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Portuguese Pages 101 Year 1991
HISTÓRIA EM DOCUMENTOS
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À presença holandesa
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(1580-1654
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PARTE I
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Engenho de açúcar, de Frans Post. Óleo sobre madeira, acervó do
Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
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Para que a paginação ficasse correta, índice e demais informações foram colocadas ao final do arquivo. O índice está na página 99
Nos séculos da pirataria — navegar é preciso
s séculos XV e XVI foram importantes na história do mundo porque neles o homem comprovou a esfericidade da Terra e os europeus, aportando no nosso continente, descobriram o hemisfério ocidental do planeta: a América. Cristóvão Colombo chegouà América em 1492, Vaseo da Gama chegou às Índias em 1497 e Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 1500. Aperfeiçoamentos náuticos como a bússola, o astrolábio e as caravelas permitiram a navegação transoceânica, incorporando ao comércio mundial povos e riquezas inimagináveis. Da costa africana vinham, principalmente, ouro e marfim; da Índia, as cobiçadas especiarias: gengibre, cravo, pimenta, noz-moscada e canela, indispensáveis na conservação e no tempero de alimentos; da China, as sedas, porcelanas, chá; da América, o ouro, a prata e o pau-brasil. Nas novas rotas oceânicas os povos da Europa, liderados pelos portugueses e espanhóis, encontraram outros
povos,
com
língua,
religião,
crenças,
usos
e costumes
muito diversos. Os povos orientais, como os da Índia e da China, tinham um complexo alfabeto ideográfico* e um profundo e organizado sistema de pensamento, sob a forma de filosofia e religião. Na África eram inúmeros os grupos culturais e grande sua diversidade étnica, linguística e religiosa. Embora alguns grupos houvessem organizado reinos mais estáveis, como os de Gana (séc. * As palavras com asterisco são definidas no Vocabulário, no final do livro.
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AT
III ao XII), Império Songhai (séc. XI ao XVI), Império
Mali (séc. XHI
XIX),
ao XVID,
Kaném-Bornu
Estados Hausas (séc. XIV
ao XVI),
(séc. XI ao
Darjur (séc.
XV), Congo (fundado no século XII), outros ainda permaneciam nômades ou seminômades, vivendo do pastoreio ou da caça e coleta. Na América viviam diversos povos, os ameríndios, alguns com organização cultural
e social complexa,
como
os maias,
os astecas e os incas,
o Peru e a Bolívia, e outros, como
os indígenas norte-a-
nas regiões onde se situam hoje a Guatemala, o México, mericanos e brasileiros, que permaneciam seminômades,
vivendo da caça e da coleta.
Os povos europeus vinham de uma sociedade e de uma cultura complexa. Dominavam a escrita desde os séculos anteriores à era cristã. Haviam iniciado a organização dos Estados nacionais, tinham alcançado uma relativa unidade lingúística, cultural e religiosa, além de haverem acumulado um conhecimento científico e tecnológico que lhes permitiu ultrapassar os limites do mar Mediterrâneo, dominar o oceano Atlântico e, com ele, o planeta. À riqueza cultural e material desse novo mundo descoberto aparecia como fantástica e deslumbrante âqueles que primeiro a vislumbraram... Tão bela era a paisagem brasileira, que portugueses, franceses e holandeses aqui chegados a comparavam, ao descrevê-la, à visão do paraíso. Contudo a relação estabelecida pelos europeus com os povos nativos foi de profunda desigualdade. À preocupação principal que tiveram foi a troca de mercadorias entre um ponto e outro do planeta, não hesitando em usar a força para obrigar os demais povos a lhes ceder suas riquezas. Usaram o poder de suas armas de fogo e de suas esquadras navais. O saque e a pilhagem de riquezas tornou-se constante, e a pirataria se generalizou. Os portugueses e espanhóis foram os pioneiros nas grandes navegações dos séculos XV e XVI, sendo de-
pois seguidos por franceses, holandeses e ingleses, que
passaram a disputar-lhes o domínio dos mares e das no-
vas terras descobertas. Tais disputas eram tão intensas que, além de ocorrerem lutas e guerras pelo domínio de cer-
tos portos e regiões, navios piratas de alguns países atacavam e saqueavam navios mercantes de diferentes nacionalidades carregados de especiarias, ouro, marfim, pra-
ta e outros produtos. Como esses navios costumavam andar em grandes armadas, as riquezas transportadas eram incalculáveis. Os séculos XV e XVI poderiam ser chamados perfeitamente de “séculos da DD ge!
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Canhão de bronze, séc. XVII, acervo do Museu do Estado de Pernam-
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A grande preocupação das nações, nessa fase da his-
tória, era acumular ouro e outros metais preciosos. Uma nação era considerada tanto mais rica quanto mais tesouros tivesse guardado em suas arcas, À principal fonte de obtenção desses tesouros era o comércio externo. Segundo as idéias mercantilistas*
predominantes
na época,
uma nação devia importar o mínimo possível, produzir para sua subsistência e exportar o máximo que pudesse, a fim de obter saldos favoráveis na sua balança de comércio*
Quando os portugueses chegaram ao Brasil em 1500 estavam também à procura de metais preciosos. Como não os encontraram, mantiveram aqui apenas algumas feitorias destinadas à exploração do pau-brasil, enquan-
to continuavam seu intenso comércio na India e no lito4]
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ral africano. Esse comércio era extremamente rentável, pois as especiarias indianas, O ouro e o marfim africano
eram muito procurados na Europa. Aos poucos os demais países europeus, principalmente a Holanda, passaram a competir com Portugal no Oriente e na rota da África, desalojando-o de suas posições. Inicialmente, como os custos da empresa ultramarina eram muito vultosos, Portugal recorria aos capitais e empréstimos dos banqueiros de Amsterdã, para os quais ia perdendo paulatinamente o domínio da distribuição das especiarias trazidas do Oriente. Exauridos e enfraquecidos nesse comércio, Os portugueses resolveram, a partir de 1530, concentrar suas atividades no Brasil, garantindo a posse da terra através da colonização, pois piratas holandeses e franceses já ameaçavam as costas brasileiras, onde se dedicavam a atividades exploratórias e ao contrabando do paubrasil. a A ocupação do território brasileiro realizou-se por meio da produção do açúcar, então muito procurado no
mercado mundial. na-de-açúcar,
Estabeleceu-se aqui a cultura da ca-
destinada
à produção
em
larga
escala*,
colônias
inglesas
para abastecer o mercado europeu. O sistema de produção estabelecido se baseou no uso e na exploração do solo através da agricultura extensiva*. Esse tipo de empresa agrícola exige mão-de-obra numerosa e barata. Se os europeus tentassem trazer para cá trabalhadores livres assalariados, estes, vendo a grande extensão do território, prefeririam tornar-se colonos independentes e plantar sua
própria
terra,
como
ocorreu
nas
do Norte dos Estados Unidos. Diante disso a alternati-
va foi o uso do trabalho escravo. Inicialmente, e em cer-
tas regiões do país, o indígena foi muito usado como es-
, Cravo, mas aos poucos a escravidão africana foi se pliando e o tráfico negreiro se impôs. O apresamento terno de índios não dava lucros à Coroa, ao passo a concessão (asiento*) para a exploração do tráfico de gros da Africa era vendida pelo rei às companhias de
aminque neco-
mércio européias por alto valor. Comerciar escravos nes-
se período se tornou um negócio tão ou mais lucrativo
que plantar cana. Muitos senhores,
em períodos de má
safra ou de baixos preços do açúcar no mercado, ficaram
ameaçados de perder seus engenhos em razão de seu en-
dividamento junto aos traficantes. O rei de Portugal dividiu o Brasil em quinze grandes faixas de terra — capitanias hereditárias — e as distribuiu a particulares que considerava com condições de fazê-las produzir. Dessas capitanias, duas, as de Pernambuco e São Vicente, conseguiram estabelecer com sucesso à lavoura canavieira, comprovando para a Coroa portuguesa a viabilidade da empresa açucareira no Novo Mundo. O Nordeste tornou-se o núcleo produtor mais importante durante todo o período colonial brasileiro. Desde o início da colonização,
a empresa açucarei-
ra contou com o investimento de capitais holandeses, e grande parte do açúcar levado para a Europa, branco ou mascavado*, era distribuído por navios holandeses com permissão da Coroa portuguesa (1530-1580) e, depois (1580-1640), da Coroa espanhola, durante a União Ibérica. Nesse último período os dois países passaram a ter o mesmo governo, uma vez que o rei português D. Sebastião
morreu
sem
deixar
herdeiro,
e Filipe
II, rei
de Espanha e um de seus parentes mais próximos, reivin-
dicou e obteve seu direito ao trono português, unindo as duas Coroas. Consequentemente, Portugal e suas colônias, entre elas o Brasil, passaram ao domínio da Espanha. Os
holandeses,
conhecidos
também
como
flamen-
gos, eram habitantes dos Países Baixos do Norte, que foram províncias espanholas até 1581, quando deixaram de reconhecer a autoridade de Filipe II. Apoiados pela Inglaterra, lutaram por sua independência e, em 1584, formaram um novo país, chamado Províncias Unidas dos Países Baixos (ou República da Holanda), que passou a concorrer com a Espanha na disputa pelo seu imenso Império colonial no Oriente e nas Américas. Pelo regime de comércio vigente entre as metrópoles e as colônias, estas podiam comerciar exclusivamente com a metrópole, através de comerciantes nacionais ou estrangeiros autorizados, que pagassem as devidas ta-
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ate
xas nos portos indicados:
Lisboa,
Porto e Viana (Portu-
gal) ou Cádiz (Espanha). O comércio da colônia com na-
vios estrangeiros independentes
era considerado
contra-
bando e severamente punido. A admissão da participa-
ção de navios estrangeiros no comércio das metrópoles com as colônias foi um recurso usado pelas Coroas ibéri-
cas, quando elas próprias não dispunham de meios financeiros para armar suas frotas. Era comum no século XVI
a participação no comércio com
o Brasil de navios
provenientes de Flandres, Holanda, Zelândia (então províncias dos Países Baixos, espanhóis), onde se destacavam as poderosas urcas* flamengas, mais possantes que os barcos portugueses e por isso preferidas de todos. A participação de navios e comerciantes das Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda) nas frotas espanholas e portuguesas que faziam o comércio no Brasil e na carreira das Indias só foi proibida a partir de 1598, quando o rei Filipe III percebeu que os holandeses haviam descoberto os segredos do caminho para as Índias e passaram a fazer concorrência aos espanhóis no comércio oriental. Contudo
a associação de interesses entre os comer-
ciantes flamengos e portugueses era tão antiga, que mesmo após as proibições do rei os segundos continuaram
a proteger os primeiros, providenciando papéis e outros recursos legais que possibilitassem sua participação no comércio brasileiro.
Graças a essa cumplicidade oficial dos portugueses na desobediência às leis do rei de Espanha, calculavam os
comerciantes holandeses haver chamado a si a metade, senão dois terços, do comércio marítimo entre o Brasil e a
Europa.
(C. R. Boxer, Os holandeses no Brasi — 1624-1654, p. 28.)
Mudanças na situação européia também contribuíram para a intensificação desse comércio: em 1588, a In8
glaterra pôs fim à hegemonia espanhola tando sua poderosa esquadra naval — mada. O enfraquecimento do poderio assinatura de uma trégua (1609-1621) Holanda.
nos mares, derroa Invencível Arespanhol forçou a entre Espanha e
Tais fatos contribuíram para a intensificação do tráfico holandês com o Brasil e para a ampliação das atividades de refino e comércio de açúcar na Europa. Ao expirar a trégua, construiam-se anualmente na
Holanda quinze navios para o uso exclusivo desse comér-
|
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cio, ao mesmo tempo que se importavam, via Portugal, 50 000 caixas de açúcar, afora pau-brasil, algodão, couro, etc. [...] Ao passo que em 1595 existiam na Holanda setentrional apenas três ou quatro refinarias de açúcar, esse número ascendia a vinte e nove em 1682, vinte e cinco
das quais em Amsterdam...
(Idem, ibidem, p. 29.)
De acordo com o especialista em história econômica Celso Furtado
[...] se tivermos em conta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte do transporte entre o Brasil e Portugal), a refinação e a comercialização do
produto, depreende-se que o negócio do açúcar era, na rea-
lidade, mais deles do que dos portugueses. Somente os lucros da refinação e a comercialização do produto alcançaram aproximadamente a terça parte do valor do açúcar em bruto.
(Celso Furtado, Formação econômica do Brasil, p. 15.)
Nos inícios do séc. XVII, os holandeses controlavam
quase todo o comércio marítimo europeu, reexportando
açúcar para a França, a Inglaterra e aos países bálticos.
9
:
Holandeses no Brasil: colonizar é preciso Em
1621, com
o fim da trégua, renovou-se o esta-
do de guerra entre Holanda e Espanha. Contribuíram para isso os interesses de comerciantes holandeses envol-
vidos no refino e comércio do açúcar na Europa. Sentin-
do-se ameaçados de perder o acesso a sua fonte de abastecimento, resolveram arrebatá-la aos espanhóis, conquis-
tando parte da região produtora no Brasil. Os recursos para isso foram reunidos através de uma companhia de comércio chamada Companhia das Índias Ocidentais, que se formou em 1621 e recebeu o monopólio* do tráfico, do comércio, da navegação e conquista em todas as -terras da costa atlântica situadas, na América, entre a Terra Nova e o estreito de Magalhães e, na África, do Trópico de Câncer ao Cabo da Boa Esperança. Com isso os holandeses desafiaram a bula papal de 1493, que dividia as terras do Novo Mundo entre Portugal e Espanha. A Companhia das Índias Ocidentais encarregou-se
de executar o projeto de conquista do Brasil através da organização de uma esquadra naval com 26 navios, |
3 300 homens e 450 canhões, que chegou à Bahia em
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maio de 1624. O governador da Bahia, Diogo de Mendonça Furtado, sem tropas suficientes para se defender, rendeu-se, enquanto a população fugia espavorida.
Ão saber do acontecido, o rei de Espanha providen-
ciou a organização de uma esquadra naval, composta de 52 navios, 12 566 homens e 1 185 canhões, que, comandada por D. Fradique de Toledo, chegou à Baía de Todos os Santos em abril de 1625 e, tendo encontrado a esquadra holandesa desfalcada, derrotou-a facilmente, expulsando os holandeses da Bahia.
Em represália à derrota e para compensar os prejuízos sofridos, os holandeses passaram a realizar atos de Pirataria em águas brasileiras. O famoso pirata Piet
Hein apresou 38 navios mercantes que faziam o comér-
cio luso-brasileiro;
em
1627 entrou duas vezes no porto
de Salvador, saqueou os navios ali encontrados e levou 2 565 caixas de açúcar, além de fumo, couro, algodão e pau-brasil. Com o saque da frota espanhola de prata em 1628 e o produto de outros atos de pirataria nas costas brasileiras e africanas, a Companhia das Indias Ocidentais conseguiu reequilibrar-se financeiramente, pagando todas as suas dívidas e ficando em condições de organizar outra frota; dessa vez para atacar Pernambuco. À decisão de atacar Pernambuco se deveu aos conhecimentos que os holandeses adquiriram da capitania durante o período em que estiveram na Bahia. Interceptaram cartas do governador Matias de Albuquerque e ficaram sabendo que as fortificações de Olinda e Recife estavam desaparelhadas e que a milícia local não excedia a quatrocentos homens pouco experientes. Além disso a capitania era o principal centro açucareiro da Colônia. Pelos relatórios do governador, os holandeses ficaram também sabendo que as três capitanias do Nordeste possuíam 137 engenhos de açúcar, com uma produção anual de 700 000 arrobas em média, exportadas em caixas de 20 arrobas, o que somava 35 mil a 40 mil caixas por ano. A Coroa espanhola estava informada das intenções holandesas, mas as guerras européias, especialmente a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), em que estava envolvida, não permitiam socorrer a Colônia com navios, homens e munição suficientes. Em 1630 o governador geral Matias de Albuquerque resistiu como pôde à frota holandesa de 56 navios, 3 500 soldados e 1 170 canhões, mas teve de retirar-se para o interior, deixando Olinda e Recife nas mãos dos holandeses. Assim se cumpria a previsão de um frei dominicano, feita num sermão contra a impiedade dos seus fiéis, pouco antes da chegada dos holandeses:
De Olinda a Holanda basta apenas a troca de 11
um 1 por um
a. Esta vila de Olinda há de se mudar
em Holanda [...]
(Apud CG. R. Boxer, op. cit., p. 50.)
Contudo os urbanos, e dominando a ção do açúcar,
os holandeses ficaram isolados nos núcleos portugueses permaneceram no interior, região dos engenhos e, portanto, a produsem o qual os holandeses não podiam co-
merciar, ficando sem os meios de sobrevivência econômi-
ca. Além disso-o governador Matias de Albuquerque or-
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ganizou um sistema de guerra de emboscadas que impe-
dia ao inimigo a penetração na zona rural. Estabeleceu seu quartel-general no Arraial do Bom Jesus, de onde dirigia a resistência e os ataques às defesas holandesas de Olinda e Recife. A situação permaneceu num impasse até 1632, quando os holandeses mudaram sua estratégia, passando da guerra marítima ao ataque direto à resistência brasileira na região da Várzea, onde se situava o Arraial do Bom Jesus. Serviram-lhes de guia nessa empresa moradores locais, entre eles um
ex-combatente do Arraial,
chama-
do Domingos Fernandes Calabar, mais tarde capturado e enforcado por ordem do governador Matias de Albuquerque. Com a ajuda de Calabar e dos índios tapuias, os holandeses obtiveram sucessivas vitórias e, em junho de 1635, a queda do próprio Arraial do Bom Jesus. Dominaram a região da Várzea, obrigando os luso-brasileiros a se retirarem para a Bahia. Durante a retirada, o governador Matias de Albuquerque mandou incendiar os canaviais da região, coagindo os mais poderosos moradores da terra a abandonarem seus engenhos e emigrarem para a Bahia. Com essa tática procurou evitar que esses recursos econômicos caíssem em mãos dos inimigos, mas sobretudo que esses donos de engenho viessem a colaborar com os holandeses, COMO ocorreu com os que permaneceram nas capitanias dominadas.
De acordo com registro feitó por Matias de Albuquer-
que nas suas Memórias diárias”, se retiraram com ele em 1635 em torno de 4 mil brancos ou mestiços livres e
5 mil índios.
Vivia nas capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte uma população entre 110 mil e 120 mil habitantes,
dos quais calcula-se que,
entre 1630 e 1640, 15 mil tenham emigrado em direção à Bahia e ao Rio de Janeiro. Em 1635, após cinco anos de luta quase sem nenhum auxílio do rei da Espanha, não apenas Calabar, mas muitos moradores luso-brasileiros passaram a colaborar com
os holandeses.
Tal
colaboração
foi estimulada
principalmente por um edito lançado em 1634 pelo Conselho Político dos holandeses que garantia proteção e permitia aos que prestassem juramento e obediência às autoridades holandesas a volta às suas lavouras de cana. Segundo dados fornecidos pelo historiador Evaldo Cabral de Mello, dos 149 engenhos existentes em Pernambuco, Itamaracá,
Paraíba e Rio Grande,
65 foram aban-
donados, confiscados e vendidos pelas autoridades holandesas a moradores holandeses, judeus e luso-brasileiros. Dos 46 engenhos vendidos em 1637 e 1638, 18 foram adquiridos por gente da terra. Desses 18 compradores, 6 Já eram senhores de engenho e 12 passaram a sê-lo naquele momento. Assim formou-se um novo grupo de proprietários luso-brasileiros diretamente ligados ao domínio holandês.
Conde de Nassau em Pernambuco (1637-1644)
Com a expansão holandesa no Nordeste, a Compa-
nhia das Índias Ocidentais resolveu assegurar suas con-
quistas no Brasil por meio da presença de um alto mandatário que governasse e desenvolvesse a colônia, expandindo-a, se possível. O escolhido foi o conde João Maurício de Nassau, homem jovem e culto, pertencente à família de Orange,
13
que então governava a Holanda, e destacado lutador na emancipação das Províncias Unidas dos Países Baixos.
Sua presença no Brasil significou a consolidação do domínio holandês no Nordeste e a expulsão definitiva dos portugueses para além do São Francisco. Ao chegar a Recife,
deu
início à tarefa ad-
juízes
e funcionários de
Nassau
ministrativa de organização da “Nova Holanda”, como era chamada a colônia holandesa no Brasil. Dotou-a de leis, reprimiu
abusos,
nomeou
Justiça, melhorou a ração dos funcionários civis e militares da Companhia e garantiu igualdade de direitos a todos os moradores, fossem holandeses, portugueses ou franceses, desde que prestassem obediência e pagassem impostos ao governo holandês. Vendeu a prazo os engenhos de açúcar abandonados pelos proprietários que haviam seguido para a Bahia junto com as tropas luso-brasileiras. O restabelecimento da paz favoreceu a retomada das atividades econômicas e os mercadores passaram a adiantar capitais aos senhores de engenho, que puderam com isso restabelecer a lavoura, restaurar as moen-
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das e adquirir escravos.
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És cana em uma moenda portátil. (Debret J.B. Viagem II,
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pitoresca e histórica
Com relação aos portugueses, o conde de Nassau adotou uma política de compreensão e benevolência, como meio de incentivá-los à volta a suas atividades produ14
tivas. Atendia pessoalmente às queixas dos moradores portugueses, ouvindo semanalmente as suas petições. Outra medida que contribuiu para captar a adesão da população portuguesa foi o estabelecimento da liberdade de consciência, que permitia aos católicos a prática de sua religião. Outra estratégia fundamental usada pelos holandeses para cooptar a população luso-brasileira para o processo produtivo foi a promessa da liberdade de comércio*. Nassau tratou com cuidado essa questão, pois muitos advogavam o monopólio comercial em favor da Companhia das Índias. Contudo, foi instituído um regime de liberdade relativa, isto é, de livre comércio para todos os habitantes das Províncias Unidas que fossem acionistas da Companhia e aos moradores das capitanias conquistadas que tivessem seu capital aplicado em engenhos. Manteve-se para a Companhia o monopólio do pau-brasil, das munições e do tráfico de escravos. Isso significava que para comerciar com o Brasil o cidadão deveria ser holandês ou luso-brasileiro dono de engenho. Só poderia, no entanto, transportar suas mercadorias nos navios da Companhia, para a qual pagava taxas e frete. Aos senhores de engenho se davam essas facilidades para que pudessem importar material e aparelhos para a fabricação do açúcar, isto é, mercadorias não pa-
E:
ra O comércio, mas para uso próprio.
Outra questão importante tratada por Nassau foi a do provimento de mão-de-obra para os canaviais. Co-
mo os portugueses, também os holandeses acabaram op-
tando pelo trabalho escravo africano. Após muitas discussões na Holanda, as autoridades religiosas protestantes, assim como as católicas no Brasil e em Portugal, acaba-
ram dando sua aprovação ao tráfico humano. Entre 1654 e 1636, a partir da conquista da Paraíba e de Pernambuco pelos holandeses, aumentou a procura de escravos no Nordeste do Brasil. Para isso providenciaram os holandeses a conquista dos postos de abastecimento na Africa. Em 1641, partiu do Brasil uma esquadra que conquistou a ilha de São Tomé e Angola, de onde pretendiam 15
trazer os negros
bantus,
que
ao trabalho na lavoura.
consideravam
mais
aptos
O ano de 1641 foi o momento de expansão máxima do domínio holandês no Brasil. Após ter tentado sem sucesso conquistar a Bahia (em 1638), Nassau conquistou as capitanias de Maranhão e Sergipe, dominando sete das quatorze capitanias em que se dividia a América
portuguesa.
Vejamos
o que diz o historiador inglês Bo-
xer sobre a situação e sucessos da Companhia das Índias: 5
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Dominio holandês
Bahia 1624-1625
Domínio português ---—--
Limite dos Estados do Maranhão e do Brasil
Mapa dos territórios holandeses no Brasil. (Atlas histó rico escolar, MEC.)
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/...] A Companhia das Índias Ocidentais havia
atingido então o seu zênite. Abarcava ela os estabelecamentos do comércio de peles situados ao longo do ro Hudson, alguns postos da Guiana e as ilhas de Curaçao e Aruba, pertencentes às Antilhas; mas todos os lucros advindos dessas possessões e da Africa Ocidental não bastavam para cobrir as despesas que a Companhia estava fazendo no Brasil, onde ela ditava leis a toda uma costa de mais de mil milhas de extensão. Era no
Brasil que a Companhia concentrava todas as suas energias e era da sorte do Brasil que dependia em última análise a sua solvência e possibuidade de existir. (Op. cit., p. 153.)
Por esse tempo já havia ocorrido a restauração em Portugal, que reconquistara sua independência em 1640, sob reinado de D. João IV, separando-se novamente da Espanha. Contudo, enquanto se davam as negociações de paz entre Portugal e Holanda, no Brasil, Nassau prosseguia sua política de conquistas e nada parecia indicar que os holandeses pretendessem abdicar da Nova Holanda brasileira ou dos entrepostos africanos. A trégua assinada entre Portugal e Holanda em 12 de abril de 1641 manteve
intocado
o domínio
holandês
no
Brasil,
uma
vez que os portugueses precisavam do auxílio da frota holandesa para lutar contra a Espanha, que resistia à se-
paração das duas Coroas.
O tratado de trégua constava
de trinta e cinco artigos, dentre os quais se reconhecia à Holanda o domínio das regiões conquistadas na Africa e no Brasil e aos súditos holandeses se assegurava o direito de propriedade dos engenhos de que estavam de posse.
Da insurreição pernambucana à expulsão dos holandeses Nessa mesma época a produção açucareira passou a enfrentar sérias dificuldades, não só pela queda de pre17
cos do açúcar na Europa, como também pela diminuição
da safra, causada por vários fatores: incêndios em 1640:
inundações e epidemias entre os negros em 1641 e 1642: seca em 1644. Os produtores, em geral luso-brasileiros
arruinados,
não
tinham
como
saldar
suas
dívidas junto
à Companhia e aos negociantes holandeses. Essas dívidas haviam sido contraídas para aquisição e reaparelhamento dos engenhos abandonados e para a compra de escravos.
Os prejuízos na produção e no comércio do açúcar agravaram também as dificuldades financeiras da Companhia das Indias Ocidentais, que passou a adotar uma política mais rigorosa em relação aos seus credores no Brasil. Determinou a cobrança das dívidas atrasadas dos senhores de engenho, sob pena de confisco de suas propriedades, além de cortar o fornecimento de escravos a prazo, vendendo-os somente à vista, o que inviabilizava sua aquisição pelos senhores da terra. Essas medidas representaram um duro golpe para os senhores de engenho, tornando insustentável sua relação com a Companhia. Além disso o abastecimento deficitário dos produtos europeus por parte da Companhia acarretava a escassez dos gêneros
e a alta desmesurada
ainda mais a vida na capitania.
dos
preços,
dificultando
A Companhia adotou ainda uma política de restrição de gastos, através da redução de tropas a seu serviço, especialmente das chefias de maior patente. Desgostoso com essas medidas, Nassau apresentou novamente seu pedido de demissão, que dessa vez foi aceito pelos diretores da Companhia. Com isso, além de economizar o pagamento dos altos salários do governador e seus custosos auxiliares e dependentes, viam-se livres de um adminis-
trador demasiado independente, nem sempre obediente
as suas ordens.
Outro motivo de descontentamento dos luso-brasileiros S foi a inoperância do governo Nas sau para fazer cumprir as cláusulas de liberdade religiosa. Pressionado por 18
calvinistas
intransigentes
holandeses,
o conde
deixava
de tomar medidas práticas necessárias à manutenção do culto católico pelos luso-brasileiros, tais como a substitui-
ção de religiosos por morte ou mudança. A saída de Nassau representou o último golpe para alguns luso-brasileiros que ainda viviam dos favores e da colaboração com os holandeses, como o senhor de en-
genho João Fernandes Vieira, que passou a fazer parte do
movimento
insurrecional
de
1645,
tornando-se
um
dos seus líderes. Nassau ainda estava no Brasil quando a insurreição começou na província do Maranhão, alastrando-se depois para Pernambuco. Em 1644, um de seus grandes líderes, André Vidal de Negreiros, com apoio do governador-geral Antônio Teles da Silva, passou a Pernambuco, onde começou a propagandear secretamente o movi-
mento entre os senhores de engenho luso-brasileiros, que iriam à ruína caso a Companhia, por atos da nova direção da Colônia, resolvesse executar a cobrança das imensas dívidas contraídas para custeio da produção. Agora sem a proteção e a tolerância de Nassau, a maioria deles aderiu ao movimento restaurador (1645-1654). O movimento insurrecional contra os holandeses no Brasil foi desencadeado por três ordens de interesses: 19) o dos grupos mercantis de Lisboa ligados ao comércio de açúcar; 2º) o dos senhores de engenho nordestinos emigrados para a Bahia; 3º) o dos senhores de engenho colaboracionistas que haviam permanecido no Nordeste. O apoio extra-oficial dos grupos mercantis de Lisboa ligados à Coroa serviu como um aceno à união entre os senhores de engenho, até então cindidos em emigrados (BA) e colaboracionistas, para participarem da luta de restauração do domínio português no Nordeste. As cláusulas da trégua de 1641 que mantinham as propriedades confiscadas nas mãos dos holandeses indicavam aos grandes proprietários emigrados que só a guerra poderia devolver-lhes seus engenhos. À execução da cobrança das dívidas dos senhores de engenho pela Gompanhia das Índias Ocidentais convenceu-os de que a cola-
19
o
e
boração não era mais possível e que, em contrapartida, aderindo ao movimento
restaurador
não
só poderiam
se
ver livres das dívidas com os holandeses como se creditavam junto ao rei de Portugal para lutar pela manutenção
das propriedades que haviam adquirido dos holandeses.
A Coroa portuguesa, em virtude da trégua com a Holanda, não podia auxiliar abertamente os revoltosos. Por isso o movimento se fez inteiramente por iniciativa e responsabilidade dos luso-brasileiros, que, embora já
em 1645 tivessem recuperado a zona rural de Pernambu-
co, deixando os holandeses sitiados em Olinda e Recife, não podiam expulsá-los definitivamente por falta de forças navais. Participaram também da Guerra de Restauração grupos indígenas comandados pelo índio catequizado Felipe Camarão e o grupo do preto Henrique Dias, cuja atuação não tomou vulto que pudesse alterar a situação social da maioria negra e indígena, após a expulsão definitiva dos holandeses em 1654. A participação negra não foi incentivada pelos senhores de engenho, que preferiram manter seus escravos ocupados na produção do açúcar. Por medida de segurança, tropas de brancos, índios e negros foram mantidas em grupos separados, de modo a que qualquer sublevação pudesse ser facilmente controlada, jogando-se índios contra negros ou vice-versa. As primeiras conquistas dos revoltosos se deram no Interior da capitania, na zona dos engenhos. Inicialmente foram se retirando até aglutinar forças suficientes para enfrentar o inimigo. O primeiro confronto e a primeira vitória se deram em Monte das Tabocas, em 3 de agosto de 1645. Em 17 de agosto, com reforços vindos da Bahia chefiados por André Vidal e Martim Soares Moreno, conseguiram novas vitórias no Engenho da Casa Forte, passando a sitiar Recife. Em
seguida tomaram o For-
te do Pontal, em 3 de setembro; o Forte de Porto Calvo em 17 de setembro; o Forte Penedo, em 19 de setembro, - passando a enviar reforços ao Rio Grande do Norte e à Paraíba.
20
As duas batalhas definitivas se verificaram em Mon-
tes Guararapes,
em
19 de abril de 1648 e 19 de feverei-
ro de 1649, com a vitória das forças luso-brasileiras sob comando do general Francisco Barreto, ao lado de An-
dré Vidal, Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Henrique Dias. A partir de então os holandeses, esgotados e sem auxílio, se retiraram de Olinda, recolhendo- -se a Recife. A Companhia das Índias Ocidentais não tinha condições financeiras para enviar recursos ao Brasil. É o governo holandês, em guerra com a Inglaterra, na Europa, nada pôde fazer por sua colônia. À situação permaneceu num impasse até que em 1654 o rei de Portugal enviou ao Brasil uma esquadra naval, previamente organizada pela Companhia de Comércio do Brasil (1649), sob comando de Pedro Jacques de Magalhães. Em dezembro de 1653 deu-se o cerco total de Recife; e, a 26 de janeiro de 1654, a rendição final dos holandeses. Portugal retomou a colônia brasileira, que passou do domínio da Companhia das Índias Ocidentais ao da Companhia de Comércio do Brasil, contra a qual mais tarde os brasileiros também se insurgiram. Os senhores de engenho continuaram como donos da terra; os índios, perseguidos e escravizados; e os negros foram logo derrotados em Palmares (1695). O comércio açucareiro declinou no Brasil após 1650, pois os holandeses, com a experiência aqui adquirida, reorganizaram sua produção nas Antilhas (Suriname e Curaçao), fazendo concorrência ao nosso açúcar e rompendo o monopólio do comércio português. Após 1654, a reorganização do comércio colonial à
base do monopólio comercial garantia o mercado colo-
nial exclusivamente para a Metrópole, ficando os lusobrasileiros proibidos de vender seus produtos a outros países e a outros navios que não fossem os portugueses. Assim, tanto no Brasil holandês quanto no Brasil português, mantinha -se o velho pacto colonial, em que as colônias funcionavam como fornecedoras de produtos tropicais e matérias-primas para o comércio metropolitano €
21
serviam ao mesmo tempo como mercados consumidores
dos produtos industrializados trazidos das metrópoles européias. Os preços dos produtos eram estabelecidos pela Me-
trópole, e um comerciante português não era diferente de um holandês: comprava os produtos coloniais pelo
menor preço possível e vendia os produtos
trazidos da
Europa pelo maior preço possível, acumulando os chama-
dos superlucros coloniais. Segundo o historiador Fernan-
do Novais, os lucros acumulados
nesse comércio consti-
tuíram a acumulação primitiva* de capitais que deu origem ao mundo capitalista.
22
PARTE
O
que
os doc
II
am
fal
ent
=”
os ad
LER
= Ma
ç E
ad
A
Igreja de S. Cosme
e S. Damião, em Pernambuco — vista antiga. leo sobre madeira, de Frans Pos t, acervo do Museu Nacional de Belas Artes, RJ.
24
CAPÍTULO
1
À economia: produção e comércio do açúcar
Doce inferno — açúcar e escravidão ue coisa há na confusão deste mundo mais semelhante ao inferno, que qualquer desses vossos engenhos? Por isso for tão bem recebida aquela bela e discreta definição de quem chamou a um engenho de açúcar doce inferno. E verdadeiramente quem vir na escuridão da noite aquelas fornalhas tremendas perpetuamente ardentes; as labaredas que es-
tão saindo a borbotões de cada uma pelas duas bocas ou ventas, por onde respiram o incêndio; os africanos banhados em suor, tão negros como robustos que admi-
nistram a grossa e dura matéria ao fogo, e os forcados
com que o revolvem e atiçam; as caldeiras ou lagos fer-
ventes vomitando espumas, exalando nuvens de vapores; o ruído das rodas, das cadeias, da gente toda da cor da mesma noite, trabalhando vivamente, e gemendo tudo ao mesmo tempo, sem momentos de trégua, nem de descanso; quem vir enfim toda a máquina, não poderá duvidar que é uma semelhança do inferno. [...] (Vieira,
“Sermão XIV,
Série do
Rosário". In Eugênio Gomes, org., Vieira — Trechos escolhidos. [Adaptações da autora.))
25
CET
ai
Padre
Antonio
Vieira
(1608-1697)
foi
um
jesuíta
que viveu na Bahia no século XVII, destacando-se como o maior orador sacro da língua portuguesa. Deixou várias obras, entre elas os Sermões, nos quais retratou aspectos da vida da época, como esse em que descreveu o fabrico do açúcar. [anto portugueses quanto holandeses
no Brasil usaram o mesmo método de produzir, tendo os últimos aprendido com os primeiros. As instalações do engenho
propriamente
compreendiam
a moenda,
on-
de se amassava a cana para extrair a garapa; a caldeira, na qual a mesma era fervida até a água evaporar; O tendal das forças, onde o açúcar era condensado;
e a casa de
purgar, local em que se completava o branqueamento do produto, embalado depois em caixas de 50 arrobas (750 kg). O texto do padre Vieira parece fixar o momento do fervilhar das caldeiras, em que os negros escravos trabalhavam junto ao fogo e aos vapores, sob o tórrido calor tropical, numa temperatura e ambiente tão causticantes que ele os comparou ao inferno. A fabricação do açúcar no Brasil colonial foi descrita por vários autores da época, tanto portugueses, como franceses e holandeses.
Esses
escritos constituem
fontes
de pesquisa e estudo para o conhecimento de um enge-
nho colonial e seu funcionamento. O texto seguinte é uma resenha feita por Barléu a partir da descrição do fabrico do açúcar constante do relatório do conselheiro ho-
landês no Brasil Adriano van der Dussen, que voltou para a Europa em 1639.
/...] Arrancadas as canas e limpas das folhas, cortam-se em pedaços de um palmo de comprimento. Assim cortadas são espremidas numa prensa, recebendo-se O sumo numa caldeira de cobre. Diluido ele em água, fer-
ve o número certo de horas e vai-se escumando. Evaporada a água, despeja-se nuns vasos de barro — as fór-
mas que tém o feitio de cone, e aí cristaliza como sal.
O buraco dessas fórmas, a princípio tapado, conserva o açúcar coalhado e úmido; abrindo-se depois, deixa passar o melaço para purgar o açúcar. Depois cobre-se
de barro* a cara da fórma, porque se acredita que, repetindo-se várias vezes esta operação, se expelem mais completamente as impurezas, e o açúcar clareia mais. Este
é o primeiro trabalho que ele reclama. Entretanto, há
mister novas manipulações e cozeduras para se obter um açúcar mais puro e clarificado. Assim derrama-se no açúcar mais impuro uma mistura de cal viva e claras de ovos, e, mexendo-se sem parar, escuma-se o cal-
do, limpando-o das impurezas, e, quando ele, fervendo, ameaça entornar-se, impede-se 1sso deitando-se-lhe um pouco de manteiga. Coam-no depois num pano grosseiro ou numa estopa; não estando absorvida ainda toda a impureza, deixam-no ferver de novo até consumir-se a mistura. Em seguida o viram, como que renascido, nas fórmas, cobrem-se as caras destas com barro mais puro,
e, secando este à maneira de crosta, põe-se outro
mais algumas vezes, com o mesmo fim que dantes, escorrendo de novo um melaço mais grosso e mais impuro [...] (História dos feitos recentemente pratica-
dos durante oito anos no Brasil, p. 74.)
Com
base no mesmo
relato de Van der Dussen,
o
historiador C.R. Boxer relata que, após retirado dos cones,
o açúcar macho
(branco,
fino, redondo
e baixo) era
exposto ao sol para secar, e o açúcar restante no fundo do recipiente ainda com melaço misturado era amontoado separadamente, tinha cor escura e chamava-se masca-
vado. O mel que escorria das fôrmas era fervido e servia para produzir um açúcar inferior, chamado panela, que ficava para o dono do engenho.
Trabalhavam no fabrico do açúcar alguns trabalha-
dores especializados, como o mestre* e o banqueiro*, en-
carregados de coordenar todo o processo de refino; o escumador e o purgador, em geral homens livres; e os escravos, que realizavam os trabalhos mais pesados. Embora os holandeses tivessem planejado colonizar 27
Pa
o Brasil trazendo colonos europeus — conforme solicitações de Nassau nas suas primeiras cartas ao Conselho dos Dezenove*, composto por diretores da Companhia de Comércio —, a alternativa que acabou predominando foi a do uso da mão-de-obra escrava. Logo após sua chegada, Nassau comunicava ao príncipe de Orange, governante da Holanda:
/...] Escrevi ao Conselho dos Dezenove, pedindolhes mandassem para aqui os refugiados alemães, que, desterrados e com os seus bens confiscados, se acolheram na Holanda, a fim de virem para uma terra fértil e um pais venturoso. Mereça isto o cudado de V.A., porquanto, sem colonos nem podem as terras ser úteis à Companhia, nem aptas para impedir as irrupções dos inimigos [...] (Apud Gaspar Barléu, op. cit., p.
45-6.)
Nassau alimentou a princípio a esperança de utilizar a mão-de-obra livre do homem branco no trabalho do engenho, mas logo se convenceu de que as autoridades da Metrópole não os mandariam na quantidade necessária e que, sem a colaboração dos portugueses e O uso do braço africano, a colonização não se viabilizaria. [...] não é possivel realizar alguma coisa no Brasu sem escravos [...] os quais não podem ser dispensa-
dos sob quaisquer considerações, sejam elas quais forem: se alguém achar que isso não está certo será por um escrúpulo fútil [...] (Apud C.R. Boxer, no Brasil, p. 117.)
Os holandeses
- Barléu, que viveu naquela época e participou das discussões sobre a legitimidade do uso da escrav idão pe-
los cristãos reformados, fez sobre o tema longo discurso, no qual afirmou:
/...] Depois que a avidez do ganho medrou ainda
mais, mesmo entre os cnstãos, que abraçaram a fé mais
pura e melhor [calvinista], também os holandeses voltamos ao costume de comprar e vender um homem apesar de ser ele imagem de Deus, resgatado pelo sangue de Cristo, escravo apenas por vício da natureza e do engenho [...] (Op. cit., p. 193.)
/...] O número ingente de escravos entre o mo 5. Francisco e o chamado Rio Grande se calcula em três ou quatro mil. Para não diminuir por morte deles esse número, têm sido importados anualmente em suplemento 3 000 negros procedentes das costas da Africa [...] (Apud Gaspar Barléu, op. cit., p.
dr
gera
Sobre o número de escravos necessários à manutenção da produção açucareira, pode-se recorrer ao relatório elaborado pelo conde de Nassau quando retornou à Europa:
333.)
Um aspecto fundamental a ser analisado como deter-
minante da escravidão africana no Brasil é a lucrativida-
de do tráfico negreiro, que se tornou uma das principais fontes de renda
da Companhia.
Através dos relatórios
enviados por um holandês chamado August de Quelen
ao Conselho dos diretores da Companhia no ano de 1640,
pode-se avaliar a importância e o vulto desse tráfico:
[...] Os produtos do solo poderiam ser obtidos e
armazenados por meio do trabalho dos negros, não havendo a menor dúvida de que quanto mais escravos fossem importados tanto melhor se cultivana e tanto mato
29
res seriam os lucros da Companhia, os quais teriam duplicado nos últimos anos se se tivessem importado mais
escravos [...]
('Breve relação do estado de Per-
nambuco”. Apud J.A. Gonçalves de Mello. Fontes para a história do Brasil holandês, p. 434.)
Segundo esse mesmo informante, os funcionários da Companhia mantinham as importações de escravos em nível baixo para poder forçar a alta de preços. Informações atribuídas por Boxer ao mesmo Quelen revelam que entre 1636 e 1645 foram importados pelo porto de Recife 23 163 negros, cuja venda rendeu à Companhia 6 714 423 florins. Esses negros eram obtidos na costa da Guiné em troca de bugigangas cujo custo variava entre 12 e 25 florins, por peça* (que podia se constituir de mais de um indivíduo), e vendidos no Brasil por um preço que variava entre 200 e 800 florins, também por peça, conforme a idade, o sexo e as condições de saúde.
Ma
Às praças de abastecimento mais importantes foram a Costa da Mina, no Golfo da Guiné, que em 1637 caiu em poder dos holandeses, e São Paulo de Luanda, que se tornou a mais importante fonte de abastecimento de escravos para o Brasil.
Moeda, Florins de ouro,
30
1646, acervo do Museu Histórico Nacional, RJ.
re E
[...] De 1575, quando Paulo Dias Novais desem-
barcou em Angola, até 1591 [...] haviam sido exporta-
das para o Brasil 52 053 peças. O fim da Angola é servir escravos ao Brasil e o número sempre crescente atinge, num século, até 1681, a cerca de um milhão
de escravos [...]
tráfico era tão grande
que o
seu monopólio foi disputado por portugueses (1639), franceses (1701) e ingleses (1713), os quais receberam conse-
cutivamente o astento para abastecimento de escravos nas colônias espanholas. Além do lucro que proporcionavam como objeto de comércio, os negros propiciavam também lucros pelo seu trabalho. Segundo cálculos de Roberto Simonsen, um escravo produzia na base de 60 arrobas anuais de açúcar e um engenho poderia produzir uma quantidade que oscilava entre 3 mil e 10 mil arrobas anuais, dependendo do número de escravos que possuísse, das terras e instalações que tivesse. Um bom engenho tinha no mínimo cinquenta escravos, e os grandes podiam chegar a cento e cinquenta, duzentos.
Os engenhos podiam ser movidos a boi (os engenhos trapiches), ou a água (os engenhos reais), proveniente de quedas-d'água.
Sobre a enorme riqueza produzida pela escravaria atestam as palavras do próprio Barléu, ao fornecer Os
dados da produção açucareira no governo de Nassau:
[...] Quem poderia enumerar todas as mquezas € a grande quantidade de mercadorias que em seu tempo e circularam no comércio? Por essa época exportaram-s
umas 100 000 caixas de açúcar, entre as da Compaconsnhia e as de particulares. Dos liwros da alfândega ta o seguinte cálculo delas: 10% 555 caixas de açucar do branco; 27 803 do que chamam mascavado; 5 766 31
mer
A lucratividade desse
História do Congo,
Fi qo
(Paiva Manso, p. 287.)
açúcar panela. Estas eram da Companhia. De particulares era o seguinte o número: 54 593 de açúcar branco;
22 100 do mascavado; 3 403 do panela [...]
(Op. cit., p. 346.)
Engenho real, movido a água, em Pernambuco. (Debret, J. B. Viagem pitoresca e his-
tórica ao Brasil.)
Johanes de Laet, um dos diretores da Câmara de Amsterdã, que compunha a Companhia das Índias Ocidentais e um dos membros do Conselho dos Dezenove,
que a dirigia, deixou também
preciosos dados sobre o
comércio do açúcar entre 1637 e 1644: (a) Soma exportada
(b) Soma exportada
332 425 arrobas
1 083 048 arrobas
502 273 arrobas
1 557 862 arrobas
7618 273 forins
20 303 478 flonns
pela CLIO.
Açúcar branco ......
Agúcar mascavado .... Açucar panela ....ero
Avaliados em...
117 887 arrobas 51 961 arrobas
por particulares
403 287 arrobas 71 527 arrobas
(História ou narrativa anual das
operações da Companhia das Indias Ocidentais desde sua fundação até 1636". In C.R. Boxer, op.
cit., p. 207.)
32
=.
Um gráfico importante para análise da produção açucareira no Brasil colonial é o organizado por Rober-
to Simonsen no seu livro História econômica do Brasil. A observação desse gráfico nos permite acompanhar a traje-
tória da economia açucareira, seu auge e declínio no pe-
ríodo colonial brasileiro. A fase áurea corresponde ao período 1600-1650, e o pico, que coincide com a presença
holandesa no Brasil, a 1640-1650. O declínio se dá justa-
mente após a retirada dos holandeses. g,54 & 01 3,5 3,04 2,51 2,01 15
1570
1580
1590
1600
J1610
1620
1630
1680
1650
Valores aproximados da exportação de açúcar entre (Gráfico adaptado de Roberto Simonsen)
E
)
f,04 57
a Em
I libra = 4539
Libras (milhões)
IP
50)
1660
1670
1570 e 1670.
Além dos holandeses, também os portugueses exportavam açúcar do Brasil nesse período. E significativa a respeito a narrativa do historiador Robert Southey ao re-
latar as sugestões dadas pelo padre Vieira ao rei de Por-
tugal sobre a reunião de recursos financeiros para orga-
nizar uma esquadra que viesse ao Brasil expulsar os holandeses.
/...] Do Brasil acabava de chegar uma armada
extraordinariamente rica, trazendo não menos de 40 000
caixas de açúcar, que tendo sido comprado barato, sé estava vendendo caro; ora, um imposto de um tostão ou de seis vinténs sobre cada arroba deste açucar produ-
ziria a soma precisa para 15 navios de 30 peças e por ess pus que rei o e lh uno de Or ]. os ad uz cr 0 00 [20 33
escrito sua proposta, e, passados alguns dias, disse-lhe que a havia levado aos seus ministros e eles acharam
mui cru o negócio. Alguns meses depois, o rei mandou chamá-lo: — Sois profeta, ontem à noite, chegaram da Bahia novas dos holandeses terem se fortificado em Itaparica. Que faremos?
— Facilimo é o remédio: disseram os ministros que o meu projeto era cru, pois que o cozinhem agora [...] (História do Brasil, v. 2, p. 117-8.)
Esse episódio mostra a magnitude da produção açucareira no Brasil colonial, considerando-se que cada caixa era geralmente embalada com 35 arrobas, em média, e que o pequeno imposto proposto por Vieira poderia armar quinze navios. E, no entanto, os ministros do rei,
protegendo os interesses dos comerciantes portugueses, não se preocuparam sequer em usar um mínimo desses lucros para pôr termo à guerra que os insurretos lusobrasileiros enfrentavam penosamente em Pernambuco, sem nenhum apoio naval da Metrópole. Só quando os holandeses atacaram Itaparica (BA), ameaçando pôr em risco o resto do Império colonial português na América, é que o rei de fato se preocupou, encarregando Vieira da tarefa de levantar recursos para a expulsão dos holandeses. À organização da Companhia de Comércio do Brasil foi o instrumento para a reunião desses recursos, que permitiram a formação da esquadra de D. Fradique de
Toledo. A expulsão definitiva ocorreu em 1654, cinco anos depois que os luso-brasileiros os tinham batido em Guararapes.
Holandeses — a concorrência pelo açúcar brasileiro Habitava a região das Províncias Unidas dos Países Baixos uma burguesia comercial e financeira que, desde
O início da expansão marítima ibérica, se vinculara aos comerciantes portugueses como fornecedora de capitais 34
e
se mais agressiva e passou a desafiar o domínio
ibérico
nos mares, procurando chegar diretamente às fontes de abastecimento
de
mercadorias
orientais.
Para
isso
for-
mou uma empresa comercial chamada Companhia das fndias Orientais, que rapidamente se apoderou de entrepostos comerciais na África e na Índia, suplantando paulatinamente os portugueses € os espanhóis. Para tal acabou tendo na Índia um exército de 10 mil a 12 mil soldados, uma armada de 40 a 60 navios, destinados a garantir um comércio de 10 000 a 12 000 florins anuais em mercadorias levadas para a Europa. Um holandês, Gaspar Barléu, que publicou em 1647 um livro sobre o Brasil durante o domínio da Holanda, até a saída de Nassau, deixou a seguinte avaliação sobre o sucesso dessa companhia:
/...] Após algumas viagens incertas e isoladas ao Oriente, constituiu-se enfim uma Companhia com capi-
Ea
Tr
7 p= E ida
tais particulares e, no ano de 1602, decidiu-se ir até lá.
Nestas expedições nos precederam os portugueses e castelhanos, e a estes os venezianos, que durante cento e tantos anos foram os senhores da navegação das Indias [...] Nas primeiras expedições, nem sempre tivemos sorte, em virtude dos muitos trabalhos, despesas e perigos sofridos. Entretanto, [...] venceram-se as dificuldades, e cresceram desde então os lucros a tal ponto que as ações de cada um dos sócios da Companhia subiram a mais do quádruplo [...J Entretanto o povo neerlandês*, estimulado pelos seus próprios sucessos no Onente, constituiu uma nova Companhia com os cidadãos mais ricos [...] Denomi-
nou-se “Companhia das Índias Ocidentais”, porque
se propunha a tentar no Ocidente a sorte da guerra e
33
mm
e como distribuidora das mercadorias da Índia trazidas pelos navegantes portugueses. Em pouco tempo essa burguesia comercial tornou-
do comércio. Reuniu-se para esta empresa soma conside-
confianinspirava que aquela superior capitais, de rável ça para realizar no Oriente idêntico objetivo [...] (Op. cit., p. 7-10.) A formação da Companhia das Índias Ocidentais resultou das idéias e propaganda de Willem Usselincx, natural de Antuérpia, que propunha como objetivo da companhia a organização de colônias agrícolas no Novo Mundo. A novidade nas idéias de Usselincx estava em propor a organização de uma companhia não apenas para promover a troca de mercadorias de um continente ao outro, mas sobretudo para colonizar e produzir para comerciar. Para Usselincx a riqueza de uma nação não dependia apenas dos metais preciosos que conseguisse acumular, mas também da riqueza produzida por suas colônias. Frisava também que as colônias americanas deviam constituir importante mercado consumidor dos produtos metropolitanos. As idéias de Usselincx estão ligadas às mesmas idéias mercantilistas, já mencionadas no texto, presentes na colonização portuguesa, francesa e inglesa dos séculos XVI e XVII. Se até o início do século XVII a máxima era “Navegar é preciso””, a nova ordem passou então a ser ““Colonizar é preciso””. A organização da Companhia das Indias Ocidentais deuse em 1621, ao findar-se a trégua entre holandeses e espanhóis. Isso significava que a Holanda não pretendia mais limitar-se ao comércio do Oriente, mas que, pela sua supremacia nos mares, se julgava também apta a disputar terras no mundo ocidental. A principal riqueza cobiçada
pelos
no Brasil.
holandeses
tornou-se
o açúcar
produzido
Isso foi expresso claramente num documento holandês escrito em 1623, de autoria de Jan Andries Moerbeeck, dirigido ao príncipe de Orange e aos Estados Gerais
dos Países Baixos. Dos XXI motivos expostos pelo autor
destacamos o XIV:
36
Estando a Companhia das Índias Ocidentais em perfeito estado, ela não pode projetar coisa melhor e
mais necessária do que tirar ao Rei de Espanha a ter-
sa do Brasil, apoderando-se dela. As razões para asto são muitas, de várias espécies e óbvias, das quais eu
citarei apenas aquelas que, conforme a minha opimão, forem mais importantes. [...] XIV
Desta terra do Brasil podem, anualmente, ser trazidas para cá e aqui vendidas ou distribuídas sessenta
mil caixas de açúcar. Estimando-se as mesmas, atualmente, em uma terça parte de açúcar branco, uma terça parte de açúcar mascavado e uma terça parte de açúcar panela, e avaliando-se cada caixa em quinhentas libras de peso, poder-se-ia comprar no Brasil, sendo estes os preços comuns nesse país, o açúcar branco por oito
E
TT
e
e
O
e
mm
pinténs, o mascavado por quatro e o panela por dois vin-
|Ê j
téns a libra, e revender, respectivamente, por dezoito, doze e oito vinténs; e descontando-se doze florins de car-
ga e pequenas despesas por cada caixa, ter-se-ia um lucro de, aproximadamente, cingiienta e três toneladas de ouro. Item. As mesmas sessenta mil caixas de agúcar custam no Brasil, conforme a citada compra, aproximadaa mente as trinta e cinco mil toneladas de ouro, que Companhia das Índias Ocidentais poderá pagar, em isto, sua maior parte, com mercadorias, lucrando, com vender bem ao menos trinta por cento e podendo, ainda,
tagem sosuas mercadorias com trinta por cento de van de resulbre os preços que Portugal costuma cobrar. Don al de dez anu o lucr um da ain terá hia pan Com a que ta toneladas ouro.
(“Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao rei de Espanha a terra
do Brasil e isto quanto antes”.)
37
As razões econômicas da conquista do Brasil pelos holandeses ficam evidentes nesse trecho dos motivos. Mas fica sobretudo evidente o nível da exploração colonial no Novo Mundo, pela comparação do preço de compra dos produtos no Brasil e seu preço de venda na Europa,
Observe-se que as 35 mil toneladas ouro referentes ao custo total das mercadorias
renderiam
53 mil toneladas
ouro na Europa, e os comerciantes europeus ainda teriam seus lucros acrescidos, pois parte dessas 35 mil toneladas ouro retornariam a eles — 10 000 toneladas ouro — pela
venda de mercadorias européias aos senhores de engenho brasileiros.
Os altos lucros do comércio colonial foram as razões da acirrada concorrência das nações européias por suas colônias. Nesse momento a Holanda, em ascensão no quadro europeu, disputava ferreamente às velhas metrópoles ibéricas o domínio de suas colônias no Novo Mundo. Como o próprio documento diz na introdução, trata-se de “tirar ao Rei de Espanha a terra do Brasil, apoderando-se dela””.
O texto de Moerbeeck aponta ainda razões estratégicas e militares destinadas a solapar o domínio espanhol sobre Portugal e sobre o comércio no Atlântico, assim como as condições favoráveis a esse feito, resenhadas tam-
bém por Barléu:
/...] Os defensores da iniciativa apontavam estas
razões: que as costas do Brasil estavam abertas e sem
proteção contra o inimigo externo; que, isolado e atemorizado com a fama dos nossos guerreiros, poderia ser devastado com a chegada repentina de nossa armada;
que as naus do rei [Filipe II), conduzindo no Pacífico os tesouros do Peru, bem como os da Nova Espanha [México] |...) seriam do primeiro que delas se apoderasse; que as guerras européias eram feitas pelos espanhóis com essas riquezas, e por 1ss0, privados delas, se torna-
riam mais fracos e menos temíveis; que os lucros e des-
pojos esperados bastaam para remir as despesas de guer-
ra e dos mercadores; que só os créditos do agiúcar já po-
deriam aliviar os gastos [...]
(Op. cit., p. 10.)
As aventuras do pirata Piet Hein A agressividade dos holandeses se intensificou muito após 1625. O fracasso na tentativa de colonização da Bahia foi respondido com uma intensa ação de pirata-
ria nas costas africanas, brasileiras e antilhanas, principalmente durante o ano de 1627. O comandante dessas ações foi um marinheiro holandês chamado Piet Hein, que já havia estado na conquista da Bahia em 1624-1625 e pilhado navios na Baía de Todos os Santos em 1626. Uma de suas principais incumbências foi o apresamento da frota mexicana de prata, façanha que realizou em 1628, no porto cubano de Matanzas. À frota transporta-
va 177 000 libras de prata, valendo 8 milhões de florins. A lista do material apreendido pela frota registrava ain-
da: 66 libras de ouro,
mil pérolas, quase 2 milhões de
couros e grandes quantidades de seda, almíscar, âmbar,
bezoar*. Segundo Boxer, o produto desse saque rendeu um total de 12 milhões de florins, dos quais uns 7 milhões ficariam para a Companhia, após o pagamento das dívidas atrasadas e descontado o custo da expedição. Esse foi o mais espantoso e lucrativo feito da Companhia das Índias Ocidentais, tornando Piet Hein o homem
de
maior popularidade na Holanda, conforme se pode perce
ber em textos da época.
/[...] Brilhou depois mais venturoso o astro Pret s. Hein, tão célebre por seus sucessos, faustos e infausto
e restabeleCom felicidade única, refez o tesouro exausto hoceu 0 crédito abalado da Companhia. [...] Nenhum
mem de qualquer nação perpetuou o seu nome por mais
39
Jamosas tomadias, fazendo que sua própria pátria jamais deixe de se ufanar de tal filho [...] (Gaspar Barléu, op. cit., p. 17-8.)
Segundo o historiador alemão Herman Watjen, “Piet Hein foi festejado como se tivesse aniquilado o poder marítimo da Espanha”. Relata que o mesmo foi admitido à mesa do governante da Holanda, Frederico Henrique de Orange, que o nomeou almirante suplente, dando-lhe o segundo posto na Marinha holandesa. Registra que o próprio Piet Hein manifestou surpresa ante tanta homenagem:
/...] Vede, como o povo delira, porque eu trouxe comigo o grande tesouro, e, quão pouco trabalho custou apresá-lo. Antes eu volte à pátria de pelejas mais sénas e depois de executar façanhas de maior valor, e quase nenhum caso de mim se fez. [...] (Apud Herman Watjen, O domínio colontal holandês no Brasil, p. 94.)
Medalha de bronze em homenagem ao almirante
vo do Museu Histórico Nacional, RJ.
Pj
Suor Mein, 1629, acer
Na documentação brasileira há o depo imento
de uma testemunha ocular vítima das açõ es de Piet Hein na Baía de Todos os Santos. Tr ata-se de uma carta do 40
|
or paraguaio Luís Céspedes Xeria, publicada nos Anais do Museu Paulista. O espanhol viera da Europa gover n ad
e aguardava, na Bahia, oportunidade sunção, onde iria assumir seu cargo.
de partir para As-
/...] estando pronto para sair dentro de dez ou do-
ze dias, chegou a 5 de março de 1627 o inimigo holandês, com treze navios de guerra, nove de grande porte e quatro pequenos [...] Como pareciam tantas velas, saiu o governador, tocaram-se 08 tambores, alvoroçou-se o povo. Preveniu-se a artilharia, repartiu-se a pólvora,
mandou-se duzentos soldados para que defendessem os navios que estavam nas margens, digo as trezentas caixas que transportavam. Colocadas as pessoas em seus postos, foi entrando, pelo porto, o inimigo, tão atrevido como desavergonhado, em meio aos nossos navios, € em menos de meia hora capturou vinte e cinco navios, grandes e pequenos, matou e aprisionou alguns soldados /...] (“Cartas de 21 de março de 1629º.) (In Anais do Museu Paulista, II, Par-
te Segunda, p. 15-8.)
41
CAPÍTULO 2?
À sociedade açucareira: escravidão e resistência
omo viviam os homens nessa sociedade montada para a produção do açúcar? Como se relacionavam brancos e negros? Brancos e índios? Portugueses e holandeses? Como era a vida no engenho?
Parcela da resposta a essas questões está nas pala-
vras de Vieira ao descrever
a fabricação
do
açúcar no
engenho como “doce inferno”: doce, o açúcar; o inferno, a atividade de refino e as condições escaldantes do trabalho dos negros, suarentos, com seus forcados na mão, medonhos de canseira, gemendo como se as trevas tivessem descido sobre o mundo num descuido do Criador.
/...J a viagem da costa da África
a costa atlânti-
ca da América do Sul é usualmente curta, pois os ven-
tos estão sujeitos a pequena variação e o tempo é geral-
mente bom. Por isso os navios empregados nesse tráfico são de modo geral pequenos e de má construção. À função de comandante num desses navios negreiros é considerada como de segunda categoria no serviço da marinha
42
e
res e escravos, na qual as relações de violência se fizeram presentes desde o momento em que os africanos foram arrancados do seu mundo e transportados para a América em navios tumbeiros*, amontoados nos porões como mercadoria barata.
Tara
A sociedade açucareira foi uma sociedade de senho-
mercante portuguesa;
é às pessoas que costumam exercer
essa função são consideradas inferiores às que comandam os grandes e regulares navios mercantes entre a Europa » o Brasil. Os navios negreiros eram abarrotados de maneira revoltante e não havia meios de evitá-lo. For alaborada uma lei com o fim de restringir o número de pessoas em cada navio. Suponho porém que essa lei não é obedecida e que não há meios de fazer cumprir esse regulamento.
(Henry Koster, Viagem ao Nordeste do Brasil, p. 503.)
As condições de insalubridade, as doenças, a alimen-
tação insuficiente, a superlotação dos navios eram responsáveis pela perda de parcela da população cativa, que
morria de fome, sede, frio ou diarréia durante a viagem.
Segundo o depoimento de nosso viajante Koster, o “serviço sujo” do tráfico era feito por pessoas sem qualificação, que não atendiam às leis que as próprias metrópoles estabeleciam no sentido de preservar a vida dos cativos. Depoimento até mesmo do conde de Nassau mostra
que esse problema também ocorria na sua administração.
/...] Será do interesse da Companhia ter maior cuidado com os negros, visto como dos 6 400 exportados da África, [entre fevereiro de 1642 e julho de 1643] morreram 1 525. Quero crer que a causa disso não é outra que, maltratados nos navios, desprovidos do necesassário para a viagem, morrem esses infelizes pelo des
Eu
seio e péssima alimentação.
Os preços deles variam con-
sia, forme estejam bem ou mal nuindos. Após a traves contráDo . pos cor os rem aze rej se a par aço esp um se dêdeou rio os magros perdem quase inteiramente 0 valor,
bilitados pelos incômodos da navegação, morrem após o desembarque. eo)
logo
“Relatório de Nassau sobre o Bra-
sil”. Apud Gaspar Barléu, op. cit., p. 338.)
43
O
mesmo
tema
foi abordado
em
cartas,
nas quais
o governo holandês no Recife fazia relatórios aos direto-
res da Companhia. Uma delas, datada de 1644, fornece mais detalhes sobre a questão tratada por Nassau:
[...] os negros da costa da Guiné não alcançam mazores preços porque, em consequência da longa viagem, chegam mais doentes e mais magros do que os de Angola e muitas vezes por falta de pipas d'água a bordo são obrigados a usar e beber água do mar, em consegiiência do que muitos dos vendidos como sãos e sem achaques, vêm a morrer depois, o que é causa de não serem procurados”? [...] (Apud J.A. Gonçalves de Mello, Tempo dos flamengos, p. 181.)
Outro documento, de 1645, conta que
[...J a escassez de víveres em Angola foi a causa de não ter sido provido convenientemente o iate de Groote Gernt, pelo que muitos negros morreram em viagem [... /
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(Nassau, “Carta ao Conselho dos Dezenove”, 27/6/1645. Apud J. A. Gonçalves de Mello, Tempo dos Jlamengos, p. 211.)
-
A
o
j
Negros no porão do navio. (Rugendos, J. M. Viag em pitoresc a através do Brasil.)
44
O historiador J.A. Gonçalves
de Mello, que pesqui-
«ou nos documentos holandeses do Instituto Histórico, Geográfico € Arqueológico de Pernambuco, traz em seu
livro Tempo
dos flamengos
informações
preciosas
na época.
condições do tráfico negreiro
as
sobre
Segundo
dados
or ele levantados, os navios negreiros perdiam de 20%
a 30%
Nas várias cartas por ele
dos negros embarcados.
consultadas, relativamente aos anos de 1639 a 1644, constam o nome dos navios, o número de negros embarcados e o número de mortos até o dia da venda no mercado:
EMBARCADOS
NAVIO
554
Regenhoge
MORTOS
Jy2
109 40 52
350 250 150
Bruinvuis Swarte Arent Brack
“Carta ao Conselho dos Dezenove'. Apud J.A. Gonçalves de Mel-
O O
O governo holandês procurou tomar providências, tais como a limpeza de bordo, fornecimento de alimentação adequada e de cobertores aos negros durante a viagem, conforme exemplo dos portugueses que também faziam o mesmo tráfico. Os relatórios de 1645 mostram que houve diminuição na mortalidade nos navios provenientes de Angola, ao contrário dos provenientes da Gul-
mim
lo, Tempo dos flamengos, p. 212.)
né, nos quais permaneceu enorme o número de mortos:
Luanda
MORTOS
PROVENIÊNCIA
427
If
Angola
450
25
Angola
Overissel
502
30
Angola
Caridade
290
92
Gu
277
80
Guiné
=
Groote Gernt
=
Wilte FHloop
EMBARCADOS
(Idem, ibidem, p. 213.)
45
eee ni ae
NAVIO |
Mercancia
diabólica
[...] Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus;
os senhores banqueteando; os escravos perecendo a fome;
os senhores nadando em ouro e prata; os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os
O discurso do padre Vieira nos mostra duas coisas: a diferença de posição entre senhores e escravos na sociedade colonial, e sua posição em relação à escravidão negra, que era também a da Igreja Católica no período colonial. Os senhores, poucos, eram donos dos engenhos e da riqueza neles gerada. Os escravos, muitos, eram os trabalhadores e também propriedade do senhor, que deles dispunha como de qualquer outro objeto de sua lavoura e de seu engenho.
Os senhores habitavam
a casa-grande,
com sua família e agregados, enquanto os escravos ti-
nham uma senzala, para onde eram recolhidos à noite e
onde os mais rebeldes dormiam acorrentados Trabalhavam sob a vigilância de um feitor que lhes distribuía açoltes toda vez que os julgava fazend j0es eram condenados ao uso da gargalheira tortura, como o tronco e o pelourinho onde eram açoitados, às vezes até a morte, e o vira- mundo, onde ficavam presos pelos pés e pelas mãos, Fr am ma rcados a ferro, como hoje se marca O gado, e sofriam outr as mutilações,
46
RE
(Vieira, “Sermão XXVII. In Eugênio Gomes, org. Vieira — Trechos escolhidos, p. 23-5.)
es
senhores em pé apontando para o açoite, como estátua da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás, como imagem vilissima da servidão e espetáculos da extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à Fé que nos destes, [...] para que à vista destas desigualdades reconheçamos com tudo vossa Justiça e providência! [...]
quando
como
e vexames,
Sob torturas
grande.
era muito
a ira do senhor
os
a proibição de seus cantos e cultos,
negros produziam esse ouro branco e doce que tantos lucros deu aos europeus. O sermão de Vieira reconhece to-
das essas desigualdades, mas as atribui à justiça divina, por julgar que com esses sofrimentos os negros se peni-
da salva-
tenciavam dos seus pecados e se aproximavam
ção. Com essa justificativa os jesuítas e a Igreja no Brasil admitiram a escravidão africana, ao mesmo tempo que rechaçaram a escravidão indígena. A Justificativa de tanta boa sorte dos brancos e tanta má sorte dos ne-
gros nem eles sabiam dar. À continuação do mesmo discurso de Vieira o revela:
/...] Estes homens [os escravos africanos] não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes corpos não nascem e morrem como os nossos? Não respiram com o mesmo ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os esquenta o mesmo sol? Que estrela é logo aquela que os domina, tão triste, tão inimiga, tão cruel? |...
E
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(Idem, ibidem, p. 25.)
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Pi
Negro recebendo o castigo de açoite no pelourinho. (Debret, J.B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.)
47
Negros no tronco. (Debret, J.B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.)
A resistência palmarina Houve
resistência à escravidão
na sociedade
colo-
nial, tanto durante o domínio português quanto sob o domínio holandês. As formas de resistência eram muitas, desde atos de resistência individual, assassinato de feitores e senhores,
como
o suicídio ou
até atos de resistência
coletiva, como seus cantos, à noite, na senzala, ou a fu-
ga para os matos e sertões. A fuga para os sertões significava a formação de comunidades negras independentes do domínio dos brancos. O período da dominação holandesa, em virtude da guerra e desorganização da lavoura,
favoreceu bastante o desenvolvimento dessas comunidades, chamadas quilombos*. Existiram muitos em todo o país, mas o de maior duração foi o famoso Quilombo dos
Palmares, em Alagoas.
[...] Os Palmares são povoações e comunidades de negros. Hlá dois desses quilombos: os palmares grandes e os palmares pequenos. Estes são escondidos no meio das matas, às margens de um afluente do rio Payaíba. Conforme se diz, contam seis mil habitantes, vivendo em choças numerosas, feitas de ramos de capim. Por trás dessas habitações há hortas e palmares.
/.-.] Qualquer escravo que leva de outro lugar um negro cativo fica alforriado, mas consideram- se emanci48
pados todos quantos espontaneamente querem ser recebidos na sociedade. As produções da terra são os frutos das palmeiras, feijões, batatas-doces, mandioca, milho, cana-de-açúcar. Por outro lado o mo setentrional das Alagoas fornece peixes com fartura. Deleitam-se aqueles negros com a carne de animais silvestres, por não terem
a dos domésticos. Duas vezes por ano, faz-se o plantio
» a colheita. Colhido este, descansam quatorze dias, en-
tregando-se soltamente ao prazer. [...] Os chamados palmares grandes, [...] são habitados por cerca de 5 000 negros, que se estabeleceram nos vales. Moram em casas esparsas, por eles construídas nas próprias entradas das matas, onde há saídas camufladas que lhes permitem fugir e se esconder. [...] Passam o dia na caça, e, ao entardecer, voltam para casa e se inquietam com os ausentes. Espalhando primeiro vigias, prolongam uma dança até a meia-noite e, com tanto estrépito batem com os pés no chão que se pode ouvir de longe. Dormem o resto da noite, até 9 ou TO horas da manhã. O caminho desses Palmares é do lado das Alagoas [...] (Gaspar Barléu, op. cit., p. 253-4.)
A data em geral aceita para o início do Quilombo dos Palmares é 1630: contudo tem-se notícia de sua existência desde o início do século XVII, quando as primeiras expedições para combatêé-los começaram a ser realizadas pelos próprios portugueses. De acordo com J.A. Gon-
calves de Mello, no seu livro, há documentos holandeses
de 1638 e 1642 que se referem a providências nesse senti-
do, mas
apenas as expedições de Roulox
Baro (1644) e
Blaer (1645) deram notícia de seus resultados. Baro escre-
veu ao conde de Nassau em 25 de janeiro de 1644, contando que havia atacado os Palmares, tendo matado cem negros quilombolas, feito trinta e um prisioneiros, entre eles sete índios tupis e alguns menores. Segundo sua narRa
49
rativa, o quilombo estava cercado por duas ordens de estacadas e era “tão grande que nele moravam
quase mil
famílias, além dos negros solteiros”. Em torno da estacada “havia muitas plantações de mandioca e um número assombroso de galinhas””, sendo que “os negros vi-
viam ali do mesmo
modo
que viviam na Angola”.
O ca-
pitão Blaer deixou um diário de viagem, onde também descreveu aspectos da vida do quilombo, referindo-se às plantações, à fertilidade do solo e à vida comunitária dos negros. Os holandeses não conseguiram vitórias significativas contra os Palmares. Quando Blaer chegou até lá os negros abandonaram seus mocambos* e se retiraram para o mato. Uma das táticas guerrilheiras dos palmarinos era a mudança de lugar dos seus mocambos, ou sua reconstituição após a retirada do inimigo. Isso era facilitado pela simplicidade de suas habitações primitivas, cobertas de folha de palmeira. Em 1675 estima-se que essa população tenha chegado a 20 mil ou 30 mil pessoas. Após a expulsão dos holandeses, os portugueses continuaram a lhes dar combate. O aumento das fugas de escravos dos engenhos fez com que os próprios senhores passassem a organizar represálias e a insistir junto aos poderes públicos para o extermínio dessa exemplar resistência. Em 1694, após mais de sessenta e cinco anos de existência, Palmares foi derrotado, depois de dois anos de heróica resistência. O testemunho de Pierre Moreau
Pierre Moreau, um francês que esteve no Brasil en-
tre 1646 e 1648 a serviço do governo holandês, escreveu
sobre suas experiências no Brasil, narrando muitos aspec-
tos da vida brasileira observados durante a fase das últimas lutas entre portugueses e holandeses.
[...) Quase receio exprimir o modo desumano e mpredoso que se usa para com esses desgraçados cativos pois ainda mais do que compaixão, desperta repu lsa. :
30
=
E
cas
2
E A Pia
Brasil.) Feitor chicoteando escravo. (Debret, JB. Viagem pitoresca e histórica ao
que Eram de tal forma torturados no trabalho assíduo a lhes era marcado, que, ainda quando o mesmo excedi po suas forças, se alguém deixasse de executar, no tem rrado prescrito, o que havia sido determinado, era ama escravos reue garroteado, na presença de todos os outros
que so oro vig e te for s mai ao va ena ord tor fei o e nidos, desse, sem interrupção,
no faltoso duzentas a trezentas
sorte de , eça cab a até pés dos nta pla a de des s, ada chicot e toda raspel à , tes par as as tod de ia orr esc gue san o que e sal, sem que gada de golpes, era untada com vinagre o dobro. r ebe rec de a pen sob er, gem ou tar gri ousassem ta, este castifal da ade vid gra a o und seg es, vez s ma gu Al três ou s doi da eti rep era a tur tor esta , go, ou melhor [.../ em lusos pre m era i dal r sai ÃO . vos uti dias consec submissos que uma s mai te, uin seg dia no €, uro esc gar ar de esmoluva eram reenviados ao serviço, onde em lug
seus s, mai ani mo co mus o, saç can de e m-S ava mat recer, ente o tem ien pac m ria Sof r. suo em se corpos fundindoe os tostavam o açúcar ardor dos fornos que purificavam
pivos, sem ousarem retirar-se nem cessar de remexer 0 ASA
51
xarope com varas e grandes bastões; para desviar as chamas e fagulhas que se pegavam às suas peles e as tisnavam, não podiam fazer outra corsa senão sacudir-se. [...] Era-lhes impossível libertar-se de tão detestável servidão, porque se pensassem em escapar e fossem reconhecidos pelas marcas dos seus senhores, impressas em vários lugares do seu corpo com um ferro em brasa, em vez de encontrar refúgio eram reconduzidos aos donos e tratados como foi descrito. Por outro lado, quando conseguiam sublevar-se não havia crueldade comparável a sua, e é impossivel descrever exatamente a maneira porque, vagarosamente, tiravam a vida dos que o haviam assim atormentado, como se viu acontecer em várias oca-
siões. [...]
(Pierre Moreau e Roulox Baro, Flistória das últimas lutas no Brasil
entre holandeses e portugueses, e Rela-
ção da viagem de Roulox Baro ao pais dos tapuias, p. 34-5.)
O relato de Moreau,
sofridos
pelos escravos,
trabalho junto
além de descrever os castigos
as condições desumanas
de seu
aos fornos de purificação do açúcar,
as
possibilidades e consequências das tentativas de fuga, noticia a sublevação de escravos como algo que ocorreu em muitas ocasiões, confirmando que os negros resistiram
como puderam ao cativeiro.
Outro
aspecto abordado
pelo autor foi a questão
da alimentação dos escravos, que em geral não era provi-
da pelo senhor, mas pelo trabalho dos próprios escravos. A precariedade dessa alimentação era uma das causas da
pouca
duração
da
vida dos
negros
nesse
período
e
motivo de preocupação da Coroa portuguesa e do próprio Nassau, obrigando os senhores de engenho a cuidar da lavoura de subsistência.
/[...] À própria alimentação lhes era negada , e apenas se lhe repartiam alguns pedaços de terreno, nos quais
durante o tempo limitado do seu. repouso (pois se faziam
substituir de doze em doze horas), semeavam ervilhas, favas é milho ou trigo, e permutavam a sua garapa (be-
bida que fazem com água que jogam sobre o bagaço das canas de açúcar quebradas, quando saem da prensa) por raízes e farinha de mandioca [...]
(Idem, ibidem, p. 35.)
A preocupação dos holandeses com O plantio da mandioca aparece em vários momentos do livro de Barléu, tendo essa cultura sido motivo de meticulosa legislação por parte de Nassau, pois dela provinha alimentação não só para a população local, principalmente para a es-
cravaria, como também para as tropas holandesas.
[...] Constitui o açúcar uma das delicias para o estrangeiro, e a mandioca é um alimento para os naturais. Das raízes desta fabricam uma farinha, que lhes serve de trigo e pão. [...] Os menos abastados alimentam-se com esta farinha assim como os mais ricos Se alimentam do trigo que costumam importar [...] (Gaspar Barléu, op. cit., p. 72.)
Com o objetivo de prover a colônia de alimentos, Nassau baixou algumas leis destinadas a obrigar à produ-
ção e à distribuição de farinha:
[...JI — Em cada comarca, dever-se-á arrolar a exten-
são de terra que cada um possui, a fim de se fixar para o proprietário a obrigação de plantar mandioca, proporcionalmente a essa extensão. ção. II — Ninguém será isento desta obriga
III — Ao proprietário será permitido repartir estas culempregando. mo mes da ain s, ore rad lav ios vár e entr turas militares ou confiá-la a quem quiser. (Apud Gaspar Barléu, op. cit., p.
162.)
33
Contudo, Moreau não atribui a culpa dos maus-tratos aos escravos apenas aos portugueses, que eram os produtores do açúcar. Culpava também os holandeses, comerciantes, pela exploração que realizavam junto aos portugueses, levando-os a progressivo endividamento, principalmente após a saída de Nassau.
[...] À estes [portugueses],
teria sido impossível
subsistir ou conservar-se na sua condição comum, susten-
tando suas famílias, e realizando os grandes pagamentos a que estavam obrigados, sem redobrar seu rigor no trato dos escravos. Viam-se também forçados a aumentar-lhes o número, o que não conseguiam sem endividarse [...] Durante algum tempo [...] forneceram à Companhia em Recife e a seus credores uma quantidade tão grande de açúcar que os armazéns mal esvaziavam eram
logo novamente cheios. Os navios carregados partiam para Flolanda, e daí vinham outros cheios de mercadonas, que eram debitadas confusamente, sempre a crédito. Verificou-se, então, que só os juros absorviam todo rendimento proveniente do trabalho dos portugueses e de seus escravos [...] (Pierre Moreau
op. cit., p. 35.)
Os pagamentos
a que Moreau
e Roulox
Baro,
se refere são os refe-
rentes às dívidas contraídas pelos portugueses junto aos holandeses, para financiar a reorganização de seus engenhos e para a compra
sau, a Companhia
de escravos. Após a saída de Nas-
passou
a vender escravos somente
à
vista. Como os plantadores endividados não podiam comprá-los, os negros eram arrematados por comerciantes
especuladores, que depois os revendiam a crédito a custos exorbitantes, o que contribuiu para a revolta dos se-
nhores de engenho e a luta pela restauração do domínio português (1645-1654). 24
FÁTAA
Brancos e índios no Brasil holandês Em geral os holandeses, como os portugueses, declararam
defender
muitos momentos
a liberdade
do
e circunstâncias
indígena,
o tenham
embora
em
escraviza-
do e, na prática, o tenham explorado de diversos modos. O relatório do conselheiro holandês Adriano van der
Dussen, datado de 1639, descreve como viviam, como eram administrados e como era sua relação de trabalho
com
os brancos.
/...] Os brasileiros, povo antigo, indígenas e senhores do país não se mesclam aos portugueses, mas vivem deles segregados em suas aldeias, habitando casas cobertas de folhas, de forma oblonga, sem decência nem beleza. O mesmo teto abriga quarenta ou cinguenta deles. Noite e dia conservam-se deitados em leitos suspensos à maneira de redes (chamam-lhe hamacas), sem nenhuma separação de paredes. Sem fazer caso de qualquer mobiliário ou utensílios, exceto essas redes e copos de beber, a que dão o nome de cabaças, e uns potes de barro, julgam supérfluo possuir qualquer outro traste. Todo o seu arsenal bélico são setas e arcos. Cada habitação tem ao seu redor seu mandiocal e seu feoal. Esses indígenas, quando não travam guerras, passam mui-
to tempo na caça e na ociosidade. Gostam menos dos frutos plantados do que dos silvestres e nativos. Matam a fome sem manjares delicados, mas não mostram a mesma temperança quanto à sede, porque não se envergonham. de passar o dia e a noite bebendo. Preparam uma bebida de raízes de mandioca ou tubérculo de taioba,
esmagadas e dissolvidas na água, bebendo-a depois de
fermentada. Vivem dia a dia despreocupados do trabalho e solícitos somente com a bebida e com os panos de que fazem camisas e para st uma vestimenta exte. para as mulheres Tor.
Não se importam
com o dinheiro a não ser para
55
comprarem vinho espanhol e aguardente. Com a promessa de receber todas estas coisas, suportam alegres quais-
quer trabalhos, e sem elas, os toleram de má vontade e um tanto tristes.
/...] Designam um chefe para cada aldeia, e um lider para cada uma das casas focas), aos quais obede-
cem espontaneamente, por compreenderem que não se pode reger uma multidão sem a concórdia entre governantes e governados. Além disso a cada uma das aldeias preside um capitão holandês, que tem por ofício avisar dos trabalhos os preguiçosos e os tardos, e acautelar que não sejam enganados pelos senhores de engenho quanto a seus pagamentos. Ajustam seus trabalhos por 20 dias seguidos, e dificilmente os renovam. Por desconfiança, exigem pagamento adiantado. Depois fogem sem executar a tarefa. Em geral são contratados para cortar madeira para uso dos engenhos. Hoje, porém, pela escassez e carestia dos negros, são empregados também n'outros afazeres, que não sabem fazer, por isso fogem. São mais inclinados à guerra que ao trabalho. Durante os recrutamentos fogem das aldeias para não ser intimados. Sujeitam-se com dificuldade à disciplina militar, recebendo soldo menor. São terríveis para os inimigos, não tanto pela força quanto pela fama de ferocidade. Perseguem acérrima e ferozmente aos fugitivos e a ninguém poupam a vida.
/.-.] Dos escravos uns são índios, outros africanos e outros trazidos do Maranhão. Já antes compraram os portugueses escravos indios cativados pelos tapuias ou foram por eles reduzidos à escravidão por serem nossos aliados. Todos foram libertados. Os maranhenses comprados como escravos pelos portugueses, mantive-
mo-los no estado servil, por não lhes devermos nenhum beneficio.
(Relatório ao Conselho do s Dezenove”. Apud Gas é
cit., p. (39:3,) 56
E
Este é um texto curioso para quem o lê hoje: mostra europeu
a visão de um
do século XVII
sobre a cultura
indígena, além de dar preciosas informações sobre a vida cotidiana dos índios e sobre o seu contato com os brancos. A visão do europeu aparece em algumas expressões, m como aquela em que se refere às ocas, dizendo-as “se
decência nem beleza”, por não possuírem os confortos de uma casa européia com várias peças e quartos individualizados para casais, crianças e agregados, além das preocupações decorativas com relação aos móveis e utensílios. O conselheiro holandês não percebia que aquelas habitações eram adequadas e necessárias ao tipo de vida semi-sedentária desses indígenas, que habitavam um local durante uma estação, o tempo suficiente para co-
lher seus feijões e mandiocas,
ou esgotar a caça, € logo
se deslocavam para outras paragens. Ele parece um pouco escandalizado com a vida coletiva dos índios, que dormiam trinta ou quarenta numa mesma peça, desprovida de divisões de parede, sem perceber que essa vida coletiva é a garantia da sobrevivência das tribos e da solidariedade grupal.
O texto diz várias vezes que os índios viviam na oclosidade, “não trabalham mais de vinte dias seguidos”, “fogem do trabalho ou do recrutamento”. Em resumo, O para o conselheiro o índio é indolente e preguiçoso. texto diz que o índio caça, mas essa atividade não é vista como trabalho, porque na cultura do branco caça é laio é caçar zer. Na cultura do indígena o trabalho do índ e fazer a guerra, o d as mulheres cuidar das roças e da
é sexual preparação do alimento. A divisão do trabalho
mbros da trime os re ent s iai soc s nça ere dif m ste exi não e
a ser bo. Essa visão de que o índio é incapaz ou precis
a cada vipar que diz ndo qua ém mb ta e rec apa tutelado inistrar a adm era efa tar a cuj o itã cap um a eav nom se la
locais. aldeia, sobrepondo-se aos chefes
Van der Dussen não entendia uma economia de troalguma. O inca. onde o dinheiro não tinha importância teresse pelo dinheiro para o indígena era apenas ocasio+
E
=
a
E
=
57
nal e tinha relação com o contato do branco, quando se interessava por adquirir mercadorias, como os panos estampados, que tanto os encantavam, e aguardente. O índio não se interessava pelo trabalho do branco, porque a sua
sobrevivência não dependia dele, mas da floresta onde vivia. Os panos que comprava do branco lhe davam prazer mas não lhe eram essenciais, pois o.vestuário, para ele, constituía-se de adornos e penas que usava apenas para se diferenciar dos animais. As bebidas, preparadas para
suas cauinagens,
danças
e festas,
não
lhe traziam
o desequilíbrio que a aguardente do branco lhe causava e causa, ainda hoje, a seus sobreviventes.
Oficialmente, tanto a Metrópole portuguesa quanto a holandesa proibiram a escravização dos índios, cuja defesa e catequese foi assumida pelas ordens religiosas e depois pelos pregadores calvinistas na Colônia. Já em 1629 o Regimento das Praças Conquistadas dizia que nenhum índio poderia ser obrigado a trabalhar compulsoriamente:
/...] os fíndios] que quiserem servir e trabalhar para os moradores poderão fazê-lo, com a condição de que se lhes pague o salário de costume e de que não sejam forçados a trabalhar contra a sua vontade ou por tempo mais longo ou mais do que quiserem [.../ (“Resolução
do Conselho
Supre-
mo”, 16/10/1638. Apud J.A. Gon-
calves de Mello, Tempo dos flamen-
gos, p. 241.)
No entanto essas metrópoles nem sempre conseguiram defendê-lo dos próprios colonos e, às vezes, por falta absoluta de mão-de-obra em certas regiões foram obrigadas a permitir o apresamento, em “*guerra justa””, ou seja, permitir a escravização de indígenas aprisionados
em guerra como inimigos. Estão nesse caso os indígenas do Maranhão referidos no texto citado por Barléu 58
Outro problema enfrentado por essas metrópoles foi
com os próprios funcionários designados para cada tri-
bo, os capitães de aldeia, que desobedeciam às ordens e exploravam Os índios em proveito próprio, ficando com
os rendimentos do trabalho destes, razão pela qual mui-
tos foram demitidos, como consta da documentação holandesa do Instituto Histórico, Geográfico e Arqueológico de Pernambuco. Sobre esse assunto e os documentos
a ele referentes é muito rica e acessível a obra do pesqui-
sador J.A.
Gonçalves
de Mello intitulada
Tempo dos fla-
mengos. Segundo esse autor, quanto mais afastadas esta-
vam as tribos do Recife, mais difícil ficava controlar es-
ses abusos. Um indigenista desse período, Gedeon Morris de Jonge, ao apurar as causas da indisposição dos índios do Maranhão para com os holandeses, concluiu:
/...] Por cobiça foram explorados e constrangidos os pobres índios, homens e mulheres, a trabalhar para os portugueses, sem a devida remuneração, de modo que eles em vez de receberem de nós alívio, ficaram sujeitos ao maior catiweiro [.../ (“Carta ao conde de Nassau e Supremo Conselho do Recife”,
29/1/1643. Apud J.A. Gonçalves de Mello, Tempo dos flamengos,
p. 245-6.)
Outro incidente se refere ao trabalho dos índios nas salinas de Rio Grande e do Ceará, onde os indígenas re-
voltados trucidaram alguns holandeses, inclusive o próprio Gedeon Morris.
/...] não podemos inferir outra causa senão que a desinteligência e a inimizade dos índios do Ceará e costas adjacentes contra a nossa nação orginaram-se dos terem não por o etud sobr e am der lhes que tos maus-tra sido devidamente pagos pelos seus serviços nas salinas de Marituba e pelo carregamento dos barcos nas salinas
39
e outras partes, conquanto tiwéssemos enviado uma vez por outra para esse fim panos e outras mercadorias, bem
como recomendado que mantiwessem os índios em boa disposição, tratando-os cortezmente e pagando-lhes os
serviços [...|
(Conde de Nassau. “Carta ao Conselho
dos
Dezenove”,
Apud J.A. Gonçalves,
Jlamengos, p. 246.)
05/4/1644,
Tempo dos
Num relatório de 1644, o conde de Nassau expressou com clareza os objetivos da política indigenista oficial holandesa: aproveitar militarmente os índios como aliados, mantê-los em paz e afastados das povoações.
[...] da amizade dos índios depende em parte o sossego e a conservação da colônia do Brasil e que se tendo isto em vista deve-se-lhe permitir conservar a sua natural liberdade, mesmo aos que no tempo do rei de Espanha caíram ou por qualquer meio foram constrangidos à escravidão, como eu próprio fiz libertando alguns. Devem-se dar ordens, também, para que não sejam ultrazados pelos seus “capitães”, ou alugados a dinheiro ou obrigados contra a sua vontade a trabalhar nos engenhos; ao contrário deve-se permitir a cada um viver do modo que entender e trabalhar onde quiser, como os da nossa nação [...] Se agirmos de modo contrário, mantendo-os como escravos, é de se esperar que seguirão o exemplo das revoltas do Ceará e das Salinas; atacarão os moradores do anterior, tornarão os caminhos inseguros sem que se possa impedi-los nisso [.../ (Relatório aos
Estados
do conde Gerais”,
de Nassau 27/9/1644.
Apud J.A. Gonçalves de Mello, Tempo dos flamengos, p. 235.)
Os holandeses viam a amizade com os indígenas co-
mo uma questão de segurança vital para a Colônia.
60
Por
isso, desde seus primeiros contatos com o Brasil, levaram
para à Holanda alguns índios para ser lá educados e que depois, retornando, lhes pudessem servir de intérpretes
e defensores. Entre eles estão Pedro Poti, Gaspar Paraupaba, André Francisco, Antônio Guiravassauai, Antônio e Luís Gaspar,
sendo que alguns foram enviados a servi-
ço da Companhia
nambuco.
tão logo os holandeses tomaram Per-
Os colonizadores holandeses aldearam os tupis, ou
brasilianos, como os chamavam, mas mantiveram os tapuias em liberdade, e estes foram os seus verdadeiros alia-
dos na guerra. Outros tupis, liderados por Felipe Camarão, eram aliados dos portugueses, embora houvesse tupis nas matas convivendo com os tapuias, como se pode perceber no relato da viagem de Roulox Baro à terra dos tapuias. Existem inúmeros estudos e relatos holandeses sobre os tapuias. Eram considerados muito ferozes e temidos pelos próprios holandeses; às vezes desciam das suas terras no Rio Grande e aproximavam-se dos povoados, causando grandes danos aos moradores, ao invadir sua roça, arrancando plantações novas e velhas indistintamente. Os tapuias do Rio Grande do Norte obedeciam à liderança do poderoso cacique Nhanduí, que tratava com os brancos de igual para igual, certamente ciente de sua importância militar para os holandeses. A força dessa independência dos tapuias aparece também numa grande reunião de indígenas, realizada em 30 de março de 1649, na aldeia de Tapiserica, logo após os massacres do Cear rá, com o objetivo de eleger regentes índios para dirigi as aldeias, em substituição aos capitães holandeses. Fo-
ram eleitos regentes Antônio Paraupaba, para as aldeias do Rio Grande; Pedro Poti, para as aldeias da Paraíba; e Domingos Fernandes, para as aldeias de Goiânia e Itamaracá. Esses três regentes, um para cada capitania, deliberariam com a assistência do capitão João Listri, em acordo com o Supremo Conselho da Colônia. Qutro aspecto no qual os tapuias não cederam foi com relação à tentativa dos holandeses de criar um
.E
ui
inter-
o!
nato para a educação
dos seus curumins,
separando-os
dos pais e das aldeias. Pensavam com esse projeto poder aculturar*
e catequizar melhor
uma
os índios,
vez que
as tentativas até então feitas nas aldeias mostravam que eles aprendiam a ler e escrever, decoravam as orações, mas quando voltavam à aldeia continuavam com as mesmas práticas e os mesmos rituais da tribo.
ao
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A Dança dos tapuias, de Albert Eckhout, acervo do Museu Nacional da Dinamarca.
Embora fossem aliados dos holandeses há tanto tempo, Os tapuias não se deixaram catequizar, mantendo-se
livres nas matas,
com
seus usos, costumes
e crenças.
A
corrida da árvore assistida por Roulox Baro mostra um desses aspectos e testemunha a vitalidade física dos indígenas.
/...] Ão nascer do sol, o res que fizessem farinha e aos ça de ratos e voltassem logo de correr a árvore. Obedeceram
ancião ordenou às mulhehomens que fossem à caapós ao meio-dia, a fim e entrementes dois tapuias
trouxeram sobre suas espáduas dois troncos de árvores de mais de vinte pés de comprimento. Tiraram-lhe a 62
casca na chama de fogo e poliram a madeira em toda volta, sem deixar nenhum pó. É quando todo povo re-
gressou, cada qual pintou o corpo de diversas cores. Isto feito, aqueles que tinham apanhado ratos soltaram-nos na planicie, depois parte deles carregou prontamente aque-
les troncos, correndo com uma velocidade inigualável atrás dos ratos; quando um deles parecia cansado, outro o substituia sem retardar a corrida, que durou mais de uma hora. Depois de terminada, cada um voltava e con-
tava como e de que modo perseguira, matara e ferira os ratos. O ancião Nhanduí correra com eles e era coisa maravilhosa ver-se um homem de mais de cem anos (segundo a opinião dos seus, de mais de cento e sessenta) correr com tanta destreza. (P. Moreau e Roulox Baro, Histó-
ria das últimas lutas no Brasil..., p. 99.)
63
CAPÍTULO 3
Tempos flamengos: tempos de colaboração
tempo de Nassau no Recife foi de intensa colaboração entre portugueses e holandeses, os primeiros mais ligados à produção e os segun-
dos ao comércio e à administração dos domínios da “No-
va Holanda”. Nassau procurou criar condições mínimas de segurança para o desenvolvimento do comércio e da agricultura. Por isso, no seu “testamento político”? dava conselhos aos seus sucessores de como se relacionar com os portugueses, sem cuja colaboração não haveria açúcar para os holandeses comerciarem.
[...] Seria conforto para os senhores de engenho e para os portugueses esgotados de dívidas conceder-lhes a Companhia alguma folga de tempo para refazerem o patrimônio arruinado pelas guerras e outras calamidades imprevistas [...]. Se isto não for possível, aconselhara eu cobrarem-se as dívidas com maior brandura, mediante a venda dos açúcares, das alfaias*, jótas e outros bens móveis, mas não dos escravos e dos utensílios necessários ao fabrico do açúcar, nem dos Dois, sem os
quais não podem trabalhar os engenhos /...] Está verificado que tirando-se aos engenhos os seus inst rumentos
de trabalho, eles se depreciam, porquanto os que estão providos do necessário valem 100 000 e Os que não o estão valerão apenas 40 000, quantia que rateada entre
os credores, dará a cada um uma minguada quota.
64
Além disso, deve atender-se a que um edito do ano
de 1640 determinou que pelas dívidas garantidas por
penhor não se cobrassem juros supenores a 12% e pelas não garantidas apenas 6%. São fáceis os exemplos de quão enormemente os nossos burlaram essa lei, exigindo um juro ilegal. Cosme de Oliveira, morador do Tiucopapo, tendo comprado alguns escravos por 9 000 florins, depois de pagar 12 000 de mora, foi preso por uma dívida de 15 000 florins. João Soares, cidadão de Muribeca, tendo recebido a crédito bens no valor de 36 000 florins, tendo pago 60 000 ainda devia de mora, igual quantia! Seria certamente legal e justo abaterse os débitos destes quando lhes foi cobrado como suma injustiça. [...] (“Relatório sobre o Brasil". Apud Gaspar Barléu, op. cit., p. 338.)
Um dos maiores devedores da Companhia era um português chamado Jorge Homem Pinto, dono de 9 engenhos, 370 negros e 1 000 bois, bens que oferecia como hipoteca para que a Companhia pagasse a seus credores 937 997 florins. Outro grande devedor da Companhia era João Fernandes Vieira, ex-feitor de engenho, que se tornou proprietário de cinco engenhos, através de empréstimos junto à Companhia, como se pode ver pela exposição de suas dívidas, apresentada em 1642 perante o governo holandês no Recife. Sua dívida totalizava 541 610 florins, assim discriminados:
e pena) pelos contratados de dizimos
sões dos açúcares, transporte, passos* e miunças, e compra de ne-
. gros e outras coisas deve ..
265 998 florins
b) por conta de Jacob Stachouver e de Ridler,
Ds
por
prestações
venci-
roses inss SE
83 279 florins 65
c) pela mesma, por duas prestações a vencer em 1643 e 1648
...c.
d) ainda pela mesma, por prestações a vencer em 1642,
1645,
1644 e
21 000 florins
16, aususussas assino unacouuaças
41 333 florins
e) por conta de Jacques Flack e restante de seu débito pela compra de engenho de que o mesmo é devedor, em prestações a vencer nos 3 PROXINOS ANOS serenas cesscasara
45 000 Fflorins
J) por dois sos dos a vencer É OA
16 000 florins
anos de contrato dos pasros Capibaribe e Beberibe em 1º de agosto de 1643 us ss
£) pagará a Companhia aos seus credores e ficará saldado de ......... h) concedeu-se-lhe que nos leilões públicos de escravos possa comprar 60 negros que por cálculo se estima que montarão com os juros de 2 Canos
O sONMÊS
sessenta
Soma de toda a divida ......
39 000 florins
30 000 florins
541 610 florins
( Nota do Supremo Conselho do Recife”, 30/6/1642; Apud J.A. Gonçalves de Mello, Tempo dos flamengos, p. 191-2.)
A enumeração das dívidas de Vieira compreende não só a aquisição de engenhos como os mencionados
nos quesitos d, c, d, e, como outros negócios relativos à
contratação de cobrança de dízimos e taxas do açúcar,
compra de escravos e contrato de passos para armazenagem de açúcar junto aos rios Capibaribe e Beberibe. Ão fazer essa exposição das dívidas, Fernandes Vieira solicitava, em nome dos “notórios ser viços” por ele pre
stados à administração holandesa, que a Co mpanhia
66
o como gaend rec ofe s, ida dív s sua de e dad ali tot à sse umi ass ci-la rantia Seus cinco engenhos e comprometendo-se a ressar em açúcar € pau-brasil.
O pedido de Fernandes Vieira foi aceito, o que moss. ira a intimidade de seus negócios com os holandese
menAjunte-se a isso o fato de que Vieira era nesse mo de to representante municipal, escabino*, da Câmara goverRecife, ou seja, autoridade escolhida pelo próprio no holandês para esse cargo. O caso de Fernandes Vieira é ilustrativo da atuação nodo governo holandês no sentido da formação de uma que va classe de senhores de engenho luso-brasileiros, anascenderam a essa posição por obra do domínio hol açúcar dês. Era essa classe que mantinha a produção de e por isso Nassau recomendava que ela fosse bem trataos da e que a cobrança das dívidas não lhe retirasse os mei de produção. Contudo, a crise dos preços do açúcar na Europa e as crescentes dificuldades da Companhia levaram-na à execução das cobranças, ou seja, ao confronto com à clas íse que ela própria criara para sustentação de seu dom
nio. Em janeiro de 1643 exigiu dos senhores de engenho e moradores as prestações das dívidas atrasadas. iMuitos desses devedores foram presos, e outros fug edor ram para as matas ou para à Bahia. Qualquer dev à da Companhia ou de credores particulares que viesse cidade corria o risco de ser preso, a tal ponto que foi prequisessem ciso conceder salvo-conduto aos senhores que hia. vir à cidade participar dos leilões de escravos da Compan ueses Os conselhos de brandura para com os portug holandenão foram ouvidos pelos novos administradores
vexames sofridos, ses, € OS luso-brasileiros, diante dos 5. Significativapassaram a organizar a insurreição de 164 maiores devedodos um , ira Vie des nan Fer o Joã te, men eres da insurreires da Companhia, tornou-se um dos líd
isentar er met pro foi s ato ros mei pri s seu ção, e um de os que aderissem os tod s ese and hol OS com s ida dív das ao movimento:
SC
67
/...] todo aquele que for devedor a judeu ou holandês será considerado quite dos débitos, uma vez que cumpra os seus deveres [...] (“Edital”,
de Mello, p. 193.)
Apud
Tempo
J.A.
dos
Gonçalves
holandeses,
De acordo com Gonçalves de Mello [...] os interesses dos dois grupos — o dos senhores de engenho lusobrasileiros e o dos comerciantes holandeses e judeus — eram diversos; enquanto na colônia portuguesa de então os interesses dos plantadores predominavam sobre os dos negociantes, na colônia holandesa do Brasil os destes sobrepujavam os daqueles. Na verdade os conflitos entre plantadores e comerciantes se evidenciaram quando a Companhia, por questões de debilidade financeira, resolveu acentuar o caráter
mercantil de seus empreendimentos no Brasil, em detrimento de ação colonizadora que Nassau vinha imprimindo a sua administração. Enquanto predominara a orien-
tação de Nassau, a colaboração havia sido intensa, tendo os portugueses produzido muito açúcar para os holandeses.
A colaboração entre portugueses e holandeses no período de Nassau foi retratada na peça teatral Calabar — o elogio da traição, encenada há alguns anos no Brasil, na década de 70. A observação dos diálogos da chegada e da despedida de Nassau nos permite acompanhar suas iniciativas, suas propostas e o comportamento da sociedade da época:
[...] À orquestra prossegue com o frevo [Não existe pecado ao sul do equador/ rasgado; Maurício de Nassau é fortemente aclamado; acompanha-o um séquito de pintores renascentistas com suas lunetas, naturalistas correndo atrás de borboletas, arquitetos com compassos e esquadros, médicos, etc. Do outro lado surge um clube de frevo dançando desesperadamente; o coro retoma a letra do frevo enquanto Nassau percorre a cena
68
parati
gesticulando e dando instruções a operários e escravos que vão modificando o cenário e atirando faixas coloridas; quando termana o frevo todo o cenário está modificado. Nassau é cercado por moradores.
MORADOR O que é que o principe achou do Brasil? NASSAU Un des plus beaux pays du monde. MORADORES (ávidos) Diz mais alguma coisa! Mais! NASSAU Pas de pareil sous le ciel! MORADORES (aos pulos) E o maior! Diz mais!
MORADOR Suas impressões do Recife... NASSAU
O trecho mais belo da terra!
CONSULTOR Não exageremos... MORADORES (aos berros) E a mulher brasileira”? E a nossa música? E as nossas praias? NASSAU (desvencilhando-se) Foi para retratar tanta beleza que eu trouxe pintores comigo. E arquitetos para construir palácios. É astróno-
mos para contar as estrelas. E botânicos para cheirar
as matas. E naturalistas para estudar as aves... PAPAGAIO Oba. NASSAU
Qual é seu nome?
PAPAGAIO Oba. o Ro
69
NASSAU Em breve teremos aviários, jardins botânicos e zoológi-
cos, orfanatos, hospitais, o primeiro observatório astronômico e meteorológico do Novo Mundo, que mais... uma universidade... CONSULTOR Príncipe, não exageremos...
NASSAU Minha maior preocupação como governador-geral do Pernambuco é fazer felizes os seus moradores, porque eles são mais da metade da população do Brasil e é aqui que se concentra a quase totalidade dos seus trezentos e cingiuenta engenhos de açúcar. PAPAGAIO Oba.
NASSAU A minha intenção é fazê-los felizes... sejam eles portugueses, holandeses ou da terra, ricos ou pobres, calvintstas ou católicos romanos e até mesmo judeus. CONSULTOR Principe... NASSAU (discursando, para os moradores) Nós, flamengos, dobramos a espinha do poderio maritimo luso-castelhano e rompemos o monopólio de especiaras das Indias que lhe tinha sido entregue por enciclica papal. Isso só nos foi possível através dos nossos Estados Gerais, da Companhia das Indias e da nova mentalidade religiosa que nos trouxe a Reforma Protestante, libertando-nos da autoridade da Iereja Católica. Mas mesmo assim não vim trazer uma política de repressão. Reduzirei os impostos. Abrirei crédito para os lavradores. Garantirei a portugueses e brasileiros igualdade de direitos com os súditos das Províncias Unidas. E os moradores que, por desgraça de guerra, tiverem perdido suas casas e plantações têm a minha autorização para reocupá-las.
70
MORADORES Já ganhou! Viva! NASSAU Senhores, a Companhia das Indias Ocidentas, que financiou a campanha das Américas, fecha agora o balanço dos últimos quinze anos com um saldo devedor aos ins. seus acionistas da ordem de dezoito milhões de flor o Para corrigir esse estado de corsas, recebi o mandat de izar cinal do re en et pr s a . M os o an nc os ci r -v po ar rn ve go gienta anos em cinco. MORADORES Viva! Já ganhou! NASSAU ruas. Vamos ampliar a cidade do Recife é ladrilhar suas cidava no a um os em er gu er z Va o ni tô An de a ilh E na eitos de nc co os rn de mo is ma os me or nf co a ad et oj pr de, onal de suas urbanismo, do loteamento ao traçado raci ues até 0 avenidas, desde o embelezamento de seus parq
andiosa gr € va no a ess a E s. oto esg s seu de to en am co es ícia. cidade permito-me dar o nome de Cidade Maur MORADORES Viva ele! Viva! NASSAU só cidama nu am un se ia íc ur Ma e ife Rec que a E par te monumental de, darei início à construção de uma pon tentarão esse sus ra ped de s are Pil e. rib iba Cap o sobre solidamente, uma os, tod a rá uni nos que o nt me nu mo mento. vi ol nv se de e paz de era a Um . cia ini se nova era que MORADORES Viva! Viva! CONSULTOR
. . . a i h a B à ue aq at o z, pa em r Príncipe, por fala
) NASSAU (para o holandês
os norados a ar (p a id gu se em s o m e r a Sim, SIM, disto fal s conselheires, retomando a retórica). Enfim, eu e meu e ros desejamos ardentemente mostrar nossa boa vontad .
TR
É
71
para com os moradores de Pernambuco.
vidos atentos gam até nós abrandá-las. trangimento.
[..]
Teremos os ou-
para remediar os males que surgirem. Traas vossas aflições que tudo faremos para Que todos se pronunciem sem qualquer cons[...]
NASSAU O Brasil holandês so alcançará prosperidade duradoura se for convenientemente colonizado. Nenhum colono emigrará para uma região em que não possa comerciar livremente e se estiver à mercê de um monopólio rígido e açambarcador. A indústria do açúcar depende dos moradores
portugueses e brasileiros. E asso só será possível honrando as condições aceitas por ocasião de sua rendição. FREI E verdade. NASSAU Querem restabelecer o monopólio? Que o façam. É o mais fácil caminho para a ruína da Companhia. Saiba que os moradores preferem abandonar a região a derramar o seu suor em beneficio da Companhia, sob um regime de escravidão semelhante ao dos negros. Os lavradores portugueses são pobres como Jó, mas orgulhosos como Braganças. [...] (Ruy Guerra e Chico Buarque de Hollanda, p. 78-82, 106-7.)
Os diálogos reproduzidos mostram as iniciativas realizadas por Nassau ao chegar, promovendo o melhoramento urbanístico de Recife, o estudo e a pesquisa sobre o Brasil, a volta dos portugueses a seus engenhos, o tratamento igualitário aos moradores judeus, portugueses e
holandeses, e a liberdade de culto. Os moradores colabo-
racionistas se comportam de forma bajulatória, gritando “vivas!”
como o papagaio grita “oba!”.
A administração de Nassau causou grande admiração a seus contemporâneos pela sua atuação no campo 72
artístico, cultural e científico.
No seu governo promoveu
o embelezamento e saneamento urbano da cidade de Recife, que se tornou a capital de Pernambuco. Suas ruas foram calçadas com tijolos e o transporte dos pesados carros de boi carregados de açúcar foi substituído pela navegação fluvial. Drenou a ilha de Antônio Vaz através da construção de canais e fez construir nela a Cidade Maurícia, ligando-a ao continente por meio de duas pontes. Ruas € canais geometricamente planejados, pequenas pontes construídas sobre os canais, por onde ““entravam canoas, batéis* e barcas para o serviço dos moradores, tudo à moda da Holanda”. (].A. Gonçalves de Mello, op. cit:; p: 244.) Mandou construir por sua conta dois palácios: um mais retirado para descanso, o da Boa Vista, e o Fribur'go, ou Palácio das Torres, situado na confluência dos rios Capibaribe e Beberibe. Nesse último fez construir imenso pomar, composto de árvores nativas trazidas e transplantadas de toda parte, além de um verdadeiro zoológico de aves e animais da selva brasileira. Cercou-se de estudiosos e pintores, que pesquisaram e retrataram a vida e a paisagem brasileira. Jorge Marcgrav realizou estudos de história natural, astronomia e meteorologia. Willem Piso estudou as doenças da região. Frans Post e Albert Eckout nos deixaram inúmeros quadros mostrando cenas cotidianas da vida brasileira daquele momento. Habitava
Recife,
então,
uma
população
de 6 mil
pessoas, muito heterogênea, composta de gente de todas as partes
deus,
sempre
do mundo:
franceses,
portugueses
holandeses,
comerciantes,
ingleses,
€ mestiços.
escoceses, Ju-
Eram
quase
soldados e religiosos. Os luso-bra-
sileiros eram em geral plantadores de cana e fabricantes de açúcar, pois à população holandesa vinda para o Brasil nunca chegou a se adaptar bem a essas atividades.
A estrutura produtiva ficou de fato nas mãos dos luso-brasileiros, deixando os holandeses em situação de fra-
gilidade nos momentos de conflito, como ocorreu na primeira fase da Guerra de Resistência (1630-1632) e na ANTE
y "
ei,
Sa
713
Guerra de Restauração (1645-1654). O texto da peça Calabar reflete bem a consciência de Nassau a respeito dessa fragilidade, quando ele propõe a política de tolerância para com os moradores da terra e, no final, quando prevê que estes não suportariam o arrocho da política monopolista, “por serem orgulhosos como Braganças”, isto é, por terem consciência de seu domínio sobre o processo produtivo.
Palácio de Friburgo ou das Torres,
do Estado de Recife, PE.
coleção Baltar, acervo
do Museu
O herói da peça é Calabar, inspirado na figura histórica de Domingos Fernandes Calabar, mulato, nascido no Brasil, enforcado e esquartejado por haver abandonado a resistência portuguesa e resolvido colaborar com os holandeses. Numa época em que nem Portugal, nem Espanha podiam defender sua colônia, deixando seus súditos indefesos, Calabar e outros luso-brasileiros passaram a trabalhar com a hipótese de que os holandeses se tornariam de fato os donos do Nordeste colonial. Até mesmo a Coroa portuguesa aceitou essa realidade nos tratados que fez com a Holanda após a restauração do trono português em
1640. Por um quarto de século, até 1654, as
terras do Brasil ficaram de fato divididas entre Holanda
e Portugal. Os que colaboraram com os holandeses trabalharam com uma hipótese histórica que não se realizou, porque os holandeses foram derrotados e expulsos do Nordeste.
74
Rot
Em 1645, muitos, como Fernandes Vieira e outros, estavam vivos para mudar seus sonhos e projetos e pascar da colaboração à insurreição; mas Calabar, não. Ca-
labar passou à História do Brasil como traidor e Fernan-
des Vieira como herói. No final da peça, quando Portugal e Holanda celebram a paz, e termina a guerra, a personagem Bárbara, companheira de Calabar, reflete sobre o destino dos dois
personagens destruídos — Calabar e seu delator Sebastião —, questionando-se sobre o sentido de tudo: os inimigos (Portugal e Holanda), pelos quais eles haviam se confrontado, agora se uniam, enquanto os dois Jaziam irremediavelmente mortos.
/...] Tudo isso aqui em volta, tudo continua a rodar sem eles. Tudo que fez Calabar trair... Sebastião enlouquecer... Não valia a pena morrer por isso. Hlolandeses, portugueses, não valia a pena ter morrido por nada disso. Ah... Calabar... Queria que Calabar estivesse vivo, só para ter uma idéia do que se chama traição. Porque Calabar se enganou, mas nunca enganou ninguém. Sebastião, sim. Tudo o que Calabar disse e fez foi de peito aberto, às claras, sem mentiras. Sebastião, não. Se é necessário chamar Calabar de traidor, que chamem Sebastião do Souto de herói. [...] (Ruy Guerra e Chico Buarque de Hollanda, op. cit., p. 125.)
Historicamente nada se sabe das idéias políticas de
Calabar, nem das razões que o levaram a passar do la-
do dos portugueses
para O dos holandeses.
O
autor da
o autên-
peça crio u o personagem como sendo um cidadã itico, poré m com convicções políticas diferentes das dom quem gode das e uês tug por al oni col do mun no nantes do convernava o Brasil naquele momento. Em função texto histórico brasileiro da repressão política praticada
peça durante os governos militares da década de 70, a idos, prepersonific a em Calabar todos os cidadãos reprim E
EA
o pia atu id “oh,
as ia
75
sos, exilados ou desaparecidos por terem idéias diferentes daqueles que, então, governavam. Também deixa claro que
ser traidor ou
herói
na
História
depende
muito
da posição de quem a conta, e geralmente quem a escreve são os vencedores.
76
pai:
PARTE
HI
Relações Metelo Colônia - = “ao
Igreja de S. Cos-
me em —
78
e S. Damião, Pernambuco
vista atual.
Colônia aqui referida é o Brasil que no século XVII pertenceu a duas metrópoles: Portugal e Holanda. Nessa época o Brasil não tinha sua atual configuração territorial e a colonização principiava nas zonas litorâneas, muito disputada por diferentes nações européias. A partir da segunda metade do século, com a expulsão dos holandeses, o domínio português e a cultura lusitana se impuseram na formação do povo brasileiro. As relações da Colônia com a Metrópole eram de subordinação. Era a Metrópole que administrava a Colônia, de acordo com seus interesses e objetivos. Logo que a Colônia cresceu e se desenvolveu com os capitães donatários, a Coroa portuguesa enviou para administrá-la um governador-geral (1549); o mesmo fizeram os holandeses, que enviaram para cá, com essa função, o conde
de Nassau. À administração metropolitana tinha como função principal garantir a arrecadação fiscal e a exclusividade do comércio colonial para suas metrópoles. O controle desse monopólio era feito pela própria administração metropolitana ou pelas companhias de comércio, através da saída e chegada dos navios que se dirigiam à Colônia, ou dela provinham. Um historiador atual, Mário Neme, comparou à colonização portu guesa e a holandesa, ficando demonstrado que, ora com maior ora com menor rigidez, ambas mantiveram a orientação monopolista.
[...] Antes dos holandeses, no tempo do rei, todo
e qualquer negociante, sem distinção, podia trazer para E
E
79
aqui e daqui levar mercadorias para a metrópole te apenas o pagamento de direitos alfandegários co interesse da fazenda real. Isso quer dizer que ciantes podiam armar seus próprios navios ou
median— únios negocarregar
em embarcações de particulares, sem dependerem de uma
única empresa, beneficiando-se, portanto, quanto aos fretes dos preços de concorrência. Os moradores podiam importar livremente — e não apenas de Portugal. E os que aplicavam capitais na indústria do açúcar gozavam não apenas de liberdade de comércio, mas também de favores fiscais. E ainda: admitiam-se, para o tráfego, não só navios mas negociantes estrangeiros de países amigos, mediante o simples expediente de alçar na ponta do mastro o pavilhão português. (Fórmulas políticas do Brasil holandês,
p. 157.)
Com relação ao período do domínio holandês, menciona três fases: a primeira, em que fora permitido a todo e qualquer negociante holandês enviar mercadorias para o Brasil, desde que pagasse taxas e impostos à Companhia de Comércio, vedado o comércio a comerciantes
de outros países; a segunda fase, em que se restringia o
comércio aos acionistas da Companhia e aos senhores de engenho moradores da Colônia com capitais aplicados exclusivamente na produção de açúcar, pela exigência do uso exclusivo dos navios da Companhia, pagas as taxas estabelecidas; e a terceira e última etapa, a partir de 1647, quando os holandeses estavam praticamen-
te derrotados no Brasil, e a Companhia,
em desespero,
permitiu aos negociantes livres o uso de navios particulares.
[...] em confronto com os antigos direitos dos pernambucanos e dos negociantes de Portugal, nacionais €
estrangeiros, em matéria de tráfico e navegação, a liber-
80
ts tado
dade de comércio vigente no Brasil holandês não representou um avanço mas um considerável recuo [...]
(Idem, ibidem, p. 158.) Segundo estudos do mesmo historiador, Portugal também não voltou aos padrões antigos, mas acentuou o caráter monopolista do seu comércio. O exemplo das companhias de comércio holandesas repercutiu nas restrições impostas ao comércio colonial no Brasil português após 1654. Além do próprio uso do sistema das companhias de comércio — Companhia Geral do Comércio do Brasil, formada em 1647, e Companhia de Comércio
do Estado do Maranhão, formada em 1682 —, a Metrópole portuguesa passou a adotar outras medidas restriti-
vas, como a proibição do comércio do Brasil com navios estrangeiros, em 1661, e a proibição, em 1684, de que navios saídos do Brasil aportassem em portos não portu- gueses. Com isso a Coroa visava evitar o contrabando e garantir a todo custo a exclusividade do comércio com a Colônia.
O rigor na exclusividade do comércio com a Colônia foi a forma encontrada pela Coroa portuguesa para acumular riquezas que a compensassem da crise econômica em que se encontrou após o esfacelamento de seu Império colonial, em consequência da União Peninsular e do seu consequente envolvimento nas guerras espanholas contra Holanda, França e Inglaterra. Após a Restauração, Portugal perdeu ainda para holandeses e ingleses
o comércio oriental. Portanto, sua principal colônia a partir da segunda metade do séc. XVII era o Brasil, cu-
ja produção açucareira logo entraria em crise, em virtude da concorrência do açúcar antilhano. Não tardariam a aparecer
nessa
sociedade
os primeiros
conflitos entre
os luso-brasileiros e a Metrópole portuguesa. A exploração e opressão colonial aos poucos começou a se tornar clara para os produtores coloniais e os conflitos cresceram em importância durante o século XVIII. 81
cumprir imenso cumprir imenso
seu ideal Portugal seu ideal Império colonial.
=
vai um vai um
E
=——
Ai esta terra ainda Ainda vai tornar-se Ai esta terra ainda Ainda vai tornar-se
E
A política da metrópole portuguesa e outras metrópoles coloniais foi interpretada na peça Calabar, em um refrão musical que caracteriza a situação colonial. Por isso, vale reproduzi-lo aqui:
82
VOCABULÁRIO
ACULTURAÇÃO — Influência recíproca de um grupo cultural sobre outro. ACUMULAÇÃO PRIMITIVA — Acumulação originária ou inicial de capitais que deu origem ao mundo capitalista. ALFABETO IDEOGRÁFICO — Conjunto de sinais utilizados na escrita que representa o som pelo desenho ou pela pintura das idéias. ALFAIAS — Móveis ou utensílios de uso ou para adorno doméstico.
APICU — Terreno alagadiço, em conseguência de enchentes, situado à beira-mar.
ASIENTO — Assento, contrato ou concessão para exploração do tráfico negreiro. AGRICULTURA EXTENSIVA — Produção agrícola altamente especializada, voltada para o mercado externo, baseada
no uso da grande
propriedade
territo-
rial, com baixo índice de mecanização, e no uso de mão-de-obra pouco qualificada.
BALANÇA
DE COMÉRCIO
— Comparação
entre as expor-
tações e as importações de um país ou praça de comércio para determinar a favor de quem ficou o saldo comercial.
BANQUEIRO — Oficial encarregado
de cuidar da casa
das caldeiras à noite e assistente do mestre do açúcar.
BARRO — Argila retirada dos apicus usada na purgação do açúcar.
BEZOAR — Concreção calcária formada no estômago dos ruminantes € usada na época como antídoto.
83
BATEL — Embarcação
miúda,
usada nas naus e galeões.
CALVINISMO — Idéias religiosas de João mador protestante. CALVINISTA — Seguidor do calvinismo. CONSELHO DOS DEZENOVE — Conselho dezenove diretores da Companhia das tais. ESCABINO — Representante na Câmara rante o domínio
holandes.
Calvino, refor-
composto pelos Índias Ociden-
Municipal du-
ENTREPOSTO — Grande depósito de mercadorias destinadas ao comércio. FÔRMA — Vaso de barro queimado, de forma cônica, semelhante a um sino ou cone de boca para baixo, com um orifício no fundo destinado a purificar o açúcar. Pelo orifício escorre o mel, ficando depositado o açúcar cristalizado. O conteúdo da fôrma, de-
pois de purgado e solidificado, é o pão de açúcar. IDÉIAS MERCANTILISTAS — Idéias que prevaleceram do século XVI ao XVII e que destacavam a circulação de mercadorias
econômicas,
com
como
o centro
das
atividades
o predomínio do comércio
os demais setores da economia.
sobre
LIBERDADE DE COMÉRCIO — Regime de livre concorrên-
cia, comércio livre, sem privilégios exclusivos. MASCAVADO — Açúcar não refinado, retirado do fundo das fôrmas.
MESTRE DO AÇÚCAR — Técnico que dirige todos os serviços relativos à fabricação do açúcar no engenho.
MOCAMBO
— Abrigo de escravos fugidos, na floresta.
MONOPÓLIO — Direito ou privilégio exclusivo de com-
pra e venda de mercadorias ou de exploração de um produto ou região comercial. NEERLANDÊS — Habitante das Províncias Unidas dos Países Baixos, ou Neerlândia, que ficou conhecida como Holanda. PAsso
— Armazém
onde o açúcar era acumulado para
posterior exportação.
84
du
a Tidero “
1
PRODUÇÃO EM LARGA ESCALA — Produção em grandes quantidades, destinadas à exportação.
PEÇA — Nome
que se dava, na ocasião da venda, a um
ou mais negros trazidos da África, dependendo da idade e do tamanho. QUILOMBO — Refúgio de escravos fugidos. TENDAL — Espaço onde se assentavam as fôrmas de açúcar nos engenhos. TUMBEIROS — Navios negreiros, em geral de pequeno porte. URCA — Embarcação portuguesa do século XVII, de dois ou três mastros, de velas redondas ou latinas, com grande porão para transporte de carga.
85
CRONOLOGIA
União Ibérica:
1580
Filipe II, rei de Espanha,
pas-
sa a governar Portugal, unindo as duas Coroas. As províncias setentrionais dos Países Baixos,
1581
em número de sete, rejeitam a autoridade do rei Filipe II de Espanha, através da União de Utrecht. Assassinato de Guilherme de Orange, o Taci-
1584
turno, líder da independência holandesa, e for-
mação de um Conselho Nacional, composto pela nobreza e a burguesia. Surgem as Províncias Unidas dos Países Baixos ou a República da Holanda,
França e Inglaterra reconhecem a independência da Holanda. Holanda vence a armada espanhola em Gibraltar. Formação da Companhia das Índias Orientais, na Holanda, com o objetivo de fazer o comér-
1596 1601 1602
cio asiático. Assinatura da trégua de doze anos entre Holanda e Espanha.
1609
Início da Guerra dos Trinta Anos na Europa.
1618
Término da trégua de doze anos e reinício das
1621
hostilidades entre holandeses e espanhóis. Formação da Companhia das Índias Ociden-
tais pelos holandeses,
com
o monopólio,
por
vinte e quatro anos, da conquista e do comércio nas costas atlânticas da América e da Africa. Os holandeses atacam a Bahia. Salvador cai em vinte e quatro horas e o governador geral
1624
é preso.
aê
el
a
*
O
87
1625
Esquadra naval espanhola comandada por D.
1627
Brasil. O pirata holandês Piet Hein pilha navios mer-
1628 1630 1632
1634 1635
1637 1638 1640
Fradique
de Toledo
expulsa
os holandeses
do
cantes portugueses na costa da Bahia. Piet Hein apresa no porto cubano de Matanzas uma frota espanhola carregada de prata. Holandeses invadem Pernambuco, ocupando Olinda e Recife. Holandeses tomam vários pontos-chaves, com ajuda de Calabar: Fortim do Rio Formoso, Afogados, Itamaracá e o Forte dos Reis Magos (Rio Grande do Norte). Tomada definitiva da Paraíba pelos holandeses. Capitulação do Arraial de Bom Jesus. Captura e execução de Calabar na retirada do governador Matias de Albuquerque. Chegada do conde João Maurício de Nassau ao Recife. Conquista de Sergipe. Nassau tenta atacar a Bahia e é derrotado. Encerra-se a União Ibérica e com ela o domínio espanhol no Brasil. Restauração da monarquia lusitana e ascensão
de D. João IV, da dinastia de Bragança, ao trono.
1641
1644
1645
Tratado de paz entre Portugal e Holanda estabelece trégua de dez anos nas disputas coloniais. Rompimento da trégua pelos holandeses, por ordem da Companhia das Indias Ocidentais, e conquista, no Brasil, por Nassau, do Maranhão, e na Africa, da ilha de São Tomé e São Paulo de Luanda (Angola). Nassau retorna à Europa. Holandeses são expulsos do Maranhão. Início da Insurreição Pernambucana (13/6). Vitória
(3/8).
88
luso-brasileira
no
Monte
das Tabocas
1648
1649
1652 1653 1654
Primeira batalha dos Guararapes, com vitória luso-brasileira. Fim da Guerra dos Trinta Anos na Europa. Segunda Batalha dos Guararapes, com nova vitória luso-brasileira. Inglaterra passa a disputar com os holandeses
o domínio do comércio colonial, desencadean-
do-se a chamada Guerra de Navegação. Cerco final de Recife por tropas portuguesas. Expulsão definitiva dos holandeses do Brasil.
89
PARA
SABER
MAIS
Se você gostou desta leitura e quiser saber mais sobre alguns de seus principais temas, sugerimos as seguintes obras: e Imagens do Brasil holandês, catálogo com texto de Evaldo Cabral de Mello, publicado em 1987 pela Fundação PróMemória,
contém
ilustrações várias sobre o período, desde
mapas antigos, quadros de pintores holandeses, fotos de peças
de museus brasileiros mostrando armamentos, moedas, mó-
veis e utensílios do século XVII, até reproduções das capas e ilustrações dos livros escritos pelos viajantes, curiosos e pesquisadores daquela época. e Tempo dos flamengos, de José Antônio Gonçalves de Mello é obra clássica, de consulta indispensável sobre o assunto. Menciona copiosa documentação e oferece precioso retrato de época,
e Olinda restaurada, de Evaldo Cabral de Mello, é das obras mais recentes sobre o assunto. Extrai suas informações
e suas frases de vastíssima documentação consultada, alia ar-
gúcia crítica e descrição minuciosa das coisas do açúcar e da guerra no Nordeste entre 1630 e 1654. * O livro do jesuíta André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil, publicado em 1711 pela primeira vez, descreve ricamente tudo o que diz respeito à cultura da cana e à indústria do açúcar no Brasil português. Relata como viviam os escravos e como os senhores os tratavam.
Disse tantas verdades
que a Coroa portuguesa da época mandou queimar toda a edição. Mas o livro é tão importante para o estudo da história brasileira que tem sido reeditado várias vezes. Atualmente há uma edição conjunta das editoras Itatiaia e Edusp, na coleção Reconquista do Brasil.
e Sobre os indígenas da época, veja o escrito de Roulox
Baro Relação da viagem ao país dos tapuias, no qual ele narra sua penetração na floresta, travessia de TIOS, enchentes, vida ecos-
tumes dos indígenas com quem vai fazendo contato até che-
gar ao chefe Nhanduí, a quem procurava por ordem do gover-
91
no holandês do Recife. Também
está publicado pela Edusp/
Itatiaia, na coleção Reconquista do Brasil, juntamente com o escrito de Pierre Moreau citado neste livro. Os escritos da época estão indicados na bibliografia e são
inesgotáveis fontes de detalhes sobre a vida no Brasil do sécu-
lo XVII. Descrevem nossa mata, nossa fauna, os costumes in-
dígenas, os negros chegados da África, os primeiros engenhos, as primeiras igrejas, a economia e a sociedade colonial. Alguns desses aspectos podem ser observados em desenhos, gra-
vuras, quadros e documentos históricos ainda conservados no Nordeste brasileiro. Se você não puder vê-los pessoalmente, procure os álbuns de arte indicados na bibliografia e avalie por si mesmo a quantidade de vestígios da presença holande-
sa deixados nessas obras. Observe a Igreja de São Cosme e São Damião no quadro de Frans Post e veja como ficou sua fachada, com alguns acréscimos e a restauração feita pelo Patrimônio Histórico Nacional, em Recife.
Se você mora no Nordeste ou viajar até lá, poderá fazer com o auxílio desses álbuns um levantamento das obras e monumentos desse período histórico na localidade em que reside ou naquela que visitar. Se você mora em outra região, pode fazer o levantamento dos vestígios do século XVII nela existentes. Sempre há uma igreja colonial, uma escultura, um móvel,
um
retrato antigo, uma
ponte,
um
prédio,
um
sítio
que, por algum motivo, nos poderá dar testemunho dessa época. Esses vestígios são fragmentos da história que o tempo deixou e podem revelar segredos que não imaginamos sobre os homens de outras épocas e sobre o nosso presente. Não con-
tinuamos a consumir açúcar hoje como no século XVII? Gomo ele é feito? Onde? Por quem? Como é distribuído? Qual a diferença entre a produção atual e a do século XVII? O que mudou?
09
pç
BIBLIOGRAFIA
que tratam do assunto em um contexto histó-
1. Obras
rico e interpretativo abrangente:
BOXER, C.R. Os holandeses no Brasil — Paulo, Nacional, 1961.
1624-1654.
São
GUERRA, Ruy e HOLLANDA, Chico Buarque de. Calabar — o elogio da traição. São Paulo, Círculo do Livro, 1975. HOLLANDA, Sérgio Buarque de, org. História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difel, 1972. Tomo I, v. 1.
MANSO, Paiva. História do Congo — Documentos. Lisboa, 1877. MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada. Rio de Janeiro, Forense,
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MELLO, J.A. Gonçalves de. Fontes para a história do Brasil holandês — À administração da conquista. Recife, 1985. « Tempo dos flamengos — Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1947. MOUSNIER, Roland. História geral das civilizações. São Paulo, Difel, 1967. Tomo IV, v. 1 e 2.
NEME,
Mário.
Paulo,
NOVAIS,
Fórmulas políticas do Brasil holandês.
Difel,
1971...
Fernando Antonio.
São
Portugal e Brasil na crise do
antigo sistema colonial — 1777-1808. São Paulo, Huci-
e IOTO.
93
PANTALEÃO, Olga. “Franceses, holandeses e ingleses no Brasil quinhentista”. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de, org. História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difel, 1972. Tomo I, v. 1. SIMONSEN,
História
Roberto.
São Paulo, Nacional,
econômica
1967.
do Brasil.
5. ed.
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. 6. ed. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981. v. 1,2 e 3. VARNHAGEN,
Francisco
Adolfo.
Flistoria das lutas com os
holandeses no Brasil desde 1624 a 1654. Salvador,
WATJEN,
Herman.
São Paulo,
1938.
1955.
O dominio colonial holandês no Brasil.
2. Obras de viajantes ou agentes da colonização portuguesa e holandesa XVII e XVIII:
no Brasil, editadas
nos séculos
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil, Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp. (Reconquista do Brasil.)
BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo,
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DEBRET, Jean Batista. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo, Martins, 1965. ECKOUT, Albert. Arte no Brasil. v. 1, p. 76. GOMES, Eugênio, org. Vieira — Trechos escolhidos. Rio de Janeiro, Agir, 1971. KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil. São Paulo, 1942.
MOERBEECK, J. Andries. Motivos por que a Companhia das Índias Ocidentais deve tentar tirar ao rei de Espanha a terra do Brasil, e asto o quanto antes. MOREAU, P & BARO, Roulox. História das últimas lutas no Brasil
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nteitinto
entre holandeses e portugueses & Relação da viagem ao pais dos tapus. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1979. (Reconquista do Brasil.) NETSCHER, EM. Os holandeses no Brasil — Noticia hestórica dos Países Baixos e do Brasil no seculo XVII. São Paulo, Nacional, 1942.
RUGENDAS, J. M. Viagem froresca através do Brasil. São Paulo, Martins,
1967.
VIEIRA, Pe. Antônio. 4 imasão holandesa da Bahza. 1955.
Salvador,
3. Anais, álbuns e catálogos Anais do Museu Paulista, II. Parte Segunda. Imagens do Brasil holandês. MINC/Fund. Pró-Memória, 1987. (Texto de Evaldo Cabral de Mello.) Arte no Brasil. São Paulo, Abril Cultural, 1979, v. 1. Tradição e ruptura — Síntese de arte e cultura brasileira. Fundação Bienal de São Paulo, 1984-1985. Nordeste hustórico monumental.
Salvador,
brecht S.A., 1983. v. 1,2 e 83.
Construtora Ode-
95
HISTÓRIA EM Ng aeee
DOCE INFERNO Açúcar — guerra e escravidão no Brasil holandês (1580-1654)
| |
Nota do Editor: A qualidade da reprodução fotográfica de alguns documentos ficou comprometida pela antigúidade das fontes.
HISTÓRIA EM
DOCUMENTOS
DOCE
INFERNO
| Açúcar — guerra e escravidão | no Brasil holandês | (156 0-16 54) | |
Elsa Gonçalves Avancini
|
Coordenação:
Maria Helena Simões Paes
Marly Rodrigues
11º EDIÇÃO
ê
3
g
RR:
:
LS]
1
É Elsa Gonçalves Avancini, 1991.
4
Copyright desta edição:
FNDE.
EDITORA ATUAL S/A , São Paulo, 1998.
soci = ai És
Todos os direitos reservados.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Avancini, Elsa Gonçalves. Doce inferno : açúcar, guerra e escravidão no Brasil holandês, 1580-1654 / Elsa Gonçalves Avancini. — São Paulo:
Atual, 1991, — (História em documentos) ISBN 85-7056-380-9
1. Açúcar — Comércio — Brasil — História 2. Brasil—
História — Dominio holandês — 1624-1654 3. Escravidão — Brasil — História I. Título. II. Título: Açúcar, guerra e escravidão no Brasil holandês. III. Série. CDD-981.03121 -380.1413610981 -981
91-1921
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Açúcar : Comércio : História 380.141361098]
2. Brasil: Escravidão : História social 98] 3. Domínio holandês, 1624-1654 : Brasil : História 981.03121
Série História em Documentos Editora: Samira Youssef Campedelli
Coordenador editorial: Henrique Félix
Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Preparação de texto: Célia Tavares Revisão: Noé G. Ribeiro
Jocelaine Santucci
Coordenação de arte: Tania Ferreira de Abreu
Diagramação: Zacarias Gonçalves de Brito
Arte: Cláudia Ferreira Produção gráfica: Antonio Cabello Q. Filho Silvia Regina E. Almeida
José Rogerio L. Simone Consultoria para o desenvolvimento do projeto: Edgard Luiz de Barros Projeto gráfico: Ethel Santaella Capa: Avelino Guedes Mapa: Sônia Vaz Composição: K.L.N. Fotolito: Binhos/ H.O.P.
LO.11.98 NOS
PEDIDOS
TELEGRÁFICOS
BASTA
CITAR
O
CÓDIGO:
AZSH9063M
SUMÁRIO
Parte 1
A presença holandesa no Brasil colonial (1580-1654) Nos séculos da pirataria — navegar é preciso —
Parte
] 53
II
O que falam os documentos
23
1. A economia: produção e comércio do açúcar.. 25
2. À sociedade açucareira: escravidão e resistência
42
3. Tempos flamengos:
tempos de colaboração — 64
Parte III
Relações Metrópole-Colônia — perspectivas do Brasil em 1654
Vocabulário
Cronologia Para saber mais Bibhografia
Apêndice
77
83
87 91 93
Gonçalves
Avancini
é
mestre em História e professora de História do Brasil na Faculdade Porto-alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA), em Por-
to Alegre — RS. Tem formação e experiência nos três graus de ensino. Lecionou Metodologia do Ensino de História em cursos do 3 grau e realizou experiência de extensão universitária junto a professores do 1º grau (36º Delega-
cia de Educação e Secretaria Mu-
nicipal de Educação de Ijuí/RS) na elaboração de curriculos e
programas da área de Estudos
Sociais, e produziu coletivamente textos didáticos de História, publicados na Coleção 1º Grau, pela
Livraria
Editora
UnijuílRS.
Publicou em co-autoria pela mes-
ma editora Area de Estudos Sociais: Metodologia. Realizou também pesquisa de História Regio-
nal e atualmente prepara livro paradidático sobre Porto Alegre.
Titulos da série Si
Elsa
NAVEGAR É PRECISO
Grandes descobrimentos
marítimos europeus Janaina Amado
Ledonias Franco Garcia
OS SONHADORES DE VILA RICA À Inconfidência Mineira de 1789 Edgard Luiz de Barros REINVENTANDO A LIBERDADE
À Abolição da escravatura no Brasil
Antonio Torres Montenegro
IMPÉRIO DO CAFÉ
A grande lavoura no Brasil — 1850 a 1890
Ana Luiza Martins
UMA TRAMA REVOLUCIONÁRIA? Do Tenentismo à Revolução de 30
Antonio Paulo Rezende
NOS TEMPOS DE GETÚLIO Da Revolução de 30 ao fim do Estado Novo
Sonia de Deus Rodrigues Bercito O BRASIL DA ABERTURA De 1974 à Constituinte Marly Rodrigues
INDÚSTRIA, TRABALHO
E COTIDIANO
Brasil — 1889 a 1930 Maria Auxiliadora Guzzo de Decca
na
INDEPENDÊNCIA OU MORTE A emancipação política do Brasil Ilmar Rohloff de Mattos Luiz Affonso Seigneur de Albuquerque DE GETÚLIO A GETÚLIO
EEE
O Brasil de Dutra e Vargas — 1945 a 1954
Francisco Femnando Monteoliva Doratioto José Dantas Filho
DOCE INFERNO
Açúcar — guerra e escravidão no Brasil
holandês (1580-1654)
Elsa Gonçalves Avancini A REPÚBLICA BOSSA-NOVA A democracia populista (1954-1964)
José Dantas Filho Francisco Fernando Monteoliva Doratioto
O IMPÉRIO DA BOA SOCIEDADE
A consolidação do Estado imperial brasileiro
limar Rohloff de Mattos
Marcia de Almeida Gonçalves
A ORDEM É O PROGRESSO O Brasil de 1870 a 1910
Margarida de Souza Neves
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Na coleção História em Documentos, o aspecto mais significativo
— comum a todos os volumes — é a ampla utilização
de documentos na organização e desenvolvimento dos assuntos de cada livro. “Documento” no sentido mais abrangente: desde os textos oficiais até os registros, em diferentes linguagens,
de experiências humanas no periodo enfocado: depoimentos,
letras de música, textos literários, descrições de viajantes, artigos de jornal, pinturas, charges, fotos. Dessa forma, os leitores terão oportunidade de um contato mais direto e vibrante com o fazer histórico de cada época. Além disso, percebendo como o autor organiza e interpreta os documentos
— e, mais ainda, realizando ele próprio os exercícios propostos —, o estudante terá condições de conhecer um pouco mais a linguagem e os princípios do trabalho do historiador. o
ISBN 85-7056-380-9
9"788570 ||