Dez Anos de Pareceres [9]

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DEZ ANOS DE PARECERES

FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte, CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP)

P858d

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Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, 1892, Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro, Francisco Alves, V. 9 1976 V.

1. Pareceres jurídicos 1 .

Título. CDU - 340.141

74-0693

índices para catálogo sistemático: 1. Pareceres Direito 340-141 2. Pareceres Jurídicos 340-141

PONTES DE MIRANDA

DEZ ANOS DE PARECERES (volume 9)

LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S. A.

© Todos os direitos reservados à

Livraria Francisco Alves Editora S. A.

Capa de GERALDO M. MENDES VIANNA

1976 LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORAS. A. 20.000 -

Rua Barão de Lucena, 43

Rio de Janeiro -

RJ

Impresso no Brasil Printed in Brazil

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS N. 221 - Parecer sobre bens não atingidos pela legislação de guerra, coisa julgada acerca de falta de implementas de condição para aquisição de direitos a anuidades e prazo preclusivo de ação rescisória (7 de janeiro de 1971) . . . . 1 N. 222 - Parecer sobre usufruto do cônjuge sobrevivente e interpretação do art. 1. 611, § 1. 0 , do Código Civil (25 de janeiro de 1971) .................................. 20 N. 223 - Parecer sobre pré-contrato de compra-e-venda de terrenos, cessão pelo pré-contraente comprador, em gestão de negócios, e contratos definitivos com os terceiros (4 de fevereiro de 1971) ........................... 31 N. 224 - Parecer sobre liquidação de sociedades por ações com invocação de regras jurídicas suficientes (27 de fevereiro de 1971) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 N. 225 - Parecer sobre rua de vila e terreno desmembrado a que se atribuíra servidão (25 de março de 1971) ...... 56 N. 226 - Parecer sobre contrafações de marcas de indústria e comércio e concorrência desleal de empresas (29 de março de 1971) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 N. 227 - Parecer sobre idade máxima para advogado ser posto em lista tríplice para desembargador (29 de março de 1971) ........................................... 88 N. 228 - Parecer sobre consórcio com personificação como sociedade por ações, contratos das consorciadas com terceiro, cessão de direitos, fianças dadas por diretores de empresas, em nome próprio (5 de abril de 1971) . . . . . . 92

N. 229 - Parecer sobre doação, pelos cônjuges, de bens comuns a filhos do casal como adiantamento de legítima (7 de abril de 1971) ................................ 119

N. 230• - Parecer sobre taxas convencionais 1 relativas a finan• c1amentos, fixadas em lei nova (12 de abril de 1971) .. 124

N. 231 - _Parecer_ ~obre. extinção de fiança por ter havido confusao da d1v1da afiançada com o crédito e extinção de avales por serem dadas em caução as notas promissórias (5 de maio de 1971) ............................... 135

N. 232 -

Parecer sobre tempo para a presidência de Tribunal de Contas e regra jurídica constitucional estadual "lex . ' nova" (12 de maio de 1971) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

N. 233 - Parecer sobre infrações constitucionais do Decreto n. 68.417, de 24 de março de 1971, art. 1. 0 , referente a acréscimos ao art. 23 do Decreto n. 56. 611, de 7 de janeiro de 1966 (20 de maio de 1971) ..................... 155 N. 234 - Parecer sobre competência do Tribunal de Justiça para edictar regras jurídicas sobre a divisão e a organização judiciárias e indelegabilidade dos Poderes (7 de julho de 1971) ........................................ 169 N. 235 - Parecer sobre as situações jurídicas dos funcionários públicos eleitos vereadores, se gratuito ou se remunerado o cargo eletivo (21 de junho de 1971) . . . . . . . . 176

N. 236 -

Parecer sobre atividade profissional de direito e contratos com entidade estatal (6 de julho de 1971) . . . . . . 183

N. 237 - Parecer sobre legislação durante recesso do Congresso Nacional, respeito dos princípios constitucionais e inteligência dos arts. 2. 0 e 5. 0 do Ato Institucional n. 12, de 31 de agosto de 1969 (1 O de agosto de 1971) . . . . . . . . 193 N. 238 - Parecer sobre dissolução e liquidação de sociedade por ações, em virtude de sentença, e observância das regras jurídicas processuais, bem como pretensão e seqüestro para evitamento de desvios de lucros da empresa e produtos das fazendas (6 de outubro de 1971) . . . . . . . . . . . . 203 N. 239 - Parecer sobre a renúncia a usufruto com o devido cancelamento, e a consolidação em virtude do Código Civil, arts. 739, V, 717 e 676 (11 de outubro de 1971) .... 213

N. 240 -

Parecer sobre propositura de ações por espólio que não é titular, compra-e-venda de ações ao portador, ação de terceiro adquirente e nulidade de assembléias gerais (21 de outubro de 1971) .............................. 220

N. 241 -

Parecer sobre a Lei n. 7. 085, de 12 de dezembro de 1967, o contrato de concessão e os contratos de cessão e de uso do Parque Anhembi (25 de outubro de 1971) .. 234

N. 242 - Parecer sobre situação jurídica de cursos criados por Universidade, de acordo com os estatutos aprovados pelo governo do Estado do Paraná, para serem atendidos até que ocorra o reconhecimento da Universidade pelo órgão federal competente (1. 0 de novembro de 1971) .... 251

N. 243 -

Parecer sobre desapropriação de propriedade rural, após a Constituição de 1967, antes e após a Emenda Constitucional n. 1, e finalidade de loteamento, para revenda ou doação, sem satisfação dos pressupostos constitucionais e legais (24 de novembro de 1971) . . . . . . . . . . . . . . . . . 258

N. 244 -

Parecer sobre direitos dos titulares de ações preferenciais, fixação do percentual do dividendo, lucros e reservas, bonificações e alterações dos estatutos (12 de dezembro de 1971) ......... ·........................ 274

N. 245 -

Parecer sobre ser incabível impetração de mandado de segurança por terceiro que deixou ae interpor recurso e provocara a correição parcial para ser terceiro, e não parte (18 de dezembro de 1971) ........................ 289

PARECER N. 221 SOBRE BENS NÃO ATINGIDOS PELA LEGISLAÇÃO DE GUERRA, COISA JULGADA ACERCA DE FALTA DE IMPLEMENTOS DE CONDIÇÃO PARA AQUISIÇÃO DE DIREITOS A ANUIDADES E PRAZO PRECLUSIVO DE AÇÃO RESCISÓRIA

1 OS FATOS (a) A 11 de setembro de 1959, a atual Anton und Helene Zerrenner Stiftung propôs, em São Paulo, contra a Fundação Antônio e Helena Zerrenner, ação para que fosse decretada a invalidade do Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, por entender ser inconstitucional o ato do Presidente da República. Os fundamentos da pretendida inconstitucionalidade têm de ser examinados detidamente. Quando sobreveio a guerra entre o Brasil e a Alemanha, o Governo Federal promulgou o Decreto-lei n. 4. 166, de 11 de março de 1942, que estatuiu "sobre as indenizações devidas por atos de agressão contra bens do Estado brasileiro e contra a vida e bens de Brasileiros ou de estrangeiros residentes no Brasil". Os bens e direitos dos súditos alemães teriam, conforme o art. 1.0, de responder pelos prejuízos que, para os bens e direitos do Estado brasileiro e para a vida e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, domi-

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ciliadas ou residentes no Brasil, haviam resultado ou viessem a resultar de atos de agressão praticados pela Alemanha. Conforme o art. 11, passaram à administração do Governo Federal os bens dos súditos alemães, pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no estrangeiro. A Fundação Antônio e Helena Zerrenner passou a recolher no Banco do Brasil as prestações a que teria direito a fundação alemã, mas sob protesto e ad cautelam. (b) Duas Fundações foram, no início, expressão de vontade testamentária, uma, com sede em São Paulo, e a outra, com sede em Berlim. Da renda líquida anual do patrimônio da Fundação brasileira, de São Paulo, teria de ser "deduzido o necessário para provimento à respectiva administração", metade seria "destinada e remetida à fundação congênere instituída na Alemanha, para satisfação, tanto quanto possível, dos fins para que foi criada". Houve, depois, escritura de composição entre as duas fundações, com a data de 21 de dezembro de 1939. ( c) Na petição inicial da ação ordinária, que propôs a atual Anton und Helene Zerrenner Stiftung, a li de setembro de 1959 (10.ª Vara Cível da Capital de São Paulo), o fito da autora foi receber: ". . . tudo quanto é devido à suplicante a partir da data do Decreto n. 39.869, de 30 de agosto de 1956, que liberou os bens de propriedade da suplicante, de conformidade com as cláusulas 2.ª e 3.ª dessa escritura ... ". A 10. ª Vara Cível julgou-se incompetente, por ser espécie que havia de ser processada e julgada pela Vara de Fazenda Nacional. A Fundação Antônio e Helena Zerrenner opôs exceção de coisa julgada, porque a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Re.:urso Extraordinário n. 38.929, a 17 de junho de 1958, julgara inexistente qualquer dever da Fundação Antônio e Helena Zerrenner Instituição Nacional de Beneficência de satisfazer as prestações estipuladas na escritura de 21 de dezembro de 1939. (Uma vez que a 10.ª Vara Cível se julgara incompetente, qualquer ato que fosse decisório seria nulo, porque isso resulta dos arts. 182, 1, e 279 do Código de Processo Civil. Juízo incompetente não 2

pode julgar exceção de c01sa julgada, porque tal julgamento sena decisório) . (d) A Anton und Helen e Stiftung deveria iniciar suas atividades beneficentes, na Alemanha, dentro do prazo de um ano, a contar da data da escritura, isto é, a partir de 21 de dezembro de 1939. Ora, a fundação alemã não comprovou, perante a Fundação Antônio e Helena Zerrenner Instituição Nacional de Beneficência, as atividades beneficentes, que teria de iniciar em 1939. Houve prorrogação do prazo, e o depósito no Banco do Brasil. Contra o depósito insurgiu-se a fundação alemã através do Cônsul Geral da Alemanha em São Paulo, para cobrar da fundação o valor integral da prestação. Sobreveio o Decreto n. 4.166, de 11 de março de 1942, que submeteu os "bens e direitos dos súditos alemães" e outros, "pessoas físicas ou jurídicas", à responsabilidade "pelo prejuízo que, para os bens e direitos do Estado brasileiro e para a vida, os bens e os direitos das pessoas físicas e jurídicas brasileiras, domiciliadas ou residentes no Brasil, resultaram, ou resultarem, de atos de agressão praticados pela Alemanha, pelo Japão e pela Itália". A Fundação Antônio e Helena Zerrenner fez os depósitos no Banco do Brasil, sob protesto e ad cautelam, pois que se reputava incólume às leis de guerra. Daí o recurso administrativo para o Presidente da República, que aprovou, a 4 de agosto de 1944, a Exposição de Motivos n. 2.248, de 2 de agosto, em que se propôs: "a) que seja suspensa, para o fim de ser declarada sem efeito, a determinação da extinta Comissão de Defesa Econômica, constante do Ofício de 7 de julho de 1943, pelo qual foi a Fundação Antônio e Helena Zerrenner, de São Paulo, intimada a recolher a importância de Cr$ 1.800.000,00; b) que seja comunicado ao digno Segundo Procurador Regional da República, em São Paulo, que, em nome do Governo Federal, passe a acompanhar, como seu representante legal, a ação pendente no Juízo da Segunda Vara de Família e Sucessões, notificando esta Agência Especial de Defesa Econômica de qualquer decisão que a respeito venha a ser proferida, a fim de serem tomadas as medidas necessárias; e) que seja informada a Fundação Antônio e

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Helena Zerrenner, de São Paulo, de que só poderá pagar-se da dívida de que se diz credora, depois de ser devidamente autorizada por esta Agência Especial de Defesa Econômica, autorização esta dependente de apresentação de documentos comprobatórios do valor das anuidades, do quantum pago por conta das já vencidas e de ser o débito da Fundação Alemã de CrS 1.000.000,00, anterior a 11 de março de 1942". O Ministro da Fazenda, na conformidade da mencionada Exposição de Motivos, diante de consulta do então 2.º Procurador Regional da República em São Paulo, na qual solicitava instruções sobre se deveria patrocinar e, pois, acompanhar o processamento daquela ação, ajuizada em 6 de outubro de 1941, pelo Cônsul Geral da Alemanha, Dr. Walter Molly, respondeu negativamente, com base no parecer do Dr. Procurador Geral da Fazenda Pública, de 6 de setembro de 1945: "não cabe ao Ministério Público promover o prosseguimento daquela ação, nem defender a causa da autora nesse feito, por isso que as pretensões da Fundação alemã não coincidem com os interesses brasileiros". Houve mudança do Governo brasileiro, a 29 de outubro de 1945; criou-se a Comissão de Reparações de Guerra; e novas exigências foram feitas à Fundação Antônio e Helena Zerrenner, a despeito da aprovação presidencial da Exposição de Motivos n. 2.248, de 4 de agosto de 1944. Mas, a 30 de agosto de 1946, foi expedido o Decreto-lei n. 9.679, cujo art. l.º estabeleceu: "Os bens e direitos outorgados nos testamentos de João Carlos Antônio Frederico Zerrenner e Helena Mathilde Ida Emma Zerrenner a pessoas naturais ou jurídicas domiciliadas na Alemanha reverterão em benefício da Fundação Antônio e Helena Zerrenner, sediada em São Paulo, depois de totalmente satisfeitas as indenizações, devidas na forma do Decreto-lei n. 4.166, de 11 de março de 1942, segundo o plano que o Governo estabelecer". A despeito de tal texto, a Comissão de Reparações de Guerra entendeu que a Fundação Antônio e Helena Zerrenner estaria obrigada a recolher ao Fundo de Indenizações as anuidades, até que fosse ela-.

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borado pelo Governo o plano para liquidação das dívidas dos súditos da Alemanha, do Japão e da Itália. A Fundação Antônio e Helena Zerrenner não se conformou com tal interpretação e propôs ação ordinária contra a União, para que lhe fossem devolvidas todas as quantias depositadas, sob protesto e ad cautelam. A ação foi julgada procedente, por sentença de 16 de fevereiro de 1955, da qual consta o seguinte: "De encargo, pois, parece-me não se tratar. De condição, como é bem de ver, cuidou a Fundação nacional, ao formular a exigência constante dos termos da cláusula 8. ª da escritura de transação, suspensiva da eficácia do negócio jurídico, estabelecido como ficou que o direito da Fundação alemã depende da sua realização. Tratando-se de negócio condicionado, só se tomaria eficaz, verificada a condição. Conseqüentemente, enquanto pendente a condição, existiria uma expectativa, jamais de direito adquirido, na conformidade do disposto no art. 118 do Código Civil. Ensina PONTES DE MIRANDA: "Sempre que o efeito jurídico não se produza desde logo, mas apenas resulte de direito expectativa já existente pendente condicione, irradia-se ele, realizada a condição, ainda que não mais viva o que dispôs, ou tenha caído em incapacidade, ou tenha perdido o direito de dispor, ou tenha alienado a outro a coisa. O de que se dispôs sob condição suspensiva, fica em situação idêntica à do que é titular sob condição resolutiva. Se a condição se realiza, o direito expectativa daquele que dependia de condição suspensiva se faz direito pleno e o que ainda era titular perde o seu" (Tratado, vol. V, p. 183). Exatamente esta foi a defesa oposta pela Fundação nacional, na ação de cobrança que lhe moveu a Fundação alemã, conforme se vê da certidão de fls. 82, da ação proposta em 6 de outubro de 1941. E a própria União, conforme se verifica do Parecer publicado no Diário Oficial da União, que se encontra às fls. 142, requereu que a referida ação fosse sobreestada, com o advento do estado de guerra, por iniciativa do próprio Ministério Público Federal. Verificando-se, ainda, que o próprio Governo Federal, considerando que a Fundação brasileira prestava reais serviços e benefícios à coletividade, sem qualquer ligação com elementos alienígenas, manifestou-se contra a preten-

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são da Fundação alemã, cujos interesses contrariavam os nacionais, os quais não poderiam ser patrocinados pelos órgãos federais (fls. 141 e 142). Esta foi a situação alcançada pelo Decreto-lei n. 4.166, de 1942, que estabeleceu o regime regulador dos bens e direitos dos súditos do Eixo, no tocante à reparação dos prejuízos causados ao país, e para a vida, os bens e os direitos das pessoas físicas ou jurídicas, brasileiras, aqui domiciliadas, por atos de guerra. Ora bem, pendente da condição suspensiva, ou, como queiram, com o encargo com a declaração suspensiva inexa, estava, na ocasião, o direito da Fundação alemã e, por conseqüência, não se havia de falar em bens e direitos dos súditos do Eixo, pessoas físicas ou jurídicas, que devessem responder pelos prejuízos referidos no aludido Decreto-lei n. 4.166". A sentença de 16 de fevereiro de 1955, proferida na ação da Fundação Antônio e Helena Zerrenner contra a União Federal, ainda estendeu argumentos básicos e adiante acrescentou: "Entrementes, o Governo da República, no intuito evidente de lançar a pá de cal derradeira sobre a questão, legislou a respeito, expressamente e na forma do disposto no Decreto-lei n. 9.679, consoante o qual os bens e direitos outorgados nos testamentos do casal Zerrenner reverteriam em benefício da Fundação de São Paulo. Bem é de ver, assim, que o que pendia, ainda, da manifestação do Poder Judiciário, foi definitivamente resolvido por aquela lei". Mais: "Quanto aos direitos da Fundação alemã, já resolvidos pela transação acertada com a nacional, pendente de condição suspensiva, não verificada, é indiscutível que a lei cortou cerce qualquer pretensão, pela impossibilidade de discussão e respectiva solução pelo Poder Judiciário. Mas, ainda que assim não se devesse entender, é evidente que, tendo o Decreto-lei n. 9.679 determinado a reversão dos bens e direitos em benefício da Fundação Zerrenner nacional, e se tratando de uma sociedade brasileira sem qualquer ligação com a estrangeira, pessoas físicas ou jurídicas, os seus bens jamais poderiam sofrer as limitações impostas pelo Decreto n. 4.166. Incorporados ao seu patrimônio, constituiria uma evidente contradição sujeitá-los aos ônus das reparações dos prejuízos resultantes de atos de guerra. Seria impor a patrimônio de entidade bra6

sileira a obrigação de concorrer para o Fundo de Reparação de Guerra em igualdade de condição com as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, contra os interesses do País". Daí a decisão do Juiz, a 16 de fevereiro de 19 5 5 (". . . a ação é julgada procedente"); e o recurso ex officio para o Tribunal Federal de Recursos. Houve, também, o recurso da União. A 1. ª Turma do Tribunal Federal de Recursos, por unanimidade, negou-lhes provimento. Houve interposição de recurso extraordinário, que, indeferida, deu ensejo a recurso de agravo de instrumento, que foi acolhido pela 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, de modo que teve de ser julgado o recurso extraordinário. O voto do Ministro Relator, esse, foi unanimemente seguido. Nele, após transcrever no relatório a sentença, disse: "Sintetizando: conforme evidencia a prova dos autos, não tendo a Fundação alemã, para fazer jus às importâncias discutidas, cumprida a condição a que se obrigara nas escrituras de composição geral, pactuadas com a Fundação apelada, os bens em litígio nunca se incorporaram ao patrimônio da dita Fundação alemã, continuando a pertencer à Fundação brasileira, sendo, deste modo, inaplicável à espécie o citado Decreto-lei n. 4.326". Adiante: "Admitiu o acórdão recorrido, bem como a sentença de primeira instância, que a Fundação alemã não provou haver cumprido a cláusula estipulada no contrato que lhe assegurava o direito ao recebimento das anuidades. Nem também houve sentença reconhecendo-lhe esse direito independentemente do cumprimento da condição exigida. Aquelas anuidades, depositadas que foram pela Fundação brasileira, sob protesto, não podiam estar sujeitas ao Decreto-lei n. 4.166, que visava bens e direitos relativos aos súditos do Eixo para o fim de indenizações devidas por efeito de guerra. Tais anuidades teriam de reverter à Fundação brasileira, porque eram bens seus e, por serem do seu patrimônio, foram depositadas, sob protesto, como ressalva ao seu direito de ação". Outros votos foram muito bem fundamentados. (e) O Decreto n. 39.869, de 30 de agosto de 1956, estabeleceu: "Os bens e direitos pertencentes a pessoas físicas e jurídicas ale7

mãs, residentes no exterior, e a pessoas físicas e jurídicas incluídas nos efeitos do Decreto n. 4.166, de 11 de março de 1942, e da legislação posterior de guerra, por força do art. 1. 0 do Decreto-lei n. 5.777, de 26 de agosto de 1943, serão excluídos da mencionada legislação de guerra e entregues aos seus respectivos titulares ou aos seus representantes legais devidamente credenciados, na forma estabelecida neste decreto". Dos julgados quanto a direitos da Anton und Helene Zerrenner Stiftung, um foi anterior (16 de fevereiro de 1955) e dois foram posteriores ao Decreto n. 39.869. A sentença de primeira instância teve a data de 16 de fevereiro de 1955; o acórdão do Tribunal Federal de Recursos, a de 18 de outubro de 1956; o da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a de 17 de junho de 19 5 8. Os julgadores do recurso extraordinário conheciam a existência do Decreto n. 39.869, nos votos há alusão a ele, exatamente para se frisar que "não se concretizou a incorporação dessas anuidades ao patrimônio nacional, nem há notícia de que com elas haja contado o Tesouro para atender as indenizações de guerra. A Fundação brasileira tem direito a essas anuidades". A Fundação Antônio e Helena Zerrenner, a 12 de janeiro de 1962, recebeu, na Diretoria da Despesa Pública do Tesouro Nacional, cheque de importância correspondente à restituição pedida e obtida na ação que propusera contra a União. Não havia, portanto, quaisquer bens ou direitos da Fundação alemã, que tivessem de ser excluídos da legislação de guerra e entregues à Fundação alemã. (f) Temos de volver a alguns pontos, quase todos quaestiones f acti. A apresentação da exceção de incompetência suspendeu a causa (Código de Processo Civil, art. 279). Não podia ser julgada, validamente, a exceção de coisa julgada. O Juiz da 1O.ª Vara Cível da Capital de São Paulo acolheu a exceção de incompetência, que determinou a remessa dos autos à então Vara dos Feitos da Fazenda Nacional. Houve _r~curso de agravo para o Tribunal de Justiça (Código de Processo CiVIl, art. 842, 11). Na Vara dos Feitos da Fazenda Na-

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cional a que fora remetido o processo, a AGEDE disse não ter interesse na causa, razão por que o juiz restituiu os autos à 10.ª Vara Cível. Mas adveio o provimento do agravo, e a Fundação Antônio e Helena Zerrenner argüiu a incompetência, porque se tinha por fito a decretação de nulidade do ato do Presidente da República. (Aqui, convém que se acentue: o ato presidencial, que consta do Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, foi ato de administração, e não lei; no sentido exato. O Presidente da República estava diante de controvérsias que dificultavam, nos órgãos com funções ligadas ao estado de guerra, e foram afastadas em ato administrativo declarativo. O Estado estava diante de discussões entre a Fundação Antônio e Helena Zerrenner e órgãos estatais.) A nova argüição de incompetência teve sentença a 14 de junho de 1966, em que se disse competente o Juiz da Famfüa e das Sucessões. Com isso, todos os despachos decisórios ficaram nulos. O 1.0 Procurador da República foi explícito quando falou de ser a União "assistente opoente, na forma prevista no § 1.º do art. 201 da Constituição Federal e art. 150 do Código de Processo Civil, para poder defender a legitimidade do Decreto-lei n. 9.679, do então Presidente da República". Por isso, o processo passou da Vara da FaI1ll1ia e das Sucessões para a então Vara dos Feitos da Fazenda Nacional. O art. 201, § 1.0 , da Constituição de 1946 correspondia ao art. 125, § 2. 0 , da Constituição de 1967 (com a Emenda Constitucional n. 1). A ação da Fundação brasileira foi proposta contra a União, o Banco do Brasil, e a Comissão de Reparações de Guerra, pois essa queria obrigá-la a recolher ao Fundo de Indenizações. A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal transitou em julgado em 31 de julho de 1958. Não foi proposta ação rescisória. Aliás, qualquer julgamento em ação posteriormente proferido que negasse o direito da Fundação brasileira à reversão e a desatendimento de exigência de depósito por serem bens e direitos da Fundação alemã violaria o julgado, já irrescindível, feriria a res iudicata. Cumpre pôr em relevo que a atual Anton und Helene Zerrenner Stiftung nunca comprovou a sua legitimação, o que implicaria a sua 9

identidade com a verdadeira Anton und Helene Zerrenner Stiftung que não impliu a condição dos acordos que assinara com a Fundação brasileira. A proteção invocada com base no Consórcio Alemão, por força do Decreto n. 39.869, de 30 de agosto de 1956, seria sem qualquer razão, porque faltaria o pressuposto de serem de pessoa física ou jurídica, alemã, os bens ou direitos. Ora, há documento, apresentado na consulta, em que até se fala em ser o outorgado de poderes do Consórcio quem negociou com o Governo Brasileiro. II

OS PRINC1PIOS (a) Quando se trata de transferência de direitos, inclusive de propriedade e posse, por força de lei de guerra, por ser o titular súdito estrangeiro, seja pessoa física ou jurídica, não importa qual a procedência de tais direitos. Podem ter sido oriundos de patrimônio de pessoa brasileira, física ou jurídica, ou de estrangeiro que não era do Estado em guerra com o Brasil, ou de súdito do Estado em guerra com o Brasil. Também é sem qualquer relevância a que título foi a aquisição, oneroso ou gratuito. O que se tem de levar em consideração é apenas o momento da incidência da lei de guerra. Mesmo se os bens e direitos provieram de venda, troca ou doação, ou qualquer outro negócio jurídico entre entidade estatal brasileira e o súdito estrangeiro, pessoa física ou jurídica, que há de sofrer a expropriação, em estado de beligerância, por ato do Brasil, é sem qualquer pertinência indagar-se da espécie de titularidade e de quem foi o transmitente ou outorgante. (b) Se, durante estado de guerra, alguma lei, com base em regra jurídica constitucional, que seja cogente, ou permissiva, ou apenas não-proibitiva, estabelece que bens e direitos de alguma ou de algumas pessoas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, se transfiram ao Estado, qualquer pretensão ou ação que atinja esses bens ou direitos faz legitimado ativo, ou passivo, o Estado. A entidade em guerra

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exerceu direito que o direito das gentes lhe reconheceu, por ser de interesse e em benefício do Estado beligerante. A ele cabe dizer qual o órgão, ou quais os órgãos, já existentes ou na ocasião criados, a que toca a função de exercer ou de atender ao exercício do poder de polícia, que lhe adveio do estado de guerra. No plano da administração pública, há o ato de investimento, que implica imissão de posse e transferência de direitos, e os atos de administração e de exercício da posse e dos direitos, inclusive dos direitos de domínio e dos direitos reais. Cumpre observar-se que a imissão e a transferência dos direitos podem ser automáticas, portanto ex lege, ou a partir dos atos previstos na lei. E há os atos de gestão de negócios e de guarda e conservação, indispensáveis ao Estado. Se algum interessado teria pretensão e ação, ou somente ação, contra a pessoa estrangeira, física ou jurídica, ou somente exceção, a partir do ato de investimento pelo Estado (imissão da posse e transferência de direitos), ou da imissão da posse e da transferência dos direitos, automáticas, legitimado passivo é apenas o Estado, através dos seus órgãos administrativos e judiciários. É o que se passa com o titular de crédito ou de direito real contra o titular dos direitos de posse e propriedade sobre os bens transferidos ao Estado. Nenhuma pretensão à tutela jurídica, nem qualquer pretensão de direito material ou processual tem contra alguém a pessoa, súdita estrangeira, que a lei de guerra atingiu. Tê-las-ia a pessoa, física ou jurídica, que erradamente se considerou estrangeira, ou súdita do Estado inimigo. No Brasil, a União é que é legitimada, ativa e passiva, para qualquer ação concernente aos bens e direitos que por lei lhe passaram, por incidência e aplicação de lei de guerra. A União substituiu materialmente as pessoas estrangeiras que foram apanhadas pela lei de guerra e é em virtude de tal sucessão de direito material que lhe advém qualquer legitimação processual. A União não só substituiu; sucedeu. As ações de pessoas, físicas ou jurídicas, escapas à legislação de guerra, tinham de ser propostas contra a União, e a Justiça tinha de examinar as espécies e os casos, para se firmar na existência ou

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inexistência de relação jurídica em que fosse figurante Brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil, ou estrangeiro de Estado não beligerante, ou estrangeiro de Estado beligerante. (e) O Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, explicitamente estatuiu: "Os bens e direitos outorgados nos testamentos de João Carlos Antônio Frederico Zerrenner e Helena Mathilde Ida Emma Zerrenner a pessoas naturais ou jurídicas domiciliadas na Alemanha reverterão em benefício da "Fundação Antônio e Helena Zerrenner", sediada em São Paulo, depois de totalmente satisfeitas as indenizações devidas na forma do Decreto-lei n. 4.166, de 11 de março de 1942, segundo o plano que o Governo estabelecer". O que primeiro se há de apreciar é a constitucionalidade do Decreto-lei n. 9.679, que foi anterior à Constituição de 1946, promulgada a 18 de setembro de 1946. O Decreto-lei n. 9.679 foi editado sob a Constituição de 1937. A Constituição de 1937, art. 122, como a de 1891, art. 72, a de 1946, art. 141, a de 1967, art. 150 (antes da Emenda Constitucional n. 1) e art. 153 (após a Emenda Constitucional n. 1), só se referia, quanto a direitos e garantias concernentes à liberdade, à segurança e à propriedade, a Brasileiros e a estrangeiros residentes no Brasil. Só a Constituição de 1934, art. 113, dispensava o pressuposto da residência no Brasil; e a do Império, art. 179, fora mais restringente do que as outras, pois só assegurou a inviolabilidade a Brasileiros. Assim, não há, hoje, invocabilidade do art. 153 (art. 150) da Constituição de 1967, nem a havia sob a Constituição de 1891, art. 72, nem sob a Constituição de 1937, art. 122, nem sob a Constituição de 1946, art. 141. Ou o interessado é Brasileiro, ou é estrangeiro residente no Brasil . Sob a Constituição de 1937, adveio a Lei Constitucional n. 15, de 26 de novembro de 1945, art. 2. 0 , quase um ano antes da Constituição de 1946, e em tal art. 2.º foi dito: "Enquanto não for promulgada a nova Constituição do país, o Presidente da República, eleito simultaneamente com os Deputados e Senadores, exercerá os poderes de legislatura ordinária e de administração que couberem à

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União, expedindo os atos legislativos que julgar necessários". O que se tinha feito era a caminhada para a liberdade e a democracia, que a Constituição de 1937 estava estrangulando, e mais do que ela os que a furaram, aqui e ali, para o fortalecimento do fascismo e do nazismo. No Prefácio dos Comentários à Constituição de 1946 (1947, 1. ª ed., 17) escrevemos: "Ora, todos sabemos que a Constituição de 1937 não foi cumprida. Era emendada como se fora Aviso Ministerial ou decreto do Poder Executivo. Pelo fato mesmo de lhe realçarmos o conteúdo, foram proibidos de sair os volumes II e IV dos Comentários". Achá vamo-nos no estrangeiro e os dois volumes, a que nos referimos, dos Comentários à Constituição de 1937, foram rotos e queimados. Mas a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial tinha de fortalecer a tradição liberal-democrática do Brasil, para o que muito concorreu, e decisivamente, o Marechal Eurico Outra. Tinha-se de pôr de parte a inaplicada (e errada) representação do povo, a fim de se poder, com as eleições verídicas, criar Assembléia Constituinte, elaborar-se e promulgar-se Constituição. (d) A exceção de incompetência, como a de suspeição, suspende, de modo que o juiz não pode julgar qualquer outra exceção ou questão do pedido. Se advém a declaração de incompetência, o que foi julgado, decisoriamente, é nulo; e a exceção de coisa julgada não poderia ser julgada pelo juiz incompetente. III

A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Poderia ser pedida a resc1sao do acórdão do Supremo Tribunal Federal, datado de 17 de junho de 1958? Respondo: - De modo nenhum. Ação rescisória de sentença somente se pode propor no prazo de cinco anos, prazo, esse, preclusivo. Não

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foi proposta, até hoje, ação rescisória do julgado da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nem do julgado da l.ª Turma do Tri· bunal Federal de Recursos. Aquele foi de 17 de junho de 195 8; esse, de 18 de outubro de 1956. Nada mais se poderia tentar contra a ns iudicata. (2)

Pergunta-se: - Diante da sentença proferida na exceção de coisa julgada, pode-se admitir que a Anton und Helene Zerrenner Stiftung tenha algum direito, a fortiori - tendo sido indeferido o pedido que fizera ao Governo Federal, por intermédio da AGEDE? Respondo: - A Anton und Helene Stiftung foi, para o Brasil, absolutamente extinta, quando se lhe mudaram o conteúdo e a finalidade. Basta ler-se o documento, feito ao tempo em que as anuidades eram depositadas, sob protesto, pela Fundação brasileira. Convém que se leia o que lhe fora atribuído: ". . . auxílio aos membros necessitados ou pobres, mas dignos, da família Zerrenner (ou Zerener), e subsí~ dias a estudantes nas mesmas condições, pertencentes àquela família, mas, também, a assistência a crianças necessitadas e doentes de famílias pobres de membros do Partido Nacional-Socialista Alemão, que o respectivo Presidente, Senhor Adolf Hitler, determinar". Mesmo se a Anton und Helene Stiftung não houvesse deixado de cumprir a condição que lhe importava para as anuidades (o que de modo ne· nhum adimpliu, conforme res iudicata), teria perdido a legitimação como legatária do casal testador: o Partido Nacional-Socialista Alemão foi extinto após a 2.ª Guerra Mundial; somente sete anos após a rendição da Alemanha hitlerista adveio o ato de 1952 (do Senador para a Justiça da Cidade de Berlim, sob o comando militar tríplice dos aliados) com que se criou fundação com o mesmo nome; a que antes existia, tornada estranha aos testamentos e os negócios jurídicos entre as duas fundações, a brasileira e a alemã, extinguiuse na Chancelaria do Reich, a que fora levado.

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f: preciso frisar-se que a pretendida ofensa ao direito de propriedade, que teria ocorrido com o legado à Anton und Helene Zerrenner Stif tung, não ocorreu ao legado, porque os testamentos foram cumpridos, com a decisão no inventário e partilha, e apenas, depois, a Fundação alemã não impliu a condição que lhe fora imposta, nem permanecera como devia permanecer, conforme se lhe previra e exigira na cláusula testamentária. De modo nenhum houve ofensa ao patrimônio da Fundação alemã. Ela, sim, não cumpriu o que se lhe exigiu, e as circunstâncias da Segunda Guerra Munida! a levaram a transformação nociva, à subordinação ao Führer der National-Sozialistische Deutsche Arbeiter-Partei, em vez de "a dois executores, de preferência membros idôneos da família, nomeados e fiscalizados pelo 1. 0 Presidente do Supremo Tribunal da Alemanha (Reichsgericht, em Leipzig, ou por pessoa por ele designada", como exigia o testamento de Antônio Zerrenner. (3)

Pergunta-se: - Uma vez que o Supremo Tribunal Federal decidiu que houve inadimplemento da Anton und Helene Zerrenner Stiftung e nada ter de prestar a tal fundação a Fundação Antônio e Helena Zerrenner, tem cabimento qualquer ação da fundação Anton und Helene Zerrenner contra a fundação brasileira? Respondo: - Absolutamente não. Há coisa julgada sobre não ter sido da Anton und Helene Zerrenner Stiftung o que se entendera, sob protesto da Fundação brasileira, ser da Fundação alemã, razão por que ter de ser entregue à União. A Anton und Helene Zerrenner Stiftung fora extinta. Mais: deixara de adimplir condição, o que é um dos elementos da coisa julgada.

(4) Pergunta-se: _ Foi eivado de inconstitucionalidade o Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946?

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Respondo: - De modo nenhum. Estava-se sob a Constituição de 19 37 e rdviera a Lei Constitucional n. 15, de 26 de novembro de 1945, em que se permitiu, enquanto não fosse promulgada a nova Constituição, ao Presidente da República, "eleito simultaneamente com os Deputados e Senadores'', exercer "todos os poderes de legislatura ordinária e de administração, que couberem à União, expedindo os atos legislativos que julgar necessários". Alegar-se que os direitos fundamentais foram feridos pelo Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, é inadmissível, pois a Anton und Helene Stiftung não podia ser incluída nas duas classes do texto constitucional (Brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil). Aliás, tal fundação deixara de existir, para efeitos do sistema jurídico brasileiro, e outra foi criada, em 1952. Aliás, o Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, conteve ato administrativo, concernente à restituição dos bens e direitos, pois já se havia feito sob protesto a entrega, com a representação ao Presidente da República. Houve a coisa julgada a respeito dos direitos da Fundação brasileira e o Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946; somente poderia ser incólume a exceção a ação de invalidade contra a União se proposta antes do término do prazo prescripcional, isto é, no prazo de cinco anos; portanto, até 30 de agosto de 1951. Somente o foi a 12 de outubro de f959, mais de oito anos depois da extinção do prazo prescripcional. A intervenção da União ocorreu após o Juízo Cível reconhecer a sua própria incompetência, o que teve as conseqüências de abwluta invalidade de quaisquer despachos decisórios. Absurdo foi que a Anton und Helene Stiftung, fundação somente criada em 1952, propusesse ação, em 1959, para que se decretasse a invalidade do ato do Presidente da República, quando somente até 30 de agosto de 1951 poderia ter proposto tal ação. O ato do Presidente da República não foi de doação, ou qualquer negócio jurídico constitutivo; apenas reconheceu o erro de serem depositados bens que pertenciam à Fundação brasileira, razão por que aparece, no Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, o mandamento de reversão à Fundação Antônio

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e Helena Zcrrcnner. Os órgãos estatais administrativos obedeceram, não só ao que se havia exposto nos processos administrativos e no Decreto-lei n. 9.679 como - o que confirmou a declaração feita ao Decreto-lei - nas decisões proferidas em sentença de 16 de fevereiro de 1955 (ação da Fundação brasileira contra a União) e em acórdão do Tribunal Federal de Recursos e do Supremo Tribunal Federal. (5)

Pergunta-se: - Tendo sido criada, em virtude de ato estatal de 1952, a atual Anton und Helene Zerrenner Stiftung, portanto sete anos após a queda do hitlerismo, extinta a primeira, que tinha sido transferida para a Chancelaria do Reich, tem ela os direitos que teria a que fora extinta? Respondo: - Mesmo se tivesse havido alegação de ligação da atual Anton und Helene Zerrenner Stiftung, não poderia ela invocar o que se atribuíra à Anton und Helene Zerrenner Stiftung, instituída no testamento, porque toda ligação tem de ter o elemento de continuidade, e a primeira Anton und Helene Zerrenner Stiftung fora extinta. E extinta quando, no Brasil, já se havia aplicado a legislação de guerra e o Decreto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, e já o Governo Federal, pela AGEDE, lhe havia negado a existência de direito a receber anuidades prestadas pela Fundação Antônio e Helena Zerrenner, que é entidade brasileira. O que houve, em Berlim Ocidental, foi a criação cie nova fundação, e não persistência da anterior, que, mesmo se ainda existisse, não teria os direitos que pretende, diante de atitude inconfundível do Poder Executivo, e do Poder Judiciário do Brasil. A Anton und Helene Stiftung (8 de março de 1938) nunca teve bens e direitos no Brasil que, durante a guerra, teriam de ser coloca.dos, por força do Decreto-lei n. 4.166, sob a administração do Governo brasileiro e, por isso, subordinados à cobertura dos prejuízos sofridos pelo Brasil. Na decisão da 2.ª Turma do Supremo Tribunal

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Federal (unânime), de 17 de junho de 1958, está explícito considerarse "a Stiftung alemã como inadimp!ente dos compromissos por ela assumidos, quer pelo testamento de Dona Helena, quer pelas escrituras de Composição Geral de 21-22 de dezembro de 1939". A atual Fundação alemã, na ação proposta, não atendeu a que a Anton und Helene Zerrenner Stiftung, criada em 1938, fora encampada pelo Governo nazista e com ele perecera nos escombros da Chancelaria do III Reich, em maio de 1945. A atual - portanto, outra fundação alemã - foi criada em 1952. Os testamenteiros e a Fundação Antônio e Helena Zerrenner não poderiam, de modo nenhum, reconhecer a continuidade da personalidade jurídica. Quando a Fundação alemã pediu liberação de bens à AGEDE, a 13 de setembro de 1957, o serviço jurídico opinou no sentido de se aguardar "o pronunciamento da causa" (23 de outubro de 1957) . A atual Fundação alemã conhecia o que se passava na Justiça e nos órgãos administrativos. A AGEDE frisara: ". . . diante da existência de uma demanda judicial sobre os mesmos bens e direitos, proposta contra a União, pela entidade brasileira Fundação Antônio e Helena Zerrenner, cujo desfecho ainda não é conhecido pela AGEDE, tivemos de sustar qualquer deferimento de pedido". Em Ofício n. 30, de 15 de janeiro de 1960, portanto - um ano e meio após a publicação do acórdão da 2. ª Turma do Supremo Tribunal Federal (D.O. de 16 de fevereiro de 1959), a AGEDE respondeu: ". . . a liberação ainda não foi concedida, em virtude de estar a AGEDE aguardando decisão do Poder Judiciário". A Fundação brasileira solicitou informações com os documentos apresentados a 28 de dezembro de 1959; e a AGEDE respondeu: " ... Já agora, com a vitória final da Fundação Antônio e Helena Zerrenner, instituição nacional, conforme documentação já exibida à AGEDE, terão de ser indeferidos os pedidos da entidade alemã, bem como dos pretensos legatários do exterior". Depois, o Banco do Brasil S. A., cumprindo a Ordem de Pagamento n. 1978, expedida pelo Presidente do Tribunal de Resursos,

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a 20 de dezembro de 1962, devolveu à Fundação brasileira a importância de Cr$ 5.372.994,80 (cruzeiros antigos). Setía absurdo que se reputasse inconstitucional ou ilegal 0 De0 creto-lei n. 9.679, de 30 de agosto de 1946, ato administrativo preponderantemente declarativo, com eficácia mandamental, que antecedeu à coisa julgada, em que, em verdade, se abstraiu de qualquer incidência do Decreto-lei n. 9. 679, porque a decisão seria a mesma se tal Decreto-lei n. 9. 679 não tivesse existido. Aliás, quando foi proposta a ação pela nova Fundação alemã ( 11 de setembro de 19 59), já se havia escoado o prazo para a propositura da ação de invalidade do ato administrativo declarativo do Presidente da República e já havia a coisa julgada a favor da Fundação brasileira. Não se propôs a ação rescisória da decisão da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, nem da l.ª Turma do Tribunal Federal de Recursos. O prazo preclusivo extinguira-se. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1971.

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PARECER N. 222 SOBRE USUFRUTO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE E INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.611, § 1. 0 , DO CóDIGO CIVIL I

OS FATOS (a) Manuel Alves de Oliveira Lopes casou-se, em segundas núpcias, com Laurinda, solteira, com filhos. Ele, sem filhos, e já em idade avançada. O regime matrimonial de bens foi o de separação, em virtude do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, que exige o regime da separação de bens do maior de sessenta anos, se varão, ou de cinqüenta, se mulher. (b) A 8 de dezembro de 1967 faleceu o marido, já à idade de oitenta e quatro anos, com testamento no qual legou à viúva sete apartamentos, um automóvel e pensão durante o inventário, além de legados feitos a uma das filhas da viúva. (c) Tinha de ser atendido o art. 1.611, § 1.º, que foi criação Ja Lei n. 4.121, de 2 7 de agosto de 1962, e atribui ao cônjuge do falecido, se não deixa filhos, o usufruto da metade dos seus bens. (d) As quatro irmãs do falecido, legatárias e herdeiras instituídas em testamento, foram figurantes de promessa de cessão, dita

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definitiva, irrevogável e inetratável, a favor dos titulares da nua-propriedade, pelà preço de Cr$ 450. 000,00, tendo a cedente recebido a quantia de CrS 300. 000,00, no ato da assinatura da escritura, e havendo de receber o restante, Cr$ 150. 000,00, vinte e quatro horas após a publicação; no Diário Oficial, da sentença que julgasse a partilha no inventário dos bens do cônjuge falecido, ou no prazo de dez meses, a contar da data da escritura, se ainda não julgada a partilha. Por ocasião do recebimento do saldo, a outorgante assinaria a escritura definitiva da cessão. Houve promessa de cessão, e não cessão definitiva, por haver dificuldades quanto ao cálculo e ao pagamento do imposto, e dúvida quanto haver imposto, ou não haver. (e) Posteriormente, foi a viúva aconselhada a não reconhecer a escritura, mudando de advogado. Em petição, inserta nos autos de inventario, a viúva declarou ter deliberado não assinar a escritura definitiva, alegando que as escrituras concernentes à cessão ( escritura àe promessa de cessão, aditamente e re-ratificação) eram nulas de pleno direito, que o cônjuge usufrutuário jamais poderia renunciar ao usufruto, ou ceder, sequer, o seu exercício. Em apoio da recusa a assinar a escritura definitiva de cessão do usufruto, citou parecer do Procurador do Estado da Guanabara, Dr. GIL COSTA ALVARENGA, no qual se inseriu trecho tirado do Tratado de Direito de Família, 1947, tomo III, 12 7, onde está dito: "Em verdade, o usufruto legal é mais que um simples direito, porque é inerente a um estado. Assim é, também por exemplo, o usufruto dos pais em relação aos bens dos filhos. E, como este, não é o usufruto do cônjuge sobrevivente transferível, nem suscetível de se ceder o seu exercício ( cf. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito de Família, vol. m, ed. 1947, pág. 127)". Contra isso, alegou-se: "A citação apresentada como se fosse de PONTES DE MIRANDA está completamente adulterada. Jamais este tratadista sustentou que o usufruto do cônjuge sobrevivente não é transmissível. Para maior evidência, junta-se xerox das páginas aludidas, da mesma obra e da mesma edição, que se referem ao usufruto dos bens dos filhos menores, que é inerente ao pátrio poder.

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As herdeiras, promitentes cessionárias, invocaram a promoção da Fazenda, onde se diz, com toda a explicitude: "Nada há que impeça que o usufruto legal, aceito, seja objeto de renúnci:-i ou cessão ... No caso especial, o prazo do mesmo seria enquanto durasse a viuvez, o que caracterizava a temporariedade do usufruto legal. Sua instituição verificou-se, por força da lei, na data do óbito e a extinção, por ato de vontade, expressa na escritura pública de fls. 1014-1015 v., em que o usufruto foi cedido em favor dos titulares da nua-propriedade. Nada mais a acrescentar. Reitero, pois, o requerimento anterior da Fazenda, para que sejam elaborados os cálculos dos impostos referentes à instituição e extinção do usufruto". As promitentes cessionárias requereram que os autos fossem ão Contador para cálculo do imposto de cessão, o que o Juiz deferiu. Feito pelo Contador o cálculo do imposto de cessão, sem ter sido feito o cálculo do imposto da constituição do usufruto, a FazFnda voltou a exigi-lo, contra o que entendia o inventariante. Para se sustentar que não era devido o imposto de instituição, nem, portanto, o de extinção do usufruto, invocava-se texto de lei, que isentou de imposto a "transmissão de bens ao cônjuge em virtude da comunicação decorrente do regime de bens do casamento". O assunto é estranho à consulta. Aproximando-se o término do prazo para ser pago o resto do preço, as promitentes cessionárias fizeram o depósito dos Cr$ 150. 000,00, como preparatório da ação cominatória para a assinatura da escritura definitiva da cessão. Houve a distribuição da ação na 1 7. ª Vara Cível, com a pena de multa de Cr$ 5. 000,00 diários. Houve, pela Ré, a contestação. Nela, argüiu: "Segundo o art. 145, II, do Código Civil, é nulo o ato jurídico quando for ilícito ou impossível o seu objeto. Poderia a viúva negociar o seu direito ao usufruto legal? A resposta é evidentemente negativa. O cônjuge usufrutuário pode deixar de exercer o seu direito, no entanto jamais poderá renunciar a ele ou cedê-lo, ou sequer ceder o seu exercício. A respeito acha-se publicado em o vol. 224 da Revista Forense interessante estudo (pág. 385 e seg.) no qual o autor salienta: "Apesar de encrava(f)

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do no Capítulo das Sucessões, por motivo de técnica legislativa, o usufruto legal a favor do cônjuge sobrevivente constitui, sem dúvida, instituto de Direito de Família, não depende de transcrição no registro respectivo, se recai sobre imóveis, justifica CARVALHO SANTOS a regra "porque não há um direito real, no sentido próprio da expressão" (Cód. Civ. Eras. Interpretado, vol. II, 6.ª ed., p. 361). Em verdade o usufruto legal é mais que um simples direito, porque é inerente a um estado. Assim é, também e por exemplo, o usufruto dos pais em relação aos bens dos filhos. E, como este, não é o usufruto do cônjuge sobrevivente transferível, nem suscetível de se ceder o seu exercício ( cf. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito de Família, vol. III, ed. 194 7, pág. 127). A respeito é expressa a legislação espanhola, que, como vimos, acolhe especificamente o usufruto legal do cônjuge sobrevivente (Usufruto legal do cônjuge sobrevivente; parecer de GIL COSTA ALVARENGA). "O autor", entenda-se: o autor do parecer, "prossegue no exame da matéria, concluindo até pela irrenunciabilidade do direito, face à sua natureza alimentar". Foi também feita referência a acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que se diz que, "em nosso direito, o usufruto é inalienável e intransferível" (Revista Forense, 183, 287, e 185,

244). Na réplica, sustentam as autoras, entre outros argumentos, ser "inoperante a declaração da viúva, a esta altura, de que não cedeu o usufruto. Estamos longe do tempo em que um fio de barba podia selar um contrato, tal o respeito à palavra empenhada, mas não chegamos todavia à solução simplista de que qualquer contratante, mudando de opinião, dizer por intermédio de advogado diferente~ como faz a contestante, que não vendeu, ou que não comprou". O art. 71 7 do Código Civil, frisa a autora, admite a alienação do usufruto ao proprietário e a cessão do exercício, por título oneroso ou gratuito, a quem quer que seja. Ora, o caso é de cessão do usufruto às nuas-proprietárias. No final da réplica também se disse que "PONTES DE MIRANDA, ao contrário do que alegava a contestante, se insurgia contra certos acórdãos, que entendiam não ser

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cabível a ação cominatória para se exigir o cumprimento das obrigações contratuais, mas assinala - é preciso evitar que se vá repetindo e~se absurdo (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V, 41)". (g)

É assaz relevante verificar-se que, nos termos exatos da

escritura, a outorgante, usufrutuária, disse (2. 0 ) : "a autorgante, viúva de Manoel Alves de Oliveira Lopes, com quem foi casada em regime de separação legal de bens, e cujo inventário se processa ante o Juízo da 2.ª Vara de órfãos e Sucessões, desta cidade, Cartório do 1. 0 Ofício, promete ceder de forma definitiva, irrevogável e irretratável, a favor dos titulares da nua-propriedade, ora outorgados, o exercício do usufruto previsto no art. 1.611 do Código Civil com a nova redação dada pela Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962". Adiante (8.0 ) acrescenta-se: "a autorgante se obriga a fazer boa, valiosa e firme a presente promessa de cessão e o mais que reconhece como direito efetivo ou eventual, em conformidade com esta escritura e "ex vi" do constituto possessório"; e mais (9.º): "a presente escritura é irrevogável e inetratável; obriga os contratantes, seus herdeiros e sucessores". O caso foi de promessa de cessão do usufruto, e não de promessa de cessão de exercício. II

OS PRINC1PIOS (a) Legal diz-se, com referência a origem dos direitos, pretensões e ações, o que resulta de regra jurídica, e não de negócio jurídico. É legal o usufruto que tem o pai, ou a mãe, no tocante aos bens do filho, porque inere ao exercício do pátrio poder (Código Civil, art. 389), o que somente sofre as exceções dos arts. 225, 390 e 291 : se quem tem o pátrio poder não está incluso em algumas dessas regras jurídicas exceptivas, tem o usufruto legal dos bens dos filhos. A inerência, de direito familiar, afasta a alienação pelo pai ou pela mãe, titular do pátrio poder, que o exerce, ou a cessão do exer24

c1c10. Foi isso o que dissemos no Tratado de Direito de Família, ed. de 1947, tomo III, 128, e reproduzimos no Tratado de Direito Privado, tomo IX, § 980, 2: "Não é transferível, nem suscetível de se ceder o exercício do usufruto paterno, de modo que não incide nele o art. 717. Tampouco, é suscetível de dar-se em garantia, ou ser empenhado, ou penhorado". Note-se bem: a referência foi à cessão do exercício do usufruto, porque qualquer usufruto - de origem legal ou negocial - somente pode ser transferido, por alienação, ao proprietário da coisa, e aí o proprietário seria o filho, absoluta ou relativamente incapaz. A cessão do exercício ofenderia a função do titular do pátrio poder, pois que se trata de usufruto ligado ao pátrio poder, mais - ao exercício do pátrio poder. Se o usufruto legal - usufruto de origem legal - não está sujeito à inerência a alguma situação jurídica, de modo nenhum se pode dizer que é intransferível, ou que é intransferível o seu exercício. (b) A Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, deu ao art. 1.611, o § 1.0 , em que se diz: "O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos destes ou do casal, e à metade, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes do de cuius". Os dois pressupostos necessários iniciais são não ter sido o casamento com o regime da comunhão universal de bens e ter falecido o cônjuge. Quanto ao primeiro, o que se há de entender é que satisfaz o pressuposto ter sido o regime matrimonial de bens qualquer outro (o regime de comunhão parcial, o regime dota!, ou outro que resulte de acordo pré-nupcial que restrinja a comunicabilidade dos bens, ou de lei especial que a limite) . A ratio legis da imposição do usufruto em parte da sucessão (metade ou quarta parte) está em que o cônjuge viúvo tinha, com o casamento, meios de vida, que se consideram convenientes ao seu futuro. Não havia a comunhão matrimonial universal de bens, mas havia a comunidade fáctica de uso e de fruição, e a lei teve por fito ressalvar parte de tal situação econômica.

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O segundo pressuposto necessário inicial é a morte. O casamento acabou. É erro dizer-se que tal usufruto legal se havia de ter como inserto no Direito de Família, e não no Direito de Sucessões. Trata-se de puro direito de sucessão. O falecimento do cônjuge extinguiu o vínculo matrimonial e não só a sociedade familial. O legislador teve em mira fazer necessária a sucessão. Não há diferença subjetiva no direito; o cônjuge herda, legítima e necessariamente, o usufruto da parte dos bens que a lei aponta. Poderia ele ter posto o cônjuge sobrevivo na situação dos herdeiros necessários descendentes e atribuir-lhe parte da propriedade dos bens, como poderia fazê-lo herdeiro necessário, no primeiro grau da herança, de alimentos. A herança, em quaisquer dessas hipóteses, seria legítima e necessária. Preferiu só lhe dar o usufruto de parte dos bens. Outro problema enfrentou o legislador: o de gradação entre herdeiros legítimos necessários. A solução foi no sentido de só se transmitir o usufruto da quarta parte dos bens do falecido, se há filhos do cônjuge premorto, ou do casal, e a metade, se não há filhos do cônjuge premorto, ou do casal, mesmo se há ascendente do decujo. Atingiu-se, aqui, a necessariedade dos herdeiros legítimos ascendentes. Os herdeiros legítimos não-necessários, que poderiam não ter herdado em virtude de disposição testamentária, ou de disposições testamentárias, ficaram com limitação legal à sua sucessão eventual (isto é, não-necessária). Após os pressupostos necessários iniciais vêm os de discriminação da parte herdável pelo cônjuge. A lei fixou-a na quarta parte, se há herdeiros necessários descendentes, ou na metade, se não os há. O que pode ocorrer é que haja herdeiros colaterais, ou não os haja. Se não os há, o cônjuge é herdeiro legítimo não-necessário (Código Civil, art. 1. 725). Se o cônjuge falecido de nada dispôs, a herança é total, e seria absurdo invocar-se o art. 1.611, § 1. 0 , do Código Civil: quem herdou toda a fortuna do cônjuge não precisa da observância do art. 1.611, § 1. 0 , porque quem tem tudo não poderia reclamar contra s1 mesmo.

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No fundo, a regra jurídica do art. 1.611, § 1. 0 , do Código Civil, tornou indisponível o usufruto da quarta parte da herança, se há filho ou filhos do falecido ou do casal, e deixou indisponível, tal como era, a metade, por haver herdeiros legítimos necessários, descendentes, e a metade, se os há necessários ascendentes. O cônjuge sobrevivo passou, com a regra jurídica de 1962, a ser herdeiro legítimo necessário do usufruto de bens do cônjuge falecido. O usufruto legal, aí, é objeto de herança, legítima necessária. Nada tem com o usufruto legal do Direito de Família. Daí a invocabilidade das regras jurídicas sobre sucessão. Se no testamento do cônjuge falecido de todos os bens, ele dispôs, o que se entende é que excluiu os herdeiros legítimos não-necessários, e não os necessários, de modo que fica salva a fração prevista pela lei para a herança legítima necessária do usufruto. Qualquer herdeiro legítimo necessário, como qualquer herdeiro legítimo não-necessário, ou qualquer herdeiro testamentário pode renunciar a herança. As regras jurídicas sobre deserdação podem ser aplicadas a respeito do cônjuge sobrevivo. Pode esse alegar sonegação. Somente não há, na espécie, incidência das regras jurídicas sobre representação. A titularidade do direito ao usufruto começa com a morte do decujo, inclusive quanto à posse. O cônjuge sobrevivo, usufrutuário, pode dispor dos seus direitos, ou do direito ou dos direitos relativos a algum ou a alguns dos bens usufruídos, desde que obedeça o art. 717, l.ª parte, do Código Civil, isto é, a favor do proprietário do bem. Tal nuproprietário pode ser quem recebeu herança legítima ou testamentária do falecido, ou apenas legado. Quanto ao exercício do usufruto, o art. 71 7, 2. ª parte, é que rege a espécie: pode ser cedido, a título gratuito ou oneroso, a qualquer pessoa. Quando se transfere ao nuproprietário o usufruto, dá-se a consolidação. O assunto foi versado, longamente, no Tratado de Direito Privado, tomo XIX, § 2.265. Dele transcrevemos aqui alguns textos. Depois de falarmos da tese romana da intransferibilidade do usufruto e de ter exsurgido intransferível, dissemos: "Enquanto, no antigo direito, a intransmissibilidade hereditária era essencial ao usufruto, tor27

nou-se, no direito posterior clássico, regra dispositiva: foi possível transmitir-se aos herdeiros do usufrutuário (sob a influência do direito de superfície e da enfiteuse). Quanto à alienação entre vivos, não se permitia (L. 66, D., de iure dotium, 23, 3, texto de POMPONIO; sem razão, J. H. DERNBURG, Kann ein ususfructus ubertragen werden?, Lindes Zeitschrift, nova série, II, 56 s., R. ELVERS, Die rõmische Servitutenlehre, 226, e W. VON BLUME, Die Ubertragung des Niessbrauchs, Jherings Jahrbücher, 34, 281 s.; certo, BERTHOLD HAASE, Zur Lehre von der übertragung des Niessbrauchs, Jherings Jahrbücher, 36, 249 s.). O que se permitia era a transferência do exercício, a título oneroso, ou gratuito, com as conseqüências de poder ser penhorado, ou seqüestrado. A defesa era real (H. DERNBURG, Das Pfandrecht, 1, 458; JOSEF KOHLER, Pfandrechtliche Forschungen, 191). O princípio, hoje, é cogente". Adiante: "Na 1.ª parte do art. 717, que é ius cogens, adota-se a tese da intransferibilidade do usufruto, contra a antítese da transferibilidade que o 1 Projeto alemão aventurou. Não se tentou síntese, porque dizê-lo transferível ao proprietário é aludir-se à consolidação ( art. 739, V), se resultante de negócio jurídico unilateral ou bilateral. A vedação de transferir importa em não se poder constituir usufruto de usufruto, nem penhor, ou hipoteca, ou anticrese, e em não se poder ceder, ainda que seja cedível o crédito e se reserve, na constituição do usufruto, essa cessão ( OTTO W ARNEYER, Kommentar, II, 264). Tampouco, pode o usufruto entrar para a comunhão de bens ( cf. Tratado de Direito de Família, II, 220 s.) ". Tivemos de caracterizar a diferença entre a transferência do usufruto, que pode ser e somente pode ser ao nu-proprietário, e a transferência do exercício. "Para se chegar a separação entre o usufruto e o seu exercício, o caminho foi longo e acidentado. Passou-se pela concepção da cessão destrutiva da parte do usufrutuário e não atributiva da parte do estranho (e.g., POMPôNIO), com a oposição de outros juristas, como GAIO (Inst., 11, § 30), a quem repugnava a cisão do ato. O art. 717, 2.ª parte, permite a transferência onerosa ou gratuita do exercício. Pode ser do exercício de todos os direitos

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compreendidos no usufruto, de alguns, ou de um só; por certo tempo, ou definitivamente. O aluguel não é transferência do exercício." (e) As afirmações de ser o usufruto herdado, legitimamente, pelo cônjuge viúvo, resulta de direito de família, e de não se tratar de direito real, no sentido próprio da expressão, têm de ser repelidas. A herança legítima dos descendentes, dos ascendentes e dos colaterais seria resultante de direitos de família. Aí, como lá, o laço familiai foi apenas elemento do suporte fáctico. (Tatbestand) de regra jurídica do direito de sucessões. O direito que o cônjuge viúvo recebe é direito real como o de propriedade, inclusive o direito real sobre patrimônio. É de evitar-se a insinuação de ser irrenunciável o tal usufruto

legal do cônjuge sobrevivente. Citar-se livro de Direito de Família para se levar ao Direito de Sucessões tal enunciado é lamentável. (d) O usufruto legal, que cabe ao cônjuge sobrevivente, pode ser intransferível se o decujo o impôs. Aí, há cláusula de inalienabilidade, que pode atingir qualquer espécie de herdeiro legítimo necessário (descendente, ascendente, no tocante ao usufruto, cônjuge sobrevivente). Se não houve cláusula de inalienabilidade, incide o art. 717, 1. ª parte, do Código Civil.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: _ Podia o cônjuge sobrevivente, Dona Laurinda Alves de Oliveira Lopes, que recebeu, em legítima necessária, o usufruto da metade dos bens do marido, fazer cessão do usufruto que lhe adveio em virtude do art. 1.611, § 1. 0 , do Código Civil?

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Respondo: - Sim; e sem qualquer dúvida. Qualquer herdeiro, ou legatário, se o testador não inseriu no testamento a cláusula de inalienabilidade, pode alienar o que recebeu. A permissão da cláusula de inalienabilidade resulta de regra jurídica especial. (2)

Pergunta-se: - Estando na segunda escritura a cláusula sob número 3. 0 , em que foi dito - "a outorgante reconhece e se obriga a respeitar o direito que considera líquido e certo por parte dos outorgantes a todos os bens descritos no inventário, salvo os legados com que foi contemplada em testamento deixado pelo cônjuge pré-morto" - pode ela alegar qualquer invalidade ou ineficácia de tal cláusula? Respondo: - De modo nenhum. O negócio jurídico foi com prestação e contraprestação. A autorgante reconheceu e se obrigou a respeitar todos os direitos dos outorgados, quanto "a todos os bens descritos no aludido inventário". E levou a tal ponto de explicitude o que declarou, que frisou respeitar o direito dos outorgantes "que considera líquido e certo". Nenhuma margem lhe ficou para se desvincular do que declarou. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1971.

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PARECER N. 2 23 SOBRE PRE-CONTRATO DE COMPRA-E-VENDA DE TERRENOS, CESSÃO PELO PRÉ-CONTRAENTE COMPRADOR, EM GESTÃO DE NEGóCIOS, E CONTRATOS DEFINITIVOS COM OS TERCEIROS I OS FATOS (a) Um grupo de homens de negócios, entre os quais o Doutor Fábio da Silva Prado, Caio Luis Pereira de Souza, Benedito Manhães Barreto, Ruy Prado Mendonça, Luís Oliveira de Barros e Jorge Alves de Lima, por sugestão do primeiro, foi feito um empréstimo no Banco do Estado de São Paulo, mediante nota promissória, subscrita pelo Doutor Fábio da Silva Prado e avalizada pelos outros figurantes da sociedade Companhia Imobiliária Morumby. O destino do empréstimo era a aquisição do imóvel rural, denominado Fazenda Morumby, com área, aproximadamente, de 1. 590. 000 metros quadrados. Assinou a escritura, tão-somente, o Doutor Fábio da Silva Prado, como promitente-comprador. O empréstimo tem a data de 26 de dezembro de 1944, para pagamento a 26 de março de 1945. A 29 de abril de 1946 foi constituída a Companhia Imobiliária Morumby, e na assembléia constitutiva esteve presente Dona Renata Crespi Prado, que se tornou acionista da sociedade. Note-se que a escritura do pré-contrato de compra e venda foi feita na mesma data do empréstimo.

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A ~3 de maio de 1946, o Conselho de Administração autorizou a Diretoria a "efetuar a compra dos terrenos da Fazenda Morumby. cuja área total de 1. 600. 000 metros quadrados será subdividida em duas partes, sendo a primeira de 1 . 200. 000 metros quadrados e 400. 000 metros quadrados divididos em duzentos lotes de 2 . 000 metros quadrados cada um, mais ou menos, cujas escrituras serão outorgadas diretamente aos acionistas que integralizarem o capital socil. A importância total da aquisição, ou seja, Cr$ 18. 000. 000,00 (dezoito milhões de cruzeiros) será paga em três parcelas iguais de Cr$ .... 6. 000. 000,00 (seis milhões de cruzeiros) cada uma, sendo a primeira à vista, a segunda em 30 de junho e a última em 30 de julho do corrente ano". Houve a escritura definitiva, a 1O de julho de 1946, quanto ao 1 . 000. 000 de metros quadrados, tal como deliberara o Conselho de Administração, porque os restantes 400 . 000 teriam de ser transferidos aos acionistas. Quanto aos 200 . 000 metros quadrados, teriam de ser utilizados para ruas, avenidas e espaços sujeitos a doação à Prefeitura. (b) Conforme o documento n. 1O, que é o de lançamento "Devedores diversos - Fábio da Silva Prado", o Dr. Fábio da Silva Prado recebeu, totalmente, os 18. 000. 000 de cruzeiros, soma que consta do fim da página. Portanto, aquilo que foi o preço autorizado pelo Conselho Deliberativo foi pago ao Dr. Fábio da Silva Prado, isto é, 18 . 000. 000 de cruzeiros, embora o empréstimo tivesse sido de 1O.500.000 cruzeiros, pois o preço do pré-contrato de compra-e-venda fora de 1O. 000 . 000 de cruzeiros. A função que exerceu, em todos os negócios jurídicos com os donos dos terrenos, o Dr. Fábio da Silva Prado, foi de gestor de negócios com poderes. A empresa ainda ia ser constituída e, mesmo depois, a escritura definitiva foi feita a favor da empresa que se constituíra e de que era presidente o gestor de negócios. Ao ter-se de lançar a escritura, a Companhia Imobiliária Morumby foi a outorgada definitiva, quanto à área de 1 . 000. 000 de metros quadrados. Quanto ao restante, quando a empresa teve de providenciar para a observância do Decreto-lei n. 58, de 10 de dezembro de 1937, concernente a loteamentos, ainda se achava no no-

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me de Hans Gustavo Mueller a área de 590. 000 metros quadrados, e teve de ser solicitada pela empresa a assinatura do proprietário. ( c) Dois pontos são de grande relevância: o contato direto da Companhia Imobiliária Morumby e o dono do terreno, pré-contraente vendedor; o Dr. Fábio da Silva Prado foi o presentante da Companhia Imobiliária Morumby, a respeito dos loteamentos, no memorial descritivo, de que o outro figurante foi Escritório Técnico Américo de Carvalho Ramos, e no memorial, assinado pelo órgão da sociedade, Dr. Fábio da Silva Prado, está explícito: "O imóvel, objeto do presente memorial, é de propriedade da Companhia Imobiliária Morumby, com sede à rua Marconi, n. 53, 3. 0 andar, acha-se situado na Subprefeitura de Santo Amaro, no Município de São Paulo, constituindo o remanescente da antiga Fazenda do Morumby". (d) No edital do Registro de Imóveis está claro que "foram depositados, neste cartório, memorial e demais documentos a que aludem os Decretos-leis n. 58, de 10 de dezembro de 1937, e 3.079, de 15 de setembro de 1938, e referentes ao imóvel denominado "Jardim Morumby", parte da antiga Fazenda Morumby. Não houve qualquer impugnação ao edital, e no Modelo de Contrato, que foi depositado, como exige a lei, há a Cláusula 12.ª: "A Companhia Imobiliária Morumby dará ao compromissário a escritura definitiva do terreno depois de pago integralmente e de cumpridas pelo compromissário todas as obrigações deste compromisso, correndo todas as despesas com escritura, transcrição e imposto de transmissão por conta do compromissário". (e) No pré-contrato de compra-e-venda Hans Mueller Carioca e sua mulher Dona Elza Mueller Carioca prometeram vender ao Dr. Fábio da Silva Prado, ou a quem por ele fosse indicado, pessoa física ou jurídica, o imóvel rural Fazenda Morumby. O pré-contraente vendedor recebeu todo o preço, aliás mais do que o preço, assinou como órgão da Companhia Imobiliária Morumby o contrato definitivo, relativo a 1 . 000 . 000 de metros quadrados, e explicitamente se submeteu a que a vendedora assinasse contratos definitivos com os acionistas. Não só a cláusula do pré-contrato aludiu ao pré-con-

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traente comprador ou "a quem por ele fosse indicado, pessoa física ou jurídica'', como também o pré-contraente comprador atendeu à deliberação do Conselho de Administração e reconheceu que os contratos definitivos seriam com os acionistas, sem mais precisar de qualquer atuação do Dr. Fábio da Silva Prado. Na Assembléia Geral Extraordinária, a 22 de julho de 1948, foi deliberado como se distribuiriam os lotes de propriedade da empresa, estando presentes como votantes o Dr. Fábio da Silva Prado e sua mulher, Dona Renata. Nas escrituras dos lotes distribuídos aos acionistas, o Dr. Fábio da Silva Prado comparecia para declarar: "dá por cumprida a obrigação assumida para com a Companhia e o mesmo acionista e satisfeito o disposto nas Disposições Transitórias dos Estatutos Sociais e resoluções da Assembléia Geral de 22 de julho de 1948". No sorteio que se fez em reumao do Conselho de Administração, dentre os acionistas contemplados estão os nomes do Dr. Fábio da Silva Prado e Dona Renata Crespi da Silva Prado. Por onde se vê que nenhum lote pertencia a qualquer deles. Na Ata da reunião do Conselho de Administração da Companhia Imobiliária Morumby, aos 3 de outubro de 1946, presentes os membros, sendo o primeiro conforme a Ata, o Dr. Fábio da Silva Prado, há as seguintes soluções: "2) Promover ação de imissão de posse contra os ocupantes indevidos de nossos terrenos, sitos no Morumby; 3) Prorrogar o prazo para a apresentação das propostas relativas aos serviços de arruamento dos terrenos do Morumby, tendo em vista os pedidos feitos por várias firmas interessadas; 4) Incluir nos prospectos de arruamento os estudos sobre as vias de acesso e encarregar a diretoria de se pôr em contato com os confrontantes dos terrenos para a solução mais adequada do assunto". (f)

A empresa, investida na posse, executou e pagou todos os serviços de levantamento da área, os projetos, o arruamento, o loteamento, a fim de preparar a gleba - no seu todo - para as alienações por ela. Mais: a empresa, desde 1946, pagou todos os tributos. 34

Nenhum ato de propriedade ou de posse foi de outrem que a Companhia Imobiliária Morumby. Nunca o Dr. Fábio da Silva Prado e sua mulher prestaram qualquer quantia para isso, nem caberia fazê-lo. Nem pediram, nem poderiam µedir, a percepção de quaisquer frutos. A Companhia Imobiliária Morumby fazia as alienações e as escrituras definitivas somente por ela eram assinadas e devidamente transcritas, como havia de ser. O que se passou foi de conhecimento da viúva do Dr. Fábio da Silva Prado, inclusive fora beneficiada por um dos lotes destinados aos acionistas.

II OS PRINC1PIOS (a) Sempre que alguma pessoa figura em negócios jurídicos para aquisição de bens que se destinam a alguma entidade, que ainda vai ser fundada, e está em contato com os que a vão constituir, ou alguns dos que a vão constituir, há gestão de negócio alheio. Pode ter havido pacto entre os que têm o intuito de constituir a entidade, a que o gestante ceda, e os atos da entidade ratificam a gestão. Ratiabende, a entidade pode dispensar qualquer ato de cessão, a fortiori se estava prevista a indicação de terceiro, e se o gestor se integra na entidade. (b) O credor cede porque é titular do direito. Quem tem direito cessível tem o poder de cedê-lo, não importa se real ou pessoal o direito ( cf. E. R. BIERLING, Juristische Prinziplenlehre, Freiburg, Berlin a. Leipzig, I, 165; WILHELM SCHUPPE, Der Begriff des subjektiven Rechts, Breslau, 1887, 157; nosso Tratado de Direito Privado, tomo XXIII, § 2.822, 1). Princípio geral é o de que os créditos são cedíveis: "O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor" (Código Civil, art. 1.065). Em virtude do art. 1.078, também as pretensões reais e os

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direitos que não são créditos. O que se cede é o crédito, não a relação jurídica, e apenas se há de entender que se inseriu o cessionário, na mesma relação jurídica, em lugar do cedente, o que não só a lei pode estabelecer (cp. H. SIBER, em G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 555 s.); a própria eficácia, após a notificação, é eficácia do que se cedeu, e pois resultante da inserção na relação jurídica (cp. H. DEMELIUS, Vertragsübernahme, Jherings Jahrbücher, 72, 241 s.; como dissemos, ANDREAS VON TUHR, Der Allgemeine Teil, Leipzig, 1910, I, 220). A lei permite que a transferência se dê, com a substituição do credor. ( c) A gestão de negócios pelo pré-contraente comprador para que o contrato de compra-e-venda seja a empresa, que se vai fundar, é gestão de negócios alheios, em duas fases, a de atendimento aos que querem, com o pré-contraente, ou sem ele, constituir a sociedade, ou criar a fundação, e a de atendimento à entidade constituída. Se o pré-contraente comprador entra para a entidade e toma parte nos atos da entidade que revelam ser cessionária dos direitos pré-contratuais, cessão houve, apenas para reforçar a ratificação da gestão de negócios. Aliás, com isso a gestão se torna gestão como de outorga inicial, isto é, com poderes expressos (cf. L. SCUFFERT, Die Lehre vom der Ratihabition der Rechtsgeschafte, Wurzburg, 1868, 50; MAX BOE, Geschaftiführung gegen den Willen des Geschatsherrn, Hamburg, 1905, 42 s.). üs direitos que se originam do pré-contrato não são direitos reais, posto que sejam direitos reais o que o promitente vendedor tem de transmitir. Daí termos dito que a averbação dos pré-contratos de terrenos loteados não faz direito real o que se irradia da relação jurídica pré-contratual (já assim nosso Tratado de Direito Predial, III, 5 6 s., 131-149; Tratado de Direito Privado, tomo V, § 5 69, 2). (d) O loteamento já supõe a propriedade de quem loteia. A pretensão a lotear é pretensão real, como espécie da pretensão a dividir. Quem loteia dono é, e loteia porque poderia dividir (cf. G. C. BURCHARDI, Lehrbuch des romischen Rechts, Stuttgart, 1943, II, Parte III, 852 e 854; A. BRINKMANN, Verhaltniss der actio com·

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muni dividundo und der actio negotiorum gestorum zu einander, Kiel, 1855, 10 e 38; A. HEISE e F. CROPP, Juristische Abhandlunger, Hamburg, 1827, 1, 135 s.; L. SCHRADER, Commentarius ad lnstitut lustinianeas, Lipsiae, 1732, 565). A afirmação é assente e indiscutível. Escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo XXIII, § 2.822, 1: "O acordo de transferência tem completo o seu suporte fáctico com as manifestações de vontade do credor e do terceiro. A notificação é apenas para a eficácia no que toca ao devedor, que se supõe não conhecer o que se passou a respeito da sua dívida". Assim, se houve pré-contrato de compra-e-venda, e o pré-contraente comprador acordou ou acordara com terceiro, há eficácia entre o credor, pré-contraente comprador, e o terceiro, e apenas se precisa da notificação do pré-contraente vendedor para que haja a eficácia no que toca ao pré-contraente vendedor. Se no pré-contrato já se previra a transferência dos direitos, como se no pré-contrato se disse que o contrato seria diretamente com o pré-contraente comprador, ou alguém que ele indicasse, a qualquer momento em que se dê a manifestação de vontade começa a eficácia entre o terceiro e o pré-contraente vendedor.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Para a prova da cessão de direitos imobiliários é indispensável instrumento formal completo que a declare? Respondo: - Não, porque, no ato de adimplemento pelo pré-contraente vendedor, pode ele apenas atender ao fato de o pré-contraente comprador indicar quem há de ser, na escritura definitiva, o outorgado. A fortiori, se no pré-contrato de compra-e-venda há cláusula explí37

cita de ter de ser feita a escrilura definitiva em nome de quem o précontraente comprador haja indicado. Os direitos irradiados, a favor do promitente comprador, do pré-contrato de compra-e-venda são direitos que se podem ceder, inclusive em virtude de entrada para alguma sociedade, como sócio, ou como acionista. Se o pré-contraente comprador entra para uma sociedade e entrega os seus direitos, para que depois se lhe pague o preço, cedeu. Por outro lado, a participação do pré-contraente comprador nas deliberações das sociedades, de que é sócio, ou acionista, ou em órgão da sociedade, com atitude que signifique ter sido gestor de negócios para ela, ou para os que a constituírem, sem qualquer ressalva, significa ter havido negócio jurídico de cessão, quer seja imediato, quer não, o pagamento. A lei brasileira (Código Civil, art. 1. 065) somente afasta a cessão dos direitos se não o permite a natureza da obrigação, ou a lei, ou a convenção com o devedor. Ora, no caso da consulta, os direitos são cessíveis por sua natureza; nenhuma regra jurídica veda a cessão deles, e os próprios pré-contraentes estabeleceram que outorgado da escritura definitiva seria o pré-contraente ou quem ele indicasse. A indicação foi completa, com a constituição da Companhia Imobiliária Morumby; as atas que o pré-contraente comprador assinou e a sua explícita declaração de que "o imóvel, objeto do presente memorial, é de propriedade da Companhia Imobiliária Morumby" afastam qualquer suposição de terem ficado com o Dr. Fábio da Silva Prado os direitos, a posse e a propriedade. A cessão dos direitos oriundos do pré-contrato é incontestável. (2) Pergunta-se: - No caso da consulta, está provada a ocorrência da cessão dos direitos imobiliários do Dr. Fábio da Silva Prado, a favor da Companhia Imobiliária Morumby, no que se refere à área a respeito da qual ainda não se fizeram as escrituras definitivas? Respondo: - Evidentemente, sim. Já ao ser firmado o pré-contrato com o proprietário dos terrenos estava o Dr. Fábio da Silva Prado liga-

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do aos que iam constituir a sociedade, alguns dos quais avalizaram a nota promissória com que fez o empréstimo para o negócio jurídico. Depois, constituída a sociedade, atos e mais atos, com a presença e assinatura do pré-contraente comprador e de sua mulher, ora inventariante do espólio, puseram claro que os direitos haviam sido transferidos à Companhia Imobiliária Morumby. Falava-se, até, de "propriedade da Companhia". Mais: consta da contabilidade da empresa que o Dr. Fábio da Silva Prado retirara, para integral pagamento, 18.000.000 de cruzeiros. A posse dos terrenos, na sua totalidade, está com a empresa desde 1O de julho de 1946. As despesas, todas, foram e são pagas por ela. Foi ela que determinou e pagou tudo que foi preciso para a venda dos lotes e sua valorização. (3)

Pergunta-se: - O comparecimento pessoal como simples anuente, quer do Dr. Fábio da Silva Prado, quer do representante do seu espólio, em atos de alienação de lotes compreendidos na área a que alude a ação proposta, tem-se de considerar ratificação da cessão anterior? Respondo: - Cessão já houvera, porque a destinação dos terrenos, que caberia à futura entidade, supunha, necessariamente, pacto entre os que fundaram a Companhia Imobiliária Morumby, a que se atribuiriam todos os direitos resultantes do pré-contrato de compra-e-venda. Tão claro fora a situação jurídica, que nenhuma dúvida surgiu, nem poderia surgir, entre o Dr. Fábio da Silva Prado e a empresa, de que era Diretor-Presidente. Até mesmo quanto à área que seria distribuída a acionistas. Em vez de se fazer o contrato definitivo a favor da empresa, deixou-se - o que é permitido e o pré-contrato o previa - a indicação dos nomes dos autorgados à empresa. Seriam acionistas. Aliás, dois deles foram o próprio Dr. Fábio da Silva Prado e Dona Renata. Insistamos em frisar que o Dr. Fábio da Silva Prado comparecia ao lavramento das escrituras definitivas dos lotes para declarar que "dá por cumprida a obrigação assumida para com a 39

Companhia e o mesmo acionista e satisfeito o disposto nas Disposições Transitórias dos Estatutos Sociais e Resoluções da Assembléia Gera! de 22 de julho de 1948". Mais: o pré-contraente comprador cedente, que fora gestor de negócios, recebera 18 . 000. 000 para pagamento do total das áreas. Nunca quaisquer despesas, inclusive impostos, foram pagas por outra pessoa que a Companhia Imobiliária Morumby. Sempre que o Dr. Fábio da Silva Prado comparecia em atos de alienação dos lotes (ou, após a sua morte, o representante do espólio), em verdade ratificava a cessão. As atas em que está o seu nome e tudo mais em que houve referência, dentro dos serviços da sociedade, à área dos remanescentes, constituem sucessivas e reiteradas ratificações, que repelem qualquer insinuação de serem do espólio o resto dos terrenos.

(4) Pergunta-se: - Era preciso que se desse ou que se dê ratificação, ou basta que o promitente vendedor, Hans Gustavo Mueller, assine a transmissão da propriedade à Companhia Imobiliária Morumby, a quem o Dr. Fábio da Silva Prado cedera aos seus direitos, ou a terceiros indicados pela Companhia Imobiliária Morumby? Respondo: - Houve a cessão, fora de qualquer dúvida. Constituiu-se a sociedade a 29 de abril de 1946, sendo fundadores o Dr. Fábio da Silva Prado, Jorge Alves de Lima, Luís Oliveira de Barros e Ruy Prado de Mendonça, três dos avalistas da nota promissória de 26 de dezembro de 1944. Desde a fundação, Dona Renata Crespi da Silva Prado era acionista e recebeu, em sorteio, um dos lotes da área remanescente. Logo após a constituição da sociedade, a 23 de maio de 1946, a Diretoria foi autorizada pelo Conselho de Administração a "efetuar a compra-e-venda dos terrenos da Fazenda Morumby, cuja área total de 1 . 600. 000 metros quadrados será subdividida em duas partes". Portanto, os direitos de pré-contraente comprador haviam passado à Companhia Imobiliária Morumby, de que era Diretor-Pre40

sidente o Dr. Fábio da Silva Prado. A Diretoria foi autorizada ao contrato definitivo, porque, cessionária dos direitos pré-contratuais, cabia à Companhia Imobiliária Morumby exercê-los. Não mais o précontraente cedente. Qualquer ato do Dr. Fábio da Silva Prado somente podia ter efeito ratificativo, aliás supérfluo. No estado em que ficara a cessão, sem qualquer restrição do cedente, a eficácia já era absoluta. O pré-contraente vendedor, ou quem a ele sucedeu ou suceda, tem de adimplir o prometido, não mais ao pré-contraente comprador, mas sim à cessionária ou quem ela indique. Ela indicou. A propósito dos remanescentes, já em 23 de maio de 1946, o Conselho de Deliberação deliberou que fossem "divididos em lotes de 2. 000 metros quadrados cada um, mais ou menos, cujas escrituras serão outorgadas diretamente aos acionistas que integralizarem o capital social". Ninguém discordou disso. (5)

Pergunta-se: - Se, por absurdo, se admitisse que não se tivesse concluído cessão de direitos, o espólio do Dr. Fábio da Silva Prado teria de cumprir o que devia, como resultante do vínculo com a empresa, quanto ao remanescente da área da Fazenda Morumby? Respondo: - A hipótese é inadmissível, e somente como absurdo se poderia entender. Nenhum ato do Dr. Fábio da Silva Prado a partir do primeiro em que, com a pré-destinação de exploração dos terrenos, no todo (isto é, da nota promissória assinada pelo futuro pré-contraente e avalizada por futuros fundadores da empresa) - poderia ser interpretado como de não ceder os direitos de pré-contraente comprador. Já apontamos elementos, mais do que suficientes, para se considerar absurda a interpretação. O Dr. Fábio da Silva Prado cedeu todos os direitos. Nem sequer pré-excluiu algum deles. Se, ex hypothesi, se admitisse que se não cedera, no tocante a área remanescente, o Dr. Fábio da Silva Prado ou o espólio teria de

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rnmprir o que prometera, porque ele tomara parte, nas deliberações e

até em atos alienatórios em que teria assumido e ratificado promessa de ceder e de praticar os atos necessários ao exercício dos direitos pela Companhia Imobiliária Morumby. Mas, repita-se, a hipótese é por absurdo. O Dr. Fábio da Silva Prado aludira à própria "propriedade',' por parte da empresa e essa, desde 1946, é a possuidora única. (6)

Pergunta-se: - Se o espólio não cumprisse, teria de ser indenizada a Companhia Imobiliária Morumby? Respondo: - Sim. O espólio, in casu, não só teria ofendido direitos da Companhia Imobiliária Morumby como também a memória do Dr. Fábio da Silva Prado, que fora Diretor-Presidente da empresa, e que nunca deixara de reconhecer os direitos da empresa, quanto à área total. (7)

Pergunta-se: - Qualquer que seja a resposta a respeito da espec1e dos direitos da Companhia Imobiliária Morumby, pode ela continuar operando regularmente, tal como fazia, cumprindo o que lhe incumbia, e lhe incumbe, para com terceiros, no tocante ao que resta do remanescente dos 590. 000 metros quadrados? Respondo: - Sim. A cessão de direitos efetuou-se, sem qualquer restrição, e estava considerada como concluída, desde muito, na própria ata do Conselho de Administração, em autorização à Diretoria, para as escrituras que seriam "outorgadas diretamente aos acionistas que integralizarem o capital social". O próprio Dr. Fábio da Silva Prado assinou a ata, e era o Diretor-Presidente, e participou de outros atos a que por vezes nos referimos ( cf ., por exemplo, o Documento n. 12, junto aos autos). 42

O pré-contraente vendedor, ou quem o sucedeu ou o suceda, teria o dever de assinar a escritura definitiva se já não houvesse sido assinado pelo pré-contraente vendedor e pelo Dr. Fábio da Silva Prado o pedido de depósito para os efeitos do Decreto-lei n. 58, de 1O de dezembro de 193 7, com o Edital já com nome da empresa, sem qualquer impugnação por parte do Dr. Fábio da Silva Prado e de sua mulher, nem do pré-contraente vendedor. No Modelo de Contrato, depositado conforme exige o Decreto-lei n. 58, diz-se que a Companhia Imobiliária Morumby "dará ao Compromissário a escritura definitiva do terreno depois de pago integralmente ... " O pré-contraente vendedor e o pré-contraente comprador já se puseram fora dos atos futuros, por terem transferido à Companhia Imobiliária Morumby todos os direitos e poderes que tinham. (8)

Pergunta-se: - Em caso de qualquer turbação dos direitos da Companhia Imobiliária Morumby, quer seja perante o Cartório do Registro de Imóveis, quer perante terceiros, responde o espólio pelos prejuízos que esses sofram, ou que sofra a Companhia Imobiliária Morumby? Respondo: -

Sim. Os atos do sucessor ou dos sucessores do Dr. Fábio da Silva Prado seriam atos ilícitos absolutos, regidos pelo Código Civil, arts. 159, 1.518 e parágrafo único, 1.525 e 1.531, e não só por inadimplemento pelo falecido como cedente do pré-contrato de compra-e-venda. Tudo cedera e não mais teria de adimplir, senão respeitar o passado. Cabe a ação de indenização por atos ilícitos absolutos. (9)

Pergunta-se: Tem cabimento a ação declaratória, proposta pelo Espólio do Dr. Fábio da Silva Prado, contra a Companhia Imobiliária Morumby, perante a 11.ª Vara Cível da Comarca de São Paulo? 43

Respondo: - A ação declaratória, que foi proposta, tem de ser julgada improcedente. Com os atos do falecido Dr. Fábio da Silva Prado, como o empréstimo e a destinação do empréstimo, com o título cambiário (nota promissória) por ele assinada e os avales dos interessados na constituição da Companhia Imobiliária Morumby, a constituição de tal sociedade, de que se fez Diretor-Presidente, a sua assinatura nas atas a que acima nos referimos e a declaração de que o imóvel, objeto do memorial, "é de propriedade da Companhia Imobiliária Morumby", e após ter recebido toda a quantia do preço total, dizer-se que o bem é do espólio é algo de ofensivo à memória do falecido. Os danos causados pelos efeitos da propositura da ação descabida são danos provenientes de atos ilícitos absolutos. A autora da ação declaratória, nos autos do inventário dos bens do cônjuge falecido, a 30 de maio de 1964, declarara não ter o espólio qualquer quantia a receber; e na descrição dos bens nenhuma referência foi feita à área do terreno, a que alude a ação declaratória. Na contestação da ação declaratória, a Companhia Imobiliária Morumby pediu o depoimento da inventariante do espólio de Fábio da Silva Prado, que é a viúva, Dona Renata Crespi da Silva Prado, inquirição de testemunhas, perícia nos livros de contabilidade da empresa, de atas do Conselho de Administração, das Assembléias Gerais e do Conselho Fiscal, para ficarem comprovados todos os pagamentos feitos ao falecido, e foram juntas certidões de grande relevância. Não se diga que a ação declaratória é preventiva de litígios, porque, em verdade, o exercício dela, se foi com intenção cautelar, esse elemento de modo nenhum é integrante da ação declarativa: a intenção, que é do autor, não está no suporte fáctico da ação declarativa típica. As próprias ações cautelares, ditas preventivas (arresto, seqüestro, busca e apreensão, caução, exibição, vistorias, arbitramentos e in44

quirições, alimentos provisionais, arrolamentos e descrição de bens, separação de corpos, etc.), não são de força declarativa; de regra, são constitutivas, mandamentais ou executivas. Seria absurdo que se reputasse do espólio do Dr. Fábio da Silva Prado, o que ele, como órgão da empresa, de que era Diretor-Presidente, disse que se integrava no patrimônio da empresa, e não dele ( verbis "O imóvel, objeto do presente memorial, é de propriedade da Companhia Imobiliária Morumby", ... , "constituindo o remanescente da aní.iga Fazenda do Morumby"). O Dr. Fábio recebera o preço para a compra. A Companhia Imobiliária Morumby, essa, tem direitos certos e líquidos, no tocante a área remanescente. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 1971.

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PARECER N. 224 SOBRE LIQUIDAÇÃO DE SOCIEDADE POR AÇÕES COM INVOCAÇÃO DE REGRAS füR1DICAS SUFICIENTES 1

OS FATOS (a) A AEMSA, que antes se chamava COMPANHIA AUXILIAR DE EMPRESAS DE MINERAÇÃO (CAEMI), fora constituída por Adriano Seabra Fonseca, a Companhia de Administração e Representação Comercial e outros sete signatários da escritura de 20 de março de 1961. Foram divididos e classificados em três grupos os acionistas e a qualquer deles se deu legitimação para pedir, amigável ou judicialmente, a liquidação da Companhia, "independentemente de qualquer justificação". É o que consta, explicitamente, da cláusula 36 da referida escritura. Para fundamento legal do pedido, que fizeram, invocam o Decreto-lei n. 2.627, de 26 de outubro de 1940, art. 137, onde se diz que "a sociedade anônima ou companhia entra em liquidação: b) nos casos previstos nos estatutos", e art. 138, que estatui: "A sociedade entrará em liquidação judicial: b) por decisão definitiva e irrecorrível proferida em ação proposta por acionistas que representem mais de um quinto do capital social e provem não poder ela preencher o seu fim". No caso da consulta, há prova de que os autores da ação têm mais de um quinto do capital social.

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Quanto à inatingibilidade do fim, sustentam que à AEMSA, além de nunca ter preenchido o fim, que lhe cabe, faltam requisitos técnicos e financeiros, de organização e de estrutura, para satisfazer o que dela se tinha de esperar. Além disso, acrescenta-se, na escritura de constituição, há, propriamente, "uma convenção sobre a co-propriedade de ações, admitida no art. 79" e "tão certo é isto que ali se prevê o controle pessoal dos condôminos sobre o seu representante nas assembléias em que deva exercer os direitos relativos àquelas ações". Mais: "Mas ainda quando não se queira ver na AEMSA urna simples co-propriedade de ações, na forma do citado art. 79 da lei ... , caso em que a sua liquidação se explicaria pela só inidoneidade instrumental para atingir os objetivos de uma sociedade anônima, e, portanto, quando nela se queira admitir, não obstante aquelas deformações acima apontadas, a natureza própria de uma tal sociedade, - ainda assim, o pedido dos suplicantes se legitima: porque a AEMSA não preenche o fim a que pretendeu destinar-se, nem tem condições para o preencher". (b) O fim da sociedade teria de ser o de "auxiliar, técnica e administrativamente, as atividades minerais e de beneficiamento de minerais e sua metalurgia", tal como está explícito na cláusula 3 do ato constitutivo. Já havia dois contratos anteriores em que se firmara que o objetivo principal da sociedade seria o de "incrementar a exploração, assim como dar maior aproveitamento técnico-industrial às reservas minerais de chumbo e seus associados, existentes nas propriedades denominadas "Esquira", antiga fazenda "Assunção" e "Tiros", localizadas no Município de Macaíbas". Para tal função foi que o "grupo C" entrou na AEMSA, antiga CAEMI, com a obrigação de "transferir as autorizações de que é titular o referido grupo C e de que tratam os Decretos n. 46. 729 e 46 . 779, em minas situadas na localidade ... " ( c) Alega-se que a AEMSA não é empresa de mineração, nem como tal pode operar, pois que lhe falta a autorização exigida pelo Decreto-lei n. 1. 985, de 29 de janeiro de 1940, art. 6. 0 , § 1.0 •

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As autorizações ao grupo C não foram transferidas à AEMSA e só o poderiam ser a terceiro, pessoa física ou jurídica, indicada pelos grupos A e B. Adverte-se que, na hipótese de ter havido autorização federal à AEMSA (o que não ocorreu) , não poderia ela funcionar como empresa de mineração, pois fora feita a transferência a terceiro. (d) Diz-se mais que ela nunca exerceu qualquer atividade, não tem, sequer, escritório, pois apenas faz reunião em escritório alheio (o da COBRAC) e ainda recentemente a Diretoria declarou não poder prestar serviços, que um dos Diretores propusera. A AEMSA não tem organização, nem secretaria, nem agência, nem, sequer, funcionário. Nem instalação. Há apenas contrato de locação de uma sala, datado de 22 de abril de 1966. Empregados foram contratados depois da ação ordinária. Não está inserta no cadastro municipal, o que é indispensável para qualquer comércio, indústria ou profissão, conforme exige o Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador, arts. 202 s. Aliás, mesmo se tal inscrição se tivesse feito, a atividade da AEMSA teria de ser no Município de Macaúbas, em Boqueira. Não está presente em Salvador, onde seria a sede, nem em Macaúbas, onde deveria ser a sede. Nenhum dos seus diretores é domiciliado ou residente lá e um deles é domiciliado em Paris, o que infringe o art. 116 do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940. (e) Entendem os consulentes que os balanços da AEMSA são manipulados e nenhuma outra fonte de renda tem ela que alguns dividendos de ações de outras empresas, que são os únicos elementos patrimoniais. A sociedade não alcançou o fim que seria o seu. (f) O Grupo C entrou na CAEMI, hoje chamada AEMSA, com o dever e a obrigação de "transferir ... as autorizações de pesquisa de que é titular o referido Grupo C e de que tratam os Decretos ns. 46. 729, de 26 de agosto de 1959, e 46. 779, de 3 de setembro de 1959, em áreas situadas na localidade de Tiros, no Distrito de Boqueira e Município de Macaúbas, no Estado da Bahia, e de que trata o Decreto n. 43. 871, de 9 de junho de 1958". 48

Adiante: ". . . obriga-se também o Grupo C a tomar todas as providências legais que lhe forem solicitadas pelos Grupos A e B para completa regularização dos processos de transferências até sua ultimação, assinando para tais fins tudo que necessário se fizer". Adiante: "Essa obrigação assumida pela MINf:RIOS, FERROS E METAIS S. A. é inetratável e irrevogável e uma vez que a citada sociedade recebe as ações correspondentes a Cr$ 30. 300. 000,00 (trinta milhões e trezentos mil cruzeiros), nada mais tem a reclamar ou pleitear sobre as cessões que tiver de realizar das pesqmsas mencionadas acima". (g) No contrato constitutivo da sociedade anônima, de que se cogita na consulta, antiga CAEMI, datado de 20 de março de 1961, há os seguintes artigos que são de relevância para as questões que se suscitam. A sede seria na cidade do Salvador, Estado da Bahia. No art. 3. 0 está explícito: "Os fins da Companhia são: auxiliar técnica e administrativamente as atividades mineiras e sua metalurgia". O capital social foi dividido ( art. 5. 0 ) entre três grupos ( 44 % para o primeiro grupo; 44% para o segundo; e 12% para o terceiro). No art. 12, está dito: "A Companhia será administrada por uma Diretoria composta de cinco membros, sendo dois indicados pelo Grupo A, dois pelo Grupo B e um pelo Grupo C, acionistas, ou não, residentes no país, eleitos anualmente pela Assembléia Geral, podendo ser reeleitos. Dentre eles a Assembléia Geral designará o Presidente, o Vice-Presidente e o Secretário". Parágrafo único: "Serão, também, eleitos pela mesma assembléia, referida neste artigo, os suplentes de Diretor e de Conselheiros Fiscais, obedecidas as mesmas proporções". No art. 13 acrescenta-se: "Cada Grupo terá direito a indicar os seus diretores e os Suplentes". Está no art. 23: "A Diretoria, para validamente deliberar sobre qualquer assunto, deverá reunir-se com a presença de, pelo menos, três de seus membros, sendo um de cada Grupo na primeira convocação, sendo as deliberações tomadas por maioria de votos, devendo a convocação ser feita por escrito com prazo de oito dias no mínimo". 49

Diz o art. 36: "Fica assegurado a qualquer dos Grupos A, B e e a faculdade de pedir, amigável ou judicialmente, a liquidação da Companhia, independentemente de qualquer justificação". A sociedade fora constituída em observância de pré-contrato,

pois que o havia a 27 de outubro de 1956, a constituição de socie~ dade por ações. Já se haviam redigido as cláusulas. Conforme os arts. 5. 0 , 12, 13 e 23, acima transcritos, tentou-se vinculação a grupos. O art. 3. 0 é da maior importância, devido ao seu conteúdo só referente aos fins da sociedade. II OS PRINCfPIOS (a) Há o princípio da igualdade dos acionistas, que somente a lei pode limitar. Nem assembléias constitutivas, nem assembléias gerais, ordinárias ou extraordinárias, têm poder para isso: a regra jurídica é que lhe pode permitir restrições ou ampliações, que ponham de lado o princípio. Apresentou-se à técnica legislativa o problema da necessidade de proteção dos interesses dos acionistas diante do poderio das maiorias. Não bastaria o direito à convocação para a assembléia geral ( cf. RbNÉ DAVID, La Protection des minories dans les sociétés par actions, Paris, 1929, n. 110): há de ser respeitado o interesse da categoria. Ainda assim, o que mais importa é o princípio da igualdade dos acionistas, cujos limites somente podem resultar de regras jurídicas (P. CORDONNIER, De l'Égalité entre actionnairs, Paris, 1924, 380). Cf. Tratado de Direito Privado, tomo L, § 5.331, 1. A lei permite categorias de ações, se observadas as exigências legais, e é o que se passa com as ações ordinárias e as ações preferenciais, as ações ordinárias, as preferenciais e as de gozo ou fruição. Há as ações preferenciais com direito de voto e as ações preferenciais sem direito de voto, e as classes de ações preferenciais. No direito brasileiro, não há as diferenciações que aparecem noutros sistemas 50

jurídicos, tais como a das ações de prêmios, ou ações de favor, e as ações industriais. As categorias ou classes de ações têm de ser permitidas em lei. Somente a lei pode fazer limitações ao princípio de igualdade dos acionistas. (b) Lê-se no Decreto-lei n. 2. 627, de 26 de setembro de 1940, art. 116: "A sociedade anônima ou companhia será administrada por um ou mais Diretores, acionistas ou não, residentes no país, escolhidos pela assembléia geral, que poderá destituí-los a todo tempo". Os estatutos sociais podem exigir maioria absoluta, ou mínimo para a escolha. Não, porém, estabelecer que determinado grupo escolha um, dois ou mais, ou que um ou dois caibam a cada grupo, pois, com isto, se ofenderia o princípio de igualdade entre os acionistas. Nem exigirem mais do que a lei exige. (r) O Decreto-lei n. 1.985, de 29 de janeiro de 1940, art. 6. 0 , § 1. 0 , estatuiu: "O funcionamento de sociedades de mineração depende de autorização federal, mediante requerimento dirigido ao Ministro da Agricultura e instruído com a prova de sua organização e da nacionalidade dos sócios ou acionistas. O título de autorização de funcionamento será uma via autêntica do respectivo decreto, a qual deverá ser transcrita no livro próprio da Divisão de Fomento da Produção Mineral e registrada, em original ou certidão, no Registro do Comércio e na Junta Comercial do Estado onde estiver localizada a jazida". O Decreto-lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, que deu outra redação ao Decreto-lei n. 1. 985 (Código de Minas), pôs no art. 70: "O aproveitamento das jazidas depende de Alvará de Autorização de Pesquisa, do Ministro das Minas e Energia; e de Concessão de Lavra, outorgada por decreto do Presidente da República, atos esses conferidos, exclusivamente, a brasileiro, ou a sociedade organizada no País como empresa de Mineração". O art. 6. 0 , § l.º, do Decreto-lei n. 1. 985, regeu a espécie; e o art. 7. 0 do Decreto-lei n. 227, regê-la-ia hoje. (d) No Decreto-lei n. 2 . 62 7, de 26 de setembro de 1940, art. 13 7, fala-se da entrada em liquidação pelas sociedades por ações: "A

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sociedade anomma ou companhia entra em liquidação: b) nos casos previstos nos estatutos". Os estatutos podem prever outras causas de liquidação, que aquelas de que a lei cogita; porém não, com a invocação do art. 137, b), restringir o que a lei estabeleceu, no art. 137, a), e) e d), e no art. 138 como pressupostos suficientes. No art. 138, diz-se que "a sociedade entrará em liquidação judicial: b) por decisão definitiva e irrecorrível, proferida em ação proposta por acionistas que representem mais de um quinto do capital social e provem não poder ela preencher o seu fim". Os estatutos não podem atribuir a mínimo de um quinto, nem mesmo a um quinto, a legitimação à ação de que se cogita.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - No direito brasileiro, pode ser constituída sociedade por ações em que se subordinem os direitos dos acionistas a grupos, tal como ocorre no caso da consulta, com os grupos A, B e C? Respondo: - Conforme antes dissemos, as limitações ao princípio de igualdade entre os acionistas somente podem ser feitas pela lei. Se se conceberam os grupos de ações ordinárias como grupos quantitativamente distintos, com atribuições de indicação de membros de Diretoria, ou de Conselho Fiscal, e fixação de número de membros do grupo, violou-se o princípio de igualdade entre os acionistas. Por outro lado, mais se agrava a violação se se estabelece, como é o caso da consulta, que se refere à preferência na aquisição das ações "por grupo" (Estatutos, art. 8. 0 ), à preferência "na proporção das ações que possuíssem por grupo" (art. 9. 0 ) e à permissão de vendas de ações a terceiros somente "quando os grupos não as quisessem comprar" (art. 9. 0 , parágrafo único) . 52

(2) Pergunta-se: - Diante do art. 36 dos Estatutos que permite o pedido de liquidação da sociedade se feita por um dos grupos de acionistas, A, B e C, mesmo se não tivesse de ser liquidada por outra causa, podiam os acionistas a que corresponda mais de um quinto do capital social invocar o art. 138, b), do Decreto-lei n. 2. 627, de 26 de setembro de 1940, para pedir a liquidação da sociedade?

Respondo: - Sim. O art. 138, b), do Decreto-lei n. 2.627, é ius cogens. Nenhum contrato de sociedade por ações pode fazer restrição ao art. 138, b), do Decreto-lei n. 2.627. Com ele, a lei atendeu a que desde o início esteve na mente dos figurantes a fim do contrato (Tratado de Direito Privado, tomo XXV, § 3 . 071, 1) . Basta, para se ter reafirmação explícita da cogência do art. 138, b), lembrar·se o art. 78, parágrafo único, do Decreto-lei n. 2. 627, onde se diz: "Os meios, processos ou ações, que a lei dá ao acionista para assegurar os seus direitos, não podem ser elididos pelos estatutos". "Meios", escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo L, § 5. 313, 1, "no art. 78, parágrafo único, são os atos que o acionista pode praticar, para que se lhe atenda a direitos e faculdades". Adiante: "Processos e ações" está em vez de ações e remédios jurídicos processuais, postos inversamente, o que seria de corrigir-se. Há as ações constitutivas negativas do ato constitutivo da sociedade por ações. . . a ação de liquidação judicial da sociedade conforme o art. 138, b)". O art. 78, parágrafo único, diz claramente que não podem os estatutos elidir tais ações. Aliás, no caso da consulta, de modo nenhum se pode atribuir ao art. 36 dos Estatutos o propósito de afastar a incidência do art. 138, b), do Decreto-lei n. 2. 627. Se o tivessem querido seria inválido; na verdade, não no quis. (3)

Pergunta-se: - Uma vez que, conforme o laudo pericial, a sociedade não preenchera o seu fim, tem de ser decretada a liquidação?

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Respondo: - Sim. Há quaestio facti; e a exposição, que se fez, e o laudo pericial provam que o art. 3. 0 dos Estatutos não foi observado: "Os fins da Companhia são: auxiliar técnica e administrativamente as atividades mineiras e de beneficiamento de minerais e sua metalurgia". (4)

Pergunta-se: - Tendo um grupo, o Grupo C, 12 % do capital social, prometido transferir à sociedade as autorizações de pesquisa, de que é titular, e não tendo ocorrido tal transferência, pode-se julgar legalmente constituída e subsistente a sociedade, tanto mais quanto não poderia o sócio, o Grupo C, fazer tal transferência, porque à CAEMI, hoje AEMSA, falta autorização federal? Respondo: - Não houve observância da lei, uma vez que o Decreto-lei n. 1. 985, de 29 de janeiro de 1940, art. 6. 0 , § 1.º, exigia a autorização federal para o funcionamento das sociedades de mineração ( cf. Decreto-lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, art. 7. 0 ). Como seria possível a sociedade, que não teve autorização, exercer a função de auxiliar técnica e administrativamente as atividades mineiras e de beneficiamento de minerais e sua metalurgia (Estatutos, art. 3. 0 ), se foram previstas - irretratável e irrevogavelmente - as transferências e essas não foram feitas? (5) Pergunta-se: - Se a sociedade para realizar os seus fins precisaria de autorização federal e nunca a obteve nem solicitou, pode ser pedida a sua liquidação? Respondo: - Diante do art. 13 7, e), do Decreto-lei n. 2. 62 7, de 26 de setembro de 1940, que estabeleceu entrar em liquidação a sociedade por ações "pela cassação, na forma da lei, de autorização para fun54

cionar", tem de entrar em liquidação, a fortiori, a sociedade por ações que tinha de solicitar e obter autorização, e não a obteve, nem, sequer, a solicitou.

(6) Pergunta-se: - Verificado que a sociedade tem apenas o seu capital em ações de outras companhias e diante da Lei n. 4. 728, de 14 de julho de 1965, e.g., arts. 3. 0 , IV, e 49, II, que exige a carta-patente para as sociedades de investimentos, há aí outra causa para a liquidação judicial? Respondo: - Evidentemente, sim. Os mercados financeiros e de capitais são disciplinados pelo Conselho Monetário Nacional e fiscalizados pelo Banco Central. No art. 12 da Lei n. 4. 728, de 14 de julho de 1965, diz-se que "depende de prévio registro no Banco Central o funcionamento de sociedades, que tenham por objeto qualquer atividade de intermediação na distribuição, ou colocação no mercado de títulos ou valores mobiliários", e no art. 13 alude-se a autorização para funcionar. Mas, na espécie da consulta, a pergunta (6) somente teria pertinência se os demandados, para fugirem às argüições concernentes aos pedidos de liquidação, tentassem encobrir os fins da sociedade e a relevância, para o caso, de não ter havido as transmissões, que os estatutos exigiram, nem as autorizações conforme a legislação sobre minas. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1971.

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PARECER N. 225 SOBRE RUA DE VILA E TERRENO DESMEMBRADO A QUE SE ATRIBUIRA SERVIDÃO 1

OS FATOS (a) O Condomínio da "Vila Maria da Glória", que compreende trinta e seis casas ao longo da rua de vila, sita na rua São Clemente, n. 250, e um terreno ao fundo, ainda sem construção, propôs contra a "Mercúrio Imobiliária Ltda.", que empreende obra no terreno da vila, ao fundo, ação de nunciação de obra nova com invocação dos arts. 384-392 do Código de Processo Civil. Pediu, liminarmente, o embargo da obra, "para que fique suspensa e seja, afinal, demolido, à custa do nunciado, o que tiver sido feito em prejuízo do nunciante". Mais: que fossem notificados, na forma do art. 386, os operários encontrados na mesma, que se procedesse às diligências do art. 387; que se citasse a "Mercúrio Imobiliária Ltda.", para que, ciente do embargo de obra nova, respondesse à petição da ação de nunciação de obra nova, com a cominação, cumulativamente, da pena de dois mil cruzeiros diários para o caso de inobservância do preceito. A obra teria de ser definitivamente impedida e a condenação seria, além do que acima se apontara, com a correção monetária, as custas do processo e os honorários advocatícios.

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Diante da atitude do juiz, no tocante à preliminar, o Condomínio da "Vila Maria da Glória" pediu a reconsideração do despacho. (b) A demandada alegou que os proprietários das casas I a XXXVI da rua São Clemente, n. 250, não são condôminos (não há condomínio), pois cada um é proprietário do seu terreno, sem que haja propriedade de partes indivisas. Houve apenas convenção para uso e gozo da rua particular "Vila Maria da Glória" (5 de março de 1953). Tal convenção foi também assinada pelo Diretor da "Mercúrio Imobiliária Ltda.", como proprietário do terreno situado no fundo da rua São Clemente, n. 250. A convenção foi apenas para uso e gozo da rua da vila. Diz a Lei n. 2. 757, de 23 de abril de 1956, art. 9. 0 , § 2. 0 , que permanece na Lei n. 4. 591, de 16 de dezembro de 1964: "Considera-se aprovada e obrigatória para os proprietários de unidades. . . a Convenção que reúna as assinaturas de titulares de direitos que representem, no mínimo, 2/3 das frações ideais que compõem o condomínio". Advirta-se que a convenção de condomínio já supõe a comunhão da propriedade, já adquirida ou exigível em virtude de pré-contrato. Para a existência de condomínio, é preciso que os figurantes do contrato, ou todos aqueles que vão adquirir, já sejam pré-contraentes das partes ideais. Não há condomínio que se constitua sem a unanimidade dos proprietários, ou titulares do direito à aquisição da propriedade. Quem aliena propriedade, que vai ser em condomínio, já aliena, ou promete alienar partes ideais. Ora, no caso da consulta, a convenção de condomínio foi feita sem que existisse comunhão de propriedade, e sem que nela se estabelecesse condomínio. Supôs-se que existisse o que não existia, mas, em verdade, tal suposição não aparece na convenção, que foi assinada sem observância da lei, e pois nula, mesmo se tivesse existido qualquer negócio jurídico de condomínio. Um dos peritos disse que o terreno, "de natureza bastante acidentada, apresenta, em quase sua totalidade, difícil acesso, em virtude de forte declive e espessa vegetação". Ora, o assunto é para exa-

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me da administração pública, que expede os alvarás de constrnção. Aliás, difícil não significa impossível.

II OS PRINC1PIOS (a) A comunhão pro diviso supõe negocio jurídico que a tenha constituído, ou de que tenha resultado; e.g., a escritura de incorporação, a compra da parte indivisa da fazenda com uma das casas e aquiescência dos outros condôminos do terreno. No momento em que o condômino do terreno permite ou não se opõe a que outro condômino edifique no terreno comum, a comunhão pro diviso, se não se estabeleceu, pelo menos se esboçou com a restrição à acessão dos materiais à parte indivisa, em vez de ao todo. Um dos instrumentos com que contou o Brasil, nos séculos da sua formação econômica, foi o da transformação trifásica dos seus grandes latifúndios em latifúndios menores: a) grande latifúndio; b) edificação da casa própria do filho, ou das casas próprias dos filhos ou genros, ou dos irmãos co-herdeiros, na terra comum; e) partilha e divisão material do latifúndio ou divisão material somente, criando-se duas fazendas, três, ou mais, com as terras do latifúndio. A comunhão pro diviso foi, precisamente, a situação jurídica das terras durante a fase b). Essa comunhão pro diviso havia de ser transitória, proviesse de aproveitamento e edificação por ato do chefe de família (doação, adiantamento de legítima, dote), ou de modus vivendi entre herdeiros. Algumas vezes eram os engenhos de açúcar que estabeleciam a divisão a despeito da comunhão das terras; ou os engenhos e o uso de certas terras. Todo o período em que se planeja a comunhão pro diviso é dito período pré-comunial. Pré-comuniaI-real, se os estendemos até a constituição do direito real pelo registro do edifício, ou da rua de vila, ainda que em construção; pré-comuniaI-obrigacional, se não há, ainda, as figuras dos comuneiros pro diviso. 58

Ao negócio jurídico ou à série de negócios jurídicos que preparam a comunhão pro diviso chamou-se incorporação. O uso escolheu o termo. O negócio jurídico ou série de negócios jurídicos que faz a incorporação é, de regra, negócio jurídico ou série de negócios jurídicos inominados; porém contém, necessariamente, promessa, opção, ou compra-e-venda de apartamentos, ou contrato de divisão material e jurídica do bem comum, com discriminação do que é diviso e do que é indiviso. O que não se arrolou como diviso tem-se por indiviso. A parte paga do preço considera-se, salvo disposição em contrário, contraprestação que justifica continuarem por conta dos donos do terreno os impostos e taxas do terreno e por conta do vendedor dos apartamentos, dono, ou não, do terreno, até lavrar-se a escritura hábil para a transferência da propriedade (terreno e outras partes integrantes indivisas mais apartamento), os impostos e taxas que sejam concernentes ao novo edifício ou edifício remodelado ou simplesmente "dividido em apartamentos", ou "casas mais ou menos limítrofes". Outro momento em que surge a comunhão pro diviso é aquele em que os condôminos assentem em que um deles venda ou doe a sua parte indivisa no terreno e reconhecem que foi o vendedor quem construiu a casa, ou em que lhe designam essa casa como acessão da sua p"lrte indivisa. E possível formularem-se algumas proposições que, inicialmente, sirvam à precisão conceptual da comunhão nos edifícios de apartamentos ou em casas mais ou menos limítrofes. a) Comunhão pro diviso é comunhão mais divisão. b) E preciso, portanto, que haja divisão, isto é, partes integrantes divisas - no direito brasileiro, apartamentos, ou casas, ou outra construção, ou meio de dividere - e haja comunhão, pelo menos do terreno. Sem terreno (domínio, usufruto, uso, posse, etc.), que seja indiviso, não há comunhão imobiliária, de modo que esse é o mínimo de elemento comum.

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e) O edifício, em que todas as saídas e todos os corredores ou outras partes integrantes que costumam ser comuns fossem privativas e as paredes todas próprias ou paredes-meias e não houvesse lajes comuns ou apartamentos com tectos-e-soalhos meios, ainda seria edifício de apartamentos. No direito brasileiro, comunhão pro diviso na propriedade do edifício de apartamentos sem terreno pro indiviso, é inconstruível segundo a legislação especial; cada propriedade no terreno seria um terreno e as partes no edifício regular-se-iam pelo instituto que tivesse de disciplinar o direito às partes do prédio. A comunhão pro diviso seria regida, então, segundo o ramo de direito em que fosse construível. d) É tautológico que as partes integrantes divisas se regem pelas normas que regem as coisas imóveis e as partes integrantes indivisas pelas normas que regem as partes ideais, salvo no que são partes integrantes de partes indivisas aquelas e partes integrantes com as partes integrantes divisas essas. e) A divisão em apartamentos pode ser feita material e juridicamente antes de haver pluralidade de sujeitos; quer dizer: há partes indivisas e há partes divisas, integrantes umas das outras, formando as unidades (A, B, C, ... ) do edifício de apartamentos, brevitatis causa os "apartamentos", enquanto ou quando só é um o dono de todos eles. Essa circunstância, inicial ou superveniente, de concentração das propriedades numa só pessoa, não apaga a distribuição material e jurídica do edifício em apartamentos. É preciso que se cancele o registro que produziu a juridicização da distribuição material, para que desapareça a pluralidade de "idéias'., e fique apenas uma. A comunhão pro diviso pode existir se há algo diviso e algo indiviso ou comum. Esses dois pressupostos são necessários, porém não suficientes. É preciso, ainda, que diviso e indiviso sejam partes integrantes deu um todo. Se juntamos os nossos bois para lavrar o meu campo e o teu e acordamos em que dividamos proporcionalmente os frutos, há affectio, elemento social, que falta à comunhão. Se herdamos os dois campos e em comum os bois e os arados, e continuamos ,a exploração, há comunhão pro diviso. Aqui exsurge a questão: é

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possível a comunhão pro diviso do f undus, do terreno? A comunhão pro diviso de edifício de um pavimento, com indivisão do solo, existe no direito brasileiro, é perfeitamente construível. (b) Vila, no sentido de casa de campo, ou de pequena cidade ou quase-cidade, ou de casas vizinhas dentro do terreno separado, vem do latim villa, e tem o étimo latino em vicus, grupo de casas, de moradias ( cf. vicinus, vizinho, vecinus, como villa e vella, nos dialetos, ERNOUT, Les Elements dialectaux du Vocabulaire latin, Paris, 1909, 242), grego oiKos, hindu antigo vêcá-h avéstico vaesma, ca sa. Às vezes se dava o nome de vila a cidades, como aconteceu com Lisboa (Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 59, § 31). Arraiais foram erigidos em Vilas (e.g., Oliveira de Azemeis, Alvará de 11 de fevereiro de 1798; Campanha do Rio Verde, Alvará de 20 de outubro de 1798; Paracatu, em Minas Gerais, na mesma data; Maricá, que passou de Povoado a Vila de Santa Maria de Maricá, Alvará de 26 de maio de 1814; São João d'El Rei, Alvará de 29 de julho de 1814). A vila fica acima do povoado ou povoação, e da aldeia, e abaixo da cidade. Abaixo da vila, a vilagem. Mas a vila, no sentido de vizinhança de casa, não se confunde com o que acima nos referimos. Nas cidades em que, em vez de haver apenas casas grandes e as casas pequenas dos arrabaldes, te".e-se de aproveitar para duas, três, quatro ou mais residências o terreno. em que o proprietário não podia fazer grande casa, e que não podia ser dividido para que na frente se construíssem duas ou mais cas::is. Então, a frente do terreno passou a ser simples entrada para os que lá hJbitassem, quase sempre em casas de urp lado do terreno, ou uma após a oufra, com a passagem pelos lados. Foram as ·vilas. Alusão implícita à casa de campo. ( c) Regulou-se, no Código Civil, arts. 554-568, a passagem forçada pelo terreno ou prédio vizinho. Aí, há limitação ao conteúdo do direito de propriedade, que não se há de confundir com servidão. O elemento germânico afastou o direito romano, que não a tinha. Basta o encravamento para que exsurja a limitação (nosso Tratado de

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e) O edifício, em que todas as saídas e todos os corredores ou outras partes integrantes que costumam ser comuns fossem privativas e as paredes todas próprias ou paredes-meias e não houvesse lajes comuns ou apartamentos com tectos-e-soalhos meios, ainda seria edifício de apartamentos. No direito brasileiro, comunhão pro diviso na propriedade do edifício de apartamentos sem terreno pro indiviso, é inconstruível segundo a legislação especial; cada propriedade no terreno seria um terreno e as partes no edifício regular-se-iam pelo instituto que tivesse de disciplinar o direito às partes do prédio. A comunhão pro diviso seria regida, então, segundo o ramo de direito em que fosse construível. d) É tautológico que as partes integrantes divisas se regem pelas normas que regem as coisas imóveis e as partes integrantes indivisas pelas normas que regem as partes ideais, salvo no que são partes integrantes de partes indivisas aquelas e partes integrantes com as partes integrantes divisas essas. e) A divisão em apartamentos pode ser feita material e juridicamente antes de haver pluralidade de sujeitos; quer dizer: há partes indivisas e há partes divisas, integrantes umas das outras, formando as unidades (A, B, C, ... ) do edifício de apartamentos, brevitatis causa os "apartamentos", enquanto ou quando só é um o dono de todos eles. Essa circunstância, inicial ou superveniente, de concentração das propriedades numa só pessoa, não apaga a distribuição material e jurídica do edifício em apartamentos. É preciso que se cancele o registro que produziu a juridicização da distribuição material, para que desapareça a pluralidade de "idéias" e fique apenas uma. A comunhão pro diviso pode existir se há algo diviso e algo indiviso ou comum. Esses dois pressupostos são necessários, porém não suficientes. É preciso, ainda, que diviso e indiviso sejam partes integrantes deu um todo. Se juntamos os nossos bois para lavrar o meu campo e o teu e acordamos em que dividamos proporcionalmente os frutos, há affectio, elemento social, que falta à comunhão. Se herdamos os dois campos e em comum os bois e os arados, e continuamos a exploração, há comunhão pro diviso. Aqui exsurge a questão: é

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possível a comunhão pro diviso do f undus, do terreno? A comunhão pro diviso de edifício de um pavimento, com indivisão do solo, existe no direito brasileiro, é perfeitamente construível. (b) Vila, no sentido de casa de campo, ou de pequena cidade ou quase-cidade, ou de casas vizinhas dentro do terreno separado, vem do latim villa, e tem o étimo latino em vicus, grupo de casas, de moradias ( cf. vicinus, vizinho, vecinus, como villa e vella, nos dialetos, ERNOUT, Les Elements dialectaux du Vocabulaire latin, Paris, 1909, 242), grego OZKOS, hindu antigo vêcá-h avéstico vaesma, ca sa. As vezes se dava o nome de vila a cidades, como aconteceu com Lisboa (Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 59, § 31). Arraiais foram erigidos em Vilas (e.g., Oliveira de Azemeis, Alvará de 11 de fevereiro de 1798; Campanha do Rio Verde, Alvará de 20 de outubro de 1798; Paracatu, em Minas Gerais, na mesma data; Maricá, que passou de Povoado a Vila de Santa Maria de Maricá, Alvará de 26 de maio de 1814; São João d'El Rei, Alvará de 29 de julho de 1814). A vila fica acima do povoado ou povoação, e da aldeia, e abaixo da cidade. Abaixo da vila, a vilagem. Mas a vila, no sentido de vizinhança de casa, não se confunde com o que acima nos referimos. Nas cidades em que, em vez de haver apenas casas grandes e as casas pequenas dos arrabaldes, teve-se de aproveitar para duas, três, quatro ou mais residências o ter~eno. em que o proprietário não podia fazer grande casa, e que não podia ser dividido para que na frente se construíssem duas ou mais cas:is. Então, a frente do terreno passou a ser simples entrada para os que lá hJbitassem, quase sempre em casas de uqi lado do terreno, ou uma após a outra, com a passagem pelos lados. Foram as ·vilas. Alusão implícita à casa de campo. ( c) Regulou-se, no Código Civil, arts. 554-568, a passagem forçada pelo terreno ou prédio vizinho. Aí, há limitação ao conteúdo do direito de propriedade, que não se há de confundir com servidão. O elemento germânico afastou o direito romano, que não a tinha. Basta o encravamento para que exsurja a limitação (nosso Tratado de

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Direito Privado, tomo XIII, § 1 . 542, 1, onde expusemos a doutrina germânica e brasileira, e frisamos: "Pode dar-se que o caminho que se estabeleça se torne público, ou já tenha, ao abrir-se, os pressupostos da publicização. Aqui, é o direito público que classifica o caminho forçado, considerando-o, ou não, de uso comum. Tal comunicação do uso não apaga as ações privatísticas, nem torna possível ao Estado fechá-lo ou alterar-lhe as extensões necessárias. A publicização tampouco pode ir até à especialização do uso, ou à apropriação pelo Estado").

(d) Dissemos no Tratado de Direito Privado, tomo XVIII, § 2. 139, 3: "A relação jurídica a que correspondem os direitos reais limitados é entre o titular do direito e todos: o sujeito passivo do direito é total. Na servidão, o dono, agora, do prédio serviente apenas é sujeito passivo, agora, da relação jurídica de direito real limitado. Através do tempo, os sujeitos passivos mudam, como pode mudar, se o direito é transmissível, o sujeito ativo. Mas em verdade o sujeito é total. A servidão é direito formado, então direito formativo. Quando algum prédio é objeto de duas ou mais servidões semelhantes, a favor de dois ou mais prédios, não se dá a comunhão do direito real de servidão (cf. PAULO, na L. 19, § 2, D., communi dividundo, 10, 3: "Se por um mesmo lugar se nos deve passagem e nela se fez despesa, disse Pompônio que é duro poder-se intentar ação de divisão, communi dividundo, ou de sócio, pro sacio: pois que comunhão de direito se pode entender separadamente? Mas é de exercer-se a ação de gestão de negócios". Há comunhão de servidão se o prédio dominante é em condomínio, se bem que haja quem entenda só haver, aí, comunhão de exercício (LODORICO BARASSI, Corso di Lezioni sulla Comproprietà, 1929, 75 s.; LINO SALIS, La Comunione, Trattato de F. Vassalli, XVI s.), o que é falso, pois há pluralidade de titulares de direito de propriedade e, pois, pluralidade de direitos de servidão, em comum. De regra, com a divisão do prédio comum, há tantas servidões quantas são as novas coisas feitas com as partes: em vez de pluralidade de titulares, em comunhão, plu-

ralidac!e de servidões ( cf. Tratado de Direito Privado, tomo XII, § 1.273,3). Sobre o mesmo prédio podem recair dois ou mais direitos reais, um dos quais seja direito de servidão, ou dois ou mais direitos de servidão, cujo titular seja o mesmo ou que tenham dois ou mais titulares. Tais direitos coexistem. Cada um tem o seu conteúdo. Tratandose de servidões, dois direitos com o mesmo conteúdo (duas servidões !sobre o mesmo prédio, sendo ambas de caminho e só existindo um), há a solução técnica da regulação do exercício. Aí também incide o principio "civiliter uti": o uso da servidão há de restringir-se às necessidades do prédio dominante, evitando, quanto possível, agravar o encargo, ao prédio serviente (Código Civil, art. 704), e ao seu fim ou fins ( art. 704, parágrafo único), ainda quando a possa remover de um local para outro ( art. 703). Pode acontecer que o dono do prédio tenha uso simultâneo do mesmo conteúdo, ou que duas ou mais servidões tenham o mesmo ( cf. Tratado de Direito Privado, tomo XVIII, § 2. 202, 5).

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Qual o conceito e qual a natureza da rua de vila, ou vila, no sentido de rua de vila? Respondo: - Preliminarmente, afastemos qualquer conceito que se não restrinja à figura, cujo pressuposto principal é o de não se achar ao logo da rua, ou na praça, ou em terreno que vai até à praia, à margem do lago, ou da lagoa, ou do rio, ou da ponte. Se, por exemplo, à margem de lago, em que se permitem entrada e saída, há terreno em que se construíram casas, uma detrás da outra, com a ruela, que é uma só, para todas, há rua de vila. A entidade es-

tatal é que faz as ruas, ou tem como saídas e estradas públicas as mo.rgens dos rios, lagos ou lagoas, ou a ponte, ou o túne1, ou o viaduto. As definições em leis estaduais, ou territoriais, ou municipais, não importam, porque apenas descrevem o que elas reputam elemento de suporte fáctico para algumas regras jurídicas, suas. Quando alguma empresa constrói casas no mesmo terreno, uma após outra, e uma p:ute lateral do terreno leva à rua, ou outra via pública, há vila e rua de vila ou ruela. Nada disso tem relação necessária com a compropriedade ou condomínio. As casas da vila, como os apartamentos, podem ser em condomínio, ou não no serem. O prédio do hotel ou do hospital, ou de palácio ou palacete, pode ter apartamentos, ou ser em unidades separadas, de modo que nada haja em comum. O que é comum é apenas o uso pelo hóspede ou pela pessoa hospitalizada, nas partes do edifício ou dos edifícios em que se permita (e.g., o uso do bar, da piscina, ou do jardim). A vila pode ser em condomínio, que raramente acontece, ou em propriedades distintas, de que apenas se fez de uso comum a parte lateral, a ruela, de que são proprietários os donos das casas, mas somente no que corresponde ao lado de cada uma. Pode acontecer que os donos dos terrenos tenham feito escritura, com o registro necessário, em que se comunizam todo o terreno em que há ou vai haver a ruela. Outrossim, que o dono de todo o terreno já o haja alienado como partes discriminadas, porém com a comunidade dominial da ruela. Para que isso ocorra é preciso que tenha havido explicitude e os pressupostos formais e registrários. (De passagem, advirta-se que há ruela, que não é de uso de duas ou mais casas, ou é de edifício de frente e só de uma casa do fundo. Só uma casa, ou garagem, ou outra construção destinada ou não, é que a usa, ou usa com o edifício de frente. Não se há de chamar vila a isso que muitas vezes se encontra nas cidades, com uma só unidade. Seria criar confusões, posto que com tal ruela que só a uma construção se destina, ou se estende, se possa dar situação jurídica

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semelhante à da rua de vila; propriedade da casa do fundo; compropriedade; co-uso com a construção de frente; uso outorgado pelo dono da ruela). A rua de vila, espec1e de ruela, ou é de um só proprietário, ou de dois ou mais, sem que se pré-exclua ser de alguém que não é proprietário de qualquer das casas. Há ruelas que não são ruas de vila, como ocorre com o terreno lateral, ou dos fundos da área em que se construiu, ou se está construindo, ou se vai construir edifício de apartamentos, e foi permitida entrada ou o uso pela casa que se vai construir, ou se está construindo, ou se construiu para além dos fundos ou em terreno ao lado da ruela. O conceito de vila ou de rua de vila, quando se trata de habitações ou outras unidades embutidas em terreno que vai até a rua (via pública), ou mesmo até outro terreno que vai até a via pública, é conceito geográfico, e não conceito jurídico. Daí poder a rua de vila entrar em suporte fáctico, de que, com a incidência de regra jurídica, resulte simp~es comunhão de uso da ruela, ou a comunhão da propriedade da ruela, ou o condomínio de todas as partes, a partir da ruela, que sejam partes indivisas. Se foi estabelecida a rua de vila, e não se firmou negócio jurídico de que se irradiasse a comunhão de uso, ou de uso e fruição (e. g., a colheita das frutas ou das plantas que há na ruela), nem o condomínio, apenas há compasse da ruela, inclusive com o aproveitamento para águas, esgotos, gás, força elétrica e outras utilidades. A ruela pode ser praça, ou pátio, ou saída para lago, lagoa ou rio. Para que haja condomínio, é indispensável a observância das regras jurídicas sobre condomínio, especialmente a Lei n. 4. 591, de 16 de dezembro de 1964, ou, antes, o Decreto n. 5. 481, de 25 de junho de 1928. Uma delas é a que exige a unanimidade dos que se vão sujeitar à comunhão; outra, a que, para o negócio jurídico de exercício de condomínio, dito "convenção de condomínio'', estatui que o contrato plurilateral, ou a deliberação em assembléia, há de ter o mínimo de dois terços de frações ideais, que correspondam aos titulares que o assinam. (Lei n. 4. 591, de 16 de dezembro de 1964,

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art. 9.º~ § 2.º, que repetiu o que se disse no art. 9. 0 , § 2. 0 , da Lei n. 2. /56. de 23 de abril de 1956.) Tudo isso já está fora do conceito de vila. A ruela pode ser resultado de permissão de todos os donos das partes a que a usem, ou em comunhão, ou em simples composse ainda não disciplinada. (2)

Pergunta-se: - No caso da consulta, como se tem de classificar o terreno situado no fundo do n. 250 da rua São Clemente? Respondo: - O terreno dos fundos, a que se refere a consulta, é terreno dos fundos de três terrenos (rua São Clemente n. 250, n. 252 e n. 254). Quando foi adquirido desmembrou-se de três terrenos, e de modo nenhum é parte do terreno da casa XXXVI da rua São Clemente n. 250, nem de qualquer das outras casas, de 1 a XXXV. Nem, também, do terreno da rua São Clemente n. 252, ou n. 254. A empresa "Mercúrio Imobiliária Ltda." requereu ao 3.° Ofício do Registro Geral de Imóveis que lhe certificasse de quantas casas se constitui a Vila situada à rua São Clemente n. 250, e se constam averbadas as metragens do terreno situado no fundo da rua São Clemente, n. 250, remanescente dos imóveis n. 250, 252 e 254, que lhe foi vendido pela Companhia Industrial Odeon S . A . , de acordo com o laudo de vistoria da Vara de Registro Públicos, e 0 que do Registro consta quanto aos imóveis da rua São Clemente, n. 252 e n. 254. Respondeu o 3. 0 Ofício que "a vila situada na rua São Clemente, n. 250, é constituída de 36 casas numeradas I _ XX.XVI", e que, com a retificação, em virtude de mandado do juiz ( 11 de maio de 1953), da averbação (19 de maio) consta que "as metragens do terreno situado nos fundos do imóvel sito à rua São Clemente, n. 250, casas I - XXXVI, são as seguintes: 1) Frente 42,40 m, esta medida foi feita ao longo de dois segmentos de 22,2s m e 20, 15 m, situados exatamente no limite do terreno vistoriado com os prédios XVIII, XX.XIV, XX.XV e XX.XVI da vila n. 250 da

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rua São Clemente; 2) Direita: 280,30 m medidos ao longo de uma cerca de arame existente e fazendo ângulo de 90º com a linha de frente do terreno; 3) Esquerda: 285,87 m, fazendo ângulo de 90º com a linha dos fundos, e alinhamento da esquerda desse com a medida indicada até chegar a linha testada do terreno, com a qual forma também um ângulo reto; 4) Fundos: 42,4 m medidos ao longo de uma cerca de arame, a frente e limitada por uma linha de 3 segmentos (20,15 m, 1,57 m e 22,25 m). Quanto aos terrenos da rua São Clemente, n. 252 e 254, a "Companhia Industrial Odeon" vendeu-os a uma viúva, como fizera com os fundos do terreno à "Mercúrio Imobiliária Ltda.": essa, portanto, adquiriu os fundos dos terrenos da rua São Clemente, n. 250, 252 e 254. O desmembramento foi evidente. Desmembrado ficou o terreno vendido à "Mercúrio Imobiliária Ltda.", quer no tocante aos terrenos da rua São Clemente n. 254 e 252, quer no tocante ao terreno da rua São Clemente n. 250. Nunca fez parte da "Vila Maria da Glória" terreno dos fundos dos três terrenos. A certidão, que deu o Cartório do 3. 0 Ofício do Registro de Imóveis, do documento que lhe fora fornecido pela antiga Prefeitura do Distrito Federal, comprova que "o imóvel 250 da rua São Clenente, estava inscrito em nome da Companhia Industrial Odeon", "frente de oito metros e vinte e cinco milímetros", "lado esquerdo de vinte e cinco metros e lado direito de vinte e dois metros e setenta e cinco centímetros". Quanto às "dimensões da rua da Vila que dá acesso às casas da vila" (note-se bem: as dimensões da ruela), consta da certidão: "Rua da Vila: Seis metros a partir da rua São Clemente, em toda a sua extensão, inclusive a parte que fica à frente das casas trinta e um a trinta e seis". Depois vem o terreno da "Mercúrio Imobiliária Ltda.", que vai por trás da "Vila Maria da Glória" e dos terrenos da rua São Clemente, n. 252 e 254. Nunca houve incrustação do terreno do fundo da rua São Clemente, n. 250, à "Vila Maria da Glória". Com as vendas, o que hou-

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ve para todos os terrenos foram discriminações de unidades autônomas. Falar-se de Vila com referência ao terreno da empresa "Mercúrio Imobiliária Ltda." é absurdo. O que existe é a servidão sobre a ruela da "Vila Maria da Glória". Não há condomínio na "Vila Maria da Glória" (São Clemente, n. 250). O que se contratou foi simples negócio jurídico para regular o "uso e gozo" da rua particular "Vila Maria da Glória", de modo que à ruela apenas se criou a composse, a 5 de março de 1953. Os lotes não foram vendidos em comunhão. Nem adveio comunhão. Cada dono de casa é proprietário apenas do que corresponde ao seu terreno. Quem comprou casa comprou a faixa que está no seu terreno. Daí terem de regular, em convenção, o uso. Para que o vizinho possa opor-se a alguma construção é preciso que tenha pretensão, oriunda de direito de vizinhança, a exigir que não se faça, o que se rege pelo Código Civil, arts. 554-588, especialmente os arts. 535, 572-587, ou a que cumpra convenção de condomínio, ou de uso, ou de uso e fruição. E de relevância a escritura de compra-e-venda entre a Companhia Industrial Odeon e a consulente. Lá se diz: "O terreno acima vendido é remanescente de propriedade dos outorgantes, situado na rua São Clemente n. 250 (vila com 36 casas), n. 252 e n. 254, em virtude de desmembramento averbado no L-3XX, fls. 26, sob o n. de ordem 5513, conforme certidão do 3.º Ofício do Registro Geral de Imóveis". Ainda se acrescenta que o terreno está "localizado nos fundos da rua de vila aberta. . . por onde tem servidão de 6 m de largura". Os terrenos da vila são servientes; o da consulente tem servidão. Antes se frisara que se tratava de remanescente, isto é, de terreno que resta, que sobra, que sobeja; portanto, que supõe estar restante; e que o desmembramento fora averbado. Que mais se precisaria apontar para se afastar inclusão na "Vila Maria da Glória"? Na transcrição está claro que o objeto foi o "terreno da consulente, situado nos fundos dos imóveis à rua São Clemente n. 250, casas X a XXXVI, 252 e 254".

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Pergunta-se: - Qual o conteúdo do direito de servidão, que se constituiu a favor do proprietário do terreno do fundo do n. 250 da rua São Clemente? Respondo: - A escritura foi explícita no referir-se ao desmembramento do terreno, como terreno dos fundos dos terrenos da rua São Clemente, n. 250, n. 252 e 254. Aliás, além do mandado do Juiz da Vara de Registros Públicos, há o parecer do Procurador do Estado, em que se acentua que "não se trata de lote interno de vila, mas de lote autônomo", "lote esse que se beneficia de servidão de passagem pela rua da vila que lhe é fronteira. Aliás, pela situação dos imóveis, parece tratar-se de servidão de passagem forçada". A servidão existe, conforme resulta da escritura de compra-evenda, com o registro, que tinha de ser feito, e se fez. O título de servidão somente se há de interpretar restritivamente se se referir ao conteúdo ( e.g., se disse "servidão de luz", "servidão de eletricidade", "servidão de esgoto", "servidão de apanha de água", "servidão de piscina"). Se apenas se falou de "servidão", o que se há de entender é que se atribuiu o que é necessário ao uso do terreno ou prédio. Tem-se de entender que a pessoa que se fez titular do direito de servidão atendeu à necessidade do terreno ou do prédio; por isso, se mencionou o conteúdo, previamente se disse satisfeito com o que considerou indispensável. Uma vez que apenas se referiu a servidão, qualquer exegese que a restringisse à passagem, ou à eletricidade, ou à água, ou ao gás, seria absurda. Terreno ou construção que fica no fundo, ou noutro lugar da do terreno ou do prédio serviente, e não tem por onde receber a força elétrica, ou o gás, ou o esgoto, tem necessidade da servidão; e o fato de não ter aludido a qualquer dos serviços públicos, ou simplesmente à passagem, evidencia que quis e obteve a servidão para tudo que for indispensável. 69

A servidão que foi constituída, a favor de quem adquiriu o terreno do fundo, compreende passagem, eletricidade, gás, água e esgoto, bem como qualquer outro elemento necessário. Se se pudesse interpretar cláusula de contrato de compra-evenda, em que se dá direito de servidão a proprietário de terreno ao fundo de vila, como se só atribui direito de passagem de pedestre ou de carro, por onde passariam as instalações elétricas, telefônicas, de água, de gás e de esgotos? Por cima das edificações do terreno em cujo fundo está o terreno com servidão, ou por cima das edificações aos lados, ou do fundo? Seria absurdo. A servidão é para todos os usos necessários.

(4) Pergunta-se: - Pode ser construído no terreno, de que se trata, edifício de doze andares? Respondo: - Sim, evidentemente. O exame, no tocante ao gabarito e outras exigências, somente depende da autoridade pública competente, porque se trata de terreno sem qualquer submissão negocial aos vizinhos. O terreno é lote autônomo, que se desmembrara dos terrenos da rua São Clemente, n. 250, n. 252 e n. 254, e tem servidão que lhe foi outorgada pela proprietária dos três terrenos no momento mesmo em que a consulente o adquiriu~ O projeto de construção foi devidamente aprovado pelo Alvará n. 41. 915, de 5 de novembro de 1963, com acréscimo do subsolo; elevação do gabarito para 12 andares e prorrogação do prazo que constava do alvará anterior. De modo nenhum se tratava, nem se trata, de terreno que se inclua na "Vila Maria da Glória". É impertinente invocar-se legislação sobre terrenos inclusos em vila; a fortiori, legislação sobre comunhão de bens imóveis. Quanto ao que concerne às medidas administrativas do Estado da Guanabara, é de grande relevância o que se frisa no Parecer do Procurador do Estado, a 26 de julho de 1963, com o cumprase do Procurador Geral para a juntada da certidão do mandado do

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Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos e da averbação do mandado. Diz-se no Parecer: "No caso, não se justificava a restrição relativa à construção de vilas na rua São Clemente, já que se trata de construção de edifícios residenciais, e não de vila. A questão, contudo, foi expressamente resolvida pelo Decreto n. 1. 742, de 3-6-63, cujo art. 3. 0 permite a abertura de ruas de vilas em todo o Estado da Guanabara". Adiante: "Na hipótese, não se trata de lote interno de vila, mas de lote autônomo, desmembrado de acordo com decisão do Juiz da Vara de Registros Públicos, devidamente averbado no Registro de Imóveis". No Decreto n. 5. 318, de 29 de fevereiro de 1940, art. 1. 0 , deve-se a seguinte redação ao art. 250 do Decreto n. 4. 857, de 9 de novembro de 1939: "Estarão sujeitos a inscrição no livro 4 o usufruto, o uso é a habitação, salvo quando resultarem de direito de família, a constituição de rendas vinculadas a imóveis, por disposição de última vontade, e as servidões, mesmo aparentes". As formalidades registárias foram atendidas. Os proprietários dos lotes e casas I - XXXVI da rua São Clemente n. 250 não se fizeram condôminos do terreno em que se edificaram as casas. Não há partes ideais do terreno. Cada um adquiriu o que corresponde ao seu título. Não houve comunhão; portanto, não houve condomínio. Quando se adquirem unidades autônomas, tem-se de assinar o negócio jurídico que estabeleça o condomínio. Isso pode acontecer entre promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários, ou proprietários. A construção pode ainda não ter sido concluída, nem se ter iniciado a construção, ou já estarem todas as unidades, ou quase todas, ou algumas, já construídas, ou só uma construída. De qualquer modo, a convenção de condomínio é pressuposto essencial, e tem ela de observar todas as exigências legais (deliberação em assembléia, ou contrato), com a participação de pelo menos dois terços das frações ideais. Não se pode ler a convenção, que foi assinada por menos de dois terços dos titulares dos lotes e casas, corno constitutiva de condomínio: primeiro, porque lá só se fala de uso e gozo da rua de

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vila; segundo, porque não se respeitou o art. 9. 0 , § 2. 0 , da Lei n. 2. 757, de 23 de abril de 1956, que permanece no art. 9. 0 , § 2. 0 , da Lei n. 4. 591, de 16 de dezembro de 1964, que exige a assinatura de dois terços das pessoas a que vão corresponder as partes ideais. Não houve comunhão; finalmente, não havia condomínio, nem há. Nenhum fundamento pode ser admitido, pela Justiça, à ação que se propôs. Não houve condomínio, nem há; o terreno da demandada não faz parte da vila; o projeto de construção que foi apresentado teve acolhimento da entidade estatal, sem qualquer infringência das leis. Pode ela construir e exercer o direito de servidão pela ruela da "Vila Maria da Glória". Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 25 de março de 1971.

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PARECER N. 226 SOBRE CONTRAFAÇÕES DE MARCAS DE INDÚSTRIA E COMÉRCIO E CONCORRf.NCIA DESLEAL DE EMPRESAS

1 OS FATOS (a) Em Vitória, Estado do Espírito Santo, foram criadas e personificadas, com a observância exata de todas as formalidades, como pessoas jurídicas de direito privado "Benjamin Zon & Irmãos" e "Casas do Arroz Supermercados Bom-Zon Indústria e Comércio Ltda. ". O nome registrado, que é o da família que explora a atividade, integrou-se na firma desde 1938. Note-se que se integrou nos nomes das firmas o nome da família, propenso, por sua pronúncia, a propaganda, razão porque se inseriu numa das firmas o adjetivo "bom": "Bom-Zon". Com isso se quis dizer que todo objeto da atividade comercial era e é "bonzão", muito bom, conforme o brasileirismo já introduzido nos dicionários. Com o propósito, não só de vender, mas também de industrializar para o consumo, adequado e competitivo, de arroz, milho, feijão e outros cereais, e de implantar, para mais intenso e maior comércio, rede de supermercados e auto-serviços, "Benjamin Zon & Irmãos" requereu, a 3 de agosto de 1970, ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (depósito n. 934495) o registro da marca 73

"Bom-Zon", para ter, assim, a garantia da exclusividade do uso, em t0do o território nacional, e para que, assim, se evitasse o registro de outras firmas, denominações de empresas, sinais ou expressões de propaganda, marcas de gêneros alimentícios e quaisquer nomes que pudessem confundir-se com "Bom-Zon". As duas firmas têm, hoje, cadeia de lojas, instaladas nas cidades capixabas de Colatina, São Mateus, Linhares, Guarapari, Vila Velha e Vitória. (b) Em dezembro de 1970, os consulentes foram surpreendidos com forte campanha publicitária de propaganda, pela imprensa, pela televisão e pelo rádio, no tocante à instalação em Vitória de estabelecimento comercial. O que se transmitia ao público era sem precedentes e revelador de concorrência: "Bonzão para o comilão, bonzão para a alimentação!" ( c) Por isso ingressaram os consulentes em juízo para a busca e apreensão dos materiais utilizados na propaganda (jingles, letreiros, clichês, etc.) pela empresa "S. A. José Ribeiro Tristão", instruída a petição com os documentos necessários, dentre os quais certidões de depósito da marca Bom-Zon, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Isso, a 3 de agosto de 1970. A demandada, "S.A. José Ribeiro Tristão", alegou que não podia ser pedida a medida, porque não valem como prova de registro. Entendeu que o juiz não poderia deferir o pedido, mesmo porque a expressão "Bonzão" não se confundia com "Bom-Zon". O magistrado indeferiu o pedido. (d) Tivemos de dar dois pareceres em casos semelhantes ao da consulta: a) um, a favor da "F. Hoffmann-La Roche & Co.", Basiléia, Suíça, contra a "Penaten Pharmaceutische Fabrik Dr ' ' . Med. Riese & Co.", Rhondorf, Rein, outra, a favor da empresa "Kibon S. A. (Indústrias Alimentícias)", contra outra empresa que se chamava "Companhia Brasileira de Bebidas e Alimentos Concentrados", e passou a chamar-se "Q-Refres-Ko S.A. Indústria e Comércio". Lançou vários produtos com nomes imitativos, como "Q-Lito" "Q-Gei". '

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(e) Em assuntos de imitações de marcas, há mais quaestiones facti do que quaestiones iuris. No caso da consulta, os consulentes empregaram "Bom-Zon" para que, com o nome de família, se compusesse expressão de repercussão publicitária. Houve certo bom êxito na escolha e compreende-se que a concorrência desleal se implantasse. Tal como acontece com tantas e tantas marcas. Na petição inicial da ação de busca e apreensão, os consulentes invocaram os arts. 192-196 do Código Penal e o art. 179 do Decreto-lei n. 7. 903, de 27 de agosto de 1943 (que tratou dos crimes em matéria de propriedade industrial). (f)

Os arts. 192-196 do Código Penal estatuem serem crimes contra as marcas de indústria e comércio as reproduções e imitações que ele aponta; porém a ação que se propôs não foi penal, e sim de tutela aos direitos das consulentes. Também se invocaram as Convenções de Paris, de 20 de março de 1883, Bruxelas, de 14 de dezembro de 1900, em Washington, a 2 de junho de 1911, e na Haia, a 6 de novembro de 1925. Trata-se da proteção do nome comercial. Disseram as consulentes que há·º uso, a marca "Bom-Zon'', para distinguir os seus produtos industrializados, há longo tempo, e por isso "para evitar confusão" foi depositado no Departamento Nacional da Propriedade Industrial a referida marca "Bom-Zon" sob o n. 934495/ 7, para "proteger suas mercadorias, seus papéis e suas propagandas". A demandada fora notificada, após vinte e quatro horas da notificação houve carta da notificada à empresa notificante, em que se dizia que "não tinham", com a medida, "qualquer objetivo de ocasionar dubiedade de símbolo" e apenas se referiu à "impossibilidade de sustá-la de imediato em face de problema de comunicação neste horário, após 20,00 horas, quando a direção dos veículos publicitários já se encontra afastada de suas sedes". Foi admitida a explicação. Mas, no dia seguinte, prosseguiu na propaganda. Fracassaram todos os propósitos de acordo.

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II OS PRINC1PIOS

(a) O uso da marca antes de ser registrada é elemento de prioridade, porque, se bem que o comerciante, o industrial ou o agricultor possa exercer o direito formativo para adquirir o direito real, se não tem o uso, se expõe a que outrem a use antes e se oponha ao registro. No direito brasileiro, a lei é de grande explicitude. (b) A nulidade do registro das marcas de indústria e de comércio pode resultar da irregistrabilidade ( = da impropriedade do objeto que se teve como marca). A "marca" pode ser irregistrável por não ser sinal distintivo, por não ser marca, ou por ser bem incorpóreo que poderia servir de outro sinal distintivo, porém não de marca. Portanto, por não ser sinal distintivo, ou, embora sinal distintivo, ser irregistrável como marca. a) O que se pode registrar como marca de indústria ou de comércio há de marcar, e não só poder distinguir. O que não distingue não se pode considerar marca; porém não é marca tudo que distingue. Há de ser a marca, antes de tudo, sinal distintivo. Há de ter o cunho próprio. Além de distinguir, há de ser nova, isto é, ainda não ser usada como marca, nem ter caído em domínio comum. Há de referir-se a determinados produtos, para que se não confunda com qualquer outra que distinguia produtos idênticos ou semelhantes, sem que se pré-exclua a irregistrabilidade da marca que pode criar confusão (produtos, não-idênticos, mas similares; produtos derivados; produtos afins). Aqui, a atitude do direito brasileiro é da máxima importância: não só se tem como irregistrável a reprodução, no todo ou em parte, de marca alheia, anteriormente registrada para distinguir os mesmos produtos ou artigos semelhantes, ou pertencentes a gênero de comércio ou de indústria "idêntico ou afim", como a própria imitação.

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b) As marcas constituídas de elementos suscetíveis de proteção como desenho ou modelo industrial também são irregistráveis. Não assim aquelas cm que os elementos ou algum ou alguns deles são nomes comerciais, títulos de estabelecimento, ou expressões ou sinais de propaganda. c) Se a lei pré-exclui a registrabilidade, o registro que infringe a lei é nulo. d) É nulo o registro de certos sinais se não houve o consentimento necessário do titular de direito ao emprego deles. e) A marca ou imitação da marca já usada por outrem é irregistrável. Não pode gozar da proteção legal a reprodução ou imitação da marca de terceiros, não registrada, mas em uso devidamente comprovado, desde que o respectivo utente, impugnando o registro pedido como suscetível de o prejudicar, requeira o da sua marca dentro do prazo legal, contado da sua impugnação. Se o titular do direito de propriedade industrial sobre o sinal distintivo faltava direito formativo gerador, sem ser pelo fato de pré-uso por outrem, o registro é nulo, porque o direito do terceiro titular não podia ser afastado por simples processo administrativo, nem precluiu. ( c) No direito brasileiro, são nulos os registros de marcas de indústrias ou de comércio, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda, que forem efetuados contra as determinações legais. Acrescente-se que as ações de nulidade de quaisquer desses registros só poderão ser propostas dentro do prazo de cinco anos, contados da data da expedição de registro inicial. Trata-se de prazo preclusivo. (d) O sistema jurídico teve de admitir a oposição do utente, para que se apure a anterioridade. Essa apuração de anterioridade é apuração do uso primeiro e legítimo. Se o requerente criou a marca, ou a adquiriu de quem a criou, e outrem, sem direito, usa da marca, apresentando, em tempo oportuno, oposição, o requerente pode defender-se. Outrossim, se há controvérsia sobre uso e o requerente alega que o uso dela por ele é anterior ao uso pelo opoente.

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Lê-se no Decreto-lei n. 1.005, de 21 de outubro de 1969, art. 78: "Não será ainda registrada a marca que constituir reprodução ou imitação de marca de terceiro, ainda não registrada, mas em uso comprovado no Brasil, desde que o respectivo utente ofereça impugnação válida nos termos do artigo 104 deste Código". Se alguma marca foi registrada ou depositada anteriormente, nenhuma das marcas, a do requerente e a do opoente, pode obter registro. Por outro lado, pode a marca do requerente não ser registrada por outro motivo que o pré-uso pelo opoente, e então se há de tratar o pedido do opoente-requerente abstraindo-se da oposição havida. O direito material do pré-utente não preclui com a decisão administrativa sobre o seu não-direito, proferida no julgamento da oposição, ou em grau de recurso; nem, a fortiori, o de pré-utente: como qualquer terceiro, a que o registro ofendeu direito, tem legitimação ativa para a ação de nulidade. O que acima dissemos está, em grande parte, no parecer que democ;; à empresa suíça F. Hoffmann - La Roche Co., Basel (Gutachten, den 29. November 1966), contra uma decisão da Corte de Mannheim, e no parecer para a "Cia. Harkson Indústria e Comércio Kibon" a 9 de outubro de 1968. (e) Quem diz ilícita alguma classe de atos já estabeleceu que a lei os proíbe, com as sanções que ao legislador parecerem adequadas. Quem diz concorrência desleal procedeu a seleção de atos de concorrência, reputando-os desleais, reprováveis, sem adiantar que o sistema jurídico os considera ilícitos. A vida social, devido às estruturas econômico-jurídicas, é organizada em termos de competição, de concorrência, de luta. Uma vez que nem todos os bens da vida podem estar à disposição de todos tem-se de assegurar status quo, ou permitir-se o acesso a alguns bens, que não são de todos, mediante prestações ou atos de luta pela vida. Qualquer que seja a estruturação econômico-jurídica, sempre há os a que os haveres aumentam e os a que os haveres diminuem. A apre78

ciação da "justiça" da estruturação é política, de iure condendo; a apreciação da justiça com que se obedece à estruturação é jurídica, de iure condito. A falta de circulação da riqueza devido a já se ter tornado inadequada a estruturação, ou a se ter empregado a estruturação para, por meios reprováveis, se impedir a circulação da riqueza, ossifica. Observemos, portanto, ser da máxima importância distinguirem-se: a) a concorrência ilícita, em si-mesma contrária a direito; b) a concorrência restringida negocialmente, de modo que os atos de concorrência, que se tiveram por vedados negocialmente, se hão de considerar relativamente ilícitos; e c) a concorrência desleal. E concorrência desleal usar-se em artigo ou produto, em recipiente ou invólucro, em cinta, rótulo, circular, cartaz, ou outro meio de divulgação, ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo", "espécie", "gênero", "sistema", "semelhante", "sucedâneo", "idêntico", ou "equivalente", não se ressalvando a verdadeira procedência do artigo ou produto. Permite-se, evidentemente, que se empregue termo que se refira a lugar de produção se se ressalva a verdadeira procedência, como tipo Porto, ou café tipo Santos, salvo: a) se incide, in casu, regra jurídica interestatal, ou b) se outra regra jurídica o proíbe. A to de concorrência desleal é ato reprimível criminalmente e gerador de pretensão à abstenção, ou à indenização, que se praticou no exercício de alguma atividade e ofende à de outrem, no plano da livre concorrência. Não seria possível reduzirem-se todas as classes àquelas em que há concorrência abusiva (a concorrência desleal seria o abuso do direito de concorrer, atitude que abstrairia das leis que definem os crimes de concorrência desleal) . A teoria do abuso do direito, se poderia explicar parte dos casos de repressão da concorrência desleal, longe está de explicar os demais casos, que são, hoje, numerosos. Na interpretação do texto tem-se de acentuar que a enumeração só diz respeito ao direito penal. Para o direito privado, somente pode servir de argumento a fortiori: se é crime o que se define em inciso do texto, com mais forte razão é ilícito de direito privado ( cf. Supremo Tribunal Federal, 6 de outubro de 1941, A.J., 61, 99 e 9

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de dezembro de 1947, R. dos T., 184, 914; Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de novembro de 1940, 130, 660, R.F., 86, 618). A concorrência desleal, tal como se conceitua através das regras jurídicas penais e das regras jurídicas privatísticas do direito brasileiro, é proibida. O que penalmente se reprime usualmente é, a fortiori, ilícito de direito privado; de modo que, no campo do direito privado, todos os atos de que se fala nas regras jurídicas penais são atos ilícitos, no direito privado. Note-se, aí, como no direito feito, no ius conditum, o conceito de ato de concorrência desleal se insere no de ato ilícito absoluto. Em nenhum dos casos de crimes pela concorrência desleal é elemento do suporte fáctico do crime, o dano, se bem que alguns crimes, como o de revelação de segredo, cause, em si, dano ao que é o interessado no segredo e foi ofendido pelo fato da revelação. O que muito importa é a matéria do desvio de clientela, mas isso, no sistema jurídico brasileiro, de modo nenhum exaure o conteúdo dos atos de concorrência desleal. Se há do~o, há o crime e as ações de direito privado. Se não há dolo, apenas nascem essas. O ato pode ser em proveito próprio ou de outrem. Com isso não se deturpa o conceito de concorrência desleal: se o autor é ou não concorrente, entende a lei que desviar para outrem é pôr a deslealdade a serviço de outrem, ou da concorrência de outrem, sem se precisar indagar da natureza do interesse. Não destoou da lei o Supremo Tribunal Federal, a 2 de maio de 1949 (R.F., 125, 179), quando negou que se configurasse a concorrência desleal no uso de denominação semelhante à de estabelecimento comercial já existente mas de gênero de negócio diferente; porque aí falta o elemento mesmo do desvio de clientela. Se há desvio de clientela, o crime pode ser cometido por empregados ou prepostos (Supremo Tribunal Federal, 10 de maio de 1945, R.F., 106, 134), mandatários ou pessoas estranhas. Aliás, a lei penal não incide somente entre comerciantes e industriais. Nem supõe que haja registro de nome comercial, título de estabelecimento, ou insígnia, ou expressão ou sinal de propaganda. Pode haver registro. Pode não haver registro. A proteção das atividades contra a

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concorrência desleal somente implica, necessariamente, que haja propriedade industrial, nas espécies de indicação de proveniência, propriedade que independe de registro. Nas demais espécies, pode ter havido registro, ou não ter havido. Se há dolo, incide a regra jurídica penal. Se não há dolo, mas imprudência ou negligência, há as ações de direito privado, como se há dolo. A marca ou imitação da marca já usada, posto que ainda não registrada, é protegida, no direito brasileiro, razão por que não só impede o registro de outra que a ofenda. O sistema jurídico teve de admitir a oposição do utente ao registro; a fortiori, a proteção de quem já requereu o registro. (f)

(g) Não raro, as empresas intercalam em todos, ou muitos dos seus produtos, ou em determinadas espécies, elemento lingüístico que lhes aponta a unidade, ou a unidade e a procedência. Com isso, há integração das marcas na figura da empresa. Quando há questão sobre confundibilidade de marcas, há quaestio facti, e não só quaestio iuris. O que importa é que a pronúncia ou a vista das marcas ou uma e outra levem os fregueses e clientes a errarem na compra dos produtos, crendo ser o mesmo, ou ter a mesma procedência.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Uma vez que as consulentes haviam depositado e requerido, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a marca "Bom-Zon", conforme as certidões n. 934495/7, constantes dos autos, pode impedir o uso da expressão, ou a imitação, como firma, denominação social, título de estabelecimento, sinal ou expressão de propaganda?

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Respondo: - Na proteção dos direitos concernentes à propriedade industrial, direitos que podem ser anteriores ao registro, porque se protege o próprio uso antes do requerimento de registro, o que importa é a posição temporal do utente. Quem usou e usa primeiro tem a tutela da lei. Não se precisa, no direito brasileiro, invocar Convenção interestatal, porque, mesmo sem ela, o sistema jurídico protegeria, com o princípio da anterioridade, quem primeiro usou e usa e, a fortiori, quem usou e requereu, antes de quem quer que seja, o registro. A legislação sobre registro é só sobre os pressupostos, o procedimento e a eficácia do registro. Quem requereu o registro já se pôs em situação que lhe dá prioridade e tutela. Mas o utente - antes mesmo do requerimento - é protegido. No caso da consulta, o requerimento já se havia feito. A violação dos direitos é indiscutível. (2)

Pergunta-se: - Podia a empresa demandada, na ação de busca e apreensão, alegar, em oposição, a irregistrabilidade da marca, com fundamentos nos arts. 76, 5), 91, 7), e 95, 6), do Decreto-lei n. 1.005, de 21 de outubro de 1969? Respondo: - No art. 76, 5), do Decreto-lei n. 1.005, de 21 de outubro de 1969, diz-se que não podem ser registrados como marca de indústria, de comércio e de serviço, "denominações genéricas ou sua representação gráfica, expressões empregadas comumente para designar gênero, espécie, natureza, origem, nacionalidade, procedência, destino, peso, medida, valor, qualidade, salvo quando figurarem nas marcas como elemento verídico e com suficiente forma distintiva". Ora, de modo nenhum a expressão "Bom-Zon" é denominação genérica, ou representação gráfica, ou denominação que se empregue para designar gênero, espécie, natureza, origem, procedência, nacionalidade, qualidade, destino, peso, medida ou valor. É absurda a invocação do art.

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76, 5). Dá-se o mesmo com a invocação dos arts. 91, 7), e 95, 6), que, a respeito de títulos de estabelecimento e expressões ou sinais de propaganda, são remissivos ao art. 76. (3)

Pergunta-se: - Uma vez que a demandada entende que a expressão "Bonzão" é expressão comum, de qualidade, e pois não poderia ser registrada, isso afastaria que, com a expressão "Bonzão", não se pudesse ofender o direito de usar "Bom-Zon"? Respondo: - De modo nenhum. Se "Bom-Zon" é registrável e "Bonzão" não no é, conforme alega a empresa demandada, o uso de "Bonzão" pode ser ofensivo do direito ao uso de "Bom-Zon" e de outras expressões parecidas.

A violação dos interesses de quem é protegido pelo sistema jurídico pode resultar de atos que não se regem pelos princípios de exigências registrárias. A registrabilidade da expressão é exigida a quem invoca a proteção jurídica do que está registrado, ou a quem requer, ou vai requerer o registro. Não, a quem ofende o nome, a marca ou qualquer outra expressão registrada, ou registrável. Não se confunda pressupostos para o registro com pressupostos para a ofensa.

(4) Pergunta-se: - No direito brasileiro, protege-se o direito do utente de invenção, de modelo ou desenho industrial, de marca de indústria, de comércio ou de serviço, de título de estabelecimento, desde o depósito e o requerimento, ou somente após a patente ou o registro? Respondo: - A proteção começa com o uso, em relação ao tempo. Acentua-se com o requerimento de registro. O registro atribui denifitividade. A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial não se li-

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mita à concessão de privilégios, de registros (Decreto-lei n. 1 . 005, de 21 de outubro de 1969, art. l.º, a), b) e c). Também inclui a "repressão à concorrência desleal" ( art. 1. 0 , d) . A referência do art. 192, 1, do Código Penal, que diz ser crime contra as marcas de fábrica ou de comércio reproduzir, indevidamente, no todo ou em parte, marca de outrem "registrada", ou imitá-la, não pode ser interpretada como se pré-excludente de qualquer proteção ao direito do utente, a fortiori do utente que requerera o registro e procedera ao registro. Sempre o sustentamos. Imagine-se a calamidade que resultaria de só se proteger nome, símbolo, marca ou qualquer outro elemento designativo, depois que se proferisse despacho e se procedesse ao registro! Seria o mesmo que só se amparar o direito do adquirente do imóvel depois que se ultimasse a transcrição, e não antes do registro, mesmo se foi requerido. Além disso, cumpre advertir-se que o sistema jurídico brasileiro, que, em matéria de posse, é o mais alto do mundo, protege a posse dos direitos sobre bens incorpóreos. Tais bens são, pelo princípio da coextensão da posse e da propriedade, suscetíveis de posse e de tutela possessória. No mesmo sentido, a 1. ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a 20 de junho de 1949 (R.F., 128, 426). Cf. nosso Tratado de Direito Privado, tomo X, § § 1. 068, 2, e 1 . 112, 1 . A posse da invenção pode ser antes do requerimento da patente (tomo XVI, § 1. 963, 1, 2). No sistema jurídico brasileiro, não se chama à ação do inventor, ou de seu sucessor, antes do requerimento, vindicação (cf. KLAUER-MOHRING, Patentgentz, 1940, 149, para o direito alemão). Tem-se, porém, após o requerimento, em oposição, ou após a patente, como ação de imissão de posse, porque, respectivamente, o direito real vai nascer, ou nasceu. Há a ação possessória do pré-utente, em se tratando de bem incorpóreo industrial, antes mesmo de exercer o direito formativo gerador (tomo XVII, § 2 . 07 4) . Cabem às ações cautelares, inclusive a de busca e apreensão ( § .... 2. 076). Na legislação penal do sistema jurídico brasileiro, há busca e apreensão em caso de ofensa do direito de propriedade industrial, e a 84

busca e apreensão em caso de ofensa ao uso do objeto patenteável, ou registrávcl, ou ao direito formativo gerador após o requerimento (cf. tomo XVII, § 2.114). As provas evidenciam, por serem de atos de emprego da expressão que des'ealmente competem com a que já usavam as consulentes, que cabia medida para que não prosseguissem as infrações. O juiz tinha de examinar o caso, com as diligências que ele reputasse necessárias, porque, requerido o registro, com os dados exigidos pela lei, o ônus da prova contrária é da empresa demandada. Há quaestiones f acti e o juiz apenas acolheu a argumentação contra o seu despacho de deferimento. Negar-se a tutela jurídica a quem já usa a expressão, ou, além disso, quem já requerera o registro, é absurdo. A própria invocação da Convenção interestatal foi supérflua, porque o sistema jurídico brasileiro tem a posse dos bens incorpóreos e, ao cogitar, em textos legais, de "marca registrada", não se afasta a incidência de princípios gerais, quer de direito privado, quer de direito penal, quer de direito processual. (5)

Pergunta-se: Os atos acima mencionados constituem atos de concorrência desleal? Respondo: - Sim. O que a empresa infratora quis, indiscutivelmente, foi colher clientela da consulente. Antes da legislação contemporânea, havia direitos que se não reputavam feridos e da ofensa não resultava ação penal; porque os atos chamados de concorrência desleal eram atos que se tinham por lícitos, dentro do ambiente de livre concorrência. Dentro da lei, isto é, sem ofendê-la, direta ou indiretamente, tudo se permitia. Quando se notou que ficavam sem sanção atos que mereciam ser punidos ou gerar pretensões e ações aos ofendidos, apontaram-se tais atos de

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concorrência como tendo o traço comum da deslealdade, nas relações humanas, no tráfico da vida. Na expressão há, portanto, reminiscência do momento em que os juízes e os legisladores tiveram de considerar o problema da revelação do direito. No caso da consulta, além da concorrência desleal, houve a evidente ofensa à legitimação das consulentes a requerer o registro, e a ofensa à eficácia protectiva que advém do requerimento, que reafirma a prioridade; e seria inadmissível que se permitisse, sem tutela jurídica, contra o infrator, que se usasse "Bonzão" para competir com "Bom-Zon". A concorrência desleal pode dar-se até contra quem é ofendido em direito não-registrável, industrial ou intelectualmente. O que importa é haver dano e deslealdade. Quando se viu que a livre concorrência se tornou sem freios, que se fez algo de luta livre, cut-throat competition, competição de cortar pescoço, teve--se de cogitar de regras jurídicas que lhe aparassem as garras, que lhe cortassem as unhas, que lhe amputassem os tentáculos de polvo, que lhe vedassem alguns meios. Não foi o excesso no exercício o que se teve por fito, em todos os casos, coibir, foram as armas empregadas, os embustes, as práticas desleais. Principalmente porque a concorrência tende, quando intensificada, a eliminar a concorrência. Concorrer é tentar abrir caminho, ou alargá-lo; quem o alarga demais, crescentemente, tira espaço a quem concorria, ou poderia concorrer. A luta contra os monopólios inspirou-se na necessidade de evitar ou de desfazer resultados da intensificação da concorrência, que pode negar o princípio de livre concorrência, ou da própria atividade pré-eliminadora da concorrência. Pode não ter havido unfair competition, concorrência desleal. Quando se viu que as leis não previam todas as espécies que deveriam ser vedadas para que pudesse haver concorrência e fosse livre, ou para que, no concorrer, não se usassem meios reprováveis (delege ferenda!), começou-se por se procurar qual o traço comum dessas espécies, como se esse traço comum devesse existir. Um dos traços que se acreditou caracterizasse essas espécies a serem previstas

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foi o da deslealdade na concorrência. Depois se notou que o conceito, se, por um lado, era insuficiente para abranger todas elas, por outro ia muito além do que se pretendia apontar. Não só. Quando se pôs em regra jurídica penal parte do que se havia de regular, como que desapareceu a alusão à característica. A concorrência desleal fez-se ilícita. A expressão "concorrência desleal" explica-se. Escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo XVII, § .... 2. 096, 3) : "Se atendemos a que, no sistema jurídico brasileiro, antes da patenteação ou do registro não há propriedade industrial, podemos discutir se há necessidade da tutela contra a concorrência desleal no período que precede ao direito formado, isto é, no período em que somente há o direito formativo gerador ainda não exercido. Se o sistema jurídico (e de modo nenhum é o caso do direito brasileiro) desconhece direito nesse período e reputa a patenteação ou o registro como criadores ex nihilo, compreende-se que os juristas se apeguem, como à tábua de salvação, à tutela contra a concorrência desleal: precisa-se de pretensão e ação que desfaça a "injustiça". Nos outros sistemas, que têm a propriedade anterior à patenteação ou ao registro, ou que têm o direito formativo gerador, de que resultará o direito formado real, como ocorre com o sistema jurídico brasileiro, diminui de muito a função da tutela contra a concorrência desleal, se bem que possa ser invocada. Por onde se vê que, no sistema jurídico brasileiro, a repressão penal da concorrência desleal e a tutela jurídica contra ela, no campo do direito privado, mais têm por fito encher possíveis brancos, que o direito objetivo haja deixado. Não substitui qualquer outra tutela". No caso da consulta houve ofensa ao direito formativo gerador e houve, com toda a evidência, concorrência desleal. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 29 de março de 1971.

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PARECER N. 227 SOBRE IDADE MAXIMA PARA ADVOGADO SER POSTO EM LISTA TRIPLICE PARA DESEMBARGADOR 1

OS FATOS

(a)

Todas as questões, a que se refere a consulta, são qua:estiones iuris. Na Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 17 de outubro de 1969, estatui no art. 144, IV, que, "na composição de qualquer tribunal, um quinto dos lugares será preenchido por advogados, em efetivo exercício de profissão, e membros do Ministério Público, todos de notório merecimento e prática forense. Os lugares reservados a membros do Ministério Público ou advogados serão preenchidos, respectivamente, por advogados ou membros do Ministério Público, com dez anos, pelo menos, de prática forense, indicados em lista tríplice". A Lei do Estado do Acre, n. 11, 20 de março de 1964, havia estabelecido no art. 21 : "A quinta parte dos lugares do Tribunal de Justiça será preenchida por advogados e membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, com dez anos, pelo menos, de prática forense, e deverá contar com mais de trinta e cinco e menos de sessenta anos de idade".

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Na Constituição de 1967, há referência à idade mm1ma (arts. 118, parágrafo único, 121, 128, § l.º, e 141, § l.º). Sempre, trinta e cinco anos. Para os Tribunais dos Estados-membros, do Distrito Federal, nada se fixou. A idade máxima é sempre a mesma: setenta anos. (b) Adveio a Lei de 5 de novembro de 1970, que regulamentou o art. 144, 5. 0 , da Constituição de 1967 (com a Emenda n. 1), e no art. 4. 0 , disse que devem ser "enviadas ao Governador do Estado, para a iniciativa do processo legislativo, as resoluções dos Tribunais de Justiça que implicarem em: 1 - Criação de cargos, funções ou empregos públicos; II - aumento de vencimento ou da despesa pública; III - disciplina do regime jurídico dos servidores; IV forma e condições de provimento de cargos; V - condições para aquisição de nacionalidade". Há ressalvas quanto aos arts. 115, II, e 144, § 6.0. O art. 115, II, é relativo aos regimentos internos e à organização dos serviços auxiliares e à proposta ao Poder Legislativo da criação e extinção de cargos e fixação dos vencimentos; o art. 144, § 6. 0 , concerne à alteração do número de membros do Tribunal de Justiça ou dos tribunais inferiores. (c) O Presidente do Tribunal de Justiça do Acre, em edital para inscrições de advogados, incluiu como requisito para a inscrição "ter o candidato mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta anos de idade". II OS PRINC1PIOS (a) Na técnica legislativa das Constituições republicanas, a constitucionalização federal de algumas regras jurídicas que seriam de Constituições estaduais e leis estaduais foi-se acentuando. Não só princípios comuns aos membros do Poder Judiciário e à organização se firmaram como também se disciplinou a Justiça local. O ponto mais alto que se alcançou foi o de 1967. Federalizou-se, em texto constitucional, o sistema judicial.

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A Constituição federal poderia fixar a idade max1111a para investidura em cargos do Poder Judiciário. As Constituições estaduais, não: seria violar o princípio de isonomia ou princípio da igualdade perante a lei. A Constituição federal poderia - e foi o que fez fixar o mínimo de idade para alguém ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal ( art. 118, parágrafo único), do Tribunal Federal de Recursos (art. 120), do Supremo Tribunal Militar (art. 128, 0 § 1. 0 ) e do Supremo Tribunal de Trabalho (art. 141, § 1. ), no que, em boa interpretação, as Constituições estaduais foram postas fora da fixação, porque a Constituição federal exauriu os requisitos para os Tribunais de Justiça ( art. 144) . (b) Os cargos públicos são acessíveis a todos os Brasileiros que satisfizerem os requisitos estabelecidos em lei (Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, art. 97). Não se há de entender "requisito estabelecido em lei" o da idade mínima. Seria distinção entre Brasileiros. Na Constituição de 1934, art. 104, § 5. 0 , foi estabelecido: "O limite de idade poderá ser reduzido até 60 anos para a aposentadoria compulsória dos juízes, e até 25 anos, para a primeira nomeação". (e)

Na Constituição de 1937, art. 105, foi posto: "Na composição dos tribunais superiores, um quinto dos lugares será preenchido poí advogados ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, organizando o Tribunal de Apelação uma lista tríplice". Na Constituição de 1946, art. 124, V, exigiu-se aos Estadosmembros que observassem o princípio do quinto de advogados ou membros do Ministério Público, "notório merecimento e reputa " · forense". çao 1·1·b 1 ad a, com d ez anos, pe1o menos, d e pratica Na Constituição de 1967, antes da Emenda n 1 0 · , art. 136 ' IV, e, com a Emenda n. 1, o art. 144, IV, 0 texto é 0 mesmo, que no começo citamos. 90

III A CONSULTAS E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Podia a Lei do Estado do Acre, n. 11, de 20 de março de 1964, exigir a idade máxima para os advogados e membros do Ministério Público que se inscrevam para a entrada no Tribunal de Justiça? Respondo: - De modo nenhum. A exigência era contrária à Constituição de 1946 e o é sob a Constituição de 1967, antes e após a Emenda n. 1. (2) Pergunta-se: - Para se estabelecer idade máxima teria de haver resolução do Tribunal de Justiça, que fosse enviada ao Governador do Estadomembro, ou à Assembléia Legislativa? Respondo: - Nem a Assembléia Legislativa, com a resolução do Tribunal de Justiça, nem o Tribunal de Justiça poderia fixar máximo de idade. Seria ofensa ao art. 152, § 1. 0 , da Constituição de 1967, como o seria sob a Constituição de 1946, ou sob a Constituição de 1937, ou de 1934, ou de 1891. Seria regra jurídica, estadual, evidentemente inconstitucional. (3) Pergunta-se: _ Qual 0 recurso que há de caber no caso de se impor o texto de 1964? Respondo: - O mandado de segurança. , parecer. Este e o meu Rio de Janeiro, 29 de março de 1971.

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PARECER N. 228 SOBRE CONSORCIO COM PERSONIFICAÇÃO COMO SOCIEDADE POR AÇÕES, CONTRATO DAS CONSORCIADAS COM TERCEIRO, CESSÃO DE DIREITOS, FIANÇAS DADAS POR DIRETORES DE EMPRESAS, EM NOME PRôPRIO I

OS FATOS (a) Em 30 de maio de 1969, a autarquia federal "Departamento Nacional de Estradas de Rodagem" e 0 "Consórcio Construtor Rio-Niterói", constituído pelas quatro firmas "Construtora Ferraz Cavalcanti S . A."' "Servix Engenharia S . A."' "Empresa Melhora~e~tos e Construções Emec S. A." e "Companhia Construtora Brasileira de Estradas"' em escritura dizem que o "Consórcio Construtor Rio-Niterói" represe nt ana · as dema1s . empresas perante o D""mR ro..:. e em "nome dele "serão fei't os to dos os contratos de importaçao - " ' com os poderes outorgados por instrumento próprio conhecido e aprovado pelo DNER" te d · ' R/N M· R h . ' n ° em vista o Acordo Financeiro DNE · ot schild & .Sons, onde se diz que há "a utilização de parte d~S recursos de fmancia t . Jlll' . men o, no valor de .f:.20. 825. 000 (vinte . lhoes, oitocentos e vint . . . qu1· · - de bens e e e cmco mil libras esterlinas) para a a 1· i. s1çao · serviços procedentes do R . Un. do" e exp ic . tamente se fala d0 " emo 1 ,., o 'br · . contrato de empreitada decorrente da licitaça pu ica mternac1onal, fixado entre o DNER e 'o "Consórcio". O p:NfR 92

vinculou-se a "colocar ú disposição do "Consórcio", como repasse, parte dos recursos oriundos do Acordo Financeiro ... , acima referido, até o limite máximo de cC 6. 800. 000 (seis milhões e oitocentas mil libras esterlinas), correspondentes a 85 % do preço das importações de bens, materiais, máquinas, equipamentos e serviços produzidos no Reino Unido". Adiante acrescenta-se: "Para os fins deste contrato, entende-se como repasse todo e qualquer pagamento feito em libras esterlinas por N.M. Rothschild & Sons a um fornecedor no Reino Unido, à custa de um contrato de importação regularmente firmado pelo "Consórcio". Há a cláusula quanto aos pagamentos diretos a N.M. Rothschild & Sons, "nas épocas apropriadas", conforme o Acordo Financeiro. O "Consórcio" tinha de submeter ao DNER, dentro do prazo de quinze dias úteis, o conteúdo do contrato, com a minuta, os comprovantes dos pagamentos dos quinze por cento. Houve prazos para os contratos. Previu-se saldo devedor do "Consórcio", no tocante ao repasse. Na Cláusula Quinta, cogitou-se de St!r resolvido o contrato (nele se diz "rescindido"), "de pleno direito", se o "Consórcio" deixasse de "efetuar, nas datas próprias, qualquer pagamento de amortização do principal, dos juros, ou qualquer outra obrigação financeira". Na Cláusula Undécima estabeleceu-se: "Para garantia da operação de crédito constituída por este instrumento e, como primeira garantia das obrigações daí resultantes, o "Consórcio", além da fiança pessoal prestada pelos diretores das empresas que o compõem e que firmam este contrato, desde já compromete-se a : 1. 0 - Dar em penhor industrial até o limite de NCr$ 30. 000. 000,00 os equipamentos importados à custa da presente linha de crédito e outras de sua propriedade ou das firmas integrantes ... 3. 0 - Consentir como consentido tem na retenção de até NCr$ 1O.000. 000,00 das obrigações reajustáveis". Ainda, 4. 0 , se vinculou a "dar povas garantias", "reputadas necessárias pelo DNER", ou "substituir qualquer das garantias previstas nos incisos anteriores". Na Cláusula Décima Segunda, frisou-se: "Caso o "Consórcio" venha a se dissolver ou entrar em liquidação, as obrigações decorren-

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tes deste contrato subsistirão em relação a cada uma das firmas signatárias ou suas sucessoras". (b) O contrato de repasse, em que há a cláusula de fiança, não teve a assinatura dos cônjuges dos fiadores. Nenhuma das mulheres casadas com os diretores. Aliás, apenas se falou de "além da fiança pessoal prestada pelos diretores das empresas que o compõem" (entenda-se: que compõem o consórcio) "e que firmam esse contrato". O contrato foi firmado por pessoas, diretores, que presentavam as empresas. Não há assinaturas para vinculação pessoal. ( c) O "Consórcio" não extinguiu as empresas consorciadas. Tanto isso é evidente que, na Cláusula Décima Segunda, se fala de responsabilidade solidária e de eventual substituição. (d) As quatro empresas constituíam o "Consórcio Construtor Rio-Niterói" e no contrato disse-se ser "parte interveniente e igualmente obrigada a firma "Consórcio Construtor Rio-Niterói S . A.", estabelecida no Estado da Guanabara. O "Consórcio", pessoa jurídica, teve favores fiscais, relativos a isenções alfandegárias para a importação de máquinas e equipamentos (Decreto n. 567, de 7 de maio de 1969). A importadora seria responsável pelo pagamento dos preços e possuidora e proprietária do que importasse. Na Cláusula Primeira, § 4. 0 , foi dito: "Para os fins deste contrato, entende-se como repasse todo e qualquer pagamento feito em libras esterlinas por N.M. Rothschild & Sons a um fornecedor no Reino Unido, à conta de um contrato de importação regularmente firmado pelo "Consórcio" e em vigor, na forma prevista no mencionado "Acordo Financeiro" e pelo presente contrato". No fundo, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, DNER, adquiriu direitos de crédito e os transferiu às quatro empresas e essas, por sua vez, os transferiram ao "Consórcio Construtor Rio-Niterói" S . A."; e assim passou essa sociedade, e somente ela, a exercê-los, ordenando ao devedor estrangeiro dos direitos creditórios que efetuasse o pagamento das prestações da importação. (e) A 27 de janeiro de 1971 o Conselho Administrativo do DNER considerou resolvido o contrato que fora assinado, após a de94

sapropriação, a 26 de janeiro, pelo Governo Federal das ações do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." e dos bens, equipamentos e materiais aplicados nos trabalhos da Ponte Rio-Niterói. Foi proposta, no mesmo dia (resolução do contrato, 27 de janeiro) a ação de desapropriação das ações do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", pondo de lado as máquinas e equipamentos de terceiros, porém imitiu-se na posse das máquinas e equipamentos que o "Consórcio" havia importado do Reino Unido. A "Companhia Construtora Brasileira de Estradas" foi interpelada pelo DNER, para se certificar do seu interesse na ação, e o DNER recebeu dela a confirmação de duas cartas de 15 de fevereiro, anteriores à interpelação, que foi a 17: "A signatária já apresentou, em data de 15 de fevereiro de 1971, a este Departamento, carta circunstanciada, esclarecendo as razões e as condições que determinaram seu posterior afastamento, de qualquer participação nos antecedentes que produziram crise, agora superada, nas obras em epígrafe". Adiante, atendendo a item de interpelação: "3. A signatária nada tem a receber desse Departamento, ou a ele indenizar, com base nas obras em epígrafe; por essa razão, não se manifestou nos autos da ação de desapropriação, mencionada na interpelação. Conseqüentemente, a outros, e não à signatária, deve ser atribuído qualquer resíduo creditário ou débito por eventual indenização, acaso devido ou pleiteado pelo DNER, respectivamente, pelos fatos alegados na interpelação. 4. Nada tendo a signatária a receber desse Departamento, e conseqüentemente nenhuma responsabilidade tendo-se reservado nas obras em questão, não terá qualquer participação no rateio de eventuais créditos ou débitos, provenientes das aludidas obras". A data, 4 de março de 1971. (f)

A "Companhia Construtora Brasileira de Estradas" - antes do decreto de desapropriação das ações do "Consórcio Construtor RioNiterói S. A.", já havia alienado, por venda, à "Construtora Ferraz Cavalcanti S. A." setenta e quatro mil ações ordinárias, nominativas, do "Consórcio", continuando titular de novecentas e noventa. Obrigouse "a participar, em proporção à sua nova participação na sociedade

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anomma "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.'', de qu~1isquer g:irantias que tinham sido ou venham a ser exigidas pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem das firmas consorciadas, bem como de quaisquer novos aditivos àque'es contratos de empreitada e de repasse, acima mencionados". A compradora obrigou-se: a) a diligenciar no sentido da gradativa substituição da primeira contraente" - entenda-se: a vendedora das ações - "e seus Diretores, nos avais e outras garantias em operações de crédito para o capital de giro e aquisição de bens através da FINAME, no vencimento de cada título, ou obrigação, seja pela sua liquidação, seja pela sua renovação com novas garantias ou avais, das quais garantias e avais, entretanto, a primeira contratante, doravante, não mais participará; b) a requerer e diligenciar no sentido de substituição dos bens e equipamentos de propriedade da primeira contratante, dados em penhor industrial ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, com garantia do contrato de repasse n. PG/SJ/103/69 já anteriormente mencionada; e) a atender, ela segunda contratante, quaisquer multas contratualmente impostas pelo Departamento Nacional de Estradas de Rndagem, decorrente da execução do contrato de empreitada. . . ou do contrato de repasse; d) a promover, em estabelecimento de crédito idôneo, e a partir do pagamento, pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, da medição correspondente aos serviços executados entre 10 de janeiro e 10 de fevereiro de 1971, uma retenção de Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, ou valores equivalentes em quantia correspondente e no mínimo 20% (vinte por cento) de cada faturamento pago, até a cobertura integral das responsabilidades, a partir daquela época, assumidas no contrato de repasse, como reserva financeira para atendimento dos compromissos contraídos pelo "Consórcio Construtor Rio-Niterói" e pela sociedade "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", com a abertura, pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, de linha de crédito do contrato de repasse ... , e, se necessária vier a ser a utilização de tal reserva, substituí-la ou reforçá-la com outras garantias adequadas". 96

(g) Tudo que se havia previsto no contrato foi feito, por parte do DNER e o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", sem qualquer participação da "Companhia Construtora Brasileira de Estradas", que apenas firmou com o DNER negócio jurídico de penhor de bens particulares seus, conforme prometera. As máquinas e os equipamentos, importados pelo "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", foram por esse dados em penhor industrial ao DNER. Os juros contratuais e a taxa de administração foram pagos pelo "Consórcio" diretamente ao DNER, que os contabilizou. II

OS PRINC1PIOS (a) Consórcio, senso largo, é a ligação ou associação de pessoas físicas ou jurídicas para atender a necessidades ou interesses dos figurantes. Pode ser livremente concluído o contrato de consórcio, ou derivar de dever. Supõe-se, no conceito, que haja identidade de situação objetiva dos figurantes, ditos consorciados, de modo que a finalidade seja melhor solução para as atividades. Idêntico há de ser o interesse ou necessidade e idêntica a situação objetiva. Nem sempre é o único meio para a solução dos problemas que resultam da situação objetiva idêntica. A vinculação é para que se atinja o que pareceu realizável (ou somente realizável) com a consorcialidade. O consórcio pode obter o que se quis, mediante simples medidas concernentes à atividade de todos os figurantes, ou por distribuição, proporcionável ou não, de atuação. O que importa é que exista comunhão de interesses e que se não destrua ou liminarmente se fira essa comunhão de interesses. Tampouco, que se crie comunhão de interesses, porque então a figura seria outra. Parte-se do que existe, estabelecem-se as vinculações, e organiza-se a atividade para o fim consorcia! ou para os fins consorciais. A positividade dos atos do consórcio é, se não integral, prevalecente. Os consórcios não se confundem com os chamados grupos, pois que, nesses, senso estrito, há entidade, que retira a autonomia eco97

nom1ca das empresas agrupadas, a despeito da relativa autonomia jurídica que lhes fica. O grupo, pessoa física ou pessoa jurídica, atraYés da alta participação no capital das sociedades agrupadas, tem a iniciativa e a direção dessas. Há o grupo por meio de cadeia. (A controla B, B controla C, C controla D) e o grupo como centro irradiante (A controla, B, C e D). O controle pode ser acidental ou probabilístico, se, em vez de ter ações que sejam a maioria, o grupo somente é titular do que lhe permite constituir, com acionistas acordes ou contra dissidentes, a maioria necessária. Os resultados podem ser os mesmos que conseguiriam consórcios, ou mesmo cartéis; mas isso não os identifica. O que caracteriza o consórcio é a existência, entre as empresas, de situação objetiva, idêntica, de modo que se possa estabelecer a mesma sorte, total ou parcial, embora cada um exerça, singularmente, a sua atividade. Por vezes, é a solução que se apresenta, para os problemas que exsurgem de natureza comum. Em vez de cada uma das empresas operar como seria acertado, posto que a seu arbítrio, criam-se para todas elas a vinculação e a obrigatoriedade. Onde poderia haver a mesma atividade, a líbito dos interessados, de per si, estabelecem eles a participação coerciva, pela assunção de deveres. A despeito da variedade de consórcios, a figura jurídica tipicizou-se, ou tende a tipicizar-se, com a prática e as correções que foram impostas pelas circunstâncias ou pelo que há de ius cogens no sistema jurídico, mesmo quando esse ainda não chegou a incluí-la na lista dos contratos nominados. Antes de exame apurado do que ocorria com os consórcios, societários ou não, procurou-se explicar a figura como se se tratasse de comissão. Os consorciados seriam comitentes; o "órgão" ou "ofí. '' . . . , . . , . cio sena comiss1onano, por praticar os atos em nome propno, mas por conta dos consorciados. Ora, se de órgão se cogitasse, haveria entidade de que fosse o órgão; se de ofício, algo de impreciso se introduziria. Isso não era de relevância. O que se queria consistia em se dizer qual a relação jurídica entre os consorciados e o ofício, se a estrutura não fosse societária. Porque, se societária, não haveria 98

qualquer razão para se pensar em comzssao. Restariam as espécies não-societárias. De qualquer modo, a tese da comissão, em geral, tal como se vê em TULLIO ASCARELLI ( Consorzi volontari tra imprenditori, Milano, 1937, 2.ª ed., 69 s. e 107 s.; GIUSEPPE GIACOMO AULETTA, Consorzi commerciali, Nuovo Digesto Italiano, 961), seria errônea; sem que se possa pré-excluir, de todo, a possibilidade de atividade de comissionário, por parte do consórcio. A distinção precípua, a respeito de consórcio, é entre consórcios societários e consórcios não-societários. Nesses, há a vinculação plurilateral, com que se constitua sociedade. Há, ainda, com grande relevo, a distinção entre consórcios voluntários e consórcios coativos ou legais. O controle estatal, só por si, não basta para que o consórcio se faça coativo ou coercivo. (b) Diante da possibilidade - e da freqüência - dos consórcios societários e dos consórcios não-societários, os sistemas jurídicos que ainda não têm legislação sobre os consórcios como contratos típicos, ou, pelo menos, com unidade conceptual, ficaram em situação indecisa de solução técnica legislativa: ou a) exigiriam a estrutura social; ou b) a afastariam, para haver uniformidade de disciplina contratual; ou e) permitiriam o consórcio não-societário e o consórcio societário, uma vez que adequada a espécie escolhida. A solução e), que é, de iure condendo, a melhor, tem de ser seguida nos sistemas jurídicos que ainda não regulam, especificamente, o consórcio. (De passagem, frisemos que, se societário o consórcio, não se justifica que se fale de consórcio e de sociedade que se encarrega das atividades consórteis, nem, a fortiori, de relações entre tal sociedade e consórcio. A expressão "consórcio" é empregada, ora no sentido de vinculação consórtil, ora no de objeto ou fim de contrato, ora no de situação jurídica dos figurantes. Mas, ao falar-se de consórcio, quando se trata de espécie de contrato, o que se há de entender é que se alude ao contrato e à sua eficácia.) Se foi escolhida a estrutura societária, o consórcio é sociedade: há sociedade consórtil. Isso não significa que o consórcio não-so99

cietário não possa atribuir a alguma sociedade, ou mesmo a alguma pessoa jurídica, a função de exercer as atividades do consórcio. Aí, não há consórcio-sociedade, há sociedade, ou empresa individual, que tem a representação, a comissão, ou o mandato, ou outra posição contratual, diante do grupo consórtil, como poderia ser alguém que seja encarregado do ofício. ( c) Os consórcios podem ser apenas por acordo ou negócio jurídico não-societário, dito pacto consórtil, ou com a criação de sociedade perante a qual se vinculam os consorciados, sem personalidade jurídica, ou pela constituição de sociedade que atue pelos consorciados. Qualquer organismo que se sobrepõe às empresas consorciadas, de jeito que vigie, fiscalize ou controle a observância do que se acordou entre os consorciados, caracteriza o consórcio de segundo grau ou do terceiro grau. As quotas dos consorciados podem ser iguais, ou desiguais, determinadas ou determináveis conforme critério preestabelecido. Se a estrutura social é a de sociedade por ações, têm ações os consorciados. Não há o princípio da igualdade presumida das quotas: não é invocável o art. 1. 376, 2.ª parte, do Código Civil ("No silêncio do contrato, presumir-se-ão iguais entre si as entradas"). As empresas não são iguais e o consórcio abstrai de qualquer presunção de eventual igualdade. O fundo do consórcio compõe-se com as contribuições dos consorciados, e do que, com isso, se adquiriu, e escapa a qualquer exigência de divisão, por parte dos consorciados, e a direito, pretensões e ações dos credores particulares desses. O patrimônio é autônomo, porque se destina a determinado fim, que estabelece a mesmidade de sorte dos consorciados. Mas, para isso, é preciso que o consórcio seja externo, com a necessária eficácia contra terceiros. Tal situação jurídica pode existir mesmo se a estruturação do consórcio não é societária. Uma vez que há o patrimônio próprio, não importa quantos são os consorciados, se o contrato com os terceiros foi por órgão ou representante com plena legitimação. O que o consorciado deve ao patrimônio consórtil tem de ser pago e os terceiros podem, em caso

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de concurso de credores, falencial, de liquidação coativa, ou civil, exercer os seus direitos, segundo os princípios. Se o consórcio é societário e os consorciados têm ações ou quotas na sociedade, não podem ser alienados, salvo se concomitantemente se aliena a empresa e o adquirente ou os adquirentes podem entrar e entram no consórcio. A nominatividade das ações é, aí, fortalecida pela intransferibilidade. Se um dos sócios se afasta, ou é afastado, conforme os princípios, o consórcio-sociedade prossegue, com a soma da quota, proporcionalmente, ou conforme critério estatutário, às quotas dos outros sócios. Ainda assim, se a função não é repartível por todos os outros, somente se pode pensar em aditamento àquele sócio ou àqueles sócios que a possam ter. (d) Na accessio personae não se faz credor o terceiro que se designa. Não lhe é dado exigir do devedor a prestação, nem pode remitir a dívida. O efeito único, que tem, é o de conferir ao devedor faculdade irrevogável de se liberar, prestando ao terceiro, como se houvesse prestado ao credor. De ordinário, na relação entre o credor e o terceiro, há mandato, e o mesmo acontecia na prática do direito romano; mas isso é indiferente para a adjecção. Tanto que o solutionis causa adjectus podia ser incapaz de fato (louco, impúbere) ou de direito (escravo), ou ser algum donatário (cf. L. 9, pr., e L. 11, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3; L. 131, § 1, D., de verborum obligationibus, 45, 1). Em todo caso, há a cláusula tácita si in eadem causa maneat. Quer resulte de negócio jurídico bilateral quer de negócio jurídico unilateral (declaração unilateral do credor), a adjecção está no conteúdo, ou muda, por pacto posterior, o conteúdo da obrigação (há de solver ao credor, ou ao terceiro; há de solver ao terceiro; passou a poder solver ao terceiro). Não há representação, não há mandato (sem razão, KONRAD HELLWIG, Die Vcrtrage auf Leistung an Dritte, Leipzig, 1899, 96; RICHARD GRIESS, Die Rechtsstellung des solutionis causa adiectus, Borna-Leipzig, 1911, 14). O adiectus, esse, de modo nenhum pode ser tido, em todas as espécies, como represen-

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tante. Primeiro, porque a adjecção para solução é o que o faz aparecer; ele não é figurante necessário do negócio jurídico da adjecção para solução. Segundo, não intervém com a vontade para que a prestação se faça. É instrumentum, à semelhança do núncio, sem com ele se confundir. O representante, porque representa, tem figura própria e vontade. O órgão, esse, presenta, e a vontade dele é a da pessoa de que é órgão. O núncio é instrumento; pode querer, mas esse querer é o da pessoa nunciante. O adjecto para solução, como o núncio, é instrumento: se quer, recebendo, é como o cofre, em que se põem as moedas para serem guardadas; se não quer. Isto é, se recusa, falhou como instrumento. Já vimos que o só receber prestação não é declaração de vontade. É de repelir-se, portanto, qualquer generalização que faça do solutionis causa adiectus mandatário, ou representante (e.g., ARMIN EHRENZWEIG, Die sog. zweigliedrigem Vertrage, Wien, 1895, 7). Não há, aí, o chamado contrato a dois galhos: o que há é o negócio jurídico abstrato da adjecção para solução e o possível contrato entre o credor e o adjecto. A adjecção para solução é inconfundível com a designação do terceiro, e.g., banco, onde tem conta o credor para que .se lhe credite o que for prestado. Aí, o interesse é do credor, e não do devedor. O credor, na adjecção para solução, é quem recebe, através do terceiro, adiectus. Por isso pode o credor revogar a autorização para depósito na sua conta; não a adjecção. (e) A transmissão da relação jurídica leva direitos, pretensões, obrigações, ações e direitos formativos que surjam, inclusive oriundos de leis novas. Sobre os assuntos, foram decisivos os exames de A. VON TUHR (Der Allgemeine Teil, I, 220 s. e 126; e sem razão a nota 13, aliás contraditória, de L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, II, 265). A transferência da relação jurídica, dita, vulgarmente, transferência do contrato, ainda convencional, é tão completa quanto a do adquirente. Mas essa transmissão não se confunde com a transmissão de direitos, a cessão, que a eles se limita, ou de pretensões ou ações.

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A propósito da expressão "repasse'', escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo LII, § 5. 449, 2: "O que a empresa estabelecida no Brasil recebe ou vai receber do estrangeiro, por ter sido figurante na operação, com ou sem conhecimento ou a colaboração do banco de investimento, pode ser objeto: de prestação da moeda estrangeira no banco de investimento, pela empresa estabelecida no Brasil, de jeito que essa dele receba o valor em moeda nacional, caso em que há venda de moeda estrangeira ao banco de investimento; de assunção da dívida pelo banco de investimento, perante a empresa estabelecida no Brasil (assunção de dívida alheia sem eficácia perante a empresa com sede no estrangeiro, ou com tal eficácia). Assim, na resolução n. 18, inciso XXXVII, a), com o emprego da expressão "repasse", de que adiante cogitaremos, falou da operação entre o banco de investimento e a empresa estabelecida no Brasil, sem se mencionar o negócio jurídico entre esse e aquela, pois que se referiu a efeito, que seria o "repasse". Lê-se, assim, no inciso XXXVII da Resolução n. 18 que: "a) os bancos de investimento podem repassar os recursos provenientes da conversão, em ;moeda nacional, dos empréstimos previstos, se registrados no Banco Central ( art. 15, § 5. 0 , da Lei n. 4 . 8 64, de 29 de novembro de 1965), obrigando-se o mutuário à respectiva liquidação mediante cláusula de paridade cambial; b) as transferências financeiras para pagamento de juros e amortização dos empréstimos referidos não ficam sujeitas a quaisquer encargos financeiros ou empréstimos compulsórios" (art. 15, § 6. 0 , da Lei n. 4.864). (f)

"A expressão "repasse" é de terminologia de caixas, e não de negócio jurídico. Não há negócio jurídico de repasse, posto que se possa prometer operação de repasse. Quem repassa põe noutro lugar o que passou em algum lugar. O banqueiro diz aos seus empregados: "Passe na conta de B esse crédito (ou esse débito) e, no dia 1O, repasse à conta de V"; "o que a empresa A creditou à empresa B, em dólares, repasse à conta de B em cruzeiros"." (g) O negócio jurídico pelo qual terceiro promete ao devedor assumir a dívida é distinto do negócio jurídico da assunção de

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dí\ida. Trata-se de pré-contrato. Promete-se assumir. De ordinário, é de entender-se que satisfaz a obrigação se assume a dívida perante o devedor ou se a assume perante o credor. Mas é possível que, pelos termos do negócio jurídico, se haja precisado o modo de adimplemento. Se a dúvida é quanto a se tratar de promessa de assunção de dívida, ou de co-assunção de dívida (assunção cumulativa de dívida), tem-se de interpretar que se exigiu assunção, e não co-assunção. A promessa de assunção de dívida é promessa de contratar, e não de liberar. Promessa de liberar é outra coisa, como outra coisa é assunção de adimplemento. Aqui, já se assume; ali, só se promete assumir. Assunção cumulativa de dívida é a assunção de dívida em que não há substituição do devedor originário: reforça a dívida anterior, não lhe substitui o sujeito. Done dizer-se assunção reforçante ( bestarkende) ou cumulativa (kumulative Schuldübernahme). Também dita (OTTO VON GIERKE, HANS REICHEL) co-assunção de dívida ( Schuldmitübernahme), porque se insere ( tritt) junto à outra dívida, donde a expressão de W. WESTERKAMP, hoje também usada, em a1emão, Schuldbeitritt ( cf. B. MATTHIASS, Lehrbuch, 259; G. PLANCK, Kommentar, II, 1, 594; W. WESTERKAMP, Burgschaft und Schuldbeitritt, 1 s.; J. ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 191 s.; WEIGELIN, Der Schuldbeitritt, 1 s.).

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Chamando-se ao contrato de "repasse", tem relevância a denominação para se classificar o negócio jurídico? Respondo: - Não. Não há, nos sistemas jurídicos, contrato de repasse. "Repasse" é expressão que se introduziu na terminologia dos caixas. Já reproduzimos o que exprobramos à Resolução do Banco Central.

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No contrato entre o DNER e o "Consórcio Construtor Rio-Niterói", constituído, note-se bem, pelas quatro sociedades personalizadas, há vinculação do "Consórcio", e da sociedade por ações "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", de modo que os figurantes foram, em verdade, o "Consórcio Construtor Rio-Niterói" e o "Consórcio Rio-Niterói S. A.", pois as quatro entidades já se haviam consorciado e os seus nomes apenas figuram como elementos constitutivos do "Consórcio". Os diretores das entidades constitutivas do consórcio apenas os presentaram, como órgãos delas e do "Consórcio". (Não digamos que as representaram e o representaram, porque órgão não representa, apesar dos erros de muitos juristas, cf. nosso Tratado de Direito Privado, tomos 1, §§ 91, 2, 3, 97 e 98; XLIX, § 5 .180, 2.) Adiante, disse o contrato que foi "parte interveniente e igualmente coobrigada a firma "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", estabelecida nesta Cidade do Rio de Janeiro, . . . neste ato representada pelos Srs. Cincinato Cajado Braga e Luís Carlos Baptista Cavalcanti, já designada para ser a representante dos demais perante o DNER e em nome da qual serão feitos todos os contratos de importação, tudo conforme os poderes outorgados por instrumento próprio conhecido e aprovado pelo DNER". Assim, o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." passou a ser o titular dos poderes outorgados pelas empresas consorciadas, em instrumento "aprovado pelo DNER"; mas, nas relações jurídicas entre o "Consórcio", sociedade por ações, e o DNER, houve mútuo ao "Consórcio", sociedade por ações no tocante ao percentual do empréstimo que o DNER fizera "N.M. Rothschild & Sons". O empréstimo tinha destinação e o "Consórcio", sociedade por ações, receberia o percentual do empréstimo com a mesma destinação. Houve mútuo, que, com o recebimento e não só com a aquisição dos bens, materiais, máquinas, equipamentos e serviços produzidos no Reino Unido, fez do "Consórcio" o dinheiro em libras esterlinas, tirado do crédito quanto ao percentual.

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Na Yerdade, o DNER emprestou ao "Consórcio" percentual do que "N. ~1. Rothschild & Sons" lhe emprestara, partindo-se, não de pré-contrato de mútuo, mas de mútuo com prestações a efetivaremse com as aquisições no Reino Unido. O bem que se mutua passa a ser do mutuário quando já prestado. "N. M. Rothschild & Sons" pagariam aos fornecedores do Reino Unido, conforme o contrato de importação. Com o pagamento, nasciam a vinculação do "Consórcio", sociedade por ações, ao DNER e nova vinculação do DNER a "N. M. Rothschild & Sons". O "Consórcio", sociedade por ações, tinha de empregar todos os valores emprestados, "única e exclusivamente para a importação" dos bens e serviços mencionados. A relação jurídica entre o "Consórcio", sociedade por ações, e "N. M. Rothschild & Sons" ou a) foi apenas a de accessio personae, ou b) a de simples cessão de direitos, ou e) em virtude de mútuo, com cessão de direitos e pré-assunção de dívida. A resposta certa é a última: o DNER emprestou ao "Consórcio", sociedade por ações, o que fosse necessário à importação, e o objeto do empréstimo, em vez de ser dinheiro brasileiro, foi o dinheiro em libras esterlinas, que o "Consórcio" receberia de "N. M. Rothschild & Sons". A relação entre o "Consórcio" e "N. M. Rothschild & Sons" é estranha aos problemas da consulta. Quanto à relação jurídica inicial entre o "Consórcio", sociedade por ações, e o DNER, o que importa é o conteúdo dos seguintes textos: o DNER obrigou-se "a colocar à disposição do "Consórcio", com repasse, parte dos recursos oriundos do Acordo Financeiro "DNER/N .M. Rothschild & Sons" ("Consórcio", aí, é a sociedade por ações)". Para os fins deste contrato, entenda-se como repasse todo e qualquer pagamento feito em libras esterlinas por N. M. Rothschild & Sons a um fornecedor no Reino Unido; o quanto somente para a importação do que concerneria às obras da "Ponte Rio-Niterói" e os serviços; o "Consórcio", sociedade por ações, vinculou-se "a pagar diretamente a N. M. Rothschild & Sons, nas épocas apro-

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priadas, como previsto no aludido "Acordo Financeiro" valor correspondente aos 15 % iniciais do valor de cada contrato de importação"., o que tinha de ser comprovado; o "Consórcio", sociedade por ações, tinha de "promover o recolhimento, onde o DNER lhe indicar, das diversas parcelas dos seus débitos"; qualquer infração daria ensejo a resilição, e ficaria "obrigada a resgatar de uma só vez", o que se menciona na Cláusula Quinta; e em caso de resilição do contrato de empreitada, teria de resgatar, "de imediato e de uma só vez", o principal e os encargos decorrentes do contrato; o "Consórcio", so· ciedade por ações, teve de dar penhor industrial e outras garantias; o DNER e o "Consórcio", sociedade por ações, é que, "noventa dias antes da data prevista para o término das obras de construção da "Ponte Rio-Niterói", é que teriam de promover, em conjunto, o levantamento completo de todas as importações realizadas, dos pagamentos efetuados e das garantias efetivadas, para o fim de ajustar as garantias ora oferecidas ao real volume das obrigações do "Consórcio." (2) Pergunta-se: - No caso da consulta, houve contrato de mútuo ou cessão de crédito? Respondo: -

Já respondemos à questão quanto à pergunta anterior.

Houve o mútuo, com a cessão do direito, a receber parte do empréstimo que o mutuante obtivera de outrem. A cada pagamento de importação e de serviços no Reino Unido tinha o mutuário, cessionário, de assumir a dívida, em parte, com o terceiro que emprestara ao mutuante, cedente. Houve promessa de assunção de dívida, ao lado do contrato de mútuo, mediante cessão do direito à exigência dos pagamentos pela sociedade "N .M. Rothschild & Sons". A prometida assunção seria assunção cumulativa de dívida.

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(3)

Pergunta-se: - Qual o devedor principal no contrato a que se refere a consulta: o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", ou o grupo das quatro sociedades, que se haviam antes consorciado e vieram a constituir o "Consórcio'', sociedade por ações? Respondo: - Responsável, no tocante a mútuos, com cessão de direitos e pré-assunção de dívida, foi o "Consórcio", sociedade por ações. A ele foi que passou parte do crédito do DNER contra "N. M. Rothschild & Sons". Foi ele que adquiriu, para importação própria, máquinas, equipamentos e outros bens, bens - todos - que se tornaram de sua propriedade. O penhor sobre eles se constituiu. (4) Pergunta-se: - Qual a posição jurídica das quatro empresas no contrato em exame? Respondo: - A despeito de, no caso do contrato, se dizer que o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." seria "parte interveniente e igualmente coobrigada", logo se acentua que em nome de tal sociedade "serão feitos todos os contratos de importação", "à disposição dela" foi posto o percentual do empréstimo ao DNER e lhe cabiam todos os outros direitos e deveres. As empresas consorciadas apenas se vincularam, em caso de dissolução ou de liquidação do consórcio ficarem no lugar dele, e os seus diretores a prestar fiança. (5) Pergunta-se: - Os acionistas do "Consórcio Construtor Rio-Niterói s. A." são responsáveis perante o DNER, ou qualquer sub-rogada nos créditos do DNER contra o "Consórcio Construtor Rio-Niterói s. A."?

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Respondo: - O acionista é terceiro, se se trata de ato com sociedade anônima, e o próprio sócio "que não tomou parte no ato com a sociedade em nome coletivo, é terceiro". Foi isso que escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo IV, § 450, 5. Os acionistas são responsáveis pelo que subscreveram e não pagaram, e pelos juros de mora, ou, se entraram com valor de bens para a formação inicial do capital social, ou para algum aumento, pelo que têm de responder como se fossem vendedores dos bens, ou se, quando constituíram a socied8.de por ações, pessoalmente incorreram em pena criminal. Fora daí, não há responsabilidade de acionistas para com quem entra em contacto com a sociedade por ações. Os acionistas do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." não são responsáveis por dívidas do "Consórcio" ao DNER, ou a algum sucessor nos créditos, com fundamento no contrato a que se refere a consulta. (6)

Pergunta-se: - Na apuração do patrimônio líquido do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", após a desapropriação, hão de figurar no ativo as máquinas, os equipamentos e o valor dos serviços prestados no Reino Unido; e no passivo, o valor do crédito do DNER contra "N.M. Rothschill & Sons", no que ao "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." foi cedido? Respondo: - Sim. No que concerne às relações jurídicas oriundas do contrato, em que há o mútuo, com cessão de direito, e pré-assunção de dívida, tudo só se passa entre a mutuante européia, o mutuário brasileiro (DNER) e o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.". Se, na desapropriação, se procede à avaliação dos bens, com as devidas indenizações, o que a entidade desapropriante prestar aos acionistas, porque as ações é que foram desapropriadas, pertence aos acionistas. A

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entidade desapropriante não desapropriou o patrimônio do "Consórcio"; desapropriou as ações. Com o valor das máquinas e do mais que foi importado, o que se há de pagar é o que se deve ao DNER conforme o que se retirou do empréstimo que lhe fizera "N. M. Roth-' schild & Sons". Quem paga é a sucessora da empresa-consórcio. Quem desapropria todas ações, faz-se acionista único (dono do patrimônio da sociedade), e tem de receber o que à sociedade por ações alguém deve e pagar o que a sociedade por ações devia. (7)

Pergunta-se: - A quem se deve atribuir a propriedade das máquinas e demais bens importados pelo "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A."? Respondo: - Evidentemente, nos termos do contrato, a propriedade é do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S . A.", que, aliás, conforme o contrato, tinha de empenhar os bens importados e empenhou. Note-se que as operações só se referiam ao DNER, ao "Consórcio", sociedade por ações, e à sociedade inglesa. As quatro sociedades foram apenas garantes pessoais do devedor, que era o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A". No caso, houve mais unicidade de figurante do que principalidade. A terminologia do contrato (' parte interveniente") foi imprópria, porque quase todas as cláusulas só se referem a relações jurídicas entre o "Consórcio", sociedade por ações, o DNER e a sociedade inglesa. No mais, só se cogitou de garantias aos débitos previstos do "Consórcio", sociedade por ações. (8)

Pergunta-se: - Com a desapropriação, pelo Governo Federal, das ações do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", houve "confusão" dos créditos e débitos do DNER com os débitos e créditos do "Consórcio", sociedade por ações?

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Respondo: - A desapropriação das ações, desde o trânsito em julgado c!a sentença, extingue a sociedade por ações, que passa a ter apenas um titular de ações. O sistema jurídico exige um mínimo para o número de acionistas. Na espécie, o que podem fazer as entidades desapropriantes é imediatamente satisfazer/, com transferjências, o pressuposto de mínimo de acionistas, com a mudança, ou não, da personalidade, ou transformar a sociedade, que era de ações, em outra espécie de sociedade. De ordinário, há criação, e não transformação. Se a entidade estatal não toma providência eficaz e eficiente para que se dê a sucessão por outra pessoa, física ou jurídica, há a entrada dos créditos e dos débitos no patrimônio da entidade de~ sapropriante, ou para a qual houve a desapropriação, e a confusão é inevitável. Se o crédito e a dívida se reúnem na mesma pessoa, isto é, se a mesma pessoa, que era devedor, passa a ser também credor, ou a que era credor passa a ser devedor, extingue-se, de regra, a relação jurídica, pelo princípio de que ninguém pode ser credor de si mesmo, uma vez que o fim foi obtido. Há, então, o fato da confusio, confusão, tal como se o devedor herda do credor, ou se o credor cedeu ao devedor o crédito. Há ponto principal: a confusão a) extingue a dívida, a obrigação, ou a ação, ou b) apenas a faz adormecer, isto é, lhe impede o exercício? Como em a), os Sabinianos; como em b), os Proculeianos. Com a confusão, extingue-se a dívida. Tudo se passa à semelhança da solução, do adimplemento (veluti solutionis iure, solutionis postestate). (9) Pergunta-se: - Na apuração do patrimônio do "Consórcio Construtor RioNiterói S. A.", é preciso que se computem, como ativo, as máqui111

nas e o mais que foi importado, e, como passivo, a parte valor do crédito do DNER contra "N. M. Rothschild & Sons", que fora utilizada pelo "Consórcio", sociedade por ações? Respondo: - Quanto ao ativo, evidentemente, porque tudo que foi importado se fez propriedade do "Consórcio", pessoa jurídica. Quanto ao passivo, tinha eie, conforme a Cláusula Segunda, § 1. 0 , e a Cláusula Terceira, de fazer pagamentos iniciais (quinze por cento de cada valor de contrato de importação) e outros, periódicos, bem como juros, taxas e comissão. O que foi pago não pode figurar como dívida ao DNER. Advirta-se que se está a supor que a desapropriação tenha sido para proveito do DNER, e não da Fazenda Nacional, stricto sensu. (10)

Pergunta-se: - Pode o DNER propor ação contra as quatro empresas se o valor das ações não corresponde ao ativo do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A."? Respondo: - A desapropriação foi das ações, e a indenização justa tem de ser paga. Qual é, compete à Justiça dizê-lo. Trânsita em julgado a sentença que a fixa, não importa qualquer apuração posterior, extrajudicial ou não. Os riscos são da entidade desapropriante, ou da entidade a favor da qual se fez a desapropriação. (11)

Pergunta-se: - Com a desapropriação, também se extingue o penhor que o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S.A." havia constituído a favor do DNER? 112

Respondo: - Escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo XXV, § 3. 009, 2, que o penhor se extingue pela união da mesma pessoa do direito de penhor e do direito de propriedade. Se o direito de penhor é objeto de direito de terceiro, a união não tem eficácia contra esse. Tem-se pretendido que se não extinguiria, então, o direito de penhor; o que se passa é apenas inextensão de eficácia: produz-se a extinção do gravame; o terceiro conserva os direitos que teria, se se não houvesse operado a união. O direito real de penhor extingue-se pela união, em virtude de regra legal ( art. 802, V: "Confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e dono da coisa"). Não existe regra igual a respeito da hipoteca; porque se previram casos em que é de interesse do dono que o direito real de hipoteca continue. Nem se pode pré-excluir o possível penhor de proprietário. Mas o penhor de proprietário exige que a reunião das duas titularidades na mesma pessoa seja superada pela distinguibilidade da categoria jurídica do penhor, a despeito de reunião das duas titularidades. Ora, para que isso ocorra, é preciso, e.g., que haja registro, ou que tenha havido criação e emissão de dois títulos incorporantes. O dono do conhecimento de depósito e do warrant respectivo é dono das mercadorias e tem penhor sobre elas. Quer ainda estejam juntos os dois títulos, quer o conhecimento de depósito tenha sido adquirido pelo dono do warrant, ou o warrant tenha sido adquirido pelo dono do conhecimento de depósito. Porém, não só em tal caso se dá penhor de proprietário. (12)

Pergunta-se: - A renúncia ao benefício de ordem, constante da Cláusula Nona, estende-se às quatro empresas, de modo que não poderiam exigir que alguma execução recaísse, antes, em bens do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A."?

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Respondo: - Na Cláusula Nona estabelece-se: "O 'Consórcio' renuncia, expressamente, a todo e qualquer benefício de ordem, regalia ou pri\ilégio, especialmente a embargos e a cláusula de primeira impenhorabilidade que porventura proteja seus bens, direitos e ações, sendo as obrigações decorrentes deste contrato constituídas em créditos privilegiados do DNER e exigível independentemente de qualquer aviso, notificação, interpelação ou medida judicial ou extrajudicial. Os Diretores das empresas que assinam este instrumento renunciam expressamente quaisquer benefícios de ordem, assim como permitido no art. 1 . 491 do Código Civil Brasileiro". Só renunciou o "Consórcio", sociedade anon1ma; não renunciaram as quatro empresas. A renúncia foi mais larga, porque não se restringiu ao beneficium excussionis seu ordinis. (13)

Pergunta-se: - Se acaso forem executadas como garantes do devedor "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." as empresas ditas consorciadas, há a favor delas sub-rogação no crédito e na garantia ao DNER, e poderão ir contra a União? Respondo: A execução é apenas ex hypothesi. As dívidas, que existissem entre o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." e a entidade a favor da qual se fez a desapropriação, estariam extintas, pela confusio. Se acaso algum juiz admitisse a execução em bens das empresas, poderiam elas ir contra o "Consórcio", sociedade por ações, se esse subsistiu, ou contra a União, pois estariam na situação de garantes com benefício de ordem, a que não renunciaram, e de sub-rogadas pessoais nos direitos do credor. Aliás, poderiam ir, no mesmo processo, contra o devedor principal. -

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Pergunta-se: - Se, a despeito da referência a ações e a bens, eqmpamentos e materiais, aplicados nos trabalhos de construção da ponte, não .se propôs ação para desapropriar esses "bens, equipamentos e materiais", na ação de desapropriação das ações podem ser inclusas as garantias que as empresas deram ou contra elas exigidas as quantias garantidas? Respondo: - Não. A despeito do que se lê no Decreto n. 68. 110, de 26 de janeiro de 1971, a desapropriação foi pedida quanto às ações. Não se pode pedir desapropriação de todas as ações e desapropriação do patrimônio. A contradição ressaltaria. A União, ou a autarquia, fezse dona do total das ações, extinguiu-se a sociedade por ações; ou com o patrimônio se fez outra sociedade. Quanto aos créditos contra o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S.A." deu-se a confusão. O credor passou a ser o dono do que fora importado e dera ensejo às garantias das dívidas. (15) Pergunta-se: - Tendo as empresas "confessado" a dívida, como integrantes do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", e figurou como devedor e empenhante o "Consórcio", sociedade por ações, com a desapropriação das ações, extingue-se a garantia prestada pela empresa "Companhia Construtora Brasileira de Estradas" ao DNER, constante da escritura de 4 de dezembro de 1969? Respondo: - Sim. O que ela empenhou, conforme as regras jurídicas concernentes ao penhor industrial (Lei n. 2. 931, de 27 de outubro de 1956, e Decreto-lei n. 1. 271, de 16 de maio de 1939), foi para produzir os efeitos da Cláusula Undécima. A Cláusula Undécima é a que se refere a garantias para as operações que levariam à aquisição de bens em libras esterlinas pelo "Consórcio", sociedade por ações. As ações foram objeto da desapropriação.

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Respondo: - Na Cláusula Nona estabelece-se: "O 'Consórcio' renuncia , expressamente, a todo e qualquer benefício de ordem, regalia ou pri\ilégio, especialmente a embargos e a cláusula de primeira impenhorabilidade que porventura proteja seus bens, direitos e ações, sendo as obrigações decorrentes deste contrato constituídas em créditos privilegiados do DNER e exigível independentemente de qualquer aviso, notificação, interpelação ou medida judicial ou extrajudicial. Os Diretores das empresas que assinam este instrumento renunciam expressamente quaisquer benefícios de ordem, assim como permitido no art. 1.491 do Código Civil Brasileiro". Só renunciou o "Consórcio", sociedade anomma; não renunciaram as quatro empresas. A renúncia foi mais larga, porque não se restringiu ao beneficium excussionis seu ordinis. (13)

Pergunta-se: - Se acaso forem executadas como garantes do devedor "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." as empresas ditas consorciadas, há a favor delas sub-rogação no crédito e na garantia ao DNER, e poderão ir contra a União? Respondo: A execução é apenas ex hypothesi. As dívidas, que existissem entre o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." e a entidade a favor da qual se fez a desapropriação, estariam extintas, pela confusio. Se acaso algum juiz admitisse a execução em bens das empresas, poderiam elas ir contra o "Consórcio", sociedade por ações, se esse subsistiu, ou contra a União, pois estariam na situação de garantes com benefício de ordem, a que não renunciaram, e de sub-rogadas pessoais nos direitos do credor. Aliás, poderiam ir, no mesmo processo, contra o devedor principal. -

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Pergunta-se: - Se, a despeito da referência a ações e a bens, equipamentos e materiais, aplicados nos trabalhos de construção da ponte, não .se propôs ação para desapropriar esses "bens, equipamentos e materiais", na ação de desapropriação das ações podem ser inclusas as garantias que as empresas deram ou contra elas exigidas as quantias garantidas? Respondo: - Não. A despeito do que se lê no Decreto n. 68. 11 O, de 26 de janeiro de 1971, a desapropriação foi pedida quanto às ações. Não se pode pedir desapropriação de todas as ações e desapropriação do patrimônio. A contradição ressaltaria. A União, ou a autarquia, fezse dona do total das ações, extinguiu-se a sociedade por ações; ou com o patrimônio se fez outra sociedade. Quanto aos créditos contra o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S.A." deu-se a confusão. O credor passou a ser o dono do que fora importado e dera ensejo às garantias das dívidas. (15) Pergunta-se: - Tendo as empresas "confessado" a dívida, como integrantes do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A.", e figurou como devedor e empenhante o "Consórcio", sociedade por ações, com a desapropriação das ações, extingue-se a garantia prestada pela empresa "Companhia Construtora Brasileira de Estradas" ao DNER, constante da escritura de 4 de dezembro de 1969? Respondo: - Sim. O que ela empenhou, conforme as regras jurídicas concernentes ao penhor industrial (Lei n. 2. 931, de 27 de outubro de 1956, e Decreto-lei n. 1. 271, de 16 de maio de 1939), foi para produzir os efeitos da Cláusula Undécima. A Cláusula Undécima é a que se refere a garantias para as operações que levariam à aquisição de bens em libras esterlinas pelo "Consórcio", sociedade por ações. As ações foram objeto da desapropriação.

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(16) Pergunta-se: - Poderia o DNER cobrar, antecipadamente, dívidas que seriam das empresas, se houve a resilição do contrato de empreitada e a desapropriação? Respondo: - Não. O assunto já foi versado em respostas a perguntas anteriores. A desapropriação foi das ações, de modo que o credor se inseriu nas relações jurídicas como sucessor da sociedade por ações. Houve a confusio. O Decreto n. 63 . 11 O, de 26 de janeiro de 1971, declarou de utilidade pública "as ações do "Consórcio Construtor Rio-Niterói S.A.", "bem como os bens, equipamentos e materiais, aplicados nos trabalhos de construção da Ponte Presidente Costa e Silva". Na petição inicial, a ação foi dita contra o "Consórcio Construtor Rio-Niterói S. A." e demais acionistas (as acionistas são as quatro empresas), e para desapropriação das ações. Houve interpelação judicial das empresas titulares de ações para que dissessem quais os "representantes autorizados perante o requerente, DNER", a quem se há de imputar o que se apurar de perdas e danos e qual a proporção da importação de créditos e débitos, "seja por responsabilidade direta de cada uma das quatro primeiras suplicadas, seja em função do número de ações de cada um dos suplicados". A "Companhia Construtora Brasileira" respondeu que, a 15 de fevereiro de 1971, já havia prestado todos os esclarecimentos ao DNER, em "carta circunstanciada, esclarecendo as razões e as condições, que determinaram seu anterior afastamento de qualquer participação nos antecedentes que produziram crise, agora superada, nas obras em epígrafe". Repetiu o que dissera na carta: "2. Os representantes legais da signatária, eleitos e empossados na conformidade dos seus respectivos estatutos sociais, são naturalmente as pessoas legalmente habilitadas a se manifestar, por ela, perante quaisquer ter-

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ceiros. 3 . A signatária nada tem a receber desse Departamento, ou a ele indenizar, com base nas obras em epígrafe; por essa razão, não se manifestou nos autos da ação de desapropriação, mencionada na interpelação. Conseqüentemente, a outros, e não à signatária, deve ser atribuído qualquer resíduo creditório ou débito por eventual indenização, acaso devido ou pleiteado pelo DNER, respectivamente; pelos fatos alegados na interpelação. 4. Nada tendo a signatária a receber desse Departamento, e conseqüentemente nenhuma responsabilidade tendo se reservado nas obras em questão, não terá qualquer partkipação no rateio de eventuais créditos ou débitos, proveniente das aludidas obras". (17) Pergunta-se: - Podiam os diretores das empresas, que assinaram, como presentantes das empresas, junto ao "Consórcio", prestar fiança, conforme a Cláusula Undécima, sem haver outorga uxória? Respondo: - No Código Civil, art. 235, III, está dito que o marido não pode, "sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens", "prestar fiança". No art. 178, § 99, I, b), estabelece-se o prazo prescripcional para a ação de invalidade, e no art. 263, X, concernente à fiança prestada pelo marido, sem consentimento da mulher, se de comunhão universal de bens o regime matrimonial, pré-exclui-se a entrada na comunidade. O consentimento ou assentimento da mulher há de ser expresso. Não bastam poderes gerais de administração, nem os de alienar e gravar bens do casal ( 3~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 31 de maio de 1938, R. dos T., 114, 158). Não se distinguem a fiança civil e a comercial ( 4~ Câmara Civil, 20 de abril de 1938, 114, 185). Advirta-se que se tem como não-escrita a convenção entre marido e mulher para que se repute responsável a mulher pelas fianças prestadas pelo marido sem que ela houvesse consentido ou assentido (nosso Tratado de Direito Privado, tomo VII, § 896, 5). 117

Houve promessa do penhor industrial e houve a constituição de tal penhor. Houve, na Cláusula Undécima, referência ao penhor industrial, como prometido (ver bis "Para garantia da operação de crédito . . . compromete-se a 1.0 Dar em penhor industrial. . . os equipamentos importados), e - como simples alusão, ao que se havia de constituir - inseriu-se: " além da fiança pessoal prestada pelos diretores das empresas". Não se lavraram os negócios jurídicos de tais fianças, que teriam de ser assinadas também pelo cônjuge dos diretores casados. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 5 de abril de 1971.

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PARECER N. 229 SOBRE DOAÇÃO, PELOS CôNJUGES, DE BENS COMUNS, A FILHOS DO CASAL COMO ADIANTAMENTO DE LEGITIMA 1

OS FATOS (a) Jorge E. C. de Almeida Brennand e sua mulher, Maria Cristina, têm seis filhos, e pretendem converter a metade das ações do holding em ações preferenciais, sem voto, e doá-las aos filhos, em partes iguais, com reserva do usufruto, vitalício, em partes iguais, gravadas com a cláusula de inalienabilidade. Outrossim, alienar a outra metade das ações, para adquirir em nome dos filhos, igualmente com reserva de usufruto e cláusula de inalienabilidade. A sociedade providenciará para a conversão das ações. Os cônjuges assinarão os instrumentos dos negócios jurídicos, por se tratar de bens comuns. Uma vez que as aceitações das doações não podem ser feitas pelos filhos, menores impúberes, houve o requerimento em juízo para a nomeação de curador especial.

II

OS PRINCIPIOS (a) Na comunhão universal ou parcial de bens, os bens comuns podem ser doados pelos cônjuges, porque cada um deles dis·

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põe da parte ideal que é sua. Na doação, podem eles incluir cláusula de inalienabilidade, ou outra cláusula que a lei permite às doações. Nada impede que os cônjuges se reservem o usufruto, ou o uso, ou outro direito real limitado. Nada tem isso com o regime matrimonial de bens, porque o mesmo se passaria _se os bens fossem separados e os cônjuges os doassem, conforme o que é de sua propriedade, no mesmo ato, ou em separado. Apenas, se há comunhão, é preciso que ambos sejam figurantes do negócio jurídico. Os princípios que regem tais espécies são os que concernem às doações. Se as doações foram a filhos e os cônjuges se reservaram o usufruto, o uso, ou o direito à habitação, podem eles estabelecer que algum bem ou alguns bens são usufruíveis, ou usáveis, ou habitáveis por um dos cônjuges, e outros pelo outro cônjuge. A eficácia é resultante do ato de direito das coisas que os dois praticaram, e não concernente ao direito de família, isto é, ao regime matrimonial de bens, ou ao direito concernente aos poderes do marido, no tocante a administração dos bens. Como qualquer dos cônjuges poderia herdar, ou ser de algum modo beneficiado pela cláusula de incomunicabilidade, ou outra cláusula, entende-se que a pode impor ao donatário. Os bens reservados podem ser objeto de doação, como doação do cônjuge, que deles é proprietário, mas os bens comuns, bens sob propriedade indivisa, têm de ser como doação pelos dois. Os comuneiros, se não são cônjuges, podem doar a parte ideal, separadamente; os cônjuges, não, porque aí haveria ofensa às regras jurídicas sobre o regime matrimonial da comunhão. O que cada cônjuge pode fazer é deixar em testamento, porque, no momento da morte, continua a comunhão, mas extinta a relação jurídica matrimonial. (b) Marido não pode dispor de bens que são da mulher, e não comuns, qualquer que seja o regime matrimonial de bens. As regras jurídicas sobre a administração pelo marido somente se referem aos "bens do casal". Nada impede que alguém doe a um dos cônjuges algum bem, que se torne comum, ou não, com a cláusula de administração pelo donatário, mesmo se a mulher, ou com usufruto incomunicável.

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( c) O marido não pode, em virtude de regra jurídica explícita, fazer qualquer doação, se não é remuneratória, ou de pequeno valor, com os bens comuns, ou com os rendimentos comuns. Sempre que a regra jurídica cogita de poderes do marido não se há de interpretar sem respeito ao princípio de isonomia, razão, por exemplo, de termos exprobrado, como contrário à Constituição, o art. 16 do Decreto-lei n. 3. 365, de 21 de junho de 1941, que dispensou a citação da mulher casada nas ações de desapropriação (Tratado de Direito Privado, tomo 14, § 1. 621, 4). Também inconstitucional é a regra jurídica do Decreto lei n. 960, de 17 de dezembro de 1939, art. 79, concernente à dispensa da citação da mulher se a ação executiva fiscal. Se a doação é de bens comuns, têm-se de respeitar os princípios sobre as doações, os poderes do marido e o que se refere à alienação dos bens em geral. Isso não importa em que os proprietários dos bens comuns não insiram cláusulas especiais no contrato inclusive de incomunicabilidade, de inalienabilidade ou de ingravabilidade, ou sobre a não-extinção da doação de subvenção periódica em caso de morte do doador. O fato de ser comum o bem não exige que tal cláusula seja inserta pelos dois doadores, mesmo se a comunhão resultou de regime matrimonial de bens. Um só dos cônjuges pode estipular que, com a morte do donatário, o bem doado volte ao seu patrimônio. Os doadores podem vincular a doação a direitos reais limitados, ou a encargos; como pode a vinculação emanar somente de um dos doadores do bem comum, quanto à sua parte indivisa. Sempre que comuneiros doam, trata-se a parte de cada um como se fosse divisa, e a própria revogabilidade da doação só se prende à ingratidão àquele que doou. Se os pais doam ao filho, ou aos filhos, a ação de revogação por ingratidão somente se há de basear em ofensa ao que pretende a revogação. Se a ofensa foi aos dois, cada um tem a sua ação; a fortiori, se as ofensas foram distintas (e.g., a um, atentado contra a vida; a outro, injúria ou calúnia).

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(d) Aos cônjuges doadores é dado discriminar os bens doados para que haja reserva de direito real limitado para um ou para os dois. Apenas, uma vez que o bem ou os bens são comuns, por metade, feriria o direito de um deles a cláusula que não observasse a igualdade. Tem-se de levar em consideração que cada um era dono ou titular de direito igual, em valor, ao do outro. Seria em fraude a lei que os cônjuges doassem 4x e um deles se reservasse o usufruto de 3x, e o outro, o usufruto de lx. A reserva há de ser de 2x, por que cada um doou 2x e não há reserva em doação feita por outrem. (e) Ao titular do pátrio poder cabe o usufruto dos bens do filho; mais pode isso ser pré-excluído se houve cláusula que nega tal função do titular do pátrio poder, ou se o bem é destinado a determinado fim.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Podem os cônjuges dar em adiantamento de legítima aos filhos as ações e outros bens, com reserva de usufruto? Respondo: - Não há qualquer limitação legal à reserva de usufruto se quem aliena poderia alienar sem a reserva. Quem reserva doa menos do que doasse sem reserva. Quem pode o mais pode o menos. (2)

Pergunta-se: - Podem os cônjuges reservar o usufruto conforme a meação de cada um? Respondo: - Sim. Se algum cônjuge doa e reserva o usufruto, a assinatura do outro cônjuge há de interpretar-se como anuência à restrição;

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se os dois doam com reserva do usufruto, ou estabelecem a discriminação do que cada um doou, ou a reserva do usufruto para que os bens atingidos sejam tidos como bens incomunicáveis, com a atitude igual dos dois nenhum princípio jurídico foi ofendido. (3)

Pergunta-se: - As doações pela mulher têm de ser com o consentimento do marido? Respondo: - No caso da consulta os dois dispõem de bens comuns, cada um com a sua metade.

(4) Pergunta-se: - Tem o marido de aceitar pelos filhos as doações dele e da mulher? Respondo: - Os dois dispõem conjuntamente e a aceitação tem de ser por um curador especial, porque, havendo cláusulas restritivas, há colisão de interesses, pois o usufruto do pai, que era legal e dependente do exercício do pátrio poder, passa a ser de origem contratual. Tem de ser ouvido o Ministério Público, por se tratar, na espécie, de proteção dos filhos que ainda são incapazes. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 7 de abril de 1971.

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(d) Aos cônjuges doadores é dado discriminar os bens doados para que haja reserva de direito real limitado para um ou para os dois. Apenas, uma vez que o bem ou os bens são comuns, por metade, feriria o direito de um deles a cláusula que não observasse a igualdade. Tem-se de levar em consideração que cada um era dono ou titular de direito igual, em valor, ao do outro. Seria em fraude a lei que os cônjuges doassem 4x e um deles se reservasse o usufruto de 3x, e o outro, o usufruto de lx. A reserva há de ser de 2x, por que cada um doou 2x e não há reserva em doação feita por outrem. (e) Ao titular do pátrio poder cabe o usufruto dos bens do filho; mais pode isso ser pré-excluído se houve cláusula que nega tal função do titular do pátrio poder, ou se o bem é destinado a determinado fim.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - Podem os cônjuges dar em adiantamento de legítima aos filhos as ações e outros bens, com reserva de usufruto? Respondo: - Não há qualquer limitação legal à reserva de usufruto se quem aliena poderia alienar sem a reserva. Quem reserva doa menos do que doasse sem reserva. Quem pode o mais pode o menos. (2)

Pergunta-se: - Podem os cônjuges reservar o usufruto conforme a meação de cada um? Respondo: - Sim. Se algum cônjuge doa e reserva o usufruto, a assinatura do outro cônjuge há de interpretar-se como anuência à restrição;

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se os dois doam com reserva do usufruto, ou estabelecem a discriminação do que cada um doou, ou a reserva do usufruto para que os bens atingidos sejam tidos como bens incomunicáveis, com a atitude igual dos dois nenhum princípio jurídico foi ofendido. (3)

Pergunta-se: - As doações pela mulher têm de ser com o consentimento do marido? Respondo: - No caso da consulta os dois dispõem de bens comuns, cada um com a sua metade. (4)

Pergunta-se: - Tem o marido de aceitar pelos filhos as doações dele e da mulher? Respondo: - Os dois dispõem conjuntamente e a aceitação tem de ser por um curador especial, porque, havendo cláusulas restritivas, há colisão de interesses, pois o usufruto do pai, que era legal e dependente do exercício do pátrio poder, passa a ser de origem contratual. Tem de ser ouvido o Ministério Público, por se tratar, na espécie, de proteção dos filhos que ainda são incapazes. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 7 de abril de 1971.

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PARECER N. 230 SOBRE TAXAS CONVENCIONAIS, RELATIVAS A FINANCIAMENTOS, FIXADAS EM LEI NOVA 1

OS FATOS (a) Entre a "Novo Rio - Crédito Imobiliário S.A." e R. B. e sua senhora, foi firmado contrato, a 11 de setembro de 1968, no qual a empresa consulente financiou a esses, na qualidade de empresários, o que eles queriam, para a construção de unidades residenciais. Na cláusula b, 2 .4, foi estabelecido que, por ocasião da alienação de cada unidade pelos empresários, o adquirente seria "sub-rogado" no contrato de financiamento, na parte correspondente à unidade por ele adquirida. Na cláusula f, disse-se que, "antecipadamente, 6,8 % sobre o valor do financiamento correspondente ao custo inicialmente previsto para a construção, mensal e antecipadamente, 0,3 % sobre o valor do financiamento, a partir do vencimento do prazo previsto para a realização da construção no respectivo contrato e até sua efetiva conclusão; mensalmente, 6,8 % sobre outros débitos lançados no mês anterior, que não aquele sobre o qual já haja incidido a taxa acima, de igual valor; e 15% sobre o saldo devedor, por ocasião do encerramento do crédito". Depois, a 29 de janeiro de 1969, a Diretoria do "Banco Nacional de Habitação" aprovou a RD n