A joia dos desejos [1 ed.]
 9788585663605

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APRISIONA MENTO

ISTÊNCIA E A nature za da prisão já estão mais ou A EX . menos c1aras em nossa mente. _Ainda qu~ o proces so continu e se sustentando, ainda que o automati~mo contin ue operan do sem ser percebido, de vez em quando experi menta mos a percep ção do processo automático de atribuição de sentido . ~ ossos olhos se arregalam: a realidade se descort_ina de modo muito mais amplo e fascinante do que estávamos acostumados·. Vamos observ ar a monta gem da prisão. Sentados em postur a de medita ção, coluna ereta, respiração abd9:rninal~ tórax relaxado, olhos aberto s, olhando sem focar, mãos sobr~postas,' mente atenta, viva, sem buscar nada especial e pe~cebendo o sonho descor tinand o-se aos olhos. $urgeIY!_p~nsamentos. A casa, o dinhei ro, as criança s, o trabalh o, o mal-es tar c~m -es;; ou aquela pessoa, as férias etc. De onde vêm es~~s pensam entos? Retomamos a posiçã o: coluna ereta, respiração abdominal, tórax relaxado, olhos aberto s, olhand o sem focar, mãos sobrepostas, mente atenta, viva, sem buscar nada especial e percebendo o sonho descor tinando -se aos olhos. De onde vêm esses pensamentos? rrDuas fechaduras na porta da frente da casa são suficientes? Humm, o apartamento do vizinho foi arromb ado, tive medo, ~riei ansiedade, e essa ansiedade invadi u minha medita ção com o pensamento nas fechaduras." Retomamos a posição. Coluna ereta, respiração abdominal, tórax relaxado, olhos abertos, olhand o sem focar, mãos sobrep 0st ªs, mente atenta, viva, sem buscar nada especial e percebendo Osonho desc~~i naudo-se aos olhos. O mal-es tar com essa ou aquela pessoa, as fenas etc . De onde vem ~ adianta querer reesses pensam entos ?. rrHumm, nao laxar t nh , . _ I" Uma Onda de calor invade ' e o que resolver essas situações, po. . o corp " . ~ f compan helI'OS . _o, surge um sentido de urgenc1a. Nao assem os 8Üenci -- osos ao 1ado você teria levanta do e sai"dO • p . ' raticando com paciên cia, perceb e-se aos Poucos que os pend s sarnent d' ~ que trazem on a · os que surgem , que invade m a me itaçao , ' .

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de urgência, que provocam fluxos de energia por dentro do corpo, sonhos fantasmagóricos, são todos gerados por experiências anteriores. Nada mais são do que a ~nuação de processos iniciados horas, __dias, anos, vidas antes. Percebemos que o pensamento · de ho~iÚdade criado ontem resultou no surgimento de pensamentos de angústia. Percebemos que certas tendências vêm de decisões tomadas muitos anos antes . Vemos, surpresos, que certas aptidões e preferências não podem ser atribuídas a experiências ocorridas nessa vida. Viriam de vidas anteriores? / Esses processos mentais têm uma contrapartida no corpo. A cada pensamento ou emoção, o corpo se contorce, tensiona-se, e ocorrem fluxos internos. O corpo acompanha a mente , e a mente acompanha o corpo . Dia após dia, o mesmo local de trabalho, as mesmas tensões , os mesmos ritos físicos , os mesmos padrões de energia no corpo. Depois de algum tempo surge a doença, a reação à , sustentação contínua do mesmo tipo de desequilíbrio. , Retomamos a posição: coluna ereta, respiração abdominal, torax relaxado, olhos abertos, olhando sem focar, mãos sobrepostas, mente atenta, viva, sem buscar nada especial e percebendo O s~~º- descortinando-se aos olhos. As experiências de importância sigmficativa no cotidiano manifestam - se na meditação. Percebe-se então como podem até resultar em doenças . A dificuldade na meditação começa antes mesmo de sentarmos na almofada: está em nossa ansiedade e tensão no cotid~ refletindo-se em imagens · e pensamentos que ocorrem d eso rdena-. damente no fluxo mental incessante que é a essência de nossa prisão e que co n d uz nossa imaginação . . · dades do . Essas tensões e ansie cotidiano cri . . . rn todo - ~ m as marcas mentais profundas que direciona o processo ma- - - . . · _ rcas que produzem a ação, marcas que sao 0 carrriª individual. - - - - - -

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1mPerrnanênc1a oocarma

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IMPERMANÊNCIA DO CARMA

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SENDO CONSTRUIDOS, SEND O COM POST OS, necessita ndo de sus-

tentação, o carm a e as obst ruçõ es tamb ém são impermanente s. É esse O ponto que abre a poss ibili dade de libertação. O carma não é uma entidade fixa. Prec isa de sust enta ção cons tante , é transform ável e pode ser extin to enqu anto expe riên cia de prisão. Como testa r, veri ficar e com eçar a prati car isso? Pode -se usar com o exem plo uma situação cármica muito frequente: inca paci dade de conc entr ação no estudo. Notas ruins, recuperação à vista . Cara feia do pai: ''Pago uma fortu na pelo colég io desse mala ndro "; copi nho de suco de laran ja da mãe: ''Meu filho só precisa de um pouc o de com pree nsão e estím ulo." Prova de matemática no dia segu inte; livro na mes a, cade rnos dos colegas ao lado e o pens ame nto em Sant a Cata rina, cabe los ao vento, gatin has por todos os lado s, as onda s do mar. O telef one toca: ''Festa hoje? Nem pens ar, tenh o uma prov a fatal ama nhã! " Batem na porta: ''Sair de bike ? Test ar a nova ~~ marc has do Rodrigo? Vamos nessa! Dá para estu dar depo is. Ama nhã eu leva nto ao ama nhec er e repa sso tud o" . O que é carm a niss o? É a impo ssib ilida de de cont rolar a imagi~~ão e, p_orta nto, a ener gia. Há uma vont ade de estudar, pois 0 problema é gra~~ ·êprec isa ser reso lvido . Essa vontade, no _e~ta n~o, é teórica. Não traz cons igo ener gia e não é capaz de conduzir ª ;a~ao · Nª linguagem budi sta, o estu dant e não tem suficientes men tos acumulados para pode r estu dar. . A expr essã o mér itos acum ula d os e; uma f orma de se refer ir ao me · canismo cárm ico. Seri a o equi va1ente a d'izer: ''Não tem carma . . .f' que O estudante Para estu dar ,, . Do pont o de vista prat; ico, sign i ica , . . nã tudo Ela e direcio0 tem a aten ção natu ralm ente cond uzi.da ao es · _ nad . Seu carm a o con ª auto mati cam ente para outr as expe nenc ias. duz com mão de ferro puxa ndo- o pela imag inação. . de ' ,. . ; . ? Hü s 11vros Corno foi mon tada essa situa çao carm ica · _1 ? C lécio? l'tlat , • · to ? Atua . 10 ' b ernatica são bolo rent os. Para que estu dar. 18 · · A



A JOIA DOS DESEJOS

Aguentar o professor? Estudo depois, copio a matéria dos meus colegas. Quanto falta para terminar a aula? Não sou mesmo de religião, minha santa é Catarina. Floripa, sol, liberdade ... Quero mesmo é sol, mar e uma ilha cheia de sereias, ou melhor, de gatinhas." Não é nada mais do que isso. Não é que o garoto seja a ovelha negra da família, tenha puxado àquele tio fracassado ou nascido para malandro. Acontece que , por sua situação cármica objetiva externa e interna, sua imaginação corre o tempo inteiro para outro lugar que não o estudo.~~ ~~ m9~ ento surge nele um pensamento sobre a b~leza do~ as es~dados ou c11,riosidade por aspectos I!l~is introspectivos da .eifu~ncia. Assim, gera -se uma base cármica para o surgimento invasivo de um tipo de imaginação e n~ outro. A mente do estudante sofre~ esmo problema das mentes dos meditantes: é invadida pelas imaginações anteriores - o carma. A vontade débil, nunca exercitada, é incapaz de tomar as rédeas do processo. Ainda que pressinta o desastre final, ainda que seja submetido a pressões, o estudante nada pode fazer. Sua mente não obedece. Na verdade, a mente, a preciosa joia dos desejos, é fiel e obedece ao condicionamento genuíno do carma e não ao que a pessoa "quer querer". Os jovens geralmente solucionam essa dualidade por meio de expedientes variados - quando conseguem solucioná-la. É muito raro que tenham condições de abordar o problema real. Do ponto de viS t a deles , o problema é externo: resume-se a passar ou não passar de ano na escola. QUERER E .,QUERER QUERER"

Essas dificuldades nao - ocorrem apenas com os Jovens. . T0 das as pessoas se defr t . on am, pe 1o menos de vez em quando, co rn a dualidade entre O que querem fazer e o que querem querer fazer. Elas querem quer 11· , d rnír er mpar a casa, mas querem mesmo e or 54

I MPERMANÊNCIA DO CARMA

, ·s tarde Querem querer abandonar o cigarro, mas querem ate ma 1 · , fumar Querem querer começar a ginástica tão necessária rnesm O e · ' rnas querem mesmo é ficar no sofá vendo televisão. o desejo genuíno de superar essa condição de dominação é muito raro. "Não sirvo pa~a estudar", "D~tes:!_? limpar a casa" , "N~o con~ gº- gostar de ginástica", "Meu avô fumou até os 12,0 anos de idade" - as justificativas para seguir na mesma são variadas. De modo geral, baseiam - se em um "eu" que tudo justifica. Quando uma pessoa compreende esse processo, percebe que nunca está fazendo o que quer, mas sim o cr-1:.~criou a:r_g~r:i_ormente por meio de um mecanismo de imaginação. Está sendo conduzida pelos reflexos de pensament0s anteriores acumulados. Esses pen sarnentos anteriores podem ter ocorrido semanas, anos ou mesmo vidas antes. No Budismo tibetano, a forma mais usual de verif(~_ar se u~ a criança é um mestre reencarnado (tulku), não é perguntar diretamente a ela, mas ver sua reação a certas situações - como, por exemplo, uma longa cerimônia de recitação em grupo. De modo geral, as crianças ficam inquietas. Mas as que tinham a vida ap.terior ~! seada nessas práticas não se aborrecem e se mantêm atentas. Seus mé~itos estão preservados. Quando essas crianças começam a recitar e memorizar textos nos mosteiros, em tenra idade, comportam-se c d ·, orno se estivessem simplesmente relembran o o que F sabiam Sua Santl'dade o . · Fazem progressos em grande velocidade. Dalai Lama d · narra esse processo em seu livro Liber ade no ex-i·zia. . _ A compreensão de que nossas vontades são uma f_orma de Pnsao ' eu-ao d e 11.b erdade, é o primeiro - ,,.A passo para sua superaçao. observa - d f de . çao esse mecanismo é, em si mesma, uma poderosa orma libertação.

rnas _Q:!JÊ.ndo surgir a vo,ntade__de_ fumar, você não deve reprimi -la, ''I simplesmente se manter atento. Basta observar. lembrando: . t· sso é u rn tipo de prisão cármica que todos os seres apresen am

IMPERMAN ÊNCIA DO CARMA

A JOIA DOS DESEJOS

em seus mundos particulares; é como um sonho , não tem realidade concreta, mas impulsiona minha energia e minha vontade; vou examinar bem para mais adiante também ajudar os outros a se libertarem." Basta isso. Acenda o cigarro e, quando estiver fumando, observe cuidadosamente como o_pr~ces~? de apego e a imaginação seguem conduzindo todos os gestos. A vontade racional de s-e ííbêr:tar brota naturalmente na mente que , serena e clara, espreita tudo o que acontece. Essa é a forma mais rápida de se resolver definitivamente um problema desse tipo . Em vez de buscar diretamen te o resultado final, b~ gue ~ causas que conduzem ao resultado final. Havendo causas, o resufiã do final mostra-se como a planta que surge da semente. Por isso, o que queremos no Budismo é que todos os seres tenham folie-idade e as causas da felicidade. Sem as causas, -ª felicidade duraria,pou.c_o tempo. '------- - Como funciona o processo de apego ao cigarro? Quando você fuma, uma mente sutil particular aparece: geralmente é uma mente cheia de ~ d~~!? prazer ou segurança. Com a repetição constante do ato de fumar, passa a ocorrer uma identidade fortíssima entre a mente tranquila e o cigarro. Cigarro e mente tranquila praticamente passam a ser a mesma coisa. Há ainda uma dependência física: o corpo emite mensagens de alívio quando o nível de nicotina aumenta. O que a observação atenta desse processo produz? Produz uma nova mente ~1J.til, a mente livre que deseja ver claramente ~ ~ do se clã, encontra a fórmula para escapar e quer contar aos outros quaI-hnrúque. Por isso, cada vez que vem o cigarro, essa mente empreende uma nova aventura de auto- observação em b enefciode 1 todos os seres. Um novo carma está se acumulando. Nós O chamamos de mérito , pois aumentar á a liberdade frente ao fumar. Trata-se apenas de substituir o mecanism o de sustentaçã o do carma para fumar pelo hábito de manter a mente atenta aos sutis processos que determinam a vontade e a imaginação. ::,~6

VITÓRIA SOBRE SI MESMO

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No caso do estudante com notas ruins, é possível uma reversão rápida caso ele entenda o processo e resolva colaborar - ainda que só até O fim das provas. Nesse caso, uma outra pessoa pode ajudar. o estudante e essa pessoa fazem uma análise honesta do que está ocorrendo e decidem enfrentar a dificuldade juntos. Reconhecem que revistas , amigos, telefone, festas, visitas, televisão e jogos eletrônicos conduzem à montagem cármica de outras imaginações e interesses que se manifesta rão de forma invasiva na hora do estudo . Reconhecem que o "inocente " esvoaçar da mente é o pior inimigo. Mais do que isso: é o próprio carma se manifestando. Traçam os objetivos, e o estudante começa a focar sua atenção no estudo. No início é difícil: a mente esvoaça, tenta desistir, o progresso é lento, a memória não ajuda, e as invasões repetem-se. Mas segue-se tentando. Quando há desistênc ia, o amigo traz nova energia, é paciente, ensina sem pressa nem irritação e repete quantas vezes for necessário os temas que o estudante não entende. Insiste, fazendo o amigo relembra r todo o mecanism o de prisão e a necessi dade de superar a dificuldad e. É preciso muita paciência dos dois. Nos pnmeuos · · dias , um grande cansaço toma conta do estudante, que só consegue estudar por pouco tempo. Mais adiante seus méritos começam · a se manifesta r, e ele desenvolve gosto, quem dina, :ela matemática! Torna-se amigo da matemática, é capaz de estu~r com prazer, de entender com facilidade novos temas dentro da discipli d n~ e e se deter longo tempo nas questões. Muito mais importan te do que o resultado material, no ent anto , . '. e ª sensação de vitória sobre si mesmo, de confiança e de capac1dad d , . be e e superação . E uma experiência muito espec1"al e 1·1 •út rtadora . · H'a a1, um saldo de méritos acumulados que vuao a ser eis em f en rentamen tos semelhan tes no futuro . E, bom le mb rar

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IMPERMAN ÊNCIA DO CA RMA

A JOIA DOS DESEJOS

sempre que carmas e méritos não são sólidos, nem tampouc o contabilizad os por um ser divino superio r; são simples mente mecanis mos automát icos que podem ser transfor mados por nós mesmos. Somos todos capazes de grandes proezas . Basta a motivação adequad a: os méritos ou o carma. Jovens em fé rias são capazes de ficar semana s enfrent ando ondas assusta doras com manobra s arriscad as, aliment ando-se de cachorr o-quen te e refrigerante e dormind o pouco. Isso tudo não é mais difícil do que estudar? A questão é o carma. Entend ê- lo e saber conduzi - lo faz parte do ca~ i-~ o para a liberdad e. O estudan te que passou por essa experiê ncia está apto a ajudar amigos em situação semelha nte . Vai virar um campeão nisso. O fumante que superou , pela clareza, sua dificuld ade, também será capaz de ajudar outros. Só quem viveu o process o poderá ajudar os que ainda estão na mesma situação . Desse ponto de vista, a prisão torna-se uma riqueza a ser aprovei tada até o fim: suas nuances, a forma como se mantém e a forma como é desmon tada são um tesouro valiosís simo. Nesse process o todo , como se dá a liberaçã o do carma? ~ auto-ob servação honesta da operaçã o da vontade e da imagina_ç~o. Pelo exame interno dos process os cármico s. É uma espécie de meditaçã_o _c_om o_bj~ o - no caso , o objeto é a própria prisão. Co~o a liberdad e é obtida? Fazendo a mente observa r o process o de pri~ são sempre que as ações condici onadas se manifes tam. A partir dai surge a liberdad e e começa a asfixia do carma. O carma precisar es. pirar e ser constan temente sustenta do . Quan d o a ment e passa a observa r o process o, a sustenta ção é suspens a. Asfixiad o, 0 carrna morre aos poucos. Paralela mente , com ou sem ajuda externa e por meio da paciênc ia, acumul a-se mérito suficien te na mente, que adquire nova direção para sua imagina ção. O Buda ofereceu 84 mil ensinam entos sobre como lidar essas dificuld ades. O Budism o não impele as pessoas em direçao ª

a mas à libertaç ão pela superaç ão de suas obstruções - de urnacre nç , . , 5 eu carma. . . Nada do que foi dito e para ser s1mples mente_ace1to. Você deve exPe rimenta r e observa r.

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ESFOfÇO ~ ~

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ESFORÇO

ZE~, costuma dizer: iiSem esforço não há progresso. Mas com esforço também não ?á progresso". Qual é a saída? Adianta fazer força contra a prisão? E pela força que nos libertamos? Se fosse pela força, a iluminação seria construída. Não seria natural·, seria algo composto. Portanto, seria impermanente e dependeria de força constante para se manter. Mas a verdadeira iluminação é natural, surge de si mesma, não é artificial e não precisa de sustentação. Por outro lado, se nenhum esforço é feito, segue-se naturalmente o rumo cármico, os condicionamentos e as obstruções. Desse ponto de vista, parece necessário grande energia e grande esforço para subjugar as tendências arraigadas. Uma ideia muito comum é que meditação seria o não pensar. Mestre Dogen, discípulo do grande mestre Zen chinês Tendo Nyojo e introdutor da tradição Soto Zen no Japão, evita essa noção. Ele afirma que, quando se senta em meditação (zazen), faz-se isío sem nenhum objetivo. Pr~tica-se o pensar além de pensar eE-ão pensar. Coluna ereta, olhos abertos, mãos juntas, língua contra o · céu da boca, dentes cerrados, pernas na posição de lótus ou meio-lótus, mente atenta, serena, corpo sem tensão, respiração abdominal. Pensando além do pensar e não pensar. Sala silenciosa, a luz começa a se filtra~ pela janela, os pássaros iniciam as primeiras recitações da madrugada. Surgem os pensamentos, a mente sonha, esvoaça; a mente vê que a mente sonha e interrompe 0 sonho. Nova distração, novo sonho, nova interrupção. A mente luta contra a mente. Quem vencerá? As duas têm igual força. Aliás, não exi st em duas, a mente é una: apenas simula ser duas. Se O espírito é de _luta, a mente está lutando contra si mesma. Devemos lembrar-nos sempre de que é nossa atitude que_de~ xa as marcas cármicas ou que nos liberta. Se, para banirmos penodi carnente os sonhos, geramos uma atitude guerreira e hoS t il, lutaDtlo ToKUDA SAN, MESTRE SoTo

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contra nossa própr ia mente , o que result ará de nossa prátic a? Ma cármi·cas de h osti·1·d · t o1eranc ia. Se i a d e, dureza e in nao podemos rcas a. com seren idade nem peran te nossa ment e, que dirá com outra _gir . s pessoas. Dessa mane ira, terem os com os outro s a tendê ncia de-,. ,..__,,. 8 uU~ mesmos métod os que usam os conos co; nos torna remo s implacávei ~uros, ~os~is, .~mpaci~nt~s, descr e~tes e ~remo s manif estar rigidezs~ mt~~era~cia. Em p_nmeiro lugar e preci so paciê ncia. Em segundo, P-ª-C~ !ª· Em tercei ro, nada. Em quart o, paciê ncia" , brinc a O mestre Tolrn_da, falando aos inicia ntes no Zen. A meditação pode ser uma prátic a indiv idual ou em gru A prátic a conju nta é muito estim ulant e, cria-s e uma energia tiva que ajuda a suste ntar a prátic a indiv idual . Pratic ar sozinho reque r grand e matur idade . Não é recom endáv el no início, pois a pesso a pode ser facilm ente levad a a algum tipo de fantasia_criada por sua_m ente cármi ca, com a geraç ão de result ados falsos e instáveis. Em grupo a criação de artific ialida des é mais difícil. Conversa-se sobre a prátic a, há pratic antes mais antig os que podem ajudar e não se criam mund os partic ulare s com tanta facili dade. A prátic a de senta r direta ment e, sem prepa ração prévia e sem etapa s prelim inare s, tem seus riscos . Mesm o no caso de iniciantes, a ment e adqui re uma real capac idade de se conce ntrar, de focar image ns e temas . Porém , sendo esses tema s focad os de forma condicion ada, pode- se ampli ar a prisão cármi ca, porqu e é justamente 0 focar condi ciona do que cria e suste nta a ment e cármica. A mente cármi ca, em seus aspec tos mais profu ndos, pode engan ar o praticante e torna r sua prisão maio r e mais efetiv a. N Budis mo tibeta no, existe m as prelim inare s. São atividades de medit ação condu zidas por visua lizaçõ es, recita ções e pros- ' traçõe s que têm a funçã o de prepa rar a ment e para a importanl: etapa de se defro ntar silenc iosam ente consi go mesm a. Nª fase aprof undam ento, torna -se indis pensá vel o auxíli o de um meS t re oll de um profe ssor do Darm a e de suas instru ções precis as. A



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ém que o Budis mo não seja o camin ho mais Pode ser tamb essoa . Sua Santi dade o x1v Dalai Lama, semd ado para a P - . . , . a equ todas as religi ões sao mdisp ensav eis e condu zem repete que . pre f. comu m: a liberd ade. E cada um dever ia ter a sua mesmo im . . ªºprópn , .a pra,t·ic a , pesso al ind1V 1dual e adapt ada a suas carac tens, ticas espec íficas . PACIÊNCIA

o esforço

corre to e sábio , no entan to, tamb ém é indisp ~nsáv el. Saber usá-l o é uma grand e quali dade. No Sutra do Diam ante (Vajracchedika Prajn a Param ita) há o Virya Param ita, que ~ord a 0 esforço e a energ ia no cami nho. A habil idade de condu zir adequadamente o esfor ço é uma das seis perfe ições descr itas no sutra. Essa qualid ade é a perse veran ça no camin ho, o esforç o R_aciente, a energia pacie nte, o movi ment o sem agres são, a contin uidad e, o nã~ Õreci mento na busca da ilumi nação para benef ício de todos os seres. A ment e distra iu-se , esvoa çou, veio o sonho novam ente? De modo gentil e delica do a ment e é retira da do jogo ilusór io, tantas vezes quant as forem neces sárias , sem irrita ção, sem cansaçq,_se:rp. ~ta,_~ em desân imo, sem julga ment o, sem ~usaç ão, sem diag_: noSt1co e sem teoria s. A ment e é apena s trazid a de volta, quant as vezes _f~rem neces sárias . Essa paciê ncia é absol utame nte centra l na pratica. Sem isso, pode m-se conta r os dias até o pratic ante descrente e • xaust o e confu so aband onar a medit ação. _ . Exam inand o a paciê ncia, vemo s que se trata na_verda de. 9-_e ~~_impac iência . Nosso estad o natur al é infini tamen te pacie nte e l__rnpesso · . t ---------------.~1. A 1mpa c1enc ia surge da ment e d1V1d1da pelos propo si os e oh]. et · • dos ivos d ef1ni · pacie · nt e das no espaç o e no tempo . A mais Pessoas ' quand , do o preci sar concl uir uma tarefa em um curto peno detern, . po, sem a possi bilida de de falha r - tendo aceito d esse qua ro A



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A JOIA DOS DESEJOS ESFORÇO

mental-, tenderá a usar energia e rispidez para afastar tod . 0 0 de desvio que se interpuser. Isso é impaciência. tipo Paciência é não impaciência, o estado natural a ~ ~ . . d , nao b açao. A impaciencia precisa e causas. Sem elas sim 1 pertur. d , . , ' d esaparece. A paciencia nao e ena a, e uma base]ª exist Ptesmente D parecendo a impaciência, a paciência retorna. ·É com:: e. esa. ' 1 . retiran d o-se os ob Jetos, e e surge, sem precisar ser criado. espaço: Paciência não é tolerância. Tolerância signifi•ca e , apac1·dade de suportar o peso, a dor, a desgraça etc. E algo facilment . , e pessoahzavel, sendo aparentemen te correto dizer: eu aguento s t l , ou o erante , sou paciente. A paciência genuína é apenas não impaciência. A paciência é a prática da iluminação. Quando os aspectos de sofrimento, impermanênc ia e separatividad e estão desenraizados, a impaciência não surge, simplesment e porque não existem as ca~ que a fariam surgir. No S~tra do Diamante, a terceira perfeição é Kshanti Paramita, o param,Ítá,, da humildade e da paciência. Nesse sutra, o Buda Sakiamuni conta que, numa vida passada, havia sido atacado, retalhado e morto pelo príncipe Kalinga. Em nenhum instante de seu sofrimento o Buda criou oposição, hostilidade ou pensou em termos de "eu", "ele", "minha alma", "alma universal". "Se durante meu sofrimento eu tivesse alimentado quaisquer dessas ideias arbitrárias, inevitavelme nte teria caído em impaciência e ódio", disse o Buda. Conta-se também que Nagarjuna, grande mestre budi 5tª india_no , criador da escola Madhyamika, foi encontrado ferid~ ,: agomzante por seus discípulos. "Quem foi, onde está o agressor. ' perguntaram eles. Nagarjuna respondeu: "Foi meu carma." Não . . . .o urna f icou impaciente, não teve ódio. Encerrou, com seu si•1A enci · atitude sangrenta que poderia não ter fim. O que vemos ao examinar a mente sutil que, sem luta, sern - e sem impaciência • - retorna ª repressao persevera na atençao, A



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. _ se ajusta na posição novamente, sempre que necessárneditaçao: a construção de um mérito capaz de identificar ime·o? Vemo . peração . . - s mentais . b asea d ri · das d iscnminaçoe as em d'1 tamente a o ª _ e no surgir do carma, e que nos permite não dar sequ obstruçoes , · · · , l'b . fluxo mental daí derivado. Esse mento permitira a i erênc1a ao • 1 · · · , a ,a_ç_ao · mundo convenc10na , ou seJa, permitira dade em me10 a 0 . . , 'd em meio ao samsara. Permitira socorrer os seres em \ n~~~rw a . . meio a seus so nhos e atuar nos sonhos do samsara sem dar reah - \ dade concreta a eles. . _ Perseverando nessa prática, nem mesmo a mterrupçao do sonho será necessária depois de algum tempo. O sonho torna-se iluminação completa. Todos os sonhos se tornam iluminação . A iluminação deixa de ser pensada como o oposto da não iluminação e passa a incluí - la. ~amsara é nirvana, nirvana é sam~Q-.Cª-· Essa é a compreensão não excludente, tatata, em que tudo é iluminação. Como o esforço e a paciência tornaram isso possível? O esforço (vüya) manifestou- se na permanente disposição em continuar sem esmorecimen to, aconteça o que acontecer, dia após dia, pensamento após pensamento . A paciência, por sua vez, brotou ao se esperar que a porta da iluminação abrisse por si mesma, ao confiar em que isso ocorreria por si, evitando o erro de !_ornar a ilumi -: nação como o" ajustar-se a algo". -Forçar tem como base mental a atitude de que se sabe em que se deve chegar. É uma atitude útil no nível dos fenômenos condicionados. Mas a iluminação não é um fenômeno condicionado. Portanto, ª iluminação é inteiramente misteriosa à mente que opera de modo condicionado . A mente do esforço condicionado, do forçar , do lutar, nada pode fazer para atingir a iluminação. _A iluminação é urna flor ~e desabrocha. De nada adianta tentar abrir a~p!talas de · urna flo r para fazê-la , · E melhor· desabrochar, isso apenas a d estroJ. regar- suas , ~· 0 esforço correto, . d "tação re