Cultura com aspas

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Cultura com aspas

Manuela Carneiro da Cunha

Cultura com aspas e outros ensazos

COSACNAIFY

a Mauro i'vlateus. Tiago, Luana, Dam' e bmrellfO. pela alegria a Elena Casstil e a jea11- Pierre Vemant. com enorme saudade

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INTROOUy AO: MflU CHARUTO

OLII AilES INOJGENAS

L6gica do mi toe da a~ao De amigo · formai c companheiro· )\) >· 1:: catalogia entre os K rah6 77 -f. Vingan~a e tcmporalidade: o_;; Tupinamba (com Eduardo Viveiro de Castro) •5

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5· Xamanismo e tradu)iiO 6. U m difusio nismo estrururalista existe?

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7· Por uma h.ist6 ria indigena c do indigcnismo

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OLIL\It ES IN OICI::N ISTAS I! i!SCRAVISTAS

8. Sobrc os silcncios da lei (com posfacio sobre Henry Koster) 9· Pensar os indios: apontamentos sobre j ose Bonifacio 16) 10. Sobre a servidao voluntaria, outro di curso ' 79 II. lmagens de indios do Brasil no secul o XVI 20 1 1 2. Da guerra das reliquia ao Qu into lmpcrio

133 •57

El'I\I CIDADE, INOIANI DADE E POLiTI \..,\ 223

235 2.15

2.59

' 3· n eligiao: comercio e etnicidadc q . Ernicidadc: da cultura residual mas irrcdutivd t) . Trcs pes;as d e circunstancia sobre direitos dos indios t6. 0 futuro da questao indigena

COl\'ltECI~tE:-ITOS, CUI.TURA B "CULT'l:RAn

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Jit

17. Popula~oes tradicionais e conserva~o ambienta l (com

Mauro W. B de Almeida) •8. Rela~oes e dissensoes entre saberes tradicionais e aber cientifico ' 9· "Cultura" e cultura: conhecim entos rradicion ais e direitos intelecruais 0~1 MANl:ELA CARNEIRO OA CUNHA

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Bibliografia geral obre a autora indice onomastico indicc de etn8nimo s

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Ol\VERSA

Introdu~ao: meu charuto

Sobrc o primeiro arcigo que puhliquei e que abre estc livro, uma grande e sabia amiga, Elena Cassin, escreveu: " nao tente provar demais". Ap6s m?s decadas e varias tentaLivas., pen'\O ter cumprido tal diretriz. 0 panflCtO tentacular que fecha 0 volume eprova di o. A m:uemat ica que c rudei- ci~ncia humana como a dcfinia vico, ja que criada pclo llomem - c o e truturalismo que me 'eduziu rinham em co mum a constru~o ou a cvidencia - como sc so ele$ rivcsscm pcnsamcnto imb6lico - c aos historiadorcs o da rnencalidades dos conquistadores e a ceologia pratica do· missionarios. 0 meu trabalho faz pan e de um movimento de recupe ra~ao das cosmologias ocidcnrais como objeto legitimo de esrudo antropol6gico, o que implica negar ao ocidente o privilegio ilusorio que reivindicou para si, com o Tluminism~ do "desencantarnenro" e da rransparencia da razao. 0 pensamenro indigenista, ou seja, como os indios sao pen ados pelo:. que OS regiam politicos. administradores OU missiomirios - 1 e e sempre foi hist6rico. Sua historicidade sig1ufica que nao intervem na polirica indigcnisca apenas convenicncias e cxpedientes - embora estes certamente tenham predominado na pratica - rna:; todo um debate de ideias renovado a cada epoca por nova razoes ao mesmo tempo religio as ou nlos6fica , poliricas. sociais, juridicas, em suma. todo um ltniver ode represcnra~oes... E por isso que o lobo da fabuln se sentira wr,.,iCI ck..rc texro e conttibuir corn suas criticas: Jean Caner Lave c Vilma cJri.trJ )o(C ilCI'U,:lln('l11l' )X'rntitir:tm Utilit.'lr tCXIOS na cpoca in«Jitos; C, fi naJmentc, 0 Brtigo lcti cuncluid,,trlt) ( l·apct call&fi!Yth" IN" primdro scntido, h i~ • ··•ri• .: pane da~ tradi ~cs con ~dc:nc cs do.: um prwo o: copcrante c=m ~ua vida ~0\.'i ;d . L :1 rcpre>oenca~o colctiva do.: aconcccimcmos. :.cndo disti nca do~ pr6prioK acOHic:cin•t>t110s. Eaquil11 .J 4uc o ancrop(>lugl) ~ocial lwm~ mi1o ). S· '"A •uJTy nroy h~ uue:;e1n: •tloicu!"' rharouu o1nd a Mnrv may lu falu ytt ~i• ton~al in cAaracu? IUno rclar ainda , que a1nbui a uma inad:1p1:1.~< • cc~ll61(ic• . ~.nlrctunto. )Wldcriamo~ rw >

I abc tl':"l du:. nos. 3111ll ~ CeflJ dist:mcia d;ls a.ldci3.\ e w~rumam cutHintir ::10 local um,t ))(XIIIcn.ocaC in~tala com o irm.lo (Aukc) "" scio 9· '\~~It' Mti~ •, r mp rq;o> .Jbu~iva mcnl c u •~ rm, , "Cauda~ p.orJ dc11~nar um..:amentc os

R.lmkok,llnt-l.r,,, u 4111: 1111: uhrit:;a a cspccilica r ~,. 1ra1.1d11 )frupo ·\pan~clm•·Canda. o~ ('~ nd,l Vl'l' lll ··~ ci nt.Jb de Aukc n a~ ~ "'' ~11 < de \l a~ulh~ c~ (• imucnd;lju 1')46: 1 H )·

I ::.

Lht•tr.t do mut? e Jo1 u;ul? 19

matcrno. Em suma Auke volta, rrazido pela irma: ambos "~airao" para rcalizar seus prodigios quando estivcrem saciados das danya:; dos indios. Auke pede que se constru a uma casinha, para servir de ttimulo para a crian~a morta, atras da casa de Kce-kwei. Como Kraa-kwei nao gostava do pai, a profctisa expulsa o marido e se casa como fllho do chcfe Kheeee. Prescreve a ruptura do tabus sexuais entre paremt-s secundarios e inclusive, ao que parece, entre primos c cncre genro e sogra em cenos casos. Os fazendeiros atacam, e as maldiy()es de algumas mulhcrcs da aldeia provocam a partida de Krlia-kwei c Auk€.

Ei agora o mi to de Auke, tal como foi colhido entre os Canela por ~i­ muendaju ( 1946: 245-46): " 1\~lro DEAUKf

Uma rapariga, Amcokwei. ficou gravida. Urn dia, cnquanto tomava banho com as companheiras, ouviu duas ve1.es o grito do prca,11 sem saber de onde vinha. Voltou para casa esc deitou. Entao, ouviu o grico pel a terceira Ve7. C pcrcebeu que vinha de SCU proprio corpo. "~tae, VocC esttt c.msada de me ca rrega r~", disse-lhe 3 crian~a. "Sim, meu filho, ~aial'' , el3 rcspondcu. "Born, cu vou sair no dia tal." Quando Amtokwei comt~ou 3 scntir as dores do pano, foi sozinha para a florcsta. F'orrou o solo com folhas de pati e dissc: '' e voce for rnenino, vou mata-lo, masse for rnenina, vou cria-la". Ela deu aluz urn filho; cavou um buraco, emcrrou a crian~ e voltou para casa. Quando sua mae a viu chegando, pergumou pcla crian~ c rcpreendcu-a por nfio cer tra7.ido 0 mcnino para que a avo 0 criasse. Quando soube que ele esrava cnterrado sob uma sucupira, foi dcsenterr:b em uma ou outra d:t~ duas metad~ kama ra t'lll aruJ:rnaJ:ra. est:tbek"Ce um.e s.:rk: de {'()(l~rui'llciladn tb i g ua, aJulorralrru. ~cu

na!>CJmcnto ocOr n! furnwmido pdo fogo lcmbra - 013 '- sugiro isro com prud ~ ncr;\- a lcnha, que ca comr3pa rtida do (ogo, ~;que 0) Cam•la. com rodo t• rib'Or, siruam du lado otuk. 10. lsso lcmbra ""a~ o>ur r.." "~nmbr~ 1-, homcrica~. priv,rd,r~ de memilri.o o:, pnanro, de sal>cr ( Vcrnam 1 91i~ : ~9) .

ped ra, roco de madeira ou cupinzeiro (Melatti 197ob: 2.1 0) . Kimuendaju conta que entre os Canela os monos tambem podem assumir a aparencia de todos os Lipos de animais (1946: 135). Mas para concluir que Auld:! e sua irma sao mekaro, c necessaria, objetaria-se. que a reciproca da propasi~ao seja verdadeira, a aber, que todo homem que pode assumir formas animais avontade seja urn mon o, Utn lr.aro. Ora, e exatamente a que ocorre: a texto krah6 do mito de Akrei e Kenguna coma que este ultimo podia se transformar em varia animais, e com isso assustava o irmao; e o informante, para desi'gnar essas metamorfoses diz duas veze que ele "foifOf.enJo defunto"; e, um pouco antes~ que "ia virando em toda coisa defunta" (Schultz 1950: 95). Fica assim estabelecido de passagem o carater karo nao so mente de Auke, como tambem do Kenguna kraho e de Kraa-kwei na medida em que ela se transforma em cobra. Urn outro tra~o furldamcntaJ que opoe o movimento mcssianico ao mita de Aukc esta ligado ao personagem da mae. I'\ a versao canela do mito, ela e, em sombra de dttvida, uma pes ima mae. E.nterra 0 filho vivo sob uma ucupira, o que duplica o assassinato: pais essa arvore, de rnadeira especialmente dura, csra asaciada ao crescimento das crian~as :iu uwerttrl11< ( JXIr c\ cmplo. ntio· I )trd ..t ) mul h cr· H~ t rel a. lllt'niuo -7 mcnina etc.). como t.tmb.;m o>< llto>rfi, mo:. (rchto;l>t·~) t ntrc de~: por cxmpln, a m~ l t'V ltomcm) ~ torn..t bcnL'\Oicncta ~mu lhc r- F ' t rd,, Jhln ct~m a filha). J ~so nolo lc~a a cr,•• tJ ll~ uma •·cn!ic:u;ao dctS), ::1 mac;h~d in ha ccrimonial 50 e t:lltrcguc pcl o ~II propriet1ri0 ttlt)'r!

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O I . H,\R~S INDiGFN.\S

Os intervalos cmre o dia e a noitc sao, como vimos, marcados pelo CantO: a 1/0Z do "pai do /cJ10ire"', istO C, 0 chefe dos cantOS, deve ser a primeira ao amanheccr e a ultima ao anoitecer (Chiara 1972: 36). £OS onfcl>l>(t desde logo que nih> pretenrlo dcmonst rar complet::lmemc a minha a firma~iio. "de tora" ~tiio imbricadas num sistema de repre~nta~c:; M>bre o qual ~ ~ umrla muito pouco: seria ncct~sari o uru e~mdo apane. . aproximasoes que acabo de fazer. Na noite da icsta do mi-rcri-mi, que c uma festa de nomina~.lo, c prc:dso c:mtar c: dant;ar wm ~n>O do p(>r do wl ;lie o raiar do dta. :\ cerim&ua (: conduida a lc•te, dtmtc: da casa elm home>l>. com urn camo qu~ se chama nflrtrt-ni-,~6. "v camo da igua que: corrc", c que lrrrnina nu inci ("nas.cemc"; ca.mbbn podc :.i!(nific:~.r · o lim"). L. Vidal, que p Kelkau por I..& lie 1971: 79-s1). E c:ssa \ Olea no t empo~ l'(';t)izada por c:~nto,. c d:w;a

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lsso lan~a alguma luz sobre o codigo sexual no qual W. H . Crocker acredita ver uma par6dia da etica "civilizada", em que a vergonha rege a rela~ao enrre os sexos - enquanro o amor e alegre entre os Canela - e onde 0 parentesco e reduzido a urn pequeno nucleo: 0 incesto pre crito pela profetisa se encarregaria de romper os las:os muito afastados de parentesco (Crocker 1967: 76, 8o). Quanto ao primeiro ponto, lembro que, embora o ato sexual seja muito apreciado e que encem1-lo seja urn modo cerimonial de demonstrar alegria, existem, conntdo, situaf10es em que a continencia e prescrita, e isso, justamente, para favorecer o crescimento fisico dos rapaze e mo~as, para que sc tornem aptos a cumprir os seus papeis sociais (Crocker 1968: 317). Disso pode-se induzir que a abstin~ncia sexual seria, tambem eta, urn mecanismo destinado a acelcrar o amadurecimento de Kri:Hi-kwei. Em rela~ao ao segundo ponto, a aber, o incesto como redutor de paremesco, convem oll1a-lo mais de perto. Essa explica~iio nao da coma de codo os casos, pois, apesar da lubricidade que os Canela atribuem aos neobrasileiros, devem ter notado entre eles a persi tencia dos layos e a di rancia emre genre> e sogra, e entre irmaos. Ora, Crocker relata ca os scnao de incesto consumado, pelo menos, o que vern a dar no mcsmo, de infra~ao em rcla9ao adi dlncia exigida entre essas cau.:gorias de paremes. Acredito, e tentarei mostra-lo, que a razao des as praticas incesruo as pode scr encon!rada em represe111a~ocs pr6prias do grupo e nao puramente par6dicas. Nesse culto que anuncia a inversao do poder, estabeleceu-se cer[ameme, como nota Crocker (1967: 8o), um simuJacro da estratifica~ao >

M a~ haurn ourro a~peCio qu.: chama 3 aten~u nessa festa: fo divi::.J.o dos participantc:o. em ml· bc-hm-lw.ci c mi·kP·pit-l:nro. Os primei rn~ dans-am em circulo, e :.eu nome signilio.;a literal mente '"os que n:io servcm para nada" , ou ·· p~~oas scm iun.,:tl) cerimo nial cspeciiica c.-nquanto grup0'". Os oucro3 retcm scu pri\ilegio (!Ill funS'5o d e seu M mu: dan~m nuon cixo l est~t c c corwm o circulo do:. omros dan.,.;uinos. o nmne dcste g;rupo signitica li tera.lmc.-ntc "'o~ que.- curiam griwndo"' ( \·idal 1971: z9. 62-64}. Conscquent.:mcnrc, c.-ncontra· mos nc:;.-.:~ t ribo. tau di fcrcnrc dos Canda em vlirii')Saspectos, o!; clememo> que caracu:ri1am os l:amr~: (ou os Krikari "de grand~ nomcs") e sua iun4Jiio cerimoni:ol cspcdfica. A d:lll~a di)S n:l-J:a-pit•koro e uma cl:tll'):l q11e rerorto OS inun•o/o , c 'mpanilham.

social do neobrasileiros da regiao. Trata-se daquilo que Victor Turner (•969) chamou de " pseudo -hicrarqu ia" ) no sentido de que e puramente l'>tprcs iva e nada instrumental: nao corresponde a nenhuma divisao verdadcira do trabalho. O ra, esse pastiche de hierarquia canota precisamenre, como aliemou Turner, os rituais de inver ao de status. Para haver inversao de status preciso que o sistema admita difer ·n~a de status: o u seja, nesse movimenro, os indios Canela conceberam a sua ociedade como parte de um conjunto mais amplo constituido pelos neobrasileiros e por eles proprios: e 0 rcconhecimento da siura~ao de dcpendencia.' 2 0 mito de Auke, ao menos em sua ve rsao

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MQ IU.S sao 3.5S()br.- .1 per,onalid"dt• do>pn•fc-t;l, pan. d quJI 1 tnho autort·s ja cham a r;~m me n~ao (d·.. p. c\ .. W(lrlcy r')G:i: xiv}.

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Lv;:im J11 1111111 t Ja ac-lmmcns.. 1n vcrdade. que aqui drrimonial dos masculinos. A socicdadc ideal krah() {: m a.~ulin(;ulinos, u que independc de scus norllcs.

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proprio, sao impelidos pelo vento (khwok) que emprc sopra de le rca oeste, dirigindo-os para o khoik-wa-yihot. Se qui crem voltar para leste, tcrlio "de vir arrodeando", explica urn informame. 1 ~ Segundo Davi, o mekaro anda 110 rastro que ele ja andou. Se, 9uando era pe9ueno, vivia noutro Iugar, ele volta para 01 lugares [na mesma ordem]: primeiro, no Iugar em que nasceu, depois no que casou, depois no que morreu ... Quando morrer, () lndio trabal.h.ador nao passa fome, mas nao trabal.h.a mais nao. Ele fica commdo de suas rOfas amigas. Mekaro so tem os filhos que jci uve. Come o que ja come1l mesmo. Mekaro so um kmbrat!fa do que collheceu: niio conh.ece coisa noYa.

"'cssa versao, os mono rcvivem sua vida; i to e, o acaso c a escolha, ttue caracterizam entre os Kraho a alian~a ao novamcntc negados. Podemos agora entender nao 6 a mcn~o da agua dormcnte do IJgo interior, mas rambcm por que os mono niio e banham em agua corrente: conforme tcmamo evidcnciar alhurc [cap. 1 deste volume], a imersao na agua correme e concebida como urn processo de amadurell\Cr c~~ carne humaua de ~ocu s prisionciros. ~c n~ rel ho~ c da' pulga.~ t:lcs o" no ord cno .

aussi vous mangerons-nou.s" (The vet l1 558) 1983: 83);l0 " U m dos principais Ihe diz que nao e ele so 0 que morre, mas que ja tern mortos muitos de seus paremes, e que muitos mais hao de matar e comer" ( Monteiro [ 161o) 1949: 411). Essa vingan~ nao pode ser cancelada: como tal e concebida enquanto du re, e a conclusao das pazes nao o desmcnte.21 E o que Thevet percebe quando escreve (ao arrepio de certos fatas, mas inruindo o essencial): "Un~ chos~ itrange est que c~s Ameriques ne font jamais entre eux aucum! treYe nipacte"zl (Thevet [ 1558) 1983: 8o). Adispersao minima da vingan~, n:\anifesta no cancelamento imediato da contenda, opoe-se aqui uma dispersao maxima, que a antropofagia sc cncarrega de realizar e que designa a todo como vitimas possiveis das pr6ximas matan)as. C hegado o momenro, todos poderao literalme nte dizer: "Sim, eu comi mui tos dos vo os". E. nesse sentido que, embora vicaria a primeira vista em rela~o ao matar, a antropofagia e es encial para ga rantir cssa fo rma per manence da vingan~a : scm ela nao se produz, no que chamamo acima o " alcmcs (di£tcm c:lc~) , comemCjam estc os cantos de outros passaros, o rambor dos Ashaninka, o lacido dos dies ou o choro das crian)as (Piyako & Mendes 1993; ~endes, Piyako, Smith, Lima & Aquino 2001: 513-26). s xama rem uma associa~ao muito especial com o uirot.ri, o japiim. Como Carlico afirm a, esse paSSingcr •995 : 237-ss; McCallum 1996b: JH·SS). Cada uma dessas instancias rendo um ponto de vista diverso, co corpo humano vivo tlue asscgura, de modo £ransitorio. o inv6lucro dcssas perspectiva singulares. Vimos que na priitica xamanica opera um principio emelhante, c isso nao nos deve surprcender, dada a circularidade que opera na con tru)ao de e quemas conceituais. Para o xama de urn mundo novo, de pouca valia serao seus amigo instrumentos, as escadas xaman.ica::; que lhe dao accsso aos diversos pianos cosmol6gico (Wei s 1969; Chaumeil 19R3) sua aprendizagcm, eus csplritos auxiliare , suas cecnicas; montagens de outras tecnicas podem ser preferiveis. Ma , ainda assirn, cabelhc, "por clever de oficio", mais do que pdos in trumentos conceiruai tradicionais, reunir em si mais de um ponto de vi ta. Pois, apenas elc, por d cfini~ao, podc verde difcrenres modos, colocar- ·e em pcrspcctiva, l l ),llol,r 1 ) alc~ m de: cstudi-la emn.- ~ Ka ~i n ~wa. r c ccns.e tla >ucuri C ( t9SR), p.tr~ Ill> \'\-"aiilpi: \'an Vclthe m (• ? 'S.!), l>•ra os Wayan a- •\p~r.r i: n cit.hc:I- Uolm ar(lf( ~ociais (ANPOc.s) e 0:1 Associa~ao Br.t~ ile ira de Antropolr>gia ( .>.s.>.) :.vbre o tema da t.is tt)ria indigcna e clo indige ni$mO. V:lriu' .tnlro(>Oiugo~, ar Jr-D I(,IiNISTAS L f SCIIAVI -. rA · t

lGF.:-;ISTAS F' llS( liA\' ll> TAS

acham [...] Se ,u)s rompermos violentamente uses lafos, de modo a niio se afrouxarem somenu, ma,t a cortci-los, como a propos/a o fat (qual a espada de Alexandre cortando 0 no gordio). a COl/sequencia sera a deso6ediencia, a [alta de respeito e de sujeifiiO. Eis um dos mais grave.r perigo.r. E.rsa proposta, em wdo o seu comexto, niio tende a nada menos do que romper violemamerue essu lafOS morais que prcmlem o escravo ao senhor (Perdigiio ~falheiros 187•, in Bruno 1979: 250). ·urprcendc

a primeira vi

ta que se acene a sim com 0 risco de insu0 que dcfendiam o direiLo ao re gate cntcndiam-no, ao contr.irio, como um estimulo ao trabalho, apoupan~a e a disciplina. Ene e termo que Koster recomenda. em 1816, a ad~ao dessa mcdida na colonias inglc a (Koster 1816). Mas ubordina._ao e di ciplina nao c confundem. Disciplina remete ao trabalhador livre; ~u­ bordina)aO, ao dependcnte. E, como temaremos mostrar mais adiante, rrata- e de produzir dcpendentes. Para se cnrcnder is o, e preci o pen ar na divisi.io do controle politico entre o E tado co paniculares no Brasil de a epoca. 0 controle dos escravos, a nao ~er em ca o de insurrei~oc c. cvcntualmcnte, de assassinaros, ficava a cargo do scnhore . 0 je uita Benci, em 1700. censura os porn1gueses que, "por timbre e pundonorn, consideram "que entregar 0 ervo crimino 0 a Justi~, nao diz bern a nobreza e fidalguia do senhor" (Benci (1 700) 1977: 167). Denci apcnas e refere as condena original de dc1. ano~ de idadt que c-,J,•rJo libenos ar)'. (cnquanto) for viva; o que a Sup• nao p6de / fazcr scm desp0 (despacho) de VM (Vossa Merce}, e concederlhe Licen-/~a p• sc poder sugeirar ao d 0 Scrvi~o Pede I a VM ·. 0 '. Ouvidor, e Intend• (Incendente) Ceral seja ser-/vido asim o mandar: E recebi merce o I Cazo he ba ~tardo; eu cn tendo andao por aqui as l nstitui~oens. de Justiniano; mas ames que me I comforrne com a sua Von tade, venha o compra- / do r, e a Suplicante a m• prezen~a Ribeiro. I = O tro Dcspacho o·~ Fa~ao o que lhes parecer, que I asua vonrade regu l;~ o comrato Ribeiro = I _ iio sc continha mais: pagou mile duuntos I desta escrirura, o que rudo ouvidio ler. e a~inarao I com as restemunhas que pre:t."' (presentes) foriio, o soldado jo- I lC Nidi rio, e Rai mundo jose Marques_ moe'"' (moradores) I I Moradorc~ na rua de . Vice nte; c p·· O utorg•·· I vendcdora niio saber escrever, pcdio a Luiz An-ltonio morador na rua dos Martyres. E eu Ago - / tinho Anto nio de Lyra c Barros, Tabelliao que I o cscrevi Asino a rogo da oucorgante Lui?.! Antonio Ped ro da Costa = Jose Nicario/ = Rairnundo joze = 1.!. nao se cominha mais I em ad' cscritura que !'le acha ern o d~ livro de / nottas, a que me reporto, que fica

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em meo poder, e car-ltorio, de donde fi s exrrahir a prt"lcnre que vai por mim ·ubscrira, concermda, e ainada ncsta I dila Cid.< do Para aos tres dias do mes de ~ovem-lbro de mil serccenros oicenta e hum = Eu fe- 1 lix jOlC dos S''" de Faria que o sobescrevi, e a i-1 nei =Felix jot, a n5o scr irl extremis, o dircito de vcnderem sua liberdadc, libcrdade que era conferida por Deus. Em parte, essa di puta inseriu-se no debate enrrc dominicanos e

A quesrao sobrc a qual gostaria de me deter

jcsuitas. 0 te6logo -jurisras dominicanos espanh6is, e particularmeme Francisco de Vit6ria e Domingos de Soto, afirmava m que, a nao er em caso de extrema necessidade. ou seja, em perigo de vida, urn homem nao podia vender sua liberdade. Pelo fim do sck ulo xv1, no entanto, o jesuitas come~a ram a atacar os do minicanos - acusados de se rem criptoprorestantes - e coube a um jesuita portugue , Luis de ~olina, perfazer o ataque ateoria politica dominicana. Para Luis de Molina: que foi professor em Evora e para seu discipulo cspanhol, Francisco Suarez que ensinou em Coimbra, o homem era scnltor de ua libcrdade e podia vende-la a seu criu~rio, como a qualquer outra coisa sabre a qual ti vesse domuu'um (ntck 1971: 45-57; Skinner 1978, v. 2 : •36-37)· A quesrao tinha incidencia direta no Brasil: provavdmente no ano de 1567, a Mesa da Conscicncia e Ordens fundada 35 anos antes e que opinava obre duvidas reol6gico-juridica , a havia dirigido a dOi jcsuitas: perguntava sc alb'lH~m podia licita mente vender seu filho e vender- e a si me mo em e cravidao. Eram quesrocs distintas: uma envoi via a discussiio da patTia potestadc, outra o dominium de sua propria liberdade. Ambas cram questoes suscitadas pelo que vinha ocorrendo na-Bahia e no Espiriro Santo. Na Oahia. a pcsre de 1)6) , que Leria 1113[ado LTC' quartos dos indios da capitan.ia, succdeu a fome de I )6..r nesra fom e. tao desumana. nao acahavam os males com os que. morriam: porque OS vivos das a/deias virinlza.r a cidade, /evados do aperto, chegavam o vender-se a si m esmos por cousas de comer. Houve tal, 9ue enrregou sua liberdade por uma s6 cuia de Jarinha para livrar a vida: owms se alugavam para servir roda a vida, ou parte dela: ow ros vendiam o.~ proprios jilho.r que geraram; ourros aos que niio Kcraram, fingindo-os seus: a mdo i.1·so persuade a dura fom e. e nece.rsidade (Vasconcellos [•655]1 977, v. 2: 101-o2).

E o cronista dos jcsuiws encadeia dizendo dos "grande embara~os e duvidas de consciencia" dos que, dcssa for ma. compravam os indios, o que lcvou a se recorrcr a l.i boa. ao Tribunal da Me a da Con ciencia. A Mesa consulta. porwmo, dois religiosos sobrc os aspecws juridicos cia ques11io: as respostas cncontram-sc na Riblioteca Publica de Evora (Cod. CXVI / •-n: tls. 145-)lV.). 0 primeiro are ponder e 0 padre Quiricio Caxa, profes or de teologia moral no Colegio dos Jesuita da Oahia (ver Leite 1937-49. v. 2: 101), que argumema na linha de

Molina.2 Responde as im afirmaLivamemc: urn maior de vime anos "se pode vender a si me mo porque cada um e enhor de sua liberdadc e ela e estimavel, e niio lhe c vedado por nenhum direi to, logo pode a alienar e vender" (lliblioreca Publica de Evora, Cod. cxvr I •-:n: fl. •45v.). Quanto a vender o filho, s6 em ca o de extrema neccssidade. eb'UC-SC0 parecer, quanta as me rna queS[OCS do padre :\fanocl da ).1 6brega . Ao discurso formal do padre Caxa, K6brega opoe urn cliscurso ubsrantivo: em vcz de il ustrar a legiLimidade da c cravidao consentida com exemplos biblicos que contesLa, confroma a discu sao jurldica com a manife ·ra injusti~ que c e ta pracicando com o indios da Dahia e do Esplrito Santo. Ao prt!SSIIpOStQque 0 !tom cmlivre esenJwr de SilO iiherdade. respO!IdOque ora sera SC!IhOr de sua /i/Jcrdade ora 1100, que wdos OS teXt OS IJ doutQTCS, todos contrariam a maneira como se ven.dem os da Bania a si mt.smos depois que foram sujeitos e i uma das maiores .rem-juslifas que 110 rnundo .refot (Biblio[eca Publica de Evora, Cod. cxvr/ •-n: 0. 148v.).'

j uridicamcntc, seu arg;umento se ino;ere na linha dos dominicanos: a libcrdadc c a prcserva\ao da vida sao ambas regra'> de direito natural. e cnLram em conflito, deve prevalecer "a de maior vigor", que c a rcgra da prescrva\aOda vida. Da mesma forma que e llciro furtar em caso de cxLrema neces idade, pois prevalece o clever de con ervar a vida, elicito, ncsse mcsmo caso, vender-se a si mesmo ou a seu tllho. Assim, em enrrar na argumenta~ao que coloca a liberdade entre as propricdadc do homem, Ntibrega admite, no enta nto, a possibilidade de alguem licitamcnte ~e ven­ der ou a scu filho. Entcinchcira-se na d efini~ao exara do que seja a extrema necessidadc, que so pode scr emendida, insiste, como a nece idade premente de comer, e na defini~ao de filho. lembrando o parente co cia sificat6rio que fa~. com que os Indios chamem de filho a quem nao o e. Ah?m di so, Jfi rma, cssa extrema neccssidade nao podera ser precisamcmc provcx:ada por aqueles que iriio sc assenhorear dos futuros escravos. Assim, A I JII fa mo,o tloutor NavJtrn, S para a cscraviza~ao dos indios: "E assim scrao escravo o que por sua propria vontade se vendercm, passando de 21 ana , declarando-lhcs primciros que COU7.a e~er escravo" (Souza 1894: 232).~ Um documenro de 1625 vai pcrmitir elucidar as i mplica~oes dessa postura juridica. I\ esse ano em que sao proibidas as administra~oes de indios que se haviam estabelecido no Ylaranhao e Grdo-Pani (Perdigao Malhciros K67) ' 976. I . 1: R•), OS padre capucho do Pant cndcreut.a i: ~ r c:-'~ ravo" lembra mui1o o da lesrur~ obn~m6ria dv -l\~qwn m1 ·nw·• dt· • ! •~ . ilhllluido pdu juri,ta real Pal:icio l\ub1o5, lcsrura que dcvia. so:r fo:1t indio< o: t•ndc ~o: !he~ cxplicavam o~ t illJ), , tla Co• oa H~ranhola ob~ sua> t crr~·~· C:i~ anui· •t:ru:olltrarnoJ '{Ut: Ia ti~"o estoho loahilotla Je guut t&ia t!fa Jemu.lll, ..._,; lm lwmhrcs como !.u niiJJC'CJ, ,;,. cuhrirse , inguna ~·et/(Utlt ra. un Je roetpo 6im diopuwo• y ptTipotcimoado o., tit rolor hloMa .. (Enoo ntr:o mo~ qu(' a 1erra csta\·~ h,1bio,oda de I)Cillc wd.1 o:la d e~nud.1 . tC(JJllf'itrio, I>CUproduiO, t' ll lu:u. que me parccc qu~· sr.l.l 130 a nos, con1ando l~c h~ nu / l)c "~'­

quant•> nu . pon;m, a difcrcn ~ que encerra,·am permancce, com a mesma eonoca~io mor:1l.

188 () 1 . 11 ,\ R ~ S INO IGil'I ISTAS r FSCilAVI111 nutur~ should hn'ng fonlt . / Of its own kmd, all for.son. all a6tJtularv:c, / To Jwi my innortnt pulpit. 16. Lssa ~primitivuas-:>ionflrio d.: 'iumc t>. no Peru . de: Pay Tum~. :Lrnpli a -~e oomo bcm ob~~rva SCr~~o Buarque de llobnda ..:m c~1udo mag1s1ral quc:- ll1c:- c\pli ~.i ta a~ railes e o~ dcsdobramcntos, qu;~.ndo p~ s~a p~ r::. as ool6nias cspanhola~. 'l;o Urasil, ;w ... li,t S~rgio lluatquc, a hisc6 ria •nao

pa:.:.a, sc 1:11110, de um mico -..ag:1mcmc prupcdi:uli.:oM( llnlanda )1 91S) 1977: 1:1). 19. E:.:.e rcl:uo (Neul! uitung), puhl ic~1do cu1 1f l ~ c baseado em expcdi~:io do ano ;uucrior, j;i mcncio na cnr reo~ hra.,iu " rccurda .io de:- Sao To m~" , ~u~ pcgada~ c ~uasc~ expan-

tlindQ a~sim a lcnda de SJco rome. originalmc:nte ~ph~lolo d3s lndi;u Oricmai:. (Jiolanda h)~~l l 977! 1 0~ ·».J· O I.IIARFS INOICil'ii ST.\S E llSCRWI '\ f'AS

~un

fala - e a tradu~o interlinear que Lcry forncce do di:ilogo aresta vcracidade - e, nao obstante, figura de ret6rica, contrnpomo po itivo de rodos os horrores que o huguenmc per eguido qucr denunciar ern sua Fran~a natal (Lestringant 198}). Shakespeare corn seu infame Caliban, nnagrama de canibal e tao retorico quanto o Tupinamb:i de Lery. s6 inverte os valore sem inverter os pcrsonagens e cria assim urn anagrama sem5nrico ao indio de ~iomaigne. Muito diversa ca refle iio dos jesultas obrc o mesmos tcmas. Gestores de almas, 0 que 0 preocupa nao e a crltica virtual que a diferens:a pode introduzir e sim o estaruto a ser dado ao que, inversarncntc, parece ·emelhantc. ReAexao cuidado a de quem nao sc pode deixar enganar e que imputn asemelhan~a urn carftter porencialmeme ilu 6rio. llusao que provcm do grande decepwr o Demon.io. que faz da semelhan~a urn arremedo: as sruuidades, santos ou caraibas. proferas tradicionai que assumem, no processo colonial, aspcew milenaristas, sao obra de inspira~ao sua ( ardim [1615l 198o: 87-88; Manoel da 1'\ 6brega ao padre!) de Coirnbra, Oahia. agosto de 'H9, in Leite '954 v. 1: tS~5 t ). lla na antidades uma compeli~ao implicita pela lideran~ espiritual e material. Mas ha tambcrn urn c for~o not:ivel, imctrico ao do') mi sion:irios. de abrangcr o dessemelhame, de incorporar e tornar inteligiveis os estrangciro e sua cren)as. Colocada sob suo;peita c pa sad a ao crivo dos valore que encerra, a 'icmelhan)a passa a nao ser percebida: em 1554, dois irmao da Companhia, Pero Correia e joao de Souza, sao mortos a flechadas pclos Carij6, que teriam sido incitados porum e panhol. Os irmaos, relata Anchieta de egunda mao, aceitam cu martirio com for)a de alma: todos os mis'iomirios anseiam por fecundar com ::;cu sangue a seara de almas que csul endo plantada - o topos c recorrente, por exemplo em Anchieta e ern Nobrega. "l\ ao foi pequcna"; escreve Anchieta ao relatar a morte dos irmaos a Santo lnacio de Loyola, "a consolas:ao que recebemos de morrc tao gloriosa, desejando todo ardentememe e pedindo a Deus corn ora~oe cominuas morrer deste modo" ( jose de Anchieta a lmicio de Loyola, Sao Vicente, fim de mars:o de 1555, in Anchicta [tsn-8~] 19!tt: 98). A de cri)aO e os an eios encontram paralelos claros na descri\ao da monc idcnl do guerrciro tupi. Digna do guerreiro, so a morte cerimonial na::; maos dos inimigo , ap6 um enfrentamento em que se ressalta a dignidade e a altivez de quem vai morrer. A unica epultura almcjada co c tomago dos inimigos: ~ua

/maJ:crr.• Je /nJros

auBra.ri/ nu licu/o XVI

1\)J

Ate os carivos julga.m que lhes sucede nisso coisa nohre e digna, deparami o-se-lhes m orte tiio gloriosa, como eles j ulgam, pois di{tml que i proprio de animo tlmido e improprio para a guerra morrer de mall.llira qr1e tCIIham de .ruportar t~a sepultura o peso da terra, que julgam ser muito g rande (Jose de Anchieta a lnacio de Loyola, Sao Paulo de

Piratininga, 1I 9/1554, ibid.: 74) . Esse crecho fa... parte de carra esc rita por Anchieta a Sanco I nacio a penas seis meses antes da omra, e a semelhanm .. \Uilt ~dc de Ocu. ~UICill.lll o' indio~ .1• • ju~o > d.o f"oLr~v iol.Jn ~: ri,io"''lr"' dc,dn,ld

Da guerra das reliquias ao Quinto Imperio: importas:ao e exporta~ao da hist6ria no Brasil'

12.

om o advento do Novo Mundo, ha um trabalho de dupla tradu~ao: traw-::;e primeiro de inserir esse mw1do novo na mem6na, c portanro na ropografia e nos cventos ja conhecido , perceber o novo nos quadro intclecruais do amigo. £ o trabalho de tc6ricos como o jc uita jose d 'Acosta, por exemplo. Velho MWldo tern de ser cap:ll. de assimilar o Novo, descobrir seu Iugar prefigurado em sua gcografia, na hi t6ria sagrada e no plano divino, ou eja. alocar-lhe o Iugar que seria scu, desde o inicio dos tempos. e que lhe falta..·a apenas ocupar. ).lao se trata pois de uma "dcscoberta" no semido concemporaneo. 0 conhecimento do Novo Mundo co preltrdio para algo mais fundamental : seu "reconhecimcnto''. A segunda traduc;ao opera no entido inver o: em vez das chaves o novo nos quadros de pensamento ja conhecidos, ela traduzem t'/

Da ~ucrra das rt!fquiar uo Q111nto tmrirm 2 0 1

profccia que nao se cumpriu - e de dois jesuita seiscentistas que me sao desigualm ent~ caros: Francisco Pineo e o grande, incomparavel, Anronio Vieira.

A disputa das reliquias

Em 16 18, OS ossos de um jesuita por pouco nao desencadearam uma guerra indi'gena no Ceara. Tinham de:r. anos os ossos, e haviam sustentado o corpo ja velho do padre Francisco Pinto. Eis a cronica, encontrada ao acaso de urna pcsquisa na Biblioteca Nacional d~ Lisboa, na Carta de um padre da Companhia: nesse ano de •6•8, um jesuita passou pelo Ceara a caminho do ~·l ararlh ao. Aos indios que encontrou e que the fa1.iam grandcs fcstas, ped iu que U1e entregas em um osso do padre Franci co Pinto, para leva-to como reliquia ao Colegio da Bahia. Os Indio nao con entiram e ameas:aram pegar em armas para defender os ossos do padre Francisco Pinro, que lhes tra:liam a chuva c o sol, cada um a eu tempo. vinude particularmente preciosa no Ceara, que e ujcito a prolongadas ecas. E se faltassc chuva ou sol, iom OS Indios uir:" s > < al. cr;uWl.Jdon di' 1cr.1 niu do 8 r.J>il, Cl> rclt~tsus n;oda Mar::mhiiclno je~uit;l~ 0 .:aluni:un fran~ s ~c divtdcm, '" c::opuchinlto

2. 1 2. OUI ARFS IND IGF.'i iSTAS F g~i,;R.\VI'-fAS

de adquiri-las, c os venezianos, po r sinal, parecern tcr sido especialisras ncsse modo (llcrrmann-Mascard 1975: 368-ss). Loudahile furtum,Jurrum sacrum , este modo singular de transrnissao da cadeia dominial repousava frcquentementc sobre o principio moral de que o santo cujo corpo ou fragmento de corpo era roubado consentia na ua transla~ao. 0 proprio succsso do rouho era prova desse consentimenro, que Patrick Geary associa com razao ao ca amcnto por rapto (Geary 19K4; 1993: 166-ss). 0 segundo tema, que irei apenas mencionar aqui, e 0 da disputa entre Indios e jcsuitas pelas rellquias do padre. Nao cxiste ncnhuma indica~ao de qualquer inrerc sc, no que convencionalmente se pode chamar a "cultura tupi", pelos ossos ou quaJquer outro re to de corpo. 0 rastro tupi se inscreve no corpo dos inimigos: literal mente no corpo do matador que se ornamenta de tatuagens - que o fazem semclhame, diz o croni ta, ao couro de C6rdoba - e no estomago dos que o devoram. Memoria in crita portamo no que hade mais transit6 rio, 0 corpo, ela efeita para scr transmitida pela carne, nao pelos ossos (ver cap. 4 desre volume) .

Conversio indigena e agencia: os homens-deuses 0 que foi dito ames sobre o desinteresse tupi por ossos indicaria que o apego clos indios pelo os ·os do padre Pimo, a ponto de enfrcmarem e arrazoarem a tropa do vigario que os poderia esrar roubando, deve ser entendido em ourro registro. Ilustra em urn modo menor uma das caracteristicas imporranre · da conversao do indios: sua busca de agencia na nova religiao. Os indios adcriam sem dificuldades ao discurso cristao, mas sua adesao era, por assim dii~er, exccssiva: frequenrcmente, entendiam encarnar elcs proprios as figuras sagradas ( o que era compativel com a escatologia tupi que do homens fazia deusc·)l! c deter o controle e a agencia no dominio rdigioso. Oesde a segunda metade do seculo >..'VI ate inlcios do scculo XVII , varias "santidades" agiraram 0 Brasil. 0 tcrmo "santidacle" dcsignava, ignificativamcnte, tanto aqucles profctas que se diziam Deus ou j esu C risto, guanto seus rituais ou os movimemos que elc lideravam c que podiam incluir, como no caso da anridade de jaguaripe, iniciacla em 1585, a ~Hie de Deus e um papa (Vasconcellos 1658; Vainfas 1995).

Da gut!fffJ das rdf9uia.s w Quinto l mpirio

1 13

Tao importance foi esse aspecto no Brasil que o tema da contrafas:ao da religia~ da similitude que nao e enao obra do demonio, invade os escriws jesulticos: em Montoya, por exemplo>e e m Simao de Vasconcellos epatente essa preocupa)aO. Os indio nao se opoem: nao rcsistem averdadeira religiao: mas contrafazem-na. Essa cont rafa~ao tern a ver diretameme com o conrrole da lgreja e o dominio do sagrado. )lffo bastava ao missiom1rios fazer crer no discurso cristao, tambcm tinham de incuri r nos espiritos o senso da autoridade da lgreja ode sua hierarquia. Ne sc entido as reliquias vindas da Europa talvez se prestas em melhor para didaticamcnte distinguir a metr6polc cia colonia. Os o sos do padre Pinto podiam e prestar a contesta~oes entre Indios e jesulras, mas a cabe~a da · companheiras de Sama OrsuJa nao deixavam duvida .

Exporta!(iio da mem6ria. 0 Quinto lmp~rio

Terei de ser mais breve sobre estc t6pico, que rnereceria um desenvolvimemo a pane. Mas nao queria deixar de mencion:l-lo. Por voha de •6 50, os bolandistas haviam iniciado sua gigantesca obra hagiografica. Po ivelmentc no mesmo mo..,rimemo de ideias, Simao de Va:;concellos: provincial do jcsuiras no 13rasil, publica suas cr8n.icas jesuiticas: uma das quai , a que versa sobre o p:tdre joao de Almeida, e uma transparence tentat:iva de promover canoni1.a~oes no Ora5il (Vasconcellos •658). Ora, ne a me missima cpo6).

Do JrUI!rra do defumu, p.1ra ealvador. em fcvcreircc de 11)76. Quem agr .~~ : . Lssa cum~; nidJdc p it)i dc~crita por .-"mhony Laor:an, Pierre Verger. Antimio Olicuo

1.

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J. M. 'I urncr.

nelcs depositavam grande esperans;as para a evangelizac;ao e a "civilizas:ao" do pals iorubano iniciaram, em 1839, cu proprio movimento de retorno e estabeleceram-se em Dadagry, Abeokuta c Lagos. Os movimentos de retorno de aro e de bra ileiro foram, portamo, mais ou menos contemporaneos, embora este ultimo c tcnha prolongado alem do outro, chegando ate ao come~o eculo xx. A dua comunidades conviveram em Lagos, associaram-se frcqucntemenre, embora rivesem mantido uas identidade . este LrabaJho, quero tratar do tema da identidade etnica desses "descendente de brasi leiros", como ate hoje a si mesmos se chamam, durame o periodo de forma~ao da comunidade, ou seja, essencialmente no ecu Jo X IX. lla, porem, varia Jimitar,;oe . A mais importante e a quase total au encia de documentar,;ao sobre a comunidade brasileira de Lagos ante de 1851. A partir dessa data, que ea doe ·rabelecimento de um conulado inglcs, contamo com a exrensa correspondencia do consul com o Foreign Office, que se estende ate 1861, data da "cessao" de Lagos a Coroa britanica. Oaf por diante, as fon tes tornam-se cada vez mais numcrosas, j~ que, alem da correspondencia do Colonial Office, podemos rccorrcr a carras pe soais e aos relac6rio dos missionarios catolicos france es, operando primei ro de Ouidah e, a partir de 1868, de Lagos. Pode parecer paradoxa) que a maioria desses iorubanos, que afinal retornavam a patria,} tivesse preferido idenrificar-se como membto de uma comunidade "brasileira" . .E preciso ter em mente. no entanto, que nem Lagos nem lladagry, nem qualquer das cidades costeiras em que se cstabeleceram, eram na realidade suas cidades de origem e sim potuos de passagem, enrreposros do crafico transadfintico de escravos. Como mostrei alhures (Carneiro da Cunha 1976), a maioria dos escravos nagos da Bahia cram egbas (de Abeokuta}, ijeshas (de Ilesha) c iorubas propriamenre ditos (isto e, de Oy6, a amiga capital do imperio que sc havia esfacelado). Alem disso, por varias dccadas, o acesso a regioes alem de Abeokuta permaneceu dificil. devido as gucrras entre a cidades-Estado, que tumulruaram o interior do pais ao Iongo do seculo XI X: consequentemence. reatar la9os com as cidadcs de origem era empresa perigosa, e se AbeokUla e llesha eram relativamente accssivcis, canto nao ~e pode dizer de Oy6. J· "Pania.. 1: obviillllcntc aqui um anacroni~mo. A!em de n!ln e"i~tir um Estndn ioruhano e

,i.Jn mirltiplas cidades-£s~do autonoma.~. a propria id~nridadc iorubana w ~ iirma no fUlal do s&ulo lUX, ~ul>prodmo em larga mcdida da vi~io uniiic:~dnra do f:.Or lllllit• >~ ,m•>' o 'ccn:~;irio lei!(-\Dh I 1'0 1 iTIC.\

Alcmanha passam a fom ecer quasc 10do o tabaco para a colonia. A imporm~aes do Brasil mant~m-se m~tis ou menos esnivci , consisrindo em pano da costa, nozes de kola, azcite de dende, caba~as, sabao (ori), palha c outros artigos de uso religioso. Quanto as impona~oes para Lagos provcnicmc do Brac;il, sua diversidade e espantosa: alem do fumo, dos charuto , da caninha, do a~ care da came de sen ao, importavam-se coisas como carruagcns, remedios, lou~ e m6veisl (Blue Boob, por exemplo, t88/89) Ate a decada de t88o, em que se propagaram as compras em especie, Lagos gozava de urn sistema de credito em que havia Iugar para ncgociantes africanos independen tes,~ no mesmo pe que seus competidores europeus instalados na costa. Compravam a credito carregamentos dos exportadores eu ropeus ou americanos e vendiam-lhes os produtos da terra. Uma rede de inrermediarios unia, como vimos acima, esses negociantes aos mercados do interior. Os brasileiros e saro, juntamente com alguns nadvos de Lagos, tentaram entrincheirar-se nas p osi~oes de intermediarios, a tal ponto que, em 18~~. os egbas de Abeokuta se queixavam de que os brasileiros e os saro niio lhes permitiam acesso di reto aos negociantes curopcus (Foreign O ffice 84/976, carta do Alake a Campbell, 11 I? I ll~ss. in Campbe ll a Clarendon, J0 /81t8n)O principal problema. em um sistema de credito, era, como evidencia l\cwbury ( 1972.: 92-93). assegurar a cobran~a das dividas: a partir de 1854, os agentes das firmas curopeias tentam obter garantias do rei de Lagos. Muito mais dilkil era controlar a outra extremidade da cadcia, as cidadcs do interior que dio facilmemc, a pretexto de guerras ou por desaven~as com Lagos, podiam interrompcr o comercio, fechando as cstradas c na cliaspora OU ern sitUii)OCS de intenso conta(O nao SC perde OU C fundc simplesrnente, mas adquire uma nova func;ao cssencial c que se acresce asoutras, cnquanto se to rna culwra de col/fraste: es e novo principio que a subtende, a do contraste, determina varios proces os. A culwra tcnde ao rnesmo tem po a se accnruar tornando- e mais visivel, c a sc implificar c enrijecc r, redu hindo-sc a urn numero menor de trac;o que sc tornam diacrlticos. A que tao da lingua e clucidativa: a lingua de um povo e um i tcma imbolico que organiza sua pcrcep~o do mundo, c 6 tambem Um difcrcnciador por excelencia: nao C a tOa que OS movimentoS separatistas cnfatizam dialetas eo govcrnos nacionai combatem a polilinguismo dcntro de suas frontciras. 1\ o cmamo, a linguae dificil de conscrvar na dia-pora por muitas gcra~ocs, c quando se o consegue, ela perde sua plasticidade c c pctrifica, rornando-se por assim dizer uma lingua fbs il , tcstcmunha de cstados antcriorcs. O ra, quando nao se conscguc con crvar a lingua, constr6i- c muitas vezes a distinc;ao sobre simples elcmemos de vocabuhirio, usados sobre uma sintaxe dada pela lingua dominantc. Q uando os negro' do Cafund6, esmdado · por Ca rlos Vogt, Peter l•ry c .\·laurizio Gncrrc, usa~ termo, ve-se privada de qualquer substancia; ou melhor, abolida a ideia de uma culrura est.:1tica, dada ah initio, ela permanece ainda algo que nao se poe, apenas se contrapoe, e cujo motor e 16gica Ihe sao exrerno . .\nSC.-usr) ..: m ! Xde ~1 embro de ' 993·

1.

~cnr.Jdocomtl a t

mente sobre a no~ao de identidadc e sobrc o conceito-chavc da antropologia, a saber a cultura. Apontei que a cultura, ao subsliruir a no9ao de ra9a, herdou no cntanto sua rcifica9ao. E mostrei , usando a analogia do totemismo, que se podem pcnsar a culturas, em sociedades multietnicas, de forma nao essencialista e im estrutural.z Talvez valha a pena explicitar mcu argumento: do mesmo modo que o totemismo usa categoria nawrais para expressar distin96e ociais, a etnicidade e vale de objctos culrurais para produzir di tin9oes dentro das sociedades em que vigora. A etnicidade e portanto uma linguagem que usa signos culwrais para falar de segmemos sociais. As cspecies naturai cxistem em i, sao dadas no mundo. Tern uma coerencia interna, uma fisiologia que anima e concatena sua partes. \·l as nao c na sua inteireza que clas interessam ao totcmismo. Sao suas diferen9as culru ralmeme sd ccionadas que as tornam passivci de organizn)ao em um sistema que passa a comandar um outro significado. 0 que acontece se passamos das cspecies naturais usadas no coremismo para cspccies cu lturais u adas nas sociedades multhhnicas? Do mcsmo modo que a fi iologia comanda cada especie natural, a culturas ao sistemas cujas partes incerdcpcndemes sao detcrminada:. pelo todo que as organita. Se elas pas am a scr usadas, por sua vet, como igno em urn sistema multietnico, elas. ali!m de serem totalidadcs, rornam- e tambem partes de um novo de um metassisrema, que passa a organiza-las c a conferir-lltc , ponanto, uas posi9oes e significados. E, solidariamcntc com a mudanc;a do sistema de refea·encia, scm que nada tangivd tcnha mudado nos objetos, muda tambem o significado do iten culturais. Ou seja. sob a aparencia de ser o mesmo, de ser fiel. de scr tradicional, o tra~o cultural alterou-sc. E, reciprocamcnte, sua alterac;ao em fun~i.io de UJll novo sistema nao significa mudan)a Ctnica: OS argivos - SCm deixar de ~er argivos, cortaram seus cuas terrae;. Diga-sc em sua honra, foi na bancada amazonense que teve origem a emcnda que consagrou esses direitos em •934 (Cam eiro da Cunha 19ti7: 84-s ). Todas as Constin1i~oc subsequcntcs mamive ram c dcscnvolveram csscs dircitos, e a Consrituic;ao de 1988 deu- lhes sua exprcssao mai dctalhada. Qual a -;iruac;ao legal dos indios e de sua- Cerra!>? Scm entrar em mui tos detalhes, salicntarci alguns dados fundamemais para o que aqui nos intcressa. 0 · indio:-. tern dircitos constitucionais, consign ados em urn capitulo pr6prio c em anigos esparso · da Constitui do !>Cnador Passari n.ho, declara no entanto que mantem suas crlrica .

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Especialistas, como o coronel Cavagnari , coordenador do Nuclco de Esrudo Estrategicos da Univcrsidade de Campinas (U nicamp). ublinharam em entrevistas recentcs (Folha de S.Paulo, 12/8 I •993) a funcionalidade de inimigos, seja extcrnos como a ONt: ou os EUA, seja interno , como os Indios, para a existes econo micas, o aproveiramenro do rccursos hidricos enc.:oncra-se num limbo, mas a questiio mineral c ta mai viva do que nunca e provavelmente na origem das investida contra o direitos do indios. A Constinti.yao de •988 pre creve procedimcnws cspcciais quando se trma da explorar;ao de recur o hidrico-. e mincrais em tcrr. 0 primeiro consi ce em qucstionar os fundamemos do cornpromisso das populayoes tradicionais para com a con crvayao: sera que esse compromisso ~ uma fraude? Ou, para formular a questao de forma mais branda, sera que nao se trata de uma ca 0 de projC)aO ocidental de preocupa9(1es ecologica sobrc um "bom selvagcm ccologico" constntldo ad /we? 0 cgundo mal-entendido, articulado ao primciro, afirma que as organizayoes nao governamentais e a idcologias "estrangeirac;" sao responsaveis pela nova conexao entre a conscrva~o da biodiversidade e os povos tradicionai . F.stc mal-cnrendido cau ou no Brasil esrranhac; convergencias entTc militarc c a c querela. Para rcfu tar essas concep~oes, dedicaremos alhrum cempo ao e clarecimcmo do comcxto historico no qual ococreu esse proccsso c dos papcis re pcctivos de distintos agenres na constnt~iio dessa conexao. rinalmcme, fa larcmos do sib,.nificado que essa conexao assumiu localmcntc, de ~ua imporn1ncia para o Brasil e para a comunidade intcrnacional, c de algumas condic;(>es ncccssarias para() seu exico. l'ublicado e m j oj o Paulo Clpobianco ~~ ,,Jji :d:1' ·;o.,-ocs I nd i~l·n as {V "J~ iria l'itO de Min~ orij{. ou (•J\:1tamo:me po r ~~ur::.gia Michael Hamburger A verdr:de tlo ptmia Bento Prado Jr. A reton·ca de Rousseau e oUJTOs ensaios Claude Levi-Strauss. Anlropologia eJtrUtural

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