De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção científica 8571102724

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De Arquimedes a Einstein: a face oculta da invenção científica
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De Ar_quim,eôes a Ernste1n A

face oc11-lta ôa invenção cientifica PIERRE THUILLIER

CIÊNCIA E CULTURA

Jorge zabar Eõitor

DE ARQUIMEDES A EINSTEIN A face oculta da invenção científica

Para alguns, o homem de ciência se comportaria como se não tivesse um perfil psicológico singular, como se não tivesse afetividade, paixões, cultura, convicções pessoais herdadas de seu meio e de sua educação - como se não tivesse história nem tampouco, é claro, inconsciente. Para os adeptos desse purismo cognitivo, como Pascal, o • 'eu é execrável''. Afinal, o que é a ciência? Como nasceu? Seria a atividade dos físicos e biólogos objetiva e racional do início ao fim?

É ao exame dessas e outras questões que Pierre Thuillier consagra os ensaios aqui reunidos. Trata-se de estudos de caso destinados a mostrar a verdadeira imagem das atividades científicas. Para isso, são abordados desde a noção de espaço e perspectiva no Quatrocento até a teoria atômica, de da Vinci a Newton, de Galileu a Darwin, de Arquimedes a Einstein. Coleção CIÊNCIA E CULTURA

HISTÓRIA NATURAL DO HOMEM

0 TEMPO NA HISTÓRIA

l, O homem imprevisto

Concepções do tempo da pré-história a nossos dias A.J. Whitrow

André Bourguignon A UNIFICAÇÃO DAS FORÇAS FUNDAMENTAIS

O grande desafio da física contemporânea Abdus Safam SERÁ QUE DEUS JOGA DADOS?

A nova matemática do caos Jan Stewart

DE ARQUIMEDES A EINSTEIN

A face oculta da invenção científica Pierre Thuillier ' ENTRE O CRISTAL E A FUMAÇA

Ensaio sobre a organização do ser vivo Henri Atlan

IJZ·E] Jorge Zahar Editor

DE ARQUIMEDES A EINSTEIN A face oculta da invenção científica Afinal, o que é a ciência? Como nasceu? Como os cientistas engendram suas teorias? Será que dispõem de um "método" definido que garanta a "verdade" de seu saber? Seria a atividade dos físicos e biólogos "objetiva" e "racional" do início ao fim? Pode-se saber com segurança se uma nova teoria deve ser aceita ou rejeitada? Para os que adotam uma visão "mística'', a ciência seria um conhecimento sagrado e protegido por rígidos tabus. Uma longa tràdição, aliás, convida os profanos a venerá-la como uma atividade superior. Atualmente, se o estilo evoluiu, a prosa continua a mesma ... Já para os empiristas, o homem de ciência, dispondo do Método Experimental, garantiria automaticamente o valor dos resultados obtidos; ele seria simplesmente um observador paciente e atento, uma humilde abelha que busca, laboriosa, sua imensa provisão no campo da experiência. As duas abordagens, contudo, estão de acordo com este postulado: o verdadeiro cientista não tem subjetividade, sendo iluminado e movido pelo Amor ao Saber. O homem de ciência se comporta como se não tivesse um "perfil psicológico" singular, como se não tivesse afetividade, paixões, cultura, convicções pessoais herdadas de seu meio e de sua educação, como se não tivesse história nem tampouco, é claro, inconsciente. Para os adeptos desse purismo cognitivo, como Pascal, "o cu é execrável".

DE ARQUIMEDES A EINSTEIN A FACE OCULTA DA INVENÇÃO CIENTÍFICA

É ao exame dessas questões (e de outras do mesmo gênero) que são consagrados os ensaios deste livro. Trata-se de estu­ dos de caso destinados a complicar a imagem que diversos manuais e obras de vulgarização apresentam das atividades científicas. Para isso, Pierre Thuillier aborda desde a noção de espaço e pers­ pectiva no Quatrocento até a teoria atô­ mica, de da Vinci a Newton, de Galileu a Darwin, de Arquimedes a Einstein. Na ciência, a objetividade constitui um ideal. Quem não sonha com uma ciência perfeita, que mostre a natureza como ela é? Mas entre os sonhos e as realizações, a distância é grande. PIERRE THUILLIER ensina epistemologia e história das ciências na Universidade de Paris VII. É um dos criadores da revista científica francesa La Recherche e fez parte de sua equipe editorial até recente­ mente. É autor de Soe rate, fo11ctio1111aire. Essai sur (et contre) la philosophie uni­ versitaire; Jeux et enjeux de la science; Le petit savant illustré; Les biologistes vollt-ils prendre le pouvoir? La sociobio­ l o g i e en question; Da rwin et Co.; L 'aventure industrielle et ses mythes; Les savoirs ventriloques, ou comment la cul­ ture parle à travers la science.

Capa: Gustavo Meyer

CIBNCIA E CULTURA Direção: César de Queiroz Benjamin /ldeu de Castro Moreira

ENTRE O CRISTAL E A FUMAÇA

Ensaio sobre a organização do ser vivo Henri Atlan TEORIAS DE Tuoo*

A busca da explicação final John D. Barrow HISTÓRIA NATURAL DO HOMEM

Vol. l: O homem imprevisto André Bourguignon A EscuRmÃo DA Norrn* Um enigma clo universo

Edward Harrison As ORIGENS DO Nosso UNIVERSO*

Malcom S. Longhair A UNIFICAÇÃO DAS FORÇAS FUNDAMENTAIS*

O grande desafio da física contemporânea Abdus Saiam et ai. SERÁ QUE DEUS JOGA DADOS?

A nova matermática do caos Ian Stewart DE ARQUIMEDES A EINSTEIN

A face oculta da invenção cientifica Pierre Thuillier 0 TEMPO NA HISTÓRIA Concepções ,do tempo da pré-história aos nossos dias G..J. Whitrow

*.a S3!ll'

PIERRE THUILLIER

DE ARQUIMEDES A EINSTEIN A FACE

ÜCULTA DA INVENÇÃO CIENTÍPICA

Tradução: Maria Inês Duque-Estrada Revisão técnica: César Benjamin

Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

Título original: D 'Archiméde à Einstein (Lesfaces cachées de l'invention scientifique) Tradução autorizada de uma seleção de capítulos (sugerida pelo autor) da edição francesà, publicada em 1988 por Librairie A. Fayard, de Paris, França, na coleção ·1..e temps des sciences". O artigo •1saac Newton, un alchimiste pas comme les autres", que constitui o capítulo 5 desta edição, foi extraído da revista La Recherche n° 212 de jul-ago de 1989. Copyright . O Ocidente medieval ignorou por muito tempo a herança teórica dos gregos. Apenas no século XII os tratados de Euclides e de Ptolomeu foram traduzidos para o latim a partir de versões árabes anteriores. Os próprios árabes deram importantes contribuições, especialmente graças· a Alkindi (século IX), Avicena e Alhazen (séculos X-XI). _Todas essas obras influenciaram os teóricos medievais. Alhazen, entre outras coisas, estabeleceu que os raios visuais emanavam dos objetos e estimulou de modo especial as especulações sobre óptica que se desenvolveram no século XIII (Robert Grosseteste,~Roger Bacon, John Pecham). Não é possível esboçar aqui a relação das idéias formuladas durante esse período sobre a natureza e a propagação das imagens. Essa área de estudos, entretanto, era muito ativa; através do que hoje veríamos como passos vacilantes, preparava-se uma síntese cada vez mais ajustada entre a análise geométrica e o estudo da visão dos objetos.

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ÓPTICA E TEOLOGIA NA IDADE MÉDIA

De modo direto ou indireto, Alberti e seus contemporâneos conheceram essa tradição medieval. Não só o tratado de John Pecham teve ampla difusão, como Blaise de Parma escrevera, por volta de 1390, um tratado de óptica (Quaestiones perspectivae). Mais ainda, na década de 1420 circulara um tratado, De/la prospettiva, escrito diretamente em italiano, cujo autor foi, sem dúvida, Paolo Toscanelli. Ele foi muito provavelmente um dos personagens-chave do século XV; seus conhecimentos abrangiam os domínios mais diversos e muitas idéias novas que lançou influenciaram tanto Cristóvão Colombo como Brunelleschi. Infelizmente, a figura de Toscanelli é ainda muito mal con!Jecida, o que dificulta a interpretação de um período no qual se misturam, de maneira às vezes muito sutil, idéias antigas e novas. Mas as inovações do século XV devem ser compreendidas com relação a um plano de fundo teórico muito rico. É impossível, em todo caso, aceitar-se a lenda (ainda mUito difundida) do ~obscurantismo medieval". É certo, em troca, que os autores medievais se interessaram pela óptica dentro de um enquadramento teológico que espantaria os homens de ciência do século XX. Samuel Edgerton sublinha com insistência: o estudo dos raios luminosos tinha motivações religiosas e uma significação• simbólica. Assim, Roger Bacon (1220-1292) explica longamente, em seu Opus majus, por que um conhecimento surgido da estrutura geométrica das formas é necessário no plano religioso. Pois não basta ler à Bíblia para descobrir os princípios espirituais; é preciso também representar literalmente seus relatos. A arca de Noé e o templo de Salomão - afirma Bacon - devem ser percebidos com a intermediação da visão. Analisar as linhas, os ângulos, as superfícies e os volumes, com o auxílio de Euclides, é uma forma de percetler melhor como a sabedoria divina se manifesta no mundo visível. Robert Grosseteste, anterior a Bacon, praticamente integrou a óptica à teologia. 9 A luz, de fato, foi criada por Deus no Primeiro Dia; ela se identifica portanto com uma forma privilegiada da energia divina; mais ainda, ela faz compreender por analogia como a Graça se difunde entre os homens. Entrando nos detalhes, essa comparação ia muito longe. Bacon, por exemplo, explicava que o raio luminoso, ao atingir o olho ~direta e perpendicularmente", era a imagem perfeita da Graça ... Tais considerações podem parecer estranhas, mas nem por isso deixavam de constituir um encorajamento para se trabalhar seriamente com a óptica. No Renascimento, esse modo de interpretar os fenômenos ópticos, atribuindo-lhes um sentido simbólico, continuará atuante. Pois

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o ideal da -imitação da natureza", freqüentemente formulado, não exclui a preocupação com os valores; uma obra de arte, mesmo -realista", se apresenta como uma mensagem elaborada segundo um determinado código que atribui significações especiais às formas, às cores e aos elementos propriamente espaciais. Na pintura religiosa, a representação do espaço se presta, portanto, a mil nuances, graças às quais cada artista exprime sua interpretação de tal ou tal cena do Evangelho. 10 O próprio Alberti, embora tenha sido mais um humanista do que um católico fervoroso, reteve alguma coisa dos ensinamentos do século XIII. Segundo ele, as obras de arte devem contribuir para o equilíbrio moral dos homens. Um afresco tem por finalidade contar uma história e propor uma mensagem (a noção de istoria é essencial em Alberti); o próprio modo pelo qual a ordem espacial se organiza tem então um valor didático. Por mais -moderna" que seja a perspectiva em Alberti, ela ainda está associada a preocupações éticas e espirituais. 11 Mesmo em Newton encontraremos especulações desse gênero. Em sua Óptica, por exemplo, ele explica que o espaço é o sensorium Dei, modo de dizer que Deus é onipresente e pode, em todos os momentos, agir em todos os lugares. Certamente uma herança das tradições medievais relativas à óptica.

Ü NOVO MUNDO DOS ENGENHElROS E DOS EMPREITEIROS

Outros fatores, porém, e muito mais prosaicos, também tiveram influência. É toda uma evolução técnica, econômica e social que se deve ter em mente para compreender por que uma nova concepção do espaço, mais -racional", acabou se impondo. Tal linguagem, apresso-me a dizer, não significa que o capitalismo dos florentinos seja a -causa" única e direta da elaboração sistemática da perspectiva! Sob esta forma, o recurso aos -fatores sociais" se arrisca a ser ilusório. Mas, de modo mais dialético, é certamente indispensável considerar o surgimento de certos esquemas de pensamento estreitamente vinculados a novas práticas industriais, comerciais e políticas. Pois, a partir dos séculos X e XI, o Ocidente conheceu uma expansão muito acentuada das técnicas e um importante movimento de urbanização. Moinhos d'água, moinhos de vento e máquinas diversas multiplicaram-se; um novo personagem, o engenheiro, fez sua aparição e desempenhou um papel de crescente importância; a produção e o comércio tornaram-se mais eficientes; e logo os bancos concretizaram de

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modo dinâmico essa grande mutação que conduzia à época moderna. Progressivamente, os empreiteiros afirmaram-se como criadores de um novo mundo, animado pela busca do rendimento e do lucro. E, correlativamente, uma nova mentalidade se instaurou, marcada por um ~realismo" e um ~racionalismo" totalmente favoráveis ao estudo sistemático

Fig.14 Num tratado escrito em 1525, Albrecht Dürer ensina vários métodos que permitem reproduzir fielmente as formas mais complexas. As duas gravuras ilustram perfeitamente a concepção de Alberti: os contornos observados são projetados sobre um plano definido pela janela, enquanto o olho do observador se mantém fixo em um ponto determinado. Na figura B, é a extremidade de uma haste que materializa a posição do olho; na ilustração A, o vértice da "pirâmide visual" se concretiza por meio de um aro fixado na parede, através do qual passa um fio estendido. O fio, representando o raio luminoso, permite determinar empiricamente a projeção de cada ponto observado. (Rogar Viollet)

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Fig.15 Tempos depois , foi possívêl resgatar nas obras antigas certos elementos que parecem anunciar a perspectiva moderna. O motivo do teto, por exemplo, prestava-se bem a certos efeitos. Na Santa Ceia de Ducci o (pintada em 1301-1308) , constata-se uma organização muito nítida do espaço, concretizada particuiarmente no desenho do teto. A perspectiva, estritamente do ponto de vista geométrico, não é rigorosa: vários pontos de fuga irregulares se si tuam sobre uma vertical central. Essa técnica, denominada "do eixo de fuga", pode ser aplicada de modo mais ou menos sistemático e era conhecida mui to antes do século XIV; os especialistas a chamam de "espinha de peixe". Foi utilizada, por exemplo, na Bíblia de Alcuíno (Londres, entre 825-850), na representação de um teto. No período carolíngio, esses exemplos tornam-se raros, e não indicam nenhum conhecimento explícito dos princípios da perspectiva linear. Mas seu uso confirma qtJe diversos procedimentos técnicos, às vezes muito antigos, preparavam prog ressivamente as grandes conquistas do século XV.(Duccio, Scala)

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da natureza. Para que esse novo ideal fosse plenamente explicitado, seria preciso esperar pelo século XVII (Descartes: tornar-se ..como um mestre e senhor da natureza"). Parece certo, contudo, que desde o século XII ou XIII uma nova orientação fora tomada, e que era mais cômodo defini-la com a ajuda das noções de secularização e de laicização. Toda uma série de normas e de hábitos adequados ao mundo feudal começava a desmoronar, mesmo se as velhas instituições ainda se mantinham. No domínio da arte, assim como no do saber, essa evolução geral se traduzia pela aparição de novos objetivos e de um novo estilo. O nascimento da perspectiva também deve ser vinculado a esse movimento histórico (ver o capítulo sobre ..Leonardo da Vinci e o nascimento da ciência moderna", além de meu estudo intitulado ..No começo havia a máquina"). Uma objeção prel•minar merece contudo atenção: não é paradoxal (ou até contraditório) que eu me refira a um condicionamento sócioeconômico depois de ter admitido a influência de certos temas teológicos? De fato, nada há de estranho nisso: para empregar um termo cômodo, digamos que o desenvolvimento da perspectiva pode ter sido sobredeterminado pela conjugação de •fatores" de ordem religiosa ou filosófica e de •fatores" mais diretamente ligados à prática. Samuel Edgerton nos previne, a esse respeito, contra a tentação de atribuir aos contemporâneos do Renascimento um ·agnosticismo" que não lhes é próprio. Havia, de resto, um crescente movimento de .. laicização", mas "o novo capitalismo dos italianos viveu, pelo menos até o final do século XV, em estreita simbiose com afé religiosa legada pela Idade Média" . 12 É portanto legítimo indagar sobre as implicações das novas atividades técnicas e comerciais. Pode-se, aliás, imaginar que mesmo os teólogos, até na qualidade de opositores, também foram marcados pela nova maneira de viver, pelas novas exigências de ·realismo", pelo novo estilo de pensamento. A abertura dos franciscanos ao estudo da natureza é certamente tributária de uma evolução geral; e o filósofo e teólogo Nicolau de Cusa, quando faz em 1450 o elogio da medida (no sentido matemático do termo), testemunhará simplesmente a importância alcançada por certas técnicas intelectuais em um mundo de empreiteiros, artilheiros e banqueiros ... 13

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EXPLOSÃO DAS "MATEMÁTICAS PRÁTICAS"

As matemáticas, de fato, mudaram de status social no fim da Idade Média. Antes, a aritmética e a geometria não eram ignoradas, mas era

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essencialmente no quadro de um ensino teórico, na universidade, que se podia empreender um estudo um pouco mais consistente dos números e das formas geométricas. As matemáticas, em outras palavras, não faziam parte da vida cotidiana; e os ideais de rigor e de exatidão que

Fig.16 A partir do século XIV, o motivo geométrico.do chão foi usado metodicamente para organizar o espaço. Segundo Erwin Panofsky, "é principalmente aos irmãos Lorenzetti que devemos esse grende passo para a frente". Na Anunciação, pintada em 1344, Ambrogio Lorenzetti realiza o que é chamado de perspectiva parcial: a parte superior da obra é destituída de profundidade, mas o desenho rigoroso do chão, como um tabuleiro de xadrez e com um ponto de fuga único, oferece "de algum modo o primeiro exemplo de um sistema de coordenadas". Mais tarde, evidentemente, matemáticos e físicos aperfeiçoariam essas primeiras tentativas de geometrização do espaço. (Giraudon)

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associamos às matemáticas eram muito pouco dignificados. Com. a ascensão dos empreiteiros, essa situação evoluiu consideravelmente. A arte de medir e calcular, daí em diante, ganhou uma importância crescente. Os homens de negócios deviam determinar corretamente seus estoques e manter as contas em ordem; os banqueiros, manipulando o dinheiro sob formas cada vez mais variadas e mais -abstratas", precisavam de diversas técnicas de cálculo; quanto aos engenheiros, eles eram levados a utilizar concretamente as matemáticas para tomar suas atividades mais -racionais" (e portanto mais eficazes). Não há dúvida de que nos arsenais, nos ateliês de mecânica e entre os artilheiros o emprego das medidas e o sentido de quantidade se desenvolveram sensivelmente. Assim é explicada ·a criação de escolas especiais (escolas de ábaco) onde os futuros comerciantes, em particular, podiam se instruir. Este ensino era laico e prático; dava uma certa cultura literária, mas (como provam os manuais que nos chegaram) dava ênfase sobretudo às matemáticas. A regra de três, especialmente, era objeto de repetidos exercícios. Não é por acaso que merecia o nome de -regra de ouro" ou de -chave do comerciante"! Graças a ela, podia-se distribuir lucros, repartir heranças, converter os valores em função das taxas de câmbio etc. Mas .1. g1:;ometria não era menos ütil. Não só se tornou comum medir as alturas ou as distâncias graças a métodos baseados em triângulos semelhantes, como, numa época em que os pesos e os volumes não eram padronizados, era essencial dispor de boas técnicas de medição. Graças a instruções precisas, o negociante italiano era capaz de determinar, por exemplo, o volume de um barril. Piero della Francesca, pintor e autor de um tratado sobre perspectiva, escreveu no século XV um manual para comerciantes (De abaco), onde tais problemas eram explicados. Como mostra Michael Baxandall, a análise das formas geométricas tornou-se uma preocupação comum aos comerciantes, aos engenheiros e aos artistas (que eram freqüentemente engenheiros também). 14 Esse des'envolvimento das matemáticas práticas, na Itália dos séculos XIV e XV, ajuda a compreender por que e como o -olhar" dirigido às coisas se transformou, e de algum modo se -geometrizou". Descobrir as proporções, identificar os triângulos, os cones ou os cilindros passou então a ser uma espécie de -hábito cultural" amplamente difundido. Parece que Brunelleschi, artista e engenheiro, foi aluno de uma escola de ábaco. Alberti, embora tenha recs:bido uma educação mais clássica, estava bastante próximo do universo dos práticos. Como ob-

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serva Joan Gadol, ele escreveu um livro sobre jogos matemáticos (ludi mathematici), que divulgava para as -c1asses médias" um certo número de receitas matemáticas. 15 Não há muito exagero em dizer que a perspectiva, muito mais do que uma ciência especulativa, era a expressão de uma -mosofia prática", uma espécie de -projeto" visando a reorganizar -ao mesmo tempo o espaço real e a representação desse espaço". Alguns detalhes são muito significativos a esse respeito. Mesmo o campo florentino, por exemplo, foi -posto em ordem" ... Refiro-me ao novo sistema (mezzadria) que permitiu que as terras cultiváveis fossem melhoradas e exploradas de modo mais eficaz. Em 1434, quando Alberti voltou a Florença, de onde sua família fora banida, ficou sem dúvida impressionado - escreve Edgerton - com a disposição regular das plataformas que flanqueiam as colinas toscanas, onde cresciam oliveiras· em fileiras perfeitamente alinhadas e paralelas às vinhas. -os intelectuais e os negociantes do tempo de Alberti apreciavam essa geometrização do solo, não apenas porque era bela, mas porque estavam convencidos de que esse tipo de ordem matemática traria mais lucros." 16 Um outro fato confirma essa sensível evolução do -sentido do espaço": na década de 1420, após um conflito entre Florença e Milão, uma fronteira retilínea, totalmente -abstrata", foi estabelecida entre os dois estados. -Foi talvez a primeira vez na história que uma linha matemática imaginária - em lugar de um ponto de referência físico - foi reconhecida como limite territorial." 17 Giovanni Cavalcanti, exaltando esse acontecimento num texto de 1440, estava consciente de sua originalidade: o olho, ele constata, tornou-se -a régua e o compasso", graças aos quais as terras são divididas; -tudo se submete à doutrina geométrica ..." Leonardo da Vinci retomará também o elogio da visão, decretando que o olho possui uma -nobreza" superior. -o olho - diz - é a principal via pela qual nosso intelecto pode apreciar plenamente e magnificamente a obra da natureza." Compreendemos com isso que, pelo sentido da visão, uma no':'a ciência do espaço se tornou possível. Porque a perspeétiva, sempre segundo Leonardo, se fundamenta em -demonstrações naturais". ;

ESPAÇO TÁTIL CONTRA ESPAÇO MANUAL

W.M. lvins, mesmo dando à sua tese um caráter um pouco rígido, opõe judiciosamente o universo dos gregos, -tátil e muscular", ao dos renascentistas, essencialmente -visual". No primeiro, cada objeto é conside-

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rado isoladamente, como se a sua forma individual só fosse conhecida pelo toque; isso praticamente impede que se conceba um espaço unitário. Os objetos representados podem estar justapostos, mas não relacionados uns aos outros por meio de um entrelaçamento matemá tico ao mesmo tempo abstrato e onipresente. No segundo caso, ao contrário, os objetos situam-se e se organizam uns em relação aos outros em um espaço homogêneo que se prolonga indefinidamente em todas as direções. Segundo lvins, o espaço -tátil-muscular" dos gregos impunha estreitos limites à sua geometria. Esta, com efeito, era métrica e baseada antes de tudo em noções de congmência e paralelismo. Somente nesse espaço -visual"' inventado pelo Renascimento a geometria projetiva poderia se constituir e seria então possível (usando um atalho) considerar a parábola como uma elipse cujo segundo foco se encontra no infinito. 18 Existe, entretanto, um notável traço de união entre a Grécia antiga e o Renascimento, como mostraram brilhantemente Joan Gado! e, depois, Samuel Edgerton: a cartografia ptolomaica. 19 O primeiro portu lano conhecido (1275) vem possivelmente da Toscana; e desde o início do século XV Florença teve um papel de primeiro plano no desenvolvi -

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Fig.17 É bem provável que a Geografia de Ptolomeu, que os florentinos conheceram no início do século XV, tenha estimulado as pesquisas sobre a representaç§o do espaço. Este esquema permite compreender um dos métodos propostos por Ptolomeu (e que ele próprio não chegou a utilizar). Um observador ideal se coloca diante da esfera terrestre, cuja parte em cinza quer reproduzir. Seu olho está no mesmo plano que uma paralela criteriosamente escolhida numa posição "central"; a partir dessa posição bem determinada, é possível desenhar sobre um plano, por projeção, as formas observadas. A perspectiva linear do Renascimento pode ser considerada como uma aplicação particular desse método. (Desenho a partir de Samuel Edgerton.)

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mento da geografia e da cartografia. Entre essas ciências e a perspectiva a relação é estreita. O próprio Ptolomeu já fizera a aproximação entre a arte da pintura e a da cartografia. Nos dois casos, trata-se de construir a imagem de um determinado conjunto, respeitadas as proporções dos elementos. Num certo sentido, a topografia, a cartografia e a perspectiva se parecem com os ramos de uma ciência geral da representação espacial.

Fig .18' A gravura de Brueghel, o Velho (século XVI), intitulada Primavera, nos lembra que, através de suas atividades agrícolas, os homens podem modificar e "racionalizar" a natureza. É significativo ver os toscanos , no início do Renascimento, desenvolvendo um sistema de cultivo.que, graças a seus alinhamentos rigorosos, geometrizava a paisagem rural. Esse fato, evidentemente, não explica por si só o gosto dos florentinos pela perspectiva.. . Mas é inegável que uma certa mudança de mentalidade operou-se no final da Idade Média, mudança que conduzia à valorização das noções de proporção, de medida e de ordem matemática em todos os domínios.(Bibl. Nationale, J. L. Charme!.)

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Em 1400, uma cópia da Geografia de Ptolomeu chegou a Florença e logo foi traduzida. Tudo leva a crer que essa obra, compreendendo um texto teórico e um atlas, foi muito estudada. Brunelleschi (talvez por intermédio de Toscanelli) e Alberti se beneficiaram com isso. A idéia de utilizar sistematicamente um .. quadriculado" para decompor, medir e representar o espaço já estava praticamente expressa naquela obra (paralelas e meridianos); ela correspondia perfeitamente a certas técnicas já utilizadas e à nova sensibilidade da qual falei anteriormente. Em duas palavras, a redescoberta da Geografia ptolomaica tornava possível o aperfeiçoamento ou a invenção de diversos processos "racionais" de representação. Ptolomeu propunha vários modelos de projeção cartográfica. O terceiro e último, que ele próprio não havia utilizado, se apresentava como uma construção perspectiva bem caracterizada. Suponhamos um observador ideal colocado a uma determinada distância do globo terrestre, cujo olho estivesse no plano de uma paralela judiciosamente escolhida. O procedimento de Ptolomeu consistia em representar sobre um plano a superfície terrestre observada desta forma, graças a uma projeção comparável àquela que seria mais tarde preconizada por Alberti (ilu~t. p. 78). Era a primeira vez, declara Edgerton, que se formulavam instruções precisas com o objetivo de construir uma imagem desse tipo a partir de um ponto fixo, representativo do olho do observador. 20 Ptolomeu queria representar o "mundo habitado" familiar aos gregos. Mas bastava extrapolar esse método para que novas possibilidades se abrissem aos pintores. Olhando para trás, as análises cartográficas de Ptolomeu parecem conduzir diretamente às noções fundamentais da perspectiva clássica. · A tentação de atribuir uma importância decisiva à Geografia de Ptolomeu é maior ainda quando se sabe que Leon Battista Alberti se interessou muito pela cartografia. Durante sua permanência em Roma, entre 1432 e 1434, ele fez um mapa da cidade. Este mapa se perdeu, mas num texto (Descriptio urbis Romae), datado da década de 1440, ele nos informa sobre sua técnica, que certamente devia muito a Ptolomeu. O princípio geométrico é límpido: Alberti, tomando como ponto central o alto da colina do Capitólio, mirava os diferentes monumentos de Roma e determinava sua direção com relação ao Norte; depois, media a distância entre cada monumento e o ponto central; bastava-lhe então transportar para uma folha de papel essas indicações, depois de escolher uma ~escala", para obter um mapa fiel. Alberti utilizava, portanto, o que chamamos atualmente de sistema de coordenadas polares; a partir dos dados que reuniu, seu mapa pôde ser reconstituído (ilust. p. 82). Conhe-

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cemos igualmente o tipo de instrumento com o qual fazia suas medições. Era um .. horizante .. , composto de um disco horizontal graduado (48 graus, cada um dividido em quatro .. minutos") e um .. raio" móvel, igualmente graduado, que concretizava a linha de mirada.

As MIRADAS DOS ARTILHEIROS E DOS MARUJOS As duas grandes idéias que servem de base a esse sistema são, por um lado, a de analogia, que implica o respeito absoluto às proporções, por outro, a de mirada, que acompanha uma ..geometrização óptica" do espaço. É extremamente interessante que, nos Jogos matemáticos, Alberti tenha afirmado o parentesco entre seu ..horizonte" e os instrumentos empregados pelos artilheiros e pelos especialistas em cartografia marítima. De fato, ele tinha utilizado um astrolábio, isto é, o instrumento que permitia aos astrônomos e aos navegadores medir a elevação do sol ou das estrelas. Para adaptá-lo à cartografia terrestre, bastou fixá-lo horizontalmente e usar a régua móvel como -raio". (O .. raio" do círculo, menciono de passagem, deve seu nome ao raio luminoso cuja direção era determinada.) Desta forma se operava, bem concretamente, uma unificaç~o geral dos diversos ..espaços": espaço dos cartógrafos, espaço dos artilheiros, espaço dos marujos, espaço dos astrônomos ... Idéia de grande futuro, pois abria as portas a uma .. mecânica geral" válida tanto para as balas de canhão como para os corpos celestes! A influência da navegação merece ser assinalada; Alberti indica expressamente que a mirada é uma operação familiar aos marinheiros. Em seus Jogos matemáticos, aliás, ele explica como se pode montar um mapa usando quase que somente miradas.e recorrendo apenas a algumas medidas diretas. O maravilhoso instrumento que é o teodolito, tão útil não só aos astrônomos mas também aos topógrafos, nascerá da combinação de um ..círculo.. horizontal e um ..círculo" vertical. Quanto à gênese da concepção albertiana da perspectiva, é indiscutível que a geometria prática dos cartógrafoj exerceu um papel importante. Em suma, como mostrou Joan Gadol, Alberti operou a síntese entre a ..janela" de Brunelleschi e as técnicas ..geográficas" de Ptolomeu. No tratado Sobre a pintura, a perspectiva é às vezes explicada com a ajuda das noções cartográficas de ..paralelas.. , .. longitude", ..latitude", e é ao pé da letra que esse vocabulário deve ser lido. 21 Bem entendido, não se

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deve subestimar a importância de outras tradições pictóricas ou especulativas, que contribuíram para ~amadurecer" o sistema da representação perspectiva. Não é a redescoberta de um texto antigo que, por si só, pode "explicar" a evolução que vai de Giotto a Alberti. Mas parece incontestável que Ptolomeu, freqüentemente visto como o símbolo da ~ciência ultrapassada", tenha participado (ainda que a despeito de si mesmo) da racionalização do novo espaço ...

Fig.19 Alberti, a quem devemos a primeira exposição sobre a perspectiva "clássica" (1435), interessou-se muito pela cartografia. Antes de escrever aquela obra, morou algum tempo em Roma e fez um mapa da cidade utilizando o que chamamos hoje de coordenadas polares. O princípio desse método era simples: depois de escolher como "centro" do mapa a colina do Capitólio, ele determinou a direção de cada ponto importante graças a um instrumento de mirada; para definir a posição exata desses pontos, bastava medir a distância entre cada um deles e o centro. O mapa original não existe mais, porém D. Gnoli e Capannari o reconstituíram a partir dos dados que foram conservados. Os trabalhos de cartografia certamente ajudaram Alberti a elaborar seu sistema de perspectiva.(J.-L. Charme!.)

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Concluo com duas observações. A primeira diz respeito a esta questão: qual é o .. valor objetivo" da perspectiva albertiana enquanto representação do espaço.visual? Que esse sistema tem uma racionalidade própria e permite organizar a percepção, está fora de dúvida. Mas certamente convém não identificar pura e simplesmente essa reconstrução com o ~espaço real". Porque se trata precisamente de uma reconstrução, fundada em pressupostos que, no máximo, chegam a uma simplificação de nossos processos perceptivos. As análises são conduzidas como se o pbservador fosse cego de um olho, e como se esse olho único fosse imóvel... Esses dois postulados, em geral, não ocorrem na prática, e de saída surgem diversos problemas que deram lugar a múltiplas disc'ussões. A esfericidade da imagem retiniana, que seria preciso levar em coata oom estudo ssio da psicofisiologia da visão, complica ainda mais as coisas. Observemos apenas que a visão espacial é um fenômeno muito comp~exo, que envolve a aprendizagem, a memória, os processos de ..compensação", as relações com as informações táteis etc. A perspectiva linear clássica, a despeito de seu interesse, não pode ser considerada como dotada de valor absoluto. Ela é cômoda, ela dá uma certa satisfação ao intelecto; mas outros sistemas são possíveis (como a perspectiva dita ..curva" ou ..curvilinear", cujo princípio é conhecido desde muito tempo).

HISTÓRIA DA ARTE E HISTÓRIA DAS Clf:NCIAS

Tradicionalmente são os historiadores da arte, sobretudo, que estudam o nascimento da perspectiva. Daí a minha segunda observação: será grandemente desejável que os historiadores da ciência, ao abordarem o problema do espaço na aurora da ciência moderna, abram, eles também, um lugar para as contribuições dos ..artistas". Erwin Panofsky e Samuel Edgerton assinalavam com justa causa o que _deveria ser evid~nte: a elaboração da perspectiva linear constitui um episódio importante na história do pensamento científico. No momento preciso em que arquitetos e pintores descobriam uma .. espacialidade infinitamente extensa", escreveu Panofsky em 1927, .. o pensamento abstrato consumava publicamente e de maneira decisiva a ruptura, até então velada, com a visão aristotélica do mundo, abandonando a noção de um cosmos edificado em torno do centro da Terra, considerado como um centro absoluto, e encerrado na esfera do céu, que era o limite absoluto" .22

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Fig,20 Foi no século XIV que a artilharia começou a ganhar importância no Ocidente. Seu início foi modesto e mais barulhento que mortffero. Mas a partir do século XV essa situação evoluiu, e logo os engenheiros responsáveis pelas fortificações precisaram levar em conta os progressos realizados pelos metalúrgicos e pelos químicos. Para a balística, essa inovação militar constituiu um estímulo poderoso; e os artilheiros, para começar, foram obrigados a dominar de modo cada.vez mais preciso todas as técnicas relativas à medida do espaço. De fato, para melhorar os tiros, era necessário saber medir com exatidão os ângulos e as distâncias. De um modo praticamente espontâneo, o artilheiro é levado a utilizar as coordenadas polares, isto é, a definir a posição do seu alvo por meio de uma

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Alexandre Koyré, em uma obra escrita precisamente sobre esse assunto, negligencia quase totalmente o vasto trabalho de ..racionalização" empreendido pelos artistas, engenheiros, cartógrafos e outros práticos.23 No índice de seu livro não figuram sequer os nomes de Brunelleschi, Masaccio e Alberti. Este preconceito puritano pode ser compreendido quando parte de um filósofo idealista, mas do ponto de vista da história das idéias e da antropologia cultural é de uma pobreza extrema. Filósofos e homens de ciência certamente conceitualizaram e refinaram as descobertas dos iniciadores da perspectiva, mas essa iniciativa, justamente, teve efeitos decisivos para a geometrização do espaço. Seria uma ingratidão esquecê-lo.

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direção e de um "alcance". Essa geometrização do espaço era concretamente operada (como pelos marinheiros) graças a instrumentos de mirada cada vez mais aperfeiçoados. A técnica da perspectiva contribuiu, a seu modo, para essa tarefa de racionalização espacial. (Gravura alemã, Rogar Viollet)

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Fig.21 A Uma vez constituída a perspectiva linear, diversas realizações tornaramse possíveis, tanto no domínio da arte como no da matemática. Esta gravura, tirada de um tratado do desenhista francês Georges Huret (1606-1670), evoca algumàs aplicações da perspectiva e, especialmente, apresenta esquemas de anamorfoses. Estas consistem em deformações geométricas das figuras, de forma tal que, vistas

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E.H. Gombrich, L'art et l'illusion, trad. francesa, Gallimard, 1971 (ed. original: 1959). L.B. Alberti, On painting, tradução, introdução e notas de J.R. Spencer, Yale University Press, 1966.

sob um determinado ângulo, ofereçanro aspecto normal. Em matemática, Gérard Desargues (1593-1662) merece menção especial. Engenheiro e arquiteto (como Brunelleschi), ele procedeu a uma racionalização muito avançada da perspectiva e formulou em 1639 as noções fundamentais da geometria projetiva (que estuda as propriedades das figuras mantidas por transformação homográfica). (J.-L.Charmet.)

CAPITULO III

LEONARDO DA VINCI E o NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA

Entre as grandes figuras do Renascimento, Leonardo da Vinci ocupa um lugar especial. Ao mesmo tempo "humanista, artista e inventor", é considerado como a encarnação ideal (e quase mítica) do "homem universal". Paradoxalmente, esse personagem tão representativo é também considerado como uma exceção, como um "milagre". Em que medida esse engenheiro-artista, apaixonado tanto pela mecânica como pelo conhecimento da natureza, preparou o caminho para o que chamamos "ciência moderna"?

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"Não é fácil conceber uma idéia aproximada da natureza do pensamento científico de Leonardo e de sua importância." Esse julgamento, formulado há algumas décadas pelo historiador das ciências E.J. Dijksterhuis, parece conservar toda a sua atualidade. 1 Para alguns especialistas, Leonardo é o grande precursor da ciência moderna. Para outros, ao contrário, seu pensamento nada tem a ver com ~a ciência", pelo menos se este termo for compreendido no sentido mais estrito. O contraste existente entre o homem de ciência e o artista fica, assim, acentuado. O artista Leonardo é reconhecido por todos: quem ousaria negar o valor estético da Virgem dos rochedos, da Santa Ceia, da Gioconda! Enquanto isso, o Leonardo homem de ciência é objeto de vivas controvérsias.

QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE

A maioria dos historiadores, sem dúvida, admitiria que Leonardo quis fazer progredir o conhecimento. Em seus cadernos (muitos desapareceram mas, mesmo assim, restaram-nos alguns milhares de páginas), ele manifesta uma imensa curiosidade. Misturando textos e desenhos, acu-

Fig.22 Leonardo da Vinci (14521519), auto-retrato. (Biblioteca de Turim)

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mula observações e especulações. Entre os domínios pelos quais se interessava incluem-se a anatomia, a fisiologia, a história natural, a medicina, a óptica, a acústica, a astronomia, a botânica, a geologia, a geografia física, a cartografia, o estudo da atmosfera, a questão do vôo ( e da construção de máquinas voadoras), o estudo do movimento, a matemática, a balística, a hidráulica ... E isso não era tudo! Mas aí está: Quem tudo quer, tudo perde. Porém é um lugar-comum lastimar que Leonardo tenha sido muito dispersivo, e que, com excessiva freqüência, apareça somente como -inventor". Um inventor a quem foram atribuídas muitas invenções originais - o escafandro, o helicóptero e o rolamento com bilhas, entre outras (para não falar da bicicleta ... ) -, mas que permaneceu estéril no domínio propriamente científico. Para os puristas da. história das ciências, falta rigor à linguagem de Leonardo; seu pensamento, pouco sistemático e insuficientemente abstrato, nunca se eleva ao nível da verdadeira teoria. Donde resulta que, na gênese da ciência moderna, ele teria um papel nulo ou quase nulo. Leonardo, para dizer a verdade, escapa às classificações tradicionais. Um historiador das ciências muito conhecido, Georges Sarton, tinha dificuldades para encontrar-lhe um rótulo apropriado. -Leonardo - ele declara - era um artista e um mecânico." Mas, ainda segundo o mesmo autor, Leonardo -era mais filósofo que engenheiro", e podia-se mesmo considerá-lo como -um dos maiores cientistas da história". Eis aí um belo elogio. Mas não nos deixemos levar por ele. De fato, só se é verdadeiramente cientista quan