Crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais
 9788502152670

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OBRAS DO AUTOR

Código de Processo Penal anotado, Saraiva. Código Penal anotado, Saraiva. Crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais, Saraiva. Crimes de porte de arma de fogo e assemelhados-, anotações à parte criminal da Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, Saraiva. Crimes de trânsito, Saraiva. Decisões anotadas do Supremo Tribunal Federal em matéria crimi­ nal, Saraiva. Direito penal, 1Qvolume, Saraiva. Direito penal, 2Qvolume, Saraiva. Direito penal, 3Qvolume, Saraiva. Direito penal, 4Svolume, Saraiva. Imputação objetiva, Saraiva. Lei Antitóxicos anotada, Saraiva. Lei das Contravenções Penais anotada, Saraiva. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada, Saraiva. Novas questões criminais, Saraiva. Novíssimas questões criminais, Saraiva. O novo sistema penal, Saraiva. Penas alternativas, Saraiva. Prescrição penal, Saraiva. Questões criminais, Saraiva. Temas de direito criminal, Ia série, Saraiva. Temas de direito criminal, 2a série, Saraiva. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas, Saraiva. Tráfico internacional de mulheres e crianças — Brasil, Saraiva.

DAMÁSIO DE JESUS

CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS

2003

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JJ

Editora

Saraiva

CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS

saraivajur.com .br Visite nosso portal

ISBN 978-85-02-15267-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Jesus, Damásio de Crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais / Damásio de Jesus. — São Paulo : Saraiva, 2003. 1. Comércio internacional 2. Corrupção ativa - Leis e legislação Brasil 3. Tráfico de influência - Leis e legislação - Brasil I. Título. E ditado tam bém com o livro im presso em 2003.

índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais : Leis : Direito penal 343.53:382(81 )(094)

ABREVIATURAS ACrim AE Agi AJ APn AR Câm. CC CComp CF CJ CP CPar CPP CTest Des. DJU DOU ED EI HC IBCCrim Inq. JC JEC JSTJ JTARS

— Apelação Criminal — Agravo em Execução — Agravo de Instrumento — Arquivo Judiciário — Ação Penal — Ação Rescisória — Câmara - Código Civil — Conflito de Competência — Constituição Federal — Conflito de Jurisdição — Código Penal — Correição Parcial — Código de Processo Penal — Carta Testemunhável — Desembargador — Diário da Justiça da União — Diário Oficial da União — Embargos Declaratórios — Embargos Infringentes — Habeas Corpus — Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (SP) — Inquérito — Jurisprudência Catarinense — Juizado Especial Criminal — Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça — Julgados do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul

JTJ LCP LEP LICC Min. MS m.v. OAB OCDE OEA ONU PJ PNUFID RCPDF RCrim RDP RE RECrim rei. REsp Revista CEJ RF RHC RJDTACrimSP RJTACrimSP RJTJSP RMS ROA ROHC RSE RT VI

— Jurisprudência do Tribunal de Justiça (SP) — Lei das Contravenções Penais — Lei de Execução Penal — Lei de Introdução ao Código Civil — Ministro — Mandado de Segurança — maioria de votos — Ordem dos Advogados do Brasil — Organização para a Cooperação e Desenvolvi­ mento Econômico — Organização dos Estados Americanos — Organização das Nações Unidas — Paraná Judiciário — Programa das Nações Unidas para a Fiscaliza­ ção Internacional de Drogas — Revista do Conselho Penitenciário do Distrito Federal — Recurso Criminal — Revista de Direito Público — Recurso Extraordinário — Recurso Extraordinário Criminal — relator — Recurso Especial — Revista do Centro de Estudos Judiciários do Con­ selho da Justiça Federal — Revista Forense — Recurso de Habeas Corpus — Revista de Jurisprudência e Doutrina do TACrimSP — Revista de Julgados do Tribunal de Alçada Cri­ minal de São Paulo — Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo — Recurso em Mandado de Segurança — Revista da Ordem dos Advogados (SP) — Recurso Ordinário em Habeas Corpus — Recurso em Sentido Estrito (Recurso Criminal) — Revista dos Tribunais

RTJ — Revista Trimestral de Jurisprudência RvCrim — Revisão Criminal SEDDG — Seção de Estudos da Diretoria do Departamento dos Gabinetes do TACrimSP STF — Supremo Tribunal Federal STJ — Superior Tribunal de Justiça T. — Turma TACrimMG — Tribunal de Alçada Criminal de Minas Gerais TACrimSP — Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo TAPR — Tribunal de Alçada do Paraná TJ — Tribunal de Justiça TI — Transparency International TJRO — Tribunal de Justiça de Rondônia TJSE — Tribunal de Justiça de Sergipe TJSP — Tribunal de Justiça de São Paulo UN — United Nations UNICRI — Instituto Inter-regional das Nações Unidas de Pesquisas sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal v. — volume v. un. — votação unânime v. v. — voto vencido

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ÍNDICE GERAL Abreviaturas............................................................................

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I O SUBORNO NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS C a pítu lo

1. As Nações Unidas e a corrupção de funcionários públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais 2. Tipos de corrupção............................................................... 3 .0 custo do delito.................................................................. 4. As iniciativas das Nações Unidas e outros organismos inter­ nacionais ..............................................................................

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II CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS (LEI N. 10.467, DE 11-6-2002) C a pítu lo

I — Corrupção ativa nas transações comerciais internacionais II — Tráfico de influência em transação comercial interna­ cional ............................................................................. III — Funcionário público estrangeiro.................................... APÊNDICE Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000, que promulga

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a Convenção das Nações Unidas sobre o Combate da Cor­ rupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais....................................................... Convenção das Nações Unidas sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comer­ ciais Internacionais (1997)...................................................... Projeto de Lei Original n. 4.143, de 2001, do Poder Execu­ tivo, e Mensagem n. 140, do Senhor Presidente da República Projeto de Lei n. 4.143, de 2001 — Comissão de Constituição e Justiça e de Redação — voto do Relator.............................. Projeto de Lei n. 4.143, de 2001 — Comissão de Constituição e Justiça e de Redação — Emenda.......................................... Projeto de Lei n. 4.143, de 2001 — Comissão de Constituição e Justiça e de Redação — voto do Deputado Federal Jarbas Lima e Substitutivo.................................................................. Projeto de Lei elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus a pedido das Nações Unidas sobre Crimes de Cor­ rupção de Funcionários Públicos nas Transações Comerciais Internacionais.......................................................................... Exposição de Motivos do Projeto de Lei sobre Crimes de Cor­ rupção de Funcionários Públicos nas Transações Comerciais Internacionais elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus a pedido das Nações Unidas e entregue ao Governo bra­ sileiro ....................................................................................... Razões da necessidade da introdução na legislação penal bra­ sileira dos crimes de corrupção de funcionários públicos nas transações comerciais internacionais e correlatos com referên­ cia ao Projeto de Lei solicitado ao Complexo Jurídico Damá­ sio de Jesus pelas Nações Unidas.............................................. Exposição de Motivos da Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002............................................................................................ Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002, que introduziu no Código Penal os crimes de corrupção ativa e tráfico de influên­ cia nas transações comerciais internacionais............................

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I O SUBORNO NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS C a p ít u l o

1. As Nações Unidas1 e a corrupção de funcionários públi­ cos estrangeiros nas transações comerciais internacionais As Nações Unidas sempre estiveram preocupadas com a cor­ rupção funcional — especialmente no que tange a transações comer­ ciais internacionais —, que enfraquece a integridade e a credibilidade das administrações estatais, debilitando as políticas sociais e econô­ micas. Como consta das Conclusões do Seminário sobre Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais, promovido pela Organi­ zação dos Estados Americanos (OEA) e pela Organização para a Co­ operação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado em Buenos Aires, Argentina, em 7 e 8 de setembro de 1998, “a corrupção e o suborno minam a credibilidade das instituições democráticas, deterioram os investimentos estrangeiros, pervertem o comércio e são prejudiciais ao desenvolvimento da economia”2.

1Sobre as Nações Unidas: LARISSA L. O. RAMINA,/lfão internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002; LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO, Das organizações internacionais, Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 25 e s. 2Como disse RODOLFO ALEJANDRO DÍAZ, Procurador dei Tesoro de la Nación argentina, “a corrupção lastima o tecido social, contamina as instituições e produz disfuncionalidade nos órgãos públicos. Além disso, afeta a legitimidade dos siste­ mas políticos e compromete a governabilidade dos Estados” (Corrupción: un desa­ fio para la governabilidad y las transaciones intemacionales, paper apresentado no Seminário La lucha contra el sobomo en las transaciones comerciales intemaciona­ les, OCDE, OEA e Govemo da Argentina, Buenos Aires, setembro de 1998, p. 1).

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São os seguintes os problemas que a corrupção funcional produz: 1Q) incremento da sonegação de impostos: os funcionários pú­ blicos, em face da corrupção, não escolhem os melhores contratos para seu país, mas sim os mais lucrativos para eles próprios; em con­ seqüência, o Governo arrecada menos impostos e gasta mais; 2a) a economia de mercado não funciona: conseguem melhores contratos, não as mais produtivas companhias, mas as que sabem negociar com as autoridades; 3Q) o investimento extemo é reduzido porque o suborno apre­ senta o mesmo efeito de um imposto: configura um custo a mais no balanço das companhias3. Trata-se de um fenômeno antigo4e mundial, a justificar constan­ tes atualizações das legislações nacionais, como está atualmente ocor­ rendo na Inglaterra, que se apressa em reformar as regras de prevenção do comportamento corrupto de seus funcionários públicos5. 2. Tipos de corrupção Há que diferenciar a corrupção “ordinária” da “macroeco­ nômica”. Aquela configura a delinqüência comum; esta se expressa por um número indeterminado de escândalos que, por seu volume e por girar sempre ao redor de uma inadequada e fraca fiscalização fiscal e aduaneira estatal, afeta o desenvolvimento do país, com gra­

3ELIANA SIMONETTI, Pintou sujeira, Veja, n. 1622, p. 64, 3 nov. 1999. 4 “Si se define ‘corrupción’ de forma general como transgressión de normas por parte de agentes de vigilar el bien público en detrimento de este bien público, en­ contramos que ya desde la antiguedad existen normas que reglamentan el ejercicio de la función pública, ya sea por legislation civil, ya sea por normas éticas y reli­ giosas, como las que encontramos profusamente en la Sagrada Escritura” (HORST PIETSCHMANN, Corrupción en las índias Espaholas, Institucionesy Corrupción en la Historia, apud MARTA MAGADAN DÍAZ, Corrupción y fraude: economia de la transgressión, Madrid: Dykinson, 1999, p. 9). 5 G. R. SULLIVAN, Proscribing Corruption — some comments on the Law Commission’s Report, The Criminal Law Review, Londres: Sweet & Maxwel, p. 547, Aug. 1998.

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víssimos danos à sua economia6. Seja “ordinária”, seja “macro­ econômica”, impede o desenvolvimento e gera pobreza7. A corrupção também apresenta “cores”, dependendo da gravi­ dade de seus efeitos: negra, cinzenta e branca. A primeira, observa JOAQUÍN GONZÁLEZ, compreende as mais graves violações das regras estabelecidas e recebe a unânime reprovação social; a branca, integrada pelas pequenas corrupções e os maus hábitos humanos, costuma ser tolerada; a cinzenta tende a ficar negra nas sociedades mais puritanas e branca nas mais permissivas8. 3. O custo do delito A corrupção prejudica o progresso das nações e, a par da impu­ nidade que a acompanha, debilita as instituições e a moral pública, gerando alto custo, responsável pelo empobrecimento do povo9. De acordo com a Transparency International (TI), pesquisas demons­ tram que os países com maior incidência de corrupção aparecem como os menos economicamente competitivos. Prevenindo-se e, com isso,

6EUGENIO RATJL ZAFFARONI, Las máscaras de la corrupción,ií7 Clarin, Buenos Aires, 4 ago. 1998, Seção Opinion, p. 17. 7 CARLOS A. MANFRONI,La Convention Interamericana contra la Corruption, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 27. 8 Corruption y justicia democrática, Madrid: Clamores, 2000, p. 99. 9 Corrupción: que actúe la Justicia,La Nación, Buenos Aires, 9 ago. 1998; ANTO­ NIO GIALANELLA, Le modèle d ’un capitalism e crimenel (Le sursaut démocratique), in Un monde san loi: la criminalité financière en images, Jean de Maillard et al., Paris: Stock, 1998, p. 114. Como informou JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO, Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, “o Brasil perde por ano, com a corrupção nas esferas federal, estadual e municipal, pelo me­ nos R$ 100 bilhões, um número 11 vezes maior do que os bilhões de reais previstos no Orçamento Geral da União para investimentos em 2002 e 10 vezes superior ao orçamento da cidade de São Paulo” (Impacto da corrupção, Jornal da Cidade, Bauru (SP), 24 jul. 2002, p. 2). De acordo com informação d'O Estado de S. Paulo, a máfia dos fiscais da Prefeitura da capital paulista “movimenta R$ 1 2 milhão por mês em propinas” (ed. de 26 jul. 2002, C3).

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reduzindo os casos de corrupção funcional, os países aumentam os investimentos estrangeiros10. Como se nota, a corrupção funcional é tema dos mais impor­ tantes na luta contra a delinqüência transacional organizada, esti­ mando-se que se os ganhos ilícitos corresponderem a 5% do valor dos investimentos estrangeiros e das importações em países minados pelo suborno nas transações internacionais, a importância anual che­ garia a US$ 80 bilhões, equivalente a uma elevação de impostos da ordem de 24%u . A ação da autoridade governamental é das mais relevantes, uma vez que os Estados, no estágio atual, não têm conse­ guido cercar as atividades da Administração Pública com um cordão sanitário que as proteja da corrupção funcional, que se constitui em um dos principais impedimentos ao desenvolvimento dos povos12. Realmente, como disse o Embaixador MICHAEL SKOL, Subsecre­ tário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos (1993-1996), “el suborno transnacional es el más arrogante de los actos corruptos”13. 4. As iniciativas das Nações Unidas e outros organismos in­ ternacionais14 A Organização das Nações Unidas (ONU), em 15 de dezembro de 1975, pela Resolução 3514, condenou as práticas corruptas das empre­

10 Veja, Rio de Janeiro, p. 33,26 ago. 1998; Pintou sujeira, Veja, n. 1622, p. 64, 3 nov. 1999; Correio Braziliense, Economia & Trabalho, 27 out. 1999, p. 17. 11Corrupção: a comunidade internacional se mobiliza para erradicar essa praga glo­ bal, Folha de S. Paulo, 18jun. 1998, suplemento Time, p. 5 e8. Vide sobre o assunto: JEAN DE MAILLARD et al., Un monde san loi: la criminalité financière en images, Paris: Stock, 1998, p. 104 (verbete “Le crime invisible”). 12 DANIEL KAUFMANN, Corrupción y governabilidad, Seminário sobre a Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais, Buenos Aires, Argentina, 7 e 8 de setembro de 1998, p. 13. 13Prólogo da obra Sobomo transnacional, Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1998, p. 9. 14 Sobre o assunto, vide LARISSA L. O. RAMENA, Ação internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 43 e s.

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sas que realizam transações mercantis internacionais por meio de subor­ no de funcionários públicos encarregados de sua fiscalização, recomen­ dando aos Estados-Membros a adoção de providências no sentido de medidas legislativas de prevenção e repressão, tendo retomado ao as­ sunto nas Resoluções 1995/14 (Medidas contra a Corrupção), de 24 de julho de 1995, e 50/225 (Administração Pública e Desenvolvimento), de 19 de abril de 1996, do Conselho Econômico e Social. Na Resolução 51/59, de 12 de dezembro de 1996, foi aprovado o Código Internacional de Conduta dos Titulares de Cargos Públi­ cos, sugerindo que os Estados-Membros nele se guiassem na luta contra a corrupção. Na Resolução 51/191, foi solicitado ao Conselho Econômico e So­ cial e, especialmente, a um de seus órgãos auxiliares, a Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, o exame de medidas a serem toma­ das para coibir a corrupção nas transações comerciais internacionais. Em Buenos Aires, de 17 a 21 de março de 1997, houve reunião do Grupo de Especialistas em Prevenção da Corrupção, estudando o assunto15. No 6° Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, realizado em Viena, de 29 de abril a 9 de maio de 1997, o Conselho Econômico e Social recomen­ dou à Assembléia Geral a aprovação de Projeto de Resolução exor­ tando “aos Estados-Membros a tipificação como crime, de forma eficaz e coordenada, do suborno de ocupantes de cargos públicos nas transações comerciais internacionais”16. Em Dakar, de 21 a 23 de julho de 1997, realizou-se o Seminário Regional Ministerial Africano sobre Medidas contra a Delinqüência Transacional Organizada e a Corrupção. A Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua Resolução 52/ 87, de 12 de dezembro de 1997, sobre Cooperação Internacional con­

15 Vide LARISS A L. O. RAMINA,/lçao internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 52. 16Documentos Oficiais de 1997 do Conselho Econômico e Social das Nações Uni­ das, Nova York, 1997, suplemento n. 10, p. 57.

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tra a Corrupção e o Suborno nas Transações Comerciais Internacio­ nais, decidiu que os Estados-Membros devem adotar todas as medi­ das possíveis para promover a aplicação da Declaração das Nações Unidas contra a Corrupção e o Suborno e do Código Internacional de Conduta de Funcionários Públicos. Em Manila, de 23 a 25 de março de 1998, realizou-se o Workshop Ministerial Regional da Ásia sobre a Delinqüência Transacional Or­ ganizada e a Corrupção. Em Viena, de 21 a 30 de abril de 1998, realizou-se o 7a Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, pro­ movido pelas Nações Unidas. Estiveram representados no evento cerca de 123 países, com 1.252 delegados, além de órgãos do Secre­ tariado das Nações Unidas, como o Centro de Direitos Humanos, o Departamento de Paz, o Departamento de Coordenação Policial, a Comissão de Refugiados e o Programa das Nações Unidas de Con­ trole de Drogas, além de organizações intergovemamentais e não governamentais. A par do tema prioritário, versando sobre o Crime Organizado Transnacional, foram discutidos outros assuntos, dentre os quais a Aplicação de Normas Legais e a Ação contra a Corrupção e o Suborno. A Polônia, em 1996, propôs à ONU a elaboração de uma Con­ venção Internacional contra a Delinqüência Transacional Organiza­ da. Em 24 de setembro de 1996, o Projeto da Convenção foi enviado ao Secretário-Geral da ONU. Em abril de 1997, em Palermo, foram iniciados os estudos do Projeto, que prosseguiram no 6a Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas (Viena, abril/maio de 1997. No 7a Período de Ses­ sões (Viena, abril de 1998), continuaram as discussões sobre os ter­ mos da Convenção. No Tema 2, que versa sobre o “Âmbito de apli­ cação”, contendo uma lista ilustrativa dos crimes cometidos pelas organizações criminosas transacionais, um dos delitos é a “corrupção de funcionários públicos”17. Os trabalhos continuaram em Roma, em

17 Opção n. 6, “i”, Cooperação Internacional para Combater a Delinqüência Transacional, Informe do Grupo Intergovemamental de Especialistas, doc. do 7a Período de Sessões, Viena, 21 a 30 de abril de 1998, p. 18 e 19.

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17 e 18 de julho de 1998, e em Buenos Aires, de 31 de agosto a 4 de setembro de 199818. Em Buenos Aires, nos dias 7 e 8 de setembro de 1998,reaüzouse o Workshop on Combating Corruption and Bribery o f Public Officials in International Business Transactions, promovido pela OEA19, pela OCDE20e pela Argentina. O evento, com a finalidade de indicar aos Estados participantes a forma de identificação de meios e ações contra a corrupção funcional, teve também a missão de mos­ trar-lhes os avanços que têm ocorrido no terreno da cooperação in­ ternacional, discutindo a incriminação e a apenação de condutas, a transparência das atividades funcionais do Estado e a indevida dedu­ ção de valores de propinas doadas a funcionários púbbcos no paga­ mento de imposto de renda21, prática proibida na Europa somente em fevereiro de 199922. Os debates, dos quais o Brasil participou ativamente, fizeram-se sob a ótica da Convenção Interamericana con­ tra a Corrupção (Convenção da OEA) e da Convenção de Combate à Corrupção e ao Suborno de Funcionários Públicos nas Transações Comerciais Internacionais, da OCDE, adotadas como instrumentos singulares. Como consignou a “Charman’s Conclusion”, toma-se imperiosa a severa incriminação do suborno e da corrupção nas ne­ gociações mercantis transacionais. Em Viena, no 10a Período de Sessões da Comissão de Preven­ ção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, realizado em maio

18 Informal Preparatory Meeting of the Open-ended Intergovernmental “ad hoc” Committee on the Elaboration of the Comprehensive International Convention against Transnational Organized Crime. 19Sobre a OEA: LUIS IVANIDE AMORIM ARAÚJO, Das organizações interna­ cionais, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 76. 20Sobre a OCDE: LARISSA L. O. RAM3NA,ylção internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002; RICARDO SETTENFUS, Manual das organizações in­ ternacionais, Porto Alegre: Livr. do Advogado Ed., 2000, p. 238. 21 Denying Tax Deductibility of Bribery, paper apresentado pelo Reino Unido. 22LEONARDO CAVALCANTI, Exportações à custa de subomo, CorreioBraziliense, 27 out. 1999, Economia & Trabalho, p. 17.

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de 2001, de 8 a 17, a corrupção de funcionários públicos foi eleita o tema central do encontro. Essa preocupação não é só da ONU, mas também de outras entidades internacionais a ela filiadas. Assim é que a OEA, de 27 a 29 de março de 1996, realizou, em Caracas, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, condenando, numa de suas disposições, a corrupção nas transações mercantis internacionais. O Conselho da Europa tem promovido diversos convênios internacionais contra a corrupção mercantil. A Organização Mundial do Comércio (OMC) vem encarecendo a necessidade de existir mais transparência e cla­ reza nas transações comerciais dos setores públicos estatais. No mes­ mo sentido, a OCDE sugere a proibição da dedução, para efeitos tributários, das quantias pagas a funcionários públicos a título de suborno nas transações mercantis internacionais, costume tolerado em alguns países. Em maio de 1997, o Conselho da OCDE, que congrega os 29 países mais ricos do mundo, aprovou a Recomendação para Prevenir o Suborno nas Transações Comerciais Internacionais. Em Budapes­ te, em abril de 1997, a Comunidade de Estados Independentes (CEI) realizou um seminário organizado pelo Instituto Inter-regional das Nações Unidas de Pesquisas sobre Prevenção do Crime e Justiça Penal (UNICRI) para o estudo da corrupção mercantil transacional. Em outubro de 1997, o Centro de Desenvolvimento da OCDE organizou um Seminário sobre a Corrupção. Em novembro de 1997, os mem­ bros do Conselho da Associação de Cooperação e Desenvolvimento Econômico adotaram a Convenção para Prevenir o Suborno de Fun­ cionários Públicos Estrangeiros nas Transações Mercantis Interna­ cionais . Em 1998, o Grupo de Trabalho do Conselho da OCDE sobre a Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais realizou di­ versos procedimentos para fiscalizar a adoção das medidas recomen­ dadas pela ONU. Na reunião da Cúpula das Américas, realizada no Chile, em abril de 1998, os Chefes de Governo comprometeram-se a erradicar a corrupção de nosso continente. Em Paris, de 29 de março a 1Qde abril de 1999, reuniu-se o Grupo de Trabalho da OCDE no Seminário de Paris de Combate à Corrupção nas Transações Comer­ ciais Transnacionais, de que o Brasil participou ativamente. 8

Em Washington, nos Estados Unidos, de 24 a 26 de fevereiro de 1999, presidido pelo Vice-Presidente Al Gore, realizou-se o Seminá­ rio de Combate à Corrupção de Funcionários Públicos nas Áreas da Justiça e da Segurança Pública, com a participação do Brasil, em que também foi discutida a conexão desse tema com a corrupção nas transações comerciais transnacionais. O Centro para a Prevenção Internacional do Delito, filiado ao Escritório de Fiscalização de Drogas e Prevenção do Crime das Na­ ções Unidas, no Seminário Regional Ministerial Africano, promovi­ do em Dakar, de 21 a 23 de julho de 1997, aprovou a Declaração de Dakar sobre Prevenção e Luta contra a Delinqüência Transacional Organizada e a Corrupção. Na Declaração, os Ministros reiteraram seu forte apoio contra esse fenômeno em todas as suas manifesta­ ções e a favor da promoção de uma cultura de transparência, compe­ tência e integridade na vida pública. Para isso, os Estados participan­ tes expressaram firme intenção de criar ou rever sua legislação cri­ minal, definindo delitos de corrupção como questão de alta priorida­ de. Nesse sentido, o Centro, em cooperação com o Programa das Nações Unidas para a Fiscalização Internacional de Drogas (PNUFID), elaborou uma Lei-Modelo contra a Corrupção, tendo por objetivo servir de instrumento de assistência técnica aos EstadosMembros, contendo disposições sobre prevenção, detecção e repres­ são de atos de suborno de funcionários públicos. Em Seul, na Coréia do Sul, em 25 de agosto de 1998, durante a 12a Conferência Internacional de Criminologia, realizou-se o Workshop sobre Os Esforços Internacionais no Combate à Corrupção, enfatizando a necessidade de sua adequada incriminação. • Bibliografia consultada pelo autor CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, e La Comención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997; NAÇÕES UNIDAS, Cooperação internacional contra a corrupção e o suborno nas tran­ sações comerciais internacionais, Assembléia Geral, 52a Período de Sessões, Viena, 2 de fevereiro de 1998 (doc. A/RES/52/97); 9

RODOLFO ALEJANDRO DÍAZ, Corrupción: un desafio para la govemabilidad y las transaciones intemacionales, /?a/?er apresenta­ do no Seminário La lucha contra el sobomo en las transaciones comerciales intemacionales, promovido pela OCDE, OEA e Gover­ no da Argentina, Buenos Aires, setembro de 1998; Commentaries on the Convention on Combating Bribery o f Foreign Public Officials in International Business Transactions, adotada pela UN — Negotiating Conference em 21 de novembro de 1997 (www .transparencv.de/. 3-8-2002); Revised Recommendation o f the Council on Combating Bribery in International Business Transactions, adotada pelo Conse­ lho da OCDE em 23 de maio de 1997 (www.transparency.de/. 3-8-2002); MARK PIETH, W orldwide iniciatives against transnational corruption, in International E fforts to Combat Corruption, Workshop, Seul, Coréia do Sul, August 1998; GUY STESSENS, The international fight against corruption, International Review o f Penal Law, Association International de Droit Pénal, XVIIth International Congress of Penal Law, Paris: Editions Érès, p. 891, 3Q e 4a trim. 2001; HORST PIETSCHMANN, Corrupción en las Indias espaholas, instituciones y corrupción en la historia, apud MARTA MAGADÁN DÍAZ, C orrupción y fraude: economia de la transgression, Madrid: Dykinson, 1999; G. R. SULLIVAN, Proscribing corruption — some comments on the Law Commission’s Report, The Criminal Law Review, Londres: Sweet & Maxwel, p. 547, Aug. 1998; EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, Las máscaras de la corrupción, El Clarin, Buenos Aires, 4 ago. 1998, Seção Opinion, p. 17; JEAN DE MAILLARD etal., Un monde san loi: la criminalité financière en images, Paris: Stock, 1998; NAÇÕES UNIDAS, Promotion and maintenance o f the rule o f law and good governance: action against corruption, 6a Período de Sessões da Comissão de Pre­ venção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, Relatório do Secretário-Geral, Viena, 28 de abril a 9 de maio de 1997; RICHARD WERKSMAN,Medidas preventivas, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997; EDGAR RADZIWILL, The fight against corruption, in Prevention o f Crime and Treatment o f Offenders, 10a Congresso das Nações Unidas, Viena, 2000, p. 31; NAÇÕES UNIDAS, Global Programme against Corruption, Anti-corruption Tool Kit, Naif Arab Academy for Security and Sciences, Riyadh, 2001; NAÇÕES UNDDAS, 10

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C a p ít u l o

II

CRIMES DE CORRUPÇÃO ATIVA E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS (LEI N. 10.467, DE 11-6-2002) I — CORRUPÇÃO ATIVA NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS • Introdução O art. 2Qda Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002, introduziu o Capítulo II-A no Título XI do Código Penal, que trata dos crimes contra a Administração Pública, definindo dois delitos contra a Ad­ ministração Pública Estrangeira, quais sejam, corrupção ativa de funcionário público estrangeiro e tráfico de influência nas transa­ ções comerciais internacionais (arts. 337-B e 337-C). Causa estra­ nheza que o CP brasileiro contenha um capítulo definindo crimes “contra a Administração Pública estrangeira”. Na verdade, o legis­ lador pretendeu cominar punições criminais para fatos que aten­ tam contra a “lisura que deve orientar as transações comerciais in­ ternacionais”, “preservando as condições transacionais de compe­ titividade”23 .

23 Trecho do voto do Deputado Federal Jarbas Lima quando da apreciação, na Co­ missão de Constituição e Justiça e de Redação, do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, de que se originou a Lei n. 10.467/2002.

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• Conceito legal O CP, no art. 337-B, define o delito de corrupção ativa nas transa­ ções comerciais internacionais como o fato de “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a prati­ car, omitir ou retardar ato de ofício relacionado a transação comer­ cial internacional”, impondo penas de reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. • Origem da norma de conduta O tipo incriminador foi introduzido pelo art. 2Cda Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002, oriunda do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, visando dar efetividade ao Decreto Legislativo n. 125, de 14 de junho de 2000, do Congresso Nacional, que aprovou a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estran­ geiros nas Transações Comerciais Internacionais, concluída pelas Nações Unidas em Paris, em 17 de dezembro de 1997, e pelo Decre­ to n. 3.678, de 30 de novembro de 2000, que a promulgou. Disposi­ tivo da Convenção que fundamenta a incriminação: artigo 1, § 3. • Irretroatividade da novatio legis incriminadora O art. 337-B do CP contém lei nova incriminadora. Por isso, é irretroativa (CF, art. 5°, XL). • Crimes de corrupção e suborno Entre nós, ao contrário do que ocorre em outras legislações, as ex­ pressões corrupção e suborno têm o mesmo conceito, inexistindo diferença entre elas. Em alguns países, o fato cometido pelo servidor público é denominado “corrupção” (a nossa corrupção passiva); o praticado pelo particular (a nossa corrupção ativa), “suborno”24.

24 CARLOS MANFRONI, La Convención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 95.

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• Crimes de corrupção ativa comum e transnacional O delito de corrupção ativa comum, relacionado ao funcionário pú­ blico brasileiro, está previsto no art. 333 do CP; o transnacional, em que o funcionário público estrangeiro aparece como objeto pes­ soal da corrupção, encontra-se no art. 337-B do mesmo estatuto. • Crime de corrupção passiva Vide art. 317 do CP. • Objetividade jurídica supranacional25 O CP protege a lealdade no comércio exterior26 (nas transações comerciais internacionais). A lei penal, ensina CARLOS A. MANFRONI, pretende “preservar la transparência y la equidad en el comercio internacional, con vistas a una economia mundial cada vez más competitiva, en cuya expansión, la tolerancia de prácticas corruptas llevaria las fricciones que pudieran suscitarse entre em­ presas y países y los sobrecostos derivados a los pueblos, a niveles insoportables para la convivência”27. Essa lealdade diz respeito: 1) às empresas, que, como ensina CARLOS A. MANFRONI, devem competir unicamente com preço e qualidade, e não com fraude; 2) aos países, evitando o crescimento de uma economia em desfavor

25 Sobre as teorias a respeito do bem jurídico nos crimes de corrupção ativa e passi­ va, vide INÉS OLAIZOLA NOGALES, El delito de cohecho, Valência: Tirant Lo Blanch, 1999, p. 89 e s. 26CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 35,37,40,41,45 e 131. 27CARLOS A. MANFRONI,La Convención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 135. As empresas privadas menos hones­ tas, diz Carlos A. Manfroni, “também conseguem competir deslealmente com as melhores ao iludir o pagamento de impostos, a preservação do meio ambiente ou as etapas normais para a obtenção de certificados e controles necessários para que certos produtos sejam projetados no mercado. Se estes desvios ocorrem na vida interna de um país, não há nenhuma razão para supor que não vão suceder no contexto do comércio entre as nações” (Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 35 e 36).

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da corrupção do setor público de outra; 3) à coletividade, que paga em preço ou em impostos o valor do suborno28. Não obstante se encontre o art. 337-B, que define o delito de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro, no Capítulo IIA29 do Título XI30, do CP, não se cuida de uma infração que atenta contra a Administração Pública brasileira, uma vez que o funcioná­ rio público corrompido é o estrangeiro e não o brasileiro. Assim, se se tratasse de proteger a Administração Pública, esta seria, em tese, a estrangeira. Mas nem esta poderia ser a titular do bem jurídico31: um país não pode atribuir-se a tarefa de proteger a Administração Pública de outro32. Estamos, na verdade, diante de um novo bem jurídico, a lealdade no comércio internacional, interesse que pertence a todos os países e cuja proteção penal, punindo seus nacionais, cabe a eles próprios, individualmente e por intermédio de suas legislações internas33. * Fundamento constitucional da tutela penal Qualquer estudo a respeito de bens jurídico-penais deve partir da C P 4, por intermédio da qual é possível estabelecer os limites pu-

28CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 37. 25Crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira. 30Crimes contra a Administração Pública brasileira. 31 Para MAGNO K. NARDIN, o bem jurídico protegido no art. 337-B do CP é a honorabilidade da Administração Pública estrangeira (Crimes de corrupção defu n ­ cionário público estrangeiro, http://www.ibccrim.org.br. 11-7-2002). 32CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 39. 33CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 41. JESCHECK denominaria a lealdade internacional como “bem jurídico supranacional” (O objeto do Direito Penal Internacional e sua mais recente evolu­ ção,Revisto de Direito Penal, Rio de Janeiro: Borsoi, 6/12, III, abr./jun. 1972). 34GERARDO BARBOSA CASTILLO e CARLOS ARTURO GÓMEZ PAVAJEAU, Bien jurídico y derechos fundam entales, Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 53.

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nitívos do Estado. Em relação aos delitos criados pela Lei n. 10.467/ 2002, quais sejam, corrupção ativa e tráfico de influência nas tran­ sações comerciais internacionais, de ver que a nossa CF prevê, em seu art. 4Q, IX, dentre os princípios que regem as nossas relações internacionais, o da “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, em que se inclui o interesse de que haja lisura e probidade administrativa nas transações comerciais transnacionais entre os países (lealdade internacional no comércio exterior). • Princípio adotado em relação à eficácia espacial da lei penal Da territorialidade (CP, art. 5Q). • Exceção pluralista do princípio unitário Poderia haver um só delito para corruptor (nacional ou estrangeiro) e corrupto (funcionário público estrangeiro). De observar, contu­ do, que o CP não definiu, nem poderia fazê-lo, o crime de corrupção passiva do funcionário público estrangeiro. De modo que o corruptor responde nos termos do art. 337-B; o corrompido (funcionário pú­ blico estrangeiro), por eventual deüto de corrupção passiva, peran­ te a sua legislação penal. Assim, uma infração não depende da ou­ tra, podendo as legislações punir separadamente os dois autores35. • Sujeito ativo Crime comum, a corrupção ativa nas transações comerciais inter­ nacionais pode ser cometida por qualquer pessoa, brasileira ou es­ trangeira, inclusive pelo funcionário púbüco, brasileiro ou estran­ geiro, desde que não aja com essa quaüdade, atuando como qual­ quer pessoa36.

35 No sentido de que o funcionário público estrangeiro, pela corrupção passiva, é punido de acordo com a legislação penal de seu país: voto do Deputado Federal Jarbas Lima quando da apreciação, na Comissão de Constituição e Justiça e de Re­ dação, do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, de que se originou a Lei n. 10.467/2002. 36 Note-se que se trata de crime cometido por “particular contra a Administração Pública estrangeira”. No sentido de que a figura típica deve alcançar qualquer pes­ soa: artigo 1,1, da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Pú-

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* Posição do corruptor (brasileiro ou estrangeiro) Ao invés de aparecer como sujeito passivo da corrupção passiva comum (CP, art. 317), surge como sujeito ativo do crime do art. 337-B. * Corrupção passiva sem a ativa É admissível37. * Corrupção ativa sem a passiva Já se entendeu que, absolvido o corrompido, é inadmissível que se condene o corruptor não havendo prova de que aquele recebeu a vantagem38. * Uma espécie de corrupção não depende da outra São independentes39. * Sujeito passivo O Estado estrangeiro titular da Administração Pública atingida. * Elementares do tipo O fato concreto, para ser típico, deve apresentar todas as elementa­ res dos tipos objetivo e subjetivo. A falta de um elemento conduz à atipicidade do fato.

blicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais; artigo 1,1, da Con­ venção da OCDE contra a Corrupção. No sentido de que o tipo pune o estrangeiro: voto do Deputado Federal Jarbas Lima quando da apreciação, na Comissão de Cons­ tituição e Justiça e de Redação, do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, de que se originou a Lei n. 10.467/2002. 37Nesse sentido: RT, 419/110; STF, Inq. 705, Plenário, voto do Min. Celso de Mello, RT, 700/426. 38 STF, RTJ, 80/481. 39RT, 437/322 e 419/110; RJTJSP, 14/394 e 335,7/545 e 4/305.

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• Tipo objetivo Corresponde às elementares que descrevem o crime sob o aspecto de sua materialidade (condutas de oferecer etc., vantagem, terceira pessoa, praticar, omitir, retardar etc.). • Tipo subjetivo Conjunto de elementos que informam o aspecto subjetivo da des­ crição: dolo e elemento subjetivo do tipo (“para determiná-lo”). • Elementos normativos do tipo Correspondem à referência da definição do crime à ilegitimidade da vantagem, ao ato de ofício40 e à qualidade de funcionário públi­ co estrangeiro. Devem ser abrangidos pelo dolo. • Condutas típicas Consistem em oferecer, prometer ou dar, de forma direta ou indire­ ta, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a ter­ ceiro, com o fim de determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado a transação comercial internacional. A ação visa a que a transação comercial seja realizada, mantida ou retarda­ da41. Não é suficiente que o pólo passivo da corrupção seja funcio­ nário público estrangeiro, sendo necessário que o fato se relacione a transação comercial internacional. • Equivocidade da redação A redação do tipo é equívoca. Devemos entender que o comporta­ mento de corrupção sempre se endereça ao servidor público es­ trangeiro, no sentido da alteração de sua atitude funcional, sendo que a vantagem é que pode ser destinada a ele ou a terceiro.

40 No sentido de que o ato de ofício configura elemento normativo do tipo, comentando o crime de corrupção passiva: INMA VALEUE ALVAREZ, El tratamiento penal de la corrupción deifuncionário: el delito de cohecho, Madrid: EDERSA, 1995, p. 191. 41 Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da ONU, de 1997, artigo 1,1.

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• Qualificação típica Cuida-se de crime formal42. Não é de mera conduta, uma vez que o tipo menciona o fim visado pelo autor (atitude do funcionário), porém não o exige43. Ele promete, oferece ou dá a vantagem indevida visando a que o servidor público estrangeiro realize, omita ou re­ tarde ato de ofício. A ação, omissão e retardamento do ato de ofício por parte do funcionário não são requeridos pelo tipo, tanto que sub­ siste o crime quando ele recusa a oferta, a promessa ou a vantagem. • Conduta direta e indireta Na primeira espécie, o sujeito expressamente formula sua preten­ são de oferecimento etc. de vantagem ao funcionário público es­ trangeiro (a viso aperto oufacie ad faciem) . Na segunda, o autor do fato vale-se de interposta pessoa para chegar ao conhecimento do funcionário a sua intenção ou apresenta o oferecimento ou a oferta de maneira velada, capciosa ou maliciosa (forma implícita de exe­ cução)44. Nas duas formas, exige-se um consenso entre o corruptor e o funcionário público estrangeiro45.

42No sentido de que a corrupção ativa comum, descrita no art. 333 do CP, configura crime formal: PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, Direito Penal objetivo, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989,p. 675,n. 5; HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de Direito Penal: parte especial, São Paulo: Bushatsky, 1965, v. IV, p. 1167, n. 1.065; RT, 736/627; RF, 254/373; ANTONIO JOSÉ MIGUEL FEU ROSA, Di­ reito Penal: parte especial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 925. 43Nesse sentido, abordando a corrupção ativa comum como delito de consumação antecipada: INÉS OLAIZOLA NOGALES,£7 delito de cohecho, Valência: Tirant Lo Blanch, 1999, p. 403. Como diz JULIO FABBRINI MIRABETE, “no crime formal não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente” (Ma­ nual de Direito Penal, São Paulo: Atlas, 1998, v. I, p. 132), esclarecendo que, no delito de corrupção ativa comum, definido no art. 333 do CP, “a consumação independe da aceitação por parte do funcionário da vantagem que lhe é oferecida ou prometida” ( Manual, cit., 2001, v. m , p. 383). 44Na Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estran­ geiros nas Transações Comerciais Internacionais, a forma indireta de conduta do corruptor é a que ele realiza por intermediários (artigo 1,1). 45Como observa CARLOS A. MANFRONI, o crime “requiere algún consenso entre quien pide o acepta el sobomo y quien lo paga” {Sobomo transnacional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, p. 21, n. 2).

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• Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado Se o autor oferece, promete e dá a vantagem ao funcionário, res­ ponde por um só delito. Aplica-se o princípio da altematividade, segundo o qual a norma que prevê diversas condutas como formas de um mesmo crime só é aplicável uma vez, ainda quando realiza­ das pelo mesmo autor sucessivamente num só contexto de fato46. Disso resulta a unidade de crime. Como diz LUIZ ALBERTO MA­ CHADO, quando os comportamentos devam ser considerados “atos de uma só ação, o crime é apenas um”47. A realização de mais de um comportamento descrito no tipo, desde que se integrem no mesmo contexto de fato, havendo entre eles nexo de causalidade ou relação de meio executório e fim, configura delito único e não concurso de crimes. Em face disso, surpreendido na realização de uma das ações, seja inicial (oferecer), seja intermediária (prome­ ter) ou final (dar), responde por um só delito. • Oferecer Significa apresentar ou propor alguma coisa para que seja aceita; dar como oferta (AURÉLIO), pôr à disposição (DELMANTO). Pode ser entendido como exibir uma coisa para que seja aceita (BENTO DE FARIA)48. 0 oferecimento deve ser feito ao funcionário públi­ co estrangeiro e não a terceiro. Pode ser levado ao conhecimento do funcionário, contudo, por intermediário. • Prometer Significa obrigar-se a fazer ou dar alguma coisa (AURÉLIO). A pro­ messa deve ser dada ao conhecimento do funcionário público estran­ geiro e não a terceiro. Pode ser feita, contudo, via intermediário.

46 SÍLVIO RANIERI, Diritío Penale: parte generale, [s.l.: s.n.], 1945, p. 357. 47LUIZ ALBERTO MACHADO, Direito Criminal: parte geral, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 59. 48 Nesse sentido: TJSP, HC 122.623, rei. Des. Dante Busana,i?7,684/316 e 317.

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• Formas de ação dos verbos “oferecer” e “prometer” Escrita, verbal, por gestos e palavras ou por interposta pessoa. • Dar Quer dizer ceder, doar, presentear (AURÉLIO). • Meios de execução do oferecimento ou promessa São vários (crime de forma livre): palavras, atos, telefone, telegra­ ma, e-mail, fax, gestos, escritos, correio etc. • Ausência de oferta ou promessa de vantagem Não há corrupção ativa no caso de o sujeito, sem oferecer ou pro­ meter qualquer vantagem ao funcionário público estrangeiro, pe­ dir-lhe que “dê um jeitinho” em sua situação (perante a Adminis­ tração Pública estrangeira)49. • Espontaneidade da conduta É indispensável que não exista exigência por parte do funcionário estrangeiro, caso em que há o crime de concussão perante a legis­ lação penal estrangeira. O oferecimento e a promessa devem ser espontâneos. Se impostos pelo funcionário, desaparece a corrupção ativa. Assim, diante do mesmo contexto de fato, não é possível que o funcionário público estrangeiro cometa concussão e o par­ ticular, corrupção ativa50. Não fica impedido, entretanto, que o crime suija em face de sugestão do funcionário público estran­ geiro51.

49 Nesse sentido, apreciando ofensa à nossa Administração Pública: RT, 539/290; RF, 221/334. 50Nesse sentido, abordando o art. 333 do CP: RTJ, 93/1023;RT, 572/324; RJTJSP, 80/343. 51Nesse sentido, apreciando a corrupção ativa comum: TJSP, HC 122.623, rei. Des. Dante Busana,/?:T, 684/316 e 641/316; RJTJSP, 15/474.

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• Destinatário da vantagem Deve ela endereçar-se ao funcionário público estrangeiro ou a “ter­ ceira pessoa”52 (parente, cônjuge, amigo, partido político, entidade ou pessoa jurídica). • Se o funcionário público estrangeiro ainda não assumiu o car­ go etc. Há crime. Ele já é funcionário público53. • Funcionário público estrangeiro determinado As condutas de corrupção devem endereçar-se a um funcionário público estrangeiro determinado. Se indeterminado, não há crime54. • Posição do intermediário O delito pode ser realizado mediante interposta pessoa55. Nesse caso, o terceiro aparece como partícipe do crime do art. 337-B e não da eventual corrupção passiva do funcionário público estrangeiro, a ser punida em seu país56. • Funcionário que repele a oferta Há delito em relação ao ofertante, uma vez que a lei incrimina o simples dar, oferecer ou prometer a vantagem. O funcionário pú­ blico estrangeiro não responde por delito algum (não aceitou o ofe­ recimento ou a promessa nem recebeu a vantagem).

52 No sentido de que a vantagem pode destinar-se a pessoa física ou instituição: CARLOS A. MANFRONI, La Convención lnteramericana contra la Corrupciôn, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 93. Vide artigo 1,1 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Co­ merciais Internacionais e artigo 1,1, da Convenção da OCDE contra a Corrupção. 53Nesse sentido: CARLOS A. MANFRONI,La Convención lnteramericana contra la Corrupciôn, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 41. 54 Nesse sentido: RT, 603/445. 55 Nesse sentido: RT, 542/323 e RF, 281/342. 56 Nesse sentido, abordando a nossa legislação: RJTJSP, 65/329.

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• Objeto material do delito: vantagem Qualquer vantagem, material ou imaterial, econômica ou não, pre­ sente ou futura. Constituem vantagem: a) todo bem, móvel ou imóvel, tangível ou intangível, ou toda soma de dinheiro, título de propriedade, título de participação ou reco­ nhecimento de dívida, auferidos pelo agente a pretexto de presente (dádiva), comissão, porcentagem57, gratificação, empréstimo, ho­ norários, recompensa ou comissão; b) todo encargo, emprego ou contrato; c) todo pagamento, liberação, dispensa ou liquidação, no todo ou em parte, de empréstimo ou qualquer outra obrigação; d) qualquer outro serviço ou favor, a título gracioso ou preferen­ cial, e toda utilização indevida de material ou pessoal; e) o exercício, cumprimento ou abstenção de um direito, poder ou dever; f) todo ato, interesse, dádiva ou proveito (como o acesso funcional e a facilidade de negócio), de qualquer natureza; e g) toda oferta, compromisso ou promessa, sob condição ou não, de proveito referido nas alíneas anteriores58. • Dádivas59 São presentes, doações.

57 Nesse sentido: 77Source Book, Parle A: Analytical Framework Cwww.transparencv.dA. Vidt LARISSA L. O. RAMINA, Ação internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 34. 58DAMÁSIO DE JESUS, Temas de Direito Criminal, 2a série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 142. No sentido de que o tipo deve referir-se a vantagem pecuniária ou de qualquer natureza: artigo 1, 1 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais. 59Sobre “algunos supuestos especiales de dádivas”, vide INMA VALEUE ALVAREZ, El tratamientopenal de la corrupción deifuncionário: el delito de cohecho, Madrid: EDERSA, 1995.

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• Acesso funcional60 O autor promete ao servidor público estrangeiro conseguir que seja promovido, desde que tome determinada atitude funcional. • Benefícios Ex.: bolsa de estudo no exterior ao filho do funcionário61. • Prestação sexual Configura vantagem62. • Autorizações de pagamento Configuram vantagem63. • Ato de ofício É “o praticado na forma e nos limites da competência do servidor”64. • Nexo de causalidade e atribuição funcional para o ato de ofício Deve haver nexo de causalidade entre a conduta do funcionário público estrangeiro e a realização do ato de ofício conexo a uma transação comercial internacional. Caso contrário, inexistirá o de­ lito questionado, podendo surgir outro. Exige-se, pois, que o funcio-

60No sentido de que o “acesso laborai”, que denominamos “funcional”, não é dádi­ va: INMA VALEIJE ALVAREZ, El tratamiento penal de la corrupción dei funcionário-, el delito de cohecho, Madrid: EDERSA, 1995, p. 149. 61 TI Source Book, Parte A: Analytical Framework (www.transparency.d/’). Vide LARISSA L. O. RAMINA, Ação internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 34. 62INMA VALEIJE ALVAREZ, El tratamiento penal de la corrupción deifuncionário: el delito de cohecho, Madrid: EDERSA, 1995, p. 152. No mesmo sentido: ANTO­ NIO JOSÉ MIGUEL FEU ROSA,Direito Penal: parte especial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 924. 63 Foreign Corrupt Practices Act, USA, 1977. 64ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, Compêndio de Direito Penal: parte espe­ cial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. HI, p. 374.

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nário tenha atribuição para a realização do ato oficial. Não se trata, portanto, de qualquer funcionário público estrangeiro, mas daque­ le que tem o dever de ofício de realizar ou não o ato. Assim, é necessário que o ato esteja dentro da esfera de atribuições do servi­ dor público estrangeiro no que diz respeito a transação comercial internacional. No sentido da exigência do nexo de causalidade en­ tre a conduta do funcionário púbfico estrangeiro e o exercício de suas funções: Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcio­ nários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Interna­ cionais, artigo 1, l 65. 0 ato de ofício pode ser próximo ou remoto66. * Corrupção própria e imprópria A conduta funcional do servidor público estrangeiro pretendida pelo corruptor pode ser lícita ou ilícita. Quando o ato funcional é lícito, fala-se em corrupção própria; quando ilícito, imprópria67. * Vantagem oferecida após o ato de ofício Não há corrupção ativa no caso de a vantagem ser oferecida, pro­ metida ou dada ao funcionário público estrangeiro depois de sua conduta funcional (ativa ou omissiva). O comportamento visado deve ser realizado no futuro. Se já ocorreu, não há crime: dá-se a vantagem para que se faça, não porque se fez ou não alguma coisa68.

85A disposição faz referência a “funções oficiais”. Essa exigência já havia sido assi­ nalada na Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas contida no documento “United Nations Declaration against Corruption and Bribery in International CommercialTransactions”, 51* Sessão,Viena, 21 de fevereiro de 1997, item 3,a eb. No mesmo sentido, tratando de corrupção ativa comum: RF, 189/336; RJTJSP, 49/ 296,50/377,82:363 e 129/462; RT, 511/349,513/380,571/302 e 498/292. 66Nesse sentido: RT, 742/601. 67No sentido de que o ato do funcionário pode ser lícito: CARLOS A. MANFRONI, La Convención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 93. 68 Nesse sentido: RF, 219/331 e 226/275; RJTJSP, 70/347 e 94/404; RT, 519/361, 535/286, 599/309, 669/295,672/298 e 699/299.

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• A natureza indevida da vantagem como elemento normativo do tipo A vantagem deve ser indevida, i. e., ilegítima, ilícita ou ilegal, não autorizada por lei. Se devida, não há crime por atipicidade (erro de tipo)69. • Corrupção antecedente e subseqüente É antecedente quando a vantagem é dada ao funcionário público estrangeiro antes de sua ação ou omissão funcional. A recompensa lhe é entregue em face de uma conduta funcional futura. É subse­ qüente quando a vantagem é recebida depois da conduta funcional. Assim, se o sujeito oferece dinheiro para a realização de um ato de ofício, cuida-se de corrupção antecedente; se, contudo, após a rea­ lização do ato, faz a doação, trata-se da subseqüente, subentendendo-se a promessa anterior. O Código Penal, sem fazer distinção, pune as duas formas típicas. • Presentes, gratificações e recompensas “inocentes” Nem todas as coisas podem ser consideradas objeto material de corrupção de funcionário público estrangeiro. Assim, as gratifica­ ções comuns e inocentes, de pequena importância econômica, em forma de gratidão em face da correção de atitude de um funcioná­ rio público estrangeiro, não integram o delito. Ex.: as “boas-festas” de Natal ou Ano Novo70. Nesses casos, ressalte-se que não há em relação ao ofertante ou doador a consciência de estar oferecendo ou dando uma retribuição pela prática de um ato de ofício por parte do funcionário, que é essencial ao dolo de corrupção, mas se trata de questão de fato, a ser apurada caso por caso71.

69No sentido de que a vantagem deve ser indevida: Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Inter­ nacionais, artigo 1,1. 70 Nesse sentido, tratando de corrupção passiva em nossa legislação: RT, 389/93. 71No sentido da atipicidade do fato, devendo este ser apreciado caso a caso: ORGA­ NIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Sobre a Convenção Interamericana contra a Corrupção, intervenção do Delegado brasileiro no Simpósio sobre o Forta-

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• Princípio da insignificância Relacionado aos “delitos de lesão mínima” ou “crimes de bagate­ la”, o princípio da insignificância recomenda que o Direito Penal somente interfira nas hipóteses de ofensa jurídica de certa gravida­ de, reconhecendo a atipicidade do fato nos casos de lesões mais leves (relevância insignificante). Hoje, adotada a teoria da imputa­ ção objetiva, que concede supremacia ao risco relevante criado pela conduta ao objeto jurídico e reconhece a importância da ofensa jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio impede que ingressem no campo penal fatos de lesividade insignificante, considerando a sua atipicidade. Em face da classificação dos crimes em materiais, formais e de mera conduta72, o princípio da insignificância é aplicável à corrupção ativa de funcionário público estrangeiro nas transações comerciais internacionais, tendo em vista a sua natureza formal? Há duas posições, considerando os delitos em geral: Ia) A atipicidade pela insignificância jurídica da ofensa só pode ser reconhecida nos delitos materiais, de conduta e produção de resultado naturalístico, devendo ser proibida nos crimes formais e de mera con­ duta. Em face disso, não incide sobre o crime do art. 337-B do CP. Para essa corrente, o significado jurídico do fato só pode ser apre­ ciado nos casos em que o tipo penal descreve e requer um resultado naturalístico, hipóteses em que é possível confrontar o desvalor do evento material com o desvalor do resultado jurídico. Em conse-

lecimento da Probidade no Hemisfério, apresentando o Projeto de Lei brasileiro descrevendo delitos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros nas transa­ ções comerciais internacionais, elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Je­ sus, Santiago do Chile, 4 de novembro de 1998, in Anticorrupção, Subsecretária de Assuntos Jurídicos, Departamento de Cooperação e Difusão Jurídica íhttp:// www.oas .org/juridico/portuguese/anticorrupção.htm. 26-6-2002). 72 Crime material é aquele cujo tipo descreve a conduta e o resultado, exigindo a produção deste. Ex.: homicídio. No delito formal, embora haja referência ao fim visado pelo agente, a figura típica não exige o resultado. Ex.: extorsão (CP, art. 158). O tipo do crime de mera conduta só menciona o comportamento do sujeito. Ex.: violação de domicílio.

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qüência, somente os delitos materiais admitem essa valoração73, cum­ prindo ser afastada nos crimes que não exigem a produção de um resultado naturalístico, como os contra a fé pública, certos delitos cometidos por funcionário contra a Administração Pública etc.74. De maneira que, na hipótese do art. 337-B do CP, há crime ainda que o valor da vantagem indevida dada ao funcionário seja de peque­ níssima importância material. Ocorre que, de acordo com essa orien­ tação, há ofensa ao bem jurídico, qual seja, à lealdade no comércio exterior, independentemente da relevância do objeto material da corrupção. Essa tese só leva em conta o desvalor do resultado, esquecendo-se do desvalor da conduta. Ignora, como observa JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO, “que também o desvalor da ação deve ser considerado para a fixação do caráter irrelevante da conduta, se­ gundo o parâmetro da nocividade social, de cunho eminentemente normativo”75. 2a) O princípio da insignificância é aplicável a todos os crimes, sejam materiais, sejam formais ou de mera conduta. Em conse­ qüência, recai também sobre a corrupção ativa de funcionário pú­ blico estrangeiro nas transações comerciais internacionais. Para essa posição, que adotamos, a tese da atipicidade pela irrele­ vância da ofensa jurídica incide sobre todos os delitos, materiais, formais ou de mera conduta. Como, para a presença da imputação objetiva, é necessário que o comportamento crie um risco juridica­ mente proibido e relevante ao bem jurídico (desvalor da ação; im­ putação objetiva da conduta), que vem a transformar-se em rele­ vante resultado jurídico (desvalor do resultado; imputação objetiva do resultado), não há razão para que a insignificância só incida

73HEINZ ZIPF, Introducción a la política criminal, trad. Miguel Iszquierdo MacíasPicavea, Madrid: Ed. de Derecho Reunidas, 1979, p. 104. 74 A gravidade da deslealdade funcional, afirma-se, como no caso do crime de corrupção de funcionário público, não pode ser medida pela gravidade quantitativa de eventual dano material. 75JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO, Princípio da insignificância: interpre­ tação jurisprudência!, Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 39.

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sobre a imputação objetiva do resultado. Para nós, a irrelevância atípica pode advir do desvalor da ação ou do desvalor do resultado. De maneira que condutas de potencial corruptor insignificante de­ vem ser consideradas atípicas, independentemente da natureza do crime. Como ensina CARLOS VICO MANAS, “se for mínimo o potencial agressivo da conduta, não há qualquer obstáculo a que se possa reconhecer a sua atipicidade, pouco importando que o delito seja formal ou de mera conduta, não exigindo, assim, a ocorrência de resultado para a sua caracterização”76. • Transação comercial internacional77 No léxico, verifica-se que a palavra transação possui, em seu sen­ tido comum, o significado de “ato ou efeito de transigir, combina­ ção, convênio, ajuste, operação comercial”78. Sob o aspecto jurídi­ co, transação é ato pelo qual as partes interessadas extinguem obri­ gações mediante concessões recíprocas, ou seja, um acordo de ex­ tinção de obrigações. Para efeito de interpretação do texto legal, a elementar transação foi empregada pelo legislador penal no sentido de operação co­ mercial. Sob esse aspecto, inclusive, o termo comercial, aparente­ mente, seria até redundante. De ver, entretanto, que o uso da ex­ pressão transação comercial impede que haja confusão com o sen­ tido jurídico-técnico da palavra, qual seja, modo de composição de conflitos e de extinção de obrigações. Assim, deve ser entendida em termos de contrato, acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vínculo jurídico79. Desse prisma, transacionar

76 CARLOS VICO MANAS, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 65. 77 Vide sobre transações comerciais internacionais: ESTHER ENGELBERG, Con­ tratos internacionais do comércio, São Paulo: Atlas, 1997; JOÃO GRANDINO RODAS, Contratos internacionais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; MARISTELA BASSO, Contratos internacionais do comércio, Porto Alegre: Livr. do Advogado Ed„ 2002; MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA, Contratos internacionais: negociação e renegociação, São Paulo: ícone, 1993. 78BUARQUE DE HOLANDA, Aurélio, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 79 ORLANDO GOMES, Contratos, Rio de Janeiro: Forense, 1987.

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corresponde a uma ação de cunho econômico, que implica, em úl­ tima análise, produção ou circulação de bens ou serviços, com fi­ nalidade de lucro. Pode ser considerada, portanto, como um con­ trato que viabiliza a produção ou circulação de bens ou serviços. Para caracterizar a “intemacionalidade” da transação comercial, na esteira do que fizeram os ingleses80, aconselha-se, na apücação da lei nova, o exame caso a caso. Nessa perspectiva, considerar-se-á internacional a operação comercial após a análise, em cada fato específico, dos elementos de “estraneidade” existentes, como o objeto e domicílio das partes contratantes. Por isso, é mais apropria­ do precisar o significado do vocábulo internacional e elencar as diversas transações que possuam tal característica. Internacional é a transação que possui elementos que a vinculam a mais de um sistema jurídico81. Tomando-se como base o Decreto n. 857/69, que discipüna, no Brasil, a utüização de moeda estrangeira em contratos, podemos inferir alguns elementos que caracterizam determinada transação como internacional: a) contratos de importação ou exportação de mercadorias; b) empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou deve­ dor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, exceto os con­ tratos de locação de imóveis situados no território nacional; e c) contratos que tenham por objeto cessão, transferência, delega­ ção, assunção ou modificação das obrigações cujo credor ou deve­ dor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, exceto os de locação de imóveis localizados no território nacional. A essas situa­ ções podem ser acrescentadas outras operações não previstas no referido decreto, mas que certamente constituem transações internacionais, como o contrato de transporte internacional, por qualquer via, aérea, aquática ou terrestre, e os que envolvem trans­ missão de informações por qualquer meio de comunicação.

80Unfair Contract Terms Act e Arbitration Act (LUIZ OLAVO BAPTISTA, Contra­ tos internacionais, São Paulo: Saraiva, 1994). 81ESTHER ENGELBERG, Contratos internacionais do comércio, São Paulo: Atlas, 1997, p. 19.

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Assim, toma-se necessário que a conduta do corruptor esteja rela­ cionada a transações comerciais internacionais (elemento normati­ vo do tipo), assim consideradas as que concernem a contratos: I — que tenham como objeto, direta ou indiretamente, a importa­ ção ou exportação de bens ou serviços; II — de transporte internacional, por qualquer via, de pessoas, car­ gas, malotes postais, remessas expressas ou qualquer outro bem; m — que impbquem transmissão de informações, por qualquer meio de comunicação, entre pessoas locabzadas ou sediadas em países distintos; IV — relativos a empréstimos e quaisquer outras obrigações, ou que possibilitem a circulação de valores de qualquer natureza, cu­ jas partes estejam locabzadas ou sediadas em países distintos; V — que tenham como objeto cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações ou valores referidos no inciso anterior; e VI — quaisquer outros que impbquem produção ou circulação de bens ou serviços cujos elementos o vinculem a mais de um sistema jurídico82. • Se a transação comercial não é internacional Não se apbca o art. 337-B do CP. Assim, inexiste crime no caso de tratar-se de transação comercial nacional, não envolvendo interes­ ses de dois países. • Se a transação internacional não é comercial Não há o crime do art. 337-B. Assim, não se incluem no tipo os convênios de natureza cultural, política ou mihtar, salvo quando envolvam interesses econômicos83.

82 DAMÁSIO DE JESUS, Temas de Direito Criminal, 2a série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 142. 83Nesse sentido: CARLOS A. MANFRONI, La Convención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 132.

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• Elementos subjetivos do tipo O primeiro é o dolo, vontade livre e consciente de oferecer, prometer ou dar a vantagem, com conhecimento de que é indevida e se trata de funcio­ nário público estrangeiro e de transação comercial internacional. Deve alcançar os elementos normativos do tipo84. Exige-se um segundo, con­ tido na expressão “para deteiminá-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Se inexiste qualquer dos dois elementos o fato é atípico85. • Finalidade da determinação Determinar, na hipótese, significa persuadir, mover, levar (AURÉLIO), conduzir o servidor público estrangeiro a tomar certa atitude funcional. • Atitude do funcionário pretendida pelo corruptor Prática, omissão ou retardamento de ato de ofício. • “Aceleração” de ato de ofício (speed money) É possível que o corruptor dê vantagem indevida ao corrupto para que, p. ex., acelere uma decisão de ofício. A aceleração se enqua­ dra no verbo “praticar”, havendo crime86. • Evitação de atraso na realização de ato de ofício Ex.: o corruptor entrega valores ao funcionário para que “evite atrasos”87.

84No sentido genérico do texto: MIGUEL RE ALE JÚNIOR, Instituições de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 224, n. 6.1.3. 85 Nesse sentido: RF, 240/333. No sentido de que a intenção do autor é a de “realizar ou dificultar transações ou obter vantagem ilícita na condução de negócios interna­ cionais”: artigo 1,1 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais. 86 Speed money, explica LARISSA L. O. RAMINA, “consiste em somas pagas a agentes públicos com o objetivo de acelerar suas decisões ou outros procedimentos” (Ação internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 33, n. 1.4.3). O TI SourceBook fala em “agilização de processo”. 87 Nesse sentido: TI SourceBook,Partis A: Analytical Framewoik (www.transparencvxl/'). Vide LARISSA L. O. RAMINA, Ação internacional contra a corrupção, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 34.

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• Motivação É irrelevante. Assim, não desnatura o tipo subjetivo a circunstância de a corrupção destinar-se à realização de uma transação comercial internacional que tenha influência política. • Cogitação É impunível. A idéia não delinqüe (ASÚA). Assim, manifestar vontade de corromper o funcionário público estrangeiro não configura delito. • Presunção de dolo Inexiste em nossa legislação penal o chamado dolus in re ipsa, e, por isso, não pode ser reconhecido88. • Erro de tipo (CP, art. 20) Ocorre quando o sujeito realiza concretamente o tipo desconhe­ cendo as suas elementares, sejam descritivas (objetivas), sejam normativas. Ex.: o sujeito desconhece que o funcionário público é estrangeiro, supondo-o brasileiro. Nessa hipótese, não subsiste o crime de corrupção ativa comum, previsto no art. 333 do CP, uma vez que esse tipo pressupõe nacional o funcionário público. Outro exemplo: o agente não sabe que se trata de transação comercial internacional. É também o caso da suposição errônea da legitimi­ dade da vantagem: o sujeito, por erro invencível, supõe devida a vantagem. Evitável ou inevitável o erro, fica excluído o dolo, desa­ parecendo o crime por atipicidade do fato. • Erro provocado por terceiro Responde pelo crime o terceiro que determina o erro (CP, art. 20, § 2Q). Ex.: o sujeito, agindo insidiosamente, faz crer ao corruptor que se trata de funcionário púbüco brasileiro. O provocador responde pelo delito.

88TJSP,ACrim 131.021, laCâm.,rel. Des. Fortes Barbosa, j. 25-10-1994, aprecian­ do a Lei Antitóxicos; MARCELO FORTES BARBOSA, Erro de tipo, Boletim do IBCCrim, São Paulo, p. 4, abr. 1994.

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• Crime putativo Ocorre quando o sujeito, por erro, supõe que o fato realizado cons­ titui crime descrito na lei, sendo que, na verdade, configura indife­ rente penal. Difere do erro de tipo: neste, o sujeito não deseja co­ meter o delito, agindo por erro; no delito putativo, ao contrário, o sujeito quer praticar o crime, não vindo a cometê-lo por erro. Pos­ sui três espécies: Ia) crime putativo por erro de proibição; 2a) crime putativo por erro de tipo; 3a) crime putativo por obra de agente provocador (crime de flagrante provocado). • Crime putativo por erro de proibição Ocorre quando o sujeito supõe estar violando norma incriminadora da Lei n. 10.467/2002, que, na verdade, não existe. Ex.: o agente supõe que dar um presente de Natal ao funcionário público estran­ geiro, por si só, configura crime. Aplica-se o art. Ia do CP: o fato, por não estar definido em lei como crime, é atípico89. • Crime putativo por erro de tipo Hipótese em que o sujeito não incide em erro sobre a norma de proibição, mas sobre os elementos típicos do crime. O comando legal proibitivo existe, porém o erro recai sobre as elementares, circunstâncias e dados do tipo penal. Ex.: oferecimento de vanta­ gem impossível de ser concretizada. Aplica-se, por extensão per­ mitida (art. 12 do CP), o art. 17 do CP (crime impossível por ine­ xistência ou impropriedade absoluta do objeto material). • Crime por obra de agente provocador (crime de flagrante pre­ parado ou provocado) Hipótese em que alguém (autoridade ou agente desta, sujeito passi­ vo ou terceiro), de maneira insidiosa, provoca o sujeito à prática delituosa, tomando providências no sentido de que o fato não atinja a consumação. O agente opera dentro de pura ilusão, uma vez que, na realidade, ab initio as providências tomam impraticável a con-

89Vide art. 5Q, XXXIX, da CF.

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cretização do ilícito penal. Aplica-se a Súmula 145 do STF: não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia toma impossí­ vel a sua consumação. • Crime de flagrante esperado É punível. Acontece quando alguém toma conhecimento de que um crime vai ser cometido e avisa a polícia, que põe seus agentes de sentinela, surpreendendo o sujeito no momento da prática ilícita. Não se confunde com a hipótese anterior do crime putativo por obra de agente provocador. No flagrante esperado não há provocação. • Crime impossível (CP, art. 17) É admissível. Ex.: o sujeito promete vantagem ao funcionário pú­ blico impossível de ser concretizada. Assim, não há delito quando o objeto da oferta ou da promessa é absolutamente impossível de materializar-se90. “O oferecimento ou o prometimento, além de cer­ to, deve ser factível em relação ao agente, e idôneo, de molde a agredir a consciência do funcionário”91. • Erro de proibição (CP, art 21) Ocorre quando o sujeito reaüza o tipo desconhecendo, em face das circunstâncias, a regra de proibição. Ex.: o estrangeiro, provindo de país onde é admissível pagar propina a funcionário público, re­ aüza conduta de corrupção ativa, supondo inexistir proibição no Brasü. Nesses casos, invencível o erro, fica excluída a culpabiüdade. Se vencível, a pena é reduzida (CP, art. 21). Se o sujeito podia alcançar o conhecimento da iücitude do fato, o erro de direito, es­ pécie de erro de proibição, não aproveita. • Embriaguez Não afasta o dolo92.

90Nesse sentido: RT, 565/352 e 788/581. 91TJSP, ACrim 314.877,3a Câm.Crim., rei. Des. Gonçalves Nogueira,.RI,788/581. 92Nesse sentido: RJTJSP, 59/372; RT, 531/327; RF, 195/356. Contra, no sentido de que exclui o dolo: RT, 467/321.

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• Oferta por brincadeira Afasta o dolo93. • Consumação Em relação aos verbos prometer e oferecer, cuidando-se de crime formal, de consumação antecipada94, atinge-se o momento consumativo no instante em que o funcionário público estrangeiro toma conhecimento da oferta ou promessa95. Não é necessário que o funcionário, em face da corrupção, aja ou deixe de agir. A con­ cretização do fim visado pelo corruptor só é exigida na figura típi­ ca do parágrafo único do art. 337-B96. No verbo dar, também delito formal97, a consumação ocorre no instante em que o funcionário público estrangeiro recebe a vantagem. De ver, entretanto, no que tange ao verbo dar, que, se houve promessa ou oferta anterior, a consumação aconteceu antes da dação. • Vantagem devolvida Não descaracteriza o delito. • Prejuízo efetivo ao comércio internacional Não é necessário.

93JTACrimSP, 52/38. 94ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, Compêndio de Direito Penal: parte espe­ cial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. m , p. 373. No mesmo sentido, abordando o crime de corrupção ativa comum (CP, art. 333): RT, 742/601. 95 No sentido do texto, apreciando a corrupção ativa comum, descrita no art. 333 do CP: RF, 234/300; RT, 548/336,545/344,429/381,367/56 e 414/76. 96Nesse sentido, abordando a corrupção ativa comum (CP, art. 333): RT, 742/601 e 603. 97 No sentido de que o crime, em relação ao verbo dar, é material: MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção de funcionário público estrangeiro (http:// wwwjbccrim.org.br. 11-7-2002). Segundo cremos, o delito, nos três verbos, pro­ meter, oferecer e dar, é formal. Note-se que os comportamentos do autor apresentam uma finalidade específica, que não precisa materializar-se, qual seja, a alteração da atitude do funcionário público estrangeiro (realização, omissão ou retardamento do ato de ofício). Ele age para determinar o funcionário público a atuar de modo diferente.

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• Prejuízo a comerciante internacional Não é necessário. • Provocação da conduta do corruptor Ocorre o “crime de flagrante provocado”, inexistindo delito e apli­ cando-se a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal. • Se a conduta do funcionário beneficia a própria Administração Pública estrangeira Não há crime. Cuida-se de crime, segundo a sua qualificação legal, contra a Administração Pública estrangeira. • Recusa do funcionário É irrelevante à consumação. Tomando ele conhecimento da oferta ou da promessa de vantagem indevida, o deüto está consumado, independentemente da aceitação ou recusa98. • Tentativa Depende da forma de execução do delito. Cuidando-se de crime unissubsistente, que se perfaz com ato único, como a oferta verbal, não é admissível. Tratando-se, entretanto, de crime plurissubsistente, como a oferta por carta, é possível99. • Sanções penais No tipo simples (art. 337-B, caput), as penas são de reclusão, de um a oito anos, e multa. • Prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 109) O prazo extintivo da punibilidade é de doze anos (CP, art. 109, Hl).

98Nesse sentido: ANTONIO JOSÉ MIGUEL FEU ROSA, Direito Penal: parte es­ pecial, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 927. No mesmo sentido: RT, 548:336,419:110, 429:381 e 545:344; ÄF, 189/305 e 254/373; RJTJSP, 14/394 e 60/351. 99 No sentido de que a tentativa não é admissível em nenhum caso: RT, 442/372, 395/56 e 534/343; RJTJSP, 60/351.

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• Prescrição da pretensão executória (CP, art. 110) Imposta a pena detentiva mínima, o prazo extintivo da punibilidade é de quatro anos (CP, art. 110, caput, c/c o art. 109, V). • Agravação da pena na fase de exaurimento da corrupção A consumação do crime não se confunde com o seu exaurimento. O iter criminis se completa com o momento consumativo. Isso, de modo geral, exclui que acontecimentos posteriores possam ter in­ fluência sobre a valorização do fato típico. Assim, a corrupção passi­ va (CP, art. 317) consuma-se com a simples solicitação da vanta­ gem indevida, mesmo que o intraneus não tenha a pretensão de realizar a ação ou de abster-se de alguma prática. Se ele realmente recebe a vantagem, esse acontecimento posterior se situa na fase de exaurimento do crime, não tendo o condão de alterar a situação anterior100. O exaurimento, contudo, pode apresentar-se sob três formas: Ia) simples irrelevante penal; 2a) delito autônomo; 3a) tipo derivado101. No crime do art. 337-B, a concretização da conduta do funcionário público estrangeiro, visada pelo corruptor, agrava a pena do autor (parágrafo único do art. 337-B). • Realização, retardamento ou omissão de ato de ofício por parte do funcionário público estrangeiro: causa de aumento de pena (parágrafo único) Consuma-se o delito, na forma típica comum {caput) , com a dação, promessa ou oferta de vantagem indevida. Se o funcionário públi­ co estrangeiro, em razão da vantagem recebida ou promessa ou oferta, retarda ou omite ato de ofício, aumenta-se a pena de um terço. O mesmo ocorre se, em face da conduta do corruptor, pratica ato de ofício com infração de dever funcional inerente à sua admi­ nistração.

100 Nesse sentido: STJ, REsp 147.891, 5a Turma, rei. Min. Édson Vidigal.ÂJ, 761/ 568 e 570. 10' STJ, REsp 155.863, 5a Turma, rei. Min. Félix Fischer, j. 17-3-1998, DJU, 18 maio 1998, p. 134.

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• Prazos prescricionais no caso do tipo agravado Prescrição da pretensão punitiva: o prazo é de dezesseis anos (CP, art. 109, II). Prescrição da pretensão executória: o prazo extintivo da punibilidade, imposta a pena detentiva no mínimo, é de quatro anos (CP, art. 109, V, c/c o art. 110, caput). • Natureza jurídica da agravação Trata-se de causa de aumento de pena e não de qualificadora. • Princípio da proporcionalidade na cominação das penas Atendendo à recomendação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, no sentido que a resposta penal da corrupção ativa de funcionário público estrangeiro deve ser pro­ porcional ao mesmo tipo comum do CP, as penas abstratas cominadas à corrupção transacional (CP, art. 337-B) são as mes­ mas impostas à figura típica comum (art. 333 do CP): reclusão, de dois a cinco anos, e multa (artigo 3,1). • Ação penal É pública incondicionada. • Competência específica Nos termos do art. 109, V, da CF, compete à Justiça Federal proces­ sar e julgar os crimes previstos em tratado ou convenção interna­ cional, quando, “iniciada a execução no Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” 102. O Brasil, efetivamente, obrigou-se a dar cumprimento à Convenção so­ bre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais pelo Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000. De ver, porém, que, para a incidência,

102“Reciprocamente”: iniciada a execução do crime do art. 337-B do CP no estran­ geiro, “seu resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil”.

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no crime em apreço, da competência da Justiça Federal, não é sufi­ ciente que o Brasil se tenha comprometido, mediante promulgação de convenção, a reprimi-lo. É necessário ainda que, iniciada a sua execução no Brasil, o resultado naturalístico “tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente” . Tratando-se de corrupção ativa, o fim visado pelo agente corresponde ao ato de ofício do funcionário público estrangeiro a ser realizado, omitido ou retardado no Brasil ou no estrangeiro103. Diante disso, realizada a conduta corruptora de promessa, oferecimento ou doação da van­ tagem em nosso território, é preciso verificar se o ato do funcioná­ rio público estrangeiro visado pelo autor, a ser concretizado, omiti­ do ou retardado, encontra-se relacionado com sua atividade no Brasil ou no exterior: a competência será da Justiça Federal quando inte­ grar o seu exercício funcional no estrangeiro, e da Justiça Comum Estadual, na hipótese de fazer parte de sua atuação no Brasil. As­ sim, a competência somente será da Justiça Federal quando o autor realizar as condutas de corrupção ativa, no Brasil, em relação a ato de ofício a ser praticado, omitido ou retardado pelo funcionário público estrangeiro no exterior. É necessário, afirma RAQUEL FERNANDEZ PERRINI, que haja reflexos da conduta delitiva em outro país104. Como observa MAGNO K. NARDIN, “se todas as etapas do delito (iter criminis) se desenvolverem unicamente no Brasil ou no exterior, em face da adoção do nosso sistema jurídico penal do princípio da universalidade ou da justiça mundial, será

103 Nos três verbos,prometer, oferecer e dar, o crime é formal. As condutas têm um fim específico, que não precisa concretizar-se: alteração da atitude do funcionário público estrangeiro, qual seja, realização, omissão ou retardamento do ato de ofício, que pode ocorrer no Brasil ou no exterior. 104Na expressão da autora, “levando-se em conta os reflexos da conduta delitiva em vários países”. Em outra passagem, afirma: O ponto vital para que a competência esteja afeta à Justiça Federal reside na efetiva caracterização da intemacionalidade do delito, assim entendidas a prática e os reflexos da conduta delitiva em mais de um país” (RAQUEL FERNANDEZ PERRINI, Competências da Justiça Federal co­ mum, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 245,246 e 247). No mesmo sentido, ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA observa que o delito precisa ter conotação internacio­ nal (A competência criminal da Justiça Federal de primeira instância, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 66).

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aplicada a lei nacional, mas a competência será da Justiça Esta­ dual”105. No mesmo sentido, ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA ensina que, para a incidência da competência da Justiça Federal, é necessário que “fique demonstrada a intemacionalidade da condu­ ta, isto é, a cooperação internacional, de modo que haja repercus­ são além das fronteiras do País. Não havendo caráter de intemacio­ nalidade, o crime é da competência da Justiça Estadual”106. • Crime cometido no exterior — extraterritorialidade Aplica-se o art. 7Q, II, a, do CP, segundo o qual “ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”, em que se adotou o princípio da justiça universal ou cosmopolita, com as ob­ servações da nota anterior107. • Transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) É incabível. O rol dos crimes de menor potencial ofensivo previsto no art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/ 95) foi ampliado em face do parágrafo único do art. 2Cda Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na es­ fera da Justiça Federal. Hoje, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo aqueles a que a lei imponha, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos (até dois anos). A pena

105MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção defuncionário publico estrangeiro, http://www.ibccrim.org .br.l 1-7-2002. No mesmo sentido: VLADIMIR SOUZA CARVALHO, Competência da Justiça Federal, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 359. Tem-se entendido também que a competência só é da Justiça Federal no caso de “cooperação internacional entre os agentes do crime”, isto é, no caso de concurso de pessoas em que as atividades criminosas desenvolvem-se em mais de um país. No sentido da exigência de “cooperação internacional”: VLADIMIR SOUZA CARVA­ LHO, Competência da Justiça Federal, Curitiba: Ed. Juruá, 2002, p. 360, com cita­ ção de jurisprudência. 106 ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, Competência criminal da Justiça Federal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 82. 107Nesse sentido: MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção de funcionário pú­ blico estrangeiro íhttp://www.ibccrim.org.br.l 1-7-2002).

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privativa de liberdade, no caso do crime de corrupção ativa de fun­ cionário público estrangeiro nas transações comerciais internacio­ nais, é de reclusão, de um a oito anos, máximo muito superior ao limite legal permissivo. • Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) É admissível, uma vez que a pena detentiva mínima não é superior a um ano. • Bibliografia consultada pelo autor CARLOS A. MANFRONI, Sobomo transmcional, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998, e La Convention Interamericana contra la Corruption, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997; NAÇÕES UNI­ DAS, Cooperação internacional contra a corrupção e o suborno nas transações comerciais internacionais, Assembléia Geral, 52e Período de Sessões, Viena, 2 de fevereiro de 1998 (doc. A/RES/52/ 97); Commentaries on the Convention on Combating Bribery o f Foreign Public Officials in International Business Transactions, ado­ tada pela UN — Negotiating Conference em 21 de novembro de 1997 (www.transparencv.de/. 3-8-2002); Revised Recommendation o f the Council on Combating Bribery in International Business Transactions, adotada pelo Conselho da OCDE em 23 de maio de 1997 iwww.transparencv.de/. 3-8-2002); RODOLFO ALEJANDRO DÍAZ, Corrupción: un desafio para la govemabilidad y las transaciones internacionales, paper apresentado no Seminário La lucha contra el sobomo en las transaciones comerciales internacionales, promovi­ do pela OCDE, OEA e Governo da Argentina, Buenos Aires, setem­ bro de 1998; DIETER DOLLING, A corrupção e os delitos relacio­ nados com as transações comerciais internacionais, International Review o f Penal Law, Association International de Droit Pénal, XVIIth International Congress of Penal Law, Paris: Editions Érès, p. 681, 3s e 4Qtrim. 2001; GUY STESSENS, The international fight against corruption, International Review o f Penal Law, Association International de Droit Pénal, XVIP International Congress of Penal Law, Paris: Editions Érès, p. 891 e 901, 3° e 42 trim. 2001; JOSÉ MARÍA SIMONETTI, Notas sobre la corrupción, Pena y Estado, 43

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II— TRÁFICO DE INFLUÊNCIA EM TRANSAÇÃO COMER­ CIAL INTERNACIONAL • Conceito legal O novo tipo incriminador, denominado “tráfico de influência em transação comercial internacional”, introduzido pela Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002, no art. 337-C do CP, tem a seguinte reda­ ção e cominação penal: “Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a tran­ sação comercial internacional: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário es­ trangeiro”. • Origem da norma de comando A figura típica originou-se do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, visando dar efetividade ao Decreto Legislativo n. 125, de 14 de junho de 2000, do Congresso Nacional, que aprovou a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estran­ geiros nas Transações Comerciais Internacionais, concluída pelas Nações Unidas em Paris, em 17 de dezembro de 1997, e promulga­ da pelo Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000. Norma que fundamenta a punição do tráfico de influência transnacional: artigo 1,1 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais. 47

• Princípio adotado em relação à eficácia espacial da lei penal Da territorialidade (CP, art. 5a). • Irretroatividade da novatio legis incriminadora O art. 337-C do CP contém lei nova incriminadora. Por isso, é irretroativa (CF, art. 5a, XL). • Objetividade jurídica supranacional O CP tutela a lealdade no comércio exterior (nas transações comer­ ciais internacionais), tema que desenvolvemos no estudo do objeto jurídico do crime descrito no art. 337-B do CP. • Tráfico de influência comum e transnacional A forma comum está descrita no art. 332 do CP108; a transnacional, que visa o funcionário público estrangeiro nas transações comerciais internacionais, encontra-se definida no art. 337-C do mesmo estatuto. • Sujeito ativo Crime comum, o tráfico de influência nas transações comerciais internacionais pode ser cometido por qualquer pessoa (“compra­ dora de fumo”), nacional ou estrangeira, inclusive pelo funcionário público, brasileiro ou estrangeiro109. • Sujeitos passivos Principal é o Estado estrangeiro. De forma secundária, a pessoa que compra o prestígio, que entrega ou promete a vantagem na

108Art. 332 do CP: “Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vanta­ gem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcioná­ rio público no exercício da função”. 109 No sentido de que o delito de tráfico de influência, infração comum, pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive o funcionário público: STF, HC 79.823, Ia Turma, rei. Min. Moreira Alves, RT, 788/526. No sentido de que o tipo também pune o estrangeiro: voto do Deputado Federal Jarbas Lima quando da apreciação, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, de que se originou a Lei n. 10.467/2002.

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ilusão de concretizar um interesse ilegítimo (o pretenso corruptor, o “comprador de fumaça”). • Torpeza bilateral O sujeito ativo do crime engana a vítima, fazendo-a acreditar que irá influir na conduta do funcionário público estrangeiro; a vítima secundária, qual seja, o “comprador de fumaça”, pensa ser co-au­ tor de um crime de corrupção ativa (delito putativo). • Elementares do tipo O fato concreto, para ser típico, deve apresentar todas as elementa­ res dos tipos objetivo e subjetivo. A falta de um elemento conduz à atipicidade do fato. • Tipo objetivo Corresponde às elementares que descrevem o crime sob o aspecto de sua materialidade (condutas de solicitar etc. promessa, vanta­ gem, transação etc.). • Tipo subjetivo Conjunto de elementos que informam o aspecto subjetivo da des­ crição: dolo e elementos subjetivos do tipo (“para si ou para ou­ trem” e influir). • Elementos normativos do tipo Correspondem à referência da definição do crime às funções (pú­ blicas), intemacionalidade da transação e à qualidade de funcioná­ rio público estrangeiro. Devem ser abrangidos pelo dolo. • Condutas típicas Consistem em solicitar, exigir, cobrar ou obter vantagem ou pro­ messa de vantagem de alguém a pretexto de influir em ato de fun­ cionário público estrangeiro em transação comercial internacional. De observar que o delito, em sua forma singela, é cometido pelo particular (simulador) que, fingindo possuir prestígio junto a fun49

cionário público estrangeiro (conhecimento, amizade ou parentes­ co), solicita, exige, cobra ou obtém vantagem indevida do interes­ sado (terceiro), alegando que se destina a influenciá-lo (funcioná­ rio) em ato de ofício inerente às suas funções junto a transação comercial internacional. O sujeito, alegando ter prestígio junto a funcionário público estrangeiro, faz crer à vítima, enganosamente, possuir condições de alterar o comportamento daquele em transa­ ção comercial internacional. Como ensina ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, “a prometida mediação deve visar a resolver al­ guma questão do interessado junto à administração” estrangeira110. • Questão do “comprador de fumaça” junto à Administração Pública Pode ser regular ou irregular, legal ou ilegal111. • Personagens típicos O simulador, o interessado e o funcionário público estrangeiro. Este, na maioria dos casos a que se aplica isoladamente o dispositivo incriminador, desconhece o comportamento dos outros dois. • Crime de conteúdo variado ou de ação múltipla Se o autor, p. ex., cobra, exige e depois obtém a vantagem, respon­ de por um só delito. Da mesma forma, se solicita e após cobra o objeto material. Aplica-se o princípio da altematividade. • Autor que informa a utilização de terceira pessoa (intermediário) Essa circunstância não desnatura o delito112.

110ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, Compêndio de Direito Penal: parte es­ pecial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. III, p. 372. 111ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, Compêndio de Direito Penal: parte espe­ cial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. m , p. 373. 112RUI STOCO, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 7 ed., São Pau­ lo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 4017.

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• Iniciativa Pode ser do “vendedor” ou do “comprador de fumaça”. • Solicitar Significa rogar, pedir. É uma declaração de vontade tendente a pe­ dir algo a outra pessoa113. A intenção pode ser demonstrada expres­ sa ou tacitamente. • Exigir Quer dizer impor, ordenar. • Cobrar Significa fazer com que seja pago (DELMANTO). • Obter Indica conseguir. A vítima entrega dinheiro ao autor para que “com­ pre” determinado funcionário público estrangeiro, que irá “aliviar” a sua situação em determinado contrato comercial internacional. • Conduta de quem promete ou entrega a vantagem ao simulador É atípica. Não há previsão de incriminação. Trata-se de crime putativo por erro de tipo: ele supõe estar participando de manobra tendente à prática do crime de corrupção ativa transnacional (CP, art. 337-B), i. e., ele pensa que o funcionário público estrangeiro vai ser corrompido. • Funcionário fantasma Subsiste o delito ainda quando o funcionário público estrangeiro indi­ cado não existe ou se aponte nome imaginário. De ver, contudo, que, se o agente individualiza uma pessoa, é necessário que seja funcioná­ rio público estrangeiro, sob pena de ficar excluída a tipicidade do fato.

113INÉS OLAIZOLA NOGALES,£7delito de cohecho, Valencia: Tlrant Lo Blanch, 1999, p. 231, ao tratar do crime de corrupção passiva.

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• “Venda de fumaça” (“a pretexto”) A expressão “a pretexto” significa sob fundamento, com a descul­ pa, no sentido de que o autor faz uma simulação, levando a vítima à suposição de que irá influir no comportamento funcional do agente do Poder Público estrangeiro. É possível que, na verdade, ele tenha prestígio junto ao funcionário, caso em que subsiste o delito, uma vez que a incriminação reside na fraude114, na promessa de influên­ cia, mas, na realidade, nenhuma atitude ele irá tomar junto à Admi­ nistração Pública. Daí a denominação que se dá ao fato: “venda de fumaça” (vinditio fumi). • Se a vítima não acredita no “vendedor de fumaça” Não há crime. • Vantagem Pode ser de qualquer natureza, material ou moral, e até sexual. • Princípio da insignificância Pode ser aplicado, incidindo o que dissemos em relação ao crime de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro nas transa­ ções comerciais internacionais. • Transação comercial internacional Aplicam-se os conceitos expostos em relação ao art. 337-B do CP. Trata-se de elemento normativo do tipo. • Se a transação comercial não é internacional Não se aplica o art. 337-C do CP. Assim, inexiste crime no caso de tratar-se de uma transação comercial nacional, não envolvendo in­ teresses de dois países.

114ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES observa que o tráfico de influência “pode­ ria figurar como modalidade de estelionato” (Compêndio de Direito Penal: parte especial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. m , p. 373).

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• Se a transação internacional não é comercial Não há o crime do art. 337-C. Assim, não se inclui no tipo tráfico de influência relacionado a convênios de natureza cultural, política ou militar, salvo quando envolvam interesses econômicos. • Elementos subjetivos do tipo O primeiro é o dolo, consistente na vontade livre e consciente diri­ gida à conduta ou ao engano da vítima, fazendo crer a ela que o autor irá influenciar na atitude futura do funcionário público es­ trangeiro, abrangendo a pretensão de obtenção de vantagem ou a promessa de sua obtenção. O dolo, abrangente, deve alcançar o conhecimento de que se trata de funcionário púbüco estrangeiro e de transação comercial internacional115. 0 tipo reclama outro, con­ tido na expressão “para si ou para outrem”. • Motivação É irrelevante. Assim, não se exige que o autor tenha a intenção de desprestigiar a Administração Pública. • Erro de tipo (CP, art. 20) Ocorre quando o sujeito realiza concretamente o tipo do art. 337-C do CP desconhecendo as suas elementares, sejam descritivas (ob­ jetivas), sejam normativas. Ex.: o sujeito desconhece que o funcio­ nário púbüco indicado ao “comprador de fumaça” é estrangeiro, supondo-o brasileiro. Nessa hipótese, não subsiste o crime de tráfi­ co de influência comum, previsto no art. 332 do CP, uma vez que esse tipo pressupõe nacional o funcionário púbüco. Outro exem­ plo: o agente não sabe que se trata de transação comercial interna­ cional. Evitável ou inevitável o erro, fica excluído o dolo, desapa­ recendo o crime por atipicidade do fato.

1,5 No sentido doutrinário e genérico do texto: MIGUEL RE ALE JÚNIOR, Institui­ ções de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 224, n. 6.1.3.

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• “Ato praticado” De entender “ato a ser praticado” pelo funcionário público estran­ geiro, como expedir vistos, certidões, permissões, licenças, autori­ zações, dar andamento a papéis etc. • Momento consumativo Nos verbos solicitar, exigir e cobrar o delito é formal116, atingindo a consumação com a conduta do autor. No verbo obter, crime ma­ terial, consuma-se no momento em que o sujeito obtém a vanta­ gem ou sua promessa117. • Promessa descumprida Não exclui o crime a circunstância de a vítima não cumprir a pro­ messa ou a de o agente não procurar influenciar o funcionário pú­ blico estrangeiro. • Tentativa É admissível, embora de difícil ocorrência. • Estelionato O tráfico de influência absorve o estelionato (CP, art. 171)118. Quan­ do, contudo, falta algum elemento típico do crime do art. 337-C, subsiste o estelionato. • Corrupção efetiva de funcionário público estrangeiro Se o agente corrompe o funcionário público estrangeiro, ciente o interessado do acordo, há o crime de corrupção ativa em relação ao

116Nesse sentido, comentando o crime de tráfico de influência comum, descrito no art. 332 do CP: JULIO FABBRINI MIRABETE, Manual de Direito Penal, São Paulo: Atlas, 2001, v. III, p. 379. No mesmo sentido: STF, RTJ, 117/572. 117Nesse sentido, comentando o crime de tráfico de influência comum, previsto no art. 332 do CP: JULIO FABBRINI MIRABETE, Manual de Direito Penal, São Paulo: Atlas, 2001, v. III, p. 379. No mesmo sentido: STF, RTJ, 117/572. 118Nesse sentido: HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de Direito Penal: parte especial, São Paulo: Bushatsky, 1965, v. IV, p. 1164, n. 1.061.

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interessado e corretor (art. 337-B), ficando absorvido o tráfico de influência especial (art. 337-C). • Sanções penais No tipo simples (art. 337-C, caput), as penas são de reclusão, de dois a cinco anos, e multa. • Prescrição da pretensão punitiva (CP, art. 109) O prazo extintivo da punibilidade é de doze anos (CP, art. 109, III). • Prescrição da pretensão executória (CP, art. 110) Imposta a pena detentiva mínima, o prazo extintivo da punibilidade é de quatro anos (CP, art. 110, caput, c/c o art. 109, V). • Causa de aumento de pena (parágrafo único) A pena é agravada de metade se o autor alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário público estrangeiro. A razão da agravação reside em que o fato também atinge a “credibilidade do Estado estrangeiro”1[9.Alegar significa dar como explicação (AURÉLIO). Insinuar quer dizer dar a entender de ma­ neira indireta (AURÉLIO). Assim, não é exigida declaração ex­ pressa, bastando que o sujeito, enganosamente, dê a entender à ví­ tima, por palavras, gestos ou qualquer outro meio, que parte da importância ou vantagem é destinada ao funcionário público es­ trangeiro a ser corrompido. Subsiste a agravação da pena ainda que a vítima secundária, o interessado, não acredite que parte da vanta­ gem será destinada ao funcionário público estrangeiro. • Prazos prescricionais no caso do tipo agravado Prescrição da pretensão punitiva: o prazo é de doze anos (CP, art. 109, AI). Prescrição da pretensão executória: o prazo extintivo da

1,9 MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção defuncionário público estrangeiro (http://wwwjbccrim.org.br. 11-7-2002).

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punibilidade, imposta a pena detentiva agravada no mínimo, é de oito anos (CP, art. 109, IV, c/c o art. 110, caput). • Natureza jurídica da agravação (parágrafo único) Trata-se de causa de aumento de pena, e não de qualificadora. • Princípio da proporcionalidade na cominação das penas Atendendo à recomendação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, no sentido que a resposta penal do trá­ fico de prestígio de funcionário público estrangeiro deve ser pro­ porcional ao mesmo tipo comum do CP, as penas abstratas comi­ nadas ao tráfico de influência transacional (CP, art. 337-C) são as mesmas impostas à figura típica comum (art. 332 do CP): reclusão, de dois a cinco anos, e multa (artigo 3,1). • Ação penal É pública incondicionada. • Competência De aplicar, no que couber, o que dissemos em relação ao crime de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro nas transações comerciais internacionais (CP, art. 337-B). • Transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) É incabível. O rol dos crimes de menor potencial ofensivo previsto no art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/ 95) foi ampliado em face do parágrafo único do art. 2a da Lei n. 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na es­ fera da Justiça Federal. Hoje, devem ser considerados delitos de menor potencial ofensivo aqueles a que a lei imponha, no máximo, pena detentiva não superior a dois anos (até dois anos). A pena privativa de liberdade, no caso do crime de tráfico de influência nas transações comerciais internacionais, é de reclusão, de dois a cinco anos, máximo muito superior ao limite legal permissivo. 56

• Suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95) Não é admissível, uma vez que a pena mínima detentiva é superior a um ano. • Bibliografia consultada pelo autor ANTONIO PAGLIARO e PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, Dos crimes contra a Administração Pública, São Paulo: Malheiros, 1997; HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de Direito Penal: parte especial, São Paulo: Bushatsky, 1965, v. IV, p. 1167, n .l.065; CAR­ LOS A. MANFRONI, La Convención Interamericana contra la Corrupción, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997; DIETER DÔLLENG, A corrupção e os delitos relacionados com as transações comerciais internacionais, International Review o f Penal Law, Association International de Droit Pénal, XVIIth International Congress of Penal Law, Paris: Editions Érès, p. 681, 3“ e 4“ trim. 2001; NAÇÕES UNIDAS, Promotion and maintenance o f the rule o f law and good governance: action against corruption, 6a Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, Relatório do Secretário-Geral, Viena, 28 de abril a 9 de maio de 1997; NAÇÕES UNIDAS, Cooperação internacional contra a corrupção e o suborno nas transações comerciais inter­ nacionais, Assembléia Geral, 52“ Período de Sessões, Viena, 2 de fevereiro de 1998 (doc. A/RES/52/97); PINO ARLACCHI, Political corruption and organized crime in contemporary Italy, The Collected Works of the Seventh International Anti-corruption Conference, Beijing: Hong Qi Publishing House, 1996; NAÇÕES UNIDAS, Promoción y mantenimiento del imperio de la ley: medidas contra la corrupción y el suborno, Relatório do Secretário-Geral, 7“ Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, Viena, 21 a 30 de abril de 1998; Responding to corruption: social defence, corruption and the protection of public administration and the independence of Justice, International Society of Social Defence, Istituto Italiano per gli Studi Filosofici, Napoli: La Città del Sole, 2000; ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AME­ RICANOS, Sobre a Convenção Interamericana contra a Corrupção, 57

intervenção do delegado brasileiro no Simpósio sobre o Fortaleci­ mento da Probidade no Hemisfério, apresentando o Projeto de Lei brasileiro descrevendo delitos de corrupção de funcionários públi­ cos estrangeiros nas transações comerciais internacionais, elaborado por Damásio de Jesus, Santiago do Chile, 4 de novembro de 1998, in Anticorrupção, Subsecretária de Assuntos Jurídicos, Departamento de Cooperação e Difusão Jurídica ('http://www.oas.org/juridico/ portuguese/anticorrupção.htm. 26-6-2002); JULIO FABBRINI MERABETE,Manual de Direito Penal, São Paulo: Atlas, 2001, v. 3; MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção de funcionário público estrangeiro (http://www.ibccrim.org.br. 11-7-2002); VLADIMIR SOUZA CARVALHO, Competência da Justiça Federal, Curitiba: Ed. Juruá, 2002; RAQUEL FERNANDEZ PERRINI, Competências da Justiça Federal comum, São Paulo: Saraiva, 2001; ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, Competência criminal da Justiça Federal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; HEINZ ZIPF,Introduccwn a la política criminal, trad. Miguel Iszquierdo Macías-Picavea, Madrid: Ed. de Derecho Reunidas, 1979; JOSÉ HENRIQUE GUARACY REBÊLO,Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial, Belo Horizonte: Del Rey, 2000; CARLOS VICO VINAS, O princí­ pio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Pe­ nal, São Paulo: Saraiva, 1994; MARTA MAGADÁN DÍAZ, Corrupciónyfraude: economia de la transgressión, Madrid: Dykinson, 1999; PEDRO CRESPO, Tráfico de influencias, delitos y cuestiones penales en el âmbito empresarial, Madrid: Ganigues & Andersen, 1999; INÉS OLAIZOLA NOGALES,£7delito de cohecho, Valencia: Tirant Lo Blanch, 1999 (capítulo VI, II: El delito de cohecho y delito de tráfico de influencias,p.463); ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, A competência criminal da Justiça Federal de primeira instância, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978; DELMANTO & DELMANTO, Código Penal comentado,Pio de Janeiro: Renovar,2002; ARIOSVALDO DE CAMPOS PIRES, Compêndio de Direito Penal: parte especial, Rio de Janeiro: Forense, 1992, v. ID; RUI STOCO, Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribu­ nais, 2001; CARLOS ROBERTO HUSEK, Curso de Direito Interna­ cional Público, São Paulo, LTr, 2002; DAMASIO DE JESUS, El Derecho Penal deifuturo frente a la delincuencia económica organi­ zada, Amalfi, Itália, setembro de 2000. 58

III — FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTRANGEIRO • Introdução Nos termos do art. 337-D, caput, do CP, introduzido pela Lei n. 10.467/2002, “considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remu­ neração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro”. Além disso, “equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, direta­ mente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais” (parágrafo único). • Origem da disposição Norma interpretativa e extensiva introduzida pelo art. 2a da Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002, oriunda do Projeto de Lei n. 4.143, de 2001, visando dar efetividade ao Decreto Legislativo n. 125, de 14 de junho de 2000, do Congresso Nacional, que aprovou a Con­ venção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais, concluída pelas Nações Unidas em Paris, em 17 de dezembro de 1997, e pro­ mulgada pelo Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000. Dis­ positivo da Convenção que fundamenta a norma ampliativa: artigo 1, § 4. • Conceito de funcionário público “brasileiro” para fins penais Vide art. 327 do CP, com redação da Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000

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• Abrangência do conceito de funcionário público estrangeiro A permanência ou a remuneração do funcionário pelo Estado es­ trangeiro não se faz necessária. Incluem-se, por conseqüência, não só os funcionários estrangeiros que desempenham cargos criados por lei, regularmente investidos, nomeados e pagos pelos cofres públicos de outro país, como também os que exercem função pú­ blica ou são investidos em empregos, contratados, mensalistas, di­ aristas ou nomeados a título precário. • Cargo público Corresponde ao criado por lei, com denominação própria, em nú­ mero certo e pago pelos cofres públicos estrangeiros. • Emprego público A norma indica os servidores públicos estrangeiros que não titularizam cargos criados por lei e mantêm vínculo empregatício com a Administração Pública estrangeira. • Função pública É o conjunto de atribuições que o Poder Público estrangeiro impõe aos seus servidores para a realização de serviços no plano do Poder Judiciário, Executivo ou Legislativo120, sejam eleitos, sejam no­ meados121. • Exercício de cargo, emprego ou função pública Em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro.

120Artigo 1,4, da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públi­ cos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da ONU, de 1997; artigo 1, 4, da Convenção da OCDE contra a Corrupção; artigo 1 da Convenção Interamericana contra a Corrupção. 121 Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangei­ ros em Transações Comerciais Internacionais da ONU, de 1997, artigo 1,4.

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• País estrangeiro A expressão não se limita só a Estados, abrangendo também toda zona ou entidade organizada, como um território autônomo122. • Funcionário público estrangeiro por equiparação (parágrafo único) É também considerado funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, di­ reta ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais (parágrafo único do art. 337-D)123. O novo tipo ampliativo por equiparação requer esforço interpretativo diverso, na medida em que conceitua “funcionário público es­ trangeiro” de modo menos amplo do que a solução empregada no conceito de funcionário público nacional (art. 327, caput, e § Ia, do CP). Na consideração de funcionário público brasileiro, para fins penais, a lei adotou solução direta: qualquer pessoa física in­ cumbida do exercício de função pública, a qualquer título, com ou sem remuneração (art. 327, caput). Já os equiparados a funcioná­ rios públicos brasileiros são tanto os vinculados indiretamente ao Poder Público (art. 327, § Ia, primeira parte) como os que com ele se relacionam, a qualquer título, no exercício de atividades típicas da Administração (art. 327, § Ia, parte final). Daí decorrem os seguintes conceitos: a) funcionário público brasileiro (art. 327, caput): pessoa física in­ cumbida do exercício de função pública, a qualquer título, com ou sem remuneração;

122 Comentários do Grupo de Trabalho sobre a Corrupção nas Transações Comer­ ciais Internacionais, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômi­ co (OCDE), 10 de abril de 1998, p. 14. 123 MAGNO K. NARDIN observa que o tipo adotou o critério orgânico de classifi­ cação dos servidores públicos (Crimes de corrupção defuncionário público estran­ geiro, http://www.ibccrim.org.br .11-7-20021.

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b) funcionário público brasileiro por equiparação (art. 327, § lfi): 1) vinculado de forma indireta ao Poder Público (primeira parte), exercendo funções junto à Administração indireta; 2) vinculado a empresa privada e ao Poder Público por contrato ou convênio (parte final), exercendo atividades típicas da Administra­ ção Pública. Não foi essa a solução dada pela lei nova, que desprezou o exercí­ cio de atividades típicas do Poder Público estrangeiro, privilegian­ do somente a vinculação do servidor, a qualquer título, a cargo, emprego ou função em entidades estatais ou representações diplo­ máticas. Equiparou à consideração qualquer pessoa física integrante de empresas estatais controladas pelo Poder Público ou em ativida­ de em organizações internacionais. Com isso, a inovação restringiu o conceito e não alcançou o empregado de empresa privada inter­ nacional que, por contrato ou convênio, realize atividades em re­ presentação de Estado estrangeiro ou organização internacional. Não se repetiu, na lei nova, o paralelo da equiparação imposta pela parte final do art. 327, § 1Q, do CP. Com efeito. De acordo com o novo conceito, é funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função pública em en­ tidades estatais ou em representações diplomáticas de país estran­ geiro, a esses se equiparando a pessoa física vinculada a empresas controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público estrangei­ ro ou em organizações internacionais. O legislador concedeu pri­ mazia ao exercício de funções em entidades públicas estrangeiras, e nisso a norma penal se aproximou da solução dada pelo art. 327, caput, do CP. A inovação diversa, entretanto, advém da regra de equiparação: é também considerado funcionário público estrangei­ ro aquele que exerce cargo, emprego ou função em “empresas con­ troladas” por país estrangeiro ou em “organizações públicas inter­ nacionais” (parágrafo único do art. 337-D). Diferentemente da regra estabelecida para os crimes funcionais co­ metidos por funcionários públicos nacionais, o princípio restringe o alcance da equiparação aos que se vinculam diretamente a em­ presas estatais controladas pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas não nacionais, ou seja, não alcança 62

profissionais ou empregados de empresas privadas estrangeiras, ainda que atuem em representação, por contrato ou convênio, de Estado estrangeiro. Com isso, considerou apenas a investidura em “entidades estatais” ou “representações diplomáticas” (caput) ou, quando ampliou o conceito, embutiu apenas os que se acham vinculados a “empresas controladas” ou em “organizações públi­ cas internacionais”, não incluindo, como o fez na regra do art. 327, § 1Q, parte final, do CP, os particulares que exercem ativida­ des típicas da Administração Pública e do Poder Público vincula­ dos por contrato ou convênio. A norma não prevê a equiparação de pessoa física vinculada a empresa privada internacional, ainda que, por contrato ou convênio, realize atividades típicas de enti­ dades internacionais. Em suma, de acordo com a lei nova, considera-se funcionário pú­ blico estrangeiro a pessoa que: a) a qualquer título, exerce cargo, emprego ou função em entidades estatais estrangeiras ou em representações diplomáticas; b) a qualquer título, exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas pelo Poder Público estrangeiro ou em organizações pú­ blicas internacionais. Entidades estatais estrangeiras: Representação diplomática estrangeira: como a embaixada ameri­ cana no Brasil. Organizações públicas internacionais são “sociedades entre Esta­ dos, constituídas por intermédio de um tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns por meio de uma permanente cooperação entre seus membros”124. Exs.: ONU, OEA, OCDE etc.

124 RICARDO SEITENFUS, Manual das organizações internacionais, Porto Ale­ gre: Livr. do Advogado Ed., 2000, p. 26-27. Sobre organizações internacionais, vide: LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚIO, Das organizações internacionais, Rio de laneiro: Forense, 2002; CARLOS ROBERTO HUSEK, Curso de Direito Inter­ nacional Público, São Paulo: LTr, 2002, p. 120.

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• Bibliografia consultada pelo autor CARLOS A. MANFRONI, La Convention Interamericana contra la Corruption, Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997; ORGANIZA­ ÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Sobre a Convenção Interamericana contra a Corrupção, intervenção do delegado brasi­ leiro no Simpósio sobre o Fortalecimento da Probidade no Hemisfé­ rio, apresentando o Projeto de Lei brasileiro descrevendo delitos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros nas transações co­ merciais internacionais, elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Santiago do Chile, 4 de novembro de 1998, in Anticorrupção, Subsecretária de Assuntos Jurídicos, Departamento de Cooperação e D ifusão Jurídica (http://www.oas .org/juridico/portuguese/ anticorrupção .htm. 26-6-2002); Commentaries on the Convention on Combating Bribery o f Foreign Public Officials in International Business Transactions, adotada pela UN — Negotiating Conference em 21 de novembro de 1997 (www.transparencv.de/. 3-8-2002); Revised Recommendation o f the Council on Combating Bribery in International Business Transactions, adotada pelo Conselho da OCDE em 23-5-1997 (www.transparency.de/. 3-8-2002); CELSO ANTÔ­ NIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2001; MAGNO K. NARDIN, Crimes de corrupção de funcionário público estrangeiro (http://www.ibccrim .org.br. 11-7-2002); DELMANTO & DELMANTO, Código Penal comen­ tado, Rio de Janeiro: Renovar, 2002; RUI STOCO, Código Penal e sua interpretação jurisprudential,!. ed., São Paulo: Revista dos Tri­ bunais, 2001; ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, Competência cri­ minal da Justiça Federal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; RICARDO SElTENFUS,Manual das organizações internacionais, Porto Alegre: Livr. do Advogado Ed., 2000; LUIS IVANI DE AMORIM ARAÚJO, Das organizações internacionais, Rio de Ja­ neiro: Forense, 2002; WALDO FAZZIO JÚNIOR, Corrupção no Po­ der Público, São Paulo: Atlas, 2002.

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APÊNDICE

DECRETO N. 3.678, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2000 Promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais In­ ternacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997

ART. 1. A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Fun­ cionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Interna­ cionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997, apensa por cópia a este Decreto, deverá ser executada e cumprida tão inteira­ mente como nela se contém. Parágrafo único. A proibição de recusa de prestação de assis­ tência mútua jurídica, prevista no art. 9, parágrafo 3, da Convenção, será entendida como proibição à recusa baseada apenas no instituto do sigilo bancário, em tese, e não a recusa em decorrência da obediên­ cia às normas legais pertinentes à matéria, integrantes do ordena­ mento jurídico brasileiro, e a interpretação relativa à sua aplicação, feitas pelo Tribunal competente, ao caso concreto. ART. 2. São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quais­ quer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. ART. 3. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação125.

125 Publicado no Diário Oficial da União de l°-12-2000.

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Convenção das Nações Unidas sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (1997) ART. 1. O Delito de Corrupção de Funcionários Públicos Es­ trangeiros 1. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que, segundo suas leis, é delito criminal qual­ quer pessoa intencionalmente oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pecuniária indevida ou de outra natureza, seja diretamente ou por intermediários, a um funcionário público estrangeiro, para esse funcionário ou para terceiros, causando a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais, com a finalida­ de de realizar ou dificultar transações ou obter outra vantagem ilícita na condução de negócios internacionais. 2. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de que a cumplicidade, inclusive por incitamento, auxílio ou encorajamento, ou a autorização de ato de corrupção de um funcionário público estrangeiro é um delito criminal. A tentativa e conspiração para subornar um funcionário público estrangeiro se­ rão delitos criminais na mesma medida em que o são a tentativa e conspiração para corrupção de funcionário público daquela Parte. 3. Os delitos prescritos nos parágrafos 1 e 2 acima serão doravante referidos como “corrupção de funcionário público estrangeiro”. 4. Para o propósito da presente Convenção: a) “funcionário público estrangeiro” significa qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, administrativo ou jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça função pública para um país estrangeiro, inclusive para repre­ sentação ou empresa pública; e qualquer funcionário ou represen­ tante de organização pública internacional; b) “país estrangeiro” inclui todos os níveis e subdivisões de governo, do federal ao municipal; c) “a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais” inclui qualquer uso do cargo do funcionário públi­ co, seja esse cargo, ou não, da competência legal do funcionário. 68

ART. 2. Responsabilidade de Pessoas Jurídicas Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao esta­ belecimento das responsabilidades de pessoas jurídicas pela corrupção de funcionário público estrangeiro, de acordo com seus princípios jurídicos. ART. 3. Sanções 1. A corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá ser punível com penas criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas. A extensão das penas deverá ser comparável àquela aplicada à corrupção do próprio funcionário público da Parte e, em caso de pes­ soas físicas, deverá incluir a privação da liberdade por período sufi­ ciente a permitir a efetiva assistência jurídica recíproca e a extradição. 2. Caso a responsabilidade criminal, sob o sistema jurídico da Parte, não se aplique a pessoas jurídicas, a Parte deverá assegurar que as pessoas jurídicas estarão sujeitas a sanções não-criminais efe­ tivas, proporcionais e dissuasivas contra a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive sanções financeiras. 3. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias a ga­ rantir que o suborno e o produto da corrupção de um funcionário público estrangeiro, ou o valor dos bens correspondentes a tal produ­ to, estejam sujeitos a retenção e confisco ou que sanções financeiras de efeito equivalente sejam aplicáveis. 4. Cada Parte deverá considerar a imposição de sanções civis ou administrativas adicionais à pessoa sobre a qual recaiam sanções por corrupção de funcionário público estrangeiro. ART. 4. Jurisdição 1. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de sua jurisdição em relação à corrupção de um fun­ cionário público estrangeiro, quando o delito é cometido integral ou parcialmente em seu território. 2. A Parte que tiver jurisdição para processar seus nacionais por delitos cometidos no exterior deverá tomar todas as medidas neces­ sárias ao estabelecimento de sua jurisdição para fazê-lo em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, segundo os mes­ mos princípios. 69

3. Quando mais de uma Parte tem jurisdição sobre um alegado delito descrito na presente Convenção, as Partes envolvidas deverão, por solicitação de uma delas, deliberar sobre a determinação da ju­ risdição mais apropriada para a instauração de processo. 4. Cada Parte deverá verificar se a atual fundamentação de sua jurisdição é efetiva em relação ao combate à corrupção de funcioná­ rios públicos estrangeiros, caso contrário, deverá tomar medidas cor­ retivas a respeito. ART. 5. Execução A investigação e a abertura de processo por corrupção de um funcionário público estrangeiro estarão sujeitas às regras e princí­ pios aplicáveis de cada Parte. Elas não serão influenciadas por consi­ derações de interesse econômico nacional, pelo efeito potencial so­ bre as relações com outros Estados ou pela identidade de pessoas físicas ou jurídicas envolvidas. ART. 6. Regime de Prescrição Qualquer regime de prescrição aplicável ao delito de corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá permitir um período de tempo adequado para a investigação e abertura de processo sobre o delito. ART. 7. Lavagem de Dinheiro A Parte que tomou o delito de corrupção de seu próprio funcio­ nário público um delito declarado para o propósito da aplicação de sua legislação sobre lavagem de dinheiro deverá fazer o mesmo, nos mesmos termos, em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, sem considerar o local de ocorrência da corrupção. ART. 8. Contabilidade 1. Para o combate efetivo da corrupção de funcionários públi­ cos estrangeiros, cada Parte deverá tomar todas as medidas necessá­ rias, no âmbito de suas leis e regulamentos sobre manutenção de livros e registros contábeis, divulgação de declarações financeiras, e sistemas de contabilidade e auditoria, para proibir o estabelecimento de contas de caixa “dois”, a realização de operações de caixa “dois” ou operações inadequadamente explicitadas, o registro de despesas inexistentes, o lançamento de obrigações com explicitação inade70

quada de seu objeto, bem como o uso de documentos falsos por com­ panhias sujeitas àquelas leis e regulamentos com o propósito de cor­ romper funcionários públicos estrangeiros ou ocultar tal corrupção. 2. Cada Parte deverá prover penas civis, administrativas e cri­ minais efetivas, proporcionais e dissuasivas pelas omissões e falsifi­ cações em livros e registros contábeis, contas e declarações financei­ ras de tais companhias. ART. 9. Assistência Jurídica Recíproca 1. Cada Parte deverá, respeitando, tanto quanto possível, suas leis, tratados e acordos relevantes, prestar pronta e efetiva assistên­ cia jurídica a uma Parte para o fim de condução de investigações e processos criminais instaurados pela Parte sobre delitos abrangidos pela presente Convenção e para o fim de condução de processos nãocriminais contra uma pessoa jurídica instaurados pela Parte e abran­ gidos por esta Convenção. A Parte solicitada deverá informar a Parte solicitante, sem demora, de quaisquer informações ou documentos adicionais necessários a apoiar o pedido de assistência e, quando solicitado, do estado e do resultado do pedido de assistência. 2. Quando uma Parte condiciona a assistência jurídica recípro­ ca à existência de criminalidade dual, a existência de criminalidade dual será considerada se o delito para o qual a assistência é solicitada for do âmbito da presente Convenção. 3. Uma Parte não deverá se recusar a prestar assistência mútua jurídica em matérias criminais do âmbito da presente Convenção sob a alegação de sigilo bancário. ART. 10. Extradição 1. A corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá ser considerada um delito passível de extradição, segundo as leis das Partes e os tratados de extradição celebrados entre elas. 2. Se uma Parte, que condiciona a extradição à existência de um tratado sobre a matéria, receber uma solicitação de extradição de outra Parte com a qual não possui tratado de extradição firmado, dever-se-á considerar esta Convenção a base jurídica para a extradi­ ção pelo delito de corrupção de um funcionário público estrangeiro. 71

3. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias para assegurar sua capacidade para extraditar ou processar seus nacionais pelo delito de corrupção de um funcionário público estrangeiro. A Parte que recusar um pedido para extraditar uma pessoa por corrupção de um funcionário público estrangeiro, baseada apenas no fato de que a pessoa é seu nacional, deverá submeter o caso à apreciação de suas autoridades competentes para instauração de processo. 4. A extradição por corrupção de funcionário público estrangei­ ro está sujeita às condições estabelecidas pela lei local e pelos trata­ dos e acordos das Partes sobre a matéria. Quando uma Parte condi­ ciona a extradição à existência de criminalidade dual, essa condição deverá ser considerada satisfeita se o delito pelo qual a extradição é solicitada estiver no âmbito do art. 1 da presente Convenção. ART. 11. Autoridades Responsáveis Para os propósitos do art. 4, parágrafo 3, sobre deliberações, do art. 9, sobre assistência jurídica recíproca, e do art. 10, sobre extradi­ ção, cada Parte deverá notificar o Secretário-Geral da OCDE da au­ toridade ou autoridades responsáveis pela formulação e recebimento de solicitações, que servirá de canal de comunicação da Parte nessas matérias sem prejuízo de outros acordos entre as Partes. ART. 12. Monitoramento e Acompanhamento As Partes deverão cooperar na execução de um programa de acompanhamento sistemático para monitorar e promover a integral implementação da presente Convenção. A menos que decidido em contrário por consenso das Partes, essa iniciativa dar-se-á no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Corrupção em Transações Comerciais Internacionais da OCDE, de acordo com seu termo de referência, ou no âmbito e de acordo com os termos de referência de qualquer subs­ tituto para essa função. As Partes arcarão com os custos do progra­ ma, segundo as regras aplicáveis àquele Grupo. ART. 13. Assinatura e Acessão 1. Até a entrada em vigor, a presente Convenção estará aberta para assinatura pelos membros da OCDE e por não-membros que ha­ jam sido convidados a tornarem-se participantes plenos do Grupo de Trabalho sobre Corrupção em Transações Comerciais Internacionais. 72

2. Após a entrada em vigor, essa Convenção estará aberta à aces­ são de qualquer país não-signatário que seja membro da OCDE ou que se haja tomado um participante pleno do Grupo de Trabalho sobre Corrupção em Transações Comerciais Internacionais ou de qualquer sucessor para suas funções. Para os países não-signatários, a Convenção entrará em vigor no sexagésimo dia seguinte à data de depósito de seu instrumento de acessão. ART. 14. Ratificação e Depositário 1. A presente Convenção está sujeita à aceitação, aprovação ou ratificação pelos Signatários, de acordo com suas respectivas leis. 2. Instrumentos de aceitação, aprovação, ratificação ou acessão deverão ser depositados junto ao Secretário-Geral da OCDE, que fun­ cionará como Depositário da presente Convenção. ART. 15. Entrada em Vigor 1. A presente Convenção entrará em vigor no sexagésimo dia seguinte à data na qual cinco dos dez países que possuam as maiores cotas de exportação, apresentadas no documento anexo, e que repre­ sentem juntos pelo menos sessenta por cento do total combinado das exportações desses dez países hajam depositado seus instrumentos de aceitação, aprovação ou ratificação. Para cada Signatário deposi­ tante de instrumento após a referida entrada em vigor, a presente Convenção entrará em vigor no sexagésimo dia após o depósito de seu instrumento. 2. Se, após 31 de dezembro de 1998, a Convenção não houver entrado em vigor em conformidade com o parágrafo 1 acima, qual­ quer Signatário que tenha depositado seu instrumento de aceitação, aprovação ou ratificação poderá declarar por escrito ao Depositário sua vontade em aceitar a entrada em vigor da Convenção sob o pres­ crito neste parágrafo 2. Para esse Signatário, a Convenção entrará em vigor no sexagésimo dia posterior à data na qual tais declarações houverem sido depositadas por pelo menos dois Signatários. Para cada Signatário depositante de declaração após a referida entrada em vigor, a Convenção entrará em vigor no sexagésimo dia posterior à data do depósito. 73

ART. 16. Emenda Qualquer Parte poderá propor a emenda da presente Conven­ ção. Uma proposta de emenda será submetida ao Depositário, que deverá comunicá-la às outras Partes pelo menos sessenta dias antes da convocação de um encontro das Partes para deliberação sobre a matéria. Uma emenda adotada por consenso das Partes, ou por ou­ tros meios que as Partes determinem por consenso, entrará em vigor sessenta dias após o depósito de um instrumento de aceitação, apro­ vação ou ratificação de todas as Partes, ou, de outra forma, como especificado pelas Partes no momento da adoção da emenda. ART. 17. Denúncia Uma Parte poderá denunciar a presente Convenção, notifican­ do por escrito o Depositário. Essa denúncia efetivar-se-á um ano após a data de recebimento da notificação. Após a denúncia, deverá conti­ nuar a existir cooperação entre as Partes e a Parte denunciante com relação às solicitações pendentes de assistência ou extradição for­ muladas antes da data efetiva da denúncia. Feito em Paris neste dia dezessete de dezembro de mil nove­ centos e noventa e sete, nas línguas inglesa e francesa, sendo cada texto igualmente autêntico. Pela República Federal da Alemanha Pela República da Irlanda Pela República Argentina Pela República da Islândia Pela Austrália Pela República Italiana Pela República da Áustria Pelo Japão Pelo Reino da Bélgica Pelo Grão-Ducado de Luxemburgo Pela República Federativa do Brasil Pelos Estados Unidos Mexicanos Pela República da Bulgária 74

Pelo Reino da Noruega Pelo Canadá Pela Nova Zelândia Pela República do Chile Pelo Reino dos Países Baixos Pela República da Coréia Pela República da Polônia Pelo Reino da Dinamarca Pela República Portuguesa Pelo Reino da Espanha Pelo Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte Pelos Estados Unidos da América Pela República da Eslovênia Pela República da Finlândia Pelo Reino da Suécia Pela República da França Pela Confederação Suíça Pela República Helénica Pela República Tcheca Pela República da Hungria Pela República da Turquia

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PROJETO DE LEI ORIGINAL N. 4.143, DE 2001 Acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de de­ zembro de 1940 — Código Penal, e ao art. I oda Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998.

O Congresso Nacional decreta: Art. I2 O Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal passa a vigorar acrescido dos seguintes disposi­ tivos: “ T ítu lo

XI

II-A DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA C apítulo

Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 337-A. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indireta­ mente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado a transação comercial inter­ nacional: Pena - reclusão, de um a oito anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público es­ 76

trangeiro retarda ou omite ato de ofício ou o pratica infringin­ do dever funcional. (NR126) Tráfico de influência em transação comercial internacional Art. 337-B. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcio­ nário público estrangeiro no exercício de suas funções, rela­ cionado a transação comercial internacional. Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro. (NR) Funcionário público estrangeiro Art. 337-C. Considera-se funcionário público estrangei­ ro, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público es­ trangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empre­ sas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas in­ ternacionais”. (NR) Art. 2a O art. I2 da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso: “VIR - praticado por particular contra a administração pública estrangeira”. (NR) Art. 3a Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

124 NR significa nova redação.

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MENSAGEM N. 140, DE 2001, DO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA Senhores Membros do Congresso Nacional, Nos termos do art. 61 da Constituição Federal, submeto à eleva­ da deliberação de Vossas Excelências, acompanhado de Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça, o texto do Pro­ jeto de Lei que “acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, e ao art. P d aL ein . 9.613, de 3 de março de 1998”. Brasília, 16 de fevereiro de 2001 — Fernando Henrique Cardoso

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COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO PROJETO DE LEI N. 4.143, DE 2001 Acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de de­ zembro de 1940 — Código Penal, e ao art. l s da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998.

Autor: Poder Executivo Relator: Deputado André Benassi I — RELATÓRIO Vem, a esta Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, a proposição em epígrafe, que tem por objetivo tipificar condutas acor­ dadas na Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris no dia 17 de dezembro de 1997. O senhor Ministro da Justiça, na exposição de motivos, justifi­ ca a proposição: Diante do compromisso internacionalmente assumido, e tendo em vista que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, a teor do art. 5o, XXXIX, da Carta Política, é indispensável que o Brasil, para efetiva­ mente coibir os delitos de “corrupção de funcionário público estrangeiro ”, como denominados pelo parágrafo 3 do artigo 1 da mencionada Convenção, edite diploma legal tipificando 79

condutas e as penas a ela cominadas, com observância das regras do Acordo firmado. Por isso, a proposta inclui no Código Penal o Capítulo “Dos crimes praticados por particular contra a administra­ ção pública estrangeira”, após o Capítulo “Dos crimes prati­ cados por particular contra a administração pública em ge­ ral”, para manter a coerência do sistema codificado. As con­ dutas descritas nos novos tipos e as penas a elas cominadas guardam simetria com o tratamento adotado para a corrupção de funcionários públicos nacionais praticada por particular, como, aliás, previu a Convenção. Além disso, o Projeto inclui entre as hipóteses previstas na Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, que “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem ’ou ocultação de bens, direitos e valores ”, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilíci­ tos previstos nesta lei; cria o Conselho de Controle de Ativi­ dades Financeiras (COAF), e dá outras providências, os cri­ mes praticados por particular contra a administração públi­ ca estrangeira, também em atendimento ao Acordo. A matéria, nos termos do art. 32, III, “a” e “e”, do Regimento Interno, deve ser apreciada no que diz respeito à sua constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito. A tramitação não é conclusiva, razão pela qual não foi aberto o prazo para o oferecimento de emendas nesta oportunidade. É o Relatório. II — VOTO DO RELATOR Nada temos a objetar no que diz respeito à constitucionalidade, uma vez que a Convenção, que deu ensejo ao presente projeto, foi aprovada neste Congresso na forma do Decreto Legislativo n. 125, de 2000, em obediência ao que prevêem os arts. 48 e 49 da Constitui­ ção Federal. No mesmo sentido, quanto à apreciação da proposição em si mesma, a competência legislativa é deferida à União e a sede ade80

quada para a sua apreciação é o Congresso Nacional. A iniciativa é exercida pelo Poder Executivo (art. 61). No que toca à juridicidade, também não temos restrições à livre tramitação, porquanto a proposição se encontra em sintonia com os princípios maiores, informadores do nosso ordenamento jurídico. No mérito, julgamos o projeto oportuno e conveniente, na me­ dida em que já tardava a tipificação das condutas indicadas, isto é, dos crimes de corrupção praticados por agentes públicos nas transa­ ções internacionais, haja vista a globalização em que vivemos e que tem forte repercussão na vida econômica dos países. A técnica legislativa, entretanto, pode ser aperfeiçoada em obe­ diência ao estatuído pela Lei Complementar n. 95/98. É que a propo­ sição, ao prever a inclusão de um novo Capítulo no Título XI, do Código Penal — Capítulo II-A —, inseriu diversos artigos 337 (como de fato deveria fazê-lo), mas a partir do art. 337-A. Ocorre que já exis­ te no Código Penal o art. 337-A, acrescido pela Lei n. 9.983, de 14-072000, e que trata da “sonegação de contribuição previdenciária”. Neste sentido, cremos que é mais adequado, tecnicamente, a introdução de novos dispositivos, mediante este Projeto de Lei, a partir do art. 337-B. Isto posto, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade, boa técnica legislativa, com emenda, e, no mérito, pela aprovação. Sala da Comissão, em de de 2001. Deputado André Benassi — Relator

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COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO PROJETO DE LEI N. 4.143, DE 2001 Acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de de­ zembro de 1940 — Código Penal, e ao art. I ada Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998.

EMENDA No art. Ia do Projeto, substituam-se as letras maiúsculas A, B e C, apostas depois do art. 337, por B, C e D, respectivamente. Sala da Comissão, em de de 2001. Deputado André Benassi

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COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE REDAÇÃO PROJETO DE LEI N. 4.143, DE 2001 Acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de de­ zembro de 1940 — Código Penal, e ao art. I ada Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998.

Autor: Poder Executivo Relator: Deputado André Benassi VOTO DO DEPUTADO JARBAS LIMA O Projeto de Lei em questão, oriundo do Poder Executivo, tem por escopo dar efetividade ao Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000, que promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 125, de 14 de junho de 2000. Pela sistemática adotada pelo projeto, e com a qual manifesta sua concordância o ilustre Relator da matéria nesta comissão, Depu­ tado André Benassi, inclui-se no Código Penal o capítulo “Dos cri­ mes praticados por particular contra a Administração Pública Es­ trangeira”, após o capítulo “Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública em Geral”, para, segundo consta da 83

inclusa Exposição de Motivos do Senhor Ministro da Justiça, “man­ ter a coerência do sistema codificado”. Não tenho nada a opor no que concerne às condutas descritas, porquanto a tipificação da corrupção ativa e do tráfico de influência, cometidos contra funcionário público estrangeiro, em transação co­ mercial internacional, vão ao encontro dos objetivos da Convenção que busca a proposição tomar efetiva. Causou-me estranheza, contudo, e foi este, precisamente, o motivo que me levou ao presente pedido de vista, a colocação da matéria em nosso Código Penal, tal como foi feita. Parece-me, com efeito, estranho trazer-se, para dentro do Códi­ go, no Título referente aos “Crimes contra a Administração Públi­ ca”, capítulo dedicado aos crimes cometidos contra a “Administra­ ção Pública Estrangeira”. Em primeiro lugar, e a bem da sistemática de nosso Código, a qual também eu me preocupo em preservar, deve-se assinalar que, no referido Título, o bem jurídico tutelado é a administração púbbca, que aqui não se entende no sentido estrito e técnico, em que significa o conjunto de órgãos em que se desenvolve o funcionamento dos serviços públicos, constituindo função específica do Poder Executi­ vo. A administração pública é aqui considerada pela lei penal num sentido amplo, ou seja, como atividade funcional do Estado em to­ dos os setores em que se exerce o poder público — incluídas, portan­ to, as atividades legislativas e judiciárias. O que se procura tutelar, portanto, é a normalidade funcional de nosso Estado, amplamente considerado. Nessa linha de pensamento, ressalta não ser razoável incluir-se mais um capítulo neste Título, no qual se busque tutelar a “Adminis­ tração Pública Estrangeira”, pelo simples motivo de que não cabe ao Estado brasileiro fazê-lo — digo mais, seria injurídico que o fizesse. Na verdade, o que a Convenção inspiradora do projeto de lei que ora analisamos busca defender, vale dizer, o bem jurídico a ser verdadeiramente preservado, é a Usura que deve orientar as transa­ ções comerciais internacionais, a fim de, em última análise, preservarem-se as condições internacionais de competitividade. 84

Assim sendo, proponho que os novos tipos penais sejam incluí­ dos no Código (inclusive porque esta inclusão respeita a orientação da Lei Complementar n. 95/98) em um novo Título que se poderia criar, tendo em vista a especificidade da matéria. O novo título poderia ser dedicado aos “Crimes previstos em Atos Internacionais”, sendo que o capítulo primeiro conteria o obje­ to da proposição em tela. Dessa maneira, estar-se-ia preservando a sistematização de nosso diploma penal e evitando a colocação deste novo capítulo no título referente aos crimes contra a administração pública, o que me cau­ sou um certo desconforto. Restaria clara, ademais, a intenção do legislador: punir, de acordo com a lei brasileira, quem, nacional ou estrangeiro, praticar (sujeito ativo), dentro do território nacional, as condutas tipificadas pelo pro­ jeto; sendo certo que o funcionário público estrangeiro que, por sua vez, tiver sido corrompido, ou tiver aceitado vantagem indevida em virtude de tráfico de influência, deverá ser processado e punido de acordo com a lei do país a que pertencer, desde que assim disponha referida legislação. Nos termos deste voto em separado, manifesto-me pela constitucionabdade, juridicidade, adequada técnica legislativa, e, no mérito, pela aprovação do PL n. 4.143/2001, na forma do substitutivo ofertado em anexo. Sala da Comissão, em de de 2001. Deputado Jarbas Lima SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI N. 4.143, DE 2001 Acrescenta o Título X II ao Código Penal, dispondo sobre os crimes previstos em atos internacionais, e dispositivo à Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, que “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem' ou ocultação de bens, direitos e valores, a prevenção da utilização do Sistema Financeiro para os ilícitos previstos nesta lei, cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras — COAFe dá ou­ tras providências".

O Congresso Nacional decreta: 85

Art. l e Esta lei visa dar efetividade ao Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000, que promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997. Art. 2QO Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, pas­ sa a vigorar acrescido do seguinte Título XII: “T ítu lo

XH

DOS CRIMES PREVISTOS EM ATOS INTERNACIONAIS I DOS CRIMES PRATICADOS EM DECORRÊNCIA DE TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS C a pítu lo

Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 359-1. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indireta­ mente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado a transação comercial inter­ nacional: Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estran­ geiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional (NR). Tráfico de influência em transação comercial internacional Art. 359-J. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcio­ nário público estrangeiro no exercício de suas funções, rela­ cionado a transação comercial internacional. 86

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao fun­ cionário (NR). Funcionário Público Estrangeiro Art. 359-L. Considera-se funcionário público estrangei­ ro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função públi­ ca em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público es­ trangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empre­ sas controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacio­ nais (NR)”. Art. 3s O art. l QdaLein. 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VIII: “Art. 1Q........................................................................... VIII — praticado em decorrência de transações comer­ ciais internacionais (arts. 359-1,359-J e 359-L do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940)” (NR). Art. 4QEsta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Sala da Comissão, em

de

de 2001.

Deputado Jarbas Lima

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PROJETO DE LEI N DE 1999127 (DE INICIATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA) Define crimes de corrupção defuncionários públicos nas tran­ sações comerciais internacionais, delitos a eles relacionados e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Concussão Art. 1QExigir o servidor público, brasileiro ou estrangeiro, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em transação comercial internacional, no exercício de função pública, ainda que fora da fun­ ção ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. Corrupção passiva Art. 2a Solicitar, aceitar ou receber o servidor público, brasilei­ ro ou estrangeiro, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, em transação comercial internacional, ainda que fora da função pú­ blica ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

127Projeto elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus em 1998.

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Causa de aumento de pena § Ia A pena é aumentada de um terço se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o servidor público retarda ou deixa de rea­ lizar qualquer ato de suas funções ou o realiza infringindo dever funcional. Tipo privilegiado § 2a Se o servidor público realiza, deixa de realizar ou retarda ato de suas funções, com infração de dever para com a administração pública, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Corrupção ativa Art. 3a Dar, oferecer, sugerir ou prometer vantagem indevida a ser­ vidor público, brasileiro ou estrangeiro, em transação comercial interna­ cional, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Causa de aumento de pena § Ia A pena é aumentada de um terço se, em razão da oferta, proposta, sugestão, promessa ou vantagem, o servidor retarda ou omite ato de ofício, ou o realiza infringindo dever funcional. Destinatário da vantagem § 2a A vantagem pode ser doada, oferecida ou prometida ao servidor público ou a terceiro. Atos impuníveis Art. 4a Não são considerados atos de corrupção a oferta ou recebi­ mento de bem ou vantagem de pequeno valor econômico por ocasião de manifestações normais de civilidade, salvo se colocarem o servidor pú­ blico na obrigação moral de conceder tratamento preferencial ou espe­ cial ao ofertante ou a terceiro em transação comercial internacional. 89

Patrocínio indevido Art. 5CPatrocinar, indevidamente, de forma direta ou indireta, em transação comercial internacional, interesse público ou privado perante a administração, valendo-se da qualidade de servidor públi­ co, brasileiro ou estrangeiro: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Causa de aumento de pena Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço se o interesse é ilegítimo. Tráfico de influência Art. 6QSolicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, em transação comercial internacional, vantagem ou promessa de van­ tagem, a pretexto de influir em ato praticado por servidor público, brasileiro ou estrangeiro, no exercício da função: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Causa de aumento de pena Parágrafo único. Aumenta-se a pena da metade se o agente ale­ ga ou insinua que a vantagem é também destinada ao servidor. Revelação de segredo funcional Art. 7QRevelar fato, relacionado com transação comercial inter­ nacional, de que teve ciência em razão do exercício de função pública e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Receptação Art. 8e Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, bem ou valor que sabe ser vantagem ou produto de crime definido nesta Lei, ou influir para que terceiro, de boa-fé, adquira-os, receba ou oculte: 90

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Crime anterior Parágrafo único. A receptação é punível ainda que desconheci­ do ou inculpável o autor, co-autor ou partícipe do crime de que pro­ veio o bem ou valor. Responsabilidade dos intermediários Art. 9QSem prejuízo das normas da legislação comum sobre o concurso de pessoas, consideram-se também partícipes dos crimes definidos nos artigos anteriores aqueles que intervierem como inter­ mediários da exigência, solicitação, oferecimento, proposta, dádiva ou promessa de vantagem indevida a servidor público. Responsabilidade penal da pessoa jurídica Art. 10. Sem prejuízo de medidas civis e administrativas, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas penalmente pelos delitos definidos nesta Lei nos casos em que o fato tenha sido cometido por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou em benefício de sua entidade. § Ia Quem, de qualquer modo, em nome de pessoa jurídica ou valendo-se dela, concorre dolosamente para a prática de crime pre­ visto nesta Lei, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade, assim como seu presidente, diretor, administrador, membro de conselho ou de órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixa de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. § 2a A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do crime. Art. 11 .As penas aplicáveis, isolada, cumulativa ou alternativa­ mente, às pessoas jurídicas, são: I - multa; II - restritivas de direitos; 91

III - privativas de direitos. Art. 12. A pena de multa deve ser fixada no valor de uma a cinco vezes a importância da transação comercial internacional ob­ jeto do crime. Art. 13. As penas restritivas e privativas de direitos aplicáveis à pessoa jurídica, de acordo com o princípio da conveniência e neces­ sidade, são: I - Fechamento temporário do estabelecimento central, ou de uma ou mais de suasfiliais, por seis meses a cinco anos; II - Proibição temporária de exercer, direta ou indireta­ mente, determinada atividade comercial, financeira, profissio­ nal, social ou empresarial, por seis meses a cinco anos; III - Intervenção judicial, por meio da nomeação de sín­ dico auditor, sob as expensas da pessoa jurídica condenada, visando fiscalizar sua atividade empresarial, por um a dois anos; IV - Interdição temporária do direito de contratar com o Poder Público, por um a cinco anos; V - Interdição temporária do direito de estabelecer, dire­ ta ou indiretamente, transação comercial internacional, por um a cinco anos; VI - Interdição temporária do direito de emitir cheques ou outros títulos de crédito, por seis meses a três anos; VII - Exclusão temporária de marcas ou registros públi­ cos, por um a cinco anos; VIII - Exclusão definitiva de marcas ou registros públicos; IX - Liquidação forçada. § I a Nos casos de interdição temporária de atividades, poderá o magistrado nomear um interventor para salvaguar­ dar os direitos dos trabalhadores e dos credores, pelo tempo necessário, sob as expensas da pessoa jurídica condenada, sem que se exceda o limite do período de suspensão de seu funcionamento. 92

§ 2a Na hipótese de reincidência não poderá ser aplica­ da a mesma pena restritiva de direitos ou de multa imposta na condenação anterior. § 3a No caso de descumprimento injustificado da pena restritiva de direitos ou de não-pagamento da multa pela em­ presa, ou de frustração da execução, caberá substituição da medida por outra mais adequada aosfins da condenação, den­ tre aquelas acima previstas. Liquidação forçada Art. 14. A pessoa jurídica constituída ou utilizada com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, tendo seu patrimônio conside­ rado instrumento do crime e perdido em favor do Fundo Penitenciá­ rio Nacional. Circunstâncias agravantes Art. 15. Além das previstas na legislação comum, configura-se circunstância agravante da pena ter sido o fato cometido para servir a interesses de organização criminosa brasileira ou estrangeira, ou de qualquer de seus membros. Reincidência Parágrafo único. No caso de reincidência na prática de crimes definidos nesta Lei, as penas são aumentadas de um terço. Servidor Público Art. 16. Considera-se servidor público, para o efeito de confi­ guração dos crimes definidos nesta Lei, quem, brasileiro ou estran­ geiro, exerce, embora transitoriamente ou sem remuneração, por elei­ ção, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função de natu­ reza pública nos Poderes Executivo, Judiciário ou Legislativo, nas esferas federal, estadual ou municipal. 93

Missão de serviço público §1“ Considera-se também servidor público qualquer pessoa en­ carregada de cumprir missão de natureza pública. Servidor público por equiparação § 2a Equipara-se a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fun­ dações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob o controle, direto ou indireto, do Poder Público. Causa de aumento de pena § 3aA pena será aumentada da terça parte quando os autores, coautores ou partícipes dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo Poder Público. Transação comercial internacional Art. 17. Consideram-se transações comerciais internacionais as constantes nos contratos: I - que tenham como objeto, direta ou indiretamente, a importa­ ção ou exportação de bens ou serviços; II - de transporte internacional, por qualquer via, de pessoas, cargas, malotes postais, remessas expressas ou qualquer outro bem; III - que impliquem transmissão de informações, por qualquer meio de comunicação, entre pessoas localizadas ou sediadas em países distintos; IV - relativos a empréstimos e quaisquer outras obrigações, ou que possibilitem a circulação de valores de qualquer natureza, cujas partes estejam localizadas ou sediadas em países distintos; V - que tenham como objeto cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações ou valores referidos no in­ ciso IV deste artigo; e 94

VI - quaisquer outros que impliquem produção ou circulação de bens ou serviços cujos elementos o vinculem a mais de um sistema jurídico. Vantagem Art. 18. Constitui vantagem para os efeitos desta Lei: a) todo bem, móvel ou imóvel, tangível ou intangível, ou toda soma de dinheiro, título de propriedade, título de participação ou reconhecimento de dívida, auferidos pelo agente a pretexto de pre­ sente, comissão, porcentagem, gratificação, empréstimo, honorários, recompensa ou comissão; b) todo encargo, emprego, contrato ou sua renovação; c) todo pagamento, liberação, dispensa ou liquidação, no todo ou em parte, de empréstimo ou qualquer outra obrigação; d) qualquer outro serviço ou favor, a título gracioso ou prefe­ rencial, e toda utilização indevida de material ou pessoal; e) o exercício, cumprimento ou abstenção de um direito, poder ou dever; f) todo ato, interesse ou proveito, de qualquer natureza; e g) toda oferta, compromisso ou promessa, sob condição ou não, de proveito referido nas alíneas anteriores. A

Ambito de aplicação Art. 19. Aplica-se esta Lei aos crimes cometidos no território nacional. Parágrafo único. Ficam também sujeitos a esta Lei os crimes, nela descritos, praticados por brasileiro no estrangeiro. Subsidiariedade Art. 20. As normas gerais do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940) e do Código de Processo Penal (Decretolei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941), e suas modificações, são apli­ cáveis subsidiariamente aos crimes definidos nesta Lei. 95

Ação penal Art. 21. A ação penal por crime descrito nesta Lei segue os ritos estabelecidos no Código de Processo Penal (Decreto-lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941) e suas alterações. Crime de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores Art. 22. O art. 1Qda Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, fica acrescido de um inciso VIII, com a seguinte redação: “VIII - de concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, pa­ trocínio indevido, tráfico de influência e receptação relacionados ou cometidos em transação comercial internacional”. Vigência Art. 23. Esta Lei entra em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação.

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJETO DE LEI SOBRE CRIMES DE CORRUPÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS ELABORADO PELO COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS A PEDIDO DAS NAÇÕES UNIDAS E ENTREGUE AO GOVERNO BRASILEIRO 1. Em abril de 1998, durante a realização do 7a Período de Ses­ sões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, em Viena, o Dr. Jean-Paul Laborde, Consultor Inter-regional da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, na presença da Dra. Sandra Valle, então Secretária Nacional de Justiça do Brasil, solicitou ao Complexo Jurídico Damásio de Jesus, estabe­ lecido em São Paulo, na pessoa de seu Presidente, Prof. Damásio E. de Jesus, a elaboração de um Projeto de Lei sobre Crimes de Corrupção nas Transações Comerciais Internacionais, fato que rece­ beu aprovação do Ministério da Justiça. Para a elaboração do Projeto de Lei, o Complexo Jurídico Damásio de Jesus constituiu Comissão integrada pelos seus seguin­ tes professores: Drs. José Eduardo Martins Cardozo, Cássio Juvenal Faria, Fernando Capez, Victor Eduardo Rios Gonçalves, Gianpaolo P. Smanio, Luiz Fernando Vaggione, Rodrigo C. R. Pinho, Elaine B. R. dos Santos, Cláudio Ferraz de Alvarenga, Ricardo Bemardi e Damásio E. de Jesus, que a presidiu. Terminada essa fase, de que resultou um esboço de Projeto de Lei, foi constituída uma Comissão Revisora, que lhe deu redação final, integrada pelos professores Drs. Cássio Juvenal Faria, Rodrigo C. R. Pinho, Elaine B. R. dos Santos, 97

Ricardo Bemardi, João Nivaldo Melchiori Bolognesi e Damásio E. de Jesus, que a presidiu. 2. O Projeto levou em consideração: 1Q) o Modelo de Lei sobre a Corrupção elaborado pelas Nações Unidas (Model Law on Corruption, Escritório das Nações Unidas, Centro Internacional de Prevenção do Crime, Viena, 1997); 2Q) a Convenção Interamericana contra a Corrupção, da OEA, adotada pela Conferência Especializada sobre o Projeto de Conven­ ção Interamericana contra a Corrupção, realizada em Caracas, Venezuela, em 29 de março de 1996, firmada pelo Brasil na mesma data e em vigor a partir de 6 de março de 1997; e 3Q) a Convenção da Organização para a Cooperação e Desen­ volvimento Econômico (OCDE) sobre o Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais In­ ternacionais, adotada em 17 de dezembro de 1997, em Paris, e firma­ da pelo Brasil na mesma data. As disposições do Projeto, entretanto, não são cópia das nor­ mas do Modelo e das mencionadas Convenções, embora tenha pro­ curado orientar-se conforme as recomendações da Convenção da OCDE. Quanto ao Modelo, algumas de suas normas não são adaptá­ veis à nossa legislação. No tocante às convenções, não são idênticos os princípios contidos nos dois diplomas. Em muitos casos, repelem-se. Em outros, há dificuldade de adaptação de suas regras à nossa legislação constitucional e ordinária. Por fim, considerando tratar-se de lei especial a respeito de crimes de corrupção nas transações co­ merciais “internacionais”, inseridos no contexto da criminalidade or­ ganizada “transnacional”, a Comissão Revisora preferiu maior abran­ gência da pretensão punitiva, especialmente no terreno dos destinatá­ rios das normas incriminadoras, como ficará consignado. No tema da eficácia territorial e pessoal das normas incrimi­ nadoras, o Projeto de Lei é mais abrangente do que a Convenção da OCDE, anotando-se que, no seio dessa organização, vários instru­ mentos futuros estão em fase de estudo, no sentido da extensão da 98

punição penal128. Assim, o Projeto antecipa-se a esses instrumentos, fornecendo prevenção e repressão adequadas ao estado atual do mun­ do contemporâneo em face do fenômeno da globalização. 3 .0 Projeto de Lei não apresenta uma Parte Geral, com normas explicativas e complementares, e outra Especial, definindo crimes e impondo penas, como ocorre no Código Penal. A Parte Geral é des­ necessária, nos termos do art. 12 do Código Penal, ao preceituar que suas regras gerais são aplicáveis aos fatos incriminados por lei espe­ cial, se esta não dispõe de modo diverso. Assim, as disposições con­ tidas nos arts. 1Qa 120 do Código Penal (Parte Geral) e as nãoincriminadoras previstas em sua Parte Especial são aplicáveis aos delitos de corrupção comercial internacional, salvo exceção expres­ sa. Exs.: as normas sobre a eficácia espacial e temporal da lei, dolo, tentativa, erro de tipo e de proibição, concurso de pessoas, aplicação da pena, livramento condicional, extinção da punibilidade etc. se es­ tendem aos crimes de corrupção nas transações comerciais interna­ cionais. Quando o Código e a Lei especial ditarem regras gerais di­ versas sobre o mesmo assunto, o conflito aparente de normas será solucionado pelo princípio da especialidade: a regra contida na Lei dos Crimes de Corrupção Comercial Internacional prevalecerá sobre a determinada pelo estatuto repressivo. Da mesma forma, o Código de Processo Penal tem aplicação subsidiária aos institutos discipli­ nados no Projeto de Lei. 4. No tocante ao tema da “eficácia espacial”, a lei penal é institu­ ída para viger dentro dos limites em que o Estado exerce a sua sobera­ nia. Como cada Estado possui seu próprio império legal, surge o pro­ blema da delimitação espacial do âmbito de eficácia da legislação pe­ nal. Estamos em face do denominado Direito Penal Internacional, que se refere ao estudo do modo pelo qual um determinado ordenamento jurídico interno provê, com referência à matéria penal, a solução dos problemas impostos ao Estado, do qual emana, em virtude de sua co­ existência com outros membros da comunidade internacional.

12i! MARK PUETH, O suborno transnational, paper apresentado no Workshop on Combating Bribery in Business Transactions, Buenos Aires, Argentina, setembro de 1998, p. 5.

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São cinco os princípios que regem a aplicação da lei penal no espaço: 1Q) da territorialidade; 2a) da nacionalidade; 3a) da defesa; 4Q) da justiça penal universal; e 5Q) da representação. De acordo com o princípio da territorialidade, a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a determinou, sem atender à nacionalidade do sujeito ativo do delito ou do titular do bem jurídi­ co lesado. Nos termos da nacionalidade, a lei penal do Estado é aplicável a seus cidadãos onde quer que se encontrem. Divide-se em: a) prin­ cípio da nacionalidade ativa; b) princípio da nacionalidade passiva. Para o primeiro, aplica-se a lei nacional ao cidadão que comete cri­ me no estrangeiro, independentemente da nacionalidade do sujeito passivo. O princípio da nacionalidade passiva exige que o fato prati­ cado pelo nacional no estrangeiro atinja um bem jurídico de seu pró­ prio Estado ou de um co-cidadão. Para o princípio real ou da defesa, leva em conta a nacionalida­ de do bem jurídico lesado pelo crime, independentemente do local de sua prática ou da nacionalidade do sujeito ativo. O princípio da justiça penal universal preconiza o poder de cada Estado de punir qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do delinqüente e da vítima, ou o local de sua prática. Nos termos do princípio da representação, a lei penal de deter­ minado país é também aplicável aos delitos cometidos em aeronaves e embarcações privadas, quando realizados no estrangeiro e aí não venham a ser julgados. Nosso Código Penal adotou a territorialidade como regra e os outros princípios como exceção: Ia) da territorialidade: art. 5a (re­ gra); 2a) real ou de proteção: art. 7a, I, e § 3a; 3a) da justiça universal: art. 7a, II, a; 4a) da nacionalidade ativa: art. 7a, n , b\ 5a) da represen­ tação: art. 7a , II, c (exceções). 100

O princípio da territorialidade foi adotado como regra pela Con­ venção Interamericana contra a Corrupção (art. V, n. 1) e pela Con­ venção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco­ nômico sobre Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais (art. 4, n. 1). A personalidade ou nacionalidade ativa também está consigna­ da como princípio reitor nas referidas convenções (Convenção da OEA, art. V, n. 2; Convenção da OCDE, art. 4, n. 2). Na Convenção da OCDE, sua adoção é obrigatória, desde que prevista a extraterritorialidade na legislação interna do país contratante (“Cada parte... adotará.”). Na Convenção da OEA, é facultativa (“Cada Estado-partt...poderá adotar.”). Em face da duplicidade de orientação, o Projeto, acatando o critério da Convenção da OEA e da Convenção da OCDE, adotou como regra o princípio da territorialidade. Como exceção, de forma subsidiária, acatou o princípio da personalidade ativa, nos termos do art. 4, n. 2, da Convenção da OCDE, uma vez que o Brasil possui dispositivo que permite a punição de nacional por crime cometido fora de nosso território129. Como esclareceu MARK PIETH, na Con­ venção da OCDE a territorialidade “foi completada pelo princípio pessoal e, desta maneira, os Estados contratantes podem perseguir seus nacionais por delitos cometidos no estrangeiro”130. Assim, co­ metido o delito descrito na lei especial fora de nosso território, de aplicar-se, em princípio, a lei penal do outro país. Exemplo: pratica­ do um crime de corrupção funcional ativa ou passiva por um brasi­ leiro em Miami, nos Estados Unidos, em transação comercial envol­ vendo contratantes dos dois países, de incidir a lei penal americana, já existente (a Foreign Corrupt Practices Act, FCPA). Não há impe­ dimento, entretanto, a que o brasileiro seja também processado em face de nossa legislação, incidindo o princípio da personalidade ati­ va, admitido em nossa legislação criminal e previsto no art. 42.2 do

129 CP, art. 7a, I,c, e ll, £>. 130 MARK PIETH, O subomo transnational, paper apresentado no Workshop on Combating Bribery in Business Transactions, Buenos Aires, Argentina, setembro de 1998, p. 5.

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Modelo de Lei contra a Corrupção da ONU (Código Penal brasileiro, artigo por último citado). A não ser dessa forma, bastaria ao nacional, para fugir das malhas da lei penal brasileira, anunciar a oferta de su­ borno ao servidor público americano em Miami e não no Brasil. 5. Na questão da “eficácia pessoal da lei penal”, um dos sujei­ tos ativos dos crimes definidos no Projeto de Lei é o servidor público “brasileiro ou estrangeiro”, na esteira da Convenção da OEA, ao re­ comendar “medidas que impeçam o suborno de funcionários públi­ cos nacionais e estrangeiros” (“nacionais e residentes”), nos termos do art. Hl, n. 10, e da Convenção da OCDE, que menciona “qualquer pessoa” como autora dos fatos incriminados (art. 1, n. 1). A Convenção da OCDE, em sua feição original, trata exclusi­ vamente da corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros (art. 1, n. 1). Cuidando-se de corrupção ativa de servidor público nacional, aplica-se, em princípio, ao corruptor, segundo a Conven­ ção, a lei penal do país em que o fato foi cometido. Quanto ao funcio­ nário, incide a norma penal de seu país de origem (MARK PIETH, artigo citado). Em Paris, entretanto, o Grupo de Peritos da OCDE, no Seminário de Paris de Combate à Corrupção de Funcionários Públi­ cos, realizado de 29 de março a 1Qde abril de 1999, consignou em suas recomendações a punição de “todas as formas de corrupção”. Durante as discussões, a recomendação mencionava a “corrupção ativa e passiva”, expressão substituída a final pela fórmula genérica. De maneira que a locução “todas as formas de corrupção” abrange a ativa e a passiva, aplicando-se a incriminação ao servidor e ao parti­ cular. Por isso, a Comissão resolveu determinar princípio segundo o qual convém aplicar-se a lei especial ainda que seja brasileiro o ser­ vidor público corruptor ou corrompido. Além disso, a lei brasileira alcança também o funcionário público estrangeiro que, em nosso território, comete corrupção. Para a Comissão, mostram-se inadequadas as soluções de, na corrupção ativa, tendo como subornado servidor público brasileiro, e na passiva, cometida por servidor público brasileiro, aplicar-se o Código Penal e não a lei especial. Seria estranho que num crime de corrupção mediante concurso de várias pessoas, algumas fossem sub­ metidas à lei especial e outras ao Código Penal. Considerou-se cor102

reto o princípio de, tratando-se de corrupção em transação comercial internacional em nosso território, sendo brasileiro o servidor público corruptor ou corrompido (ou seja, ativa ou passiva a forma típica), incidir também a lei especial nacional. Caberá, contudo, ao Ministé­ rio da Justiça e ao Congresso Nacional a tarefa de referendar ou alte­ rar essa posição estabelecida no Projeto. 6. A Comissão preocupou-se com o conceito de transação co­ mercial internacional. Tomando-se como base o Decreto n. 857/69, que disciplina, no Brasil, a utilização de moeda estrangeira em con­ tratos, podemos inferir alguns elementos que caracterizam uma de­ terminada transação como internacional: a) Contratos de importação ou exportação de mercadorias; b) Empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, exceto os contratos de locação de imóveis situados no território nacional; e c) Contratos que tenham por objeto cessão, transferência, dele­ gação, assunção ou modificação das obrigações cujo credor ou deve­ dor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, exceto os de lo­ cação de imóveis localizados no território nacional. Em face dessas considerações, as transações comerciais inter­ nacionais foram conceituadas da seguinte forma: “Consideram-se transações comerciais internacionais as cons­ tantes nos contratos: I - que tenham como objeto, direta ou indiretamente, a importa­ ção ou exportação de bens ou serviços; 13 - de transporte internacional, por qualquer via, de pessoas, cargas, malotes postais, remessas expressas ou qualquer outro bem; Hl - que impliquem transmissão de informações, por qualquer meio de comunicação, entre pessoas localizadas ou sediadas em países distintos; IV - relativos a empréstimos e quaisquer outras obrigações, ou que possibilitem a circulação de valores de qualquer natureza, cujas partes estejam localizadas ou sediadas em países distintos; V - que tenham como objeto cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações ou valores referidos no in­ ciso IV deste artigo; e 103

VI - quaisquer outros que impliquem a produção ou circulação de bens ou serviços cujos elementos os vinculem a mais de um siste­ ma jurídico”. 7. Como é sabido, existem duas espécies de corrupção: Ia) ativa, quando se tem em mira a figura do corruptor; e 2a) passiva, em face da figura do servidor público corrupto, de­ finida internacionalmente como “abuso do poder público para obter ganhos privados”131. Trata-se de hipótese de concurso de pessoas entre o corruptor e o corrompido. Nas várias legislações penais, há duas maneiras de conceituação típica do fato: Ia) descrição de um só delito, aparecendo os dois sujeitos como co-autores (crime de concurso necessário); 2a) formulação típica de dois delitos, um para cada participante do fato. Nosso Código Penal adotou a segunda posição, descrevendo a corrupção passiva (do funcionário) e a ativa (do terceiro) em disposi­ tivos diversos: “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indireta­ mente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (corrupção passiva, art. 317, caput); “Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário públi­ co, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (corrupção ativa, art. 333, caput). Cuida-se de caso de exceção pluralista ao princípio unitário que norteia o concurso de pessoas (Código Penal, art. 29). Poderia haver um só delito para corruptor e corrupto. O legislador brasileiro, entre­ tanto, para que uma infração não dependa da outra, podendo punir separadamente os dois sujeitos, ou um só, descreve dois delitos. A Comissão entendeu que só as definições dos crimes de corrupção ativa e passiva seriam insuficientes para cobrir toda a gama

131FRANK VOGL, Vice-Presidente da Transparência Internacional, Folha de S.Paulo, 23 set. 1998, Caderno 1, p. 9.

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de infrações que envolvem a improbidade funcional no que tange às transações comerciais internacionais. Como consta das “Medidas práticas contra a corrupção” recomendadas pelas Nações Unidas, “convém ficar claro que a sociedade e o Governo estão também ex­ postos a outras formas de comportamento que, muito embora não possam ser facilmente qualificadas como suborno, causam igualmente graves perigos” (Revista Internacional de Política Criminal, Nações Unidas, Nova York, 1993, ns. 41 e 43, p. 2). Realmente, a experiên­ cia demonstra que existe uma gama de condutas delituosas que, não se inserindo na adequação típica da corrupção ativa ou passiva, gravita em tomo do comportamento delituoso do servidor público suborna­ do (CHERYL W. GRAY e DANIEL KAUFMANN, Corruption and development, Fmance & Development, março de 1998, p. 7). Nessa linha de pensamento, o Grupo de Peritos da OCDE, no Seminário de Paris de Combate à Corrupção de Funcionários Públicos, realizado de 29 de março a 1Qde abril de 1999, recomendou a punição dos crimes correlatos à corrupção funcional, como o tráfico de influên­ cia. Por isso, a Comissão introduziu no Projeto outros delitos, simi­ lares ou paralelos à corrupção, que normalmente lesam a Adminis­ tração Pública e o normal desenvolvimento das transações comerci­ ais internacionais: concussão, patrocínio indevido, tráfico de influ­ ência, violação de segredo funcional e receptação. O funcionário público, muitas vezes, em vez de simplesmente solicitar vantagem indevida, exige-a. Daí a definição do crime de concussão, em que o autor, valendo-se da qualidade funcional, exige vantagem indevida para realizar ou não ato de ofício. Em outros casos, patrocina, de forma direta ou indireta, interesse de terceiro perante a Administra­ ção Pública (patrocínio indevido). E não é raro que o particular ve­ nha a solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, em tran­ sação comercial internacional, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por servidor público no exercício da função (tráfico de influência). Outras vezes, revela segredo funcio­ nal, causando dano à Administração Pública. E não poderia ser esque­ cida a receptação, que recebeu a seguinte definição: “Adquirir, receber ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, bem ou valor que sabe ser vantagem ou produto de crime definido nesta Lei, ou influir para que terceiro, de boa-fé, os adquira, receba ou oculte”. 105

8. De acordo com a doutrina e jurisprudência brasileiras, nem todas as coisas, como dádivas, presentes ou recompensas, podem ser consideradas objeto material de corrupção. Assim, as gratificações comuns, de pequena importância econômica, em forma de gratidão em face da correção de atitude de um funcionário, não integram o delito. Por exemplo: as “boas-festas” de Natal ou Ano Novo. Em alguns casos, de ver-se que não há da parte do servidor consciência de estar aceitando uma retribuição pela prática de um ato de ofício, que é essencial ao dolo de corrupção. Em outros, entretanto, a dádiva pode estar disfarçando retribuição ilícita por um indevido ato de ofí­ cio. É possível ainda que o presente seja de pequeno valor econômi­ co, mas coloque o servidor público em situação próxima ou futura de conceder tratamento preferencial ou privilegiado ao ofertante ou ter­ ceiro. É uma questão de fato, a ser apurada caso por caso. Diante disso, o Projeto dispõe que não são considerados atos de corrupção a oferta ou recebimento de bem ou vantagem de pequeno valor econô­ mico na ocasião de manifestações normais de civilidade, salvo se colocarem o funcionário público na obrigação moral de conceder tratamento preferencial ou especial ao ofertante ou terceiro em tran­ sação comercial internacional. 9. Um dos sujeitos ativos principais dos crimes definidos no Projeto é o “servidor público”. Preferiu-se essa expressão à elemen­ tar “funcionário público” empregada no art. 327 do Código Penal, fonte de infindáveis críticas e dúvidas de interpretação132. Adotado pelo legislador constitucional133, o termo “servidor “ é recomendado pela doutrina em face de sua abrangência, estendendo-se a todos que estão ligados à Administração Pública por uma relação de caráter

132TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, Tratado de Direito Administrati­ vo, v. IV, p. 59; ALBERTO SILVA FRANCO et al., Código Penal e sua interpreta­ çãojurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, nota ao art. 327; DAMÁSIO E. DE JESUS, Código Penal anotado, 12. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, notas ao art. 327; ELOY OJEA GOMES, Lei n. 9.437/97: quem é servidor público?,Boletim do IBCCrim, São Paulo, 70/7, set. 1998. 133Carta Magna, arts. 37 a 43.

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profissional134. A Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, alterando a redação dos arts. 37, V, X e XIV, 38,caput, e 39, §§ 22 e 8a, da Constituição Federal, consagra a expressão “servidor pú­ blico”. Para efeitos do Projeto de Lei, o servidor público pode ser brasileiro ou estrangeiro (Convenção da OCDE, art. 1, n. 4). 10.0 Projeto de Lei prevê a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em consonância com as recomendações da OCDE (art. 2). Nesse passo, foram adotadas, em parte e com alterações, normas da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que disciplina a responsabi­ lidade das pessoas jurídicas por crimes contra o meio ambiente. Para a Comissão, não configura obstáculo à responsabilidade da pessoa jurídica por crimes funcionais e correlatos o disposto nos arts. 173, § 5a, e 225, § 3a, da Constituição Federal, que mencionam delitos con­ tra a ordem financeira e econômica, a economia popular e contra o meio ambiente. Essas normas, segundo a Comissão, cuidam de princí­ pios programáticos, não constituindo regras proibitivas ou restritivas de extensão punitiva. O Projeto não excepciona da responsabibdade penal as pessoas jurídicas de Direito Púbüco, deixando esse tema para apreciação do Ministério da Justiça e do Congresso Nacional. 11. No tocante à “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valo­ res oriundos de crimes funcionais e correlatos cometidos nas transações comerciais internacionais o Projeto prevê a apbcação da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro). Para tanto, prevê extensão da aplicação da referida Lei aos debtos de corrupção e correlatos cometidos nas transações comerciais internacionais. 12. O Projeto não traz norma quanto à competência. Será, em regra, por apbcação da legislação processual penal, no tocante aos debtos definidos no Projeto de Lei, da Justiça Comum; excepcional­ mente, da Justiça Federal. Ocorre que esta emana da Constituição Federal, não sendo possível sua ampbação por norma ordinária. As­ sim, nos casos concretos, se o debto for cometido em detrimento de

134CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, Regime constitucional dos servi­ dores da Administração Direta e Indireta, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 50-51.

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bens, serviços ou interesse da União, a competência será da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da Carta Magna. Fora disso, como, v. g„ na hipótese de crime praticado em prejuízo de interesse ou bens de Estado, a competência será da Justiça Estadual Comum. 13. O Projeto não contém norma a respeito da “revogação das disposições em contrário”, uma vez que trata de matéria nova em nossa legislação. É desnecessária e em desacordo com o art. 9o da Lei Complementar n. 95, de 8 de fevereiro de 1998, que recomenda: “Quando necessária a cláusula de revogação, esta deverá indicar ex­ pressamente as leis ou disposições legais revogadas”. 14. É previsto prazo razoável de vacatio legis (seis meses), atento ao art. 82 da Lei Complementar n. 95/98, que recomenda: “A vigên­ cia da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reserva­ da a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para leis de pequena repercussão”. 15. No final da Segunda Grande Guerra Mundial diversos paí­ ses tiveram um encontro em Bretton-Woods para instituir uma Orga­ nização Internacional de Comércio (OIT), no sentido de estabelecer normas comuns de comércio. Em face de motivos de ordem política, esta entidade internacional somente organizou-se em 1947, tendo sido firmado o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, conhecido como GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Este, junto ao FMI e ao Banco Mundial, formaram o tripé de uma nova ordem econômica pós-guerra135. Somente em 1995 firmou-se a Organiza­ ção Mundial do Comércio, com a função precípua de servir de ins­ trumento regulador das normas sobre o comércio internacional, de quem a corrupção é também inimiga. Como disse FRANK VOGL, Vice-Presidente da International Transparency, “se o pagamento de propinas transformar-se em crime em vários países e se a lei for cum­ prida e monitorada, veremos mudanças no comportamento das pes­ soas e das corporações”136. 0 Projeto de Lei, descrevendo crimes de

135FLÁVIA ECKARDT, Organização Mundial do Comércio: novas diretrizes para o comércio internacional, Critica, Rio de Janeiro, p. 17, abr. 1998. 136Folha de S.Paulo, 23 set. 1998, Caderno 1, p. 9.

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corrupção funcional e outros a eles relacionados, pretende colaborar com o normal desenvolvimento das transações comerciais interna­ cionais, assegurando, com isso, maior segurança na efetivação das normas que se dirigem ao fortalecimento e crescimento das econo­ mias internas e do estreitamento das relações transnacionais.

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RAZÕES DA NECESSIDADE DA INTRODUÇÃO NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NAS TRANSAÇÕES COMERCIAIS INTERNACIONAIS E CORRELATOS COM REFERÊNCIA AO PROJETO DE LEI137 SOLICITADO AO COMPLEXO JURÍDICO DAMÁSIO DE JESUS PELAS NAÇÕES UNIDAS O Brasil obrigou-se, na Convenção da Organização para a Coope­ ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a “revisar suas bases de atuação na luta contra o suborno de funcionários públicos estrangeiros” (art. 4, n. 4), o que inclui a atualização da nossa legislação penal. Hoje, além do Brasil, poucos são os países que possuem lei específica a respeito da corrupção nas transações comerciais inter­ nacionais, como é também o caso dos Estados Unidos (Foreign Corrupt Practices Ací). O Brasil está melhorando sua posição no ranking internacional da corrupção. A introdução de normas especiais em nossa legisla­ ção, nos moldes recomendados pelo Modelo de Lei contra a Corrupção, das Nações Unidas, da Convenção da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Convenção da OCDE, melhora nossa posição perante a Transparência Internacional138.

137Projeto de Lei elaborado em outubro de 1998. 138 A Transparência Internacional, em 2002, de 0 a 10, deu nota 4 ao Brasil em pesquisa realizada em 21 países (Agência Câmara, Câmara dos Deputados, Brasília, www.camara.gov.br. 8-8-2002).

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O Código Penal vigente, embora nele encontremos figuras típi­ cas em que se possa enquadrar a corrupção funcional (arts. 317 e 333), não é suficientemente preciso, atualizado, abrangente e claro para permitir a punição de todos os fatos inseridos no contexto do suborno nas transações comerciais internacionais139, a saber: 1Q) A expressão “funcionário público” do art. 327 do Código Penal tem-se prestado a intermináveis controvérsias de interpreta­ ção, principalmente em face dos parágrafos da disposição. O Projeto elaborado pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus emprega a ex­ pressão “servidor público”, que é adotada pelo legislador constituci­ onal (Carta Magna, arts. 37 a 43). O termo “servidor” é recomenda­ do pela doutrina em face de sua abrangência, estendendo-se a todos que estão ligados à Administração Pública por uma relação de cará­ ter profissional. E a Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de 1998, alterando a redação dos arts. 37, V, X e XIV, 38,caput, e 39, §§ 2Qe 8Q, da Constituição Federal, consagra a expressão “servidor pú­ blico”. O Projeto que apresentamos ao Ministério da Justiça apre­ senta dispositivo de maior clareza e abrangência: “Art. 11. Considera-se servidor público, para os efeitos desta Lei, quem exerce, embora transitoriamente ou sem re­ muneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função de natureza pública. Missão de serviço público § I o Considera-se também servidor público qualquer pessoa encarregada de missão de natureza pública.

139O Secretário-Geral da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, no 72 Período de Sessões, realizado em Viena de 21 a 30 de abril de 1998, em seu Relatório, informou no item “exame da suficiência das leis nacionais” que a maio­ ria dos países havia respondido que a introdução do crime de corrupção de funcioná­ rios públicos estrangeiros nas transações comerciais internacionais em sua legislação requeria inúmeras “emendas” em suas codificações (NAÇÕES UNIDAS, Promoción y mantenimiento dei império de la ley: medidas contra la corrupción y el sobomo, Relatório do Secretário-Geral, 7a Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal, Viena, 21 a 30 de abril de 1998, n. 9, p. 3).

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Servidor público por equiparação § 2aEquipara-se a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim considera­ das, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob o controle, direto ou indireto, do Poder Público 2a) A expressão “vantagem” contida nas definições dos crimes de corrupção (arts. 317 e 333 do Código Penal, além de outros) é também ponto de controvérsia, existindo posição no sentido de refe­ rir-se exclusivamente a vantagem “material”, não havendo delito quando se trata de benefício imaterial. Assim, como dizia NÉLSON HUNGRIA, “a indébita vantagem solicitada, recebida ou prometida há de ter caráter patrimonial: dinheiro ou qualquer utilidade mate­ rial”140. Em sentido contrário, entende-se que a vantagem pode ser de qualquer natureza141. Essa diversidade de orientação enfraquece a norma incriminadora e dificulta a punição. No Projeto do CJDJ142, o conceito é amplo, abrangendo qualquer tipo de proveito: “Art. 13. Constitui vantagem para os efeitos desta Lei: a) todo bem, móvel ou imóvel, tangível ou intangível, ou toda soma de dinheiro, título de propriedade, título de partici­ pação ou reconhecimento de dívida, auferidos pelo agente a pretexto de presente, comissão, porcentagem, gratificação, empréstimo, honorário, recompensa ou comissão; b) todo encargo, emprego ou contrato; c) todo pagamento, liberação, dispensa ou liquidação, no todo ou em parte, de empréstimo ou qualquer outra obrigação;

140NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. IX, p. 368. 141ALBERTO SELVA FRANCO et al., Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.00 (nota de RUI STOCO ao art. 317). 142Complexo Jurídico Damásio de Jesus.

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d) qualquer outro serviço ou favor, a título gracioso ou preferencial, e toda utilização indevida de material ou pessoal; e) o exercício, cumprimento ou abstenção de um direito, poder ou dever; f) todo ato, interesse ou proveito, de qualquer natureza; e g) toda oferta, compromisso ou promessa, sob condição ou não, de proveito referido nas alíneas anteriores 3Q) Nossa legislação não conceitua “transação comercial interna­ cional”, o que pode dificultar a adequação típica. O Projeto a define: “Art. 12. Consideram-se transações comerciais interna­ cionais os contratos: I - que tenham como objeto, direta ou indiretamente, a importação ou exportação de bens ou serviços; II-d e transporte internacional, por qualquer via, de pes­ soas, cargas, malotes postais, remessas expressas ou qualquer outro bem; III- que impliquem transmissão de informações, por qual­ quer meio de comunicação, entre pessoas localizadas ou sediadas em países distintos; IV - relativos a empréstimos e quaisquer outras obriga­ ções, ou que possibilitem a circulação de valores de qualquer natureza, cujas partes estejam localizadas ou sediadas em países distintos; V - que tenham como objeto cessão, transferência, dele­ gação, assunção ou modificação das obrigações ou valores referidos no inciso IV deste artigo; e VI - quaisquer outros que impliquem produção ou circu­ lação de bens ou serviços cujos elementos o vinculem a mais de um sistema jurídico 4Q) Hoje, em face de nossa legislação, dádivas a servidores pú­ blicos podem ficar impuníveis sob o argumento de consistirem “atos de gratidão e civilidade” (NÉLSON HUNGRIA, MAGALHÃES 113

NORONHA, CELSO DELMANTO e HELENO CLÁUDIO FRAGOSO). Como já foi decidido, “excluem-se da incriminação de corrupção pequenas doações ocasionais, recebidas pelo funcionário, em razão de suas funções” (ALBERTO SILVA FRANCO et al.)143. Esses fatos muitas vezes encobertam corrupção. O Projeto do CJDJ trata do assunto: “Atos impuníveis Art. 4aNão são considerados atos de corrupção a oferta ou recebimento de bem ou vantagem de pequeno valor econô­ mico por ocasião de manifestações normais de civilidade, salvo se colocarem o servidor público na obrigação moral de con­ ceder tratamento preferencial ou especial ao ofertante ou a terceiro em transação comercial internacional”. O dispositivo enseja ao luiz distinguir “atos de gratidão e civi­ lidade” da corrupção, permitindo conveniente adequação típica do fato concreto ao modelo legal. Em suma, o Projeto vem sanar omissões da nossa legislação criminal no que tange à punição do crime de corrupção funcional nas transações comerciais internacionais.

143ALBERTO SILVA FRANCO et al., Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo: Revista dos Tribunais, nota 2.00 ao art. 317 do Código Penal.

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS N. 39 DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA BRASÍLIA, 08 DE FEVEREIRO DE 2001 Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Submeto à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que “acrescenta dispositivos ao Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, e ao art. Ia da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998”. 2. A presente proposta objetiva tipificar condutas e cominar-lhes penas adequadas para implementar as regras de natureza penal cons­ tantes da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Púbbcos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, con­ cluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997, aprovada pelo Congres­ so Nacional pelo Decreto Legislativo n. 125, de 14 de junho de 2000, e promulgada pelo Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000. 3. Com fulcro no art. Ia da referida Convenção, “cada Parte deverá tomar as medidas necessárias ao estabelecimento de que, se­ gundo suas leis, é delito criminal qualquer pessoa intencionalmente oferecer, prometer ou dar qualquer vantagem pecuniária indevida ou de outra natureza, seja diretamente ou por intermediários, a um fun­ cionário público estrangeiro, para esse funcionário ou para terceiros, causando a ação ou a omissão do funcionário no desempenho de suas funções oficiais, com a finalidade de realizar ou dificultar tran­ sações ou obter vantagem ilícita na condução de negócios interna­ cionais”. Igualmente, deverão adotar medidas para considerar delito a cumplicidade, inclusive por incitamento, auxílio ou encorajamento, ou a autorização de ato de corrupção e a tentativa e a conspiração 115

para subornar funcionário público estrangeiro, essas últimas na mes­ ma medida em que o são a tentativa e conspiração para corrupção de funcionário público dessa Parte. 4. “Qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, admi­ nistrativo ou jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça função pública para um país es­ trangeiro, inclusive para representação ou empresa pública; e qual­ quer funcionário ou representante de organização pública interna­ cional” são considerados funcionário público estrangeiro para os fins da Convenção (§ 4 do artigo 1). 5. A corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá ser punida com penas criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas, comparáveis às aplicadas à corrupção do próprio funcionário públi­ co da Parte, devendo, no caso de pessoas físicas, incluir a privação de liberdade por período suficiente para permitir a efetiva assistência jurídica recíproca e a extradição (artigo 3). 6. Cada Parte se compromete, também, a adotar as medidas necessárias para que o suborno e o produto da corrupção de um fun­ cionário estrangeiro ou o valor dos bens correspondentes a tal produ­ to sejam sujeitos a retenção e confisco ou a sanções financeiras de efeito equivalente. 7. A Parte que tomou o delito de corrupção para seu próprio fun­ cionário público um delito declarado com o propósito da aplicação de sua legislação sobre lavagem de dinheiro deverá adotar igual procedi­ mento em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, sem considerar o local de ocorrência da corrupção (artigo 8). 8. Diante do compromisso internacionalmente assumido, e ten­ do em vista que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, a teor do art. 5a, XXXIX, da Carta Polí­ tica, é indispensável que o Brasil, para efetivamente coibir os delitos de “corrupção de funcionário público estrangeiro”, como denomina­ dos pelo § 3 do artigo 1 da mencionada Convenção, edite diploma legal tipificando condutas e as penas a elas cominadas, com obser­ vância das rezas do Acordo firmado. 9. Por isso, a proposta inclui no Código Penal o Capítulo “Dos crimes praticados por particular contra a administração pública es­ 116

trangeira”, após o Capítulo “Dos crimes praticados por particular contra a administração pública em geral”, para manter a coerência do sistema codificado. As condutas descritas nos novos tipos e as penas a elas cominadas guardam simetria com o tratamento adotado para a corrupção de funcionários públicos nacionais praticada por particulares, como, aliás, previu a Convenção. 10. Além disso, o Projeto inclui entre as hipóteses previstas na Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, que “dispõe sobre os crimes de lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), e dá ou­ tras providências, os crimes praticados por particular contra a admi­ nistração pública estrangeira, também em atendimento ao Acordo. 11. Este, Senhor Presidente, o projeto que ora submeto ao ele­ vado descortino de Vossa Excelência, cônscio de que, com a adoção das normas nele contidas e valendo-se da legislação penal vigente, estará o Brasil apto a combater a corrupção difundida nas transações comerciais internacionais. Respeitosamente, José Gregori, Ministro de Estado da Justiça.

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LEI N. 10.467, DE 11 DE JUNHO DE 2002144 Acrescenta o Capítulo II-A ao Título X I do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, e dispositivo à Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, que ‘dispõe sobre os crimes de 'lavagem'ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do Siste­ ma Financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei, cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. Ia Esta Lei visa dar efetividade ao Decreto n. 3.678, de 30 de novembro de 2000, que promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997. Art. 2a O Título XI do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo II-A: “ T ítu lo

XI

II-A DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA C a pítu lo

144Publicada no Diário Oficial da União de 12 de junho de 2002.

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Corrupção ativa em transação comercial internacional Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indireta­ mente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial inter­ nacional: Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica in­ fringindo dever funcional. Tráfico de influência em transação comercial internacional Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcio­ nário público estrangeiro no exercício de suas funções, rela­ cionado a transação comercial internacional: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro. Funcionário público estrangeiro Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangei­ ro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função públi­ ca em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público es­ trangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empre­ sas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas in­ ternacionais”. 119

Art. 3QO art. 1Qda Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VIII: “Art. I2........................................................................... Vin - praticado por particular contra a administração pú­ blica estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal). ..............................................................................” (NR). Art. 42 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 11 de junho de 2002; 1812da Independência e 1142 da República.

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