a linha de seu raciocínio. Para os leitores conhecedores da literatura relacionada com a Amazônia, este trecho deverá soar um tanto familiar, pois encontra-se trabalhado em outros textos analíti­ cos mais recentes como sendo a realidade histórica que definiu po­ líticas e leis destinadas a todo o Brasil, do decorrer do século XVII até a metade do século XVIII. Impressiona o fato de estar sempre o ambiente amazônico a instigar estudos e a inspirar leis e arrojados planos de ocupação que acabam por estender-se a realidades regio­ nais bastante distintas no restante do país. Complexas condições am­ bientais, somadas a uma realidade indígena numerosa, foram os obs­ táculos e, ao mesmo tempo, os alicerces com os quais políticos, legisladores, empreendedores da Amazônia formularam planos de ocupação e os colocaram em prática. Em 6 de abril de 1654, Vieira terminava uma carta ao rei com a seguinte advertência: M as qualquer que seja a religião a que vossa m ajestade enco­ mendar a conversão deste estado, se eja e os índios não estiverem independentes dos que governarem , vossa m ajestade pode estar mui certo que nunca a conversão irá por diante nem nela se farão os empregos que a grandeza da conquista promete, porque estas terras não são como as d a índia ou Japão, onde os religiosos vão de cidade em cidade; mas tudo são brenhas sem cam inho, cheias de mil perigos, e rios de dificultosíssim a navegação, pelos quais os missionários não hão de ir nadando, senão em canoas, e essas muitas e bem armadas, por causa dos bárbaros e estas canoas, e os mantimentos para elas, e os remeiros, e os guias, e os principais

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defensores tudo são índios, e tudo é dos índios', e se os índios andarem divertidos [entretidos] nos interesses dos governadores, e não dependerem somente dos religiosos nem eles os terão para as ditas missões, nem estão doutrinados como convém para elas nem lhes obedecerão nem lhes serão fiéis, se nem fará nada. Pelo contrário, só dizer-se aos índios do sertão que não hão de ser su jeitos aos governadores, bastará para que todos se desçam com grande facilidade, e se venham fazer cristãos, porque só a fam a e o mêdo do trabalho e opressão em que os trazem os que gover­ nam, e o que os detém nos seus m atos, com o cada dia no-lo m an­ dam dizer, e é co isa tão notória, com o digna de se lhe pôr rem é­ dio [1654/1912, pp. 104-105].

Duas idéias podem desde já ser anotadas. A primeira, a de um Brasil amazônico, distinto das milenares civilizações do Oriente, que requeria estratégias de conquista apropriadas ao seu ambiente e à sua população. Em verdade, tratava-se de vestir com roupagens no­ vas uma muito antiga forma de proceder, e aqui já apresentada, quan­ do nos referimos à idéia de que a conquista da terra se faria por intermédio da aliança com o nativo dominado. Vieira é mais claro — repetimos: “Tudo são índios, e tudo é dos índios” (id, p.105). A segunda idéia refere-se ao jogo de forças sociais que envolve a disputa entre missionários e moradores pelo controle da adminis­ tração sobre os índios. Denunciando injustiças e apresentando su­ gestões, este texto ajuda a decidir em favor das ordens regulares. Voltemos às prim eiras linhas desta carta em que Vieira, pincelando uma série de injustiças cometidas contra os índios no Brasil, faz as seguintes recomendações que seriam observadas nos regimentos de 1680 e 1686, inclusive na legilação dos séculos se­ guintes: 1. Os governadores e capitães-mores deveriam ser destituídos da jurisdição sobre os índios, salvo em ocasiões de guerra, quando es­ tes estariam obrigados a um serviço considerado em prol do bem público. 2. Em tempos de paz, em vez de governadores deveria haver “procuradores-gerais” em cada capitania para administrar, com cer­ ta independência, em relação aos poderes locais, as questões perti­ nentes aos índios (id, p. 93, parágrafo II). Nas aldeias, os índios deveriam ser governados por missionários, que estariam incumbidos

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de fazer o controle anual de seus movimentos no referente à presta­ ção de serviços externos. A organização dessas aldeias seria continua­ mente examinada, estudando-se a conveniência de sua ampliação, redução ou remoção para locais mais apropriados à “doutrina” e ao que chamou de “serviço da república” (p. 95, parágrafo V). 3. O tempo gasto em “jornadas dos sertões” deveria estar re­ gularmente estabelecido em concordância com os interesses fami­ liares e pessoais dos índios. A sugestão de Vieira é que o turno de trabalho realizado fora das aldeias fosse aumentado para quatro meses, repartíndo-se a população total em duas partes, de modo a evitar-se o que exprimiu como “desserviços de Deus”, ou seja, a ausência prolongada dos índios de suas casas, o abandono das ativi­ dades econômicas domésticas e o despovoamento (id, p. 95, pará­ grafo VI). Todo pagamento aos índios, seja em retribuição a servi­ ços executados para os moradores, seja aquele destinado a “obras públicas de Sua Majestade”, deveria ser depositado previamente — operação para a qual havería uma “arca com duas chaves em cada aldeia”, cujo controle ficaria a cargo do missionário e do “principal” indígena (id, p. 95, parágrafo VII). 4. O estabelecimento de feiras quinzenais para venda de “frutos da lavoura” constituía o momento privilegiado de contato entre mora­ dores de povoações e índios de aldeias missionadas. O procurador dos índios (ou a pessoa a quem ele cometesse a tarefa) presidiria essas operações de comutação (id, p. 96, parágrafo VIII). 5. As entradas no sertão em busca de índios deveriam ser intermediadas por eclesiásticos, que teriam, a partir daí, o compro­ misso de administrá-los em suas aldeias (id, parágrafo IX). Aos ín­ dios “descidos”, seria concedido um prazo para acostumarem-se à nova situação, durante o qual seriam “doutrinados” e “domestica­ dos” para o serviço aos moradores (id, parágrafo XI). Aos missioná­ rios que presidissem as “entradas ao sertão” caberia julgar, com as­ sistência do cabo, os casos em que se poderíam resgatar “índios de corda”. O “prelado da religião” e o “procurador-geral” procederíam à repartição destes resgates entre os moradores (id, p. 98, parágrafo XIII). Essas “jornadas ao sertão” seriam constituídas por compan­ hias de soldados e missionários (p. 99, parágrafo XIV). Um dado que contraria a já cristalizada noção de que as administrações dos índios por regulares foram sempre excludentes é a sugestão feita por

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Vieira quanto à presença de um secular eleito pelo povo, o qual, juntamente com o religioso prelado, decidiría sobre a difícil questão da repartição da mão-de-obra indígena entre os muitos colonos e representantes do Estado (“...que o religioso seja o olheiro do secu­ lar, e o secular do religioso, e em um esteja seguro o zelo, e em outro a conveniência” — id, p. 102). 6. As aldeias deveriam ter, em número estável, o que chamou de “gente de serviço” e, um menor número, os “oficiais de guerra”. Estes cargos (“meirinhos”, “principais”, “capitães-de-guerra” e "sargentos-mores”) deveriam ser preenchidos por índios, mas a reco­ mendação de Vieira é de que tais funções militares fossem se extin­ guindo gradativam ente, passando os índios a exercer cargos relacionados com a produção econômica. Mesmo assim, um gover­ no indígena estaria sendo esboçado nessa data prematura, uma vez que as eleições desses oficiais deveriam ser decididas entre os pró­ prios “principais”, com o parecer dos religiosos (id, pp. 100-101, parágrafos XVII e XVIII). As normas do Regimento de primeiro de abril de 1680 (em Beozzo, 1983, pp. 107-111), referentes à repartição e às condições de trabalho, reproduzem quase sem alteração as recomendações de Vieira constantes na mencionada carta. No regimento de 1680, os ín­ dios ficam liberados da escravidão, inclusive os prisioneiros de gue­ rra. Uma medida que reforçaria esta intenção seria a ampliação do tráfico de escravos africanos. Outras medidas chegam a superar seu pensamento já inovador, dado o anúncio de uma disposição maior — a de permitir a formação de governos constituídos pelos próprios índios aldeados. Esses exemplos de governo nativo receberíam es­ paço político maior um século depois, na vigência do “Diretório dos índios”. A condição de que fossem aldeias de índios cristãos as que estariam autorizadas a formar governos autônomos com seus pró­ prios párocos e “principais”, sem outro capitão ou administrador imposto de fora, é sinal de reconhecimento de trabalhos de civiliza­ ção e catequese já consolidados e integrados aos processos de povoa­ mento. Analisaremos, aqui, as razões concretas — nada quiméricas — para a secularização dessas aldeias missionadas, mediante sua elevação à categoria de “lugares” e “vilas”, em atenção à dinâmica de seus desdobramentos como fontes irradiadoras da colonização.

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Estratégias de catequese a serem amplamente utilizadas no sé­ culo XIX são ensaiadas no regimento de 1680, como, por exemplo, considerar inconveniente o deslocamento dos índios dé seus ambien­ tes e habitações tradicionais, daí resultando a fixação de missões onde eles já se encontrassem. O propósito era a transformação gradativa dessas habitações em missões, para que os padres, resi­ dindo entre os índios, fossem ensinando-lhes a doutrina e o cultivo de produtos que pudessem ser permutados com os comerciantes que passavam pelos rios. Atribuindo à Companhia de Jesus o trabalho de catequese dos índios do rio Amazonas, assim como de outros situados em lugares ainda mais distantes, esse regimento imprime um cunho colonizador aos trabalhos missionários e já demonstra uma preocupação em adequá-los ao ambiente amazônico. Este exem­ plo de catequese itinerante, conforme veremos adiante, conviría ser repetido pelos dominicanos no século XIX, em circunstâncias seme­ lhantes, na região dos rios Araguaia e Tocantins, onde o comércio fluvial e a comunicação com os índios ribeirinhos seriam novamente os obstáculos e, ao mesmo tempo, os alicerces do domínio da região. O Regimento das Missões de I a de dezembro de 1686 (id, pp. 114-120) espelha, mais que o precedente, uma realidade de disputas acirradas pelo controle dos índios. Apresentam-se, assim, aspectos ambíguos como lei que procurou atender simultaneamente a interes­ ses conflitantes de moradores e jesuítas. De um lado, cresce o poder dos padres da Companhia de Jesus e os de Santo Antônio, que pas­ sam a ter o governo não só espiritual, mas também político e tempo­ ral, das aldeias de sua administração. Este fato aumentou o controle dos missionários regulares sobre o trânsito de índios destinados a prestar serviço aos moradores, assim como veio tomar mais difícil o acesso destes últimos às aldeias missionadas. De outro, os morado­ res passam a ter voz po meio de duas pessoas eleitas pela Câmara que, juntamente com o governador (ou o capitão maior), o superior das missões e dos párocos das aldeias, passam a decidir sobre a repar­ tição dos índios. As especificações quanto ao regime de trabalho crescem em rigor e minúcia. A complexidade das relações de traba­ lho pede normas reguladoras de situações eminentemente passíveis de resultar em escravizações, rebeliões, fugas e mortes. Em conse-

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qüência, os valores dos salários e dos gêneros produzidos e vendi­ dos pelos índios passam a ser rigorosamente regulamentados por comissões que representavam equítativamente— pelo menos no texto da lei — os interesses dos moradores, do Estado e dos missionários. O Regimento de 1686 é uma lei que já incorpora experiência e conhecimentos sobre o ambiente amazônico. O tempo de serviço cresce nas aldeias do Pará para seis meses, e, nas do Maranhão, para quatro. As atividades devem ser organizadas de tal modo que uma parte da população indígena permaneça na aldeia e as outras duas estejam ao dispor das solicitações externas. Decide-se como idadelimite para o trabalho a faixa de treze anos. As condições do traba­ lho doméstico de mulheres índias — as chamadas farinheiras recebem regulamentação em termos do salário correspondente ao tempo transcorrido (id, p. 119). Outro aspecto a mostrar a importância da mão-de-obra indígena nos empreendimentos amazônicos esta presente nestas especifica­ ções contidas nas normas a que os descimentos estariam sujeitos. Sublinhando a atribuição exclusiva de missionários, os descimentos revestem-se de conotações positivas, não mais resgates para fins de escravidão — pois o regimento de 1680 já tentava abolir esta ima­ gem __e, sim, como empreendimentos com finalidades de povoa­ mento.4 O objetivo da catequese, portanto, já leva em conta circuns­ tâncias ditadas pela opção dos índios de continuarem em suas próprias regiões de origem. O que não impede, contudo, de entender tal conve­ niência em favor do avanço gradual da colonização propiciado pelo trabalho missionário.

4 Em certa medida, um alvará sobre resgates, datado de 28 de abril de 1688, joga fora todos os esforços até então alcançados pelos regimentos de 1680 e 1686, no sentido da preservação dos índios por meio de sua incorporação aos empreendi­ mentos coloniais segundo as mesmas leis que regem os direitos de trabalhadores livres. Legislando sobre casos específicos em que se podia fazer resgates de ín­ dios, este alvará traz de volta a escravidão, tão-somente. Entretanto, uma política de civilização de índios articulada a pianos de colonização já estava claramente esboçada e sendo colocada em prática pelos missionários a par destas permissões de escravização e do gradual extermínio que implicava (“Traslado de outro Alvará de Sua Majestade, que Deus guarde, sobre os resgate” em Beozzo, op. cit., pp. 122-125).

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Finalmente, a recomendação dirigida aos missionários para que estudassem os casos de ampliação, redução e remoção de aldeias compreende o que pode ser considerado o primeiro ensaio dé povoa­ mento que marcou definitivamente a atual configuração dos antigos municípios brasileiros. Estabelecendo como limite mínimo o núme­ ro de cento e cinquenta habitantes, o regimento de 1686 recomenda­ va aos missionários proceder a reuniões ou separações de aldeias, já revelando preocupações de cunho urbanizador ao sugerir que as mesmas se ajuntassem em freguesias, nos distritos onde os missio­ nários fixavam suas residências (id, p. 120). Nenhum artigo desconsidera as “diferenças entre nações” nem as inconveniências culturais resultantes desses agrupamentos arti­ ficiais e desses deslocamentos espaciais, mas pode-se entrever e imaginar o quanto deixariam de ser compreendidos os grupos indí­ genas intrinsecamente organizados em torno de pequeno número de pessoas. Veremos nos regimentos dos setecentos, e mais ainda em evi­ dência na legislação posterior, que a gradual disposição em liberar os índios de toda sujeição, com a eliminação das ressalvas que permi­ tiam à escravidão, era sustentada por uma transformação nos signi­ ficados do conceito “civilização” para os que formulavam leis e em seu nome agiam. Esta transformação conceituai, conquanto tivesse como propósito a universalização de ideais da civilização ocidental, também anunciava, entre os indivíduos (os colonizadores), uma dis­ posição interna para o convívio com as diferenças étnicas e cultu­ rais. Assim, em lugar de serem adotadas formas de extermínio ime­ diato ou ao longo de uma vida sob condições de escravidão, o índio passa a ser visto como um povoador. Além de força de trabalho, representa número, população. Em termos descritivos e no horizonte das preocupações de fun­ cionários da administração colonial e dos colonos portugueses resi­ dentes no Brasil, civilizar e povoar formavam uma unidade de pen­ samento em torno de ações interligadas. Como vimos anteriormente, a catequese itinerante respondia a objetivos de expansão e conhecimento de novas terras, mas também fixava e implantava as condições para daí irradiar ou atrair movi­ mentos povoadores (“que as aldeias se dilatem pelos Sertões”, reco­ mendava, profetizando, o texto do Regimento de 1686 — id, p. 120).

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Quanto aos descimentos em sua nova feição, o missionário que os presidisse assumia o compromisso de dar seguimento ao processo por ele desencadeado. Ele seria o administrador dos índios nas al­ deias que se formassem após estas operações. Reflexões antecedem ações: a formação, o tamanho, a localiza­ ção das aldeias são assuntos estudados; considera-se a adequação dos terrenos ao cultivo e à habitação coletiva, pois ambos deveríam crescer na proporção das populações; reconhecem-se etnias e dife­ renças intrínsecas a cada uma delas. O controle da população indí­ gena, aldeada por meio de mapeamentos, assim como a operacionalização do novo conceito de descimento refletem uma maneira de equacionar problemas atinentes a índios, em favor de programas e movimentos espontâneos de povoamento. Estamos entrando no ter­ ceiro ponto a abordar sobre o conceito de civilização pertinente ao nosso material de pesquisa.

Os espaços onde ocorrem experiências de civilização É a partir dos regimentos das missões, principalmente na gestão do Diretório, que se verifica d surgimento de um conceito de civili­ zação cada vez mais associado a uma ação a realizar-se em espaços planejados. Nestes, os índios são instruídos na religião cristã, apren­ dem ofícios, integram atividades econômicas e estabelecem formas de convívio por meio do comércio, do trabalho e do casamento com os brancos. Nestes espaços, chamados, conforme a cada época, “mis­ são”, “povoação”, “aldeamento”, ou “posto indígena”, transcorre uma mesma ação que coetaneamente seria compreendida como sendo uma obra religiosa, uma empresa colonial, um serviço assistencial. Comecemos por examinar a concepção deste espaço no Diretório (1757). Este regimento abre parágrafos específicos sobre a organi­ zação do que também poderiamos chamar de laboratórios de apren­ dizados e vivências próprios da cultura do colonizador. O parágrafo 12 contempla o aspecto interno, recomendando a fabricação de ca­ sas, para os índios, semelhantes às dos brancos. Ali, as linhas da arquitetura delineiam o comportamento que se espera incutir nos índios mediante a separação diferencial dos interiores. No parágrafo

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74, são apresentadas as providências relativas à secularização das aldeias missionadas e a sua constituição em povoações organizadas à imitação dos modelos de administração de cidades e municípios trazidos pelos colonizadores portugueses. É recomendada a edificação de estabelecimentos de comércio, cadeias públicas e casas para re­ sidência dos índios. O parágrafo 75 dispõe sobre o esvaziamento das povoações e sugere equacionar-se o problema, examinando-lhe as causas mediante mapeamento da população indígena ausente. Os parágrafos seguintes indicam a mesma preocupação em estudar condições de dar seguimento a povoações ou missões já começadas. O propósito será sempre o reagrupamento destes aglomerados in­ dígenas, a fim de torná-los mais populosos. Daí não se cogitar a manutenção de aspectos físicos que recordem habitações indígenas tradicionais. O limite populacional mínimo de cento e cinquenta ha­ bitantes ainda constitui o referencial para estes estudos e planos de urbanização. O que nos parece um amadurecimento, e que surge lentamente, só revelando-se nas entrelinhas da legislação, é a disposição em ate­ nuar este sempre crescente — e irreversível— propósito de transfor­ mar as povoações indígenas em futuras vilas e cidades. No parágra­ fo 77, os critérios que entram em pauta nos estudos de organização espacial de povoações indígenas são: “a distinção das nações; a diver­ sidade dos costumes, que há entre elas; e a oposição, ou concórdia, em que vivem”. Além desses estudos, duas outras medidas seriam adotadas para refrear a tendência ao despovoamento imanente à maioria das povo­ ações construídas sob o impulso de movimentos artificiais de agru­ pamento de populações indígenas. Uma delas era, ainda, a utilização dos “descimentos”, cuja função seria manter constante a população das aldeias, provendo-as de índios. A segunda medida foi permitir a introdução de brancos nas povoações indígenas, concedendo-lhes terras e outros favores, com vistas a uma duradoura permanência entre os índios. A Carta Régia de 12 de maio de 1798 visou abolir o Diretório, para eliminar os efeitos abusivos do controle, pelos diretores de al­ deias, dos rendimentos auferidos com o trabalho dos índios. Embora negasse o Diretório, esta lei não apresentava soluções novas para as formas conhecidas de convívio social de índios e brancos em aldeias

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missionadas e povoações. Em geral, repete-se a fórmula, no que tan­ ge a transformar esses espaços em pontos de contato para estabele­ cimento de contratos de trabalho, para o comércio e o convívio so­ cial com as populações não-indígenas, que já proliferavam e se tomavam diversa e numericamente superiores em suas imediações. Destaca-se o fato de os descimentos se tomarem cada vez mais dis­ tantes da concepção original de operações de resgate de escravos. Nesta Carta Régia, verifica-se que o conceito de descimento se abran­ da, numa ação que objetiva “convidar aqueles índios que ainda estão embrenhados no interior da capitania a vir viver entre os ho­ mens” (em Moreira Neto, 1988). Denominando de “sistema” o con­ junto do conhecimento e das experiências acumuladas em termos de contato inicial com índios arredios, a Carta Régia de 1798 anuncia um outro procedimento, que tem “por princípio não o conquistá-los e sujeitá-los, mas prepará-los para admitir comunicação e trato com os outros homens” (id, p. 227). Estas idéias estão amparadas na decisão de liberar os índios de toda sujeição, inclusive, e principalmente, dos próprios diretores das povoações (como o próprio título indica, esta é mais uma lei de eman­ cipação). Assim, fica permitido a qualquer um que for ao sertão esta­ belecer contato com índios, podendo até mesmo trazê-los para as regiões civilizadas, sob a condição de que fossem educados e instru­ ídos por aqueles que os persuadiram a deixar suas habitações de origem. “Comunicações”, “comércio” e “trato” com índios por meio da educação passam a ser atribuições de qualquer representante da civi­ lização. Eclesiásticos, comboieiros e moradores (colonos) têm a per­ missão régia para empreender, cada um a seu modo, essa tarefa que antes cabia a representantes tutelares instituídos (religiosos regula­ res e funcionários seculares) (id, p. 228). A condição era a de que fosse respeitada a liberdade que esta mesma lei tentara revalidar ao abolir os poderes de diretores, mas que, paradoxalmente, outorgou a qualquer um o uso desses mesmos poderes. Não há como não apre­ ender de tais deliberações um sentido de enfraquecimento da tutela estatal, ou melhor, uma indefinição de sua representação imediata junto aos índios, no que concerne à tarefa do tutor, de intervir sobre sua natureza e bagagem cultural. O momento era de crise e denegação, mas essa lei não representava a solução.

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A crise na definição da administração tutelar, que se entrevê nas decisões contidas na Carta Régia de 1798, só deverá ganhar soluções novas no Decreto nB426, de 24 de julho de 1845 (id, pp.169-178). Trata-se de documento de grande importância na história da le­ gislação indígena, por apresentar claros sinais de amadurecimento, no que diz respeito a aspectos já contemplados e ainda não resolvi­ dos em leis anteriores. É, sobretudo, um regulamento voltado para o objetivo de organizar a administração tutelar, estabelecendo funções e definindo atribuições. Consolida-se o diretor de aldeia como figu­ ra tutelar presente nas situações de contato direto com os índios e na intermediação que exerce entre a aldeia e a sociedade abrangente, prevendo-se, para tanto, uma já bem ordenada estrutura de apoio, presidida pelo diretor-geral dos índios. Ficam, assim, sanadas as con­ tradições políticas emanadas da vinculação e da subordinação fun­ cional dos diretores de aldeias aos governadores e capitães-gerais, conforme estabelecido durante a vigência do Diretório e, de forma embrionária, nos regimentos das missões. A tarefa de civilização dos índios integra as ações e programas do Estado, mas já dispõe de representação institucional própria e soberana em suas deliberações. À fórmula repete-se no trato das questões referentes à “comuni­ cação” dos índios com as populações não-indígenas no interior das próprias aldeias. Pelo que se depreende dos artigos dedicados à orga­ nização espacial, o aspecto das aldeias cada vez mais se aproxima do de qualquer povoação brasileira de origem não necessariamente indígena. O referencial ainda é o de uma povoação europeizada. Há igrejas, oficinas, cadeias públicas. Dá-se livre acesso a visitantes que queiram negociar com índios ou estabelecer entre eles formas de convívio mais permanentes. Por certo, a consolidação desses aspectos, apenas germinados nas experiências de convívio anterior, contribuiu para a emergência de problemas fundiários até então iné­ ditos e que chegam ao nosso século como efetivas ameaças à sobre­ vivência física e cultural dos índios contemporâneos. Em verdade, de lá para cá, o que se vê é a delimitação desses espaços ao restrito local onde os índios residem e se mantêm como comunidades étnica e culturalmente distintas. Prova cabal é a introdução, nessa lei, de artigos específicos destinados ao equacionamento de problemas fundiários em terras ocupadas por índios, principalmente o parágra­ fo 14 do artigo 2, que recomenda a demarcação.

Estes e muitos outros dados podem aqui ser listados para visualização das novas configurações conceituais que se formavam. O descimento, repetimos, desfigura-se como operação de resgate e desaparece do vocabulário do legislador, mas permanece como idéia ou intenção de estabelecer contatos com todos os índios que ainda se encontravam arredios e, conseqüentemente, habitando terras de desconhecida riqueza potencial. Todavia, a utilização do índio como força de trabalho vai perdendo a conotação de condição indispensá­ vel a qualquer empreendimento econômico e povoador, pelo menos onde sua representação numérica é menos expressiva. Chega, por­ tanto, ao fim a consideração utilitária que foi responsável pelo seu ingresso quase sempre compulsório nos processos de colonização do Brasil. Permite-se, assim, aos índios, destituídos de utilidade eco­ nômica como força de trabalho, reintegrarem-se à sua natureza an­ cestral, ou melhor, a eles é oferecida a possibilidade de retorno à sua soberana condição de serem o que são. Estamos diante de uma visão romântica que deverá informar e influenciar profundamente a legis­ lação não só no sentido da preservação da etnia, como também da recuperação da bagagem cultural que a sustenta. Mais do que uma visão romântica, é um conjunto de valores que orienta políticos e legisladores na formação de um Brasil politicamente independente. O retorno do índio à própria natureza — que então se refletia na nova legislação indigenista — fazia parte de um movimento maior de formação da bagagem de valores nacionais, da qual o índio an­ cestral é parte integrante. Estamos em meados do século XIX. Estes são claros sinais de uma nova dissociação de idéias e ações que compreendem os conceitos civilização e colonização. A legisla­ ção do século XX incorpora-os completamente como idéias separa­ das, que, no entanto, devem ser pensadas como uma unidade. O De­ creto nB9.214, de 15 de dezembro de 1911, traz, no título, a dissociação. É um “Regulamento do Serviço de Proteção aos índios e Localização de Trabalhadores Nacionais” (em Brasil. Leis e decretos, pp. 112129). No artigo Ia do citado decreto fixam-se as diretrizes do órgão: prestar assistência aos índios e estabecer centros agrícolas em áreas por eles não habitadas. O que fora uma contradição trabalhada como complemento (= um obstáculo e um alicerce do povoamento) está agora claramente delimitado: é uma reserva. Literalmente, reserva-

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se um espaço para a preservação dos índios, em meio a um processo abrangente de ocupação de territórios e desenvolvimento econômico vindo de todas as direções e acionado por populações não-indígenas cada vez mais numerosas. De um movimento centrífugo a um mo­ vimento centrípeto, essas primeiras fontes de irradiação ao povoa­ mento que foram as missões e povoações indígenas são agora reser­ vas de índios remanescentes. 0 sentido de tutela, já plenamente desenvolvido, vem ao encon­ tro dessas situações já consolidadas, dando forma à tarefa de prote­ ger, velar, fiscalizar o interesse e os direitos dos índios. 0 respeito às soberanias étnicas está plenamente assegurado no capítulo I, artigo 4°, que legisla sobre a manutenção da “organização interna das diversas tribos, sua independência, seus hábitos e instir tuições, não intervindo para alterá-los senão com brandura e consul­ tando sempre a vontade dos respectivos chefes” (id, p. 113). Mas a intenção de intervir na vida dos índios, no sentido da adoção de hábitos e valores da civilização ocidental, ainda.persiste como atribuição do novo órgão tutor. Veja-se que o artigo 15 do Capítulo V prevê o estabelecimento de escolas para “o ensino pri­ mário, aulas de música, oficinas, máquinas e utensílios agrícolas des­ tinados a beneficiar os produtos das culturas e campos apropriados à aprendizagem agrícola” (id, p. 116). Contudo, essa intervenção de­ via manter-se nos limites da adoção de métodos brandos e jamais coativos, tal qual delineado pela primeira vez no Diretório como a face tolerante do colonizador— experiência que pode ser vista como ensaio da tutela exercida pelo Estado. 0 fio condutor dessa lei não foi a definição ou o estabelecimen­ to de um modelo de proceder com índios distinto dos anteriores. Este se constituirá nas leis seguintes do Serviço de Proteção aos índios (1911-1967) e da Fundação Nacional do índio (atual institui­ ção) como uma tradição indigenista que incorpora o já largo conhe­ cimento de convívio com o índio. O propósito desta presente lei foi criar condições para distinguir terras sob a posse de índios ou desti­ nadas a povoações indígenas de terrenos considerados devolutos e que poderíam ser concedidos ao então Ministério da Agricultura para criação de centros agrícolas e assentamento de trabalhadores nacionais.

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O Decreto nQ736, de 6 de abril de 1936, internaliza a dissociação, absorvendo a contradição que esta supõe ao eleger como objetivo do órgão tutor a “nacionalização do silvícola”, contribuindo, assim, para a “nacionalização das fronteiras ou o desenvolvimento e policia­ mento dos sertões habitados por índios” (em Brasil. Leis e decretos, p. 148). Em termos visuais, chega-se ao limite final (a fronteira), onde se encerra o processo de incorporação dos índios à sociedade nacional (id, p. 152). No mesmo decreto, visualiza-se o reconhecimento da irreversibilídade e da gradação progressiva, inerentes ao processo de incor­ poração dos índios, nas ações administrativas do órgão tutor, defini­ das em tomo de duas situações de contato: a) “postos de atração, vigilância e pacificação”; b) “postos de assistência, nacionalização e educação” (id, p. 157). . Assistimos ao refinamento dessas considerações em tomo de um procedimento gradual e sempre progressivo sendo incorporado à Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, no que se refere às defi­ nições dos conceitos de “índio”, “comunidade” e situações de con­ tato com a “sociedade nacional” (1975, pp. 5-16). “Proteger”, “fis­ calizar”, “respeitar” e, fundamentalmente, assegurar a vontade individual e coletiva são indicativos de uma tendência à suavização da tutela. Pergunta-se, então, qual a possibilidade de indivíduos estarem em condições efetivas de fazer escolhas ao final de processos avassaladores como o da catequese e civilização dos índios. A Lei na 6.001, de 1973, já permite e regulamenta a situação pessoal de o índio poder optar por permanecer ou não na condição de tutelado (id, p. 7). Um termo final que talvez encerre uma ironia — para os índios, é claro. Passa-se, agora, ao exame do processo que abrange a civiliza­ ção dos índios, a saber: as idéias organizadoras da colonização, prin­ cipalmente as que direcionaram ações mais duradouras de fixação de núcleos formadores de cidades.

Capítulo 2 Colonizar: o povoam ento e a edificação de cidades

Na linguagem corrente de nosso material de pesquisa, coloniza­ ção também encerra uma ação transformadora. Compreende a cria­ ção de economias, a formação de núcleos povoadores e a instalação de aparelhos jurídicos, políticos e administrativos de sustentação a esses empreendimentos. Em suma, colonização compreende toda a ação que foi colocada em prática pelos portugueses para assegurar a posse e a expansão das terras do Brasil, desde sua descoberta até a emancipação política. Delimita-se assim um conceito de múltipla significação, cujo entendimento sociológico é tão abrangente quanto sugere a diversi­ dade de contextos, épocas e finalidades com que vem sendo apli­ cado. Excluem-se de nosso vocabulário os sentidos e as finalidades que supõem o mesmo conceito, hoje amplamente empregado por órgãos estatais para denotar diretrizes de programas e políticas agrá­ rias. E escapa de nosso campo de investigação o uso do conceito associado a políticas e práticas de assentamento de imigrantes estran­ geiros que esteve em voga, do período que vai da abolição da escra­ vatura até o início de nosso século, como expressão da solução lar­ gamente empregada pelo Estado para equacionar os problemas de mão-de-obra no meio rural do Sul e Sudeste brasileiro. Há também exemplos que nos remetem a processos desencadeados direta ou indi­ retamente pela construção de Brasília, no centro do país, em 1960. Sob novas designações, “uma interiorização”, ou definidos mediante

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f expressões como “a marcha para o oeste”, tais processos são carac­ terísticos de uma colonização interna. Esses exemplos conjunturais bastam para assinalar qúe, embo­ ra atendam a fins específicos de cada época, têm sempre uma mes­ ma idéia de intervenção deliberadamente projetada e exercida pelo Estado. Todos os casos em que o conceito é empregado têm como sinônimo comum designar um movimento que não se constitui natu­ ral e espontaneamente das condições existentes é, sim, do resultado de ações dirigidas a fins programados. Parece-nos, inclusive, que os apelos emocionais que embasam essas ações recebem um trata­ mento ideológico comum a todos e são como que a força que impul­ siona e dá seguimentos mais naturais ao que no início é artificial. Por tratar-se de um conceito sociológico constituído a partir da experiência de quem primeiro promoveu o que entendemos por co­ lonização, melhor voltarmo-nos ao que pensavam os colonizadores portugueses sobre a matéria, começando por reconhecer o conteúdo ideológico que impulsionou os descobrimentos.

Nacionalidade e colonialismo Considerações econômicas bem sabemos que existem e proce­ dem de fundo histórico real. Todavia, insiste-se na ação fundamen­ tal de povoar, que permitia dar seguimento a conquistas. Por que povoar terras estranhas, se parte do próprio solo português continuava desabitada e inculta? As indicações quantitativas relativas ao século XVI são imprecisas, rarefeitas, embora historiadores como Caio Pra­ do Junior assegurem que Portugal, como qualquer país europeu, não estava em condições de colonizar outras terras com seu próprio povo (1970, p. 16). O propósito inicial nem teria sido o povoamento, mas assinalar o ato da conquista estabelecendo as comunicações e o co­ mércio com as populações nativas. Ainda que as primeiras ações se restringissem ao reconhecimento do potencial mercantil, supõe-se, como bem demonstrou o mesmo historiador, que explorar terras, esco­ lher locais de assentamento, construir feitorias (estabelecimentos fortificados para fins comerciais e defensivos) já constituíam ações que apropriadamente poderíam ser chamadas de colonizadoras (id, p. 16). Tais ações demandavam uma população de construtores,

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soldados, produtores e funcionários administrativos, em quantidade suficiente para garantir o funcionamento de um governo sobre a.conquista: um governo da conquista. Ao contrário do que se faria no Brasil, que representava extenso território a ser preparado para a produção mercantil, as conquistas portuguesas na África e Ásia aconteceram sobre agrupamentos urba­ nos e populações com níveis de complexidade e refinamento, em suas organizações socioculturais, compatíveis com os da Europa medieval. Novamente vem à tona a metáfora da mala do viajante que traz consigo uma bagagem mínima de referenciais com os quais preten­ de reconstruir no novo mundo o velho mundo ou reafirmar seu pre­ domínio, começando por formar um governo da conquista. Exemplos visuais dessas experiências de governo em terras conquistadas são as cidades portuguesas fortificadas, tomadas de povos vencidos, adaptadas, ou inteiramente construídas. Elas ates­ tam, em suas linhas arquitetônicas, soluções de convívio de múl­ tiplas e distintas culturas, com a resultante absorção e adaptação aos padrões europeus das experiências urbanísticas dos povos con­ quistados. Um relance de olhos nas plantas das fortificações confirma a asserção. Como exemplo, cite-se a planta de Malaca, que figura na coleção de iconografias reunidas por Luís Silveira (1955) (figura 1). Malaca foi fundada em 1402 por um príncipe sumatrense e desco­ berta pelos portugueses em 1509, sendo conquistada por Afonso de Albuquerque em 1511 e definitivamente perdida para os holandeses em 1641, passando ao domínio inglês em 1824. Estas repetidas in­ cursões, consagradas com tentativas de fixação ainda no alvorecer de ações efetivamente colonizadoras, só podem ser explicadas pela posição privilegiada da cidade diante do mundo: o estreito de Malaca é passagem de densa navegação a ügar a Europa e a índia ao Extre­ mo Oriente e à Austrália. O que visualizamos tanto no desenho de Malaca quanto em sua legenda é uma Europa intramuros em minia­ tura. Representa a implantação de um modelo de habitação fortificada, contendo as soluções de vida urbana adaptada aos costumes da reli­ gião católica e ao exercício de um aparelho político-admínistrativo comumente encontrado nas cidades européias. Nela vive uma popu­ lação diversificada e diferencialmente distribuída em cargos e fun-

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ções que não se restringem a finalidades militares. Para além dos esquemas defensivos, a legenda revela-nos um cotidiano de uma ci­ dade completa, pela indicação das seguintes localidades: Fortaleza, Igreja Matriz, Câmara, Misericórdia, Hospital de Pobres, Hospital Real, Colégio da Companhia de Jesus e vários conventos. Voltaremos outras vezes às plantas. No momento, importa cap­ tar a força que impulsiona esses transplantes culturais que ora ve­ mos em superfície plana. Como animar projetos de engenharia mili­ tar, dando-lhes relevo, profundidade, espessura, vida? Vem de Antônio Sérgio a tentativa de sua reanimação. Desta vez o exemplo vem das praças do Norte da África, significativamente denominadas os “Algarves de além-mar”, por certo — conscientemente, talvez — para deixar gravadas nesta expressão as primeiras experiências por­ tuguesas extracontinentais em Arzila, Tânger, Alcácer, Ceuta, Safim e Azamor. A vida nestas praças africanas era muito difícil e agitada, nutna guerra incessante de raids rápidos, com rapinas infindáveis de parte a parte. Estavam as povoações rodeadas de muralhas e de fossos, que constituíam, por via de regra, o lim ite do dom ínio dos Portugueses. Os sítios elevados, em torno, serviam de postos de observação. Quando os m oradores saíam ao cam po — para pes­ car, caçar, buscar lenha, etc. — , nunca avançavam até tão longe que os não pudessem avistar da praça, por m eio de tiros de bombarda. Trocavam-se lançadas com o inim igo, e morreram assim, em escaramuças estéreis, guerreiros dignos de maiores batalhas [1989, p. 52 — grifo do autor],

Antônio Sérgio prossegue mostrando que, além da implemen tação de uma escola de arquitetura e engenharia militar, a experiên­ cia portuguesa no Norte da África foi como um campo de treina­ mento militar para “jovens fidalgos portugueses fazer a sua iniciação nas lides da guerra e ser armados cavaleiros” (id, p. 53). Esta observação sinaliza o propósito de suas argumentações. Aliás, em seu Breve interpretação da história de Portugal, todas as informações históricas alinham-se na direção de uma mesma idéia de nacionalidade constituída na experiência (bélica, exploratória, comercial) de expansão territorial e subsequente dominação sobre terras e povos. Sua inspiração inicial é o historiador Oliveira Martins (1845-1894), para quem

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é Portugal uma nação mas não uma nacionalidade, isto é, existe pela vontade enérgica dos grandes chefes, de um escol de direção, sem que tenha unidade de raça ou fronteiras naturais... (id, p. 15).

Daí Antônio Sérgio proceder metodologicamente, reconstituindo a história de Portugal, passo a passo, com a biografia dos reis, fidal­ gos e navegantes que se notabilizaram na conquista de territórios. Os reis personificam essas conquistas territoriais, que começam, no continente, com a luta dos ancestrais contra outros povos invasores, prolongando-se intemamente em disputas pelo poder que haveríam de dividir os portugueses entre representantes de uma aristocracia rural mais associada aos interesses de Castela e os que, identifica­ dos com os projetos de expansão de uma burguesia comercial, deci­ diram por uma vocação marítima para Portugal associada a uma “missão histórica” colonizadora por excelência (id, p. 33). Um movi­ mento expansivo de norte a sul ao encontro dessa missão a realizarse para além do Algarve — a extremidade sul de Portugal — , dei­ xando inconclusa a colonização interna, revela-nos a outra face deste destino histórico. Um processo milenar de construção do território de Portugal, desenvolvido pari passu com o da formação da nacionalidade dos portugueses, é visto nos mapas antigos e modernos. Neles é possível acompanhar com os olhos um movimento territorial que começa no norte, com a formação das bases do poder, e que segue, contínuo, adquirindo terras e adesão política, até a extremidade sul, para daí desdobrar-se em descobertas e conquistas, tal como o pontilhado de rotas marítimas dos antigos mapas. Dilatar-se, espalhar-se mediante o estabelecimento de feitorias e colônias, reafirmando-se como um povo entre outros povos e terras estranhas nos quatro cantos do mundo em que se fizeram presentes, integra-se, assim, à trajetória de cons­ tituição da identidade nacional portuguesa (fig. 2). Semelhantes trajetos de expansão territorial fazem parte da bio­ grafia de povos conquistadores que constituíram reinos, reunindo em tomo de si tribos e territórios anexados, ou avançaram mais, organizando-se em grandes impérios. Os pontos culminantes de aqui­ sição de riqueza em terras e gentes parecem coincidir com os da consolidação da identidade coletiva dos indivíduos que atendem a

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uma mesma comunhão de idéias e sentimentos. Isto é válido para grupos, comunidades e nações (Mauss, 1972). Que pensam de si os “povos históricos” que se constituíram a partir de movimentos de expansão territorial e ascensão política e que com o passar dos tempos não submergiram em outros povos, nem se extinguiram, mas permanecem, muitas vezes, tirando sua continuidade justamente do reverenciamentò nostálgico a esse passado? A indagação é sugerida pela leitura de Norbert Elias (1985), quando trata da “embriaguez hegemônica” como o efeito dos senti­ mentos de filiação a um povo que teve um destino associado à gran­ deza. Estes povos, mostra-nos Norbert Elias, em momentos culmi­ nantes de seus trajetos históricos, nutrem-se da crença de que a luta, e a dominação sobre outros povos são uma missão, não importando muito se de ordem divina, histórica ou natural. Como exemplo, cita a guerra entre árabes e cruzados pela predominância das religiões que seguiam; em datas mais recentes, o fato de os franceses e ingle­ ses se terem portado como porta-vozes da civilização diante de po­ vos de outros continentes; por último, o que apropriadamente cha­ mou de “tendências missionárias” da União Soviética e dos Estados Unidos perante as demais nações, ambos engajados em uma mesma luta pela hegemonia no mundo (1985, p. 45). Indago agora sobre a percepção desta “embriaguez hegemônica”, por parte dos descendentes de povos históricos, pensando, com Norbert Elias, que o movimento consciente de identificação dos indivíduos com a própria história não é essencialmente crítico ou autocrítico, pois opera sobretudo em função de sentimentos de filiação a essa história e às idéias que esta transmite, ligando certo passado triunfante ao mito de fundação da nacionalidade. São esses povos contemporâneos a própria cristalização de mitos sociais e a garan­ tia de manutenção de seus significados como os novos personagens. A percepção crítica dessa filiação e de suas implicações dilui-se ou ziguezagueia entre considerações subjetivas e racionais, principal­ mente nas avaliações prospectivas e naquelas do presente em que o passado serve como justificação.

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Conhecendo um pouco mais a matéria-prima do Velho Mundo Essa continuidade pontilhada (fig. 2), que bem verificamos ser o desenho do movimento espacial de expansão territorial portugue­ sa, é semelhante e comparável ao que o antropólogo Renato Rosaldo observou entre os indígenas Ilongot, habitantes de uma região situa­ da no arquipélago das Filipinas. São os próprios Ilongot a transmi­ tirem a compreensão de sua história como uma seqüência de eventos ligados entre si e associados às suas concepções e práticas culturais. Daí resultam duas imagens no tempo: uma, correspondente ao mo­ vimento espacial e temporal de pessoas que seguem uma mesma trilha e, outra, descrevendo os movimentos alternados de concen­ tração e dispersão associados às demais outras noções nativas de casualidade e ordem social (Rosaldo, 1980, pp. 54-60). Estas concepções de tempo entrevistas no pensamento dos Ilongot são universais. A compreensão histórica de cada indivíduo, ou de cada coletividade, é sempre resultado do exercício reflexivo que articula acontecimentos a uma noção abstrata de processo, só inteligível sob a ótica dos conceitos próprios de cada cultura e socie­ dade. São concepções que condicionam a leitura ao passado e a sua ligação com o presente e o futuro, sendo, em consequência, consti­ tuintes da qualidade de distinção e ulterior identificação para quem as partilha. Mas o que parece indistinguir e encerrar-se em um princí­ pio universal é a noção de processo cumulativo de conhecimento e autoconhecimento visualmente descrito como um caminho trilhado por indivíduos e coletividades. É o que temos lido e percebido desde o início deste trabalho: biografias e processos gerais entrecruzam-se na história de Portu­ gal. O que nos parece importante reconhecer é que esta compreen­ são histórica não resulta de uma maneira particular de ver e organizar dados de um historiador português, mas é o próprio registro (etnográfico) de uma concepção cultural que liga biografias pessoais à história de Portugal, projetos de vida pessoal a projetos para a nação, personalidades a nacionalidade. É hora de passarmos a essas concepções culturais que encadeiam experiências pessoais a pro­ cessos globais, tomando possível pensar em uma continuidade de

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Portugal entre outros povos e terras. Nada mais fundamental que começar pela maneira como organizam o espaço social e reconstroem-no em outras terras. Só as nações civilizadas fundaram cidades, não só para se utiliza­ rem pela sociedade mas também para se defenderem das injúrias do tempo e dos inimigos [1756, p. 72], É o que escreve Ribeiro Sanches no Tratado de conservação da saúde (1756). O texto é pioneiro em idéias para uma política social. Glorifica e, ao mesmo tempo, reconhece os graves problemas causa­ dos por um tipo de vida urbana caracterizado, principalmente, por uma incompatibilidade com a natureza, um esforço ainda frustrante de dominar os recursos naturais e criar defesas contra a casualidade das catástrofes e epidemias. Atendia, assim, receptivamente, ao pen­ samento por mudanças que circulava nos ambientes esclarecidos das cortes e academias européias e que passava a adentrar gabinetes ministeriais, sob a forma de propostas de modernização de todos os setores da sociedade. A cidade de Sanches nasce da escolha criteriosa de sítios sadios “voltados para o oriente”, “adonde as águas sejam vivas e corren­ tes”, “com entrada para muitas embarcações e carros”, “nem úmido nem árido”, “com ventos permitindo plena ventilação” (1756, p. 54). Quando as razões de Estado prevaleciam contrariando a esco­ lha correta, ainda assim, recomenda Sanches, deviam ser observa­ dos o regime dos ventos, a distância razoável das grandes águas, as possibilidades de uso agrícola do solo, etc. Ele prossegue, sugerindo que as ruas deveríam ser largas e diretas, terminando em praças co­ bertas por calçadas, as casas de pedra e cal, os telhados resistentes e os aquedutos e alfarozes preparados para dar saída às águas (1756, p. 73). Da escolha do assentamento urbano ao risco programado das ruas, edifícios e praças, o que se revela em Sanches, além de um médico sanitarista atento às questões da saúde social, é uma aguda sensibilidade em relação aos problemas do convívio social. Para Sanches, os edifícios deveríam ser fabricados não só com “majesta­ de e grandeza proporcionada à povoação”, mas também de acordo com as “conveniências necessárias dos cidadãos” (id, p. 76).

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É o sanitarista quem traça o plano da cidade: Se as ruas e as praças forem cobertas primeiramente de cascalho, greda, carvão em pó, pedras de cantaria, e tão grandes que pos­ sam resistir por muitos anos à agitação dos animais e ao peso dos canos e canetas, impedirão quase todas as exalações da terra, darão êxito as águas e se conservarão secas, e podem-se limpar mais facilmente [id, p. 77], Mas é o educador quem dita as normas do bom convívio social: Havería em cada cidade, vila, ou lugar, lei inviolável que cada morador tivesse limpa cada dia pela manhã a fronteira da sua casa, com tanto rigor, que nenhuma sorte de estado, nem ainda eclesiástico ficaria isento desta obrigação [ib\. A disposição e a organização das cidades dentro de rede muni­ cipal e a exigência de elaboração antecedendo a construção encer­ ram o propósito de implantar cidades adequadas a um modelo de administração pública e política marcado pela forte presença do Es­ tado na gerência de todos os setores da sociedade. E nada mais dis­ ciplinar e fiscalizador que a geometria. A cidade de Sanches é um convite ao seu reverenciamento: Poderá ser muitas vezes obrigado pela irregularidade do terreno a fabricar as ruas, e as praças de forma diferente daquela que referíamos: mas todas as dificuldades se devem vencer para que as ruas que atravessarem os vales, ou lugares baixos da cidade, sejam mais largas do que aquelas plantadas nos lugares levanta­ dos: todos os obstáculos devem dissolver-se para que as ruas e as praças sejam cobertas de boas, e firmes calçadas, como todos os lugares públicos: que as águas da chuva, como as que serviram aos habitantes, tenham curso livre, e rápido por canais e cloacas [id, p. 76). Estamos no ano de 1756. O terremoto ocorrido em Lisboa em 1755, fazendo vir abaixo parte significativa de seus edifícios, toma­ ra possível substituir antigas concepções por novas propostas de experiência urbana, onde a geometria não seria apenas um esforço

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estético e, sim, uma solução racional previamente estudada para aten­ der a problemas sociais de grandes coletividades.1 As condições adversas impostas pela natureza teriam, por con­ seguinte, permitido a Portugal essa rara oportunidade de reconstruir sua capital a partir de concepções e procedimentos com base nos quais também nasce o Diretório dos índios como um plano edifi­ cador das cidades brasileiras. Estamos compreendendo a reconstru­ ção que teve eco em todos os setores da sociedade como uma dispo­ sição interna a mudanças da qual a cidade planificada é a visualização do resultado . •' Entretanto, Portugal e sua experiência marítima não começam sob o abalo de um terremoto. Portugal antigo não renasceu nos sete­ centos, na geométrica Baixa Pombalina de Lisboa reconstruída após o terremoto, mas continua vivo onde sempre esteve, na forma das mas estreitas e curvas que passam junto ao casario surgido nas ime­ diações do Castelo de São de Jorge, como também permanece res­ guardado no ambiente doméstico absorvido em costumes, como o de vedar o ar externo mantendo fresco e escurecido seu interior. Há nestes pequenos gestos o testemunho da confluência de muitas cul­ turas ainda operantes. Lisboa, Santiago do Cacem, Évora, como quase todas as cida­ des portuguesas, trazem impressas em sua arquitetura as marcas

1 Exemplos europeus anteriores e contemporâneos à reconstrução de Lisboa são significativos de um esforço geral e comum de planejamento e modernização das cidades. Londres, em 1666, após um grande incêndio, e Paris, a partir de 1680, experimentaram essa oportunidade de reorganizar o espaço urbano, tendo a gran­ de praça do Renascimento como solução para novos ordenamentos contando com populações cada vez mais numerosas (Sennett, 1989, pp. 74-78). A mesma con­ cepção presidiu a construção da “plaza mayor” de Madri, uma criação pioneira do urbanista Juan Gómez de Mora, datada de 1619. São Petersburgo 6 exemplo de cidade totalmente “concebida e imposta”, um projeto de arquitetos e enge­ nheiros vindos da Inglaterra, França, Holanda e Itália que intencionava tornar esta cidade russa “uma janela para a Europa”(Berman, 1988, p. 171). Na Améri­ ca Latina, algumas cidades beneficiam-se destas reformas urbanas. O Rio de Ja­ neiro, sob a administração de Gomes Freire de Andrade (1751), recebe prédios públicos, parques, o aqueduto, iluminação, obras de saneamento e calçamento. O mesmo veio a ocorrer com a Cidade do México, e Lima, após o terremoto de 1746, foi totalmente reconstruída e modernizada (Morse, 1962, pp. 44-46).

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culturais de todos os povos que estiveram na Península Ibérica. Dois pontos são comuns no nascimento dessas cidades: primeiro, a ori­ gem celta, romana ou muçulmana, ou simultaneamente todas — em certos casos, como alicerces (Évora), em outros, como monumentos à margem dos aglomerados urbanos que vieram perdurar (Miróbriga em relação a Santiago do Cacem); segundo, a consolidação da con­ quista portuguesa (a Reconquista) pela via militar e a sua continui­ dade pela presença religiosa. Os castelos e conventos são, assim, presenças emblemáticas quase constantes em toda a paisagem urba­ na de Portugal. Ao pé destes monumentos cresceram aglomerações que hoje permanecem como vilas e cidades. As antigas Notícias das cidades e vilas de Espanha e de Portu­ gal (BNL, cod. 788) assinalam como índice de urbanidade a presen­ ça de fábricas, ermidas, conventos, praças, aquedutos, colégios, hos­ pitais, casas de misericórdia, castelos, palácios, fortalezas, torres e muros. Nessas primeiras análises corográficas, o referencial ime­ diato não são as pessoas, os aglomerados de casas, mas as grandes edificações e fortificações, principalmente muros, seguindo-se naturalmente a qualidade e a quantidade de alimentos disponíveis. A urbanização seria o resultado da estratégia de ocupação, conquis­ ta e controle de território. Em primeiro lugar, as garantias militares de permanência. E veremos repetir-se esta mesma estratégia de con­ quista e colonização interna nos empreendimentos marítimos. Além do aspecto defensivo— evidentemente, sua maior justifi­ cação —, seu caráter monumental conferia qualidades de urbani­ dade. Um outro texto, bastante curioso, posto que em nosso tempo correspondería aos guias turísticos, focaliza as Maravilhas e antigui­ dades da cidade de Roma (BNL, Cod. 11.158) em 1789. A monumentalidade — e, neste caso, a suntuosidade — é confirmada como dado de urbanização. São destacados os palácios, as praças, os obeliscos e os arcos de uma cidade que representou a realização máxima do ideal europeu de urbanização. Porém, o aspecto estético é precedido por finalidades de fixação. Em uma Europa predomi­ nantemente rural, esses grandes edifícios foram pontos iniciais do povoamento e subseqüente urbanização. Nem é preciso estender-se para além de Portugal e pecar por imprecisão histórica. Um texto descritivo Em que se dá notícia da cidade de Lisboa (BNL, cod. 11.202), datado em 1785, apresenta uma lista de conventos cujos

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nomes são ainda hoje relembrados nos atuais espaços urbanos das ruas, calçadas e praças da cidade. E talvez possamos considerá-los pontos de partida de espaços paroquiais. São eles, para citar alguns, o Convento de Nossa Senhora da Boa Hora, o Colégio de Santo Antão, o Convento de São Pedro de Alcântara, o Convento de Santa Apolônia, o Convento do Rato, etc. Aproximando-se um pouco mais desses modos de organizar espaços urbanos, vemos confluir tradições às vezes contraditórias e exclusivas entre si. A junção dessas tradições na arquitetura, no comportamento, nos costumes, nas convicções e perspectivas indi­ viduais e coletivas surpreende em Portugal, sugerindo-nos questões para pensarm os nossos próprios acertos e desacertos com a pluralidade de realidades histórico-culturais existentes no Brasil.2 Anotamos as informações principalmente dos estudos de Sér­ gio de Carvalho, sintetizados em Cidades medievais portuguesas (1989). Da tradição pré-muçulmana, vemos realizar-se, entre os habitan­ tes de castros, a primeira experiência de aglomeração social. A plan­ ta originária dos antigos acampamentos militares dos romanos irá influir na regularidade do traçado das ruas de certos espaços citadinos, como os de Lisboa, por exemplo. Dos muçulmanos, vemos per­ sistir as soluções de vida urbana em ambientes de elevada tempera­ tura e a repartição do espaço a partir de objetivos defensivos e religiosos. Resultam como marcas dessa tradição as ruas estreitas, que fogem ao sol quente, das cidades ibero-muçulmanas e princi­ palmente hispano-muçulmanas. O princípio defensivo imanente na construção da alcáçova como recinto reservado aos governantes, por dificultar o acesso aos invasores e oferecer uma saída independente a seus ocupantes, foi incorporado ao conhecimento geral de enge­ nharia militar. Por último, o que parece fundamental em Portugal — e familiar ao Brasil — é a configuração do espaço interno, em con­ cordância com as concepções islâmicas de casa como local de reco­ lhimento e prática religiosa. A tradição cristã irá desenvolver con­ cepções quase que inversas à precedente, na definição dos espaços

2 Roberto DaMatta (1987) dedica-se a essas questões, vistas a partir do contexto cultural brasileiro.

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privado e público e na ampliação valorativa deste último, represen­ tada pela rua que se dirige à praça onde estão situados o mercado, a igrejá, as principais atividades citadinas (Carvalho, 1989, pp. 10-19). Algumas dessas tradições remanescem, como monumentos sem funcionalidade no presente. Outras continuam vivas e encontram-se reunidas compondo as soluções de vida urbana de hoje. Certos no­ mes atuais de espaços urbanos apenas indicam a operacionalidade de estratificações que já não têm mais sentido social. São diferencia­ ções que procedem de situações de forte segregação social e étnica, marcando em ruas e guetos a diferenciação de categorias profissio­ nais, classes sociais e etnias minoritárias. Hoje, estes nomes, que lembram a existência, no passado, de mourarias e judiarias, ou que remetem ao cotidiano das atividades econômicas de uma cidade, tes­ temunham a transposição de concepções culturais para o espaço fí­ sico das cidades — tal qual os fósseis impressos na superfície dos minerais, nos permitindo entrever a dinâmica dos seres vivos de outrora, representam a escrita da pré-história. Ora, é esse traçado urbano, mantido ou refeito, continuamente, a cada época e sob impe­ rativos de convicções conjunturais e de princípios estruturais, que vemos instalar-se nas colônias.

Exemplos de transposição Parece-nos possível pensar esta bagagem de mais de dois mil anos de esboços e experiências urbanísticas como a que orienta as instruções e planos de urbanização da Amazônia e demais cidades do Brasil. Entretanto, será preciso balizar nossas comparações e trans­ posições do exemplo português (e europeu), tendo em conta três questões que deveriam ser rediscutidas. Antes de mais nada, é tempo de desarticularmos a idéia de que o geométrico é índice exclusivo do pensamento planejador. A caracte­ rística das ruas, em novelos que convergem para o centro onde se situam as principais atividades citadinas, imprime qualidades ilusó­ rias de improviso no que está impregnado de significado social e fundamentação histórica. Tal formato urbanístico parece provir de propósitos defensivos (pode ter crescido intramuros) e visa a uma plena funcionalidade administrativa, política, comercial, bem como

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ao convívio, em um mesmo espaço, de diferentes categorias profis­ sionais, classes sociais e etnias. Ademais, é preciso reconhecer que o movimento de expansão territorial, acompanhado da ação urbanizadora, não é linear como idealmente se apresenta à nossa percepção visual. Isto se constata particularmente no caso de países de larga temporalidade e diferen­ tes experiências civilizacionais. O caminho na direção norte-sul que vimos delinear-se como movimento visual da história da expansão territorial de Portugal é sobretudo um recurso “nativo” ou cultural de compreensão histórica. Um bom começo para o entendimento e a contextualização desta questão é o mapeamento das incursões estran­ geiras, assinalando suas experiências colonizadoras e os movimentos nativos de reconquista e fixação. Mas nem sempre se sucederam guerras e reconstruções comò fatos cronologicamente bem localizados e definidos. Santiago do Cacem parece-nos ser um caso. A presença de um castelo militar, relembrando permanentemente o fato da reconquista de uma cidade ainda hoje de acentuada influência muçulmana e que tem em Miróbrigá, nas adjacências, um exemplo de cidade romana por in­ teiro, confirma a natureza cumulativa, coextensiva, complementar das ações hum anas, embora possam estas conjunturalm ente manifestar-se oponentes, competitivas e mutuamente movidas por objetivos hegemônicos. De qualquer forma, um olhar sobre mapas atuais e antigos for­ talece a suposição inicial de que estes movimentos de expansão territorial e colonização interna muitas vezes coincidem com os ca­ minhos fluviais e vias comerciais. Afirma-nos Sérgio Carvalho que Santarém foi edificada para servir de ponto de apoio à navegação pelo Tejo até Lisboa e que Évora, situada a meio caminho entre a região portuguesa do Alentejo e a Espanha, desde sempre assistiu à movimentação de pessoas e cargas (1989, p. 24). Hoje as rodovias e ferrovias continuam a repetir estes velhos caminhos e estratégias de ocupação. Esta mesma visão linear da ação urbanizadora pode ser obser­ vada no eixo viário que margeia a faixa litorânea de Lisboa a Cascais, pontuando distintas e numerosas localidades urbanas. Há algum tem­ po, distantes entre si, com mais ou menos autonomia política e econô­ mica em relação a Lisboa, essas localidades (vilas, centros piscatórios)

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foram, num crescimento natural e progressivo, avizinhando-se de tal modo que hoje transmitem a impressão de que tal continuidade urbana tenha sempre existido. É inevitável identificar esta concepção de expansão territorial presente nas estratégias de ocupação de largas extensões territoriais, percorridas pelos rios brasileiros. Toda uma legislação foi elaborada para tomar real a transformação de habitações indígenas em “mis­ sões”, e estas em “lugares”, “vilas” e cidades portuguesas. Não há como comparar uma cultura milenar com outra por ela formada se­ não como até aqui fizemos. Esboçamos o modelo e sua imitação (que não é uma réplica), ou melhor, entrevemos este modelo imanente nas cidades ribeirinhas do Vale do São Francisco e do Amazonas. Na Amazônia, especialmente, a substituição de nomes indíge­ nas pelos de cidades portuguesas reflete vivamente esses exercícios de transposição. O batismo de localidades com os nomes das cida­ des de origem de seus povoadores permite-nos, a partir do novo mapeamento dos topônimos que daí resultou, especular quando, como e de onde procediam as levas migratórias de Portugal para a Amazô­ nia desde o início da ocupação, o século XVII (figura 37). Em terceiro lugar, é preciso questionar a casualidade como fa­ tor explicativo da escolha de terrenos elevados para assentamento das cidades brasileiras de origem colonial. Ao observar a harmonia com que as cidades coloniais de origem portuguesa se ajustam ao terreno acidentado onde são implantadas, Sérgio Buarque de Holanda pensou nestas construções como um dado de ausência de planeja­ mento (1981, p. 76). Observemos está escolha de outro ângulo, ou seja, como um gesto cultural fundado em um antigo princípio de utilização dos recursos naturais para fins defensivos. A estratégia de construção de cidades e fortalezas em terrenos elevados responde a objetivos táticos — melhor visibilidade, obstáculos a invasões e con­ dições de ataque. A cartografia e a iconografia, tal como os manuscritos, além de seu valor de prova histórica, comunicam explicações que, com o passar dos tempos, se não são esquecidas, perdem ou sofrem altera­ ções em seus significados. Os mapas e plantas aquareladas transmi­ tem o pensamento do conquistador, são a sua linguagem “gráfica” — expressão adotada por Norbert Elias ao fazer uso de plantas de

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castelos como acesso à organização social das cortes européias (1969/ 1982, p. 62). O mapa das rotas marítimas é muito mais a expressão menor de um espírito de aventura do que da ação prudente e calculista de al­ guém que age passo a passo, ano a ano, fazendo descobertas e acumulando conhecimentos para empreender novos avanços. Lan­ çar os olhos pelo continente africano, começando por Marrocos, se­ guindo as ilhas de Açores e da Madeira, a África Ocidental e sua face oriental, até chegar à Ásia Próxima e Extrema (Oriente Médio e Extremo Oriente), permite-nos realizar, imaginativamente, esta via­ gem, pensando cada região não só como base naval, mas, sobretudo, como lição de estratégias de ocupação. Na literatura portuguesa que trata dos descobrimentos e da co­ lonização há nítidas distinções entre empreendimentos exploratórios, de finalidade comercial, mas quase sempre bélicos, extrativos e temporários, e aqueles que visam a uma fixação de caráter perma­ nente. Acentuando um e outro — pouco importa— , o mais coerente é afirmar que cada procedimento obedece a uma ordem tática de identificação, exploração do ambiente e só então ocupação. Seja qual for a maneira como os portugueses (e aqui podemos generalizar, incluindo outros europeus) marcavam sua presença nos espaços con­ quistados, o ato mais simples de instalar-se comercialmente entre produtores e consumidores desencadeava uma série de ações cujo esforço não se faria menor que a organização dos centros produtores e da frota comercial para transporte dos produtos; o aparelhamento da rota de navegação com estações bem espaçadas para abasteci­ mento de víveres, lenha, água e fornecimento de pessoal às naus; a garantia militar da plena circulação dessas embarcações, etc. (Bittencourt 1944, p. 26). Ter em vista essa montagem estrutural da situação precedente é pensar também que as regiões sob domínio português foram prepa­ radas e articuladas entre si para compor um mesmo e complexo sis­ tema comercial, no qual cada parte deveria atuar como peça ajusta­ da, com funções definidas e posição de interdependência em relação às demais. Veremos, assim, funcionar a interdependência entre a África Ocidental, Marrocos, ilhas adjacentes (Açores, Madeira) e Brasil, formando o que se chamou “mundo português atlântico”, e a

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conexão entre África Oriental e Ásia, constituindo-se a rota comercial pelo oceano Índico. Essa visão global é permitida ao se folhear as iconografias reu­ nidas por Luís Silveira em Ensaio de iconografia das cidades portu­ guesas no Ultramar. Segundo Luís Silveira, no correr dos empreen­ dimentos ultramarinos portugueses que começam no século XV, as formas de ocupação na África limitaram-se à construção de feitorias situadas entre o desembocar de caminhos vindos do interior e os pontos de escala de navegação marítima (a colonização propria­ mente dita só teria início no século XIX, após a emancipação políti­ ca do Brasil). Já as cidades e fortalezas portuguesas construídas no Oriente Próximo e no Extremo Oriente foram constituídas ao lado ou sobre cidades nativas já existentes e conquistadas, sendo estas sensivelmente modificadas e até hoje marcadamente identificadas por seu aspecto mesclado, nem português nem asiático, mas algo definido por Luís Silveira como “luso-índíco”. Este parece ser também o caso das cidades do norte africano. Ali, nas chamadas “praças fortes”, ou “cidades de fronteira”, como convém referir-se à primeira experiência ultramarina portuguesa, a tradição urbana das cidades do sul do Tejo misturou-se às experiên­ cias já existentes, formando um tipo muito peculiar, de tal maneira mesclado que, no entender de Silveira, é difícil distinguir, nas cida­ des ibéricas meridionais e nas marroquinas, o que cada uma repas­ sou à outra (Silveira, 1955, p. 10). Os comentários precedentes servem-nos à contextualização do exemplo brasileiro. Questionávamos a casualidade na escolha de terrenos acidentados para o assentamento de cidades de origem colo­ nial. Pois temos a aprender com os exemplos de cidades portuguesas construídas no Marrocos, no Oriente Próximo e no Extremo Orien­ te. Vimos que nestas regiões as cidades portuguesas são resultado do convívio de povos com tradições urbanísticas bem definidas e igualmente fortes. Creio que aqui convém a expressão conquista, posto serem espaços urbanos de antiga ocupação por povos que ofe­ reciam resistência ou lutavam pela reconquista, quando não intervinham outros povos de outras regiões (inclusive europeus) com a mesma pretensão. A cidade edificada neste contexto é cercada por muros ou desenvolve-se no interior de fortalezas e deverá resultar da assimilação tática de conhecimentos e procedimentos de ambos

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os lados, conquistados e conquistadores. Vejamos alguns exemplos iconográficos. A cidade de Tzafím (ou Safim, Saffi, Safi ou Sofim), situada no Norte da África, foi tomada e transformada em entreposto pelos por­ tugueses em 1502 e abandonada em 1542. A escolha do terreno onde se encontra Tzafím parece-nos presidida pelo critério da utilização dos recursos naturais, de modo a garantir uma visão ampla sobre o mar — por ser, sobretudo, um porto do Marrocos — e a proteção interna por meio dos muros construídos sobre elevações (figura 3). Talvez o desenho em perspectiva nos induza a uma impressão des­ proporcional com respeito à proteção interna da cidade, a qual seria assegurada pela escolha prévia de um terreno elevado e pela edificação de muros acompanhando suas ondulações. Citemos, po: rém, outro exemplo que não deixa margem a dúvidas. É Mascate (figura 4), situada na antiga Arábia. O exemplo iconográfico revela tanto como a utilização de recursos naturais pára fins defensivos como para a reprodução da vida urbana dentro des­ sas fortificações. Observe-se, no desenho de Mascate, as duas cons­ truções colocadas frente a frente, formando um corredor de vigilân­ cia da entrada e saída de navios. Este princípio deve ter influído na escolha de terrenos como o do Rio de Janeiro, cidade que se estende sobre a baía, protegida por dois fortes colocados frente a frente, como que fechando uma porta às invasões e extravios (figura 5). O dese­ nho de Mascate também permite dimensionar a importância de que se revestem os rios do interior do continente. Além de servirem como vias intermediárias entre o mar e a terra, para melhor controle da entrada de navios, representam eles os primeiros caminhos para explo­ rações internas ao continente. Madã (figura 6) e, principalmente, Damão (figura 7) também servem à visualização da influência dos rios de longo curso na determinação dos terrenos para construção de fortalezas. Contemplar a representação iconográfica de Damão também sugere pensar em uma espécie de estratificação do tempo da fortale­ za. Damão pode ter-se desenvolvido a partir de uma fortaleza ini­ cial, sendo englobada posteriormente por outros muros guardados por novos bastiões. Olhando para dentro e entre seus muros, supo­ mos poder refazer a movimentação cotidiana dessas povoações. euro­ péias plantadas no Oriente e que deveriam oferecer, intemamente,

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todas as condições para a reprodução da vida urbana: não só praças, igrejas, pelouros, casas, como também, e principalmente, áreas de cultivo representados por estes terrenos internos aos agrupamentos de casas (destacados, no original, pela cor verde). Já Chavl (Chaul), cidade e porto da índia, inicialmente uma conquista portuguesa, de­ pois um domínio inglês (o que parece ser a trajetória comum de muitas dessas cidades fortificadas) (figura 8), é exemplo de povoa­ mento que ultrapassa as muralhas da fortaleza. Novamente visua­ lizam-se as áreas de cultivo nas adjacências das casas. Negapa tam (ou Negapatão) parece protegida por muralhas naturais e cercada pelo próprio rio que a circunda (figura 9). E, São Tomé, índia (figura 10) , permanece densa nos limites da fortaleza. Seus edifícios deno­ tam a especialização de funções que superam os objetivos militares. O penúltimo exemplo chama a atenção sobre a origem de meios defensivos, como a paliçada que vemos presente em Manora (figura 11) , na índia, e que comumente se relacionam, no Brasil, com as habitações originais construídas pelos índios de língua tupi (figura 12) . A questão é saber se o que se encontra registrado já não seria resultado da assimilação de estratégias trazidas pelos portugueses, apreendidas no convívio com povos asiáticos. Ou talvez fosse o caso de conjecturar a possibilidade de tais habitações indígenas terem sido os primeiros espaços organizados pelos colonizadores para a civilização dos índios (figura 13). A serra de Aserim (ou Asserim, Assarí, ou Açarim) é o último exemplo que em evidentes desproporções demonstra como a esco­ lha de terrenos elevados tinha o deliberado propósito de garantir a defesa da povoação (figura 14). Veremos repetirem-se os mesmos elementos determinantes da localização de Goa, na índia (figura 15), e de Salvador, no Brasil (figura 16). Somos levados a refletir acerca do início histórico de Lisboa sobre o morro onde foi edificado o Castelo de São Jorge e, em certa medida, do Porto, cidade do Norte de Portugal encravada sobre os barrancos elevados do rio Douro, como modelos referenciais das experiências urbanizadoras nas colô­ nias. Considere-se, igualmente, a contingência da falta de material adequado para a construção de fortalezas e a urgência em preparar a defesa contra a resistência nativa e as possíveis incursões euro­ péias como fatores que ditaram a escolha deliberada de sítios de

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difícil acesso e, ao mesmo tempo, de ampla visibilidade para seus ocupantes.3 Seria preciso empreender uma arqueologia dessas fortificações, a partir do conhecimento do trajeto particular de cada uma, da esco­ la de engenharia que as orienta e do concurso de influências nativas, resultando em soluções adaptadas a cada situação histórica e meio ambiente. A escolha dos exemplos iconográficos e um tratamento despido de contextualização histórico-cultural deverám-se, além da exigíiidade de tempo, ao objetivo de estudar os planos arquitetôni­ cos e proceder á um inventário de estratégias e princípios organiza­ cionais. Assim, repassando as imagens aqui apresentadas, vimos que todas as experiências ocorrem no litoral, em pontos estratégicos vol­ tados para a implantação de bases navais, o que definia o formato de construções civis fortificadas. Por certo (embora faltem elementos histórico-contextuais a confirmar), não são conquistas que servem a finalidades estritamente militares, ou particularmente navais. Têm sempre um fundamento na potencialidade comercial local ou no que representa como ponto de escala que a ele conduz. É a própria razão da conquista o estabelecimento de entrepostos. Explica-se, pois, ô desenvolvimento de povoações visualmente diversificadas, posto que

destinadas a uma população não só de soldados, como também de comerciantes, produtores, funcionários administrativos e respecti­ vas famílias. As plantas aqui vistas refletem um mesmo esforço de transplantar para essas fortalezas as mesmas condições de vida ur­ bana das cidades do continente europeu. Neste sentido, compreende-se por que, no estabelecimento de feitorias ou no propósito de fincar bases para uma colonização du­ radoura, concorrem os mesmos esforços de implantação de um modelo elementar (porém, complexo) de reprodução da vida social. Vimos Malaca, e agora Cochim (figura 17) — cidades situadas em pontos distintos do esquema colonial português — espelharem a ordem social de Lisboa. É a intenção de prolongar-se, prosseguir o caminho, ampliar estas povoações, transplantando este modelo intramuros para além das muralhas das fortalezas, que vem deman­ dar uma outra série de esforços que começam pelo doutrinamento da população nativa, substituindo, desta forma, a atitude defensiva e ofensiva pela missionária. A consideração dessas povoações que crescem dentro de muros faz recordar as situações na própria Lisboa medieval, em que a se­ gregação social e étnica promoveu repartições internas. Segundo Sérgio Carvalho, as mourarias e judiarias das cidades portuguesas constituíam um mundo completo à parte. Abertos durante o dia e proibidos à habitação por pessoas de fora da comunidade étnica, estes guetos continham todas as condições de núcleos urbanos autosuficientes com “mecanismos de auto-regulação, desde corpos admi­ nistrativos e religiosos, até locais de culto, hospitais, escolas e cemi­ térios” (Carvalho, 1989, p. 41). Além de estabelecimentos comerciais, alguns destes guetos contavam com tribunal próprio, cemitérios e autoridades supremas escolhidas mediante processos de eleição entre membros da comunidade. Indicativo das tendências pro­ fissionais destas comunidades étnicas é a sua localização: as judia­ rias ficavam próximas aos centros das cidades e as mourarias nas áreas vizinhas das atividades agrícolas. Interessante é o fato de que estes guetos em nada se diferenciavam das demais localidades urba­ nas, exceto pelo mecanismo de auto-identificação e de identificação pelos outros como pertencendo a comunidades distintas, além da existência de portais que se fechavam à noite (1989, p. 43). Alterando-se somente os lados da segregação, parece que o bairro cristão em M arrakesch, conforme comentado por Luís

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5 A escolha de terrenos elevados para construção de cidades fortificadas pode estar associada às primeiras experiências urbanísticas realizadas pelos antigos gregos. As cidades gregas tinham a acrópole como proteção, uma espécie de “cidadela” encravada sobre rochedos e protegida por muralhas que guardavam os edifícios sagrados. A acrópole funcionava, assim, como santuário e, ao mesmo tempo, fortaleza (Lello, p. 28). Reaimente, os colonizadores europeus devem ter tido como referência espacial imediata a acrópole. Os castelos e fortalezas construídos no próprio continente são exemplos. Mas, pensemos observando a questão de outro ângulo. Do Livro das cidades (1582), Luís Silveira anotou o seguinte tre­ cho a respeito da serra de Asserim : “Entre as terras de Bacain [Bombaim] e Damão de um campo raso, estava assentada a serra de Açarim, que é o mais alto e forte lugar pela natureza [...] porque além de sua altura ser um extremo grau, é toda cercada em roda de pedra viva sem se poder por modo algum subir a ela mais que por uma só parte, em que a estrada muito trabalhosa, e que com facili­ dade se pode defender” (apud Silveira, 1955, pp. 343-344). Asserim (fig. 14), um povoado cristão a meio caminho de Damão e Bombaim, ambas situadas na índia, em região cultural tão antiga quanto a Grécia, mostra como é difícil iden­ tificar a procedência cultural destes recursos colonizadores trazidos pelos portu­ gueses para o Brasil.

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Silveira, segue o mesmo princípio. A indistinção física também é destacada— inclusive é dado de assimilação de culturas em uma sq. Não creio que a indistinção física seja um dado de assimilação nos atuais bairros de imigrantes europeus que ainda hoje existem como espaços étnicos delimitados nas grandes cidades da América.4 Além da distinção física lembrando traços arquiteturais típicos do país de origem, estes espaços constituem-se com a deliberada inten­ ção de fixar diferenças ou deixá-las manifestarem-se abertamente sob a proteção de barreiras imaginárias entre o mundo familiar e o exterior. São transposições necessárias, tomando possível realizar experiências de outro modo emocionalmente inviáveis. Os exemplos são de toda ordem. Penso, aqui, no antigo alber­ gue onde se hospedavam os índios que vinham a Brasília tratar de assuntos de ordem pessoal e comunitária com o órgão responsável pela sua tutela. Ali, informalmente ou por processos calculados que desconheço, o espaço dos dormitórios e locais públicos refletia as diferenciações que os hóspedes-índios faziam entre si como proce­ dentes de etnias distintas. Uma redoma é ritualmente mantida inquebrantável a cada domingo, em que brasileiros se encontram para um almoço com comidas típicas em ambientes estrangeiros. A Folia do Divino, em Pianaltina, relembra o itinerário dos cavaleiros por fa­ zendas que já não existem mais, em razão de o espaço estar ocupado pela cidade de Brasília. O trajeto simbólico dos foliões atuais ritualiza um retorno a uma extinta organização social e espacial da região e que tem forte relação com os sentimentos de identidade dos planaltinenses. A intervenção em habitações indígenas pelos missionários e, depois, funcionários da Coroa Portuguesa, realizada com a inten­ ção de promover a transformação destas localidades em cidades portuguesas e seus habitantes em “vassalos do rei”, é o exemplo de transposição que contemplamos no estudo de o Diretório dos índios. 4 A propósito, Richard Morse comenta o fortalecimento de vínculos consangüíneos e de amizade em contextos urbanos, tomando como referência os estudos de Michael Banton sobre a cidade de Freetown, Sierra Leone, no continente africa­ no. Banton observaria, nas palavras de Morse, que 3/4 da população desta cidade eram constituídos por tribos. Os efeitos desta mistura de culturas africana e oci­ dental havería de produzir uma “nova forma cultural” que é “exteriorraente eu­ ropéia”, embora retenha um “conteúdo latente de significação tribal” (Banton, West African city: a study o f tribal life in Freetown, Londres, 1957 apud Morse, 1962, p. 59). Ainda voltaremos a esta questão no sétimo capítulo deste trabalho.

Capítulo 3 O govern o da conquista

Até o momento, dois temas estiveram inter-relacionados na dis­ cussão: a civilização dos índios, vista como um pensamento alterna­ tivo ao da exclusão, e a abrangência cultural, implícita no ato de colonizar. A posição até aqui enfatizada foi a de que a civilização dos índios participava da colonização como tópico de um programa maior. Vimos que esta postura de inclusão direcionou as ações dos colonizadores no sentido da conservação física dos índios e de sua incoiporação econômica aos processos sociais daí desencadeados. Agora o enfoque é o governo da conquista. O que, em síntese, com­ preendeu esse entrelaçamento de ações — governar terras e popula­ ções nativas. O que se passava a partir do descobrimento e conquista da terra. Adiante serão transcritos textos correspondentes a essa época da colonização. Neles, “nossos” temas são a ordem do dia de seus auto­ res, a vivência imediata de opinar, influenciar e mesmo intervir nos acontecimentos em que participam como agentes contemporâneos. Antes, porém, de voltarmos as vistas a essas fontes, será preciso destacar o pensamento de dois historiadores. Primeiro, Raimundo Faoro (1976), pelo entendimento que detém das diferenças culturais e econômicas nascidas da colonização. Recorrendo a Hegel, ele obser­ va que o papel do Estado foi quase ausente na experiência de cons­ trução social da América inglesa, e fortemente presente na formação da América portuguesa (1976, pp. 121-122). Seguindo esta perspec­ tiva, ele mostra que na experiência lusa a presença sempre vigilante, ainda que pouco atuante e distante, da Coroa portuguesa sobre os

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empreendimentos coloniais é prova de que nem Portugal e menos ainda o Brasil conheceram estruturas associadas ao conceito de feu­ dalismo europeu. Preocupa-se Faoro em contestar a presença dessas estruturas em Portugal, mostrando que sua especificidade histórica foi justamente a de ter-se formado nação a partir de uma base políti­ ca centralizada na figura do rei, realidade esta muito diversa da frag­ mentação que propiciam as organizações feudais. Assim, em vez de adotar a perspectiva que entende a colonização do Brasil como um retomo a métodos interpretados como de base feudal feita por uma aristocracia agrária com plena autonomia política em relação ao po­ der central, ele prefere considerar o mercado europeu fator definidor das políticas econômicas para as colônias americanas, tendo estas, no caso português, sido comandadas pelo Estado (id, pp. 109-110). Postura que permite entender os rumos econômicos de cada colônia como decorrentes da posição que os respectivos países colonizadores detinham no mercado europeu (id, pp. 121-122). Richard Morse está atento a essas mesmas questões suscitadas pela investigação das experiências dos colonizadores europeus e seus distintos resultados, hoje consolidados no que chama de “AngloAmérica” e ‘‘Ibero-America”. Más, em vez de evitar a interpretação que concorda com a efetividade do transplante de instituições para a form ação das colônias, ele propõe que estas m esm as sejam investigadas ao tempo de sua formação e real existência no conti­ nente europeu, pois aí surgem as “opções culturais” que hão de expli­ car os distintos perfis e rumos de cada uma das Américas (1988, pp. 22-23). É este procedimento que persigo, embora o peso que Morse atri­ bui à comparação tenha sido por mim minimizado, em nome de um intento maior, o de, primeiro, conhecer o material que informa as idéias, os métodos, as experiências, enfim, a cultura trazida pelo português para a constituição de uma sociedade no Brasil.

As primeiras experimentações de vida urbana em Portugal Thomas Morus escreveu A Utopia ao longo de uma vida trans­ corrida entre os anos de 1480 e 1535. Seu pensamento é representa­ tivo de uma época marcada pelo arranque de descobrimentos e

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conquistas que deram à Europa a preeminência política que chega aos nossos dias. Em ri Utopia, livro escrito nos moldes deri repúbli­ ca de Platão, ele problematiza questões da organização e convívio humano em meio urbano. Mediante o relato de Rafael Hitlodçu (via­ jante português que descobre e vive muitos anos na ilha da Utopia), Thomas Morus discorre sobre experiências organizacionais imagi­ nárias, por meio das quais coloca em questão as instituições euro­ péias de sua época. ri Utopia é uma ficção de alcance universal, que superou as barreiras históricas e culturais de sua criação. Não se deve esquecer, contudo, que foi escrita a partir do horizonte de conhecimentos e experiências do autor. Traz, pois, aspectos conservadores, resultan­ tes do transplante acrítico, pelo autor, de instituições e valores de sua própria sociedade para O que iria compor sua imaginada ilha. Exemplo maior é a noção de escravidão como instituição educativa. Ao mesmo tempo, a obra apresenta idéias inovadoras, enriquecidas pelo conhecimento, então recente, de diferentes povos, culturas e organizações sociais encontradas pelo europeu em suas explorações fora do continente. A concepção de melhor mundo que Thomas Morus imagina poder existir entre esses povos e que a Europa de­ veria imitar tem a colonização como política de redistribuição de populações. Este problema é apresentado em um trecho no qual Rafael Hitlodeu conta as condições em que era definida a necessidade de planejar a redistribuição territorial das populações, optando pela re­ dução, onde houvesse excedente, ou pelo povoamento, nos casos de terras “desertas” e “incultas”. O livro é uma ficção — já o dissemos —, mas apresenta um material de estreita semelhança com documentos que tratam da rea­ lidade colonial e do pensamento predominante nas políticas de colo­ nização. Rafael Hitlodeu refere-se à “guerra justa” como conceito destituído de razões religiosas. No caso, “guerra justa” é uma inter­ venção com uso da violência, a fim de atender às necessidades econô­ micas da ordem do povoamento e do cultivo de terrenos inexplo­ rados. A guerra se faria justa aos que resistissem a este intento que se pretendia defender como sendo o melhor. O conceito de “mãe-pá­ tria” reforça esta convicção, assinalando a primazia dos interesses

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colonizadores quando se tratava de controlar os movimentos migra­ tórios, tendo em vista o equilíbrio populacional do país de origem

formais, repetidas a cada conquista com a fundação da povoação formalizada por uma carta régia ou alvará, pela implantação do pelourinho*2 e de alguns poucos edifícios públicos, foram sempre oriundos da convicção de estar-se oferecendo um modelo de melhor mundo, tal qual os utopianos acreditavam estar fazendo. Esta con­ vicção, sustentada por uma bagagem de idéias e sentimentos singu­ lares da cultura do colonizador, tornaria realizável a missão de cons­ truir um novo mundo. A questão que emerge é saber qual o desdobramento que viria a seguir ao ato solene do batismo do lugar e da população nativa. Como um modelo estranho ao ambiente — e, naturalmente, à cultura e ao entendimento da população nativa — persistia e tornava-se realida­ de palpável, com núcleos de povoamento transformados em aldeias e vilas? Como uma representação mínima de colonizadores iria dominar populações inteiras cie uma colônia maior que seu país de origem? Estou pensando na organização do governo sobre terras conquistadas. No caso de Portugal, estas questões encontram respostas na experiência de povoamento do próprio país. Os problemas e as solu­ ções imaginadas para o povoamento de regiões que não recebiam afluxo espontâneo de populações tiveram o estímulo de políticas especiais. É o caso dos “coutos de homiziados”, ou seja, lugares que tiveram o povoamento estimulado pela decisão do poder central de perdoar foragidos da Justiça que para lá afluíssem. Estes “asilos de

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(pp. 89-91).

Embora A Utopia questione as instituições e costumes euro­ peus então vigentes, os conceitos Com os quais Morus trabalha estão impregnados da prática de colonizar que estava em curso. O livro foi publicado pela primeira vez em 1516. Tal fato permite-nos asso­ ciar a idealização da ilha com os primeiros impactos causados no imaginário europeu pelo descobrimento da América — inclusive, a nacionalidade portuguesa do viajante sugere-nos, como fonte de ins­ piração, o próprio Brasil. Esses conceitos trabalhados por Morus pré-existiam ou foram criados pela força das novas experiências. Eles viriam a incidir so­ bre textos aplicados a realidades particulares, como as leis coloniais destinadas aos índios do Brasil (já examinadas, no primeiro capí­ tulo). O fato de essas idéias aparecerem em textos do alcance públi­ co de A Utopia por si demonstra que a ação de colonizar, muito além de uma política de redistribuição de populações, foi, sobretudo, uma convicção européia. A propósito, retorno ao que indagava no segundo capítulo,1 a respeito de como Portugal teria equacionado o problema contando com uma população insuficiente para o povoamento do Brasil. Es­ tou pensando que o conteúdo e a força propulsora dessas cerimônias

1Há muito que estudar quando nos deparamos com a dificuldade de tirar conclu­ sões definitivas a respeito dos movimentos demográficos na Europa ao tempo das explorações marítimas. No segundo capítulo é comentada a insuficiência de populações para colonizar o novo mundo, tomando como referência os estudos de Caio Prado Júnior. Há que analisar de uma outra perspectiva, quando Faoro traz os estudos de Braudel e Godinho, mostrando que o contrário ocorreu. Uma expansão demográfica na Europa fez emergir, em meados do século XV, o pro­ blema social de uma população que cresceu acima das possibilidades de seu re­ crutamento econômico. O resultado inquieta proprietários rurais e habitantes das cidades, anunciando o surgimento de “uma horda de vagabundos, mendigos e bandidos que vagueiam sem emprego nos campos e nas vilas” (Faoro, 1976, p. 103). Nesse caso, o excesso populacional foi o motor de sua redistribuição territorial. Confirma-se assim, o que Thomas Morus escrevia sobre uma ilha ima­ ginária e seus planos de redistribuição populacional e territorial com os olhos voltados para a realidade da Inglaterra de sua época, ou seja, enfrentando a

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transformação social no meio rural com a conversão das áreas de agricultura em campos de pastagem e a desestabilização da oferta de serviços (id, p. 104). Em Portugal, as disparidades de renda também cresceram com os lucros do Oriente. A nobreza burocrática e a da terra, os capitalistas e os comerciantes contrastavam minoritários e enriquecidos com um povo numeroso e cada vez mais miserável (id., pp. 103-114). 2 Além de símbolos de Justiça, os "pelourinhos” eram locais de execução pública de punição a transgressores. Geralmente colocado nos centros, o pelourinho foi presença indispensável nas povoações de Portugal e do Brasil. Grafia próxima, são os “pelouros”, esferas de cera onde o juiz depositava os nomes dos candida­ tos às eleições camarárias (Carvalho, 1989, pp. 92-93). Com esses nomes e signi­ ficados e sob o regime das Ordenações Filipinas (1603-1823), chega ao Brasil ó mesmo procedimento para eleição de vereadores. Eram os chamados “vereado­ res de pelouro” (Mourão, 1916, p. 308).

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criminosos”, “colônias penais”, nos termos usuais no Brasil, foram a origem, ou a motivação, do surgimento de muitas das atuais cida­ des portuguesas. Portimão, Sesimbra, Vila Nova de Milfontes são alguns dos exemplos. Segundo o historiador Sérgio Carvalho, nem todas essas cidades nasceram como “coutos de homiziados”. Origi­ nalmente podem ter sido áreas de produção e de relativa aglomera­ ção social que, por razões econômicas, comerciais, ou por interesse logístico e estratégico, tornaram-se objeto de políticas de incentivo ao povoamento (1989, pp. 23-24). Parece natural conectar essa noção familiar à história da consti­ tuição do território português com as políticas de povoamento das colônias, havendo que repensar a significação sociológica do degra­ dado (“degredado”) que veio predominar nas colônias portuguesas, em particular nos primórdios da colonização do Brasil e que chega aos dias atuais com uma conotação negativa.3 A segunda noção é a de patrimonialidade. Compreende um modelo de Estado, um regime — a monarquia — e, fundamental­ mente, constitui uma noção de propriedade do rei que se sobrepõe às

3 É o que pensa Marcos Mendonça, ao oferecer dados para o questionamento da categoria "degradado”. E!e relaciona as seguintes leis: Carta de Couto e Homizio, de 1° de março de i 536, referente à Capitania de S.Tomé, e o Alvará de 6 de maio do mesmo ano. A primeira lei atingia “todo aquele que, por uma razão qualquer que não fosse heresia, traição, sodomia ou crime de moeda falsa, esti­ vesse homiziado em São Tomé”, podendo, então, passar para o Brasil. A segunda lei estabelecia a mesma pena de degredo aos “moços vadios de Lisboa que andas­ sem na Ribeira a furtar bolsas e a cometer outros delitos” (Mendonça, 1972, p.13). Vale observar que essa política de povoamento não ocorre somente em áreas de domínio português, mas também nas colônias da Inglaterra e França. O sucessor do índio julgado incapaz de suportar o trabalho excessivo nas lavouras foi, inicialmente, o “branco pobre”. “Servos sem contrato”, fugindo às restrições das severas leis agrárias no continente europeu, ou estando à procura de indepen­ dência econômica e liberdade de expressão ideológica, foram a força de trabalho estável na ausência inicial do negro. Os “sentenciados” também constituíram uma fonte segura e contínua de trabalhadores brancos. As leis inglesas reconhe­ ciam como crimes capitais delitos como: “punguear alguém em importância su­ perior a um xelim; furtar uma loja no valor de cinco xelins; roubar um cavalo ou ovelha; caçar coelhos ilicitamente na propriedade de um cavalheiro”, etc. O cas­ tigo que substituía a pena de morte era a deportação para as colônias (Williams, 1975, pp. 13-16).

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demais, abrangendo a totalidade do território e da população que comanda (Faoro, 1976, p. 28). Trata-se de princípio organizativo que está na base da constituição da monarquia portuguesa e na orga­ nização dos empreendimentos marítimos e colonizadores. Historiadores dividem-se quanto à ênfase dada à patrimoniali­ dade no processo de formação do Estado e no ingresso de Portugal na modernidade. A ausência de ênfase em uns produziu um discurso histórico que transmite a idéia de certa omissão da Coroa portuguesa nos empreendimentos colonizadores. Ao contrário, porém, a ênfase sobre a noção de patrimonialidade traz à cena histórica um Estado monárquico empresarial e gerenciador de todas as ações colonizadoras. Mais do que um princípio organizacional peculiar à experiên­ cia de administração portuguesa, com reflexos sobre a política colo­ nial no Brasil, a patrimonialidade parece ser sobretudo um dado cultural. Vejamos o que pensa a este respeito o historiador portu­ guês Manuel Dias (1989), ao discorrer sobre as bases da formação do sistema de capitanias no Brasil. Ésse historiador transmite a noção de um esquema constituído ainda no processo de formação da monarquia portuguesa e que seria repetidamente aplicado, em seus princípios básicos, nos empreendi­ mentos seguintes, os marítimos, também fundamentais para Portu­ gal. Em um primeiro momento (séculos XII e XIII), a noção de um inimigo comum, construída pela presença de invasores sobre o terri­ tório de Portugal, fez emergir e robustecer o sentimento de um nósportugueses, com um só rosto, refletido na figura central do rei. Embasado nesta noção, afirma Manuel Dias que Portugal vive a expe­ riência de ter organizado o “primeiro Estado moderno do Ocidente europeu” (1980, p. 7). Isto é, após a reconquista dos territórios aos mouros, a colonização interna seria efetuada sob a autoridade do rei, que reparte as terras entre a nobreza, o alto clero, as ordens religio­ sas e militares, daí surgindo os senhorios rurais e também os primei­ ros concelhos, base da organização das cidades portuguesas. Segundo o historiador, a mesma concepção patrimonial foi ado­ tada no Brasil, tendo como exemplo concreto a observar a experiên­ cia de implantação do regime das capitanias nas ilhas do Atlântico, com o rei outorgando terras a capitães donatários e estes aos colo­ nos, sem, todavia, perder o controle e a soberania sobre seu patrimônio (id, p. 20).

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A primeira experiência do gênero, no Brasil, deu-se com o arrendamento de terras ao cristão-novo Femão de Noronha. O con­ trato celebrado recomendava ao concessionário descobrir “300 lé­ guas em diante”, construir fortaleza e, a partir do segundo ano, pa­ gar à Coroa uma quantia percentual prevíamente combinada sobre o montante do comércio da ilha que herdaria seu nome (pp. 20-21). Exemplos similares voltam a repetir-se nessa primeira fase de colonização, consagrando um procedimento que viabilizaria o reco­ nhecimento territorial de toda a costa brasileira, a entrada paulatina no interior e a possibilidade da adoção de lucrativas atividades de exploração comercial das terras do Brasil. Os núcleos de povoação aí surgidos, bem como sua administração, constituem-se nos limites de uma realidade Fixada pelo modelo de concessão de terras que caracteriza o regime das capitanias. Por este esquema, o Estado as­ segurou os monopólios régios, instalou um sistema de tributação e pôde comandar a distância todas as ações econômicas, cuidando dè evitar o crescimento de poderes locais independentes, mediante o apoio de uma nobreza burocratizadà e politicamente orientada para representar o pensamento unitário da colonização, espelhado este no rei (Faoro, 1976, p. 119). Esta é uma boa razão para que muitos historiadores entendam as colônias como transposições das administrações européias. Tal afirmação é coerente com realidades históricas, tanto as que correspondem às cidades anglo-americanas, que desde cedo conhe­ ceram e desenvolveram estruturas administrativas moldadas no sen­ tido de se tornarem cada vez mais autônomas, quanto no que se refe­ re às cidades ibero-americanas nascidas da concepção de postos avançados (feitorias, empórios). O modelo da metrópole comparece em ambas, assim como os interesses mercantilistas. Entretanto, como vimos antes, são os desdobramentos da relação metrópole/colônia/ mercado europeu que iriam traçar destinos diferentes para as nações nascidas sob a condição de colônias. As cidades de origem colonial da América espelham as expec­ tativas e os procedimentos econômicos adotados pelos colonizado­ res. No caso das ibero-americanas, por serem centros de atividades prioritárias para as economias de Portugal e Espanha, foram organi­ zadas para funcionar como peças menores inseridas em um sistema

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maior, em que o controle pelo Estado se firmava pela rígida burocra­ cia e mediante a implantação de estruturas locais sem autonomia. No Brasil, e sob tal situação de dependência administrativa a Portugal, toda a experiência de administração municipal realizada no período colonial foi tão-somente uma transposição de institui­ ções, sem propiciar inovações, como a de fazer surgir uma comuni­ cação interna à colônia que fosse alternativa à do eixo unilateral de cada capitania (ou núcleo colonizador) com o poder central. Este é o pensamento de Carvalho Mourão (1916), em estudo que realiza so­ bre a evolução dos municípios brasileiros. Para este autor, estudar os municípios brasileiros corresponde a debruçar-se na legislação portuguesa sobre administração dos concelhos (1916, p. 302). Uma bibliografia específica trata da legislação relativa às administrações das cidades portuguesas. Como referência, citemos os trabalhos de Carvalho Mourão e, em particular, de Sérgio Carva­ lho, para quem a origem dos municípios portugueses está centrada nos forais e não na ordem municipal dos antigos romanos. Basicamente, os concelhos eram organizações de natureza político-jurídica e administrativa, integradas por “homens-bons”, sob a presidência de juizes. Os “homens bons” representavam a elite local de proprietários rurais, “cavaleiros-vilãos”, escudeiros, além de mercadores, também chamados “mesteirais”. Os concelhos eram regidos por cartas de forais, documentos de natureza contratual pelo qual o senhor de terras e os moradores de povoações vizinhas estabeleciam entre si um conjunto de direitos e deveres recíprocos. Na maioria das vezes, porém, quem concedia os forais era o próprio rei. Os forais representam a primeira formalização de uma expe­ riência de vida urbana ordenada. Como constituíam a principal legis­ lação — às vezes, a única —, apresentavam-se demasiadamente mi­ nuciosos no trato de questões diversas, como os direitos das pessoas, as relações entre si, as garantias, os privilégios, as imunidades e tam­ bém as sanções, as punições e os impostos. Os forais eram documentos particulares a cada povoação, daí diversificarem-se no atendimento às conjunturas locais e às neces­ sidades e atividades específicas de seus moradores aos quais se dirigiam, havendo exemplos de cartas referentes a povoações com

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características predominantemente aristocráticas e outras destina­ das a serviçais, a militares, a pessoas voltadas às atividades rurais, etc (1989, pp. 80-82). Como os forais são detalhados e particularizados no atendimen­ to a realidades locais, constituem rica fonte de investigação do coti­ diano medieval das cidades portuguesas. Mais do que reconstituição do dia-a-dia dessas povoações, os forais falam de toda uma socieda­ de, dadas as categorias sobre as quais legisla, relativamente a direi­ tos e deveres individuais e coletivos. Mas a tendência geral foi o desaparecimento ou enfraquecimento dos forais como conjunto de conhecimentos ordenadores da vida social e ao mesmo tempo reveladores de cosmovisões locais. Em seu lugar, as leis gerais iriam gradativamente impor uma nova ordem social. São elas as Orde­ nações Afonsinas (1446), Manuelinas (1521) e Filipinas (1603 até 1823). Num primeiro momento, sob o prestígio dos “homens bons”, foram organizados os concelhos, a partir da figura central do “alcalde”,4 seguida de magistrados jurisdicionais, oficiais subalter­ nos, enfim, o corpo de funcionários do concelho de cada povoação (Mourão, 1916, pp. 305-306). Esta forma original dos concelhos evolui para as “vereações”. Trata-se de momento político crucial da vida dos municípios portu­ gueses, em que os historiadores são unânimes em observar uma per­ da do sentido de democracia insinuado nas primeiras assembléias, feitas ao ar livre, espaços abertos informais, quando o povo partici­ pava das deliberações e, inclusive, das eleições. No contexto das “vereações”, os “homens bons” perdem prestígio, mas não saem de cena. Continuam ainda decidindo, ao delegarem poderes a quem executaria funções que antes lhes eram exclusivas. Outras mudan­ ças ocorrem: os “alvasis” ou “alcaldes” são substituídos pelos juizes ordinários, surgindo os provedores como juizes, por delegação do rei (id, p. 307). Essa estrutura de “vereações” foi montada sob a promulgação do que se contituiu no primeiro esforço de unificação das leis, conhecido

por Ordenações Afonsinas. Pouca alteração trouxeram as Ordena­ ções Manuelinas, mas foi sob seu regime que se instalaram as primei­ ras povoações brasileiras. A importância das Ordenações Filipinas, aplicadas ao Brasil, reside na ênfase sobre as funções administrati­ vas da câmara (ou vereação), mais do que nas atribuições judiciá­ rias. Com as Ordenações Filipinas, inaugura-se uma espécie de re­ presentação das municipalidades junto às cortes, o que, na verdade, teria muito pouca ressonância no quadro colonial, reconhecidamen­ te adverso à formação espontânea de poderes locais que de fato vies­ sem a influir sobre as decisões do poder central, estabelecido em Portugal (1916, p. 309). Carvalho Mourão prossegue sua análise até o período imperial, mostrando a crescente subordinação dos municípios ao poder cen­ tral e chamando a atenção para o que considera aspecto negativo e paradoxal, qual seja, uma política administrativa de tratamento uni­ forme a um vasto território de múltiplas realidades locais (id, p. 316). O paradoxo é parcial, se considerarmos que naquelas datas o Brasil já deveria estar sendo tratado como múltiplas realidades locais, entre­ tanto perfeitamente coerentes com uma política patrimonial funda­ da na intervenção do Estado em todas as atividades coloniais. A pró­ pria condição colonial reforça a subordinação, sobrepondo a relação poder central/municípios à relação metrópole/colônia. É preciso reconhecer, todavia, que a condição colonial não expli­ ca inteiramente a subaltemidade dos municípios brasileiros em rela­ ção ao poder central. Mais uma vez verificamos que o Brasil se apre­ senta como um reflexo de transformações institucionais havidas em Portugal na mesma época, e até antes. Ali a perda de autonomia dos poderes municipais reagia ao crescimento do Estado monárquico como representação política primeira, sobreposta às demais. Prova disto é o surgimento de categorias sociais como a do “provedor”, a do “juiz de fora” e a do “alcaide”, que são funcionários nomeados pelo rei para o exercício de funções de vigilância sobre os conce­ lhos. Como bem observa Sérgio Carvalho, por meio destas catego­ rias “o rei instala-se junto dos municípios” (1989, p. 100). Essa tendência começa com a criação das vereações. A esse tempo, a perda de autonomia local, do sentido democrático dos pro­ cessos de escolhas e deliberações, não decorria da existência de uma elite, que tinha o comando do concelho e, também, da continuidade

4 Também chamados “alvasis”, ou juizes. Observar a diferença: alcalde, funcioná­ rio do Concelho, alcaide, funcionário do rei.

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dessa mesma elite, cada vez mais associada ao Estado, ao rei, em detrimento das aristocracias locais. Esta situação histórica não é exclusiva nem definitiva. Explica-nos Sérgio Carvalho que os con­ celhos portugueses sempre estiveram no fogo cruzado entre o poder central e a nobreza local. Daí o surgimento das ordenações, primei­ ros corpos de leis gerais impostas aos forais, enfraquecendo-os, tirando-lhes a regalia de representarem cartas de povoações.

Regimentos, alvarás, instruções: as primeiras constituições brasileiras Ausência de autonomia local, forte poder central. Após essa breve incursão aos primórdios da organização dos municípios brasi­ leiros, poder-se-ia concluir que o modelo patrimonial monárquico produziu e foi mantido pela eficácia de um pensamento unitário so­ bre a colonização. Todavia, a impressão que causam as leituras tradicionais relati­ vas à colonização do Brasil é justamente inversa à que se entrevê como traços de uma política unitária. Ou seja, por essas leituras, obtém-se uma visão da Coroa portuguesa, algo distante e omissa, se comparada ao grupo de empreendedores particulares que, sem dúvi­ da, conduziu a colonização. De igual modo, assimila-se a idéia de uma burocracia intrincada, uma legislação volumosa, que somam responsabilidades pela geração de políticas dissonantes, em nada unitárias ou coerentes entre si. Por certo, essas impressões fundamentam-se em situações his­ tóricas concretas. Entretanto, a proposta, aqui, é trazer ao texto ou­ tros aspectos que não apenas contraditam aquela interpretação, como informam, reforçam o que venho insistindo em compor como um modelo de govemo que comparece de diversas formas, desenhando concepções institucionais sobre o espaço urbano de Cochim (índia) (figura 17); que se instala em Malaca, intramuros (figura 1), e que está imanente nas instruções e normas contidas em regimentos que orientaram funcionários portugueses sobre como proceder no govemo das colônias. Vê-se tal modelo embutido em situações históricas, como a da implementação das capitanias brasileiras; em empreen­ dimentos colonizadores, como a demarcação das fronteiras; na

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legislação colonial, expressa em regimentos, alvarás, cartas régias, instruções, provisões, decretos, resoluções, avisos, etc., e em textos discursivos nos quais a matéria é a colonização. Retomemos ao estudo da legislação portuguesa, desta vez a que abrange as ações colonizadoras. Apesar da diversidade de formas jurídicas e das especificidades histórico-contextuais a que se destina, a legislação colonial dispõe de rico material, confirmando o aspecto uniforme com que foram delineados os propósitos da colonização. Devido a seu aspecto for­ mal de deliberações que antecedem à realidade social, além de serem criações ideais direcionadas a objetivos de conquista, as leis são exemplos cristalinos do pensamento do colonizador. Melhor dizendo, são seu espírito, no que tange a algo essencial, completo e direcional. Por esta via, entendemos possível o manuseio comparativo de regimentos escritos em épocas distintas e destinados a lugares e autoridades específicas. E possível refletir sobre tais regimentos pelo aspecto que essencíalmente os define. Por exemplo, o Discurso preliminar da compilação sistemática das leis extravagantes de Portugal (1806) define como constituições os regimentos, as pragmáticas e os esta­ tutos. Todos têm o formato e a autoridade de cartas de lei, ou alvarás. É a matéria nele contida que determina a classe em que se situa (se estatuto, pragmática ou regimento). Os regimentos são cartas de leis (ou alvarás) em que se estabelecem as obrigações de tribunais, ma­ gistrados ou oficiais, ao passo que os estatutos são dirigidos a corporações e as pragmáticas são destinadas às reformas sobre abu­ sos. O autor do Discurso preliminar, Vicente José Ferreira Cardozo da Costa, não se posiciona rigorosamente em relação a essas conceitualizações. A seu ver, elas servem à classificação e, principalmente, à consideração desses documentos como leis portuguesas. O Discurso preliminar parece ter sido elaborado com o objeti­ vo de servir como instrumento de trabalho para legisladores e estu­ diosos do direito português. Mais do que uma intenção de coligir, revela em seus comentários uma necessidade de acercar-se do con­ junto das chamadas “leis extravagantes”, isto é, a legislação extraor­ dinária surgida fora do corpo de leis em vigor e que, avulsa, atendia demandas específicas por mudanças.

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A seguir essas orientações do Discurso, poderiamos considerar constituições as instruções dirigidas aos funcionários que iriam go­ vernar as colônias. Apesar de seu caráter provisório e delimitado por diretrizes e normas destinadas a situações específicas, nelas se detém o pensamento unitário da colonização. Os primeiros regimen­ tos entregues aos donatários das capitanias expressam fielmente esta natureza, em especial por instruir sobre os passos seguintes à con­ quista. O Regimento de Tomé de Sousa, datado de 17 de dezembro de 1548, serve como primeiro exemplo. Investido do propósito de lan­ çar as bases do governo-geral do Brasil na baía de Todos os Santos, este regimento, que Marcos Mendonça considera a primeira consti­ tuição brasileira (1972, p. 31), é um modelo de implantação de um governo em terras conquistadas. Apresenta o aspecto genérico de textos normativos, com finalidades de colonização e, ao mesmo tem­ po, a singularidade de conter instruções voltadas para uma realidade social com recorte espacial e temporal específico. O Regimento de Tomé de Sousa é um exemplo de sensibilidade às contingências e singularidades da situação para a qual foi elabo­ rado. Em sua essência, é um roteiro que orienta procedimentos após a conquista (e, simbolicamente, retrata a situação universal de cons­ trução ou reconstrução sobre o território vencido). Começa por instruir sobre a tomada de posse da base já construída pelos portugueses antecessores. A posse da cerca, o esta­ belecimento de comunicações com vassalos portugueses e índios pacíficos ali habitantes, os reparos e reforços sobre as construções existentes e a preparação para o provimento futuro de mantimentos são as primeiras providências. O segundo passo já traduz um avanço da conquista para além deste núcleo básico então formado. O conta­ to com capitães de outras capitanias para reunir auxílios é, sobre­ tudo, um ato de confirmação da autoridade do governo-geral do Brasil, que ali se instalava para comandar os demais núcleos povoadores encontrados isolados e dispersos ao longo da costa. O reconhecimento das “nações” indígenas (expressão coetânea a toda a documentação colonial) insere-se no mesmo conjunto de providências políticas cujo objetivo era reforçar a autoridade do governo-geral que estava sendo instalado na Bahia. No tocante às

relações com os índios, considerou-se a possibilidade de estabelecer alianças ou, pelo menos, conter ataques inimigos, levando-se em conta o conhecimento prévio de rivalidades e de amizades entre as etnias existentes na região. Salvador nasceu da cerca que fez Francisco Pereira Coutinho e da povoação mantida por vassalos portugueses e índios pacificados (dentre os portugueses, o legendário Caramuru, além de jesuítas chefiados pelo Padre Nóbrega). Entretanto, há uma recomendação explícita, instruindo a escolha criteriosa de terreno adequado para uma nova povoação e fortaleza:

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Sou inform ado que o lugar em que ora está a dita cerca não é conveniente para se aí fazer e assentar a fortaleza e povoação (...] ordeno que se faça (...) em outra parte mais para dentro da dita Bahia [...] em sítio sadio e de bons ares, e que tenha abastança de água e porto, em que bem possam am arrar os navios e vararem-se quando cumprir, porque todas estas qualidades ou as mais delas que puderem ser, cum pre que tenha a dita fortaleza e povoação; por assim ter assentado que dela se favoreça e proveja todas as terras do Brasil (em M endonça, 1972, p. 38).

Uma política de colonização emana das instruções sobre a con­ cessão de sesmarias, o estabelecimento do dízimo e a normatização rigorosa de uma série de direitos e deveres que concessionários de­ veríam seguir quanto ao uso dessas terras. Ver-se-á que cada esforço de colonizar reflete, em microcosmo, o esforço maior de fortificar as construções, principalmente quando o empreendimento se res­ tringia a implantar uma atividade produtiva de finalidade comercial. Ou seja, todo centro de produção é também um foco de povoamento e uma fortificação. As águas das ribeiras que estiverem dentro do dito termo em que houver disposição para se poderem fazer engenhos de açúcares, ou de outras quaisquer cousas, dareis d e sesmarias livremente, sem foro algum; e as que derdes para engenho de açúcares, lhes dareis aquela terra que para isso for necessária, e as ditas pessoas se obrigarão a fazer, cada um em sua terra, uma torre ou casa forte, da feição e grandura que lhes declarardes nas cartas, e será a que vos parecer, segundo o lugar em que estiverem, a que abas-

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tarão para segurança do dito. engenho, e povoadores de seu limite. E assim se obrigarão de povoarem e aproveitarem as ditas terras e águas, sem as poderem vender, nem trespassar a outras pessoas, por tem po de três anos. E nas ditas cartas de sesmarias, que lhes assim passardes, se trasladará este capítulo [id, pp. 39-40].

Os índios são reconhecidos pelos seus nomes ou regiões de ori­ gem e descritos pela circunstância fundamental de estarem ofere­ cendo amizade ou resistência bélica ao colonizador. O estabeleci­ mento de um estado de direito para o govemo dos índios segue os princípios ordenadores de um estado de guerra ou da consolidação da conquista. índios pacíficos e propensos a assimilar processos de cristianização passam a ser atraídos para viverem junto ou próximo aos portugueses. Note-se, porém, que a estratificação étnica entre colonizadores, índios cristianizados e outros ainda em estado hostil ' e arredio deverá manifestar-se impressa sobre o espaço físico da povoação que então nascia. Ao referir-se aos meninos índios sobre os quais depositava confiança de uma eficaz conversão, o documen­ to instrui para que fossem separados, “tirados da conversação dos gentios” e colocados na “povoação dos portugueses” (id, p. 51). Para os índios “alevantados”, prescrevia-se a guerra punitiva e o castigo exemplar aos líderes. Um sistema de concessão de privilégios é também adotado no ajuizamento de ações consideradas meritórias entre os colonos por­ tugueses. O perdão sobre certos crimes e a reinserção destes transgre­ ssores no modelo de sociedade transplantado para a colônia foram um recurso predominante e empregado pelos colonizadores, a exem­ plo das políticas de povoamento experimentadas no próprio país (os “coutos de homiziados”). Se alguns degradados que forem por as ditas partes do Brasil, m e servirem lá em navios da A rm ada ou na terra, em qualquer outra cousa do meu serviço, [...] hei por bem que vós os encarregueis dos ditos ofícios [...] A s pessoas que nos ditos navios da Armada, ou na terra, em qualquer outra cousa de guerra, servirem de m a­ neira que vos pareça que merecem ser feitos cavaleiros, hei por bem que os façais, e lhes passei provisão de com o os assim fizestes, e da causa por que o merecera” [id, p. 50].

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Aspectos afirmativos do controle do Estado sobre o patrimônio representado por terras e populações indígenas revelam-se na regu­ lamentação do trânsito pelo interior do Brasil (a “terra firme aden­ tro”), na exigência de licença de autoridades para construção de na­ vios e na proibição de fazer guerras e escravidão aos índios, vistos estes, basicamente pelo aspecto patrimonial, na condição de habi­ tantes nativos das terras pertencentes ao rei. Um século depois, em 18 de novembro de 1668, é elaborado um regimento destinado a instruir Manuel Lobo sobre o povoamento da “Repartição Sul”, compreendida esta entre o rio da Prata, Buenos Aires e Montevidéu. Ou seja, região, tempo e interesses bastante distintos que singularizam este diploma legal em relação ao da Bahia. Contudo, as instruções nele contidas têm as mesmas finalidades pre­ sentes no Regimento de Tomé de Sousa, podendo, pois, ambos ser comparados e deles destacadas as diretrizes que particularizam um e outro como roteiros de organização de govemo sobre terras con­ quistadas. A primeira particularidade a observar é o aparecimento do ter­ mo “colônia”. Seu emprego não comparece com frequência nos docu­ mentos da política colonial do período transcorrido entre a metade do século XVD e o século XVIII. “Colônia” aparece com significa­ do similar ao de nossos dias, denotando, no caso, uma região com limites física e ideologicamente bem definidos, que será objeto de intervenção externa. Contemplar mapas da região, antigos e novos, não deixa dúvi­ das de que foi a posição estratégica de Sacramento — a “Repartição Sul”, hoje porção do Uruguai — que definiu a linha de argumenta­ ção e o principal objetivo desse regimento, qual seja, povoar terras, reclamadas por Portugal, que se achavam ermas e na mira dos inte­ resses de Espanha. Este é o aspecto geopolítico. Historicamente, o regimento antecede o acirramento da disputa pela posse de Sacra­ mento, que haveria de envolver jesuítas, espanhóis e portugueses numa luta que culminou na expulsão daqueles missionários do Bra­ sil e de Portugal e na secularização das instituições de ensino por eles dirigidas. No tocante às terras da “Repartição Sul”, a disputa é resolvida mediante acordo celebrado no Tratado de Madri, em 1750,

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pelo qual fica cedida aos portugueses a região de Sete Povos das Missões, permanecendo Sacramento em mãos dos espanhóis. O ter­ mo “colônia” comparece, portanto, nesse regimento transmitindo claramente a idéia de um plano que visa à implantação de um gover­ no político, militar e civil em um espaço ainda em disputa. Este regi­ mento contém as instruções básicas para sua execução.

domínio” confirma o aspecto patrimonial que, em última instância, define sua posse primária pela Coroa portuguesa.5

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A primeira instrução trata do reconhecimento da região e de seu potencial econômico. No caso, os comentários giram em torno da descoberta das minas de “Parnaguá” e da conveniência de escolher um terreno, nas proximidades, para o assentamento de uma fortifi­ cação. Segue-se a discussão sobre a escolha do terreno adequado, em que concorrem critérios que mais uma vez vêm confirmar um intento de construir uma representação de Portugal no interior de fortificações desse tipo. Na simplicidade desses empreendimentos que foram os da ocupação de terras antes inexploradas pelos euro­ peus, o que se impunha fazer era a “humanização”, entendida como a “civilização” dos habitantes e terras, nelas criando as condições ideais para a reprodução de uma vida social segundo os padrões eu­ ropeus. Na procura do terreno, sobressaem essas condições. A des­ crição a seguir refaz em palavras o que se encontra desenhado nas iconografias de fortalezas construídas na índia, conforme analisado no segundo capítulo: O sítio mais conveniente, mais seguro, e de m aior consideração era a Ilha de S.Gabriel que fica defronte de Buenos-Ayres, e mais avante pelo rio acim a de M ontevidéo p o r se r o d e m elhor siguidoiro, fundo, com água, lenha, sítio sadio ao desem barcar dos navios, e resguardo dos tempos, e dentro da dem arcação, e senhorio desta Coroa, na dita ilha disporeis logo a fortificação que se houver de fazer para segurança da em barcações [em M en­ donça, 1989, p. 30],

As instruções sobre as povoações têm a particularidade de con­ tar com o incentivo da própria Coroa ao afluxo espontâneo de povoadores para o interior das terras relativas à nova colônia. A con­ sideração jurídica dessas terras como “realengos sem terem outro

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E porque a minha tenção é somente conservar as terras do domí­ nio desta Coroa tereis entendido que estas fortificações e povoa­ ções que se fizerem hão de ser só para as conservar, e que nunca os Castelhanos entendam que o fim de se fazerem é para cobrir com ércio com eles..., e que o gentio daquele Sertão que estiver em meu dominio se reduza a fé de Cristo, para o que lhe fareis todo o bom agasalho [id, p. 30].

A noção de patrimonialidade também comparece nesse regi­ mento como fundamento e justificação do controle do Estado e, ao mesmo tempo, estilo de administração. São definidos os limites de duas capitanias concedidas ao Visconde de Asseca e a João Correa de Sá, ficando reservado o “interior da terra”, pertencente à Coroa, ao assentamento dos “casais” — expressão desta época, em diante muito empregada para o imigrante europeu que vinha acompanhado de sua família. O caráter duradouro do povoamento implícito no regimento é definido em contraposição a finalidades estritamente comerciais. Este dado prova formar-se, na consciência dos formuladores de política e leis, uma clara distinção entre emprendimentos com propósitos feitoriais e empreendimentos duradouros próprios ao que se deno­ mina “colonização”. Observe-se, inclusive, a ênfase em motivações ideológicas, fazendo com que sentimentos nacionais, relativos a Portugal e contrapostos aos de Espanha, também atuassem como barreiras e fronteiras na defesa da soberania sobre essas terras con­ quistadas. Já se mencionou antes que, em verdade, ao tempo desse regimento, as terras da “Repartição Sul” estavam em plena definição. s “Realengo” quer dizer real, régio, como também público, sem dono. Faoro le­ vantou os seguintes termos correlatos: requengos, regalengos, regoengos, regeengos. Ele explica que por estes termos compreendia-se o patrimônio rural pertencente à Casa Real e formado a partir da Reconquista dos territórios aos mouros (Faoro, op. cit., p. 4). Eram bens cuja consideração sobre seu domínio público (da coletividade) ou privado (pessoal do rei) se misturava, dependendo da circunstância e de sua destinação. Daí encontrar-se atualmente termo similar denotando algo de domínio público (Ferreira, 1975).

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Note-se, nesse ínterim, o aparecimento das primeiras observa­ ções positivas a respeito dos índios, calcadas pela expectativa de sua utilidade futura para a civilização. Como se verificará, esse regi­ mento harmoniza-se com a legislação referente aos índios, da mes­ ma época— o Regimento das Missões, de 1686:

No trecho que se segue é possível dimensionar a razão e o con­ texto em que se dá o perdão régio aos criminosos:

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E porque poderá suceder que este gentio se queira aldeiar junto das nossas povoações, quando assim seja vós lhes-destinareis sí­ tio em que se façam sua aldeia, e onde o principal os governe, e sejam administrados no temporal por ele, e no espiritual pelo padre que lhe nomeardes para seu pároco, e a terra em que lhe fizerdes esta aldeia lhe dareis para eles, e seus sucessores naquela quanti­ dade q u e vos parecer suficiente para usarem da sua lavoura, e terem de que se sustentem [id, p. 31].

O mesmo tratamento dado no Regimento de Tomé de Sousa à questão da oferta de amizade e comércio aos índios que não quises­ sem aldear-se volta a ser recomendado. Quanto aos que são conside­ rados índios “rebelados”, a instrução era a de seguir as leis do Reino respeitantes à natureza de cada crime. Estavam em vigor leis tornan­ do eqüitativas as condições dos índios à dos “vassalos” portugueses, o que implicava direitos ao trabalho remunerado, à representação política, além da escolha de viver próximo (ou não) da civilização. Incentivos ao povoamento, bem como ao afluxo espontâneo de po­ pulações nacionais vindas do continente europeu, estão previstos neste trecho. O modelo de administração das povoações segue, pois, o de Portugal, no que diz respeito à formação dos governos locais. E sucedendo que meus vassalos residentes no Brasil queiram pas­ sar a essas partes a povoar achando-se em número capaz de for­ mar vila, os podereis situar onde a erejam, e se fará dando-lhe demar­ cação e terreno bastante repartindo-lhe terras, com o vos parecer, e serão neste caso obrigados a fazer igreja, casa da câmara, cadeia e pelourinho, e lhe poureis o nome do santo a que m aior devoção tiverdes, e em seus papéis públicos, usarão das armas reais, for­ mando-lhe governo civil e político, com o é costume nas vilas deste reino, nomeando-lhes oficiais de ju stiça para o bom gover­ no, e eles por eleição dos maiores votos farão os juizes vereadores e procurador que houverem de servir cada ano, com assistência do ouvidor e auditor geral que vai em vossa companhia [id, p. 33],

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U sareis da Provisão que vos mandei passar sobre o perdão que podeis conceder aos homiziados pelos crimes de que não tiverem parte acompanhado-vos, para que por esta form a vos possais va­ ler d e toda a gente que vos quiser acompanhar [id, p. 34].

Marcos Mendonça define esse regimento como a “origem de quase todas as questões diplomáticas e militares havidas desde en­ tão entre as Cortes de Espanha e de Portugal, na América do Sul e um pouco na Península Ibérica” (1989, p. 35). Creio poder acrescen­ tar que sua importância reflete a situação a que se destina e que é semelhante e tem o mesmo peso histórico da que Tomé de Sousa protagoniza ao ser investido da função de instalar na Bahia o governo-geral do Brasil. O que ocorrerá em Colônia do Sacramento é o mesmo: estabelecer a conquista, reafirmando-a mediante a instalação de um governo. Na leitura desse diploma legal é possível apreciar a magnitude de um programa que começa pelo estudo do potencial da nova colô­ nia, conduz as delicadas questões da diplomacia e instrui passo a passo a formação de um governo civil. Magnitude somente compa­ rável à da abrangência de poderes e responsabilidades atribuídas a um só governante. Vejamos alguns trechos relativos: E porque convém reprim ir os excessos daqueles que os com ete­ rem, ou sejam portugueses ou gentios. Hei por bem que tenhais toda a jurisdição e poder no civil e crim e até pena de morte. H ei por bem que tenhais todo o poder e jurisdição para pro­ vares todos os ofícios que vagarem de justiça, guerra e fazenda. E sobretudo o que nesta instrução vos ordeno, confio tereis em todas as matérias assim do eclesiástico, como da conservação do gentio, administração da justiça, fazenda e guerra, e mais cousas tocantes ao bom governo desta nova colônia, tal procedim ento com o é confiança que faço d e vossa pessoa, encarregando-vos deste negócio tão importante [id, pp. 33-35].

Aqui fica evidente a transposição de condições germinadas ainda nos primórdios da nacionalidade, como justificativa para a

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eficácia da realização desses empreendimentos, ainda que sob as complicadas condições do desconhecimento da região, da resistên­ cia bélica dos índios, da concorrência com os espanhóis. O regimen­ to destinado a D. Manuel Lobo, um fidalgo, tal como Tomé de Sousa, conferia, nas devidas proporções, o poder de representar o rei. Tais funções estão plenamente desenvolvidas nos regimentos e instruções do século XVIII. Aliás, três aspectos sobressaem da lei­ tura da legislação dessa época, em especial a que remete às questões da demarcação das fronteiras hispano e luso-americanas. Em pri­ meiro lugar, consolida-se o diálogo entre poder central (o Estado português, a ordem administrativa em Lisboa) e poderes coloniais, representados pelos vice-reis, governadores, ouvidores, comissários da demarcação, etc. Parece claro que a eficácia da transmissão das intenções régias do Estado português está garantida por este trata­ mento personalizado a questões políticas, por esta bipolaridade qua­ se sempre fundada em laços de fidelidade e paridade com represen­ tantes da nobreza portuguesa. O segundo ponto é a consideração desta representação, no âmbito colonial, como um serviço do Estado, missão de funcionários no estrangeiro, de grande amplitude, inclu­ indo desde funções puramente políticas (governadores, ouvidores), ou com o caráter de vigilância ideológica (inquisidores visitadores), até as que cumprem estudar a terra e os habitantes (desenhistas, engenheiros, geógrafos). O terceiro aspecto a observar é o cresci­ mento da vigilância, a preocupação com a afinidade ideológica des­ ses representantes coloniais com as posturas políticas emanadas do poder central. É frequente deparar com recomendações como esta, dirigida a João Alvares de Gusmão, em 11 de abril de 1750:

Ao final desta mesma instrução, verifica-se que, antecedendo essas preocupações com a fidelidade dos pares ou a afinidade ideo­ lógica (política, religiosa) dos funcionários coloniais, já se fonnava a idéia de um projeto que superava a provisoriedade das missões e serviços no Brasil e preparava um novo modelo de administração de caráter duradouro.

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A falta que temos de sujeitos que se hajam aplicado fundamen­ talmente aos ditos estudos obriga a mandá-los procurar em ou­ tros países; e como nos não convém espanhóis, franceses, e ho­ landeses, nem tampouco ingleses, salvo se forem católicos, deve fazer-se diligência por achar estes sujeitos de outras; nações, e principalmente da italiana, e ainda nesta será bem não admitir, senão em caso de necessidade napolitanos, sicilianos e parmezanos pela dependência que presentemente têm de Espanha. Os alemães, e suíços também seriam a propósito, achando-se da religião ca­ tólica, porque se forem protestantes, ou calvinistas só deverão aceitar-se, se não se descobrirem outros igualmente capazes de nossa religião (1989, p. 274).

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Lições de costumes: apontamentos militares e máximas sobre o bom governo O século XVHI, no Brasil, foi o século da expansão territorial e dos esforços de permanência nos limites conquistados. Um tema constante nas instruções trazidas pelos portugueses que vinham representar o governo colonial e provisório no Brasil, nesse período, é o que diz respeito ao contínuo provimento de popu­ lações que tais empreendimentos colonizadores requeriam. Já se constatou como a experiência particular de constituição territorial dos portugueses reanimou, pela criação do Sistema de Capitanias no Brasil, formas contratuais de exploração da terra, em que concorrem obrigações e pagamento de tributos à Coroa portuguesa (experiên­ cia de Femão de Noronha). E também como noções de perdão a transgressões traduziam, em termos culturais, uma política de povoa­ mento. Até o momento, nossa preocupação foi com o conteúdo das transposições, as concepções que sustentam e instruem as ações colonizadoras. A partir de agora, será focalizado o ambiente ao qual se aplicaram essas experiências e esses modelos de construção de mundo. Em bibliotecas e arquivos históricos encontra-se rico acervo de textos que, se não informam diretamente os assuntos que se busca, ao menos os conformam, compondo, em um mesmo fundo espacial e temporal, os valores, as normas e os conhecimentos acumulados em experiências sociais. Esses textos formam a biblioteca-valor de suas respectivas épo­ cas. Se não foram lidos diretamente por quem criava leis e políticas, seguramente servem como exemplos dó que se ouvia, dizia, ensina­ va como fazer, repetir, tornar noima e lei.

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Os textos que ora apresento à discussão exprimem minha in­ tenção, pelo uso que fazem da avaliação retrospectiva, que busca ântecedências, reconhece falhas e cria soluções que vêm a ser a soma de experiências similares, no passado julgadas de efeito positivo. Seu aspecto inovador, que se expressa muito mais em reformas que propriamente em mudanças, reside na postura disposta a revisões. O tom abrangente com que se desenvolvem as reflexões de seus au­ tores confirma a condição de textos-valores, prenúncios de uma nova época, servindo bem à contextualização de como o problema do povo­ amento foi equacionado, articulando-o ao da civilização dos índios.

Sobre os meios (ofensivos e defensivos) de reconhecimento do outro O primeiro texto figura no catálogo da Biblioteca Nacional de Lisboa sob o título: Apontamentos de estratégia militar. Desperta particular curiosidade, pois contém lições dirigidas a novos solda­ dos servindo no Brasil. É um manuscrito do fim do século XVIII (há duas datas: 1798 e 1799), com três estampas e respectivas explica­ ções. A primeira, composta por Antônio José da Silva, em 1798, é particularmente ilustrativa, pois aplicada a situações em que “um corpo de infantaria é atacado em torno por outro em número supe­ rior”. Representa uma figura militar de “fortaleza-móvel” (figura 18), no qual pelotões se dispõem desenhando três quadrados sobre­ postos, que têm o efeito de formar flexas em frente a cada face dos quadrados. No centro de todos os quadrados, resguardam-se duas companhias graduadas. Conforme o texto explicativo, a intenção é assegurar o ataque contínuo, mantendo-se na retarguada uma coluna graduada que só se expõe ao “imaginado inimigo” na ofensiva final. A segunda estampa instrui situações em que se deve resguardar o interior, onde ficam as munições, os cirurgiões, os doentes, o cape­ lão e o tambor-mor. A terceira estampa constitui exemplo de deslo­ camento progressivo sobre o inimigo ou alvo a que se destina, sem, contudo, resguardar o centro. Fiquemos com a figura militar da “fortaleza-móvel”, pois neste exemplo concorrem todas as condições que servem a uma compara­ ção com os procedimentos colonizadores, nos quais a inferioridade

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numérica dos conquistadores e a necessidade de resguardar o coman­ do da ofensiva (o govemo da conquista) fazem da lição militar um princípio básico de organização. É oportuno lembrar o exemplo das fortalezas ou cidades fortificadas construídas pelos portugueses na índia nos séculos XV e XVI, para que não se deixe de destacar que a figura militar de “fortaleza-móvel”, criada no século XVU3, é ape­ nas um recurso que recupera e adapta experiências anteriores às questões da colonização, pautadas pela insuficiência de populações para cobrir extensas áreas. Visto desta perspectiva militar, é possível entender todo empreendimento colonial como que concretizando os objetivos da “fortaleza-móvel”, porque nele incidem as mesmas concepções cul­ turais orientadoras da formação de um govemo, do seu funciona­ mento por meio de leis e da constituição de um espaço social pró­ prio ao da sociedade natal de seus construtores. Os exemplos de “fortaleza-móvel” são muitos, aparecendo principalmente nas situações liminares em que está em pauta a defi­ nição das fronteiras que separam os domínios territoriais luso e hispano-americanos. Como exemplo, as expedições para fins de exploração, defesa e demarcação das fronteiras da região Norte do Brasil. Relações, mapas, listagens diversas a respeito destas expedi­ ções, e que podem ser encontradas no Arquivo Histórico Ultrama­ rino, permitem uma visualização do princípio organizacional que constitui a “fortaleza-móvel”. O Mapa das Canoas e de todas as pessoas nelas embarcadas (AHU, cx. 5, doc. 7) em 22 de junho de 1782 com destino à demar­ cação na fronteira do rio Negro espelha as mesmas noções de hierar­ quia e disciplina que formam a base dos govemos fixos. Em primei­ ro lugar, salta à vista a diferenciação física, espacialmente delineada, entre brancos e índios. Para os brancos são destinadas as funções diretivas com finalidades militares, pertinentes à defesa e ao reco­ nhecimento territorial (tenente-coronel, alferes de infantaria, astrô­ nomo), além de outras menores, que dizem respeito à manutenção física da expedição como um todo (ajudante de cirurgia, capelão, furriel, aspeçadas, soldados, servos). Os índios estão distribuídos de maneira mais ou menos uniforme, destacando-se o “principal”, fundamentalmente um intermediário. Segue-se o “prático”, um co­ nhecedor da região, e por este motivo, também pode atuar como

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piloto. Por fim, os remeiros — estes, em grande número. Entre os serviçais, há brancos e índios, classificados como agregados, escra­ vos e servos. Alguns exercem dupla função: o ajudante de cirurgia é também escrivão da Fazenda; o soldado faz as vezes do enfermeiro; oficiais de carpinteiro, ferreiro, armeiro, alfaiate, sapateiro, calafate e serrador são soldados da tropa ou das “equipações das canoas” ; o servo branco atua como cozinheiro da “partida” (expedição), en­ quanto o servo índio foi classificado como o “moço da copa”. Em outro mapa do mesmo ano e expedição, são expressivas a distribuição e à especificação das funções das canoas. Neste contex­ to evidentemente condicionado pela natureza móvel do empreendi­ mento, as canoas representam espaços administrativos. A propósito, observem o bote de armazém, o bote da cozinha, a primeira igarité de montaria, a primeira igarité das ordens, a segunda igarité da,s ordens, entre outras (figura 38). Outro exemplo é uma Relação de todas as Pessoas empregadas na Real Demarcação da parte do norte (AHU, cx. 4, doc.l) no ano de 1754. Essa Relação traz novos detalhamentos. Conhece-se um número cada vez maior de especializações ligadas ao estudo da re­ gião (astrônomos, engenheiros, cosmógrafos, botânicos, físicos, médicos-cirurgiões, matemáticos) e de ofícios básicos associados à continuidade física dessas expedições (mestre armeiro, mestre ser­ ralheiro, mestre alfaiate, mestre sapateiro, mestre curtidor, etc). Na estruturação das expedições, constata-se o desenhar de hie­ rarquias familiares. Internamente, organizavam-se sob a forma de repartições, sob o comando de comissários que geralmente proce­ diam de famílias nobres e já detinham elevadas funções no meio militar ou eram premiados com promoções e méritos, justamente por estarem cumprindo missões político-diplomáticas, tal como a demarcação na América. Vale lembrar, aqui, também, o fato de que as incursões portuguesas no norte da África, no século XV e início do XVI, foram interpretadas pelo historiador Sérgio Antônio como uma escola de guerra, para os jovens fidalgos formarem-se cava­ leiros (1989, p. 53). Sob o comando desses comissários, seguia um grupo de pes­ soas com diversas funções e cujo número era proporcional às gradua­ ções de seus comissários, ou seja, secretário, mordomo, pajem, “gentilome”, copeiro, ajudante de câmara, cozinheiro, pasteleiro,

padeiro, lacaios, escravos, músicos, rapazes escravos do serviço da copa, escravos para água e lenha, escravo “lavandeiro”. Cada repartição, nessas expedições, contava com os profissio­ nais da demarcação já referidos, além de marinheiros e remeiros. Para uma breve noção do material que seguia junto a essas expedi­ ções, anotei: a batería de cobres (pertencente à cozinha e à copa); dois navios carregados de víveres; a cada capelão, um altar portátil à romana com alfaias e prata; aos cirurgiões, ferros da sua arte e botica bem provida; aos botânicos e físicos, tudo o que compunha seu laboratório; aos astrônomos e geógrafos, estojo matemático de la­ tão; estojo matemático de prata aos comissários; para todos, papel, lápis, tinta, pincéis, além dos instrumentos de medição e dos equipa­ mentos de montaria. Ou seja, uma relação de especializações e de material que ainda hoje impressiona, pela complexidade de sua orga­ nização e pela dificuldade que reconhecidamente oferecia, e conti­ nua a oferecer, o ambiente amazônico. Nesses mapas, como no geral da documentação do Arquivo His­ tórico Ultramarino sobre populações na Amazônia, está ausente ou é inexpressiva a referência à presença de escravos africanos. O dado é sintomático: além de anunciar, desde já, no texto sob análise, a participação quase exclusiva dos índios nos empreendimentos colo­ niais da Amazônia, explica o porquê de políticas relativas a assuntos indígenas terem aíi sua primeira experiência. Referimo-nos aos regi­ mentos missionários do seiscentos, ao Diretório dos índios, à Carta Régia de 1792 — todas estas leis inspiram-se e são pela primeira vez implantadas no ambiente amazônico.

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Populações marginais na mira dos interesses da colonização O segundo texto traz como tema central a organização de go­ vernos sob uma base fixa. Em certo sentido, pode-se dizer que é um texto sem inovações, que resgata a milenar oralidade de máximas sobre o bem govemar, para discutir problemas da colonização con­ temporâneos ao autor. Além disso, tem o cunho universalizante de quem escreve observando o amplo campo de atuação do coloniza­ dor português que a esse tempo abrangia índia, África, Brasil e ilhas do Atlântico Norte.

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No Inventário dos Manuscritos da Biblioteca da Ajuda (1946), esse texto figura sob o título Máximas, propostas a S. Maj. para melhor govemo do Brasil. O organizador do inventário informa que o texto foi assinado, em Lisboa, a 4 de janeiro de 1780, possivel­ mente pelo mesmo D. Rodrigo José de Meneses, que foi governador da Capitania de Minas Gerais. Acrescendo mais do que esclarecendo dúvidas, vemos o autor deste texto se definir, nos dois últimos pará­ grafos, por um propósito muito mais discursivo e crítico do que deli­ berativo ou tendente a instruir deliberações. Neste caso, coloca-se, em pauta, a validade, o peso, a qualidade, a consideração, enfim, que se deve dar a textos como este, os quais — sabe-se de antemão, ou supõe-se com alguma margem de certeza — não tiveram partici­ pação direta na geração de acontecimentos que passaram à História. Na linguagem arquivística, são aqueles que não tiveram encaminha- , mento formal, não se tornaram lei, mas que reconhecidamente infor­ mam, conformam valores, inquietações, projetos individuais e cole­ tivos, pois, como se verá, esse texto representa uma postura política. O autor principia demonstrando ciência da organização dos governos monárquicos e da regularidade dos povos, sob o comando de leis estabelecidas e mandadas exercer por soberanos. Observa, porém, que o degredo em “Benguela, Caconda, Angola, Cabo Verde e índia" produziu o efeito de recuperar socialmente indivíduos con­ denados à morte. Em seus termos, esses degredados tomavam-se “cheios de honra, esforço e prudência” e vinham incorporar-se às tropas dos mesmos “presídios”, ao comércio e a toda atividade do interesse do “continente” (Portugal). E argumentava: Com estes conversos finalmente se organiza a República sosse­ gada, temente a Deus, e ao Rei, desejando arrancar da memória dos homens o delito que os fez culpados, e punidos [fl. 1-V]. O termo “conversos” é sublinhado com o intuito de despertar a atenção para a possibilidade de vir-se a observar o transplante desta idéia para a situação dos índios catequizados ou propensos a aceitar a doutrina cristã e o convívio com a civilização. Como se constata, invariavelmente, nos documentos coloniais que tratam de empresas exploratórias e povoadoras no Brasil, a presença do índio é comen­ tada como um problema a solucionar. A conversão ao cristianismo

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teria o sentido da regeneração ou correção social viabilizada pelo perdão régio referido neste mesmo texto.6 Seguindo-se sua linha de. argum entação, a m edida, que comprovadamente havia beneficiado os condenados, deveria tomarse prática da administração colonial. Sua sugestão reza que o rei ampliasse a todos os vice-reis e governadores a faculdade régia de perdoar a pena de morte logo que o réu tive­ sse a seu favor a terceira parte dos votos do congresso [fl. 1-V]. Entre as transgressões passíveis de punição corretiva por meio da preservação da vida do indivíduo e de uma destinação social tal como a entrevista nos presídios de Caconda, etc, citam-se as exce­ ções sentenciadas com pena de morte. Observe-se, todavia, que a causa ideológica é ponto comum aos casos julgados como passíveis de punição fatal: Com exceção porém de ficarem com toda a sua força e vigor as penas estabelecidas e as arbitrárias para os profanadores dos tem­ plos, e dos vasos sagrados, para os régulos, para os chefes de qualquer levantamento; para os cabeças e sócios de uma conjura6 Fizemos referência aos sentenciados como a força de trabalho mais freqüente nas colônias da Inglateira e da França. Este recurso alternativo à escravidão foi re­ corrente em todo o empreendimento colonizador. D. Rodrigo, suposto autor das Máximas p a ra m elhor governo d o Brasil, escreveu-as no ano de 1780. Contudo, em 1761, o ouvidor e provedor da Capitania de São José do Rio Negro, Lourenço Pereira da Costa, em carta dirigida ao governador Mendonça Furtado já propu­ nha este mesmo recurso pensando no difícil problema do povoamento e da força de trabalho daquelas regiões. Observe as sugestões e argumentos no trecho a seguir: “O quarto modo é determinar-se que nenhum delinquente seja castigado com pena de morte — limitando-se os crimes excetuados — mas que se lhe co mute em desterro para este Estado e Capitania, antepondo-se a causa da povoa­ ção ao castigo. Praticando-se este procedimento, não só nas relações do reino, mas nas da Bahia e Rio de Janeiro, de onde podem vir homens já com alguma luz do Estado porque de um a outro B rasil vai pouca diferença e um homem custa muito a criar e servem muito cá, p o r este m odo povoaram j á o s senhores m is deste reino a outra A m érica e assim fizeram os romanos, quando povoaram a ilha de Serdenha, degredando p ara ela todos os hebreus e ciganos" (AHU, caixa

1, doc. 31).

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O D ire tó rio d o s índ io s

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ção para os que atentam [?] a régia im unidade do trono, por qual­ quer modo, para salteadores que matam; p ara aleivosias circuns­ tanciadas; e em sum a para todos os crim es d e L esa M ajestade divina e hum ana da prim eira e segunda cabeça [fl. 1-V],

Afora os cuidados com a “regularidade dos povos”, resolvidos pela pena de morte a transgressões ideológicas, o que se impunha pensar e equacionar como problema da política e da economia de Portugal era o povoamento de seus domínios representados pelas colônias. O problema jurídico da correção social implícito na decisão em favor da “conservação das vidas” dos condenados à morte inse­ ria-se, assim, nos programas de civilização dos índios, construção de estradas internas, exploração de rios, edificação de cidades, etc. Nos casos em que o réu é escravo de origem africana, o autor sugere que o degredo seja cumprido no Brasil — por si, um conti­ nente —, sem que o proprietário particular ou o Estado tenha prejuí- . zo pela perda de sua força de trabalho. Ele discorre sobre o exemplo: N este caso qualquer preto criminoso, e ainda criolo do país, que escapar da m orte no M aranhão seja condenado a galês por toda a vida, rem etido para as Minas; os da B ahia para o M aranhão; os do R io para Pernambuco, e por este m odo trocados sempre os continentes da culpa com os da pena, ficará a justiça satisfeita, e o Réu punido com a mudança de dom icílio e com as galês a que deve ser sentenciado [fl. 2].

A ampliação do poder dos governadores e vice-reis não teria por finalidade somente punir criminosos, como também fazer justi­ ça com os que fossem considerados “beneméritos” . Como sugere o texto, o vice-rei do estado do Brasil, os capitães-gerais da índia e dos governos da Bahia, das M inas Gerais e d e São Paulo [teriam] a faculdade de darem em seu Real Nome todos os anos um certo núm ero de H ábitos das três Ordens M ilitares, e alguns foros de Fidalgos das classes; e som ente naqueles governos; porque a sua população, civilidade e com ércio fazem os prim eiros fundos dos interesses da M onarquia [fl. 2-VJ.

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A discussão deste texto foi aqui introduzida para se questionar o caráter inovador desse tipo de literatura guiada por máximas, prin­ cípios antigos de natureza quase proverbial. Pois o aspecto inovador (se existir) reside justamente em pretender fincar alicerces sociais mais sólidos e profundos do que os que possam requerer uma feitoria. Começando por formar uma elite que fosse nativa da sociedade em construção, observe-se como tal propósito subjaz no argumento em tomo da concessão de privilégios e honrarias, repetimos: E som ente naqueles governos [índia, Bahia, Minas Gerais e São Paulo]; porque a sua população, civilidade, e o comércio fazem os prim eiros fundos dos interesses da M onarquia [ib].

Vale notar que os critérios eletivos dignos de recebimento des­ sas honrarias estavam articulados aos interesses do Estado monár­ quico, de conduzir empreendimentos coloniais. Ou, melhor esclare­ cendo, o autor desperta a atenção de leitores de sua época, ou representa mais um a pensar na necessidade de ir-se formando uma classe privilegiada nativa da própria colônia, que provesse apoio econômico à colonização e fosse fundada em antigos esquemas me­ dievais de aliança política, constituída por meio de laços de fideli­ dade, concessão de privilégios e obrigações recíprocas. Atente-se para o elenco das necessidades que ditaram a formação de catego­ rias sociais próprias ao contexto econômico do Brasil: Aquelas graças, honras, e privilégios, são para repartir unicamente com os nacionais paisanos da sua capitania; aqueles que além da sua distinção, ou do seu tratamento regulado pela Lei da Nobreza têm servido, ou servirem para a Sua M ajestade descobrindo ter­ ras d e ouro, ou quaisquer preciosidades. Com os outros, que abrir cam inhos, e estradas seguras aos viandantes com a utilidade de dim inuir as distâncias, e livrá-los dos frequentes insultos dos gen­ tios; com aqueles que facilitarem o passo d e alguns dos rios caudalosos, fazendo-lhes pontes, ou pondo canoas a benefício co­ mum dos passageiros, e enfim com outros muitos aos quais os governadores ocupam em diligências do Real Serviço, e eles desam param contentes as suas casas e famílias e fazendas saindo a executar as mesmas ordens em muitas distâncias à sua custa, acompanhados dos seus escravos, cujos serviços também perdem

[fl. 3].

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\ Note-se que, mesmo num contexto colonial, ações consideradas valorosas, dignas de méritos e honrarias eram, em suas devidas pro­ porções histórico-contextuais, as mesmas que levavam reis portu­ gueses aescolher seus cavaleiros ou fidalgos. Não há uma distorção cultural. O que o autor sugere é o que reza o costume. Um manuscrito do século XVII, Fidalgos, ou cavaleiros do conselho (BA, 51-VH-31), assim o confirma. Nele se define, como qualidades que preenchem as condições de pertencer à categoria, o fazer bom uso da “prudência”, do “saber” e da “experiência” em todo “gênero de política”, seja este em tempo de guerra ou de paz. Os cavaleiros eram escolhidos pelo rei por suas qualidades e não necessariamente procediam de famílias nobres ou eram grandes donatários. Este modelo de escolha de cavaleiros e os critérios que o ins­ truem chegam aos tempos coloniais e tomam-se procedimento de formação de alianças com populações nativas. Os “beneméritos” não são apenas os colonos de origem européia. Uma carta do rei D. José, de 11 de junho de 1761, a um governador e capitão-general do Esta­ do do Grão-Pará discorrendo sobre o aproveitamento dos edifícios que pertenceram à Companhia de Jesus, então expulsa do Brasil, manda providenciar medidas de estímulo à formação de uma elite nativa: Hei por bem que a Casa de M . de Deus, que ultim am ente era quinta, seja erigida em colégio de educação dos nobres da mes­

ma cidade de São Luis, e de todos o seu território, entrando os filhos dos Principais dos capitães-mores, e dos capitães dos ín­ dios que já se acham civilizados, e dos que vierem a civilizar-se pelo tempo futuro. E que o m esm o pratique, com o das aldeias altas entrando da m esm a sorte naquele colégio com os filhos dos nobres daquela parte do M aranhão e da capitania do Piauí, e seu território até os confins das M inas d a N atividade os filhos dos principais, os dos capitães-mores e os dos capitão dos índios ci­ vilizados e que se forem civilizando [ANTT, n° 51, fl. 68].

Este recurso também está presente nos meios com que se vale­ ram os espanhóis para lograr um convívio pacífico com populações nativas. Na Descripción de la ciudad de Lima del Reyno del Peru

(BNL, cod. 770), provavelmente escrito em 1774, há referências à criação de uma universidade, dois colégios e três seminários, sendo que um deles se propunha a ensinar “latinidad” aos filhos de “indios nobleis” ou “caciqueis”. Pode-se identificar, por esses exemplos, os princípios de forma­ ção de uma elite em qualquer tempo e lugar, posto que, mais que uma classe de “beneméritos” (privilegiados), o que está se repassando e, portanto, permitindo formar novamente é um mesmo código mo­ ral de distribuição do poder — este, sim, verdadeiro autor das divi­ sões intemas em qualquer sociedade. Voltemos às Máximas de Rodrigo José de Meneses. O ponto final de sua argumentação para ampliar sua proposta de comutar a pena de morte pela de degredo é ponto de partida para entender as políticas coloniais no trato das questões ligadas à aproximação e convívio com índios no Brasil. É um trecho evidentemente apologético. Um elogio à própria convicção que defende — qual seja, a de fazer valer mudanças no comportamento da Justiça, por exemplo, em concordância com posturas mais tolerantes e com o crescimento dos direitos individuais diante dos interesses gerais do Estado. Uma estratégia, uma postura política que já vinha sendo aplicada em boa parte da Europa Ocidental, Nela se entrevê um acordo de obrigações mútuas entre o indivíduo e o Estado. Muito a propósito, aliás, para no presente trabalho começar-se a refletir sobre como foi tratada a questão do índio em face do processo de colonização. Q ualquer pessoa de um m ediano raciocínio, que conhece os po­ vos dos continentes de A m érica sabe muito bem que os frutos desta M áxim a [relativa ao perdão régio] são infalíveis, e também sabe que os mesmos povos animados por este modo são capazes d e em preender os maiores, progressos em benefício com um da pátria, e do serviço de sua majestade pelo seu vulgar axiom a, de que os vassalos contentes, é que fazem o importante objeto da riqueza do Estado, e da opulência da Monarquia [fl. 3].

Parece-nos fundamental reter do texto anterior não tanto sua afinidade e filiação conceituai em relação a idéias que circulavam nos meios cultos da Europa ocidental dos séculos XVH e XVHI, mas como tais idéias serviram de embasamento a futuras situações

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'I de autonomia política das terras, então colônias européias. Há uma preparação, uma organização gradual para a emancipação política, ainda que paradoxalmente concebida e fabricada pelo colonizador. Na formação de um governo, os procedimentos devem sér normatizados, e para tanto o arquivo de experiências passadas é um guia. No trecho a seguir, há um claro indício de se estar consciente­ mente tratando da formação do governo de futuras nações: As [...] Ordens do Conselho Ultramarino, e os O fícios do Minis­ tério da mesma repartição expedidos por m otivo público ou par­ ticular devem ficar na Secretaria infalivelm ente. L ogo que se verificar a passagem de um para outro governador; por que a

mente do soberano é, que no governo se conservem as suas reso­ luções, como Regime constante, e não só com o regras acidentais, que acabam com o governador pois isto seria o m esm o que redu­ zir um a capital de opulenta população aos prelim inares da infân­ cia de qualquer colônia [fl. 6].

Esse arquivo de experiências é constituído por definições e nor­ mas sobre a natureza e uso dos papéis que circulam entre o Conse­ lho Ultramarino e os governadores nas colônias. E, nas especificações que definem um documento como secreto, vemos o esboçar de ques­ tões plenas de nossa atualidade nos conceitos de fato público e de fato privado, como objetos de diferente apreensão e manuseio pela História, Política e Diplomacia. Vejamos mais este breve trecho: A guerra, a paz, a aliança, a cessão de dom ínios, e as convenções do Estado, e do com ércio, entre as potências são fatos públicos ao nosso conhecimento, mas a política com qu e se trataram pou­ cos a sabem, pois não é vulgar a todos [fl. 6-V],

Duas questões são extraídas deste texto exemplar. A primeira é a postura que sinaliza a consciência do autor, de estar presenciando, em sua própria época e ambiente, uma disposição generalizada a revisões ou reflexões que implicavam efetivas transformações no comportamento e na maneira de pensar questões da sociedade. A se­ gunda é a oportunidade do encontro dessas disposições e esforços com situações favoráveis a transformar essas reflexões em planos de governo. Um governo auxiliado por filósofos e homens cultos na

montagem de um vasto programa de reformas sobre o todo da socie­ dade é o que veremos a partir de agora, tendo como enfoque a ação colonizadora de Portugal no Brasil ao tempo do reinado de D. Jõsé, a atuação de seu ministro, Marquês de Pombal, e a experiência de civilizar índios contida no Diretório.

Falando de tolerância O terceiro texto trazido à discussão reflete esta disposição à mudança. Seu autor, o embaixador de Portugal em França, Luís da Cunha (1662-1749), protagoniza acontecimentos correlacionados a esta situação. Confirma-se, no caso, a força de textos discursivos de conotação contestadora, e, às vezes, libertadora, na condução de pro­ cessos que resultam em profundas transformações nas instituições e nos homens. Seu título: Máximas sobre a reforma da agricultura, comércio, milícia, marinha, tribunais, e dirigidas ao sereníssimo Senhor Dom José, Principe da Beira, Augusto Filho do Senhor Rei Dom João V. O próprio título deixa entrever o momento histórico: foi escrito às vésperas da mudança de reinado. Embora aponte para a direção específica dos assuntos econômicos, o ponto nodal da discussão é o sentimento de intolerância religiosa como objeto de revisão. Por seu intermédio, esse diplomata tece a intrincada malha das questões pi­ lares que envolvem o mercantilismo português. O texto de Luís da Cunha gira em torno de um ponto que não é secundário, pois atua internamente, influenciando essas outras ques­ tões, centrais, da balança comercial e da posição política de Portu­ gal no mercado mundial. Trata-se da “população”, considerada no horizonte de seus problemas particulares, no que diz respeito ao povoamento do território nacional e das suas colônias em ritmo favo­ rável ao crescimento da economia. Suas sugestões são, sem dúvida, inovadoras, em que pese ao pensamento econômico, vindo anunciar posturas mais abertas por parte de Portugal, em relação às colônias, no concernente a favore­ cer o desenvolvimento das instituições políticas já existentes, prin­ cipalmente as do Brasil. Uma de suas propostas introduz a idéia do imigrante europeu para povoar o Brasil:

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Seria permitir que os estrangeiros com as suas famílias se fossem estabelecer em qualquer das suas capitanias, que escolhessem; seria examinar qual seja a sua religião, e recomendando aos pro­ vedores todo o bom acolhimento, arbitrando-lhe a porção de ter­ ra, que quisessem cultivar, do que se seguiría, que lá se casariam, e propagariam com poucos tempos, e os seus descendentes se­ riam bons portugueses, e bons católicos romanos, em caso que seus avós fossem protestantes. No que não acho nenhum incon­ veniente [BNL, cod. 51, fl. 248].

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No referido texto, Luís da Cunha apresenta pontos de vista mui­ to contrários às idéias comumente encontradas no meio da popula­ ção em geral, inclusive entre as camadas mais cultas, de onde provi­ nham os governantes e formuladores de políticas. Idéias paradoxais, como; O quarto meio, para se extinguir o nome de cristãos novos, e não se fossem multiplicando, misturando-se com os cristãos-velhos, seria decretar que fossem inválidos os seus casamentos, e ficas­ sem sendo bastardos os seus filhos. E se algum arguir, que por este modo se estabeceriam em Portugal dois diferentes povos, quase inimigos, contra a união, e sociedade da República, res­ ponderei que isto mesmo se está tacitamente praticando pois vemos, quantos casamentos se deixam de fazer entre certas famí­ lias, porque ou de uma, ou de outra, se tem opinião de descender de cristão-novo. De sorte que faria a lei, o que faz o mal enten­ dido costume, sem outra diferença senão, o que vai do mais ao menos [fls. 265-269].

A outra proposta volta-se para a importância do povoamento do próprio território de Portugal e de sua economia como um todo, com ressonâncias no sistema colonial. E neste contexto Luís da Cunha propõe a revisão da condição jurídica dos cristãos-novos. A intolerância religiosa e o anti-semitismo são temas freqüentes nas obras de Luís da Cunha, Ribeiro Sanches, Antônio Ribeiro dos Santos— todos autores portugueses, observadores contemporâ­ neos do novo momento que passamos a tratar. O problema é antigo e não se restringe aos limites de Portugal ou da Península Ibérica. Percorre França, Alemanha e Itália. O antisemitismo está vinculado ao milenar e conflituoso relacionamento dos povos europeus com os de origem judaica e árabe, sempre ana­ lisado pela ótica do confronto das convicções religiosas. Em Portu­ gal, as raízes da discriminação aos judeus estão presentes nas pri­ meiras restrições à sua liberdade, instituídas por D.Manuel, em 1492. Um dos desdobramentos desta discriminação oficial foi a obrigação imposta aos judeus de cristianizarem-se. Daí emerge a expressão “cristão-novo”, associada aos que supostamente aceitassem a con­ versão ao cristianismo, embora, como de fato se veria posteriormen­ te, esta forma de identificação não os excluísse da perseguição geral infligida aos que se declaravam judeus. A instalação da Inquisição em Portugal, no ano de 1536, resulta deste conflito e define-se desde cedo por uma postura policial, censora intelectual das artes e ciên­ cias, reguladora do comportamento moral-religioso e essencialmen­ te anti-semita.7

Há outras sugestões de efeito maior. São elas: conceder liber­ dade aos judeus para praticarem seus cultos, abolir o confisco de seus bens e permitir-lhes viverem em “guetos” (um em Lisboa e outro, no Porto, tal como ocorria em Roma), com a ressalva de que fossem obrigados a usar um chapéu amarelo quando transitassem fora desses espaços. Estranhas propostas para quem dedica um texto a condenar as discriminações dos cristãos-novos. Sua máxima, inserida logo no início do texto, aponta para a direção do seu argumento e explica o porquê desta forma de tratamento. Ele dirige-se a Dom José, dizen­ do: “Esteja Vossa Alteza certo, que todas as vezes, que houver um Tribunal privativo para castigar certos crimes sempre haverá crimi­ nosos [fl. 258]”. E toma como exemplo a Inglaterra, onde a liberdade de consciên­ cia já permitia aos judeus não mais ocultarem-se em casamentos com cristãos. Luís da Cunha demonstra, portanto, que justamente a

7 Nas palavras de Ronaldo Vainfas: “Duas grandes distinções marcariam em princí­ pio, as inquisições ibéricas em relação à congênere medieval e à inquisição papal: a primeira, já mencionada, reside em que o Santo Ofício Ibérico se organizou

como tribunal eclesiástico diretamente subordinado à monarquia e a segunda re­ pousa em sua conhecida obsessão anti-semita, razão ou pretexto da própria insta­ lação dos tribunais em Espanha e Portugal” (1989).

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1 situação de censura e cerceamento causa a multiplicação numérica de cristãos-novos (como judeus híbridos do convívio com europeus) e a exacerbação de sentimentos contrários à doutrina cristã. Natural­ mente, sua intenção não é ver reduzida a população de origem judai­ ca em Portugal. Ao contrário, ele crê que a liberdade de culto e de trânsito (com a já dita ressalva da exposição pública de sinais diacríticos indicativos da procedência étnica) conduziría de volta a Portugal pessoas com a capacidade intelectual de um Ribeiro Sanches e muitos outros, que fomentaram o comércio marítimo e a produção de manufaturas no Reino. O que parece haver adiante é a formação de uma nova ética. A esse mesmo tempo, o português Antônio Vemey, vivendo um pro­ longado exílio na Itália, escrevia textos que formariam a base das mudanças institucionais praticadas no reinado de DJosé. Em Verdadeiro método de estudar (1747), Vemey esboça a idéia da ética como propedêutica da jurisprudência e da teologia moral. Em sua conceituação, não transparece, tal como no texto de Luís da Cunha, uma postura propensa a grandes inovações do pensamento e do comportamento. A ética de Vemey é universalizante e perene. Está ancorada no direito natural (“Lei Natural”), que ele entende ser a mesma lei divina plantada na consciência de todos os povos. Como referência ao comportamento civil desejado, segue o conceito de “virtude”, do qual emerge o de “nobreza”, que ganha corpo por meio dos exemplos históricos da Antigüidade — os grandes soberanos assírios, persas, egípcios, gregos e romanos. Não está dito por Vemey, mas, no afã do exercício de dedução que ele próprio sugere, pode-se dizer que seu conceito de ética surge dos princípios que informam a idéia de civilização ocidental. Afinal, estamos falando de uma nova ética, ou de releituras desses padrões bíblicos, mitológicos, históri­ cos, sempre e sempre revisitados? A ética de que nos fala Vemey promove a orientação nos estudos, visa à “felicidade”, o “Sumo Bem”, constitui-se em referencial que provém da “boa razão” , do “racionável” e, portanto, continuamente mutável e adequado ao com­ passo das percepções humanas sobre as relações entre si, homens e coisas (Vemey, 1952, pp. 253-293). Os exemplos são muitos. Luís da Cunha exercita a dedução. Ao propor a reversão do estigma mediante a exposição da diferença, ele

traz à tona antigas explicações de origem judaica sobre a perda da “pátria”, do “rei,” do “templo”, fundada na culpa bíblica em se ter misturado aós cristãos. Dois outros exemplos de origem bíblica, uti­ lizados por Luís da Cunha, foram o diálogo entre Deus e Adão e a pergunta a Jesus Cristo sobre quem o condenara (fls. 263-264). Com estes exemplos, Luís da Cunha quer reforçar seu argumento em prol da reforma dos processos de inquirição. Ele propõe uma humanização dos rituais de inquirição, cujos réus, em sua época, não conheciam direitos de defesa contra acusações e denúncias ocultas. Ribeiro Sanches (1699-1783), em Cartas sobre a educação da mocidade (1759/1922), resgata o exemplo romano, pelo qual os es­ cravos iam gradativamente se extinguindo, pelo casamento com mulheres romanas livres. Seu propósito é confirmar, reafirmar, vin­ cular a idéia de liberdade civil à de crescimento do Estado. É sob tal perspectiva que observa os casos de intolerância religiosa: “como dos privilégios dos fidalgos e da nobreza procedeu a escravidão, assim das imunidades eclesiásticas procedeu a intolerância civil [1922, p. 90]”. Conquanto partindo de premissa contrária à de Luís da Cunha, o argumento de Sanches aproxima-se deste, ao associar liberdade de consciência a estabilidade política e riqueza econômica. Com esse mesmo pano de fundo ético, há outro texto motivado pelos mesmos anseios de transformação social. É como se todos tive­ ssem lido (ou estivessem lendo) Carta acerca da tolerância escrita por John Locke ainda no final do século XVII. A Carta acerca da tolerância é um texto eficaz, por formar opinião. Discorre sobre a adversidade dos perseguidos pela Inquisição, os desatinos e a truculência dos processos inquisitoriais, sendo que, fundamentalmente, trata da necessidade de dar liberdade de escolha individual sobre qual religião deseja seguir. Este é o pon­ to comum em tomo do qual gravitam expectativas e esforços de trans­ formação da condição humana de judeus, mouros, canarins, índios americanos e escravos africanos. Há mais que informação. Há revi­ são da postura européia em face dos povos que não seguiam a dou­ trina cristã. Algo que começava por inverter os termos, segundo Locke:

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0 que ocorre, porém, se a religião cristã parecer falsa e ofensiva aDeus, ao pagão e a um príncipe maometano? Não devem, igual­ mente, com base no mesmo raciocínio e de modo semelhante, liquidar com os cristãos? (1689/1973, p. 24). Na condição de questionado e seguidor de uma “religião falsa e ofensiva a Deus”, Locke ensaia um exercício de relativização das próprias convicções, mediante o qual reflete sobre os conceitos de liberdade individual e soberania de distintos povos. Veremos, mais adiante, como esses conceitos vieram equacionar o problema de reunir questões muitos diversas entre si em um mes­ mo projeto colonizador. Veremos, ainda, como a política de Portu­ gal em relação ao uso de suas colônias, articulada com a posição que ocupava no mercado mundial e com a necessidade de fixar bases permanentes em novas áreas de fronteira, contou com um apoio conceituai fundado na condição de liberdade que seria outorgada aos índios, seus naturais povoadores.

Capítulo 4

Ensaios, esboços, projetos

Este capítulo deverá tratar da secularização, retomando-se ao pensamento de Locke e à concepção do homem ainda calcada na fé em Deus. A intenção será mostrar que a secularização não foi um processo demolidor, no sentido do rompimento com o antigo. Ao contrário, a secularização foi definidora de campos já existentes: o político, o civil, o religioso. Da leitura de Locke e do material dis­ ponível a respeito da secularização das instituições em Portugal sobressaem dois aspectos. O primeiro poderia ser considerado an­ tropológico. Entendo que a livre escolha de formas de venerar a Deus representou uma abertura para escolhas efetuadas em outros cam­ pos. Escolher, ou melhor, refletir, reconhecer o diverso, selecionar por critérios são exercícios indicadores da formação de um ambien­ te conceituai favorável à aceitação das diferenças étnicas e culturais e à coexistência com elas. Neste contexto, será comentada a equipa­ ração jurídica dos índios à dos europeus livres, assim como a formu­ lação de planos de civilização articulados aos da colonização em geral. O segundo aspecto é político. A secularização foi o argumento, o tema de grupos em disputa, tanto no contexto europeu quanto no colonial. Uma colonização só seria possível com um Estado forte, em que à Igreja caberia uma posição subalterna, a de lhe prestar serviços. A secularização motivava, ideologicamente, o que teria de ser feito no contexto colonial de qualquer modo: garantir fronteiras portuguesas, civilizar terras e índios, estabelecer a autoridade do rei. Como embasamento a essa discussão, serão apresentadas cartas

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escritas ao tempo da expulsão dos jesuítas, cujo propósito foi esclare­ cer e implantar a secularização no Brasil. Com este material será levantada a questão de se saber qual concepção prevalece na defini­ ção dos processos históricos: a que identifica descontinuidades, ou a que postula o movimento contínuo. Qual peso dar a cada concepção. Se se reforça a idéia de um movimento contínuo, cumulativo, o que estamos a fazer é negar a possibilidade de escolhas, de apresentação de planos, enfim, de tomada de consciência. Ao contrário, se se enfa­ tizam as descontinuidades, está-se dando crédito à efetividade, à efi­ cácia, à força de atitudes deliberadas na direção intencional das mu­ danças e, simultaneamente, colocando em segundo plano a percepção dos processos cumulativos da cultura. O Diretório dos índios exige um entendimento que fica a meio caminho dessas duas considerações, por ser a soma de experiências colonizadoras passadas. Ao mesmo tempo, com o Diretório, inaugura-se a direção do Estado sobre o processo de civilização dos índios. Outra questão que se destaca neste capítulo é a noção de pro­ jeto. Aqui se define o Diretório, primeiramente, por seu formato de projeto, sendo que, na tentativa de melhor explorar a tipologia, se­ rão analisados alguns exemplos de documentos coloniais com atri­ butos semelhantes. Alguns pontos podem ser desde já destacados. Para começar, a idéia de ensaio, de preparação para algo a ser construído e que tem o estímulo da idealização e da oportunidade da criação. Na análise de tais projetos anteriores ao Diretório, não hou­ ve de minha parte a preocupação de verificar se eles foram efetiva­ mente aplicados e que resultados geraram. Estes papéis vieram ao texto como exemplos antecessores a demonstrar que o Diretório está filiado a uma expressiva tradição colonizadora.

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Os que negam a existência de Deus não devem ser de modo al­ gum tolerados. As promessas, os pactos e os juram entos, que são os vínculos da sociedade humana, para um ateu não podem ter segurança ou santidade, pois a supressão de D eus ainda que ape­ nas em pensamento, dissolve tudo [1689/1973, p. 30].

Estando em voga as primeiras contestações de repercussão polí­ tica aos procedimentos da Inquisição na perseguição ideológica ao paganismo, à heresia e ao judaísmo, Locke anuncia idéias que só seriam assimiladas no século seguinte e nos posteriores. Paradoxal­ mente, a fermentação dessas idéias teve como matéria-prima as mes­ mas concepções religiosas, a mesma fé em Deus sobre a qual tam­ bém cresceram a ortodoxia e a intolerância. Louis Dumont (1977) menciona a questão ao tratar do conceito e propriedade em Locke. Não considerou, porém, importante saber o que mais pesava no pensamento do filósofo inglês: se sua crença sincera em Deus, se sua preocupação em dirigir-se a um certo públi“ Ing!"terra 6 da Europa de sua éP°ca>sensível às questões . 3 fe ( , y / / ’ P- 56)- A meu ver>as convicções de Locke representam importante tema para a localização de idéias então germinadas. O propno Dumont o confirma, ao considerar o pensamento de Locke representativo de uma transição entre ideologias (id, p. 59-60) As palavras de Locke, escritas apaixonadamente sob o calor de senti­ mentos de revolta, tiveram o efeito contemporâneo de formar uma opmiao pública e uma postura política diante dos acontecimentos de sua época e a longo prazo vinham esboçar o discernimento sobre domínios de poder e de conhecimento até então tratados indistintamente. No caso, os assuntos da política e da religião, que ele define delimitando campos próprios a cada um :

O sentido da secularização Lendo mais uma vez a Carta acerca da tolerância, de John Locke, deparei com uma questão aparentemente secundária: ele não desacreditava em Deus. Ao atacar firmemente a Igreja, a Inquisição, os magistrados, ou seja, todos aqueles que se investiam de autori­ dade para ditar formas de veneração a Deus e execrar as crenças que contrariavam a doutrina cristã, Locke tinha um propósito simples­ mente reformador. É o que se depreende desta sua afirmação:

Sendo isso estabelecido entende-se facilmente os fins que deter­ minam as prerrogativas do magistrado para formular leis- o bem

público em assuntos terrenos ou mundanos, que é a única razão para iniciar a sociedade e o único objeto da comunidade uma vez formada; e, por outro lado, a liberdade facultada aos ho­ mens em assuntos que dizem respeito à vida futura: cada um pode fazer o que acredita agradar a Deus. em cuja vontade se baseia a salvação dos homens. Porque se deve, antes de tudo obediência a Deus, em seguida, às leis. Mas, perguntar-se-á, se

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1 . os decretos do magistrado prescreverem algo que pareça ilegal à consciência das pessoas? Se a comunidade — respondo — é go­ vernada de boa fé, e os conselheiros do magistrado estão real­ mente voltados para o bem geral dos cidadãos, isto raramente ocorrerá. Mas, se isso por acaso acontecer, afirmo que tal pessoa deve abster-se de uma ação julgada por sua consciência ilegal, embora tenha que se submeter ao castigo, que não é ilegítimo para ele suportar. Desde que o julgamento particular de qualquer pessoa com relação a lei, decretada em assuntos políticos, visan­ do ao bem público, não suprime a obrigação a esta lei, nem mere­ ce tolerância. Mas se a lei diz respeito a coisas que estão fora da alçada do magistrado, como, por exemplo que o povo, ou qual­ quer parte dele, seja obrigado a aceitar religião estranha e adotar novos ritos; os que discordarem disso não devem ser coagidos por essa lei, porque a sociedade política foi instituída unicamente para assegurar a cada pessoa a posse de coisas desta vida, e com' nenhum outro propósito. O cuidado da alma e de assuntos espi­ rituais, que não pertencem e não se subordinam ao Estado, é reservado e mantido p o r cada indivíduo. Deste modo, a p ro te­ ção dá vida e das coisas que se referem à vida é fu n ç ã o do E sta­ do, e a preservação delas para seus possuidores consiste em de­ ver do m agistrado [1973, p. 28].

Do trecho acima infere-se que Locke não postula a eliminação ou primazia de um ou outro domínio e, sim, a definição do que sem­ pre esteve posto indistintamente: o que é inerente aos assuntos da ordem divina e o que cabe aos homens julgar. Em seu pensamento (não é demolidor, mas reformador) nada se dissolve, senão reforça, fortalece: o homem, inteirando-se de si, refaz sua imagem à seme­ lhança de Deus. É justamente na medida desta relação primordial que Locke reivindica um espaço próprio para os homens — o de dispor de liberdade para colocar-se diante de Deus, conforme sugere a fé, e a maneira de exprimir de cada indivíduo. E, se existem cam­ pos distintos, uma ordem divina e outra humana, também existem leis próprias de ordenação de cada uma. Assim, dessa nova postura, em que o homem pode colocar-se perante Deus como um dos termos e não mais como parte indistinta, nasce a possibilidade de decidir livremente sobre qual religião adotar e ter garantidos os direitos sobre esta escolha, além da obrigação de proceder da mesma manei­ ra com outros indivíduos e suas respectivas convicções.

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Com isso, Locke dá a entender que a relação do homem com Deus é fundamentalmente individual e alimentada por julgamentos internos, ainda que daí emeijam igrejas ou religiões que constituem associações de pessoas unidas voluntariamente. Nada parecería extraordinário nessas últimas declarações, não fosse o fato de Locke escrever num ambiente de forte animosidade a manifestações do livre pensamento. É, sobretudo, um desabafo polí­ tico este esforço de redimensionamento das relações humanas com as questões religiosas. Em verdade, será somente um esforço, posto que a ordem das questões humanas apenas começa a esboçàr-se, tendo como “norma e medida” para o legislador o bem comum ou o bem público, esse referencial rarefeito e ainda vinculado a questões da fé, em tomo do qual serão formulados os direitos civis e a idéia de Sociedade Civil. No entanto, na Carta acerca da tolerância tais conceitos encontram-se apenas esboçados, pouco elaborados, e talvez assim estejam por refletir o nível das percepções humanas da época do autor — o final do século XVII. Lembremos Dumont, que discute a percepção do momento por Locke, ou seja, se ele estava ou não discernindo suas convicções religiosas das próprias racionalizações sobre a ideologia da Igreja e da Inquisição. Resta-nos imaginar a possibilidade de que Locke tenha feito uso desses conceitos somente para contrapô-los à questão central de seu texto, a saber, qual é o espaço de ajuizamento e quem desempe­ nha o papel de juiz nas questões de fé e formas de expressá-las. Pensando indiretamente nessas questões, ele viria a esboçar os cam­ pos da política e da religião, atribuindo-lhes qualidades de domínios público e privado, regido, o primeiro, pelo compromisso social e, o segundo, por sentimentos e convicções individuais (ou, em seus ter­ mos,” persuasões internas do espírito”). Tudo isso se mostra latente em seu texto. E seria melhor explicitado e entendido ao longo do século seguinte, quando foi transformado em diretrizes de políticas que visavam à administração pública, à economia e às colônias. Ao repassar os olhos sobre a Carta, nota-se a repetição quase obstinada das palavras “voluntária”, “voluntariamente”, “livre von­ tade” e “escolha”. A própria concepção de Locke sobre “religião verdadeira” como sendo um exercício de “persuasão interior do espí­ rito” é exaltação à liberdade, manifestação efetiva de livre escolha, livre expressão dos sentimentos.

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A secularização, em Locke, compreende o discernimento de dois espaços distintos de atuação humana: um, que resguarda para o indi­ víduo a liberdade do espírito e tem como limite a obediência a Deus; o outro, que vincula o homem a outros homens mediante acordos, pactos, compromissos firmados entre si. Percebendo, assim, os limi-, tes de cada um em relação a esses espaços, quer Locke entender e passar ao público leitor a idéia de que as manifestações próprias do espírito estão livres da legislação do magistrado, em razão de sua condição essencial de serem sentimentos: “Porque cada igreja é orto­ doxa para consigo mesma e errônea para as outras” (id , p. 15). Locke estava pensando no caráter arbitrário da perseguição de uma igreja sobre outras e na intervenção igualmente arbitrária de governos temporais sobre essas questões da fé. A influência de seu pensamento em autores portugueses dos setecentos é evidente, a começar por Antônio Veroey, um dos prin­ cipais formuladores do programa de reformas institucionais coloca­ do em prática pelo Marquês de Pombal com o sentido de seculariza­ ção até aqui discutido (Crippa, 1982, pp. 21-27, Falcon, 1982, pp. 330-343). Propõe-se, pois, pensar Locke debruçando-se sobre um caso efetivo, qual seja, a contenda entre o Marquês de Pombal e a Companhia de Jesus, que culminou na expulsão dos jesuítas de Portu­ gal e de todas as colônias portuguesas. Vejamos que direções segue essa discussão conceituai e qual tratamento político se dá a essas idéias nascidas da reflexão de filósofos.

A correspondência entre governantes Em 16 de junho de 1761, o Conde de Oeiras, futuro Marquês de Pombal, escreve ao bispo do Pará, a fim de comunicar que o Rei D. José I havia restituído aos índios daquele Estado a liberdade de suas pessoas, bens e comércio, e estabelec[ido] o governo temporal dos mesmos índios nos generais, ministros e magistrados seculares, deixando toda a espiritualidade aos prela­ dos e ministros eclesiásticos, e dando assim a D eus o que era de Deus, e a César o que era de César [IHGB, D ocum entos sobre a Capitania do Pará, fl. 39].

Este significativo trecho integra uma das cartas de um conjunto de documentos que abrange o período de 1751 a 1807. Para quem não conhece a história dos padres da Companhia de Jesus, ou somente a conhece pela interpretação dos historiadores, sem ter lido o que dizem os próprios jesuítas, este maço de documentos é um bom co­ meço de estudo, ainda que pelo ângulo de seus perseguidores, so­ bretudo o marquês, que representava os interesses da monarquia. Mas, considerando-se apenas um lado da questão, tem-se a possibi­ lidade de empreender uma leitura multifacetada da matéria, ou me­ lhor, nem César, nem Deus, mas a configuração de idéias em torno da contenda, uma vez que todas as razões para a expulsão da Com­ panhia de Jesus estão colocadas nessas cartas. E todas as versões para tais razões ficam, assim, subentendidas. Falemos, antes, da expulsão. Um alvará de 3 de setembro de 1759 coloca um fim no confronto entre Estado e Companhia de Jesus, ordenando que, daquela data em diante, estariam oS padres jesuítas expulsos de Portugal e de seus domínios coloniais, bem como destituídos de seus bens e poderes de administração sobre os índios. Estimativas indicam terem sido 122 jesuítas banidos do Brasil, entre noviços e os padres expulsos anteriormente do Grão-Pará, que dei­ xam atrás de si uma estrutura construída desde 1549, em termos de hospitais, colégios, seminários, casas de residência, bibliotecas, igre­ jas e missões indígenas (Soares, 1983, pp. 213-216). Uma rica literatura discute este acontecimento. Por exemplo, as cartas trocadas no âmbito do governo, nas quais se deliberou sobre a difícil tarefa de substituir os jesuítas no Grão-Pará e Maranhão. O processo tem início em 1756, com as primeiras acusações contra os padres da aldeia de São Francisco Xavier, localizada no rio Javari, culminando, em 1757, com a decisão do rei de expulsar jesuítas do Grão-Pará, providência adotada em 1758, um ano antes da medida geral para toda a Companhia de Jesus (id ., fls. 1-2 e 5-6). Quase todas as cartas estão assinadas pelo rei e por Tomé da Costa Corte Real, integrante do Conselho Ultramarino e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, estando dirigi­ das ao governador e capitão-geral do Grão-Pará e Maranhão, Fran­ cisco Xavier de Mendonça Furtado, e ao bispo do Pará, D. Miguel de Bulhões e Sousa.

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A primeira informação a destacar é a de que a substituição dos jesuítas e de outros regulares atingidos pela medida teria sido gradual. O que, indiretamente, mostra o reconhecimento de que a experiên­ cia de catequese e civilização de índios, desenvolvida pelos jesuítas, foi internalizada. O seguinte trecho da referida documentação indi­ ca que, além de a medida ter sido gradual, outras ordens regulares foram igualmente atingidas com o banimento ou impedidas de con­ tinuar o trabalho missionário. Sobretudo manda S. Majestade ainda prevenir a V. Exa. a respei­ to destes Religiosos [refere-se especificamente aos da Conceição e aos da Piedade] que posto que por agora permitiu o mesmo senhor que o número deles nesse Estado fique sendo de trinta; contudo isto se entende, enquanto for necessário que eles paroquiem; porque Jogo que V. Ex. tiver clérigos bastantes para promover as Igrejas, serão os mesmos religiosos reduzidos ao número dos 22 [id, fl. 13]. Além da restrição ao limite de 22 religiosos, ficava proibida a admissão de noviços, sob o argumento de que o rei não mais queria no Estado do Pará “senão religiosos de virtude e letras já provados, que nele [no Estado] possam servir ao bem comum das aldeias” (id, fl. 13). Mais que um reconhecimento da experiência específica de lidar com índios, acumulada em dois séculos de trabalho missionário pelas ordens regulares, estaria implícita a constatação da fragili­ dade do empreendimento, dada a insuficiência de pessoas qualifi­ cadas no âmbito da estrutura administrativa civil e militar mantida pela Coroa no Brasil, em regiões com processo de colonização já em andamento. A questão do número exíguo de pessoas qualificadas para colo­ nizar terras e civilizar índios condicionou uma medida que seria pro­ visória em uma situação histórica de longo curso. Não poucos docu­ mentos indicam que governantes, discutindo, em correspondência oficial, os problemas da secularização, costumavam sempre men­ cionar uma medida extraordinária de sumos pontífices predecessores e que concedia aos reis de Espanha e de Portugal religiosos regu­ lares que substituíssem os clérigos no trabalho de catequese. Essa

medida (nos documentos o termo é “dispensa”) teria permitido aos regulares, como os jesuítas, exercitar o ofício de curas administrando os sacramentos aos ín­ dios somente enquanto não houvesse número de clérigos secula­ res suficientes” [IHGB, Carta do Rei a Gomes Freire em 8 de maio de 1758, fl. 184]. Em outro documento, é referida tal concessão como uma sorte de infração do direito canônico, e das constituições apostólicas, que permitia aos ditos religiosos saírem dos seus claustros para vive­ rem apartados dos santos exercícios, que neles se ffeqüentam; e exposto aos perigos que correm os sobreditos regulares fora da obediência dos seus competentes prelados, seria interina para durar somente enquanto não houvesse a necessária cópia de clérigos seculares [IHGB, Carta do Rei ao Bispo do Rio de Janeiro, de 8 de maior de 1758, fl. 185]. A segunda informação esclarecedora dá mostras da extensão e dos efeitos da secularização sobre as aldeias indígenas missionadas, comprovando que os jesuítas não foram os únicos regulares atin­ gidos pela medida. Uma carta do rei para o governador e capitãogeneral das capitanias do Estado do Grão-Pará e Maranhão, datada de 11 de junho de 1761, delibera sobre as modificações estruturais, após o alvará que trata da expulsão de regulares. Além do conhecido fato da expulsão dos jesuítas de todos os. domínios portugueses e, inclusive, de Portugal, também foram afastados os religiosos das províncias da Conceição e os da Piedade. Os primeiros deveríam passar para o Maranhão, e os demais voltar para o Reino (Docu­ mentos sobre a Capitania do Pará, fl. 31). A terceira informação a respeito da expulsão desses regulares versa sobre as acusações aos jesuítas. A questão configura-se como uma explicação conjuntural e é prova efetiva de que a secularização representou um fato político. É como se de uma postura antropoló­ gica perante assuntos teológicos pudesse surgir uma ideologia de apoio aos processos sociais engendrados pela idéia da secularização. Nos mesmos Documentos sobre a Capitania do Pará encontrase a primeira acusação pesando sobre dois integrantes da Companhia

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'l de Jesus, segundo a qual eles teriam “roubado” índios da aldeia de São Francisco Xavier e da missão de São Paulo. Ali se comenta a irregularidade e a necessidade de os índios serem recolocados em suas respectivas aldeias e entregues aos padres do Carmo (os carmelitas) (id, fls. 1-2). Nas cartas seguintes, sustenta-se que os clérigos poderíam ser tão bons párocos quanto os regulares. O argumento apresentado, adotado como medida saneadora, como se demostra a seguir, teve a força simbólica de por si justificar a expulsão dos jesuítas. É julgada escandalosa a facilidade com que os padres ofereceram largar o govemo espiritual logo que se lhes tirou o temporal, manifestan­ do que o zelo da salvação das almas é neles um puro pretexto para adquirirem, e acumularem riquezas extorquidas pelas vio­ lências, que até agora fizeram aos miseráveis índios [id, fl. 4], Questionando deste modo a espiritualidade do jesuíta, toma­ ram-no alvo fácil de acusações diversas como autores ou co-autores de sedições atribuídas a índios e que a essa época ocorriam simultâ­ neas em duas aldeias de Goiás, na Capitania do Mato Grosso, e nas aldeias do Rio Negro. A última acusação é transmitida como atitude de resistência aos interesses da monarquia. Dá notícia de que jesuítas portugueses e espanhóis estariam comunicando-se entre si como integrantes de uma entidade própria e estrategicamente posicionados em áreas de defi­ nição das fronteiras coloniais na América do Sul. Esta última acusa­ ção é a mais significativa, porque se assenta na percepção políticodiplomática da época, de que os jesuítas, na qualidade de membros de uma congregação de princípios independentes, transnacionais, que não necessariamente se coadunavam com os de nacionalidade, constituíam efetiva ameaça à soberania de Espanha e de Portugal, principalmente pelo que representavam em termos de estrutura de colégios, missões e fazendas (id, fls. 9 e 16). É apropriado à reflexão dos conceitos de soberania e cidadania o trecho a seguir: É incompatível com o ministério, que constitui o único título dos ditos religiosos jesuítas, a potência secular, que afetam, sem lhe poder assinar princípio e compositiva resistência, dos mesmos

sacrossantos evangelhos, que tomam por pretexto, e só assim fi­ caram os jesuítas castelhanos, que tem ocupado as fronteiras dos domínios de Espanha nesses vastos sertões, inibidos para recebe­ rem os avisos e socorros, que lhes ministravam, e estão ainda ministrando os chamados vassalos (jesuítas portugueses] de Sua Majestade, que vestindo a mesma roupeta, conspiram contra os domínios desta Coroa na causa comum que por tantos e tão estra­ nhos fatos, se tem manifestado nestes últimos tempos [Documen­ tos sobre a Capitania do Pará, fls. 20-21]. Assim, redefinidos os limites do poder de cada um, os jesuítas não teriam aceito as novas regras, recusando-se a ficar com parte menor em relação àquela que antes detinham. Retratados mais pela face mercantil do qüe educadora em seu desempenho colonizador no Brasil, os jesuítas seriam foco de acusações e, por seus alegados crimes, punidos com o banimento. Consideraria uma reação natural se me perguntassem por que fazer esse inventário de questões específicas da circunstância histó­ rica. A meu ver, tudo parece conduzir a observar esses dados conjun­ turais da expulsão dos jesuítas e as providências adotadas para o reordenamento social como um movimento transformador repenti­ no e breve que não rompe, antes faz parte de um momento especí­ fico da lenta formação das instituições públicas e civis da Europa Ocidental. A quarta informação elucida o processo de transformação das instituições. Diz respeito à destinação dada aos bens pertencentes às ordens regulares atingidas pelo alvará régio. Uma correspondência entre Tomé da Costa Corte Real e o Conde dos Arcos, com data de 19 de maio de 1758, trata da destinação dos bens da Companhia de Jesus, conforme os seguintes critérios: os bens considerados indevidos deveríam ser reduzidos a “bens de raiz” e estariam subor­ dinados à jurisdição espiritual do arcebispo. Os bens relativos às igrejas passariam a pertencer às mesmas. Os “bens semoventes e móveis” (entre os quais se incluíam, indistintamente, escravos e ani­ mais, isto é, “pretos” e “bestas”) ficariam destinados às “enfermarias dos hospitais”. Neste documento fica evidenciado que o confisco dos bens teve uma destinação pública, como se depreende do trecho do inventário de bens da Companhia de Jesus no Grão-Pará e Maranhão:

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’i Entre os bens seculares que ficaram vacantes neste Estado [GrãoPará e Maranhão] [...] [a casa que] servia nessa cidade de semi­ nário dos referidos jesuítas, vos ordeno, que seja logo erigido em um colégio secular para a educação dos filhos das pessoas nobres da mesma cidade, e seu território, compreendendo-se entre eles os filhos dos principais, dos capitães-mores, dos sargentos-mores e dos capitães dos índios [id, fl. 31]. O bem indicado a seguir dá expressão civil à secularização, quan­ do igrejas pertencentes a ordens particulares se tomaram bens de domínio público: A Igreja da Vigia, que foi dos mesmos regulares expulsos, man­ do avisar ao bispo dessa Diocese, que deve erigi-la em paróquia da mesma vila, ficando a outra igreja, que até agora serviu de freguezia, servindo de capela filial [id, fl. 32]. E prossegue o inventário: A casa chamada Hospício dç São Boaventura, que evacuaram os religiosos da Província da Conceição, mandei avisar em Carta de 18 de junho do ano próximo passado de 1760, que devia ser erigida em Hospital para nele se curarem os soldados enfermos, e espero que assim se tenha observado. A outra casa chamada Hospício de São José, que evacuaram os religiosos da Província da Piedade se deve aplicar de sorte que nas casas se acomode o capelão da nova olaria [...] A outra casa evacuada pelos mesmos religiosos da Piedade que se chamava Hospício do Gurupá, será logo erecta em um colégio secular para a educação dos filhos dos nobres daquelas partes, incluindo-se neles os filhos dos principais [e demais funções já mencionadas] de todas as povoações de índios, que jazem desde as vilas de Almeirim, Melgaço e Portei até aos rios Negro e Solimões [...] e até aonde se termina a Diocese do Pará. [id, fl. 32], No mesmo inventário há um trecho de raro valor. Trata-se da passagem da livraria existente no Colégio de Santo Alexandre, loca­ lizado na cidade do Pará [hoje Belém], para o serviço dos prelados. A livraria funcionaria sob as seguintes condições, nascedouras da biblioteca pública:

Primeira, que a dita Livraria se conservará sempre unida e vincu­ lada sem dela se poder extrair por qualquer título que seja livro algum dos que nela se acham, e acrescerem pelo tempo futuro. Segunda, que será colocada em casa que ao mesmo tempo em que tiver uma porta particular para o interior do Palácio dos prelados, tenha outra porta e entrada pública para a serventia dos habitantes da cidade. Terceira, que a mesma livraria estará sempre aberta em to­ das as manhãs dos dias, que não forem santos para a instrução do público da mesma cidade, e das pessoas, que na mesma livraria quiserem estudar, não se conservando a porta dela aberta por me­ nos de três horas [etc, seguem outras normas menores] [id, fl. 33], Cabem, ainda, referências ao estabelecimento de escolas públi­ cas. Ficava estipulada a criação de escolas públicas nas cidades, vilas e lugares do Pará para o ensino elementar. Há um prenúncio do que hoje se entende por concurso público nos princípios e critérios de admissão de mestres estabelecidos nessa carta. A seleção de mes­ tres, efetuada por oficiais das câmaras e posteriormente examinadas pelos prelados das dioceses, vem demonstrar como daí em diante seria articulado o trabalho com os índios, congregando Estado e Igreja, de maneira a assinalar sempre a preeminência do primeiro. Após exame, a aprovação do candidato era referendada em certidão apresentada pelos prelados das dioceses. Que nessa cidade e mais vilas e lugares dessas capitanias se esta­ beleça em cada uma delas uma escola pública, para nela aprende­ rem os naturais desse Estado a ler escrever e contar, elegendo-se para cada uma das escolas mestres hábeis, os quais vos serão propostos pelos oficiais das respectivas câmaras, e antes de os aprovares os fareis examinar pelos ministros, que vos parecerem mais dignos de vossa confiança. E porque os referidos Mestres devem ser também obrigados a ensinar o catecismo, serão ao mesmo tempo mandados exami­ nar, e aprovar pelos prelados das dioceses, a que tocar, de cuja aprovação vos apresentarão certidão para efeito de poderem ter exercício [Documentos, fl. 36]. Os bens arrolados e repassados ao domínio público represen­ tam a própria concordância dos indivíduos que servem à monarquia

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(ou são a própria monarquia), com as intenções e os resultados do trabalho que os missionários vinham realizando desde o início da colonização. A destinação pública dos bens de regulares é uma confirmação de que movimentos de continuidade são mais freqüentes que tendên­ cias a rupturas, quebra e descontinuidade, dissolução e nova cons­ trução. Tudo isso é dito porque, desde o início, quando coloquei o pro­ pósito de discorrer sobre o Diretório, condicionei este intento ao reconhecimento de que referido documento, que se propunha a ser um novo regimento para govemo dos índios, foi elaborado a partir de conceitos e experiências culturais antecedentes. E assustador ob­ servar que, remontando à tradição conceituai que embasa o Diretório, tomou-se possível vislumbrar a condição em que os portugueses são os aprendizes de cultura. É como se este movimento retrospectivo revelasse a lenta formação dos conceitos, a milenar rede de idéias encadeando processos, acontecimentos e convicções humanas. Fa­ zendo essa viagem retrospectiva aos conceitos de civilização, colo­ nização e govemo, pouco a pouco vimos destituindo o Diretório de sua natureza intrínseca, ao mesmo tempo em que o reintegravamos à bagagem ampla de experiências humanas no esforço de ordenação da sociedade. Acredito que a partir de agora seja possível restituir a singularidade do Diretório: a de ter abolido uma ordem e orienta­ do a implantação de outra, nova, isto é, a de ser exemplo de secula­ rização, compreendendo uma experiência pioneira de formação da idéia de sociedade civil.

Nem poderia ser de outro modo: o novo surge pela percepção de já existir o antigo, que se deseja transformar ou abolir. Assim, P movimento do texto dá-se pelo recurso a análises retrospectivas, em tomo de experiências sociais incorporadas à bagagem cultural de Portugal e, às vezes, em escala maior, quando imbuídas da percep­ ção de filiação à cultura da Europa Ocidental. A vivência cosmopo­ lita do autor, como um político das relações internacionais, com expe­ riência de vida em outros países, é que tornaria possível essa dimensão. Postura cosmopolita que em Portugal era vedada, em face da repressão imposta pela Inquisição às manifestações favoráveis à renovação do pensamento. O exercício retrospectivo a que o Mar­ quês se dedica no texto leva-o a indagações sobre os limites da com­ preensão humana acerca da vida em sociedade. Pombal reexamina a capacidade genérica do homem de conviver com diferentes modos e visões de mundo e adota como referencial para suas reflexões as experiências européias de vida social. Sua convicção a respeito da superioridade da civilização ocidental assenta-se na atitude de tole­ rância fundada na liberdade de expressão sobre escolhas pessoais. Note-se que tais idéias, entrevistas, lá atrás, em I.ocke, são agora expressas, cinqüenta anos depois, por um político, estando cada vez mais presentes no cotidiano e no pensamento do homem comum. Se o Iluminismo é a confiança no homem, Pombal é um iluminista. De suas reflexões infere-se que essas “gentes”, como os europeus chamavam os outros povos,

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Òs autores de projetos A última carta dos Documentos da Capitania do Para está assi­ nada pelo Marquês de Pombal, a esse tempo Conde de Oeiras, com data de 16 de junho de 1761. A personalidade do autor emana do texto. Ele discorre sobre a questão dos índios como um assunto de governo e, como tal, entendido e amparado pela mesma postura que concebe a política econômica e a administração colonial. Saber de onde vêm suas idéias apenas interessa para mostrar que, embora o Marquês de Pombal tenha a convicção de estàr implantando uma nova ordem, ainda se orienta por valores antigos.

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não são feras, mas sim homens racionais que fugiram (por isso mesmo porque são racionais) dos que até agora os perseguiram, afugentaram e mataram; roubando-lhes com os filhos e mulheres até a liberdade natural [id, fl. 39]. Além de uma postura relativizadora, esta é uma referência crí­ tica ao trabalho missionário e à sua participação em procedimentos de aproximação de índios, na época chamados descimentos, ou seja, o trabalho de convencimento, às vezes violento, sobre os índios, tirando-os de suas regiões de origem para virem conviver com os brancos e a eles servir. O que tencionava Oeiras, ao destituir os missionários da tarefa de civilizar, era principalmente excluí-los das expedições de resgate de índios, cuja atividade fora por eles dirigida e conduzida até a

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etapa final, de aldeamento. A nova maneira de pensar e de lidar com os índios, que excluía a participação dos missionários regulares, teria por norte a seguinte legislação: a Bula expedida pelo Papa Bento XIV, em 20 de dezembro de 1741, e publicada pela Diocese do Pará, em 29 de maio de 1757; a Lei de 6 de junho de 1755, que trata da liberdade dos índios, a Lei de 7 de junho do mesmo ano, dispondo sobre a secularização das aldeias, e o Alvará de 17 de agosto de 1758, que dá o cunho de lei ao Diretório dos índios. Essas leis infor­ mam'as mudanças e instruem sobre o comportamento que deveria ter o branco — secular, civil ou militar— diante do índio, no quadro dessas importantes deliberações e sob o respaldo conceituai da nova postura. Em suas próprias palavras, são estas as quatro colunas em que se acha sustentada toda a grande máquina desse Estado, em que já se vêem os prelúdios de um vasto império: e consistindo uma destas colunas em uma Bula Pontifícia, e as três que restam em outras tantas leis régias, que V.Exa. achou publicadas e executadas e que constituiram o últi­ mo e pacífico estado de um tão importante e tão vasto Domínio [Documentos sobre a Capitania do Pará , fl. 40]. Está clara a separação de poderes e atribuições, como também está desperta a consciência de sua articulação como domínios com­ plementares e dependentes. O elemento político da secularização reside justamente em dar fundamentação ideológica a um confronto pela hegemonia, que acontece entre segmentos sociais no meio colo­ nial, tendo como razão da disputa o controle sobre índios e terras. Estes, todavia, são alguns dos muitos efeitos de um movimento maior na Europa que Locke deixa registrado plenamente em seus escritos, quando tudo ainda era apenas uma inquietação, uma con­ testação política formadora de opinião. A secularização é a reafirmação do Estado sobre as demais instituições. Constitui, nesta circunstância histórica, o ideário de um pacto vinculando todas as instituições a uma idéia de sociedade civil, ou, mais precisamente, à idéia de civilização que participava do pen­ samento dos europeus à época. Se fôssemos inventariar pessoas que escreveram sobre o con­ ceito de civilização, teríamos como fundo comum às variadas formu­ lações a imagem de sociedade civil que se autodefine em oposição à

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Natureza e às suas qualidades inerentes (selvagem, indomável, rús­ tico). Civilização descreve o esforço de superação da Natureza pelo seu englobamento. Uma superação que não implicava eliminação física e, sim, ajustamentos às concepções européias de vida social. Quando Oeiras propõe que os descimentos sejam conduzidos pelos “oficiais militares e ministros civis” (id, fl. 42) e recomenda atrair “índios internados nos matos” para viverem entre os brancos e instruirem-se nos meios da “civilidade”, seu referencial se direciona para o conceito de civilização como uma “união universal de racio­ nais”, a que ele chama de “sociedade civil” (id, fl. 41). No curso de sua argumentação, ele parte da proposição de que “é necessário que os índios sejam homens antes que possam ser cristãos” (id). Recor­ rendo à metáfora, ele sustenta que, “enquanto sáfaros [os índios] e metidos nos bosques, é o mesmo [que] semear neles o grão do Evan­ gelho, que lançá-lo às pedras estéreis por sua natureza” (id). Ficava, assim, definido que a cristianização é um refinamento da civilização e deveria vir depois desse primeiro trabalho feito por civis e milita­ res. O Diretório é referido como plano de instrução para a civiliza­ ção dos índios. As concepções religiosas que evoca como referencial ético para tais reflexões e deliberações adotam o exemplo bíblico dos Apóstolos. S. Paulo e os outros santos apóstolos é certo que tiveram por seara a vocação do gentilismo; este gentilismo porém era o dé Roma, Atenas e outras regiões, que a cultura dos hebreus, dos gregos e dos romanos tinha civilizado de sorte, que eram homens sociáveis, polidos e hábeis para trato, aos quais só faltava corivencer-lhes o entendimento para neles fazer impressão a verda­ deira crença, impressão que era verdadeiramente, digo que era privativamente pertencente ao ministério sagrado dos apóstolos e dos sucessores na ordem do sacerdócio e do ministério evangé­ lico [id, fl. 40], Com base nas experiências de persuasão contra o paganismo que as Escrituras imortalizaram, ele dá fundamentação ética ao arbí­ trio de destituir os missionários regulares do poder temporal que detinham sobre os índios, além do espiritual permitido e esperado pelas autoridades civis e militares. Separavam-se os domínios, reforçando-se cada um pela reafirmação de suas especifícidades.

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Os projetos No correr de uma carta escrita pelo ouvidor Lourenço Pereira da Costa, em 2 de setembro de 1762, escapa-lhe nas entrelinhas uma concepção aparentemente incompatível com o ideário do governo ao qual servia. Ele sugere, para o crescimento de povoações que estavam principiando próximas a um “sítio das cachoeiras e Marabitanas”, que fossem enviados três padres cientes da Língua Geral e de gênio dócil para irem batizando e catequizando o gentio, formando-se as suas igrejinhas para que o gentio não viva desconfiado de que os querem amarrar e levar para o Pará, porque entre eles haver igreja e pa­ dres é sinal de permanência, e estabecimento [AHU, cx. 1, doc. 37]. O que se constata no trecho acima é a instituição da primeira autoridade tutelar absorvida pelos índios já ingressos no convívio com civilizados. Aqui se entreve a possibilidade de coexistência de métodos antigos e novos como prova da gradual substituição dás experiências. Por um lado, os missionários destacavam-se entre os colonizadores, gozando de relativa confiança dos índios. Por outro, a evangelização tornava-se a primeira experiência de convívio entre colonizadores e populações nativas, com a qual o autor, ao escrever esta carta, em 1762, em plena voga dos primeiros efeitos da expulsão da Companhia de Jesus, expressa concordância (o que é demonstrado, por exemplo, em relação ao uso da “língua geral , utilizada pelos jesuítas para a comunicação entre eles e os índios de diversas proce­ dências linguísticas, apesar das implicações políticas que se discuti­ rão mais adiante) O problema, porém, sempre existiu. Desvendar a natureza do índio e, antes disto, encontrar meios propícios à aproximação sem­ pre foi uma preocupação dos colonizadores e da constelação de pes­ soas que giravam em torno dos negócios da colonização, desde os práticos, os viajantes, os que iam administrar tarefas na colônia, até as pessoas que refletiam abstratamente o problema, escrevendo leis e políticas.

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Quando levantava referências documentais nos arquivos histó­ ricos para composição do material de pesquisa, deparei com algu­ mas constantes. É significativo o número de textos que propõem ou se intitulam projetos, planos ou reflexões, apresentados sob a forma de parecer, memória, consulta, requerimento, etc, e nos quais se dis­ corre sobre uma mesma questão que sempre intrigou brancos colo­ nizadores, ou seja: qual o melhor modo de aproximação com os ín­ dios, a fim de trazê-los à civilização? Essas reflexões, desenvolvendo-se em tomo de questões que tocam os problemas da natureza e das potencialidades do homem e tendo por finalidade a melhoria da condição humana, constituem projetos. Pensemos a partir de agora que essas reflexões, sendo pro­ jetos, não têm temporalidade; -são, essencialmente, padrões de ordenamento social ou, nos termos do século XVIII, modelos para a formação da sociedade civil. Projetar. Os autores de projetos investem-se nessa tarefa imbuí­ dos da sensação de estarem realizando a grande obra. Ao mesmo tempo, são motivados pela oportunidade de tudo mudar, quer dizer, “idear” uma mudança e contar com o apoio da circunstância histó­ rica. O Diretório é filiado a esse gênero de esforço humano e, como tal, tem componentes semelhantes, que permitem tratar de um pen­ sando nos outros. O primeiro traço comum aos projetos é a amplitude de visão e de desejo de mudança. No arquivo da Torre do Tombo, há um texto de autoria desconhecida e possivelmente do início do século XVIII, cujo título é: Projeto em se mostra como fo i o passado, e o presente e será no futuro, o Estado do Brasil formando-se uma Companhia que só ela possa fazer o comércio em África, principalmente o con­ trato dos negros. Acima de tudo, é preciso fazer uma observação sobre a filiação das idéias deste texto. Trata-se de um papel da administração colo­ nial plenamente identificado como os esquemas do pensamento mercantilista. Desde as primeiras linhas do texto, o argumento tem como campo de observação a nova conquista a ser explorada — o Norte do Brasil, que localiza, difusamente, entre o Cabo do Norte (Amapá) e o rio da Prata. É sob o olhar a esta vasta extensão de terras que se discorre sobre a natureza das populações nativas, a

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conveniência política de tratá-las com amizade e a necessidade de criar soluções alternativas, incrementando o transporte de negros da costa da África, para que eles viessem trabalhar nas lavouras de açú­ car e tabaco da América. Assim, no entendimento deste Projeto, su­ geria-se uma divisão mundial de atribuições para cada colônia, o que de fato ocorreu (ou já devia estar ocorrendo, se o texto for mes­ mo do início do século XVHI). O texto prossegue indicando antecedentes históricos que expli­ cam a posição de Portugal na política internacional e no mercado europeu. A propósito, atente-se para o trecho a seguir, relativo ao trauma da anexação de Portugal à Espanha, a fim de melhor dimensionar os valores e as motivações que permeiam este Projeto: Quando o Brasil se via no maior aumento e nós os mais flores­ centes da Europa no ano de 1578 em que pelo lamentável suces­ so do Sr Rei D. Sebastião, veio esta Coroa ao Cardeal seu tio, e por sua morte, podendo mais as armas, do que as letras, nós nos vimos debaixo do tirano jugo espanhol [ANTT, Projeto em que se mostra como foi o passado e o presente...]. Portugal tinha feitorias em Moçambique, Costa de Coromandel, rios Cuama e Sena, Cabo'Verde, Cacheo, Angola, Bengala, Congo, Loango, Beni, Abany, Calabar, Camarão, Gabão, e Cabo do Lago Gonçalves. Nestes lugares se faria o “negócio” com o “gentio já domesticado”, principalmente o comércio de escravos. Sua proposta constitui o que mais tarde se tornou objeto da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada pelo Marquês de Pombal em 7 de junho de 1755: privilégios exclusivos no comér­ cio entre as colônias portuguesas e o mercado europeu, mandando para a África gêneros que lá têm saída e remetendo desta os negros ao Brasil e a cera e o marfim à Europa. A amplitude das pretensões desse Projeto emana desse trecho, segundo o qual a Companhia teria direitos de comerciar em toda África, abrir nela portos, estabelecer fortale­ zas, e cultivar a terra onde lhe parecer mais conveniente, se con­ seguirá a introdução dos negros Baros [?] no Estado do Brasil, evita-se a extração do ouro na Costa do Marfim [...} sendo outra vez nossa toda a Costa de África, como era nos tempos passados.

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poderemos pôr na terra poderosos exércitos, no mar grossas arma­ das, daremos leis a toda Europa, seremos temidos em África, res­ peitados na Ásia e finalmente obedecidos na América. O segundo traço dos projetos é ser uma articulação de diferentes objetivos em um mesmo programa de trabalho. Melhor exemplo é o Projeto porque se apontam meios proporcionados porque se poderá reduzir a f é o inumerável número de gentio dos sertões do grande Estado do Maranhão, e com ele, e outros moradores povoar aquele grande Estado, que João de Moura põe aos reais pés de S. Majestade, que Deus guarde. Este documento não indica a data em que foi escrito, mas evidentemente antecede o Diretório, anunciando muitos de seus in­ tentas e proposições. Sua relevância é a de serum exemplo do pensa­ mento abrangente que se desenvolve no exercício de estabelecer conexões entre questões que, nós, na atualidade, tendemos a vfer separadas, para, em exercício subsequente, reunir o que já estaria reunido. É certo que as conexões existem ou deixam de existir somen­ te pela única razão de serem construções culturais condicionadas pelos processos históricos. Exemplo concreto é este projeto de João Moura: converter à fé e povoar eram duas ações inevitavelmente ligadas no Brasil colonial de até pelo menos metade do século XVIII. A secularização das aldeias missionadas e a implementação do Diretório quebram essa concepção de transformação do índio pelo cristianismo, tomando o processo religioso uma parte inclusa, um refinamento de um processo maior — o da civilização. Nos dias atuais, questões de fé e de povoamento não têm nenhuma conexão e são politicamente vistas como domínios separados, conquanto per­ sista o que o Diretório viria a inaugurar, ou seja, a inclusão das polí­ ticas relativas aos índios nos programas de política econômica. Preocupações mais recentes com a conservação do meio ambiente talvez tragam de volta o tom humanitário iluminista que permitiu profundas revisões, restituindo aos índios sua natureza e devolvendo-lhes a soberania de fazer escolhas pessoais e coletivas de cada etnia. O projeto que estamos comentando dá os primeiros sinais do que hoje se encontra institucionalizado. O texto tem realmente a forma de um projeto. Descreve a situação, empreendendo uma crítica

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à condição jurídica dos índios, sempre vulnerável aos meios escravizantes de trabalho (tanto pelo colono quanto pelo missioná­ rio e o funcionário colonial). Trabalha a máxima segundo a qual uma “conquista” se mantém com o povoamento e o cultivo de gêne­ ros em abundância para também servir ao comércio. A aliança com os “nacionais”, assim como a introdução de escravos africanos no Brasil constituem um desdobramento da máxima do povoamento. São temas encadeados, que necessariamente levam um ao outro, como que organicamente reunidos por uma razão intrínseca. A liberdade dos índios e a escravidão dos negros estiveram presentes e coexistentes, ao longo de toda a história colonial do Brasil, como contradição consciente. Melhor dizendo, a escravidão apresentavase aos indivíduos que lhes foram contemporâneos como situação inevitável, necessária e sempre existente desde a antigliidade. No texto, o autor dirige-se ao rei pronunciando-se contra os requeri­ mentos de colonos que pedem autorização para empreender por conta própria o resgate de índios do sertão. No seu entender, o índio não deveria ser destinado à escravidão,

escravos índios foi preciso inventar exceções punitivas ao canibalis­ mo, que justificassem moralmente a “guerra justa” e o resgate de prisioneiros. Segundo, deixando crescer, a partir da noção de “pa­ ganismo inocente” do índio, a idéia de menoridade, sobre a qual se assenta a instituição da tutela,

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porque além destes gentios serem para pouco trabalho em que não está habituado com nosso, e é muito apreensivo e desconfia­ do da liberdade, e todo fugirá metendo-se pelos sertões de que são filhos apartando-se de nós, e do nosso trato como de cousa má [IHGB, arq. 1.1.9, Projeto..., parágrafo 7). O argumento nos parece familiar. O índio deveria ser um alia­ do, adverte o autor, porque, caso contrário, toma-se inimigo que “se concilia” e se associa a outros europeus com quem os portugueses disputavam as terras do Brasil. Nesse contexto de estratégias de conquista e de sua consoli­ dação, os índios são povoadores e assim deveríam ser conservados. A “redução do gentio” teria aqui o sentido da conservação por meio de sua conversão à doutrina cristã. Considerava-se que a falta ou a ignorância da doutrina cristã se refletisse sobre os índios, reprodu­ zindo a imagem da inocência infantil. Essa idéia é muito forte e está presente desde o início da colonização e dos problemas de enten­ dimento entre brancos e índios, modelando a condição jurídica do índio. Primeiro, isentando-o da escravidão, pois para fazer uso de

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pois por falta de Doutrina não tem mais de razão que Crianças e ainda destas das de menos da razão; são de naturais doces [dó­ ceis] sem soberba nem ambição porque a de que se contentam e apetessem por apetite de Crianças, mas são de boa índole para tomarem tudo o que lhe ensina [id, parágrafo 13]. O texto está impregnado de expressões como “grande obra”, “grandeza da conquista”, “missão de redução”. São palavras que exprimem a magnitude das idéias contidas nesse projeto de João Moura. Podería sercontra-argumentado que tais expressões são coetâneas ao texto e que talvez seu emprego fosse comum, não impli­ cando uma necessária correspondência com seus significados. É pre­ ferível nos determos na primeira observação, por fazer justiça a um propósito realmente amplo e que não permanecia na reflexão sobre a natureza dos índios, mas vinha introduzir e reforçar um efetivo programa de povoamento. A configuração municipal daí resultante é comparável com a existente na atualidade, se nos ativermos à idéia de município como estrutura organizada em repartições subordina­ das e dependentes entre si: Será muito úti! que os distritos do Estado se repartam em provín­ cias e cada província em comarcas fazendo em cada província uma povoação de moradores brancos para cabeça dela e outra em cada comarca para sua cabeça: as das províncias bastará por prin­ cípio que se ordenem de trinta casais cada uma, as das comarcas de dez casais e o ordenar estas povoaçoes de gente nossa com suas aldeias de índios repartidas a cada uma e com o fim de que se dilatem as lavouras dos gêneros por aquelas partes, e também para que estes índios tenham comunicação e trato com os nossos [parágrafo 17]. Mais adiante, o autor admite a superioridade numérica dos índios. Nem parece tal fato constituir-se em ameaça. João Moura voltará a

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tratar da questão relativa ao necessário e contínuo suprimento de escravos africanos para o serviço das lavouras, pois, decisivamente, os. índios são “o número principal da povoação do Estado”. É signi­ ficativo observar que, no caso, a palavra “povoação” tem o sentido de ato de povoamento, a ação de povoar, e não o resultado, o núcleo surgido, como costuma ser empregada. Como vimos no trecho anterior, o povoamento teria a contribui­ ção fundamental do colono português. Ainda que numericamente minoritário, ele participaria servindo de exemplo de civilidade e autoridade. Faria engrossar as povoações que seriam cabeças de pro­ víncias e de comarcas. É interessante a referência, a título de suges­ tão, feita pelo próprio autor, pensando na contabilidade de seu pro­ jeto e em tomá-lo realizável. Ele sugere que fossem buscados “casais” nas ilhas dos Açores, para virem compor essas povoações, cabeças das províncias e comarcas e, juntamente com as respectivas popu­ lações, estudarem maneiras razoáveis de fixar preços da terra e despesas gerais mediante um sistema de “consignação” (id, pará­ grafo 22). A presença de habitações indígenas nas proximidades dessas povoações completa o plano de povoamento, que traz a novidade ou, pelo menos, destaca o convívio com colonos brancos como a melhor maneira de dar aos índios noções de civilidade, a doutrina cristã e o aprendizado da habilitação ao trabalho. Insisto em dizer que o Projeto de João Moura era uma novidade, tendo em vista o contexto do Brasil colonial de experiências que antecedem o Diretório e nas quais a ação civilizadora sobre os índios, empreendida pelos missionários regulares, tendia a resguardá-los de um convívio per­ manente com os brancos. Este é justamente o ponto de partida do Diretório dos Índios: os índios são trazidos para dentro das povoa­ ções civilizadas. Mas poder-se-á discorrer que esta grande obra poderá encontrar com tantas dificuldades que não possa ter efeito como em todas que são grandes [id, parágrafo 25]. E evidente que o autor tinha consciência de estar elaborando um projeto de construção de uma nova sociedade. E o que se pode de­

preender de um documento embaraçoso, ao mesmo tempo precioso, em péssimo estado de conservação, de difícil leitura, letra ilusoriamente clara, sem data, mas apenas referências históricas a permitir sustentar a imprecisa e larga localização temporal no século XVII e que, antecedendo o Diretório, é trabalho original, pioneiro, na asso­ ciação do processo de civilização dos índios ao da colonização como ação abrangente, inclusive povoadora. O terceiro traço a destacar é a direção. Os projetos são consti­ tuídos por um conjunto de metas que servem de guia de ação. Como, em geral, destinam-se a orientar construções sociais, suas diretrizes têm o cunho de cartas de identificação, sendo, pois, instrumentais aos processos de construção de nações. As instruções coloniais são como projetos. São regulamentos que têm a grandeza de orientar a instalação de governos, criando uma economia compatível com o meio ambiente e com as popu­ lações trabalhadoras; organizando o povoamento e a edificação de cidades, o relacionamento com a população nativa, o convívio social, segundo leis fundadas em alguma tradição de direitos e costumes. Todos esses tópicos são metas, a longo prazo, de construção de na­ ções, embora possam confundir-se organicamente com qualquer es­ tatuto organizador de associações específicas e menores. A estru­ tura é a mesma. O momento é oportuno para o questionamento da efetividade dos projetos, especialmente as vastas projeções representadas por construções de nações. Pergunto se são construções mentais, inventos de laboratório, ficções literárias, ou se de fato pretendem provocar acontecimentos, configurar situações históricas e condicionar pro­ cessos sociais. As instruções que apresentamos a seguir são material apropriado a esse exame. As Instruções régias públicas e secretas foram dirigidas a Fran­ cisco Xavier de Mendonça Furtado, quando este recebia o encargo de servir ao rei como governador e capitão-general do Estado do Maranhão e Grão-Pará. A data do documento, 31 de maio de 1751, pode ser aqui gravada como o começo de um programa de govemo específico para o grasil, com metas de fortalecimento da economia colonial, promoção da defesa territorial e um esforço de ocupação das regiões do Norte.

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As Instruções recebidas por Mendonça Furtado não apenas anun­ ciam o novo programa de governo, como provocam esta nova situa­ ção. A fórmula do projeto de João Moura é retomada aqui, no se­ gundo parágrafo, definindo desde já o lugar que ocupa o índio nas questões do Estado.

contágio, além da utilidade que eles teriam nas atividades internas da localidade. Outra recomendação que vinha ao encontro das inten­ ções de dilatar o povoamento e que coincidia com a orientação menos autoritária era a de que os índios recém-contactados fossem sendo aldeados em suas próprias terras. Mais que deliberações, as Instruções pretendiam orientar o comportamento do político Mendonça Furtado no ambiente em que se deveria implantar uma nova situação. Ao tecer tais considera­ ções, as Instruções indicam ciência, reconhecimento de que se enrai­ zara na população branca do Brasil, entre funcionários da adminis­ tração colonial, indistintamente civis, militares e religiosos, o costume de escravizar índios, tendo por base leis que legitimavam a institui­ ção como forma de punição corretiva a transgressões morais. Tratava-se de reformular intemamente a compreensão, por par­ te do branco, da natureza do índio e suas manifestações culturais singulares, a fim de que se viabilizasse a idéia de tomar os índios livres. Para tanto, no texto das Instruções são referidas as providências já adotadas, a partir de um decreto de 28 de maio do 1751, que man­ dava os moradores trabalharem as terras por conta própria, ou com o auxílio dos índios, mediante o necessário pagamento de jornais. A nova situação visava, em especial, aos que viessem povoar o GrãoPará:

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O interesse público e as conveniências do Estado que ides gover­ nar, estão indispensavelmente unidos aos negócios pertencentes à conquista e liberdade dos índios [em Mendonça, 1963, p. 26]. Em seguida, passa a tratar da maneira de conduzir as relações com os índios, começando pela proibição do cativeiro, o pagamento de seus serviços em jornais e um tratamento com “humanidade”. Impressiona perceber que essas deliberações, em que são detalhadas as normas para novo comportamento do branco em relação ao índio, ocupam todo o espaço das instruções recebidas pelo governador. Os índios constituíam a população que seria a base para a aplicação do novo programa de administração do Brasil, principalmente das áreas de fronteira entre os domínios português e espanhol. Àssim, para viabilizar o propósito de conservar os índios em liberdade, seria preciso preparar formas alternativas de suprimento de trabalhadores. Novamente as fórmulas encontradas no projeto de João Moura se repetem. As instruções que Mendonça Furtado rece­ beu ponderam que este fosse preparando o ambiente moral e mode­ lando pouco a pouco o comportamento das pessoas para aceitarem as mudanças. Convencer os colonos sobre o uso maior de escravos negros e exigir o estabelecimento de relações contratuais de traba­ lho com os índios eram as exigências e as condições primárias para dar início ao novo programa de governo que vinha instalar-se no Grão-Pará. Uma efetiva preocupação com os índios, em termos de taxas demográficas, é resultado do reconhecimento dos efeitos de epide­ mia causada pelo contágio com doenças transmitidas pelos brancos. Além de uma mudança no tratamento dado aos trabalhadores índios, o documento sugeria métodos menos contraditórios em relação a sua natureza. Cuidou-se, por exemplo, de sugerir que os índios não fossem retirados arbitrariamente de suas aldeias para o serviço pú­ blico executado fora, levando-se em conta a possível exposição ao

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Com os novos povoadores que mando desta Cidade [as Instruções foram assinadas em Lisboa] e das Ilhas [Madeira, Açores] para o Pará, será muito conveniente e útil que, quando os estabelecerdes, cuideis muito que eles sigam a sua condição, acostumando-os ao trabalho e cultura das terras, naforma que praticavam nas Ilhas; porque, não sendo diferente o gênero de trabalho e indo acostuma­ dos a ele, não há motivo para que não cultivem pelas suas mãos as terras que se lhes repartirem, evitando-se assim uma ociosida­ de muito prejudicial [id, p. 29].

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Está imanente nessas Instruções que a resolução régia mandan­ do alterar, de modo substancial, o comportamento do colono em re­ lação ao índio requeria lenta maturação. Um ensaio geral necessaria­ mente antecedería a nova situação em que os índios seriam liberados

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da escravidão e equiparados a qualquer colono ou vassalo da Coroa portuguesa. Estas Instruções regem a preparação, instruindo Mendonça Fur­ tado sobre a mudança de postura por parte de todos os segmentos sociais que lidavam diretamente com os índios, a começar pela pró­ pria administração colonial, que os recrutava para o “real serviço” em desatenção ao crescimento natural das “aldeias livres”.' Outro segmento envolvido são os moradores. Seriam estes, conforme os padrões da época, os que declaradamente praticavam formas mani­ festas de escravidão de índios em suas lavouras e expedições extrativas, ou. a mantinham velada e acobertada pela agregação ser­ vil, ao meio doméstico, de indivíduos isolados, destribalizados — principalmente mulheres e crianças índias. Por fim, os missionários, vistos nas Instruções como os detentores dos meios apropriados de civilizar índios, mas excessivamente poderosos por disporem dessa exclusiva competência, havia dois séculos a eles atribuída. O quadro requeria, portanto, transformações na conduta desses segmentos sociais e já anunciava, pela crítica à postura de cada um em relação aos índios, quais mudanças deveríam acontecer. Assim, as Instruções orientam o governador Mendonça Furtado para que fosse observando, no campo da administração dos índios, a disposi­ ção, a aceitação ou a resistência às providências relativas à secularização que haveríam de ser implantadas num futuro próximo:

Este trecho confirma que a “repartição entre César e Deus” tinha o propósito político de fortalecer as representações e ações do Estado, exatamente nas áreas de discussão sobre domínios territoriais entre Portugal e Espanha. Da análise deste trecho fica evidente que não seria a presença de atividade missionária que podería influir na definição de fronteira, mas a nacionalidade e a afinidade ideológica dos religiosos com o projeto colonizador de Portugal ou de Espanha. Daí, a redução do poder temporal dos missionários sobre os índios, sem destituí-los das obrigações espirituais. Ao tempo dessas Ins­ truções, cabería ainda aos missionários a tarefa de ensinar e doutri­ nar os índios nas aldeias construídas ou remodeladas para este fim. É significativa a recomendação “de se aldearem os índios, especial­ mente nos limites das capitanias” (ib, p. 35). Esta recomendação relaciona-se intemamente com a que vem em seguida, no que diz respeito ao estudo das possibilidades de esta­ belecer comunicações entre o Grão-Pará (que ainda abrangia a futu­ ra Capitania de São José do Rio Negro) e o Mato Grosso. Essas regiões eram vizinhas e fronteiriças ao domínio espanhol e compar­ tilhavam a dificuldade de estarem distantes do mar e desguarnecidas da presença portuguesa. Neste contexto, uma antiga estratégia volta a ser pensada, pois vinha a propósito de um desafio de outra forma impossível de vencer, qual seja, povoar a extensa fronteira com os próprios nativos. Estas Instruções dirigidas ao governador Mendonça Furtado, como qualquer outra documentação com a finalidade de orientar funcionários da Coroa nos mais diversos empreedimentos da colo­ nização do Brasil, têm o cunho dos projetos. Trata-se de documento que respira as discussões geradas pelo Tratado de Madri acerca da fronteira norte entre os domínios coloniais de Espanha e Portugal na América. Há, inclusive, recomendações específicas ao governador para que fosse observando “os discursos que se fazem sobre o Trata­ do de Limites e a execução da divisão dos domínios” (id, p. 37). Portanto, convém examinar mais um projeto que foi escrito na mesma época, com os mesmos objetivos de ocupação, desta vez tendo em vista a outra extremidade — a fronteira sul dos mesmos domínios. Trata-se das Instruções dirigidas a Gomes Freire, em 21 de setembro de 1751, para orientá-lo na função de comissário da execução do Tratado de Limites. Esse documento dá continuidade

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Como à minha real notícia tem chegado o excessivo p o d er que têm nesse Estado os Eclesiásticos, principalm ente no domínio temporal nas suas aldeias, tomareis as informações necessárias, aconselhando-vos com o Bispo do Pará, [...] se será m ais conve­ niente ficarem os Eclesiásticos somente com o dom ínio espiri­ tual, dando-se-lbes côngruas por conta da minha Real Fazenda, para cujo fim deve-se considerar o haver quem cultive as mesmas terras, do que fareis todo o exame para me informades, averi­ guando também a verdade do fato a respeito do mesmo poder excessivo e grandes cabedais dos Regulares [id, p. 30].1 1 “Aldeias livres” é expressão ambivalente. São justamente as aldeias construídas pelos colonizadores com destino aos “índios católicos e livres”, entendendo-se aqueles indivíduos conversos ou propensos a converter-se à doutrina cristã, ao contrário dos “índios de corso” sujeitos à “guerra justa” e à escravidão como transgressores das leis dos reis e da Igreja.

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às deliberações anteriores, retomando a análise do papel estratégico do índio na defesa da fronteira. Entre as ponderações que visavam delinear a postura portuguesa em face das discussões sobre limites, é colocada em questão a validade de Portugal receber aldeias Guarani (Sete Povos) em troca da Colônia dó Sacramento. Ponderava e alertava o comissário para a necessidade de verificação da validade desta cessão, por ver na amizade dos índios o aspecto decisivo das controvérsias sobre os domínios territoriais. No caso, os índios das referidas aldeias faziam resistência ao domínio português, por esta­ rem identificados com o trabalho missionário dos jesuítas de nacio­ nalidade espanhola. Diante desta desvantagem política dos portu­ gueses junto aos índios, este documento sugeria que o exemplo do inimigo fosse imitado. Parece-nos fundamental a transcrição do se­ guinte trecho para fixar o argumento:

dade de propósitos, ainda que cada uma delas tenha levado em conta realidades regionais particulares. Isto se deve à identificação de cer­ to número de princípios qiie desde o início deram sustentação às ações colonizadoras em terras do Brasil, principalmente nas áreas dos limites. Em poucas linhas repetem-se, no conjunto da documen­ tação colonial, as seguintes proposições: 1. proibição de manifesta­ ção de sentimentos segregadores entre portugueses e índios; 2. incen­ tivo aos casamentos entre si, mediante prêmios, graduações e privilégios; 3. implantação de povpações, a exemplo do modelo euro­ peu, contando, desde cedo, com governos formados e recrutados entre os próprios habitantes. A partir da segunda metade do século, estes princípios, que objetivam a incorporação dos índios aos processos econômicos, tomam-se instrumentos oficiais da colonização. A inclusão do índio ao processo permitiu delinear, desde aquela data, a extensão territorial da fronteira do Brasil. Conforme a Relação por mapa dos governadores (BA, 54.XI.27, n° 17), foi com os olhos voltados para tal circunstância que Men­ donça Furtado “indicou os principais fundamentos para a formação do Diretório dos índios”.

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E como este grande número de gente que é necessário para povo­ ar, guarnecer e sustentar uma tão desmedida fronteira não poder humanamente sair deste Reino e Ilhas adjacentes; porque ainda que as Ilhas e o Reino ficassem inteiramente desertos isso não bastaria p a ra que esta vastíssima raia fo s s e povoada-, não só

julga S.M. necessário que os vassalos do mesmo senhor, Renículas e Americanos que se acham civilizados, mas que também o que V. Ex. estenda os m esmos e outros privilégios aos Tapes que se estabelecerem nos dom ínios de S.M., exam inando as condições que lhes fa ze m os padres da Companhia E spanhóis , e conceden­

do-lhes outras à mesma imitação, que não só sejam iguais, mas ainda mais favoráveis; de sorte que eles achem o seu interesse em viverem n os dom ínios de P ortugal a n tes do que nos de Espanha [em Mendonça, 1989, p. 297].

Aqui os jesuítas espanhóis são incorporados aos exemplos his­ tóricos (clássicos) de conquista e colonização, tais como os roma­ nos em relação aos sabinos, Afonso de Albuquerque e a experiência povoadora que realizou na índia Oriental, os ingleses e o seu exem­ plo de colonização na América Setentrional. Estes exemplos são exaustivamente retomados em quase toda documentação do gênero, como se os seus autores fizessem transcrições literais. O que vem confirmar que a preocupação central com estratégias de ocupação da fronteira imprime às instruções então expedidas uma uniformi­

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Segunda parte As T ra n sp o siçõ e s

Capítulo 5

Um p rojeto em experim entação: o D iretório dos índios

Até este ponto, viu-se o delineamento de uma “matriz cultural”, onde se formaram princípios que embasaram o Diretório. Recortouse um Diretório de aspecto muito antigo. Suas idéias comparecem essenciais no todo e no mais primário sentido de organização social. Entretanto — e é o que veremos nesta parte que se inicia ~=, há no Diretório um acento particular, que o toma novo diante dos demais regimentos de mesma natureza. Ou seja, o Diretório foi um dos ins­ trumentos de trabalho de um programa de governo que lutou por profundas reformulações nas instituições. A literatura sobre a época das Luzes e do despotismo esclarecido, que aqui ambienta nossos dados, registra um estado de espírito que aspira por mudanças e crê nesta possibilidade, implantando projetos de construção de mundo. A expressão “grande obra” é um dado do discurso do colonizador que revela a convicção dos autores na viabilidade de seus projetos. Exprime uma contemporaneidade de idéias e planos de construção de mundo com a abrangência daqueles levados avante em toda a Europa Ocidental. Em Portugal, esta situação começa a esboçar-se ainda no século XVn, tomando-se realidade no reinado de D. José e de seu ministro, o Marquês de Pombal. Sob o gabinete pombalino são colocadas em prática experiências diversificadas de finalidade reformista e até mesmo criadora. As mudanças permeiam todos os setores da socie­ dade. Em alguns, conservam os procedimentos tradicionais, dos quais

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são exemplos as companhias de monopólio com capitais privados e direção do Estado, que foram criadas para estimular a produção do Reino e o comércio colonial (a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, 1755, por exemplo). Em outros setores, a modernização incidiu sobre a administração das finanças, tendo sido reformulado o sistema de arrecadação das receitas do Estado, criado o Erário Régio e o Banco Real (Saraiva, 1988; Sérgio, 1989). Na formulação do programa de governo colaboram Antônio Vemey, Ribeiro Sanches, Francisco de Lemos, João Pereira Ramos, Cenáculo, Vandelli é muitos outros homens cultos, portugueses e estrangeiros, que afluíam a Portugal atraídos pela configuração de situações políticas mais favoráveis a quem criticara a Inquisição portuguesa e fora perseguido por ela, embora o que se passou no governo do Marquês de Pombal estivesse longe de configurar uma situação de livre expressão política e religiosa. Pertencem ao mes­ mo período motins populares e insatisfações de setores da nobreza e da Companhia de Jesus. Contudo, não há a negar que a presença desses intelectuais na elaboração do programa do ministério pombalino garantiu a realização de experiências inovadoras no campo das instituições educacionais. Aspirações de secularização e fortale­ cimento da monarquia animaram as reformas promovidas nos esta­ tutos do “Colégio dos Nobres” e da Universidade de Coimbra. Melhoramentos no campo da educação primária e secundária representaram o primeiro impulso para a institucionalização do en­ sino público. A criação da Real Mesa Censória, atribuindo à censura critérios mais políticos do que religiosos, favoreceu o crescimento das artes e das ciências, na medida em que permitia a Portugal conhecer autores proibidos pela Inquisição portuguesa. Exemplo maior de renovação social ocorre sob a guarda da legislação. Seriam tomadas leis a abolição da escravidão em Portugal, a proibição de discriminar judeus mediante a distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos e a liberdade dos índios do Brasil. Não se podería imaginar tais inovações, não fosse este recurso à legislação de que, com frequência, o ministro Marquês de Pombal lançou mão, promovendo transformações súbitas sobre o que so­ mente podería efetivar-se espontaneamente a longo prazo. Ainda assim, é quase visível — e não há como discordar — que uma vontade de grupo, um esforço concentrado, fez Lisboa ressurgir do

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terremoto, austera, racional, geométrica, expressão do pensamento estético da época. Ou, tomando outro exemplo, tomou possível a construção, em dois anos, da Vila Real de Santo Antônio, criada nò Algarve em atendimento aos interesses ligados às.atividades maríti­ mas, e construída no terreno de uma povoação homônima e já desa­ parecida (Correia, 1984, pp. 81-88). Em ambos os casos, contou-se com o treinamento das “Aulas de Fortificação”, que tiveram como campo de aplicação a índia, a África e o Brasil, além da experiência urbanística acumulada pela “Casa do Risco das Obras Públicas”, especialmente no que se refere “às técnicas de pré-fabrico e estandartização” praticadas a partir da reconstrução de Lisboa (Correia, 1984, pp. 82, 87 e 88; Moreira, 1984, p. 142). Experiência de tradição muito antiga, que chega ao Brasil e tem seu melhor exemplo no tra­ çado da cidade do Rio de Janeiro, tomada capital em 1763. Certa­ mente, a mesma que Antônio Landi e Filipe Strum trouxeram para implantar a Amazônia portuguesa, onde existiam missões religiosas e habitações indígenas. O Diretório dos índios harmoniza-se com este programa, tendo sido escrito para a realidade da Amazônia na circunstância condicio­ nada pela necessidade de dar execução às decisões definidas pelo Tratado de Madri, com respeito às possessões e limites de Espanha e Portugál na América do Sul. De volta à metáfora sobre o que leva um viajante em sua baga­ gem, veremos os autores do tempo do Diretório tratarem assuntos coloniais com uma certa familiaridade e facilidade em lidar com grandes blocos de questões integrantes de um sistema que compre­ ende o monopólio de Portugal sobre o comércio da produção de suas colônias, a sua conexão com o mercado europeu e o lugar político que detinha na inter-relação com outros países europeus. Veremos os documentos apresentarem o problema do relacionamento com os índios como uma peça deste sistema que devia atuar em sintonia com o funcionamento geral. É neste contexto que os autores destes documentos são os atores da cena histórica que registram. Expres­ sam a visão de postos estratégicos do sistema geral. São os olhos e ouvidos do rei em todos os pontos do sistema. Inicialmente aqui se analisará a circunstância histórica que ser­ viu de ponto de partida para a formulação do Diretório. Em seguida, o enfoque será o próprio Diretório, tomando por ângulos de visão

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aspectos que o caracterizam, primeiro, como modelo da tutela exercida pelo Estado; segundo, como regimento de trabalho entre índios e brancos e, terceiro, como plano dè povoamento. Ao final, discute-se a efetividade do Diretório como projeto colonizador.

observações foram fundamentais para a elaboração do Diretório dos índios e para um programa maior de ocupação da região, no qual se inserem a criação da Capitania do Rio Negro (3 de março de 1755), o estabelecimento da Companhia do Grão-Pará (7 de junho de 1755), a introdução da agricultura intensiva e a secularização das aldeias missionadas pelas ordens regulares. Falemos mais do principal objeto, qual seja, o quadro de expec­ tativas e de afinidades entre os segmentos sociais existentes ao lon­ go da fronteira onde deveria ser implantado um governo português. Estava em discussão o traçado da fronteira entre os domínios espanhol e português, na área de govemação de Mendonça Furtado. Em conseqüência, formavam-se, do ponto de vista ideológico, as afinidades de cada um deles. Esta situação iria reformular a maneira de o colonizador ver as populações indígenas habitantes dessas áreas em processo de definição. A correspondência entre funcionários coloniais, o Conselho Ultramarino e o ministro do Estado, coligida por Marcos Mendonça (1963), registra tal momento. Instalado no Arraial de Mariuá, escrevia Mendonça Furtado ao irmão Pombal — a esse tempo, Conde de Oeiras —, informando-o da resistência manifestada pelos padres da Companhia de Jesus em aceitar a nova situação decorrente da promulgação da lei que restituía a liberdade aos índios. Em tom pessoal, como que escrevendo um diário de campo, relata ao irmão-ministro que os padres da Companhia andavam publicamente a pregar contra as liberdades dos índios e a conclamar a quem fosse dono de escravos que resis­ tisse às deliberações régias relativas à abolição da escravidão. Nessa carta, Mendonça Furtado encaminha um “papel” por ele escrito, no qual pretendeu mostrar quão distantes estavam os jesuí­ tas de sua época em relação aos ensinamentos pregados em Vozes Saudosas, por Antônio Vieira. O governador havia demonstrado certa relutância em divulgar este “papel”, no qual expõe suas reflexões a respeito da natureza das relações entre índios e colonizadores na área da fronteira norte do Brasil. Ao que parece, porém, não o guar­ dou por muito tempo. Ele o encaminharia, em caráter confidencial, ao bispo do Pará e, depois, a Pombal, por meio dessa mesma carta escrita no dia 8 de julho de 1755— um mês após ter sido promulgada a Lei das liberdades dos índios, em 6 de junho de 1755. Dois dias,

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O contexto do Diretório Afirmei há pouco que o Diretório pertence ao gênero de criação que dá vazão ao desejo de mudança inspirado em modelos ideais e na vontade de tomá-los realidade. Há duas grandes razões para sen­ tir desta maneira o objeto: a primeira, por sua própria natureza de projeto de construção social e a segunda, pela demolição que impli­ cava, ou que julgava ser preciso fazer para instalar a mudança. Sufi­ ciente material embasará aqui as direções tomadas, as distâncias e as diferenças existentes entre o modelo e o acontecimento. Diretório, que se deve observar nas povoações dos índios do Pará, e Maranhão, assinado em 3 de maio de 1757 por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, teve suas diretrizes aprovadas por força do Alvará de 17 de agosto de 1758. Aplicado, primeiro, ao governo das povoações indígenas do norte e, depois, recomendado como expressão única do comportamento do colonizador em relação aos índios do Brasil, o Diretório foi lei geral até sua extinção pela Carta Régia de 12 de maio de 1798. O documento começa a ser escrito a partir das primeiras instru­ ções de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, a seu irmão, o governador do Grão-Pará, Francisco Xavier de Men­ donça Furtado, para que assegurasse as conquistas territoriais atu­ ando nos limites dos domínios português e espanhol (Carta de 31 de maio de 1751, em Carneiro de Mendonça, 1963, p. 37). Conhecer o quadro de expectativas das populações habitantes da fronteira, daí identificando manifestações de afinidade ideológica favoráveis aos portugueses ou espanhóis, foi o principal objeto do novo governa­ dor (id, p. 37). De 1751 a 1759, Mendonça Furtado atuou como representante plenipotenciário dos interesses da monarquia portu­ guesa, governando os Estados do Maranhão e Grão-Pará e supervisio­ nando a execução do Tratado de 1750. Durante este período, suas

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um mês, dois meses fazem pouca diferença, numa época em que a correspondência era transportada por navios e animais de carga. Mas a maneira como tal correspondência se apresenta a nós, leitores con­ temporâneos, ou seja, uma documentação em tramitação admi­ nistrativa que aglutina assuntos diversos e está sempre referenciada a outros papéis antecessores, confirma a suposição acerca de uma realidade em que muitas vezes as cartas chegavam em malotes, de uma só vez, contendo uma série diversificada de providências, deci­ didas em datas distintas e que, reunidas, compunham um programa de ações interligadas. Não é a precisão cronológica que dá significa­ ção a essa troca de cartas e, sim, as impressões transmitidas a Portu­ gal a respeito da realidade dos segmentos sociais que viviam na fron­ teira norte do Brasil. É a consciência dos representantes da monarquia portuguesa, no que concerne a um quadro colonial, pue interessa captar, porque nela se esboça a justificativa para a adoção de novas leis que implicariam um profundo remanejamento no poder, em par­ ticular, a expulsão dos jesuítas, que daria lugar aos “diretores”. Esse documento comentado por Mendonça Furtado é um bom exemplo. Intitula-se Papel acerca da liberdade e resgate dos índios (AHU, cx. 1, doc. 11). Foi escrito em 20 de abril de 1755, no Arraial de Mariuá, alguns meses antes da edição da lei sobre a liberdade aos índios e dois anos antes de ser escrito o Diretório, podendo, portan­ to, ser aqui considerado material de reflexão para os legisladores de Dom José, que elaboraram leis relativas à secularização das aldeias, à libertação dos índios, à regulamentação dos casamentos entre por­ tugueses e índios, à implantação da língua portuguesa e ao próprio Diretório, que aglutina todas estas medidas. Com o propósito de definir melhor a natureza deste Papel, dirse-ia que ele é um texto informativo que estimula a reflexão e tem por função form ar a opinião. As motivações pessoais do autor não destoam das expectativas oficiais. Ele não estaria fazendo outra coi­ sa senão acatar a recomendação régia, no que diz respeito a observar afinidades ideológicas e possibilidades de adesão aos programas colonizadores conduzidos pela monarquia portuguesa. O valor des­ se texto reside em haver transformado a discussão européia sobre a humanidade do índio e seu lugar na civilização ocidental em tópico da política colonial e, como tal, examinado sob a ótica de quem vivenciava as relações entre colonizadores e índios. Há mais que

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pura reflexão sobre a realidade colonial. Há opinião. O texto está impregnado de convicções e compromissos, pelo fato de seu autor ser um protagonista da situação que narra. Representa o lado portu­ guês, que observa essa realidade enquanto aguarda o comissário espa­ nhol para dar início às conversações sobre a execução da demar­ cação da parte norte da fronteira entre os dois países. A própria expressão “Arraial de Mariuá ou do Rio Negro” — segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, de ar + reial, hoje real, do rei — , pou­ co comum na toponímia da Amazônia e que nessa época designa acampamento militar, tropas em campanha, é demonstrativa de uma singular situação geopolítica, que teve a qualidade de vir a ser a experiência que fixaria o procedimento utilizado para toda a reali­ dade indígena no Brasil, a começar nesses primeiros anos do reina­ do de D. José, quando é criado o Diretório. Nesse Papel o índio é situado na discussão como uma questão relacionada com a ordem do povoamento. Preocupa-se o autor em localizar as razões da mortandade dos índios. Cita um dado forne­ cido pelo Padre Antônio Vieira, segundo o qual, em 1615, entre São Luís e Gurupá, tinha-se como probabilidade encontrar uma popula­ ção guerreira em torno de cinco mil arcos e que, em 1652, já estaria reduzida a menos de oitocentos índios de armas. Para Mendonça Furtado, esta redução foi resultado direto do modo como os índios vinham sendo tratados desde o início da colo­ nização. Ele discorre, então, sobre a questão do resgate e da liber­ dade dos índios, primeiramente considerando-a “matéria da consciên­ cia”, para ao final do texto retomá-la e dar-lhe um tratamento político. Na primeira postura, como cristão, Mendonça Furtado questio­ na a ambiguidade das leis que tratam da condição jurídica dos ín­ dios. A propósito, faz uma retrospectiva histórica, localizando a situa­ ção em que se fez necessário criar leis que permitiam exceções a uma intenção geral de conservação das populações nativas do Bra­ sil, e exemplifica com a constituição de “tropas de resgate” de índios. Segundo o governador, essas “tropas de resgate” eram criadas com o intuito de atender à demanda por mão-de-obra escrava e, ao mesmo tempo, manter sob controle oficial o tráfico decorrente. Contudo, não parece terem atuado em conformidade com as leis que as regu­ lamentavam. Ele observa, por exemplo, que as mesmas leis que tor­ navam legítimos certos casos de escravidão haviam generalizado a

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prática. Seguramente, ele se refere ao Àlvará de 28 de abril de 1688, que autorizava a escravidão de índios quando fossem prisioneiros de guerra, condenados ao canibalismo, ou rebelados por questões religiosas e políticas. Percebia Mendonça Furtado que essa situação era forjada para dar justificação morai à prática generalizada de escravização de todo e qualquer índio encontrado por tais expedi­ ções oficiais respaldadas por leis de exceção. Citando Padre Vieira, Mendonça Furtado instiga em nós o questionamento de realidades históricas, ou ditas históricas, como transparece neste breve trecho: “Mas os mesmos oficiais da Câmara, confessam nas suas cartas, que os índios de corda quando muito poderão ser vinte, ou trinta...” (Pa­ pel, 1755, fl. 18). Duvidando da validade dessas leis que permitiam a escravidão sob o argumento moral da correção da fé e dos costumes bárbaros, ele deixa no ar a pergunta sobre se de fato existiam índios nestas condições e, caso afirmativo, que relevância teriam com tão reduzi­ da representação numérica. Ele conclama a consciência cristã geral, principalmente a dos missionários, que no seu entender estariam ali­ mentando situações de abuso naqueles casos em que era permitido tomar escravos os índios, contrariando, assim, uma tradição começada pelos primeiros religiosos e que sempre pautou pela conservação: Conservaram-se os ditos religiosos até o fim do ano de 1751, praticando, e defendendo as doutrinas que seguiram os seus doutos, e Veneráveis Padres, em defesa das Liberdades. Daquele ano porém para diante, mudando inteiramente de Sistema, segui­ ram opiniões contrárias e tanto que, em uns. atos públicos, nos quais proclamavam Liberdade alguns índios escravos do Colé­ gio [uma instituição de ensino da Companhia de Jesus) estabele­ ceram como doutrina certa que os índios Ocidentais eram verda­ deiros escravos, e que não podiam deixar de ser cativos todos até conforme ao Direito Divino [Papel, parágrafo 6, fl. 5). Constatam-se, neste trecho, uma denúncia e um posicionamento político. Há, em todo o texto, uma preocupação de indicar falhas, apontar alterações e, em especial, dar legitimidade ao procedimento que se queria implantar em substituição ao missionário — no caso, objeto de crítica e graves acusações. É de extrema ambivalência a postura de quem quer abolir uma experiência, mas com ela ainda

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está aprendendo. Ele desqualifica o trabalho dos missionários que lhes são contemporâneos e reafirma sua afinidade conceituai com as doutrinas e procedimentos dos mesmos missionários, os primeiros que ao Brasil chegaram. Entrè todos os Doutores desta Sagrada Religião, [refere-se à Com­ panhia de Jesus enquanto congregação] me servira de guia para o acerto, o Venerável Padre Antônio Vieira, e não buscando outra autoridade alguma, só seguirei a este grande Mestre, para mos­ trar que não pode haver um único índio, não só neste Estado, mas em todo o Brasil que possa ser escravo [Papel, parágrafo 8, fl. 6). O objeto de questionamento não é, portanto, o conhecimento acu­ mulado pelos missionários na prática de evangelização dos índios desde o início da colonização. Mendonça Furtado insere no texto as doutrinas do Padre Antônio Vieira, contidas no livro Vozes saudo­ sas, especialmente as partes conhecidas como “Doutrinai, Política e Zelosa”, e aconselha sua leitura a Pombal, por identificar ali expli­ cações para o comportamento omisso e, às vezes, explicitamente favorável à escravidão por parte dos missionários de sua época. Não foi possível localizar essa leitura (talvez tenha chegado à nossa época sob outros títulos), mas, pelas anotações e transcrições feitas pelo próprio Mendonça Furtado do Vozes Saudosas, denota-se muito mais uma postura contestadora contra o uso exacerbado de exceções permitindo resgates que propriamente um subliminar estí­ mulo a formas de escravidão. Entretanto, Mendonça Furtado insiste nesse aspecto da não adesão dos jesuítas ao programa colonizador português1. Nesse jogo de palavras, em que é revalidada a autoridade de Vieira e ao mesmo tempo são condenados os padres posteriores, 1 Vejam-se, principalmente, as duas cartas reproduzidas em A Amazônia na Era Pombalina. Na primeira, Mendonça Furtado considera Vozes saudosas uma fon­ te para entender o domínio que chegou a ter a Companhia de Jesus no Grão-Pará e, na segunda, afirma que no mesmo livro há doutrinas fomentadoras de sedições contra a monarquia e favoráveis à conservação dos índios em estado de escravi­ dão. Há que notar, inclusive, que a autoria de Vozes saudosas não está claramente definida. Na primeira carta, a autoria é atribuída ao Padre Vieira; na segunda, parece que este havia compilado papéis do padre André de Barros (Mendonça, 1963, pp. 736-737 e pp. 856-857).

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entrevê-se um exercício peculiar de racionalização que personificou o político construtor de estratégias que foi Mendonça Furtado. Sua intenção não foi eliminar uma doutrina tão necessária à continui­ dade do projeto colonizador, mas os que em nome deste defendiam interesses contrários aos propósitos do governo que ele representava. Na segunda postura, de político, ele associa em seu discurso duas perspectivas, quais sejam, as doutrinas de Vieira sobre a liber­ dade dos índios e as máximas que haviam orientado os primeiros colonizadores a estabelecerem alianças com as populações nativas. O que se lê nesses escritos de Mendonça Furtado é o ideário do projeto colonizador português. Ele pode ser encontrado em qual­ quer outro texto da época que contenha assuntos correlates e desti­ nados a distintos governantes e localidades do Brasil. No referido texto, é nítida a conquista de um novo espaço pelo índio, ou melhor, é visível a abertura deste espaço concedida pelos que vinham repre­ sentar o governo colonial, sendo necessário notar que tal esforço de racionalização da condição humana do índio respondia a exigências externas, ligadas à soberania de nações européias no contexto colo­ nial. Mendonça Furtado entendeu que as experiências de contato com os índios, realizadas pelos franceses, holandeses e castelhanos, tiveram sucesso porque foram estabelecidas de modo “afável e bran­ do”. Pondera que um procedimento mais respeitoso com os índios havia produzido o efeito de contar com eles como aliados políticos. A história da colonização até aquela data em que Mendonça Furtado fazia essas digressões históricas confirmava os erros táticos cometi­ dos pelos portugueses. Neste sentido, ele cita dois episódios: a inva­ são dos holandeses em Pernambuco e a tomada da Fortaleza do Paru pelos franceses. Em ambos os casos, os holandeses e franceses conta­ ram com a aliança da população nativa. Informa Mendonça Furtado que, no caso, os índios, além de servirem de guias e prestarem apoio guerreiro, chegaram a transpor fronteiras, com aldeias inteiras, para estabelecerem-se junto a esses europeus, deixando para trás, e de­ sertas, as terras do domínio português (id, parágrafo 26, fls. 14-15). O trecho a seguir expõe a mecânica de suas estratégias: Os fatos que se têm sucedido a este respeito nos fazem uma clara . demonstração que se tivermos algum dia guerra com algumas das nações nossas confinantes, devemos contar como inimigos, não só a tal nação, e aos índios que com ela se "acham aliados, mas dos mesmos que vivem entre nós que todos são parentes, e ami­

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gos daqueles, e que só estão detidos enquanto se não apresenta ocasião de mostrarem o seu ânimo de haver corpo que os proteja, e ampare, para se declararem e mostrarem verdadeiramente o que tem no coração [id, parágrafo 30, fl. 16]. Esses escritos permitem visualizar como gradualmente se foi formando uma opinião contrária à escravidão dos índios (e, por extensão, contra os jesuítas, o que, sem dúvida, é discutível, ao analisar-se a questão duzentos anos depois). Em outra carta com data anterior, 8 de novembro de 1752, Men­ donça Furtado relata a Pombal haver participado de uma reunião da Junta de Missões na qual se discutia a causa de uma índia que proclamava a liberdade e cuja sentença, pelo Juízo das Liberdades, lhe havia sido favorável.2 Pela confirmação da sentença, votariam os deputados, sendo que o reitor do Colégio se recusara a confirmála, apoiando-se na opinião do jesuíta Molina (1535-1600) para rea­ firmar seu direito de posse sobre a índia. No julgamento dessa ques­ tão, Mendonça Furtado se posiciona com os deputados, recorrendo, por sua vez, à opinião de Solórzano, jurista espanhol, para quem a posse legítima de índios se condicionava à comprovação da “origem da escravidão”3,

2 Ao tempo da Lei 6 de Junho de 1755, estes julgamentos aconteciam para o exame de casos em que a identidade de índios estivesse sendo confundida com a de negros, uma vez que a única exceção à regra geral de conceder liberdade incidiu sobre índios descendentes de pretas escravas. Estes casos eram julgados por uma junta de autoridades, composta pelo Ouvidor Geral, o Juiz de Fora, o Procurador dos índios, o Prelado Diocesano, o Governador e os quatro Prelados maiores das missões da Companhia de Jesus, de N.S. do Monte do Carmo, dos Capuchos da Província de Santo Antônio e de N.S. das Mercês. As causas eram sentenciadas no Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens (Lei de 6 de junho de 1755, p. 7, em Moreira Neto, 1988, p. 162). 3 Don Juan de Solórzano Pereira escreveu De Jure Indiarum, mais tarde traduzido para o castelhano por Antônio Vieira e publicado em Amberes (Antuérpia), em 1702, com o título Política indiana. Comenta Marcos Mendonça que este livro “era como a bíblia do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, em todas ou quase todas as matérias concernentes à liberdade dos índios” (Mendon­ ça, 1963, p. 387). Quanto a Molina (1535-1600), foi jesuíta espanhol, servindo muitos anos como professor de teologia na Universidade de Évora, em Portugal (hello Universal, p. 323).

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Porque a dita posse é de fato e, como tal, viciosa, por cuja razão não induz direito algum, e que à tal posse resiste o direito natural [Carta de 8 de novembro de 1752, em Mendonça, 1963, p. 276]. Este relato é apenas um exemplo de como estava sendo recebi­ da a lei que restituía a liberdade aos índios. A base de argumentação da nova legislação relativa aos índios foi sendo constituída a partir da já longa experiência evangelizadora dos jesuítas corn os índios e do debate dos juristas a respeito da liberdade ou escravidão. Mas o que fundamentalmente definiu as linhas dessa nova legislação foi a observação de Mendonça Furtado sobre o que se passava diante de seus olhos como governador e comissário da demarcação. Suas opiniões foram tomando forma no dia-a-dia, vivendo no Arraial de Mariuá, antiga aldeia missionada, bem suprida de manti­ mentos e em posição geográfica apropriada para ser local de confe­ rências entre os comissários da execução do Tratado de Limites. Ali, na qualidade de representante do rei, com atribuições de obser­ var posturas e situações favoráveis ou desfavoráveis ao domínio de Portugal, ele fez de suas observações a base sobre a qual foi construída a nova experiência. O empreendimento exigia esse esforço de planejamento e incor­ poração de experiências passadas. No processo de definição de fron­ teiras e implantação de um governo sobre a conquista territorial, a imposição da língua do conquistador é tópico fundamental. Nesse empreendimento não estariam juntos os representantes da monar­ quia portuguesa e da Companhia de Jesus (em Mendonça, 1963, p. 467). Na verdade, os jesuítas seriam julgados por suas ações junto aos índios, favorecendo mais aos interesses espanhóis do que aos portugueses. Ou, vista a questão de outro ângulo, seriam os jesuítas observados como uma congregação à parte, com projetos próprios, reconhecidamente independentes dos interesses de reis e sumos pontí­ fices. Seja qual for o ângulo do observador, os projetos da Compa­ nhia de Jesus e da monarquia portuguesa estariam separados desde então. Já informei de que eu dei a todas as Religiões a ordem de S.Maj. para que introduzissem nas aldeias a língua portuguesa, sendo mais próprio para conseguir este fim o estabelecimento das esco­

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las; todas m e responderam que logo obedeceríam; poucas fo ra m as que o fizeram ; rara é a que hoje conserva alguma aparência deste estabelecimento. Porque todas im itam a Companhia, que absolutamente desobedece e se obstinou contra estes utilíssimos estabelecimentos, e aqui nunca o quis executar sem mais razão que ade não obedecer, como éseu antigo costume, ede compreen­ derem que poderíam com ele, para o futuro, perder parte dos seus interesses [Carta de 26 de janeiro de 1754, em Mendonça, 1963, p. 467]. As idéias foram sendo tecidas no contexto das exigências. Em pleno campo de observação e atividade, Mendonça Furtado escreve instruções ao tenente Diogo Antônio de Castro sobre como deveria ele proceder no estabelecimento da Vila de Borba, a Nova, uma al­ deia originalmente chamada Trocano. O ponto de partida, já o disse­ mos no capítulo anterior, é sempre a preocupação em reformular, instaurar nova ética e novo comportamento moral.

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Para absolutamente, desarraigar nesta vila o prejudicialíssimo abuso que está arraigado em todo este Estado, de que só os índios são os que devem trabalhar e que a todo ó branco é injurioso o pegar em instrumentos para cultivarem a terra [Instrução de 6 de janeiro de 1756, em Mendonça, 1963, p. 896], Além desse esforço de reformulação da visão do índio, come­ çando por uma revisão, pelo branco, da percepção que detém de trabalho braçal, a expectativa era amadurecer a idéia, tornando-a uma realidade palpável e gradualmente constituída por meio do ca­ samento de colonos e mulheres nativas — antigo recurso de conso­ lidação da conquista que ganharia regulamentação própria nesse novo contexto pela Lei de 4 de abril de 1755: Que os meus vassalos deste reino e da América que casarem com as índias dela não ficam com infâmia alguma, antes se farão dig­ nos de minha real atenção e que nas terras em que se estabelece­ rem serão preferidos para aqueles lugares e ocupações, que cou­ berem na graduação de suas pessoas e seus filhos e descendentes serão hábeis e cápazes de qualquer emprego, honra ou dignida­ de, sem que necessitem de dispensa alguma [Lei de 4 de abril de 1755].

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A inclusão dos índios ao projeto colonizador passou a ser tópi­ co comum nas instruções destinadas ao povoamento, edificação de povoações e estabelecimento de governos civil, militar e eclesiásti­ co. Tratava-se de um mesmo programa, ou melhor, de um mesmo procedimento, cuja eficácia dependia muito mais da absorção da nova postura que da originalidade, ou novidade, eventualmente implícita em uma ou outra instrução para uma adaptação às circunstâncias do momento. A primeira referência ao Diretório como nova lei a ser criada veio no bojo de uma crítica às falhas da legislação em vigor, condensada no Regimento das Missões, de Ia de dezembro de 1686. Esse regimento foi formulado com base nas doutrinas de Vieira e nas experiências missionárias do século XVII, que se constituíram a partir — e tendo em vista esse contexto — da disputa com os colo­ nos pela administração dos índios. O Diretório nascia da necessi­ dade de atender a situações em que haviam falhado o Regimento de 1686 e outras legislações. Respondia a demandas da força de traba­ lho indígena, principalmente nas áreas onde era a única disponível, como constituía o caso do Grão-Pará e Maranhão. As reivindicações por mão-de-obra provinham não só dos colonos brancos, mas tam­ bém da própria máquina administrativa colonial. Fundamentalmente, entretanto, como se pode inferir da correspondência de Mendonça Furtado a Pombal, o Diretório tinha o objetivo de garantir o patri­ mônio populacional representado por índios catequizados e outros ainda por conhecer e contactar nas novas terras a serem exploradas, especialmente as situadas na fronteira. Existe um documento que parece ter sido o rascunho do Diretório. Trata-se de uma carta escrita por Mendonça Furtado em 28 de novembro de 1751, na qual é esboçada uma proposta de solu­ ção para o problema do controle e distribuição da força de trabalho indígena. Nela são alinhavados os fundamentos e as condições em que seria implementado o Diretório. Examinemos, sucintamente, alguns pontos. Em primeiro lugar, a edição de um novo regimento ajudaria a superar a grave crise criada com a administração dos índios pelos regulares. Segundo, estava sendo delineado o perfil do tutor.

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É preciso um Procurador que não só tenha inteligência, desinte­ resse, independência, mas que seja homem bom cristão, caritativo e sumamente ativo e desembaraçado. Que o seu ofício lhe renda com que se possa sustentar limpa e abundantemente, para o que é preciso fazer-lhe um competente ordenado [Mendonça Furtado, em Mendonça, 1963, p. 77]. Terceiro, como se depreende da frase final da transcrição ante­ rior, neste texto, e somente nele, surge a preocupação de separar a tutoria dos índios a serem civilizados do que constitui a gerência sobre os mesmos como trabalhadores. A procuradoria deveria ser um ofício imune aos interesses de exploração dos índios como força de trabalho: Enquanto S. Maj. não for servido mudar o sistema presente, é um ofício essencialíssimo; e que deve ter um Regimento porque se governe, sem atenção ou respeito a pessoa alguma, e que viva e coma do seu ofício [id, p. 80]. Quarto, ficava reconhecido o Regimento das Missões como um modelo referencial, mas definia-se o novo regimento em conformi­ dade “com o direito e leis municipais deste Estado” — o que parece demonstrar uma clara articulação dos programas de civilização dos índios com os interesses gerais da colonização. Quinto, o ofício não poderia ser exercido por um só homem. Tal ponderação levava em conta não tanto a complexidade e a multiplicidade de tarefas, mas, sim, a vulnerabilidade do cargo às influências ideológicas de seg­ mentos específicos. A referência de caráter genérico aos regulares, bem assim, em particular, à Companhia, é uma prova de que a obser­ vação tinha em vista o quadro político de disputa pela administração dos índios. Sexto,'a inserção do novo regimento em um projeto de constituição de uma “república civil” é ponto comum, razão e finali­ dade, neste e em outros documentos similares do período. Delimitados os referenciais desse regimento quanto à forma de relacionamento entre segmentos sociais e definida a natureza do deslocamento do eixo de hegemonia destes grupos em relação à admi­ nistração dos índios, Mendonça Furtado passa a explicitar a idéia de civilização que deseja ver incorporada, repetimos, a de que a civili­ zação dos índios vincula-se ao projeto de estabelecimento de uma

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república polida e civil. A civilização dos índios viria, no processo de sua transformação, consagrar este ideal. O índio transformado é, aqui, um indivíduo incorporado à civilização ocidental, em razão de suas funções, direitos e obrigações estarem bem definidos.

à experiência missionária e o quanto parece ter sido súbita a decisão política pela exclusão dos missionários regulares. Apesar de as cau­ sas e queixas mútuas arrastarem-se desde praticamente o início da colonização, a exclusão dos jesuítas foi repentina, uma vez que na véspera ainda se contava com sua presença. Essa carta de Mendonça Furtado testemunha o fato.

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A primeira coisa que [...] se deve fazer é que os índios, depois de civilizados, procedendo no serviço de S. Maj. com honra e fide­ lidade, sejam habilitados para todas as honras civis. Segunda: que nele se atenda aos Principais, a que os índios todos são suma­ mente obedientes. Terceira: que sobre estes Principais, Sargentos-Mores e Capitães das aldeias e seus filhos, ninguém tenha jurisdição neles senão os governadores, e quando cometerem [os índios] algum delito, sejam processados como militares [id, P- 82], Estes tópicos bastam para formar uma idéia das concepções existentes sobre o índio, das transformações que estavam sendo requeridas e das soluções que poderíam ser articuladas com o pro­ cesso colonizador. Desde já se instituía, com certa dose de am­ biguidade, a figura do tutor como umà representação dos índios em uma instância superior, reservando a estes ampla margem para cons­ tituição de governos próprios, em que os “principais” não seriam necessariamente os chefes legítimos de grupos ou comunidades, mas porta-vozes, intermediários da relação de seu povo com os colo­ nizadores. O fato de os “principais” estarem sujeitos aos regulamentos militares (id, p. 82) acrescenta mais esclarecimentos sobre as expec­ tativas dos colonizadores a seu respeito. Vale dizer que tanto o “pro­ curador do índio” quanto o “principal” indígena seriam porta-vozes do colonizador. Mesmo assim, embora representando um poder exógeno, a função do “principal” chega aos nossos dias enraizada nas concepções de chefia dos índios contemporâneos. No caso, a asso­ ciação refere-se, especialmente, aos atuais índios, que apresentam séculos de experiência de contato com a civilização e que ainda con­ servam os cargos de caciques e capitães de aldeia para definir suas lideranças comunitárias. O documento prossegue tratando das atribuições dos missioná­ rios. O que nos leva a pensar novamente o quanto a questão do trata­ mento dos índios pela própria máquina estatal ainda estava atrelada

O Diretório por ele mesmo Ao escrever ao bispo do Pará instruindo-o sobre as providên­ cias relativas à secularização, o Conde de Oeiras afirmou que a Bula de 20 de dezembro de 1741, a Lei de 6 de junho de 1755, a Lei de 7 de junho de 1755 e o Diretório representavam “as quatro colunas em que se acha sustentada toda a grande máquina desse Estado” (Documentos sobre a Capitania do Pará, fl. 40). Quando assim se expressava, ele não se referia ao sentido atual de Estado, embora se aproximasse de nossa percepção de organização, concebendo-a como um “um vasto império” (id, fl. 40). Naquele contexto — meados do século X V ni — , Estado era algo que traduzia uma percepção visual de duas vastas unidades de administração colonial, o,Grão-Pará e o Brasil. O Estado do Grão-Pará estaria recebendo, por intermédio dessa nova legislação, a orientação geral a um programa de ações múltiplas, envolvendo questões civis, militares, religiosas, econô­ micas, políticas e administrativas. Causa admiração constatar que as quatro leis-colunas que orientam o novo programa de governo di­ gam respeito basicamente aos índios. Reconhecia-se, desse modo, o Grão-Pará como um Estado indígena amparado em novas posturas tendentes a considerar o índio como indivíduo igual a qualquer euro­ peu. E reconhecia-se, fúndamentalmente, indígena o Grão-Pará, com base na percepção da representação dos índios como expressão numérica. O Diretório, tal como todas instruções do gênero, tem a quali­ dade de carta de princípios e ações que irá confundir-se com a identidade da obra que está orientando. Mas é preciso ressaltar que, mais que qualquer outra lei similar aqui mencionada, o Diretório tem o cunho das Constituições, tanto pela circunstância histórica de ter servido a grandes empreedimentos — como a demarcação de

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fronteiras, afirmação da soberania por meio da fortificação, do po­ voamento, da produção e do comércio de espécies nativas — quanto pelo fato de representar uma prática fundada em uma nova postura, qual seja, a de considerar os índios a população dessa nova nação (ou desse esboço de nação, já que se trata do ano 1757). O Diretório contém 95 parágrafos, que dispõem sobre variada gama de questões, desde a civilização dos índios aos problemas da distribuição de terras para cultivo, formas de tributação, produção agrícola e comercialização, expedições para coleta de espécies nati­ vas, relações de trabalho dos índios com os moradores, edificação de vilas, povoamento e manutenção dos povoados por meio dos descimentos, presença de brancos entre índios, comportamento espe­ rado entre as partes, casamento e, por fim, um delineamento do “diretor” — figura central neste novo procedimento que vinha subs­ tituir os missionários. Todos estes tópicos podem ser agrupados em três grandes te­ mas. Do lu ao 16- parágrafo é tratada a questão da civilização dos índios — neles se conceitua a função de tutor, com suas atribuições, e é abordado o ideal de civilização que se deseja transmitir aos índios. Do parágrafo 17“ ao 73a são tratados assuntos diversos, relativos à economia: a agricultura, do 17“ ao 25“; a fiscalização e tributação fazem parte do 26u ao 34'-'; o comércio do 35ü ao 58“ e, finalmente, a distribuição da força de trabalho representada pelo índio é regula­ mentada do 59a ao 73" O terceiro grande tema do Diretório é a colo­ nização, seguida da adoção de providências, como o povoamento, edificação de povoações, descimentos e controle sobre as popula­ ções aldeadas. Ao final, o texto retorna aos pontos iniciais: a tutela, o tutor, os métodos de trabalho e a nova postura em relação ao índio.

seu trabalho e comércio. Em segundo lugar, a emancipação dos pro­ jetos de cidade em que os índios viviam, e que vinham a ser toda empresa de aldeamento e início de um trabalho de educação do modo civilizado de viver. É próprio do pensamento iluminista o legislar com os olhos fi­ tos em certo ideal de sociedade livre, formulado nos meios cultos europeus, e que, evidentemente, se chocaria com a visão que os co­ lonos, missionários, funcionários civis e militares tinham do índio com quem mantinham contato direto. O Diretório teve, assim, o sentido de fazer um ajuste da nova postura às condições do ambiente colonial. A parte introdutória do documento tem um a conotação de retrocesso: reconhece-se acertada a decisão constante da Lei de 7 de junho, no que tange à eliminação da “administração temporal que os regulares exerciam nos índios das aldeias”, mas considera-se limitada a capacidade de os mesmos constituírem governos próprios com os seus “principais” . As explicações para o retrocesso estão centralizadas nos méto­ dos utilizados pelos missionários regulares. Sem explicitar tais mé­ todos e seus erros, qualifica-os negativamente, atribuindo-lhes res­ ponsabilidade pela condição de “rusticidade e ignorância” em que se achavam os índios da época. O argumento era o de que, não tendo sido educados com os “meios da civilidade”, da “convivência” e da “racionalidade”, os índios também estariam inaptos a formar gover­ nos próprios, inviabilizando, deste modo, a finalidade da Lei de 6 de junho quanto ao reconhecimento de sua representatividade política (Diretório, parágrafo 1Q) Entrava-se, assim, no domínio do conceito de menoridade do índio e da necessária tutela.4 Criava-se a figura do “diretor”, um

O modelo de tutela presente no Diretório, o referencial missionário que o precede e o ideal de civilização em ambos

4 Não nos referimos ao conceito de menoridade empregado por E. Kant em sua Réponse à la question: quesl-ceque ies Lumières?. Ali, menoridade está relacio­ nada com a condição de submissão voluntária a uma representação de poder superior, que, no entender do filósofo, deve ser eliminada pela mesma vontade do indivíduo em expor livremente seu pensamento, fazendo desta atitude uma direção para a sua existência. O tempo em que Kant expressa essas idéias é, como ele próprio define, o “século das luzes”. Sair da menoridade tinha um sen­ tido de emancipação do indivíduo em relação a situações de tirania (religiosa, política). Utilizo o conceito de menoridade com a perspectiva oferecida pelo Código Civil e pela Constituição Brasileira anterior à atual de 1988, em que se

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O Diretório veio a lume dois anos depois da Lei de 6 de junho de 1755, que restituiu a liberdade aos índios, e da Lei de 7 de junho, que excluiu os missionários do poder temporal de sua administra­ ção. Em ambas as leis objetivou-se a emancipação plena. Primeiro, a dos índios como indivíduos livres, com direito a bens ganhos com

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servidor secular a ser nomeado pelo governador do Estado para reali­ zar, a exemplo de qualquer funcionário na colônia, serviço de inte­ resse público nas missões que também se haviam transformado em áreas de domínio comum. O Diretório destina-se a instruir esses fun­ cionários no exercício de seu ministério. Ainda é rarefeita a figura do “diretor” . Reúne virtudes idealiza­ das que servem à definição tanto de reis quanto de súditos. Devia “ser dotado de bons costumes, zelo, prudência, verdade, ciência da língua”. Sua jurisdição devia reconhecer a existência de governos locais que, após a secularização, dispunham, nas aldeias maiores tornadas vilas, de “juizes ordinários”, “ vereadores” e “oficiais de justiça” e, nas “aldeias menores” denominadas “independentes”, de “principais” . Perante esta organização e estrutura de poder sobre os índios, as atribuições dos “diretores” seriam essencialmente intermediadoras, tal como M endonça Furtado havia esboçado em carta a Pombal, quando externou sua noção de tutela dos índios, a ser exercida por “procuradores de índios” (em Marcos Mendonça, 1963, pp. 79-82). O diretor teria uma “função diretiva, em caso algum, coativa”, quando chamado a avaliar as circunstâncias em que os ín­ dios eram julgados negligentes. O castigo para o delito público ou a premiação por ação valorosa não seria função de “diretores”. A estes, cabia persuadir os índios das conveniências e expectativas de cum­ primento das obrigações. A responsabilidade pela execução de cas­ tigos ou premiação era atribuição dos “juizes” e dos “principais”, e, em instância superior, as decisões eram tomadas pelo “governador” e pelo “ministro da justiça” (Diretório, parágrafo 2). Veremos que o contrário se deu. Os diretores eram representa­ ções únicas de poder nessas vilas e aldeias, fomentando, na maioria dos casos, situações de tirania e escravidão sobre os índios aldea­ dos. Duas podem ser as razões para esta deturpação: ou faltavam pessoas habilitadas para representar a justiça locai (os “juizes”, os

“vereadores”) ou as instruções contidas no Diretório, conferindo plenos poderes aos “diretores” de representar os índios em qualquer circunstância, facilitaram seu domínio absoluto sobre as situações locais. Ainda voltaremos a esta questão. O terceiro parágrafo legisla sobre a administração temporal e espiritual que passariam a ter as aldeias. Os critérios para esta nova organização de administração refletem o clima conceituai da secu­ larização. Teria dois fins a atuação sobre os índios: 1. “cristianizar”, traduzido no texto como a ação de retirar índios do “paganismo” e 2. “civilizar”, que compreende o aprendizado dos “meios de civili­ zação, da cultura e do comércio”. Aos párocos, em cada aldeia missionada tornada paróquia e aos prelados na Diocese, represen­ tando a autoridade eclesiástica maior e equiparável ao governador de Estado, estaria reservada a “cristianização” dos índios; aos “dire­ tores”, seria destinado o Diretório legislando sobre a tarefa de levar a “civilidade” aos índios (parágrafo 4). Os párocos se encarregariam do trabalho espiritual, antes reali­ zado pelos regulares, mas o Diretório é vago sobre em que moldes deveria prosseguir o aprendizado da doutrina cristã. Ao que parece, neste aspecto reside o entendimento, por pessoas da época, da ruptu­ ra que estavam protagonizando. Se é vago, talvez porque não havia ainda limites claros distinguindo o que significava “cristianização” e “civilização” . Ou, talvez, o que entendeu Pombal como dóis mo­ mentos da história humana — primeiro, que os índios se transfor­ mem em homens e, depois, que sejam convertidos em cristãos (cf. Capítulo 4, “Os autores de projetos”, ou Documentos sobre a Capi­ tania do Pará, fl. 41) — estivesse sendo colocado à prova no Dire­ tório. Neste caso, o processo estaria começando com o Diretório, ainda impreciso sobre o objeto e o procedimento da cristianização. O mais certo, provavelmente, seria dizer que o conhecimento acu­ mulado na experiência dos regulares foi absorvido pelo que se com­ preende ser a tarefa prevista no Diretório de levar os meios da civi­ lidade aos índios. Como? O Regulamento das aldeias indígenas do Maranhão e GrãoPará, escrito pelo Padre Antônio Vieira, orientou o trabalho missio­ nário entre os índios do Brasil, no período de 1658 a 1661 (em Beozzo, 1983, p. 188-208). Há, ainda, catecismos escritos e aplicados para o

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definia os índios como “reíativamente incapazes e, portanto, necessitando da tu­ tela do Estado”. O primeiro parágrafo do Diretório expressa, essencial mente, a mesma idéia da legislação indigenista do século XX, ao garantir a liberdade aos índios com ressalvas restritivas à sua condição de indivíduos “sem capacidade para se governarem”. (Cf. principalmente Pedro Agostinho, Incapacidade civil relativa à tutela dos povos e indivíduos, 1982, pp. 61-89.)

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período do Diretório, mas não se identifica, nestes guias práticos, o caráter doutrinário da política missionária jesuítica implícito neste Regulamento. Compulsando esse documento sobre a experiência de visitação de Vieira às aldeias, tem-se a sensação de estar conhecendo um ma­ nual de orientação do comportamento religioso. Nele se regulamen­ ta o dia-a-dia de exercícios espirituais, renovação de votos dos pró­ prios congregados e atividades de evangelização e de administração dos índios no trabalho que realizam nos negócios econômicos da missão. É um regulamento sobre a conduta que deviam seguir os próprios missionários. É possível imaginar que a evangelização dos índios vem no curso dessas atividades religiosas dos missionários. Assim, na parte que toca à “Cura espiritual das almas”, é descrito o cotidiano dos índios catecúmenos: a missa pela manhã e, ao fim desta, as doutrinas por meio de orações e do catecismo que antecediam suas atividades nas lavouras; a escola onde se ensinava a ler e escre­ ver sobre a doutrina cristã, assim como a cantar e a tanger instru­ mentos; os diálogos do catecismo à tarde, com cânticos e orações, a catequese dominical, as atividades sociais de batismo, casamento, confrarias, funerais... Enfim, em todas essas atividades religiosas há uma socialização, uma “cristianização”, tal como é referida no Diretório. Franz Keller (1874) explorou a região dos rios Amazonas e Madeira, em 1867, um século após a secularização resultar na ex­ pulsão dos jesuítas, em 1759, dos domínios portugueses e, em 1767, dos domínios espanhóis. Afirma, porém, haver constatado vestígios indubitáveis da incrível organização alcançada pelos jesuítas espa­ nhóis em Trinidad (1687), San Ignacio (1689), San Javier (1690), San José (1691), San Borja (1693) e Exaltación (1704). Keller acres- ■ centa que a severidade dos missionários só triunfou devido ao receio das tribos independentes de se tomarem alvo fácil dos paulistas (1874, p. 143). Entretanto, dirá, em seguida, que o segredo do sucesso dos jesuítas estaria relacionado com o zelo, o altruísmo, a habilidade com que esses missionários tratavam os índios. Para tanto, contri­ buía sobremaneira o temperamento dócil e humilde dos Guarani e Mojos. As missões eram unidades internamente auto-suficientes e vincu­ ladas à autoridade de superiores que residiam em missões maiores,

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formando-se uma comunicação entre os postos avançados, o geral na colônia e a Europa. A aproximação aos novos índios realizava-se pela persuasão, conduzida por outros índios já catequizados, que, em meio a discursos e doação de brindes, faziam convincentes demonstrações das vantagens do contato, a começar representada por eles próprios (1874, p. 144). Informa o explorador que os índios podiam ter representações e que estas eram essencialmente intermediadoras. Os “corregedores” e “alcaides” indígenas tinham contato permanente com seus “diretores”, para deles receber as ordens do dia. Os demais eram responsáveis por tarefas específicas, ou seja: “capitano de los carpinteros, capitano de los herreros, capitano de los tejederos, capitano de los rosários, capitano de la capela”, etc (id, 146). Ainda segundo Keller, reservava-se atenção especial aos exercícios militares de simulação de luta, os quais se intensificavam na medida em que o governo espanhol requisitava índios para com­ bater os paulistas. Esses treinamentos se tornariam frequentes com a disputa pela posse da Colônia de Sacramento, que envolveu espa­ nhóis, portugueses, jesuítas e índios de Sete Povos das Missões. Para Franz Keller, a severidade da disciplina e a regularidade militar não se aplicavam apenas a esses exercícios.5 Toda uma vida, hora a hora, estava regulamentada, mantendo os índios sob total controle, conquanto disto eles não estivessem conscientes. A absor­ ção de aprendizados realizava-se de tal maneira eficaz — diz o s O rigor começa como exigência interna da Companhia dc Jesus. M onila Secreta

— Instruções S ecretas que devem

gu ardar todos os religiosos da Com panhia de Jesus espelha o que se esperava de cada membro da congregação. Por exemplo,

a punição ao insulto tem o caráter processual de ensinamento corretivo aos transgressores punidos e aos outros que assistem o castigo exemplar: “(,..)e para que não se queixem da causa da expulsão, não hão de ser lançados [fora? ilegí­ vel], senão, que em primeiro lugar sejam privados de ouvir confissões, e sejam moríificados, e vexados com exercícios dos ofícios mais vis, e ainda forçados a fazer aquelas coisas as quais se conhece tem aversão natural, tirem-se-lhes os estudos, e honoríficos cargos, apertem-lhe os capítulos e públicas repreensões; sejam privados de recreação e comércio com os irmãos, tirem-se-lhe o vestido, e outras coisas usuais, que não são absolutamente necessárias, até que prorrompa a murmuração, e impaciência, e então serão lançados como[ilegível], modifica­ dos, e perniciosos a outros com seu mau exemplo, e se houver de dar razão desta expulsão aos parentes, ou prelados, diga-se-Ihe, que não tiveram espírito d e com pa­ nhia” (BNL, capítulo 10, fl. 93).

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explorador — que a consciência da condição escrava do índio missionado se diluía, sendo ignorada nas gerações seguintes. Neste aspecto, a perspectiva do viajante é sombria. Afirma que a condição dos índios no período de prosperidade das missões só se diferen­ ciava da escravidão efetiva pelo fato de não estarem à venda’ No mais, eram tratados como escravos, ou seja, não tinham a proprieda­ de de seus bens (exceto os de destinação doméstica), o solo era culti­ vado em conjunto, mas a comunidade de bens só beneficiava seus mestres, e estava proibida a venda de produtos a estranhos (quer dizer, fora das missões) (1874, pp. 146-149). Que dizer da veracidade destas informações colhidas um século depois da experiência relatada? O autor assegura haver testemun­ hado a herança deixada pelos jesuítas, quando esteve em Trinidad, e comprovado a capacidade musical nos índios descendentes (id, p. 157). Estava o autor atento à herança cultural, presente no compor­ tamento, na sensibilidade, nas aptidões que observava nos índios em 1867, como, provavelmente, deve ter reconstituído ou fundamenta­ do suas informações sobre o cotidiano das missões jesuíticas espa­ nholas com base na tradição oral, mantida pelos descendentes des­ ses índios. Não é necessário ir adiante neste passar de olhos sobre as pri­ meiras experiências de cristianização. Parece suficiente reter o sig­ nificado da cristianização como a linguagem por meio da qual foi transmitido um ideal de civilização aos índios. Talvez se possa dizer que este ideal estará absorvido no que o Diretório compreende ser a tarefa de instruir os índios sobre os meios da civilidade. Modificamse os emblemas, ou seja, os termos com que são expressos os apelos e as convicções sobre os mesmos fins da colonização. Voltemos para o que o diretor deve fazer, ao substituir os missio­ nários na tarefa de levar a civilização: S em pre foi m áxim a inalteravelm ente praticada em todas as N a­ ções, que conquistaram novos dom ínios, introduzir logo nos po­ vos conquistados o seu próprio idiom a, por ser indisputável, que este é um dos m eios m ais eficazes para desterrar dos Povos rústi­ cos a barbaridade dos seus antigos costum es; e ter m ostrado a experiência, que ao m esm o passo, que se introduz neles a Língua do Príncipe, que o s conquistou, se lhes radica tam bém o afeto,

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a veneração, e a obediência ao m esm o Príncipe. Observando pois todas as nações polidas do m undo este prudente, e sólido sistem a nesta conquista se p ratico u tanto pelo contrário, que só

cuidaram os primeiros conquistadores estabelecer nela o uso da língua, que chamaram geral; invenção verdadeiramente abominável, e diabólica, para q u e privados os índios de todos aqueles m eios que os podiam civilizar, perm anecessem na rús­ tica, e bárbara sujeição, em que até agora se conservam [Diretório, parágrafo 6].

A língua do príncipe era a língua portuguesa, cujo uso passa a ser obrigatório, recebendo seu ensino o estímulo da criação de esco­ las públicas. Os parágrafos 7 e 8 do Diretório determinam a criação de escolas públicas para os filhos dos índios. Ler, escrever e apren­ der a doutrina cristã continuam a ser matérias da educação elemen­ tar. Os mestres e mestras destinados a um estudantado tratado sepa­ radamente por sexo deviam ser pessoas “dotadas de bons costumes, prudência e capacidade”, mas, sempre que não houvesse mestras, as alunas poderíam aprender na Escola dos meninos, onde fariam uso da língua portuguesa. A introdução da língua portuguesa foi desafio de luta contra o uso da “língua geral”, empregada pelos jesuítas no trato com os índios, mas também representou uma afirmação política sobre os domínios conquistados. Questiona-se, aqui, se a introdução da lín­ gua portuguesa não teria sido sobretudo uma disputa pela hegemonia (no sentido dado ao termo por Norbert Elias, 1985) entre grupos de uma mesma cultura e civilização, antes de firmar-se e apresentar-se claramente aos nossos olhos (dois séculos depois) como um projeto de nação. A propósito, o historiador Artur César Ferreira Reis (1966) fornece um material muito especial que ajuda nesta reflexão. Assegura Ferreira Reis, por meio de relatos de cronistas, via­ jantes e autoridades governamentais, que no Brasil o contrário se deu em relação à máxima destacada no parágrafo 6o do Diretório: foram os colonos portugueses conduzidos a aprender as línguas indí­ genas mais do que impor seu idioma. Por certo, as condições iniciais de implantação de escolas, a baixa representatividade numérica do colono português e, seguramente, a prática, desde o início instaurada pelos jesuítas, de ensinar aos índios a “língua geral” foram fatores

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que inviabilizaram o projeto político de instaurar a língua portugue­ sa nos primeiros tempos de Brasil. A “língua geral” procedia da lín­ gua Tupi, predominante entre os índios catequizados pelos jesuítas. A fim de facilitar as comunicações e a transmissão da doutrina cris­ tã, os jesuítas tomaram o Tupi a língua franca das áreas missionadas, viabilizando, assim, as comunicações em meio ao que o Padre Antô­ nio Vieira observara como uma “verdadeira Babel” (Reis, 1966, pp. 178-179). Não há estudos conclusivos a respeito da “Língua Geral” . Provavelmente agregava ao seu vocabulário Tupi a contribuição de povos indígenas procedentes de outras famílias lingüísticas e, certa­ mente, empréstimos das línguas maternas faladas pelos missionários. Contudo não é certo que a “língua geral” seja uma invenção dos jesuítas. Quando no parágrafo sexto do Diretório é referida a “ lín­ gua geral” como uma “invenção diabólica”, o que certamente estava em questão era o ato em si de utilizar a língua para fins de domina­ ção política. Com efeito, foi engenhosa sua utilização pelos jesuítas, a fim de efetivar o controle sobre as populações indígenas aldeadas, posto que as isolava ou dificultava seu contato com os demais europeus, inclusive colonos portugueses e autoridades coloniais, resultando daí sacrificar o uso do próprio idioma em nome de um dia-a-dia de comunicações por meio do trabalho e comércio que só se realizava com o uso da “língua geral”. Artur César Ferreira Reis comenta e transcreve trechos inteiros de uma troca de acusações entre um pro­ curador de moradores do Maranhão e um representante da Compa­ nhia de Jesus, ocorrida em 1729. O episódio oferece uma boa pers­ pectiva da situação em foco. Queixava-se o primeiro de que os jesuítas não ensinavam o idi­ oma oficial de Portugal a fim de que os índios se mantivessem sob a guarda das missões. O padre encarregado de responder à referida queixa encaminhada ao rei diria, em primeiro lugar, que, a exemplo dos apóstolos, a melhor maneira de ensinar a doutrina cristã seria por meio da própria língua do aprendiz.

O segundo argumento é mais forte: todos falavam invarivelmente a “língua geral”. Os próprios moradores de origem portuguesa nas­ cidos no Pará aprendiam primeiro a “língua geral” e só mais tarde o português,

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Ensinam os índios, sem os índios entenderem o que se lhes ensi­ na, que coisa é senão estarem ensinando papagaios a falar: que coisa é senão como diz S. Paulo, estar falando ao vento [em Reis, 1966, p. 182J.

por que como não bebem, nem se criam com outro leite mais, que com o das índias, com o leite bebem também a língua, nem falam outra, senão depois de andar alguns anos na escola e tratarem com os portugueses, que vem de Portugal [...] As mulheres é que ficam com maior ignorância, porque nunca sabem falar senão um português tosco, e é necessário haver nas igrejas, confessores pe­ ritos na língua, para as poder confessar, de sorte que elas se pos­ sam explicar, e o confessor entender. Sendo isto assim, é também certo, que os índios das aldeias, mais tratam com os portugueses, do que com os missionários; porque com os missionários quando muito, só chegam estar dois meses no ano, que é os meses de agosto e setembro; donde ainda que os missionários lhe ensinem algumas palavras da língua portuguesa, nestes dois meses, como os portugueses nos dez meses seguintes, não falem com eles, se­ não pela sua própria língua dos índios, quando voltam para as aldeias, já se não lembram, nem das palavras que os Padres lhes tinham ensinado; pelo que a ordem que requer o dão procurador Paulo da Silva, para os missionários, deve muito especialmente mandar passar, para os moradores do Pará, mandar-lhes que nem entre si, nem com os índios falem, senão pela língua portuguesa, com que não poderá ter efeito, sem que primeiro se proíba, que os filhos, e filhas dos portugueses, não sejam criados por índios da terra [id, pp. 183-184]. Ainda que fosse ensinada a língua portuguesa nas missões aos novos índios descidos — argumenta um governador simpatizante da ação dos jesuítas — , estes aprendiam mais facilmente a “língua ge­ ral”, pela razão de ser o instrumento de comunicação diária com todos os demais índios aldeados e já completamente acostumados a seu uso exclusivo (id, p. 184). O aspecto considerado mais grave foi registrado por Mendonça Furtado, algumas décadas depois de regis­ trar-se esse debate, ao observar que os escravos negros também apren­ diam com facilidade a “língua geral” e quase nada do idioma portu­ guês (Carta de 27 de fevereiro de 1759, em Reis, 1966, p. 189).

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Se este material apresentado por Ferreira Reis não corresponde integralmente à realidade histórica em foco, ao menos registra a opi­ nião, os argumentos de defesa e as convicções de ambos os lados da questão, permitindo uma avaliação de quão difícil foi implantar a língua portuguesa em área de trabalho missionário. Este fato parece­ ría aos governantes portugueses uma contradição gritante, já que as missões representavam os principais focos irradiadores da coloniza­ ção. O aspecto da luta pela hegemonia entre os grupos independen­ tes e os representantes dos interesses da monarquia insinua-se, no caso, como uma explicação conjuntural, ao que a longo prazo se registra como um mesmo processo colonizador. A obra mais difícil, qual seja, o enraizamento da cultura do conquistador, devia começar por generalizar o uso geral da língua portuguesa. E o Diretório tem esta tarefa como meta a realizar. Pergunto: se caso a língua portuguesa não fosse adotada e con­ tinuasse a prevalecer a “língua geral” (principalmente no Grão-Pará, assim como permaneceu a língua Guarani no Paraguai), os resulta­ dos na constituição da cultura, do território e do povo brasileiro se­ riam os mesmos? Esta questão é colocada porque tanto o português quanto a “língua geral” eram idiomas estranhos ao índio não-Tupi. Parece evidente que o uso da “língua geral” permitia estabelecer uma cone­ xão com as missões espanholas, circunscrevendo, assim, um uni­ verso de ação dos jesuítas que se afirmava como um domínio políti­ co próprio da congregação, a despeito de esta fixar-se em territórios pertencentes às monarquias portuguesa e espanhola. Nesse caso, as acusações coetâneas que consideram as ações dos jesuítas um proje­ to político independente, que ameaçava as monarquias, estariam se confirmando a partir de resultados ponderáveis, como a “facilidade” com que a “língua geral” havia produzido efeito, mais tarde obser­ vado por análises históricas como um “Estado dentro do Estado” (Abreu, Capistrano, 1976, p. 164 e Beozzo, 1983, p. 52). Ademais, existem autores que questionam a qualidade da “lín­ gua geral” como um conjunto de conhecimentos lingüíticos nasci­ dos e desenvolvidos por meio de uma espontânea comunicação de povos. É o comentário de autores contemporâneos ao uso da “língua geral”, como por exemplo o militar Ladislau Baena. Este, ao tratar do assunto, no início do século XIX, questionou e depreciou a “língua

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geral”, considerando-a um “romance” (1839, p. 12). Ele argumentaria que “os jesuítas a dicionarizaram e a reduziram a uma gramática pequena e imperfeita”, cujo resultado foi ter-se constituído numa “língua monotônica”, simplicificada ao extremo {id, p. 12). Ou seja, a “língua geral” teve os mesmos propósitos e destino que o esperanto em nosso século, como projeto de língua franca, universal. O que nos leva mais uma vez a entender tais episódios como uma disputa pela hegemonia. Voltaremos, mais adiante, a esta questão, quando ilustrarem o presente trabalho cronistas que se referiram ao uso amplo e espontâneo da “ língua geral” entre índios de diversas procedências linguísticas, que viviam em missões e povoações civi­ lizadas. Foi uma tarefa hercúlea unificar hábitos linguísticos de uma população profundamente diversificada, do ponto de vista étnico e cultural. Opinião que contempla os esforços tanto dos jesuítas, num primeiro momento disseminando uma “língua geral” de procedên­ cia Tupi, quanto dos portugueses, fixando seu idioma com o adian­ tar da colonização. Pelo uso da “língua geral” diluía-se a conquista, tornando-a porta aberta a invasões e tentativas de estabelecimento de poder. A Rela­ ção por mapa dos governadores capitães-generais e dos capitãesmores que governaram o Maranhão e Pará (BA, 54.XI.27, n“ 17), já referida no capítulo anterior, transmite a nítida percepção de uma nobreza que se forma aliada ao rei em feitos militares que garantem, de parte a parte, o patrimônio adquirido em explorações marítimas. Nessas biografias, o índio não figura como inimigo; é agente passi­ vo, objeto de disputa de grupos. O conflito se passa entre europeus, e mais uma vez o deslocamento espacial (pensar as conquistas e explorações marítimas no norte da África) permite o exercício béli­ co a partir do qual são alimentadas as hierarquias com ações consi­ deradas meritórias, em uma sociedade cuja nobreza tem um perfil militar. A Relação dos governadores é uma memória política orga­ nizada cronologicamente, o que nos dá a clara idéia de que cada governador e suas respectivas instruções representam um avanço, seja em relação ao conhecim ento de novas terras, seja na forti­ ficação e edificação de povoações sobre as já existentes. E tudo isto no contexto de um programa colonizador de longa duração, cuja

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coerência e uniformidade estão garantidas por sua condução, efe­ tuada sempre por um mesmo régim e político: a monarquia. Repete-se a referência a tais aspectos da organização d b gover­ no da conquista com o intuito de situar a disputa pela hegem onia entre a administração colonial portuguesa e a Com panhia de Jesus, nos termos e segundo as convicções que cada parte defende. Podese afirmar que o Diretório é o program a da m onarquia portuguesa para os anos de definição do território brasileiro ria parte norte que se seguiram ao Tratado de M adri e seus reajustes, confirm ados nos Tratados de El Pardo (1761) e de Santo Udefonso (1777). N esse momento, o povoamento do B rasil é assum ido com o m eta central dos programas de governo de cada adm inistração colonial, especial­ mente nas áreas de fronteira. Tem inicio, nesse período, rima efetiva política de imigração. As levas de fam ílias portuguesas (vindas, a maior parte, das ilhas do Atlântico) são significativas por im prim irem um a feição cultural lusitana aos em preendim entos da ocupação.6

6 A presença qualitativa do europeu no povoam ento do Brasil durante o período colonial é estudo a ser feito. Encontramos algumas referências que já permitem observar os seguintes problemas. Povoadores de distintas nacionalidades e não só portugueses. Por exemplo, no governo de Marquês de Pombal, houve alguns procedimentos que visavam estimular a imigração européia em geral. A carta de Mendonça Furtado, de 25 de junho de 1760, refere-se a um armênio acom panha­ do da família. Esta família dirigia-se a São José do M acapá e recebería, por conta da Fazenda Real, terras para lavoura, bem como gado, espingarda e ferramentas, além de seis mil-réis (ANTT, Mss. da Livr., número 51, fls. 17 e 18). Em outro documento consulta-se o Conselho Ultram arino a respeito da vinda de três casais de irlandeses católicos para as capitanias de São Paulo e de São Vicente. Lá deveríam receber terras e tornarem-se vassalos sujeitos às leis da C oroa portu­ guesa (id., F. 1631, fl. 103). Referência clara à condição legal dos povoadores encontra-se na carta de Mendonça Furtado, de 17 de junho de 1761. .Nela se registra a chegada de 85 presos ao Grão-Pará, os quais seriam encaminhados para São José do Macapá- Da relação constam alguns casados, mas na maior parte era constituída por solteiros e viúvos e apenas um voluntário (id., número 51, fl. 102). A origem portuguesa, o movimento migratório e a condição social dos povoadores do Grão-Pará podem ser contemplados no seguinte trecho de uma outra carta, desta vez de 22 de abril de 1761: “Quanto aos Ilhéus esses homens vão sem mais crime, do que saírem com os passaportes fraudulentos de sua terra, para virem a esta Corte, e dela passarem a diversos países estrangeiros; e como são precisos nesse Estado, para povoadores, S. Maj os manda rem eter a essa cidade [hoje, Belém) e para o Macapá, logo que chegarem” (id, número 51,

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N esta circunstância, a expectativa em relação ao índio era a de que viesse a assim ilar e dissem inar esta nova feição. R ibeiro Sanches, com o se viu antes, glorifica as nações civili­ zadas com o as únicas criadoras de cidades. A cidade teria o sentido de beneficiar o hom em , protegendo-o contra as injúrias da N atureza (1756, p. 72). N a m esm a perspectiva é vista a condição do hom em civilizado: os conhecimentos e realizações da civilização atuam deci­ sivam ente parâ seu distanciamento progressivo da Natureza, processo m otivado pela convicção de estar sendo prom ovida a sua proteção — o seu bem-estar. E stas idéias parecem muito amplas, program as de um a civiliza­ ção, e n ão planos de governo representativos de certos grupos em disputa pelo controle dos índios e terras do Brasil. Procedem de um a m esm a bagagem de idéias acerca de vida social, convívio urbano, observância a leis e hierarquia de poder. Colocadas diante dos índios, estas idéias são por eles percebidas com o partes de um a m esm a con­ cepção de mundo. Pois é justam ente este ideário que se identifica nas ações reformuladoras das instituições, que tiveram lugar durante o reinado de D. José I, no qual se insere o Diretório dos índios com o um a lei que instaura nova maneira de relacionar-se com os índios.

fl. 55). O utros locais referidos na mesma carta foram ilha de São Miguel, ilha do Pies[?j, ilha do Fayal, Vila Porto de Môs, Beja, Na. de Estremoz. Profissões declaradas: alfaiate, serralheiro, ferreiro. O estudo de Artur C.F.Reis mostra que o povoador de origem portuguesa veio de todas as regiões de Portugal, mas significativa foi a presença do açoreano no Brasil. Vindos em casais mediante contratos prévios com autoridades de governo e fugindo da exigüidade espacial em sua terra natal, os açoreanos foram os que primeiro fixaram costumes agríco­ las e pastoris na Amazônia e sul do Brasil (Reis, 1960). Esse aspecto cultural da contribuição do povoador já era cristalinamente percebido por Lourenço Pereira da Costa, em 1762, quando comentava com Mendonça Furtado a respeito de um certo M anoel Dias que vivia na Capitania do Rio Negro com filhas, um filho e alguns índios agregados. Sugeriu Lourenço Pereira que, caso esse senhor não tivesse crim e que “desmereça indulto e perdão”, lhe destinasse alguma povoação ou que o mandasse fazer. As ponderações de Lourenço estão neste trecho: “ ...este homem tem adquirido grande notícia dos sertões e poderá fazer descimentos, pela boa fé em que está com o gentio e poderão as filhas casar aproveitando-se aqueles garfos de um Europeu, o que não sucederá se o pai m orrer no mato, porque se distrairão e seguirão os ritos gentílicos os filhos delas que será a maior desgraça” (AHU, cx. 1, doc. 31).

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O Diretório dos índios

Pergunto-m e da filiação conceituai deste regim ento, que não só m odificava os detentores do poder de adm inistrar os índios, com o tam bém lançava as condições futuras para sua plena em ancipação, isentando-os da condição de escravos e considerando-os em estado de m enoridade e de necessidade de direção. O Diretório foi elaborado um a década antes de Rousseau escre­ ver o Contrato social (1762). Tem os, no entanto, o m esm o ambiente de circulação de idéias. Pode parecer estranho im aginar que um a obra com o p Contrato social, que glorificava o regim e republicano e a vontade geral do povo, tendo sido queim ada em G enebra e causa­ do polêm ica em toda a Europa, tenha impregnado, em suas idéias organizacionais básicas, um a lei colonial escrita por um a adminisr tração a serviço da m onarquia e cuja finalidade era instruir o gover­ no sobre índios. São textos escritos com objetivos distintos: um lite­ rário, filosófico, político; outro tam bém político, m as objetivam ente adm inistrativo e jurídico. E, não obstante ser o D iretório anterior, é nítida sua fonte de inspiração em conceitos que se encontram em textos, como o Contrato social, que contestam a ordem vigente e propõem transform ações. Em sua integridade, o livro de Rousseau suscitou irritação entre os que defendiam a m onarquia, mas já con­ tinha elementos aceitos ou cuja instauração já era esperada na atm os­ fera político-institucional então vigente no continente europeu. A situação hipotética apresentada por Rousseau em seu Livro Prim eiro, capítulo VI, a respeito do pacto social, é justam ente o pro­ blema, ou a m aneira com o os funcionários coloniais o encaravam , do dia-a-dia de confronto ou convívio pacífico com os índios:

Sua preocupação é dirigida ao indivíduo. Rousseau form ula a ques­ tão: se este evento prim ordial implica a reunião de forças separadas e sua eficácia exige a conservação da liberdade individual, como estabelecer a obrigação d a associação sem prejudicar cada parte? A solução é

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Suponhamos os homens chegando àquele ponto em que os obstá­ culos prejudiciais à sua conservação no estado de natureza so­ brepujam, pela sua resistência, as forças de que cada indivíduo dispõe para manter-se nesse estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e o gênero humano se não mudasse de modo de vida, perecería [1978, p. 31], N estas condições, continua Rousseau, os hom ens não poderiam criar forças por si mesm os e, sim , unir-se, gerando novas for­ ças a partir das existentes. Estaria, portanto, sendo colocada em experiência um a situação propícia ao nascim ento da sociedade civil.

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encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pes­ soa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes [1978, p. 32], M as este é o princípio de todo contrato social. A particularida­ de do pensam ento de Jean-Jacques Rousseau está em seu conceito de “alienação total”, segundo o qual todas as cláusulas do contrato social reduzem -se a única condição: que cada indivíduo devote suas obrigações e direitos em favor do bem comum. Seria o estabeleci­ mento soberano da vontade geral, em que cada cidadão espera dos demais as mesmas exigências que faz a si mesmo. Concebe, desse modo, o fim das tiranias, ou da possibilidade de manifestação da vontade de um só senhor sobre os demais, pelo advento da vontade pública expressa pelo “corpo moral e coletivo” formado pela união de todos e cuja representação é o “Estado” ou o “soberano”, quando ativo, sendo seus associados o “povo” em suas nivelações como “sú­ ditos” ou “cidadãos” (pp. 33-34). N ão é absurdo im aginar que esta idéia de “República” chegue a com por leis coloniais. É contraditório visualizar, de nosso presente, o conquistador construindo um esquem a de permanência que vai produzir sua negação. M as, ao tempo do acontecimento que aqui se analisa, o conquistador concebia o futuro a partir do que estava cons­ truindo, conform e o que desejava alcançar, quer dizer, como um aumento de seu próprio mundo, e não sua perda, algum dia. Trazer seu m undo im plicava fazer o que faz o escultor platoniano, que de­ senha, m entalm ente, na pedra, a silhueta de sua criação e, para tomála efetiva, repete o trabalho maquinai de tirar as sobras. Parece-nos, portanto, que não se trata de qualificar a intenção do colonizador em relação aos índios. Interessava construir a obra, que requeria uma transposição do m undo europeu para a colônia.

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No Diretório, os term os dirigidos aos índios transm item expec­ tativas de sua transformação: são “vassalos do rei” , que têm de volta a “liberdade de suas pessoas, bens e com ércio” . E suas terras são “sertões” que devem ser reduzidos a “povoações bem estabelecidas” . Há um englobamento nesta proposta, poderia dizer Dum ont, ou, con­ forme Rousseau, a intenção é traduzida pelo conceito de “alienação total” {id, p. 32), ou seja, dar-se ao bem com um (nos term os de hoje, massificar-se) por se ter tom ado vassalo da C oroa portuguesa. Notese neste propósito que tanto há inovação de elem entos, que já se pode identificar na organização política de nossos dias quanto há de resgate de referenciais da estruturação de Portugal em seus primórdios. Os “vassalos do rei”, os de sangue ou os de privilégio, constituem uma representação política associada ao processo de for­ talecimento do Estado m onárquico. Seu fundam ento em tom o de noções de lealdade ao rei, pronto atendim ento em situações de guer­ ra, tendo em contrapartida cessão de terras, privilégios perm anentes garantidos pela transm issão hereditária e im unidades políticas e ju ­ rídicas, encontra-se na base da organização política e social portu­ guesa.7 Considerar os índios vassalos do rei tem a força sim bólica de reatualizar acontecimentos e personagens relacionados com a cons­ tituição política e territorial de Portugal. Ritualização de um m ito de origem da nacionalidade de um povo: eis o que acontece quando os índios são tomados vassalos do rei e retirados da condição escrava, ou do “estado de natureza” . Veja-se que a situação hipotética apon­ tada por Rousseau (anteriorm ente transcrita) é ponto de partida, no Diretório, para a construção de uma sociedade que segue o modelo

europeu e está fundada na idéia de “bem com um ” com o a garantia de m anutenção de direitos individuais num a situação de convivên­ cia social. Todo o trabalho de civilização dos índios sob a adm inis­ tração do D iretório pautou-se por fazê-los tom ar consciência desta convicção relacionada com o “bem comum ” , persuadindo-os a pra­ ticar a m esm a crença.* N o Diretório, este intento d e transform ação com eça por situar cada indivíduo na ordem social em construção. Com o já se fazia ao tem po da adm inistração dos m issionários, o docum ento reserva aos índios cargos e funções definidos com o “principais”, “sargentos m aiores”, “capitães” e “oficiais” . A diferença — enfatize-se — está na recom endação de m udança de postura do branco em relação a essa elite nativa em formação:

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7 Para conceituação de vassalo, considerei fundamental a leitura de um manuscrito da Biblioteca da Ajuda chamado: Discurso sobre que cousa he vassalo. A inten­ ção do Discurso é responder a um a indagação. Seu autor (pode ser, inclusive, do próprio conselho do rei) responde procedendo a uma com pilação de casos registrados na Torre do Tombo desde os tempos mais remotos. Esta compilação causou-me a impressão de estar assistindo aos processos em que a primeira ação se torna exemplo, estabelecendo-se o costume. Do que pude anotar, são definidoras da condição de vassalo as noções de linhagem e de obrigação de prestar serviço ao rei na guerra, fornecendo armas em número estabelecido conforme o foro que tinha e o lugar que ocupava na casa do rei.

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Recomendo aos Diretores, que assim em público, como em parti­ cular, honrem, e estimem a todos aqueles índios, que forem Juizes Ordinários, Vereadores, Principais, ou ocuparem outro qualquer posto honorífico; e também as suas famílias; dando-lhes assento na sua presença, e tratando-os com aquela distinção, que lhes foram devida, conforme as suas respectivas graduações, empre­ gos, e cabedais; para que, vendo-se os ditos índios estimados pú­ blica, e particúlarmente, cuidem em merecer com o seu bom pro­ cedimento as distintas honras, com que são tratados; separando-se daqueles vícios, e desterrando aquelas baixas imaginações, que insensivelmente os reduziram ao presente abatimento, e vileza (Diretório, parágrafo 9). E staria lançado, aí, o princípio de respeito aos índios com o aptos a form arem seus quadros de representação política, bastando que a interm ediação dos diretores se desse no sentido de ir prepa­ rando o am biente social para aceitação pacífica desta m udança de atitude que se pretendia im plantar entre os que estavam à frente da

* Esta discussão inspira-se na percepção de Dumont sobre os pontos comuns na teoria de Rousseau e na de Hobbes. Nas palavras do antropólogo, “ambas postu­ lam um a descontinuidade entre o homem natural e o homem político, de modo que para as duas o contrato social assinala o nascimento real da humanidade propriamente dita” (grifos do autor/1985, pp. 101-102).

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colonização. Todavia, antes que se tom assem entidades coletivas com legitim idade e efetiva representação política, os índios deviam ser m odificados com o pessoas, o que im plicaria a negação, a longo prazo, de sua diversidade cultural. O parágrafo 10 declara a condição de liberdade dos índios, resguardando-os da “infâm ia e vileza” da escravidão que estava asso­ ciada ao nom e “negros” . Um trabalho que com eçava, mais um a vez, por um a necessidade de revisão da atitude do branco, enraizada que estava no costum e de considerar legítim as as escravidões feitas sob justificação moral:

O parágrafo 12 tam bém dispõe sobre a conduta individual. Tra­ tava-se de intervir nos costum es habitacionais, introduzindo no desenho do espaço físico destinado à moradia dos índios repartições internas que exprim em noções européias de vida privada e pública e respectivas regras de m oralidade para cada domínio. O referencial espacial que devia ser abolido é a form a tradicional ou a que mais foi encontrada entre os índios amazônicos, que, segundo um obser­ vador do século XIX, o cônego André Fernandes de Souza, estava representada por

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Não consentirão os Diretores daqui por diante, que pessoa algu­ ma chame Negros aos índios, nem que eles mesmos usem entre si deste nome como até agora praticavam; para que compreendendo eles, que não lhes compete a vileza do mesmo nome, possam con­ ceber aquelas nobres idéias, que naturalmente infundem nos ho­ mens a estimação, e a honra. O índio, liberto da “ infâm ia” associada ao nom e Negro e habili­ tado a “em pregos honoríficos” , com eça a ter garantido um lugar rio projeto de sociedade que tam bém se instala onde são aldeados e passam a viver sob a adm inistração de diretores. O próxim o passo são os estím ulos à nom inação individual, em conform idade com os costum es do civilizador. N o parágrafo 11, é descrita um a situação confusa, em razão de os índios não possuírem sobrenom es portugue­ ses. Seguram ente, o que se pretendia, a exem plo da obrigação do uso exclusivo da língua portuguesa, era abolir toda m anifestação de singularidade cultural entre os índios em processo de transform ação de suas pessoas. Prescrevia-se, assim , que terão daqui por diante todos os índios sobrenomes, havendo grande cuidado nos diretores em lhes introduzir os mesmos apelidos [correspondem aos que no Brasil chamam sobrenomes] e sobre­ nomes [os nomes], de que usam os brancos, e as mais pessoas que se acham civilizadas, cuidarão em procurar os meios lícitos, e virtuosos de viverem, e se tratarem à sua imitação [.Diretório, parágrafo 11].

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casas muito grandes com duas únicas portas em comprimento, e sem paredes porque a cobertura de palha chega até o chão. Nelas moram de cinquenta a sessenta casais com todos os filhos peque­ nos, e regidos do seu principal com tanta harmonia e obediência que não discrepant em mínimo ponto [Fernandes, 1848, p. 485]. Se tal descrição for considerada padrão habitacional dos índios am azônicos (e provável m odelo predominante antes da chegada dos europeus) e com parada com o que se chama de aldeias construídas pelos colonizadores, verificar-se-á que se trata de espaços sociais m uito diferentes. As casas e o arranjo espacial desses espaços construídos pelos missionários e, depois, pelos funcionários da admi­ nistração portuguesa seguem referenciais da arquitetura e do plane­ jam ento das cidades européias. Com relação aos interiores das ca­ sas, as instruções no Diretório transmitem as seguintes noções de intim idade pessoal e familiar: Sendo também indubitável.que paraaincivilidade, e abatimento dos índios, tem concorrido muito a indecência, com que se tra­ tam em suas casas, assistindo diversas famílias em uma só, na qual vivem como brutos; faltando aquelas Leis da Honestidade, que se deve à diversidade dos sexos; do que necessariamente há de resultar maior relaxação nos vícios; sendo talvez o exercício delas, especialmente o da torpeza; os primeiros elementos com que os pais de famílias educam a seus filhos: Cuidarão muito os diretores em desterrar das povoações este prejudicialíssimo abu­ so, persuadindo aos índios que fabriquem as suas casas à imita­ ção dos brancos; fazendo nelas diversos repartimentos, onde vi­ vendo as famílias com separação, possam guardar, como racionais, as Leis da Honestidade, e polícia [Diretório, parágrafo 12].

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Note-se como o trabalho de persuasão sobre a transform ação projetada terá sua eficácia garantida, pois com eça pela intim idade de cada indivíduo. N a concepção, porém , do espaço social indígena, quer dizer, o tradicional (pré-contato), esta intimidade, esse dom í­ nio privado se entrelaça com o dom ínio público. Com o se viu ante­ riormente, essas casas abrigavam segm entos sociais representativos de etnias ou, nos term os de Alexandre Rodrigues Ferreira: “cada maloca, de per si, é um a pequena povoação” (1787/1974, p. 23). Segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, o am biente interno se­ gue, evidentemente, um a ordem diversa da que pretende im plantar o Diretório. Há repartições internas, e estas seguem o desenho circu­ lar das malocas, definindo o lugar em que cada casal tem seu próprio fogo, instala sua rede e dem ais pertences pessoais. O centro é parti­ lhado por todos, sendo destinado aos trabalhos de subsistência e aos momentos de lazer coletivo, com o a dança (id, p. 24). A sensibilidade inferida dessas observações — feitas, um a em 1787 e outra no início do século X IX — com prova que os coloniza­ dores percebiam claram ente esta form a de habitação com o expres­ são espacial da organização social e política de seus ocupantes. Dizer que o espaço da m aloca tinha consequências sobre o com ­ portam ento de seus ocupantes na geração de vícios de efeito m oral degenerador era um a form a de persuadir os índios sobre a superiori­ dade do modo civilizado de habitar. Parece inegável que os conquis­ tadores, ao viverem sua prim eira experiência de estar no interior de um a habitação indígena, não se confundiam nem achavam confusa aquela ordem. Não. C aso contrário, os registros de suas im pressões não seriam retratos bem focalizados daquela realidade histórica, com o referido antes. A alegada confusão (prom iscuidade) da ordem espa­ cial indígena faz parte de um discurso de convencim ento (e de autoconvencimento) que precede um a justificativa para im plantar um a form a de habitação estranha, que com eça po r negar o padrão nativo, promovendo uma segm entação de sua organização coletiva. N o pa­ drão nativo, os casais instalados em suas repartições internas à m aloca englobam o espaço público, com o que concretizando a idéia de Re­ pública, de bem com um , form ulada por Rousseau, em que cada indi­ víduo é uma representação do todo, quer dizer, fazendo prevalecer o domínio privado, em últim a instância.

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N a proposta do Diretório, cada segm ento tem um espaço, um lugar definido, e já não é m ais eqüidistante e eqüitativo ao do vizi­ nho. H á tam bém um centro coletivo com forte conotação sim bólica, cuja form a retangular determ ina.que em tom o dele, e desdobrandose em linhas retas, geométricas, sejam dispostos os lugares de cada segm ento social, segundo um a série de valores que diferencia uns indivíduos dos outros como detentores de posições e obrigações dis­ tintas. O conquistador im planta sua hierarquia na aldeia, m issão ou povoação por ele construída. Segundo N orbert Elias, todo tipo de convivência hum ana tem um a correspondente organização do espaço social. Em suas pala­ vras: A expressão de sua unidade social no espaço, o tipo de sua con­ formação do espaço é a representação de sua especificidade pal­ pável e — no sentido literal — visível. Neste sentido, portanto, o tipo de habitação dos cortesãos permite também um acesso segu­ ro e muito gráfico para compreensão de certas relações sociais, características da sociedade cortesã [1982, p. 62 — a tradução é minha], Este procedim ento sugerido por N orbert Elias garante nossa passagem ao tem po da observação sobre o acontecim ento histórico que se estuda. A leitura dos projetos de aldeias indígenas e de edifí­ cios em vilas amazônicas que passo a com entar segue de perto a m aneira com o este autor analisou plantas de castelos e palácios euro­ peus. Exam inem os alguns exemplos. Q uando, no Diretório, se redigiam norm as de convivência so­ cial com os índios, vieram com pondo as com itivas de governantes, os especialistas em cartografia, física, engenharia e arquitetura. E ra o m om ento da construção das bases adm inistrativas do G rão-Pará ou, pelo m enos, de fincar os pilares de afirm ação de um dom ínio sobre toda a extensão amazônica, compreendida, naquela época, como as capitanias do Piauí, M aranhão, Grão-Pará, Rio Negro e M ato Gros­ so. As plantas de Felipe Strum , destinadas à orientação dos edifícios públicos, representam padrões de residências relativos a diferentes cam adas sociais da sociedade portuguesa.

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Em Plantas e alçados de diversas casas pa ra soldados da Vila de Barcelos, vêem -se precisam ente os arranjos habitacionais ideali­ zados no D iretório e que, no caso, se destinam a residências de sol­ dados casados (figura 19). N ão está explicitado, supõe-se tratar-se dos matrim ônios previstos e estimulados em avisos e bandos de adm i­ nistrações locais, tendo em vista a intenção régia de prom over o povoam ento com os “próprios nacionais” , casando-se os soldados com as índias das aldeias e m issões. Com o se pode observar, são casas coladas um as às outras, apenas separadas por paredes. Q uer se queira ou não, estará m antida a intim idade das repartições indígenas por casais (cuja delim itação sim bólica descartava a necessidade de paredes) e, ao m esm o tem po, traz à representação palpável exata­ m ente o que se passava: a conquista, o cotidiano da conquista, fin­ cando alicerces urbanos com as marcas de um a arquitetura militar. As casas gem inadas recordam acam pamentos rom anos em áreas con­ quistadas e que vieram a definir o form ato de m uitas cidades, com o Colônia, na A lem anha, Aosta, na Itália, Silchester, na Inglaterra, e Tim gad, na A rgélia (Ferrari, 1977, p. 219). N o caso, a marca distin­ tiva n ã o é a cultura do conqujstador, mas suas estratégias de ocupa­ ção: toda cidade originada de um acam pam ento m ilitar tem um for­ m ato regular (Carvalho, 1989, p. 11). Tal disposição das casas, se m antida no desenrolar da evolução urbana do lugar, fixa o padrão de espaço reservado às habitações das cam adas populares, pois estas são apenas um a seção particular, um bairro, um a rua, na configura­ ção geral da cidade. Um exem plo de configuração geral de um a cidade, cuja repro­ dução está prejudicada pela dim ensão reduzida do desenho, é Vila de Barcelos (figura 20), à qual estavam reservadas as casas dos sol­ dados casados vistas anteriorm ente (figura 19). Nela, Felipe Strum concebe um a cidade repartida em duas grandes seções: num a está situada a praça em torno da qual agrüpam -se o Palácio dos Plenipotenciários (3) [observe a num eração do desenho], o Palácio que anti­ gam ente foi H ospício (4), as casas feitas para o governo (5), a resi­ d ên cia do v ig ário-geral (6) e, na outra seção, a praça onde se encontram o pelourinho (14) e os quartéis (15). Com o se pode ver, Barcelos, o prim eiro centro adm inistrativo da C apitania do R io Negro, recém -criada pelo governo pom balino, crescendo a partir da missão de M ariuá, já reservava aos índios um

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espaço deslocado d a configuração anterior, indicando, após a tra­ vessia de um rio (ou igarapé), o lugar denominado “Aldeinha” (19). A prim eira explicação para esta representação espacial é que houve um a absorção parcial, por parte da população indígena, no convívio com civilizados, m antendo-se um a parte menor destacada do geral, na “Aldeinha” . A segunda explicação tem como referência situa­ ções de nossos dias, ou seja, cidades que foram originalmente m is­ sões e aldeias estarem sendo habitadas, em seu centro, por popula­ ções não-indígenas, e na periferia por populações descendentes dos prim eiros índios ali aldeados. Para mais um a visão geral de configurações urbanas projetadas por Felipe Strum, observe-se a vila de Silvis, antiga Saracá, onde habitavam os índios A nibá e A ruaqui (figura 21). Ali, a form a retangular espelha o sentido da secularização, repartindo em qua­ drados de iguais dim ensões os poderes civil, eclesiástico e militar. A expectativa antevista em Barcelos é a mesma: de um lado, a Igreja Paroquial (A) e, de outro, a C asa de Câmara (B) e o Pelourinho (C). Vale observar que a residência do diretor (E) se encontra no espaço civil, do lado direito da Igreja Paroquial, tal qual a residência do reverendo vigário, à esquerda (F). Estavam espacialmente reparti­ dos os poderes tem poral e espiritual para a população da vila de Silvis. Im plantava-se, no cotidiano dos índios e brancos do GrãoPará, a secularização anunciada por Locke, Pombal e M endonça Furtado. Estes exem plos de planejam ento urbano no Grão-Pará não se distanciam muito das plantas das aldeias construídas pela adminis­ tração portuguesa da Capitania de Goiás. Nos dois casos, a dife­ rença significativa é a antiguidade do projeto. As vilas e lugares destinados à civilização dos índios no Grão-Pará são originalmente m issões de ordens regulares. As aldeias da Capitania de Goiás, de que há exem plos gráficos, foram construídas ou reconstruídas ao tem po em que vigorava o Diretório como regimento aplicado a povoa­ ções indígenas. Portanto, reproduzem , cristalinamente, sobre o es­ paço os propósitos da nova política de civilização relacionada com os índios. O prim eiro exem plo é a aldeia de S. José de Moçâmedes (fig. 22), reconstruída pelo governador José de Alm eida Vasconcelos de Soveral e Carvalho entre 1774 e 1778. Além da afeição pessoal

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deste governador, ganhando o nom e do lugar de seu nascim ento, esta aldeia recebeu um tratam ento especial com o local de experi­ m entação das idéias do D iretório entre os índios de Goiás. S ua posi­ ção geográfica próxim a à Vila Boa, centro d a adm inistração da C a­ pitania de Goiás, determ inou um program a de form ação d é grandes plantações, criação de gado e introdução de atividades m anufatureiras destinadas ao preparo de condições de auto-subsistêncía e escoam ento comercial da produção de seus habitantes (A lencastre, 1979, pp. 228-229). Este program a está espelhado na planta da al­ deia, dadas as indicações relativas à existência de engenhos de fa­ bricar farinha (16), m oinho (15), serraria (17), curral (23), horta (24), bananal em grande extensão (25), carpintaria (3Q), casa dos teares (33) e casa debaixo [o andar térreo) de fábrica de fiar 40 fusos (28). Está nitidamente im pressa sobre o espaço um a estratificação social das pessoas que ali habitam, conform e sua origem étnica, seus car­ gos e funções. É clara a indicação de que a aldeia era frequentem en­ te visitada pelo governador, tendo em vista a casa de sobrado em que se hospeda (5), bem com o casas de hospedagem de seus oficiais (6), a casa de jantar de Sua Excelência (7), as casas de escravos e pajens (9) e um local destinado a servir de cavalariça (10), o que indica a presença de guarnições m ilitares perm anentes ou acom panhando o governador. As casas de m orada dos índios (11) parecem seguir o m esm o modelo das plantas de Felipe Strum , e talvez a referência a casas de casais (20), colocadas em posição perpendicular à Igreja (1), refirase a exemplos concretos de casam entos de índias com brancos que exercem funções na aldeia. H á indicações da presença de um a cate­ goria inexpressiva, ou inexistente, no Grão-Pará, a do capataz (18 e 21). O número de casas para tal categoria sugere a existência de muitas pessoas com a m esm a classificação cum prindo distintas fun­ ções (com o se viu nas m issões espanholas descritas por F. Keller), sendo um a delas destinada a cuidar das “bestas da aldeia”, tal com o o faz o vaqueiro de nossos dias nestas mesmas regiões. Seguem cum ­ prindo função à parte o adm inistrador das roças (14) e, finalm ente, o “regente”, que, por certo, é a tradução regional do diretor de aldeia (12), ambos intencionalmente localizados no rum o dos principais locais de trabalho da aldeia.

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Indicações seguras de um m ovim ento social diversificado, além do que engendram as atividades econômicas, é a presença de casas d a enferm eira, do “m estre e d a m estra dos m eninos” (26), da casa e d a cozinha do “capelão” (29) e a casa dos pertences da Igreja (32). N ote-se, em todos os casos, que a função social do ocupante deter­ m ina a localização da casa em relação à praça — local público onde estão situados a igreja e os edifícios destinados aos governantes e principais adm inistradores da aldeia. Além da praça e das oficinas de trabalho, há indicações de outros locais de destinação pública: casa de banho (27), casas de despejos (31), casa de pertences da Igreja (32) e, claro, a igreja repartida em capela-m or e sacristia (1). Plano projetivo da A ldeia M aria A Primeira (figura 23). E ste projeto, tam bém situado na C apitania de Goiás e datado de 1782, aprim ora o espaço público arborizando a praça (9). Em relação a M oçâm edes, traz novas indicações sobre a form ação de um cem i­ tério (13), quartéis para a tropa (11), e sobre novas form as de cultivo e arm azenam ento, pela introdução de hábitos alim entares europeus indicados pela presença do paiol para o sal (15), do pom ar (5) e do parreiral (3). É digno de destaque a denom inação “quartéis” , que tam bém está em pregada para indicar casas com “acom odações para 420 ca­ sais de ín d io s” , o que m ais um a vez confirm a o caráter de acam pam ento m ilitar m arcando as condições iniciais desses em pre­ endim entos. Não é conhecido o arquiteto desses projetos. Em particular, é valiosa a representação gráfica da aldeia M aria I com o um docu­ m ento da história da arquitetura, pois traz, em sua m argem direita, instruções aos construtores sobre o material de construção, as di­ m ensões dos edifícios e o planejam ento das ruas. A s sugestões do autor dem onstram ter sido ele capaz de adequar o conhecim ento da arquitetura e engenharia de sua época às circunstâncias do em ­ preendim ento e à disponibilidade de recursos naturais. Por exem ­ plo, o “cipó em bé” (im bé), indicado para substituir o prego na arm a­ ção dos tetos, parece traduzir um a incorporação de técnicas nativas. C om o se vê, o m odelo d e aldeia destinada à civilização dos índios em G oiás é um a unidade econôm ica preparada para prover e reservar excedentes à comercialização. M as não há indicações de que tal com ercialização se passava no interior da aldeia, cum prindo

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assim a função fundam ental à form ação de cidades que é o m ercado (W eber, 1967). Vale lem brar que um a das interdições aos índios catecúm enos era justam ente vender seus produtos a estranhos. N ão se deve esquecer tam bém que a lei de 6 de junho de 1755 se refere à restituição da liberdade dòs índios, no que tange às suas pessoas, bens e comércio. A diante, se verá com o esta atividade, tão funda­ m ental à subsistência do produtor e à diversificação das atividades econôm icas e tão central à m anutenção de qualquer cidade, de p e­ quena ou grande dim ensão, era controlada pelos diretores de aldeias de form a quase sem pre tirânica, redundando em reproduzir m uito m ais as condições de trabalho e produção de um a fazenda colonial (com a incidência de escravidão) do que a dinâm ica social e econô­ m ica de um a povoação livre, com o propunha o Diretório. Serão igual­ m ente analisadas as brechas que possibilitaram os desdobram entos indesejáveis da proposta original. Im porta deixar assinalado que es­ sas aldeias apresentavam todas as condições para serem elevadas à condição de cidades e, com o representavam um com eço, expressam tanto em leis quanto em seus planos gráficos as expectativas de im ­ plantar o que na época era considerado um padrão de convivência urbana. Os desenhos da viagem de Franz Keller, em particular o que focaliza a M issão de E xaltación (figura 24), fornecem a dim ensão de profundidade que falta às plantas baixas das vilas am azônicas e aldeias goianas, e incitam -nos a pensar em seu cotidiano com o um a grande lição, o dia-a-dia de aprendizado, as todas as horas preenchi­ das na absorção do modo de ser civilizado. E sta experiência de convívio e aprendizado diário supera os objetivos das atividades pedagógicas de representação teatral do Evangelho pelas quais os jesuítas transm itiam aos índios noções de bem associadas ao D eus cristão e as de m al relacionadas às formas nativas de percepção do sobrenatural e do divino (Flores, 1978; M ourão, .1981). E xperiência ousada de com unicação foi realizada pelo Padre Nóbrega. O pesquisador Plínio Freire Gomes (1991), estu­ dando a atuação deste m issionário, m ostra que ele utilizou am pla­ m ente a língua e cultura indígenas para transm itir (isto é, traduzir) aos índios a doutrina cristã. N este mister, segundo o m esm o pesqui­ sador, o desem penho dos m eninos órfãos de origem portuguesa que foram trazidos pelo Padre N óbrega p ara auxiliarem nos ofícios

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religiosos seria de grande valia, porque, como crianças m isturadas a outras da população nativa, transitavam facilmente entre os dois có­ digos culturais, apreendendo o conhecimento do oütío e repassandolhe as mensagens desejadas pelo conquistador (1991, pp. 187-198). E xam inando as plantas de edifícios ou os desenhos panorâmi­ cos de aldeias, constata-se que ocorreu o contrário do que pensou Pom bal ainda quanto ao particular, em que afirma ser necessário alcançar a “hum anízação” (leia-se civilização) do índio antes que fosse cristianizado (v. Capítulo 4). D íria que o contrário se deu por­ que são as idéias e sua crença que chegam primeiro ao receptor, com unicando-lhe a conquista. O comportamento, a civilidade e a habilitação ao trabalho para o colonizador vêm, em seguida, como um condicionam ento. Entre a experiência de Nóbrega, Anchieta, Vieira e a que se apresenta com o um a novidade sob o Diretório e as leis referentes à liberdade dos índios e à secularização das aldeias, um processo transcorre com saldo positivo de aprendizado para os brancos, que, fundam entalm ente, aprendem com as próprias dificul­ dades que causam e procuram reparar. N o Diretório, como, em geral, na documentação oficial dos anos do m inistério pom balino, fica reconhecida esta atitude de reparação contida no parágrafo 14, o qual, continuando a tratar da questão abor­ dada no parágrafo precedente, ou seja, a ebriedade com o vício gene­ ralizado entre os índios, sugere seu com bateram outros meios. Falase em “refo rm a de costum es” com o tarefa a ser cum prida por diretores. O trecho a seguir fam iliariza-nos com as referências mo­ rais coetâneas sobre a conduta ideal: Advirto aos Diretores, que para desterrar nos Índios as ebriedades, e os mais abusos ponderados, usem dos meios da suavidade, e da brandura; para que não suceda, que degenerando a reforma em desesperação, se retirem do Grêmio da Igreja, a que naturalmen­ te os convidará de uma parte o horror do castigo, e da outra a congênita inclinação aos bárbaros costumes, que seus Pais lhes ensinaram com a instrução, e com o exemplo [parágrafo 14]. O 15o parágrafo continua a tratar da conduta dos índios aldeados. N o caso, ensina o costum e de vestir-se em conform idade com os civilizados e sua posição social,

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sendo efeito não da virtude, mas da rusticidade, tem reduzido a toda esta Corporação de gente a mais lamentável miséria. Pélo que ordeno aos Diretores, que persuadam aos índios os meios lícitos de adquirirem pelo seu trabalho com que se possam vestir à proporção da qualidade de suas Pessoas, e das graduações de seus postos; não consentindo de modo algum, que andem, nus, especialmente as mulheres [parágrafo 15]. Já se tem, a esta altura, um a idéia do conceito de civilização que vigorou ao tempo do Diretório. É a própria cultura do conquistador, ou a parte reservada à form ulação de concepções de m undo e ex­ pectativas de aprim oram ento. Com o efeito “visível”, m anífesta-se no comportamento e na convicção em torno de um a bagagem dè normas e ações identificadas com um a idéia de civilização, que tem a Europa como centro e o m undo com o sua extensão e que deverá tomar-se igualmente cristão, m ercantil, pagador de tributos, agríco­ la, sedentário e diferencialm ente segm entado em vários níveis de poder e obediência. A recom endação prim eira aos “diretores” foi educadora: deveríam ser ou fornecer o “exem plo” aos índios. Era um a tarefa que exigia uma postura interm ediadora, sobretudo. C on­ forme se verá nos parágrafos seguintes que legislam sobre as condi­ ções de trabalho do índio para o branco, o aprendizado da quali­ ficação nas atividades econôm icas correspondeu, na experiência do Diretório, ao doutrinam ento das idéias cristãs realizado pelos missionários.

A transformação sobre os homens: um plano econômico de governo Atuar como um regimento de trabalho sem pre foi a prim eira definição do Diretório e a razão de ter substituído o Regim ento das Missões. O Diretório atendia ao intrincado problem a da força de trabalho para todo o serviço da colonização e para toda categoria social de origem européia que a requeriam . U ltrapassa, portanto, a intenção missionária da conversão religiosa dentro dos lim ites de um a missão, ao apresentar um a proposta mais abrangente de trans­ formação da condição civil do índio, igualando-a à do europeu da época em que é im plantado. A ssim , ao m esm o tem po em que

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regulam enta as relações de trabalho, o D iretório apresenta um plano de organização da economia do Maranhão, do Pará e das novas áreas que estavam com eçando a ser exploradas e ocupadas — as regiões dos rios N egro, Branco, Solim ões e Javari. Retom em os a sua leitura no ponto em que param os, os parágrafos 16 e 17, desta vez sem outro docum ento de referência senão o próprio. N o D iretório, o planejam ento da econom ia coloca em prim eiro lugar a agricultura. Neste sentido, segundo o parágrafo 17, os "dire­ tores” exerceriam um a função persuasiva sobre os índios, no que se referisse ao valor do trabalho agrícola: Cuidarão muito os Diretores em lhes persuadir o quanto lhes será útil o honrado exercício de cultivarem as suas terras; porque por este interessante trabalho não só terão os meios competentes para sustentarem com abundância as suas casas, e famílias; mas ven­ dendo os gêneros, que adquirirem pelo meio da cultura, se au­ mentarão neles os cabedais à proporção das lavouras, e planta­ ções que fizerem. N aqueles casos em que os índios não estivessem persuadidos quanto à im portância do trabalho agrícola, deveríam os diretores indicar-lhes as conseqüências, fazendo-os com preender •

que a sua negligência, e o seu descuido, tem sido a causa do aba­ timento, e pobreza, a que se acham reduzidos, não omitindo fi­ nalmente diligência alguma de introduzir neles aquela honesta, e louvável ambição, que desterrando das Repúblicas o pernicioso vício da ociosidade, as constitui populosas, respeitadas, e opu­ lentas” [parágrafo 17], C om este jogo de atribuição de honrarias e prêmios aos que levam o trabalho com afinco, ou, de outra form a, de abatim ento e pobreza aos que o fazem com desleixo, o D iretório passa a ser um m anual de civilização que é essencialm ente de habilitação ao traba­ lho para o branco. O parágrafo 18 esclarece os meios de convencim ento. Estim u­ lar um sentim ento estranho às concepções indígenas, como am bição por ganhos, o lucro por meio do trabalho, tem , no Diretório, o apoio de um esquem a de prem iação com base em privilégios. E ste se

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contrapõe, exem plarm ente, ao outro, de punição e atribuição de res­ ponsabilidade pelas condições de “pobreza” e “abatim ento” em que se acham os próprios índios tidos com o “negligentes”. A didática do teatro jesuítico, que pretende tom ar compreensível os valores cristãos de bem e mal pela encenação de seus significados pelos próprios catecúmenos, renova-se, no Diretório, m ediante este esquem a de prem iação e punição. Em penhar-se nas próprias terras é visto valorativamente com o um serviço público. A quem o fizesse, estaria reserva­ da um a prem iação em term os de privilégios e em pregos honoríficos. A criação de um governo form ado com representantes das popu­ lações nativas resulta desses esquem as de estím ulo ao trabalho tra­ zidos ao Brasil para a organização do setor produtivo. O em penho na produção agrícola, extrativa, comercia] corresponde, em igual medida, às expressões e m anifestações de lealdade política à Coroa de Portugal devida pelos índios eleitos, tornados “ vereadores” , “principais”, “sargentos-m ores”, etc., conform e mencionado no pará­ grafo 9 do Diretório. D ois com ponentes de m esm o peso são m oti­ vadores ideológicos do projeto colonizador: a lealdade política e, agora, o em penho econôm ico. E stas duas exigências serão per­ m anentem ente lembradas no Diretório com o condições indispen­ sáveis à sua própria exeqüibilidade. N o parágrafo 19, continua a ser tratado o program a agrícola. Im plantar o hábito de cultivar para subsistência e para o com ércio, quando até então em cada canto do Brasil só haviam sido desenvol­ vidos em preendim entos m onocultores, era um a experiência m uito nova, que requeria planejam ento pormenorizado. Aqui se trata da organização das bases para um a agricultura diversificada, parte des­ tinada ao consum o dom éstico interno de cada povoação, parte diri­ gida ao com ércio entre as povoaçÕes e o centro d a adm inistração colonial de cada capitania (um a vez que o D iretório serviu de m ode­ lo para todo o país). Com vistas a tal diversificação, era preciso asse­ gurar terras para o produtor. O Diretório faz m enção expressa a destinação de terras aos índios:

E ste trecho contém dados fundamentais. Começa, por exemplo, a ganhar form a a preocupação com a ordenação fundiária, atitude precoce e precipitada, quando se pensar na extensão territorial do Brasil em face da ínfim a densidade demográfica do país na segunda m etade do século X V III, todavia necessária e acertada, como deci­ são política, se considerarm os que a finalidade era a de ser um plano que visava im plem entar tanto a atividade agrícola quanto a habilita­ ção de seus produtores. Nos casos contrários às intenções régias, isto é, de índios destituídos de terra com o principal meio de produ­ ção, o procedim ento seria o seguinte:

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Cuidarão logo em examinar com a possível exatidão, se as terras, que possuem os ditos índios (que na forma das Reais Ordens de sua Majestade devem ser as adjacentes às suas respectivas povoa­ çÕes) são competentes para o sustento das suas casas, e famílias.

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E achando que os índios não possuem terras suficientes para a plantação dos precisos frutos, que produz este fertilíssimo país; ou porque na distribuição delas se não observarão as leis da equi­ dade, e da justiça; ou porque as terras adjacentes às suas povoa­ çÕes serão dadas em sesmarias às outras pessoas particulares; serão obrigados os diretores a remeter logo ao governador do Estado uma lista de todas as terras situadas no continente das mesmas povoações, declarando os índios, que se acham prejudi­ cados na distribuição, para se mandarem logo repartir na forma que Sua Majestade manda. O vigésim o parágrafo dá continuidade ao interesse pela agricul­ tura, discorrendo sobre a m udança de hábito subjacente na ativida­ de. Há que observar que a assim ilação do hábito de cultivar a terra requer um doutrinam ento sobre suas vantagens para os próprios indi­ víduos, ou de suas desvantagens, em caso contrário. Seriam identi­ ficados dois m otivos que estariam dificultando o crescim ento da atividade agrícola: O primeiro é a ociosidade, vício quase inseparável, e congênito a todas as nações incultas, que sendo educadas nas densas trevas da sua rusticidade, até lhe faltam as luzes do natural conhecimen­ to da própria conveniência. O segundo é o errado uso, que agora se fez do trabalho dos mesmos índios, que aplicados à utilidade particular de quem os administrava, e dirigia; haviam de pade­ cer os habitantes do Estado o prejudicialíssimo dano de não ter quem os servisse, e ajudasse na colheita dos frutos, e extração de drogas.

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O segundo aspecto apontado no trecho anterior cham a, mais uma vez, a atenção para o problem a central, sem pre presente em reformulações e novos planejam entos, qual seja, o da disputa, entre representantes da Igreja e d a C oroa de Portugal, pelo controle da força de trabalho. Aqui, se atribui responsabilidade pelos insucessos econômicos ao tipo de adm inistração que se exerceu sobre o índio, em alusão aos m issionários regulares. Qualquer que fosse o motivo, porém, se o tipo de adm inistração ou a resistência do índio em habi­ litar-se ao trabalho agrícola, o fato é que a agricultura ainda não era uma atividade ordinária dos grupos e núcleos de colonização exis­ tentes nos anos de colonização da Amazônia. O parágrafo 21 não é um a norma. É o registro histórico desespe­ rado da ausência de atividades de provim ento básico de alimentos: Estes sucessivos danos, que têm resultado sem dúvida dos men­ cionados princípios, arruinaram o interesse público; diminuíram nos Povos o comércio; e chegaram a transformar neste país a mesma abundância em esterilidade de sorte, que pelos anos de 1754, e 1755 chegou a tal excesso a carestia da farinha, que vendendo-se a pouca, que havia, por preços exorbitantes; as pes­ soas pobres, e miseráveis, se viam precisadas a buscar nas fru ­ tas silvestres do mato o cotidiano sustento com evidente perigo das próprias vidas. Havia uma expectativa otim ista de que o Diretório podería reor­ ganizar esta situação. N ovam ente a experiência ancestral relativa aos descobrimentos de novas terras dá diretriz às ações colonizadoras no Brasil dos setecentos. O parágrafo 22 alude ao procedim ento militar que considera a falta de alimento básico (o pão) o prim eiro sinal de ameaça à obediência e à disciplina. E descreve a confusão e desordem que este fato produz em países ou regiões em que os habi­ tantes necessitam ir buscar no estrangeiro o “m antim ento preciso” que podería ter sido produzido por eles próprios. Segundo esta linha de argum entação, recom enda o cultivo de roças de m andioca, a “m aniba”, não só as que forem suficientes para a sustentação das suas ca­ sas, e famílias, mas com que se possa prover abundantemente o Arraial do Rio Negro: socorrer os moradores desta cidade: e

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municionar as tropas, de que se guarnece o Estado: Bem entendi­ do, que a abundância da farinha, que neste País serve de pão, como base fundamental do comércio, deve ser o primeiro, e prin­ cipal objeto dos diretores. N o parágrafo 23 fica aberta a possibilidade de diversificar a produção com p cultivo do feijão, milho e arroz. O algodão é recoT m endado com o produto de boa aceitação não só no Reino (Portu­ gal), com o nas dem ais nações européias. O parágrafo 24 sugere o cultivo do algodão, articulado com a introdução de fábricas de pano. N o parágrafo 25 é referido o tabaco. Interessa observar que o cultivo de algodão e de tabaco expressa a típica produção de “lavoura”, ao passo que m ilho, feijão, arroz estão associados a produtos de “roça” . A distinção vale para conceituar duas situações, no que se refere ao trabalho realizado pelo índio, com o produtor e habitante de povoa­ ções onde era experim entada ou prosseguia sua adaptação ao m odo de viver civilizado. Ali, na condição de morador, subordinado a auto­ ridades locais (“diretores” , “párocos” , “ju izes”), o índio aprendia a gerar condições de subsistência e a experim entar as prim eiras for­ mas de com ercialização da produção a partir de suas roças de peque­ no porte. Já nas lavouras de tabaco e algodão, culturas tipicam ente m onocultoras, o índio erá integrado a processos de produção e com ér­ cio em escala m ais am pla do âm bito do m ercado mundial. A distin­ ção faz ju stiça à organização que supõe a produção destinada ao com ércio. Tanto a produção — principalm ente no que concerne à lavoura de tabaco, que exige m aior labor — quanto o seu com ércio no m ercado europeu são atividades que desencadeiam um a com ple­ xidade de ações e estratificação de funções com diferenciadas atri­ buições de poder. O discurso sugerido aos diretores é, neste sentido, o de educar os índios para a organização deste sistem a de produção. A todo m om ento a persuasão quanto ao valor do trabalho ensina que os rendim entos são proporcionais ao em penho de cada um: Que os diretores os animem, propondo-lhes não só as conveniên­ cias, mas as honras, que dele lhes hão de resultar; persuadindolhes, que à proporção das arrobas de tabaco, com que cada um deles entrar na casa da Inspeção, se lhes distribuirão os empre­ gos, e os privilégios [parágrafo 25].

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O trabalho nas lavouras situa os produtores no quadro das ativi­ dades de sua povoação: são trabalhadores, produtores e consum ido­ res que em suas atividades desencadeiam as condições de continui­ dade social dessas povoações nascidas da colonização. As roças tam bém têm o m esm o peso na articulação do indivíduo com o meio social em que vive. A articulação da produção de cada índio com um a destinação final ao bem com um de dom ínio público de cada povoação está evi­ dente no parágrafo 26, que orienta os diretores a exercerem um con­ trole preciso sobre a produção de cada indivíduo: Serão obrigados os diretores a remeter todos os anos uma lista das roças, que se fizerem declarando nela os gêneros, que se plan­ taram, pelas suas qualidades; e os que se receberam; e também os nomes assim dos lavradores, que cultivaram os ditos gêneros, como dos que não trabalharam; explicando as causas, e os moti­ vos, que tiveram para faltarem a tão precisa e interessante obri­ gação; para que à vista das referidas causas possa o mesmo Go­ vernador louvar em uns o trabalho, e a aplicação; e castigar em outros a ociosidade, e a negligência. Este controle tinha um a razão prim eira de existir. E le perm itia estabelecer as bases para um a tributação sobre índios, moradores e produtores dessas povoações construídas pela colonização. O parágra­ fo 27 define o dízim o com o obrigação com um de todos os católicos: Em sinal do supremo domínio reservou Deus para si, e para os seus Ministros, a décima parte de todos os frutos, que produz a terra, como Autor universal de todos eles. Os índios, em sua nova condição jurídica, socialm ente equipa­ rados aos brancos com o cristãos e civilizados, participam desta con­ tribuição sendo... obrigados daqui por diante a pagar os Dízimos, que consistem na décima parte de todos os frutos, que cultivarem, e de todos os gêneros, que adquirirem, sem exceção alguma; cuidando muito os diretores, em que os referidos índios observem exatamente a

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Pastoral, que ao digníssimo prelado desta Diocese mandou publicar em todo o Bispado, respectiva a esta importantíssima matéria [parágrafo 27]. A últim a referência deixa-nos tentados a observar este tributo com o um a obrigação de destinação religiosa. Mas as recomenda­ ções m inuciosas daí resultantes, relativamente à arrecadação deste tributo, sugerem a estreita vinculação deste com a geração de fontes de financiamento de ações colonizadoras (inclusive evangelizadoras). O parágrafo 28 confirm a a importância da cobrança do “dízimo,” regulam entando e form alizando os critérios de avaliação das roças dos índios, sobre as quais serão calculadas as taxas de tributação devidas. Serão obrigados os diretores no tempo, que julgarem mais opor­ tuno, a examinar pessoalmente todas as roçás na companhia dos mesmos índios, que as fabricaram; levando consigo dois Louva­ dos, que sejam pessoas de fidelidade, e inteireza; um por parte da Fazenda Real, que nomearão os diretores; e outro, que os lavra­ dores nomearão pela sua parte. N o parágrafo 29 são esmiuçados os critérios desta avaliação. Os “ louvados” deveríam dirigir-se pelos “ditames da eqüidade, que se atenda sem pre à notória pobreza dos índios; fazendo-se a dita avaliação a favor dos agricultores”. Eis os passos do processo de avaliação: Concordando os ditos louvados [peritos] nos votos, se fará logo assento em um caderno, de que avaliando os louvados F. e, F. a roça de tal índio, julgarão uniformemente, que renderia naquele ano tantos alqueires, dos quais pertencem tantos ao dízimo: Cujo assento deve ser assinado pelos diretores, louvados, e pelos mes­ mos lavradores. No caso porém de não concordarem nos votos, nomearão as câmaras nas povoações, que passarem a ser vilas, e nas que ficarem sendo lugares os seus respectivos principais, ter­ ceiro louvado, a quem os diretores darão também o juramento para que decidam a dita avaliação pela parte, que lhe parecer justo, de que se fará assento no referido caderno.

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A decisão recebe registro formal e é detalhadam ente tratada no parágrafo 30:

m elhor canoa, a equipe (ou com o diziam na época do D iretório, a “esquipação”) e, principalm ente, fariam a escolha do “cabo da ca­ noa”, cuja atribuição fundam ental era transportar os “dízim os” das povoações para a cidade de Belém. O parágrafo 33 prossegue instru­ indo os “diretores” a m anter o controle sobre os dízimos. Percebe-se nitidam ente que a fiscalização desse im portante tributo era efetiva­ da mediante intensa vigilância sobre cada instância por onde passa­ vam os “dízim os” . Acom panhem os sua tram itação:

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Mandarão os diretores extrair do caderno mencionado uma folha pelo escrivão da Câmara, e na sua ausência, ou impedimento, pelo do público, pelo qual se deve fazer a cobrança dos dízimos; cuja importância líquida se lançará em um livro, que haverá em todas as povoações, destinado unicamente para este ministério, e rubricado pelo provedor da Fazenda Real: declarando-se nele em o título da receita assim as distintas parcelas que se receberão, com os nomes dos lavradores, que as entregarão: Concluindo-se finalmente a dita receita com um termo feito pelo mesmo escri­ vão, e assinado pelo diretor, como recebedor dos referidos dízi­ mos. Advertindo porém que nem um, nem outro, poderão levar emolumentos alguns pelas referidas diligências, por serem dirigidas à boa arrecadação da Fazenda Real, à qual pertencem em todas as conquistas os dízimos na conformidade das Bulas Pontifícias. O trecho destacado afasta qualquer dúvida rem anescente sobre o destino dos rendim entos arrecadados sobre a produção dos índios moradores das povoações do Diretório. O parágrafo 31 refere-se ao “Armazém” com o sendo um instrum ento central neste processo de arrecadação de gêneros. N ovam ente os diretores são incum bidos de sua administração, encarregando-se dos gêneros, das providên­ cias sobre seu beneficiam ento, assim com o sua rem essa p ara a “provedoria”. O parágrafo 32 regulam enta a rem essa de “dízim os” em barca­ dos nas “canoas de transportes”, instruindo sobre todas as etapas e obrigações de cada pessoa envolvida na consecução deste serviço. Os “diretores” estariam encarregados de m andar fazer duas guias extraídas do “livro dos d ízim o s”, no qual tais avaliações estão registradas, para, a seguir, encam inhá-las, uma, ao “provedor” da “Fazenda Real” e, outra, ao “governador” . Acautelando-se contra perdas causadas por naufrágios e outros desastres, os “diretores” também ficariam incum bidos de fazer um “term o de despesa”, obser­ vando o mesmo form ato utilizado no da “receita” — o que, em meu entender, configura um a espécie de seguro sobre o investim ento. Finalm ente, os “direto res” estariam encarregados de esco lh er a

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Apenas se fizer real entrega deles [dízimos] neste almoxarifado, os mandará o provedor da Fazenda Real carregar em receita viva ao almoxarife; declarando nela o nome da vila, de que vieram os tais dízimos, e o diretor, que os remeteu; de cuja receita mandará entregar o dito ministro uma certidão ao cabo da canoa, para que sirva de descarga ao dito diretor; e para que a todo o tempo, que for removido do seu emprego, possa dar contas nesta provedoria pelas mesmas certidões do líquido, que remeteu para ela. E dada que seja a dita conta na forma sobredita, o provedor da Fazenda Real lhe mandará passar para sua descarga uma quitação geral, que apresentará ao governador do Estado, para lhe ser constante a fidelidade, e inteireza, com que executou as suas ordens. N o parágrafo 34, o Diretório pondera que a responsabilidade dos “diretores” sobre os parágrafos respectivos “à cultura das terras, plantações dos gêneros e cobrança dos dízim os” deve ser prem iada, ou melhor, paga com a sexta parte de todos os frutos que os índios cultivarem e de todos os gêneros, que adquirirem, não sendo comestíveis: e sen­ do cometíveis, só daqueles que os mesmos índios venderem, ou com que fizerem outro qualquer negócio A intenção d esse sistem a de pagam ento é, m anifestam ente, m anter vivo o interesse econôm ico dos “diretores” pelo serviço que executam ju n to aos índios, estim ulando-os a se r os prim eiros em preendedores. E ste expediente abriu aos “diretores” a possibili­ dade d e rec o rre r a form as extrem adas de adm in istração . Seu gerenciam ento em relação a pontos fundamentais da vida econôm i­ ca das povoações, agora estimulada pela possibílidadp de participação

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percentual nos rendim entos gerais da produção dos índios, tom aria fácil a introdução, ou até m esm o a continuidade, da adoção de meios escravistas de exploração de sua força de trabalho. O planejam ento da produção agrícola encerra-se nos dispositivos que tratam da tri­ butação. A partir do parágrafo 36, tem início a discussão sobre o com ércio e seu pesó sim bólico com o índice de civilização: Entre os meios, que podem conduzir qualquer república a uma completa felicidade, nenhum é mais eficaz que a introdução do comércio, porque ele enriquece os povos, civiliza as nações, e conseqüentemente constitui poderosas as monarquias. O conceito de civilização é expressamente considerado um ideal de realização última. O intercâm bio implícito na atividade com er­ cial é sinônim o de com unicação entre povos, interesse m útuo, rique­ za e civilidade. Ficava assim mais um a vez reconhecido o com ércio (e A ntônio Vieira já falava da im portância das “feiras”) com o um m eio fundam ental de educação dos índios. M ediante o livre estabe­ lecim ento do com ércio, introduzia-se entre os índios o hábito de venderem pelo seu justo preço as drogas, que extraírem dos ser­ tões, os frutos que cultivarem, e todos os mais gêneros, que ad­ quirirem pelo virtuoso, e louvável meio da sua indústria, e do seu trabalho. O parágrafo 37 reporta-se à expectativa entrevista no anterior, de iniciar os índios nas atividades de intercâm bio comercial. Entre­ tanto, deveria ser limitado o alcance daquele propósito, porque os índios “...em sua rusticidade e ignorância não podem com preender a verdadeira e legítim a reputação de seus gêneros” . Por este m otivo, os “diretores” deveríam atuar com o interm e­ diários no interesse dos índios, zelando pelas boas condições de co­ m ércio. O parágrafo 38 estabelece as condições em que se faria o com ércio entre índios e demais pessoas civilizadas, com a inter­ m ediação de “diretores” . A prim eira condição reza que toda povoação teria “pesos e me­ didas”, e seus valores deveríam ser aferidos pelas “câm aras”,

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porque deste modo, nem os índios poderão falsificar os paneiros na diminuição dos gêneros; nem as pessoas, que comerciam com eles experimentarão a violência de os satisfazer como alqueires não o sendo na realidade: Estabelecendo-se deste modo entre uns, e outros aquela mútua fidelidade, sem a qual nem o comércio se pode aumentar, nem ainda subsistir. A segunda, que nenhum índio teria pleno arbítrio de com er­ cializar com civilizados sem a assistência de seus “diretores” . Retom a-se, neste parágrafo, ao tem a da menoridade do índio, já dis­ cutido em outras partes do Diretório e sempre servindo de explicação para intervenção de um tutor na relação de troca entre índios e bran­ cos. O argum ento é sem pre a “rusticidade” e “ignorância” , mas, des­ ta vez, estas qualidades que denotam selvageria sugerem proteção, “assistência” . N ão se deseja mais perpetuar “a odiosa separação”, tão criticada pelos executores do Diretório, como tendo sido a atitu­ de dos m issionários em não perm itir o intercâmbio comercial entre índios e outros grupos e categorias sociais da colonização. Aqui, “a liberdade consiste na alm a do comércio” . Contudo, a condição de “desinteresse e ignorância” dos índios é contraposta à condição de “conhecim ento e am bição” dos moradores, para m ostrar que nesta precisa situação a liberdade de “arbítrio” e “convenção” estaria pre­ judicada pela desigualdade das partes em intercâmbio. Com tais pon­ derações, o Diretório justifica a intervenção (ou a procuração) me­ diante a figura tutelar do “diretor” , para que regulando estes racionavelmente o preço dos frutos, e o valor das fazendas [tecidos], sejam recíprocas as utilidades entre uns, e outros comerciantes [parágrafo 39]. A vigilância faz-se sentir, inclusive, sobre a disposição de consu­ mo que o índio terá de m oldar à visão utilitária de seus educadores: Não consentirão os diretores, que eles comutem os seus gêneros por fazendas, que lhe não sejam úteis, e precisamente necessárias para o seu decente vestido, e das suas famílias, e muito menos por aguardente que neste Estado é o seminário [sementeira] das maiores iniqüidades, pertubações, e desordem [parágrafo 40],

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A proibição de venda de aguardente nas povoações é tratada a seguir, no parágrafo 41. D a observância desta norm a participam o “principal” e o “escrivão d a câmara”, com ordens de exam inar as embarcações e de punir a transgressão, que só excluía o uso pessoal da aguardente pela equipe de embarcação. C ausa estranheza obser­ var que esta atitude de punição se com pleta com a apreensão da aguardente para cobrir gastos na mesma povoação, o que parece in­ dicar um consentimento velado para seu uso, ainda que sob o ditam e de considerações morais. N o mesmo parágrafo há ainda referência à intervenção de “diretores” na escolha de tecidos. São expressas as recomendações quanto à escolha de “fazendas” que atendam à utili­ dade e à necessidade dos índios e suas fam ílias. M oldando o gosto é o hábito de alimentação e de vestimenta, os “diretores” também esta­ riam introduzindo, entre os índios, a prática do. uso do dinheiro me­ diante considerações sobre o valor das m ercadorias, o salário ganho, bem assim noções de usura e de desperdício (fala-se m uito em “arti­ gos de luxo”). Note-se que o “diretor” participa de todos os setores da cadeia econômica resultante do trabalho rem unerado realizado pelo índio ou da com ercialização de sua produção agrícola e extrativa, isto é, de todas as atividades que lhe propiciariam acesso ao dinheiro. O parágrafo 42 confirm a o consentim ento sobre o uso da aguar­ dente pelas equipes de em barcações, detalhando o respectivo proce­ dimento. Afinal, o D iretório legislava sobre todos os aspectos refe­ rentes à dinâm ica social das povoações e ao funcionam ento das comunicações entre elas e os centros coloniais. O com ércio só esta­ ria destinado a gêneros que não fossem do consum o interno dos pro­ dutores. Este é o quadragésim o terceiro parágrafo. Havería um “livro do com ércio”, no qual seriam registradas to­ das as transações comerciais: Rubricado pelo Provedor da Fazenda Real, no qual os diretores mandarão lançar pelos escrivães da Câmara, ou do público, e na falta destes pelos mestres das escolas, assim os frutos, e gêneros, que se venderão, como as fazendas porque se comutarão; expli­ cando-se a reputação destas, e o preço daquelas, e também o nome das pessoas, que comerciaram com os índios, e de cujos assentos,

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que serão assinados pelos mesmos Diretores, e comerciantes, extraindo-se uma lista em forma autêntica, a remeterão todos os anos ao governador do Estado (parágrafo 44]. N ote-se, aqui, e ao longo do Diretório, que cada norm a desen­ cadeia o concurso articulado de um m esm o quadro de funcionários situados em postos-chave de controle d a produção e com ercialização geradas nas povoações. Essa elite local, na qualidade de representante do poder central, com funções de adm inistrar a produção interna das povoações, é que assegura o m onopólio da econom ia em m ãos do Estado. É preciso lem brar que este m esm o esquem a foi adm inis­ trado pelos m issionários, tendo em vista que a quebra (ou mesmo perm anente recusa) de fidelidade política à Coroa de Portugal foi a prim eira e talvez única razão de sua substituição por funcionários seculares. O quadragésim o quinto traz ao texto a paisagem am azônica, tom ando-a com o referência na definição das form as de com unica­ ção e de adm inistração da produção dos índios: Por este país cercado por toda a parte de rios, pelos quais se po­ dem transportar os gêneros com muito facilidade, e pouca des­ pesa; recomendo aos diretores, que persuadam os índios pelos meios da suavidade, quais são neste caso, o propor-lhes a sua maior conveniência, que conduzam para a cidade todos os gêne­ ros, e frutos, que aliás poderíam vender nas suas Povoações; ob­ servando os diretores nesta matéria aquela mesma forma, que se determina nos parágrafos subsequentes a respeito do comércio do sertão [parágrafo 45]. A partir do parágrafo 46, o Diretório dedica-se a regulam entar as questões que envolvem as atividades de extração e outras de ma­ nuseio m aior, tal com o o fabrico da m anteiga de tartaruga, o óleo de “cupaiva” , o azeite de andiroba. Isto evidencia ter o Diretório sido escrito para o am biente ama­ zônico. O s parágrafos seguintes tratam da organização de um a pro­ dução sugerida pelos próprios recursos naturais da região: os gêne­ ros do sertão, abundantes nas adjacências das povoações. A própria localização destas confirm ava o extrativism o como solução econô­ m ica e o transporte fluvial com o o m ais adequado.

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O parágrafo 47 determ ina que os “diretores” informem sobre as qualidades das terras adjacentes às povoações, observando, no casò, quais gêneros são abundantes e respectivas possibilidades de com er­ cialização. N esse parágrafo, duas m áxim as sobre o com ércio são m encionadas com o orientação às atividades extrativas e seu inter­ câm bio nas povoações. D a prim eira em ana o otim ism o acerca da rentabilidade da atividade mercantil. Ensina que todo gênero que im p lica m enos custo (m enor tem po e m enor núm ero de trab alh a­ dores) terá m elhor consum o e será m elhor reputado no m ercado. A segunda m áxima defende a diversificação na produção e no co­ m ércio, entendendo que, quanto mais abundante for a produção de um a só “fábrica ou extração”, maior será o abatimento sobre seus produtores. Há, nesses parágrafos, um a clara intenção de corrigir, reparar os problemas causados por um a produção monocultora, tendo em vista experiências passadas e contem porâneas ao Diretório, quando este tipo de organização da econom ia gerou situações sim ultâneas de luxo e m iséria para as regiões e seus produtores. É o caso das áreas de extração de ouro em M inas Gerais e Goiás. Observava-se — e o texto do D iretório o reconhece — que a colonização, pelo m enos da região amazônica, necessitava, para sua continuidade, man­ ter ativa a intercom unicação das povoações por meio da organização de um a produção econôm ica diversificada e complementar: “porque as referidas povoações não poderíam mutuamente socorrer-se, com ­ prando um as o que lhes falta, e vendendo outras o que lhes sobeja [parágrafo 47]” . N o parágrafo 48 são citados produtos de boa receptividade co­ m ercial: os peixes, para os quais seriam construídas as feitorias das salgas, e as culturas de cacau, salsa e cravo, nas adjacências das povoações. O quadragésim o nono introduz questões relacionadas com a principal atividade em todo Grão-Pará e São José do Rio Negro: o “com ércio do sertão”, isto é, a extração e com ercialização de espé­ cies nativas destas regiões. De imediato observa-se a preocupação em racionalizar esta atividade, alocando pessoas que não estivessem ocupadas no “trabalho da cultura das terras” . A agricultura de sub­ sistência continua a ser destacada com o o “prim eiro objeto” dos

1. Malaca. Em Silveira, 1955, estampa 815. .

2. Rotas marítimas dos portugueses.

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6. Madã. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Orientai, 1641/ 1991, p.52.

7. Damão. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Oriental, 1641/ 1991, p. 57.

8. Chaul. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Oriental, 1641/ 1991, p. 67.

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9. Negatapatam. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da IndiaOriental, 1R41/1991. d .102.

12.Theodore de Bry Americae Tertia Pars Francofort, 1592 (Viagens de Hans Staden, 1549-1553). Em Brasil nas vésperas do m undo moderno, 1992, p.123.

10. São Tomé. Em Silveira, 1955, estampa 794.

11. Manora. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Oriental, 1641/1991, p. 63.

13. Kleedinghe van Maragnan, BNL, Iconografia, estampa 1667 R

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s. 15.Goa. Em Silveira, 1955, estampa 604.

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16. Salvador. Em Silveira, 1955, estampa 1020.

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14. Asserim. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Oriental, 1641/1991, p. 61.

17. Cochim. Em Livro das plantas das fortalezas, cidades e povoações do Estado da índia Oriental, 1641/1991, p.88. 18. Apontamentos de estratégia militar, BNL, Reservados, mss. 33, número 40.

19. Elevação das casas e alçadas que se estão fazendo em um dos lados da nova praça para os moradores soldados casados nesta vila de Barcelos. Desenho de Felipe Strum. BNL, Iconografia, D.200.A [786].

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20.Vila de Barcelos antiga aldeia de Mariuá. Desenho de F. Strum. Em Mendonça, 1963, v. 1.

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21. Planta da vila de Silvis erigida pelo llmo.Snr. Joaquim de Meio e Póvoas, governador desta capitania. Desenho de Felipe Strum. BNL, Iconografia, D.199.A [784],

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i 22. Pianta da Aldeia de S. José de Moçâmedes. BNL, Iconografia, D.117. R [1116].

23. Plano projectivo de um novo estabelecimento de índios da nação Caiapó. A H U, Cartografia anexa doc. Goiás, 1782.

26. Aldeia de São Fidelis. AHU, [ca.1794]. Ms. Av.

27. Vila Abrantes da Comarca do Norte. À H U , [ca 1794], Ms. Av.

24. Ancient mission of exaltacipn (Mamoré). Em Kelier, 1874.

28.Caert Van Spiritu Santo. Em Silveira, 1955, estampa 1047.

25. Mapa circunstanciado de todos os habitantes que existem nas diferentes povoações anexas è Fortaleza de São Joaquim do Rio Branco, 1786, caixa 12, doc.

29. Planta da Vila Nova de Mazagão. A H U, Pará 822 lea. 1830],

30. Praça de Mazagão. Século XVIII. Em A engenharia miiitar no Brasil e no Ultramar português antigo e m oderno. 1960.

35. Prospecto do forte e da aldeia dePauxis. Em Schwebel, 1758, fls. 24.

j j . mapa da aldeia do principal Majury. AHU, 773 (371).

34. Prospecto da Aldeia chamada Jaú, administrada pelos religiosos carmelitas. Em Schwebel, 1758,fls. 29.

36. Mapa da região amazônica, por d'Anville, 1748. Em Question des limites du Brésil et de la Guyana Angíaise soumise a /'arbitrage de S.M . Le Roi d'ltalie. Atlas accompagnant le prem ier m ém oire du Brésil, 1903, folha 17.

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37. Mapa da região amazônica, por Seraphim José Lopes, 1813. Em Question des limites du Brésil et de Ia Guyane Ang/aise soumise a —— /'arbitrage de S.M. Le fíoi dita He. Atlas accompagnant te premier mémoire du Brésil, 1903, folha 63;

38. Mapa das canoas [...] comandada pelo tenente coronel engenheiro e primeiro comissário da Divisão Dom Francisco Requena. A H U , caixa 5, doc.7.

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“diretores”. Estes, na adm inistração de suas povoações, convocari­ am os “principais” e dem ais índios para um a consulta sobre o desejo da população trabalhadora dessas povoações de “ir ao negócio do sertão” . E ssa consulta devia observar o que era chamado “leis da alternativa”, ou seja, a distribuição eqüitativa entre a mão-de-obra que perm anecia nas povoações e a que se destinava aos serviços externos. O parágrafo 50 versa sobre as expedições para extração de dro­ gas do sertão. A escolha e o núm ero de índios caberíam aos “princi­ pais”, “capitães-mores”, “sargentos-mores” e “oficiais”. Representan­ do o “governo das povoações”, conform e o início da argumentação deste parágrafo, é natural que esta elite local delibere sobre pessoas que executem em seu lugar o serviço da extração de drogas do ser­ tão. M as esse privilégio não im pede que tais pessoas possam partici­ par diretam ente das expedições, o que confirma a importância da atividade extrativa, quase sempre central, na vida econômica das povoações amazônicas. N ovam ente o que o Diretório reafirma é a necessidade de distribuir equitativam ente as funções e os serviços, de m odo a não prejudicar o crescim ento espontâneo das populações e atividades econôm icas desenvolvidas dentro das povoações. Não há a m enor dúvida, portanto, que o D iretório atendia a duas grandes tarefas, em si complementares: organizar povoações para atuarem com o unidades econôm icas e tam bém com o núcleos de povoamento, para a transform ação gradual destes em vilas e cidades. O quinquagésim o primeiro parágrafo trata da administração re­ lativa ao negócio do sertão, do controle administrativo sobre a expe­ dição das canoas e do registro das despesas nos livros das “câmaras das povoações”. Este controle principia com o encaminhamento, pelos “diretores”, de um a petição ao governador do Estado, infor­ m ando em detalhes o número de índios que deverão compor as equi­ pes (“esquipações”). O parágrafo 52 autoriza seja incluído maior número de índios (até 12) para suprir faltas inesperadas po r falecimento, enfermidade, ou m esm o fugas. O parágrafo 53 realça a im portância das funções do “cabo da canoa” neste comércio. É referida a possibilidade de estes cabos burlarem as normas do intercâm bio fazendo negócios particulares

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com os índios. Exige-se, no caso, sejam eles nom eados pelas “câm a­ ras” e “principais” , levando-se em consideração as qualidades de “reconhecida fidelidade, inteireza, honra, e verdade” . O parágrafo 54 reserva aos “diretores” mais um a função: a de fiscalizar as canoas logo que chegassem em suas respectivas povoa­ ções, verificando se as condições previstas no parágrafo precedente estão sendo observadas. C aso contrário, o “diretor” estaria investido de autoridade para prender infratores, rem etendo-os ao governador do Estado. Segundo o parágrafo 55, a carga contida nessas em barcações deveria ser rigorosam ente exam inada. Os “diretores” deveríam re­ gistrar no “livro do com ércio” todos os gêneros. O exam e seria feito na presença dos “oficiais da câm ara” e dos índios interessados. Os “diretores” fariam expedir “duas guias” que seriam registradas no “livro do comércio” e entregues aos “cabos das canoas”, que as leva­ riam ao “governador do E stado” e ao “tesoureiro-geral” dò com ér­ cio dos índios. A eficácia do controle sobre o comércio efetivado em largas extensões territoriais residia no concurso de poucas pessoas com funções de confiança e com instruções para atuarem em contato di­ reto com o centro de decisões. N o trajeto que liga o “diretor” ao “governador” , há m ediações locais. Já foi dito anteriorm ente em ou­ tros termos, e volto a repetir, que o Diretório estabelece um a relação de interdependência, com base na organização da econom ia e no quadro de pessoas encarregadas de seu funcionamento. A intenção é o crescimento interno, o fortalecim ento das povoações m ediante a interdependência comercial que se desenvolve com as demais povoa­ ções e que é incorporada pelos centros coloniais, ou seja, as vilas e cidades maiores, sedes adm inistrativas das capitanias. O parágrafo 56 m ostra que n a cidade, destino final dessas embarcações, os “cabos das canoas” deviam entregar as “guias de carregação” ao “tesoureiro”, que a partir de então tom ará a direção de todas as transações, com eçando pela conferência das cargas, a avaliação de seu valor de venda, a reputação dos gêneros e, por fim, sua comercialização. É tam bém o tesoureiro quem distribui o di­ nheiro recolhido na venda: prim eiro, reservando à Fazenda Real os “dízimos”; segundo, ressarcindo as despesas com a expedição; ter­ ceiro, pagando ao “cabo da canoa” sua parte previam ente arbitrada;

quarto, reservando a sexta parte aos diretores e, por últim o, repar­ tindo-se o “rem anescente” em partes iguais p o r todos os índios. Supõe-se que tal divisão não fosse eqüitativa, já que nos pará­ grafos anteriores, principalm ente o de n° 50, legislou-se sobre o direito de as lideranças de cada povoação escolherem os índios para fazerem parte dessas expedições. A releitura do parágrafo 50, po­ rém , perm ite entender que o privilégio residia em escolher tal ou qual núm ero de índios que fosse ao sertão, sendo, portanto, a po­ sição que ocupava no quadro de poder local o que definia o rendi­ m ento. Explico melhor, com o vimos, no parágrafo 50, os “princi­ p a is” podiam escolher até seis índios, enquanto os “capitães” e “sargentos-m ores” podiam escolher até quatro e os “oficiais” ape­ nas dois. H á um a estratificação dos lucros j á definida prèviam ente pela posição adm inistrativa, política, social ocupada por essas pes­ soas, pois que, na distribuição em “partes iguais” entre todos os ín­ dios que participam das expedições, estes representam unidades percentuais para seus patrões. Por outro lado, não parece que esses índios participassem dos lucros, do rendim ento da venda dos gêne­ ros do sertão na cidade. Com o reza o mesmo parágrafo 50, os índios que fossem ao sertão deviam receber salários, cabendo aos “oficiais” a obrigação de efetuar este pagamento, em conform idade com as “ reais ordens”, as quais deveríam orientar-se pela lei que restituíra a liberdade aos índios, a de 6 de junho de 1755. O parágrafo 57 regulamenta o pagam ento dos dízim os em tran­ sações com erciais, definindo a quem cabe a direção desta operação. N a cidade (e certam ente é Belém que está em foco), a direção da referida operação cabe ao “tesoureiro” e nas povoações está reser­ vada aos “diretores”, seguidos dos peritos, nos term os das form ali­ dades j á descritas ao se tratar do parágrafo 30. O parágrafo 58 determ ina que os salários pagos aos índios não sejam entregues em dinheiro. R etom a-se ao tem a d a m enoridade. A intenção é intermediar a relação do índio com o dinheiro, dificultan­ do-lhe a independência que o trabalho rem unerado ou o livre com ér­ cio lhe proporcionaria. O “tesoureiro” não p ag a o salário a cada índio que participa da expedição. Ele efetua um a com pra de “fazen­ das” que ju lg a r necessário aos mesmos índios. C om o esta form a de pagam ento está prevista aqui no Diretório e em outras leis, supõe-se que a rem uneração podería ser efetuada em troca de gêneros alimen-

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tícios e m ercadorias m anufaturadas, tais com o ferram entas e outras julgadas necessárias aos índios por seus patrões. D o parágrafo 59 em diante, passa a ser introduzida a questão da distribuição dos índios. No parágrafo 60, alude-se, de form a crítica, à situação anterior de adm inistração, no que diz respeito à distribui­ ção dos índios pelos m issionários. C oloca-se com o questão do Esta­ do o problem a da repartição: . Porque faltando aos moradores dele [o Estado] os operários de que necessitam para a fábrica das Lavouras, e para a extração das drogas, precisamente se havia de diminuir a cultura, e abater o comércio. N o que se refere ao parágrafo 61, a lei de 6 de junho de 1755, que restitui a liberdade dos índios, é entendida com o solução para o problem a central dos m oradores, porque transform a os índios em trabalhadores assalariados. “O breiro”, “operário” são term os que exprim em a nova situação jurídica dos índios. Não são mais escra­ vos, e tam pouco os índios se equipararam social e econom icam ente aos colonos, aos moradores. Entretanto, assinala-se, com o Diretó­ rio, o início de um a relação contratual de trabalho m arcada pela inter­ dependência entre as partes e sob a guarda dos interesses do Estado. O parágrafo 62 é breve e genérico. Trata das exigências básicas para a repartição dos índios destinados ao serviço dos moradores. Prim eiro, a de que os moradores apresentassem “portarias” assina­ das pelo “governador de Estado” autorizando a cessão. Em segundo lugar, deveríam seguir a orientação central, no sentido de que a dis­ tribuição dos índios constitua um a necessidade, um bem comum, que estava acim a de todos “os incôm odos e prejuízos particulares”. N os dois últimos parágrafos, já se vislum bram as duas grandes idéias de organização institucional que desencadeiam a atitude de obediência e aglutinam esforços: o Estado e o bem com um . Em seu nome ou por seu peso sim bólico, interesses pessoais e de grupos devem ser colocados em segundo plano. Cada indivíduo deveria sobrepor a norm a ao desejo, tom ando hom ogêneo o diverso, e o pessoal em bem comum. A intenção transformadora tem um referencial inspirador no ideal de civilização da Europa Ocidental. N orbert Elias (1993 e 1982)

localiza a imagem deste ideal nas cortes européias. Mas é no pro­ cesso colonizador, do qual participa o Diretório como um de seus projetos, que ela assum e a dim ensão de um ideal representativo da civilização ocidental, um conjunto de idéias que compõem a identi­ dade dos povos europeus em face de outras culturas existentes fora da Europa. O parágrafo 63 discorre sobre o sistema de repartição dos índios. A ntes, a repartição levava em conta três setores: missionários, mo­ radores e serviços internos às povoações. A partir do D iretório determ inou-se que os índios seriam repartidos em dois grupos: um perm anecería nas povoações, para “a defesa do Estado, as diligên­ cias do R eal Serviço” , enquanto o outro serviria aos moradores, “não só para a esquipação das canoas, que vão extrair drogas ao sertão, mas para os ajudar na plantação dos tabacos, canas-de-açúcar, algo­ dão, e todos os gêneros, que podem enriquecer o Estado e aumentar o com ércio”. N ão há alteração significativa na form a de repartição, mas ape­ nas em relação à relevância e aos poderes de cada segmento ali dis­ crim inado. Os m issionários não são completamente excluídos. Per­ dem o poder tem poral sobre os índios, mas conservam a função evangelizadora, garantindo sua presença permanente em meio aos civis, na figura dos párocos. A situação das povoações e de seus serviços internos supera a fase inicial, de sim ples núcleos de povoamento, e adquire novo sen­ tido. Elas se tornam aglom erações urbanas, espaços públicos onde todo trabalho se volta para o bem comum (e não somente no interes­ se dos m issionários). Assim, melhorias internas dentro das povoa­ ções, atividades econôm icas, tais como roças, plantações e também serviços de dem arcação e de defesa do Estado, ganham nítido signi­ ficado de serviços públicos. H avia igualmente os serviços externos às povoações, ou mesm os internos, mas destinados aos moradores em suas atividades econôm icas particulares. O parágrafo 64 estabelece os limites para a vida ativa: dos 13 aos 60 anos. E p rescrev e que haja dois livros rubricados pelo “desem bargador ju iz de fora”, para a matrícula de todos os índios capazes ao trabalho. O s parágrafos 65 e 66 continuam a manifestar preocupação com o controle da população trabalhadora. Neste sentido, um daqueles

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livros ficaria com o “governador do Estado” e o outro com o “desem ­ bargador juiz de fora”, que era o “presidente da Câm ara”. O controle se efetuaria, então, pela perm anente atualização das inform ações. As listas— também assinadas pelos principais— deveríam ser envia­ das pelos “diretores” anualm ente ao governador, no mês de agosto, delas constando a identificação de todos os índios trabalhadores, bem como as certidões dos “párocos” atestando falecim ento ou incapacidade para o trabalho. Ainda no que concem e ao controle sobre os índios, o de n° 67 dispõe sòbre sua contratação para serviços externos às povoações e destinados aos m oradores, tom ando obrigatório, para estes, a apre­ sentação de uma licença, p o r escrito, do “governador do Estado” . O controle se encerra com a entrega de um recibo passado pelos m ora­ dores aos “principais” . H avia a advertência aos “diretores” para que não consentissem aos m oradores m anterem em seu poder tais índios além do tempo previsto em lei ou com binado entre as partes. O parágrafo 68 versa sobre a obrigação de os moradores paga­ rem aos índios pelos serviços prestados. Entretanto, o m ontante pago é entregue aos “diretores”, e não aos índios, fechando-se, assim , m ais um a possibilidade de acesso livre po r parte destes ao dinheiro em espécie. O que é agravado no parágrafo seguinte, 69, que ordena aos “diretores” pagarem aos índios apenas um a terça parte de seus salá­ rios, ficando o restante depositado no “cofre” que deveria existir em toda povoação: “destinado unicam ente para depósito dos ditos paga­ mentos, os quais se acabarão aos m esm os índios, constando, que eles os vencerão com o seu trabalho” . A propósito, observe-se, no parágrafo 70, que nos prim ódios da formação das cidades brasileiras já se ensaiavam as prim eiras for­ mas de organização das finanças locais, a partir de tais depósitos, com o objetivo de garantir, da seguinte form a, o cum prim ento do contrato de trabalho por am bas as partes: o tem po regulam entar de serviço dos moradores era, no m áxim o, de seis meses. Sair, deixar o serviço antes de com pletar este período era considerado abandono, deserção. Nestes casos, os índios perdiam a parte (2/3) do seu paga­ mento em depósito, mas poderíam recebê-la em dòbro, se com pro­ vado que os moradores “deram causa à deserção”.

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E para que os moradores não possam alegar ignorância alguma nesta matéria, lhes advirto finalmente, que falecendo algum índio no mesmo trabalho, ou impossibilitando-se para ele, por causa de moléstia, são obrigados a entregar ao mesmo índio, ou a seus herdeiros o justo estipêndio, què tiver merecido. Segundo o parágrafo 71, nos casos em que os m oradores não pudessem pagar os salários aos xndios, eram obrigados a providen­ ciar um “escrito de dívida” (prom issória), assinado por eles e pelos diretores. E sta tram itação introduz um segundo tipo de ação finan­ ceira, ou seja, o em préstim o, além de um a terceira, o financiam ento, com base na negociação da dívida. Este expediente visa às pessoas definidas com o m iseráveis, isto é, as que não possuíam dinheiro ou fazendas com que possam prefazer a importância dos salários, porque nes­ te caso serão obrigados a fazer um escrito de dívida, assinado por eles, e pelos mesmos diretores, que ficará no cofre do depósito, no qual se obriguem à satisfação dos referidos salários apenas receberem o produto, que lhes competir. O parágrafo 72 regulam enta o pagamento dos índios em fazen­ das. Aqui é tam bém nítida a m esm a preocupação com a presença dos diretores nesses intercâm bios, intervindo na transação, a pretex­ to de zelarem pelos interesses dos índios: No caso, que os moradores queiram fazer o dito pagamento em fazendas; achando os índios conveniência neste modo de satisfa­ ção; não consintam de nenhum modo, que estas sejam reputadas por maior preço, do que se vende nesta cidade; permitindo unica­ mente de avanço ajusta despesa dos transportes, que se arbitrará a proporção das distâncias das povoações a respeito da mesma cidade. E quando os ditos moradores pretendam reputar as suas fazendas, por exorbitantes preços, não poderão os diretores aceitálas em pagamento, com cominação de satisfazerem aos mesmos índios qualquer prejuízo, que se lhe seguir do contrário. O trecho anterior coloca-nos diante do intercâm bio entre duas partes sem a utilização de um valor monetário padronizado e em que

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os fatores condicionantes do valor das m ercadorias são representados pelas despesas com o seu transporte entre as povoações e a cidáde. Era esta a situação dos índios que viviam nessas povoações regidas pelo Diretório, isto é, recebiam m ercadorias m anufaturadas em tro­ ca de seus gêneros produzidos (agrícolas, extrativos) ou em paga­ mento por serviços prestados. O parágrafo 73 repete a m esm a preocupação com o controle da mão-de-obra indígena: Para que de nenhum modo se possam iludir estas interessan­ tíssimas determinações serão obrigados os diretores a remeter todos os anos no princípio de janeiro ao governador do Estado uma lista de todos os índios, que se distribuiram no ano antece­ dente; declarando-se os nomes dos moradores, que os recebe­ ram; e em que tempo; a importância dos salários, que ficaram em depósito; e os preços porque foram reputadas as fazendas, com as quais se fizeram os ditos pagamentos.

A transformação da terra: um plano de povoam ento As listas a que se refere o parágrafo 73, inform ando sobre a movimentação de trabalhadores índios recrutados pelos m oradores, serviam também aos governos coloniais para um a avaliação do cres­ cim ento das povoações. C om tais procedim entos de controle, o Diretório vinculava a questão da adm inistração da m ão-de-obra in­ dígena ao programa geral da colonização, principalmente para o aten­ dimento de situações com o a do norte do país, em que o surgim ento de povoações derivou quase que exclusivamente da atuação das popu­ lações nativas. O parágrafo 74 já revela esta conexão. R ecom enda aos “direto­ res” que, tão logo chegassem às suas respectivas povoações, provi­ denciassem o estabelecim ento dos principais edifícios públicos — a “câmara” e a “cadeia pública” . O objetivo de edifícar obras públicas e dar cunho urbano a esses núcleos de povoam ento com eçados des­ de os m issionários deveria estender-se aos índios e funcionar com o uma obrigação de cada indíviduo para construir seu espaço segundo as normas de habitação social prescritas no D iretório:

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Empregarão os diretores um particular cuidado em persuadir aos índios, que façam casas decentes para os seus domicílios dester­ rando o abuso, e a vileza de viver em choupanas à imitação dos que habitam como bárbaros o inculto centro dos sertões, sendo evidentemente certo, que para o aumento das povoações, concor­ re muito a nobreza dos edifícios. Já o parágrafo 75 adentra a questão do povoamento. Aqui o Diretório se revela em toda a sua amplitude. Trata-se de instruções sobre a questão central do povoam ento, que deveria seguir em ritmo contínuo e crescente. O briga os “diretores” a remeterem ao “Gover­ nador do Estado” um mapa de todos os índios ausentes, assim dos que se acham nos matos, como nas casas dos moradores, para que examinandose as causas da sua deserção, e os motivos porque os ditos mora­ dores os conservam em suas casas, se apliquem todos os meios proporcionados para que sejam restituídos às suas respectivas povoações. Acom panhando estas providências, o parágrafo 76 ensina a li­ dar com fugas, deserções, falecim entos, doenças. Contudo, essas medidas de controle, que visavam fiscalizar as condições de traba­ lho de índios que estivessem sob a posse irregular de moradores, não foram suficientes para atender ao crescimento das povoações, tendo sido, dessa form a, revitalizados os descimentos (id, pará­ grafo 76). O parágrafo 77 retom a o parágrafo 2o do Regimento das M is­ sões, fixando o núm ero de 150 m oradores como limite ideal para a existência das respectivas povoações. N o caso, o aumento das popu­ lações urbanas é considerado o fator introdutório do conceito de civi­ lidade, bem com o das comunicações e do comércio com os índios. H á neste dispositivo a preocupação com um aspecto: a condição dos índios com o indivíduos, civis, ponderando-se, por exemplo, não ser conveniente que eles vivam em povoações pequenas. Por outro lado, há também um a compreensão do papel dos índios com o representantes de organizações sociais distintas. Isto se depre­ ende da discussão em tom o do crescim ento das povoações. É suge­ rida, por exem plo, a aglutinação de povoações menores, para form ar

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uma maior, mas adverte-se para a importância de que esta solução seja criteriosamente estudada a partir das condições das populações indígenas a serem deslocadas, suas afinidades e incom patibilidades. Nestas ponderações fica patente que as diferenças étnicas e cultu­ rais já figuravam como fatores decisivos para o planejam ento dessas ações. O parágrafo 78 tam bém rem ete ao Regim ento das M issões (pa­ rágrafos 8o e 9a) no que se refere ao tem a do descim ento. Em term os conceituais nada se m odifica. O descim ento de índios continua a ser uma necessidade e um em preendim ento custeado pela “Fazenda Real”. “Descimento” significa trazer índios ao convívio da civiliza­ ção, em regiões com processo de colonização em andam ento. É bem provável que a palavra “descim ento” resulte do m ovim ento espacial da descida do rio. Um a probabilidade quase certa, se pensarm os que os índios enfocados pelo Regim ento das M issões (1686) e pelo Diretório (1757) são precisam ente os que habitavam as altas regiões dos rios amazônicos. A diferença assinalada no parágrafo 78 do Diretório em relação ao Regimento das M issões está na reestruturação dos poderes de administração temporal dos “descim entos” : sübstituem-se “missionários regulares” pelos “juizes ordinários”, “verea­ dores”, “oficiais de justiça” e “principais”. O parágrafo 79 reafirm a a ascendência dos “diretores” e, em última instância, dos “governadores do Estado” no tocante à exe­ cução dos “descimentos”. A introdução dos brancos nessas povoações habitadas por índi­ os é tratada no parágrafo 80, que normatiza e, principalm ente, expri­ me claramente um novo procedim ento pautado pela valorização da comunicação e do comércio com o formas de se introduzirem conhe­ cimentos e costumes civilizados. Teoricamente, representa um a pos­ tura renovadora em relação aos procedim entos de m issionários re­ gulares que, ao tempo do D iretório, eram acusados de im pedir a comunicação espontânea, com ercial ou por m eio de serviços entre índios e brancos. A justificativa é reveladora de um a nova postura ou, pelo menos, de um a intenção de incluir os índios no m undo civili­ zado que se instalava no Brasil:

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E para este virtuoso fim pode concorrer muito a introdução dos brancos nas ditas povoações, por ter mostrado a experiência, que a odiosa separação entre uns, e outros, em que até agora se con­ servavam, tem sido a origem da incivilidade, a que se acham re­ duzidos: para que os mesmos índios se possam civilizar pelos suavíssimos meios do comércio, e da circulação; e estas povoa­ ções passem a ser não só populosas, mas civis. E ste trecho deixa claro que o am biente construído dentro das povoações, à época do Diretório, deveria produzir o m esm o efeito das apresentações teatrais encenadas pelos jesuítas na língua nativa, com tem ário e vocabulário ígualm ente fam iliares, a fim de que os índios pudessem com preender e assim ilar melhor a doutrina cristã. O trecho “não só populosas, mas civis” define a qualidade deste am biente, que não deveria ser apenas um dorm itório ou um reserva­ tório d e populações indígenas trabalhadoras, mas um local de apren­ dizado dos “meios de civilidade”, no qual os brancos serviriam de m odelos. O rígido estabelecim ento de normas para o ingresso de brancos nessas povoações não teria, entretanto, por objeto a prote­ ção dos índios, tal com o a que veio a desem penhar o tutor do século XX. O parágrafo 80 é m ais um dispositivo que visa reforçar o con­ trole das comunicações entre índios e brancos, sem, todavia, impe­ di-las. Apenas discrim ina, ou melhor, seleciona, as form as de conta­ to e seus agentes. Foi a m aneira pela qual os diretores lograram exercer o controle da situação, até então detido pelos m issionários. A diferença, no Diretório, em relação ao sistema em pregado pelos m issionários, reside no objeto central da criação destas povoações, justam ente a incorporação dos índios aos projetos dos m oradores. E ra nâtural que as norm as do Diretório se destinassem a regulam en­ tar o contato, e não o contrário, isto é, a prolongar a ordem de exclu­ são. A situação prevista no parágrafo 80 constitui o inverso de um a m issão: são os brancos um a m inoria a ser incorporada às povoações regidas pelo Diretório. Com este intento, os moradores brancos deve­ ríam apresentar “licença do governador do Estado” para serem ad­ m itidos nessas povoações. C om este propósito, seriam subm etidos aos costum es e norm as previstas, a fim de obterem suas “cartas de

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datas” e cultivar terras. M ais um a vez, com o se viu no parágrafo 19, a posse de terras adjacentes a tais povoações é garantida aos índios, n a qualidade de seus “prim ários e naturais senhores” (parágrafo 80). Aos “diretores” cabería, segundo o parágrafo 81, m anifestar as condições às quais estariam sujeitos os brancos que desejassem in­ gressar nessas povoações. Os diretores se encarregariam de form ali­ zar a admissão destas pessoas, m ediante um “term o” registrado nos livros das “câm aras” , o qual seria assinado por am bas as partes. Tais condições encontram -se nos parágrafos 82 a 86. O parágrafo 82 estabelece: Que de nenhum modo poderão possuir as terras, que na forma das Reais Ordens de Sua Majestade se acharem distribuídas pe­ los índios, perturbando-os da posse pacífica delas, ou seja em satisfação de alguma dívida, ou a título de contrato, doação, dis­ posição testamentária, ou de outro qualquer pretexto, ainda sen­ do aparentemente lícito, e honesto. Fica assim reafirm ada a condição jurídica das terras original­ m ente distribuídas aos índios para a form ação de povoações: elas lhes pertencem e a seus descendentes. A segunda condição encontra-se no parágrafo 83, que estabelece a form a e a qualidade das relações entre índios e brancos. Obriga, ainda, aos m oradores atentarem para novo status dos índios, com o indivíduos em ancipados pela Lei de 6 de junho de 1755: Considerando a igualdade, que tem com eles na razão genérica de Vassalos de Sua Majestade, e tratando-se mutuamente uns a outros com todas aquelas honras, que cada um merecer pela qua­ lidade das suas pessoas, e graduação de seus postos. O parágrafo 84 — terceira condição — determ ina que o privilé­ gio de receber cargos honoríficos seja avaliado a partir do critério de capacidade, havendo que dar preferência aos índios, não aos bran­ cos, quando julgados melhores. O parágrafo 85 refere a quarta condição para o branco obter perm issão de residir num a povoação indígena. O m orador branco deveria “anim ar”, servir de exemplo no cultivo de terras com as pró-

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prias m ãos, ação que ao final seria recompensada com honras ré gias, com um ente conferidas aos que prestavam serviços ao bem co­ mum. O D iretório concretiza teorizações contemporâneas à época, no que dizia respeito à liberdade dos homens e ao trabalho remunerado, ou independente, realizado em benefício próprio. Vimos, anterior­ m ente, que a nova situação que o Diretório vinha regulamentar exi­ gia profundas m odificações no comportamento e nas concepções dos próprios brancos com referência ao trabalho braçal e ao escra­ vo. A dissociação é aconselhada e observada como norma de compor­ tam ento para adm issão de brancos nas povoações. Os brancos deve­ ríam ser os prim eiros a valorizar o trabalho feito com as próprias m ãos, sem interm ediários ou auxiliares em condições de escravidão. A o b se rv â n c ia desta norm a de com portam ento seria objeto de prem iação, considerando serviço destinado ao bem público. Por fim , o parágrafo 86 estabelece que a inobservância das nor­ mas anteriorm ente referidas resultaria na expulsão do transgressor, com a decorrente perda de direitos adquiridos em termos de lavou­ ras e plantações. Q uanto ao parágrafo seguinte, 87, não é uma norma, mas um a afirm ação dos valores que sustentam o Diretório. Recomenda aos “diretores” que apliquem “todos os meios condizentes para que se extinga totalm ente a odiosa e abominável distinção”. Tkl discrimi­ nação representava um a ação ideológica que poderia ser modifica­ da. D istinguir convinha aos interesses particulares e quase sempre dirigidos a escravizar os índios. Conduzir as relações entre índios e brancos, a fim de que fosse possível a união, convinha e atendia aos interesses públicos, os da sociedade civil. Aqui sobrevêm uma clara alusão à situação que estava sendo abolida, qual seja, o controle hegem ônico, pelos m issionários, da força de trabalho representada pelos índios nessas prim eiras tentativas de criação de uma economia na Amazô n ia e de fixação de povoações. “Concórdia Pública”, “Re­ pública”, “Sociedade C ivil” são, no caso, expressões que marcam a passagem , para o Estado, do controle que era exercido pelos missio­ nários sobre os índios. Exprim em as razões em nome das quais uma nova configuração de poderes e de relações sociais se instaura com o D iretório.

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O parágrafo 88 legitim a e incentiva o convívio e a m iscigena­ ção por meio do casam ento, com instruções específicas aos “diretores , para que por meio deste sagrado vínculo se acabe de extínguir totalmente aquela odíosissima distinção, que as nações mais po­ lidas do mundo abominarão sempre, como inimigo comum do seu verdadeiro, e fundamental estabelecimento. Os “diretores” deveríam estim ular esses casamentos, concedendo aos candidatos brancos postos honrados e privilégios corresponden­ tes, conforme estabelece o parágrafo 89. Elevava-se, valorativamente, uma união que sem pre fora reputada como um a infâm ia. M ais urna vez, a persuasão sobre a m udança de com portam ento social atingia primeiramente os brancos. Tentar m odificar correspondia a inverter a escala de valores, tom ando o que era considerado um a infâm ia situação de privilégio. O parágrafo 90 prevê a punição aos que resistissem à m eta de unir índios e brancos pelo m atrim ônio. Nele se recom enda aos “ di­ retores” estreita vigilância sobre os cônjuges brancos casados com índios (e índias, principalm ente) a fim de que não degenere o vínculo em desprezo, e em discórdia a mesma união; vindo por este modo a transformar-se em instrumeptos de ruína os mesmos meios que deverão conduzir para a concórdia. Os “diretores” deveríam m anter-se inform ados sobre o anda­ mento destas uniões, zelando para que os cônjuges de origem indí­ gena não fossem prejudicados — vigilância que autorizava a puni­ ção quando verificado ter sido a condição indígena a razão do eventual conflito. N o parágrafo 91, são reafirm adas as intenções am istosas e fixa­ do o compromisso de convívio pacífico com os índios. A expressão “acordo” (contrato social) alcança aqui pleno sentido, um a vez que a relação com o índio está sendo considerada a partir de dois níveis, ou seja, como indivíduo e coletividade com base organizacional fa­ miliar, política, econômica, diferente da que dispõe o branco.

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O parágrafo 92 retom a aos “diretores” a quem o regim ento des­ de o início se destina, instruindo-os sobre suas funções. A tribuir fun­ ções tam bém é um a m aneira de definir o papel representado pelos “diretores” . A qui, pela prim eira vez, reserva-se aos “diretores” (mas apenas em tom com parativo) a função de tutoria. A alusão tem um referencial genérico e suspeitam ente autojustificativo, qual seja, a situação em que a direção se exerce sobre quem dela necessita como condição de sobrevivência social (pensar nos casos em que se aplica a m atéria: crianças, loucos). Está patente um relacionam ento dife­ renciado, pautado pela condição de conhecim ento existente em um e ausente em outro. Ou, com o dizia Foucault (1977), um poder que sê exerce pelo dom ínio de um saber específico, que é im posto ao outro que não o detém . É certo que este sentido de adm inistração sobre os índios já havia sido empregado. C onverter índios em indi­ víduos cristãos foi um a tarefa (um a m issão) de fínalidáde religiosa, m as, sobretudo, educadora, que se desenvolveu a partir da idéia de que os índios poderíam ser transform ados (cristianizados) se dirigi­ dos a este fim . N o Diretório, é claram ente estabelecido que este pa­ pel tutor deveria ser desem penhado pelo “diretor” . Sua form alização (institucionalização) com o serviço público realiza-se na obrigação do “diretor” , de cum prir cabalm ente tal função, que tam bém estaria sendo fiscalizada por um a instância superior e punida em casos de inobservância. Parece nítido estar germ inando destas prescrições a idéia que atualm ente se cristalizou em tom o da tutela exercida pelo Estado sobre o índio e a conduta esperada entre os funcionários que as exercem . O trecho a seguir reforça esta suposição: Devo lembrar aos Diretores o incessante cuidado, e incansável vigilância, que devem ter em tão útil, e interessante matéria; bem entendido, que entregando-lhes meramente a direção, e econo­ mia destes índios, como se fossem seus Tutores enquanto se con­ servam na bárbara, e incivil rusticidade, em que até agora foram educados; não os dirigindo com aquele zelo, e fidelidade que pedem as Leis do Direito natural, e civil, serão punidos rigo­ rosamente como inimigos comuns dos sólidos interesses do Es­ tado.

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N ote-se neste trecho que tam bém se form ava um código ético de conduta dos tutores em relação aos índios, seus tutelados. O tre­ cho citado convence que o rigor exercido pelos tutores é um a exi­ gência que com eça neles m esm os. A auto-exigência, com o didática, m arcou o procedim ento adotado pelos m issionários com referência aos índios.9 A representação e o vivenciam ento desta auto-exigência eram a m elhor m aneira de transm itir aos índios tal convicção. O parágrafo 93 dispõe sobre a qualidade dos m eios de que de­ veríam valer-se os diretores para desem penharem sua função de educadores. São elas “a prudência, a suavidade e a brandura” . Estes meios seriam em pregados principalm ente na correção de costum es considerados viciados e abusivos. Esta nova m aneira de relacionar-se, educar, civilizar vinha substituir procedim entos mais violentos e cerceadores da liberdade dos índios. C uidava-se em não reverter ganhos, o que podería frustrar intenções de consolidar a convivência com índios que já haviam sido persuadidos a abandonar seus costum es e seguir o modo de viver civilizado. A convicção de estar apresentando um m undo m elhor do que aquele que os índios tinham a sua volta está assim expressa e justificada: “para que não suceda que, estim ulados da violência, tom em a buscar nos centros dos M atos os torpes, e abom ináveis erros do Paganism o.” O parágrafo 94 versa sobre a graduação do processo de aprendi­ zado. A “suavidade” subentendia, sobretudo, a percepção de que os índios necessitavam de um período de adaptação e habilitação. Foi fixado um prazo de dois anos, ao longo do qual os “diretores” não poderíam obrigá-los a nenhum serviço e durante o qual seriam eles assistidos nas povoações, isto é, em habitat tradicional, transform a­ do pelos colonizadores, ou nas povoações por estes inteiram ente construídas. O último parágrafo, o 95, propõe-se aos “diretores” considerar o trabalho de adm inistração dos índios acim a e fora dos “naturais

sentim entos da própria conveniência”. Seria este o melhor estímulo aos índios. Acreditava-se, que co m a manifestação espontânea deste sentim ento de altruísmo, viessem os índios a se aproximar “volunta­ riam ente” destas “povoações civis” , cumprindo desta feita os fins que encerram as razões d a edição deste Diretório:

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9 Recordar o difícil processo de doutrinamento dos valores da Companhia de Jesus pelos seus congregados, bem assim o sistema de prêmios e punições por meio do qual eram transmitidos os sentimentos de lealdade para com os interesses da congregação (cf. nota 5).

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A dilatação da fé; a extinção do gentílismo; a propagação do Evan­ gelho, a civilidade dos índios; o bem comum dos vassalos; o au­ mento da agricultura; a introdução do comércio; e finalmente o estabelecimento, a opulência, e a total felicidade do Estado. Pará, 3 de maio de 1757 = Francisco Xavier de Mendonça Furtado =

Capítulo 6

Questionando a realidade das normas

A questão que inspira o texto a seguir é a de saber se um autor, ao form ular um projeto, tem como referencial alguma realidade social concreta, ou se sua criação é produto de um a inspiração ideal. N a hipótese de que o projeto seja visto como um a construção ideal, pouca valia terá para o autor saber se a sua criação vai ou não tom ar-se realidade. Os cam inhos que ligam a intenção e o objeto criado são traçados pelo artista, já dizia Platão nos diálogos de A república. Propõe-se aqui o exercício de verificar o que foi entendido e realizado a partir das norm as do Diretório, pensando, ao contrário do artista de Platão, que os projetos constituem um esforço deli­ berado, reunindo e com patibilizando vontades sociais de modo a provocar novas situações que venham a tom ar-se realidade. Fizem os a leitura do Diretório, passo a passo, e pudem os ava­ liar a extensão de seus objetivos com o instrum ento organizador de um a sociedade. Vejamos agora o que revelam os documentos contem­ porâneos ao D iretório sobre a efetividade de suas norm as.

Criação de uma economia extra ti vista Tratem os, em prim eiro lugar, dos esforços de form ação de um a econom ia apropriada à região. U m a correspondência, datada de 22 de janeiro de 1752, entre o C onselho U ltram arino e o governo do Pará, assinada por Francisco X avier de M endonça Furtado e dirigida a D iogo de M endonça Corte

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Real, m ostra com o o plano de criação da econom ia específica do G rão-Pará e M aranhão foi delineado a partir da observação da rea­ lidade dos recursos naturais existentes. O governador inform a ter conhecim ento de 39 gêneros que poderíam ser produzidos para destinação com ercial, m as dos quais som ente estavam sendo aproveita­ dos o açúcar, o algodão, o arroz, o cacau, o café, o carrapato (mam ona), a canela, os couros em sola, o “couranhá”, o “jarzelim ” (gergelim ) e o tabaco (M endonça Furtado, em Carneiro M endonça, 1963: p. 199). Dentre os produtos que ainda não tinham sido objeto de interesse econôm ico, o governador cita o anil, o alm íscar, a andiroba, as baunilhas, os cravos, o carajuru, as castanhas, os puxiris, o pinhão e o urucu, denom inando-os todos “agrestes” (id, p. 199). A seguir, passa a exam inar o uso que se fazia dos gêneros cultivados, discutindo as etapas da produção, as condições de trabalho e os ren­ dim entos. N o caso, trata-se de um a carta em que o governador regis­ tra suas observações sobre as atividades agrícolas que estavam sen­ do experim entadas pela prim eira vez, conquanto represente tam bém um conjunto de sugestões baseadas na experiência de técnicas de cultivo da terra trazidas pelos colonos portugueses. O algodão situava-se em prim eiro lugar. O fato de seu cultivo ser sim plificado, ocupando apenas m ulheres e crianças durante a sem eadura e a colheita, nada m ais havendo a fazer senão conservar lim pa a plantação, era um convite ao increm ento dessa cultura, principalm ente se vinculada à instalação de “fábricas de fazendas” , solucionando deste modo problem as de absorção de pessoas desem ­ pregadas e tornando possível substituir pelo tecido nacional o arti­ go que “os estrangeiros” introduziam no Brasil “a peso de ouro”. O algodão crescia m elhor no M aranhão, o m esm o se aplicando ao açúcar, que, segundo o governador, era “mais branco e de m elhor grã” (id, p. 200). E le ainda propõe colocar em prática um a divisão étnica do trabalho, ao destacar a validade do em prego dos “tapuias que se acham aldeados nas m argens dos rios” no transporte de le­ nhas, até então realizado pelos “escravos negros” . C om o se sabe, tal providência tinha com o justificação ideológi­ ca o aspecto frágil do índio para atividades mais laboriosas, com o a do engenho. A sugestão do governador dá-nos com o pista ver a ati­ vidade de transporte de lenha com o um a oportunidade de fuga para os africanos, que, em m aior núm ero, dispondo de conhecim entos

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logísticos e, portanto, em m elhores condições de resistir aos colonos brancos, poderíam representar séria am eaça ao seu domínio, mais do que se contidos nos lim ites vigiados do engenho. E stá im anente nessa e em outras sugestões tom ar o que era re­ curso abundante em produção sistematizada. Um bom exemplo é o carauá, um tipo de linho m ais forte do que o linho europeu e que existia “bravo, nascido no m ato”, dele servindo-se as populações nativas com o m atéria-prim a para feitura de cordas de rede. O m es­ mo propósito de sistem atizar o cultivo de plantas agrestes que eram abundantes e, em conseqüência, propícias ao ambiente amazônico era observado pelo governador em relação ao tabaco, café, cacau e anil. A s considerações sobre o cultivo do cacau, relativamente às inadequações do produto agreste em relação ao cultivado, servem com o amostra: P e lo q u e resp e ita ao c a ca u , m e p are ce que o manso é de muito maior utilidade aos lavradores, sem em bargo qu e tem trabalho c o m a s u a c u ltu ra e fa z e m n ela alg u m a despesa do qu e o bravo,

porque o manso é sempre apanhado em sezão, e se reputa muito bem. P e lo co n trário , o do sertão, além da incerteza d e h av e r ou n ão n o v id a d e, c o rre m o risco , a fazenda entregue em m ão s de g e n tio s, e ex p o sto s a o g ra n d e p erig o d a navegação d estes rio s; e, u ltim am en te , q u an d o te m b om sucesso, trazem d e m odo ordinário c a c a u se m se r co lh id o e m sezão [m aduro], q ue m isturam co m o m a n so , arru in an d o a ssim a rep u tação dos gêneros, h avendo no se rtã o u m a tal am b içã o , q u e o s que prim eiro ch eg am apanham a q u e le q u e lh e s p a re c e p o d e r acab ar d e sazonar no cam in h o , e o q u e re s ta n as árv o res o d eitam no ch ão , p o rq u e se não ap ro v ei­ tem o s q u e fo re m d e p o is d eles [id, p. 202].

O m esm o se podería afirm ar quanto aos azeites que se pode­ ríam fabricar a partir do pinhão, do carrapato, da andiroba, da casta­ nha e da ibacaba. Frutos do m ato, como o cravo, a copaúba (copaiba), as baunilhas e o puxiri, a tinta encarnada extraída do carajum e do urucu, a sem ente do alm íscar, o âmbar, todos, segundo o governa­ dor, poderíam ser cultivados “m ansos”, junto às povoações, evitando-se, assim , os gastos e riscos de sua extração em sertões ainda desconhecidos e habitados po r índios aguerridos. Certas espécies

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ganham relevância com a colonização. É o caso da casca do castanhei­ ro, que serve de estopa para calafetar navios. D e im portância tam ­ bém eram produtos com o a cera, o breu e a alm ácega. Do rio N egro interessam o am bé e a piaçava. C om relação a todos esses itens, discutiam-se as facilidades de produção, o custo m enor em term os de número de trabalhadores e a viabilidade com ercial, sem que dei­ xasse de haver referência, insistentem ente, a um quadro adverso de ausência de hábitos de trabalho sedentário por parte das populações envolvidas na colonização dos estados do N orte, das quais não se excluem os brancos em sua conhecida aversão às atividades braçais. Termina-se a leitura dessas notas com a im pressão de que havia um a forte disposição em fazer germ inar entre as populações am azônicas •— brancos, índios e m estiços — um a vocação agrícola sem dúvida inexistente. Estas impressões m oldam a visão dos colonizadores a respeito do índio, do que resulta, inclusive, a convicção em tom o de sua fra­ gilidade física e até m esm o psíquica, não só no que se refere aos trabalhos sedentários requeridos pelos colonizadores, como tam bém pelo fato de não suportarem em ocionalm ente as m udanças nos h á b i­ tos que lhes eram impostas. A lexandre Rodrigues Ferreira fala-nos desta recusa m arcada por um a certa susceptibilidade do índio a subi­ tam ente descartar tudo, retroagindo à sua condição natural, que aos olhos do colonizador se confunde com um retorno à Natureza: Para d e sg o star-se u m ín d io d e ste s q u a lq u e r c o isa basta, e so b e ja: basta, q u e o d ire to r o ad v irta, q u e tra te d e fa z e r a su a c asa, o n d e more; basta, q u e o v ig á rio o a d m o e ste d a o b rig aç ão , q u e te m d e aprender a d o u trin a p a ra se b a tiz a r; e b a s ta en fim , q u e lá d e si para si c h e g u e a d e s c o n fia r d e u m a aç ã o , o u d e um d ito , q u e e le não entende; a o q u e tu d o acresc e, q u e si c h e g a a ver, q u e ad o ece, ou m orre alg u m d o s c o m p a n h e iro s, d e s c o n fia en tão d o lu g a r d a povoação, d e sc o n fia d a q u a lid a d e d o su sten to , d esco n fia d o s re ­ m édios, q u e lh e fa z e m , e d o s q u e o s fa z e m ; e co m o está p o sto n a povoação, situ ad a n a b o c a d o rio , donde desceu, sobe a dissua­ dir os outros, q u e fic a rã o . Em termos semelhantes está mostran­

do a experiência, que nem com tê-los mui mimosos, e ainda mais guardados do que bichos de seda, nem por isso mudam de con­ duta; quanto a mim são galos do campo, que por mais milho que se lhes deite, com dificuldade se habituam às capoeiras.

O D iretório dos índios

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A a g ric u ltu ra p o r c o n s e g u in te n ão d e v e se r m a is d istin ta n esta, d o q u e n as o u tras p o v o a ç õ e s: s i a m a n ib a n ã o fo sse o seu p ã o , n em e s ta p la n tariam . O ín d io , q u e tem le m b ra n ç a d e p la n ta r alg u n s p é s d e alg o d ão , c o n te n ta -s e d e re c o lh e r ta n to , q u a n to c h e ­ g u e p a ra a s u a m a rc a [id, p. 111].

Estas observações foram colhidas por um naturalista durante um a vivência de quase nove anos correndo as regiões am azônicas do M aranhão, Pará, Am azonas e M ato Grosso. Um luso-brasileiro com pletam ente harm onizado com as concepções européias da se­ gunda m etade do século XVTII, no que tange a organizar a econom ia colonial com a participação dos índios na condição de hom ens livres e iguais aos dem ais colonos. E sta idéia tem sido repetidam ente sugerida sem revelar seu sen­ tido original. A Lei de 6 de junho de 1755, que em ancipou os índios de toda sujeição tem poral, exceto a devida ao rei com o qualquer outro súdito, é resultado efetivo de um a idéia de inclusão. Seu texto é prova do amadurecimento do europeu em tom o de suas ações devas­ tadoras sobre as populações nativas das colônias. Ou seja, é por m eio dela que o rei resolve “restituir aos índios do Grão-Pará e M aranhão a liberdade das suas pessoas, bens, e com ércio”. A ocasião sugere-nos resgatar o sentido desta atitude, con­ siderando-se a época em que ocorre, algo como consultar um di­ cionário editado coetaneamente. Parece-nos que o que escreviam os Filósofos, poetas e cronistas sociais pode ser visto com o verbetes relacionados com conceitos de “liberdade” , “felicidade” , “prudên­ cia” , “utilidade” . Em seu ensaio Introdução aos princípios da m oral e da legisla­ ção, publicado pela prim eira vez em 1789, Jerem y B entham trata do sentido dessas palavras, tão freqüentes no Diretório. Substancialm ente, Bentham fala em nome de um pensam ento disposto a ações de reforma, correção, educação. Para tanto, deviam servir as leis, cujo m aior objetivo é o de aumentar a felicidade glo­ bal da coletividade. Prim eiro, excluindo o que é motivo de sua dim i­ nuição, o que é tido com o pernicioso. Entretanto, continua a pensar B entham , a punição é também um m al que só deve ser adm itido se perm itir a chance de evitar um m al m aior (1979, p. 59). M al menor,

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m al maior são, portanto, m ensurações fornecidas por um a ética que a seu ver “é a arte de dirigir as ações do hom em para produção da m aior quantidade possível de felicidade” (id, 63). Note-se qué, para Bentham, felicidade é um sentim ento que pode ser quantificado, m ensurado. No capítulo 4, referíam o-nos ao enten­ dim ento sobre a m esm a m atéria por outro contem porâneo, A ntônio Vemey, que deduziu a ética da boa razão, da reflexão sobre o direito natural, dos conceitos de virtude e nobreza construídos historica­ m ente pelas civilizações. E m suma, a ética servindo com o um guia para os homens na form ação dos conceitos e regulação de sua con­ duta, com vistas ao objetivo com um de alcançar a “verdadeira felici­ dade” . Üm entendim ento próxim o ao que pensa Bentham quanto ao fim (a felicidade), em bora am bos percebam distintam ente os meios com que se busca atingi-lo. Bentham parece dissociar a ética do que serviu a Vemey com o m atéria-prim a para a form ação de conceitos orientadores da conduta humana. Ou seja, não leva em conta o conhe­ cim ento e a experiência acum ulados pelas sociedades hum anas, ado­ tando como referencial som ente o hom em , ou m elhor, as ações dos hom ens em relação a si m esm os, em busca dessa felicidade. A ética de Bentham, m ais do que um guia moral, um a propedêutica da ju ris­ prudência, é a “arte do autogoverno”. Aqui o hom em é a m edida absoluta, não há nada m ais eficaz que o interesse do hom em em regular seu com portam ento em busca de sua felicidade. É um a obri­ gação inata tão forte quanto o instinto de sobrevivência. Todavia, o dom ínio do hom em sobre seu destino e felicidade depende de sua interação social, na m edida em que seu com portam ento afeta e por eles é afetado, pelos interesses que o circundam, tom ando-se tam ­ bém a “ética” a arte que deve governar as obrigações de um a pessoa em relação às outras. U m a “arte de autogoverno” e um a “arte de governo” . Bentham reproduz, assim, o raciocínio que entrelaça questões do indivíduo com aquelas da sociedade, do que invariavelm ente se deduz um a preem inência dos hom ens em relação à construção social de que fazem parte. R efiro-m e, especificam ente, a dois conceitos: ao de “ética privada”, que B entham define como a “arte do autogoverno”, e o de “legislação”, que corresponde à “arte de governar”. Esse último destina-se a coletividades de m aneira tão perm anente e indispen­

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sável que não há com o im aginar form ações com plexas, como o Estado, sem um conjunto de preceitos definidos pelo legislador. É interessante notar, a partir destas conceituações, que a “arte de go­ vernar”, quando se destina a indivíduos não-adultos, é cham ada por Bentham dé “arte de educação” . Poderiam os, então, questionar a operacionalidade e a universa­ lidade dessa ética que tom a com o m edida os interesses pessoais de cada hom em na busca de sua felicidade, imaginando a ocorrência de conceitualizações divergentes sobre esses meios entre indivíduos de um a m esm a configuração social. Em tal situação, a existência de uma coletividade social nos term os pensados por Bentham seria im­ possível. M as ele próprio resolve nosso exercício imaginativo ao definir ò princípio de “utilidade” com o conceito form ado pelo equi­ líbrio de dois sentim entos humanos: o prazer e a dor. É a soberania destes dois sentim entos universalm ente humanos que form a a base dos conceitos de certo e errado. Algo cambaleante aos nossos olhos, eu diria. O conceito de “utilidade” tem um referencial associado ao coletivo, m as é perm eado pelas escolhas e percepções dos indiví­ duos. É, portanto, circunstancial e conjuntural, para não dizer tãosomente cultural, local. Faltam elem entos que permitam visualizar a dim ensão universalizante que nos repassa Vemey com seu conceito de ética. Entretanto, o conceito de Bentham sobre ética é muito mais apropriado ao entendim ento das intenções do Diretório do que o de Vemey. As últim as palavras do referido ensaio repetem a idéia em si, que não explica, ou seja: A ética privada e n sin a co m o u m hom em p o d e d isp o r-se para e m p re e n d e r o ca m in h o m a is e fic a z qu e o co n d u z a su a própria felicid a d e, e isto atrav és d o s m e io s q u e se o ferecem p o r si m es­ m o s. A arte da legislação a qual p o d e ser c o n sid erad a com o um se to r d a c iê n c ia d a ju risp ru d ê n c ia ensina como uma coletividade de pessoas, q u e in teg ram u m a com unidade, p o d e d isp o r-se a em ­ p re e n d e r o c a m in h o q u e, n o seu conjunto, co n d u z co m m aior efi­ c á c ia à felicid a d e d a c o m u n id a d e inteira, e isto atra v és d e m oti­ v o s a se re m ap lica d o s p e lo legislador [ 1979, p. 68],

A ética de Bentham é a ética do legislador. Note-se que “legisla­ dor” está no singular, denotando o sentido de uma vontade soberana

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sobre toda a com unidade — um construtor abstrato que cria um a experiência d e vida social em lab o rató rio e a c o m p a n h a seus desencadeamentos. Algo que muito apropriadamente Foucault (1982) chamou de “o olho do poder” , pensando na força sim bólica d a figu­ ra arquitetural do panóptico utilizada por Bentham em seus projetos de penitenciárias destinados a organizar o espaço, de m odo que os prisioneiros ficassem em um cam po de visibilidade total, de perm a­ nente exposição ao julgam ento de outros. Esta concepção de espaço teria efeitos corretivos mais eficazes que os m eios extrem os da tor­ tura e da masmorra. Como bem observou Foucault, a época das Lu­ zes produziu hom ens esclarecidos que perceberam a liberdade com o um estado social construído, para tanto, inventando a disciplina com o seu instrumento m oderador (1977, p. 195). . Nada mais genuíno à época das Luzes — e precocem ente posto à experimentação j á em 1757 — que o Diretório instruindo os funcio­ nários seculares da Coroa portuguesa sobre o funcionam ento de um laboratório, similar ao panóptico de Bentham, para servir aos propó­ sitos da civilização dos índios. F ica im pressionantem ente claro o raciocínio que entrelaça as expectativas sobre os indivíduos com o todo que se quer construir. Pensemos que cada lugar de m orada dos índios ou cada missão, aldeia, vila, povoação funcione com o um laboratório de form ação de costumes da civilização ocidental e, mais do que isso, que cada indivíduo faça parte desse laboratório, interagindo, fazendo esse entrelaçamento de que Bentham nos fala e que nos perm ite constatar a sobreposição d e processos individuais aos processos coletivos, ou melhor, segundo os termos até aqui referidos, ver que no curso do processo de civilização dos índios decorria também o de colonização. Por conseguinte, o trabalho de colonização deveria com eçar pelos índios, incidindo sobre seus m odos de produção e organização cole­ tiva com este fim . Vimos A lexandre Rodrigues Ferreira falar em ausência, entre os índios am azônicos, de hábitos de um a agricultura de subsistência. Excetuando o plantio da m andioca, as atividades econômicas destinadas à sobrevivência eram preenchidas pela caça, pela pesca e pela coleta de frutos e sementes. A s ações civilizadoras — ou, para usar a term inologia de Bentham, a educação dos índios — teriam que necessariamente ser entendidas com o habilitação ao trabalho sedentário.

Lem brem os que o D iretório pretendia regulam entar um a situa­ ção em que os índios são considerados hom ens livres. Não perdendo de vista esta função disciplinar do Diretório, há pelo menos duas direções que podem ser seguidas pelas relações entre índios e bran­ cos: a prim eira provém da consideração política que observa os ín­ dios com o indivíduos a serem preservados. Certam ente, incide nesta decisão a percepção tática do colonizador, d a representação num éri­ ca e da capacidade de adaptação dos índios. A segunda é econôm ica e paradoxalm ente se fundam enta nas m esm as razões, de eles serem num erosos e hábeis para os serviços específicos que o m eio físico solicitava. N ão estou falando o m esm o de duas m aneiras diferentes e, sim , em diferentes direções tomadas a partir do Diretório, de com o relacionar-se com os índios. Adiante será discutida a natureza do status político do índio, seu papel povoador e cultural. A gora inte­ ressa-nos ver o que d e fato se deu com o D iretório disciplinando os efeitos em ancipadores da Lei de 6 de junho de 1755, a fim de aten­ der aos propósitos da colonização. Isto é, será a consideração econô­ m ica do lugar do índio na civilização o prim eiro objeto de nossa atenção. O Diretório gerou um a docum entação específica. Primeiro, para divulgar a decisão régia, instruindo os governadores, prelados, dire­ tores e dem ais autoridades sobre os procedim entos a seguir. Segun­ do, para com unicar a extensão dos efeitos do Diretório a todas as partes do Brasil. Terceiro, para tom á-lo adequado a cada região. Esta últim a docum entação é constituída por bandos, ordens, instruções, cartas circulares, providências adm inistrativas e relatórios, conten­ do inform ações sobre a contabilidade das povoações. Pode-se consi­ derar a docum entação destinada aos diretores a principal artéria por onde as decisões elaboradas pelo Conselho U ltram arino em Portu­ gal chegaram a cada aldeia, passando pelo governo colonial de cada capitania, com unicando-se entre si com todas as aldeias e usando o m esm o m eio, m ensagem e fonte de orientação. P or esses docum entos, fica patente a im portância que seria atri­ buída ao “diretor” para execução das intenções do Diretório, princi­ palm ente o entendim ento das intenções pelos diretores.

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Formação de hábitos de trabalho Estávam os tratando da form ação do hábito de cultivar gêneros de subsistência. A docum entação destinada aos “diretores” repete as normas do D iretório, adaptando-as aos casos particulares. Este é um bom momento para a verificação das ramificações do poder (Foucault, 1982), a eficácia do sistem a, com a entrada e absorção das intenções do Diretório em cada aldeia. A carta circular de José N ápoles Tello de M eneses, governador da Capitania do Pará, escrita em 9 de junho de 1780, é o nosso pri­ meiro exem plo (IHGB, lata 283, pasta 5). A prim eira observação a destacar é o endereçam ento d a carta a com andantes e diretores, podendo por esta destinação entender-se que nos dois casos se apli­ ca a experiência de convívio com os índios, sobre a qual deveríam instm ir-se com o representantes do poder colonial, tanto na direção das fortalezas.quanto na dos povoados. Nesta m esm a instrução m a­ nifesta-se a preocupação com a distribuição racional dos índios para as diversas frentes de trabalho representadas pelas dem arcações, os serviços dos m oradores e as “canoas do com ércio do sertão”, H á também um a preocupação com o despovoam ento que a distribuição dos índios entre os diversos interesses conflitantes podería ocasio­ nar, frustrando as possibilidades de crescim ento dem ográfico natu­ ral destas povoações. N esta intenção, pede-se aos “diretores” que aumentem a vigilância sobre a m ovim entação dos índios no atendi­ mento aos serviços externos, a fim de que não viessem a perm anecer ausentes de suas povoações, roças e fam ílias por períodos irregula­ res, que, m uitas vezes, chegavam a ser de dez, onze meses. Em 1780, quase três décadas depois, o D iretório já era um a experiência m ensurável. O dado anteriorm ente fornecido pela refe­ rida carta circular denuncia um desvio da norma nele prevista, no tocante ao tem po concedido aos m oradores para reter índios em seus serviços, o qual correspondia a seis m eses. Tal problem a é invaria­ velmente citado nesse tipo de docum entação, revelando a prim azia do controle e distribuição da força de trabalho sobre todo plano, método ou doutrina, no encam inham ento da civilização do índio. Como sê no curso de dois séculos, transcorridos desde as experiên­ cias m issionárias do início da colonização até o D iretório, só se

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tivesse observado a troca de patrões em um a relação de trabalho que ficara de todo inalterada. N esta carta circular, o controle da movimentação dos índios no atendim ento aos serviços externos é tópico retomado para revalidar as “portarias de perm issão” e, por m eio delas, coibir o livre acesso dos m oradores aos m esm os índios. Este expediente, aliás, marcou a atuação de defesa dos índios pelos missionários em legislação ante­ rior ao Diretório. Observe-se, inclusive, a vigilância de outros (toda a comunida­ de de Bentham ) sobre a observância destas normas pelo “diretor”. Com o representante im ediato do governo colonial, ele não estaria isento de punição, caso transgredisse alguma norma. A previsão de recom pensas, prêm ios a qualquer um que denunciasse uma trans­ gressão com etida por um “diretor” ou outra pessoa é prova de que o poder da legislação foi tam bém construído nos indivíduos, com ri­ gor excessivo, e lentam ente. Q u e to d a p e sso a , d e q u alq u er q u alid ad e ou condição, qu e fo r c o m p re en d id a n o ab o m in áv el crim e de co nsentir no seu serviço ín d io s d e u m , o u o u tro sexo, sem o s ju sto s títulos, q u e prescre­ v em as leis, e o rd e n s d e Sua M ajestade, além das penas im postas no d ito b an d o , se rã o co n d en ad o s em m ais um m ês d e prisão, e 5 $ 0 0 0 R éis h a v id o s su m ariam en te, p o r ca d a índio, p ara o d en u n ­ cian te [IH G B , C a rta C ircu la r d e J.N.T. d e M eneses, 1780].

O controle era exercido até mesmo sobre a circulação espontâ­ nea dos índios entre as povoações. U m a ausência superior a oito dias, “a não ser por portaria” , era considerada uma irregularidade, um a “deserção” . O “diretor” que surpreendesse um índio nestas con­ dições, sem a devida autorização, devia apreendê-lo e reconduzi-lo à sua povoação de origem . Exceção era feita em relação a índios de distintas povoações que resolvessem casar e morar em uma das po­ voações. Nestes casos, a autorização era concedida, não se exclu­ indo, contudo, os rigores da form alização da escolha da moradia pelo casal, para que cada povoação pudesse reatualizar o número de efetivos pertencentes a cada uma. O utras instruções especializaram -se em orientar tecnicamente os “diretores” na condução dos índios em atividades agrícolas.

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Exemplo: Instruções que regulam o m étodo porque os diretores das povoações de índios das capitanias do Grão-Pará se devem con­ duzir no modo de fa ze r as sem enteiras e plantações, que do com um das mesmas povoações lhe estão positivam ente determ inadas. Este documento organiza o quadro de trabalhadores conform e o calendá­ rio de semeadura das “roças do com um ” e das “roças particulares” . O estímulo à eficácia dos “serviços do com um ”, isto é, lavouras e plantações, está m anifesto nestas instruções, dentre as quais um a medida específica autoriza os “diretores” a garantirem aos trabalha­ dores uni suprimento diário de farinha, peixe e outros gêneros, con­ tradizendo a intenção de criar-se o hábito do cultivo de subsistência. Aqui se ensaia o distanciamento dos “operários” ou “obreiros” índios das atividades diretam ente relacionadas com a própria subsistência. Uma outra instrução, desta vez assinada por M arcos Joseph M on­ teiro de Carvalho, datada de 28 de junho de 1776, apresenta novas categorias de trabalho, como a de “feitores” ou “olheiros” — pesso­ as com salário definido e instruídas para o exercício de vigilância do trabalho indígena (em Rodrigues Ferreira, 1786/1974, pp. 231-241). Estas Instruções repetem fielm ente as normas do Diretório, com alterações de pouca relevância para reforçar algum a particularidade regional. Assim, além da repartição, o estabelecim ento da duração dos turnos, as form alizações para cessão da m ão-de-obra indígena, a regulamentação das condições de trabalho e o pagam ento de jornais (relativo a jornada), há tam bém um a orientação relativa à arreca­ dação do dízimo. Alexandre Rodrigues Ferreira descreve o “exam e ocular” de roças, mostrando que o procedim ento ritual, previsto no Diretório quanto à presença de “louvados” para o julgam ento da produção dos índios e posterior dedução do dízimo, era com um no dia-a-dia das povoações (em Ferreira, 1974, p. 233-238). Alguns documentos testem unham a plena form ação de concei­ tos que vinham atender a situações m uito novas no âmbito da produ­ ção colonial, como o trabalho livre e remunerado exercido por índios. Em um a carta do governador de São José do Rio Negro ao tenentecomandante do Destacamento em Cupacá, registra-se claram ente a idéia de venda da fo rça de trabalho: Pela portaria, que você mandará aos respectivos diretores, orde­ no que as povoações nela declaradas assistam ao destacamento

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que você comanda em Cupacá com vinte e cinco índios vendidos de seis em seis meses; cujos índios assim que forem vendidos você os mandará, aonde eu me achar para receberem logo os seus pagamentos que tiverem vencido; e para isso deve você ao mesmo tempo remeter à Provedoria da expedição o competente ponto dos ditos índios com as alterações que tiverem tido [IHGB, lata 284, livro 2, Carta do Governador do Rio Negro para o Tfenente Comandante do Destacamento, 21 de maio de 1791]. Venda da força de trabalho é um a expressão que caracteriza a condição de trabalhadores livres que concorrem para a sua sobrevi­ vência com a oferta de sua força de trabalho sem dispor dos meios de produção (terras e ferram entas). No entanto, a situação que então se form ava não com portava a rem uneração dos trabalhadores índios em dinheiro. A té 1749, não circulava a m oeda m etálica em qualquer parte do Pará e M aranhão. O que a substitui com o objeto de troca é o algodão, ou o cacau. U m a informação rara e interessante é a que afirma ser a aguardente um valor de troca dom inante no com ércio de gêneros produzidos pelos índios. Esta situação não decorreu somen­ te da ausência de circulação de dinheiro, m as da utilização abusiva, pelos “diretores” , dos poderes que o Diretório lhes conferia. Veja-se a descrição desta situação em carta de D om Francisco de Sousa Coutinho a M artinho de M elo e Castro, escrita em 23 de setembro de 1790 (IH GB, lata 284, livro 2). As mais populosas povoações do Estado se achavam com taber­ nas de aguardente e arrematadas quase todas pelos mesmos dire­ tores; em todas as outras onde não havia tabernas os diretores negociavam com os índios comprando-lhes os seus efeitos com aguardente e os negociantes praticavam o mesmo do que tem resultado não só a ruína das povoações e a pobreza aos índios, não só as imensas desordens que nas mesmas povoações suce­ dem e tem sucedido, mas este grande número de engenhos e engenhocas de aguardentes único gênero que servia para comér­ cio com os índios arruinando inteiramente a importação das fa­ zendas que antes eram remetidas da metrópole para consumo dos mesmos índios. Quem inform a a situação teria um papel relevante na extinção do Diretório. Sua crítica ao sistema, tomando po r base as perdas

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econômicas de Portugal, teria a força política de justificar um a mu­ dança nos procedim entos, a com eçar pela extinção da função do “Diretor”. Dom Francisco Goutinho com enta que, no intuito de escla­ recer esses fatos, m andaria o ajudante A J . de Freitas ao G urupá no local...

Portugal e Brasil. M as é também um a situação que descreve as re­ percussões dessa ordem econôm ica em nível local, se levarmos em conta que cada povoação era acim a de tudo uma unidade de produ­ ção organicam ente fundam ental para o equilíbrio e o funcionamento de todo o sistema. D aí o regular, o diretor, o comandante, o ju iz e quaiquer um que fosse o representante oficial branco junto ao índio no período colonial ter como prim eira obrigação servir à interligação destas unidades de produção e, por conseguinte, à continuidade do sistema. Ora, o que se observa é justam ente a emergência de brechas no funcionam ento desse sistema, devido à interposição de “diretores” nestas mesmas conexões comerciais, fazendo-as operar em benefí­ cio próprio. Em nível local, essa figura intermediária coloca-se diante do produtor índio, distanciando-o gradativamente dos resultados fi­ nais de sua produção mediante expedientes que o poder de adminis­ trar previsto no Diretório perm itia e que na solidão destes lugares extrapolavam , em term os de tirania, como a de dispor do tempo dos índios, reduzindo a dedicação destes às suas roças particulares e aum entando a que seria destinada aos “serviços do comum” e cujos resultados cabia aos mesmos “diretores” arbitrar, isto é, qual destinação dar e qual valor atribuir. Esse é justam ente o procedimento que chega aos nossos dias com o nome de “sistem a de barracão” e que ainda persiste em regi­ ões remotas da A m azônia, acobertado pela distância das comunica­ ções e o rarefeito controle pelo Estado. É um processo gradativo de escravização por endividam ento, no qual, por contingências do po­ der local e da estrutura fundiária regional, o seringueiro é forçado a só vender sua produção ao seringalista, mediante preços por este arbitrado, vindo pela mesma sorte de dependência e subordinação atar-se em dívidas infindáveis, ao adquirir mercadorias em seu bar­ racão.' 1

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aonde aportavam e se registravam as canoas do comércio que vem do sertão para que vindo alguma com carga pertencente a diretor a fizesse remeter a Tesouraria dos índios a quem legitima­ mente pertencia a dita carga. A prim eira carga que este ajudante encontrou ia de fato para destino diferente ao da Tesouraria e teria sido “carregada po r sua conta diferentes gêneros no valor de 13 mil cruzados e duzentos e tantos m il réis em arroz” . A lém desta carga, continua a relatar D. Francisco Coutinho, havia... trinta frasqueiras varias para continuar o sortimento com que cos­ tumava prover a povoação; tal era o sistema que todos tinham adaptado-se nesta conformidade se dizia que a aguardente era gênero de primeira necessidade, porque era a moeda do sertão. Verifica-se, por esse relato, a ocorrência de um a transgressão e de um a ação de correção por parte de um funcionário da Coroa por­ tuguesa. Ano de 1790. Oito anos antes de o Diretório ser extinto pela Carta Régia de 12 de maio, que destituiría as funções dos “dire­ tores”, repassando-as aos juizes e principais, num a vã e paradoxal tentativa de reforçar o próprio Diretório em seu segundo parágrafo, no tocante a fazer valer aos índios as mesmas leis que governavam outros vassalos. Tem-se, aí, a reprodução dos mesmos argumentos que conduziram , décadas antes, a Coroa portuguesa a destituir os regulares do poder temporal sobre os índios — os mesmos elementos indicadores de uma iminente ou já substancial perda do m onopólio pela Coroa. Este é um aspecto que envolve considerações amplas, que di­ zem respeito ao mercado europeu e, diretam ente, ao equilíbrio das importações e exportações no âm bito do com ércio colonial entre

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1 V. discussão específica sobre o sistema de barracão por João Pacheco de Olivei­ ra, a partir de pesquisa de campo com os índios Tícuna (1988, p. 83-86) e, de maneira geral, os casos de irregularidade nas relações de trabalho inventariados em todo o Brasil pela equipe coordenada por Alfredo Wagner B. dè Almeida (Levantamento das denúncias de trabalho escravo em imóveis rurais, 1986, p. 83).

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Esta é um a situação que apenas revela um aspecto, um a parte do quadro geral de acontecim entos da colonização em que se evi­ dencia uma realidade de escravidão nas condições de trabalho dos índios que estavam sob a adm inistração de “diretores”. O que se passa é uma necessidade geral de m ão-de-obra para toda ordem de serviço. A Companhia do Grão-Pará e M aranhão, criada em 7 de junho de 1755, na esteira dos acontecimentos e das intenções propaga­ das pela lei de em ancipação dos índios, atendia em parte à dem anda por mão-de-obra com um fluxo constante de escravos trazidos de África. A propósito, lem brem os a fala de Antônio Vieira, que na­ quela data remota percebera (“tudo são índios, e tudo é dos índios”) que toda política para a A m azônia devia render-se à evidência de um a população indígena num erosa, única detentora dos conhe­ cimentos e dos meios apropriados de um a fixação hum ana naquele ambiente em bases duradouras — não sendo casual que a coloniza­ ção portuguesa e também a espanhola crescessem do solo das habita­ ções indígenas (sobre isto, no entanto, reservam os m om ento ade­ quado à discussão). Historiadores da colonização da A m azônia reproduzem a ob­ servação de Antônio Vieira. Vem de A rtur C ésar Ferreira Reis a per­ cepção:

do trabalhador, que, antecipadam ente sabedor de seus direitos de descanso, podia dispor com planejam ento dos m inutos que lhe per­ tenciam. Ou seja, a legislação, educando, treinando os indivíduos, introjetando m ecanism os de autodisciplinam ento mais eficazes que a extenuante situação da jorn ad a de trabalho arbitrada som ente pelo patrão, com o m ais tarde explicou Foucault, em outros termos. N a A m azônia colonial, o tem po social era m edido po r em ­ preitadas, grandes em preendim entos, com o a extração de “gêneros do sertão”, o reconhecim ento da terra, as demarcações e a construção de ruas, edifícios públicos e casas particulares. O Diretório estabe­ leceu com o m edida generalizada o prazo de seis meses para substi­ tuição de um a turm a de trabalhadores índios por outra, a fim de que a prim eira pudesse usufruir do descanso e o tem po livre para dedi­ car-se às roças particulares. E esta talvez tenha sido a norm a mais burlada. Alexandre Rodrigues Ferreira faz observações a respeito:

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A mão-de-obra com que contava era, quase unicamente a do in­ dígena sob a forma de escravo ou não era ele o caçador, o rema­ dor, o serviçal de casa, o coletor de drogas, o identificador da variedade de flora e fauna, o operário dos estaleiros, o lavrador, o soldado das unidades militares. Não se dava um passo sem ele, que era a força material e a inteligência pragmática para a vida local [grifo do autor, 1976, p. 269]. Algo similar ao que Karl M arx com preendia com o sistem a de turnos: “É como se estivesse num palco onde as m esm as pessoas, altem adam ente, entram nas diversas cenas dos diferentes atos” (1975, p. 330). A jornada de trabalho é um a m edida social de produção e, sem dúvida, cultural. N a Europa do século X IX correspondia ao dia de trabalho, descontadas tis horas de pausa para descanso (id, p. 300). E Marx percebería claramente que por trás da aparente vitória da re­ gulamentação da jornada de trabalho se revelava a lúgubre situação

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[Os índios] que pensam a nosso jeito [i.é. os que se sujeitam às leis dos brancos] e são por isso capazes de maior esforço não param nas povoações; porque ainda que se restringe até ao espa­ ço de seis meses o tempo de serviço, a que obrigam as portarias, na inteligência de ficarem livres os outros seis meses, para traba­ lharem nas suas roças, liberdade é esta que jamais conseguem pelo ordinário; porque, pedindo-se incessantemente os índios para as diferentes expedições, que se empreendem, apenas descansam oito e nove dias, se é que descansam tanto, são de novo reconduzi­ dos para o serviço por outros seis meses, sem lhes ficar tempo, que empreguem na economia rústica e doméstica, como devem, de obrigações às suas famílias [1786, p. 112], Registros na correspondência oficial entre funcionários portu­ gueses e o Conselho Ultram arino m ostram que essas em preitadas de seis meses, principalm ente as de reconhecim ento e estabelecim ento de com unicação entre capitanias, exauriam a reserva de índios das povoações, frustrando prematuramente seu crescimento demográfico. O trecho a seguir é argum ento para um romance. M artinho de Sousa e Albuquerque expõe a M artinho de M elo e Castro (em Portugal) as dificuldades de m anter com regularidade as comunicações da Capi­ ta n ia de M ato G rosso com ou tras cap itan ias, refe rin d o -se às dispendiosas expedições e especialm ente

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a falta infalível de um grande número de índios, que vão a per­ der-se por causa das mortes, e da fuga, em grave prejuízo, e atra­ so das povoações tão debilitadas e abatidas; talvez que uma gran­ de parte, por causa das expedições, e serviços daquela capitania: o que assim infelizmente acabamos de observar nesta última via­ gem, ali feita com o destino de ir levar 0 provimento das Reais Demarcações, na qual desde que saíram desta cidade até que de volta chegaram à Vila de Óbidos, morreram sessenta e três pes­ soas, quase todos índios, além de outras que faleceram no hospi­ tal, que o alferes comandante da expedição foi precisado a dispor para se curarem o resto dos índios, com que ali chegou; e destes os que escaparam, foi com moléstias pela maior parte irre­ mediáveis [IHGB, lata 284, livro 2, Ofício de 16 de agosto de 1788, assinado no Pará]. O autor desta carta faria sugestões de que os gastos e serviços com esses correios fossem partilhados pelos governos das capitani­ as interessadas, reduzindo, assim, os efeitos dram áticos sobre os ín­ dios em pregados nessas expedições. Tal preocupação com o desgas­ te físico da m ão-de-obra está presente em toda a docum entação do gênero p o r m eio d a reco m en d ação que in siste na p rá tic a do rem anejamento das turm as de trabalhadores índios, assim com o na obrigação de pagar os jornais pelos serviços prestados. A situação é am bivalente. Tem os um discurso reform ador em um am biente escravista. É mesmo recorrente esta preocupação na geração de po­ líticos saídos do gabinete pom balino para vir atuar no Brasil. O que demonstra, por outro lado, que o comentário, a repetida recom enda­ ção, reflete uma preocupação com um a realidade de todo escravizante para os índios: Tenho praticado em poupar os índios o mais que me é possível, o detalhe porque lhes tenho regulado as suas mudas de seis em seis meses, infalivelmente; as recomendações contínuas que estou fa­ zendo sempre aos Diretores não lhes disfarçando-os a responde­ rem e a dar uma exata conta de tudo o que obram relativa às suas direções, me persuade que as ditas povoações, o seu comércio e a sua agricultura poderão ir prosperando até onde puder conseguilo a minha cuidadosa diligência [IHGB, arq. 1.1.3, Ofício de 6 de novembro de 1775 de João Pereira Caldas para Martinho de Melo e Castro).

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Toda docum entação registra a aquisição de escravos africanos com o procedim ento usual, que procurava resguardar a contribuição do índio ao crescim ento das povoações. Um a carta de Francisco X avier de M endonça Furtado trata da “doação” de quatro índios “práticos” à Com panhia Geral do Grão-Pará, a fim de instruírem os negros da mesma companhia na forma de cortarem as madeiras e de as conduzirem ao lugar do embarque, os quais serão pagos à razão de 150 por dia a cada um não merecendo mais porque sendo assim se lhe deve aumentar o jornal à propor­ ção do empréstimo fazendo-se-lhes o pagamento com assistência dos procuradores dos mesmos índios na forma que ali se pratica [ANTT, n° 51, fl. 104, Carta de 9 de junho de 1761, pp. 87-89], De trabalhadores escravos a instrutores de escravos: neste per­ curso da legislação, os índios tiveram sua condição jurídica substan­ cialm ente alterada? Puderam optar por conviver ou não, trabalhar ou não com brancos? Excluindo aqueles que permaneciam aguerri­ dos, ou melhor, serenos e ocultos nas ainda inexploradas regiões, “os altos rios” , não havia, ou não parecia haver, outra escolha para os índios já descidos e acostum ados, desde os tempos missionários, a conviver com civilizados. Em ofício de 14 de fevereiro de 1754, Francisco X avier de M endonça Furtado registra a enorme presença de índios “alforriados” que “vagueavam ” pelos povoados sem permanecerem com qualquer morador. No m esm o ofício é tam bém comentada a situação inversa de índios m antidos sob o controle de moradores que não lhes paga­ vam pelos serviços prestados, nem os devolviam às suas povoações. Procurando dar solução a ambos os casos, o governador estipulou a obrigação de os moradores pagarem a “soldada” aos índios. Este bando não se aplicava aos índios que estavam em suas plantações, ocupados em ofícios ou servindo ao público. Foi um a m edida pre­ lim inar, já expressando o pensam ento do Diretório, no que diz respeito a colocar todos os índios civilizados sob o controle do Esta­ do, tanto aqueles que estavam sem direção (tutela), vagueando pelos povoados, isto é, que não mais aspiravam retom ar aos matos, quanto os que não fugiam , por estarem sujeitos ao controle de pessoas não autorizadas a adm inistrá-los (IH G B, arq. 1.1.3, Ofício de 14 de fe­ vereiro de 1754 e documento anexo de 12 de fevereiro de 1754).

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O Diretório não trata do valor dos salários. Ao contrário, instrui sobre a intervenção de “diretores” na arbitragem do preço dos teci­ dos como valor de troca nos serviços prestados pelos índios. M as a Lei de 6 de junho de 1755 contém em seu texto a fixação dos jornais dos índios, em conform idade com as necessidades básicas (alimen­ tação e vestuário) e á especialidade das profissões tal com o se prati­ cava em Portugal e em outros reinos da Europa. D a seguinte forma: Primeiro exemplo, se em Lisboa custa o sustento de um homem de trabalho um tostão; e é por isso de dois tostões o jornal de um trabalhador; a esta imitação se deve taxar a cada índio de serviço por jornal o dobro do que lhe é preciso para o diário sustento regulado pelos preços da terra [Lei de 6 de junho de 1755, p. 8]. No meio urbano — segundo exemplo — o valor aumenta, por­ que o artífice tem um a ocupação considerada superior à do “o ho­ mem do trabalho” que se em prega em todo tipo de serviço não-especializado. Na m esm a lei é destacado que o pagam ento sem anal dos jornais deveria ser efetuado aos sábados, sob a form a de tecidos, ferramentas ou dinheiro, de acordo com a conveniência (livre esco­ lha?) dos trabalhadores (id, p. 9). Este era, sem dúvida, um referencial longínquo para os traba­ lhadores da Amazônia. No entanto, um a correspondência de 29 de julho de 1773, entre João Pereira Caldas e M artinho de M ello e Cas­ tro, comprova que as decisões tom adas na Lei de 6 de junho estavam sendo observadas. Esta correspondência inform a que depois da pro­ mulgação desta, que era cham ada “lei das liberdades”, o salário que venciam os índios ocupados no “Real Serviço” e no de particulares tinha o mesmo valor das “soldadas”, ou seja, quatrocentos réis. Seu antecessor, Fernando da Costa de Ataíde Teive, havia arbitrado o valor de mil e duzentos réis (1$200) para os que servissem na obra da fortaleza de Macapá. O m esm o valor deveríam passar a pagar os moradores aos índios que lhes servissem. Som ente os índios empre­ gados na colheita de “drogas do sertão” continuavam a receber as antigas soldadas de quatrocentos réis. Exatam ente o serviço “repu­ tado com o o mais trabalhoso e de mais m erecim ento” (IHGB, id, p. 320). Com o propósito de ajustar os novos salários na proporção dos diferentes serviços, sexos e idade, o governador João Pereira Caldas

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fixa os seguintes jornais: 1$200 réis para índios em pregados em ser­ viços pesados (roças, engenhos, cortes de m adeiras, transportes des­ tas e de pedras, navegação e expedições ao sertão); oitocentos réis para os serviços dom ésticos, pescadores, caçadores, índias em pre­ gadas em fazer farinhas e no serviço de am as-de-leíte; seiscentos réis para índias em pregadas em serviços leves e para rapazes índios até 13 anos; quatrocentos réis para “raparigas” índias até 12 anos; e, por últim o, havia os índios artífices que deveríam ser pagos com o os dem ais artífices b ran co s, de con fo rm id ad e com os seus “m e­ recimentos” (IHGB, arq. 1.1.3, Regulamento de 30 de maio de 1773). Portanto, os parâm etros que a Lei de 6 de junho tom a com o referência para fixação dos jornais estavam sendo aplicados com adequações específicas, para incluir o critério do esforço maior, a distinção po r sexo e idade e a variedade de serviços requeridos pela colonização. Todavia, não há como negar que a form a predom inante de pagam ento dos jornais aos índios foi sem pre m ediante m ercado­ rias, principalm ente tecidos e ferramentas de trabalho. Listagens de m ercadorias destinadas ao pagamento de índios, por serviços pres­ tados, atestam a aplicação corrente deste procedimento. A listagem de artigos que serviram para o pagamento de servi­ ços prestados por m ulheres índias em um hospital incluía machados, ferros de cova, facas, m içangas, anzóis, navalhas de barba, espe­ lhos, etc. Os serviços prestados por índios no transporte de canoas eram pagos com aguardente da terra, frascos, arpões, pregos, verruma (AHU, Rio Negro, C aixa 5, Doc. 7). N a Relação de gêneros que se devem remeter do Pará para a Partida ocupada nas demarcações do Rio Negro e para satisfação dos salários dos índios incluíam -se carne de vaca salgada, aguardentes de cana, sabão e panos de algo­ dão (AHU, Rio Negro, caixa 7, doc 3). Trata-se de artigos de pri­ m eira necessidade, ao lado de outros considerados básicos para o colonizador. Entretanto, estas m ercadorias, oferecidas, inclusive, com o presentes, em conversações que tencionavam persuadi-lo a # “descer” para as povoações civilizadas, tinham o efeito de produzir, no índio, encantamento, sedução e dependência. Das mesmas listas depreende-se a diversidade de tipos de serviços prestados por índios, desde aqueles declaradam ente adequados às suas habilidades, como pescadores, remadores, coletores, guias em viagem, até os que viríam aprender com os brancos, sendo estes últim os de grande variedade.

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O Detalhe dos serviços em que atualm ente existem empregados os índios da Vila de Barcelos, dá-nos a extensão da participação dos índios em toda a obra da colonização. Prim eiro, com o oficiais das povoações, nas funções de principais, capitães, alferes, abalizados; segundo, com o oficiais de ped reiro s, carpinteiros, serradòres, calafates, ferreiros, sapateiros, oleiros; e, terceiro, com o pescado­ res, em pregados em obras públicas, fábricas e serviços de morado­ res (BNRJ, 30 de outubro de 1786). Cada docum ento, carta, relatório retrata um a situação especí­ fica da colonização e exprim e um a percepção da utilidade que possa ter o índio para aquela circunstância. U m a carta de M endonça Furta­ do, ainda de data anterior ao D iretório e às medidas da secularização, manda que os m issionários orientem os índios na preparação de mantimentos destinados às expedições de serviços da demarcação:

Arq. 1.2.10, pp. 178-181). Um trabalho que tanto poderia continuar a ser o de providenciar a alim entação das pessoas empregadas nos serviços de dem arcação, atuando com o pescadores e caçadores (AHU, Carta de João Pereira Caldas para o coronel Manoel da Gama Lobo de A lm ada de 5 de abril de 1784), quanto contribuir para o reforço m ilitar das fronteiras, fazendo parte das guarnições das tro­ pas (id, Carta para o tenente-coronel João Batista Mardel, de 5 de abril de 1784). Nas duas situações, os índios habitantes das povoa­ ções seriam solicitados. Em outras circunstâncias, é a povoação com o um todo requerida ou pensada estrategicam ente com o ponto de apoio para as ações de defesa das conquistas territoriais. É certo que o nascimento das po­ voações está quase sempre relacionado com esses projetos de defesa militar. João Pereira Caldas discute, em carta endereçada ao tenente João Batista M ardel, o projeto de construir duas novas povoações localizadas nas bocas dos rios Ixié e “Cauaboris”, com recomenda­ ções expressas para que fosse estudada junto a este último, no lugar de Caldas, ou na boca do rio, a formação de outra fortificação:

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Cada pessoa das aldeias, de 13 anos para cima, deveríam dar por derrama um alqueire de farinha para ser paga para Fazenda Real pelo preço que correr [IHGB, arq. 1.2.10, Carta de Mendonça Furtado, p. 219]. A obrigação de fornecer víveres às expedições, aos “reais servi­ ços”, tornar-se-ia corrente nos governos seguintes. Por exem plo, nas cartas de João Pereira Caldas endereçadas aos diretores de Fonte Boa e Castro de Avellans, há recom endações para que as farinhas produzidas pelas povoações de Fonte Boa (e outras rio acim a) e re­ servadas aos dízim os não sejam transportadas e, sim, permaneçam, a fim de serem distribuídas ao destacam ento de Tabatinga (AHU, Caixa 6, d o c .l — Cartas do governador João Pereira Caldas para os Diretores de Fonte B oa e Castro de Avellans). Não seriam os índios apenas os fornecedores de víveres, poden­ do ser convocados com o trabalhadores. Uma correspondência entre M endonça Furtado e Diogo de M . Corte Real dá notícia d a obriga­ ção, com unicada ao vice-provincial da Companhia de Jesus e aos superiores das m issões de Nossa Senhora do M onte do Carm o, Nos­ sa Senhora das M ercês, dos capuchos de Santo Antônio e da Pieda­ de, segundo a qual todos esses religiosos missionários deveríam ter sempre “prontos os índios para servirem nos trabalhos de dem arca­ ção, sob pena, em caso de escusa, de retirá-los por força” (IGHB,

Pois que ela parece indispensável para melhor fecharmos aquela porta contra qualquer futura descida e invasão dos espanhóis; e para evitar que a comunicação nos cortem com as superiores for­ talezas e povoações deste rio, segundo faz evidente de precaver o conhecimento de tais terrenos, e praticáveis paragens [AHU, Rio Negro, caixa 8, doc.3 — Carta de João Pereira Caldas ao tenen­ te-coronel João Batista Mardel]. Supunha-se de grande importância fechar “portas aos espanhóis” com povoações e habitantes índios tom ados portugueses. Esta, a segunda face do plano de civilização dos índios contido no Diretório: a consideração política de seu lugar na colonização.

As alianças nativas Sua Majestade é servido que pelo Conselho de Ultramar se pas­ sem patentes ao índio Alberto Coelho, de principal da nação Aruan ao teor da outra patente inclusa que se passou a Inácio Manajabora seu avô por ser falecido seu irmão Inácio Coelho a cujo favor se

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havia passado a outra patente também junta; ao outro índio Luís de Miranda de sargento-mor da mesma nação Aruan ao teor da que lhe passou o governador, e capitão general do Grão-Pará e Maranhão: Ao outro índio Gonçalo de Sousa de Menezes de prin­ cipal da nação Maraconá: e a seu filho Francisco de Sousa de Menezes de sargento-mor do seu pai: expedindo-se as ditas pa­ tentes sem emolumentos: E sendo-me remetidas com toda a bre­ vidade para as fazer presentes o mesmo senhor as assinou: de­ vendo os referidos índios embarcar-se na frota que está próxima a partir-se: Deus guarde ao Senhor. Paço a 15 de Março de 1755. Senhor Marquêz de Penalva. É quase inevitável im aginar que na escolha de “principais”, sargentos e “oficiais” pudesse haver, da parte dos colonizadores, uma expectativa de que esses índios fossem ou, pelo m enos, vies­ sem a ser a genuína liderança das coletividades a que pertenciam , pois, por alguma razão, foram escolhidos pelos colonizadores para responder por su a gente e transm itir mensagens de ambos os lados. Imagine-se, então, que daí em diante pudéssem os perceber esses ín­ dios como começo de um plano de civilização. A citação anterior refere-se a patentes concedidas a índios per­ tencentes às “nações Aruan e M araconã”. Embora a referência à nação fosse, naquele contexto, um entendim ento equivalente a raça, etnia, estava implícito nesses cerimoniais de estabelecim ento de aliança política o reconhecimento dos índios com o representantes de povos distintos, identificados com base nos mesm os aspectos com que se definiam as nações européias, no que diz respeito a ter um a m esm a origem, história, território, língua, cultura. Em prim eiro lugar, esta­ va, portanto, o reconhecim ento da representatividade política desses índios diante das estruturas de poder do colonizador, sendo oportu­ no indagar acerca do consentim ento coletivo em tom o dessa lide­ rança surgida a partir de fatores exõgenos. Os índios estão relacionados por parentesco, podendo-se, em consequência, por esta medida afirm ar que um princípio de suces­ são ainda iniciante orienta as escolhas de representantes índios ju n ­ to à colonização. São referidas duas patentes: a de “principal” e a de “sargento-mor” . A tiltima referência é curiosa: o local e o assinante estão a indi­ c ar que esse documento foi assinado em um “Paço” [Lisboa], e que

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os índios presenciaram a cerim ônia retom ando com as patentes às suas regiões de origem .2 Entretanto, o que se coloca em destaque é a sim ultaneidade de idéias e acontecimentos naquele m esm o ano, em especial um cerimonial da monarquia portuguesa de estabelecim ento de aliança com chefes indígenas e que acontece m eses antes de pro­ clam ada a “lei das liberdades” . É um caso que dem onstra com o fatos m enores, m as significantes, antecedem e m esm o provocam grandes m udanças. É expressiva, aqui, a idéia de um certo espírito de época presidindo ao encadeam ento de todos esses fatos. Um conjunto de idéias antigas e novas que perm itiam a im plem entação de projetos coloniais a partir de um a estrutura tradicional, m as renovada e refor­ çada por um a percepção cada mais tolerante em relação ao índio. Estava aceita a possibilidade de um a correção, por m eio de sua trans­ form ação em indivíduos civilizados. Sem elhantes a essa patente e de mesmo grau sim bólico são as cartas de fundação de aldeias construídas para colocar em prática esta convicção sobre a possibilidade de transform ação dos índios em indivíduos civilizados. Trata-se do prim eiro docum ento a notici­ ar o início de experiências de civilização de índios, devendo, com tal m edida e com este caráter inaugural, conter com maior clareza possível todos os elem entos desta convicção. Entre as experiências de aproxim ação dos índios que habitavam Goiás e as efetuadas pe­ los governos dessa capitania, na mesma época em que eram conce­ didas patentes a chefes indígenas, é expressiva a que resultou no aldeam ento dos índios C havante (X avante) no sítio do Carretão. A Relação da Conquista do Gentio Chavante (em Ravagnani, 1978), escrita por um dos militares que participaram desta experiência, é um testem unho desta convicção. A narrativa com eça por identificar os problem as que esses ín­ dios vinham causando aos movimentos colonizadores da capitania. & 2 Paço, por tal expressão entende-se espaço político, às vezes residencial, podendo serum palácio real ou episcopal, mas também a corte ou o local onde funciona a câmara municipal. A dúvida esboçada no texto é esclarecida pelo que primor­ dialmente denota o termo, ou seja, o local onde se realizou a cerimônia das pa­ tentes é Lisboa, uma vez que por “Paço” entende-se, essencialmente, sede de governo.

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Faz alusão expressa à responsabilidade dos índios Xavante pelas mortes de portugueses, seqüestros de escravos e ataques aos povoa­ dos, considerando tais acontecim entos um a form a de “insulto” que justificava a decisão política de um a resposta bélica, caso não acei­ tassem um acordo de paz. Às duas possibilidades de resposta exis­ tentes desde o início do em preendim ento são próprias do espírito da época, que concede prêmios ou estabelece punições, civiliza ou es­ craviza, conform e a atitude de docilidade ou rebeldia com que os índios recebem essas tentativas de aproxim ação e de convívio ofere­ cidas pelos colonizadores. O relato dem onstra que o procedim ento adotado foi o da negociação. A prim eira expedição resgata um pequeno grupo composto p o r um homem e algumas mulheres e crianças Xavante e os transporta ao centro urbano da capitania, onde, em convívio com os brancos, recebendo presentes e sendo tratados com docilidade, os índios teriam oportunidade de form ar um a idéia diversa da que sem pre tive­ ram a respeito dos brancos. Argum entava-se, nessa Relação, que o bom tratam ento deveria “encher de vaidade o am or-próprio” daquele homem, de m aneira que, ao voltar à sua terra, livre e envaidecido pelos obséquios concedidos, pudesse atuar com o um “em baixador” das intenções de paz e de estabelecim ento de um convívio com os brancos em habitações urbanas”. Os grupos X avante, com os quais esse índio foi negociar, não se convenceram dos propósitos de paz oferecidos pelo governo da capitania. Outro grupo, entretanto, se convencería, ao que parece identificado pela procedência Xavante, em bora tivesse sido encontrado em paragens estranhas a esta etnia. Dos esforços de transmissão da m ensagem de paz participaram este índio Xavante e alguns “Cayapos” (Kayapó) e “A croas”, que já con­ viviam com brancos nos aldeam entos da capitania. Foram esses ín­ dios “embaixadores”, apoiados por escoltas de pedestres, que pratica­ mente conduziram todo o processo de conversação com os Xavante, tomando suas pessoas como provas da veracidade dos propósitos de paz e, ao m esm o tempo, como testem unhas do poder bélico dos bran­ cos, na hipótese de esses índios insistirem em continuar o que se qualificava com o “insultos e rapinas”. O segundo passo foi o aldeam ento, em local escolhido previa­ m ente e onde já estariam em andam ento “plantações, e constru­ ções de algum as fábricas necessárias a assegurar a subsistência dos

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novos hóspedes” . Como eram muitos, projetou-se a divisão do gru­ po entre o Carretão e outra aldeia denominada Salinas. A justifica­ tiva para esta divisão foi política e prova de que o acordo de paz era essencialm ente um ato de conquista: pensou-se tão-somente êm di­ m inuir o orgulho, que lhe podia fomentar o seu grande número . M as a proposta foi recusada pelos índios, seguindo todos para o Carretão. O primeiro registro desta chegada, salvo a Relação da Conquista, dada à publicação em 1790, foi a carta de 13 de janeiro de 1788, assinada pelo capitão de D ragões, José Pinto da Fonseca, dando no­ tícia da chegada à aldeia do Carretão de dois mil e duzentos índios da nação “chavante” . N esta carta, a conquista dos índios é traduzida com o um resgate de sua hum anidade embrutecida, dada a condição de “feras” em que viviam. U m a conquista, continua o autor da carta, que beneficiava tanto o “Im pério português”, com novos “vassalos”, quanto a Igreja, com novos “filhos” . Curiosamente, o cerimonial de juram ento que na chegada dos índios se praticou foi atribuído pelo autor da carta às exigências dos próprios índios e acatado com o interesse de quem cum pre form ar um am biente de concordância política: Igualmente tenho a honra de por na presença de V. Exa. a fala que na sua chegada lhe fiz, e o termo de juramento que prestaram por s e r co stu m e entre e sta s nações o ju ra re m sempre a paz, ou a g u erra com a lg u m a fo rm a lid a d e o que aqui se fez com a soleni­

dade possível tendo para este fim convidado o vigário de Crixás celebrando aqui missa, e entoado os cânticos do Senhor pela pri­ meira vez nestes incultos bosques. O juram ento feito pelo chefe Xavante é prova de que o cerimo­ nial foi de grande significado para ambas as partes, a julgar pelo registro, e seguramente para os oficiais militares portugueses que se viam renovados pela repetição de um ato que ritualiza sua origem e sua identidade. Um discurso que vinha consagrar atos de conquista na Am érica, na África, na Ásia, praticados não só por portugueses, mas tam bém por ingleses, franceses, espanhóis, os quais invariavel­ m ente representando um a m onarquia européia, oferecem proteção e amizade, fazem a real entrega do terreno e exigem o juramento de

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gratidão e fidelidade a essa aliança. O juram ento de um índio Xavante, considerado chefe na ocasião d a chegada de seu povo ao Carretão, com pleta esse cerimonial:

indicar a origem de seu povo relacionada com a terra em que vive­ ram seus ancestrais. U m ato de fundação com base histórica e m ito­ lógica tem , assim, a força social e cultural de estabelecer um a iden­ tidade, com suas convicções e projetos de vida capazes de atravessar oceanos para querer possuir e construir mundos sem elhantes à terra natal, ou de lutar e resistir pelo que igualm ente considera com o sen­ do seu (caso dos índios, no passado e no presente).

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Arientomô-Iaxê-qui, maioral da nação Chavante de Quá, em nome de toda a minha nação juro e prometo a Deus de ser, como já sou de hoje em diante, vassalo fiel da rainha de Portugal, Maria I, a quem reconheço por minha soberana senhora, mãe e protetora, e de ter perpétua paz, união, e eterna aliança com os brancos; o que assim me obrigo a cumprir e guardar para sempre. Aldeia de Pedro UI, 13 de janeiro de 1788. M ircea Eliade descreve este m om ento com o um ato prim ordial de criação do mundo, a transform ação do caos em cosmos, e tom a como exemplo o cerimonial de levantam ento da cruz, pelo qual os colonizadores espanhóis e portugueses faziam valer a tom ada de posse. Em seus term os, esse ritual equivalia a um a justificação, um a consagração, que tinha o sentido de um novo nascim ento, celebrado com batismo (1990: pp. \9-2Q). São muitos os nomes que dão expressão a esse ato. A justifica­ ção do oficial português ao juram ento, de ser este mais um a exigên­ cia do índio do que dele próprio, não indica estar por esta via esca­ moteando as razões da conquista ou as intenções im plícitas no ato. Apenas revela que aquele ato de fundação era conceitualizado diferencialmente, embora sentido e percebido por ambos com a m esm a intensidade. Daí a universalidade do gesto humano, que M ircea Eliade captou bem. Um traço universal que é, todavia, de constituição cul­ tural, gerador de particularidades e distinções. Em nossos dias, os d escen d en tes d e sse s prim eiros índios, aldeados no Carretão no século XVUI, falam desse ato, por vezes repetindo acertadamènte fatos e personagens históricos relativos à fundação desse aldeam ento sem nunca ter lido essas informações em algum lugar. Im pressiona constatar que esses descendentes, já bastante miscigenados e aculturados, principiam seus relatos sem ­ pre a partir da referência a um hom em e algum as mulheres (tal qual narra a Relação da conquista), com o se desse núcleo prim ordial fos­ se possível restabelecer de tem pos em tem pos (m edida geracional) o laço que os mantém unidos aos prim eiros. Fazem -no, assim, expli­ cando a eles próprios e a outros que lhes perguntam quem são, para

A form ação de governos coloniais com lideranças nativas con­ tou com m odelos e conceitos de poder que haviam em basado a for­ m ação do Estado m onárquico em Portugal. C onceder patentes mili­ tares a índios responde à m áxim a do estabelecim ento de alianças políticas com as populações que habitavam as terras conquistadas. Aos olhos dos colonizadores repetem -se, na terra conquistada, os ritos de fundação de sua gente. Não é um a invasão e, sim , um a tom a­ da de posse. O rei reconhece seus dom ínios e suas gentes, concedelhes terras, cria privilégios a seus vassalos, instaurando um pacto de favores e lealdades que alicerçará sua soberania. N ão há rei sem povo, escrevia Rousseau (p. 30) na m esm a época em que se conce­ diam as patentes anteriormente referidas. M uito claro fica, então, o significado, para os legisladores, da outorga da liberdade aos índios no século X V m . É evidente que a liberdade que se concedia não era a que concebem os (ou idealizam os), com o a que perm ite aos índios serem o que realmente desejam. A noção de liberdade desta época do D iretório é a que permite aos índios partilharem os conhecimentos de civilidade, com a convicção de se estar atingindo a felicidade (a que B entham concebera). E m 18 de março de 1767, as idéias elaboradas em 95 parágrafos no D iretório estavam resum idas da seguinte forma: Foi servido, não só de mandar expedir em seu favor a lei da abo­ lição do governo temporal dos eclesiásticos, e de lhes declarar a propriedade das terras, que na verdade eram suas\ e de me rqgpdar as mais positivas ordens para a sua civilização, o conheci­ mento do valor do dinheiro, gênero para eles nunca visto, o interes­ se do comércio, o da lavoura', e, ultimamente, o da familiaridade como os europeus, não só aprendendo a língua portuguesa, mas até o dos casamentos das índias com os portugueses que eram meios todos os mais próprios para aqueles importantes fins, e

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para todos juntos fazerem os interesses comuns, e a felicidade do Estado [Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao Conde da Cunha, 18 de março de 1767 em Mendonça, 1989 p 455], Estas palavras constituem a linguagem oficial dos documentos da época. Seu autor, M endonça Furtado, delas faz uso com a fluên­ cia de quem as concebeu ou nelas deposita as suas certezas. Resti­ tuir terras aos índios, estabelecendo relações de vassalagem , não tra­ duz um ato de subordinação. A o contrário, exprim e um a escolha civil de prestar lealdade ao rei, ou, nos termos do século XVIII, é um ato de obediência civil devido por todo indivíduo, em retribuição à satisfação de seus direitos garantidos pelo Estado. Interesse, am bi­ ção, disciplinam ento, habilitação ao trabalho sedentário são qua­ lidades geradas nesse acordo social de m ando e obediência civil. U m a carta régia dirigida a João Pereira C aldas, ao tempo em que foi im plantar a Capitania do Piauí, tem a m arca das leis funda­ doras que servem à instauração de um a nova ordem social. Assim, in stru i para e fe tiv a r a “red u ção dos sertões a povoações bem estabelecidas”, restitui as liberdades individuais dos índios, m anda organizar a econom ia e form ar cidades com governos adm inistrati­ vos civil e m ilitar, representados por Câmaras da Justiça e da Fazen­ da e um Regim ento de Cavalaria com posto por Com panhias (Carta R égia de 29 de julho de 1759, em M endonça, 1989, pp. 362-364). P or conseguinte, um governo civil e um governo militar. Com m aior ou m enor grau de com plexidade, esta era a estrutura de todo lugar, vila, cidade criada no Brasil do século X V m . É referida a participação dos índios nesta estrutura. Daí, resta-nos indagar em que proporção ou até que ponto o ideal de constituição dos governos nativos se realizou ou se m anteve rarefeito com o m edida inaugural (e ideal) que nao seria absorvida ordinariam ente nos m omentos se­ guintes. A s instruções de M artinho de M ello e Castro a Luiz de Albuquer­ que e M ello Pereira e Cárceres constituem um guia de conduta aos que vieram form ar a C apitania do M ato Grosso. H á um destaque para os índios tornados m ilitares. Trata-se dos índios “B araros” (Bororo), que seriam designados a form ar um “Terço de M ilícias ou tropas irregulares à m aneira dos Cipaes da índia O riental” (CartaInstrução de 13 de agosto de 1771, em M endonça, 1989, p. 520).

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N ote-se no trecho anterior com o as experiencias colonizadoras passadas no território de Portugal e em relação aos outros povos são sempre lem bradas e reproduzidas. A eficácia do plano colonizador e civilizador reside em contar com o m esm o conjunto de valores (e convicção sobre eles próprios) em qualquer empreendimento. Fos­ sem estes destinados à índia Oriental, a Portugal, a Goiás ou à Am a­ zônia Pom balina, porque, havendo S. Majestade posto ao cuidado e préstimo de V. Sa. toda a sua Real confiança, esperando que daquelas virtudes se siga, inspirações muito semelhantes às que na primitiva índia Orien­ tal fizeram com que se vissem tão poucos portugueses/azer tan­ tos e tão façanhosos progressos, e dominar tantas, e tão numero­ sas nações: tendo por certo que os portugueses são sempre e hão de ser os mesmos e que a diferença só consiste no modo com que são dirigidos [em Mendonça, 1989, p. 530]. U m a direção aos foragidos, sertanistas, mineiros (a gente pobre que afluía para a colônia) haveria de ser tao rigorosamente corretiva quanto a que se aplicava aos índios, em bora n a atribuição de cargos estes ocupassem sempre posições hierarquicamente subordinadas aos cargos preenchidos pelos brancos. E, para demonstrar 225) estão com­ pletas, propiciando-nos uma visão global da seqüência do procedi­ mento judicial. Na capa, os dados da identidade pessoal da ré, nume­ ração administrativa e caracterização da pena. Tudo a m ostrar que a Inquisição tinha um poder de arbitrar institucionalizado. O auto de entrega relativo a vários presos, inclusive a Florência Perpétua, marca o início — 2 de abril de 1768 — de um processo que term ina em 12 de outubro de 1768. Curto, com julgam ento concluído, este proces­ so forma-se sob a acusação de bigam ia, delito que prevê pena de açoites e degredo para os culpados diretos, mas que envolvia consi­ derações sobre a cumplicidade e a predisposição das pessoas que

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A terceira testemunha, um índio por nome Luís Freire, disse que, quando esteve em Poyares, na companhia de um soldado, a serviço do governador, conheceu a notícia de que Florência havia sido “roubada” de Borba pelo índio Antônio. Este índio se casaria com ela na presença do reverendo do mesmo lugar. A mesma teste­ munha acrescenta novos dados, m as fica evidente sua intenção de negar ou desconhecer várias pessoas que estariam implicadas em seu relato. Imagine-se algo que se desdobra, crescendo, ganhando novas proporções. É justamente este o efeito dos testemunhos. Cada um desenca­ deia nova série de testemunhos e, com certeza, a descoberta, a reve­ lação de novos delitos. Já comentamos que o denunciante é a testemu­ nha são potencialmente culpados. D aí se explicar que, na confirmação do delito, aquele que fornece o testemunho ocular sobre a prática de bigamia tenha sempre como argum ento o desconhecimento da exis­ tência de outro casamento, pois de outra forma estaria imputando a si um a atitude de conivência e cumplicidade que também incrimina, tanto quanto condena. Perante o inquisidor, é inevitável para a testemunhá admitir o conhecimento do delito (o primeiro matrimônio), inocentando-se todavia na condição passiva que a resguarda de “ter ouvido contar”, embora não tivesse visto com os próprios olhos. Interessante é a anotação do processo, de que o depoente fez o juramento e prestou declarações na “língua geral dos índios”. O mes­ mo acontecia ao índio, que em seguida veio prestar depoimento. Este dado confirma a força da língua geral como instrumento de comuni­ cação, em que pese as leis proibindo seu uso e as declarações minimi­ zando sua disseminação entre os índios. A peça seguinte constitui o “A uto de perguntas”, feitas à ré pelo visitador e vigário da Capitania de São José do Rio Negro, no dia 30 de maio de 1766, em Barcelos (antiga Mariuá). Este depoimento aconteceu dois anos antes da data da prisão, que, segundo consta no processo, ocorreu em abril de 1768. É provável que esta última data oficializando a prisão esteja relacionada com a confirmação da cul­ pa e encaminhamento do processo à Inquisição. Primeiras perguntas: “nome, pátria e pais” . Florência deu o nome completo, disse que nascera na vila de Thomar, que em outro tempo se chamava Aldeia de Bararoá, onde fora batizada. Seus pais, já fa­ lecidos, foram o índio Diogo e um a índia infiel (isto é, pagã, e sobre

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a qual nada se dirá durante todo o processo). Florência não ficaria muito tempo em Thomar. Contou que “na sua menor idade fugira em companhia de seus pais para o rio M aiuuixi-que deságua no rio Negro”. De lá descera novamente, com outros índios, “em com pa­ nhia do jesuíta Padre Antônio José o qual os recolheu a vila de Borba a nova que então se cham ava Aldeia dos Trocanos”. Seu pai, a mu­ lher com quem casara depois e o irmão George faleceram nessa vila, mas nada explicou nem lhe foi perguntada a causa (provavelmente vítimas de epidemias de sarampo, como tantos outros índios aldea­ dos). Tudo foi dito sem precisar data, pois disse que não sabia num e­ rar os anos. Assegurou, todavia, ser o tempo em que o missionário jesuíta Antônio José assistia à vila, “até o verão próximo passado”, quando certam ente conheceu a ordem régia de deixar o Brasil. Indagada de sua vida conjugal, informou que em Borba se casara com o índio Julião, na presença de um padre, do qual não recordava o nome. Tampouco lem brava dos nomes do casal de índios que fo­ ram testemunhas do matrimônio, embora, em seguida, sem qualquer nova pergunta, os desse ao inquisidor (possivelm ente convencida por meios violentos, suponho, apesar do ritm o da narrativa não re­ velar muito). Florência confirmaria a m orada em casa de seu tio Leandro e, sobre seu casamento, disse que sem pre vivera em consórcio m arital com seu m arido o índio Ju lião ain d a q u e este j á d e m uito tem po a e sta p arte não usava d o m a tri­ m ônio p o r causa de um a grande enferm idade e um a chaga cancroza [cancerosa] e h o rro ro sa qu e lhe tem co rro íd o q uase todo o rosto.

M esmo assim ainda lhe perguntaram qual motivo tivera para fugir e se seu marido ainda era vivo. Contou que um índio por nom e Antônio, morador do Lugar de Poyares, estando em Borba, com alg u m a d em o ra se concubinara com e la resp o n d en te e a p ersu a­ d ira a q u e fu g isse com ele para a su a p o v o aç ão m otivo p o rq u e e em razão do afeto q u e ela resp o n d en te tin h a ao nom ead o índio.

Florência e Antônio não fugiram, ao contrário, continuaram a trilhar os mesmos caminhos da civilização. Foram viverem Poyares, onde se casaram perante o reverendo e vigário do mesmo lugar, ten-

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do como testemunhas um casal de índios, Thom é e Mariana. Indagada Florência se sabia se seu prim eiro marido estava vivo ou morto, dis­ se “que não sabia que estivesse falecido” . E voltaria a repetir que ele “há m uitos anos não usava do matrimônio com ela em razão de seus achaques”. Questões que investigam a cum plicidade dos padres jesuítas fariam Florência responder que o padre de Poyares não lhe pergun­ tara de onde vinha nem como vivia. Assim, om itia sem m entir ou incriminar um terceiro. Perguntaram-lhe, ainda, se era natural da vila de M oura. Negou veementemente que houvesse tratado de se­ melhante m atéria com o padre de Poyares. Tal pergunta, que no momento parece desconexa e fora de lugar, procurava esclarecer a dúvida sobre se não se tratava de poligamia. No correr do processo, esta seria esclarecida, confirmando-se a bigamia com o índio Antô­ nio. O depoim ento termina com a repetição, várias vezes, das mes­ mas questões e a ratificação de cada um a com o contendo a verdade, a que o escrivão daria fé porque, segundo expressou, fora dita “iima e muitas vezes respondendo sempre sem embaraço, sobressalto, medo ou temor” . Com estas declarações, o escrivão encam inha a narrativa para a conclusão, citando os nomes presentes para as assinaturas, dentre as quais figura a de Florência, feita pelo inquisidor, pelo fato de ela não saber ler e escrever. A próxima peça a folhear é o “Auto de perguntas”, que o visitador José M onteiro de Noronha fez ao índio Antônio de Lima, em 2 de junho de 1766, também em Vila Barcelos. Antônio aparentava cerca de “vinte e cinco a trinta anos pouco mais ou menos” . Indagado sobre “nome, pátria e pais”, confirmaria uma trajetória de vida seme­ lhante à de Florência. Nascido e ainda morador de Poyares, Antônio era filho de um índio chamado João Canao e de úma índia “infiel” (mas não assegurou ser o pai batizado, embora deixe em evidência que sua mãe não o era). As perguntas que perscrutavam seus movi­ mentos entre as povoações respondeu que sempre morou em Poyares e que “não tivera assistência dilatada em qualquer outra povoação” . Era solteiro e, depois que passou a festa do Natal próximo passado, casara com a índia Florência sob o testemunho do padre e de um índio carpinteiro, Thomé, e de sua mulher, Mariana. Sobre Florência, revelaria que esta não era natural de Poyares. Havia fugido, em sua

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companhia, da Vila de Borba, para vir casar-se em Poyares. A fuga tem com o referencial o ter ocorrido na véspera da festa de São João Batista. Sob um a série de perguntas a respeito de sua passagem por Borba, informou que, enquanto ali esteve, dormia na canoa. Fazia visitas diárias à casa de Leandro, “em razão do concubinato” que logo se estabeleceu entre ele e Florência. Perguntado se sabia que a índia já era casada, negou conhecimento prévio, “respondeu que nunca soubera de tal nem vira ou conhecera em casa do índio Lean­ dro alguém de quem se afirmasse ser marido de índia Florência”. Ao contrário, tinha ouvido de Florência que realmente já havia sido casada com alguém que falecera no Pará (Belém). Inquirido mais incisivamente, o réu seria constrangido a responder por qual motivo “roubou” Florência, deixando de casar na mesma Vila de Borba, já que era supostam ente livre e desembaraçada. Antônio incrim inaria Florência, dizendo que ela o persuadira a viver em Poyares, onde desejava reencontrar parentes. A dúvida em tomo da relação de Florência com a Vila de M oura é aqui esclarecida. Em M oura vivia José, irm ão de Antônio, por haver casado com a índia Rita, entendendo o reverendo vigário inquisidor, por esta vinculação, que a índia Florência tam bém era natural do mesmo lugar. As questões dirigidas a Antônio insistiam em confirmar sua cumplicidade com Florência, o que Antônio sempre negou, ainda que envolvendo outros parentes. Indagado por que não advertira o padre sobre a origem de Florência, disse que teria sido aconselhado por um índio a não mencionar esta informação. Perguntado, final­ mente, quando e com o soube que Florência já era casada, disse que um soldado trouxe esta notícia ao passar em Poyares e a transmitiu ao diretor Bento José, enquanto Antônio estava fora, em viagem. Ao retomar, Antônio já encontrou Florência presa. O depoimento termina. É discutido o teor do depoimento pelo escrivão, que o considerou duvidoso, pois dado com “receio e titubeação” . As folhas seguintes tratam das “provas do delito” . O documento certifica o matrimônio de Antônio de Lima e Florência Perpétua, confirmando ser esta índia moradora de Borba e pertencente à nação Baré. De um segundo documento transpira a movimentação das pes­ soas em tom o do caso. Seu autor, o vigário da igreja de Borba, afir­ ma ser real a ocorrência de “refinada poligamia” no caso de Florência

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e considerou o estado terminal da doença de Julião a m aior motiva­ ção para o desencadear das ações. Qualifica, mais de um a vez, a ação, chamando Antônio de Lima de raptor. O burburinho das vizi­ nhas, as índias Angela Pires e Teresa de Jesus, com a m ulher de Leandro, Valentina Moniz, comentando a situação, tudo isso demons­ tra a plena operacionalidade dos códigos relativos ao comportam en­ to civil, moral e cristão — já à época datando de quase dois séculos a presença européia no norte do Brasil. O docum ento é de 30 de junho de 1766, ou seja, um mês após a tom ada dos depoim entos de Florência e Antônio. O terceiro documento certifica o matrimônio de Florência com Julião e confirma lugar, igreja, testemunhas, além de corrigir o sobrenome (apelido) M artins em lugar de Perpétua, que se introduziu desde o início erroneamente. N este documento é assegurado que Antônio tinha ciência do matrimônio e que, portan­ to, deveria ter consciência do que este representava com o "impedi­ mento o qual não obstante se casara com a mulher do referido Julião Coelho”. Este material chega ao inquisidor Geraldo José de Abranches em julho de 1766. Submetido o processo a exame pela “mesa da visita do Santo Ofício”, Florência e Antônio são condenados a aguar­ dar sentença definitiva em prisão a ser cumprida na cadeia pública da cidade do Pará (Belém). As peças seguintes são o “inventário”, a "genealogia” e encaminhamentos diversos e arrazoados, em que a questão é analisada conforme a jurisprudência da época. A “genealogia”, um a das últimas peças do processo, traz à cena o inquisidor Giraldo Abranches com nova série de perguntas a Florência. São utilizados os mesmos procedimentos, a partir dos quais a respondente jura dizer a verdade e guardar segredo. São os mes­ mos procedimentos, desta vez anunciando a fase final do processo e por este motivo com funções reiteradas de m arcar significados do rito. A ré é indagada da consciência que possui sobre a culpa e dos movimentos internos que fizera para o arrependim ento dos erros cometidos. Impressiona perceber a convicção de Florência, passa­ dos meses sob a circunstância desses interrogatórios, para ainda di­ zer que não tivera outra “tenção do que a que tem declarado”. Pelo que o inquisidor voltaria a indagar questões que dizem respeito à sua biografia, fazendo-a repetir seqüências de sua trajetória como índia já nascida dentro de uma missão administrada por jesuítas,

onde conheceu as mudanças trazidas pelo Diretório e, muito prova­ velmente, assistiu — e talvez até vivenciou diretamente — as sublevações em Thomar, antiga Bararoá, vindo a fugir, tomando a direção da subida dos rios, inversa à da civilização que corria fixando em­ preendimentos colonizadores às margens das principais vias fluviais. M as Florência retom aria em um desses descimentos, que em ne­ nhum m om ento da história colonial do Brasil foram realm ente suspensos. Vivendo em Borba, conheceu Antônio, com quem fugiu, desta vez para outra povoação, cum prindo novamente os mesmos ritos matrimoniais já realizados em Borba com Julião e, possivel­ mente, sob pressão do vigário do Lugar de Poyares, onde foram vi­ ver. Não parecia haver alternativa m elhor para quem já havia nasci­ do em m eio a um a experiência de civilização e evangelização. Era filha de pais já falecidos. Seu pai morreu no rio M adeira, nas mãos dos índios M ura. De sua mãe, assim como dos avós paternos e ma­ tem os, não chegou a “ter notícia, nem conhecim ento algum” . Àque­ la altura, um a ruptura com o mundo exclusivam ente indígena já es­ tava em evidência, desde que ao fugir não foi além dos domínios do mundo civilizado. Florência agora diz ter certeza de que se casou, pela primeira vez, “na presença do padre Feliciano e não de um padre da Compa­ nhia [de Jesus] chamado Ignácio Antônio, como duvidara na sua confissão” . Acom panhando (de 1994) a formação destas primeiras conclu­ sões, mesmo levando em conta a época e os valores que fundamen­ tavam procedimentos dessa natureza, a sensação é que parece im­ possível entender a validade e a razão de ser destes processos, que, efetivamente, apenas esclarecem pontos mínimos, cobrindo falhas nas informações. Só é possível entender, avaliar a eficácia e a funcio­ nalidade deste procedimento se se levar em conta a finalidade do processo inquisitorial, de rito marcando símbolos que serão absorvi­ dos como referências ao comportamento e ao modo de pensar espe­ rados. As visitas pastorais têm especificidades em relação às visitações da Inquisição. Ambos os procedimentos, entretanto, revelam em sua ocorrência temporária u m período de caráter ritual, em que são implan­ tadas ou renovadas idéias básicas da cultura ocidental. Os diários

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de visitas pastorais estão repletos de descrições sobre a rotina do visitador ao chegarem cada povoação. Eram rezas, procissões, falas ao povo, catecism os para meninos e meninas, missas, crismas, casa­ mentos e batismos (BNL, 6321, Brandão, D iário das visitas pasto­ rais... , 1784/1806). A característica básica desta catequese itinerante era a preocupação em realizar um trabalho de conversão cristã e de reorientação m oral. A intervenção do relig io so no sentido do reendereçamento ao estado de normalidade acéito pela Igreja Cató­ lica promoveu situações como a que é narrada a seguir: A q u i en c o n trei um escândalo p ú b lico d o s m ais odiosos, e detes­ táveis ao s o lh o s d a religião, o co n c u b in a to do p rincipal com sua p ró p ria filha. E sta v a o m onstro fora d o lugar, cham ei a cúm plice, co n fesso u logo, adverti-a, e com o tin h a ju s to casam ento, p ro cu ­ rei q u e se efe tu asse antes d a cheg ad a d o b árb aro pai.

Do m esm o modo como os primeiros povoadores conquistaram terras prom ovendo ritos de fujndação com a instalação de um a cruz (Eliade, 1990), um pelourinho, uma sede adm inistrativa (Câmara) e um a igreja, atribuindo-lhes um nome que lembra sua origem, sua cidade ou seu país, assim também procedeu o mesmo colonizador, na figura do religioso (missionário ou inquisidor), convertendo a gente que habita a terra conquistada, prom ovendo batismos com nomes cristãos, reorientando-a a um comportam ento cristão e civil esperados. Em circunstâncias especiais, essas duas ações eram efetuadas por uma m esm a pessoa, isto é, um funcionário com instruções ré­ gias, apoiadas em idéias grandiosas, de construir um novo mundo usando o material do antigo, que lhe era familiar. Isto, a partir da construção de fortalezas, da conquista de novos territórios ou da criação de sedes de administração colonial. O poder nascido dessa transitoriedade, com atribuições soberanas de instaurar um a ordem social, tanto perm itiu ao governador M endonça Furtado promover casam entos entre brancos e índios quanto dar nomes portugueses a missões e elevá-las a vilas e lugares (AHU, cx. 1, doc. 24). G randes listagens de topônim os am azônicos inform ando a transformação histórica de missões e aldeias em vilas e cidades indi­ cam não somente um movimento de secularização, no qual se substi­

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tuíam nomes indígenas e católicos por nomes de lugares de Portugal (v. figs 35 e 36), como também um movimento cultural imprimindo a feição desejada pelo conquistador, desta vez em condição dura­ doura, passada a fase bélica da conquista (IHGB, arq. 1.2.4., pp. 244-245). Penso, aqui, em certos documentos que nos permitem ve­ rificar que os brindes, ou presentes, que serviam, nos descimentos, para atrair e fazer amizade com os índios também podiam ser dotes matrimoniais, sendo candidatos naturais a esses casamentos os pró­ prios soldados, cabos-de-esquadra. Um ofício datado de 1759 e assi­ nado pelo mesmo governador atesta que os povoadores europeus que se casavam com índias recebiam machado, foice, ferro de cova, serra de enchó, peças de bretanha ordinária, saia de ruão, etc (IHGB, 1.1.3). Neste caso, o funcionário do rei, o militar, o conquistador teriam a id éia de casam ento que defendiam o m issionário, o inquisidor, o pároco — todos europeus, católicos, de uma mesma nação e cultura? Aparentemente é a mesma concepção cristã de matrimônio que rege seus comportamentos e ações relativas aos ín­ dios. E, por coincidência, verificamos ser efetivamente a mesma, ao observar o inquisidor visitador da Capitania do Rio Negro, José M onteiro de Noronha, já em outro contexto e três anos depois do processo de Florência, informar ao governador Francisco Xavier de M endonça Furtado sobre um número otimista de matrimônios, que interessavam pelo aspecto do aumento das populações identificadas com o domínio português e vivendo em lugares situados nas faixas de fronteira com a Espanha (AHU, carta assinada em Barcelos, 20 de abril de 1769). Pergunta-se se a concepção de matrifnônio é a mesma, porque nos interessa saber como esta foi absorvida pelos índios. Vemos, assim, que o trabalho missionário não parou em 1757, quando é cri­ ado o Diretório dos índios, ou em 1759, com a secularização das missões e a expulsão dos jesuítas. Toda a experiência começada com os jesuítas é incorporada pelos índios em todos os aspectos, ou seja, com o moradores de povoações, como civis e católicos, como traba­ lhadores. Este é o público do tribunal do Santo Ofício. O modelo de verdade que a Inquisição defendia já tería um reconhecimento, uma tradução entre os índios civilizados na segunda metade do século XVffl.

R ita H e lo ísa d e A lm e id a

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Estas considerações dão legitimidade ao material da Inquisição como fonte de reconstituição das concepções indígenas sobre a civi­ lização. De volta à genealogia de Florência, seu comparecimento diante do inquisidor Giraldo Abranches não acrescenta informação. É um momento decisivo do julgamento que, na ótica da Inquisição, pre­ tende uma progressão no reconhecimento da culpa. Florência já não confessa a culpa, o ato em si. Agora expõe em suas declarações um a identidade cristã. Disse que ainda não tinha sido...

Esta sessão acontecia em setembro de 1766, quatro meses após o prim eiro interrogatório. É evidente que Florência aprendería, com a dureza do castigo e os dois anos de prisão em cárcere da cidade do Pará, as implicações de uma ofensa às convicções da Igreja Católica sobre a monogamia. Bigam ia — ofensa religiosa e moral. Não há que perguntar se a bigamia era percebida como erro por Florência. Seu silêncio, pela reiterada declaração de que já havia dito tudo, não deixa dúvida.de que o diálogo ali estabelecido tinha, por aquele rito, confirmado o triunfo do modelo de verdade defendido pelo inquisidor. Todavia, é o próprio inquisidor que acaba por modificar-se. É o que iremos constatar ao ler as últimas páginas. O processo foi examinado pela Inquisição, em Lisboa, em 5 de outubro de 1768 — dois anos depois. Considerou-se agravante o fato de a ré parecer ciente do crime de bigamia, qual seja, estar casa­ da conform e o Sagrado Concilio de Trento e casar-se pela segunda vez conform e os mesmos ritos, sem esperar a dissolução do primei­ ro casam ento pelo falecimento do cônjuge. As considerações que vêm a seguir indicam as mudanças pro­ fundas no pensamento da Inquisição. Discute-se a gravidade do delito e relativiza-se a pena, tendo em vista as condições pessoais da ré:

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crism ada, nem aprendeu ciên c ia algum a [...] D epois q u e v eio do sertão em tenra idade não saiu d esta vila d e B o rb a exceto q uando se retirou com o ín d io A ntônio d a M ay a e L im a... N u n c a fora presa nem penitenciada p elo Santo O fício.

O aprendizado vem em seguida: “Foi-lhe dito que tomou bom conselho em principiar a confessar as suas culpas pelas quais está presa por pertencer o seu conhecimento ao Santo Ofício” . Pelo que narra o escrivão, Florência não reconhecia erro a con­ fessar. Reclamava o inquisidor, e o escrivão registrava que a confissão que tem feito não satisfaz a inform ação d a ju stiç a [...] porque não confessa todas as culpas nem declara a v erd ad eira tenção co m que com eteu e que tem confessado. P elo q u e ad m o ­ estam d a parte de C risto N osso S enhor e acab e de co n fe ssar toda verdade e a verdadeira tenção qu e teve em com eter as d itas cu l­ pas.

O inquisidor usaria de misericórdia se a ré correspondesse ao que desejava ouvir. Entretanto, parecia distante sua conversão, pois a ré já havia confessado tudo, mas para o inquisidor faltava algo que certamente era a convicção do erro: E p or torn ar a d izer q u e tin h a confessado tudo, e q u e n ad a m ais tinha q u e confessar nem tivera ou tra ten ção além d a q u e d ec la­ rou, foi o u tra vez ad m oestada em form a e m andada p ara a prisão.

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P o rém não obstan te a q u alidade de cu lp a d a ré, pelo escân d alo q u e ela deu p ú b lica satisfação, por ter in ju ria d o ao sacram ento d o m a trim ô n io in d o c o n tra a su a in s titu iç ã o q u e p e d e u m a in d ivíd u a união en tre o s contraentes [...] o q u e tam b ém é co n fo r­ m e ao s sen tim en to s d e d ireito natural.

Eis que se abre uma brecha. Pondera-se que a gravidade do de­ lito deve ser medida pelo nível de consciência do transgressor. Ora, a “barbaridade da ré”, bem com o a dificuldade de explicar-se na língua portuguesa, “faz com que conserve a lem brança daquela na­ tureza bárbara e selvagem em que foi nascida e criada no sertão”. Com base neste argumento, os examinadores asseguram ausência de “m alícia” na realização do ato. Por fim, consideram que a pouca instrução em religião, pela ré, também produz um entendimento con­ fuso sobre os significados e implicações das ações definidas como delito pela Inquisição. Tomam como referência a genealogia, pela

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qual ficam caracterizados os poucos e rudimentares conhecimentos de religião transmitidos pelos missionários à população indígena das povoações de que fazia parte Florência (aqui a crítica à administração m issionária é coetânea). Em face destas considerações, julgou-se que não se devia impor “a pena de abjuração” tampouco “as corpo­ rais” (que, conforme vimos, estão previstas nos regimentos de 1640 e 1770), ficando “o bastante castigo, a prisão de mais de dois anos que tem tido no Pará” . Segue-se a “dispersão”, que é um ato em que se exim e de culpa o transgressor. Registra-se, porém, que a ré seria “asperamente repreendida na mesa”, “advertida a fazer vida com o seu marido, declarando por nulo o segundo matrimônio” e, finalmente, colocada em liberdade. As duas últimas folhas surpreendem: momentos finais do pro­ cesso demonstram que Florência respondia perante a Inquisição de Lisboa. É um termo de segredo, assinado em 12 de outubro de 1768, do qual constam as decisões jurídicas então tomadas e sobre as quais Florência prometia cum prir debaixo do juram ento dos Santos Evan­ gelhos. Foi um “caso extraordinário de absolvição” como bem expri­ miu o arrazoado, assinado por três pessoas* que a liberou das penali­ dades extremas impostas a essa transgressão:

C on clu são

Poderiamos prolongar a leitura dos processos inquisitoriais exa­ minando outros casos em que réus foram condenados ou absolvidos. M arcelina Teresa, m ulata escrava de um reverendo, fazia advinhações, utilizando um balaio e tesoura. Denunciada, inquirida e, finalmente, julgada, teve como fatores atenuantes não represen­ tar, com suas práticas de advinhação, dano maior à religião católica, além de só contar com denunciantes e testemunhas igualmente de pouco crédito: um adolescente e dois negros (ANTT, Inquisição de Lisboa, maço 23, doc. 210). Outros casos exemplificam a condenação. Foi o caso de Ale­ xandre, preso sob acusação de bigamia, em Vila de Souzel, GrãoPará, justamente quando transcorriam as sublevações nas então dis­ tantes povoações da Capitania de São José do Rio Negro. A indicação de que foi condenado consta no trecho em que se delibera que o índio Alexandre fosse preso e remetido com o traslado de sua culpa ao Tribunal do San­ to Ofício [o que se praticaria também com a sua companheira, a índia Josepha), por mostrar-se igualmente cúmplice na malícia de casar e fazer vida [com ele] sem embargo de ser viva a primei­ ra mulher [ANTT, id, na 12.891]. Um terceiro caso a comentar caracteriza um processo inacabado: M aria Teresa, “mamecula” processada por bigamia, estava em plena fase de interrogatório quando foi encontrada morta em sua cela pelo meirinho. O trecho deixa dúvidas sobre o que teria causado sua re­ pentina morte: “falecida a noite antecedente com os sacramentos da Igreja de um cancro que padecia em o peito esquerdo” (id, nQ2.699).

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O Diretório dos índios

Das três situações, um a m ostra que índios como Florência e negros como M arcelina poderíam ter suas penas atenuadas medi­ ante um julgamento da Inquisição que minimizava os efeitos da trans­ gressão, atribuindo-lhe falta de m alícia no cometimento do delito. Parece claro que uma experiência colonizadora de longo curso ha­ via transcorrido, garantindo m esm o a instituições repressivas como a Inquisição fazer avaliações favoráveis ao convívio com diferenças culturais. Não se trata de nos apressarmos em dizer que noções de justiça amadureceram e, sim, saber o que as pessoas pensavam a respeito das normas e sanções impostas a elas mesmas, o que fize­ ram a favor ou contra e qual seu nível de consciência e de vontade quanto a obedecer ou modificar a ordem em que viviam. Poderia ser argumentado que escolhi aleatoriam ente um dos três casos para afir­ m ar que um processo histórico transcorreu, modificando conceitos de delito, relativizando julgam entos e punições, suavizando as leis de convivência em nome de um ideal de felicidade comum e geral. Pois era esta a intenção do Diretório, expressa em outros termos no seu último parágrafo, o dê nB95. O Diretório foi um projeto arrojado, porque anunciava idéias ilum inistas décadas antes, criado e executado por um E stado monárquico para administração das populações nativas de um a de suas colônias, que teve a característica de exemplificar um a maneira de organizar socialmente as pessoas em nome de benefícios comuns. Como analisar este contexto, que ângulos verificar e como transmi­ tir os resultados da pesquisa? Foram estes os aspectos que m ovim entaram a pesquisa do Diretório, tomando-se a discussão sobre o procedimento, muitas vezes, a própria matéria em estudo. Trabalhar com dados opostos (como liberdade e escravidão) abria a possibilidade de trazer instru­ mentos analíticos da Antropologia para o debate de um aspecto da história da colonização do Brasil que tem sido exam inado somente pelo ângulo que focaliza e registra seus efeitos funestos. É justo e necessário que se faça este registro, assim com o análises que enfatizem o aspecto sombrio da colonização para os índios. O que aconteceu neste momento e em outros da História do Brasil já sabe­ mos — temos claramente concluída esta apreciação como matéria que pertence ao passado e que pode ser analiticamente separada de

nossa existência social. Pareceu-me, contudo, inconcluso e por ex­ plorar esse entendimento, na medida em que toma por empréstimo os valores do presente para tradução do que se fez e pensou e que pertence ao passado. Trazer trechos inteiros de documentos antigos para dentro de meu texto teve, assim, o propósito de permitir a expo­ sição de discursos do passado com os quais poderiamos conhecer as explicações dadas pelos protagonistas parà suas ações tomadas histó­ ricas. Outros obstáculos ao entendimento tom aram -se evidentes no correr da análise, como constatar que os registros existentes não permitem um conhecimento eqüitativo das explicações dadas por todas as categorias e grupos sociais que integram a realidade históri­ ca estudada. Temos amostras por meio das quais entrevemos outras mais ocultas que não foram expressas ou que não puderam exprimir suas concepções em seus próprios termos. Refiro-me, especifica­ mente, às razões dadas para as ações colonizadoras e para o possível entendimento que delas tiveram a massa de colonizados, os colonos de origem européia, os índios, e os negros, que não deixaram regis­ tros próprios. Estes são como que pontos locais de um a análise ge­ ral, que tem com o material apenas um lado das explicações sobre o que estudamos.

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A propósito, escreveu Hobsbawm: N ão tem n ad a d e novo v er o m undo através d e um m icro scó p io e não co m um telescópio. N a m edida em qu e aceitam os q ue estam os estu d a n d o o m esm o co sm o s, a e sc o lh a e n tre m ic ro co sm o s e m acro co sm o s é assunto de selecionar a té cn ica ap ro p riad a [1986,

P- 12]. O historiador não viu dificuldade na escolha do instrumento analítico, julgando, por certo, que a opção por um substitui plena­ mente o outro. Lévi-Strauss foi menos otimista, ao afirmar que a o p o sição en tre cu ltu ras p ro g ressiv as e cu ltu ras inertes p a re c e assim , resultar, inicialm ente, d e u m a d iferen ç a d e focalização. P ara qu em o b serv a ao m icroscópio, q u e se co lo co u num a c e rta d istân c ia m ed id a a p artir d o o b jetivo, o s co rp o s situados aq u ém

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ou além , m esm o que ô afastam ento seja d e centésim os d e m ilím e­ tros, aparecerão con fu so s ou em baçados, ou até não aparecerão: estão fora d o cam po d e visão [1987, p. 345].

Lévi-Strauss percebia que a escolha do foco é imperativa não por um a deliberada opção do pesquisador, mas porque a adoção de um foco exclui a contemplação de outro (ou outros). Ao se focalizar um ponto menor, perde-se a visão do todo, mas, se o foco é campo geral, descuidamos de suas particularidades. Uma rara oportunidade permitiu-nos, entretanto, verificar como um a biografia pode espelhar um processo social. Mas foi preciso conhecer separadamente o que cada foco permite enxergar para que, enfim, fosse possível reco­ nhecer que Florência vivenciava exatamente o que se passava à sua volta. O enfoque deste trabalho sempre foi o geral. Estudar o Diretório dos índios implicou a opção de situá-lo cultural e historicamente em uma tradição colonizadora. Tal ópção pedia a contemplação de lar­ gos períodos da formação cultural dos colonizadores e a indagação sobre a condição anterior em que foram os colonizados e aprendizes. A adoção de um foco que abarca o geral tem mais uma explica­ ção. Se, de um foco dirigido a um ponto particular, tomamos como referência a biografia de indivíduos e a sequência de gerações, pela focalização do geral, temos o transcorrer do processo e a percepção de se estar observando movimentos ainda em curso. Proponho, para term inar este trabalho, falar da experiência do Diretório a partir dos dois focos, começando pelo particular, o local, de onde a leitura do processo é vista ao tempo da experiência. A carta do Conde dos Arcos ao Visconde de Anadia, de 27 de outubro de 1803, é um documento relevante, por mostrar como os assuntos relacionados com os índios já estavam institucionalizados. Apresenta informes e opina sobre a convivência com os índios, de­ monstrando claramente haver incorporado seguidas experiências his­ tóricas. Narra um recente descim ento conduzido por um “principal” dos “M undrucús” (M undurucu) e dois parentes, mas a expressão dada ao fato foi diferente, teve outra tradução, isto é, são os M undurucu oferecendo “oito ou dez mil índios seus subordinados”, que pedem a proteção de S.A.R. e da Igreja Católica. Em seguida

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são discutidos os meios de fazê-los produzir, a fim de que possam pagar as despesas com os serviços a eles destinados. Em 1803, não mais sob a vigência do Diretório, mas ainda vi­ vendo na transição para novas formulações políticas, discutia-se a dívida dos índios a ser paga com uma utilidade futura para a civili­ zação. Assim, o Conde dos Arcos declara que, até que o rei não ordene o contrário, fará às custas da Fazenda Real as despesas d e su sten to e d a hab itação destes hom ens p ara que p o ssa assim estab e lec ê-lo s m ais p erto das vilas p o p u lo sas fican­ do p o r isso m ais d istan tes dos sítios seus conhecidos d onde re­ sultará o d uplicado p ro v eito d e fam iliarizá-los sensivelm ente com os usos da gente m ais polida ficando-lhes mais difícil os frequentes p rojetos d e fu g id a: de mais a mais sendo para mim verdade

demonstrada que com algum tempo, jeito e assiduidade ainda estes mesmos indenizarão a Real Fazenda pelo aumento da agri­ cultura, hipoteca em que eu confio reembolso da presente despe­ sa [IH G B, arq. 1.1.4., p. 308]. Um a hipoteca paga com a civilidade, com a transformação dos hábitos, língua e crenças. Um triunfo da civilização, pretender e aca­ bar por conseguir mudar tão radicalmente a natureza desse indiví­ duo a quem é dirigido um projeto de transformação. Uma contabili­ dade da ação civilizadora, tal como expressa nesse documento, é raro encontrar-se tão claram ente. Em geral, encontramos avaliações quantitativas contemporâneas, que permitem leituras restritas à or­ dem espaço-temporal da circunstância em que ocorreu o fato, ou seja, os “mapas”, as “relações” — detalhados estudos estatísticos sobre o movimento das populações indígenas entre as povoações e dentro destas. O primeiro aspecto a observar nesses dados estatísticos é a precocídade com que logo se form a a idéia de fracasso do projeto Diretório no âmbito das experiências civilizadoras com os índios. Um pessimismo que tem origem na verificação coetânea de muitas baixas populacionais causadas por doenças epidêmicas trazidas pe­ los europeus. Um exemplo: no período de três anos, entre 1779 e 1781, o Pará perdeu cerca de quinze mil índios, mortos por bexiga, sarampo e sarampo grande (BNRJ, 21.1.1., numero 10).

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A outra explicação para o fracasso está ligada às “deserções”. Palavra de uso militar empregada para denotar fuga de índios, “de­ serção” exprime a situação de conquista territorial em pleno curso. Voluntária, individual ou feita em pequenos grupos, tais atos permi­ tiam dupla interpretação: para os índios, a deserção podería corres­ ponder a movimentos internos, próprios de um a econom ia nômade de caça e pesca ou da condução cultural dada a suas relações polí­ ticas e matrimoniais; para os colonizadores, estas movimentações, próprias da cultura dos índios que estavam sendo aldeados, talvez estivessem sendo confundidas com uma m esm a categoria de fuga. O que condiz com a situação destas povoações, que, na verdade, começam como frentes de conquista territorial, tom ando-se postos de vigilância com a construção de fortalezas (casa-forte, forte), ar­ raiais e, só com o tempo, ao longo da conquista e colonização, transformam-se em povoados, aldeias, lugares, vilas e cidades. As notícias tratadas nos mapas anunciam apenas fracassos. As perdas populacionais tinham ressonância na produção das povoa­ ções, aumentando a demanda por mão-de-obra. Operários para o Real Serviço em obras de construção de fortalezas, guias, remeiros, car­ regadores para expedições ao sertão e comunicações entre capita­ nias eram uma necessidade constante. E logo tom ariam nulas as in­ tenções recomendadas no Diretório com respeito a iniciar os índios nas escolas públicas, fixar-lhes turnos de trabalho e assegurar-lhes horas destinadas a seus interesses particulares. Deserção adquire o sentido de desgosto. índios afastados de suas fam ílias por muito tem­ po, sem autonomia para produzir a própria subsistência, rompem a amizade e confiança que porventura tenham nutrido pelos brancos, tomando-se exemplos que desaconselhavam a aproximação àqueles que ainda não haviam experimentado o convívio com os civilizados (IHGB.arq. 1.1.3., p. 316). As antigas expedições de resgate, conhecidas pelo nome de “descimentos” , ganham força e tomam-se frequentes com o solução para as demandas progressivas por novas levas de mão-de-obra. Em geral, os “descimentos” adquirem o sentido de atividade comercial (um tráfico), envolvendo representantes do governo colonial e índi­ os “principais”, cujo pagamento por tais resgates se dá sob a forma de artigos da civilização (pentes, miçangas, espelhos, agulhas, tesou­ ras, pólvora, chumbo, pregos, verruma, limas — AHU, cx. 9, doc.l).

Em outros casos, o descimento traduz uma decisão voluntária ou, melhor dizendo, ocorre um acordo de paz e amizade entre determi­ nada nação indígena e representações locais do govemò colonial. Dentre os membros da nação, seus líderes natos (ou não) são reco­ nhecidos e recebem patentes, passando, com seus vassalos, a súditos do rei (IH G B , arq. 1.1.3, p. 232). N esses casos, o registro do descimento está associado à notícia de seu aldeamento em determi­ nada povoação, para aumento das populações já existentes ou início de um novo núcleo. Anotei a expressão que descreve a ação de ter “descido povoações” para enfatizar que “descer” índios, “descer” povoações, civilizar índios, colonizar suas terras eram ações sinôni­ mas, um a vez que aconteciam simultaneamente (IHGB, arq. 1.1.3., p. 373). N o correr da leitura destes informes estatísticos, fica evidente que na m aioria das vezes os “principais” não são líderes dos índios descidos, mas pessoas com trânsito entre os colonos brancos e auto­ ridades do governo colonial. Liderança fundada no domínio da lín­ gua portuguesa e da “língua geral” e no tino comercial para essa atividade. D aí não lograrem esses descimentos a duração suficiente para contribuir para o aumento das povoações, por faltar esponta­ neidade a essas “transmigrações” , com o se dizia na época estudada. Ainda comprovando a artificialidade desta form a de povoamen­ to, há documentos que registram os descimentos de determinados grupos que estariam sendo “de novo descidos”, numa alusão a fugas e resgates contínuos para o que pareciam ser efetivamente acampa­ mentos ou presídios militares (AHU, caixa 12, doc.l ; caixa 9, doc. 1). E sta breve leitura sobre os dados quantitativos corrobora análi­ ses históricas, como a de Regina A lm eida (1990), que mostram que, se houve aum ento das populações indígenas do Norte do Brasil, deveu-se este fato muito mais ao suprim ento contínuo e artificial de índios descidos do que a um crescim ento natural e espontâneo (1990, pp. 12-13) (AHU, 1760, caixa 1, doc. 24). Faltavam “índios para as muitas obras” (AHU, 1760, caixa, 1, doc. 24). O s mapas com dados sobre os habitantes das povoações e os seus rendim entos revelam , sobretudo, as pretensões econôm i­ cas em relação aos índios. Os itens inventariados relativos à pro­ dução agrícola foram: nome (da pessoa que responde pela produ­ ção), qualidade (sinônim o de procedência étnica), estado civil,

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emprego (lavrador, funcionário do governo, oficial de carpinteiro, “principal”), localização da produção, demais trabalhadores que porventura participam da produção (índios e pretos) e, finalmente, a produção (pertencente à pessoa que encabeça o inventário) mensurada segundo os padrões da época (alqueire, paneiro, etc) e avaliada pela moeda corrente. Por esses mapas os diretores controlavam a produ­ ção local (le sua povoação e deviam obrigatoriamente repassar tais informações aos governadores, em períodos regulares, uma vez que com estes dados era avajiado o recolhimento dos dízimos (AHU, Rio Negro, caixa 11, doc. 4). Foi a primeira e talvez a única vez, no período colonial, que se formulou uma política de estímulo à produção agrícola para o GrãoPará e Rio Negro, introduzindo, pioneiramente, um a atividade agrí­ cola para fins comerciais até então inexistente no ambiente ama­ zônico. Pioneiramente — volto a realçar — para as populações às quais se dirigia esse program a agrícola: soldados que vinham ao Brasil em serviços militares e que, sob o estímulo de políticas de povoamento, resolviam perm anecer casando-se com índias, recebendo terras e ferramentas para se dedicarem à agricultura, mas sem ter prática anterior da atividade; ou colonos brancos, como os de Mazagão, vin­ dos de uma “praça” de mesmo nome implantada pelos portugueses no continente africano, e cuja experiência de perm anente luta para conservar a conquista territorial os tornaria menos hábeis no manu­ seio de ferramentas de trabalho. Mas estes são apenas dois casos de imigração. Há outros, como o dos colonos das ilhas da Madeira e, principalmente, Açores, que já estavam fam iliarizados com a vida rural ao virem para o Brasil (Reis, 1960). Quanto aos índios, estes, genericam ente, foram registrados pelas adm inistrações coloniais com o sendo nômades e com algum princípio de agricultura de raízes. Estes índios que entraram em contato e conviveram com os coloni­ zadores provavelmente são os que, segundo os estudos arqueológi­ cos, se inseriríam na categoria de “habitantes de terra firme”, sobre os quais ficam confirmadas as características descritas nos docu­ mentos coloniais, quanto à organização em pequenos grupos dom és­ ticos, ausência de chefias centralizadas e hábitos de um a agricultura de raízes e itinerante (Ribeiro, 1990, p. 81). A expressão “descimento” parece aqui reforçar a suposição de que esses índios vieram a convi­

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ver com os colonizadores, pois, como habitantes de terra firme, afas­ tados dos grandes rios ou vivendo nas cabeceiras destes, ao serem trazidos para os núcleos de colonização, foram literalmente “desci­ dos”. Esses “habitantes de terra firme” não são os mesmos índios que, vivendo às margens dos grandes rios, conheceram o desenvol­ vimento mediante a prática de uma agricultura intensiva (Roosevelt, 1992, p. 32). Alcançando níveis complexos de organização em che­ fias centralizadas, é mais provável que esses “habitantes de várzea” (Ribeiro, 1990, p.82), agricultores experimentados, tenham sido mais combatidos e vencidos do que preservados e incorporados à colo­ nização. Por estes motivos, fundamentalmente a ausência de habilitação para a atividade (e, sem dúvida, uma vocação extrativista que cres­ ceu condicionada pelo que o meio ambiente oferecia), seriam funes­ tos os resultados da implantação da agricultura na Amazônia, se­ gundo as práticas e os padrões de organização da produção então conhecidos pela civilização ocidental, sendo frequentes os informes a registrar uma inexplicável e permanente carestia de alimentos bá­ sicos, não obstante as leis que obrigavam o seu cultivo (AHU, cx. 14, doc. 3). Por fim, vale relancear os olhos sobre mapas panorâmicos, com indicações sobre as populações existentes em todos os povoados das capitanias do Pará e São José do Rio Negro. Em primeiro lugar, reportemo-nos às classificações internas, às classes de idade da cul­ tura européia: crianças de sexo masculino e feminino de até 7 anos; rapazes de 7 a 15 e raparigas de 7 a 14 anos; homens de 15 a 60, mulheres de 14 a 50; finalmente, a faixa de idade mais idosa, que para ambos os sexos começa a partir de 90 anos. Por este levanta­ mento, feito em 1778, assim como por outros do mesmo gênero, torna-se evidente que o período de vida economicamente ativa é o referencial básico para a seleção de índios nos descimentos, o que condiciona e mesmo determina o avanço ou retrocesso das povoa­ ções. Documentos que exprimem claramente a idéia de que as povoa­ ções eram alimentadas com descimentos são os que tratam do anda­ m ento da colonização no Rio Branco, com a construção de fortale­ zas e povoações nas proxim idades. Os dados relativos a esses movimentos mostram que a faixa de 15 a 60 anos é a mais procurada

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nos descimentos. Em 1786, João Bem ardes Borralho retrata a se­ guinte situação: de 693 índios existentes em quatro povoações (N.S. do Carmo, Lugar de Santa M aria, Lugar de São Felipe, Lugar de N. S. da Conceição), 178 eram homens de 15 a 60 anos e 198, mulheres de 14 a 50 anos; os demais èram crianças, sendo 83 do sexo m ascu­ lino e 86 do sexo feminino. Os rapazes e “raparigas”, também em menor número, foram calculados em 66 e 44, respectivamente. Fínalmente, havia 12 homens com mais de 60 anos e 26 mulheres de mais de 50 anos. A confirm ar o fato de que os descim entos foram substancialmerite mais eficazes para o povoam ento do que os nasci­ mentos, temos este mesmo levantamento por João Bernardes Borra­ lho, segundo o qual 24 pessoas nasceram nessas povoações. Este número avulso não confirm a se houve crescim ento espontâneo das populações indígenas aldeadas, por faltarem dados referentes aos anos anteriores, mas é visivelmente menor que o de 255 índios que “de novo acresceram”, isto é, foram para as povoações mediante descimentos (AHU, Caixa 12, doc. 2 — fac-sím ile na fig. 25). Há descontinuidades nestes dados do dia-a-dia da experiência do Diretório. Tudo a demonstrar que a política sugerida por este regimento fracassara prematuramente. As opiniões dos representan­ tes do governo colonial são a expressão maior dessa descontinuidade. Eles representam governos e executam programas. Há intermitências entre as intenções do m inistério de Pom bal (quando é criado o Diretório) e as do gabinete constituído pelo novo reinado. Entre o reinado de D. José I e o da Rainha Maria I e Príncipe D. João form a­ ram-se distintas gerações de políticos e funcionários de governo. Ribeiro Sampaio nos dá o exemplo, ao escrever um texto que pretende corrigir e atualizar um outro, de duas décadas antes, intitulado Memória sobre o governo do Rio Negro. Em um a leitura crítica deste texto, Ribeiro Sampaio enumera sugestões que repre­ sentariam exatamente o oposto do que pensou fazer o ministério de Pombal, quando as aldeias indígenas e m issões foram secularizadas e se implantou o Diretório. Para mencionar algumas de suas suges­ tões, ele considerou “inútil” o matrimônio entre índios e brancos, porque “os europeus pretenderam civilizar índios, mas que os índios barbarizam os europeus” (AHU Rio Negro, 1780, cx 2, doc. 38). Também julgou necessária a separação do espaço social dos ín­ dios em relação ao dos brancos. Propôs anular a intenção de form ar

governos constituídos por índios. Sugeriu a redução do número de vilas. E, sintomaticamente, só concordou em persistir num a idéia, qual seja, a de que os privilégios dos “principais” fòssem mantidos (AHU, id). Que tendências conceituais orientavam o que parecia estar-se delineando como um procedimento exatamente inverso ao anterior? M emória sobre o governo do Rio Negro é atribuída a Lourenço Pereira da C osta e teria sido escrita depois de 1762 (Carvalho, Cedeam, 1983, p. 39). Este autor, comentado por Ribeiro Sampaio, estava assistindo à experiência do Diretório em sua fase inicial e já anunciava, com suas agudas observações, que o emprego abusivo da força de trabalho indígena seria o fator a determinar, em data prematu­ ra, que o Diretório fracassasse em regulamentar as condições de tra­ balho entre índios e brancos (AHU, Rio Negro, cx. 1, doc. 37; id, cx. 2, doc. 38). E sta observação de Lourenço Pereira da Costa m otivou Ribeiro Sam paio a fazer propostas de modificação radical do sistem a, enten­ dendo, por certo, que a inversão do procedimento fosse perm itir sa­ nar os erros da tentativa anterior. Observe-se que estam os tratando de papéis produzidos no espaço de duas décadas, mas um a lembran­ ça ao que aqui foi dito no primeiro capítulo confirm a este exemplo e m ostra como a história da legislação sobre os índios é um a constru­ ção sobre experiência e erro, a qual, às vezes, nega o imediatamente anterior para retom ar exemplos antigos, que já teriam sido por este suplantados. Isto nos transmite um a imagem cíclica do processo em que program as têm a duração das gerações que os criam , sendo cir­ cunstancialmente avaliados pelo que os números do dia-a-dia per­ m item julgar. Este é o momento para entender que as idéias não são percebidas como tendo uma existência contínua. No espaço de gera­ ções, questiona-se o anterior imediato, idealiza-se o m ais distante, tem -se a ilusão de estarem promovendo grandes m udanças. M omen­ to para concordarmos com a caducidade de projetos e de suas inten­ ções, quando transmitidos de um a geração a outra, e constatar as grandes lacunas entre o ideal e o real, a teoria e a prática. M elhor retom ar ao foco que permite a verificação ampla do Diretório, con­ siderando o espectro de sua aplicação ao Brasil e reconhecendo-o com o instrumento jurídico entre outros já experimentados, a partir dos quais faria sua tentativa, deixando aos próximos um a experiência.

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Em 1750, Portugal renovava-se com o program a de governo apresentado pelo gabinete pombalino. M uitas idéias colocadas em prática na form a de lei já correspondiam a um desejo social por mudanças que se avizinhavam de Portugal, vindas de países que não tiveram a mesma experiência de opressão cultural, religiosa — pelo menos, na mesma intensidade de Espanha e Portugal. Mas estas idéias só seriam realmente absorvidas pela sociedade a longo praz», pelo fato de, ao tempo do gabinete pombalino, ainda representarem am eaça às estruturas vigentes e a seus esquemas tradicionais, fundados em monopólios, no uso de mão-de-obra escrava e num tratam ento às colônias que apenas permitia desenvolvimentos parciais, com ple­ mentares ao sistem a colonial como um todo. Ainda que libertadora a intenção relacionada com os índios, bem com o renovadora, quanto à criação de um a econom ia agrícola diversificada, e duradoura, ao fincar administrações e fom entar m i­ grações européias e casamentos com índias, estas idéias remetiam m uito menos ao projeto iluminista (a acontecer) do que às experiên­ cias colonizadoras de Portugal realizadas em épocas anteriores à do Brasil, tal como na índia, por Afonso de Albuquerque, no início do século XVI. Talvez por este motivo, visto deste ângulo, o D iretório, suas idéias e seus efeitos fossem ainda observados e sentidos nas políticas e leis seguintes respeitantes aos índios, com o, no geral, em program as de ocupação territorial que à sua volta passam a ser cada vez mais frequentes e numerosos. Sua divulgação faz justiça à relevância política que teve para a situação histórica em que foi criado. Para fins de visualização, cita­ m os, a propósito, um ofício de 1759, assinado por M endonça Furta­ do e que anuncia a distribuição, aos diretores, de trezentos exem pla­ res do Diretório (IHGB, arq. 1.1.3, p. 167). Parece claro, mas é necessário repisar, que tal distribuição ocorre na Amazônia, nos m ea­ dos do século XVIII, supostamente entre poucas pessoas com dom í­ nio da leitura e da escrita, o que reforça a idéia do Diretório como, acim a de tudo, instrumento de controle e vigilância sobre quem fos­ se adm inistrar índios, mas também referencial para quem viesse ou j á estivesse no Brasil querendo iniciar empreendimentos econômicos. Os efeitos do Diretório chegam a todos os índios habitantes do então denom inado "continente do Brasil”, isto é, os que habitavam as demais regiões fora do Grão-Pará e M aranhão. Pelo Alvará de 8

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de maio de 1758 fica assegurada a decisão régia de restituir aos ín­ dios do Brasil a inteira liberdade de suas pessoas, bens e comércio. O princípio da menoridade e a decorrente justificação para o empre­ go da tutela intervém aqui, definindo que os índios sejam protegidos e favorecidos antes que fossem “todos constituídos na mansa e pací­ fica posse das referidas liberdades” . Tal condição implicava garantirrlhes terras por meio de “cartas de sesmaria”, para que pudessem formar suas lavouras e estabelecer comércio nas povoações em que fossem habitar. Estas povoações teriam nomes de lugares e vilas de Portugal e um a forma de governo civil representado pelas câmaras de Justiça e da Fazenda. A vida política local seria movimentada pelas próprias pessoas ali moradoras, ficando proibida a ingerência de religiosos sobre os governos desses projetos de cidades. As deli­ berações desse alvará term inam como quase todo documento aqui já visto: “o que tudo executareis nesta conformidade de plano, sem figura de juízo, e sem admitires recurso algum que não seja para a minha real pessoa” (IHGB, arq. 1.3.8). No caso, tratava-se de um a carta do rei dirigida ao governador e capitão-general da Capitania do Rio de Janeiro e M inas Gerai?. O Diretório tomara-se lei geral, incorporando todas as demais ins­ truções dirigidas aos portugueses que desde o início vieram ao Bra­ sil com esta mesma deliberação. Aqui descrevemos esta deliberação para destacar do tempo e do espaço o modelo constituído na própria experiência de unificação territorial e formação do Estado ocorrida na história de Portugal. Talvez por este referencial, fortemente esta­ belecido e continuamente utilizado, todas as modificações intro­ duzidas sobre o tratamento dispensado aos índios no período colo­ nial se tenham efetuado somente em torno do agente que atuava sobre o índio. Ou dito de outra m aneira, a mudança ocorria nos ato­ res que representavam o mesmo personagem. As intenções, os meios, os fins, entretanto, eram os mesmos. É o que se observa no texto Informação sobre a civilização dos índios do Pará, escrito por Francisco de Sousa Coutinho e datado de 2 de agosto de 1797 — documento em que o autor rascunhou as idéias que viriam a subsidiar a carta régia que, em 12 de maio de 1798, aboliu o Diretório. Nele o diretor é alvo de todas as críticas e descrito por Francisco Coutinho como um “senhor absoluto” da povoação e dos índios que administrava. O retrato do diretor como um

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O Diretório dos índios

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“tirano” parece ter-se generalizado. Na descrição de Coutinho, o di­ retor evitava que os índios se instruíssem e se comunicassem com moradores brancos, im pedia que promovessem suas lavouras, fizes­ sem expedições ao sertão, ou se dedicassem ao serviço real, apenas consentindo que servissem ao próprio, segundo seus interesses. Ser­ viço quase sempre retribuído com castigos físicos, em vez de salá­ rios (IHGB, arq. 1.1.4., p. 232). Ao tecer estas críticas aos diretores e, de m aneira geral, ao Diretório, Francisco Coutinho levanta questões de plena atualidade. Embora, àquela altura, estivesse refletindo sobre novos procedimen­ tos que viabilizassem a definitiva abolição da escravidão dos índios, suas idéias deverão contribuir para a formação do conceito de tutela. No caso, o texto a seguir traz à tona questões geradas em uma situação de controle e vigilância levada ao extremo oposto das in­ tenções de restituir a liberdade dos índios. O que nos sugere, como exercício analítico, com parar as questões por ele levantadas com as ambigüidades que afloram em uma situação de menoridade e tutela. Convém destacar que Francisco Coutinho estava contribuindo para formar um conceito e um a instituição a partir da crítica a um a situa­ ção que só se acentuaria, e paradoxalmente, pois, ainda que tal situ­ ação fosse sendo suavizada por novos métodos, o objetivo que se perseguia continuava a ser a transformação dos índios (ou a sua con­ versão, civilização, conform e a terminologia usada em cada época). O problema é que esta transformação redundava em dependência, fundada numa eterna m enoridade construída pelo próprio tutor. É o que se depreende do trecho a seguir: Por m ais rústico q u e se considere ele não p o d e se r m ais d estitu í­ do de co nhecim entos d o que é um a cria n ça e esta, contudo, n a sua educação tem c e rto term o, e a m e sm a ju risd iç ão p atern al o tem até aquele q u e a lei reGonheceu e estab eleceu p a ra a m aio ri­ dade em que in te iram e n te pode disp o r d e si, e fica en treg u e aos efeitos de sua b o a o u m á educação. P o rq u e m otivo p o is não h á d e isto m esm o p ra tic a r-se com o índ io ? Como há de apreender a

tratar sem lhe ser jamais livre o trato do que é e com quem bem lhe parecer? P o rq u e h á d e errar; p o rq u e h á de ser en g an ad o , q u e im porta? quando e c o m o jam ais foi p o ssív el a alguém d eix ar d e o ser, sem o ter sid o ? A caso os índios só p o d em ser adm itidos aos direitos que as leis co n ced em aos m ais vassalo s, q u an d o forem o

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qu e estes nem são n em foram , isto é: infalíveis em todas as suas d isp o siçõ es e in acessíveis a fraudes, a m alícia e ao en g a n o ? [id, p. 235],

Essa discussão terá o curso próprio das legislações e políticas indigenistas e segue o comando das percepções que a civilização ocidental foi adquirindo sobre os índios e que deverão perm itir cada vez m ais pensar num a convivência futura pautada por condições eqüitativas. Importa-nos reter o conteúdo cultural que sustenta o Diretório. Francisco de Sousa Coutinho quis eliminar a figura do diretor, reti­ rando-lhe as prerrogativas que em verdade sempre couberam aos juizes. A mesma figura retom aria meio século depois pelo Decreto n° 426, de 1845, que organizou o serviço de catequese e civilização dos índios. Na ocasião, a figura do diretor desdobrou-se nas funções de “diretor-geral” e “diretor de aldeia”, situação esta que reproduz conceitualmente as ramificações do poder, entrevistas no Diretório nas relações entre “governadores” e “diretores de aldeias” . U m a anotação curiosa e rica para um a reflexão sobre os m ovi­ m entos cíclicos subjacentes nos significados dos conceitos é a que provém da leitura de ofício escrito por um diretor-geral dos índios da Província do Ceará, já no início do século XIX. Nele, aquela autoridade discorre sobre a dureza de sua tarefa e pede o retom o da gratificação que os diretores parciais (de aldeias) recebiam , isto é, “a sexta parte de todos os frutos, que os índios cultivarem, e de to­ dos os gêneros que adquirirem”, excluindo os de consum o pessoal (D iretório, parágrafo 34). Desde o Decreto de 25 de fevereiro de 1819, os índios estavam desonerados desta obrigação, implantada ao tem po do Diretório. Nesse papel considerava razoável o retorno desse tributo pago pelos índios e que tinha sido uma das justificati­ vas da abolição do Diretório (BNRJ, 1.31.24.26). Entre decisões e retrocessos sobre qual postura assumir, foi re­ passado e instituído um procedimento econôm ico— e creio ser este, exatam ente, o que enfim sintetiza o Diretório : uma carta de orienta­ ção guiando empreendimentos, em que a participação do índio é ne­ cessária devido ao conhecimento e dom ínio que detém sobre as ter­ ras a serem colonizadas. H á um a troca de favores sem elhante à que se verificava entre reis e empreendedores para exploração sobre

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domínios coloniais, tal como aconteceu na exploração das ilhas atlân­ ticas e na divisão do Brasil em capitanias hereditárias (Nunes Dias, 1980). Comparando estes procedimentos colonizadores com o que se passa nas experiências de civilização dos índios brasileiros, há que observar ganhos políticos beneficiando ambos os lados: os dire­ tores recebem privilégios de exploração (monopólios), e a Coroa portuguesa ganha novos vassalos com a pacificação dos índios e a sua civilização, adquirida mediante o treinamento para o trabalho prestado ao colonizador e expressa civil e politicamente na obriga­ ção de pagar tributos (dízimo) e de prestar lealdade ao rei (como aliados, povoadores, defensores). Intervém nesta comparação a alu­ são a instituições que são básicas, mas que só podem ser vistas no contexto da constituição cultural e política de Portugal. Não há um a transposição literal destas instituições portuguesas para o contexto da administração colonial do Brasil. Há, sim, um a permanente alu­ são a estas mesmas instituições como referências para o que no Bra­ sil se constituiria segundo outros condicionamentos e determinações históricas e culturais. Parece-nos, contudo, importante reter os sím­ bolos de lealdade e de compromisso civil presentes no conceito de “vassalo” e no que por seu intermédio se exprim ia como uma colo­ nização conduzida por um Estado monárquico realmente soberano em relação a todos os empreendimentos coloniais, em que pese a aparência descentralizadora e feudal de que estes muitas vezes se revestiam (Faoro, 1958/1976). O caso que melhor exemplifica como o Diretório seguia a tradi­ ção de carta de orientação para os empreendimentos coloniais vem de onde não se esperava encontrar qualquer documento tratando espe­ cificamente de ações civilizadoras sobre os índios: Minas Gerais. Em geral, os índios habitantes de regiões de mineração ficam ocul­ tos, dada a ausência (certamente deliberada) de notícias onde a admi­ nistração colonial não desejava apresença de ordens regulares. Há, entretanto, um documento curioso, intitulado Diretório que se deve observar nas povoações dos índios da Capitania de Minas Gerais, enquanto Sua Alteza Real não m andar o contrário (1801/1897). Este docum ento segue junto a um requerimento feito pelo padre Francisco da Silva Campos e tramitou no Conselho Ultramarino em 1801, quatro anos depois que o Diretório do Pará havia sido abolido pela Carta R égia de 12 de maio de 1798. O padre pede autorização a

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D. João, príncipe regente de Portugal, para “catequização, civili­ zação e arranjam ento” dos índios da Capitania de M inas Gerais (id, p. 692). Segundo o docum ento, as vantagens para o rei seriam a transform ação de índios tidos com o “selvagens e rudes” em “cristãos”,’’cidadãos utéis” e “vassalos” que “se acrescentariam ao Império” . Para o requerente, o benefício seria receber o monopólio sobre a negociação do tabaco e fumo de toda a Capitania de Minas Gerais, durante dez anos, além de proteção real, auxílios diversos e em préstimos junto à Real Fazenda. O empreeendimento consistia na construção de engenhos de farinha, local para fiação, moinhos, ser­ raria, celeiros, capela, escola, igreja, bem como compra de escravos e de ferram entas de trabalho. Em suma, os empréstimos eram desti­ nados à instalação de um a unidade de produção rural organizada a partir de uma base populacional, que incluía os índios e a força de trabalho integrada pelos escravos negros (id, pp. 692-718). Por aí não há dúvida de que o Diretório relativo ao Pará foi inteiramente transplantado para experiências correlatas entre os índios de Minas Gerais. H á que questionar inclusive se a carta régia que aboliu o Diretório no Pará, em 1798, abrangia todo o país. Se a decisão de abolir o Diretório foi m esm o geral, cabería pensar em descontinuidades de uma colônia com dimensões continentais, como tam­ bém em tendências autônom as nos processos sociais desencadeados pelo Diretório em cada situação regional. O texto é de fato um a cópia do Diretório do Pará. Há, porém, peculiaridades no Diretório de M inas Gerais, as quais são ditadas por condicionamentos e determinações próprias de uma região de interesse econômico central para a Coroa portuguesa. Por exemplo: foi fundamental, para o deferimento do referido requerimento, que este se amparasse na justificativa de estar contribuindo com a Coroa portuguesa para solucionar os problemas de defesa das vias de comu­ nicação e comércio ligando M inas Gerais ao Rio de Janeiro. Sua proposta era justamente prom over a pacificação dos índios que tran­ sitavam por estas rotas (id, pp. 686-687). Desconheço, além deste deferimento ao projeto, desdobramen­ tos seguintes que confirmassem que tais idéias saíram do papel para um ensaio sobre a realidade dos índios de Minas Gerais. Tais desdo­ bramentos deveríam ser melhor verificados em pesquisas específicas. Projetos com o o do padre Francisco da Silva Campos, ou, então, o

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projeto de João M oura para os índios do M aranhão, elaborado no século XVU (aqui examinado no capítulo 4), foram vistos, no correr da presente pesquisa, com o exemplos conceitualmente próximos ao Diretório. Outro requerimento de mesm a natureza permite-nos observar como foi a experiência do Diretório para os índios da Bahia. Intitulase Plano sobre a civilização dos índios do Brasil e principalmente para a Capitania da Bahia (13 de outubro de 1788). É um longo texto que discorre sobre a história geral das experiên­ cias colonizadoras e civilizadoras no Brasil, a fim de com elas justi­ ficar as solicitações contidas no requerim ento a ele anexado. As pre­ tensões do citado requerimento não são menores que as verificadas no documento de Minas Gerais, posto que tam bém contempla o pro­ blema da civilização dos índios existentes na Bahia. Seu autor, um capitão de infantaria do regimento de “Estrem ôz” , chamado Domin­ gos Alves Branco M oniz Barreto, apresenta um requerimento em nome dos índios domesticados da Capitania da Bahia. O documento é simples e, ao mesmo tempo, amplo como proposta de utilização dos edifícios e da experiência m issionária já absorvida pelos mes­ mos índios a que se refere o requerimento. Solicita, por exemplo, a nomeação régia de m issionário para continuação do trabalho de catequese, pede auxílio para edificar e reformar templos existentes nas aldeias e sugere a nomeação de um diretor e de um procuradorgeral, assim como a abolição da sexta parte paga pelos índios ao primeiro. O requerimento referia-se tanto aos índios e às missões quanto a questões como o aproveitamento do colégio dos jesuítas e a nomeação de professores destinados ao sem inário. É m esm o ambivalente, quando se considera ter sido escrito por um proponente a civilizar índios que ao mesmo tempo afirma estar escrevendo em nome deles. Entretanto, apesar de sugerir a abolição da sexta parte paga ao diretor pelos índios, ao final retom a à questão, para solicitar

Ou seja, retom a à mesma legislação que um pouco antes criti­ cara, sugerindo modificações. O documento finaliza com um a espé­ cie de autorização dos índios e também um a solicitação destes no sentido de que Domingos Alves Branco M uniz Barreto fosse o esco­ lhido para conduzir o plano de civilização entregue juntamente com dito requerimento. Este papel registra um momento histórico de peculiar im portân­ cia. Um documento em que os índios nom eiam como seu procurador aquele mesmo que entrega o requerimento contendo as solicitações. E estas solicitações, especificamente referentes aos índios, são cita­ das ao final do documento, a saber: que a rainha mandasse elevar à condição de vila todas as aldeias que se encontravam sob a jurisdi­ ção e o domínio temporal dos missionários; que fossem “repartidas as terras místicas” (adjacentes) às vilas e aldeias, sendo preferidos os índios, como “primários e naturais senhores” das mesmas; que fossem dadas ferramentas para o trabalho durante os dois prim eiros anos e ficasse concedido o perdão real (isenção dos tributos) das dívidas, a fim de que pudessem sair da “indigência e pobreza” em que viviam. Assina o documento o próprio Domingos A. B. M. Barreto. É inegável a necessidade de uma pesquisa para verificar as con­ dições em que foi elaborado esse requerimento, bem assim a consciên­ cia e a participação dos índios na decisão de prepará-lo conforme os termos aqui analisados. Questões difíceis de serem respondidas, ten­ do-se apenas em mãos o requerimento. Entretanto, os desenhos de aldeias e vilas habitadas por índios na Capitania da Bahia perm item algumas suposições. O interessante é que as legendas destes desenhos informam a procedência dos da­ dos como sendo do capitão de infantaria Dom ingos Alvares Branco M oniz Barreto. A data, porém, é um poüco posterior ao requerim en­ to: 1794. Em bora tais desenhos tenham sido produzidos posterior­ m ente, as legendas e “observações” escritas no verso provam que seu autor conheceu bem os índios de que trata o documento, quando em visita a suas aldeias e vilas (v. as figuras 26 e 27). P or estes dados, conhecem-se as principais atividades econôm i­ cas. As plantações mais referidas são a m andioca, o algodão e o arroz. Há tam bém referências a atividades de extração de m adeira,

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uns módicos direitos sobre suas lavouras e manufaturas pagas na mesma espécie e não a dinheiro, p ara su sten tação do m esm o sem inário ou dar. o u tra p ro v id ên c ia q u e fo r serv id a na fo rm a do diretório dado p ara o s índios d o G rão -P ará e M aran h ão [1788/ 1856, p. 97).

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fabricação de canoas, cordoaria, tecelagem , olaria, serraria, abertura de estradas e criação de gado, e de outros animais de m enor porte, como ovelhas. Não há fome e m iséria nas aldeias visitadas, como também não há um a única situação de índios em relação ao trabalho, pois tanto são observados os hábeis, peritos e conhecedores das ati­ vidades que exercem, como também os que não trabalham, os dados à embriaguez, os que desertam e são de volta recolhidos. As observa­ ções e os desenhos são com o um instantâneo de cada lugar que Do­ mingos Barreto visitou e têm o mesmo efeito das páginas de diários em que cronistas viajantes deixavam registradas as impressões. Pelas atividades nessas aldeias, infere-se que a cultura da civili­ zação ocidental se misturou aos conhecimentos e habilidades indí­ genas. Exemplo positivo constitui a referência do autor aos índios de Santarém, quando observou que eram

letras indicadas na legenda representam estradas que levam a outras povoações e feiras de gado. N a época, tais estradas eram os primei­ ros caminhos que se abriam às comunicações e ao comércio com outras localidades; hoje (se esse traçado ainda permanece) são mas que cortam a grande praça (fig. 27). O requerim ento e estes desenhos encontravam-se em arquivos distintos. Aqui se complementam para nos darem uma idéia dos meios empregados à época no preenchimento das funções, antes exercidas pelos jesuítas. M aterial que oferece a rara oportunidade de verificar e comprovar a continuidade de procedimentos que aparentemente se contradiziam. Os desenhos das aldeias da Bahia recordam as plantas proje­ tadas para os índios da Capitania de Goiás. Embora sem o rigor e a precisão do risco do arquiteto (tal como as aldeias goianas), o molde das vilas e aldeias baianas é o mesmo, revelando-se predominante como o traçado seguido pela maioria das cidades brasileiras nasci­ das no período colonial, ou seja: um recorte retangular onde estão ordenados os edifícios básicos da administração pública e da prática religiosa. Desenhos de aldeias missionárias trazem sempre este riscado. M esmo aquelas que figuram diminutas como pontos geográficos em plantas maiores que focalizam o Brasil ou dada capitania. Nestes casos, as missões e aldeias indígenas estão representadas por malocas em form a de cone, dispostas de maneira a formar um retângulo com um cruzeiro ou um pelourinho no centro (fig. 28). Pequenos retângulos ou quadrados formando um tabuleiro — este é o princípio de toda cidade planificada. Na Amazônia, o exem­ plo é Vila Nova de Mazagão, criada para acolher colonos vindos, com seus escravos, da praça de mesmo nome situada no continente africano (desenhos 29 e 30). Comparando uma e outra planta, não se constata somente um mesmo nome para as duas experiências de con­ quista. Noções de cidade e civilização estão impressas, no que a olho nu constitui um mesmo molde, um mesmo padrão de habitação e de convívio urbano. A planta da Vila de Serpa (fig. 31), criada por Felipe Strum ao tempo do governo de Joaquim de Mello e Póvoas, também confirma um princípio geométrico ditado pelo molde que tem um centro de onde se irradia o crescimento urbano. Na observação desta praça

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robustos para o trabalho do campo, insignes conhecedores de madeira de construção, peritos trabalhadores dos reais cortes e abridores de novas estradas para condução dos paus a borda de água. Outra referência mostrando esse entrelaçamento de conheci­ mentos e técnicas vem das índias da aldeia de São Fidélis (fíg. 26). Estas índias faziam “panos de algodão” chamados “tipóias” que, sustentados por cordas, constituíam as “camas ordinárias” (redes) de uso geral dos índios da Capitania da Bahia. Os desenhos destas aldeias não variam muito. Observemos, por exemplo, a aldeia de São Fidélis (fig. 26). Duas mas paralelas, com um a igreja no centro. É curiosa esta representação espacial, pois na legenda indica-se o inverso, isto é, a perm anência de traços culturais indígenas na disposição das habitações “em círculo” e no costume de viver m uitas famílias em uma só casa sem paredes internas sepa­ rando-as. O outro desenho (27) é da Vila de Abrantes. Está melhor deline­ ado. Tem um centro já fechado, cham ado “grande praça” (G), onde estão localizadas a igreja matriz (A), a habitação do vigário (B), a casa de câm ara (C), a casa de olaria (D), o cartório, onde reside o escrivão-diretor (E), e a casa do capitão-m or índio (F). As demais

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pública, convém saber se sua form a hexagonal é um m odelo construído sobre um terreno vazio ou foi uma solução que se subme­ teu às estruturas preexistentes, isto é, habitações indígenas dispos­ tas em forma circular. É o que nos sugere este plano de Serpa — praça de concepção originalm ente circular delineada com traços retilíneos. Esta mesma questão se aplica à aldeia de Sãõ Fidélis (ftg. 26). O que nos leva a perguntar se já não estaria nesta concepção a manutenção da referência espacial indígena determ inando todas as demais experiências seguintes de organização do espaço social. O desenho da aldeia dos índios “Barbados” sugere a mesma questão, vista de outra perspectiva (ou melhor, de dentro) (fig. 32). Trata-se de um desenho do século XVII, o qual registra a transfor­ mação de seu espaço social. Sua localização no M aranhão, entre os rios Itapicuru e M earim, perm ite identificar estes índios “Barbados” com os de nossa atualidade, especialmente com os que têm o hábito de construir aldeias circulares nas quais o espaço interno é destina­ do às atividades públicas, sendo também o local onde se encontram as casas dos rapazes solteiros (a propósito, um artigo de Julio Melatti, intitulado “Por que a Aldeia Krahó é redonda?” , de 1974, traz su­ gestões de pesquisa a partir desta questão). Neste desenho da aldeia dos índios “Barbados” há um número exagerado de casas, completamente irreal, se levarm os em conta os modos de habitação dos índios de hoje. Talvez este exagero possa ter explicação, se pensarmos que essas casas constituem a represen­ tação gráfica de “fogos”, denominação predom inante nos séculos XVU e XVIII para casais ou famílias. O desenho da aldeia do M aranhão (fig.32) narra uma incursão em que os donos do lugar estão sendo obrigados a ceder. Esta mes­ ma questão é detectada no exame da aldeia do “principal Majuri” (fig. 33), também registro visual de um evento bélico que realmente aconteceu. Observando esses dois últimos desenhos que registram o momento da transformação do espaço, fica a vontade de saber até que ponto representam o que deveríam ser as habitações construídas pelos índios antes da colonização. O que é genuinam ente indígena e o que foi transplantado e absorvido. Em todos os casos até aqui vistos, o centro tem o significado de começo de tudo. Se fôssemos dispor estes desenhos em uma série

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animada por distintas configurações, não teríamos simplesmente uma transição, mas um a sobreposição de experiências em que, de formas arredondadas a expressões mais retilmeas do espaço, se manteve o riscado em tom o da idéia de um centro. No caso, um modo de habi­ tação indígena preexistente manteve-se subjacente às modificações e aos crescimentos. Esta questão se apresenta, ao se verificar que as aldeias e vilas de origem indígena na Amazônia têm o m olde diferente. Nelas desa­ parece o centro, ou toma-se este longitudinal em relação ao rio que passa adiante, estabelecendo as comunicações e sugerindo ativida­ des produtivas associadas à vida fluvial. Ou seja, o rio é o único ponto realmente central para os moradores dessas aldeias e missões ribeirinhas que foram erigidas vilas no tem po de Pombal. Os dese­ nhos 34 e 35 registram duas soluções de ocupação. O de n° 34 indica o tempo em que a cidade de Airão foi Aldeia de Jaú, missão carmelita onde viviam os índios “Aroaqui”. O desenho 35 flagrou duas formas de ocupação ocorrendo simultaneamente: a aldeia de Pauxis, admi­ nistrada pelos capuchos de São Boaventura, talvez tenha atraído e assegurado a construção de um forte em terreno contíguo. As duas experiências somaram-se, tomando-se a Vila de Óbidos — nome que hom enageia a cidade portuguesa que cresceu dentro dos muros de um castelo medieval. Passando os olhos ao longo dos principais cursos da Am azônia (figuras 36 e 37), visualizamos claramente a adoção de um a form a de ocupação que se amoldou ao ambiente, combinando povoações ribeirinhas com populações que já viviam da pesca e da extração de espécies nativas. Tendo em vista estes mapas panorâmicos dos prin­ cipais rios, fica mais fácil entender que os prim eiros colonizadores d a Am azônia adotaram o comércio fluvial, daí fundando povoações nos barrancos dos principais rios, já que estas funcionavam com o p o n to s de suprim ento das em b arcaçõ es e, ao m esm o tem po, entrepostos com erciais (empórios). A experiência recorda a dos navegantes portugueses do séculos XV e X V I, em suas viagens de reconhecim ento pela costa africana à procura do caminho para as índias. Os prim eiros estabelecimentos nessa rota foram, em princí­ pio, pontos de “aguada e refresco” dos navios. Este é um bom motivo para supor que os prim eiros colonizado­ res assim o fizeram, adotando esta form a de penetração e ocupação

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da Amazônia, por também concordarem com as sugestões e solu­ ções oferecidas por seus primeiros habitantes para os problemas de adaptação àquele ambiente sui generis. Estudos de Anna Roosevelt (1992) revelam que na pré-história recente da Amazônia existiam povoações populosas e contínuas, ao longo dos principais rios. Como mencionamos antes, suas populações já detinham conhecimentos complexos que permitiram a estruturação de organizações sociopolíticas centralizadas e estratificadas em hie­ rarquias (1992, p. 27). O que parece confirm ar que a forma de interação do homem no meio amazônico tem sido repassada, mais do que imposta, em experiências sucessivas, em que vencedores as­ seguram seus movimentos de conquista territorial tomando de em­ préstimo conhecimentos e práticas adaptativas das populações nati­ vas vencidas. M apas panorâmicos como o elaborado por d ’Anville, em 1748 (fig. 36), e o de Seraphim José Lopes, em 1813 (fig. 37), exprimem dois m omentos da colonização na Amazônia. O prim eiro foi predominantemente missionário, enquanto o segundo começou por propi­ ciar a form a atual do território brasileiro, fixando, mediante a secularização das missões, uma configuração urbana e municipal até hoje existente (Dias, 1983, p. 365). Um último documento que vale a pena referir neste texto, para finalizar nossos estudos sobre o Diretório, é o conjunto de instru­ ções dirigidas a governadores interinos da Capitania do Rio Negro pelo governador João Pereira Caldas, em setembro de 1783 (AHU, Rio N egro, caixa 7, doc.12). Interessou-nos especialmente este do­ cum ento p o r descrever o sistem a de com unicação m antido por “canoinhas” . Assim, as instruções rezam que os comandantes fizes­ sem “noticiar novidades” com relativa segurança e agilidade me­ diante o esquem a que passamos a descrever (para m elhor visua­ lização, fíg. 37). No caso da “Fronteira do Rio N egro”, o com andante da for­ taleza de São José de M arabitenas deveria comunicar-se com o co­ mandante da fortaleza de São Gabriel por meio desses “condutores de canoinhas” , os quais, por sua vez, estariam instruídos a repassar notícias aos diretores de Santa Isabel, Lam alonga, Tomar e Moreira.

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M encionam-se, inclusive, instruções aos diretores para que estives­ sem sempre preparados a transmitir, com brevidade, avisos a povoa­ ções superiores e inferiores do rio Negro e do rio Solimões, por meio das referidas “canoinhas”. O mesmo é estabelecido para a defesa da “Fronteira do Rio Bran­ co” . Ali, os condutores de notícias, instruídos pelo comandante da fortaleza de São Joaquim, deveríam, no seu trajeto usual, transmitir notícias aos diretores das povoações de Senhora do Carmo, Carvoeiro e Poyares, como também ao administrador do Pesqueiro Real. Por sua vez, o diretor de Carvoeiro deveria retransmitir tais avisos aos diretores das povoações de M oura e Airão e também ao coman­ dante da fortaleza da Barra do Rio Negro. Quanto à “Fronteira do Javari” , o comandante do Posto de Tabatinga deveria ordenar que “as canoinhas de aviso tomem todos os postos e todos os portos das povoações que na passagem lhes ficassem à mão”. Há também uma recom endação especial ao diretor de Vila de Ega, para que repassas­ se os avisos por ele recebidos aos lugares de Nogueira, “Alvellos” e de Santo Antônio do M aripi, no rio Japurá. Os condutores deveríam continuar este mesmo trabalho (refere-se, agora, aos “portadores de cim a”) até chegar à fortaleza da Barra do Rio Negro, para daí se com unicarem com os pesqueiros reais e as vilas de Silvis, Serpa e Borba. O prescrito para o comandante do “Posto e da Fronteira de Tabatinga” deveria ser também observado pelo comandante do “Posto da Boca do Rio Içá”, sendo que este, em caso de “maior novidade”, deveria expedir outro aviso para o mesmo comandante de Tabatinga. Estes esquemas foram criados pelos portugueses para agilizar as comunicações, em casos de urgência e de necessidade de os avi­ sos chegarem simultaneamente às três fronteiras então defendidas contra índios hostis, franceses, ingleses, holandeses e espanhóis. Estes esquem as de comunicação mostram que as aldeias e missões erigidas em vilas no tempo de Pombal não eram propriamente povoações e, sim, começos de colonização, pontos de parada necessários ao rea­ bastecim ento das embarcações, numa época em que as solicitações prim eiras ainda eram de caráter exploratório e defensivo. Neste sen­ tido houve uma apropriação de estratégias nativas de ocupação da Am azônia. As mudanças dos topônimos, tal como mostram as figu­ ras 36 e 37, assinalam mudanças nos rearranjos de poder, que nada m ais representam senão experiências cumulativas.

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O estudo do D iretório dos índios abriu um leque de possi­ bilidades para realização de pesquisas breves e localizadas sobre temas variados e inter-relacionados. Cada capítulo segue um desen­ volvimento próprio e goza de indepedência em relação ao conjunto. Não obstante, cada capítulo constitui-se, também, em um posto de observação, do qual se pode refletir sobre a experiência do Diretório a partir de múltiplos enfoques. O fio condutor parece ser o delineamento da experiência com o um todo. Esse modo de expor os resultados coincide com a form a pela qual se direcionou a própria pesquisa: desde o início, considerou-se a totalidade de aspectos do D iretório, fossem estes extrem os e conflitantes. Na verdade, os principais pontos de abordagem foram identificados justam ente onde a conceituação comportava significa­ dos múltiplos, como é a circunstância de o Diretório proceder de experiências colonizadoras milenares e, ao mesmo tempo, consti­ tuir-se em instrumento de implantação de mudanças que sinálizam, inclusive, a preparação para o- encerramento dos vínculos coloniais. Tal delineamento estim ulava a postura de considerar cada documen­ to identificado um a peça pertinente da composição final. O momento do inventario e o que se destina a apresentar os resultados da pesquisa são vivenciados com níveis distintos de per­ cepção do objeto de estudo. No inventário, a própria atitude de bus­ ca e exercício de problem atização são suficientes para o pesquisa­ dor deixar em aberto o campo de investigação. N a sistematização, o recorte é imperativo. Há pontos comuns, entretanto: nos dois mo­ mentos foi adotado um mesmo procedimento de dialogar com as fontes segundo as questões colocadas, desde o prim eiro capítulo, quanto a estimar qual a natureza e a direção que tomam os processos sociais. As perguntas que daí emergiram tiveram por objeto verifi­ car o peso das ações conscientes tomadas por indivíduos e grupos no sentido de modificar ou influir sobre os processos. A intenção era avaliar em que medida essas ações intervinham sobre o curso natu­ ral dos acontecimentos, condicionando-os a adotar a direção e senti­ do desejados. Acredito que o Diretório é exemplificativo da ação de indiví­ duos e grupos sociais que agem com a consciência de estarem pro-

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movendo mudanças. Acresce salientar a situação política favorável, bem assim a especial circunstância de a sociedade ou os segmentos dela representativos terem-no materializado. Ao longo 3a pesquisa, a identificação de aspectos que formam a base conceituai do Diretório permite inferir a antiguidade de propósitos que ele supunha, muito embora, paradoxalmente, estivesse representando a novidade de es­ tar regulamentando a situação civil de liberdade dada aos índios a partir de então. A prim eira parte do presente trabalho (As Idéias) identifica raízes, reconstitui tradições, situando o D iretório neste contexto. O gesto cultural de implantar ou dar continuidade a hábitos e cren­ ças de indivíduos que deixam a terra, adotando outra com o sendo sua, foi neste momento exaustivamente explorado m ediante a metá­ fora da constituição da bagagem que leva o viajante. Isto permitiu relacionar experiências remotas, como são os forais e o sistema de lealdade entre rei e vassalos, com o que propunha estabelecer o Diretório com o regimento que instruía os colonizadores sobre o modo de governar os índios em povoações que reproduziam aldeias e vilas européias. Parece fundamental reter não tanto a ocorrência de transplantes literais de instituições, hábitos, crenças e sim a internalização de seus significados, pois esses formam a base de sentimentos de iden­ tidade e nacionalidade, constituindo a força m otriz de grandes esfor­ ços de construção de novos mundos, que são os movimentos migra­ tórios e as políticas de redistribuição territorial de populações étnica e culturam ente distintas. E studar o Diretório permitiu visualizar a situação em que a fron­ teira setentrional brasileira estava sendo definida por negociações políticas (é certo), mas, também, por um povoamento em que con­ correram índios, africanos e europeus, principalm ente portugueses. Desse m odo, o que visualizamos são processos espontâneos ocor­ rendo condicionados ou independente e paralelamente às delibera­ ções políticas. Estas questões foram discutidas principalm ente nos três prim ei­ ros capítulos, mas foi no espaço do quarto capítulo que se abordou a intervenção consciente de indivíduos e grupos sociais sobre a dire­ ção dos processos sociais em que se acham envolvidos. A form a­

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ção da opinião, a convicção de que os projetos podem viabilizar a implantação de utopias sociais, a separação dos poderes do Estado e da Igreja formam o ambiente conceituai de reformas políticas de que o Diretório faz parte. Estas mesmas linhas dé trabalho são seguidas na segunda parte (As Transposições), que abrange os capítulos 5 e 6. D aí em diante, o trabalho orienta-se para o estudo do Diretório por ele mesmo, em termos de suas normas explícitas e de sua aplicabilidade. A expecta­ tiva foi a de lançar a diversidade dos dados levantados na pesquisa para o entendimento do Diretório, segundo seus princípios e à luz das circunstâncias históricas que o cercam. O início da terceira parte (As Traduções) retransm ite as impres­ sões re g is tra d a s p elo s v iaja n te s, e stu d io so s, re lig io so s que vivenciaram experiências com os índios ao longo do período colo­ nial. Esse inventário permitiu apreciar a riqueza de detalhes sobre a pessoa do índio, seus sentimentos e valores — observações’essas comumente inexistentes nos papéis administrativos e oficiais. A essa altura, a necessidade da fala do índio transmitindo suas percepções, tal qual fizeram os brancos, atinge expressão máxima. Foi neste contexto que julguei oportuno introduzir o material da Inquisição. A princípio, este material parecia um tanto desarticulado e mesmo destoante com o tipo de documentação até então aqui apresentada. Entretanto, foi a leitura dos depoim entos tomados pela Inquisição que permitiría visualizar como as idéias contidas nos planos, proje­ tos e programas foram internalizadas pelos índios. Afinal, o que dizer de todo este material levantado a partir de indagações colocadas ao D iretóriol O melhor saldo foi verificar a amplitude e justeza do conceito de “processo” desenvolvido por Norbert Elias. O estudo do Diretório dos índios foi a passagem en­ contrada para refletir sobre a constituição cultural dos processos sociais. A percepção de um encadeam ento processual é quase vivenciada pelo pesquisador, na m edida em que o conceito de Elias sugere com o procedimento metodológico o estudo de um a dada ins­ tituição acompanhando o curso de sua formação. Tal perspectiva não conduz a um termo final e conclusivo, mas a possibilidade de se conseguir esclarecer aspectos que só podem ser claram ente com­ preendidos no curso de sua existência social. Penso aqui na oportu­

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nidade que encerra esta pesquisa, ao ter reexaminado uma lei que propunha uma transformação social de cunho libertário, hoje passí­ vel de ser conceitualizada exatamente como seu inverso: a escra­ vidão. Pergunto, finalmente, se a posição relacionai e processual de quem analisa a história não constitui uma limitação ao seu entendi­ m ento objetivo como conjunto de conhecimentos. A questão tem em vista a experiência de quem manuseia um caleidoscópio e vivência a sensação de estar continuamente formando diferentes composições a partir das mesmas peças. A maneira como enfrentei os dilemas desta questão foi trazer as falas do tempo ao texto analítico. É evi­ dente que tal cautela metodológica não responde às muitas dificul­ dades que suscita a questão anteriormente colocada, todavia garante que não haja monólogos pela ausência de referências a se buscar e ouvir.

Lista de ilustrações

1. Malaca 2. Rotas marítimas dos portugueses 3. Tzaffin 4. Mascate 5. Rio de Janeiro 6. Madã 7. Damão 8. Chaul

4

9. Negatapatam 10. São Tomé 11. Manora 12. Theodore de Bry Americae Tertia Pars Francofort 13. Kleedinghe van M aragnan 14. Asserim 15. Goa 16. Salvador 17. Cochim 18. Apontamentos de estratégia militar 19. Elevação das casas e alçadas [...] para os moradores soldados casados nesta vila de Barcelos 20. Vila de Barcelos antiga aldeia de M ariuá 21. Planta da vila de Silvis 22. Planta da aldeia de S. José de Moçâmedes

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R ita H elo ísa d e A lm e id a

23. Plano projetivo de um novo estabelecimento de índios da nação Caiapó 24. Ancient mission o f exaltacion (Mamoré) 25. M apa estatístico 26. Aldeia de São Fidélis

Fontes e bibliografias

27. Vila Abrantes da Comarca do Norte 28. Caert Van Spiritu Santo 29. Planta da Vila Nova de Mazagão 30. Praça de M azagão. Século XVIII

I. FONTES

31. Planta de Vila de Serpa 32. Aldeia indígena dos fin s do século XVII. Maranhão

A. Fontes manuscritas

33. M apa da aldeia do principal M ajury 1. In stitu to H istórico e G eográfico B rasileiro — IHGB

34. Prospecto da aldeia chamada Jau, administrada pelos religiosos carmelitas

Arq. 1.1.3 — Oficio de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, dc 14 de fevereiro de 1754 e documento anexo 12 de fevereiro de 1754 a respeito dc índ io s alforriados que vagueiam p e lo s po v o a d o s , fls. 87-89. Arq. 1.1.3 — Ofício de F.X. de Mendonça Furtado para Thomé Joaquim da Costa Real, de 19 de fevereiro de 1759, a respeito de casamentos entre índias e brancos, fls. 161162. Arq. 1.1.3 — Ofício de 12 de fevereiro de 1759 de F.X.M. Furtado. Trata da divulgação do Diretório dos índios, fls. 168. Arq. 1.1.3 — Ofício de João Pereira Caldas para Martinho de Melo e Castro, d e '7 de abril de 1773. Trata da deserção de índios e importação de escravos negros, fls. 316-318. Arq. 1.1.3 — Ofício de 29 dejulho.de 1773, de J.P. Caldas paraM . Meio e Castro a respeito dos salários pagos aos índios, fls. 320-322. Arq. 1.1.3 — Offcio de 6 novembro de 1775 de J.P. Caldas para Martinho de Melo e Castro a respeito de turnos de trabalho, fl. 357. Arq. 1.1.3 — Ofício de J.P.Caldas para M. de M. e Castro, de 12 de junho dc 1777, relativo aos descimentos, fl. 371. Arq. 1.1.3 — Ofício de 30 de julho de 1764; Ofício de 5 de novembro de 1760, fls. 232233; Oficio de 30 de julho de 1764, fls. 293-294. Comunicações de descimentos. Arq. 1.1.4 — In form ação sobre a civilização d o s índios do Pará, de D. Francisco de Sousa Coutinho, de 2 de agosto de 1797, 55 parágrafos, fls. 224-255. Arq. 1.1.4 — Carta do Conde dos Arcos ao Visconde de Anadia, de 27 de outubro de 1803. Discorre sobre a utilidade futura dos índios, fls. 307-308. Arq. 1.1.9 — Projeto p o rq u e se apontam m eio s proporcionados porque se po d erá reduzir

35. Prospecto do fo rte e da aldeia de Pauxis 36. M apa da região amazônica, por d ’Anville, 1748 37. M apa da região amazônica, por Seraphim José Lopes, 1813 38. M apa das canoas [...] Dom Francisco Requena

a f é o inu m erá vel g en tio dos sertõ es d o grande estado do M aranhão p o vo a r aquele grande estado, que Jo ã o de M oura p õ e o s reais p é s de S.M. que D eu s guarde, [sécu­

lo XVII] (ou Lata 45, pasta 12). Arq. 1.1.19-— Conde D. Marcos de Noronha encaminha a o ie i pedido de permanência de padres idosos que estavam sujeitos a pena de expulsão pela carta de 19 de maio de 1759, fls. 99-101. . .V . '

■pplí.

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Arq. 1.2.4 — Carta de Luís Pinto Sousa em que comunica acatamento da ordetn de estabe­ lecer domínio das terras deste continente com apelidos das cidades, vilas e lugares de Portugal, de 15 de junho de 1769, fls. 244-255. Arq. 1.2.10 — Cartas relativas à elevação de aldeias em vilas, fls. 143-144. Arq. 1.2.10 — Carta de Diogo de Mendonça Corte Real a F.X. Mendonça Furtado. Documen­ to que assinala a transição entre os dois modelos de administração de índios. Arq. 1.2.10 — Carta de Mendonça Furtado em que trata da preparação de mantimentos para as pessoas ocupadas em trabalhos de demarcação, fls. 218 Arq. 1.1.3 — Ofício de F.X. Mendonça Furtado, de 4 de junho de 1758. Trata da sublevação dos índios do Rio Negro, fls. 144-147: Arq. 1.3.8 — Carta dirigida ao governador da Capitania do Rio de Janeiro e Minas Gerais estendendo a lei de liberdade aos índios do Brasil, de 8 de maio de 1758, fls 184185. Arq. 1.3.8 — Carta dirigida ao Revdo. Bispo do Rio de Janeiro a respeito da nomeação de sacerdotes seculares para vigararias nas novas vilas, de 8 de maio de 1758, fls. 186 e segs. Lata 58, pasta 13 — Instruções qu e deve seguir o capitão d e dra g õ es Antônio P into C ar­ neiro nos ajustes dos ín d io s que se alugarem a o s m oradores deste continente e na fo rm a lidade das suas lavouras, p o r Jo sé C ustódio d e S á e Faria.

Lata 278, livro 3 — M em ória d o M aranhão e Pará. Lata 278, livro 1 — Carta Régia de 12 de maio de 1798, em que fica extinto do Diretório dos índios. Há duas outras cartas régias que tratam da liberação da navegação do rio Tocantins e da criação da capitania de São José do Rio Negro. Lata 283, pasta 1 — Ofício de F.X. de Mendonça Furtado. Trata do levante ocorrido em Tomar, de 4 de julho de 1758. Lata 283, pasta 5 — Carta circular do governador e capitão do Pará José de Nápole Telo de Meneses aos diretores das aldeias dos índios, de 4 de junho de 1780. Lata 283, pasta 10 — Ofício de Fernando da Costa de Ataíde Teive a Pedro Maciel Parente, diretor da vila de Santarém, com instruções sobre com o estabelecer comércio com índios e fazer os pagamentos, de 3 de outubro de 1769. Lata 284, livro 2 — Ofício de Martinho de Sousa e Alburquerque a D. Martinho de Melo e Castro. Sobre as comunicações entre as capitanias do Grão-Pará e Rio Negro, 16 de agosto de 1788.

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2. Biblioteca N acional do R io de Ja n e iro — BNRJ 21.1.1., n“ 10 — Memória sobre as causas da diminuição dos índios no Estado do Pará. 21.1.1.14 — Observações sobre os índios escritas por Alexandre Rodrigues Ferreira em 28 de agosto de 1787. 21.1.1, n“ 24 — Informação de Antônio José da Silva a respeito do emprego de índios na defesa militar das vilas. 21.1.1, n= 11 — D etalhe do s serviço s em que atualm ente existem em pregados o s índios da Vila de B arcelos , 30 de outubro 1786. 21.2.10, n“ 1 — Relação de índios empregados no Serviço Real I. 31.24.26 — Ofício do diretor-geral dos índios da Província do Ceará, Joaquim José Bar­ bosa, ao ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império, M arcelino de Brito [1846], II. 32.17.1 — Carta Régia ao governador da Capitania do Maranhão de 19 de junho de 1760, referente aos índios Timbira 11.33.29, n“ 44 — Ofício dé Thomé Joaquim da Costa Corte Real ao Conde dos Arcos instruindo a respeito da substituição dos jesuítas pelos clérigos seculares nas aldeias de índios e recomendando que seja prestado todo auxílio ao arcebispo da Bahia como reformador da ordem dos jesuítas, 19 de maio de 1757

3. A rquivo H istórico de G oiás — AH G Prateleira 38, sala 5 — Carta do capitão de dragões José Pinto da Fonseca ao limo. e Exmo. Sr. Tristão da Cunha Menezes de 13 de janeiro de 1788.

4. B iblioteca N acional de L isboa — BNL Estampa 1, mss. 33, n“ 40 — A p o ntam entos de estra tég ia m ilita r [século XVIII]. Cod. 51 — M áxim as sobre a reform a da agricultura, com ércio, milícia, m arinha, tribunais e fá b ric a s de P ortugal representadas e dirigidas a o sereníssim o Sr. D. José, P rín ci­ p e d a B eira p o r D. L u ís d a Cunha, em baixador d e P o rtu g a l em F rança.

Lata 284, livro 2 — Carta do governador do Rio Negro para o tenente comandante do destacamento que o mesmo governador mandou postar na feitoria que os espanhóis tem em Cupacá. Barcelos, 21 de maio de 1791. Lata 284, livro 2 — Ofício de D. Francisco de Sousa Coutinho a D. Martinho de Melo e Castro, de 23 de setembro de 1790. Lata 284, livro 2, doc. 29 — Sobre o desamparo das povoações dos índios do Pará, 23 de setembro de 1790.

PBA-626 — Instruções a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, de 30 de maio de 1751. Cod. 33 e 34 (microfilme: F78.782) — N otícias do R ein o de M a la b a r e b reve relação da cristandade S .T om é apóstolo em M alabar. Cópia do século XVIII. Cod. 6321 — Diário das visitas pastorais do Exmo. e Revmo. Senhor D. Fr. Caetano Brandão. Pb A. 51 — M o n ita Secreta. Instru çõ es secretas que d evem g u a rd a r todos o s relig io so s da

Lata 285, livro 1 — Documentos sobre a Capitania do Pará copiados do códice 39-36 Or­ dens e Correspondência d e 1751-1807 da seção de manuscritos da Biblioteca Naci­ onal do Rio de Janeiro.

Cod. 475 — G eog ra fia histó rica do Brasil, África, Á s ia e P o rtu g a l [século XVIII]. Cod. 788 — N o tícia s d a s cid a d e s e v ila s de E sp a n h a e de P ortu g a l tira d a s d e vá rio s

Lata 343, doc. 29 — P lano p a ra civilização d o s índios na C apitania do Pará. Lata 358, doc. 25 — Ofício de F.X. de Mendonça Furtado de 19 de junho de 1761. Trata das providências relativas aos índios Timbira.

C om panhia d e Jesus.

autores e expostas com a m a io r brevidade que se p o d e reza r ju n ta m en te co m o m apa g e ra l d eles recopilado p o r um curioso.

Cod. 11202 — E m que se d á n o tícia d a cidade de L isb o a D ’E l R ei D om A fo n so H enriques prim eiro que restaurou este reino de P ortu g a l d o p o d e r d o s m ouros. E scrito p o r F ranc isca Teodora do P atrocínio em 1785.

Rita Heloísa de Almeida

O D iretório dos índios

Cod. 770 F.3770 — D escrip tio n de la ciu d a d de U m a d el reino d e l P eru. Cod. 11158 — M aravilhas e antigiiidades da cidade de R om a em que se trata da s igrejas,

Cx. 4, doc. 1 — R elação de todas a s p e sso a s empregadas na R eal Demarcação da parte do

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estações e relíquias do s santos que nela h á com a guia para o s estrangeiros, nom es d o s papas, im peradores e outros prín cip es cristãos e m uitas coisas m ais dignas de se saberem , expostas em português p o r P .F D .O .L , Fronteira, 1789.

5. A rquivo H istórico U ltram arino, Lisboa — AHU (docum entos relativos ao Rio Negro) Caixa 1, documento 8 — Informações sobre os rios Negro, Branco e Japurá e seus habitan­ tes indígenas, março de 1755. Caixa 1, doe. l i — Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado a Sebastião José de Carvalho e Melo pela qual encaminha p a p e l que f e z fu n d a d o n a s doutrinas do Padre A ntônio Vieira e nas que sem pre seguiu a C om panhia acerca da liberdade e resgate dos índios, de 2 0 de abril de 1755. Arraial de Mariuá, 8 de julho de 1755.

Cx. 1, doc. 18 — Carta de Joaquim de Melo e Póvoas dirigida a Thomé Joaquim da Costa Corte Real em que trata da criação de vilas, 21 de dezembro de 1758. Cx. 1, doc. 24 — Carta de 4 de novembro de 1760 que informa casamentos e descimentos realizados pelo padre Manoel das Neves; carta de J.M. Póvoas a F.X.M. Furtado de 16 de janeiro de 1760; carta de J. de M ello e Póvoas a F.X. de M. Furtado, de 20 de janeiro de 1760 em que trata da fa lta de índios p a ra a s m uitas obras. Cx. 2, doc. 30 — M apa contendo informações sobre índios aldeados discriminados por sexo e idade, atividades econômicas, rendimentos e respectivas povoações das capi­ tanias do Rio Negro e Pará, assinado por J. Pereira Caldas, ano de 1778, Cx. 1, doc. 31 — Carta do ouvidor e intendente Lourenço Pereira da Costa, de 5 de feverei­ ro de 1761. Cx. 1, doc. 37 — Carta de Lourenço da Costa, de 2 de setembro de 1762; M em ória sobre o governo do R io N egro, do mesmo autor e provavelmente escrita em 1762. Cx. 2, doc. 21 — Viagem que em visita e correição da s povoações d a capitania d e São do R io N egro f e z o O uvidor e Intendente-G eral da mesm a, F rancisco X avier Ribeiro Sam paio no a n o de 1774 a 1775 exo rn a d o co m a lg u m a s n o tíc ia s g e o g rá fica s e h idrográficas d a d ita capitania com o u tra s concernentes à história civil, política e natural dela; a o s costum es e diversidade da s nações de índios seu s habitadores e a su a população, agricultura e com ércio.

Çx. 2, doc. 38 — Texto assinado por Francisco Ribeiro Sampaio em 30 de março de 1780 no qual faz críticas à M em ória sobre o g overno do R io Negro. Cx. 1, doc. 42 — M a p a g e ra l dos índios da C apitania do R io Negro. A n o de 1763. Cx. 1. doc. 45 — M apa do estado efetivo em que se a ch a a tropa que fo rn e ce a C apitania de S ã o J o sé d o R io Negro de que é go vernador Joaquim Ttnoco Valente; M apa dos índ ios e fa m ília s que h á na C apitania d e São J o sé do R io N egro nesse a n o de 1764.

Cx. 2, doc. 17 — Carta de Joaquim Tinoco Valente a Francisco Xavier de Mendonça Furta­ do, de 6 de agosto de 1769. Cx. 2, doc. 30 — M a p a em que separadam ente de m ais se m anifesta o núm ero de p essoas d o s d o is d ife r e n t e s s e x o s d e ín d io s a ld e a d o s ta m b é m n a s s u a s r e s p e c tiv a s p o vo a çõ es...e d o qu e pelo com um d elas de rendim ento tiveram em o m esm o ano de 1778.

Cx. 3, doc. 17 — M apa de todos os índios empregados na demarcação pertencentes à Capi­ tania de São José do Rio Negro, ano de 1781.

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norte, n a A m érica M erid io n a l p o r p a rte de su a M ajestade católica, declarando graduações, soldados, e gratificações, núm ero d e criados, pagos pela Real Fazenda na razã o de d e z pares cada um. n a fo r m a que partiram de Cadiz em 13 de ja n eiro de 1754. D ada p o r Apolinário D ia s d a Fonte, que na m esm a expedição veio emprega­ do em g eó g ra fo e guarda-instrum entos de sua partida. Tabatinga, 4 de agosto de 1781. Cx. 5, doc. 7 — M a p a s das canoas e de todas as pessoas nelas embarcadas de que se com põe a expedição da A ugustíssim a R ainha Fidelíssim a que destinada à dem arca­ ção de se u s R ea is dom ínios n a fro n te ira d o Rio N egro se dirigiu a o reconhecimento do rio A p a p o ris com andadas p e lo Tenente Coronel e Primeiro Comissário da D ivi­ são, Teodósio Constantino de C h erm o n t e da f o z do dito R io Apaporis partiu em 22 de ju n h o de 1782.

Cx. 6, doc. I — Cartas do governador João Pereira Caldas para os diretores de Fonte Boa e Castro de Avellans. Cx. 6, doc. 4 — Instruções aos diretores, assinada por José Antônio de Avillar. Pará, 2 de setembro de 1776. Cx. 7, doc. 3 — Relação dos gêneros que se devem remeter do Pará para a partida ocupada nas demarcações do rio Negro e para satisfação dos salários dos índios. Cx. 7, doc. 12 — Correspondência entre o tenente-coronel Theodózio Constantino de Chermont e o comissário e capitão-general João Pereira Caldas. Para os governado­ res interinos da Capitania de São José do Rio Negro, assinado por João Pereira Cal­ das em 12 de setembro de 1783. Cx. 8, doc. 2 — Relação de pessoas que acompanharão o coronel Manoel da Gama no giro que fez saindo do rio Negro pela boca do rio Xié e tomando o mesmo rio Negro pela boca do [?] Thomon, 22 de abril de 1784 Cx. 8, doc. 3 — Cartas de João Pereira Caldas para o tenente-coronel João Batista Manoel e coronel Manoel da Gama Lobo de Almada, 22 de abril de 1784. Cx. 9, doc. I — Cartas do sargento-mor segundo comissário Henrique João Wilckens paia João Pereira Caldas, de 17 de maio de 1781; R elação das pessoas que fo ra m da povoação de Santa Bárbara d a n a çã o Peravílhana, novamente reduzidas, Fortale­ z a de S. Jo a q u im do Rio B ranco [s.d.j.

Cx. I I , doc. 2 — Cartas com informações sobre os índios Mura e Peralviana. Cx. 11, doc. 3 — Alexadre Rodrigues Ferreira narra sublevação dos índios de Thomar ocorrida em 1757. Texto assinado em Thomar, 30 de agosto de 1785. Cx. II, doc. 4 — Alexandre Rodrigues Ferreira narra o mesmo levante ocorrido em Moreira na mesma ocasião. Contém mapa da quantidade e qualidade de gêneros cultivados e colhidos pelos moradores brancos e índios aldeados no lugar de Moreira, 30 de agos­ to de 1785. Cx. II, doc. 8 — Correspondência entre João Batista Mardel e João Pereira Caldas com informações sobre os Mura. Cx. II, doc. 11 — Instruções que regulam o método porque os diretores das povoações de índios d a s C apitanias do Grão-Pará, se devem conduzir no modo de fa z e r as sem entei­ ras, e pla n ta çõ es, que do com um d a s m esm as povoações que lhe estão positivam en­ te determ inadas, 28 de junho de 1776.

Cx. 12, doc. 2 — Notícias sobre os índios do Rio Branco. Contém mapa de populações indígenas aldeadas e descidas e está assinado por João Bernardes Borralho, janeiro de 1786.

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Cx. 12, doc. 8 ■ Instruções de João Pereira Caldas para os diretores de Thomar, Moura, Poyares, Carvoeiro, 23 de março de 1786. , Cx. 12, doc. 13 — Cartas João Pereira Caldas para os governadores interinos c para o diretor da vila de Thomar, 26 de junho de 1786. Cx. 12, doc. 11 — Carta de João Bemardes Borralho a João Pereira Caldas de 2 de maio de 1785. Cx. 12, doc. 14-A — Notícias sobre os Muras. Cx. 14, doc. 3 Correspondência entre João Pereira Caldas e o capitão comandante da fronteira do Rio Branco e Fortaleza de São Joaquim, João Bemardes Borralho de 3 de fevereiro de 1787.

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7. A rquivo N acional da T orre do Tombo — ANTT Livro 1096, fls. 3743 — Projeto em q u e se m ostra com o f o i passado, e.o presente e será o fu tu r o o E stado d o B rasil... [s.d]. Manuscritos da Livraria, livro 1116, fls. 593-598 — M em o ria l que apresentam o s religio­ so s capu ch o s q u e estão n o Pará, o s quais pedem a S. M aj. lhes m ande d a r resolução de com o se h ão d e h a ver no serviço d e D eus so b re a lg u m a s d ú vidas que se lhes oferecem a s q u a is sã o a s seguintes.

Manuscritos da Livraria, liv. 1116, fls. 604 — P arecer so b re ín d io s d o Brasil. Manuscritos da Livraria, fls. 610 — M athias d e A lbuquerque. C apitão G eral e G overna­

Cx. 15, doc. 7 Notícias de rios e populações indígenas; cartas com informações sobre índios Mura.

d o r de P ernam buco, d á conta a S. M aj. p o r su a ca rta de 19 de setem bro de 1625, que sobre o s índ io s que se tom aram d o s que esta va m rebelados co m o s holandeses na B ahia d a Traição e sobre a serra d e Capoaba. Manuscritos da Livraria, fls. 620-31 —-P roposta a S. M aj. sobre a escravaria das terras da

6. Biblioteca d a A juda — BA

conquista d e P ortugal [s.d.]. F.1631, fl. 103 — C onsulta d o C onselho U ltram arino sobre 3 casa is de irlandeses. Manuscritos da Livraria, n” 51, fls. 17 e 18 — Carta de M endonça Furtado dé 25 de junho de 1760. Manuscritos da Livraria, n“ 51, fl. 55 — Carta de M endonça Furtado de 22 de abril de 17611. Sobre a origem dos povoadores do Brasil. Manuscritos da Livraria, fls. 1 0 2 - 1 0 4 — Carta de Mendonça Furtado, 17 de junho de 1761. Sobre povoadores do Brasil. Manuscritos da Livraria, n“5 1 , fls. 68 — Carta de S. Maj. a Manoel Bernardo de Melo e Castro, de 11 de junho de 1761. Trata de educação para filhos de principais das aldeias altas. Manuscritos da Li vraria, n” 51, fls. 91 -93 — Carta de 17 de junho de 1761. Contém lista de paróquias e vigararias do Estado do Pará. Manuscritos da Livraria, fls. 31 — Carta do limo F. X. de M endonça Furtado ao Sr. Manoel Bernardo de Melo e Castro, de 15 de junho de 1760. Sobre as novas vilas e seus nomes. Manuscritos da Livraria, n“ 51, fls. 104 — Carta de Francisco Xavier de Mendonça Furtado de 9 de junho de 1761 em que trata da doação de quatro índios práticos à Companhia Geral do Grão-Pará. Inquisição de Lisboa, n“ 12891 — Traslado da culpa do índio Alexandre que resultou na visita que tirou o Revdo. Dr. e Visitador José Monteiro Noronha na vila de Souzel e também da índia Josepha. 11 de outubro de 1757. Inquisição de Lisboa, nQ2699 — M aria Tereza mamecula. Vila de Cintra, 8 de junho de 1763. Inquisição de Lisboa, n“ 14850 — Sobre o casamento da m ulata Eleutéria e o índio Pedro. Inquisição de Lisboa, maço n“ 23, doc. 210 — Marcelina Teresa, mulata escrava do Revdo. Mestre-escola Philippe Joaquim Rodrigues, 8 de outubro dc 1762.

51-VÜ-3!(83) — Tratado da P ro vín cia do B rasil n o qual se co n tém a inform ação das coisas que h á na terra a ssim d a s capitanias e fa ze n d a s d o s m oradores que vivem pela costa, e de outras particularidades que aqui se contam , com o tam bém da co n ­ dição e bestiais costum es d o s índios da terra e de outras estranhezas de-, bichos que há nestas p a rtes oferecida à N. alta e sereníssim a Sra. D o n a C atarina R ainha de Portugal... dc Gaspar Alvarez de Sousa, 7 de maio de 1622.

51-V-39 — Roteiro da viagem da cidade do P ará a té as últim as co lônias d o s dom ínios portugueses.

51-VII-31(103) •— Fidalgos, ou cavaleiros do conselho. 51.VI1.31(107) — D iscurso sobre que coisa é vassalo. 54-XI-27, n“ 16 [169], p. 9. — C arta do M arquês de Penalva, p o r ordem de S. M a f, p a ra o Conselho do U ltram ar p a ss a r as pa ten tes ao índio A lb e rto Coelho, do P rincipal da nação Aruã, no teor da o utra patente que se passou a In á cio M anajabora, seu avô, p o r s e r fa le c id o se u irm ã o Inácio Coelho, a cujo f a v o r se havia p a ssa d o a outra patente, e a outro índio L u ís de M iranda, de Sargento-m or da mesma nação, no teor d a qu e lhe p a s s o u o G o v ern a d o r e C apitão G e n e r a l do G rã o -P a rá e M aranhão. Paço, 15 de março de 1755.

54.XI.27, n” 17 — R elação p o r m apa do s governadores capitães g e n era is e do s capitães mores que governaram o M aranhão e P ará e depois esta ú ltim a distinta e separada­ mente a té 1782.

54.XIH-4, n” 58 — R elação de Igrejas paroquiais do B ispado d o Pará. 54-XIII.16 (162) — Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram n a guerra e m anda­ ram vender ao s m oradores do [? ] Pto. do m ar sobre as razões de j á se fa z e r a guerra aos ditos.

54-XIII-16 (136) — M áxim as, propostas a S. M aj. para m elhor go vern o d o Brasil. Lisboa, 4 de janeiro de 1780. (P ersuade o a utor [D .R odrigo J o sé de M eneses, G overnador de M inas G erais] que se d êem m a is am plos poderes aos governadores).

51 -Xlíl-24, n° 114 - Carta do Conde de Oeiras de 27 de outubro de 1759, cm que comuni­ ca o envio da coleção de breves pontifícios, leis régias, instruções e mais papéis de ofício que saíram das secretarias do estado. Instrui sobre a numeração e o arquiva­ mento.

Inquisição de Lisboa, ntt 13331 — índia Sabina, 17 de outubro de 1763. Inquisição de Lisboa, n“ 14849 — índio Corema, 1735. Inquisição de Lisboa, n” 166639 — Justo Antônio, 1 de m arço de 1799. Inquisição de Lisboa, processo n“ 225, n« 24 — Florência Martins Perpétua.

O D iretório dos índios

Rita Heloísa de Almeida

360

B. Iconografia e cartografia

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dezembro 18. PLANTA d a A ld e ia de S ã o J o s é de M oçam edes [ileg ív el] d o s ín d io s A cruâs, que com in co m p a rá vel zelo da f é católica e aum ento do s va ssalos de S.M.F. reduziu a c iv ili­ za çã o o lim o S r [ilegível] Jo sé de A lm eida e Vasconcelos de S e v e ra l e C arvalho no a n o d e 1774. A um entando-se esta povoação do s d ia 15 de novem bro d o ano de 1774 em q u e s e m arcou o seu term o a té 28 de a b ril d e 1778. BNL, Iconografia, D.1I7 R

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Rita Heloísa de Almeida

O Diretório dos índios

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Apêndice D ire tó rio q u e se d eve o b se r v a r nas p o v o a ç õ e s d o s ín d ios d o Pará e do M aranhão e n q u a n to su a m a jesta d e n ão m a n d a r o c o n tr á r io

DIRECTORIO, CLU E S E

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NAS POVOAÇOENS DOS ÍNDIOS D O

PARÁ, E MARANHAÕ Em quanto Sua M ageftade naó mandar o con­ trario.

LISBOA? N a

O f f i c in a

de

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Impreffor do EminentilBmo Senhor Cardial Patriarca. M. DCC. LVKI.

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D IR E C T O R IO , Q U E SE D E V E O B S E R V A R N A S Povoacoens dos índios do Para, e M aranhao em quanto Sua M ageftade nao mandar o contrario. E N D O

S u a M a g e f ta d e fe r v id o pe­

lo A l v a r á c o m f o r ç a d e L e y d e 7 d e Junho de

1755.

a b o li r a a d m in if *

tra ça o T e m p o r a l, q u e o s R e g u la r e s o x e r c ita v a ô

n o s ín d io s

das A ld e a s

d e it e E f t a d o ; m a n d a n d o - a s g o v e r ­ n a r p e lo s íe u s r e f p e & i v o s P r i n c i p l e s , com o ^

e f t e s p e l a l a f t im o f à r u f t i c id a -

d e , e ig n o r â n c ia ,c o m q u e a t é a g o ­

r a f o r a o e d u c a d o s , n a d t e n h a d a n e c e f lá r ia a p t i d a d , q u e f e re­ q u e r para o G o v e r n o , íc m q u e h a ja q u e m o s p o lia d ir ig ir , p ro ­ p o n d o -lh e s c ia , e

n a d í d o s m e io s d a c i v i l i d a d e , m a s d a c o n v e n i ê n ­

p e r f u a d in d o - lh e s o s p r o p r io s d ic c a m e s d a r a c i o n a l i d a d e ,

d e q u e v iv ia o p r iv a d o s , p a r a q u e o r e fe r id o A l v a r á te n h a a fu a d e v i d a e x e c u ç ã o , e í e v e r i f iq u e m a s R e á e s , e p iif lim a s i n t e n o e n s d o d ito

f

S e n h o r , h averá e m c a d a h u m a d a s fo b r e d ita s

'o v o a ç o e n s , e m q u a n t o o s í n d i o s n a d t iv e r e m c a p a c i d a d e p a ­

ra fe go vern a rem , h u m D i r e & o r , q u e n o m ea rá o G o v e r n a d o r , e C a p i t a ó G e n e r a l d o E f t a d o , o q u a l d e v e fe r d o t a d o d e b o n s c o ftu m e s, z e l o ,

p r u d ê n c ia ,

verdade ,

í c ie n c i a

d a lin g u a , e

d e t o d o s o s m a is r e q u ifito s n e c e i la r io s p a r a p o d e r d i r ig ir c o m a c e r t o o s r e fe r id o s í n d i o s d e b a i x o d a s o r d e n s , e d e t e r m i n a ç õ e s íè g u in te s ,

q u e i n v io la v e lm e n t e

fe o b fe r v a r á ô e m q u a n to S u á

M a g e f t a d e o h o u v e r a f lim p o r b e m , e n a d m a n d a r o c o n t r a r io ; a

H avendo

A lv a r á , que os

o

d ito

S e n h o r d e c la r a d o n o m e n c io n a d o

í n d i o s e x if t e n t e s n a s A l d e a s ,

q u e p a lia r e m a

f e r V i l l a s , f e j a o g o v e r n a d o s n o T e m p o r a l p e lo s J u i z e s O r d i n á ­ r io s ,

V eread ores,

e

m a is O f f i c i á e s d e J u f t i ç a j A

e d a s A ld e a s in d e -

O ) in d e p e n d e n t e s d a s d it a s V i l l a s p e l o s fe u s r e f p e & i v o s P r in c ip a e s ; C o m o f ó a o A l t o , e S o b e r a n o a r b ít r io d o d i t o S e n h o r C o m p e ­ te

o d a r jü r is d ic ç a ò a f t p í ia n d o - a ,

o u lim ita n d o ^ a c o m o lh e

a o s m o r a d o r e s , e a o E f t a d o : E f t e s d o u s v ir t u o f o s , ta n te s f in s , vel

z e lo

e im p o r ­

q u e fe m p r e f o i a h e r ó ic a e m p r e z a d o in c o m p a r á ­

d o sq n o ir o s PC a t h o l i c o s ,

f e r á õ o p r in c ip a l o b j e a o

e F id e i'fi.m o s

d a r e fle x a ó ,

M on arcas,

e c u id a d o d o s D i r e -

p a r e c e r j u f t o . , n a o p o d e r á ó o s f o b r e d it o s D i r e & o r e s e m c a f o a lg u m

e x e r c ita r jü r is d ic ç a ò

c o a â iv a nos

ín d io s ,

c a m e n te a q u e p e r te n c e a o íè u m in ifte r io , v a ;

a d v e r tin d o a o s J u iz e s O r d i n á r i o s ,

e

m a s »m|_

q u e h e a d i r e f t i-

a o s P r in c ip a e s , n o

c a f o d e h a v e r n e lle s a l g u m a n e g l i g e n c i a , o u d e í c u i d o , a in d ifp e n fa v e l o b r ig a ç a o , q u e te m

p o r c o n ta d o s fe u s e m p re g o s, d e

a ° T

P a r a f e c o n f e g u i r p o is o

prim eiro f i m ,

qual hc o

c h r iftia n iz a r o s í n d i o s , d e ix a n d o e ft a m atC Tia, p o r le r m e r a m e n t e e f p ir i t u a l, á e x e m p la r v ig ilâ n c ia d o P r d a d o d e f t a D i e c e í è ; r e c o m e n d o u n ic a m e n te a o s D u e â o r e s , te d em to d o o f a v o r , e a u x ilio ,

q u e d a íu a p a

p a ra q u e a s u e t e r n u n a ç o e n s

c a ít ig a r p s d e lié lo s p ú b lic o s c o m a f e v e r i d a d e , q u e p e d i r a d e ­

d o d i t o P r e la d o r e fp e é liv a s á d ir e c ç ã o d a s A l m a s , t e n h a o

fo r m id a d e d o i n f u l t o ,

d e v id a e x e c u ç ã o ;

d in d o -lh e s ,

e a c i r c u m f t a n c ia d o e f c a n d a l o ; p e r f u a -

q u e n a i g u a l d a d e d o p r ê m i o , e d o c a f t i g o , c o n f i jf

t e o e q u ilí b r i o

d a J u ftiç a ,

e

bom govern o

V e n d o p o rém o s D ir e é lo r e s ,

q u e fa ô

v e r t ê n c ia s ,

a

e

q u e n a ó b a ila

q u e os d ito s ju iz e s O r d in á r io s ,

d a s R e p u b lic a s .

i n f r u & u o í à s a s lu a s a d ­

e íH c a c ia d a f u a d i r e c ç ã o p a r a

com

e

q u e o s í n d io s

a q u e lla v e n e r a ç a o ,

e r e f p e i t o , q u e f e d e v e a o le u a lt o

c a r a é l e r , f e n d o o s m e f m o s D i r e & o r e s o s p rim e ir o s , a s e x e m p la r e s

acçoen s

a lu a

tra tem a o s fe u s P á r o c o s

da

que com

fu a v id a lhes p e r f u a d a o a o b f e r -

v a n c ia d e fte P a r a g r a fo

e P r in c ip á e s , c a ílig u e m ex em ­

5

Em

q u a n to p o r é m

á c iv ilid a d e d o s í n d i o s ,

a q u e íe

p l a r m e n t e o s c u l p a d o s ; p a r a q u e n a o a c o n t e ç a , c o m o r e g u la r ­

red u z

m e n t e fiic c e d e ,

d o fe u m i n i f t e r i o ; e m p r e g a r á ó e fte s h u m e íp e c ia lif lim o c u id a ­

ja

a c a u fa d e í è

lo g o

ao

q u e a d iíB m u la ç a õ d o s d e lic lo s p e q u e n o s l è c ô m e t t e r e m c u lp a s m a y o r e s ,

G overn ador do E fta d o ,

o p a r tic ip a r a ô

e M in iftr o s d e J u f t i ç a , q u e

p r o c e d e r ã o n e fta m a te r ia n a fo r m a d a s R e á e s L e y s d e S . M a -

do

em lh e s

c o n d u c e n te s

e

p e r íu a d ir

t o d o s a q u e lle s m e io s ,

a ta ó u t i l ,

q u e p o f l a ó íè r

e in t e r e íf a n te f im , q u á e s f a o o s q u e

v o u a referir.

6

g e f t a d e , n as q u a e s r e c o m e n d a o m e ím o S e n h o r , q u e n o s c a ftig o s d a s r e f e r i d a s c u lp a s í è p r a t i q u e t o d a a q u e l l a f u a v i d a d e ,

a p r in c ip a l o b r i g a ç a o d o s D i r e é t o r e s , p o r f e r p r ó p r ia

S e m p r e f o i m a x im a

in a lte r a v e lm e n te

p r a tic a d a e r a

to d a s a s N a ç o e n s , q u e c o n q u if t á r a õ n o v o s D o m í n i o s ,

in tr o ­

b r a n d u r a , q u e a s m e í m a s L e y s p e r m it t ir e m , p a r a q u e o h o r r o r

d u z ir l o g o n o s P ó v o s c o n q u i f t a d o s o feu p r o p r io i d i ô m a , p o t

do

f e r i n d i í p u t a v e l , q u e e f t e h e h u m d o s m eio s m a is e f f ic a z e s p a r a

c a f t i g o o s n a o o b r i g u e a d e f à m p a r a r a s lu a s P o v o a ç o e n s ,

t o r n a n d o p a ra o s e íc a n d a lo fo s erro s d a G e n t ilid a d e . 3

N ao

fe p o d e n d o n e g a r , q u e o s ín d io s d e fte E fta d o íè

c o n íè r v á r a ò a t é a g o r a n a m e fm a íè m

n o s in c u lto s S e r t o e n s ,

p e flim o s ,

b a r b a r id a d e ,

em q u e n a íc ê r a ò ,

c o m o lè v iv e fp r a t ic a n d o o s

e a b o m i n á v e i s c o f t u m e s d o P a g a n i f m o , n a o f ó p ri­

d e fte r r a r

dos P óvos

r u ftic o s a b a r b a r id a d e d o s fe u s a n t i g o s

c o f t u m e s ; e t e r m o f t r a d o a e x p e r i e n c ia ,

que a o m e fm o p a flo ,

q u e l è in t r o d u z n elles o u f o d a L in g u a d o c o n q u ifto u , a

o b e d iê n c ia

P r in c ip e ,

fe lhes r a d ic a ta m b é m o a f f e é t o , ao

m e ím o

P r in c ip e .

q u e os

a ven eraçao ,

Ò b fe rv a n d o

p o is

e

to d a s

v a d o s d o v e r d a d e i r o c o n h e c i m e n t o d o s a d o r a v e i s m y ft e r io s d a

a s N a ç o e n s p o lid a s d o M u n d o e f t e p r u d e n t e , e f ó lid o í y f t e m â ,

n o lfa S a g r a d a

n e f t a C o n q u i f t a íè p r a tic o u t a n t o p e lo c o n tr á r io ,

Tem poráes ,

R e lig iã o ,

m a s a té d as

m e f i n a s c o n v e n iê n c ia s

q u e f ó í è p o d e m c o n f e g u i r p e l o s m e io s d a c iv ili­

d a d e , d a C u l t u r a , e d o C o m m e r c i o : E f e n d o e v i d e n t e , q u e as p a ie r n á e s p r o v i d e n c i a s d o

N o ílò

g e m u n ic a m e n t e a c h r i f t i a n i z a r , fe h c c s,

c m ií è r a v e is P ó v o s ,

A u g u f t o S o b e r a n o , f e diri­ e c i v i l i z a r e f t e s a t é a g o r a in -

p a r a q u e í à h i n d o d a ig n o r â n c ia >

e r u ftic id a d o , a q u e l è a c h a ó r e d u z i d o s ,

p o f l a ó lè r u teis a ü > aos

xaó

o s p rim e ir o s G o n q u i f t a d o r e s e fta b e le c e r

q u e ÍÓ c u i d á -

n e lla o

u ío

L í n g u a , q u e c h a m a r á ó g e r a l ; in v e n ç ã o v e r d a d e i r a m e n t e r* m in a v e l, e d ia b ó lic a ,

p a r a q u e p r iv a d o s o s í n d i o s ò '

a q u e lle s m e i o s , q u e o s p o d i a ó c iv iliz a r , p e r m á n e r u ílic a ,

e b a r b a r a f u j e i ç a ó , e m q u e até a g o r a f e A

2

d'

(

4

(s )

)

P a r a d e fte r r a r e f t e p e r n ic io f if fim o a b u f o , c ip á e s c u id a d o s d o s D i r e â o r e s , vas P o vo a ço en s o u íb

fe r á h u m d o s p r i n -

e f t a b e l e c e r n a s fu a s r e f p e f t i -

d a L in g u a P o r tu g u e z a , n a õ c o n fe n -

t in d o p o r m o d o a l g u m ,

q u e o s M e n in o s , e M e n in a s , q u e

p e rte n ce re m

e

ás E fc ó la s ,

t o d o s a q u e lle s í n d i o s ,

c a p a ze s d e in fir u c ç a õ n e f t a m a t e r ia , u fe m d a s lu a s N a ç o e n s , o u d a c h a m a d a g e r a l ;

q u e -fo r e m

O iH ciaes das P o v o a ç o e n s , fè m e m b a r g o dos h o n ra d o s e m p r e ­ gos que

e x e r c ita v a o , m u itas v e z e s era o o b r ig a d o s a rem a r

as C a n ô a s , o u a fer J a c u m á u h a s , c P ilo to s d ellas , c o m e íc a n d a lo ía d e fo b ed ien cia á s R e á e s L e y s d e S u a M a g e f t a d e , q u e f o i fervid o reco m en d ar a o s P a d r e s M iflio n a r io s p o r C a r t a s d o J . , e. 3 . d e F e v e r e ir o d e 1 7 0 1 . firm adas p e la íu a R e a l M a o ,

d a L i n g u a p r o p r ia

o g r a n d e cu id ad o q u e d e v ia õ te r em g u a r d a r a o s ín d io s a s h o n ­

m a s u n ic a m e n t e d a

ras , e os p riv ilé g io s c o m p e te n te s a o s feu s p ó f t o s : E te n d o

P o rtu g u e za , na fo r m a ,

q u e S u a M a g e f t a d e te m r e c ó m e n d á i

co n fid era çaÕ a q u e nas P o v o a ç o e n s c iv is d e v e p r e c ií i m e n t e

d o e m r e p e tid a s o r d e n s ,

q u e a té a g o ra

to ta l r u in a E íp ir itu a l, e

Tem poral do

7

E

f e n a ó o b fe r v á r a ó c o m E fla d o .

c o m o e f t a d e t e r m i n a ç ã o h e a b a f e fu n d a m e n t a l d â

C iv ilid a d e ,

que íè p e rte n d e ,

h a v e r á e m to d a s as P o v o a ç o é s

d u a s E f c ó la s p u b lic a s , h u m a p a r a o s M e n i n o s , e n íi n e a D o u t r i n a C h r i í l a a ,

a le r ,

n a q u a l l e lh e s

e f c r e v e r , e c o n t a r n a fo r ­

m a , q u e fe p r a t i c a e m t o d a s a s E f c ó l a s d a s N a ç o e n s c i v i liz a ­ d a s ; e o u tr a p a r a a s M e n i n a s , n a q u a l , á le m d e f e r e m in f lr u i d a s n a D o u tr in a C h r i í l a a , a r , fa z e r r e n d a ,

í è lh e s e n íi n a r á a l e r , e f c r e v e r , li­

c u ílu r a ,

e to d o s

o s m a is m in ifté r io s p r ó ­

p r io s d a q u e lle í è x o . 8 M e ítr e ,

a q u elía s h o n r a s , q u e íè d e v e m a o s íèu s e m p r e g o s : R e c o m e n ­ d o a o s D ir e & o r e s , q u e aflim e m p u b lic o , c o m o e m p a r tic u la r , h o n r e m , e c ftím e m a to d o s a q u e lles ín d io s ,

q u e fo r e m J u i ­

z e s O rd in á rio s , V e r e a d o r e s , P r in c ip le s , o u o c c u p a r e m o u tr o q u alq u er p o fto h o n o r íf ic o ; e ta m b e m a s fu as fa m ília s ; d a n d o lh e s a ftè n to n a íiia p r e íè n ç a ; e tr a ta n d o -o s c o m a q u e lía d iftin ç a õ , q u e lhes f o r d e v id a , c o n fo r m e a s fu as r e f p e & iv a s g r a d u a ç o e n s , e m p r e g o s , e c a b e d a e s ; p a r a q u e , v e n d o - í è o s d ito s í n ­ d io s eftim ad os p ú b l i c a , e p a r tic u la r m e n r e , c ü id e m e m m e re ce r c o m o íèu b o m p r o c e d im e n to a s d i f t i n â a s h o n r a s , c o m q u e í â o

P a r a a í u b f i f t e n c í a d a s fo b r e d it a s - E í c ó I a s , e d e h u m

tratad os ; fe p a r a n d o -lè d a q u e lle s v í c i o s , e d e fte r r a n d o a q u e l-

e hum a M e ftra ,

ias baixas im a g in a ç o e n s ,

que devem

íè r P e ílo a s d o ta d a s d e

b o n s c o f l u m e s , p r u d ê n c i a , c c a p a c id a d e , d e í b r t e , q u e p o í l â ó d e fe m p e n h a r

as i m p o r t a n t e s o b r i g a ç o e n s d e

fe u s e m p r e g o s ;

f e d e f t in a r á ó

orden ados

p e lo s

m e f in o s í n d i o s ,

fu flk ie n te s , p a g o s

o u p e la s P e fT o a s ,

em

a r b itr a r , o u em

d in h e ir o ,

ou

c o m a tte n ç a ó á g r a n d e m ife r ia ,

Pays dos

c u j o p o d e r e lle s v i v e ­

em e ífe ito s ,

fo m d u vid a h u m d e lles a in ju fta ,

e e íc a n d a lo íà in t r o d u e ç a ó d e

le z a d e fte n o m e , p e r íiia d ir -lh e s , q u e a n a tu r e z a o s tin h a , deftè*

de naó haver nas

á i d a d e d e d e z a n n o s f e r e m in ítr u id a s rta E f -

c ó la dos M e n in o s ,

E n tr e o s ia ftim o fo s p r in c íp io s , e p e m ic io f o s a b u fo s ,

q u e fe r á f e m p r e

P o v o a ç o e n s P e lT o a a l g u m a , q u e p o l i a f e r M e l l r a d e M e n i n a s , p o d e r á ó e fta s a t é

1o

d e q u e te m re íu lta d o n o s í n d i o s o a b a tim e n to p o n d e r a d o , h e lh es ch am arem N eg ros ; q u e r e n d o t a lv e z c o m a i n f â m i a , e vi-?

e p o b r e z a , a q u e e lle s p r e l e n -

te m e n te fe a c h a ó r e d u z id o s . N o c a fo p o r é m

q u e in fe n fiv e ím e n te o s r e d u z ir ã o a o

p refen te a b a t im e n t o , e v ile z a .

q u e f e lh e s

r e m , c o n c o r r e n d o c a d a h u m d e lle s c o m a p o r ç a ó ,

le r ,

h a v e r d ive rfa g r a d u a ç a ó d e P e ílo a s a p ro p o r ç ã o d o s m in iíle rio s q u e ex ercita ó , a s qu áes p e d e a r a z a ó , q u e í c ja ó tr a ta d a s c o m

o n d e ap ren d erão a D o u tr in a C h r i í la a ,

a

n a d o p a ra eferavo s d o s B r a n c o s , c o m o r e g u la r m e n te f e i m à g k n a a re fp eito d o s P r e to s da. Ç o f t a d e A f r i c a . É p o r q u e , a lé m d e

4

le r preju d icialiífim q á c iv ilid a d e d o s m e fh tô s í n d i o s e f t e a b o m m a v e l a b u fo , fe r ia in d e c o r o íò á s R e á e s L e y s d e S u a M á

g e l t a d e c h a m a r . N egros a h u n s h o m e n s , q u e o m e f i n o S e n h o r f o if e r y t d p n o b i h t a r , re d e c la r a r p o r ife n to s d e t o d à ,

e e f c r e v e r , p a r a q u e j u n t a m e n t e c o m a s in fa lliv e is v e r d a ­

des d a n o ífa S a g r a d a

R e lig iã o

a d q u ir a o c o m m a io r f a c ilid a ­

d e o u fo d a L i n g u a P o r t u g u e z a .

9 V ile z a , e m e fin o s

C on corren do

1

e N egros a o s í n d i o s , n e n í q u e e i e s m è f m o f

m u ito p a r a a r u ílic id a d e d o s ín d io s a

o a b a t im e n t o , e m q u e t e m f id o e d u c a d o s , p o is a t e os -r in c ip a e s ,

S a r g e n t o s m a io r e s ,

C a p ita e n s ,

e m a is O ffic i-

e n tr e

( ° P a r a « o s m ic r o s , a o s e iie s c f o

0

d o m ín io

r ê íe r v o u

c o m o A u t o r u n i v e r fa l d e to -

b e n d o e fta o b n g a ç a o c o m m u a a to d o s o s C a th ó íic o s ,

os In d ie s ,

J

f ig n a l d o f u p r c m o

fe u s M i n i í l r o s , a d é c im a p a r t e d e t o d o s

q u e p ro d u z a. te r r a ,

e lc a n d a lo la a

t a t 1. u n o

d i a b ó li c o a b u ío d e fe n a ó

r ü ftiC id a d e ,

com

q u e te m lid o ed u ca d o s

q u e n a o fó n a o r e c o n h e c i a ó a D e o s c o m

tr ib u to ,

:,l,s m z e r .

m as á te

e f t e lim i-

i g n o r a v á ó a o b r i g a ç a ó q u e t in h a ó

P a r a d é f t e i r a r p o i s d o s I n d i ó s e f t e p e r n ic io íií-

i n i o , c o f t u m e , q u e n a r e k ii d a d e í è d e v e r e p u t a r p o r a b u í o , p o r m a t é r i a , q u e , c o n i o r m e o D i r e i t o , n a ó 'a d m i t t e p r e íc r ip ç a ó ; 'I u e D e< )s N o l T o S e n h o r f e l i c i t e o s fe u s t r a b a l h o s , e a s zim i»"'

>l,ras :

q u e s u itiv ^

o b r ig a d o s d a q u i p o r d ia n te a p a g a r os D i ­ n a d é c im a

p a r te d e

t o d o s o s fr u é è o s ,

c x c e p c a ó al r*1* ’ ° ^ ° . t o ^ o s o s g e n e r o s , q u e a d q u i r i r e m , fem g u m a j c u i d a n d o m u i t o o s D i r e é l o r e s , em que os r e fe -

%o

A o s d it o s L o u v a d o s r e c o m e n d a r ã o o s D i r e d o r e s ,

d e p o is d e lh e s d e fe r ir o j u r a m e n t o , a v a lia r e m t o d o s o s f r u e t o s , r ã o r e n d è r n a q u e lle a n n o

q u e fe n d o c h a m a d o s p a ra

q u e p o u c o m a is , o u m enos p o d e­ a s d i t a s R o í T a s ; d e ta l í o r t e l e d e ­

v e r a d ir ig ir p e lo s d i â a m e s d a e q u i d a d e , q u e f e a t t e n d a íe m p r e á n o t o r ia p o b r e z a d o s í n d i o s j f a z e n d o - f e a d it a a v a l i a ç a o a fa ­ v o r d o s A g r ic u lt o r e s . C o n c o r d a n d o o s d i t o s L o u v a d o s n o s v o ­ to s ,

fe f a r á l o g o a f le n t o

e m h u m c a d e r n o , d e r c o n f i a r d e lle s '; q ü e r ê p u f t a r á ô p e lo m a is e f t i m a v e l p f e m i o a i n c o m p a r á v e l h ò ü f a d e 1í è em p re g a rem n o R e a l' fe r v iç b d e S u a M a g ê f t a d è : G ó m O a s l e y s . d a J u f t i ç a ; - - q ú e ^ n d t í f e d p r o c o s ó s t r a b a l h e s ; :éiii o u d o p u b l i c o ,

ç a o , d e q u e íe

p e lo s M e ft r e s d a s E fc ó la s

f a r á t e r m o d e t o m a d i a n o s liv r o s d a C a m e r a

e os ín ­

e n a fa lta d e lle s

a flim o s f r u é l o s , e g e n e r o s ,

a f iig n a d a p e lo s D i r e é l o r e s , e m a is p e í l o a s q u e a p r e íe n c ia r e m .

f e v e n d e r ã o , c o m o as fa ze n d a s p o r q u e fe c ó m u ta r a ó ;

a!o

c a n d o -fe a re p u ta ça o d e fta s ,

4 "

p a i t c >a

M as,

p o r q u e p ó d e f u c c e d e r , q u e f a z e n d o v ia g e m

C a n o a s p a r a o S e r t ã o , o u p a r a o u t r a q u a lq u e r

m a s frai'K

í ^ a ' n d e fp e n fa v e lm e n te

^ Ucn as

a g u a rd e n te ;

ou

n e c e f l a r i o c o n d u z ir a lg u p a r a r e m e d io ,

o u p a ra g a ft o

o n o m e das p e ílo a s ,

e o p r e c o d a q u e lla s ,

que

e x p li-

e ta m b é m

q u e c o m m e r ç ia r a ó < c o m o s I n d i o s , d e c u ­

j o s a l f e i i t o s , q u e í e r á ó a f i g n a d o s p e lo s a n e ím o s D i r è é l o r e s ,

e

. c o m m e r c i a n t e s , e x tr a h i u d o - í e h ü m a l i f t a e m f o r m a a u t e n t i c a ,

(21) a r e m e te r ã o to d o s o s a n n o s a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o ,

que f e

p o f là e x a m in a r c o m

a

pajr»

d e v id a e x a c ç a q a p u r e ía ., c o m -

q u e e l le s í è c o n d u z i r ã o e m m a t e r i a t a p i m p o r t a n t e c o m o e f t a d é q u e d e p e n d e fe m

d u v id a

a fu b fifte n c ia ,

e a u g m e n to d o E f .

ta d o . 45

M a s c o m o t o d a s e f t a s p r o v i d e n c i a s f e d ir ig e m p ri­

m e ir a m e n te ,

a m a io r u tilid a d e d o s í n d i o s ;

e v e n d e n d o -íç o s

g e n e r o s n a C i d a d e f i c a r á í è n d o p a r a e lle s m a i s v a n t a j o f o , e u t i l o c o m m e r c io ;

a t t e n d e n d o p o r n u m a p a r te a m a io r r e p u ta ç ã o ,

p e h a d d e te r n e lla j

e p o r o u tra a o lim ita d o d iíp e n d io ,

2

que

e f a r á n o s t r a n lp o r t e s p o r f e r e f t e P a i z c e r c a d o p o r t o d a a p a r ­

te de R i o s ,

p e lo s q u a e s f e p ó d e j n t r a n í p o r t a r o s g e n e r o s c o m

m u it a f a c i l i d a d e , res ,

e p o u c a d e íp e z a j

recom en do aos D ir e t o ­

v e r d a d e ir a s m a x i m a s :

e v id e n te m e n te

o p r o p o r lh e s a fiia m a i o r c o n v e n i ê n c i a ,

co n d u fa o p a ra a C id a d e to d o s o s g e n e r o s ,

e fru to s ,

que

q u e a liá s

c e r to , que

t e r á m e lh o r c o n í i i m o ,

r e p u ta d o : S e g u n d a ,

c o n f e r v a íle m

p o d e n d o d u v id a r -íè ,

q u e e n tr e o s

> S 111"

o m e fm o ra m o d e c o m m e r c io ;

nao

a b a t im e n t o c o m t o t a l p r e ju ilb d o s c o m m e r c ia n t e s ; m a s ta m ­ b é m p o r q u e a s referiría s P o v o a ç o e n s n a o p o d e r ia o m u t u a t n e n t e ío C c o r r e r íè ,

c o m p r a n d o h u m a s o q u e lh e s fa lta , e v e n d e n ­

d o o u tr a s o q u e l h e í b b e ja . 48

N a

in t e li g ê n c ia d e ft a s d u a s f u n d a m e n t a e s ,

r e ílà n t e s m a x i m a s ,

r e c o m e n d o m u it o a o s D ir e é f o r e s ,

e in te q u e e f-

t a b e . e ç a ó o c o m m e r c i o d a s fu a s r e f p e t iv a s P o v o a ç o e n s , p e r f u -

fo rm a ,

N ao

ic ,a

f ó p o r q u e a a b u n d a e c i a d a q ü e lle g e n e r o o r e d u z ir ía a o u lt im o

n e f t a m a t é r i a a q u e lla m e í i n a f o r m a ,

46

e c o n f c q u e n t c m c n t e fera m a i s b e m

q u e íe r ia í u n i n ia it ic n t e ,

o u h u m E f t a d o , a p lic a n d o - f e á fa b r ic a , o u á e x t r a c ç a ó d e h u m f ó e ffe ito ,

a d in d o ao s í n d i o s ,

r a g r a f o s í u b í è q u e n t e s a r e í p e i t o d o c o m m e r c io d o S e r t a ó .

o

to d a s as P o v o a ç o e n s d e q u e fc co m p o cm hum a M o n a r c h ia »

p u d e r ia o v e n d e r n a s fu a s P o v o a ç o e n s ;o b íe r v a n d o o s D i r e t o r e s q u e í è d e te r m in a n o s p a -

en

a q u e lle g e n e r o , q n c p u d e r t a b n -

c a r - f e c m m e n o s t e m p o , c c o m m e n o r n u m e r o d e t r a b a lh a d o ­ res,

q u e p e r f u a d a o o s í n d i o s p e lo s m e i o s d a f u a v i d a d e , q u a e s

là õ n e fte c a f o ,

P r im e ir a , q u e e m t o d o o n e g o c i o c r e f lè

a u t ilid a d e a o m e f m o p a í l o , a q u e d e m in u e a d e íp e z a ,

a q u e lle n e g o c i o ,

que ten h o p o n d e ra d o ,

q u e lh es f o r m a is u t il n a

e a in d a m a is c la r a m e n t e e x p li­

c a r e i. S e a s d it a s P o v o a ç o e n s e f t iv e r e m p r ó x im a s a o m a r , o u

ram os d o

fitu a d a s n a s m a r g e n s d e R i o s ,

q u e fe ja o a b u n d a n te s d e p e ix e ,

n e g o c i o d e q u e í è c o n f t i t u e o c o m m e r c io d e ft e E f t a d o j n e n h u m

í è r á a fe ito r ia d a s í à l g a s o r a m o d o c o m m e r c i o , d e q u e r e íu lt a -

h e m a is i m p o r t a n t e ,

r á m a io r u t ilid a d e ,

n e m m a is u t i l ,

n a o f ó c o n íifte n a e x tr a c ç a ó

que o do S e r t a ó o qual

d a s p r ó p r ia s D r o g a s ,

p r o d u s a n a t u r e z a ; m a s n a s fe it o r ia s d e m a n t e i g a s ga,

f a lg a s d e p e ix e ,

o le o d e c u p a iv a ,

q u e n e lle d e ta rta ru ­

a z e ite s d e a n d ir o b a ,

d e o u t r o s m u it o s g e n e r o s d e q u e h e a b u n d a n t e o P a i s ; g a rá ó os D ir e to r e s a m a is d ad o em

i n t r o d u z ir ,

e x a t a v ig ilâ n c ia ,

e a u g m e n ta r

íu a s r e f p e t i v a s P o v o a ç o e n s . m a te r ia

em pre-

p ia c a c á o ,

nas

e as

fa lfa ,

cravo,

o u o u t r o q u a lq u e r e f f e it o j e m p r e g a -

r á o o s D i r e & o r e s t o d o o fe u c u i d a d o e m a p lic a r o s í n d i o s a ef­

te r a m o , d e n e g o c i o .

e i n c e f l à n t e c u i­

r e fe r id o c o m e r c io

S e porém o s R i o s ,

49

P a r a a n im a r o s d i t o s í n d i o s

a fr e q u e n ta r g o fto fà -

m e n t e Q .in te r e flà n te c o m m e r c i o d o S e r t a ó , Ih e s e x p lic a r á ó o s

E p a r a q u e n e f t a in te r e íT a n r iflim a

D i r e t o r e s ; , ; q u e d a q u i p o r d i a n t e t o d a a u t i l i d a d e , .q u e r e f u í-

p o f l à ó o s D i r e t o r e s c o n d u z i r - l e p o r h u m a r e g r a fix a ,

t a r d o í è u t r a b a l h o , í è d e ft r ib u ir á e n t r e e l l e s m e í m o s j c o r r e f p b n -

e in v a r iá v e l,

o b íè r v a r á ó a f o r m a ,

lc r e v e r . q u e l h e v o u a p r e íc

ua all i d a d e d a s E m p r im e ir o l u g a r f e i n f o r m a r ã o d a qqu

4 7 te r r a s ,

o

e

a o s i n t e r e llà d o s .

terra s a d ja c e n t e s á s fu a s P o v o a ç o e n s p r o d u íir e m c o m a b u n d a n -

q u e íà o a d ja c e n te s ,

e d o s e ffè ito s ,

e p r ó x i m a s á s fu a s P o v o a ç o e n s

d e q u e fa ó a b u n d a n te s : e a ch a n d o ,

f-' p o d a r á e x t r a h i r c o m m a i o r f a c i l i d a d e ,

e fte ,

q u e d e lla s

o u a q u e lle g e -

nQl° > e f l e fe r á o r a m o d e n e g o c i o a q u e a p liq u e m t o d o o íèu cuk ado;

b em e n te n d id o ,

g m e n ta r , e

tlo r e c e r ,

q u e to d o o c o m m e r c io p a ra

d e v e fu n d a r -fe

íè au-

n e fta s d u as ío lid a s , c ver-

d e n d o a c a d a h u m .0 in t e r e f lè á p r o p o r ç ã o - d o m e f m o trab a lh o ^ E

c o m o a u t ilid a d e .d o r e f e r id o n e g o c i o d e v e í c r i g u a l p a r a t o -

d o s - , o b f e r v a r á o o s D i r e é f o r e s n a n o m e a ç a ó , que? fiz e r e m , d^ p a ra , o t m e n c io n a d o c o m m e r c i o a fo r m a ?í è g u i n t e .

A*

® as fe c o n c lu ir .«ó t r a b a i h o d a c u ltu r a das, te r r a s ^ i q u e ''

4

a s :a s t â r c u n í U n d a s d e v e f e n b p r im e i t e o b jè à o T d o s

dadQ^r>í c h a i E a r á ó ^ á

fu a ;p r é ífe n ç a

to d o s-o s- íP »

(* » ) m a is í n d io s d e q u e c o n f t a r a P o v o a ç a õ : E a c h a n d o q u e t o d o *

ta im p o r ta n te

e fle s d c f e j a õ ir a o n e g o c i o d o S e r t ã o , o s n o m e a r a õ j u n t a m e n -

r e fp e è f iv o s D i r e a o r e s .

te ,

d a d o d a s C a m e r a s , e P r in c ip a e s a e x e c u ç a Õ d e to d a s e fta s p ro ­

da

c o m os P r in c ip a e s , g u a r d a n d o a lt e r n a t i v a :

P o r q u e d e fte

in v io la v e lm e n te as L e y s

m odo

i g u a l m e n t e o p e z o d o t r a b a lh o ;

e x p e r i m e n t a r ã o to d o s

e a fu a v id a d e d o lu c r o ; b em

e n te n d id o , q u e a d ita n o m e a ç a o

f e f a r á u n i c a m e n t e d a q u e l-

p r im e ir o a p a r t ic ip a r e m a o s íè ü á

v i d e n c i a s , l h e r e c o m e n d o q u e a n te s d e e x p e d u e m a s C a n o a s re co r ra õ p o r p e tic a ó a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o , o n u m ero

e x p lic a n d o

d o s ín d io s , d e q u e fe c o m p õ e m a e fq u ip a ç a o d e f ­

la p a r te dos Ín d io s q u e p e r te n c e r e m á d iftr ib u iç a ô d a s P o v o a ­

ie s ; a ffira p a r a f e lh e s d e c la r a r o m o d o c o m q u e d e v e m p r o c e ­ d e r n a f a é lu r a d o C a c á o ; c o m o p a r a f e f a t is f a z e r e m o s n o v o s,

f e d e c la r a r á .

M a s c o m o n a Ô fe r ia j u f t o ,

p ita e n s m ó r e s , S a r g e n t o s m ó r e s ,

q u e o s P r in c ip a e s , C a -

e m a is O f f i c i a e s ,

com p õem o g o v e rn o das P o v o a ç o e n s ,

d e que fe

a o m e ím o te m p o q u e

S u a M a g e f t a d e t e m o r d e n a d o n a s f u a s R e a e s , e p iiílim a s L e y s u e í è lh e s g u a r d e m t o d a s a q u e lla s h o n r a s c o m p e t e n t e s á g r a -

3

u a ç a ô d e fe u s p ó f t o s , í è r e d u z i if e m

c iz a r e m a ir p e f t o a l m e n t e

a o a b a tim e n to d e í è p r e -

á e x tr a c ç a o das d r o g a s d o S e n ã o ;

d ir e ito s n a r o e fm a f ó r m a m orador. 52

E

q u e f e p r a t ic a c o m o u t r o q u a lq u e r

c o m o a s C a n ô a s d iftin a d a s p a r a o n e g o c i o ,

f ó d e v e m le v a r o n u m ero d e ín d io s c o m p e te n te s p a ç a õ , m a s a lg u n s d e f o b r e c e lle n t e , u e f a le c e n d o ,

2

e n fe rm a n d o ,

para

a fu a e f q u i-

q u e n a ó fu c c e d a ,

o u f u g i n d o a lg u n s , f iq u e m

as

h n ô a s n o s S e r t o e n s , e x p o f t a s a o u lt im o d e í è m p a r o , c o m o

q u è fo re m

r e p e tid a s v e z e s t e m f u c c e d i d o ; p o d e r á õ a s m e íin a s C a m e r a s ,

a o d i t o n e g o c i o fè is í n d i o s p o r f u a c o n t a , n a o h a v e n d o m a is

e P r in c ip a e s d a r lic e n ç a p a r a q u e a s í ò b r e d i t a s C a n o a s l e v e m

q u e d o u s P r in c ip a e s n a P o v o a ç a õ : E e x c e d e n d o e f t e n u m e r o ,

d e z a t é d o z e í n d i o s a lé m d a f u a e f q u i p a ç a ó ,

p o d e r á õ m a n d a r a t é q u a tr o , Í n d i o s

g o c io

p o d e r á õ os d ito s P r in c ip a e s m a n d a r n a s C a n o a s ,

m óres,

S a r g e n to s m ó re s q u a tro ;

cada hum ;

o s C a p ita e r is

e o s m a is O f f i c i a e s d o u s ; o s

q u a e s d e v e m íè r e x tr a h id o s d o n u m e r o da r e p a r tiç a õ d o P o v o ; f ic a n d o o s fo b i e d it o s O f f i c i a e s c o m zerem

o s fc u s fe lla r io s n a

M a g e fta d e . res,

E

fó rm a d a s R e a e s

q u e r e n d o o s d it o s P r i n c i p a e s ,

e S a rg e n to s m ó r e s ,

orden s d e S u a C a p ita e n s m ó ­

v o l u n t a r i a m e n t e ir c o m

o s ín d io s ,

rá õ fa z e r a lte r n a tiv a m e n te , fic a n d o fe m p re m e t a d e d o s O f f i­

f ó lid o

G o n f i f t i n d o p o is n o e f t a b e le c im e n t o

fu b íifta m as f l o r e ç a , voaçoens , que

d o a fe u c a r g o ,

do

E fta d o ;

a u g m e n to para q u e

d e ft e c o m m e r c io o a q u e lle n a õ f ó

correrá p o r c o n ta d as C a m e r a s ,

fo re m V i lla s ,

c o n ta d o s P r in c ip a e s ,

fi;

ifto íè e n te n d e

nas P o ­

e n a s q u a e s f o r e m lu g a r e s p o r

a e x p e d i ç a õ d a s r e fe r id a s C a n o a s ; te n ­

o m a n d a lla s p r e p a r a r e m t e m p o h a b i l ;

veilas d o s m a n t im e n t o s n e c e f la r io s ;

p ro-

e d e tu d o o m a is , q u e fo r

p r e c ifo - p a r a q UC p o í f a õ f a z e r v i a g e m

a o S e r ta õ ;

c u ja s d e l -

p e z a s Se la n ç a r ã o n o s liv r o s d a s m e l m a s C a m e r a s ; c o m a c o n O iç a o p o r é m d e q u e n a õ p o d e r á õ t o m a r r e l ò l u ç a õ a lg u m a n e f ta

que fa ç a õ o n e­

fe a c a íb o s h o u v e r ; e q u e d e

fo r te n e n h u m a í è j a õ d o s q u e p e r t e n c e m á d i f t r i b u i ç a ô d o

53

Po­

T e n d o e n f in a d o a e x p e r i e n c ia , q u e o s m e f m o s C a ­

bos , a q u e m fe e n tr e g a õ o g o v e r n o ,

e a d ir e c ç ã o

das C a ­

n o a s , d e v e n d o fu f t e n ta r a f é p u b lic a d e f t e C o m m e r c i o , a t e m n a õ fó d e m in u id o , m a s t o t a l m e n t e a r r u in a d o ; h id o s d a u t ilid a d e p r o p r i a ,

fa z e m c o m

g o c i o s p a r t i c u la r e s ; b a f t a n d o



e fta

é lo r e s e m

q u e as C a m e ra s ,

0$ m e li n o s Í n d io s ne-t para os

c u id a d o o D i r e -

é o s P r in c ip a e s fó n o m e ie m p a r a

C a b o s d a s r e fe r id a s C a n ô a s ,

a q u e lla s p e í f o a s q u e f o r e m

c o n h e c id a fid e lid a d e ; i n t e i r e z a , h o n r a , m eaçaõ íè

p o rq u e a ttra -

c i r c u m f t a n c ia

c o n ft it u ir d o l o f o s , e i n í q u o s ; t e r a õ g r a n d e

c ia e s n a P o v o a ç a õ . 51

para

v o ; p o r q u e a e f t e d e v e f ic a r í è m p r e f a l v o o f e u p r e ju íz o .

a o b r i g a ç a õ d e lh e í à t i s f a -

q u e f e lh e s d iftr ib u ir e m , á e x t r a c ç a o d a q u e lla s d r o g a s , o p o d e -

x & 4 t

íè m

M a s f u p p o f t o e n c a r r e g o a o z e l o , e c u i­

ç o e n s co m o a b a ix o 50

I

m a te r ia ;

f a r á p e la s m e f m a s C a m e r a s ,

e verd ad e;

de

c u ja .n o -?

e P r in c ip a e s ,

m ás.

fe m p r e a c o n t e n t o d a q u e lle s í n d i o s q u e f o r e m in t è r e f la d o s ..



54

F e i t a d e fte m o d ò a f o b r e d it a n o m e a ç a Õ

g o ch am ad o s ás C a m e ra s o s C a b o s n o m e a d o s , rem te rm o d e a c e it a ç a õ ;

,

fe íá o lo ­

p a ra a ífig n a -

o b r i g a n d o - f e p o r f u a p è f t b á ., e b é f ls ,

n a õ f ó a d a r c o n t a d e t o d a , a im p o r t â n c ia q u e r e c e b e r e m p e r ­ te n c e n te á q u e lla e x p e d iç a õ ;

m a s á f a t i s f a ç ã õ d e .q u a lq u e r p r e r ju íz o ,

nao

O *)

(* 4 ) ju iz o ,

q u e p o r fu a c u l p a ,

n o d ito n e g o c io .

o ü d e fc u id ò h o u v e r

E c o m o f e m e m b a r g o d e t o d a s e fta s c a u te lla s

p o d e r ã o fa lta r o s ta re m j

n e g lig e n c ia ,

d ito s C a b o s á s c o n d iç o e n s ,

o u p o r q u e e íq u e c id o s d a fid e lid a d e ,

a q u e l e f u je i-

com

q u e fe d e v e

t r a t a r o C o m m e r c i o c o m p r a r a ó a o s í n d i o s p a r tic itla r m e n te o s e ffe ito s ;

o u p o r q u e o s v e n d e r ã o a o s m o r a d o r e s , a n te s d e ch e ­

g a r á s fiia s P o v o a ç o e n s j O r d e n o

a o s D ir e é fo r e s , q u e lo g o

n a c h e g a d a d a s C a n o a s , tir e m h u m a e x a â a i n f o r m a ç a ó n e í ta m a t e r i a ; grave e in

,

e achan do

a lé m d e

fo r e m

que

os

Cabos

o b r ig a d o s

c o m m e t t e r a ô c u lp a

a là t i s f a z e r e m

o p r e ju iz o

d o b r o , q u e f e d e s tr ib u ir á e n t r e o s m e f m o s i n t e r e f l a d o s ,

o s r e m e tte r a ó p r e z o s a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o , p a ra m a n ­ d a r p r o c e d e r c o n t r a e lle s á p r o p o r ç ã o d e fe u s d e h é to s . 55

F e lic ita n d o D e o s N o f l o

r e f e r id a s C a n o a s ,

v ir á ó e fta s e m

S e n h o r o C o m e r c io

das

d ir e itu r a ás P o v o a ç o e n s a

q u e p e r t e n c e r : n e lla s f e f a r á l o g o o

m a n if e f t o a u t e n t i c o d e

Mó p A r í executar com effeito fem dar parte ao Governado, do Eftado. D e todo o dinheiro, que liqu,da,nente importara venda dor fobreditos genero, pagara 0_d.ro 1 h e W r r o em pr.me.ro lugar o , Dizimos á fazenda R ea l; emlTegundo ar defpezas, que fe fizeraÓ naquella exped.çao, em terceno a porcaõ , que fe arbitrar ao Cabo da mefma Canoa j em quar­ to ^ a fexta parte pertencente aos Direcfores; deftnbumdo-fe finalmente o remanecente em partes iguaes por todos os Índi­ os intereflados. r r 57 E para que de nenhum modo poflà haver conrulao n a f ô r m a c o m q u e fe d e v e m p a g a r o s D i z im o s d o s g e n e r o s , q u e f e e x tr a e m d o s S c r t o e n s , d e c la r o , C a fé ,

e S a l f a , p e r t e n c e e fta o b r i g a ç a ó a o s m e ím o s ^

q u e co m p r a r e m

o s re fe r id o s g e n e r o s , d o s q u a e s f e c o f tu n ia o

p a g a r o s D i z i m o s n a m e fm a o ç c a í ia ó d o e m b a r q u e .

e to d a a q u a lid a d e d e P e i x e s , A n d ir o b a ,

ç a r n o liv r o

t e os f r u é lo s ,

d o C o m m e r c io co m

to d a

a d i f l i n ç a Ó , e c la r e ­

o s g e n e r o s d e q u e c o n fta r a d ita c a r re g a ç a o

d o fe E x e c u ta r á de

o q u e tu ­

, n a p r e fe n ç a d o s O ffic ia e s d a C a m e r a

t o d o s o s í n d i o s i n t e r e f la d o s .

com

:

C o n c l u í d a e ft a

a b r e v id a d e q u e p e r m it tir o t e m p o

D i r e é f o r e s d e p o is d e jn a n d a r e m

,

, e

d ilig e n c ia ,

c u id a r ã o l o g o

os

e x tr a h ir d u a s g u ia s e m fo r­

m a d e t o d a s a s p a r c e l l a s , q u e fe l a n ç a r á n o liv r o d o C o m ­ m e r c io , r e m e tte r p a r a e fta den an do aos C a b o s garem

a e fte P o r to

d a s m e íin a s C a n o a s , q u e ,

e n tr e g u e m

G o v e r n a d o r d o E fta d o ; C o m m e r c io

C i d a d e o s r e fe r id o e f f e it o s ; o r ­

d o s ín d io s

e

o u tr a

lo g o

hum a

apenas

ch e­

d a s g u ia s

ao

a o T h e z o u r e ir o g e r a l. d o

: P a r a c u jo e m p r e g o ,

p o r m e p are­

A r e f p e ito

p o r é m d o s m ais g e n e r o s , c o m o f a õ M a n t e i g a s d e T a r t a r u g a s ,

t o d a a i m p o r t â n c ia d a c a r g a : m a n d a n d o o s D i r e é f o r e s , la n ­

za

que em q u a n to a o C a c a o ,

C ravo,

o le o s d e C u p a u b a , a z e it e d e

e t o d o s o s m aís e f f e i t o s , e x c e p t u a n d o u n ic a m e n ­ q u e p r o d ü s a te r r a p o r m e io d a c u lt u r a ,

fe n d o

e lle s r e m e tr id o s p a r a e fta C i d a d e , n e lla f e p a g a r á ó o s D i z i m o s d ir ig in d o -fe n e f ta

m a te r ia o T h e f o u r e i r o g e r a l p e la s G u i a s ,

q u e lh e f o r e m r e m e ttid a s .

E f e a l g u m d o s d ito s g e n e r o s f e v e n ­

d e r nas P o v o a ç o e n s , ie r a ó

o b r ig a d o s o s D i r e é f o r e s a c o b r a r

o s D iz im o s o b f e r v a n d o a f ô r m a , ra g ra fo

q u e f e lh e s p r e f e r e v e n o p a -

30.

58

F in a lm e n t e c o m o ,

r â n c ia d o s m e fm o s í n d i o s ,

f u p p o f t a a r u f t i c id a d e , e i g n o ­

e n tr e g a r a c a d a h u m o d in h e ir o ,

q u e lh e c o m p e t e , feria o f f e n d e r n a o fó a s L e y s d a C a r i d a d e , m as d a J u ft iç a ,

p e la n o t o r ia

in c a p a c id a d e , q u e

a g o r a d e o a d m in iftr a r e m a o f e u a r b ít r io ,

te m a in d a

f e r á o b r ig a d o o T e -

c e r i n d i f p e n f a v e l m e n t e n e c e f l a r i o , n a s c ir c im f t a n c ia s p r e f e n -

fo u r e ir o g e r a l a c o m p r a r c o m o d in h e ir o ,

te s,

n a p r e f e n ç a d o s m e fm o s í n d i o s a q u e lla s f a z e n d a s d e q u e e lle s

te n h o

n o m e a d o in te r in à m e n te o S a r g e n t o m ó r A n t o n io

q u e lh e s p e r t e n c e r

R o d r ig u e s M a r t in s , a tte n d e n d o á g r a n d e fid e lid a d e , e n o -

n e c e f li t a r e m : E x e c u t a n d o - f e n e f t a p a r te i n v io la v e lm e n t e a q r

t o r io z e l l o d e q u e h e d o t a d o .

Ia s o r d e n s c o m q u e te n h o r e g u l a d o n e fta C i d a d e o p a g a r

56

T a n to

que

os C á b o s das C a n ô a s

e n tr e g a r e m

ao

T h e f o u r e ir o g e r a l as g u ia s d a c a r r e g a ç a o , te r á e fte h u m e fp iciu l c u id a d o

,

c o n fe r in d o p r im e ir o a s c a r g a s c o m

as m e f-

m a s g u i a s , d e v e n d e r o s g e n e r o s , q u e r e c e b e r , d a n d o -lh e s a m e h o r r e p u t a ç a o , q u e p e r m i t t i r a q u a l i d a d e d e lle s , o q u e nao

d o s d ito s í n d i o s ,

e m b e n e f ic io c o m m u m d e lle s .

D er

a c a b a n d o d e c o m p r e h e n d e r c o m e v id e n c ia e f t e s m>r d io s a f id e li d a d e c o m u tilid a d e s ,

q u e c u id a m o s n o s fe u s ir

q u e c o r r e íp o n d e m a o

D

fe u tr a fic o

c* o q u e jja b o a f é d e q u e d e p e n d e

Commercio. jp

.

07)

a fu b íifte n d a ,



S e n d o a d e f t r i b u i ç a o d o s Í n d i o s , h u m d o s p rin ci­

d e n c ia s , e p iiílim a s L e y s

que

com m um d o s

d e S u a M a g e f t a d e : c o m o e m p re­

com

á o b fe r v a n c ia ,

e íc a n d a lo fa ó ffe n fa

n a õ fó das

L e y s , d a J u f t i ç a , e P i e d a d e , m a s a t é d á q u e l l e m e f in o d e ­ c o r o , q u e fe

d eve aos

r e fp e ito fo s D e c r e t o s

d o s n o ftb s A u -

g u f t o s S o b e r a n o s : P a r a q u e a s d it a s R e a e s O r d e n s , t e n h a õ a f u a d e v id a e x e c u ç ã o ;

o b fe r v a rá o o s D ir e é lo r e s

a s d e te r -

lim

D i & a õ as L e y s

d a n a tu r e z a , e

da r a z a õ , qu e a A

c o m o as p a r te s n o c o r p o f y f i c o d e v e m c o n c o r r e r p a r a

co n fe r v a ç a õ d o to d o , nas p a r te s ,

a

q u e c o n ftitu e m

o

to d o m o r a l , e p o litic o . d o m e ím o

d ir e it o

Con­

n a tu r a l ,

fe

a t é a g o r a a e f t a i n d i f p e n f a v e l o b r i g a ç a õ ; a fF e é la n d o -,

f e e í p e c io f o s p e r t e x t o s p a r a f e illu d ir a r e p a r t iç a õ d o P o v o , de

q u e p o r i n f a lli v e l c o n f e q u e n c i a f e h a v ia d e í è g u ir a r u in a

to ta l

do

E fta d o ;

o p e r á r io s

de

porque

fa lt a n d o

q u e n e c e llita ó

para

a o s m o r a d o ie s

a

das D r o g a s ,

d im in u ir

e a b a te r o C o m m e r c io .

a c u ltu r a ,

c ip io

os

p r e c if a m e n t e

fe h a v ia

de

E f t a b e l e c e n d o - f e n e f t e f o llid o , e f u n d a m e n t a l prin-»

as L e y s d a

E reh en d eráõ ey

d eIJe

f a b r ic a d a s L a v o u r a s ,

e p a ra a e x tr a c ç a o

61

d i f t r i b u i ç a ô , c la r a , e e v i d e n t e m e n t e c o m -

os D ir e & o r e s ,

q u e d e ix a n d o

d e o b f e r v a r efta;

, fe c o n f t it u e m R é o s d o m a is a b o m i n á v e l ,

lo z o d e lid o ; q u al h e em b a ra ça r o fe r v a ç a õ ,

o

a u g m e n to ,

e e fc a n d a -

e fta b e le c im e n to ,

a con ­

e to d a a fe lic id a d e d o E f t a d o , e

fr u f t r a r a s p iiílim a s i n t e n ç o e n s d e S u a M a g e f t a d e , n a fó rm a d o A lv a r á d e 6 . d e J ü n h o d e que os M oradores

d e lle fe n a ó v e ja õ

1755.

P e r ig e m

p r e c iz a d o s

v ir o b r e i r o s , e t r a b a lh a d o r e s d e f ó r a p a r a o

as quaes

t r a fic o d a s fu a s

1>a)'s > n a õ fiq u e m p r i v a d o s d o j u f t o e f t i p e n d i o c o r r e íp o n d c n f«u tr a b a lh o

,

e fp e c ia liftim o a i i d a d o p r iv a t iv a m e n te

qu e daqui

p o r d ia n te

fe

lh e r e g u la r a

n a fó r m a das R e a e s O r d e n s d o d i t o S e n h o r : F a z c n d o - / ê p o r e fte

, a

q u e o s P r in c ip a e s > a q u e m

a execuçaõ

á d e ft r ib u íç a õ d o s ín d io s ,

d a s O r d e n s r c íp c c liv a s

n a ó f a lt e m c o m e lle s a o s m o r a ­

d o r e s , q u e lh e s p r e fe n ta r e m P o r t a r ia s d o G o v e r n a d o r d o E A ta d o ; o

n a õ lh e s fe n d o Jicito e m c a f o

a lg u m ,

nem ex ced e r

n u m e r o d a r e p a r t i ç a õ ; n e m d e ix a r d e E x e c u t a r a s r e f e r i­

d a s O r d e n s , a in d a q u e f e ja c o m

d e tr im e n t o d a m a y o r u t ili­

p o r f e r i n d i f p u t a v e lm e n t e c e r t o ,

q u e a n e c e / íid a d e c o m m u a ,

c o n f t it u e h u m a L e y f u p e r io r a

t o d o s o s i n c o m o d o s , e p r e j u i z o s p a r tic u la r e s . Ó3

E c o m o S u a M a g e f t a d e f o i f e r v id o d a r n o v o m e -

t h o d o a o g o v e r n o d e it a s P o v o a ç o e n s ; ír a ç a õ cm

tem p o ral , q u e

os R e g u la r e s

c o n f e q u e n c i a d e lt a R e a l O r d e m ,

a b o li n d o

a a d m in iA

e x e r c i t a v a õ n e lla s ;

e

fic a c e f l a n d o a f ó r m a

d a r e p a r t iç a õ d o s í n d i o s ; o s q u a e s f e d e v i d i r á õ e m tres p a r ­ te s ; h u m a íe r v iç o

p e r te n c e n te aos P a d r e s

dos M o rad o res ;

e o u tra

M iflio n a r io s ;

o u tr a

ao

á s m e fm a s P o v o a ç o e n s

:

O r d e n o a o s D i r e é l o r e s , q u e "o b fe rv e m d a q u i p o r d i a n t e in ­ v io la v e lm e n t e ,

o p a ra g r a fo

d ito Sen hor m an d a , q u e ,

15 . d o R e g im e n to , n o q u al o d iv id in d o -fe o s d ito s ín d io s e m

d u a s p a r te s i g u a e s , h u m a d e lta s f e c o n f è r v e

íè m p r e n as fu a s

r e f p e f t iv a s P o v o a ç o e n s , a ílim p a r a a d e f e z a d o E f t a d o , p a r a to d a s a s d ilig e n c ia s d o f e u R e á l í è r v i ç o ,

com o

e o u tr a p a r a íe

r e p a r tir p e lo s ^ M o r a d o r e s , n a õ f ó p a r a a e f q u i p a ç a o d a s G a nóas , na

q u e v a o è x tr a h ir D r o g a s a o S e r t a õ , m a s p a r a o s a j u d a r

p la n t a ç a õ d o s

T abacos,

canas d e A fliic a r ,

A lg o d ã o ,

to d o s os g e n e r o s , q u e p ó d e m in r íq u e c e r o E f t a d o , t a r o C o m m e r c io .

a

a m andar

L a v o u r a s , e c u lt u r a d a s f u a s terra s j e o s í n d i o s n a tu r a e s d o s

tc

hum

co m p e te

h e i g u a l m e n t e p e r c ií à e f l a o b r i g a ç a õ

t i a o s ir r e fr a g a v e ís d i é l a m e s fa lto u

. . • P e l o q u e r e c o m m c n d o a o s D ir e c r o r e s , a p p li q u e m

62

d a d e d o s m e f m o s ín d io s ;

m in a ç o e n s fe g u in t e s .

60

d u v id a r e fu lta r á õ a o E f t a d o a s p o n d e r a d a s f e h c i d a -

oes.

a s P a t e m á e s p r o v i­

fe u s V a f l à l l o s , f e f a l t o u

e lla s d e v e r ã o t e r ,

e fte m o d o e n tr e h u n s , e o u tr o s r e c íp r o c o s o s i n t e r e f t e s , d e q u e fe m

p a e s o b je é lo s a q u e f e d i r i g i r ã o f e m p r e

ju íz o

e a u g m e n to d a

que a a q u e i la r e é h d a o , d ittr ib u tiv a ,

r e f e r id a d e f t r i b u i ç a õ ,

e i n t e ir e z a ,

que pedem

e

e augm en-

fè o b íè r v e

co m

a s L e y s d a T u f tiç a

ceflTando d e h u m a v e z o s c la m o r e s d o s P ó v o s

q u e c a d a d i a f e f a z i a õ m a is j u f t i f i c a d o s p e lo s a f f e é t a d o s p e r t e x ­ to s ,

c o m q u e f e c o n f i m d ia Ó e m ta Õ in te r e íT a n te m a t e r ia ,

as

r e p e tid a s O r d e n s d e S u a M a g e f t a d e ; n a õ fe p o d e n d o c o m p r e , D

a

h en der.

(a 8 )

( * 5>)

h e n d e r , f e e r a m a is a b o m i n á v e l a c a u f a ; f e m a is p r e ju d ic ia l

te -n h a v i d o n a o b f e r v a n c ia d e l l a L e y , q u e f e d e c la r a n o p a ­

o efF eito ; h a v e r á d o u s liv r o s r u b r ic a d o s p e l o D e z e m b a r g a d o r J u iz de Fóra ,

em

1

q u e f e m a t r ic u le m t o d o s o s í n d i o s c a p a z e s

d e t r a b a l h o , q u e n a fó r m a d o § . X d o s a q u e lle s ,

I L d o R e g i m e n t o f a õ to ­

q u e te n d o tre z e an n o s d e id a d e ,

n a ô p a flk r e m

H um

d e fi e s liv r o s f e c o n í è r v a r á e m p o d e r d o G o .

vern ador d o E fta d o , Fóra,

fid o a o r ig e m

d c í è acharem

que ch egarem

n u m e ro to d o s a q u e lle s ,

d o s fe u s P á r o c o s ,

r e m e tte r to d o s o s a n n o s a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o h u m a L i í -

68

n o s q u a e s f è ir a ó m a tr i­

á r e f e r i d a i d a d e ; r ifc a n d o q u e c o n f i a r p o r C é r t id o e n s

q u e t iv e r e m f a l e c i d o ,

e o s q u e p e la r a z a Ó

H e v e r d a d e , q u e n a ô a d m itte c o n t r o v c r f i a , q u e e m

t o d a s a s N a ç o e n s c i v i l i z a d a s , c p o lid a s d o M u n d o a p r o p o r ­ ção

d a s L a v o u r a s , das m a n u fa c lu r a s ,

e do C o m m e r c io , fe

a u g m e n t» o n u m ero d o s C o m m e r c ia n te s , o p e r á r io s , n a v e l in tcre J fc p r o p o r c io n a d o a o fe u t r a f i c o , c a s as c o n v e n iê n c ia s ,

q u e o s D ir e -

é to r e s r e m e tte r á ó to d o s o s a n n o s a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o , as q u a e s d e v e m e f t a r n a fu a i n a ó a t é

o f i m d o m e z d e A g o f l o ba­

S e n d o p o is a s r e fe r id a s lifta s o

d o c u m e n to , a u te n ­

p e l o q u a l í e d e v e m r e g u la r t o d a s a s o r d e n s r e f p e é liv a s á

m e ím a d e ílr ib u iç a ó , d o s os a n n o s, d io s ,

o rd e n o ao s D ir e é lo r e s ,

que as fk ç a ó to -

d e c la r a n d o n e lla s f id e liflim a m e n t e t o d o s o s í n ­

q u e fo re m

fo s a n te c e d e n te s ,

c a p a z e s d e t r a b a lh o ,

n a fó r m a d o s p a r a g r a -

h u n s,

m a t é r ia

ta ó

i m p o r t a n t e a o i n t e r e f le P u b l i c o ,

e o u tro s fe r á ó c a ftig a d o s c o m o in im ig o s c o m m u n s d o

6y é lo r e s ,

M a s a o m e fm o t e m p o , e P r in c ip a e s a in v io lá v e l,

d a s â s O rd e n s r e f p e é li v a s á n o ,

q u e n a ô a p p f iq u e m

q u e reco m en d o aos D ir e ­ e e x a é la o b fe r v a n c ia d e to ­

r e p a r tiç ã o

do

P o v o ; Ih eso rd e-

í n d i o a l g u m a o f e r v i ç o p a r t i c u la r d o s

M o r a d o re s p a ra fó r a das P o v o a ç o e n s ,

f e m q u e e f t e s lh e a p r e -

fe n te m lic e n ç a d o G o v e r n a d o r d o E f t a d o , c o n lin ta ó ,

e d o s í n d io s , e e fte s f e p o ílh ó e m p r e g a r f e m

p o r e fc r ito ;

q u e o s d ito s M o r a d o r e s r e te n h a ô e m

r id o s í n d i o s a l é m

nem

c a f a o s r e fe ­

d o te m p o p o r q u e lh e fo r e m c o n c e d id o s : O

q u a l fe d e c la r a r á n a s m e f m a s L i c e n ç a s , q u e os M o r a d o r e s d e v e m e n tr e g a r e m o s í n d i o s .

e ta m b é m n o s r e c ib o s ,

p a lia r a o s P r in c ip a e s ,

q u a n d o lh es

E c o m o a e íc a n d a lo fa n e g lig e n c ia ,

que te m

d e íle r r a n d o - f e p o r e f t e m o ­

d o o p o d e r o fô in im ig o d a o c io f id a d e ,

fc r a ô o b r i g a d o s o s m o ­

ra d o res, a p e n a s re ceb e re m o s í n d i o s , a e n tr e g a r a o s D ir e é lo r e s t o d i a im p o r t â n c ia d o s fe u s f e l l a r i o s , q u e n a f ó r m a d a s R e á e s O r d e n s d e S u a M a g c f t a d e , d e v e m f e r a r b itr a d o s d e f o r t e , q u e a c o n v e n iê n c ia d o lu c r o

6p

lh e s f u a v i í c o tr a b a lh o .

M is p o r q u e d a o b f e r v a n c i a d e ft e p a r a g r a f o ,

d e m o r ig in a r a q u e lia s r a c i o n a v e i s , a g o r a F a zia ó o s m o r a d o r e s ,

de

e j u f t a s q u e ix a s ,

fe p o ­ que a té

q u e d e ix a n d o f ic a r n a s P o v o a ­

ç o e n s o s p a g a m e n to s d o s í n d i o s , te r a o ílr a v a ó ,

E fta d o .

E p ara q u e as

d i d if tr ib u iç a ó f e o b f e r v e m c o m r e c ip r o c a c o n v e n iê n c i a

dos m oradores,

a s q u a e s fer á Õ a f li g n a d a s p e lo s m e f in o s D i -

r e é lò r e s , e P r in c ip a e s , c o m c o m in a ç a õ d e q u e fa lta n d o á s L e y s d a verd ad e em

Leys

fe f a z e m r e c ip r o ­

e c o m m u a s a s u tilid a d e s .

v i o lê n c i a n a s u tilid a d e s d a q u e ílc s ,

f a i li v e lm e n t e .

e A g r i-

, c u i t o r e s ; p o r q u e c o r r e f p o n d e n d o a c a d a h u m o j u f t o , e r a c io -

q u e fe d e v e e x e c u ta r n a c o n fo r m id a d e d a s lifta s ,

tic o ,

im p o n d o -

r id o p a ra g r a fo .

d o s fe u s a c h a q u e s f e r e p u t a r e m p o r i n c a p a z e s d e t r a b a l h o : O

66

q u a li d e fe r ta s as

o s D i r e é l o r e s , e P r in c ip a e s a

t a d o s tr a n fg r e flo r e s p a r a f e p r o c e d e r c o n tr a e lle s ,

e o u tro n o d o D e z e m b a r g a d o r J u iz de

c o m o P r e fid e n te d a C a m e r a :

c u la n d o os í n d i o s , f è d e fte

5 . te m

fe llie s a q u e lía s p e n a s , q u e d e te r m in a a fo b r e d ita L e y n o r e fe­

d e f e f le n t a .

6$

ra g r a f o

P o v o a ç o e n s , íe r a ô o b r ig a d o s

a in d a q u a n d o e v i d e n t e m e n -

q u e o s m e fm o s ín d io s d e fe r ta v a ó d e fe u f e r v iç o

f è lh e s n a o r e ft.tu ia ô o s d it o s p a g a m e n t o s ; v i n d o

p o r e fte m o ­

d o o s d e íè r to r e s a tir a r c o m o d o d o fe u m e f m o d e l i é l o , n a ô f ó c o m ir r e p a r á v e l d a m n o d o s P ó v o s , tq d o C o m m e r c io ;

m as co m t o t a l h a b a tim e n -

fe n d o t a l v e z e f t e o in iq u o f im a q u e f e deri-»

g i a t a ó p e r n ic io f o a b u f o ; p a r a f e e v it a r e m a s r e fe r id a s q u e ix a s ; O r d e n o ao s D ir e é lo r e s , ie lla r io s e n t r e g u e m Jes,

q u e a p e n a s r e c e b e r e m o s f o b r e d it o s

a o s í n d i o s h u m a p a r te d a im p o r t â n c ia d e l -

d e i x a n d o fic a r a s d u a s p a r t e s e m d e p o iit o ; p a r a o q u e l i a *

vera em

to d a s a s P o v o a ç o e n s h u m

C o f r e , d e f t i n a d o ú n ic a *

m e n t e p a r a d e p o f i t o d o s d it o s p a g a m e n t o s , o s q u a e s f e a c a b a -

o íc u u I É T

’ ■ co n a a n d o > S u

e

«

vencêrao c o a , 70

Sue-

( 3° ) jo

( 3 1)

S u c c e d e n d o p o r é m d e íè r t a r e m

dos m oradores a n te s d o t e m p o ,

q u e f e a c h a r e g u la d o

R e á e s L e y s de S u a M a g e fta d e , 14 . d o R e g im e n to ,

o s In d to s d o fe r v íç o p e la s

q u e n a fó r m a d o p a ra g r a fo

a r e í p e i t o d e l t a C a p i t a n i a h e .d e í e i s m e -

z e s j e v e r e fic a n d o -fè a d ita d e íe r ç a ó ,

a q u a l o s m oradores d e -

v e m ; f a z e r c e r t a p o r a l g u m d o c u m e n t o ; f ic a r á ó o s í n d i o s p e r­ d e n d o as d u a s p a r te s d o fe u p a g a m e n to , r á o a o s m e ím o s m o r a d o r e s . O a v e r ig u a n d o - f e , çaó

q u e l o g o f e e n tr e g a -

q u e í è p r a t i c a r á p e l o c o n tr a r io

q u e o s m o r a d o r e s d e r a o c a u ía - á d i t a d e fe r -

p o r q u e n e f t e c a l o n a o f ó p e r d e r ã o t o d a a im p o r t â n c ia d o

p a g á m e n to ,

m a s o d o b r o d e lle .

E p ara q u e os m oradores naó

p o í l á õ a lle g a r i g n o r â n c i a a l g u m a n e f t a m a t e r i a , l h e s a d v i r t o jfin a lm e tite ,

q u e fa le íc e n d o -a lg u m

o u i m p o í f i b i li t a n d o - f e p a r a e l l e ,

ín d io

n o m e ím o tr a b a lh o ,

p o r c a u í a d e m o le f t i a ,

fe r á ó

ta deípeza dos traníportes, que f e arbitrará a proporção das dittancias das Povoaçoens a reípeito da meíina Cidade. E quando os ditos Moradores pertcndao reputar as íuas fazen­ das , por exorbitantes preços , naó poderáo os D ireéfores aceitaUas em pagamento , com cominaçao de íatisfàzerem aos meímos índios qualquer prejuízo, que fe lhe feguir do contra­ rio. O que os meímos Direéfores obíèrvaraó em todos os caío s , em que os Moradores concorrem por eíte modo com os índios , ou feja fatisfàzendo-Ihes com fazendas o feu trabalho, ou comprando-lhes os íèus generos. 73

C o n liftin d o

te s P a rá g ra fo s o dade ;

e in te ir e z a ,

M a g e fta d e , V a íla lio s ,

f in a lm e n te n a i n v i o l á v e l e x e c u ç ã o d e f *

d e ft r ib u ir e m - íè o s í n d i o s c o m a q u e lla fid e li­ que

d ir ig id a s

r e c ó m e n d a ó a s p iiílim a s L e y s d e S u a

u n ic a m e n t e a o b e m c o m m u m

d o s íè u s

e a o ió iid o a u g m e n to d o E f t a d o : P a r a q u e d e n e ­

o b r i g a d o s a e n t r e g a r a o m e í m o I n d i o , o u a íè u s h e r d e ir o s o j u í -

nhum

t o e f t ip e n d io ,

n a ç o e n s lè r a ó o b r i g a d o s o s D i r e é f o r e s a r e m e t t e r t o d o s o s a n -

71

E

q u e t i v e r m e r e c id o .

c o m o p e lo p a r a g r a fo

c o n c e d e lic e n ç a

5 0 . d e ft e D i r e é f o r í o ,

a o s r r in c ip a e s , C a p ita e n s m ò r e s ,



S a rg e n to s

m o d o íè p o íla ó

illu d ir e fta s in t e r e íla n t ií lim a s d e t r e m i -

n o s n o p r in c ip io d e J a n e i r o a o G o v e r n a d o r d o E f t a d o h u m a lifta d e

to d o s o s í n d i o s ,

q u e f e d e f t r ib u ir a ó n o a n n o a n t e c e ­

m ò r e s , e m a is O f f i c i a e s d a s P o v o a ç o e n s , p a r a m a n d a r e m a l ­

d e n t e ; d e c ía r a n d o -íè o s n o m e s d o s M o r a d o r e s ,

g u n s ín d io s p o r l u a c o n t a a o

berão ; e em q u e t e m p o ;

ju fto ,

C o m m e r c io

do S e r ta d ,

p o r lè r

q u e í è lh e s p e r m i t t a ó o s m e i o s c o m p e t e n t e s p a r a í i i f t e n -

t a r e m a s fu a s P e f t b a s ,

e F a m ília s

c o m a d e c e n c ia d e v i d a a o s

í è u s e m p r e g o s , o b f è r v a r á o o s D i r e é f o r e s c o m o s r e fe r id o s O f ­ f ic ia e s n a f ó r m a d o s p a g a m e n t o s , to dos M o r a d o r e s ,

o q u e f e d e te r m in a a r e íp e i-*,

e x c e p t u a n d o u n ic a m e n t e o c a f o e m q u e e l ­

le s c o m o P e í l o a s m i í è r a v e is n a ó t e n h a ó d i n h e i r o , com

o u fa ze n d a s;

q u e p o í í à õ p r e f a z e r a i m p o r t â n c i a d o s S a la r io s ,

porqu e

n e f l e c a f o f e r á ó o b r i g a d o s a f a z e r h u m e f c r ip t o d e d i v i d a , a f f i g n ad o por e lle s , fre d o d e p o fito ,

e p e lo s m e í m o s D i r e é f o r e s ,

p o n d e r a d a s e fta s i m p o r t a n t e s m a té r ia s c o m a d e v i d a r e f le x ã o f e p o f l à ó d a r t o d a s a q u e lia s p r o v i d e n c i a s , q u e í è j u l g a r e m p r e c iía s , nhaó

p a r a f e e v i t a r e m o s p r e ju d ic ia lif f im o s d ó l i o s , in t r o d u z id o n o

fa lta n d o -fe c o m e fc a n d a lo d a p ie d a d e , J u ftiç a

q u e f e ti-*

i m p o r t a n t i f lim o C o m m e r c i o d o S e r t a ó ,

d e ftr ib u tiv a , n a r e p a r tiç a ó

e d a razaó ás L e y s d a

dos ín d io s ,

e m p r e ju iz o

n o q u a l f e o b r i g u e m á f a t i s f à ç a ó d o s r e fe r id o s

m o d o p r iv a d o s o s d ito s í n d i o s d o r a c i o n a v e l lu c r o d o í è u tra ­ b a lh o .

D evendo

q u e lh e s c o m p e t i n

a c a u te la r -fe t o d o s o s d ó l o s ,

que no c a fo ,

que podem

r e c o m e n d o m u ito a o s

q u e o s m o r a d o r e s q u e ír a o f a z e r o

d ito p a g a m e n t o , e m f a z e n d a s ; a c h a n d o o s í n d i o s c o n v e n i ê n ­ c ia n e fte m o d o d e í a t i s f a ç a ó ; do ,

z e n d a s , c o m a s q u a e s f è f iz e r a Ó o s d i t o s p a g a m e n t o s ; p a r a q u e

c o m m u m d o s M o r a d o r e s , e á s d a c o m u ta t iv a fic a n d o p o r e f t e

a c o n te c e r n o s p a g a m e n to s d o s í n d i o s , D ir e é fo r e s ,

q u e fi-

caraó e m d e p o íito ; e o s p r e ç o s p o r q u e fo r a ó r e p u ta d a s as fa ­

q u e fic a r a n o C o ­

S a lá r io s a p e n a s r e c e b e r e m o p r o d u é l o ,

j i

q u e os rece­

a im p o r t â n c ia d o s f e l l a r i o s ,

cjue e fta s í e j a ó

v e n d e n e fta C i d a d e ;

n a ó c o n íin ta ó

d e nenhum m o­

re p u ta d a s p o r m a io r p r e ç o ,

d o q u e íè

p c r m i c t i n d o u n i c a m e n t e d e a v a n ç o a ju í-

/ r

■ -— ~ —

i j ut i c d u m u i c u u z i o a s a s n r *

v o a ç o e n s d o s ín d io s , d e q u e fe c o m p õ e m e fte E fta d o ; h e d ig n a d e t a ó e íp e c ia l a t t e n ç a ó ,

q ü e n a ó d e v e m o s D ir e é fo r e s o m u tir

d i lig e n o a a lg u m a c o n d u c e n te a o fe u p r e fe ito r e fta h e le c im e n t o . P e l o q u e r e c ó m e n d o a o s d ito s D i r e é f o r e s ,

que a p e n a s c h e ­

g a r e m a s f u a s r e f p e é h v a s P o v o a ç o e n s , a p p f iq u e m l o g o t o d a * as

(3 a )

(33)

a s p r o v id e n c ia s p a r a q u e n e lla s í è e f t a b e l e ç a d c a fa s d e C a m e ­ ra ,

e C a d ê a s p u b lic a s ,

c u id a n d o m u ito

em

q u e efta s fe ja d

e r ig id a s e o m t o d a a f e g u r a n ç a , e a q u e lia s c o m a p o fliv è l gr a n ­ deza.

C o n f e q u e n t e m e n t e e m p r e g a r ã o o s D i r e é l o r e s h u m par­

t ic u l a r c u i d a d o e m p e r fu a d ir a o s í n d i o s , c e n t e s p a r a o s fe u s d o m ic illio s ,

q u e f a ç a õ c a la s d e ­

d e ft e r r a n d o o a b u f o , e a v i -

dos m c fín o s índios, que vivaócm Povoaçoens peque­ nas, fendo indifputavel, que á proporção do numero dos ha­ bitantes fc introduz nellas a civilidade, e Commeioo. E c o ­ m o p a r a fe executar efta Real Ordem ie devem reduz,r as A J -

p o ra l

d e a s a P o v o a ç o e n s p o p u lo fa s ,

in c o r p o r a n

o- e ,

* - jj“ ,n

hum as a o u tr a s ; o q u e n a f ó r m a d a C a r t a d c ^ U n o r o

l e z a d e v i v e r e m c h o u p a n a s á i m i t a ç a ô d o s q u e h a b it a õ c o m o

v e r c ir o d e

b a r b a r o s o i n c u lt o l è n t r o d o s S e i t o e n s ,

fe n a i» p o d e e x e c u t a r e n tr e í n d i o s d e d iv e r fa s N a ç o e n s ,

c e r to ,

f e n d o e v id e n te m e n t e

q u e p ara o a u g m e n to d as P o v o a ç o e n s ,

c o n c o r r e m u i­

M a s c o m o a p r in c ip a l o r i g e m d o la m e n t á v e l e í la d o

a q u e a s d ita s P o v o a ç o e n s e f t a o r e d u z id a s p r o c e d e d e i è a c h a ­

q u e n a m e fm a lifta

q u e d e v e m r e m e tte r d o s Í n ­ e x p liq u e m c o m t o d a a c la r e ­

z a a d i ít in c ç a d d a s N a ç o e n s i a d iv e r íid a d e d o s c o f t u m e s , q u e ha

e x p e r im e n ta r ã o

r e fu g io

vem ;

n o s m e f in o s M a t t o s e m q u e n a f e e r a o ; o u p o r q u e o s M o r a d o ­

p o lia

evacuadas ;

v io lê n c ia s ,

que

n e lla s ,

b u íc a v a o

o

r e s d o E f t a d o u f a n d o d o i llic i t o m e i o d e o s p r a & ic a r , t r o s m u it o s q u e m if e r ia , rados

a d m in ift r a

o s r e té m ,

e m h u n s a a m b iç a ò ,

h u m a p ro m p ta ,

d e ou­

e m o u tr o s a

e c o n f e r v a o n o f e u fe r v i ç o ;

dam nos pedem

e

e e ffic a z p r o v i d e n c i a :

t a d o h u m m a p p a d e t o d o s o s í n d i o s a u fe n t e s , le ach aõ nos M a t to s , que

a ífím d o s q u e

c o m o n a s c a íã s d o s M o r a d o r e s ,

e x a m i n a n d o - f e a s c a u ía s d a fu a d e f e r ç a õ ,

para

e o s m o tiv o s

p o r q u e o s d ito s M o r a d o r e s o s c o n f e r v a o e m fu a s c a f a s , p li q u e m

lè a p -

t o d o s o s m e io s p r o p o r c io n a d o s p a r a q u e f e j a ó r e f t i t u í -

E

para

co m o para c o n lè r v a ç a õ ,

e a u g m e n t o d e lla s n a o

78

com

q u e c o n fia v a

d e fie s e f t e c u i d a d o ,

p o r lh es te r e n c a r r e g a d o

d o A lv a r á d c 7

d e ju n h o d e

1755.

fo i o d ito S e n h o r fe r v id o

e n tr e g a r a o s J u i z e s O r d i n á r i o s , V e r e a d o r e s ,

h u m a in c a n fa v e l

v i g ilâ n c ia e m

a d v e r t ir a h u n s ,

dos

em

fo rh e c e r as P o v o a ç o e n s d e ín d io s p o r m e io

d e c im e n to s ,

a in d a

q u e fe ja

á

e u fta d a s m a io r e s d e f

e

c a t h o li c a p ie d a d e d o s

g u in te s ,

m a is p r o p o r c i o n a d o p a ra f e d i la t a r a F é ,

q u e as

o r d e n a o d ito S e n h o r ,

o v o a ç o e n s dos ín d io s c o n fte m a o m en o s d e

r a i o res ,

em

r e p e tid a s O r d e n s ,

Soberan os,

p o r le r e f t e

o

m e io

e f a z e r f e refp eita -*

d o , e c o n h e c i d o n e f te n o v o M u n d o o a d o r a v e l n ò m e d o n o f>

O rd en s d e S u a M a g e fta d e . d o R e g im e n to

d e c la r a d o

c o m o à in im itá ­

n o lf ó s A u g u f t o s

te m

§. II.

e o u tro s,

a p r im e ir a , c m a is i m p o r t a n t e o b r i g a ç a o d o s íe u s p ó f í

vel ,

N o

e m a is O í f i c i a e s

e a o s P r in c ip a e s r e f p e é l i v o s ; t e r a ó o s D i r e & o r e s

o s D ir e é to r e s n e fta im p o r ta n te m a te r ia as d e te r m in a ç o e n s fe -

77

a

rem o ver d o s R e g u la r e s o d ito g o v e r n o T e m p o r a l m a n d a n d o -o

n e c e n d o -a s d e ín d io s p o r m e io d o s d e fe im e n to s ;

das R e a e s

fe n d o S u a M a ­

a d m in if t r a ç a á T e m p o r a l d a s A l d e a s ; c o m o n a c o n f o r m i d a d e

z i n d o - f e a s A l d e a s p e q u e n a s a P o v o a ç o e n s p o p u l o f a s ; o u fo r ­

a s q u a e s lh e s p a r t i c i p o n a c o n f o r m i d a d e

le

§ § . 8 . , e 9 . d o R e g i m e n t o , d e c la r a n d o o m e f in o S e n h o r

pezas d a R e a l F a zen d a d e S u a M a g e fta d e ,

o b íè r v a r á ô

v i­

q u e fe m v io lê n c ia

E m q u a n to p o rém a o s d e c im e n to s ,

t o s c o n f if t e

o u redu-

em q u e

g e f t a d e í è r v i d o r e c o m m e n d a llo s a o s P a d r e s M if f i o n a r i o s n o sr

f e r ia p r o v id e n c i a b a f t a n t e o r e f t it u ir e m -f e a q u e lle s M o r a d o r e s ,

o q u e fó fe p o d e c o n fe g u ir ,

o u c o n c o r d ia

d o s m e fin o s í n d i o s f e d e v e m e x e c u t a r efta s u tiliífirn a s r e d u c -

c o m q u e fo r a õ e fta b e le c id a s , n u m e ro d e h a b ita n te s ;

a o p p o fíç a o ,

refleó U d a s t o d a s e fta s a r c u m f t a n c i a s ,

çoen s.

que

n a o f e i n t r o d u z in d o n e lla s m a io r

e

que,

d e te r m in a r e m J u n t a o m o d o ,

d e J u ftiç a ,

d o s á s f u a s r e íp e é f i v a s P o v o a ç o e n s .

76

e n tr e e l l a s ;

c u jo s p o n d e ­

S e r ã o o b r ig a d o s o s D ir e f t o r e s a r e m e tte r a o G o v e r n a d o d o E f ­

le m

c o u tr o s ; orden o a o s

d io s n a f ó r m a a lf im a d e c l a r a d a ,

o u p o r q u e o s íè u s h a b i t a n t e s o b r i g a d o s d a s

rem

fir m a d a p e la R e a l m a o d c S u a M a g e f t a d e ,

p rim eiro c o n f u lt a r a v o n t a d e d e h u n s , D ir e c to r e s ,

t o a n o b r e z a d o s E d if íc io s . 75-

,7 0 1 .

pox n a o io r c o n v e n i e n t e a o b e m E í p i r i t u a l ,

150

M o­

e Tcm que

Io

R e d e m p to r.

79

E p a r a q u e o s d ito s J u i z e s O r d i n á r i o s ,

p o íT a ó d e f e m p e n h a r c a b a lm e n t e t a ó a l t a , ^

e P r in c ip a ls

e im p o r t a n t e o b r f gaçao*

(35)

(34) g a ç a ó , fic a r á p o r c o n t a d o s D i r e é l o r e s p e r fu a d ir -lh e s as g r a n ­ d es u tilid a d e s E fp ir itu a e s , d o s d ito s d e c im e n to s ,

e T ê m p o r a es , q u e f e h a õ d e íè g u ir

e o p r o m p to ,

e e ffic a z c o n c u r fo , que

a c h a r á o fe m p r e n o s G o v e r n a d o r e s d o E f t a d o , c o m o fié is e x e ­ c u to r e s ,

q u e d e v e m fe r d a s e x e m p la r e s ,

c a t h o lic a s , e r e lio io -

íiffim a s in t e n ç o e n s d e S u a M a g e f t a d e . 8o

M a s c o m o a R e a l i n t e n ç ã o d o s n o ft b s F id e liífim o s

M o n a r d ia s ,

e m m a n d a r fo r n e c e r a s P o y o a ç o e n s d e n o v o s í n ­

d io s fe d i r i g e , çoens ,

n a o f ó a o e f t a b e le c im e n t o d a s m e fm a s P o v o a ­

e a u g m e n to d o E f t a d o ,

m as

ín d io s p o r m e io d a c o m m u n ic a ç a ô ,

e

á c i y i li d a d e d o s m e fin o s d o C o m m e r c io ;

r a e f t e v ir t u o ío fim p o d e c o n c o r r e r m u i t o B r a n c o s n a s d ita s P o v o a ç o e n s , c ia ,

q u e a o d io f a f e p a r a ç a ô

a té a g o ra fe c o n fe r v á v a Ô ,

e pa^

a in t r o d u c ç a õ d o s

p o r te r m o f t r a d o a e x p e r ie n -

e n tr e h n n s ,

e o u tr o s ,

em que

te m f id o a o r ig e m d a in c iv iiid a d e ,

a q u e f e a c h a ô r e d u z i d o s ; p a r a q u e o s m e fin o s í n d i o s f e p o f í a o c iv iliz a r p e lo s fiia v iftim o s m e io s d o C o m m e r c i o , e d a c o m m u n ic a ç á o ;

e e fta s P o v o a ç o e n s p a i f e m

a

fe r n a o f ó p o p u l o -

f a s - ,m a s c i v i s ; p o d e r á o o s M o r a d o r e s d e fte E f t a d o , d e q u a l­ q u e r q u a l i d a d e , o u c o n d iç ã o q u e f e j a o ,

c o n c o r r e n d o n e lle s

a s c ír c u m fta n c ia s d e h u m e x e m p la r p r o c e d i m e n t o , r e fe r id a s P o v o a ç o c n s ,

a fliftir n a s

lo g r a n d o to d a s as h o n r a s , e p r i v ilé g i o s ,

q u e S u a M a g e f t a d e fo i fe r v id o c o n c e d e r a o s M o r a d o r e s d e lia s : P ara

o q u e a p r e fe n t a n d o lic e n ç a d o G o v e r n a d o r d o E f t a d o ,

n a Ó f ó o s a d m it t ir á õ o s D i r e é l o r e s ,

m a s lh e s d a r a o t o d o o a u ­

x ilio , e f a v o r p o ftiv e l p a r a e r e c ç a ô d e c a f a s c o m p e t e n t e s á s fu a s P e if o a s ,

e F a m i l i a s ; e lh e s d iftr ib u ir á õ

d e terra q u e e lle s p o f i a ó c u l t i v a r , ín d io s ,

que

n a c o n fo r m id a d e

n h o r fa o o s p r im á r io s , ras;

e

a q u e lla

porção

f e m p r e ju i z o d o d ir e it o d o s

d a s R e a e s O r d e n s d o d it o S e ­

e n a tu r a e s fe n h o r e s

dais m e fin a s ter­

d a s q u e aflim f e lh es d iftr ib u ir e m m a n d a r á ô n o t e r m o

q u e lh e s p e r m it t e a L e y ,

o s d ito s n o v o s M o r a d o r e s tir a r fu a s

C a r t a s d e D a t a s n a f ó r m a d o c o f t u m e i n a lt e r a v e lm e n t e e f t a b e le c id o . ........................ _ EU ^ ^ P ortl u e o s í n d i o s , a q u e m o s M o r a d o r e s d e ft e ad o rem r e p o f t o e m m á F é p e la s r e p e t id a s v i o l ê n c i a s , c o m c a õ d e llc a í í ra° a S ° ra J f i n a o p e r íu a d a o d e q u e a in t r o d u c es cs fer a fu m m a m e n te p r e j u d i c i a l ; d e ix a n d o - í e co n ­ ven cer

vencer de que aífiftindo naquellas Povoaçoens as referidas pcfíoas, fc faraó fcnhoras das luas terras c le utihzaiaodo . trabalho, c do feu Commercio; vindo por d i e n.odo a bredita introducçaõ a produzir conn arios eneitos o tabelecimento das mefmas Povoaçoens ; ferao «bngados os manifeftarDireélores, antes de adnutnr as t-aes 1 eljoas, aa mnm termo lhes as condiçoens , a que ficao fujeitas , de que fe —— nos livros da Camera afiignado pelos Dircctores , e pelas me. mas Peíloas admittidas.

,

lr.

^ ■

8a Primeira: Que de nenhum modo poderão polluir as terras, que na fórma das Reaes Ordens dc Sua Mageftade fe acharem diftribuidas pelos índios , perturbando-os da pollc pacifica delias, ou feja em fatisfaçaó de alguma divida , ou a titulo decontraélo,- doaçaó, difpofiçao, I cftamentaria , ou de outro qualquer pretexto, ainda fendo apparen temente lici­ to , e honeflo. 83 Segunda : Que feráô obrigados a confcrvar com os índios aquella reciproca paz, e concordia, que pedem as Leys da humana Civilidade, confiderando a igualdade, que tem com elles na razao genérica de Valfallos de Sua Mageftade , e tratando-íê mutuamente huns a outros com todas aquellas honras , que cada hum merecer pela qualidade das fuas Peífoas, e graduaçao de feus pólios. 84

T e r c e ir a :

Q u e n o s e m p r e g o s h o n o r ífic o s n a ô t e -

n h a õ preferen cia a r e fp e ito d o s í n d i o s , a n te s p e lo c o n t r a r io , h a v e n d o n eftes c a p a c id a d e ,

p re fer irã o

fe m p r e a o s m e fm o s

B r a n c o s d en tro d as fu as re fp e é liv a s P o y o a ç o e n s , n a c o n fo r ­ m id a d e das R e a e s O r d e n s d e S u a M a g e f t a d e . 85

Q u a rta : Q u e

fe n d o a d m ittid o s n a q u e lla s P o v o a ­

ç o e n s p a ra civiliz a r o s í n d i o s , e o s a n im a r c o m o fe u e x e m p lo á c u ltu r a d as terra s, e a b u íc a r e m to d o s o s m e io s l i c i t o s , e v ir tu o fò s d e ad q u irir as c o n v e n iê n c ia s T e m p o r a e s ,

fe n a ò d e f-

p r e z e m d e trab a lh ar p e la s fu as m ã o s nas te r r a s , q u e lh e s f o ­ re m diftribuidas ; te n d o e n t e n d i d o , q u e á p r o p o r ç ã o d o trab a­ lh o m a n u a l, q u e fiz e r e m , lh es p e rm ittirá S u a M a g e f t a d e a q u e l­ la s h o n r a s , d e q u e f e co n ftiru e m b e n e m e rito s p s q u e r e n d e m fe r v i ç o ta õ im p o r ta n te a o b e m p u b lic o . 86

Q u i n t a : Q u e d e ix a n d o d e o b fe r v a r q u a lq u e r d as E

2

re fe -

e ofeu effeito bafa de du­ rar mais de hum anno, fern embargo das Ordenaçoeus em con­ trario. Dado em Belem , aos dezafete dias do ?nez de A goflo de m il fetecentos e cincoenta e oito.

l i

A

L v a rá , porque V. Mageftade há por bem confirmar o Regi­ mento , intitulado : D ireciorio, que fe deve obfervar nas Po­ voaçoens dos Índios do P ará , e MaranhaÕ , em quanta Sua M a­ geftade naõ mandar o contrario*. N a fórma aíTima declarada. Para V. Mageftade ver. FiJippe J o fe p h da Gama o fez.

Regiftado na Secretaria de Eftado dos Negocios do R c y n o , n o livro da Companhia Gera! do Graó P a rá , e M aranhao, a foi. iao . Belem a 1 8 deA gofto de 1 7 5 #. FiJippe J o f epb da Gama.

J.

í i l

P

O derá

o Im p r e ílb r M ig u e l

R o d r ig u e s e fta m p a r o R e g i ­

: D ireélorio , que f e deve obfervar nas Povoaçoens dos índios do P a r á , e Maranbao , em quanto Sua m e n to

,

in titu la d o

Mageftade nao mandar o contrario : or e fte D e c r e t o

Ítelem

fo m e n te ,

, a d e z a fe te

de

P o r q u e p a r a eíTe e f f e i t o

lh e c o n c e d o

Agofto

de

mil

a lic e n ç a n e c e íía r ia .

fe te c e n to s e c in c o e n ta

coito.

Sebnflino Jofeph de Carvalho e Mello. Com a Rubrica de Sua Mageftade. i

Rígiftado.

Alva-

Jfi