Criminologia Integrada [3 ed.]
 9788520337059

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Obras do Autor NEWTON FERNANDES

A falência do sistema prisional brasileiro. São Paulo: RG Editores Assocíados,

2000.

Valter Fernandes Newton Fernandes

Teoria geral do crime. São Paulo: Provo Gráfica (edição do autor), 1998. Sociologia geral, jurídica e criminal (02 volumes). São Paulo: Ed. Rumo, 1995. (Em coautoria com Getúlio Ghofard).

Estudos sobre direito da criança e do adolescente. ln: Ada Pellegrini Grinover (coord.). A polícia à luz do direito. São Paulo: Ed. RT, 1991.

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

3.a edição

revista, atualizada e ampliada

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil) Fernandes, Newton, 1931-2007. Criminologia integrada/Newton Fernandes, Valter Fernandes.- 3. ed. rev. atual. ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. ISBN 978-85-203-3705-9 L Criminologia 2. Criminologia- Brasil I. Fernandes, Vai ter. II. Título. 10-08023 Índices para catálogo sistemático: 1. Criminologia: Ciências penais 343.9

CDU-347.9

EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Valter Fernandes Newton Fernandes 3.a edição revista, alualizada e ampliada

HOMENAGEM PÓSTUMA l.aedição: 1995, 2."edição: 2002.

OiagramaçJ.o e/etrônica e revisão Microart- Com. e Edit. Eletrônica ltda., CNPJ 03.392.481/0001-16 lmpressJ.o e encadernação Cherma Indústria da Arte Gráfica Ltda., CNPJ 09.528.684/0001-73

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©desta edição 12010] EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

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LTOA.

ANTONIO BELINELO

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Rua do Bosque, 820- Barra Funda Tel. 11 3613-8400- Fax 11 3613-8450 CEP 01136-000- São Paulo, SP, Brasil ToDos os DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 11 O da Lei 9.61 O, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

0830

Impresso no Brasil 108-201 0] Jniversitário Complementar Fechamento desta edição [11.08.201 O]

ISBN 978-85-203-3705-9

Postumamente reverencio minha querida genitora Violanda Cristófaro Fernandes, falecida em 27.06.2010 após anos de resignado sofrimento em virtude de gradativa e dolorosa enfermidade que a acometeu. Extremamente apegada à fé cristã e a Deus, ela sempre ajudou indistintamente a todos sem nada esperar ou pedir em troca. Esta derradeira homenagem também é prestada por suas filhas Daisy Augusto e Gilda Domitilia, por seu genro Pedro e suas noras Hercília, Cida e Rosário, por seus netos, por seus sobrinhos e mais parentes e pelos incontáveis amigos que conquistou durante sua abnegada existência dedicada à família e ao próximo. V ALTER

FERNANDES

AGRADECIMENTO À Mariajanete Tomita, Sandra Cíntia Fernandes, Pérola Yatiyo Tanaka, Newton Adauton Fernandes, Patrícia Rodrigues Alves, Evandro Adauton Fernandes, Vicentejoão Cristófaro e Diego Michel Fernandes, que muito auxiliaram nas pesquisas do interesse desta obra. A todos deixo consignado meu muitíssimo obrigado pelo enorme empenho com que se houveram. V ALTER FERNANDES

PREFÁCIO À 3." EDIÇÃO De mencionar, ab initio, que recebendo, dos eruditos e avançados criminólogos Valter Fernandes e Newton Fernandes, a honrosa deferência de prefaciar esta 3." edição de sua obra Criminologia integrada, sobressaltou-me, num primeiro momento, analisar e comentar trabalho de tamanha encorpadura e mérito, embora sabedor que a sua didática é fluídica e sempre se expande em descortinados horizontes. Sobressaltou-me, igualmente, o fato de a l." edição da Criminologia integrada ter sido preambulada pelo internacionalmente festejado criminólogo e deontologista da PUCAMP Ayush Morad Amar, e a 2.' edição pelo não menos louvado e sapiente Bismael B. de Moraes, mestre em Direito Processual Penal pela USP Enfocado isto à guisa de certo desabafamento, é sabido que a hodierna auscultação criminológica sempre está a exigir constante avaliação, atualidade e mesmo renovação de seus conhecimentos, razão por que as obras especializadas sobre o assunto se esgotam e, sendo assim, outras abonações podem ser ponderadas ou acrescidas. Disso, é luminoso exemplo esta nova e magnífica obra, em sua 3." edição, dos destacados criminólogos Valter Fernandes e Newton Fernandes, cuja grandiloquente contribuição à Criminologia inconcussamente é imperecíveL Nesta 3.' edição de Criminologia integrada, verdadeira enciclopédia ainda mais apurada e rigorosamente amoldada à a tua! realidade criminógena, os doutíssimos autores oferecem outros temas alusivos à nova defesa social, à criminalidade serial, à antissocialidade feminina, aos desajustados sociais, à lavagem de dinheiro, às novéis leis brasileiras sobre os crimes hediondos e sobre o desarmamento popular e à pirataria fonográfica. Abordam o crescente fenômeno do suicídio, o aborto, o controvertido tema da clonagem humana e, além disso, retornam ao assunto da pena capital e de outros apenamentos severos. Posicionam Valter e Newton Fernandes, com acentuada propriedade, o liame entre a Medicina Social e a Criminologia. Enfim, pela novidade de vários temas e repensamento de certas proposições, os autores ainda uma vez demonstram que a Criminologia é ciência que realmente possibilita abordagem inexaurível, tratando-se de disciplina em que são possíveis de descrição todos os ângulos da criminalidade em geral, seja na apreciação teórica ou prática. Como nas edições anteriores, nesta também resulta evidenciada a integração histórica, conceituai e científica dos axiomas criminológicos fixadores, inclusive, da teorização de seus fundamentos e esquemas objetivos. Nesta obra, Valter Fernandes e Newton Fernandes trazem à tona o intercâmbio entre a Criminologia e a Medicina Sociológica nunca antes posicionado. Exibem, eles, inovadoras ofertas no campo do desajustamento social, sugerindo a adoção de

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

providências de oportnna utilidade para a harmonização coletiva. Nessa perspectiva, procuram situar, com isento realismo, o problema da conduta sociopata de preocupante nuançado. Projetando se aprofundar cada vez mais na etiologia do delito e demonstrando que o criminoso serial é contraditório e ilógico, os autores sempre destacam a influência do meio ambiente no indivíduo que irá delinquir, como já dizia Alexandre Lacassagne, e assinalam que a malvivência, com sua adesão a contravalores, não deixa de ser uma subcultura delinquencial. Retomando vários pontos de vista externados nas edições anteriores, Valter Fernandes e Newton Fernandes especificam verticalmente as questões problemáticas da Criminologia, buscando a assimetria da representação dessa ciência na própria sociedade. Com sua experiência absorvida durante anos a fio na observância da delinquência e suas articulações e paradoxos, os autores identificam o melhor suporte para a oferenda criminológica. Por isso, enfatizam que os criminosos e individuas de conduta paracriminal jamais foram indicador relevante para a Psicanálise voltada, muito mais, para os desvios sexuais, como atestam a Teoria da Sedução e aquela do Complexo de Édipo. Até porque, a rigor, o verdadeiro delinquente coloca ein sério risco as fantasiosas teorias de Sigmund Freud, o precursor da Psicanálise. Com efeito, ao relegar ao ostracismo sua etiologia traumática das neuroses, Freud praticamente desistiu de pesquisar o delito e a própria Criminologia. Daí, os autores comprovam cabalmente que a Criminologia não é impotente quando se trata da figura do delinquente, como pretendiam alguns psicanalistas defensores da ideia do surgimento de uma Criminologia Clínica integrante da noção freudiana do inconsciente. A par disso tudo, avulta, nesta 3.' edição da Criminologia integrada, um novo sentido que seus autores deixam mais que subentendido, ou seja, que a imprescindível aplicação das multifárias regras criminológicas para a prevenção, atenuação e solução futuras dos acontecimentos criminógenos transmudarão, num porvir não tão distante, o Direito Penal em simples ferramenta adjutória da Criminologia. Concluindo, é incontestável que o conteúdo e a força dos ensinamentos aqui inseridos reafirmam o reconhecido apego de Valter Fernandes e Newton Fernandes pela Criminologia, ciência em que seus nomes fulguram como estrelas de primeiríssima grandeza. Esta 3.' edição da Criminologia integrada, assentada em vigoroso conhecimento técnico-científico de seus autores, que manejam o assunto criminológico com admirável domínio, foi acrescida de oportuna atualidade sem que isto descaracterizasse minimamente a obra. Muito pelo contrário: tornou-a um trabalho de acentuada compactação criminológica e elevadíssimo valor e seriedade. É obra que ensina com inesquecíveis lições e servirá gerações e gerações de criminologistas, juristas, sociólogos, psicólogos, filósofos, médicos, psiquiatras, psicanalistas e os obreiros do Direito em geral. É um legado de seus brilhantes autores à humanidade. Em observação bem poste rio r e por apego à verdade, esclareço que este Prefácio foi elaborado à vista do primeiro manuscrito para a 3." edição do livro Criminologia integrada e, portanto, anteriormente ao falecimento do criminólogo Newton Fh-

PREFÁCIO Á 3." EDIÇÃO

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nandes e muito antes da alentada e preciosa ampliação da obra e de sua oportuna atualização, inovações que acentuam ainda mais sua importância na esfera criminológica nacional e internacional. CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ

Mestre em Direito Penal pela USP Professor Titular de Direito Penal da UNIP- Campinas Professor de Polícia judiciária da ACADEPOUUSP Diplomado em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal

PREFÁCIO À 2.• EDIÇÃO É com orgulhoso prazer que, atendendo ao convite de Newton Fernandes e Valter Fernandes, figuras exponenciais no cenário do pensamento criminológico brasileiro, ousadamente prefacio esta obra Criminologia integrada, que é edição revisada e ampliada daquela que os talentosos autores publicaram em 1995 pela mesma e conceituada Editora Revista dos Tribunais.

Esta 2.' edição, a par de reafirmar o copioso conhecimento do assunto criminológico dos autores, evidencia que, impregnados de propósito ainda mais crítico, eles esmiuçaram outros pontos salientes e nevrálgicos dos intrincados desvãos com que a Criminologia se depara no constante acompanhamento do percurso antissocial criminoso, desde seu nascedouro, seu desdobrar e seu ápice evolutivo. Tanto assim é que eles, Newton Fernandes e Valter Fernandes, inovando, inserem nesta obra, por exemplo, a ideação criminológica no âmago da delinquência ecológica e indicam certos aspectos positivos de eutanásia e mesmo da pena de morte, aspectos que inegavelmente se harmonizam com reclamos sociais regionalizados, malgrado a matização assaz controvertida dos temas. Reafirmando o caráter pluridisciplinar da Criminologia, enfatizam os autores, ademais, sua estreitíssirna coligação com as chamadas "ciências humanas" e, entre elas, a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia Social. Daí que o homem deve ser entendido como uma unidade biocultural e que o fato humano, considerado como uma individualidade, pode edificar determinada espécie de violação criminosa, pois o direito a ser respeitado exige obrigação correlativa.

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Lembram, os autores, que a linguagem criminológica contemporânea deve ser homogênea, sem penetrar no plano da semiótica. Alertam para a importância da descriminalização diante de certas tipificações penais já inteiramente oxidadas. Buscando esclarecer a psicologia individual delituosa através da teoria da involução social, demonstram, ainda uma vez, que a explicação dos fatores criminógenos deve atentar para a compreensão das potencialidades do ser humano. Acenando com novos instrumentos de minimização criminal no decorrer do século XXI, fazem antever, por outro lado, que num país subcolonial como o Brasil, a miséria e a falta de socorro social em todos os campos são elementos ativos na eclosão criminosa. Paralelamente, evidenciam que o valor das estatísticas da criminalidade, de extrema relatividade, convence somente os teóricos liberais refestelados em sua protetora abastança. Esclarecem os autores, com contundência, que não é a pena privativa de liberdade que terá falido, mas sim a forma pela qual é executada. Apontam a visão demagógica das atuais diretrizes da ressocialização do condenado.

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Nesta obra, relembram, Newton Fernandes e Valter Fernandes, que o ato criminoso é uma opção de natureza desviada da modelação normal do comportamento humano, porque toda fixação legal ou paralegal deve vocacionar o homem para o bem. Com rara agudeza, os autores deste livro lograram um estudo ainda mais amplo e aprofundado do que antes já haviam conseguido, apesar dos espinhosos obstáculos na identificação, na essência, do binômio crime-criminoso. Apontam eles que, da exegese do passado e do presente desse binômio, chegar-se-à ao futuro da Criminologia, malgrado seu caráter de ciência indelimitável. Enfim, com esta 2.' edição da obra Criminologia integrada, parece-me que Newton Fernandes e Valter Fernandes exauriram a matéria criminológica. Com efeito, trata-se de obra de grandiloquente valor, de tal abrangência e verticalidade que, incontroversamente, esgota o assunto. À regalada, merece o título de Tratado a exigir ampla divulgação dentro e fora do Brasil.

NOTA EXPLICATIVA À 3.• EDIÇÃO Impondo-se a abrangência temática deste trabalho com vistas a sua 2.' edição e inclusive sendo imperiosa, por outro lado, a atualização de alguns de seus capítulos por decorrência de novas informações sobre fatos de real conveniência no campo criminológico, boa parte desta obra foi consecutada por apenas um de seus autores, eis que o outro enfermou por longo tempo a partir de 2005 e veio a falecer em 2007, o que, entretanto, não impede que aqui fique consignada sua valiosa e irretocável participação enquanto com saúde. V ALTER f

BJSMAEL B. DE MoRAES

Mestre em Direito Processual pela USP

ERNANDES

À GUISA DE INTRODUÇÃO À 3.• EDIÇÃO O panorama do cotidiano mostra e diz bem da imperiosidade de se penetrar mais verticalmente no entrelaçado social e na conduta restrita do homem, por mais complexas e desafiadoras que sejam tais auscultações. Cohen enfatiza a busca moderna do redescobrimento do homem na sociedade acenando com alentado aparato de comportamentos que, porém, passam despercebidos mercê da indiferença e do estereotipamento da convivência humana embasada no "ter" e não no "ser". Até agora, o homem não concebe outra existência senão a sua, outro mundo senão o seu! A tirania do "ter" escraviza-lhe o pensamento e os sonhos, e ele persiste em fugir da zona de interrogação onde palpitam os reais mistérios da alma humana. Tateando sempre nas trevas, o homem jamais enxergará a grandeza da luz! Suas fraquezas são malsãs e suas paixões são rasteiras. Ele está no âmago da vida, mas realmente não vive' Por que o homem mata tanto o próprio homem, fazendo-o por nada ou com extremado ódio e perversidade? Por isso que ele está na fronteira da alienação e disso não se dá conta! Pascal dizia que a hostilidade do eco humano o apavorava. Outrossim, a constante desvirtuação socio-humana tem levado a acentuadas patologias que, não raro, são incorporadas como maneiras normalizadas da conduta do homem! Na ámbiência humana, a cosmovisão reflexiva pouco ou nada importa. Daí os valores, os sentimentos e as ideologias estarem em celeríssimo declínio prevalecendo, com a disfarçada conivência do mando oficializado, o poder econômico insaciável e a afrontosa amoralidade dos meios de comunicação de massa. Por isso Lefaucher destaca o desvalor do interesse humano, enraizado na mediocridade e asfixiado pelo enxurro da superficialidade e da mentira! Aliás, como contestar que, na turba anestesiada pela hipocrisia, pela depravação e pela violência ninguém aceita o homem verdadeiro, o homem da interioridade? É a desesperação em que não desponta o vir a ser no sentido da evolução infinita' Por decorrência da vigorosa e abusiva imposição do poder político e econômico, na população invariavelmente existem fariseus e cães de rebanho I Na mídia, ávara pelo lucro, exclusivamente as aparências produzidas persuadem, eis que a razão é sutilmente execrada. Na massa, condicionada, oprimida ou imbecilizada, a verdade é aquela provinda dos grandes zeros totalizados, verdade que desacredita ou aniquila aqueles que desafiam seu invertido sistema de valores. Paralelamente, avulta o Estado, que, quando não impõe unilateralmente, mantendo as pessoas sob constantes embustes, faz crer que a verdade é aquela de sua vontade. Consequentemente, o povo quer o que o Estado quer! Desse modo o livre-arbítrio fica sendo mera ficção e o determinismo um apêndice de causa e efeito. É um faz de conta que todos estariam livres e racionalmente inventariando as causas, a sucessão, a finalidade, a relatividade, a coação legal, a forma, a

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

À GUISA DE INTRODUÇÃO À 3.' EDIÇÃO

lei e a verdade, daí emergindo a tábua de valores. Mas verdadeiramente não é assim, tratando-se exclusivamente de vontade forte e de vontade fraca ou submetida. Até hoje nunca vingaram os postulados da "liberdade, igualdade e fraternidade" reclamados em 1789 pela Revolução Francesa. E sempre terá sido assim desde o início dos tempos! No curso das Idades, a mais velha forma de humanismo seria aquela de escapar à animalidade. Seria o humanismo dos Dez Mandamentos, o de Salomão e de Hesíodo que jamais prevaleceram, pois, na pátria do homem, Deus é personagem esquecida. Talvez a Terra jamais tenha sido a casa de Deus! Provavelmente por isso jesus Cristo nunca sorriu, pois antevia que a última tentativa seria em vão.

gavelmente ninguém, eis que o homem sempre conjugou o tempo só no presente, ignorando o passado e transferindo o futuro! Daí que a previsão não é a verdade eterna, mas a efêmera verdade da mudança I Pensar no futuro não é natural nem agradável para o homem! É um ânus. Talvez porque a descoberta do espaço temporal traz para ele a revelação e a certeza de sua própria morte. E esse pensamento é tão triste quanto milenar. Basta olhar nos cemitérios essas pesadas pedras tumulares, essas grossas correntes fechadas nos quatro cantos da tumba, como para impedir que os espíritos dos mortos venham atormentar os vivos!

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Na Religiao e na Moral, ademais, tal humanismo intenta revelar para o homem seu verdadeiro ideal e sua verdadeira essência, mas isso de nada vale quando se estabeleceu um "novo caráter humano" no qual não existem limitações para a mentira e mesmo para o mal! Com visões prenhes de insinceridades, o homem não passa de primata encasacado com neurõnios hemiplégicosl Ele satiriza o valor, corteja a tolice, sorri à hipocrisia e festeja sua própria vergonha! Por sua intolerância, ele não ousa propor um sistema dialético ou mesmo metafísico do conhecimento. Aceita a evolução porque é utilitarista, mas teme a revolução. Seu segredo da "mea culpa" tem como desculpa a dúvida que jesus, como homem, esvaído pelo martírio que atravessava, teve no Calvário: "Pai, por que me abandonaste?". Quiçá por isso é que Nietzsche, criador do desvairado vitalismo, subvertendo todos os valores, preconiza que a ordem moral é um grande engodo e que a vida é vontade de potência, é apropriação, é determinação de suas próprias formas, é incorporação, é sujeição do que é estranho e mais frágil I E igualmente seria por isso que o aluno de Schopenhauer entende que o anseio democrático é forma de decadência da organização política e modelo de minimização do homem e diminuiçao de seu valor natural! E não fica por aí o autor de Além do bem e do mal! Ele critica o "cogito ergo sum" de Descartes, aduzindo representar dogma meramente lógico-metafísico! Lança farpas, ainda, contra o entendimento kantiano, asseverando ser absurdo propor qualquer questão acima do conhecimento! Também investe contra o evolucionismo darwinista, dizendo que o homem não progride e que os valores superiores que se colocam na civilização moderna não importam em tipos seletivos, mas sim em tipos de evolução! Seja como for, na passagem de uma forma de convivência à outra, o legado transmissível é solicitado a ajustar-se às novas condições do meio humano mais denso. Portanto, de caçador e campônio a "homo sideralis", trata-se exclusivamente da decorrência de processo mais efetivo e penetrante porque conscientizante, interhumano e despertador de forças íntimas dos seres. Bertaux sustenta que essa decorrência é mais profunda do que a interação do homem e da.natureza, que considera desdobramento histórico já ultrapassado! Aliás, na Divina comédia, com Dante, os sentenciados ao Inferno, como dádiva derradeira, podem divisar o futuro. Refinado martírio! De fato, um epicurista do primeiro século, o dos filósofos, previu que, quando ressoarem as trombetas do julgamento, nada mais restará e muito menos o futuro. Presságio funesto! Quem o poderia formular com exatidão? Ninguém, irl.e-

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Na verdade, uma concepção prática, pragmática do futuro consiste em encará-lo notadamente sob o prisma da ação futura. De tudo o que acontecerá importa aceitar que o homem não sabe quase nada, salvo do que decide fazer. Conhecer o que há de vir? Sabe-se que o futuro não é objeto de conhecimento no sentido ordinariamente conferido ao vocábulo. Demais, na relação de proporção entre o homem e o mundo no qual ele se move, o homem é tão ínfimo que se torna inteiramente dependente das circunstâncias externas que refogem a qualquer planificação. Mas agir sobre o futuro pode, de algum modo, depender do homem no âmbito em que sua ação se desenvolve. Porém, não se pode enfrentar essa situação com base no equipamento tradicional de conceitos, mitos e hipóteses. Seria necessário redimensionar o pensamento humano. Seria preciso ter concepções novas, outras dimensões, diferentes ângulos de abordagem. É inadiável a revisão dos processos de pensamento. Pela escolha que o homem faz dos valores a suprimir e daqueles a lhes tomar assento, cada um definirá o lugar e a posição que adotará em relação ao movimento geral da humanidade neste momento de total desajuste em que se depara. Rigorosamente, o homem está na mesma situação do inseto deslumbrado que presunçosamente brinca ao redor de um arsenal de inseticidas! Usando regaladamente seus cinco sentidos básicos, o homem esqueceu-se por completo do sexto e mais importante sentido: o da espiritualidade, que intercomunica o mundo material com o espiritual e, neste último, estão os fenômenos psicocinéticos, psicográficos e ectoplasmáticos constados por cientistas do acatamento de um Hyppolyte Leon Denizard Rivail. Realmente, o drama do homem na paisagem natural que o envolve é cada vez mais profundo e, ao mesmo tempo, mais premente de uma consciência que invoque a verdadeira essência daquilo que pode ser o sentido de sua vida e a imagem de si. A clássica pergunta "quem sou eu" poder-se-ia responder com a angústia da diluição do ser e a objetalização contínua do homem-massa de Ortega Y Gasset. Com efeito, os poucos heróis não são tão heróis assim e os vilões são ainda pior do que aparentam! Não obstante, o homem não pode esquecer a cicuta imposta a Sócrates nem a cruz içada para Cristo! Por óbvio que dele não se pode exigir a sublime virtude dos santos ou os magnos feitos dos autênticos heróis. Mas o homem poderia se emocionar diante do crepúsculo, sonhar perante a aurora e meditar diante da força da tempestade. Nada lhe pesaria divagar com Exupéry, rir com Moliére ou vibrar com o talento de Wagner! Por evidente que raríssimos homens serão Bergerac ou Gan-

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

dhi, mas, nem por isso, a maioria haverá que ser Sancho ou Tartufo! Nem por isso ele deverá permitir-se ser iníquo, servil, hipócrita, imitador, imoral ou acomodado, conquanto isso aconteça com constância mercê da degenerescência mediocrática que promana do ambiente moral e não das leis, como procuram justificar os ignaros ou demagogos! Na verdade, com o advento do século científico, dominado opressivamente pela tecnologia, a sociedade humana perdeu cada vez mais sua identidade, sua posição principal como agrupamento homogêneo de homens, transmudando-se, contínua e rapidamente, em mero ajuntamento numero lógico comandado por gélidos e escravizadores acionadores digitais, embora uma célula viva seja muito mais perfeita do que o mais sofisticado computador! Por consequência, ao passo que aumentou a inventividade do homem, aumentou sua capacidade de causar o mal. Comumente, a tos individuais ou coletivos de intensa crueldade têm mergulhado a sociedade humana em chocante brutalidade. A história da humanidade talvez já esteja ocupando seus últimos dias após incontáveis gerações. Hoje, possivelmente a solução seja livrar-se da condição humana, pois que raras sementes terão germinação já que o homem pensa criar onde apenas exuma. Enfim, a história do aglomerado humano não é nada agradável, mormente por causa da desumanidade do homem para com o homem. Nenhum homem, não importa quão racional seja, pode explicar a razão da perversidade humana I Se C ris to voltasse ainda uma vez talvez os males fossem debelados. Mas Cristo não volta. Daí, quem é o responsável pela iniquidade humana e por que Deus a permite, também consentindo com o mal? Onde a resposta? Não seria justo e correto indagar de Deus, desse Deus que criou o homem livre? Contudo, como indagar de Deus na busca da resposta? Somente por intermédio das Escrituras Sagradas e da Bíblia, que representam a palavra do Criador àqueles que procuram conhecê-lo e a seus propósitos. Esta a única verdade restante, sob pena de se acolher, a partir de Darwin, a imponderável teoria da evolução, o agnosticismo e o próprio ateísmo e nisso prosseguir até a insanidade total quando o cadáver representará a última e verdadeira identidade do homem. V ALTER

FERNANDES

À GUISA DE INTRODUÇÃO À 2.• EDIÇÃO As tragédias humanas não acontecem nos palcos, através dos devaneios lúgubres de um Shakespeare ou de um Corneille como alhures foi dito. Ocorrem nas ruas, no interior dos lares, nas favelas, nos botequins, nos prostíbulos, nos hospitais, nos hospícios, nos presídios, no recinto das repartições policiais e nas cortes de justiça, onde eclode ou fermenta o metabolismo do crime. A rigor, as tragédias humanas são as transfugalidades malsãs, as torpitudes maléficas ou as ocorrências tintas de sangue e de dor, componentes da geração dos crimes, que os meios de comunicação de massa noticiam todos os dias. Efetivamente, não há espetáculo mais desumano e soez do que o espisódio criminal cuja pesquisa esbarra, quase sempre, no ignoto âmago da essência humana com suas cambiantes individuais, morais, biológicas, psicológicas, ambientais e sociais. Difícil examinar o delito como um ato isolado da vida de um homem, eis que se trata de fenómeno provindo de seu passado, manifesto no seu presente e condicionador de seu futuro. No crime, todo homem está presente e não apenas um momento de sua vida ou uma parte de seu ser. Isto explica por que, após mais de um século e meio de observações, estudos, teorias e escolas desta ou daquela matização, uma lição parece assentada: tanto a Criminologia quanto o Direito Penal têm de levar em conta a integral personalidade do criminoso e sua relação com o crime. Hoje, praticamente todas as legislações penais modernas consagram uma avaliação da personalidade do delinquente que, desse modo, deixou de ser uma elucubração científica para integrar o Direito Positivo. Conclui-se, portanto, que o crime é obra de um homem. A partir daí, o pena lista também passou a considerar a Antropologia, a Sociologia, a Psicologia, a Biotipologia, a Psiquiatria, a Psicanálise, a Endocrinologia, enfim, todas as ciências que contribuem para o conhecimento da personalidade. Paralelamente, os estudiosos dessas ciências passaram a pesquisar o fenômeno criminoso como manifestação das características individuais ou sociais que agem dia a dia sobre o homem. Por consequência, chegando inclusive ao materialismo jurídico de um Arturo Rocco, na Itália, e de um Ernst Mayer, na Alemanha, revigorou-se o interesse científico pelo conhecimento da etiologia do delito. Voltou a interessar ao penalista o estudo da criminalidade como fênomeno coletivo, e do crime como manifestação pessoal, envolvendo circunstâncias e sentimentos. Mesmo porque o Direito Penal e a Criminologia diferem quanto ao método, mas coincidem quanto à finalidade maior que é o embate contra o crime e a recuperação do delinquente.

22

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Importante considerar que o ato criminoso representa uma opção de natureza desviada, em relação aos padrões normais da conduta humana, porque, na verdade, todo contexto social vocaciona, ou deve vocacionar, o homem para o bem. Não obstante, num determinado momento, forças estranhas e ocultas desequilibram o trajeto rotineiro da personalidade e fazem eclodir o crime.

Tornou-se imprescindível, por conseguinte, para a fixação de diretrizes mais sólidas de uma política de saneamento social, perquirir as origens mais remotas do ato criminoso, talvez até mesmo inscritas no código genético. Desse modo, em consonância com os filósofos existencialistas, voltados à problemática criminal, não é ilusório pretender que a explicação dos fatores criminógenos, que acontecem com maior ou menor transparência, deve basear-se na compreensão das potencialidades do homem concreto. Tal propósito destina-se à percepção real, verdadeira, da existência total do ser humano. O avanço científico e tecnológico reserva novas surpresas para as quais a justiça penal deve preparar-se a tempo e visualizar com segurança as melhores sendas a trilhar. Os AmoRES

SUMÁRIO

HOMENAGEM PÓSTUMA

5

AGRADECIMENTO .................... .

7

PREFÁCIO À 3." EDIÇÀO ............................................................................ .

9

PREFÁCIO À 2.' EDIÇÃO ................................... ..

13

NOTA EXPLICATIVA À 3.' EDIÇÃO ............................................................. .

15

À GUISA DE INTRODUÇÀO À 3' EDIÇÃO

l7

À GUISA DE INTRODUÇÀO À 2.' EDIÇÃO ................................................. ..

21

1.

CRIMINOLOGIA ................................................................................... ..

35

1.1

Considerações de aspecto genérico ............................................... .

35

l.2

Considerações de aspecto específico .............................................. .

36

l.3

Conceito e definição ...................................................................... .

37

1.4

~~

38

1.5

Método ..................................................................................... .

39

1.6

Unicidade da Criminologia .................................................. .

40

CARÁTER CIENTÍFICO DA CRIMINOLOGIA ...................................... ..

43

2.

.

.

..

. ..

43

2.1

Direito Penal e Criminologia .................... .

2.2

Conceituações e divisões da Criminologia ...................................... .

44

2.3

Classificação de Luis Jimenez de Asúa ........................................... ..

47

2. 4

Ramos e atribuições da Criminologia...............................................

47

3. RELACIONAMENTO DA CRIMINOLOGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS..

53

3.1

... -~

A denominada Enciclopédia das Ciências Penais.............................

53

SUMÁRIO

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

24

25

3.2

Relação da Criminologia com o Direito Penal e Ciências afins ...

54

5.22 Síntese das teorias sociais ...................... ........................................ .

108

3.3

Criminologia e Medicina Social.. ................................................... .

55

5.23 Período de Política Criminal ....................................................... ..

109

5.24 Terza Scuola .................................................................................... . 110 VIDA HUMANA, SOCIEDADE E CRIME .......................................... ..

58

5.25 Escola Espiritualista ....................................................................... . 110

4.1

Aparecimento da vida e do homem ................................................ .

58

5.26 Escola Neoespiritualista .................................... ..

111

4.2

Sociedade e o crime ........................................................................ .

59

5.27 Escola de Política Criminal.. .......................................................... ..

111

4.3

Fato criminoso..................................................................................

61

4.4

Crime como fenômeno individual e coletivo....................................

62

6. AGRESSIVIDADE HUMANA............... ......................................................

115

4.5

Identidade do crime .................. ..

65

5. HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA ............................................................. .

66

6.1

Agressividade do homem ...................................... ........ .................

115

6.2

Natureza da agressividade humana...................................................

118

6.3

Agressividade e violência .......................... .

122

67

5.1

Período da evolução da Criminologia ........................................... ..

5.2

Período da Antiguidade aos precursores da Antropologia Criminal................................................................................................

67

7.1

Generalidades .................................. ...............................................

124

5.3

Idade Média ................................................................................... .

69

7.2

Introito genético......... ..... ...............................................................

125

5.4

Ciências ocultas .................... .......................................................... .

70

7.3

Perspectivas da genética humana .. .. .. .. .. .. .. .. .... .... .. .. .... .. .. .. .. .. ..

130

5.5

Precursores da Criminologia .......................................................... ..

72

7. 4

Reprodução................... .............................. ....................................

132

5.6

Filósofos e pensadores .................. ..

72

7.5

Considerações biotipológicas...........................................................

136

5.7

Frenologia ............................................ ..

79

7.6

5.8

Período de Antropologia Criminal ............ .

83

Tipologia morfocaracterológica de Nicola Pende e a endocrinologia.............. ............................................ ..................................... 151 Biotipologia científica de Ernst Kretschmer .................................. ..

Classificação dos criminosos de Lombroso ............................ .

87

7.7

152

5.9

87

7.8

Reparos às observações de Pende e Kretschmer ...............................

155

5.10 Críticas à teoria de Lombroso ................................................. .

92

7.9

Soma to-tipos de William Sheldon ................................. .... .............

156

5.11 Eurico Ferri e a Sociologia Criminal ............................................. .. 5.12 Classificação de criminosos de Ferri

93

CRIMINOGENIA E SUA FATORAÇÃO.............................. .......................

I 57

5.13 Raphael Garófalo ................................. .

94

8.1

Fatores sociobiológicos .................................................................. ..

157

5.14 Delitos legais e delitos naturais .................................................. .

96

8.2

Atavismo orgânico e psíquico ........................................................ .

158

Classificação de criminosos de Garófalo ...................................... ..

97

8.3

Cromossomo XYY ............................................................................ . 159

5.16 Período de Sociologia Criminal ...................................................... .

98

8.4

Cromossomas sexuais .................................................................... . 160

5.17 Augusto Comte ............................................................................ ..

99

5.18 Adolphe Quetelet......

.. ............................................ ..

99

.. .................................................. ..

102

5.15

5.19 Teorias antropossociais..

5.20 Teorias sociais propriamente ditas..........................

\:!>7. BIOTIPOLOGIA CRIMINAL.....................................................................

.. .................. . 104

5.21 Teorias socialistas ................................................................... .

106

8.

9. CRIMINOLOGIA CLÍNICA .......................................................... .

124

163

9.1

Campo de atuação .......................................................................... . 163

9.2

Genética e criminologia ................................................................. . 167

9.3

Geme!idade ................................................................................. ..

173

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

26

SUMÁRIO

9.4

Herança patológica .......................................................................... . 176

9.5

Fatores genéticos e fatores ambientais ........................................ .

9.6

Taras principais ................................................................................ . 179

9.7

Caráter e narcisismo ........................................................................ .

181

9.8

Ciclotímicos e esquizotímicos ......................................................... .

181

9.9

Personalidades psicopáticas e distúrbios da personalidade ............. . 182

177

27

11. CARACTEROLOGIA .................... . ................................................... 248 11.1 Abordagem geraL ........................................................................ . 248 11.2 Teses e conclusões caracterológicas ............................................... . 252 12. ESTRUTURALISMO PSICOLÓGICO DO DELITO .................................. . 264 12.1

Psicologia do delito ................................................... .

266

9.10 Classificação das moléstias mentais ................................................ . 189

12.2 Fases intrapsíquicas da ação delituosa ........................................... . 268

190

12.3 Fronteiras psicológica e judiciária do delito .................................. . 269

9.12 Psicoses ............................................................................................ . 193

12.4 Psicofisiologia ............................................................................... . 275

9.13

12.5 Psico fisiologia criminaL....................................................................

9.11

Neuroses .......................................................................................... .

Oligofrenias ...................................................................................... 206

276

9.14 Desvios sexuais e criminologia ............... ........................................ . 209

12.6 Secreções endócrinas . .................................................................... . 276

9.15 Tipos de transtornos sexnais . .. . . .. . ... . . .. . . ... . . .. . . ... . .. . . .. . .. . ... . . .. . . .. . . .. . ... . 211

12.7 Fatores psicológicos do ato delitivo..................................................

282

9.16 Parafilias ........................................................................................... 216

12.8 Dinâmica psicológica do ato criminoso .................. ........................

283

12.9 Personalidade e ação delituosa ...................... .......................

285

12.10 Teoria psicológica do crime: o papel da personalidade.....................

285

13. A PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE....... .................... ........................

299

10. NOTAÇÕES SOBRE O EXAME CRIMINOLÓGICO ................................ . 218 10.1 Exame criminológico propriamente dito..........................................

218

10.2 Exame morfológico..................................................................

219

10.3 Exame fnncional...............................................................................

221

13.1

Prevenção .............................. ..................... ....................................

299

10.4 Exame psicológico ......................................................................... . 223

13.2 Estimulantes e inibidores criminógenos................ .......................... 300

10.4.1 Provas de nível mentaL ...................................................... .

224

13.3 Posição de Bentham e de Ferri.......................................................... 300

10.4.2 Os traços característicos de sua personalidade.....................

224

13.4 Esforço internacional na prevenção da delinquência.......................

301

10.4.3 Grau de agressividade .......................................................... .

225

13.5 Prevenção predelitiva .............................................................. .

301

10.5 Exame psiquiátrico...........................................................................

226

10.6 Exame moraL .....

230

10.7 Exame social .................................................................................... . 232

13.5.1 Ligeira amostragem..............................................................

302

14. REINCIDÊNCIA CRIMINAL REGENERAÇÃO DOS CRIMINOSOS. PERICULOSIDADE............................................................................................. 305

10.8 Exame histórico ...................... ........................................................ . 232

14.1

10.9 Sinopse dos exames..........................................................................

232

14.2 Regeneração dos criminosos.............................................................

10.10 Enfeixamento do exame criminológico ........................................ .

233

14.3 Pericnlosidade ................................................................................ . 311

Reincidência criminal ...................................................................... . 305

307

10.11 Diagnose .......................................................................................... . 234 10.12 Prognose ......................................................................................... . 235

15. TERAPÊUTICA CRIMINAL REPRESSÃO CRIMINAL ........................... . 315

10.13 Tratamento delinqnencial ............................................................... . 238

15.1 Terapêutica criminal ........................................................................ . 315

10.14 Cessação do exame criminológico .................................................. . 242

15.2 Repressão criminaL ......................................................................... . 317

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

28

16. FATORES EXÓGENOS GERAIS E A CRIMINALIDADE ................. . 16.1 Meio circundante natural .............................................................. .

SUMÁRIO

319

18.4 Prisão ................................................................................... .

319

18.5 Raça.

16.2 Meteorologia criminal...................................................................... 319 16.3 Higiene e criminalidade ............................................................ .

324

16.4 Nutrição e criminalidade.................................................................. 325 16.5

Geografia criminal e sua fatoração....................................................

326

29 377

...........................................................................

378 18.6 Sexo .............................................................................................. . 381 18.7 Idade ...................................................................................... . 383 18.8 Ocasionalidade ............................................................................... . 388 18.9 Contágio moral ................................................................................ . 388

16.6 Sociologia criminal do meio circundante ......................................... 330

18.1 O Televisão ............................................................................... .

16.7 Teoria da etiquetagem..............................................................

18.11 Romance .......................................................................................... . 392 18.12 Cinema ............................................................................................ . 392

334

17. FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE................................................. 336 17.1 Sistema econômico ........................................................................... 336 17.2 Pobreza.............................................................................................

340

17.3 Miséria.............................................................................................. 342 17.4 Malvivência . ... . . .. . . .. . . .. . . .. . . ... ..... .. . . .... ... . . .. . . . .. . ... . . .. ........ ... . .. . . ... . .. . ... . . 344 17.5 Fome e desnutrição.......................................................................... 346 17.6 Civilização, cultura, educação, escola e analfabetismo.....................

347

17.7 Casa .................................................................................................. 350 17.8 Rua .................................................................................................. . 352

391

18.13 Rádio ................................................................................................ . 393 18.14 Revistas e jornais ........................................................................... . 393 18.15 Teatro ............................................................................................... . 393 18.16 Jogo .................................................................................................. . 394 18.17 Religião ........................................................................................... . 395 18 . 18 p rostitUiçao . . - ...................................................................................... . 396 18.19 Internet .................................. . ..................................................... 404 19. GEOPOLÍTICA DO CRIME ................................................................... . 406

17.9 Desemprego e subemprego ............................................................... 352 I 7.1 O Profissão ........................................................................................ . 354 17.11 Guerra .............................................................................................. 354 17.12 Industrialização ............................................................................. . 356

20. POLÍTICA CRIMINAL. MODIFICADORES DA CAPACIDADE DE IMPUTAÇÃO ....................................................................................................... 408 20.1

Política Criminal .............................................................................. 408

20.2 Modificadores da capacidade de imputação......................................

410

17.13 Urbanização e densidade demográfica............................................. 356 17.14 Migração e imigração ....................................................................... 359 17.15 Política ........................................................................................... . 362

21. IDEOLOGIA CRIMINAL ..... ······································································· 413 21.1 Valoração social................................................................................ 413

17.16 Devastação do meio ambiente e dos ecossistemas........................... 364

21.2 Estímulo-resposta ......................... .

17.17 Sistema prisional............................................................................... 3 70

21.3

18. CAUSAS INSTITUCIONAIS DE CRIMINALIDADE................................... 374 18.1

Polícia ............................................................................................. . 374

18.2 Justiça ............................................................................................. . 375 18.2.1 Ajustiça e a noção do justo..................................................

413

Estímulo ideológico.......................................................................... 414

21.4 Meios de comunicação de massa . . .. . . . .. . . .. . . . .. . ... . .. . . .. . . .. . . . ... .. . . . .. . .. . . . ..

414

-21.5

416

Televisão.................. ........................................ ..........................

22. POLÍCIA E IMPRENSA NA PROFILAXIA DO CRIME .............................. 417

376

22.1

Digressões gerais............................................................................... 417

18.3 Anomia ............................................................................................ . .377

22.2

Polícia e a profilaxia criminal ........................................................... 418

SUMÁRIO

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

30 22.3

Imprensa e a profilaxia criminal.......................................................

419

26.4 Pensamento radical dejuary Cirino dos Santos........................... ... 493 26.5

23. ATOS ANTISSOCIAIS DOS MENORES...................................................... 424 23.1

Realidade factual...............................................................................

Estatuto da Criança e do Adolescente ............................................. . 431

23.4 Algumas considerações sobre o menorismo ..................................... 432 23.5

Considerações finais.........................................................................

Posição de Roberto Lyra Filho.. ....................... ............................... 494

26.6 Teses da Criminologia dialética ou crítica .............................. .

495

27. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMINOSOS.......................................................

497

424

23.2 Posição do Estado ............................................................................. 426 23.3

31

4 35

27.1

497

27.2 Classificações de outros autores mencionadas na obra de Hilário Veiga de Carvalho . . .. . . ... . .. . . .. . . . .. . ... . ... . ... . . .. . . .. . . ... . ... . ... . . .. . ... . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . ... 503 27.3

24. MICRO E MACROCRIMINALIDADE. CRIME DE COLARINHO BRANCO. CRIME ORGANIZADO ............................................................................ . 439

Considerações gerais e considerações de Hilário Veiga de Carvalho

Classificação de criminosos de Hilário Veiga de Carvalho................

522

27.4 Classificação de criminosos de Newton Fernandes e Valter Fernan~

..................................................................... 5n

24.1

Microcriminalidade ......................................................................... . 439

24.2

Crime de colarinho branco .......... .

24.3

Apreciação legal................................................................................

24.4

Crime organizado.......... ................. ................................................ 444

24.5

Terrorismo. Ação de grupos radicais................................................. 471

27.8 Classificação atual de criminosos de Newton Fernandes e Valter Fernandes.............................................................................................. 544

25. VITIMOLOGIA ........................................................................................... 479

27.9 Novamente a classificação proposta por NewtOn Fernandes e Valter Fernandes. .. .. . . . .. . . .. . . .. . . ... . .. . . . .. . . .. . . ... . .. . . . .. . . .. . .. . . . .. . .. . . . .. . . .. . . .. . . . .. ... . . . 549

25.1

27.5

Paixões..............................................................................................

529

440

27.6 Crime dos apaixonados....................................................................

531

442

27.7

Criminoso situacional...................................................................... 537

Histórico ........................................................................................... 479

27.10 Delinquência virtual. ....................................................................... 552

25.2 Noção e alcance da Vitimologia ........................................................ 480

27.11 Pedofilia............................................................................................ 555

Dupla criminoso-vítima ................................................................... . 482

27.12 Pirataria fonográfica ....................................................................... . 557

25.3

25.4 Vítimas autênticas............................................................................ 25.5

483

Concepção de Benjamin Mendelsohn............................................... 484

25.6 Tipos de vítima e sua classificação.................................................... 484 25.7 Vitimologia radical ........................................................................... 486 25.8

Compensação à vítima do dano decorrente do delito.......................

486

25.9

Classificação vitimológica de Hans Von Hentig........................

489

25.10 Arremate ........................................................................................... 490

28. PENOLOGIA ............................................................................................. . 559 28.1

A pena através dos tempos................................................................

559

28.2 A pena segundo as escolas penais..................................................... 561 28.3

Pena e Penologia............................................................................... 564

28.4 Pena privativa de liberdade............................................................... 565 28.5 Sistemas penitenciários..................................................................... 569 28.6 Sugestões à situação prisional........................................................... 570

26. CRIMINOLOGIA DIALÉTICA OU CRÍTICA............................................

491

28.7 Medida de segurança........................................................................ 572

26.1

Considerações gerais . . .. . . .. . . .. . . .. . . .. . . . .. . . .. . . . .. . .. . . .. . . .. . .. . . . ... . .. . . .. . . .. . .. . . .. 491

28.8 Pena de morte...................................................................................

574

26.2

Criminologia fenomenológica..........................................................

28.9 A pena de morte segundo Newton Fernandes..................................

580

26.3

Criminologia dialética ou crítica, suas outras denominações e conceitos................................................................................................. 492

492

28.10 A pena de morte segundo Valter Fernandes...................................... 581 28.11 Eutanásia..........................................................................................

588

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

32

SUMÁRIO

28.12 Aborto ............................................................................................. . 591 28.13 Suicídio ......... . 29. TOXICOMANIAS ......................................................................... . 29.1

596

Conceito e abordagem genérica ...................................................... . 596

29.2 Regressão histórica............................................................ .............. 29.3

593

597

Farmacodependência........................................................................ 598

29.4 Aspectos farmacológicos e enfoque descritivo das drogas.

600

29.5

Apreciação das variegadas toxicomanias..........................................

602

29.6 Prevenção e combate ao uso de drogas.............................................

621

29.7 Diagnóstico, prognóstico e tratamento das toxicomanias ................ 622 29.8 Presença de fármacos nos humores orgânicos.................................. 623 29.9 Consumo e produção mundial de drogas.........................................

33.1 Abordagem inicial ............................ .

670

33.2 Inglaterra ................................ ..

671

33.3 Estados Unidos...

674

.. ........................ .

33.4 Colômbia ..................... .

677

33.5 Brasil

678

33.6 Rússia .............. .......................................... .

683

33.7 Grécia ....................................... ............................................ .

683

33.9 Paquistão ............................................... ..

684

33.10 França ...................................... ..

684

33 .ll Ponderação derradeira ................................ .

688

34. CRIMINALIDADE FEMININA .......................... ..

690

35. LEI BRASILEIRA DOS CRIMES HEDIONDOS ........

692

624

29.1 O Droga e criminalidade.............. .... .. .. .. .. .. .... .. .. .... .... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .... 627 29.11 Alcoolismo ...................................................................................... .

33

627

36. ESTATUTO BRASILEIRO DO DESARMAMENTO .................................... . 696

29.12 A polêmica da liberalização da maconha ........................................ . 632 29.13 Drogas com outra rotulação ............................................................ .

634

29.14 Carta de um viciado terminal ao genitor ........................................ .. 635

37. LAVAGEM DE DINHEIRO ....................................................................... ..

702

38. CLONAGEM HUMANA ........................................................................... . 707

29.25 Complementação ............................................................................. . 636 30. GLOBALIZAÇÃO E CRIME........................................................................ 640 31. DESAJUSTADOS SOCIAIS.......................................................................... 645 31.1

Exposição geral ............................................................................... . 645

31.2 Malvivência ...................................................................................... 646 31.3 Prostituição por profissão

647

31.4

649

Egressos das prisões.........................................................................

31.4 Egressos dos manicômios judiciários .. .... .. .... .. .. .... .. .... .. .. .... .. .. .. .. .... . 653 31.5 Liberados dos internatos para infratores .. .... .... .... ...... .. .. .. .. .. .... .... .. .. 656 31.6 Homossexualismo.

661

32. DEFESA SOCIAL ...................................................................................... . 665 33. HOMICIDAS SERIAIS ............................................................................... . 670

39. CRIMINOLOGIA INTEGRADA E ÚNICA. ENFOCAÇÃO FINAL.

717

39.1 Criminologia Integrada e única.................................................

717

39.2 Enfocação final .............................. ..................................................

732

BIBLIOGRAFIA ................................................. .

743

1

CRIMINOLOGIA SuMARIO: l.l Considerações de aspecto genérico - 1.2 Considerações de aspecto específico- 1.3 Conceito e definição- 1.4 Objeto- 1.5 Método- 1.6 Unicidade da Criminologia.

1.1 Considerações de aspecto genérico É bíblico o ensinamento de que Deus criou o homem à sua semelhança e que, ao colocá-lo no jardim do Éden, fez-lhe esta advertência: "De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal não comerás, porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás".

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I I• I I

Houve a desobediência posterior e, por sua cobiça, o homem foi condenado a conhecer o bem e o mal. '$:

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A conduta do homem em uma ou outra direção, ou seja, caminhando rumo ao bem ou trilhando a estrada do mal, por si só determina a existência de diferenças fundamentais na forma de viver humano. É inerente à homogênese, portanto, a desigualdade do comportamento social dos indivíduos, fato que o entendimento mais elementar permite estabelecer com absoluta certeza. A noção de igualdade humana é comprovadamente inexistente, tornando-se radicalmente falso qualquer argumento em sentido oposto. O próprio conceito da existência de uma consciência social não lhe retira o aspecto de somatório de consciências individuais correndo no mesmo sentido, mas buscando, muitas vezes, objetivos e ideais distintos, pois, ainda assim, o homem, em sua realidade coletiva ou individual, continuará a incluir dentro de si a totalidade das leis que regem o mundo. Por sua avidez, veio o homem, então, a sentir na carne a dor do mal e o prazer do bem, que até hoje pretende vivenciar de forma hedonística, isto é, com o máximo de prazer e o mínimo de dor.

Contudo, por seus equívocos ou por suas escondidas misérias, o homem se desinteressou de outro importante mandamento divino: o de "amar ao próximo como a.si mesmo". E, por fazer tá bula rasa desse preceito, igualmente cristão, o homem, admitidas as exceções, tem sua personalidade forjada no individualismo exacerbado e no egoísmo, sendo esta a principal raiz e origem da imensa maioria dos males que

36

CRIMINOlOGIA INTEGRADA

CRIMINOlÇlGIA

assaltam e afligem a vida humana. Dizia Honório Armond que "não há pecado que mais alto brade que o vil egoísmo sórdido e vilão".

Para que o crime venha a eclodir é indispensável que ocorra uma intenção ou um ato humano, ainda que abúlico. Por isso, a par do fenômeno em si da criminalidade, o estudo do comportamento humano deve ser norma basilar da Criminologia, pois, sendo o homem o agente do ato delituoso, é principalmente sobre ele que devem ser concentradas as pesquisas mais relevantes, já que sobre seus ombros atuam múltiplas causas, muitas delas desconhecidas até a ocorrência elo crime, mas com acentuado peso na caracterização da origem do fato e do caráter ou da verdadeira natureza da vontade do criminoso.

Entregue a todos os seus temores, suas reticências e suas fraquezas, o homen1 é sempre chamado, na correnteza da vida, a decidir entre o bem e o n1al em meio

às tentações da ambição, do poder, do "ter" em vez do "ser". Concomitantemente, estará ele respirando os ares da ira, da inveja, do orgulho, da vaidade, da prepotência e das paixões desenfreadamente destruidoras, tudo a emaranhá-lo na possibilidade, sempre presente, do retrocesso moral e espiritual e na própria queda no abismo da criminalidade. Ora, a criminalidade é considerada como um fato normal da vida em sociedade, justamente porque a vida grupal, a existência comunitária, não implica que cada indivíduo não possa se conduzir de acordo com seus desígnios e, não raro, isso acarreta divergências e choques interpessoais; e se esses desacordos não são contornados pelas vias da conciliação ou do ajuste, só restará a alternativa do conflito propriamente dito, e este, quando não resolvido de forma legal, fatalmente redundará em confronto, em diferentes tipos de agressão, sucedendo que muitos deles vão desembocar na senda do crime. Apesar de a criminalidade ser reputada como um fenômeno social normal, da mesma forma não é analisada a figura do criminoso, considerado "u1n fenômeno anormal", na expressão de Israel Drapkin Senderey Difícil assimilar o entendimento do insigne criminólogo chileno, pois, se aceita a criminalidade como um processo social normal, por que o ato do criminoso deve ser entendido como um fenômeno anormal? A não ser que Drapkin queira dizer que a ação criminosa do indivíduo está a indicar uma anormalidade de conduta. Pois, incontestavelmente, a prática de crime não pode significar um comportamento normal do homem. Mas, assim não sendo, tanto a criminalidade quanto o indivíduo que a exercita estariam jungidos a um mesmo contexto conceituai! Na verdade, as peculiaridades do fenômeno da delinquência não podem se apartar de seu agente desencadeador, intrinsecamente a ela ligado. Outra não é a razão da Criminologia ter por escopo o estudo do fenômeno criminal, suas causas geradoras e o conhecilnento completo dos seres hu1nanos que exercem um papel no palco cênico do delito, ou seja, a pessoa do criminoso e, por que não dizer, a pessoa da própria vítima. 1.2 Considerações de aspecto específico Interessa-se especificamente a Criminologia em pôr a claro tudo que contribui ou concorre para a existência da criminalidade. Grosso modo, pode-se asseverar que,

dada a sua condição de fenômeno social, a criminalidade, na sua verificação, não passa de uma resultante de anseios contrários que entraram em conflito, tal qual síntese dialética que tem por princípio básico uma situação de causa e efeito. '

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Ao longo do tempo a Criminologia tem sido subdividida em segmentos que compreendem a Biologia Criminal, a Sociologia Criminal, a Psicologia Criminal, a Endocrinologia Criminal etc. De entender que tais repartimentos só se prestam ao aspecto didático-pedagógico de seu ensinamento, visto que o ideal, como ressalta Vassalli, é a fusão de todas essas partes em uma só, daí advindo uma única Criminologia, forte, pujante e definitiva em sua própria nomenclatura e no seu conteúdo doutrinário. Isto colocaria por terra, definitivamente, a intenção dos partidários de um ou outro segmento da Criminologia, que pretendem que os componentes criminológicos de suas respectivas áreas sejam os mais importantes para o conhecimento ou domínio da matéria. Indiscutível que o sentido específico que se deva dar à Criminologia é considerála como o produto final do conjunto de conhecimentos que devem ser hauridos de todos os seus segmentos, no árduo propósito de oferecer, de modo coeso e unificado, os elementos científicos e todas as estratégias de que possam dispor seus estudiosos no afã de demonstrar que seus mais arrojados postulados podem ser transformados em verdades palpáveis, aptas a informar como e por que nasce, desenvolve-se e se consuma a ação criminosa, e também quais as medidas, formas ou meios de concretizar a sua profilaxia, ou como se lhe efetivar a terapêutica. 1.3 Conceito e definição Alguns autores consideram que conceito e definição significam a mesma coisa. Discordando, outros acham que o conceito exprime somente uma ideia geral da coisa, levando em conta, principalmente, as características globais do que se vai conceituar, e defendem, por outro lado, que a definição, ou ato de definir, exprime a determinação exata, ou seja, que as expressões definidas implicam a explicação precisa sobre alguma coisa ou objeto. Dizendo-se, por exemplo, que a Criminologia estuda a criminalidade, pura e simplesmente estar-se-ia conceituando a Criminologia, sem perder de vista, do seu contorno conceitual, que, para que ocorra a criminalidade, imperioso que existam o crime e o criminoso, já que estes seriam integrantes intrínsecos do termo criminalidade. Aliás, ainda sob a forma de conceito, poder-se-ia invocar o significado etimológico do vocábulo criminologia, a saber, originário do latim crimino (crime) e do grego logos (tratado ou estudo). Em resumo: a Criminologia seria o tratado do

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crime, o que, em consonância com o raciocínio até aqui desenvolvido, não passaria de um conceito de Criminologia.

causal-explicativa, como enfatiza Orlando Soares, que, dada a sua natureza, tem por objeto a incumbência de não só se preocupar com o crime, mas também de conhecer o criminoso, montando esquen1as de combate à criminalidade, desenvolvendo meios preventivos e formulando empenhos terapêuticos para cuidar dos delinquentes a fim de que eles não venham a reincidir.

Como explicação mais precisa, mais exata, mais completa de Criminologia, de invocar a definição que lhe empresta Edwin H. Sutherland: "Criminologia é um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente, sua conduta delituosa e a maneira de ressocializá-lo". Pode-se elencar inúmeras outras definiçôes de Criminologia, pois sendo ela uma matéria praticamente nascente, como diria Roberto Lyra Filho, encontra-se ainda em estado de ebulição, e, por isso, ainda não tem assento sólido junto às demais ciências. De lembrar, todavia, a definição que lhe confere o grande jurista Nelson Hungria: "É o estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a etiologia e tentar a sua debelação por meios preventivos ou curativos". Evidente que se poderia enumerar diversos outros conceitos e definiçôes de Criminologia que foram formulados por vários autores. Estranha-se, porém, que nenhum deles tenha se preocupado em dizer que a Criminologia também trata da vítima, através do capítulo denominado Vitimologia, voltado exclusivamente para o estudo da vítima do crime. Em virtude disso, cuidou-se, aqui, de procurar formular uma definição própria de Criminologia, na qual se buscou, por meta maior, o objetivo de inserir todos os elementos caracterizadores de sua forma de atuação. Eis a definição que agora se oferece à crítica dos doutos:- "Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do delinquente, e os meios labor-terapêuticos ou pedagógicos de reintegrá-lo ao grupamento social". Pretende-se, com essa definição, mostrar que o campo de atuação da Criminologia é mais abrangente, fato que deve ficar consignado a partir da própria definição da Criminologia, inclusive por ser mais consentãneo com a amplitude que ela dispensa aos assuntos de que trata. 1.4 Objeto Segundo Rickert, citado por Drapkin, toda ciência deve ter um objeto, um método e uma finalidade. Para os que não consideram a Criminologia uma ciência, esta carece de objeto, porquanto estuda o delito, que pertence ao Direito PenaL Sabe-se, contudo, que embora o Direito Penal e a Criminologia estudem o crime, o enfoque dado por um e por outra, relativamente ao delito, é diferente, pois o Direito Penal, sendo urna ciência normativa, tem por objeto o crime como regra anormal de conduta, contra o qual estabelece o gravame, o castigo, a punição. O Direito Penal é, por assim dizer, a ciência de repressão social ao crime, através de regras punitivas que ele mesmo elabora. O seu objeto, portanto, é o crime como um ente jurídico, e como tal passível de suas sançôes. A Criminologia é uma ciência

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Assim, no que se refere ao crime, a Criminologia tem toda uma inequívoca atividade de verificação, de análise da conduta antissocial, de pesquisa das causas geradoras do delito e do efetivo estudo e tratamento do criminoso na expectativa de que ele não se torne recidivista, quando os seus métodos profiláticos não impediram a ocorrência da criminalidade.

Exato afirmar, então, que o Direito Penal e a Criminologia trabalham em cima da mesma matéria-prima, mas a forma de operação, de elaboração do trabalho, é bem diferenciada, o que torna legítimo concluir que o objeto de uma ciência não é o mesmo da outra. 1.5 Método Em seu livro Criminologia biológica, sociológica e mesológica, ensina Vitorino Prata Castelo Branco: "Em geral, método é o meio empregado pelo qual o pensamento hu1nano procura encontrar a explicação de um fato, seja referente à natureza, ou ao homem ou à sociedade". E prossegue: "Só o método científico, isto é, sistematizado, por observaçóes e experiências, comparadas e repetidas, pode alcançar a realidade procurada pelos pesquisadores". Diz ainda Vitorino Prata: "O campo das pesquisas será, na Crin1inologia, o fenô1neno do crin1e como ação hun1ana, abrangendo as forças biológicas, sociológicas e mesológicas que o induziram ao comportamento reprovável etc.". Analisando-se, ainda que perfunctoriamente, as palavras do gabaritado criminólogo Vitorino Prata Castelo Branco, deflui, de pronto, o entendimento que método é um trabalho de reflexão humana, que procura explicação para uma determinada situação real e que ele só é confiável quando cientificamente sistematizado e, além disso, que em tennos de pesquisas criminológicas dois seriam os métodos utilizados: o biológico e o sociológico. De fato, quando o referido autor fala em forças sociológicas e mesológicas, no fundo significam a mesma coisa, ou seja, algo ligado ao meio a1nbiente, ao 1neio social. E com vistas a esses dois métodos de que se utiliza a Criminologia é que se insurgem aqueles que não querem considerá-la como ciência, pois defendem a tese de que a existência de um só método é uma das características a dar a um conjunto ele conhecimentos o caráter de ciência, além de dever possuir um objeto específico a ter aplicação universal, o que não aconteceria, neste último caso, com a Criminologia, pois o que num país é considerado, em termos criminológicos, como verdade irrecusável, noutro não o é, a ponto de existirem as chamadas Criminologia nórdica, europeia, americana etc., que guardariam aspectos diferentes entre si.

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Abordando o assunto em sua obra Manual de Criminologia, argumenta com bastante verticalidade Israel Drapkin dizendo, inicialmente, que a Criminologia efetivamente usa os métodos biológico e sociológico e exemplifica: "Se a Biologia é

fortemente armados, tem trazido profunda apreensão e mesmo angustiante temor à coletividade.

uma ciência, não há razão para que não o seja a Criminologia, que usa o seu método".

E acresce: "A Criminologia usa o método experimental, naturalístico, indutivo, para o estudo do delinquente, o que não basta para conhecer as causas da criminalidade. Por isso recorre aos métodos estatísticos, históricos e sociológicos". E conclui: "Usa, a Criminologia, dois métodos distintos, mas auxiliada por duas ciências: A Biologia e a Sociologia". Em síntese, faz-se mister esclarecer que a Criminologia não é um campo de conhecimento empírico, que vive a carecer de método científico para comprovação de suas pesquisas e experimentos. Ao contrário, em vez de um, a Criminologia possui dois métodos de trabalho: o biológico e o sociológico. E, como não poderia deixar de ser a uma disciplina que estuda o crime como um fato biopsicossocial e o criminoso, a Criminologia não fica adstrita a um só terreno científico, porque este não teria, por si só, o condão de conseguir explicar o fenômeno delinquencial e a vasta caudal de causas delituógenas, entre elas aquelas de natureza social, biológica, psicológica, psiquiátrica etc. Quanto à condição de não universalidade da Criminologia, para ser considerada como ciência, de recordar que, em Congresso Internacional de Criminologia realizado há menos de 20 anos em Belgrado, no país então chamado Iugoslávia, consensuou-se o seguinte: "A delinquência é um fenómeno social complexo que tem suas leis próprias e que aparece num meio sociocultural determinado, não podendo ser tratada com regras gerais, mas particulares a cada região". Diante dessa conclusão a que chegaram mais de 700 criminólogos, representando cerca de meia centena de países no Congresso Internacional antes mencionado, de aceitar ser inteiramente desnecessário o requisito da aplicação universal para erigir a Criminologia à categoria de ciência. A esse respeito, aliás, é oportuno citar ainda uma vez Vitorino Prata, que, reconhecendo a condição de ciência da Criminologia, sublinha: "Embora o homem seja o mesmo em qualquer parte do mundo, os crimes têm características diferentes em cada continente, devido à cultura e à história própria de cada um. Há, pois, uma criminologia brasileira, como uma criminologia chinesa, uma criminologia iugoslava, enfim, uma criminologia própria de cada raça ou nacionalidade".

1.6 Unicidade da Criminologia Consubstanciada em a tos de extrema violência e de inusitada agressão e desafio ao meio social, a escalada da criminalidade, nos dias atuais, especialmente no que concerne à reiterada prática de sequestros, de roubos com vítimas fatais, de estupros com morte, de tráfico de drogas atribuído a bandos altamente organizados e

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Se1n sombra de dúvida, o ascensional novelesco dos índices de crimes é uma das grandes vicissitudes da vida moderna. É a dor e o infortúnio enlutando famílias, que atingem ao paroxismo do desespero, conforme estampam os mais diversos meios massivos de comunicação.

Na realidade, progressivamente se agigantam, no mundo todo praticamente, a insegurança, o desassossego, o medo e o próprio terror, resultantes de atos criminosos sádicos e cruéis, cotidiana e permanentemente perpetrados. Decorrendo o crime, sob o ponto de vista biopsicossociológico, de desajustamentos originados da inorganização societária e1n todos os seus estamentos, é imperioso que se inicie uma cruzada, dentro e fora do Brasil, que objetive a formação e especialização do maior número possível de profissionais que se interessem pelo estudo, pela pesquisa criminológica, para que, dentro de um período razoavelmente curto, seja possível aumentar o heroico exército daqueles que lutam nas trincheiras de enfrentamento global elo delito. Nessa premissa, pensa-se nas vantagens que ofereceria, de início, a unificação de todas as ramificações da Criminologia, através, principalmente, das suas duas correntes mais fortes, a Criminologia Clínica e a Criminologia Sociológica, em um único tronco, com sua transformação num só corpo, que seria o da Criminologia Integral, biopsicossociológica, se assim pode ser classificada, abarcando monoliticamente nesse único corpo todas as tendências, facções, ramos e correntes criminológicas, e que seu ensino fosse matéria curricular obrigatória das Faculdades de Direito, Medicina, Sociologia, Psicologia, Pedagogia e Ciências Sociais, pois, assim, ter-se-ia uma gama significativa de cultores da nove! ciência, cultores cabalmente aptos a sacarem suas espadas no esgrimir contra o crime em geral, colaborando efetivamente, assim, com o Poder Público na montagem de uma Política Criminal que proficientemente atenda à prevenção e à repressão à criminalidade. É impreterível que se coloque um paradeiro nas tentativas de "medicinização" e "sociologização" da Criminologia, mes1no porque é intento inconsistente e descabido pretender resolver a equação crime-criminoso através de uma única ciência, a Medicina ou a Sociologia, ou de ambas, acrescidas dos demais ramos científicos que lhes são especificamente correlatas. Nesse desfecho, a Criminologia teria "perdido o bonde e a esperança", na adaptação da frase do excelso poeta patrício Carlos Drummond de Andrade.

O estudo da Criminologia, a rigor, não deve e não pode conhecer os limites divisórios, as fronteiras existentes entre as ciências que lhe dão embasamento e sustentáculo. Atuando em faixa própria, as ciências que subsidiam a Criminologia se interrelacionam, interpenetram-se, interagem e se completam, e é desse contexto globa-

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lizado que se beneficia a Criminologia, sem que isto lhe retire o caráter de ciência com objeto e métodos próprios. Inclusive, quiçá seja permissível, entre nós, a curto ou médio prazo, pensar em um curso de graduação em Criminologia, com a consequente criação do cargo de perito-criminólogo, o que indubitavelmente traria enormes vantagens aos órgãos da Segurança Pública e da justiça. Se existe o perito-criminalístico, que pesquisa o local do crime e as provas indiciárias ali deixadas no iter do seu cometimento, por que não se cuidar da formação do perito-criminólogo, que ficaria responsável pelo exame do homem-criminal? Não são duas faces da mesma moeda?

2 CARÁTER CIENTÍFICO DA CRIMINOLOGIA SuMARIO: 2.1 Direito Penal e Criminologia- 2.2 Conceituaç6es e divisões da Criminologia- 2.3 Classificação de LuisJimenez de Asúa- 2.4 Ramos e atribuições da Criminologia.

2.1 Direito Penal e Criminologia

Como é pacífico, o Direito Penal e a Criminologia são disciplinas distintas. O Direito Penal é um convênio fixado pelos legisladores para defender a sociedade dos comportamentos típicos e desviantes. A Criminologia busca o delito e o Direito Penal, sem dúvida alguma, nada tem a ver com isso. O objeto do Direito Penal é a culpabilidade lato sensu. O objeto da Criminologia é o estudo da periculosidade, tendo por meta a pesquisa teórica da etiologia do crime. Sendo ciência normativa, valorativa e finalista, o Direito Penal é fundamentalmente abstrato, preocupando-se tão somente com a coibição do delito como fenómeno individual ou coletivo, nenhuma contribuição ofertando no campo da prevenção criminal. De fato, diante do delito como fenômeno social, o Direito Penal, repressivo que é, exaure suas possibilidades sem alcançar um solucionamento satisfatório para o problema criminal. Para o Direito Penal tudo se finda com a aplicação e a execução da pena. Ele não vai além. Ditada a pena e providenciada sua execução, não mais interessa ao Direito Penal o homem que delinquiu, salvo se reincidir. Talvez por isso, em seu livro Criminologia, Orlando Soares, criminólogo pátrio de amplo acatamento, rotula o Direito Penal de "ciência abstrata e inócua, que nada tem podido realizar no campo da prevenção do crime e do tratamento do criminoso, porque, em verdade, só cuida do problema da repressão do delito". Daí a necessidade de outras ciências virem em auxílio do Direito Penal para lhe assegurar a própria existência. Seria inescondível utopia almejar o equacionamento do problema crime-criminoso apenas através do Direito Penal, sem a colaboração da Criminologia, da Psiquiatria, da Medicina Legal, da Psicologia e da Sociologia, só para enun1erar algumas ciências. Portanto, em face da inópia do Direito Penal, outras ciências saem em seu socorro, e entre elas a Criminologia com a matização de verdadeira "filosofia do crime e do criminoso", mas tendo como valores primaciais a criminalidade e a sociedade. Demais, o ponto final da Criminologia não se resume no crime e no

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criininoso: ele transcende esse binômio, voltando-se para o sociologistno da delinquência em geral.

Criminologia é "a ciência do crilne cmno acontecimento material da vida real". Ernest

2.2 Conceituações e divisões da Criminologia O vocábulo "criminologia", cuja significação etimológica é "tratado do crime", teria sido usado pela primeira vez em 1885 por Rafael Garófalo, época em que o objeto e o método da disciplina já haviam merecido a atenção de Cesare Lombroso e Eurico Ferri. Entendia, Ferri, que, com o surgimento da Criminologia, o Direito Penal ter-se-ia tornado inóxio e meramente acadêmico, disto discordando Arturo Rocco, assinalando que o Direito Penal é inquestionavelmente uma ciência abrangente na medida em que seu objeto fique limitado ao Direito Positivo. Ainda alusivamente ao termo "criminologia" que Garófalo utilizou para designar a "ciência do crime", Adrian William Bonger alega que ele, já anteriormente ao mestre de Turim, teria sido empregado pelo antropologista francês P. Topinard. Em sentido lato, a Criminologia vem a ser a pesquisa científica do fenômeno criminal, das suas causas e características, da sua prevenção e do controle de sua incidência. Sucedendo, no entanto, que os criminólogos, geralmente, trazem sua experiência do estudo de outros se tores científicos aos quais acrescem considerações de ordem pessoal, a Criminologia, como não poderia deixar de ser, não é definida de maneira uniforme, sendo diversificadas suas conceituações. Eruditamente, quase deixando transparecer seu entusiasmo pela disciplina, Nelson Hungria diz que a Criminologia é o "estudo experimental do fenômeno do crime, para pesquisar-lhe a etiologia e tentar sua debelação por meios preventivos". Jean Pinatel define a Criminologia como "a ciência que tem por objeto fundamental coordenar, confrontar e comparar os resultados obtidos pelas ciências criminológicas para lograr uma síntese sistemática". Jean Merquiset entende que a Criminologia é "o estudo do crime como fenômeno social e individual de suas causas e de sua prevenção". Kinberg diz que a Criminologia é "a ciência que tem por objeto não somente· o fenômeno natural da prática do crime, como também o fenômeno da luta contra o crime". Martin Wolfgang pondera que o termo Criminologia deve ser empregado para designar o corpo de conhecimento científico sobre o crime. Para Edwin Suthcrland, a Criminologia ainda não é uma ciência, mas sê-lo-à futuramente. Sellin sustenta ser impossível transformar a Criminologia em ciência, a não ser que esta tenha seu conceito cotnprimido. Perdura, do expendido, que são variegadíssimos e mesmo antagónicos os conceitos e definições sobre a Criminologia. Por isso que nem sempre se reconhece seu caráter de ciência autónoma. Hans Gross, por exemplo, acha que a Criminologia

não passa de mera teoria geral do crime como fenômeno. Para Edmund Mezger, a Seelig conceitua a Criminologia como "a teoria dos fenômenos reais da prática de crimes e da luta contra o crime". Já Edwin Frey posiciona a Criminologia como "a teoria dos fatos do criminoso". O criminólogo austríaco Roland Grassberger define a Criminologia como "o sistema das ciências auxiliares do Direito Penal sobre as causas, prova e prevenção do crime". Enrique Cury, penalista chileno, conceitua a Criminologia como "a ciência causal-explicativa do delito". É sabido que toda ciência se caracteriza pela existência de método e objeto. É

o objeto, em suma, que distingue as ciências. Método é o fim que conduz ao conhecimento ou à verdade científica. Existe uma profunda ligação entre a natureza do objeto e a do método, o que gera uma condição de dependência entre uma e outra que vai refletir no próprio significado da ciência. Inclusive porque o conhecimento não existe sem o objeto. Ora, tendo como objeto a dimensão naturalística do fato criminoso e, corno método, a observação e experimentação de casos particulares na busca de uma verdade global, a Criminologia, na realidade, é ciência empírica do crime e notadamente de sua gênese, o que justifica sua estuante colaboração com o Direito Penal que procura enveredar, cada vez mais, na essência e causação do delito e na personalidade do delinquente. Não obstante, enquanto o Direito Penal não deixa de ser ciência de repressão social contra o delito através de regras jurídicas coibitórias cuja transgressão ünplica sanções, a Criminologia é ciência causal~ explicativa, essencialmente profilática, visando o oferecimento de estratégias, por intermédio de modelos operacionais, de molde a minimizar os fatores estimulantes da criminalidade, bem como o emprego de táticas estribadas em fatores inibidores do conjunto de crimes. Destarte, malgrado alguns lhe neguem o caráter científico, aflora pacífico que a Criminologia é ciência. Ciência que aborda o acontecimento delitivo nos seus aspectos individual e antissocial e na sua causação, inclusive destacando seus provocativas no intento de atenuar a incidência delituosa. Contudo, havendo conflitância de opiniões acerca do conceito de Criminologia, evidente que tais arestas obrigatoriamente estender-se-ao às subdisciplinas criminológicas que, não raro, são confundidas com a própria Criminologia, como é o caso da Antropologia Criminal e da Biologia Criminal, cujos conceitos são símiles. Em sinopse, pode-se definir a Criminologia como a ciência que, impregnada sempre de sentido profilático, procura compreender os processos físicos, biológicos, psicológicos e sociais que envolvem a pessoa do delinquente e a evolução do crime. Para muitos, aliás, a Criminologia é considerada uma ciência que até abarca

todas as disciplinas criminais. Ela seria uma constelação criminológica invadindo, por decorrência, o campo de atuação de outras ciências criminais. Mas nem por isso ela deixaria de ser uma "ciência de síntese", eis que sua estrutura científica é consti-

tuída pelas contribuições de ciências como a Biologia, a Antropologia, a Sociologia,

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a Psicanálise e a Psicologia, quando tais disciplinas estão concentradas no estudo do homem. Por essa razão alguns estudiosos, como Orlando Soares, por exemplo, dividem a Criminologia em três partes: Sociologia Criminal, Antropologia Criminal e Política Criminal. A Sociologia Criminal estudando as causas da criminalidade e da periculosidade que a propicia, a par de estabelecer a ação ou omissão coadjuvantes das concausas naturais. A Antropologia Criminal perquirindo a ação, ou omissão, adjutória das concausas internas da criminalidade e da periculosidade que a estimula. A Política Criminal representando o liame entre a Criminologia e o Direito Penal, sendo por sua intervenção que a Criminologia passará do plano científico e pedagógico para o técnico e o administrativo.

sistematizariam os dados dos centros de observação das clínicas de conduta e dos anexos psiquiátricos. Adverte Pinatel que, sem o concurso dos centros de clínica criminológica, a Criminologia terá de se restringir a um simples compacto de ciên-

Inquestionável que, a um só tempo, a Criminologia é ciência natural e ciência cultural: enquanto procura revelar uniformidades e leis gerais, concomitantemente trata da observação e classificação sistemática, nos casos individuais, do comportamento humano.

Com lucidez, Gunther Kaiser consigna que a Criminologia é uma ciência complexa, voltada para o conhecimento experimental-científico do delito e da luta contra ele, além de buscar o controle da conduta social desviada. Para Gunther, a Criminologia visa a aplicação das ciências humanas e sociais na contenção e reeducação do indivíduo antissocial e na prevenção da criminalidade. Sumarizando: a concepção dominante sobre a natureza da CriminÓlogia não a tem como mera ciência, mas ta1nbém corno ciência aplicada, daí resultando a Cri-

minologia Geral e a Criminologia Clínica. A Criminologia Geral compara, analisa e classifica os resultados obtidos no âmbito de cada uma das ciências criminológicas. A Criminologia Clínica consiste na aplicação dos métodos e princípios das matérias criminológicas fundamentais e na observação e tratamento dos delinquentes.

cias. Enfeixaria, então, o conjunto de ciências que estão em relação com o fenômeno criminal. Nesta perspectiva, tratar-se-ia, mais, de um adensamento de ciências cri-

minológicas, menos de Criminologia propriamente dita. Frisa, Pinatel, que a Clínica Social da Criminologia lança mão de métodos e dados das disciplinas fundamentais num verdadeiro trabalho de cunho interdisciplinar. Não obstante, é lícito afirmar que, como ciência unitária e interdisciplinar que é, a Criminologia se interliga às ciências humanas. De fato, a Biologia, a Psicologia e a Psicanálise são instrumentos essenciais à Criminologia Clínica.

Por outro lado e como já foi explanado, a Criminologia igualmente se relaciona com as ciências criminais: o Direito Penal lhe delimita o objeto; o Direito Processual Penal inquire a ocorrência do ato criminal e se interessa pelo exame da personalidade do delinquente; o Direito Penitenciário, através de seus laboratórios de Biotipologia, regula o programa de ressocialização; a Medicina Legal, a Polícia Judiciária e a Policiologia colaboram na investigação científica da materialidade do fato criminoso.

2.3

Classificação de Luis Jimenez de Asúa É bem de ver que os três elementos relacionados ao fenômeno penal- o crime,

o delinquente e a pena- constituem o centro das preocupações das ciências penais no seu todo, ou seja, a denominada Enciclopédia das Ciências Penais, ciências que assim são agrupadas e classificadas por Luis Jimenez de Asúa: (a) Ciências Histórico-Filosóficas: História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito Penal Comparado; (b) Ciências Causal-Explicativas: Criminologia, Antropologia Criminal, Sociologia Criminal, Biologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise Criminal; (c) Ciências Jurídico-Repressivas: Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penitenciário; (d) Ciências Auxiliares e de Pesquisa: Penologia, Política Criminal, Medicina Legal, Psiquiatria Forense, Polícia Judiciária Científica, Criminalística, Psicologia Judiciária e Estatística Criminal.

Contradizendo a posição unitária da Criminologia, a Escola Austríaca ado ta a concepção enciclopédica, que considera a Criminologia como um compacto de disciplinas particulares que pesquisam a realidade criminal, os fatos do processo e a luta contra o crime. As disciplinas que auscultam a realidade criminal compreenderiam a Fenomenologia Criminal, a Antropologia Criminal e a Sociologia Criminal. Os fatos do processo ficariam adstritos à Medicina Legal, à Psiquiatria Forense, à PsicologiaJudiciária e à Polícia Científica. As disciplinas de perquirição e embate contra o fenômeno criminal seriam a Profilaxia Criminal, a Pedagogia Emendativa e a Penologia. Esta concepção enciclopédica da Criminologia é defendida por Gross e por Seelig. Assemelha-se à concepção de S. Cuche, que distribui a Criminologia em dois grupos: l. Ciências Puras: Antropologia Criminal, Biopsicologia Criminal e Sociologia Criminal; 2. Ciências Aplicadas: Política Criminal, Profilaxia Criminal e Penologia.

autonomia. É ciência autónoma porque possui um objeto perfeitamente delimitado: os fatos objetívos da prática do crime e da luta contra o delito. Sua esfera de ação, além disso, é demarcada pelo universo normativo do Direito.

Todavia, contestando o pluralismo criminológico e ressaltando que as disciplinas criminológicas a rigor não corporificam todo fenômeno criminológico, Jean Pinatel observa com propriedade que a Criminologia deve abranger também uma Clínica Biopsicológica e uma Clínica Social que interpretariam, coordenariam e

A propósito, de assinalar que, em reunião internacional da Unesco, em Londres, logrou-se desmembrar a Criminologia em dois ramos: a Criminologia Geral e a Criminologia Clínica. Desse conclave participaram criminólogos do mais alto nível e, entre eles, Pinatel, Kinberg, Wolfgang, Sellin e o brasileiro Leonídio Ribeiro. Esse

2.4 Ramos e atribuições da Criminologia hnportante salientar, ainda uma vez, a natureza científica da Criminologia e sua

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desmembramento, do consenso da Unesco, inclusive foi acolhido por Lopez-Rey e pelo ilustre médico e professor italiano Franco Ferracuti.

grande mérito do exame criminológico é aquele de ensejar o conhecimento integral do homem delinquente, sem o que não se aplicará uma justiça eficaz e apropriada, restando mero critério de valorização político-jurídica.

Lopez-Rey divide a Criminologia em Criminologia Científica, Criminologia Aplicada, Criminologia Acadêmica e Criminologia Analítica. A Criminologia Científica compreende conceitos, teorias e métodos sobre a criminalidade como fenômeno individual e social, a par de atentar para o delinquente, para a vítima e para o sistema penal. A Criminologia Aplicada é constituída pela Criminologia Científica e pela Criminologia Empírica, criada pelos juízes e demais obreiros do sistema penal. A Criminologia Acadêmica se restringe à sistematização dos princípios gerais da ciência para fins didáticos. Por fim, para Lopez-Rey, a Criminologia Analítica comprova se as outras ciências criminológicas e a Política Criminal cumprem os seus objetivos. Para o sociólogo norte-americano Martin E. Wolfgang e para o psicólogo italiano Franco Ferracuti, a Criminologia se desdobra em Criminologia Sociológica e Criminologia Clínica. A Criminologia Sociológica compreende o magistério e a investigação com base na Sociologia. A Criminologia Clínica se manifesta por via da aplicação dos conhecimentos criminológicos e do estudo dos problemas forenses e penitenciários, consistindo, em síntese, na aplicação integrada e conjunta do saber criminológico e técnico para solução de casos particulares, com fins de diagnóstico e terapêutica. As disciplinas preconizadas por Wolfgang e Ferracuti seriam de dois tipos: (a) disciplinas fundamentais ou ciências criminológicas: Biologia Criminal, Psicologia Criminal, Sociologia Criminal, Penologia e Criminologia propriamente dita; (b) ciências anexas e Medicina Legal, Psicologia judiciária e Polícia Científica. Pontifica do explicitado, por sua objetividade e abrangência, a divisão adotada pela Unesco, ou seja: Criminologia Geral e Criminologia Clínica, competindo à primeira a comparação e sistematização dos resultados obtidos nas diversas ciências criminológicas e estudando, a partir desse momento, o criminoso, o crime e a criminalidade. O crime sendo considerado consoante a situação do ato criminoso, sua forma, os fatores da infração e a dinâmica de determinados delitos. O criminoso sendo analisado segundo a disposição hereditária, o biotipo, o transtorno mental e o mundo circundante. A criminalidade sendo encarada em razão de suas tendências, dos tipos criminosos e da violência empregada. Como bem esclarecem Wolfgang e Ferracuti, a Criminologia Clínica consiste no approche interdisciplinar no caso individual, com a contribuição dos princípios e métodos das ciências criminológicas. O objetivo desse enfoque interdisciplinar é estudar a personalidade do delinquente para estabelecer o diagnóstico criminológico e a prognose social, com proposta do plano de ressocialização do criminoso. Em outras palavras: aplicar os princípios e métodos das criminologias especializadas, comportando as seguintes etapas: exame, diagnóstico, prognóstico e tratamento. O

A Criminologia Clínica consiste na aplicação pragmática do conhecimento teórico da Criminologia Geral, sem que isto desvirtue o caráter autônomo daquela, conquanto intimamente ligadas ambas as criminologias. Além do mais, a pesquisa científica tem como ponto de partida a Clínica Criminológica. Clínico e pesquisador se completam no progresso científico da Criminologia. De lemhrar que é a Criminologia Geral que sistematiza os resultados das criminologias especializadas e os dados da prática criminológica. O caso particular demanda um estudo interdisciplinar, com supedâneo nas ciências criminológicas e na experiência clínica dos centros de observação e estabelecimentos de reeducação do delinquente. A observação científica é um dos métodos da Criminologia Clínica, seguida de interpretação no caso de diagnóstico criminológico, ainda que na fase de execução do tratamento reeducativo, antes, portanto, da classificação penitenciária ou início do programa de reeducação do delinquente. Para Pina te!, e também para Carrol, a futura Criminologia sairá da elaboração e sistematização da prática criminológica. Tem-se a Criminologia Clínica como o traço de união entre a Criminologia propriamente dita e a Penologia. A Criminologia Clínica, em última instância, tem por finalidade o estudo da personalidade do delinquente e o seu tratamento. Dissente, por consequência, da Psiquiatria Criminal, que se restringe à perícia psiquiátrica e à avaliação da responsabilidade criminal. No plano científico, na verdade, a Criminologia Clínica principia onde finda a Psiquiatria Médico-Legal, melhor dizendo, onde se abandona o domínio patológico. A rigor, o estudo da Criminologia Clínica deverá absorver sua interdisciplinaridade e também os seguintes temas: Penologia, Direito Penitenciário, exame médico-psicológico e social do delinquente, classificação penitenciária e plano de tratamento reeducativo do preso, espécies de tratamento (institucional, em semiliberdade etc.), métodos de trabalho reeducativo (pedagógicos, psicológicos, psiquiátricos, sociológicos), execução do processo de cura reeducativo (labor nos centros de observação, nas casas de reeducação, nos nosocômios de custódia e assistência psiquiátrica etc.). Embora voltada para a reeducação do delinquente e sua reinserção social, a Criminologia Clínica igualmente contribui para a prevenção da criminalidade e para a extirpação das condições criminógenas da sociedade através de pesquisas junto à coletividade e notadamente em bairros miseráveis e favelas. Compete, enfim, à Criminologia, servindo-se do método científico, o estudo do criminoso e do crime, como acontecimentos sociais que são, provindos de múltiplas causas internas e externas. Minudenciando a conceituação, o criminologista Orlando Soares indica, com descortino, que a Criminologia é ciência que pesquisa: as causas e concausas da criminalidade; as causas da periculosidade preparatória da

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

CARÁTER CIENTÍFICO DA CRIMINOLOGIA

criminalidade; as manifestações e os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade; a política a opor, assistencialmente à etiologia da criminalidade e à periculosidade preparatória da criminalidade.

Criminologia é o desenvolvimento de um corpo de princípios gerais e verificados de outros tipos de conhecimentos relativos a processos de lei, crime e tratamento". É ainda Seelig que assinala que o objeto da Criminologia é o delito isolado, a criminalidade como fenômeno comunitário, além das causas do crime como fenômeno individual e o embate contra a delinquência. Por conseguinte, o homem somente diz respeito ao objeto da Criminologia quando é o homem-delinquente, antes não.

É asserção pacífica que a Criminologia tem objeto independente e determinado. Sendo uma ciência realista e não normativa, a Criminologia tem como objeto a dimensão naturalística do evento criminoso. Conquanto seja uma ciência experimental e não especulativa, a Criminologia considera o objeto integralmente, sem qualquer abstração, de modo autónomo e definido,jamais dispensando o auxílio do objeto de outras ciências. Sutherland enfatiza que "o objetivo da Criminologia é o desenvolvimento de um corpo de princípios gerais e verificados de outros tipos de conhecimentos relativos a esse processo de lei, crime e tratamento". Efetivamente, para atender a sua finalidade, a Criminologia não pode atuar isoladamente, havendo que recorrer ao objeto de outras ciências, mesmo porque o conhecimento não se confina nos limitativos de uma única ciência. O criminólogo absolutamente não poderá ser observador passivo da sucessão criminal. Não. Ele terá de ser um participante ativo, seja como cidadão, seja como pesquisador, contribuindo com seu hnow-how de conhecimentos na abordagem e perquirição do fenómeno criminal.

Utilizar-se-à, o criminologista, da experimentação direta e indireta. Por via da experimentação direta, alcançada por intermédio de dados propiciados pelos sistemas penitenciários, ele terá elementos de valia para indagar, verticalmente, a transição do homem normal ao homem delinquente. Concernentemente à experimentação indireta, ela será desenvolvida com o estudo dos fatos anormais naturalmente sucedidos. Aqui, como ensina Roberto Lyra, o criminólogo não poderá olvidar que "o crime é um fato social de consequências jurídicas e não um fato jurídico de aspectos sociais". Terá de saber o criminologista, por outro lado, que os fatos sociais são processos de interação que envolvem as pessoas, os grupos coletivos e as heranças sociais, não havendo critérios infalíveis para diferenciar o homem que poderá delinquir daquele que não poderá delinquir. Comporta, por oportuno, a afirmativa de Gabriel Tarde que "nenhum de nós pode se gabar de não ser um criminoso nato relativamente a um estado social determinado, passado, futuro ou possível". A ideia do crime, verdadeiramente, é inata no homem, talvez preexistindo à sua própria consciência. Genericamente, considera-se ciência o conjunto de conhecimentos relativos a determinado objeto, em especial os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio.

Como é curial, toda ciência se caracteriza pela existência de método e objeto. É o objeto, aliás, que distingue as ciências. Método é o fim que conduz ao conhecimento ou à verdade científica. Existe uma profunda ligação entre a natureza do objeto e a do método, o que gera uma condição de dependência entre um e outro e que, por consequência, irá refletir no âmago da própria ciência. Até porque o conhecimento não prospera sem o objeto. O objeto da Criminologia é a dimensão naturalística da prática do delito, no dizer de Ernest Seelig. Esclarecendo melhor, Sutherland explica que "o objete da

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O método da Criminologia é o da experimentação e observação, elementos de fundamental importância para o estudo acurado da transição do homem normal ao homem criminoso. Conquanto alguns ainda lhe neguem o carátercientífico, hoje parece indiscutível que a Criminologia é uma ciência. Ciência que aborda o acontecimento delitivo nos seus aspectos individual e antissocial e na sua causação, destacando seus fatores na intenção de atenuar a incidência delinquencial. Abonando o caráter científico e independente da Criminologia, Hans Von Hentig afirma que "se entendermos por uma ciência um conjunto de conhecimentos suscetíveis de serem aprendidos e ensinados e que podem ser aplicados com razoável grau de certeza, a Criminologia chegou a esse ponto. Os médicos, os filósofos e outros querem negar esse conteúdo e objetam que o material criminológico não pode ser manipulado em tubos de ensaio e que não pode ser dirigido por experiências e contraexperiências. A objeção não é justa. Pode-se muito bem manipular o material criminológico se ousarmos fazê-lo". Não há negar que a Criminologia pode cooperar eficazmente para a fixação de estratégias de combate às causas da criminalidade e dos fatores criminógenos, bem como para a formulação de uma Política Criminal evoluída, através de acolhimento das recomendações cientificamente elaboradas, mas sem chegar ao exagero, por exemplo, do emprego da lobotomia prefrontal ou leucotomia sugerida pelo médico português Egas Moniz, consistente numa pequena incisão na parede craniana, mais especificamente na substância branca do cérebro, com o intuito de eliminar as tendências de periculosidade do indivíduo e sua despersonalização: é a aniquilação da vida mental, reduzindo o indivíduo a uma existência sob o exclusivo império de puros automatismos. Como pondera Orlando Soares, à Criminologia está reservado relevante papel no sentido da denúncia contra a violência, a exploração e a opressão que têm ensejado tantos séculos de opacidade na existência dos povos. Ainda que recorrendo a disciplinas como a Sociologia, a Psicologia·, a Antropologia, a Psiquiatria, a Biotipologia, a Biopsicologia e a Endocrinologia para a consecução de seus objetivos, a Criminologia necessita conhecer a psicofisiologia do delinquente, sendo-lhe indispensável o estudo de suas glândulas endócrinas. É preciso, com efeito, analisar as funções puramente psíquicas das glândulas endógenas do criminoso.

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Outrossim, também sendo necessário auscultar a Psiquiatria Forense ampliada, a Criminologia deve enfocar didaticamente a Psico biologia e a Psicopatologia. Até porque, em Psiquiatria Forense, existem formas biotipológicas distintas. Cada personalidade raciocina ante as percepções segundo o diagnóstico personológico e psicopata lógico individual. Existe o paranoico normal e o enfermo ou esquizofrênico, com reações violentas e instantâneas. A paranoia é aparentemente normal. A loucura lúcida é chamada paranoia. O conjunto paranoico apresenta diversos graus. A psicose paranoica socialmente mais perigosa é aquela que priva da razão e conduz ao crime. Existe, também, o neurastênico de dupla personalidade doentia, ou oligofrênico, assassino vulgar via de regra. Existe o epilético, o esquizoide de variedade hipersensível ou hiperestésico com base genotípica. Sendo de vital importãncia a análise psicossomática do delinquente, é intransferível que se pesquise seu sistema nervoso de relação central-vegetativa. Urge explorar a fundo, no criminoso, seu eu, os recônditos mais profundos de sua mente. A psicoterapia a ser aplicada deve ser polifacética. As penitenciárias devem se converter em clínicas psiquiátricas, hospitais, universidades, escolas, fábricas, oficinas, granjas agrícolas. Cada delinquente deve ter seu professor especializado. Criminologicamente falando, urge fomentar o progresso da manipulação genética, mormente da engenharia genética e da engenharia eugênica. Manipulando adequadamente os segredos dos genes o homem tornar-se-à o fiador de sua própria evolução e perfeição biopsíquica. É premente que a Psiquiatria Ampliada tire a Criminologia do estado de quase-estagnação em que se encontra. O Direito Penal deve ser reformado com assentamento na Criminologia Científica. Importa harmonizar cada vez mais o binómio Criminologia-Psiquiatria.

Dentro da profilaxia criminal indireta, não se pode esquecer o saliente papel que está reservado à Medicina com providências como os exames pré-nupcial e pré-natal, a proteção à maternidade e à infãncia, a correção dos defeitos físicos e mentais, a higiene mental, o tratamento de várias doenças, a cura e recuperação de viciados em drogas, os cuidados e regras de alimentação. Tudo isso, e toda ação médica, poderá caminhar no sentido da meta almejada por Juvenal: mens sana incorpore sano. Pertinentemente à profilaxia criminal direta, a par das medidas endereçadas à prevenção do delito em estruturação mental, do crime em cogitatio, sobrevêm aquelas de ordem coibitiva: inexorabilidade da justiça Penal, apenamentos compatíveis, processo terapêutico e tratamento médico adequado para restabelecer ou melhorar a saúde do doente-criminoso.

3 RElACIONAMENTO DA CRIMINOLOGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS 3.1 A denominada Enciclopédia das Ciências Penais- 3.2 Relação da Criminologia com o Direito Penal e Ciências afins- 3.3 Criminologia e Medicina Sócia L SuMÁRIO:

Não haverá qualquer exagero em afirmar que a Criminologia praticamente se relaciona com todas as ciências e áreas do conhecimento humano, desde que propiciadoras de maior percepção ao fenômeno do cometimento criminal e à personalidade do delinquente. Verdadeiramente, a Criminologia se vincula a todas as demais ciências que se ocupam do delito, do criminoso e da pena. Por isso, todas essas ciências, e inclusive a Criminologia, compõem a chamada Enciclopédia das Ciências Penais, que, consoante a lúcida compreensão de Luis Jimenez da Asúa, subdivide-se em quatro grupos, a saber: (a) Ciências Histórico-Filosóficas (História do Direito Penal, Filosofia do Direito Penal e Direito Penal Comparado); (b) Ciências Causal-Explicativas (Criminologia, Biologia Criminal, Antropologia Criminal, Sociologia Criminal, Psicologia Criminal e Psicanálise Criminal); (c) Ciências Jurídico-Repressivas (Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Penitenciário); (d) Ciências Auxiliares e de Pesquisa, ou Ciências Adjutórias (Política Criminal, Penologia, Medicina Legal, Criminalística, Psiquiatria Forense, Psicologia judiciária, Polícia Judiciária Científica e Estatística Criminal). 3.1 A denominada Enciclopédia das Ciências Penais As disciplinas integradoras da Enciclopédia das Ciências Penais, ou "Síntese Criminológica", destinam-se à perquirição, enfrentamento e aplicação interativa dos princípios e normas dos três elementos do episódio criminal propriamente dito, a saber: o delito, o criminoso e a pena. Não será despiciendo recordar a conceituação sucinta das ciências que integralizam a "Síntese Criminológica". A História do Direito Penal vem a ser a pesquisa conexa dos fenômenos jurídico-penais de cada povo. A Filosofia do Direito Penal se resume na análise e crítica do Direito Penal naquilo que é pertinente aos seus princípios, causas e modificações. O Direito Penal Comparado é a pesquisa siste-

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RELACIONAMENTO DA CRIMINOL,OGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS

matizada e em cotejo das legislações penais dos diversos países. A Criminologia é a ciência que estuda a causação do fenômeno criminal. A Antropologia Criminal perquire as características orgânicas e biológicas do delinquente. A Biologia Criminal se volta para o estudo do crime como acontecimento da vida do indivíduo. A Sociologia Criminal pesquisa o fenômeno delituoso sob o prisma da influência ambiental na conduta criminosa. A Psicologia Criminal estuda os caracteres psíquicos do delinquente que influem na gênese do crime. A Psicanálise Criminal atenta para a personalidade do criminoso e para os processos íntimos que o excitam à prática delitiva. O Direito Penal é a ciência jurídica de reação social contra o crime. O Direito Processual Penal vem a ser a atividade estatal de tutela penal através de normas próprias. O Direito Penitenciário representa o compacto de regras jurídicas reguladoras da atividade jurídico-carcerária. A Política Criminal tem por finalidade a análise e a crítica das leis penais a partir de propostas criminológicas. A Penologia tem por objeto o estudo da pena, das medidas de segurança e da funcionalidade das instituições destinadas à readaptação dos egressos dos presídios. A Medicina Legal tem por propósito a aplicação dos conhecimentos científicos na esfera da Justiça Criminal. A Criminalística ausculta as formas como se cometem os delitos, cuidando da aplicação dos recursos técnicos para sua constatação e perquirição. A Psiquiatria Forense tem por mira o estudo dos distúrbios mentais ensejadores de problemas jurídico-penais. A Psicologia Judiciária estuda o comportamento do indivíduo acusado da perpetração do crime. A Polícia Judiciária Científica se incumbe da pesquisa dos vestígios e indícios encontradiços no palco típico. A Estatística Criminal tem por fim a observação etiológica do delito com vistas ao planejamento e avaliação do desempenho institucional contra a criminalidade.

como fato antijurídico, a Criminologia o vê como uma conduta antissocial Enfim o Direito Penal é ciência cultural, valorativa e finalista; a Criminologia é. ciênci~ causal-explicativa, de observação, de síntese, de pesquisa teórica.

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Depreende-se do anteriormente explicitado, quando se fala em "Enciclopédia das Ciências Penais", que a expressão galardoa a própria Criminologia, naquilo que ela é considerada uma ciência que abrange praticamente todas as disciplinas criminais. A Criminologia teria, por assim dizer, uma concepção enciclopédica, eis que se utiliza do campo de labor de outras ciências criminais. Daí também ser chamada "ciência de síntese", porque sua base científica está fincada nas contribuições proporcionadas pelas denominadas ciências do homem (Antropologia, Biologia, Psicologia, Psicanálise, Sociologia), quando voltadas para a pesquisa do delito. 3.2 Relação da Criminologia com o Direito Penal e Ciências afins É ponto pacífico que a Criminologia se relaciona fundamentalmente com o Direito Penal, eis que, embora autônomas, são ciências acentuada1nente correlatas, limítrofes e quiçá complementares. A par disso, é o Direito Penal que delimita o objeto da Criminologia, fornecendo-lhe, até, o juízo valorativo do fato criminoso. É a Criminologia, por outro lado, que oferta ao Direito Penal os subsídios para o julgamento do ato criminoso. Destarte, a Criminologia é ciência propedêutica do Direito Criminal. Não obstante, enquanto o Direito Penal tem como objeto a culpabilidade, o objeto da Criminologia é a periculosidade. Enquanto o Direito Penal encara o trime

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Irrefutável, igualmente, que a Criminologia tem íntima vinculação com o Direito Processual Penal e com o Direito Penitenciário. Com o Direito Processual Penal quando este regulamenta a verificação do ato delituoso e o exame da personalidade do autor típico. Com o Direito Penitenciário quando este disciplina o programa de ressocialização do delinquente. Demais, pesquisando a exigência de "leis" que regem a criminalidade e também a influência de fatores individuais na gênese do delito, a Criminologia obrigatoriamente tem de invocar a Antropologia Criminal, que permite totalizar o fenômeno delinquencial em seus múltiplos aspectos, desde os biológicos aos psicossociais, como um todo. Socorre-se a Criminologia também: da Biotipologia Criminal, que chega a projetar uma constituição delinquencial; da Sociologia Criminal, a demonstrar que a personalidade criminosa é o somatório de fatores biológicos e sociológicos em seu mais amplo sentido, integrados numa unidade psicossomática; da Psicologia Criminal, que mostra a dimensão individual do complexo fenômeno do crime etc. No mesmo passo, a Biologia, a Psicologia e a Psicanálise são ciências essenciais à Criminologia Clínica. Recorre a Criminologia também ao auxílio de disciplinas outras, como a Psicologia Social, a Endocrinologia e a Demografia, quando estas estão dirigidas para o exame do delito. No tocante à Endocrinologia, por exemplo, de vital importância a pesquisa da interação endócrino-criminal, permissível pela ocorrência de anomalias endócrinas dos criminosos. 3.3 Criminologia e Medicina Social Derivada da Medicina Legal, a Medicina Social é recente e importante instrumento científico voltado para a saúde, a higidez orgânica e a integridade psíquica e social das pessoas. Colaborando direta e indiretamente com a Criminologia, notadamente nos casos de infortunística, a Medicina Social facilita o funcionamento harmonioso da Justiça na ambiência coletiva. Incontroversamente, o trabalho físico ou mental deve ser desenvolvido sem qualquer impropriedade para a saúde humana. Entretanto, isto nem sempre acontece mercê da inadequação, ou mesmo agressividade, da natureza da ação laborativa referenternente às matrizes individuais daqueles que a exercitam. Destarte, as circunstâncias sociais, econômicas e mesmo psicológicas que revestem determinado tipo de labutação podem causar dano à integridade pessoal do trabalhador. Com efeito, o trabalho propriamente dito, sua natureza direta ou indireta ou as condições em que é executado podem, eventualmente, ensejar alguma patologia laborativa. Essa patologia laborativa, de sobresselente consequência na vida coleti-

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RELACIONAMENTO DA CRIMINOLOGIA COM OUTRAS CIÊNCIAS

va, recebe o nome de infortunística e vem contemplada na maioria das legislações trabalhistas, sempre atentas para os riscos e acidentes que habitualmente cercam a labutação em geral, igualmente preocupando-se com a adequada reparação do infortúnio do trabalho, seja ele privado ou público, contratual ou transitório.

pessoas (inclusive a educação sexual) com o auxílio da Psicologia e da Antropologia Cultural; as atividades espirituais e filosóficas, resguardadas a liberdade de crença e de pensamento (este enfoque é importante porque voltado para certos desvirtuamentos que podem levar a rituais fanáticos e até mesmo a enfermidades mentais em personalidades predispostas); a marginalidade social (mal vivência, prostituição, aberrações sexuais, alcoolismo, toxicomanias, a situação dos egressos prisionais e dos liberados de internatos e clínicas psiquiátricas) etc. A Medicina Social-Política visa oferecer assistência à vida política atual eivada, principalmente nas sociedades ocidentais, de preocupações e situações de expressivo conteúdo emocional (em alguns países, os pretendentes a cargos eletivos facultativamente são submetidos a exame psicotécnico). A Medicina Social-Económica, de vigorosa saliência, atenta primordialmente para as condições em que o trabalho se estrutura e se desenvolve (preservação da sanidade física e psíquica dos obreiros em geral, garantia de segurança, aproveitamento profissional compatível, apoiamento material aos trabalhadores vítimas de infortúnios, recuperação e reintegração dos acidentados etc.).

Sabidamente a Medicina Social está intrinsicamente vinculada à infortunística, voltando-se ela, inicialmente, para os acidentes do trabalho e para as doenças profissionais. Subsequentemente, a Medicina Social a tua de maneira profilática, curativa e de readaptação e reintegração no trabalho. É, na verdade, uma "medicina do trabalho", com atividades preventivas, terapêuticas, ortopédicas e fisioterápicas. Na Medicina Social situam-se destacadamente a Psicologia Ocupacional e os problemas profissionais que envolvem o trabalhador em geral. Deduz-se, por conseguinte, da larga relevância da Medicina Social nos planos económico (de interesses humanos mais prementes), político (governar o Estado propiciando possibilidades de trabalho), ético (base e fundamento do bem) e até criminal (condições de segurança não compatíveis com o risco laborativo, sejam elas culposas ou eventualmente dolosas). Seguramente que o plano económico é o corolário dos demais, mas o plano criminal sempre poderá despertar o interesse criminológico, pois, não poucas vezes, o infortúnio decorre de culpa stritu sensu ou de dolo eventual do empregador. Em seu livro Lições de Medicina Legal, o gabaritado Hilário Veiga de Carvalho define a Medicina Social como "a aplicação dos conhecimentos médicos à solução ou atenuação dos problemas sociais em si mesmo considerados". O Organismo Mundial de Saúde (OMS) diz que a Medicina Social "é aquela que promove o bem-estar físico, psíquico e social". O mestre espanhol Royo-Villanova Y Morales destaca que "hoje em dia não é possível conceber a Medicina Social sem os princípios, métodos e atitudes da Sociologia Moderna, ciência aplicada às realidades vivas da comunidade humana". Mutatis mutandis, seria a Medicina Sociológica, isto é, a medicina a serviço do estudo e conhecimento concreto da realidade social, objetivando sua melhoria e buscando o adjutório da Criminologia quando essa mesma realidade imprudentemente se avizinha da afluência criminógena. Percebe-se, dessa somação, que a Medicina Social diverge da Medicina Preventiva ou da Medicina Higiénica, que Afrânio Peixoto considera "um conjunto de preceitos buscados em vários conhecimentos humanos, tendentes a cuidar da saúde e a poupar a vida". Desse modo, dizem respeito à Medicina Higiênica a orientação profissional, o ensino pré-profissional, a instrução específica, a prevenção de acidentes, a melhoria das condições dos ambientes laborativos, a prestação de socorros imediatos etc. Evidente que, em seus domínios, por vezes interpenetram-se a Medicina Social e a Medicina Preventiva. Sintetizando, cuida a Medicina Social, do ponto de vista clínico em seus múltiplos aspectos, dos problemas éticos, políticos e económicos da vida social. Assim, a Medicina Social subdivide-se em três segmentos: Medicina Social-Ética, Medicina Social-Política e Medicina Social-Económica. A medicina Social-Ética tem por propósito: a proteção à maternidade e à infância; a orientação pré-natal; as relações enrre as

Ora, como ciência causal-explicativa cujas sólidas raízes se prendem a uma observação acurada da conduta humana e não sendo mero repositório de fluídicas fórmulas e de noções abstratas, à Criminologia interessa todos os episódios que molestam o homem, ainda que aparentemente estranhos à fenomenologia criminógena. Inquestionavelmente que interessam à Criminologia as conclusões oriundas da Medicina Social-Ética quando esta se preocupa, por exemplo, com a reeducação dos infanto-juvenis infratores e com os casos de marginalidade social (malvivência, prostituição, perversões sexuais, toxicomanias, situação dos egressos prisionais e dos liberados de reformatórios e manicómios judiciários). Dizem-lhe respeito, por igual, certas enfocaçôes da Medicina Social-Económica no que tange, in exemplis, aos meios de segurança que devem ser propiciados aos trabalhadores em atividade de risco, pois que determinados acidentes, com lesões corporais ou perturbação funcional e inclusive com resultado letal, podem decorrer de culpa stritu sensu e mesmo de dolo eventual do empregador ou de seu representante. Aliás, conforme o caso, as pessoas ferretoadas por infortúnios de trabalho com participação culposa (imprudência, negligência, imperícia) ou indiretamente dolosa de seus empregadores ou chefes imediatos, até poderiam figurar numa subclassificação vitimológica.

VIDA HUMANA, SOCIEpADE E CRIME

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Deus pode ter usado os mecanismos evolucionistas da criação para formar o corpo do homem, mas o processo total por certo que exigiu emoção, inteligência e vontade. Seria secundário, portanto, o mecanismo preciso da criação.

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VIDA HUMANA, SOCIEDADE ECRIME 4.1 Aparecimento da vida e do homem- 4.2 Sociedade e o crime- 4.3 Fato criminoso- 4. 4 Crime como fenômeno individual e coletivo- 4.5 Identidade do crime. SUMÁRIO:

Rigorosamente, a teoria da evolução de Darwin é baseada meramente no exame do nosso mundo contemporâneo, bem como em certa evidência do registro geológico. Todavia, conquanto não aceita a teoria darwiniana sobre a origem do homem, também existe certa controvérsia em se admitir cegamente que a espécie humana está imersa em pecado devido à sua herança de Adão e Eva e a consequente "desgraça" do homem. Muitos vacilam, efetivamente, em aceitar o chamado "pecado original". Importa, em suma, que o universo é o resultado de uma criação de Deus com finalidade. 4.2

4.1 Aparecimento da vida e do homem A doutrina do pecado original é um dos princípios mais poderosos da crença hebraico-cristã. Extraiu-se, a partir de suas explicações, uma ideia de como se processaram a Cosmogênese, a Ontogênese e finalmente a Homogênese, que aJudam a compreender como surgiu o mundo e de que forma nele passaram a viver os seres em geral e, entre eles, os animais e o homem. Segundo a concepção cristã, o homem era inocente e bom e o mundo um jardim, um paraíso. Mas o homem foi tentado, sucumbiu e nunca mais irá recuperar sua inocência original. O Velho Testamento incorpora o conceito da depravação ocorrida no homem: "Vede! Fui formado na iniquidade e em pecado minha mãe me concebeu". São Paulo declarou que o homem é carnal e pecador, acrescentando:"( ... ) em sua carne habitam coisas ruins e o pecado habita nele". Aliás, essa ideia da maldade como uma das características do ser humano se encontra tambén1 no campo da Biologia com Charles Darwin, como ainda no da Psicologia e da Psicanálise com Sigmund Freud. Contestando a perspectiva cristã do aparecimento da vida e do homem, e do próprio deusismo, Charles Darwiu estabelece outra hipótese sobre a origem do homem, defendida em suas obras On the origin of species e The descent of man, escritas em 1859 e 1871 respectivamente. Darwin entendia que o homem evoluiu a partir de animais não humanos, sofrendo mutações e percorrendo um longo caminho até chegar ao estágio humano. É o que prega em sua "teoria da evolução", contestada veementemente pelos representantes da Igreja, mas cuja influência na classe intelectual até hoje é bastante razoável. Sem discutir as descobertas científicas de Darwin, que isso seria pretensão atrevida, parece que a teoria darwiniana, se correta, representa apenas u1na descrição externa do processo da criação de Deus.

Sociedade e o crime

Durkheim afirmava que "os fenômenos sociais são fatos naturais e devem ser estudados pelo método natural, isto é, principalmente pela observação e, quando for possível, pela experimentação".

Ora, o crime é um fenômeno social e a criminalidade depende do estado sociaL Tenha o delito sua gênese em um fator biológico ou endógeno ou numa causa mesológica, ou até na combinação desses fatores internos e externos, é inegável que o crime é uma manifestação de vida coletiva, não fosse a existência de apenas duas pessoas consideradas em um grupo social. Não pode existir criminalidade fora de um estado social qualquer. Sendo o homem um animal gregário, sua vida em sociedade não implica, porém, que não haja uma unidade de consciência social, pois esta nada mais é que a resultante das consciências individuais, que vão compor a maioria da unidade social. A noção de uma igualdade humana, dentro do grupo, é radicalmente falsa. A natureza animal não conhece a igualdade e toda filosofia zoológica repousa na desigualdade dos seres vivos e, entre estes, as desigualdades mais acentuadas são as que se verificam no ser humano. O fato dessa desigualdade dos seres e dos homens representa, na verdade, um dos alicerces da Sociologia Criminal. A desigualdade social é que induz a situações de conflitos, que podem terminar em criminalidade, entendendo-se esta como todos os a tos que constituem infração penal. Relevante estabelecer, porém, um paralelo entre a criminalidade e a moralidade dos atos humanos. A esse respeito,]. Maxwell acentua: "O juízo feito pela sociedade acerca da moralidade de um ato será geralmente o mesmo que acerca da sua criminalidade; nesse sentido, as infrações mais graves à lei moral, admitindo que haja uma lei moral, serão igualmente consideradas como as mais graves à lei penal; é o que se dá com o assassínio, com o roubo, o atentado ao pudor. Mas, não é preciso que esta aparência arraste uma assimilação".

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

O domínio da moral é distinto daquele da lei penaL Há atos morais que são punidos, há a tos imorais que não o são. O exame das diversas legislações penais dá conta de que sociedades diferentes têm concepções divergentes da criminalidade dos atos; uma ação é punida num país e noutro não. O mesmo se pode dizer em relação à noção de moralidade. Certos princípios morais dos povos orientais diferem daqueles dos ocidentais. As nações influenciadas pelo cristianismo, por exemplo, são monogâmicas e nelas a bigamia é imoral e até penalmente sancionada. Sucede de forma oposta nas sociedades islâmicas, onde a poligamia é perfeitamente normaL Parece que as variações dos conceitos morais obedecem a normas de fundamentação religiosa. A religião tem por objeto dar determinado código moral aos homens. Faz-se evidente, desse modo, que a criminalidade e a moralidade têm sistemas de aferição distintos e até contrários, embora grande parte dos crimes, notadamente os de natureza mais grave, como o homicídio e o latrocínio, são punidos por todas as legislações penais do mundo civilizado e execrados por quase todas as morais. O que parece induvidoso é que tanto o crime quanto o ato imoral são derivados da vida em estado de sociedade. Há um laço objetivo entre esses a tos transgressivos e a vida grupal, sendo evidente, outrossim, que alguns grupos só subsistem estruturalmente se os indivíduos que os constituem viverem em relações harmônicas, pois, assim não sendo, as lutas intestinas tendem a extingui-los, ficando semeado o campo para a criminalidade. A criminalidade, que não se concebe fora da vida grupal, nasce e medra dos interesses colidentes de seus componentes. É como se a criminalidade fosse uma oposição do indivíduo à sociedade. Por isso que também deriva de interesses personalíssimos. O crime, social na sua etiologia, visto que suscitado pela existência em sociedade, é antissocial nos seus efeitos.

Distingue-se, assim, a criminalidade, por firmar um conflito de vontades: de um lado a vontade da sociedade, soma das vontades de seus integrantes ou resultado da volição da maioria, e, de outro lado, a vontade individual de quem perpetra o crime, ou seja, o delinquente. O crime, portanto, é o produto de dois fatores: o indivíduo (criminoso) e a sociedade. Cada um desses fatores tem sua ação própria, determinada, na sucessão da criminalidade, que assumirá os mais diversificados aspectos em função de cada um deles. Concluindo, de parafrasear Oscar Wilde, na "Balada do Cárcere de Reading", do livro Obras-primas da poesia, quando anota: "Assim o infeliz que delinquiu, não só começa cmno também termina seu lôbrego caminho com utna nota de infâmia, sepultado entre tijolos de ignomínia". Muitas vezes, diante do alheamento social, seria acertado completar a locução de Wilde: "sepultado entre tijolos da ignomínia social".

VIDA HUMANA, SOCIEDADE E CRIME

4.3

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Fato criminoso

E. Glover, na obra The roots of crime, abordando o criminoso nato, comenta: "O crime representa uma das parcelas do preço pago pela domesticação de um animal selvagem por natureza (o homem) ou, numa formulação mais mitigada, é a resultante de sua domesticação malsucedida". Infere-se, dessa conceituação, que o homem, não sendo tratado como ser humano, transforma-se no mais violento e perigoso dos animais, pois é o único que raciocina e possui a peculiaridade exclusiva e especifica do pensamento abstrato ou especulativo. Óbvio, entretanto, que o entendimento de Glover deve ser sopesado com ampla reserva. Enfocando o determinismo biológico da ação delinquencial do criminoso nato, de perquirir-se sobre o argumento em contrário, ou seja, sobre o indeterminismo biológico da ação delinquencial, visto que, sob o ponto de vista ou análise subjetiva dos a tos humanos, é inconteste que a ninguém interessa se acusar de ter agido livremente, embora se saiba que o livre-arbítrio é ilusório no tocante ao ato, já que este indubitavelmente impulsionado pelo caráter. Logo, cair-se-ia, ainda uma vez, no determinismo, ao menos psicológico, ou, em sincronia com a lição de Freud, entender-se-ia que a Psicologia Criminal apresenta como traços essenciais um egoísmo ilimitado e uma forte tendência, ou mesmo impulsão compulsivamente violenta e destruidora, tudo sinalizando, no criminoso, a ausência total do sentimento de amor e uma falta de aferição da personalidade, no que tange aos verdadeiros objetivos do ser humano. Seria o Eros a que se opõe Tanatos, ou seja, o instinto da vida e da morte, respectivamente. O homem criminal, então, seria o "eu" mal adaptado em razão de nele coexistirem o "ego" (que é o componente intermediário das energias mentais e a sede dos mecanismos racionais que captam os fenômenos da realidade externa entre o "id", que é o inconsciente, psique, ou seja, o insciente das energias mentais) e o "superego" (que é o ego ideal, ou a consciência, isto é, o "eu superior" que censura o ego). Mais precisamente: o homem criminoso seria aquele que não sabe resolver os conflitos entre seu ego e seu superego. Más o determinismo do ato humano existente no crime seria, grosso modo, um determinismo imediato, pois, precedentemente à formação do caráter, há, por igualmente, qualquer coisa de incontroverso, que é a influência direta da vontade considerada como força transformadora, podendo produzir resultados imprevisíveis. Vontade que pode se rebelar e refutar experiências passadas. E isso é o que pode ser entendido como determinismo imediato. Assim, o caráter determina o ato no tempo, mas a vontade determina o caráter de modo intemporaL

Considere-se, todavia, o crime como produto do determinismo ou de um indeterminismo biológico e que o livre-arbítrio é ilusório. Desta ou daquela maneira, é incontestável que o crime emana, primordialmente, de fatores sociais e, como tal, adquire a imagem de uma fenomenologia individual e coletiva.

62 4.4

CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Crime como fenômeno individual e coletivo

Os acontecimentos causais não existem por si só. Verificado um fato, que é presente, busca-se a sua origem passada e seu efeito futuro. Isso acontece também com a prática do crime. As causas imediatas do crime se resumem, em última análise,

nas condições do meio em que ele se verificou e na personalidade de seu autor no momento da ação. As condições ambientais e circundantes, na ocasião do crime, abrangem as circunstâncias que permitiram o desencadeamento do próprio ato, entre elas aquelas que tornaram permissível o seu cometimento e, por isso, prevalentes, como também

as que teriam funcionado como inibidoras do evento, mas que foram reprimidas. Assim, a miséria (que via de regra é a responsável por grande gama de delitos, figurando quase sempre como preponderante sobre circunstâncias outras) pode, em determinada situação, não prevalecer, como o simples fato do indivíduo que iria praticar o crime e, à última hora, deixou de fazê-lo por temor ao respectivo castigo ou pena que, uma vez descoberto, viria a sofrer. O castigo funcionou, aí, como freio inibidor. A outra causa do crime, ou seja, a personalidade do indivíduo na ocasião em que comete o crime, ou melhor, a organização de estruturas psicofísicas, relativamente estáveis, em virtude de que uma pessoa age de certa maneira e não de outra, consiste naquilo que permite uma predição de como uma pessoa agirá em determinada situação, segundo R. B. Catei!. Essa personalidade do homem com suas vivências atuais é, de outra forma, sempre condicionada pelo modo de ser relativamente constante ou habitual do indivíduo, aí residindo as características dessa decantada personalidade. No fato, por exemplo, do marido que surpreende a mulher em adultério, a reação difere de um para outro indivíduo. Existem aqueles que reagem violentamente (matando um ou ambos os cúmplices do adultério) e aqueles que enfrentam a tragédia passivamente (separação, perdão, reconciliação). Todos esses mais diversos comportamentos são justificados pelas vivências e pela forma de ser de cada um desses indivíduos, resumidas na personalidade de cada um. Essas capacidades e predisposições, ou tendências, denominam-se disposições individuais. É evidente que se a disposição daquele que optou pelo crime, no caso do adultério, por exemplo, for de tal monta que revela tendência para a prática futura de outros delitos, ele deve ser encarado como um indivíduo perigoso para a sociedade. Mas nem sempre é assim, pois o homicida por adultério tem um prognóstico relativamente favorável no terreno da criminalidade, visto que sua infração resultou de um forte abalo moral que, provavelmente, não se repetirá. O mesmo não se pode dizer do estelionatário habitual, no qual a mentira fraudulenta praticamente passou a fazer parte de sua segunda natureza e até de sua personalidade. De frisar que, na eclosão do crime, a personalidade e suas disposições que conduzem à prática delitiva são o resultado de uma evolução complexa, que vem desde o nascimento do indivíduo, o qual passa a possuir certas disposições, chamadas de

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tendências hereditárias, vindo a desembocar na epitetada criminalidade hereditária. E quando se fala em criminalidade hereditária, o que, a rigor, se considera herdado? Não pode ser a criminalidade como tal, porque o crime se define em termos legais e até aqui não se formulou nenhuma definição adequada da criminalidade em termos sociais. Goring sustentou que o elemento herdado não é a criminalidade como tal, mas sim a inteligência deficiente, entretanto ele não explica como isso produz o crime. Karl Pearson afirmou, na introdução elaborada para o trabalho de Goring, que o elemento herdado na criminalidade é a "deficiência do instituto social", mas ele não intenta definir o instituto social nem provar que esse é o elemento hereditário do crime. Davenport se refere "aos instintos criminosos hereditários", mas todos os casos que ele invoca envolvem debilidade mental: a coreia (doença caracterizada por movimentos convulsivos e frequentes, também chamada de doença de São Vito, ou doença de São Guida), a enxaqueca e a epilepsia (que aparecem em gerações sucessivas).

Têm os seres humanos, por hereditariedade, alguma coisa ou alguma série de coisas que os toma ou faz com que sejam diferentes dos outros seres animais. Eles têm muitas reações especificamente predeterminadas, como o espirro ou a mudança do olho com as variações da intensidade da luz. E, além disso, a hereditariedade parece de algum modo afetar a capacidade mental, o temperamento e a afetividade, conquanto não haja prova que estas coisas se transmitam de acordo com as leis de Mendel. A capacidade mental e os instintos parecem ter relação com o sistema nervoso central, sem serem, contudo, influenciados pelo resto do organismo. O temperamento e a afetividade parecem ter ligação íntima com outras partes do corpo. Na atualidade, o consenso geral se volta para o sistema endócrina para explicar as diferenças em energia, limiar de estímulo e outros traços incluídos sob o nome de "temperamento".

Não há razão para supor que esses traços mais gerais ou as reações sociais importantes sejam especificamente predeterminados. Eles são herdados. São como tendências vagas que podem ser dirigidas de maneiras específicas pelos conta tos com outras. Eis a explicação dada por Cooley: "A hereditariedade dos outros animais é, por assim dizer, um rnecanis1no como o de um realejo, que é feito para tocar umas poucas músicas; você pode tocar essas músicas com pouco ou sem nenhum treino, e não poderá nunca tocar outras. A hereditariedade do homem, por outro lado, é um mecanismo mais semelhante ao de um piano, que não é feito para tocar determinadas músicas; você nada pode nele tocar sem treino, mas uma pessoa treinada poderá tirar dele uma variedade infinita de músicas". Na realidade, não há prova que exista o denominado "criminoso nato". Ninguém tem uma hereditariedade tal que deva ser inevitavelmente um criminoso,

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

independentemente das situações em que é colocado ou das influências que sobre ele exercem. Um temperamento fleugmático, que permite supor ser herdado, pode preservar uma pessoa de ser criminosa num ambiente e torná-la criminosa noutro ambiente. Num ambiente, é o indivíduo que tem uma inteligência média que se torna o criminoso, e noutro, é o indivíduo estúpido. Na formação da causalidade, devem ser incluídos tanto o traço individual como a situação; nem um nem outra atuam isoladamente na produção do delito. Toda pessoa é um "criminoso potencial", mas são imprescindíveis cantatas e direção de tendências para torná-la criminosa ou respeitadora da lei. O comportamento de algumas tribos da Índia patenteia que as anomalias individuais não são necessárias para o comportamento criminoso, porque, lá, todo membro da tribo cometeu crimes. Todavia, seguramente que eles têm traços individuais que os habilitam a compreender e a seguir os padrões tradicionais. Ressalte-se, então, que as tendências hereditárias, constituídas por um mecanismo endógeno, têm a influenciá-las, por outro lado, o meio ambiente, isso ao longo de toda a vida do indivíduo. No campo de atuação do meio sobre as tendências hereditárias, devem ser consideradas, principalmente, a alimentação, a educação no lar e na escola, a influência de parentes e outras pessoas, a convivência comunitária, a condição econômica etc. A par disso, de realçar as influências cósmicas, do clima, os hábitos de higiene e as condições de vida, as intoxicações, o alcoolismo, enfim, o chamado meio de desenvolvimento do indivíduo. Tratado o crime como fenómeno individual, assinale-se que a vida do homem em grandes centros urbanos implica que ali sejam perpetrados inúmeros crimes. Isso demonstra, indesmentivelmente, o caráter de fenômeno coletivo da criminalidade. Isso aponta a criminalidade como fenómeno da vida societária, pouco valendo o argumento daqueles que, procurando combater o caráter de fenômeno coletivo da delinquência, aduzem que esta outra coisa não é senão a soma dos crimes individuais. Por verdadeiro, de aceitar que os crimes indivíduais se relacionam, na delinquência, na medida exata em que sua soma determina, quantitativa e qualitativa-

mente, a criminalidade em um dado espaço de tempo e lugar. Essa criminalidade, entrementes, tem uma nuança de ordem superior que não exprime tão somente as características dos casos individuais: é algo coletivo, cujo conhecimento científico não pode ser postergado, e está sujeito, sob o ponto de vista dos métodos e dos fins da investigação criminológica, a princípios diversos daqueles inerentes ao crime como fenómeno individual. Assim, a pesquisa estatística muitas vezes enfocada para o conhecimento do crime como fenómeno e o problema da etiologia criminal, se outras razões não existissem, por si só justificariam a caracterização do crime como um fenômeno coletivo. Nessa linha de raciocínio, pode-se falar numa relação de criminalidade concreta, no seu aspecto coletivo, com todas as suas variantes temporais ou espaciais, além de seus condicionadores.

VIDA HUMANA, SOCIEDADE E CRIME

4.5

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Identidade do crime

Diversamente da ciência penal, cuja auscultação é impassível e neutra, a Criminologia busca, fundamentalmente, a identidade do fenómeno criminal as suas variegadas circunstâncias e, na sua quintessência, a razão que transforma o homem, simplesmente o homem concreto, em criminoso, tudo na robusta hipótese de que ele, consCientemente ou não, pelo fatalismo de sua presença e conquanto o crime não tenha lado bom, sempre haveria que preferir e optar por ambiência naturalmente desfrutável. Essa a pedra de toque da densidade criminológica.

HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA

5 HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA SuMÁRIO: 5.1 Período da evolução da Criminologia- 5.2 Período da Antiguidade aos precursores da Antropologia Criminal- 5.3ldade Média- 5.4 Ciências ocultas - 5.5 Precursores da Criminologia- 5.6 Filósofos e pensadores- 5. 7 Frenologia - 5.8 Período de Antropologia Criminal- 5.9 Classificaçào dos criminosos de Lombroso- 5.10 Críticas à teoria de Lombroso- 5.11 Enrico Ferri e a Sociologia Criminal- 5.12 Classificação de criminosos de Ferri- 5.13 Raphael Garófalo- 5.14 Delitos legais e delitos naturais- 5.15 Classificação de criminosos de Garófalo -5.16 Período de Sociologia Criminal- 5.17 Augusto Comte- 5.18 Adolphe Quetelet- 5.19 Teorias antropossociais- 5.20 Teorias sociais propriamente ditas - 5.21 Teorias socialistas- 5.22 Síntese das teorias sociais- 5.23 Período de Política Criminal- 5.24 Terza Scuola- 5.25 Escola Espiritualista- 5.26 Escola Neoespiritualista- 5.27 Escola de Política Criminal.

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Francis Bacon enfatizava: "Quem começar com certezas acabará na dúvida; mas quem se contentar em começar com dúvidas acabará em certeza". Seria mais consentâneo à realidade se Bacon tivesse usado o verbo "estará" em vez de "acabará", na parte final de seu aforismo, e então se teria: "Mas quem se contentar em começar com dúvidas estará em certeza". Mas não se pretende aqui, por certo, fazer digressões sobre a natureza do pensamento do hmne1n, e sim sobre seu comportamento: todavia, uma coisa não se pode dissociar da outra, pois, em condições normais, a conduta é ditada pelo pensamento. Outrossim, de registrar, em termos de conduta, seu interesse para a história da Criminologia, sempre ávida ele perquirir as manifestações comportamentais do homem, através dos tempos, averiguadas por pesquisadores, filósofos, historiadores etc., para, dessa forma, estabelecer no tempo e no espaço, desde quando o homem teve sua atenção voltada para qualquer fato, episódio, evento ou fenômeno, em que denotasse seu interesse ou conhecimento, obviamente, ainda que empírico, para aquilo que futuramente viria a ser o objetivo da Criminologia. Em termos ela História da Criminologia, os doutos no assunto costumam estudá-la através de períodos ou fases distintas, objetivando a sistematização científica de sua evolução, com pequenas variações no estabelecimento de algumas etapas, sem que isso represente prejuízo à exposição da matéria. 5.1 Período da evolução da Criminologia

O comportamento do homem sempre foi substancial campo de análise, desde a mais remota antiguidade. Não fosse, o homem, o principal habitante do planeta Terra! Fruto de Adão e Eva ou o resultado da evolução natural do ser animal, verdade é que o homem sempre foi, e sempre será, o centro de preocupações e pesquisas de outros homens, não só por possuir, só ele, o monopólio do pensamento abstrato como também por sua capacidade de linguagem, o que o torna o mais invulgar e inteligente dos animais e, por isso, aquele que conduz o destino elo próprio mundo. Contudo, a própria natureza da inteligência elo homem faz com que seu pensamento seja ünperscrutável e, decorrentemente, seu procedimento não raro se torna inexplicável, quando não enigmático, persistindo, daí, um infindável número ele a tos humanos que, desde os tempos imemoriais até hoje, não foram decifrados ou suficientemente esclarecidos. Realmente, o ignorabimus da mente humana tem suas defesas e resistências que somente um estado de intensa vibração quiçá possa superar. A impenetrabilidade do pensamento humano, na sua quintessência, é ele dificílima ou insuperável perquirição. Robert Burton dizia que "apenas os tolos e os loucos geralmente dizem a verdade". Ademais, a própria vida é um mistério. O peso, demonstrado pela chamada sensibiliclacle bárica, é um mistério. O mistério é o "incognosc!vel" no sentido spenceriano. Em sua obra Biologia,]. V Vexkull ponderava: "Sobre a vida também nada sabe1nos e só conhecemos algo sobre os seres vivos".

Baseando-se, tão somente, em critério ele cunho didático-pedagógico, de elencar a sequência evolutiva da Criminologia conforme segue: l. Período da Antiguidade aos Precursores ela Antropologia Criminal; 2. Período de Antropologia Criminal; 3. Período de Sociologia Criminal; 4. Período de Política Criminal. 5.2 Período da Antiguidade aos precursores da Antropologia Criminal Com o nome de seu imperador (1728-1686 a.C.), o Código de Hamurabi (Babilônia), segundo informa Luiz Rodriguez Manzanera em seu livro de Criminologia, possuía dispositivo punindo o delito de corrupção praticado por altos funcionários públicos. Possuindo aspectos punitivos, a legislação de Moisés (século XVl a.C.) é parte integrante dos Livros da Bíblia. Confúcio (551-478 a.C.), com a reflexão "tem cuidado de evitar os crimes para depois não ver-te obrigado a castigá-los", demonstra de forma inequívoca não só o excepcional senso moral de que era possuidor como também o conhecimento da pena como gravame a uma má ação, o que, induvidosamente, no mínimo, implica o entendimento de algo que, bem mais tarde, viria a ser preocupação da Criminologia. Entre os gregos citam-se muitos pensadores que emitiram opiniões ou conceitos de inegável fundamento ou inspiração criminológica: Alcmeon, de Cretona (século Vl a.C.), como se fez conhecido, teria sido uma espécie de psicõlogo e médico,

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA

tendo sido o primeiro a dissecar animais e, posteriormente, dedicou-se ao estudo das características biopsíquicas dos delinquentes. Pesquisou o cérebro humano, procurando correlacioná-lo com a respectiva conduta. Dizia que o homem é o elo entre o animal e Deus, havendo em cada homem um pouco de animal e um pouco de Deus. Afirmava ainda que a vida é equilíbrio entre as forças contrárias que constituem o ser humano. A doença é o rompimento desse equilíbrio. A morte sobrevém pelo desequilíbrio completo. A alma, ao inverso do corpo, é imortal, porque ela se move, eternamente, como os astros nos céus.

. Platào (427-347 a.C.), ao afirmar que "o ouro do homem sempre foi motivo de seus males" (na obra A República), também emitiu conceito criminológico ao pretender demonstrar que a ambição, a cobiça, a cupidez davam origem à criminalidade, ou seja, fatores econômicos são desencadeantes de crimes.

Anterior a Hipócrates, considerado o pai da medicina, Alcmeon, de Cretona, é uma das figuras mais eminentes da antiguidade, embora menos conhecido e menos citado pelos historiadores (V P. Castelo Branco, citação da obra de Sprengel, História da medicina). Esopo (século VI a.C.) asseverou: "Os crimes são proporcionais à capacidade dos que os cometem"; evidentemente é uma opinião que envolve conhecimento da área, que futuramente seria a Criminologia. Isócrates (4 36-338 a.C.), ao assinalar que "ocultar o crime é tomar parte nele", emitiu, sem sombra de dúvida, conceito que integra o princípio da coautoria ou da cumplicidade crilninosa. Protágoras (485-415 a.C.) sustentou o caráter preventivo da pena, falando no seu aspecto de servir de exemplo e não de expiação ou castigo, opinião que faz por conferir-lhe, talvez, a condição de precursor da Penologia, um dos ramos da Criminologia que se ocupa com o fundamento e aplicação das penas como medida de repressão e defesa da sociedade. Sócrates (470-399 a.C.), pregador e grande oráculo grego, possivelmente o homem mais importante que o mundo já conheceu, mercê de sua sabedoria e humildade, e que infelizmente não legou nenhuma obra escrita para a posteridade, disse, através de Platão, divulgador de seus pensamentos, "que se devia ensinar aos indivíduos que se tornavam criminosos como não reincidirem no crime, dando a eles a instrução e a formação de caráter de que precisavam". Hipócrates (460-355 a.C.), conhecido como o "Pai da Medicina", em sua obra Aforismos, emitiu conceito irretorquivelmente criminológico ao dizer "todo vício é fruto da loucura", do que se deduz ter pretendido, implicitamente, argumentar que "todo crime também é fruto da loucura", pois, se sob o ponto de vista ético-moral, o vício é menos grave que o crime e se, além disso, existem vícios que são criminosos e aqueles que não o são, é evidente que, se um comportamento menos grave (o vício) era um produto de alienação mental, na esteira desse raciocínio, a conduta mais grave (o crime) também o seria. Hipócrates teria, assim, lançado as bases dos modificadores da capacidade de imputação, e no dizer de L. R Manzanera, com sua frase, Hipócrates erigiu o princípio penal da inimputabilidade ou irresponsabilidade do homem insano.

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Apregoava, outrossi1n, que o Ineio, as más companhias, os costumes dissolutos podem converter as pessoas inexperientes, os jovens, en1 criminosos. Dizia ainda que "onde há gente pobre haverá patifes, vilões etc.". Para Platão, o criminoso assemelhava-se a um doente, o que é sustentado por Jimenez de Asúa. Foi ele quem ressaltou que a pena tem um aspecto intimidativo e, portanto, funcionaria como instrumento inibidor da ação delituosa.

Aristóteles (384-322 a.C.), na obra A política, asseverou que "a miséria engendra rebelião e delito", metafraseando Platão, quando ressaltou a existência de causas econômicas em certos delitos. Para Aristóteles, o homem não é completamente livre, ainda que pudesse sê-lo, submetendo seus desejos e instintos à razão, e esta, por consequência, dominaria a sua sensibilidade. Ensinava Aristóteles que os delitos mais graves cometidos pelo homem não eram para possuir o necessário, e sün para adquirir o voluptuário, o supérfluo. Em sua Retórica estudou o caráter dos delinquentes, observando uma frequente tendência à reincidência, e analisou as circunstâncias que deveriam ser levadas em conta como atenuantes dos delitos. Outrossim, concluía que as paixões humanas eram mais importantes que as razôes econômicas na etiologia clelinquencial. Sêneca, em Roma (4 a.C.-65 d.C.), foi considerado uma espécie do que em um futuro longínquo veio a ser o criminólogo e, nesse sentido, o de maior destaque de sua época. Sêneca fez uma análise sobre a ira, que considerava a mola propulsora do crime, argumentando ser a ira a razào de a sociedade viver em constante luta fratricida. A respeito da influência das causas econômicas na criminalidade nào existem registras em Rom-a, a nào ser uma tertúlia entre os que a catalogavam cmno um fenômeno social e os epicuristas e estoicos, que, paradoxalmente, atribuíam à pobreza a condição de fonte de bem-estar, de felicidade e de força moral dos homens, ao revés da riqueza, da opulência, que pelo entorpecimento os corrompia.

5.3 Idade Média Para nns ela se inicia em 395 d. C. e termina em 1453. Para outros, a Idade Média ocidental se inicia com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., quando os denominados povos bárbaros o conquistaram, até a tomada de Constaptinopla, capital do Império Romano do Oriente, pelos turcos em 1453, durando portanto nove sécnlos, enquanto para outros ela é chamada "a longa noite dos dez séculos".

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

HISTÓRIA DA C~IMINOLOGIA

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A Idade Média foi marcada pela introdução na Europa do feudalismo, pela expansão do cristianismo, como ideologia religiosa oficial, orquestrada pelas classes económicas e politicamente mais fortes e dominantes. Instalou-se a nobreza feudal, sob a proteção do papado, o qual se erigiu em centro do poder na Europa, com todas

A Metoposcopia procura determinar o caráter do indivíduo pelo exame e observação das rugas ou carquilhas da pele do rosto.

as suas manobras expansionistas e conquistadoras.

A Fisiognomonia tenta conhecer o caráter da pessoa pelo exame dos traços fisionõmicos e da conformação craniana. Segundo Drapkin, a Fisiognomonia nasceu na Idade Média com o físico italiano Juan Batista Della Porta, tendo o condão de

A essa época os escolásticos e os "doutores da Igreja" não se preocupavam ou colocavam reparo no problema da criminalidade, até o surgimento de São Tomás de Aquino (1226-1274), aquele que viria a ser o grande criador da chamada 'Justiça Distributiva" (que manda dar a cada um aquilo que é seu, segundo certa igualdade), que, na Summa Contra Gentiles, afirmara que a pobreza é geralmente uma incentivadora do roubo e, na Summa Theológica, defendeu o chamado "furto famélico", que, nos dias atuais, na legislação penal brasileira, é consagrado como "estado de necessidade", uma das quatro excludentes de crime. Cita-se ainda Santo Agostinho, que, não obstante tenha vivido no período de 354 a 430 d.C., é considerado um pensador medieval e para quem a chamada "pena de talião" era a "justiça dos injustos". Sustentava ele que a pena devia ser uma medida de defesa social e contribuir para a regeneração do culpado, além de implicitamente conter uma ameaça e um exemplo.

Os escolásticos eram os seguidores das doutrinas teológico-filosóficas, dominantes na Idade Média, dos séculos IX a XVII. "Estabeleciam correlação existente entre a fé e a razão e que se resolvia pela dependência do pensamento filosófico (representado pela filosofia grego-romana) à teologia cri~tã. A Filosofia, portanto, estava intimamente ligada à religião" (Criminologia, de Orlando Soares). No século XIII, dentro, portanto, do período citado, surge Afonso X, o Sábio, que no Código das 7 Partidas dá uma definição de assassínio e trata dos intitulados crimes premeditado e mediante remuneração.

5.4 Ciências ocultas Durante o período de transição da Idade Média para os chamados Tempos Modernos, ou seja, do século XIV ao século XVI, cita-se a influência das denominadas "ciências ocultas" sobre as concepções do que viria a ser, bem mais tarde, conhecida como Criminologia. · Em seu livro Manual de criminologia, chamando-as de pseudociências, Israel Drapkin Senderey relaciona as seguintes "ciências ocultas": a Astrologia, a Oftalmoscopia, a Metoposcopia, a Quiromancia, a Fisiognomonia e a Demonologia. A Astrologia, prenunciando a Astronomia, intenta estudar e definir o destino e o comportamento do homem pela movimentação das constelações localizadas na faixa do Zodíaco. A Oftalmoscopia, antecessora da Oftalmologia e da Iridologia, objetiva estabelecer o caráter do homem pelo exame da parte interior do olho.

A Quiromancia, através do exame das linhas da palma da mão, estuda o presente e o passado do indivíduo, procurando, também, prever seu futuro.

reunir todas as ciências ocultas numa só pseudociência. A Fisiognomonia teve mn

papel de destaque, propiciando o aparecimento da Frenologia no século XIX. Para Drapkin, a Fisiognomonia contribuiu largamente para os conhecimentos penais da época e somente com a Revolução Francesa é que ocorreu o seu declínio. Referentemente à contribuição fisiognomónica, recorda Israel Drapkin que, em Nápoles, o Marquês de Moscardi "decidia em última instância os processos que até ele chegavam; a pena que sempre aplicava era de morte ou de prisão perpétua e terminava as sentenças com este acápite: 'ouvidas acusação e defesa e examinada a

tua face e cabeça' e prolatava, em seguida, a sentença condenatória". A Demonologia buscava conhecer os indivíduos pretensamente possuídos pelo demónio, com o que facilitou e permitiu o florescimento de todas as Inquisições havidas na humanidade. Esta ciência é que propiciou o aparecimento, na Idade Média, da Psiquiatria. Naquela época, como é sabido, eram considerados possuídos pelo demónio os loucos e os portadores de alienação mental, que eram sistematicamente caçados e encarcerados, quando não sacrificados pelos terríveis Tribunais da Inquisição espalhados por todo o mundo. As condutas extravagantes, de acentuado caráter de desequilíbrio mental, eram, a esse tempo, consideradas como influenciadas pelo Diabo. Possuídos pelo demónio ou estando com ele no corpo, como diziam, esses indivíduos eram submetidos a toda espécie de crueldades- ao epitetado exorcismo, que teria por condão expulsar o Diabo do corpo do infeliz doente, que não raro era queimado em fogueira. Nessa época de trevas em que estava imergida a humanidade, segundo se enfatizava, a possessão diabólica ou demoníaca se originava de duas causas: uma "natural", em que o Diabo se apoderava de um corpo enfraquecido pela moléstia, a fim de ter uma moradia terrena; e outra "procurada", quando a própria pessoa, por sua livre iniciativa e a seu talante, alvedrio ou vontade, pedia a proteção do Diabo, com que fazia um pacto de sangue. Neste último caso, o Diabo marcava-a com seu selo (stigma diaboli), que, geralmente, era uma pequena mancha de pêlo chamuscada. O mau cornportan1ento do homem ou a sua n1á conduta, nesse período da história humana, era interpretado como um mm·bus diabolicus, uma enfermidade

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

HISTÓRIA DA CRIMINOLOGIA

diabólica, e os acometidos por ela tinham por remédio a queima pelo fogo purificador de uma fogueira humana.

estigmatizada pelas arbitrariedades e violências da Justiça, que sistematicamente aplicava a pena de morte aos criminosos submetidos a julgamento.

Porém, a Demonologia medieval, com todas a suas superstições e crueldades, teve por mérito, se assim se pode dizer, transformar-se na sementeira para o surgimento da moderna Psiquiatria, ramo da Medicina que tantos benefícios tem prestado à humanidade, aos doentes mentais e, por que não dizer, à aplicação da justiça pemil. Evidentemente, não obstante essa sua contribuição para o aparecimento da Psiquiatria, a Demonologia não passa de uma das mais grotescas ciências ocultas, mas, ainda hoje, existem inúmeros cristãos a fazerem elucubrações sobre a díade Deus-Diabo, creditando a este sua indefectível influência na prática do mal e, como diz V P. Castelo Branco, repetindo com Baudelaire, poeta francês, o famoso aviso de que "o mais atual ardil do Diabo consiste em fazer crer a todos que ele não existe".

Cita-se que, ao tempo de More, a Inglaterra teria quatro milhões de habitantes e que no decorrer de 25 anos teriam sido condenados à morte e devidamente executados cerca de 70 mil criminosos, desde os praticantes de delitos de menor gravidade até os mais graves, como o homicídio, o latrocínio etc.

De ressaltar que a Demonologia, que cuida de estudar a "qualidade e natureza dos demônios", apesar de ter antecedentes muito antigos, como o têm a Quiromancia (China- 3.000 a.C.), a Astrologia (conhecida dos chineses, hindus, maias, egípcios), foi por muito tempo acalentada no Irã, onde se adorava um Deus bom (Ormuz) e um mau (Ahra-Mani), terá ainda até hoje os seus adeptos, como se pode depreender de certos rituais de feitiçaria e bruxaria que se realizam principalmente em países do .terceiro mundo. A prôpria Fisiognomonia tem se preocupado, ainda nos tempos atuais, ~m correlacionar a aparência externa das pessoas com a conduta íntima. Aliás, isso foi objeto de atenção de vários pesquisadores, entre eles o abade Jean Gáspar Lava ter (1741-1801). Lava ter falava dos "homens de maldade natural" assemelhados ao criminoso nato de Lombroso. A Fisiognomonia deu origem à Frenologia, havendo entre ambas uma diferença: os fisiognomonistas estudavam o caráter dos indivíduos pela observação dos traços fisionômicos do rosto, ao passo que os frenólogos se preocupavam com o estudo, além dos traços fisionômicos, da configuração do crânio, da cabeça; mas sobre a Frenologia tratar-se-à demorada mente mais adiante.

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A média de execuções era de dez por dia. A Utopia consubstanciou em suas páginas a primeira crítica fundamentada contra a burguesia ascensional de então, a par de analisar as razões da decadência do regime feudal. Em sua obra More imagina uma sociedade idílica (e essa era a sua utopia) onde um governo organizado da melhor maneira proporcionaria ótimas condições de vida a um povo, que assim seria equilibrado e feliz. Governo que faria com que os meios de procluçao fossem propriedade coletiva, ensejando a que os cidadaos fossem melhores e mais honrados, podendo usufruir ele todo bem-estar possível. More propugnava por penas menos rigorosas e que elas fossem correspondentes à natureza elos delitos. Com seu espírito essencialn1ente cristão, More, através de seu personagem Rafael Hitlocleu, dizia que em um país, quando o povo é miserável, a opulência e a riqueza úcatn em poder das classes superiores e essa situação economicmnente antípoda faz gerar um tnaior número ele crimes, inclusive pelo con1prometimento da ordem moral, ligada diretamente ao luxo esbanjador elos ricos. More já sinalizava o fator econô1nico como uma das causas de criminalidade,

5.5 Precursores da Criminologia

Drapkin esclarece que naquela época a situação econômica da Inglaterra era deplorável. Flandres absorvia toda a sua produção ele lã, razao pela qual os campos da Inglaterra foram sendo destinados ao pastoreio de gado menor, diminuindo-se assim os terrenos destinados ao cultivo de produtos agrícolas com as funestas consequências que seriam de esperar. A esse respeito proclamava More: "Na Inglaterra as ovelhas comem os homens".

Antes do aparecimento de Lombroso, que dá início ao período de Antropologia Criminal, do século XV até 1875, houve uma enorme gama de autores que podem ser considerados precursores da Criminologia e entre eles é imperioso que se alinhem: filósofos, pensadores, fisiognomonistas, frenólogos, médicos, psiquiatras etc.

O povo inglês, submetido ao déspota Henrique VIII, um tirano avarento, sofria toda espécie ele opressão e miséria, enquanto a nobreza e o clero possuíam a maior parte do solo e das riquezas do país, onde, paralelamente, a inexploração racional das terras fazia o povo por brandir, como arma, o grito sufocado do delírio da fome.

5.6 Filósofos e pensadores

More, por ter se insurgido contra todo esse estado de coisas, acabou, por determinação de Henrique VIII, sendo decapitado.

Thomas More (1478-1535)- ou Morus ou Moro- era um inglês, chanceler de Henrique VIII. Publicou uma obra de grande importância para estes estudos e de consulta interessante até os dias atuais, intitulada Utopia, onde descreve um torrencial de crimes que assolava a Inglaterra à época de sua existência, outrossim,

Erasmo de Roterdan, pensador e amigo particular de More, em sua obra Elogio da loucura, publicada em Paris em 1509, zombava dos costumes da época e sobretudo satirizava os homens da Igreja. Erasmo pregoava, como já houvera feito Platão, que a pobreza era um dos fatores de criminalidade.

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Martinho Lutero (1483-1546), influenciador de muitas revoltas camponesas na Alemanha, de cujas ideias revolucionárias posteriormente se afastou, foi o primeiro autor a distinguir uma criminalidade rural e outra urbana.

Montesquieu deu realce, ademais, ao que revela indiscutível atualiclade: "Qu:J se examinem as causas de todas as corrupções de costumes; ver-se-á que aquelas se elevem à impunidade dos crimes, e não à moderação das penas".

Francis Bacon (1561-1626) admitia como causas determinantes ele criminalidade fenômenos socioeconômicos, no que foi acompanhado por Descartes (15961650).

Existem outros filósofos ela época, sem repercussão histórica, mas que se revelam de alguma importãncia. Como exemplo, de consignar a figura de Brissot ele Warville, quando enfatizou "que a propriedade era um roubo".

Jean Mabilon (1632), padre beneditino francês, introduziu as primeiras prisões monásticas.

Marat (1743-1793), um dos líderes da Revolução Francesa, sustentava que a pena não devia ter um firi-t expiatório, e sim preservar a segurança da sociedade, e que a punição e seus efeitos não poderiam ultrapassar a figura do criminoso.

Filippo Franci, italiano, em 1677, em Firenze, cria a primeira prisão celular. O Iluminismo, movimento cultural-filosófico surgido nos fins elo século XVII na Europa, que atingiu seu apogeu no século XVIII, por isso este é chamado o "Século das Luzes", corresponde a um período ele modificação de ideias e conceitos, que culminaram com a Revolução Francesa (1789) e contribuíram decisivamente para inovações no campo elas concepções penais, semeando o caminho propício ao advento elas escolas penais e a sistematização científica não só do Direito Pe,nal como também elas demais ciências afins, no século XIX, possibilitando que evoluíssem até o estágio a tua!. Diga-se, ele passagem, que o que existia até o início elo século XVIII não eram propriamente prisões, dadas a péssima estrutura e as condições inaclequaclas, do que se pretendia como tal. Outrossim, os juízes eram arbitrários e unilaterais. A confissão era a rainha das provas e sistematicamente obtida mediante a aplicação de crudelíssimas torturas. Contra essa situação ergueram-se filósofos e humanistas e, assim, em 1780, é suprimida a tortura na França, em 1817 na Espanha, em 1840 em Hanover e em 1851 na Prússia. Dos filósofos que tiveram participação ativa nesse movimento renovador, justo que se destaque, desde logo, Montesquieu (1689-1755), que, na sua obra principal L:esprit des lois, proclamava que o bom legislador era aquele que se empenhava na~ prevenção do delito, não aquele que, simplesmente, se contentasse em castigá-lo. Jfl "Ao invés de funcionar como castigo, a pena deveria ter um sentido reeducador", dizia Montesquieu:\'-

Ainda sobre o fenômeno criminal, Montesquieu estabeleceu uma distinção entre os delitos. Dividiu-os na conformidade elo direito por eles ofendidos. Falou em crimes que ofendem a religião, os costumes, a tranquilidade e a segurança elos cidadãos. Pode-se concluir que a preocupação de Montesquieu, em dividir os crimes de acordo com o bem jurídico atingido, serviria posteriormente à reflexão daqueles que vieram a estabelecer a classificação ele criminosos, orientando-se por aspectos não só jungidos à natureza elo bem jurídico lesionado, mas também às próprias características pessoais dos autores de crimes.

Cano

Jean-Jacques Rousseau, em sua obra de maior importância e divulgação, trato social, assevera que, se o Estado for bem organizado, existirão poucos delinquentes e na Enciclopédia, livro menos conhecido, afirmou que "a miséria é a mãe dos grandes delitos".

Rousseau, que nasceu em 1712 e faleceu em 1778, em outra obra, Discursos sobre a origem e fundamento da desigualdade entre os homens, editada em 1753, criticou o primeiro homem que ensejou a repartição da terra, dando, destarte, origem ao conceito de propriedade. São suas estas palavras: "O primeiro homem que, tendo cercado um pedaço de terra, botou na cabeça que 'isto é meu' e encontrou gente suficientemente simples para acreditar-lhe, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos; quantas misérias e horrores seriam poupados à espécie humana se alguém tivesse destruído as cercas delimitadoras e dito aos companheiros: 'Tende cuidado em crer neste impostor, estais perdidos se esquecerdes que os frutos da terra a todos pertencem e que a terra em si não é de ninguém"'. Pela análise do pensamento de Rousseau infere-se que, para ele, o advento da propriedade privada foi a razão de todos os conflitos sociais. Sua concepção, nesse sentido, pode ser considerada o ponto fundamental em que se sustentou no século XIX a teoria marxista, ao estabelecer a luta pela extinção da propriedade privada e dos meios de produção, como solução para a implantação de uma sociedade mais justa e igualitária. Ressalta-se que Rousseau condenava também a inflição da pena de morte, os martírios, suplícios ou torturas aplicadas contra o delinquente. Voltaire (1694-1778), falecido no mesmo ano que Rousseau, destacou-se, entre outras coisas, por sua luta pela reforma das prisões (ele mesmo esteve recolhido à Bastilha), pela reformulação ela pena de morte, propondo a sua substituição por "trabalhos forçados", e combateu, igualmente, a prática de tortura como forma de obtenção da verdade ou da prova. Salientava Voltaire que "o roubo e o furto são os delitos dos pobres". Propugnou pelo trabalho a ser imposto ao condenado, que não deveria permanecer na ociosidade da prisão.

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Cesar Bonesana, mais conhecido como Marquês de Beccaria (1 738-1794), como Montesquieu, Voltaire e Rousseau, teve a audácia de afrontar os costumes penais de seu tempo publicando Dos delitos e das penas, até hoje obra clássica e de leitura obrigatória para todos aqueles que se interessam pela ciência penal e pela Criminologia. Com relação a esta última, de enfatizar que o livro de Beccaria teve por mérito modificar toda a Penalogia, sendo justo que se divida a evolução do sistema penal pnnitivo em antes e depois da publicação de sua obra, que é considerada precursora da Escola Clássica do Direito Penal. Segundo Samuel Galardo, Beccaria nasceu em Milão, Itália, e trouxe em seu sangue a rebeldia de seus ancestrais, como, por exemplo, Lancelote Beccaria, que por ordem do então duque de Milão, Felipe Maria Visconti, foi executado por enforcamento em patíbulo montado à praça da Pavia. Beccaria fez seus estudos no Colégio dos jesuítas de Parma, onde também foram educados Voltaire, Helvécio, Diderot etc., haurindo-se das ideias dos filósofos e escritores que deram nascimento à Revolução Francesa, sendo ele, Beccaria, um rebelde inovador de ideias no campo da justiça criminal, tendo para tanto sofrido, a influência principalmente de Montesquieu, este "um revolucionário de peruca perfumada e luvas brancas". Beccaria rebelou-se contra as arbitrariedades da justiça criminal e, antes de completar 27 anos, publicou, clandestinamente, temendo possíveis represálias, sua obra na cidade de Livorno. O livro de Beccaria causou muito impacto, sendo veementemente atacado por todos aqueles que de uma forma ou outra foram por ele atingidos ou porque não concordassem com suas proposições. Tal acontecimento modificou a vida de Beccaria, que abandonou seus estudos filosóficos e, em uma de suas cartas, manifestou sua contrariedade ao escrever: "Eu quis defender a humanidade, sem ser um mártir dela. Esta ideia, de que devia ser obscuro, às vezes até me fez sê-lo sem necessidade". Beccaria escreveu outras obras, mas só Dos delitos e das penas é que teve grande repercussão, talvez, por entre outros merecimentos, estar eivada de protesto contra o que ele considerava o injusto, arbitrário e cruel procedimento da justiça criminal da época. Beccaria legou à posteridade ensina1nentos avançadíssimos para seu tempo, no campo da Penalogia, como, por exemplo, quando, sabiamente, proclamava: -A atrocidade das penas opõe-se ao bem público. -Aos juízes não deve ser dado interpretar as leis penais.

-As acusações não podem ser secretas. -As penas elevem ser proporcionais aos delitos. Não se pode admitir a tortura do acusado por ocasião do processo.

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-Somente os magistrados é que podem julgar os acusados. -O objetivo da pena não é atormentar o acusado, e sim impedir que ele reincida e servir de exemplo para que outros não venham a delinquir. -As penas devem ser previstas em lei. -O réu jamais poderá ser considerado culpado antes da sentença condena tária. -O roubo é ocasionado geralmente pela miséria e pelo desespero. -As penas devem ser moderadas. -Mais útil que a repressão penal é a prevenção dos delitos. -Não tem a sociedade o direito de aplicar a pena de morte nem ele banimento. E ao concluir sua obra diz o famoso marquês: "De tudo o que acaba ele ser exposto pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas pouco conforme ao uso, que é o legislador ordinário das nações: é que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária; a tnenor elas penas aplicáveis nas circunstâncias dadas proporcional ao delito e determinada pela lei". Sobre o grande valor da obra de Beccaria, de registrar a carta a ele enviada em fevereiro de 1766, de Paris, pelo abade, literato, enciclopedista e economista francês André Morellet (1727-1819), que inicia dizendo ao marquês: "Sem ter a honra de conhecer-vos, julgo-me no direito de endereçar-vos um exemplar da tradução que fiz de vossa obra Dei Delitti e delle Péne etc." e encerra dizendo: "Termino, senhor, esta longa carta rogando-vos que me considereis como um dos vossos maiores admiradores e como um dos homens que mais vivamente desejam participar de vossa estima e de vossa amizade. Muito me afligiria a ideia de não vô-lo poder dizer um dia a vós mesmo. Estou ansioso por ter vossas notícias, conhecer vosso juízo sobre minha tradução, saber se continuais a marchar na bela estrada que vos abristes e a ocupar-vos com o bem da humanidade". A tão ilustre missivista, respondeu Beccaria em maio de 1766, de Milão: "A mais profunda estima, o maior reconhecimento, a mais terna amizade, são os sentimentos que fez nascer e1n mim a carta encantadora que vos dignastes escreverme ... ". E continua: "Minha ocupação é cultivar a paz, a filosofia, e contentar assim três sentimentos muito vivos etn mim: o amor à reputação literária, o amor à liberdade e a compaixão pelas desgraças dos homens, escravos de tantos erros ... ". Nessa carta Beccaria faz considerações elogiosas a Helvetius, dirigindo-lhe estas palavras: "Foi ele quem me lançou com força no caminho da verdade e quem primeiro despertou minha atenção para a cegueira e as desgraças da humanidade. Devo à leitura doEspírito (obra de Helvetius publicada em 1758) uma grande parte de minhas ideias" e terminou a carta a Morellet escrevendo: "Rogo-vos encarecidamente me envieis vossas observações e as dos vossos amigos, para que eu as aproveite numa sexta

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edição. Comunicai-me, sobretudo, o resultado de vossas palestras sobre meu livro com o Sr. Diderot (referia-se ao filósofo francês Denis Diderot, logicamente). Desejo vivamente saber que impressão teve de mim essa alma sublime". Geremie Bentham teve, juntamente com Beccaria, Servan, Howard etc., participação importante no trabalho de reforma penal que se sucedeu, principalmente após a publicação da obra Dos delitos e das penas. Bentham, que nasceu na Inglaterra em 1748 e morreu em 1832, é considerado o criador da Filosofia Utilitarista, que alicerça seu fundamento no postulado "o maior bem-estar para o maior número" ..

A primeira lápide exposta a um inglês de destaque na Catedral de São Paulo, na Inglaterra, é dedicada a perpetuara memória de John Howard. Outrossim, da lápide de seu túmulo consta a significativa e definitiva homenagem a ele prestada: "Peregrino, quem quer que sejas, estás diante do túmulo do teu amigo John Howard".

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Nesta doutrina estaria inserida toda uma estratégia de profilaxia ou prevenção de criminalidade. Bentham foi discípulo de Howard e inspirando-se em seus ensinamentos escreveu o Panopticum, onde propõe a construção de um estabelecimento penal cuja estrutura física se prestaria a uma forma mais adequada de cumprimento de pena, que se revestiria de caráter eminentemente educativo. John Howard (1726-1780), nascido na Inglaterra, ganhou destaque e proeminência no âmbíto das ciências penais e afins. Com 4 3 anos de idade foi designado xerife de Bedford, revelando-se, no cargo, como excelente penitenciarista, em face da verdadeira devoção com que se dedicou à melhoria das prisões. Imbuído dos mais elevados ideais, fez diversas viagens à Europa visitando prisões, e em decorrência do seu apego à causa que abraçara veio a falecer na Rússia, acometido de mal grave contraído em uma visita que fazia a um leproso. Por ocasião de suas viagens, ocorreu com Howard um episódio triste, eis que, em se dirigindo a Portugal, para visitar os flagelados de terremoto ocorrido em Lisboa, em meio à travessia marítima, o navio em que viajava foi capturado por piratas franceses, sendo levado para uma prisão em Brest, onde veio a sentir na própria carne todas as agruras, martírios e suplícios a que eram submetidos os presos, nos imundos cárceres a que eram lançados, sujeitos ao contágio das mais diversas moléstias.

Tal fato fez com que ao seu regresso à Inglaterra mais se acendesse o seu ideal de pugnar tenazmente pela reforma das prisões. Insurgiu-se contra o critério de manter encarcerados aqueles que já haviam cumprido pena ou, se absolvidos, não pudessem pagar a "hospedagem", os "direitos de carceragem", pois as prisões eram, então, exploradas por particulares. O Parlamento inglês o ouviu, abolindo definitivamente o dever de pagar oreferido tributo (conforme ensina Hélio Tornaghi em seu livro de Processo Penal). Fruto de toda a sua experiência amealhada, Howard escreve, em 1777, a obra The síate of prisons. Ele é considerado o criador do sistema penitenciário e, por seu incansável labor em prol dos menos favorecidos ou desgraçados, é tido como um dos grandes benfeitores da humanidade.

5. 7 Frenologia O criador da Frenologia tem sido considerado Joseph Gaspard Lava ter (17411801), filósofo, orador e teólogo protestante. Natural de Zurich, na Suíça, é autor de várias obras, entre literárias e artísticas. No entanto, mais importante que ele para a Frenologia foi o anatomista austríaco Johan Frans Gal! (1758-1823), que foi o precursor das chamadas "teorias das localizações cerebrais" de Broca, em meados do século XIX. É dele também a teoria sobre vultos cranianos, que posteriormente veio a influenciar a teoria lombrosiana. Gal! foi o primeiro estudioso a relacionar a personalidade do delinquente com a natureza do delito por ele praticado. Gal! escreveu as obras: Introdução ao curso de fisiologia do cérebro, Anatomia e fisiologia do sistema nervoso em geral e do cérebro em particular, Das disposições da alma e o espírito etc. Segundo Gal!, as tendências comportamentais do homem se originam de lugares determinados do cérebro, e aquelas mais predon1inantes ocasionam protuberâncias sobre o crãnio em forma de calombos, facilmente localizáveis pela simples apalpaçào. Gal! organizou um mapa dessas saliências a indicarem a conduta predominante no indivíduo, desde a passividade absoluta à rebeldia incontrolável, a bondade ou a maldade, a honestidade e, a sua contrario senso, a inteligência maior ou menor. Existem, na Europa, gravuras sobre esse assunto que podem ser observadas em museus com as indicações das regiões do crânio, das saliências e respectivas tendências. Lauvergne foi um frenólogo francês que atingiu algum destaque. Nascido em 1797, faleceu em 1859. Sua principal contribuiçào nessa área foi um estudo que fez sobre os presidiários de Toulon. Nesse trabalho de pesquisa chegou às mesmas conclusões de Gal!. De salientar que os estudos e pesquisas feitos pelos fisiognomonistas e frenálogos foram muito importantes na sua época, legando, ademais, para a posteridade, subsídios que vieram a ser utilizados pela medicina e também pela literatura. No século XIX, a par dos fisiognomonistasJuan Batista De! la Porta e Gratarolli de la Chambre, também podem ser citados Mantegazza, Casper e Darwin. Entre os frenólogos, além dos referidos Gal!, Lauvergne e Lavater, merece citação De Rolandis, o primeiro a submeter um delinquente a uma necropsia no ano de 1835. Igualmente devem ser mencionados Lucas, que estudou a herança genética e o atavismo, e Virgílio, que, em sua obra Sulla Natura Morbosa del Delito, tratou dos caracteres anormais do criminoso dentro de um enfoque que, posteriormente, viria fundamentar a teoria lombrosiana.

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Pela excentricidade de suas análises, é justo que se ressaltem as comparações que fazia De !la Porta com relação à semelhança fisionõmica dos criminosos com os animais selvagens. Della Porta escreveu um livro sobre o assunto, fazendo muitos adeptos. Para seus seguidores, não só os criminosos, mas muitos homens comuns e vários deles ilustres, tinham suas fisionomias asemelhadas a certos animais.

More! (1809-1873) emitiu conceito também importante no assunto, dizendo que ao fim de algumas gerações (às vezes poucas) e por circunstâncias desfavoráveis o indivíduo normal podia degenerar-se e adquirir taras biológicas, psicológicas e morais.

Cita-se, por exemplo, a semelhança do ministro francês Talleyrand com a raposa e a parecença de outro francês, o general Kleber, com o leão.

- On the origin of species by the means of natural selection, or the preservation of Javoured races in the struggle for life (1859);

Não se pode negar, por fim, que a Frenologia tenha sido um avanço dado em direção à pesquisa do comportamento humano, hoje em pleno desenvolvimento, mercê dos trabalhos efetuaclos por Niko Timbergen, RobertArclrey, Desmond Morris, Konrad Lorenz e outros mais.

- The various contrivances by which orchids are fertilized by insects (1862);

Antes ele focalizar a contribuição ofertada por Charles Darwin, oportuno que se mencione, ainda ne~se período, alguns médicos psiquiatras, visto que suas pesquisas junto a prisões, igualmente cuidando ele presos doentes, conferem a eles, com inteira justiça, a condição de precursores ele Lombroso. Desses psiquiatras, o realce maior ficaria para Felipe Pinel (1745-1826), tido como o próprio pai da Psiquiatria Moderna, tendo sido o primeiro a modificar, através de sua influência, os seus pares da época, no que diz respeito à forma com que eram tratados os loucos, tidos até então como possuídos pelo Diabo e, por isso, eram surrados cruehnente e, via de regra, acorrentados. Pinel transfonnou o louco ele pária em doente, que deveria ser adequadamente tratado e não sofrer violências, pois estas só contribuem para o agravmnento de sua doença. Segundo relato contido em uma das obras de Pinel, o primeiro louco examinado e liberto das correntes foi um soldado de nome Chevigné., encarcerado na "La Sante", que, segundo Pinel, quando foi desacorrentado "chorava como uma criança, ao se ver tratado como criatura humana". Esquirol (1772-1840), Diretor da Maison de Charenton e discípulo de Pinel, procedeu a estudos relacionando a loucura com o cmnetimento de crime. Segundo Drapkin, Esquirol foi o criador do conceito ele monomania, que deu lugar a uma nova modalidade de concepção psiquiátrica de loucura moral, que foi definida, em fins elo século XVII, pelo médico inglês Thomas Abercromby, como característica de alguém com bom nível de inteligência, mas com graves defeitos ou transtornos nos seus princfpios morais.

Charles Darwin (1809-1882) tem em destaque as seguintes obras:

- On the movements and habits of climbing plants (1865); - The variation of animal and plants under domestication (1868); - The descent of man and selection in relation to sex (1872); - The expression of the emotions in man and animais (1872); - The Jormation of vegetable mould through the action of worms (1881). Darwin teve a sua teoria evolucionista coordenada e harmonizada aos progressos das ciências biológicas, porJulian Huxley e James Fisher, que para tanto selecionaram os trechos mais sugestivos de dois livros básicos de Darwin: A origem das espécies e a A descendência do homem, visando a atualização da célebre teoria do sábio inglês.

A ideia fundamental lançada por Darwin é a da "evolução modificada dos seres humanos".

Sua ideia de seleção natural é inerente à da evolução. Ambas completam a teoria de Darwin. Separá-las seria emitir um novo conceito ou elaborar uma nova teoria. Eis o que dizem sobre Darwin James Fisher e Julian Huxley, este último neto de T. H. Huxley, ardoroso defensor da teoria evolucionista: "A teoria da evolução é, sem dúvida alguma, a generalização mais importante até agora feita no campo da biologia, digna de emparelhar-se com as grandes concepções gerais das ciências físicas, tais como a conservação e degradação da energia, a moderna teoria atômica ou a teoria da gravitação de Newton''. Ao estabelecer a Teoria da Evolução, Darwin trouxe a mais vasta contribuição até hoje feita por um único homem. Pode, realmente, ser chamado de o Newton da Biologia, porque foi o primeiro que soube reunir os fatos dispersos desta ciência com a força mágica da ideia simples (dispensando a ginástica fatigante do pensamento) e assim, de tuna só vez, dispô-los en1 utn todo con1preensível.

Desde essa época a Escola Inglesa passou a basear-se nessa "moral insanity", sendo Pritcharcl (1786-1848) o canso lidador do seu conceito que, posteriormente, viria a dar embasamento a Lombroso, na sua conceituação de criminoso nato.

Darwin sempre terá, portanto, um notável lugar na história da ciência. Entretanto, tem sido ele relegado a uma posição puramente histórica: hoje, não obstante seus inúmeros trabalhos haverem sidÓ publicados aproximadamente há 70 ou 80 anos, ainda ocupa um lugar saliente na ciência hodierna.

Sucedendo Pritchard, Mandsley (1835-1918) continuou sustentando para os ingleses esse conceito, no que foi imitado por Despine, entre os franceses, e Garófalo, entre os italianos.

Apesar do progresso extraordinário atingido por todos os ramos da biologia até agora, é ainda de proveito para o biólogo evolucionista reler o que foi escrito por Darwin. Poderá estar certo de que encontrará não somente fatos incomuns e

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interessantes no vasto acervo acumulado por Darwin, mas também ideias incentiva-

confirmada por Darwin nem encontra apoio científico. Essa assertiva não passa de

claras que podem trazer luzes para os problemas atuais ou mesmo sugerir hipóteses de trabalho.

uma abusiva montagem de efeito, e repugna aos espíritos bem-formados essa ignóbil exploração da boa-fé dos leitores. Darwin, aliás, em diversas passagens de suas obras, dá provas inequívocas da sua circunspecção e o cuidado com que esmiuça a possível descendência do homem. Em A origem das espécies apenas deu a compreender que a sua teoria da seleção natural poderia trazer luzes sobre esse assunto. E em A descendência do homem, ao tratar dos estados pelos quais o homem passou, escreve cuidadosamente, usando não poucas vezes o "talvez" e o "possivelmente" e os verbos no pretérito.

O leigo pode, igualmente, tirar proveito de um conta to direto com os escritos de Darwin. Interessante registrar o que diz o próprio Darwin, ao término de seu livro A origem do homem e a seleção sexual: "A conclusão principal a que se chegou nesta obra, isto é, a de que o homem descendeu de alguma forma menos organizada, nem sequer gosto de pensar, desagradará bastante a muitos. Mas dificilmente podemos duvidar que não tenhamos descendido de bárbaros. jamais esquecerei o espanto que tive quando pela primeira vez vi uma reunião de fueguinos numa praia selvagem e impérvia, diante da ideia que logo me veio à mente- assim eram os nossos antepassados. Esses homens estavam completamente pelados e tinham o corpo pintado, com longos cabelos emaranhados, as bocas espumavam de excitação e tinham uma expressão selvagem, apavorada e cheia de suspeita. Malmente tinham alguma arte, viviam como animais selvagens daquilo que conseguiam capturar e eram impiedosos com o que não fosse de sua tribo. Quem tiver visto um selvagem em sua terra nativa não sentirá muita vergonha se for constrangido a reconhecer que em suas veias corre

o sangue das mais humildes criaturas. Quanto a mim, quisera antes ter descendido daquela pequena e heroica macaquinha que desafiou o seu terrível inimigo para salvar a vida do próprio guarda; ou daquele velho babuíno que, descendo da montanha, levou embora triunfante um companheiro seu jovem, livrando-o de uma matilha de cães estupefatos, ao invés de descender de um selvagem que sente prazer em torturar inimigos, que encara as mulheres como escravas, que não conhece o pudor e que é atormentado por enormes superstições. Releva-se ao homem se sente algum orgulho por ter galgado, embora não por méritos próprios, o cume da escada dos viventes; e o fato de ter-se elevado desta maneira, ao invés de ter sido colocado ali desde as origens, pode permitir que se embale na esperança de um destino ainda mais elevado num futuro longínquo. Mas acontece que aqui não nos ocupamos de esperanças e temores e sim apenas

da verdade, pois a nossa razão nos permite descobri-la e para tanto apresentei provas dentro do máximo das minhas capacidades.

Saliente-se, ademais, que quando Darwin publicou suas obras a Biologia não tinha o avanço de hoje. Por exemplo: no que concerne aos princípios que regiam as variações hereditárias e as não hereditárias as ideias eram completamente vagas; o microscópio não revelara até aquele momento os fatos básicos relativos aos cromossomos e seu comportamento. A Paleontologia jazia ainda na su~ infância. De esclarecer que os elementos aduzidos, referentemente a Darwin, foram mais minuciosos, em face da sua inegável importância no que diz respeito a origem do homem e pela irretorquível repercussão científica e filosófica de sua obra, no final do século XIX, e de cuja influência não escapou Lombroso, que, em sua teoria, fala do atavismo, que é um conceito darwiniano. 5.8 Período de Antropologia Criminal Em sua obra A filosofia da história, ensina H. Schneider: "Só o homem é o objeto da historiografia humana: unicamente seu destino, seus empreendimentos provocam o interesse suficiente, têm importância prática para o que desejamos conhecer e reter com tal exatidão. Se fôssemos ratos então seria História, para nós, a História dos Ratos". Tudo na História é pelo indivíduo e para o indivíduo, afirma P. Lavroff. Collingwood diz "que o valor da História consiste em mostrar o que o homem fez e nesse sentido, o que é o homem". Marx assevera: "O primeiro objeto do homem é o homem". Mas a História não procura conhecer o homem só pelo prazer de conhecê-lo. Conhecer o homem é conhecer a razão hu1nana, a essência dessa razão, o que o move através da História.

Contudo, cumpre que se reconheça, pelo menos é o que me parece, que o homem, com todas as suas nobres qualidades, com 'simpatia' que experimenta pelos mais infortunados, com benevolência extensiva, não somente a todos os homens, mas às mais humildes criaturas viventes, com o seu intelecto quase divino que penetrou nos movimentos e na estrutura do sistema só lar, com todos estes enormes poderes, cumpre reconhecer que ele traz ainda na sua estrutura física a marca indelével da sua ínfima origem".

ou mau, pois a essência da Historiografia está em conhecer, através da História, o comportamento humano por via de suas ações e reações no mundo em que se agita o existir humano.

A afirmação de certa literatura moderna, ao referir-se à teoria da evolução ou à filogenia de que o homem passou pelas fases de peixe, sapo, réptil e ave, jamais foi

Lombroso preocupou-se com um desses aspectos da História humana e estudou o homem que, através de suas ações, de seu comportamento, é considerado delin-

Assim a História consiste em conhecer o homem pelo que ele fez de bom

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quente e a esse homem conferiu caracteres morfológicos, como salienta em sua obra ruamo delinquente, onde diz: "O estudo antropológico sobre o homem criminoso deve necessariamente basear-se nas suas características anatômicas".

riam), crueldade, leviandade, aversão ao trabalho, instabilidade, vaidade, tendência a superstições, precocidade sexual. Lombroso pregoava que o criminoso nato tinha um regresso atávico, pois que muitas elas características por ele apontadas também eram próprias das formas primitivas dos seres hu1nanos. Lombroso julgou também ter encontrado relação entre a epilepsia e a chamada moral insanity. Poré1n, como nem todos os criminosos mostram essas características (como o próprio Lombroso reconheceu mais tarde), ele distinguiu, como pseudocriminosos, os ocasionais e passionais, mantendo-se, no entanto, agarrado à ideia de que a maior parte restante dos criminosos formava um tipo antropológico unitário e este seria o criminoso verdadeiro, que nasce como tal e a sociedade dá-lhe apenas as oportunidades e motivos para a manifestação de sua disposição criminosa.

A Antropologia Criminal (destacada da Antropologia Geral) foi fundada por Cesare Lombroso, médico italiano. Em determinado momento histórico, o Direito Penal abandonou o terreno da abstração em que se colocara ao tempo da chamada Escola Clássica, passando para o concretismo das verificações objetivas sobre o delito e, fundamentalmente, sobre o criminoso. Dominou o espírito dos então cultores do Direito Penal a imperiosidade de se fazer pesquisas mais profundas acerca do coeficiente humano que existe na ação clelituosa. Esse movimento desencadeou na criação ela Antropologia Criminal por intermédio de Lombroso, médico psiquiatra e professor dessa disciplina na Universidade ele Turim, que considerou o delinquente sob o prisma das ciências que eram o centro de suas cogitações habituais e, outrossim, aplicando ao exame da criminalidade a mesma estratégia utilizada no conhecimento da natureza humana. Com sua proposição revolucionária, Lombroso ampliou sobremaneira os horizontes da prevenção e repressão criminais. De ressalvar que Lomhroso, como se infere pelo estudo ele seus precursores, não esteve sozinho nessa tarefa. Isso, no entanto, não retira a inquestionável originalidade de seu trabalho, mesmo porque o que se fizera antes dele "não fora mais que abordar determinados aspectos, por vezes muito superficiais, das questões que o genial criminalista corajosamente enfrentou", cotno enfatiza o insigne Basileu Garcia em Instituições de Direito Penal. Lombroso, que nasceu em 06.11.1835, em Verona, e morreu em Turim em 09.10.1909, embora não tenha sido o primeiro (antes dele, Lauvergne na França, Nicholson e Thompson na Inglaterra e Schwekendik e Benedict na Alemanha haviam feito estudos idênticos), fez investigações anatómicas e antropológicas em prisões. Mas, nesse tempo, é dele a contribuição mais importante. A sua doutrina elo criminoso nato, publicada ele 1871 a 1876 e que já em 1878 tinha a sua 2.' edição, deu-lhe, em pouco tempo, fama mundial, inobstante tenha, desde logo, encontrado ferrenha oposição. Lornbroso in1aginou ter encontrado, no criminoso, em sentido natural-científico, uma variedade especial de homo sapiens, que seria caracterizada por sinais (stigmata) físicos e psíquicos. Tais estigmas físicos do criminoso nato, segundo Lombroso, constavam ele particularidades da forma da calota craniana e da face, consubstanciadas na capacidade muito grande ou pequena elo crânio, no maxilar inferior procidente, fartas sobrancelhas, molares muito salientes, orelhas grandes e deformadas, dessimetria corporal, grande envergadura elos braços, mãos e pés etc. Como estigmas ou sinais psíquicos que caracterizariam o criminoso nato, Lombroso enumerava: sensibilidade dolorosa diminuída (eis por que os criminosos se tatua-

Lombroso nunca disse, portanto, que todo criminoso é nato, e sim que o verdadeiro criminoso é nato.

Lombroso tirou ele sua doutrina conclusões de muito interesse para a Política Criminal, ou seja, ele que contra o criminoso nato, sujeito a seu impulso criminal, que implicavelmente o domina, não caberiam expiações morais ou punições infamantes e a sociedade teria o direito de proteger-se desse tipo ele criminoso, até condenando-o à prisão perpétua e só excepcionalissimamente e apenas como "medida ele seleção" condená-lo à morte. A doutrina do criminoso nato, que seria o indivíduo propenso a praticar crimes em decorrência de taras ancestrais, e assemelhado aos selvagens, ao tipo de homem primitivo, transportado por atavismo a tempos muito distantes elo que deveria ter vivido, e, ainda, que tal criminoso reproduziria, sob o ponto de vista psicológico, as tendências, os hábitos ele um tempo imensamente distante da História ela humanidade, e, sob o aspecto físico, apresentando aspectos morfológicos e malformações congênitas análogas às elos primevos, não resistiu às pesquisas ulteriores ele outros investigadores, especialmente de Baer (Der Verbrecher in anthropologischer Bezichung, 1893) e de Bleuler (Der Geborene Verbrecher, 1896). Baer, médico elas cadeias ele Berlim, verificou através de numerosas investigações por ele procedidas que os ocupantes das cadeias não se distinguem da população não criminosa por qualquer sinal particular, e, portanto, o crilninoso nato não existe como variedade morfológica da espécie humana. Todavia, pertence a Lombroso o mérito histórico, que jamais lhe poderá ser retirado, de ter dado, através ele observação natural científica do homem criminoso, o impulso para as investigações criminológicas que se seguiram até os dias atuais. A importância ela sua escola Antropológica Criminal é reconhecida até hoje na ltália, inclusive por ter propiciado o surgimento da chamada teoria da disposição. Lombroso, através de exa1nes procedidos em vivos recolhidos aos cárceres e em mortos, aos quais necropsiava, como, por exemplo, Vilela, de cuja autópsia nasceu, no dizer de Drapkin, a "eureca" de Lombroso, pois nesse delinquente ele

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encontrou a terceira fosseta occipital ou média, retirando desse fato o elemento que

Taras Patológicas. Entre as taras patológicas destaca-se a epilepsia, esta descrita, segundo se afirma, com precisao inquestionável por Lombroso, que, referindo-se ao delito cometido pelo epilético, empresta-lhe cinco características distintas: l. A ação praticada pelo criminoso está em desacordo com seus antecedentes e com sua vida pregressa; 2. O delito tem um aspecto fulminante, pois é cometido com invulgar instantaneidade; 3. A açao delituosa tem requintes de extrema ferocidade e se consubstancia num sem-número de lesões, geralmente; 4. O crime é praticado só por um, pois, sendo praticado durante um surto ou impulso mórbido, o indivíduo está fora de si; 5. O criminoso pode perder, completamente, a lembrança do ato praticado, esquecê-lo ou lembrar-se dele vagamente e com imprecisão, além de indiferença.

procurava para dar origem à sua teoria do "atavismo", porque tan1bém é encontrada em alguns crânios de homens primitivos e símios. Por aí deu início à construção

de sua doutrina antropológica-criminal. Os pontos fundamentais dessa doutrina, resumindo e sistematizando o que até aqui foi exposto, poderiam ser alinhados da forma que adiante segue. O "atavismo", que é o aparecimento, em um descendente, de um caráter não presente em seus ascendentes imediatos, mas sim em remotos, como, por exemplo, se um membro de determinada família apresentar uma polidatilia, que é a anomalia congênita de possuir dedos a mais que o normal, e não existi r nessa família ninguém nas mesmas condições, dir-se-á que é uma malformação atávica. Sobre o atavismo atuante sobre os criminosos formaram-se duas correntes: os defensores do atavismo físico e os defensores do atavismo moral.

Sergi diz que influi no criminoso o atavismo físico ou pré-humano, originário do homem primitivo, dos antropoides ou, quiçá, o grifo é dos autores, dos australopitecos. O argumento de Sergi, desde logo, parece inverossímil. Colajanni, ao revés de Sergi, fala no atavismo moral a influenciar o delinquente, pois, segundo ele, o sentido moral era o último a se adquirir na evolução natural dos seres humanos e o primeiro que se perdia. Segundo Drapkin, Colajanni também laborou em erro e cita, como exemplo, que os selvagens tinham a sua moral e ética peculiares. Taras degenerativas. Pode-se, grosso modo, definir as "taras degenerativas" como uma herança genética abastardada por um defeito físico ou moral, contrariando antigo provérbio que diz "quem puxa aos seus não degenera". Magnam e Dallemagne falam que as "taras orgânicas" são produzidas por uma alteração das células orgânicas, ocasionando degenerações as mais diversas nos indivíduos. O inglês Galton, parafraseando a lição de Prichard, entende que a "tara moral" é mais significativa que a física na etiologia da criminalidade. Virgílio invoca a existência do neurosis criminal, ou seja, aquela decorrente da degeneração de um sentido moral para um transtorno nervoso. Marro atribuía as degenerações do delinquente a uma disfunção do sistema nervoso central, por problemas de desnutrição. Kovalevsky, a quem se .confere destaque maior que aos outros nesta matéria, afirmava que nos indivíduos normais o córtex cerebral (a camada cinzenta externa do encéfalo, no significado neuranatõmico) domina os centros subcorticais, ao passo que nos indivíduos anormais são os centros subcorticais que dominam o córtex cerebral. A teoria de Kovalevsky, por incomprovada, também foi relegada ao esquecimento.

A respeito do criminoso epilético, Lombroso tem o aval de Ottolenghi e Rancoroni, que esclareciam não se tratar de uma epilepsia verdadeira, arguindo certo caráter epíleptoide ao delinquente, a justificar a impulsividade e a anestesia que nele se processam. José Ingenieros, o grande e festejado autor, entre outras obras, de As forças morais e O homem medíocre, como diz Drapkin, "glória também nossa, por ser ele o pri!lleiro latino-americano que propagou estas doutrinas na América e o primeiro do mundo a fundar um Instituto de Criminologia (Buenos Aires, 1906)", dava ênfase às taras psicológicas e não às físicas. As taras psicológicas, segundo entendia Ingenieros, afetavam as faculdades intelectuais, afetivas e volitivas do indivíduo, juntando-se às causas endógenas e exógenas. As primeiras plasmavam o delinquente comum. 5.9 Classificação dos criminosos de Lombroso Cesare Lombroso classificava os criminosos consoante se segue: l. Criminoso nato (sobre o qual já foram feitas as considerações entendidas suficientes);

2. Falso delinquente ou pseudodelinquente, ou delinquente ocasional, como hoje é conhecido. Para Lombroso, este não era verdadeiramente um delinquente, por isso o chamou de "falso delinquente". 3. Criminaloide, classificação ou conceito exclusivamente lombrosiano e que se refere à existência do "meio delinquente", assemelhado ao "meio louco", hoje chamado de fronteiriço. 5.10 Críticas à teoria de Lombroso Basíleu Garcia, em Instituições de Direito Penal (obra já citada), referindo-se à doutrina de Lombroso, textualmente assevera: "O ilustre cientista anotou minudentes dados antropológicos, nas observações a que submeteu os criminosos- os vivos nos cárceres, e os mortos, através de constantes necrópsias.

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A despeito do seu esforço obsessivo, as suas conclusões, em genü, se reputam, ainda, apressadas. O seu ardor próprio dos fundadores de teorias novas, induziu-o a reputar indicativos de criminalidade os traços da mera degenerescência, que não é privativa dos criminosos".

de pequeno porte vertical, ou seja, baixo, gordo e bem-humorado; b) o atlético: um tipo intermediário, de comportamento normal; c) o leptossomático: de estatura alta, de corpo magro, geralmente introvertido, porém violento e de mau caráter.

Não se pode negar, entretanto, a correlação intuitiva de certas manifestações delituais com a personalidade do agente, com os fatores orgânicos e biológicos. E esse fato, a que a tese lombrosiana, com os seus exageros, conferiu realce desmedido, explica a conservação da Antropologia Criminal como indispensável ciência penal, revigorada hoje por novos pontos de vista: por exemplo, o da Endocrinologia, a cuja frente há nomes como o de Maranon, na Espanha, e Vidoni, na Itália, assunto que suscitou a Mariano Ruiz Funes o brilhante trabalho Enclocrinologia y criminalidad. Benigno Di Tullio, na Revue de Science Criminelle e de Droit Penale Comparé, em 1948, ao estudar a chamada constituição delinquencial, considera o seu portador apenas como um predisposto à criminalidade. Para Di Tullio, outrossim, o desenvolvimento do ato delituoso provém, em sua opinião, de um estado de desequilíbrio que em dado instante acontece entre a criminalidade latente (que existe em cada indivíduo) e a resistência individual. Concluindo, que o crime seria o resultado de forças crimino-incitantes a sobrepujarem as forças crimino-repulsivas que existem em cada indivíduo. Fillipo Grispigni, em seu Corso di diritto penale, publicado em 1932, aduzia: "A Antropologia Criminal, na fase hodierna, não concorda em reconhecer pela conformação exterior dos indivíduos, quais devam ser submetidas a medidas defensivas por serem perigosas". E argumentando em favor da escola, à qual se filia, assevera que mesmo Lornbroso se depara com um número relativamente pequeno de criminosos; e que tal tipo não passaria de uma tnédia aritmética, exatamente o conjunto dos caracteres anormais que mais frequentemente são encontrados entre os delinquentes mais afamados pela gravidade de seus crimes. Charles Goring proscreve veementemente a ideia do criminoso nato, tendo se tornado um dos mais ferrenhos críticos à teoria de Lombroso, através de seu livro The english convict, publicada em I9l3. Goring examinou 300 delinquentes considerados dos mais perigosos da Inglaterra e concluiu pela inexistência das características morfológicas de que se entretinha Lombroso. Sommer, embora pouco incisivo, não negava por inteiro a teoria do delinquente nato, porém não admitia o portador de traços morfológicos característicos.

À tese levantada por Kretschmer deve-se juntar a palavra de Pende (ambos considerados os corifeus da Biotipologia). Os dois se fundamentam na hipótese da íntima correlação entre a alma e o corpo, o que se demonstraria pelo estudo das perturbações endócrinas, ou melhor, pela reconhecida influência dos hormônios sobre a vida biopsíquica. ·

Para Kretschmer, a partir dos três biotipos que apresentou, sua teoria, como acentua Mezger, parte da afinidade biológica entre os dois primeiros tipos, de um lado, e o último de outro, respectivamente, e as doenças mentais ou psicoses, ambas de origem humoral, denominadas esquizofrenia (demência precoce) e ciclofrenia (psicose maníaco-depressiva, loucura circular), das quais se desce às personalidades psicopáticas esquizoide e cicloide e por fim aos temperamentos esquizotímico e ciclotímico. A diferença entre Jrênicos (esquizofrênicos e ciclofrênicos), oides (esquizoides e cicloides) e tímicos (esquizotímicos e ciclotímicos) é apenas o grau, no chamado paralelismo psicose, psicopatia e constituição, esta referindo-se ao caráter e temperamento. No sistema Pende, para quem, igualmente, a personalidade psíquica depende da fórmula hormônica, são contrapostos os vagotônicos e os simpaticotônicos, os tipos brevilíneo e o longilíneo, o hiper e o hipotiroideu etc. As glândulas de secreção interna, vertendo no sangue seus produtos em quantidade variável, atuam sobre os processos vitais e constituem verdadeiros "registras do relógio da vida", é o que afirma Pende, o famoso professor de Gênova. Os postulados de Pende e Kretschmer foram naturalmente aplicados à Criminologia. Os biotipos, ao que se pretende, orientam a pesquisa crimino-psicológica, no sentido da correspondência entre a psique e o soma. Kretschmer considerou ter facilitado o conhecimento da alma humana e, portanto, do criminoso pelo estudo dos tipos psíquicos de reação. Pende sustenta a semelhança entre o facies e o tipo morfológico de alguns delinquentes e certos indivíduos endocrinopatas, e daí infere que há relação entre as anomalias morfológicas e o caráter, a ser explicado pela endocrinologia. Abstém-se, porém, de afirmar que a etiologia do crime esteja nas anomalias endócrinas, mas declara irrecusável a influência destas na criminalidade.

Von Rohden (1930), como seu patrício Sommer, aceitava até certo ponto o criminoso nato, sem embargo de considerá-lo mais como um indivíduo predisposto à criminalidade e que na dependência de ocorrerem condições ambientais favoráveis poderia vir a praticar o crime, mas isso, nem sempre, fatalmente, aconteceria.

Verifica-se, então, que tanto Kretschmer quanto Pende não chegam a sustentar, como Lombroso, que um tipo morfológico predeterminado conteria, por si mesmo, um condicionamento para ser um criminoso nato.

Kretschmer, alemão, autor do livro Korperban und charakter (1921), procurou estabelecer em sua tese a correlação entre o físico e o caráter do indivíduo. Para tanto estabelecia três categorias desse correlacionamento: a) o pícnico: indivíduo

Baer, através de exames procedidos em vários criminosos, ocupantes das cadeias de Berlim, concluiu que os presos não se distinguiam da população não criminosa por nenhum traço, estigma ou sinal particular, portanto não seria verdadeira a proposta

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lombrosiana, já que o delinquente não é, por assim dizer, um espécime diferente dentro do gênero humano.

por sua constituição inata, não representam eles, de forma alguma, um tipo criminal unitário, fechado em si, com características somáticas e psíquicas, como genuína species generis humani.

Drapkin, autor de Manual de criminologia, editado em 1978, assegura "que existem dois erros fundamentais na teoria de Lombroso. O primeiro consistiria no fato de negar a perfectibilidade do homem tarado. Dizia que não poderia ser reeducado. No entanto, atualmente é sabido que quando estas taras são desviadas a tempo, podem ser evitadas e é possível conseguir-se a readaptação e reeducação dos tarados. Assim o raquitismo pode ser evitado na primeira e segunda infância: a criança pode também ser mentalmente reeducada em escolas especiais criadas para tal fim". Outro erro é o fato de que Lombroso "considerava o meio ambiente como um fato r secundário na criminalidade, depreciando a sua influência". Sabe-se, contudo, que os filósofos e pensadores consideravam-no fato fundamental, quando não preponderante e exclusivo, muitas vezes, na gênese do crime. Para Drapkin, Lombroso foi incompleto nas suas investigações, apaixonado e até inescrupuloso, exagerando o valor das cifras e dava outras sem base séria, estabelecendo, destarte, uma verdadeira pirataria científica. Ainda no que respeita a críticas feitas a Lombroso, oportuno que se registre que, no seu tempo, grupos e sociedades antropológicas se formaram para discussão de temas criminológicos, fundamentados em suas teses, especialmente após a publicação do Homem delinquente. Todavia, depois de um período de pleno apogeu de sua teoria, os adversários de suas ideias, a começar por seu sucessor na cátedra da Universidade de Turim, Francesco Carrara (1805-1888) e outros integrantes da chamada Escola Clássica de Direito Penal (Filangieri, Carmignani, Romagnosi, Ortolan, Rossi, Fuerbach, Pessina etc.), trouxeram à colação todos os aspectos falhos da Antropologia Criminal, culminando, através de inúmeras pesquisas que empreenderam, por fulminar com a figura do criminoso nato. Lombroso procedeu a estudos comparativos entre as plantas carnívoras e os homens delinquentes, procurando achar uma similitude entre eles. Observou as cegonhas e outros animais, tentando análogas comparações. É inafastável que essas duas comparações só serviram para enfraquecer, mais ainda, a tese lombrosiana. Posteriormente, com vistas a que era hábito entre os selvagens matarem os mais

velhos e crianças, e que as mulheres pertenciam a todos os homens, concluiu que os selvagens eram criminosos natos e as mulheres prostitutas. Ora, é sabido que em situações de calamidade ou seca os selvagens matavam os mais velhos e as crianças, em estado de necessidade, o que não era feito com intenções delituosas. Benedict, ao estudar a fosseta occipital, o estalo de Lombroso, para construção de sua teoria, ironican1ente comentou "que o máximo que esta podia indicar seria uma predisposição às hemorroidas". O alcance do motejo de Benedict dispensa outras considerações. Mezger dizia que a existência de um criminoso nato não se comprovou empiricamente. Embora possam ser encontrados homens com inclinação para o delito,

Malgrado, reconhece-se o grande mérito atribuído a Lombroso, por ter sido primeiro a promover o estudo do crime sob o ponto de vista científico-causal, 0 concluindo que inclusive o pensamento científico naturalista do século XIX pecou pelas suas generalizações e por seu cunho, absolutamente simplista. De Greef afirma que poucos pesquisadores acreditam hoje que o criminoso represente um tipo biológico, no qual se encontrem características próprias no aspecto anatômico ou fisiológico. No entanto, conforme conclui esse grande criminólogo, talvez fosse preciso passar pela fase lombrosiana para chegar ao estado científico atual, em que as pesquisas antropológicas têm conseguido alcançar resultados de indiscutível valor. Mas se a criminologia moderna não consagra a teoria do criminoso nato, é justo que se diga que admite a hipótese da tendência delituo~a, reconhecendo que o homem pode nascer com uma inclinação para a violência.

A verdadeira Antropologia Criminal precisa, portanto, partir do estudo do homem, seja de sua vida física ou psíquica. "A vida psíquica não é alguma coisa que se isole e se separe da vida orgânica: o homem não é um corpo sem uma alma ou coisa assemelhada; o homem é tudo, um ser sui generis que tem uma vida orgânica e uma vida psíquica inseparáveis entre si" (Agostinho Gemelli). Finalmente, de consignar que a Antropologia Criminal, ou Biologia Criminal, como a consideram os alemães (segundo Juan Dei Rosal), é definida como a ciência que pesquisa "os fatores individuais do crime", nele compreendendo os coeficientes endógenos (somáticos e psíquicos da vida do homem). A Psicologia Criminal se insere, assim, na Biologia Criminal, através de um estudo "morfo-psico-moral do delinquente, absorvendo em si a anatomia, a psicologia e a psicopatologia do criminoso". Poder-se-ia conceituar a Antropologia ou Biologia Criminal, decorrentemente, Ç()mo o estudo integral da personalidade do delinquente, sem o ranço da Antropologia Positivista, mas vendo no delinquente uma pessoa composta de corpo e alma, de matéria e forma. Nesse estudo, não só os fatores endógenos do delito, mas também S):s coeficientes sociais que condicionaram ou provocaram a ação criminosa devem s~r focalizados e equacionados. Como ensina Marcelo Caetano, "o papel do ambiente familiar e social na gênese do delito é estudado pela psicologia da indagação ~op1plexiva da atividade do delinquente". Sem embargo a todas as críticas que se fazem a Lombroso, é legítimo que se àtribua a ele a condição de "Pai da Criminologia", pelo que igualmente trouxe de valioso a esse campo do saber humano.

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5.11 Eurico Ferri e a Sociologia Criminal Eurico Ferri (1856-1929) publicou sua obra Sociologia criminal em 1914. Integrante da Escola Antropológica Criminal, Ferri deu relevo não só aos fatores biológicos como também aos mesológicos ou .sociológicos, além dos físicos, na etiologia delinquencial. Salientou ele a existência do trinômio causal do delito, composto por fatores antropológicos, sociais e físicos. Ferri fala na influência, na Antropologia Contemporânea, de Winlow, Thompson, Nicolson, Maudsley, Ave Lallemant e Despine, todos sábios e auscultadores da vida nas prisões. E aduz: "É desse amontoado informe e desconexo qne a cerebração genial e privilegiada de Cesare Lombroso tirou os elementos para, com o seu monumental e imorredouro trabalho I:uomo delinquente, fundar a verdadeira ciência da Antropologia Criminal, glória que todos asseguram inconteste". Enrico Ferri é considerado o criador da Sociologia Criminal, malgrado esteja ele incluído na Escola de Antropologia Criminal, até porque é dele a contribuição que maior prestígio deu à Antropologia Criminal. Sendo Lombroso o biólogo da Escola Antropológica, inquestionavelmente Ferri é o sociólogo dessa Escola. Dos estudos procedidos por Ferri, merece destaque sua tese sobre a "Teoria da Imputabilidade e a Negação do Livre-Arbítrio". Foi Eurico Ferri, a rigor, quem acendeu o estopim da polêmica entre os defensores do "livre-arbítrio" e os adeptos do "determinismo", isto no que diz respeito à ação delinquencial. É de Ferri também a denominada "Lei da Saturação Criminal", em que dizia que, da mesma maneira que em certo líquido a tal temperatura ocorrerá a diluição de alguma quantidade de seu todo, sem uma molécula a mais ou a menos, assim também, em determinadas condições sociais, serão produzidos determinados delitos, nem um a mais ou a menos.

Ferri considerava serem três as causas dos delitos: biológicas (herança, constituição etc.); físicas (o ambiente cosmotelúrico, compreendendo as condições climatéricas, como a umidade, o calor etc.); sociais (referentes às condições ambientais ou mesológicas). A Escola Alemã de Naecker avaliza a classificação de Ferri e estabelece como fatores delituógenos: os endógenos e exógenos. Ao primeiro pertenciam as causas biológicas e ao segundo as causas físicas e sociais. · Em torno dos fatores endógenos e exógenos muitos debates se travaram, mas é inafastável que Lombroso, Ferri e Garófalo eram partidários da preponderância dos fatores endógenos na consecução da delituosidade. Ferri não aceitava a liberdade da vontade psíquica do homem e defendia a teoria jurídica da responsabilidade social em substituição à responsabilidade pessoal, afirmando "que todos os criminosos, doentes mentais ou não, deveriam ser afastados da convivência social, não como castigo, expiação ou pena, mas com base na segurança

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geral da sociedade; ao invés do Código Penal, deveria haver apenas um código de defesa social, com fundamento na periculosidade do infrator". Para Ferri, a Sociologia Criminal era a ciência enciclopédica do delito e da qual o Direito Penal não passaria de um simples ramo ou subdivisão. Essa subalternidade, evidente que é um exagero, pois sendo o Direito um fenômeno social, a ciência dogmático-jurídica acabaria desaparecendo se em outros setores do Direito se propugnasse pelo mesmo critério. Se assim fosse, um civilista, por exemplo, poderia também criar a Sociologia da Família ou das Sucessões, e o Direito da Família ou das Sucessões passaria a ser uma subdivisão da ciência sociológica. Dentro da própria Escola Positiva, integrada por Ferri, Grispigni combateu o exagero daquela proposta, no que, aliás, foi acompanhado por Etienne de Greef e também por Antolisei, todos entendendo que a opinião de Ferri tinha de ser vigorosamente contestada. Ferri teria sido o criador da expressão "criminoso nato", isto em 1881. É o que ele próprio admite em seu livro Os criminosos na arte e na literatura, onde, em determinado trecho, expõe: "Os delinquentes a que eu dava, em 1881, o nome de criminosos natos". Com efeito, Leonídio Ribeiro, em sua obra, apregoa: "Outro erro é atribuir a Lombroso a autoria da expressão vulgar criminoso nato; esta classificação não está em sua obra; ela se deve ao seu discípulo Eurico Ferri". 5.12 Classificação de criminosos de Ferri Eurico Ferri classificou os delinquentes em cinco tipos, a saber: nato, louco, ocasional, habitual e passional. O nato é o tipo instintivo de criminoso, descrito por Lombroso, com seus estigmas de degeneração. Ferri vislumbra, como seu traço característico essencial e dominante, a completa atrofia do senso moral. O louco seria não só o alienado mental como também os semiloucos, os matoides e os fronteiriços. O ocasional é aquele que eventualmente comete um delito. De referir, aqui, o talentoso criminalista pátrio Trancoso Peres quando lembra: "O crime, às vezes, é o ~Ca$0 .ocasional da contingência, a significar a extrema excepcionalidade da conduta: o indivíduo não procura o delito, mas o delito é que procura o indivíduo". O habitual é o reincidente da ação delituosa. É o indivíduo que praticamente do crime, a sua profissão. O passional é aquele que é levado à configuração típica pelo arrebatamento, ímpeto. Conforme Eurico Ferri, os delinquentes passionais são indivíduos de vida até sem manchas, homens de um tempermnento sanguíneo ou nervoso e de u1na sensi.billidadeexageracia ao inverso dos criminosos ocasionais ou habituais, eles têm

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alguma coisa de louco. O mais das vezes (e são frequentemente mulheres) cometem o delito na mocidade e sob impulso de uma paixão que explode como cólera, em virtude de um amor contrariado, de uma honra ofendida. Geralmente cometem o crime sem premeditação.

E com relação a isso, se autoperguntou: "Mas quais desses instintos morais de que temos de ocupar-nos? Será a honra, o pudor, a religião, o patriotismo?", e responde: "Por estranho que possa parecer, a verdade é que nas nossas investigações poremos de lado sentimentos desta ordem". E dizia: "Com relação ao patriotismo não é uma condição absoluta de moralidade individual". As mesmas conclusões fez sobre a religião. Quanto ao pudor, refere-se a tribos "em que a completa nudez era habitual; outras em que o coito era público". Cook, segundo Garófalo, revela a consumação do matrimónio, ao ar livre, no Taiti, assistido pela rainha, que dava oportunas instruções à noiva. Diz: "Em Esparta as moças lutavam nuas. Sobre os deveres da esposa no matrimónio refere que era costume na Groenlândia, em Ceilão, no Taiti, oferecer por uma noite ao forasteiro a própria esposa, pois era um ato de cortesia e quase um dever de hospitalidade". No Tibet e em Malabar, prossegue ele, os irmãos se serviam da mesma mulher. Diz Garófalo: "Nas tribos, como de Hasani, a esposa guarda fidelidade por 5 dias por semana, reservando um ou dois dias ao amor livre. Mas o que realmente prova que a honestidade da mulher não é precisamente instintiva, é que na nossa sociedade a poliandria é um fato (exatamente como nas tribos africanas e polinésias) hipocritamente mascarado entre nós, pelos progressos da civilização, e toda a diferença está nisto -longe de afrouxar, ela invade, sob o nome de galanteria, todas as classes sociais. Pois não é verdade que entre as mais famosas e mais elegantes damas de todas as idades, 2/3 têm amantes, ou pelo menos, ao lado dos maridos, um eleito de seus corações?". Aduz: "Sustentar que a poliandria desapareceu dos povos civilizados, não é senão sustentar uma daquelas mentiras convencionais, cuja análise despertou o grande Max Nordau, que pregoava: 'A civilização fez de um ato inocente um crime. Mais precisamente porque não há nisso um delito natural, que a despeito das leis, dos costumes, da moral religiosa e mesmo dos perigos de toda ordem a que expõem o amor livre, a maioria das mulheres continua e continuará a deixar-se seduzir ou a praticar o adultério"'. E arremata Garófalo a respeito do sentimento de pudor: "Do que havemos dito se conclui que o sentimento do pudor não é senão artificial e de convenção".

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Todavia, outros há que são levados por uma ideia fixa, como a do ciúme. O criminoso passional é caracterizado pela superexcitação nervosa (verdadeira tempestade psíquica, no dizer de Ferri) com que pratica a ação delituosa; pela notoriedade e, quase sempre, pelo arrependimento imediato, que o leva muitas vezes ao suicídio imediato. Foi sob a influência terrível do ciúme (ditado pela paixão) que Otelo matou Desdêmona. Após matá-la, beija-a e se suicida na conhecida tragédia shakespeariana, que não fugiu à exemplificação de Ferri ao tratar dos crimes passionais. Aliás, os três famosos homicidas shakespearianos são dissecados no livro de Ferri já citado (Os criminosos na arte e na literatura): Macbeth, criminoso nato, Hamlet, criminoso louco, e Otelo, criminoso passional. O primeiro, aventureiro escocês que praticou um regicídio, seria um produto monstruoso da nevrose epilética e criminal. Após o crime, aparece com o punhal tinto de sangue. Hamlet é um intelectual cuja loucura raciocinante não lhe impede juízos corretos. Sofre de alucinações e abulia, e com a loucura da dúvida esbarra em invencíveis hesitações. Otelo mata-se ao final da tragédia. É que no homicídio autenticamente passional o suicídio consumado ou seriamente tentado é a reação imediata do senso moral momentaneamente obscurecido pela crise psicológica. Decide-se morrer para se libertar e porque sinceramente não admite que o matador de Desdêmona lhe sobreviva. Sem dúvida o criminoso passional é o que mais aparece na literatura. 5.13 Raphael Garófalo Garófalo foi o criador do termo Criminologia. Imaginou-a e construiu-a com a tríplice preocupação de torná-la uma pesquisa antropológica, sociológica e jurídica. Segundo ele, a Criminologia é a ciência da criminalidade, do delito e da pena. Em razão da sua orientação naturalista e evolucionista, o ponto de partida de sua doutrina é a conceituação do que chamou de delito natural. Examinou em sua obra também os delinquentes, através de diversas categorias, que integram a classificação de criminosos, que acabou por formular. Seu livro data de 1884, já com o nome de Criminologia. Garófalo era um jurista, tendo sido Ministro da Corte de Apelação de Nápoles. Elaborou sua concepção de delito natural partindo da ideia lombrosiana do criminoso nato e, sendo assim, argumentava que, se existia um criminoso nato, deveria, necessariamente, existirem delitos que fossem considerados como tal, em qualquer lugar ou época. Para chegar à definição de delito natural, Garófalo procurou a parte mais profunda e essencial dos sentimentos humanos, segundo ele mesmo afirmava.'

E segue Garófalo: "Sobre a honra é impossível achar nela a mínima uniformidade: cada associação, cada classe social, cada família, cada indivíduo tem o seu especial ponto de honra. E em nome deles se tem praticado as melhores e piores ações". E continua: "Dos nossos estudos importa excluir todos os sentimentos de que acabamos de falar. Mas como ficaria então, pergunta-se, o chamado senso moral, os instintos altruístas, aqueles que tendem diretamente ao bem dos outros, ou seja, à benevolência e à justiçai".

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E, na esteira de suas observações, Garófalo segue dizendo que "a piedade é um sentimento fundamental da natureza humana, como o é, essencialmente, também a justiça", e, ao depois, ele fala em probidade.

Para Garófalo, entretanto, o delinquente típico (ele assim denominava) é um ser a quem falta qualquer altruísmo, um ser destituído do menor resquício de benevolência e de piedade, que se ajusta ao rol daqueles por ele epitetados de "assassinos".

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Diz ainda: "De tudo que acaba de ser dito precedentemente pode concluir-se que a consciência pública qualifique de criminosa uma ação, por ser ela uma ofensa feita à parte do senso moral formada pelos sentimentos altruístas de piedade e probidade da sociedade". Em outro trecho ele assevera: "O criminalista sociólogo (para Garófalo, o Direito

Penal não era monopólio dos juristas, mas também de interesse dos sociólogos) não pode estudar outra coisa: só os verdadeiros delitos interessam à ciência, a qual cumpre estudar suas causas naturais e os seus remédios. Enquanto estes, os verdadeiros delitos, os delitos naturais, ofendem a moralidade elementar de um povo civilizado e revelam anomalias nos que os praticam, os outros atos puníveis violam apenas as leis de determinada sociedade, variáveis de país para país e relativas a condições particulares e necessidades de governo, pelo que não se pode mais procurar-lhes causas biológicas, ou imaginar para eles remédios que não sejam castigos também variáveis segundo a maior ou menor necessidade de repressão". 5.14 Delitos legais e delitos naturais Inquestionável a ilação de que Garófalo entendia que existiam duas espécies de delitos, os legais e os naturais, sendo que os primeiros eram variáveis de país para país e como não ofendiam o senso moral nem revelavam anomalias (as lombrosianas, por certo) de seus autores, as penas seriam também variáveis, dentro de uma maior ou menor severidade, segundo os códigos penais das diferentes nações. Quanto aos delitos naturais, resumindo-se as colocações feitas por Garófalo, seriam aqueles que "ofendem os sentimentos altruístas fundamentais de piedade e probidade, na conformidade do que assim consideraria a média de determinada coletividade ou agrupamento social". Sobre os criminosos falava Garófalo: "Frequentíssimas vezes se tem notado nos criminosos anomalias patológicas de toda ordem (Marro, antropólogo italiano que sustentava que as degenerações do delinquente eram oriundas da disfunção do sistema nervoso central e de quem Lombroso afirmava que via as coisas com microscópio, porque era muito minucioso, ao passo que ele, Cesare Lombroso, era panorâmico, encontrou neles em número muito maior que nos outros homens)". E prosseguia: "Poucos homens de ciência hoje negam a existência de tendências criminosas inatas". E mais adiante: "Uma vez estabelecida a natureza organicamente anormal dos criminosos, procuremos explicá-la. Não podendo tal anomalia atribuirse sempre à hereditariedade direta, deveremos ver nela um caso de atavismo ou antes de degeneração? A ideia do atavismo foi sustentada por Lombroso e negada por Tarde. Há, contudo, caracteres anatómicos e morais que parecem justificar a doutrina de Lombroso".

5.15 Classificação de criminosos de Garófalo Garófalo enquadra os criminosos em três categorias, a saber: (a) assassinos; (b) violentos ou enérgicos; (c) ladrões ou neurastênicos. Os assassinos, ou delinquentes típicos, consoante Garófalo, "obedecem unicamente ao próprio egoísmo, aos próprios desejos e apetites instantâneos, atuando sem cumplicidade alguma indireta do meio social. Oferecem, frequentemente, anomalias anatômicas, umas vezes regressivas, outras teratológicas ou atípicas; muitos sinais exteriores falam neles de uma suspensão de desenvolvimento moral, compatível, aliás, com uma anormal faculdade de ideação, pelos instintos, como pelos apetites; aproximam-se estes delinquentes dos selvagens e das crianças". Nos violentos e nos ladrões, ou neurastênicos, não falta o senso moral.

Nos violentos, ou enérgicos, falta o sentido de compaixão ou é sobremaneira escasso, a ponto de, facilmente, permitir-lhes a prática criminosa sob pretexto de falsa ideia, de exagerado amor-próprio ou preconceitos sociais, religiosos ou políticos. Dos criminosos violentos se destaca u1n subgrupo, os impulsivos, ou seja, os que cedem à cólera ou à excitação nervosa exacerbada. Eles não tê1n a fisionomia peculiar ou característica dos violentos e neles poucas vezes se percebe1n as assünetrias e hemiatropias do crânio ou da face correspondentes ou desequilíbrio funcional das faculdades.

Nos ladrões falta o instinto de probidade, que pode ser diretamente hereditário e, num pequeno número de casos, atávico; de ordinário, à herança direta juntamse os exemplos do ambiente imediato, imprimindo-se-lhes no espírito durante a infãncia ou a adolescência. Nos ladrões notam-se frequentissimamente, diz Garófalo, anomalias cranianas atípicas, tais como a "submicrocefalia", a "oxicefalia", a "scaphocephalia", a "trococephalia". E continua Garófalo: "As suas características fisionõmicas são segundo Lombroso: a mobilidade da face; a pequenez e a vivacidade dos olhos, mobilíssimos; os supracílios espessos e unidos; o nariz desviado, achatado ou curvo de concavidade anterior; a fronte pequena e fugidia e o rosto pálido, incapaz de coloração".

Posteriormente à classificação que ofertou sobre os criminosos Garófalo acrescentou um quarto grupo: o daqueles que cometem crimes contra os costumes, aos quais chamou de crilninosos cínicos. Finalmente, de aduzir que Garófalo recomendava "como política criminal aplicável aos diferentes tipos de criminosos, que aos autores dos chamados delitos legais, ou seja, aquelas infrações constantes de códigos, regulamentos etc., deveriam ser apenados com benevolência, às vezes consubstanciada em simples advertência

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ou reparação de danos". Em contrapartida, àqueles que praticavam os delitos natu-

pertaram sua vocação para a Antropologia. No livro, Strauss desenvolveu a ideia de que há poucas diferenças entre as chamadas sociedades civilizadas e as primitivas ou tribais. já padecendo da doença de Parkinson, Claude Lévi-Strauss faleceu em Paris em 25.10.2009, aos 100 anos de idade.

rais, a saber, os próprios do criminoso nato, aconselhava a eliminação do indivíduo,

através da pena de morte ou de sua expulsão do país.

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Garófalo propugnava pela pena de morte sem nenhuma comiseração e, referentemente à expulsão, considerava que esta deveria se revestir de abandono total do indivíduo.

5.17 Augusto Comte

As propostas de Garófalo nesse sentido levantaram contra ele terrível onda de indignação, pois não se entendia como um magistrado como ele preconizasse medidas tão draconianas, tendo ele respondido que a piedade e a probidade sào sentimentos

Augusto Comte (1798-1857) é considerado, unanimemente, o fundador da Sociologia Moderna, denominaçao que também lhe é devida, quando separou a Sociologia da Metafísica.

altruístas que se exercem entre os semelhantes e não com estranhos, como seres de

outra espécie, que considerava como integrante do genus homo delinquens. Posteriormente, procurando contornar as críticas que lhe eram irrogadas, Garófalo afirmou que "os sentimentos de piedade e probidade devem ser vistos relativamente ao móvel que os guia". E exemplificava com o soldado que mata na guerra e não sofre sanção, com o médico quando no exercício correto da profissão e, mesmo

com o magistrado, quando este condena à morte em defesa da sociedade porque esse é o modo mais eficaz de defendê-la. Em razão disso, indagava Garófalo, tais homens (o soldado, o médico e o juiz) deveriam ser tidos como faltos de piedade? 5.16 Período de Sociologia Criminal O período sociológico compreende todas as doutrinas que se ergueram para combater a teoria lombrosiana, calcada nos fatores endógenos como causadores de criminalidade, ao passo que as doutrinas sódais e do 1neio ambiente sustentavam

Comte define a Sociologia como "uma ciência abstrata que tem por fim a investigação das leis gerais que regem os fenômenos sociais". A Sociologia é uma ciência relativamente nova. Comte e Durkheim é que lhe dera1n contexto de ciência.

Afrânio Peixoto contesta que a Sociologia tenha sido fundada por Comte, dizendo que seu fundador foi o Barão de Montesquieu (Charles de Secondat), que teria dado base mesológica a essa ciência, tendo ele nascido 109 anos antes que Cristo. A sociologia, cujo tema de estudo é o ser social no seu conjunto, no tocante ao método deve empregar a observação e a indução. Tal posição relaciona-se, em Com te, a uma teoria geral da evolução filosófica. Esta teoria conhecida sob o nome de "Lei dos Três Estados", que considera que o homem na compreensão e interpretaçào do mundo passou por três atitudes sucessivas:

delito.

l. O Estado Teológico: que consiste em aplicar os diversos fenômenos por causas primeiras, em geral personificadas nos deuses. Nas instituições sociais, a predominância seria dos grupos sacerdotais.

A Sociologia Criminal surgiu em meados do século XIX e teve a influenciar, no seu surgimento, as figuras de Augusto Comte e Adolphe Quetelet.

nos antropomórficas. As causas primeiras são substituídas por causas mais gerais: as

que os fatores exógenos eram efetivamente os mais importantes ocasionadores do

• Interessante e oportuno mencionar, aqui, que o belga Claude Lévi-Strauss,. fundador da Antropologia Estruturalista e considerado o pai da Antropologia Moderna, indicando novos conceitos do comportamento e do pensamento humanos, contribuiu de algum modo para a Antropologia Criminal ao mostrar a relevância de dados etnográficos recolhidos por outros antropólogos entre os povos indigitados como primitivos. Dados esses que, para Lévi-Strauss, eram mais do que simples inventário de hábitos exóticos, sendo verdadeiros indícios da maneira como a mente humana entende e constrói o mundo no sentido do bem e do mal . Os principais conceitos de Lévi-Strauss estão insertos em sua principal obra intitulada Tristes trópicos. Naturalizado francês e filho de judeus franceses, Claude Lévi-Strauss estudou Direito e Filosofia na Sorbone, em Paris. Lecionou Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) na década de 1930 e fez várias viagens ao Brasil central para realizar seus primeiros estudos entre as populações indígenas. Dessas expedições resultou o livro Tristes trópicos, publicado em 1955 e no qual ele relata como as viagens des-

2. O Estado Metafísico: os homens empenham-se em alcançar concepções me. entidades metafísicas, que preconizam que os dogmas são superiores aos fatos. 3. O Estado Positivista: que consiste em explicar os fenômenos por causas segundas, baseadas na observaçào científica. A concordância com os fatos deve ser o único critério da filosofia positiva. Esta precisa distanciar-se do empirismo e do misticismo. Deve buscar a verdade nos fenômenos observados, substituindo, em tudo, o absoluto pelo relativo. A preocupação de Augusto Com te era com o estudo dos fenômenos sociais, e entre estes não pode ser extraído o fato criminoso, daí sua importância no renascimento dos estudos sociais, com abrangência em diversas áreas, inclusive a criminal.

5.18 Adolphe Quetelet Adolphe Quetelet (1796-1864) foi o criador da Estatística Científica, que posteriormente daria ensejo ao aparecimento da Estatística Criminal.

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Quetelet escreveu Física social, livro publicado em 1835, no qual formula três princípios: a) o delito é um fenômeno social; b) os delitos se cometem ano após ano com total precisão, com isso se antecipando à Lei da Saturação Criminal de Enrico Ferri; c) vários fatores influenciam no cometimento do crime, como a miséria, o analfabetismo, o clima etc. Fulcrado nesses três princípios, ele estabeleceu as chamadas "Leis Térmicas de Quetelet", quando, através de estatística criminal, procurou demonstrar que no

a) variante chamada 'Nuova Scuola' ou Escola Antropológica: o criminoso é um ser anómalo, tachado de nascença para o crime ou para a possibilidade de delinquir, sobre o qual, além dos fatores intrínsecos (antropológicos), exercem influência os

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inverno se praticam mais crimes contra a propriedade, que no verão são cometidos mais crimes contra a pessoa e na primavera acontecem mais crimes contra os costumes. Na primavera, segundo Quetelet, a justificativa para a maior incidência de crimes contra os costumes é a exacerbação da atividade sexual, que se operaria no início dessa estação. Quetelet igualmente distinguiu a criminalidade feminina da masculina, concluindo que esta é bem maior do que aquela. Procurou, ainda, correlacionar o crime à idade cronológica, concluindo que no homem a incidência delitual maior é entre 14 e 25 anos e na mulher entre 16 e 17 anos, caindo bastante após os 28 anos.

A Sociologia Criminal, no entanto, é criação do notável Emico Ferri, ocorrendo que essa denominação apareceu pela primeira vez no seu livro Nuovo Orizonti del Diritto e della Procedura Penale. Para Ferri a Sociologia Criminal era uma ciência que encamparia todas as outras disciplinas criminalísticas, inclusive o Direito Penal. Com isso não concorda Manzini, que ensina: "O Direito Penal e a Sociologia Criminal consideram a mesma matéria sob dois pontos de vista diversos. O primeiro não se propõe a descrever os fatos ou relações, nem estudar relações de causalidade social: é a ciência das normas imperativas, que nada tem de comum com as leis naturais e sociais. A segunda examina, ao contrário, a história natural da delinquência". Entre os fatores individuais, físicos e sociais de criminalidade, propostos por Ferri, a Escola Sociológica dá preferência aos últimos. Para melhor se situar a posição da Escola de Sociologia Criminal à época, dentro de uma panorâmica geral das causas delituógenas, interessante transcrever a lição de Afrânio Peixoto inserida em sua obra Criminologia. É o que se segue ipsis verbis. "As hipóteses criminais de nosso tempo consideram: l. Escola Clássica, Metafísica: o crime é uma infração; a pena é repressão; o criminoso é livre de querer, ou não querer. Partidários: todos os códigos, todos os penologistas do século passado: Beccaria, Romagnosi, Filangieri, Pagano, Rossi, Carmignani, Carrara, Ellero, Pessina, são tratadistas ou juristas porta-estandartes. Considera que o livre-arbítrio é que determina a existência do crime. 2. Escola Positiva, Determinista: o crime é a ação antissocial, que revela o crimi-

noso temível; a pena é intimidação, correção, coação, da temibilidade do criminoso de fato e dos criminosos possíveis; prevendo a defesa social:

extrínsecos do meio físico; a ambiência social é de somenos importância; o criminoso

não é responsável, porque não é livre e, sim, determinado por motivos estranhos; a punição representa apeuas uma medida de defesa social; quando muito, haverá uma responsabilidade social, que justifica a peua. Partidários: Lombroso, Ferri, Garófalo, Marro, Sergi, Virgílio, Kurella, Corre, Zucarelli, Nina Rodrigues, João Vieira, Viveiros de Castro, Esmeraldino Bandeira, Cândido Motta e Moniz Sodré. A estes antropologistas filiam-se, como subgrupo, os psicopatologistas que acusam no criminoso uma degeneração mental mais grave; são, principalmente: Maudsley, Benedict, Krafft-Ebing, Magnam, Feré, Delbruck, Naeck, Gortner, Ingenieros, Aschaffrenburg, Júlio de Maros, Bombarda etc; b) variante chamada 'Escola Crítica', 'Eclética' ou 'Terza Scuola': o criminoso é o produto de condições sociais defeituosas: 'a sociedade tem os criminosos que merece'; os degenerados e suscetíveis que ela faz, mais facilmente se impressionam às causas sociais de delinquência; o criminoso é responsável, não porque seja livre, mas porque, sendo são e bem desenvolvido, tem aptidão para determinar a vontade por ideias e representações oriundas da Moral, do Direito, do senso prático, que regulam a conduta de todos, porque tem, em uma palavra, responsabilidade moral. Partidários: Tarde, Lacassagne, Manouvrier, Laurent, Colajanni, Alimena, Camevalle, Baer, Havelock Ellis, Salleiles, Prins, Von Liszt, Drill, Von Hamel,José Higino, Lima Drumond, Aurelino Leal, Clóvis Beviláqua. A estes 'sociologistas' filiam-se alguns socialistas: Turatti, Batáglia, Lafargue, Bebe!, Van Kan, que admitem que as más condições da sociedade capitalista são os fatores exclusivos do crime. 3. Escola Neoclássica: o crime é um ato ilegal, é um ilícito jurídico; a pena é intimidação geral à repressão ocasional; o criminoso é responsável socialmente e individualmente; pelo fortalecimento do sentimento jurídico, que a certeza da punição traz à sociedade, previne-se a maior parte dos crimes preveníveis. Partidários: Manzini, Rocco, Massari.

4. Escola Neopositiva: o crime é um ato biossocial que revela a perigosidade do criminoso, que deve ser tratado no sentido de proteger a sociedade, pelas medidas de segurança. Partidários: Florian, Púglia, Asúa, Crispigni. Neoantropologistas: Saldafia, Mendes Correa". Finalmente, a posição de Afrânio Peixoto, sobre a colocação e abrangência da Sociologia Criminal, não é perfeitamente idêntica à de outros autores, divergindo em alguns aspectos. Aliás, não só Afrânio Peixoto, como alguns outros que tratam do assunto, fazem transparecer a existência de alguma imprecisão sobre, por exemplo, se a Política Criminal está inserta na Sociologia Criminal ou não e sendo assim se a chamada "Terza Scuola" pertence a esta ou aquela e, além disso,'q~ais os partid.Írios que se inserem num ou noutro período, se eles forem distintos. Outrossim, não deixam, certos tratadores da matéria, suficientemente claro se a concepção sociológíca

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tem por berço a França, com a epitetada Escola Francesa ou de Lyon, ou a Itália, ou, então, se ocorreu certa simultaneidade na sua colocação.

ferrenhamente a tese constitucional de Lombroso, no Primeiro Congresso de Antropologia Criminal de Roma, em 1885, ao qual compareceu, malgrado suas críticas a Lombroso, disse: "Que assim como no cérebro existem três zonas com funções diversas, que regem as faculdades do indivíduo- zona frontal, as intelectuais; zona parietal, as volitivas; zona occipital, as afetivas -,que devem funcionar harmonicamente no homem normal, assin1 no individuo anormal existe um desequilíbrio no funcionamento das referidas zonas, com predominância de umas sobre outras, o que provoca os consequentes transtornos".

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Sabe-se que Lacassagne, professor de Medicina Legal em Lyon, remontando ao "quetelismo", levantou-se contra o fato r constitucional de criminalidade proposto por Lombroso, apresentando sua doutrina sociológica em pequenas publicações intituladas "Marché de la Criminalité en France", que figuravam em 1881 na La Revue Scientifique. Enquanto na Itália, embora reconhecida como válida a doutrina de Lombroso, esta foi ampliada com uma concepção sociológica. Antes de apelar para Israel Drapkin, que, sob o aspecto didático, parece tratar do assunto com muito mais propriedade, imperioso esclarecer que a ciência criminal, quando trata do delito como fato individual, cai no campo da Biologia ou da Antropologia Criminal, e quando cuida do delito como fenômeno social isso é do âmbito da Sociologia Criminal. No estudo do delinquente, porém, não é possível a separação dos fatores exógenos daqueles de ordem individual. A interpenetração de ambos na gênese do delito é incontestável, pois a dinâmica da ação do ambiente é incindível, como observou Agostino Gemelli. Portanto, quem intenta conhecer o significado e a dinâmica de uma ação delituosa terá de considerar esses dois aspectos. Destarte, o objeto da Sociologia Criminal é a delinquência como fenômeno social ou de massa. Tratando do período sociológico criminal, Drapkin explica que as doutrinas sociais podem ser divididas em três grupos: grupo das teorias antropossociais, grupo das teorias sociais propriamente ditas e grupo das teorias socialistas. Após essa divisão, que será abordada em seguida e de maneira apartada, Israel Drapkin coloca, como período distinto da Sociologia Criminal, o da Política Criminal, por ele também chamado de "Fase Eclética", e insere nesse período a "Terza Scuola", a Escola Espiritualista e a Escola Neoespiritualista. Seguindo o oportuno esquema traçado por Drapkin, expor-se-à, de per si, cada uma dessas subescolas, que ele propõe aos períodos sociológicos e de Política Criminal. 5.19 Teorias antropossociais Sob determinado prisma, as teorias antropossociais relacionam os princípios constitucionais de Lombroso com os sociais. Segundo os adeptos destas doutrinas, o meio social influi sobre o criminoso antropologicamente-nato, predispondo-o a perpetrar delitos, sem chegar, porém, a aceitar o criminoso-nato, mas sim considerando a possibilidade de existir o indivíduo predisposto. Essas teorias são sustentadas por Lacassagne e Manouvrier. Alexandre Lacassagne (1834-1924), médico francês, opôs-se à teoria de Lombroso, mas como não era sociólogo como os outros franceses que combatiam

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Assim, quando há perturbações: na zona frontal aparece o louco; na zona parietal advém a debilidade de vontade, que permite o aparecimento do delinquente ocasional; na zona occipital, quando as faculdades afetivas ficam perturbadas, aparece o verdadeiro delinquente, ou seja, o indivíduo predisposto para o crime, que, quando as condições do meio e seu próprio egoísmo o impelem, virá a delinquir. Lacassagne notabilizou-se também por uma observação e uma comparação por ele feitas. Observação: quanto maior for a desorganização social, maior será a criminalidade, e quanto menor a desorganização, menor será o número de crimes. É dele a

frase célebre "as sociedades têm os criminosos que merecem". Comparação: dizia que a sociedade é como um meio de cultivo e afirmava que a sociedade é um meio de cultivo que abriga em seu seio uma série de micróbios, que são os delinqúentes, e que estes não se desenvolverão se o meio não lhes for propício. Sobre essa frase, conhece-se outra atribuída a Liszt, que redarguia: "A sociedade não é apenas um caldo de cultura, como dizia Lacassagne, mas o próprio micróbio e, como quer Ferri, o micróbio sem o caldo seria estéril".

Resumindo, observa-se que, para Lacassagne, os fatores sociais, atuando sobre um indivíduo predisposto, é que podem dar origem ao crime. Manouvrier (1850-1922) foi professor de Antropologia da Universidade de Paris e um dos grandes colaboradores de Lacassagne na luta empreendida contra as doutrinas de Lombroso. Manouvrier, no Segundo Congresso de Antropologia Criminal, realizado em Paris em 1889, foi o espadachim número um contra as doutrinas italianas. Os outros tratadistas das teorias antropossociais são Paul Aubry e Dubuisson.

Aubry (1858-1899) dizia que o crime tinha por causa principal o contágio moral, que sofria o indivíduo predisposto, e citava, como exemplo, a influência do cinema sobre as crianças e certos adolescentes com problemática mental. Embasou sua doutrina, do contágio moral, nos delitos de vitriolage e depeçage (esquartejamento), que estiveram em voga durante determinada quadra na França. Aubry tratou de sua teoria no livro La contagion du meurtre (O contágio do homicídio).

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Com relação à vitriolage, sabe-se, e isso é narrado por Aubry na obra citada, que na França reinou em certo tempo a epidemia do vitríolo, a que recorriam as mulheres traídas pelos amantes para os desfigurarem.

Garófalo, falando sobre as influências físicas, diz que elas só podem ser e são na realidade uniformes dentro do mesmo grupo social.

No começo deste século XX, na Escócia, usou-se o vitríolo em Glasgow e, para que tal prática tivesse um fim, foi necessário impor a pena de morte aos vitrioladores.

Dubuisson, em vez do contágio moral, no qual não acreditava, era partidário da influência da ocasionalidade sobre o indivíduo predisposto, ou seja, causas sociais, que ocasionalmente, fortuitamente, atuam sobre uma preexistente predisposição individual, determinando a sucessão delituosa. O belga Vervaeck admite a existência de uma delinquência fruto da ocasionalidade, relacionada a acontecimentos episódicos, ligados a circunstâncias excepcionais e a fatores psicossociais. 5.20 Teorias sociais propriamente ditas Os autores das chamadas Teorias Sociais Propriamente Ditas, atentando para a etiologia da delituosidade, relegaram os fatores endógenos, ressaltando, ao revés, a relevância dos fatores exógenos e, destes, dão proeminência aos sociais. Entre os seguidores dessas teorias de que o crime tem uma origem puramente social, destacam-se Gabriel Tarde, Vaccaro, Max Nordau e Auber. Vaccaro declara que o crime é o resultado da falta de adaptação político-social do delinquente com relação à sociedade em que vive. Feita a lei para defender os interesses das classes sociais dominantes, o indivíduo que não pode se adaptar a ela se revolta, daí resultando a violação da lei, que é justamente o que constitui o delito. Tarde, procurando a origem e a natureza do crime, achou que elas estavam nas influências sociais, agindo complexamente sobre o indivíduo. Assim, Gabriel Tarde não aceitava o ponto de vista de Ferri, sobre o trinômio criminogenético representado pelos fatores físicos, sociais e biológicos, argumentando "não haver razão para que elementos cósmicos constituam uma classe à parte, porque esses fatores por si mesmos não aumentam a criminalidade e só atuam ora corno fatores orgânicos, ora como sociais"; demais, acrescenta, "a influência do clima não está ainda provada como um fator criminal, porque se num hemisfério os crimes contra a pessoa aumentam na estação quente, no outro sucede justamente o inverso". Neste ponto, é inequívoca também a contradita ao que Quetelet afirmara anteriormente em suas "Leis Térmicas". Respondendo, Ferri diz que essa observação de Tarde serve justamente para confirmar a influência do clima como fator de criminalidade, e se a diferença apontada por Tarde procede, é devido a que nas zonas temperadas a estação quente age como estimulante, ao passo que nas zonas intertropicais o calor excessivo enerva, e é só com o vir da frescura que as naturezas predispostas traduzem em crimes sua predisposição.

Quanto à primeira objeção de Tarde, Ferri reconhece-a verdadeira, mas, acrescenta, se fosse tirar as suas consequências lógicas, chegaria à conclusão de que os próprios fatores sociais não devem constituir um grupo à parte, porque, por si só, não podem produzir o crime. Tanto para uns como para outros é necessário que as suas respectivas atuações passem através de um organismo, para que então reaja honesta ou criminalmente, conforme forem as suas tendências. A essa polêmica entre Ferri e Tarde poder-se-ia aduzir que os próprios fatores individuais (endógenos) pela mesma razão não poderiam subsistir isoladamente, porque para que se verifique o fenômeno criminal não basta que haja o indivíduo: faz-se necessário também que exista um grupo social. Vê-se, pois, que na esteira deste raciocfnio a discussão imergiria em um círculo vicioso. A respeito dessas causas cósmicas ou físicas do crime (estações, temperatura, natureza do solo, produção agrícola, o clima e demais fenômenos que se desenvolvem no seio da natureza), após as críticas de Tarde, Ferri recebeu outras, como as do criminalista espanhol Aramburu em seu livro La nuova ciencia penal, que atribui a Werri o defeito de confundir o acessório com o principal e as causas ocasionais com as verdadeiramente determinantes do crime.

Mas Ferri, sempre de florete em punho, aparando galhardamente as estocadas que lhe são endereçadas, respondendo golpe por golpe, retrucou que a sua objeção era puramente metafísica, porque tudo o que é necessário ou concorre para a verificação de um fenômeno é causa determinante, explicando: "O coração é o principal e as veias são acessórios, mas ninguém pode viver sem elas". E assim, triunfante na polêmica, a classificação de Ferri tem sido aceita por grande parte dos criminologistas. Retomando o notável Tarde (1843-1904), escreveu ele três obras importantíssimas: A criminalidade comparada (1886), As leis de imitação (1890) e A filosofia penal (1890). Em Criminalidade comparada Tarde sepulta a doutrina do atavismo, aceitando apenas, como resíduo da doutrina de Lombroso, o atavismo por equivalente, que é parte da doutrina de Guilherme Ferrero, autor desse conceito. Para Ferrero, o atavismo equivalente não seria um retrocesso até os primevos, os selvagens, mas consubstanciar-se-ia em determinadas predisposições mentais, psíquicas, que permitiriam comparar o criminoso com o homem primitivo, no sentido do seu condicionamento e reações psíquicas, porém de forma nenhuma comparável ao atavismo morfológico de Lombroso.

Em Leis de imitação Tarde assegura que a delinquência é um fenômeno marcadamente social e que o motor ou alavanca que ativa o conglomerado social é a imitação.

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De sua análise extrai-se a assertiva de que 90% das pessoas não possuem espírito de iniciativa, submetendo-se à rotina social. Dos restantes 10%,9% possuem iniciativa

e exemplifica ser Voltaire um deles, e apenas 1% são indivíduos de espírito inovador e entre estes coloca Lênin, O restante, seja por fraqueza, comodismo ou inércia, não são capazes de sobrepor-se à direção da correnteza, nadando contra ela; aliás, sobre o

comportamento do homem perante a sociedade, outro não é o entendimento do notável filósofo espanhol Ortega y Gasset, o célebre autor da frase símbolo internacional do altruísmo: "Eu, sou eu e a minha circunstância", ao afirmar que os verdadeiros homens, aqueles que podem salvar ou melhorar o mundo, são os que têm coragem de fincar os pés no fundo dos rios e nadar contra a corrente das águas. Em A .filosofia penal Tarde fala que a "identidade pessoal" e "a semelhança social" são os postulados fundamentais da responsabilidade penal. Do primeiro elemento, identidade pessoal, argumenta que só pode ser responsabilizado por um crime quem antes, durante e após o seu cometimento é o mesmo

indivíduo, ou seja, portador da mesma personalidade. Se alguém apresentar-se depois do delito sem guardar semelhança com a personalidade anterior ao crime, não é um indivíduo normal seria um alienado cuja responsabilidade cairia por terra. ' ' Esse conceito serviu de pedra angular para a fixação de circunstâncias eximentes e atenuantes da responsabilidade criminal que os códigos reconhecem em favor dos loucos e dos portadores de personalidade psicopática, respectivamente. Com relação à semelhança social, Tarde argui que não pode ser responsabilizado penalmente o indivíduo que não tem relação com o grupo no qual convive, como o inadaptado, que traria consigo um instinto impulsivo insopitável e que em virtude disso não se une ao grupo, devendo, como tal, ser alvo de medidas de caráter preventivo. Max Nordau diz que a causa determinante do crime é o parasitismo social, que tem por característica a marginalização do indivíduo ao grupo, e, assim, transformado em pária, ele em nada contribui para com a sociedade, quer no aspecto moral, quer no sentido material. · Auber sustenta que as causas que levam o indivíduo a delinquir são as fobias de que é portador, assim o temor à pobreza levaria o homem à prática de delitos contra o patrimônio e o medo o levaria a matar. 5.21 Teorias socialistas Com relação aos defensores das teorias socialistas, o registro maior deve ficar para Turatti e Colajanni, principalmente, e depois para Bataglia, Loria, Lafargue, Berel, Van Kan e Hakowsky: No século XIX, com a extinção do feudalismo e em seguida à Revolução Francesa, surgiu o capitalismo e com ele os seus analistas e opositores e, entre estes últimos,

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aqueles que ergueram a bandeira de que o regime capitalista estava por influenciar o aumento da criminalidade. Colocava-se, no sistema de produção, as razões do crescimento da delituosidade. Para os partidários dessa doutrina, a miséria e a pobreza influenciam nas cifras crescentes do crime, e o sistema econômico em si seria, no entanto, o fator preponderante. Turatti dizia que os motivos da prática dos delitos não devem ser monopolizados apenas na necessidade ou precisão e na indigência, mas também na cobiça que 0 sistema econômico imperante, ao seu tempo, propiciava, pelo contraste existente entre a riqueza e a pobreza. Com relação aos delitos contra a propriedade, assinalava Turatti a importância do influxo que têm as circunstâncias materiais na mente humana: a indigência a torna vil, ao passo que a ignorância a faz grosseira, companheiras inseparáveis que são da cobiça, transformam-se todas em poderosos fatores na etiologia dos crimes contra a propriedade. As condições precárias de habitabilidade também contribuem, através da promiscuidade que ensejam, a que aumentem os delitos contra os costumes. Enfim, Turatti dizia residir na cobiça e na promiscuidade a essência do regime capitalista. Tendo nascido em 1857 na Itália, Turatti morreu na França em 1932, p';.ra onde havia sido exilado pelo fascismo. Colajanni (1874-1921) segue mais ou menos as ideias de Turatti, mas não teoriza com maior apego sobre a criminalidade. Apenas alicerçado nas teorias socialistas, preocupou-se em analisar qual o sistema econômico ideal na prevenção à criminalidade, visando, por consequência, a diminuição da prática de delitos em seu país (Itália). Ultimados seus estudos, Colajanni argumentava que tão somente um sistema econômico baseado em uma distribuição da riqueza mais equitativa e, por isso, mais justa, aliado a um máximo de estabilidade do próprio regime, possibilitaria a exclusão ou eliminação da criminalidade. Bataglia, Lafargue e Bebe! apontaram também os efeitos nefastos da má distribuição de riquezas, como vício econômico da sociedade capitalista que, assegurando privilégios a alguns, condena muitos outros à miséria, à fome, à revolta, à violência e ao crime. Do mesmo parecer é Beguim, que dizia que 60% ou mais dos crimes têm origem econômica. Por evidente, tanto as colocações de Turatti quanto as de Colajanni, e dos demais socialistas enumerados, pecam pela unilateralidade dos respectivos enfoques, pelo que não podem ser aceitas, malgrado, sob certo aspecto, apresentem algo de verdadeiro. Mas como explicar somente pelas influências econômicas a prática de crimes, se, entre outras determinantes inequívocas, eles têm a medrar em seu redor as inafastáveis causas individuais; e se, outrossim, existem fatores econômicos ponderáveis, é incontestável que as hipóteses sociais, como um todo, têm e continuarão tendo bem maior importância na explicação da gênese do crime, desde as mais

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remotas, formuladas pelos precursores: Platão (que atribuía à falta de educação dos cidadãos e à má organização do Estado as causas geradoras do crime), Aristóteles (que via na miséria a condição estimuladora da rebelião e do delito); depois passando por Rousseau, por considerar que o homem nascia bom, puro das mãos da natureza e que a sociedade o transforn1ava em mau e criminoso; por Durkheim, "que considerava o crime um fenômeno de normalidade social, porque constante e útil", no que foi rechaçado por Ferri, que rebateu o paradoxo, "lembrando que a doença existe e existirá e nem por isso ela é normal em biologia". Sobre a utilidade do crime redarguía, igualmente Ferri, dizendo ser outro paradoxo e comparando com a dor, assinalava: "A dor é um aviso de órgão doente, que reage e reclama a saúde; como o crime reclama contra os defeitos so.ciais. Quando não há regime e cuidado com a saúde, ela perece; quando as previsões de justiça e governo são incapazes de prover ao bem-estar e à ordem na sociedade, podem ocorrer os crimes".

Aduz, ainda, Roberto Lyra: "A obra de Tarde, A Criminalidade Comparada, destaca-se como o mais duradouro, o mais fiel, o mais útil instrumento para ascender e descortinar. Vem-me à memória, entre nuvens de penitência, aquela minha enfática afirmação: quem não. houver lido O homem delinquente, de Lombroso, a Filosofia Penal, de Tarde, e a Sociologia Criminal, de Ferri, não sabe Direito Penal. Repeti isso

Mas, ainda assim, como negar que as justificativas sociais, se de imensurável valor nas pesquisas criminógenas, não podem também caminhar sozinhas no intrincado cipoal em que se constitui a etiologia do fenômeno criminal? 5.22 Síntese das temias sociais A importância do fator social na gênese da criminalidade, enfatizada por Lacassagne no Primeiro Congresso de Antropologia Criminal (acontecido em Roma em 1885), foi roborada por Gabriel Tarde, terrível dia! ético contra os chamados "biologistas", asseverando a predominância social, opondo o tipo criminal e o tipo profissional e concluindo que o delito seria "a resultante de uma convergência desses diversos fatores, biológicos e sociais, as impulsões hereditárias e as sugestões imitativas, o todo que impele ao crime". Alimena, Franz Von Liszt, Colajanni, Carnevalle não só dão preponderância ao fator social co.mo ao biológico e reconhecem o efeito originário, ou causal, das condições sociais. Manouvrier repele a Antropologia Criminal, convencido da ati pia dos criminosos, por isso inclassificáveis. Turatti, Bataglia, Lafargue, Bebei e Van Kan admitem, claramente, que as más condições económicas da sociedade capitalista, totalmente injusta na distribuição. de riquezas, são os fatores exclusivos do delito, dando, esses socialistas, um colorido mais intenso do que aquele imprimido pelos "sociologistas" à determinante económica na origem da delituosidade. Todavia, de todos esses partidários das correntes sociais, é justo que se ressalte que o mais brilhante provavelmente tenha sido Gabriel Tarde, a quem Roberto Lyra, no prefácio à obra A criminalidade comparada, editada em 25.12.1956, não regateia as seguintes considerações e elogios: "Em Criminologia, sobretudo, em Sociologia, devo a Gabriel Tarde mais que ao próprio Eurico Ferri, cuja influência foi mais importante em Direito Penal...".

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a várias turmas".

E continua o notável Roberto Lyra: "A Criminalidade Comparada é o provocador, desbravador, o orientador por excelência. O viço, a seiva, a fragrância que desenham das precipitações históricas e dos avanços científicos são, na realidade, maravilhosos. Este livro convenceu-me da noção convencional e relativa do crime. É certo que Tarde não aprendeu os mecanismos do fato social, ontem secretos e, hoje, revelados nas 'manchetes' dos jornais. Com humildade convicta permite-me lembrar que as mudanças ocorrem no mesmo espaço e no mesmo tempo, abrangendo, não só o crime e a pena, mas também o julgamento, a execução, o retorno". Arrematando suas apreciações à obra de Tarde, diz o insigne mestre Roberto Lyra: "A crítica de Tarde a Lombroso, mais relevante sob o aspecto eticográfico, t~nou-se memorável pelos lampejos satíricos. Tarde comparou Lombroso ao café, porque tonifica, mas não nutre. Tarde sim, foi excitante, no fulgor de suas incisões sociológicas. Lombroso ainda hoje tonifica o Direito Penal e alimenta a Criminologia. Mas os riscos de Tarde no dorso das controvérsias fundamentais revelam 'dedo de gigante'. Retomo do lugar comum, sobretudo pela propriedade específica, o vigoroso símbolo digital, Gabriel, porque mensageiro, mas do tempo ao espaço, do presente ao futuro. Tarde, não! Suas anotações criminológicas ainda hoje são toques de alvorada. E, quando estendeu a visão sociológica à totalidade histórica, foi para acudir-nos com a esperança". 5.23 Período de P~lítica Criminal A característica primordial deste período é ter estabelecido uma espécie de trégua entre as escolas francesa e italiana, nas discussões então existentes sobre as teorias lombrosianas. Buscaram, os filiados da corrente italiana (influência do fator endógeno na criminalidade) e os filiados da corrente francesa (influência dos fatores sociológicos no cometimento delituoso), uma posição intermediária, de sabedoria confuciana, para alcançarem um resultado comum. Abandonaram, na verdade, suas posturas extremadas. Sob essa nova ótica, segundo Drapkin, surgem as novas escolas: Terza Scuola, Escola Espiritualista, Escola Neoespiritualista e Escola de Política Criminal, sendo esta última que empresta seu nome a este período ou fase da Criminologia.

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5.24 Terza Scuola

conceito que não foi aceito, dando lugar desde logo ao desaparecimento dessa escola e ao surgimento da que se segue.

A Terza Scuola foi assim chamada por Emanuele Carnevale em seu livro Diritto Criminale.

5.26 Escola Neoespiritualista

Bernardio de Alimena, professor da Universidade de Nápoles, que juntamente com Carnevale é um dos principais defensores da Terza Scuola, preferia chamá-la de "Escola de Naturalismo Crítico". Outros a denominam "Escola de Positivismo Crítico", ou ainda "Escola Eclética", como a batizou Ferri. A Terza Scuola igualmente é chamada de "Escola Crítica" ou simplesmente de "Crítica Sociológica". Afrânio Peixoto optou por chamá-la de "Escola Pragmática", enquanto juristas alemães a chamaram de "Escola de Política Criminal". A Terza Scuola estabeleceu três postulados fundamentais: 1. Que o Direito Peual é uma ciência independente, não podendo ser confundido com um apêndice da Criminologia, como pretendia a teoria lombrosiana. 2. Que várias causas influenciam no cometimento do crime. Não só e exclusivamente os fatores endógenos, como apregoava a escola italiana, com a teoria do criminoso nato, mas, ao revés, aceita-se o princípio da escola francesa, ao considerar o indivíduo "predisposto" por fatores endógenos, que poderá tornar-se delinquente, na dependência de estar inserido em meio ambiente, propício a que isso aconteça, ou seja, sob a influência dos fatores exógenos.

3. Que os penalistas aliados aos sociólogos devem fazer um esforço conjugado no sentido da obtenção de reformas sociais imprescindíveis, tendentes a modificarem as condições em que vive a massa, criando melhores condições de vida (obviamente como medida de prevenção criminal).

5.25 Escola Espiritualista Seus principais defensores são o alemão Mayer, o francês .Vida! (para quem a natureza concede ao homem, no mundo normal, força suficiente para resistir à preferência que possa dar ao mal) e o italiano Lucchini (este crítico acerbo da pena de morte). Esta escola é conhecida também por neoclassicismo e teve a chefiá-la, além do próprio Lucchini, Mazzoni e outros. Lucchini pregava pela unidade das escolas e dizia que para ele "só havia uma escola de direito penal, que não era velha nem nova, mas que estudava o crime e procurava impedi-lo" e prosseguia: "Admitir duas escolas seria estabelecer duas lógicas, duas aritméticas, duas estatísticas". O idealismo de Zerboglio foi também do emérito professor da Universidade de Bologna. Os espiritualistas, com seu neoclassicismo, dão preponderância ao conceito de livre-arbítrio, como haviam feito os clássicos. Constituíram-se em nova reação contra as doutrinas do criminoso nato. Sustentaram a tese de que cada indivíduo tem vontade livre de fazer o que lhe dá prazer,

Teve por principais representantes o alemão De Baets e os franceses Guillot e Proa!. Proa! dizia: "A humanidade composta, como é, de seres fracos, apaixonados e pouco refletidos, retrogradaria à animalidade, se governos, legisladores, ~itera tos e religiosos não ajudassem a atender a um ideal de morahdade e de JUstiça . Reconhece o fator social predominante juntamente com a responsabilidade moral. Não é o homem um autómato movido pormolas colocadas pelo determinismo mecânico. Pode escolher. De outro modo, que valor teriam a consciência, a razão e a vontade? Não há finalidade? Por que se condena, então, o Kaiser e se elogia a tática de Napoleão? É que se reconhece algo de pessoal nos seus a tos. A Escola Neoespiritualista pretendeu situar-se no meio das doutrinas do livrearbítrio e do determinismo. Seus defensores afirmam que se é verdade que o homem rem liberdade, ela não existe no sentido amplo como consideram os filósofos e políticos, mas tem certas limitações impostas pelo meio ambiente. Às vezes se tem certa liberdade de agir, mas não da forma considerada pelos adeptos da doutrina "livre-arbitrista" ,já que a liberdade individual está limitada às exigências do convívio social.

5.27 Escola de Política Criminal Seus principais vultos são: Franz Von Liszt, Van Hamel, Adolpho Prins e Carlos Stooss. Liszt afirmava que o problema da liberdade de querer não interessa à avaliação da responsabilidade e fundou-a na possibilidade, que desfruta o homem com suficiente desenvolvimento mental e psiquicamente são, de conduzir-se socialmente. Não sendo enfermo mental e contando com a indispensável maturidade de espírito, o indivíduo tem a "normal felicidade de determinar-se", que lhe confere capacidade perante o Direito Penal. Esse, em linhas gerais, é também o pensamento do grande penalista contemporâneo Vicenzo Manzini, da Escola Técnico-Jurídica. De modo equivalente, Prins, com sua teoria da liberdade relativa, considerou imputável o indivíduo dotado de atividade psíquica regular, capaz de ser influenciado normalmente pelos motivos da ação. Esse criminalista belga, proclamando a insolubilidade da pendência sobre o determinismo e o livre-arbítrio, advertiu que a hipótese da liberdade é indispensável no mundo moral. Sem ela a humanidade mergulharia no pessimismo e na inércia, equiparando, num estado descolorido de inconsciência, o bem e o mal, o vício e a vírtude, a pena e a recompensa. Há um mundo sensível em que domina a causalidade,

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mas existe um mundo inteligível em que reina a liberdade. Admitindo-se o império da causalidade, deve-se fortalecer o sentimento de liberdade. Embora determinado pelas condições orgânicas da vida individual e social, o homem tem uma atividade consciente, que o dirige para o bem. Subordinado às leis gerais do universo, ele conserva certa dose de espontaneidade e de força de reação.

Assim, Ferri dizia que para os antigos penalistas a Política Criminal era a arte de legislar em matéria penal, ou seja, a maneira de aplicar a um povo, segundo a época e as circunstâncias, as normas penais que se fizerem necessárias.

Assim, considerada a liberdade ilimitada como pertencente apenas ao mundo ideal, no mundo em que se vive a liberdade é relativa e, conseguintemente, a responsabilidade é também um conceito relativo. Franz Von Liszt é considerado o pai da Política Criminal. Seu principal livro Princípios de política criminal foi publicado em 1889. A Política Criminal é de proporções muito vastas, que às vezes é difícil distingui-la da Criminologia, não obstante pertença ela ao Direito Penal. Quintiliano Saldafia assevera que a Política Criminal é o estudo científico da criminalidade, suas causas e o meio para combatê-la. Em seu Tratado de Direito Penal, em 1908, Manzini definia a Política Criminal como "as doutrinas das possibilidades políticas com relação à finalidade da prevenção e repressão da delinquência". Segundo Manzini, a Política Criminal é o conjunto de conhecimentos que podem levar a realizar um plano real e não utópico. Para Feuerbach, Política Criminal é "o saber legislativo do Estado em matéria de criminalidade". Segundo Guilhermo Portella, professor de Direito Penal da Universidade de Cuba, Política Criminal "é o conjunto de ciências que estudam o delito e a pena, com o fim de descobrir as causas da delinquência e determinar seus remédios". Para Liszt ela é "o conjunto sistemático de princípios, segundo os quais o Estado e a sociedade devem organizar a luta contra o crime". A denominação Política Criminal é anterior a Von Líszt, considerado o seu criador, pois,já em 1793, Klinsroad a chama de Política de Direito Criminal, e com essa denominação reafirma-se o entendimento de que a Política Criminal é mais uma escola de Direito Criminal.

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Por outro lado, a Política Criminal moderna é o aproveitamento, por parte do Estado, de todas aquelas normas que lhe servem para a prevenção e repressão da delinquência. É um conceito mais amplo, que não se baseia nas normas abstratas do Direito, mas nas normas collcretas que a Criminologia determinou. Encontram-se princípios da Política Criminal em Beccaria (que já a antevia, na sua função da prevenção e repressão criminal), em Manzini, Filanghier,Jeremias Bentham, Voltaire, na Alemanha com Feuerbach, Henke, Van Habel, Klinsroad etc. Por igual, com os filósofos e pensadores que incentivaram a Revolução Francesa etc. Em síntese: a Política Criminal, que, como foi visto, é um ramo do Direito Penal, uma vez de posse de determinados dados (coligidos da Criminologia através da Antropologia Criminal, que estuda o delinquente, e também da Estatística Criminal, que relaciona o fenômeno delinquencial em cifras no tempo e no espaço), • propicia ao Estado a estratégia de prevenção e repressão à Criminalidade, não se confundindo, pois, com a Criminologia, que estuda as causas da criminalidade, os aspectos vitimo lógicos e o delinquente, de quem busca a readaptação ao convívio comunitário.

Diga-se, ademais, que a Política Criminal, partindo do pensamento positivista, conseguiu elaborar, com certa precisão, o instituto de segurança, que apareceu nos projetas suíços e veio a ter acolhida nos códigos penais modernos, entre eles o Código Penal brasileiro, que, no seu art. 96, prevê as medidas de segurança de internação em hospital de custódia ou tratamento psiquiátrico e de sujeição a tratamento ambulatorial. A suspensão condicional, o livramento condicional e o sistema, hoje universalizado, de tratamento tutelar dos menores delinquentes também são conquistas da Escola de Política Criminal. Aliás, no que alude à proteção à infância, não pode mais se conceber, no Direito Penal, o delinquente infantil ou juvenil igualado ao delinquente maior, notadamente no que tange, respectivamente, às sanções aplicáveis.

Tanto isso é verdade que os autores modernos que escrevem sobre Política Criminal são penalistas e não médicos, psiquiatras, biólogos etc.

Em benefício da criança e do adolescente, conforme a nomenclatura constitucional e agora consagrada em lei especial, deve existir todo um conjunto de medidas desprovidas de caráter meramente punitivo e muito mais voltadas a uma natureza essencialmente educativa e assistencial.

Isso, porém, não implica considerar a Política Criminal e a Criminologia como antagónicas. Ao revés, ambas se completam, e a Política Criminal baseia-se, fundamentalmente, em dois grandes ramos da Criminologia, a saber, a Antropologia Criminal e a Estatística Criminal.

Em síntese, nas suas relações com a Criminologia, de consignar aquilo que, sobre a Política Criminal, apregoava Liszt, entendendo-a como veículo da ordem jurídica contra a criminalidade, servindo-se tanto da Criminologia como da própria Penologia.

Quanto à origem de sua doutrina, Von Liszt foi o primeiro a formulá-la, e, como todas as doutrinas, além de seus defensores teve os seus precursores, malgrado haver uma diferença sutil entre o que os antigos e os modernos autores pensam dela.

Para o dito escritor alemão, a Criminologia, cuja finalidade é o conhecimento das manifestações exteriores e as causas da delituosidade, divide-se em Antropologia Criminal (no sentido mais amplo) e em Sociologia Criminal.

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Verifica-se, ademais, nessa fundamentação, a posição elevada concedida à Política Criminal, quando se aduz que a Criminologia focaliza o fenômeno do crime de um ponto de vista diversificado, averiguando-lhe as causas, ao passo que a Política Criminal, tendo em mira a descoberta e a utilização prática dos processos eficazes de combate ao crime, necessita recorrer a conclusões criminológicas e à Penologia, que ausculta os resultados obtidos com as sanções penais. Diga-se, enfim, que a Política Criminal é conceituada, por muitos autores, como a ciência e a arte dos meios preventivos e repressivos de que o Estado, no seu tríplice papel de Poder Legislativo, Executivo e judiciário, dispõe para consecução de seus objetivos na luta contra o crime.



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AGRESSIVIDADE HUMANA SuMÁRIO: 6.1 Agressividade do homem- 6.2 Natureza da agressividade humana6.3 Agressividade e violência.

Pode-se afirmar, daí, que, como ciência, a Política Criminal firma princípios e, como arte, aplica-os. 6.1 Agressividade do homem Pesquisas feitas sobre a evolução do homem sugerem, como afirmou Leakey, que sua capacidade, no respeitante a seu comportamento agressivo, provavelmente decorre do desenvolvimento de sua própria inteligência, que lhe indicou o melhor caminho para a busca do alimento para sobreviver e aguçou-lhe o sentido da preservação, estimulando-o a desenvolver estratégias de autoproteção, como a utilização de armas, que vieram a ser utilizadas, segundo o registro histórico, inicialmente contra predadores de outras espécies, depois contra os animais que viviam ao redor dos homens e, finalmente, para agredir indivíduos da mesma espécie. A agressão costuma ser confundida com a violência. Autores desprevenidos usam as expressões como sinônimas, apesar de elas diferirem entre si, como ensina Ayush Morad Amar, esclarecendo que a agressão é um comportamento adaptativo intenso que não implica raciocínio. O comportamento agressivo, destarte, redunda numa forma ativa de enfrentar as condições ambkntais, com o intuito de resistir às suas pressões, através da luta, do combate, podendo ser dirigido contra qualquer de seus aspectos opressivos. Por violência, apregoa o insigne criminólogo Ayush Amar, deve-se entender o comportamento destrutivo dirigido contra membros da mesma espécie (ser humano), em situações e circunstãncias nas quais outras alternativas para o comportamento adaptativo podem ocorrer. Assim, a violência não pode ser considerada como forma extrema de agressão, pois aquela, em comparação com esta, possui um irretorquível aspecto pejorativo. Muito se tem discutido sobre a eventual existência de um componente inato no comportamento agressivo. A Etologia, estudo científico sobre o comportamento animal, fornece inúmeras evidências sobre comportamentos complexos instintivos em diversas espécies animais, representando padrões de comportamento determinados endogenamente pelo Sistema Nervoso Central, através do código genético da espécie.

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AGRESSIVIDADE HUMANA

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Tratam do assunto com profundidade autores corno Tinbergen, Dart, Lorenz, Morris e Montagu. Tinbergen, apenas corno exemplo, estudando o assunto, falava que "o homem é um símio socializado que se tornou carnívoro. Por um lado, é prima ta socializado; por outro, desenvolveu semelhanças com os lobos, leões e hienas. Corno prirnata socializado é caçador, organizando-se segundo o princípio de territórios e grupos". Aliás, etologistas admitem persistir certas formas comportamentais de educação e, além disso, similaridade ao territorialisrno grupal dos ancestrais do homem. Montagu não aceita a teoria da instintividade na agressão, achando que os que assim consideram se baseiam na frágil analogia da agressão humana com o comportamento dos animais inferiores. Sabendo-se que o principal horrnônio esteroide androgênico do homem é a testosterona, alguns pesquisadores, corno Persky, atribuem à secreção de testosterona urna íntima relação com o comportamento agressivo e a capacidade de liderança do homem. Hobbes vê a agressividade humana como resultante do desejo incontida do homem em atacar e lutar. Freud diz que essa agressividade é urna manifestação consciente do instinto de morte. Adler, por seu turno, considera-a corno manifestação normal ou neurótica da "vontade de poder". Clarellce Darrow, notável jurista norte-americano, em seu livro Crime íts cause

and treatment, afirma que por sua própria natureza o homem é um animal predador. Num de seus mais apreciados sermões, o padre Antonio Vieira diz: "O homem é um animal sociável e nisso nos distinguimos dos brutos, embora nos considere piores feras que as feras, porque somos feras com entendimento e vontade". Ashley Montagu assevera que "os seres humanos são capazes de manifestar qualquer tipo de comportamento, não só de agressividade, mas também de bondade, crueldade, sensibilidade, egoísmo, nobreza, covardia, alegria etc. O comportamento agressivo é apenas mais um de longa lista, e qualquer explicação do comportamento humano deve incluir todos os comportamentos e não apenas um deles; e que o tipo de comportamento de um ser humano em qualquer circunstância não é determinado por seus genes, se bem que obviamente exista uma contribuição genética, mas sim pelas experiências que acumula ao longo de sua vida em interação com esses genes". E continua Montagu: "As obras que dizem que o homem é instintivamente agressivo, que herdou sua agressividade de seus antepassados pré-históricos e animais, são populares porque, quase todos nós, desejamos uma explicação autorizada da bestialidade".

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•Verifica-se, portanto, que Montagu não aceita a visão da agressividade inata do ser humano, ao contrário do que pensam Konrad Lorenz, Robert Ardey, Raymond Dart, Desrnond Morris, Anthony Storr e Niko Tinbergen. Erich Frornrn, em sua obra The Anatomy of Human Destructiveness, fala da existência de dois tipos de agressividade filogeneticamente programada e comum aos animais e aos homens. Do primeiro tipo é exemplo o impulso de atacar ou fugir (a dicotomia luta ou fuga de Cannon), quando interesses vitais são ameaçados. O outro tipo, a agressividade maligna, de que são exemplos a destrutividade e a crueldade, não tem origem na adaptação biológica. Este último tipo de agressividade, diz Frornm, foi observado mais claramente no comportamento de homens como Hitler, Goebbels, Stalin e outros como eles, e é comum apenas aos seres humanos, surgindo de suas condições de existência. Essa teoria de Frornm encontrou vários opositores, entre eles Montagu, que prefere alinhar as seguintes formas de agressividade existente entre os animais: 1. Agressividade Predatória: provocada pela presença de urna presa natural;

2. Agressividade Antipredatória: determinada pela presença de um predador; 3. Agressividade Territorial: que ocorre quando da defesa de urna região contra um intruso invasor;

4. Agressividade de Domínio: provocada pelo desafio à posição de um animal no grupo ou ao seu desejo de possuir um objeto; 5. Agressividade Maternal: provocada pela presença de alguém que represente ameaça à prole; 6. Agressividade de Desmame: provocada pela tentativa de independência da prole jovem, quando os pais atacam, ainda que suavemente, seus "bebês"; 7. Agressividade Disciplinar dos Pais: no sentido de corrigirem os filhos; 8. Agressividade Sexual: provocada pelas fêmeas com o objetivo de acasalar-se ou estabelecer uma união prolongada; 9. Agressividade Ligada ao Sexo: provocada pelos mesmos estímulos que geram o comportamento sexual; lO. Agressividade entre Machos: provocada pela presença de um competidor macho da mesma espécie; 11. Agressividade Gerada pelo Medo: provocada pelo confinamento, acuamento e impossibilidade de escapar ao perigo, pela presença do agente ameaçador; 12. Agressividade Irritável: provocada pela presença de qualquer organismo ou objeto que seja atacável e produza a irritação; 13. Agressividade Instrumental: provocada por qualquer mudança no meio ambiente. Fundamenta-se essa classificação, em parte, naquela oferecida por Kenneth E. Moyer, que defende não serem esses tipos de agressividade excludentes uns dos

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outros .. Sua opinião, no entanto, é que em cada um deles existem diferentes bases endócrinas e neurológicas. Obviamente, nem todas essas formas se aplicam igualmente aos homens e aos

simples tese de que o homem emergiu de seus antecedentes antropoides por uma

animais. Mas é interessante considerar essa análise dos animais, para melhor entender 0 fato básico, do que falar de "comportamento agressivo" como se fosse um único fenômeno. Isto é incorrer numa enganosa simplificação!

Em seu livro Agression in Man and Animais, Roger N. johnson, professor de Zoologia da Universidade Ramapo, cita "que não existe um tipo único de comportamento que se possa classificar de agressivo, tampouco um processo único que represente a agressão". Quiçá esta seja a coisa mais importante que se possa afirmar sobre a definição de agressividade, pois sugere que esta pode ser compreendida e analisada em muitos níveis.

6.2 Natureza da agressividade humana Oportuno que se indague, agora, se a agressividade humana é ou não inata. Konrad Lorenz, um dos fundadores da moderna ciência do comportamento animal, a Etologia, que, juntamente com Niko Tinbergen, professor de comportamento animal da Universidade de Oxford, recebeu o Prêmio Nobel por sua contribuição no campo da Etologia, estudou meticulosamente o comportamento das aves, especialmente dos gansos, nesse aspecto da agressividade, mas, quando deixa seu mundo de animais irracionais e aborda o tema prolixo do comportamento humano, como diz Montagu, não fala com a mesma autoridade, escrevendo: "Existem indícios de que os primeiros inventores das ferramentas de pedra, os australopitecos africanos, logo começaram a utilizar suas novas armas para matar não só as presas de caça, mas também outros membros de sua própria espécie". Lorenz, evidentemente, é partidário da teoria da agressividade inata. Raymond Dart, professor de Anatomia da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, na África do Sul, afirma que nossos ancestrais animais eram carnívoros, predadores e canibais. Diz que "os arquivos da história humana estão salpicados de sangue e vísceras desde as primeiras inscrições egípcias e sumerianas até as mais· recentes atrocidades da Segunda Guerra Mundial, estando de acordo com o primitivo canibalismo universal, com as práticas de sacrifícios animais e humanos

em religiões formalizadas, e com as práticas generalizadas em escalpelar, decepar cabeças para reduzi-las, mutilar corpos, e com as atividades necrófilas da humanidade, revelando esse hábito predatório, essa marca de Caim, essa sede de sangue que separa dialeticamente o homem de seus parentes antropoides e o aproxima dos mais mortíferos carnívoros".

Robert Ardrey, expressando as ideias de Dan, mas de maneira mais simples, enfatiza que "os seres humanos, nos aspectos mais fundamentais do seu corpo e da sua alma, são, até hoje, a última palavra em matéria de predador armado, e a história humana deve ser lida dessa forma". Acrescenta Ardrey que "as ideias de Dart são a



única razão: porque era matador".

Raymond Dart foi o primeiro cientista a descrever, em 1924, o recém-descoberto "Australopithecus africanus", o prima ta semi-humano das altas estepes africanas. Foi essa descoberta, e suas consequências, que indicaram a origem africana e não asiática das primeiras criaturas humanas.

Desmond Morris, outro talentoso etólogo, autor das obras The nahed ape e The human zoo, também dá apoio à noção de "agressividade humana inata", como sucede nas obras de Niko Tinbergen, de quem foi discípulo. Anthony Storr, psiquiatra, empresta sua autoridade médica à ideia da "agressividade inata do homem". Entre os antropólogos, Lionel Tiger e Robin Fox são praticamente os únicos a defenderem a tese da agressividade inata. Outros pesquisadores ilustres simpatizam com as ideias de Lorenz sobre a agressividade inata do homem, como a antropóloga Margaret Mead, Roger Master, professor de Ciência Politica de Yale, e também Marston Bates, mestre de Zoologia da Universidade de Michigan. David A. Hamburg, professor de Psiquiatria da Universidade de Stanford, e ainda Howard E. Evan, professor de Zoologia da Universidade do Estado do Colorado, subscrevem entusiasticamente os pontos de vista de Lorenz e Ardrey, concluindo que "se o homem é basicamente agressivo, o contínuo palavrório sobre amor fraternal obviamente não conduz a nada". A ideia do homem-matador também encontra guarida entre escritores, cineastas e intelectuais de diversas áreas. Assim, por exemplo, no romance Lord of the flies (O senhor das moscas), seu autor, William Golding, procura incutir na cabeça de grande número de pessoas, principalmente de estudantes, que os seres humanos são intrinsecamente perversos. O romance A clochword o range (A laranja mecânica), transformado por Stanley Kubrick em filme altamente violento e popular, exalta o estupro, a violência, o sadismo sexual, a brutalidade e a eterna selvageria do homem. Kubrick afirmou numa entrevista: "Estou interessado na natureza violenta do homem porque esse é o seu verdadeiro retrato". Disse ainda Kubrick: "Estou convencido que é mais otimista aceitar a teoria de Ardrey que diz descendermos de macacos levantados e não de anjos caídos e de que o homem não é um bom selvagem: é um selvagem ignóbil, irracional, brutal, fraco, tolo e incapaz de ser imparcial em qualquer coisa que envolva os seus próprios interesses". Freud, criador da Psicanálise, que demonstrou ao mundo puritano em que vivia a importância do sexo como força motivadora da conduta humana, contribui com essas teorias da agressividade inata não só ao escrever sobre o instinto da morte, mas

ao afirmar em 1930 que "os homens não são criaturas gentis e amáveis que desejam o amor; um alto grau de desejo de agressão deve ser considerado como parte de suas qualidades instintivas".

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Homo homini lupus! Quem tem coragem de refutar essa asserção de Plauto diante de todos os fatos ocorridos em sua própria vida e na História? Não seria certo que essa crueldade agressiva geralmente se acha em repouso, aguardando alguma provocação? Em circunstâncias favoráveis, outrossim, quando as forças mentais que ordinariamente a inibem deixam de atuar, não se manifesta a agressividade espontaneamente e revela os homens como feras selvagens para quem o semelhante pouco vale? Quem pensar nas atrocidades das primeiras migrações, nas invasões humanas e dos mongóis de Genghis Khan e Tamerlão, no saque de Jerusalém pelos cruzados e nos horrores da última grande guerra mundial, terá de se inclinar ante a verdade desta visão do homem! Charles Darwin, em 1871, na obra The descent of man, quando disse que o homem evolui a partir de animais não humanos, caracterizou o homem como criatura violenta e bestial. Paralelamente a essa posição determinista, apresentando o homem como um primata socializado e caçador que se organiza segundo o princípio de territórios e grupos, outros cientistas, com vigor comparável aos etologistas, têm afirmado que a agressão não é de maneira alguma instintiva, que as diferenças e variações socioculturais tornam duvidosa a existência do instinto territorial no homem e a conclusão de que a agressão no homem é instintiva é mera analogia com o comportamento dos animais inferiores, como afirmava Montagu em 1968. Tais autores condenam o fanatismo dos instintualistas, pois estes, com alguns dos seus trabalhos de apoio à agressão inata, conferiram seletivamente essa concepção a povos de raça negra, ignorando os brancos, num atestado de que esses trabalhos se revestem mais de um conteúdo pseudocientífico de preconceitos raciais.

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micos podem ser agentes fisiológicos a ativar o comportamento humano agressivo e violento, a par da ponderável influência do meio ambiente". Admitindo que haja um comportamento genético para a agressividade humana e que os seres humanos pré-históricos tinham capacidade para serem agressivos, Montagu pondera que "tanto a determinação genética da agressividade quanto sua prática na Pré-História foram imensamente exageradas". Diz, ainda, que "os seres humanos viveram a maior parte da história de sua evolução de modo bem mais altruístico do que se pensa". E salienta: "Mesmo agora, que a violência em grande escala ameaça exterminar este mundo, os seres humanos, em sua maioria, não são violentos e existem sociedades inteiras, neste momento, nas quais a violência é mínima, ou de fato não existe". Pode-se dizer que, na mesma esteira do raciocínio de Montagu, foram as palavras proferidas por Jean-Jacques Rousseau em seu "discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens", onde, em certo trecho, cita que "vê no homem um animal menos forte que uns, menos ágil que outros, mas, no conjunto, mais vantajosamente organizado do que todos; vejo-o saciando-se sob um carvalho, dessedentando-se num ribeiro, deitando-se ao pé da mesma árvore que lhe forneceu o alimento; e eis com isso suas necessidades satisfeitas". E, valendo-se da citação, conclui Rousseau: "Cumberland e Puffendorf asseguram que nada é tão tímido como o homem em estado natural, o qual se encontra em constante pânico e prestes a fugir ao menor ruído que o impressione, ao menor movimento que perceba".

Lembra, Ayush Amar, que a interação cérebro-meio ambiente, em seres humanos, ocorre, pelo menos, a partir dos primeiros minutos após o Nascimento, conforme também afirmaram Condon e Sander em 1974. Além disso, o desenvolvimento morfológico real do cérebro depende da estimulação ambiental. O ambiente influencia o Sistema Nervoso Central enquanto o organismo permanecer receptivo. Destarte, a interação instintivo-educacional transcorre durante toda a vida do indivíduo.

Voltando a Montagu, afirma ele: "Que o homem é capaz de todos os tipos de comportamento, sendo-lhe possível tanto matar como socorrer". Ainda argui: "Começa a tornar-se claro que o tema da violência humana, suas causas e curas, é por sua própria natureza extremamente complexo, e que qualquer resposta simples é automaticamente suspeita". E reconhece Montagu que "é necessário estudar muito mais para podermos conhecer as causas da agressividade humana da mesma forma que conhecemos, por exemplo, as causas da malária; estamos tão avançados no estudo da violência humana quanto no estudo do resfriado comum, ou, como estávamos, em 1899, no estudo do átomo". Contudo, ele arremata seus argumentos afiançando que "a fim de lançar as bases para uma compreensão de toda polêmica, pode ser útil tentar compreender as razões da existência de uma ampla receptividade para a ideia de agressividade inata, a despeito das evidências científicas e do conhecimento geral em contrário, e as consequências passadas, presentes e futuras dessa receptividade".

Não obstante, Ayush Amar ainda frisa que "o sistema límbico (parte do cérebro que determina respostas afetivas e emocionais) possui importância do desencadeamento de reações violentas e explosões agressivas, também devendo se admitir as múltiplas influências dos hormônios circulantes, inclusive dos esteroides andrógenos, da secreção de testosterona, enfim, tanto os fatores humorais quanto os neuroanatô-

Na realidade, o desafio que a vida em sociedade apresenta não se limita a apontar uma única e simplificada explicação do "porquê" o homem mata outro homem, mas de descobrir o "porquê", em circunstâncias similares, um homem mata, outro socorre e um terceiro finge que nada viu. A explicação não pode estar em supostos instintos humanos, que tenderiam a dirigir sempre todos os homens numa única

O insigne mestre Ayush Morad Amar, em sua obra Criminologia, ensina que o Sistema Nervoso Central, após o nascimento da criança, é influenciado, desde logo, pelo conta to com o meio ambiente. Instruindo a asserção, ele menciona as pesquisas de ativação eletrofisiológica de Melzack em 1969, as pesquisas sobre as características morfológicas de Schapiro e Vukovich em 1970 e as pesquisas de funcionamento neuroendócrino de Levine em 1976.

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direção, mas, principalmente, nas experiências de suas vidas inteiras, que variam amplamente de uma pessoa para outra.

Parece irrecusável que existe uma contribuição genética para quase toda forrna de comportamento. Mas não é absolutamente verdadeiro que o comportamento específico dos seres humanos seja determinado apenas geneticamente. As potencialidades são genéticas em sua origem. O talento para a música, por exemplo, parece ser herdado. Já a capacidade de tocar piano, uma forma específica de comportamento humano, é adquirida. Isso significa que o talento musical herdado não basta para formar um músico se não for associado a muitos anos de diferentes tipos de experiências. Aflora, daí, que o homem não é só o inato; é também o adquirido. Assim igualmente acontece com a agressividade ou comportamento agressivo, que, da mesma forma que tocar piano, é, em grande parte, resultado da aprovação e da ajuda ativa. Verdade é que as duas teorias sobre a agressividade humana ou o comportamento agressivo, se ele é inato ou adquirido, constituem mais do que um debate acadêmico, pois as duas visões definem não só duas maneiras, dois enfoques diferentes de encarar o comportamento humano, mas também duas maneiras de atuação. E isso é importante para todos nós, como indivíduos que sobrevivemos numa mesma sociedade humana. A solução do problema depende da visão adorada. Admitindo-se que os seres humanos são inevitavelmente assassinos, as soluções devem servir às tendências assassinas. Entendendo-se, por outro lado, que o comportamento humano é adquirido, as soluções devem ter por fulcro aquela capacidade de aprender. De qualquer modo, sopesadas as considerações anteriores acerca da violência e agressividade humanas, é interessante que se mantenha uma ideia de interacionalidade sobre o assunto, a partir do fenótipo do indivíduo com o ambiente em que ele vive, do binómio educação-instintividade, passando pelo pensamento e pelos sentimentos, a serem admitidos como fatores desencadeantes do comportamento agressivo, com maior peso para um ou outro lado, de acordo com os casuismos individuais, nessa mescla de influências responsáveis pela agressão e pela violência. 6.3 Agressividade e violência Em seu livro Appunti di criminologia, Franco Ferracuti, professor da Universidade de Roma, diz que "a análise do comportamento agressivo violento é um tema de grande interesse, ao qual se dedicaram muitos estudiosos, quer da área da Sociologia, como também da Biologia e da Psicologia, na tentativa de construção de uma teoria que explique adequadamente essa fenomenologia; tais teorias se fulcram em conteúdos e direções diversas, que vão desde a do instituto da morte e da agressão da Escola Psicanalista até a hipótese da influência da frustração na agressão, da Escola Sociopsicológica".

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· · 1area · de indagação é a que diz • . sma . t·1za "que nesse assunto ' a pnnopa F rracutl d .h · ·d· " E .e mportamento agressivo particularmente nos delitos e omlCl lO . b comportamento respelto ao co ' . . . 1d ·r !" no· "Os estudos parclalS elSO a osso re o ndo impossível examiná-los nos limites de um prossegue o mestre l a la . homicida são multo numerosos, se simples livro". . . d a razão assiste ao preclaro mes.tre Ferracuti, poiS, evidentemente, na a a . Plen f t sa dificuldade de se conhecer todas as facetas e aspectos que objetar no re ere~ e a es . . ue ademais é apenas uma nuança do comportacircundam a vwleqnucelashe~~lpc~~=~:te ~m múlti~las ocasiões, que não precipuamente menta agressivo, aquelas da ação delitiva-homicida. . Por isso o labor ingente com que se depara todo comportamento agressivo, sob o aspecto genérico, assunto esse sividade como um o da Criminologia considerando-se, mcluslve, a agres d - . no caroP , . .d . . artir desse impulso e agressao e fator inato no ser humando, ou adqumu~~;oq~: ~~is leve agressão física até aqueles que se cometem vanega os cnmes, q _. . mais graves como o estupro, o homicídio e o latrocinio. · de como nasce o cnme, ble ma, ou sep, . . I d Em última análise ' é em torno dessedpro n· . 0 p 1 desde a Class1ca, ca ca a

pesquisad~: ~~~:t~e~~~~~~i~

~~;i~~e~~~~~~~~~~~~::r~~:;:;i~=~c:~~sit~v~~~~ :u~~:~~o:fr~~:~~~~i;a~ao:~t~:: biológicos na criminahdade, a Ecletlca ou oc:o og , criminalidade originária de determinantes endogenas e exogenas.

BIOTIPOLOGIA CRIMINAL

7 BIOTIPOLOGIA CRIMINAL SuMÃRIO: 7 .l Generalidades- 7.2 Introito genético - 7.3 Perspectivas da genética humana- ?A Reproduçào- 7.5 Considerações biotipológicas- 7.6 Tipologia morfocaracterológica de Nico la Pende e a endocrinologia- 7.7 Biotipologia científica de Ernst Kretschmer- 7.8 Reparos às observações de Pende e Kretschmer- 7.9 Somato-tipos de Wílliam Sheldon.

7 .l Generalidades Nota-se, modernamente, que, em sua evolução teórica, o Direito avança cada vez mais para o robustecimento da personalidade livre do homem, para a firme tutela do denominado direito subjetivo. Por isso, a aceitação praticamente unânime da Biotipologia no contexto jurídico-penal contemporâneo, malgrado represente apenas um segmento dentro de um ramo vasto e complexo.

Abordando-se a Biotipologia, oportuno recordar da Biologia, que se preocupa com a classificação dos variegados tipos humanos e seus diversificados temperamentos. É a Biologia que estuda os tipos individuais, agrupando-os de conformidade com suas peculiaridades anatômicas, funcionais e psíquicas. Vergez conceitua a Biologia como "a ciência dos seres vivos analisados sob os prismas fisiológico, morfológico e evolutivo". Compete à Biologia, destarte, fixar o biotipo da pessoa. Biotipo é o conjunto de caracteres morfo-físico-psicológicos do indivíduo. Deflui, portanto, que o método da Biologia é o da experimentação e seu objeto é a constelação de indivíduos. Trata-se de uma ciência integrada por disciplinas científicas como a Embriologia (que estuda o desenvolvimento inicial do organismo jovem até que saía do ovo ou do corpo da mãe), a Histologia (que analisa a pequena estrutura dos tecidos e dos seus componentes celulares), a Genética (que lida com as estruturas e mecanismos que governam os traços hereditários), a Anatomia (que estuda a composição dos organismos e dos órgãos), a Fisiologia (que pesquisa os aspectos da vida e as atividades exercitadas pelos organismos) e a Citologia (que estuda a fundo os segredos da vida, concentrando-se nas estruturas celulares). Recebe a Biologia, ainda, a contribuição de ciências como a Morfologia e a Antropometría (que cuidam da determinação da forma corpórea), a Etnografia (que visa a determinação da raça do indivíduo) e a Psicologia (para a determinação do temperamento da pessoa).

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Referindo-se à Biologia Criminal, entende o insigne jurisconsulto Edgard Magalhães Noronha que ela se identifica perfeitamente com a Antropologia Criminal. Ambas representando uma só disciplina, eis que voltadas para o estudo dos caracteres fisíopsíquícos do delinquente em consonância com a influência externa, no escopo do esclarecimento da gênese criminosa. Assim, citando os crimes contra os costumes, Magalhães Noronha pondera que o fato r biológico instintivo é o determinador de todo infracional de cunho sexual, sendo os fatores mesológícos meros estímulos predís;ponentes, conquanto algumas vezes desencadeantes. Aníbal Bruno, Bento de Faria e Basileu Garcia, gabaritados penalistas pátrios, igualmente concordam não haver distinção entre a Biologia Criminal e a Antropologia Criminal. Indo muito além, o mestre Roberto Lyra Filho considera a Biologia Criminal como "Criminologia recipíendáría e marginal". Aliás, em sua obra Criminologia dialética, contestando a autenticidade da Biologia Criminal, Lyra Filho aduz que "hoje, o biologismo já não verá o trânsito livre, pelo menos em suas pretensões de hegemonia microcriminológica, apesar dos neolombrosíanísmos retardatários, como a díencefalose crímínógena de Benigno Di Tullío ou a explicação. com apelo a disfunções endócrinas, hípoglicemía e descalcificações; ou, ainda, a mais recente procura da causa da criminalidade em aberrações dos cromossomas". É certo, outrossim, que Lyra Filho associa as diretrízes caracterológicas a um amplo condicionamento sociológico ou ecológico-social. Provavelmente esteja aí a razão da contundência de sua crítica! 7.2 Introíto genético Ressalte-se, abrindo-se um parêntese, que diversos distúrbios de conduta, e entre eles a delinquência de adultos, a criminalidade juvenil, a homossexualidade etc., indicam, com crédito, a presença de um fator genético predisponente, sem desprezar o adjutório ambiental. De referir, por oportuno, que estudos procedidos por A.]. Rosanoff, nos Estados Unidos, concluíram que aqueles distúrbios de comportamento, e mesmo a delinquência de adultos, afloraram, em inúmeros casos, através das seguintes frequências de convergência entre gêmeos monozígóticos, dízígóticos do mesmo sexo e dizígóticos de sexo diferente: 93%, 80% e 20%. Já na Alemanha, Heínrich Kranz, em seu livro Lebensschihsale hrimíneller, visualizou a seguinte frequência de concordância no tocante à delinquência de adultos: 65% entre gêmeos monogóticos, 53% entre dízígóticos de sexo idêntico e 14% entre dízígóticos de sexo oposto. Inegável que isso deixa vislumbrado, ainda que em tese, o papel dos fatores genéticos na criminalidade! Pesquisas encetadas na Dinamarca sobre a projeção dos fatores genéticos e ambientais na tela da criminalidade relataram que, quando o pai biológico e o adotivo não eram delinquentes, ou quando somente o adotivo era criminoso, as taxas de criminalidade entre os filhos eram praticamente iguais. Todavia, sendo delinquente

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apenas o pai biológico, a taxa se elevava ao dobro, ascendendo ao triplo quando ambos os pais eram criminosos. Implicando dizer, com isso, que a criminalidade do pai natural e do adotivo e eventualmente a ocorrência de moléstia mental na mãe são fatores que chegam a marcar presença na gênese da delinquência dos filhos.

a matéria-prima da hereditariedade é o denominado DNA (ácido desoxirribonucleico), mQlécula em dupla espiral encontradiça nas células de todos os seres vivos, das bactérias aos homens.

Aliás, para as aplicações da Genética no campo da Criminologia, muitos geneticistas vêm procurando identificar a transmissibilidade de fatores que gerariam o crime. Tais pesquisas têm sido realizadas de vários modos: primeiramente foram estudados grupos sociais, depois aglomerados étnicos e, particularmente, núcleos familiares, os quais, pela alentada incidência de membros que se apresentaram como autores de ações delituosas ou como indivíduos de conduta social perniciosa, viriam atestar essa transmissibilidade. Dugdale, por exemplo, investigou a família juke, reconstituindo sua genealogia até chegar ao antepassado comum: o indivíduo Marx juke, nascido em 1720. Na família aconteceram diversas uniões ilegítimas. Foram pesquisados 700 descendentes de Marxjuke, sendo que mais da metade era constituída de criminosos, prostitutas, vadios etc. Despine cita o caso da família francesa dejean Chrétien, que teve 3 filhos: Pier, assassino, teve 1 filho também assassino; Tomás teve 2 filhos assassinos e 1 neto ladrão recidivante;jean teve 7 filhos, sendo 4 ladrões e 2 filhas ladras, uma das quais teve 2 filhos assassinos e 4ladrões; a terceira filha teve 1 filho assassino. joelger indica a família suíça dos Zeros. Da família Zero são conhecidos 310 descendentes, sendo que 74 faleceram na primeira infância e 29 na segunda infância, restando 207 adultos, dos quais 12% foram criminosos, 28% imorais e indigentes, 41% vadios e somente 19% foram indivíduos tidos como normais. Famílias análogas são descritas por Jukes, Chreten, Hillmann, Kerengal e Kallikak. Contudo, a ciência moderna repele o conceito de degeneração em Antropologia Penal, pretensão já acariciada no século XIV pelo frei catalão Francisco Eximenos e que foi motivo central da teoria de Cesare Lombroso e de seus seguidores Enrico Ferri, o "caposcuola" da Sociologia Criminal, e Charles Fere. Ainda assim, indaga-se, repetidamente, da existência, ou não, de uma influência genética, inata, herdada, como copartícipe do ato criminoso. Haveria um determinismo herdado para a prática de crimes? Não se ignora, cabe enfocar, que a origem dos caracteres humanos desponta na existêilcia de fatores que condicionam o aparecimento desses mesmos caracteres. Os fatores, segundo os geneticistas, poderão ser divididos em genéticos e ambientais. Os fatores genéticos sâo transmitidos por certos corpos especiais existentes nas células que são conhecidos pela designação de cromossomas. De citar que cada característica individual deriva praticamente de um gene e os genes se situam nos cromossomas. Cada espécie animal tem um número fixo de cromossomas. O gato tem 38 cromossomas, a ovelha 54, o cavalo 60 e o homem 46 cromossomas. A espécie humana tem, portanto, 23 pares de cromossomas para o homem e outros tantos para a mulher, os quais se fundem quando há a união das células masculinas e femininas e que contém milhares de pares de gene. É sabido, por outro lado, que

Na espécie humana, o DNA encerra entre 100 mil e 200 mil genes. O gene é encontrado no núcleo das células, comandando todos os seus processos bioquímicos. Cada gene é responsável pela produção de determinada proteína, que será necessária para o funcionamento ou para a estrutura do corpo. Um defeito no gene poderá afetar ou impedir a síntese de uma proteína, daí promanando uma doença genética ou deformidade. O DNA humano é formado por uma frequência de bases nitrogenadas (timina, adenina, guanina e citosina) unidas na forma de dois cordões entrelaçados. Para ter uma noção da quantidade de bases que o DNA humano contém, uma sequência dessas bases separadas entre si por uma distância de dois milímetros seria suficiente para cobrir mais de 250 quilómetros! Os tecidos humanos mais ricos em DNA são os glóbulos brancos do sangue, o esperma, os fios de cabelo, a polpa dentária e a medula óssea. A análise do DNA começa com a retirada de uma amostra desse material orgânico (em geral sangue ou esperma) através da aplicação de uma solução específica (tensoativo com enzima proteolítica) que fragmenta a amostra. Em seguida esses fragmentos do DNA (de diversos tamanhos) são espalhados sobre uma superfície gelatinosa e submetidos a uma corrente elétrica, que os faz ficar em fila, em ordem crescente de tamanho. Finalmente, os fragmentos do DNA são transferidos para uma película de náilon que é colocada sobre um filme de radiografia. A radioatividade imprime no filme a sequência de fragmentos do DNA como em uma fotografia. A comparação das "fotos" comprova se as amostras pertencem à mesma pessoa. Ayush Morad Amar, gabaritado médico patologista brasileiro e perito em DNA internacionalmente reconhecido, assevera que a análise do material genético fornece 100% de certeza nos casos de investigação de paternidade. Para comprovar a paternidade, comparam-se as "impressões genéticas" dos pais e do filho. Como o material genético provém em proporções iguais da mãe e do pai, cada característica do DNA do filho deve ser encontrada em um dos pais. Se existir na "impressão" de DNA do filho pelo menos dois fragmentos que não aparecem nos pais, um deles não é legítimo. Esclarece Ayush Amar, ademais, que o exame do material genético inclusive permite identificar o autor de um crime a partir de um fio de cabelo, de uma gota de sangue ou de um traço de esperma. Para tanto, ter-se-ia de cotejar o DNA do material encontradiço no local do delito com aquele do suspeito ou indigitado autor. Uma vez disseminado o processo do DNA, Ayush Amar entende que será possível, notadamente nos países de maior tecnologia, a formação de arquivos unificados do DNA, propiciando a confecção da "impressão genética" que substituiria com inimaginável vantagem os registras digitais ora utilizados. As células de identidade

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passariam a conter a "impressão genética" das pessoas. Seria, não há negar, uma superarma para o deslinde de crimes violentos contra a vida e a integridade física quando tais eventos fossem de autoria desconhecida. Nos Estados Unidos e na Inglaterra estão bem adiantados os estudos nesse sentido.

característico para o genótipo XYY, pelo menos aparentemente, não sendo esse o genótipo ~ereditário. É inegável, porém, que se tem constatado serem os portadores do equipamento XYY indivíduos de características físicas semelhantes. Entendem alguns, até, que os portadores do cariótipo XYY possuam tendências antissociais e, como eles, outros portadores de anormalidades cromossômicas. Claro que nem todo indivíduo que comete um ato antissocial é um criminoso, salvo se o realizou com previsibilidade do dano provocado. Seja como for, para os homens que herdam um cromossoma Y a mais, Price e Whatmore acreditam que eles sejam menos de 1 para 2.000. De qualquer modo, L. Moor demonstra que a incidência de cromatina masculina positiva e da síndrome XYY é muito maior entre delinquentes do que na população em geral. Corno foi ponderado, a .síndrome XYY- inicialmente descrita como caracterizadora de indivíduos de alta estatura, imaturidade afetiva, baixa inteligência, agressividade não controlada, ectopia testicular e de propensão ao crime- não retrata, hoje, o panorama sombrio inserido na teoria lombrosiana, rnalgrado alguns pesquisadores modernos entendam que o cariótipo XYY direcione o problema da periculosidade pré-delitual a partir de uma disfunção neuroendócrina emergida na fase da puberdade. É certo que, no ano de 1961 e seguintes, surgiram inúmeros estudos acerca da incidência da anomalia XYY nos psicopatas encarcerados, pois, aparentemente, teria aflorado urna base biológica para o "psicopata agressivo". Chegou-se a afirmar que a predominância de homens com XYY nas instituições penais seria maior do que se presume. Não obstante, embora seja proporcio.nalmente maior o índice de indivíduos com a aberração XYY nos aglomerados prisionais do que na população normal, é consentido que, entre os portadores de dois cromossomas Y, um grande cóntingente leva uma existência inteiramente sadia. De reconhecer que os indivíduos com cromossomas XYY, independentemente disso, quase sempre ostentam retardamento mental, certas anomalias fenotípicas e são mais inclinados ao crime. Mas, em termos de psicodiagnóstico, também é exalO que indivíduos XY podem revelar um perfil psicológico matizado por insuficiência do desenvolvimento emocionalafetivo. Com segurança, fatores genéticos constantes do cromossoma Y extra devem predispor seus portadores a comportamentos inusitados, ao tempo que alongam sua estatura para 1,80 m ou mais e modificam seus dermatoglifos. Na realidade, até agora a relação direta do cariótipo XYY ao crime é extremamente duvidosa. Num futuro próximo, provavelmente a Citogenética posicione com clareza o assunto.

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Destarte, como já foi enfocado, o DNA deteria, dentro de si, o código genético que orienta as células na tarefa de fabricar proteínas, substâncias que, conforme os geneticistas, ensejariam as características de todos os seres. Com respeito e reflexão de que se faz merecedor, Almeida Júnior aduz que "o património genético é, em última análise, um conjunto de forças latentes, de potencialidades, as quais se realizarão, ou não, e, se realizadas, terão esta ou aquela intensidade, consoante seja, ou não, favorecidas pelo ambiente". Já foi posicionado que os geneticistas dividem os fatores condicionadores dos caracteres humanos em genéticos e ambientais. Os fatores costumam ser considerados corno pré ou pós-natais e exercem influências por intermédio dos humores, no meio interno, ou por força das variações do ambiente externo. Vale dizer, desde logo, que a hereditariedade transmite tão somente os fatores genéticos e não comunica, a rigor, os caracteres propriamente ditos. A hereditariedade só transmite tendências para a formação dos caracteres, tendências estas que se desenvolverão, ou não, de acordo com a coparticipação favorável ou desfavorável dos fatores ambientais. Portanto, não se pode falar em fatores que determinem caracteres, mas sim em fatores que tendem para o desenvolvimento desses caracteres. Assim, a transmissão hereditária não é dos caracteres: é dos fatores. Difícil abonar, destarte, a figura lombrosiana do criminoso nato, ferretoada por estigmas físicos e mentais e, desse modo, inexoravelmente tendente para o delito. Entretanto, havendo falha no processo de transmissão da hereditariedade biológica, o indivíduo nascerá com cariá tipos anormais. Por exemplo: as mulheres que têm um só cromossoma X em vez de dois; as portadoras do cariótipo XXXX (raríssimo, é verdade), que, em grande parte, são oligofrênicas. Ademais, tem sido muito questionado o papel que poderia desempenhar na gênese criminal o complexo XYY, e também outras aberrações da bagagem genética. Como já foi dito, tanto o homem quanto a mulher são geneticamente constituídos de 23 pares de cromossomas, que levam à previsão dos caracteres humanos, inclusive o sexo. A mulher possui um par de XX e o homem um par de XY, conforme descoberta atribuída a Havelock Thompson, do Departamento de Genética do Centro Médico de Cedars-Sinai, em Los Angeles, nos Estados Unidos. Igualmente, foram descobertas exceções aberrantes que, no homem, tornam principalmente a configuração XYY e XXY. Então, a função genética seria realizada por uma enzima correspondente e, do desempenho dessa enzima, denominada hipoxantinaguaninefosforibosil, poderia advir um comportamento agressivo segundo]. E. Segmiller. Haveria urna alteração na resposta aos estímulos sociais normais, passando a avaliação dos direitos e sentimentos alheios a ser deficiente e qualquer satisfação emocional somente seria obtida através de um sentimento extremado e antissocial. Pondere-se, desde já, que não há um fenótipo

Por outro lado, a frequência da mutação cromossômica varia confonne as amostragens populacionais e a evolução da produção de análises citogenéticas quando coletadas em subgrupos coletivos selecionados. Na população saudável, por exemplo, a frequência de número anormal de cromossomas sexuais é da ordem de menos de 1%. Quando aferido em hospitais, esse índice cresce ligeiramente, sendo bem maior nos quadros de desordens reprodutoras, ou seja, nos casos de infertilidade, de arnenorreia precoce etc. Em clínicas para tratamento de distúrbios mentais as ocorrências de mutações cromossômicas são mais comuns. A quase totalidade

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das anomalias mentais se insere no excesso de desordens autossômicas devidas, principalmente, ao mongolismo (Síndrome de Down),com destaque para a trissomia do crânio, braquicefalia, hipotonia, pregas epicântlcas, ponte nasal depnm1da, linhas simiescas, estatura reduzida, dificiências cardíacas e para o retardamento mental. Em prisões dos Estados Unidos foi verificado algum excesso de portadores de guarnição cromossómica não diploide (aneuploidia). Já nos casos de desvios sexuais a aneuploidia é patente. Dentro da população em geral de antissocwis, e nos delinquentes sexuais, efetivamente, que foi constatada a mais significativa taxa de anomalias cromossômicas.

permanecer constante. No organismo humano, as células do corpo, denominadas somática"- apresentam cromossomas que ocorrem em pares (um de origem paterna e outro de origem materna, num total de 23 pares). Tais células denominam-se diploides. No homem, essas células sexuais recebem o nome de espermatozóides, e na mulher são chamadas de óvulos. Da fusão das duas resulta o zigoto, ou célula-ovo, que reconstitui o número diploide próprio de cada espécie.

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Perspectivas da genética humana

Está fartamente comprovado que os cromossomas contêm quatro tipos de molécula: o DNA, oRNA, as proteínas básicas (histoninas) e as proteínas ácidas ou residuais. Conjuntamente, essas moléculas recebem o nome de cromatina. O DNA (ácido desoxirribonucleico) é a única molécula que se situa de maneira constante no cromossoma, inclusive durante sua duplicação. O RNA (ácido ribonucleico) serve de molde através de uma das cadeias da molécula do DNA, para que 0 código genético seja traduzido em forma de proteína. As proteínas são macromoléculas constituídas por unidades denominadas aminoácidos (existem vinte aminoácidos essenciais que devem ser fornecidos à dieta do organismo e chegar ao citoplasma da célula). Ora, a ordem dos sistemas biológicos é determinada e desenvolvida a partir de uma informação pré-codificada. O sistema desse código é de origem molecular, e a molécula básica da informação é o ácido nucleico. A reprodução depende da duplicatura desse sistema informativo e de sua transmissão de pai para filho. Desse modo, o ácido nucleico representa o material genético basilar e exerce duas funções fundamentais: serve como modelo para sua própria duplicação (função autocatalítica) e produz a informação estrutural e reguladora para a síntese de proteínas específicas (função heterocatalítica). E mais: em todos os organismos celulares em que o ácido desoxirribonucleico (DNA) exerce uma função genética, sua atuação heterocatalítica imprescinde da formação de uma molécula mensageira intermediária de ácido ribonucleico (RNA). O fundamento de tudo, portanto, é o DNA, ou seja, o material genético em si. Duplicando-se, a molécula do DNA formará outra idêntica. Isto não sucedendo, o DNA, por via de um processo de transcrição, formará oRNA, que funcionará como matriz para que o código genético seja traduzido. A divisão do material genético (célula) nada mais é que a divisão dos cromossomas, originando-se, por consequência, uma nova célula igual a seu modelo. Porém, ao longo da evolução biológica, esse processo de reprodução foi substituído por outro, mais complexo, que implica a elaboração de células diferenciadas e sua fusão com troca de material genético. Ainda assim, para que a herança aconteça, o número de cromossomas de uma espécie deve

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Isto colocado, é sabido que o mundo orgânico é constituído pelo somatório de seres ou organismos e estes, por seu turno, são formados por células que, na verdade, representam as unidades básicas da vida e têm como característica principal sua força de autoduplicação. De certo modo, todos os organismos adquirem alguma informação de seus antecessores na medida em que as gerações se renovam. No processo de reprodução biológica natural, a informação pode ser transferida, por exemplo, de pai para filho, através do cruzamento daquele com a mãe deste último, ensejo em que, no curso da conjunção sexual, houve a fusão do espermatozoide com o óvulo. A genética é o estudo dessa herança com a qual o homem se preocupa seriamente pelo menos há dois séculos. De fato, desde 1865, na Checoslováquia, o monge agostinho João Gregório Mendel dedicava-se ao estudo do processo de hereditariedade, embora suas experiências consistissem no cruzamento de plantas leguminosas e flores, para aprimorar-lhes a qualidade e a cor. A respeito, inclusive, ele elaborou suas três leis de transmissão de caracteres (lei da uniformidade da transmissão de caracteres, lei da dissociação dos caracteres, lei da distribuição autónoma dos caracteres). Tais leis mendelianas, todavia, pouco ou nada contribuem para a compreensão da bagagem hereditária humana. No enfoque da genética humana, aliás, herança não significa a passagem de caracteres somáticos do pai para o filho. Mesmo porque unicamente os fatores genéticos podem ser transmitidos, a nível gênico e cromossômico. Assim, pais normais podem ter filhos com malformações e vice-versa. Pais com idêntica anomalia clinicamente genética podem ter filhos normais. Um casal normal não serve como garantia para uma prole saudável. Determinadas anormalidades são mais comuns em um sexo do que em outro. Outros exemplos, enfim, poderiam ser elencados. Seja como for, na metade do ano 2000, um grupo de cientistas norte-americanos afirmou ter completado o esboço do mapa genético de três cromossomas, consoante anunciou, na oportunidade, o Instituto do Genoma Conjunto, que participa do Projeto Genoma Humano. Asseveraram tais cientistas, que traçaram o mapeamento dos cromossomas 5, 16 e 19, que compõem aproximadamente 11% do genoma humano e contêm informações vitais sobre várias doenças (câncer de cólon e de mama, diabetes, miopatia de Duchenne, mal de Hutington etc.). Eles acreditam que, decifrando por completo o código dos genes humanos e determinando seus efeitos, a medicina poderá prolongar a vida e a saúde, além de encontrar meios para tratar praticamente todas as doenças, corrigir deformidades congênitas e até inibir o surgimento de fatores predisponentes na gênese da criminalidade!

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Participaram dessas pesquisas de decifração do DNA dezesseis centros científicos de diversos países, entre eles a "Wellcome Trust", da Inglaterra, o "Sanger Center", de Cambridge, o "Whitehead Institute for Biomedical Reserarch", de Massachusetts, a "Escola de Medicina da Universidade de Saint Louis", de Washington, o "Colégio de Medicina Baylor", de Houston, e outros institutos científicos da Alemanha, França, Japão e China.

O espermatozoide se produz dentro do testículo e o óvulo dentro do ovário. Nos testícylos existem diminutas células conhecidas por "espermatogônios", que são as células-mães dos espermatozoides. Como foi mencionado, a parte nobre da célula é o núcleo, que consubstancia o que se denomina "fio de cromatina", que avoluma no instante da reprodução celular dando lugar à formação de cromossomas.

Na época, junho de 2000, entusiasmado com esses estudos e descobertas sobre o genoma (conjunto de todos os genes do corpo), o então presidente norte-americano Bill Clinton disse textualmente: "Hoje estamos aprendendo o idioma com o qual Deus criou a vida".

A espécie humana tem um espermatogônio com 23 pares de cromossomas que são constituídos por entes microscópicos, denominados "genes", e nos quais parece residir toda carga hereditária do homem. Tendo em vista que os 46 cromossomas se partem dando lugar à divisão nuclear, cada novo espermatogônio vai ser integrado por 23 pares de cromossomas. Repetindo o que foi dito anteriormente, no homem cada espermatozoide leva 23 cromossomas, e na mulher cada óvulo igualmente leva 23 cromossomas. O espermatozoide e o óvulo são células totalmente diferentes entre si, mas nos núcleos de ambos as células são do mesmo tamanho. O espermatozoide é dotado de uma cabeça ovalada unida a ;,ma espécie de cauda. O óvulo contém um grande protoplasma que contrasta com a escassez protoplasmática do espermatozoide. Consumada a união sexual, basta que um espermatozoide penetre numa das trompas de Falópio do útero para fecundar o óvulo. A fusão das duas células forma o ovo ou zigoto, que constitui o novo ser, formado com a integração dos 23 cromossomos proporcionados pelo óvulo materno e dos 23 cromossomas proporcionados pelo espermatozoide paterno. Relativamente à herança, dizia com lucidez T. Ribot que ela "é a lei biológica em virtude da qual todos os seres vivos tendem a se repetir em seus descendentes". Importando dizer, com isto, que os pais transmitem aos filhos toda a equipagem que receberam de seus ancestrais, pois que o ovo sól reproduzir em seus descendentes todas as características biológicas, fisiológicas e psicológicas que recebe de seus descendentes. Resultando, daí, que o meio ambiente que rodeia o indivíduo rigorosamente não é capaz de criar nada, embora possa apressar, frear, expandir ou restringir a herança natural. Consequentemente, a herança pode ser influída pelo meio ambiente, mas este não é capaz de criar nada, exceto na hipótese das mutações.

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Já no ano 2001, diante do irreversível avanço da genética humana, alguns cientistas, entre eles o especialista em reprodução humana Roger Abdelmassih, defendem a sexagem (escolha do sexo do filho). Outros, como o professor Marcelo Zugaib, chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de São Paulo, são contra, salvo quando se trata de evitar o risco de doença fetal. Mais radical, Antonio Jorge Salomão, também professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, aduz que o homem não tem o direito de escolher o sexo de seu filho e sempre haveria o risco de se cair na tese nazista da "higiene racial". Recentemente, manifestando-se sobre o mapa do código genético humano, o cientista alemão Bemd Brinckmanns, durante congresso da Sociedade Internacional de Técnica Genética realizado na cidade prussiana de Munster, assegurou que dentro de pouco mais de cinco anos será possível elaborar o retrato falado genético a partir do DNA de células dos suspeitos, o que traria enorme contribuição para o campo da criminogenia. Ainda no campo da exegese da genética humana, é muito cedo e inteiramente temerário pensar em eventual contribuição, no campo da criminalidade, da inseminação artificial (escolha germinal) e da fertilização "in vitro", cujo desfecho até se prenuncia alvissareiro. Finalmente, deixando de lado o aspecto sociopolítico, mas no plano meramente científico, malgrado até agora nenhum cientista tenha logrado alterar diretamente qualquer caráter específico, parece que, em termos genéticos, o "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley está se tomando forte probabilidade. 7.4 Reprodução Oportuno citar, outrossim, a herança propriamente dita e, antes dela, a própria reprodução. Importa, aqui, a reprodução dos mamíferos em geral e do homem em especial. Em ambos, para que aconteça o fenômeno da reprodução, é imprescindível a fusão de duas células: o espermatozoide e o óvulo. Sob o enfoque genético, tais células, masculina e feminina, são chamadas de gametas.

A herança se estende a todos os domínios orgânicos: morfológico, fisiológico e psicológico. A herança existe para todos os caracteres, sejam eles favoráveis ou não. Assim como se transmitem caracteres bons (a inclinação para a música), também se transmitem os negativos (a hemofilia). A transmissão hereditária só é estrita com relação aos atributos fundamentais da espécie, que é o fato de que o indivíduo que vai nascer tenha a conformação anatômica, vísceras e órgãos próprios dos seres humanos. A herança não é igual nem fatal para todos os descendentes do mesmo casal. Os únicos seres considerados idênticos são os gêmeos verdadeiros, ou seja, os univitelinas (gêmeos que nascem de um só ovo).

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A herança se manifesta simultaneamente por semelhanças e diferenças. As semelhanças representam a herança direta de pai para filho. As diferenças se devem ao fato de que herdam caracteres de outros ascendentes: é a herança atávica ou indireta (netos que herdam certos caracteres dos avós ou ascendentes ainda mais remotos).

No tocante aos caracteres fisiológicos, mencione-se o caso de famílias de longevos, o tipo de morte que costuma ser característico de certas famílias em que preponderam cardíacos, a fecundidade, a sexualidade, a força muscular, a atitude geral (maneira de andar, o tom de voz etc.).

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A herança também pode se apresentar nos colaterais, como sucede com irmãos, com tios e sobrinhos, com primos-irmãos etc. Habitualmente a herança é bilateral, ou seja, os caracteres são transmitidos tanto pelo pai como pela mãe, o que, todavia, não é fatal. Reforçando o que já foi explicitado, relevante enfatizar que todo indivíduo possui um genótipo e um fenótipo. Genótipo é o conjunto de fatores que constituem a bagagem hereditária do indivíduo e que é recebida de seus ascendentes. Fenótipo é o que o indivíduo aparenta ser (aspecto, cor, cabelo, funções fisiológicas etc.). Sendo o genótipo a representação do verdadeiro caráter do indivíduo, deve necessariamente desenvolver-se em algum ambiente que fatalmente o influenciará (ventre materno, circulação sanguínea, nutrição, convívio com os familiares, relacionamento social etc.). Há certos caracteres genotípicos que podem passar despercebidos de geração a geração, como o caso do cristalino de tritão, permanecendo em estado de latência até que vem à tona por ação do meio ambiente. Para observar e pesquisar três gerações serão precisos pelo menos cem anos, o que é pouco factível. Tornando à herança propriamente dita, e sendo despiciendo, aqui, minudenciar a consanguinidade e as três leis de Gregório Mendel (a uniformidade da transformação dos caracteres, a dissociação ou disjunção dos caracteres e a distribuição ou combinação independente dos caracteres), importa citar a herança anormal ou patológica e a questionada herança criminal. Quanto à herança normal, cabe ressaltar os caracteres morfológicos, fisiológicos e psicológicos. Os caracteres morfológicos dizem respeito principalmente ao sexo, raça, estatura, glãndulas endócrinas, conformação da cabeça etc. Com relação ao sexo, geralmente o homem é mais alto do que a mulher, também devendo ser consideradas as diferenças entre suas medidas cranianas. Nas raças, poder-se-à observar a dessemelhança entre um norte-europeu e um pigmeu da África Central. Igualmente há que se distinguir os tipos braquicéfalos e dolicocéfalos. Com respeito às glãndulas endócrinas, a par da ação da tireoide (tipos tireoideanos), de referir a influência da hipófise no maior desenvolvimento da estatura, dos seios frontais e das arcadas superciliares. No tocante ao rosto, é notório que os filhos se parecem mais ou menos com os pais, havendo o que se denomina "ar de família". O formato das orelhas não é um caráter morfológico muito importante. Alusivamente ao nariz, pode-se constatar que os mestiços, produtos de raças diferentes, têm o nariz mais chato do que seus progenitores. O peso depende de muitos fatores hereditários e ambientais. A disposição, a forma e o tamanho dos órgãos internos do indivíduo resultam de fatores hereditários.

Com respeito aos caracteres psicológicos, entre os herdados merecem destaque a força de vontade, a sensibilidade e o teor elementar da vida, ou seja, a vitalidade maior ou menor, conforme assevera Hofmann, que sustenta, outrossim, que a inteligência, na hipótese de tradição hereditária, estará ligada ao sexo: os filhos têm mais possibilidade de herdar as características de inteligência do pai e as filhas da mãe. No que diz respeito ao caráter, os filhos herdariam o da mãe e as filhas o do pai. Evidente, entretanto, que todos esses caracteres não podem escapar da influência de fatores ambientais. Acerca da herança anormal ou patológica, claro que estas não devem ser confundidas com as malformações congênitas. As taras hereditárias são as que provêm da célula germinal e não desaparecem, enquanto as malformações congênitas são devidas a causas que intervêm após a gestação do novo ser. As taras hereditárias decorrem da má conformação dos genes e são encontradas repetidas vezes em vários membros de uma família, sendo transmitidas com certa constância. Entre essas taras sobressaem as morfológicas (polidastia, braquidactilia, sindactilia, os lábios leporinos etc.), as enfermidades constitucionais (ananismo, gigantismo, sensibilidade às intoxicações etc.), as doenças do sangue (hemofilia), as doenças endócrinas (bócio), as doenças do aparelho circulatório (hemorragias cerebrais, morte súbita, varizes etc.), as doenças do aparelho digestivo (úlceras gastroduodenais, cirrose etc.), as doenças do aparelho urogenital (a albuminária ortostática, por exemplo), as doenças do aparelho genital (hipospadia, epispadia, criptorquidia ou ausência de testículos no escroto etc.), as doenças do sistema nervoso (afetantes do cérebro, cerebelo, bulbo raquidiano, medula etc.), as doenças dos órgãos dos sentidos (surdez, surdo-mudez, daltonismo, albinismo etc.), a epilepsia (a essencial e a jacksoniana), as doenças mentais cuja herança pode ser direta (caso de famílias de esquizofrênicos, quando a esquizofrenia poderá ser levada aos descendentes em caracteres recessivos) ou indireta ou atávica; as doenças do caráter (ciclotimia, esquizotimia etc.), as oligofrenias (idiotia, imbecilidade e a debilidade mental), as toxicomanias (alcoolismo, cocainismo etc.) a sífilis, a tuberculose etc. Do ponto de vista da Medicina Forense, é incorrera falar em herança criminal. Não está estabelecido, de fato, que alguém possa delinquir através de sua configuração genotípica. Admite-se, isto sim, que um indivíduo mal nascido (com um legado psicopático e educação viciosa ou submetido a fatores ambientais para típicos) possa acabar no crime, do mesmo modo que seus ascendentes. Efetivamente não há tendências criminosas especialmente hereditárias, mas apenas formas psicopáticas especiais. Uma coisa é a bagagem hereditária dos pais,

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e outra as alterações que possa sofrer o indivíduo durante sua vida e que podem influir depois sobre os seus descendentes.

Krimineller, Edmund Mezger pondera que o juiz penal deverá abarcar a verdadeira dimensão do homem criminoso, não esquecendo que ele é um "ser biológico".

A herança poderá ser um fator predisponente ao crime, não fator de sua ação direta que prescinde de uma base com circunstâncias favoráveis. Um paranoico homicida quiçá transmita a seu filho uma constituição paranoica que poderá levá-lo ao homicídio, porém isso não é herança criminal, pois o crime é só um acidente. O importante é a herança patológica mental. O pai pode ser um simples neuropata, tornando-se homicida por circunstâncias totalmente eventuais, enquanto o filho pode vir a sê-lo como consequência, por exemplo, de um delírio de perseguição.

Abordando a Biologia Criminal à luz da Antropologia Criminal e da própria Psicologia Criminal, Seelig assinala, com descortino, que "a Biologia Criminal moderna é a teoria do crime como eXpressão vital do criminoso; procurando compreender 0 delito a partir da personalidade de seu autor e explicá-lo pela auscultação dos fenômenos vitais causais". Releva a assinalar, enfim, que o crime provém do homem e este está sujeito a diversas influências de natureza física, biológica e química cuja atuação sobre ele é permanente. Destarte, somente no homem poderão ser achadas as motivações para 0 crime, e a investigação criminológica nunca poderá fugir dessa verdade; parundo da pesquisa do delinquente e de sua personalidade é que se sopesará sua c~nduta criminal e seus desdobramentos sobre a ação social. Em seu hvro La sonete cnmlnogéne, Pinatel comenta que o diagnóstico de responsabilidade não revela maior valor científico e a Criminologia deve procurar outras perspectlvas e, entre elas, o diagnóstico da personalidade. De considerar, portanto, que a aplicação biotipológica à Criminologia talvez indique um i ter para o estudo da conduta delinquencial, com a possibilidade de uma sistematização global, começando de cada caso individual. Óbvio que tal tipologia ainda não passa de produ to de mera especulação! Demais, sendo uma subdivisão do gênero que engloba os indivíduos, tipo é o modelo que reflete, de modo peculiar 0 caráter de uma espécie. Em seu escrito "Tipos Psicológicos", Carl Gustav Jung ensina que a diversidade de tipos, como fenômeno psicológico de ordem geral, tem um precedente biológico de uma ou de outra espécie, sobressaindo dois tipos gerais universais: o extrovertido e o introvertido. É sabido que o caráter significa a maneira psíquica de um indivíduo reagir aos acontecimentos, o aspecto psicológico da personalidade, mais particularmente a nota afetivo-volitiva. Aliás, a tentativa de estabelecimento de tipos morfológicos e do caráter é antiga. Hipócrates foi o primeiro autor que sugeriu a descrição de quatro tipos: o sanguíneo, o melancólico, o colérico e o fleugmático.

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Por outro lado, quanto mais pronunciada é a herança patológica, mais separado estará o indivíduo do meio social normal, acentuando-se mais intensamente suas possibilidades negativas. De qualquer modo, seria assaz temerário afirmar que existe uma herança específica do crime on mesmo certas condições físicas ou psíquicas herdadas que levam irreversivelmente à prática delituosa.

7.5 Considerações biotipológicas Faz-se indiscutível que a Biologia Criminal não pode pretender, por si só, explicar o fenômeno delitivo. O que ela propicia são posições doutrinárias por vezes convincentes que intentam explicar o delito. Todavia, o crime é um fenômeno real, contrafeito, torpe e que anula qualquer postura niilista! Tanto assim que são quase colidentesas definições de crime oferecidas por juristas, sociólogos, filósofos e psicólogos' O jurista conceitua o delito como a infração da norma penal expressa; o sociólogo diz que o crime é uma manifestação reprovável advinda de fatores ambientais; o filósofo explica-o como a ruptura do preceito ético e o psicólogo como a consequência de uma causa biológica. Precipitado, desse modo, avalizar in totum esta ou aquela conceituação priva tivista do crime. Portanto, como roborar Colajanni quando ele refuta as ponderações sobre a etiologia biológica do crime? Como coonestar sem reservas os mestres Roberto Lyra e Roberto Lyra Filho, em suas acerbas críticas à "teoria biológica do crime"7 Por isso mesmo a acatável ilação do criminologista M. Pelaez, aduzindo da carência de verticalidade científica de qualquer método destinado à investigação geral e exclusiva do crime. Pelo mesmo motivo, é o próprio Pelaez que afirma serem fundamentais à Criminologia os subsídios da Biologia, Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. Irrefutável, além disso, que o criminologista conheça suficientemente o Direito Penal, que lhe fornecerá o "conceito jurídico do delito". Realmente, conquanto detentores de métodos e objetos distintos, é pacífico que tanto o Direito Penal como a Criminologia se voltam para o delinquente e para o delito. Ernest Seelig lembra que os critérios normativos do Direito Penal haverão que ser encontrados na Criminologia. Luis Lacassagne adverte que o magistrado criminal não pode desprezar a matização biológica do delinquente. Em sua obra Kriminalpolitih Handworterbuch der

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Galeno tomou a teoria humoral de Hipócrates e procurou elencar as variabilidades dos tipos com as condições fisioquímicas, segundo a concepção aristotélica predominante, as quais ficariam conhecidas como temperamentos galênicos. Kant tornou a refundir a teoria humoral galênica, adicionando-lhe pormenores de ordem psicológica. Franz Gall e Cesare Lombroso fixaram o aspecto morfológico, ficando clássicas suas tipologias criminais. Ernst Kretschmer relacionou a estrutura do corpo e do caráter numa concepção que hoje praticamente domina toda a Psiquiatria. Nicola Pende fundiu os conceitos morfológicos e fisiológicos numa síntese em que têm equânime determinação as estruturas corporal, funcional-endócrina, psicológica e a do lastro hereditário do indivíduo.

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.. As tipologias mais acatáveis são as de Dilthey, Spranger e Jung. Gustav Jung divide os npos em introvertidos e extrovertidos; estes alegres, comunicativos, objetivos e de facll adaptação, e aqueles reservados, melancólicos, tímidos, em permanente defensiva. Há que dizer que o introvertido superpõe-se ao esquizotímico e 0 extrovertido ao ciclotímico de Kretschmer, cuja tipologia é a mais aceita, sobretudo em psiquiatria.

completo em sua realidade. A Caracterologia se restringe, em última análise, à determinação de fatores da estrutura congênita e sólida do indivíduo. A exegese caracterológica visa os fatores constitutivos do caráter (como a atividade e a emotividade, p. ex.), suas propriedades complementares, seu substrato fisiológico, suas correlações morfocaracteriais e suas propriedades constitutivas e não constitutivas. Daí o profundo interesse de Nicola Pende e Ernst Kretschmer em estabelecer o liame entre constituição orgânica e caráter. Incontestável, outrossim, que a teoria dos biotipos de Pende e aquela do temperamento de Kretschmer trouxeram copiosa contribuição à pesquisa das variações caracterológicas individuais ensejadoras de fenômenos delinquenciais.

De referir, en passant, que Kretschmer, tomando por base as observações das do_enças mentais procedidas por Kraepelin (a psicose maníaco-depressiva e a clemenCia precoce) e as observações antropológicas de Rieger e de Reichardt sobre enfermos de uma clínica, conclui que dois terços de todos os maníaco-depressivos eram do tipo corporal pícnico, enquanto os esquizofrênicos se distribuíam como astênicos, atléticos e displásticos. Logo ele estendeu seus estudos aos indivíduos normais e fronteiriços, convencendo-se de que havia descoberto os tipos fundamentais de personalidade, eis que mais discerníveis nos extremos patológicos. Depois, procurou explicar a diversificação dos indivíduos pela interação dos fatores inatos ou genotípicos e das causas exógenas ou para típicas, provindo do seu consórcio 0 biotipo. _A sistemática de Ernst Kretschmer inclui quatro biotipos: 0 pícnico, 0 leptossomatico, o atletico e o displásico. O pícnico, que se caracteriza pelas formas arredondadas, é rechonchudo, cheio, com esqueleto delgado e muscularmente pouco aparente; a cabeça e o abdômen são largos; ele corresponde ao liiperestênico de Mills e ao brevilíneo da Escola Italiana. O leptossomático corresponde ao longilíneo da Escola Italiana e ao astênico de Stiller; ele é alto, esguio, de tórax e tronco alongados, de musculatura delgada e saliência óssea marcantes. O tipo atlético é carnudo, com 0 esqueleto desenvolvido e os ossos compactos e sólidos; tem rosto grande e robusto, queixo que sobressai (prognatismo), pescoço grosso e cabeça ampla, com 0 tórax Imponente; seu aspecto geral é abrutalhado. Os tipos displásicos são indivíduos de morfologia anômala, com desproporções resultantes de afecções de glândulas endocnnas, e correspondem aos que, outrora, eram designados como portadores de estigmas, de degeneração (gigantismo eunucoide, displasia adiposogenital forma hipoplástica infantil etc.). ' . Kr~tschmer ainda subdividiu os temperamentos e acompanhou as suas mamfestaçoes no estado normal e na fase froiteiriça e nas formas mórbidas. Assim a constituição pícnica normal é a ciclotímica, a fronteiriça é a cicloide e a mórbida~ a psicose ~-aní~co-depressiva. A constituição leptossomática normal é a esquizotímica, a frontemça e a esquizoide e a mórbida é a esquizofrenia. A constituição atlética na forma normal é viscosa, na fronteiriça é epileptoide e na forma mórbida é catatônica da esquizofrenia. . Por isso mesmo a preocupação de Rene le Senne com o caráter do criminoso a ponto de criar a chamada "Escola Caracterológica Francesa", que conceitua ; Caracterologia como "o conhecin;:nto metódico dos homens desde que cada qual se destaque por sua ongmalidade . Assim, o objeto da Caracterologia é 0 homem

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Não obstante, irrespondível que nem as ciências antropológicas e sociológicas, nem as escolas e métodos psicológicos chegarão à culminância de fornecer o perfil acabado e perfeito de .todos os criminosos. Com efeito, a Antropologia, a Biologia Criminal, a Psicologia ou a Endocrinologia jamais converterão a Criminologia num de seus ramos, mercê da interdisciplinaridade das ciências pertinentes ao homem propriamente dito. Claro que a Psicanálise, por exemplo, poderá ser útil criminologicamente na investigação deste ou daquele evento delitivo em que a psique de seu autor responde ao equacionamento psicanalítico. Alusivamente à Genética, como anteriormente foi explicitado, desde que concebido, o indivíduo traz na sua célula primeira, através dos genes e cromossomas, todas as características marcantes do adulto que vai ser. A herança genética é, sem dúvida, um dos principais fatores na elaboração do tipo humano. Sê-lo-á, todavia, na formação do tipo criminoso, também submetido a ponderáveis fatores ambientais e sociais? Retrocedendo, e como já foi exposto noutro capítulo, acenando com a corrente antropológica da Criminologia, Lombroso "descobriu" o criminoso nato, expressão que, conquanto reivindicada por Eurico Ferri, já teria sido usada por Cubi y Soler conforme defende Jimenez de Asúa. Mesmo que fosse assim, é irretorquível que foi da conclusão lombrosiana que surgia a ideia do homem delinquente a partir de caracteres somáticos e psíquicos, dando origem à tese da regressão atávica robustecida, subsequentemente, pela manifestação epilética. Daí Lombroso sustentar que a maioria dos criminosos constitui um tipo antropológico unitário, enquanto os infratores ocasionais e passionais seriam apenas "falsos criminosos". Referindose à delinquência feminina, Lombroso até assevera que a meretriz apresenta mais sintomas de atavismo do que a criminosa comum! Socorrendo de certo modo o pensamento lombrosiano, em sua obra Antropologia crimina!e, Benigno Di Tullio faz menção à "constituição delinquencial", realçando uma criminalidade latente somente contida por forças crimino-repulsivas sempre passíveis de perecer ante forças outras, impelentes. Admite Di Tullio, dessa maneira, caracteres morfológicos, funcionais e psíquicos de predisposição para o ato típico. Ainda consoante Di Tullio, uma das modalidades dessa "constituição delinquencial" seria a diencefalose criminal também reportada por Nico la Pende. Quiçá em alguns casos não haja exagero quando Di Tullio concilia

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a tendência à associação constitucional! Inclusive William Sheldon recorre à correlação de fatores soma to-psíquicos na hipótese de mesomorfismo (tipos atarracados e de alentada consistência muscular) e de indivíduos nitidamente temperamentais como os extrovertidos. Porém, tudo isso é constatação relativa a grupo restrito de criminosos. Não tem valor regrante. Não implica generalização.

Como complementação das observações de René Resten acerca da vinculação dos tipos aos a tos delinquenciais mais frequentes, Roberto Lyra Filho coucluiu pela receptividade da aplicação da Caracterologia no entendimento da conduta criminosa, através da graduação das condições do acontecimento típico, desde seu ato inicial até os meios caracterizadores da eclosão delituosa. Assim é que, concernentemente ao crime passional, Lyra Filho associou as diretrizes caracterológicas a um vigoroso condicionamento ecológico-social.

Passando à deriva do clima de tensão e da situação propiciadora, indiscutível, por outro lado, que existem muitos outros ângulos a explorar na compreensão do delito, de antemão acatando a contribuição da Psiquiatria e da Psicologia, que revelam potencialidades e assomas antissociais existentes em quase todos os indivíduos, ocorrendo que sua eclosão, ou não, dependerá de condicionantes provindos notadamente da infância (resíduos positivos como o desapego e a afeição, por exemplo, e negativos como a mágoa e a vingança), estágio em que são lavrados os padrões básicos da personalidade em face do relacionamento emocional. Seria na infância, de acordo com Fritz Perls- pioneiro da Psicologia Transpessoal e criador da terapia de Gestalt que intenta descer à estrutura da personalidade-, que estão enterradas as emoções de cada um. Seria nela, diz Perls, que tomaria forma a quadrinidade relativa à integração corpo-intelecto-emoção-alma. Explica Perls que a personalidade, na sua essência, tem um nível instintivo muito próximo do corpo, um nível emocional e um nível intelectual. Daí o psiquiatra chileno Claudio Naranjo, discípulo de Perls, entender que o indivíduo tem um cérebro primitivo, reptiliano, um cérebro médio ou emocional (compartilhado com os mamíferos) e um cérebro neoencéfalo, que é propriamente humano. Outros enfoques também haverão que ser devidamente sopesados e acrescidos à bagagem criminológica, entre eles os somatótipos de Sheldon, a tipologia de Klineberg e a tipologia de Le Senne já citada e que parte da constatação de fatores como a emotividade, reatividade, agressividade, sexualidade, sociabilidade etc. De lembrar que a tipologia caracterológica absolutamente não fixa -nem poderia padrões inflexíveis de manifestaçào delituosa, visto que, como frisa Le Senne, tudo se situará na dependência de como o homem jouera de son caractére, malgrado seja o caráter que aconselhará a "sistematização essencial a esse jogo". Na realidade, as aplicações criminológicas foram sistematizadas a começar dos estudos de René Resten, quando se verificou que "a hipertrofia de um mecanismo caracterológico constitui a sua periculosidade sob a visualização criminológica, hipertrofia eletiva que afeta somente um mecanismo, ficando os outros atrofiados e incapazes de assegurar um papel de compensação e neutralização". A observação de Resten se coaduna com as pesquisas de Klineberg, segundo as quais a Caracterologia não ensejaria uma classificação criminológica específica, mas uma síntese meramente indicativa de que a disposição individual decorre da hipertrofia dos mecanismos existentes mais amiúde nos criminosos- sobretudo o nervoso, o colérico, o amorfo e o apático- sendo raros os demais que, apesar disso, igualmente podem expressar derivação criminógena.

Com o evoluir das indagações criminológicas, surgiu, destacado, um movimento para englobar as nuanças tipológicas em uma ciência, a Biotipologia Criminal, que, embora sem assumir posição autónoma, ainda assim propiciou profícua contribuição à Criminologia. Desdobra-se a Biotipologia Criminal, na verdade, em duas importantes vertentes: uma que ado ta a corrente de Ernst Kretschmer e outra que acompanha a orientação de Nico la Pende. Sustentando-se na constatação científica que a psicose maníaco-depressiva é encontradiça preferencialmente nos indivíduos obesos (pícnicos), enquanto a esquizofrenia é mais frequente nas pessoas magras (astênicos), o psiquiatra alemão Ernst Kretschmer, na pesquisa da concepção individual da personalidade, procurou detectar os fatores que atuam na interação corpo-alma. Para tanto, considerou a constituição total do indivíduo, ou seja, os fatores herdados (genótipos) e aqueles adquiridos (fenótipos). Kretschmer tomou como ponto de referência duas anomalias criteriosamente analisadas por seu compatriota e também psiquiatra Emil Kraepelin: a demência precoce e a psicose maníaco-depressiva, em que o comportamento afetivo de seus portadores é inteiramente antagónico. Concomitantemente, Kretschmer pesquisou pessoas fronteiriças. Do cotejo dos psicóticos maníaco-depressivos, dos dementes precoces e dos fronteiriços com os indivíduos normais, Kretschmer avançou da observação geral para a pesquisa antropométrica, isto é, para a medição das várias partes da estrutura corpórea. Em sequência, por via de parâmetros médios, e buscando comprovar a sintonização entre o corpo, os aspectos psíquicos e o temperamento, Kretschmer filtrou quatro tipos de personalidade, a saber: leptossomáticos, atléticos, pícnicos e displásicos. Com temperamento atípico, o displásico tem conformação física variável e aparência irregular e antiestética devido, tudo indica, ao funcionamento anômalo de secreção interna (pode apresentar Síndrome de Frolich, gigantismo, eunucoide, hipoplasia afeminada ou infantil, adiposidade eunucoide etc.). De conformação longilínea, delgado e de aparência frágil, o leptossomático é dotado de temperamento esquizotímico. É fechado em si mesmo, pouco intimidável e de reações imprevisíveis. Invariavelmente sizudo, ora é frio, ora é hipersensível. Adoecendo mentalmente, torna-se esquizofrênico desde que totalmente inadaptado. Inclina-se para a prática de perversões sexuais. Costuma premeditar o ato criminoso. O tipo atlético é vigoroso e de ampla envergadura. Reage pouco aos estímulos, sendo explosivo, afetivo e pertinaz. Tem tendência para a epilepsia e sempre poderá engrossar o rol dos fronteiriços e patológicos. É inclinado à criminalidade impulsiva

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e brutal. O pícnico é de baixa estatura, volumoso e muscularmente flácido. Sendo leviano, borrachão e irreverente, ora está alegre, ora tristonho. Quando fronteiriço é irascível e implicante. Chegando à psicose, torna-se maníaco-depressivo. No campo criminal, pende para o furto, o estelionato, a falsificação e para o crime sexual sem maior violência.

A par disso, parece que a teoria de Kretschrner acerca das "psicoses e suas bases constitucionais" (na qual a personalidade esquizoide e a constituição corporal associadas são partes) revela deficiências no terreno da esquizofrenia, eis que, por exemplo, as emoções do esquizofrênico nem sempre surgem como simples s~quên­ cia de sua vida mental: podem estar primariamente desajustadas em seu cara ter ou em relação com outras experiências psíquicas. Tanto a predisposição genética no sentido do desenvolvimento inadequado do ego corno as influências familiares que adem auxiliar o desbotamento da captação da realidade devem ser consideradas Para aplicar a esquizofrenia. Embora sua posição assaz determinista na causalidade ~os distúrbios mentais, desprezando os fatores psicológicos e sociológicos, e considerando que a origem das anomalias era devida a doenças hereditárias, perturbações metabólicas e anormalidades endócrinas, o sistema classifica tório de Kretschrner ainda é adorado, malgrado com modificações.

Dessa maneira, buscando demonstrar, através de classificação tipológica própria, uma relação de correspondência entre a estrutura física do indivíduo e suas facetas psíquicas, Ernst Kretschmer criou, por assim dizer, a Biotipologia Científica. Sem sombra de dúvida que as doutrinas do temperamento de Kretschmer e dos biotipos de Nicola Pende trouxeram valia ao estudo das variações caracterológicas individuais e, por igual, para o entendimento daquelas formas de conduta que, em determinados casos, conduzem ao fenômeno delinquencial. Em sua teoria biocriminogenética, Pende revela que no ser humano corno conjunto unitário indivisível não existe nada orgânico, nem fisiológico, que não sofra a influência dos fatores orgânicos ou fisiológicos. Para Ernst Kretschmer, o caráter advém do somatório de peculiaridades biológicas fundamentais aliadas aos substratos anatôrnico-fisiológicos da constituição individual e das características que se desenvolvem abaixo da influência do ambiente e de experiências individuais. O caráter, então, desenvolver-se-à através da fusão da constituição, do temperamento e dos instintos com o ambiente, ou seja, pelos fatores externos que atuarn permanentemente, mas sem transformálo por completo. Assevera Edmund Mezger, cabe aduzir, que, conquanto importante, a teoria de Kretschmerpeca em algumas fixações, seja porque a incidência de cada temperamento em certo biotipo é apenas parcial ou percentual, seja porque o homem-realidade é quase sempre um misto de tipos, daí não se poder afirmar que o indivíduo pícnico tem obrigatoriamente certo temperamento ou o leptossomático um outro diferente. Por isso Mezger alerta que, deixando de lado o tipo displásico, nenhum indivíduo seria rigorosa e aprioristicamente ecto, endo ou mesomórfico. Não se pode deixar de citar, porém, que Kretschrner teve vários seguidores que procuraram aperfeiçoar suas teses, entre eles o norte-americano William Sheldon, que, estribado também em Jean Pinatel e Pierre Bouzat, buscou classificar os sornatôtipos ou tipos físicos. Despiciendo resumir, agora, os pontos de vista de Sheldon. Importa realçar que Kretschrner deu outra fisionomia ao problema empírico corpo-alma em sua obra Constituição e caráter, desdobrando o marco da Psiquiatria e a investigação da constituição, com seus conhecimentos sobre os fatores constitucionais para a patogênese das enfermidades psiquiátricas, abrindo campo, inclusive, para um estudo multidisciplinar. Seja como for, são de reconhecido interesse, na órbita criminológica, as características biológicas do indivíduo e também sua sensibilidade ou receptividade diante das influências éticas do ambiente que "operam" continuadamente sobre eles, ainda que sob a forma de sugestões estereotipadas.

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Por outro lado, com a descoberta da glicogênese hepática na metade do século passado, deu seus primeiros passos a Endocrinologia, que, posteriormente, por intermédio de Nico la Pende, Giuseppe Vidoni e outros, veio alargar consideravelmente os horizontes da Criminologia. À Endocrinologia interessa a atividade glandular com suas secreções internas. Há secreções externas e internas, as primeiras de consequência parcialmente internas

e as segundas de resultado interior. Uma mesma secreção pode ter ambas as consequências. A secreção esparrnática que acontece na ejaculação (ou polução) é do tipo interno-externo. Assim também a bílis, cuja maior parte pen_etra no mtestmo e é expelida pelas fezes, mas cujos resíduos penetram na c1rculaçao onde exercem efeitos sobre o humor, por exemplo, e depois é eliminada pela unna. Igualmente e secreção do tipo misto o suco suprarrenal, de onde provém a adrenalma, que exerce funções tõnicas e vasculares. O mesmo se pode dizer do suco gástnco, da sahva, dos sucos intestinais etc., que têm efeito externo e interno, pois que parte dessas secreções sempre é absorvida após transformada. Corno foi dito, a Endocrinologia se volta primacialmente para as glândulas de secreção interna, particularmente para certas glândulas de secreção interna, entre elas as paratireoides, as tireoides, as suprarrenais, a hipófise, o timo, a epífise, a intersticial do testículo, o sistema cromafino, o sistema insular do pâncreas e o parênquima ovariano. Oferecem menor importância as secreções advindas dos rins, fígado, baço, próstata, mucosa intestinal etc. Os sucos ou incretas têm substâncias químicas que, atuando à distância, ex-

citam o aparelho celular e endócrina. São os denominados horrnônios, que, a par de atenuadores da atividade de alguns grupos celulares endócrinas, paralelamente exercem ação direta sobre a nutrição e o desenvolvimento do indivíduo. Nicola Pende um dos mestres da teoria das secreções internas, fixou dois princípios fundarn~ntais acerca das funções do sistema endócrina, chamados "leis de correlação somático-psíquica". Tais "leis" são as seguintes: a) o temperamento individual é o hábito morfológico mais continente funcional do sistema endocnno-

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eletrolítico e do sistema nervoso vegetativo; o caráter individual é o temperamento mais a arquitetura orgânica e morfológica-cerebral do indivíduo; o tipo de inteligência é o caráter mais a arquitetura cortical, originária e morfológica do indivíduo; b) o sistema endócrino-eletrolítico e o nervoso vegetativo são o ponto de conjunção entre o Hábito e o temperamento, entre o caráter e entre o caráter e o tipo de inteligência.

noutras oportunidades, a nenhuma manifestação digna de registro. Inconteste que a teoria endocrinológica por si só não deslinda o enigma da criminalidade. Claro que não, embora os desajustes endócrinas possam predispor ao delito, à loucura, ao autocídio, ao cretinismo ou outra modalidade de degenerescência. Seria precário defender também que as anomalias endócrinas demonstram pelo menos tendência biológica à criminalidade! Isto seria admitir que todo criminoso é endocrinopático, do que não há qualquer prova científica peremptória. Não obstante seja o sistema endocrinopático o responsável por muitas anormalidades morfológicas e até morais, isto não autoriza concluir pela inclinação delinquencial do indivíduo endocrinopático. Tal tendência é a mesma que existe nos indivíduos normacríneos. Senão, como alertam Ruiz e Funes no livro Endocrinologia e criminalidade, haver-se-ia que admitir delinquentes hipofisárias, tireoideus, tímicos, suprarrenais etc.

Dessa compreensão, Pende conclui que "existe uma relação entre as anomalias morfológicas e o caráter (já deduzidas pela antropologia) que deve ser desenvolvida pela Endocrinologia". E arremata enfatizando que as glândulas endócrinas atuam largamente sobre a vida psíquica, seja intervindo decisivamente no desenvolvimento normal da psique, seja, através dos hormônios e das secreções, estabelecendo um estado de equilíbrio (humor, caráter etc.) que imprime a personalidade psíquica individual. Focalizando o assunto, o endocrinologista patrício Rocha Vaz realça que, na atuaçâo do sistema endócrina sobre as qualidades morais e a faculdade do espírito, a tireoide e as glândulas sexuais ocupam posição vanguardeira, seguidas pela hipófise, pelo timo e pelas suprarrenais. É pacífico que o sistema endócrina influi categoricamente na evolução orgânica e psíquica dos indivíduos e, por igual, sobre a formação de seu caráter, de seus sentimentos e paixões e de sua inteligência. Razão por que Nico la Pende denomina as secreções internas de "verdadeiros registras do relógio da vida". Daí, mesmo, a teoria dos temperamentos endócrinas, um capítulo novo da Biotipologia Humana, como acentuava Waldemar Berardinelli. Claro que existe, e a doutrina lombrosiana já o dizia, efetiva correspondência entre o somático e o psíquico, entre os caracteres morfológicos do homem e o seu caráter ou temperamento.

Ressalta, disso tudo, a real importância da Endocrinologia, cuja contribuição não interessa tão somente à Medicina e ciências afins (Anatomia, Fisiologia, Psicologia etc.), mas também à Antropologia Criminal. Hoje, na etiologia do crime, as anomalias endocrínicas despontam como uma das hipóteses passíveis de gerar esse fenômeno biofisicossocial que é o crime. Aliás, após as observações de Cassone Landogna, Berman, Giuseppe Vidoni e Nicola Pende principalmente, os distúrbios no funcionamento das principais glândulas internas, afetando a vida emocional e psíquica dos indivíduos, passaram a constituir novo campo entre as diversas teorias biológicas sobre a criminalidade. Landogna lembra que existe semelhança entre os estigmas das principais constituições endocrinopáticas e as características somáticas, funcionais e psicológicas dos delinquentes. Não há dúvida, ademais, que a ciência vem inventariando casos que evidenciam provável correlação entre as anomalias endocrínicas e a criminalidade. No entanto, será que o sistema endocrínico determina a personalidade física, moral e psíquica do indivíduo a ponto de situar-se em seu descompasso o aríete que o conduz ao delito? Será que o crime advém do desajuste endocrínico pura e exclusivamente? Sendo assim, todos os desequilíbrios emocionais não haveriam que conduzir o indivíduo ao crime? Isto não pode ocorrer, porém. Tais distúrbios, muitas vezes degenerativos, também levam à loucura, ao autocídio, ao cretinismo e,

Interessante observar que, em sua obra Libertad de amar y derecho a morir, o excelso jusfilósofo Jimenez de Asúa lembra que "a delinquência tem múltiplos aspectos para que se lhe possa dar uma única origem; o delito é também um fenômeno social oriundo de variados fatores exógenos; por muito promissoras que sejam as investigações procedidas no campo das secreções internas,jamais poderá crer-se que esta doutrina seja a única interpretação do crime". Enfatiza ainda Asúa que "aqueles que pretenderem transformar a Criminologia em Endocrinologia empreenderiam um caminho simplista e unilateral". De certo modo, é o que já havia ponderado Nicola Pende intentando posicionar a conduta criminal e a disfunção endócrina: "As anomalias hormônicas, de per si, não devem considerar-se como suficientes, como necessárias; são apenas condições facultativas da criminalidade, que se podem por outras substituir". Pende e Vidoni não deixavam de aceitar que os hormônios sejam determinantes do temperamento ou da personalidade do fenômeno delitivo, mas sustentavam, isto sim, que eles são condicionantes da conduta individual normal ou anormal, mormente no que tange à atividade sexual. Afigura-se cientificamente correto que a personalidade normal obrigatoriamente não depende do bom desempenho das glândulas de secreção interna, ao contrário do que sucede com o desenvolvimento físico e o próprio temperamento da pessoa. Cabe frisar, entretanto, que o mau funcionamento das glândulas endócrinas pode levar à anormalidade. Como foi referido, é inquestionável que a funcionalidade das glândulas endócrinas concorre para plasmar o tipo bioconstitucional e, consoante relações entre a estrutura física e a psíquica, sem desempenho refletirá no comportamento e na personalidade. Refletirá até na eclosão criminosa! Destilando hormônios que são inseridos na corrente sanguínea e passam, desse modo, ao sistema nervoso, as gl'\ndulas endócrinas imprimem o desenvolvimento de boa parte do corpo, o equilíbrio funcional e bioquímico do organismo e, por decorrência, o bom andamento da vida neuropsíquica. De questionar, inclusive, se a injunção dos fatores· hereditários e ambientais também não acontece por causa da atividade hormonal, malgrado esta seja mera trilha no panorama da personalidade.

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Tomando por supedãneo tais aspectos, a observação biotipológica de De Giovanni e as pesquisas de Viola sobre a morfologia do corpo, Nico la Pende criou a Biotipologia Criminal em 1939, que, partindo da vinculação corpo-alma, elenca os criminosos conforme critérios biotipológicos dimanentes de conotações psíquicas e morfológicas, estas últimas atestadas pelo desempenho hormonal químico, corporal, neuropsíquico e fisiopsíquico.

tem de ser encarada como pesquisa que objetiva também outras infirmações, entre elas aquelas de cunho sociocultural. Crítica análoga se pode conferir às concepções meramente psicanalíticas ou psiquiátricas da criminalidade, que apontam uma anormalidade psíquica como fulcro de toda ação delituosa, ainda que condescendendo perfunctoriamente com o influxo poligenético de outros fatores. Isto não quer dizer que se pode negar o valor da apreciação psicanalítica na auscultação do inconsciente criminoso! Mas tal apreciação deverá ser consecutada à vista de outros elementos.

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Da simbiose daquelas peculiaridades morfológicas e psíquicas provém, de acordo com o pensamento de Pende, o "padrão-vital" de cada pessoa, ou seja, o seu biotipo. Neste existe o genótipo (elemento vital herdado) e o fenótipo (elemento adquirido pelo próprio indivíduo). Partindo dessas conclusões, Nicola Pende sintetizou dois modelos de biotipos: o tipo megalosplãncnico e o tipo microsplãncnico, cada qual com uma variedade astênica e outra estênica. O indivíduo megalosplãncnico é brevilíneo, com variedade astênica flácida (temperamento fleugmático) ou variedade estênica hipertônica (temperamento colérico). O indivíduo microsplãncnico é longilíneo, com variedade astênica tônica (temperamento autoritário) ou variedade hiperestênica (temperamento belicoso). Roborando Kretschmer na apreciação do temperamento individual, o autor do Tratado di Biotipologia Umana ainda distingue os indivíduos em bradipsíquicos e taquipsíquicos. Os primeiros caracterizando-se pela expansividade, irreverência a ausência de emotividade (seriam os ciclotímicos de Kretschmer). Já os taquipsíquicos são indivíduos intranquilos, irascíveis, acentuadamente emotivos e faltos de autocontrole (os esquizotímicos, no dizer de Kretschmer). Em seu livro Valore e limitti deli Endocrinologia nello studio dei delinquente, Giuseppe Vidoni assevera ter constatado tipos microsplãncnicos no meio de delinquentes não violentos e megalosplâncnicos entre os criminosos violentos e aqueles intensamente antissociais. Contudo, tudo isso é de óbvia relatividade e o enquadramento criminal por via dos subsídios endocrinológicos ou da pesquisa endocrinossimpática, na expressão de Nico la Pende, não propicia, por si só, a descoberta individual do delinquente. Ainda assim, forçoso é admitir que a contribuição endocrinológica à Criminologia sempre servirá de fecundo adjutório no embate contra a criminalidade, seja prevenindo a ação delinquencial em determinados endocrinopatas, seja curando outros e coibindo, destarte, manifestações antissociais. A par disso, depois das revelações de Pende, na Itália, e de Kretschmer, na Alemanha, é indubitável que a Endocrinologia vem colhendo outros resultados, alguns de real importância, cumprindo destacar, pelo maior rigor científico, os de William Sheldon, nos Estados Unidos, e de Verdun, na França. De ressaltar, do exposto, que todos os dados pertinentes ao ato delituoso deverão se integrar numa síntese criminológica. A verdadeira tipologia criminal não pode ser apresentada como um "estudo de unidades biológicas" que exclusivamente considera as estruturas física e psíquica biotipologicamente especificadas! A tipologia criminal

Ainda abordando a síntese criminológica, Chauchard destaca-a no plano psicossomático, seja no tocante às contribuições da fisiopatologia corticovisceral (desde os reflexos condicionados à irritação simpática e à estafa emotiva) ou com relação às contribuições da própria Psicanálise, apesar de esta ainda não ter se firmado nas aplicações criminológicas. Hugo Staub entende como desencadeamento antissocial e superego primitivo, hipergenital, impulsivo, subjugado pelos institutos. Inversamente, De Greff generalizou a delinquência tomando por suporte a indiferença e a ânsia afetiva de certos criminosos. Pelaez critica a generalização apressada da delinquência com base no sentimento de culpa e nos mecanismos de autopunição. Por sua limitação, no entanto, a que tipos criminológicos poder-se-iam estender tais especificações? Há individuas, isto é curial, que justificam uma existência frustrada através da prática delituosa. Contudo, mesmo a denominada "causal neurótica" ou derivação de traumas infantís positivamente não circunscreve toda a seriação de episódios criminais e sequer

enseja sua compreensão, independentemente de fatores outros. De sorte que todas as contribuições mencionadas terão de se obstaculizar diante de um horizonte mais amplo e inteirado. É o caso da Endocrinologia Criminal, que, embora a caracterização específica das disfunções endócrinas, isoladamente não redunda em desdobramento delinquencial. Diz Hilário Veiga de Carvalho, por exemplo, que um hipertireoideu, incentivado por tal disendocrinia, tanto poderá ser um notável artista ou um industrial bem-sucedido como um simples criminoso. Não se contesta, porém, a influência glandular como provável adjutor do fato criminoso. Por isso mesmo que o gabaritado criminologista Gilberto Macedo posicionou cautelosamente o problema das disfunções neuroendócrinas em suas correlações delituosas. Recomenda a prudência, aqui, desconfiar dos excessos de Di Tullio ao admitir que os delinquentes violentos são portadores de hipertirecidismo, os ladrões de distirecidismo, os estelionatários e falsários de despituritarismo etc., na crença desmedida de que as disfunções glandulares concorrem para manifestações delituosas específicas! De acrescer, a este respeito, que Max Schlapp ousou explicar endocrinologicamente todo comportamento criminal! O que vale, na verdade, é a harmonização de todas as perspectivas, absorvendose os aspectos objetivos e positivos de todas as teorias, evitando-se, desse modo, a temerária predominância desta ou daquela tendência. O que importa não é buscar ou traçar o design do criminoso, mas os prismas de visão do indivíduo que pode perpetrar ou já cometeu o delito. Inegável que as teorias biopsíquicas fomentam com profusão o entendimento criminológico, sejam elas alusivas à antropometria,

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psicometria, exame físico, entrevista clínica, pesquisa biográfica ou às tipologias do gênero individual-geral na expressão de Flesch.

ticas somáticas e psíquicas. Para os biotipologistas alemães, o tipo delinquencial é extraído do tipo penal. Dessa maneira, o tipo homicida seria conferido pela figura típica delituosa do homicídio, o estuprador pela figura do estupro e assim por diante. Sendo assim, o tipo penal seria o arquétipo do tipo criminoso. Evidente que a teoria dos biotipologistas alemães não passa de mero artificialismo, pois que a lei penal, embora fixando o tipo-normativo-criminoso, carece, porém, de suficiente amplitude para criar o tipo-humano-criminoso. Não avalizando outros suportes para estabelecer o "criminoso-tipo" que não aqueles decorrentes de fatores biopsíquicos, Antolisei repudia a doutrina alemã. Aliás, a classificação dos criminosos habituais e daqueles por tendência, contemplada no Direito Penal da maioria dos países, emergiu não do campo jurídico, mas de estudos criminológicos e através de critérios psicopatológicos.

Na realidade, o homem que delinquiu, sua estrutura caracterológica e até 0 impulso que o conduziu à stress situation também deverão ser verificados à luz da criminodinâmica e da micro e macrocriminalidade, pois que, na frase de Mays, "as sementes do crime são sopradas em todos os ventos, e culturas altamente receptivas aguardam, por toda parte, para adotá-las e nutri-las". Enfim, a denominação Biotipologia, ou Biontologia, como querem alguns, foi usada pela primeira vez pelo endocrinologista italiano Nico la Pende, significando a ciência que tem por desiderato estudar e agrupar os diversificados tipos humanos com os seus respectivos temperamentos, a fim de determinar seus biotipos e, no caso de eles se tornarem criminosos, recomendar o tratamento adequado para cada um deles. Já a expressão Biotipologia Criminal é atribuída a Waldemar Berardinelli e]. I. Men,donça, colaboradores do talentoso criminologista patrício Leonídio Ribeiro, que a define como "a ciência da personalidade; ciência que estuda as unidades biológicas, os indivíduos nas suas peculiaridades, nos seus característicos próprios, genuínos, independentemente uns dos outros". Por isso Leonídio Ribeiro fala que a Biotipologia Criminal "é a ciência que analisa as diferenças entre os indivíduos e, por essa razão, pode ser conceituada como a ciência das diferenças individuais diante do fenômeno criminal". As constatações da Biotipologia Criminal não são levadas em conta pelos sociólogos criminais e inclusive por Edwin Sutherland, que entende não comprovada a projeção das condições anatómicas e fisiológicas na geração do crime. Todavia, hoje é reconhecida a influência da hereditariedade psicopática e alcoólica. Assim, o indivíduo pode nascer com caracteres biológicos ou psiquiátricos, que dificultem a sua socialização. Não é, pois, sem importância o estudo do aspecto biológico do delinquente, sem embargo da opinião contrária de Sutherland. Outrossim, em sua obra C rimino!ogie an action, Henri F Ellenberger consigna que não se pode depreciar a relevância das observações biotipológicas no campo da Criminologia Clínica e da Penologia. Mesmo porque, conclui Ellenberger, a Criminologia representa, em última análise, um estudo multidisciplinar do acontecimento delinquencial e nela não prepondera fundamentalmente a contribuição da Sociologia Criminal. Ora, exceção feita ao enfoque naturalístico, é praticamente impossível estabelecer, pelo menos até os dias atuais, o "criminoso tipo". Francesco Antolisei, mestre italiano do Direito Penal, em seu livro Manuale di Diritto Penale, aponta não ser possível conceber outros tipos criminosos que não aqueles indicados biopsiquicamente: os chamados tipos criminológicos. Deixando de lado e mesmo desprezando os tipos marcantemente criminológicos, os biotipologistas criminais alemães, e com eles Baer, elaboraram o "tipo normativo do autor", relegadas quaisquer caracterís-

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De citar, ainda, o festejado penalista italiano Francesco Carrara, para quem "o delito como fato tem origem nas paixões humanas, que impelem o homem a lesar os direitos de seus semelhantes, apesar da lei que proíbe fazê-lo". Fácil depreender que, sendo o homem o ponto causal do crime, impossível que este o defina. Destarte, o tipo normativo do criminoso não passa de simples ficção jurídica. De fato, só o homem pode praticar o crime e, portanto, somente no homem, sujeito a complexos fenômenos de ordem física, química e biológica, fontes de constante potencial que nunca deixam de atuar insistentemente sobre ele, é que se poderá buscar explicações para o crime.

Irrefutável que a Biotipologia Criminal é uma das manifestações do Direito moderno, hoje robustecido por instrumentos conceituais e metodológicos de outras ciências. Daí a maior amplitude e verticalidade do Direito Penal com a imprescindível prevalência do universal sobre o local, restando realçado, por conseguinte, a conflitância entre a teoria e a prática penal hodierna. Até porque a lei penal não pode se afastar da natureza do objeto que a motiva. E também porque o próprio Direito tem de ser funcional, não podendo ser estático. Sob o influxo vigoroso dos reclamos sociais e psicológicos da modernidade, a ciência do Direito procura novos sustentáculos teóricos para seus princípios carentes de consistência maior, o que redunda em apelo a outras ciências e também à Biotipologia quando da pesquisa do intrincado fenômeno delinquencial. Obviamente que, diante desse panorama, o Direito Penalatual assimilou novos conhecimentos sobre os fatores da criminalidade, propiciados notadamente pela Criminologia, Penologia, Psicologia, Medicina e pela Sociologia. É a nova Teoria do Direito, que, estribada na lógica jurídica, agasalha os subsídios daquelas ciências que pesquisam problemas correlatas, como é o caso da Biotipologia Criminal. Dispensável insistir que a interação do Direito com aquelas ciências de modo algum implica o desvirtuamento da fixação jurídica, que não se pode limitar a um valor sociológico, psicológico, clínico-psiquiátrico etc. Demais, o sentido jurídico das colaborações ofertadas pelas ciências modernas à teoria jurídica contemporânea

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BIOTIPOLOGIA CRIMINAL

é encontrado na frase feliz de Hans Kelsen: "Tudo o que o jurista toca se converte em Direito".

lidade do criminoso que se mensurará seu ato antissocial e suas consequências no contexto coletivo.

Sendo dinâmica e pluridimensional a vigente Teoria do Direito, à evidência que é restrito o lugar nela ocupado pela Biotipologia. Ainda assim, é importante a contribuição da Biotipologia ao ordenamento jurídico, visto que, sendo ciência do individual, ela culmina por fornecer assentos ao Direito Subjetivo. E não pode ser diferente, pois, em suma, é da Biotipologia Criminal que advém as noções e o conhecimento sobre a constituição dos indivíduos, dos seus biotipos, para a explicação do comportamento criminal. Associada a outras ciências, é a Biotipologia Criminal que

Sem a precipitação de se acenar com uma escola tipológica de Direito Penal, comporta frisar que só fluirá seguramente na fixação das penas o Ramo Criminal que tiver respaldo no conhecimento tipológico do delinquente. Além disso, a síntese criminológica já evidenciou a relativa valia científica do "diagnóstico da responsabilidade" e a excelência do "diagnóstico da personalidade", como pondera Pinatel.

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traçara o retrato de corpo inteiro do criminoso, ou seja, o homem antissocial na sua totalidade psicoambiental. É ela que aspira à descoberta humana do criminoso.

Destarte, conquanto ciência não essencialmente jurídica, a Biotipologia procura trazer à nova Teoria do Direito o liame, melhor dizendo, a quadrinidade corpointelecto-emoção-espírito em face do binõmio crime e biotipo. Com isso o Direito se renovou, ensejando uma posição estável à Biotipologia Criminal, que, em seguida, desembaraçada do extremismo das concepções lombrosianas e do endocrinologismo obsessivo, logrou demonstrar que as correlações entre biotipo e o delito não são infalíveis, mas apenas predisponentes. E mais: na esfera da criminalidade, o conceito de biotipo se despiu das vestes físicas e somáticas para mostrar a proeminência do aspecto psicológico. Disto promana o indiscutível valor do exame psicológico do delinquente aferido através de processos altamente qualificados, merecendo alusão os psicodiagnósticos de Rorschach. Desse modo, no dizer do ilustre criminologista Gilberto de Macedo, a Biotipologia Criminal seria mais uma "Biotipologia Psicológica", pelas próprias exigências dos móveis da conduta criminal, em que as influências dos atributos corporais, inclusive os resultantes das glândulas endócrinas, não teriam ação decisiva, ditatorial, mas secundárias às decorrentes dos fatores educacionais, vale dizer, psicossociais. Entretanto, já se verificou que a Biotipologia "é a ciência da pessoa humana, enquanto indivíduo biopsicologicamente constituído". Assoma, da conceituação, que a ciência do Direito haverá de ter estrutura de matização fundamentalmente humana e suas leis deverão ser elaboradas muito mais com embasamento nos valores

humanos do que nas abstrações teóricas: Por isso a humanização do Direito Penal por intermédio da Biotipologia que até lhe fornece conteúdo sociocultural. É o que assinala Recasens Siches em sua obra Filosofia del Derecho, destacando que o "Direito não é um valor puro: é uma obra humana e social de forma normativa voltada para a realização de um valor".

Foi devido à larga e efetiva contribuição da Biotipologia à Ciência jurídica que surgiu, como disciplina específica, a Biotipologia Criminal, que influencia diretamente o Direito Penal, o Direito Penitenciário e a Criminologia. Assim, por exemplo, a valia da pesquisa biotipológica do criminoso na aferição da responsabilidade penal, e mais particularmente do seu feitio psicológico. De relevo, então, o exame psicodinâmico do delinquente. A par disso, é da auscultação científica da persona-

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Observa-se, portanto, que os princípios ofertados pela Biotipologia Criminal, máxime no seu aspecto psicossociológico, representam considerável auxílio para o

conhecimento do complexo fenômeno criminal. Os paladinos da Biotipologia Criminal foram os italianos Nico la Pende, Giuseppe Vidoni, Giacinto Viola, De Giovanni e Cassone Landogna. Na França, seu expoente máximo foi Luis Lacassagne. Na Alemanha culmina Ernst Kretschmer e nos Estados Unidos William Sheldon. De alta valia e importância, comporta frisar, as teorias tipológicas de Nicola Pende e Ernst Kretschmer e William Sheldon. 7.6 Tipologia morfocaracterológica de Nicola Pende e a endocrinologia Louvando-se em suas observações morfocaracterológicas, Nico la Pende classifica as pessoas em dois grupos: morfológico e caracterológico. Morfologicamente o indivíduo pode ser brevilíneo e longilíneo. Caracterologicamente pode ser astênico e estênico, brevilíneo astênico e brevilíneo estênico, longilíneo astênico e longilíneo estênico. O brevilíneo e o longilíneo astêhicos correspondem ao leptossõmico de Kretschmer. O brevilíneo estênico ao pícnico; o longilíneo estênico ao ixotímico ou atlético. Dando ênfase ao fator hereditário e aos aspectos morfológicos, moral e intelectual, Pende endossa o pensamento de Kretschmer ao destacar o fenômeno endocrinológico no âmbito da morfologia. Nico la Pende realçou que as glândulas endócrinas têm como funções relevantes a regularização da morfogênese do corpo e a regularização do desenvolvimento e do equilíbrio neuropsíquico. Para a auscultação dos temperamentos, Pende partiu das doenças endócrinas, considerando que a tipologia endócrina tem por base a glândula pineal ou epífese, a glândula pituitária ou hipófise, a glândula tireoide e as paratireoides, as suprarrenais, as gônadas, o timo e o tecido insular do pâncreas. Assim, no tocante à hipófise, por exemplo, sua eliminação implicaria a parada do crescimento, enquanto sua hipofunção acarretaria a depressão e sua hiperfunção provocaria a agromegalia. Concernentemente aos hormônios das gônadas, eles têm grande importância na constituição física e mental. Nico la Pende cataloga os temperamentos humanos conforme a hipo ou hiperfunção das glândulas anteriormente citadas, ou seja, temperamento hipertireoide e temperamento hipotireoide, temperamento hipotímico e temperamento hipertímico, temperamento hipo-supra-renálico e temperamento hiper-supra-renálico. O indivíduo hipertireoide (cujas tireoides

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funcionam exageradamente) é magro, alto, de olhos grandes e lábios finos; pensa rapidamente e seus sentidos são agudos. É emotivo e impulsivo, com iras fáceis, mas passageiras, sendo entusiasta e quase não refletindo ao agir. Costuma se arrepender das coisas erradas que faz e diz. O indivíduo hipotireoide (cujas tire o ides funcionam deficientemente) é de baixa estatura, entroncado, com boca grande e movimentos lentos. É dotado de inteligência comum, possuindo caráter comodista. Sua índole é pacata, sendo indiferente, otimista e incapaz de praticar a tos impensados; não atinge, na vida, grande sucesso. O indivíduo hiper-supra-renálico (cujas suprarrenais funcionam demasiadamente) é musculoso, apoplético, de grande energia e capacidade de trabalho; é autoritário, independente, esforçado, combativo e dotado de iniciativa própria. Facilmente é levado à cólera e ao cometimento de violências desnecessárias. O hipo-supra-renálico (cujas suprarrenais funcionam deficientemente) é indivíduo pessimista e d~primido; sua derma adquire um tom escurecido. Ele sofre de debilidade sexual, de depressão psíquica, melancolia, inércia de vontade e da inteligência. É tímido e desanimado, possuindo as mãos frias. Queixa-se de tudo e de todos. Para Nico la Pende, o temperamento com hiperfunção da tireoide é mais comum nos delinquentes violentos, enquanto o temperamento com hiperfunção da pituitária e das suprarrenais prevalece nos criminosos insensíveis e cínicos. Fundamentando-se na correlação dos hormônios com a psicopatia e a criminalidade, Pende entende que uma endocrinopatia jamais será fator isolado de delito, havendo que estar acrescida de modificações anátomo-funcionais da região diencéfalo-hipofisária, ou seja, de motivações cerebrais. É a eclosão da diencefalose criminógena. De fato, os hormônios podem direcionar os centros da vida instintivoafetiva, exacerbando os instintos e o egoísmo animal. É o que faz, por exemplo, a tiroxina para a emotividade global e a adrenalina para o instinto da agressão. Assim, o hipo e o hiper-hormonismo poderão conduzir ao delito quando as alterações cerebrais operam como fatores primaciais. Defende Nico la Pende, desse modo, que a constituição do criminoso estaria sob a dependência do sistema endócrina, no que é apoiado por Benigno Di Tullio. 7. 7 Biotipologia científica de Ernst Kretschmer Mencionou-se antes a exegese do fe,itio do delinquente, ou seja, sua constituição, sua disposição, seu genótipo. Relevante abordar, também, o feitio externo do criminoso: sua forma corpórea e seu biotipo. Manhein inicia seu estudo biotipológico com a apreciação das opiniões de Lombroso e Goring para, depois, analisar as características constitucionais e endocrinológicas dos indivíduos antissociais. De ressaltar que, ao lado de Nico la Pende, na Itália, e de Waldemar Berardinelli, no Brasil, foi de Ernst Kretschmer a contribuição mais respeitável acerca das pesquisas sobre o biotipo. Lastreado em sua experiência psiquiátrica e na premissa da correlação entre a moléstia mental e a estrutura corporal, Kretschmer logrou estabelecer um traço de união entre o biotipo e o delito. Partindo dos biotipos, ele

distinguiu três correlações biológicas: uma entre a estrutura física e a doença mental, utra entre o corpo e a temperatura, e uma terceira entre o físico e a personalidade ~normal. Concomitantemente, estribado em constatações aferidas em nosocômio_s psiquiátricos, e buscando comprovar a sintonização entre o co:po, os asp_ec_tos ps_luicos e 0 temperamento, Kretschmer sintetizou, através de parametros Inedios, tres ~pos de indivíduos morfologicamente considerados: os leptoss~micos: os atléticos e os pícnicos. Conforme Ernst Kretschmer, o indivíduo leptossom1co e de estatura alta ou acima da mediana, delgado, com tórax estreito, de musculatura frag1l, rosto alongado, nariz fino e sistema piloso abundante. O leptossõmico torna-se antissocial com certa facilidade e sói concorrer largamente para a criminahdade. O md1v1duo atlético possui estatura média ou quase alta, exibindo grande desenvolv1mento do esqueleto e sendo dotado de forte musculatura. Tem cabeça grande e o rosto ovmde ou pentagonal. O leptossômico é ixotímico e predisposto ao cnme vwlento. _o individuo pícnico é baixo, com boa envergadura, musculatura flaoda, abdomen adiposo e pescoço curto e grosso. Sua pele é lisa, e os cabelos flexíveis tendem à queda prematura. A criminalidade dos pícnicos é ocas10nal e tardia. A estes três tipos morfológicos Kretschmer acrescentou o indivíduo displásico, que se destaca pelo transtorno do crescimento e das glândulas endócrinas. Não sendo um tipo puro, 0 displásico ostenta anomalias orgânicas considerave1s. Apresenta formas diferentes, não proporcionais: via de regra é feio e desarmomoso. Levado a antissocialidade, ele comete crimes sexuais de preferência. Além disso, o displásico tem inclinação para a reincidência, e seus crimes são selvagens e brutais. Aduz ainda Kretschmer que o indivíduo leptossômico, com propensão para o temperamento esquizotímico, é introvertido, tímido, problemático, ~nsimesm~do: pouco sociável, mergulhado em si mesmo, insensível ou hipersensJVel. Ele nao e cordial: é apenas convencional. O leptossômico tem tendência para fugu da reahda~e ambiente e interiorizar-se. É o que se denomina pensamento dereístico em opos1çao ao pensamento realista. Alguns autores chamam essa fuga de autismo, o que, a rigor, não é correto. Diante de uma situação nova, o leptossômico não se adapta ou o faz com dificuldade. Nele a razão prevalece sobre o sentimento. O ambiente exerce pouca influência sobre o esquizotímico. Nele a existência de conflitos íntimos, de complexos e de sua exteriorização não representa causa, mas um epifenômeno. Tornando-se graves os transtornos do pensamento e as perturbações da afetivida~e, tenderá o leptossômico para alguma modalidade de loucura esquizofrêmca; demenoa Simples ou heboifrenia, hebefrenia, manifestação catatônica, manifestação paranmde etc. No esquizofrênico, a vontade e a motricidade es_tão necessariamente comprometidas. De recordar que a simples reação esquizotímica é considerada plenamente normal. 0 que não é normal é a esquizofrenia, concebida como processo psJCoblOlógico, que tem como lastro biológico a maneira de sentir e de re~gir da personahdade esquizotímica. De fato, o esquizofrênico pode ter alucmaçoes cenestesJCas e cinestésicas, aquelas do sentido muscular e também alucinações auditivas. Pode t."r ideias delirantes que se caracterizam pelo absurdo, pelo ilógico ou pela contradiçao

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flagrante com a realidade. As suas causas imediatas, desencadeantes, são todos os fatores exógenos, somatógenos e psicogênicos que incidem no terreno assim especificamente preparado.

tem obrigatoriamente certo temperamento e o leptossomático outro diferente. Por tal razão, deixando à margem o tipo displásico, nenhum indivíduo seria rigoroso e aprioristicamente ecto, endo ou mesomórfico. Tanner concorda com a opinião de

A um mesmo fato o esquizotimico reagirá diversamente do ciclotímico. Como foi explanado, o ciclotímico tem períodos variáveis de bom ou mau humor. Quando esta característica se acentua em forma ativa, desponta a personalidade cicloide que, em seu mais elevado grau, gera a psicose maníaco-depressiva ou psicose circular. Neste último caso, o indivíduo passa a ser um verdadeiro doente mental.

Mezger. De mencionar ainda as três principais teorias com diretriz constitucionalística biofísica: a da constituição perversa de Dupre e Michaux, a da constituição delinquencial de Benigno Di Tu !lio e a teoria constitucional de Olaf Limberg.

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Parece, aliás, que as classes de características ciclotímicas e esquizotímicas podem ser suscetíveis de transmissão hereditária.

Já o indivíduo atlético, de temperamento ixotímico, é pedante, explosivo, insensível e agressivo. Pendendo para a anormalidade, geralmente será um epileptoide. Partindo de dados estatísticos, Kretschmer concluiu que a constituição somática pícnica se acha amplamente difundida entre os ciclotímicos, enquanto a leptossômica prevalece entre os esquizotímicos. Pertinentemente à reação individual, segundo Kretschmer são três os tipos de conduta: explosiva, expansiva e sensitiva. A reação explosiva se caracteriza pela ausência de elaboração psíquica; é uma reação em curto-circuito, sendo de grande valor criminológico por sua influência sobre o desenvolvimento dos atas violentos. A reação expansiva é marcada pela fluente e exagerada expansão da ação do estímulo criminológico a toda vida psíquica do indivíduo. A reação sensitiva é caracterizada pela retenção consciente de representação, de forte carga emotiva, à qual corresponde vivazatividade intrapsíquica e incapacidade de dominar as reações. Finalmente, procurando demonstrar, por intermédio de classificação tipológica própria, uma correlação de correspondência entre a estrutura física do indivíduo e seus aspectos psíquicos, Ernst Kretschmer criou, por assim dizer, a Biotipologia Científica. Analisando as conclusões de Kretschmer, delas não discorda Henri Ellenberger, dizendo que, enquanto o ixotímico é dado a crimes violentos e o displásico a delitos sexuais, já o leptossômico é um delinquente precoce e reincidente, com preferência para os delitos patrimoniais, e o pícnico é um criminoso ocasional. Contrariando Ellenberger, os psiquiatras alemães Kimberg e Shneider criticam a teoria de Kretschmer, conferindo relativo significado à sua tipologia. Contudo, como admoestam Levassem e]. Merlin, eles, Limberg e Schneider, não ousam negar a contribuição que as pesquisas de Kretschmer propiciam ao psiquiatra, ao criminólogo, ao policiólogo e ao próprio julgador penal. Por outro lado, em seu livro Kriminal politik: Handworterbuch der Kriminologie, Edmund Mezger realça que, embora importante, a teoria de Kretschmer peca em diversas fixações, seja porque a incidência de cada temperamento em determinado biotipo é somente parcial ou percentual, seja porque o homem-realidade é quase sempre um misto de dois tipos, daí não se poder assegurar que o individuo pícnico

Pro pugna Dupre, e também Michaux, pela existência de delinquentes portadores de uma perversão constitucional dos instintos de conservação, de reprodução e de associação, que integram os elementos constitutivos fundamentais da personalidade. A perversão resultaria da hipertrofia ou do desvio. Por exemplo: da hipertrofia do instinto sexual se manifesta o erotismo e de seu desvio o homossexualismo. Outrossim, o masoquismo e o sadismo, que levam ao erotismo, são formas de perversão sexual que constituem aquilo que é chamado de algolagnia. Aliás, o instinto sexual está relacionado com o diencéfalo e as massas cerebrais que controlam as manifestações. A teoria constitucional de Kimberg tem como fulcro os quatro fatores constitucionais hereditários existentes em todos os cromossomas e que se apresentam em quantidade variável em cada indivíduo. São eles a energia cerebral, a capacidade intelectual, a estabilidade emocional e a solidez. A carência ou excesso de um desses fatores leva a determinado tipo de predisposição criminal. A constituição delinquencial de Di Tullio consiste na predisposição criminosa advinda de um compacto de fatores. Seria a expressão de um conjunto de condições orgânicas e psíquicas, hereditárias, congénitas ou adquiridas, que, enfraquecendo a oposição ou resistência às instigações criminológicas, conduziriam o indivíduo ao crime.

7.8 Reparos às observações de Pende e Kretschmer Oportuno colocar alguns reparos às observações de Nicola Pende e Ernst Kretschmer. As constatações de Pende, restringindo-se à síndrome agromegaloide e àquela da hiperssexualidade do homem, deixam algo a desejar. Portador da síndrome agromegaloide, o indivíduo particularizar-se-à pela estatura elevada, pelos traços grotescos do rosto, das mãos e dos pés e por revelar transtorno de caráter. Incorrendo em a tos antissociais, sua preferência será pelos crimes patrimoniais não violentos e pelos delitos sexuais. Relativamente à síndrome da hiperssexualidade, verificou-se alguma proporcionalidade entre o tamanho dos testículos e o grau de hiperssexualidade do delinquente. Ocasionalmente, foram detectados delitos desta ou daquela natureza na fase menstrual ou pré-menstrual, ou estando o indivíduo sob o efeito de uma hipoglicemia passageira.

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Com respeito à Ernst Kretschmer, uma das objeções que se pode opor a sua doutrina é aquela de que sua classificação praticamente circunscreve-se a dois tipos fundamentais: o esquizotímico e o ciclotímico. A olhos vistos que essa dicotomia não é suficiente para abranger todos os tipos psíquicos! Tanto assim que o próprio Kretschmer, prevendo a estreiteza de sua categorização, fez notar que no quadro da esquizotimia, e quiçá naquele da ciclotimia, é possível deparar com outras formas de um terceiro tipo psíquico: aquele de temperamento viscoso, que predomina no tipo somático atlético. Óbvio que a constatação não desvirtua a valia criminológica das pesquisas de Kretschmer, cujo conhecimento não pode, nem deve, ser dispensado por aqueles que se veem às voltas com a problemática delinquencial. 7.9

8 CRIMINOGENIA ESUA FATORAÇÃO 8.1 Fatores sociobiológicos- 8.2 Atavismo orgânico e psiquico- 8.3 Cromossoma XYY- 8.4 Cromossomas sexuais.

SuMÁRIO:

Somato-tipos de William Sheldon

Não se pode, aqui, deixar de enfocar a colaboração do psiquiatra norte-americano William Sheldon à Biotipologia Criminal. Reformulando de certo modo a teoria de Kretschmer e partindo do ponto de vista de que seus biotipos, por serem puros, são urems, Sheldon deu-lhes outra denominação, a saber: ectomorfo (leptossômico), mesomorfo (atlético) e endomorfo (pícnico), ressaltando, ademais, que esses três tipos podem vir combinados num só indivíduo. Preconiza Sheldon que os delinquentes de maior periculosidade se encontram entre os mesomórficos. Detectando interação entre os três tipos, a anomalia mental e o temperamento William Sheldon relacionou particularmente três temperamentos: cerebrotônico', somatotônico e viscerotônico. Na cerebrotonia há o predomínio das funções cerebrais e das funções psíquicas superiores; na somatotonia a prevalência da atividade muscular e do vigor fisico onenta~do quase toda a vida do indivíduo; na viscerotonia sobressai a disposiçao a vida cornada e tranquila, à jovialidade e à sociabilidade. O cerebrotônico se aproxima muito do esquizotímico, o somatotônico do ixotímico e o viscerotônico do ciclotímico.

8.1 Fatores sociobiológicos Ressalta cristalino que a agressividade humana, e entre ela o crime, via de regra não passa do reflexo ou decorrência de um estado de desajuste e furiosidade que vem excitando grande parte das sociedades humanas, transformando-as em perigosas incubadoras de germes deletérios que, ao final, sempre poderão decompô-las! Geralmente divorciadas das realidades individuais e grupais, as sociedades raramente deixaram de ter a desagregação e a violência como pano de fundo de seu perpassar. É impossível fechar os olhos diante dessa realidade e impedir que ela exista. Desde as "noites do tempo" que é assim, e hoje esse legado representa pesadíssimo ânus eis que, paradoxalmente e contra todas as lições da história, a condição humana ainda não se humanizou! Por que são agressivas tantas pessoas, mormente aquelas radicadas nos grandes conglomerados urbanos, e por que são agressivas a ponto de ofender, constranger, lesionar, violentar, roubar ou matar seu semelhante? Por que, se normalmente a criança não deve conter qualquer impulso inato de agressividade, seja qual for sua origem ou nacionalidade? A par disso, conquanto não se possa negar que fatores biológicos possam ter influência na gênese do crime, forçoso é reconhecer, como Alimena, Tarde, Lacassagne, Bataglia, Turati e muitos outros, que os fatores sociais predominam em todos os fenômenos humanos e, consequentemente, também nos a tos antissociais. Daí a assertiva de Alimena: "Eu não posso aceitar a metáfora do micróbio e do caldo, que diz que o criminoso é o micróbio e que a sociedade é o caldo, porque o caldo não produz micróbios ao passo que a sociedade produz criminosos". lrretorquível, portanto, que a agressividade quase sempre aflora do meio ambiente, que amolda seus componentes consoante suas próprias características. Evidente que a asserção não se ajusta àquela agressividade excepcional que pode acometer pessoas sociopsicossomaticamente equilibradas e, por isso, dotadas de poderosos mecanismos de crítica e de bloqueio. Essa agressividade apenas irrompe motivada pelo medo insuportável, pela justa revolta e pelo impulso de autodefesa. Trata-se, ao revés, daquela agressividade anormal decorrente das vicissitudes de

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toda ordem, dos costumes e da cultura, e que chega a transmudar-se numa maneira de se impor e até de sobreviver. Malgrado possa haver uma agressividade latente em determinadas pessoas, não há negar que nos centros densamente povoados, e notadamente nas grandes cidades da América Latina, essa agressividade advém principalmente das desigualdades sociais, da pressão do enxurro demográfico, do sentimento de impunidade que também funciona como fator de recidividade, dos estados de malvivência, do desencontro familiar e comunitário, total desregramento da moral e dos costumes, das agruras e frustrações individuais, da ostentação de opulência de pessoas privilegiadas, do desvirtuamento dos meios de comunicação de ma:sa, da poluição ambiental, da irrealidade e nepotismo das leis, do contágio pstcologtco com vtcws e com os próprios delitos. Esta a agressividade que conta. É agressividade ditada pelas malformações da própria sociedade! Dela sempre poderá nascer o crime, pois, no seu ápice, tal agressividade permite corromper, fraudar, vwlentar, ferir, roubar e matar.

8.2 Atavismo orgânico e psíquico Todavia, se o crime é uma eclosão antissocial, igualmente não deixa de ser, ao mesmo tempo, um fato essencialmente humano. Alguns criminologistas afirmam a predestinação dos delinquentes, afastando qualquer relação do meio ambiente com a propensão ao delito. Hoje, tais teorias são duramente questionadas, e entre elas a do médico italiano Cesare Lombroso, que, cotejando os caracteres somáticos e psíquicos do homem primitivo e do homem delinquente e daí resultando pontos de stmthtude (obliquidade das órbitas, desenvolvimento exagerado dos maxilares e dos zigomas, prognatismo, embotamento das afeições, ausência de remorso, impulstvtdade etc.), chegou à ilação de que o crime é um fenômeno de atavismo orgânico e pstqmco ou, então, consequência de uma constituição epileptoide. Tal teoria, megavelmente exclusivista e unilateral, foi a antevisão do atavismo e da epilepsia como fatores absolutos do delito! Posicionamento este posteriormente reavivado pela "diencefalose criminógena", que, por igual, insiste na fixação do crime a caracteres biológicos específicos. Entretanto, se existem estigmas próprios, patognomônicos do crime, como explicar sua acentuadíssima variação formal e a diversidade de sua estrutura dinâmica? Do crime de sangue ao crime contra o patrimônio ou ao delito sexual, por exemplo, há lonjuras a admitir e considerar. Um pode ser impulsivo, mopmado; outro, frio, cauteloso e sub-reptício. Há crimes de diversíssima índole há delinquentes antipodamente distintos. Então, haveria um criminoso nato par~ cada ttpo de deluo? Evidentemente que não. Ainda assim, não se pode negar 0 valor do mestre de Turim no campo da Criminologia, a ponto, inclusive, de forçar a criação de uma nova escola penal: a Positiva. Esse, talvez, um dos maiores méritos de Lombroso: o de haver abandonado aquela posição de rigidez dogmática para passar a um terreno mms adequado à verdade humana, e dentro do qual o homem deve ser apreciado como "pessoa" e sopesado muito mais pelas influências de sua própria

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formação. Não obstante, recentemente os geneticistas descobriram que certo número de malfeitores possuía o cromossoma tríplice XYY e daí partiram para conclusões arrojadas. Assinale-se, entre eles, o norte-americano Robert Stock, que, em sua obra The XYY and the criminal, aduz que meninos com constituição cromossómica XYY, quando adultos, tornam-se indivíduos longilíneos, pouco capazes mentalmente e com larga inclinação para o crime. Defendendo sua proposição, Robert Stock menciona experiências para comprovação genética efetuadas pelo Departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina de Downstate, quando se constatou que, na disputa pelas fêmeas, levaram vantagem aqueles peixes dotados do cromossoma XYY, isto em razão de sua maior agressividade. Em contraposição à tese de Robert Stock, seu compatriota Arthur Steimberg, docente de Genética da Universidade de Cleveland, no livro Progress in medical genetics, editado de parceria com Alexander Bearn, da Escola de Medicina da Universidade de Cornell, em Nova Iorque, após examinar reclusos com o tríplice cromossoma XYY que estavam internados no Hospital de Carstairs, que é anexo a uma prisão londrina, asseverou inexistir, seja do ponto de vista psiquiátrico ou comportamental, qualquer indicação característica a diferenciar dos demais os indivíduos portadores do cromossoma XYY, exceçâo feita à sua estatura mais elevada. 8.3 Cromossoma XYY Nada demonstra, na verdade, que haja uma relação entre as anomalias cromossômicas e a tendência para o crime. Ademais, não há como vincular, até agora, o processo criminogenético com a orgânica resultante das mutações que se passam na estrutura genética do homem, isto é, em suas variantes hereditárias. De referir, ainda assim, que se concentrou nos delinquentes sexuais, no âmbito da comunidade de antíssociais, o mais significativo percentual de anomalias cromossômicas sexuais. Mas isto é muito pouco para conferir ao cario tipo XYY ou à "síndrome do Y extra" o desenlace criminal! De fato, a ação dos genes como fator gerador da criminalidade é tese sobremaneira vulnerável, não somente porque grande parte deles pode ser considerada praticamente neutra ou não seletiva, mas porque, em geral, os genes matizam principalmente tipos sanguíneos ou então são responsáveis por oscilações inoperantes como a sensibilidade à feniltioureia, às haptogloblinas, às transferinas, às variantes enzimáticas etc., determinadas por sistemas híbridos simples ou monogênicos. Outrossim, a teoria do geneticista Robert Stock, acolhida pelo geneticista francês Jean Medioni e pelo geneticista dinamarquês Johannes Nielsen, tem por base amostras relativamente pequenas, tomadas igualmente de reduzidíssimos agrupamentos sem destaque miscigenador, o que autoriza ajuizar que o efeito do contingente gênico da delinquência é verdadeiramente desprezível. É muito mais racional admitir que não são os "genes do delito" que produzem os criminosos, e sim, na maioria dos casos, as condições sociais. Sabe-se, por exemplo, que nos países nórdicos, especialmente na Suécia e na Dinamarca, de elevadíssimo nível socioeco-

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nômico e cultural, a delinquência é quase nula. Contudo, esses grupos sociais não estão isentos dos genes que poderiam levar a práticas criminosas! Quando imigram, os nórdicos podem se impregnar dos mesmos vícios do meio adotivo e dos seus novos conterrâneos. É o comportamento como resposta ao mundo exterior, sem que isso implique o total acatamento da classificação etiológica dos criminosos que se fundamenta nos fatores exógenos ou mesa lógicos e endógenos ou biológicos e que, por tal condicionamento, nem sempre considera com verticalidade a formação do delinquente e sua evolução dentro da tessitura de seus antecedentes individuais e também seu posicionamento anterior na coletividade. Essa investigação holística é de larga importância, pois não se pode ignorar que os comportamentos antissociais são fundamentalmente de origem ambiental e excepcionalmente de casuística biológica. De anuir, destarte, que seja qual for sua condição genética, a população criminosa quase sempre provém a partir de circunstâncias sociais adversas, pois a sociedade "é a grande e principal retorta onde se plasmam os caracteres humanos, desde um Francisco de Assis a um Tibério Nero César!". Aliás, no dizer de Tobias Barreto, "a sociedade é a corré de praticamente todos os crimes".

ciaram, há décadas, que o ser humano é dotado de 46 cromossomas. Depois, estudando neonatos e crianças não normais, depararam-se, outros cientistas, com uma variedade de cariótipos anormais. Constatou-se, então, que os homens possuíam 46 cromossomas, mas, em vez de apresentarem 23 pares, tinham somente 22 e mais 2 cromossomas que não formavam par. O par ímpar, chamado "par sexual", exibindo um maior (o cromossoma X) e outro menor (o cromossoma Y). As fêmeas ostentavam 2 cromossomas X (os restantes 22 pares sendo autossomos). Tais pesquisas ainda revelaram que a cromatina sexual (crepúsculo de Barr na interfase somática), massa presente sob a membrana nuclear das fêmeas, estava ausente ou era pouco frequente nas células dos machos e dos homens (cromatina sexual negativa). Esta circunstância mostra uma das hipóteses mais efetivas de heterocromatinização facultativa. Entretanto, encontraram-se alguns indivíduos do sexo masculino (perto de 1 em 700) que tinham cromatina sexual positiva. Esses homens tinham inteligência abaixo da média, testículos pouco desenvolvidos e o corpo tendendo à conformação feminina. Apresentavam eles, além disso, a Síndrome de Klinefelter (XXY, aneuploides para os cromossomas sexuais). Por outro lado, verificou-se que determinadas mulheres (aproximadamente 1 em 2.500), que tinham cromatina sexual negativa, possuíam gônadas pouco desenvolvidas, eram de baixa estatura e portadoras da Síndrome de Turner (XO, monossomia no par sexual).

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Além disso, tudo tende a indicar que, ocorrendo transformações intensas e benéficas no meio psicossocial, a criminalidade poderia desaparecer quase que por completo, ficando de vez sepultado o pensamento de Voltaire que afirmava que "o homem assume a violência quando assume a vida". Enfim, por sua amplitude e abrangência, a causalidade criminal vem contemplada ou embutida em capítulos outros desta obra. 8.4 Cromossomas sexuais É inconteste que todos os organismos vivos, na proporção que as gerações se sucedem, adquirem uma ou mais informações de seus genitores através do processo de reprodução. O estudo desse tipo de herança denomina-se genética, que recebe sua primeira informação da célula que é composta pelo núcleo e pelo citoplasma. Desde o final do século XIX, descobriu-se que o núcleo da célula (seja ela animal ou vegetal) contém material constante ativo em forma de fios chamados cromossomas. Enfocado isto, de salientar que a genética é ciência voltada para a expectativa de alguns matizes da variação biológica da prole resultarem de determinados cruzamentos, sejam eles endocruzamentos (quando a progénie deriva de um único indivíduo ou de um par de indivíduos intimamente aparentados) ou exocruzamentos (cruzamentos entre indivíduos que não são imediatamente aparentados). Considere-se, ainda, que, quando da arquitetura de cromossomas recombiantes, os gametas (células sexuais masculinas ou femininas) podem inserir na prole informações de seus genitores associadas de maneira distinta. Contudo, a prole não será obrigatoriamente igual àquela dos genitores! Tal variação provém da redistribuição dos cromossomas cuja instabilidade é apenas aparente. Partindo daí, os geneticistas Tjio e Levan eviden-

A par disso, os estudos cromossômicos mostraram que pacientes com a Síndrome de Klinefelter tinham 4 7 cromossomas em vez de 46 e possuíam 3 cromossomas sexuais (XXY). As pacientes com Síndrome de Turner tinham, por sua vez, somente 1 cromossoma sexual (X) num total de 4 3 cromossomas. Desse modo, pela primeira vez restou patente, no ser humano, que as anormalidades do número de cromossomas e, portanto, uma variação na quantidade do material genético, têm larga relevância nos caracteres dos indivíduos. Descobriu-se, em seguida, que as crianças mongoloides (Síndrome de Down, ocasionada por trissomia do cromossoma 21) possuem 47 cromossomas, sendo o cromossoma adicional o número 21 (a média de risco é de 1 em 650). Do assunto cuida, em particular, a citogenética. Na realidade, não é conhecida com precisão a causa dessas anormalidades numéricas. Na descrição da meiose (divisão celular na formação dos gametas, estando frequentemente vinculada à diferenciação sexual) e da mitose (divisão das células somáticas que permite a produçao de núcleos geneticamente idênticos), percebe-se que, normalmente, os cromátides de um cromossoma na mitose se deslocam para paios opostos durante a anáfase. Se, por engano, forem atraídos para o mesmo polo, então, nos seres humanos, uma das células-filhas terá 45 cromátides e a outra 4 7. Tal processo é denominado de não disjunção. Por igual, se os cromossomas homólogos se voltarem para o mesmo polo durante a meiose, um game ta poderá ter 24 cromátides, enquanto outro apenas 22. Aceitando-se que isso tenha ocorrido com o bivalente XX em uma mulher, nela poderá se formar um óvulo com dois cromossomas X ou nenhum cromossoma X. A fertilização do óvulo com dois X por um espermatozoide com um Y dará um descen-

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nômico e cultural, a delinquência é quase nula. Contudo, esses grupos sociais não estão isentos dos genes que poderiam levar a práticas criminosas! Quando imigram, os nórdicos podem se impregnar dos mesmos vícios do meio adotivo e dos seus no-

dando neonatos e crianças não normais, depararam-se, outros cientistas, com uma

variedade de cariótipos anormais. Constatou-se, então, que os homens possuíam 46

vos conterrâneos. É o comportamento como resposta ao mundo exterior, sem que

cromossomas, mas, em vez de apresentare1n 23 pares, tinham somente 22 e mais 2

isso implique o total acatamento da classificação etiológica dos criminosos que se fundamenta nos fatores exógenos ou mesológicos e endógenos ou biológicos e que, por tal condicionamento, nem sempre considera com verticalidade a formação do delinquente e sua evolução dentro da tessitura de seus antecedentes individuais e também seu posicionamento anterior na coletividade. Essa investigação holística é de larga importância, pois não se pode ignorar que os comportamentos antissociais são fundamentalmente de origem ambiental e excepcionalmente de casuística biológica. De anuir, destarte, que seja qual for sua condição genética, a população criminosa quase sempre provém a partir de circunstâncias sociais adversas, pois a sociedade "é a grande e principal retorta onde se plasmam os caracteres humanos, desde um Francisco de Assis a um Tibério Nero César!". Aliás, no dizer de Tobias Barreto, "a

cromossomas que não formavam par. O par ímpar, chamado "par sexual", exibindo um maior (o cromossoma X) e outro menor (o cromossoma Y). As fêmeas ostentavam 2 cromossomas X (os restantes 22 pares sendo autossomos). Tais pesquisas ainda revelaram que a cromatina sexual (crepúsculo de Barr na interfase somática), massa presente sob a membrana nuclear das fêmeas, estava ausente ou era pouco frequente nas células dos machos e dos homens (cromatina sexual negativa). Esta circunstância mostra uma das hipóteses mais efetivas de heterocromatinização facultativa. Entretanto, encontraram-se alguns indivíduos do sexo masculino (perto de 1 em 700) que tinham cromatina sexual positiva. Esses homens tinham inteligência abaixo da média, testículos pouco desenvolvidos e o corpo tendendo à conformação feminina. Apresentavam eles, além disso, a Síndrome de Klinefelter (XXY, aneuploides para

sociedade é a corrê de praticamente todos os crimes''.

os cromossomas sexuais). Por outro lado, verificou-se que determinadas mulheres

Além disso, tudo tende a indicar que, ocorrendo transformações intensas e benéficas no meio psicossocial, a criminalidade poderia desaparecer quase que por completo, ficando de vez sepultado o pensamento de Voltaire que afirmava que "o

(aproximadamente 1 em 2.500), que tinham cromatina sexual negativa, possuíam gônadas pouco desenvolvidas, eram de baixa estatura e portadoras da Síndrome de Turner (XO, monossomia no par sexual).

hmnem assume a violência quando assume a vida".

A par disso, os estudos cromossômicos mostraram que pacientes com a Síndrome de Klinefelter tinham 4 7 cromossomas em vez de 46 e possuíam 3 cromossomas sexuais (XXY). As pacientes com Síndrome de Turner tinham, por sua vez, somente 1 cromossoma sexual (X) num total de 4 3 cromossomas. Desse modo, pela primeira vez restou patente, no ser humano, que as anormalidades do número de cromossomas e, portanto, uma variação na quantidade do material genético, têm larga relevância nos caracteres dos indivíduos. Descobriu-se, em seguida, que as crianças mongoloides (Síndrome de Down, ocasionada por trissomia do cromossoma 21) possuem 4 7 cromossomas, sendo o cromossoma adicional o número 21 (a média de risco é de 1 em 650). Do assunto cuida, em particular, a citogenética. Na realidade, não é conhecida com precisão a causa dessas anormalidades numéricas. Na descrição da meiose (divisão celular na formação dos gametas, estando frequentemente vinculada à diferenciação sexual) e da mitose (divisão das células somáticas que permite a produção de núcleos geneticamente idênticos), percebe-se que, normalmente, os cromátides de um cromossoma ua mitose se deslocam para polos opostos durante a anáfase. Se, por engano, forem atraídos para o mesmo polo, então, nos seres humanos, uma das células-filhas terá 45 cromátides e a outra 4 7. Tal processo é denominado de não disjunção. Por igual, se os cromossomas homólogos se voltarem para o mesmo polo durante a meiose, um game ta poderá ter 24 cromátides, enquanto outro apenas 22. Aceitando-se que isso tenha ocorrido com o bivalente XX em uma mulher, nela poderá se formar um óvulo com dois cromossomas X ou nenhum cromossoma X. A fertilização do óvulo com dois X por um espermatozoide com um Y dará um desceu-

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Enfim, por sua amplitude e abrangência, a causalidade criminal vem contemplada ou embutida em capítulos outros desta obra. 8.4 Cromossomas sexuais É inconteste que todos os organismos vivos, na proporção que as gerações se sucedem, adquirem uma ou mais informações de seus genitores através do processo de reprodução. O estudo desse tipo de herança denomina-se genética, que recebe sua primeira informação da célula que é composta pelo núcleo e pelo citoplasma. Desde o final do século XIX, descobriu-se que o núcleo da célula (seja ela animal ou vegetal) contém material constante ativo em forma de fios chamados cromossomas. Enfocado isto, de salientar que a genética é ciência voltada para a expectativa de alguns matizes da variação biológica da prole resultarem de determinados cruzamentos, sejam eles endocruzamentos (quando a progênie deriva de um único indivíduo ou de um par de indivíduos intimamente aparentados) ou exocruzamentos (cruzamentos entre indivíduos que não são imediatamente aparentados). Considere-se, ainda, que, quando da arquitetura de cromossomos recombiantes, os gametas (células sexuais masculinas ou femininas) podem inserir na prole informações de seus genitores associadas de maneira distinta. Contudo, a prole não será obrigatoriamente igual àquela dos genitores! Tal variação provém da redistribuição dos cromossomos cuja instabilidade é apenas aparente. Partindo daí, os geneticistas Tjio e Levan eviden-

ciaram, há décadas, que o ser humano é dotado de 46 cromossomas. Depois, estu-

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dente XXY, ou seja, um bebê com Síndrome de Klinefelter. Admite-se, disso tudo, que qualquer indivíduo que possui um Y é do sexo masculino, embora os diferentes graus de desenvolvimento nos testículos. Há anos, em hospitais-prisão para delinquentes psicopatas, nos Estados Unidos, encontraram-se pacientes com dois cromossomas Y. Esses indivíduos eram altos e dotados de intensa agressividade. Tal fato suscitou importantes questões sobre o grau de responsabilidade penal desses presos.

9 CRIMINOLOGIA CLÍNICA 9.1 Campo de atuação- 9.2 Genética e criminologia:....9.3 Gemelidade- 9.4 Herança patológica- 9.5 Fatores genéticos e fatores ambientais- 9.6 Taras principais -9.7 Caráter e narcisismo- 9.8 Ciclotímicos e esquizotímicos- 9.9 Personalidades psicopáticas e distúrbios da personalidade- 9.10 Classificação das moléstias mentais- 9.11 Neuroses- 9.12 Psicoses- 9.13 Oligofrenias- 9.14 Desvios sexuais e criminologia- 9.15 Tipos de transtornos sexuais- 9.16 Parafilias. SUMÁRIO:

9.1 Campo de atuação A Criminologia Clínica representa o setor de aplicação prática do tratamento e reinserção social do delinquente, tudo com apoiamento no exame de sua personalidade, exame abonado pelos órgãos penais e penitenciários. Por isso, como considera ]. Pinatel, a Criminologia Clínica difere da Psiquiatria Criminal, que apenas se volta para a perícia psiquiátrica e para a avaliação da responsabilidade delinquencial. Em suma, o exame psiquiátrico procura fixar a responsabilidade criminal do autor típico para fins de aplicação da norma penal. Ensina o renomado jurista e criminólogo Alvaro Mayrink da Costa: "O exame criminológico constitui o princípio básico da Criminologia Clínica, sendo que os métodos utilizados não variam apenas segundo sua natureza médica, psiquiátrica, psicológica ou social, mas diferem, entre si, pelo grau de profundidade que possam ter. Portanto, uma mera descrição de cada um desses métodos forneceria uma falsa ideia do ponto de vista criminológico sobre o que é, na realidade, o exame científico do delinquente". Na prática, diz ainda Mayrink da Costa, a perícia criminológica tem por alicerce a elaboração de determinados métodos fundamentais, a par do exame biopsicofisiológico social e até dos exames complementares, tudo a permitir esclarecer os traços psicológicos constitutivos do núcleo central da personalidade criminosa, para, a posteriori, avaliá-la. O homem criminoso haverá que ser pesquisado em todos os aspectos estruturais, funcionais e racionais, a fim de ser descortinada a sua personalidade, mas sempre considerando a investigação dos fatores exógenos. O insigne jurista pátrio jason Albergaria menciona: "No plano científico, a criminologia clínica começa onde termina a psiquiatria médico-legal, isto é, onde se abandona o domínio patológico".

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Na realidade, a Criminologia Clínica é o pragmatismo agindo sobre o conhecimento teórico criminológico geraL Trata-se praticamente de disciplina separada e autónoma, dedicada ao estudo científico do comportamento criminoso.

sociológica do comportamento criminoso, também não passa de um argumento unilateral e, portanto, igualmente defeituoso, o mesmo se podendo contraditar referentemente à desorganização social, a subcultura etc., apontados, por si só, como fatores de violência e prática de criminalidade.

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Todavia, como sucede com outras disciplinas, em outras áreas, essa separação entre setores prático e teórico é mais artificial do que reaL

Com essa separação em setores, ou seja, Criminologia Clínica de um lado e Criminologia Sociológica de outro, não concorda Roberto Lyra, que, insurgindo-se contundentemente contra a Criminologia Clínica, aduz: "Não passará do laboratório para intervenções individuais essa Criminologia Clínica Halo-francesa, cujas intervenções poderão constituir Clínica mas não serão Criminologia". O mesmo entendimento não perfilha Magalhães de Noronha, com referência à Antropologia Criminal, que, para ele, "estuda o homem delinquente". Apoiam

Magalhães Noronha penalistas como Aníbal Bruno, Basileu Garcia e Bento de Faria, este último explicitando que "a Antropologia ou Biologia Criminal tem por objetivo fundamental o estudo do criminoso, de seus caracteres físicos e psíquicos, suas paixões e sentimentos, ou sejam, os fatores orgânicos e biológicos individuais do delito, fixando as anomalias apresentadas pela maior parte dos delinquentes". Roberto Lyra Filho não é menos radical e rigoroso do que sen ilustre pai nos ataques à Criminologia Clínica. Em seu excelente livro Criminologia dialética, Roberto Lyra critica veementemente o que chama, com induvidoso sentido pejorativo, de biologismo, apregoando: "Hoje, o biologismo já não verá o trânsito livre, pelo menos em suas pretensões de hegemonia microbiológica, apesar dos neolombrosianismos retardatários como diencefalose criminógena de Di Tullio, ou a explicação com apelo a disfunções endócrinas, hipoglicêmicas ou de descalcificações; ou, ainda, a mais recente procura da causa da criminalidade em aberrações dos cromossomos!". A Criminologia Clínica tem por preocupação o estudo dos fatores endógenos, ou seja, as causas internas, intrínsecas ao indivíduo na causalidade delituógena. Aliás, na história da Criminologia vários fatores têm sido admitidos como classificatórios a arrastarem seu estudo para um ou outro campo disciplinar. Assim, após os progressos alcançados pela Psiquiatria, exemplificativamente, passou-se a admitir o criminoso como o indivíduo portador de uma psicopatia ou de uma personalidade psicopática (teoria unilateral e eminentemente clínica). Limitar os criminosos como portadores de anomalias no plano mental não constitui, irretorquivelmente, uma explicação definitiva de análise. A verdade é que as diversas formulações das teorias pragmáticas encontram pouca ressonância valorativa.

Elas, evidentemente, ajudam a explicar o comportamento criminoso em alguns casos, mas não estabelecem uma explicação cabal e definitiva, nem a verdade incontroversa. A mesma coisa se pode dizer com relação à corrente sociológica, que será estudada em seguida. A anomia, por exemplo, que foi utilizada como explicação

De enfatizar que ainda existe, em desserviço do aprimoramento das experiências e do próprio ensino da Criminologia, a falta de integração entre a pesquisa abstrata e teórica do comportamento criminal (corrente sociológica) e o trabalho de diagnose, prognose e tratamento, precedidos estes do exame criminológico, do indivíduo criminoso, cujo trabalho estaria afeto aos chamados criminológicos alínicos. A Criminologia Sociológica continua sendo a pesquisa orientada em sentido rigorosamente científico, sempre direcionada para o exame do grupo, ao passo que a Criminologia Clínica é endereçada ao tratamento carcerário, através dos centros de observação, com programas de prevenção e tendo por base, sempre, o estudo do individuo singular. Ambas as correntes pecam por se desconsiderarem reciprocamente, a ponto de uma ignorar a produção científica da outra.

O criminólogo clínico é geralmente um médico, um psiquiatra e o criminólogo geral (que faz pesquisa pura e científica) é um sociólogo, um advogado etc. É evidente que existem fatores sociais patogénicos e até uma estrutura social delituógena, do que já falava Lacassagne, mas jamais se poderá deixar de lado a análise do ingrediente endógeno, do componente biológico no comportamento antissociaL Esse componente biológico é o equipamento genético, a bagagem hereditária, como causalidade congénita de criminalidade, além, é óbvio, de não se poderem esquecer os fatores biológicos adquiridos nessa mesma causalidade. A respeito dos primeiros, interessante que se invoque o saber "rousseauniano": "Muitas vezes, os crimes dos vivos são praticados pelos mortos", ou ainda que se busque em Ribot a definição de herança genética, quando dizia ele: "Herança é a lei biológica em virtude da qual todos os seres vivos tendem a repetir-se em seus descendentes".

Sem embargo do reconhecimento da enorme contribuição da Criminologia Clínica no estudo da criminalidade, através de suas pesquisas, das leis gerais do comportamento criminal que formula, do seu trabalho nos centros de observação, do tratamento e da metodologia intuitiva, orientada sempre para o paciente-criminal, ela não pode deixar de considerar, por exemplo, que existem pessoas que mesmo submetidas a fatores, presumivelmente, criminogenéticos, não chegam a delinquir, o mesmo acontece com portadores de personalidade patológica, que igualmente podem não ser conduzidos para a prática de crime. A explicação estaria na existência de outros fatores inibidores de criminalidade, que são estudados pela Criminologia Sociológica. Há necessidade, portanto, de um esforço contínuo de colaboração entre a Criminologia Clínica, que se concentra apenas no indivíduo, e a Criminologia So-

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cio lógica, que se guia somente para os grupos. Tal integração não escapou ao gênio

empreendidos por eles se dirigem no sentido de considerar o crime também um ato antissocial e assim deveria ele ser alvo de estudo biopsicossocial.

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analítico de Ferri, que conceituava a criminologia como uma "ciência sintética, que incorporava e reunia a antropologia e a sociologia criminais".

Por derradeiro, de salientar que é de Pinatel uma concepção mais ampla do que é a Criminologia Clínica, em que ele revela que a finalidade principal da Criminologia Clínica, representada de forma análoga à Medicina Clínica, por seu caráter multidisciplinar, é a observação, interpretação e tratamento do indivíduo criminoso. Dessa forma, Pina te! teria imaginado uma espécie de "clínica criminológica", ou ainda, "clínica do antissocial", residindo neste ponto o maior elastério dado ao conceito de Criminologia Clínica, ou seja, na mutação do acessório em principal e vice-versa (ao invés de Criminologia Clínica-Clínica Criminológica). Heyer, acompanhado de Greef, insurge-se contra a análise marcadamente psiquiátrica, sem propor direção orientada especificamente para a aplicação de métodos clínicos-psiquiátricos no contexto da Criminologia Geral. Lavas tine, Stanciu e Laignel denominam Criminologia Clínica não somente a terapia, senão a descrição de delitos (homicídio, roubo etc.), além de fazerem considerações a respeito da reincidência. Na Itália, a Criminologia Clínica começa, sem sombra de dúvida, com Lombroso e Di Tullio, que durante toda a sua vida propugnou, através de tudo que publicou, por uma orientação investigadora da Criminologia Clínica. De Greef e Severin Carlos VerseJe, que representam a Criminologia Clínica na Bélgica, propõem uma atuação multidimensional no crime, uma visão globalizada que deve precipuamente descrever o universo de fatores concorrentes ao seu come-

timento. A Criminologia Clínica deveria ser tão dinãmica, para eles, que devesse ter seu trabalho iniciado a partir de uma análise de fatores biológicos e também sociais, assim como de situações e reações que determinam a "passagem ao crime". Na base de seus argumentos está a integração de fatores biológicos e sociais. Tofte, criminólogo dinamarquês, denomina de clínicos os fenõmenos psicopatológicos. Mais esclarecedor é Sturup, apregoando que a Criminologia Clínica não pode substituir a Criminologia Geral, preferindo conceituá-la como parte da Criminologia, que se ocupa com a investigação e tratamento da conduta criminal, acrescentando que sua finalidade seria sempre terapêutica.

Resta saber se a expressão Criminologia Clínica está justificada. Em rel;ção ao termo "clínica" considera-se não somente o procedimento que afeta exlcusivamen-

te o indivíduo, senão a totalidade das investigações e medidas auxiliares que hoje se impõem nos modernos diagnósticos e terapias clínicas, sejam de índole física, química, fisiológica etc. Para Ayush, essa terminologia não se justifica, em virtude do perigo da confusão entre enfermidade e crime: dever-se-ia suprimir, sempre que possível, a pretensiosa e equívoca denominação Criminologia Clínica. Seja como for, desde a época de Lacassagne, os pioneiros da Criminologia protestavam pela elaboração de um exame médico-psicológico-social dos delinquentes. Historicamente, tal premência foi invocada, pela primeira vez, por Cesare Lombroso, quando da realização em São Petersburgo, em 1889, do Congresso Internacional Penitenciário.

Finalmente, a meta da Criminologia Clínica é aplicar os princípios e métodos das criminologias especializadas, comportando as seguintes operações: exame, diagnóstico, prognóstico e tratamento. 9.2 Genética e criminologia É lícito indagar, desde logo, se existe a influência genética na prática delituógena. Não foram, e ainda não são, poucos os que duvidam que exista tal influência no cometimento do crime. Em contrapartida, existe um grande número de defensores de tal tipo de influência na consecução dos a tos antissociais, de que são exemplos palpitantes os antropologistas, a ponto de erigirem, em sua doutrina, a figura do criminoso nato, ou seja, daquele que traz no gene a semente desencadeadora da criminalidade. De perguntar, então, se as anomalias bioquímicas, ou crornossôrnicas,

responsáveis por inúmeros casos de perturbação da saúde mental, seriam também capazes de funcionar como fato r desencadeante dessa criminalidade? Será que a Biologia, através da genética, que trata da hereditariedade e variações dos seres organizados, pode ser a responsável por uma das vertentes do multifacetado fenômeno comportamental, especificamente aquele relacionado à prática do crime?

Os trabalhos a respeito de Criminologia Clínica estão sendo procedidos principalmente na Dinamarca e Países Baixos, sendo de ressaltar também os produzidos em outros países hodiernamente, através de centros recentemente instituídos e fundados na Criminologia Clínica, como os de Roma, Toronto, Lyon e Montreal.

Sabendo-se que o ovo reproduz nos seres a que dá origem todas as características biológicas, fisiológicas e psicológicas dos respectivos ascendentes, pode também levar a eles o germe do crime?

Do até aqui exposto verifica-se que não existe propriamente uma opinião unitária, uniforme sobre a Criminologia Clínica ' inobstante encontrarem-se , induvidosamente, pontos comuns em todos os seus defensores. Todos os esforços

(as "mutações", ou seja, a mudança brusca devida ao meio ambiente), não seria capaz de criar nada, embora tenha condições para acelerar, retardar, expandir ou frear os efeitos da herança natural.

Dizem que o meio ambiente, o mundo circundante, salvo raríssimas exceções

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É bom que se fixem nesta altura alguns princípios fundamentais a respeito da herança genética. Para isso, invoca-se a lição dos doutos na matéria; sendo assim, empresta-se de Drapkin o ensinamento:

a fecundação sem a necessidade da presença de esperrnatozoide masculino, até a fecundação normal do óvulo pelo espermatozoide, como ocorre nos mamíferos em geral e no homem.

"1) A herança se estende a todos os domínios orgânicos: morfológico, fisiológico e psicológico. Ex.: o cruzamento de dois indivíduos da mesma espécie, homem e mulher, dá como produto um ser humano. 2) A herança existe para todos os caracteres, sejam favoráveis ou não. Assim como se transmitem caracteres bons (a inclinação para a música, na família dos Bach), também se transmitem os negativos (a hemofilia, na família dos Habsburgos). 3) A transmissão hereditária só é estrita com relação aos atributos essenciais da espécie. Atributo essencial da espécie é o fato de que o indivíduo que vai nascer tenha a conformação anatômica, vísceras e órgãos próprios dos seres humanos. Às vezes aparecem monstros, o que é muito raro, os quais devem ser encarados como simples curiosidade de museu. A cor dos olhos, pele e cabelo são caracteres secundários, não considerados atributos essenciais. 4) A herança não é igual nem fatal para todos os descendentes do mesmo casal. Os únicos seres considerados idênticos são os gêmeos verdadeiros, ou seja, os univitelinos. 5) A herança se manifesta simultaneamente por semelhanças e diferenças. As semelhanças são as que se conhecem como o 'ar de família', ou seja, a herança direta de pai para filho. As diferenças se devem ao fato de que se herdam caracteres de outros descendentes; é a herança atávica, indireta ou media ta, como no caso dos netos que herdam certos caracteres dos avós ou ascendentes ainda que os mais remotos. 6) Geralmente a herança é direta ou imediata como a de pai para filho. Outras vezes há herança do tipo longínquo, indireta ou media ta, à qual já fizemos referência anteriormente. A herança também se apresenta certas vezes nos colaterais, como acontece com tios e sobrinhos, primos-irmãos etc. 7) Habitualmente, a herança é bilateral, isto é, os caracteres são transmitidos

tanto do pai quanto da mãe, o que não é fatal, apenas podemos dizer que quando há características comuns a ambos os pais, há possibilidade quase absoluta de que sejam transmitidas a seus filhos". Por fim, o autor referido coloca em relevo no estudo da herança em geral os seguintes itens: "1) A herança normal; 2) A herança anormal ou patológica; 3) A herança longínqua ou indireta, a que chama também de herança atávica; 4) A consanguinidade; 5) A gemilidade; 6) A herança do crime". Assevera ainda o autor citado que, para uma melhor compreensão do fenômeno da herança genética, faz-se mister tecer algumas considerações a respeito do mecanismo da reprodução. Ei-las: "A reprodução se opera de variegadas maneiras, desde a dissecação de espécies inferiores, corno acontece com as amebas; a parto-gênese, na qual se produz

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Nos mamíferos, para que se opere o fenômeno da reprodução, faz-se necessária a conjunção de duas células: o espermatozoide e o óvulo, células essas (masculina e a feminina) chamadas de gametas. O espermatozoide se produz no interior do testículo e o óvulo no ovário. Submetidos ambos a um corte longitudinal, observar-se-à que suas estruturas anatôrnicas são muito parecidas. Os testículos são dotados dos chamados 'túbulos seminíferos', que ficam acomodados entre pequenas células chamadas 'espermatogônicos', que são células-mães dos esperrnatozoides. Visualizando-se a reprodução celular, vê-se o núcleo, que é a parte nobre da célula, o qual, analisado ao microscópio, mostrar-se-à assemelhado a um novelo de lã, o que constitui o 'fio da cromatina'. Quando chega o momento da multiplicação, o fio da cromatina engrossa e, ao partir-se, vai dando lugar à formação dos cromossomas. Cada espécie viva tem certo número de cromossomas. O homem tem 46, o cavalo 60, a ovelha 54, o gato 38, a vaca 60 etc. Vê-se então que o ser humano possui 23 pares de cromossomas, que examinados a um microscópio de grande alcance dão ensejo a que se verifique que não são elementos unitários, mas que são constituídos por entes microscópicos cha1nados 'genes', nos quais parece residir toda a nossa bagagem ou equipamento hereditário. O espermatogônio tem 46 cromossomas, mas quando da reprodução dividemse longitndinalmente em dois elementos exatamente iguais. Uma vez que os 46 cromossomas se partem, produz-se a divisão celular, chamada de mitose, e cada novo espermatogônio vai ser composto por 23 pares de cromossomas. Porém, na etapa final, o espermatogônio divide-se pela última vez, seguindo um processo especial qne tem por fim a redução do número de cromossomos à metade. No ovário produz-se um processo fundamentalmente análogo. Assim, tanto os óvulos como os espermatozoides são portadores só da metade do número de cromossomas que caracteriza a espécie, e esta metade corresponde a um cromossoma de cada parte, isto é, todos eles são diferentes entre si. No homem, portanto, cada espermatozoide leva 23 cromossomas e cada óvulo igual número de cromossomas, homólogo aos anteriores. O espermatozoide e o óvulo são células completamente diferentes entre si. O óvulo é uma célula maior que o espermatozoide e contém um enorme protoplasma, que contrasta com a escassez protoplasmática daquele.

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

CRIMINOLOGII\ CLÍNICA

O espermatozoíde tem uma cabeça ovalada unida por um colo em forma de anel e uma espécie de cauda. Os núcleos de ambas as células têm o mesmo tamanho

Este tipo de herança não é aceito por nenhum tratadista, atualmente. Têmse, ainda, os casos da intitulada herança latente, que se refere exclusivamente aos fatores hereditários que, transmitidos e tendo possibilidade de transformarem-se em caracteres, contudo não chegam a aflorar nos descendentes. Cita-se a respeito o exemplo do francês Paul Gauguin, durante muitos anos empregado de escritório, e que após os 40 anos, de um momento para outro se transformou no célebre e conhecidíssimo pintor; da herança ligada ao sexo: exemplos deste tipo são o daltonismo e a hemofilia, que são caracteres que, transmitidos pelas mulheres, são herdados quase que exclusivamente pelos descendentes do sexo masculino. Os homens não transmitem esses caracteres. Assim, a irmã de um indivíduo doente de hemofilia ou daltonismo, contraindo núpcias com um indivíduo são, pode dar a luz filhos homens que tenham essas taras.

e valor.

_ A mulher, em cada menstruação, elimina um óvulo e o homem, em cada ejaculaçao, em torno de sessenta milhões de espermatozoides por centímetro cúbico do hqmdo expelido, sendo a média de cada ejaculação três centímetros cúbicos. Malgrado, porém, essa grande quantidade de espermatozoide, somente um deles consegue fecundar o óvulo. , Nesse proces~o de fecundação o óvulo sai do ovário e avança pela chamada trompa de Falopw, em busca do espermatozoide que irá fecundá-lo. O espermatozmde, completado o coito, avança pela vagina, penetra no útero e alcança um dos seus cornos. A conjunção, em g~ral, finalmente se produz no último terço da trompa de Falopw. Ao se dar a conJunçao dos espermatozoides com o óvulo, este começa a gestar o chamado 'cone de atração', ao qual só tem acesso um espermatozoide, que, ~o mtroduzu-se no óvulo, perde a sua cauda, o que demonstra que a função desta eso~ente ajudar a locomoção do espermatozoide por meio de seus movimentos vibrate!S. A fusão ~as duas células forma o ovo ou zigoto, que constitui 0 novo ser, formado pela mtegraçao dos 23 cromossomas do óvulo materno, mais os 23 cromossomas do espermatozoide paterno. Acontece, algumas vezes, que a conjunção do óvulo com o espermatozoide se produz antes de chegar à parte média da trompa de Falópio, podendo provocar a gravidez tu bana ou extrautenna, que não deixa de ser uma anormalidade, de cena forma grave para a mulher, e que, em geral, termina com uma intervenção cirúrgica". Falando-se em reprodução, surge logo a lembrança dejoão Gregório Mendel

Cl_822~ 1884), o famoso abade do Claustro Real de Brunn, na Checoslováquia, e suas tres leis de transmissão de caracteres, a saber: a primeira lei: da uniformidade da transmissão dos caracteres (da uniformidade dos mestiços da primeira geração); a segunda lei: da diSSOCiação dos caracteres (da disjunção dos caracteres) e a terceira let: da distnbmção ou combinação independente ou autónoma dos caracteres. Evidentemente, a análise simples ou até axiológica das chamadas Leis de Mendel foge um pouco aos objetivos deste trabalho, eis o porquê elas deixam de ser feitas nesta oportunidade. Mais consentâneo à linha do trabalho até aqui desenvolvido, que se registrem algumas partlculandades mteressantes a respeito da herança genética, como, por exemplo, aquela a que aludem alguns autores, a chamada herança cruzada, que trana como aspecto curioso o caso de em certas uniões os filhos herdarem os traços morfologicos de um dos progenitores e o perfil psicológico do outro; ou a assim conheCida herança por ínjluéncia, também chamada de herança por impregnação ou telegoma, que se venficaria com uma mulher que casasse em segundas núpcias cujo filhos do segundo marido apresentassem algum caráter do primeiro. ' s

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Há ainda as chamadas "Leis Matemáticas da Herança", de que falam Galton e Pearson. Galton estabeleceu uma progressão matemática decrescente para os ascendentes, segundo a qual os pais transmitem a seus filhos os seus caracteres, porém não em proporção igual, pois se herdam caracteres dos avós e outros antepassados. Sustentou que cada um dos nossos pais nos lega 1/4 do nosso património hereditário; os avós (que são 4) 1/4 do total, correspondendo a l/8 cada um; os bisavós (que são 16) l/8, no total de 1/6 cada um; os tataravós (que são 64) 1/16 no total de l/64 cada um etc. Pearson trata das correlações, que seriam as seguintes: 1.' geração- 0,6244; 2.' geração- 0,1988; 3.' geração- 0,0630. Fala-se ainda sobre uma falsa herança, ou seja, a tendência de confundir-se uma malformação congênita com um caráter hereditário. Se é certo que uma criatura pode nascer deformada em razão de traumatismos que afetam o embrião ou feto, não se pode atribuir tal resultado à herança, pois não passa de uma malformação congênita e nem tudo que é congênito o é em virtude de herança, como ocorre, por exemplo, nas malformações de filhos de pais que se achem alcoolizados no momento da relação sexual fecundante. Retomando a indagação inicial, no sentido de se o crime pode ser desencadeado por fatores hereditários, deve-se esclarecer que a hereditariedade transmite fatores genéticos, sem que isso represente a transmissão dos caracteres propriamente ditos.

A hereditariedade transmite tendências para a formação dos caracteres, que poderão ou não se desenvolver na dependência de circunstâncias ambientais favoráveis. No dizer do criminólogo Almeida júnior, o património genético é um conjunto de forças latentes, de potencialidades, as quais se realizarão ou não e, se realizadas, terão uma ou outra intensidade, na conformidade de serem ou não favorecidos pelo ambiente. No campo específico da Criminologia, desde há muito, cientistas diversos têm trabalhado a fim de identificar a transmissibilidade de fatores responsáveis pela prática de crimes. Os estudos a respeito têm se efetuado de diversas formas: quer através da análise do comportamento de grupos sociais, de aglomerados étnicos,

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

CRIMINOLOGIA,CLÍNICA

quer de membros de famílias numerosas, que apresentavam um grande contingente de indivíduos que vieram a delinquir, a atestar uma possível transmissibilidade através do equipamento genético, de fatores que os teriam impelido à prática d~

um caráter absolutamente individual, só servem a cada um e de forma presente. Só a função sexual não possui aspecto meramente exclusivista, quando se destina não

a tos anussooa1s.

O problema então está em saber se existe uma herança específica para o crime ou mesmo certo condicio~amento herdado de natureza física ou psíquica, que fa~ talmente levanam o md1v1duo ao cometimento de crime! O que se_ tem admitido, modernamente, é a herança de uma predisposição, de uma 1nchnaçao que em condições ou circunstâncias favoráveis poderão levar ou não ao crime, pois a tendência à prática de crime não se transmite como se fosse determinada enfermidade, mas sim como um conjunto de características mais ou

menos revestidas de alguma morbidez, das quais o crime poderá ser a e~pressão sooal da conduta, quando para isso concorreram circunstâncias favoráveis a que ele ocorresse.

Para ilustrar o assunto são clássicas as referências aos estudos de Goddard sobre a família Kallikak, de Dugdale, sobre a famíliajukes, dejorger, sobre a famíli~ Zero etc. Assim,_ como exemplos ilustrativos podem ser citados: Dugdale, em 1877, nos Estados Umdos, a descendência da família de Maxjukes. De 894 descendentes em 1877, Dugdale encontra só 709, dos quais 540 de vínculo sanguíneo direto e 169 de vínculo indireto ou cruzado. Dos 540, 1/3 morreu na infância; 310 eram indigentes, que permaneceram num total de 2.300 em casas de caridade e 440 foram descritos como portadores de doenças físicas graves; do ramo feminino mais de 50% eram prostitutas e 130 haviam praticado diferentes crimes, e entre elas existiram 7 homicidas. Em 1915 Esterbrook deu prosseguimento ao trabalho de Dugdale e retomou 0 estudo da família Maxjukes, já nessa ocasião com 2.094 descendentes espalhados por 14 Estados, encontrando entre eles 76 desajustados socialmente, 171 criminosos 277 prostitutas, 282 ébrios contumazes, 323 tipicamente degenerados, 255 mais 0 ~ menos corretos e 94 sem classificação, por falta de fonte de informação. Igualmente interessante é o caso da família Kallikak, estudado por Goddard também nos Estados Unidos. ' Martin Kallikak relacionou-se sexualmente com uma débil mental e, apesar de pertencer a uma origem inglesa sadia, o filho do casal nasceu débil mental. Essa prole, em várias gerações, teve 480 descendentes, dos quais 143 eram débeis mentais e o restante intelectualmente medíocres. Tempos após, o mesmo Martin Kallikak casou-se com uma moça de boa ascendência, tendo por descendentes, em meia dúzia de gerações, 496 indivíduos dos quais somente dois eram anormais e nenhum débil mental. ' Abrindo um parêntese nesta exposição, verifica-se a importância fundamental da atividade sexual na vida dos indivíduos, pois é através do ato sexual que se perpetua a espeCJe, a traves dos descendentes. As demais funções do organismo humano têm

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só ao prazer, mas também à sequência da espécie, tornando-a imortal.

Pela exemplificação feita, deduz-se que efetivamente nas famílias estudas existem elementos de comportamento criminoso: prostitutas, débeis mentais, indivíduos de baixo nível mental etc., o que poderia justificar conclusões aparentemente aceitáveis quanto à transmissibilidade, não só de fatores criminógenos como também patológicos. Contudo, referentemente à herança patológica, quer se acreditar que nâo se herdaria a doença especificamente, mas sim uma predisposição para contraí-la. A prova disso é que existem crianças com pais tuberculosos ou leprosos, por exemplo, que, afastadas do meio familiar paterno, crescem sadias, o que impõe a conclusão sobre a influência contagiante que exerce o meio. Outrossiln, faz-se necessário acentuar, ainda, que quando se trata de grupos de inconteste afinidade social, decai de importância o fato da incidência de comportamento antissocial, pois há que se admitir a concorrência para isso do fator intercontágio, o qual, irretorquivelmente, se manifesta no conglomerado social, podendo, portanto, tais incidências nâo serem devidas a um fator herdado ou genético, sob o ponto de vista biológico. O notabilíssimo mestre Hilário Veiga de Carvalho, examinando este assunto, diz: "Foi muito mais lúcido e exato o caminho seguido pelos investigadores que, deixando de lado os grupos familiares, passaram a estudar o comportamento dos gêmeos, quando um deles se apresentasse como autor de a tos antissociais". 9.3

Gemelidade

Justo que se questione, desde logo, se o problema dos gêmeos pode se constituir em argumento ponderável a provar a força da herança genética. Univitelinos, monozigóticos, idênticos ou verdadeiros são gêmeos que nascem de um único ovo. Supõe-se que o óvulo, ao receber o espermatozoide, ocasiona uma divisão de células, com independência de ambas as partes na sua evolução dentro da mesma membrana, com uma só placenta e um único cordão umbilical, que se bifurca no final. Os bivitelinos, dizigóticos, fraternos ou falsos são gêmeos produto de dois óvulos fecundados simultaneamente ou em períodos muito próximos, que dão origem a dois ovos que se desenvolvem quase ao mesmo tempo, que possuem duas membranas, duas placentas e dois cordões umbilicais e se desenvolvem simultaneamente no útero. Os gêmeos univitelinos são do mesmo sexo e os bivitelinos podem ser do mesmo ou de sexos diferentes. Os gêmeos univitelinos sâo dois indivíduos, originados de uma única célula, os bivitelinos são dois seres distintos emanados de duas células germinativas. Com relação a trigêmeos, quadrigêmeos etc., verificou-se que a incidência de seus nascimentos é bem menor, na correspondência exata do número de indivíduos

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nascidos de uma mesma gestação. A França fornece o dado de um caso de trigêmeos em cada milhão de habitantes. Sabendo-se que em Biologia não existe a identidade perfeita ou absoluta. pode-se afirmar que a semelhança entre os gêmeos verdadeiros é quase completa, ao tempo em que entre os bivitelinos a falta de semelhança é incontestável. Nos gêmeos univitelinos a inteligência, a aparência física e fisionômica, o peso, a estatura, o desenvolvimento e a força muscular, a voz, as predisposições, as tendências, o caráter, o comportamento psicológico são bastante semelhantes, enquanto nos bivitelinos apresentam muitas diferenças.

bivitelinos e criados juntos e 19 idênticos criados com a distância do outro. Exames mais acurados foram procedidos por esse grupo de investigadores especializados (um geneticista, um psicólogo e um técnico em estatística). Ao final, chegaram aos seguintes resultados: a inteligência é passível de influência maior, a aprendizagem mais ainda; a personalidade e o temperamento são mais suscetíveis de receber influência do que quaisquer outros elementos. Donde se conclui que os fatores ambientais se equivalem e as diferenças emanam das forças genéticas. Outrossim, quando observadas diferenças de comportamento, mas o patrimônio genético for o mesmo, variando somente o ambiente, obviamente que aquelas modificações devem ser computadas à influência do ambiente. Os fatores genéticos desfavoráveis podem ser atenuados ao influxo de um bom ambiente. A esta conclusão também chegaram aqueles pesquisadores. Então, poderia ser destacado o seguinte: "aquilo que a hereditariedade faz, também o ambiente pode fazê-lo". Outros estudos foram feitos a respeito do comportamento dos gêmeos, mas direcionados, especificamente, para a área da criminalidade, o que, de per si, oferece maior interesse de análise diante dos objetivos desta obra. Advertindo que o estudo dos gêmeos deve ser interpretado cautelosamente, o notável criminologista AyushAmar, no tópico intitulado Estudo de gêmeos com vistas à psicopatia e criminalidade, apresenta o seguinte quadro ilustrativo, adaptado de levantamento de Christiansen e Rosenthal.

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De lembrar que o meio ambiente tem influência sobre a gemelidade, até no que concerne aos gêmeos univitelinos, que, colocados em ambientes diferentes, poderão desenvolver caracteres desiguais. Por sua vez, as malformações e enfermidades se transmitem de modo absolutamente igual nos univitelinos; é o que acontece com as doenças mentais (esquizofrenia, por exemplo), com o palato ogival, com o lábio leporino etc., independentemente da circunstância de viverem em ambientes separados. Um caso digno de registro no assunto é das quíntuplas Dionne, sem que se tenha conseguido explicar, de forma irrefutável, cientificamente, mas tendo-se por hipótese mais aceitável a suposição de que um óvulo fecundado subdividiu-se em duas células, das quais três teriam seguido o seu desenvolvimento normal e uma teria voltado a subdividir-se em duas, totalizando cinco células, origem das quíntuplas. Feitas essas digressões e correlacionando-as com a transmissibilidade de fatores criminogenéticos relacionados aos gêmeos, ter-se-ia de equacionar a seguinte questão: se dois gêmeos são idênticos e se um deles vier a delinquir, havendo, em verdade, influência determinante dos fatores genéticos, certamente o outro componente do par igualmente viria a cometer crime, pois ele traria consigo os mesmos fatores criminalizantes. Demonstrado isso, encontrar-se-ia argumento de valor irretorquivelmente soberano em prol da influência decisiva da herança sobre o procedimento criminoso. Francis Galton, examinando casos de gêmeos que ele acreditou serem idênticos, observou um número de coincidências que considerou muito importantes na configuração de um determinismo biológico, a se fazer sentir sobre os gêmeos idênticos, a ponto de admitir a prevalência do fator genético nas suas condutas, malgrado não possa ter tido ele condições de escapar da evidente conclusão de que também o ambiente exerce papel modificador. Eis o resultado a que chegou Galton: a) o fator genético é muito mais poderoso que o fator ambiental, desde que não se extremem as variações deste último; b) somente as profundas diferenças ambientais podem diferenciar entre si aqueles que a bagagem genética fez idênticos. Posteriormente a Galton, os métodos de identificação dos gêmeos idênticos, tornando-se mais meticulosos e confiáveis, permitiram um avanço nas investigações genéticas e consequentemente conclusões mais exatas. Assim, Newman, Freeman e Holzinger, em trabalho conjunto, pesquisaram 119 pares de gêmeos, dos quais 50 eram idênticos e criados sob o mesmo teta, 50 eram

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Estudo de gêmeos com vistas à psicopatia e criminalidade: Mono e dizigóticos do mesmo sexo

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Sutherland indica que o Estado deve olhar com mais carinho a criança na escola, preservando-a contra os perigos de seu ingresso na criminalidade, para tanto preparando adequadamente os professores. Do mesmo pensamento conjuga Clayton, ao dizer da posição estratégica da escola contra o agendamento da criança para o crime. G. Maranon, em seu livro Três ensaios sobre a vida sexual, deixa indiretamente

perceber que a educação em comum, nas escolas, serve de freio aos apetites sexuais e, portanto, de freio à prática de tais crimes. Logicamente, fala Maranon para outro tipo de realidade, pois é do conhecimento de muitos o que acontece com algumas escolas da rede pública nas cidades grandes do Brasil, onde os abusos e violências sexuais são frequentes, assim como o uso e tráfico de drogas. Certa feita afirmou Vitor Hugo que "abrir uma escola equivale a fechar uma prisão". No entanto, isto não é tão efetivo e categórico, como se infere das considerações até aqui feitas. Outro autor, Maudsley, em sua obra O crime e a loucura, assim se expressou: "I:education a si une parte au devolopmente de l'homme que, sans contredit, la maniere dont un person est elevée doit avo ir une grande influence sur l'epanoissement de son intelligence et la formation de son caracteres". Por sua vez,Jorge Severiano Ribeiro, analisando, especificamente, as influências que o analfabetismo possa exercer sobre a criminalidade, remete suas considerações às palavras de John Lewis Gillin, que, em seu livro Criminology and penology, reportando-se a dados estatísticos norte-americanos, assegura que eles revelam uma grande proporção de iletrados entre os criminosos dos Estados Unidos. De esclarecer, logicamente, que tal afirmação alude a tempos mais longínquos, pois é sabido que o número de analfabetos naquele país, atualmente, é reduzidíssimo. Isso, porém, não retira o caráter verdadeiro do relacionamento estabelecido por Gillin, pois ninguém ignora que nos países com grande número de analfabetos, como acontece nos do Terceiro Mundo, de que é exemplo o Brasil (que registra um número aproximado de 29 milhões de pessoas nessa situação, segundo o último censo), é grande o contingente de analfabetos entre os criminosos (de 15,1 milhões de analfabetos, inseridos em um total de 875 milhões no mundo). 17.7 Casa Seja de que natureza for, a cultura desempenha a função geral de satisfazer as necessidades básicas do homem, necessidades que não podem ser obtidas de outra maneira. Mesmo porque, destituído de especialização genética (diferentemente de animais gregários, como as abelhas e formigas, cuja organização e eficiência da vida comunal serão repassadas naturalmente para suas gerações seguintes), o homem

realizações civihzatórias da mais rude tribo selvage1n. Dessas cnanças redundana smnente um tropel de n1udos. Sem ordem, sem artes e sem conhecimentos.

Jung chega a afirmar que "a civilização é uma repressão progressiva de tudo que há de animalidade no homem". Gillin, cogitando dos crimes e fatores sociais, diz que a civilização determina sempre necessidades crescentes para a sociedade. Assim, não conseguindo atender às suas necessidades de sobrevivência, principalmente as mais curiais, a tendência do homem é apartar-se da sociedade que, depois, virá a agredir. Já foram vistas as influências da pobreza, da miséria, da falta de alimentação etc. na etiologia delituosa. O que dizer da moradia, da casa onde a pessoa vive com sua família? O que ela pode representar em termos de oferecer condições de predisposição à cnmmalidade? Dizia Scipion Sighele: "O lar nem sempre oferece o remansoso aconchego de delicias; completamente ao contrário, muitas vezes ele é o paradigma da infância, o

cadinho da impudicícia e o exemplo da maldade humana". Gillin, estudando a influência do lar sobre a delinquência, especialmente no que tange à delinquência juvenil, afirmou que, nas grandes cidades americanas, é muito frequente o comparecimento de filhos de imigrantes nos tnbunaiS JUVems e atribui tal fato à educação recebida no lar, em inteira divergência com os costumes da nova pátria adotada. Clayton, no livro Til e problem of crime, salienta que as crianças pagam caro (e hoje mais do que nunca, segundo Rossi) os desastres ocorridos no lar. E

0

que dizer quando a família se desintegra? Quando os lares se desmante-

lam? E 0 que dizer dos lares pobres? Healy e Bronner, em estudo acerca de jovens que em certo ano compareceram à "Juvenile Courts" em Chicago, informam que um quarto deles provinha de lares pobres, tão pobres, que os pms se viam na contingência de abandonar, por falta de tempo, a educação dos filhos, dado o numero de horas que dedicavam ao trabalho, para manutenção das necessidades mimmas da família.

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Grande também é o número de jovens autores de atos antissociais oriundos de lares desfeitos, como ocorre com filhos de pais divorciados. É o que referem Breckinridghe e Abbot, apresentando dados estatísticos retirados do Tribunaljuvenil de Chicago. As condições desfavoráveis de moradia, como acontece, p. ex., nos países subdesenvolvidos, onde proliferam as favelas, os cortiços, as taperas, as casas de cómodos, com a natural promiscuidade disso decorrente, em que os valores morais desaparecem, onde o número de analfabetos ou subaculturados é muito grande, induvidosamente propiciam, nas camadas sociais que assim vivem, a existência de um contingente muito grande de prostitutas, viciados e traficantes de drogas, ladrões, assaltantes, homicidas etc. E não se diga que o meio, nesses casos, não é fato r preponderante de criminalidade, embora se possa reconhecer a coexistência de outros fatores decorrentes até do comprometimento da própria saúde, por estados desnutricionais, pelo alcoolismo e por outros estados patológicos oriundos da falta de higiene e outras condições de saneamento básico.

Lares inseridos nessas condições, não há que contestar, são verdadeira forja de marginais. Clayton chega a afirmar que a vizinhança em si, exercendo influência sobre o lar, deve ser incluída também entre os fatores que podem conduzir o indivíduo à prática de atos antissociais. 17.8 Rua A rua, com toda a espécie de maus exemplos que pode oferecer, inclui-se no crime. Não só os logradouros públicos, mas também os baixos e vãos de pontes e viadutos, em que um viver promíscuo levado ao ápice só pode trazer como resultado "tudo o que não é bom", não só para os que assim vivem como também para a sociedade. Entre os que assim carregam sua existência, ou seja, os que "vivem pela rua afora", só a poesia de um compositor popular, que igualmente vê na favela um mundo de sonhos e fantasias, é que pode lhes atribuir beleza. Diga-se que à rua acorrem, igualmente, as infelizes crianças de lares desmantelados, onde se iniciam cheirando cola (os "drogaditos") e terminam assaltando e matando, não raro, cruelmente. A rua é a própria matriz a forjar vários modelos de associais. Dela resultam vadios, contraventores, meninas precocemente prostituídas, toxicômanos, rufiões, alcoólatras, ladrões (infanta-juvenis ou adultos) etc., e tudo o que de pior possa existir, a ponto de Nelson Hungria, referindo-se aos seus malefícios, ter salientado: "A rua é o vazadouro de todas as impurezas e a feira de todas as indecências". 17.9 Desemprego e subemprego Para os países de população jovem, com a economia não estabilizada entre as zonas urbana e rural, determinando o êxodo do campo para a cidade e, além dis-

FATORES SOCIAIS DE CRIMINALIDADE

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so, com grandes índices demográficos, decorrentes de altas taxas de natalidade, a expansão em nível de emprego é condição absolutamente imprescindível à própria estabilidade social. Quando os níveis de ocupação profissional permanecem estagnados, impedindo que novos contingentes populacionais ingressem no mercado de trabalho, é evidente que essa situação se torna uma verdadeira "bola de neve", aumentando o número de desempregados. Paralelamente, não possuindo a economia força para absorver a demanda de trabalho, passa a refletir na queda das taxas de investimento, ocasionando uma situação de causa e efeito que, interagindo entre si, passa a determinar o desemprego involuntário que desestabiliza a economia (por não haver investimento), contribui para a falta de segurança e paz sociais, favorece a ocorrência de verdadeira patogenia de grupos comunitários: daí à prática de ações antissociais o pulo é muito pequeno. Mas, a par do desemprego, que indubitavelmente é um dos fatores indiretos de criminalidade, e que ocorre notadamente em períodos de grandes crises económicas, quando há dispensa em massa de operários pelo fechamento de indústrias, existe também outro fator, a ele intimamente relacionado, que é o subemprego. O subemprego, através do baixo salário numerário auferido, por si insuficiente à manutenção própria ou da família, não deixa de ser, por suas características marcantes de instabilidade pessoal e socioeconômica, um fator a mais a influenciar a curva ascendente da delituosidade. O mesmo se diga dos salários que não acompanham o custo de vida, ou seja, os salários insuficientes ou os baixos salários, que muitos, igualmente, consideram como fatora influenciar a criminalidade. Não obstante a corrupção também seja um problema de personalidade moral, é inescondível que sua ocorrência, no seio do funcionalismo público, igualmente se deve ao pequeno vencimento que a maioria dos servidores recebe. Hoje, ademais, é frequente que as camadas de baixa renda aumentem seus ganhos com a prática de atividades que, não raro, invadem a área da criminalidade, como, por exemplo, o que ocorre com os chamados "trabalhadores de fronteira", que através de pequenos contrabandos objetivam aumentar sua renda mensal. Atualmente o Brasil apresenta um índice de desemprego superior a 17%, a Argentina e a Colômbia de 15%, os Estados Unidos de 5% e o México de 1,9%. Sendo verdadeiramente endémico, na África o desemprego quase chega a atingir a assustadora porcentagem de 30%! Notório que os países com alto nível de desemprego, como o Brasil, apenas poderão minimizar o problema resolvendo a delicada questão da taxa oficial de juros, pois as pessoas com capital preferem auferir rendimentos a fomentar a geração de empregos, o que, hoje, até seria temerário. Por outro lado, no começo de setembro de 2004, a Organização Internacional do Trabalho revelou que há, no Brasil, 25 mil trabalhadores mantidos como escravos em fazendas.

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17.10 Profissão Costuma-se apontar, por via das observações trazidas do cotidiano, uma relação entre certas profissões e o tipo de delito que elas costumam favorecer. A referência não é feita somente com respeito ao delinquente profissional, senão aos indivíduos em geral. A atividade profissional do indivíduo, desde que se trate de um predisposto, poderá incliná-lo à prática de determinado delito. Assim acontece com certos empregados domésticos que, em virtude da própria facilidade que encontram e possuindo tendência para tal, passam a cometer pequenos furtos domésticos, prática que pode, num crescendo novelesco, adquirir aspectos de maior gravidade. É comum, por exemplo, a doméstica conluiar-se com um elemento de fora (quase sempre um seu namorado) e oferecer-lhe a chave da residência para que ele, isoladamente ou com parceiros, subtraia os objetos de valor ali existentes. Empregados de prostíbulos, bordéis, boates, casas de jogos etc. costumam ser traficantes de drogas. Médicos e dentistas envolvem-se, às vezes, em estupros e outros abusos sexuais. Advogados podem cometer fraudes ou apropriações indébitas. Não é incomum que engenheiros e construtores pratiquem fraudes consistentes na qualidade inferior do material empregado. Gerentes de bancos podem cometer desvios de dinheiro e empréstimos com vantagens pessoais. Gráficos podem incidir em falsificações. Comerciantes em crimes contra a economia popular. Sedução e outros abusos sexuais não raro são cometidos por professores contra alunas.

17.11 Guerra Quando o primeiro homem se apossou da primeira mulher e disse, num desafio geral: esta mulher é minha e só a mim pertence, inconscientemente estabeleceu o direito de família. Se houve ou não protestos pouco importa, a verdade é que do domínio de muitos passou ela para o domínio de um só, originando-se daí o lar, os filhos etc., e assim se estabeleceram as bases da família. Ainda, quando o primeiro homem, apanhando outro em falta grave, entendeu castigá-lo e o fez, impondo-lhe uma pena, fundou o Direito Criminal.

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inimigo. Os alvos dos bombardeios, que agora emanam de aeronaves, são as indústrias, as comunicações, as bases de defesa do inimigo, pouco valor se dando às antigas trincheiras. Por intermédio de mísseis teleguiados a guerra agora pode ser desencadeada de um único ponto, atingindo todas as partes. Através dos tempos, inúmeros povos conheceram na própria carne os efeitos maléficos da guerra, mas nem assim deixaram

de fazê-la, comprovando que o homem é o mais bestial dos animais. Pergunta-se da influência da guerra no aumento dos índices de criminalidade. Para responder a essa indagação, costuma-se fazer referência ao curso dessa mesma

guerra. É regra que durante o curso da guerra diminui a criminalidade, para aumentar bruscamente quando da decretação da paz, fenômeno observado na Primeira Guerra Mundial e confirmado na Segunda.

Entre os efeitos gerados pela guerra são mencionados: l. O rebaixamento do nível moral da população. Tal descida é explicada pelos grupamentos sociais envolvidos terem sido submetidos, durante muito tempo, a um estado de tensão, medo e ansiedade, além da privação das necessidades as mais primárias.

2. O trabalho intenso das tropas e dos civis em atividades obrigatórias, durante períodos longos, geralmente sem descanso, inclusive à noite, em virtude de bombardeios aéreos. Ao chegar a paz, o que procuram as pessoas que assim viveram? Segundo menciona Drapkin: "A primeira coisa é lançarem-se em busca do prazer, sobretudo no aspecto sexual, para o que contribui a descida do nível moral durante a guerra". 3. A decadência dos costumes morais. A convivência nos abrigos antiaéreos, onde não há isolamento, dando ensejo à vida promíscua, logicamente deixa suas graves sequelas morais para o período de pós-guerra, refletidas nos costumes decadentes. 4. O cotidiano dos abrigos, estimulando a precocidade sexual nas crianças e nos adolescentes, tan1bém aos acometimentos sexuais e os "desapertes" materiais, consequentes a todas as guerras. Essas transfugalidades poderão representar futuras condutas delituosas.

Na ocasião em que o primeiro homem, tentando apoderar-se de um pedaço de terra, encontrou a resistência e luta, fez-se a guerra, malgrado tenha ele lançado as raízes do direito de propriedade. Foi guerreando que o homem se tornou proprietário, dono da terra pela qual lutou. A guerra que semeia medo, ansiedade e ódio entre as nações.

5. As dificuldades económicas subsequentes à guerra são flagrantes, tanto para vencidos como para vencedores. De admitir que tais dificuldades, propiciadoras de frenéticas especulaçoes e do chamado "câmbio negro", sempre poderão influenciar a criminalidade.

A guerra, como afirma Hans Von Hentig, que significa uma revolução moral temporal.

Verifica-se, outrossim, que a criminalidade infanto-juvenil também aumenta em períodos de beligerância, chegando a superar as cifras criminais dos adultos.

A guerra moderna, diferentemente das antigas frentes de combate corpo a corpo, se dirige, mais frequentemente, contra alvos estratégicos para minar as forças do

Faz-se claro, enfim, que a guerra, por si mesma, exerce uma grande influência

6. É decorrência da guerra o aparecimento de novas modalidades criminais.

"" =~'""'"" d• "' m; "'H d•dS Balcãs até a Europa Oriental para engajarem-se na prostituição, e, outrossim, 0 Lesmo ministro trouxe à baila o fato de ele ter conhecido em Saravejo uma mulher ue lhe assegurou ter sido vendida por 18 vezes. g.l9 Internet . I~egável que o fenômeno da globalização, resultante dos avanços tecnológicos ctenuficos e da tmpressionante celeridade das caleidoscópicas intercomunicaçôes tternacionais, transformou o mundo numa grande e compactada povoação, com rev~rsíveis consequências positivas e negativas. Assim, o talentoso sociólogo ances Alam Tourame diz que "a globalização é linguagem delirante e absurda 1e, absorvendo e extinguindo as referências abstratas entre os povos, acarretou, l verdade, a dessocíalízação, gerando um novo mundo de fragmentação, desamor dissolução": Nesse novo mundo globalizado, Touraine deixa subentendido que 0 >raz uttluansmo culminou por reduzir as pessoas a pedaços. Nesse mundo globalizado, despontou fascinante a internet em 1989, quando aperfetçoado o ststema computadorízado World Wíde Web (www), que propicia ;eus usuanos, em todo o mundo, a telecomunicação textual, sonora e de projeção : tmagens. Presentemente, a ínternet segue pari passu o predominante fenômeno t informática. .

I

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CRIMINOLOGIA INTEGRADA

Destarte, o uso malpropositado da internet sempre permitirá a perpetração de diversificantes figuras típicas penais, entre elas a injúria, a difamação, a calúnia, a ameaça, a subtração através da obtenção de senhas bancárias, a extorsão, o estelionato, a usurpação de direito autoral etc. No Brasil não existe legislação especial para os denominados "crimes cibernéticas". O assunto, afinal, vem amplamente posicionado neste livro, quando se aborda o tema da delinquência virtual.

GEOPOLÍTICA DO CRIME

19 GEOPOLÍTICA DO CRIME Na sua mística de grande poeta, alertava Paul Valery que "a sociedade tem a mesma fragilidade que uma vida". Quando Jacques Maritain publicou Man and the state, na edição original norte-americana, falando em racionalizar a moral, o que buscava no tempo era o reconhecimento dos fins essencialmente humanos da vida política e de suas fontes mais verticais: a lei, a justiça e a amizade recíproca. Nunca, porém, os estadistas e mandatários políticos estiveram tão afastados das realidades humanas e sociais, ignorando que a segurança de uma nação, interna ou externamente, em nada se conflita com as liberdades públicas e com os legítimos regimes democráticos de autêntica representação popular. No mundo da política internacional, outrossim, existem duas verdades: a do lado de lá e a do lado de cá. A vulnerabilidade dos conceitos teóricos das ideologias extremadas (o comunismo e o capitalismo, por exemplo), elaborados por alquimistas do pensamento socioeconômico e político-filosófico, que sempre se mostraram propícios aos arroubos e à irrealidade, não conseguiu ajustar-se às transformações que se processam neste século. Indiferentes ao desenvolvimento e às incessantes reivindicações sociais, tais ideologias deixaram de corresponder às aspirações das gerações que se sucedem, cada vez mais céticas e descrentes das perspectivas da sociedade a tua!. A ebulição dos povos, e notadamente da juventude mundial, retrata, nos mundos separados pelo totalitarismo ideológico, um estado de insatisfação e desencanto que, pelo desatino e pela violência, intenta forçar as mutações irreversíveis que a sociedade humana está a clamar e a exigir de justiça social. Esta oposição vem-se reconhecendo pela análise das manifestações de descontentamento em vários países, malgrado tentativas continuem sendo feitas para permeá-las. Trata-se, na verdade, não apenas de rebelião social e política, mas também de reclamo de ordem moral, intelectual, racial e religioso. Estão aí, como exemplos, os episódios violentos que ocorrem na Índia, na China, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, nos Estados Unidos, na Colômbia, no Líbano, na África do Sul, na Irlanda do Norte, na Coreia do Sul etc. Com efeito, os acontecimentos destas últimas décadas não fizeram senão acentuar o divórcio entre aquelas ideologias e os valores culturais de nosso tempo, enredando-se numa série alarmante de contradições internas os países das áreas comunistas e capitalistas e até aqueles integrantes do epitetado "Terceiro Mundo". Não é preciso maior acuidade para se perceber o abismo que se entreabre, dia a

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dia, entre os esquemas ideológicos, abstratos e radicais e as atitudes concretas dos povos, exigindo a reformulação de formas ainda recentemente decantadas como a redenção futura. Aliás, a total negação de sistemas ideológicos extremados vem cristalinamente atestada na expressão anarquista e irreverente do líder estudantil alemão Daniel Cohn Bendit, que apregoava que "a humanidade só será feliz quando o último capitalista for enforcado nas tripas do último burocrata comunista". Rui Barbosa escreveu palavras memoráveis, máximas que se oporão sempre aos impactos das transformações inautênticas: "Quando a desordem se apodera de uma Nação, não há praias que circunscrevam o dilúvio. Cada atentado que se tolera e a desordem são novos alimentos que se lhe ministram. A fera não se desfaz de devorar, devorando; nas presas menores se lhe aguça o apetite das maiores". É ainda o insuperável Rui que adverte. "A lei é a divisória entre a moral pública e a barbárie. O regime que dela se alonga rompe com os seus interesses fundamentais, absorvendo o germe deletério que a decomporá". Por isso, um dos corolários dessas ideologias, quiçá o mais exercitado, é a prática ou pregação camufladas de crimes nos países de oposição ao sistema ou, então, a insuflação de agitacionismo nos países subdesenvolvidos, desde que neles campeie o descontentamento popular. É o que alguns autores e o jurista pátrio Juary C. Silva chamam de "geopolítica do crime". Em suma, o que os ideólogos radicais almejam é disseminar, nos países que lhes são antagónicos ou naqueles que querem apregoar, a criação de um estado de solapamento e intranquilidade social e econômica incentivado r do caos e da anarquia. Temerosos da verdade, querem a falência das democracias liberais e verdadeiras onde, ante e acima de tudo, prevalecem a justiça social e o respeito à dignidade da pessoa humana. Para tanto, recorrem a crimes que vão das demonstrações de rua com atos depredatórios às violentas greves de paralisação de serviços essenciais; da virulência subversiva aos atentados terroristas; do contrabando ao tráfico de drogas. De ressalvar, finalmente, que o "crime geopolítico" somente poderá ser erradicado através da rigorosa aplicação dos princípios da Justiça Penal Internacional e, quando for o caso, da efetiva adoção do instituto da extradição para tais delinquentes.

POLÍTICA CRIMINAL. MODIFICADORES DA CAPACIDADE DE IMPUTAÇÃO

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Para Soler a Política Criminal não tem mais esse sentido e deve subsistir, não já como expressão de tendência de escola, e sim como critério orientador da legislação penal.

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POLÍTICA CRIMINAL. MODIFICADORES DA CAPACIDADE DE IMPUTAÇÃO SuMÁRIO: 20.1 Política Criminal- 20.2 Modificadores

da capacidade de imputa-

ção.

~0.1

Política Criminal

A Política Criminal, sob o ponto de vista prático, compreende dois momentos: >primeiro é a montagem de estratégias de prevenção à criminalidade; o segundo, tuando a prevenção não alcançou os seus objetivos, é o da repressão racionalmente >rogramada de forma a obter os resultados por ela colimados, que é, através dos nétodos aplicados, evitar a reincidência delituosa. Segundo J. Anton Oneca, a Política Criminal é "a crítica das instituições vi genes e preparo de sua reforma, consoante os ideais jurídicos que se vão formando à nedida que o ambiente histórico-cultural sofre modificações". Jimenez de Asúa afirma que a Política Criminal não é ciência autônoma, e im método de trabalho e arte. Ela é uma parte do Direito Penal, como corolário da logmática-crítica. Cuello Calón também lhe nega o caráter de ciência autónoma e a conceitua ·orno "critério diretivo da reforma penal, que deve basear-se no estudo científico do lelinquente e da criminalidade, da pena e demais medidas de defesa social contra 1 crime". Basileu Garcia diz que "a Política Criminal examina o Direito em vigor, apreiando a sua idoneidade na proteção social contra os criminosos e, em resultado lessa crítica, sugere as reformas necessárias ... O seu meio específico de ação é, na ·erdade, a legislação penal". Liszt, que escreveu Princípios de política criminal e é considerado o criador da 'olítica Criminal, hoje está praticamente rejeitado em sua colocação. Para 0 grande >enahsta a política criminal seria o conjunto sistemático-de princípios segundo os [UaJs deve o Estado conduzir a luta contra o crime, por meio da pena e instituições fins, cuidando dos efeitos punitivos e das demais medidas congêneres. Com esse ignificado, amplo, ela foi antes uma corrente doutrinária que em sua época teve norme influência.

A Política Criminal efetivamente não pertence à Criminologia, sendo ramo do Direito Penal; contudo, é estudada em quase todos os compêndios de ciência criminológica, em face das íntimas relações que mantém com essa ciência, da qual empresta os subsídios da investigação e das experiências, através, sobretudo, de dois dos principais ramos da Criminologia, ou seja, da Estatística Criminal e da Antropologia Criminal, para, de posse desses dados, ofertar ao Estado uma estratégia de prevenção e repressão à criminalidade. A Política Criminal foi fundada em 1889, e a preocupação do grupo que a fundou foi a de pugnar por certas providências de ordem prática, em benefício da prevenção e repressão ao crime. À Política Criminal deve-se a adoção na legislação positiva da medida de se-

gurança, do conceito de periculosidade ou a tese do estado perigoso e do próprio tratamento tutelar dos menores delinquentes, do livramento condicional e dos sursis etc. Para Edmundo Mezger "uma boa política social é a melhor política criminal", pois, ressalta ele, a importãncia fundamental da investigação e do conhecimento dos fatores do meio social determinantes da ação punível, que servirão de subsídio para as medidas jurídico-penais na luta contra o crime. Vitorino Prata diz que "a melhor política criminal não é privilegiar a repressão criminal como tentativa de solução do problema de aumento dos índices de criminalidade e da mantença da violência na sociedade a tua!. Se a simples repressão fosse a melhor terapia a ser aplicada ao fenômeno delinquencial, não haveria, exemplifica ele, criminalidade e violência na baixada fluminense, onde a pena de morte contra os ·bandidos é diariamente exercida (não se sabe bem por quem!), mas onde também, diariamente, .surgem novos salteadores para substituir os que morreram". Aliás, fenômeno idêntico ao da baixada vem se repetindo em São Paulo, no Município periférico de Diadema! Continua Prata: "O ódio atrai o ódio, a violência atrai a violência, onde há mais repressão ilegal há mais represália marginal". A repressão legal, feita com critério, rigor, seriedade e antes de tudo com justiça, é uma necessidade impostergável, mas a ela deve antecipar-se, sem sombra de dúvida, uma prevenção efetiva, constante, diuturna, porque é sempre melhor prevenir do que remediar, como assevera a sabedoria popular. O governo deve se conscientizar de que o crime é mais caro na repressão que na

prevenção,já que na sua repressão os gastos envolvem a Polícia, o Poder judiciário, o sistema penitenciário ou prisional (o preso tem um preço muito alto de manutenção e não dá nenhum retorno econômico para o país). Além de, como todos sabem, em virtude da falência dos métodos e da política penitenciária, a prisão não recuperar

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ninguém. já a prevenção é bem mais barata, por usar só a Polícia; além disso, é prinCipalmente ela, e não a repressão, que pode trazer à população a paz e segurança de que todos necessitam, evitando gastos também no setor privado, feitos com todas as espécies de aparatos possíveis para manter certa segurança, que vai desde um alarme instalado no carro até a construção de verdadeiras jaulas, ainda intituladas de residências, sem falar nos sofisticados dispositivos de alarmas residenciais.

Dois, portanto, são os campos a serem considerados: o primeiro é o da aferição do estado mental, para que se verifique o desenvolvimento e a sanidade mentais; o segundo verificar se a pessoa, ainda que nas condições anteriores, agiu com vontade.

Vê-se, pois, que no quadrinômio crime-custo-prevenção e repressão é muito mais_interessante, soboponto de vista económico não só para o Estado, que tem por funçao pn~CipalpropiCiar o bem comum, como também para o cidadão depositário dessa funçao social do Estado, a prevenção à criminalidade, pois, a par de diminuir os custos para todos, aumenta o benefício geral, principalmente no que refere ao desfrute de uma situação de bem-estar que decorreria se a ocorrência de crimes fosse evitada até a sua situação-limite suportável.

As duas áreas sofrem mensurações diferentes: o terreno da imputabilidade é medido através de indagações médico-criminológicas; o plano da responsabilidade é de perquirição do juiz. A capacidade de imputação é de competência exclusivamente médica, ao passo que a responsabilidade é do âmbito exclusivo do Direito.

20.2 Modificadores da capacidade de imputação Capacidade de imputação é a qualidade que o ser humano normal apresenta de poder responder ou arcar com as consequências legais, em virtude do cometimento de um ato reprovável criminalmente. A capacidade de imputação implica que J:,enha o ser humano discermmento, ou seja, aquele atributo que o faz idoneamente capaz de ent~e duas atitudes ou duas alternativas escolher uma, para tanto usando da sua mtehgencia. Para que tal se verifique, deve ele ter, fundamentalmente, desenvolvimento mental completo e sanidade psíquica. Com essas condições preexistentes ele tera capacidade de responder pelos a tos praticados. . A maioria das pessoas, que se supõe sejam mentalmente bem-desenvolvidas e psiqUicamente sãs, possui plena capacidade de imputação. Esclareça-se, porém, que mesmo aqueles que possuem capacidade de imputação, abstratamente considerada, podem eventualmente, em virtude da intercorrência de um fato, ter, concretamente, preJUdicada essa capacidade, de molde a que dê ensejo a que se perquira a respeito das rems condições com que cometem o ato apontado como criminoso. . Vê-se, destarte, que a capacidade de imputação é apenas uma qualidade, ou um atnbuto, IniCialmente aferível in abstrato. A atribuição em si dessa capacidade imputável já é a aplicação determinada a um caso rn concreto, em face de elementos de tempo ou espaço. Como diz Hilário Veiga de Carvalho: "O atributo que se supõe existir, ao se falar em capaCidade de Imputação, passa a ser considerado, determinada e concretamente em cotejo com ascircunstâncias de um dado caso. O que era abstrato- a capacidad~ -passa a ser anahsado em consideração concreta na imputação". A capacidade de imputação implica a existência de discernimento sendo que este exige a coexistência temporal de desenvolvimento mental compl~to e de samdade mental. So dessa forma podem os atas ser qualificados como imputáveis, ou sep, desde que tenham sido cometidos com inteligência e com vontade (com intelecção e com volição).

O primeiro campo refere-se à capacidade de imputação ou de imputabilidade; o segundo é o que alude à responsabilidade.

De esclarecer, ademais, que a capacidade de imputação não significa, automaticamente, que exista responsabilidade e vi ce-versa; eis que pode haver capacidade sem responsabilidade (crime cometido mediante coação irresistível) e pode haver responsabilidade sem capacidade de imputação (crime cometido em estado de embriaguez pré-ordenada). Isso não significa que quem tenha capacidade de imputação só por isso é responsável, como também poderá haver a responsabilidade sem haver a capacidade de imputação, conforme os exemplos citados. Flamínio Fávero fala da capacidade de imputação em face da responsabilidade aduzindo algumas hipóteses: l. Responsabilidade: na ocasião da prática do ato, o indivíduo tinha desenvolvimento mental completo e sanidade mental e as circunstâncias de apreciação judicante concluíram que ele agiu com inteligência e com vontade. 2. Irresponsabilidade: na ocasião da prática do ato, o indivíduo: (a) tinha capacidade de imputação, mas foi-lhe atribuído fato por ele não cometido, na hipótese da imputação falsa, isto é, em que se atribui a alguém fato ou atitude, que ele poderia e teria capacidade de responder por sua prática, mas que efetivamente não praticou; (b) não tinha essa capacidade de imputação, base e fundamento para seguir avante nessa trilha, com a ressalva já apontada. Entre a plena capacidade e a total inexistência desse atributo há, evidentemente, uma extensa gama de matizes intercalados, consubstanciados em situações ou estados fronteiriços, ou seja, dos semi-imputáveis, que podem ter suas penas diminuídas. No caso de inimputabilidade, diz a lei penal brasileira: "É isento de pena o agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento" (art. 26 do CP). A lei estabelece, então, a imputabilidade no caso de o indivíduo apresentar um quadro de patologia mental que o torna completamente incapaz de entender o caráter criminoso do ato por ele praticado; ou então, que mesmo possuindo o entendimento, não teve condições de gerir-se por ele (neste segundo caso, quando, por exemplo, o indivíduo pratica o ato sob coação irresistível) (art. 22 do CP). Os tratadistas do assunto costumam relacionar uma série de modificadores da capacidade de imputação, muitos dos quais as leis penais não consagram nem podem levar em consideração, sob pena de se fragilizar de tal forma a repressão, que nestes

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tempos de incomum violência tornaria extremamente mais difícil 0 convívio social. De certa forma, a lei penal brasileira trata desse assunto nos artigos que cuidam das excludentes de cnmes, nas exunentes de pena, nas circunstâncias de agravamento de penas e nas circunstâncias atenuantes.

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A título de registro elucidativo sobre o assunto, transcrevem-se os modificadores da capactdade de Imputação, para tanto utilizando o quadro referencial constante dos livros de Criminologia de Hilário Veiga de Carvalho e de Medicina Legal do msigne Gyula Markus, conforme se segue. Modificadores da capacidade de imputação de Hilário de Carvalho:

IDEOLOGIA CRIMINAL SUMÁRio: 21.1 Valoração social- 21.2 Estimulo-resposta- 21.3 Estimulo ideológico- 21.4 Meios de comunicação de massa- 21.5 Televisão.

I - Biológicos:

1. Normais: (a) raça; (b) idade; (c) sexo. :·Acidentais: (a) temperamento; (b) sono normal; (c) sono patológico; (d) emoçao mtensa; (e) agonia; (f) surdo-mudez; (g) cegueira; (h) alcoolismo· (i) toXIcomania.

'

3. Patológicos: (a) constituições psicopáticas; (b) psicopatas. II - Mesológicos:

l. meteorologia; 2. civilização; 3. associação. Modificadores de Gyula Markus:

Biológicos: emoção; paixão; agonia; idade; perturbação do sono. Mesológicos: civilização (silvícolas); multidões. Psiquiátricos: . l. Alienação mental: (a) psicoses endógenas (esquizofrenia; paranoia; parafrenia; pSicose mamaco-depresstva); (b) psicoses cérebro-orgãnicas e demências. 2. Oligofrenias: retardo ou deficit do desenvolvimento intelectual. . 3. Perturbações da saúde mental: (a) modificações transitórias (quadros agudos)· eplleps1as; alcoolismo; farmacodependências; estados confusionais; (b) modificaçõe~ duradouras (neuroses; personalidades psicopáticas). . A análise de cada um dos itens dos quadros transcritos parece despicienda na- 0 so pelos mot ·· ' tvos P expostos como também porque nos vários capítulos deste livro d e uma maneua mats demorada, ou de passagem, já se falou sobre eles. '

2 L l Valoração social A ideação ou ideologia do crime implica, antes de tudo, sua valoração social. Por isso que nas sociedades antigas, cunhadas em regras uniformes e rígidas, o crime representava uma inadmissível agressão a todo agregado social. Hodiernamente, com as sociedades pluralistas, heterogêneas e deturpadas, o delito nem sempre é encarado com tal nuança de nocividade. Com efeito, embora o crime solape a própria estrutura social, à medida que a sociedade avança e faz fermentar o egocentrismo e as propensões individuais, a ofensa delinquencial passa a arrostar isolada ou alternativamente este ou aquele segmento coletivo, disto sobrevindo o desvirtuamento e a diferenciação do conceito de crime como agressão à comunidade em seu todo. O repúdio ao crime passa a ser específico e não genérico. O que é execrado por alguns não importa para outros. É o caso de certos bandidos rurais, que são tolerados e até enaltecidos. óbvio que isto também poderá ocorrer em relação a criminosos urbanos. Depreende-se daí que um dos inegáveis animantes criminógenos é a própria ideologia do crime, ou seja, a indiferença, a passividade e mesmo a tácita aceitação com que a sociedade atual o encara após um convívio obrigatório e reiterado, inobstante o posicionamento coibitório estatal.

21.2 Estímulo-resposta É sabido que os instrumentos ensejadores do ato agressivo são mais frágeis no homem do que no animal. Este é tão somente capaz de reagir especificamente a estímulos típicos, consoante um código puramente genético. Um odor, um movimento extravagante, certa aparência estranha provocam no animal reações motrizes de proteção. Porém, suas reações de defesa ou predação, proporcionadas por situações determinantes, nem sempre acarretam o ataque a outro animal. No homem, contudo, seu cabedal de formação intelectiva sempre poderá ser modificado pela absorção cultural de um sistema informativo novo que lança mão da linguagem escrita, falada e ilustrada, reorganizando todo seu sistema de estímulos e respostas. A par disso, os fins defensivos, competitivos e construtivos da ação humana podem ser trans-

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formados em agressividade e esta pode ser desviada para o crime. Paralelamente, os mecanismos eventualmente inibidores do ato agressivo e criminoso podem ser pouco a pouco mascarados, descaracterizados e aniquilados.

H.3 Estímulo ideológico Nas grandes cidades, principalmente, o estímulo ideológico do crime é lasti11avelmente significativo. Sua viga mestra, seu aríete são representados por certos neios de comunicação de massa que, tendenciosos e engolfados numa concorrên:ia consumista, paulatinamente vão alinhavando uma ideação criminal (seja com nanchetes bombásticas sobre crimes, seja com entrevistas apologéticas com crimitosos), fazendo com que muitos culminem por aceitar e até encorajar ou imitar o omportamento delituoso, ignorando ou desprezando o juízo de reprovabilidade que ·le devia merecer. De sorte que os meios de comunicação de massa, notadamente os ornais e a televisão, além de divulgarem com mórbido alardeio a imagem dos crimes dos criminosos, não raro de maneira complacente e amistosa, também propagam m suas minudências os meios e as técnicas de consecução dos delitos! Assim, enquanto muitas vezes relegam as vítimas de fato típico a plano aquém o secundário, tais meios de comunicação de massa, tergiversando o verdadeiro ignificado do postulado da "liberdade de expressão", soem elevar as figuras dos riminosos, conferindo-lhes verdadeiro status social! 1.4 Meios de comunicação de massa É incontestável que os meios de comunicação de massa, preferencialmente os )fnais e a televisão, projetando exaustiva e abusivamente notícias, imagens e filmes ~lativos à violência e aos crimes, quando não ensinam ou aprimoram delinquentes, tduzem muitas pessoas a desvios de conduta cujo clímax é a prática delituosa, isto ara a satisfação imediata de seus instintos ou interesses ou mesmo por simples ~seio imitativo. Tanto assim é que especialistas da Scotland Yard acreditam que, a década de 1970, os grandes roubos cometidos na Inglaterra tiveram como suedâneo filmes como The day they robbed bank of Eng!and, por exemplo. Ainda na rópria Inglaterra, em 1888, os cinco bárbaros homicídios perpetrados no bairro 'ndrino de Whitechapel, por Jack, o Estripador, ganharam tamanha notoriedade 1e, longe de se desfazerem nas brumas do esquecimento, até hoje suscitaram um i mero impressionante de artigos, livros e filmes! Entre outros, igualmente foram 'rpetuados em livros e filmes marginais sanguinários como ]esse James, Henri esiré Landru e Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião"! As atividades, mazelas, imes e atrocidades das Máfias italiana e americana serviram e continuam servindo :tema para variegadíssimos livros e filmes, propiciando até o estrela to e a fama ao or norte-americano Marlon Brando na interpretação de Don Vito Corleone, o "capo tutti capi" do Sindicato do Crime, no filme The Godfather (no Brasil, O poderoso efão), que durante meses seguidos foi recorde de bilheteria nas maiores capitais do

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mundo. Há poucos anos, em São Paulo, foi lançado o livro O grande ladrão: a história de Gino Meneghetti, uma biografia romanceada do ladrão-homicida Gino Amleto Meneghetti, que, em 1920 e anos subsequentes, furtava em mansões e palacetes dos bairros nobres da Capital de São Paulo, sendo encomiado pelos periódicos da época com o epíteto de "Robin Hood de São Paulo"! Na verdade, a notícia sensacionalista sobre um crime não raro deflagra o cometimento de outros da mesma natureza. Assim é que, nas urbes maiores, certos delitos, sempre contemplados com amplo espaço no noticiário em geral, irrompem de maneira reiterada ou cíclica. É o que sucede com a extorsão mediante seques~ro quando vem à baila que milhões foram pagos pela libertação do sequestrado. E o que ocorre com roubos bem-sucedidos contra bancos, supermercados e empresas de acentuado lastro financeiro. É o que acontece com os infracionais de cunho sexual, para cujo desencadeamento muito contribuem as ilustrações e cenas eróticas ou pornográficas mostradas na televisão, no cinema, no teatro, nos jornais e nas revistas. Também é o que se verifica quando de fugas rocambolescas de unidades prisionais e até quando do suicídio ou morte acidental, pela ação de "overdose" de cocaína ou outro tóxico, de artistas famosos. É conhecido que o homem da cidade grande vê, ouve e lê, repetidamente, as notícias veiculadas pela imprensa falada, escrita e televisada. Evidente que sua atenção se fixa mais nos fatos noticiados com ênfase e estardalhaço, como os episódios criminais, que, exaustivamente explorados, podem gerar um estado de psicose belicista que, evoluindo no infraconsciente humano, eclode num forte sentimento de frustração, recalque, emulação e violência. Oportuno citar a profética advertência do pranteado crítico e jornalista Sérgio Porto, que, na pele de seu alter ego "Stanislaw Ponte Preta", dizia que "a televisão, autêntica máquina de fazer doido, costuma invadir pervertidamente os lares com seus programas e propagandas anticulturais, traduzidas em apelos frenéticos ao consumo, à violência física e à ofensa sexual".

Não é verdade, como querem alguns, que a televisão não seja uma reprodução, um mero reflexo do ambiente circundante. Não é exalo, como defende Cyril Burt em seu livro The young de!inquent, que os meios de comunicação de massa, e a televisão e o cinema, não fazem mais que soprar e nutrir uma centelha latente. Absolutamente não é assim. A televisão, veículo de comunicação de consumo massivo, em vez de promover fundamentalmente a educação, a cultura e o lazer, costuma fomentar abanalização da fraternidade universal, do amor e do sexo, insistindo morbidamente, sem qualquer escrúpulo, em apologizar degenerescências que conduzem à deseducação e à perversão, eis que bate e repisa, direta ou indiretamente, que toda preocupação com a moral e os bons costumes é discriminação, é cerceamento de liberdade, é "caretismo"! É como não ser de "esquerda": é proibido, é desonroso! Como contestar, portanto, que o telejornalismo escandaloso representa fator pedagógico indutor da violência e até do crime? Por outro lado, não são as novelas verdadeiros festivais de sandices, de indignidades, de vícios e de licenciosidades, situando-se a um passo do antissocial ou já dentro de suas fronteiras?

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21.5 Televisão Os diferentes meios de comunicação de massa, e de preferência a televisão, exercem incontestável influência principalmente sobre os adolescentes. Com muita propriedade, lembram os criminologistas estadunidenses Cressey e Trasher que, hoje, não se pode ignorar o fato de que os infanta-juvenis levam em si determinada predisposição para imitarem as técnicas agressivas e mesmo delitivas que aprendem nos filmes de TV e no próprio cinema, pois que, em irrefletido devaneio, visualizam como "heroicas" as ações violentas dos vilões e dos gângsteres. E o problema não é estritamente individual ou familiar! O problema é basilarmente institucional. De sorte que, diante dessa incessante e acrítica" emissão" audiovisual de exein-

plos antissociais irradiada pela televisão, o indivíduo poderá conceber o crime sob um prisma em que não haja juízo de reprovação. O delito passa a ser visto, então, :orno um fenômeno comum, praticamente normal! Desse modo, toda alusão pública e arrebatada a um delito impune ou até punido, rendimento pecuniário de um crime, a fatos peculiares da vida de um criminoso tem razoável probabilidade de persuadir alguém à prática delituosa. Concernentemente ao proveito do crime, é inescondível que, nos dias atuais, o poder financeiro :onfigura uma meta, preferencial na escala de prioridades, que muitos pretendem I tingir de qualquer modo, ainda que a custo da eliminação de valores éticos, morais, 1umanos e sociais! >O

O saudoso e brilhante jornalista patrício Carlos Lacerda já advertia, em 1950, 1ue a televisão frequentemente se punha a serviço de cáftens da imaginação popuar, exclusivamente empenhados em enriquecer e ganhar o poder corrompendo a nentalidade do povo. Países liberais como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e a Itália adotam 1m código de ética bastante rígido para os programas de tevê, o que, longe de implicar :ensura, implica exercitar a liberdade com responsabilidade. Nos Estados Unidos o Senado aprovou lei que proíbe a exibição de sexo pela .elevisão antes da meia-noite e depois das seis da manhã. A legislação francesa pune :om suspensão, cassação e multa pesada as emissoras de TV que levem ao ar pro\ramas capazes de atentar contra a sensibilidade do público familiar em horários 1cessíveis às crianças e adolescentes. Em 1990 criou-se a nova regulamentação das :missaras de televisão, nascendo a figura do "garante", um censor disfarçado que 1ssegura a aplicação da Lei Oscar Mammi, que autoriza a autocensura dos programas !e TV de um modo geral. Tal regulamentação persiste até hoje.

22 POLÍCIA E IMPRENSA NA PROFILAXIA DO CRIME SuMÁRio: 22.1 Digressões gerais- 22.2 Polícia e a profilaxia criminal- 22.3 Im-

prensa e a profilaxia criminaL

22.1 Digressões gerais Uma das maneiras mais lúcidas, mais científicas e racionais de evitar a criminalidade consiste em combater suas causas, tanto sociais como individuais.

A perspicuidade indica, por evidente, ser a Polícia o instrumento principal da prevenção criminal. Prevenir o delito é o objetivo maior da desincumbência policial, do mesmo modo que extirpar a miséria é o grande intento da ciência social. A prevenção, portanto, é tarefa inerente à missão policial. À Imprensa poder-se-ia conferir algum papel nesse trabalho? Rigorosamente não, mas nada impede que ela possa colaborar com a Polícia nesse árduo e difícil desempenho de obstaculizar a trajetória do crime, para ceifar no nascedouro sua possibilidade de êxito. Em seu livro A polícia em prismas, Ubirajara Rocha observa que "a Polícia deve empenhar-se diuturnamente, sem tréguas e sem desfalecimentos, na eliminação dos focos criminógenos que se disseminam pelas diferentes plagas sociais. Isto evoca a célebre 'lei de saturação criminal', de autoria de Ferri, o qual não se cansava de proclamar e acentuar a importância de certos fatores na gênese do delito. Pela 'lei da saturação criminal' Ferri procurou demonstrar que a criminalidade não diminui com a repressão, em virtude de persistirem intactos os reais fatores da mesma: o indivíduo versus o meio". Na realidade, o conglomerado humano não pode prescindir do trabalho da Polícia e da Imprensa. Sem a Polícia a paz e a segurança sociais estariam irremediavelmente abolidas do convívio coletivo. Sem a Imprensa nem se poderia cogitar da liberdade em seus mais variegados matizes. É certo que a comunidade não subsistiria sem que o aparelhamento policial fiscalizasse a conduta de seus componentes, no desiderato de não permitir que a força arbitrária se sobreponha ao Direito. É certo e estreme de dúvida, outrossim, que a sociedade moderna não pode abstrair-se dos meios de comunicação, pois eles são fatores indispensáveis ao fluente atendimento das necessidades essenciais à vida

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singular ou plural no grupamento social. já disse Leibnitz que "a natureza não dá saltos" e, na medida em que se processmn as transforn1ações sociais, mais se patenteia

o significado da Imprensa na comunidade, podendo, inclusive, vir a ocorrer o que Pierre Schaeffer chama de "uma imensa inflação de mensagens", gerando situações que deveriam ser codificadas a fim de fixar direitos e deveres, e mesmo um sistema de sanções para conter ou coibir o uso abusivo ou indevido dos meios de comunicação de massa, Assim também pensa Ramão Gomes Portão, saudoso criminólogo pátrio autor da obra A vítima nos meios de comunicação de massa, 22,2 Polícia e a profilaxia criminal A par de sua contribuição repressiva, que se manifesta após o cometimento do delito, a Polícia igualmente tem por atividade a atuação preventiva ou profilática, na intenção de impossibilitar que o crime ocorra, Prevenir e prever, do latim praevenire e praevidere, significam tomar a dianteira, dispor com antecipação, chegar antes, impedir que se realize, vir antes e ver antecipadamente, calcular, cojeturar, supor, Como instrumento fundamental da prevenção criminal, a Polícia precisa atuar de molde a ver e prever, para, desse modo, chegar antes que o crime suceda, Para tanto, deve 1nunir-se dos recursos materiais, humanos e estratégicos que propiciem lograr sua finalidade e razão maior de sua própria existência, que é a prevenção do crime, Nesse sentido, não se concebe uma Polícia que não seja absolutamente ágil e desburocratizada, Contudo, nos países subdesenvolvidos principalmente, a Polícia ainda está miseravelmente armada de noções científicas, Nesses países, a Polícia não é devidamente valorizada pelos subsídios iluminadores da ciência moderna, sobretudo da Física e da Química, que são ciências intensamente positivas e experimentais. Em

tais países, a rigor, a Polícia está organizada primordialmente em função da repressão criminal. De fato, embora tendo sua origem na Moral e no Direito, a Polícia é fruto da cultura da sociedade de que faz parte, Seja como for, a profilaxia é o ideal da ciência criminológica moderna, É importantíssimo, é transcendental o papel confiado à Polícia no tocante à prevenção do crime, Não há qualquer exagero em asseverar que o sentimento de solidariedade humana é imanente, é inato, nasce com o próprio indivíduo, Por isso, toda pessoa pode ser benfeitoramente resguardada na missão profilático-criminal de que a Polícia é incumbida,

A própria investigação policial pode se revestir de um aspecto preventivo, como ensinava Coriolano Nogueira Cobra, que ainda acrescentava: "Entre as diversas atividades próprias da Polícia Preventiva, vemos as de tomada de conhecimento e solução das pequenas queixas e a aplicação da Lei das Contravenções Penais", Com efeito, a solução de pequenas queixas tem por finalidade evitar que acontecimentos de menor importância, crescendo por falta de providências, virem

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motivo de crimes. Para ben1 solucionar pequenas queixas, não poucas vezes a Polícia recorre à investigação policiaL

Entre nós, a Lei das Contravenções Penais é eminentemente preventiva, pois sua aplicação visa impedir que, por ação ou omissão, surjam ou cresçam as causas'âe crimes, A investigação policial dá sua contribuição, nesse terreno, porque algumas das contravenções só podem ser demonstradas através do empenho investiga tório,

Há muito, todavia, que a Polícia relegou a segundo plano a investigação com vistas à prevenção delituógena, Além disso, as prescrições contidas na Lei das Contravenções Penais têm sido esquecidas, desprezando-se, assim, sua importante contribuição na prevenção à criminalidade. 223 Imprensa e a profilaxia criminal

J Edward Gerald, da Universidade de Minnesota, afirma que os veículos populares de comunicação são instituições sociais que se destinam, precipuamente, a servir à sociedade, reunindo, escrevendo e distribuindo notícias, Ora, essa sociedade é o somatório de indivíduos singulares, que têm a sua conduta e comportamento enfocados, analisados e cüticados pelos elementos massivos de transmissão de informações, o que, sob determinado aspecto, não apresenta nada de novo, pois a conduta humana tem sido objeto de observações e análises desde a mais longínqua antiguidade, A explicação para este ou aquele comportamento humano sempre foi procurada no exame do próprio homem, O enigma acerca de certas condutas do ser humano, mesmo que consideradas sob a égide de determinantes endógenos ou exógenos, ainda não foi completamente desvendado, apesar da passagem do tempo, da evolução científica e do progresso da humanidade, circunstância essa que talvez tenha escapado à Teoria do Possibilitismo de Paul Vida! de la Blauche, Dizia o célebre grego Alecméon, de Cretona, que "o homem é um elo entre o animal e Deus, havendo em cada homem um pouco de animal e um pouco de Deus". Por sua vez, em sua teoria materialista sobre a origem do homem, enfatiza Ralph Lin que "o homem não é um anjo decaído, e sim um animal evoluído", A verdade, em suma, é que o homem continua sendo um desconhecido, como o era na Grécia dos filósofos e na Roma dos Césares, E é sobre esse desconhecido, sobre o homem, que se faz sentir a ação policial a que se refere a maioria do noticiário da Imprensa, Em sua obra Direito de comunicações, Orlando Soares define a comunicação como "a exteriorização do pensamento, através de diferentes meios, ou seja, verbal ou por intermédio de veículos, tais como escritos em geral, jornais, periódicos, livros, radiodifusão, cinematografia, através de satélites etc", Diz ainda o professor

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Orlando Soares que, em razão de seu caráter universalista, o Direito de Comunicação se desdobra no Direito da Imprensa, no Direito Editorial, no Direito de Publicidade etc. Alerta, o mesmo autor, que "a liberdade de expressão e de imprensa não deve colidir, entretanto, com os legítimos direitos do cidadão, no que se embasam as garantias individuais asseguradas pela nossa Carta Magna". Isso significa, entre outras coisas, como proclama Jacques Bourquim, citado por Ramão Gomes Portão, que "a vida privada do indivíduo é inviolável à bisbilhotice da imprensa", ou, ainda, que "o texto deixa de ser lícito quando o critério desborda para o insulto".

maneira de noticiar os sequestros, quase erigindo os sequestradores à condição de heróis! Não fossem os noticiários de a tos praticados por maníacos, estimulando a multiplicação ele seus autores, como aconteceu outrora em Paris com os crimes em que o instrumento agressor era o vitríolo lançado ao rosto das vítimas! Não fosse a divulgação de delitos de saques, de cujo conhecimento a ninguém aproveita, mas que estimulam a sua repetição, principalmente em coletividades que sofrem a desgraça da pobreza e da miséria! Não fossem as chamadas, em emissoras de TV de São Paulo, em que mulheres nuas ou seminuas se oferecem, dando números telefónicos para conta to! Não fossem as publicações de anúncios escamoteados sob títulos capiciosos, como Diversos e Serviços, onde se comete impunemente o crime de favorecimento à prostituição, dado o caráter apologístico de seu conteúdo, enaltecendo coreografias, estratégias, grandezas e perversões de seus ginásticas personagens, como, por exemplo: "rapaz bem dotado se oferece a mulheres casadas", "loira insaciável e sadomasoquista só para executivos", "virgens só para brincadeiras", e toda espécie de imoralidades sexuais ofertadas a preço estipulado ou a combinar, tudo veiculado por vários e conceituados jornais paulistanos I

Ensina Jean Ribero em seu livro Les libertés publiques: "As liberdades de pensamento, de expressão, de imprensa preveem, em toda linha, o respeito ao direito dos indivíduos e também da coletividade, com todo um suporte de proteção legal, através das leis penal e de informação, para que não ocorram eventuais casos de danos através dos meios de comunicação". Implicando dizer, com isto, que a Imprensa deve ser balizada contra os abusos no seu exercício, no sagrado respeito à sua função social, que deve ser o verdadeiro apanágio da informação. Outra não é a apreciação de Antonio Costela, quando, no trabalho Direito de comunicação, posiciona que "os meios de comunicação constituem um fenômeno na vida social do homem e, como tal, estão subordinados ao Direito". Alinhavados, a ponto largo, alguns labores da Imprensa, torna-se imperioso, por oportuno e justo, conhecer-lhe as nobilitantes funções sociais, em especial no que diz respeito ao tributo que presta à divulgação de informações e à colaboração na formação da opinião pública. É irrefutável, ademais, a valiosa participação da Imprensa, através de seus diversos setores, na difusão de assuntos relativos à cultura em geral, o que consubstancia uma inestimável contribuição ao aprimoramento intelectual dos povos. Em decorrência dessas considerações, é lícito indagar se essa mesma Impren-

sa desenvolve algum trabalho de colaboração na prevenção da criminalidade. A resposta é negativa, malgrado se reconheça que tal missão não lhe é própria. Mas sua colaboração seria sumamente importante. Nesse terreno, aliás, a Imprensa tem feito muito pouco ou praticamente nada. Ao revés, alguns veículos informativos, em busca do sensacionalismo que nada constrói, de forma desavisada e até leviana, muitas vezes estampam notícias, revelam fatos, exibem programas, veiculam anúncios que constituem, na expressão de Paul Aubry, "elemento estimulador do crime". Certas manchetes de jornais e revistas e o conteúdo de determinados programas de televisão se revestem de inegável caráter criminogenético, pelo contágio espúrio que exercem, transformando-se em fatores acentuadamente emuladores ou incentivadores de criminalidade. Não fosse, para ilustrar, a existência de crimes de charlatanismo praticados através da televisão! Não fossem as "telecamas", as novelas, a explorarem toda uma torrente de sexualidade, apresentadas em horários nobres, assistidas por crianças que, por seu mimetismo, são as maiores vítimas dessa decadência moral que se propala às escâncaras com todo o seu deletério caudal de maus exemplos. Não fosse a

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Ainda assim, e mesmo em acordo com aqueles que consideram fundamental a aceitação do princípio da liberdade de Imprensa, é legítimo lembrar "que nenhuma liberdade tem tão alto pedestal que não a alcance as humanas questões". Ninguém pode negar, outrossim, que a liberdade de Imprensa não tenha merecido sempre as atenções mais cuidadosas da sociedade. Aliás, quase todas as comunicações da sociedade entre si dependem da adequada liberdade de Imprensa. Isso tem permitido a evolução do direito positivo da Imprensa, que está em constante mudança como reflexo de ordem político-social. Nessa mesma esteira de raciocínio, e com descortino ímpar, é que se manifesta Jorge Raul Calvo em sua obra Periodismo para nuestro tiempo, ao analisar o jornalismo dos tempos modernos. Segundo suas palavras, quando foram alcançadas as hipotéticas e suficientes garantias para que as tarefas do jornalismo se ajustem às normas éticas de proteção e segurança sociais, e quando, por via de consequência, a comunidade se sentir cabalmente assistida em seu direito de estar ampla e verdadeiramente informada, não haverá razão válida para reclamar pela vigência de leis que coíbam os excessos da torpeza e irresponsabilidade profissional de certos se tores da Imprensa.

Sobre essa torpeza ou irresponsabilidade profissional, Paulo Lúcio Nogueira, em seu livro Comentários ao Código de Menores, diz: "Mas ultimamente a própria família tem sido atingida no seu recesso pela televisão, sempre ávida de propaganda ou Ibope, com programas atentatórios à moral social. E dificilmente os pais podem controlar ou impedir que os filhos sejam influenciados por essa propaganda deletéria. A frequência com que são exibidos certos programas impróprios torna-se uma rotina no costume brasileiro, e tudo que causa impacto passa depois a ser encarado com naturalidade. E o próprio mal ou mesmo a violência, o erotismo de certos espetá cu los que abalam os alicerces da família, passam a ser vistos como normais. Contudo, essa

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normalidade aparente já é um estado anormal de espírito. E a família vem sofrendo uma decadência moral preparada e impingida por uma classe artística que não possui nenhum padrão moral que seja próprio da família brasileira. Mas, como ela tem às mãos os meios de comunicação, procura impingir uma falsa moral, adentrando aos lares e enfraquecendo os próprios alicerces da nacionalidade brasileira".

da delinquência, suas causas e os meios compatíveis para evitá-la oucombatê-la. Os organismos oficiais, entre eles a Polícia, devem elaborar e implantar estratégias de repressão, e principalmente de prevenção, à criminalidade. Para tanto, devem se valer dos oportunos serviços que podem ser prestados, a título de subsídio, pela Imprensa, tanto no que tange à prevenção como até na repressão do crime, por intermédio de seus levantamentos fotográficos, das reportagens feitas nos locais típicos etc. A Imprensa pode ajudar significativamente no combate à criminalidade, colaborando com ajustiça e com a Polícia, esta última carecedora de reformulação de seus métodos e sempre às voltas com a gradativa demanda suscitada, justamente, pelas deficiências de seu organismo como um todo.

Ora, ao lado do sagrado direito de informar deve existir o sacrossanto direito :le não querer saber, de preferir não tomar conhecimento, para não ser contagiado Jelo conteúdo malsão da notícia, ou para que as crianças e jovens não o sejam. O {Ue passa a ser irrespondível é que, na intimidade dos lares, todos são agredidos :om cenas que se constituem em paradigma da imoralidade, em cadinho da impuiicícia, em exemplos palpitantes de como a comunicação pode ser nociva à forma;ão do caráter da infância e da adolescência. E esse estado de coisas acontece por ·esponsabilidade ou irresponsabilidade de muitos. Diz-se das falhas da Polícia na "quematização do policiamento preventivo. Diz-se da ausência de leis adequadas, Jor culpa exclusiva dos maus legisladores. Diz-se do desvirtuamento do trabalho la Imprensa, por responsabilidade de inúmeros de seus representantes. É necessá·io que se diga também da fraqueza do Poder judiciário, que a tudo parece assistir mpassível e desinteressado. Conclui-se, do explicitado, que também os governos instalados no país não êm dado a devida atenção ao problema da criminalidade, erigida e estimulada, na ;ua escalada galopante, principalmente pela mantença dos fatores mesológicos de :riminogenia que assolam o país, sob os olhares inertes e desidiosos dessas classes lirigentes' Faz-se urgente a adoção de novas políticas públicas, redesenhando-se ou recrianlo uma política de segurança pública, notadamente no que diz respeito à prevenção lelituosa, para que depois não se aja repressivamente. Já anotava Cesar Bonnesana: É preferível prevenir os delitos a precisar castigá-los depois". Na prevenção à criminalidade é de fundamental relevo o papel da Justiça, nas uma Justiça eminentemente ágil e rápida, pois se ela tarda em sua aplicação, lescaracteriza-se e passa a ser injusta em relação a quem a postula. A justiça, não .endo urgente, já é injusta. O atraso na sua efetivação, além disso, pode provocar a mpunidade e a reincidência. E no tocante à justiça Menorista? Sabe-se que a proteção à infância é exercício le Política Criminal, no aspecto à profilaxia de atas antissociais. Isso, inclusive, não ugiu à percuciência de Pitágoras, que exemplarmente propagava: "Eduquem-se as :rianças e não será preciso castigar os homens". A verdade é que ajustiça Especial de Menores necessita ser mais bem aparelhada 1ara aperfeiçoar suas desincumbências. O governo, no desempenho de sua função ocial, precisa eliminar o quanto antes os estimulantes da criminalidade (miséria, orne, desemprego, subcultura, injustiça social etc.) e, para isto, deve ater-se às liretrizes de uma boa Política Criminal, que esteja voltada para o estudo científico

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Como recomendação final, de enfatizar que "de todas as artes, a mais bela, a mais expressiva e a mais difícil é a arte da palavra; que ao esgrimi-la no texto, ao verbalizá-la na imagem, o seu expressar califônico ou escrito, malgrado se lhe reconheça a liberdade e independência de manifestação, deva ter por fronteira os padrôes ético-morais, corno se ancila fosse deles, para que assim não coloque em risco a estrutura da família, mastro do teatro da sociedade humana, impedindo, destarte, que, rompendo-se esse sustentáculo, o cenáculo teatral venha abaixo".

ATOS ANTISSOCIAIS DOS MENORES

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adulto, pois, como ensinava magistralmente Freud, "a criança é o pai elo homem", ou seja, a vida infantil é que condiciona o destino humano. Mas a vida elas crianças e elos jovens sofre a poderosa influência ela sociedade, principalmente se esta estiver pungida e afligida por um consumismo malsão, por uma distribuição de riquezas injusta e perversa. O bem-estar, imprescindível a todos, exibe uma imensurável distância entre a classe rica e a pobre. Esse distanciamento é diametralmente antípocla, pois de um lado se depara com o pauperismo paroxisticamente exacerbado, com total Iniserabilidade, e, de outro, com o enricamento esbanjador, sub-reptício ou escancarado, muitas vezes conseguido desonestamente e à custa dos menos afortunados. Numa situação social como aquela elos países subdesenvolvidos, por exemplo, onde "a justiça passa a ser instrumento contra os humildes", como assinala Paulo Lúcio Nogueira, e em que os potentados falcatruam impunemente, é que vivem milhões ele crianças clesassistidas, carentes, abandonadas e de condutas desviantes. Invariavelmente são crianças sem roupa, sem moradia, sem escola,~sem saúde, sem lazer sem comida ou comendo esporadicamente. Paralelamente, os responsáveis por tuclo\sso se deliciam à farta em banquetes cujo preço de um mero pospasto serviria para pagar a alimentação do mês inteiro de uma família pobre.

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ATOS ANTISSOCIAIS DOS MENORES SuMÁRIO: 23.1 Realidade factual- 23.2 Posição do Estado- 23.3 Estatuto da Criança e do Adolescente- 23.4 Algumas considerações sobre o menorismo23.5 Considerações finais.

23.1 Realidade factual Numa sutil sugestão à autenticidade que deve ser o apanágio do procedimento humano, o poeta grego Píndaro dizia: "Sê tu mesmo". É o que se tentará fazer neste tema, por sua intrínseca problemática, ou seja, usar de transparência, franqueza e autenticidade.

De invocar o que, em seu livro A criança delinquente, assevera Léon Michaux: "Que esperar de crianças que vivem em favelas infectas, em promiscuidade com elementos de toda ordem, vendo as cenas mais deprilnentes, os gestos mms acana]hados, os procedünentos mais ignominiosos? Que esperar de crianças que em pleno período ele formação dormem ao relento, sentindo frio, debatxo de pontes; à porta ele casas comerciais, lado a lado com toda espec1e de margma1s adultos. Que esperar de crianças que prematuramente conhecem os horrores da fom~ e se alimentam ele migalhas jogadas fora ou ela caridade pública? Quando uma cnança dessas chega a lançar mão elo que é alheio, podemos, temos o direito ele chamá-las

O menor antissocial é assunto que, a par de sua extrema sensibilidade dramática, igualmente desponta polêmico pela amplitude de aspectos com que pode ser encarado. A validade de qualquer programa que se pretenda implantar, com vistas ao problema da criança e do adolescente em situação irregular, deve começar pela retirada deles da rua e sua devolução ao lar, visando, fundamentalmente, a integração sociofamiliar desses menores. Afastado o perigo da rua, que na expressão de Nelson Hungria "é o vazadouro de todas as impurezas e a feira de todas as indecências", o caminho natural seria a volta ela criança ao lar. Ocorre, porém, que o lar, que deveria ser a "incubadora moral" do infante, muitas vezes deixa ele apresentar-se como "o remansoso aconchego de delícias", a que alude Scipion Sighele, para se transformar no "paradigma ela infâmia, no caclinho ela impudicícia e no exemplo ela maldade humana", no dizer do mesmo autor.

ele delinquentes?". Inesconclível que o problema reclama providências sérias e imediatas. O dilema representado por essas crianças tem ele ser enfrentado com presteza, coragem

Impõe-se, portanto, que se verifique e analise a qualidade elo relacionamento que a criança e o adolescente mantêm cmn a família, assim como com os de1nais segn1entos do grupo comunitário em que vivem.

e honestidade. Verifica-se, não raro, que consubstanciados em atas ele inusitada violência e ele agressão e desafio ao meio social, muitas crianças e adolescentes participam e colaboram na mantença ou sustentação elos níveis ele insegurança e mtranqmhdacle que acometem a coletiviclacle, principalmente nos centros ele maior densidade demográfica, onde ·os fatores criminogenéticos se fazem sentir de forma mais pronunciada.

Não se pode jamais deixar de considerar que a família funciona como fonte geradora de hábitos, princípios e costumes que irão influenciar, decisivatnente, na formação moral e no caráter da criança e elo adolescente e, por via ele consequência, na estruturação biopsicossocial e pedagógica ela personalidade do ente humano

As vicissitudes, os infortúnios, o desassossegá e o medo imperam e paulatinamente se agigantam nos grandes centros, pois são o resultado da ameaça cotidiana e permanente que surge no limiar da aurora, passando pelo crepúsculo e se prolongando noite e madrugada adentro, tornando o convívio social aterronzante.

i '

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ATOS ANTISSOCIAIS DOS MENORES

As investidas contra o património e a vida de todos e até de humildes trabalhadores acontecem todas as horas. Sabe-se que entre os autores estão adolescentes e crianças. Na verdade, não se pode contestar a participação de adolescentes e mesmo de crianças em assaltos, latrocínios e inúmeras outras infrações violentas, inclusive de natureza sexual, além daquelas relativas ao uso e tráfico de drogas. Tais são os episódios sociopatológicos mais comuns no palco cênico da vida moderna, principalmente nas nações do terceiro mundo. Assim, por exemplo, no dia a dia das cidades do Rio de janeiro e São Paulo, o povo assiste e sofre, estarrecido e "anestesiado", um incoercível chorrilho de violências com frequente participação de menores.

das condolências e o consolo das lágrimas quando clamam, ao silêncio dos deuses do poder, pela tào almejada justiça social. Resta à populaçào sofrida, na verdade, o conforto de invocar a máxima pitagórica que expressa: "Se sofres injustiças, consolate, porque a verdadeira desgraça é cometê-las". Falhando o Estado na sua desincumbência de ministrar justiça social, deixa ele de amparar a família, que é a pilastra de sustentação da sociedade, daí advindo a derrocada da "célula mater" da associação humana e mesmo a infelicidade de rodos aqueles que ocupam estamentos menos favorecidos da estratificação social.

O fenômeno da antissocialidade do menor, sob o ponto de vista psicossociológi:o, resulta de desajustamentos projetados em condutas desviantes, desajustamentos inerentes à desorganização pessoal, familiar e comunitária que grassam notadamente 'os países subdesenvolvidos.

países onde

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É notória a situação incompatível ou irregular da criança e do adolescente nos

poder público nao cumpre sua função social, máxime no que tange

ser fator importante na etiologia do estado de carência, de abandono e de conduta infracional do menor. Quando o marido abandona a mulher e filhos pequenos, deixando-os entregues à própria sorte, é inexorável que a infe(iz mãe parta para algum tipo de trabalho, quase sempre mal remunerado e insuficiente para o sustento dos filhos, que passam a viver mais na rua, abandonados material e moralmente, com resultados desastrosos, tal qual torrente a arrastá-los para a margmahzaçao. Sendo menina cairá na prostituição (pois é da índole e da sensibilidade femininas preferir agredir-se a agredir)~ sendo menino partirá para os atas a~ti~sociais contra patrimônio, começando com o furto e culminando com o latrocmw. 0 Não fosse o fato de existirem centenas de milhares de meninas atiradas à prostituição na faixa etária de 9 a 15 anos de idade, não fosse o alto percentual ~e meninos e meninas vivendo ou morando nas ruas, não fosse a deletena adulnzaçao precoce da criança, tudo conduzindo o menor à marginalização, _restaria o nociv~ exemplo da pulverização dos valores morais incentivada e até 1mposta pela_ ma imprensa escrita, falada e televisada, principalmente por seu prest1g10 persuasono. In1 prensa, oportuno frisar, que veicula exaustivamente informações desprov1d_as de critérios ético-Inorais, levianamente emitidas e ventiladas, sem qualquer receita de conteúdo educacional ou pedagógico. Imprensa que, calcada na liberaçao dos costumes, na licenciosidade, na cupidez e no consumismo, atua sob os auspicias de uma pseudopostura democrática a 1nascarar, muitas vezes, desíg~io~ inconfessáveis, mas atingindo e prejudicando a criança e o adolescente, pnnopalmente. Mesmo porque o jovem, contrariamente ao adulto (que se baseia no princípiO da realidade), tem por fundamento (semelhantemente aos animais e aos selváticos) o princípio do prazer imediato, tornando-se presa fácil, na ausência de mecanismos de autocensura, da busca de satisfação rápida, que a faz proceder como se fosse um papel carbono, pois, como afirmava Nelson Hungria, "a criança por seu mimetismo é solidária a tudo que a circunda". Imperioso concluir, daí, que todo cardápio oferecido à criança precisa ser criteriosamente sopesado, para que não contenha ingredientes que possam lhe causar uma indigestão intelectual ou moral, com reflexos imediatos no seu comportamento.

Além disso, sendo a conduta expressão da personalidade, forçoso é reconhecer 1ue algo deve ser feito a fim de ajustar a criança e o adolescente a outra condiçao ;ocial e ambientàl, repersonalizando-os e redesenhando-lhes um novo destino. Esta ; tarefa que o poder público deve chamar a si em razão da insolvência familiar. O problema social representado pelos menores carentes, desassistidos, abanlonados ou infratores tem caracteristicas comuns, pois todos são socialmente mar~inalizados por suas carências afetivas, familiares, econômicas, educacionais, de aúde, de higiene, psicossociais etc. Não fosse isso a determinante maior da morte >rematura ou da "criminalização" das crianças i. Não fosse isso também á fato gerador la desnutrição crónica que lhes debilita o corpo e fragiliza a mente, tornando-as •resas fáceis a enveredarem pelos caminhos mais tortuosos! Em 12 de maio de 2010, em Londres, na Inglaterra, começou o julgamento riminal de dois meninos, de 10 e 11 anos de idade, acusados de terem estuprado ma menina de oito anos em outubro de 2009, quando os três brincavam em local róximo de suas residências. Presentemente, o processo se acha em fase recursal. 3.2

0

à assistência familiar. É sabido que, desestruturada e desagregada a família, seu desmantelo passa a

Posição do Estado

O Estado, em tese o grande guardião do bem comum e da felicidade do povo, mi ta-se a alocar recursos, quase sempre insuficientes, para esta ou aquela área asstencial. Na realidade, os poderes públicos deveriam ter por meta prioritária, por ruzada maior, a redenção da criança, assegurando-lhe o mínimo para uma sobrevi~ncia digna, a impedir, por exemplo, a perplexidade de alguns quando comparam a cial, em que às camadas mais desprovidas da coletividade sobra apenas o bálsamo

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Claro que não existem fórmulas ou receitas para equacionar o comportamento

Mas, conforme diz Solano y Polanco, "e! nino criminal no es lo mismo que e!

da criança. Em seu livro Ensaios de Direito Público, Fernando Whitaker da Cunha sublinha: "Mundos labirínticos os da infância e da adolescência, são neles que se forjam as personalidades, se enraízam os complexos, as neuroses, os desníveis morais, sob as decisivas influências da hereditariedade e do meio". Sendo seguidamente hostil às normas de convivência, a conduta infamo-juvenil pende para o marginalismo, traduzindo-se em formas de comportamento equiparáveis às mais rudimentares escalas psicológicas. Outro, aliás, não é o sentido do ensinamento de Luiz Angelo Dourado, que, na sua obra As raízes neuróticas dos crimes, proclama: ·'Verificou-se que os impulsos antissociais de origem infantil permanecem atuantes '·da profundidade do inconsciente, influenciavam, de certa forma, ideias e ações de .dade adulta". Isto corrobora, de modo ineludivel, a asserção de Freud, anteriormente ·eferida, de que "a criança é o pai do homem". Das lições de Whitaker e Dourado ;e infere, de pronto, a existência de um equipamento genético, de uma bagagem 1ereditária, que levaria a criança a delinquir. Não se pode esquecer, entretanto, que t par das psicoses e personalidades psicopáticas, fatores endógenos ou biológicos Jodem levar a criança ou o adolescente à prática de a tos antissociais. Existe, com ofeito, toda uma gama de determinantes exógenos e mesológicos a contribuírem

criminal adulto". Qual, então, a atitude dos sociólogos, dos psicólogos, dos pedagogos, dos juristas, dos magistrados, dos procuradores de justiça, das autoridades pohnms,_ enfim, de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, atuam na área da problemallca da

)ara o seu comportamento desviante.

As aspirações de democracia autêntica e de desenvolvimento fazem com que, lào poucas vezes, os governos se olvidem de buscar, seriamente e com empenho, a ealização do justo social, que evitaria que o povo gritasse o desespero da fome e a :riança sofresse o terrível delírio da inanição ou da desnutrição, responsáveis pela norte extemporânea de centenas de milhares delas e pela passagem à malvivência laqueias que sobreviveram nessas condições. Isto sem acenar com os fatores biopsiluicos já mencionados e com o adjutório, para a marginalização, das.determinantes le ordem mesológica (desmantelo dos lares, desemprego, subemprego, subcultura, rrigrações desordenadas etc.), tudo fazendo crescer, pela fermentação social, o bolo la miséria, e ensejando o gradativo agravamento da desorganização social de que ala Lacassagne, de acentuado conteúdo patogênico, visto que de indisfarçável matiz lelituógeno ou de contornos criminógenos indesmentiveis. E entre todos esses fatores exógenos da criminalidade desponta em primeiro ugar a miséria. A miséria é a principal razão dos a tos infracionais dos menores.

Em seu empirismo criminológico,já pregoava Aristóteles: "A miséria engendra rebelião e o delito". Efetivamente, a 1niséria é o carro-chefe a puxar o comboio das causas da cri-

1inalidade nos países subdesenvolvidos. Analisando objetivamente os motivos que levam ou conduzem o 1nenor à 1arginalização, de conceituar o fenômeno como "o seu alijamento de um processo .ormal e progressivo do desenvolvimento biopsicossocial e pedagógico, até que le atinja uma condição de desassistência, de carência, de abandono ou de conduta esviante ou antissocial".

criança e do adolescente? Com muito acerto, diz Vervaek: "São os menores o campo especifico da profilaxia delinquencial". O que significa que o enfrentamento da conduta desviante do menor deve ser visceralmente preventivo e intimamente ligado à educação. Delembrar, aqui, as palavras de Lourenço Filho: "A criança sente necessidade de segurança material e emocional. Não deve ter fome, nem desconforto. Não deve sennr ameaça à sua integridade física. Deve dispor de espaço livre para exercício natural de suas atividades. Não deve sentir-se rejeitada, entregue à sua fragilidade, abandonada em si mesma". Sábias as palavras do educador Lourenço Filho, pois a criança que sofre as privações do afeto e da orientação adequada passivamente aceita o exemplo da marginalização, da conduta antissocial. Como tratar a criança? Como abordá-la? Como cuidar dela e do adolescente em situação irregular? De que maneira os órgãos públicos incumbidos do problema devem agir? E qual deve ser a forma de atuação da justiça e da Polícia? Diz 0 juiz Whitaker da Cunha que "o magistrado deve ser também um sociólogo e um psicólogo". E igualmente um pedagogo, acrescente-se, quando convocado a resolver problemas de crianças. Roberto Lyra considera que o juiz deve ter muito mais que cultura jurídica. César Salgado enfatiza a especialização da magistratura, sem perda da visão global do direito. Mário Moura Albuquerque propugnava por magistratura de alta competência. Whitaker da Cunha renova tais assertivas ponderando que, "com relação aos menores delinquentes, e por suas particularidades, a especialização é obrigatóna e a Lei Penal (entenda-se o Código Menorista) deve ser essencialmente cnmmologJCa porque deve fazer a análise vertical do infracional penal, preocupando-se, diferenteinente do direito, não apenas do 'crime' como um ente JUndico, mas, s1n1, com seus aspectos biopsicossociais". Quando de suas pesquisas sobre a predominância dos tipos mesomorfos entre os delinquentes em geral, o casal Gluek-Grey concluiu que é possível uma profilaxta do antissocial juvenil baseada na Biotipologia. Sob certo ângulo, a adolescência assinala novo nascimento do indivíduo, afirmando Stern que "ela é a época da descoberta dos valores do mundo, gerando a acomodação a eles sérios problemas". Michaux e Karman opinam que a Justiça de Menores deve substituir o procedimento judicial pela terapêutica moral. O juiz de menores, por isso, deve ter uma vocação toda particular para o seu cargo e uma formação que lhe permna ser brando sem deixar de ser enérgico.

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As Cortes Juvenis, nos Estados Unidos, são verdadeiras clínicas psicológicas e sociais.

orientada desde tenra idade, porque também a obediência e a disciplina não nascem por encanto".

Compreende-se, do explicitado, todo o cuidado que os conhecedores recomendam na abordagem e no trato com a criança e o adolescente.

Urge livrar as crianças dos libambos que a sufocam, impedindo, assim, que elas enveredem pela senda da criminalização, e para que isto aconteça, além das medidas antes alvitradas, de conclamar que, sem laivos de pieguice, "todos possam viver todos os seus dias completamente enamorados pelas crianças".

O alerta endereçado aos magistrados deve ser estendido aos procuradores de ju~tiça, aos assistentes sociais, aos pedagogos, aos psicólogos, aos sociólogos e tambem aos orgaos de atendimento a menores etn situação irregular. Esses menores

crescem e medram, principalmente, dos lares desajustados, que, por sua vez, estão tnsendos numa estrutura social patogênica, que tetn a desestimulá-la a omissão de um Estado indiferente a qualquer tentativa de solução e que prefere, isto sim, assumtr enganosas e cerradas cogitações de projetas que jamais se concretizam porque mextste vontade pohnca. Despreocupa-se imprudentemente, 0 Estado, da proteção a famtha, que deve ser o escopo específico de todos os que pretendem estabelecer a verdadeira justiça social e dar efetiva assistência ao menor. . Contrariamente aos reclamos da maioria, o Estado faz ouvidos de mercador e vtstas grossas ao aumento e à proliferação da miséria e da promiscuidade, ao desemprego e subemprego, ao analfabetismo, à falta de habitação, à fome e, afinal, ao paupensmo absoluto com todas as suas trágicas consequências presentes e futuras. Entre os homens que detêm o poder, poucos são os "Lamartines" preocupados em colonr de a_legna o semblante smgelo e ingênuo de uma criança. Elas, as crianças, mfehzmente vao tendo suas faces sulcadas pelo sofrimento, pela dor e pelo desespero, fruto do desamparo a que mtlhões delas estão relegadas pelo mundo todo. . Impõe-se ao Estado, à sociedade e a cada cidadão evitar que aumente, ainda mats, o descontentamento popular emergido da unilateral distribuição dos bens rnatenats, que ISto alimenta a rebelião, o crime e os atos antissociais. Para extirpar as causas e concausas da criminalização da criança e do adolescente, o empenho oficial há que ser inaudito, incessante e sobretudo honesto. Esteja a cr~a~ça institucionalizada ou não, seja ela estruturada ou não, mas, sendo carente: d~sassistlda, abandonada ou com conduta desviante, sempre merecerá, com total pnondade, o amparo do poder público, da sociedade e da família, obrigações agora consagradas no bojo da Constituição Federal brasileira, que, no seu art. 227, textua expressamente: "E dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à cnança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida à saúde à alime _ tação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao ~espeito~à hberdade e a convtvência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão".

. De considerar, outrossim, que as crianças necessitam, mais do que tudo, serem cmzeladas pelo amor, pela bondade, pela assistência material, moral e espiritual. Devem ser escolarizadas regularmente e terem ocupação digna quando a idade a~to.nzar. Deve ensejar-se a elas serem úteis a si próprias, às suas famílías e à sua patna. Como fala Karman, "a criança não nasce tirana nem escrava, tendo de ser

O vigente Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), se possui, por um lado, algumas inovações positivas, por outro lado peca por ressentir-se em boa parte do seu conteúdo de inspiração mais voltada para o aspecto criminológico, que substancialmente funda-se em perspectivas de soluções, ao problema da criança e do adolescente, calcadas numa essencialidade mais sociológica, psicológica e pedagógica, do que, ao revés, prender-se a um dogmatismo, absolutamente distante das advertências e colocações de Whitaker da Cunha, Roberto Lyra, César Salgado, Mário Moura Albuquerque, Alberto Pessoa, Vervaek, Paulo Lúcio Nogueira etc., conforme se aduziu em páginas anteriores, fazendo com que dito "Diploma Legal Menorista" seja passível de ser considerado, não obstante algum pequeno avanço, que possa ter em seu âmago, a conceituação de uma "lei de fadas para uma realidade de bruxas", conforme se verá através do que se analisa em seguida. 23.3 Estatuto da Criança e do Adolescente O atual Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13.07.1990), após estabelecer em seu art. 1. 0 : "Esta lei dispàe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente" e no seu art. 2. 0 , inovando completamente em termos conceituais, definiu o que é criança e adolescente, aduzindo: "Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até l2 anos de idade incompletos e adolescentes aquelas entre doze e dezoito anos de idade". Entre outras modificações, o atual Estatuto criou o Conselho Tutelar e os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais, estes últimos encarregados de fixar a política de atendimento para a criança e o adolescente, inclusive no que diz respeito à alocação e destinação de recursos financeiros visando o amparo social da criança e do adolescente; enquanto ao Conselho Tutelar foi compelida a função de encaminhamento dos problemas relacionados às crianças, ou seja, as que tenham menos de l2 anos de idade. Esses Conselhos se comporão de cinco membros, a serem eleitos para mandatos de três anos, devendo existir no mínimo um em cada município. Outra novidade impç>rtante introduzida pela Lei 8.069, revolucionando em termos procedimentais, foi a participação atuante do Ministério Público e do advogado nos referidos feitos, contrariamente ao que dispunha o antigo Código de Menores, em que o juiz não julgava, apenas declarava a medida aplicável ao menor entre as previstas, textualmente, pelo art. 14 da Lei 6.697; o advogado poderia participar do então processo menorista, tão somente para pedir a substituição de uma por outra

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. . . . . das medid as ap 1·!Cad as e previstas pelo citado ar j· . r._ 14' o Mmlsteno Público fazia apenas as vezes de curador de men ores e a po lCJa na o podi d . a apreen o autor do ato antissocial • limitand o-se ao seu s1mples . h er em flagrante gera mente por ofício. encamm amento ao juiz, I Na vigência da a tua! legislação ao e . 206 da Lei 8.069) dos procedimento' I r ves, o advogado participa ativamente (art. . s a uslvos ao adolescent . 0 . . ma1s restritas, passou a chamar-se juiz da Infân . e, JUIZ, com atribuições .b . ~:la e dajuventude (arts. 146 a 149 do ECA); o Ministério Público teve . I suas atn mçoes sobrem d I d me usive, conceder remissão ao a d o I escente mfrator . o amp ia as, podendo ' ( 1o 200 ar s. a 205 do ECA) e a autoridade policial pode lavrar 1 d . f ( au o e apreensão em fl ' m ratar arts. I 73 a 178 do ECA). agrante contra o adolescente Verdade é que 0 Es 1aturo d a Cnança . e do Adoles ( . . cente Lel 8.069), Diploma Legal esse que parece ser mais adeq d ua 0 a pa1ses do primei d por exemp1o,já se mostra desafeiçoado à verdad . . ro mun o como a Suíça, mesmo dizer que se trata de "u I .d f d e!ra reahdade nacional. Poderíamos . ma eJ e a as para u l'd d contem mencionado estatuto d' .. ma rea I a e de bruxas" pol·s lSpüSltlVOS d d'f' ·1 ' dade ao que se destinam. e l lCl ou quase impossível aplicabili. . . Ademais, ao competir ele ao Mini . . mfracional do menor mutil 'b st~no Pubhco a faculdade de remissão ao ' ou as atn mçoes do Jud· . . . I promotor público que tamb. . Ioano, co ocando nas mãos do ' em e parte do procedime t d envo vendo menores o poder d d d . . n o e a relaçao processual . I , e ver a elYO julgador c o .d d m capao a e para perdoar e mocentar, o que evidememente - f ou inerente. nao az parte da competência que lhe é própria No entanto, entre os pontos positivos ue , de acreditar, pelos seus próprios f d q se ha de reconhecer, possui o ECA . . !' un amentos ser o P . . 1 I ' munlClpa !Zação do atendimento da c . l ' nnopa 'aque e que institui a esse dispositivo vier a ser colocad nançaec o adolescente. Não há dúvida de que se o en1 pratica e não pe como tantas leis existentes no pal· . . I' . rmanecer como letra morta pu. bl'lCO estadual como tamb. s, vua aflVlar não só os parcos recursos do erário, d , . ~ em se trans armará n d'd pe agogJCa de real alcance pois .. · . uma me l a socioeducativa e cuidar das suas próprias crÍança::~~~t:::e~~e cada município desse Estado possa abandonados ou infratores e . d es, sejam eles carentes, desassistidos ' por Vla e consequência . . , e a o escentes não percam os vín l f .1. , enseJara a que ditas crianças br d I d cu os ami wres e comu ·r . . eino o na tarefa de ressocializá-l . ni anos, o que ajudará so. os ou repersonahzá-los, enfim, de reeducá-los.

23.4 Algumas considerações sobre o menorismo . tem por suped. ab I1- OdDireito do Menor ou Menonsmo so uta os interesses do meno . aneo mmor a prevalência · 1 r, assim entendidos a . · ( mcomp etos) e o adolescente (p cnança pessoa até 12 anos _ essoa entre 12 e 1S . proteçao ao menor, consoante o ECA . anos mcompletos). Daí que a de proteção e medidas socioeducatl. , e cAonsecLdltada através de medidas específicas vas. s me idas es peo·fi cas ( arts. 99 a 102 do

ECA) são de caráter restrito e levam em conta, para sua aplicação, as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Tais medidas específicas são aplicadas quando o autor da infração for criança, e podem acompanhar a concessão da remissão (perdão) ao adolescente. As medidas socioeducativas são aplicadas ao adolescente autor de ato infracional e, à exceção da colocação em regime de semiliberdade e da internação, também podem acompanhar a remissão. São medidas socioeducativas, por exemplo: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a internação em regime de semiliberdade, a internação em estabelecimento educacional etc. A internação não pode exceder o prazo de três anos. O regime de semiliberdade não comporta prazo determinado. II - Os fatores que contribuem para a delinquência infanta-juvenil, como já visto e repisado, são idênticos ou os mesmos que levam os adultos à criminalidade, ou seja, os fatores sociais principalmente, os fatores biológicos ou genéticos e também os fatores físicos de que falava Enrico Ferri, como, por exemplo, os fatores cosmo telúricos. Ainda no tocante à "delinquência" infanta-juvenil, podemos mencionar causas institucionais como, por exemplo, as falhas e deficiências constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que limita e internação do menor no máximo por três anos, por mais perigoso que ele seja, que fixa uma forma de adoção que possibilita a prática de crimes sexuais contra os menores adorados com a agravante de poder ocorrer o crime de cárcere privado. Para constatar tal vulnerabilidade é só

analisar o contido nos arts. 40 e 42 do ECA. Outrossim, importante registrar que a criança e mesmo o adolescente não possuem, ainda, a personalidade estruturada, malgrado a opinião de Freud, que entendia que a criança já tem sua personalidade estruturada aos cinco anos de idade. Nisto Freud é categoricamente contestado pela Psicologia e Psiquiatria modernas, que demonstram de modo inequívoco que a personalidade do ser humano se inicia na sua primeira infãncia, mas somente se estrutura em definitivo no fim da adolescência e começo da idade adulta, até pelos acidentes de percurso que o ser humano sofre, cmno tramnas, atos corretivos etc. Quando se mencionou, anteriormente, que o adorado ou a adorada pode, não raro, ser vítima de assédio e mesmo delito sexual, assim foi dito porque o ECA, por sua liberalidade excessiva e esdrúxula, autoriza, por exemplo, que um homem solteiro de 29 anos ado te uma menina de l3 anos, ou uma mulher solteira de 30 anos ado te um menino de 14 anos, sendo fácil supor a corrupção contra o menor qne pode decorrer dessa situação. Tudo porque é de apenas 16 anos a diferença máxima de idade entre o adotante e o adorado, e o primeiro pode ser solteiro (art. 42 e seu§ 3° do ECA). E o pior é qne a adoção é irrevogável, conforme textna o art. 48 do ECA! Enfim, o Estatuto da Criança e do Adolescente exibe verdadeiro enxurro de dispositivos que não passam de letra morta, como o que ocorre com o art. 7.", o art. 8." e todos os seus parágrafos (aqui, utopicamente, fala-se da proteção médico-

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sanitária ao neonato e à parturiente), os arts. 53, 54,57 e inúmeros outros dispositivos que nos permitiram dizer anteriormente sem qualquer dúvida que o Estatuto da Criança e do Adolescente é "uma lei de fadas para uma realidade de bruxas", assim entendendo-se a realidade brasileira inteiramente carente de qualquer tipo de assistência social. Ao tratarmos do conceito de marginalização do menor, falamos em menor desassistido, carente, abandonado, de conduta desviante, institucionalizado e estruturado, vamos definir agora o que entendemos como tal. Assim: l) Desassistido: quando os pais têm condições morais e materiais, mas relegam

os filhos à insolvência moral e afetiva·, 2) Carente: quando falta tudo à criança, desde a alimentação, vestuário, moradia, escola e afetividade, ou seja, carinho e amor; 3) Abandonado: quando as crianças são órfãs de pai e mãe ou de apenas um de seus genitores, situação em que vivem pelas ruas em abandono. Importante parafrasear aqui a expressão do insigne pena lista pátrio Nelson Hungria quando dizia que "a rua é o vazadouro de todas as impurezas e a feira de todas as indecências"; 4) De Conduta Desviante: quando o menor é homossexual, prostituta, garoto de programa etc.; 5) Institucionalizado: quando o menor se acha sob a custódia de um estabelecimento oficial (a Fundação CASA, por exemplo) ou estabelecimento particular (a Liga das Senhoras Católicas, por exemplo); 6) Estruturado: é o reincidente na prática infracional, assemelhando-se ao adulto com reincidência genérica ou específica. Enfim, analisando-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de aduzir que ele exibe acertos e vários desacertos. É entendimento praticamente pacífico que a melhor contribuição do ECA é

aquela prevista no seu art. 59, que fala da "municipalização do atendimento", pois seria de grande alcance social, comunitário e familiar o recebimento do menor pelos respecüvos municípios. Isso teria um inegável aspecto positivo, pois que o menor não seria afastado do seu convívio comunitário de origem e de seu ambiente familiar, tudo redundando em possibilidade mais favorável na tentativa de sua repersonalização (se ainda possível) e de sua ressocialização. Outro aspecto positivo vem contido nos arts. 131 e 132 do ECA, criando o Conselho Tutelar Municipal para fiscalizar e fazer cumprir os direitos da criança e do adolescente; sendo, porém, que esse aspecto positivo seja condicionado a que seus componentes atuem desinteressadamente em tentar solucionar problemas da criança e do adolescente e não que façam de suas funções um trampolim para candidaturas a cargos de vereador etc., principalmente no interior, em razão da facilidade dos conta tos com as populações carentes. Infelizmente, o ECA ostenta inúmeros pontos negativos, sendo de mencionar, como marcante exemplo, a adoção por pessoa solteira com apenas 16 anos a mais do que o adotado, quando, mais sabidamente, dispunha o antigo Código de Menores que, cautelosamente, determinava que a adoção seria por casal com cinco anos

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de constância do casamento e pelo menos um dos cônjuges deveria contar com 30 anos de idade. Outro ponto profundamente negativo no ECA é a internação mãxima por três anos, desprezando-se inclusive o exame criminológico para aferição da cessação ou não da periculosidade. Tal liberalidade representa séria ameaça à coletividade. Imagine-se, apenas para argumentar, um garoto de 13 anos que matou lO pessoas. Após três anos ele será colocado em liberdade, sob a vigilância dos "pobres e impotentes" educadores de rua! O que fatalmente ocorrerá é que esse menor reincidirá no infracional. Em apreciação final, e ainda com relação à "delinquência" infamo-juvenil, é óbvio que sua definição não depende exclusivamente da conduta do menor, como também de sua idade. Observe-se que a idade da puberdade pode ensejar um desequilíbrio entre a maturidade física e a maturidade psicológica, característica da "delinquência" juvenil. Por outro lado, a medicina moderna reduz a mortalidade infantil, o que determina o aumento do número de tnenores infratores quando inexistem programas de assistência social às famílias mais necessitadas. De salientar, ademais, que a taxa de fecundidade é maior nas famílias de baixo nível socioeconõmico. Disso tudo pode advir a pré-inadaptação do menor ao meio circundante que o pressionaria numa sô direção. Da pré-inadaptação adviria a pré-delinquência, a paradelinquência e, finalmente, o cometimento de infracionais. Diante da realidade factual brasileira e dada a extrema sensibilidade dramática do problema do menor antissocial é inquestionável que o Estado não pode ser um mero gerente da própria ineficiência. Pelo menos que medidas preventivas sejam adotadas, entre elas: a programação familiar, a assistência pré-natal, o abono natalidade, o auxílio-maternidade com larga amplitude, o serviço de saúde escolar com ampla efetividade, o ensino emendativo, a adoção por casais idôneos (e não como autoriza o ECA), cujo respectivo dispositivo deveria ser revogado, o substancial amparo às famílias necessitadas, a ajuda habitacional, o prolongamento da escolaridade, a fiscalização rigorosa do trabalho do menor, a orientação vocacional, o saneamento dos meios de recreação e de comunicação de massa, a especialização do pessoal da jurisdição do menor e de estabelecimentos de reeducação, o incremento da religião nas escolas como freio para a conduta delitiva etc. 23.5 Considerações finais A perversão da criança e do adolescente é o espetáculo mais infeliz e doloroso que um povo pode oferecer. Um país que se pretende civilizado deve cuidar de suas crianças, de seus velhos, de suas famílias e de seus deficientes. Quando as crianças se pervertem e os velhos sofrem, quase sempre é resultado da infelicidade ou da infãmia que assola os lares, quando não da patogenia social que enseja a perversão, a torpeza e um longo caudal de situações malsãs.

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De ressaltar, ademais, que a perversão do menino, desde que logo se transformará em homem, é muito mais perigosa para a ordem social do que a perversão ias meninas, porque estas, com o tempo, serão mães, que não preparam os filhos, ;ia de regra, física e psiquicamente para o delito, mas sim para a educação e o trabalho honesto e assim, como que por verdadeiro milagre, seus descendentes podem vir ao mundo de alma e de corpo limpos, não obstante sua origem maculada, basta que a mãe exerça sua extraordinária influência, no caso para o bem, rro coração de seus filhos. Habitualmente nos queixamos da maldade das crianças, de sua falta de modos e de educação, sem nos atermos, muitas e muitas vezes, que a culpa é dos adultos )U dos pais por deixá-las vivendo em condições que facilitam, quando não lhes estimula, a depravação moral e física. Com muita propriedade enfatizava Zola "que as crianças abandonadas e errantes que mendigam, roubam e se prostituem são como esterco de onde germinará o

drogas leves e depois às drogas mais pesadas e ao crime, cujo degrau dessa escadaria não é necessariamente o último.

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:rime".

Da profundidade das camadas sociais mais baixas sai um verdadeiro exército de pequenos delinquentes, com uma precocidade espantosa para a prática do mal, que is vezes assusta, mas da qual não são, não podem ser os verdadeiros culpados. Um dos males que atualmente aflige a nossa pátria é a criminalidade, sempre ::m escala crescente; é a delinquência cada vez mais precoce, cmno comprova o rroticiário cotidiano da imprensa escrita, falada e televisada, dando conta de ações e :rimes praticados por menores, cuja perversão causa estupefato e pena, como nos :ausaria ~er "uma flor de excelsa beleza a espargir um perfume fatal". Essas infelizes crianças, às vezes, ignorando seus próprios nomes e das quais rringuém cuidou de educar, de alimentar, de oferecer lazer, de livrar da extrema mi3éria material, moral e afetiva, e que só provaram o fel do desamparo cruel, sem que rrunca tenham experimentado a doçura, ou saboreado o mel do bem-estar familiar e social, que geralmente em tugúrios foram geradas de ventres famélicos, com a colaboração, não raro, do alcoolismo, da sífilis, da loucura, ou de outras doenças de que seus pais são transmissores. Em lugar de carinhos tiveram chibatadas; em lugar de alegrias experimentaram só a dor da fome; em lugar do casulo moral da família a abrigá-las, tiveram nas ruas e praças por onde perambulam o teta do céu (este quando ensolarado, azul ou estrelado menos mal, mas muitas vezes carrancudo, rregro e tempestuoso), deixando-as encharcadas, trêmulas e desnudas sob os olhares lndiferentes da sociedade e das autoridades públicas. Dormem famintas nas soleiras das portas, nas calçadas das ruas, nos bancos de uma praça ou de um jardim ou em um desvão qualquer, onde muitas vezes são despertadas por um "amável" pontapé de um guarda, de um soldado, de um vigia ou de um malvivente como elas. Comem restos de lixo com todas as daninhas consequências à sua saúde, que, aliás, já não existe. Vivem no meio do vício e da droga. A cola de sapateiro, por exemplo, que cheiram para enganar a fome, mas que lhes obnublla ao mesmo tempo a mente e o espírito, é o primeiro passo para a longa caminhada que as levarão à perdição, às

O Estado, através de sua lmpostergável função social, e a sociedade civll, no seu dever de solidariedade humana, devem engajar-se na cruzada de tudo fazer para que os direitos da criança (o direito ao carinho, ao amor, à educação, à moradia digna, ao trabalho, quando sua idade permite, enfim, o direito à vida) possam ser por todos respeitados, garantidos e preservados. Quantos delinquentes adultos não chegariam a essa situação se tivessem tido oportunidade de ser membros úteis da sociedade, se tivessem alguém que impedisse que a semente do mal medrasse ao redor do caminho por onde iriam passar. Já dizia o insigne Lombroso (criador da Criminologia) que as tendências para a prática do crime têm seu início na primeira infância. A essa opinião, juntando-se a de Freud de que "a criança é o pai do homem", justifica em sua soma o resultado que assistimos. Verdade é que o problema da delinquência infanta-juvenil quase sempre está ligado a uma situação de abandono social ou familiar da criança. Precisamos olhar pelos humildes, pelos decaídos e, sobretudo, pelos menores infratores, que, geralmente, não o são por sua culpa, mas sim pela culpa dos demais ou de todos nós. Abandonar as crianças aos seus instintos, às induções perniciosas do 1nau exemplo, deixá-las sozinhas para resistir à influência do meio e da rua, deixá-las isoladas para enfrentar os germes mórbidos que já levam em si, fruto de taras hereditárias, é, sem sombra de dúvida, ajudar a destruir a sociedade, é um anarquismo passivo muito mais cruel e aterrorizante que o daqueles que sonham com sangrentas conquistas pretendendo explodir bombas de hidrogênio para a obtenção de novas terras, extraviados e insensatos, que desconhecem a verdadeira finalidade do homem na vida, que é distribuir amor e com isso ajudar a união de todos os povos.

Enquanto o Estado e a sociedade permanecerem inertes e equidistantes da problemática infantil, como que perfunctoriamente se alinhou, toda paz social não passará de uma quimera e os humildes e os deserdados terão sempre um motivo para justificar sua insatisfação, sua infelicidade, quando não os seus próprios rancores. Para encerrar, justo proclamar que quando nos preocuparmos com essas esquecidas criaturas; quando lembrarmos dos abandonados, que se asfixiam em um ambiente de incompreensão, de miséria e de imoralidade; quando nenhuma criança mais dormir na rua, quase sempre sem haver se alimentado; quando o descaso e a incúria estatal e social enxergarem bem suas alminhas brancas, antes que elas se encham de negritude do mal e quando os poderosos laborarem para que nelas não possa brotar o ódio, estaremos dando o passo inicial para a diminuição da delinquência infantil. Assim, e só assim, é que poderemos construir a grandeza da pátria, erigindo a tão sonhada paz social, já que um povo só é verdadeiramente grande quando mais culto, e sua civilização resplandece fulgurante, quando triunfa o direito dos menos favorecidos, dos mais humildes, dos carentes.

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Para fecho destas considerações gostaríamos de transcrever um trecho da poeta italiana Ada Negri (1870-1945): "Piange e! bambino nel silenzio enorme e non lo puo la Madre adormentare. Piange si alto che dai cielo gli Angeli scendono aLui, destando la campana" - "chora o menino, no silêncio enorme e netn a Mãe consegue fazê-lo adormecer. Chora tão alto que, do céu, os Anjos descem até Ele, acordando os sinos". De acrescentar ao dito pela poeta: "Os sinos devem ser tocados pelas autoridades públicas deste país, para anunciar uma nova era, quando serão respeitados os direitos dos menos favorecidos, dos excluídos e das crianças e adolescentes, que perambulam pelas ruas, muitas vezes famélicas e quase enlouquecidas, a escorregarem pelos lodaçais do vício e dos infracionais penais, sem ter quem as amparem". E a melhor forma de ampará-las, na impossibilidade de reinseri-las ao convívio sociofamiliar e comunitário, seria, como medida reeducativa, alojá-las em Unidades com no máximo quarenta internados, separando-se as crianças carentes e abandonadas das infratoras, sendo que a todas deveria ser propiciado o ensino fundamental e, na conformidade da respectiva faixa etária, o ensino profissionalizante e, inclusive, a própria profissionalização, juntando a essas medidas educativas e de ensino profissional as devidas e indispensáveis assistências médica, odontológica e psicológica e ainda, se for o caso, o atendimento psiquiátrico, como acontece na maioria dos países adiantados do mundo, de que é exemplo palpitante o Canadá, cujas casas de reeducação de crianças (além do que se disse anteriormente, em termos de tratamento a ser dispensado às diversas categorias de menores), a todos, indistintamente, aplicam a chamada Terapia Moral, procedimento completamente antípoda se confrontado com a Febem Paulista, com seus 1.200 internandos, em uma só unidade, fazendo tábula rasa, inclusive, à municipalização do atendimento, assim como a redução de internandos e a falta de assistência e terapia em todos os sentidos. Por trás disso tudo, de esclarecer que, entre outras, pode existir a falta de motivação, pois segundo se apregoa, os prefeitos se negam a construir Unidades da Febem (como estaria acontecendo no Estado de São Paulo, exemplificadamente) em seus municípios, sob os olhares complacentes e inertes dos governos que por aqui passam. Os governos assim agem, segundo se informa, motivados pelo receio de perderem o apoio político-eleitoral de tais prefeitos, o que faz com que as coisas permaneçam no status quo e a caminharem como estão, em inequívoco desserviço à sagrada busca do Bem Comum, para o que foram eleitos e relegando a um segundo plano a solução do aflitivo problema representado por essas crianças e adolescentes de situação e viver irregulares. Prova disso é o que está ocorrendo nos municípios do ABC paulista, onde os prefeitos se recusam a construir Unidades da Febem para recolhimento de menores de seus próprios municípios.

24 MICRO E MACROCRIMINALIDADE. CRIME DE COLARINHO BRANCO. CRIME ORGANIZADO Sul\1ÂRIO: 24.1 Microcriminalidade- 24.2 Crime de colarinho branco- 24.3 Aprecia-

ção legal- 24.4 Crime organizado- 24.5 Terrorismo. Ação de grupos radicais.

24.1 Microcriminalidade Não se pode negar que, inserindo-se num círculo ampliativamente vicioso, o crime também gera o crime. Sem embargo de admitir que toda sociedade está sujeita a um limite de assimilação da criminalidade (Lei de Saturação Criminal de Eurico Ferri), à proporção que recrudesce e se expande, o delito se torna cada vez mais difícil de expungir e mesmo de refrear, tal a celeridade com que se arraiga.

Um dos grandes fatores criminógenos parece ser o próprio crime, desde que impunido. Não sendo reprimido o delito, disto promanará não só o descrédito do sistema repressor, mas também do ordenamento jurídico institucional em que está atrelado. Desabonado o regramento jurídico, inquestionavelmente que a sociedade correrá o risco de tender para a anomia, para uma situação em que não mais prevalecerá a legalidade das normas, mas, unicamente, os fatos concretos. Daí, ultrapassado aquele limite de absorção da criminalidade, tornar-se-à hemiplégica a vigência de todo o Direito, advindo, em consequência, o comprometimento da paz social, da agregação comunitária e do próprio sistema de legalidade do Estado como fato jurídico. Claro que uma das formas mais lúcidas de prevenir e coibir a delinquência consiste em combater suas causas, tanto sociais como individuais. Por isso, inclusive, os estudos criminológicos e sociológicos efetuados com vistas aos processos identificadores da criminalidade como fenómeno individual (microcriminalidade) e como fenômeno económico (macrocriminalidade). A microcriminalidade é aquela resultante do clima de adversidade e mesmo violência que impregna a desvairada sociedade de consumo, suscitando injustiças sociais e desigualdades econômicas, além do taciturno horizonte de niilismo em que a vida perde seu significado maior e pouco ou nada representa. Ao contrário da macrocriminalidade, a microcriminalidade é sempre mais visível e diz respeito aos

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delitos correntios, violentos ou não, que, isoladamente, em todas as camadas sociais, acontecem de dia e de noite, durante todas as horas (latrocínio, homicídio, lesões corporais, roubo, furto, estupro, ameaça, estelionato, calúnia, injúria etc.). Inescondível, contudo, que existe uma significativa associação entre a microcriminalidade violenta e a miséria socioeconômica, consubstanciando um cenário opressor e de verdadeira segregação moral. O microcriminoso é encarado como um indivíduo à parte, um marginal da vida societária, sendo o fulcro do sistema jurídico-penal embasado na Teoria Pura do Direito. Esse o motivo porque muitos confundem a microcriminalidade como a única modalidade de delinquência. Com propriedade, frisa o insigne jurista pátrio Juary C. Silva que "a microcriminalidade é representada por atas antissociais episódicos, indicativos da criminalidade em pequena escala". Diversamente da microcriminalidade que figura como a soma dos delitos individuais, a macrocriminalidade nada mais é do que a delinquência em bloco conexo e compacto, incluída no contexto social de modo pouco transparente (crime organizado) ou sob rotulagem económica lícita (crime de colarinho branco). Alicerçada na certeza, ou quase-certeza, da impunidade, a macrocriminalidade visa exclusivamente o lucro. Via de regra, o macrocriminoso lucra e fica impune. São dois, portanto, os fatores da macrocriminalidade: o lucro e a impunidade. Óbvio que ambas as modalidades de antissociais, a micro e a macrocriminalidade, coexistem no tempo e no espaço, conquanto a primeira seja conjuntural e a segunda sistemática e estrutural. Faz-se notório, por outro lado, que as sociedades já desenvolvidas, ou em desenvolvimento econômico, representam o terreno mais propício à atuação da ma-

crocriminalidade, que atinge seus objetivos recorrendo à ardilosidade, às rabulices legais e à fraudação (crime de colarinho branco) ou, então, ao suborno, à intimidação e à violência (crime organizado). Compreende a macrocriminalidade, a rigor, o crime de colarinho branco e o crime organizado.

24.2 Crime de colarinho branco Na definição de Edwin Sutherland, o crime de colarinho branco, ou white cal! ar crime, vem a ser "a violação da lei penal por pessoas de elevado padrão socioeconômico, no exercício abusivo de uma profissão licita". É a delinquência econômica, na expressão de Manzanera Rodrigues. É o crime daqueles indivíduos de alto ou significativo status socioeconómico, que tranquilamente ignoram as leis para aumentar os lucros de suas atividades ocupacionais, principalmente aquelas relativas ao gerenciamento de negócios e empresas. No white collarcrime, também chamado de "delinquência dourada", a violência praticamente inexiste ou é rara, pois que seus promovedores atingem os propósitos

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colimados através da astúcia e da fraude, paramentados, que estão, com folgadas vestes aparentemente legais. Respaldado fundamentalmente em seu poderio económico, o criminoso de colarinho branco desfruta de ampla impunidade, de respeitabilidade social e até de intangibilidade! O Conselho da Europa, órgão colaborador do Conselho Económico e Social da ONU, divulgou um elenco dos considerados delitos económicos, a saber: formação de cartéis; abuso do poder económico das multinacionais; obtenção fraudulenta de fundos do Estado; criação de sociedades fictícias; fraudes em prejuízo dos credores; falsificação de balanços; fraudes sobre o capital de sociedades; concorrência desleal e publicidade enganosa; infraçóes alfandegárias; infraçóes cambiárias; infrações da bo)sa etc. Evidente que outros crimes económicos podem ser alinhados: a agiotagem ou espoliação onzenária por instituições financeiras; a violação abusiva dos princípios de proteção do consumidor e do trabalho; a defraudação do consumidor em todos os níveis; a manipulação de sistemas de crédito que majoram absurdamente os preços de mercadorias; o dumping de produtos farmacêuticos; a manipulação de má-fé de consórcios, de carnês e de apólices de seguro; a manutenção de firmas sofisticadas cujo intento maior é a colocação no mercado de artigos adulterados ou falsificados; a manipulação de companhias de turismo que especulam e engodam a clientela; a manipulação de grandes lojas e supermercados cujas máquinas registradoras totalizam geralmente a maior; a "indústria" das insolvências etc. Outros tantos crimes de colarinho branco poderiam ser sumulados, o que, entretanto, seria desnecessário e mesmo fatigante. São, enfim, os crimes por atacado, cometidos pelos "inacessíveis e incapturáveis", na clarividência do jurisconsulto Roberto Lyra ao fazer menção a essa espécie de hipercriminalidade. Um levantamento levado a efeito pela publicação American Management Assocíation demonstrou que, apenas em um ano, a delinquência norte-americana do white collar rendeu importância entre 30 e 40 bilhões de dólares! Observa Marshal B. Clinard que "os prejuízos financeiros para a sociedade, causados por um único crime de colarinho branco, podem corresponder à soma total de milhares de pequenos furtos, furtos qualificados e roubos". No Brasil o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a par de sanar as lacunas da vetusta Lei de Economia Popular de 1951, veio disciplinar toda a política de relações de consumo, com apenamentos de natureza penal, civil e administrativa contra os atentados lesivos aos direitos individuais do consumidor. Havendo mecanismos permissíveis da efetiva aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, quiçá seja bastante minimizada, entre nós, a acintosa avalancha da "delinquência dourada".

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24.3 Apreciação legal Na esfera criminológica, em perfunctório exame, pode assomar que o "crime do colarinho branco" é uma variante do chamado "crime organizado". Não é assim,

todavia, e a apreciação dogmática do white collar crime torna transparente que se trata de criminalidade essencialmente ligada ao controle da economia em um sistema capitalista. Por isso a fragilidade da fiscalização estatal quando às voltas com tal prática delituosa. Demais disso, nos países pobres, o rígido enfrentamento penal é direcionado hegemonicamente aos desprotegidos do contexto. Tal deliberação praticamente nunca investe contra a criminalidade das poderosas corporações industriais cuja lesividade atentatória aos interesses coletivos permanece incólume e até complacentemente encoberta pelo aparelho repressivo do Estado, robustecendo, assim, as denominadas "cifras negras" da delinquência. Trata-se da impunidade oficial com que, nos países subdesenvolvidos e sem justiça democrática, se galardoa os poderosos, nada importando que eles cometam crimes altamente prejudiciais ao desenvolvimento socioeconômico do país! No Brasil intenta-se, diga-se assim, combater o "crime do colarinho branco" com a Lei 7.492, de 16.06.1986, coadjuvada pela Lei 8.884, de 11.11.1994. A Lei 7.492/1986 ironicamente é epitetada por muitos de "Lei de Regência". A Lei 8.884/1994 é a chamada "Lei Antitruste", que, alterando dispositivo do Código Penal Brasileiro, possibilita a prisão preventiva como garantia da "ordem económica" e que, dando nova redação à Lei 8.137/1990 (que define os ilícitos penais contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), dispõe ser crime contra a

ordem económica elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado. Esses, talvez, os dois únicos aspectos positivos da Lei 8.884/1994! Relativamente à Lei 7.492/1986, sua finalidade é assegurar a proteção ao sistema financeir? brasileiro, penalizando aqueles cujas ações, ou omissões, contrariem essa tutela. A ilharga da Lei 7.492/1986 vem a Lei 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nas hipóteses de enriquecimento ilícito quando no exercício de mandato, cargo ou função na administração pública direta ou autárquica.

Voltando à Lei 7.492/1986, seus pouco mais de trinta dispositivos típicos (divulgar informação falsa sobre instituição financeira, negociar títulos ou valores mobiliários falsos, fraudar a fiscalização ou o investidor, exigir juro ou comissão ilegais sobre operação de crédito ou de seguro, credenciar-se falsamente em liquidação extrajudicial ou em falência de instituição financeira, operar instituição financeira ou de valores mobiliários ou câmbio sem autorização competente, obter fraudulentamente financiamento em instituição do ramo, promover a evasão de divisas do país

através de operação de câmbio não autorizada etc.) consubstanciam na verdade apequenado e tíbio esforço no inglório "braço de ferro" que a fragiliza'da sociedad~ civil teima em travar com o façanhudo poder económico, que, sempre vitorioso, ousa cada vez mais! Tudo porque a alheada política criminal brasileira prioriza es-

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cancaradamente o infrutífero embate contra a microcriminalidade. Não tem como

discordar, daí, que a política criminal pátria, intencional ou negligentemente, carece de um sistema jurídico corajoso e igualitário, no mínimo ignorando que "a justiça é o pão do povo" na frase feliz de Bretch. Parece, enfim, que os países pobres, e o Brasil entre eles, são estranhamente hostis à intervenção no domínio econômico.

No Brasil, exemplo perfeito de delito de "colarinho branco" foi aquele emaranhado criminoso que suscitou, há poucos anos, no Congresso Nacional, a cognominada "CP! dos Anões do Orçamento", sobre grandes desvios e outras mazelas na peça orçamentária da União e que, após demorado tempo e suspeitosas marchas e contramarchas das "investigações" por parte de parlamentares, culminou somente com a incriminação de "peixes" miúdos! Extraíram-se dois ou três tentáculos, mas o

polvo da corrupção continuou vivíssimo e atuante! Depois, ainda no Brasil e também visando crimes de "colarinho branco", vieram outras CP!s em nível federal, estadual e municipal, sempre com o mesmo resultado! Por essas e outras bandalheiras e pela macrocorrupção que impunemente grassa no país é que conhecido noticiarista de TV repete, incansável, que "o Brasil tem de ser passado a limpo". Rigorosamente, no Brasil, os crimes de "colarinho branco" deveriam ser investigados pelas Polícias Federal e Civil com a assistência do Ministério Público e, quando legalmente imprescindível, com o aval ou auxílio do Poder Legislativo. Ainda no tocante ao crime organizado na Itália, de mencionar que, em 05 de novembro de 2007, na cidade de Palermo, foi preso Salvatore Lo Piccolo, considerado um dos principais chefes da Cosa Nostra siciliana. Salvatore Lo Piccolo, cognominado "Barão", estava foragido havia 23 anos. Também na Itália, em 12 de dezembro de 2008, na penitenciária de Pagliarelli, em Palermo, foi encontrado enforcado em sua cela o conhecido facínora Gaetano Lo Presti, detido um dia antes com quase uma centena de suspeitos, todos acusados de tentar reativar a cúpula da Cosa Nostra, a máfia siciliana. Lo Presti era um dos principais líderes do plano de reavivar a organização criminosa que ficara acéfala com as prisões, em 2006 e 2007, dos chefes Bernardo Provenzano e Salvatore Lo Piccolo. Segundo a polícia italiana, Lo Presti teria afirmado que, para a plena reorganização da Cosa Nostra, havia recebido o aval de Giuseppe Salvatore Riina, filho de Totó Riina, mandatário histórico da máfia siciliana que foi preso em 1993 e até hoje cumpre pena. Gaetano Lo Presti era considerado o "cabeça" da Cosa Nostra na região de Porta Nuova e foi detido durante a "Operação Perseo", deflagrada em inúmeras províncias italianas e que contou com a atuação de 1.200 policiais apoiados por helicópteros. Todos os detidos durante a operação foram formalmente acusados de extorsão, tráfico de drogas e de ligação com a "Cúpula Provincial", nova denominação dada à Cosa Nostra siciliana no início de sua reestruturação. Ainda na Itália, em 10.05.2009, na Calábria, foi preso Salvatore Coluccio, líder de um clã da N'drangheta (a máfia calabresa), que figura na lista dos trinta mais perigosos fugitivos da justiça italiana. Ele é irmão de Giuseppe Coluccio, preso em agosto de 2008 no Canadá. Salvatore e Giuseppe, entre outros crimes, são acusados

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de chefiar o clã da N'drangheta incumbido do tráfico de drogas entre a América do Sul e a Calábria. Na cidade italiana de Nápoles, em 30.10.2009, foi preso Salvatore Russo, chefe de um dos mais importantes tentáculos da Camorra (máfia napolitana). Russo, de 52 anos de idade, estava foragido da justiça italiana desde 1995 e, pelos crimes direta ou indiretamente cometidos, era tido como um dos mais violentos membros da Camorra. Em junho de 2010 o italiano Antonio Maria Costa, diretor do programa Combate ao Crime da ONU, enfatizou que o crime organizado se internacionalizou mais rapidamente que sua prevenção e repressão pela governança mundial e, por isso, transformou-se numa "superpotência global" integrada por organizações criminosas que traficam drogas, armas, pessoas e produtos falsificados. Segundo relatório do programa Combate ao Crime da ONU, os delinquentes globais estão faturando dezenas de bilhões de dólares no mundo atualmente através de seus gigantescos mercados, sendo protegidos por fornecedores que representam verdadeira "superpotência" sofisticadamente armada e supervisionada pelas diversas máfias. Esclarece ainda o relatório do programa Combate ao Crime da ONU que o tráfico para exploração sexual na Europa gera anualmente perto deUS$ 3 bilhões, que o envio ilegal de trabalhadores para a Europa e Estados Unidos gera US$ 7 bilhões por ano, o mercado de heroína para a Europa gera US$ 20 bilhões anuais e a entrada de produtos falsificados nos países europeus e sul-americanos gera no mínimo US$ 1O bilhões anuais. Retroagindo ao anteriormente referido atentado contra a vida do papa João Paulo II cometido em 1981 pelo turco Mehmet Ali Agca, que seria membro do grupo terrorista "Lobos Cinzentos", apropriado referir que, em 2006, o Parlamento Italiano concluiu que "Leonid Brejnev, então presidente da extinta União Soviética, encomendou ao serviço de Inteligência do Exército da URSS a morte do papa João Paulo II (Karol Wojtyla), que apoiava o Sindicato da Solidariedade e a luta pela democratização da Polónia. Para tanto, os soviéticos teriam usado o Serviço Secreto da Bulgária e espiões da antiga Alemanha Oriental". Asseverando que esta versão é verdadeira, o senador Paolo Guzzanti, presidente da supradita comissão, esclareceu que o caso da tentativa do assassínio do papa João Paulo II foi reaberto diante do contido no seu último livro, intitulado Memória e identidade, que fora lançado no mencionado ano de 2005 e onde o Papa diz "não acreditar que Mehmet Ali Agca tenha sido o único responsável pela ação criminosa que, inclusive, teria sido planejada por outrem". Aliás, em 1986, Ali Agca foi condenado à prisão perpétua, mas seis outras pessoas foram inocentadas por falta de provas. 24.4 Crime organizado Consoante esclarece Mannhein, os países clássicos do crime profissional ou organizado são a Itália e os Estados Unidos. A rigor, o crime organizado surgiu na

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região italiana da Sicília, com a denominação "Má fia" ou La Cosa Nostra, de lá vindo aportar nos Estados Unidos, através da imigração, na segunda metade do século XIX e no início do século XX. Nos Estados Unidos a Máfia também é conhecida por "Sindicato do Crime" e por "Organização". Extreme de dúvida, porém, que os mafiosos italianos e norte-americanos integram grupos de uma organização criminosa coesa, uniforme e com objetivos bem-definidos, conquanto, não raro, imposições geopolíticas impelem um ou outro grupo à consecução de operações completamente distintas. Em razão de eventuais circunstâncias, um grupo às vezes tem de recorrer a violências de cunho local, como sucedeu há anos na Itália, quando a Máfia italiana sequestrou e assassinou brutalmente o Primeiro-Ministro Aldo Moro. Outros assassínios, aliás, foram perpetrados pela Máfia italiana como demonstração de força e declarada resistência e afronta aos órgãos de coibição penaL Entre eles: a morte, em maio de 1971, na cidade de Palermo, do Procurador Chefe da República Pietro Scaglione; o assassínio, em agosto de 1977, do carabinieri Giuseppe Russo; os assassínios, em 1979, dos juízes Cesare Terranova e Giórgio Ambrosoli, do marechal Leni Mancusso, do chefe de polícia de Palermo Boria Gigliano, do secretário provincial da Democracia Cristã Michel Reina e do jornalista Mário Franose; amorte, em 1980, do dirigente democrata-cristão Piersanti Mattarella e do capitão dos carabinieri Emanuele Basile; os assassínios, em 1982, do general Dalla Chiesa e sua esposa Emanuela Setti, do secretário do PC! La Torre e seu motorista, do prefeito de Palermo e do agente de segurança Domenico Russo; as mortes, em 1983, dos juízes Giangiacomo Ciaccio Montalvo e Roco Chinnici; a morte, em dezembro de 1984, do jornalista Giuseppe Fava; o atentado, em 1985, contra o juiz Cario Palermo, no qual morreu sua esposa Barbara Rizzo e também seus dois filhos gêmeos; os assassínios, em 1988, do juiz Antonio Saetta e de seu filho Stéfano Saetta, do ex-prefeito de Palermo Giuseppe Insalaco e do jornalista Mauro Rostagno; a morte, em 1990, do juiz Rosario Livatino; o assassínio, em 1991, na Calábria, do Procurador-Geral do STJ Antonio Scopellite; os assassínios, em 1992, do juiz Giovanni Falcone, de sua mulher Francesca Morvilho e de três agentes de sua escolta; os assassínios, em 1992, do juiz Paolo Borselino e de cinco seguranças que o protegiam; a morte, em 1992, do deputado democrata-cristão Salvo Limazzio, dirigente da Seção de Antiextorsão da Catânia etc. Quando se alude à Máfia italiana ou à Máfia norte-americana, é apenas para situar a base europeia ou americana da organização, que na realidade é uma só, mas dirigida por vários chefes em perfeito sincronismo. Inquestionável, por outro lado, que, hoje, a atuação do crime organizado é praticamente universaL A interligação da economia mundial permitiu ao crime organizado a globalização de suas "atividades", mormente após a queda do comunismo soviético e a dissolução das fronteiras da Europa por consequência da formação da comunidade econômica europeia. Com isto a Máfia, seja a siciliana ou sua coirmã norte-americana, tende a crescer ainda mais, e assim também aquelas organizações menores, algumas das quais lhe são aparentadas, como a "Camorra" de Nápoles,

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"Sacra Carona Unira" de Púglia e a "N'drangheta" da Calábria. E igualmente se expandem as Tríades chinesas e a Yakuza japonesa, além de bandos criminosos Jutros que, amparados pela Máfia siciliana, agem na Europa do Leste e na Rússia e, Jresentemente, na França, na Holanda, na Grã-Bretanha e na Alemanha.

tensivamente o emblema da organização logo à entrada dos prédios. Os mafiosos da Yakuza exibem os símbolos da organização bem à vista, na lapela. Isto ocorre porque, no Japão, não há leis que coíbam o crime organizado, também inexistindo

Na verdade, foi o aparecimento da Máfia nos Estados Unidos que marcou a naioriclacle do crime organizado na sociedade ele consumo. O "Sindicato elo Crime" ~ o protótipo, o modelo mais expressivo elo crime organizado, mas evidentemente

declaradamente mafiosos. Registras de extorsão e tráfico de influência dificilmente vão até os tribunais numa sociedade em que a troca de favores e obrigações torna nebulosa a linha que divide o legal do ilegal.

1ão é o único.

Tolerados como um mal necessário, os mafiosos japoneses culminam por desempenhar um relevante papel político e econõmico em todos os níveis da sociedade nipõnica. Ao revés, a liberdade de ação da "máfia japonesa" chega a permitir, como sucedeu em 1992, que a própria Yakuza entrasse com processo contra o governo!

Existem inúmeras organizações criminosas espalhadas pelo mundo, mas 1enhuma com o poderio e a influência ela Máfia através ele seus grupos italiano e 1orte-americano.

Na China, por exemplo, as Tríades existiam secretamente desde o século I d.C. Jara combater o despotismo monárquico. No século XVIII as Tríades se opuseram :nergicamente à dinastia Manchu. Hoje as Tríades estão inteiramente voltadas para >comércio de drogas e para a exploração elo lenocínio, constando que congregam nais de 100 mil membros! Suas ramificações atingem vários países. Nos Estados Jnidos as Tríades nunca conseguiram operar em maior escala, embora tenham certa >resença na traficância de tóxicos. A tríade mais poderosa é a "Sun Yee On" (Futuro de Justiça e Paz), que mantém edes em Macau, em Taiwan e no Vietnâ. Integrada por quase 45 mil sectários, a Sun Yee On" atua em países da Ásia, nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália : na República Dominicana. Igualmente forte, a tríade "Wo Sing Wo" (Grupo Harmonia), com sede em Iong Kong, está disseminada pela China, Canadá, Estados Unidos e Austrália. É omposta por aproximadamente 20 mil membros. A tríade "Tai Hung Chai" (Sociedade do Grande Círculo), formada por exomunistas chineses, opera em Hong Kong, em Taiwan, nas Filipinas, no Japão, na Iolanda, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. Outra tríade, a "Sociedade do Bambu", com sede em Taiwan, age em Macau, m Hong Kong, nas Filipinas, no Japão, nos Estados Unidos e no Canadá. A tríade denominada "14 K" mantém sua base em Hong Kong e conta em suas .!eiras com quase 20 mil membros. Opera em Macau em Taiwan nas Filipinas .o Canadá, na Holanda, nos Estados Unidos, na Aust;ália, na Ingl~terra e no Pa~ aguai. As Tríades chinesas são ativas durante todo o processo de produção, refino e :ansporte da heroína ("china white"). Mas, hoje, onde elas se revelam mais eficazes nos locais de venda europeus e americanos. Elas dispõem de contatos nos bairros hineses das grandes cidades ocidentais, sobretudo em Vancouver. A Yakuza, ou "máfia japonesa", diferentemente da Máfia siciliana e da Máfia arte-americana, tem escritórios disseminados por todo o Japão, mostrando os-

leis taxativas que proíbam sumariamente a extorsão ou certas ações dos elementos

Contudo, uma série de escândalos político-financeiros ensejou, nestes últimos anos, a introdução de leis criminais mais em sintonia com os países ocidentais. Um exemplo disso é a lei borykudan-shinpô, que permite à Polícia confiscar lucros obtidos

com o comércio de drogas. Três grandes grupos abrigam quase todo o efetivo da Yakuza. O "Yamaguchigumi", o maior deles, é o único com bases de operações fora de Tóquio e estende seu controle sobre Kobe, Osaka e Kioto. Em Kobe funciona seu quartel-general. Em Tóquio atuam as organizações "Sumiyoshi-Kai" e "Inagawa-Kay", que têm como principais fontes de renda o tráfico de drogas, a exploração da prostituição, a venda de armas, a extorsão através de "taxas de proteção", os jogos e as apostas etc. Como prova de lealdade e fria coragem, os membros da Yakuza costumam cortar uma falange de um dos dedos das mãos. Também são distinguidos pelas tatuagens que exibem. A "má fia japonesa" tem ligações fortes nos Estados Unidos, na Itália, na Coreia, na Tailândia e nas Filipinas. Seu faturamento anual atinge 10 bilhões de dólares. É sabido que em outros países operam associações criminosas nos moldes da Máfia, malgrado em proporções acentuadamente menores. É o que acontece na França, Inglaterra, Alemanha, Turquia, Peru, Bolívia, Paraguai, Brasil, Colômbia etc.

Na Colômbia, aliás, impressiona por sua força e influência política o chamado Cartel de Medellín, chefiado até fins de novembro de 1993 por Pablo Escobar Gaviria, que chegou a responder por 75% do comércio mundial de cocaína. Pablo Escobar amealhou uma fortuna calculada em US$ 3 bilhões! Consta que, através de empresas montadas na Colômbia, o Cartel de Medellín conseguiu injetar no país cerca deUS$ 1,5 bilhão por ano, empregando várias centenas de milhares de pessoas. Agindo sempre com extremada violência e para proteger um mercado mundial que estaria movimentando sete bilhões de dólares por ano, na década de 1980 o Cartel de Medellín mergulhou a Colômbia numa onda cruel e sistemática de atentados a bomba e assassínios que deixaram centenas de mortos entre policiais, juízes, políticos, traficantes e civis. Além dos assassínios a granel, foram cometidos 300 atentados a

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bomba e mais de 600 sequestros. Eutre as vítimas fatais da sanha criminosa de Dom Pablo e seus sicários, de mencionar Rodrigo Lara Bonilha, Ministro da Justiça, que foi morto em 1984, Guilhermo Cano, diretor do jornal El Espectador, e Luis Carlos Galan, candidato favorito à presidência da Colômbia, que foi assassinado a rajadas de metralhadora em 18.08.1989. Consta que o Cartel de Medellín mantinha "escolas de assassinos" dirigidas por mercenários britânicos e israelenses. Atribui-se aos megatraficautes Pablo Escobar Gaviria (Dom Pablo),Jorge Luiz Ochoa, Gonzalo Rodrigues Gacha (E! Mejicano) e Carlos Enrique Lehder Rivas a morte de mais de 1.000 policiais e promotores de justiça, de mais de 100 magistrados e aproximadamente 3.500 assassínios. Algumas foutes conferem essas mortes exclusivamente a Pablo Escobar Gaviria, que, bastante violento e ganancioso, acumulou uma fortuna de US$ 2,5 bilhões! Não há dúvida de que Pablo Escobar Gaviria era o mais poderoso traficaute da Colômbia, seguido respectivamente por Jorge Luiz Ochoa e Gonzalo Rodrigues Gacha, isto alusivameute ao Cartel de Medellín, que foi fundado por Carlos Enrique Lehder Rivas, misto de traficante e revolucionário que, há poucos anos, quando do julgameuto nos Estados Unidos do títere panamenho Manoel Antonio Noriega, proclamou textualmente: "A cocaína é a bomba atómica da América Latina". Em junho de 1991, sob promessa do presidente colombiano de não extraditá-lo para os Estados Unidos, "Dom Pablo" eutregou-se à Justiça, ficando recolhido num "presídio especial" da localidade de Enviago, com regalias de alto luxo! Todavia, sabendo, em julho de 1992, que seria transferido para outro presídio onde não poderia gerir seus "negócios", Pablo Escobar fugiu, permanecendo em liberdade até fins de novembro de 1993, quando, em tiroteio travado com o exército colombiano, foi morto. Com a morte de Pablo Escobar Gaviria o narcotráfico colombiano provavelmente passou a ser comandado, com certa exclusividade, pelos irmãos Gilberto e Miguel Rodrigues Orejuela, chefes do Cartel de Cali, organização mais discreta e com larga penetração nos mercados europeus e norte-americanos. Com isto, os irmãos Orejuela amealharam uma riqueza da ordem de dois bilhões de dólares! Tudo produto de centenas de milhares de vidas ceifadas ou irremediavelmente arruinadas pela cocaína ante o indiferentismo da comunidade internacional! Em fevereiro de 1998, em Bogotá, a polícia colombiana prendeu José Nelson Urrego Cárdenas, considerado um dos últimos grandes chefões do narcotráfico do país. No ano de 2000 a juíza colombiana Cláudia Merchán decretou que o governo colombiano ficasse responsável por 15% das ações do Clube de Futebol Milionários, açôes que pertenciam a Gonzalo Rodrigues Gacha, ex-subchefe do Cartel de Medellín. Tais açôes haviam sido adquiridas com dinheiro do tráfico de drogas. Não obstante, em pleno século XXI, os cartéis da cocaína da Colômbia, agora com dezenas de chefes e centenas de subchefes, continuam "operando" a todo vapor

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e, inclusive, aumentàndo suas vastíssimas plantações de coca agora razoavelmente acasaladas com a cultura da papoula, para a produção de heroína. Para tanto, os responsáveis pelos cartéis da cocaína pagam "pedágio" às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e ao EPL (Exército de Libertação Nacional), que protegem suas plantações de coca e papoula. As Farc, lideradas pelo revolucionário leninista-marxista Manoel Marolanda, é instrumento de fundamental apoio logístico para os cartéis da cocaína da Colômbia. Foram as Farc que, recentemente, propiciaram homizio ao famigerado traficante brasileiro Fernandinho "Beira-Mar", que aluava principalmente junto às populações faveladas da cidade do Rio de Janeiro e hoje cumpre pena no Brasil após ter sido preso pelo exército colombiano. Aliás, as Farc recebem armas do Suriname em troca da "pasta da cocaína".

Produzindo mais de 60% da cocaína usada ua Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul, os cartéis colombianos da droga têm um lucro anual de aproximadamente 360 bilhões de dólares. Diz-se por isso, com acerto, que eles representam o coração da economia colombiana. Mas o narcotráfico colombiano continuará enquanto ali continuarem as grandes plantações de coca. Presentemente o Brasil serve como importante elemento de ligação entre os grandes produtores de cocaína da Colômbia, Peru e Bolívia e os maiores distribuidores dos Estados Unidos e da Europa. Informe da ONU aponta o Brasil como o terceiro maior consumidor de drogas do mundo, considerando-se também as anfetaminas e os fármacos controlados. Mais de 80% das drogas que flagelam o Estado de São Paulo são transportadas por aviões particulares de pequeno porte que pousam, sem qualquer problema, nas incontáveis e pequenas pistas de aterrissagem existentes em boa parte das cidades paulistas. Em breve parêntese, de aduzir que, tanto no Brasil como no resto da América Latina, as anfetaminas são consumidas em escala idêntica à cocaína e à maconha. No Brasil, no ano de 2000, foram apreendidos pelas Polícias Federal e Civil mais de 4.500 quilos de cocaína e quase 100 quilos de "crack". óbvio que, de modo geral, a queda do consumo da cocaína, ou de outra droga qualquer, está diretamente vinculada à exacerbação da repressão no varejo e à intensa fiscalização junto às fontes ditas como distribuidoras. A par disso, os órgãos policiais investigativos necessitariam ter acesso às informações fiscais e bancárias dos indigitados traficantes, além de poderem interceptar suas comunicações telefónicas e eletrônicas. Paralelamente, isto serve também para o combate ao crime organizado em geral. Urge a rígida e constante fiscalização internacional com vistas aos locais preferidos para a "lavagem dos narcodólares", ou seja, para os epitetados "paraísos fiscais" que, mediante determinada percentagem, nada indagam dos depositantes. Tais "paraísos fiscais" são: Luxemburgo, Liechtenstein, Caiman, Barbados, Curaçao, Aruba, Bahamas, Bermudas, Malta, Samoa, Guemensey, Bonaire, Nauru, Saint Marteen, Antígua, Belize, Saint Lucie,Jersey, Ilhas Virgens, Ilhas Cook etc.

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No Brasil, na verdade, além do narcotráfico e da desenfreada exploração do jogo e da prostituição, que, não raro, acasalam seus interesses escusas, estrutura-se temerariamente a "indústria" dos sequestros com finalidade de resgate, geralmente com pagamento em dólares. Nos últimos anos os incontáveis sequestros, acontecidos principalmente nas grandes cidades brasileiras, renderam a seus executores polpudas quantias. Recentemente foram descobertas, por outro lado, gangues nacionais que, através de arrojadas e reiteradas fraudes cometidas em função das aposentadorias do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), se apropriaram de vultosas quantias em dinheiro, lesando pesadamente o Erário Público. Igualmente agem nos grandes centros urbanos brasileiros grupos estruturados de estelionatários que, sob o manto protetor de falsas crenças religiosas, exploram vorazmente a boa-fé e a credulidade de centenas de milhares de pessoas, angariando dinheirama tamanha que lhes permite livre ingresso às áreas de comunicação de massa, além de dividendos políticos! Consta, há anos, que profissionais do crime estariam agindo organizadamente nos garimpos do norte do Brasil, desviando toneladas de minérios (cassiterita principalmente) com a utilização de pistas de pouso em áreas inóspitas. Assim também, máxime nas grandes cidades elo Sul e Sudeste brasileiro, os furtos e roubos de carros e ele cargas auto transportadas e, ainda, os roubos a bancos e a carros ele valores, por suas crescentes proporções e aparato operacional, estão a indicar a possível existência ele crime organizado. Referentemente aos grupos criminosos denominados Comando Vermelho ( CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), que atuam no Rio de janeiro e em São Paulo respectivamente, são meras quadrilhas que, agindo no interior de presídios, planejam, com execução externa, roubos a bancos e a carros-fortes, tráfico ele drogas, sequestros com finalidade lucrativa e resgate ele presos. Seria bastante temerário e sem maior fundamentação supor que tais grupos integram o crime organizado internacional ou qualquer um elos cartéis de drogas da Colômbia! De lembrar, por oportuno, que, em 22.10.I983, num bairro citadino ele São Paulo, foi preso o mafioso italiano Tommaso Buscheta, conhecido por "Dom Masino", que tinha sob sua guarda 570 quilos de cocaína. Repatriado, Tommaso Buscheta forneceu às autoridades italianas informações que propiciaram a detenção ele mais de uma centena de mafiosos. Buscheta teria sido o primeiro mafioso a vir para o BrasiL Poucos anos depois, na cidade carioca ele Búzios, foi detectada a presença elo importante mafioso Antonio Bardelino, condenado na Itália a mais de 100 anos ele prisão pela prática de homicídios e tráfico ele drogas. No Brasil Bardelino era ligado a Fabrizio Norberto Sansoni, do clã ele Tommaso Buscheta. Fugindo elo Brasil, Antonio Barclelino teria conseguido homizio na Colômbia. A polícia italiana recebeu informações ele que ele teria sido morto, o que não ftcou comprovado. Em 1989 teria fixado residência em São Paulo o napolitano Pasquale Raffaele Graziani, tido como um elos principais chefes ela Camorra na América do SuL Supõe-se que em 1990 tenha vindo para São Paulo Giuseppe Castoro, ela Máfia siciliana, que é procurado na Itália pela prática ele assassínios, extorsões e tráfico ele tóxicos. Em 1991 fugiu

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da Polícia Federal, em Brasília, o italiano Umberto Ammaturo, um dos chefes da Camorra napolitana, que vivia em São Paulo desde 1988 e usava o Brasil como base ele remessa de drogas para a Europa. Além de Umberto Ammaturo, ele 1989 para cá a polícia brasileira igualmente prendeu os mafiosos italianos Francesco Toscanino e Paolo Angeli Sorpreenclenti, este último clono ele uma firma de exportação de tecidos estabelecida no bairro do Jabaquara, em São Paulo. De referir que a lnterpol tem notícias de que as cidades ele São Paulo e elo Rio ele janeiro abrigam dezenas ele membros elas máfias italianas, chinesa e japonesa. Acredita-se que elementos ela Máfia siciliana, ela Camorra ou "máfia napolitana", da Sacra Carona Unita de Púglia e da La N'drangheta ela Calábria ainda utilizam o Brasil para montar seus "negócios", inclusive associando-se a brasileiros e lançando mão de mulheres para o transporte internacional ele cocaína. Como "fachadas" eles usariam restaurantes, empresas exportadoras etc. Ainda estariam investindo em imóveis e terras. Responsável pelo tráfico de heroína, a máfia chinesa opera em todo o Brasil, embora use como sede de operações a cidade de São Paulo. Costuma cobrar "taxa ele proteção" e exige dinheiro elos orientais que se encontram irregularmente no país. Nos últimos 15 anos 20 chineses foram assassinados nos bairros da Liberclacle, ela Vila Mariana e ela Saúde, em São Paulo. Eles teriam se recusado a pagar a "taxa". Em 1984, no bairro ele Vila Mariana, na Capital ele São Paulo, o jornalista chinês Chien Tang Chiang foi morto com quatro tiros na cabeça, disparos atribuídos ao pistoleiro profissional Huang Shuya Tzang, enviado ele Hong Kong pelo comando da tríade "14 K", cujo quartel-general sul-americano está instalado no Paraguai. Chien Tang Chiang foi assassinado porque vinha denunciando às autoridades brasileiras, pelo seu jornal, a ação elas Tríades. Ao pistoleiro Huang Shuya Tzang são conferidas as mortes de Liao Kungjung, Liao Chung Ming, Shung Wong Kang, Jung Soon Li e Wang Chia Po, todos chineses radicados em São Paulo. Em todos esses homicídios foi empregada sempre a mesma técnica: quatro disparos ele pistola semiautomática calibre 7,65 mm. Em abril de 1985 Huang Shuya Tzang desapareceu de circulação. Consta que a "Yamaguchi-Gumi", um elos principais ramos ela organização criminosa japonesa Yakuza, estaria controlando casas noturnas e clubes de jogos do bairro da Liberdade, em São Paulo. Os mafiosos japoneses também são acusados ele aliciar mulheres em várias capitais do Brasil para a prostituição no Japão. Sobre o narcotráfico, ainda que não sendo país produtor, o Brasil se presta favoravelmente como centro de refinamento e distribuição elas drogas em virtude ele sua larga extensão territorial e pelo fato ele ter fronteiras com a Colômbia, a Bolívia e o Peru, que são grandes produtores ele tóxicos e onde a arrecadação da traficância supera aquela de todo o conjunto de exportações! A maconha chega ao Brasil por intermédio do eixo Pedro Juan Caballero - Ponta Porã; a cocaína através elo eixo Puerto Soares- Corumbá. Os grandes traficantes ele cocaína e de heroína também se utilizam elas rotas aéreas Belém-Paris e Recife-Dacar. Consta que pelo corredor brasileiro do tráfico passam mais de 120 toneladas ele cocaína por ano. Aliás, são

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constantes as apreensões de cocaína no Aeroporto Internacional de Cumbica, em São Paulo. Todavia, conquanto as rotas do tráfico internacional sejam de regra conhecidas, as dificuldades para fechá-las são ainda maiores do que para eliminar os centros de produção, pois que os traficantes dispõem de meios de comunicação e transporte ultramodernos, além de ligações com pessoas influentes que, não raro, integram o staff governamental deste ou daquele país. De maior importância, porém, a abordagem sobre a Máfia, que, como foi citado, tem sedes na Itália e nos Estados Unidos. A mais antiga sociedade secreta de algum modo relacionada com a Máfia foi a Fíbbia, criada na Calábria no início do século XVIII e que, depois, passou a chamarse Onorata Società. Esta sociedade se resumia numa aristocracia local que, com o apoio da franco-maçonaria, hostilizava o governo central italiano (instalado em Roma) por causa da miséria imperante na região suL Depois, desvirtuadas totalmente suas finalidades, a Onorata Società partiu para pilhagens, atentados e outros delitos menores. Entrando em rápido declínio, esta organização se extinguiu no fim do século XIX. A Camorra é outra associação que surgiu nas prisões napolitanas, onde seus chefes manobravam a seu talante os demais presos e as próprias administrações dos presídios. A partir de meados do século passado as ações da Camorra se estenderam além das prisões, extrapolando inclusive os limites da cidade de Nápoles. A organização desmembrava-se em Baixa e Alta Camorra. A primeira era composta por bandos heterogêneos de bandidos, ladrões e vadios, recrutados nas ruas, que se dedicavam a toda sorte de crimes patrimoniais e também ao assassínio por encomenda. Em 1922 a Camorra entrou em declínio e, tentando atuar nos Estados Unidos, logrou, no máximo, que alguns de seus elementos fossem absorvidos pela Máfia. Em seguida à queda do ditador Mussolini, a Camorra teve sua força e influência sobremaneira reduzidas na Itália. Outra organização criminosa de matização italiana surgida nos Estados Unidos foi a Mano Nera. Composta por italianos fugidos da justiça de seu país e por ítaloamericanos, a Mano Nera tinha por objetivo principal a extorsão contra compatriotas enriquecidos, assassinando-os em caso de não atendimento. O célebre cantor Caruso foi obrigado a pagar 5.000 dólares à organização. A designação "Mano Negra" era devido a uma mão negra grosseiramente desenhada ao pé das cartas ou bilhetes que exigiam dinheiro da vítima. O primeiro mafioso a se opor à Mano Nera foi o influente johnny Torrio, e, por isso, a partir de 1930, a societas sceleris deixou de existir. A Máfia italiana propriamente dita surgiu na Sicília depois de 1860, quando a burguesia rica, que se estabelecera nas terras do Estado e das ordens religiosas abolidas, passou a ser contestada e afrontada pelas populações rurais e bandos de delinquentes jovens, que também queriam terras para si. Desse cotejo resultaram tratativas e finalmente um acordo: os camponeses passaram a defender as grandes propriedades e os direitos daqueles que nelas viviam. Formaram-se, então, diversas pequenas associações de três ou quatro homens ("homens de honra") que cons-

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tituíam um grupo ou família, cada qual dominando determinado território. Cada família passou a ter seu próprio território onde imperava. Em torno dos "homens de honra" gravitavam servidores fiéis, os piciiotti, obedientes, disciplinados e prontos para matar. O conjunto dessas famílias protegia os humildes dos desmandos dos poderosos e fazia justiça onde a lei não chegava. Cada família não poderia intervir no território de outra, salvo se expressamente autorizada pelo consenso das famílias. Dessa organização aflorou a Máfia, que ainda hoje continua apegada à tradição da autonomia de cada família, eis que um mafioso não pode atuar na área de outro. Outra regra ainda rigidamente obedecida é a do silêncio. A velha Máfia nunca matava mulheres ou crianças e também poupava os carabinieri e os policiais civis, porque eles simplesmente cumpriam seu dever. Tal como hoje acontece, as famílias mafiosas do século XIX se sujeitavam ao comando de uns poucos, denominados "capas". Eventualmente unidas várias famílias, seu chefe era chamado de capo dei capi. Esse foi o caso, por exemplo, de Dom Giuseppe Genco Russo, de Palermo, e de Dom Calógero Vizzini, de Villalba. Esses foram os dois mais poderosos "padrinhos" da Máfia siciliana depois da Segunda Guerra MundiaL Aliás, durante a guerra de 1939 a 1945, a Máfia siciliana cooperou com as tropas aliadas e entre os colaboradores mafiosos estavam Calógero Vizzini, Vito Genovese e Lucky Luciano, que foi trazido de Danemore, na América do Norte, onde estava preso, para auxiliar os americanos a prepararem a libertação da Sicília, então sob o jugo nazifascista. Em 1990 a polícia italiana catalogou, na Sicília, 142 "famílias" e 3.564 mafiosos, desde os "soldados" ao "capo di tutti capi". Entre as 4 2 "famílias" mais poderosas da Má fia siciliana figuravam, naquela relação de 1990, as de Paolo Di Maggio (atuando em Terrasini e integrante da Cosa Nostra dos Estados Unidos), de Filippo Marchese (operando na parte leste de Palermo e componente da Cosa Nostra norte-americana), de Biaggio Gullo (atuando no Canadá e na Venezuela), de Giuseppe Evoca (agindo na Sicília Ocidental), de Antonio Porcelli (operando na Grécia e na Turquia), de Gioachino Pitruzzella (integrante da Cosa Nostra norte-americana), de Giuseppe Bona, do clã Fidanzati (amando em Milão, Marineo, Bolognetta, Cimina e na Argentina), de Giuseppe Grego (operando em Palermo, na Grécia e nos Estados Unidos), de Angelo Pipitone (integrante da Cosa Nostra dos Estados Unidos), de Gaspare Sciacca (componente da Cosa Nostra norte-americana), de Luciano Leggio, da família Corleone (atuando em toda a Sicília e integrante da Camorra, da N'drangheta e da Cosa Nostra dos Estados Unidos), de Pasquale Braceia (operando em Agrigento e componente da Cosa Nostra norteamericana), de Andrea Di Cario (amando em Palermo, Antofonte e integrante da Cosa Nostra dos Estados Unidos), de Giuseppe Calo (operando em Palermo, na Grécia, na Turquia, na Suíça e na Alemanha), de Salvatore Di Vincenzo (operando em Palma Di Montechiaro e Porto Empedocle), de Groce Napoli (atuando em Palma Di Montechiaro), de Onofrio Catalano (operando em Cimina e integrante dos clãs Bonanno e Gambino de Nova Iorque), de Caetano Costa (atuando em Messina),

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de Giuseppe Madonia (operando em Caltanissetta), de Leonardo Grego (atuando em Bagheria, Aspra, Santa Flavia e Porticello), de Giuseppe Di Salvo (operando em Pelagonia, Scordia, Militello e Francofonte), de Salvatore Schiavove (amando em Siracusa,Avola e Noto), de Giuseppe Farinella (operando em San Mauro Castelverde, Tusa, Castel di Lucio, Cefalu e Pettineo), de Alfio Santangelo (atuando em Adiado, Biancavilla, Brome e S. Maria de Licodia), de Placido Cario lo (operando em Messina e integrante da Camorra e da N'drangheta), de Geraldo Fresta, do clã dos Lupitto (atuando em Piedmonte, Calatabiano, Fiumefreddo di Sicília, Linguaglossa, Etneo, Giardini, na Baviera e em Munique), de Giuseppe Carozzo (operando em Turim, Milão, Catânia e também na Iugoslávia no tráfico de armas), de Salvatore Pillera (amando em Catânia e na América Latina, além de integrante da Cosa Nostra norteamericana), de Sebastião Nardo (operando em Lentini, Carlentini e Francofonte), de Benedetto Santapaola (operando na Catânia, Siracusa, Missina, Grécia, Suíça, Malta, Antilhas e Iugoslávia, além de integrante da Camorra e da N'drangheta) etc. É inquestionável que a Máfia tem uma sólida estrutura interna, dividindo-se em agregados ou famílias cujos membros variam de 20 a 600 ou 700 pessoas, com um chefe (capi ou boss) e subchefes ou underboss. No mesmo nível dos subchefes estão os conseglieri ou consultores, Em seguida vêm os caporegime, que se colocam entre o alto e o baixo escalão da família. Os caporegime, a par de intermediários, comandam as unidades de operação. Os integrantes menos categorizados do agregado ou família são os soldadi. O mais alto poder da organização está num colegiado, a comissão, composto por um grupo de 9 a 12 chefes. A comissão, de jurisdição nacional (italiana ou americana), serve como órgão legislador, suprema corte, colegiado diretivo e junta arbitral. Em geral, o mafioso não é muito jovem. Sua idade é a garantia de sua experiência. Normalmente ele fala pouco e não se envolve em escândalos, evitando sempre conflito com a polícia ou com a Administração Pública. Todavia, seu gosto pelas armas individuais é acentuado e ele se permite pagar alto preço pelo direito do porte.

A Máfia deve grande parte de sua força e coesão à obediência incondicional de seus membros aos chefes e também ao respeito às suas regras, que constituem um verdadeiro "código de honra" ao qual todos devem reverência. São os seguintes os quatro fundamentos de honra da Máfia: os membros da organização se ajudam mutuamente, qualquer que seja a natureza dessa ajuda; eles se comprometem à obediência absoluta em relação aos superiores; toda ofensa a um membro da Máfia, sob qualquer forma, é um ataque a todos; aquele que, por qualquer razão, revelar os nomes dos membros da organização será eliminado por qualquer um e a qualquer momento, ocorrendo que a vingança é executada contra ele e toda a sua família. Este quarto mandamento implica a "omertà", ou lei do silêncio, que é a garantia de longevidade da Máfia. Seria muito difícil definir com exatidão o que seja a Máfia. Não obstante, nenhuma outra sociedade criminosa suscita tanta curiosidade e tantos comentários. Há

várias dezenas de anos a Máfia, ou La Cosa Nostra, como também é designada nos

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Estados Unidos, é o assunto preferido de vasta literatura escrita e filmada. Até hoje, porém, ela perdura secreta e misteriosa. Há duas décadas ou pouco mais, dirigindose aos incrédulos dos poderes da Máfia, o então Ministro da justiça norte-americana Robert Kennedy declarou: "Numerosos americanos imaginam que o crime organizado, o sindicato do crime, não lhes diz respeito. Estão errados. O poder político e económico do crime organizado cresceu rapidamente, a ponto de, hoje, afetar a maioria entre nós". Até mesmo a origem da palavra "máfia" é controvertida. Em 1868, no seu pequeno dicionário de palavras sicilianas, o filólogo Tarina define má fia com a significação de "esperteza", "bravata". Retrocedendo à invasão moura da parte ocidental da ilha da Sicília, em 827, o historiador Gaetano Falzone entende que o vocábulo máfia derivou da expressão "mahfal", que significa "reunião de muitas pessoas", ou do termo "mahyas", que quer dizer "defender alguém de alguma coisa". O lexicógrafo italiano Avalio conclui que a palavra máfia resultou do vocábulo francês "meffler", derivado de "maufe" (o deus do mal). Mortillaro di Villarena acha que o termo máfia é u1na simples tradução piemontesa, uma espécie de sinônimo de "camorra". A maioria dos criminólogos norte-americanos aceita que a Má fia, ou o Sindicato do Crime, como eles também chamam, surgiu nos Estados Unidos em I860, com as primeiras levas de imigrantes italianos. Asseveram, muitos, que a Máfia somente se emancipou na América do Norte com o fim da Lei Seca. É certo que nas décadas de 20 e 30, com a imposição da Lei Seca, o crime organizou-se quase harmonicamente para investir na exploração da venda ilegal de bebidas, visto que possuía estruturação para controlar o jogo e a exploração do lenocínio. Contudo, embora mantendo seu domínio no submundo americano, até o final da década de 30 a Máfia ainda não lograra estabelecer o monopólio do contrabando das bebidas. O mercado era demasiadamente amplo e o contingente de pessoal e o capital para a demanda muito grandes para serem manipulados, a contento, por um grupo etnicamente centrado e dotado de base restrita como a Máfia siciliana. Era imprescindível, desse modo, a amalgamação com outros ítalo-americanos, o que foi conseguido mercê da liderança do capi Lucky Luciano e incluía não só a Máfia como todo o território dos Estados Unidos, além de expandir o comércio ilegal para o exterior. Subsequentemente, na década de 40, com a revogação da Lei Seca, o crime organizado norte-americano perdeu o lucro obtido com as transações ilícitas de bebidas, restando imperioso incrementar os negócios pertinentes ao jogo, à prostituição e ao tráfico de drogas, que hoje são o tripé de sustentação da organização, que, entretanto, ainda lança mão da extorsão e do contrabando. Consoante a "Special Comittee to Investiga te Crime in Interstate Commerce", ou Comissão Kefauver do Senado Norte-Americano, a joga tina nas últimas décadas se tornou uma das maiores fontes de lucro dos Estados Unidos. Tanto assim que, em seu livro The Sociology of Crime and Delinquency (La Cosa Nostra), Daniel Bel! diz enfaticamente que, no regime capitalista americano, o crime se transformou na exploração do consumidor através do jogo.

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É certo que em 13.05.1929, em Atlantic City, numa reunião patrocinada pelo

mafiosojohnny Torrio e por Al Capone, aconteceu a sedimentação e o agigantamento da Máfia norte-americana ou Sindicato do Crime. Compareceram ao encontro dezenas de criminosos de proa, entre eles Lucky Luciano, Albert Anastasia, Giuseppe Masseria, Tony Lombarda, Duth Schultz,Joe Adonis, Frank Yale, Louis Buchalter e outros. A Frank Yale é confiado o setor do Brooklin. O setor de Manhattan fica com Lucky Luciano, que, em Nápoles, chegou a associar-se ao ex-rei Faruk, do Egito, para usar à vontade as contas bancárias do rei deposto. Pouco tempo depois dessa reunião de maio de 1929, enquantoJohnnyTorrio e Giuseppe Masseria prosperavam rapidamente, Al Capone é preso por sonegação fiscal e condenado a 11 anos de confinamento no presídio de Alcatraz. Concomitantemente, outros chefes e subchefes surgem poderosos na constelação do Sindicato do Crime: Vito Genovese, Tony Acardo, Franbk Costello, Meyer Lansky, Bugs Moran,Joseph de Luca, Frank Coppola, Joseph Valachi, Frank Nitti, Nico la Gentili, Giovanni Caputo etc. Vito Genovese, por exemplo, foi um dos capi de maior força da Máfia, controlando aproximadamente 30 famílias espalhadas pelos Estados Unidos. Alguns desses mafiosos, como Albert Anastasia, chegou a reinar até 1957. Vito Genovese imperou até depois de 1965. Frank Coppola foi preso em 1971, em Roma. Superada por assim dizer a fase de Torrio, Coppola, Maggadino, Lucky Luciano e Vito Genovese, a Máfia americana continuou agindo sob o mando de Willie Moretti, Carlo Gambino, Thomas Eboli, Mike Miranda, Genaro Langella (da família Genovese), Anthony Corallo (da família Luchese), Carmine Pérsico (da família Colombo), Sam Gianca, Cannine Tramunti (da família Luchese), Carmine Galante (da família Bonanno),Joseph Ferriola (da família de Chicago), Frank Balistrieri (da família de Milwaukee), Michael Franzese (da família Colombo), Russel Bufalino (da família Bufalino), Frank Tieri (da família Genovese),John Gotti (da família Gambino), Santo Trafficante (da família Tampa), Philip Rastelli (da família Bonanno), Joseph Aluppa (da família de Chicago) e outros mais. Apesar das lutas internas e das pequenas guerras entre os clãs, que sempre existiram, o Sindicato do Crime passou a controlar o mercado de certos gêneros e Inercadorias, além de influenciar em inúmeros sindicatos de trabalhadores. A par disso, sob a tutela cada vez mais atuante das Máfias italiana e americana, o tráfico de drogas adquiriu dimensões mundiais, rendendo lucros inimagináveis para a organização. Na verdade, a questão das drogas transcende ao âmbito restrito de cada país, representando um problema a nível internacional. E mais: o crime em grande escala, como o narcotráfico, costuma escapar da atenção da imprensa em geral, ou melhor, não é noticiado da mesma maneira que o crime conjunturaL Assim, quando se aborda o tráfico de drogas, só vêm à tona aspectos parciais e isolados do delito. Ninguém é capaz de descrever os meandros dessa criminalidade, poucos percebendo, ou querendo perceber, o liame entre determinados a tos e as estruturas que os ocasionatn. O enfoque da macrocriminalidade nos meios de comunicação de massa em regra é neutro, anódino, superficiaL Não atinando com o crime de grande porte em sua globalidade, nem

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compreendendo sua essência, apenas excepcionalmente os jornalistas conseguem desnudá-lo aos olhos do público. Crescendo marcantemente em 1930, e ainda mais depois da Segunda Guerra Mundial, a Máfia culminou por ganhar grande impulso a partir de 1970. Este crescimento, porém, acarretou o problema de encontrar escoamento para os lucros acumulados. N otadamente com o tráfico de drogas, aumentaram consideravelmente os ganhos da organização, que se viu na contingência de investir mais maciça~ente na indústria de roupas de Nova Iorque, depois nas casas de espetáculos, no tunsmo e nos hotéis de luxo. Ainda assim, a linha divisória continuava difusa, oscilando entre 0 verdadeiro crime (narcotráfico, prostituição, jogo ilegal, contrabando etc.) e os negócios legítimos. Mas a renda dos responsáveis pelo Sindicato do Crime crescia desproporcionalmente às suas despesas, reclamando novos mvestlmentos. Na realidade, 0 problema se tornara explosivo já nos anos 50, quando o cnme orgamzado se concentrou no tráfico de drogas, aumentando brutalmente seus lucros. Em 1978, em matéria inserida na revista Business Weeh, avaliou-se que o retorno anual do Sindicato do Crime era da ordem de 62 bilhões de dólares. Portanto, crescendo incrivelmente os lucros do crime organizado, assomou iminente a necessidade de reinvesti-los com segurança, além de manter fluxos de caixa regulares. Fazia-se inadiável "lavar" os lucros "sujos" como pré-requisito para sua apresentação no circuito normal de acumulação de capital. E, em virtude disso, o capital acumulado pelo crime passou a ser empregado em outras atividades: nos negócios imobiliári~s, na navegação, na importação e exportação, no comércio de carros de segundamao, nos esportes profissionais etc. Entret~nto, essas atividades ainda eram penfer~cas e não envolviam grandes transações. A saída foi legalizar larga parcela dos negocws, assumindo inclusive a direção de bancos locais e se ocupando com operações de fundo de investimentos, com especulação da moeda e com a movimentação do ouro. A par disso, 0 dinheiro ilegal também passou a ser "lavado" através de depósitos bancários localizados em áreas isentas de impostos, embora o cap!lal eqmvalente em dinheiro "limpo" (capital excedente) igualmente fosse depositado nesses mesmos bancos, confundindo-se, nas folhas de balancetes, o dinheiro "sujo" e o "limpo". Por consequência, a acumulação de capital social atingiu proporções astronómicas. O sucesso dos grandes gângsteres na legalização dos negócios pode ser avahado pela acumulação do capital pessoal de cada um. Dez anos após a entrada do Sindicato do Crime nos negócios legais dos Estados Unidos um desenvolvimento semelhante aconteceu na Itália, onde a Máfia, expandindo s~a atuação para além das concentrações latifundiárias, passou a investir nas indústrias de construção civil e construção de estradas e também nas indústrias automobilísticas e de aço, além do comércio de distribuição de alimentos. Tudo conseguido por intermédio de pressão política, de intimidação e mesrr10 de cnmes de morte (eliminação de promotores em Palermo, em 1971; ehmmaçao de Pw La Torre, secretário federal do Partido Comunista; eliminação, em 1982, do general Della Chiesa, chefe dos carabinieri e recém-nomeado prefeito de Palermo, a quem

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havia sido confiada, pelo governo de Roma, a tarefa de comandar a luta contra a Máfia siciliana etc.). Avaliações sobre os rendimentos anuais da Máfia variam nacionalmente. Uma grande parte é proveniente das drogas, eis que, com o desbaratamento da "Conexão Francesa", a Itália novamente se tornou o principal entrepot do tráfico de drogas entre a Ásia e o Oriente Médio e entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Em 13.09.1982 o jornal II Mondo estimou o rendimento anual do crime organizado na Itália em US$ 12 bilhões, com quase metade dessa importância provinda do narcotráfico. Como se abordou anteriormente, para a "lavagem" do dinheiro ilegal a Máfia entrou nos negócios bancários. Afora o ramo bancário, o crime organizado também procede à "lavagem" do dinheiro "sujo" através do tráfico de ações e cotas roubadas ou falsificadas. Fontes citadas por Hougan apontam um volume de 50 bilhões de dólares para o total de ações e cotas roubadas que estão em circulação nos Estados Unidos. Porém, os empreendimentos bancários continuam na liderança. Óbvio que para tais culminâncias o Sindicato do Crime recorre à corrupção de legisladores e funcionários estatais, como já foi constatado pela "Operação Abscam" promovida pelo FBI. Atualmente, em razão de seu poderio e açodamento, os crimes da Máfia muitas vezes são cometidos abertamente, como se esses a tos fossem perfeitamente naturais e sua responsabilidade do domínio público. Daí o fenômeno estar perdendo a colaboração criminológica, para adquirir um aspecto político-económico no sentido de desmantelar organizações tão vigorosas. Despiciendo, destarte, investigar isoladamente os crimes dos mafiosos: importante, isto sim, destruir os vínculos da Máfia com o poder econômico e político em termos regionais, nacionais e internacionais. Sem dúvida, o crime organizado não se prende exclusivamente ao desenvolvimento econômico ou a certos estágios ou formas de desenvolvimento. A prova inconteste dessa conclusão reside em que a Máfia italiana, oriunda de uma região pobre como a Sicília, ao transplantar-se para os Estados Unidos, cresceu e sofisticouse até atingir um sistema criminoso altamente refinado. Depreende-se disso que não é o grau de desenvolvimento econômico que condiciona o crime organizado e tampouco fatores socioeconômicos como a pobreza, o desemprego etc. A correlação que existe entre economia e crime é que determinados sistemas econômicos são mais propícios à eclosão de certas formas de criminalidade do que outros. Viu-se que o crime organizado advém, em grande parte, de grupos de criminosos que, arrostando e desrespeitando as leis penais, se juntam e escalonam-se à similitude de empresas para a consecução de seus negócios. Ressalta o criminalista Drapkin que "o crime organizado tem a estrutura de uma poderosa empresa económica, dedicada fundamentalmente às atividades ilegais e delitivas". O crime organizado é forma de delinquência que explora corporativamente atividades ilícitas e outras aparentemente lícitas, nelas empregando pessoas e capitais em profusão, com o adjutório de meios criminosos comuns. Ajustam-se sob medida a esse tipo

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de macrocriminalidade especialmente o tráfico de drogas, a exploração do jogo, o contrabando e a exploração do lenocínio, conquanto outros infracionais também sejam permissíveis de manipulação pelo crime organizado. Como antes foi exposto, com os lucros provindos dessas "operações", os chefes do crime montam empreendimentos lícitos para servir de "fachada" e paralelamente para justificar, perante o Fisco, o vulto do dinheiro que movimentam (é a epitetada "lavagem", ou seja, transformar o dinheiro "sujo" em dinheiro de boa procedência). Por certo, há uma perfeita contabilidade de custos nessa tecnologia do crime, pois o requinte organizacional nao pode esquecer que as operações como um todo devem ser lucrativas, sem o que a organização entraria em colapso financeiro. Sendo os Estados Unidos o país mais desenvolvido do mundo, é ali que o crime organizado logra as mais avançadas formas de estruturaçao. Uma das características da organização criminosa dos dias aluais é a impessoalidade que a matiza, transmutando-a em verdadeira "sociedade anônima". No que tange a seus componentes, o crime organizado não exibe contornos definidos, identificadores. O criminoso organizado nao passa de simples peça de uma estrutura que se propõe a determinados fins, com o apoio de uma infraestrutura na qual ele se engasta e sem a qual fracassaria. Sob o aspecto externo, a estrutura do crime organizado não é discernível. Apenas internamente, no âmbito próprio da entidade, e principalmente em relação a seus submentores e escalões menores, é que essa tessitura é conhecida. Não bastasse isto para embaraçar a repressao policial e a persecução penal, os membros do crime organizado ainda são amparados por imperativos jurídicos (princípio da reserva legal, proibição da analogia, individualização da pena, presunção de inocência até condenaçao etc.). Extremamente recalcitrante, demais, a prova testemunhal contra o crime organizado, pois que eventuais testemunhas são convincentemente atemorizadas ou eliminadas se preciso for. A par disso, os chefes do crime organizado quase sempre figuram como pessoas de destaque da comunidade, decorrendo, daí, ser praticamente impossível combatê-los com os métodos tradicionais de repressão à criminalidade. De ponderar, por oportuno, que o império da Má fia, na Itália, também começou a tremer a partir de 22.10.1985 coin a prisão, no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, do mafioso italiano Tommaso Buscheta. Tommaso veio ao Brasil pela primeira vez em 1958 para mexer com tráfico de drogas. Preso em 1972, foi expulso para a Itália, juntamente com outros quatro mafiosos, em 16.11.1976. Ficando na Itália em regime de liberdade vigiada, Tommaso Buscheta conseguiu retornar para o Brasil em fevereiro de 1981, via Uruguai, usando o nome falso de Tomás Roberto Felice. No Brasil ele adquiriu uma fazenda no Estado do Pará, entre os rios Moju e Apeú, onde, assessorado por Lelio Paolo Gigante e outros mafiosos, instalou uma base para refino de cocaína e paralelamente utilizava o local para homizio de mafiosos em perigo. Certa feita, na Estrada de Três Cachoeiras, em Penedo, numa festinha regada a "pó", Lelio Paolo Gigante assassinou uma garota que intentava estuprar e, fugindo apressadamente, deixou documentos comprometedores que inclusive incriminavam

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Tommaso Buscheta e indicavam seu endereço na cidade de São Paulo. Assim, Tommaso Buscheta foi preso pela Policia Federal Brasileira. Soube-se, então, que Tommaso viera para o Brasil estremecido com a Máfia siciliana, da qual era integrante, porque se separara da mulher legitima, e isso a organização criminosa italiana não tolerava, porque aferrada ao dogma da total proteção à família. Soube-se também que, na luta pelo controle do tráfico de drogas em Palermo, Tommaso Buscheta mandara matar chefões locais. Por tudo, a Máfia italiana executou 36 parentes de Buscheta, entre eles seus dois filhos e um seu irmão. Preso em São Paulo em 1985, Tommaso Buscheta foi entregue ao juiz Giovanni Falcone, que veio especialmente para levá-lo de volta à Itália. Em Roma, citando nomes e descrevendo crimes, Buscheta fez revelações da mais alta relevância, que lançaram luz sobre as atividades do crime organizado na Itália. Em decorrência das revelações de Tommaso Buscheta e de outras informações já catalogadas, em 1986 aJustiça italiana instaura um maxiprocesso contra a Máfia italiana, apuração que apenas logrou, isto em 1992, a condenação dos chefes da Máfia italiana Michele Grego, Luciano Líggio e Pippo Calí. Porém, nunca intimidada, a Máfia italiana vinha afrontando duramente a legalidade e as autoridades constituídas. Em 1988 são assassinados o ex-prefeito de Palermo Giuseppe lnsalaco, o juiz Antonio Saetta e seu filho Stéfano e o jornalista Mauro Rostagno. Ainda em 1988, é executado por outros mafiosos o capo Giovanni Bontisde. Em 1990 é assassinado o juiz Rosario Uva tino. Em 1991, na Calábria, é assassinado Antonio Scopellite, Procurador-Geral do STJ da Itália. Em maio de 1992 são assassinados o juiz Giovanni Falcone, sua mulher Francesa Morvilho e três homens da escolta do magistrado. Em 19.07.1992, em atentado a bomba ocorrido em Villagrazia di Carini, na Sicília, morrem o juiz Paolo Borselino e cinco agentes que o protegiam. Paolo Borselino mantinha conta tos com os policiais alemães da BKA e, com o auxílio deles, visitou, na Fortaleza de Stammheim, o assassino profissional Caetano Puzzangaro, de quem obteve informações sobre os planos da Máfia para ampliar suas operações na antiga Alemanha Oriental. A Fortaleza de Stammheirn foi construída para enclausurar os malfeitores do famoso bando "Baader-Meinhof'. Ainda em julho de 1992, na região siciliana da Catânia, é assassinado o Inspetor de Polícia Giovanui Lizzio. Também em 1992 é assassinado o deputado democrata-cristão Salvo Limazzio, dirigente da Seção Antiextorsão da Catânia. Em contraprestação, notadamente em razão da "Operação Mãos Limpas" desencadeada pela Justiça italiana a partir de 1993, começaram a cair inúmeros mafiosos e mesmo importantes chefes da Máfia italiana. Em 15 de janeiro de 1993, delatado pelo seu ex-motorista, é preso em Palermo e submetido a processo criminal Salvador Riina, conhecido por "Totó Riina", um dos principais mandatários da Má fia italiana na Sicília e procurado pela polícia havia muitos anos, pois figurava como mandante de pelo menos 300 assassínios, entre eles

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os perpetrados contra os magistrados Giovanni Falcone e Paolo Borselino. Salvatore "Totó" Riina controlava um "exército" de aproximadamente quatro mil mafiosos e movimentava, por ano, US$ 20 bilhóes com o tráfico de drogas, contrabando e extorsões! Em 5 de junho de 1998, por decisão do Tribunal de Justiça de Caltanissetta, na Sicília, Salvatore Riina foi condenado à prisão perpétua a ser cumprida no presídio de segurança máxima de Rebibbia, a oeste de Roma. Um ano antes da prisão de "Totó Riina" já havia sido preso, também em Palermo, o capo mafioso Pietro Vernengo. Quando do encarceramento de Salvatore Riina no Presídio de Rebibbia, ali estava enclausurado o turco Mehmet Ali Agca, autor do atentado contra a vida do papa] oão Paulo II em 1981. Consta que, sendo integrante do grupo terrorista "Lobos Cinzentos", Mehmet Ali Agca recebeu dois milhões de dólares da máfia turca para eliminar o Sumo Pontífice. Indultado em meados de junho de 2000 pelo governo italiano, Ali Agca foi extraditado para um presídio da Turquia. Em fevereiro de 1993, ainda em Palermo, é preso o mafioso Giuseppe Montalto, apontado como chefe da família Villabate e que mantinha estreitas ligações com "Totó Riina". Depois da prisão de Salvatore Riina, Giuseppe Montalto devena assumir um papel de destaque na cúpula da Máfia siciliana. A Giuseppe Montalto é atribuída a morte do deputado democrata-cristão Salvo Umazzio, ocorrida em março de 1992. Ainda em fevereiro de 1993, é preso Vicenzo di Marco, tido como um dos diletos do capo "Totó Rii na". Igualmente em fevereiro de 1993, na localidade de Ottaviano, nas cercanias de Nápoles, a polícia prende Rosa Domenica Cu tolo, cognominada "Rosetta", chefe de 52 famílias da Camorra napolitana. Especializada em tráfico de drogas, "Rosetta" havia viajado várias vezes para a Colõmbia e a Venezuela, além de ter estado na Espanha e no Brasil. "Rosetta" era a líder da Nova Camorra Organizada (NCO) desde 1981. Quando presa, estava condenada à revelia a nove anos de reclusão. Em março de 1993 a polícia italiana efetua a prisão de Antonio Imerti e Pasquale Condello, dois dos mais importantes chefes da N'Drangheta calabresa. Na disputa pelo narcotráfico, os Imerti juntaram-se aos Condello e aos Serramo para combaterem as famílias DiStefano, Liberi e Tegano. Igualmente em março de 1993, em tiroteio travado em Nápoles com a polícia, é morto Umberto Imparato, com 53 anos, um dos chefes de projeção da Camorra napolitana. Em junho de 1993 é preso Giuseppe Pulvirense, um dos cabeças da Máfia siciliana. Em 1993, entregando-se à Justiça italiana, o mafioso Salvatore Cancerni denunciou que a Máfia siciliana havia planejado, anos atrás, assassinar o ex-PrimeiroMinistro da Itália Giulio Andreotti, ou um de seus filhos, porque o influente político não havia protegido os interesses da organização. Também se entregou àJustiça italiana, em 1993, o mafioso Gioachino La Barbera, que confessou ter partiCipado da morte do juiz Giovanni Falcone.

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Em 1993, na realidade, perdendo o poder o Partido Democrata-Cristão e o Partido Socialista, que estavam, di reta ou indiretamente, vinculados à corrupção institucionalizada na Itália, o crime organizado perdeu poderosos aliados, e aJustiça italiana, finalmente, pôde empreender a "Operação Mãos Limpas", comandadas por magistrados empenhados em sanear as instituições e extirpar da vida pública os corruptos e os corruptores a serviço da Máfia italiana. Os resultados iniciais e sequenciais da "Operação Mãos Limpas" foram altamente satisfatórios, mal grado todas as barreiras enfrentadas. Em noticia divulgada em 02.01.1994, o jornal inglês Sunday Times informa, com exclusividade, que três dos principais chefes da Máfia italiana estariam refugiados em Londres. Segundo o periódico londrino, estariam escondidos na capital inglesa os mafiosos Bernardo Provenzano (havia muito tempo desaparecido da Itália), Giovaní Brusca (o homem que teria acionado a bomba que matou o juiz Giovanni Falcone em 1992) e Leoluca Bagarella (cunhado do homem de confiança do capo "Totó Riina"). Os três estariam por detrás de uma carga de 263 quilos de cocaína colombiana pura que havia sido apreendida em Londres em operação conjunta da policia italiana coma inglesa. Londres, outrossim, sempre seria uma boa opção para os mafiosos "lavarem" seu dinheiro sujo, seja pelas facilidades propiciadas pela legislação britânica, seja porque os bancos ingleses ignoram a origem da riqueza de seus clientes. O mesmo se pode dizer das ilhas localizadas no Canal da Mancha. Ainda em janeiro de 1994, a policia italiana desmantelou uma grande rede internacional de "lavagem" de narcodólares montada pelo Cartel de Calí e da qual participava Gustavo Delgado, ex-contador do Cartel de Medellín. Preso Gustavo Delgado, esclareceu que as cidades italianas de Vicenza e Arezzo serviam de bases à "lavagem" de narcodólares e que, nelas, aproximadamente U$ 100 milhões vinham sendo "lavados" por mês. Antes de ser transferido para a Itália, o dinheiro da cocaína colombiana, vendida nos Estados Unidos, era depositado em bancos americanos, suíços, mexicanos e espanhóis. Uma vez na Itália, o dinheiro passava por bancos e era usado na compra de ouro por operadoras locais, entre elas a "Aurea International tranding" e a "Eurocatene", que remetiam o ouro ao Panamá, que o vendia e, em seguida, transferia o dinheiro para a Colômbia, para os chefôes do Cartel de Cali. Em julho de 1997 agentes da Policia Judiciária de Marselha, em diligência conjugada com policiais de Palermo, prenderam, na cidade francesa de Toulon, o italiano Francesso Paolo Albamonte, um dos subchefes da Máfia siciliana ainda dirigida por "Totó Riina". Francesco Paolo Albamonte era o gerente do narcotráfico sul-americano. Em outubro de 1997 foi preso o mafioso Balducio Di Maggio, testemunha-chave em processo movido contra o ex-chefe do governo italiano Giulio Andreottí, acusado de corrupção. Di Maggio, a mando de Salvatore "Totó" Riina, teria coordenado o assassínio do empresário Francesco Costanza. Ainda em 1997, na Sicília, foram pro latadas condenações contra Barnardo Brusca, Giuseppe Caló, Francesco Madonia, Salvatore Montalto, Matteo Modizi, Atonio

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Rotolo, Giuseppe Montalto, Giuseppe Farinella, membros influentes da Máfia siciliana, que estavam implicados na morte do magistrado Rocco Chinnia em julho de 1984, através de atentado a bomba, evento que também vitimou três seguranças. Em março de 1998, na localidade de Caserta, a policia italiana prendeu Mario Caterino, mafioso acusado de oito homicídios a mando da família Casalesi, da Camorra. Mario Caterino "operava" entre Roma e Nápoles. Sua prisão foi possível mercê das investigações procedidas pela Squadra Mobile, corporação policial napolitana especializada no combate à Máfia italiana. Em 1998, no bairro do Paraíso, na cidade de São Paulo, faleceu de câncer o traficante italiano Antonio Salamone, acusado de pertencer à Má fia italiana. Condenado na Itália a l2 anos de prisão por tráfico internacional de drogas, ele homiziou-se no Brasil em 1970, e o STF negou o pedido de extradição requerido pelo Governo italiano. Antonino Salamone ainda era suspeito, na Itália, de envolvimento com o grupo que assassinou o magistrado Cesare Terranova e seu segurança. Em 1999 sabia-se que estavam no Brasil Fausto Pellegrinetti, um dos subchefes da Máfia italiana, além de seus comparsas Franco Narduzzi, François Felippeddu, Giuliano Pellegrinetti e Julién Felippeddu, todos procurados pela lnterpol e com prisão preventiva decretada pelo STF brasileiro. Em dezembro de 2000, na cidade italiana de San Giuseppe ]ato, a policia italiana prendeu Salvatore Genovele, elemento de proa da Máfia que tinha ligação com Barnardo Provenzano, outrora um dos poderosos da Cosa Nostra. Neste ano de 2001, foragido que estava de prisão brasileira (Presídio Bangu I) desde o ano 2000, foi recapturado pela Polícia Federal Brasileira, na cidade de

Goiânia, o mafioso italiano Mario Baratta, membro da família Perna-Pranno, da N'drangheta da Calábria. Mario Baratta, que também usava o nome Mario Zanardi, foi condenado no Brasil por uso de documento falso. Ainda sobre a Máfia italiana, o ex-Procurador da República de Palermo, Giancarlo Caselli, disse: "A Má fia é um Estado e, como todo Estado, ela tem território, uma população e leis". Para a Má fia italiana o território é a Sicília, mas suas atividades fora da região, no plano nacional e internacional, estão cada vez mais numerosas e articuladas. A internacionalização, ou globalização, da Máfia italiana e de seus heterogêneos "negócios" é realidade que não se pode negar. Em suas memórias, publicadas por Marcelle Padovani no livro intitulado Cose di CosaNostra, o juiz assassinado Giovanni Falcone registra serem oito os princípios básicos da Máfia italiana, ou La Cosa Nostra, a saber: 1. 0 ) somos sempre os mais fortes; 2°) a Cosa Nostra tem uma memória de elefante (não esquece nunca); 3. 0 ) numa sociedade estabelecida no protecionismo, clientelismo e corrupção, a Máfia torna-se legítima e necessária; 4°) um homem da Cosa Nostra não rouba bancos: prefere apossar-se dos conselheiros administrativos; 5. 0 ) a honrada Cosa Nostra não está abaixo do poder, como escrevem os jornalistas, mas é um poder msendo no poder; 6. 0 ) quem tem dinheiro e amizade manda a Justiça às favas, pois ela é

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para os tolos e, se você tem amigos e dinheiro, ajustiça estará sempre ao seu lado; 7. 0 ) os homens da máfia são uma necessidade para a classe política, pois a honrada Cosa Nostra é um poder económico inserido no poder político; 8. 0 ) a vingança não exteriorizada torna-se melado engasgado na garganta e que nunca vai embora; se uma pedra no sapato lhe impede o passo é necessário eliminá-la. Giovanni Falcone dizia que a Cosa Nostra sempre liquida uma conta em aberto. Enfatizava ele que a célula-base da Máfia é a família e que a organização cultiva o respeito aos vínculos de sangue, à fidelidade e à amizade. Assim, cada família controla um território, onde nada pode acontecer sem a anuência prévia do capo. Esclarecia, Giovanni Falcone, que cada família poderia ter de 50 a 300 membros e, excepcionalmente, mais que isso. Tendo pesquisado a fundo o comportamento da Máfia, Falcone constatou que a técnica de matar da Cosa Nostra raramente é aquela que se vê no cinema, eis que a organização escolhe sempre a via mais rápida e menos arriscada. E esta é a sua única

regra. Os rios de sangue mostrados pelos diretores de filmes quase nunca correspondem ao cotidiano mafioso. O estrangulamento, por exemplo, é uma constante opção, visto que totalmente silencioso. Noutras vezes as vítimas são dissolvidas em ácido e lançadas num esgoto ou rio qualquer. O processualista italiano Giuliano Vassali, ex-ministro da justiça, definiu a Máfia como "um sistema extraconstitucional de controle social, que tende a sobrepor-se à autoridade constituída". Trata-se de um Anti-Estado dentro do Estado. De outra parte, com o crescimento da Máfia nos Estados Unidos, além dos policiais estaduais e municipais, também o FBI surgiu em cena para combatê-la. Evidente que a tarefa nunca foi fácil. Até hoje não o é. Mas, em alguns casos, o FBI inclusive conseguiu quebrar a secular lei mafiosa "do silêncio". Destarte, em 1963, o mafioso ]oe Valachi tagarelou informações efetivamente importantes. Outro mafioso, Dominik Lofaro, não querendo pegar 20 anos de cadeia, que merecia pelo tráfico de heroína, serviu de espião para o FBI e chegou a gravar as conversas que mantinha com o capi Gambino. Noutra oportunidade, descobrindo os telefones públicos utilizados pelos mafiosos, o FBI conseguiu detectar remessas de heroína efetuadas pelos mafiosos dos dois lados do Oceano Atlântico: os mafiosos dos Estados Unidos e os mafiosos da Itália. Num apartamento de Boston, de uso da Máfia, agentes do FBI obtiveram SOO horas de gravação incriminando os mafiosos Ilario Zannino e John Cincotti. O mesmo se diga com relação ao capí Anthony Corallo, que teve um minúsculo rádio introduzido num dos assentos de seu auto Jaguar 82, trabalho levado a efeito pelos homens do FBI. Óbvio que isso representava muito pouco ou quase nada, mas, seja como for, em razão ainda que indireta da ação do FBI, Salvatore Maranzano foi morto em 1931 por outros membros do Sindicato do Crime. Ainda em l93l,Joe Masseria foi morto pela família Maranzano. Sendo condenado em 1943, Frank Nitti suicidou-se. Em 1951 Phillip Mangano foi morto por AlbertAnastasia e este, em 1957, foi assassinado pelos líderes da família Gambino.joseph Bonanno foi expulso dos Estados Unidos em

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1964.Joseph Colombo foi baleado em 1971, ficando incapacitado e vindo a falecer em 1975. Condenado à prisão em 1974, Carmine Tramunti morreu em 1978. Sam Giancana foi morto em 1978. Carmine Galante foi morto em 1979. Paul Castellano foi morto no ano de 1985. Joseph Aluppa foi preso em 1986 etc. Verdadeiramente, a partir dos anos 80 a luta contra a Máfia nos Estados Unidos endureceu. Promotores federais americanos acusaram 2.554 mafiosos, dos quais 809 foram condenados. A Máfia estadunidense ficou bastante abalada em Chicago e noutras grandes cidades com a ação da justiça e do FBI. Parece que as estruturas do Sindicato do Crime somente permaneceram sólidas em Nova Iorque e Detroit I No começo de 1987 seis dos mais poderosos chefes da Máfia norte-americana foram condenados, e suas penas, somadas, atingiram mais de 600 anos! Os seis mafiosos condenados foram Tony Salerno (chefe da família Genovese), Carmine "Junior" Persico (chefe da família Colombo), Tony Corallo (da família Luchese), Christopher Furnari (conselheiro da família Luchese), Ralph Scopo (ex-líder do Sindicato dos Trabalhadores de Concreto) ejerry Langela. Outrossim, em março de 1987, nos Estados Unidos, o Procurador de Justiça Rudolph Giuliani conseguiu botar na cadeia os chefões da famosa "Pizza Conection", grupo mafioso liderado por Gaetano Badalamenti e Salvatore Catalano. A "Pizza Conection" exportou um bilhão e meio de dólares em heroína através de redes de restaurantes nos Estados Unidos. A droga vinha de Palermo, na Itália, e foi motivo de verdadeira guerra entre as facções italiana e americana da Máfia. Durante os entreveres foram fuzilados dois chefões: Gaetano Mazzara e Pietro Alfano. Em meados de janeiro de 1993, em Novajérsei, agentes do FBI prenderam Anthony "Gaspipe" Casso, um dos mais procurados mafiosos norte-americanos, integrante da família Luchese e acusado de 14 assassínios. Apesar do empenho da justiça norte-americana e do FBI, o Sindicato do Crime continua agindo e auferindo altíssimos lucros com o tráfico de drogas, o contrabando, a joga tina, a extorsão, a usura, a exploração da prostituição, a manipulação dos sindicatos etc. Suas principais bases estão sediadas em Nova Iorque e Detroit, mas outras menores operam em Novajérsei, Nova Orleans, Palm Springs, Long Island, Tampa, Scranton, Tucson, Brooklin, Boca Ratón etc. Comporta frisar que, com a fragmentação da URSS e a queda do Muro de Berlim, se abriram novos mercados para o crime organizado e notadamente para a Máfia italiana, que pouco incursionava no território vermelho em virtude da dureza de sua legislação criminal e do rígido controle de suas fronteiras e do seu comércio internacional. Com o desmoronamento da União Soviética, os chefões da Máfia italiana fecharam "acordos" em Praga, Budapeste, Berlim, Viena e Moscou. Esses "acordos" renderam ao crime organizado, já no primeiro ano, a polpuda soma de quase nove bilhões de dólares, mas ensejaram o surgimento ou sedimentação das máfias russa, turca e nigeriana, todas com limitado raio de ação.

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Diante desses novos mercados aos quais outros foram acrescidos ou revigorados

(Rússia, Turquia, Nigéria e países da América do Sul), as Máfias italiana e americana (das quais as outras são meras e consentidas coligações, exceção feita aos Cartéis da Colômbia) tiveram de incrementar sua estruturação, inclusive admitindo, como foi ponderado, grupos mafiosos regionais operando na Rússia, Alemanha, Turquia, Nigéria, Coreia do Sul, Taiwan etc. (enquanto a máfia russa promove o tráfico de drogas na Europa Oriental e principalmente na Polõnia, a máfia nigeriana atua mais na Europa Ocidental e na América do Sul). Paralelamente a isto, o crime organizado (Máfias italiana e americana) atualizou sua metodologia operacional, investindo maciçamente no narcotráfico, no contrabando de armas e na traficância de mulheres jovens para a prostituição na Europa e no Japão principalmente. Hoje, aliás, o crime organizado trafica anualmente perto de 500 mil pessoas (mulheres para a prostituição e homens para o trabalho pesado), consoante cálculos da Organização para o Desenvolvimento Econõmico (DCDE) da ONU. Embora a preferência das Máfias italiana e americana esteja voltada marcantemente para o narcotráfico, contrabando de armas e exploração da prostituição, o crime organizado continua ativamente com seus ~'negócios" relativos à extorsão me-

diante sequestro, à joga tina ilegal, aos assaltos a bancos, ao contrabando de material pornográfico, à cobrança de "taxa" de proteção, ao homicídio por contrato etc. Mas tudo através de escalões e subescalões protegidos pelo anonimato, que, sempre que necessário e através de seus "soldados", recorrem aos velhos métodos de intimidação ou morte para obstaculizar investigações ou calar delações, igualmente recorrendo ao suborno ou corrupção como meio de facilitação das "atividades". Nada despiciendo enfatizar que o crime organizado diz respeito, em suma, à Máfia italiana ou La Cosa Nostra (com seus desdobramentos regionais representados pela Camorra, N' drangheta e Sacra Coro na Unira), à Má fia americana ou Sindicato do Crime, à Yakuzajaponesa e sua coadjuvante Yamaguchi-Gumi, às Tríades Chinesas sediados em Hong-Kong e aos Cartéis de Drogas da Colômbia. Embora menores em tudo, também representam o crime organizado a máfia russa, a máfia turca, a máfia nigeriana e o denominado Triângulo de Ouro, sediado na Tailândia, Laos e Myanmar, que, tendo como integrantes e protetores de suas imensas plantações de papoula dezenas de centenas de indivíduos com formação paramilitar que são dirigidos por ex-militares, disseminam o vício do ópio por vários países asiáticos preferencialmente. Saliente-se que o tráfico de drogas continua, de longe, o maior fator de renda das Máfias italiana e americana, com receita estimada entre 200 e 300 milhões de dólares anuais. Calcula-se, outrossim, com embasamento em dados coligidos pela ONU e pela lnterpol principalmente, que, globalizado e atuando em quase trinta países (direta ou indiretamente) o crime organizado, como um todo, fatura importância anual que varia de 750 a 900 bilhões de dólares! Quando preciso, em face do chamativo vulto da "arrecadação", seus chefões (homens acima de qualquer suspeita e detentores de importantes cargos na empresa privada e fora dela) promovem a "lavagem" do

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dinheiro sujo em países emergentes como o México, o Brasil, a Argentina etc. Tudo isto em pleno século XXI! De mencionar que as instituições financeiras do Brasil cada vez mais são usadas

como elo entre os produtores de cocaína da Colômbia e os maiores distribuidores, entre eles a Europa e os Estados Unidos. No Brasil os "narcolavadores" também encontram facilidade para comprar as substâncias químicas utilizadas no refino da pasta da coca, visto que a legislação brasileira não reprime a importação desses produtos (acetona, soda cáustica etc.), que são contrabandeados para a Colômbia, Bolívia e Peru. Há anos que o Brasil vem sendo considerado esconderijo da predileção de mafiosos, que aqui encontram facilidade na obtenção da "lavagem de cidadania", na expressão do pena lista e ex-Secretário Nacional Antidrogas Walter Maierovich. Aliás, relatório da lnterpol de poucos anos já informava que o Brasil era o refúgio predileto de integrantes da Máfia italiana na América do Sul, onde, além de montarem empresas aparentemente regulares para acobertar seus ganhos ilícitos, arranjavam casamento

com brasileiras para evitar eventuais extradições (o mafioso Tommaso Buschetta foi o pioneiro nisso). Tanto assim é que,já em junho de 1997, por decisão unânime do STFbrasileiro, foi extraditado para a Itália o mafioso Filippo Abate, acusado de tráfico de drogas, extorsão e lavagem de dinheiro. Filippo Abate estava no Brasil desde o início de 1995. Outrossim, em 1999, foi concedida cidadania brasileira ao mafioso Antonio Salomone (depois condenado por falência fraudulenta no caso do Banco Ambrosiano-Loja Maçônica), e nesse ano também requereu cidadania brasileira o mafioso Giuseppe Bizzaro, contra quem o Servizio Centrale Operativo Della Polizia di Stato (ôrgão da polícia italiana) possui alentado dossiê criminal. Demais, ainda em 1999, o governo brasileiro extraditou o traficante Domenico Serra, importante membro mafioso de Milão e condenado, na Itália, a 28 anos de prisão por tráfico de heroína, contrabando de armas pesadas e tentativa de homicídio contra um carabinieri. No Brasil Domenico Serra era suspeito de roubo de cargas auto transportadas que estaria cambiando, na Bolívia, com cocaína.

Pondera-se finalmente, por oportuno, que no Brasil vige a Lei 9.034, de 03.05.1995, que prevê os meios operacionais para a prevenção e coibição dos infracionais perpetrados por organizações criminosas. Tal diploma legal utopicamente define o crime organizado "como aquele praticado por quadrilha ou bando". Cristianíssima simplicidade do legislador da Lei 9.034/1995! Com sua insuficiência, restritíssima abrangência e nenhuma força de impacto, como atingirá, a Lei 9.034/1995, o crime organizado se porventura ele tiver baseamento em solo brasileiro? Como, efetivamente, atingirá o verdadeiro crime organizado quando nem mesmo o define adequadamente nem tipifica suas multiformes espécies? No livro intitulado Crime organizado, lançado em agosto de 1995 pela Editora Revista dos Tribunais, seus ilustrados autores, o magistrado paulista Luiz Flávio Gomes e o juspenalista uruguaio Raúl Cervini, abordam com acentuada objetividade e descortino a citada Lei 9.034/1995.

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Exceção feita à Itália e aos Estados Unidos, de realçar que as legislações penais de outros países se preocupam, tão somente, com o ideário da criminalidade episódica. Como fenômeno de delinquência associativa, o crime organizado fica literalmente liberado das imposições do Direito Penal e do Direito Processual comuns, que elaboram tipificações e sanções visando a criminalidade de indivíduos, não de pessoas jurídicas de fluídica fixação. O máximo que se pode alcançar é o processamento e condenação de integrantes da organização, que, desse modo, permanecerá intocável. Ademais, quanto mais organizado o crime, maior a dificuldade em coibi-lo. Contudo, cedo ou tarde, a nocividade do crime organizado implicará repensar-se a dogmática jurídico-penal no que tange às sociedades criminosas assentadas em pessoas jurídicas. Enfim, hoje é inimaginável o gigantismo do crime organizado, que, conforme dados carreados pela CIA e pelo FBI, movimenta nos Estados Unidos, por ano, mais que 600 bilhões de dólares! Por isso, os bancos norte-americanos têm de comunicar depósitos superiores a lO mil dólares. Como já foi enfocado, é certo que o Brasil vem merecendo, há anos, especial atenção de integrantes do crime organizado. Primeiramente, passaram a operar em solo brasileiro, e principalmente nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, componentes da Máfia italiana (La Cosa Nostra), da Camorra napolitana, da máfia japonesa e da máfia chinesa, as duas primeiras notadamente na traficância internacional de cocaína e as duas últimas recorrendo à extorsão, à exploração da prostituição e à cobrança de "taxas de proteção" e, nesse desiderato, agem preferencialmente nos bairros paulistanos de predominância oriental (Liberdade, Aclimação, Vila Mariana etc.). Depois, apartaram e passaram a atuar no Brasil mafiosos coreanos, nigerianos e até quenianos. Os coreanos dedicando-se à extorsão, joga tina ilegal, cobrança de "proteção" e assassínios por encomenda. Os nigerianos e outros africanos voltandose para o tráfico de drogas e, principalmente, da cocaína. Agora, segundo consta, também mafiosos do leste europeu (russos, croatas, búlgaros etc.) estariam agindo no Brasil na traficância internacional de cocaína, tendo como parceiros os nigerianos. Desde antes de setembro de 2001 encontravam-se encarcerados em prisões brasileiras (já condenados ou com processos em andamento) cerca de 900 estrangeiros, dos quais 99,9% acusados de tráfico de drogas, consoante notícia inserida no jornal O Estado de S. Paulo, da lavra do jornalista Renato Lombardi. Desse total, 463 estrangeiros estão enclausurados na Casa de Detenção da cidade de São Paulo, entre eles: Paolo Baroni (sul-africano), Stamatovic Zoran (iugoslavo), Victor Stoyanov (búlgaro), Marinus Marchand (holandês), Todor Radkov (búlgaro), Heriberto Rincon Romero (colombiano), Krasimir Ivanov Aleksandrov (búlgaro) etc. A Polícia Federal brasileira acredita que os narcotraficantes africanos (nigerianos e quenianos principalmente), búlgaros, russos e croatas que vieram para o Brasil integram a máfia russa, que, conforme tudo indica, igualmente explora o contrabando de armas e de órgãos humanos.

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Enfim, já no ano de 2000, em relatório reservado encaminhado ao Ministério da Justiça brasileiro, o DEA (Drug Enforcement Administration) norte-americano alertava para a chegada, no Brasil, de mafiosos do leste europeu. A partir de 2003 a Máfia russa tornou-se praticamente a mais atuante do mundo, agindo em variegados países, inclusive no Irã, Afeganistão, Iraque, Coreia do Norte e na Colômbia. A par da prática de crimes tradicionais (narcotráfico, exploração da prostituição, contrabando de armas, extorsões, sequestros etc.), a Máfia russa, além de negociar armas nucleares e bioquímicas, também a tua no contrabando de órgãos humanos. Seus chefes são jovens milionários moscovitas. Mas a Máfia ítalo-americana ainda é bastante poderosa e inclusive procura estabelecer outras bases operacionais. Tanto assim é que, em 24 de novembro de 2004, no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, policiais federais e agentes do FBI prenderam John Edward Alite, influente membro da Cosa Nostra que age nascidades norte-americanas de Nova Iorque, Flórida e NovaJérsei, sendo chefiada pela família Gambino. O mafioso John Edward Alite, também conhecido por John Alie to, estava no Brasil desde dezembro de 2003, provavelmente procurando estabelecer novo tentáculo na Máfia ítalo-americana. John Edward Alite, cuja extradição está sendo pedida pelo FBI, tem contra si mandado de prisão decretado pelo STF norteamericano, pelo cometimento dos crimes de homicídio, extorsão, roubo e tráfico de drogas. Para a polícia brasileira a prisão de "John Alleto" foi tão importante quanto a do mafioso italiano Tommaso Buscheta, ocorrida na cidade de São Paulo em 1983. Aliás, a colaboração do mafioso arrependido Buscheta ensejou, em fins da década de 1980 e princípios da década de 1990, a denominada "Operação Mãos Limpas" desencadeada pela Justiça italiana com o corajoso auxílio do magistrado criminal Giovanni Falcone. Até 1993 a "Operação Mãos Limpas" já havia logrado a condenação de mais de três centenas de mafiosos a pesadíssimas penas de prisão, dezenove deles tendo sido apenados com reclusão perpétua. De assinalar que em 1986, quando conseguiu extraditar Tommaso Buscheta para local não revelado dos Estados Unidos, o juiz Falcone dissera ao mafioso redimido: "Primeiro a Máfia vai procurar me matar, pois minha conta com a organização está em aberto; depois será a sua vez". Giovanni Falcone não foi alcançado pela Má fia siciliana, vindo a morrer de câncer em 1999, em lugar ignorado dos Estados Unidos. Em virtude de operações militares, atentados e ações terroristas planejadas no Iraque e também no Afeganistão, em 20.03.2003, mesmo sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, uma coalizão anglo-americana iniciou intervenção direta em todo o território do Iraque com pesados bombardeios e invasão terrestre. Especula-se que cidades iraquianas teriam sido alvejadas com bombas portadoras de substâncias químicas de alta letalidade, entre elas o fósforo branco. O ditador iraquiano Saddam Hussein fugiu e somente foi localizado e preso por fuzileiros navais norte-americanos em 13.12.2003, quando homiziado numa caverna na cidade de Adwar, próxima de Tikrit. Em janeiro de 2004 o Pentágono americano reconheceu Saddam como prisioneiro de guerra e transferiu sua custódia judicial ao novo governo

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iraquiano já estabelecido. Em 19.10.2005 um Tribunal Especial do lraqne iniciou o processo criminal contra Saddam Hussein, acusado de violação dos direitos humanos incluindo crime de guerra contra a humanidade e genocídio. Em 05.11.2006, um,ano e quinze dias após o começo de seu julgamento, Saddam foi condenado à morte. Contra a sentença e1n vão protestaram o Vaticano e a União Europeia, que entendiam que a pena deveria ser a de prisão perpétua. Em 30.12.2006, aos 69 anos de idade, Saddam Hussein foi enforcado em Bagdá, capital do Iraque. Para segurança do governo democrático instalado no Iraque, com a queda do opressor Saddam Hussein, os Estados Unidos mantêm no país, até hoje, deienas de milhares de soldados. Conforme relatório oficial, consta que mais de 4.000 militares norte-americanos foram mortos no Iraque em confronto direto com os insurretos ou em atentados suicidas a bomba, dentro e fora de Bagdá, promovidos pela organização terrorista Al-Qaeda, chefiada por Osama Bin Laden. Em menor escala, tais atentados ocorrem até agora, ensejando vítimas fatais entre militares dos EUA, policiais e civis iraquianos. Diz-se que, em 27.02.2007, Osama Bin Laden teria organizado e supervisionado o malogrado atentado contra o então vice-presidente norte-americano Dick Cheney, que visitava uma base militar em Bagram, agressão que ceifou a vida de 14 pessoas. Nesse mesmo ano de 2007, em entrevista à TV Al-Jazeera, o mullá Dadullah, partidário de Bin Laden, negou que ele houvesse falecido de febre tifoide em agosto no Paquistão, como se propalava. Em 01.06.2010 as forças militares iraquianas assumiram o controle total dos postos de segurança da Zona Verde de Bagdá, que limita a região central da capital para a maioria de sua população e tem sido sinônimo da ocupação norte-americana no Iraque desde a invasão de 2003. Já a responsabilidade pela área das margens do rio Tigre, separada de Bagdá por muros de concreto, foi transferida para o Iraque em 01.01.2009. Os EUA se preparam para encerrar, no Iraque, todas as operações militares em agosto de 2010, cogitando reduzir o número de soldados ali sediados de 90 mil para menos de 50 mil até 1. 0 de setembro desse mesmo ano. Presentemente, na Ásia Central, o palco maior de enfrentamento dos EUA contra os grupos terroristas da Al-Qaeda e do Taliban é o Afeganistão, onde confrontos e mortandades ocorrem frequentemente. Recentemente, em 01.07.2010, três homens-bomba, que seriam membros da Al-Qaeda e do Taliban, atacaram a mesquita Datá Gunj Bakhsh, no leste do Paquistão, provocando a morte de 41 pessoas e ferimentos em outras 120. Na ocasião, centenas de devotos estavam no templo. Os suicidas se explodi.ram no subsolo da mesquita, local onde os fiéis se lavam antes de orar. O atentado teria ocorrido em represália pela ofensiva militar do Paquistão contra redutos dos insurretos islâmicos em região limítrofe com o Afeganistão. No Afeganistão, não obstante a expressiva presença militar dos EUA, sectários da AlQaeda e do Taliban prosseguem com a campanha de confronto, atentados suicidas e decapitação de eventuais reféns. Em Cabul, no Afeganistão, em 02.07.2010, dia em que chegou o novo comandante militar norte-americano nesse país, general David Petraeus, o escritório de uma empresa estadunidense que ali empresta apoio

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logístico aos EUA, sediada em Kunduz, na área norte da capital afegã, sofreu um ataque de seis homens-bomba, e em consequência morreram quatro civis, além dos insurgentes suicidas. Na Colômbia há anos atuam os grupos e extremistas autodenominados Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e ELN (Exército de Libertação Nacional). Tais grupos são listados como organizações terroristas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. As Farc, com mais de 15 mil homens, manipulam o tráfico de drogas e até janeiro de 2008 mantinham em seu poder algumas centenas de reféns para possíveis trocas com guerrilheiros presos. O ELN conta com aproximadamente cinco mil integrantes. Em janeiro de 2008, com a intermediação do polêmico presidente venezuelano Hugo Chaves, as Farc libertaram a ex-candidata à vice-presidência da Colômbia Clara Rojas e a ex-deputada Consuelo Gonzáles, que estavam retidas desde 2002. Comenta-se que a libertação de ambas tenha sido paga pelos governos da França e da Venezuela. No cativeiro, Clara Rojas foi brutalizada sexualmente por um integrante das Farc e teve um filho que, tendo sido liberado, hoje está na cidade de Bogotá. Em 2002, juntamente com Clara Rojas, as Farc também sequestraram a então candidata à presidência da Colômbia, a franco-colombiana Ingrid Betancourt, libertada em julho de 2008. Quase nessa mesma época a organização terrorista sequestrou o ex-senador colombiano Jorge Eduardo Gechem. As Farc não costumam permitir que médicos da Cruz Vermelha Internacional examinem os reféns que sequestra e que, presentemente, não chegam a uma centena. 24.5 Terrorismo. Ação de grupos radicais Trescalando odores de crime organizado, o terrorismo, quer de coloração político-ideológica, quer exibindo as cores fortíssimas do fanatismo religioso, gradual e paulatinamente vem espalhando os seus tentáculos pelo mundo, através de a tos de violência, muitas vezes inusitada, a cargo de suas organizações, que possuem seus quartéis-generais em diversas partes do mundo. Segundo as últimas pesquisas, esses grupos radicais ou terroristas que estariam espalhando o medo e o terror através de suas insidiosas açôes, de seus ataques inesperados e de surpresa contra povos e alvos, adrede e minuciosamente estudados, seriam os seguintes: Al-Fatah, Hamas, Hesbollah e Frente Democrática pela Libertação da Palestina- FDLP (na Palestina e no Líbano), IRA (na Irlanda do Norte), ETA (na pátria Basca da Espanha), Brigada Vermelha (na Itália), Frente Nacional de Libertação (na Córsega), Exército de Libertação Nacional (na Colômbia), FARC (na Colômbia), GIA (na Argélia), Sendero Luminoso (no Peru), Tupac Amaru (no Peru), AI Gama' a (no Egito), Organização Revolucionária (na Grécia), Luta do Povo Revolucionário (na Turquia), AI Qaeda (no Afeganistão), Exército Vermelho Japonês (no Japão), Khmer Vermelho (no Camboja), Mujahedin Klalq (no Irã), PKK (no Curdistão), Abu Musab Marqawi (naJordãnia), Brigada dos Mártires da Al-Aqsa (facção do Al-Fatah criada pelo Presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat),Jaish Anmsar AI Sunna (facção islâmica radical vinculada à Al-Qaeda), Exér-

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cito Islâmico Iraquiano (no Iraque), Brigada Abu Hafs AI Masri (ligada à Al-Qaeda e assim batizada em homenagem a Mohammed Atef, conhecido por Abu Hafs, assessor de Bin Laden, morto no Afeganistão em 2001), Falcões pela Liberdade (na Turquia) etc. Pelo rol dos grupos at1v1stas CJtados, verifica-se que as organizações terroristas atuam praticamente em todo o mundo.

enviado um ultimatum aos afegãos, ou afeganeses, e consequentemente ao Taleban, para que lhe entregassem Bin Laden. Asseverou Bush que o queria vivo ou morto. Consta, porém, que tanto o Afeganistão quanto o Taleban recusaram-se a atender aos pedidos ou apelos de Bush, o que talvez pudesse evitar uma crise internacional

Diga-se, de passagem, que o terrorismo teve seu apogeu nos anos de 1980 e vinha declmando até ll de setembro de 2001.

Diante dessa iminente possibilidade, Bin Laden convocou 300 mil islâmicos para a missão de enfrentar a invasão americana que se prenunciava e estaria automaticamente declarada se os Estados Unidos atacassem o Afeganistão. Por isso, Bin Laden conclamou os islâmicos para a chamada "guerra santa" (jihad).

O caso mais recente, que abalou toda a opinião pública mundial, foram os atentados perpetrados contra os Estados Unidos da América, quando, após 0 surpreendente (e mnda não bem explicado pelas forças de segurança estadunidenses) sequestro de alguns aviões de natureza comercial, os terroristas, que deles se apossaram, em manobras suicidas em pleno voo, arremeteram dítas aeronaves contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e a sede do Pentágono, em Washmgton. Os alvos referidos vieram a ruir em grande parte de suas estruturas, ce1fando a v1da de alguns milhares de pessoas. . Os prédios atingidos representam, respectivamente, o símbolo do Poder Econõm1co (World Trade Center) e do Poder Militar (Pentágono) dos Estados Unidos. Ao que consta, ademais, um quarto avião, que teria por destino a Casa Branca símbolo do Poder Político dos americanos, a fim de destruir a sede do Governo, fo; abatido, camdo destroçado ao chão, antes de alcançar seu objetivo, possivelmente pelas forças arma_das do pms agred1do. Quiçá inviabilizando, dessa forma, a complementação da · m1ssao dos terroristas-suicidas. _Esses a tos de terrorismo suicida foram atribuídos pela nação atingida a uma facçao extremista do 1slam1smo (religião dos muçulmanos) conhecida como Islamrsmo Fundamentalista, cujo fanatismo religioso é de tal maneira exacerbado que conduz seus membros a ações inimagináveis, fundados na crença de que, quanto m~wr forem os estragos produzidos contra os "inimigos", principalmente quando as açoes terronstas se fundamentam ou caracterizam por a tos suicidas, 05 autores ele tão

tresloucados a tos, n~ transcendência para a outra vida, irão viver em pleno Paraíso, recebendo ah uma sene de benesses, falando-se, inclusive (é de pasmar, se verdadeira a noticia), que cada um deles teria direito a possuir 67 mulheres virgens. As autoridades americanas apontam como principal responsável pelo atentado que sofreram, até agora suspeito número um (já que ainda não se reuniram provas Incontes~aveis a respeito), o "considerado", ou por muitos "declarado", terrorista Osama Bm Laden, que se encontraria homiziado no Taleban, que mantêm 90% do poder p~ht1co no Afeganistão. Mais precisamente, segundo informações partidas dos afegaos, estana Bm Laden "muito bem guardado" em uma das montanhas protegidas pelo citado Taleban. r

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Verdade é que o então presidente dos Estados Unidos, George William Bush, P ometeu, logo apos aos ataques sofridos por seu país, proceder a uma retaliação contra aqueles a tos terroristas, "doa a quem doer", segundo ele, tendo, inclusive,

maior.

A esta altura dos acontecimentos, com a marcante repercussão internacional

causada pelo traiçoeiro atentado de ll de setembro de 2001 (que sacrificou cruelmente milhares de vidas) e com a solidariedade prestada pela maioria das nações, os Estados Unidos já consecutavam "manobras de guerra", enviando farto material bélico para o Golfo Pérsico (porta-aviões com aeronaves supersõnicas, aviões de bombardeio, mísseis, tanques e milhares de soldados do exército e da aeronáutica, além dos fuzileiros navais, militares adestrados para os mais duros combates). Parte desse equipamento bélico e dos soldados foi ter ao Paquistão, cujo governo apoiava George W Bush. Ainda assim, esperava-se, para o bem da humanidade, que a guerra não viesse a ocorrer, temendo-se pelo destino do próprio mundo com seus mais de 6 bilhões de habitantes aproximadamente, entre eles mais de 1 bilhão de famintos e excluídos que podem desequilibrar de vez a balança econõmica internacional, acarretando, paralelamente ao aumento da criminalidade que sempre acontece durante as beligerâncias e situações de graves conflitos entre países, a disseminação da fome e de doenças para outras regiões do planeta. Lastimavelmente não foi assim, sucedendo que, em 07.10.2001, os Estados Unidos atacaram o Afeganistão no delirante e infrutífero anseio de capturar Osama Bin Laden. O Afeganistão se rendeu dois meses após, em 07.12.2001. Depois, em 19.03.2003, os Estados Unidos declararam guerra ao Iraque, que, após sofrer pesados ataques aéreos e terrestres, mormente sua capital Bagdá, foi dominado e ocupado em 01.05.2003, tendo fugido seu ditador Saddam Hussein, que, na manhã de l3 de dezembro desse mesmo ano, foi capturado por soldados norte-americanos quando homiziado numa estreita caverna da cidade de Tikrit, onde ele nasceu. Na oportunidade, o vaidoso e desapiedado déspota, proprietário de oito luxuosos palácios em Bagdá, estava sozinho, sujo, desnutrido e andrajoso. Desde sua captura, o ex-presidente iraquiano, com 67 anos de idade, ficou custodiado numa prisão próxima ao aeroporto de Bagdá. Durante a guerra, Saddam Hussein perdeu dois filhos (ambos militares) nos ataques à Bagdá. Seu primogênito Huday Hussein era temido por sua extremada perversidade, e nisso superava o próprio pai. Finda a guerra contra o Iraque e tomado rapidamente o país a partir de 1. 0 de maio de 2003, as tropas americanas de ocupação passaram a ser alvo das guerrilhas

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de resistência iraquiana, constantemente havendo confrontos que vitimaram vários

milhares de insurgentes iraquianos, além de civis. Mais de quatro mil soldados norte-americanos morreram desde o início dos conflitos. Um dos maiores focos de resistência foi a cidade de Fallujav, habitada por sunitas, que eram protegidos por Saddam, e onde estaria escondido o jordaniano Abu Mussab al-Zarqawi, um dos principais líderes terroristas do Iraque e que desfruta de larga influência no "Movimento da Resposta Islâmica", o braço forte da resistência interna iraquiana contra os estadunidenses e seus aliados. Até há pouco estavam no Iraque aproximadamente 160 mil soldados da Força Internacional de Coalizão, integrada pelos Estados Unidos (130.000 soldados), Reino Unido (11.000 soldados), Itália (2.700 soldados), Polônia (2.400 soldados), Ucrânia (2.000 soldados), Coreia do Sul (700 soldados), Romênia (700 soldados), Japão (530 soldados), Dinamarca (500 soldados), Bulgária (4 70 soldados), Tailândia (460 soldados), El Salvador (380 soldados), Cingapura (200 soldados), Mongólia (180 soldados), Azerbaijão (150 soldados), Noruega (150 soldados), Portugal (120 soldados), Letônia (120 soldados) e Nicarágua (115 soldados). Outros países, como a Eslováquia, República Checa, Lituânia, Albânia, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Nova Zelândia, Macedônia e Moldávia, mandaram ao Iraque de 20 a 100 soldados. Na verdade, o grupo terroristaAI-Qaeda, de Osama Bin Laden, vem cometendo sangrentos atentados no Iraque, Paquistão, Arábia Saudita e Turquia, países que são considerados subservientes aos Estados Unidos. Os movimentos de resistência iraquiana, em prática de verdadeira barbárie, vêm decapitando prisioneiros de origem norte-americana, inglesa, italiana etc., disso fazendo exibição por meio de emissoras de televisão locais e de vídeos. Inversamente, o grupo Saif-a!Aiah (Espada de Deus), subordinado à Jihad Islâmica, em vídeo colocado no ar em 08.07.2004, ameaçou decapitar qualquer advogado, iraquiano ou estrangeiro, que defender Saddam Hussein em seu julgamento. Por deliberação norte-americana, em 28.06.2004 tomou posse em Bagdá um governo interino iraquiano chefiado pelo Premiê Iyad Alawi, que, em 30.07.2004, convocou os paises muçulmanos a participarem de uma força composta apenas por soldados islâmicos para auxiliar a ONU em suas atividades no Iraque, o que, inclusive, diminuiria as pressões sobre os soldados norte-americanos que integram a Força Internacional de Coalizão. Em 01.07.2004, no Tribunal de Justiça de Bagdá, foi iniciado o julgamento de Saddam Hussein e onze de seus principais colaboradores. A respeito, o Secretário de Estado americano Colin Powell enfatizou que eles estavam desfrutando de um direito que jamais concederam a qualquer iraquiano. Manifestando-se sobre o processo, o Presidente do Parlamento Iraquiano, Hadad Ade!, disse que preferia que o julgamento de Saddam Hussein fosse realizado perante um tribunal internacional, acrescentando que também os Estados Unidos deveriam ir a julgamento, pois ajudou

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regime de Bagdá durante toda a guerra contra o Irã. Em interrogatório preliminar, ex-ditador do Iraque declarou que o principal motivo da invasão que, em 1990, 0 promoveu contra o Kuwait (que desencadeou a Guerra do Golfo) foi a necessidade de manter seu exército ocupado. Aliás, ele também foi julgado pela invasão do Kuwan e pela maciça matança de curdos em 1988 e de xiitas em 1991.

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Em 4 de julho de 2004 Hamid Reza Asefi, Ministro das Relações Exteriores do Irã, em pronunciamento ao país, informou que seu governo irá acusar Saddam Hussein diante do a tua! Tribunal de Justiça do Iraque, por atacar o Irã e usar genocidas armas químicas durante a guerra entre os dois países no período de 1980

a 1988. Também em 04.07.2004, dia da independência dos Estados Unidos, quase três anos após os atentados contra o World Trade Center, foi lançada, em Nova Iorque, e no mesmo local onde estiveram as Torres Gêmeas, a pedra fundamental da Torre da Liberdade. Trata-se, aduziu George Pataki, governador de Nova Iorque, do símbolo do triunfo contra o terror. A Torre da Liberdade, com 586 metros, será a mais alta do mundo, ultrapassando o edifício Taipei 101 Tower, com 562 metros, e ainda o mais alto do planeta. Em 29.07.2004 autoridades de Islamabad, no Paquistão, prenderam o terrorista Khalfan Ghilin, membro da cúpula da Al-Qaeda, suspeito de envolvimento em atentados terroristas com carros-bomba nas embaixadas norte-americanas de DarEs Salaam (na Tanzânia) e Nairobi (no Quênia), que, em 07.08.1988, mataram 224 pessoas. Pretendendo combater o terrorismo internacional com mais eficiência, no início de agosto de 2004 o então presidente norte-americano George W Bush anunciou a criação da Direção Nacional de Inteligência e do Centro Nacional de Contraterrorismo, cujo objetivo é analisar e coordenar informações secretas e planejar a execução de operações, pois que, quando dos atentados de l l de setembro de 2001, concluiu-se pela existência de sérias falhas no setor de inteligência norte-americano. Na primeira semana de agosto de 2004 o governo interino iraquiano reinstituiu no país a pena de morte para os crimes de homicídio e tráfico de drogas e também para os delitos que atentem contra a segurança nacional. Saddam Hussein foi um dos primeiros a ser sentenciado à pena capital. Nas cidades de Bagdá e Najaf, ao sul do país, já estão atuando alguns milhares de policiais iraquianos subordinados ao governo do Premiê Iyad Alawi. Consta que, desde 0 fim da guerra até julho de 2004, os soldados norte-americanos já teriam matado várias centenas de rebeldes iraquianos na cidade de Najaf, após violentos confrontos. O governador da cidade, Adman ai Zurufi, diz que pelo menos 400 membros da resistência xiita foram mortos e aproximadamente 1.000 capturados em apenas dms dtas, o que foi contestado por um porta-voz do clérigo radical Muqtada al-Sadr, líder do grupo extremista Exército do Mahdi. Analistas relacionaram a violência em Najaf

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à substituição dos soldados norte-americanos regulares por fuzileiros navais, que

representam a força militar de elite dos EUA. Em 20.08.2004, após intensos bombardeios americanos e combates em terra pelo menos 77 xiitas morreram em Najaf e os demais insurgentes do Exército d~ Mahdi se refugiaram na Mesquita do Imã, tendo fugido o líder xiita Muqtada alSadr. Finalmente, em acordo ajustado em 26 de agosto de 2004, houve o cessar-fogo na cidade de Najaf com a retirada das tropas norte-americanas, o aprisionamento dos xiitas rebeldes e a anistia para seu líder, o clérigo Moqtada al-Sadr. Presentemente, a cidade está sob o domínio da nova polícia iraquiana, e a Mesquita do Imã ficou sob a tutela do aiatolá Ali al-Sistami, um dos mais respeitados chefes religiosos do Iraque. Na última semana de agosto de 2004 rebeldes iraquianos executaram, por decapitação, o jornalista italiano Enzo Baldoni, capturado anteriormente. . Os Estados Unidos aumentaram para US$ 25 milhões o prêmio pela captura do Jürdamano Abu Musab al-Zarqawi, considerado por Washington o cérebro dos atentados no Iraque (o prêmio anterior era deUS$ 10 milhões). Também para 0 apnswnamento de Osama Bin Laden o prêmio é de US$ 25 milhões. Os Estados Unidos oferecem US$ 5 milhões pela captura de outros vinte dirigentes da Al-Qaeda. O mullá Omar, ex-dirigente talibã no Afeganistão, vale US$ lO milhões. É deUS$ 10 milhões a recompensa pela prisão de Izzat Ibraim al-Douri, o mais graduado entre os principais foragidos do Iraque. Em l.o de outubro de 2004 forças de ocupação do Iraque, compostas por 3.000 soldados norte-americanos e 2.000 soldados iraquianos, lançando grande ofensiva, retomaram a cidade de Samarra, ao norte de Bagdá, que antes era mantida por rebeldes sunitas. Morreram pelo menos 125 rebeldes e outros 88 foram capturados. Seja como for, o conflito no Iraque já dura mais de sete anos e é muito remota a possibilidade de paz definitiva. Desde o começo da guerra os Estados Unidos já gastaram a astronômica soma de 784 bilhões de dólares. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos anunciou, no começo de dezembro de 2004, que aumentaria para 150 mil o contingente de soldados norteamericanos no Iraque. Cabe mencionar, abordando o terrorismo internacional, que, em 24.08.2004, no espaço aéreo moscovita, dois aviões russos tipo TU-154 foram explodidos num mtervalo de três minutos, deixando um saldo de 89 mortes. Via internet, o duplo atentado foi assumido pelo grupo terrorista checheno de origem muçulmana denominado "Brigadas de Islambouli", assim batizado em homenagem a Kaled lslambouli, oficial egípcio que, em 1981, assassinou Anwar Sadat, presidente do Egito. lslambouli era membro da jihad Islâmica, parte da qual se incorporou à rede terrorista Al-Qaeda. Em 29.08.2004, em Cabul, capital do Afeganistão, foram mortas sete pessoas em virtude da explosão de um carro-bomba diante da empresa

MICRO E MACROCRIMINALIDADE. CRIME DE COLARINHO BRANCO. CRIME ORGANIZADO

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Dyncorp Incorporation, que trabalha na segurança do presidente afegão Hamid Karzai. Militantes afegãos do Taleban ligados à Al-Qaeda assumiram, via internet, a autoria do atentado. No começo de setembro de 2004 chocou o mundo, pela inominável crueldade, atentado ocorrido na cidade russa de Béslen, na região da Ossétia do N arte. Em Béslen, terroristas chechenos de origem muçulmana tomaram de assalto a Escola Deslan- I, onde estavam perto de 1.500 pessoas, entre crianças, adolescentes, pais de alunos e funcionários do estabelecimento de ensino. Havendo o enfrentamento com a polícia, antes de explodirem várias bombas no interior da escola os terroristas mataram crianças, adolescentes e adultos a tiros de armas de grosso calibre ou então ateando fogo em seus corpos. O atentado deixou um saldo de 335 mortes (156 crianças e adolescentes), 700 pessoas feridas (58 das quais em estado grave) e 191 pessoas desaparecidas. A tragédia comoveu todo o mundo, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Russas, general Yuri Baluevsky, ameaçou atacar preventivamente bases terroristas em qualquer parte do mundo. Foram acusados de liderarem o impiedoso atentado à Escola Deslan- I os líderes separatistas chechenos Shamil Basayev e Aslan Maskhadov, pela captura dos quais o governo russo oferece um prêmio de 300 milhões de rubros (US$ lO milhões). Aliás, Shamil Basayev já assumiu a autoria dos atentados contra os dois aviões russos em agosto e contra a Escola Deslan- I em setembro de 2004. Ele também reivindica a invasão de teatro na Rússia, em 2002, na qual morreram 129 pessoas. A economista italiana Loretta Napoleoni, que há anos pesquisa o terrorismo internacional, em entrevista concedida em 2004 à jornalista Natasha Niebieskikwiat, apontou o narcotráfico como um dos modos pelo qual o terrorismo é financiado, notadamente na América do Sul, acrescentando que as Farc são exemplo disso. Ainda afirmou a economista italiana radicada em Londres que os três líderes do terrorismo islâmico são Osama Bin Laden (que controla o movimento revolucionário insurrecional contra o Ocidente), Abu Mussab al-Zarqawi (muçulmano sunita que propugna pela luta armada contra o Ocidente e os xiitas) e Muqtada al-Sadr (religioso xiita que recebe contribuições de comerciantes islâmicos para auxiliar o terrorismo). Dos três, segundo a economista italiana, o único que tem fortuna pessoal é Bin Laden. Loretta Napoleoni revelou, na entrevista, que certos grupos terroristas (ETA e IRA, por exemplo) começam a se autofinanciar e que o narcotráfico colombiano, a par de financiar as guerrilhas das Farc, também já auxiliam financeiramente grupos terroristas islâmicos que se uniram com o Hezbollah do Líbano, desse modo contribuindo com a lavagem de "dinheiro sujo" do narcotráfico colombiano. Aventou ela, outrossim, a possibilidade de que grupos mafiosos europeus estariam transacionando com a Al-Qaeda como meio de regularizar "dinheiro sujo". De mencionar, por oportuno, que, em 14.07.2004, Carmen Binladin, cunhada do terrorista Osama Bin Laden, lançou, nos Estados Unidos, o livro Inside the hingdon (Dentro do reino), onde narra a história da família do líder da Al-Qaeda. No livro, Carmen Binladin (que é casada e separada de Yeslam, irmão de Bin Laden que vive

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em Genebra, onde é investidor) diz que, apesar de o governo da Arábia Saudita ter cancelado a cidadania do líder terrorista há anos, é provável que ele ainda mantenha conta to com a realeza, pois sua família é muito ligada aos príncipes sauditas. Hoje, na realidade, o Iraque é um país tinto de sangue em virtude dos repetidos atentados terroristas e das contundentes represálias dos norte-americanos. Somado a isso a constante tensão gerada no Oriente Médio pelo antagonismo não menos sangrento entre israelenses e palestinos, pouca dúvida paira de que o mundo está à beira de uma guerra generalizada de consequências terríveis e mesmo inimagináveis.

25 VITIMOLOGIA SUMÁRio: 25.1 Histórico- 25.2 Noçào e alcance da Vitimologia- 25.3 Dupla criminoso-vitima- 25.4 Vítimas autênticas- 25.5 Concepção de Benjamin Mendelsohn- 25.6 Tipos ele vítima e sua classificação- 25.7 Vitimologia radical - 25.8 Compensação à vítima do dano decorrente do delito- 25.9 Classificação vitimo lógica de Hans Von Hentig- 25.10 Arremate.

25.1 Histórico Desde a Escola Clássica impulsionada por Becaria e Feuerbach à Escola Eclética de Impalomeni e Alimena, passando antes pela Escola Positiva de Lombroso, Ferri e Garófalo, o Direito Penal praticamente teve como meta a tríade delito-delinquentepena. O outro componente do contexto criminal, a vítima, jamais foi levado em consideração. Isto apenas passou a ocorrer quando outras ciências, e principalmente a Criminologia, tiveram de vir em auxílio do Direito Penal para a análise aprofundada do crime, do crilninoso e da pena. As primeiras manifestações formais sobre a vítima, sua tràgédia e a desdita de seus dependentes ou familiares foram levantadas por Etiene de Greef e Wilhelm Saver. Na cronologia dos estudos acerca da vítima quem figura como pioneiro é o criminólogo Hans Von Hentig, que dela se ocupou com razoável abrangência, inclusive aludindo ao binômio delinquente-vítima em seu livro The criminal and victim, editado na década de 1940, e onde também é examinado o problema da reparação do dano causado à vítima pelo delito, independentemente da responsabilidade civil do autor. Subsequentemente, roborando os conceitos doutrinários e científicos ponderados por Von Hentig, Fritz Paasch salientou a importância da relação criminoso-vítima em sua obra intitulada Problemes fundamentaux et situation de la vict imologie. Nos anos seguintes o assunto igualmente foi abordado por Franz Exner, Weiss, Eisemberg, Gasper e Elemberger. Aliás, já em 1899, Viveiros Castro voltava sua atenção para as vítimas de má-fé nas transações envolvendo pecúnia. Em 1901 Hans Gross fazia referência à credulidade das vítimas de fraude. Também Feuerbach, anteriormente, aludindo à vítima de determinado homicídio, frisava que fora ele, o sujeito passivo, o próprio culpado do evento que o atingiu. No mesmo sentido, Gabriel Tarde repisadamente criticou o descaso legislativo no tocante ao relacionamento entre o criininoso e a vitima. _Em 1914, e~a _q_.wcco em mais de 20 idiomas. é sempre o decantado suborno arma predileta da corrupção em todos os ''"'"e'"e"m' rodos os lugares. E essa multiplicidade de nomes, a confusão proposital propiciam, o despistamento dos indícios de sua prática refletem a própria intrínseca do mecanismo corruptivo, que gira em torno do que fm dado do que não foi dito nem ficou escrito, mas sim subentendido. Infelizmente foi assim, desde a eterna Roma à moderníssima Brasília, a Grécia de Aristóa Inglaterra dos Stuart. são as mais variegadas nuanças que envolvem a prática da corrupção, que embaraçam os que tentam estudá-la através da história ou aceitam o desafio no de desbaratá-la. À superabundãncia de denúncias de sua prática se antepõe, :ast: ut