Dante Alighieri: o poeta do absoluto
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o poeta do absoluto

Hilário 1

~ranco Jr. .tE Ateliê Editorial

Vidas e Idéias 2

DANTE A

L

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o poeta Hilário

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do absoluto Franco Júnior

Ateliê Editorial

I

Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora. Copyright © 2000 Hílário Franco Júnior

Sumário ISBN: 85-7480-009-0

Abreviaturas Editor Plínio Marrins Filho Produtor Editorial Ricardo Assis Direitos reservados à ATELI~EDITORIAL Rua Manuel Pereira Leite, 15 06700-000 - Granja Viana - Coria - São Paulo Telefax: (0-11) 7922-9666 www.atelie.com.br 2000 Printed in Brazil Foi feito o depósito legal

9

Apresentação

11

I

O Florentino

15

2

O Exilado

35

3

O Enciclopédico

51

4

O Esotérico

77

5

O Amante

91

6

O Místico

105

Conclusão

121

Cronologia sumária

123

Indicações de leitura

127

7

Abreviaturas

Conv ~j)

lnf Mon Pard Purg R

Convivio ~j)istolae

VE

Inferno Monarchia Paradiso Purgatorio Rime De Vulgari Eloquentia

VN

Vita Nuova

9

Apresentação

Afinal, quem foi verdadeiramente menosprezado

esse poeta

pelos seus concidadãos,

pelos contemporâneos

respeitado

do resto da Itália, exaltado

pela posteridade? Apesar de toda a importância

li-

terária que quase nunca lhe foi negada, sabe-se pouco sobre a vida de Dante Alighieri. As referências da época são fragmentárias informações

e esparsas, e

mais amplas e ricas são posteriores à

sua morte e talvez por isso já algo idealizadas. Esse é o caso do primeiro retrato físico e moral do Poeta, feito por seu admirador 11

Boccaccio:

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

De estatura mediana, logo que chegou à idade madura passou a caminhar um pouco encurvado, o seu andar era grave e pausado, vestindo sempre roupas sóbrias, como convinha à sua idade. Seu rosto era largo, o nariz aquilino, os olhos grandes, a pele morena, o cabelo e a barba negros e crespos, e a feição sempre melancólica e pensativa. Nos costumes familiares e públicos foi admiravelmente organizado, e sempre mais cortês que qualquer outro. Ninguém foi mais constante que ele nos estudos e em qualquer coisa que despertava seu interesse. Raras vezes falava sem ser interrogado, e nessas vezes fazia-o reflexivamente, com voz apropriada ao tema sobre o qual discorria. Contudo, quando necessário, era bastante eloqüente, com ótima dicção. Agradava-lhe permanecer solitário e afastado das pessoas a fim de que suas meditações não fossem interrompidas.

ALIGHIERI

XIII para o XIV, Dante reuniu em si a intensa atividade intelectual do primeiro e as grandes angústias e conflitos que caracterizariam sintetizou

o segundo. Ele

o espírito de um século e antecipou

o

de outro. É claro que muitas outras mentes privilegiadas e muitas outras almas apaixonadas veram naquele momento. porâneo

Mas nenhum

contem-

seu - e na verdade poucos homens

História - combinou

vina

de forma tão perfeita con-

teúdos tão difíceis de serem harmonizados.

Disso

decorre o encanto que ainda hoje Dante provoca. Exatamente

por isso não nos importa

biografia propriamente

tanto a

dita, mas sim a compreen-

são da obra de Dante. Obra muito vasta pelos inúNo entanto,

meros assuntos abordados: ele foi poeta, filósofo,

o que outras fontes, e sobretudo

a própria obra do Poeta, nos deixa entrever, não

teólogo, pensador

corresponde

àquela imagem idealizada. Longe da

alquimista? Questão supérflua e na realidade sim-

figura comedida e equilibrada que nos dá Boccac-

ples de responder, pois para ele a Verdade é una e

cio, de fato Dante foi um homem apaixonado,

de

se funde toda na poesia. Como todos os legítimos

e

poetas e artistas, Dante era uma pessoa de sensi-

amores e rancores extremados. melancolia

apenas encobriam

Sua introversão

uma mente pode-

rosamente ativa e uma alma profundamente mentada.

Tendo vivido na passagem 12

ator-

do século

político,

filólogo, cronista ou

bilidade à flor da pele, pessoa que via o mundo com olhos diferentes dos de seus contemporâneos. De fato, todo poeta percebe, sente, intui as mu13

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

danças que estão apenas se esboçando nos subterrâneos da História, amadurecerem

e ao trazê-Ias à tona antes de

1

para a maioria dos homens de sua

época, contribui

para a aceleração da própria di-

o Florentino

nâmica histórica. Nesse sentido todo poeta é um pouco profeta. Dante foi um desses homens. Mas enquanto na história da literatura grande parte dos poetas elaborou sua obra somente a partir da sensibilidade, da intuitividade, da numa extraordinária

Dante baseou-se ainerudição.

alimentava a sensibilidade, te para o conhecimento.

Nele o saber

e esta aguçava a menEle é, assim, uma das

Dante Alighieri, florentino de nascimento, não de costumes. (EpX, 2)

maiores provas, junto por exemplo com Goethe, da falsidade da idéia que opõe ciência e poesia. É verdade que em muitos a erudição mata a beleza, em outros a poesia exclui a ciência. Dante, pelo contrário,

mostra como as duas coisas podem e

devem conviver, uma enriquecendo

a outra. É por

este lado, que nos parece a essência de Dante, que procuraremos

ver o poeta florentino.

Florença,

1265. Que mundo

era aquele em

que Danre nasceu? A Europa Ocidental

há mais

de século e meio conhecia intensa atividade econômica e intelectual, mográfico, volvimento Contudo,

acelerado crescimento

marcante expansão territorial,

de-

desen-

de novas formas sociais e políticas. pouco mais de meio século depois, na

época da morte de Dante, muitas daquelas carac-

14

15

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

terísticas haviam se invertido e o Ocidente conhe-

mantinha-se

cia uma profunda

atividades

crise, da qual sairiam os ele-

mentos básicos da Modernidade.

A Itália, como

ALIGHIERI

fortemente

enraizada,

agrícolas possibilitavam

tados insatisfatórios

Ademais,

as

apenas resul-

naquela terra de fertilidade

acontecera por toda Idade Média, também no sé-

limitada, obrigando as populações a se dedicarem

culo XIII era uma espécie de síntese européia.

ao artesanato

Nela conviviam as fortes sobrevivências da época

to demográfico,

romana

cidade e antigos centros urbanos

e os novos elementos

introduzidos

nos

e ao comércio.

Com o crescimen-

aumentou

a migração

campo-

viram-se den-

séculos IV-V pelas invasões germânicas. Nela co-

tre os maiores da Europa. Enquanto

existiam de forma mais contrastada

ano 1000 não havia em todo o Ocidente

agrícola, que predominava

a economia

em toda a Europa des-

por volta do ne-

nhuma cidade que chegasse aos 10 mil habitan-

de o século 111,e a economia urbana que desde o

tes, no século XIII existiam 55 delas, 21 das quais

século XI progredia ali mais que em qualquer ou-

na Itália. Apenas

tro lugar. Nela ocorriam de maneira muito acen-

quase 100 mil habitantes

tuada os conflitos entre a Igreja e o poder tempo-

Veneza e Gênova. O crescimento

ral, no caso o Santo Império Romano Germânico. A Itália destacava-se ainda pela precocidade intensidade

de sua vida urbana.

e

Nos primeiros

to econômico população

Paris podia rivalizar de Florença,

demográfico

com os Milão,

e o fortalecimen-

das cidades italianas levaram sua

a se rebelar contra as antigas autori-

séculos medievais, as cidades haviam perdido mui-

dades locais, bispos ou senhores feudais. Desde

to de sua importância

fins do século XI e princípios

devido à forte ruralização

do XII muitas co-

da economia e da sociedade, que atingiu em graus

munidades

diferentes

essa de-

prios dirigentes. Nasciam as comunas ou cidades-

cadência urbana fora menor na Itália, onde a tra-

Estado. Apesar de seu caráter novo, elas não es-

dição clássica sempre,

capavam às condições feudais da época, exigindo

todo o Ocidente.

Contudo

e em todos os aspectos, 16

urbanas passaram a indicar seus pró-

17

HILÁRIO

juramento

FRANCO JÚNIOR

de fidelidade dos novos cidadãos e mes-

mo de outras cidades submetidas. do com a expansão momento

DANTE ALIGHIERI

Bem de acor-

feudal que ocorria naquele

(Cruzadas,

Reconquista

Cristã na Pe-

nínsula Ibérica), as comunas dominavam rural circunvizinha

a zona

e extraíam dela, sob a forma

de taxas e prestações em serviço, os alimentos, matérias-primas

e a mão-de-obra

tavam. Completada

as

de que necessi-

a conquista dos campos pró-

Tal luta não ficou restrita ao território lar, envolvendo

também

peninsu-

as áreas coloniais onde

havia interesses comerciais

a serem defendidos.

Foi o caso, por exemplo, das longas disputas entre Gênova e Veneza. É nesse pano de fundo que devemos ver Florença, suas questões internas, seu importante

pa-

pel na política italiana. Localizada na Toscana, no centro-oeste

italiano, Florença nascera no século

ximos, era natural que as cidades passassem a ter

I a.c., quando Júlio César ali fundou uma colô-

fronteiras comuns. Acirrava-se a concorrência eco-

nia militar romana, para dominar a passagem do

nômica, e as guerras entre as comunas tornaram-

vale do rio Arno ao vale do rio PÓ, mais ao nor-

se acontecimentos

te. Três séculos depois ela já era um importante

habituais.

Nesse contexto do conflito universalista Impé-

centro, muito afetado pelas invasões germânicas

rio-Igreja, do conflito comercial entre as cidades

e pela queda do Império

e do conflito social interno das comunas, é que se

século IX, Florença recuperou seu prestígio, gra-

deve colocar a formação dos partidos

ças a um neto de Carlos Magno que a transfor-

gibelino e

guelfo. Isto é, de um grupo pró-imperial antiimperial,

e outro

divisão que em meados do século

XIII, numa fase aguda da luta Império-Igreja,

se

Romano.

mou em sede administrativa

Somente no

de um condado. Mas

o passo decisivo deu-se no século XI, quando a cidade participou

ativamente

do movimento

de

sobrepôs a todas as outras divisões (entre as cida-

reforma eclesiástica que pretendia purificar a Igre-

des, dentro das cidades), estabelecendo

ja. Florença sediou então um concílio presidido

dois gran-

des campos a que nenhum italiano podia escapar. 18

pelo pontífice,

teve um marquês irmão do papa, 19

p

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

DANTE

ALIGHIERI

viu um bispo local tornar-se chefe da Igreja, Ni-

"quantas vezes viram-se abolidos/ teus usos, nor-

colau II (1059-1061).

mas, moeda e instituição/

No célebre choque entre

o papa Gregório VII e o imperador

Henrique

IV,

substituídos.!

e os teus magistrados

Se manténs ainda a visão clara/ verás

a condessa florentina Matilde tomou o partido do

que te assemelhas a um doente/

primeiro.

repouso em seu leito/ nele fica a girar continua-

Graças às fortificações

que ela cons-

truíra, a cidade resistiu ao cerco imperial de 1082. Cristalizava-se

a posição papista (depois chama-

mente" (PurgVI,

que sem achar

145-151).

Como em quase todas as comunas,

a nobreza

da de guelfa) que caracterizaria Florença por longo

florentina

tempo.

terras e interesses no campo, a participação

dela

na vida urbana dava-se através da atividade

mi-

Após a morte em 1113 da condessa Matilde,

era de origem feudal. Dona de muitas

floren-

litar que garantia grande prestígio e o exercício

tina à causa da Igreja dando-lhe

amplos poderes,

do poder. Mas à medida que as atividades comer-

a cidade tornou-se

autônoma.

ciais se desenvolviam,

que recompensara

o apoio da comunidade virtualmente

rença passou a ser governada

Flo-

por um colegiado

de doze cônsules, renovado anualmente,

diminuído.

a nobreza tinha seu papel

Em 1293, através de uma nova le-

por um

gislação imposta pelo restante da população, a no-

Conselho de cem membros com poderes consul-

breza viu decretado o fim de seus privilégios. Isso

tivos, por uma Assembléia

legitimava o fato de desde meados do século Flo-

Popular

que se reu-

nia quatro vezes ao ano para confirmar

os atos

rença ser governada pela camada de grandes co-

de-

merciantes.

finir as funções de cada funcionário comunal. Essa

aproximá-lo

da nobreza,

organização político-administrativa

casamentos

entre membros

dos cônsules, aprovar os tratados concluídos,

século XII foi inúmeras

de meados do

vezes alterada,

levando

Dante a registrar com amargura tal inconstância: 20

A ascensão desse grupo acabou por

houve um aburguesamento

e sobretudo

através de

das duas camadas, da nobreza (que pas-

sou a se dedicar aos negócios) e um enobrecimen21

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

to da burguesia (que adotou títulos e hábitos nobiliárquicos). A grande massa populacional de artesãos e pequenos comerciantes ficava quase totalmente excluída da vida política. A população crescera rapidamente: em fins do século XII era de 15 mil almas, nas primeiras décadas do XIII atingia 50 mil, em meados do mesmo século pulava para 80 mil, na época de Dante alcançava 100 mil. Esse incremento, como em quase todas cidades ocidentais, devia-se à chegada de indivíduos provenientes do campo. Dante via neles os responsáveis pelo inchaço da cidade e pelos problemas daí resultante: "forasteiros à procura de ganhos/ geram ódio e orgulho desmedido/ e engolfam-te, Florença, na amargurà' Unf XVI, 73-75). Nessa população, calcula-se, a nobreza devia constituir uns 5% do total, a grande burguesia 7 ou 8%, a massa popular o restante. Super-povoada para os padrões da época, a Florença da época de Dante consumia anualmente 60 mil carneiros, 30 mil porcos, 20 mil cabras, 4 mil bois, 500 mil barris de vinho, 700 mil litros de trigo. Desde fins do século XII, sua prin-

cipal atividade econômica era comprar tecidos flamengos e franceses, tingi-los com matériasprimas orientais e revendê-los por toda Europa. Além disso, comprava lã da Inglaterra para fabricar seu próprio tecido: em 1300 existiam duzentas oficinas produzindo de 70 mil a 80 mil peças de pano anuais, empregando cerca de 30 mil pessoas, isto é, quase um terço da população total. Buscando uma saída para o mar que garantisse a continuidade desse comércio, Florença manteve relações tensas com sua vizinha Pisa, até acabar por conquistá-Ia em princípios do século XV Acompanhando e expressando sua expansão mercantil, em meados do século XIII Florença lançava uma nova moeda, o florim de ouro, que logo se tornou de circulação internacional. Na época do nascimento de Dante, Florença era sem dúvida o grande centro financeiro ocidental, com comerciantes e banqueiros espalhados por toda a Europa e servindo clientes como o Papado e a monarquia da Inglaterra. Esta sólida situação econômica florentina permitiu uma intensa atividade cultural. O extraor-

22

23

HILÁRIO

dinário crescimento

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

da cidade - área de 20 hecta-

ALIGHIERI

tinos, venceram a batalha de Monteaperri

res na época romana, 55 em fins do século XlI, 630

ram os principais

quando da morte de Dante - implicava não só a

Apesar de reconhecidamente

construção

não foram incomodados,

de casas e muralhas, mas também de

palácios e igrejas. Abria-se então um vasto campo

nificância

para arquitetos,

vavelmente

pintores e escultores. O próprio

chefes do partido

algumas propriedades,

de. Na adolescência,

após sua morte encontramos

igreja de Santa Maria Novella, já adulto a do Pa-

contraindo

lazzo del Popolo, da catedral Santa Maria del Fiore

sobreviver.

e da igreja Santa Croce. Apenas um ano mais moço

guelfos, os Alighieri

política. O pai de Dante possuía pro-

no patrimônio

da

derrotado.

claro sinal da sua insig-

Poeta presenciou boa parte daquela febril atividao Poeta viu a construção

e exila-

mas o peque-

foi sendo desfeito, e poucos anos o Poeta e um irmão

dívidas com usurários para poderem

A infância do menino Alighieri nada teve de

que Dante, despontava o grande inovador da pin-

extraordinário

tura, Giotto. As rodas literárias, das quais Dante

se entre a educação recebida dos franciscanos e as

passou a participar aos 20 anos, eram também bas-

brincadeiras próprias da idade. Até num certo dia

tante ativas. Em todos os sentidos, a cidade fervi-

de 1274 conhecer

lhava naquela segunda metade do século XlII.

pressionou vivamente e fez com que então come-

Essa era a Florença que Dante tanto amou e

até aos 9 anos. Seu tempo dividia-

Beatriz Portinari,

que o im-

çasse para ele uma nova vida, título que daria ao -

odiou, a Florença que foi uma das personagens

livro no qual reuniria

mais constantes de sua obra. Nela o Poeta nasceu

poesias dedicadas a ela. Contudo,

em maio de 1265 numa família da pequena no-

condição social (Beatriz era filha de um rico ban-

breza, sem muitos

queiro) e o fato de os casamentos resultarem qua-

bens e sem prestígio.

anos antes de seu nascimento,

Cinco

os gibelinos

de

Siena e Florença, unidos contra os guelfos floren24

quase dez anos depois as a diferença de

se sempre de arranjos familiares, impediram maior aproximação

uma

entre eles. A questão quanto 25

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

à origem familiar talvez tenha então incomodado

secundário

o menino pela primeira vez. Adulto, Dante pro-

da época. Cerca de dez anos depois a relação se

curaria mostrar orgulho por uma pretensa ascen-

efetivou, mas parece ter sempre permanecido

dência de tradicional família romana (Inl XV; 74-

Dante como o cumprimento

77), mas ao mesmo tempo tendo dúvidas sobre o valor de seus antepassados,

pois "sobre quem ha-

viam sido e de onde tinham vindo/ é melhor calar do que falar" (Pard

família florentina

com Beatriz, o

para

de um contrato.

Gemma jamais foi mencionada

em sua obra,

apesar de lhe ter dado três filhos e ter sustentado a família com seu pequeno

dote, especialmente

após o exílio do marido. O casamento

Y.VI, 44-45).

No ano seguinte ao encontro

da mais importante

não apa-

gou a imagem de Beatriz, que, pelo contrário,

se

menino Alighieri passaria por novo problema com

tornava cada vez mais forte nele. Como nos con-

a morte da mãe. O que isso exatamente

ta o próprio

signifi-

Dante,

ele aos 18 anos a vira pela

cou para a formação do homem Dante e para o

segunda vez, vestida de "cor branquíssima'

caráter de sua obra não sabemos. É significativo,

xando-o

desnorteado

com um simples cumpri-

porém, que sua mãe jamais tenha sido mencio-

mento.

O casamento

de Beatriz com uma im-

nada por ele, resultado ou de uma dor muito forte

portante

ou de uma indiferença

sobretudo

do casamento

muito grande. O segun-

de seu pai, pouco depois, parece

figura de Florença,

e dei-

dois anos depois, e

sua morte, em 1290, reforçaram o sig-

nificado dela para o Poeta. Entre uma curta fase

não ter afetado muito a vida do rapaz, que se deu

voltada

bem com seus meio-irmãos,

idealização do amor por Beatriz, o casamento com

um dos quais iria

ajudá-lo financeiramente

por toda a vida e acorn-

panhá-lo voluntariamente

ao exílio. Aos 12 anos,

como era praxe então, foi acertado seu casamento com Gemma Donati, pertencente 26

a um ramo

Gemma

ao gozo dos sentidos

e a longa fase de

parece ter sido para Dante apenas uma

relação concreta, tediosa e desapaixonada. Ao contrário, a figura de Beatriz foi fundamental: esse sentimento

que ele começou a expressar 27

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

logo após seu segundo encontro com ela, resultou

sua dama, por uma mulher inacessível, pura e so-

em várias poesias reunidas

cialmente superior. Esse amor cortesão, como fi-

depois da morte da

amada na obra significativamente

chamada de Vita

cou conhecido,

atingiu a Itália através de muitos

Nuova. O que Dante fez nesse livro de 1292 ou

poetas provençais que para ali fugiram no come-

1293 foi selecionar parte de sua produção poética

ço do século XIII devido a problemas políticos na

dos anos anteriores e intercalar trechos em prosa

sua terra. Na Toscana esse estilo literário perdeu

que, comentando

alguns traços eróticos que possuía e mesclou-se

ou apresentando

as poesias, es-

tabeleciam uma articulação entre elas. Tratava-se

com preocupações

de uma obra poética em que a prosa - também

como essenciais para a compreensão

ela carregada de poesia e acentuando fantasia,

de recordação

condutor

da trama narrativa.

o clima de

- funcionava

como fio

maior de Vita Nuova estava, con-

tudo, noutro aspecto: era a produção feita e acabada do estilo chamado

mais per-

pelo próprio

do amor.

o grande nome dessa variante

toscana do amor provençal foi Guido Cavalcanti, tratado respeitosamente

Se esta era uma fórmula original, literariamente a importância

Inicialmente,

filosóficas e religiosas vistas

por Dante como "o pri-

meiro dos meus amigos" (Vl\T 3). Foi ele que o introduziu

no círculo de poetas florentinos

e lhe

deu o incentivo para as primeiras criações literárias. A partir daí, as atividades poéticas de Dante,

Dante de dolce stil nuovo. Sua origem estava, na

começadas por volta de 1284 ou 1285, tornaram-

verdade, no sul da França, na região da Provença,

no logo o maior representante

onde desde o século XII desenvolvia-se nas cortes

amor espiritualizado

feudais uma cultura nova, produto

que não era apenas uma imitação da poesia pro-

de circunstâncias

de uma série

históricas locais. Sua poesia can-

tava, em língua vulgar e não mais em latim, um amor idealizado do trovador, isto é, do poeta, pela 28

da exaltação de um

(dolce) numa corrente (stil)

vença! (nuovo). Foi desta maneira que na Vita Nuova ele expôs todo seu sentimento

por Beatriz. Fez o elogio de 29

HILÁRIO

FRANCO

suas virtudes, identificou-a

JÚNIOR

DANTE

ALIGHIERI

com o próprio Amor,

rubava o governo florentino e excluía os membros

mostrou seu coração de poeta magoado por um

da nobreza de cargos públicos. Apenas em 1295,

desprezo dela. Chorou quando ela chorou, sofreu

com a queda dos revolucionários,

desesperadamente

voltar, agora com muito

quando de sua morte, até que

Dante

mais empenho,

pôde à vida

teve uma visão "na qual vi coisas que me fizeram

política, ocupando

decidir não mais falar dessa abençoada, enquanto

postos de certa importância.

não puder mais dignamente

to, envolvido nas lutas que dividiam a cidade. De

ocupar-me

dela. E,

já naquele ano e no seguinte Ele estava, portan-

para chegar a isso, esforço-me o quanto posso, e

fato, eliminado

ela bem o sabe. De modo que, se aprouver Àque-

guelfos dividiram-se em duas facções, a dos bran-

le por quem todas as coisas vivem, que minha

cos (novos-ricos que ascendiam graças ao comér-

vida dure mais alguns anos, espero dizer dela o

cio) e a dos negros (elementos de linhagens anti-

que nunca se disse de nenhuma"

(VN 42). E esse

o partido gibelino ílorenrino, os

gas mas decadentes).

Apesar de ligado por laços

exatamente seria um dos objetivos centrais da Di-

familiares aos negros, Dante por razões que des-

vina Comédia.

conhecemos

Profundamente

machucado

amada, Dante mergulhou

com a morte da

primeiramente

filiou-se aos brancos.

Com o agravamento da situação política, o go-

na filo-

verno, do qual Dante fazia parte, resolveu, pos-

sofia e depois na política. Na verdade seu envol-

sivelmente por sugestão do Poeta, exilar os princi-

vimento político começara um ano antes da morte

pais líderes das duas facções. No entanto a medida

de Beatriz, quando da luta entre a Florença guelfa

não foi executada imparcialmente,

e a Arezzo gibelina. Dante integrara então a ca-

menos os brancos. Sentindo-se

valaria florentina

procuraram

na vitoriosa

batalha de Cam-

paldino e em algumas escaramuças

contra Pisa.

Mas em 1292 um movimento revolucionário 30

der-

atingindo bem

traídos, os negros

o apoio do papa, que não via com

bons olhos o partido

branco, em torno do qual

se tinham agrupado alguns remanescentes 31

do gi-

HILÁRIO

belinismo.

Diante

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

disso, Bonifácici VIII pediu

ateniense,

ALlGHIERI

também o de Dante só é compreensí-

vel por seu profundo

embaixada a Roma, em fins de 1301, entretanto

como dois espíritos tão universais para a posteri-

as forças francesas e dos guelfos negros invadi-

dade, eram tão regionalistas na origem. Da mes-

ram e tomaram

ma forma que se Sócrates tivesse vivido fora de

Florença. Em janeiro do ano se-

florentinismo.

É curioso

ajuda militar aos franceses. Dante foi enviado em

inclusive

Danre,

Atenas seu pensamento

obrigados

ao pa-

rumos diferentes, Dante sem o exílio talvez per-

gamento de uma multa, exílio de dois anos e ex-

manecesse apenas no Purgatório poético. Das suas

clusão perpétua dos cargos públicos. Inconforma-

cidades- Estado os dois retiraram, filtrados pelo seu

do com a sentença,

gênio e pelo seu amor por elas, todo o material

guinte os principais

brancos,

. foram acusados de corrupção,

cumpri-Ia

ele não se apresentou

sendo por

para sua filosofia e sua poesia. Assim como não

à morte. O Poeta estava em Siena

haveria Sócrates sem Atenas, não haveria Dante

nem mandou

isso condenado

para

teria tido provavelmente

justificativa,

sem Florença, mas tampouco

e jamais reveria Florença. Quando

numa carta dirigida ao seu mecenas

Cangrande

de Ia Scala, de Verona, depois de mui-

tos anos de exílio, Dante se diz "florentino de nascimento, não de costumes" (Ep X, 2), ele não estava sendo sincero, mas apenas expressando

sua

amargura e despeito por estar exilado de sua amada Florença. Esta cidade foi, sem dúvida, essencial para que a obra do Poeta tivesse a feição que teve. Assim como só se entende o pensamento

de

Sócrates a partir de seu caráter profundamente 32

33

Dante em Florença.

2

o Exilado

Não existe dor maior que recordardo tempo feliz na miséria. Uni V, 121-123)

Sem dúvida, ao lado do conhecimento triz, o grande acontecimento

de Bea-

da vida de Dante foi

seu exílio de Florença. Esses dois fatos marcaram de maneira

profunda

a mente do Poeta, e esta-

riam sempre presentes em sua obra. A doçura de um evento e a amargura do outro, sempre poetizados por ele de maneira extremada, 35

apaixona-

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

da, é que deram à Comédia seu tom profundamente humano

e ao mesmo tempo sublime, le-

vando Boccaccio a chamá-Ia,

tanto pela forma

DANTE ALIGHIERI

língua andei como peregrino, mendigando quase, mostrando contra minha vontade a ferida da fortuna que quis injustamente ser atribuída muitas vezes ao ferido por ela (Conv I, I1I, 4).

quanto pela temática, de "divina", A política ultrapassou em Dante, após o exílio, a condição de

Apesar de seu constante

deslocar-se - Arezzo,

mera prática para se tornar objeto de profundas

Verona,

reflexões sobre o homem, a sociedade, o destino.

Lucca - a primeira fase de seu exílio, de 1302 a

Logo após o decreto de sua expulsão, Dante e

Pádua,

Lunigiana,

1312, foi extremamente

Casentino,

Paris,

fértil. Então nasceram

retomar a cidade, buscando para tanto o apoio de

De Vulgari Eloquentia, Inferno, Convívio, Monarquia. Como não podia deixar de ser para alguém

gibelinos da Toscana. Contudo,

tão apaixonado

outros guelfos brancos tentaram se organizar para em 1304 um as-

por sua terra como Dante, pou-

salto a Florença fracassou e os desentendimentos

cos atrativos os outros locais tinham para ele. A

entre os exilados aumentaram,

levando Dante a se

postura política de Dante cada vez mais dirigia-

afastar deles. A partir de então o Poeta passou a

se para o gibelinismo, criticando os interesses ma-

vagar de corte em corte, buscando mecenas que o

teriais da Igreja e apoiando um efetivo poder uni-

apoiassem e sempre esperançoso

de voltar à sua

Florença:

versal por parte do imperador. um indisfarçável

O Poeta devotava

ódio ao papa Bonifácio VIII, a

quem via como responsável por sua desgraça pesdesde que os cidadãos da belíssima e famosíssima filha de Roma, Florença, decidiram arrojar-me fora de seu dulcíssimo seio - no qual nasci e me criei até adulto e no qual, apaziguado com ela, desejo de todo coração repousar o ânimo cansado e acabar o tempo que me foi dado - por quase todas as partes a que se estende essa

36

soal e pela decadência

da Igreja. Ele era "o grão

padre, à maldição votado" Igreja tornara-se arma espiritual

Unf XXVII, 70). A

uma prostituta, da excomunhão

que usava da para defender

interesses escusos. O tráfico de influências 37

e as

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

negociatas com bens eclesiásticos ocorriam habi-

tuída. De outro, a sua própria penúria, devido "à

tualmente:

extremada

"nenhum

abuso a Deus mais aborre-

pobreza em que me deixou o dester-

ce/ do que o desejo do ouro, o infausto

amor!

ro" (Ep II, 7). A solução ele esboça no Convívio e

que o coração dos monges enlouquece.!

O que

desenvolve anos depois na Monarquia.

Seu pon-

possua a Igreja de valor! é dos tementes a Deus/

to de partida é Aristóteles, para quem o homem

e não de algum parente ou coisa pior" (PardXXII, 79-84).

é um ser político e precisa viver num Estado para desenvolver suas potencialidades.

O ponto de partida de tal situação fora a doação que o imperador

romano Consrantino

ao papa Anastácio, entregando-lhe

fizera

a Itália. Dois

Contudo,

como

há choque entre os Estados, a felicidade humana fica comprometida,

daí a necessidade de um Es-

tado universal. Ora, para Dante os imperadores

poderes passaram então a governar e instalou-se a

romanos estavam destinados pela providência di-

anarquia, pois "um ao outro eclipsou, e uniu-se a

vina a desempenhar

espada/ à pastoral, e juntos, claramente/

não po-

que Cristo viesse à Terra havendo um só gover-

dem bem cumprir sua jornada" (Purg XVI, 109-

nante, a vontade de Deus estabeleceu que naque-

111). Por causa disso, o país todo se dividiu

le momento

incessantemente larnentação

os italianos se destruíam,

e

daí a

do Poeta: "ah, dividida Itália, imersa

em fel/ nau sem piloto, em meio do tufão/ não dona de reinos, mais de bordel" (PurgVI, 76-78). Assim, Dante vê para os dois problemas

que

tal papel. Como convinha

se formasse o Império Romano e as-

sim a unidade política que preparava a unidade religiosa do cristianismo. Tais idéias, elaboradas no período 1304-1308, ainda estavam muito no plano geral, mesmo porque incluídas

numa obra de caráter claramente

o afligiam uma mesma e justa solução. De um

filosófico como era o Convívio. A evolução da si-

lado, a triste condição da Itália, enfraqueci da e

tuação política européia, contudo, lhe deu a opor-

ensangüentada

tunidade e o incentivo para desenvolver seu pen-

pelos interesses da Igreja prosti38

39

HILÁRIO

samento

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

político pró-imperial.

A pretensão

teo-

ALlGHIERI

que se deplora/ tristonha e viúva, e noite e dia ela-

6

crática de Bonifácio VIII levara-o a se chocar com

ma:/

o rei Filipe IV da França, que aprisionou e humi-

(Purg VI, 112-114). Assim, o Poeta se entusias-

lhou o papa, e logo após a morte deste manobrou

ma com sua chegada, vendo nele um novo Moisés

para que fosse eleito um francês para o cargo. O

salvador, o esposo da Itália que "a livrará do cár-

novo pontífice

cere dos ímpios" (Ep V, 6). Sabendo que o impe-

depois de algum tempo mudou

César meu, por que te foste embora?"

sua ·corte para a cidade de Avignon, próxima ao

rador se dirigia para a Itália, Dante deixa Paris,

reino francês, ficando virtualmente

onde se encontrava,

daquela

monarquia.

Dante,

dependente

é claro, voltou sua

mar Florença.

e vai vê-Ío, exortando-o

Tenta convencer

a to-

os florentinos,

bateria poética contra esses papas exilados, que

"povo mais superficial e ligeiro da Toscana, insen-

não mais habitavam a santa cidade de Roma, co-

sato por natureza e por vício", da superioridade

locando

da monarquia,

na boca de São Pedro a recriminação:

pois "a piedosa

providência

do

"Aquele que na Terra o posto que ocupei/ usurpa

eterno Rei dispôs que a humanidade

agora e o deixa assim vacante/ aos olhos de Jesus,

governada pelo Sacro Império dos romanos, para

o nosso rei/ converteu

que o gênero humano

em latrina degradante/

a

inteira seja

sob a serena segurança de

minha própria tumba, onde o exilado/ dos céus

uma defesa tão grande viva tranqüilo

se refocila, delirante" (Pard XXVII, 22-27).

as partes se logre, como exige a natureza,

Sem a presença do papa na Itália, que sempre se opunha às pretensões imperiais, o recém-coroado Henrique contrário

VII resolveu ir até a península,

ao

do que tinham feito seus predecessores

vida civilizadà' dia exatamente

legitimar

preten-

o poder imperial.

Na

primeira parte daquela obra, ele procura mostrar a necessidade de uma monarquia

levado Dante a conclamá-lo:

condição

40

uma

(Ep VI, 21, 3).

A Monarquia, escrita nesse momento,

imediatos. A ausência do imperador tinha mesmo "Vem tua Roma ver,

e em todas

universal como

para a felicidade do ser humano. 41

Sua

HILARIO

FRANCO ]ÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

Na segunda parte, Dante amplia idéias já contidas no Convívio, sobre a legitimidade do poder universal dado aos romanos. Sua linha de raciocínio baseia-se na conclusão de que Roma teve êxito em suas conquistas graças à intervenção divina. A dignidade do Império tinha sido possível

graças às leis que ele fizera para unir os homens e alcançar o bem comum. Leis que não eram meramente humanas, pois o direito "é tudo que se conforma à vontade divina" (Mon II, II, 5). Foi portanto legitimamente, e não por usurpação, que o povo romano obteve poder sobre todos os mortais. Tal verdade é confirmada pelo próprio Cristo, pois como todo o gênero humano foi punido Nele, era preciso que sua crucificação fosse efetuada por uma só autoridade - o Império Romano - em nome de toda a humanidade. Na última parte da Monarquia, ele desenvolve concepções que não haviam aparecido em suas obras anteriores, opondo-se aos argumentos eclesiásticos de superioridade do poder espiritual sobre o temporal. Por exemplo, afirmava-se que da mesma forma que a lua recebe luz do sol, a autoridade imperial receberia poder da autoridade papal. No entanto, pondera Dante, Deus havia criado o sol e a lua antes do homem, e os poderes temporal e espiritual foram qualidades acrescentadas à humanidade, não sendo essenciais dela. Logo, Deus não quis prefigurar tais qualidades

42

43

argumentação parte do pressuposto de que a meta específica do homem, o que o diferencia do restante da criação, é pôr em ato a potencialidade do intelecto que lhe foi dado por Deus. Para tanto é essencial que haja paz. Como toda humanidade se ordena para um objetivo único, partindo de uma causa única, Deus, é natural que haja um só governante. Nesse caso suprime-se a cobiça, pois um monarca universal nada mais tem para adquirir, e sendo desinteressado pode permitir o exercício da livre vontade. Garante-se então a liberdade, "o dom maior que Deus concedeu à natureza humana" (Mon I, XII, 6). Assim, seguindo Aristóteles, pode-se concluir que "a unidade seja a raiz do bem e a multiplicidade a raiz do mal", logo "é a monarquia necessária à boa ordenação do mundo" (Mon I, xv, 2, 10).

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

em elementos anteriores à existência do homem. Outro argumento usado pela Igreja era a chamada Doação de Consranríno, pela qual aquele imperador, no século IV, teria transferido o poder imperial ao papa. Tal gesto, ainda que bem intencionado, fez com "que o desastre produzido ao mundo houvesse destruído" (PardXX, 58, 60). Constantino não podia ter alienado o Império, pois como a Igreja não pode ir contra seu funda- . mento que é Cristo, o Império não pode ir contra o seu que é o direito humano, daí não poder se destruir. Dessa forma, nem o doador podia doar, pois o Império não é do imperador, nem o beneficiado receber, pois a Igreja do Cristo por sua própria natureza não podia aceitar propriedades. No entanto o entusiasmo por Henrique VII, que levara Dante a escrever aquela defesa do poder imperial, logo transformou-se em decepção. De um lado pela fraqueza do próprio imperador, a quem o Poeta critica pela indecisão de atacar Florença, que "é o nome desta peste aziaga. Esta é a víbora que morde as entranhas de sua própria mãe" (Ep VII, 24). De outro, pelo forte senti44

DANTE

ALIGHIERI

mento antiimperial existente na Itália, sentimento alimentado sobretudo por Florença, "ovelha enferma que com seu contágio envenena o rebanho de seu amo" (Ep VII, 24). O imperador que tem um lugar reservado para si no Paraíso não pôde concluir sua obra na Itália por encontráIa "hostil e não madura": "enredados em sórdida ambição/ os teus são como a criança que esfomeada/ teima, entretanto, e foge à nutrição" (Pard XXX, 138-141). A morte de Henrique VII em 1313 deixou Dante desiludido com a política, e assim vagando de cidade em cidade nos domínios gibelinos, ele dedicou-se até o fim da vida à elaboração da Comédia. Consciente de que esta era sua grande obra, esperava que ela sensibilizasse os florentinos e no fim da vida pudesse regressar e obter o reconhecimento de seus concidadãos. Doce ilusão, para quem achava os florentinos "povo ingrato e desalmado" (lnfxv, 61). Amarga confissão de esperança para alguém tão orgulhoso quanto Dante. Para quem na sua passagem pelo Purgatório reconheceu que mereceria estar na vala dos que 45

HILARIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALlGHIERI

expiavam seu orgulho, devia ser duro para Dante

meras vezes destilou seu veneno poético contra a

reconhecer "o amargo r na boca cheia/ do pão de

cidade, cujo "nome até no inferno se expande" (Ini

estranhos, e quão dura é a via/ de subir e descer a

XXVI, 3). Outras vezes, criticou azedamente

escada alheia" (PardXVII,

floreminos

58-60).

Mas nem por isso sua altivez se quebrava. A sempre agitada política florentina

levou a uma

o forte orgulho que reconhecia em si

mesmo: "velha é no mundo

a fama de cegueira!

daquela raça sórdida e petulante!

Unf

meira torpeza"

concessão de anistia aos desterrados.

no amargor de seu exílio, atacava Florença,

riam pagar uma multa e submeter-se

a um ato

XV, 67-69).

evite sua costu-

tentativa de pacificação interna, em 1315, com a Estes deve-

nos

Mas se Dante, não

deixava de fazer o mesmo com as rivais dela, re-

público que era uma espécie de reconhecimento

velando assim, por outro caminho,

de culpa. Sabendo da notícia, responde em carta a um amigo que "se não me abrem outro cami-

continuava a sentir por sua cidade. Amor que, na verdade, não se dirigia àquela

nho para entrar em Florença, nunca mais volta-

Florença histórica do seu tempo, cidade que ex-

rei. Acaso não poderei contemplar

pulsava injustamente

em qualquer

o amor que

um de seus filhos mais fiéis

lugar do mundo o céu com o Sol e as estrelas? Ou

e mais capazes. Dante amava na verdade a Floren-

não poderei buscar, sob qualquer céu, a dulcíssi-

ça do "bom tempo" de seu trisavô Cacciaguida,

ma verdade sem ter primeiro que regressar a Flo-

que encontrou

rença cheio de desonra, mais ainda, de ignomínia,

meira metade do século XII, ela tinha sido uma

ante os olhos de meus concidadãos? Não duvideis,

cidade "modesta e casta em seu abrigo" (Pard XV,

o pão não me faltará" (Ep IX, 8-9).

99), com poucas jóias, roupas finas, mansões,

Tal decisão não deve ter sido fácil para o poeta, pois seu amor por Florença é incontestável. verdade que inconformado 46

É

pela situação, ele inú-

no Paraíso. Naquele tempo,

pri-

mulheres excessivamente pintadas e abandonadas pelos maridos em constantes viagens de negócios. Não se levava vida dissoluta e não havia necessi47

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

dade de leis impedindo as mulheres de exibirem publicamente os seios. Sem a migração proveniente dos campos, a cidade teria permanecido pequena, mas "pura no nobre e no artesão", pois "das gentes o confuso ajuntamento/ sempre faz as cidades desgraçadas/ qual no indivíduo o excesso de alimento" (Pard XVI, 51, 67-69). Significativamente, das muitas personagens colocadas no Inferno, boa parte é de florentinos, e na maioria contemporâneos do Poeta. No Purgatório, por outro lado, encontram-se apenas três deles, como no Paraíso. Recusando a anistia condicional que lhe foi oferecida em 1315, Dante mais do que nunca se tornou uma pessoa "para quem a pátria é o mundo, como é a água para o peixes" (VE I, VI, 3). Depois de mais algum tempo de peregrinação entre várias cidades, por volta de 1317 instalou-se em Ravena. Protegido pelo senhor local, Guido Novello da Polenta, conheceu finalmente momentos calmos, pôde se dedicar à conclusão da Comédia, talvez tenha reencontrado a mulher e os filhos. Em 1321 foi enviado a Veneza como em48

DANTE

ALIGHIERI

baixado r de seu mecenas, mas enfraquecido por todas as dificuldades dos anos anteriores e pelo esforço de concluir a Comédia, que "me deixou das forças extenuado" (Pard xxv, 3), voltou a Ravena gravemente adoecido. A 14 de setembro, aos 56 anos de idade, o Poeta morria. Seu corpo foi sepultado em Ravena pelos franciscanos e lá permaneceu apesar dos insistentes pedidos feitos por Florença no final do século. Quando em 1519 o próprio papa, um florentino, reiterou o pedido, a tumba foi aberta para trasladar o corpo, mas estava vazia. Apenas no século XVII seus restos mortais foram reencontrados, escondidos que tinham sido pelos frades para evitar seu envio a Florença. Concluiu-se então que em Ravena deviam permanecer, apesar de na igreja da Santa Croce de Florença existir um grande sepulcro de Dante, mas vazio. Mesmo depois de quase sete séculos de sua morte o Poeta continua exilado.

49

3

o Enciclopédico

Se os homens voltassem mais a mente ao que a Natureza está a lhes mostrar, seguindo-a, melhor seria toda gente. (Pard VIII, 142-144)

Atormentado sobrevivência,

pelo exílio e preocupado

com a

pois "não me deixam tranqüilo

as

preocupações econômicas de minha situação familiar" (EpX, 88), Dante refugiou-se no estudo e na meditação. Apesar das dificuldades materiais, "apesar de amar tanto Florença que por este amor sofremos injustamente

o desterro, obedecemos 51

em

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

DANTE

nossos juízos mais à razão que ao sentimento"

(VE

contato mais aprofundado

I, VI, 3). Mas quase nada sabemos sobre a forma-

losofia. Fundamentais,

ção intelectual

recebeu de Brunetto

de Dante, sobre as etapas de sua

aquisição de conhecimento

até atingir na maturi-

ALIGHIERI

com a Teologia e a Fi-

porém, foram as lições que Latini, por volta de 1280,

com 15 anos de idade. Latini vivera alguns anos

dade o saber enciclopédico que o caracterizou e que

na França quando escreveu uma obra que com-

teve sua melhor expressão na Comédia. Certamente

pendiava numerosas matérias, o Trésor, espécie de

ele cumpriu os dois estágios básicos da educação

manual

medieval, o trivium e o quadrivium,

Dante passou a dominar

que compu-

de divulgação

para os leigos. Com ele melhor a retórica e os

nham as chamadas sete artes liberais herdadas de

clássicos latinos, devotando ao mestre grande res-

Roma. No primeiro estudava-se gramática (ou seja,

peito e recordando

língua latina e literatura), retórica (estilística e his-

to paterno"

tória) e dialética (na verdade, uma iniciação filosófica). No segundo,

aritmética,

cluindo geografia), astronomia

geometria

Unf

sempre seu "caro e grato vul-

xv,

83).

Talvez tenha sido com ele que Dante começou

(in-

a apreciar a poesia provençal que tanto o influen-

(com astrologia e

ciaria: na De Vulgari Eloquentia ele faz referência

física) e música (conforme a tradição pitagórica,

à obra de oito trovadores,

estudo das freqüências e intervalos, das relações de

três deles, além de se inspirar muito de perto em

consonância

versos trovadorescos

que são relações matemáticas).

Embora importante

centro urbano,

não possuía universidade,

Florença

ao contrário de muitas

na Comédia ele citou

para elaborar três passagens

dessa obra, uma em cada parte. Mais ainda, Dante fez uma significativa homenagem

ao poeta pro-

cidades italianas até menores que ela. Contudo,

vençal Arnaut Daniel, que "a todos excedeu nos

no convento franciscanode

Santa Croce e no do-

versos da alma e no romance" (Purg XXVI, 118-

minicano de Santa Maria Novella havia vários ele-

119). Excluindo umas poucas expressões latinas,

mentos de formação universitária, e ali Dante teve

a única outra língua que aparece na Comédia ao

52

53

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

lado da italiana é o provençal, em oito versos que

trada de Henrique VII na Itália, ou por esses dois

Dante coloca na boca de Daniel. Parece mesmo

motivos, Dante não concluiu seus estudos em Pa-

que ele pensou em escrever sua obra-prima

ris, mas saiu deles bastante enriquecido.

no

idioma dos trovadores. Sem que tenhamos

Acima de tudo, Dante foi um autodidata nenhuma

certeza sobre os

após a morte de Beatriz mergulhou

que

na leitura de

fatos em si e sobre suas datas, é bastante provável

Cícero e Boécio para se consolar, encontrando

que por influência de Latini Dante tenha, no co-

paz na "filha de Deus, rainha de tudo, a mui no-

meço da década de 1280, estudado na Universi-

bre e formosa filosofia" (Conv lI, XII, 9). No exí-

dade de Pádua. Ali ele possivelmente

lio, sem poder se ocupar de política e longe dos

conheceu

outro jovem que se tornaria também muito famo-

envolvimentos

so, Giotto, que inovou na pintura

dicou-se quase completamente

como o pró-

a

do dia-a-dia familiar, o Poeta deao estudo e à ela-

prio Dante o fez na poesia. Mais tarde, em duas

boração de suas obras. As esporádicas atividades

oportunidades,

diplomáticas

1286-1288

qüentou a Universidade 1309-1310

e 1304-1306,

ele fre-

de Bolonha. Por fim, em

parece ter estado na Universidade

Paris, sem dúvida a mais importante deve ter tomado

de

da época. Lá

contato com as recentes tradu-

que realizava para seus protetores

mecenas apenas o punham

em contato

e

com sá-

bios e livros de outros locais. Dante acumulou assim um vasto e diversificado conhecimento, abrangia praticamente

que

todas as áreas da cultura de

ções de originais gregos e com a fértil produção

sua época. Mesmo para o século XIII, dedicado à

intelectual do século anterior. Contudo,

elaboração de grandes sínteses de campos especí-

segundo

Boccaccio, apesar de ter cumprido brilhantemen-

ficos do saber (como a Suma Teológica de Tomás

te todas as obrigações ele não obteve o título de

de Aquino ou a Legenda Aurea, suma hagiográfica

doutor em Teologia. Ou por lhe faltar o dinheiro

de J acopo de Varazze), a Comédia revelava-se um

necessário, ou por se deixar entusiasmar

extraordinário

54

pela en-

monumento

55

de erudição.

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

Nesta obra o Poeta cita 38 literatos, filósofos

ALIGHIERI

que colocava paixão na crítica ou no elogio feito

e cientistas gregos e romanos, fazendo referências

a personagens

concretas sobre suas vidas ou suas idéias, mostran-

ele se refere mais de uma centena de vezes. To-

do conhecer quase todos por contato direto com

das estas fontes não aparecem apenas na Comédia,

sua produção

mas também

intelectual.

dado a Aristóteles, do pensamento"

Destaque

especial era

a quem chamava de "mestre

Uni IV,

131), e a Virgílio, que

e fatos contemporâneos,

aos quais

nas demais obras: considerando-as

em conjunto, os clássicos surgem 255 vezes (quase metade das quais é Aristóteles),

os textos bíbli-

"na verdade és meu mestre e meu autor! ao teu

cos e dos Pais da Igreja 164, os de autores me-

exemplo devo, deslumbrado/

o belo estilo que é

dievais 119.

UnII, 85-87).

E realmente, os dois

meu só valor"

Portanto,

nosso Poeta era pessoa de um saber

grandes guias, modelos, de Dante foram Aristó-

verdadeiramente

teles na filosofia e Virgílio na poesia. Muitas ve-

na temática

zes a Ética do primeiro e a Eneida do segundo fo-

poéticos tratou fundamentalmente

ram mencionadas

Vita Nuova ele canta a transformação

textualmente.

Dante freqüentemente

(em 77 oportunidades)

cita ainda eventos de um importante

componente

enciclopédico,

o que se refletiu

variada de sua obra. Nos trabalhos do amor. Na que sofreu

ao conhecer Beatriz, "gloriosa senhora de minha mente"

(VN 2). Nasceu então um forte amor,

da cultura clássica, a mitologia. Esta familiarida-

mistura de êxtase e contemplação,

de com o mundo antigo, pagão, naturalmente

não

lher mais idealizada que real, segundo as regras do

negava sua cultura cristã, tanto que a Bíblia é ci-

dolce stil nuovo. O livro através de 31 poemas in-

tada 59 vezes, além de alusões ao pensamento

tercalados

de

por uma mu-

por trechos de prosa, conta a história

Pais da Igreja como São Jerônimo, Dioniso Areo-

desse amor desde que Dante viu Beatriz pela pri-

pagita e Gregório

meira vez, quando ela tinha nove anos de idade,

erudição,

Magno. Apesar de toda essa

Danre era um homem de seu tempo, 56

até a morte da amada década e meia depois. À 57

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

medida que esse amor se consolidava, se enraiza-

que separa a formosura de toda bondade natural"

va, Beatriz ia se tornando

(R 49). Real ou alegórica, essa "mulher de pedra"

para o Poeta o protóti-

po de uma nova concepção de mulher, não ape-

levou Dante a novas experiências poéticas, reve-

nas o ídolo da poesia trovadoresca ou a santa da

lando seu lado pesquisador,

hagiografia,

novas soluções estéticas. As Éclogas, escritas já no

mas uma síntese de ambas. Ela tor-

nava-se o referencial

sempre em busca de

do amor, já que "por seu

fim da vida, foram a resposta de Dante ao bolo-

exemplo o belo se avalia" (VN 19). Ela era o ar-

nhês Giovanni da Virgilio, que elogiava a Comé-

quétipo de todas as mulheres, de forma que "não

dia mas instigava o Poeta a terminá-Ia em latim.

somente ela era honrada

Esta resposta, coerentemente

e louvada, mas por ela

eram honradas e louvadas muitas outras" (VN 26).

As Rimas, coleção de 54 canções e sonetos escritos entre 1283 e 1314, só foram reunidas pelos críticos após a morre de Dante, Como se percebe pelas datas de composição,

elas englobam

com o estilo de poe-

sia pastoril que é, recorria ao hábil uso do latim virgiliano,

tendo valor apenas como exercício de

imitação da literatura clássica. Que Dante, aliás, dominava

com facilidade o

latim, fica claro através da obra em que ele exa-

uma produção diversificada, com poemas da ado-

tamente

lescência e da maturidade,

náculo, a De Vulgari Eloquentia. Nesta, ele come-

e de valor desigual. Ao

fazia o elogio da língua vulgar, do ver-

lado de exemplos típicos do dolce stil nuovo, en-

ça historiando

contram-se

época de Adão até a diversidade posterior à Tor-

as famosas e discutidas rimas pedro-

os idiomas,

desde a unidade

da

sas. Opostas à suavidade daquele estilo, elas can-

re de BabeI. Na sua própria época, afirma Dante,

tam com aspereza e violência uma mulher dura e

existem na Europa Ocidental

três línguas vulga-

fria como pedra que o faz sofrer e a quem Dante

res, isto é, idiomas comumente

falados pelo povo,

deseja que ela possa "experimentar

idiomas

alguma vez a

força do amor" (R 35), pois "maldita 58

a mulher

que as crianças aprendem

dade de regras, ao contrário 59

sem necessi-

do latim, usado pe-

HILÁRlO

FRANCO

los doutos. E é a estes exatamente rige, procurando

DANTE

JÚNlOR

que ele se di-

mostrar o valor dos falares co-

ALIGHIERI

mente pela redação do Purgatório e do Paraíso. No primeiro

tratado do Convívio, Dante justifica o

muns. Desses três vulgares, a língua de oil; de oc

propósito

e de si (assim chamados

a maneira de

mens possuem um desejo natural de conhecimen-

passa a analisar o último de-

to, e por isso convida seus leitores a partilharem

dizer "sim"), Dante

conforme

do livro afirmando

que todos os ho-

les, falado na Itália. Em parte como resultado de

do saber que ele havia adquirido graças aos sábios.

suas andanças de exilado, ele pôde caracterizar os

Exatamente

vários dialetos italianos, classificando-os, estudan-

vulgar, ao alcance de todos.

do as várias formas de métrica, de versificação,

por isso, a obra está escrita em língua

No segundo

tratado,

ele discute o papel das

como um precursor da filologia. Mas, sobretudo,

ciências como caminho para a Filosofia. Alegorica-

ele fez o elogio do que chama de "vulgar ilustre",

mente elabora um esquema - depois desenvolvido

ou seja, do idioma que acima dos dialetos é fala-

na Divina Comédia - baseado nos círculos celestes

do em todo o país. Dante tinha consciência

ou céus, estabelecendo correspondência

da

entre eles

unidade lingüística da Itália, vendo-a como uma

e as matérias das tradicionais sete artes liberais. Se-

preparação para a própria unidade política que ele

gundo esse esquema, todos aqueles céus são habi-

defendia,

tados e governados por anjos, hierarquizados

já que "a nós italianos

nos falta uma

corte" (VEI, XVIII, 3). Por volta de 1304 Dante obra pela metade,

con-

forme seu tipo. Tais círculos celestes estão sujeitos interrompeu

possivelmente

retomá-Ia em outra oportunidade,

pensando

essa em

e passou a se

às determinações

divinas, razão pela qual eles in-

fluenciam os acontecimentos

terrenos, daí a forte

crença de Dante na astrologia.

dedicar ao Convívio. Planejado para ter 15 trata-

No terceiro tratado, o Poeta pôde então, final-

dos filosóficos, também este livro ficou incomple-

mente, fazer o elogio da Filosofia, vista como in-

to, interrompido

termediária

por outros projetos, 60

especial-

entre o mundo 61

divino e o mundo

HILÁRIO

FRANCO ]ÚNIOR

humano. Por isso, como nos mostra no quarto e último tratado, o homem deve buscar a grande amiga da Filosofia, a nobreza. Esta não decorre de nenhuma autoridade política, nem da riqueza nem da hereditariedade, sendo um dom divino, dado individualmente aos homens de virtudes morais e intelectuais. Ao tratar na última parte do Convívio da questão da nobreza, Dante fez algumas considerações sobre a necessidade e o direito de uma monarquia universal, que seria o tema de sua obra seguinte, a Monarquia. Mas além dessa teorização política, que já examinamos no capítulo anterior, aquela obra revela o pensamento jurídico de Dante. Apesar de ter freqüentado a mais importante escola de Direito Romano da Europa de seu tempo, na Universidade de Bolonha, sua concepção era mais de origem tomista quando definia o Direito como "uma proporção real e pessoal de homem para homem que, servida, serve a sociedade, e corrompida, a corrompe" (Mon II, V, 1). Mais ainda, como o Direito é um bem, existe primeiramente. em Deus, por isso mesmo não há direito contra o 62

DANTE ALIGHIERI

Direito, os fins nunca justificam os meios, pois "aquele que deseja atingir o fim do Direito deve proceder conforme o Direito. Se alguma coisa fosse obtida como objetivo do Direito sem ser de direito, esse direit~ seria como esmola feita com dinheiro roubado" (Mon II, VI, 26). Apesar de que todas essas obras teriam sido suficientes para a posteridade guardar o nome de Dante, sem dúvida o que o torna um dos maiores escritores de todos os tempos é a sua célebre Comédia. Contudo, trata-se de uma obra de difícil interpretação, como o próprio Poeta alertou: ela tem um sentido literal e outro alegórico. Ela permite diferentes leituras, do que decorre sua grandeza, pois cada um pode encontrar ali o que quer, ou melhor, reconhecer ali o que é: a Comédia sempre funcionou como um espelho da condição humana, individual e coletiva, por isso foi exaltada por pessoas e épocas tão diversas. Ela é a autobiografia espiritual do Poeta e uma biografia atemporal do ser humano. De um lado ela é profundamente medieval, de outro essencialmente eterna. 63

HILARIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

Seu título deve-se ao fato de a comédia, plica o próprio

ex-

Dante numa carta a um de seus

ALIGHIERI

terreno, Dante imaginou

um artifício interessan-

te ao datá-Ia da Semana Santa de 1300, quando

mecenas, ser um gênero em que a estória come-

ele estaria no pomo mais elevado da trajetória da

ça dura, áspera, e termina

vida humana,

tragédia.

bem, ao contrário

da

Apesar do rigor formal e da extrema

habilidade

poética que requereu, por ter sido es-

que nos que "possuem uma natu-

reza perfeita reside nos 35 anos" (Conv IV, XXIII, 10). Desta forma ele podia descrever fatos passa-

crita em italiano Dante considera que seu "estilo

dos, e atribuindo

é suave e simples, pois emprega a linguagem vul-

podia falar de fatos posteriores

gar que as mulheres

se comprometer.

utilizam em suas conversa-

ções diárias" (EpX, 31). As datas de sua compoparte, o Inferno, é de 1304-

lém, numa profunda depressão em forma de cone,

o Paraíso de

1314-1320. linhas, complexa

A concepção do outro mundo seguia em linhas gerais a cosmologia medieval. Embaixo de Jerusa-

mas geralmente

1308, o Purgatório de 1308-1313, Sua arquitetura

àquela data sem

admite-se

sição são controversas, que sua primeira

aos mortos o dom da profecia,

provocada

pela queda de Lúcifer, o anjo que se

rebelou contra Deus, estava o Inferno. O impacto literária é simples nas grandes nos detalhes, rigorosa no con-

da queda do Demônio fério uma montanha

levantara no outro hemisque formava o Purgatório,

junto. Após um canto inicial, a modo de prólo-

no topo do qual estava o Paraíso Terrestre, exata-

go, cada uma das três partes é formada por 33

mente portanto no lado oposto de Jerusalém. Aci-

cantos, totalizando

ma estava o Paraíso propriamente

portanto

uma centena deles.

dito. Cada uma

São 14 233 versos organizados nos chamados ter-

dessas instâncias estava dividida em partes hierar-

cetos encadeados

(ABA, BCB, CDC etc.). Todas as

quizadas onde as almas dos mortos pagavam pe-

três partes se encerram com a mesma palavra: es-

los seus pecados (Inferno), ou purgavam seus er-

trelas. Para narrar sua viagem pelo mundo extra-

ros (Purgatório)

64

ou eram recompensadas 65

por suas

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

virtudes (Paraíso) conforme a importância pecados ou dessas virtudes.

desses

Na sua viagem por

estes mundos, Dante foi inicialmente

guiado pelo

poeta romano Virgílio, "meu senhor, meu mestre,

ALIGHIERI

da, narrada na Legenda Áurea, segundo a qual São Patrício havia visitado o Inferno e o Purgatório

e

visto o castigo dos condenados. Não se pode ainda descartar uma possível in-

oceano de sabedoria" Unf Il, 140; VIII, 7) até as

fluência de fontes muçulmanas

portas do Paraíso. Por ter sido pagão ele lá não

naquela época muito da cultura islârnica estava

pôde entrar, sendo Dante a partir de então guia-

sendo traduzido e estudado na Cristandade

do por Beatriz.

na. O próprio Dante diversas vezes citou Averróis

Se é inegável a genialidade canta sua passagem pelo mundo idéia em si, contudo, conhecimento

e Avicena, comentadores

com que Dante extra terreno, a

não era original. Dono de

enciclopédico,

sabia de muitos antecedentes

que o inspiraram

a

Lati-

árabes de Aristóteles,

através dos quais, aliás, o Poeta tomou

contato

com boa parte da obra do filósofo grego. De fato, entre os muçulmanos

o Poeta certamente

sobre Dante, pois

havia várias estórias de via-

gens ao Céu e ao Inferno, inclusive uma em que

conceber a Comédia. Em primeiro lugar a Enei-

o narrador

da, onde Virgílio, o modelo poético de Dante,

uma huri (virgem sagrada) que lhe serve de guia.

narra a descida de Enéias aos Infernos. Ademais,

Noutra obra, Kitab elIsra (ou seja, Livro da Via-

um poeta inglês do século XII, Adam de Ros,

gem Noturna), escrita uns oitenta anos antes da Comédia, há notáveis semelhanças com o livro do

recontara

a viagem de São Paulo pelo Inferno,

é recebido

às portas do Paraíso por

com São Miguel servindo de guia e explicando as

poeta florentino. Do mesmo místico hispano-ára-

diferentes

be, Mohiddin

penas para cada pecado.

Na mesma

.Ibn Arabi, encontramos

noutro

época, o místico Joaquim de Fiore descrevera sua

trabalho uma descrição do Céu e do Inferno como

própria descida ao Inferno e sua ascensão ao Pa-

estando

raíso. No século XIII já estava consolidada

um deles dividido em nove círculos.

66

a len-

acima e abaixo de Jerusalém,

67

com cada

HILARIO

FRANCO

JÚNIOR

DANTE

Se na grande maioria dessas fontes utilizadas direta ou indiretamente Purgatório,

por Dante não aparece o

isso não significa que ele tenha sido

criação do Poeta. A concepção do Purgatório mo um mundo

intermediário

ALIGHIERI

Inferno com seus nove círculos concêntricos, um dos quais reservado

cada

a um tipo de pecador,

tanto mais gravemente

punido quanto mais vio-

co-

lou o que o homem tem em si de divino. Os cas-

nascera na segun-

tigos ali são aplicados segundo uma espécie de lei

da metade do século XII, para matizar o rígido

do contrapeso:

dualismo anterior (Bem/ Mal, Céu/ Inferno, Sal-

vardes são continuamente

vação/ Condenação).

Essa concepção respondia às

moscas, os coléricos trocam dentadas entre si, os

novas preocupações

e necessidades sociais, ideo-

assassinos estão mergulhados

lógicas e espirituais

da época. Reconhecido

fervente,

teo-

por exemplo, os indolentes

os aduladores

e co-

picados por vespas e num lago de sangue

estão imersos em fezes.

logicamente pela Igreja em 1274, o Purgatório era

Como em muitos outros pontos, para estabelecer

uma realidade recente, mas de conhecimento

sua classificação moral dos pecados Dante partiu

ge-

ral, quando Dante o cantou.

de autoridades

A Comédia começa quando

Dante,

perdido

numa selva escura (sua vida de pecado), tenta subir a uma colina luminosa mas é impedido

(a beatitude

divina)

por três feras simbolizadoras

da

que respeitava, nesse caso Aristó-

teles, Cícero e Tomás de Aquino, mas organizando seu próprio esquema. Várias vezes as personagens

não são tratadas

de acordo com o pecado que personificam,

mas

luxúria, do orgulho e da avareza. Aparece-lhe en-

com o sentimento

tão Virgílio, propondo

Por exemplo, o Poeta não esconde seu profundo

outro caminho, que atra-

vessa o Inferno e o Purgatório.

Diante do medo

que despertavam

desprezo pelo florentino

em Dante.

Filipo Argenti, seu ini-

do Poeta, avisa-lhe que este privilégio lhe foi con-

migo pessoal, colocado no Quinto Círculo, o dos

cedido graças às orações de Beatriz, que sensibili-

coléricos.

zaram a Virgem. Iniciada a viagem, penetram

Círculo,

68

no

Por outro lado, encontra na vala dos sodomitas, 69

no Sétimo

seu antigo mes-

HILÁRIO

tre Brunetto

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

Latini, com quem conversa longa e

respeitosamente.

No Nono Círculo,

destinado

ALlGHIERI

rios). O Oitavo Círculo,

dividido em dez valas,

abriga na primeira delas os rufiões e sedutores, na

aos traidores, mostra pesar pelo conde Ugolino,

segunda os aduladores,

que fora aprisionado

na quarta os mágicos e embusteiros,

com seus filhos e netos ven-

do, um a um, todos eles morrerem

de fome até

corruptos

e trapaceiros,

na terceira os simoníacos, na quinta os

na sexta os hipócritas,

que "depois, mais do que a dor, pôde o jejum"

sétima os ladrões, na oitava os conselheiros

(Inl XXXIII, 75).

dulentos,

No Primeiro Círculo ou Limbo, o mais largo

na

frau-

na nona os semeadores de cismas reli-

giosos e de discórdia,

na décima os falsários. O

e mais próximo à Terra, pois o Inferno tem a for-

Nono Círculo,

ma de um cone invertido, estão os nâo-batizados

cifer, é o dos traidores de familiares, da pátria, de

e os pagãos. Como ali encontram-se

amigos e de benfeitores. Percorrido todo esse centro da Terra em três

involuntariamente

desconheceram

as almas que Cristo (ou nas-

onde se encontra

o próprio

Lú-

ceram antes de Ele se fazer homem ou não foram

dias, Dante e Virgílio saem no outro hemisfério,

batizados pelos pais), não há propriamente

no sopé do monte onde se encontra

casti-

o Purgató-

gos naquele local, apenas uma atmosfera de me-

rio. A estrutura deste é semelhante

lancolia. No Segundo Círculo ficam os luxurio-

ainda que seguindo

sos, no Terceiro os gulosos, no Quarto os pródigos

nos pessoal, baseada nos sete pecados capitais. Na

e os avarentos, no Quinto os iracundos,

primeira

no Sex-

plataforma

uma hierarquia da montanha,

à do Inferno, moral meo Ante-Pur-

to os hereges. O Sétimo Círculo está dividido em

gatório, estão os indolentes e omissos, aqueles que

três partes, uma para os violentos contra o próxi-

só se renderam

mo (tiranos e assassinos), outra para os violentos

isso devem esperar para prosseguir a ascensão. No

contra si mesmos (suicidas), outra para os violen-

Primeiro Giro do Purgatório

tos contra Deus (blasfemos, sodomitas

ficam os orgulhosos

70

e usurá-

a Deus no fim da vida, e que por propriamente

dito,

curvados ao peso de gran71

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALlGHIERI

des pedras e vendo esculpidos

por arte divina

luz, iluminando

e movendo as esferas abaixo. Na

vários exemplos de humildade.

No Segundo es-

sua caminhada

em direção a Deus, o Poeta passa

tão os invejosos com as pálpebras costuradas por

pelo Segundo

Céu, o das almas que foram vir-

fios de ferro, no Terceiro os iracundos

tuosas por desejo de fama e glória. No Terceiro

em nuvens de fumo, no Quarto em constante

movimentação,

envoltos

os preguiçosos

no Quinto

os ava-

encontra

as que foram sensíveis ao amor físico

mas que conseguiram se salvar, no Quarto os teó-

rentos deitados de bruços com os olhos junto ao

logos, no Quinto

solo e as mãos e pés amarrados.

pela Igreja e pela fé, no Sexto os príncipes que go-

No Sexto Giro

os que morreram

combatendo

ficam os que expiam o pecado da gula, passando

vernaram

fome e sede e atormentados

pela visão de árvo-

plativos. No Oitavo ele vê Cristo e os santos. No

res cheias de frutos e de fontes de água pura. No

Nono contempla a Rosa Paradisíaca, formada pe-

Sétimo Giro aparecem os luxuriosos envoltos em

los espíritos triunfantes

grandes chamas. Finalmente

intenso

divisa-se o Paraíso

com sabedoria, no Sétimo os contem-

ponto

luminoso

com a intervenção

Terrestre. A partir de então Dante será acompanhado

templar

e pelos anjos em torno do que é Deus. Por fim,

da Virgem, Dante pôde con-

a própria essência divina, indescritível:

por Beatriz, com quem sobe por um movimento

"Para narrar o que vi é a voz humana/

rápido e imperceptível

ficiente

para o Primeiro Céu, onde

encontra as almas que foram impedidas de cumprir integralmente

seu voto religioso. Concebido

segundo o sistema ptolomaico,

o Paraíso é forma-

do por nove céus ou esferas concêntricas chegar ao Empíreo, a sede da Divindade,

até se que não

é visto como um céu material, mas pura fonte de 72

que a de uma criança/

mais insu-

que ao seio da

nutriz inda se afana" (Pard XXXIII, 106-108). Como definir essa obra que o próprio confessava ser multifacetada?

Poeta

Basta dizer, como

ele, que "em sentido literal é simplesmente

o es-

tado das almas depois da morte, em sentido alegórico o tema é o homem submetido 73

pelos méri-

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

à justiça do

para uma reflexão que o levou à auto crítica (Pur-

prêmio e do castigo" (Ep X, 24-25)? Pelo menos

gatório), Dante encerra o poema com uma verda-

quanto à primeira parte, sim: no cruzamento

deira doutrinação

tos e deméritos

de seu livre-arbítrio

do

(Paraíso). De fato, a estrutura

destino do Poeta com o destino da humanidade,

do Paraíso é, talvez possamos assim dizer, didáti-.

é que está a grande beleza do Inferno, geralmente

ca: cada céu é um estágio em que o entendimen-

considerado



a parte mais brilhante do poema.

to 'cresce à medida que se aproxima da fonte da

no Purgatório, por sua vez, o Poeta aparece não

Verdade.

apenas como espectador e comentarista,

mas par-

simples, Física, para concluir com o mais com-

ticipante que a cada seção percorrida tem um pe-

plexo para a mente humana, Teologia. Ele discute

cado perdoado. No entanto mais do que um pe-

assim, sucessivamente,

questões sobre as manchas

nitente

da lua, o livre-arbítrio,

a história do Império Ro-

comum,

ele coloca-se ali revendo

antigas posições intelectuais.

suas

Ele percebe os limi-

tes da Razão que não estiver acompanhada

pela

mano,

Por isso, começa com o assunto

a astrologia,

as Ordens

mais

Mendicantes,

a

vida do próprio Poeta, a justiça, a vida contempla-

Revelação. Ele repudia a concepção de amor cor-

tiva, as virtudes teologais, a decadência da Igreja,

tesão. Apesar de não negar seus conhecimentos

os anjos, a Divindade. Enfim, a trajetória

humanísticos,

clássicos, o Poeta tendia cada vez

percorrida

por Dante,

da

mais a uma forma própria de misticismo. Ele ten-

selva escura à colina iluminada,

tava, por seu próprio caminho, a mesma harrno-

todos os homens.

nização entre Razão e Fé que Tomás de Aquino

seja entendido

havia buscado.

foi o mesmo que Ulisses precisou vencer para po-

De acordo com a minuciosa

arquitetura

da

é a trajetória de

O duro caminho atravessado,

literalmente,

seja interiormente,

der voltar para casa, que Hércules nos doze tra-

Comédia, depois de mesclar sua própria huma-

balhos para se purificar e se divinizar, que Cristo

nidade com a Humanidade

para atingir seu objetivo na Cruz, que os cavalei-

74

(Inferno),

de passar

75

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

ros da T ávola Redonda à procura do Graal. Danre tornou-se assim mais um arquétipo do homem em busca de si mesmo.

4

o Esotérico

Ó vós que tendes o intelecto são, meditai na doutrina que se oculta sob o véu desses versos estranhos. (Inl IX, 61-63)

Inegavelmente, Dante foi conhecedor, como acabamos de ver, de boa parte do saber de sua época. Discutivelmente, o Poeta teria sido ainda, segundo alguns estudiosos de sua obra, uma pessoa ligada à cultura não oficial, a um saber esotérico. Isto é, um conhecimento não público, restrito a um grupo reduzido de pessoas iniciadas em 76

77

HILÁRIO

alguma doutrina ponto

FRANCO ]ÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

secreta. Os que defendem

de vista argumentam

esse

com passagens em

que se deveria galgar para atingir a Verdade. Portanto, o Inferno representaria

que o próprio Poeta insinua que sua obra tem um

o Purgatório

outro significado além do aparente. Por exemplo,

morada dos Perfeitos.

os versos que servem de epígrafe a este capítulo

o mundo profano,

as provas iniciáticas

e o Paraíso a

Em função disso, já se levantou a hipótese de

seriam uma confissão de que apenas alguns, os

que Dante teria sido um herege, seguidor da seita

que tem "o intelecto

dos cátaros ou albigenses, e por isso obrigado

der sua verdadeira "oculta".

são", poderiam mensagem,

compreen-

propositalmente

camuflar seu pensamento

para escapar à repressão

eclesiástica. Tal interpretação

Noutro texto famoso, do Convívio (lI, I, 3-6),

baseia-se em alguns

dados esparsos e pouco convincentes.

Por exem-

Dante afirma que todos os escritos têm quatro

plo, no fato de que a heresia formara-se

sentidos:

francês, cuja cultura

o literal, que se prende ao significado

a

era conhecida

no sul

e admirada

comum e imediato das palavras; o alegórico, "uma

por Dante, e espalhara-se pelo norte italiano. No

verdade oculta sob um belo engano";

o moral,

seu rígido dualismo, que via em tudo a luta entre

que deve ser útil aos leitores, mas a poucos deles,

o Bem e o Mal, os cátaros ("os puros") pregavam

pois "nas coisas muito secretas devemos ter pouca

contra o sexo, defendendo

companhia";

piritualizadas,

o anagógico ou extático, o "sentido

superior", aquele que permite a contemplação

das

relações humanas

como Dante. De forma geral, essa

hipótese é negada pelos dantólogos

"realidades sublimes da glória eterna". Mas, con-

tar apenas indícios pouco importantes

tinua Dante, deve-se passar do literal para os de-

tremamente

mais, do que se conhece melhor para o que se conhece menos. A partir disso, poder-se-ia interpretar

talvez

os vários céus como graus de iniciação 78

es-

por apresene ainda ex-

discutíveis.

Mais plausível - sem contudo estar provada é a idéia de que o Poeta teria estado ligado à Ordem dos Templários,

dissolvida pelo Papado em

79

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

DANTE

ALIGHIERI

1312. Nascida no começo do século XII para pro-

nardo. De fato, esse santo e monge é que elabora-

teger os peregrinos que se dirigiam a Jerusalém, a

ra a regra da Ordem do Templo, e assim a palavra

Ordem tornara-se muito rica e poderosa, desper-

contem plante com que Dante o designa teria um

tando a oposição do rei francês Filipe IV Quan-

duplo sentido, lembrando

do este conseguiu no início do século XIV exer-

co e de ternplário. Da mesma maneira, quando o

cer certo domínio

Poeta vê "a sociedade

sobre o Papado, pressionou-o

para que a Ordem fosse destruída.

Por isso é que

sua condição de místi-

das vestes brancas" (Pard

XXX, 129) estaria ambiguamente

se referindo ao

Dante teria atacado o monarca, esperando que a

hábito branco dos templários

vingança divina caisse sobre ele: "vejo o novo Pi-

rados citados por São João no Apocalipse (VII, 13-

latos, tão cruel! que não saciado ainda, sem de-

14). É pouco provável, ao contrário do que pen-

creto/ impõe ao Templo sua mão infiel.! Quanto,

sam alguns, que o conhecimento

Senhor, ser-rne-á,

da cultura muçulmana lhe tivesse sido transmitido

então, dilero/ ver chegada a

vingança que, escondida,!

se aninha em teu de-

pela Ordem

do Templo,

e aos bem-aventu-

que Dante tinha

que a teria absorvido

sígnio alto e secreto!" (Purg XX, 91-96). Da mes-

quando das Cruzadas. A rigor, tampouco pode-se

ma forma, o papa Clemente

garantir que os templários tivessem um saber pró-

V teria sido dura-

mente tratado no poema e colocado no Inferno, por ter combatido (em quem Dante

o imperador depositara

Henrique

prio, esotérico.

VII

tanta esperança)

e

dissolvido a Ordem dos Templários. Para os que defendem essa suposta filiação templária de Dante, é significativo

que nas últimas

Mais provável é que Dante estivesse ligado à ciência hermética dos alquimistas. Em 1295, diante de uma lei que estabelecia a obrigatoriedade se estar registrado em alguma corporação sional para poder participar

de

profis-

da vida política de

etapas de sua viagem pelo Paraíso ele tenha sido

Florença, o Poeta se inscreveu na Arte dos Médi-

guiado não mais por Beatriz e sim por São Ber-

cos e Farmacêuticos.

80

Tal fato nada tinha de estra81

HILÁRIO

FRANCO

nho, pois as preocupações sofia levavam-no

de Dante com a Filo-

inevitavelmente

vizinho da Alquimia.

DANTE

JÚNIOR

para o campo

Para o pensamento

medie-

princípios

ALIGHIERI

aparentemente

opostos da matéria).

A rosa branca, muito usada simbolicamente los alquimistas

e vista por Dante no Paraíso, tal-

val, sempre buscando a Unidade, aquelas duas áre-

vez tivesse alguma relação com o Roman

as do conhecimento

Rose, popularíssima

propunham

caminhos

rentes para atingir o mesmo objetivo.

dife-

Não por

chamada de pedra "filosofal", e eles próprios

de

filósofos da Natureza. Dance, aliás, lembrava que "se os homens voltassem mais a mente/

ao que a Natureza

lhes mostrar! seguindo-a,

de forte sentido ai químico

está a

melhor seria toda gen-

rentino , provavelmente por Dante. Outra hipótese esoterismo

de ta

obra de fins do século XIII, e que fora traduzida

para o italiano por um tal de Ser Durante

acaso a meta dos alquimistas era simbolicamente

pe-

um pseudônimo

Fiousado

da existência de um possível

de Dante é a do profetismo.

portante historiador

Um im-

da literatura medieval, Ernst

te" (Pard VIII, 142-144). Comprovadamente

ele

Robert Curtius,

conhecia obras de forre conteúdo

co-

mensagem central de Dante. Na verdade, muitas

alquímico,

considera mesmo que essa foi a

mo as de Vicente de Beauvais, Alberto Magno e

profecias teológico-políticas

do franciscano

Roger Bacon, para quem aquela

séculos anteriores, mas não tão elaboradas no con-

era "a dama de todas as ciências". Num certo sen-

teúdo e na forma quanto a do Poeta. Grande in-

tido, pode-se mesmo estabelecer uma correspon-

fluência teve a do monge do século XII Joaquim

dência entre as etapas percorridas

de Fiore, que dividia a história da humanidade

pelo Poeta em

sua viagem pelo mundo extraterreno operações da alquimia,

e as diversas

desde a calcinação

truição da forma primitiva)

(des-

até a coagulação fi-

tinham aparecido nos

em três fases. A última delas, a fase do Espírito Santo, que veria o desaparecimento terial e da sociedade

corrupta,

da Igreja ma-

deveria começar

losófica (junção inseparável e perfeita de todos os

em 1260. Nascido cinco anos depois, Dante, que

82

83

HILARIO

FRANCO

conhecia o pensamento

DANTE

JÚNIOR

daquele monge - colo-

cou-o no Paraíso no círculo dos teólogos - parece ter acreditado viver próximo àquela época áurea,

soas e instituições

ALIGHIERI

de sua época e revelou o que

considerava verdades pouco conhecidas. Se são discutíveis

todas essas hipóteses

perto do fim da Igreja corrupta e não muito dis-

um pretendido

tante do Juízo Final.

tos de sua obra que claramente,

Assim, Dante teria escolhido Virgílio para ser

esoterismo

de Dante,

sobre

há aspec-

ao contrário

do

que pensam alguns, não podem ser entendidos

seu guia não apenas devido à admiração literária

como esotéricos. Por exemplo, algumas vezes ten-

que lhe devotava, mas também por causa da cren-

tou-se interpretar os jogos numerológicos

ça popular que lhe atribuía poderes extraordiná-

ta como prova de sua adesão a determinadas

rios. Para a Idade Média o poeta romano era o

ciedades ou doutrinas

vate, aquele que fazia vaticínios. O florentino

sença daqueles elementos

se

via, então, como herdeiro poético e profético daquele a que chamava de oceano de sabedoria VIII, 7). O profetismo

(Inl

de Dante ocorria no sen-

acentuado

do Poe-

secretas. Contudo,

so-

a pre-

revela simplesmente

lado simbólico da mentalidade

o

medie-

val. A numerologia,

como qualquer

outro siste-

ma de interpretação

da realidade visível, expres-

tido mais exato da palavra, no duplo significado

sava a idéia de que por trás das aparências imedia-

bíblico de falar em nome de alguém e de revelar

tas haveria um significado profundo,

o futuro ou coisas ocultas. No primeiro aspecto,

das coisas. Significado

Beatriz lhe recomendou

do através da compreensão da linguagem dos sím-

expressamente:

"Minha

que poderia ser alcança-

palavra grava, de tal sorte/ que a possas transmi-

bolos. Logo, quando

tir inalteradal aos que, na terra, voam para a mor-

mente

te" (Purg XXXIII, 52-54). No segundo aspecto,

verdade aos não iniciados.

Dante, falando pelas bocas de várias personagens,

valorizar o significado

prenunciou

tendia transmitir.

diversos acontecimentos 84

sobre pes-

à numerologia,

metafísico,

Dante

recorre freqüente-

não é para ocultar

uma

É tão-somente

para

de certas idéias que pre-

85

HILARIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

Desta forma, a importância

Na Comédia aparecem três pares de números com forte significado simbólico. les, constituído pria estrutura

do 9 é ser um tri-

plo ternário, isto é, um número que sem nenhum

O primeiro de-

pelo 3 e pelo 9, determina

ALIGHIERI

outro se reproduz. Beatriz foi sempre acompanhada

a pró-

pelo número 9 para fazer compreender

e essência da obra. Toda a com-

que ela era

posição do poema é ternária: são três partes, cada

um 9, isto é, um milagre cuja raiz é somente

uma delas com 33 cantos, divididos

miraculosa

em estrofes

Trindade

a

(VN 29). Não por acaso,

de três versos, cada estrofe com 33 sílabas. Na-

Dante encontrou-a

turalmente

de idade e pela segunda aos 18. Abalado pela morte

essa preocupação

com a ternaridade

não era original,

pois tratava-se

bolo encontrável

em quase todas as sociedades

pela primeira vez aos 9 anos

do pai de Beatriz, o Poeta ficou doente por nove

aí de um sím-

dias. Ela própria morreu na nona hora do nono

e todas as épocas. O 3 aparece constantemente

mês da nona dezena de anos do século (ou seja,

nos mitos sob a forma de três irmãos, três pre-

setembro de 1290). Ademais, não é preciso lem-

tendentes,

três provas, três desejos, três divin-

dades. Era para Pitágoras o número perfeito por ter um princípio,

um meio e um fim. Era sem-

pre visto como a síntese biológica, que soluciona o conflito entre dois opostos e assim eterniza a continuidade

do próprio

isso o triângulo

é um arquétipo

universal. O triângulo

eqüilárero,

ta, simboliza a harmonia, a divindade. piritual.

conflito

gerador.

Por

da fecundidade forma perfei-

a proporção,

e assim

Daí, em suma, ser o número do es-

j I

jf.

brar, o Inferno e o Paraíso estavam divididos cada um deles em nove partes. A viagem do Poeta, desde que se perdeu na selva escura até alcançar a Divindade, durou nove dias. O segundo par numérico constituído (mundo

pelo 7 e pelo 11. Sendo a soma de 3

espiritual)

e 4 (mundo

material:

terra, ar, fogo; inverno, primavera,

água,

verão, outo-

no; norte, sul, leste, oeste), o número 7 simboliza a natureza humana. Daí os sete dias da semana, as sete notas musicais,

86

na obra de Dante é

as sete cores, os sete sacra87

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

rnentos, as sete virtudes, os sete pecados capitais.

Dante a loba, que "com bestas numerosas

Estes últimos, aliás, é que determinavam

sala! e mais serão, até que por final! o Veltro surja

a estru-

se aca-

(Inf I, 100-102). Assim, o pa-

tura do Purgatório. Entre um mundo divino (o In-

para aniquilá-Ia"

ferno, dominado

pel da personagem 515 seria esmagar o 666. Como

pelo Anjo Rebelde) e outro (o

Paraíso, onde reina Deus), o Purgatório

a loba tinha sido o símbolo de Roma e o Veltro

é local

essencialmente

humano. Lá não existem punições

destruirá a loba para "redirnir a Itália" (InjI, 106),

e recompensas,

apenas a preparação para as almas

pode-se pensar que o Poeta falava na Igreja como

que não tinham aderido ao divino, diabólico ou

a besta apocalíptica e num salvador da Itália como

angelical. O número

o Veltro. Lembrando

11 é de significado simbóli-

que 515 em algarismos ro-

co mais discutível, expressando talvez uma transi-

manos é DXY, alguns dantólogos

viram aí uma

ção. De qualquer forma, no Inferno a maioria das

inversão de dux, ou seja, duque,

chefe. Várias

cenas e episódios comidos em cada canto totaliza

personagens

onze estrofes. Em alguns casos 22 estrofes, múlti-

sivamente vistas por Dante como aquele liberta-

plo de 11, como também ocorre com o 33, nú-

dor tão esperado, sobretudo

o imperador

mero de cantos de cada parte e número de sílabas

que VII. Outros

que DXV seriam as

de cada estrofe. O 11 aparece ainda em todo o

iniciais de "Dante, Veltro de Cristo". Ou seja, o

poema através desse número de sílabas por verso.

próprio

mem". Por outro lado, a personagem

o-

designada

por 515 é o "mensageiro de Deus" (Purg XXXIII, 44). Ora, no começo do poema surge diante de 89

88

i

Henri-

de sua obra

de redimir a Itália, tirando-a

daquela triste situação.

se que este último número é, segundo o Apocalipse, o

acreditam

teriam sido suces-

Poeta através das denúncias

tinha a esperança

O terceiro par é formado por 515 e 666. Sabe'"o numero dba esta, porque e"dh o numero

contemporâneas

5

o Amante

o amor

que move o sol e as outras estrelas. (Pard

o

conhecimento

enciclopédico

XXXIII, 145)

de Dante le-

vou-o a ter uma visão do amor que reunia, filtrados pela sua sensibilidade,

elementos provenien-

tes das concepções amorosas aristocrática, popular e intelectual.

A primeira delas, desenvolvida ini-

cialmente nas cortes feudais da Provênça, no sul francês, era conhecida

por isso como cortesã. A

segunda, ligada ao substrato

91

folclórico, à espiri-

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

tualidade popular e às transformações

sócio-eco-

mento advindo

da impossibilidade

nômicas ocorridas desde o século XII, era a cor-

zação funcionando

rente mariana, de valorização do culto à Virgem.

çoamento

A terceira, ligada às Universidades mento do aristotelismo,

e ao reapareci-

teve seu maior represen-

de concreti-

como um meio de aperfei-

espiritual.

Tais pontos estavam claramente

presentes na

obra do Poeta. Para ele a necessidade

de amar é

tante em Tomás de Aquino, daí ser chamada de

tão grande que não importa o sofrimento

tomista.

decorra. Se o amor pode ser dor, é sobretudo ale-

A literatura bem conhecia,

que daí

provençal cortesã, que Dante tão

gria, pois "os males do amor não pesam a sexta

caracterizava-se

parte da doçura que proporcionam

no seu conjunto

por cantar um amor não concretizado.

Amor in-

seus bens" (R

16). É verdade que se pode morrer de amor, mas

telectual, reflexivo das qualidades físicas e morais

só porque se viveu por ele. Assim, adaptando

da amada e que nega qualquer nobreza às relações

nificativamente

materiais,

dirige-se a uma amada dizendo "em vossas mãos,

carnais, vistas como grosseiras. Amor

um texto do Evangelho, encomendo

doce senhora

que é a própria razão da existência. Amor ilegí-

que está morrendo tão dolorida morte que o amor

timo que envolve uma dama casada de quem o

que a mata a olha com piedade. Bela senhora mi-

trovador possui o coração mas não o corpo. Amor

nha, enquanto

dissimulado,

avara de vossos olhares, pois assim morrerei resig-

se torna público e se vulgariza. Amor

nado e em paz" (R 19).

submisso,

com a mulher sendo vista, de acordo

O amor é intelectual,

quem o amante,

feudal, como "senhora",

a

como um vassalo, está sempre

pronto a servir. Amor penitencial, 92

com o sofri-

alma,

estou ainda com vida, não sejais

sentimento

com a terminologia

minha

Dante

vivificador, que torna a vida digna de ser vivida,

cercado de segredo, sem o qual o

minha,

sig-

pois somente através da

razão é que se pode expurgar uma paixão dos sentimentos mais baixos, materiais, transformando-a verdadeiramente

em amor. A imagem de Beatriz,

93

HILÁRIO

que impressionou

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

vivamente o Poeta desde a pri-

se dirigia a outra pessoa, a uma "mulher-escudo"

meira vez que a viu, era "audácia do Amor a se

(VN7). Expressando seu amor submisso, Dante,

apoderar de mim, todavia era de tão nobre virtu-

na mesma linguagem feudalizada dos poetas fran-

de que nenhuma

ceses, várias vezes se declara "servo" de sua "se-

vez tolerou que o Amor me re-

gesse sem o fiel conselho da razão" (VN2). Após a

nhora". Por isso mesmo, entrega-se totalmente

morte da amada, Dante deixou por certo tempo

ela, sofrendo quando ela sofre, ficando feliz com

de seguir aquele conselho, sendo atraído fisicamen-

sua felicidade.

te por outras mulheres.

Mas, fundamentalmente,

Personagens aliás muito

para o Poeta o amor

discutíveis, sendo difícil estabelecer concretamen-

era uma penitência,

te suas identidades ou mesmo suas existências. De

ção. O sofrimento

qualquer

tivo para o futuro da alma: baseando-se

forma, o próprio

logo se arrependeu

Poeta nos conta que

"dolorosamente

do desejo pelo

pria Redenção,

a

um processo de espiritualizaprovocado pelo amor era posina pró-

ele diz morrer de amor "porque

qual se deixara possuir tão vilmente por uns dias,

era necessário que um homem morresse para sal-

contra a constância da razão" (VN39).

var os demais desse perigo" (R 36). Significativa-

O amor por Beatriz também era ilegítimo, pri-

mente, na Vita Nuoua, após a morte de Beatriz, o

meiro pela diferença de condição social e depois

Amor lhe aparece em trajes de peregrino. Portan-

pelo casamento da amada. Também ilegítimos fo-

to, todo amante é um penitente, é alguém que em

ram os demais amores do Poeta, que traíram

busca do Amor vai se purgando

memória

a

de Beatriz, "por isso, muitas vezes me

desgostei comigo mesmo, e me considerei muito pusilâmine"

(VN 37). Por ser ilegítimo, o amor

por Beatriz devia ser dissimulado,

daí para escon-

der seu forte sentimento Dante ter fingido que ele 94

como única for-

ma de alcançá-lo. Em última análise, a passagem do Poeta pelo Inferno e pelo Purgatório dura penitência

foi uma

que lhe permitiu a purificação e

assim a entrada no Paraíso, reduto do verdadeiro e eterno Amor. 95

HILÁRIO

o culto

FRANCO

JÚNIOR

DANTE

a Maria que então se desenvolvia es-

tava ligado à revalorização

sócio-econômica

ALIGHIERI

dicação e lealdade. Nos relatos medievais de mi-

da

lagres marianos insiste-se sempre na ajuda que a

mulher, sem que contudo se possa saber qual da-

Virgem dá aos que a cultuam zelosamente,

queles processos foi anterior, possibilitando

mais pecadoras que fossem essas pessoas. Depois,

o ou-

por

tro. De qualquer forma, a figura de uma mulher

o amor mariano é purificador,

fecundada

pre virgem, a esposá fiel do Espírito Santo, por

pela Divindade

e que estabelece des-

pois sendo a sem-

ta maneira uma aliança entre o mundo divino e

sua pureza Maria se tornara um instrumento

o humano

ação divina. Um símbolo de desprendimento,

era bastante

antiga.

acentuou seu caráter de protetora, privilegiada

O cristianismo de intercessora

mildade,

junto a Deus. Tanto na iconografia

resignação,

continência,

submissão

de huda

própria vontade. Por fim, o amor da Virgem é re-

quanto na literatura medievais, a Virgem era vista

dentor. De fato, "da esperança/ entre os mortais,

como a grande salvadora da alma humana, esten-

és fonte permanente/

dendo seu manto protegendo-os ginalmente

maternal

sobre os homens

e

das forças maléficas. Produto ori-

da religiosidade

popular, com a cres-

cente clericalização das tradições folclóricas e aris-

;i

I ti ~

tamanha

é nestes céus tua

pujança/ que quem o bem, sem ti, busca hesitante/ como que a voar sem asas se abalança" (Pard XXXIII,

11-15).

Vivendo num momento

de forte marianismo

tocratização do cristianismo, a Virgem acabou por

e educado num de seus redutos, que era o con-

ser tornar a Dama, a Senhora por excelência. Isto

vento dominicano

é, passou a ser, como a dama dos trovadores, uma

naturalmente

amada distante e servida por muitos vassalos.

ção de amor. Pode-se mesmo ver em Beatriz um

Por isso mesmo, amor marianista

uma das características

do

era a fidelidade. A Virgem, no

seu amor pelos devotos, exigia acima de tudo de-

il 'M:1'jl

de Santa Maria Novella, Dante

foi influenciado

símbolo da Virgem, pois se tratava, mais do que de uma mulher real, de um "anjo juveníssimo"

(VN 2), de uma "dama celestial" (Purg XXXII,

;1 96

1

t

por aquela concep-

97

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

92). É expressivo que o encontro

DANTE

ALIGHIERI

com Beatriz te-

a tem mais perto" (R 22). Seu amor também era

como uma conversão, uma

redentor, e da mesma forma que a Virgem arran-

"vida nova", portanto o amor como uma força re-

cava as almas de seus devotos do fogo do Inferno,

ligiosa redentora. Como nas poesias sacras da épo-

fora Beatriz que descera até o Limbo para pedir a

ca, Dante vê Beatriz como "uma alma tal que até

Virgílio que socorresse o Poeta. Portanto,

como

no céu resplandece/

Dante reconheceu,

a sal-

nha sido apresentado

e o céu que não possui outro

foi ela que possibilitou

defeito/ que o de não tê-Ia, ao seu Senhor a pede"

vação de sua alma: "da servidão me alçaste à liber-

(VN 19) Ao definir os temas que devem ser can-

dade" (Pard XXXI, 85).

tados em língua vulgar, Dante amor e virtude,

dizendo-se

fala em saúde,

A visão de Tomás de Aquino

poeta não do amor,

concordava

mas da virtude, isto é, vendo Beatriz como tal. recrimina em Dante sua inconstância

na essência com as duas anteriores,

ainda que adotando

Desejosa como Maria de um amor fiel, Beatriz

sobre o amor

fórmulas filosóficas e não li-

terárias ou religiosas. O conhecimento

e o cami-

que Dante

tinha do tomismo vinha de seus estudos de ado-

nho errado que tomou após a morte dela: "já não

lescente com os dominicanos

lhe fui, como antes, tão querida/ volveu seu pas-

provável estada na Universidade

so à via perigosa/

atrás de uma ilusão

próprio Tomás de Aquino ensinara algumas déca-

(Purg

das antes. Assim, a filosofia tomista reforçava e ra-

correndo

fugaz! que lhe acenava, pérfida, enganosa' XXX, 129-132).

de Florença e de sua de Paris, onde o

Seu amor também era purifica-

cionalizava as concepções de amor cortesã e ma-

dor, pois "gentil e bela, com seus suaves gestos

.riana que diziam mais à visão poética que Dante

saudava aos que considerava

tinha das coisas.

dignos e enchia o

coração destes com todas as virtudes. Creio que

A primeira característica do amor tomista é, na

era a soberana do céu que baixou à terra para o

sua própria linguagem, ser complementativo,

nosso bem, por isso é bem-aventurado

é, sendo uma paixão, portanto

aquele que

98

99

1

isto

um apetite que

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

busca o apetecível, o amor implica associação com

o amor egoístico é a entrega total a Deus. Só Nele

seu objeto. Ou, no caso extremo, o amor através

se fundem

do espelho

implica um certo desprezo a si próprio,

do objeto amado

reflete o próprio

coerentemente

amante. Recorrendo a uma formulação muito di-

cura do próprio

fundida

vés de outrem.

na época, Dante faz o Amor dizer que

o amor a Deus, que e a pro-

bem que se realiza apenas atraAssim ocorre na obra de Dante

"sou como o centro de um círculo ao qual igual-

quando,

mente se referem todas as partes da circunferên-

de Cristo na cruz, ele desvia os olhos de Beatriz,

cia" (VN 12). Em segundo lugar, o amor é inte-

mas percebe que na verdade ela integrava aquela

lectivo, pois a própria noção do bem desejado está

visão.

no intelecto. Tem-se mais prazer compreendendo

por exemplo,

Concluindo,

no Paraíso ao ter a visão

Dante reuniu as três concepções

que sentindo o objeto de amor. Por isso, continua

de amor que ganhavam

Tomás de Aquino, a castidade deve ser preserva-

resultantes

terreno

do abrandamento

em sua época,

das condições só-

da, pois os prazeres corpóreos provocam a luxú-

cio-econômicas

ria e perturbam

século XI ou princípios do XII. De fato, até aque-

a razão. Para Dante, os luxurio-

sos são "os réus carnais, aqueles que a razão/ ao apetite andaram submetendo"

le período

Unf V, 38-39).

que se verificava desde fins do

a sociedade

mente misógina,

medieval fora profunda-

fundamentando-se

Outro elemento do amor tomista é a inerên-

celibatário

e em guerreiros

cia, o fato de o amado estar no amante e vice-

atividades

dependiam

versa. Mas para tanto é preciso harmonizar o amor



num clero

e camponeses

cujas

de força física. Contudo,

com a expansão demográfica,

as novas técnicas

(

a si próprio com o amor a outrem, o que só é pos-

agrícolas, o revigoramento

sível através de Deus, ao mesmo tempo objeto de

cimento da produção artesanal, o desenvolvimen-

amor e fonte de amor. Ou seja, a forma de cada

to das cidades, surgiram

um se amar mais completamente

cluíam as mulheres.

sem resvalar para

1

atividades

Pelo contrário, 101

100

do comércio,

o cres-

que não exem vários

HILÁRIO

FRANCO

casos predominava

o trabalho

exemplo na mais importante de então, a têxtil. Assim, aquelas profundas ram acompanhadas

DANTE

JÚNIOR

feminino,

indústria

por

artesanal

ALIGHIERI

colocou três papas no Inferno, um no Purgatório e nenhum

no Paraíso.

Nas célebres rimas dedicadas à mulher de petransformações

fo-

por uma suavização dos cos-

dra, personagem

dura e fria, intocada pelo amor,

talvez Dante estivesse se referindo

à Igreja. De

tumes e pela liberalização das tendências psicoló-

fato, pedra era um antiqüíssimo

gicas femininas

e símbolo da Igreja a partir das palavras bíblicas

dos homens e portanto

dade, até então profundamente

da socie-

masculinizada.

A

de Cristo ao apóstolo:

símbolo de Deus

"Tu és Pedro e sobre esta

seu modo, cada uma daquelas correntes idealiza-

pedra edificarei minha Igreja". Em função disso,

va a mulher e o amor. Em Dante não é diferente.

a renúncia ao auto-amor

Mas ao despersonalizar,

era, como vimos, uma imagem da Virgem. Era a

desmaterializar

ele estava introjetando-o,

tornando-o

o amor , um exercí-

levou-o a Beatriz. Esta

luz salvadora que lhe aparece quando "a meio ca-

cio intelectual valorizador de si mesmo, uma sub-

minho desta vida/ achei-me a errar por uma sel-

missão a si próprio, uma penitência

va escura

a auto-salvação.

que buscava

Esse profundo amor egoístico vi-

Uni I,

1-2). Era, em termos junguianos,

a anima (a face feminina)

do próprio

Dante,

a

sava, de acordo com a fórmula tomista, a renún-

condutora

cia que lhe permitiria

chegar ao amor divino. Po-

Mais do que um objeto de amor, ela era o pró-

rém o caminho natural para tanto estava fechado.

prio amor: "três mulheres chegaram aos arredo-

ao Poeta naquele momento.

res do meu coração e sentaram-se

Católico fervoroso,

do Poeta ao encontro consigo mesmo.

fora, pois lá

ele não podia então, pela situação política da época.

dentro está sentado o amor, que tem o senhorio

e pelo seu próprio

de minha vida" (VN12).

Igreja prostituída

destino pessoal, amar aquela que ele identificava com a bes-

das, o Poeta amou o Amor.

ta do Apocalipse. Não por acaso, na Comédia ele 102

Mais do que suas ama-

103

6

o Místico

o

que não morre, o que se vê morrer são reflexos tão-só da idéia viva que, por amor, criou o Sumo Ser. (PardXIlI, 52-54)

As várias facetas de Dante que já examinamos, parecem sintetizar um aspecto ainda não convenientemente

estudado do Poeta, o místico. Real-

mente, seus envolvimentos conhecimentos,

políticos, sua busca de

sua visão de amor, buscavam na

essência a contemplação

de Deus. Fenômeno

de

fé, indescritível apesar de todo o domínio que ele 105

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

tinha das palavras: "Ah! como é vã a voz, e incom-

mas o próprio Amor. A figura de Beatriz, na ver-

petente/

dade, não era amada em si mesma, mas enquanto

por demonstrá-lo!

E creio ser melhor!

calar do que dizer tão pobremente!" (Pard XXXIII,

uma manifestação

121-123).

mentopara

se alcançar o Amor, isto é, Deus. É

interessante

notar como o caminho proposto

Mais uma vez, Dante apenas prolongava fortes

los místicos foi o caminho seguido por Dante na

Desde o século XII,

Comédia. A vida purgativa (orações, penitências, boas obras) levaria à conternplativa (desprezo de si mesmo, visão de Deus) e assim à unitiva (união

numa espécie de reação à corrente teológica racionalista das Universidades, desenvolvia-se uma corrente mística. Enquanto

pe-

poeti-

tendências anteriores, porém recobrindo-as camente de forma duradoura.

da bondade divina, um instru-

uma procurava estudar

i

,

direta e definitiva da alma com Deus). A primei-

Deus e conhecer seus mistérios, a outra buscava

ra dessas etapas ele cumpriu no Inferno e no Pur-

pela contemplação

gatório, a segunda nos estágios iniciais do Paraíso

espiritual atingir o estado de

êxtase na união com a Divindade. Noutros termos,

e a última nos versos finais do poema: "da fanta-

como dizia São Tomás de Aquino, cuja obra Dante

sia a força me fugiu/ e qual roda a girar, em vol-

conhecia bem, "a perfeição última da vida contem-

tas belas/ para outros rumos a alma me impeliu/

plativa é, sobretudo, que a Verdade Divina não seja

o Amor que move o Sol e as outras estrelas" (Pard

somente

XXXIII, 142-145).

vista, mas amada". Desta forma, con-

tinuava ele, "quando o homem atinge a contemplação da Verdade, ama-a ainda mais ardentemente, ao mesmo tempo que odeia mais a sua própria

I I I

da Comédia e a trajetória intelectual-espiritual Dante

de

eram uma só coisa. Seus três momentos

estavam centrados

deficiência e o peso do seu corpo corruptível".

na Razão, na Fé e no Amor

cujos respectivos guias foram Virgílio, Beatriz e

Assim, agora entende-se melhor o que significa dizer que Dante não amava objetos de amor

Em última análise, a via dos místicos, a viagem

I

São Bernardo. No primeiro, Dante oscila entre a

;

107

106

J

HILÁRIO

FRANCO

valorização do humanismo

e do racionalismo

cultura clássica e a impossibilidade compreender

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

cada ser da predestinação/

da

tal como a cor lhe dá

de seu cabelo" (Pard XXXII, 70-72). Contudo

de com eles

os mistérios divinos. Os desígnios

mistério da predestinação

o

é inacessível a qualquer

de Deus são insondáveis para os mortais, por isso

criatura,

quando o Poeta ficou chocado no Inferno com o

Apesar disso, era muito grande em Dante a cren-

castigo imposto aos pecadores, Virgílio o repreen-

ça de que ele fora escolhido para realizar uma ele-

deu duramente:

vada missão. Isso fica claro tanto nas atitudes de

"clemente aqui é quem não tem

clemência, / sendo fraqueza a decisão celeste/ julgar com suavidade e transigência."

mesmo àquelas que estão no Paraíso.

sua vida quanto no conteúdo

(Inl:XX, 28-

de sua obra. Parece

que à medida que cresciam seus problemas

con-

a lição, no Paraíso várias vezes

cretos, mais ele refugiava-se naquela crença, aca-

Dante lembra a curteza de visão do homem, im-

bando por se ver como uma figura central no de-

pedido de compreender

senrolar da história da Igreja e da Itália.

30). Aprendida

inteiramente

da vontade divina. Contudo,

os mistérios

eles não são comple-

Se poucos se salvam, é por escolha dos pró-

tamente indevassáveis aos homens, mas apenas "a

prios homens,

todos que não têm o olhar da mente/ pela flama

síssimo dom da liberdade. O destino de cada um

do amor iluminado"

(Pard VII, 58-60).

Nessa linha estava sua concepção

que receberam de Deus o precio-

é fixado dentro de certos limites, daí a advertência: "julgais estar aos céus tudo imputado/

de destino,

por

já definido para todos os homens de todos os tem-

força de fatal necessidade/

mas com isto se vira

pos, mas podendo

ser alterado por vontade divi-

erradicado/

e senso não faria/ ha-

na. Esta determina

tudo, como por exemplo o ca-

ver-se o mal punido e o bem recompensado"

ráter das pessoas, que não é hereditário

o livre-arbítrio,

XVI, 68-72). As criaturas têm tendência

e sim

(Purg para o

decorrente de um dom divino. O destino é prefi-

bem, que lhes foi dada por Deus, estando porém

xado e "assim a eterna graça imprime o selo/ em

sujeitas a erros, por isso devem controlar seu ape-

108

109

j

HILÁRIO

DANTE ALIGHIERI

FRANCO JÚNIOR

a liberdade de

Verdade divina. Em busca disso é que ele, apesar

escolher entre o bem e o mal. A semente da gra-

do receio inicial, aceitou o convite de Virgílio para

ça divina é colocada na alma pelo batismo, mas

escapar da floresta escura em que estava perdido:

só se desenvolve caso o homem utilize sua liber-

"convém fazeres uma nova viagem/ disse-me en-

dade para cooperar com ela.

tão ao ver-me soluçando/

tite material com o livre-arbítrio,

No segundo momento

de sua trajetória espi-

selvagem"

Uni I,

e escaparás deste lugar

91-93). Várias vezes, aliás, du-

ritual, Dante enfatiza a Fé como caminho para a

rante a Comédia, Dante relembra

Salvação, mas sem renegar a Filosofia. Sua defi-

aquela viagem pelo Além como forma de se sal-

nição de Fé, "substância

var. Mais ainda, seguindo antiquíssima

das coisas esperadas/

e

estar fazendo tradição

(Pard XXIV, 64-

cristã, Dante via a vida terrena como o Exílio da

65), apenas repetia a de São Paulo. Nisso não ha-

Babilônia, como duro e necessário sofrimento que

via nada de extraordinário,

permite a bem-aventurança

argumento

das não aparentes"

pois para os medie-

do Paraíso. O homem

vais a Bíblia era o livro por excelência, estando

na Terra é apenas um peregrino,

Deus ali presente como uma realidade quase fí-

mente dizia muito àquele desterrado

sica. Como a Bíblia era o ponto de partida da me-

mente se deslocando

ditação que conduziria

vez a consciência

à contemplação,

para os

idéia que certaconstante-

de um local para outro. Tal-

de estar cumprindo

esse papel

místicos não fazia sentido reexaminar um assun-

de peregrino

to ali tratado.

teólogo que místico, e sempre uma fonte impor-

predestinação gloriosa. É guiado pela fé que ele se entrega ao seu des-

tante para o Poeta, limitara-se a comentar aquela

tino e realiza a travessia do Além, já "que assim

definição, reforçando-a.

foi decidido onde devia sê-lo"

Mesmo Tomás de Aquino,

mais

Para Danre ter fé era esperar alcançar algo que não possuía e compreender 110

algo que não via: a

é que lhe desse a certeza de uma

(Inl v, 23-24). Co-

mo o destino está traçado porém apenas nas suas linhas gerais, Dante precisa superar vários obstá111

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

culos para atingir sua meta. Por exemplo, colo-

dos pecados através de certos sacrifícios. Por isso,

cam-se para ele interdições de olhar, tabu presente

para alcançar a porta do Purgatório,

em diversas religiões e mitologias. Apesar de atra-

cisou subir três degraus, um de mármore

vessar o Inferno

e liso, outro enegrecido

sob a proteção

da Virgem,

Santa Lúcia e de Beatriz, Dante

de

precisa evitar

e esburacado,

cor de sangue vivo. Eles simbolizavam

olhar para a legendária Medusa para não ser ins-

te o sacramento

tantaneamente

tes. A primeira é a contrição

petrificado.

Da mesma forma, ao

cruzar a entrada do Purgatório,

o anjo guardião

pendimento,

da penitência

Dante prebranco o último exatamen-

em suas três pardo coração, o arre-

que deixa a alma límpida,

sem as

adverte-lhe para não olhar para trás ou poria tudo

manchas do pecado. A segunda é a confissão oral,

a perder - como aconteceu no mito grego de Or-

que revela a escuridão do coração. A terceira é o

feu, que resgatava sua mulher Eurídice do mun-

cumprimento

do subterrâneo mas perdeu-a para sempre ao olhá-

tudes que mostram o calor da caridade e do amor.

da obra, isto é, a realização de ati-

Um anjo gravou então, com a ponta da espa-

Ia antes do tempo. Além disso, Dante precisa cumprir

vários ri-

da, sete P na testa do Poeta, lembrando

os sete

tuais para ganhar condições de alcançar seus ob-

pecados capitais. Estes iriam sendo expiados, um

jetivos. Para passar de um estágio a outro, para

de cada vez, nos sete terraços correspondentes

mudar de situação, ele executa o que os antropó-

que estava dividido o Purgatório. Ao deixar cada

logos chamam de ritos de passagem. Tratam-se de

um deles, o anjo por um movimento

cerimônias

gava um P, indicando

iniciáticas, em que nosso Poeta atra-

vés de certos gestos, determinados

por seres já

colocados nos estágios que ele pretende

alcançar

em

de asas apa-

que aquele pecado já fora

purgado. Desta forma Dante ia se sentindo

mais

leve e podia caminhar mais rápido em direção ao

(Virgílio, anjos, Beatriz), busca uma nova posi-

Paraíso: "parece que algo gravei de mim soltou-

ção. É o caso dos ritos penitenciais,

se, e livre do cansaço! já não sinto no andar qual-

112

de expiação

113

Paraíso Terreno

DANTE ALIGHIERI 7° Giro: Luxuriosos _-I""'::::':',,",,~j;L:..1..:..:lo""""

6° Giro: Gulosos -l!~~~5° Giro: Ávaros e Pródigos

quer entrave" (Purg XII, 118-120).

Amor que peca por demasiado vigor

abandonar mento"

definitivamente

Por fim, para

aquele "agridoce sofri-

(Purg XXIII, 86) que era o Purgatório,

devia-se atravessar uma parede de chamas. DianAmor que peca /', } falta de vigor

te da hesitação do Poeta, Virgílio recorda-lhe sua função penitencial,

pois "aqui se enfrenta a dor,

mas não o fim" (Purg XXVII, 21). Amor q

pecap,,, mau objeto

Já no Paraíso Terrestre, no topo do monte do Purgatório,

perto de se elevar aos céus, Dante

ouve de Beatriz dura recriminação

pela vida de

pecado que levara. E ela então o incita a se confessar: "mesmo que o procurasses esconder! seria a tua culpa manifesta!

disse, ao juízo que tudo

pode ver.! Mas quando o réu a própria falta atesta! inverte-se, neste alto tribunal! em seu favor a roda, suave e presta" (Purg XXXI, 37-42). Ao assim fazer, Dante na verdade não apenas cumpria um sacramento

cristão, como também expressava

a antiquíssima

doutrina do nome. De fato, já para

as primeiras

Ao

sociedades históricas as palavras ti-

O Purgatório (extraído de G. Petrocchi, 11 Purgatorio di Dante, Milão, Rizzoli, 1983, P: 63).

ÚUÚI -

115

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

prias lágrimas. Então ele pôde se banhar no rio Letes, que provoca o esquecimento de todos os erros, e no rio Eunoé, que eterniza a lembrança

nham um aspecto fortemente mágico. Saber o nome de algo ou alguém era exercer domínio sobre ele. Daí para muitos povos a necessidade de cada pessoa ter dois nomes, um falso de conhecimento público, e o verdadeiro, secreto. Pela mesma razão Deus não disse seu nome a Moisés, afirman d o apenas que "eu sou o que sou." Esse elemento inconsciente de longuíssima duração histórica manteve-se também no cristianismo, daí a importância que Dante lhe dava como forma de dominar o pecado. Cumpridos os rituais penitenciais, o Poeta passou pelos purificadores. No caso, lavagens rituais, pois a água é universalmente um símbolo de purificação. Por exemplo, ao se aproximar do Purgatório com o rosto coberto de fuligem do fogo infernal, Dante precisou ser limpo - espiritualmente - pelo orvalho que Virgílio recolheu e lhe passou pelo rosto. Só então, como que rebatizado, ele pôde passar para a outra etapa de sua viagem. O mesmo ocorreu antes de penetrar no Paraíso, quando foi preciso Dante se arrepender dos pecados passados, lavando-os com suas pró-

de todas as boas ações. Por fim, pagos os pecados e purificada a alma, a última prova era a do conhecimento. Já no Oitavo Céu, bem próximo da Divindade, o Poeta é interrogado sobre as virtudes teologais. São Pedro o questiona sobre a Fé e lhe pede para definir sua crença. São Tiago lhe pergunta sobre a Esperança, que segundo Beatriz ninguém teve mais que Dante. Na resposta ele define aquela virtude e nas entrelinhas justifica a convicção que tinha no brilhantismo de seu destino: "é a Esperança o sentimento/ de uma glória futura, que nos advém/ da graça e do merecimento pessoal" (Pard XXV, 67-69). Depois, São João o examina sobre a Caridade. O Poeta conclui então que a existência do mundo e a sua própria existência atestam a bondade e a magnificência do Criador, e assim tais provas "por meio da doutrina certa e fida/ tiraram-me do mar do erro sem fim/ conduzindome à praia apetecidà' (Pard XXVI, 61-63). Apro117

116 i:,;

"

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

vado, Dante está preparado para contemplar a Di-

razão prova o ilimitado da razão divina, isto é, que

vindade.

Deus é Razão.

Chegou, dessa forma, ao terceiro e último mo-

A concepção de Deus como Luz era uma mes-

mento de sua ascensão espiritual, o do Amor. O

cla de Aristóteles interpretado

pelos comentadores

que para os místicos eram três etapas em busca de

árabes e da visão neoplatônica

de Dioniso Areopa-

Deus, acabava se revelando Nele como três elemen-

gita. Por isso, para Dante Ele é "luz intelectual,

tos total e indissoluvelmente

plena de amor" (PardXXX,

Dante

concebe

fundidos.

E assim

Deus como Razão, como Luz,

40). Quando se dirige

a Deus, o Poeta exalta-O definindo-O:

"ó luz que

ao primeiro ponto, Dante

vives de teu próprio ardor/ que em ti te sentes, e

mais uma vez segue Tomás de Aquino, para quem

és por ti sentida/ que em ti, e só por ti, és graça e

"o inteligir de Deus é a sua própria substância".

amor" (PardXXXIII,

Sendo Deus a própria Razão, não poderia deixar

ticipa desta Luz primordial,

de fazer com que a criação fosse penetrada por ela.

Mas essa participação é hierarquizada,

Aquilo que na criação foi feito diretamente

tâncias superiores,

como Amor. Quanto

por

124-126). Toda criatura parincriada e criadora. com as ins-

mais próximas da Divindade,

Deus, sem interrnediação, caso do homem, tem ca-

transmitindo

racterísticas divinas, como ser eterno, livre e racio-

te abaixo, que a retransmitern

nal. Por isso, quanto mais desenvolve esses aspec-

sucessivamente. Por isso ao ver Beatriz, Dante per-

tos, mais o homem se assemelha a Deus. Contudo,

cebe um "claro olhar, em tão divinos

como a criatura não pode igualar o Criador, como

cendido",

a parte não pode ser igual ao Todo, o homem tem

quei, por instantes, ofuscado" (PardN,

limites de compreensão

III, 128-129).

"pois se tivesses tudo pe-

Sua luz aos que estão imediatamenaos demais e assim raios in-

"em tanta luz senti-a fulgurar! que fi-

139-140;

Apesar dessa Luz penetrar

(Pard I, 3), ela é uma

netrado/ mister não fora o parto de Maria" (Purg

numa parte que noutra"

III, 38-39). No entanto, essa mesma limitação da

corrente de amor unindo todas as criaturas.

118

119

"mais

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

De fato, Deus é "o eterno Amor radiante" (Pard XXIX, 17) em que se confundem

o tempo

e o espaço, pois antes de engendrar as criaturas não para aumentar

sua glória, já que é perfeitíssi-

mo, mas para expandir sua luz - não era inativo,

Conclusão

surgindo a noção de tempo e espaço apenas com a criação. A parcela de luz divina que cada criatura traz em si revela-se pela razão, mas sobretudo pelo amor. Amor que só existe verdadeiramente através da humildade.

Para São Bernardo,

que

Dante via como o melhor exemplo de um homem que chegara tão perto quanto compreensão

de Deus, humildade

possível da

é "a virtude

Como

sintetizar

Dante

numa palavra? Sem

pela qual o homem se despreza a si mesmo, me- -

dúvida alguma ele foi um conservador,

diante o perfeito conhecimento

que construiu uma utopia baseada no passado que

se amar compreende-se

de si próprio". Ao

o que somente

alguém

sua nostalgia idealizava. Foi ainda um patriota,

a razão

não esclarece, e revela-se a luz interior que Deus

apaixonado por sua Florença e tendo mesmo forte

atribuiu

senso de italianidade.

ao homem por amor. Só pelo amor al-

cança-se o Amor.

nhecedor

Foi um grande sábio, co-

de quase tudo que sua época possuía.

Foi um exaltado amante, que cantou um símbolo de beleza e virtude. Contudo nenhuma dessas fórmulas bastam. Elas limitam alguém que buscava romper os limites. Dante foi o Poeta do Absoluto, 121

120

1

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

poeta do Amor mais que do amor por seus semelhantes, do Exílio na Terra mais do que do exílio de Florença, do Conhecimento universal e eterno mais do que do saber de sua época. Sua grandeza não vem, como geralmente costuma-se considerar, do fato de ter estado à frente de seu tempo, mas de algo mais difícil: ter sido contemporâneo de si mesmo, ter compreendido a essência e a alma de seu próprio tempo. Ou melhor, ter extraído de sua época os elementos atemporais, os elementos em que os homens de sempre podem se encontrar. Dante foi sem dúvida uma dessas raras personagens, produto claro do século XIII, mas no qual nós na passagem do século XX ao XXI ainda podemos encontrar muita beleza, muita sensibilidade, muita sabedoria, muita humanidade.

Cronologia sumária

1265 • Nasce Durante, apelidado Dante, filho do notário Alighiero di Bellincione e de Bella d'Alighiere.

1274 • Primeiro encontro com Beatriz.

1275 • Morre a mãe de Dante, e logo seu pai casa-se novamente.

1283 • Segundo encontro com Beatriz, morre o pai de Dante. 122

123

-.,

HILÁRIO

FRANCO JÚNIOR

1284-1285

DANTE ALIGHIERI

to Carlos d'Anjou, ajudado pelos guelfos negros,

• Início da atividade poética, aproximando-se do dolce stil nuovo.

tomava o poder em Florença. 1302

1286-1288

• Acusado de corrupção, começa o exílio de Dante.

• Possível estada na Universidade de Bolonha. 1289

1303-1304 • Primeira estada em Verona; De Vulgari Eloquentia.

• Dante luta na cavalaria guelfa de Florença contra os gibelinos de Arezzo. 1290

1304-1308 • Convívio; Inferno. 1308-1313

• Morte de Beatriz Portinari. 1292-1293

• Purgatório. 1309-1310

• Vita Nuova.

• Provável estada na Universidade de Paris.

1295

1311

• Casamento com Gemma Donati; início da participação de Dante na vida política de Florença. 1297-1299

• Monarquia. 1312-1316 • Residência na gibelina Verona, de Cangrande de

• Luta entre os guelfos brancos e negros, com Dante tomando o partido dos primeiros. 1300

Ia Scala a quem dedica a última parte da Comédia. 1314-1320 • Paraíso.

• O governo florentino, com a participação de Dante, expulsa chefes das duas facções políticas. 1301

1314 • Composição de canções que reunidas a outras, anteriores, seriam publicadas postumamente sob o tí-

• Embaixador em Roma, Dante é ali retido enquan124

tulo geral de Rimas. 125

HILÁRIO

FRANCO

JÚNIOR

1317-1321

• Estada em Ravena, sob o mecenato de Guido Novello da Polenta. 1319 • Eclogas.

Indicações de leitura

1320 • Quaestio de situ aquae et terrae. 1321

• Morre em Ravena, aos 56 anos de idade.

[ .~

Para se conhecer a vida e o pensamento de Dante, naturalmente

é imprescindível o contato com sua

obra, editada completa em todas as línguas ocidentais: BLASUCCI,L. (ed.) Tutte

te opere,

Florença, Sansoni,

1965; CAMPOS,J. P. et alii (ed.) Obras Completas, 10 vols., São Paulo, Ed. das Américas, 1957-1958; GONZÁLEZRUIZ, N. (ed.) Obras Completas de Dante Alighieri, Madri, BAC, 1973;

MOORE, E. (ed.) Complete Works, Oxford, Oxford

i

University Press, 1924;

.I 127

126

J

HILÁRIO

FRANCO

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

GANDILLAC,M. Dante, Paris, Segheres, 1968;

PEZARD,A. (ed.) Oeuures completes, Paris, Gallimard,

HOLMES, G. Dante, Lisboa, Publ, Dom Quixote,

1965.

1981; RENUCCI,P. Dante, Paris, Hatier, 1958.

Das inúmeras edições da Divina Comédia, destaca-se pela riqueza e rigor dos comentários a de Giu-

Sobre a cidade do Poeta: ANTONEITI, P. L'histoire de Florence, Paris, Laffont,

seppe Vandelli, elaborada para a Società Dantesca Italiana (Milão, Ulrico Hoepli, 21 a ed., 1979). Pela beleza

1973;

iconográfica (mas também pela excelente tradução ao

____

francês), chama a atenção a edição de Jacqueline

. Ia vie quotidienne à Florence au temps de

Rissset (Paris, Selliers, 1996), que reproduz a totalida-

Dante, Paris, Hachette, 1979; BARBADORO,B. e DAMIL. Fírenzi di Dante. Ia città,

de das pinturas feitas em torno de 1490 por Botticelli,

Ia storia, Ia víta, Florença, Le Monnier, 2a ed.,

em um exemplar pertencente a Lourenço de Médicis,

1965; DAVIDSOHN,R. Storia di Firenze, 8 vols., Florença,

Em português, uma das melhores é a de Cristiano Martins (Belo Horizonte, ltatiaia-Edusp,1976),

cuja

Sansoni, 1956-1965; PANELLA,A. Storia di Firenze, Florença, Sansoni,

tradução quase sempre utilizamos para as citações.

1949; RENOUARD,Y Histoire de Florence, Paris, PUF, 1964.

Dentre as muitas biografias gerais de Dante, destacamos:

Sobre Dante exilado: BATKIN,L. Dante e Ia società italiana del Trecento,

ANDERSON,W. Dante the Maker, Londres, Roudedge and Kegan Paul, 1980;

Bari, De Donato, 1970; ENTREVES,A. P. Dante as a Politic Thinker, Oxford,

COSMO, U. Vita di Dante, Florença, La Nuova Italia, 1967;

Oxford University Press, 1952;

FISSI,M. Dante, Florença, La Nuova Italia, 1979;

129

128 1 1

J

HILARIO

FRANCO

GOUDET, J. Ia politique

DANTE

JÚNIOR

ALIGHIERI

RISSET,J. Dante écrivain, Paris, Seuil, 1982.

de Dante, Paris, Aubier,

1969; Sobre Dante esotérico:

LUNGO, I. Dell'esilio di Dante, Florença, Le Monnier,

ANTONIOLETTI,M. El simbolismo de la Divina Co-

1881;

media, Santiago do Chile, Instituto Chileno-lta-

FRANCOJÚNIOR, H. ''A Trindade do Mal: A Demo-

liano de Cultura, 1957;

nização Social em Dante Aliglieri", História, 4,

ASIN PALACIOS,M. Ia escatologia musulmana

1985, pp. 71-78;

en Ia

Divina Comédia, Madri, Instituto Hispano Árabe

PARom, G. Eideale politico di Dante, Nápoles, Alpes,

de Cultura, 3a ed., 1961;

1927.

BREYER,J. Dante alchimiste, Paris, La Colornbe, 1957; DUNBAR,H. F. Symbolism in Medieval Thought and

Sobre Dante enciclopédico: AUERBACH,E. Studi su Dante, Milão, Feltrinelli,

s-

its Consummation

in the Divine Comedy, Oxford,

Oxford University Press, 1929;

ed., 1981 (dois estudos desta coletânea foram traduzidos no Brasil: Dante, Poeta do Mundo Secular,

FRANCOJÚNIOR, H. "Em Busca da Idade de Ouro:

Rio de Janeiro, Topbooks, 1997; Figura, São Pau-

o Papel da Alquimia em Dante Aliglieri", em A

lo, Ática, 1997);

Eva Barbada. Ensaios de Mitologia Medieval, São Paulo, Edusp, 1996, pp. 231-244;

BARBI,M. Problemi di critica dantesca, Florença, San-

JOHN, R. L. Dante templare, Milão, Hoepli, 1987.

soni, 2a ed., 1965; GILSON,E. Dante et Ia Philosophie, Paris, Vrin, 1939;

Sobre Dante amante existem poucos trabalhos es-

NARDI, B. Dante e la cultura medievale, Bari, Laterza,

pecíficos, geralmente artigos em revistas especializa-

1942;

das, mas pode-se consultar, além das obras gerais:

RENAUDET,A. Dante humaniste, Paris, Belles Lettres,

FRANCOJÚNIOR, H. "O Poeta que Amava o Amor:

1952;

131

130

•. 1

HILARIO

o Discurso

FRANCO JÚNIOR

DANTE ALIGHIERI

Amoroso de Dante Aliglieri", Ler His-

tória, 11, 1987, pp. 15-27;

PELADAN, J. Ia doctrine de Dante, Paris, Sansot, 1908; TONELLI, L. Dante e ia poesia dell'ineffabile,

GILSON, E. Dante et Béatrice. Etudes dantesques, Pa-

Floren-

ça, Barbera, 1934.

ris, Vrin, 1974; LOT-BoRODINE,

M. De l'amour profane a l'amour

Sobre pontos

mais específicos

da vida e da obra

sacré. Etudes de psychologie sentimentale au Moyen

do Poeta, a grande síntese é a Enciclopedía Dansesca,

Age, Paris, Nizet, 1979;

6 vols., Roma, Istituto della Enciclopedia

MARROU, H-I. Les trobadours, Paris, Seuil, 1979;

1970-1978. Para se acompanhar

ROUGEMONT, D. O Amor e o Ocidente, Lisboa, Mo-

sobre inúmeros

raes, 1982; ROUSSELOT,

P. Pour l'histoire du problême de l'amour

au Moyen Age, Paris, Vrin, reed. 1981.

pontos

a constante

da obra de Dante,

a atualização

das interpretações,

pecializadas,

como

Atanor,

Studi Danteschi, Florença,

ss.; Deutscbes Dante-Jahrbuch, Roma,

1960;

FISHER, L. A. Tbe Mystic Visíon in the Graíl Legend

(depois

Berlirn,

(Mass.),

1920-1925, por fim Weimar,

1949 ss.

Uni-

versity Press, 1917; GARDNER, E. Dante and the Mystícs, Londres, Dent,

1913; GUARDINI, R. Dante visionnaire de l'eternité, Paris, Seuil, 1962;

132

1920

133

1882

Leipzig, 1867-1877

ss.); Bulletin de Ia Société dÉtudes

and ín Dívine Comedy, Nova York, Columbia

seguindo

ss.; L'Alighieri. Rassegna bibliografica dantesca, Roma,

Sobre Dante místico: Dante, fedele d'Amore,

revisão

existem revistas es-

1960 ss.; Dante Studies, Cambridge ALESSANDRINI, M.

Italiana,

1928

Dantesques, Nice,