Dez Anos de Pareceres [6]

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DEZ ANOS

DE PARECERES

FICHA

CATALOGRÃFICA

(Preparada peo Centro de Catalogação-na-fonte, CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP)

P858d

Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, 1892, Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro, Francisco Alves,

v.6 -

197·6 -

V.

1 . Pareceres jurídicos I.

Título.

74-0693

Idices para catálogo sistemático: 1. Pareceres Direito 340.141 2. Pareceres Jurídicos 340. 141

CDU - 340.141

PONTES DE MIRANDA

DEZ ANOS DE PÃRECERES (volume 6)

LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORAS.A.

Capa de GERALDO M. MENDES VIANNA

1976

LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A. 20.000 - Rua Barão de Lucena, 43 Rio de Janeiro -

RI

Impresso no Brasil Printed in Brazil

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS N. 144 - Parecer sobre responsabilidade do Estado-membro do Banco do Brasil S.A., por atos do depositário público e do juiz, e responsabilidade do exeqüente, em caso de excussão de penhor agrícola e de execução da dívida garantida com hipoteca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 N. 145 - Parecer sobre se há impedimentos e responsabilidades de diretores de sociedade civil, que tem o controle acionário de um Banco, no tocante a atos relativos à fusão desse Banco, de que também são diretores, com, outro Banco, por invocabilidade do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 120 e parágrafo único . . . . . 16

N. 146 -

Parecer sobre entidade jurídica controlada e elementos estatutariamente indispensáveis à admissão de associados, deliberações e continuidade de atribuições . . 25

N. 147 -

Parecer sobre exigência constitucional de polícias militares dos Estados-membros, dos Territórios e do Distrito Federal, sobre distinção entre polícia militar e polícia fardada e armada não-militar e sobre delegabilidade e indelegabilidade estadual, territorial ou distrital . . . . . . . . . . . . 40

N. 148 - Parecer sobre conceito de produtos industrializados, no art. 24, parágrafo 5. 0 , da Constituição de 1961, e apreciação da espécie em ação de mandado de segurança, no qual se invoca o Decreto-lei n. 239, de 28 de fevereiro de 1967, art. 25 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 N. 149 - Parecer sobre certeza e liquidez de direito e sua inatingibilidade pelo exercício da pretensão à tutela jurídica, com início de lide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 N. 150 - Parecer sobre limitação a quanto de tributo estadual feito por Lei Federal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

N. 151 - Parecer sobre instruções, resoluções e outras funções do Conselho Federal de Odontologia . . . . . . . . . . 92 N. 152 -

Parecer sobre a incidência, após a Constituição de 1967, de atos do poder executivo do Estado da Guanabara, relativos a convênios sobre alíquotas do imposto sobre circulação de mercadorias, com invocação da emenda constitucional n. 18, do Decreto-lei n. 28, de 14 de novembro de 1966, dos atos complementares n. 27, de 18 de dezembro de 1968, art. 4. 0 , n. 31, de 28 de dezembro de 1966, n. 35, de 28 de fevereiro de 1967, art. 6. 0 , n. 36, de 13 de março de 1967 ......................................... 102

N. 153 - Parecer sobre resolução de pré-contrato de compra-e-venda por inadimplemento de prestação a prazo fixo . 114 N. 154 - Parecer sobre foro competente para processo de inventário de pessoa falecida no Brasil, interpretação do art. 1.578 do Código Civil e do art. 135 do Código de Proc:sso Civil e alegação de haver prevenção de jurisdiçao · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · .... 123 N. 155 - Parecer sobre ofensa à Constituição de 1967 , · · L · e a propna er n._ 4. 924, de 23 de dezembro de 1965 , por par t e das Resoluçoes ns. 435 e 436 da Diretoria do Instituto Bra-

sileiro do Café, datadas de 30 de abril de 1968; no tocante à contribuição dos exportadores e ao valor do dólar .. 130 N. 156 Parecer sobre exercício de direito de voto em assembléias gerais, por parte de pessoas jurídicas, titulares de ações de outra pessoa jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . 144

N. 157 - Parecer sobre hipoteca de prédio único em que há duas casas edificadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

N. 158 -

Parecer sobre adimplemento ruim por parte de advogado e prescrição de honorários . . . . . . . . . . . . . . . . 158

N. 159 - Parecer sobre acordo de empresa, em cujo nome foram falsificados títulos cambiários, com a finalidade, apenas, de cobrir prejuízos sofridos pelos portadores, e natureza e eficácia do acordo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 N. 160 - Parecer sobre autorização para alienar bens imóveis de menores sob o pátrio poder e pressupostos legais . 191

N. 161 -

Parecer sobre direito à promoção à classe imediata, por antiguidade, a partir da reforma administrativa do Ministério das Relações Exteriores, em 1961 . . . . . . . . . . 200

N. 162 - Parecer sobre conveniência de consolidar-se a legislação sanitária, principalmente no tocante à profissão de farmacêutico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206

N. 163 -

Parecer sobre it.icitude e indenização pela entidade estatal que contra direito propôs as ações de desapropriação e perdeu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218 Parecer sobre incidência de lei intercalar à data do edital de abertura de concorrência e à assinatura do contrato e princípios de direito intertemporal . . . . . . . . . . . 232

N. 164 -

N. 165 -

Parecer sobre alteração de contrato de locação de serviços, em virtude de carta e adiantamento que determinam a remuneração e o percentual de comissão . . . . . . 243

N. 166 - Parecer sobre ação de renovação de contrato e oposição de execução de retomada para uso próprio, que seria o mesmo uso feito pelo locatário na atividade comercial ............................................ 251

N. 167 - Parecer sobre a eficácia contenutística do Decreto n. 63.166, de 26 de agosto de 1968, relativo à dispensa de reconhecimento de firma em documentos para processos e atos administrativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258

N. 168 -

Parecer sobre contrafações de marcas de indústria e comércio e concorrência desleal de empresas . . . . . . 273

N. 169 -

Parecer sobre concorrência desleal e produtos alimentícios com marca de indústria e comércio . . . . . . . . 283

N. 170 -

Parecer sobre ação de resilição de contrato de locação do cinema "ópera", interposição de recurso extraordinário e de agravo de instrumento ................ 289

N. 171 - Parecer sobre a constitucionalidade da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 52, § 3. 0 , 1, da Lei do Estado de Pernambuco n. 5.954, de 29 de dezembro de 1966, art. 7. 0 , 1, e do Decreto n. 1.428, de 6 de julho de 1967, art. 7. 0 , 1, e§§ 1. 0 e 3. 0 , e invocabilidade de Decreto n. 60.597, de 19 de abril de 1967 ........................... 296

N. 172 -

Parecer sobre aval sem consentimento do cônjuge, título de dívida, firmados por um dos cônjuges, comunhão conjugal de bens e dissolução da sociedade conjugal . 311

PARECER N. 144 SOBRE RESPONSABILIDADE DO ESTADO-l\.1EMBRO E DO BANCO DO BRASIL S.A., POR ATOS DO DEPOSITÁRIO PÚBLICO E DO JUIZ, E RESPONSABILIDADE DO EXEQÜENTE, EM CASO DE EXCUSSÃO DE PENHOR AGRÍCOLA E DE EXECUÇÃO DA DIVIDA GARANTIDA COM HIPOTECA

1 OS FATOS

(a) A 24 de outubro de 1958, Abílio Gonçalves Filgueiras concluiu con1 o Banco do Brasil S. A. , agência de Cachoeiro de Itapemirim (Espírito Santo), contrato de abertura de crédito agiicola e industrial, com penhor de lavouras e produção de açúcar e garantia hipotecária. Na cláusula VII do contrato de abertura de crédito, com as garantias, está dito: "Na hipótese de nomeação, por qualquer circunstância, de depositário para os bens apenhados, instituído judicial ou convencionalmente, entrará ele também na posse imediata das máquinas e de todas as instalações e pertences necessários à transfori;riação da cana-de-açúcar a que se obriga o creditado, nos termos da cláusula VI". A cláusula VI enumera os bens atingidos pelas

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duas garantias. No contrato de 11 de agosto de 1952, a cláusula VIII atribuía ao Banco do Brasil S. A. a posse imediata das máquinas e de todas as instalações e pertenças necessárias à transformação da cana de açúcar. (b) A 29 de novembro de 1960, o Banco do Brasil S. A. propôs ação de excussão de penhor, pedindo, na petição inicial, 0 "seqüestro" (expressão errônea da lei, cf. nosso Tratado de Direito Privado, Tomo XXI, § 2.600, 3) de todas as lavouras, que foram objeto do penhor agrícola, conforme o último financiamento. No mesmo dia, foi proposta a ação executiva hipotecária. Assim, ficaram sob as medidas constritivas todos os bens empenhados e todos os imóveis, inclusive toda a Usina, com as culturas. O depositário tomou posse, conforme consta dos autos de penhora. O depositário público aceitara "o encargo de fiel depositário, sob as penas da lei". (c) O contrato especificava os bens que teriam de ser adquiridos pelo consulente com as importâncias levantadas. Também se mencionaram as lavouras existentes e futuras. Por ocasião da penh~ ra, ficou evidente a honestidade com que aplicara as quantias. (d) Diante da situação que se lhe criara com a retirada da posse imediata e da administração dos bens (e da morte da mulher, ocorrida diante da situação criada, por embolia cerebral), o consulente requereu, nos autos de inventário da herança da sua mulher, alvará para se venderem terras que o alvará indicava, para liquidação da dívida. Enviou proposta, ao Gerente da Catteira de Crédito Agrícola e Industrial, no Rio de Janeiro, no tocante à venda das terras, objeto do alvará, e o funcionamento da fábrica de aguardente e da Usina de açúcar. Nenhuma resposta se lhe deu. As terras de "Flecheiras", um dos imóveis, estavam sendo invadidas. O Depositário Público comunicara ao Juiz da Comarca a dificuldade, senão impossibilidade, de administrar o patrimônio, frisando que pessoas estranhas às ações estavam perturbando e prejudicando os bens penhorados. Pediu, por isso, que a situação fosse levada ao conhecimento do Banco do Brasil S. A. . Isso a 28 de julho de 1961. 2

O Banco do Braisil S. A. tinha, conforme a cláusula VIII a posse imediata, ou não a tinha. Se a tinha, daí se lhe irradiavam direitos e deveres. Há provas de que o Banco do Brasil S. A. determinava ordens administrativas, principalmente a respeito de corte, pesagem e entrega de canas, sem qualquer interferência ou concordância do Depositário, a. outras pessoas. A 27 de março de 1962, o proposto do Depositário Público, denunciou duas pessoas como invasoras. Em fevereiro de 1962, o Gerente do Banco do Brasil S. A. remeteu ao consulente carta em que lhe comunicava. Em abril do mesmo ano, o Banco do Brasil S. A. reconheceu que havia invasores e pessoas que se apossavam de bens empenhados. Mas, a 3 de abril, o Gerente do Banco do Brasil S . A . chama o consulente para informar sobre o total das canas vendidas, o que confirmava anteriores cartas do advogado, do Banco do Brasil S. A. , que continuou dando ordens a respeito do corte e da venda das canas. De dezembro de 1961 até junho de 1962, o Banco do Brasil S. A. informou o consulente das sucessivas vendas de canas e dos lançamentos em conta do consulente. Em agos~o de 1962 pagou a dívida do consulente com o Instituto de Apo~entadoria e Pensões. A 8 de março de 1963 o Banco do Brasil S. A. dirigiu ao Juiz de Direito da 1~ Vara requerimento em que expôs: 1) "Há aproximadamente dois anos foram penhoradas as fazendas "Amapá" e ''Flecheiras" e anexos, inclusive conjunto industrial, pertencentes ao executado Abílio Gonçalves Filgueiras. 2) Efetuada a penhora, todos os bens do devedor executados foram confiados à ·guarda do Depositário Público deste Juízo. Acontece, porém, que este, em nenhum momento, conforme já anteriormente reclamado, nunca exerceu, de fato, o seu encargo. 3) Em conseqüência de processos incidentes, está a ação principal paralisada neste Juízo. 4) Desde que houve a penhora, dado o alheamento do proprietário devedor, em relação aos bens penhorados e também ao processo, estão os imóveis, conjunto industrial e anexos entregues à sanha de invasores e turbadores diversos que lá já se localizaram e se dizem proprietários ou posseiros. 5) Enquanto isto acontece, o devedor executado está 3

sempre a dirigir reclamações a.o Banco exeqiiente, alegando esfacelamento e até depredações de seus bens. V cladamente deixa ele transparecer sua intenção de acionar o Banco exeqüente e pleitear reparações, por prejuízos que porventura tiver. Ignora ele, certamente, que não é o Banco do Brasil S. A. o responsável pelo atual estado de seus unoveis. Mas, para evitar alastramento e mesmo continuação das invasões, com o que se depreciarão mais os bens apenhados, requer a V. Exa. a adoção de medidas capazes de fazer com que o Depositário Público da Comarca exerça, de fato, a sua função, a fim de que sejam afastados os invasores e restabelecida a ordem nos bens penhorados''. O Banco do Brasil S. A. desde muito conhecia a situação, conforme acima se expôs. A posse imediata estava com ele. Desde 1961 que o Banco do Brasil S.A. vendia canas e dava ordens a propósito de cortes, pesagem e entrega de canas. Atos de posse e atos dispositivos. O Juiz de Direito da Comarca nada fez contra o Depooitário Público, nem contra o Banco do Brasil S . A. , nem contra outras pessoas. A 3 de março de 1963, dezenas de trabalhadores das lavouras do consulente reclamaram ao Juiz a respeito de violências que estavam sofrendo por parte dos invasores: até os expulsavam dos trabalhos e das residências, que tinham, com as famílias, nas terras do consulente, penhoradas pelo Banco do Brasil S. A. Ainda em junho de 1963, o Gerente do Banco do Brasil S. A. dava ordens de administração, determinando a presença de pessoas no seu gabinete. A 16 e 17 de julho de 1963, o Banco do Brasil pagou prêmio de seguro e impcstos. De junho a dezembro de 1963, o consulente recebeu comunicações a respeito de importância obtidas com a venda de terras, com os nomes dos adquirentes e as quantias respectivas. Os contratos de compra-e-venda eram punctuados entre os adquirentes e o Banco do Brasil S. A.

Em 13 de agosto de 1963 - muito mais tarde, portanto - o Banco do Brasil indicou o consulente, para ser o depQSitário dos bens 4

penhorados.

Já os danos eram irreparáveis por simples administração.

O consulente recusou-se a isso, e frisou que, no que se referia ao imóvel "Amapá", onde estava instalada a Usina, só depois de vistoria poderia nele entrar. Diante da recusa, assaz compreensível, o Banco do Brasil S. A. continuou a pedir providências no Juízo de Direito e requereu homologação de oferta de arrendamento de uma área de terras do consulente, alegando que o arrendamento, além de proporcionar alguma renda, servia para evitar mais invasões. Em junho de 1964, houve venda de máquinas. Consta do documento do pagamento de imposto como sucata, para lhes diminuir o valor, mais, ao que informa o consulente, eram máquinas perfeitas. (e) O Banco do Brasil desistiu da ação, por julgar-se "pago de seu crédito" ( 1O de dezembro de 1964), e em 9 de fevereiro de 1965 foi homologada a desistência. A 3 de maio de 1965, o consulente requereu ao Juiz de Direito o levantamento da penhora, mas -{eito minucioso relatório do estado em que se achavam os bens, o que foi deferido. Do relatório consta o lamentável estado dos bens, no momento em que foram devolvidos ao consulente. Por ele confirmado ficou que o Banco do Brasil S . A. era tido e havido no local como se fosse o dono. As duas pessoas que haviam sido acusadas de invaisores e turbadoras - isso, pelo menos desde 28 de julho de 1961, quando o próprio Depositário Público menciona os nomes - ali haviam sido postas como fiscais do Banco do Brasil S. A. Ao receber_ os _bens, o ~onsulente declarou, no auto do levantamento da penhora, que os recebia com a ressalva de acionar pelos danos sofridos, conforme as responsabilidades. (f) O Banco do Brasil S. A. , quando iniciou as ações executivas encerrou a conta corrente com o débito de Cr$ 17 . 482 . 23 7, 80 ' (em cruzeiros novos, pauco mais de 17 . 482 cruzeiros novos) . Na conta foi lançada, após a execução, a comiissão de um por cento para fiscalização. Com isso, evidentemente, o Banco do Brasil S. A. assumiu a responsabilidade da fiscalização e administração dos bens.

O consulente, ao receber os bens, requereu vistoria ad perpetuam rei memoriam, com prévia ciência do Banco do Brasil S. A., que ingressou e apresentou perito. Do laudo constam verificações de danos, causados pela destruição quase total da Usina, cercas e casas e resultante das invasões. Os danos principais foram: a) na área de "Flecheiras", invasão de cento e dez alqueires, de matas em área de vinte a trinta alqueires, vinte casas destruídas, cem mil cafeeiros destruídos, cercas destruídas, máquinas depredadas, além das rendas dos pastos e lucros cessantes das terras para culturas; b) na área de "Amapá", produção aproximada de 9.750 toneladas de cana, em sessenta e cinco alqueires; máquinas da Usina vendidas a preço baixo; lucro cessante da Usina; casas destruídas ou derruídas; cercas derrubadas.

II OS PRINClPIOS (a) No direito brasileiro, há o penhor em que se entrega ao credor a posse imediata do bem empenhado e o penhor, excepcional, em que a lei permite que o devedor conserve a posse imediata. O penhor rural, agrícola ou pecuário, considera o objeto do penhor: cultura da terra ou pecuária, em seu estado de pré-destinação industrial ou de consumo. O penhor industrial já atende a que se estão a industrializar, ou já se acham industrializados os produtos. A linha que se pretendeu traçar é um tanto artificial, anacrônica até certo ponto; porque a agricultura de hoje é profundamente industrializada e as indústrias não raro produzem as suas matérias-primas. O que o caracteriza é o ser utilizado na indústria o objeto empenhado. Daí, poderem ser constituídos pelo mesmo devedor, ou pelo mesmo terceiro dador de penhor, penhor rural e penhor industrial, ainda no mesmo instrumento. Porém não há a respeito deles a regra jurídica da absorção jurídica de um por outro, como a propfoito do penhor

agrícola e do penhor pecuário (Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, art. 11, 2'). parte). As leis que se referem ao penhor industrial ora consideram a maquinaria e os aparelhos, ora os produtos em sua formação e estado de acabamento. O Decreto-lei n. 1.2 71, de 16 de maio de 1939, art. 19, enunciou que "as máquinas e os aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com ou sem 0s respectivos pertences, podem ser objeto de penhor". No sistema jurídico brasileiro, tal penhor, ainda sem a regra jurídica do art. 19 do Decreto-lei n. 1.2 71, seria constituível, uma vez que partes integrantes separáveis ou pertenças as maquinaria.is e aparelhos. O alcance do Decreto-lei n. 1.271 foi, exatamente, permitir que tal penhor se estabelecesse com a tradição por meio de constitutivo possessório. Quanto às ações executivas e a alienação dos bens gravados para satisfação da dívida garantida, há diferença. Por exemplo: o art. 26 da Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, que regula o penhor rural, não é invocável a propósito do penhor industrial, nem do penhor comum. (b) Nos Comentários ao Código de Processo Civil, tomo XIII, 2~ ed., 304, escrevemos: "Ao depüsitário judicial, nas execuções, cabe guardar e conservar os bens depositados. Não há relação jurídica processual entre ele e o exeqüente, ou entre ele e o executado. A relação jurídica é entre o Estado e ele. Todo ato do depositário é de responsabilidade perante o Estado. Se ele a assume, in concreto, dizendo, por exemplo, que o bem nunca saíra de sua guarda e cuidados, qualquer responsabilidade de outrem rege-se pelos arts. 159 e 160 do Código Civil, fundada na culpa. Por is1so mesmo, a responsabilidade de guarda e de conserva é do depositário judicial, e qualquer incumbência que, no tocante ao bem depositado, deu a outrem, é de inteira responsabilidade sua, não se podendo invocar as regras jurídicas sobre responsabilidade somente por culpa in eligendo ou in vigilando, pois a função de guarda e conservação, regida, aí, pelo direito público, é indelegável. Tal limitação da responsabilidade do depositário judicial poderia exsurgir, se o juiz, examinando a designação do encarregado pelo depositário, a aprovasse; a aprovação excluiria a 7

responsabilidade pela culpa leve e pela culpa in cligcndo, posto que deixando de pé a responsabilidade pela culpa in vigilando e in inspiciendo. E o Estado assumiria. Após o depósito judicial, qualquer acordo entre exeqüente, ou executado e depositário, para se prepor alguém a esse, nas funções específicas, é estranho ao plano processual, e só se processualizaria com a aprovação pelo juiz, em ato que poderia ser válido, se ouvido o executado, ou o exeqüente (isto é, a outra parte), ou, se não houve tal audiência, necessariamente nula. Nos casos em que a preposição, ou alguma substituição funcional do depositário 1se deu, a aquiescência de uma das partes, por ser estranha ao processo, de modo nenhum é ato da parte. Se o exeqüente, em acordo com o depositário judicial, obtém que terceiro faça as vezes desse, ou auxilie a esse, na guarda e conservação, sem audiência do executado e sem aprovação do Juiz, ou com essa aprovação mas sem aquela audiência, ao executado fica livre, reclamar ao Estado a reparação dois danos, ou de reclamá-la do depositário, ou do exeqüente, com fundamento nos arts. 159 e 160 do Código Civil". ( c) Se em negócio jurídico o empenhante se vincula a que, em caso de execução, o exeqüente tenha a posse imediata, enquanto se procede à excussão ou execução, quer o depositário tenha sido nomeado pelo Juiz, ou seja judicial por ser depositário público, o que se há de entender é que o exeqüente assumiu a responsabilidade de guarda e administração, ou se fez simples proposto de depositário. A segunda figura é pouco provável que ocorra, porque o depositário judicial não escolheu, não prepôs. Em qualquer circunstância, devido à fonte negocial da atribuição da posse imediata, o exeqüente fez-se responsável perante o depositário judicial e perante o devedor cujos bens foram penhorados, por se tratar de garantia real. (d) A Constituição de 1967, no art. 107, estatui: "As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que as seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros". No parágrafo único: "Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo". Ais duas regras jurídicas já estavam na Constituição de 1946, art. 194 e parágrafo único, durante cuja vigên-

eia se passou tudo que concerne à consulta. Aliás, já estavam no Código Civil, art. 15. O ponto principal foi mostrado por nós nos Comentários à Constituição de 1946, tomo VI, 4ª ed., 373 (tomo V, 2~ ed., 264): "Se houve culpa do causador do dano, responde o Estado, e há ação regre~siva. Se não houve culpa do causador do dano, responde o Estado, sem haver ação regressiva". Nos Comentários à Constituição de 1967, tomo II, 522, escrevemos: "A Constituição de 1967, como a de 1946, estatui que as pessoas jurídicais do direito público interno são responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Tais pessoas são a União, o Estado-membro e o Município, bem como ais que o direito público criar, e, hoje, as do direito público estrangeiro. No tocante à responsabilidade dos funcionários públicos, e. g., dos oficiais de registro e dos juízes de registro de imóveis, só se tem de indagar qual a entidade federal, estadual ou territorial, que o nomeou. Na espécie de exemplo, estadual ou municipal. A responsabilidade de funcionário público era regulada pelo art. 15 8 da Constituição de 1937, ou pelo art. 171 da Constituição de 1934, conforme a sua vigência, adotado o princípio da solidariedade. Sob a Constituição de 1891, art. 82, a responsabilidade era do funcionário público, até que sobreveio o Código Civil, art. 15, explicitando a regressividade. O princípio da regressividade logrou vencer: mas é óbvio que o funcionário público da pessoa jurídica de direito público pode ser citado. Conseqüência necessária do art. 105 da Constituição de 1967, como do art. 194 da Constituição de 1946, é a de ter-se de propor a ação, não contra o funcionário público, e sim contra a pessoa de direito público. Os pressupastos e a extensão da indenização são 05 da lei ordinária. Tal dever de indenizar, que corre ao Estado (União, Estado-membro, Município), ou a outra entidade de direito público, resulta de ato próprio, pois os atos do funcionário público aparecem, aí, como atos do próprio Estado ou da entidade de direito público. Não há pensar-se em qualquer suceGsão singular, imposta por lei: a dívida é do Estado ou da entidade de direito público; e não do funcionário público. Contra o funcionário público, a ação regressiva fun9

da-se na situação jurídica de funcionário público, que tem o causador do dano. O demandado exige o que pagou pelo ato de seu funcionário, de modo que é preciso ter desse havido culpa. (e) O penhor de máquinas e aparelhos utilizados na indústria instalados e em funcionamento, com ou sem as respectivas pertenças, podem ser objeto de penhor (Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, art. 19). Se as máquinas e instrumentos são agrícolas, 0 penhor pode ser o penhor agrícola (Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, art. 69, V). (f) O penhor agrícola da colheita ou é de colheita de frutos pendentes ou da colheita em via de formação, ou de ambos. Se há frustração ou é insuficiente o que foi dado em garantia, a penhora da colheita abrange a colheita seguinte (Lei n. 492, art. 79, § 29). Somente subsiste o penhor enquanto subsiste o que foi empenhado (art. 79). A extensão à colheita imediata depende de mandado judicial para averbação (art. 7, § 29).

As máquinas de usinas, engenhos e outras indústrias não são máquinas agrícolas, no sentido da Lei n. 492, art. 69, V. São máquinas e aparelhos utilizados em indústrias (Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, art. 19: "As máquinas e aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com ou sem os respectivos pertences, podem ser objeto de penhor". O credor apenas tem o direito de verificar, por si, ou por pessoa que designe, "sempre", a situação e o estado dos bens empenhados. Não se estende a tal penhor 0 que se estatui para o penhor rural. O Decreto-lei n. 1.697, de 23 de outubro de 1939, fez extensivo aos contratos sobre produtos da suinocultura, de banha, carnes de porco salgadas, congeladas, fiambres, presuntos e outros objetos derivados, o Decreto-lei n. 1.271. O penhor industrial nada tem com a Lei n. 492 (Nosso Tratado de Direito Privado, tomo XXI, § 1.601). O contrato entre o Banco do Brasil S. A. e o consulente contém lamentáveis confusões. Por exemplo, a c!áusula VI falou do penhor agrícola de colheita e de imóveÍJS ( ! )

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Tinha-se de previamente avaliar cada imóvel, ou parte dele, para que pudesse ser anunciada a arrematação (Código de Processo Civil, art. 961). Teria de ser sustada a arrematação se o preço de algum ou de alguns bens bastasse para o pagamento ( art. 969). Se não fossem arrolados os bens, a venda seria em leilão público ( art. 972). A requerimento de interessado, ouvido o devedor, poderia o juiz marcar prazo para a venda por iniciativa particular, se não lhe parecesse oportuno ser em hasta pública ( art. 973). O depositário dos bens, com penhor industrial ou hipoteca, tinha de ,ser o próprio executado, em observância do Código de Processo Civil, art. 945, salvo se a isso se opusesse o exeqüente, Banco do Brasil. Ao juiz cabia verificar a conveniência de ser depositário o depositário público (art. 945, II). III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - A correspondência que o exeqüente, Banco do Brasil S. A. , enviara ao consulente, a venda da safra de cana e de máquinas e veículos pelo exeqüente, o arrendamento de terras a terceiro e a venda de terras, sem qualquer participação do Depositário Público, provam que o exeqüente, a seu Hbito, tomou a posse e assumiu, a seu jeito, a administração dos bens penhorados? Respondo: É de toda a evidência que o Banco do Brasil S. A. exercia a posse imediata dos bens, quer dos bens gravados de penhor agrícola, quer dos que eram gravados, na verdade, de penhor industrial, quer dos gravados de hipoteca. O próprio Depositário Público frisou,

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quanto à área, ser "difícil, senão impossível" - para ele - "administrá-la e o depósito da coisa seqüestrada" e pediu que o Banco do Brasil S. A. nomeasse um preposto, "entidade no assunto e residente no local ou próximo dele, pessoa que exercerá o cargo sob nossa responsabilidade". Isso em 28 de julho de 1961. Os documentos apresentados pelo consulente, principalmente correspondência e depoimento, mostram que o Banco do Brasil S. A. exercia a posse imediata, quer com invocação da cláusula VII quer por intromissão para vendas particulares, vendas que somente poderiam tSer feitas com fundamento no art. 26 da Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, só pertinente ao penhor rural, e não a penhor industrial, nem a hipoteca. Ponto assaz relevante é o de ter o exeqüente o dever de providenciar para as colheitas atingidas pelo contrato de penhor rural, porque não se estende o gravame à colheita seguinte sem que haja a inscrição de que fala o art. 79, § § 19 e 29, para o penhor agrícola atingir a colheita seguinte, se a anterior não bastou. O crédito com direito de hipoteca, como o que tem garantia de caução judicial, e o que tem penhor industrial, é cobrável pela ação de execução por título extrajudicial. As vendas amigáveis têm de atender as regras jurídicas do Código Civil e do Código Criminal. Feita a penhora do bem hipotecado, a execução faz-se conforme o Código de Processo Civil; e a própria penhora há de ser conforme os arts. 927-948. Se ao exeqüente não convém em que fique como depositário o próprio executado, nem o juiz o nomeia, o depositário público é que tem o encargo (art. 945, II e III). (2)

Pergunta-se: - Tem eficácia, contra o exeqüente, na discussão dos danos havido nos bens penhorados, a vistoria ad perpetuam rei· m · emanam, diante da concordancia do seu perito, embora em laudo apartado? •

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A

Respondo: - As vistorias ad perpetuam rei memoriam são, como todas as vistorias, "prova superlativa", como dizia MANUEL DE ALMEIDA E SOUZA, mostram a "rcs dubia vel controversa per illius aspectum, rem se ita, et non alitur". As ações de vistoria ad perpetuam rei memoriam são ações constitutivas. A eficácia é documental.1 O Banco do Brasil S. A. e o Depositário Público têm na vistoria que foi feita a prova de que houve os danos e tem-se de apurar quem é o responsável, ou se são responsáveis os dois. O Banco do Brasil S. A. responde pela culpa in eligendo et in inspiciendo. O Estado do Espírito Santo tem ·responsabilidade, mesmo se não houve culpa do Depositário Público, nem do juiz. (3)

Pergunta-se: - Tendo a venda de parte das terras, de produção de cana e de algumas peças da Usina sido isuficiente para o exeqüente dar por paga a dívida, razão por que o Banco do Brasil S. A. "desistiu da ação", prova isso que não era necessária a penhora de todo o patrimônio? Respondo: - Não há qualquer dúvida quanto à falta de atenção às leis, que regem as ações executivas, no que se refere à penhora feita. Demais, tinha-se de distinguir do que era objeto de penhor rural o que não era objeto de penhor rural, por ser objeto de penhor industrial ou de hipoteca. Misturou-se tudo e fez-se do art. 26 da Lei n. 492, de 30 de agosto de 1937, regra jurídica que atingiria hipotecas e penhores industriais, o que foi absurdo. Por outro lado, o Banco do Brasil S. A. devia ter previsto a extensão do mal no afastamento da posse imediata do devedor, que tinha de administrar. Em vez disso, admitiu Depositário Público, que confessou ser-lhe "difícil, senão impossível", a missão de administração e de guarda. Mais: intrometeu-

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se, interveio, não tomou providências, e só tardiamente, quando se lhe revelou a gravidade da sua atitude ditatorial, sugeriu que o dono dos bens fosse guarda e administrador. Duas responsabilidades são evidentes: a do Banco do Brasil S. A. e a do Estado do Espírito Santo, que, com a incidência do art. 194, da Constituição de 1946 (hoje, art. 105 da Constituição de 1967), responde, mesmo se não houve culpa, pelos danos causados pelo Depositário Púb.ico e por omissão do Juiz.

(4) Pergunta-se: - Os dados relativos a ingerência do exeqüente na posse e na administração dos bens bastam para provar que dele resultaram as destruições e deteriorações dos bens penhorados? Respondo: Trata-se de quaestio facti, mas dos documentos apresentados pelo consulente e o afastamento, causado pelo Banco do Brasil S. A·, do dono que guardava e administrava os bens, deixam claro que o Banco do Brasil. S. A. foi responsável. (5)

Pergunta-se: - Qual a ação que há de propor o consulente contra o Banco do Brasil S. A., exeqüente: a de indenização dos danos ou a de reposição dos bens no estado em que se achavam por ocasião da penhora? Respondo: - A ação proponível é a indenização dos danos, contra o Banco do Brasil S. A. , por culpa, e contra o Estado do Espírito Santo, pela responsabilidade, fundada no art. 194 da Constituição de 1946 (hoje, art. 105 da Constituição de 1967). Se o Banco do Brasil S.A. alega que a .sua intromissão resultou da cláusula VIII, responde como de-

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positário, porque a posse pelo Depositário Público foi apenas mediata. Se não a alega, os seus atos intromissivos foram ilícitos, regidos pelo Código Civil, arts. 159 e 160. Na própria ação de indenização, pode o responsável ser condenado a restituir, se houve usurpação ou esbulho, observados os arts. 1.541-1.543 do Código Civil. Além dos juros ordinários, contados proporcionalmente ao valor do dano, desde a data do ato ilícito, seja positivo, seja negativo, há a ,satisfação dos juros compostos (art. 1.544). (6)

Pergunta-se: - Na ação contra o exeqüente e dadas a om1ssao do Depositário Público e a do Juiz, pode ser citado o Estado do Espírito Santo como litisconsorte? Respondo: - A ação, é de recomendar-se que seja proposta contra o Banco do Brasil S. A. e o Estado do Espírito Santo, pois que cada um interesse tem em frisar a responsabilidade maior do outro. A danificação está provada. Resta saber-se até onde vai a responsabilidade de cada um. O Depositário Público tem de ser citado. (7)

Pergunta-se: - Para o cálculo dos danos caUJSados e indenização, qual o momento da apreciação deles? Respondo: - O valor é aquele que teriam, hoje, os bens (menos os quantos das dívidas), ou o do momento da entrega, mais juros e juros compostos conforme o Código Civil, arts. 1.543 e 1.544. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1968.

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PARECER N. 145 SOBRE SE HA IMPEDIMENTOS E RESPONSABILIDADES DE DIRETORES DE SOCIEDADE CIVIL, QUE TEM O CONTRO'LE ACIONA.RIO DE UM BANCO, NO TOCANTE A ATOS RELATIVOS À FUSÃO DESSE BANCO, DE QUE TAMBÉM SÃO DIRETORES, COM OUTRO BANCO, POR INVOCABILIDADE DO DECRETO-LEI N. 2.627, DE 26 DE SETEMBRO DE 1940, ART. 120 E PARÁGRAFO úNICO.

1 OS FATOS (a) Trata.,ge de três entidades jurídicas, uma sociedade civil e dois Bancos. Aquela tem controle acionário de um dos Bancos e há três diretores que o são da sociedade civil e do Banco controlado. Cogita-se da fusão desse Banco com o outro, o que é do interesse de ambos e ao mesmo tempo atende a diretrizes da política bancária vigente. (b) As questões que se levantam são quaestiones iuris, porque se pôs em dúvida pudessem os três diretores da sociedade civil, que têm o controle acionário, que também são diretores do Banco con16

trolado, manifestar-se a respeito da fusão dos dois Bancos, quer corno diretoreis do Banco, quer como da sociedade civil controladora. II

OS PRINC1PIOS

(a) No Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 120, estatui-se: "É vedado ao diretor intervir em qualquer operação social, em que tenha interesse oposto ao da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais diretores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento". Acrescenta o parágrafo umco: "A violação dessa proibição sujeitará o diretor à responsabilidade civil, pelos prejuízos causados à sociedade, e à responsabilidade penal que no caso couber". No art. 168, 49, foram cominadas penas de prisão celular aos diretores ou gerentes que comprarem ou venderem, por conta da sociedade, as ações por ela emitidas, salvo em caso de permissões expressas em lei. No Código Penal, art. 177, § 19, IV, também se estabelecem ais penalidades. Na interpretação do art. 120 do Decreto-lei n. 2.627 (sobre as sociedades por ações) o que mais importa é o conceito de "interesse oposto" ao da sociedade por ações, de que é diretor quem intervém na operação social, isto é, operação em que ele apresenta a sociedade, ou mesmo em que ele a representa, ou faz parte do órgão que a presenta, ou de algum corpo que a representa. Preliminarmente afastemos que o art. 120 do Decreto-lei n. 2.627 inclua como negócio jurídico vedado qualquer negócio jurídico da sociedade por ações com o diretor ou gerente ( cf. Tratado de Direito Privado, tomo III, § 318) e a sanção da infração do art. 120 seja a de nulidade (tomos XXII, § 2. 721, 12; XXXVI, § 4.047, 2; XLII, § 4.591, 4). o conceito de "interesse oposto" ou "interesse contrário" aparece no art. 95 do Decreto-lei n. 2.627, a propósito dos acionistas.

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A contrariedade ou oposição de interesses tem de ser alegada e provada, mas, antes de qualquer alcgabilidade ou pretendida prova, tem-se de caracterizar, conceptualmente, a contrariedade ou oposição. Interesses podem ser opostos, ditos também interesses contrários, ou apenas em parte colidemes, ou interesses convergentes. Se o sócio de empresa de nome coletivo, ou mesmo dono de firma individual, quer que haja a fusão com alguma sociedade de que é acionista, ou de 1sociedade de pessoas de que é sócio, de modo nenhum é obstáculo à fusão a dualidade ou mesmo a pluralidade de situações. Em vez de contrários, os interesses convergem. Nenhum sócio ou acionista, ou dono de empresa, que o é de outra, está inibido de extingui-la, conforme os estatutos ou ato constitutivo unilateral ou plurilateral. Quando a vontade é de fusão, a convergência de interesses está à base dos atos que levam até ela e que a fazem definitivamente. (b) Escrevemos no Tratado de Direito Privado, tomo 4, § 5.332, 6: "O diretor, se tem interesse em conflito com o da sociedade por ações, deve informar do fato aos demais diretores e abster-se de deliberar ou tomar parte na deliberação do negócio jurídico ou do próprio ato jurídico, stricto sensu. Se, no caso, e não só na espécie, há conflito de interesses, é questão de fato. Tem de ser examinado quanto a determinada operação. Não se vedou ao diretor contratar com a sociedade; vedou-se-lhe, sem sanção de nulidade, participar da deliberação ou deliberar, tratando-se de operação em que o interesse seja oposto ao da sociedade por ações. As sanções são a responsabilidade civil e a penal, se no caso ocorrem. Uma e outra podem não existir, por faltarem, por exemplo, -os pressupostos de dano ou de dolo ou de culpa. O interesse da sociedade por ações e o interesse do diretor podem coincidir, em vez de serem opostos. Se, a despeito disso, o diretor comunica aos demais que poderia existir, apenas lhes dá ensejo para a verificação de tal coincidência, ou para negar que os interesses coincidam. Então, como quem delibera não é o diretor, cujo interesse pode estar em conflito com o da sociedade por ações, a comunicação entrega a responsabilidade ao diretor ou aos diretores que figurarem, na deliberação da Diretoria. Quem in-

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terpretasse o art. 120 do Decreto-lei n. 2.627 como se a bilateralidade dos negócios jurídicos bastasse, como pressupa3to objetivo, e em abstrato, para determinar o conflito de interesse, erraria palmarmente. O conflito de interesse só existe se, subjetivamente e em concreto, existe". (c) Diz o Decreta-lei n. 2.627, art. 153, § 1.9: "Resolvida a fusão, em reunião ou assembléia geral dos sócios ou acionistas de cada sociedade, aprovados o projeto dos estatutos da nova sociedade e o plano de distribuição das ações pelos 1sócios ou acionistas de cada uma, na mesma reunião ou assembléia geral serão nomeados os peritos para a avaliação do patrimônio de cada uma das sociedades que vão fundir-se". Os arts. 153 e 154 cogitam da fusão, ato jurídico, negocial, bilateral ou plurilateral, conforme o número de sociedades fundidas; e não das fusões aparentes, que não entram como fusões no mundo jurídico. Tudo se passa na dimensão econômica, sem que, juridicamente, haja fusão. Para a fusão de sociedades por ações, os aciorustas de cada uma delas votam, de começo, em assembléia geral, a fusão futura, com a aprovação do projeto de estatutos da nova sociedade e o plano de distribuição, das ações pelos acionistas da futura sociedade por ações, que são os acionistas da sociedade em via de fusão. Em cada uma das assembléias gerais nomeiam-se os peritos para a avaliação do patrimônio da outra ou das outras sociedades por ações que se vão fundir. Feitos os laudos dos peritos, há de ser convocada a assembléia geral dos subscritores da nova sociedade por ações. Tem de ser observado o Decreto-lei n. 2.627, art. 59 e § § 19-59 e art. 44, porém sem se ter de fazer 0 depósito bancário (art. 38, inciso 39). Cada laudo é objeto de votação separada. Os acionistas da sociedade cujo patrimônio está sendo avaliado não votam; o que lhes cabe é, antes da votação, impugnarem o laudo. Há duas fases na operação de fusão: a das deliberações de cada uma das sociedades fundendas, em manifestações unilaterais de vontade; e a do contrato de fusão (e criação), que determina, com a sua eficácia, a extinção das sociedades fundidas. Os atos da primeira

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fase são atos internos das sociedades, a despeito dos contactos prévios entre elas: a) para a entrega do projeto dos estatutos da nova sociedade, ou mesmo para reuniões em que se chegue à redação do projeto, reuniões de punctações; b) para a entrega do plano da distribuição das ações (ou quotas) pelos sócios ou acionistas de cada uma das sociedades fundendas, ou m~mo em reuniões em que se chegue à redação de sociedades fundidas. Na técnica legislativa, assentou-se que há as deliberações das sociedades interessadas, de acordo com a lei e as respectivos estatutos (Decreto-lei n. 2.627, art. 153, § 1