Dez Anos de Pareceres [5]

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DEZ ANOS DE PARECERES

FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte, CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP)

P858d

Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, 1892, Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro, Francisco Alves, v.5 1975 V. 1. Pareceres jurídicos 1.

Título.

74-0693

CDU - 340.141

lndices para catálogo sistemático:

1. 2.

Pareceres: Direito 340 .141 Pareceres jurídicos 340.141

PONTES DE MIRANDA

DEZ ANOS DE PARECERES (volume s)

LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A.

~

Todos os direitos reservados à Livraria Francisco Alves Editora S.A.

Capa de GERALDO M. MENDES VIANNA

1976

LIVRARIA

FRANCISCO ALVES

20.000 -

EDITORA 43

Rua .Barão de Lucena~ Rio de Janeiro-RI Impresso no Brasil Prü-,,ed

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S.A.

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TABUA SISTEMATICA , DAS MATERIAS N. 105 - Parecer sobre caducidade de cláusula de concessão, em virtude de inadimplemento e mora da empresa e impetração de mandado de segurança (9 de janeiro de 1967) .......................................... 1 N. 106 - Parecer sobre concessão de isenção de impostos, prazo de duração, substituição do imposto por outro, permanência da isenção e ofensa a direito adquirido (12 de janeiro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 N. 107 - Parecer sobre A) renda de máquinas de moinho, registradas, B) requerimento de atos administrativos necessários à transmissão da propriedade e à transferência do direito às quotas, C) expedição da propriedade de termos de contrato de compra-e-venda, D) despachos que negam à empresa vendedora direito a participação no rate'10 do trigo distribuído pelo governo, E) comunicação do diretor do Departamento do Trigo, sobre ter sido indeferido o pedido de decretação de nulidade da transferência, F) ação de reivindicação proposta pela compradora, e G) ação de mandado de segurança contra a autoridade pública (23 de janeiro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 N. 108 - Parecer sobre remédio jurídico entidade estatal que propusera ação de desapropriação, ilegalmente e violentamente, e acabara por perdê-la, com eficácia de coisa julgada de sentença proferida em mandado de segurança (25 de janeiro de 1967) ......................... 48 N. 109 - Parecer sobre ação de desquite, foro competente, injúria grave e tentativa de morte e guarda de filhos (3 de março de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

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Todos os direitos reservados à Livraria Francisco Alves Editora S.A.

Capa de GERALDO M. MENDES VIANNA

1976 LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA 20.000 Rua Barão de Lucena, 43 Rio de Janeiro-RI Impresso no Brasil Prb-.fed

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TABUA SISTEMATICA , DAS MATE RIAS N. 105 - Parecer sobre caducidade de cláusula de concessão, em virtude de inadimplemento e mora da empresa e impetração de mandado de segurança (9 de janeiro de 1967) .......................................... 1 N. 106 - Parecer sobre concessão de isenção de impostos, prazo de duração, substituição do imposto por outro, permanência da isenção e ofensa a direito adquirido (12 de janeiro de 1967) .............................. 22 N. 107 - Parecer sobre A) renda de máquinas de moinho, registradas, 8) requerimento de atos administrativos necessários à transmissão da propriedade e à transferência do direito às quotas, C) expedição da propriedade de termos de contrato de compra-e-venda, D) despachos que negam à empresa vendedora direito a participação no rateio do trigo distribuído pelo governo, E) comunicação do diretor do Departamento do Trigo, sobre ter sido indeferido o pedido de decretação de nulidade da transferência, F) ação de reivindicação proposta pela compradora, e G) ação de mandado de segurança contra a autoridade pública (23 de janeiro de 1967) ................... 33 N. 108 - Parecer sobre remédio jurídico entidade estatal que propusera ação de desapropriação, ilegalmente e violentamente, e acabara por perdê-la, com eficácia de coisa julgada de sentença proferida em mandado de segurança (25 de janeiro de 1967) ......................... 48 N. 109 - Parecer sobre ação de desquite, foro competente, injúria grave e tentativa de morte e guarda de filhos (3 de março de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

N. 110 - Parecer sobre intervenção no domínio econom1co, instituições de contribuições para custeio (Constituição de 1967, art. 157, § 9. 0 ) e fixação, antes de 15 de março de 1967, de regras jurídicas que têm de ser aplicadas a partir de 15 de março, para observância da nova Constituição (8 de março de 1967) ..................... 66 N. 111 - Parecer sobre pedido de extradição sem que haja tratado entre o Estado, que a pede, e o Estado, em que se acha o extraditando, e falta de observância de pressupostos do pedido (9 de março de 1967) . . . . . . . . . . 75 N. 112 - Parecer sobre prestação fixa de horas de trabalho em cargos da mesma Universidade e sanções possíveis (13 de março de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 N. 113 - Parecer sobre incorporação de bens e de pessoal de estabelecimento municipal, pela União, e sobre os direitos de professor catedrático que era incluso no pessoal (31 de março de 1967) .......................... 98 N. 114 - Parecer sobre pedido de extradição e questões de limites do pedido de extradição, falta de decisão judicial, inexistente de regras jurídicas punitivas, desconstituição de decisão decretativa da falência e suas conseqüências (3 de março de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106 N. 115 - Parecer sobre a inconstitucionalidade do DecretoLei n. 254, de 28 de fevereiro de 1967, que "decretou" o Código de Propriedade Industrial (5 de abril de 1967 . 121 N. 116 - Parecer sobre ação de reintegração de posse e oposição de embargos de terceiro após a sentença favorável (11 de abril de 1967) ................... 13~ N. 117 - Parecer sobre direito intertemporal no tocante a competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar os crimes comuns de Presidente da República, cuja investidura se extinguiu e cujos direitos políticos foram suspensos (17 de abril de 1967) . . . . 140 N. 118 - Parecer sobre presidência do Congresso Nacional e Mesa do Congresso Nacional, discriminação de funções diretivas e interpretação dos textos da Constituição de 1967 (1. 0 de maio de 1967) . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 N. 119 - Parecer sobre pessoa jurídica organizada no Brasil, cassação de concessão, desapropriação de ações e intervenção da União (8 de maio de 1967) . . . . . . . . . 160 N. 120 - Parecer sobre concessão de serviço público, com exclusividade, permissão precária a outra empresa e expansão dos serviços daquela, com afastamento eventual dos serviços dessa, de conformidade com a lei municipal (10 de maio de 1967) ........ ·.................... 176

N. 121 - Parecer sobre a inconstitucionalidade da lei estadual n. 9.271, de 16 de março de 1966, perante a Constituição do Estado de São Paulo, arts. 22, parágrafo único, e 30, e perante o Ato Institucional n. 2, de 28 de. outubro de 1965, arts. 4. 0 , parágrafo único, e 32; e sobre cabimento de embargos a julgado do Supremo Tribunal Federal, com base no art. 6. 0 da Lei n. 4.337 de 1. 0 de junho de 1964, e legitimação ativa do Procurador Geral da República para embargar _(1 .0 de junho de 1967). 190 N. 122 - Parecer sobre o momento em que se calcula e se paga o imposto de transmissão mortis causa (3 de junho de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202 N. 123 - Parecer sobre direito de preferência, nascido e exercido sob a Constituição de 1946, e invocação do art. 150, § 3. 0 , da Constituição de 1967 (12 de junho de 1967) ' ......................................... 217 N. 124 - Parecer sobre direito de preferência do devedor hipotecário e ilegitimação dos pré-contraentes compradores para a aquisição do bem (14 de junho de 1967) .. 227 N. 125 - Parecer sobre duração de cargos eletivos municipais, eleitos ao tempo da constituição de 1946, diante da Constituição de 1967 (14 de junho de 1967) ..... :. 232 N. 126 - Parecer sobre exercício cumulativo e remunerado de vereador com função pública (federal, estadual ou municipal), em municípios com população superior a cem mil habitantes, e duração de cargos eletivos municipais, eleitos ao tempo da Constituição de 1946, diante da Consn1 u1çao · - (15 d e Junho · de 1967) .................... 237 N. 127 - Parecer sobre contrato misto de empréstimo e obras e de possível resolução (19 de junho de 1967) ..... 243 N. 128 - Parecer sobre isenção de impostos estaduais e municipais concedida a hotéis do Estado da Guanabara (20 de junho de 1967) .............................. 247 N. 129 - Parecer sobre extinção de classes de ações preferenciais e criação de classe única (22 de junho de 1967) .......................................... 258 N. 130 - Parecer sobre fiscalização e prestação de contas do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais dos representantes comerciais e qual a lei que rege. as relações jurídicas entre os empregados e o Conselho Federal e os Conselhos Regionais dos representantes comerciais (4 de julho de 1967) ............................... 270 N. 131 - Parecer sobre relator em recurso de embargos de nulidade e infringentes de julgado, decisão trânsita em julgado quanto o direito de propriedade, direito de pre-

ferência, prescriçao e recurso extraordinário (11 de julho de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282 N. 132 - Parecer sobre direito intertemporal da Constituição de 1967, arts. 96 e 106, alegação de ser contrário à Constituição de 1967 e art. 78 da Constituição do Estado da Guanabara, e representação ao Supremo Tribunal Federal (25 de julho de 1967) ...................... 290 N. 133 - Parecer sobre projeto de lei ofensivo do direito de propriedade ou dos patrimônios privados, por extinção de concessões ou permissões, ou mediante estatalizações, paraestatalizações ou socializações (7 de agosto de 1967) .......................................... 303 N. 134 - Parecer sobre violação do Código Civil, art. 1.409 e do Código de Processo Civil, art. 671, e dispositividade de regra jurídica sobre liquidação (14 de agosto de ......................................... 322 1967) N. 135 - Parecer sobre concorrência a respeito de serviço lícito e inatingibilidade da vinculação unilateral após a abertura da concorrência (5 de setembro de 1967) .. 333 N. 136 - Parecer sobre doações, em adiantamento de legítima, e doações a título de inclusão na porção disponível (12 de setembro de 1967) ....................... 345 N. 137 - Parecer sobre doações e ações ordinárias e das ações preferenciais e eventual prejuízo a legítimas de herdeiros necessários (13 de setembro de 1967) ... 354 N. 138 - Parecer sobre doação de ações de sociedades anônimas, metade disponível e metade dos herdeiros necessários (13 de setembro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359 N. 139 - Parecer sobre dispositividade de regra jurídica violada por acórdão e cabimento de recurso extraordinário (23 de setembro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36'5 N. 140 - Parecer sobre a incidência da regra jurídica do Ato Complementar n. 2, de 1. 0 de novembro de 1965, art. 1.0 e § 1.º (Lei n. 5.01 O, de 30 de maio de 1966, art. 1O e § 1.º), após 15 de março de 1967 (25 de setembro de ......................................... 371 1967) N. 1i41 - Parecer sobre o tempo que tem o prefeito de Re'cife de acordo com a Constituição de 1967, art. 176, e o Ato Complementar n. 37, de 14 de março de 1967 (9 de novembro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 N. 142 - Parecer sobre aposentadoria de quem serviu em zona de guerra, com promoção para o cargo de cateqoria superior (22 de dezembro de 1967) ............ 389

N

143 - Parecer sobre ação de desapropriação, que foi julgada improcedente, por inconstitucionalidade dos atos

dos Estados-membros, que declarou a utilidade pública e tomou a posse dos proprietários do edifício, e ação de indenização contra o Estado-membro que causou os danos (31 de dezembro de 1967) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393

PARECER N. 105 SOBRE CADUCIDADE DE CLAUSULA DE CONCESSÃO, EM VIRTUDE DE INADIMPLEMENTO E MORA DA EMPRESA E IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA I

OS FATOS (a) Com fundamento na Lei n. 631, de 2 de maio de 1924, o Município de Curitiba e a antiga Companhia Telefônica do Paraná acordaram em que essa faria a "transferência das concessões, compreendendo o acervo, contratos, privilégios e mais bens", que eram seus no Município de Curitiba, no de Ponta Grossa, Paranaguá e outros, no Estado do Paraná, pela importância de seiscentos mil cruzeiros. A 11 de fevereiro de 1925, em escritura pública lavrada nas notas do Tabelião Arthur Lopes, em Curitiba, o Município adquiriu da empresa telefônica, então em liquidação, todo o acervo, compreendidas todas as redes telefônicas. (b) A 9 de março de 1927, o Município concluiu contrato e acordo de transmissão em que transferiu à A.E.G. Cia. Sul-Americana de Eletricidade os direitos quanto às concessões, além de vincular-se a empresa e remodelar e arrendar os serviços telefônicos 1

da sua área. A concessionana obrigou-se ao pagamento do saldo, que pelo Município tinha de ser amortizado, quanto ao preço de aquisição dos bens e direitos da antiga Companhia Telefônica do Paraná, e a pagar o arrendamento dos serviços. (c) A 29 de maio de 1930, a A.E.G. Cia. Sul-Americana de Eletricidade transferiu à Companhia Telefônica Paranaense os direitos oriundos do contrato com o Município de Curitiba. (d) Acervo e serviços continuaram de propriedade do Município de Curitiba. No contrato entre a Companhia Telefônica do Paraná e o Município de Curitiba, assinado a 3 de junho de 1930, há pontos que merecem ser frisados: a companhia reconheceu a obrigação de pagar, pela parte do material e dos serviços telefônicos, de propriedade do Município, anualmente e durante 30 anos, sete por cento da receita bruta das mensalidades do serviço telefônico e mais 1.000$000 de renda interurbana. A outorga pelo Município de Curitiba teve fundamento em lei, que a autorizou. O prazo de exploração com exclusividade, durante 30 anos, foi iniciado à assinatura do contrato para terminar em 1960. Expirado ele, a empresa obrigou-se em regime livre, isto é, sem exclusividade. Todavia, a empresa obrigou-se a conservar em bom estado a atual rede local na cidade de Curitiba e aumentá-la confarme o desenvolvimento da cidade, dentro do Município, respeitando a cláusula I 1.ª, alínea VII. Isto é: fora da zona A, cobraria do usuário, antes de iniciar o serviço, o custo mediante um orçamento. Fora da zona A, praticamente todas as novas instalações seriam feitas à custa do contribuinte. Durante vinte e cinco anos, a empresa explorou sem a renovação que era de esperar-se. (e) Em 1952, com base em lei, o Prefeito autorizou a empresa a substituir o seu processo antiquado pelo automático, com a capacidade inicial de 11.000 linhas, e a obrigação de inaugurá-lo dentro de 24 meses, com as seguintes, condições suspensivas: a) obter Jicença de importação do material; b) subscrição pública ou particular de ações no valor de Cr$ 25.000.000 do aumento de capital de Cr$ 70.000.000, que a companhia projetava realizar; 2

e) subscrição pelo Município de Cr$ 30.000.000 do aludido capital.

Continuou, entre o Município de Curitiba e a empresa, a relação jurídica de arrendamento. Prorrogou-se o prazo da concessão até dezembro de 1980, com todas as cláusulas que o contrato de 1930 não modificara. Os vinte e quatro meses já haviam passado, após o contrato de 1962; precisamente, três anos e cinco meses quando foi assinado termo de modificaçâo do contrato. No termo de modificação, datado de 30 de novembro de 1955, a companhia obrigou-se a instalar o serviço automático com a capacidade inicial de 9.000 linhas e 4.500 extensões; a ligar progressivamente, após aquela inauguração, novos assinantes às demais linhas automáticas disponíveis e as correspondentes extensões; a conseguir remuneração de 12 % sobre o capital que iria investir e unilateralmente orçado por ela. Mais: obrigouse à expansão dos serviços conforme as necessidades e interene público e tanto quanto permitam as condições econômicas e a sua estrutura tarifária. O parágrafo único é de grande relevância: "Se verificada dentro do prazo de 5 anos, após a inauguração da nova estação, a necessidade do aumento do número de aparelhos telefônicos da cidade, desde que provada a possibilidade de importação do respectivo material, está a Cia. obrigada a realizar o aumento, mediante, entretanto, prévia aprovação de tarifas que assegurem a remuneração do novo investimento, conforme está assegurado pela cláusula 3.ª deste instrumento". A cláusulà 3.ª referiu-se ao lucro cumulativo de 12 % do capital enquanto vigorasse a concessão, retirando a obrigação de aumentar o número de aparelhos sempre que ficar provada a necessidade, "o que se constatará pela solicitação de novos assinantes, observada a disposição do parágrafo único da cláusula 4.ª." Aliás, as tarifas foram autorizadas pelo contrato de 1955, em relação ao contrato de 1952. Uma das cláusulas do contrato de 1952 é sobre a obrigação da empresa a ter "registro contábil atualizado permanente e contínuo, com os detalhes suficientes para mostrar de maneira clara os fatos pertinentes ao serviço telefônico de Curitiba".

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O consulente afirma que a empresa nunca cumpriu a cláusula. Conseguia, como acontecia com todo o investimento de capital estrangeiro conforme a instrução 1 . 111 da Sumoc, importação de todo o seu equipamento sem cobertura cambial. (f) O serviço somente foi inaugurado em março de 1958, com meses de atraso. Logo depois se verificou que o número de pedidos de novas ligações, portanto - sem se contarem os assinantes existentes, era de mais de 10.000. Nove meses depois a empresa reclamou novo aumento de tarifas. Analisado o memorial, grupo de trabalho, incumbido pelo Município de Curitiba, chegou às seguintes conclusões: a) no memorial, a empresa de forma alguma se comprometeu a realizar a ampliação dos serviços dentro da intensidade da demanda, mesmo que fosse atendida a pretendida revisão das tarifas nos termos pleiteados; b) incluiu a empresa, como se fosse investimento seu, o acervo da antiga Companhia Telefônica do Paraná, que fora adquirido pelo Município do Paraná, e entregue à Companhia Telefônica Paranaense, sem qualquer transmissão da propriedade. Além de tudo isso, a empresa, no memorial, não distinguiu do que se aplicou no Município de Curitiba o que se aplicou noutros Municípios. Os cálculos que a empresa fez exprobrados pelo Município de Curitiba, e a empresa de modo nenhum observou o Decreto n. 408, de 13 de outubro de 1958, art. 10: "A conta do capital investido inicialmente e todos os demais investimentos serão escriturados em livro especial, rubricado pelo Chefe do Executivo que dele manterá duplicata junto à Divisão de Fiscalização dos Serviços concedidos". Outros fatos. O material e a mão-de-obra, fora da zona A, que, pela cláusula 2.ª, alínea 13, seriam pagos pelos usuários mediante prévio orçamento, figuraram como capital investido. Com isso, também se infringiram os arts. 6. 0 , parágrafo único, e 12 do Decreto n. 408: "excluem-se do custo da produção: II as instalações e mão-de-obra de serviços pagos distintamente e diretamente pelos usuários, sob a forma de taxas ou mediante orçamento". Mais: "serão excluídos de conta de capital-investimento os bens per4

manentcs e cm função ativa de serviço que forem pagos separada e diretamente pelo usuário". (g) A empresa confessou que não tinha financiamento para as ampliações e que a rentabilidade não cobria os juros dos seu~ empréstimos. Quer isso dizer: não tinha ela capital e operava com dinheiro alheio. A despeito disso, houve o reajustamento das tarifas (Decreto n. 1.084, de 30 de dezembro de 1960). Os serviços não foram ampliados, nem a empresa cumpriu o que prometera nos contratos. Em meado de 1961 tentou inserir como capital seu o que seu não era e como investimento, capital em movimento, materiais em ai· moxarifado, juros, juros sobre juros, administração ... E em ofício de 30 de junho de 1961 declarou, em confissão expressiva: "que não se acha no momento em condições de tratar do projeto das 10.000 linhas, principalmente devido à não-concordância até este momento ao plano de financiamento das 1.000 linhas pendentes da instalação em Curitiba". As exigências extracontratuais pulularam. (h) Diante das exigências inadmissíveis, o Município de Curitiba notificou, judicialmente, a 15 de julho de 1961, a empresa, para que adimplisse o que prometeu nas cláusulas l.ª, /), e 4.ª, parágrafo único, do contrato de 1955: ampliação das 11.000 linhas, na forma pura e simples que o contrato estabelecera, prometendo o Município rever as tarifas do novo investimento para que entrasse em vigor após a inauguração dos serviços e sujeitar-se a Juízo Arbitral que determinasse "o valor do investimento atual para garantir à Companhia Telefônica Nacional" justa remuneração do seu capital-investimento ". A empresa respondeu com exigências extracontratuais e queria - o que também não tinha base no contrato - que o Município lhe desse garantias de renda anual cumulativa de 12 % , sem que se verificasse qual era esse capital e sem pelo menos, orçar o novo investimento. Nenhuma providência tomou a empresa; nem disse qual a que tomaria.

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Após algum tempo, o Governo do Estado do Paraná interferiu, oferecendo a compra do acervo. O valor que a empresa atribuiu ao seu ativo foi surpreendente, pela absurda elevação, inclusive quanto ao serviço telefônico de Curitiba. Na última notificação judicial que fez o Município à Companhia Telefônica Nacional, declarou que estava disposto a garantir a Companhia Telefônica Nacional a continuidade da sua exploração até 1980; mas, "não transigindo no respeitante à ampliação do serviço, não prescindia de suas atribuições e prerrogativas no considerar caduco o privilégio e a exclusividade da exploração, por entidade manifestamente desinteressada em atender à demanda de telefones decorrente do extraordinário progresso do Município nestes últimos anos; o realismo tarifário não poderia ser levado ao exagero do reajuste de taxas estribado em investimentos irreais". Assim, notificada foi a Companhia Telefônica Nacional "para, em 20 dias, dizer se já adotou as providências indispensáveis para atender à demanda de novos interessados em possuírem aparelho telefônico e se está capacitada para ampliação imediata de suas instalações e equipamento de molde a colocar mais 30.00 ligações no Município de Curitiba, de acordo com as cláusulas contratuais. O Município frisou estar pronto a conceder revisão de tarifas, proveniente do novo investimento em bases justas para vigência simultânea com a prestaç&o do novo serviço". Por isso, "o silêncio ou recusa não fundamentada em dispositivos contratuais e normas legais corresponderia à sua inequívoca demonstração de mais continuar como detentora do privilégio da concessão no Município de Curitiba, do mesmo modo que não implicará na revogação de sua obrigação de continuar explorando as atuais linhas até o término do contrato". Em dezembro de 1965, foi promulgada a Lei de Fundo Municipal, sugestão da própria Companhia Nacional Telefônica e por ela considerada providência financeira acertada. Queria, porém, que lhe fosse atribuída a administração, mediante comissão de 5 % ou metade da sua rentabilidade. Fez mesmo comunicações ao público. O Prefeito, no histórico que enviou ao relator do mandado de segu(i)

rança, informa: " ... passou a C.T.N. a fazer comunicações ao público, agindo por sua própria conta, e baseada nos recursos angariáveis pelo Fundo, sem resolver qualquer problema fundamental. Basta dizer que os 'documentos' de encomenda e confirmação de 10.000 linhas entre a C.T.N. e a Standard Eletric não continham sequer o valor do pedido e sua confirmação. Mas, em fevereiro de 1966, apresentava a C.T.N., enfim, um orçamento de treze bilhões, trezentos e setenta e oito milhões, quatrocentos e quarenta e sete mTI cruzeiros, para 10.400 linhas, o que já ascendia a um milhão, trezentos e trinta e sete mil oitocentos e quarenta e cinco cruzeiros por linha". A 7 de fevereiro de 1966, já apresentava aditivo e reformulação do contrato de concessão. Tem-se a impressão de que a empresa queria ou se sentia com poderes para legislar: "todas e quaisquer futuras expansões deverão ser realizadas pelo Fundo Municipal, sob a administração da concessionária"; ela é que definiria o seu investimento, inclusive estoque, despesas capitalizadas, serviços técnicos, juros e capital de movimento, o contrato duraria até 1980 ou até quando o Fundo Municipal adquirisse o investiment1J da C.T.N.; mas, enquanto não fosse adquirido esse investimento, o contrato seria prorrogado indefinidamente; a concessionária usaria os recursos do Fundo Municipal para compra de material e equipamentos; a empresa operaria e administraria, recebendo remuneração; o preço das linhas seria reajustado eventualmente; a arrecadação seria diretamente pela concessionária; estabelecido o valor do seu investimento ( ! ) , seria submetido a correção; os critérios para remuneração de investimentos e tarifas seriam, sempre, dados pela empresa; em pagamento dos seus serviços de administração, a empresa receberia metade dos doze por cento da remuneração do capital do Fundo Municipal; teria a empresa "para a autonomia administrativa" para as operações do Fundo Municipal; a empresa não se responsabilizaria, sequer, pelos gráficos da lista telefônica. Finalmente, além de outros poderes inacreditáveis, poderia, transferir ou arrendar a concessão ( ! ) . Com todos os meios e ensejos para cumprimento do contrato, inclusive com reajustes, a empresa não adimpliu as suas obrigações.

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Daí dizer o Prefeito que a empresa, "há trinta e sete anos, reiterada, renitentemente, descumpria suas obrigações, paralisava o desenvolvimento da cidade, constituía-se num entrave à administração e ao progresso do Município". A empresa, pelas infrações contratuais continuadas, já devia ao Município de Curitiba um bilhão, setecentos e oitenta e quatro milhões, setecentos e vinte e dois mil e quinhentos cruzeiros, sem correção monetária. O Prefeito, levando em consideração o que se passava há decênios, declarou caduca a cláusula de monopólio. Foi empregada, em sentido atécnico, a expressão "revogada a cláusula" ( art. 1. 0 : "Fica revogada a cláusula 12 do contrato de concessão para explorar o serviço telefônico na cidade, outorgado à Companhia Telefônica Nacional, pelo contrato efetuado em 3 de junho de 19 30 "). Aliás, a Lei n. 2.700, de 31 de dezembro de 1965, que criou o Fundo Municipal de Telefones, por sugestão da própria empresa, estatui no art. 7. 0 : "Os recursos do Fundo Municipal de Telefones serão empregados exclusivamente para a manutenção, administração e ampliação dos serviços telefônicos de Curitiba, assim como o resgate do acervo atual da Companhia Telefônica Nacional". Acrescenta o parágrafo único: "O resgate do equipamento de propriedade da Companhia Telefônica Nacional será executado com recursos obtidos pelo Fundo Municipal de Telefones, que poderão ser aplicados, reprodutivamente, a critério do Conselho administrativo, ou depositados, em conta especial, com a mesma denominação de preferência, no Banco do Estado do Paraná". Iniciou-se para a concessão de telefones em Curitiba nova fase: o Fundo Municipal de Telefones destina-se à ampliação dos serviços telefônicos, que a empresa concessionária deixara de executar, bem como à manutenção e administração, e - o que é da maior relevância - ao resgate do acervo da atual ( sic) Companhia Telefônica Nacional. A aplicação do Decreto n. 1.620 foi suspensa por noventa dias, porém para que se encontrasse alguma fórmula para a solução do problema. Daí as conversações com os Ministérios do Planejamento

e da Agricultura, com o Conselho Nacional de Telecomunicações, com o Tclepar e com os diretores da International Telephone and Telegraph Co. Tudo isso, sob a inspiração do Governo Federal, para facilitar a aquisição da empresa. Os diretores da International Telephone and Telegraph, frisou o Prefeito, não comparecem, sequer, à reunião marcada para o Rio de Janeiro.

II

OS PRINC1PIOS

(a) A concessão, se houve negócio jurídioo bilateral, é contrato de direito público, porque ou se trata de serviço público, ou de serviço ao público, que se fez dependente de outorga de poderes pelo Estado. É implícita a função fiscalizadora, veladora, controlativa, ou interventiva do Estado. De modo que o contrato não atinge a atividade funcional do Estado, no que se refere ao interesse público. Quando o Estado conclui contrato de obras, ou de outro objeto, com o particular, sem ser serviço público, não faz concessão, não concede. Quem contrata trata com a vinculação de outrem. Quem concede, não cede unilateralmente, como acontece com as cessões de direito, ou de pretensões ou de ações: cede, com a vinculação de outrem, de jeito que se prendem os dois corações, como em toda concordância. A concessão frisa que se presta mais do que seria prestado nos contratos de direito privado, porém o plus também influi no que se concerne ao interesse público. A concessão é ato atributivo, em virtude do qual a empresa apta

se confere exercer atividade econômica, que não está nas funçõe~ exclusivamente estatais, e tem de ser entregue pelo Estado, observadas as leis. Quase sempre se insere em contrato e então se há de falar de contrato de concessão (Konzessionsvertrag). A afirmativa de se tratar de contrato de direito administrativo, portanto - de direito público, começou na França e aprofundou-se na doutrina alemã 9

(cf. E. FORSTHOFF, Lehrbuch des Verwaltungsrechts, 1951, 2. 11 ed., 218 s.). Há direito de extinguir a relação jurídica contratual da concessão (Aufhebungsrecht), ou pela resolução (resolução stricto sensu, ou resilição), ou pela denúncia. A revogabilidade depende de cláusula; a resolutibilidade e a denúncia cheia, não ( cf. ERNST RUDOLF HUBER, Wirtschaftsrechtsve1waltungsrecht, Tübingen, 1953, 1, 568). Se há a exigência de extensão, mudança, ou melhoramento, e a empresa não cumpre o que prometeu, há a resilibilidadc do contrato, pois que a empresa já explorava a concessão. Se a empresa procede de tal maneira que ofende o interesse público, há direito à denúncia cheia. O serviço ao público, uma vez iniciado, insere-se na vida social, econômica e jurídica, da comunidade, de modo que, em princípio, se postula a continuidade dos serviços ao público, não se devendo pensar na suspensão ou interrupção deles, sem que outro serviço se haja instalado em situação de eficiência, que permita a substituição. Ao princípio da continuidade dos serviços ao público prendem-se os deveres de mantença durante a vigência da concessão, e o dever de assegurar a reversão dos bens vinculados, terminada a concessão, à entidade estatal, ou a alguma entidade que o Estado aponte, ou outra solução que o Estado prefira. A reversão traduz, no plano da titulariedade dos direitos reais, a necessidade de que permaneça, com a mesma destinação ao serviço concedido, tudo que a ele era indispensável, ou útil, ou, ainda voluptuário, se inserira como parte integrante, ou se juntara, como pertença, ao bem destinado. A destinação estabelece qualidade objetiva dos bens, que ficam, por isso mesmo, partes patrimonii. Se há cláusula de aquisição pelo valor de instalação, ou pelo valor da data da cessação da concessão, segundo outro critério, tal valor global é o valor do patrimônio, segundo o conceito do Código Civil Brasileiro, arts. 54, II, 55 e 56, que é o mais perfeito até hoje alcançado na técnica legislativa. Se há cláusula de reversão, com ou sem contraprestação, o que reverte - isto é, verte para trás, ao concedente - é o que foi vertido na exploração e permanece. O Estado tem o direito de vigilância de

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todos os atos ela empresa concessionária que sejam concernentes ao aparelhamento e ao funcionamento, de modo que tem o direito à cadastração e à observação de regras que sejam concernentes ao poder de dispor, no que as disposições possam ser danosas à eficiência do serviço ao público. Em princípio, os bens cadastrados ou cadastráveis não podem ser alienados, nem de qualquer modo pode haver sobre eles ato de disposição; mas, no que não lhes altera a unidade funcional, podem ser substituídas as partes integrantes e pertenças. Se a concessão não constou de entrega de bens, ou de valor, que se possa entender vertido ( = investido, segundo o anglicismo corrente), a noção de reversão é forçada; porque nada retorna, nada reverte, salvo se se parte da superada e obsoleta concepção de dominium eminens. A reversão dos bens à Coroa segundo as Ordenaçõe~ Filipinas, Livro II, Título 35 (Lei de D. Duarte, de 8 de abril de 1434), de algum modo o supunha. No alvará de 25 de fevereiro de 1761, a reversão referia-se a bens que da Coroa haviam saído e a bens vacantes. (b) O fundo de empresa pode ser objeto de Civil, art. 714) ou de uso ( art. 7 45). É a solução sistema jurídico brasileiro, ter-se o usufruto ou o empresa como usufruto ou uso de universitas, -

usufruto (Código mais acertada, no uso de fundo de o fundo de em-

presa, como complexo unitário, é que é objeto de usufruto ou de uso. A alienação dos elementos que são destinados à troca, como as mercadorias, entra nas exigências mesmas do funcionamento e continuação existencial do fundo de empresa. O que se há de conservar é a universalidade, para ser restituída. Se algum elemento não é indispensável à conservação da universitas, dele pode dispor o usufrutuário ou o usuário. A teoria que vê no usufruto do fundo de empresa usufruto dos elementos componentes, de um em um, entronca-se em juristas franceses, ainda sobrevivente em alguns juristas, como ISIDORO LA LUMIA (Trattato di Diritto Commerciale, Padova, 1929, 240) e, antes, MARIO CASANOVA, (Studi sulla Teoria dell'Azienda, Pisa, 1933, 114-132).

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O usufruto ou uso do fundo de empresa é usufruto ou uso d·~

universitas. O proprietário tem a sua propriedade sobre todo o fundo de empresa: ao dar-se a substituição de qualquer elemento, a propriedade apanha o objeto novo. No momento de terminar o usufruto , ou o uso, não é preciso qualquer ato do usufrutuário ou do usuário para que o proprietário tenha tido a propriedade plena. Quanto aos atos de disposição, a substituição do elemento é que dá a disposição do que estava se não era destinado a circular ou a ser substituído· se o era então há o poder de disposição antes da substituição.

'

O art. 726 do Código Civil não é invocável; porque se trata o usufruto como usufruto ou uso de patrimônio (art. 714, 2.ª parte). A aquisição do bem, em que se dá a substituição real, ou o incremento, é por força de lei, -

na espécie, lei não escrita, mas,

por interpretação, fundada no art. 57. A aquisição é originária, o que era dono e perdeu, porque, se alguém, que tenha consigo a empresa, sem ser dono, inseriu o bem no fundo de empresa, o incorporante o perdeu, unilateralmente. Se foi dono da empresa quem adquiriu e inseriu no fundo de empresa, a aquisição é conforme o suporte fáctico, e não há resposta a priori. ( c) O prazo de espera não suspende a prescrição. É inconfundível com o adiamento do vencimento ou com o diferimento do vencimento (Tratado de Direito Privado, Tomo VI, § 662, 9). O prazo preclusivo, esse, em princípio, é insuspensível. Uma vez que ele se iniciou, nenhum fato o pode suspender. O prazo para a impetração de mandado de segurança é prazo preclusivo, de jeito que nada 0 suspende. Expirado, acaba a pretensão à impetração de mandamento judicial.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS

(1)

Pergunta-se: - Tendo havido a criação do Fundo Municipal de Telefones, com aquiescência da Companhia Telefônica Nacional, e confessando a empresa a sua inaptidão financeira para suportar o custo da ampliação nos serviços, era afastável o monopólio? Respondo: -Sim. A arrendatária inicial do acervo telefônico, que se vinculou a expandir os serviços telefônicos, em função das necessidades do público, reveladas pelos pedidos e segundo cláusulas contratuais, durante vinte e oito anos nada fez que satisfizesse as promessas contratuais. Tampouco foi cumprido pela sucessora o que se exigiu em 1952. Para se ter noção da insuficiência da empresa - no passado e no presente - para atender ao crescimento da cidade e do Município de Curitiba, basta que se considerasse o número de solicitações dl' novos assinantes que excedia de 10.000. Com isso se revelou a imprevidência, a falta de propósito de bem servir, em que incorria a empresa. A despeito disso, meses depois queria revisão de tarifas. A Prefeitura do Município de Curitiba negou-se à revisão, porque o exame feito pelo grupo de trabalho mostrou a inveridicidade dos dados e falsos investimentos. É relevante notar-se que a empresa confessou que não tinha financiamento para as ampliações e que sua rentabilidade não cobria os juros dos seus empréstimos. Com isso, também confessava que operou com dinheiro alheio. Como se haveria de exigir do Município de Curitiba e do povo assinante de telefones que pagassem os juros dos que fingiram ter capital para a empresa?

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A empresa, em decênios de infrações contratuais, com tarifas atualizadas, com financiamento do Fundo Municipal para as novas ampliações - ao que estava ela obrigada, se não houvesse o Fundo Municipal - queria nada menos do que outro contrato. Não fez investimentos, investiria capital alheio sobre o qual pretendia remuneração de 6 % . Se examinamos cuidadosamente o caso, a conclusão a que se chega, sem qualquer dúvida, é que a empresa queria apropriar-se do Fundo Municipal, sem qualquer ato que demonstrasse a sua intenção de ampliar os serviços. Como poderia a empresa manter 0 monopólio dos telefones se não tinha meios, se, a pretexto de administrar (com remuneração de 6%) o fundo, dele queria apropriar-se? A revisão do contrato que a empresa sugeria, em tom de imposição, era absurda. O Município de Curitiba não a podia admitir. A revisão dos contratos, concessões ou autorizações, concluídos ou conferidos pela administração, dos quais tenham nascido direitos subjetivos, pretensões ou ações, exige a cooperação da autoridade pública que os concluiu ou conferiu e do outro sujeito de direito. Porque revisão de contrato, ou de outro ato jurídico, de que tenham surgido direitos subjetivos, pretensões e ações, supõe ação ou negócio jurídico declarativo, ou declarativo-constitutivo, ou constitutivo, inclusive transacional ( cf. HEINRICH LEHMANN, Der Prozessvergleich, München, 1911, 91) e modificativo. A revisão pode ser plenamente declarativa (contratos de declaração, M. RüMELIN, Zur Lebre von den Schuldversprechen und Schuldanerkenntnissen des BGB., Archiv für die civilistische Praxis, 97, 290), porém quase sempre modifica, elidindo direitos subjetivos, pretensões e ações, isto é, iura quaesita. O mandado de segurança, que se pede, seria contra o Decreto n. 1.620, de 30 de junho de 1966. Esse decreto implicitamente declarou caduco o monopólio, sem qualquer alteração do contrato. Não pode monopolizar quem, com o monopólio, freia a evolução do povo, porque, aí, há ato ilícito absoluto, e não só ato ilícito revelativo. A caducidade do monopólio foi objeto do art. 1.0 do Decreto n. 1.620, de 30 de junho de 1966. A própria empresa sugeriu a sua

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criação e, depois de criado, dele quis aproveitar-se de maneira ilegal e contra a moral.

(2) Pergunta-se: - Estaria precluso o prazo para a propositura da ação de mandado de segurança? Respondo: - Sim. Dúvida somente poderia haver entre contar-se o passo preclusivo desde a data da promulgação da Lei n. 2.700, de 31 de dezembro de 1965, lei que não cogitou de modo nenhum, da continuidade do contrato de concessão e, a fortiori, da exclusividade, e contar-se da data do Decreto n. 1.620, de 30 de junho de 1966, que declarou a caducidade. Qualquer que seja a resposta, deu-se a preclusão, e não há mais a ação mandamental. A suspensão da aplicação da lei não atinge o prazo preclusivo para a impetração de mandado de segurança. Nem se fez mais do que deixar-se de providenciar quanto a medidas relativas ao Fundo Municipal de Telefones. A ratio da suspensão não foi a continuidade da cláusula de monopólio, mas simples ensejo para punctações para se resolver o problema da aquisição do acervo da empresa. Além de ter havido a confissão da caducidade da exclusividade pela sugestão da empresa quanto ao Fundo Municipal de Telefones, que se destinou a ampliação e a resgate, isto é, a 31 de dezembro de 1965, data da Lei n. 2.700, houve a interpretação judicial em que se pôs a alternativa: ou a empresa cumpriria o contrato, ou o Município de Curitiba consideraria "caduco (sic) o privilégio", isto é, a exclusividade. Tal interpretação foi feita a 17 de junho de 1965. Já havia mais de vinte mil pedidos de telefones. A lei sobre Fundo Municipal de Telefones encontrou em mora e com a eficácia extintiva da exclusividade a empresa infringente do contrato. Portanto, a intempestividade da impetração do mandado de segurança é manifesta.

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(3)

Pergunta-se: - Tendo-se, judicialmente, caracterizado a mora da empresa e havendo a controvérsia em torno de fatos, podia a empresa impetrar mandado de segurança? Respondo: - De modo nenhum. Há quaestiones facti. A mora ficou indiscutível com as notificações, porém o reconhecimento da inaptidão financeira, por parte da empresa, já vinha de longe. Mandado de segurança a favor de empresa que há tanto tempo explora a concessão e repetida ou continuamente infringiu cláusulas contratuais, seria absurdo. Muito mais do que do dobro de candidatos a assinantes há na cidade de Curitiba. A empresa, em vez de colaborar com o desenvolvimento da cidade, frenou-o, com a falta de telefones. O direito de denúncia cheia seria indiscutível, e indiscutível era o de resilição de contrato. As duas notificações contêm elementos para que se reconheça ao Município de Curitiba o direito à extinção do contrato; a forti01·i, à declaração de caducidade da cláusula de exclusividade. Se se deixasse a líbito de empresa, sem meios e, sequer, sem intenções de ampliação e melhora, a exploração dos telefones de Curitiba, estarse-ia a sacrificar o povo em proveito de grupos, que querem fundo municipal para inversão em lucro próprio, como se o capital fosse seu, e ainda cobrar sobre ele remuneração!

(4) Pergunta-se: - Se há a relação jurídica de concessão de serviço ao público, com a bilateralidade das prestações, que a empresa e a entidade estatal prometeram, cabe a exceptio non adimpleti contractus ou a exceptio non rite adimpleti contractus? Respondo: É assente em direito administrativo que o Estado, qualquer que seja a entidade, e o concessionário têm os direitos à extinção da

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relação jurídica oriunda do contrato de concessão. Daí a resolubilidade stricto sensu, a resibilidade, a denunciabilidade com causa suficiente e a oponibilidade da exceção non adimpleti contractus ou da exceção non rite adimpleti contractus. Se, oposta a exceção, o contraente não adimple, para que a exceção desapareça, e o adimplcmento já era exigível, há a resolução ou a resilição. Essa, por ser mais freqüente já se ter iniciado a execução do contrato, é a que mais ocorre. As questões que se levantam a propósito das infrações cometidas pela empresa são quaestiones f acti. O que se sustenta é que foi sem razão, não fundada em lei, a declaração de caducidade. Ora, a própria empresa confessara a sua inaptidão para cumprir o contrato e os seus deveres eram evidentes e evidente a infração. Como se poderia considerar certo e líquido o direito de empresa que não cumpriu os seus deveres e se criara situação de abstenção de atividade que somente poderia ser remediada com a exploração por outra empresa ou pelo próprio Município de Curitiba? Confessou a inaptidão financeira, sugeriu que se criasse o Fundo Municipal de Telefones, o Fundo foi criado, ela não econtrou caminho para se acomodar a ele. Não havia outra solução do que a declaração de caducidade. Dizemos "declaração", porque, em verdade, já estava excluída, pela mora e as dificuldades públicas criadas pela empresa, e pela criação do Fundo Municipal de Telefones, a exclusividade da exploração. Uma vez que era dever da empresa a ampliação de necessidade premente, e dever do Município de Curitiba admitir o monopólio, ao Município de Curitiba cabia a excessão non adimpleti contractus. Ou amplie, ou não exija exclusividade, porque é de interesse público a ampliação imediata, ampliação que deveria ter sido feita há decênios. (5)

Pergunta-se: - Se a entidade estatal, que fez a concessão de serviço ao público, além dos direitos de fiscalização e velar pelo interesse público e pela extensão das atividades, se reserva, negocialmente, o direito 17

de exigir ampliações, medidas de cálculo e de providências econômicas, esses direitos e esses deveres têm de ser respeitados pela empresa? Respondo: - Sim. As entidades estatais não perdem as suas funções publicísticas de fiscalização, controle e velamento, nem se apagam os seus deveres de cuidar do interesse público, quando atribuem a alguma empresa a exploração exclusiva, monopolística, de serviço ao público. Há condição resolutiva ou resilitiva implícita, que é a de ser iniciado no tempo próprio ou continuado, com remodelações ou ampliações exigíveis, o serviço ao público. Porém não se precisa invocar esse princípio quando o contrato mesmo estabelece momento ou prazo em que se há de adimplir aquilo que se prometeu. Seria absurdo que a execução inicial ou a continuidade ou a ampliação ou melhora de serviço ficasse à mercê das intenções ou dos meios de que dispõem as empresas concessionárias. Como seria possível admitir-se que empresa de transportes deixasse de adimplir o que teria de concluir, para servir ao público? Como possível admitir-se que alguma concessionária de telefones não cumprisse o seu dever de atender aos pedidos de assinaturas? Como seria de admitirse que empresa de fornecimento de alimentação não a fornecesse, ou só insatisfatoriamente o fizesse? A entidade estatal que entrega a outra empresa, ou executa por si mesma, o serviço ao público, que era objeto de concessão a alguma empresa, com a cláusula de exclusividade, tem, diante da mora da concessionária, não só o direito, mas o dever de atender às necessidades do público. (6)

Pergunta-se: - Em caso de inadimplemento de deveres e obrigações por parte da empresa, que incorreu em mora, pode a entidade estatal decretar a caducidade do contrato, ou de alguma das suas cláusulas, a fim de assumir, na emergência, os serviços, ou parte deles, no sentido de evitar calamidade, para o público, decorrente da desídia da concessionária?

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Respondo: A decretação de caducidade, de que vulgarmente se fala, é mais do que decretação, é declaração, se a mora já se compôs. A mora pode ser independente de qualquer intimação ou interpelação, ou outra formalidade, se o caso é de infração de dever que tinha prazo, ou se a própria concessionária confessa a impossibilidade subjetiva de execução do contrato. A Companhia Telefônica Nacional teve atingida a sua situação jurídica pela Lei n. 2.700, de 31 de dezembro de 1965, que criara o Fundo Municipal de Telefones, por sugestão da própria empresa, que confessara não ter meios para executar o contrato de concessão e não fizera as ampliações prometidas. A sugestão de se criar o fundo por si só mostraria a inaptidão financeira da empresa, cujas violações do contrato eram perturbadoras. Criou-se patrimônio especial, com destinação específica pelo Município de Curitiba, e uma das finalidades era a de resgatar o acervo da empresa, acervo de difícil avaliação porque somente pode ser da empresa o que não foi conserto ou melhoramento do que a anterior concessionária lhe cedera. A propriedade era e continuou sendo do Município de Curitiba, que nunca a alienara. -

De passagem, digamos que a aquisição de uso de patrimônio especial não afasta a aquisição pelo dono do patrimônio especial de tudo que nele se integra. (7)

Pergunta-se: - Poderia o Poder Judiciário, no exame do ato inquinado de ilegal, decretar-lhe a nulidade, restabelecendo a cláusula que se reputou caduca? Respondo: - Decretação de nulidade de ato administrativo de caducidade, a propósito de cláusula de exclusividade, conseqüente à falta de implemento de dever de empresa concessionária reincidente, seria contra os princípios jurídicos. Se o ato fosse sem os requisitos de competência do órgão da entidade estatal, ou ilícito ou impossível

o seu objeto, ou sem os pressupostos formais, ou com infração de regra jurídica que fez essencial alguma solenidade, ou se a lei, na espécie, o considera nulo, compreender-se-ia a decretabilidade da nulidade. Se, perante a lei, é válido o ato administrativo, e o que contra ele se alega é ter declarado a caducidade da cláusula de exclusividade, o que está em causa é discussão em termo de ter havido, ou não, violação de contrato. Está-se no plano negocial. Tem-se de saber se a concessionária deu ensejo à medida de atendimento ao interesse público, pela falta, cometida pela empresa, de ampliação e melhoramento dos serviços. O fato de estar provada a mora da empresa e o de ter ela confessado a sua inaptidão financeira para adimplir o que há mais de trinta anos fora prometido bastam para se apreciar a gravidade da situação em que ficou a entidade pública, diante de pedidos de mais do dobro das linhas existentes. Seria fora de toda a pertinência exigir-se da entidade, que tinha todos os dados para evidenciar a inaptidão financeira e a falta de boas intenções da empresa, que procurasse ação ordinária para a resilição do contrato de concessão. A respeito de contratos de concessão, há a ação para que se dê resilição ao contrato e há direito à resilição, que independe de julgamento judicial. No caso da consulta, a caducidade já se manifestara, desde que a empresa confessou a sua situação e pretendeu fazer investimento com capital alheio, capital do Fundo Municipal de Telefones, fundo que supõe não mais se pensar em exclusividade da exploração. A lei que criou o Fundo Municipal de Telefones fala, explicitamente, de administração e ampliação dos serviços telefônicos de Curitiba e do "resgate do acervo da Companhia Telefônica Brasileira". Ora, resgate é termo técnico. Nos Comentários à Constituição de 1946, l, 4.ª ed., 350-351, frisamos a diferença entre reversão e resgate: " ... se se estipulou que nos casos a, b e e se pode resgatar, há denunciabilidade, com direito ao resgate, a que se procede com a indenização. Se se disse que seria resgatável nos casos de infração de contrato, a figura, que em verdade há, é a da resibilidade por inadimplemento, que, aliás, não precisa, para existir, de se inserir cláusula no contrato. O princípio do art. 1.092, parágrafo único, do 20

Código Civil é princípio geral do direito brasileiro. A resilição em virtude de inadimplemento (ou de implemento ruim) tem as conseqüências de reversão em virtude do princípio da continuidade necessária do serviço público". Reversão, e, se é o caso, resgate. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1967.

PARECER N. 106 SOBRE CONCESSÃO DE ISENÇÃO DE IMPOSTOS, PRAZO DE Dl·RAÇÃO, SUBSTITUIÇÃO DO IMPOSTO POR OUTRO PERMAN.E:NCIA DA ISENÇÃO E OFENSA A DIREITO AD~ QUIRIDO I

OS FATOS

(a) No Estado de Alagoas, a Lei n. 2.141, de 30 de abril de 1959, autorizou o Poder Executivo a conceder isenção de impostos estaduais, por um período de dez anos, às indústrias novas, sem similar, que venham instalar-se no território alagoano, uma vez que atendam às exigências que a própria lei estabeleceu. Tal o que se est.1tui no art. 1. 0 • No art. 2. 0 , explícito ficou que a isenção abrange os impostos sobre: a) vendas e consignações; b) exportação; e) transmissão de bens inter vivos. Acrescentou-se no parágrafo único: "A isenção não se estenderá às taxas ou contribuições de melhoria, devidas pelo estabelecimento industrial". No art. 3. 0 , frisou-se que, no caso de a indústria incluir na produção "artigos já anteriormente produzidos pelo Estado, ao lado dos artigos sem similar, a isenção

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ficará restrita aos impostos sobre as vendas e consignações e sobre exportação quanto aos artigos sem similar". Para se conceder a isenção, a Lei n. 2.141 exigiu que a outorga só se fizesse, se requerida pela Empresa interessada, ouvida a Secretaria da Fazenda e da Produção, com o preenchimento das exigências legais e por decreto, de cujo conteúdo cogitou o art. 4. 0 , parágrafo único. É de salientar-se que, no inciso c), se referiu, expressamente, o prazo de isenção "com as datas de início e término". No art. 5. 0 , a Lei n. 2.141 fez pressuposto necessário para a expedição do decreto de concessão de isenção a publicação no Diário Oficial do Estado-membro, durante quinze dias com indicações precisas quanto à isenção pretendida e especificação da natureza da atividade industrial a ser beneficiada, nome e sede da empresa, "para efeito de eventual impugnação da parte de qualquer interessado". No art. 6. 0 , pôs-se o princípio da intransferibilidade da isenção, no tocante às pessoas jurídicas, ou, se o titular é pessoa física, em caso de sucessão a causa de morte, o princípio de transferibilidadC' limitada, isto é, só ao cônjuge sobrevivente ou herdeiros que continuarem, pessoalmente, na exploração da atividade industrial. Nos arts. 7. 0 , 8. 0 e 9.º, a Lei n. 2.141 cogitou dos deverps das empresas concessionárias de isenção qu~ se baseia na própria Lei n. 2.141. O art. 7. 0 , com toda a explicitude, exigiu que as empresas concessionárias a) mantenham em dia a escrituração dos respectivos livros fiscais e emitam os documentos fiscais relativos ao trânsito, transferências ou vendas dos artigos produzidos, que b) assegurem preferência ao Estado de Alagoas em igualdade de preços, para a aquisição dos seus produtos, e e) abasteçam o mercado interno, quando se fizer necessário, antes de promover a exportação. No § 1. 0 , assentou-se que a infração de qualquer desses deveres sujeita o infrator, "sem prejuízo de outras sanções estabelecidas na legislação vigente, à multa de dez a cem mil cruzeiros, conforme a gravidade da infração". Em caso de reincidência, acrescenta o § 2. 0 , "a isenção poderá ser cancelada". Entendamos: pode o Estado de Alagoas fazer a denúncia cheia, isto é, com a alegação e a prova da

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infração havida, a que outra se seguiu ou outras infrações se seguiram. O cancelamento é feito do ato administrativo. Além dos deveres de que tratou, com exata conceituação, o art. 7. 0 , há os que, no art. 8. 0 , se supõem infringidos pela empresa concessionária que comete fraude fiscal, ou concorre para que outrem a pratique, ou dela tire proveito. Então, "serão cassados, após julgamento administrativo, todos os favores em cujo gozo se encontrar, sem prejuízo de outras penalidades ou medidas legais". Nesse caso, a isenção "será considerada extinta, a partir da data da infração que deu lugar ao processo fiscal". No art. 9.º e parágrafo único, novamente referiu-se a Lei n. 2 .141 à cancelabilidade das concessões de isenção se a empresa monopoliza, de qualquer forma, as fontes de matéria-prima, de modo a impedir a constituição de empresas similares, ou se não produz artigos prontos e aptos para o consumo. (b) A empresa brasileira Moinho Nordeste S.A. obteve a concessão de isenção, conforme o Decreto estadual n. 395, de 3 de dezembro de 1960, art. l.º: "É concedida à sociedade de Moinho Nordeste S.A., com sede e foro na Capital do Estado de Alagoas, a isenção de impostos de vendas e consignações, exportação e transmissão inter vivos, para a exploração da indústria de moagem de trigo, sujeita à observância do Decreto n. 808, de 2 de julho de 1959". O Decreto n. 808, a que se referiu o Decreto n. 395, de 3 de dezembro de 1959, é o que regulamentou a Lei n. 2.141. (c) A Lei federal n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, concebida com fundamento na Emenda Constitucional n. 18, de 1.° de dezembro de 1965, regulamentou o sistema tributário nacional, com regras jurídicas "de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem prejuízo da respectiva legislação complementar, supletiva ou regulamentar". No art. 101, estatui a Lei federal n. 5.172: "A vigência, no espaço e no tempo, da Legislação tributária rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o previsto ne()te Capítulo". O conteúdo do art. 101 consiste em alusão aos 24

princ1p1os de direito intertemporal, constantes da Constituição, das leis, ou assentos em ciência jurídica, com regras jurídicas não escritas.

No art. 104, a Lei federal n. 5. 172 trata da incidência (verbis "Entram em vigor") das regras jurídicas, constantes da lei, "referentes a impostos sobre o patrimônio e a renda", que instituem ou majoram tais impostos" (1), "que definem novas hipóteses de incidência" (II), "que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observando o disposto no artigo 178 ". A respeito de isenções de impostos e outros tributos, há os arts. 17 6-179, constantes de seção especial (Seção II do Capítulo V). Diz o art. 176: "A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração". Acrescenta o parágrafo único: "A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares". Estabelece o art. 177: Salvo disposição de lei em contrário, a isenç,ão não é extensiva: I - "às taxas e às contribuições de melhoria; II aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão". O art. 177 não afasta a eficácia da concessão de isenção a taxas e contribuições de melhoria, se há regra jurídica que a elas se refiram e, pois, as sujeitam à isentabilidade; nem a eficácia da concessão de isenção a tributos instituídos posteriormente à concessão, se há regra jurídica que se interprete como abrangente de todos os impostos da mesma classe. É assim que se há de ler o art. 177, onde se insere a ressalva: "Salvo disposição de lei ou contrário ... " O imposto que substitui outro, ou que lhe altera elementos, não é outro imposto. Diga-se o mesmo quanto a qualquer tributo. A respeito das isenções com prazo e das sem prazo, é de grande relevância o art. 178: "A isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo observando o disposto no inciso III do artigo 104". O art. 104 inciso III, é aquele em

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que se fala da incidência de leis - entenda-se: !eis, decretos ou outros atos - que "extinguem ou reduzem isenções". O art. 179 é sem pertinência para o assunto da consulta. (d) A Lei estadual n. 2.839, de 30 de dezembro de 1966, concernente ao novo Código Tributário do Estado de Alagoas, no art. 76, diz, em tom de regra jurídica que estivesse em texto constitucional federal: "São revogadas as isenções gerais ou especiais não constantes desta lei". Tal regra jurídica não consta do Código Tributário da União (Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966), que deu ensejo ao Código Tributário do Estado de Alagoas. (e) Desde a data da sua instalação, a empresa brasileira J\iloinho Nordeste S.A. tinha os benefícios que lhe resultavam da concessão, que tem prazo só expirável a 3 de dezembro de 1970. II

OS PllINCíPIOS (a) Concessão de isenção do imposto ou de impostos é ato do poder público tributante, de ordinário ato administrativo, sem que se afaste a isenção em virtude de lei, se a lei não deixou a líbito do Poder Executivo isentar, 0u negar a concessão. A concessão de isenção é inconfundível com .1 imunidade, porque a imunidade pre-· viamente afastou a tributação. Se há isenção, não havia imunidade, e por isso o que se concede é a exemptio: em vez de se afastar o imposto, ou outro tributo, em vez de se emire, conforme o étimo, isenta-se do imposto ou de outro tributo quem o devia prestar. A concessão, ato unilateral, pode inserir-se em contrato. Seja como for, a isenção pode ser concebida como efeito de declaração unilateral de vontade revogável, isto é, a que o concedente pode retirar a vox. Revogar é retirar a voz. Mas a revogabilidade é afastada sempre que há prazo, quer a concessão conste de negócio jurídico, quer de lei. Se foi lei que isentou de algum imposto, ou de alguns impostos, ou de todos, pessoa física ou jurídica, a prazo determmado, o legislador, que revogasse a regra jurídica em que se fez a concessão de isenção,

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estaria a ferir direitos adquirid1s de todos aqueles que ficaram isentos em virtude de lei. A irrevogabilidade também ocorre se a concessão de isenção preveio do ato administrativo ou em decreto, ou em negócio jurídico, e foi a prazo determinado, ou sob condição resolutiva. Em tais espécies, a extinção normal é ao termo da isenção, ou se há implemento da condição resolutiva ou resilitiva. O princípio de que a concessão de isenção a prazo determinado é irrevogável está explícito no art. 178 da Lei n. 5. 172, de 25 de outubro de 1966 (sobre o sistema tributário nacional), e não precisava estar na lei escrita, porque quem fala de prazo a favor de alguém atribui direito. Desde e., dia da promessa há o direito adquirido. (b) Se a concessão de isenção foi feita em ato unilateral, mas com deveres especiais para o concessionário a infração dos devere5 dá à entidade estatal, que outorgou a isenção, o ensejo para a denúncia cheia, com a conseqüência eficacial do cancelamento. Se a concessão de isenção foi incerta em contrato, ou em acordo, passa-se o mesmo. ( c) Quanto à resolução lato sensu (resolução stricto sensu e resilição), ou resulta de cláusula negociável, ou de texto de lei. No tocante aos negócios jurídicos unilaterais ou bilaterais em que se inclui, há defeitos específicos. Em se tratando de contratos (ou acordos) bilaterais, invocáveis os princípios específicos sobre resolução stricto sensu e sobre resilição, bem como a exceptio non adimpleti contractus e a exceptio non rite adimpleti contractus. (d) A propósito de isenção, a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, concernente ao sistema tributário nacional, pôs o princípio de revogabilidade da cláusula ou pacto de isenção se a concessão não foi a prazo determinado. Se foi a prazo determinado, não há falar-se de revogabilidade, mesmo porque haveria contradição. Tal princípio tem de ser respeitado pela União, pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, não somente porque seria contraditório outorgar direitos durante o prazo e dentro dele permitir-se a revogação, como porque a Lei n. 5.172, no art. 178, tem o ratio legis na explicitação dos deveres que assumem perante concessionárias as entidades estatais que teriam direitos à isenção du27

rante prazo marcado. Para que se não cogite, na interpretação, somente de termos ad que111, referiu-se o art. 178 a co11cessões '' e111 função de determinadas condições". Com isso, acertadamente aludiu a condição resolutiva ou resilitiva, ou a possíveis condições resolutivas ou resilitivas. Enquanto não há o advento de termo final, ou não ocorre condição resolutiva ou resilitiva, não cessa a eficácia da concessão de isenção. Se há termo, ou a condição, que se estabeleceu, foi resilitiva, a extinção é apenas ex nunc, por ocasião da resilição. Pode dar-se que se conceda a isenção com prazo determinado e sob condição resilitiva, ou mesmo resolutiva, mas, aí, a eficácia extintiva de uma das cláusulas é independente da eficácia resilitiva da outra. O que se expôs sobre revogabilidade e irrevogabilidade também se há de invocar a respeito da modificação da concessão de isenção Se a concessão de isenção foi a prazo determinado, ou sob condição que tenha a eficácia ex tunc, a lei - a fortiori, qualquer ato do Poder Executivo não pode alterar o conteúdo, o tempo, o lugar e a extensão contenutística da isenção. Isso está, sem discussão possível, no art. 178 da Lei n. 5.172.

(e) No tocante à substituição de impostos, taxas e contribuições, o que importa é o conteúdo, com os elementos objetivos e subjetivos (o que é que se exige, a quem se exige e quem exige). Quanto ao elemento subjetivo ativo, raramente ocorre substituição, porque as regras jurídicas sobre quem pode tributar constam de princípios constitucionais e a própria emenda constitucional teria de respeitar o princípio negativo da retroeficácia das leis. Se a União isentou, ou se foi outra entidade estatal que concedeu a isenção, o fato de passar a ser competente outra entidade estatal não permite que se ofenda o direito adquirido. As mais freqüentes substituições são no que concerne no conteúdo e alguns requisitos contenutísticos. Por exemplo, em vez de chamar imposto de transmissão da propriedade imobiliária ao que se paga por ocasião da lavratura da escritura pública em que há o acordo de transmissão da propriedade e da posse, chama-se imposto de transmissão da propriedade só o que incide sobre a transmissão da 28

propriedade, diz-se imposto de tradição aquele que recai sobre a transmissão de posse. O nomem iuris não tem relevância se o conteúdo é quase o mesmo ou se é o mesmo do tributo que antes se cobrava. A propósito do chamado imposto de circulação é inegável que ele substitui. Quanto à extensão contenutística só em nome e particularidades de incidência, ele difere do imposto de vendas e consignações. Se havia insuficiência nas concessões de isenção, é assunto para se buscar o meio que a entidade estatal tem para que se extinga a concessão de isenção. Se foi dada com prazo determinado, não há pensar-se em revogabilidade, nem em lei que revogue a lei em que a concessão de isenção foi baseada. A entidade estatal somente tem - no caso de serem preenchidos os pressupostos - a denúncia cheia e a resilição. Para aquela, é preciso que não se justifique a continuação da isenção. Para essa, que tenha havido inadimplemento ou adimplemento ruim de algum dever. A revogabilidade depende de cláusula explícita e a existência de cláusula de prazo determinado, ou de condição resolutiva ou resilitiva, pré-exclui a revogabilidade. Concessão de isenção com prazo determinado, ou condição resolutiva, ou resilitiva, é ato arrevogável. Permitir-se que a entidade estatal que concedeu a isenção crie outro imposto que cubra todo ou quase todo o imposto de que era isenta a pessoa física ou jurídica seria permitir-lhe a revogação: fraudulenta de isenção irrevogável. Tampouco poderia fazê-lo entidade estatal superior, porque, mesmo se excepcionalmente se admitir legislação pela entidade superior, tem ela de respeitar os direitos adquiridos. Esquanto está fluindo o prazo da concessão de isenção, regras jurídicas novas sobre tributação têm de respeitar a isenção, que apanha os impostos do momento em que se concedeu e todos os que, honesta ou fraudulentamente, os substituam. Depois de expirad0 o prazo, cessa a concessão de isenção. No que toca aos elementos contenutísticos do imposto de vendas e consignações, o imposto de circulação é substitutivo, e o nomem iuris só se explica por haver a respeito deles regras jurídicas que disciplinam a incidência e a explicação da lei tributária. Se é certo

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que tanto no imposto de vendas e consignações como no imposto de circulação, o tributo incide em cada fase do ciclo econômico da mercadoria (da produção ao consumo), naquele, as incidências são autônomas entre si, e, nesse, o imposto vai incidindo, em cada fase, apenas sobre os valores que vão sendo adicionados ao produto até seu consumo final, - o imposto de circulação é apenas substitutivo do imposto de vendas e consignações. As razões que teve o legislador para tal atitude não pesam para que se fira o princípio constitucional da proteção aos direitos adquiridos, nem justificariam gestos revogativos ou de violência impensada das entidades estatais. (f) Na Lei estadual n. 2.839, de 30 de dezembro de 1966, art.

7 6, está dito: "são revogados as isenções gerais ou especiais não constantes desta lei". Não há regra jurídica da Lei federal n. 5 .172, de 25 de outubro de 1966, a que o art. 76 da Lei estadual n. 2.839 corresponde. Se houvesse, a própria regra jurídica federal seria contra os princípios do direito administrativo e da própria Lei federal n. 5.172, porque as concessões de isenção com prazo determinado são concessões irrevogáveis.

III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)

Pergunta-se: - A concessão de isenção de impostos estaduais feita pelo Decreto estadual n. 395, de 3 de dezembro de 1960, com base na Lei estadual n. 2.141, de 30 de abril de 19 59, à empresa Moinho Nordeste S.A., foi revogada pela Lei estadual n. 2.039, de 30 de dezembro de 1966, art. 76? Respondo: - De modo nenhum. O art. 76 da Lei estadual n. 2.839 diz, enfaticamente, que "são revogadas as isenções gerais ou especiais não constantes desta lei". Ou se interpreta que a regra jurídica do 30

art. 76 da Lei n. 2.839 apenas se refere às concessões de isenção revogáveis, e não às irrevogáveis, por terem sido com prazo determinado, ou sob condição resolutiva, ou em virtude de cláusula especial; ou se lhe dá interpretação que lhe atribua retirada da vox a todas as concessões de isenção, com ou sem prazo determinado, sob condição resolutiva ou resilitiva, ou não, ou com cláusula especial ou sem ela, e estar-se-ia diante de absurda atitude dos tempos de insegurança jurídica. (2)

Pergunta-se: - Uma vez que a Lei n. 2.141, de 30 de maio de 1959, fala de estar o Poder Executivo autorizado a conceder isenção de impostos por período de dez anos, se satisfeitas as exigências legais e essas foram satisfeitas pela empresa Moinho Nordeste S.A., conforme o Decreto n. 395, de 3 de dezembro de 1960, e nos impostos a que se referia a isenção estava incluído o de vendas e consignações, est;Í a empresa isenta do imposto de mercadorias de circulação, recentemente criado? Respondo: - O imposto de circulação de mercadorias é substitutivo