Ensino de História: fundamentos e métodos [2 ed.]
 9788524910692

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© 2005 by Circe Maria Fernandes Birrencoun © Direiros de publicação

CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 - Perdizes 05014-000- São Paulo- SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 [email protected] www.cortezeditora.com.br

CIRCE MARIA FERNANDES BITTENCOURT

Direção José Xavier Cortez

Editor

Ensino de História:

Amir Piedade

Preparação ALexandre Soares Santana

Revisão Oneide M M. Espinosa

Edição de Arte Mauricio Rindeika Seolin

Papéis da capa Atelier Luiz Fernando Machado

Ilustração de capa Antônio Carlos de Pádua Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP )

fundamentos e métodos

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bittencourt, Circe Maria Fernandes

I Circe Maria 2008 (Coleção docência em formação. Série ensino fundamental I Ensino de história: fundamentos e métodos

Fernandes Bittencourt- 2. ed. - São Paulo: Cortez,

coordenação Antônio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta) ISBN

978-85-249-1069-2

Bibliografia

1. História- Estudo e ensino I. Severino, Antônio Joaquim. li. Pimenta, Selma Garrido. III. Título. IV Série.

CDD-907

04-5240

Índices para catálogo sistemático:

1. História: Estudo e ensino 907 Impresso no Brasil - setembro de

2008

2• edição 2008

SUMÁRIO Aos PROFESSORES

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO I N'I'RODUÇÃO

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11 13 23

I' PARTE

HISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL DE UMA DISCIPLINA ... 29

CAPiTULO I

Ü QUE É DISCIPLINA ESCOLAR?

. . .

... .. . . .

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. .

.. 3 1

. . . . . .

1 . Polêmicas sobre a concepção

de disciplina escolar .............................. 3 5 . 35 1 anca���. . . � d'd' 1 .1 . U ma " transpostçao . . . . . .

. . . . . . .

1.2 . Disciplina escolar como entidade específica . .

. . .

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. . . . . .

. .. .

. . . . . . .

1.3. Constituintes das disciplinas escolares

.

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37

. . . .

40

. . . . . . . .

44

2. Disciplina escolar e produção do conhecimento

.

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. . . . . . . . . . . . .

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. . . . . .

2. 1. Disciplina ou matéria escolar?

..

. . . . . . . . . . . .

. 44 .

2 . 2. Disciplina escolar e conhecimento histórico

. .

.

48

. . . . . . . . . .

49

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. . .

2 . 3. Professores e disciplinas escolares Sugestões de atividades . . .

CAPíTULO 11

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. . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . .

52

CONTEÚDOS E MÉTODOS DE ENSINO DE

HISTÓRIA: BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA ......... 57

1 . História na antiga escola primária

. . . . . . . . . . . .

60

1.1. Pátria, moral e civismo no ensino de História

. . . .

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. . . .

.. . . .

61

1.2. A "memorização" no processo

.. . . ... .................. 67 1.3. Estudos Sociais e os "métodos ativos" .... 72 . 76 2. Ensino de História no secundário de aprendizagem

. .

. . . . . . . . . . .

2.1. A História e o currículo humanístico 2 . 2 . A História e o currículo científico . .

. .

. . . .

.

.

77

. 79 .

I

r 1.3. Entra em cena a história cultural ......... 1 48

2.3. Mudanças e permanências nos métodos

da História escolar . . .. . . . 84 .

.

.

1.4 . História do tempo presente

.

Sugestões de atividades .. ... .. ..... ... .. ......... .. 92

ou o presente como história .. . . . ... . . . . ..

151 2. História nacional ou mundial? ...... . . . . 1 55

.

CAPíTULO 111

.

HISTÓRIA NAS ATUAIS PROPOSTAS CURRICUlARES .............

do ensino de História do Brasil . .. . ......

.

a) História para alunos de primeira a quarúl série ..... .. .. .. .. .. .... 1 1 2 b) História pam al:un;s de quinta a oitava série. 1 1 5 c) História pam o ensino médio . . . .. . . . . . . . .... 1 17 2.2. Sobre os objetivos

. . .. . . .. . .. . . . ....... 1 20 2.3. Temas para o ensino de História ........ 1 23 Sugestões de atividades . .... . ... .............. 1 28 do ensino de História

. .

.

.

APRENDIZAGENS EM HISTÓRIA .... . ... . ....... ......

181

.

. .

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.

2. Propostas curriculares de História: características gerais .. ....... . ..... . ... . ... . .. 1 1 1

para os diferentes níveis .. ........... 1 1 2

1 60 1 64 165 1 68 171 1 73

.

. . . . .. . . . . ... 1 O 3 . ...... .. ... 1 06

2.1. Propostas curriculares

.. .. ........ ....... 3. Cotidiano e história local .. . ....... ...... . . 3.1. Concepções de história do cotidiano .. .. 3.2. Memória e história local . .... .... . . ..... 3.3. História local ou história do "lugar" .. . Sugestões de atividades ..... . . . .. . . . . . ........ .. . concepções e propostas

1 00

1.2. Concepções de conteúdos 1.3. Métodos e novas tecnologias

1 55

2 . 2 . História regional e nacional:

1.1. Dimensões internacionais

escolares e de aprendizagem

. .

2 . 1. Tendências e perspectivas

............... 97 1 . Renovações curriculares ........ . . . .... . ....... 1 00 .

das propostas curriculares .... . ..... . ......

.

CAPÍTULO 11

.

1 . A formação de conceitos:

confrontos entre Piaget e Vygotsky . .... . . 1 84 .

1 . 1 . Estágios de desenvolvimento cognitivo . 1 85 1 . 2 . Pressupostos sobre conceitos sociais ..... 1 86 1 . 3. Reflexões sobre o conhecimento prévio dos alunos

.. . .. . . . . .. .. . ........... 1 89

2. Conhecimento histórico: conceitos fundamentais . .. .. . .... .. .... .. .. 1 9 1 2 . 1. História e conceitos ... . . .......... ... .. .. 1 92 .

. .

.

2.2. Apreensão de conceitos

MÉTODOS E CONTEÚDOS ESCOlARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA . . . .

CAPITULO I

.

. .. ...... .. ..... . 1 33 .

. . .

CONTEÚDOS HISTÓRICOS: COMO SELECIONAR?.

1 35

1 . Conteúdos escolares

históricos na escola

.

.. .... ........ . . . . ... 1 95 .

.

3. Tempo/espaço e mudança social: conceitos históricos fundamentais . ....... . 1 99 .

3 . 1. Noções de tempo e de espaço . . .. ....... 200 .

e tendências historiográflcas .. ... ... ........ .. 1 39

3.2. Historiadores e o tempo histórico ...... 203 .

1 . 1. História como narrativa . . . .. .. . .... . . . . .. 1 40

3.3. Tempo histórico e espaço . . . ... ......... . 207

1.2. De uma história econômica

3.4. Tempo histórico e ensino ...... .

.

a uma história social. ........ . ... . . . .......

. .... . 2 1 0 ... .............. . . ... 2 1 6 .

1 44

Sugestões de atividádes

. .

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CAPfTULO III

1.2. Material didático:

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NO ENSINO DE HISTÓRIA ..

.

1 . Métodos tradicionais

.. ..... . .... . .. .... 223 .

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.

instrumento de controle curricular . 298 2. Livro didático: um objeto cultural complexo .. .. .. . ... . ... 299

.

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versus

métodos inovadores? .. ... . .... .... .... . . . 226 .

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1.1. Uma caracterização de método tradicional .

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de diflcil definição

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1.2. Reflexões sobre o método dialético em situação pedagógica

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..... .... ... 253

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material de pesquisa escolar

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2. Estudo do meio como

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prática interdisciplinar .. .. ... ............. 273 .

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2.1. Por que realizar estudo do meio? . . . . . 273 .

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2.2. Patrimônio histórico e .

.. ..... .

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3• PARTE CAPfTULO I

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. . 319 . . 32 1 .

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CAPíTULO 11

. .... . 325 ...... . . .. . 328

USOS DIDÁTICOS DE DOCUMENTOS

1 . Análises de documentos

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1.1. Historiadores e professores:

.. . 328 1.2. Métodos de análise de documentos .. .. 33 1 2. Documentos escritos: jornais e literatura . 335 diferentes usos das fontes históricas

.

.

.

.. .... 277 2.3. Metodologia do estudo do meio ...... .' 280 Sugestões de atividades . . .. ... .. ..... ... 285 "lugares da memória"

.

.

... ... 267

de ensino de história ambiental

.

Sugestão de atividade ..... ... ... ....

.

1.2. Interdisciplinaridade e prática

.

..

4.2. Livro didático:

.... .. . ... . 257 1.1. Temas da história ambiental . . .. . 259 .

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1 . Práticas interdisciplinares: meio ambiente e história

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EM PRÁTICAS INTERDISCIPUNARES ..

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CAPflULO N

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. .. ... .. .. .. 303

.

............ 239 Sugestões de atividades . .... ..... .. .. . .. 242 .

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de avaliação e diagnóstico . ...

.

.

307 3. Propostas para análise de livros didáticos 3 1 1 3.1. Análise dos aspectos formais . . ...... 3 1 1 3.2. Conteúdos históricos escolares .... .. .. 3 1 3 3.3. Conteúdos pedagógicos ....... .. .. ..... 3 1 4 4 . Práticas de leitura de livros didáticos ... 3 1 6 4.1. Pesquisas sobre usos do livro didático . 3 1 6

2.2. As representações como instrumento

.

.

... . .. . ........ ... . . . ... . 30 1

didáticos de História

.

.

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.

2.3. Caracterização dos livros

2.1. O que são representações sociais? . ...... 235

.

.

como objeto de pesquisa

metodológicos de pesquisa em sala de aula . 23 5

.

.

.

2.2. Livro didático de História

...... 230

2. Representações sociais e princípios

.

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2.1. Livro didático: objeto

.... ... . ... . .. 226 .

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2.1. Imprensa escrita nas aulas de História . .

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335

2.2. Literatura como documento MATERIAIS DIDÁTICOS: CONCEPÇÕES E USOS .... 29 1

.. 293 1 . Materiais didáticos para a História escolar. 296 1.1. Materiais didáticos e indústria cultural . 296

LIVROS E MATERIAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

.

.

interdisciplinar . . . . . . .. . . 338 3. Os documentos escritos canônicos .. . .. 342 3.1. Documentos oficiais e cidadania ... . .. 342 .

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3.2. Proposta de trabalho com dossiês temáticos

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. 343 .

CAPÍTULO III

/DOCUMENTOS NAO ESCRITOS

'\ NA SAIA DE AUlA ...... . .. . . .. . . .. .. ..... 35 1 ) L Museus e seus objetos .... ... .... ... . .... . 354 1.1. Os objetos em museus históricos ........ 355 1.2. O processo para descobrir e interpretar objetos ..... ................. 358 . . .

L

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. . .

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2. Imagens no ensino de História ....... . . . ... 360 2.1. Os historiadores

e as imagens "tecnológicas" .... .. . ... . 361 ...... 365 2. 2. Fotografia e ensino de História. 2.3. Propostas pedagógicas para o uso da fotografia . .... .. . .... 368 2.4. Cinema e audiovisuais . . . .... . .. 37 1 2.5. O cinema no ensino e na produção historiográfica . . .. 3 73 .

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2.6. Propostas pedagógicas

para o uso de filmes . . . .. .. 3. Música e História . . .... .. . . . . ... 3.1. Música e ensino de História . . 3.2. Música e historiadores . . .. Sugestões de atividades .. .. .. . ... . . Pranchas coloridas . . . . .. .. . . . . . .

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Aos PROFESSORES

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375 378 378 . 380 . 383 401

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A Cortez Editora tem a satisfação de trazer ao pú­ blico brasileiro, particularmente aos estudantes e pro­ fissionais da área educacional, a Coleção Docência em Pormação, destinada a subsidiar a formação inicial de professores e a formação contínua daqueles que se en­ contram no exercício da docência. Resultado de reflexões, pesquisas e experiências de vários professores especialistas de todo o Brasil, a coleção propõe uma integração entre a produção acadêmica e o trabalho nas escolas. Configura um projeto inédito no mercado editorial brasileiro por abarcar a formação de professores para todos os ní­ veis de escolaridade: educação básica (incluindo a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio) e a educação superior; a educação de jovens c adultos e a educação profissional. Completa essa formação com as problemáticas transversais e com os saberes pedagógicos. Com 25 anos de experiência e reconhecimento, a Cortez é uma referência no Brasil, nos demais países latino-americanos e em Portugal pela coerência de sua linha editorial e atualidade dos temas que publi­ ca, especialmente na área da educação, entre outras. É com orgulho e satisfação que lançamos esta co­ leção, pois estamos convencidos de que representa novo e valioso impulso e colaboração ao pensamen­ to pedagógico e à valorização do trabalho dos pro­ fessores na direção de uma melhoria da qualidade social da escolaridade. José Xavier Cortez Diretor

lO

11

r r

APR!SfNT-'ÇAO 0-' COliÇAO

APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO A Coleção Docência em Formação tem por objetivo oferecer aos professores em processo de for­ mação, e aos que já atuam como profissionais da l'ducação, subsídios formativos que levem em conta as novas diretrizes curriculares, buscando atender, de modo criativo e crítico, às transformações intro­ duzidas no sistema nacional de ensino pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Sem desconhecer a importância desse documento Trata:se da1�!1"9.394, de 20 romo referência legal, a proposta desta coleção identi­ de dezembro de 1996, Lei de fica seus avanços e seus recuos e assume como com­ Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Essa lei aplica promisso maior buscar uma efetiva interferência na ao campo da educação os realidade educacional por meio do processo de ensi­ dispositivos constitucionais, const itui ndo, assim, a refertnd� no e de aprendizagem, núcleo básico do trabalho fundamental da organização docente social. Seu propósito é, pois, fornecer aos do sistema educacional do pais. docentes e alunos das diversas modalidades dos cursos de formação de professores e aos docentes em exercício textos de referência para sua preparação científica, técnica e pedagógica. Esses textos contêm subsídios formativos relacionados ao campo dos saberes pedagógicos, bem como ao dos saberes ligados aos conhecimentos especializados das áreas de formação profissional. A proposta da coleção parte de uma concepção orgânica e intencionada da educação e da formação de seus profissionais, tendo bem claro que profes­ sores se pretende formar para atuar no contexto da sociedade brasileira contemporânea, marcada por de- Os prOfesSOres exercem papel imprescindível e insubstitulvel terminações históricas específicas. , no processo de mudança social. Como bem o mostram estudos e pesquisas recentes na área, os prof�ssores são prmo lugar de produção de um saber próprio. & disciplinas escolares, nesse contexto, não podem ser cn tendidas simplesmente como "metodologias". Em decorrência da concepção de escola como lugar

de produção de conhecimento, as disciplinas escolares devem ser analisadas como parte integrante da

t•.wolar,

cultura

para que se possam entender as relações estabele­

t·idas com o exterior, com a cultura geral da sociedade.

< :onteúdos e métodos, nessa perspectiva, não podem ser entendidos separadamente, e os conteúdos escola­ n·s

não são vulgarizações ou meras adaptações de um

t onhecimento produzido em "outro lugar", mesmo '1uc tenham relações com esses outros saberes ou

t iências de referência. A seleção dos conteúdos escolares, por conseguinte,

depende essencialmente de finalidades específicas e .L\sim não decorre apenas dos objetivos das ciências de rdl:rência, mas de um complexo sistema de valores e de interesses próprios da escola e do papel por ela desem­ jll'llhado na sociedade letrada e moderna. A concepção de Chervel sobre disciplina escolar

provém de seus estudos da história da Gramática c.\colar na França. Pela pesquisa histórica do ensino

da Gramática em seu país, concluiu que a criação das Lnnosas "regras gramaticais" e toda a série de normas

da língua francesa decorreram de necessidades internas da escola, que precisava ensinar "todos os franceses" a escrever corretamente, de acordo com determinados ni térios a ser obedecidos por todo o meio escolar. A (; ramática, como estudo acadêmico, só passou a existir posteriormente, absorvendo e integrando os princí­ pios estabelecidos pela escola.

A posição desse autor tem gerado polêmicas. O

problema enfrentado por quem parte do pressuposto da relativa autonomia das disciplinas escolares em 39

1• PARTE - HISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL DE UMA DISCIPLINA

0 QUE � DISCIPLINA UCOLARJ

relação às ciências de referência encontra-se na diver­

e

sidade de disciplinas ou saberes escolares e na forma

l'rrdorninava uma formação elitista, à qual era per­

pela qual cada uma delas se constituiu. Questiona-se,

lritamente adequado o

pelo domínio oral e escrito da "cultura clássica".

currículo humanista clássico.

Assim, tem sido fundamental conhecer a história das

( :om o desenvolvimento da industrialização, intensi­ tlrado na segunda metade do século XIX, os conheci11\rma mais sutil, com variáveis explícitas ou implícitas, 41

1• PAIIn

-

HISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL

llE

UMA lliSCII'UNA

O_guE � UISCII'UNA E!ICOLAII _

como a socialização, os comportamentos individuais e coletivos, a "disciplina do corpo", a obediência a normas, horários, padrões de higiene, etc. A escola, é importante destacar, integra um con­ j unto de objetivos determinados pela sociedade e articula-se com eles, contribuindo para os diferentes processos econômicos e políticos, como o desenvolvi­ mento industrial, comercial e tecnológico, a formação de uma sociedade consumista, de políticas democrá­ ticas ou não. Compreendem-se assim alguns dos objetivos gerais aos quais a escola teve de atender em determinados momentos históricos, como a formação de uma classe média pelo ensino secundário, a expansão da alfabe­ tização pelos diferentes setores sociais ou a formação de um espírito nacionalista e patriótico. Tais objeti­ vos estão, evidentemente, inseridos em cada uma das disciplinas e justificam a permanência delas nos currí­ culos. As finalidades das disciplinas escolares fazem

rm

critérios estabelecidos por muitas variáveis, devem

cswr

em

sintonia com os objetivos educacionais e ins-

1 rudonais, mm

ser distribuídos adequadamente, de acordo

o desenvolvimento cognitivo dos educandos, e

a i nda ater-se ao "tempo pedagógico", ou seja, à carga ho rária definida pelas grades curriculares das escolas.

( )s conteúdos explícitos articulam-se intrinseca­

l l l t nt c

a outro componente da disciplina escolar: os

màodos de ensino e de aprendizagem.

Tais conteúdos

�ao necessariamente apresentados ao público por in­ l t'rmédio de diferentes métodos, indo da aula expo­

-. il iva até o uso dos livros didáticos ou da informática. Ao longo da história das disciplinas, pode-se perceber q 1 1 c "métodos tradicionais" são sempre confrontados l

om

"novos métodos", variando, nesse confronto, as

possibilidades de diálogo entre professores e alunos, ou

a i nda do mundo adulto com as novas gerações,

parte de uma teia complexa na qual a escola desem­

l Oill

penha o papel de fornecedora de conteúdos de instrução,

( :hcrvel considera fundamental, nesse particular com­

que obedecem a objetivos educacionais definidos mais

ponente das disciplinas, o papel dos "exercícios", para

o nível de interesse e motivação dos alunos.

amplos. Dessa forma, as finalidades de uma discipli­

q u e o conteúdo do ensino possa se tornar

na tendem sempre a mudanças, de modo que atendam

( >s exercícios correspondem e estão articulados ao con­

sidades sociais e culturais inseridas no conjunto da

nwmorização até a práticas mais complexas de for­

diferentes públicos escolares e respondam às suas neces­

sociedade. Outro constituinte fundamental da disciplina esco­

conteúdo explícito. Esse corresponde a um corpus

lar - e o mais visível - é o componente da disciplina

de conhecimento organizado segundo uma lógica interna que articula conceitos, informações e técnicas consideradas fundamentais. Os conteúdos explícitos são geralmente organizados por temas específicos e apresentados em planos sucessivos, conforme os níveis 42

de l'Scolarização (séries, ciclos). Selecionados com base

ensinado.

lci to de aprendizagem, o qual varia desde a simples mulações de argumentos e sínteses pela escrita e pela oralidade. Vamos retornar em capítulos subseqüentes a esse com ponente da disciplina escolar, mas é necessário frisar e destacar a importância dos métodos como um

d os elementos que estão diretamente vinculados ao ronteúdo explícito e aos objetivos das disciplinas. Finalmente, entre os constituintes da disciplina es­ colar, acham-se as atividades de

avaliação,

essenciais 43

1 • PARTf - HISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL DE UMA DISCIPLINA

para se ter o controle sobre o que é ensinado ou apreen­ dido pelo aluno. A avaliação está relacionada a con­ ceitos de aprendizagem e articula-se com um tipo determinado de compreensão de disciplina escolar: tem certas características se a disciplina escolar é en­ tendida apenas como transmissora de conteúdos, e outras se a disciplina escolar é concebida como pro­ dutora de conhecimento. Exames, provas, argüições, testes, entre outros, compõem uma variedade de for­ mas de controlar o que está sendo ensinado e apren­ dido. Entre os problemas da avaliação encontra-se a definição do objeto efetivo do que se pretende avaliar, uma vez que, por intermédio de provas, o sistema avaliatório concentra-se no controle sobre o domínio quantitativo dos conteúdos explícitos, relegando a segundo plano a avaliação em uma perspectiva qua­ litativa, que inclui, ou deveria incluir, a verificação da aprendizagem no conjunto dos objetivos educacio­ nais mais amplos. Na avaliação reside, sem dúvida alguma, o maior poder do professor, e os sistemas avaliatórios têm, muitas vezes, interferido no processo de mudança ou

. lvor ( ;oodson, para quem o próprio termo "disciplina"

poDlhil i ta identificar distinções. O autor inglês entende 1 tilsdplina como uma forma de conhecimento oriunda 1 c�aractnística da tradição acadêmica e para o caso d111 t'.�colas primárias e secundárias utiliza o termo mtlllritl t'scolar (school subjects). Entre nós é comum, nu 1.:ot i d i a no escolar, utilizar o termo "matéria", embora IIC' ll.�l·, n os textos oficiais e acadêmicos, "disciplina

Glll'Olar". No caso dos cursos superiores, o termo usual � "d isci p l i na", a qual, por sua vez, é composta de "maté­ tl .. 11 " específicas, correspondentes a divisões internas

d�• ·' d i sei plinas acadêmicas.

( ;oodson rebateu, em várias publicações, os pressu­

poM os de outros autores ingleses, como Hirst e Peters, l l l lc consideram que as matérias escolares derivam de '\ .1 1 n pos de conhecimento" acadêmicos e organizam­ "'' em

função deles. Para Hirst e Peters, existe uma

d i M i p l i na intelectual criada no meio acadêmico que é

" t wl uzida" para ser utilizada como matéria escolar, em 1 1 1 1 1 a concepção, portanto, semelhante à da "transpo-

111\ao didática", contra a qual Goodson se posiciona. Fstc pesquisador explica que muitas matérias escolares

transformação dos conteúdos e métodos, como no caso

uno a presentam as mesmas estruturas das disciplinas

do ensino médio, cujo conteúdo tem sido determina­

�ttadl'·micas e não se utilizam de conceitos e metodo­

do, na prática, pelo sistema de avaliação dos exames ou processos de seleção para o ensino superior.

lo tt, ias semelhantes. Ademais, argumenta que muito do q u e se trabalha na escola nem tem uma disciplina­ hn.��.· ou ciência de referência, constituindo uma comu­

2 . Disciplina escolar e prod ução

do conhec i m e n to 2. 1. DISCIPLINA OU MATÉRIA ESCOLAR?

A relação entre as disciplinas escolares e as acadê­ micas foi abordada freqüentemente nos estudos de 44

n idade autônoma que recebe múltiplas interferências,

mmo a dos próprios professores e de toda uma série

d e p essoas ligadas ao poder da administração escolar, �Mrn das demandas da sociedade.

Para sustentar seus pressupostos, Ivor Goodson ana­ l isou o percurso histórico de várias matérias escolares

rd a c i onadas às disciplinas acadêmicas, como é a con­

d ição da Geografia e da Música. Apresentou ainda o 45

0 QUE I DISCIPLINA IICOLAif

1' PARU - HISTÓRIA ES(:.O_I.A_II_:_�_ ��!'Il DE UMA DISCIPLINA -

estudo de um caso recente, mostrando como, no pre­ sente, se está constituindo uma nova matéria escolar: a Educação Ambiental. Este conteúdo escolar está sendo imposto sob pressão social, e as autoridades educacionais realizam uma espécie de bricolagem, com­ binando elementos diversos extraídos de vários campos de pesquisa, associados a alguns conteúdos tradicio­ nais dos antigos currículos. Em seus estudos empíricos sobre a gênese e a tra­ jetória de determinadas matérias escolares, Goodson é mais contundente ao tratar das relações entre a disciplina acadêmica e as matérias escolares. Ele demonstra que a interferência do conhecimento acadêmico não foi benéfica para a constituição de de­ terminados saberes escolares, como no caso de "Ciên­ cias", que inicialmente, no século XIX, era matéria ensinada como

ciência das coisas comuns (the scíence of

idl'll tificar diferenças entre as disciplinas acadêmicas l'

a�> escolares, embora elas tenham relações entre si.

l J ma das diferenças importantes diz respeito a seus

ohjcrivos, que evidentemente não são os mesmos. A d isciplina acadêmica visa formar um profissional: cien1 ista,

' luc necessita de ferramentas intelectuais variadas para -. i t uar-se na sociedade e compreender o mundo físico ,. social em que vive. As práticas dos professores universitários e as das ,·-,colas são igualmente diversas. Não há necessidade

de adaptar o conteúdo ensinado para o público do ní­ vel superior: o professor trata de transmitir diretamente , , saber e sua eficácia depende exclusivamente de sua l .tpacidade de comunicação. A relação pesquisa-ensi­ IIO

resses dos alunos. Os conteúdos e métodos pareciam

,.q

aplicado a um entendimento de coisas familiares", mas autoridades educacionais avaliaram o sucesso como algo pernicioso do ponto de vista social, porque crian­ ças de vários setores da sociedade podiam dominar esse conhecimento e tal situação favorecia o nivela­ mento social e proporcionava igualdade de oportu­ nidades, efeitos indesejáveis politicamente. Como con­ seqüência, o ensino de "ciências das coisas comuns" foi substituído por uma ciência pura, de laboratório, fundamentada em conceitos e pressupostos da pesqui­

professor, administrador, técnico, etc. A disciplina

ou matéria escolar visa formar um cidadão comum

common things) e tinha como objetivo atender aos inte­ ser adequados, tratando-se de "conhecimento científico

é, em princípio, obedecida, podendo-se organizar rarégias de ensino nessa perspectiva, seguindo os

passos e métodos sem maiores cuidados adaptativos. A p rodução da pesquisa pode assim ser facilmente in­

l

orporada por alunos em idade adulta, solicitados a

percorrer parte do mesmo percurso do professor pes­ q u i sado r. André Chervel adverte que, na atualidade, a crítica sobre os cursos superiores na França - semelhante à lt:i ra no caso do Brasil - refere-se exatamente ao d istanciamento entre pesquisa e ensino, e por essa razão a "decadência" ou "crise" universitária é denomi­ nada de "secundarização do ensino superior". E "secun­

sa abstrata, semelhante à praticada nas universidades,

darização" significa exatamente a diferenciação entre

com as devidas adaptações. Tornou-se então um conhe­

os

cimento de status elevado e culturalmente válido, apesar de desvinculado de objetivos de formação para alunos de diferentes condições sociais e níveis de escolarização. 46

Considerando tais estudos e reflexões, podem-se

dois níveis de ensino: os cursos superiores afastam-se

de seus objetivos fundamentais e as disciplinas organi­ :t.am-se de forma separada do processo de conhecimento

da pesquisa científica.

47

0 QUE � DISCIPLINA ESCOLARl

1• PARTf - HISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL UE UMA DISCIPLINA

2.2. DISCIPLINA ESCOlAR E CONHECIMENTO HISTÓRICO

No caso da História, ao ·acompanharmos sua cons­ tituição, na escola e nas universidades, verificamos que, a partir do século XIX, existem constantes aproxima­ ções e separações entre a História escolar e a dos his­ toriadores. O historiador fca,ncês Henri Moniot, ao debruçar-se sobre a História enquanto disciplina escolar, pondera sobre suas especificidades e conclui que seu ensino, no

fim do século XIX, assegurou a existência da História universitária. A divisão da História em grandes perío­ dos - Antiguidade, Idade Média, Moderna e Con­ temporânea -, criada para organizar os estudos históricos escolares, acabou por definir as divisões das "cadeiras" ou disciplinas históricas universitárias assim como as especialidades dos historiadores em seus cam­ pos de pesquisa. Entre nós, seguidores de muitos dos pressupostos franceses, os primeiros cursos universitários de História constituíram-se pelos mesmos princípios. Essa divisão é a que prevalece nos cursos de História tanto do ba­ charelado quanto de licenciatura e que se tem mantido desde a reformulação decorrente da Lei de Diretrizes e Bases de 1 962, quando foi estabelecido o currículo mínimo pelo Conselho Federal de Educação, com­ posto de História Antiga, História Medieval, História Moderna, História Contemporânea, História da Amé­ rica e História do Brasil. Essa divisão das disciplinas

tKola r. Modificar o currículo do ensino fundamen­ ,taJ r múlio, como quer as recentes propostas de ensino , 11nlii 1 i co, implica mudanças no currículo de nível IUpC'rior. A História escolar tem um perfil próprio,

ld u m intercâmbio de legitimações entre as duas IMI itlades específicas. A a rticulação entre as diséiplinas escolares e as dis­ rlf'linm acadêmicas é, portanto, complexa e não pode ll'l n l lendida como um processo mecânico e linear, ft'Uls

tu·lo q u al o que se produz enquanto conhecimento 1l111 úrico

acadêmico seja (ou deva ser) necessariamente t nw s rn i rido e incorporado pela escola. Os hiatos são rv l d c nr es, mas não se trata de buscar superá-los , inte­

t'hl l ll lo automaticamente as "novidades" das temáticas

IJI,túricas

às escolas. Os objetivos diversos impõem •l·ll-� m·s diversas de conteúdos e métodos. A formação llr p ro fessores, por outro lado, vem dos cursos supe­

t lol c.� e , nesse sentido, é preciso entender a necessida­ llt· d1 ' diálogo constante entre as disciplinas escolares

t' ���

acadêmicas.

,l.,\. PROFESSORES E DISCIPLINAS ESCOlARES ' l 'emos afirmado que a concepção de disciplina es­

to l a

r

está intimamente associada à de pedagogia e à

dc- es cola e, portanto, ao papel histórico de cada um Jc-.�ses componentes. Ao concebermos a disciplina esco­ lur como produção coletiva das instituições de ensino,

do nível superior, como se vê, corresponde à maioria

�td m i rimos que a pedagogia não pode ser entendida

das propostas curriculares do ensino fundamental e

wmo

médio e é a que está presente nos livros didáticos. Percebe-se assim que essa organização das disci­ plinas é uma das evidências que permitem refletir 4H

rc as relações entre o conhecimento acadêmico e

uma atividade limitada a produzir métodos

p�ara melhor "transpor" conteúdos externos, simplifi­

l.·a ndo da maneira mais adequada possível os saberes eruditos ou acadêmicos. 49

1' P4RTf - H ISTÓRI4 ESCOL4R: PERFIL DE U,\1 4 UISCIPUN4

0 QUE � DISCIPUN4 ESCOL�R_f

__

A escola, por sua vez, também é concebida ou como o "lugar" privilegiado da produção das discipli­ nas escolares, mesmo que possam estar mais ou menos dependentes de interferências externas, ou como ins­ tituição que, embora conte com vários agentes em seu interior, não tem autonomia suficiente para a cria­ ção, constituindo espaço privilegiado da reprodução (política, ideológica e acadêmica), cujo sucesso depen­ de de sua capacidade de adaptar convenientemente o conhecimento produzido fora dela. Por intermédio da concepção de disciplina escolar podemos identificar o papel do professor em sua ela­ boração e prática efetiva. Cabe então indagar sobre a ação e o poder dele nesse processo, uma vez que há vários sujeitos na constituição da disciplina escolar: desde o Estado e suas determinações curriculares até os intelectuais universitários e técnicos educacionais, passando pela comunidade escolar composta de dire­ tores, inspetores e supervisores escolares e pelos pais de alunos que, muitas vezes, se rebelam contra determi­ nados conteúdos e métodos dos professores, forçando­ os a recuar em suas propostas inovadoras. O papel do professor na constituição das discipli­ nas merece destaque. Sua ação nessa direção tem sido muito analisada, sendo ele o sujeito principal dos es­ tudos sobre

currículo real, ou seja,

o que efetivamente

acontece nas escolas e se pratica nas salas de aula. O professor é quem transforma o saber a ser ensinado em

saber apreendido,

ação fundamental no processo de

produção do conhecimento. Conteúdos, métodos e avaliação constroem-se nesse cotidiano e nas relações entre professores e alunos. Efetivamente, no ofício do professor um saber específico é constituído, e a ação docente não se identifica apenas com a de um técnico ';()

ou :t de um " reprodutor" de um saber produzido exter­ nunwnte. " l )ar aula" é uma ação complexa que exige o domí­

nio de vários saberes característicos e heterogêneos.

f >r acordo com pesquisadores dedicados aos problemas do sa ber docente, com destaque para o canadense M a urice Tardif e, entre nós, Ana M aria Monteiro, os Jll'oiC:ssores mobilizam em seu ofício os saberes das fll,t'iplinas, os saberes curriculares, os saberes daformação

/'l'f�/t.I'JÍonal e

os saberes da experiência. A pluralidade l l r,scs saberes corresponde a um trabalho profissional

l J I I c se define como "saber docente" . Nesse sentido, ' I ';ml i f adverte que liberar esses saberes dos profes­

-mcs 'e submetê-los ao reconhecimento por parte dos f.1'11f'OJ produtores de saberes da comunidade científica, f'll t/lfttnto um saber original sobre o qual detêm o con­ lmlt·, é empreendimento que lhes parece condição básica /'"';' um novo profissionalismo" (2002, p. 232) .

I kve-se considerar ainda que a ação docente não

r

1 1 11 1

ato individual, mesmo que aparentemente o

pr o l l-ssor possa ficar isolado na sala de aula com seus

.tl 1 1 nos. Sua ação é também coletiva, e talvez aí resida _,. 1 1

m aior poder.

< �uando acompanhamos a história da educação

r ..,lolar, percebemos que, no percurso de definição llits d isciplinas ou matérias que se estabelecem nos cur­

l'in r los escolares, os professores vão-se profissionali­

UI I ldo, passando de "leigos" a "especialistas". Os cursos til· I(Jrmação os credenciam como profissionais, e no t raba l ho das instituições, por meio de concursos e c 1 1 1 1 ros

trâmites burocráticos, criam-se grupos de

r.� pl'cialistas de determinadas matérias. Os profissio­

uais tendem a organizar-se em associações represen­

l :t t

ivas que participam direta ou indiretamente da 51

I�IPLINA :_:: ESCOLARf O_:, Q� U::_ E� t D:: --------=

constituição e da permanência ou não das disciplinas

.2) Análise de texto

nos currículos.

A

A identidade dos professores tem sido construída por muitas dessas práticas associativas profissionais, com a organização de grupos participativos em sindi­ catos ou associações, como a Associação Nacional de História (Anpuh) e a Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) . As associações têm interferido constan­ temente nas definições dos currículos; isso ocorreu, por exemplo, na constituição da Geografia na Grã­ Bretanha e no Brasil, por ocasião da introdução dos Estudos Sociais em substituição à História e à Geo­ grafia, como será apresentado em seguida, no capítulo referente ao histórico da disciplina focalizada nesta obra.

S ugestõ es de atividades

·

��?·; cc

...»

1 ) Para debater em grupo "Uma 'disciplina' é ( . . . ) em qualquer campo em que se encontre, um modo de disciplinar o espírito, quer dizer, de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte."

História das disciplinas escolares: re­ flexões sobre um campo de pesquisa, 1 990, p. 1 80. CHERVEL, André.

Considerando a definição de André Chervel, as análises apresentadas no texto e a leitura da biblio­ grafia citada, discuta as diferentes concepções de disciplina escolar e sua relação com a constituição dos métodos de ensino e aprendizagem.

mntrovérsia em torno da ciência escolar

" Ex istia, no final do século XIX, indício claro de f.lllt" a 'ciência das coisas comuns' possibilitava um 1\lrr�so prático significativo nas salas de aula. Seria tnc'\neo, todavia, supor que com isso o problema es­ t lvr�se solucionado e que a ciência das coisas comuns nl(·rl'da base para a definição da ciência escolar. Outras lk ll n il'l'var e descrever situações de trabalho, a organiza­ \ í h , das ruas e praças, os transportes, etc., e incentiva­ llr

m u i to a realização de visitas aos locais de interesse

h l \ 1 úrico e de excursões. Pa ra a maioria dos autores, os estudos históricos,

t•m ho ra meramente introdutórios, só seriam possíveis 11 p. t r ti r da idade de 9 anos, começando com as lem­

ln. t rlças próprias do aluno, a familiar e a local, para po., t r riormente se selecionarem alguns tópicos sobre

J.\lllpos sociais de outros tempos e de outras civili­ � " � ol's, de modo que a criança pudesse ter " uma visão

ll11lhria e

mais simpática dos estrangeiros" . O "outro"

t, l ll'ssa visão, entendido como alguém diferente q ue l1 ll'l'cce simpatia, a fim de ser evitada a formação de um espírito nacionalista xenófobo e de antagonismo

qut',

de alguma forma, pudesse favorecer tendências

hrl icosas. O importante nas atividades ou no

método

liberais: criticar para aperfeiçoar o sistema vigente e

dtit'o é a criação de uma atmosfera pedagógica, para

melhor se adaptar a ele.

li mnar, a partir da escola, um indivíduo socialmente

Os métodos tornaram-se de vital importância para o bom resultado dos Estudos Sociais, uma vez que os conteúdos históricos, geográficos, sociológicos, etc. se 74

diluíam, assim como as categorias e conceitos básicos p ro ve n i entes das ciências de referência. Os métodos

rlkicnte para o sistema. Em decorrência do método ativo, s urgiu uma pro­

J1osta de conteúdo cujo princípio de seleção era a dos

_ ____

1' PARTl - H ISTÓRIA ESCOLAR: PERFIL DE UMA DISCIPLINA

2 . 1 . A HISTÓRIA E O CURRíCULO HUMANÍSTICO

"círculos concêntricos" . Os conteúdos organizavam­ se por estudos espaciais - do mais próximo ao mais distante -, e os estudos históricos tornavam-se bas­

< ) n ível secundário no Brasil caracterizou-se como um cu rso oferecido pelo setor público - no Colégio

tante reduzidos, constituindo apêndices de uma Geo­ grafia local e de uma Educação Cívica que fornecia ' informações sobre a administração institucionalizada (municípios, Estados, representantes e processo elei­ toral) , sobre os símbolos pátrios (hinos e bandeira) e

sobre os deveres dos cidadãos: voto, serviço militar, etc. As datas cívicas e as comemorações dos feitos dos heróis e dos "grandes acontecimentos nacionais" eram,









pan i cular de escolas, para esse nível escolar, desempe­ l l l t o u c continua a desempenhar importante papel,

l rva ndo-se em conta que o secundário foi criado para ll t mdcr à formação dos setores de elite.

As escolas confessionais de ordens religiosas de

·•



na para as senes mtctats. I

ltrp úbl ica, em liceus provinciais, em ginásios estad ua i s republicanos - e pelo setor privado. A rede

·

sil", da "abolição dos escravos" e da "proclamação da República" tornou-se sinônimo de "ensino de Histó''

l 'rd ro li do Rio de Janeiro, capital do Império e da

·

na prática, os únicos "conteúdos históricos" para alunos dessa faixa etária. A comemoração ou rememoração da "descoberta do Brasil" , da " independência do Bra­



{:C?NTE�!'9_S E MtTODOS DE ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE AB?IDA(;!�-�ISTÓIICA

c 11

igcm européia, nos séculos XIX e XX, foram muito

l t n po rtantes e responsáveis pelo estabelecimento de



11111

s istema de ensino bastante amplo, com exter­

l l .l t os e internatos, tanto para meninos quanto para

I I H' I I i nas. A presença dos colégios confessionais foi w n s t ante até os anos 50 do século passado, quando W l l l cçaram a sofrer intensa concorrência de escolas

2 . Ensino de H i s tória n o secu ndário

•n

t mdárias leigas, que passaram a proliferar à medida

lJIIl' se ampliava o público escolar secundário, no pro­ � r .,so de crescimento da classe média urbana. .

A História foi uma disciplina incluída n o plano de estudos do Colégio Pedro II, a escola secundária públi­ ca modelar criada pelo governo imperial em 1 837. Embora o nível secundário tenha sofrido transfor­

llado de "humanismo clássico", o qual se assentava no

rllt t H.Io das línguas, com destaque para o Latim, e tinha ns

permaneceu como ensino obrigatório, integrando tanto

modelo e padrão cultural. O currículo humanístico

os

pressupunha uma formação desprovida de qualquer

e os métodos variaram bastante, sem, contudo, deixa­

76

llonais do século XIX, integrava o currículo denomi­

mações constantes do século XIX ao atual, a História

cumculos das humanidades clássicas como os cumculos científicos. Nesse percurso, os conteúdos selecionados

!I �

A História, tanto nas escolas públicas como confes­

t extos da literatura clássica da Antiguidade como

U t i l i dade imediata, mas era por intermédio dele que

Ir adquiriam marcas de pertença a uma elite. Assim,

l'studo do Latim não visava simplesmente formar

rem de estar a serviço de finalidades fundamentais

n

associadas à constituição de identidades nacionais.

1 1 111

conhecedor de uma língua antiga, mas servia para 77

CONTEÚDOS E MtTODOS

DE

ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE ABORDAGEM HISTÓRIC:A

que o jovem sec u n d a rista fizesse citações e usasse ex­ prcss()cs caracrt·rísticas de um grupo social diferenciado do " povo i letrado " .

Nrn d o XIX, as bases de uma história nacional di­

O s con teúdos propostos serviam também para uma

v i d ida em períodos definidos pela ação política: a

fo rmação moral baseada no ideário de civilização, cujos valores eram disseminados como universais, mas pra­ ticados com exclusividade pela elite. A seleção de textos literários realizava-se tendo em vista a apreensão de valores como a prudência, a j ustiça, a coragem e a moderação. As disciplinas foram sendo organizadas para atender, portanto, a tais objetivos sociais e de formação de valores. Os programas do Colégio Pedro 11, que consti­ tuíam modelo para os demais colégios desse nível no

do

l i istoriadores do Instituto Histórico e Geográfico

Brasil (IHGB) haviam fornecido, no decorrer do

dcsco berta do Brasil - o nascimento da nação que rra notadamente branca, européia e cristã foi consti­

t u ído no período da colonização; a Independência e

o

Fstado monárquico, que possibilitaram a integri­

d.ldc territorial e o surgimento de uma "grande nação". A l i istória do Brasil dos programas curriculares e dos l i v ro s didáticos possuía o mesmo arcabouço, mas, na

pr;ít ica escolar, paradoxalmente, foi um conteúdo com­ plementar na configuração de uma identidade nacional.

A h istória da "genealogia da nação" baseava-se na in­

País, foram inspirados no ensino secundário francês.

''''\:to do Brasil no mundo europeu, e era este mundo

Predominava o estudo de História Geral, dividido pe­

,, matriz ou o berço da Nação.

los grandes marcos definidores da história profana: tempo antigo, entendido como a de alguns povos em torno do Mediterrâneo, com especial acento sobre

J. . l . A HISTÓRIA E O CURRÍCULO CIENTÍFICO

gregos e romanos; a Idade M édia, como oposição ao tempo moderno; a Idade Moderna e, por fim, a cria­ ção, em 1 8 50, de uma História Contemporânea. Mas,

l o i duramente criticado por diversos grupos interes­

além da história profana, o ensino da História Sagrada

t�ados na modernização do País segundo os moldes do

era parte integrante dos programas durante os anos

l apitalismo industrial e imperialista. O mundo indus­

do Império. A História da Pátria ou do B rasil intro­ duziu-se a partir da fundação do Colégio Pedro 11 e separou-se da História Geral, surgindo como disciplina autônoma apenas nos anos 50 do século XIX em uma condição complementar, quase como um estudo ane­

78

No fim do século XIX, o currículo humanístico

t rial que se espalhava pela Europa e pela América seten­ t r ional era incorporado por setores da nossa elite, que passaram a questionar o currículo humanístico e acen­

t uavam a necessidade de introduzir as ciências da natu­

rc-za para a formação das novas gerações. A Matemática,

xo, e sendo oferecida aos alunos das séries finais. Cabe

" Física, a Química, a História Natural ou B iologia

lembrar que o ensino secundário não era obrigatório

passaram a constituir saberes escolares definidores de

para o ingresso no ensino superior.

u m a formação intelectual voltada para a configuração 79

r

_�-� 1' PARTE - HISTÓRIA ESCOLAR: PERFil DE UMA DISCIPLINA:..:_..

·----�··

CONTEÚDOS E M�TOOOS DE ENSINO DE HISTÓRIA! BREVE ABORDACEM HlnÓRICA

!

dat moral cívica. Um dos objetivos básicos da História

de um novo tipo de elite. Nesse processo as disci­

111mla r era a formação do "cidadão político", que, em

plinas escolares foram sendo constituídas de forma

nosso caso, era o possuidor do direito ao voto. A Histó­

mais organizada, como foi visto no capítulo anterior,

rln do Brasil servia para possibilitar às futuras gerações

e as especialidades de cada campo do conhecimento

compuseram um novo currículo: o curriculo

dos setores de elite informações acerca de como con­

científico.

duzi r

O s debates no Brasil, no decorrer do século XX,

11tt;ra nde nação" .

sobre as disciplinas básicas para o ensino secundário

N essa perspectiva, a H istória d o Brasil continuava

expressaram as polêmicas sempre presentes em torno ciais que teriam acesso a ele. Nas primeiras décadas

ro11 1 o conteúdo suplementar. Houve tentativas de in­ rroduzir uma História da América, no intuito de con­ l t i hu i r com a formação de uma identidade latino­

entre as disciplinas científicas e as provenientes da

i U l l nicana para forjar projetos políticos para a Nação,

dos objetivos desse nível de ensino e dos setores so­ do século XX acabou por prevalecer um amálgama tradição clássica, formando o que André Chervel denomina de

·



problemas. Seus objetivos continuaram ainda associa­ dos à formação de uma elite, mas com tendências mais pragmáticas. E a disciplina passou a ter uma função pedagógica mais definida em relação à sua importân­ cia na formação política dessa elite. A História da Civilização, com os quatro grandes períodos e separada definitivamente da História Sagra­

da, transformou-se no eixo explicativo da História esco­ lar. Os pressupostos iluministas foram os vencedores de uma concepção de

história da humanidade,

111.1' n ão tiveram sucesso. Prevalecia a idéia de que a ldc n r ídade nacional deveria sempre estar calcada na

humanidades científicas.

A História integrou-se nesse currículo sem maiores

forta­

lecendo a i déia da racionalidade do homem e tendo o Estado-nação como agente principal da civilização moderna. A cronologia continuava a organizar os con­ teúdos históricos escolares, tendo como meta o progres­ so tecnológico criado pelo homem branco. A História da Civilização e a H istória do Brasil des­ tinavam-se a operar como formadoras da cidadania e ' 80

a Nação ao seu progresso, ao seu destino de

h u opa IJ,Il

o "berço da Nação" - e de que a história

io nal havia surgido naquele espaço. Esse ideário

n pl íca a razão de os estudos da História do Brasil ' • mwçarem fora do espaço nacional. O Brasil nasce c• t n

Portugal e é fruto de sua expansão marítima. O

p ovo brasileiro, constituído de mestiços, negros e ín­

,líos, continuava alijado da memória histórica escolar r da galeria dos heróis fundadores e organizadores do l •',s t ;tdo-nação.

N o decorrer da década de 30 do século passado, os d iscu rsos e a política nacionalistas também não pro­ voei ram

um ensino ampliado de História do Brasil

nos p rogramas curriculares, e a história nacional conti­

llltou sendo um apêndice da H istória da Civilização, ussi rn como a História da América. Apenas com a Lei 4.244 de 1 942, sob o ministério

,(l. Gustavo Capanema, a História do Brasil tornou­ lll'

mais presente, com carga horária aumentada, e a

l i istória da América passou a contar com uma série

81

CONTEÚDOS E MtTODOS DE ENSINO DE HISTÓRIA: BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA

dedicada ao seu ensino. Ficou estabelecido que o secun­

dário rerht dois n fvci s: o curso ginasial, de quatro anos, c o �.:urso c..:o lcgial, separado em curso clássico e curso

s anos 50 foram marcados pela consolidação do turrkulo científico , fornecendo novo status às áreas de . cun h cciment o das ciências exatas. Os método s e . CUI J t l'údos de ensino das disciplinas correspondentes p rov i n ham de projetos norte-americanos e estavam Y l11i vclmente direcionados para a formação de elites Yn l t ad as para a produção tecnológica, as quais deve­ rhu n estar submissas aos interesses do capitalismo assim CUino aos valores propugnados pela Guerra Fria. O de­ b,u c sobre as inovações metodológicas para a História h u cg ra va se nesse contexto político-econômico. As críticas aos métodos que organizavam e desen­ Yu l v i a rn os conteúd os como um fim em si mesmo p1111sa ram a ser a tônica dos professores formados pelos CUI.\os de História das faculdades de Filosofia, Ciên­ cha., l' Letras (FFCLs) que se multiplicavam a partir ;J nos 40 e 50. Vários artigos publicados em revis­ dc História propunham mudanças nos métodos, com diferentes posições sobre os objetivos da disci­ a . Em muitos desses artigos divulgava-se a idéia 'Jlll.' o professor deveria manter uma atitude de neu­ id ade diante de todos os acontecimentos históri­ do passado ou do presente. A constante solicitação postura neutra do professor evidenciava, paradoxal­ l l t, o caráter político da disciplina. l•: m tese pioneira sobre metodologia de História, a f�ssora Amélia Americano, da cadeira de Didática U S P, defendeu a necessidade de neutralidade e de b l Jc:t ividade mediante a utilização de métodos ade­ .Uildos. O uso de novos métodos era necessário para ·

-

89

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t• PAIITI -."����I NIPit

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CO N.!_EÚD()� L ,1�!()J?� {)� ENSINO DE H ISTÓRIA: BREVE ABORDAGEM HISTÓRICA _/

Dt UMA I)I�OPI INA

a concrerl7.açAo dos o bjeti vos de uma formação intelec­ tual, patriótkt U M A IJI�( II'UNA

Os temas de ensino de História propostos pelos PCN são, por outro lado, articulados aos

versais:

temas trans­

meio ambiente, ética, pluralidade cultural, saú­

11111

i ns t rumento que se presta a múltiplos usos. E é

. 1 \\ Í il l que o Estado utiliza a Nação para consolidar­

.,, . , ll'gi timar-se e reforçar-se.

de, educação sexual, trabalho e consumo. Essa propos­

l 'o r outro lado, todo povo necessita outorgar-se

ta de temas interdisciplinares gera novos desafios para

1 1 1 1 1a i dentidade que lhe dê coesão, defina seus valores

o ensino de História. Um deles é articular os conteúdos tradicionais, como os de uma história política ou eco­ nômica, com conteúdos característicos de outras dis­ ciplinas, como é o caso do meio ambiente ou questões de saúde.

As propostas atuais, dessa forma, exigem um traba­ lho intenso do professor, uma concepção diferenciada desse profissional, como um trabalhador intelectual que, j untamente com seus alunos, deve pesquisar, estudar, organizar e sistematizar materiais didáticos apropriados para as diversas condições escolares.



pa utas de vida; ora, a identidade não é algo dado e

l l l l l t tável, mas constrói-se mediante um processo his­ t oríco em uma série de acontecimentos significativos • p t c se gravam na memória coletiva e acabam por



'

o n fi gurar o que se denomina identidade nacional. Assim, o conceito de Nação está originalmente rela­ tt H lado com o de i dentidade cultural e histórica de

1 1 1 1 1 povo; com o advento do Estado-nação (complexa





1 1 t i dade que engloba território, política, sociedade, 1 t l rura, história, assim como elementos míticos e reli­

! ', losos), a Nação acaba por identificar-se com o Estado,

• •

• n fusão que beneficia este último e ao grupo que

. l t-t ém o poder, porque assim legitima seus fins e inte­ ' ' '\Ses, confiscando esta noção ao povo e em muitas

Sugestões de a t ividades

• ••

asiões usando-a para atuar contra os interesses deste.

l 'or isso podemos assegurar que a identidade naci onal

1) Análise de texto

t i 'm

um estatuto ambíguo: serve para dar coesão social

Algumas reflexões sobre identidade nacional nação e nacionalismo

' i dentidade a um povo e também para dar legitimi­ d.lde ao Estado. ( . . . )

" Entre os vanos p roblemas que se colocam em

Uma dimensão em que se pode abordar o nacional

torno da idéia de Nação, em primeiro lugar existe sua relação com a H istória: a Nação produz

ou é pro­

duto da - História? Para certas correntes historiográ­ ficas, o caráter nacional (clima, território, caracterís­ ticas psicológicas, etc.) designa algo permanente que se encontra para além das vicissitudes históricas. De acordo com essas tendências, a Nação produz a histó­ ria. Para outros, a Nação é a cristalização de determi­ nismos tanto históricos como políticos (ligados ao Estado) . Deste ponto de vista, o Estado faz da Nação

•·

a de distinguir Nação e nacionalismo; poderíamos

d izer que a Nação é um instrumento tant� de cons­ ' íência histórica do povo como de consciência política

Iigada ao Estado, enquanto o nacionalismo é uma l orma ideológica, um tipo específico de ideologia po­

l í l ica; pode ser também a expressão de uma reação . 1 1 1 te o desafio estrangeiro ao que se considera como u ma ameaça para a p rópria identidade e ainda i mpli­ ' a a busca de uma autodefinição, uma auto-afirmação que busca suas raízes e autojustificação no passado. " 1 2')

I ' I'AN i l

- H I \ I (JNIA ��� OLAN: PERHL IJE UMA DISCIPLINA

H I� I ÚNII\ NA\ i\ l l /i\1� I'NOI'0\ 11\\ ( l /N N U 1 1 1 1\N I \

REVUELTAS, Andrea. Identidade nacional mexicana.

1 \ A R RETO, Elba Siqueira de Sá. Tendências recentes

In: SILLER, }avier Perez et al. Identidad en el imagi­

1 l < , c urrículo do ensino fundamental no Brasil. In:

naria nacional: reescritura y ensefi.anza de la historia.

_

Puebla (México): Instituto de Ciencias Sociales y Hu­

('" li! as escolas brasileiras. Campinas: Autores Asso­

manidades; Braunschweig (Alemanha) : lnstitut Georg­

,

Eckert, 1 997.

Esta atividade visa à análise de propostas cur­

( . t mpinas: Autores Associados; São Paulo: Fundação ( · . t rios Chagas, 1 998.

riculares, considerando-as documentos fundamentais aos quais os professores devem ter acesso e sobre os quais devem promover debates com seus pares. As propostas curriculares são documentos oficiais que exigem procedimentos específicos, e a sugestão é uma análise comparada de propostas curriculares - a do Estado onde o professor atua com as propostas de História dos PCN -, seguindo os métodos de: a) análise externa: quando e por quem a proposta

Identidade nacional e ensino de História do 1 \ rasil. In: KARNAL, Leandro (Org. ) . História na sala J1 · ,zula: conceito s, práticas e proposta s. São Paulo: __ .

( ' • ntexto , 2003 .

1 \ RASIL. Ministério da Educação (MEC) . Parâmetros c

Professores da rede e das universidades e técnicos das Secretarias de Educação participaram em que con­

4" séries) . Brasília: M EC/S E F , 1 9 97.

__

. Ministério da Educação (MEC) . Secretaria de

I d ucação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacio­ ""is: História. Brasília: M EC/S E F ,

dições? ) ;

__ .

b ) análise interna: estrutura geral da proposta (partes integrantes - introdução, apresentação dos objetivos, conteúdos, métodos ou sugestões didáticas, avaliações e bibliografia) .

ltrriculares Nacionais: História (ensino fundamental ­

i · a

foi elaborada (sob qual governo e quais políticas pú­ blicas? Como foi composta a equipe de elaboração?

udos; São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1 998.

I H TTENCOURT, Circe M. Fernandes. Propostas cur1 11 t dares de História: continuidades e transformações. 1 1 1 : BARRETO , Elba Siqueira de Sá (Org.). Os cur­ l totlos do ensino fundamental para as escolas brasileiras.

2) Análise de currículos

É importante destacar nesta parte as con­

cepções implícitas ou explícitas de História, apren­ dizagem, professor e aluno.

Bibliografia APPLE, Michael. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1 989. I W

(Org.) . Os currículos do ensino fundamental

1 99 8 .

História e Geografia, ciências humanas e suas

;,·mologias: livro do professor (ensino fundamental e

I I IL'dio) . Brasília: MEC/Inep, 2002.

; REEN, Bill; BI G UN, Chris. Alienígenas na sala de . l t d a. In: SILVA, T. T. (Org . ) . Alienígenas na sala de ,111/a: uma introdução aos estudos culturai s em edu­ ' . H ;ão. Petrópo lis: Vozes, 1 995.
( OI AR: P�RFIL UE UMA DISCIPLINA

MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.) . Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1 994. POPKEWITZ, Thomas S. História do currículo, regu­ lação social e poder. In: SILVA, T. Tadeu da (Org.) . O sujeito da educação: estudos foucaltianos. Petrópolis: Vozes, 1 994.

2a

Parte

RIO DE JANEIRO (Estado) . Secretaria de Estado de Educação. Plano básico de estudos: anos iniciais da escola básica. Rio de Janeiro: COGP/Coeb, 1 994. ROCHA, Ubiratan. História, currículo e cotidiano es- ' colar. São Paulo: Cortez, 2002. SACRISTÁN, ]. Gimeno. O currículo: uma reflexão so­ bre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1 998. SILLER, ]avier Perez et al. Identidad en el imaginaria nacional: reescritura y ensenanza de la historia. Puebla (México) : Instituto de Ciencias Sociales y Humanida­ des; Braunschweig (Alemanha) : Institut Georg-Eckert,

1 997.

I L'

Métodos e conteúdos

escolares: u"'a relação .

necessarza ,

Capítu lo

I

CO NTE Ú DOS H I STÓRI COS: COMO SELECIO NAR?

Conteúdos históri cos: como selecionar? !\tua/mente, uma das maiores dificuldades dos professores de História é selecionar os conteúdos llistóricos apropriados para as diferentes situações rscolares. A autonomia do trabalho docente inclui, entre outros aspectos, a escolha dos conteúdos llistóricos para as diferen tes salas de aula. Trata-se de optar por manter os denominados conteúdos 1 radicionais ou selecionar conteúdos significativos - - -----------para um público escolar proveniente de diferentes condições sociais e culturais e de adequá-/os a situações de trabalho com métodos e recursos didáticos diversos.

Conteúdos significativos vinculatn-sc a um critério de seleção

baseado, d i reta ou i n d i retamenre, nos

problemas do aluno e da sua vida, em sua condi ção social e

cultural.

As atuais propostas curriculares, como foram apre­ -,cn tadas, não são idênticas umas às outras: têm certa se­ I J J c l hança em relação aos fundamentos pedagógicos, 1 ms

são diversas em conteúdos e nos critérios para

, ldlnir os prioritários. Há propostas que oferecem uma ·.clcção considerada de "conteúdo tradicional", basea­

'

h nos círculos concêntricos, que ordenam os estudos

< I < l mais próximo ao mais distante e se traduzem como

(1

estudo de História do B rasil para posteriormente

( ) rganizar os estudos da H istória Antiga à Contem­ i 1orânea. Outras propostas curriculares apresentam

t

o nteúdos organizados por eixos temáticos ou temas

!',nadores, conforme o demonstrado anteriormente, e n igem que se estabeleçam critérios de seleção mais

t

omplexos. 1\ /

l•'

I'AN 1 1

M I I OIIO., I I O N l l l / 1 10� l.,! OlAKE.,: UMA KllA�ÁO NH lS.,ÁNIA

A seleção de conteúdos escolares é um problema relevante que merece intensa reflexão , pois constitui a base do domínio do saber disciplinar dos professo­ res. A escolha de conteúdos apresenta-se como tarefa complexa, permeada de contradições tanto por parte dos elaboradores das propostas curriculares quanto pela atuação dos professores, desejosos de mudanças e ao mesmo tempo resistentes a esse processo. A opção da seleção pelos conteúdos significativos decorre de certo consenso sobre a impossibilidade de ensinar " toda a história da humanidade" e a necessidade de atender os interesses das novas gerações, além de estar atento às condições de ensino. Estas condições são múltiplas e interferem nos critérios de seleção dos conteúdos, sendo preciso considerar desde a precarie­ dade da rede pública escolar até o excesso de materiais didáticos e de informações disponíveis por intermédio dos diversos meios de comunicação, além de organizar os conteúdos dentro dos limites do " tempo pedagó­ gico" destinado à disciplina pela grade curricular.

CON I I l / 1 10., 1 11\ I (INI! O.,: C OMO \l i I C II INANf

l n t hlicações, e pode-se verificar a presença dessa produ­ c, .to t anto nas propostas curriculares quanto em obras c l it Lí ticas. Estabelecer relações entre produção historiográfica (' ensino de História é fundamental, mas exige um .tt

c

ompanhamento, mesmo que parcial, dessa produção,

h·orrendo dessa necessidade a formação contínua

dos professores, a qual, entre outras modalidades, de­ l't'

manter cursos de atualização a fim de atender a esses

< �l >jctivos. ' .1,

A crescente e diversificada produção historiográfi­ de materiais paradidáticos e manuais escolares, no

c J J tanto, não impede a permanência de questões que , u rgem no momento de planejar as aulas de História. ( Juais conteúdos devem ser mantidos e quais devem ser 1 1 1Uoduzidos ou abolidos? De que modo introduzir ou

ensinar a história contemporânea recente, como os

, o nflitos envolvendo os Estados Unidos no Oriente M édio ou os conflitos entre palestinos e j udeus?

Para além das condições do sistema escolar, um as­ pecto fundamental que preside a seleção dos conteúdos é o domínio da produção historiográflca e do processo

1 .

de reelaboração e apropriação desse conhecimento

C o n t eúdos escolares e te ndências h i s toriográ ficas

em uma situação escolar que, invariavelmente, tem

de estar relacionada aos objetivos pedagógicos e às espe­ cificidades das condições de aprendizagem.

A produção historiográfica tem aumentado conside­

Ponto básico para o estabelecimento de um critério para a seleção de conteúdos é a concepção de história. I )ela depende a produção dos historiadores, e o conhe­

ravelmente nos últimos anos, ampliando e renovando

l

temas. Existem também novas interpretações de anti­

os

gos temas, além da introdução de novos objetos de

minados princípios e conceitos. S ituar os referenciais

estudo sobre a história da mulher, da criança, das reli­

t eóricos no processo de seleção dos conteúdos esco­

giões e religiosidades, das relações homem-natureza,

lares não tem como objetivo a participação em debates

entre outros. A história do cotidiano, a história regio­ nal ou histórias locais têm sido apresentadas em várias

i mento histórico é produzido de maneira que torne acontecimentos inteligíveis de acordo com deter­

,Jcadêmicos, mas é uma necessidade para o trabalho docente que permanentemente se realiza na escola. lj C )

l• I'AH I I

CON l l tll lO.., III;.JúHI< O\: < OMO '>l l l l lllNI\H{

Mf i OI)O\ I ( ONHliUOS ESCOLARE�: liMA I!HAÇÃO NH'IS�ÁI!II\

Conhecer e acompanhar as p rincipais tendências

Essa tendência passou a ser denominada de histo­

da produção historiográfica não é apenas urna questão

riciJmo, cuja metodologia foi conhecida corno positivis­

de caráter teórico, mas trata-se também de urna neces­

'"·

sidade p rática, porque é com base em urna concepção

t tcutralidade no trabalho do historiador. Os seguidores

de história que podemos assegurar um critério para

I ÚKU O.,: < OMO "1 1 1 < ION t\ K {

I ( O N 1 1 l l l lO� [SCOLARES: UMA RELAÇÃO NECE�SÁRIA

b�

certo que as narrativas criam identidades, por­

q ue os personagens são apreendidos de forma mais

" h umana" , com sofrimentos, alegrias e dúvidas tais t o mo

ocorrem com todos os seres humanos. As expe­

riC·ncias passadas podem ser compartilhadas com quem v i ve no presente, despertam maior empatia com os htos e criam afinidades. Contar ou falar sobre o pas­ sado é uma forma de criar identidades, afirma o filósofo f'rancês Paul Ricoeur. Este autor nos indica as dife­ renças e as semelhanças entre a narrativa como ficção

c

a narrativa histórica. A narrativa histórica possui

i nteligibilidade por se caracterizar por uma operação que corresponde a uma totalidade orgânica, tempo­

ral, com um título no início, um meio, um fim, um

conjunto com tempo bem determinado dentro de uma ordenação linear. Os debates entre historiadores para evitar confu­ sões entre a história de caráter científico e a ficcional rêm sido uma das tônicas sobre o papel da narrativa na escrita da história. A história narra acontecimentos que necessitam ser explicados e situados em determi­ nadas p roblemáticas que levam a uma compreensão t emporal. Os traços da narrativa histórica distinguem-se pela i ntenção de aprofundar a realidade, pela busca documental e cuidado metodológico, pela extensão de seu projeto e de suas problemáticas (provenientes da história-problema) , que evidenciam personagens representativos de grupos sociais, e pelas temporali­ dades mais complexas. Existe uma responsabilidade da narrativa histórica que é diversa daquela de caráter ficcional e não pode ser abolida. E tal responsabilida­ de existe também no ensino. A utilização de uma história narrativa no ensino decorre de determinada concepção histórica e não ! li I

J·• I'A N I I

--- -- ---

-

Mf iOI IO' I < ON I I l J I JO' I '< OLIIR�': l JMII RHII(,:ÁO NH l,,IIRIII

pode se limitar a despertar interesse pelo passado nos

li t!;cola dos A n nales, inaugurada por M arc B loch

alunos. A narrativa histórica é ponto inicial, e a partir

,.

dela existe a possibilidade da compreensão dos acon­

p roblema para fornecer respostas às demandas surgidas

tecimentos por meio das ações dos sujeitos. Algumas

1 10

tempo presente. Esse grupo de historiadores in­

coleções didáticas p roduzem uma história ficcional

., , , rgiu-se contra a história política, centrada em ações

criada para despertar em j ovens alunos o interesse pelo

l ml ividuais e no poder bélico como motor da histó­

passado, construindo enredos com personagens prin­

' i . 1 . As produções dessa corrente giravam, sobretudo,

cipais e coadjuvantes, de maneira semelhante ao que

,·m

cas a essa forma de narrativa recaem sobre um enten­

rna

dimento de história ou sobre a permanência de um

1 1 1 dividuais em contextos mais amplos. Também surgi­

historicismo que pretensamente reconstitui o passado,

' . 1 m as temáticas econômicas sobre aspectos mais gerais

mas não confere formas de reflexão sobre os aconteci­

' l .t sociedade, destacando as formas de ocupação social

mentos nem fornece condições de interpretação deles.

'·m

Os acontecimentos são apresentados de forma mais

l nnand Braudel ocupou-se do Mar Mediterrâneo,

amena e emotiva, com personagens divididos entre

l ' icrre Chaunu e Frédéric Mauro do Oceano Atlântico. I l istoriadores franceses, na trilha de uma macro-histó­

é realizado nas tramas de novelas de televisão. As críti­

bons e maus, heróis, vítimas e carrascos, que se movi­

'
ociedades humanas. A análise marxista parte das estru­ l mas p resentes com a finalidade de orientar a práxis 'ocial, e tais estruturas conduzem à percepção de fatores l órmados no passado cuj o conhecimento é útil p ara a .ttuação na realidade hodierna. Existe assim uma vincu­ l ação epistemológica dialética entre presente e passado. Para o estudo das sociedades humanas, o marxismo u tiliza como conceitos fundamentais modo de produ­ \ ão, formação econômico-social e classes sociais. As

l' I'AN I I - Mf i OIJO!. l ela duração, podem-se compreender as mudanças, as t ransformações e as permanências . Não se trata de utili­ ;,ar a terminologia braudeliana e explicitar, por intermé­ dio de definições, o conceito de duração, mas de efetivar sua apreensão por uma série de atividades que devem ser distribuídas ao longo das diversas séries escolares. O historiador canadense André Segal oferece va­ riadas possibilidades para a compreensão dos ritmos l' dos níveis de duração explicitados por Braudel. Uma das atividades apresentadas para consolidar e ampliar o conceito de fato histórico, associando-o à categoria de duração, é o uso da linha do tempo . O aluno deve ser encarregado de recolher deter­ minados fatos históricos em livros, revistas e jornais e em seguida dispô-los em uma linha do tempo ou qua­ d ro sinótico. Ele "descobrirá" que os acontecimentos curtos - uma greve, um golpe de Estado - são EKilmente representados por pontos situados na linha do tempo. A dificuldade surge quando é solicitado a i ndicar na linha do tempo acontecimentos com maior duração e sem datas precisas, como a crise econômica de determinados países, a continuidade da guerra en­ tre judeus e palestinos, etc. Haverá necessidade de inte­ grar certos pontos nessas linhas ou interromper as pontuações em um lugar preciso. 'í1 utilização dos pro­ cessos grdficos': afirma Sega!, ((é muito importante: jogos

de cores, tons cinzentos, traços deforma e espessura varíd­ veis. . . Pode-se chegar assim a distinguir e construir vi­ sualmente as três ordens de fotos" (1 9 84, p. l 07) ou seja, os de curta, média e longa duração. -

No item 2 das "Sugestões de atividades" deste ca­ pítulo, há outra proposta desse autor sobre a apreensão da duração em uma situação de estudo de história do 21S

r 1•

PARTE

- ,\i�TODOS E CONTEÚDOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

________

' no passado e agora'; os seus conceitos geográficos e sociológicos devem-se desenvolver a partir do esque­ ma simples 'aqui e em outro lugar'. "

presente ou de realidades contemporâneas vividas pe­ los próprios alunos. ,-

Suges tões de a tividades

����!JIZAGE NS EM HISTÓRIA

----

.,:.�-·l,

VYGOTSKY, L. S . Pensamento e linguagem. Trad. J eferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1 989. p. 74 e 93.

"""

1) Análise e interpretação de textos Texto 1 : Formação de conceitos científicos

"Em primeiro lugar, com base na simples observa­ ção, sabemos que os conceitos se formam e se desen­ volvem sob condições internas e externas totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da experiência pessoal da criança. ( . . . ) A mente defronta-se com problemas diferentes quando assimila conceitos na escola e quan­ do é entregue aos seus próprios recursos. Quando trans­ mitimos à criança um conhecimento sistemático, ensinamos-lhes muitas coisas que ela não pode ver ou vivenciar diretamente. Uma vez que os conceitos cien­ tíficos e espontâneos diferem quanto à sua relação com a experiência da criança e quanto à atitude da criança para com os objetos, pode-se esperar que o seu desenvolvimento siga caminhos diferentes, desde o seu início até a sua forma final. ( . . . ) Embora os conceitos científicos e espontâ­ neos se desenvolvam em direções opostas, os dois . processos estão intimamente relacionados. É preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito científico correlato. Por exemplo, os conceitos históricos só podem começar a se desenvolver quando o conceito cotidiano que a · criança tem do passado estiver suficientemente dife- ·. renciado - quando a sua própria vida e a vida dos que . a cercam puder adaptar-se à generalização elementar

·

Baseando-se no texto de Vygotsky, explicite as diferenças básicas entre conceito científico e conceito espontâneo. Texto 2: Por um aprendizado conceitual

"A atividade conceitual é, portanto, o segundo plano da aprendizagem metodológica. Na prática, esta ativi­ dade está implícita e é inerente ao método. As pala­ vras circulam confusamente: papado, partido, país, plebe, polícia, política, classes dominantes, empresa, poder, imprensa, proletariado . . . Muitas vezes estas palavras são definidas. Elas não são entendidas em roda a sua profundidade e nem são percebidas como conceitos. É preciso, entretanto, que elas sejam in­ regradas nas categorias conceituais e articuladas umas às outras. É fácil articular a velha dupla romana 'patrí­ cios-plebeus'. Mas, qual a relação desta dupla com o proletariado? E quais as relações entre 'papado', 'cris­ tianismo', 'cristandade', 'igreja'? As noções dos alunos sobre a maior parte destes termos são muito confusas. ( . . . ) Enfim, é preciso explicitar que o conheci­ mento das palavras, mesmo quando corretamente defi­ nidas, não significa que haja um verdadeiro conheci­ mento conceitual. Paradoxalmente, a aprendizagem conceitual não pode ser teórica. Ela é necessariamen­ te a aprendizagem de uma prática. Sendo forçado a aplicar a palavra em realidades múltiplas, o aluno tem condições de adquirir a matriz do conjunto conceitual 217

:l• PA.R ff

-

M�TOIJOS E CONTEÚI:JOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRI A

até o momento em que passa a integrá-la espontanea­ mente em seu discurso." SEGAL, André. Pour une didactique de la durée (Por uma didática da duração). In: MONIOT, Henri (Org.) . Enseigner l'histoire. Berne: Peter Lang, 1 9 84. p. 9 5-96. a) Por que o historiador André Segal afirma que "paradoxalmente, a aprendizagem conceitual não pode ser teórica"? b) Explicite, por meio de exemplos semelhantes aos apresentados no texto, a diferença entre definir e conceituar. 2) Esquema de exercício sobre duração

a) Informações (recolhidas de um testemunho oral

ou de outra maneira)

"Aqui havia uma fábrica. Ela foi destruída por um incêndio e não foi mais reconstruída. Em seu lugar, a municipalidade construiu o jardim público que vocês pod em ver agora. "

b) Reflexão (discussão entre os alunos dirigida pelo

professor)

Fase 1 : o acontecimento - acidental - é a causa da criação do jardim, isto é, de uma modificação es­ trutural da paisagem e da vida social do bairro. Fase 2: Por que a fábrica não foi reconstruída ou, então, por que não foi construído algum outro prédio no seu lugar? (Resposta sob a forma de hipótese, ou melhor, usando outros testemunhos.) •

Não era mais economicamente rentável ter uma fábrica nesse lugar. (História da fábrica desde sua edifi21H

APRENDIZA.GEN5 EM HIITÓIIA

cação, evolução do mercado, dos meios de transpor­ te; acesso à longa duração.) •

A necessidade de um jardim apareceu. (História do bairro, distância progressiva de áreas verdes desde sua criação, mudança etária da população e conjun­ tura municipal favorável: proximidade de campanha eleitoral.) Nota: com o mesmo material, é possível desen­ volver outras aprendizagens: poder, relações de força entre público e privado (talvez um dos proprietários da fábrica pudesse ser vereador?). Fase 3: retorno ao acontecimento. Esse incêndio não é a causa da mudança estrutural. Qual é a função do acontecimento? A evolução estrutural levaria cedo ou tarde à supressão da fábrica. O valor do edifício (do ponto de vista da arquitetura) exercia um papel temporário de evitar seu desaparecimento. O aconte­ cimento acidental desencadeia a mudança estrutural, mas não é a sua causa. O acontecimento determina a data da mudança. A conjuntura política (política municipal) acelera, freia a mudança e pode interferir um pouco na estrutura (terreno vago, jardim privado, jardim público . . . ) .

c) Conclusão: Distinguimos os ritmos da duração (acontecimento: incêndio; conjuntura: eleições muni­ cipais?; movimento estrutural: mudanças no merca­ do . . . ), e sobretudo os níveis da duração. Primeiro nível: o acidente, que embora tenha marcado fortemente a memória das pessoas, não foi decisivo e não explica nada. Segundo nível: a conjuntura política local, em­ bora um pouco apagada da memória das pessoas, pesou sobre a evolução e contribuiu para sua explicação. Ter­ ceiro nível: a mudança lenta da estrutura econômica, 219

r

:.1• PARTE - M�TODISC'IPLINAIII

vínculos estreitos com as demais áreas das ciências

sol e embelezamento dos corpos, em meio a confron­

naturais e da antropologia, para a compreensão do

tos entre grupos sociais: as populações que viviam do

habitat natural.

mar, concebendo-o como lugar de trabalho e fonte de

por métodos e conceitos obtidos das áreas das ciên­

sobrevivência, e a burguesia consumidora dos praze­

cias naturais para tratar de temas como os usos com­

res das ondas e areias marinhas (Corbin, 1 989) .

parativos da terra, de animais e de plantas por grupos

Dentre os historiadores de língua inglesa, destaca­

i ndígenas e colonizadores europeus, as réplicas da socie­

se Keith Thomas, autor da elogiada e criticada obra

dade européia introduzidas no continente americano,

O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais. É um estudo referen­

l:specialmente animais e plantas domesticadas, ana­ l i sando as "vantagens biológicas" desses transplantes,

cial para pesquisadores de diversas áreas, notadamen­

nem sempre adequados para as regiões tropicais, e a

te botânicos e biólogos, ao estudar como plantas e

história ambiental do fogo, com os comportamentos

animais foram sendo submetidos aos desígnios dos

predatórios de seu uso.

homens. O período e o lugar escolhidos - a Ingla­

Dentre os norte-americanos, destacam-se os tra­

terra dos séculos XVI ao XVIII - constituem signi­ ficativa fonte para a compreensão da história moderna,

balhos de Donald Worster, que associa história social

permitindo identificar como a sociedade desse perío­

c

ambiental ao contexto político. Um dos temas ins­

rigantes que abordou foi o da irrigação de vastos se­

do foi selecionando os animais e as plantas para ser­ virem de alimento ou de objetos de adorno e fonte de

rores áridos do Oeste Americano (Califórnia, Arizona, Novo México, Nevada, Utah), indagando: "Como se

lazer. Nesse quadro, o autor busca esclarecer o nasci­ mento das ciências botânicas e das ligadas à zoologia,

·

associando o trabalho científico ao papel da funda­

'

mentação teológica do cristianismo, que j ustificava a

dominação do homem sobre a natureza e sua supe- ,

construiu em uma região árida e semi-árida dos Estados Unidos uma sociedade de abundância?" A resposta é fornecida pela análise dos usos da água, de como se tornou privatizada, das interferências políti­

rioridade sobre os demais seres vivos. Nesse processo,

cas e financeiras para a construção de sistemas de irri­

revela as contradições que se estabelecem, mesclando- · se nas pessoas desejos de proteção das espécies ao lado

enfim, de como técnica e politicamente a água foi

de outros que se limitavam a considerar a primazia dos humanos sobre elas, para concluir que

"havia um · conflito crescente entre as novas sensibilidades e os fUn­ damentos materiais da sociedade humana" (Thomas,

·.

gação, das formas de instalação de fontes de energia, manipulada por determinados setores e agentes, com altos custos sociais e ambientais. Os diversos temas da história ambiental na atua­ lidade têm aproximado o meio ambiente à história

1 988, p. 2 1 7).

cultural, às imagens construídas pelos homens sobre

toriadores norte-americanos. Percebe-se uma

individual e coletiva. Um dos trabalhos com esse tipo

Temáticas diversas caracterizam a produção dos hisJ

norte-americana em estudos sobre história regional de comunidade, os quais têm procurado

262

Nessa linha, vários autores optaram

a natureza e ao modo de esta se incorporar à memória de abordagem é Paisagem e memória, de Simon Shama, que apresenta os mitos e as representações sociais em

265

r :.!• PAim - MüODO!_��()NTEÚOOS �SCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

torno de três elementos centrais da natureza: mata, água e rocha. Por essa temática, o autor pretende desen­ volver uma reflexão otimista sobre as relações ecoló­ gicas atuais, demonstrando que, "ao longo dos séculos,

se formaram hdbitos culturais que nos levaram a estabe­ lecer com a natureza uma relação outra que não a de sim­ plesmente esgotd-la até a morte" (Shama, 1 996, p. 24). As temáticas desenvolvidas pelos historiadores brasi­ leiros são também variadas. Existe uma vertente vol­ tada para problemas de poluição nas cidades, sobretudo nas grandes metrópoles, a qual visa encaminhar pro­ postas e definições de políticas governamentais para a melhoria da qualidade de vida do cidadão urbano e a continuidade de debates sobre a destruição das matas, especialmente no caso da floresta amazônica. Os levantamentos sobre história ambiental no Brasil realizados por José Augusto Drumond e por Dora Shellard Corrêa indicam a inclusão de problemas ambientais em estudos de pesquisadores renomados nas décadas de 30 a 5 0 do século XX, especialmente nas obras Monções, Extremo Oeste e Visão do paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda, nas quais este inte­ lectual trata dos conflitos e diferenças entre os grupos nativos e os europeus quanto às formas de utilização da fauna, da flora e dos recursos naturais, situando a pro­ dução de novas paisagens por diversos grupos sociais partir da chegada dos portugueses. Esses estudos, no entanto, não são co.nstaeraiiÍsallistico, artístico, lr&JUrnlt�jlko, pakontológico, rwiÕjlko c dcnríflco".

·�·-·�·-·�·���

Em importante artigo sobre o tema, "Memória e

t i nha como público-alvo as crianças das séries iniciais e

ensino de História", Ricardo Oriá destaca as atuais

resultou no livro Fortaleza: a criança e a cidade. A preo­

iniciativas com relação ao patrimônio cultural e a am­

(U pação maior era os alunos conhecerem os marcos

pliação do seu conceito. A atual legislação ampliou o

h i stóricos fundamentais da cidade sem que passassem

conceito de patrimônio, entendendo que a preserva­

a valorizar apenas tais áreas consagradas pela memória

ção atinge bens culturais históricos, ecológicos, artís­

das elites. Apesar de haver incentivo ao conhecimen­

ticos e científicos.

t o sobre o patrimônio preservado, os alunos foram

--·-·--�-�-

0 conceito mais abrangente de patrimônio cultural

levados a conhecer outros espaços da "memória": as

abre perspectivas de adoção de políticas de preservação

memó rias dos demais habitantes da cidade, de outras

patrimonial. O compromisso do setor educacional

condições sociais e de outras épocas.

articula-se a uma educação patrimonial para as atuais

É importante ter como critério a escolha de lugares

e futuras gerações, centrada no pluralismo cultural.

d iversos. Ao limitar o estudo a espaços considerados

Educação que não visa apenas evocar fatos históricos

"monumentos históricos", tombados pelo patrimônio

"notáveis", de consagração de determinados valores de

histórico, pode-se conduzir os alunos a equívocos so­

setores sociais privilegiados, mas também concorrer

bre a p rópria concepção de história e sedimentar a

para a rememoração e preservação daquilo que tem

idéia de que a memória histórica deve ater-se apenas a

significado para as diversas comunidades locais, regio­

determinadas esferas de poder. Normalmente os monu­

nais e de caráter nacional. A preservação do patrimônio

mentos históricos são marcos de pessoas poderosas ou

histórico-cultural deve pautar-se pelo compromisso

do poder oficial e, portanto, esses poderiam ser vistos

de contribuir com a identidade cultural dos diversos

como os construtores exclusivos da memória histórica.

grupos que formam a sociedade nacional.

Jean-Noel Luc, historiador e pesquisador educacio­

O compromisso educacional orienta-se por obj eti­

nal francês, afirma que 'todo meio, rural ou urbano, estd

vos associados à pluralidade de nossas raízes e matrizes

situado no tempo. Possui uma história e esta história

étnicas e deve estar inserido no currículo real em todos

·

deixou suas marcas. Nas memórias e nos arquivos. Mas

os níveis de ensino. Várias atividades de campo têm .

também no seu entorno. Objetos e edifícios diversos são

mostrado essa preocupação e se constituído em práti­

testemu nhos de existências anteriores. São os laços de

cas iniciadas a partir do processo de alfabetização.

união entre o passado e o presente "

Um exemplo que engloba estudos tanto de áreas ,:

( 1 98 1 ,

p.

14).

O

entendimento de que "todo meio é histórico" repre­

tombadas pelo patrimônio como de outros lugares

senta, para os professores de História, noção funda­

pouco atraentes para o turismo encontra-se no refe·

mental e determinante na escolha dos espaços para a

rido artigo de Ricardo Oriá, que apresenta o projeto

realização de um estudo do meio.

r

PROCEDIME NTOS M!TOD_�L()_(;I(:�S EM PRÁTICAS IN!��DISCIPLINAIIII _

2' PARTE - MtT�DOS E C?NTEÚDOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

_

_

Para a realização de um estudo do meio, há que

O importante é saber explorar historicamente

tomar uma série de cuidados, porque seus obj etivos

qualquer "lugar", fazer um direcionamento do "olhar" do aluno, levando-o a entender o que são fontes

ricas não

l'nglobam três aspectos: o aprofundamento de conteú­

histó­

dos (conceitos e informações de cada uma das discipli­

escritas: as construções, os telhados das casas,

nas envolvidas), a socialização dos alunos e a sua forma­

o planejamento urbano, as plantações, os instrumentos

ção intelectual (observação, comparação, analogias) .

de trabalho, as informações obtidas pela memória oral

O método representa, para cada um desses aspec­

de pessoas comuns. fu marcas do passado são as fontes

ros, o fator de integração. Os conteúdos das disci­

históricas que se transformam em material de estudo.

plinas são variáveis e, como no exemplo que demos

É fundamental, então, identificar os documentos

das articulações entre Química, História e Geografia,

com que os alunos se defrontam no estudo do meio e

não têm de necessariamente sair do tradicional. A

quais outros documentos são possíveis de ser produ­

exigência maior reside no cuidado para com as três

zidos no decorrer da atividade (registro de entrevistas

l'tapas fundamentais que integram o estudo do meio:

e depoimentos, fotografias, desenhos ou ilustrações

preparação prévia, atividades de campo e retorno do

de aspectos que chamaram mais a atenção, j ornais e

trabalho na sala de aula. Esse método de investigação

cópias de documentos de arquivos locais . . . ) .

cria determinadas estratégias que devem ser seguidas c

2.3. METODOLOGIA D O ESTUDO D O MEIO

dos, os alunos e a comunidade escolar e familiar. Os procedimentos metodológicos são, portanto, tarefas co­

O estudo do meio é um método de investigação

muns que obedecem a determinadas etapas:

cujos procedimentos se devem ater a dois aspectos

1 . O reconhecimento do espaço social a ser estuda­

iniciais. O primeiro deles é que esse método é um

ponto de partida,

do, no qual são arroladas as fontes de estudo (arquivos,

não um fim em si mesmo. O segun­

pessoas entrevistadas ou depoentes, objetos materiais) ;

do é que sua aplicação resulta sempre de um projeto

de estudo

2. Estudo prévio do local por intermédio de biblio­

que integra o plano curricular da escola e

grafia e outras fontes de informação;

pode ser integral ou parcial. O

estudo integral abarca a descrição e explicação de

3. Definição da problemática a ser estudada;

todos os aspectos da área delimitada: "Parati, uma

cidade do século XVIII e do século XX"; "Cidades históricas mineiras. " O

estudo parcial abrange

somente

um aspecto da área delimitada e está associado a um tema mais específico: "O abastecimento de água na cidade de Salvador"; " Os transportes da cidade de . Florianópolis no século XIX"; "O pescador na região de Iguape." 280

realizadas em conjunto com os professores envolvi­

4. Organização do roteiro a ser seguido, com a iden­ ·

tificação de todas as atividades, seja de coleta de mate­ rial, de divisão de trabalho, de seleção de material e equipamentos a ser utilizados (máquinas fotográficas, filmadoras, etc.);

5 . Preparação do caderno de campo; 6. A execução do estudo do meio propriamente dito; 281

r 'l' PAR il - MtTOOOS E CONTEÚDOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EM PRÁTICAS INTERDISCIPUNAIII

7. O tratamento posterior dos dados coletados, com sistematização e avaliação das diversas atividades. O método orienta-se também para o atendimento da formação intelectual dos alunos. Um objetivo cen­ tral dessa prática é o desenvolvimento da

i n iciais, é preciso despertar a curiosidade a respeito do passado, inserindo-os em situação concreta para que

capacidade

de observação do educando. A observação como procedi­

possam mobilizar informações necessárias e começar a



observação simples: forma espontânea de observar,

Uma das averiguações da mencionada pesquisa foi a

se­

melhante ao trabalho dos jornalistas (observação­ reportagem) ; •

observação participante: de modo semelhante ao tra­ balho dos antropólogos, o observador participa do grupo, para acesso a dados não perceptíveis, convi­ vendo com as pessoas no cotidiano delas;



observação sistemática: feita com planejamento prévio, delimitação de obj etivos, levantamento de hipóte­ ses e construção de instrumentos de observação para que os dados possam ser registrados.

No caso específico de História, a observação do meio possibilita que os alunos, a partir das séries iniciais, · sej am introduzidos no método de investigação his­ tórica e desenvolvam o tão desejado "pensamento críti­ co". Numa pesquisa de Jean-Noel Luc com alunos de 6 a 1 1 anos de variadas escolas francesas, constatou­ se que o recurso aos estudos do meio pode efetiva­

mente transformar-se na iniciação ao método histórico quando o estudo é conduzido com critérios estabeleci­ dos com rigor. Um ponto fundamental é o cuidado · com a utilização das duas fontes essenciais para o ' estudo do meio: as fontes materiais, especialmente as construções, e a fonte oral. A aproximação histórica ao :. meio define um processo de observação que conduz a um modo de investigação do real. Nos alunos das séries

282

operativas. No caso do estudo do

não com conceitos ou abstrações.

mento de investigação em um estudo do meio é des­ tacada por Lídia Possi ( 1 993) :

formular perguntas

meio, o aluno defronta-se com problemas visíveis, e

de que os alunos daquela faixa etária, ao depararem­

se com construções mais antigas, não as reconhece­ ram imediatamente como tal. Eles deveriam observar edificações (pertencentes e não pertencentes ao patri­ mônio da cidade local) datadas do início do século

XIX até a segunda metade do século XX. A maioria das casas do século XIX estavam restauradas e em ótimo estado de conservação, ao passo que, em alguns casos, construções mais recentes encontravam-se um pouco deterioradas. Os alunos, ao serem solicitados a classificar as construções em ordem cronológica, con­ sideraram mais novas as que estavam mais bem conser­ vadas. A constatação dessa observação levou os profes­ sores a mudar o "olhar" dos alunos, apresentando, por meio de perguntas, novos elementos a ser destacados, para que pudessem identificar os diferentes estilos: portas, janelas, material de construção, telhado, etc. Essa atividade contribui para a constituição de um

pensamento cronológico lógico : '� consciência crono­ lógica é todo ao contrário da consciência simples (. ..). Representa um imtrumento privilegiado a serviço do espí­ rito crítico, assim como a apreciação das representações audiovisuais do passado': adverte-nos Luc ( 1 98 1 , p. 49) . O mesmo se verificou em entrevistas que alunos

de 8 a 1 O anos tiveram de realizar em um estudo do

meio. Além de eles confirmarem que se pode conhe­ cer o passado pelas fontes orais de pessoas comuns, o obj etivo era fazê-los entender a relatividade de tais

215

r

2• PARTE -

.\i!TODOS E CONTEÚDOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS EM PRÁTICAS INTEROISCIPLINAIIII

---

�--

fontes históricas e confrontar suas opimoes com

realidade de cada meio, próximo ou distante, não se

outros fatos obtidos de fontes escritas e visuais.

encontram nele mesmo, mas estão inseridas em con­

Uma pergunta inicial da pesquisa coordenada por Jean-Noel Luc sobre como se pode conhecer o passado (Como sabemos o que aconteceu na época de Napo­ leão B onaparte?) teve como resposta quase unânime dos alunos de 8 a 1 O anos que tal conhecimento ocorria por intermédio da memória oral (os avós que viviam na época de Napoleão contaram aos pais e assim por diante) . Essa constatação levou a cuidados com a preparação das entrevistas que os alunos fariam com moradores da cidade que estava sendo estudada. O objetivo era fazer com que as crianças percebessem que a história não é construída apenas pela memória coletiva, embora esta seja uma fonte importante de

textos mais amplos. A análise das observações e dos materiais coletados identifica problemas que serão par­ cialmente explicados com o auxílio de outras fontes e materiais bibliográficos. Assim, é a fundamentação metodológica que carac­ teriza a interdisciplinaridade do estudo do meio, e não exatamente os conteúdos idênticos para todas as disci­ plinas. Nesse sentido, o estudo do meio constitui um dos caminhos a ser trilhados a fim de aproximar pro­ fessores de disciplinas específicas, tendo em vista um trabalho coletivo e interdisciplinar e a vivência e com­ preensão de realidades também específicas, mas conti­ das e explicadas em uma realidade maior.

conhecimento sobre o passado. Os professores envol­ vidos no projeto tiveram, então, o cuidado de multipli­ car

o número de pessoas a serem entrevistadas, situação

que, invariavelmente, apresenta relatos diferentes, muitas vezes contraditórios, sobre determinados fatos. No posterior debate com a classe, ao serem consta­

1) Análise de textos Texto 1 : A história local: uma tentação prematura

tadas as deficiências dos relatos, o professor mostrou

"Nas séries iniciais do ensino fundamental, o

a necessidade da utilização de outras fontes (textos e

entorno é apenas meio pedagógico a serviço da for­

fo tografias) . Ficou evidente que, sempre que a situa­

mação intelectual do aluno. Em História, como em

ção o permitir, é preciso diversificar as fontes de infor­

outras matérias , a aproximação ao meio não constitui

mação sobre o passado. Dessa forma, o aluno poderá

um fim em si mesmo. Por ocasião de suas investi­

comparar as informações obtidas com as novas fontes

gações, os alunos podem redescobrir alguns aspectos

e submetê-las à crítica. Esse exercício proporciona a tomada de consciência do caráter, da percepção, das falhas ou lacunas dos testemunhos orais e da relati­ vidade dos textos escritos . O estudo do meio concebido como

um

ponto de

partida necessita de outros referenciais e informações recolhidos de uma realidade maior. As explicações da 284

Suges tões de a tividades . ..:ç��:

do passado de seu bairro ou da cidade. Mas suas descobertas são parciais, incompletas. A reconstrução de um memorial cronológico coerente é em geral impossível. A eliminação de épocas que não estão representadas no seu meio supõe uma série de j usta­ posições pouco favoráveis para a compreensão poste­ rior de uma cronologia geral da história da cidade ou

PRO('fi>IMfNTOS METODOLÓGICOS EM PRÁTICAS INTERJ>ISCII'LINAIII

2• PARTE - MtTODOS E CONTEÚDOS ESCOLARES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

seu cotidiano antes de partir para sua conquista numa

da comunidade local. O aproveitamento das possibi­ lidades históricas do meio não deve ser um pretexto

escala mais vasta, a da história e da geografia. "

para realização das tradicionais monografias da

Obra coletiva da Comissão de História e Geografia do lnstitut Coopératif de l 'École Moderne - Pédagogie Freinet, França.

história local . . . "

LUC, Jean-Noel.

de! medio.

La ensefíanza de la historia a través

p. 68.

Indique:

Discutir em grupo as posições do autor sobre as

a) a concepção de estudo do meio dos autores;

relações entre estudo do meio e:

b) o rompimento com estudos baseados nos círcu­

a) história local;

los concêntricos.

b) formação intelectual do aluno. Texto 2: Outra relação com o tempo e o espaço "Ao se pretender que o saber histórico ou geográ-

B i b l i ografia sob re h istória a mbiental

fico seja um instrumento a serviço do indivíduo na

A extinção do arco-íris:

afirmação de sua personalidade e de sua atuação no

ALMEIDA, Josimar Paes de.

mundo, é preciso reconciliar ação e conhecimento

ecologia e história. Campinas: Pap irus, 1 988.

num mesmo processo global: a história e a geografia devem ser ação, experimentação a partir do vivido de

___

.

Errante no campo da razão:

o inédito na his­

tória. Contribuição para um estudo de história e

cada um. Este contato vivo e espontâneo com o tempo e o espaço se faz em três níveis: a classe, o meio social,

ecologia: análise crítica da racionalidade na gestão de

o passado e os espaços mais distantes.

meio ambiente. Os ElA-RIMAs no Estado de São

Na realidade complexa e móvel da vida do grupo de alunos que constitui a classe, esses três níveis se . interpenetram, sobrepõem-se permanentemente e de maneira dialética, para se enriquecer mutuamente. Para cada aluno o acesso a esses três níveis não se faz cronologicamente na sua escolaridade, mas através de

Paulo. 1 993. Tese de doutorado - USP, São Paulo. ·

·

um movimento de 'vai e vem permanente' entre a ' situação que ele vive diariamente na classe e as pesquisas que ele empreende. (. . . ) As noções de tempo e espaço só têm sentido em relação ao aluno, ele mesmo, e ao grupo ao qual ele pertence: é necessá­ rio ter experimentado intimamente a importância que . representa seu domínio na organização consciente do

CORBIN, Alain.

a praia e o ima­

ginário ocidental. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cia. das Letras, 1 989. CORREA, Dora Shellard.

Paisagens sobrepostas:

índios,

posseiros e fazendeiros nas matas de Itapeva ( 1 723-

1 934) . 1 997. Tese de doutorado - USP, São Paulo. D EAN, Warren.

.

O território do vazio:

A luta pela borracha no Brasil:

um

estudo de história ecológica. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Nobel, 1 989.

28'1

1• PARTE - M�TOOOS E CONTEÚDOS ESCOLARES: UMA

PROCEDIMENTOS METODOlÓGICOS EM PRÁTICAS INTEIDIShre a produção de

m.neríais didáticos pelos

Nascimento de uma pedagogia popular;

alunos é

escrito por Élise Freiner, esposa do pedagogo francês Celestin F reinet, em que são relatadas várias práticas do

denominado método

Freinet (cf. Bibliografia no

fim do capítulo).

298

aprendizagem. Nessa perspectiva, a produção de mate­ riais didáticos pelo próprio aluno deve ser uma das meras do trabalho docente. 1.2 . MATERIAL DIDÁTICO: INSTRUMENTO DE CONTROLE CURRICULAR

Um aspecto fundamental a ser considerado em análises sobre materiais didáticos é seu papel de instrumento de controle do ensino por parte dos diversos agentes do poder. Michael Apple, no artigo "Controlando a forma do currículo", alerta para a relação entre produção e consumo de material didá­ tico e desqualificação do professor. O despreparo do professor, resultante de cursos sem qualificação adequa­ da, e as condições de trabalho nas escolas muitas vezes favorecem, segundo afirma o autor, uma cultura mer­ cantilizada que transforma cada vez mais a escola em um mercado lucrativo para a indústria cultural, com oferta de materiais que são verdadeiros "pacotes edu. . '' cac10na1s . A escolha de material didático é assim uma questão política e torna-se um ponto estratégico que envolve o comprometimento do professor e da comunidade esco­ lar perante a formação do aluno. O material didático, por ser instrumento de trabalho do professor, é igual­ mente instrumento de trabalho do aluno; nesse senti­ do, é importante refletir sobre os diferentes tipos de materiais disponíveis e sua relação com o método de ensino. Existem os que são confeccionados para privi­ legiar trabalhos individualizados dos alunos e favore­ cem a criação de técnicos competentes, os quais tam­ bém se podem transformar apenas em indivíduos possessivos e competitivos. Uma formação dos alunos voltada para a valorização do trabalho em equipe e .

liVROS E MAT�_!I�J\IS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA

para a necessidade constante da interação entre grupos, tendo em vista a realização de tarefas, exige opções por materiais didáticos adequados, que facilitem o alcance de tais objetivos. A escolha dos materiais depende, portanto, de nos­ sas concepções sobre o conhecimento, de como o aluno vai apreendê-lo e do tipo de formação que lhe estamos oferecendo. O método para a utilização dos diversos ma­ teriais didáticos decorre de tais concepções e não pode ser confundido com o simples domínio de determinadas técnicas para a obtenção de resultados satisfatórios. Essas problemáticas iniciais redimensionam o signi­ ficado dos materiais didáticos na configuração do saber escolar. Em torno de cada um deles há uma série de agentes que participam da sua elaboração e consumo. Na seqüência, apresentamos algumas possibilidades de uso dos materiais didáticos mais comuns no coti­ diano das aulas de História, iniciando pelo livro didá­ tico para tratar em seguida da utilização de documen­ tos de diferentes naturezas. 2 . Livro didático : u m

objeto c u l t u ra l complexo Os livros didáticos, os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da "tradição escolar" de pro­ fessores e alunos, fazem parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos. Trata-se de objeto cultural de difícil definição, mas, pela familiaridade de uso, é possível identificá-lo, diferenciando-o de outros livros. A produção dessa literatura didática tem sido objeto de preocupações especiais de autoridades governa­ mentais, e os livros escolares sempre foram avaliados

LIVROS E MATERIAIS DIDÁTICOS DE HISTÔIIA

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segundo critérios específicos ao longo da história da educação. Os livros de História, particularmente, têm sido vigiados tanto por órgãos nacionais como inter­ nacionais, sobretudo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A partir da segunda metade do século passa­ do, divulgavam-se estudos críticos sobre os conteúdos escolares, nos quais eram visíveis preconceitos, visões estereotipadas de grupos e populações. Como se tratava da fase do pós-guerra, procurava-se evitar, por intermé· dio de suportes educacionais, qualquer manifestação que favorecesse sentimentos de hostilidade entre os povos. Nessa perspectiva, a História foi uma das dis­ ciplinas mais visadas pelas autoridades. Essa vigilân­ cia é visível ainda na atualidade, como bem o demons· tra a imprensa periódica. Muito criticados, muitas vezes considerados os cul­ pados pelas mazelas do ensino de História, os livros didáticos são invariavelmente um tema polêmico. Diver· sas pesquisas têm revelado que são um instrumento a serviço da ideologia e da perpetuação de um "ensino tradicional". Entretanto, continuam sendo usados no trabalho diário das escolas em todo o País, caracteri· zando-se pela variedade de sua produção, e, ao serem ' analisados com maior profundidade e em uma pers­ pectiva histórica, demonstram ter sofrido mudanças em seus aspectos formais e ganho possibilidades de uso diferenciado por parte de professores e alunos. As críticas em relação aos livros didáticos a.v•vu·�.._.,,•. para muitas de suas deficiências de conteúdo, suas lacunas e erros conceituais ou informativos. No entan� : to, o problema de tais análises reside na concepção que seja possível existir um livro didático ideal, obra capaz de solucionar todos os problemas do sino, um substituto do trabalho do professor. O didático possui limites, vantagens e desvan

como os demais materiais dessa natureza e é nesse sentido que precisa ser avaliado. Para que o livro didático possa desempenhar um papel mais efetivo no processo educativo, como um dos instrumentos de trabalho de professores e alunos, torna-se necessário entendê-lo em todas as suas dimen­ sões e complexidade. 2. 1 . LIVRO DIDÁTICO: OBJETO DE DIFÍCIL DEFINIÇÃO ·

A familiaridade com o uso do livro didático faz que seja fácil identificá-lo e estabelecer distinções entre ele e os demais livros. Entretanto, trata-se de objeto cultu­ ral de difícil definição, por ser obra bastante complexa, que se caracteriza pela interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e consumo. Possui ou pode assumir funções diferentes, dependendo das con­ dições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. É um objeto de "múltiplas facetas", e para sua elaboração e uso existem muitas interferências. Como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista. Constitui também um suporte de conhecimentos escolares propostos pelos currículos educacionais. Essa característica faz que o Estado esteja sempre presente na existência do livro didático: interfere indireta­ mente na elaboração dos conteúdos escolares vei­ culados por ele e posteriormente estabelece critérios para avaliá-lo, seguindo, na maior parte das vezes, os pressupostos dos currículos escolares institucionais. Como os conteúdos propostos pelos currículos são

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3• PARTE - MATERIAIS DIDÁTICOS:

liVROS E MATERIAIS DII)ÁTIÁTICOS DE HISTÓRIA

PARTE - MATERIAIS DIDÁTICOS: CONCEPÇÕES E USOS

A renovação maior, entretanto, sobretudo para o ensino médio, ocorre com a criação da denominada "história integrada", que j unta conteúdos de História do Brasil, da América e Geral em aparente organização sincrônica de tempo. Como foi anteriormente assina­ lado, o risco dessa produção está em preterir os estudos sobre a história brasileira, priorizando temáticas da his­ tória geral segundo uma visão eurocêntrica e forne­ cendo explicações dos problemas brasileiros sob a "in­ fluência" exclusivamente externa. Inspirados em obras estrangeiras, francesas sobre­ tudo, que organizam os chamados "dossiês", nos quais é apresentada uma série de dados adicionais ao texto principal do capítulo, os manuais didáticos, de maneira geral, têm-se esmerado na inclusão de documentos. Estes são de natureza diversa, destacando-se excertos de notícias de jornais, de obras literárias, de obras de historiadores e letras de música, além de ilustrações, gráficos, mapas e dados estatísticos. As ilustrações, na maioria dos livros, continuam sendo apresentadas sem as devidas referências de origem (autoria, data, locais de produção e preservação) e, assim como os demais documentos inseridos no final dos capítulos, sem sugestões de análise que permitam uma atividade peda­ gógica adequada para um aproveitamento consistente desse material. Embora algumas das características gerais dos livros didáticos de História, quando comparados a momen­ tos anteriores, permaneçam, as renovações na forma de apresentação das informações e nas atividades didá­ ticas revelam mudanças na concepção de aluno e pro­ fessor. Existe a tendência de favorecer a liberdade do professor na realização de suas tarefas, na escolha dos textos e documentos a ser utilizados, na reconstrução

dos conteúdos apresentados. É comum encontrar su­ gestões de leituras de outros livros, de filmes e de con­ sultas na mídia eletrônica. Há também o incentivo a pesquisas complementares, indicando, de maneira im­ plícita, que o livro didático não é nem deve ser o único material a ser utilizado pelos alunos.

3 . Propostas para análise de l ivros didáticos Para uma análise dos livros didáticos de História, além da identificação dos valores e da ideologia de que é necessariamente portador, é preciso estar atento a outros três aspectos básicos que dele fazem parte: sua forma, o conteúdo histórico escolar e seu conteúdo

pedagógico. 3 . 1 . ANÁLISE DOS ASPECTOS FORMAIS

Como foi assinalado, o livro didático é um produto da indústria cultural, com uma materialidade carac­ terística e um processo de elaboração diferente de ou­ tros livros. Enquanto mercadoria, insere-se na lógica de vendagem e requer definições sobre preço e formas de consumo. Trata-se de livro cujo destinatário princi­ pal é o professor, sujeito que decide sobre sua compra e formas de utilização. O aluno, público-alvo explícito, caracteriza-se por ser seu consumidor compulsório. Sua confecção segue os princípios do sistema de avaliação, obedecendo às normas definidas pelo poder estatal, que assim interfere indiretamente na sua produção e é o principal comprador desse material. O livro, como mercadoria, obedece a critérios de vendagem, e por essa razão as editoras criam mecanis­ mos de sedução j unto aos professores. Oferecem-lhes

:J• f'ARTE - MATERIAIS DIDÁTICOS: CONCEPÇÕES E USOS

3.2. CONTEÚDOS HISTÓRICOS ESCOlARES

cursos, criam materiais anexos que acompanham as obras e esmeram-se em apresentar o livro como um

A importância do livro didático reside na explicita­

produto «novo", seguidor das últimas inovações peda­ gógicas ou das propostas curriculares mais atuais. Na

I

análise da forma pela qual o livro se apresenta, um elemento que sempre merece atenção é a capa. A

dos livros, o desafio de criar esses vínculos. O livro I

Essa condição de depositário de determinado co­ nhecimento histórico torna-o importante instrumento

ções sobre eles "estarem de acordo" com tal ou qual proposta curricular - nos tempos mais recentes, com os PCN. Tais afirmações da editora nem sempre se con­

do trabalho docente, mas ao mesmo tempo exige que o professor identifique esse conhecimento. Muitas vezes, a concepção de história do autor ou dos autores nem

firmam no interior da obra.

sempre se apresenta de modo explícito e coerente,

A qualidade do papel e das reproduções, a quantida­

havendo a tendência a certo ecletismo, apesar de as

de e disposição das ilustrações nas páginas fazem parte

afirmações registradas nas introduções do livro anun­

desse aspecto mercadológico do livro. k primeiras pá­

ciarem seu engajamento a determinada linha histo­

ginas possibilitam uma visão do processo de sua fabri­

riográflca. A análise da bibliografia, assim como da

cação, com a apresentação dos agentes que participa­

seleção de documentos ou excertos de determinadas

ram de sua confecção: editor, gráficos, ilustradores ou

tante para que se possa entender o conjunto de sujeitos que interferem na obra e como essa interferência in­ fluencia na leitura do texto, incluindo a furma pela qual a página apresenta as informações

boxes, uso de

obras historiográ ficas, contribui para a percepção da .·

.

tendência histórica predominante. A bibliografia indi­ ca também o nível de atualização do autor do livro, ao passo que a indicação de leituras complementares para professores e alunos é outro elemento importan­ te para verificação. Um problema considerado como dos mais graves

itálicos e/ou negrito para termos ou conceitos básicos

em relação ao livro didático é a forma pela qual apre­

- e as variadas ilustrações, coloridas ou não.

senta os conteúdos históricos. O conhecimento produ­

A análise da forma inclui uma visão da apresen­

zido por ele é categórico, característica perceptível pelo

tação gráfica do conjunto da obra e de como estão. divididos seus diferentes tópicos característicos,

possibilidade de ser contestado, como a firmam vários

quais podem facilitar ou dificultar o trabalho alunos: introdução

OU

glossários, bibliogra fia. 312

didático tem sido o principal responsável pela con­ cretização dos conteúdos históricos escolares.

ções sobre as vinculações com as propostas curricu­ lares. É comum encontrar na capa dos livros as indica­

texto ou copidesques, etc. Essa materialidade é impor-

tes das propostas curriculares e da produção historio­ grá fica. Autores e editoras têm sempre, na elaboração

análise da capa sempre fornece indícios interessantes, desde suas cores e ilustrações até o título e as informa­

pesquisadores de materiais iconográficos, revisores de

ção e sistematização de conteúdos históricos provenien­

apresentação da obra,

u ' 1\.lll'-\,;fl

discurso unitário e simplificado que reproduz, sem de seus críticos. Trata-se de textos que dificilmente são passíveis de contestação ou confronto, pois expres­ sam "uma verdade" de maneira bastante impositiva.

:t• PARTE - MATERIAIS DIDÁTICOS: CONCEPÇÕES E USOS

O livro didático procura universalizar leitores distin­ tos e estabelecer uma "cadeia de transferências" do conhecimento histórico sem divergências. Quem ela­ bora manuais escolares almeja sua eficiência como trans­ missor de determinado conhecimento e para isso re­ corre a uma linguagem que seja não só acessível a um público pouco heterogêneo e de fácil assimilação, mas, ao mesmo tempo, capaz de sintetizar muitas infor­ mações. A operação de produção e apresentação do conhecimento realizada pelo livro didático é assim foco de crítica, porque resulta em um texto impositi­ vo que impede uma reflexão de caráter contestatório. O livro didático caracteriza-se por textos que repro­ duzem as informações históricas, afirmam seus críticos, as quais por sua vez serão repetidas pelo professor e pelo aluno. Na elaboração do livro didático, cujos limites são evidentes, é preciso dar atenção aos conteúdos expres­ sos. A escrita de um texto didático requer cuidados, por se tratar de uma produção de adultos destinada a um público de outra faixa etária e outra geração. A terminologia empregada não pode ser complexa, mas requer precisão nas informações e nos conceitos. Da mesma forma, as explicações não podem ser extensas, devendo ser simples sem simplificar. O número de pági­ nas, a extensão das frases, a quantidade de conceitos a ser introduzidos ou reiterados merecem atenção e indi­ cam a complexidade desse tipo de produção textual. 3.3. CONTEÚDOS PEDAGÓGICOS

Os conteúdos dos livros didáticos têm outra carac- . terística que precisa ser analisada: a articulação entre · informação e aprendizagem. A análise do veiculado pelo livro didático é indissociável da a.u.cu"'�' 314

LIVROS f MATERIAIS I>IDÁTIUJS

dos conteúdos c tendências historiográficas de que é portador. Entretanto, devem-se levantar algumas ques­ tões sobre essa qualificação impositiva do texto, ao se ater às relações entre o conteúdo da disciplina e o con­ teúdo pedagógico. É importante perceber a concep­ ção de conhecimento expressa no livro; ou seja, além de sua capacidade de transmitir determinado acon­ tecimento histórico, é preciso identificar como esse conhecimento deve ser apreendido. O conjunto de atividades contidas em cada parte ou capítulo fornece as pistas para avaliar a qualidade do texto no que se refere às possibilidades de apreensão do conteúdo pelos estudantes. O conhecimento contido nos livros depende, ainda, da forma pela qual o professor o faz chegar aos alunos. O livro didático, como já foi ressaltado anterior­ mente, é um material importante e de grande aceita­ ção porque, além de fornecer, organizar e sistematizar os conteúdos explícitos, inclui métodos de aprendi­ zagem da disciplina. Não é apenas livro de conteúdos de História, de Geografia ou de Química, mas também um livro pedagógico, em que está contida uma con­ cepção de aprendizagem. A seleção de atividades apre­ sentadas e sua ordenação no decorrer do texto (ou do capítulo) não são aleatórias e requerem uma análise específica, para se perceber a coerência do autor em sua proposta de fornecer condições de uma aprendi­ zagem que não se limite a memorizações de determi­ nados acontecimentos ou fatos históricos, mas permita ao aluno o desenvolvimento de suas capacidades inte­ lectuais. Uma análise dos conteúdos pedagógicos ou do método de aprendizagem de um livro didático deve atentar para a averiguação das atividades mediante as

In

HISTÓRIA

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J• PARTE - M_ T�I'? AT_ ERIAI S ..��oA �! co �s� : ��;�_!. E� us��os� --

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quais os alunos terão oportunidade de fazer compa­ rações, identificar as semelhanças e diferenças entre os acontecimentos, estabelecer relações entre situações históricas ou entre a série de documentos expostos no final ou intercalados nos capítulos e indicar outras obras para leitura, fornecendo pistas para a realização de pesquisa em outras fontes de informação. É importante identificar se o autor da obra é o autor do conteúdo pedagógico, porque nem sempre se trata da mesma pessoa ou grupo de pessoas. Tem sido freqüente a divisão das tarefas. Enquanto o autor se ocup a da redação dos textos, outra equipe ou ajudante se encarrega da elaboração das atividades pe­ dagógicas. O resultado dessa divisão de trabalho é, por vezes, um descompasso entre o texto dos capítulos e as atividades propostas para sua compreensão e estu­ do. Por exemplo, pode-se ter um capítulo bem formu­ lado acerca de determinado tema, com atualização bibliográfica e conceitos corretamente apresentados e situados, mas seguido de exercícios baseados em ' testes de múltipla escolha, cuja única exigência é a memorização das informações. lt . Prát icas de lei t u ra de l ivros didáticos 4. 1 . PESQUISAS SOBRE USOS DO LIVRO DIDÁTICO

A utilização do livro didático pelos professores é " bastante diversa. Algumas das pesquisas sobre esse tema revelam que não existe um modelo definido e homo­ gêneo nas práticas de leitura, conforme pressupunham muitas das análises sobre a ideologia dos con escolares das obras didáticas. Segundo muitas das quisas, o poder da ideologia reside em uma 316

LIVROS

I

MATfRIAIS DIDATICOI DI HIITÓRIA

sem mediações e toda ideologia é integralmente incor­ porada por alunos e professores. Embora não se possa negar e omitir o papel dos valores e da ideologia nas obras didáticas, as conclusões de muitas das atuais pesquisas sobre as práticas de leitura desse material têm apontado para a importância das representações sociais na apreensão do seu conteúdo e método. A recepção feita pelos usuários é variada, até porque o público escolar não é constituído por um grupo social homogêneo. Quando se trabalha com a memória de antigos alu­ nos sobre seus livros didáticos, por exemplo, pode-se notar como a mesma obra é diferentemente apreendi­ da, dependendo do lugar em que o uso desse material ocorreu e do método de leitura indicado pelo pro­ fessor, entre outros aspectos. O livro didático pode ser o único material a que professores e alunos recorrem no cotidiano escolar ou pode ser apenas uma obra de consulta eventual. Mas é importante destacar que a distinção essencial entre essa prática de leitura e as outras reside na interfe­ rência constante do professor e sua mediação entre o aluno e o livro didático. O professor escolhe-o , selecio­ na os capítulos ou partes do capítulo que devem ser lidos e dá orientações aos alunos sobre como devem ser lidos. Uma pesquisa que recupera o uso do livro didático a partir do fim do século XIX demonstra que ele, diferentemente de outros textos impressos, tem, desde seu processo inicial de confecção, o pressuposto de uma leitura que necessita da intermediação do pro­ fessor. Dessa forma, as práticas de leitura do livro didático fazem parte de um processo específico e con­ traditório de aprendizagem. Esse material oferece con­ dições para o aluno ter maior domínio sobre a leitura

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liVROS I MATf.RIAIS UIUÁTICOS 1lf H15fÓRIA

e a escrita e ampliar seu conhecimento sobre vários assuntos e temas, mas, paradoxalmente, limita esse domínio, ao direcionar a leitura para determinadas formas de ler e utilizar as informações apreendidas. Essa tensão constante explica as relações também contraditórias que o público escolar estabelece com o livro didático. Embora seja considerado pelos alunos como um símbolo poderoso da cultura escolar e um objeto significativo, nem sempre as práticas de leitura e de estudo desse material são consideradas prazerosas. O aluno estuda no livro didático para as avaliações, para cumprir determinada tarefa que o professor orde­ nou, para fazer uma pesquisa escolar, mas dificilmen­ te recorre a ele para uma leitura livre, para adquirir espontaneamente conhecimentos. A pesquisa O uso do livro diddtico no ensino de

História: depoimentos de professores das escolas estaduais do ensino fUndamental situadas em São Paulo, de Lucia­ na Telles Araújo, mostra que dificilmente as obras didáticas são usadas integralmente, mas servem como introdução ou complementação das aulas expositivas ou explicações orais dos professores. Um número consi­ derável de docentes prefere usar apenas os exercícios e atividades propostas pelas obras. Particularmente as ilustrações, afirma a pesquisadora, têm sido explora­ das com maior cuidado pelos professores, levando 'os

alunos a refletirem sobre as imagens que lhes são postas diante dos olhos" e criando 'oportunidades, em todas as circunstâncias, sem esperar a socialização de suportes tecnológicos mais sofisticados" (Araújo, 200 1 , p. 73).

Foi constatado pela referida pesquisa que o uso do livro didático na preparação das aulas e no planejamen­ to escolar é bastante comum. O grau de dependência dos professores em relação ao material está associado à sua formação e às condições de trabalho, sobretudo à quantidade de escolas e horas de aula semanais. Jl8

M uitos dos docentes entrevistados afirmam que o l ivro didático é um ponto de apoio para a organiza­ ção das aulas, servindo como esqueleto e como " meio de recordar" assuntos pouco estudados nos cursos de l icenciatura. O artigo "Livros didáticos entre textos e imagens" (Bittencourt, 1 997) visa oferecer aos professores algu­ mas possibilidades de uso da iconografia contida nos l ivros didáticos de História. Ao acompanhar as ilustra­ ções de obras didáticas da disciplina em diferentes épocas, foi possível constatar que existe uma série de repetições das n: esmas imagens, sobretudo de qua­ dros históricos. E interessante acompanhar a transfOr­ mação de uma mesma imagem reproduzida em obras didáticas, tanto da H istória do Brasil como de Histó­ ria Geral, feitas em diferentes épocas. Essa é uma forma significativa de usar o livro didático, propor­ cionando aos alunos uma oportunidade de entender a própria construção do material. 4.2. LIVRO DIDÁTICO: MATERIAL DE PESQUISA ESCOLAR

Os livros didáticos têm sido considerados material importante no cotidiano escolar, mas o destaque é sempre dado ao seu caráter de ferramenta auxiliar, sem j amais serem ressaltados como instrumento de trabalho exclusivo e único de professores e alunos. O Guia do livro diddtico, organizado pelo MEC para auxiliar o professor na seleção e escolha dos li­ vros a ser adotados, refere-se sempre a esse material como subsídio, suporte ou instrumento de apoio às aulas, em situação semelhante à de outros países. Os livros didáticos merecem assim ser considerados e utilizados de acordo com suas reais possibilidades pedagógicas e cada vez mais aparecem como um referencial, e não como texto exclusivo, depositário do único conhe­ cimento escolar posto à disposição para os alunos.

3• PARTE - MATERIAIS DI01.TICOS:

LIVROS

E USOS

Essa tendência e perspectiva do uso do livro didáti· co devem atentar a uma questão ligada a certa tradição que permeia o cotidiano escolar. Existe um costume bastante generalizado entre os professores de fazer os alunos usarem o livro seguindo determinado padrão. O professor, ao dar início a uma aula, em geral pede que os alunos "abram o livro em tal página" ou i ndica a atividade da "página tal" a ser feita. Dificilmente o manual escolar é apresentado ao aluno da mesma forma que os demais livros, por exemplo os livros de ficção. Os alunos referem-se ao livro didático que estão usando (ou já usaram) como "o de capa azul" ou " o de capa amarela" , sem nenhuma referência ao autor ou ao título. Uma proposta para um uso diferenciado do livro didático deve, então, começar pelo princípio básico de leitura de uma obra. É importante fazer uma apre­

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MATERIAIS 1>11>4TICO!i I)( HtSTÓIIIA

descartável, de uso imediato apenas. E a dimensão dessa produção como instrumento de pesquisa para os alunos pode levar a mudanças em sua elaboração por parte de autores e editores.

Capa da 2• edição

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Su gestão d e a t ividade

/-�molição do Morro do Castelo (sítio de lundaçáo da cidade) pelo prefeito Pereira Passos em 1 922.

Cristo Redentor e Pão de Açúcar. Cartão­ postal da cidade do Rio de Janeiro, foto de

2005.

Cf. o artigo de M . Luiza Tucci Carneiro "Revolução de 30: um estudo através da imagem", nos Anais do I Encontro Perspectivas do Ensino de História

2.4. CINEMA E AUDIOVISUAIS

Para alunos do ensino médio, uma proposta mais complexa é analisar fotos associadas a textos escritos. Uma forma interessante de realizar esse trabalho sem grandes dificuldades de preparação de material é fazer um levantamento das fotos sobre algum tema do perío­ do republicano brasileiro reproduzidas em livros didá­ ticos. Por intermédio desse levantamento, dois tópicos podem ser destacados: o uso das fotos jornalísticas e o fato de fotos iguais (por exemplo, as dos presidentes da 370

(cf. Bibliografia).

Introduzir as imagens cinematográficas como mate­ rial didático no ensino de História não é novidade. Jonathas Serrano, professor do Colégio Pedro II e conhe­ cido autor de livros didáticos, procurava desde 1 9 1 2 incentivar seus colegas a recorrer a filmes de ficção ou documentários para facilitar o aprendizado da disci­ plina. Segundo esse educador, os professores teriam condições, pelos filmes, de abandonar o tradicional método de memorização, mediante o qual os alunos se limitavam a decorar páginas de insuportável seqüên­ cia de eventos. "Graças ao cinematóg;rafo, as ressurreições históricas não são mais uma utopia': escreveu Serrano, acrescentando que, por intermédio desse recurso visual, 371

DOCUMENTOS N.\o ESCRITOS NA SAI A DI AULA

.!� ��!T!_-=-MATERIA!! I:)!DÁTICOS: CONCEPÇ0ES E USOS

SERRANO, ). Epitome dt História Universal. Rio de J aneiro: Francisco Alves, 1 9 1 2 (grifos d o autor).

os alunos poderiam aprender ''pelos olhos e não enfado­

nhamente só pelos ouvidos, em massudas, monótonas r indigestas preleções". Decorridos vários anos de aperfeiçoamento de téc­ nicas audiovisuais, os filmes penetraram no cotidiano dos alunos pela televisão e pelo vídeo, constatando-se verdadeira invasão de imagens, enorme aprendizagem "pelos olhos", cujo alcance pedagógico, entretanto, (:

difícil de ser avaliado. A televisão, por exemplo, foi

É interessante destacar que, se as imagens cinema­ tográficas demoraram a penetrar na escola e ainda o fazem de maneira ilustrativa, elas foram praticamente ignoradas por longo tempo pelos historiadores, ocu­ pados em análises de documentos "mais nobres" os textos escritos. O desprezo de muitos historiadores para com o cinema fez que este, conseqüentemente, não fosse tópico tratado nos cursos de graduação e de

empecilho ao aprendizado ou concorrente incômodo

formação docente e favoreceu, nas aulas de História,

e difícil de ser vencido no processo de educação

uma prática de utilização desse recurso desvinculada

escolar. Apenas recentemente a escola tem iniciado

de fundamentos metodológicos.

tos de comunicação. Passar filmes para alunos nas escolas ou mandá-los assistir, em casa, a determinado programa televisivo tem-se tornado prática bastante usual. Mas cabe indagar que trabalho os professores têm efetivamente realizado com a linguagem cine­ matográfica: usam-na como ilustração de um tema )

E NA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA

por muito tempo considerada por vários educadores

uma aproximação mais realista com esses instrumen­

(

2.5. 0 CINEMA NO ENSINO

de aula? Trabalham com os alunos como se os filmes fossem " ressurreições históricas", ou são apenas con­ siderados e, portanto, analisados como veículos da ideologia dominante? Se hoje podemos mais facilmente utilizar tais recur­ sos nas escolas, mesmo que de maneira muitas vezes

Os trabalhos de historiadores sobre a iconografia cinematográfica começaram em torno dos anos 60 e

70 do século passado, acompanhando os debates que, entre outros problemas, destacavam a importância da diversificação das fontes a ser utilizadas na pesquisa histórica, especialmente da história contemporânea. Entre os franceses, Marc Ferro e Pierre Sorlin foram

os primeiros pesquisadores a dedicar-se às investigações

sobre cinema e história. Ambos se detiveram, sobre­ tudo, na natureza da imagem cinematográfica, reco­ nhecendo a complexidade do objeto que buscavam analisar, e introduziram métodos para uma efetiva críti­ ca de fontes audiovisuais. As análises que realizaram sobre filmes soviéticos e do período nazista (Ferro) e

precária, a questão que se torna mais premente é a refle­

do neo-realismo italiano (Sorlin) evidenciaram que a

xão sobre as formas pelas quais p rofessores e alunos se

imagem não ilustra nem reproduz a realidade, como

têm apropriado desse instrumento de comunicação

acreditava Serrano em seu livro didático, mas recons­

como material didático. Que métodos de leitura têm

trói a realidade com base em uma linguagem própria,

sido empregados na análise dessa p rodução feita para um público diverso e transformada em material de aprendizagem?

produzida em determinado contexto histórico. O método de análise de Ferro baseia-se em uma lei­ tura em que se integra

o que éfilme - planos,

temas .i7.\

DocUMENTOS NAO E5flltT05 NA JALA DI AUtA

- ao que não é filme

-

autor, produção, público,

crítica, regime político. Para S orlin, é preciso que o historiador vá além da análise conjuntural proposta por Ferro e se aproprie das análises dos semiólogos, espe­ cialmente Roland Barthes, identificando com maior precisão os signos construídos pelas técnicas do cine­ ma e b uscando especificar os mecanismos internos da própria expressão cinematográfica. Sorlin leva em conta o conjunto de elementos de um filme, incluindo sons, vozes, cantos, palavras, música instrumental, ruídos, etc., destacando as diferenças entre a fotografia e o filme que encadeia várias fotografias. Por esse método, deve-se considerar a equipe de produção, e não meramente a intenção do diretor do filme, o qual dessa forma se asso­ cia a uma história das técnicas de comunicação; assim, a leitura do filme deve-se ater a cada elemento constitutivo da arte cinematográfica, às técnicas de sua produção, aos grupos sociais que interagem em sua elaboração, à política cultural, à sociedade que a produz e a consome, atentando para todas as variá­ veis sociais, culturais e ideológicas. Para esse pesqui­ sador, afirma a historiadora M ônica Kornis, o plme possui um texto visual- que merece, como o texto escrito, uma análise interna - e, como artefato cultural possui sua própria história, (Kornis, 1 992, p. 246), exigindo uma leitura externa como qualquer outro documento, por estar inserido em um contexto social. Nos anos 80, os filmes passaram a ser utilizados com maior freqüência como fonte para a história con­ temporânea, especialmente pela iniciativa de historia­ dores norte-americanos que, entre outras propostas, se empenharam na investigação sobre a história do

374

econômicas, sociais, contemporânea às problemáticas culturais, tecnológicas e estéticas. de vários estudos Atualmente , com a contribuição lingilist , s ciólo­ interdisciplinares de antropólogos, , os htstonadores gos e demais teóricos da comunicação a mais abrangen e podem dispor de uma metodologi como documenta­ para analisar tanto filmes de ficção geral, os estudiosos rios ou filmes científicos. De forma damentais para a da área consideram três aspectos fun análise de film es:

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o roteiro, a) os elementos que compõem o conteúdo, com direção, fotografia, música e atuação d: a �ores: mdo a cenb) 0 contexto social e político de produçao, mclu sura e a própria indústria do cinema; encta, c�n­ c) a recepção do filme e a recepção da audt , co do publ � siderando a influência da crítica e a reação çoes cupa preo de erso univ e e segundo idade, sexo, class •A



(Kor nis, 1 992 , p. 248) .

2.6. PROPOSTAS PEDAGÓGICAS PARA O USO DE FILMES

Com base na proposta metodológica dos especia­ listas da área, podemos repensar um método de ensi­ no adequado sobre o uso de filmes na escola. Fica evidente que não existe um modelo simplificado para introduzir os alunos na análise crítica da imagem cine­ matográfica, mas pode-se destacar a impossibilidade de deter-se apenas na análise do conteúdo do filme.

É preciso ir além. Inicialmente é preciso muito cuidado na escolha.

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0 primeiro passo é o professor con ecer as preferên­

cinema dos Estados Unidos e sobre sua portentosa

. deles como cias dos alunos e identificar a expertencta

indústria cinematográfica. Tais investigações têm

espectadores. Ao adotar, por exemplo,

contribuído para a integração da história de uma arte

Danton,

0

processo da Revolução,

um

fil

�e como

. de AndrzeJ WaJda, 375

3• PARTE - MATERIAIS DIDÁTICOS: CONCEPÇÕES E USOS

DOCUMENTOS

para tratar do tema da Revolução Francesa com al u­ nos que apreciam os filmes policiais violentos e agitados da tevê, esse recurso didático pode-se revelar uma esco­ lha desastrosa. É preciso preparar os alunos para

a

leitura crítica de filmes, começando por uma reflexão sobre os próprios a que eles assistem. Como escolhem um filme para assistir ou quais os atraem? Preferem filmes que atinjam os sentidos e as emoções, para que não seja preciso nenhum trabalho intelectual? O que valorizam no filme: interpretação dos atores ou con­ teúdo? Esse conhecimento inicial é importante, para se introduzirem perguntas que levem os alunos a duvidar daquilo a que efetivamente estão assistindo

c

refletir sobre como captam as informações das imagens cinematográficas: em que consiste ser um espectador passivo? Por que não gostam de determinados filmes? Após lançar algumas dúvidas sobre o que os alunos "vêem" no filme, cuja familiaridade impede que façam, muitas vezes, qualquer indagação sobre as imagens observadas, é importante levantar questões sobre o \

I

objeto a ser analisado, tais como: o que é um filme? Como é feito ou produzido? Quem trabalha nele, apenas os atores? Quanto custa fazer um filme? Por que a maioria dos que vemos no Brasil são norte­ americanos? Só depois de lançar questões e discutir alguns aspectos que indicam a complexidade de um filme é que se podem introduzir " outros" filmes na sala de aula, abordando a temática desejável. A análise pode seguir os procedimentos metodoló­ gicos propostos pelos especialistas, levando em conta a leitura interna do filme

conteúdo, personagens,

acontecimentos principais, cenário, lugares, tempo em que decorre a história narrada, etc. - assim como a 376

NAO E!I

"História e ensino: o tema do sistema {_k fábrica visto atr.1vl- tk filmes'· (cf 1\ihlioguli.• ...

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1 997, .i77

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DOCUMENTOS NÃO f§(RITOS NA lAI A DI AUlA

3 . M ú s ica e H is tória A música tem-se tornado objeto de pesquisa dt· historiadores muito recentemente e sido utilizada como material didático com certa freqüência nas aulas d e História. Entre os " tipos" d e música que atraem tan to pesquisadores brasileiros como professores, a "música popular" sobressai. Segundo Marcos N apolitano, historiador especia­ lizado nessa área, a música popular emergiu do sis­ tema musical ocidental tal como foi consagrado pela burguesia no início do século XIX, e a dicotomia "popular" e "erudito" nasceu mais em função das próprias tensões sociais e lutas culturais da sociedadl' burguesa do que por um desenvolvimento "natural" do gosto coletivo, em torno de formas musicais fixas. Com base nessa caracterização, explica-se a predi­ leção do público pela música popular, e é ela, sem dúvida, que tem mais condições de tornar-se impor­ tante fonte de informações históricas, de ser investi­ gada no sentido de contribuir para maior compreensão da produção cultural da nossa sociedade.

têm sido, segundo vários dos relatos, abordados por intermédio de músicas, como no caso de sambas na fase de Getúlio Vargas e da MPB no período militar. Este último período foi freqüentemente estudado com o apoio de músicas engajadas ou músicas de protesto. Há relatos que mostram a contraposição entre músicas "alienadas" ou de caráter patriótico, que exaltavam a grandeza do País, e aquelas produzidas pelo grupo engajado da M P B , como Chico Buarque e Milton Nascimento, autores exemplares de canções origina­ das num contexto de repressão política, incluindo pri­ sões e exílios. Além dessa temática política, os relatos mostram a utilização da música para introduzir temas relacionados à vida dos trabalhadores ou a aspectos da vida cotidiana que expressam discriminações étnicas e de gêner� . . A música popular tem sido a preferida dos profes-

sores pela sua característica indubitável de ser 'a

intér­ prete de dilemas nacionais e veículo de utopias sociais; canta o fotebol, o amor, a dor, um cantinho e o violão" (Napolitano, 2002, p. 7).

Um gênero exemplar dessa preferência é o 3. 1 . MúSICA E ENSINO DE HISTÓRIA

Nas aulas de História, músicas têm sido utilizadas com freqüência como recurso didático, assim como em aulas de Geografia e Língua Portuguesa, além de Edu­ cação Artística. Algumas publicações e relatórios de estagiários sobre práticas de ensino de professores da rede pública de S ão Paulo e outros locais apresentam experiências variadas e criativas com o uso da música como recurso significativo nas aulas de História. Dentre os gêneros musicais mais utilizados, destaca­ se a música popular, em suas variantes de samba, forró 378

!

e música sertaneja. Os regimes políticos ditatoriais

rap,

que

tem servido como referência para a produção de composições por parte dos próprios alunos das escolas, sobretudo das periferias dos grandes centros urbanos, conforme indicam relatos mais recentes dos estagiários. O uso da música é importante por situar os j ovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivência, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da nova geração. Apesar de todas essas vantagens, o uso da música gera algumas questões. S e existe certa facilidade em usar a música para despertar interesse, o problema q ue se apresenta é

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Marimba. O passeio de domingo à tarde de Jean-Bap tiste

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de aluno de 6• série da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, 1 998.

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Jean-Bap tiste Debret ( 1 768-1 848), gravura de 1 826.

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XIX.

Circe Maria Fernandes Bi ttencourt nasçeu em Ri­ beirão Preto no dia 1 5 de agosto de 1 945. Mudou ainda criança para São Paulo, onde .estudou desde o primário até o curso clássico no Colégio São Jesé. Fez seus estudos superiores no Departamento de História da então Faculdade de Filosofia, Ciêpcias

e

Letras da

USP, onde se formou em 1 967. Foi professora de História na rede pl\blica e privada durante 1 8 anos. Fez estudos de pós-graduação no mesmo depàrtantento, tornando-se mestre c' dQutora em História Social em

1988

e

1 993. Trabalhou como professora de Prática de

Ensino de História na Faculdade de Educação da USP de 1985 a 1 999. Tem participado de cur�� de for­ mação qe professores da rede públia e tem-se dedicado também à formação de professores indígenas. No campo de pesquisa

c

ensino, atua como professo(a ,de

pós-graduação na Faéuldade de Educação da USP, �om cursos de História dos Currículos e História das Disciplinas, Escolares. Preocupada com a preservação d� documentação da história da ed4cação escolar; faz parte da coordenação do Centro ·de Memória da Edu­ cação da FE/USP. DeseQvolve pesquisas, orienta dissertações e teses e tem produzido publicações sobre ensino

e

aprendizagem de História

do livro didático brasileiro. 408

e

sobre a história